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Quinta-feira, 10 de Julho de 1997 I Série - Número 91
DIÁRIO da Assembleia da República
VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 9 DE JULHO DE 1997
Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos
Secretários: Ex.mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação dos projectos de lei n.os
392 a 395/VII da interpelação n.º 11/VII, do projecto de resolução n.º 60/VII, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Procedeu-se a um debate de urgência, requerido pelo PSD, sobre introdução da colecta mínima, tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro das Finanças (Sousa Franco) e dos Srs. Secretários de Estado dos Assuntos Parlamentares (António Costa) e dos Assuntos Fiscais (António Carlos dos Santos), os Srs. Deputados Luís Marques Mendes (PSD), Manuel dos Santos (PS), Pedro Passos Coelho (PSD), Luís Queiró (CDS-PP), Lino de Carvalho (PCP), João Carlos da Silva (PS) e Manuel Monteiro (CDS-PP).
O Sr. Deputado Carlos Luís (PS) congratulou-se com as medidas levadas a cabo pela Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas em ano e meio de governação, que considerou irem ao encontro das legítimas aspirações dos nossos emigrantes espalhados pelo mundo, e respondeu a um pedido de esclarecimento da Sr.ª Deputada Manuela Aguiar (PSD).
O Sr. Deputado Carvalho Martins (PSD) chamou a atenção para problemas do Alto Minho que o Governo prometeu resolver e que aguardam resolução, tendo respondido, depois, a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Rui Solheiro (PS).
Ordem do dia. - Foi discutida, na generalidade, a proposta de lei n.º 105/VII - Autoriza o Governo a alterar o Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro (Estabelece normas relativas ao uso do cheque), tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro da Justiça (José Vera Jardim), os Srs. Deputados Odete Santos (PCP), Pedro Feist (CDS-PP), Antonino Antunes (PSD) e Antão Ramos (PS).
Procedeu-se igualmente à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 108/VII - Autoriza o Governo a alterar regime das perícias médico-legais -, sobre a qual intervieram, além do Sr. Secretário de Estado da Justiça (José Luís Lopes da Mota), os Srs. Deputados Odete Santos (PCP), Moura e Silva (CDS-PP). José Alberto Marques (PS) e Miguel Macedo (PSD).
Por último, a Câmara apreciou, também na generalidade, a proposta de lei n.º 101/VII - Autoriza o Governo a criar regimes especiais aplicáveis às expropriações necessárias à realização do empreendimento de fins múltiplos do
Alqueva, aos bens de domínio a afectar a este empreendimento, e a acções específicas de execução deste projecto de investimento público -, tendo usado da palavra, além do Sr. Secretário de Estado do Desenvolvimento Regional (Adriano Pimpão), os Srs. Deputados Carlos Zorrinho (PS), Lino de Carvalho (PCP), Teresa Patrício Gouveia (PSD) e Nuno Abecasis (CDS-PP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 25 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 30 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Gavino Paixão.
António Rui Esteves Solheiro.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Moreira Raposo.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos das Dores Zorrinho.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Júlio Meirinhos Santanas.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Góes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Victor Brito de Moura.
Partido Social Democrata (PSD):
Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Taveira da Silva.
António Roleira Marinho.
António Soares Gomes.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
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Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Eugénio Pereira de Brito.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Domingos Dias Gomes.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Costa Pereira.
José Mário de Lemos Damião.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
António Afonso de Pinto Galvão Lucas.
Armelim Santos Amaral.
Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Pedro José Del Negro Feist.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Ruben Luís Tristão de Carvalho e Silva.
Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas, dos requerimentos e das respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Artur Penedos) : - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projectos de lei
n.os 392/VII - Elevação da povoação da Cela, concelho de Alcobaça, à categoria de vila (apresentado pelo Deputado do PS Arnaldo Homem Rebelo), que baixou à 4.ª Comissão; 393/VII - Elevação à categoria de vila da povoação de Pedras Salgadas, no município de Vila Pouca de Aguiar (PSD), que baixou igualmente à 4.ª Comissão; 394/VII Alteração à Lei n.º 20/97, de 19 de Junho (Contagem especial do tempo de prisão e de clandestinidade para efeitos de pensão de velhice ou invalidez (CDS-PP), que baixou às l.ª e 8.ª Comissões; 395/VII - Integração da freguesia de Milheirós de Poiares, do concelho de Santa Maria da Feira, no concelho de São João da Madeira (apresentado pelo Deputado do PS João Carlos da Silva e pelo Deputado do CDS-PP Gonçalo Ribeiro da Costa), que baixou à 4.ª Comissão; interpelação n.º 11/VII - Sobre orientações gerais e política global do Governo (PCP); e projecto de resolução n.º 60/VII - Recomenda ao Governo a definição de uma estratégia de desenvolvimento que corrija as assimetrias de desenvolvimento entre várias regiões do País (CDS-PP).
Nas últimas reuniões plenárias foram apresentados à Mesa vários requerimentos. Na reunião plenária de 26 de Junho: ao Ministério da Educação, formulado pela Sr.ª Deputada Isabel Sena Lino; ao Ministério da Saúde,
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formulado pelo Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Jorge Roque Cunha; ao Ministério da Cultura, formulado pela Sr.ª Deputada Filomena Bordalo; aos Ministérios da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulados pelos Srs. Deputados Carlos Duarte, Macário Correia e Isabel Castro.
Na reunião plenária de 27 de Junho e no dia 30 de Junho: ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Moreira e à Secretaria de Estado do Desporto, formulado pelo Sr. Deputado Castro de Almeida.
Na reunião plenária de 1 de Julho: ao Ministério da Saúde, formulado pela Sr.ª Deputada Elisa Damião; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Moreira; ao Ministério da Defesa Nacional, formulado pelo Sr. Deputado Artur Penedos; ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulado pela Sr.ª Deputada Elisa Damião.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados, no dia 27 de Junho: Rodeia Machado, na sessão de 14 de Maio; Matos Leitão, na sessão de 5 de Junho; Lino de Carvalho, na sessão de 25 de Junho.
No dia 2 de Julho: Nuno Abecasis, na sessão de 10 de Outubro; Lino de Carvalho, nas sessões de 17 de Outubro e 30 de Abril; Maria Celeste Correia, na sessão de 31 de Outubro; Fernando Santos Pereira, na sessão de 8 de Novembro; Isabel Castro nas sessões de 20 de Dezembro e 20 de Fevereiro; Mendes Bota, na sessão de 8 de Janeiro; Mota Amaral, na sessão de 10 de Janeiro; Ferreira Ramos, no dia 13 de Janeiro; Carlos Marta, na sessão de 13 de Fevereiro; Jorge Ferreira, nos dias 18 de Fevereiro e 13 de Maio; Castro de Almeida e Luís Sá, nas sessões de 28 de Fevereiro e 25 de Junho; António Rodrigues, na sessão de 19 de Março; Guilherme Silva, na sessão de 19 de Março; Elisa Damião e Nuno Correia da Silva, na sessão de 2 de Abril; Luísa Mesquita, na sessão de 4 e no dia 22 Abril; Filomena Bordalo, Lucília Ferra e Roleira Marinho, nas sessões de 17 de Abril e 12 de Junho; Bernardino Soares, na sessão de 23 de Abril; Costa Pereira, na sessão de 24 de Abril.
O Sr. Presidente: - Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, vamos dar início ao debate de urgência, requerido pelo PSD, sobre introdução da colecta mínima.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Mendes.
O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O PSD solicitou este debate de urgência porque considera estarmos perante um dos casos mais graves que têm sucedido durante o mandato deste Governo. Mais do que isso: este é dos casos que mais evidencia uma profunda desorientação política deste Governo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Porquê esta desorientação política? Em nosso ver, há apenas uma razão essencial: este Governo cometeu já um erro de palmatória, pois prometeu não aumentar a carga fiscal sobre os contribuintes e, mais cedo do que se pensava e imaginava, já está a aumentar os impostos e os portugueses já sentiram na pele essa realidade.
Aplausos do PSD.
Por isso, o Governo envolveu-se, nos últimos tempos, a respeito desta matéria, num grande imbróglio, que tem, a nosso ver, três questões essenciais: demonstra um erro político indisfarçável, uma atitude de cobardia política e, em terceiro lugar, um acto de hipocrisia e profunda desonestidade política.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Vamos por, partes: um erro político indisfarçável é a criação da colecta mínima. Esta foi criada na Lei do Orçamento do Estado para 1996 - n.º 2, alínea d) do artigo 56.º -, foi depois regulamentada por decreto-lei deste Governo - Decreto-Lei n.º 257-A/96, de 31 de Dezembro, relativo à colecta mínima do IVA para se aplicar durante o ano em curso.
Conclusão: o erro político de fundo indisfarçável é que o Governo quis criar um novo imposto, contra o qual o PSD votou.
Na verdade, o Governo quis criar um imposto dos mais injustos de todos, porque é cego, porque é igual para todos. pois ricos, pobres e remediados pagam da mesma maneira. Na verdade, este imposto trata de forma igual aquilo que é desigual, porque é uma solução iníqua e injusta que perturba os cidadãos. Todos a pagar da mesma maneira, sem dó nem piedade, é uma solução injusta contra a qual sempre nos batemos e continuamos a bater.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Aqui está o erro político indisfarçável que nenhum malabarismo consegue ocultar, iludir ou tentar enganar!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A segunda questão tem a ver com isto: chegados ao momento da verdade, ao momento de pagar, os portugueses legitimamente revoltaram-se.
Os portugueses ouviram durante meses o PSD dizer que iria ocorrer um aumento de impostos, mas durante algum tempo duvidaram, desconfiaram e admitiram que era apenas o combate político normal. Porém, chegou o momento da verdade, o momento em que, depois de esperar para ver, receberam cartas, notificações, para pagar aquilo que não estavam à espera de pagar. Então, aí o Governo amedrontou-se, atemorizou-se com a impopularidade decorrente de uma medida injusta e iníqua perante a qual os portugueses se indignaram e revoltaram.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O que fez então o Governo? Reconheceu o erro? Não! Assumiu a responsabilidade da medida? Não! Atirou as culpas para cima de outros e atirou as responsabilidades para cima da Administração Fiscal.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Uma vergonha!
O Orador: - Ou seja, em vez de reconhecer a medida injusta que tinha tomado, o Governo tentou apenas encontrar um bode expiatório.
Mas importa aqui ver, com seriedade, se terá havido algum erro da Administração Fiscal. Srs. Deputados, a
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notificação da Direcção-Geral de Impostos diz o seguinte: «O Decreto-Lei n.º 257-A/96, de 31 de Dezembro, que aprovou o regime especial dos pequenos contribuintes do IVA, prevê no seu artigo 11.º que os sujeitos passivos deste imposto enquadrados no regime especial dos pequenos retalhistas deverão efectuar o pagamento de
100 000$ ou 150 000$, consoante os casos». O que é que diz o artigo da respectiva lei? Diz o seguinte: «Os contribuintes abrangidos pelo regime especial previsto no presente diploma legal ficam sujeitos ao pagamento do montante anual de IVA não inferior a
100 000$ nem superior a 500 000$, nem inferior a 150 000$ nem superior a 750
000$.» Como se pode ver, os montantes são exactamente iguais na notificação e na lei.
Diz mais a notificação: «Deverão efectuar o pagamento adicionado de 20% do imposto suportado nas aquisições de bens destinados à venda sem transformação efectuados em 1996». E o que diz o artigo da lei? Diz o seguinte: «Os pequenos retalhistas ficam sujeitos ao pagamento do montante mínimo previsto no artigo 3.º adicionado de 20% do imposto suportado nas aquisições de bens destinados à venda sem transformação efectuados em 1996.».
Vozes do PSD: - É igual!
O Orador: - Ou seja, palavra a palavra, o que está na notificação da Direcção-Geral de Impostos está na lei aprovada pelo Governo.
Aplausos do PSD.
Diz ainda a notificação: «O pagamento do imposto deverá ser efectuado em duas prestações iguais com vencimento nos meses de Junho e Novembro de 1997.» O que diz o artigo da lei? «O pagamento do imposto deverá ser feito em prestações iguais nos meses de Junho e Novembro de 1997.»
Vozes do PSD: - A mesma coisa!
O Orador: - Portanto, o que está na notificação da Direcção-Geral de Impostos, o que foi cumprido por esta Direcção-Geral, e o que se diz na lei, aprovada por este Governo, é rigorosamente o mesmo, palavra a palavra! Ou seja, ao alijar responsabilidades, ao não assumir a responsabilidade pela decisão que tomou, ao não assumir as suas obrigações de corrigir ou sustentar a sua medida, o Governo cometeu um acto de autêntica cobardia política, que não podemos deixar de denunciar.
Aplausos do PSD.
Mais ainda: para fugir à sua responsabilidade, porque neste Governo a culpa, como dizem os portugueses, morreu sempre solteira, este Governo nem sequer hesita criticar e desautorizar em público a Administração Fiscal, sendo caso para perguntar: como é que os portugueses podem ter confiança e crédito na Administração Fiscal se o Governo que a tutela é o primeiro a criticá-la, a atacá-la e a desautorizá-la em público?
Aplausos do PSD.
Terceira questão: a verdade dos factos. O que sucedeu não foi nada do que o Governo disse; não foi nenhum erro dos funcionários da Administração Fiscal, de um director-geral já nomeado por este Ministro e por este Governo...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O que aconteceu foram duas coisas: primeiro, uma contestação generalizada pelo país a uma medida injusta e iníqua que os portugueses começaram a sentir na pele. Ora, perante isto, o Governo e os seus estrategas políticos ficaram preocupados. Na verdade, em permanente campanha eleitoral, ficaram preocupados com a impopularidade e com o desgaste decorrente de uma medida injusta.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Foi o pânico!
O Orador: - Mas, mais ainda: foram reler o decreto-lei, que tinham aprovado, e repararam, nesta nova leitura, que a segunda prestação a pagar seria em Novembro deste ano..., a um mês das eleições autárquicas!
Então, os estrategas políticos deste Governo chegaram a esta conclusão: se a contestação agora, Junho, quando os portugueses estão a partir para férias foi a que foi, então o que não será a nova contestação em Novembro próximo a um mês das eleições autárquicas? E vai daí, no estilo próprio de um governo que não tem uma linha de rumo, que não tem uma posição definida, que anda permanentemente aos ziguezagues, a decisão foi simples: imputar a responsabilidade a outros e depois suspender e adiar a aplicação da medida.
Em primeiro lugar, o ridículo está nisto: este Governo já não se limita a suspender os decretos e as decisões do Governo anterior; este Governo já chega ao desplante de suspender as decisões que ele próprio toma e aprova.
Aplausos do PSD.
A isto chama-se hipocrisia política! Este comportamento não tem nada de demagogia política; tem tudo de desonestidade política por parte deste Governo.
Vozes do PS: - Olha quem fala!...!
O Orador: - Bem pode o Ministro das Finanças dizer que não alinha em manobras eleitoralistas, que isso são discursos para português ver, porque aquilo que o ministro diz num dia é contraditado por aquilo que ele faz no dia seguinte. Não tem crédito algum, por isso não é para levar a sério!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Por livre iniciativa ou forçado pelo Primeiro-Ministro, uma coisa é certa: este Ministro das Finanças, depois de ter perdido a imagem de serenidade, perdeu também a imagem de rigor. Cede às tentações eleitoralistas e suspende ou adia a decisão.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente. Numa palavra, o que estão a dizer aos portugueses, como o líder do meu partido disse, e bem, é o seguinte:
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«votem nas eleições autárquicas que vão pagar a seguir», isto com a agravante de que vão pagar duas vezes.
Os portugueses sabem que esta medida não é para cumprir este ano, mas não é para revogar; é para cumprir depois das eleições, em 1998, ano em que não há eleições.
Concluindo, este Governo age com desonestidade política porque tenta enganar os portugueses. Os portugueses já ficam a saber, e o PSD avisa-os, que a seguir às eleições autárquicas pagarão duas vezes, de uma forma injusta, violenta e penalizadora.
Por isso, o desafio que fazemos é este: só há uma solução, se o Governo tiver carácter político, que é a de devolver o dinheiro a quem, entretanto, já pagou e revogar, acabar, de uma vez por todas, com uma lei iníqua, com um imposto injusto, para que a verdade se sobreponha à hipocrisia.
Vozes do PS: - Olha quem fala!
O Orador: - Por nós, continuamos, ontem, hoje e amanhã, a defender a verdade, a lutar contra a hipocrisia.
Aplausos do PSD, de pé.
O Sr. Presidente: - Não havendo pedidos de esclarecimento, tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Manuel dos Santos.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Mal vai a democracia do país, mal vai o funcionamento deste Parlamento quando o principal partido da oposição decide terminar a sua actividade parlamentar normal da sessão legislativa em curso com esta matéria, de tão pouca importância e tão pouco significado político.
Risos do PSD.
O que o país esperaria do PSD seria que o PSD propusesse aqui um debate sobre a situação real da economia portuguesa, sobre a reforma fiscal, cujos conteúdo e contornos essenciais foram já apresentados pelo Ministro das Finanças. O que o país precisaria seria que o PSD tratasse seriamente as questões da economia e da sociedade portuguesa.
Aplausos do PS.
E o que tem o país, em alternativa a esta exigência democrática? Tem uma manobra de diversão, um incidente artificial, um discurso sem conteúdo, sem rigor técnico, sem valia, sem honestidade política!
Aplausos do PS.
Sr. Deputado Luís Marques Guedes, não sei qual é o conceito que tem da noção de erro político. Referiu-se muitas vezes, no seu discurso, a esta expressão: erro político. Seguramente, V. Ex.ª ainda tem a cultura do Governo a que pertenceu. Seguramente, V. Ex.ª ainda tem uma cultura que considerava que todos os fins justificavam os meios e que a sociedade portuguesa não impõe aos políticos uma política da verdade, de transparência, de justiça. Talvez V. Ex.ª considere que erro político é procurar alterar e eliminar iniquidades. Talvez V. Ex.ª julgue que erro político é não dar a cara nos momentos adequados, sobre os problemas que se colocam. Talvez considere V. Ex.ª que erro político é, evidentemente, artificializar a situação na sociedade e na economia portuguesas.
O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Isso é uma manobra de diversão!
O Orador: - Esse não é o nosso conceito de erro e, sobretudo, de dever político, Sr. Deputado. O nosso conceito de dever político é o de que devemos intervir, independentemente dos momentos e das simpatias que isso possa gerar na opinião pública.
Vozes do PSD: - Então, e o IVA?!
O Orador: - Erro político é o que tanto V. Ex.ª como o seu partido aqui fizeram, porque - repito-o -, não tendo questão substancial a trazer aqui e trazendo uma questão verdadeiramente acessória, V. Ex.ª cometeu um erro político, que seguramente servirá para enfraquecer a democracia portuguesa e o funcionamento deste Parlamento.
Vozes do PSD: - Então, e as cartas?!
O Orador: - Foi V. Ex.ª e é o seu partido que dão uma grande mostra de cobardia política, não aceitando, o repto de fazer uma ampla discussão sobre a situação da economia portuguesa neste Parlamento,...
Aplausos do PS.
... na linha, aliás, do que fez o Banco de Portugal, no relatório que recentemente apresentou à Comissão de Economia, Finanças e Plano, o qual tem um Governador do seu partido e que reconheceu, de forma inequívoca, os bons resultados da economia portuguesa...
Vozes do PSD: - Então, e o IVA?!
O Orador: - ... e da fiscalidade portuguesa.
Aplausos do PS.
Isso, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, é que é hipocrisia e desonestidade política. Aliás, como é hipocrisia e desonestidade política, o tacto de V. Ex.ª imputar-nos, a nós, um erro e um defeito claramente assumido pelo Sr. Deputado.
Vozes do PSD: - E as cartas?!
O Orador: - O Sr. Deputado referiu que, eventualmente, a nossa intervenção política nesta matéria teria a ver com as eleições autárquicas. O que é que V. Ex.ª está a fazer se não procurar influenciar os resultados das eleições autárquicas, com as manobras de diversão que aqui nos traz?!
Aplausos do PS.
Essa é que é a hipocrisia, essa é que é a demagogia, esse é que o eleitoralismo de V. Ex.ª!
Vozes do PSD: - E as cartas?!
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O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Luís Marques Guedes não tem obrigação de saber, e sobretudo não se preocupou em saber, mas a medida que está hoje, aqui, em discussão nada tem a ver com o Orçamento do Estado aprovado para 1997, não é uma colecta mínima. A medida que está hoje, aqui, em discussão é uma autorização legislativa aprovada no âmbito do Orçamento do Estado para 1996, aliás, aprovada pelo Partido Socialista, com os votos favoráveis do Partido Comunista Português. É isso que hoje aqui está em discussão, não é o que V. Ex.ª e o seu líder têm afirmado publicamente!
Aplausos do PS.
O que está em causa, Sr. Deputado, é uma simplificação da administração fiscal, é a correcção de procedimentos administrativos, é a introdução, por esta via, de uma maior justiça e de uma luta contra a iniquidade fiscal.
O Sr. Deputado e o seu partido não podem ignorar alguns dos dados mais significativos da fiscalidade no mundo empresarial, que têm vindo a ser conhecidos pela opinião pública e são a consequência da política de laxismo fiscal dos governos a que V. Ex.ª pertenceu.
Vozes do PS: - É verdade!
O Orador: - Dou-lhe dois exemplos. Mais de um milhão de agentes económicos declara um volume de receitas inferior a 2000 contos/ano, ou seja, menos do que 5 contos/mês. Isto não o preocupa, Sr. Deputado?!
Vozes do PSD: - E o IVA?!
O Orador: - A luta contra esta situação não faz parte do vosso acervo de colaboração democrática?
Sr. Deputado Luís Marques Guedes, cerca de 90% das empresas portuguesas, segundo dados recentemente apresentados, declaram prejuízos em sede de IRC.
Risos do PSD.
Isso não o preocupa, Sr. Deputado?! Esta não é uma questão para a resolução da qual V. Ex.ª queira dar a colaboração do seu partido, para introduzir justiça, transparência e equidade no sistema fiscal em Portugal?!
Essas é que eram as questões que o senhor tinha de nos trazer aqui. E esse é que poderia ser o contributo válido de V. Ex.ª para um debate desta natureza!
Portanto, não estamos perante um erro político, Sr. Deputado. Quanto muito, poderemos estar perante uma medida de modernização administrativa, que foi deficientemente apresentada à opinião pública e é por se tratar apenas e tão-só de uma medida de carácter administrativo deficientemente apresentada à opinião pública que este Governo, com a humildade democrática que o caracteriza, foi capaz de introduzir alterações e recuar no que estava feito, sem curar de saber se temos eleições autárquicas a 6 meses, a 6 anos ou a 60 anos!
Protestos do PSD.
Esse, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, é que é o nosso dever, essa é que é a nossa obrigação perante os portugueses. Não está, e nunca esteve, aqui em causa essa é a cassete riscada do seu partido - qualquer aumento de impostos.
Vozes do PSD: - E o IVA?!
O Orador: - O Governo do PS está comprometido a não proceder ao aumento de impostos e tem cumprido rigorosamente essa promessa!
Aplausos do PS.
Isso é facilmente demonstrável, Sr. Deputado! Como é óbvio, não vou tomar-lhe muito tempo, até porque não disponho dele, mas lembro-lhe, por exemplo, que este Governo baixou impostos de maneira significativa no IRS, através do fim...
Protestos do PSD.
O Orador: - Os Srs. Deputados querem ouvir?
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não é possível usar da palavra nas condições em que o Sr. Deputado Manuel dos Santos o está a fazer. Peço-vos, uma vez mais, agora ao PSD, tal como noutras circunstâncias pedi aos outros partidos, que deixem o orador talar em condições normais, de que, aliás, gozou, e ainda bem, o Sr. Deputado Luís Marques Mendes, e não Luís Marques Guedes, como o Sr. Deputado Manuel dos Santos tem dito frequentemente.
O Orador: - Sabe, Sr. Deputado, eu confundo os Marques todos. De qualquer modo, peço muita desculpa.
Agradeço a intervenção do Sr. Presidente, não tanto para que os Srs. Deputados me ouçam, porque tenho a certeza de que conhecem isto, mas para permitirem que a opinião pública tenha conhecimento disto: os Srs. Deputados sabem perfeitamente que em sede de IRS, como, aliás, noutras sedes, o Governo tem feito um grande esforço de diminuição da carga fiscal e não, ao contrário do que os senhores dizem, de aumento de impostos.
O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Vê-se!
O Orador: - Já lhe dei o exemplo do fim do quociente conjugal mitigado, posso dar-lhe o exemplo da actualização dos escalões acima da inflação, o que os senhores nunca fizeram no vosso governo, os senhores nunca aumentaram os escalões do IRS acima da inflação, ao contrário do que faz este Governo. Posso dar-lhe o exemplo da actualização da dedução específica dos trabalhadores, dos PPR, das CPH, etc.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Então, e o IVA?!
O Orador: - Portanto, esta é mais uma das falsidades que os senhores procuram inculcar na opinião pública, mas que esta não «compra», porque, como é evidente, a opinião pública só sabe que paga impostos quando os paga e não quando os senhores afirmam que vai pagar impostos. A opinião pública tem hoje um sentimento geral e muito interiorizado 'de que, com este Governo, a carga fiscal não aumentou!
Aplausos do PS.
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Portanto, Sr. Deputado, e para terminar, foi V. Ex.ª que incorreu num lamentável erro político, foi V. Ex.ª que incorreu numa lamentável hipocrisia política, foi V. Ex.ª que veio procurar baralhar as coisas.
Termino como comecei: há assuntos sérios para discutir na economia e na sociedade portuguesas. Aproximamo-nos rapidamente de um momento decisivo para a economia portuguesa, que é a avaliação das nossas performances face ao Tratado da União Europeia. Não ouvimos uma palavra de V. Ex.ª a esse respeito nem acerca do rigor que o Governo tem introduzido nesta matéria, que, aliás, entra em conflito com a falta de rigor das outras economias mais poderosas, por não serem capazes de o manter. Era sobre isto que gostaríamos de ter ouvido V. Ex.ª.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira terminar.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Assim, lançamos um desafio ao PSD para que assuma uma postura de oposição séria e democrática, forneça a esta Câmara alternativas válidas em relação à reforma fiscal e não se embarace em situações meramente ocasionais, que podem ter alguma popularidade num determinado momento, mas que não podem fazer esquecer nem esconder o vazio das vossas propostas e da vossa política do passado.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Luís Queiró inscreveu-se para formular um pedido de esclarecimento, mas o Sr. Deputado Manuel dos Santos não dispõe de tempo para lhe responder.
Suponho que o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho também se inscreveu para o mesmo.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Não, Sr. Presidente. Inscrevi-me para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, quero apenas perguntar à Mesa se algum Deputado do Grupo Parlamentar do Partido Socialista está inscrito para falar sobre o motivo deste debate de urgência.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, como sabe, já usou da palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos, que esgotou o tempo atribuído ao PS para este debate. Desse facto poderia concluir que ninguém mais do PS estava inscrito para falar.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Presumo que para uma interpelação igual à anterior.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Igual, mas provavelmente mais rápida.
O Sr. Presidente: - Para esse efeito, tem a palavra.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Queria apenas dizer a V. Ex.ª que um Deputado do PS já fez uma intervenção sobre esta matéria,...
Risos do PSD.
... aliás, na linha e na filosofia da intervenção feita pelo Sr. Deputado Luís Marques Mendes.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Queiró, se não pode ceder tempo ao Sr. Deputado Manuel dos Santos para lhe responder, não faz sentido dar-lhe a palavra.
O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, vou fazer um exercício de síntese...
O Sr. Presidente: - Mas tem de ceder tempo ao Sr. Deputado Manuel dos Santos, porque hoje temos uma agenda muito sobrecarregada...
O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, se me desse licença, acabava muito rapidamente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, vou fazer a minha pergunta em 2 minutos e cedo 1 minuto ao Sr. Deputado Manuel dos Santos para ele responder.
O Sr. Presidente: - Muito bem, Sr. Deputado.
O Orador: - Sr. Presidente, muito rapidamente, porque tenho de encurtar a minha pergunta. gostaria de dizer o seguinte: ao ouvir o Sr. Deputado Manuel dos Santos, e antes dele o Sr. Deputado Luís Marques Mendes, estava a ver a capa do Povo Livre, que diz «Sucesso da convergência PS/PSD, a propósito da Cimeira de Amsterdão».
Na realidade, os senhores estão ambos prisioneiros a rapar no fundo dos bolsos dos contribuintes para conseguirem cumprir os números mágicos dos critérios de convergência,...
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - ... tal qual se tem de alimentar esse tamagoichi que agora aí aparece, se não morre ao fim de 30 dias.
Risos do CDS-PP.
O Sr. Deputado Luís Marques Guedes disse que isto, na verdade, era um imposto cego, igual para todos...
Risos do CDS-PP.
Peço desculpa, queria dizer «Sr. Deputado Luís Marques Mendes».
Como dizia, o Sr. Deputado Luís Marques Mendes referiu que isto era um imposto cego, igual para todos. Se tiver tempo, já lá irei e falarei da autoridade que ele tem para se pronunciar sobre esta matéria, ele,
com o percurso que tem, desde 1985, altura em que se fez a reforma fiscal.
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Mas, Sr. Deputado Manuel dos Santos, a verdade é que o que estamos aqui a discutir também não é uma manobra de diversão. Efectivamente, o decreto-lei feito na sequência da autorização legislativa do Orçamento do Estado para 1996 contém até, do meu ponto de vista, inconstitucional idades. Tem um regime transitório para 1997, que extravasa claramente o âmbito da autorização legislativa. Ora, a pergunta que tenho de fazer-lhe aqui é se o senhor e a sua bancada estão disponíveis para revogar este decreto-lei e não apenas suspender a sua aplicação.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra, por 1 minuto, cedido pelo CDS-PP, o Sr. Deputado Manuel dos Santos.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Queiró, ainda bem que V. Ex.ª me liberou do embaraço, de que peço desculpa, de ter chamado, ao
que parece várias vezes, ao Sr. Deputado Luís Marques Mendes «Luís Marques Guedes». Não foi falta de respeito.
