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Sexta-feira, 11 de Julho de 1997 I Série - Número 92
DIÁRIO
Da Assembleia da República
VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 10 DE JULHO DE 1997
Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos
Secretários: Ex.mos Srs. José Ernesto Figueira dos Reis
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 40 minutos.
Na abertura do debate da interpelação n.º 11/VII - Sobre orientações gerais e política global do Governo (PCP) proferiram intervenções o Sr. Deputado Carlos Carvalhas, do partido interpelante, e o Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional (António Vitorino), seguindo-se-lhes no uso da palavra, a diverso
título, atém daqueles oradores e dos Srs. Ministro da Economia (Augusto Mateus) e Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (António Costa), os Srs. Deputados Acácio Barreiros (PS), Luís Queiró (CDS-PP), Joel Hasse Ferreira e Elisa Damião (PS), Octávio Teixeira (PCP), Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP), Guilherme Silva e Azevedo Soares (PSD), Luís Sá (PCP), António Galvão Lucas
(CDS-PP), Lino de Carvalho (PCP), Jorge Ferreira (CDS-PP), António Filipe (PCP), Pedro Feist (CDS-PP), Luísa Mesquita (PCP), Pedro Passos Coelho (PSD), Bernardino Soares (PCP), Strecht Ribeiro (PS), José Calçada (PCP), Vieira de Castro (PSD), Artur Penedos (PS) e Rodeia Machado (PCP).
Entretanto, a Câmara aprovou, na generalidade, as propostas de lei n.os 105/VII - Autoriza o Governo a alterar o Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro (Estabelece normas relativas ao uso do cheque) - e 101/VII - Autoriza o Governo a criar regimes especiais aplicáveis às expropriações necessárias à
realização do empreendimento de fins múltiplos do Alqueva, aos bens de domínio a afectar a este empreendimento, e a acções específicas de execução deste projecto de investimento público -, que baixaram à 1.ª Comissão, e, na generalidade, na especialidade e em votação final global, a proposta de lei n.º 108/VII - Autoriza o Governo a alterar regime das perícias médico-legais. Foram também aprovados, em votação final global, os textos finais elaborados, um, pela da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativamente à proposta de lei n.º 91/VII - Altera a Lei n.º 58/90, de 7 de Setembro (Regime da Actividade de Televisão) - e, outro, pela Comissão de
Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente relativamente ao projecto de lei n.º 23/VII - Alteração ao Decreto-Lei n.º 405/93, de 10 de Dezembro (Regime de Empreitadas de Obras Públicas).
A encerrar o debate da interpelação intervieram, pelo partido interpelante, o Sr. Deputado Octávio Teixeira e, pelo Governo, o Sr. Ministro Adjunto (Jorge Coelho).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 40 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 40 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Gavino Paixão.
António Rui Esteves Solheiro.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Guardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria liamos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Moreira Raposo.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelino Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos das Dores Zorrinho.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Júlio Meirinhos Santanas.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Góes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Mário Manuel Videira Lopes.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barres e Silva.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Sônia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Victor Brito de Moura.
Partido Social Democrata (PSD):
Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Taveira da Silva.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
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António Roleira Marinho.
António Soares Gomes.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Eugênio Pereira de Brito.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Domingos Dias Gomes.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugênio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Césario.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Costa Pereira.
José Mário de Lemos Damião.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
António Afonso de Pinto Galvão Lucas.
Armelim Santos Amaral.
Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Pedro José Dei Negro Feist.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.
O Sr. Presidente: - Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, como sabem, a ordem de trabalho de hoje é preenchido, exclusivamente, pela interpelação n.º 11/VII - Sobre política geral centrada nas orientações gerais e política global do Governo (PCP).
Na fase de abertura, e para introduzir o debate, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo: Decorridos perto de dois anos desde que o Governo tomou posse e quando se aproxima o meio da legislatura, há duas conclusões inegáveis a tirar: primeira, o PS violou ou deixou sem cumprimento muitas das promessas eleitorais que fez há dois anos durante a campanha para
as legislativas, incluindo promessas constantes dos Estados-Gerais e do programa eleitoral: segundo, o Governo afastou-se, decididamente, de uma política de esquerda e realizou, no essencial e no que é mais estruturante, uma política de continuidade das políticas de direita dos governos do PSD de Cavaco Silva.
Bastariam estas duas graves constatações para que uma interpelação ao Governo como a que o PCP faz fosse absolutamente necessária e oportuna.
Acresce, no entanto, um outro facto; por responsabilidade do PS e da sua fúria revisora, o Governo encontra-se «dispensado» da obrigação de prestar contas, neste momento, ao público sobre o estado da Nação, no debate que, desde que foi criado no Regimento desta Assembleia, sem-
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pré se realizou neste mês de Julho. Por isso, esta interpelação é a oportunidade para o Governo ser confrontado com o estado da Nação e com as críticas e acusações que a sua política suscita.
Aplausos do PCP.
Esta não é uma interpelação sobre políticas sectoriais, não porque não haja graves responsabilidades do Governo no estado de muitas dessas políticas, mas porque a questão que hoje se coloca é a da situação a que está a ser conduzido o país como resultado das opções fundamentais da política do Governo.
Só o Sr. Primeiro-Ministro e a sua equipa de propaganda é que podem não se ter dado conta do profundo desânimo e desencanto que grassa no país, nomeadamente em muitos milhares de cidadãos que votaram PS.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Quanto mais o Ministro Jorge Coelho proclama êxitos do Governo como quem vende banha-da-cobra, mais os portugueses se interrogam por que razão
não lhes cabe nem uma migalha de tais auto-proclamados êxitos e, pelo contrário, o que sobra para o povo é uma pesada factura.
O Sr. Artur Penedos (PS): - Já lá vamos!
O Orador: - Só o Sr. Primeiro-Ministro é que pode fazer de conta que ignora que nas questões essenciais o país enfraquece e desvitaliza o seu aparelho produtivo e está sem solução para os graves problemas que enfrenta.
O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Não há propaganda que consiga disfarçar as dificuldades sociais de milhares de famílias, a crise que afecta importantes empresas e sectores produtivos e a debilidade em geral da economia portuguesa. Por alguma razão os Ministros que averbam os fracassos governativos mais espectaculares são precisamente os Ministros ligados à actividade produtiva, os Ministros da Economia e da Agricultura, Desenvolvimento Rural e das Pescas e a
Ministra para a Qualificação e o Emprego.
Ao longo destes quase dois anos de Governo do PS, acentuou-se o processo de desindustrialização e notícias recentes, como as que ainda esta semana surgiram sobre o sector metalomecânico, mostram que esse processo tende a agravar-se mais ainda; quanto à agricultura e às pescas, prosseguiu o irresponsável processo do seu desmantelamento, deixando o país cada vez mais à mercê das importações alimentares; o comércio, ao mesmo tempo que é cada vez mais dominado pelas cadeias internacionais e pelas grandes superfícies, sofre duramente a falta de dinâmica do consumo privado, como resultado do escasso poder de compra e da falta de confiança dos consumidores no futuro.
Quanto ao desemprego, não só se consolida como um elemento estrutural da sociedade, continuando sem qualquer perspectiva de solução, como se agrava o desemprego de longa duração, conduzindo milhares de cidadãos em idade activa ao drama da exclusão e da pobreza; quanto à qualidade do emprego, continua o processo da sua degradação, em tais termos que hoje nenhum jovem espera ter emprego estável, condenado como está ao recibo verde, ao contrato meio clandestino ou ao biscate
de ocasião.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Dir-se-á que este é o resultado inevitável de um Governo PS que abandonou voluntariamente todas as referências de esquerda e socialistas e que não se quis mais do que um «gestor do capitalismo».
A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Não é verdade!
O Orador: - Só que, pior do que um «gestor do capitalismo», o Governo assumiu-se como um servidor cego e obediente das orientações neo-liberais e monetaristas impostas pelo mais alto poder político, económico e financeiro europeu e mundial.
Aplausos do PCP.
E é desta orientação fundamental que resultam alguns dos traços mais significativos das políticas governamentais, que aqui registamos em sete notas acusatórias.
Primeiro: acusamos o Governo de ter abandonado uma séria perspectiva social da política em benefício do poder das forças do mercado. É o que resulta, por exemplo, das ameaças lançadas sobre o sistema de segurança social, é o que resulta do sistemático desarmamento do Estado para o exercício das suas funções sociais, como se o Estado fosse alheio aos valores da justiça, solidariedade e segurança que são património da sociedade e conquistas alcançadas ao longo de anos e anos de lutas sociais que marcaram profundamente o pensamento da
esquerda.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Não se trata de atender às situações limite de pobreza e exclusão, trata-se da protecção e garantia dos direitos sociais fundamentais a toda a população, incluindo, entre outros, os direitos à educação, saúde, segurança social e habitação.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Trata-se da situação dos trabalhadores, das profundas carências dos idosos e reformados, dos direitos da juventude, das mulheres, dos deficientes. Uma real perspectiva social põe estes princípios e os direitos destas camadas acima das exigências neo-liberais e monetaristas. É isso que também distingue a esquerda.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Em segundo lugar, e em consequência, acusamos o Governo de ter posto à frente dos interesses das pessoas as pressões dos lobbies, dos grupos económicos e as exigências cegas dos mercados financeiros. Não há matéria em que o Governo tenha falhado tão rotundamente como na promessa de que iria governar para as pessoas. O alto desígnio, hoje mais que uma vez confessado pelo Governo, não são as pessoas, são os critérios de Maastricht.
Vozes do PCP: - Muito bem!
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O Orador: - Em terceiro lugar, acusamos o Governo de sacrificar os interesses nacionais, em benefício da construção de uma Europa federal e para ganho de grandes empresas estrangeiras que, cada vez mais, dominam a economia portuguesa. Muito para além das consequências objectivas do processo de internacionalização, o Governo capitula perante todas as exigências dos países mais poderosos, permitindo que sectores fundamentais da nossa economia, incluindo os têxteis,
metalomecânica pesada, conservas, agro-alimentar, pescas, agricultura, construção naval, sejam desmantelados ou levados a situações de concorrência desleal que os condenam à falência e, a prazo, ao desaparecimento.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Em quarto lugar, acusamos o Governo de deixar os problemas fundamentais sem solução, governando mais para a auto-propaganda do que para o país.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Políticas como a da educação, da droga, da saúde são bem demonstrativas.
Na educação, o Governo elege as propinas como paixão e prefere mercantilizar o sistema educativo, ignorar os numerus clausus, as exigências e as necessidades do desenvolvimento nacional.
Quanto à toxicodependência, passado o «Dia D», verifica-se que as filas de espera nos centros de atendimento (CAT) para consulta chegam, infelizmente, aos 6 meses, continuando o Governo a não apostar numa rede pública de «comunidades terapêuticas». E a reinserção sócio-laboral é pouco mais que inexistente.
Também nestes domínios, a esquerda se afirma pelo combate ao elitismo no ensino, ao «negocismo» na saúde e por assumir as funções sociais
do Estado, dando a máxima eficácia aos dinheiros públicos.
Aplausos do PCP.
Em quinto lugar, acusamos o Governo de desbaratar o património público, num autêntico regabofe de privatizações e concessões de serviços públicos que torna o país num despudorado casino, onde só ganham os grandes grupos económicos nacionais e estrangeiros.
Com a desculpa implícita de Maastricht e com a desculpa da necessidade de diminuir o peso da dívida e o défice público, foram postas à venda empresas estratégicas, que constituem um valor patrimonial construído ao longo de gerações. Para forças de esquerda que tenham o sentido da importância de um sector público estratégico e que saibam representar os sacrifícios de gerações que permitiram a, sua constituição, o que o Governo tem feito constitui um crime contra a colectividade,...
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - ... só com semelhança na despudorada venda de bens nacionais feita no século passado e que esteve na origem das grandes fortunas fundiárias da nova burguesia.
Aplausos do PCP.
Vender, como o Governo tem feito, empresas como a EDP, a Telecom, a Tabaqueira, é ter perdido o sentido dos interesses nacionais. Mas a senha privatizadora do Governo não tem limites. Quer privatizar tudo: estradas, aeroportos, água e lixos, indústria militar, vai tudo raso!
Como comentava um ilustre autarca socialista, «o Governo não pode ter uma lógica social na Europa e ultra-liberal aqui (...)».
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Em sexto lugar, acusamos o Governo de defraudar os interesses e direitos dos trabalhadores, como designadamente fez com a promessa não cumprida
das 40 horas, com a aprovação da lei da flexibilidade e da polivalência. com a rejeição da reposição da idade da reforma das mulheres aos 62 anos ou com as ameaças do aumento da idade de reforma. E para que ninguém fique com dúvidas acerca do significado desta acusação, aqui reafirmamos que não há política de esquerda que não tenha a defesa do mundo do trabalho como critério e objectivo essencial.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Uma política de esquerda tem os interesses e direitos dos trabalhadores no lugar de honra, e não os critérios de Maastricht como faz o Governo.
Aplausos do PCP.
Em sétimo lugar, acusamos o Governo de ter ocupado sistematicamente o aparelho de Estado com «tachos para a rapaziada», os famosos boys que o Sr. Primeiro-Ministro esconjurou, mas a quem depois abriu a porta completamente.
Protestos do PS.
Aliás, quanto à proclamada tese de que o que distingue os Governos do Partido Socialista Europeu, incluindo o PS, dos Governos do Partido Popular Europeu, incluindo o PSD, é a «forma de governar», é o «estilo»(!), pelos vistos a diferença não é assim tão grande.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - A diferença é para pior!
O Orador: - Quem fala da arrogância dos Governos PSD pode encontrá-la no comportamento, por exemplo, do Ministro Sousa Franco, que vai ficar conhecido pelo Ministério dos avales e Pilatos, como o foi com o IVA, em relação ao seu Secretário de Estado, ou com o Ministro da Economia, em relação aos negócios recentes do autódromo e da Torralta. Está a passar a fronteira do autismo!
Quem fala das tiradas demagógicas do género «deixem-nos trabalhar», pode encontrá-la na crise-ficção das finanças locais, nas recentes declarações do Ministro Jorge Coelho ou na pífia ida à televisão do Ministro; quem fala
do «Estado laranja» e dos tachos do PSD, encontrou os jobs do PS e a vergonhosa utilização do aparelho de Estado para interesses partidários e eleitoralistas.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Quem fala de privilegiar o betão, há-de achar que o Ministro Cravinho e as suas «privadazinhas» não desmerecem. Falará o Primeiro Ministro nas
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gravuras de Foz Côa e das pegadas da Pedreira de Rio Maior. Conceda-se: em matéria de paleolítico e de dinossauros este Governo tem um estilo diferente do anterior.
Risos do PSD, do CDS-PP, do PCP e cie Os Verdes.
Só é pena não ser possível dizer o mesmo em matéria de pessoas!
Aplausos do PCP.
Srs. Deputados, fazemos estas sete acusações com a exacta consciência do que é que elas significam. Desde que o Governo se formou e apresentou o seu programa e as linhas fundamentais das suas orientações políticas que afirmámos que o PCP era oposição de esquerda. Denunciámos o facto de o Governo, com o seu Programa, estar a defraudar a vontade de mudança que o eleitorado português tinha manifestado no dia das eleições, em 1 de Outubro de 1995.
Decorridos quase dois anos, as sete acusações que formulamos são a prova de que a prática política do Governo traiu os portugueses e a sua vontade de mudança.
Vozes do PCP; - Muito bem!
O Orador: - A lista das promessas não cumpridas é enorme. Lembram-se, Srs. Deputados do Partido Socialista, quando o Engenheiro Guterres dizia que Portugal não se podia desenvolver à custa dos baixos salários? Onde está a maior e melhor segurança dos cidadãos e o reforço e plena concretização dos direitos dos agentes das forças policiais? Onde está a prometida política integrada de juventude? Onde está a política progressista em relação à mulher: idade da reforma, interrupção voluntária da gravidez, uniões de facto e as «quotas»?
O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Que é feito do reforço estrutural da economia portuguesa, onde param as políticas económicas orientadas «para um desenvolvimento sustentável, regionalmente equilibrado, socialmente justo e criador de emprego»?
O Sr. Artur Penedos (PS): - Já vai saber!
O Orador: - Mas a principal e fundamental promessa incumprida foi a de abandonar a política da direita.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Por isso não espanta que Ferraz da Costa afirme mesmo que o Engenheiro Guterres é mais liberal do que Cavaco Silva! Aliás, esta interpelação ocorre precisamente quando o entendimento essencial com o PSD é mais vasto e mais profundo: PS e PSD estiveram há dias juntos no apoio às decisões do Conselho Europeu de Amsterdão; PS e PSD estiveram e estão juntos mais uma vez no adiamento do processo de regionalização; PS e PSD estão juntos neste momento no objectivo de concretizar o seu vergonhoso acordo de revisão constitucional a mata-cavalos, antes de férias, para que passe o mais despercebido possível.
Vozes do PCP; - Muito bem!
O Orador: - Como dizia uma Deputada socialista, «esta revisão constitucional não é decisiva para o país nem dá de comer a ninguém». E acrescentava: «Nas questões de fundo é um Tratado de Tordesilhas feito entre o PS e o PSD para repartirem entre si o território eleitoral (...)».
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exactamente!
O Orador: - De facto, o que no essencial se pretende com a revisão é, através da redução do número de Deputados combinado com os círculos eleitorais, a obtenção de maiorias com menos votos. Maiorias de secretaria...
Mas como pode um cidadão democrata, um cidadão de esquerda estar de acordo com estas engenharias eleitorais, ou com a decisão de se consagrar a existência apenas facultativa de um sector público, ou com a retirada de marcas do 25 de Abril, ou com a inviabilização de referendo sobre a moeda única, ou com o voto sem equidade nem possibilidade de controlo dos emigrantes para a Presidência da República, ou também com a constitucionalização de limitações à lei da greve, ou ainda com o aprisionamento da Regionalização à vontade do PSD?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador; - Um cidadão de esquerda não pode aceitar que o PS lenha acordado com o PSD uma revisão, satisfazendo todas as velhas exigências da direita que vem do tempo de Soares Canteiro. Um acordo que PSD e PP consideram uma vitória; um acordo que levou à demissão do Presidente do Grupo Parlamentar do PS e do Presidente da CERC e que tem o repúdio da opinião democrática.
Mas este é o acordo que o Primeiro-Ministro quer, contra tudo e contra todos, que se traduza na revisão até 31 de Julho.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Do mesmo Primeiro-Ministro que, ainda há dois meses, declarava que o PS e o Governo «só têm feito asneiras»; do mesmo Primeiro-Ministro que já se mostrou publicamente arrependido do «totonegócio», mas que mantém um pudico e prudente silêncio sobre os avales do Sr. Ministro das Finanças; de um Primeiro-Ministro que, devendo exigir solidariedade entre os seus Ministros, deixa, por exemplo, que o Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares comente, publicamente, o fracasso do Plano Mateus nos seguintes termos: «Houve um excesso de ingenuidade na apresentação do Plano (...)»;
«O Plano não produziu os resultados esperados (...)».
Coitado do ingénuo Ministro Mateus...
Aplausos do PCP.
Risos do PSD.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PS começa a sentir o terreno que pisa inseguro e movediço. Mas em vez de mudar de rumo tenta as «chantagens» e usa e abusa do aparelho de Estado para fins partidários e eleitoralistas. Eles são os boys nomeados logo após serem apresentados como candidatos; eles são os governadores civis na distribuição de cheques, algumas vezes com os candidatos às Câmaras pela mão; ele é a apresentação de candidatos com
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o anúncio de ministros; ele é o atrasar e adiantar obras em socorro dos autarcas na «corda bamba»; eles são as inspecções às Câmaras e a divulgação à imprensa de conclusões no preciso momento do anúncio das candidaturas; eles são as visitas de ministros, mais ministros e mais secretários de estado. Um fartote!
Simultaneamente, retoma a velha tese das «forças de bloqueio», com aquilo a que chama «coligações negativas» e, de dois em dois meses, diz que se vai demitir, no estilo do valentão que grita: «Agarrem-me, agarrem-me... senão eu bato-lhe!».
Risos do PSD.
Admitimos que a ideia da demissão já tenha passado pela cabeça dos dirigentes do Partido Socialista. O desejo de poder absoluto é claro - e o Sr. Ministro Jorge Coelho tomou-o hoje ainda mais claro! Ensaiaram dramatizações, mas o que aconteceu ao Sr. José esfriou-lhes os ânimos... para já.
