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Sexta-feira, 23 de Maio de 1997 I Série - Número 75

DIÁRIO da Assembleia da República

VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 22 DE MAIO DE 1997

Presidente: Ex.mo. Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex.mos. Srs.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Maria Luísa Lourenço Ferreira
João Cerveira Corregedor da Fonseca

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação dos projectos de lei n.ºs 367 a 372/VII, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia (Os Verdes) falou sobre a decisão do Governo de não construir a incineradora de resíduos industriais de Estarreja e, depois, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. deputados Nuno Abecasis (CDS-PP), Aníbal Gouveia (PS), Rúben de Carvalho (PCP) e Natalina de Moura (PS).
O Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes (PS) referiu-se à Expo 98, no momento em que falta um ano para a sua abertura. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Fernando Pedro Moutinho (PSD), João Amaral (PCP) e Nuno Abecasis (CDS-PP) - que deu explicações em relação a uma defesa da consideração exercida pelo Sr. Deputado que o antecedera.
O Sr. Deputado Roleira Marinho (PSD) trouxe à colação a necessidade de implementação do Centro de Formação Profissional de Viana do Castelo como forma de resolver alguns problemas que afectam os jovens daquele distrito.

Ordem do dia. - Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.ºs 79/VII - Autoriza o Governo a estabelecer medidas que viabilizam a aplicação e a execução das penas de prestação de trabalho a favor da comunidade - e 80/VII - Alterações ao Código Penal e do projecto de lei n.º 364/VII - Altera o Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, que aprova o Código Penal (CDS-PP), tendo intervindo no debate, a diverso título, além do Sr. Ministro da Justiça (José Vera Jardim) e do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (António Costa), os Srs. Deputados Luís Queira (CDS-PP), Guilherme Silva e Miguel Macedo (PSD), Odete Santos (PCP), Maria Celeste Correia (PS), Isabel Castro (Os Verdes), Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP), Joaquim Sarmento e José Magalhães (PS), Octávio Teixeira e João Amaral (PCP) e Calvão da Silva (PSD).
Foram aprovadas, em votação global, as propostas de resolução n.ºs 42/VII - Aprova, para ratificação, o Acordo de Parceria e Cooperação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados membros, por um lado, e a República da Moldávia, por outro, incluindo os Anexos I a V e o Protocolo sobre Assistência Mútua entre as Autoridades Administrativas em Matéria Aduaneira, bem como a Acta Final com as declarações, assinado em Bruxelas, em 28 de Novembro de 1994, 43/VII - Aprova, para ratificação, o Acordo de Cooperação na Área Militar entre o Ministério de Defesa Nacional de Portugal e o Ministério de Defesa Nacional da Roménia, assinado em Bucareste, em 10 de Julho de 1995. 44/VII - Aprova, para ratificação, o Acordo entre o Ministério de Defesa Nacional de Portugal e o Ministério de Defesa Nacional da Polónia em Matéria de Cooperação Bilateral no Domínio Militar, assinado em Varsóvia, em 12 de Julho de 1995, e 45/VII - Aprova, para ratificação, o Acordo entre a República Portuguesa e a República Eslovaca sobre a Promoção e a Protecção Recíproca de Investimentos e respectivo Protocolo, assinados em Lisboa, em 10 de Julho de 1995.
Foi aprovada, na generalidade, a proposta de lei n.º 83/VII - Define as bases do financiamento do ensino superior público, que baixou à 6.ª Comissão, e foram rejeitados, também na generalidade, os projectos de lei n.ºs 210/VII - Financiamento do ensino superior (CDS-PP), 268/VII - Lei-quadro do financiamento e da gestão orçamental e financeira do ensino superior público (PCP) e 359/VII - Lei-quadro da acção social escolar do ensino superior (PCP).
O texto final da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativo aos projectos de lei n.ºs 244/VII - Altera a Lei n.º 69/78. de 3 de Novembro (Lei do Recenseamento Eleitoral), criando um sistema extraordinário de inscrição no recenseamento eleitoral dos cidadãos eleitores que, tendo mais de 17 anos de idade, não venham a completar 18 anos até final do período legal de inscrição (PS) e 262/VII - Reconhecimento do direito de pré-inscrição no recenseamento eleitoral aos cidadãos que completem 18 anos antes do novo período anual de inscrição (PSD) foi aprovado em votação final global.
Por último, a Câmara aprovou três pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias autorizando três Deputados, dois do CDS-PP e um do PSD a deporem como testemunha em tribunal.

O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 19 horas e 35 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Adérito Joaquim Ferro Pires.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António José Guimarães Fernandes Dias.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Moreira Raposo.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos das Dores Zorrinho.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José Domingos de Ascensão Cabeças.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sônia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Soares Gomes.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Eugênio Pereira de Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Domingos Dias Gomes.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.

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Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Jorge Manuel Lopes Moreira da Silva.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Costa Pereira.
José Mário de Lemos Damião.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Armelim Santos Amaral.
Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Ruben Luís Tristão de Carvalho e Silva.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas, dos requerimentos e das respostas a requerimentos que foram apresentados na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projectos de lei n.ºs 367/VII - Finanças Locais (PCP), que baixou às 1.ª, 4.ª e 5.ª Comissões, 368/VII - Criação da Universidade da Estremadura (PSD), que baixou às 6.ª e 11.ª Comissões, 369/VII - Lei das Finanças Locais (CDS-PP), que baixou às 1.ª, 4.ª e 5.ª Comissões, 370/VII - Elevação de São Romão do Coronado e de São Mamede do Coronado à categoria de vila, com a designação de vila do Coronado (PSD), que baixou à 4.ª Comissão, 371/VII - Elevação de São Martinho de Campo à categoria de vila (PSD), que baixou à 4.ª Comissão, e 372/VII - Elevação de Rebordões à categoria de vila (PSD), que baixou à 4.ª Comissão.
Srs. Deputados, foram apresentados na Mesa vários requerimentos. Na sessão plenária de 15 de Maio de 1997: ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado António Martinho; ao Ministério da Cultura, formulados pelos Srs. Deputados Antão Ramos e Manuel Frexes; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Cruz Oliveira; aos Ministérios para a Qualificação e o Emprego e da Solidariedade e da Segurança Social, formulados pelos Srs. Deputados Hermínio Loureiro e Filomena Bordalo; à Secretaria de Estado do Ensino Superior, formulado pelo Sr. Deputado Nuno Correia da Silva; ao Ministério da Economia, formulado pelo Sr. Deputado Ismael Pimentel; e ao Ministério do Ambiente, formulado pelo Sr. Deputado Ruben de Carvalho.
Na sessão plenária de 16 de Maio de 1997: ao Ministério da Saúde, formulado pela Sr.ª Deputada Filomena Bordalo; e ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Mota Amaral.
No dia 19 de Maio de 1997: ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Fernando Santos Pereira; e ao Ministério do Ambiente, formulado pela Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
No dia 20 de Maio de 1997: ao Ministério dos Negócios Estrangeiros e à Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, formulados pela Sr.ª Deputada Manuela Aguiar; aos Ministérios da Saúde e do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulados pelos Srs. Deputados Jorge Roque Cunha e Luís Sá; e ao Ministério do Ambiente, formulado pelo Sr. Deputado Jorge Ferreira.
Entretanto, o Governo respondeu, nos dias 15 e 20 de Maio de 1997, aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados; Roleira Marinho, no dia 24 de Fevereiro, e Fernando Pedro Moutinho, na sessão de 24 de Abril.

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O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este mês, a Sr.ª Ministra do Ambiente anunciou que já não será construída a incineradora destinada à eliminação de resíduos industriais, que seria localizada em Estarreja. Com esta decisão, o Ministério do Ambiente deu razão às justas posições que Os Verdes sempre tomaram e aos protestos e movimentações sociais
que ocorreram pelo País relativamente à decisão de construção daquela incineradora.
Ocorre que a razão do Governo do PS de não construção da incineradora não tem qualquer preocupação ambiental ou de saúde pública, que era a primeira preocupação de Os Verdes, mas é meramente de ordem economicista. O Governo vem anunciar esta decisão, dizendo que não seria economicamente vantajoso construir a incineradora, uma vez que produzimos metade dos resíduos industriais que seriam suficientes para rentabilizar aquela infra-estrutura, questão, aliás, para a qual Os Verdes sempre alertaram. É que não é possível definir um modelo de tratamento de resíduos industriais sem que, primeiro, se conheçam a quantidade, as características e a localização dos resíduos produzidos. E sempre dissemos que estava implícito naquele projecto de incineradora a importação de resíduos, como provámos várias vezes aqui na Assembleia da República. Não percebemos, portanto, por que é que foram necessários dois anos para concluir isso mesmo.
Ou seja, a razão «ser ou não economicamente vantajoso», que levou o governo do PSD a decidir pela construção da incineradora é a mesma que, curiosamente, leva o Governo do PS a decidir pela sua não construção.
Isto é, a solução em si, incineração, não é posta em causa. E tanto assim é que a Sr.ª Ministra do Ambiente vem simultaneamente anunciar que os resíduos industriais serão queimados nos fornos das cimenteiras - e isto, repare-se, sem base em quaisquer estudos realizados. Portanto, a emissão de dioxinas e fluoranos para a atmosfera, a não eliminação de metais pesados, para o PS e para o Governo não constituem qualquer problema. Por isso, é que opta pela incineração em cimenteiras, em condições tecnologicamente muito precárias, difíceis de controlar e alastrando a incineração a diversos pontos do País.
Os Verdes querem deixar bem claro que contestam a alternativa apontada pela Sr.ª Ministra do Ambiente. É caso para dizer que é tão má a emenda como o soneto.
E sobre as cimenteira anunciadas e com as quais, segundo o que veio a público, já existe acordo entre as mesmas e o Governo, Os Verdes querem deixar, desde já, bem claro que nem sequer podemos aceitar a ideia de que passe pela cabeça de alguém que poderão ser queimados resíduos industriais na SECIL, fábrica de cimento, em pleno Parque Natural da Arrábida, em plena área protegida, que sofre já efeitos violentíssimos de degradação devida à indústria de pedreiras, não podendo comportar mais este atentado àquela riquíssima reserva biológica e ecológica do nosso país. E não podemos admitir que o Governo «dê mais uma no cravo e outra na ferradura», isto é, que anuncie o início da retirada das escórias de alumínio da Metalimex e, imediatamente a seguir, «brinde» os setubalenses com outro atentado à saúde pública relacionado com resíduos tóxico-perigosos, com a queima de resíduos industriais, em pleno Parque Natural da Arrábida. Isso seria, de facto, demais! O mesmo consideramos impensável para a CIMPOR, em zona de grande concentração populacional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É preciso que o economicismo dê lugar a preocupações reais ao nível da saúde pública, na prossecução de um desenvolvimento sustentável; é preciso que o Governo anuncie claramente a quantidade e o tipo de resíduos industriais que se produzem em Portugal. Só com estes dados, é possível saber e perceber que recuperação se pode fazer desses resíduos, quantos e por que métodos se podem tornar detritos inócuos ao ambiente e que quantidade pode ser depositada em aterros destinados especificamente a resíduos industriais. É preciso que o Governo, juntamente com a comunidade científica, conheça aprofundadamente todos os métodos hoje disponíveis para o tratamento e a eliminação de resíduos perigosos, para que, face aos nossos resíduos, se encontre a solução adequada.
Por isso. Os Verdes têm reclamado do Governo a elaboração e apresentação de um plano nacional de resíduos - o qual está previsto também no Decreto-Lei n.º 310/95 -, que abarque todo o tipo de resíduos e onde todas estas questões sejam equacionadas, pensadas, reflectidas e trabalhadas.
Ora, até hoje, ele ainda não foi anunciado. Nem tão-pouco foi anunciado o plano sectorial de resíduos industriais, previsto no mesmo decreto-lei. Nem sequer sabemos se está iniciado ou não. Nesta matéria, o Governo tem mantido uma postura com a Assembleia da República, que tem passado não pelo debate mas, sim, pela informação do facto consumado. Foi o que se verificou, aliás, aquando da vinda do Sr. Secretário de Estado Adjunto da Ministra do Ambiente à Comissão de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente para a apresentação do plano estratégico de resíduos sólidos urbanos - ele veio informar que estava concluído e não debatê-lo.
Interrogar-se-ão os Srs. Deputados: mas, enquanto essa - estratégia de tratamento de resíduos industriais não é definida - e, repito, não pode sê-lo sem o conhecimento das características, tipo e quantidade de lixo produzido não é melhor queimá-los em cimenteiras do que deixá-los por aí espalhados, de norte a sul do País, de uma forma perfeitamente descontrolada? Não aceitamos, Srs. Deputados, este tipo de dicotomia e de paralelismo, porque ele não tem de ser assim, porque não podemos aceitar que a opção seja ou poluir as águas e os solos ou poluir o ar. «Entre um e outro, venha o Diabo e escolha». Neste período que medeia entre o conhecimento da situação e o encontrar dos métodos adequados de eliminação do nosso tipo de resíduos. Os Verdes entendem que os mesmos devem ser seguramente acondicionados e a fiscalização desse acondicionamento deve ser apertada.
Mas a Sr.ª Ministra do Ambiente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, informou ainda que a localização dos aterros a instalar para os resíduos industriais passa a ser da responsabilidade das empresas a envolver no processo. Ou seja, a responsabilidade pela escolha da localização das unidades de tratamento e deposição de resíduos industriais passa a ser das empresas. Os Verdes não podem deixar de denunciar esta escandalosa desresponsabilização do Governo nesta matéria. Ao Governo só falta «lavar as mãos» da escolha dos locais de instalação dessas infra-estruturas, o que, sendo naturalmente uma solução de carácter nacional, não é de forma alguma aceitável. O que o Governo tem de fazer é assumir as suas responsabilidades nas diferentes matérias e não esquivar-se a tudo. Para além

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disso, a lógica deste Governo continua a ser a lógica de outro governo de há uns anos atrás - não há filosofia de prevenção, não se ouve falar sobre indústrias mais limpas, sobre acção na produção.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por tudo o que referimos, entendemos que estas questões anunciadas pelo Governo não passam de outra mera operação de marketing, que pretende iludir a opinião pública portuguesa, a qual está cada vez mais sensibilizada para as questões do ambiente. Por isso, não podemos juntar-nos ao coro de foguetes, que se fez ouvir, de imediato, após a informação do Governo de que agora os resíduos industriais serão queimados nos fornos das cimenteiras.
Basta de irresponsabilidades e justifique-se, de uma vez por todas, em Portugal, a existência de um Ministério do Ambiente.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos. os Srs. Deputados Nuno Abecasis, Aníbal Gouveia, Ruben de Carvalho e Natalina Moura.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, julgo que o problema que trouxe a esta Câmara tem dignidade e urgência, mas, em minha opinião, seria também necessário um pouco de bom senso, que, infelizmente, nem sempre tem estado presente nos adeptos do seu partido em relação a este problema.
Apesar de tudo, Sr.ª Deputada, apesar de estar de acordo consigo em que não é bom poluir o ar nem, em substituição, os terrenos e as águas subterrâneas, não posso deixar de dizer-lhe que é bem mais grave poluir os terrenos e as águas subterrâneas do que o ar - pelo menos, a capacidade de renovação do ar é incomparavelmente superior à capacidade de renovação das águas subterrâneas, em consequência da poluição. E o que está a acontecer neste país é que nem sequer se faz ideia de qual o volume de águas puras que possuímos - se é que ainda possuímos algumas... Quem passa pelas estradas de Portugal pode ver, sem que ninguém se preocupe com isso, como pululam os cemitérios de automóveis, esquecendo que é uma fonte inesgotável de penetração nos terrenos de metais pesados, de todas as naturezas e da maior perigosidade. Mas ninguém protesta contra isto!...
Por isso, disse que a Sr.ª Deputada trouxe aqui um problema, que tem dignidade e urgência. Acompanho-a nessa preocupação e espero também acompanhá-la na revolta contra este «pateguismo» inacreditável. Portugal actuou como um país de pategos no que diz respeito à Metalimex - e não me interessa saber quais foram os governos!
Não é um símbolo de subdesenvolvimento o tratar resíduos tóxicos, porque os países mais desenvolvidos é que o fazem. Mas agora fingir que se trata resíduos tóxicos, dar autorizações que não são autorizações e permitir que se importem resíduos do estrangeiro sob a promessa de instalar estações de tratamento, que, depois, se impedem de funcionar, é próprio de um país de pategos e envergonha-me não só como técnico mas também como português. Gostaria que nos portássemos de outra forma e com outra seriedade.
Mas também, Sr.ª Deputada, não esqueça - e faça essa recomendação aos seus amigos - que não se encontrará qualquer solução enquanto, cada vez que se quer montar qualquer estação de tratamento, de eliminação ou outra forma de resolver o problema dos resíduos, se levantar um coro de protestos, como se tudo fosse preferível a uma instalação tecnicamente perfeita. Isto é que nunca percebi! Nunca percebi qual é a razão que alimenta isto e continuo a pensar que, apesar de tudo,...

O Sr. Presidente: - Peco-lhe que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Estava eu a dizer que, apesar de tudo, continuo a pensar que é bem melhor tratar do que não tratar; é bem melhor uma solução, mesmo que não seja perfeita, do que solução nenhuma. E, curiosamente, neste país, às vezes parece que se prefere solução nenhuma!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, havendo ainda mais três pedidos de esclarecimento, deseja responder já ou no fim?

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Aníbal Gouveia.

O Sr. Aníbal Gouveia (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, na sua intervenção diz que a resposta do Governo socialista é tão má como a que o Governo do PSD teve quando aprovou a construção da incineradora. Mas a Sr.ª Deputada ainda não disse, pelo menos não percebi, se é realmente favorável ou não ao tratamento dos resíduos sólidos, desde que devidamente escolhidos, e como é que se fará esse tratamento.
No que diz respeito à localização da incineradora de Estarreja, queria perguntar - dado que trabalhei, durante 40 anos, numa grande indústria altamente poluente em Estarreja - se a Sr.ª Deputada tem a sensibilidade da vontade da maioria das populações desse concelho, daquelas populações que ficaram sem emprego e sempre viveram e nunca tiveram medo daquele cancro que existia, e ainda existe, nos solos em Estarreja, apesar de contra ele, aí sim, V. Ex.ª nunca ter levantado a voz.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Ruben de Carvalho.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, penso que foi particularmente oportuna a observação que o Sr. Deputado Nuno Abecasis fez acerca da Metalimex, porque exactamente no mesmo dia em que esteve em Setúbal para assistir, a nascente, ao primeiro carregamento de escórias da Metalimex - um processo lamentável que se desenrolou no nosso país, e que se resolveu como se resolveu porque a população do concelho de Setúbal combateu activamente este problema e exigiu a remoção e o tratamento das escórias - a Sr.ª Ministra do Ambiente anunciou que ia criar, a poente, um outro problema, uma vez que o aproveitamento dos fornos das cimenteiras para queimar resíduos atinge fornos da SECIL e da CIMPOR instalados na Reserva Natural da Serra da Arrábida, acerca do qual nada foi dito, nada foi esclarecido e os sindicatos e as comissões de tra-

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balhadores das empresas cimenteiras não foram ouvidas. Anuncia-se que esta decisão vai para a frente, sem sequer se cumprir aquilo que está determinado.
Quero informar a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia de que o meu grupo parlamentar, por meu intermédio, dirigiu à Sr.ª Ministra do Ambiente um requerimento, já na semana passada, para esclarecimento cabal desta situação.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natalina de Moura.

A Sr.ª Natalina de Moura (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, para não correr o risco de não dizer exactamente aquilo que vi escrito, passo a ler-lhe afirmações do Presidente da Assembleia da República, Dr. Almeida Santos, aquando da comemoração dos 10 anos da Lei de Bases. Disse, na ocasião, o seguinte: «nestes 10 anos o mal não esteve na lei mas no escasso uso que dela se fez». E continuou, mais à frente: «onde é proibitiva, proibiu pouco; onde é preventiva, preveniu de menos; e onde é 'principiológica' a realidade, faz-se restrito caso dela». Terá de considerar que assim é!
O que não entendo é que as vossas preocupações, as preocupações de Os Verdes passem sempre por soluções de que não há solução para coisa alguma. A sua intervenção estava cheia de ditos populares e eu também lhe quero dizer um: «morto por ter cão e morto por não ter», porque, para o caso de Estarreja, arranjou-se solução, mas ela também não serve.
Em boa verdade, não houve, de facto, uma boa aplicação da lei à filosofia ambiental. Já tive oportunidade de dizer que a Sr.ª Deputada não acredita nos novos políticos, é céptica! Não acredita que haja um corredor de liberdade em cada lei que permite aos políticos que a aplicam fazer a humanização da mesma, daí que o vosso discurso tenha sistematicamente o mesmo enfoque e a mesma incidência.
Gostaria de perguntar-lhe o seguinte: para Estarreja, só para Estarreja, e ficaremos por aqui, que solução? Será que temos de comer os resíduos? Será que passa por aí? Veja lá se nos aponta, pelo menos, uma solução!

Aplausos do PS.

O Sr. Macário Correia (PSD): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Macário Correia (PSD): - Sr. Presidente, a questão aqui trazida pela Sr.3 Deputada Heloísa Apolónia é de grande importância e por isso, tendo em conta o conjunto das intervenções produzidas, quero, através desta figura, solicitar à Mesa que consiga obter, através de diligências que fará junto do Governo, alguma informação complementar sobre esta matéria, na medida em que aquilo que aqui foi dito não nos esclarece quanto a custos desta nova política, a investimentos necessários nas cimenteiras e a outras matérias.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, como sabe, tem o direito de requerer os esclarecimentos que quiser. Agradecia, pois, que formulasse esse pedido por escrito, pois encaminhá-lo-ei para o Governo com toda a urgência.
Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Abecasis, começo por dizer que também concordo com grande parte das preocupações levantadas por V. Ex.ª quanto a esta matéria, mas já não concordo com a qualificação como «fundamentalistas» - o Sr. Deputado não utilizou esta qualificação - daqueles que discordam desta solução apontada pelo Governo do PS.
O Sr. Deputado tem muita razão quando diz que é urgente resolver esta situação, que é urgente mas que não é de agora, Sr. Deputado - e naturalmente concordará comigo -, é de há muitos e muitos anos. E a passividade havida durante todos estes anos representa tempo perdido em relação ao encontro de soluções concretas que poderiam ter sido tomadas.
O que não aceitamos é que não se encontrem soluções e nos fiquemos apenas por pseudo-soluções; pedimos a procura de soluções adequadas para a resolução deste problema. Mas, mais uma vez, refiro que é impossível tratar aquilo que se desconhece e que ainda não está feito.
Assim, o primeiro passo a dar é conhecer o tipo e a quantidade de resíduos que produzimos, que características têm e onde são produzidos, para, a partir daí, encontrarmos o método mais adequado ao seu tratamento.
No que se refere especificamente ao tratamento vou deixar para quando responder à Sr.ª Deputada Natalina de Moura.
Por outro lado, Sr. Deputado, gostaria de dizer que, para nós, sinónimo de desenvolvimento não é deixar de tratar os resíduos; é, sim, tratar bem os resíduos. Gostaria que esta questão ficasse de facto bem clara, porque faz
parte da nossa visão sobre esta problemática.
Sr. Deputado Aníbal Gouveia, quanto à sua primeira pergunta, a minha resposta é «sim». Somos, naturalmente, favoráveis ao tratamento dos resíduos. Deixe-me, no entanto, rectificá-lo, dizendo que não estamos aqui a falar de resíduos sólidos urbanos - presumo que seria a isso que se estava a referir - mas, sim, de resíduos industriais. o que é completamente diferente, sendo grande parte deles tóxico-perigosos. Logo, a questão é, de facto, muito diferente.
Quanto a saber como se fará esse tratamento, devo dizer que o Sr. Deputado não ouviu a minha intervenção, pois teria percebido que somos, de facto, contra a solução da incineração. E, no que toca aos resíduos industriais, somos completamente contra a solução da incineração por maioria de razão.
Este Governo veio apontar a solução da incineração, que não é uma solução nova. Disse ainda que não vai construir uma incineradora em Estarreja e, sim, dividir o lixo e queimá-lo em algumas cimenteiras no nosso país.
Sr. Deputado, não conhecendo nós a quantidade e o tipo de lixo produzido - não sei se o seu grupo parlamentar tem já essa informação, mas o meu não a tem - pergunto: que lixo pode ser recuperado?
Srs. Deputado, há vários métodos de tratamento de lixos. Um é a recuperação, mas não oiço o Governo falar de redução. Ora, quando falamos de tratamento, é importante falarmos também de redução! Nunca ouvi dizer que tipo de resíduos - nem sei - é que, em Portugal, podem ser descontaminados e transformados em lixos inócuos ao ambiente. O Sr. Deputado sabe?

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Outro método de tratamento é o aterro. Mas que tipo e quantidade de lixo vamos colocar nos aterros para os resíduos industriais?
Quanto ao método da incineração. Os Verdes dizem «não». Ha muitos métodos de tratamento! O Governo que procure a colaboração da comunidade científica para a solução desta questão. No entanto, sem conhecer o tipo e a quantidade, não vale a pena.
Sr. Deputado Ruben de Carvalho, relativamente à questão que colocou, queremos reforçar a ideia da inadmissibilidade - repito, inadmissibilidade - de alguém poder alguma vez pensar em queimar resíduos industriais em pleno Parque Natural da Arrábida. Se isto acontecer. Os Verdes levantarão veementemente a sua voz contra, porque não podemos aceitar sequer que se pense numa solução destas, quer no Parque Natural da Arrábida, quer em zonas de grande proximidade das populações. Tendo em conta que, na nossa perspectiva, a solução da incineração nunca foi a correcta, agora, com esta agravante, é estar a gozar especificamente com os setubalenses no que toca às questões concretas da Metalimex e da incineração na SECIL.
Para terminar, devo dizer à Sr.ª Deputada Natalina de Moura que concordo perfeitamente em que o problema não está muitas vezes na lei, o que, aliás, tem sido denunciado por Os Verdes nesta Assembleia, tanto nesta como em anteriores Legislaturas. A questão está precisamente no uso que se faz da lei. A Sr.ª Deputada tem toda a razão.
Quer um exemplo de como assim é? O Decreto-Lei n.º 310/95 prevê um plano nacional de resíduos, e eu pergunto: onde está esse plano? Foi o seu Governo que fez este decreto-lei, publicou-o, mas ainda nem sequer falou do plano nacional de resíduos. Onde é que está o plano sectorial para os resíduos industriais? Como está a ver, Sr.ª Deputada, de facto o problema é não só não se cumprir a lei. Esse é o problema!