Peço humildemente desculpa.
O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Não sei qual deles é que rica ofendido!
O Orador: - Sr. Deputado Luís Queiró, o decorrer do debate e, nomeadamente, as intervenções que o Governo irá fazer servirão para dar cabal esclarecimento
à pergunta de V. Ex.ª.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Já as conhece?!
O Orador: - No entanto, quero, desde já, dizer-lhe, de uma maneira clara e franca, que a bancada do Partido Socialista apoiará todas as decisões que, nesta matéria, forem enunciadas pelo Governo e fará o respectivo suporte parlamentar das mesmas.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Decididamente, a desorientação e o descontrolo total tomaram conta do Ministério das Finanças e do Governo.
Risos do PSD.
À telenovela dos avales segue-se, agora, o romance do IVA para os pequenos contribuintes.
Nos avales, ainda não se conseguiu perceber quem é que os autoriza: se é o Ministro, no plano político, e o Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, no plano administrativo, como afirmou o Ministro Sousa Franco, em Bruxelas, apesar de, ao mesmo tempo, o Ministro das Finanças afirmar que nada decide nesta matéria antes de terminado o inquérito parlamentar ao aval da UGT;
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não sabe o que é uma delegação!
O Orador: - ... se é o Secretário de Estado, nos casos urgentes, como também foi dito, ficando sem se saber quem é que decide nos casos não urgentes, ou se é o Departamento de Informação e Propaganda do Ministro das Finanças - uma espécie de duplo sempre presente -
Risos do PSD.
... uma vez que o Gabinete do Ministro diz desconhecer todo o processo dos avales e o Ministro Jorge Coelho também diz que a Presidência do Conselho de Ministros nada sabe sobre os avales.
Risos do PSD.
Se calhar, Srs. Deputados, é algum marciano, agora que estamos em época de ir a Marte.
Risos do PCP e do PSD.
Quanto ao processo do IVA, repete-se a confusão e a tentativa de todos se desresponsabilizarem e descartarem de uma medida claramente incómoda para o PS e para o Governo.
Uma coisa é certa: o Governo tentou claramente, de uma maneira irresponsável e inepta, antecipar receitas fiscais à custa dos pequenos contribuintes.
Vozes do PS: - Não é verdade!
O Orador: - E antecipar receitas de qualquer maneira,...
Vozes do PS: - É falso!
O Orador: - ...para que, neste ano, possa cumprir o número mítico de 3% do défice para a moeda única, mesmo à custa de tudo e de todos.
E não venha agora o Sr. Ministro das Finanças dizer, numa demonstração de inaceitável quebra de solidariedade institucional com os seus Secretários de Estado e com os próprios serviços da administração fiscal, que se tratou de um erro dos serviços da administração fiscal.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Foi um erro deles!
O Orador: - Não foi um erro, Sr. Ministro.
O Decreto-Lei n.º 257-A/96, de 31 de Dezembro, nos seus artigos 8.º, 9.º e 11.º, é bem claro: o regime especial de tributação do IVA é aplicável. já em 1997, aos pequenos contribuintes com um volume de negócios não superior a 1 500 000$ ou 2000 000$ e que, ao abrigo do artigo 53.º do Código do IVA, estavam anteriormente isentos. Os serviços da administração fiscal limitaram-se a dar cumprimento ao texto de um diploma incoerente, assinado pelo Primeiro-Ministro. É certo que a outra assinatura é a do Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças e não a do Ministro das Finanças. Mas isto deve ter sitio mais um dos muitos Conselhos de Ministros em que o Sr. Ministro não se deu ao incómodo de estar presente, porque devem ser um enfado. Mas tal tacto não o iliba, obviamente, da responsabilidade solidária pelo texto do decreto aprovado.
Convém também dizer quer não estamos, aliás, perante uma colecta mínima...
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Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Já lá vamos, Sr. Deputados!
Não estamos perante uma colecta mínima, porque essa constitui uma tributação unicamente sobre quem tem a obrigação de pagar imposto.
Aqui trata-se, sim, com este decreto-lei, que originou esta situação, de, em relação aos pequenos prestadores de serviços, lançar um imposto sobre quem estava isento desse imposto...
Vozes do PS: - Muito mal!
O Orador: - ...e que, no caso concreto, não auferia a receita que gerava o IVA.
Convém, aliás, dizer, Sr. Deputado Manuel dos Santos, que esta questão, nos termos em que está redigido o decreto-lei, não está sequer abrangida na autorização legislativa que foi dada ao Governo no âmbito do Orçamento do Estado para 1996.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Os isentos são meio milhão!
O Orador: - Aliás, se se tratasse de um mero erro dos serviços da administração fiscal, como o Sr. Ministro quis fazer crer nas declarações feitas em Bruxelas, bastava alterar o texto da carta enviada aos contribuintes. Mas o que o Sr. Ministro das Finanças disse ao mesmo tempo e anunciou na mesma altura foi «a suspensão por tempo indeterminado» e a «eventual revisão de alguns aspectos no Conselho de Ministros da próxima quinta-feira».
Isto é, confirma-se que o dislate é do Governo e, por isso, devem ser o Ministro das Finanças e o Primeiro-Ministro a assumirem politicamente o erro e não a transferi-lo para os trabalhadores da administração fiscal ou mesmo para o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, também aqui presente.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - E, de duas, uma: ou o Governo assume o dislate e revoga o decreto-lei em causa ou insiste que é um erro dos serviços e, então, mantém o diploma, alterando simplesmente o texto da carta enviada aos 164 000 pequenos contribuintes, onde, ainda por cima, se confunde e trata da mesma maneira o pequeno prestador de serviços, a pequena vendeira de rua de flores ou de hortaliças, a pequena loja de vendas na mais remota aldeia ou as empresas de construção civil, de restauração ou de serviços, já com alguma dimensão empresarial.
Compreendo bem a dificuldade do Governo e do Partido Socialista: dando-se conta da impopularidade da medida do seu Ministro mais independente, em vésperas de eleições autárquicas, decidiu-se o «núcleo duro» pela suspensão para já, retomando-a depois das eleições autárquicas.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Mas isso não é sério, Srs. Deputados e Sr. Ministro.
Vozes do PSD: - Não é, não!
O Orador: - Se entendem que o combate à evasão e à fraude fiscal passa por este regime especial do IVA para os pequenos contribuintes, então assumam-no e não o subordinem a critérios eleitoralistas imediatos.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Mas, já agora, Sr. Ministro, façam outra coisa: não se esqueçam, ao mesmo tempo, de fazer uma verdadeira reforma fiscal, que tribute as grandes fortunas e os grandes lucros dos grupos económicos e das empresas, designadamente do sector bancário e segurador.
É aí que se encontra o grosso da evasão fiscal. É aí que se encontra a maior parte dos 52% das empresas que declaram prejuízos, segundo os dados oficiais de 1994, e que, a acreditar nas mais recentes projecções do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos, em 1996, seriam já cerca de 90%. É aí que se encontram as 22 mais importantes instituições bancárias que, no último ano, para o qual nem há dados, usufruiram de 23,8 milhões de contos em benefícios fiscais. É aí que se encontram as 25 mais importantes seguradoras que, em anos ainda recentes, chegaram a ter taxas efectivas de tributação em IRC de 3% e 5%, em vez dos 36% devidos por lei.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Ao contrário do que o Sr. Ministro das Finanças procura fazer crer, é cada vez mais evidente que a sua política fiscal está subordinada aos calendários eleitorais do Partido Socialista. Quão longe vão os tempos do rigor académico do Professor Sousa Franco!...
Mas também é uma evidência que o Governo do Partido Socialista tem de «suportar» este Ministro das Finanças, porque, pura e simplesmente, não tem outro.
Mas o que não podem, um e outros, é utilizar a administração, o sistema fiscal e os contribuintes ao sabor das suas conveniências políticas e eleitorais.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Carlos da Silva.
O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, quero só fazer-lhe uma pergunta, porque me parece que V. Ex.ª não esteve atento às últimas intervenções.
O Sr. Deputado disse que esta medida que o Governo
pretende implementar, que é um regime por avença para pequenos retalhistas, se destinava a retirar a isenção a alguns empreendedores que estavam isentos. Mas o Sr. Deputado sabia que de 1,3 milhões de contribuintes de IVA, em Portugal, 500 000 estão isentos, porque declaram menos de 2 000 000$/ano de receita - não é de lucro, Sr. Deputado, mas de receita! E é de entre este meio milhão de contribuintes isentos, que há muitos que estão falsamente isentos, pois só o estão devido à fraude. É isto que se quer combater. Com isto, o raciocínio do Sr. Deputado cai pela base!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra por 1 minuto, que lhe é dado pela Mesa, o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Carlos da Silva, muito rapidamente, vou
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só dizer-lhe duas coisas: -m primeiro lugar, se o Partido Socialista entende que uma parte dos contribuintes que estavam isentos, o estavam falsa e fraudulentamente, então, Sr. Deputado, o Partido Socialista e o Governo assumam este decreto-lei e apliquem-no e não venham agora dizer que vão alterá-lo e suspendê-lo. Essa é a questão em causa. Se acham isso - e, em parte, é capaz de ser verdade então, Sr. Deputado, assumam o decreto-lei e não o suspendam nem revoguem.
O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Mas o problema está na execução!
O Orador: - Em segundo lugar, se o Sr. Deputado ler a autorização legislativa concedida ao Governo, em 1996, verificará que ela serviu para legislar em sede do artigo 60.º do regime dos pequenos retalhistas com um volume de negócios inferior a 10 000 000$ e dão em sede do artigo 53.º para os pequenos prestadores, que estavam isentos, e, porque estavam isentos, não geravam IVA e, como não geravam IVA, não tinham que o entregar. Ora, os senhores, agora, querem fazer incidir um imposto sobre quem não gera o rendimento desse mesmo imposto. Esta é que é a questão.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Ministro das Finanças (Sousa Franco): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A nossa posição aqui, como no debate público, sobre esta matéria ilustra bem a diferença entre este Governo e os Governos do PSD.
Vozes do PS: - Muito bem!
Vozes do PSD: - É bem verdade!
O Orador: - Se há um problema assumimos que ele existe, discutimo-lo abertamente e procuramos soluções.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Antigamente, quando havia problemas, eles eram ocultados, negados e, autoritariamente, tudo continuava na mesma.
Aplausos do PS.
Nós, como Bento de Jesus Caraça, dizemos: «não temos medo do erro, porque somos capazes de o corrigir».
Aplausos do PS.
E essa diferença, até no domínio fiscal, resulta claramente. Este caso que aqui se está a discutir, com o nome, dado pelo PSD, de «introdução da colecta mínima» é ficção científica pura.
Protestos do PSD.
O que aqui se está a discutir com esse nome de ficção é qualquer coisa que já vou explicar mas que traduz uma falha da administração...
Protestos do PSD.
... muito menos grave do que a penhora do Estádio das Antas, em que fugiram às responsabilidades durante dois anos.
Aplausos do PS.
Por aqui se vê quem tem coragem política e quem tem cobardia política.
Aplausos do PS.
Mas vamos, agora, falar de hipocrisia, porque é isso, de facto, o que o PSD revela neste debate, como em todo o comportamento que adoptou relativamente a esta matéria.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O que está em causa, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é um decreto-lei de 31 de Dezembro de 1996, praticado em execução da Lei do Orçamento do Estado para 1996. Quando esse decreto-lei foi publicado, ninguém fez nada, ninguém da oposição fez uma crítica ou pediu a sua ratificação.
O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Eles não percebem nada disto!
O Orador: - A autorização legislativa concedida em 1996, e não em 1997, teve o voto contra do PSD e do CDS-PP, silenciosamente, e o apoio do PCP.
Protestos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradeço que oiçam em silêncio.
O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, quem não tem razões, grita; quem as tem, expõe-nas.
Protestos do PSD.
Podem gritar, porque não têm razão.
O Sr. Presidente: - Não, Sr. Ministro, não podem gritar, porque o Presidente da Mesa lhes pede, reverenciosamente, que façam silêncio.
O Orador: - O decreto-lei de 1996 é agora aqui suscitado. E porquê? Ele era uma necessidade, que ninguém contestou na altura. Ele não é um regime novo e muito menos um imposto novo, como, entre muitos outros erros, foi dito pelo PSD; altera apenas os regimes especiais da Secção IV do Código do IVA e do artigo 24.º da 6.ª Directiva...
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Aprendam!
O Orador: - ... e permite sempre a opção dos contribuintes pela aplicação do regime normal.
Também não é uma maneira de obter mais receitas, nada tem a ver com isso, - deixem Maastricht em paz, porque nada tem a ver com este caso! -, é, sim, uma maneira de controlar a evasão e a fraude,...
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Vozes do PSD: - Então, porque é que o suspende?!
O Orador: - ... de alargar a base tributária, de simplificar a obrigação dos contribuintes, à semelhança do que acontece, por exemplo, na Bélgica e em Espanha, de melhorar o funcionamento da máquina administrativa e de evitar a concorrência desleal que muitos contribuintes que deviam pagar IVA, e não pagam, fazem aos contribuintes cumpridores.
São 500 000 contribuintes isentos que o PSD nos legou sem qualquer fiscalização! Hipocrisia política é isso!
Aplausos do PS.
O artigo 53.º do Código do IVA também não é objecto de qualquer alteração, e as dúvidas lançadas a esse respeito não têm qualquer razão de ser.
Então, porque é que o Governo anunciou a intenção de suspender, em 1997, no período transitório, um decreto-lei que é absolutamente necessário para moralizar o mercado e as relações entre os contribuintes e a administração fiscal? Sublinho que este decreto-lei é essencial para lutar contra a fraude e a evasão;...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Depois das eleições!
O Orador: - ... que o regime de avença deve ser implantado em termos definitivos a partir de 1998, em substituição do regime dos pequenos retalhistas; que é um regime muito mais simples e, sendo muito mais simples, clarifica a posição dos contribuintes cumpridores e dificulta a dos outros; que pode ser ajustado através da opção pelo regime normal; que só se aplica aos contribuintes que preencham um conjunto de condições definidas por lei e não se aplica quando haja injustiça grave e notória; que através dele, e só através dele, se pode combater o mercado paralelo, em que aqueles que não pagam IVA destroem a capacidade concorrencial dos que o pagam;...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - ... que esta medida visa libertar a fiscalização para outras funções, fiscalização essa que os senhores deixaram de rastos;...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - ... que os regimes deste tipo, que existem em muitos países europeus, como na Bélgica e em Espanha, são necessários para lutar contra a fraude e contra a evasão.
O que está em causa é a moralização do sistema fiscal e a sua harmonização com aquilo que se passa nos outros países da Europa!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Porquê, então, esta questão é levantada agora, sete meses depois da aprovação do decreto-lei de que se trata e um ano e meio depois da aprovação do Orçamento do Estado que a previu e autorizou?
Vozes do PS: - E seis meses antes das eleições!
O Orador: - Porquê, Sr. Presidente e Srs. Deputados? Por uma razão muito simples: é que o Governo apresentou uma reforma fiscal e o PSD não quer e não sabe discuti-la...
Aplausos do PS.
... atravancou o caminho, tem medo de discuti-la, porque ela porá a claro, necessariamente, a cobertura sistemática que o PSD deu a todas as situações de evasão e fraude, como continua a querer dar.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Essa é que é a questão!
Protestos do PSD.
O Orador: - A proposta de revogação deste regime é uma forma de dar cobertura à evasão e à fraude.
Aplausos do PS.
Houve um erro da administração fiscal, um erro que a mentalidade autoritária do Sr. Deputado Luís Marques Mendes explica dizendo que houve uma notificação aos contribuintes. Ora, não houve qualquer notificação aos contribuintes.
No tempo do Governo do PSD, a administração fiscal só dialogava com os contribuintes por notificação, mas queremos que ela agora tenha um diálogo mais igualitário, através de cartas e não de notificações, e esta carta não era uma notificação.
Aplausos do PS.
Risos e protestos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradeço que deixem o orador fazer-se ouvir. Ele tem esse direito e os Srs. Deputados têm essa obrigação.
O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, confirmo a ideia de que quem não tem razão faz barulho!
A carta, que era da exclusiva responsabilidade da administração fiscal, tem erros. Compreendemos que isso possa acontecer e respeitamos a administração fiscal. Sabemos que os senhores destruíram a administração fiscal, mas estamos a erguê-la passo a passo!
Aplausos do PS.
Com os meios de que a administração fiscal dispõe é natural que surjam erros, erros esses que criaram uma situação que é o contrário do que queríamos. A administração fiscal deve dialogar com os contribuintes numa base de verdade. A confusão que se instalou, e que foi causada pela vossa campanha, chamando «colecta mínima» ao que não era,...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não!
O Orador: - ... é a única razão que nos leva a decidir a suspensão, durante este ano de 1997, de um regime que não tinha condições para ser aplicado, depois das infelicíssimas manobras e das distorções completas de que foi objecto. Mas este regime é bom e recusamos que se «deite fora a criança com a água do banho»!
Vozes do PS: - Muito bem!
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O Orador: - Este regime pode ser revisto em diálogo. Estamos abertos...
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, peço-lhe que termine, porque já esgotou o seu tempo.
Vozes do PS: - Ainda tem tempo registado no placard electrónico!
O Sr. Presidente: - O tempo foi-lhe dado para poder responder a uma pergunta que lhe vai ser formulada. Essa foi a informação que a Mesa teve. De qualquer modo, o Sr. Ministro rege o seu tempo, como quiser e, se o gastar todo, não poderá responder à pergunta.
Faça favor de continuar, Sr. Ministro.
O Orador: - Sr. Presidente, pedia-lhe o favor de descontar as interrupções no meu tempo!
Sr. Presidente e Srs. Deputados, estamos abertos a que o regime seja renovado, mas a suspensão é necessária.
Verdadeiramente o PSD tornou-se recordista mundial de previsões erradas,...
Aplausos do PS.
... porque, em cada Orçamento que é aprovado, prevê a evolução da economia portuguesa exactamente ao contrário do que acontece, mas agora está a concorrer para outro prémio - o das visões. O PSD tem alucinações! Sonha com a «colecta mínima», mas não há qualquer «colecta mínima».
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não!
O Orador: - Tem ilusões, porque chama «colecta mínima» ao regime «forfetário» do IVA, ao regime de avença! Não há qualquer «colecta mínima» neste regime
«forfetário» de avença!
Sr. Presidente e Srs. Deputados, as alucinações e as ilusões do PSD não podem impedir-nos de discutir a reforma fiscal e de continuarmos a realizar o Programa do Governo e a lutarmos contra a evasão e contra a fraude.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, aceitamos corrigir erros nossos e erros da administração fiscal, mas não aceitamos confundir com a reforma fiscal aquilo que o não é e também não aceitamos que o PSD tenha êxito naquilo que constantemente tem feito desde que é oposição, que é criar condições para mais evasão e mais fraude, como aquela situação que herdámos. Isso nunca aceitaremos!
Aplausos do PS, de pé.
O Sr. Presidente: - Para defesa da consideração da sua bancada, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Mendes.
O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, utilizo esta figura regimental porque V. Ex.ª começou a sua intervenção atacando o meu partido, por isso julgo que é legítimo fazê-lo.
Neste momento, gostaria de invocar três ou quatro pontos. O primeiro tem a ver com a preocupação que o Sr. Ministro das Finanças evidenciou quanto à questão do
nome dado a esta medida - a colecta mínima. Devo dizer lhe que se V. Ex.ª considera que é uma ficção chamar-lhe colecta mínima, podia invocar aqui o Presidente da Confederação do Comércio Português, que, numa declaração diz que, na prática, isto é uma colecta mínima, mas invoco sobretudo o seu colega de Governo, o Ministro Jorge Coelho, que disse - está aqui nos jornais - que «a colecta mínima foi um erro». Foi o Sr. Ministro Jorge Coelho que lhe chamou também colecta mínima, a não ser que V. Ex.ª também considere que, neste caso, o
seu colega Jorge Coelho usou linguagem de mineiro ou de cavador!
Risos e aplausos do PSD.
O segundo ponto, Sr. Ministro, é que houve mais outra contradição importante de V. Ex.ª, não com a oposição, evidentemente, mas com o seu colega de Governo Jorge Coelho. O Sr. Ministro Jorge Coelho disse, no domingo, em Vila Real - está, preto no branco, em todos os jornais de segunda-feira -, que «a colecta mínima foi um erro que temos que assumir». Portanto, assumiu que a colecta mínima foi um erro do Governo, mas o Sr. Ministro das Finanças, na segunda-feira, em Bruxelas, disse que a colecta mínima foi um erro sim, mas da administração fiscal. Ou seja, o seu colega Jorge Coelho assumiu que foi um erro do Governo - honra lhe seja, pelo menos pela frontalidade de o assumir - e o Sr. Ministro não o assumiu, alijou a responsabilidade para a administração fiscal. É caso para dizer que nem a dar explicações VV. Ex.as se entendem! Até nisso são contraditórios uns com os outros!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Mas o mais grave de tudo é o Sr. Ministro, hoje e aqui, para além de repetir que o erro era da administração fiscal, chegar ao desplante - nunca vi uma coisa assim por parte de um ministro, principalmente das finanças - de dizer que é preciso suspender a aplicação, porque a oposição é que foi responsável por ter criado um clima de confusão! É um novo motivo para suspender ou revogar as leis...!
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - É uma brincadeira!
O Orador: - Penso que estar à altura do cargo, estar à altura da função, era o Sr. Ministro das Finanças, preto no branco, ter ao menos a coragem de fazer aquilo que diz, mas não faz, que era assumir a responsabilidade pelo erro cometido.
Aplausos do PSD.
Terceiro ponto: o Sr. Ministro diz que é para prevenir a evasão fiscal. Mas se era uma medida prevista no Orçamento de 1996, que não se aplicou em 1996 e não se aplica, pelos vistos, em 1997, isso quer dizer que V. Ex.ª suspende o combate à evasão fiscal!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado, porque esgotou o seu tempo.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
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Agora, para além de todas estas contradições e da falta de frontalidade e de coragem para assumir a responsabilidade... O Sr. Ministro vá perguntar aos contribuintes que receberam a notificação, a carta ou a comunicação, como lhe quiser chamar, aos pequenos comerciantes, aos pequenos retalhistas, se naqueles casos se trata de evasão fiscal, vá perguntar-lhes se eles não acham que é um caso de verdadeiro aumento dos impostos!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe, mais uma vez, que termine.
O Orador: - Vou mesmo terminar, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem de terminar mesmo, até porque não está a defender a honra da bancada.
O Orador: - Sr. Presidente, termino rapidamente e não volto a falar.
Honestidade política era o Sr. Ministro desmentir aquilo que eu disse, que não há qualquer contradição entre a comunicação da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos e o texto da lei.
Por último, Sr. Ministro...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de terminar imediatamente, Sr. Deputado.
O Orador: - O Sr. Ministro das Finanças perdeu aqui uma oportunidade para repor a verdade!
Citando o que o Sr. Ministro disse há dias...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de terminar, até porque não está a defender a honra da sua bancada. Peço desculpa, mas tem de terminar e não anunciar apenas que vai fazê-lo.
O Orador: - Termino, Sr. Presidente, com isto: o Sr. Ministro disse, há dois meses, num artigo, que a política feita de certa maneira é um nojo. Na altura achei que estava fora de tempo e sem razão, mas agora aplica-se verdadeiramente àquilo que fez e àquilo que diz.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (António Costa): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Secretário de Estado.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, como V. Ex.ª disse e muito bem! -, não foi feita qualquer defesa da honra, portanto, não há explicações a dar por parte do Governo, além do mais há outros Srs. Deputados inscritos que têm questões sérias a colocar ao Governo, por isso iríamos passar à fase séria do debate.
Aplausos do PS.
Protestos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, as explicações são uma faculdade e não uma obrigação.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Monteiro.
O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, se quisesse utilizar a figura regimental da defesa da honra, procuraria fazê-lo para defender a honra e a bolsa dos contribuintes.
Risos do PS.
Começo por dizer-lhe o seguinte: o Partido Popular considera que o verdadeiro debate que efectivamente faz falta em Portugal é o da reforma fiscal. Mas há uma questão que está mal colocada nesta Câmara e que de uma vez por todas tem de ser claramente esclarecida e explicada aos portugueses. E falo-lhe à vontade porque foi o meu partido que, em primeiro lugar, no país levantou o problema que hoje aqui estamos a discutir.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Do que se trata aqui, Sr. Ministro, é de uma coisa tão simples quanto esta: o Governo enviou, através da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, uma carta aos contribuintes isentos do pagamento do IVA para que estes o pagassem...
O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Não é assim!
O Orador: - ... e também aos contribuintes, embora não isentos. mas sujeitos ao regime especial dos pequenos contribuintes para que pagassem um IVA diferente daquele que actualmente pagam, sem lhes ter sido dada a oportunidade, como prevê a lei de orçamento, de recorrerem ao regime geral do imposto sobre o valor acrescentado. Significa isto, Sr. Ministro, para que nos entendamos. uma coisa muito simples: V. Ex.ª pode vir aqui dizer, para que amanhã eventualmente saia na comunicação social, que o Governo vai suspender ou revogar a colecta mínima. O Partido Popular não concorda com isto. E sabe porquê? Porque não pode haver suspensão nem revogação de uma coisa que não existe.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Tem é de haver suspensão e revogação de um decreto-lei que é injusto, que é ilegal e que é inconstitucional.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - O Governo extravasou a autorização legislativa, dada pela Lei do Orçamento do Estado para 1996, ao permitir que esse mesmo Governo tributasse, taxasse, contribuintes, pequenos comerciantes que até hoje nunca pagaram rigorosamente nada, e que assim devem continuar, apenas por dois motivos políticos.
O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Nunca pagaram nada, mas comem e dormem!
O Orador: - Primeiro motivo político - e espero que o Sr. Ministro não me leve a mal por aquilo que vou dizer, porque tenho muito respeito por si: como aqui foi dito, e
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bem, o Governo tem o objectivo de arrecadar dinheiro a qualquer custo, para cumprir o objectivo da moeda única. Segundo motivo político: o Sr. Ministro veio aqui dizer que o erro era da administração fiscal. A administração fiscal depende do senhor que está sentado ao seu lado esquerdo, que é o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais deste país, que faz mais favores aos sindicatos dos trabalhadores fiscais do que propriamente aos contribuintes de Portugal. O erro, Sr. Ministro, está no seu próprio Governo e na Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais, porque V. Ex.ª tem a trabalhar consigo um homem que não está preocupado com os contribuintes mas, sim, em «sacar» mais dinheiro aos contribuintes, para que os trabalhadores da administração fiscal ganhem mais dinheiro ao fim do mês.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que termine, pois já ultrapassou o tempo regimental.
O Orador: - É este o verdadeiro problema político do país.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que termine, pois já ultrapassou, em muito, o tempo regimental.
O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Agradeço, Sr. Deputado.
O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente, dizendo que quem manda na administração fiscal é o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. É o senhor que está ao seu lado, Sr. Ministro, que hoje está aqui calado, perante Portugal e os Deputados, é o homem que está ao serviço dos trabalhadores da administração fiscal e não ao serviço daqueles que pagam impostos e daqueles que, não os devendo pagar, recebem cartas para o fazer.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Isso não é correcto!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe, mais uma vez, que termine, pois já utilizou 4,5 minutos.
O Orador: - Peço-lhe, Sr. Ministro, que, para além de ter de revogar o decreto-lei, faça uma coisa que, em nossa opinião, é importante:...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem mesmo de terminar.
O Orador: - ... peça a demissão do Sr. Secretário de Estado porque há muito tempo que ele não devia estar no Governo, para que aqueles que não têm de pagar andem a pagar aquilo que não devem.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro das Finanças apenas dispõe de 42 segundos para responder, mas a Mesa concede-lhe mais
1 minuto, ficando assim a dispor de 1 minuto e 42 segundos.
Tem a palavra, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, muito obrigado..
Sr. Deputado Manuel Monteiro, parece-me claro que toda esta confusão, da introdução de uma colecta mínima, que não existe nem no regime «forfetário» do IVA nem em qualquer outra lei ou decreto-lei que tenha sido aprovada este ano, é um debate fantasmagórico.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - E este fantasma criado pelo PSD e de que toda a gente passou a falar tem de ser afugentado aqui, esta tarde. Não há colecta mínima, há um regime «forfetário» do IVA e há, sobretudo, uma proposta de reforma fiscal, que é importante discutir-se.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Considero lastimável que continuemos a discutir na comunicação social e no Parlamento uma coisa que não existe, que é a colecta mínima. Foi discutida várias vezes, mas não existe. Logo, não se pode pedir a renovação ou a alteração de regime de algo que não existe.
O facto de o PSD estar alucinado...
Protestos do PSD.
... permite que muitas outras pessoas o estejam.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é o PSD, é o Sr. Ministro!
O Orador: - Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não torna séria uma discussão que continue a processar-se nesta base. Até compreendo que alguém, ao falar do assunto em debate use a vossa terminologia, mas a vossa terminologia «não tem pés nem cabeça», é errada, e é bom que saia daqui enterrada.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Quanto ao regime «forfetário» do IVA, já dissemos que a suspensão durante 1997 não respeitará apenas a posição dos contribuintes que foram induzidos a erro por múltiplos factores de confusão como também permitirá que, com serenidade, possamos discutir eventuais aspectos menos correctos do regime legal. Estamos sempre abertos a isso, só lamentamos que essa descoberta tenha sido feita sete meses após a publicação do decreto-lei. Mas continuamos abertos ao debate, como sempre temos estado.