Do que o país precisa é de resposta aos problemas e não de encenações e de dramatizações para efeitos mediáticos,...
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Orador: - ... de uma política que dê prioridade às actividades produtivas e não às actividades especulativas e parasitárias, que melhore a repartição do rendimento nacional e não a concentração da riqueza, que aumente o poder de compra e alargue o mercado interno e não o seu estreitamento, que promova o emprego com direitos e não os vínculos precários, os biscates e o trabalho clandestino.
O que o país precisa é de uma política que, na União Europeia, se bata pela concretização do princípio da «coesão económica e social» e de medidas de combate ao desemprego e não de uma política de obediência servil e cega à marcha acelerada e forçada para a moeda única.
O mal estar sentido ou difuso, a insegurança quanto ao posto de trabalho futuro, a indignação face às injustiças, o protesto e a luta das mais diversas camadas sociais têm também reflexos e expressão mesmo dentro do Partido Socialista. Por isso, não é de estranhar que um dirigente socialista tenha afirmado que «o Governo precisa de vitaminas», que outro socialista diga, à laia de desculpabilização, que «se criaram expectativas irrealistas durante os Estados-Gerais», que outro, no Porto, proteste contra a taxa de desemprego no distrito e que outro afirme, ainda, que «o PS navega à vista, para não dizer à deriva»...
O Sr. Carlos Marta (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Srs. Membros do Governo, o país precisa de uma política de esquerda e não da continuação nas questões essenciais da política de direita; o país precisa de uma política que defenda e valorize a produção nacional e não de uma política que abra as portas à sua destruição; o país precisa que se dignifique quem trabalha e não de uma política ao serviço dos grandes senhores do dinheiro, que lança no desemprego ou empurra para a emigração a sua força de trabalho.
Continuaremos, por isso, a nossa luta por um novo rumo para Portugal.
Aplausos do PCP, de pé, e de Os Verdes.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Carlos Carvalhas, os Srs. Deputados Acácio Barreiros, Luís Queiró, Joel Hasse Ferreira e Elisa Damião.
Ainda nesta fase de abertura do debate, tem a palavra, por parte do Governo, para uma intervenção, o Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional.
O Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional (António Vitorino): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Neste final de sessão legislativa, quis o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português suscitar, nesta Assembleia, um debate de política geral, dando assim iniludíveis provas de fidelidade ao racionalismo cartesiano, sintetizável numa simples frase: «interpelo, logo existo»!
Aplausos do PS.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Isso é de quem não tem nada para dizer!
O Orador: - Também chega para si, Sr.ª Deputada, tenha calma!
O PCP, reconheçamo-lo, tem sempre um estilo muito próprio de «interpelar», creio mesmo que inspirado na lista telefónica: indo de A a Z, o PCP procura sempre elencar exaustivamente aqueles aspectos sectoriais da vida pública nacional onde se defrontam dificuldades e problemas e, assim, encontrar na quantidade de casos e exemplos descritos, normalmente com tintas carregadas, o fundamento qualitativo das suas próprias críticas.
Só que, também neste aspecto, a máxima marxista de que a quantidade gera a qualidade não se mostra verdadeira!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Eis porque, sem prejuízo da abordagem de temáticas sectoriais, o Governo encara este debate nos precisos termos em que o PCP o enunciou, uma interpelação de política geral, o mesmo é dizer, uma ocasião para reflectir sobre o sentido geral da política do Governo e sobre as alternativas apresentadas pelo partido interpelante. Diga-se, em abono da verdade, que o Governo não pode deixar de, à cabeça, agradecer a homenagem que o Sr. Deputado Carlos Carvalhas quis prestar à nossa política sobre os dinossauros. Vindo de quem vem - a crer na comunicação social, grande parte da vida política do Sr. Deputado Carlos Carvalhas tem-se passado a lidar com problemas de dinossauros -, é uma homenagem que nos apraz registar.
Risos e aplausos do PS.
O XIII Governo Constitucional assumiu, perante o povo português, o compromisso de prosseguir uma política de rigor económico, com consciência social, tendo em vista alcançar o objectivo central de colocar Portugal no centro do processo de decisão, europeu.
Sabemos perfeitamente que o partido interpelante não partilha deste desígnio nacional, conhecidas que são as suas posições recalcitrantes em relação ao projecto de integração europeia. Primeiro, foi a pura e simples recusa da adesão à então Comunidade Europeia. Depois - pragmatismo a quanto obrigas! -, passou a ser uma atitude de oposição aos sucessivos novos rumos do aprofundamento
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da integração política, económica e social, definidos quer no Acto Único Europeu, quer no Tratado da União Europeia. Aguarda-se a qualquer momento a «declaração de guerra» ao recente Tratado de Amsterdão.
Risos de alguns Deputados do PS.
É, pois, natural que a questão europeia divida o PCP do Governo e do PS. Sempre foi assim! Mas a diferença de posições do PCP e do Governo vai mais além e traduz-se no postulado, de novo hoje aqui reiterado, segundo o qual, a aposta europeia do Governo do PS, designadamente no que concerne ao escrupuloso cumprimento dos critérios de convergência que nos possibilitem a participação na moeda única europeia já em 1999, terá como consequência inelutável o agravamento das condições económicas e sociais em Portugal.
A aposta deste Governo é precisamente a contrária, ou seja, é a de demonstrar que é possível conciliar objectivos de rigor económico com o crescimento da economia e com a satisfação de prioridades sociais que correspondem a preocupações tradicionais da esquerda, digo bem, da esquerda, no plano europeu.
Protestos do PCP.
O Sr. João Amaral (PCP): - Até fiquei com um torcicolo!
O Orador: - Têm de abandonar esse paternalismo, Srs. Deputados do Partido Comunista! Está démodé.
Com efeito, a política de rigor económico que temos vindo a adoptar, ao contrário do que eram as previsões dos Deputados do PCP nos sucessivos debates orçamentais, permitiu que Portugal tenha crescido no ano passado e esteja a crescer neste ano mais do que a media europeia, facto que sucede, aliás, pela primeira vez entre nós, nos últimos cinco anos.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Claro!
O Orador: - Acresce que esse crescimento económico ocorre num quadro macroeconómico saudável de descida da inflação, de baixa progressiva da taxa de juro, de contenção da despesa pública em limites comportáveis, pelo esforço de ajustamento da economia, e de progressiva diminuição da dívida pública, de molde a aliviar a carga de responsabilidade deixada às gerações futuras.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Paralelamente, os indicadores atinentes ao aumento da produção industrial e à retoma do consumo privado fundam a nossa convicção de que o ciclo de crescimento económico iniciado há dois anos assenta em bases sustentadas que se reflectem nas projecções da sua continuação para os próximos anos.
Mas mais do que estes resultados macroeconómicos, esta política de ajustamento económico tem sido conduzida com relevantes preocupações sociais.
Admito que muitos, e nem apenas no quadrante político que hoje nos interpela, tenham antecipado que este ajustamento inadiável iria cifrar-se em profunda agitação e até em confrontos sociais alargados. Embora aqui e além o próprio PCP tenha dado alguns contributos não despiciendos para a criação de um tal clima social, a verdade é que esse «caldo de cultura» não medrou e o crescimento económico e os ganhos de competitividade registados desautorizam hoje tais leituras catastrofistas.
Neste contexto, o Governo logrou celebrar acordos sociais de curto prazo na função pública, que não só não puseram em causa o nível de emprego público como, bem pelo contrário, permitiram a regularização de inúmeras situações incorrectas, de intolerável precariedade, deixadas arrastar por Governos anteriores, do mesmo modo que viabilizaram na Administração Pública crescimentos salariais acima da taxa de inflação, repondo parcialmente o poder de compra dos funcionários.
Paralelamente, na mesma linha de preocupação do reforço da estabilidade social, foi possível lançar as bases da concertação estratégica, concitando a disponibilidade dos parceiros sociais para uma abordagem conjunta das principais dificuldades com que se defronta a sociedade portuguesa.
Nem todos partilham a convicção que anima o Governo de que o esforço de concertação social é essencial para ampliar as condições de competitividade das empresas nacionais face à globalização, para a criação de investimento sem o qual não surgem novos postos de trabalho, para a redefinição e dignificação das condições de prestação de trabalho.
Neste quadro, a redução do horário de trabalho representa um marco significativo na evolução da própria sociedade portuguesa, que não pode nem deve ficar obscurecido pelas dificuldades reais encontradas na sua aplicação em alguns sectores produtivos. Dificuldades, essas, que, em opinião do Governo, se encontram já confinadas a contados casos e susceptíveis de serem definitivamente ultrapassadas através da concertação directa entre trabalhadores e entidades patronais.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!
O Orador: - Para o fundamentalismo liberal, a existência de pobreza e exclusão representa uma fatalidade histórica, fruto do «azar» ou da falta de vontade humana em melhorar a sua situação social, a que o mercado responderá mais cedo ou mais tarde pelos critérios da eufemisticamente designada «selecção natural». Nós, no Governo, temos a posição exactamente contrária! A pobreza e a exclusão são, antes de mais, problemas humanos da maior gravidade e representam ameaças sérias à paz social, face às quais, e em primeira linha, o Estado tem e continuará a ter um papel insubstituível a desempenhar, quer directamente, quer contratualizando com associações emergentes da sociedade civil políticas activas de solidariedade.
Aplausos do PS.
Neste quadro, o Governo instituiu o rendimento mínimo familiar, adoptou um novo modelo de aumento das pensões sociais, segundo critérios claros de justiça social, em benefício dos mais desfavorecidos, aprovou um novo sistema de prestações familiares, segundo critérios de equidade, adoptou políticas activas de solidariedade em estreita articulação com a sociedade civil e as instituições mais representativas do sector, introduziu critérios de moralização e de saneamento financeiro da segurança social que constituem exemplos concretos do empenho na preservação do modelo de protecção social característico das sociedades europeias.
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Sabemos que este caminho apresenta dificuldades e que o nível dos benefícios consagrados, sobretudo para os sectores mais desfavorecidos, se encontra ainda aquém do desejável, mas a prioridade conferida pelo Governo as preocupações de ordem social é inegável e as políticas adoptadas produzem já resultados concretos que ninguém de boa fé poderá contestar.
Sem embargo, todos temos consciência de que, no plano da coesão social, o combate essencial se trava no domínio do desemprego.
As sociedades contemporâneas defrontam-se com um problema estrutural de desemprego, cujo combate pressupõe a compatibilização de políticas activas de emprego adoptadas a nível nacional e de políticas concertadas no plano europeu.
Ao contrário do que resulta do discurso do partido interpelante, o eventual abandono de uma política de rigor e de convergência, por parte de Portugal, mesmo que num ou noutro sector pudesse acarretar transitoriamente alguns limitados benefícios, acabaria por se traduzir no agravamento das vulnerabilidades e da natureza periférica da nossa economia, gerando desequilíbrios fundamentais de que, a prazo, as principais vítimas seriam os próprios trabalhadores portugueses.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!
O Orador: - A análise da evolução da taxa de desemprego em Portugal permite-nos esperar, fundadamente, que se tenha iniciado já um ciclo de inversão da tendência, ao registarmos neste momento o terceiro bimestre consecutivo de efectiva redução da taxa de desemprego, conforme apontam quer os números do Instituto Nacional de Estatística, quer os números do Instituto de Emprego e
Formação Profissional, hoje mesmo divulgados.
Naturalmente, a evolução ainda é lenta, sobretudo quando vista na sua expressão estatística global, e não nos pode fazer esquecer de que o problema do desemprego é essencialmente um drama humano, gerador de rupturas pessoais e sociais, que afectam o conjunto da comunidade, não só o universo dos que se encontram sem trabalho mas também o daqueles que sentem ameaçado o seu próprio
posto de trabalho.
O combate ao desemprego prosseguido pelo Governo não só se tem centrado numa preocupação de conferir prioridade a certos tipos de desemprego, designadamente
dos jovens ou dos desempregados de longa duração, a certas regiões do País particularmente atingidas mas também à concreta situação pessoal dos desempregados.
Este cenário - dissemo-lo e repetimo-lo - não dispensa a coordenação de políticas económicas num plano supra-estadual e medidas de âmbito europeu que coloquem a questão do emprego no centro das preocupações.
O Governo português foi, aliás, o primeiro, no contexto europeu, a exigir a adopção desta estratégia global e concertada de combate ao desemprego, demonstrando, pela sua própria acção, que é possível conciliar estabilidade macro-económica com políticas sociais activas e que essa é a via que poderá aproximar cada vez mais a construção europeia das preocupações e dos anseios quotidianos dos cidadãos, essa é a via que poderá garantir a coesão social e
o modelo de Estado-providência europeu, que são pressupostos da paz e da estabilidade democrática em todo o continente.
Sentimo-nos hoje mais acompanhados nesta estratégia.
Vários actos eleitorais em importantes países europeus contribuíram para reforçar o conjunto de governos que partilham preocupações idênticas ás nossas, contando mesmo dois deles ou com a participação ou com o apoio parlamentar dos respectivos partidos comunistas.
Os reflexos destas preocupações tiveram um primeiro, embora, em nosso entender, ainda tímido, acolhimento na recente Cimeira de Amsterdão, através da inclusão no Tratado da União de um capítulo sobre emprego e coordenação das políticas económicas e do reconhecimento do papel do Comité sobre o Emprego no contexto das instituições comunitárias. Trata-se de «um primeiro passo na direcção certas, para tomar de empréstimo a expressão de um jornal francês - o L 'Humanité -, através da mobilização de recursos comunitários e no respeito integral pelos objectivos da construção da moeda única europeia.
Espero, aliás, que a bancada do PCP aprecie o esforço de ser politicamente correcto, ao citar o L'Humanité e não o Financial Times.
Risos do PS.
A globalização da economia, a emergência de novos mercados, a competitividade fundada em regras de concorrência acrescidas e profundamente agressivas, o reforço da interdependência económica e política são realidades incontornáveis para qualquer Estado.
A globalização pode, por isso, ser vista por alguns como uma ameaça e assim propiciar o refúgio nas respostas nacionalistas ou no retorno inviável à prossecução de políticas proteccionistas. É o vosso caso!
Voltarmos para dentro das nossas fronteiras nacionais não criara emprego, não resolverá os nossos problemas de segurança, não tomará mais fácil a necessária reforma do Estado-providência, não permitirá resolver os problemas do
ambiente, não reforçará a paz à escala mundial.
Pelo contrário, recusando as visões fatalistas da globalização, é possível ver nela uma nova oportunidade que importa agarrar e ganhar, definindo um rumo de acção que garanta a Portugal um lugar e um papel próprio, quer no plano económico, quer no plano político.
Esse rumo de acção, dizemo-lo claramente, passa pela recusa do liberalismo desenfreado, pela imposição dos temas sociais como lemas centrais da agenda internacional em geral e da agenda europeia em particular, pela definição das linhas-mestras da reforma do Estado-providência, sem abdicar dos elementos essenciais que garantem uma rede social pública de protecção e promovem a
solidariedade e a paz social. Mas passa também pela criação de condições de competitividade às empresas nacionais, pela promoção do investimento privado e pela concertação estratégica.
Esta é a política que se mostra conforme com os nossos compromissos eleitorais e com a visão de futuro que temos para Portugal. Não será decerto a via mais protegida, perante quem aposta na demagogia eleitoralista ou na crítica fácil, mas é seguramente a que melhor pode contribuir para preparar Portugal para os desafios do novo milénio.
As modificações sociais a que assistimos, no quadro da revolução tecnológica em que vivemos, comportam riscos e abrem as portas a novas oportunidades. E se é verdade que o fantasma tantas vezes agitado pelo PCP, de estarmos a caminhar para um «admirável mundo novo», com as aberrações descritas por Huxiey, não desapareceu, não é, contudo, menos verdade que não o conseguiremos
esconjurar, se permanecermos, como o PCP, prisioneiros
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de um «admirável mundo velho» que, de facto, não era em nada admirável e que de tão velho caiu de caduco.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - A farda da Croácia é que é boa!
O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta interpelação tem a virtude de demonstrar que a simples existência deste Governo, enquanto Governo de mera maioria relativa da exclusiva responsabilidade do Partido Socialista, coloca ao partido interpelante uma situação política nova, que já não experimentávamos desde há mais de 20 anos.
Com efeito, desde o período de 1976 e 1977 que o PCP não se encontrava na necessidade de definir uma estratégia de oposição a um partido de esquerda chamado, pela vontade inequívoca dos eleitores, à responsabilidade da governação.
A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - É verdade!
O Orador: - Esta situação política nova, pelo simples jogo da aritmética parlamentar, leva o PCP a assumir correlativamente uma postura mais activa no quadro do jogo da democracia representativa.
Nestes 20 anos que nos separam de 1977, muita água correu debaixo das pontes e caíram até alguns muros queridos ao PCP, embora, ao ouvir, há pouco, o Sr. Deputado Carlos Carvalhas, me pareça que ainda sobreviveram alguns muretes e umas quantas barreiras.
Aplausos do PS.
Mas, porque a memória não é curta, nenhum de nós, na bancada do Governo e na bancada parlamentar que o apoia, se esqueceu ainda daquela noite de 7 de Dezembro de 1977, em que o PCP, diligentemente, alinhou os seus votos aos da direita parlamentar, para pôr termo ao primeiro governo de maioria relativa do PS, liderado por Mário Soares.
Aplausos do PS.
Risos do PCP.
O recente contributo do PCP para a «coligação negativa» que inviabilizou nesta Câmara a aprovação da proposta de lei de finanças locais, apresentada pelo Governo, funcionou - confesso - como um catalisador desta nossa memória colectiva.
Hoje mesmo, ao ouvir o discurso do Sr. Deputado Carlos Carvalhas, dei comigo a pensar se um diagnóstico tão severo e um requisitório de acusações tão duras -
sete, ao número cabalístico - não seria verdadeiramente o prólogo de uma nova convergência do PCP com a direita para reeditar 1977, como se em 20 anos nada tivesse mudado e, sobretudo, nada tivessem aprendido com a evolução do mundo em geral e da sociedade em que vivemos em particular.
Aplausos do PS.
Findo o discurso, cheguei à conclusão de que, aparentemente, para já, ainda não é essa a postura do PCP! Trata-se, antes sim, de exigir, para usar os termos do próprio partido interpelante, uma «outra política»! O PCP, apesar de tudo, ainda não exige um novo Governo...
Risos do Deputado do PS José Junqueira.
Sinal dos tempos: pela primeira vez, na nossa jovem democracia, o Partido Comunista conseguiu estar 21 longos meses, contados a partir da última eleição, sem exigir ou um novo Governo ou novas eleições...
Vozes do PS: - Essa é que é a verdade!
Risos do PCP.
O Orador: - Convenhamos que já representa um avanço em relação ao que tradicionalmente ocorria!
Mas, tal como no mundo em geral, vivemos em Portugal um período complexo e por vezes contraditório de ajustamento a novos padrões de vida e a novas regras de
convívio em sociedade. O PCP também atravessa o seu próprio período de ajustamento ao mundo novo que emerge da derrocada do paradigma comunista à escala planetária e à nova conjuntura em que se desenvolve a acção política em Portugal.
O dilema do partido interpelante, nesta legislatura, é o de persistir na afirmação de uma certa leitura fechada da sua identidade própria, embora correndo, assim, o risco de abrir as portas ao regresso da direita ao poder ou de enveredar decididamente pela sua modernização, consolidando, por direito próprio, uma posição contratual no nosso sistema democrático-representativo.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - A prova global de Filosofia do ano que vem vai ser este discurso!
O Orador: - Pelo nosso lado, até poderíamos desejar que esse ajustamento fosse mais célere, porque desse facto poderia beneficiar a democracia portuguesa no seu conjunto. Mas, pelo tom e pela substância desta interpelação, afigura-se-nos que o caminho a percorrer pelo PCP ainda vai ser longo, o dilema a que aludi subsistirá portanto, embora, provavelmente, a velocidade vertiginosa dos
acontecimentos não se compadeça nem com delongas nem com hesitações. A escolha, hoje, como sempre, é naturalmente vossa!
Aplausos do PS, de pé.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional, os Srs. Deputados Octávio Teixeira, Maria José Nogueira Pinto, Guilherme Silva, Luís Sá, António Galvão Lucas, Lino de Carvalho, Jorge Ferreira, António Filipe, Pedro Feist e Luísa Mesquita.