Vozes de Os Verdes e do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início ao período das intervenções para o tratamento de assuntos de interesse político relevante.

Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No dia 22 de Maio de 1998, a Expo 98 abrirá oficialmente as suas portas, precisamente daqui a um ano. Pese embora o período de tempo que nos separa da abertura da Expo 98. é claro que a aposta do país está em vias de ser ganha.
A Expo 98 é hoje um projecto nacional que os portugueses encaram com confiança. Não ignoramos as dificuldades de um projecto com a grandeza da Expo 98, não omitimos a verdade da sua situação económico-financeira, nem sequer adoptámos leituras douradas, que no tempo em que eram feitas mais não faziam do que tentar iludir a verdadeira situação económico-financeira do projecto, a pretexto de pretensos equilíbrios aritméticos, que não passavam de meros exercícios virtuais. Quem não se lembra do famoso «custo zero»!
Os portugueses têm hoje um conhecimento claro e determinado do projecto Expo 98, nomeadamente no que concerne aos seus custos, que os tem, e por isso importava eliminar, de uma vez por todas, as suspeições quanto à questão financeira do projecto. O actual Governo assumiu que a exposição tem custos, o que fez não só com total clareza e transparência mas também com rigor e verdade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O conselho de administração da Sociedade Parque Expo 98, S. A., ainda muito recentemente, concretamente em Abril de 1997, a propósito da avaliação dos investimentos e custos inerentes ao projecto, teve oportunidade não só de afirmar mas de praticar, o que é bem mais importante, uma postura de contenção, de redução de custos.
Não obstante, queremos hoje, e aqui, afirmar, na esteira do entendimento expresso por S. Ex.ª o Presidente da República, que o projecto Expo 98 não pode ser unicamente avaliado como uma mera operação contabilística de «deve» e «haver». A Expo 98 tem de ser - e é-o com toda a certeza - mais do que isso, quer pelas suas implicações quer pelos meios que estão nela envolvidos.
Portugal e os portugueses vão ser palco da última exposição mundial deste século, passados quase 500 anos sobre a viagem de Vasco da Gama.
Longe vai o ano de 1989, em que António Mega Ferreira assumiu a ideia e teve a força necessária para levar pela frente a realização da exposição em Portugal. O objectivo traçado - a sua abertura no momento em que se comemoram os 500 anos da chegada de Vasco da Gama à Índia - vai pois, poder concretizar-se. Mas a exposição, e não há que ignorá-lo, constituiu e constitui um instrumento decisivo para um objectivo igualmente importante e determinante para Lisboa: a recuperação da área da cidade mais poluída, desgraçada e abandonada.
Jorge Sampaio, à altura Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, e João Soares lutaram, então - conjuntamente com outros, é verdade -, para que a exposição fosse realizada na zona que acabou por ser aprovada. Em todo o caso, nem todos assim pensaram. Quem não se lembra dos sectores e responsáveis, nomeadamente os alinhados e representados no Governo do PSD de então, que, até Fevereiro de 1991, defenderam a realização da exposição na zona ocidental da cidade! Felizmente, o Governo do PSD acabou por reconhecer a pertinência e a justeza das posições então assumidas pela Câmara Municipal de Lisboa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A capital do país vai ser dotada de um conjunto de infra-estruturas e equipamentos de que estava carenciada, o que naturalmente a projectará, isto para além dos benefícios que eles trarão directamente aos lisboetas e aos portugueses em geral.
A Expo 98, para além da efeméride que vai constituir, é um projecto inovador de recuperação urbana de uma zona com cerca de 330 ha.

Vozes do PSD: - Foi o PSD!

O Orador: - Onde antes havia ferro-velho, poluição e refinarias, vai passar a existir entre 5000 a 6000 árvores, áreas de lazer, equipamentos, como o oceanário, equipamentos desportivos e culturais, novas habitações, serviços, pequenas indústrias limpas e comércio.
A confiança que temos, e reafirmamos, no projecto Expo 98 não nos faz esquecer as dificuldades e os

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imponderáveis de uma realização como esta, mas isto é precisamente a medida do desafio que todos temos pela frente.
O PS, contrariamente a outros, nunca arvorou a Expo 98 em bandeira partidária, e assim continuaremos.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

A próxima exposição mundial é uma prova da capacidade de realização dos portugueses na concretização de um acontecimento de características internacionais, que decerto se materializará na memória e na vida da cidade e do país, bem como da comunidade internacional, para lá de 1998.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Esta aposta e o empenho do PS na concretização da Expo 98 não nos fazem esquecer que outros importantes investimentos de norte a sul do país devem ser apoiados e incentivados pelo Governo, tal como de resto tem vindo a ser feito. Esta é, e será com toda a certeza, a melhor resposta para o desafio que a Expo 98 consubstancia. Em todo o caso, é importante que algumas forças políticas entendam e assumam que o desenvolvimento regional está também intimamente ligado à regionalização.

Risos do PSD.

Os desafios assumem-se de forma positiva, com respostas claras e não com interrogações de quem navega ao sabor dos ventos e em nome exclusivo dos interesses.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes, começo por dizer que fiquei de facto surpreendido, e penso que o país também, com as suas declarações. De facto, o país tem consciência de que o Sr. Deputado e o Grupo Parlamentar do PS, na Comissão da Expo 98,- comportaram-se, durante alguns meses, como se fossem um partido da oposição irresponsável e não um partido que apoia o Governo, que claramente apostava na Expo 98.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Ora essa!

O Orador: - Eram questões e mais questões, complicações e mais complicações, e, sobretudo, via-se o Deputado Nuno Baltazar Mendes como o protagonista de todas estas questões, mas também se viu o Deputado Nuno Baltazar Mendes, quando mudou o Comissário, a ter um outro comportamento completamente diferente. No entanto, penso que não foi por ter mudado a cor política do Comissário - e gostava que não tivesse sido por isso - que o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes mudou de opinião em relação à Expo 98.
Mas o que o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes não disse aqui, a esta Assembleia, e é matéria que deveria preocupá-lo como vereador da Câmara Municipal de Lisboa assim como a todos os portugueses, é que o projecto Expo 98 não deve ser um projecto partidário nem um projecto camarário mas, sim, deve ser um projecto nacional. E é por isto que pergunto, Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes: quando é que nos garante que o Metro chega de facto à Expo 98, onde o actual Comissário deixou dúvidas? Quando é que estão concluídos os acessos a toda a zona oriental e norte de Lisboa, nomeadamente a CRIL e a variante da EXPO? Estes acessos estão ou não garantidos, Sr. Deputado? São estas as matérias que fazem o sucesso ou insucesso da Expo 98, que dependem do Governo e da Câmara Municipal de Lisboa e em relação à conclusão das quais o próprio Comissário tem dúvidas. É sobre estas matérias que o país exige respostas, e merece tê-las, e ainda as não teve, pois o projecto Expo 98 é um esforço nacional.
Por outro lado, o Sr. Deputado deve estar equivocado quando fala do «custo zero». Recorde, pelo menos através a comunicação social da época, que foi o actual administrador Mega Ferreira quem falou no «custo zero» da EXPO 98. É bom recordar, para não atirar palavras feitas do passado, e «enfiar a carapuça quem deve enfiá-la».

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Diga que não sabe quando é que ficam feitas as coisas! Diga! Fica-lhe bem!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes, havendo ainda outros pedidos de esclarecimento, deseja responder já ou no fim?

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes, creio que a questão fundamental a assinalar hoje, dia 22 de Maio de 1997, nesta Assembleia da República, é o facto de faltar um ano para abrir a Expo 98 e isso significar que é preciso intensificar os esforços, mobilizar vontades, para que a Expo 98 se realize conforme é necessário.
Creio que o pior que se pode fazer à Expo 98 é tratá-la na primeira pessoa do singular, dizendo: «Eu é que fiz a Expo... Eu é que sou o dono da Expo... Eu é que tive a ideia... Eu...» Se a Expo 98 é para ser apropriada, então isso é meio caminho para o seu fracasso.
O importante e relevante é considerar que ela concitou os esforços e mobilizou as vontades de câmaras municipais, de governos de diferente cor política, de personalidades da cultura, de gestores muito qualificados e de muita gente que está empenhada em realizá-la.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Creio que a Expo 98 já sofreu o suficiente, nos meses passados, com a artificial crise criada e que conduziu à demissão do seu comissário e à sucessão por outro. Quero deixar aqui muito claro que o que ouvi do novo Comissário e a forma como se portou nomeadamente na Comissão mostra que ele está à altura dos desafios que estão colocados. E, portanto, não estou a questionar a pessoa, mas permito-me qualificar a situação de

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crise artificial criada por razões político-partidárias e que foi extremamente negativa.
O problema que hoje se coloca à Assembleia da República, na sua relação com o Governo, é o de saber se está a ser feito tudo o que é necessário para que a Expo 98 decorra com êxito. E aqui há duas perguntas fundamentais a fazer-se. Primeira: quanto à questão das acessibilidades, não é possível fazer-se mais?
Dirigindo-me directamente à bancada do PSD, devo dizer que agora se acusa este Governo por ainda não Ter feito a CRIL, mas, como é evidente todos podem dizer que os senhores tiveram 10 anos para fazê-la e não a fizeram!...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E, mais do que isso, fizeram uma opção estratégica: construir a auto-estrada para Cascais antes de fazerem a CRIL, decisão que, como sabem, foi muito criticada. Mas, neste momento, isto não interessa, foi só para salientar que, em matéria de contas a fazer acerca destas questões, há várias contas a fazer. E sucede que quem está no Governo é o PS, pelo que a pergunta agora tem de ser feita ao PS.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Ora aí é que está!

O Orador: - Está a ser feito tudo o que é necessário? Creio que não. Devo dizer, com toda a franqueza, que não. Penso que era possível fazer-se mais, e basta ver as hesitações havidas em torno da variante à EN 10 para se concluir que era possível fazer mais, com mais velocidade e mais determinação.
Segunda pergunta: está a ser feita a promoção externa necessária da EXPO 98? Neste ponto foi já levantada, pelo meu camarada Lino de Carvalho, a questão de saber se o apoio às instituições de turismo e à promoção dos pacotes turísticos no estrangeiro é suficiente, mas não tivemos a resposta necessária.
Sr. Presidente, para concluir, gostaria de expor uma ideia que, para mim, é importante por várias razões.
A Expo 98 é um acontecimento nacional, mas localiza-se na cidade de Lisboa e no concelho de Loures e quem vai fundamentalmente dela beneficiar é a Área Metropolitana de Lisboa. Assim, em nosso entender, é necessário compensar adequadamente outras áreas metropolitanas, como, por exemplo, a Área Metropolitana do Porto e a cidade do Porto, com um programa, um projecto, que ali mobilize também vontades, energias e fundos que permitam uma requalificação adequada da cidade do Porto.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, a pior coisa que pode acontecer a um desígnio nacional é transformar-se numa querela partidária.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Recordo, por exemplo, que, quando discutimos e aprovámos a lei do mar e a relacionámos com a Expo 98 e com a sua motivação, foi acentuado nesta Assembleia que se tratava de um desígnio nacional.
Estamos agora a ver esta tendência para a tomar numa querela partidária, e agora o Sr. Deputado João Amaral introduz uma outra, que é também uma querela regionalista. Nada pior pode acontecer a um desígnio nacional. E por causa disto queria aqui, Sr. Presidente, prestar a minha homenagem aos dois Comissários da Expo 98, Cardoso e Cunha e Torres Campos, a um pelo trabalho que realizou e a outro por ter a dignidade e a altura de nunca ter esquecido e minimizado o trabalho feito desde o princípio.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para exercer o direito regimental da defesa da consideração da bancada, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Abecasis, eu não trouxe aqui uma querela mas, sim, a necessidade de evitar que se mantenha a querela que hoje existe. Isto é, o que eu trouxe aqui foi a necessidade de o Estado português, de a Assembleia da República e de todos nós encontrarmos uma solução que permita pôr cobro a uma querela que efectivamente hoje existe.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, eu não quis, de forma alguma, atingi-lo, e sei que o Sr. Deputado entende bem o que é um desígnio nacional. Mas, pergunto-lhe, porquê o Porto e não Faro? Só porque nasci em Faro é que não mereço ter compensação?
Penso que se as coisas são nacionais, são-no e, quer sejam no Porto, em Faro ou em Viseu, têm de ser consideradas por nós como desígnios nacionais ou, então, não o são.

O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho, lamento muito dizer-lhe que falou muito mas disse muito pouco, já para não dizer-lhe que nada disse acerca da minha intervenção. É que não vi rebatida, nem pelo Sr. Deputado nem pelo Grupo Parlamentar do PSD, qualquer uma das questões que referi na minha intervenção.
O Sr. Deputado vem aludir à minha conduta, ao meu posicionamento e ao do Grupo Parlamentar do Partido Socialista numa determinada comissão. Sr. Deputado, vou dizer-lhe uma coisa com toda a sinceridade: no dia em que, neste grupo parlamentar, não me fosse permitido exercer as minhas funções de Deputado conforme entendo que devo exercê-las, então, eu não estaria bem e o Grupo Parlamentar do Partido Socialista estaria bem pior!

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - O problema é do PS!

O Orador: - Posso garantir-lhe que não seguimos os maus exemplos que os senhores deram durante 10 anos,

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quando apoiaram a bancada do Governo. Nessa altura, os senhores é que não tinham liberdade nem possibilidade de fazer nada no que diz respeito ao desempenho cabal do vosso mandato.

Vozes do PSD: - Conversa fiada!

O Orador: - Sr. Deputado, assumo que, na comissão e conjuntamente com outros Deputados, interroguei, no uso do meu direito inalienável de Deputado, o Sr. Comissário Cardoso e Cunha, tendo-lhe colocado questões que eu entendia que deviam ser respondidas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Essas questões estão registadas em acta e umas foram efectivamente respondidas, enquanto outras não.
Se, na altura, o Sr. Comissário não gostou e os senhores também não gostaram, digo-vos, com o devido respeito, que é problema vosso. Os senhores não têm é o direito de vir invocar esse facto para, agora, porem em causa o nosso procedimento na comissão.
Como acabou de referir o Sr. Deputado João Amaral, o Sr. Comissário Torres Campos esteve na comissão, respondeu a todas as questões, ou seja, às que os senhores quiseram colocar-lhe e, obviamente, não respondeu às que os senhores não quiseram colocar-lhe. Portanto, esta postura é que é totalmente diferente.
O que para nós não seria admissível é que, a propósito da EXPO, houvesse jogos escondidos. Isso é que não seria admissível. O que para nós tinha de ser totalmente claro era saber quais os custos existentes, como eram calculados, que receitas estavam previstas e como eram calculadas. Sr. Deputado, com base em projecções, não! O que exigimos foi ter um conhecimento claro e profundo da situação económica e financeira da EXPO. Neste momento, o Sr. Deputado tem esse conhecimento tal como eu próprio. Os senhores aceitaram a situação tal como eu próprio aceitei, portanto, não podem vir pô-la em causa agora.

Uma voz do PS: - Exactamente!

O Orador: - Quanto à Câmara Municipal de Lisboa, é óbvio que esta, tanto quanto a Câmara Municipal de Loures, como accionista, tem assento no conselho de administração, tem responsabilidades muito sérias no que diz respeito à concretização da EXPO. O Dr. João Soares é um entusiasta da EXPO. Porque não dizê-lo? E ele assume-o, na sua qualidade de Presidente da Câmara!

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Nota-se!

O Orador: - Sei bem que os efeitos que os senhores querem extrair são outros. Mas essa bandeira não vos dou, esse caminho não vos abro. É problema vosso, não é nosso!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O que não aceitamos é que, contrariamente, alguns Deputados do vosso partido confundam desígnios nacionais com desígnios partidários ou com desígnios pessoais. Escuso-me de citar aqui nomes, mas os senhores sabem perfeitamente que, ainda hoje. Deputados do vosso partido continuam a confundir - aliás, penso mesmo que estão a sonhar - e pensam que estão no Governo quando já não estão. Continuam a pensar que grandes desígnios nacionais são desígnios partidários e
pessoais. É um problema vosso que têm de resolver, não sei se com recurso ou não ao psiquiatra, os senhores decidirão!

O Sr. António Braga (PS): - Ora aí está!

O Orador: - Quanto à questão que me colocou relativamente aos acessos e que o Sr. Deputado João Amaral também suscitou, estou absolutamente convicto de que tudo está a ser feito, seja pelo Governo seja pela Câmara Municipal de Lisboa, no que diz respeito à concretização desses acessos.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Isso é só «de boca»!

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Isso é pouco!

O Orador: - Não é pouco! O que estamos a fazer é a recuperar atrasos dos senhores!

Risos do PSD.

Os senhores têm de ouvir isto! Os senhores têm de ouvir e não podem continuar...
Os senhores é que não têm uma postura responsável porque esquecem que, até há dois anos, eram os responsáveis, que deixaram projectos no papel, que não conseguiram avançar com as expropriações quando deviam, que não conseguiram fazer os realojamentos quando deveriam ter feito e, agora, tentam assacar as responsabilidades a outros. Sr. Deputado, isso é que de maneira nenhuma é razoável nem eticamente sério. Não é! Aí, os senhores não deixam de ter uma perspectiva estritamente partidária. Esta é uma acusação que faço com muito gosto ao PSD que continua a confundir desígnios nacionais com desígnios partidários.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Roleira Marinho, para uma intervenção.

O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um dos estrangulamentos da economia e do desenvolvimento reside na falta de mão-de-obra especializada, na falta de formação dos jovens, e se isto é verdade em termos gerais tal também é verdade no que se refere ao distrito de Viana do Castelo e esta lacuna, no distrito de Viana do Castelo, teve por base a falta do ensino superior a que, nos dias que correm, o Instituto Politécnico de Viana do Castelo já começou a dar resposta quando as primeiras vagas de licenciados são lançadas no mercado de trabalho.
Entretanto, foi localmente amadurecida a ideia e apresentada uma proposta de construção de um Centro de Formação Profissional, que teve o devido acolhimento do governo - do governo do PSD -, dando-se início à obra em Fevereiro de 1995, que ficou concluída em Agosto de 1996, com um investimento rondando os 700 000 contos.
O Centro de Formação Profissional encontra-se mobilado e com algum equipamento, mas não tem director, não

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tem pessoal técnico nem administrativo, não tem monitores!
Quanto aos monitores, chegou-se a lançar o processo de admissão, mas não teve continuação. Depois, abriu-se concurso interno (mudança de carreiras para monitores), tendo-se estabelecido um prazo para apresentação de candidaturas e já passaram mais de seis meses e nada se sabe, nada se avança.
O Governo, também aqui, continua a adiar.
Previa-se o início da actividade do Centro de Formação Profissional de Viana do Castelo em Setembro/Outubro de 1996, com o lançamento de três cursos de formação e, afinal, nada se fez.
O Governo socialista permanece distante das realidades e das necessidades do País, os programas encontram-se no papel, mas sem qualquer actividade. A indefinição é mais que muita, com a mínima execução e a supercomplicação.
Os técnicos do emprego mostram a sua insatisfação e sentem à sua volta um ambiente de controlo político como nunca antes se verificou, não havendo um plano para cumprir, procurando combater-se o desemprego, administrativamente, quase por imposição, e quanto acções «zero»!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os jovens do distrito de Viana do Castelo, principalmente os jovens à procura do primeiro emprego, continuam sem saídas de emprego, continuam à espera que o Governo socialista assuma a responsabilidade que lhe cabe de abrir o Centro de Formação Profissional de Viana do Castelo, de modo que novas oportunidades de emprego possam surgir, face a uma melhor preparação para o exercício de funções nas actividades empresariais.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Mas este Governo é insensível!

O Orador: - Importa investir na eficácia do sistema educativo, dar maior apoio ao ensino especial e ao emprego protegido, continuar a apostar no ensino politécnico e no alargamento e valorização do Instituto Politécnico de Viana do Castelo, a par da entrada imediata em actividade do Centro de Formação Profissional, com adequados programas de formação, quer na formação inicial para o mercado de trabalho quer na reconversão profissional e na formação contínua.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O distrito de Viana do Castelo não pode ser penalizado pela sua localização geográfica; o distrito de Viana do Castelo não pode ser penalizado pela sua periferia; o distrito de Viana do Castelo faz parte do todo nacional e não pode ver os seus direitos atropelados e ser marginalizado pelo Governo socialista.
Dir-me-ão, Srs. Deputados socialistas, que há diplomas legais, que há instrumentos próprios para superar algumas destas dificuldades, mas quais, como e quando?
O programa de inserção de jovens na vida activa espera que o Instituto do Emprego e Formação Profissional dinamize as normas para a sua implementação no terreno.
As prioridades apontadas para a ocupação dos desempregados de longa duração continuam a aguardar uma hierarquização.
O Programa REDE permanece uma miragem, quer no que se refere ao sistema de recuperação de empresas quer na reconversão profissional dos trabalhadores.
O Programa de Acção Imediata para o Emprego, tão badalado nos seus aspectos positivos no mercado do emprego, durante o ano de 1996, foi uma desilusão e não se notou na evolução do emprego no distrito de Viana do Castelo, aliás, segundo divulgação do próprio Ministério para a Qualificação e o Emprego, também este programa está em estudo e em fase de melhor elaboração.
Tudo continua em trânsito, em estudo, em reconversão, «socialisticamente» falando, em diálogo - em diálogo de surdos, diga-se - e quanto a resultados e à satisfação de compromissos assumidos é o pântano e o distrito de Viana
do Castelo é bem o exemplo deste caminhar sem rumo, sem coerência e sem resultados que ajudem a nossa juventude a encontrar os caminhos do futuro, pelo que importa dar o pequeno passo de pôr em funcionamento o Centro de Formação Profissional de Viana do Castelo, estrutura importante para dinamizar o tecido empresarial do distrito, com mão-de-obra especializada e, por outro lado, abrir uma nova frente de atracção de outros investimentos que tragam riqueza à região.
Não nos obriguem a esperar mais. Governem e cumpram as vossas obrigações.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, já tivemos, ainda temos e esperamos também ter a companhia de um conjunto de estudantes das nossas escolas que, hoje, totalizam 580.
Um grupo de 30 alunos da Escola dos 2.º e 3.º Ciclos do Ensino Básico de Quinta Nova da Telha, do Barreiro; um grupo de 140 alunos da Escola do 1.º Ciclo do Ensino Básico n.º 6, de Póvoa de Varzim; um grupo de 60 alunos da Escola Primária de Gião de Cima, de Vila do Conde, um grupo de 48 alunos da Escola C + S Dr. Joaquim Magalhães, de Faro; um grupo de 75 alunos da Faculdade de Direito da Universidade do Porto; um grupo de 100 alunos da Escola dos 2.º e 3.º Ciclos do Ensino Básico Jorge Montemor, de Montemor-o-Velho; um grupo de 29 alunos da Escola dos 2.º e 3.º Ciclos do Ensino Básico, da Ramada; um grupo de 53 alunos da Escola dos 2.º e 3.º Ciclos do Ensino Básico Teixeira Lopes, de Gaia;
e um grupo de 45 alunos da Escola Primária de Bico e Fiscal.
Srs. Deputados, é um privilégio podermos estar tão bem acompanhados. Saudemos os jovens que nos acompanham.

Aplausos gerais, de pé.

Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 30 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início à discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.ºs 79/VII - Autoriza o Governo a estabelecer medidas que viabilizam a aplicação e a execução das penas de prestação de trabalho a favor da Comunidade e 80/VII - Alterações ao Código Penal e do projecto de lei n.º 364/VII - Altera o Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, que aprova o Código Penal (CDS-PP).
Tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça, para fazer a apresentação das propostas de lei.