Finalmente, Sr. Deputado Manuel Monteiro, permita-me que diga que consideramos da mais alta importância um debate sobre a reforma fiscal, porque, de outra maneira, tudo aquilo que é introduzido na opinião pública e em particular pelo PSD, que, como sempre, não quer este debate, acaba por ser distorcido.
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, peço-lhe que termine, pois já ultrapassou o tempo disponível.
O Orador: - Para concluir, dou um outro exemplo. Foi publicado um relatório sobre a contribuição autárquica; o Governo pretende estimular um debate para poder tomar decisões políticas sobre ele; tudo aquilo que se discutiu até agora é uma distorção quase tão fantasmagórica como a da colecta mínima. Vamos discutir a sério a reforma fiscal!
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Sr. Presidente e Srs. Deputados: As cartas enviadas pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos são da exclusiva responsabilidade desta Direcção-Geral. Mas nós sempre dissemos que não faremos como o Governo do PSD fez no caso do Estádio das Antas. Nós assumimos a responsabilidade política, mas não vamos dizer que redigimos cartas que não conhecíamos. Isso não! Responsabilidade pessoal não a assumimos! Compreendemos que tenha havido erros, e, por isso. vamos propor a sua suspensão para este ano e fazer com que ...
Vozes do PSD: - Vote-se primeiro e pague-se depois!
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, tem de terminar.
O Orador: - ... os contribuintes que tenham pago, por erro, vejam restituído aquilo a que têm direito.
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, peço-lhe que termine, pois já utilizou 3,5 minutos.
O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, concluo.
Aplausos do PS.
O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito?
O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Sr. Presidente, a minha interpelação é no sentido de dizer a V. Ex.ª que, depois desta intervenção do Sr. Ministro das Finanças, o Partido Popular considera haver duas conclusões que lhe parece lícito retirar.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Isto não é uma interpelação!
O Orador: - Primeira, os contribuintes isentos do pagamento de IVA não mais o vão pagar; e, segunda, a responsabilidade política da administração fiscal do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais é assumida pelo Governo e eventualmente dela retirará consequências.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o que fez não foi uma interpelação à Mesa.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (António Carlos dos Santos): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito?
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: Para exercer o direito regimental da defesa da honra do Governo.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Monteiro, há duas coisas que quero dizer: neste momento não sou funcionário dos impostos, sou membro do Governo de Portugal. Gostaria que isto ficasse muito bem claro.
Aplausos do PS.
Não represento os interesses de um sindicato, no qual nem sequer estou inscrito. Gostaria que isto ficasse também muito bem claro.
De igual modo, acredito que as suas palavras não reproduzam, por clonagem, outras que há tempos vieram no jornal, pedindo a minha cabeça. Deve estar a lembrar-se de quem cito.
Por último, quero dizer que se o Governo pretendesse atingir os critérios de Maastricht com isto não precisava de perder 70 milhões de contos em IVA com a criação da taxa intermédia e com a baixa das taxas. Que isto também fique muito bem claro.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Monteiro.
O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, quero apenas dizer o seguinte: nós vivemos num país onde os funcionários não são eleitos por ninguém, onde os funcionários superiores da administração não respondem rigorosamente por ninguém, onde os políticos, quer estejam no Governo, quer estejam na oposição, respondera perante os eleitores, e chegámos à triste novidade de ter um Governo que não assume responsabilidades políticas pelos erros da administração fiscal. que tem de tutelar.
Protestos do PS.
O Orador: - E se assume essas responsabilidades políticas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, então, o Governo só tem uma de duas consequências: ou manda demitir o Sr. Director-Geral das Contribuições e Impostos ou demite-se alguém do Governo para assumir as responsabilidades políticas dos erros graves que entretanto foram cometidos no país.
Aplausos do CDS-PP.
Protestos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, em toda a intervenção do Sr. Ministro há apenas tinia corsa com a qual estamos de acordo - já o disse da tribuna: isto não é colecta mínima. Mas em todo o discurso do Sr. Ministro há uma contradição insanável e uma desresponsabilização inaceitável.
O, Sr. Ministro insiste em que é um erro da administração fiscal, que é um erro o envio da carta, mas, simultaneamente, informa a Assembleia, confirmando o que disse em Bruxelas, de que vai alterar o decreto-lei, de que vai renovar o regime.
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O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Não leu o decreto-lei!
O Orador: - É evidente que daqui decorrem duas perguntas, Sr. Ministro, que gostaria de ver respondidas.
Em primeiro lugar, considerando o Sr. Ministro que isto é um erro da administração fiscal, pergunto: assume-se o Sr. Ministro como parte desse erro, enquanto responsável máximo ao nível do Governo para a administração fiscal? Assume o Sr. Ministro a solidariedade institucional para com os serviços daquilo que afirma ser o seu próprio erro?
Segunda questão, Sr. Ministro: então, se o erro está nos serviços, se está na carta mal redigida, por que razão o Sr. Ministro afirma ir alterar o decreto-lei e renovar o regime? Mas se o Sr. Ministro e o Governo vão alterar o decreto-lei, por que é que o mantêm suspenso, como uma espécie de «espada de Dâmocles», e não o revogam, pura e simplesmente, para elaborarem um novo decreto-lei nos precisos termos da autorização legislativa dada no Orçamento do Estado para 1996?
E já que o Sr. Ministro está tão preocupado com a evasão fiscal dos pequenos contribuintes, pergunto: o que é que o Governo está a fazer, simultaneamente, para combater a evasão fiscal das grandes fortunas, dos grandes rendimentos, dos grandes lucros das companhias seguradoras e bancárias?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro das Finanças não tem tempo para responder, mas, se o desejar fazer, a Mesa concede-lhe 2 minutos.
O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, não creio que haja contradição alguma naquilo que eu disse.
Ponto um: eu não disse que precisamos de alterar ou que vamos alterar o decreto-lei. Disse, isso sim, que estamos abertos, agora que a suspensão cria essa possibilidade, a considerar críticas que também só agora surgiram. Ninguém falou antes...
O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Não tem vergonha nenhuma!
O Orador: - Isto é uma expressão do nosso espírito de diálogo, não é nenhuma confissão de culpa. Estamos abertos a ouvir críticas, como sempre temos estado. Talvez isso lhe faça alguma confusão mas nós funcionamos assim.
Em segundo lugar, quanto à posição do Governo e da administração fiscal, também a minha posição foi sempre claríssima. Este erro foi cometido sem nenhuma interferência do Governo, portanto, nem eu próprio nem o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais podemos ser chamados a ter qualquer espécie de responsabilidade pessoal por actos em que não participámos - faz parte das regras mais elementares da ética e da responsabilidade jurídica. No entanto. sabemos bem que, ao contrário do que aconteceu com os governos anteriores quanto a erros da administração fiscal, há uma responsabilidade política do Governo relativamente ao conjunto da administração pública e, essa, assumimo-la. Isto não significa que vamos demitir A ou B, mas significa que estamos a apurar as responsabilidades e, também, que o Governo, como órgão de chefia da administração pública, exercerá os seus poderes para que erros como este não se repitam.
Responsabilidade política, Srs. Deputados, é isto; não é responsabilidade civil e pessoal mas é responsabilidade e não fuga àquilo que a cada um cabe.
Quanto à luta contra a fraude e a evasão fiscal, Sr. Deputado, naturalmente não espera que lhe responda nos 20 segundos que me restam. No entanto, já muito está contido no projecto de reforma fiscal colocado à discussão pública. Discuta a reforma fiscal, Sr. Deputado, e aí responder-lhe-emos!
Aplausos do PS.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Secretário de Estado?
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, há pouco, o Sr. Deputado líder do Grupo Parlamentar do PSD fez uma intervenção em que, exibindo, ao que me pareceu, uma fotocópia de uma notícia do Jornal de Notícias sobre declarações prestadas pelo Dr. Jorge Coelho em Vila Real, disse que este membro do Governo tinha referido diversas vezes a expressão «colecta mínima» e afirmado que tal era um erro do Governo.
O Sr. Deputado referiu várias vezes esse assunto para tentar expor uma contradição entre o Sr. Ministro Jorge Coelho e o Sr. Ministro das Finanças. Ora, o Sr. Ministro Jorge Coelho telefonou-me há pouco, dizendo que nunca tinha utilizado aquela expressão em referência a esta matéria...
Risos do PSD.
Entretanto, tenho em mão a «revista da imprensa», compilada pelos serviços da Assembleia da República que contém cópia da notícia de 7 de Julho último do Jornal de Notícias sobre a intervenção do Sr. Dr. Jorge Coelho, efectuada em Vila Real, enquanto dirigente do Partido Socialista,.
Tendo lido a notícia, verifico que não há uma única vez em que o Sr. Dr. Jorge Coelho refira a expressão «colecta mínima». De todas as expressões que estão entre aspas e que correspondem a citações extraídas da intervenção do Dr. Jorge Coelho nunca há referência à expressão «colecta mínima». Há referência a essa expressão mas sem aspas, tratando-se, portanto, de designação do próprio jornalista...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Naturalmente, não quero fazer qualquer processo de intenção e, por certo, a fotocópia que tenho em mãos não deve ser a mesma da notícia que leu o Sr. Deputado Luís Marques Mendes.
Portanto; Sr. Presidente, permito-me convidar o Sr. Deputado Luís Marques Mendes, através de V. Ex.ª, a fazer distribuir a fotocópia a que se referiu para ver se nessa, ao contrário do que acontece na da notícia que
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referi, há alguma citação das palavras do Sr. Ministro Jorge Coelho quanto à questão da colecta mínima.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, o convite está formulado por si próprio. O Sr. Deputado Luís Marques Mendes ouviu claramente a sua formulação, pelo que o convite não terá maior valor se for formulado por mim.
O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Mendes, se concorda, não vale a pena usar da palavra...
O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Vale a pena, vale!
O Sr. Presidente: - Pareceu-me que estava a fazer sinal de desistir da palavra.
O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, pedi a palavra para fazer uma breve interpelação à Mesa, ainda mais breve do que a do Sr. Secretário de Estado.
O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra, a título de prestação de um esclarecimento.
O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - É exactamente para prestar um esclarecimento.
Sr. Presidente, de facto, há pouco, citando o Ministro Jorge Coelho, fi-lo com base na edição do Jornal de Notícias, do Porto, da última segunda-feira...
O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Citou o jornal, não citou o Ministro!
O Orador: - ... e, por acaso, peguei na terceira página onde a notícia vem mais desenvolvida. No entanto, agora, posso acrescentar que, na primeira página, está escrito, entre aspas, «colecta mínima foi um erro já corrigido», frase esta atribuída ao Ministro Jorge Coelho.
Portanto, limitei-me a dizer o que li e distribuirei esta fotocópia.
O Sr. João Carlos da Silva (PS): - E na terceira página?
O Orador: - Se os senhores estiverem preocupados quanto à questão da designação, não há problema nenhum. Por mim até penso que isto, da forma como foi feito, mais do que uma colecta mínima, é uma verdadeira espoliação dos contribuintes portugueses.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dou por terminado o debate de urgência.
Passamos agora à fase de tratamento de assuntos de interesse relevante.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Luís.
O Sr. Carlos Luís (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Em ano e meio de governação é possível quantificar medidas concretas levadas a cabo pelo actual Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, que vão ao encontro das legítimas aspirações dos emigrantes portugueses espalhados pelo mundo, cumprindo assim as promessas eleitorais e o Programa do Governo no que diz respeito às comunidades portuguesas.
Em 18 anos consecutivos de governação PSD à frente da Secretaria de Estado da Emigração, não houve uma única medida estruturante tomada em prol dos emigrantes. A ausência, o desleixo e o esquecimento foram as premissas fundamentais do PSD, sobretudo nos governos do Prof. Cavaco Silva. Assim, extinguiu o Instituto de Apoio à Emigração que, em colaboração com o movimento associativo, prestava um apoio insubstituível aos emigrantes portugueses.
E, com efeito, em matéria de investimento dos trabalhadores portugueses residentes no estrangeiro que a política dos governos PSD se mostrou mais desastrosa e lesiva, desde as falências das caixas económicas, a que milhares de emigrantes confiaram as suas economias, até à penalização da «conta-emigrante».
Os dois factos paradigmáticos da falência cultural do Governo anterior são mais directamente mensuráveis: o ensino do português e o Instituto Camões.
No que diz respeito à cultura e ao ensino confiado ao Instituto Camões, a situação foi de mal a pior. O Instituto Camões nasceu num caos dissimulado de megalomania. Prometeu-se o que não podia ser concretizado. A publicação da lei orgânica arrastou-se injustificadamente no tempo e, em certo momento, o Instituto Camões era um «filho de ninguém».
Nem o Ministério da Educação nem o Ministério dos Negócios Estrangeiros quiseram ou souberam gerir o caos em que o sucedâneo do ICALP se arrastou desde a data teórica da criação - 1992 - até à data em que a folha oficial deu luz verde para o novo modelo institucional - 1995.
Seguiram-se depois mais promessas de «mundos e fundos», dando-se como certa a abertura de 30 novos centros culturais no estrangeiro e chegou-se a pensar num megacentro em Nova Iorque. Destinaram-se palavras fáceis para conselheiros culturais e para leitores de língua e cultura no estrangeiro.
A gestão e responsabilidade administrativa derrapou, começaram os protestos, os embaixadores não sabiam o que fazer e no Ministério dos Negócios Estrangeiros, à falta de uma direcção que gerisse ó caos, remeteu-se tudo para o Instituto Camões que, por sua vez, nem tinha dinheiro nem condições técnicas e humanas para responder.
Se no Instituto Camões foi o caos, no ensino reinou a confusão. Se tivermos em conta que, em 1985, leccionavam cerca de 450 professores de português em França para passarem a ser 115 em 1995, isto é, numa década, o governo do PSD suprimiu 335 professores só num país onde a comunidade portuguesa ascende a cerca de um milhão de emigrantes.
Através do Decreto-Lei n.º 101/90, o PSD governamentalizou o Conselho de País, órgão consultivo do Governo para a política de emigração, tornando-o ineficaz e inoperante, impedindo assim a intervenção das comunidades portuguesas no estrangeiro na análise dos assuntos que lhes diziam respeito e na respectiva contribuição para a solução dos problemas que as preocupam.
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Sr. Presidente e Srs. Deputados: Um simples averbamento ou renovação do bilhete de identidade demorava dois a três anos e na Secretaria de Estado acumulavam-se largas dezenas de milhares de processos sem que tivesse sido encontrada uma solução.
A actual situação é bem diferente: a recuperação do atraso na emissão dos bilhetes de identidade, que, em Janeiro do ano passado, era de mais de 32 000 pedidos, foi possível graças à colaboração com o Ministério da Justiça, traduzida na inauguração, em 14 de Abril de 1996, do centro emissor Consular. Ao longo de 1996, foram emitidos 103 931 bilhetes de identidade, dos quais 62 556 pelo centro emissor, tendo os restantes sido emitidos por funcionários da Secretaria de Estado destacados para o Ministério da Justiça.
O primeiro grande objectivo já foi alcançado - reduzir o tempo de espera para cerca de um mês. Agora, há que avançar para a redução desse tempo e, mais à frente, para a emissão dos bilhetes de identidade nos postos consulares. A Secretaria de Estado das Comunidades está a efectuar investimentos a nível tecnológico e informático, informatizando este ano os principais consulados na Europa e ligando-os ao centro emissor de Lisboa, o que permitirá a transferência informática dos dados. Depois de obtida a necessária autorização da Comissão Nacional de Dados Informatizados, será possível a transferência mais rápida dos dados, o que se traduzirá numa redução do tempo necessário à emissão.
Uma medida de grande alcance, e que visava colmatar casos de burlas relativos ao trabalho de portugueses no estrangeiro, permitia que a participação judicial não dependesse de queixa do lesado, podendo ser accionados processos judiciais pelas entidades que deles tiveram conhecimento. Esta possibilidade constava de uma alteração ao Código Penal sugerida pelo Secretário de Estado das Comunidades ao Ministro da Justiça.
De acordo com a proposta apresentada, era introduzido um novo artigo que punia com pena de prisão até 5 anos ou multa até 600 dias «quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, causar a outra pessoa prejuízo patrimonial, através do aliciamento, promessa ou contrato para emprego ou trabalho no estrangeiro». Perante tal medida, o que fez o PSD? Chumbou na Assembleia da República a proposta do Governo, permitindo que cidadãos sem escrúpulos continuem a burlar portugueses no estrangeiro.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: No passado dia 27 de Abril, tiveram lugar as eleições para o Conselho das Comunidades Portuguesas - são históricas, por serem democráticas e desgovernamentalizadas as primeiras eleições formais realizadas ao nível de portugueses não residentes em Portugal. Pela primeira vez, milhares de portugueses exerceram o seu direito cívico na eleição dos seus representantes. Cumpria-se, assim, mais uma promessa eleitoral do Partido Socialista, estando agendada para o próximo mês de Setembro uma reunião com todos os conselheiros eleitos.
A meio da legislatura, acabo de enumerar algumas medidas levadas a cabo pelo actual Governo que marcam bem a diferença da forma de governar - cumprir as promessas feitas em campanha eleitoral tem sido o nosso lema e não servirmo-nos dos emigrantes como fez o PSD. Quem não se recorda dos discursos inflamados dos mais altos responsáveis do PSD a propósito do voto dos emigrantes nas eleições presidenciais, levando ao rubro a exploração de sentimentos que mais não visavam que desviar as atenções dos reais problemas dos emigrantes?
O que os emigrantes querem é mais professores e mais escolas; o que os emigrantes querem é mais apoio jurídico e social; o que os emigrantes querem é melhor serviço consular; o que os emigrantes querem é que as embaixadas e consulados lhes resolvam os problemas e questões processuais com celeridade, legalidade, respeito e competência.
O que os emigrantes querem é que o Parlamento aprove diplomas que os protejam e defendam de contratadores sem escrúpulos, como aconteceu com muitos. nomeadamente na Alemanha; o que os emigrantes querem é mais e melhor informação; o que os emigrantes querem é que o poder central não os penalize ainda mais com impostos nas contas «crédito-poupança», como aconteceu no passado; o que os emigrantes querem é segurança das suas economias e não o que aconteceu no passado com a falência das caixas económicas, lançando na miséria centenas de emigrantes; o que os emigrantes querem é a obtenção em tempo útil do reconhecimento da equivalência dos graus académicos e sócio-profissionais; o que os emigrantes querem é não serem utilizados e explorados em discursos demagógicos que em nada os servem.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Se, no passado, o PSD não teve uma política global de emigração, hoje, ninguém conhece uma proposta concreta nesta área a não ser a da criação de um «Ministério das Comunidades». O líder do PSD defende que os serviços consulares deveriam depender desse novo ministério. O Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, numa entrevista ao Correio de Portugal, adiantou ainda que esta é a sua visão da emigração: «admito que é uma visão revolucionária em Portugal, admito que, muitas vezes, o PSD no governo esteve longe desta visão, nas ideias e nas obras». Aqui, tenho de cumprimentar o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa pois, pela primeira vez, um alto dirigente do PSD reconhece que o PSD no governo, em matéria de emigração, esteve longe das ideias e das obras.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Aguiar.
A Sr.ª Manuela Aguiar (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Luís, estou esclarecida relativamente a algumas questões mas, quanto a outras, julgo que terá todo o prazer em esclarecer-me.
Sr. Deputado, julgo que não é justo dizer que, no passado, o PSD não tomou as medidas de concretização de todo um «aparelho» de resposta aos anseios das comunidades portuguesas no estrangeiro. Refiro-me ao Instituto de Apoio à Emigração e Comunidades Portuguesas, criado em 1980 e de cuja extinção agora tanto se reclama, bem como ao Conselho das Comunidades Portuguesas, um conselho associativo. É de experimentar outros esquemas - nunca estive contra isso - mas a verdade é que aquele conselho era eleito democraticamente pelos representantes das associações. Refiro, ainda, a comissão interministerial que procurava dar respostas concretas ao Conselho das Comunidades Portuguesas e que desenvolvia acções concretas de apoio ao regresso dos emigrantes ao País.
A este propósito, recordo-lhe o governo do Bloco Central, quando eu própria trabalhava com o então Ministro Jaime Gama, em que se desenvolveram acções
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de apoio concreto ao associativismo, de apoio à investigação sobre as comunidades. Por exemplo, há cerca de 80 publicações desse tempo que, infelizmente, ninguém nunca mais retomou.
Recordo, ainda, o primeiro apoio que foi dado às rádios, à imprensa, à televisão das comunidades portuguesas, particularmente às de fora da Europa, que data também daquele tempo, tal como as primeiras vindas de idosos a Portugal, a organização dos primeiros cursos de férias para jovens, as primeiras delegações criadas no País, o aumento do número de delegações fora do País, etc.
No tempo dos governos do Prof. Cavaco Silva, recordo, por exemplo, a criação de um instrumento de primordial importância como é a RTPi - é pena que o Dr. Marques Mendes não esteja agora presente porque gostaria de felicitá-lo por isso.
Quanto à RTPi, devo acrescentar que, infelizmente, há, na verdade, uma falta de colaboração entre a RTPi e as televisões das diversas comunidades portuguesas no estrangeiro. Essa é, digamos, a grande pecha da RTPi, que já temos denunciado muitas vezes e devemos continuar a denunciar.
Mas diga-me: o que fez de novo este Governo em relação a estas matérias? Quanto aos consulados, todos sabemos que há atrasos e que convém
suprimi-los, e ainda não se viu qualquer sintoma de melhoria em nenhuma comunidade. Pelo contrário, continuam a queixar-se de atrasos na emissão dos bilhetes de identidade, na aquisição da nacionalidade, continuam a queixar-se de não terem meios de repatriamento quando precisam de ser repatriados para Portugal, continuam a queixar-se de que não têm direito a reforma, de que não têm direito ao rendimento mínimo garantido.
Quanto ao Instituto Camões, estou de acordo com o Sr. Deputado em que, infelizmente, houve um presidente deste instituto que prometeu a criação de 30 centros e nunca o fez. Também penso que essa foi uma atitude péssima e que ele deveria ter sido demitido de imediato. Mas pergunto: actualmente, onde estão os tais 30 novos centros, onde está o aumento dos cursos de português, onde está a «recriação» do Instituto de Apoio à Emigração e Comunidades Portuguesas - e isto é facílimo, faz-se por decreto-lei, rapidamente -, onde está a funcionar uma comissão interministerial, outro instrumento precioso de cooperação?
Acredito que alguém como o Sr. Deputado, com a sua sensibilidade para os problemas da emigração, certamente teria procurado implementar o que foi prometido durante a campanha eleitoral. Aliás, estávamos largamente de acordo com as promessas que, foram feitas - e o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa certamente também está de acordo - no sentido da criação de um ministério das comunidades, desde que seja dotado de meios para funcionar. Isto é, um ministério das comunidades sem meios e sem estruturas não passaria de uma «tabuleta»; já um ministério das comunidades com os meios que eu não tenho dúvida que o Professor Marcelo Rebelo de Sousa lhe daria, com certeza, seria da maior importância.
No que respeita ao Conselho das Comunidades Portuguesas, queria associar-me aos votos que o Sr. Deputado faz para que essa instituição venha a funcionar como esperamos.
O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr.ª Deputada.
A Oradora: - Termino já, Sr. Presidente.
Também me regozijo com a votação in loco, que, de resto, defendo, e com a forma como a mesma decorreu: tudo se passou de forma muito cordata na maior parte dos países.
Desejamos que o Conselho das Comunidades Portuguesas venha a funcionar da melhor maneira possível - terá com certeza o nosso apoio, o seu e o meu! Pergunto apenas se o Sr. Deputado já foi convocado para a reunião que deverá decorrer aqui, na Assembleia da República, bem como se foi minimamente consultado no que respeita, por exemplo, ao respectivo programa, porque eu não fui!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Luís.
O Sr. Carlos Luís (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Manuela Aguiar, em diversas circunstâncias, inclusive em intervenções nesta Câmara, tenho separado as políticas seguidas pelo PSD quando V. Ex.ª foi membro do Governo e Deputada das que foram depois adoptadas. Aliás, tenho tecido, sem qualquer complexo, elogios a diversos Deputados de todas as bancadas, desde o Professor Adriano Moreira ao Deputado Nuno Abecasis, passando pelos ex-Deputados do PCP Custódio Gingão, que aqui teve um papel notável no que diz respeito a questões da emigração, e Miguel Urbano Rodrigues, bem como por V. Ex.ª, Sr
Deputada Manuela Aguiar, que tem desempenhado um papel notável nesta área, nomeadamente na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa.
Todavia. depois de V. Ex.ª sair do Governo, adoptou-se uma política desastrosa na área das comunidades portuguesas. Todos temos consciência disso! Assistimos, por exemplo, à extinção do Instituto de Apoio às Comunidades Portuguesas e, em resultado, em França, só em 10 anos, foram suprimidos 335 professores! 335 professores numa área extremamente sensível! De facto, todos os parlamentares costumam dizer, nas mais diversas circunstâncias, que a cultura e a língua devem constituir uma questão suprapartidária, uma questão de Estado, quer na lusofonia quer nas comunidades portuguesas. Mas como é possível apostar no ensino e na cultura quando, só num país, são suprimidos 335 professores em 10 anos?
Como é possível os emigrantes acreditarem em sistemas de crédito, que foram criados no passado, como as contas «poupança-emigrante» - e refiro-me ao caso concreto das caixas económicas faialenses -, se aqueles que as levaram à falência andam em liberdade, tendo deixado na desgraça e na miséria centenas de portugueses que confiaram as economias que juntaram ao longo de muitos anos com muito sacrifício e que, no fundo, acreditaram no Estado, acreditaram nos políticos e nos gestores nomeados pelo poder político, gestores esses que, repito, levaram à falências essas caixas económicas, defraudando as expectativas e as economias dessas pessoas?
Mais: no que diz respeito à estruturação consular, lembro que o Regulamento Consular data de 1922 e, até hoje, ainda é o mesmo! É certo que, segundo as informações de que disponho, muito em breve, entrará em vigor o novo regulamento consular. Ora, pergunto a esta Câmara - e V. Ex.ª, Sr.ª Deputada Manuela Aguiar, com certeza, acompanhar-me-á - o que era um consulado em 1922 e o que é a agressividade consular hoje, quando Portugal tem cerca de 4 milhões de emigrantes espalhados pelo mundo! Como conciliar o que é a vivência consular nos dias de hoje, no final deste milénio, com o
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Regulamento Consular de 1922?! É obsoleto, está caduco e, sobre isso, ninguém se pronunciou.
Sr.ª Deputada, a informatização consular está em curso e serão informatizados, ainda este ano, os principais postos consulares da Europa. Depois, seguir-se-ão os do resto do mundo.
No que diz respeito à emissão de bilhetes de identidade, se o processo estiver completo, isto é, se não houver deficiências na instrução do processo, demorará 30 a 40 dias a respectiva emissão. Recordo-me de o então Ministro da Administração Interna, Dias Loureiro, dizer que todo o cidadão deve fazer-se acompanhar do seu bilhete de identidade.
O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Pergunto como era isso possível quando os milhares de portugueses que nos visitam todos os anos esperavam, em média, dois anos por um bilhete de identidade, por um simples averbamento ou por uma renovação! Queria ver quantos portugueses não teriam de ser presos se essa lei do então Ministro da Administração Interna fosse aplicada.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carvalho Martins.
O Sr. Carvalho Martins (PSD): - Ex.ª Sr. Presidente, Ex.mos Srs. Deputados: Dia 28 de Junho de 1996. O sol brilhava, os foguetes estalavam, a música tocava. Eis que chega, de sorriso aberto, sempre em diálogo, cumprimentando à direita e à esquerda, o homem das promessas.
Vem com uma mão cheia de promessas, que um ano depois se pode afirmar que era uma mão cheia de nada.
Eram 110 milhões de contos para estradas, eram apoios à lavoura, eram apoios à criação de emprego, era a varinha mágica da resolução dos problemas.
Era a auto-estrada Braga/Valença, que não é «era», porque tudo tinha ficado decidido e concursado pelo Governo anterior, senão hoje ainda «era»! Era o IC1, que até Viana do Castelo não é «era», porque tudo estava decidido pelo Governo anterior senão «era», como é e será Viana/Vila Praia de Âncora, obra que já deveria ter sido começada, pois já tinha projecto.
Três dias de Governo, em diálogo: três dias do faz que faz, mas só faz o que vem de trás; três dias onde se afirmava categoricamente que o IC28, Viana do Castelo/Ponte de Lima/Ponte da Barca/Arcos/Lindoso, ficaria definido em termos de traçado em 1996 e que arrancaria em 1997. Estamos em Julho de 1997, nem traçado e, obviamente, muito menos estrada! Por este andar, em 1999 ainda estaremos à espera do projecto.
Assim será também em relação ao IC1, Viana do Castelo/Vila Praia de Âncora, bem como em relação ao IP9. Em quase dois anos de Governo «rosa», o Alto Minho ficou negro.