Srs. Deputados, vamos começar pelos esclarecimentos a solicitar ao Sr. Deputado Carlos Carvalhas, para o que dou a palavra, em primeiro lugar, ao Sr. Deputado Acácio Barreiros.
O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Carvalhas, o discurso de V. Ex.ª foi uma conversa de maledicência. Nenhuma crítica concreta, aliás, refugiando-se atrás de que não vinha fazer interpelações sobre assuntos sectoriais, apenas um somatório de maledicência, quase um somatório dos editoriais do Avante,
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com a vantagem de ficarmos a saber quem os costuma escrever.
Na verdade, a ausência de críticas concretas é, por si só, o sintoma da fraqueza da posição política do PCP. O PCP não vem aqui criticar directamente a questão do emprego, porque sabe que o emprego está a aumentar, porque sabe que está a diminuir, em Portugal, o número de desempregados.
O Sr. António Filipe (PCP): - Isso é no PS!
O Orador: - O PCP não vem aqui criticar a falta de sensibilidade do Governo em relação às populações mais necessitadas, porque sabe que este Governo criou o rendimento mínimo garantido, porque sabe que, em termos de prestações sociais, têm sido introduzidas as primeiras modificações, no sentido de uma maior justiça social e também sabe que, pela primeira vez, está a ser discutida de forma aberta na sociedade portuguesa a reforma da segurança social, de modo a garantir o seu futuro, que é essencial para os trabalhadores.
Na verdade, o Sr. Deputado Carlos Carvalhas veio aqui fazer um discurso dirigido para dentro do Partido Comunista, para os seus próprios militantes e simpatizantes,...
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Bem observado!
O Orador: - ... preocupado como está em justificar aos militantes e, sobretudo, aos votantes do Partido Comunista por que é que cada vez mais o Partido Comunista está a fazer convergir os seus votos com os dos partidos da direita contra um Governo de esquerda, um Governo socialista.
Aplausos do PS.
Esse é que é o principal problema que se coloca ao Sr. Deputado Carlos Carvalhas!
Portanto, Sr. Deputado, devo dizer-lhe que as suas críticas surgiram ao lado e, já que falou ou pretendeu falar em nome da esquerda, manifestam uma visão fechada e retrógrada. A esquerda, hoje, Sr. Deputado, não se limita a fazer críticas para deixar outros governar. A esquerda, hoje, quer governar e assumir as responsabilidades do País. A esquerda, hoje, não se limita a lamentar o desemprego, procura resolver o problema do desemprego, assumindo responsabilidades, como fez este Governo.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - A esquerda, hoje, não fala apenas dos problemas da segurança social, propõe políticas responsáveis que levem a segurança social para alem do ano de
2015 e a mantenham como uma segurança dos trabalhadores. Isso é que é a verdadeira política de esquerda!
Mas deixe-me dizer-lhe uma última coisa: as críticas do PCP perderam o último sal e pimenta que ainda tinham, que era o da questão europeia. Mas também aí compreendo o embaraço: não vá entrar em contradição com o Partido Comunista francês, porque isto de ter partidos irmãos sempre trouxe muitos problemas ao PCP.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.
O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Carvalhas, hesitei alguma coisa em meter-me nesta «guerra» entre a esquerda, mas, apesar de tudo, vou aqui meter uma pequena «colherada», passe a expressão, para salientar a importância do seu discurso.
Julgo que é importante que o Partido Comunista Português, de vez em quando, neste Parlamento, faça um discurso ideológico de fundo para marcar bem as diferenças entre si e as soluções que propõe e os outros partidos.
Tanto mais, quando há, muitas vezes, uma tendência de outras bancadas para tentar confundir os nossos eleitorados, dizendo que há alguma confluência de posições ou de interesses.
Risos de alguns Deputados do PS.
Quero dizer-lhe, com toda a franqueza e com toda a sinceridade, o seguinte: há causas que são comuns e até á problemas relativamente aos quais temos a mesma sensibilidade, mas o que fica claro é que há uma diferença profundíssima quanto ao modo de os abordar e às soluções que para eles consideramos as melhores.
É esta manifesta impossibilidade de o PCP compreender as economias abertas e a forma de resolver os problemas sociais e até políticos nessas economias que faz muita impressão e que, com certeza, fez o Sr. Ministro falar ainda nos muretes que se mamem como réplicas do Muro de Berlim.
Mas há um problema concreto que não quero deixar de lhe suscitar. O Sr. Deputado, recorrentemente, voltou a falar nas privatizações. Não há partido que mais sofra com uma privatização! Sofre, vem aqui manifestar a sua dor e o seu sofrimento e, no entanto, ao mesmo tempo, o Sr. Deputado refere, e muito bem, critica e denuncia a política constituinte de colocação de boys nos jobs.
Ora, quero dizer-lhe que, sempre que o senhor se opõe
a uma privatização, também está a propor a manutenção de um boy num job.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Vários boys e vários jobs.
O Orador: - Quando nós propomos a entrega de uma empresa à economia privada, à racionalidade, à promoção pelo mérito, à criação de riqueza e de emprego, o que é que o senhor propõe em contrário? Uma economia fechada e sempre controlada pelos boys nos seus jobs, pelos boys do Governo que está em funções.
Com certeza, V. Ex.ª vai ter oportunidade de me explicar esta contradição do seu discurso.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado, Joel Hasse Ferreira.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Carvalhas, em primeiro lugar, quero fazer uma pergunta muito concreta a V. Ex.ª, que tem uma formação económica sólida: se não concorda que têm existido sérios progressos económicos e financeiros, como é que analisa um crescimento económico superior ao da média europeia? Como é que analisa a redução do défice orçamental, se não considera que é positiva a diminuição das taxas de juro e a diminuição da taxa de desemprego?
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Ou seja, quando V. Ex.ª procura contundir o PS e o PSD não estará a sofrer de um erro de paralaxe?
Segunda questão: acha que o consumo privado diminuiu em Portugal nos últimos dois anos?
Terceira questão: não acha que o rendimento disponível das famílias cresceu?
Quarta questão: não acha que o progresso da integração dos trabalhadores da Função Pública em situação precária é positivo do ponto de vista político e social?
Peço-lhe que se pronuncie sobre questões concretas e abandone os lugares comuns de uma retórica estafada.
Quinta questão: não considera mais importante do que fazer manifestações de «agitprop», aplicar o rendimento mínimo familiar?
Sexta questão: não considera que é mais importante proceder ao aumento mais forte das pensões sobre os mais desfavorecidos do que fazer manifestações de rua e exigindo sempre alguns pontos acima do que o Governo efectivamente pode aplicar?
Sétima questão: não considera sério o processo em curso de preparação da reforma da segurança social?
Oitava questão: referiu a questão dos lobbies económicos. Com seriedade, diga-nos: não considera que, independentemente de opções políticas - e as nossas são felizmente muito diferente das vossas! -, a política e os critérios de privatizações seguidos por este Governo não reflectem uma transparência completamente diferente do que se passou no «cavaquismo»? Pronuncie-se com rigor
e diga a sua opinião sobre isto.
Nona questão: Maastricht. Até onde é que o Sr. Deputado quer levar o défice orçamental? Deixe-me só dizer-lhe que é contra Maastricht ontem e hoje contra Amsterdão. Até onde quer levar o défice e para quê? Quais seriam os efeitos positivos que veria, na área económica, dessa subida?
Sr. Deputado, há uma grande diferença entre nós. V. Ex.ª defendeu uma concepção estatizante, o modelo ideológico, político e económico que caiu fragorosamente em todo o mundo. Vocês, em Portugal, neste momento, procuram ser os gestores das reivindicações, uma união dos descontentes. O nosso projecto é diferente, visa transformar com realismo, a sociedade portuguesa.
Sr. Deputado Carlos Carvalhas, esperava de V. Ex.ª um discurso político, económico e social. Há-de concordar comigo que, por razões que podemos entender mas não aceitamos, o seu discurso foi essencialmente uma peça de «agitprop».
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.
A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Carvalhas, é com alguma tristeza que ouvimos o seu discurso. Muitos de nós esperávamos que o PCP
desempenhasse, na vida política portuguesa, um papel importante que fizesse equilibrar os pratos da balança em determinado sentido. Estamos muito desiludidos com o papel que o PCP escolheu, e valha a intervenção do Sr.
Deputado Luís Queiró que diz que ainda bem que os senhores esclarecem e fazem, de vez em quando, um discurso ideológico, porque corriam o risco de confundir o
eleitorado e de parecer que, à esquerda e à direita do PS, há o mesmo discurso, os mesmos anseios na opinião pública.
É verdade, Sr. Deputado. Nas acções políticas determinantes, o PCP está de facto muito bem acompanhado pela direita. Lamentavelmente, o PCP não ajuda a credibilizar a esquerda nem os governos de esquerda, que são de facto a alternativa à direita, nem ajuda a credibilizar-se a si próprio. Em primeiro lugar, porque o PCP não tem uma palavra de estímulo para tudo o que de positivo o Governo faz - e, em muitas coisas, muitos militantes do PCP, nessas reformas, dão o seu contributo, dão a sua comparticipação, envergonhada, é certo, para não serem censurados no partido.
De facto, não gozam dos privilégios do PS de terem opiniões livres e de livremente, se expressarem, porque senão assumiriam muitas mais vezes a sua posição ao lado do PS nas grandes reformas que o PS se propõe fazer, desde logo, na Administração Pública.
É estranho que um partido de esquerda, que se reclama de esquerda, venha fazer coro com a direita, dizendo que o PS ocupa os cargos públicos. É ilegítimo que um partido nomeie os seus quadros ou faça confiança nos seus quadros para ocupar cargos públicos?
Vozes do PCP: - Ali, não...?!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Não, querem lá os da direita!
A Oradora: - Pelos vistos, temos de continuar a manter a direita que os senhores querem no poder! O que os senhores não querem é militantes do Partido Socialista.
Risos do PCP.
Acalmem-se! Os senhores querem manter a Administração Pública exactamente como ela estava, porque querem continuar a ter capital de queixa. Os senhores não
querem modernizar a Administração Pública.
Em segundo lugar, Sr. Deputado, gostaria que nos explicasse concretamente o que é que os senhores pretendem em relação à segurança social. Qual é a reforma que
pretendem para a segurança social? Aliás, julgávamos que iriam aproveitar a oportunidade para anunciar ao país as vossas propostas concretas nessa matéria, nomeadamente sobre as eternas questões das privatizações, como se o não
existir privatizações tivesse impedido o desemprego nalgumas dessas áreas, nomeadamente na indústria naval. Não me parece que V. Ex.ª possa dizer que o modelo de gestão dessas empresas tenha preservado a economia, a tecnologia e os próprios postos de trabalho.
Portanto, esperávamos que o Sr. Deputado viesse aqui para sublinhar os aspectos positivos, ajudando eventualmente a corrigir outros.
Sobre a reforma fiscal, os senhores não dizem nada!
Falam sempre de equidade na reforma fiscal, mas V. Ex.ª teve uma ocasião para propor medidas concretas, medidas que acentuassem a equidade fiscal na sociedade portuguesa.
O Sr. Presidente: - Tem de terminar, Sr.ª Deputada.
A Oradora: - O Sr. Deputado não deixa de aproveitar as ocasiões para sublinhar as fragilidades de um governo minoritário, que as tem e não as nega, mas são
fragilidades que os senhores acentuam, para as quais contribuem e sempre, sempre ao lado da direita português.
Aplausos do PS.
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O Sr. Presidente: - Para responder a todos os pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas, dispondo para o efeito de
5 minutos.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Acácio Barreiros, já o ouvi aqui dizer «os ricos que paguem a crise», certamente acompanhado ali por um outro ministro,...
Risos.
O Sr. Ministro Adjunto (Jorge Coelho): - os senhores já nem isso dizem!
O Orador: - ... depois ouvi-o dizer «os pobres que paguem a crise» e agora vem aqui dizer «O que é que é moderno? É estar no Governo e aumentar o desemprego,
o trabalho precário?... O que é moderno é assumir as responsabilidades...!».
O Sr. Ministro Adjunto: - Os senhores dizem o mesmo há anos!
O Orador: - Quer ir para ali para a bancada do seu partido, Sr. Ministro?
O Sr. Ministro Adjunto: - Com muito gosto! Não me importava de ir para ali discutir consigo!
O Orador: - Parece que os dois estão de acordo. Então, como é: os ricos que paguem a crise ou os pobres que paguem a crise? Qual é o disco, agora?
Passemos à frente, porque não vou perder mais tempo com o Sr. Deputado Acácio Barreiros.
Protestos do PS.
O Sr. Deputado Luís Queiró colocou-me uma questão interessante. Ele disse: «tive dúvidas em me meter nesta guerra entre a esquerda...» Alto lá! Eu sei qual é a estratégia do PP.
A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Conte lá!
O Orador: - Daqui por uns tempos, quando a crise começar a aumentar, estarão a dizer: «vejam, estas são as consequências da crise provocada pela esquerda no poder». Mas quem tem sido a bengalinha do PS?
Vozes do CDS-PP: - É o PCP!
O Orador: - Quem é que, no essencial, concorda com a política do Partido Socialista? Quem aprovou os orçamentos? Quem é que está de acordo com
as privatizações, com a revisão constitucional, senão o PP?
Aplausos do PCP e de Os Verdes.
Depois, falou em sociedades abertas. Não são sociedades abertas. Mas as sociedades abertas, como os senhores querem gerir, com o neoliberalismo, está demonstrado, são, na União Europeia, os 50 milhões de pobres e os cerca
de 20 milhões de desempregados.
O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Isso é para a esquerda. não é para nós!
O Orador: - Infelizmente, quem está no poder não é a esquerda, é o Partido Socialista, que, nas questões fundamentais, essenciais e mais estruturantes, conduz a política do PSD.
Aliás, basta ouvir Ferraz da Costa, basta ouvir alguns dos economistas do PP.
O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Quem?
O Orador: - O Leonardo Ferraz de Carvalho!
O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Não é do PP!
O Orador: - Quer mais? Uns cinco ou seis que lhe posso citar. Todos dizem o mesmo. Claro que não vou agora passar o resto dos poucos minutos que tenho em
diálogo com o PP. Segunda-feira falaremos!
Risos do CDS-PP.
O Orador: - O Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira colocou-me tantas questões que tenho alguma dificuldade... Foram nove ou 10, a certa altura até lhes perdi a
conta. Mus colocou duas ou três interessantes.
Falou de lobbies, das empresas... Sr. Deputado Joel liasse Ferreira, quer contar ã Camará o que é que se passou com a privatização da EDP?
O Sr. Artur Penedos (PS): - Diga-nos o que se passou!
O Orador: - Sabe, por acaso, quanto é que perderam os desgraçados accionistas de um dia para o outro? Sabe? Conte lá essa história para nós sabermos. Já agora,
é capaz de nos explicar como é que foi feito esse negócio
do Autódromo? E quanto à recente questão da Torralta, em que parece que nem o Sr. Ministro das Finanças assinou? Era bom que nos explicasse isto.
Aumentou o rendimento das famílias? De certas famílias, aumentou!
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - O médio!
O Orador: - Sabe que a média é a da «galinha».Conhece a história?!...
Pegue nos reformados, pegue naqueles que, inclusivamente, têm de ir trabalhar na agricultura depois de reformados, como pode ler num documento oficial do Departamento de Perspectiva e Emprego. Pode lê-lo. A Sr.ª Ministra para a Qualificação e o Emprego certamente conhece-o.
Falou em rendimento familiar, aumento das pensões, crescimento. Sabe que o crescimento que tem havido sustenta-se, no fundamental, em duas ou três obras públicas. Com esta economia virtual, pode explicar-se uma coisa. Sabe qual é? É que também se dizia que o Governo de direita em Inglaterra tinha uma economia saudável e foi derrotado, porque as pessoas estavam à margem dessa economia virtual. O mesmo aconteceu com a Irlanda, e era um Governo dito de «centro-esquerda». Diziam que o desemprego diminuía, o desemprego não diminui, só diminui nas estatísticas da Sr.ª Ministra para a Qualificação e o Emprego, o que é uma grande habilidade.
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Sr.ª Ministra para a Qualificação e o Emprego, faça-ma lá esta pequenina conta. O INE diz que se criaram, em 1996, 29 mil empregos. Verdade ou mentira?
A Sr.ª Ministra para a Qualificação e o Emprego (Maria João Rodrigues): - Mentira!
O Orador: - Depois, diz-se em documento oficial do Governo que 65 000 estudantes saem do secundário,
55 000 do ensino superior, reformas são 55 000... E os
cerca de 30 000 que faltam, como é que os encontra? Para onde é que foram?
Os Srs. Deputados poderão negar que tem aumentado o desemprego de longa duração, os vínculos precários...
Vozes do PCP: - Muito bem!
Protestos do PS.
O Orador: - ..., que têm diminuído, todos os anos, infelizmente, os vínculos estáveis?
Vozes do PS: - Não é verdade!
O Orador: - Sr.ª Deputada Elisa Damião, percebo a sua tristeza. Aliás, creio que até tem uma iniciativa para acabar com alguma tristeza na questão das 40 horas. Oxalá seja uma boa iniciativa! Terá também o nosso apoio se avançar com ela, para, de facto, acabar com essa tristeza, que é a tristeza das 40 horas.
Uma última questão, aproveitando o tempo, em relação ao Sr. Ministro da Presidência. Creio que a folhinha que lhe chegou do L'Humanité é capaz de lhe ter sido dada por algum cardeal, sacristão, que não lha mostrou bem.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Só quero dizer-lhe que quem mudou, em França, não foi o Partido Comunista, foi o Partido Socialista Francês! Não é o Tony Blair, é o Sr. Jospin...
Por isso, se a União Económica e Monetária foi discutida na última cimeira não foi por iniciativa do Sr. Engenheiro Guterres, Primeiro-Ministro de Portugal, foi o Sr. Primeiro-Ministro francês que tomou essa iniciativa, naturalmente impulsionado pelo movimento de massas na Europa. Esta é que é a questão central.
Aplausos do PCP.
Por último, quero ainda dizer-lhe o seguinte: então, como é que queria que o PCP viesse aqui, agora, pedir a demissão do Governo? Os senhores, de dois em dois
meses, dizem que se demitem!
Aplausos do PCP.
Entretanto, assumiu a Presidência o Sr. Vice-Presidente João Amaral.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, Srs. Jornalistas e público em geral, tenho de fazer um aviso sobre a necessidade de desligarem os telemóveis porque provocam interferências no sistema de som da Sala.
Segue-se o período de pedidos de esclarecimento ao Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional, que responderá a grupos de três perguntas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, se eu utilizasse a mesma fraseologia que V. Ex.ª utilizou no início da sua intervenção, poderia dizer, com muito mais razão: «venho, de dois em dois meses, ao Parlamento, logo sou Ministro da Presidência!»
Vozes do PCP: - Boa!
O Orador: - E, certamente, o Sr. Ministro Jorge Coelho rir-se-ia bastante dessa afirmação!
O Sr. Ministro fez uma intervenção pensando e admitindo que o Secretário-Geral do PCP iria fazer um determinado discurso, mas saíram-lhe os cálculos errados!
De qualquer forma, já estava e, então sim, o Sr. Ministro António Vitorino começou a despejar o catálogo de A a Z...
Mas, ao despejar esse catálogo, fez-me lembrar algo que gostaria de focar em termos de pergunta: há uns tempos atrás, foi publicitado um balanço das grandes realizações do Governo - houve um semanário que publicitou esse balanço das grandes realizações do Governo. Só que, depois, desapareceu! Nunca mais se ouviu falar nele! Sr. Ministro, o Governo meteu-o na gaveta porque aquilo era um pouco, como direi, vergonhoso para sustentar uma política de sucesso do Governo do PS?
Disse o Sr. Ministro que estava a falar à esquerda, Sr. Ministro, quando diz «falar à esquerda», e virado como estava para a direita, corre sempre o risco de ficar com um torcicolo! Por isso, tenha cuidado, esqueça essas afirmações que não correspondem à realidade e faça aquilo que faz quando governa, como todo o seu Governo.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Ele fala à esquerda, mas, como está de costas pura o povo, resulta que é à direita!
O Orador: - Sr. Ministro, a parte final da sua intervenção, essa sim, foi interessante! E foi clarificadora do momento que atravessamos, o Sr. Ministro veio aqui mostrar, por um lado, que o Governo está, de facto, com receio da oposição do PCP.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!