O Sr. Ministro da Justiça (José Vera Jardim): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Apresentamos hoje à

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Assembleia da República o conjunto de alterações ao Código Penal que, na perspectiva do Governo, são estritamente indispensáveis para adaptar a nossa legislação básica de Direito Penal às condições actuais da vida em sociedade e à afirmação do mínimo ético que pensamos ser necessário para os portugueses hoje.
Não se trata, claramente, de uma revisão geral do Código Penal; trata-se tão somente de, por um lado, corrigir contradições valorativas existentes no actual Código e, por outro lado, reforçar a protecção de certo tipo de vítimas de crimes violentos, vítimas essas cada vez mais expostas numa sociedade em que a violência e o risco fazem, infelizmente, cada vez mais, parte do nosso quotidiano.
Também, acompanhando as orientações vigentes na União Europeia e que traduzem preocupações profundas quanto ao cada vez maior desenvolvimento de determinado tipo de criminalidade particularmente repugnantes, transpor para Portugal o conteúdo de um conjunto de acções comuns aprovadas nos últimos tempos nesse quadro institucional.
Finalmente, corrigir assimetrias e distorções do texto actual, reforçar mecanismos para enfrentar as situações de perigosidade e criminalizar novas formas de comportamento desviante que atentam contra bens jurídicos relevantes ou põem em causa a paz social.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não se trata também de uma viragem, mais uma, na dosimetria das penas, participando, como alguns vêm pretendendo, dessa trágica espiral de mais crime, mais penas, mais penas, mais crime. Espiral essa cujo fim não é difícil adivinhar e que termina naquilo que o nosso texto constitucional expressa ou tacitamente rejeita - as penas de morte e de prisão perpétua, penas que o nosso sentido humanista, a nossa vida cultural, a solidariedade e o empenhamento na ressocialização do homem também rejeitam liminarmente.
Mas trata-se, sim, de encontrar na legislação penal pontos de ancoragem firmes para uma política também firme de luta contra a criminalidade. Contra a criminalidade que viola os princípios fundamentais de um Estado de direito democrático - a liberdade, a igualdade, a solidariedade.
Trata-se de afirmar na lei, na lei que é a súmula dos valores mais arreigados e mais essenciais para a vida em sociedade, o mínimo ético que a sociedade portuguesa pretende que seja a norma fundamental do nosso viver social. Não podemos nem queremos que a nossa sociedade seja a sociedade da punição, da expiação, da vingança, mas queremos colocar a luta contra o crime e a defesa das vítimas no centro das opções políticas que o Governo e a oposição devem assumir para salvaguarda do tecido social face aos desafios da globalização do risco e da responsabilidade que, cada vez mais, caracterizam as sociedades modernas.
Deixaram de ser hoje possíveis códigos penais que durem imutavelmente séculos nem mesmo dezenas de anos. Basta ver, aliás, o que se passou entre nós em que, desde a instauração da democracia, já foram feitas duas grandes reformas do Código Penal. Mas se olharmos para a generalidade dos países da Europa encontramos, também aí, revisões penais que sucedem a um ritmo porventura demasiado. Só para dar um exemplo, a Alemanha, que é o paradigma dos penalistas, desde 1987, já fez sete alterações ao Código Penal e está em curso uma oitava. E se olharmos para França ou para Espanha, com códigos penais que não têm ainda os anos que se contam pelos dedos da mão, também aí já se estão a fazer revisões várias.
É que o ritmo das mudanças das sociedade de hoje, o aparecimento de novas formas de criminalidade lançam desafios aos Estados e às suas ordens jurídicas de constante atenção e adaptação. É, porventura, um mal mas um mal com que temos de viver numa sociedade em que o que era válido há poucos anos já não é hoje e poderá não ser também dentro de pouco tempo. Temos, também aqui, de lutar para evitar mutações frequentes, salvo quando muito pontuais e impostas pela força dos factos e das situações.
É por isso que apresentamos hoje um conjunto de alterações que esperamos possam perdurar na defesa de valores bem arreigados na nossa sociedade e que vão ao encontro do que a generalidade dos cidadãos sente e pensa no seu quotidiano sobre a segurança, a liberdade e o que deve ser uma sociedade bem organizada em que os cidadãos se sintam seguros, livres e iguais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Porque o crime atenta contra esses valores e o Direito Penal é uma das formas, se bem que não a única, de os defender.
Mantivemos praticamente intacto, na maior parte das suas disposições, o Código Penal em vigor. A ele aderimos quando oposição, apenas se justificando o nosso sentido do voto na altura pela intransigência em não encontrar plataformas de consenso mais alargadas sem que com isso se descaracterizasse o texto que, no fundamental, julgamos ainda válido para a sociedade portuguesa.
São também agora muito poucas as alterações que julgamos dever introduzir na parte geral do texto. Mas elas são importantes para a política criminal que pensamos adequada aos tempos de hoje.
Em primeiro lugar, trata-se do alargamento da competência da lei penal portuguesa para responder a novos fenómenos na criminalidade transnacional. Na alteração ao artigo 5.º pretende-se evitar a fraude à lei por parte de quem viva habitualmente em Portugal e deixa de exigir-se, na alínea b) do n.º 1, que a vítima tenha a nacionalidade portuguesa e que o facto seja também punível pela legislação do lugar em que tiver sido praticado.
Assim se dá, aliás, cumprimento à acção comum contra o abuso sexual de crianças quando feito em país estrangeiro por cidadãos residentes em Portugal.
Por outro lado, consagra-se a regra da aplicação da lei portuguesa a agentes cuja extradição tenha sido requerida desde que não possa ser concedida, designadamente por inconstitucionalidade ou por ilegalidade das condições do
pedido.
Alterações plenas de significado são as da possibilidade de substituição de penas privativas de liberdade e mesmo de dispensa de pena por crimes a que correspondam penas de 1 ano ou até 1 ano e não apenas de 6 meses como até agora. Entendemos que as penas curtas de prisão têm alto carácter criminógeno e devem, tanto quanto possível, ser evitadas. Daí que, também hoje, apresentemos um projecto que dá execução às disposições sobre substituição da pena de prisão por trabalho a favor da comunidade, sanção cada vez mais aplicada nos países europeus e que se tem mostrado altamente adequada quer,

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por um lado, à sanção e reprovação pública do crime quer, por outro lado, à reinserção social do delinquente.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - No que respeita ao reforço da prevenção especial relativamente a criminosos reincidentes, criamos novos condicionalismos para aplicação da pena relativamente indeterminada. Pena essa que, como é sabido, contém em si verdadeiramente uma parte de pena e outra de medida de segurança e que dá resposta não só ao crime praticado e à culpa do agente como também às necessidades de responder adequadamente aos fenómenos da reincidência e com ele à perigosidade criminal.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por isso prevemos a sua aplicação nos casos de reincidência de crimes contra as pessoas ou de perigo comum, com penas superiores a 5 anos.
Pelo contrário, entendemos que tal pena não é adequada ao concurso de crimes, sendo certo que na maior parte dos casos a pena do concurso é por si só mais elevada do que a pena relativamente indeterminada que a ele caberia.
Como também entendemos, seguindo, aliás, na esteira do único código europeu que, de nosso conhecimento, contém pena idêntica, ser de alterar o máximo da pena para metade somada à que seria concretamente aplicável para que esta mantenha alguma correspondência ao nível da culpa, assim respeitando o princípio da proporcionalidade.
Por outro lado, pretendemos a possibilidade da aplicação, logo na sentença condenatória, de medidas de segurança não privativas de liberdade aplicáveis a imputáveis e que se manterão por períodos a seguir ao cumprimento da pena de prisão.
Pensamos que, para além dos mecanismos já existentes, há que evitar o cometimento de novos crimes depois de cumprida a pena, e a isso se destinam as regras de conduta aplicáveis a reincidentes que já estão, aliás, consagradas a propósito de outras figuras no nosso Código Penal. No entanto, ficam subordinados a um regime de reversibilidade e a um período máximo de cinco anos, julgado mais do que suficiente, para evitar que o agente pratique novos crimes.
No que respeita à liberdade condicional, mantemos o instituto nos seus traços gerais, mas introduzimos duas alterações importantes. Uma é a eliminação da regra da concessão automática que, aliás, não se trata de verdadeira liberdade condicional, pois a nenhuma condição está sujeita, introduzindo agora uma condição afirmada não pela positiva, como no regime da liberdade condicional normal, mas pela negativa. Só não haverá lugar à concessão da liberdade condicional aos 5/6 da pena quando houver fundado receio de que o agente, uma vez em liberdade, cometa novos crimes.
Por outro lado, entendemos ser uma medida humanitária, que amplamente se justifica, a possibilidade de antecipação da liberdade condicional quando, em determinadas condições, o agente atinja a idade de 70 anos.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - São neste caso muito menos intensas as necessidades de prevenção de crimes futuros e este sentido humanitário já se encontra presente na nossa legislação com as medidas aprovadas, ainda nesta legislatura, relativamente aos reclusos em fase terminal.
Pensamos que com estas alterações, mantendo o sistema e o espírito da parte geral do nosso Código Penal, se ganha em reforço das medidas aplicadas a casos nítidos de perigosidade e se ganha na capacidade que temos de lidar com a pequena criminalidade, sem usar sistematicamente a prisão para a resposta institucional.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No que à parte especial diz respeito, também as alterações são apenas aquelas que pensamos imporem-se para cumprimento dos princípios que deixámos atrás enunciados.
Desde logo, o aditamento de algumas circunstâncias para a qualificação do homicídio - ser este praticado contra vítima particularmente indefesa, por funcionário com grave abuso de autoridade ou através de meio particularmente perigoso. Todas elas, pensamos, se justificam por si próprias de uma forma bem clara e têm também um efeito de arrastamento em relação a outro tipo de criminalidade menos grave, designadamente as ofensas corporais.
Vínhamos, aliás, sendo criticados - e com inteira razão - nas instâncias internacionais no que respeita designadamente à característica não pública do crime de ofensas corporais praticados por funcionário com grave abuso de autoridade.
Faz-se ainda um conjunto de ajustamentos nas penas para manter uma coerência do sistema que em certos casos não existia.
Reintroduz-se como crime autónomo a violação das leges artis de medicina que criarem perigo para a vida ou grave ofensa para o corpo ou para a saúde do paciente, solução que já foi consagrada no Código de 1982, mas desapareceu, mal quanto a nós, na última revisão.
Quanto aos maus tratos, introduz-se uma alteração de natureza processual no crime praticado contra o cônjuge e criminaliza-se a violação das regras de segurança no trabalho em certas circunstâncias. A exigência sistemática de queixa do ofendido no primeiro caso contribui, seguramente, para assegurar a impunidade do agente do crime, abrindo-se agora uma possibilidade de acusação por parte do Ministério Público quando o interesse da vítima o exigir, solução, aliás, em consonância com aquela que o Código adopta para os casos de menores.
No que respeita aos crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual, introduzimos um novo tipo de crime de coacção sexual, praticado através de extorsão de favores sexuais por ordem ou ameaça de quem tenha uma posição de autoridade hierárquica em relação à vítima.
Preenchemos uma lacuna existente entre a punição dos actos exibicionistas e a punição dos actos sexuais de relevo, que é o da punição de actos atentatórios da liberdade sexual praticados com a vítima. Também aqui o que está em causa são os valores da liberdade sexual.
Acrescentamos, no que diz respeito ao abuso sexual de crianças, a exibição ou cedência de materiais pornográficos com utilização de menores de 14 anos, acompanhando aqui as preocupações, que são também nossas, da generalidade dos países da nossa matriz cultural face a este tipo de crimes particularmente repugnantes praticados sobre menores. Como também alargamos o período máximo da possibilidade de inibição do poder paternal de cinco para dez anos.

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Entendemos suprimir o regime estabelecido para o crime de difamação, no n.º 5 do artigo 180.º, que impõe para prova da verdade do facto imputado, quando se trate de denúncia pública de crimes, a existência de sentença transitada em julgado. Se há casos em que esta exigência atinge o absurdo - extinção de responsabilidade penal, por exemplo -, ela é, de um modo geral, inibitória da liberdade de expressão e da sua veiculação através da comunicação social. Muitos dos crimes que o jornalismo da investigação tem denunciado não poderiam sê-lo com uma norma deste tipo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não desconhecemos que em muitos casos os processos em crimes contra a honra são demasiado duradouros e deixam muitas vezes indefeso quem foi injustamente acusado. Mas com a reforma do Código do Processo Penal penso poderem vir a ser resolvidos rapidamente, de forma a assegurar, em prazo curto, a defesa da honra e dignidade das pessoas injustamente atingidas.
Introduzimos um novo tipo de burla que, infelizmente, se tem desenvolvido nos últimos anos entre nós e que se traduz no aliciamento ou promessa de trabalho ou emprego quando os trabalhadores se desloquem de um Estado para o outro e que, em muitos casos, ficam em situação difícil ou insustentável, privados do mínimo para fazerem face às suas necessidades mais vitais, enganados na sua boa fé e tendo, em muitos casos, trabalhado semanas ou até meses sem receber qualquer contrapartida.
Como fazemos também um conjunto de alterações que vêm sendo reclamadas, e com inteira razão, no que respeita às formas de falência e insolvência dolosa ou negligente, fazendo designadamente responder criminalmente quem, de facto, tiver exercido a administração da pessoa colectiva em causa e não, somente, aqueles que exercem formalmente poderes de administração. Por outro lado, retoma-se uma norma que nos parece adequada, a de culpabilizar aqueles que, conscientes da situação de dificuldade da empresa, não requerem, em tempo oportuno, qualquer providência de recuperação ou não se apresentam ao processo de falência.
Altera-se a tipicidade do crime de discriminação racial, de modo a abranger a discriminação nacional e religiosa.
Quanto aos crimes de perigo comum, criminaliza-se a posse e uso de arma sem licença, assim se pretendendo restringir o uso indiscriminado, designadamente de armas de fogo, que constitui, como é sabido, situação que possibilita o cometimento de crimes graves, designadamente de homicídio.
Altera-se a previsão típica de poluição, desligando-a dos crimes de desobediência e, pelo contrário, reconduzindo-a ao princípio estrito da legalidade, descrevendo as condutas que constituem crime de poluição grave.
Ainda no domínio dos crimes de perigo, prevê-se o atentado à liberdade de circulação em consonância com a já actual penalização das condutas que envolvam criação de perigo para bens patrimoniais de valor elevado. Na verdade, o atentado à liberdade de circulação não é eticamente menos reprovável do que a conduta que põe em causa bens patrimoniais.
Finalmente, no que aos crimes contra o Estado respeita, para além de se discriminalizar o crime de mutilação para isenção do serviço militar, já hoje sem dignidade punitiva face às condições actuais e numa ordem jurídica que consagra a objecção de consciência, alteram-se os pressupostos do crime de tráfico de influência, alargando-o às hipóteses de influência real ou suposta e criminalizando igualmente a vantagem patrimonial como a não patrimonial.
O crime de desobediência passa a ser descrito a partir de um conceito material, rejeitando-se a simples ordem administrativa sem fundamento legal e descrevendo-se as condutas típicas em plena adesão ao princípio da legalidade e também àqueles tipos de desobediência que verdadeiramente merecem sanção criminal.
Eis, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o essencial do conjunto de alterações ao Código Penal que hoje apresentamos perante VV. Ex.ªs, sob a forma de proposta de lei, que sempre defendemos ser a forma adequada para que a Assembleia da República possa discutir e votar, no pleno exercício dos seus direitos, alterações a um diploma básico da nossa vida em sociedade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Também hoje apresentamos, como já referi, um outro diploma de grande impacto para a política criminal do país, o da regulamentação do trabalho a favor da comunidade como sanção alternativa às penas detentivas.
Estão em preparação, uns já para aprovação próxima do Conselho de Ministros, outros para dentro em breve lhe serem presentes, um outro conjunto de diplomas que preenchem lacunas e distorções várias do sistema penal português.
Refiro-me, designadamente, ao novo regime do cheque, com sistema de efectivo controlo por parte do sistema bancário dos utilizadores deste tipo de cheque e despenalização dos chamados cheques pós-datados; à Lei de Saúde Mental no que respeita aos direitos dos doentes - aliás, em parte dependente de alteração constitucional, em análise no processo de revisão constitucional nesta Assembleia; ao processo de alteração legislativa para modificação de vários dispositivos da Lei de Registo Criminal, no sentido da sua simplificação de molde a permitir um tratamento mais ágil do processo penal; à lei que
permitirá aos tribunais portugueses, na senda do que hoje se vai passando em muitos países, a adopção em Portugal de medidas de detenção domiciliária, com o controlo adequado do seu cumprimento, em substituição de penas detentivas de curta duração ou mesmo da prisão preventiva.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: -- Finalmente, para culminar este conjunto de legislação que forma um todo coerente que pretende introduzir modernização e eficácia sem perda das garantias dos cidadãos no sistema penal, refiro as relevantes alterações ao Código de Processo Penal que vão entrar em fase de discussão pública antes de poderem ser aprovadas pelo Governo para serem presentes a esta Assembleia.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O Governo, com este conjunto de iniciativas, dá cumprimento integral ao seu Programa em matéria tão sensível e relevante. Mas, mais do que isso, pretende dotar o país de um sistema penal coerente e moderno que dê resposta à ansiedade e à exigência dos cidadãos e que demonstre que o poder político está actuante, atento e assumindo as suas responsa-

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bilidades numa democracia moderna e num Estado de direito democrático na sua mais plena realização.
O Governo está consciente de ter assumido essas responsabilidades aqui e agora. Cabe neste momento a palavra, Srs. Deputados, às bancadas e, em especial, às bancadas da oposição.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro da Justiça, inscreveram-se os Srs. Deputados Miguel Macedo, Maria José Nogueira Pinto, Odete Santos, Maria Celeste Correia, Isabel Castro e Alberto Martins.
Entretanto, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró, para introduzir o debate do projecto de lei n.º 364/VII, apresentado pelo CDS-PP.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça e Sr. Secretário de Estado da Justiça, Srs. Deputados: O Partido Popular cumpre hoje, mais uma vez, o compromisso eleitoral que assumiu com o povo português em matéria de revisão do Código Penal.
Para um partido conservador como é o nosso, a revisão de um Código Penal é tarefa que não queremos, nem podemos, assumir de ânimo leve, já que se trata de introduzir alterações em leis que precisam de ser claras, estáveis e duradouras se pretendem ser verdadeiramente eficazes.
A verdade, contudo, é que não podemos permanecer insensíveis perante o sentimento generalizado de insegurança que se vive no país, em particular nos centros urbanos. Sendo certo que é no momento legislativo que mais importa contar com o efeito de prevenção geral das penas, não quisemos deixar de aproveitar a ocasião - que, saliente-se, não fomos nós quem criou - para insistir em determinados pontos de inegável importância para a nossa política penal.
Em primeiro lugar, a agravação das penas de prisão.
É lógico e é coerente que a proponhamos mais uma vez, pois continuamos a acreditar que a ameaça de uma pena severa é um eficaz factor de dissuasão do cometimento de crimes, sobretudo daqueles crimes que maior censura merecem. Estamos a falar daqueles crimes que ofendem o valor da vida humana e da integridade física do indivíduo, mais aliás do que aqueles em que estão em causa bens materiais ou interesses de outra ordem.
Convém recordar que o Código Penal continua a ser a referência última de toda a legislação penal avulsa e que é nele que se encontram os limites, mínimo e máximo, das penas aplicáveis à punição dos crimes em geral. Por isso nos pareceu preferível alterar os limites das penas em normas de âmbito geral, abrangendo a sua aplicação à criminalidade especialmente chocante, mais do que alterar os limites das penas em cada caso particular.
Por razões de coerência do sistema de normas penais, e no intuito de garantir a harmonia respectiva, a opção que hoje trazemos ao debate é a de aumentar o limite máximo da pena de prisão para 30 anos na punição do concurso de crimes, da reincidência e dos demais casos de agravação legal previstos na nossa proposta.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - A agravação dos limites máximos das penas aplicáveis a cada crime é uma opção legislativa tão válida quanto a do aumento do limite máximo da penalidade global dos casos mais graves. Mas o que está para além de qualquer dúvida é que a agravação das penas faz parte da nossa política em matéria penal, do compromisso que assumimos com o povo português e dele não abdicamos porque, para nós, primeiro está a protecção dos inocentes e das vítimas e o castigo efectivo dos delinquentes.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Deputados: Também no que toca à liberdade condicional, as propostas do Partido Popular são claras e coerentes. Em primeiro lugar, defendemos a eliminação da possibilidade de liberdade condicional com metade da pena cumprida. Mantendo embora os requisitos subjectivos e objectivos de que a lei faz depender a concessão da liberdade condicional, entendemos que os limites mínimos de cumprimento da pena de prisão devem subir para 2/3 ou 5/6, conforme os casos.
Elimina-se, em segundo lugar, a norma que obriga à concessão automática da liberdade condicional, independentemente de quaisquer requisitos, quando o condenado tiver cumprido 5/6 da pena, nos casos de condenação em pena superior a 6 anos.
A concessão de liberdade condicional passa a ficar sempre dependente de requisitos precisos, confiando-se exclusivamente ao julgamento do tribunal de execução de penas a concessão deste benefício e transferindo-se para o recluso o encargo de dar provas da sua efectiva intenção de se recuperar e regenerar, sabendo de antemão que não é o decurso do tempo que o vai colocar em liberdade, ainda que condicional, antes do fim do cumprimento da pena.
Cuidámos ainda de fazer reflectir, em sede de agravação geral da pena aplicável a cada crime, a atenção que é devida à especial protecção de vítimas indefesas, como sejam as pessoas particularmente desprotegidas em razão de idade, deficiência ou gravidez.
Relativamente a amnistias e perdões genéricos, é conhecida a nossa posição: continuamos a opor-nos à descriminalização velada em que as mesmas se traduzem.
Entendemos, por isso, que esta é a altura apropriada para, em sede de revisão constitucional, se vir ainda a colocar a codificação penal central entre as matérias merecedoras de forma de lei reforçada, em nome da garantia da estabilidade e da eficácia das respectivas normas.
O pano de fundo constituído pela necessária relação entre a revisão penal e a revisão constitucional serve também para procurar a realização prática de um princípio de política legislativa já anteriormente tentado pelo Partido Popular: o impedimento genérico de amnistias de crimes particularmente graves, em termos tais que, se a proposta que fazemos para o artigo 128.º vier a constar de um Código Penal com a forma de lei orgânica, só um consenso parlamentar alargado poderá permitir modificações legais nesta matéria, evitando-se assim erros como os verificados em tomo da amnistia aos réus das FP-25 de Abril.
No que respeita às alterações propostas para a parte especial do Código Penal, a intenção é a de, precisamente, minorar, em determinados crimes em que está em causa a protecção jurídica de bens pessoais, a imagem de permissividade da nossa lei penal, claramente acentuada com a última reforma do Código Penal. Nesta estabeleceu-se como regra a substituição das penas privativas da liberdade de curta duração pela pena de multa, em termos

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tais que, invertendo-se completamente todas as regras, passou a ser a aplicação da pena de prisão em vez da multa que tem de ser justificada na sentença, e não o contrário.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Este sistema de aplicação da pena de multa revela-se, a todos os títulos, inaceitável, pois é tributário de uma visão economicista da justiça penal, que inequivocamente rejeitamos.
Acresce que o simples efeito de prevenção geral presente no momento da feitura de uma nova lei penal será positivo no combate à criminalidade e a essa imagem pública de permissividade. Assim sendo, retiramos do Código Penal a possibilidade de substituição da pena de prisão por multa nos casos de protecção jurídica de bens pessoais, como são os de homicídio por negligência, coacção e outros.
Noutros casos, porém, a pena de multa será aplicada cumulativamente com a pena de prisão, retomando-se assim uma solução anterior à última reforma do Código Penal, para cuja eliminação nunca se deu explicação aceitável.
Finalmente, no caso específico dos crimes de furto simples e de furto de uso de veículo, a eliminação do carácter semi-público dos mesmos justifica-se pela dispensabilidade da colaboração particular na perseguição destes eventos criminosos - que retira todo o sentido à tutela do que aí se trata, servindo apenas para diminuir artificialmente as estatísticas da criminalidade participada.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, são estas as linhas gerais da nossa presente proposta de revisão do Código Penal, em plena coerência com os princípios que sempre defendemos e dos quais já vos demos conta. Apresentamo-la porque somos um partido de oposição responsável e de iniciativa; fazemo-lo porque a nossa resposta à proposta governamental que hoje aqui se discute não é de crítica destrutiva, mas construtiva.
Sabemos bem - e criticamos - que o Governo está hoje, mais uma vez, em contradição consigo próprio. Diz que quer rever o Código Penal por razões de harmonização axiológica com a Constituição e antecipa a reforma que hoje nos traz à revisão constitucional em curso!
Não é o único erro do Governo que aqui hoje se revela. O Governo diz-se defensor da estabilidade legislativa em matéria penal, mas traz-nos uma proposta desacompanhada de revisões concomitantes nas leis de processo penal, da orgânica judiciária, da execução das penas e da reinserção social. Esquece-se o Governo da necessária unidade do sistema penal e que, ao mexer apenas um dos seus segmentos, desequilibra forçosamente outros que, de modo implícito, logo ficarão afectados, ou cuja necessidade de revisão se vai acentuar.
É o Governo que fala de estabilidade que não sabe parar a instabilidade legislativa.
Eis a preocupação do Partido Popular: já que se discutem retoques de imagem do Código Penal - símbolo e sintoma dos erros da reforma de 1995 -, por que não ter a coragem de ir mais longe e dar à sociedade portuguesa a bandeira de maior segurança colectiva, que é o primeiro pilar da liberdade individual?
Já que se instabiliza o sistema, por iniciativa do Governo, porque não fazê-lo com correcção, ligando, como o Partido Popular ora propõe, as limitações à liberdade condicional com propostas já anteriormente aprovadas na generalidade nesta Câmara? Já que se opta por enfeitar os «retoques» com bons propósitos de concessão de maior protecção a vítimas particularmente indefesas, porque não assumir a sério essa protecção, generalizando-a nos termos ora propostos pelo Partido Popular?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pertencemos a um país pioneiro na abolição da pena de morte; pertencemos a um país elogiado pela invenção e desenvolvimento de institutos penais alternativos; pertencemos a um país de doutrina jurídico-penal lida e respeitada. Mas a verdade é que somos também o país da inaplicação das leis penais; somos também o país do constante mal-estar, originado na desconfiança entre inventores e aplicadores do sistema; somos também o país da falta de ordem e de articulação na reforma do conjunto do sistema penal, geradoras da ineficácia e da descrença nesse mesmo sistema.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, é preciso começar a mudar. Comecemos por fazer coincidir o que o povo sente com o que em seu nome deve ser dito e aplicado na barra dos tribunais. É que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, de nada vale aperfeiçoar as fórmulas legais se esquecermos a realidade que elas devem servir.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para proceder à leitura do respectivo relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva, que dispõe de 6 minutos para o efeito.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, obviamente, não vou proceder à leitura do relatório porque seria fastidioso fazê-lo, por isso limitar-me-ei a apresentá-lo em linhas gerais.
A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, à qual baixaram os diplomas agora objecto de discussão, sempre que tem em mãos iniciativas desta natureza e importância, que tocam códigos básicos, como é o caso do Código Penal, tem a preocupação de aprofundar a reflexão sobre estas matérias, através da realização de um conjunto de audições, que vão desde o Sr. Ministro da Justiça até ao Sr. Procurador-Geral da República, passando pela Ordem dos Advogados, pelo Conselho Superior da Magistratura, pelas associações sindicais dos juizes, dos magistrados do Ministério Público e outras entidades.
Assim se fez e, por isso, foi possível - dou conta desse facto no relatório - que essas entidades nos deixassem a sua impressão e opinião sobre a proposta do Governo. Desde logo, há uma tónica que se mantém em quase todas as intervenções que tiveram lugar, a de que a proliferação legislativa, a alteração frequente, em particular da legislação penal, plano onde se requer estabilidade legislativa, é inconveniente. As revisões e as alterações profundas aos códigos devem determinar que os «remendos» posteriores se façam o mais espaçadamente possível, em nome dessa estabilidade.
A Ordem dos Advogados diz mesmo que é preciso dar tempo para que estes diplomas sejam profundamente interiorizados pela sociedade e deixa também a nota de que não deve recorrer-se ao agravamento de penas, puro e simples, porque o importante é garantir e assegurar a necessária prontidão da administração da justiça penal.