Alguns afirmarão que nós já nos esquecemos que fomos Governo durante 10 anos e que se o Alto Minho não tem estradas a culpa é nossa. Assumimos as nossas responsabilidades, pensando, no entanto, que nos 10 anos de Governo do PSD muito foi feito pelo Alto Minho, mas também ficou muito por fazer. Só que nestes quase dois anos de Governo socialista é o que se vê: nada a não ser o que já vinha do Governo anterior.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Relembrar a ponte de Viana, a ponte de Valença, vários troços do
IC1 Porto/Viana, que assumimos o atraso, apesar de já hoje poucos se lembrarem que uma razão e a mais importante do atraso deveu-se à necessidade de passar esta estrada, em termos de projecto, de duas para quatro faixas; a nova estrada Valença/Monção/Melgaço, que um ex-Secretário de Estado deste Governo afirmou que esta obra nunca seria prioritária, portanto não se fazia a nova ponte, ligando Ponte da Barca aos Arcos, e respectiva variante, a ponte sobre o rio Minho em Monção, a estrada de acesso à fronteira da Madalena, os investimentos no porto de Viana, a construção de nove centros de saúde de raiz, a escola superior agrária em Ponte de Lima, a escola superior de gestão em Viana, a sede do instituto politécnico, a recuperação do ex-BC9 para fins sociais, a escola de enfermagem. a construção de mais de 15 escolas C+S por todo o distrito, o centro de formação profissional de Viana do Castelo, concluído já há um ano e sem utilização, diversas instalações para as forças de segurança, a construção de vários quartéis de
bombeiros, de lares da terceira idade, a recuperação de centenas de quilómetros de estradas nacionais - quem não se lembra que, em 1986, as estradas nacionais mais pareciam buracos que estradas! - e tantos outros investimentos que foram feitos, ao longo dos últimos 10 anos, fazendo crescer o PIDDAC de ano para ano. Em 1995 era de 11,2 milhões de contos e com o Governo socialista é o que é. Passou para metade! Verdadeiramente inacreditável!
Esta é a realidade para quem tanto prometia.
Em relação ao emprego, foi o que se viu. No âmbito do Regime de Incentivos às Microempresas (RIME), pelo Despacho n.º 91/96, nenhum concelho do distrito de Viana do Castelo estava nas localizações prioritárias. Porque se fez barulho, o despacho foi corrigido, mas perderam-se três meses. Esta é a prática deste Governo: avança e recua em função do barulho que se fizer, demonstrando claramente falta de estratégia.
O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - A correcção alargou o RIME a todos os concelhos do distrito, excepto para algumas freguesias do concelho de Viana do
Castelo, como, por exemplo, Areosa, Afife, Carreço, as freguesias da cidade, Meadela, Santa Marta Darque e Mazarefes. Sinceramente, não se entende esta exclusão, quer sob o ponto de vista do emprego, quer sob o ponto de vista da racionalidade económica.
Quem investir em Cardielos, freguesia a seguir a Santa Marta, tem benefícios financeiros, quem o fizer em Santa Marta não tem. Inacreditável esta lógica quando, ainda por cima, se afirma que o Programa RIME tem como objectivos, entre outros. «a criação directa de postos de trabalho pelo estímulo da iniciativa local, quer nas áreas rurais quer em áreas urbanas com problemas de reestruturação produtiva», e, ainda, a criação de serviços de base local, designadamente os serviços orientados para o turismo e lazer, bem como a revitalização do comércio a retalho.
Será que as freguesias excluídas não são aquelas onde se pode mais potenciar estes serviços e onde é necessário
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revitalizar o comércio? A resposta, é obvia: esta correcção é uma contradição!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há um ano, o Sr. Primeiro-Ministro prometeu tudo. No princípio de Junho de 1997, quase um ano depois, o Sr. Ministro João Cravinho tinha um discurso completamente diferente em Ponte de Lima. Tudo estava na fase de estudo, de análise, de custos elevados por
km2 e, enfim, não podia prometer nada. Dois discursos completamente contraditórios que levantam dúvidas a todos nós. Quem falará verdade?
Para nós, é irrelevante. O que interessa é que se materializem as promessas que são necessidades de resolução urgente.
O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Não me refiro àquelas que, ultimamente, os governantes têm falado, porque essas são obras todas! - do Governo anterior; o que queremos são obras deste Governo e aí, sim, também nós afirmaremos claramente que é mérito vosso, mérito do Governo socialista.
Podemos sintetizá-las em quatro pontos: primeiro, a conclusão urgente do IC1, troço Apúlia/Neiva e Viana do Castelo/Vila Praia de Âncora; segundo, a construção do IC28, Viana/Ponte de Lima/Ponte da Barca/Arcos/Lindoso; terceiro, a construção do IP9, ligação Viana/Braga, que desaparece no novo Plano Rodoviário Nacional, o que não se entende;...
O Sr. Roleira Marinho (PSD): - É mais um corte!
O Orador: - ... quarto, o nó de Sapardo, ligação da auto-estrada à Vila de Paredes de Coura, obra urgente e determinante para este concelho;...
O Sr. Roleira Marinho (PS): - Muito bem!
O Orador: - ... quinto, o porto de Viana dispor de ligações ferro-rodoviárias.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por último, faço um apelo no sentido de que todas as freguesias do concelho de Viana do Castelo façam parte das localizações prioritárias. É uma exigência da racionalidade económica e dos princípios que estão definidos no Programa RIME.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Solheiro.
O Sr. Rui Solheiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carvalho Martins, meu caro amigo, não pensei que fosse «mais papista que o Papa». É que o maior responsável pelo Governo do PSD, nos últimos 10 anos, foi o Professor Cavaco Silva e ele próprio, na campanha presidencial, num comício público em Viana do Castelo, pediu desculpa aos alto-minhotos por se ter esquecido do Alto Minho no que respeita aos principais investimentos, sobretudo em vias estruturantes.
Quando este esquecimento é reconhecido pelo primeiro responsável do Governo PSD, no próprio local onde o «crime» foi cometido, não percebo como é possível que o responsável distrital dessa mesma região venha aqui procurar passar uma esponja sobre esse passado!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!
O Orador: - Além do mais, há algumas imprecisões quando diz que o IC1 estava todo adjudicado no tempo do Governo anterior. É redondamente falso e, mais grave do que isso, é o Sr. Deputado saber que assim é. Não só o troço Viana/Apúlia não estava adjudicado como nem sequer estavam expropriados os terrenos. Hoje, o troço está adjudicado, os problemas estão resolvidos e a obra a andar.
Como sabe, Sr. Deputado, alguns troços foram abertos e isso sente-se bem na diferença do tempo das viagens que temos de fazer todas as semanas, de Viana do Castelo ao Porto, e vice-versa.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!
O Orador: - São as consequências de uma nova política, de uma forma diferente de olhar para aquela região, porque quem está a fazer as obras, quem está a suportar os respectivos custos é o actual Governo. O Governo anterior limitou-se a inscrevê-las, ano após ano, em PIDDAC,...
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É verdade!
O Orador: - ... mas sem as realizar no terreno, sem haver consumo financeiro e execução das respectivas obras.
O Sr. Deputado referiu-se ainda a alguns milhões que o Sr. Primeiro-Ministro prometeu ao distrito de Viana do Castelo, para uma legislatura, isto é. para quatro anos. A verdade é que já começam a ser cumpridos e é fácil testá-lo, basta fazer algumas contas. Como sabe, a auto-estrada Braga/Valença, que está em curso e em grande ritmo, estará concluída até Maio do próximo ano, se não houver imprevistos, e essa obra custa hoje - são os troços de auto-estrada mais caros do País - cerca de 1,2 milhões de contos por quilómetro.
Sr. Deputado, vá multiplicando esse valor pelos quilómetros que estão a ser executados e já encontrará a justificação para algumas não digo promessas mas, sim, garantias dadas pelo Sr. Primeiro-Ministro aquando do «Governo em diálogo» em Viana do Castelo.
Por outro lado, o Sr. Deputado esqueceu-se de falar em duas pontes internacionais que, durante 10 anos, estiveram na «gaveta» do Governo do PSD. Refiro-me à ponte Peso/Arcos, em Melgaço, e à ponte Vila Nova de Cerveira/Goián. A primeira iniciou-se há pouco tempo atrás, mas esteve na «gaveta» durante os vossos 10 anos de governação; a segunda esteve os mesmos 10 anos na «gaveta», com promessas sucessivamente adiadas, mas agora já foi aprovada em Comissão Internacional de Limites e está na recta final para permitir o lançamento do concurso e a execução da respectiva obra.
O Sr. Deputado falou ainda do Regime de Incentivos às Microempresas, e eu aproveito para o ligar ao LEADER. É que, já agora, não podia deixar de chamar a atenção para o que se fez, nos últimos 10 anos de Governo do PSD, em relação ao LEADER. No seu âmbito, apenas foi aprovado um programa no nosso distrito - o do Vale do Lima -, que abrangia quatro concelhos, mas não quatro concelhos na sua totalidade.
Agora, foi igualmente aprovado o programa do Vale do Minho e todo o distrito está coberto pelo LEADER. No RIME, como sabe, foram utilizados os mesmos critérios de abrangência que diziam respeito ao LEADER, no entanto o RIME abrange hoje nove concelhos do distrito,
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na sua totalidade, mais uma parte de Viana do Castelo. Se fosse no tempo dos «vossos LEADER» apenas atingia uma parte de três concelhos do distrito de Viana do Castelo. É bom que o Sr. Deputado não se esqueça da passagem do PSD pelo Governo!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carvalho Martins.
O Sr. Carvalho Martins (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Solheiro, meu querido amigo, quero saudá-lo por estar aqui, mas é óbvio que não concordo com o que disse. Se vamos hoje mais depressa de Viana do Castelo ao Porto, tal deve-se, pura e simplesmente, a obras concursadas pelo Governo anterior. Não há um quilómetro de estrada do IC1 aberta que não seja obra lançada pelo Governo anterior!
O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Para mim, a questão nuclear implica que se avance rapidamente, tal como afirmei na intervenção, no troço Viana do Castelo/Vila Praia de Âncora. Isso, sim, será mérito vosso, porque apenas avançámos com o projecto, que já existe há dois anos. O Governo do PS vai fazer dois anos de governação, por isso é altura de começarem a «pedalar». Não queiram «pedalar na bicicleta» que era nossa, chegou a altura de o fazerem na «vossa bicicleta»!
Permita-me que leia uma intervenção feita por alguém nesta Câmara, no dia 31 de Maio de 1996: «Aproxima-se a discussão de dois documentos que poderão ser determinantes para o futuro do distrito de Viana do Castelo: o novo Plano Rodoviário Nacional e o PIDDAC 97 (...)». Não vou ler mais, Sr. Deputado, porque esta intervenção é sua! Sabe o que aconteceu ao PIDDAC para 1997, não sabe?! O PIDDAC para 1997 é de menos de metade do PIDDAC para 1995! Esta é a realidade! Os números são dados objectivos, não conseguimos invertê-los!
Viana do Castelo, distrito, tinha, em 1995, 11,7 milhões de contos, Viana do Castelo, distrito, tem, em 1997. 6 milhões de contos, ou seja, menos de metade! Isto é um escândalo, um verdadeiro escândalo, para quem tanto prometeu!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Isso é engano! Some-lhe o resto!
O Orador: - Sou daqueles que entendem que, de facto, falta ainda fazer muito pelo distrito, mas deixe-me dizer-lhe, com toda a frontalidade. que considero que muito foi feito no distrito de Viana, pelo PSD. Saibam vocês fazer nestes quatro anos aquilo que também fizemos nos quatro anos anteriores, que, no final, pode ter a certeza de que lhe darei os parabéns.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Vamos fazer em dobro!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.
Eram 17 horas e 25 minutos.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 105/VII - Autoriza o Governo a alterar o Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro (Estabelece normas relativas ao uso do cheque).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Ministro da Justiça (José Vera Jardim): - Sr. Presidente, Sr.ª, e Srs. Deputados: O cheque é ainda em Portugal o meio de pagamento mais largamente utilizado. Segundo informações do Banco de Portugal, o nosso país é mesmo o país da Europa em que o cheque assume, face aos restantes meios de pagamento, uma maior relevância. Mau grado o aumento progressivo e constante, nos últimos anos, do uso dos cartões de débito, a verdade é que, por exemplo, no que se refere às transferências bancárias, a percentagem que elas representam, face ao conjunto dos meios de pagamento, é muito inferior à da média europeia.
Se atendermos aos últimos anos, verificamos que a quantidade de cheques emitidos se manteve sempre acima dos 200 milhões, com uma tendência contínua de aumento. No ano de 1995, por exemplo, foram mais de 234 milhões de cheques passados, representando uma quantia superior a 50 000 milhões de contos.
O conjunto dos cheques devolvidos nas câmaras de compensação, pelas mais diversas razões, que não só a da falta de cobertura do respectivo cheque, é pequeno, relativamente ao número total de cheques passados. com uma tendência relativamente estável. Situava-se, em 1996, em 1,9%o, nunca tendo ultrapassado tal percentagem. E, desse total, apenas uma pequena percentagem deu lugar a queixas-crimes por cheques sem provisão que não foram regularizados.
Tudo somado, isto significa que apenas cerca de 0,04% do conjunto de cheques apresentados no sistema deram origem a queixa-crime.
Mas isto significa que, apesar de tudo, as queixas-crimes se têm situado nos últimos anos, designadamente a partir de 1991, em números quase sempre superiores a 80000, com um ligeiro decréscimo no ano transacto, mas que não é significativo. E se o número de inquéritos por cheque é este, já o número de acusações, embora descendo substancialmente, se situa numa escala de um pouco mais de 40 000, anualmente, significando uma enorme percentagem do total das acusações-crimes globais, ou seja, cerca de
40%, mais precisamente 39,6%, em 1996. Tal facto deve-se, naturalmente, à relativa clareza dos factos que constituem a acusação, com a consequente simplicidade de prova, que, no fundo, é fundamentalmente, ou deveria ser, uma prova documental.
Mas, se esta é a percentagem total das acusações relativas ao cheque, já a percentagem de condenações é bastante menor, situando-se entre os 9% e os
l3% nos últimos anos e com um total à volta de 3000 a 4600, sendo este último número relativo ao ano transacto.
Vale a pena uma última constatação em matéria de números: a grande diferença entre o total das acusações e o total das condenações, que foi de 41 515 para 4653, em 1996, o que fica a dever-se, certamente, à regularização de muitos dos cheques antes do julgamento, mas também à enorme percentagem de arguidos pelo crime de cheque
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sem cobertura que, sistematicamente, se furtam à acção da justiça. A simples leitura das publicações obrigatórias de declaração de contumácia no Diário da República levam-nos rapidamente a essa conclusão. Numa breve amostragem dos últimos meses, verificam-se sempre percentagens superiores a 60%.
Todos estes números servem para provar aquilo que é sabido quanto ao papel do crime de cheque sem provisão, no conjunto do sistema de repressão criminal e, designadamente, no sistema judiciário.
A introdução de cerca de 80 000 inquéritos de cheques sem cobertura por ano, representando cerca de 20% do total da investigação criminal, e que chegam a atingir em algumas comarcas, como é o caso de Lisboa, números que se aproximam dos 40% do total de participações-crimes, significa, já de si, o enorme envolvimento do sistema na perseguição judicial deste tipo de criminalidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Passa-se com o cheque, relativamente ao sistema judiciário penal, aquilo que com as cobranças de dívidas se passa na justiça cível. Mas a verdade é que o número total de condenações, como já se referiu, baixa substancialmente e a maior parte dessas condenações não dá lugar a prisão efectiva mas a outro tipo de sanções.
Os últimos dados relativos a 1995, quanto ao tempo decorrido entre a data do crime, a entrada do processo no tribunal de julgamento e a decisão final em primeira instância, apontam para 39 meses, repito, 39 meses, no caso do cheque sem cobertura. Esta situação está, por um lado, relacionada com o tempo excessivo de inquérito cerca de 20 meses -, mas, por outro, também, certamente, com a ausência sistemática do arguido, que se furta, desde logo, na fase de investigação, para terminar também pela situação de contumácia na fase do julgamento.
Tudo isto permite a conclusão de que o enorme envolvimento do aparelho de investigação e julgamento na perseguição do cheque sem cobertura tem resultados altamente decepcionantes, no que diz respeito à eficácia do sistema. Este aponta para um número de condenações muito abaixo dos processos iniciados, para um tempo excessivo para se obter essa condenação e, finalmente, para uma taxa diminuta de condenações a prisão efectiva, abrangendo umas poucas centenas de arguidos e, certamente, os crimes mais graves no âmbito do cheque sem cobertura.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Passados que estão mais de 5 anos sobre a última alteração à lei do cheque, ocorrida precisamente numa altura em que se deu um imenso salto quantitativo nas ocorrências criminais desta natureza, é tempo de fazer o balanço e de nos lançarmos algumas interrogações que só não são novas porque foram também feitas noutros países que fizeram um percurso semelhante de relativa descredibilização do cheque e do envolvimento excessivo, por vezes mesmo insuportável, do aparelho judiciário na sua perseguição.
É que a acrescentar a tudo o que deixei dito, há um dado que é necessário sublinhar: desde há anos a esta parte, por razões variáveis, que se prendem, por um lado, com questões de fiscalidade mas. por outro, com a possibilidade teórica, sublinho, teórica, da defesa do tomador do cheque, através do desencadear de uma acção criminal. foi-se criando, em Portugal, um hábito de substituir outros títulos de crédito, que são, na generalidade, e eram também em Portugal, usados especialmente nas vendas com pagamento diferido, pelos chamados cheques pós-datados.
Vozes do PS: - É verdade!
O Orador: - Com isto se conseguiria - pensava-se - uma maior defesa, designadamente dos comerciantes, mas não só. Estes, na posse de um conjunto de cheques com datas diferidas, coincidindo com as datas acordadas para os pagamentos a efectuar pelo devedor, adquiriam pensava-se - uma protecção adicional para os seus créditos: a possibilidade de, mediante a ameaça de participação criminal, poderem obter o ressarcimento desses mesmos créditos.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Pura ilusão!
O Orador: - O sistema foi-se alicerçando cada vez mais, por vezes com a conivência do sistema bancário, em que este foi criando operações de desconto de cheques à exacta semelhança do desconto de outros títulos de crédito, com grande tradição, esses, sim, na nossa vida comercial.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Verdade! Completamente verdade!
O Orador: - Esta prática que se institucionalizou ao longo dos últimos anos constitui, a nosso ver, e penso que ao ver de qualquer jurista minimamente informado, uma perversão, repito, uma perversão do papel do cheque, designadamente no que respeita à protecção criminal que lhe está subjacente.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!
O Orador: - Não se põe em dúvida, como é óbvio, que este tipo de cheques continua a ter o valor de cheque, como título abstracto, contendo uma obrigação de dívida ou, melhor, uma promessa de pagamento de dívida e, como tal, a ser título executivo num processo civil.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!
O Orador: - Mas não pode admitir-se, por este claro enviesamento da função do cheque, que estejamos hoje confrontados com situações que configuram autênticos casos de prisão por dívidas de há muito abolidas do nosso sistema e rejeitadas pelos nossos quadros culturais e civilizacionais.
Aliás, a isto já fez referência o ex-Presidente da República, Dr. Mário Soares, na inauguração do ano judicial de 1996, ao aludir à existência, em Portugal, de situações que constituíam verdadeiras prisões por dívidas, totalmente inaceitáveis no nosso sistema jurídico.
Mau grado o número, apesar de tudo diminuto, de cheques sem provisão, face ao número global de cheques emitidos - reparem que são 0,04% que dão lugar a processos-crimes -, a verdade é que estamos hoje colocados perante um problema de confiança no cheque. É esse problema que temos de enfrentar com coragem e determinação, no sentido de tudo fazer para poder refazer a credibilidade do cheque como meio de pagamento, criminalizar claramente os comportamentos que hajam de ser criminalizados e configurar a investigação e o julgamento dos cheques sem provisão que constituam crime, de modo a que possam ser feitas em tempo adequado, o que não é hoje, como já se viu, o caso.
Mas, ao mesmo tempo, há também que assegurar àqueles que, na sua boa fé, aceitaram como meios de
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pagamento diferidos cheques ou letras ou livranças ou outros instrumentos do mesmo tipo, um acesso rápido e eficaz aos processos executivos de natureza cível, ou seja, uma maneira de se fazerem pagar dos créditos que legitimamente possuem para com terceiros.
O que se trata, pois, neste momento, é de uma intervenção quer no sistema da punição, quer no sistema da investigação, quer no sistema da prevenção do cheque, quer, simultaneamente, no reforço da sua eficácia como título executivo, tudo com vista à recuperação e reforço de confiança no cheque como meio de pagamento essencial, para o são desenvolvimento da vida económica no nosso país.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Em primeiro lugar, e no que respeita à prevenção, há que acentuar todos os mecanismos administrativos com reforço da intervenção do Banco de Portugal, como instituição de supervisão de política monetária, mas também das próprias instituições bancárias, tornando mais eficiente o sistema de regularização do cheque e de rescisão da respectiva convenção.
O reforço dos poderes e deveres do Banco de Portugal e do sistema bancário em geral e a maior responsabilização das instituições bancárias, com o consequente e substancial agravamento das sanções para a violação das suas obrigações, constituem elementos fundamentais para actuar no campo da prevenção.
Igualmente, o alargamento para dois anos do prazo de validade da rescisão da convenção e dos efeitos desta, obrigando, simultaneamente, à rescisão da convenção com outros bancos e à não permissão da celebração de novas convenções, é um mecanismo essencial para retirar do sistema todos aqueles que contribuem para a sua descredibilização, sendo certo que muitas centenas, para não dizer milhares, são autênticos profissionais do cheque sem cobertura, usando e abusando do seu emprego, contando com a relativa ineficácia de todo o sistema de prevenção mas também da investigação e julgamento.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, é necessário simplificar o processo penal relativo ao crime de emissão de cheque não pago, quando este constitua um ilícito criminal. A exigência de queixa como condição de procedimento criminal, independentemente do valor do cheque, mas, sobretudo, a previsão do ónus de colaboração do queixoso, impondo a indicação na queixa dos elementos relevantes para a investigação, e ainda a imposição às instituições bancárias do dever de colaboração na investigação, designadamente através da emissão de declaração de insuficiência de saldo da conta e dos elementos da ficha bancária, constituem um conjunto de medidas que julgamos terem a virtualidade de necessariamente fazerem baixar drasticamente o prazo necessário para o inquérito relativo ao crime de cheque sem cobertura. É que, hoje, mercê do entendimento errado de estarem tais elementos, como, por exemplo, a morada daquele que passou um cheque, sujeitos à protecção do segredo bancário, a investigação não avança, desde logo nesta condição essencial, que é a de saber a morada e identidade do subscritor do cheque.
Efectivamente, e para além da necessária audição do arguido em tudo o resto, bem se poderá dizer que os elementos documentais, designadamente os desde logo
trazidos ao processo pelo queixoso e complementados pela confirmação da instituição bancária, são perfeitamente suficientes para poderem justificar, quando o confirmarem, a emissão de cheques sem provisão, a acusação e o envio imediato do processo para julgamento.
Naturalmente, no decorrer lógico das afirmações que já fizemos quanto ao exacto valor do chamado cheque pós-datado, este deixará de ter a protecção penal mas continuará a justificar que o seu sacador entre também nas listagens produzidas ao nível administrativo, como meio preventivo fundamental para a nova política criminal nesta matéria.
Finalmente, e agora já não ao nível da presente proposta de lei de autorização legislativa, nas medidas em preparação no Ministério da Justiça e que serão brevemente levadas a Conselho de Ministros, reforçaremos quer o cheque, quer o conjunto de títulos executivos que não constituam sentença judicial no quadro da acção executiva cível.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!
O Orador: - É assim que, desde logo, para quantias correspondentes à alçada dos tribunais de primeira instância, que, como é sabido, corresponde hoje a 500 000$, o cheque, como a letra, como a livrança, como qualquer outro documento de dívida, justificará uma execução singular,...
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!
O Orador: - ... e não uma execução universal, sem que a ela concorra um conjunto de credores dotados de privilégios e que acabam em muitos casos por gorar as legítimas expectativas do exequente.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, o processo de execução iniciar-se-á a partir do requerimento inicial com a penhora de bens, se esta incidir sobre bens móveis, com excepção de estabelecimento comercial, a que se seguirá, então sim, o prazo para a defesa do executado.
Trata-se de uma primeira medida, por isso mesmo limitada por agora às pequenas dívidas e à tal quantia de 500 000$, das alterações que temos vindo a anunciar como a segunda fase da reforma do processo civil.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Uma verdadeira revolução!
O Orador: - Sem alterar o Código de Processo Civil, este diploma autónomo permitirá testar a capacidade de resposta do sistema, agora aliviado de muita da carga da acção executiva universal, para dar resposta eficiente às execuções que não se baseiem em sentença.
Não fazemos, aliás, mais do que acompanhar a generalidade das reformas em matéria de processo executivo, hoje em curso na Europa. Trata-se de um primeiro passo, repito, mas é já um sinal de que os devedores não poderão continuar a esconder-se atrás de um conjunto de subterfúgios que vão desde a fuga à citação, até à ocultação de bens, para evitar a penhora, até a um infindável processo de reclamação e graduação de créditos, com publicação de editais, tudo isso em prejuízo único do credor, assim frustrado nas suas legítimas
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expectativas de poder cobrar efectivamente aquilo que lhe é devido.
Estamos plenamente convencidos de que este conjunto de medidas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, darão um contributo decisivo para começar a mudar alguma coisa também no processo executivo, acompanhando algumas alterações já feitas na reforma recente do processo civil, como também estamos convencidos de que o conjunto de medidas, essas exclusivamente destinadas à credibilização do cheque como meio de pagamento, deverão ter êxito, de forma a poder novamente presumir-se que um cheque em circulação é um bom cheque, no sentido de que a quantia por ele titulada vai ser paga efectivamente ao respectivo portador.
Naturalmente, para além das determinações legais previstas no projecto, cabe também às instituições bancárias um conjunto de iniciativas importantes para encontrar as formas cautelares e preventivas que, no quadro legal, lhes permitam conhecer o perfil do cliente quanto ao uso de cheques.
Mas as novas regras de regularização do cheque, quer pelo rigor imposto pelo próprio conteúdo da notificação para o efeito, quer no alargamento do prazo para 30 dias para a regularização, com a consequente extinção da responsabilidade criminal, poderão e deverão, a nosso ver, ter efeitos decisivos nesta operação. O agravamento das sanções aplicáveis às instituições bancárias, que irão de um mínimo de 150 000$ até a um máximo de 5 milhões de escudos, é uma indicação, que esperamos, sinceramente, não tenha de ser usada, da vontade de que todos cumpram o conjunto das obrigações que a cada um pertence.
Finalmente, também se qualifica a criminalização de um conjunto de condutas que se traduzem muitas vezes em subterfúgios para impossibilitar o pagamento do cheque, nomeadamente o levantamento dos fundos necessários ao pagamento, a proibição à instituição sacada do pagamento, o encerramento da conta sacada e até a alteração das condições da sua movimentação.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!
O Orador: - Trata-se de uma matéria sensível que, naturalmente, ao bulir com práticas enraizadas, suscita reacções e críticas que por vezes nem sequer têm na devida conta o conjunto das medidas propostas.
Mas, naturalmente, como sempre, o Governo está inteiramente disponível para, na discussão na especialidade, poder receber todos os contributos das diversas bancadas, no sentido do aperfeiçoamento do sistema que aqui propomos.
Pensamos, no entanto, que é um diploma positivo que irá, certamente, contribuir para podermos, ainda a tempo, restabelecer a confiança no cheque como meio de pagamento, que é, aliás, como já referi, honrado na grande maioria dos casos.
A situação de hoje é que não serve a ninguém, nem aos legítimos portadores do cheque, que se vêem muitas vezes frustrados pelo tempo de duração do processo crime, como por quase igual tempo de duração do processo executivo cível; nem ao sistema bancário, que se vê confrontado com o conjunto de convenções de cheque celebradas com quem deveria estar impedido de as celebrar; nem ao sistema de investigação, que acumula de ano para ano milhares de processos de cheque sem provisão, apesar do seu envolvimento em medida inaceitável nos inquéritos por este tipo de crime; nem, finalmente, à judicatura, que vê arrastarem-se nos tribunais milhares de processos por cheques sem provisão, com uma percentagem altíssima de réus que sistematicamente não comparecem, jogando nos sucessivos adiamentos para se furtarem ao cumprimento das suas obrigações.
O sistema como está não serve, repito, não serve a ninguém, não serve sobretudo àqueles que confiaram no cheque como meio de pagamento diferido.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - A proposta do Governo pretende, sem abalar o fundamental, conduzir a um revigoramento do sistema, no sentido, afinal, da recuperação da sua credibilidade.
O cheque sem provisão continuará a ser crime, a investigação terá novas potencialidades de celeridade e reforça-se consideravelmente a força executiva deste título.
Eis uma reforma que, pensamos, actuará no conjunto do sistema e que beneficia todos os que reclamam por mais e melhor justiça.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro da Justiça, os Srs. Deputados Odete Santos e Pedro Feist.
Nas respostas, o Sr. Ministro da Justiça beneficiará de 5 minutos cedidos pelo Partido Socialista, uma vez que gastou agora todo o tempo de que dispunha.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, creio que V. Ex.ª fez um retrato bastante importante do que se passa nesta matéria, embora, na minha opinião, haja ainda mais qualquer coisa a acrescentar.
V. Ex.ª disse que esta era uma matéria sensível, e nisso estaremos todos de acordo - muitas vezes, há até motivos psicológicos que levam a recear e penso que V. Ex.ª demonstrou que os receios talvez não fossem tão grandes -, de qualquer forma, por ser uma matéria sensível, quero colocar-lhe uma questão. Tendo nós, não há muito tempo, aqui, na Assembleia da República, aprovado algumas alterações ao processo civil, estando a matéria da despenalização há muito tempo em discussão, se não no âmbito do Governo, pelo menos, de acordo com os jornais, esta matéria vem sendo tratada no Ministério da Justiça, sendo muito importante - e considero que o é - o reforço do cheque através dos meios cíveis, a pergunta que lhe faço é a seguinte: esses meios cíveis não deveriam ter vindo já, para criar esse reforço do papel do cheque ou, pelo menos, para acompanhar esta proposta de lei?