O Orador: - O Sr. Ministro voltou a fazer um discurso, tal como os discursos que temos ouvido nos últimos dias, tão anticomunista como há muitos anos não se
ouvia em Portugal.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): Muito bem!
O Orador: - O Sr. Ministro afirmou que o PCP está a fazer ao Governo do PS uma oposição drástica, nunca antes vista! Sr. Ministro, se, por exemplo, nós
fizéssemos, neste momento - já que falou nas coligações negativas -, na Assembleia da República, aquilo que nós os dois, em termos de partidos, fizemos ao primeiro Governo de Cavaco Silva, no Orçamento do Estado para 1986, o que é que chamaria a isso, se chama agora oposição drástica do PCP ao Governo do PS?
Sr. Ministro, a questão é que o problema não é o de o PCP se converter à viragem à direita que o PS fez. O problema é a viragem à direita do PS! Essa é que é a
grande questão!
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Diz o Sr. Ministro que nós ainda não chegámos ao fim do caminho. Sr. Ministro, o PS já chegou! Já chegou ao fim do caminho, já chegou ao liberalismo, já chegou à
direita!
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.
A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, penso que se poderia dizer que o Sr. Ministro julga que, como governa, existe. Mas também não governa, e existe porque fala! Por acaso não fala mal, e foi isso, a sua graça, que tomou o seu discurso interessante. Mas isto não é para ter graça!
O que eu queria dizer é que este «admirável mundo novo» a que o senhor se referiu e estas modificações que ocorreram em vinte anos não se devem em nada ao Partido Socialista. Isso, pelo menos, tem de reconhecer e deve doer-lhe. Se alguma mudança se processou, no mundo e em Portugal, não se ficou a dever nem à esquerda nem ao Partido Socialista.
Protestos do PS.
Em nada! Em nada, nada, nada! Não contribuiu em nada para a mudança! E precisamente porque não contribuíram em nada para a mudança, os senhores não sabem gerir este período de mudança. Essa é a minha preocupação, diferente da do PCP. Reconheço que estamos em mudança, reconheço que a globalização da economia é um dado, reconheço que é na Europa que estamos, e a minha preocupação é a de que acho que, neste momento, temos um Governo que não sabe gerir a mudança.
O seu discurso pretendeu dar-nos a ideia de que o PS é a esquerda moderna, a esquerda renovada, a esquerda possível. Mas não é! E, nomeadamente, não o é o seu Governo porque o seu partido não o deixa ser.
Gostava de citar aqui o Primeiro-Ministro inglês, que talvez tenha a oportunidade de personificar a esquerda moderna, quando diz que é preciso deixar as guerras antigas. Os senhores não deixam as guerras antigas, os senhores trazem para a sociedade portuguesa as guerras arcaicas, tão dinossáuricas como tudo aquilo que, enquanto dinossáurico, o Sr. Ministro referiu!
O Primeiro-Ministro inglês diz que é preciso reforçar a família. O PS não quer reforçar a família, o PS tem vergonha de reforçar a família, o PS trouxe para a sociedade portuguesa as uniões de facto como se isso fosse mais importante, analisado fosse por que ângulo fosse!
O Primeiro-Ministro inglês diz que é preciso combater a criminalidade porque são os pobres as principais vítimas dos comportamentos anti-sociais. O Governo de V. Ex.ª não vê nisso uma grande prioridade nem um grande objectivo.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Essa é boa!
A Oradora: - Essa é boa, não! Isto é exactamente assim como estou a dizer.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Não é boa, não! Essa é má, muito má!
A Oradora: - Diz também o Primeiro-Ministro inglês, e é interessante, que é preciso combater os sistemas sociais que servem para ajudar os que nada fazem. Aquilo que o Partido Socialista e o seu Governo têm feito é uma política social assistencialista, não tem feito uma política social ao serviço daqueles que querem trabalhar.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
A Oradora: - Outra coisa que fizeram, muito grave, é o abandono total da classe média. Estou a falar a linguagem da esquerda moderna, Sr. Ministro...
Risos do PS e do Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional.
É esta, Sr. Ministro! Já está escrita, já está publicada, para não termos confusões. Temos aí uma esquerda, temos aqui outra esquerda e temos além outra esquerda...
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Três, não! Só há uma!
A Oradora: - Não, conseguimos ter três! Sr. Ministro, uma vez que a classe média está abandonada e que as fracturas ideológicas a nível das reformas sociais, que o Sr. Ministro e o seu Governo referem à saciedade e que são visíveis na própria Comissão do Livro Verde, que foram amplamente constatadas e vencedoras, infelizmente, na revisão constitucional, num momento em que, na saúde, está tudo à espera e o seu discurso é apenas «talo, logo existo», pergunto-lhe: o que é que vai fazer? Perante estas situações concretas, de estarmos onde estamos, eventualmente até bem, de termos de avançar por onde temos de avançar, naturalmente porque não há outra alternativa, gostava que me respondesse nessa
perspectiva. Não está a responder ao PCP, está a responder para este lado e eu já lhe citei o Primeiro-Ministro inglês para lhe dizer que a esquerda, hoje, quando quer governar neste contexto, governa desta maneira e os senhores afastaram-se sistematicamente de tudo isto.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, o Sr. Ministro António Vitorino veio aqui, à Assembleia, fazer o discurso que já é comum aos membros do Governo quando aqui vêm: é o discurso do «mar de rosas», é o discurso do sucesso, é o discurso das grandes linhas macroeconómicas, dos grandes números, é o discurso do «vai tudo bem»! Mas é o discurso que talvez tenha esticado a dificuldade que o Sr. Deputado Octávio Teixeira teve de saber se V. Ex.ª fazia o tal discurso à esquerda ou à direita, porque é um discurso de costas voltadas para o povo - daí a confusão que V. Ex.ª bem registou!
O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Mas a realidade, aquilo que as pessoas sentem no seu dia-a-dia, na pele, é exactamente o oposto do que V. Ex.ª aqui refere: sentem mais impostos - é a colecta mínima do IVA, são as colectas mínimas do IRS e do IRC, que aí vêm... Já agora, era bom que V. Ex.ª, constitucionalista ilustre, explicasse como é que vão fazer
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a suspensão de um diploma aprovado com uma autorização desta Assembleia e que informasse os portugueses de quando é que vão pagar essas colectas adiadas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Enquanto isto, enquanto se mantém esta situação de mais injustiça, de mais impostos, e sempre a sobrecarregar os mesmos, os pequenos comerciantes, os pequenos retalhistas, este Governo permite-se fazer grandes negócios, negócios chorudos com grandes grupos económicos, perdoando milhões de contos de débitos fiscais. É o desbaratar do erário público a favor dos grandes grupos em detrimento daqueles a quem VV. Ex.as querem exigir cada vez mais impostos, mais pagamentos, a quem querem sacrificar cada vez mais no seu dia-a-dia.
Vozes do PSD; - Muito bem!
O Orador: - Enquanto isto, também vemos cada vez menos desenvolvimento, vemos o desperdício dos fundos estruturais! Sr. Ministro, como é que explica que,
tendo-se conseguido os fundos estruturais que se conseguiram para Portugal, V. Ex.ª tenha, num prazo de seis meses, em meio ano, apenas 15% do aproveitamento desses fundos para projectos válidos a favor dos portugueses? São escolas, são estradas, são empreendimentos públicos que vão ficar pelo caminho. VV. Ex.ª vão ficar na História como aqueles que desperdiçaram fundos que Bruxelas pôs à
nossa disposição!
O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Que capacidade negocial vão VV. Ex.ª ter depois, para, nas fases que se vão seguir, na União Europeia, designadamente no alargamento, exigirem,
rei-vindicarem, pelo menos a manutenção dos fundos estruturais, quando se depararem com a denúncia de terem deixado pelo caminho elevados quantitativos face à
percentagem de execução ridícula de 15% em meio ano, que agora se detecta?
Vai longe o tempo em que os senhores falavam das pessoas. Agora, são os números! À política humanitária, à política humanista, do coração, sucede-se a política do cifrão. Esta é que é a realidade dura e crua que os portugueses sentem no seu dia-a-dia. O Sr. Ministro pode vir aqui fazer, com algum humor, o discurso da satisfação, mas a realidade do país é a grande desilusão que este Governo representa, a realidade do país é a de uma cada vez maior insatisfação com este espectáculo, com este desgoverno e com a falta de capacidade de resposta aos
problemas concretos.
Saia da macroeconomia e venha ao dia-a-dia dos portugueses! É fundamentalmente para isso que há um Governo! É, em primeira linha, para isso que há um Governo! É para as pessoas! Retome a política do coração, lembre-se das pessoas e abandone o cifrão.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional.
O Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, em primeiro lugar, devo dizer que fiquei um pouco desiludido com a sua interpelação porque, decerto por deficiência minha, V. Ex.ª «deitou-me um balde de água fria». Supunha eu que, quando tinha de fazer discursos anticomunistas, não precisava de escrever os discursos, eles saíam-me espontaneamente e eu, normalmente, falava de improviso. Portanto, como vim ler um discurso escrito, que é um discurso com algumas leituras na entrelinha, o
Sr. Deputado Octávio Teixeira, mais tarde - recomendo-lhe, particularmente, a 14.ª linha da página 17 -, vai verificar que eu talvez tenha feito dos discursos menos anticomunistas que alguma vez foi feito por um dirigente do PS.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Menos do que o do Ministro Jorge Coelho talvez!
O Orador: - Mas há, de facto, entre nós, uma divergência. Há um célebre debate travado entre o General de Gaulle e o dirigente do Partido Comunista Francês Maurice Torres, em que este acusava o General De Gaulle de fazer anticomunismo primário, ao que o General de Gaulle respondia que deixaria de fazer anticomunismo primário no dia em que o Partido Comunista Francês deixasse
de fazer comunismo primário. Estamos exactamente na mesma situação!
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Ao que já chegámos! A citar o General de Gaulle!
O Orador: - Está a ver, Sr. Deputado, ao que já chegámos! Dentro em breve, se isto der a volta, o Sr. Deputado Jorge Ferreira citará Karl Marx!
Gostava de dizer, ainda em relação à interpelação do Sr. Deputado Octávio Teixeira, que não se coloca o problema de termos receio da oposição do PCP. Nós respeitamos o PCP, respeitamos as posições políticas do PCP e assumimos sempre as nossas diferenças com o PCP na base de um diálogo franco, directo. Nem sempre temos de estar de acordo, mas entendemos que partilhamos um «caldo» histórico comum que nenhum de nós, naturalmente, quererá alienar. Isto não significa ter receio da oposição política do PCP, significa, isso sim, compreender que
estamos em ano de eleições autárquicas e que os interesses eleitorais do PCP o obrigam a fazer o discurso radical que acabou de fazer nesta Câmara.
Em relação à intervenção da Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, devo dizer que apreciei particularmente a intervenção de V. Ex.ª, sobretudo porque me lembrei que, quando andei a estudar, nos livros da escola havia uma concepção vanguardista de esquerda, que normalmente é reportada ao PCP, e que também há concepções vanguardistas de direita - V. Ex.ª decerto sabe bem a que referencial cultural é que estou a referir-me. Creio que V. Ex.ª ainda não se libertou completamente de certos resquícios de uma concepção vanguardista de direita que é seu apanágio e timbre de intervenção na sociedade política portuguesa. É que, se nós vivemos numa sociedade aberta, se vivemos numa sociedade de confronto ideológico e cultural entre vários quadrantes políticos, é extremamente difícil aceitar o seu postulado de que a esquerda em nada contribuiu para a evolução do mundo e da sociedade nos últimos 30 anos, por exemplo no continente europeu, e de que apenas se pode imputar essa evolução a uma vanguarda, a uma vanguarda de direita de que V. Ex.ª é aqui lídima representante. Temos aí uma divergência radical. A
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sociedade é aberta, é plural e a evolução resulta da contradição entre as várias correntes de opinião.
E a esquerda que hoje está no Governo em variadíssimos países, a moderna social-democracia que construiu o Estado-Providência e que está hoje, sim, a defender a reforma desse Estado, deu pelo menos um contributo tão relevante à transformação da sociedade europeia como deram as concepções culturais de direita onde V. Ex.ª filia a sua inspiração ideológica.
A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Nessa social-democracia não estava V. Ex.ª.
O Orador: - Sr.ª Deputada, não tenho sobre mim essa concepção majestática. Não estava a defender a minha posição pessoal, pois sou demasiado insignificante para isso.
A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Mas agora é Governo!
O Orador: - Mas, sabe, sou Deputado desde 1980. Há milhares de páginas do Diário onde verti o meu pensamento: na revisão constitucional de 1982, na revisão constitucional de 1989, que permitiu precisamente a liberalização do sistema económico português. V. Ex.ª não estava nesta Assembleia da Republica e não queira agora cobrar-me, sob o ponto de vista pessoal, aquele comprometimento que tive de fornia inequívoca com a abertura do sistema económico português na revisão constitucional de 1989 como Deputado do Partido Socialista.
Aplausos do PS.
Mas, Sr.ª Deputada, compreendo as suas críticas. O Governo não tem uma concepção puramente assistencialista das políticas sociais e das políticas de solidariedade. Há uma dimensão assistencialista que é incontornável, que existe, tem que existir, aliás, filia-se na melhor da inspiração do pensamento, católico progressista e nas encíclicas papais. Mas há uma dimensão de reinserção social e na grande medida de política social que o Governo adoptou, que é a do rendimento mínimo garantido, há uma relevante componente de reinserção social e, se a memória não me falha, V. Ex.ª teve a honestidade até de elogiar essas medidas de reinserção social, o que prova que o apanágio da política social deste Governo não é o puro e simples assistencialismo caritativo, pois há uma preocupação de condução de uma política de solidariedade moderna no sentido da reinserção social.
Aplausos do PS.
Sr. Deputado Guilherme Silva, V. Ex.ª tocou-me no coração, na medida em que os meus parcos haveres não permitem que me toque no cifrão.
Risos do PS.
E, ao tocar-me no coração, fez-me lembrar a minha própria experiência como Deputado da oposição e compreender a sua posição. Quando eu era Deputado da oposição e via os indicadores económicos, bons, obtidos pelos Governos de Cavaco Silva durante um certo período de tempo...
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Eram verdadeiros!
O Orador: - É verdade, havia imensos fundos comunitários.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Os senhores nem os gastam!
O Orador: - Portugal cresceu mais do que a média europeia, tal como hoje.
Mas, como eu estava a dizer, quando eu era Deputado da oposição e via os indicadores económicos, bons, obtidos pelos Governos de Cavaco Silva durante um
certo período de tempo, lembro-me que isso tinha a minha costela patriótica e eu ficava contente pelo país, mas, confesso, sentia uma certa «dor de cotovelo», como V. Ex.ª neste momento sente ao verificar os bons resultados económicos obtidos pelo Governo dos meus adversários.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não é verdade!
O Orador: - Reconheço, contudo, que neste dilema entre a satisfação e a angústia o PSD tem uma enorme vantagem em relação a mim próprio como terapia para a resolução desta angústia. É que V. Ex.ª tem sempre a oportunidade de à noite, em casa, ler o célebre documento «Patinha Antão» e ler o que seria o País, na versão PSD, se o PS tivesse ganho as eleições! Isso pode reconfortá-lo, pode sentir-se mais tranquilo, mas permita-me um conselho de amigo, e V. Ex.ª sabe que é verdade: não acredite demais naquilo que está a ler, porque não é verdade!
Risos do PS e do CDS-PP.
Em relação às questões concretas, haverá ocasião de as responder no decurso deste debate.. Devo dizer-lhe que as posições do Governo em matéria de aumento de impostos estão clarificadas: não haverá aumento de impostos. O IVA «forfetário», como o Sr. Ministro das Finanças ontem aqui explicitou, vai ser suspenso e nos casos em que foi efectivada a cobrança ela será objecto de compensação e nos casos onde não haja cabimento à compensação será objecto de reembolso. Essa é a maneira de assumirmos aquilo que foi um erro, de assumimos a responsabilidade política e resolvermos o erro. Em todo o caso, neste domínio existem erros porque durante muitos anos VV. Ex.as, quando estavam no Governo, se recusaram a assumir as responsabilidades da modernização da máquina fiscal em Portugal.
Aplausos do PS.
Já agora - e esta «vai de boleia», por inspiração da Fórmula l -....
O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Ministro, peco-lhe que abrevie.
O Orador: - ... V. Ex.ª critica a resolução do problema do Autódromo, que é um problema com que VV.
Ex.as se confrontaram no Governo durante anos e anos, que
deixaram apodrecer, mas essa resolução constitui a resposta a um problema concreto a que VV.
Ex.as não tiveram coragem de fazer face.
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O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Desta forma?! Desta maneira?!
O Orador: - Espero que explique essa sua tese ao Sr. Deputado Azevedo Soares, que vai certamente ter necessidade de falar desta matéria na campanha eleitoral para Cascais.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, em jeito de interpelação, quero dizer que o Sr. Ministro confundiu uma tertúlia com uma interpelação ao Governo e que não interessa para nada onde é que me coloco ideologicamente, a não ser ao meu eleitorado. Interessava, isso sim, que hoje aqui fique claro que o Governo não governa, e a isso o Sr. Ministro não
respondeu.
Também interpelo a Mesa no sentido de dizer que apresentamos hoje um projecto de lei para revogar o Decreto-Lei n.º 257-A/96, de 31 de Dezembro, porque o Governo não governa e, quando governa, fá-lo mal.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr.ª Deputada, ouvi a interpelação e devo dizer-lhe que não tenho nada a responder.
O Sr. Azevedo Soares (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra, mas peço que interpele efectivamente a Mesa.
O Sr. Azevedo Soares (PSD): - Naturalmente, pois sou muito respeitador das questões parlamentares.
Sr. Presidente, tendo sido citado o meu nome e feito um desafio para a minha futura actividade política, gostaria que, através de V. Ex.ª, a Mesa informasse o Governo, na pessoa do Sr. Ministro da Presidência, a quem apresento os meus respeitos e consideração, que, em tempo oportuno, voltarei a repetir as acusações, que já tenho feito, de irresponsabilidade, de displicência, por parte do Governo e da Câmara de Cascais quanto à realização do Grande Prémio de Fórmula l, no Estéril. A seu tempo e em todas as circunstâncias, denunciarei essa irresponsabilidade patente aos olhos de todos os portugueses.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, vou transmitir ao Governo essa sua mensagem.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional.
O Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, agradeço a sua gentileza em se ter disponibilizado para me transmitir a opinião do Sr. Deputado Azevedo Soares. Aliás, chego à conclusão de que a opinião do Sr. Deputado Azevedo Soares era a de seria preferível que não houvesse Fórmula l em Portugal.
Protestos do PSD.
Essa é uma boa plataforma de candidatura à Câmara Municipal de Cascais, sem dúvida alguma!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, vamos retomar os pedidos de esclarecimento ao Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, quero colocar-lhe um conjunto de questões muito concretas e que nem por serem concretas deixam de ser problemas fundamentais do presente momento político.
A primeira questão diz respeito ao comportamento do Governo neste período pré-eleitoral. Temos uma situação que posso resumir com alguns exemplos, porque não tenho tempo para mais do que isso.
O Partido Comunista Português anuncia o candidato à Câmara Municipal de Almada e «cai» uma inspecção na Câmara. Com que critérios? O Partido Socialista anuncia
um candidato à mesma Câmara e tem anúncio em directo no Telejornal. Os outros candidatos não têm. Com que critérios? Parece que, em tempos, a situação era grave e era preciso um referendo sobre a forma de administrar a televisão. Agora, não lia critérios de pluralismo que tenham que ser observados?!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, o anúncio de candidatos é constantemente acompanhado de um corrupio de ministros. Já há comunicados do PS que anunciam vários
membros do Governo. É à dúzia em cada anúncio de candidatos e nos tempos ulteriores!
O PS anuncia o candidato e logo ele é promovido a presidente ou a director de qualquer coisa, como aconteceu com o Presidente da Comissão de Coordenação Regional do Alentejo e com o Director de Emprego de Alpiarça, dois candidatos do PS. Constantemente, dois pesos e duas medidas!
Há inspecções e resultados que aparecem na comunicação social mesmo antes de acabar a inspecção e sem ser acompanhada da defesa daqueles que foram acusados.
Pelo contrário, há outras situações, como, por exemplo, a de Almodôvar, em que o Governo afirma que não pode revelar, nem sequer aos vereadores e aos membros da
assembleia municipal, os resultados do dito inquérito.