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O Sindicato do Ministério Público queixa-se de que houve uma «curteza» de tempo no aprofundamento jusfilosófíco e criminológico desta proposta. Aliás, também se queixaram de que a versão que lhes foi dada para apreciação, a estas e outras entidades, não coincidia já com a versão que foi enviada ao Parlamento.
O Sr. Procurador-Geral da República chamou a atenção para a solução de alteração do artigo 50.º, no que diz respeito ao problema de a prática de crimes no estrangeiro por portugueses poder ser julgada em Portugal, chamando a atenção de que é preciso introduzir um requisito que clarifique esta matéria, no sentido de que tal só deverá ocorrer quando essas práticas forem também criminais no local onde tenham ocorrido.
O Fórum Justiça e Liberdades alertou-nos para o facto de as alterações em matéria de liberdade condicional estarem perspectivadas para se aplicarem apenas a crimes praticados depois da vigência desta lei, o que determinará a sua aplicação numa perspectiva de 8 ou mais anos, ou seja, não haverá um aproveitamento destas alterações em termos imediatos.
Outras entidades chamaram ainda a atenção para as soluções que se introduzem em matéria da pena relativamente indeterminada, designadamente à exigência de sentença transitada em julgado anterior, que pode conduzir, segundo o Fórum Justiça e Liberdades, designadamente a um bis in idem.
A aplicação das regras de conduta propostas pelo artigo 102.º também foi profundamente criticada pela Associação dos Magistrados Judiciais, que a entendem como uma desnecessária alteração profunda da filosofia do Código Penal.
Também nos foi referido que está previsto o uso de uma expressão com pouco rigor, a de crimes praticados com grave abuso de autoridade, apelando para a necessidade de corrigir esta situação.
Relativamente à penalização da negligência, em termos de legis artis, também nos foi alertado, designadamente pelo Sr. Procurador-Geral da República, o perigo de ser inibidora do progresso e investigação científica e particularmente inibidora para os médicos em início de carreira.
O Sr. Procurador-Geral também discordou da solução de, com base no princípio da oportunidade, se permitir que o Ministério Público possa desencadear o processo relativamente a maus tratos entre cônjuges, entendendo, e parece-nos bem, que ou as questões são graves e devem tomar a natureza de crime público ou, então, não se deve interferir numa área de intimidade e de esfera privada de carácter conjugal.
Mas o Sr. Procurador-Geral também foi crítico em relação à solução do chamado assédio sexual, que não é assim designado mas que era assim designado na proposta do Sr. Ministro da Justiça quando Deputado aqui na Assembleia, ou, pelo menos, do seu partido, aquando da revisão de 1994/95.
Também o Sr. Procurador-Geral da República chamou a atenção para a forma como vem configurado o crime de desobediência, que é a de só existir este crime quando da desobediência advier perigo para a vida das pessoas ou para interesses altamente relevantes ou para a liberdade, o que, no dizer do Sr. Procurador, se traduz num claro esvaziamento de autoridade. Esta observação é altamente crítica e vão por aí adiante as observações, que são ainda mais pormenorizadas em sede de especialidade, relativamente a esta questão.
Quanto ao projecto de lei apresentado pelo CDS-PP, foi distribuído apenas ontem e, por isso mesmo, não foi possível fazer uma análise aprofundada do seu conteúdo.
Em todo o caso, e foi bem chamado à atenção pelo Sr. Presidente da Assembleia, há uma notória inconstitucionalidade, quando se pretende impor que a Assembleia da República, no futuro, em eventuais leis de amnistia, esteja condicionada por determinados limites.
Parece-nos, obviamente, que o poder constitucional da Assembleia, as competências constitucionais da Assembleia não podem ser condicionadas por lei comum, sendo certo, sempre, que a iniciativa legislativa da Assembleia poria em causa essa lei comum que tal pretensão pudesse ter.
Dada a circunstância de o projecto de lei ter sido admitido, naturalmente não nos poderíamos opor, como não nos opusemos, à sua subida a Plenário, mas temos esperança de que, se houver seguimento destes diplomas para a discussão na especialidade, designadamente do projecto de lei do CDS-PP, se faça a correcção necessária.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, então, prosseguir com os pedidos de esclarecimento ao Sr. Ministro da Justiça.
Em primeiro lugar, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, o meu pedido de esclarecimento pretende abordar duas matérias, que são, aliás, matérias importantes da proposta de lei que o Governo traz hoje à Assembleia da República, quais sejam as que dizem respeito ao crime de desobediência e à liberdade condicional.
Começando pela liberdade condicional, Sr. Ministro, V.Ex.ª disse aqui, nesta Assembleia, na sessão de 9 de Outubro de 1996, o que passo a citar: «(...) o Governo vai propor à análise de VV. Ex.ªs, nos próximos dias, (...)» - em 9 de Outubro de 1996 - «(...) as seguintes medidas: primeira, restrição do regime de liberdade condicional, que, em regra, não será aplicável a casos de reincidência ou de concurso de infracções que envolvam crimes contra as pessoas, como o homicídio, as ofensas graves, o sequestro e a violação, ou crimes de perigo comum, como, por exemplo, o de explosão, punidos com prisão superior a cinco anos (...)». Acrescentava, depois, o Sr. Ministro:
«Pretende-se, assim, pôr cobro a uma situação de injustiça relativa que não distingue entre a prática de um só ou de vários crimes nos casos mais graves, como o de homicídio qualificado (...)».
Sr. Ministro da Justiça, a questão que lhe quero colocar tem a ver com o seguinte: V. Ex.ª hoje, em vários órgãos de comunicação social, fez diversas considerações sobre as propostas que o Partido Social Democrata já tinha apresentado aqui, nesta Assembleia, relativamente à matéria da liberdade condicional, designadamente qualificando como reaccionárias algumas das propostas que fizemos e que são conhecidas de todos.
Ora, com esta proposta de lei, V. Ex.ª não consagra nenhuma das intenções, nenhuma das convicções que trouxe aqui, a Plenário, no dia 9 de Outubro. E a pergunta muito concreta que lhe faço é a seguinte: o que é que fez V. Ex.ª, Sr. Ministro da Justiça, recuar nessas convicções?
O que é que, neste lapso de tempo, fez com que o Ministro da Justiça recuasse nessas convicções e apresentasse hoje uma proposta de lei que não consagra nenhuma des-

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sãs grandes preocupações? Será, Sr. Ministro da Justiça, que V. Ex.ª cedeu nas convicções a troco das preocupações que tem hoje, no sentido de atenuar a pressão no sistema judicial?

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - O Sr. Deputado não leu a proposta!

O Orador: - Em segundo lugar, quero colocar-lhe uma questão que traduz uma enorme preocupação para o Partido Social Democrata, porque tem a ver, Srs. Deputados do Partido Socialista e Sr. Ministro da Justiça, com uma matéria que temos discutido aqui, várias vezes, que é a matéria da autoridade do Estado. Estamos a falar, obviamente, da proposta para o artigo 348.º que, hoje, o Governo aqui apresenta e que tem a ver com a desobediência.
Sr. Ministro, quero dizer-lhe, muito claramente, que o Partido Social Democrata tem a maior das reservas e a maior das preocupações em relação ao texto da alínea c) do n.º 1 do artigo 348.º que VV. Ex.ªs aqui apresentam.
É que, de duas, uma, Sr. Ministro da Justiça, ou o Governo é consequente com a afirmação repetida que faz de que quer salvaguardar a autoridade do Estado ou, então, Sr. Ministro da Justiça, há um flagrante engano, quando VV. Ex.ªs propõem, nos termos em que o fazem, o texto da alínea c) do artigo 348.º.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Macedo, antes de mais, agradeço as suas questões.
Em matéria de convicções, Sr. Deputado, não julguei que V. Ex.ª fosse usar da palavra com tanta veemência,...

Risos do PS.

... visto que quem teve convicções há dois anos foi V. Ex.ª e a sua bancada, ao apoiarem um projecto de Código Penal a que nós hoje somos muito mais fiéis do que VV. Ex.ªs.

Vozes do PS: - Muito bem! É verdade!

Protestos do PSD.

O Orador: - Muito mais fiéis! Olhe, Sr. Deputado, pergunte a um professor de Direito Penal da Faculdade de Coimbra, que foi um dos mais exímios e actuantes autores desse Código Penal, o que é que ele pensa da sua bancada hoje, em matéria de direito penal!...

Vozes do PS: - Chama-lhes trauliteiros!

O Orador: - Se não se lembra, Sr. Deputado, relembro-lhe: trauliteiros!
Portanto, Sr. Deputado, julguei que os Srs. Deputados do PSD não fossem falar de convicções, porque foram VV. Ex.ªs que, no curto espaço de não chega a dois anos - porque já começaram a falar nisso no Verão passado, por terem sido noticiados meia dúzia de crimes na televisão -, pretenderam rever, de fio a pavio, totalmente, todo o regime da liberdade condicional.
Ouçam os vossos penalistas, Srs. Deputados! Chamem-nos cá e ouçam o que eles têm a dizer sobre as vossas convicções no passado e as vossas convicções no presente.
Agora, vou explicar-lhe, Sr. Deputado...

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Vamos a isso!

O Orador: - O Sr. Deputado não deve ter lido tudo, porque se lesse a nova redacção, no que diz respeito...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): -V. Ex.ª é que não leu o Costa Andrade todo!

O Orador: - Com V. Ex.ª já terei, certamente, o prazer de falar! Não vou sair daqui, Sr. Deputado Guilherme Silva, sem ter o prazer de falar com V. Ex.ª, porque ficaria altamente frustrado! Mas agora estou a falar com o Sr. Deputado Miguel Macedo, se V. Ex.ª me der licença, uma vez que o meu tempo é curto.
Se o Sr. Deputado ler a nova redacção da pena relativamente indeterminada, verá que por aí se atingem exactamente os fins que eu queria atingir. É que bastam dois crimes contra as pessoas ou de perigo comum para haver lugar a uma pena relativamente indeterminada. E se os Srs. Deputados virem...

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Eu li, Sr. Ministro!

O Orador: - Sr. Deputado, está lá! Leia, que está lá!
Portanto, houve um pensamento sobre todas estas matérias e cheguei à conclusão, aliás, como as pessoas que me acompanharam, de que iríamos atingir exactamente os mesmos objectivos com a nova redacção para a pena relativamente indeterminada.
Quanto à desobediência, mais uma vez lhe digo que o Sr. Deputado não lê tudo!

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Li, li!

O Orador: - Sei que o tempo é pouco mas - que diabo!... - para ler um artigo sempre vai dando!
Sr. Deputado, vamos ler o que estabelece o artigo 348.º.

Vozes do PS: - Em voz alta!

O Orador: - Exactamente! Vamos ler em voz alta!

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (António Costa): - E devagarinho!

O Orador: - Mas, já agora, peco-lhe um favor: se o Sr. Deputado conhecer algum Código Penal da Europa em que venha criminalizado o crime de desobediência como vem hoje no nosso Código Penal, agradeço-lhe, e fico-lhe, desde já, imensamente grato, que mo envie para o Ministério. É que não há nenhum! E sabe por que é que não há nenhum, Sr. Deputado? É que tenho dúvidas de que o crime de desobediência hoje, entre nós, seja constitucional...

Vozes do PS: - É verdade!

Protestos do Deputado do PSD Miguel Macedo.

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O Orador: - Ouça, Sr. Deputado!... Tenho dúvidas de que seja constitucional, porque nem sequer precisa de uma lei para que a ordem tenha de ser obedecida, sob pena de crime. E o que eu fiz, Sr. Deputado, o que o Governo fez não foi a alínea c) do n.º l do artigo 348.º.

Protestos do Deputado do PSD Miguel Macedo.

Já agora, preste-me um bocadinho de atenção, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente: - Agradeço que condense o seu pensamento, Sr. Ministro.

O Orador: - Estive com tanta atenção, Sr. Deputado! Já agora...

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, agradeço que tenha também atenção às minhas injunções.

O Orador: - Agradeço a chamada de atenção de V. Ex.ª, Sr. Presidente.
Sr. Deputado, o que está em causa é o artigo 348.º, alínea a), quando uma disposição legal cominar, no caso, a punição de desobediência simples. É preciso haver uma disposição legal, Sr. Deputado!

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Não é como hoje, que não é preciso, que basta uma pessoa, qualquer autoridade administrativa, dar uma ordem para que, se ela não for obedecida, haja crime de desobediência. Onde é que isto existe na Europa, Sr. Deputado? Então, e em todos os países da Europa não há autoridade do Estado?
Sr. Deputado, cada vez me convenço mais de que os senhores têm uma concepção da autoridade do Estado que já está velha e revelha, que tresanda a outros tempos!
Vejam o que se passa nos outros países da Europa e aprendam um bocadinho, porque também não vos faz mal! E, já agora, consultem os vossos parceiros sociais-democratas europeus sobre a existência deste crime nos seus países.

Aplausos do PS.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Os parceiros europeus já não são sociais-democratas, agora são outros!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Já consultámos o Procurador-Geral da República, que diz que isto é uma balela!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado, Luís Queiró.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, já me coube intercalar uma intervenção de fundo antes de lhe fazer estas perguntas; embora me pareça que teria sido mais saudável para o debate colocar primeiro as questões. Mas, enfim, temos um Regimento que ainda é pior do que o Código Penal e que não nos permite actuar pela ordem lógica. No entanto, cá estamos, outra vez. Sr. Ministro, reincidentes, contumazes, a discutir estas matérias e a justiça.
Tenho algumas observações para lhe fazer, Sr. Ministro, porque, na verdade, esta proposta de revisão do Código Penal suscita-me algumas perplexidades, a primeira das quais tem a ver, desde logo, com a questão da sua oportunidade.
Como tive ocasião de dizer, na minha intervenção, e reafirmo aquilo que disse, não me parece que se possa fazer uma revisão do nosso sistema penal de forma segmentada. Aliás, a instâncias minhas, o Sr. Ministro teve até o cuidado de já me ter esclarecido de que, por exemplo, a revisão do Código de Processo Penal não pode ser feita por razões ligadas à revisão constitucional, revelando um conhecimento antecipado sobre as matérias que iam ser discutidas em sede de revisão constitucional, o que muito me apraz registar, porque, pela minha parte, não tinha esse conhecimento.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Tem de lá ir!

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - A discussão é pública!

O Orador: - De qualquer forma, o que lhe quero dizer é o seguinte: não vejo como é que alterações legislativas tão importantes, num sistema penal que precisa, claramente, de uma reforma no campo da realidade da aplicação da justiça, se possam fazer, discutindo apenas, como disse, segmentadamente as questões. Aliás, tanto quanto sei, esta segmentação transmite-se, inclusivamente, às próprias comissões, que não sei se comunicaram entre si tanto quanto era devido, mas falo também do sistema do processo penal, do direito penitenciário, do Instituto de Reinserção Social, da organização judiciária, do registo criminal, etc. E parece-me que essa grande reforma é que deveria ter sido aqui trazida!
Mas, mais, Sr. Ministro: passei os olhos pelos relatos da revisão do Código e do debate parlamentar que se fez aqui em 1995 - V. Ex.ª era Deputado e eu nem isso, era apenas um atento dirigente partidário de um partido que, na altura, queria crescer - e a verdade é que houve um Deputado do Partido Socialista, hoje seu colega do Governo, que fez o que me pareceu ser um diagnóstico feliz - feliz para ele, não para a realidade - da administração da justiça e da legislação penal. E fez uma distinção muito curiosa entre o Direito Penal nos livros e o Direito Penal em acção, a aplicação do Direito, essa área onde, aliás, a responsabilidade do Governo tanto se deve enfatizar. E referiu quatro grandes problemas e quatro grandes estrangulamentos, relativamente à aplicação da justiça e à realidade da administração da justiça em Portugal.
Em primeiro lugar, revelou-nos aqui - coisa que também já tivemos oportunidade de constatar - que menos de um quarto dos crimes são denunciados. Veja bem, as vítimas não confiam, não acreditam, descrêem na capacidade de resposta do sistema penal.
Em segundo lugar, referiu-nos a morosidade no esclarecimento dos crimes, de tantos que prescrevem na fase de investigação. Não se inicia a investigação, porque não há meios, não são investigados...

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Isso era dantes!

O Orador: - Isto foi há dois anos, Sr. Deputado! E, já agora, espere um bocadinho.

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Em terceiro lugar, referiu também que é superior o número de processos chegados a julgamento que terminam por desistência ou amnistia aos que terminam em condenação ou julgamento. É, de facto, aquilo a que se pode chamar uma economia anómala do sistema.

O Sr. Presidente: - Peco-lhe que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Em quarto lugar, outro grande estrangulamento deve-se ao facto de o sistema prisional não estar dimensionado nem dotado de condições para que as penas de prisão sejam cumpridas com a observância das penalidades consagradas no Código Penal.
Aqui tem, Sr. Ministro, um diagnóstico. Passaram dois anos e, infelizmente, nada de muito relevante se passou, o que me leva a formular-lhe a seguinte pergunta fulcral: porquê não está ainda aqui a grande revisão do sistema da justiça penal em Portugal?

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Queiró, há uma coisa de que beneficio por o PP ter crescido: é que V. Ex.ª foi eleito, e eu gosto sempre de o ver nesta Câmara para que possa conversar comigo sobre as questões da justiça.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Muito obrigado, Sr. Ministro.

O Orador: - Mas há uma coisa que devo dizer: admiro, no PP, a coerência; a coerência é má, mas é a coerência! Salve-se isso, pelo menos!

Risos do CDS-PP.

Os senhores falam das penas de 30 anos, e mais não sei quê, há uma data de tempo... Suponho que já desceram um bocadinho...

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Está melhor!

O Orador: - Está um bocadinho melhor.
Coerência, isso têm, mas, apesar de tudo, o Sr. Deputado hoje falhou um bocadinho à coerência.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Porquê, Sr. Ministro?

O Orador: - Eu vou explicar porquê. Não sei se o Sr. Deputado estava cá na altura, mas quando agora disse que não se deviam fazer reformas penais de pouco em pouco tempo..., devo lembrar que quem primeiro apresentou aqui uma reforma do Código Penal foi o PP.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É verdade!

O Orador: - De todo o Código Penal! Não se recorda disso? Estou bem recordado! Sr. Deputado, mandamo-lo buscar, se for necessário. E sabe a que é que se resumia a dita reforma do Código Penal? Em aumentar as penas todas: de 15 para 18...

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Então, não é todo o Código Penal!

O Orador: - Todo! «De fio a pavio»! Só que aumentava as penas todas, não fazia mais nada.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Mas vamos discutir estas!

O Orador: - Sr. Deputado, só estou a referir-me a isso porque uma das críticas que fez ao Governo foi a de apresentarmos hoje, aqui, uma reforma do Código Penal, uma reforma limitada, como eu disse, reforma que é importante em certos aspectos do sistema penal português, para o tornar mais moderno, mais eficaz. É nisso que estamos apostados.
Aliás, acabei de dizer há pouco, do alto daquela tribuna, e até me esqueci de algumas leis... Olhe, da Lei Orgânica do Ministério Público, por exemplo, que suponho que já está aí... Referi a lei do registo criminal, mas esqueci-me da lei penitenciária, que também está a acabar...
O «cheque» também entrou hoje... Aí está um conjunto de reformas...

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - O seu mandato é só de quatro anos!

O Orador: - Mas ainda é de quatro anos, Sr. Deputado! Não é de dois! Portanto, quando no fim da legislatura o Sr. Deputado se levantar e disser «não fez as reformas do Código de Processo Penal, do registo criminal, da saúde mental, do Ministério Público, etc...» nessa altura dou-lhe toda a razão.
Sr. Deputado, há muita coisa que melhorou. Mas também lhe vou dizer o seguinte: sabe quantos são os crimes acusados, na França, daqueles que são denunciados? São 25%! Dou inteira razão ao Sr. Deputado que falou, não fui eu que falei...

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Alberto Costa!

O Orador: - Eu sei que foi o Dr. Alberto Costa, tenho alguma memória.
Sr. Deputado, nós estamos numa sociedade de punição, de responsabilidade, mas isto também tem de ter os seus limites.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP):- É que a impunidade também tem limites!

O Orador: - Eu disse daquela tribuna que não queria que Portugal fosse a sociedade da punição, da pena mais alta, da espiral em que os senhores querem entrar (mais crime mais pena, mais pena mais crime), copiando algumas experiências - e deviam ir estudar lá! -, como a dos Estados Unidos, onde todos os anos aumentam 10 000 presos nas prisões e alguns já estão no deserto do Arizona rodeados de arame farpado. Portanto, Sr. Deputado, tenhamos cautela nas nossas posições, falemos disto com seriedade.
Há uma coisa que lhe digo: coerência nesta matéria o PP tem, mas, repito, má coerência!

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Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Quem não tem é o Governo!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontram-se a assistir aos nossos trabalhos um grupo de 11 alunos da Faculdade de Direito da Guiné-Bissau. Como se trata de futuros colegas de todos os Srs. Deputados que estão a intervir neste momento, incluindo eu próprio, peço para eles um cumprimento especial.

Aplausos gerais, de pé.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, tenho 12 minutos para fazer uma intervenção sobre duas propostas de lei e um projecto de lei. Convenhamos que isto não dá para uma discussão que considero importante e de grande monta, pelo que vou fazer-lhe apenas uma pergunta no escassíssimo tempo de que disponho.
Tempos antes de surgir na Assembleia da República esta proposta de lei, subscrita por V. Ex.ª, a comunicação social já se fazia eco de que era uma exigência do Sr. Ministro da Administração Interna que os cortes de estradas e de vias férreas viessem a ser seriamente punidos. De facto, V. Ex.ª referiu-se, de passagem, na sua intervenção, embora não seja rigoroso o que está escrito, àquilo que vem proposto nos artigos 288.º e 290.º do Código Penal, que, para além da transformação dos atentados à segurança das comunicações, de crimes de perigo, de perigo abstracto, mas também concreto - de facto, concreto, perigo para a vida ou para a integridade física, ou para os valores patrimoniais de valor elevado -, isto é, para além de acabar com este requisito do perigo concreto, porque V. Ex.ª propõe que se acabe, introduz um outro crime, que é o impedimento à liberdade de circulação, como perigo abstracto.
Ora, em 1995, na discussão da proposta anteriormente apresentada pelo Governo, um Deputado da bancada do Partido Socialista - e isto consta do Diária da Assembleia da República - acusava um ministro do Governo de querer um «Código Penal da ponte».
Pergunto, pois: o que se pretende com esta proposta de lei? V. Ex.ª subscreve um diploma, que é nitidamente uma funcionalização do Direito Penal a objectivos, a armas de arremesso político. V. Ex.ª acha que um Direito Penal puramente de segurança, que nada tem a ver com a culpa, com objectivos puros da segurança interna, em nome da defesa de um partido, reúne o consenso dos cidadãos?
Acha que os cidadãos que manifestam o direito à indignação, como disse um Presidente da República deste país, podem ser tratados como «piratas do ar», como os que fazem actos de terrorismo? Acha que os trabalhadores da Grundig que manifestam a sua indignação podem ser assim tratados pelo Direito Penal?

Aplausos do PCP.

Sr. Ministro da Justiça, devo dizer, porque não acompanhamos as críticas de outros quadrantes às propostas que V. Ex.ª apresentou, que foi com grande admiração que vi este diploma subscrito por V. Ex.ª. De facto, não estava à
espera!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, no tempo de 7 minutos, que lhe foi concedido pelo Grupo Parlamentar do PS, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, gostaria muito de a ter ouvido falar sobre outras propostas do Governo.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Vou falar na intervenção!

O Orador: - Estou cheio de curiosidade em saber o que é que o Grupo Parlamentar do PCP tem a dizer sobre essas propostas do Governo.

Mas no que diz respeito àquilo que V. Ex.ª qualifica de «Código Penal da ponte», ...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não fui eu, foi o PS!

O Orador: - ... digo-lhe: é o «código penal da ponte», é! É o Código Penal da ponte para um novo Direito Penal mais eficaz, mais moderno, mais justo, mais adequado às circunstâncias em que o país vive. Nesse sentido, é um «Código Penal da ponte».
Agora, Sr.ª Deputada, V. Ex.ª, que é uma cultora ilustre do Direito e do Direito Penal, com grande experiência nestas matérias...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Ilustre não sou, sou estudiosa!

O Orador: - Estudiosa ou ilustre, para mim vai quase dar ao mesmo, porque quem é estudioso já é ilustre!

Risos.

Sr.ª Deputada, só lhe quero retornar com esta pergunta: a Sr.ª Deputada concorda que quando se puserem em perigo bens patrimoniais alheios...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não é isso que está proposto!

O Orador: - Um momento, Sr.ª Deputada! Escute! Com qualquer destas alíneas do artigo 290.º, V. Ex.ª concorda que, se se puserem em perigo bens patrimoniais alheios de valor elevado, aí, sim, deve haver penalização, mas se se atentar contra a liberdade de circulação, que é uma liberdade como outra qualquer - ou não existe liberdade de circulação? -, não é um atentado tão grave ou mais do que o outro?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Pergunte ao Sr. Secretário de Estado Armando Vara, que esteve na ponte!

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, peço desculpa, mas todos a ouvimos em rigoroso silêncio, pelo que tem de manter o mesmo silêncio para ouvir quem está no uso da palavra.

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O Orador: - Sr.ª Deputada, que eu me recorde - e também tenho memória -, o PS nunca apoiou os cortes de estradas e de outras coisas.

O Sr. João Amaral (PCP): - Nunca os condenou!

O Orador: - O que criticou, e continua a criticar, é a forma como as forças de segurança e as forças da ordem actuaram nesses incidentes. Agora, o que não apoiamos, Sr.ª Deputada - e gostaria que isto ficasse bem claro - são manifestações que, podendo ser justas e legítimas, ponham em causa direitos de outros cidadãos, tão justos e tão legítimos quanto é a liberdade de circulação dos cidadãos neste país.

O Sr. João Amaral (PCP): - Fazem aqui o que nem o Dias Loureiro fez!