Por outro lado, porque ouvi uma conferência de imprensa que V. Ex.ª deu, pergunto se, de facto, no estado em que os tribunais se encontram - e não estou a atribuir culpas a este Governo por isso -, com tribunais, como, por exemplo, os da pequena instância cível de Lisboa, com uma acumulação enorme de processos, é possível fazer crer aos cidadãos que, no prazo de 24 horas a contar da data do requerimento inicial, o funcionário do tribunal faz uma penhora?
O que lamento, Sr. Ministro da Justiça, porque fizemos alterações ao processo civil há pouco tempo, é que não se tenham tomado em conta, na devida altura, estas questões.
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Agora, vamos já ter outras alterações ao processo civil! E tudo isto no meio de uma organização judiciária...
O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Desorganização!
A Oradora: - ... que não encontrou ainda o caminho por onde deve singrar e, se calhar, não encontrará tão cedo, com graves prejuízos para o cidadão.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, agradeço a sua pergunta, porque coloca um problema importante.
No entanto, se me reportar à apresentação que aqui fizemos das alterações ao Código de Processo Civil, estará recordada que sempre anunciámos que estas alterações teriam de ser complementadas, sobretudo, ao nível da acção executiva. Nós pensamos que o processo declarativo está a caminhar, contrariamente àqueles que diziam que o Código de Processo Civil ia conduzir à paralisação dos tribunais, que ia trazer efeitos horrendos, etc. A verdade é que as coisas, segundo todas as indicações que temos, estão, na generalidade, a caminhar bem, mas é ainda cedo para fazer o balanço. Só para lhe dar um exemplo, recordo que ainda não há praticamente recursos julgados com base no novo Código de Processo Civil, que vem aliviar extraordinariamente o papel do relator em matéria de recursos. Portanto, há muita coisa que só daqui a uns meses iremos ver quais as suas repercussões no sistema.
Mas não há dúvida de que há um conjunto de matérias que têm de ser alteradas e que dizem respeito, sobretudo, ao chamado «mundo da cobrança de dívidas e da cobrança das pequenas dívidas». Ora, isso implica, naturalmente, alterações a um processo que foi introduzido de uma forma pouco feliz em Portugal. que é o processo de injunção; implica alterações fundamentais ao processo de execução; implica algumas alterações ao próprio processo sumaríssimo.
Portanto, não tenho a reforma do processo civil como terminada. Aliás, mais não fazemos neste matéria do que ir, como têm ido outros países, fazendo reformas sucessivas no processo civil, à medida que as outras se vão instalando no terreno.
A reforma do processo executivo parece-me fundamental e tem recebido, da parte das pessoas com quem temos discutido, sempre um enorme apoio, porque, na verdade, como bem sabe, o que afoga os tribunais na acção executiva não é o fazer a penhora,...
Vozes do PS: - Exacto!
O Orador: - ... é todo o processo de reclamação de créditos, de sentença de graduação de créditos, de publicação de editais, etc.
É evidente, Sr.ª Deputada, que V. Ex.ª, ao dar o exemplo das 24 horas para fazer uma penhora...
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Foi o que o Sr. Ministro disse!
O Orador: - Não, suponho que não falei em 24 horas. É possível, Sr.ª Deputada, mas eu não sonho acordado, sonho a dormir, às vezes, e ainda bem que sonho, porque suponho que é um bom sentido para a saúde mental!
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, terminou o seu tempo. Ainda tem outro pedido de esclarecimento e já só tem 2 minutos.
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Agora, que é uma autêntica revolução no processo executivo que temos, é, e espero que ela venha a ter resultados. E, Sr.ª Deputada, se tudo correr bem, ela estará cá antes da alteração do cheque.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Feist.
O Sr. Pedro Feist (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, muito rapidamente, para lhe dizer que temos consciência de que o cheque é um meio de pagamento. Todavia - e esta é a primeira questão -, o Sr. Ministro tem consciência de que a proposta que apresenta não recolhe qualquer apoio nos meios empresariais deste país?
A segunda, e talvez a questão de fundo, não sendo eu jurista, é a seguinte: muito mais do que a proposta de lei em discussão, o que está em causa é a credibilidade das transacções neste país e essa credibilidade está severamente afectada quando temos em conta o desrespeito que existe por outros meios de pagamento. Estou a lembrar-me, por exemplo, das letras e do custo do crédito que é concedido às letras e às reformas e à forma jurídica como são tratadas as letras não pagas.
Por outro lado, quero dizer que esta situação não pode dissociar-se da credibilidade, e apenas cito um semanário, que diz «Portugal é o pior pagador da Europa» ou «Portugal tem o record duas vezes pior do que os segundos, que são a Itália» e um estudo, que diz: «Prazos médios de pagamento da Europa - Portugal está à cabeça com, de longe, o maior prazo médio de cobrança».
O que está em causa. Sr. Ministro, é a credibilidade de facto da transacção comercial. O que é preciso é que os estrangeiros acreditem nos portugueses quando fazem trocas comerciais e não obriguem os portugueses, como, neste momento, estão a fazer em relação aos empresários portugueses, a dar garantias suplementares, porque em Portugal não existe credibilidade quanto ao cumprimento das suas obrigações financeiras.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Feist, eu supunha ter demonstrado, core números, que a situação do cheque, embora seja necessário reforçarmos a confiança no cheque, é esta: em 234 milhões de cheques, 80 000 deram lugar a uma participação-crime. Repito: em 234 milhões de cheques, 80 000 deram lugar a uma participação-crime.
Portanto, não podemos dizer, como muitas vezes se diz, que o cheque não é sistematicamente honrado em Portugal, muito pelo contrário.
Agora, V. Ex.ª não terá ouvido tudo o que eu disse. Sr. Deputado, eu falei muito com a Confederação do Comércio Português,...
O Sr. Pedro Feist (CDS-PP): - Eu sei!
O Orador: - ... como falo com toda a gente. Gosto muito de falar, é, naturalmente, um defeito que tenho, mas suponho que nesta qualidade é capaz de ser até uma
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vantagem. Aliás, todo o diploma foi bastante elogiado, salvo a descriminalização dos cheques pós-datados permita-me a rectificação. No entanto, a Confederação sempre disse que se houvesse alguma coisa em troca, no que diz respeito ao processo executivo e à credibilidade das letras, como V. Ex.ª agora afirmou, então, as coisas poderiam ser diferentes.
Ora, o que estou aqui a anunciar, e está pronto, é um diploma que vai permitir ao comerciante ou seja a quem for, mas agora refiro-me em especial ao comerciante, que seja possuidor de uma letra, numa primeira fase até 500 contos, mas pensamos ir aumentando, não executá-la, porque ela é a título executivo, mas efectuar a penhora, desde que a penhora não seja de imóveis.
O Sr. Augusto Boucinha (CDS-PP): - E se não tiver?
O Orador: - ó Sr. Deputado, eu dei-lhe a média do que demora o crime de cheque sem cobertura a chegar a julgamento. Agora, permitia-me fazer-lhe uma pergunta: V. Ex.ª acha que é uma garantia para os comerciantes que um cheque demore 39 meses para chegar a julgamento, que é o que demora hoje e que, ao fim e ao cabo, os que deveriam ser condenados sejam contumazes e aqueles que têm mandados de captura se ausentem ara o estrangeiro, fugindo depois da primeira sentença? E esta a garantia?
O Sr. Pedro Feist (CDS-PP): - O cível é melhor!
O Orador: - O senhor desconhece uma coisa. Sabe por que é que isto se passa? É que, mediante um entendimento perfeitamente errado do que é o segredo bancário em Portugal, o Ministério Público, ao perguntar ao banco um elemento tão simples como o da morada porque a maior parte das vezes o comerciante não sabe a morada de quem lhe passou o cheque, muitas vezes não sabe, conforme o tipo de contrato, obviamente, porque se são contratos mais vultuosos, sabe -, não obtém resposta, a resposta não vem, sob a cobertura do segredo bancário.
Peço a atenção do Sr. Deputado para o que é dito no diploma relativamente à colaboração das instituições bancárias na investigação. É que, agora, essas instituições vão ter de dar esses elementos.
Por que é que o inquérito demora 20 meses? É que se anda mais de 10 meses à procura da pessoa, naturalmente quase os 20, porque ninguém sabe onde ela está e depois chega-se ao julgamento e ela desapareceu e é contumaz. E quando é condenado, porque apareceu, sabe o que sucede?
A Sr.ª Helena Santo (CDS-PP): - Paga!
O Orador: - Recorre e foge. É esta a garantia que os senhores comerciantes querem continuar a ter?
Sr. Deputado, penso que a garantia que estamos a dar neste momento, ou seja, a penhora imediata a quem seja legítimo possuidor de uma letra é uma garantia muito superior.
E, Sr. Deputado, já não falo na prisão por dívidas, de que há pouco falei, porque do que se trata verdadeiramente hoje é de uma prisão por dívidas.
Tenho comigo um documento do Banco de Portugal, que lhe posso dar a conhecer, como lhe posso dar a conhecer outros. E prisão por dívidas, não!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Feist.
O Sr. Pedro Feist (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Deputados: A proposta de lei relativa à despenalização da emissão dos cheques sem provisão, tal como se apresenta, não pode deixar de merecer sérios reparos e reservas, uma vez que não foi acompanhada de medidas que se impunham deverem ter sido previamente tomadas à actual proposta de lei.
Temos consciência de que o panorama nacional relativo a esta matéria é preocupante, tendo em conta os chamados «utilizadores de risco» (dezenas de milhares), os cerca de 50 000 inquéritos pendentes só em Lisboa (basta dizer que os cheques sem cobertura representam mais de
40% da dependência do DIAP - Departamento de Investigação e Acção Penal) e só em 1995 foram emitidos 900 000 cheques sem cobertura, num universo de 33 000 milhões.
Urge, com efeito, pôr cobro à actual situação. Concordamos que é necessário legislar, mas chamamos a atenção de que o fundamento legislativo, bem como as alterações a introduzir, não podem reconduzir-se, como o faz a presente proposta, à necessidade de «descongestionar» o serviço das secretarias judiciais.
Dificilmente compreendemos a «despenalização» como opção de política criminal, baseada neste argumento. A racionalização processual e orgânica do funcionamento da justiça, com a introdução de instâncias judiciais próprias, a agilização da respectiva tramitação processual impedindo as habituais manobras dilatórias por parte dos arguidos - permitiriam, sim, a desconcentração e o descongestionamento tão necessários neste caso.
É, com efeito, completamente descabido pensar-se que a grande disseminação de uma prática ilícita deva ser combatida pela sua descriminalização. Imagine-se, por absurdo, mas na mesma linha de entendimento, que outras práticas ilícitas só porque o são igualmente disseminadas, como o tráfico de droga, viessem a ser despenalizadas.
O Sr. Augusto Boucinha (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Os defensores da presente proposta de lei têm pretendido convencer a opinião pública de que não existe despenalização, dado que o prevaricador/arguido poderá vir a ser punido com base no crime de burla. Não nos parece colher tal defesa, já que, como é de todos sabido, para que exista um crime tipificado de burla, é necessário que se prove «a intenção de obter enriquecimento ilegítimo» (elemento de dolo típico do crime de burla a que se tem pretendido reconduzir a emissão de cheque sem provisão), o que obviamente sobrecarregaria, e muito, as fases processuais de investigação, instrução e julgamento, conducentes ao apuramento da invocada «intencionalidade criminosa».
Lembramos que o comércio, um dos principais sectores da nossa actividade económica, que representa 17% do PIB, a taxa mais alta da União Europeia, está particularmente preocupado com a presente proposta de lei, pelas consequências nefastas que advirão da sua aprovação pura e simples.
Aliás, diga-se, o Executivo, sistematicamente, esquece-se do comércio, do universo de centenas de milhares de pequenas e médias empresas que detêm um papel primordial no desenvolvimento económico do País.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Que exagero!
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O Orador: - Com efeito, um poder de compra reduzido, face às normais necessidades dos consumidores, restrições violentas da compra e venda a crédito, em nome da contenção do consumo privado, os elevados custos do crédito ao consumo, juros e taxas ligadas à letra, etc., levaram à generalização da prática do chamado «cheque pré-datado». Este título de crédito tem-se revelado como um verdadeiro meio de sobrevivência do comércio, mormente o comércio tradicional.
Sabemos que este meio de pagamento, utilizado na forma pré e pós-datado, não existe como realidade jurídica, já que, de acordo com a Lei Uniforme Relativa ao Cheque, este, «apresentado a pagamento antes do dia indicado como a data da emissão, é pagável no dia da apresentação».
Todavia, o que existe é uma relação de confiança entre o sacador, que passa o cheque, e o tomador, em grande parte dos casos um comerciante ou prestador de serviços, que assume o risco da sua boa cobrança na data que é aposta ao cheque.
De acordo com dados disponíveis, nem sequer existem queixas-crimes por cheques sem provisão, ditos «pré-datados», apresentados a pagamento antes da data neles aposta, o que permite até ousar afirmar que o mesmo nem sequer constitui uma realidade de facto, com relevância no giro comercial.
Com a actual proposta de lei, o cheque deixa de merecer qualquer credibilidade como meio de pagamento, uma vez que desaparece a virtual incriminação dos seus agentes prevaricadores, que é o que, repita-se, ainda faz com que o cheque vá sendo aceite como meio de pagamento.
Não podemos deixar de assinalar, a este propósito, os protestos mais do que legítimos, já publicamente manifestados por todas as estruturas associativas do comércio e serviços em Portugal, generalizado a todos os empresários pelo País fora, bem como a mais do que previsível lesão dos interesses de todos os consumidores portugueses, que se verão, de um dia para outro, desapossados de um meio de pagamento sempre credível.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Não é verdade!
O Orador: - Ora, uma das soluções que vislumbramos para esta questão seria a da aplicação rigorosa da lei vigente.
Com efeito, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro, prevê-se que: primeiro, a instituição de crédito é obrigada a pagar, não obstante a falta ou insuficiência de provisão, qualquer cheque emitido através do módulo por ela fornecido, de montante não superior a 5000$ escudos; segundo, «O disposto neste artigo não se aplica quando a instituição sacada recusar o pagamento do cheque, por motivo diferente da falta ou insuficiência de provisão».
Na prática, o que acontece é que os bancos inviabilizam sistematicamente a aplicação do mecanismo previsto no n.º 1, com o recurso obsessivo do n.º 2 do citado normativo, invocando sistematicamente irregularidade de assinaturas, cheques extraviados, contas cancelados, etc.
Se a instituição bancária emite e atribui continuamente o abuso do cheque a alguém, é legítimo que tenha o ónus da co-responsabilidade pela sua utilização indevida.
Se ao contrário do que acontece com a lei vigente, o Governo se empenhar em fazer aplicar o normativo que agora propõe, deveria esperar que o controlo administrativo que nele impõe aos bancos, emissores dos cheques, que até agora atribuem indiscriminadamente, fizesse só por si cessar os comportamentos infractores, levando à inibição e consequente privação do uso indevido dos mesmos, pelos infractores contumazes.
Todavia, o Governo não parece confiar no regime que ele próprio cria, retirando as respectivas consequências. Com efeito, a eficácia do referido controlo administrativo bancário deixaria antever a inibição, em curto prazo, da atribuição de cheques a infractores potencialmente reincidentes, que se estimam em mais de 80%a dos que são objecto de processo-crime.
Ora, desaparecido o instrumento crime, a nova proposta de lei deveria, de forma prudente - evitando a quebra de confiança que um anúncio de despenalização certamente provocaria -, fazer o seu curso de aplicação durante um certo período (sujeito a verificação pelo previsível decréscimo das queixas-crimes apresentadas) para, então - e só então -, descriminalizar uma conduta que tenderia, por força dos, mecanismos administrativos descritos, a desaparecer normalmente.
Estando conscientes do impacto que a presente proposta desencadeará na generalidade das trocas comerciais, urge a sua alteração de molde a minimizar as consequências gravíssimas que adviriam da interrupção súbita de uma prática generalizada, como o é a da utilização dos cheques pré-datados. independentemente do purismo jurídico que possa ferir os mais melindrosos. Nunca é demais repetir que o comércio e serviços e empresas em geral, atravessam uma crise grave, não podem aceitar uma eventual e absurda despenalização, ainda que parcial, dos cheques sem provisão, factor este que contribuiria em muito para o agravar das dificuldades, pondo em causa a sua sobrevivência, bem como os princípios e garantias de segurança das relações jurídicas entre os cidadãos, em geral, e o comerciantes, em particular. Por outras palavras, se for aprovada a alteração legislativa proposta, haverá milhares de empresários mais pobres, milhares de advogados com mais trabalho e tribunais muito mais entupidos.
Por estes motivos, apresentamos as seguintes propostas de alteração:
A - A recusa de pagamento do cheque por falta de provisão - «quando se invoque motivo diferente deste» (actual n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro) -, apenas poderá ter lugar quando existam indícios de contrafacção, usurpação ou furto e, em geral, falsificação do cheque apresentado para pagamento (deve, pois, rever-se especialmente o teor do disposto no artigo 2.º, n.º 7, da proposta de lei);
B - Deve ser suprimida a descriminalização explícita da emissão do cheque sem provisão em que venha a verificar-se ter sido aposta data posterior à da sua entrega ao tomador (é, assim, imperiosa a supressão do disposto no artigo 2.º, n.º 14, da proposta de lei);
C - Por inviabilizar na prática, dado o injustificado grau de exigência formai - e não só no que ao chamado «pré-datado» respeita -, a concretização da queixa-crime por este ilícito, deve eliminar-se a exigência de prova da relação causal titulada pelo cheque, bem como, a porventura impraticável em muitos casos, prova da data da sua entrega pelo titular ao sacador, como condições de admissibilidade do procedimento competente (é indispensável a supressão do disposto no artigo 2.º, n.º 19, da proposta de lei);
D - Deve consagrar-se, em qualquer caso, uma norma transitória que salvaguarde a posição jurídica dos tomadores de cheques que tenham aceite já, à data da
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eventual entrada em vigor da nova lei, os ditos «pré-datados» para pagamento fraccionado de bens ou serviços, cuja prestação se tenha concretizado.
Como se vê, é indispensável a alteração ou supressão de algumas disposições normativas da proposta de lei de alteração legislativa em apreço, que, não obstante o seu número reduzido e o carácter bem preciso do sentido que apontamos, são indispensáveis para que consideremos liminarmente a aprovação do texto proposto.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Secretário de Estado, tal como disse o Sr. Ministro da Justiça, esta é de facto, uma matéria muito sensível porque todos nós sabemos que há comércio que vive não só mas também dos cheques pré-datados e há consumidores que fazem as suas compras com cheques pré-datados e não têm oportunidade de as fazer se não for dessa maneira. Isto porque há um regime que impede, limita, restringe bastante as vendas a prestações. Portanto, estamos numa área bastante sensível que há que, com todo o cuidado, tratar.
De qualquer forma, devo dizer que em 1991, quando discutimos a lei actualmente em vigor, fui eu quem fez a intervenção em nome do PCP e, nessa altura, chamei a atenção para o facto de aquela lei não resolver um problema que, para nós, devia ser encarado e que era a questão dos cheques pré-datados. Isto porque - e não tenhamos ilusões sobre isto - a matéria que diz respeito aos cheques pré-datados conduz a uma prisão por dívidas. E não estou a referir-me aos casos em que a passagem do cheque pode também ser um crime de burla, porque essa é uma outra questão. Esses cheques continuam a ser punidos como crime de burla, penso que disso ninguém tem dúvidas. Tem de ser provado mais um requisito, mas continuam a ser punidos como crime de burla.
Estamos, pois, numa matéria que conduz a algo que. penso, não agrada a ninguém, que é a questão da prisão por dívidas. Temos de sopesar todos estes problemas de um lado e de outro, que fazem com que esta matéria seja tratada com alguma cautela. Por isso, perguntei ao Sr. Ministro da Justiça se esta autorização legislativa não deveria ser acompanhada de medidas na área do processo cível que, penso, poderão reforçar o valor do cheque e, se calhar, se for assim, se os tribunais funcionarem mais ou menos (o que acredito que ainda vai demorar!), será um meio de reforçar o valor do cheque.
Creio que convirá ainda notar o seguinte, Sr. Deputado Pedro Feist: não é verdade que não tenham dado origem a processos-crimes cheques apresentados a pagamento antes da data. Tenho comigo um acórdão de Janeiro de 1994, em que o Tribunal da Relação de Coimbra decidiu que não era crime se fosse apresentado antes, mas há outros que dizem que sim. E, nesta matéria, a jurisprudência tem-se dividido bastante.
Em relação ao retrato que o Sr. Ministro fez da pouca reprodução, em termos de condenação, deste fenómeno do cheque sem cobertura, eu acrescentaria que os tribunais também têm tratado esta questão dos cheques pré-datados com alguma cautela. E têm-no feito de maneira a dizerem, muitas vezes (é claro que a jurisprudência também se divide), que não é a passagem do cheque pré-datado que
causa o prejuízo e por isso não se verifica o crime. Também tem acontecido isto. E também isso tem repercussão na pequena percentagem de condenações, a acrescer às contumácias e ao período enorme de tempo que demora o julgamento de um cheque. Enfim, é das poucas coisas que ainda me restam para tratar na advocacia. Aliás, recebi, no mês de Junho, uma notificação de um processo antigo para julgamento no mês de Junho de 1998. Até julguei que estava a ser notificada para o próprio mês, mas não: é para o próximo ano! Quanto a esta matéria, nós temos propostas de alteração a apresentara
Em relação ao regime transitório que o Sr. Deputado Pedro Feist propôs, devo dizer que ou eu não percebi bem ou isso contraria os princípios do direito penal. É que um facto que deixa de ser crime deixa de o ser para toda a gente! Mesmo para os que estão presos! Não faz sentido, num Estado de direito democrático, que uma pessoa continue presa por um facto que, depois, para os outros já não é crime.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Claro!
A Oradora: - Mas não há que criar expectativas às pessoas, que podem estar à espera de um regime transitório que é absolutamente impossível face aos princípios do direito penal. O que há é que fazer algumas alterações. Penso não só que o limite máximo de 5000$ que os bancos são obrigados a pagar é muito baixo, o mesmo deveria ser elevado, mas também - e esta é uma proposta da Confederação do Comércio Português que, creio, deve ser encarada - que deve haver uma responsabilidade solidária dos bancos que, sabendo que uma pessoa está inibida de passar cheques, no entanto, lhe dão cheques! Aí, concordo com a Confederação do Comércio Português.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Secretário de Estado, em sede de especialidade, gostaríamos que houvesse um debate - e V. Ex.ª admitiu que estavam abertos a alterações -, mas, sobretudo, que se encarassem as alterações em sede de processo cível para se reforçar o valor do cheque.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Antonino Antunes.
O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Deputados: Em 1991, o Governo do PSD trouxe a esta Câmara um pedido de autorização legislativa para estabelecer novo regime jurídico do uso do cheque. Era, então, sentida a ineficácia da lei para travar o crescendo de participações por crime de emissão de cheque seta cobertura. Tais crimes constituíam mais de um quinto da criminalidade participada em Portugal e os tribunais e as polícias empenhavam-se, de modo excessivamente absorvente, nessa espécie de delitos, com prejuízo da dedicação a outros tipos de criminalidade. Ensaiamos então as primeiras medidas de co-responsabilização da banca, tornámo-nos selectivos na criminalização do cheque sem provisão e iniciámos o caminho de uma relativa descriminalização.
Foi nesse contexto e com esses objectivos que, no uso da autorização legislativa, se publicou o Decreto-Lei n.º 454/91, que ainda vigora. Esse diploma representou um esforço de consciencialização de pessoas e entidades cujo contributo se impunha conjugar para debelar a crise. Assim, impusemos às instituições de crédito fornecedoras de módulos de cheque aos seus clientes a obrigação de os
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pagar, desde que o valor não excedesse cinco contos, e despenalizamos o crime de emissão de cheque sem provisão até esse montante. Foi o primeiro passo para obrigar a banca a conferir mais rigor e selectividade na distribuição dos cheques, associando a sua entrega a um melhor conhecimento dos clientes e ao pressuposto de um mínimo de relação de confiança. Por via reflexa e natural, libertamos tribunais e polícias de bagatelas penais.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Impusemos também às instituições de crédito a obrigação de rescindirem qualquer convenção que atribua o direito de emissão de cheques a pessoas que, pela sua utilização indevida, ponham em causa o espírito de confiança que deve presidir à respectiva circulação; bem como a obrigação de fazerem ao Banco de Portugal as comunicações tendentes a concretizar a inibição do seu uso e a permitir centralizar e difundir, através do sistema bancário, a relação de utilizadores de risco.
Permitimos a extinção do procedimento criminal pelo pagamento do valor do cheque acrescido da indemnização moratória e compensatória. Assim, evitámos processos de extorsão ou de usura por parte de credores mais oportunistas e menos escrupulosos.
Não optámos peia descriminalização generalizada do cheque sem cobertura nem chegámos ao ponto de despenalizar os cheques pré-datados porque tivemos a consciência das consequências nefastas para a economia desse impacto tão forte e repentino. Mas despenalizámos os cheques de mera garantia e todos aqueles por detrás dos quais não subjaz um verdadeiro prejuízo patrimonial para o tomador, é bom que se esclareça que isto já está feito desde 1991 e que não é novidade da «proposta Vera Jardim»!
Os resultados começaram por ser visíveis e animadores: o número de participações reduziu-se drasticamente e o dos processos-crime findos decaiu de 32 000 em 1992 para 21 000 em 1993. Mas logo nos anos seguintes se verificou novo incremento, de tal modo que, em 1995, já nos aproximávamos das cifras de há três anos atrás. Era óbvio
que, em princípios de 1996, se impunha já dissecar as causas da recaída, rever a lei e aperfeiçoá-la à luz da experiência colhida. Era tarefa urgente e V. Ex.ª, Sr. Ministro da Justiça, disse-o há mais de um ano.
Foi, pois, com justificada expectativa que aguardámos a tão anunciada revisão da lei do cheque. Foi por isso também que, com alguma frustração, conhecemos as alterações que o Governo visa agora introduzir-lhe. É que o Governo não fez o diagnóstico correcto da situação: vendo que o cheque está de novo doente, desiste da cura e quer matá-lo, fazendo crer que assim lhe traz a salvação e o descanso eterno. É que, quem falhou, Sr. Ministro, não foi o cidadão português que passa e que recebe cheques, pré-datados ou não. Quem falhou foram os bancos, em vingança pelo facto de não os termos deixado, anos atrás, cobrar uma taxa fixa que queriam aplicar sobre cada cheque, em nome dos custos internos do seu manuseamento. Quem falhou foram quase todos os bancos que operam em Portugal e que passaram a estar só interessados no fomento e na expansão dos cartões de crédito e de débito, cuja utilização lhes proporciona confortáveis lucros, à custa do bolso dos portugueses.
Não se esperava, pois, do Governo uma política legislativa inovadora do cheque mas esperava-se que consagrasse mecanismos correctores dos desvios verificados, capazes de impor às instituições de crédito a eficácia da colaboração a que estas souberam eximir-se.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): Muito bem!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Queriam mais? São muito rigorosos!
O Orador: - Os bancos e as instituições de crédito são, desde há seis anos, obrigados a pagar os cheques até cinco contos emitidos pelos seus clientes, ainda que com falta ou insuficiência de provisão? Pois muitos deles omitem a falta ou insuficiência de provisão e, em vez de os pagar, como é de lei, devolvem-nos, refugiando-se impunemente numa fingida «irregularidade de saque». Os bancos são, há seis anos, obrigados a desencadear o processo tendente à rescisão da convenção do cheque e à inibição do seu uso? Pois todos sabemos que a maior parte deles, por via de regra, o não faz.
Esta proposta visa agravar o montante das coimas aplicáveis aos bancos infractores mas não se propõe alterar o artigo 8.º, assim permitindo que muitos deles continuem, na prática, a devolver, sob aqueles falsos pretextos, como o da «irregularidade do saque» ou a «não conferência da assinatura». cheques sem provisão que são obrigados a pagar.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): Muito bem!
O Orador: - De nada serve aumentar as multas aos bancos se o Governo quer deixar-lhes aberta a porta por onde eles se escapam à sua concreta aplicação. Ao fim e ao cabo, se tudo for como o Governo quer, os bancos continuarão a não cumprir e a não ser sancionados.
É por demais evidente, Sr. Ministro da Justiça, que esta matéria foi descurada e aligeirada. E nós sabemos porquê. É que a única e grande preocupação que o move consiste em despenalizar os cheques pré-datados e todos aqueles que se não destinem a um pagamento imediato. E quer despenalizá-los com um fúria tal que, se um comerciante receber no domingo um cheque com data da segunda-feira seguinte, esse cheque já não terá tutela penal. V. Ex.ª, Sr. Ministro, sabe que esta solução radical se não compadece com a boa fé que deve presidir às relações negociais. V. Ex.ª, Sr. Ministro, sabe que o uso do cheque pré-datado se enraizou na sociedade portuguesa ao longo de dezenas de anos e constituiu a defesa de comerciantes e consumidores, primeiro contra o intervencionismo do Estado na restrição das vendas a prestações e logo depois contra os encargos exagerados e tantas vezes incomportáveis do crédito ao consumo que ainda persistem.
A prática do uso do cheque pré-datado pode não ser modelar e pode mesmo constituir algum desvirtuamento da sua verdadeira função.
Mas o certo é que se radicou e entrosou em Portugal e não deve agora o Estado, como pessoa de bem, abstrair-se de uma situação que ele próprio consentiu e estimulou e cuja eliminação apressada acarreta injustiças.