Há situações em que há um atraso no plano de actividades e no orçamento e há participação ao Ministério Público para dissolver a câmara com o resultado de haver eleições que já estão praticamente marcadas. Mas, noutras situações como, por exemplo, as das Câmaras Municipais de Lisboa, do Porto, de Sintra, de Gaia, da Maia, de Gondomar e tantas e tantas outras, o Governo não sabe de nada. não vê nada, não quer saber de nada, porque os critérios são outros!
Por outro lado, nesta matéria, determinados cargos que o PS até diz que são para extinguir, como os governadores civis e os presidentes das comissões de coordenação
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regional, têm neste momento um papel particularmente significativo. O PS, em geral, nomeou governadores civis os responsáveis do próprio partido, presidentes e vice-presidentes das distritais. Nesta matéria, vemos o dirigente
local ou regional do PS fechar uma festa da CDU em Coimbra, mas agitar-se freneticamente a distribuir cheques pelos concelhos. Em matéria de distribuição de cheques, já chegámos ao ponto, como aconteceu, por exemplo, em Loures, de o anúncio de que havia um subsídio para a Sociedade Filarmónica l.º de Maio, de Santa Iria de Azóia, ter sido comunicado através do militante do PS e não pelas
vias adequadas!
Vozes do PCP: - É uma vergonha!
O Orador: - Por outro lado, vemos que, em Beja, o Governador Civil afirma, como supremo objectivo, «correr» com os comunistas do Alentejo. Em Setúbal, o Governador Civil diz, no edifício do governo civil e também ao dirigente regional do PS, que o seu objectivo é ganhar todas as câmaras do distrito. Em Ponte de Sor, a Direcção-Geral da Administração Autárquica descobre dinheiro
para a zona industrial com critérios que não existem para mais nenhuma câmara. Em Silves, o Governador Civil de Faro visita uma escola, acompanhado do candidato do PS e não do Presidente da Câmara. Mas há muitas mais situações.
Pergunto ao Sr. Ministro, que é jurista, se entende ou não que o abuso de poder é ilegítimo e que, em breve, vai ser qualificado como crime pela lei eleitoral e se a neutralidade das autoridades públicas é ou não obrigatória. Sr. Ministro, entende que, no final do século XX, o poder deve ter os comportamentos característicos do caciquismo do século XIX?!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Galvão Lucas.
O Sr. António Galvão Lucas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, V. Ex.ª fez uma intervenção, aliás, notável, sobre alguns aspectos, mas não exactamente sobre a matéria que passo a referir.
O Sr. Ministro veio aqui fazer a apologia da actuação do Governo na área económica, mas o senhor e colegas seus do Governo, economistas conhecedores e brilhantes, sabem que há ciclos da economia mundial em relação aos
quais não há muito a fazer, aliás, até é aconselhável que pouco se faça para não estragar a evolução. Não sou só eu quem o diz, não são só os analistas que o Sr. Deputado Carlos Carvalhas referiu
há pouco como sendo afectos ao Partido Popular, são todos os analistas económicos que dizem que neste momento estamos a viver um ciclo económico favorável a nível da Europa, que tem trazido
benefícios indirectos para Portugal. Porém, o Governo português, em relação a isso, não tem qualquer mérito. O Sr. Ministro da Economia tem feito tentativas de intervenção em sectores pontuais da economia, jamais conseguirá
inflectir a evolução desse ciclo, nem no sentido favorável, nem no sentido desfavorável, e não fazer nada já seria uma virtude. Agora, vir aqui fazer a apologia de que estão a fazer muito e com isso estão a ter uma actuação
decisiva no sentido de a nossa economia evoluir favoravelmente, parece-nos, de facto, pouco correcto.
Queria deixar esta nota e, não pretendendo ser demagógico. gostaria que o Governo, que, já agora, nada faz, pelo menos não laça mais do que acompanhar o que está a acontecer de forma cuidadosa e profissional, por forma a que, com excesso de zelo, não venha a estragar algumas das coisas que de bom estão a acontecer e que não têm rigorosamente nada a ver com aquilo que, neste
momento, o Governo está a fazer.
Reconheço que o Governo, através do Sr. Ministro da Economia, está a fazer o que pode em relação a alguns projectos muito específicos, mas mais do que isso o Sr.
Ministro não pode fazer, estando ele integrado num Governo que, de tacto, não tem uma política que consiga acrescentar valor àquilo que, neste momento, decorre para o País do que é o ciclo em que estamos envolvidos. Isto
é uma realidade para a qual o PCP chamou a atenção, mas não apresentou soluções. Nós teríamos algumas, mas que não vêm hoje ao caso porque a interpelação não é
nossa.
A questão que coloco ao Sr. Ministro é a seguinte:
quando, neste momento, temos a libra a 300$ e isso favorece claramente a competitividade da nossa indústria em sectores que são extremamente importantes, como o têxtil, o calçado ou a cerâmica, o mérito não é do Governo português, antes pelo contrário. Se há alguma coisa há é demérito do Governo português, pois se a política do Governo português tosse de tal forma consistente
que introduzisse confiança nos mercados, então, nós teríamos hoje um escudo mais forte. Por coincidência, o que é tacto é que isso acaba por favorecer-nos sem daí decorrer rigorosamente nada de que o Governo se possa vangloriar!
Na minha opinião, previsivelmente, este ciclo - e aqui a minha opinião é tão discutível como a de qualquer dos Srs. Membros do Governo - vai terminar no final do próximo ano, início do ano seguinte, altura em que este Governo estará previsivelmente em funções, independentemente de as ameaças que têm vindo a fazer se concretizarem ou não.
Assim, pergunto o que é que o Governo vai lazer para que daí para a frente essa situação se mantenha, já que até aqui, em nossa opinião, mau grado os esforços isolados, em nada tem sido bem sucedido. Aliás, isto é visível, por exemplo, a nível de emprego onde algum valor acrescentado seria extremamente desejável se tivesse sido introduzido por este Governo.
Portanto, o que é que o Governo pensa fazer, uma vez que este ciclo acabe e que é fruto de circunstâncias que todos conhecemos, para que possamos encarar o futuro com algum optimismo, nomeadamente naquilo que tem a ver com o nosso tecido empresarial de criação de emprego?
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Ministro, permita-me que comece por dar-me uma sugestão fraternal: tenha cuidado com as respostas espontâneas, porque, apesar da sua experiência política, essas respostas espontâneas podem fazer-lhe estalar o verniz de esquerda! Refiro-me concretamente quando há pouco o Sr. Ministro se envolveu na polémica com a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto e procurou, a todo o transe, chamar para si a direcção e o tacto de ter sido o Sr. Ministro e o PS
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aqueles que mais fizeram pela privatização do sistema económico em sede de revisão constitucional.
O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Como se isso fosse verdade!
O Orador: - Já o sabíamos. Ficou agora confirmado pelas declarações do Sr. Ministro. Em todo o caso, tenha cuidado com essas espontaneidades que lhe podem sair caras, .Sr. Ministro!...
Há um traço no seu discurso que não deixei de registar. O Sr. Ministro falou a alta velocidade mas, em algumas partes, falou com grande falta de convicção e de vigor, designadamente quando abordou a questão do desemprego e das políticas laborais do Governo, tendo sido muito menos afirmativo e muito menos triunfalista, diga-se de passagem, do que costuma ser a sua colega para a
Qualificação e o Emprego, que está ao seu lado. Aliás, eu percebo porquê. Porque o senhor sabe que não pode sustentar com vigor políticas e discursos que não têm depois qualquer credibilidade no terreno.
O Sr. Ministro sabe que não pode sustentar com vigor essa nova técnica que o Governo usa de manipulação e de leitura manipulada das estatísticas. Ora, é sobre isto que gostava de interrogar o Sr. Ministro. O senhor e o Governo têm vindo a falar na baixa da taxa de desemprego e afirmam isso permanentemente como se fosse uma realidade social, embora vão sempre dizendo «bom, não é
aquilo que gostaríamos que fosse!...». Infelizmente não é aquilo que gostaríamos que fosse, nem a taxa de desemprego baixou, Sr. Ministro.
Então, as minhas questões são estas: sabe por que razão é que aparece a diminuição da taxa de desemprego e a criação de emprego? Sabe onde é que está essa criação de emprego? Entre o segundo trimestre do ano passado e o deste ano - que é até onde temos dados disponíveis -, sabe onde é que se criou emprego?
60 000 empregos na agricultura, Sr. Ministro. Não acha que isto é contraditório com o facto de o Governo estar sempre a dizer que o progresso da agricultura traduz-se numa diminuição da população activa e depois, para efeito de leitura das estatísticas, vir dizer que o desemprego resulta do aumento
do emprego na agricultura? Não adia que isto não é mais do que desemprego escondido? Não adia que isto não é mais do que subemprego? E, mais do que isso, é, pelo último relatório do Banco de Portugal, pobreza envergonhada?
Gostaria que o Sr. Ministro comentasse duas coisas que vou passar a ler. A primeira consta do relatório do Banco de Portugal, que saiu há poucos dias, e é a seguinte: «Sublinhe-se quê o aumento dos isolados agrícolas está
associado com o peso crescente de reformados e pensionistas que, em regime de horário completo, se dedicam à agricultura». Isto é pobreza envergonhada, Sr. Ministro!
A segunda está no texto do Departamento de Planeamento do Ministério do Planeamento, do Equipamento e da Administração do Território, onde se diz que o crescimento na agricultura é um crescimento artificial e se afirma que «se não descontarmos esse artificialismo, a taxa de desemprego teria sido de 8,1% e não de 7,3% no final do ano passado».
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Isto quer dizer, Sr. Ministro, que, de facto e infelizmente, não há diminuição real do desemprego. O que há é um desemprego escondido, um subemprego, uma pobreza que está a ser transferida para a agricultura.
Essa é que é a questão central que os senhores estão a escamotear em matéria de emprego, porque os senhores sabem, tão bem como nós, que as vossas políticas laborais têm-se traduzido, infelizmente, numa diminuição da
qualidade do emprego, numa diminuição da estabilidade do emprego, no aumento da precariedade e, como as estatísticas também o demonstram, num desemprego envergonhado, oculto, mas num verdadeiro desemprego de norte a sul do País.
Estas são as questões que o Sr. Ministro e o Governo não podem escamotear mais.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder a este grupo de três perguntas, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional.
O Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, começo por responder ao Sr. Deputado Luís Sá para lhe dizer que, quanto às questões, já conhece as respostas que vou dar, na medida em que já formulou essas perguntas sob a forma de requerimento e o Governo já respondeu a esses requerimentos.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Não é verdade!
O Orador: - O critério seguido pela Inspecção-Geral da Administração do Território nas inspecções a que procedeu foi o de seleccionar um conjunto de autarquias e não teve nada a ver com as autarquias do PCP. A verdade é que foram seleccionadas as que há mais anos estavam sem ser inspeccionadas.
Segundo as indicações de que disponho e que forneço com lodo o gosto...
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - E a de Sintra?
O Orador: - Talvez os senhores estivessem mal habituados! Talvez tivessem algum regime de privilégio...
Por exemplo. Vila Franca de Xira: 31 anos sem inspecção, entre 1964 a 1995; Almada: 36 anos, de 1969 a 1996; Loures: 48 anos sem inspecção de 1948 a 1996...
Protestos do PCP.
Eu sei que os números para VV. Ex.ª só são úteis quando servem para criticar as estatísticas do emprego fornecidas pelo Governo, nos demais casos os números são
traiçoeiros. Os números têm olhos verdes: são «traição como punhais»...!
Risos do PS.
Desde 28 de Outubro de 1995, foram desenvolvidas 95 acções inspectivas, das quais 11 em câmaras do PCP; desde 22 de Abril de 1997, foram desenvolvidas 28 acções inspectivas, das quais quatro a câmaras do PCP.
Costuma o Sr. Deputado citar o caso da Câmara Municipal da Amadora. Há uma situação objectiva prevista na lei - a aprovação tardia do Orçamento tem uma
determinada consequência cominada na lei -....
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O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - E a de Sintra?
O Orador: -.... ou seja, a reiterada aprovação com atraso do Orçamento durante três anos...
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - E a de Sintra?
O Orador: - Mas a lei é igual para todos e não tenho sobre isso a menor dúvida.
Vozes do PCP: - E a de Sintra?
O Orador: - Srs. Deputados, não estou a perceber. Os senhores acham que o Sr. Ministro das Finanças, perante o relatório da Inspecção-Geral, devia tê-lo «metido na gaveta», em vez de fazer a participação do Ministério Público?
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - E a de Gaia?
O Sr. António Filipe (PCP): - E os outros casos?
O Orador: - Acham isso? Decerto não é isso que nos estão a pedir. Eu faço-lhes essa justiça!
Em relação às questões colocadas pelo Sr. Deputado António Galvão Lucas, pediria, se não me levasse a mal, que me permitisse, antes de lhe responder, dirigir à Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, que não está presente neste momento na bancada, mas a quem peço que transmitam esta minha intervenção, que tinha interpretado uma referência minha sob o ponto de vista de crítica pessoal.
Ora, de maneira alguma estava no meu horizonte fazer qualquer tipo de crítica pessoal. Aliás, sou um defensor das tertúlias: tertúlias culturais, tertúlias gastronómicas - basta olhar para mim para ver, infelizmente, que é assim -...
Risos.
... e também acho que as tertúlias têm um importante contributo para o desenvolvimento da Humanidade, pelo que não havia na minha intervenção qualquer intenção de agaste pessoal.
Sr. Deputado António Galvão Lucas, gostaria de lhe dizer que, se não visse inconveniente, o Sr. Ministro da Economia responder-lhe-á com outra consistência, ou seja, à altura da qualidade do Deputado que colocou as questões.
Contudo, pela minha parte, gostaria apenas de dizer que, em meu entender, o Governo não tem apenas andado à boleia da evolução da situação económica europeia. Dois anos consecutivos de crescimento em média superior à média europeia significaram que, em contraciclo, ao contrário do que é tradição, desta feita, a economia portuguesa arrancou para o crescimento antes de ter arrancado
a economia europeia no seu conjunto.
Quanto às questões colocadas pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho, devo dizer que sou «espontaneísta»...
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Já percebi, mas fica-lhe mal!
O Orador: - ... e o Sr. Deputado também. Nesse aspecto, os dois, não direi que estamos h altura um do outro, porque basta olhar para mim...
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sim, eu sou mais alto!
O Orador: - ... para ver que não é verdade - eu aceito, logo à partida, essa derrota -...
Risos.
... mas somos os dois uns «espontaneístas». Só que a minha resposta não foi uma gaffe. Eu também as cometo e até costumo divertir-me muito com as minhas gaffes, mas esta não o foi. Esta não foi uma gaffe; é uma convicção minha e o Sr. Deputado Lino de Carvalho sabe, porque nós debatemos longamente essa matéria durante a revisão constitucional de 1089, que as opções que eu tomei nessa
revisão em matéria de abolição do princípio da irreversibilidade das nacionalizações não foram fruto de qualquer moda nem de qualquer circunstância de ocasião, mas por acaso antecederam dois meses a queda do muro de Berlim...
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Que grande capacidade de previsão...!
O Orador: - Imagine que o muro tinha caído quando a Constituição portuguesa ainda tivesse a irreversibilidade das nacionalizações!...
Mas o PCP tem uma longa tradição e, em matéria de revisão constitucional, nós os dois já nos conhecemos há tantos anos que isto até já parece um jogo de cartas marcadas. VV.
Ex.as estão sempre contra a revisão constitucional que está em curso, mas mal ela acaba passam a ser os principais defensores do texto constitucional na forma que ficou aprovado. Isso é positivo, porque reforça a consistência do arco constitucional.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Isso é cassete!
O Orador: - Não é cassete, Sr. Deputado!
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É disquete!
O Orador: - Quanto muito, a minha aspiração de modernidade leva-me a defender a utilização do laser sob a forma de compact disk, pois cassete já está ultrapassada...
Gostaria de dizer ainda, Sr. Deputado Lino de Carvalho, que não há falta de convicção na intervenção que fiz em matéria de desemprego. Há uma preocupação sincera de ser rigoroso, honesto, de não «pintar» um quadro cor-de-rosa, que não existe, de reconhecer as dificuldades e de defender com convicção a consistência
da estratégia que o Governo tem vindo a seguir, que não é apenas a do crescimento do emprego no sector agrícola.
É verdade que houve emprego no sector agrícola, sobretudo na componente feminina e no trabalho independente na agricultura, mas não é menos verdade que as mesmas estatísticas que reconhecem esse facto são as que assinalam uma recuperação no emprego no sector industrial e uma melhoria mais ligeira no sector dos serviços.
Esta é a realidade conjunta e global da evolução do emprego. Não é suficiente para nos considerarmos, satisfeitos com os resultados obtidos, mas é manifestamente muito distante das previsões catastrofistas que o PCP faz há 20 anos ininterruptamente sobre esta matéria.
Vozes do PS: - Muito bem!
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O Sr. José Calçada (PCP): - Nós agora é que inventámos o desemprego na Europa! Fomos nós!...
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, também peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá. Solicito-lhe que faça realmente uma interpelação à Mesa.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, quero, através da Mesa, chamar a atenção para o facto de, das muitas questões concretas que foram colocadas, o Sr. Ministro ter-se agarrado a uma e ter pretendido insinuar algo que é muito grave: que o PCP tem medo de inspecções.
Entendemos que é intolerável, do ponto de vista do funcionamento do Estado democrático, que num dia...
O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, creio que está percebida a sua ideia.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente. É intolerável que num dia o PS anuncie um candidato e no dia seguinte a inspecção «aterre» na respectiva câmara municipal.
Já agora, aproveito esta oportunidade para, através da Mesa, fazer chegar ao Sr. Ministro outros factos. Por exemplo, o problema do emprego em Portugal é extremamente grave. Ora, no centro de emprego de Alcácer do Sal....
O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, não
pode continuar.
O Orador: - É só para terminar.
O centro de emprego de Alcácer do Sal recebe convocatórias para um convívio do Partido Socialista, para formar as listas do partido no concelho.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, não me obrigue a retirar-lhe a palavra.
O Orador: - É por coisas destas que protestamos com dados concretos.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (António Costa): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa. Creio ter sido essa a figura utilizada pelo Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Dar-lhe-ei a palavra no momento indicado.
Sr. Secretário de Estado, foi também essa a figura utilizada, por exemplo, pela Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto. Mas, se quiser, posso retirar essa figura do terreno. Se é essa a sua ideia!...
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, a minha ideia é intervir nos mesmos termos...
O Sr. Presidente (João Amaral): - Mas se a sua ideia é fazer-me alguma observação no sentido de que eu a retire, terei muito gosto em retirá-la.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Não, não!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado Lino de Carvalho, tem a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, quero, através da Mesa, pedir aos serviços que façam chegar ao Sr. Ministro da Presidência o último documento do Departamento de Planeamento, onde se afirma que, pelo facto de até agora Portugal ter revelado uma evolução contracíclica de desemprego, essa tendência não pode escamotear situações específicas de subemprego patentes do crescimento, nomeadamente do emprego e da agricultura, e também o relatório do Conselho de Administração do Banco de Portugal, onde, ao contrário do que o Sr. Ministro afirma, se diz «(...) e quanto à evolução de emprego, destaque-se a contribuição negativa do sector industrial pelo quarto ano consecutivo».
O Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional: - A que período se refere?!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, se vou fazer o que me pediu e solicitar aos Serviços que entreguem esses relatórios ao Sr. Ministro, não vale a pena estar a ler o seu conteúdo, porque ele irá lê-lo.
Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, tem a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, creio que, nas últimas três semanas, o Sr. Deputado Luís Sá já fez, com esta, três interpelações à Mesa. sempre sobre as mesmas matérias: a IGAT ou a Inspecção-Geral de Finanças. E queixa-se sempre de não lhe responderem aos requerimentos. Ora, há cerca de 15 dias, eu próprio tive oportunidade de lhe dar, pessoalmente, uma resposta do Sr. Ministro das Finanças que já lhe tinha sido enviada 15 dias antes.
A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Exactamente!
O Orador: - Faltava ainda a resposta do Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, que também já está dada há 15 dias.