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Deixe lá, o senhor tem imunidade parlamentar!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, como cidadã, sou sensível às alterações que veio apresentar a este Parlamento e, como cidadã e como mulher, sou ainda mais sensível às alterações aos artigos 164.º- Violação, 172.º - Abuso sexual de crianças e 175.º - Actos homossexuais com menores. Mas sou particularmente sensível ao artigo 240.º - Discriminação racial ou religiosa.
Alguém já disse, Sr. Ministro, que «contra o racismo não chega o discurso anti-racista». Portanto, perante a violação de direitos humanos fundamentais, com origem em preconceitos raciais ou em atitudes de discriminação é necessário recorrer a meios jurídicos cada vez mais eficazes.
Creio, Sr. Ministro, que o Governo de que faz parte compreendeu isto e tem vindo a agir em conformidade.
Gostaria de lhe dizer que saúdo o aprofundamento consubstanciado nesta alteração, pedindo-lhe que comente esta minha posição.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Informado de que o Sr. Ministro irá a partir de agora responder em conjunto aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, queria dizer-lhe que não temos para nós que as alterações ao Código Penal sejam negativas, ou seja, justifica-se sempre que haja necessidade de as transformações do processo social e aquilo que é a sua incidência no fenómeno criminal terem correspondência do ponto de vista da lei, mas parece-me que, claramente, este não é um Código Penal que corresponda àquilo que, segundo a sua intervenção, é a necessidade, por um lado, de reforço dos direitos dos cidadãos e, por outro, a maior clareza em relação a bens jurídicos a preservar.
A pergunta que lhe faço, em concreto, tem a ver com dois aspectos que me parecem, de algum modo, contraditórios. Disse o Sr. Ministro, e eu concordo, que é importante haver evolução do ponto de vista penal, não pela via repressiva mas encontrando diferentes modos de atingir o objectivo que á sanção penal se propõe. E parece-me ser muito pouco inovador e muito pouco imaginativo este Código Penal desse ponto de vista porque, se há uma outra proposta de lei em discussão, não vejo. de modo algum, que se busquem soluções diferentes de penalização de ilícitos, ou seja, porventura, situações que não têm a ver com a privação de liberdade, que não têm a ver com multa, mas que, numa perspectiva de sanção social ou, nalguns casos, de interdição de actividades, poderiam ter maior eficácia.
Gostaria, pois, que, sobre esta matéria, o Sr. Ministro fosse mais claro e dissesse o que é que pensa sobre uma alteração que não pondera aquilo que poderia ser uma perspectiva interessante de abordar a função que julgo está implícita na penalização.
Por outro lado, parece-me que este Código Penal mexe muito pouco com alguns interesses instalados, designadamente em matéria de ambiente e de Direito de Trabalho. Digo isto porque naquilo que julgará, talvez, seria aparente radical idade nas suas alterações, do ponto de vista da criminalização do ilícito ambiental, essa aparente radicalidade, naquilo que é o contexto em que vai ser aplicado, tem sempre um resultado muito claro porque, se se pretende dar a ideia de total mudança - que o não é, do nosso ponto de vista - como surge neste artigo, estamos perante qualquer coisa que, manifestamente, não vai ser aplicada. E essa é uma perda grande. Aliás, julgo que a não autonomização das questões dos direitos ambientais começa a ser, do ponto de vista do Código Penal, para nós, algo que é tardio e que me parece recuado em relação a outros países.
Outras duas questões que gostaria de ver clarificadas pelo Sr. Ministro têm a ver, por um lado, com aquilo que no artigo 163.º supostamente corresponderia ao assédio sexual e que, manifestamente, não o é - gostaria de saber a que se deve a não ponderação do assédio sexual. Julgo que há um recuo por parte do PS, que gostaria de ver explicado nesta matéria. Outro aspecto que me parece ser profundamente empobrecedor nesta proposta tem a ver com o modo tímido e politicamente recuado como não se considera a questão da sinistralidade no trabalho, tendo em conta aquilo que é a realidade desta situação. Parece-me que a forma como vem misturada no contexto em que vem, constitui uma abordagem excessivamente tímida para aquilo que se desejaria.

O Sr. Presidente: - Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, há vários tipos de incoerência e vários tipos de coerência. Penso que isto vem a propósito para lhe fazer uma pergunta sobre as penas de prestação de trabalho a favor da comunidade.
De facto, há uma coerência evolutiva, como é a nossa - pode até considerá-la má, mas é uma coerência, e penso que tem sido evolutiva -, há uma incoerência de ziguezagues em torno de princípios essenciais, mas há uma incoerência que me faz bem mais impressão e que é aquela que resulta de querermos transferir para um quadro social que nos recusamos a analisar boas intenções e boas ideias. Penso que ainda ninguém falou aqui desta questão das penas de prestação de trabalho a favor da comunidade. Sem dúvida que é uma ideia, não lhe chamaria um prin-

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cípio, perfeitamente aceitável, mas se considerar o quadro da sociedade portuguesa neste momento, verificará que é difícil inserir. E porquê? Já é difícil inserir os ex-toxicodependentes, é difícil inserir os ex-reclusos, é difícil inserir as ex-prostitutas, é até difícil inserir pessoas que não têm culpa de nada, como os deficientes, e é nesta sociedade, que está profundamente fragilizada, que o Sr. Ministro quer vir inserir estas pessoas.
A minha pergunta consiste em saber se o Sr. Ministro não encontra uma relação muito directa entre a tolerância e a vitalidade que uma sociedade tem de ter para este trabalho. E que este é um trabalho para o qual o Sr. Ministro conta com a sociedade. Estive a ler detalhadamente a proposta de lei, e não é, certamente, com os seus serviços de reinserção social que conta, mas sim com a sociedade. Uma sociedade que está profundamente fragilizada, num momento em que não existe nem bem-estar social nem bem-estar económico, em que existe, pelo contrário, sinais evidentes de crise social, em que a insegurança ou, pelo menos, o sentimento de insegurança - e temos de lhe dar valor - aumenta na consciência dos cidadãos. É neste quadro que uma boa intenção e uma boa ideia vai ser aplicada, penso eu, com efeitos perversos, com resultados catastróficos, e essa também é outra forma de incoerência. É incoerência quando, sobretudo para quem está na acção governativa, não é capaz de conciliar aquilo que nos deve nortear, e que são os princípios e as ideias, com a realidade social que tem pela frente.
Pergunto-lhe se são os serviços do Ministério da Justiça, que não foram capazes de fazer, até hoje, o trabalho básico de reinserção dos condenados que já cumpriram a pena - e o Sr. Ministro sabe isso perfeitamente - que vão agora ser as grandes pontes com a sociedade civil, se são as empresas, ou se são as pessoas que não encontram posto de trabalho que vão agora partilhar este espaço, já exíguo, e estas condições, igualmente exíguas, com as pessoas que deviam estar a cumprir uma pena. Não se prende com outras questões maximalistas, prende-se apenas com isto, que julgo ser muito simples e é uma obrigação de quem governa: é ter a noção para que sociedade, para que quadro social envia as medidas que propõe.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, vou começar por responder à Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.
Sr.ª Deputada, agradeço-lhe por ter qualificado de boa ideia, mas não é uma ideia nova, já o Sr. Presidente da Assembleia a teve há muito anos.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - As boas ideias nunca são novas!

O Orador: - Às vezes são! Que diabo, sempre nascem! Têm de nascer! Mas não reivindico para mim o serem novas.
Sr.ª Deputada, vamos lá a ver. V. Ex.ª, possivelmente, não tem estado com atenção, mas nós temos celebrados no último ano dezenas de protocolos com Câmaras, com entidades estatais, com instituições particulares de solidariedade social e temos centenas de reclusos a trabalhar, a trabalhar com salário! Naturalmente, espero que as autarquias, sobretudo os bombeiros e as associações de solidariedade social, etc., dêem aqui o seu contributo.
Agora, a minha obrigação é pôr no terreno, como estamos a pôr, no terreno legislativo, os instrumentos indispensáveis para que isso possa funcionar.
Sabe o que acontece, Sr.ª Deputada? Em Inglaterra - e não vai dizer que a Inglaterra ou a França não atravessam uma crise social - a maior parte das penas decretadas pelos tribunais ingleses são penas de trabalho a favor da comunidade - mais de 50 mil! E vou dar-lhe outro número: em França, há dez vezes mais imigrantes portugueses condenados a pena de trabalho a favor da comunidade do que existem portugueses condenados em Portugal. Porquê? Porque foram criadas condições.
V. Ex.ª poderá dizer que é difícil! Difícil é! Exige, naturalmente, da parte da sociedade civil - porque não são as empresas, estas pessoas não vão trabalhar «de graça» para as empresas...

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Empresas, autarquias, instituições...

O Orador: - Não, hão, as empresas não estão aqui, estão aqui o Estado, as autarquias... Não viu, há dias, que os reclusos vão ajudar a limpar ribeiras por tudo o que é país fora?! Aí está uma matéria... Mas eu vou convidá-la a ir ver! Tanto mais que V. Ex.8 é tão interessada nos aspectos sociais, vou convidá-la a ir ver!
Claro que estamos muito longe de ter atingido o óptimo, mas temos de dar passos, e passos decisivos. Agora, não se venha criticar uma boa ideia por dizer que ela é uma boa ideia! É uma boa ideia e tem condições para avançar.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Não chega!

O Orador: - Todos nós temos de fazer esforços para que chegue e para que a sociedade civil responda.
Sr.ª Deputada Isabel Castro, se há intervenção que me admire é a sua porque se houve um passo decisivo que nós demos foi em matéria de crime de poluição grave, que era um crime de desobediência entre nós! Era sempre necessária uma ordem administrativa para que o crime pudesse ocorrer.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E bem!

O Orador: - Sr. Deputado, esse passo já o deram os restantes países europeus há muito tempo. Começaram por aí mas começaram há vinte anos! E é tempo de nós o
darmos. Mas vê como há contradição? O Sr. Deputado acha mal porque acha muito, a Sr.8 Deputada acha pouco...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é ser muito! É que desresponsabiliza a administração!

O Orador: - Bom, são contradições não direi imanentes do sistema mas imanentes da política!
Mas se há algo em que tenhamos dado um passo em frente é na poluição grave. Quando V. Ex.ª cita textos estrangeiros devemos estar a ler coisas diferentes. Leia a legislação alemã nesta matéria, que é, porventura, a mais avançada, e verá que a nossa, que aqui propomos, não é muito afastada da formulação alemã.
Quanto aos trabalhadores, Sr.8 Deputada, adoptámos aqui, pela primeira vez, um conjunto de medidas muitís-

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simo importantes. São vários os artigos, designadamente aqueles que criminalizam a falta de condições de segurança no trabalho, aqueles que criminalizam a burla para obter emprego. Não sei em que é que V. Ex.ª está a falar quando diz que não avançámos tanto quanto seria desejável. Mas pelo menos aceite que fizemos aqui, neste proposta, um esforço coerente para avançar em vários desses sectores, e avançámos mesmo, em especial na poluição demos um passo em frente decisivo.
Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia, agradeço a sua intervenção mas o meu tempo já é pouco ou nenhum para lhe responder. Fizemos, efectivamente, um esforço para aperfeiçoar todos os dispositivos que criminalizam o racismo porque não se trata apenas do racismo pela cor da pele, trata-se também do racismo pela religião e pela própria nacionalidade.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 80/VII, que o Governo apresentou à Assembleia da República e se destina a alterar o Código Penal, caracteriza-se, antes de mais, pela circunstância de a exposição de motivos ser bem mais longa do que o articulado das alterações que se propõem. É próprio da idiossincrasia socialista ser-se prolixo nas considerações, extenso nas justificações, pródigo na forma, parco na substância e vazio no conteúdo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Passados apenas dois anos sobre a publicação do Decreto-Lei n.º 48/95 que, ao abrigo da Lei n.º 35/94, aprovou, na última legislatura, uma profunda revisão ao Código Penal de 1982, já pretende o Governo, com todos os graves inconvenientes que sempre advêm da falta de estabilidade da lei penal, introduzir-lhe agora novas alterações. Tão profunda foi a última revisão que, na exposição de motivos da lei agora em discussão reconhece-se que «ao Código Penal em vigor pode chamar-se, com inteira propriedade. Código Penal de 1982/95». E justamente se reconhece também no mesmo texto que «por razões de igualdade no tratamento dos arguidos e das próprias vítimas e da segurança jurídica são desaconselháveis mutações frequentes da lei penal».
Porém, e apesar desse expresso reconhecimento, não se deixa de, contraditoriamente, justificar a proposta em apreciação nos seguintes termos: «A Lei n.º 35/94, aprovada em Julho de 1994, não consagrou, no entanto, um conjunto de propostas - apresentadas logo na altura - tendentes, designadamente, ao reforço das penas alternativas às penas curtas de prisão, à agravação de crimes cometidos contra vítimas especialmente indefesas ou por funcionários com grave abuso de autoridade e à intensificação da tutela da liberdade sexual, da liberdade de imprensa, da defesa do ambiente e da transparência na actividade política».
Mal pensaria o meu ilustre companheiro e amigo, e então Deputado, Prof. Costa Andrade, que estaria tão próxima a alteração da lei penal de 1995, quando, na discussão do projecto de lei de autorização legislativa, nesta Assembleia, na última legislatura, com a modéstia e a humildade que o caracterizam, referia: «O tempo do direito intemporal acabou quando, no século passado, se desfizeram as últimas ilusões do jusnaturalismo. Só quando se pensava que o Direito Penal podia ser lido na vontade dos deuses ou escrito na natureza é que se podia pensar que o Direito e o Direito Penal, proclamado uma vez, o era para todos os tempos. As tarefas que nos incumbem - e esta foi a grande descoberta do direito positivo - são muito mais modestas mas também muito mais gloriosas. Somos agentes e participantes numa estafeta interminável, em que nos limitamos a passar o testemunho. Deixamos um padrão com a marca do nosso próprio tempo e das nossas angústias e esperanças na certeza e na convicção de que aqueles que hão-de vir farão diferente de nós».

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A linguagem daquele parlamentar, também penalista ilustre, não deixava dúvidas de que, ciente do valor inestimável da estabilidade da lei criminal e da consolidação e continuada aplicação das reformas dos Códigos, media o tempo das futuras alterações em termos de gerações. Efectivamente, a valoração ética e social de condutas que a legislação penal necessariamente envolve, não se altera nas sociedades democráticas ao ritmo das simples mudanças de Governo. Acresce que a lei penal codificada não pode andar ao sabor de conjunturas, nem ao serviço de objectivos de mera oportunidade política, incompatíveis com a nobreza dos seus fins.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mas será que o Governo concretiza efectivamente nesta proposta de lei o seu enunciado propósito de retomar as propostas do PS de alteração da Lei Penal, que o actual Ministro da Justiça subscreveu quando se encontrava do lado de cá desta bancada, ou seja, quando era Deputado da oposição?!
Desenganem-se os que, ávidos de conforto para os seus iludidos espíritos, alimentavam ainda a esperança de que, ao menos no sector da Justiça, o Partido Socialista e este Governo fossem coerentes com o seu passado, ou seja, executassem, agora no poder, as mesmas propostas que defendiam na oposição. Uma rápida leitura da proposta de lei permite facilmente constatar que, agora no poder, o Partido Socialista permitiu-se: abandonar propostas que anteriormente defendeu, por não convirem a quem governa; alterar anteriores propostas, adaptando-as aos interesses e conveniências de quem governa; como ainda vem apresentar propostas inteiramente novas, por convirem, agora, a quem tem responsabilidades de Governo.
E passo a apresentar exemplos concretos desta trilogia da metamorfose socialista, operada nestes 19 meses de maioria rosa.
Assim, aquando da revisão de 1995, o Partido Socialista propôs alteração no sentido de que a «substituição da prisão por dias livres» e o «regime de semidetenção» passassem a ser possíveis, não apenas nos casos de prisão não superior a três meses mas em casos de prisão não superior a um ano. Agora, no Governo, o PS nada propõe neste particular, por ter percebido que não podia ser tão permissivo quanto era, levianamente, na oposição.
Quanto à pena de admoestação propunha antes o PS a possibilidade da sua publicitação. Agora, no poder, remete-se ao silêncio.
Ontem, na oposição, o PS propunha a substituição da pena de prisão não superior a três anos, pela prestação de trabalho a favor da comunidade. Agora, revelando uma prudência e um realismo então insuspeitados, mas incoerentemente, avança tal possibilidade apenas para os casos

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de pena de prisão não superior a três meses! São só 12 vezes menos!

Vozes do PSD; - Muito bem!

O Orador: - Sr. Ministro da Justiça, permita-me que lhe deixe aqui algumas perguntas ou, mesmo, inquietantes interrogações. Por que não contém agora a proposta de lei do Governo alteração que torne o crime de ofensas à integridade física praticado por agente da autoridade, não dependente de queixa, como V. Ex.ª e os seus colegas de bancada propunham e defendiam quando estavam na oposição? Será que agora não colheu a anuência do Sr. Ministro Alberto Costa?
Por que razão não traz a proposta de lei do Governo o crime de discriminação, designadamente, em matéria de empregos ou cargos, por motivo de posições políticas, conforme foi proposto pelo PS na alteração de 1995? Não estão já feitos todos os saneamentos políticos que o seu partido tão eficazmente tem realizado a todos os níveis da Administração Pública? Ou será ainda uma cautela relativamente às nomeações para as múltiplas comissões e grupos de trabalho em que este Governo é pródigo e que só no seu Ministério já se contam, pelo menos, em 22?!
Qual a explicação de V. Ex.ª para a circunstância de não constar desta proposta de lei qualquer alteração no sentido da incriminação da «submissão a condições de trabalho contrárias à dignidade humana»? Terá isso a ver com as condições em que se mantêm muitos dos trabalhadores indiferenciados em empreitadas ou subempreitadas de obras públicas, com a conivência ou, pelo menos, complacência e omissão deste Governo?
Também gostaria, Sr. Ministro da Justiça, que V. Ex.ª explicasse à Câmara qual a razão por que, relativamente ao crime de «tráfico de influência», agora no poder, V. Ex.ª e o seu Governo tenham deixado cair a proposta socialista de agravamento da pena para o limite de oito anos de prisão, quando tal crime fosse praticado por funcionário público ou titular de cargo político.
Como é que o então Deputado Vera Jardim pode Ter escrito em declaração de voto relativa à Lei n.º 35/94, que, se estas propostas do PS tivessem sido, então, aprovadas, «teriam evitado que se consagrassem opções incorrectas e que se tivesse desperdiçado oportunidade para incorporar no Código orientações político-criminais à altura dos problemas que hoje se colocam» e agora, como que acometido por súbita amnésia, o Ministro Vera Jardim se tenha esquecido dessas mesmas propostas. Ou será, antes, esta uma forma subtil de, embora tardiamente, reconhecer-se que, então, como agora, assistia (e assiste) razão ao PSD?

Vozes do PSD: - Muito .bem!

O Orador: - É que estas «lembranças» ao Governo e ao PS não significam concordância do PSD com tais soluções, sendo antes, e apenas, um apelo à coerência ou a denúncia da sua falta. Pena é que a mudança de atitude de V. Ex.ª nestas matérias não se tenha estendido a todas aquelas que, com propriedade, foram em 1994 criticadas e justamente abandonadas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como se não bastassem estas inexplicáveis e incoerentes omissões, a proposta de lei em apreço enferma ainda de falhas, incorrecções e incongruências que não podem deixar de ser denunciadas.
Assim, e apesar de o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, aquando da discussão do projecto de lei do PSD, que visava tornar mais exigente e mais restritiva a aplicação do instituto da liberdade condicional, ter adiantado que
o Governo iria apresentar alterações nesse domínio, próximas das nossas propostas, a verdade é que acontece exactamente o contrário.

Efectivamente, o que vem proposto em matéria de liberdade condicional, conjugado com as alterações aos artigos 45.º e 74.º, que conduzem à não aplicação da pena de prisão, em. todas as condenações até um ano, a que se juntará a lei de despenalização dos cheques sem provisão, revela bem a perversa utilização, pelo Governo, da lei penal para realizar uma amnistia iníqua, porque cegamente generalizada, para esvaziar as prisões e anunciar, com pompa e circunstância, artificiosas reduções estatísticas da criminalidade. Desta forma se demite o Governo da adequada salvaguarda da segurança dos portugueses e de uma responsável gestão do sistema prisional, como lhe compete.
Por sua vez, as alterações propostas relativamente ao crime de desobediência inserem-se na linha lamentável da perda da autoridade do Estado e da desautorização policial. Efectivamente, subordinar a existência do crime de desobediência aos casos em que desta resultar perigo para a vida e integridade física ou a liberdade de outrem ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado é. Como tão bem referiu o Sr. Procurador-Geral da República, ontem, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, criar «um claro esvaziamento da autoridade»! Sr. Ministro, o Sr. Procurador-Geral da República, pessoa cuja competência é insuspeita, não tem a opinião que V. Ex.ª foi beber aos restantes países da Europa.
Igualmente grave é a alteração que leva a administração pública central e local a demitir-se das suas responsabilidades em matéria de tutela do ambiente. O crime de poluição, tal qual está estruturado, impõe aos responsáveis públicos a intervenção e a fiscalização que, realisticamente, desenvolve a pedagogia necessária à observância do direito do ambiente. Esta é a tradução penal da política de desresponsabilização governamental - qual Pilatos - em matéria de ambiente, que não subscrevemos nem apoiaremos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente e retomando as preocupações do Deputado Vera Jardim relativamente à reforma penal de 1995, pergunto a V. Ex.ª se mantém agora, como
Ministro, o mesmo entendimento de que sem a revisão do Código de Processo Penal, das Leis de Organização Judiciária e de Execução das Penas e da Legislação Penitenciária, quaisquer alterações ao Código Penal não logram obter eficaz aplicação e resultados positivos no âmbito da justiça criminal. Onde param essas reformas e que é feito das promessas da sua célere apresentação a esta Assembleia? Bem pode, pois, V. Ex.ª transformar as suas críticas de ontem, na oposição, em pertinentes autocríticas de hoje, no Governo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em matéria de códigos, está este Governo a adquirir um interessante currículo.
Assim, e relativamente ao Código de Processo Civil, procedeu a uma mera revisão literária da lei do Dr.

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Laborinho Lúcio, tentando, desse modo, apropriar-se de uma reforma que não lhe pertence. Agora, com a presente proposta de lei, quer mutilar injustifícadamente a revisão do Código Penal de 1995. Por este andar, e em matéria de justiça, reconhecer-se-á a V. Ex.ª tão-só o papel que coube a Alexandre Herculano em relação ao Código do Visconde de Seabra, o que é manifestamente pouco face ao vasto rol de promessas feitas por V. Ex.ª.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente ao projecto de lei n.º 364/VII, do PP, com o devido respeito, ele não merece grandes comentários. Na verdade, retoma-se a mesma linha de sempre e que se traduz na tentação primária de resolver os problemas da segurança e da criminalidade pela pura via irracional do agravamento das penas de prisão. No que diz respeito à liberdade condicional, o PP anda para trás e para a frente e muda de posição de projecto para projecto, acompanhando o PS no que diz respeito a coerência em matéria penal.
Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Deputados: O respeito pela memória do Professor Eduardo Correia e pela superior competência do Professor Figueiredo Dias, para além de outros, e a particular importância que em qualquer sociedade assume a lei penal, não nos permite pactuar com a ligeireza dos diplomas em discussão.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para defesa da honra da bancada do Governo, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, fico com mágoa que V. Ex.ª tenha tido que usar o discurso trauliteiro que usou.

Protestos do PSD.

Tendo V. Ex.ª chamado à colação um ilustre professor de direito penal e há falta de um, dois, gostaria que V. Ex.ª lhes perguntasse o que pensam eles - suponho que ainda são militantes do PSD - da reforma que o PSD aqui apresentou.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - O que está em discussão é esta reforma!

O Orador; - É que eu vi o que eles pensam. Pergunte-lhe V. Ex.ª o que eles pensam.

No entanto, que V. Ex.ª faça esse discurso compreende-se pelas circunstâncias políticas, mas é pena que a discussão do Código Penal se veja envolvida neste circunstancialismo político e nesta demagogia. É pena! Porém, pelo menos, cite V. Ex.ª com rigor aquilo que cá está e não venha dizer, como já o seu colega disse, que o crime de desobediência se resume à alínea c) do n.º l do artigo 348.º.
Sr. Deputado Guilherme Silva, leia o que consta no n.º l, alínea a), do artigo 348.º, que passo a citar: «Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos (...), é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias se: à) Uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples». É isto que cá está e o que cá estava era indigno de um Estado de direito democrático. Continuo a afirmar que uma ordem que não se funda na lei não é uma ordem em relação à qual se possa praticar um crime de desobediência.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, começo por fazer três observações.
A primeira é a de que não lhe fica bem o papel de vítima. V. Ex.ª não precisa de assumir essa pose para intervir com a capacidade que todos lhe conhecemos no debate parlamentar.
A segunda é a de que registo que V. Ex.ª, apesar de mais afastado destas lides parlamentares pelas suas funções governativas, continua a conhecer os truques do Regimento para ter tempo de intervenção, uma vez que defendeu a honra quando a mesma não tinha sido ofendida. E resultou claro da sua intervenção que assim era.
A terceira é esta: quando eu esperava que tivesse uma intervenção relativa à substância da minha intervenção, tentou logo rotulá-la, que é uma forma indirecta de desvalorizar por via da forma aquilo que não se consegue desvalorizar quanto ao conteúdo. Fiquei muito satisfeito por ter sido assim porque, implicitamente, V. Ex.ª acaba de concordar substantivamente com aquilo que eu disse.
Em relação à questão do crime de desobediência, vamos ver se nos entendemos. O Sr. Ministro não vai dizer que o Sr. Procurador-Geral da República não leu a norma toda. Leu-a,...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!

O Orador: - ... tal como eu e não concordamos com ela, porque corresponde a uma desautorização da entidade policial. Isto é, efectivamente, um esvaziamento da autoridade.
Sr. Ministro, as suas preocupações podem ser legítimas, mas há outras formas de corrigir esta norma sem cair neste extremo em que VV. Ex.ªs caíram. Dê a mão à palmatória e não ponha para trás das costas aspectos essenciais do Estado de direito, que é também o da autoridade democrática.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar ao período regimental das votações.
Vamos começar por votar, em votação global, a proposta de resolução n.º 42/VII - Aprova, para ratificação, o Acordo de Parceria e Cooperação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados membros, por um lado, e a República da Moldávia, por outro, incluindo os Anexos I a V e o Protocolo sobre Assistência Mútua entre as Autoridades Administrativas em Matéria Aduaneira, bem como a Acta Final com as declarações, assinado em Bruxelas, em 28 de Novembro de 1994.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD, do CDS-PP e de Os Verdes e a abstenção do PCP.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação global da proposta de resolução n.º 43/VII - Aprova, para ratificação, o Acordo de Cooperação na Área Militar entre o Ministério de Defesa Nacional de Portugal e o Ministério de Defesa Nacional da Roménia, assinado em Bucareste, em 10 de Julho de 1995.