O princípio da despenalização dos cheques pré-datados pode até ser correcto no plano teórico mas a sua consagração neste momento, por precipitada, é desfasada da realidade portuguesa e reduz injustamente as garantias dos cidadãos, gerando instabilidade e falta de segurança.
Compreendemos, Sr. Ministro da Justiça, que V. Ex.ª esteja muito preocupado com os 15 000 reclusos residentes nos estabelecimentos prisionais sobrelotados.
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Mas não aceitamos que V. Ex.ª não tenha resistido à tentação fácil de propor uma medida de efeitos práticos tão abrangentes como os de uma amnistia encapotada, susceptível de permitir a soltura imediata de todos quantos estão a cumprir pena de prisão pelos crimes de emissão dos cheques sem cobertura que quer despenalizar.
Não nos impressiona o número dos condenados que espreitam por detrás das grades o momento da saída ou do lado de lá da fronteira o dia da entrada, com um cadastro entretanto branqueado oficiosamente pela limpeza «Tide» de uma amnistia selectiva.
E não importa que sejam dez, duzentos ou quinhentos, até porque sabemos que mais de
80% deles são profissionais da reincidência e que virão de novo instalar-se, de armas e bagagens, neste país entretanto transformado em paraíso dos passadores de cheques sem cobertura.
O que nos impressiona é o cidadão anónimo que, confiante na tutela penal, vendeu as suas mercadorias contra a entrega de um cheque pré-datado, a levantar dali a vinte dias; que depois o viu ser devolvido; que depois o participou em juízo; que ao longo dos anos já foi cinco ou dez vezes a Tribunal, perdendo dias de trabalho, pagando almoços e transporte a testemunhas; gastando a saúde e o dinheiro que não tem nem recupera; assistindo impotente aos adiamentos, uma vezes ditados por motivos do tribunal e muitas mais por falta do arguido que se faz doente, à espera da anunciada despenalização.
Impressiona-nos o comerciante que vendeu o frigorífico ou a televisão, recebendo para o fim do mês o cheque pré-datado que a seguir foi devolvido por falta de cobertura e que depois iniciou aquele mesmo calvário.
Impressiona-nos saber que esses milhares de cidadãos portugueses tenham confiado na lei e nas instituições e que agora o Governo, indiferente, os abandone à sua sorte!
Até aqui dizia-se que a Justiça «tarda mas chega».
Agora vai saber-se que para esses a Justiça pode nunca mais chegar.
Que resposta tem o Governo para aqueles que até aqui acreditaram na tutela penal desses cheques, que aguentaram penosamente a lentidão pachorrenta dos tribunais e que agora já começam a ver os arguidos, insensíveis como o Governo à sua ruína anunciada, passeando de bom carro à porta do Tribunal onde o julgamento acabou de ser adiado por sua falta, deitando a cabeça de fora, mandando umas gargalhadas e outras tantas «bocas» grosseiras, quando não se lhes dirigem, sem pudor, dizendo, como sabemos ter acontecido nos últimos dias: «Não pago porque não quero».
V. Ex.ª, Sr. Ministro Vera Jardim, quando era advogado e Deputado da oposição via isso.
Agora explica-se aos Portugueses.
Mas não lhes diz que, desaparecida a tutela penal do cheque, o lesado nunca mais vai conseguir penhorar o carro do seu devedor porque nem o carro está em nome dele.
V. Ex.ª não disse aos Portugueses que o comerciante que entregar a aparelhagem de som a troco do cheque sem tutela penal não vai mais recuperar a mercadoria, ou porque ela desapareceu ou porque não pode ser objecto de apropriação mas de penhora, depois vendida judicialmente ao desbarato e por um preço que muitas vezes se consome nas custas do processo.
V. Ex.ª escondeu aos portugueses que os processos cíveis executivos não vão passar a ser rápidos e que há tribunais onde passar um simples precatório-cheque leva mais de seis meses.
V. Ex.ª atirou com a culpa do atraso dos tribunais para o elevado número de processos crime por cheque sem cobertura mas não disse aos Portugueses que por cada processo que deixa de entrar nos tribunais criminais ou renasce um processo marginal de «cobrança difícil» ou nascem dois ou mais processos cíveis: o executivo e os apensos de embargos que se pegam como as cerejas.
Se. por um lado, alivia os tribunais criminais, pelo outro vai afundar ainda mais os tribunais cíveis.
A litigância não vai diminuir mas o Executivo vai-se entretendo nesta mera aparência de governação, agora transferida para a área da Justiça.
Nós desenganamos daqui o povo português, avisando de que a Justiça ficará menos eficaz e mais cara porque os processos cíveis pagam incomparavelmente mais custas do que o processo-crime!
Por isso também é que o Sr. Ministro das Finanças assinou caladamente esta proposta que lhe serve como uma luva para meter a mão no bolso dos contribuintes, não só daqueles que recorrem aos tribunais mas também dos outros que, no dia a dia do comércio jurídico, se têm de socorrer de alternativas, onde pontificam os impostos e as taxas. É a avidez deste aumento camuflado de impostos que outra vez ameaça os portugueses distraídos em férias.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Aumento de impostos?! Essa é boa!
O Orador: - Mas nem tudo na proposta é mau.
Só que o que ela tem de aproveitável perde-se nos seus próprios erros e insuficiências.
Nós acreditamos na eficácia das coimas e defendemos a reformulação do texto legal.
Por isso não temos dúvidas de que a despenalização dos cheques pré-datados, antes que sejam postas à disposição dos portugueses soluções alternativas que agilizem o comércio e tornem mais viável e menos oneroso o crédito ao consumo, trará efeitos muito nefastos para o País.
Nós não temos dúvidas de que a anunciada tendência para a despenalização dos cheques pré-datados funcionará cada vez mais como um elemento dissuasor remoto do recurso a esse meio de pagamento.
E também não duvidamos de que, se todas as instituições de crédito assumirem a sua quota-parte de responsabilidade no controle da atribuição e do uso dos módulos de cheque, se caminhará naturalmente para a erradicação da chaga social que ainda é o crime de emissão de cheque sem cobertura.
Quando isso acontecer, nós estaremos na linha da frente da despenalização, porque o instrumento do crime terá tendência para desaparecer às mãos dos próprios criminosos.
O Governo pensou bem no que significa reduzir tão drástica e abruptamente as garantias dos cidadãos?
O Governo ponderou que uma lei que descriminalize o cheque é de forçosa aplicação imediata e generalizada, não sendo possível assegurar um regime transitório que permita a sua aplicação só a casos futuros?
E não se argumente que o cheque entrou ou deve entrar em onda decrescente de uso, face à proliferação dos cartões de crédito e de débito.
O cheque revalorizado é e há-de ser a única arma de que cada um de nós pode dispor no futuro para pagar bens e serviços sem encargos financeiros e para se defender do
lobby do dinheiro plástico, sempre mais caro para o cidadão.
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Vamos repensar e reformar os termos do pedido de autorização legislativa.
Reagiremos assim contra a despenalização dos cheques pré-datados mas, por outro lado, lutaremos pela obrigatoriedade de a instituição de crédito sacada ser obrigada a pagar, não obstante a falta ou insuficiência de provisão, qualquer cheque emitido através de módulo por ela fornecido, até ao montante de 20 contos.
(O Orador reviu.)
Aplausos do PSD.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente João Amaral.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para defesa da honra do Governo, o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Antonino Antunes, sempre que V. Ex.ª intervém, fico na dúvida se está afazer humor ou se está a dar largas ao seu vezo demagógico. Mas desta vez foi demais.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado é um Deputado com muito que fazer mas, pelo menos, antes de vir para aqui, leia os diplomas que cá vêm. Vou dar-lhe só um exemplo. Leia o artigo 8.º, n.º 2, da proposta do Governo, que V. Ex.ª tanto elogiou. Julguei que V. Ex.ª não tivesse recordado desses tempos da última alteração da lei do cheque, que lançou os tribunais num completo caos durante dois anos. Mas V. Ex.ª chamou isso aqui à colação e. portanto, é preciso dizê-lo.
No entanto, que V. Ex.ª venha para aqui dizer que se vai preocupar muito com aquilo que já cá está, Sr. Deputado, tenha paciência! Leia o artigo 8.º, n.º 2, e leia, sobretudo, o artigo 14.º, n.º 2, alínea c), em que vem a coima para a violação pela Banca do não pagamento injustificado com subterfúgio daqueles que V. Ex.ª referiu.
Sr. Deputado, a demagogia tem limites. o sentido de humor não. Se V. Ex.ª actuou com sentido de humor, está perdoado; se actuou com demagogia, permita-me que defenda a minha honra.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra, para dar explicações, o Sr. Deputado Antonino Antunes.
O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, apesar de só nos ter feito chegar agora o projecto, depois de o termos pedido, porque não acompanhou a autorização legislativa com esse documento, como se fazia nos tempo antigos, li o seu projecto de decreto-lei. Só que não precisei de muito tempo para o estudar e não precisei porque sei da matéria.
O Sr. José Magalhães (PS): - Que modéstia!
O Orador: - V. Ex.ª é que com certeza já não pratica há muito tempo e por não praticar não a lê e até anuncia que vem aqui fazer muita coisa que já está feita.
Sr. Ministro, a única coisa que V. Ex.ª acrescentou ao n.º 2 do artigo 8.º e veja como eu li porque se estudasse aprendia,...
O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!
O Orador: - ... foi a palavra justificadamente. Quer dizer, os bancos podem devolver os cheques até 5000$ se justificadamente alegarem porquê. Sr. Ministro este «justificadamente» não tem expressão nenhuma. Se V. Ex.ª metesse, como espero que ainda venha a meter, por sugestão nossa. que os bancos só poderão recusar quando tiver sido comunicado o extravio do cheque, quando tiver sido comunicado o furto do cheque, quando tiver sido comunicada a falsificação ou o furto dos cheques, então sim, então nós temos medidas concretas. Doutra forma, Sr. Ministro, eles vão continuar a fugir. Impressiona-me, porque isso é que é demagogia, é que V. Ex.ª não tenha querido ver, já agora, não lhe chamo uma porta, agora chamo-lhe um buraco: aquele buraco que V. Ex.ª deixa aberto intencionalmente, para que os bancos continuem a fugir como até aqui.
De resto, Sr. Ministro, só lhe quero dizer mais uma coisa. V. Ex.ª deu há dias uma «lição», aquilo que foi dito uma «lição», na televisão. Devo dizer-lhe, Sr. Ministro, que tive pena, tive receio que os alunos de Direito, que estão em exames, tivessem aprendido alguma coisa daquilo que V. Ex.ª lá disse a propósito dos cheques porque com certeza eram muito capazes de chumbar nos exames a seguir.
É só isso.
(O Orador reviu.)
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Isto é de uma deselegância total!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Antão Ramos.
O Sr. Antão Ramos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: Com o diploma agora em apreciação nesta Câmara, propõe-se o Governo proceder à revisão do regime jurídico penal do cheque sem provisão, ainda hoje fundamentalmente contido no Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro.
De novo em debate nesta Câmara a questão do cheque ou, melhor dizendo, do seu uso indevido, resumindo-se a questão à busca das soluções que ponham cobro à contínua e até à data imparável torrente de querelas, perturbações e perplexidades consequentes à prática, que subsiste generalizada, dos cheques sem provisão. E é bem conhecido de todos o avultado número de processos que continuam a atravancar os nossos tribunais criminais, as disfunções que o uso indevido dos cheques provoca na actividade económica e a perda social que também representa a pressão dramática que se abate sobre os intervenientes no trato mercantil, incluindo os próprios consumidores.
Quanto a uns e a despeito do constrangimento penal a que a lei sujeita os sacadores de cheques sem provisão, por nem assim lograrem cobrar os seus créditos. Quanto a estes, pela própria impossibilidade de satisfazer os seus compromissos não obstante a sujeição às penas criminais que lhe são cominadas em consequência dessa conduta.
As próprias perturbações introduzidas na normalidade da vida económica são de monta e consubstanciam um quadro de perda de confiança na circulação do cheque, enquanto meio de pagamentos, de esterilidade de muitas operações comerciais nele suportadas, para não falar já no panorama bem visível de enviesamento da própria função jurisdicional do Estado que, afogada num incessante afluxo
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de processos, em muito vê fragilizadas as suas tão reclamadas celeridade e eficácia.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!
O Orador: - A crescente desconfiança que se tem abatido sobre o cheque e o crescente recurso aos tribunais criminais, assim usados mais como meio de constrangimento para a sua boa cobrança do que propriamente para a reintegração da ordem social violada, impõem uma tomada de medidas que possam contrariar e inverter semelhante tendência de consequências as mais nefastas.
A primeira tentativa vigorosa de pôr cobro a tão indesejável estado de coisas foi a resultante da aprovação do citado Decreto-Lei n.º 454/91. E não esperaria por certo o legislador de 1991 que as medidas desde então ensaiadas pudessem solucionar, num futuro mais ou menos próximo, toda a complexa questão do cheque. Mas é inegável que com esse diploma foram possíveis passos significativos para afrontar a crise, como sucedeu designadamente com a responsabilização das instituições bancárias, com as novas limitações ao uso do cheque e com a reacção contra o arbítrio na celebração, manutenção e rescisão das convenções de cheque.
Mas o diploma foi ainda mais longe no que concerne ao regime penal do cheque sem provisão, precisando-se alguns factores integrantes da própria configuração do ilícito típico e, em certa medida, das próprias condições de punibilidade. Foi o que sucedeu designadamente com a introdução, na ilicitude da conduta e em relação causal core ela, do elemento prejuízo patrimonial, de tal forma que a emissão e a circulação de muitos cheques sem provisão logo deixariam de constituir crime.
E se a referida medida legislativa se propunha afrontar em primeira linha o estado de coisas reinante, verdade é também que, desde muito cedo, se verificou que o seu êxito não seria o esperado. Como se sublinha na «Exposição de motivos» da proposta governamental, teria contribuído para a frustração dos objectivos a própria novidade do regime, designadamente no que respeita ao procedimento para a rescisão da convenção de cheque e a generalização do recurso à utilização de cheques pós-datados.
Torna-se imperioso, assim, abordar de novo, para o aperfeiçoar, todo o regime ligado às restrições ao uso do cheque e à convenção do cheque. Mas é sobretudo necessário e urgente restituir a credibilidade para o uso do cheque, enquanto específico meio de pagamentos, a essa sua função eminente e nuclear se devendo limitar a protecção penal da sua tutela.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Pedro Feist (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Naturalmente que o uso do cheque implica toda uma regulamentação dirigida à salvaguarda dos interesses ligados à protecção da boa fé e da certeza e segurança do tráfico, impondo-se assegurar que o cheque apenas deva ser emitido para movimentar fundos depositados na conta sobre que é sacado.
Mas o que reclama uma protecção penal, sujeitando os infractores às reacções criminais da lei, é tão-somente o cheque emitido e posto em circulação enquanto estrito meio de pagamentos. Como via de princípio, já não reclama tutela penal todo o vasto leque de outras aplicações acessórias, por isso que se traduzem na convolação dessa função essencial e nuclear do cheque, pondo-o ao serviço de outros desideratos secundários, transformando-o num meio de pagamentos diferidos e num mero instrumento de garantia creditícia.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!
O Orador: - É para este uso generalizado do cheque que, privilegiando a sua função acessória, o transforma num mero instrumento de garantia ou lhe confere a natureza de meio de pagamentos diferidos, em tudo semelhantes a outros títulos de crédito monetários, que ninguém se lembraria de reclamar igual tutela penal.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Daí que seja de aplaudir a iniciativa do Governo com a descriminalização das condutas que se limitem à utilização dos cheques como meio de garantia e como instrumento de crédito. Já se tem dito - e quanto a mim, com muita razão - que levar a sua penalização criminal até esse ponto constitui, ao cabo e ao resto, uma perigosa aproximação ao sistema de prisão por dívidas, procedimento este que de há muito foi erradicado dos ordenamentos jurídicos e que representa uma irreversível conquista civilizacional de superior grandeza.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: Haverá que reconhecer que o conjunto de medidas sobre que o Governo se propõe legislar são adequadas a restituir ao uso do cheque a confiança que condiciona a sua aceitação geral como meio de pagamentos idóneo, cómodo e eficaz, se seguro. Espera-se possam elas contribuir para libertar a máquina judiciária, as instituições bancárias e os operadores económicos do peso morto que representam os imensos, estéreis, dispendiosos e só muito raramente compensatórios procedimentos originados no uso indevido do cheque.
Afigura-se que tais medidas conferirão ao tráfico mercantil utilidades acrescidas, em muito podendo contribuir para a normalização das relações, assim tornadas mais fiáveis, não se afigurando de todo ilusório, inclusivamente, antever-se o seu precioso contributo para a animação da própria actividade retalhista.
Parecem-me por isso excessivas as preocupações que têm sido manifestadas face à adopção das medidas pretendidas. Claro que se afigura necessário responder com um reforço da tutela cível, aliás desejável também por outros motivos em tudo quanto respeite à cobrança judicial dos créditos emergentes de títulos de crédito monetários, tornando efectivamente expedita a execução forçada e libertando-a dos escolhos e perplexidades conexionados com práticas arcaicas que, curiosamente, ainda subsistem nestes domínios.
Estou confiante em que a autorização legislativa que o Governo propõe hoje à Assembleia da República prossegue objectivos realistas e contempla medidas idóneas ao seu preenchimento. Estou mesmo certo que representa um passo decisivo para a solução da questão do cheque.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Feist.
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O Sr. Pedro Feist (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço desculpa por utilizar esta figura, a única de que disponho, para dar uma pequeníssima explicação à Sr.ª Deputada Odete Santos sobre o sentido da expressão «norma transitória» que utilizei na minha intervenção.
Sr. Presidente, através da Mesa, queria explicar à Sr.ª Deputada que, sendo esta uma discussão em que os grandes actores são os juristas, obviamente que a minha intervenção, como elemento da sociedade, é feita da forma que sei. Isto é, pedia à Mesa que informasse a Sr.ª Deputada de que o que está aqui contido é um pedido de alargamento de tempo já que estão em causa os cheques na mão da polícia e dos tribunais e não honrados na hora devida e que, a serem neste momento pura e simplesmente despenalizados, significam a ruína de muitas empresas.
Sr. Presidente, era isto que queria explicar.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Antonino Antunes.
O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para os incautos e, porventura, para aqueles que tenham chegado mais tarde a este Plenário, eu queria fazer uma breve referência a um certo «caos» a que o Sr. Ministro da Justiça se referiu na sequência do decreto-lei de 1991.
Assim, gostaria de observar, para quem não sabe, que em 1991 nós éramos moderadamente optimistas; mas o PS era, simplesmente, abúlico. Nós votamos a proposta de lei e o PS absteve-se.
Curiosamente, hoje o que temos? VV. Ex.as não encontram aqui um PSD abúlico, VV.
Ex.as encontram um PSD moderado, sensato e consciente das realidades, enquanto que vêem um PS entusiasmado, precipitado e optimista demais. Então, a que se deve esta nova versão do PS e esta rápida mudança?
Gostaria que a resposta a esta questão fosse dada aqui, ao mesmo tempo que. na medida do possível, fossem dadas algumas respostas aos vários problemas concretos que referi, porque o que eu disse, Sr. Ministro, não foi humor - aliás, se fosse humor teria de ser humor negro!...
Já agora, aproveito para acentuar mais este pormenor: se alguma apreciação crítica, se algum entusiasmo houve no apoio manifestado pela bancada do PS, em 1991, isso foi por parte de um Deputado - que hoje já cá não está -, mas que disse mais ou menos isto: «que expressão tem obrigar um banco a pagar apenas 5000$? É manifestamente pouco, pois no meu gabinete - e ele era advogado - não encontro cheques de 5000$...». É porque já na altura se falava do exemplo da Holanda, onde a obrigatoriedade ia até 300 florins, cerca 30 contos, valores esses que hoje em dia estão desactualizados.
Assim, gostaria que me respondesse concretamente sobre o que pensa da nossa proposta - que eu, aliás, já referi no final da minha intervenção - que vai no sentido de aumentar a obrigatoriedade dos bancos do pagamento de 5000$ para o mínimo de 20 000$.
(O Orador reviu.)
O Sr. Pedro Feist (CDS-PP): - Um mínimo!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Durante a minha intervenção disse, e repito-o agora, que o Governo, como sempre é meu timbre, está disposto a, em sede de especialidade, encontrar formas de acolher todas as propostas que possam surgir, desde que o espírito do diploma não fique alterado.
Pensei muito na questão da actualização do montante, ou seja, da quantia que os bancos seriam obrigados a pagar e tive dúvidas - aliás, sou daqueles que tem dúvidas e. felizmente, que as tenho, porque me interrogo -, mas acho que esta é uma matéria em relação à qual o Governo está perfeitamente aberto.
Assim, se, como já disse, da parte da bancada do PCP, pela voz da Sr.ª Deputada Odete Santos, como também agora da bancada do PSD....
O Sr. Pedro Feist (CDS-PP): - Nós também!
O Orador: - ... houver alternativas, creio que esta é uma matéria que pode ser discutida, pelo menos no que respeita à actualização do referido montante. É evidente que o aumento fá-lo-ão os Srs. Deputados, mas temos também de pensar nos eleitos negativos que isso pode ter no sistema bancário, porque aumentámos, como é visível, não só as coimas como os casos de coima: Foi por isso que eu há pouco chamei a atenção do Sr. Deputado Antonino Antunes para o artigo 14.º, pois não é só o «justificadamente» que está alterado; há uma coima para esse comportamento em que o banco arranja subterfúgios para não pagar. Portanto, não é apenas a expressão «justificadamente».
Em todo o caso, esta e uma matéria na qual o Governo está perfeitamente aberto, não relativamente à proposta do Sr. Deputado Pedro Feist, dada a sua impossibilidade a vários títulos como, aliás, a Sr.ª Deputada Odete Santos disse, mas está aberto e confessa, desde já, e essa será, porventura, a única falha neste diploma, ter-nos escapado a necessidade, de para aqueles casos em que foi feita uma participação crime, que será agora arquivada, termos de tomar precauções para que não actue o prazo prescricional e, pelo contrário, o comerciante continue a ter um título executivo na mão.
Este foi um aspecto que, confesso, nos escapou e. naturalmente, esperamos o contributo de todas bancadas, estando também nós dispostos a duro nosso contributo num sentido que poderá ser adianto já o de suspensão do prazo de prescrição desde o momento da queixa até ao momento do arquivamento e depois, das duas uma: ou um prazo para intentar a execução relativamente longo, para que as pessoas possam tomar as suas disposições, seis meses, por exemplo, ou mesmo, a contagem do prazo prescricional, designadamente para as dívidas junto dos comerciantes por fornecimento de mercadorias.
Portanto, aqui está uma questão que necessita de melhoria. Pela nossa parte, pensamos que é a única, ruas estamos perfeitamente abertos a que possa haver outras.
Repito: a situação que temos é que não interessa a ninguém! Já agora, devo dizer que o Governo está aberto, na medida em que isso pode ser um elemento útil aos Srs. Deputados, para enviar a esta Assembleia da República, o mais rapidamente possível - será uma questão de dias -, a proposta que está pronta, mas que ainda não foi aprovada, podendo, em todo o caso, ser considerada pelos Srs. Deputados no que respeita à execução dos títulos até 500 000$.
Como este diploma ainda não foi aprovado pelo Governo peço, porém, aos Srs. Deputados que o considerem como elemento de trabalho.
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A Sr.ª Deputada Odete Santos tem razão quando disse que havia vários tribunais «afogados». Ora, todos nós sabemos isso, e até dá um bom exemplo quando citou os tribunais de pequena instância cível. Só que nós, com o conjunto de medidas que estamos a tomar, vamos contribuir não para que eles tenham menos processos mas, sim, para que tenham processos mais fáceis. É o caso deste tipo de execução porque, como a Sr.ª Deputada sabe pela sua experiência, que é muita, o que torna o processo de execução complicadíssimo é a execução universal, são os editais, são as reclamações de créditos, são as sentenças de graduação, etc., etc.
Se o processo de execução for, como é hoje na maior parte dos países da Europa, quando não estejam em causa, naturalmente, penhoras de bens imóveis, penhoras de estabelecimento comercial, etc., mas, sim, a penhora de móveis, de créditos ou de direitos, para pequenas dívidas, pensamos que isso se tornará mais fácil e com o montante de 500 000$ atingimos um bom universo daquilo que preocupa os comerciantes.
Já agora, peço ao Sr. Deputado Pedro Feist um minuto de atenção. Tenho falado com muitas associações de comerciantes, nomeadamente com a Confederação do Comércio Português e não é verdade - desculpe-me que lhe diga - que todas as associações tenham reagido mal. Eu estive há meses no Porto, na Associação Industrial Portuense, onde fiz perguntas sobre o cheque sem cobertura, dei conta daquilo que o Governo estava a fazer e a resposta que me deram foi esta: «Ah, se os senhores puserem o cheque sem cobertura a trabalhar como deve ser, rapidamente, e se alterarem o processo de execução, então isso já é outra coisa; agora só descriminalizar, isso para nós era muito mau».
O Sr. Pedro Feist (CDS-PP): - São industriais!
O Orador: - Mas, Sr. Deputado Pedro Feist, há industriais, e posso citar-lhe exemplos, que têm problemas graves nesta matéria.
Sr. Deputado Pedro Feist, o senhor é não só um ilustre representante do comércio, para além de ser ilustre Deputado, como é um homem que tem contactos internacionais amplos. Pergunto-lhe: o comércio morreu em França com a descriminalização dos cheques? O comércio na Alemanha não vende? Na Inglaterra não vende? Em Espanha não vende? Então, quer dizer: só com cheques pós-datados é que o comércio vive? Ou isto é uma coisa portuguesa com que temos de acabar, porque, repito, prisão por dívidas, não?!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, tenho várias inscrições na Mesa, mas os partidos já não dispõem de tempo. Assim, se todos estiverem de acordo, concedo um minuto a cada grupo parlamentar para fazer um pedido de esclarecimento e depois darei três minutos ao Sr. Ministro para responder.
Pausa.
Srs. Deputados, como há consenso, assim farei.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Ministro da Justiça, o PCP já disse, e não é de agora, que: prisão por dívidas não!
Aliás, as sugestões que V. Ex.ª deu até me sugeriram uma iniciativa legislativa em relação aos créditos dos trabalhadores, no sentido de propor também uma execução singular. Penso que isso seria interessantíssimo e muito importante.
Mas a pergunta que eu gostava de fazer-lhe era esta: vejo com preocupação que há propostas no sentido de adiar a entrada em vigor da lei. Ora, isso não resolve problema algum, só vai é provocar ainda maior caos nos tribunais, porque as pessoas sabem que no dia tal vai entrar e vigor tal lei e, então... Isso nada resolve!
Mas, como o Sr. Ministro da Justiça disse que estaria disposto e logo no princípio da sua intervenção disse que na altura em que esta lei estivesse aprovada já a outra também estava, a minha sugestão era a de que esta proposta baixasse à Comissão, viria a outra e depois a Assembleia aprovaria a autorização legislativa com as alterações que fossem de introduzir.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Antonino Antunes.
O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aquilo que eu direi vai no sentido do que acabou de referir a Sr.ª Deputada Odete Santos. No entanto, não posso deixar de lembrar que estamos num momento em que os tribunais vão fechar, vamos ter dois meses de férias, férias essas que não serão acompanhadas pela Assembleia da República, porque vamos ter menos tempo de férias...
De qualquer forma, pergunto se podíamos interpretar as palavras e a disponibilidade do Sr. Ministro no sentido de que o diploma baixasse à Comissão sem votação.
(O Orador reviu.)
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Não estamos de acordo.
O Orador: - Aliás, estou convencido de que era essa a intenção e parece que, neste aspecto, vamos chegar a um consenso.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Feist.
O Sr. Pedro Feist (CDS-PP): - Sr. Ministro, manifesto-lhe o meu mais profundo respeito, conheço-o desde 1976, das suas valentes intervenções já nessa altura nas sessões públicas da Câmara Municipal de Lisboa. Ganhei-lhe respeito nessa altura e continuo a mantê-lo intacto, pois sei que é uma pessoa íntegra e séria. Por isso, apelo à sua integridade para ter em conta o que venho aqui defender em nome da minha bancada, e que julgamos estar a interpretar bem, que são as angústias que os comerciantes neste momento sentem perante esta situação. O Sr. Ministro, com todo o respeito, tenta aliviar essas angústias, mas devo dizer-lhe que não o conseguiu.
Pareceu-me que as intervenções dos meus colegas vão neste mesmo sentido, razão pela qual lhe peço que, em sede de comissão, se possam amadurecer um pouco os aspectos que o Sr. Ministro focou e, eventualmente, outros que lhe sejam acrescentados, pois creio que todos temos interesse nisso e creio ter sido esse o sentido que o levou a propor esta lei.
Para terminar, para além de lhe agradecer as amáveis palavras que me dirigiu, quero dizer-lhe o seguinte: para mim, o problema fundamental é aquele que foquei na
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interpelação que lhe fiz, é a credibilidade. Em nenhum país na Europa - e o Sr. Ministro referiu-o - há um caos nos prazos de cobrança como o que se verifica em Portugal, onde seja tão difícil cobrar e onde haja tanta falta de credibilidade externa como a de que os portugueses gozam.
É disso que me queixo e é isso que, como empresário, fora desta Câmara, conheço. De facto, tenho conhecimento dessas reservas, razão pela qual defendo que temos de nos credibilizar, porque essa é a grande questão.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder às questões colocadas, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, no fundo, tratou-se de uma questão e não de questões.
Srs. Deputados, a minha perspectiva é, como sempre, esta: nós - refiro-me ao Governo e não à bancada do PS, embora, como é óbvio, creia que a bancada do PS, tal como a generalidade das bancadas, têm a mesma disponibilidade - estamos dispostos, em sede de especialidade, a dar um contributo. No entanto, isso não importa a descida à comissão sem a votação;...