Em minha opinião, é estranho que o Sr. Deputado Luís Sá, sistematicamente, coloque as mesmas dúvidas que colocou no requerimento, já tenha a resposta a essas dúvidas e não o diga. Creio que seria útil que a Mesa procedesse com urgência, nos termos do Regimento, à publicação das respostas aos requerimentos, com os seus documentos anexos, para que toda a Câmara possa ficar a saber, e não só o Sr. Deputado Luís Sá, quais são, uma a uma, as câmaras municipais que têm sido inspeccionadas desde que este Governo entrou em funções, para todos
poderem saber se há alguma atitude persecutória em relação ao PCP.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Secretário de Estado, eu próprio irei imprimir esse documento.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra, Sr. Deputado.
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O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, interpelando a Mesa, peco-lhe, não fazendo da Mesa correio, que faça chegar aos Srs. Ministros um documento,
que tenho na minha posse, onde se mostra que até 7 de Julho de 1997 foram nomeados 5769 jobs, sem concurso público.
Protestos do PS.
Gostaria também que a Mesa entregasse aos Srs. Ministros o Diário da República onde consta o Decreto-Lei n.º 160/97, no qual o Sr. Ministro da Cultura inventa uma nova figura, a dos coordenadores.
O Sr. Ministro Adjunto: - Então, o Sr. Secretário-Geral do PCP mete-se nisto?!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, esse decreto-lei está publicado. Não percebo por que razão me solicita a entrega desse diploma aos membros do Governo, mas creio que o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares vai explicar isso.
Tem a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Secretário de Estado.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, tenho dificuldade em conter a minha satisfação, porque, finalmente, tenho oportunidade, através de V. Ex.ª, de pedir ao Sr. Deputado Carlos Carvalhas algo que há muito tempo quero, mas, infelizmente, o Governo não pode fazer requerimentos aos partidos da oposição.
Vozes do CDS-PP: - Não queria mais nada!
Vozes do PCP: - Oh!
O Orador: - Tenho visto os números que o PCP tem divulgado - li uma manchete no Expresso há meses - sobre essas nomeações. O máximo que vi o PCP indicar foi a quantidade, ou seja, x pessoas por gabinete. Desde esse momento, tenho uma dúvida, por isso gostaria de pedir à Mesa que solicitasse ao Sr. Deputado Carlos Carvalhas
que fornecesse uma coisa ao Governo.
Este sistema, como o PCP já explicou, é feito por uma busca minuciosa e cuidadosa no Diário da República. Quem fez esta busca tem, com certeza, condições para fornecer ao Governo a lista nominativa...
Risos do PCP.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Secretário de Estado, está compreendido.
O Orador: - Não, Sr. Presidente, deixe-me terminar. Deixe-me explicar por que razão estou a incomodar V. Ex.ª para importunar o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.
O Governo gostaria de ter a lista nominativa de todos os nomeados,...
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Não temos ficheiros do PS!
O Orador: - ... porque é a única forma de verificar como é que estas contas são feitas. Num dos quadros...
O Sr. Presidente (João Amaral): - Ó Sr. Secretário de Estado...
O Orador: - Sr. Presidente, quero só justificar o pedido.
Num dos quadros que o PCP editou, por exemplo, o Sr. Ministro Adjunto linha dois chefes de gabinete.
Vozes do PCP: - É um exagero!
O Orador: - Como é que isso aconteceu? O Sr. Ministro Adjunto teve um chefe de gabinete, o qual foi exonerado a seu pedido, tendo sido nomeado outro chefe
de gabinete.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Secretário de Estado, está explicado.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - E os outros 5000?!
O Orador: - O PCP somou um mais um e o resultado foi dois. Só que não são dois, é apenas um chefe de gabinete.
Portanto. Sr. Presidente, permito-me insistir em que o PCP forneça a lista nominativa. O Governo quer saber quais são essas 5000 nomeações de ferozes militantes socialistas que tem patrocinado. Sr. Deputado, se quer falar nisso, dê-nos os nomes, um a um, porque vêm no Diário da República. Se essa lista é feita com base no Diário da República, dê-nos os nomes, para então talarmos com
seriedade.
Aplausos do PS.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Um está explicado, faltam os outros 5000!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Vou pedir aos Srs. Deputados e aos membros do Governo que, depois, me ajudem a explicar ao Sr. Presidente da Assembleia da
República, quando ele voltar a presidir, por que razão os trabalhos ainda estão nesta fase!
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra, mas solicito-lhe que se dirija á Mesa e seja o mais sucinto possível.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, há pouco, eu disse que ia entregar o documento em causa, portanto, não percebo por que razão o Sr. Ministro estava tão preocupado.
Mas também referi um decreto-lei e a Mesa teve alguma dificuldade em perceber por que é que ia entregar um decreto-lei. Na verdade, este diploma é muito interessante. Para ultrapassar a lei que aprovaram aqui, nomeiam coordenadores, pagos pelo próprio Ministro da Cultura.
O Sr. Ministro Adjunto: - Ó Diabo!
O Orador: - Agora são coordenadores. O PSD nunca aprendeu esta. Aprenda-a, porque é magnífica!
Aplausos do PCP.
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O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, vamos retomar os pedidos de esclarecimento ao Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional. Estão ainda
inscritos os Srs. Deputados Jorge Ferreira, António Filipe, Pedro Feist e Luísa Mesquita.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional, o meu pedido de esclarecimento não é sobre a IGAT, os boys ou a Câmara Municipal da Amadora.
Já é um hábito, quando o Governo está em dificuldades, tentar recorrer ao bom humor do Sr. Ministro António Vitorino para tentar iludi-las na Assembleia da Republica.
Vozes do PS: - Isso já é velho!
O Orador: - O problema do País é que, apesar do bom humor do Sr. Ministro António Vitorino, isso não muda a realidade. Não muda o triste espectáculo que o
Governo tem dado, com as ameaças de demissão. Não muda o triste espectáculo do Governo que, incapaz de governar e resolver problemas, decide acusar os partidos
da oposição de fazerem coligações negativas, quando o que vemos é que o Governo é, ele próprio, negativo, porque os Ministros não se entendem entre eles. O Ministro da Finanças não comparece ao anuncio público de negócios onde está o Sr. Ministro da Economia. Há secretários de Estado que, diz-se, estão para se ir embora do Governo. Há uma série de boatos, de actos e omissões do Governo
que põem em causa a credibilidade do próprio Governo, muito mais do que a oposição. Por isso, antes de acusar as oposições de fazerem coligações negativas, talvez conviesse pensar na remodelação que o Sr. Primeiro-Ministro, pelos vistos, não tem tido coragem de fazer.
Sr. Ministro António Vitorino, gostaria de fazer-lhe três perguntas muito simples, uma vez que, como sabemos, o Governo, por norma, não toma posições sobre alguns assuntos importantes que o Partido Socialista coloca na agenda política do País e, em minha opinião, estas oportunidades devem servir para esclarecer os Deputados e o País a esse respeito.
Primeira pergunta: o PS prometeu à população de Vizela que apoiaria a criação do concelho de Vizela e o PP vai agendar um projecto de lei que prevê essa criação. V. Ex.ª concorda com a criação do concelho de Vizela e vai honrar o que prometeu quando estava na oposição ou mudou de opinião e pedirá desculpa, como o Sr. Primeiro-Ministro fez sobre o «totonegócio»?
Segunda pergunta: concorda ou discorda do projecto de lei subscrito por Deputados do PS, conforme se anunciou, para reconhecer e atribuir direitos às uniões de facto e homossexuais?
Vozes do PS: - Onde é que está o projecto de lei?!
O Orador: - Terceira pergunta: concorda ou discorda da liberalização da droga, que também vai ser objecto de um projecto de lei a apresentar pelo PS?
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Isso é tudo virtual!
O Orador: - São três questões simples, em relação às quais os portugueses têm o direito de conhecer a posição do Governo. Por uma vez, Sr. Ministro António Vitorino, vamos tentar conhecer neste debate, sobre assuntos importantes da agenda política do seu partido, de que o senhor é dirigente, uma opinião concreta que não se limite a citações de políticos de direita ou de esquerda, que poderão ficar bem nas páginas do Diário mas certamente interessam pouco aos portugueses.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional, vou questioná-lo sobre aquele que era o «inimigo público n.º l»
deste Governo, ao qual o Partido Socialista, durante a campanha eleitoral, prometeu uma guerra sem quartel: a droga.
A verdade, Sr. Ministro, é que passaram quase dois anos de Governo do PS e o «inimigo público n.º l» continua a marcar pontos, não se tendo ressentido muito da guerra que o Governo lhe anunciou.
A verdade é que o Governo e o PS, nesta matéria, têm dado mostras de uma grande desorientação.
Temos assistido ao mediatismo fácil e propagandístico do Sr. Ministro Adjunto, com declarações enfáticas, do tipo «A droga é um problema gravíssimo», «É um problema que diz respeito a toda a sociedade», «O Governo está muito preocupado», mas a verdade é que o Governo não tem tido uma orientação estratégica em matéria de combate à droga.
O Governo, no início da legislatura, apresentou-se aqui com uma proposta de lei de revisão da lei da droga, orientada pelo caminho mais fácil e demagógico, que foi o do aumento das penas máximas, sabendo o Governo muito bem que essa é uma medida irrelevante do ponto de vista do combate à droga, e recusou a proposta aqui feita pelo PCP, na mesma altura, de excluir a aplicação de penas de prisão por consumo de drogas, na consideração de que os toxicodependentes são doentes, é como doentes que devem ser tratados e não se tratam doentes na prisão. O
PS recusou esta proposta.
Agora, ao que é que assistimos? Num momento em que se realiza um debate que deve ser sério e elevado, relativamente às melhores soluções para combater a droga, assistimos a um Deputado do PS vir defender a liberalização da droga e ameaçar que há-de apresentar um projecto de lei acerca dessa matéria; a um outro Deputado do PS dizer que vai apresentar um projecto de lei, propondo a despenalização do consumo em privado; e ainda a um outro Deputado do PS referir que vai propor um referendo sobre a matéria
da liberalização da droga. E, depois, ficamos sem saber o que o Governo pensa de tudo isto.
Não basta um qualquer membro do Governo vir dizer aquilo que já sabemos, ou seja, que cada Deputado é livre de pensar o que quiser sobre esta matéria e que o debate tem de prosseguir - isso já sabemos. E também não é aceitável que o Governo se remeta a um profundo silêncio sobre essa matéria, que é a posição assumida, designadamente, pelo Sr. Primeiro-Ministro. De facto, antes das eleições, não havia dia em que o Engenheiro António Guterres não falasse da droga; agora, que é Primeiro-Ministro, há muitos meses que não lhe ouvimos uma única palavra sobre o assunto.
Vozes do PCP: - Exactamente!
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O Orador: - Sr. Ministro, o Conselho de Ministros de 26 de Junho - e creio que não se tratava de uma tertúlia, mas mesmo de uma reunião formal do Conselho de Ministros - aprovou um pomposo plano de actividades no domínio da prevenção da toxicodependência, que é um exemplo do que acabo de afirmar. São medidas casuísticas insuficientes, mas, sobretudo, medidas repetidas. Há cerca de um ano
atrás, o Governo publicitou as célebres 38 medidas, que eram para ser realizadas até ao fim de 1996. Agora, publicita um novo pacote e a semelhança com esse é absolutamente extraordinária, impressionante, o que revela o que já se sabia: é que a maior parte das medidas «ficaram no tinteiro».
Nada se alterou, na verdade, em matéria de combate à droga: continuam as listas de espera de seis meses para se ter acesso a tratamento; continua a não haver dados rigorosos sobre a situação da toxicodependência, em Portugal; continua a não funcionar o sistema de vigilância costeira, o célebre sistema LAOS; continua a ansiosa espera das célebres lanchas rápidas, que constavam das medidas de há um ano atrás e continuam a constar destas novas medidas - aliás, Sr. Ministro, as lanchas serão rápidas quando funcionarem, mas mais depressa chegou a armada de Vasco da Gama à Índia do que chegaram as lanchas rápidas, que o Governo, desde que o é, prometeu! -,...
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, peço-lhe que conclua.
O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
... nem a apresentação do relatório anual, a que o Governo está obrigado, por lei, até ao dia 31 de Março de cada ano, foi feita - nem isso foi cumprido.
Sr. Ministro, num problema tão grave e que aflige tanto as pessoas, exige-se muito mais do Governo do que a repetição, de ano para ano, de vagos programas de intenções, sem concretização de medidas concretas.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Feist.
O Sr. Pedro Feist (CDS-PP): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, referindo-me à intervenção da Sr.ª Deputada Elisa Damião, creio que ficámos todos esclarecidos sobre o facto de, no PCP, ninguém ter comprado acções da EDP ou se ter habilitado a elas, o que eventualmente remete para todos nós, os outros portugueses, esse ónus terrível de se ter candidatado.
Por via da minha vida política, tenho duas funções diferentes, que têm a ver, uma, com a vida autárquica e, outra, com a vida parlamentar. Assisto, de manhã, a uma situação e, à tarde, a outra. Curiosamente, hoje de manhã, assisti na Câmara Municipal de Lisboa à solidariedade e à convergência existentes entre o PCP e o PS e, à tarde, venho participar nesta interpelação do PCP ao Governo, nos termos em que ela foi e está a ser feita e a decorrer.
Fico, confesso, ao fim de tantos anos de vida e de política, muito baralhado, por não entender o que é ser, de manhã, uma coisa e, à tarde, outra. Não entendo!
Pedia-lhe, Sr. Ministro, que, com o seu habitual bom humor, a única coisa que certamente explicará esta diferença ou pseudo-diferença, me esclarecesse sobre qual é, de facto, a posição do PS e qual será, em seu entender, a do PCP, os quais, de manhã, se amam e vivem em união de facto e, à tarde, se odeiam e digladiam aqui nesta interpelação. Não entendo! Não consigo encaixar isto nos meus compêndios da política. Não consigo explicar às pessoas que me perguntam, na qualidade de Deputado ou de vereador, o que é que existe, de facto, neste país e não consigo explicar eventualmente aos eleitores como é que se situa o leque político português. Tenho imensas dúvidas nisso.
Por último, Sr. Ministro, não tenha medo dos torcicolos, porque, ao citar de Gaulle, se calhar, vão acusá-lo de muito mais. Porém, nós estamos perfeitamente esclarecidos acerca dessa matéria.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, depois da catarse discursiva que ouvimos com muita atenção e que provavelmente Freud também teria gostado de ouvir, o entusiasmo foi tal que o Sr. Ministro afirmou, em determinado momento, que as taxas de desenvolvimento do País são superiores às da União Europeia.
O Sr. Ministro Adjunto: - O dobro!
A Oradora: - Bem, são quatro as hipótese: ou o Sr. Ministro estava distraído: ou é uma gralha técnica da sua intervenção; ou é falta de tempo para ler os relatórios, quer nacionais, quer internacionais, que há cerca de 15 dias, foram publicamente conhecidos e que falam, por exemplo, sobre a ineficácia do sistema educativo em Portugal, sobre as elevadas taxas do analfabetismo no nosso país e sobre a reduzida laxa de frequência do ensino superior, sendo Portugal o país com menor taxa de frequência, em termos de toda a União Europeia; ou, então - e esta é a quarta hipótese, deveras preocupante, Sr. Ministro -, a tal área muito especial para o Governo do PS, essa tal que foi paixão, prioridade e excelente alvo de promessas, não contribui para o desenvolvimento do País. Como o Sr. Ministro já adivinhou, falo da educação e do ensino.
No Programa do Governo do PS, afirmava-se que era preciso uma real democratização da educação, uma educação para todos, e garantir a igualdade de oportunidades; apostava-se no alargamento da educação pré-escolar; combater-se-ia com sucesso absoluto, o analfabetismo e a exclusão: considerava-se indispensável a participação activa da sociedade na definição da política educativa e inequívoca a responsabilidade do Estado relativamente à educação.
Sr. Ministro, decorridos dois anos de actuação, pensamos ser legítimo pretender encontrar os resultados obtidos pelo Governo do PS nestas áreas e nesta matéria e, se não é possível falar do cumprimento da totalidade das promessas, pelo menos de algumas e, se não é possível falar do cumprimento de algumas, pelo menos da existência no terreno de estratégias conducentes à concretização
das promessas. Mas a paixão foi cega, as prioridades foram enviesadas e as promessas traídas.
Quanto à participação activa dos cidadãos na definição da política educativa, que o digam os professores e
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os estudantes, que, de norte a sul do País, precisam de ir para a rua fazer ouvir a sua voz e não passam de meros parceiros virtuais.
Quanto à igualdade de oportunidades, sem exclusão, que o digam todas as crianças e todos os jovens que frequentam, sem sucesso, a escolaridade obrigatória e a quem este Governo, por um lado, propõe a segregação, a profissionalização infantil e juvenil e um ensino de segunda qualidade e, por outro, recusa a socialização no espaço da escola.
O Sr. José Calçada (PCP): - Muito bem!
A Oradora: - Quanto à responsabilidade inequívoca do Estado, basta lembrar a proposta de lei da educação pré-escolar, que se propunha desvincular o Estado da criação de uma rede pública de educação pré-escolar e obrigá-lo a financiar a iniciativa privada ou, então, Sr. Ministro, aqueloutra, resultado da tal cega paixão, que pretende premiar as famílias portuguesas com mais alguns bónus em matéria de financiamento: a propina única para o ensino superior público e os empréstimos, para assegurar o direito constitucional à educação e ao ensino, que os jovens deverão pagar, logo que conseguirem um emprego.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr.ª Deputada, tem de abreviar.
A Oradora: - Vou abreviar e terminar, Sr. Presidente. Quanto à educação para todos, que o digam os jovens candidatos ao ensino superior, sem direito às aspirações pessoais, mas com direito ao numerus clausus.
Sr. Ministro, «Roma e Pavia não se fizeram num dia», mas fizeram-se. Dos seus consultores, pouco diz a História, mas das suas obras se fez História. Do Governo do Partido Socialista, em matéria educativa, não haverá História, porque não haverá obra que valha a pena recordar. De D. Sebastião, do prometido hoje, não restará senão o nevoeiro para a História futura.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder a este último bloco de perguntas, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional.
O Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Ferreira, em primeiro lugar, vou pôr de lado o meu bom humor, porque, pelos vistos, isso é algo que o incomoda,...
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Pelo contrário!
O Orador: - ... e vou responder-lhe, com sinceridade V. Ex.ª, que já foi líder de um grupo parlamentar, é decerto um dos Deputados mais ciosos da regra da autonomia dos grupos parlamentares aqui, na Assembleia da República. Ora, se eu respondesse às perguntas que V. Ex.ª me fez, mesmo que a título pessoal, estaria decerto a desencadear...
O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Era um grande sarilho!
O Orador: - Não, VV. Ex.as sabem que não é sequer exactamente assim.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Não vai responder?!
O Orador: - Não vou responder, não! Digo-lhe logo. Não estou cá com meias medidas! Não vou responder! É uma matéria que está em discussão dentro do PS, que não constitui, nenhuma delas, matéria de dogma do compromisso eleitoral que o PS apresentou aos eleitores...
O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Vizela, sim!
O Orador: - Mas o Governo não tem qualquer competência em matéria de criação de concelhos. Os Srs. Deputados sabem isso perfeitamente.
gora, posso sugerir ao Sr. Deputado Jorge Ferreira, que tem algum gosto detectivesco, o seguinte: como eu já sou Deputado desde 1980, pode tentar descobrir nas actas das sessões onde essa matéria foi aqui votada - e que eu me recorde, foi pelo menos três vezes -, como é que eu, à época, velei um projecto de lei equiparável.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Não propôs nenhum referendo, não?!
O Orador: - Em relação à questão colocada pelo Sr. Deputado António Filipe, devo dizer que...
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Não responde a nada!
O Orador: - Não respondo a nada?! Já respondi, Sr. Deputado!
Quanto ao problema da droga, posso responder simultaneamente aos Srs. Deputados Jorge Ferreira e António Filipe, nos seguintes termos: a questão da droga é, sem dúvida alguma, uma questão a que o Governo tem atribuído uma grande importância e parece-me ser de mau gosto tentar utilizar o argumento para um conflito político-partidário na Assembleia da República.
O Governo apresentou um programa de 38 medidas, no ano passado, que foram todas integralmente cumpridas.
O Sr. Ministro Adjunto: - Sim senhor!
Protestos do PCP.
O Orador: - Todas integralmente cumpridas, sem excepção.
O Governo apresentou um novo programa...
Protestos do PCP.