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Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e votos contra do PCP e de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos fazer a votação global da proposta de resolução n.º 44/VII - Aprova, para ratificação, o Acordo entre o Ministério de Defesa Nacional de Portugal e o Ministério de Defesa Nacional da Polónia em Matéria de Cooperação Bilateral no Domínio Militar, assinado em Varsóvia, em 12 de Julho de 1995.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS. do PSD e do CDS-PP e votos contra do PCP e de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação global da proposta de resolução n.º 45/VII - Aprova, para ratificação, o Acordo entre a República Portuguesa e a República Eslovaca sobre a Promoção e a Protecção Recíproca de Investimentos e respectivo Protocolo, assinados em Lisboa, em 10 de Julho de 1995.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e de Os Verdes e a abstenção do PCP.

Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 83/VII - Define as bases do financiamento do ensino superior público.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, votos contra do CDS-PP, do PCP. de Os Verdes e dos Deputados do PSD João Carlos Duarte, Jorge Moreira da Silva, Hermínio Loureiro e Sérgio Vieira e a abstenção do PSD.

Neste momento, registaram-se manifestações de protesto de público presente nas galerias.

Srs. Agentes da Autoridade, façam favor de identificar os prevaricadores para serem responsabilizados segundo a lei vigente no Estado de direito que nós somos.

Pausa.

Espera-se de estudantes das nossas universidades que tenham mais sentido de responsabilidade do que aquela que os senhores denotam neste momento.

O Sr. Jorge Moreira da Silva (PSD): - Peço a palavra Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado?

O Sr. Jorge Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, é para informar que os quatro Deputados da JSD vão apresentar na Mesa uma declaração de voto por escrito relativamente à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 83/VII.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. O diploma que acabámos de votar baixa à 6.ª Comissão.

Srs. Deputados, vamos passar à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 210/VII - Financiamento do ensino superior, apresentado pelo CDS-PP.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PCP, de Os Verdes e dos Deputados do PSD João Carlos Duarte, Jorge Moreira da Silva, Hermínio Loureiro e Sérgio Vieira, votos a favor do CDS-PP e a abstenção do PSD.

Srs. Deputados, passamos agora à votação, também na generalidade, do projecto de lei n.º 268/VII - Lei-Quadro do financiamento e da gestão orçamental e financeira do ensino superior público, apresentado pelo PCP.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP e de Os Verdes.

Vamos votar, igualmente na generalidade, o projecto de lei n.º 359/VII - Lei-quadro da acção social escolar do ensino superior, apresentado pelo PCP.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, votos a favor do PCP e de Os Verdes e abstenções do PSD e do CDS-PP.

Srs. Deputados, vamos votar, em votação final global, o texto final apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativo aos projectos de lei n.ºs 244/VII - Altera a Lei n.º 69/78, de 3 de Novembro (Lei do Recenseamento Eleitoral), criando um sistema extraordinário de inscrição no recenseamento eleitoral dos cidadãos eleitores que, tendo mais de 17 anos de idade, não venham a completar 18 anos até ao final do período legal de inscrição (PS) e 262/VII - Reconhecimento do direito de pré-inscrição no recenseamento eleitoral aos cidadãos que completem 18 anos antes do novo período anual de inscrição (PSD).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Sérgio Vieira (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra apenas para informar a Câmara que farei chegar à Mesa uma declaração de voto dos Deputados do PSD que integram a JSD acerca desta votação.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, apenas para dizer que, nos termos regimentais, a bancada parlamentar do PSD vai apresentar uma declaração de voto relativamente às votações que acabámos de fazer e que têm a ver com o ensino superior.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de três pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a solicitação do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, 5.º Juízo [Processo n.º 5379/95.1 TDLSB (Instrução)], a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Nuno Abecasis (CDS-PP) a prestar depoimento, na qualidade de testemunha, no âmbito dos autos em referência, em audi-

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ência marcada para o dia 8 de Outubro de 1997, pelas 9 horas e 30 minutos, naquele tribunal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Não havendo objecções, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a solicitação da Procuradoria-Geral da República - Lisboa (Processo n.º 91/95 - L.º H-7), a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Jorge Ferreira (CDS-PP) a prestar depoimento, na qualidade de testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Não havendo objecções, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a solicitação dos Juízos Cíveis de Lisboa, 9.º Juízo, l.º Secção (Processo n.º 102/96), a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Macário Correia (PSD) a prestar depoimento, por escrito, na qualidade de testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Não havendo objecções, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, continuando agora com a nossa ordem do dia, dou a palavra ao Sr. Deputado Luís Queiró, para
pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, vamos, então, retomar o nosso debate, embora, é claro, eu tenha até algum receio - e com isto não veja qualquer palavra de desmerecimento relativamente à sua intervenção - de que já ninguém se lembre daquilo que o senhor disse... Mas eu lembro-me!

Bom, V. Ex.ª disse que o projecto de lei do PP sobre a revisão do Código Penal não lhe merecia grandes comentários. Se calhar, por uma de duas razões, Sr. Deputado: ou não teve tempo para estudá-lo...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Lá isso é verdade!

O Orador: - ... - e eu entendo, porque ele foi distribuído tarde, sei disso! - ou, então, merece o seu acordo genérico, o que seria, aliás, uma situação bem mais interessante.
De qualquer forma, V. Ex.ª não deixou de fazer uma referência negativa e desagradável ao projecto de lei de revisão do Código Penal, sobretudo quando disse que nós ziguezagueávamos aqui e acolá e continuávamos a ter uma tentação primária pelo agravamento sistemático das penas.
Ó Sr. Deputado, temos de nos entender sobre essa matéria, porque foi V. Ex.ª quem disse, na intervenção que fez, que a legislação penal não pode andar ao sabor das conjunturas, nem sequer das mudanças de governo...! Mas ocorreu uma há dois anos, como bem se recorda, não é assim?
Assim, não posso deixar de lembrar-lhe a revisão do Código Penal de 1995 e a posição que VV. Ex.ªs tomaram, na altura, sobre a liberdade condicional, favorecendo este instituto, votando, recheados de apartes de «Muito bem!» de algumas pessoas que vejo nesta Sala, a proposta do Sr. Ministro Laborinho Lúcio sobre esta matéria.
Portanto, não posso deixar de referir que ainda não passou um ano e meio, um ápice em termos de legislação penal, para VV. Ex.ªs. trazerem a esta Assembleia uma posição radicalmente diferente para o regime da liberdade condicional. E nem estou a dizer que os senhores não vêm no bom caminho. O que digo é que não percebo como é que os senhores dizem, por um lado, que a lei penal não deve andar ao sabor das conjunturas e, por outro, com esta conjuntura de mudança de governo - que foi, aliás, um dos exemplos que o senhor apontou -, os senhores mudaram radicalmente de posição.
De facto, os senhores, à força de tanto quererem ser partido da oposição, até são, sobretudo, oposição à obra do vosso governo, e é isso que me mete impressão!...
Mas, Sr. Deputado, somos um partido que, como sabe, radica e bebe a sua inspiração e fundamentos doutrinários, sobretudo, no cristianismo e na doutrina social da Igreja, portanto conhecemos bem a figura do arrependimento, mas conhecemos também a da penitência, e essa os senhores, pelos vistos, vão ter de continuar a cumprir...!
Então, pergunto-lhe: se os senhores têm esta posição, hoje, sobre a liberdade condicional, se eliminaram expressamente, como nós também fazemos, o princípio da concessão automática da liberdade condicional, implicando um princípio de cumprimento efectivo das penas, longas e compridas, como é que compatibilizam essa posição com aquilo a que o senhor chamou como sendo a nossa tentação primária de agravamento das penas?
Já agora, pergunto-lhe se, na esteira destas vossas novas posições, por exemplo, o senhor não está de acordo em que nos casos de reincidência de concurso de crimes haja um aumento não só dos limites mínimos das penas, como já está previsto, mas também dos limites máximos em igual proporção.
Por outro lado, gostaria de saber se está ou não de acordo - e gostaria que me respondesse expressamente - que, relativamente ao crime de furto e de furto de veículo, se deve voltar à sua característica de crime público, porque assim está a diminuir-se, pela via da falta de participação desses crimes, a criminalidade em termos estatísticos.
Finalmente, pergunto-lhe, quanto às penas de multa substituíveis das penas de prisão, se concorda ou não que, pelo menos relativamente aos crimes contra as pessoas e contra os bens pessoais, a vida e a integridade física, deve manter-se exclusivamente a pena de prisão e não permitir a sua substituição pôr pena de multa.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Mota Amaral.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

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O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Queiró, não deve ter compreendido totalmente a minha intervenção na parte tocante ao vosso projecto de lei. Em todo o caso, o que quero dizer é que, primeiro, pela apresentação tardia do mesmo, segundo, por se tratar de uma intervenção na generalidade, eu não fiz nem podia fazer, até por questões de limite de tempo, uma análise na especialidade, como V. Ex.ª tentou fazer agora nas perguntas que me colocou.
Contudo, quero dizer-lhe que é a terceira vez que nesta legislatura o PP vem a estas matérias por via de iniciativas legislativas, e o certo é que, já em Outubro de 1996, VV. Ex.ªs apresentaram um projecto de lei relativo à alteração do instituto da liberdade condicional em que excluíam uma série de crimes mais graves da possibilidade de serem considerados «liberdade condicional» e essa solução desapareceu no vosso projecto.
Foi, pois, para este facto, ou seja, para o facto de o seu partido apresentar, num espaço curtíssimo de meses e não de dois ou três anos, projectos desta natureza, que eu chamei a atenção. É evidente que, parcialmente, a sua intervenção quanto à nossa iniciativa sobre a liberdade condicional parece contraditória com aquilo que eu disse, mas não é, e vou explicar-lhe porquê. Primeiro, porque votámos as alterações em matéria de liberdade condicional na reforma de 1995, que iam, como sabe, no sentido de a tornar mais restritiva.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Esta é a primeira questão. Fomos nós que lançámos essa orientação.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - É verdade!

O Orador: - Naturalmente que é diferente tocar num instituto isolado do âmbito criminal do que fazer de dois em dois anos ou de três em três anos, num curto espaço de tempo, uma alteração indiscriminada de uma reforma do Código Penal que se quer estável e relativamente à qual os agentes da justiça são unânimes em exigir e reconhecer a necessidade de estabilidade. Portanto, V. Ex.ª tem esta contradição manifesta!
Por outro lado, há outra coisa que estas vossas iniciativas, designadamente esta, revelam: é que VV. Ex.ªs são recorrentes no ataque à Assembleia da República e à classe política. Lá vem, mais uma vez, o agravamento das penas dos titulares de cargos políticos e lá vem, mais uma vez, uma tentativa de beliscar as competências da Assembleia da República, impondo uma restrição do uso do direito de amnistias por via da lei comum, como se a lei comum pudesse retirar essa competência à Assembleia da República.
Sr. Deputado, é demais para um projecto de revisão do Código Penal que se resume a meia dúzia de artigos!... E demais em tão pouco espaço de tempo! De facto, em tão pouco espaço legislativo deveria haver menos ónus, menos contradições e menos ofensa aos poderes da Assembleia.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Sarmento.

O Sr. Joaquim Sarmento (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A iniciativa legislativa do Governo expressa na sua proposta de lei n.º 80/VII e que consubstancia algumas alterações ao actual Código Penal exige de nós, Deputados, uma abordagem séria e uma reflexão lúcida.
É consensualmente admitido pela doutrina e jurisprudência que alguns dos princípios essenciais de um Código Penal que entronca, necessariamente, no equilíbrio entre os valores da liberdade individual e os valores de segurança e estabilidade social não aconselham mutações frequentes das disposições penais.
As presentes alterações que nesta proposta de lei aqui se discutem não se afastam, porém, desse equilíbrio e elegem como objectivos, na esteira do que é reproduzido na exposição de motivos daquela, «o reforço da protecção das vítimas e da sociedade, sem prejuízo das garantias de defesa dos arguidos» e dando cumprimento às acções comuns contra a pedofilia e racismo adoptados pela União Europeia.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sem pretender escalpelizar todas as alterações em apreço, permito-me realçar as seguintes: como país europeu que somos, impunha-se que se modificasse a regra de determinação do lugar da prática do facto (artigo 7.º), de molde a penalizar o agente, mesmo que tenha actuado no estrangeiro, desde que a lesão do bem jurídico tenha ocorrido em Portugal, determinando-se por outro o lugar em que, no caso de tentativa, se deveria ter produzido o resultado típico.
Há, por sua vez, por força da alínea d) do n.º l do artigo 5.º, uma alteração ao princípio da nacionalidade. Deixa de se exigir que a vítima dos crimes possua a nacionalidade portuguesa, consagrando-se, por outro lado, a regra da aplicabilidade da lei penal portuguesa a agentes «cuja extradição haja sido efectivamente requerida, desde que o crime admita a extradição mas ela não possa ser concedida - nomeadamente por lhe corresponder a pena de morte, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 33.º da Constituição». Assim, o Estado deve julgar quando não pode extraditar.
Tal insere-se na tradição humanista da nossa legislação penal e devo lembrar que fomos os pioneiros na Europa da abolição da pena de morte e, posteriormente, da prisão perpétua.
Em função do que se encontra determinado em segunda leitura da CERC, permanecerá inalterável aquela disposição na revisão constitucional em curso.
O PS dá, assim, resposta inequívoca a preocupações e críticas, cujo bom fundamento ficou exposto nas audiências e demais entidades recebidas na CERC.
No que respeita aos regimes punitivos, assinale-se a eliminação da automaticidade da regra de concessão de liberdade condicional, nos casos em que haja fundado receio de que ele (criminoso), uma vez em liberdade, cometa crimes, mesmo que se tenham cumprido cinco sextos da pena.
Tal concessão é, porém, antecipada, após o cumprimento de metade da pena e, por razões de índole humanitária, para maiores de 70 anos, o que se afigura profundamente positivo.
Parece também louvável a proposta de alargamento da substituição de penas de liberdade de curta duração por penas não privativas de liberdade e dispensa da pena.
Há que referir a pena relativamente indeterminada, a aplicar aos denominados «imputáveis perigosos», em casos em que estejam em apreço dois crimes dolosos contra as pessoas ou de perigo comum. O limite mínimo é fíxa-

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do em dois terços da pena de prisão que concretamente caberia ao crime e o limite máximo é alargado para 25 anos.
O pressuposto da pena é identificado com uma situação de reincidência, implicando sempre pelo menos uma condenação anterior transitada em julgado.
Ponderaremos as observações propostas à 1.º Comissão pela Procuradoria-Geral da República e demais entidades ouvidas no processo de preparação do diploma em causa.
No campo dos crimes contra a vida, respeitantes aos crimes de homicídio qualificado, são acrescentados três novos requisitos, nomeadamente os de o crime ser cometido contra vítima especialmente indefesa, por funcionário com grave abuso de autoridade ou através de meio particularmente perigoso. Este alargamento, aliás, é aplaudido pelo Conselho Superior de Magistratura, pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público e pela Ordem dos Advogados.
Tal representa um reforço do combate contra formas de criminalidade profundamente perigosas e que põem em causa a segurança dos cidadãos e da sociedade, que se corporiza não só no crime de homicídio como no de ofensas corporais, uso e porte de armas e ainda no crime contra a segurança das comunicações, bem como a burla relativa a contratos ou emprego que afectem emigrantes portugueses ou emigrantes em Portugal e ainda na violação das regras de segurança no trabalho, sendo estas duas últimas situações novas que tutelam os trabalhadores por conta de outrem.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - A presente proposta de lei, no que diz respeito aos crimes sexuais, e no aprofundamento da revisão anterior, intensifica a defesa da liberdade, designadamente nos crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual.
Neste âmbito vale a pena realçar que passa a alargar-se o conceito de violação ao «coito oral» e, nos crimes de coacção sexual e violação introduzem-se, em consonância com as realidades do nosso tempo, novas incriminações, resultantes de ordens ou ameaças emanadas de quem detenha uma posição de «autoridade laboral ou funcional» relativamente à vítima.
Estamos disponíveis para clarificar na especialidade o recorte exacto deste tipo criminal, que visa especialmente proteger as mulheres e exige definição inequívoca.
Reforça-se o combate à pedofilia, uma das grandes chagas criminais que avassalam a Europa. Os crimes sexuais são em regra semipúblicos, dependentes, por conseguinte, de queixa. A proposta do Governo acrescenta, porém, uma nuance importante, já que tais crimes podem ser perseguidos por iniciativa do Ministério Público quando a vítima for menor de 12 anos e «o interesse desta o impuser».
Tal posição responsabiliza profundamente a magistratura do Ministério Público, a qual, em relação a esse tipo de crimes, passa a ter um papel mais interventivo e o «poder-dever» de ponderar os interesses da vítima, independentemente da queixa, sem embargo do representante legal desta poder vir, futuramente, a desistir do processo.
Situação idêntica se passa com o crime de «maus tratos», previsto no artigo 152.º, onde passa a criminalizar-se a violação de regras de segurança no trabalho e se introduz no n.º 2 do mesmo artigo, em caso de maus tratos ao cônjuge ou companheiro de facto, o «poder-dever» de o Ministério Público iniciar o processo quando «o interesse da vítima o impuser».
Mantém-se igualmente o carácter semipúblico deste crime, dependente de queixa, mas podendo o Ministério Público perseguir per si o crime.
Nas audições que acompanharam, no âmbito da 1.ª Comissão, a discussão deste diploma, foi patente a divergência de pontos de vista, quer entre os Srs. Deputados, quer entre as entidades objecto da audição, quanto à natureza pública ou semipública destes crimes, tanto em relação ao que consta do artigo 178.º, n.º 2, como ao que se refere o artigo 152.º.
Embora outras opiniões, aliás bem fundamentadas, se inclinem para a necessidade de estabelecer a natureza pública deste tipo de crimes, somos de opinião que a proposta do Governo é a mais ponderada, já que estabelece um equilíbrio saudável entre a instituição familiar, como entidade que deve ser respeitada, e as suas componentes individuais, as vítimas, as quais poderão e deverão ter a colaboração preciosa do Ministério Público.
É caso para assinalar que o todo (a família) fica preservada e a parte (a vítima) não fica desprotegida, assim o Ministério Público assuma, com labor e diligência, as responsabilidades que lhe cabem.
Uma referência especial para a eliminação do n.º 5 do artigo 180.º, solução que já a anterior comissão de revisão do Código Penal, presidida pelo Professor Figueiredo Dias, propunha e que entretanto não vingou.
Era um golpe enorme contra a liberdade de imprensa e um dos maiores de sempre na história da imprensa portuguesa.
É, pois, uma disposição que se aplaude, em nome da liberdade de expressão e informação responsável.
De igual modo, louva-se a modernização ínsita no artigo 279.º, que preceitua em que consiste a chamada «poluição grave», numa sociedade onde é necessário e urgente a defesa ecológica da humanidade, das suas espécies animais ou vegetais. Em substituição do regime em vigor, introduz-se um conceito material de poluição.
A proposta de revisão reafirma o princípio da multa alternativa à pena de prisão, e cito apenas a título de exemplo os artigos 150.º n.º 2, 167.º. 171.º e 179.º.
Inserindo-se na tradição europeia, mais ressocializadora, e no texto constitucional que impõe fins dessacralizados à própria pena, de forma a que a mesma assegure fins de alguma utilidade social, a presente proposta de lei, sem esquecer que a segurança é um instrumento de liberdade, acredita que o homem, mesmo que criminoso, pode melhorar a sua personalidade.
A pena de prisão só será de consagrar quando as outras penas não conseguirem representar os fins de prevenção e reinserção social.
Além disso, mais importante do que os limites mínimos e máximos das penas efectivas é o tempo que decorre entre «a consumação do crime e a condenação». Por isso, o Código Penal tem de ser complementado a montante e a jusante pelo Código de Processo Penal e pelo bom funcionamento do Instituto de Reinserção Social e tribunais de execução de penas.
Disso se aperceberam, consciente e lucidamente, o Governo e o Ministério da Justiça ao apresentarem nesta Assembleia a proposta de lei n.º 79/VII, sobre um conjunto de medidas que viabilizam a aplicação e a execução das penas de prestação de trabalho a favor da comunidade. No mesmo sentido vai a proposta de lei de alterações

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ao Código de Processo Penal, que pretende tornar os tribunais mais céleres e portadores de uma justiça mais forte e mais humanizada, a qual não dispensa a colaboração decisiva e determinante dos magistrados, em relação aos quais as alterações em apreço constituem um apelo consciente à sua responsabilidade.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Ao manter-se e, até, reforçar-se a importância de ressocialização do arguido e a não automatização das penas de prisão, estamos a alargar o poder decisório dos magistrados que têm a suprema responsabilidade de interpretar adequadamente a lei, os imperativos e os valores da História do nosso tempo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PS tudo fará para que seja aprovado por largo consenso o aperfeiçoamento do Código Penal. Não pretendem estas alterações ser um processo acabado e dogmático numa sociedade crescentemente globalizadora, onde as interdependências condicionam cada vez mais os esforços dos Estados democráticos no combate à criminalidade.
É, pois, uma proposta de lei para merecer, legitimamente, a aprovação de todos os Srs. Deputados.
O PS congratula-se, naturalmente, com mais esta iniciativa legislativa, a qual surge em estreita coerência com o por si proposto, ainda enquanto oposição, bem como com o inscrito nos Estados Gerais, no seu programa eleitoral e, finalmente, no Programa do XIII Governo Constitucional.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joaquim Sarmento, ouvi com muita atenção a sua intervenção. Aliás, ouço-o sempre com muito gosto, pois faz intervenções pausadas e ponderadas. No entanto, como estamos numa Câmara política, vou ter de colocar-lhe duas ou três perguntas concretas.
Antes de mais, devo dizer-lhe que fiquei muito satisfeito por ter vindo ao encontro das minhas preocupações, pois não faz muito sentido estarmos a rever o Código Penal sem revermos o direito adjectivo e o direito penitenciário, para que no fundo haja uma lógica de conjunto. Tive oportunidade de dizer ao Sr. Ministro que esta é também opinião de longa data do Partido Socialista, pelo menos desde o tempo do Sr. Deputado Alberto Costa nesta Assembleia, na anterior legislatura.
Ouvi-o também falar numa preocupação que o Sr. Deputado tem e que é comum a nós todos: a do tempo que medeia entre a prática do crime e a condenação. Quantas vezes esses anos não são, de facto, o único factor inibitório e o único incómodo que o arguido tem?! Mas tenho de lembrar-lhe, Sr. Deputado, que esse tempo todo que está à espera de ver fazer-se justiça é também o incómodo que a vítima tem.
Passemos, então, às perguntas concretas.
Sr. Deputado, lemos hoje nos jornais que foi ontem condenado a 18 meses de prisão um condutor que, fortemente embriagado, teve um acidente por força da embriaguez, no qual morreu uma menor de 14 anos e mais quatro pessoas ficaram feridas. Foram 18 meses de prisão. Porventura é primário, quase de certeza que viu a sua pena suspensa. Sr. Deputado, ele foi condenado ou saiu aliviado do tribunal? Esclareça-me, por favor.
Quero também referir outro caso paradigmático. Todos nos lembramos do tristemente célebre caso do «gang do multibanco». Sr. Deputado, os criminosos praticaram os crimes de roubo violento - passe o pleonasmo -, sequestro de várias pessoas, violação, furto, homicídio especialmente qualificado, premeditação. Tratam-se com certeza de personalidades que são tendencialmente criminosas, pessoas com registos criminais recheados. Sr. Deputado, esclareça-me, porque somos sempre acusados de querer mais penas de prisão, quando deveríamos ir no caminho da ressocialização: não crê que, nesses casos, se deveria dar um sentido porventura mais útil ao cúmulo jurídico? Não acha que nestes casos, e também nos de reincidência e nos que são especialmente chocantes por as vítimas serem particularmente indefesas e desprotegidas, se deveria poder aplicar uma pena mais elevada do que a que hoje é prevista, indo, em concreto, até aos 30 anos de prisão, em virtude do cúmulo jurídico?

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Mas com que base científica?!

O Orador: - Para além destas perguntas concretas, deixo-lhe também esta: não acha que a sociedade portuguesa merecia nesta matéria uma resposta mais adequada?

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Sarmento.

O Sr. Joaquim Sarmento (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Queiró, começo por agradecer-lhe as perguntas que me coloca.
Entendo que as leis penais, que também têm a ver com o património cultural da humanidade, são, no fundo, um legado comum da direita democrática e da esquerda democrática. Nelas não cabem, necessariamente, a opacidade e o cinzentismo. Portanto, corroboro, em relação à vossa coerência, aquilo que, mais doutamente do que eu, referiu o Sr. Ministro da Justiça.
Mas, Sr. Deputado, nós temos visões da sociedade muito diferentes. Enquanto nós acreditamos que a segurança pode e deve ser, necessariamente, um instrumento de liberdade, VV. Ex.ªs vêem a coisa exactamente ao contrário. Desculpe que recorde neste momento o Léviathan, obra de um célebre pensador inglês, Thomas Hobbes, mas creio que, pela forma como se colocam em relação ao afastamento da ressocialização do arguido, uma máxima que também é cristã - e V. Ex.ª, há pouco, no diálogo travado com o Sr. Deputado Guilherme Silva, referiu o legado do cristianismo, que teve uma enorme importância na civilização europeia -, VV. Ex.ªs poderão e deverão acreditar mais na capacidade transformadora do homem.
Sr. Deputado, nós não estamos contra a segurança. Na verdade, estas alterações ao Código Penal são um equilíbrio saudável entre os valores individuais dos cidadãos e os valores da sociedade e da segurança, de que os cidadãos necessitam para assumirem a sua cidadania.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Responda às perguntas concretas que lhe coloquei!