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Claro!
O Orador: - ... importa, antes, um esforço em sede de comissão, ao qual daremos todo o nosso contributo, de modo a chegarmos a um consenso o mais amplo possível e às soluções mais aperfeiçoadas possíveis.
Naturalmente, há soluções como as que o Sr. Deputado Pedro Feist pretendia, que são impossíveis. Devo dizer também que não se trata de adiamento, porque, obviamente, isso teria o efeito terrível de os processos ficarem parados, em monte, pois as pessoas saberiam que vinha algo a caminho.
Portanto, a nossa posição é esta: o diploma deve ser votado na generalidade, com a nossa disponibilidade que, penso, se estende à bancada do PS e à generalidade das bancadas - para introduzir nele tudo o que possa melhorá-lo.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Como não há mais inscrições, está encerrado o debate desta proposta de lei n.º 105/VII, a qual, não havendo qualquer impedimento regimental ou requerimento, será votada amanhã, à hora regimental.
Vamos passar à apreciação da proposta de lei n.º 108/VII - Autoriza o Governo a alterar o regime das perícias médico-legais.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Justiça.
O Sr. Secretário de Estado da Justiça (José Luís Lopes da Mota): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desde os finais do século passado que a lei portuguesa se tem preocupado em estruturar a actividade dos serviços públicos de medicina legal capazes de assegurar aos tribunais a necessária coadjuvação técnico-científica, indispensável ao pleno esclarecimento pericial dos factos, sendo, aliás, reconhecida internacionalmente, mesmo a nível dos países mais avançados nesta área, a qualidade da actividade desenvolvida pelo núcleo central da estrutura médico-legal do nosso País.
Este processo, que se iniciou com a Carta de Lei de 17 de Agosto de 1899 e com o Regulamento dos Serviços Médico-Legais de 16 de Novembro do mesmo ano, onde, pela primeira vez e de forma sistemática, se legislou sobre a realização de perícias médico-legais, veio a ganhar maior consistência com a publicação dos Decretos n.01 4808, de 11 de Setembro de 1918, e 5023, de 29 de Novembro do mesmo ano, que criaram os actuais Institutos de Medicina Legal de Lisboa, Porto e Coimbra. O sistema médico-legal veio a ser, mais tarde, aperfeiçoado pelo Decreto-Lei n.º 42 216, de 15 de Abril de 1959, que estabeleceu os contornos do regime de contratação de peritos médicos de comarca.
A última grande intervenção legislativa ocorreu com a publicação do Decreto-Lei n.º 387-C/87, de 29 de Dezembro, onde, entre outros aspectos, se reorganizou a estrutura interna dos Institutos de Medicina Legal, se instituiu o Conselho Superior de Medicina Legal, entendido como urna estrutura de coordenação, e se previu a possibilidade de constituição de gabinetes médico-legais bem como a implantação de unidades médico-legais nos serviços de urgência hospitalares. Este regime legal veio a ser ligeiramente reformulado pelo Decreto-Lei n.º 431/91, de 2- de Novembro, cuja intenção fundamental se traduziu num esforço de reestruturação da carreira de médico legista, agora designada por «carreira médica de medicina legal».
Decorridos quase 10 anos sobre a última grande iniciativa legislativa neste campo e face à experiência de aplicação e funcionamento do actual modelo médico-legal, entende o Governo que se encontram reunidas as condições para a reavaliação global do sistema e introdução das alterações necessárias a uma maior flexibilidade e operacionalidade dos serviços médico-legais e ao seu desenvolvimento extensivo, de forma a que se possa alcançar, em todo o território nacional, o indispensável rigor técnico-científico de que a actividade pericial se deve, necessariamente, revestir, sem, todavia, pôr em causa as linhas fundamentais do sistema.
Esta reformulação implica igualmente o aperfeiçoamento da regulamentação do sistema em vigor, de modo a suprirem-se lacunas e deficiências do regime de perícias médico-legais, matéria que abrange aspectos respeitantes a direitos, liberdades e garantias e ao processo penal, que se integram no âmbito da reserva relativa de competência da Assembleia da República e que fundamentam a proposta de lei de autorização legislativa que tenho a honra de apresentar a VV.
Ex.as
Como se refere no artigo 2.º da proposta de lei, é intenção do Governo regular e clarificar os procedimentos que antecedem a realização de perícias médico-legais, em articulação com os princípios e normas consagradas no Código de Processo Penal.
Para tanto, entende-se como absolutamente fundamental extirpar as lacunas e ambiguidades nas regras que disciplinam a realização de autópsias médico-legais nos casos de óbito por morte violenta ou devido a causa ignorada, verificados dentro e fora de instituições públicas de saúde e instituições privadas de saúde com internamento.
Assim, quando o óbito ocorra numa destas instituições, estabelece-se que caberá ao respectivo director comunicar o facto, no mais curto prazo, à autoridade judiciária competente e garantir a permanência do corpo em local apropriado e a preservação dos vestígios que importe examinar.
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Sempre que o óbito ocorra fora destas instituições, competirá à autoridade policial a preservação do local, a comunicação do facto à autoridade judiciária competente e desencadear todas as acções necessárias a assegurar a comparência do perito médico, o qual procederá à verificarão do óbito e ao exame do local e dos vestígios.
Com o propósito de evitar uma duplicação de funções, geradora de situações de conflito negativo de competências, pretende-se agora estabelecer que só na ausência do perito deverá a autoridade de saúde da área assegurar a verificação do óbito e proceder ao exame dos vestígios.
Por forma a evitar a repetição das tristemente célebres «andanças de cadáveres», evitando que, por exemplo, os corpos aguardem na rua até que alguém se decida a tomar providências, e com a clara intenção de assegurar a dignidade devida ao falecido e o respeito pelos sentimentos dos familiares, regula-se, de forma que se crê exaustiva, os procedimentos que envolvem a remoção do corpo para ser diferente daquele onde foi verificado o óbito.
assim estipula-se, gradativamente e por ordem de preferência, o recurso à casa mortuária do serviço médico-legal da área ou, não a havendo, do hospital ou cemitério mais próximos e prevê-se que, para o efeito, as autoridades políticas possam requisitar a colaboração dos bombeiros, do seu usos de saúde ou dos serviços médico-legais.
Por lado de forma a suprirem-se as dúvidas .... existentes, clarificam-se as circunstâncias que ... a dispensa de autópsia médico-legais, princípio da necessidade processual. Tal ... a autoridade judiciária poderá decretar a dispensa da autopsia quando, perante uma morte violenta... a causa ignorada, as informações clínicas e demais elementos permitam concluir com suficiente esperança pela inexistência de suspeita de crime, sem ... de ser ordenada a sua realização no quadro, por ...investigação de um processo de acidente de... da proposta de lei conceder a máxima.... direitos, liberdades e garantias das pessoas em relação com as exigências da investigação criminal.
Assim, por um lado, consagra-se expressamente a necessidade de intervenção pessoal da autoridade judiciária competente em todo o processo relativo à realização de perícias médico-legais, o que se traduz, por exemplo, na obrigatoriedade da sua presença sempre que as autópsias médico-legais não se realizem nos institutos de medicina legal ou gabinetes médico-legais.
..... garante-se e regulamenta-se a recolha e... ... de amostras de tecidos e órgãos para se .... realização de uma segunda perícia, até à ....do processo, cabendo ao tribunal, nessa altura, ordenar a respectiva destruição.
Constantemente procura-se agilizar o processo .... que a realização de perícias médico-legais .... ordenada por despacho da autoridade .... sumariamente o seu objecto, ocorra.... consultores e prévia audição dos peritos de dia, hora e local de realização da ... às regras gerais sobre a realização .... estabelecimento oficial e possibilitando que .... médico-legal competente adopte os .... necessários a sua efectivação no mais curto prazo.
... o propósito de assegurar a realização, ... eficaz de perícias médico-legais e tendo em .... dar resposta ao crescente número de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, cujos vestígios importa preservar e recolher no mais curto espaço de tempo possível após a prática do facto, estabelece-se expressamente a possibilidade de os institutos de medicina legal e os gabinetes médico-legais poderem receber as denúncias destes crimes e adoptar as medidas cautelares, necessárias e urgentes, à preservação dos meios de prova, nomeadamente através dos exames imediatamente necessários. No fundo, trata-se de, nesta matéria, em conformidade com o disposto nos artigos 1.º, n.º 1, alínea c), e 55.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, atribuir aos serviços médico-legais a qualidade de órgãos de polícia criminal para efeitos de realização de actos necessários e urgentes destinados a assegurar os meios de prova, em perfeita harmonia com o nosso modelo de processo penal. São estes, em síntese, os aspectos fundamentais da proposta de lei que tenho a honra de apresentar a VV.
Ex.as. A sua aprovação representará uma condição imprescindível para a melhoria do sistema médico-legal, que, além de necessária, se mostra indispensável à efectiva clarificação de procedimentos e do processo e à mais eficaz tutela dos direitos das pessoas.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Justiça, desde já esclareço que nos estamos de acordo com o diploma apresentado, mas há uma pergunta que, logicamente, tem de ser feita.
Sr. Secretário de Estado, não chega fazer diplomas - e este comentário também é válido para o PSD, que em 1987 fez um diploma onde se dizia que nos tribunais de círculo haveria gabinetes médico-legais criados por portaria do Ministério da Justiça. Isto já em 1987!... Embora, segundo me parece, não se vá avançar nos tribunais de círculo, há uma realidade que é o círculo judicial. Ora, gabinetes médico-legais nos círculos, judiciais seriam extraordinariamente importantes.
A pergunta que tenho a fazer é esta: para além deste diploma, está prevista a criação - e, estendo para quando - de gabinetes médico-legais previstos no Decreto-Lei n.º 387-C/87, de 29 de Dezembro? É que já lá vão quase 10 anos e nada.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário das Justiça.
O Sr. Secretário de Estado da Justiça: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, agradeço a pergunta que colocou. De facto, a última reforma tem 10 anos e até Outubro de 1995 não foi instalado qualquer gabinete médico-legal.
Estamos a procurar mudar as coisas, gabinetes médico-legais têm de ser as dos institutos de medicina legal no desta reforma, foi feito um meticulosa trabalho de levantamento no terreno a nível nacional sobre todos os hospitais que estão em condições médico-legais e posso dizer-lhe que existem 30 hospitais que estão nessas condições para receber. É por aí que vamos avançar, no sentido de estabelecer uma rede de gabinetes.
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Em simultâneo, vamos dar também competência aos institutos de medicina legal para dar formação aos peritos, de modo a termos efectivamente uma perícia de qualidade.
Neste momento, posso anunciar que o Gabinete Médico-Legal de Faro se encontra pronto; o do Funchal está em vias de conclusão e este ano ficará pronto também; o de Leiria vai avançar, está pronto, e falta apenas assinar o protocolo; o de Ponta Delgada já está feito e o de Angra do Heroísmo vai avançar; e prevê-se também que os de Almada e Setúbal avancem muito brevemente. São os primeiros, é o primeiro passo, mas esse é o sentido da reforma.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Moura e Silva.
O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 108/VII, que autoriza o Governo a alterar o regime das perícias médico-legais, merece-nos o seguinte comentário: não sendo um «cheque em branco», parece-nos que seria ajustado, perante matéria desta natureza, que este pedido viesse acompanhado de normativo que nos permitisse aferir das suas forma e exequibilidade. Todavia, parece-nos estarem aqui salvaguardados todos os princípios consignados no Código de Processo Penal.
Uma vez que o Governo tem sucessivamente afirmado que estão em curso os trabalhos de revisão do actual Código de Processo Penal, pergunto se não seria mais prudente aguardar pela sua discussão e aprovação nesta Assembleia da República. Não será que esta alteração pode vir a conflituar com o novo Código do Processo Penal? Estão VV.
Ex.as em condições de garantir que não teremos de discutir novamente esta matéria?
Esta dúvida surge do facto de, na «Exposição de motivos» da proposta de lei, se referir como um dos objectivos desta iniciativa legislativa a clarificação, em plena articulação com os princípios e normas do Código de Processo Penal, dos procedimentos que envolvem as autópsias médico-legais em caso de morte violenta ou com causa ignorada. A propósito, não passou já o Governo, por acaso, uma certidão de óbito a este Código de Processo Penal? Não seria mais prudente esperar, para evitarmos um nado morto?
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - O Sr. Deputado, hoje, está mais para o humor negro!
O Orador: - Todos sentimos necessidade de legislação que permita que as perícias médico-legais se executem com as garantias de eficiência e certeza necessárias, mas também de forma a simplificar e desburocratizar um processo que, devido às características específicas de que se reveste, terá de ser célere.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: De facto, concordamos com este diploma. Apesar de sabermos que não se enquadra totalmente neste contexto, deixamos o alerta para a necessidade urgente de dotar de melhores meios técnicos os serviços médico-legais.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Alberto Marques.
O Sr. José Alberto Marques (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados: Quando falamos de medicina legal, falamos obviamente de um importantíssimo ramo da ciência médica, merecedor do maior reconhecimento social e político.
Em termos globais, a presente proposta de lei afigura-se-nos como muito positiva e meritória,...
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!
O Orador: - ... sendo relevante o facto de o Governo ter querido envolver na sua preparação uma comissão constituída por juristas e médicos especialistas nesta área.
O texto da proposta é, assim, fruto de reflexão amadurecida e esclarecida de vários saberes e perspectivas técnicas, deixando abertura para uma ampla consensualidade política, que, aliás, me parece patente deste já.
As alterações legais que se pretendem introduzir no Decreto-Lei n.º 387-C/87 assentam nos pressupostos políticos do Programa do XIII Governo, ruas é uma atitude de bom senso político reconhecer que essas propostas se afiguram, em geral, como necessárias, porquanto pretendem agilizar o sistema, especialmente para colmatar lacunas e ambiguidades nas regras que disciplinam a realização das autópsias médico-legais, em particular os procedimentos que antecedem e envolvem a realização das perícias nos casos de óbito por morte violenta ou devido a causa ignorada.
A proposta de lei influenciará a eficácia dos serviços, designadamente pela definição das circunstâncias que poderão fundamentar a dispensa da autópsia médico-legal, ao prever que tal situação poderá ocorrer se as informações clínicas e demais elementos esclarecerem, de forma suficiente, a causa e as circunstâncias da morte.
Esta inequívoca preocupação de aumentar a efectividade dos serviços médico-legais assume particular relevância ao assegurar-se a realização célere e eficaz de perícias médico-legais. visando responder ao crescente número de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, tanto criais que são conferidas competências aos Institutos de Medicina Legal e aos gabinetes médico-legais para poderem receber as denúncias deste tipo de crime e adoptar as medidas cautelares necessárias e vigentes para assegurar a preservação dos meios de prova.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - A proposta de autorização legislativa, que o Governo apresenta e o Sr. Secretário de Estado acabou de expor de forma exaustiva, explicita, de forma clara, o sentido e a extensão das alterações legislativas, com as quais naturalmente concordamos e que vêm reforçar a importância basilar dos serviços públicos de medicina legal e, dos gabinetes médico-legais, cuja crescente implementação contribuirá para a desconcentração e desafogamento dos serviços dos Institutos de Medicina Legal.
Por outro lado, a postura que este Governo vem seguindo, no sentido de aumentar a dignificação dos técnicos que optaram por este ramo de medicina, será também um factor determinante para a evolução mais positiva da medicina legal no nosso país.
A participação da autoridade sanitária nas situações em que há ausência de perito médico-legal, assegurando a verificação do óbito, deve, em nosso entender, ser acompanhada apenas do levantamento dos vestígios, sem necessariamente lhe ser cometida a responsabilidade de
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realizar o exame desses vestígios, atendendo ao nível de disponibilidade e de preparação técnica da maioria dos profissionais com responsabilidades nessa área.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Bem observado!
O Orador: - Esperamos - e estamos certos disso que esta iniciativa legislativa possa, também ela, contribuir para proporcionar aos serviços médico-legais a importância social a que têm inequivocamente direito.
Termino com um desejo, que é seguramente partilhado pela generalidade deste Hemiciclo: o de que a presente proposta de lei contribua para consolidar a boa investigação pericial, no sentido de uma justa, célere e eficaz justiça, em Portugal.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção. tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, começava a minha intervenção pela classificação do Sr. Deputado José Alberto Marques dos serviços médico-legais e pela sua afirmação de as perícias contribuirem para uma justiça célere, em Portugal, porque isso tem a ver com a questão que coloquei da implantação dos gabinetes médico-legais. É que, Srs. Deputados, se quisermos exemplos de exames médico-legais que demoram dois e três anos a ser feitos no Instituto de Medicina Legal de Lisboa, posso trazer alguns lá do Tribunal de Setúbal - até tenho medo de morrer antes de ter acabado um exame que começou há não sei quanto tempo!
Pela nossa parte, estamos de acordo com esta proposta de lei aqui apresentada. Parece-me que há o cuidado de garantir, pelo menos em termos legais, o direito à dignidade na morte, sendo também necessário garantir o direito à dignidade na realização de alguns exames, que, por vezes, se faziam em circunstâncias terríveis nos tribunais. Penso que esta situação estará ultrapassada, mas, de qualquer forma, ainda me lembro desses exames, absolutamente terríveis para as pessoas, que se sentiam muito humilhadas com as condições em que os mesmos eram feitos.
Estamos de acordo com esta proposta de lei, mas a questão continua a ser a mesma. Efectivamente, este diploma contém normativos com os quais estamos de acordo, mas o que é preciso é garantir os tais gabinetes, a desconcentração, porque senão as pessoas são enviadas para os sítios onde existem os Institutos de Medicina Legal e, como aí estão assoberbados de serviço, se calhar, depois, até deixam prescrever algum desses crimes de que podem recolher a denúncia e não o fazem devido ao excesso de trabalho que têm.
Portanto, o que é preciso, de facto, é pôr a funcionar os gabinetes o mais depressa possível, para que a justiça seja célere, para que sejam prestados bons serviços aos técnicos de Direito e, consequentemente, para que se faça justiça.
Votaremos favoravelmente esta proposta de lei, mas fazemos votos de que as informações dadas pelo Sr. Secretario de Estado sobre a implantação dos gabinetes médico-legais se concretizem rapidamente.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Justiça, Srs. Deputados: Com esta proposta de lei de autorização legislativa, o Governo pretende fazer pequenos ajustamentos no regime das perícias médico-legais, estabelecido, como é sabido, no Decreto-Lei n.º 387-C/87, de 29 de Dezembro.
Recordo, aliás, que foi com este decreto-lei que se procedeu à revisão da legislação de 1959, que disciplinava esta matéria das perícias médico-legais e que, na altura em que se procedeu a esta revisão, era manifestamente desadequada às necessidades da vida concreta, já então patenteadas pela estruturas de medicina legal existentes, o que, aliás - devo dizer -, como todos também sabem, representava um grande retrocesso em relação ao diploma que instituiu os serviços de medicina legal, em Portugal, e que era, na altura, extraordinariamente avançado, quer nos propósitos quer na sua própria estrutura. Comparando-o com aquilo que era a realidade de muitos países, designadamente de países europeus. Perdemos, nesta matéria, é verdade, alguma vantagem que Portugal tinha adquirido na estruturação destes serviços de medicina legal, que correspondia, justa e legitimamente, à tal importância referida pelo Sr. Deputado José Alberto Marques, há pouco, na sua intervenção.
Quero também dizer, em nome do PSD, que estamos globalmente de acordo com a proposta de lei do Governo.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Já não era sem tempo!
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Só os mortos os unem!
O Orador: - Este aparte macabro do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares não
deve ficar no Diário, não é bonito. E quanto ao Sr. Deputado Osvaldo Castro, digo-lhe: já não era sem tempo era que se evidenciassem algumas diferenças fundamentais em relação a outros diplomas, que não a este. É que nós não fazemos guerras gratuitas. E sobre esta matéria, é bom, como se disse, aliás, na intervenção do seu grupo parlamentar, que haja um consenso assinalável em relação a questões que são importantes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No conjunto das propostas feitas nesta proposta de lei, quero só salientar duas dúvidas, porque não vale a pena estarmos a repetir as questões que são essenciais neste diploma. Concordamos evidentemente com a possibilidade de a denúncia poder ser feita, designadamente a denúncia de crimes quanto à liberdade sexual, nos Institutos de Medicina Legal, na busca da tal dignificação desses exames de que falava, há pouco, a Sr.ª Deputada Odete Santos - acho que é importante essa preocupação nesse sentido; concordamos com as medidas que visam esclarecer os procedimentos a adoptar pelas autoridades, quaisquer autoridades, no caso da verificação de mortes. designadamente fora dos estabelecimentos de saúde e nomeadamente fora dos estabelecimentos de saúde públicos.
Concordamos com esse conjunto de questões, mas ternos aqui duas dúvidas, Sr. Secretário de Estado, que, já agora, para dar algum conteúdo útil a este debate, aproveitávamos para colocar.
A primeira dúvida tem a ver com o seguinte: no n.º 5 do artigo 2.º da proposta de lei, diz-se algo que me parece
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- ou, então, estou a ler mal ou a interpretar mal carecer de algum esclarecimento. Diz-se o seguinte: «Estabelecer que, quando o óbito não seja seguro, as autoridades policiais ou os bombeiros devem conduzir as pessoas, com a brevidade possível, aos serviços de urgência hospitalar». Ora, a minha primeira pergunta, Sr. Secretário de Estado, é esta: mas isto não é já assim?
A segunda questão é esta: isto dito desta forma - e nós não temos o projecto de decreto-lei para ver como é que, em concreto, o Governo quer resolver esta matéria -, então, vai ficar a cargo dos serviços policiais e dos bombeiros, em definitivo, assegurar que a morte é segura ou não, nos casos com que são confrontados no dia-a-dia? Quer dizer, da maneira como isto aqui está redigido, sem nós termos um suporte, porque não foi fornecido à Assembleia da República o projecto de decreto-lei do Governo, explicitando esta matéria do n.º 5 do artigo 2.º suscitam-se algumas dúvidas sobre esta matéria.
Bem sei que nesta proposta de lei está explicitada a questão de se definir claramente o momento a partir do qual se pode fazer a autópsia, que é o momento a partir do qual se verifica, de facto, nos termos hoje previstos na lei, a morte, o óbito, e isso é importante, clarificador e de registar.
Mas há aqui uma questão, neste n.º 5, que não podemos desconhecer, que é esta: se uma determinada ambulância vai ao encontro de urna situação ocorrida na estrada, o bombeiro é que vai dizer se a pessoa em causa está, de facto, morta? Se isto configura ou não uma situação de urgência? Se se deve ou não dirigir, de imediato, para os serviços de urgência do hospital ou para o outro destino que se pretende venha a estar previsto no decreto-lei? Esta situação precisa, no mínimo, de um esclarecimento. Estamos obviamente aqui a falar de situações complicadas.
Depois, Sr. Secretário de Estado, outra das questões, que, julgo, merecia um esclarecimento tem a ver com a dispensa da autópsia no caso dos crimes violentos. É que admite-se que essa dispensa de autópsia possa suceder, sempre que «as informações clínicas e demais elementos permitam concluir com suficiente segurança pela inexistência da suspeita de crime». No fundo, Sr. Secretário de Estado, o que isto significa é o seguinte: vai-se alterar aquilo que está preceituado no artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 387-C/87, que hoje regula esta matéria, mas esta alteração, a meu ver, não é compaginável com a afirmação feita pelo Governo no preâmbulo desta proposta de lei, de que se está a dar mais garantias, mais precisão e mais clareza às regras do procedimento a adoptar nestas circunstâncias. E que, nos termos em que hoje isto está regulado neste decreto-lei, é claro que, quando há morte violenta, quando a morte resulte, por exemplo, de acidente de viação ou de acidente no trabalho, há lugar a autópsia. Com este tipo de preceito, que julgo não vai ser transposto tal como aqui está para o projecto de decreto-lei - mas, repito-o, não temos o projecto de decreto-lei -, a verdade é que ficam estas dúvidas.
Para além de colocar estas questões, Sr. Secretário de Estado, queríamos dizer o seguinte: temos consciência de que este decreto-lei de 1987 constituiu um avanço importante em relação à legislação que tínhamos de 1959: temos também consciência das falhas que ainda subsistem, e que foram já aqui enumeradas, para acorrer às múltiplas solicitações que, neste domínio, se colocam no País. num momento que é muito duro e difícil para as famílias e que, ainda por cima, por isso mesmo, geram mais desespero e mais incomodidade perante as situações que algumas vezes vemos, infelizmente, relatadas na comunicação social.
A última questão que lhe quero colocar, Sr. Secretário de Estado, tem a ver com o seguinte: tive o cuidado de ir ver nos mapas do PIDDAC que dizem respeito aos Institutos de Medicina Legal as verbas que estão previstas investir-se, nos próximos anos, nestes domínios. Devo dizer que, tendo em atenção que se mantém a tal estrutura dos gabinetes de medicina legal que se pretende sejam as tais «guardas-avançadas» dos Institutos em cada uma das zonas do País, não me parece que aquilo que é anunciado como investimento a produzir-se nos próximos anos possa ser suficiente para acorrer a estas necessidades. Ora, a minha pergunta é esta: continua a ser aquela a previsão de investimentos a fazer-se neste domínio ou o Governo vai reforçar estes investimentos e vai fazê-lo, designadamente, através de outros ministérios? É que se não houver grandes investimentos nesta matéria, podemos produzir legislação excelente, mas, depois, na prática, isto não vai funcionar e vão continuar as dificuldades que todos nós queremos, de uma vez por todas, ver debeladas.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Justiça.
O Sr. Secretário de Estado da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, agradeço as questões que tiveram a amabilidade de me colocar. Naturalmente. devo uma explicação prévia aos Srs. Deputados quanto à não distribuição do texto de diploma que pretende reorganizar os serviços médico-legais. Ela deveu-se a uma circunstância apenas particular, que tem a ver com o seguinte: é que este é fundamentalmente um diploma bastante complexo. de organização de serviços com dezenas de artigos, onde estas matérias têm apenas expressão muito pontual. É um diploma que está em elaboração e estamos a chegar a uma fase final. Tenho todo o gosto em fazê-lo chegar nos próximos dias a esta Assembleia, não tendo havido qualquer intenção da nossa parte de subtrair essa análise aos Srs. Deputados. Só não veio na altura porque, de facto, outras matérias complicadas, ao nível da organização, de serviços e de carreiras, impossibilitavam que tivéssemos ainda uma versão que pudessemos considerar mais ou menos estabilizada, sendo que isto passa por vários departamentos do Estado, como é sabido. Portanto, terei todo o prazer em fazê-lo chegar dentro de dias.
Relativamente às questões colocadas, no que se refere à recolha de vestígios colocada pelo Sr. Deputado José Alberto Marques, fizemos aqui um equilíbrio entre as intervenções do perito médico-legal e da autoridade de saúde. Basicamente, a ideia é esta: sendo necessária apenas a presença do médico para verificação do óbito e não havendo razões de saúde púbica que justificassem a presença da autoridade de saúde, então aqui poderíamos prescindir da presença do delegado de saúde, da autoridade de saúde. Portanto, tratar-se-ia apenas de verificar o óbito e de identificar vestígios.
Hoje, como sabemos, o sistema funciona, designadamente, com base em despachos. Isto não está muito claro na lei e verificam-se situações em que é extremamente difícil saber quem faz o quê, quem é que deve estar presente numa circunstância destas. E muitas vezes acontece que é extremamente difícil ter lá um médico que seja. Portanto, isto dentro da ideia de que
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qualquer médico pode certificar o óbito. Trata-se, assim, de simplificar estas coisas.
A ideia de ser a autoridade de saúde a poder ir ao local «examinar vestígios» - escrevemos «examinar vestígios», mas talvez fosse mais correcto dizer «recolher vestígios» e deixar o exame para quem tiver conhecimento técnico, por isso estou perfeitamente aberto a essa sugestão de alteração, que me parece exacta, porque o que queríamos era garantir a recolha e a preservação de vestígios, a não ser que ele desapareça imediatamente e, então, talvez se imponha um exame e, nesse caso, tudo se fará para que o perito médico dotado de conhecimentos especiais naquela matéria possa, eventualmente, lá estar - funcionará como uma «válvula de segurança» relativamente ao sistema. nos casos em que não é necessário efectivamente a deslocação do perito.
No fundo, a nossa ideia foi articular os serviços de saúde e os serviços de justiça através do perito médico-legal. Basicamente a ideia foi esta!
Relativamente às questões que me foram colocadas pelo Sr. Deputado Miguel Macedo, devo dizer que, no que se refere ao n.º 5 do artigo 2.º, obviamente que não competirá aos bombeiros verificar sé o óbito é ou não seguro, portanto tem de haver sempre uma verificação
do óbito por parte de um médico. Agora, aqui apela-se exactamente para aquelas circunstâncias em que a experiência comum e a experiência dos próprios bombeiros ou os conhecimentos que têm estão ao nível da própria intervenção, formação e intervenção que têm.
É evidente que aqui trata-se de pôr uma norma - o Sr. Deputado dirá que ela não é necessária, e talvez não seja - para tornar isto muito claro. É que, havendo a possibilidade de aquela pessoa estar com vida, ela deve ser socorrida e não deve ser deixada no local à espera que apareça qualquer outra pessoa. Na dúvida, age-se para proteger a vida da pessoa.
Este é basicamente o sentido que se pretende pôr aqui na lei, de uma forma clara, e que resulta, obviamente, dos princípios que enfornam todas estas matérias.