Srs. Deputados, se não quiserem que eu responda, se me quiserem considerar dispensado,...
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Ora essa!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Ministro, faça favor de concluir.
O Orador: - ... também saberei galhardamente aceitar essa recusa.
Mas se o Sr. Deputado António Filipe, que conheço há tantos anos, quiser ouvir-me até ao fim, como noutros tempos e noutras sedes me ouvia, ficava-lhe grato.
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O Sr. António Filipe (PCP): - Onde?!
O Orador: - Na faculdade. Não tem nada de especial.
Risos do CDS-PP.
O Sr. Deputado «está a ver mosquitos na outra banda». Foi na faculdade.
De todo o modo, gostava de dizer que, em nosso entender, sobre esta matéria, tem de haver um grande debate nacional e uma grande convergência de esforços, porque as vitórias não são vitórias do Governo contra quem quer que seja, só podem ser vitórias do conjunto da sociedade portuguesa.
Devo ainda dizer, com toda a sinceridade, que o esforço que estamos a fazer, no sentido de dotar de instrumentos os CAT, de aumentar o número de camas e o subsídio e de apoiar a reinserção social e a recuperação sanitária dos toxicodependentes não é nada que possa ser utilizado como um trunfo político ou eleitoral seja de quem for, e o Governo não o reivindica nesse comprimento de onda.
Sr. Deputado, seria desejável evitar que, em Portugal, o debate sobre a droga se centralizasse na existência de varinhas mágicas, soluções miraculosas, que, só por si, produziriam a resolução integral de todos os problemas. Essa é uma armadilha em que outros países caíram no passado e, depois, tiveram de arrepiar caminho.
Todas as sugestões são importantes. A concatenação de várias estratégias, quer de natureza repressiva, quer de natureza terapêutica, são necessárias para combater o flagelo.
Quanto à armada de Vasco da Gama, sempre devo dizer-lhe que não estavam, decerto, sujeitas à observância do Decreto-Lei n.º 55/95.
No que se refere à questão levantada pelo Sr. Deputado Pedro Feist, verdadeiramente não foi uma questão mas uma declaração de perplexidade sobre o que se passa, de manhã, na Câmara Municipal de Lisboa e, à tarde, na Assembleia da República. Pode dizer-se mesmo que, se calhar, o grande traço de união entre o que se passa de manhã e à tarde é V. Ex.ª, porque é a única testemunha ocular de ambos os factos.
O Sr. Pedro Feist .(CDS-PP): - Há mais!
O Orador: - Eu, por exemplo, não lhe poderei responder, mas, pela estima que lhe tenho, sugiro-lhe que não utilize as noites passando pela candidatura do Engenheiro Ferreira do Amaral à Câmara Municipal de Lisboa, para não ficar confundido sobre o posicionamento relativo do seu partido e do PSD, pelo menos, durante a tarde aqui, na Assembleia da República!
Aplausos do PS.
Em relação à intervenção da Sr.ª Deputada Luísa Mesquita. ..
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Não responde!
O Orador: - Não! Se me fizerem uma pergunta fácil, respondo, Sr. Deputado Jorge Ferreira!
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Vale a confissão! Pelo menos, é sincero!
O Orador: - Não o quero desiludir totalmente!
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Às difíceis não responde!
O Orador: - Vá lá, seja também condescendente neste cumprimento!
Se forem perguntas que caibam no âmbito da competência do Governo, terei todo o gosto em responder!
Em relação à intervenção da Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, devo dizer que não me colocou verdadeiramente qualquer questão. Fez uma intervenção que, sob o ponto de vista literário, achei bonita, embora, aqui e além, não sei se por inspiração de D. Sebastião, me pareceu um pouco nebulosa.
Vozes do PCP: - Uma resposta clara!
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Esta, então, foi muito objectiva!
Neste momento, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Almeida Santos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, lembro que às 18 horas e 30 minutos haverá votações.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Ocorre esta interpelação praticamente a meio do mandato deste Governo e em vésperas da programação orçamental para o terceiro ano do Governo do Partido Socialista.
Havendo ainda tempo e melhor oportunidade para um balanço mais exaustivo do exercício governativo, é, no entanto, já tempo mais do que suficiente e oportuno para perguntar: como foi possível chegar à presente situação,...
Vozes do PS: Eh!...
O Orador: - ... em que o Governo tem apoio parlamentar, mas não tem autoridade política,...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - ... em que o diálogo é elevado à perfeição, quando não ao paroxismo, mas em que ninguém assume responsabilidades, em que a prometida sensibilidade social cede cada vez mais prioridade a uma nova e particular sensibilidade governativa para a parceria e coligação com alguns grupos económicos, em que se desaproveita o relançamento económico para privilegiar a injustiça social, em particular no domínio dos impostos?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Em suma, como foi possível chegar a este nível de desorientação política e ao desbaratar da confiança social,...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - ... porque de profunda desorientação
política se trata?
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Só um Governo desorientado traz para a praça pública os seus conflitos internos e o azedume recíproco entre os membros do Governo.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Aqui o Sr. Ministro da Economia lamenta-se de andar sozinho a salvar empresas, ali o Sr. Secretário de Estado da Energia acha um erro a intenção do Ministro das Finanças em mexer na tabela dos combustíveis.
O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Tudo normal! Afinal trata-se do diálogo do Governo consigo próprio e de uma nova cultura democrática que, julga-se, se os portugueses ainda não apreciam devidamente que remédio senão aprender-lhe as virtualidades.
E os portugueses vão aprendendo! Constatam que, no Governo, há quase sempre opiniões para todos os gostos e que há sempre, pelo menos, um membro do Governo que pensa como eles e que gostaria de lhes dar razão.
Mas os portugueses vão também aprendendo a desconfiar desta polifonia política, cujo resultado cruel é este: no essencial, nunca se conhece a opinião e a posição do Governo, enquanto tal.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A não ser, como se sabe, quando há forte contestação, de preferência na rua, lendo já sucedido também no mar. Só ainda não aconteceu em pleno ar, porque os pilotos da TAP não ousaram ainda desafiar as leis naturais, entre as quais a da gravidade.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Ora, nestes momentos, o Governo apressa-se a ter posição e a decidir e, normalmente, decide ceder.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Cedendo, invariavelmente o Governo vai delapidando a sua autoridade e probidade políticas e desafiando o sentimento dos cidadãos, que esperam, e tem direito, a um Governo de equidade social e de justiça.
Pelo meio, vão ainda fazendo-se graves cedências a princípios fundamentais do Estado de direito. Se todos estão sujeitos à lei e ninguém acima da lei, como pode o Governo convidar ao não respeito pela lei?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Porque isso já sucedeu bastantes vezes. Há uma portaria do Ministério da Agricultura e Pescas que não é do agrado dos armadores? Então, o Ministro proclama que fechará os olhos ao seu incumprimento, reiterando que ela continua em vigor.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É uma vergonha!
O Orador: - Num outro exemplo mais recuado surgiram dúvidas quanto a irregularidades cometidas pelo Presidente da Câmara Municipal de Setúbal? Vem logo o Primeiro-Ministro reiterar a confiança política no autarca e aconselhar a que se mudasse a lei, o que, de resto, ainda não aconteceu.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É uma vergonha!
O Orador: - Mas, ainda ontem, o Ministro das Finanças, não conseguindo admitir o erro político do seu decreto-lei sobre o IVA e designando como erro da Administração aquilo que não resulta mais do que o seu cumprimento e aplicação,...
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - É um discurso requentadíssimo!
O Orador: - ... na prática, Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, convida a Administração, por prudência, a não aplicar a lei para futuro, pelo menos, sem previamente se inteirar de cada interpretação que o Governo faz da própria lei!
Aplausos do PSD.
No meio da desorientação, os membros do Governo nem se aperceberam de que, comprometendo pontualmente a execução da lei, se colocam eles próprios perante a possível exigência de decidirem, apesar da lei, sem regras para se defenderem.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - No entanto, o sinal porventura mais significativo do estado de desorientação política deste Governo é,- seguramente, o das repetidas ameaças de demissão, zurzidas pelo Primeiro-Ministro perante um país atónito.
Não tem o Governo condições para governar? Não terá o Governo Orçamento aprovado? Terá o Governo visto rejeitar na Assembleia da República instrumentos fundamentais para o presente e futuro do País, porventura a reforma da segurança social, a reforma fiscal, a reforma do financiamento da saúde, a reforma das forças armadas?
É que, tanto quanto a minha memória alcança, o Governo apenas viu rejeitado nesta Casa o «totonegócio» - e bem! -, algumas alterações desastradas ao Código Penal e uma proposta injusta do financiamento dos municípios!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Pode o Ministro da Presidência vir ameaçar, em pacotes, a intenção de o Governo legislar a prazo certo, que soa fora de prazo a condição imposta para a sua futura aprovação!
A verdade é que se hoje o Governo não tem condições suficientes para exercer o seu mandato é porque já não está ele próprio convencido da autoridade política para o fazer.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Compreende-se, assim, melhor o desespero cíclico do Engenheiro António Guterres!
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Num Governo onde não há autoridade política também não pode haver responsabilidade, e estima-se que só os incautos no Governo se distraem a assumi-la.
E, nesta situação de tal modo escandalosa, é tal a dificuldade em assumir responsabilidades que, quando já começa a haver um certo pudor...
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Coisa que você não tem!
O Orador: - ... em culpar o passado, se culpa o Governo, despudoradamente, com o que estiver mais à mão!
Há problemas sérios na agricultura ou nas pescas? A responsabilidade não é do Ministro Gomes da Silva, a culpa é de Bruxelas ou dos pouco esclarecidos agricultores ou pescadores portugueses!
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - É vossa!
O Orador: - Está em causa a realização do Grande Prémio de F1 em Portugal? A culpa não é do Governo, é da Federação Internacional Automóvel, e talvez do Sr. César Torres!
Há dificuldades na segurança pública do País e não se consegue fazer um sindicato para a polícia? A responsabilidade não é do Ministro Alberto Costa, a culpa é dos polícias, que ainda não são suficientemente civilizados, e da população, que não está ainda preparada para tão profundas e necessárias mudanças!
O Plano Mateus não tem empresas para recuperar? A culpa é, infelizmente, das empresas portuguesas!
Há problemas e erros na administração e aplicação do IVA? A responsabilidade não é do Ministro Sousa Franco, a culpa é da administração fiscal!
O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Até a falta de controlo de medicamentos para o emagrecimento não é responsabilidade do Ministério da Saúde, pois, segundo a Ministra Maria de Belém, a rizível culpa é dos hábitos alimentares dos portugueses, que têm dieta alimentar muito pouco racional.
Aplausos do PSD.
Os exemplos, Srs. Deputados, podiam multiplicar-se, mas há um último que surpreende e sempre haveria de surpreender. Afirmou ontem o Sr. Ministro das Finanças que a razão por que um decreto-lei do Governo é suspenso pelo próprio Governo, e, portanto, a medida eleitoralmente adiada para depois das eleições autárquicas, a grande e única razão - pasme-se! - é porque um partido da oposição criou um certo clima de adversidade no País que desaconselha à aplicação da lei!
Vozes do PSD: - É uma vergonha!
O Orador: - Perdeu-se, portanto, a compostura e a vergonha. Tudo é bom pretexto e desculpa para não assumir responsabilidades.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Exactamente!
O Orador: - O Primeiro-Ministro nunca é responsável! Neste Governo nem os ministros têm responsabilidades! Ocasionalmente, já vão aparecendo secretários de Estado que servem de bode expiatório! Talvez se possa vir a responsabilizar um secretário de Estado pelo resvalar do orçamento da saúde, outro pelo destempere da cultura ou outro ainda pelo atraso da reforma na segurança social!
Já se vislumbra uma grande remodelação no horizonte do Governo: a grande remodelação dos secretários de Estado.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - E mesmo assim a contragosto, porque o ideal mesmo seria remodelar os directores-gerais e a Administração, não tora agora haver necessidade de proceder ao concurso público.
Perante isto, resta recomendar ao Ministro Mariano Gago que se apresse a ter pelo menos um secretário de Estado susceptível de vir a ser remodelado, enfim, alguém que seja responsabilizado pela inexistência e intemporalidade deste Ministro da Ciência.
Aplausos do PSD.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em quase dois anos, este Governo e este Primeiro-Ministro têm de facto desbaratado a confiança e a autoridade política de que dispunham e só pensam, no meio da sua desorientação, em «sacudir a água do capote» das suas responsabilidades e em irem-se embora. Mas, enquanto vão e não vão, aproveitam para desbaratar também o erário público, não para elevar a qualidade de vida dos portugueses mas para descobrir uma nova sensibilidade para a parceria com alguns grupos económicos, o caso do negócio fechado com o Grupo Grão-Pará, com o pretexto do Autódromo do Estoril é, seguramente, um dos casos mais elucidativos neste quadro.
No mesmo momento em que o Governo quer sobrecarregar os pequenos contribuintes com mais impostos e mais colectas mínimas, fecha um negócio de milhões de contos com um só grupo económico.
A uns o Governo pede mais sacrifícios e impõe mais impostos, a outros perdoa milhões de contos de dívidas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - É um mau negócio para o Estado, mas seguramente, um bom negocio para a empresa.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Para o PS!
O Orador: - Depois, num negócio deste envergadura, que, segundo se estima, envolve verdadeiros perdões fiscais, chega-se ao ponto de se dizer que o Ministro das Finanças nele não participa e com ele não concorda. Já vimos este filme!
Não está só em causa o absurdo jurídico da posição. O que está, sobretudo, em causa é o afastamento político do Ministro das Finanças em relação a um negócio que, nos seus montantes e na filosofia que o orienta, é, porventura, ainda mais grave do que o «totonegócio»...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - ... e em montantes envolvidos de perdões que o Estado concede é praticamente o dobro. No
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«totonegócio» eram vários os beneficiários, agora é apenas um.
Em tudo o resto, o princípio que merece a nossa crítica é sempre o mesmo: perdoar dívidas, abusar do erário público e aprovar negócios que são, manifestamente, maus para o Estado.
Aplausos do PSD.
Bem pode o Governo, como já o fez, argumentar que, apesar de tudo, resolveu um contencioso com o Estado que durava há mais de duas dezenas de anos. Que grande espanto! À custa do interesse do Estado, qualquer um o poderia ter resolvido antes!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O que não é admissível é que se possa defraudar o interesse público em nome de pagar o orgulho do Ministro Mateus em encobrir a sua responsabilidade na perda do Grande Prémio F1 em Portugal.
Aplausos ao PSD.
O Orador: - Como bem dizia o Ministro aqui presente e, por sinal, o subscritor do negócio, o Estado até foi longe demais. De facto, é verdade, Sr. Ministro! Era mais fácil e muito menos custoso para o Estado construir um novo autódromo. Ao menos ficava propriedade do Estado e custava menos, muito menos, ao erário público.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Quero aqui dizer que, perante este escândalo, o PSD vai requerer uma audição parlamentar sobre esta matéria, para ouvir, designadamente, o Ministro das Finanças e o Ministro da Economia.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Estamos, pois, perante um Governo desgovernado, que actua com medo da indignação dos portugueses, cedendo às pressões mais casuísticas, desculpabilizando-se com tudo e com todos e orientando-se apenas por uma preocupação, que é sobreviver o melhor possível e, de preferência, não ir morrendo em castigo com as eleições autárquicas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Por isso sonha com o absurdo: com a maioria absoluta!
Para alimentar essa ilusão, está o Governo disposto até a forçar crises políticas artificiais e, suspeita-se fundadamente, a violar o dever de isenção e imparcialidade no processo eleitoral autárquico.
Já houve exemplos no passado. Muito embora não se vislumbrem sinais de vergonha nos meios socialistas nem nos seus cada vez mais desbotados independentes, foi isso que aconteceu com as eleições regionais nos Açores, com o processo das tarifas aéreas, como se recordam.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Voltou a acontecer recentemente com a Sr.ª Ministra da Saúde, que veio anunciar apressadamente novos hospitais para candidatos a presidente de câmara, onde ainda não há terrenos nem projectos, isto é, onde apenas existe a intenção e um hospital de papel na cabeça da Ministra.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Só não se espera idêntico comportamento para o Metropolitano do Porto, porque já nem isso salvaria a cara de um Presidente de Câmara socialista que prometeu a conclusão da obra há anos demasiados.
Perante estes indícios, claramente preocupantes, de violação da isenção e neutralidade face ao acto eleitoral por parte do Governo, não se estranhará que se venha a justificar a intervenção do Sr. Presidente da República para repor o decoro e a imparcialidade que têm vindo a faltar a este Governo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos perante um Governo que prossegue um bom desígnio europeu, muito embora por maus caminhos.
Estamos perante um Governo que beneficia de boas condições económicas, mas que as não aproveita em nome da realização da justiça social.
Estamos perante um Governo que, talvez com excepção do rendimento mínimo, foge aos seus compromissos eleitorais e até ao seu próprio Programa.
O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Estamos, pois, perante um Governo que foge às responsabilidades e que quer viver nas crises por si próprio forjadas.
Estamos, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, perante um Governo desgovernado e desorientado, que perdeu a autoridade.
A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Não se preocupe!
O Orador: - Em nome do País, desejamos-lhe melhor rumo e melhor sorte. Do seu destino final decidirão, em tempo certo, os portugueses.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, devo dizer que não lhe invejo a sorte. É que, neste debate, o seu partido deu-lhe uma tarefa difícil, quase tão difícil como outras que, ultimamente, lhe tem atribuído e que, com certeza, não vão ser fáceis de desempenhar.
Risos do PSD.
E a tareia difícil que aqui lhe foi atribuída foi a de tentar afirmar diferenças, onde, no fundo, elas não existem.
O Sr. Deputado falou muito da Fórmula 1, mas devo dizer-lhe que isto me parece mais o jogo daquelas equi-
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pas que têm dois pilotos a correr e em que o patrão da equipa manda um avançar ou recuar conforme os interesses da equipa. É isto que o jogo entre o PS e o PSD parece!
Aplausos do PCP.
O Sr. Deputado tentou fazer aqui o equilíbrio, que é manifestamente difícil, entre o que é querer parecer diferente e não conseguir nem poder inviabilizar as medidas de fundo que o Partido Socialista e, antes, o PSD têm vindo a tomar em matéria de
política geral. E este equilíbrio difícil é que é a verdadeira dificuldade da sua intervenção.
Aliás, há outra nota que também quero deixar aqui, que é o facto de o Sr. Deputado se ter referido ao diálogo. Julgo que o PSD é daqueles que menos tem de se queixar da falta de diálogo. Senão, vejamos: o PSD é o parceiro privilegiado do diálogo na revisão constitucional, onde até, como sabemos, conseguiu grande parte daquilo que tem vindo a defender há muitos anos: o PSD é o parceiro privilegiado do diálogo no que diz respeito às questões europeias e à moeda única; o PSD é o parceiro privilegiado do diálogo em relação às questões da grande política económica. Então, de que falta de diálogo se queixa o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho? E uma questão que, manifestamente, não compreendo.
O Sr. Deputado também fez algumas alusões a temas sociais - aliás, alguns deles até ocupam o seu trabalho aqui, na Assembleia da República - em relação dos quais não quero deixar de apontar dois ou três pormenores. Por exemplo, em relação à saúde, o Sr. Deputado falou da sua preocupação com o resvalar do orçamento, mas não falou da sua preocupação, que não existe, em pôr fim ao subfinanciamento da saúde; falou da sua preocupação com os direitos das pessoas a terem acesso à saúde, mas não falou em contestar a diminuição das comparticipações que o Ministério da Saúde está a preparar.
Enfim, há aqui algumas questões onde, manifestamente, as diferenças são muito difíceis de discernir.
E afinal de contas, no fim desta intervenção, podemos perguntar: o que é que o PSD oferece aos portugueses? O que é que o PSD oferece de diferente daquilo que está a ser oferecido pelo PS? É, manifestamente, difícil de encontrar este acréscimo de coisas que o PSD pode oferecer. Se não, vejamos! Será que o PSD pode oferecer mais privatizações? Parece-me difícil, com o calendário já aprovado pelo PS, oferecer mais do que isto. Será que o PSD oferece menos despesa social e menos investimento social? Também me parece uma tarefa muito difícil, dado as carências serem gritantes, e o PS tem-nas trazido. Será que o PSD oferece menos fanatismo pela moeda única, pelas políticas monetaristas? Manifestamente, não, porque também as pratica acerrimamente.