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O Orador: - Sr. Deputado, estou a responder às perguntas concretas com princípios. Permita-me que lhe diga que V. Ex.ª não acredita na magistratura, porque as questões que me colocou relacionam-se com o poder dos tribunais, com a independência dos tribunais.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Então, os juizes podem fazer tudo!

O Orador: - Com efeito, poderá haver casos concretos e pontuais em que não é feita justiça,...

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Ah!

O Orador: - ... mas essa justiça é o resultado da má aplicação da lei.
Sem me querer repetir, permita que recorde o que já disse na 1.ª Comissão: não temas a lei mas o juiz.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Às vezes não é assim!

O Orador: - Nós acreditamos na magistratura, mas mais importante que o julgamento e a decisão do juiz é a lei, e ninguém pode estar acima da lei.
Sr. Deputado, nós temos, de facto, concepções bastante diferentes, mas, uma vez que falou em estudos científicos,...

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, queira terminar.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Em relação ao princípio da multa alternativa à pena de prisão, instituto no qual os Srs. Deputados também não acreditam ou acreditam muito pouco,...

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Não lhe perguntei nada sobre isso!

O Orador: - ... foi feito há muito pouco tempo, em 1992, um inquérito de vitimação por uma socióloga e, possivelmente para surpresa do Sr. Deputado mas não minha, as vítimas entenderam que, de facto, a melhor forma de se fazer justiça não era a aplicação de penas de prisão mas, sim, de penas alternativas, inclusive de indemnização, de multa e de prestação de trabalho.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Importa assinalar que, aquando das últimas alterações ao Código Penal, o PCP assinalou - passe o pleonasmo - que a prioridade em matéria de política criminal passava por outros instrumentos legislativos e, sobretudo, por uma actuação diferente ao nível do sistema prisional, da reinserção social dos condenados e daquilo que constitui o coração de qualquer reforma penal. E dessa forma que também se protege a segurança das populações.
O chamamento apelativo à repressão, através do endurecimento indiscriminado de penas, que hoje já aqui se ouviu, pode criar tão-só a miragem da segurança.
Num momento em que a grave crise social que percorre a Europa suscita a maior das inseguranças, os fenómenos de criminalidade têm determinado nos Estados uma resposta simplista de reforço da repressão e de abandono da ideia de ressocialização, sem que, com isso, se resolvam os problemas da criminalidade, nomeadamente da nova criminalidade, envolvendo gentes com poder económico, que, perante a desumanização das sociedades neste final do século XX, actuam sem qualquer respeito pelos direitos fundamentais do ser humano.
O arremesso do endurecimento da repressão, como única forma de combate à criminalidade, representa o uso do poder punitivo do Estado, como forma de esbater a política anti-social, que encontramos no cerne de todas as inseguranças.
Continuamos a entender que é prioritário agir nesse cerne. Continuamos a defender que se deve agir prioritariamente no sistema prisional, no direito penitenciário, por forma a que a ressocialização não se torne um mito, por forma a que não se avolumem sentimentos de insegurança.
As propostas de alteração apresentadas pelo Governo ainda reflectem um pouco os chamamentos apelativos, feitos por alguns, ao endurecimento do sistema penal, não sendo, no entanto, a rendição a tais apelos, como estamos a constatar neste debate.
A posição que vamos tomar, relativamente à proposta de lei, não se fundamentará na necessidade de maior repressão.
Não exigimos penas mais longas, apenas um equilíbrio das penas nos crimes contra as pessoas e nos crimes patrimoniais e a neocriminalização de condutas contra os direitos dos trabalhadores, conforme propostas por nós apresentadas em 1994 e que fariam parte de um novo capítulo dos crimes contra as pessoas.
Não exigimos, sobre a liberdade condicional, a anulação do instituto, como muitos reivindicam e outros desejam, porque isso representaria o abandono de um dos princípios de política criminal de emanação constitucional, representaria o abandono do princípio da socialidade ou da solidariedade, resultante do Estado de direito social. Como diz o Professor Figueiredo Dias, ao Estado de direito social que «faz uso do seu jus puniendi incumbe, em compensação, um dever de ajuda e de solidariedade para com o condenado, proporcionando-lhe o máximo de condições para prevenir a reincidência e prosseguir a vida no futuro sem cometer crimes». E, assim, também se toma a vítima como destinatária da política criminal.

Não enfileiramos pelo discurso do law and order, tão ao gosto de alguns, nem enfileiramos pelo recurso ao endurecimento das penas de prisão. Por isso, votaremos contra o projecto de lei do CDS-PP, que tem unicamente esse objectivo.
E muito menos podemos deixar de denunciar o discurso daqueles que, em nome da lei e da ordem, se servem do Código Penal como arma de combate político.
Algumas das alterações apresentadas nesta proposta de lei têm um claro sinal positivo, mas nem sempre são consequentes ou acertadas. Agravam-se e desagravam-se penas; atenuam-se penas em alguns crimes contra as pessoas, porque não se conseguiu visar o objectivo, o que acontece, por exemplo, no intitulado crime de assédio sexual, e que, de facto, representa um abrandamento de pena em alguns casos de coacção sexual.

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Também anotámos o retorno da noção de «actos atentatórios do pudor» e consideramos que ele é indesejável.
Abrandam-se penas no crime de rapto.
Acrescentam-se alíneas no crime de homicídio, aqui, em boa verdade, para compensar, embora esses crimes já estejam punidos como homicídio qualificado no actual Código, o reforço feito, na anterior alteração, da autoridade do Estado, com o aditamento de novas alíneas.
Pode dizer-se que se trata de uma proposta de lei invertebrada e nem sempre bem cuidada tecnicamente, mas, para isso, há remédio.
O que se propõe, quanto à pena relativamente indeterminada, de facto, deixa de fora casos como o dos serial killer ou o de pedofilia e não me parece que a solução seja a defendida pelo Sr. Ministro, porque, no caso de concurso de crimes, consultada a jurisprudência, faz- se, primeiro, o cúmulo e depois é que se aplica a pena relativamente indeterminada.
Também os tímidos afloramentos do direito penal laboral são a prova da falta de espinha dorsal, constando, por exemplo, do artigo sobre maus tratos a cônjuge e a menores e do preceituado sobre a burla, aliás em desconformidade com o artigo 277.º do Código Penal.
Abreviando, porque o tempo concedido ao PCP para se pronunciar sobre estas matérias foi muito escasso, gostaria agora, para finalizar, de falar nas alterações propostas para os artigos 288.º e 290.º do Código Penal - e o Sr. Ministro referiu-se incorrectamente às propostas, como se do Código Penal não constasse, já hoje, o atentado contra a segurança das comunicações quando há perigo para a vida e para a integridade física, mas só quando há perigo para os valores patrimoniais, o que não corresponde à verdade.
Enquanto oposição, o Partido Socialista denunciou - e fê-lo durante o debate, na generalidade, das alterações apresentadas pelo anterior Governo - a vontade que perpassava pelo Governo anterior de criar um «código penal da ponte», isto é, de criminalizar comportamentos dos cidadãos que expressaram o seu direito à indignação nos protestos que se fizeram sentir colectivamente na Ponte 25 de Abril. Esse «código penal da ponte», que, na expressão do Sr. Deputado José Magalhães, estava nas mãos do Sr. Ministro Ferreira do Amaral ameaçando retornar, retorna agora pelas mãos do Partido Socialista porque é Governo.
O Governo pretende criminalizar condutas de quem manifeste a sua indignação através de cortes de estradas e da via férrea, ainda que não seja criado qualquer perigo.
Como se sabe, hoje os atentados contra a segurança das comunicações, são crimes de perigo, simultaneamente abstracto e concreto, e é com isto que o Governo acaba. Temos aqui um verdadeiro «Direito Penal de segurança», um direito penal que é ele o objectivo em si mesmo. Aqui temos a funcionalização do Direito Penal, como instrumento político de direcção anti-social, e não o reduto, em última instância, de valores fundamentais da comunidade.
Apetece-me aqui recordar o Professor Costa Andrade, quando, no debate, citando Schiller, disse: «Desconfiai, Nobre Senhor! Nem tudo o que é útil ao Estado é necessariamente justo». E é verdade, nem tudo o que é útil ao PS é necessariamente justo, porque não serve sequer os interesses da comunidade e não cria o valor da norma penal que, necessariamente estará em crise!
Os cidadãos que protestam em desespero, os trabalhadores despedidos da Grundig, por exemplo, não podem ser tratados como os que atentam contra as comunicações com actos de pirataria, mas é isso que resulta desta proposta.
Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça e Srs. Deputados: É claro que há outras questões que queria suscitar, mas não tenho tempo. No entanto, não queria deixar de anotar - e creio que não foi de propósito, mas é também uma falta de acerto técnico - que, quando se altera o artigo 5.º do Código Penal, pela forma como se altera, determina-se que as mulheres portuguesas que vão a países onde é legal fazer uma IVG poderão ser julgadas em Portugal. De facto, quero acreditar que não se quis isto.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr.ª Deputada Odete Santos, peco-lhe que termine.

A Oradora: - Vamos votar a favor da proposta de lei sobre trabalho a favor da comunidade, porque defendemos as penas alternativas às penas curtas de prisão na perspectiva da ressocialização do condenado, mas votaremos, pelos motivos que dissemos, em relação à criação de um direito penal de segurança, contra a proposta de alteração do Código Penal.
A política criminal necessita, de facto, de intervenções e de alterações de carácter positivo, mas nela não cabem, porque estamos num Estado de direito democrático, a repressão pela repressão e a funcionalização do Código a objectivos políticos de direcção anti-social.

Aplausos do PCP e de Os Verdes

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para defesa da consideração da sua bancada, tem a palavra ao Sr. Deputado José Magalhães, para o que dispõe de 3 minutos.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, pedi a palavra, em nome da minha bancada, porque, no decurso da intervenção da Sr.ª Deputada Odete Santos, foram feitas observações que são de uma injustiça profunda e invertem a política que esta bancada, no passado e no presente, segue em matérias que são determinantes e estruturantes, quais sejam as da política penal.
Em especial, a crítica, que é justa, à tentativa de criar aquilo a que foi chamado, na altura, «código penal da ponte» é especialmente inapropriada, como, de resto, o Sr. Ministro da Justiça já tinha demonstrado, o que significa que a Sr.ª Deputada subiu à tribuna para repetir aquilo que o Sr. Ministro da Justiça, ponto por ponto, já tinha cabalmente explicado que não só não sé tratava de um direito penal de excepção mas até estranhava, em nome de um princípio de civilidade e de respeito pelas regras do Estado democrático, que a Sr.ª Deputada ou a sua bancada achassem que deviam ficar insancionadas condutas que lesam gravissimamente a ordem pública e que são insubscritíveis, excepto por anarquistas ou por pessoas que não aceitem regras elementares e gritem: «Viva La Bomba e estamo-nos nas tintas! Cortemos as comunicações! Interrompamos as vias! Vale tudo!».

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Não sei se vale!

O Orador: - Nem o anarco-sindicalismo, à maneira da Marinha Grande, dos tempos de antanho, aponta, neste momento, para linhas deste tipo. A não ser que isto anuncie uma revisão nas formas de luta política e uma outra atitude face à ordem democrática, o que seria muito es-

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tranho e não acredito nisso. Acho que foi um exagero da parte da Sr.ª Deputada.
Mas dói-me especialmente, e dói à minha bancada, que uma revisão do Código Penal, que vai introduzir na ordem jurídica correctivos pelos quais tanto lutámos, Sr.ª Deputada - e conjuntamente, se bem se lembra -, sobre a protecção das vítimas de crimes, das mulheres, dos menores, das crianças, dos trabalhadores. Pela primeira vez, V. Ex.ª vai votar contra uma revisão que introduz, historicamente, na ordem jurídica uma superprotecção dos trabalhadores. V. Ex.ª vota contra por causa dos cortes de estrada!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Põe o corte de estrada acima dos trabalhadores! E, Srs. Deputados, o corte de estrada como arma dos trabalhadores é francamente o delírio!
O que, nesta matéria, vai marcar a revisão, Sr. Presidente - e com isto concluo -, não é a elaboração de um «código penal da ponte», é a elaboração do Código Penal da protecção de valores relevantíssimos do Estado de direito democrático, que estamos extremamente orgulhosos em defender. Todos e sem qualquer dúvida, Sr.ª Deputada!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, se assim o entender, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos, dispondo, para o efeito, de 3 minutos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, no Diário da Assembleia da República, de Junho de 1994, o Sr. José Magalhães interpelando o Sr. Ministro Laborinho Lúcio e falando em vários ministros, disse: «O Dr. Ferreira do Amaral, por exemplo, é responsável pelo 'código penal da ponte', que agora está suspenso, mas ameaça retomar». Sr. Deputado, limitei-me a ir ao Diário da Assembleia da República.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - E com isto V. Ex.ª criticava os que, no anterior Governo, que queriam a repressão em relação à ponte.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exactamente!

A Oradora: - Só que V. Ex.ª hoje explicitou que, se calhar, não é o «código penal da ponte» mas o «código penal da Marinha Grande»,...

Vozes do PCP: - Exactamente!

A Oradora: - ... o «código penal dos trabalhadores despedidos da Grundig», etc., etc.
Ó Sr. Deputado José Magalhães, se está a favor, é melhor perguntar ao Sr. Secretário de Estado Armando Vara ou ao Secretário de Estado, que está presente...

O Sr. José Magalhães (PS): - Tem nome o Secretário de Estado!

A Oradora: - ... e que também impediu a circulação com um burro, segundo o que há pouco aqui foi falado, se estão de acordo. Mas a verdade é que na altura - e até V. Ex.ª usou aqui, na interpelação, a questão das buzinadelas -,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Usei, sim!

A Oradora: - ... foi tudo muito alusivo à ponte. VV. Ex.ªs têm uma posição quando estão na oposição e outra quando são Governo. Isto é efectivamente verdade!
Para além do mais, Sr. Deputado José Magalhães, não é verdade que o Sr. Ministro tenha esclarecido isto. Não esclareceu nada!

O Sr. José Magalhães (PS): - Eu ouvi!

A Oradora: - Já anotei a imprecisão da sua intervenção, que está aqui para que conste, para se verificar a dificuldade do Sr. Ministro da Justiça em responder a uma interpelação relativa a uma matéria que vem do Ministério da Administração Interna e não do Ministério da Justiça. É esta a dificuldade do Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. José Magalhães (PS): - A dificuldade é nula!

A Oradora: - O que os senhores querem é criar um «Direito Penal da Segurança», a repressão pela repressão, sem qualquer finalidade, sem haver sequer pessoas em perigo. É isto o que os senhores querem!
Sr. Deputado José Magalhães, é por causa dos trabalhadores que vamos votar contra, se não retirarem o «contrabando» da proposta de lei, porque o que está na proposta de lei de revisão do Código Penal é «contrabando».
Quanto às nossas posições em relação ao Direito Penal laboral, as propostas que apresentámos em 1994 falam por si, e eram muito mais do que as que os senhores apresentam.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - E já que falou nas mulheres, até porque nessa altura disse que deveria ser um «código penal feminino» quanto baste, Sr. Deputado José Magalhães, espero que apresente uma proposta de alteração ao artigo 5.º, para que daí não resulte que as mulheres portuguesas que vão ao estrangeiro...

O Sr. José Magalhães (PS): - Isso está fora de questão!

A Oradora: - ... sejam aqui julgadas e condenadas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Vozes do PS: - Fomos nós os primeiros a alterar isso!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para exercer o direito regimental da defesa da honra, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, vou ser muito sintético, é só para que alguém que um dia leia as palavras da Sr.ª Deputada Odete Santos não pense que não respondi a uma acusação que me foi dirigida.
Sr.ª Deputada Odete Santos, primeiro ponto, nunca participei em qualquer acção, com burro ou sem burro, com burra ou sem burra, de bloqueio de qualquer estrada.

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Segundo ponto, aproveito para dizer-lhe que o actual Secretário de Estado Armando Vara também nunca participou em qualquer acção de bloqueio da ponte. Participou, isso sim, numa manifestação de buzinão na ponte. Agora, em acções de bloqueio, nem eu, nem o Sr. Secretário de Estado Armando Vara, alguma vez participámos. E, Sr.ª Deputada, a Calçada de Carriche estava bloqueada, não pelo burro...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Pelo Ferrari!

O Orador: - ... nem pelo Ferrari mas por uma razão essencial, a de não haver um meio de transporte pesado que sirva o corredor de Odivelas, que em breve, felizmente, existirá.

Risos do PSD.

Sr.ª Deputada Odete Santos, há uma coisa que me espanta e surpreende. Por que razão é que o PCP, acima de qualquer valor que é garantido nesta proposta de lei de revisão do Código do Penal, está tão preocupado em garantir a liberdade do corte das estradas? Por que é que isso vos preocupa tanto?

O Sr. José Magalhães (PS): - Exactamente!

O Orador: - Possivelmente pela mesma razão que se recusam a censurar as acções de enxovalhamento desta Assembleia, a que vamos assistindo nos dias em que VV. Ex.ªs agendam alguns temas...

Vozes do PS: - Ora aí está!

O Orador: - ... como os da semana passada, e ainda hoje aqui aconteceram. Mas VV. Ex.ªs recusam-se sempre a censurá-las.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito significativo!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para dar explicações, se o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos, que dispõe de 3 minutos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, a minha resposta será muito simples e será sobre algumas questões que não tive oportunidade, por não ter tido tempo, de abordar aquando da minha intervenção.
Sr. Secretário de Estado, em relação aos acidentes de trabalho, já que quer falar nos direitos dos trabalhadores, o normativo que VV. Ex.ªs propõem não vai abranger ninguém. É um tipo de acidente de trabalho em que se exige o dolo. É um crime de perigo. Em todos os crimes de perigo - veja lá, Sr. Secretário de Estado como até aqui se pode encontrar alguma linha caracterizadora de algumas actuações -, nomeadamente, no artigo 277.º do Código Penal, é penalizada a conduta negligente e o perigo criado por negligência. E os senhores, para virem aqui dizer que até penalizam as infracções às normas técnicas e de segurança do trabalho, apresentam aí, disfarçado num artigo sobre maus tratos a cônjuges, os maus tratos a trabalhadores, que é um crime doloso. Mas, sendo um crime de perigo, como o caracterizam, por que é que, então, não propõem a criminalização da conduta negligente e do perigo criado por negligência?

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Mas retira ou não retira a calúnia!

A Oradora: - Desculpe, mas eu disse isto porque o Sr. Secretário de Estado veio aqui dizer que tinha uma proposta muito boa e nós estamos de acordo em melhorá-la na especialidade, se retirarem o «contrabando» que querem fazer passar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Ainda não disse se retira ou não a calúnia!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para exercer o direito regimental da defesa da honra da bancada, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, pedi a palavra para defender a honra da bancada face às afirmações do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares. Pelos vistos, os vários Membros do Governo não conseguem enfrentar com um mínimo de serenidade qualquer posição desta Assembleia que seja contra os seus interesses.
O PCP manifestou que votará contra a proposta de lei que está em discussão e o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, perdendo um pouco a reflexão que, tal como a todos nós, lhe é exigida pelo facto de participar nos trabalhos, acusou o Grupo Parlamentar do PCP, no mínimo, de conivência com aquilo a que chamou o «enxovalho» a que a Assembleia da República é submetida quando estão a ser discutidos projectos de lei do PCP.
Em nome da bancada do PCP, recuso que o Sr. Secretário de Estado considere que os acontecimentos de há pouco por parte de alguns jovens estudantes sejam um «enxovalho» da Assembleia da República.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - São!

O Orador: - Lamentável é a decisão anunciada pelo Sr. Presidente da Assembleia da República.
Digo-lhe mais: eu talvez ainda não tenha ouvido o Sr. Secretário de Estado pronunciar-se com tanta clareza e tanta determinação contra os «enxovalhes» que, por exemplo, aparecem na comunicação social, esses sim, «enxovalhes» à Assembleia da República.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador; - Por outro lado, Sr. Secretário de Estado, não pretenda procurar escamotear de qualquer forma o que foi o objecto da manifestação daqueles jovens que estiveram nas galerias. O seu objecto foi o de se manifestarem claramente contra uma proposta de lei deste Governo que é injusta. Aqueles jovens utilizaram na Assembleia da República aquilo a que já alguém chamou o «direito à indignação».

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

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O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, para dar explicações, se assim o entender.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, tenho alguma dificuldade em responder porque nunca imaginei ver um Deputado, em particular um líder de um grupo parlamentar, sentir-se ofendido porque um membro do Governo considerou ser um «enxovalho» à Assembleia da República a cena a que assistimos mais uma vez vinda daquelas galerias. Isto é que é chocante, Sr. Deputado!
Como é que o senhor, que é Deputado, que é líder de um grupo parlamentar, sente que a sua bancada foi ofendida por se considerar que é um «enxovalho» à Assembleia da Republica o facto de um grupo de pessoas, sejam elas quem forem, seus amigos ou não, vir fazer uma acção de pateada à Assembleia da República, a qual, para qualquer pessoa que respeite esta Câmara, é o centro do poder político, a instância depositária da soberania e da representação nacional? Em democracia, essa não é a forma correcta, adequada, de exercer o direito à indignação. Não é! E, quer queira quer não, não tolerarei isso como princípio! Devo dizer-lhe com toda a sinceridade: fico preocupado com a defesa que o Sr. Deputado faz, como na que VV. Ex.ªs fazem da liberdade do corte de estradas. Nada acusei nem fiz insinuação alguma, mas quanto mais vos ouço mais me parece que estão a advogar em causa própria.

Aplausos do PS.

Protestos do PCP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - O Sr. Deputado João Amaral, tinha pedido a palavra para uma interpelação à Mesa.
Faça favor.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, pedi a palavra a fim de repor a verdade dos factos, dado que esta sessão é gravada e estão a ser registadas notas. Não quero que fique a ideia de que, quando eu próprio e o Sr. Deputado Armando Vara, num longínquo mês de Julho de há alguns anos, paralisámos o trânsito na auto-estrada, teríamos cometido uma vaga infracção de buzinar onde não era permitido. Não foi assim, Sr. Presidente. Quero que fique registado no Diário que eu cortei a auto-estrada juntamente com o Armando Vara e com mais umas centenas de cidadãos!

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Fica registado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva, para uma intervenção.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente. Sr. Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em primeiro lugar e como tenho pouco tempo, vou limitar-me a abordar tópicos.
Sr. Ministro, fazer uma reforma de um código como é o Código Penal implica perguntarmos qual o seu sentido e se tem sentido fazer essa reforma.
De facto, se esta reforma for avante, ficam em vigor quatro reformas em vigor simultaneamente em Portugal: a do «velho» Código de 1886, a de 1982, de Eduardo Correia, a de 1995, de Figueiredo Dias e, agora, se esta for avante, a de 1997, de Vera Jardim. São quatro! Imaginem a insegurança que isto cria para os juizes e os cidadãos em geral! Logo, pergunte-se: valerá a pena fazer esta reforma? Que sentido novo de política criminal nos apresenta? Se não tem sentido político criminal novo, não vale a pena e o melhor seria retirá-la.
Esta proposta de lei não reforma para melhor porque não combate melhor a repressão nem protege melhor a prevenção criminal. É mesmo, em vários aspectos, uma contra-reforma. A não ser que, como o governo não governa - e, de facto, assim é -, tenha o sentido de ir ao encontro da ideia de tentar criar a imagem de que está a governar, apresentando uma reforma de fundo do Código Penal. Mas para este «impressionismo» de mero consumo mediático nós não estamos disponíveis.
Ganharíamos todos se esta proposta de reforma pudesse ser retirada e fosse pedido auxílio às pessoas que, V. Ex.ª, Sr. Ministro, já aqui invocou como sendo autoridades máximas no País - e disse bem: Figueiredo Dias e Costa Andrade. Pela nossa parte, garantimos-lhe que eles sabem muito e podem melhorar em muito a reforma que agora apresentou.
Também sabemos que opinião têm sobre esta reforma - V. Ex.ª sabe, aliás, o que eles pensaram de uma outra, no passado, e esconde agora o que eles pensam da presente. E valerá a pena ter em cima da mesa - da sua mesa, Sr. Ministro - o que eles pensam, neste momento, sobre esta reforma: é que pensam mal, muito mal!
Na «Exposição de motivos», V. Ex.ª refere que quando estas propostas aspiram a amplo consenso, aspecto que os autores identificam como verdadeira condição de legitimidade das incriminações, vale a pena fazer alterações. É assim teoricamente. Todavia, estamos a notar que, na prática, nesta Câmara, dificilmente esse amplo consenso poderá ser atingido, ou seja, reconhecendo razão teórica ao que referiu na intervenção, valerá a pena, sim, Sr. Ministro, pensar em retirá-las e reconsiderar tudo de novo.
Com efeito, esta proposta não tem uma linha de rumo coerente. Por um lado, está eivada de uma febre de criminalização, com crimes comuns a torto e a direito, e, por outro lado, abranda e retrocede mesmo no combate à criminalidade mais perigosa, em particular na previsão das penas indeterminadas e na descriminalização das falsas declarações dos arguidos sobre os antecedentes criminais.
Onde está a promessa do Partido Socialista de ser duro contra o crime? Está é a brincar com a segurança dos portugueses perante a alta criminalidade!
Em segundo lugar, esta proposta enfraquece a autoridade do Estado ao desarmar as forças de segurança, nomeadamente na previsão, já aqui citada várias vezes, do crime de desobediência. Primeiro, desautorizaram-se as forças de segurança, fizeram-se ultimatos vergonhosos, criou-se um clima de instabiilidade e, agora, tenta-se enfraquecer ainda mais a sua autoridade no dia-a-dia.
Em terceiro lugar, esta proposta não respeita o casamento e a instituição familiar de acordo com o sentimento dominante da sociedade portuguesa; «mete a colher entre marido e mulher», quer estatizar as reacções onde marido e mulher podem de novo entender-se, já que entende que é o Ministério Público que deve ter a iniciativa do processo. A estatização da família não merece o nosso apoio.

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Em quarto lugar, há um velho regresso a uma espécie de delito de opinião, na previsão da alínea b) do n.º 2 do artigo 240.º, segundo o exemplo que nos apontou, de negação do holocausto. Parece qque as pessoas vão estar proibidas de ter opinião sobre os acontecimentos;...