Quanto ao n.º 9 do mesmo artigo, no que se refere à dispensa da autópsia em caso de inexistência de suspeita de crime, devo dizer que o que acontece hoje é que, de facto, a lei prevê a dispensa de autópsia, mas não define o seu critério, o que, a meu ver, é uma lacuna da lei em vigor. Diz-se que a autópsia pode ser dispensada, mas não se diz quando e em que circunstâncias, e isto tem, efectivamente, suscitado grandes problemas.
Então, têm surgido raciocínios do género: é obrigatória a realização da autópsia nos casos de morte violenta ou de causa ignorada, logo, não definindo a lei o critério de dispensa de autópsia, há que a realizar sempre. E hoje estamos confrontados com um número de autópsias extremamente elevado e a experiência demonstra-nos, pelos dados disponíveis, que cerca de 30% das autópsias que se realizam não são necessárias para nada.
Temos, designadamente, situações de acidente em que ninguém intervém, como é o caso da pessoa idosa que caiu nas escadas e que, entretanto, veio a sofrer uma morte em virtude dessa queda. Isto é uma situação frequente nos institutos de medicina legal.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Secretário de Estado da Justiça, pedia-lhe que abreviasse.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Portanto, é exactamente para prevenir estas situações. Mas isto impõe que se formule um juízo suficientemente seguro, com os dados disponíveis, de que está perfeitamente afastada a suspeita de crime, de contrário a autópsia é obrigatória. É isso que queremos que fique bem claro, Sr. Deputado.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, declaro encerrado o debate da proposta de lei n.º 108/VII. A sua votação será feita amanhã, à hora regimental.
Vamos passar à discussão da proposta de lei n.º 101/VII - Autoriza o Governo a criar regimes especiais aplicáveis às expropriações necessárias à realização do Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva, aos bens de domínio a afectar a este empreendimento e a acções específicas de execução deste projecto de investimento público.
Para uma intervenção, em nome do Governo, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Desenvolvimento Regional.
O Sr. Secretário de Estado do Desenvolvimento Regional (Adriano Pimpão): - Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados: O Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva, cuja gestão cabe à Empresa de Desenvolvimento e Infra-Estruturas do Alqueva, S. A., (EDIA), nos termos dos Decretos-Leis
n.os 32 e 33/95, de 11 de Fevereiro, constitui uma prioridade para este Governo, o que decorre, inequivocamente, da Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/96, de 4 de Janeiro, e de outras acções empreendidas, como seja, o Programa Específico de Desenvolvimento Integrado da Zona do Alqueva, englobado no Programa de Desenvolvimento Integrado do Alentejo, também conhecido por Proalentejo, que vai ser em breve submetido a Conselho de Ministros.
A realização da barragem do Alqueva e dos restantes projectos, englobados no Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva, obriga a uma gestão célere e flexível da ocupação dos terrenos a inundar e de realojamento da Aldeia da Luz.
Nestes termos, e face à Constituição, o Governo solicita autorização para legislar especificamente sobre a forma de proceder a expropriações na referida área de influência.
Assim, a presente proposta de lei autoriza o Governo a criar regimes especiais de expropriações, com a finalidade de agilizar os procedimentos constantes do Código de Expropriações (regime geral) e ainda criar um regime especial de obras de urbanização relacionadas com a reinstalação da nova Aldeia da Luz.
Em termos forrais, o diploma está conforme o disposto nas alíneas e) e z) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição, que diz que é da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre a referida matéria.
Relativamente ao conteúdo e no que se refere ao Código de Expropriações, a proposta de lei condiciona o direito de reversão dos bens expropriados, consagrado no artigo 5.º do referido Código. Esta medida justifica-se devido à submersão dos bens a expropriar só acontecer depois de decorrido o prazo legal de dois anos, não se podendo, em consequência, dar cumprimento ao disposto na legislação em vigor.
O requerimento para a declaração de utilidade e respectivos documentos (artigo l2.º do Código de
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Expropriações) também é suprimido, o que se compreende face à urgência do processo.
Quanto à prestação de caução no acto declarativo de utilidade pública a pagar pelo Estado, a proposta de lei também prevê a não efectivação deste pagamento, fundamentando que a indemnização será efectuada no momento contemporâneo à conclusão do processo expropriativo.
Sr. Presidente. Sr.as e Srs. Deputados: São estes, em síntese, os aspectos mais relevantes da proposta de lei que o Governo agora submete à Assembleia da República.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Zorrinho.
O Sr. Carlos Zorrinho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Por vontade política e determinação do Governo do Partido Socialista, a implantação do Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva é hoje uma realidade irreversível.
Importa agora que este investimento estruturante possa ser concretizado o mais depressa possível, num quadro legal de razoabilidade e com a máxima eficácia.
O que o Governo nos propõe, através da proposta de lei em discussão, é que esta Assembleia conceda um mandato legislativo para que este desiderato seja atingido.
Como Deputado eleito por um distrito alentejano e como cidadão português, exorto esta Assembleia a não hesitar na concessão de um mandato, que será fundamental para que o Alentejo possa deixar, ainda antes da transição do milénio, o incómodo lugar de região menos desenvolvida da União Europeia.
Ao fazê-lo, não me baseio apenas na legitimidade do desejo e da vontade dos alentejanos mas também nos sinais claros de vontade e empenho do Governo no desenvolvimento da região.
Ainda ecoam pelo Alentejo os ecos da penúria com que uma década de abandono e vários anos de seca martirizaram mais de um terço do território português.
Não se resignou, por isso, este Governo a uma intervenção meramente cosmética, sarando as feridas mais visíveis e confiando nos «sete anos de vacas gordas» que normalmente sucedem aos tempos de escassez. Pelo contrário, aproveitou o desafogo dos anos pluviometricamente mais favoráveis para preparar uma acção estrutural de desenvolvimento, tendo como centro o empreendimento do Alqueva.
A partir do regolfo do Alqueva e do seu reservatório de recursos e impacte simbólico, o Proalentejo - Programa de Desenvolvimento Integrado do Alentejo - potenciará, de forma sinérgica, um investimento global de mais de 400 milhões de contos até 1999, visando transformar radicalmente a malha competitiva da região.
Uma transformação feita com os alentejanos e para os alentejanos, conjugando a vertente agrícola, energética e ambiental associada ao empreendimento do Alqueva e complementando-as com infra-estruturas de qualificação, de transporte e de comercialização necessárias ao aproveitamento das potencial idades criadas.
E, sobretudo, uma transformação que convocará todos os agentes económicos, sociais e políticos da região, para um esforço concertado, no âmbito dum processo vasto de convergência estratégica entre todos os que querem de facto ultrapassar o subdesenvolvimento endémico do Alentejo.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Aproxima-se o momento da verdade, em que os discursos e as intenções piedosas darão lugar aos actos. Será esse o momento de verificar a solidez das vontades e distinguir os que se empenham pelo Alentejo e os que o desejam apenas como reduto ou coutada política, o mais servir e possível à mudança e ao desenvolvimento.
A convergência de todas as forças políticas com assento parlamentar na aprovação da proposta de lei em discussão será um inequívoco sinal dado aos alentejanos de uma vontade comum, que ultrapassa as barreiras ideológicas e o saudável combate político por propostas e medidas em concreto.
Ao dar o seu total assentimento à proposta de lei que o Governo nos submete, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista assume o princípio de que será salvaguardada, conforme o texto da proposta de lei pressupõe, a generalidade dos interesses envolvidos:
Em primeiro lugar, o direito dos alentejanos. em particular, e dos portugueses, em geral, de dispor, em tempo útil, de uma infra-estrutura fundamental para o desenvolvimento sustentado de um terço do território nacional;
Em segundo lugar, o direito dos proprietários de verem ressarcidos os prejuízos decorrentes da expropriação, através do pagamento célere de indemnizações justas.
Em terceiro lugar, o direito das autarquias locais em verem compensadas as eventuais perdas de receitas que decorram do regime de isenção a prever no novo quadro legal;
Em quarto lugar, o direito das populações desalojadas em verem rapidamente disponibilizadas as alternativas para o prosseguimento da sua vivência comunitária.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A aplicação desta proposta de lei é também um primeiro passo numa caminhada que conduzirá, de forma tranquila, num contexto de direito, serenidade e legitimidade absolutas, à reforma fundiária de que o Alentejo tanto necessita e que nem a famigerada reforma agrária da década de setenta conseguiu concretizar. Uma reforma fundiária realizada a partir da nacionalidade económica e empresarial e da mutação induzida das condições de mercado e do potencial de valor acrescentado do sistema produtivo regional.
Para um Governo que alguns insistem em acusar de parco na capacidade reformista e governativa, convenhamos que este processo constituirá, pele seu profundo simbolismo, um marco perene que ficará para sempre associado à lucidez política do Partido Socialista, que, assim, demonstra ter aprendido a lição das suas omissões na década de setenta, face ao conflito serve o direito à propriedade fundiária que então perpassavas o Alentejo.
Um Alentejo cujo futuro não está em discussão nesta Assembleia, mas ao qual a decisão que aqui tomaremos será indiferente. Estou certo de que o sinal da nossa decisão colectiva será um sinal de empenho e vontade rápida concretização do Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva. Os alentejanos saberão retribuir e
Portugal será que ganhará.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
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O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Queria limitar-me à discussão desta proposta de lei tão singela, como seja, a de autorizar o Governo a utilizar um processo expedito de expropriações, para que Alqueva vá rapidamente para a frente, e não queria sair dela, apesar deste tom grandiloquente do Sr. Deputado Carlos Zorrinho.
Mas é evidente que estas coisas não podem passar em claro, porque estes discursos feitos para registo no Diário e para enviar para a imprensa regional local esquecem sempre algumas coisas!...
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - O Sr. Deputado sabe do que fala!
O Orador: - Estou a falar do que faço!
Como estava a dizer, estes discursos feitos para o Diário e para enviar para a imprensa regional esquecem sempre algumas coisas. Por exemplo, esquecem as profundas hesitações que atravessaram o Governo do Partido Socialista no início desta Legislatura, quanto a fazer ou não fazer Alqueva, e penso que o PCP teve, nesta Assembleia, um papel positivo para romper com essas hesitações.
Fala-se no Proalentejo, como um grande programa integrado de desenvolvimento do Alentejo, mas esquece-se que o projecto, apesar do tão falado diálogo, não foi discutido com ninguém na região. Só agora começou a ser enviado, tendo sido transformado de documento definitivo em documento de trabalho. Foi um pouco um processo ao contrário!
Fala-se em 410 milhões de contos de investimento para o Alentejo, e esquece-se esta coisa tão singela: estes 410 milhões de contos para o Alentejo, de que o Governo do PS todos os dias fala, não fazem mais nem menos do que parte dos 544 milhões de contos que já estavam previstos no II QCA, correspondendo a uma tão magra verba de 8,3%. Isto é, aquilo que há poucos anos para o PS era pouco, no que toca ao investimento para o Alentejo, é agora utilizado como instrumento de propaganda, como se fosse uma verba própria, quando ela faz parte do II QCA.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Tirando estes sublinhados, pois não quero afastar-me da questão central que nos traz aqui, devo dizer, Sr. Secretário de Estado, que, da nossa parte, não há qualquer objecção de fundo a esta proposta de lei.
O empreendimento do Alqueva é, sem dúvida, uma obra de indiscutível interesse público nacional para o qual, em nossa opinião, devem de facto ser criados rapidamente os instrumentos necessários à sua concretização, diminuindo até, se possível, os demasiados longos prazos de construção previstos.
Neste quadro, afigura-se de facto imperioso criar um processo expedito de expropriações dos terrenos e de outros imóveis que irão ser submersos pela barragem, que vão ser necessários para a reinstalação da Aldeia da Luz, ou dos que fiquem localizados nas zonas das albufeiras do Alqueva e Pedrógão, se forem necessários à concretização do empreendimento, bem como é necessário adoptar medidas expeditas que garantam o pagamento de indemnizações aos habitantes da Aldeia da Luz e àqueles que vão ser afectados pela inundação dos seus terrenos. Há, contudo, procedimentos cautelares que, sem prejuízo da celeridade do processo, devem, em nossa opinião, ser assegurados. Estou a referir-me a uma garantia efectiva de direitos para os proprietários e populações afectadas, à articulação do processo de reinstalação da Aldeia da Luz, com as respectivas autarquias locais, às compensações de vidas às autarquias locais, no âmbito da lei das finanças locais, pela isenção do imposto de sisa previsto no artigo 2.º da proposta de alteração legislativa que nos é presente. Estou a referir-me também. Sr. Secretário de Estado, à necessidade de os poderes atribuídos à EDIA não se transformarem em poderes absolutos, transformando a EDIA numa espécie de Estado dentro do Estado. Neste aspecto, importa, em nossa opinião, que o novo conselho consultivo da EDIA seja posto rapidamente a funcionar, que funcione de uma forma mais regular e lhe sejam dados poderes de uma maior intervenção no acompanhamento dos processos referentes ao empreendimento do Alqueva e da actividade da própria empresa de desenvolvimento do Alqueva.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, há questões referidas no pedido de autorização legislativa que necessitam de um melhor esclarecimento. A atribuição à EDIA - e era sobre isto que eu gostaria que o Sr. Secretário de Estado, caso ainda pudesse, respondesse - da incumbência de submeter à aprovação governamental os projectos de reestruturação fundiária em relação à Aldeia da Luz implica saber qual a orientação e quais os critérios que irão presidir a essa reestruturação fundiária, e que não estão clarificados no pedido de autorização legislativa. Aliás, esta questão atira-nos para um outro problema que, mais cedo ou mais tarde, vamos ter de debater e que é o das opções em matéria de reestruturação fundiária, não da área que vai ser agora submersa mas da que vai ser beneficiada pelo empreendimento, isto é, dos 110 000 ha que numa primeira fase vão ser regados. E, não sendo esta a questão que estamos aqui a debater, não é demais lembrar ao Governo que se afiguraria claramente inaceitável que essa área fundiária a beneficiar por um investimento público desta dimensão não fosse reestruturada, que não se abrisse o acesso à terra aos pequenos agricultores e aos trabalhadores agrícolas, no quadro de uma política de democratização do acesso à terra e de justiça nos campos, para que o Alqueva seja de facto um verdadeiro instrumento de desenvolvimento e de progresso social para todo o Alentejo e não só para meia dúzia de «terras de tenentes».
Fazendo este sublinhado a uma matéria que, repito, não está aqui em debate, mas que é uma questão central no próximo futuro, queremos reafirmar o nosso acordo global a esta proposta de alteração legislativa, sem prejuízo dos aspectos cautelares que levantei na minha intervenção.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Patrício Gouveia.
A Sr.ª Teresa Patrício Gouveia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Começo por dizer que saudamos a intervenção do Governo ao criar condições para tornar expedita a realização deste indispensável empreendimento, que o PSD tornou irreversível no anterior Governo,...
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Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - ... desde que salvaguardados os direitos fundamentais dos cidadãos - e não é exactamente isto o que esta proposta de lei anuncia.
Em alguns aspectos, esta proposta de lei anuncia que o Governo optou pela lei do menor esforço nas suas tarefas de viabilização urgente do empreendimento, fazendo-o, muitas vezes, com o sacrifício daqueles direitos. É o caso do direito de reversão, consagrado no Código das Expropriações, cujo condicionamento ou cessação não sabemos, pois o Governo não explicita, que se considera totalmente injustificado. É também o caso da dispensa de qualquer caução. Compreendemos que, neste caso, a dimensão Financeira deste requisito seja um argumento, mas não deixamos de considerar que haverá fórmulas alternativas para garantir aos proprietários o seu direito à justa indemnização.
Por outro lado, consideramos que não se justifica, no caso da reinstalação da Aldeia da Luz, que seja retirada aos municípios, para além da competência de licenciar (o que compreendemos), a própria possibilidade de serem ouvidos. Seria bom conhecer aquilo que o Governo pretende fazer através do decreto-lei próprio, que, ao contrário do que era costume no anterior Governo, não acompanha esta proposta de lei de autorização legislativa. Seria útil, se houvesse consenso, para que pudesse-mos discutir algumas destas questões, conhecer as verdadeiras intenções do Governo em muitos destes aspectos, como no caso do direito de reversão, da indemnização em espécie, que o Código das Expropriações já autoriza com o acordo dos proprietários - desconhecemos se o Governo tem intenção de fazer isto de outra maneira -, e das compensações para outros aspectos, como seja o do direito de atravessamento, isenção de sisa que aqui foi mencionado, etc.
O PSD considera que o Alqueva é uma infra-estrutura central para o desenvolvimento do Alentejo. Considera também que é de importância estratégica nacional o plano da gestão dos recursos hídricos.
O empreendimento do Alqueva deverá constituir para o Alentejo e para o País uma oportunidade de desenvolvimento económico e social com tradução em vários domínios: agrícola, industrial, cultural, ambiental, etc.
Por isso preocupamo-nos que não estejam acauteladas várias questões que são indispensáveis para a plena rentabilidade deste projecto, que não se deve reduzir, como é evidente, a uma simples barragem.
Mas, para além das notícias da construção da obra física, desconhecem-se em absoluto quaisquer dados e medidas que digam respeito a projectos de desenvolvimento para a região e de aproveitamento integrado desta obra.
Na área agrícola, não há de momento qualquer orientação ou estudos conhecidos quanto ao custo da água a utilizar pelos agricultores, o que os inibe, como é natural, de fazerem os seus planos e prepararem os seus investimentos de regadio. Não foram, até agora, divulgadas quaisquer perspectivas sobre o regime da futura reestruturação fundiária para os terrenos abrangidos pelos benefícios do empreendimento. A própria proposta de lei de medidas especiais que o Governo hoje aqui traz aplica-se apenas aos terrenos correspondentes às barragens do Alqueva e Pedrogão e à Aldeia da Luz, não contemplando os terrenos correspondentes à construção da rede primária de rega, que são igualmente da responsabilidade do Estado e da EDIA, cujo funcionamento se prevê em calendários simultâneos.
O Governo entende que é socialmente sustentável dispor de um armazenamento de água desta dimensão, sem que ele tenha qualquer utilidade agrícola? Não pensa o Governo que é tempo de dar resposta a estas questões, que os agricultores têm vindo a suscitar ao longo destes dois anos?
Durante a campanha eleitoral o PS prometeu, através do seu Secretário-Geral, um plano de emergência para o Alentejo. O Alentejo aguardou por esse plano. Uma vez no Governo, ouvimos dizer, por parte de alguns dos seus representantes, que o plano já não se justificava. Perante a pressão das várias forças da região do Alentejo e da própria Comissão Europeia, o Governo resolveu, então, produzir um plano: o Proalentejo, que apresentou há dias. Em que consiste este novo plano? Tal como foi afirmado pelo Conselho da Região do Alentejo e por várias entidades que sobre ele se pronunciaram, trata-se de um repositório de ideias gerais. Para além disso, os recursos que este plano mobiliza mais não são, como foi dito há pouco, do que aqueles que já se encontravam afectos ao Programa Operacional Regional do Alentejo (PORA), ao INTERREG ou ao plano rodoviário da região já comprometidos na sua quase totalidade, diga-se, a que se junta, como único recurso novo, as verbas a afectar à barragem que, por seu lado, como é sabido, ainda não estão desbloqueadas pela Comissão Europeia.
Acrescente-se que estas verbas, para além de não existirem, serão geridas por três entidades diferentes, a saber: a unidade de gestão do Proalentejo; a unidade de gestão do Plano Específico de Desenvolvimento da Zona do Alqueva (PEDIZA); a unidade de gestão do PORA. E não prevemos nada de bom!
Se ainda fosse para resolver o problema do desemprego no Alentejo, poderíamos compreender, embora não concordássemos com o método, mas temo que os destinatários não sejam exactamente esses, e parecem-me realmente muitos rapazes para o mesmo «osso»!
Poderia ainda dizer que o que nos preocupa, por exemplo, é a ausência de qualquer plano de turismo ou o facto de não se encontrar nomeada a Comissão de Acompanhamento Ambiental para o Alqueva, constituída desde Dezembro.
São muitas as questões que este diploma suscita, mas talvez este debate possa contribuir para o esclarecimento destes aspectos, por forma a podermos aperfeiçoá-lo em discussão posterior.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.
O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: As voltas que o mundo dá!
Em 1972, nos laboratórios da Sorefame-Hidráulica, fiz os primeiros ensaios sobre o Alqueva; em 1976, discutiu-se o Alqueva, pela primeira vez, neste Parlamento, nesta Sala - e suponho que já cá não estará ninguém dessa altura. Defendi o Alqueva, porque já o conhecia e, por conhecer bem a situação do Alentejo, sabia bem o que é o valor da água; defendi-o, mas, e devo dizê-lo em benefício da verdade, nessa altura só fui acompanhado pelo PCP, foram os únicos que me acompanharam na defesa
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do Alqueva e - honra lhes seja feita - têm sido permanentes nesta defesa.
Os anos passaram e ouviu-se aqui, em determinada altura, um ilustre Deputado defender, e fez êxito no nosso país, a ideia de que era um non sense a construção do Alqueva. Calculem lá, Srs. Deputados, a barragem do Alqueva, a sua albufeira, nunca poderia ser cheia por os espanhóis já terem desviado todas as águas que a poderiam encher!... Só que «Deus Nosso Senhor escreve direito por linhas tortas» e o ano passado fez cair dilúvios, que, só num ano, encheriam três bacias iguais à do Alqueva.
Depois, levantaram-se outras dificuldades. Neste país curioso resolveu-se fazer a avaliação económica do Alqueva, para saber se valeria ou não a pena, se seria alguma coisa que compensasse. Mas, calculem, a única coisa que se sabia avaliar era o valor energético, porque, enfim, como os kilowatts ainda se vendem, as pessoas sabiam em quanto isso se podia avaliar. Agora, quanto à avaliação dos recursos hidrológicos, do enriquecimento ambiental, do aumento da produção agrícola e até da transformação agrária do Alentejo, isso ninguém sabia avaliar, pelo que o melhor era pôr lá o valor energético (+) zero, porque zero era a dimensão da ignorância nacional.
A verdade é que hoje, Srs. Deputados, fico radiante quando vejo tantos partidos a reinvindicarem a autoria do Alqueva. Pelo menos chegámos aos limites da inteligência, de saber que aquilo a que a Humanidade está condenada, se continuarmos a desprezar os Sabor, outros empreendimentos e outras reservas de água, que temos a obrigação de criar neste país para os nossos filhos, o que também é cultura, é que os nossos filhos e netos vão pagar caro a nossa imbecilidade. Fico, portanto, contente por verificar que estamos no limiar de abandonar isso e que o Alqueva, que tantas vezes foi amaldiçoado nesta mesma Sala, tem finalmente o beneplácito da vontade de toda a gente.
Queiram-no para vocês, Srs. Deputados dos partidos políticos portugueses. Queiram-no para vocês, porque é muito pior, quando o querem e o relegam para o lixo da História. E preciso não esquecer que há sempre uma população que sofre com estas nossas posições ou beneficia delas. Se o preço do benefício da população portuguesa e de uma província inteira, como é o Alentejo, é a vaidade dos partidos, então paguemos o tributo da vaidade dos partidos.
A verdade contribui para a deixar aqui escrita, nos Diários desta Casa venerável, templo da democracia, que também deve ser templo da verdade, e aí ficará escrita.
Sr. Secretário de Estado, nunca me opus a este empreendimento, sempre pensei que ele já devia estar feito há muitos anos e espero que não venhamos a perder mais tempo, porque neste país estamos sempre sujeitos ao aparecimento de qualquer ideia bizarra no dobrar de uma esquina, e vão aparecer outros sábios a dizer que talvez não seja de fazer. Para que isto não aconteça, Sr. Secretário de Estado, damos o nosso apoio a este instrumento, que nos parece fundamental, mas, tal como já foi dito pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho e é, aliás, do consenso de todas as bancadas, esta proposta de lei precisa de ser corrigida em alguns aspectos técnicos. Penso que o poderemos fazer em seis dias, os quais não vão, com certeza, dar oportunidade a que apareçam outros «ratos sabotadores» neste nosso querido país de sol.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Desenvolvimento Regional.
O Sr. Secretário de Estado do Desenvolvimento Regional (Adriano Pimpão): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por congratular-me pelas declarações das várias bancadas que traduzem uma aprovação em geral desta proposta de lei. Algumas das observações aqui feitas, extravasando formalmente ou do ponto de vista teórico a discussão deste diploma, merecem, contudo, alguns reparos, alguns esclarecimentos, e julgo não haver mal algum em aproveitarmos esta ocasião para o fazermos.
Em relação àquilo que aqui foi referido como programa de desenvolvimento integrado do Alentejo, conhecido por Proalentejo, algumas das observações que aqui foram feitas pecam por serem extemporâneas. Ou seja, estas questões já foram ultrapassadas, já foram discutidas, datam de há três semanas ou um mês, o que, apesar de este ser um empreendimento de longo prazo, é importante no caminho que estamos a percorrer neste momento e tudo isto já foi esclarecido nos locais próprios e na devida hora.
Posso mesmo dizer que, para além das reuniões que foram efectuadas com o Conselho da Região na semana passada, já decorreram novas reuniões em sede da Comissão de Coordenação, nas quais todos os agentes de desenvolvimento do Alentejo, incluindo todas as autarquias, receberam o texto do programa desenvolvido. Assim, o primeiro texto que aqui foi referido correspondia ao da proposta de resolução do Conselho de Ministros mas mesmo esta, que, neste momento, já está pronta para ser submetida a reunião de Secretários de Estado e ao Conselho de Ministros, já incorpora algumas das sugestões que foram feitas pelas câmaras municipais.
É evidente que, tratando-se de um programa da responsabilidade do Governo, algumas daquelas sugestões não puderam ser atendidas porque alterariam o sentido do próprio programa. Neste momento, está em discussão esse programa desenvolvido que incorpora de forma discriminada cada uma das acções do Programa de Desenvolvimento Integrado do Alentejo.
Quero afirmar aqui que a participação naquelas discussões foi alargada e, do meu ponto de vista, os argumentos que foram utilizados, as críticas e sugestões que foram apresentadas são um contributo muito válido e positivo e que conseguimos atingir não só um documento válido como também um novo processo de trabalho no Alentejo que inclui os agentes de desenvolvimento, nomeadamente as autarquias locais.
Já foi atingido um grande objectivo no processo de apresentação do Proalentejo porque mais importante do que o produto final é o processo que leva à sua afinação e aceitação pelos agentes no terreno.
Relativamente às contas que foram referidas quanto a quatrocentos ou quinhentos e tal milhões de contos, assim como às dúvidas de saber se esses valores correspondem ou não a um acréscimo, terei muito gosto em explicita-lo mas também posso dizer que, neste momento, esse assunto já está um pouco ultrapassado visto que também já foi esclarecido com as várias entidades que têm a ver com o programa. No entanto, repito, estarei sempre disponível para mostrar as contas para que não restem dúvidas.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - São mais 400?
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O Orador: - Não são. Isso já foi corrigido, Sr. Deputado. O documento a que se refere não é o Quadro Comunitário de Apoio, era outro documento que não esse.
Quanto às questões que foram colocadas em relação aos aperfeiçoamentos a introduzir neste diploma, estamos de acordo. Congratulamo-nos também com a observação feita pelo Sr. Deputado Nuno Abecasis no sentido de que não levaria muito tempo. De facto, é verdade que se começássemos a travar novamente toda essa mensagem depressiva que surge de vez em quando em relação ao Alqueva - e aqui, confesso que, hoje, perante algumas intervenções nesta Assembleia, tive receio de que a técnica da depressão e da mensagem pessimista voltasse a
ensombrar as actuais expectativas positivas dos alentejanos Portanto, congratulo-me e estou de acordo com a posição que defende que podem introduzir-se aperfeiçoamentos no diploma. Isto é, creio que se há sugestões no sentido de introduzir aperfeiçoamentos devem ser analisadas e incorporadas no texto, se houver motivos para tal e julgo que, em seis dias, pode ganhar-se melhoria
da qualidade e que certamente não se perderá em termos de avanço do empreendimento. O empreendimento está lançado no terreno, está a avançar.
Por outro lado, é evidente que a matéria das expropriações é importante e aproveito para dizer que, de facto, se colocam algumas questões que têm a ver com a especificidade deste assunto, nomeadamente com o direito de reversão, pois é verdade que estão previstos prazos que podem não parecer os mais convenientes mas que têm a ver com a especificidade do empreendimento. Ou seja, há que deixar livres determinados terrenos por causa do enchimento da barragem já que não se conhece com exactidão qual a cota a que poderá chegar a água em determinado momento devido às questões que todos compreendem. Por isso, há aqui alguns aspectos expeditos que, à primeira vista, pode parecer que não defenderão os
interesses dos cidadãos. Penso que esta é uma matéria que, posteriormente, em sede de especialidade, poderá ser melhor analisada.
Julgo que terei respondido em geral às questões que me foram colocadas, embora possa haver uma ou outra de carácter mais técnico cuja resposta admito que não tenha sido completamente esclarecedora. No entanto, penso que, de acordo com o que foi dito por vários Srs. Deputados, se verifica um largo consenso no sentido de que este empreendimento deve prosseguir com a colaboração de todos e que, com ele, ganha o Alentejo mas também Portugal porque, essencialmente, este é um grande projecto nacional, é, primeiro que tudo, uma reserva estratégica de
água e o País só ganhará com a realização deste empreendimento.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que está encerrado o debate.
A sessão de amanhã terá lugar pelas I15 horas e constará da interpelação ao Governo n.º 11/VII, apresentada pelo PCP, sobre orientações gerais e política global do Governo.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 25 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
José Alberto Cardoso Marques.
Partido Social Democrata (PSD):
António Moreira Barbosa de Melo.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
José da Conceição Saraiva.
Mário Manuel Videira Lopes.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Partido Social Democrata (PSD):
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
João Calvão da Silva.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
José Augusto Gama.
José Mendes Bota.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.
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DIÁRIO da Assembleia da República
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