O Sr. Joaquim Sarmento (PS): - Olhe que não!

O Orador: - ... parece que o Sr. Ministro quer que as nossas opiniões sobre grandes matérias possam vir a constituir delito. Também aí, nesse regresso ao delito de opinião, não o acompanharemos.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, peço-lhe o favor de sintetizar as suas observações, uma vez que já esgotou o tempo de que dispunha.

O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
Em quinto lugar, há mesmo um velho regresso ao crime de atentado ao pudor, coisa impensável num Partido Socialista, de acordo, pelo menos, com a sua velha tradição laica, republicana e de «requentado» moralismo sexual. Ao que chegámos, Sr. Ministro!

O Sr. Alberto Martins (PS): - O Sr. Deputado é muito qualificado em Direito Civil...!

O Orador: - Por último, para que possamos apreciar a autoridade científica que está por detrás desta proposta, gostava que nos dissesse qual é a comissão de revisão, qual é o «pai» ou a «mãe» ou, porventura, o «pai» e a «mãe» desta proposta. Que ideologia perfilha, já que não conseguimos entendê-la? Só por isso, porque são secretos, não foram sequer ouvidos nas audições que tiveram lugar nesta Assembleia?!

á na revisão do Código anterior, pelo contrário, a comissão era comsabidamente reconhecida, foi ouvida e publicaram-se vários volumes com o trabalho por ela desenvolvido. Pode ser que o Sr. Ministro tenha muito para nos esclarecer e compreenda que todos teríamos a ganhar se retirasse esta proposta. Com outra proposta, o PSD contribuiria para poder servir melhor Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Calvão da Silva, sinceramente, não vou perder muito do pouco tempo que tenho com V. Ex.ª. O Sr. Deputado enunciou uns tópicos, falou de estatização da família e de outras coisas do género... De facto, apenas queria dizer-lhe uma coisa: o autor do Código sou eu.

Vozes do PS: - Exactamente!

O Orador: - Eu, Ministro da Justiça. Sabe por quê Sr. Deputado? Porque tive «medo» que VV. Ex.as viessem dizer que era mais uma comissão!

Risos do PS.

Então, afinal, em que é que ficamos?! Os senhores gostam ou não gostam das comissões? Para a próxima, para ficar contente, vai ver que tem uma comissão!
Mas, só para satisfazer a sua curiosidade, Sr. Deputado Calvão da Silva, volto a repetir que o autor do Código sou eu. Assumo aqui a sua autoria.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Já quanto aos seus tópicos, Sr. Deputado, confesso que não vou perder muito tempo com eles, porque não passam de tópicos e, sinceramente, não são muito coerentes, nem mostram muita ciência penal. V. Ex.ª não é um penalista, tal como eu não sou,...

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Isso é que é grave!

O Orador: - ... mas tive de estudar umas coisas. Para a próxima, Sr. Deputado, não me fale de estatização da família a propósito dos maus tratos e do problema do crime público porque, realmente, essa é demais!
Em relação ao Sr. Deputado Guilherme Silva, gostava de dizer o seguinte: na sua qualidade de relator, V. Ex.ª começou por fazer um relato em que não reconheci os documentos escritos que tenho na minha posse sobre as reacções das várias pessoas que citou.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Muito bem!

O Orador: - Pedi então o relato e, com base nele, lembro ao Sr. Deputado que os representantes do Conselho Superior da Magistratura consideraram francamente positivas, de uma forma global, as alterações propostas;...

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É o que está lá escrito!

O Orador: - ... a Ordem dos Advogados apoia a preocupação manifestada pelo Governo, no sentido de reduzir o âmbito da discricionaridade e, mais adiante, considera que o Governo foi sensível a essa preocupação, alargando as circunstâncias objectivas que determinam a caracterização do homicídio como homicídio qualificado, etc.;...

O Sr. Alberto Martins (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - ... os representantes do Conselho Superior do Ministério Público manifestaram acordo, em termos gerais, com a proposta elaborada, que reflecte um série de aperfeiçoamentos técnicos; a Associação Portuguesa dos Direitos dos Cidadãos manifestou a sua concordância, na generalidade, com as alterações propostas; o Fórum Justiça e Liberdades faz referência a alguns artigos objecto da última revisão, a do Decreto-Lei n.º 48/95, que, apesar de registarem incongruências, não foram alterados, mas a verdade é que foram. Eles é que não sabem que, ao alterar o artigo 143.º, foi alterada a qualificação do crime cometido pelo funcionário, assim como V. Ex.ª também não sabe, porque, há pouco, o referiu. Se V. Ex.ª tivesse lido com atenção o artigo 132.º e as circunstâncias qualificativas, veria como o artigo 143.º remete tudo o que
são ofensas corporais para as qualificações do artigo 132.º. Cometeu um erro!
Mas, para mim, o Sr. Deputado fez uma coisa que é uma novidade e que registo: o Sr. Procurador-Geral da República é, para o Sr. Deputado, digamos, a língua única que veio aqui trazer algumas críticas ao Código Penal. Muito bem, Sr. Deputado, eu registo! Mas digo-lhe uma

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coisa, Sr. Deputado: é o senhor que é o legislador e sou eu, o Ministro; não é o Sr. Procurador-Geral da República!

O Sr. Joaquim Sarmento (PS): - Muito bem!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas registo a reprodução que V. Ex.ª fez, em pormenor, das críticas do Sr. Procurador-Geral da República. Muito bem!

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Antes, era "força de bloqueio"!

O Orador: - Fica registado para o futuro! Mas cuidado, Sr. Deputado! São os senhores que são os legisladores e sou eu, o Ministro, que apresentei aqui uma proposta, não é o Sr. Procurador-Geral da República, por quem tenho o maior respeito, que é o legislador! Foi chamado aqui, tal como o Conselho Superior do Ministério Público, tal como o Conselho Superior da Magistratura. E li as declarações que V. Ex.ª omitiu no seu relato de há pouco, porque faltavam e era bom que constassem do Diário.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - O Sr. Ministro é muito parcial!

O Orador: - Por outro lado, Sr. Deputado, V. Ex.ª, na sua intervenção, só se referiu ao passado, só fez ataques pessoais à minha pessoa. Agradeço-lhe a honra que me deu, mas nunca disse que eu vinha aqui repetir as propostas do Partido Socialista do passado! E V. Ex.ª cometeu alguns erros, porque o Partido Socialista aumentou a substituição das penas alternativas por trabalho a favor da comunidade e relativamente ao funcionário público chegámos lá por outra via.
Agradeço o que disse e teria ficado muito mais sentido se V. Ex.ª tivesse feito uma intervenção de fundo sobre a proposta, criticando os artigos e as soluções. Afinal, deixou essa intervenção para outro Deputado da bancada que, nessa matéria, trouxe apenas uns tópicos pobrezinhos!

Risos do PS.

Sr.ª Deputada Odete Santos, assistimos a um momento relativamente histórico na vida do PCP nesta Assembleia, porque o PCP vai rejeitar propostas que acentuam a protecção dos trabalhadores, que acentuam a protecção das mulheres vitimas de crimes, que acentuam a legalidade do crime de desobediência, que acentuam um crime de poluição como deve ser, etc. Trata-se de um momento histórico e que, segundo percebi, pelas suas palavras, ocorre porque são contra a penalização dos cortes de estrada. Que fique também registado!
Finalmente, Srs. Deputados, um apelo: o Governo realizou uma ampla audição de opiniões, as mesmas pessoas que aqui estiveram, na Assembleia, tiveram oportunidade de dizer, por escrito, ao Governo o que pensavam do projecto e a crítica que perpassou foi a de que, efectivamente, as reformas penais não podem ser...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Aí, tenho razão!

Mas gostaria que VV. Ex. aproveitassem os próximos dias para se debruçarem sobre as propostas concretas que aqui estão e que dissessem, caso a caso, se são positivas ou negativas. Verão que, ao fim e ao cabo, farão o mesmo balanço que o Governo faz: a proposta que aqui apresentamos mereceria o amplo consenso da Câmara. Se não o tiver, perdemos uma grande oportunidade de dar um passo em frente na legislação penal deste país.

Aplausos da PS.

O Sr. Guilherme Silva (PSD):

Sr. Presidente, permite-me o uso da palavra?

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Pede a palavra para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, fui aqui referenciado pelo Sr. Ministro da Justiça...

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, tem de começar por explicar qual o efeito para que pretende usar da palavra.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, pretendo fazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Então, tenha a bondade, Sr. Deputado.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, fui aqui referido como relator e foi nessa qualidade que fiz uma síntese do relatório que elaborei em sede de Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, pelo que a primeira coisa que quero dizer ao Sr. Ministro é a seguinte:...

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Guilherme Silva, lembro-lhe que uma interpelação à Mesa é dirigida à Mesa e não ao Sr. Ministro e que a Mesa também não sabe fazer de eco para a transmitir ao Sr. Ministro.

O Orador: - Sr. Presidente, peço à Mesa que tome providências para que o tempo regimental reservado aos relatores seja mais longo do que aquele que é atribuído, pela simples circunstância de que não foi possível, no tempo que me foi dado, fazer uma leitura ou um relato integral do relatório. Por isso, pensei que, para o Sr. Ministro da Justiça, nesta vinda à Assembleia, era mais importante ouvir as críticas à proposta de lei,...

Risos dos Membros do Governo presentes e do PS.

... e tomar boa nota delas para correcção e abertura, designadamente do seu grupo parlamentar, do que ouvir o coro que, naturalmente, ouve no seu partido, no sentido de louvar as suas iniciativas, concretamente esta.
Foi essa a razão por que salientei mais os aspectos críticos, para habilitar melhor o Sr. Ministro, nesta sua vinda, que não deve ser uma vinda perdida à Assembleia da República. Lamento que não tenha percebido a minha preocupação.

O Orador: - Não, Sr. Deputado!

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - Em relação à circunstância de dar atenção ao Sr. Procurador-Geral da República...

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Guilherme Silva, dá-me impressão de que já fez a sua interpelação e a Mesa vai dar-lhe uma resposta...

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, em relação ao Sr. Procurador-Geral da República, a minha posição de admiração é de sempre, não é de agora! E quero dizer-lhe que nós somos legisladores, mas há uma coisa que o meu grupo parlamentar sempre prezou e preza: desempenhando a sua cooperação em matéria de função legislativa nesta Assembleia, não quer fazê-lo de "costas voltadas" para a sociedade civil e para as instituições do Estado, designadamente o Sr. Procurador-Geral da República.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Guilherme Silva, sobre o tempo reservado aos relatores, devo lembrar-lhe que é matéria regimental.

Quanto ao seu apreço pelo Sr. Procurador-Geral da República, registo-o.

Risos.

Para exercer o direito regimental de defesa da honra, tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, quero apenas dirigir uma pequena palavrinha ao Sr. Ministro da Justiça.
Admiro a confissão da sua humildade científica, quando diz que sabe pouco de direito penal, depois de dizer que eu era um especialista em Direito Civil e, portanto, que também sabia muito pouco de Direito Penal. Só que a minha humildade leva-me a não fazer quando não sei.

O Sr. Ministro entendeu assumir uma paternidade, que, porventura, não será esta obra - basta ler a imprensa de hoje. E fica-lhe muito mal porque, afinal, a obra é fraca e o pai é melhor do que a obra.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado, não tenho grandes explicações a dar porque não quis - longe de mim - ofender a honra do Sr. Deputado Calvão da Silva. Só lhe recordo que as entidades que há pouco referi (o Conselho Superior da Magistratura, o Conselho Superior do Ministério Público, a Ordem dos Advogados, associações cívicas, ele.), dizem todas bem da reforma. É estranho, mas é assim! V. Ex.ª entende que a reforma é má, mas não trouxe aqui. salvo os tais "tópicos", argumentos - e gostaria muito de discuti-los com V. Ex.ª. Aliás, devo dizer-lhe que não é preciso ser especialista em Direito Penal para discutir uma reforma do Código Penal. Qualquer cidadão tem o direito de discuti-la, não é preciso sequer ser formado em Direito.

Vozes do PS: - É verdade!
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não é verdade!

O Orador: - Todos os cidadãos têm uma palavra nesta matéria.

Aplausos do Deputado do PSD Calvão da Silva.

O Orador: - Agora, o que eu quis dizer foi que V. Ex.ª foi ligeiro, não teve tempo. Aliás, começou por dizer isso e limitou-se a ler uns "tópicos". Mas, efectivamente, não encontrei nesses tópicos matéria que permitisse sequer uma discussão mais aprofundada, salvo a tal estatização da família, que, sinceramente, Sr. Deputado, foge em absoluto aos objectivos que estiveram em linha de conta!...
Mas V. Ex.ª está realmente obnubilado por problemas de estatização. Então, agora, se relativamente a um crime de maus tratos se optar, que é uma discussão muito usual, por crime público ou crime semipúblico significa uma estatização da família?!...

Realmente, deixe-me que lhe diga: V. Ex.ª é um verdadeiro civilista!

Vozes do PS: - Muito bem!

Risos.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, o Sr. Ministro, ao referir, aqui, há pouco, e bem, que na verdade o poder legislativo está nas mãos da Assembleia da República e que ao apresentar uma proposta, no uso também do seu direito, certamente, por lapso, não se lembrou que o Partido Popular também apresentou um projecto de lei. E, já agora, aproveitavva para fazer-lhe o mesmo apelo, isto é, que o leia com atenção e em todas as suas vertentes. Verá que encontra bons motivos para consensualizá-lo com a proposta de lei do Governo.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. e Sr.ªs Deputadas, não havendo oradores inscritos, dou por terminado o debate dos diplomas que constavam na ordem do dia de hoje.
A próxima sessão terá lugar amanhã, pelas 10 horas, com uma ordem do dia preenchida por perguntas ao Governo.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 35 minutos.

Declarações de voto enviadas à Mesa, para publicação, relativas à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 83/VII - Define as bases do financiamento do ensino superior público.
Embora estando identificados com as razões que levaram os Deputados membros da JSD a votar contra a proposta de lei n.º 83/VII, os Deputados eleitos pelo PSD/Madeira abstiveram-se por considerarem que deve ser dada ao Governo e ao Partido Socialista uma oportunidade para corrigirem as graves injustiças de que enferma a referida proposta de lei.

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Porém, deverá ficar claro, desde já, que os signatários não pactuarão com a eventual intransigência dos autores da proposta, votando contra na votação final global se se mantiver o texto ora viabilizado.

Assembleia da República, 22 de Maio de 1997.
Os Deputados do PSD, Guilherme Silva - Correia de Jesus - Hugo Velosa.

Em política, os métodos e processos empregues no anúncio de medidas, em particular das mais polémicas, não são de forma alguma irrelevantes. São fundamentais para aferir da coragem e da dignidade dos protagonistas. Ora, o Governo tem demonstrado, em particular na área da Educação, uma completa ausência de lisura de processos.
Assim, sempre que surge a necessidade, rara, de anunciar uma decisão, o Ministério da Educação começa por proporcionar uma oportuna fuga de informação
Acompanhada de um prudente silêncio, que permita avaliar a (im)popularidade da medida.
Em seguida, com o intuito de amortecer qualquer eventual contestação, surgem violentos e inúmeros desmentidos que bradam contra uma vil e irresponsável comunicação social.
Depois, muito depois, a opção toma-se clara: ou é anunciada uma receita de diálogo q. b., temperada pela criação de uma sempre muito útil "comissão" ou "grupo de trabalho" apropriado, ou alguém se sujeita ao frete de, em nome do Governo, anunciar a medida acompanhada de intensos elogios. Foi assim com o Pacto Educativo, com a Nota Mínima, com os Exames Nacionais, com a Lei de Bases e, agora, com a Lei do Financiamento do Ensino Superior.
O Jornal "O Independente" informou que o Governo se preparava para introduzir uma propina única de frequência no Ensino Superior Público de valor igual ao salário mínimo nacional. O Sr. Ministro da Educação desmentiu prontamente notícia. O Sr. Primeiro-Ministro comentou-a sem confirmar. A medida acabou por ser anunciada pela obediente Juventude Socialista.

O Governo atirou a pedra e escondeu a mão...

Esquecem que, na política, a coragem e a responsabilidade não podem ser prática reservada a heróis; são para todos os que têm decência.

O Governo não a teve uma vez mais!

Mas ainda mais grave do que a forma como foi anunciada a proposta de lei é o facto de Governo e PS terem faltado à verdade.

Desde 1992, primeiro na oposição e depois no Governo, o PS afirmou que só deveria existir a aplicação de uma Lei de Propinas se fosse precedida: de uma reforma fiscal prévia; de uma ampla reforma do Estado-Providência; da definição de um novo sistema de Acção Social Escolar (alargada aos alunos do Ensino Particular e Cooperativo); do fim do numerus clausus; de um diálogo amplamente participado pelos estudantes e de uma reforma global que visasse a garantia da qualidade de ensino (isto é "no fim da linha").
Foi, aliás, com base nesta argumentação que, há um ano e meio, o Governo suspendeu a anterior lei das propinas.
Decorrido um ano e meio, salta à vista de todos que nada mudou e voltamos a ter propinas.
Ora, uma de duas situações terá de ter obrigatoriamente ocorrido: ou Governo entendia que só fazia sentido avançar com propinas depois de resolvido tudo o resto - e neste caso não se entende por que esteve um ano e meio absolutamente parado; ou o Governo entendia que só podia realizar reformas depois de ter actualizado o valor das propinas - e neste caso não se percebe por que razão as suspendeu.
As campanhas eleitorais não são uma passerelle de simpatia e fotogenia; antes encerram um acto nobre de acordo e comprometimento entre eleitos e eleitores.
Os primeiros prometem, os segundos confiam-lhes o voto na expectativa de verem realizado o prometido.
Cria-se assim uma relação de confiança, que se quebra, tal como na vida, quando uma das partes falta à verdade ou trai...
É que, ao contrário do que o PS pensa, uma mentira na política não é menos grave do que uma mentira na vida.
O Governo faltou ao acordado; quebrou a confiança.
Prometeu e não cumpriu! Falou e não escutou!
O Governo esquece que as lições da História aproveitam aos que perdem, mas também aos que vencem.
Hoje, com a sabedoria decorrente da distância, torna-se evidente que os estudantes e os eleitores, no passado, mais do que contestar em concreto a lei proposta na Assembleia da República, quiseram demonstrar que, perante o estado da Educação, não aceitavam que se fizesse do pagamento de propinas uma prioridade. Isto é, não entendiam ser razoável pagar mais por um produto que entendiam não ser de boa qualidade.
Ora, com o decorrer do tempo e em consequência do imobilismo do Governo, o produto tornou-se mesmo impróprio para consumo:
- O Acesso ao Ensino Superior não compatibiliza justiça com rigor;
- O numerus clausus continua a ser fixado administrativamente e não em função do que, estrategicamente, o país precisa em matéria de recursos humanos;
- Por ineficiência dos mecanismos de apoio social, o potencial de alguns jovens é ainda desperdiçado;
- A avaliação das instituições está por realizar, não se sabendo por isso quais são as boas e as más escolas (doa a quem doer!);
- Os professores continuam a ser única e exclusivamente avaliados do ponto de vista científico, sem qualquer ponderação do factor pedagógico;
- A excessiva especialização das licenciaturas e o desajustamento dos currículo relativamente à realidade do mundo do trabalho descredibilizou as habilitações e afectou a confiança dos empregadores;
- Os cursos de pós-graduação ainda são um luxo acessível a poucos;
- A Autonomia Universitária continua a ser uma via de sentido único, onde abundam a irresponsabilidade e o demissionismo, no jogo do empurra e da má gestão.
- Subsiste a indefinição estratégica do papel do Ensino Superior Politécnico, necessariamente diferente do das Universidades.

Assim, a prioridade não pode passar pelo reforço da responsabilização do aluno perante a sua educação. Passa por uma autêntica revolução a operar no Ensino Superior.
Mais do que saber quanto pagar ou como pagar, está em causa saber que tipo de ensino queremos pagar.
A questão das propinas torna-se, deste modo, perfeitamente irrelevante. É mesmo de muito mau gosto voltar a

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começar por aí. Significa que não se distingue o fundamental do acessório; significa que se operou uma análise simplista dos verdadeiros motivos da contestação de 1992 e 1994.
O Governo foi mesquinho nos processos, tacanho na ambição e pequeno na estratégia.
Apresenta uma proposta que indexa o valor da propina ao do salário mínimo nacional, facto tão credível como seria indexá-la ao valor de pastilhas elásticas ou rebuçados.
Este é mesmo um dos actos mais reveladores da categoria e consistência da política educativa.
Apresenta uma proposta que diz: paga já e logo se vê se depois recebes... Que remete para posterior regulamentação tudo menos as propinas.
É concreta no valor a pagar, é omissa e dúbia nos mecanismos e moldes da efectivação da acção social escolar.
Apresenta uma proposta que baseando-se na diabolização do IRS revela irresponsabilidade e incongruência.
Irresponsabilidade, porque torna legítimo que se pergunte por que razão o Governo assume com tanta facilidade que a declaração de rendimentos é inadequada para o pagamento de propinas e permanece imóvel relativamente à sua desadequação no pagamento de impostos, sendo naturalmente esta última de maior dimensão.
O IRS não serve para receber moedas, serve para receber notas.
Incongruência, porque dentro do mesmo Governo diferentes ministros têm diferentes entendimentos relativamente ao mesmo documento; repare-se que, recentemente, o Ministério da Solidariedade lançou o escalonamento do abono de família tendo definido como medida de aferição a declaração de IRS.
É, aliás, curioso que o Ministério da Educação entenda ser a Declaração de Honra uma medida mais dissuasora e confiável do que a Declaração de IRS. Em primeiro lugar, porque também a Declaração de IRS é um compromisso de Honra com o Estado; segundo porque para aferir da veracidade da Declaração de Honra o Ministério vai ter de socorrer-se das Declarações de IRS.
Apresenta uma proposta de lei que fomenta injustiças e disfarça mal a falta de coragem através da consagração das noções de curso elegível e de estudante elegível.
Afasta, com um regime de prescrições encapotado, 40 mil alunos do ensino superior e esquece que a definição da utilidade estratégica dos cursos se não deve fazer quando os estudantes já os frequentam, mas antes, à entrada, implementando com arrojo o numerus clausus estratégico.
Esta é, em suma, uma proposta de lei que consagra mais responsabilização financeira das famílias e menos justiça social.
No passado alguns alunos não carênciados, por ineficiência do sistema fiscal, ficavam indevidamente isentos ou tinham redução no valor da propina a pagar, mas nenhum aluno carenciado era obrigado a pagar propinas.
Isto é, alguns pagavam propinas a menos, sendo que ninguém pagava propinas a mais.
Com esta nova lei, pagam todos a mesma propina; alunos carênciados e alunos não carênciados.
Desta forma, à custa de tanto querer que alguns abastados não fujam ao pagamento das propinas, o Governo obrigará muitos carênciados a ter de pagá-las.
Não deixa de ser esta uma constatação, no mínimo, curiosa vinda de um Governo de matriz doutrinária socialista...!
A JSD não recusa o princípio da existência de propinas, mas, na Assembleia da República, as leis votam-se em "concreto" e não em função daquilo que supomos serem os seus "princípios".
Em nome dos princípios já se cometeram muitas atrocidades em todo mundo.
Esta é em concreto uma má lei do financiamento: aumenta a responsabilização financeira das famílias e diminui a justiça social; faz das propinas a prioridade educativa.
Assim, o grupo de Deputados membros da JSD, na Assembleia da República, pelo que acima foi exposto, votou contra a proposta de lei n.º 83/VII.

Assembleia da República, 22 de Maio de 1997.
Os Deputados do PSD, Jorge Moreira da Silva - Sérgio Vieira - Hermínio Loureiro - João Carlos Duarte.

Declaração de voto enviada à Mesa, para publicação, relativa à votação do texto final da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre os projectos de lei n. 244/VII - Altera a Lei n.º 69/78, de 3 de Novembro (Lei do Recenseamento Eleitoral).

O texto final da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias que "Cria um sistema extraordinário de inscrição no recenseamento eleitoral dos cidadãos eleitores que, tendo 17 anos de idade, não venham a completar 18 anos até ao final do período legal de inscrição" garante de forma geral a todos os cidadãos maiores de 18 anos o efectivo exercício do direito de voto.
É com particular e natural satisfação que os Deputados do PSD membros da JSD na Assembleia da República votam favoravelmente este texto, que prevê ainda, ao contrário de que era proposto no projecto de lei n.º 244/VII do Partido Socialista, a coexistência da capacidade eleitoral passiva com a capacidade eleitoral activa.
Milhares de jovens poderão, assim, não só exercer o seu direito de voto mas, como defendeu o projecto de lei que o PSD oportunamente apresentou sobre esta matéria, também ser eleitos e ser tomados em conta para a fixação do número de mandatos a eleger e respectiva distribuição pelos círculos eleitorais.
Esperamos ainda que a poucos meses da realização de eleições autárquicas este texto final represente uma cada vez maior participação dos jovens portugueses na construção de uma visão diferente do exercício do poder local.
Nesse sentido, compete agora ao Governo promover a realização de uma forte campanha junto da juventude portuguesa, para que esta possa assim exercer estes direitos e deveres que foram hoje aprovados nesta Câmara.

Assembleia da República. 22 de Maio de 1997.
Os Deputados do PSD, Jorge Moreira da Silva - Sérgio Vieira - Hermínio Loureiro - João Carlos Duarte.

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Entraram durante obsessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Francisco José Pinto Camilo.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
José de Matos Leitão.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Nelson Madeira Baltazar.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.

Partido Social Democrata (PSD):

Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
João Álvaro Poças Santos.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Fernando da Silva Rio.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Afonso de Pinto Galvão Lucas.

Partido Comunista Português (PCP):

Bernardino José Torrão Soares.
Lino António Marques de Carvalho.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António Alves Martinho.
António José Gavino Paixão.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Maria da Luz Carneiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Mário Manuel Videira Lopes.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.

Partido Social Democrata (PSD):

António Manuel Taveira da Silva.
Eduardo Eugênio Castro de Azevedo Soares.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral..
José Augusto Gama.
José Mendes Bota.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
José Fernando Araújo Calçada.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.

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