Para terminar, Sr. Presidente, há pouco, o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares tentou aqui provar que «um mais um» não é igual a dois, o que me parece ser um pouco difícil, a não ser num caso, naquele que diz respeito ao PS e ao PSD, onde «um mais um» não é igual a dois mas, sim, a uma mesma política, a uma mesma falta de prioridade no respeito pelos direitos das pessoas e a um mesmo respeito pelos portugueses e por Portugal.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, eu também, confesso, não esperava que tosse o Sr. Deputado a ver de forma privilegiada as diferenças, porque, como é natural, o Sr. Deputado está convencido de que entre o PS e o PSD a grande alternativa para o país é o PCP. E, como está convencido deste dado, com o qual o país não se comove, parece-me bem que se mantenha pelo menos convicto a si próprio, para poder continuar a usar aqui da palavra nesses termos. Mas sabe que há de facto algumas diferenças.
Utilizando a linguagem da «Fórmula 1», não direi que estivesse na mesma equipa deste Governo, a correr com um carro diferente, pois não sei em que carro se vê o Sr. Deputado a correr, mas, já agora, nesta alusão automobilística, gostaria, se pudesse, que fizesse um palpite, porque esse carro não se vê de facto na corrida.
Mas, em relação ao Governo, há de facto um carro e uma equipa em que o PSD nunca entra: aquela que prefere desbaratar o erário público, aquela que prefere, de preferência, tanto quanto possível e o mais depressa possível, acordar numa solução que resulte em prejuízo para o Estado do que em resolver para futuro, com bons princípios, os problemas. O autódromo do Estoril é, há muito anos, um problema. Há uma diferença essencial...
Vozes do PCP: - Ai há!...
O Orador: - Há, sim, Sr. Deputado: nós, no passado, nunca resolvemos este problema...
Vozes do PS: - Nunca conseguiram!
O Orador: - ... pelo perdão das dívidas ao fisco, pela toma da responsabilidade para o Estado do que não é seu e mantendo em aberto a possibilidade de parceria para projectos imobiliários no futuro.
Vozes do PSD: - Muito bem!
Protestos do PS.
O Orador: - Isto, Sr. Deputado, o PSD nunca fez, nem nunca fará! Espero, apesar de tudo, que continue a haver «Fórmula 1» no país,...
O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Não diga isso!
O Orador: - ... mas não ficaremos a dever isso, com certeza, a uma boa poupança pública nem à competência deste Governo ou deste Ministro.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Talvez fosse isto que o Sr. Deputado também devesse questionar.
Aplausos do PSD.
Para terminar, devo dizer ao Sr. Deputado Bernardino Soares que fez alguma confusão, porque não me queixei da falta de diálogo do Governo. Penso mesmo, frequentemente, que há diálogo a mais e decisões a menos, mas
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isto é, naturalmente, uma coisa que não vai comprazer o Governo.
Aplausos do PSD.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Com a autoridade do cavaquismo, acha sempre que existe diálogo a mais!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegada a hora regimental do período das votações vamos interromper os nossos trabalhos, a fim de procedermos às votações agendadas para hoje.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Peço a palavra, para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, pedi a palavra apenas para transmitir a V. Ex.ª que, tendo vários grupos parlamentares manifestado o interesse em aprofundar o debate em Comissão das propostas de lei n.os 105/VII e 101/VII, o Governo não vê qualquer inconveniente, apesar de se tratar de pedidos de autorização legislativa, em que baixem por algum tempo à Comissão, após a sua votação, na generalidade, em Plenário.
O Sr. Guilherme Silva (PSD):- E se chumba?! Isso é arriscado!
O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Secretário de Estado, mas essa informação já me tinha sido dada.
Srs. Deputados, vamos começar por votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 105/VII - Autoriza o Governo a alterar o Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro (Estabelece normas relativas ao uso do cheque).
O Sr. Pedro Feist (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Pedro Feist (CDS-PP): - Sr. Presidente, muito rapidamente, quero apenas perguntar ao Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, porque certamente não entendi muito bem a sua informação, para que forma anuncia a baixa à Comissão da proposta de lei, para revisão ou alteração? Se não se importa, gostaria que me explicasse melhor, porque não entendi muito bem.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, para dar a explicação que lhe foi solicitada.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Feist, quanto às propostas de lei n.os 105/VII e 101/VII, o Governo não vê qualquer inconveniente em que, após a votação na generalidade, baixem por alguns dias à Comissão, não obstante serem pedidos de autorização legislativa, para se poder aprofundar o debate sobre as matérias. Foi apenas isto o que eu disse.
O Sr. Presidente: - Prestado a esclarecimento, vamos votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 105/VII.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, votos contra do CDS-PP e abstenções do PSD, do PCP e de Os Verdes.
Srs. Deputados, no que toca à votação na especialidade, esta não se fará, porque há consenso de que baixe à 1.ª Comissão, o que se fará.
Vamos agora proceder à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 108/VII - Autoriza o Governo a alterar o regime das perícias médico-legais.
Submetida a votação, foi aprovada por unanimidade.
Em relação a esta proposta de lei, foi apresentada uma proposta de alteração ao n.º 4 do artigo 2.º pelo PS, do seguinte teor:
«Estabelecer que, na ausência do perito médico, compete à autoridade de saúde da área onde tiver sido encontrado o corpo assegurar a verificação do óbito e, detectando a presença de vestígios que possam suspeitar da existência de causa de morte não natural, providenciar pela comunicação imediata do facto à autoridade judiciária;»
Ora, visto parecer-me haver consenso em relação à proposta de alteração apresentada pelo PS, se não houver objecções, vamos passar à votação, na especialidade, da proposta de lei n.º 108/VII, com a alteração ao n.º 4 do artigo 2.º proposta pelo PS, já incluída.
Visto não haver objecções, vamos votar.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação final global desta mesma proposta de lei.
Submetida a votação, foi aprovada por unanimidade.
Srs. Deputados, vamos passar à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 101/VII - Autoriza o Governo a criar regimes especiais aplicáveis às expropriações necessárias à realização do Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva, aos bens de domínio público a afectar a este empreendimento, e a acções específicas de execução deste projecto de investimento público.
Submetida a votação, foi aprovada por unanimidade.
Em relação a esta proposta de lei, há um requerimento de baixa à 1.ª Comissão, por cinco dias, para discussão na especialidade.
Vamos votá-lo.
Submetido a votação, foi aprovado por unanimidade.
Vamos agora proceder à votação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo à proposta de lei n.º 91/VII - Regime de actividade da televisão.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e votos contra do PCP e de Os Verdes.
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Vamos passar à votação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente, relativo ao projecto de lei n.º 23/VII - Alteração do Decreto-Lei n.º 405/93, de 10 de Dezembro (Regime de empreitadas de obras públicas).
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Srs. Deputados, terminado o período regimental de votações, vamos retomar os nossos trabalhos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Strecht Ribeiro.
O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A interpelação do PC ao Governo...
Vozes do PCP: - Do PCP!
O Orador: - ... do PCP ao Governo, pretendeu ser uma efectiva análise do estado da Nação. Em bom rigor, pouco ou nada disseram sobre o efectivo estado da Nação. Compendiaram algumas pretensas insuficiências da governação e, mais uma vez, provaram uma manifesta cultura anti-socialista.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - E, é facto, se pretendiam, pretendem ou vêm a pretender que a governação se faça no sentido das reformas essenciais, que importa fazer, terão forçosamente de mudar de atitude. De contrário, criarão reais dificuldades a um Governo que, sendo minoritário, por natureza, as tem. E o PCP não ignora que um governo minoritário não pode conseguir no tempo desejado as reformas que pretende levar a cabo e das quais não se demitiu, não se demite, nem se demitirá.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O PCP sabe que a esquerda e este Governo e que sem a esquerda neste Governo nenhuma das reformas se fará. E é estranho que não perceba que a voracidade de poder do PSD, em nome de coisa alguma que não seja a voracidade pelo poder,...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - ... são aqueles a quem destinam, de uma forma obstinada, o novo Governo. É estranha, é paradoxal, a atitude do PCP! Não nego, não negarei, que também há, como em toda a sociedade portuguesa, laivos de sectarismo, e existirão provavelmente no seio do próprio PS.
Vozes do PS: - Não!...
O Orador: - Em 50 anos de Estado Novo, não pode deixar de haver ainda, volvidos 20 anos de Estado democrático, laivos de sectarismo. E, certamente, haverá laivos de anticomunismo no próprio PS, mas convém lembrar que a vossa atitude é, em boa medida, responsável por esta dialéctica, que é nociva à esquerda no seu conjunto.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - É verdade, e os senhores sabem que verdade mói!
Aplausos do PS.
O Sr. João Amaral (PCP): - Exactamente o que dizia Salazar!
O Orador: - O Partido Comunista Português sabe que, neste momento, não luta pelas causas reais em que, historicamente, podíamos estar irmanados, luta pela sua estrita sobrevivência e,...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - ... por isso, algumas das votações nesta Câmara não traduzem mais do que reais atitudes populistas e eleitoralistas. Pergunto ao Partido Comunista Português que sentido tem o voto negativo, o voto contra a proposta de lei relativa às finanças locais do Governo do Partido Socialista!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Que sentido tem inviabilizar a hipótese de uma boa lei em sede de especialidade? É uma pura revanche que não pode de modo algum contribuir para essa lei que, aliás, é uma lei desejada e necessária.
Como sabem, a matriz dessa lei ia no sentido de uma maior descentralização política e, portanto, de uma efectiva democratização do Estado, ao atribuir mais competências aos municípios, dando-lhes as respectivas verbas ou compensações financeiras. Mas os senhores inviabilizaram-na, pura e simplesmente.
Digo com toda a sinceridade que algumas das nossas reformas estarão, porventura, atrasadas. Admito que, numa ou noutra circunstância, tenha havido uma ou outra dificuldade na condução dessas reformas, mas faço lembrar ao Partido Comunista Português que em nenhuma das situações se discutiria, sequer, este ou aquele pequeno erro se não tivesse havido a vontade política do Partido Socialista de levar por diante essas reformas.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Os senhores sabem, e o Partido Comunista Português sabe, que não haverá equidade fiscal sem uma vontade política deste Governo de promover uma electiva reforma fiscal.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Muito bem!
O Orador: - Que fez o Partido Comunista? Por razões eleitoralistas, também não viabilizou, minimamente, a possibilidade de se começar uma electiva reforma fiscal.
Não haverá um efectivo Estado social sem a reforma da segurança social - o sentido da garantia desse Estado social -, e é bom que percebam que, se assim não for, se vencer a direita e o liberalismo, o Estado social, ainda incipiente em Portugal, mesmo esse, se perderá! E os senhores serão responsáveis perante o país, se forem responsáveis por uma alternativa à direita, colocando-se numa
situação de coligação negativa com a direita, pela destruição dessas próprias conquistas sociais.
Sabem igualmente que não haverá reforma democrática do Estudo napoleónico, herdado há séculos e comple-
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lamente viciado por 50 anos de fascismo, se inviabilizarem este Governo. Este Governo propõe-se e levará a cabo a reforma democrática do Estado - como sabem, o tempo em política é um tempo possível -, e não é a simples afirmação retórica da reforma, mas a possibilidade prática dessa reforma.
Também não ignoram que a esquerda no Governo é o Partido Socialista. Mais: enquanto os senhores não mudarem de atitude, o Partido Socialista não pode confiar numa estabilidade à esquerda,...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - ... necessária às reformas que temos de levar por diante!
Aplausos do PS.
Sabem disso e temem que a vontade política deste Governo, mesmo sem o vosso apoio, consiga concretizar essas reformas, porque se guiam, apenas e só, pelo vosso interesse egoísta.
Mais: com certo tipo de atitudes radicais, os senhores sabem que comprometem os vossos próprios representados e a vossa base social de apoio e, para além de a comprometerem, levam-na a atitudes cegas que só as podem vitimizar.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!
O Orador: - Não sei se é essa a ideia, porque se for, julgo que deveriam também reflectir sobre isso e corrigir essa vossa atitude.
Para não maçar mais o Hemiciclo, digo-vos o seguinte: façam o vosso congresso, «aggiornem-se»! Façam o que fez a Refundação Comunista que, apesar de não ter dado o passo do Partido Comunista Italiano, apoia um governo cujo primeiro-ministro é um democrata-cristão - faz um apoio crítico, mas apoia! E os senhores sabem qual é a actual atitude do Partido Comunista Francês.
Protestos do PCP.
Façam o vosso congresso, adiantem à esquerda democrática, que é o Governo socialista, mais esquerda no sentido de se conseguir uma efectiva reforma democrática do Estado, uma efectiva reforma da equidade fiscal e uma efectiva reforma da segurança social.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.
A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Strecht Ribeiro, V. Ex.ª fez uma proposta de coligação ao PCP, como bem entendi daqui, mas o que me parece é que, em primeiro lugar, ao fazer essa proposta - e está no seu direito fazê-la -, escusava de apontar para a esta bancada, porque, de uma vez por todas, é preciso que o Sr. Deputado entenda que as reformas sociais fazem-se aqui. Infelizmente, já não se fazem aí!
Risos do PS.
E deixaram de fazer-se aí no dia em que o PS e o PCP votaram juntos, em sede de revisão constitucional, a impossibilidade dessas reformas, em manifesta contradição com o Programa do Governo e, até, com o Livro Verde da Segurança Social.
Pergunto, por isso, que reforma de segurança social o Sr. Deputado tem na cabeça que possa ser feita com o Partido Comunista Português, que é completamente contrária à do seu Governo - era melhor esclarecê-lo já!
O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Muito bem!
A Oradora: - O Sr. Deputado também pode dizer ao Presidente da Comissão do Livro Branco que pode ir para férias, porque está a trabalhar para o boneco!
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Strecht Ribeiro.
O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, gostaria de lembrar-lhe - a gente sabe que a memória é curta! - que não passaram tantos anos assim para se conhecer a herança que este Governo recebeu, em todos os domínios. E convinha não escamotear que a mais pesada é o próprio Estado.
A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - O Estado que os senhores fizeram!
O Orador: - Mais: os senhores não contribuíram para a efectiva reforma democrática do Estado, aquela que já está em vigor há 20 anos, e em nada contribuem para a reforma democrática necessária que agora nos propomos fazer.
Se o Partido Comunista a quiser fazer connosco, pode ter a certeza de que a faremos, porque a questão é a reforma democrática do Estado e não se a fazemos com este ou aqueloutro partido. Esta é a primeira questão.
A segunda questão é muito simples: é evidente que o Partido Socialista tem uma concepção de Estado social. Pois claro que tem!
O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP) - Não, não, é de Estado socialista!
O Orador: - É uma matriz essencial a todos os partidos sociais-democratas e socialistas europeus.
A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Não é a mesma!
O Orador: - O Partido Socialista tem orgulho nessa herança histórica de esquerda e, certamente, se reformará no sentido de garantir a manutenção do Estado social e não noutro sentido - não sei se o Partido Comunista tem ou não esse pomo de vista, mas essa é uma questão do Partido Comunista e não do Partido Socialista.
Quanto à coligação, a Sr.ª Deputada deve ter reparado que não houve qualquer proposta de coligação mas, sim, uma afirmação clara de que o Governo é sustentado pelo Partido Socialista; sustentado, em absoluto, por este grupo parlamentar, independentemente das pequenas tensões que, aliás, em democracia, só favorecem o partido, o Governo e a própria democracia.
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Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Ninguém escamoteará que este é um partido plural, e sê-lo-á sempre, um partido livre e de livres pensadores, mas coeso,...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - ... sabendo de antemão que este Governo é o seu Governo... Não se iluda sobre isso!
A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Não lhe fazem a vida nada fácil!
O Orador: - Está enganada! A direita é que não faz a vida fácil a este Governo.
O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Também, era o que mais faltava!...
O Orador: - Bastava tê-los ouvido hoje, mesmo que já não tivesse memória do passado, para ver que os senhores fazem a vida fácil e amam profundamente este Governo... Claro, é o vosso Governo, está visto!... É visível pelas vossas intervenções...
Finalmente, ainda quanto à questão da coligação, como deve ter ouvido bem - certamente ouviu -, não houve qualquer proposta de coligação. Antes pelo contrário, foi dito claramente o seguinte: a esquerda é esta,...
O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Qual?
O Orador: - ... e não há volta a dar-lhe! É este Governo, é este partido, é este grupo parlamentar. Não tenha dúvidas sobre isso.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Olhe, Sr. Ministro António Vitorino, nada há a fazer!...
O Orador: - Certamente, não espero dos senhores o «aggiomamento» necessário, nem acredito nele - não me levem a mal! - de forma a pensar que será com o Partido Popular ou com o PSD que faremos as reformas que pretendemos.
A Sr.ª Deputada está lembrada, com certeza, de que, sempre que se propõe uma reforma, o líder do PSD diz que isso é para as calendas 3000, 4000 ou coisa que o valha! Portanto, não temos ilusões sobre a vontade de reformas dos partidos à nossa direita.
O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Quanto ao Partido Comunista, é evidente que lhes diz respeito a eles, e só a eles, a sua «reciclagem».
Riso do PS.
Se a fizerem, claro que entram nesta «família» e são indispensáveis às reformas que queremos prosseguir.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto pediu a palavra para que efeito?
A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Será mesmo, Sr.ª Deputada?
A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, queria apenas dizer que a memória, embora curta, não é tão curta que nos leve a esquecer que se o Estado que o Partido Socialista herdou é muito, muito grande e muito gordo foram os senhores que o fizeram assim, juntamente com o Partido Comunista.
O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, neste caso, a memória é tão curta, que V. Ex.ª se esqueceu do significado da figura da interpelação!
Risos.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.
O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, sinceramente, depois da intervenção blasé, para não dizer mais, e paternalista, para dizer um pouco mais, do Sr. Deputado Strecht Ribeiro, se me permitem a expressão, dou graças a Deus por integrar esta Assembleia, porque se assim não fosse, jamais poderia aprender tantas coisas como aprendi com o discurso que o Sr. Deputado Strecht Ribeiro acabou de fazer.
Aplausos da Deputada do PCP Odete Santos.
Porque os discursos valem o que valem, as palavras valem o que valem!
Queria lembrar ao Sr. Deputado Strecht Ribeiro que questões de natureza psicanalítica não se tratam aqui mas, sim, no sítio próprio; que questões de má consciência política também não se tratam aqui, tratam-se no sítio próprio!
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Quando o Sr. Deputado diz que nós, Grupo Parlamentar do PCP, «mostrámos uma manifesta postura anti-socialista», o que lhe quero dizer - e o senhor sabe-o tão bem quanto eu - é que nós temos mostrado uma manifesta postura contra a política do Governo, contra a política de direita de um partido que se chama socialista. É isto que lhe dói. Sr. Deputado!
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Strecht Ribeiro.
O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Calçada, claro que não fez qualquer pergunta e disse aquilo que sempre dizem, não é?,
designadamente que esta é uma política de direita e tal...
Sr. Deputado, devo dizer que hoje saio daqui fatigado, porque isto, realmente, é tremendo!
Afinal, há «união de
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facto» de manhã com o PSD, não sei se à tarde é com o PCP e à noite com o PP...
Risos.
Meus caros amigos, foi o que os senhores disseram!
No fundo, todas as bancadas, por ciúmes umas das outras, coligam-se, sistematicamente, contra o Partido Socialista...
O Sr. José Calçada (PCP): - Na aprovação dos Orçamentos não foi assim!
O Orador: - É um facto que os senhores não podem negar! As vossas afirmações cruzadas significam que nós estamos «amancebados» com todos vocês!
Risos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Economia.
O Sr. Ministro da Economia (Augusto Mateus): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostava de fazer uma intervenção centrada em algumas questões que me parecem bastante pertinentes.
Apesar dos pontos que já foram aqui apresentados, talvez valesse a pena fazer a seguinte reflexão: o ciclo económico é um ciclo favorável, como disse, e muito bem, o Deputado Galvão Lucas, mas, de qualquer forma, falta explicar por que é que uma política
macro-económica semelhante às políticas macroeconómicas seguidas por outros governos europeus, talvez com a diferença de ser uma política
macroeconómica que alcança os seus objectivos, que alcança objectivos em termos de política monetária, em termos de política orçamental, em termos de redução da inflação, em termos de redução do défice das contas públicas, em termos de estabilidade cambial e de baixa das taxas de juro, por que é que esta política
macroeconómica, repito, de convergência nominal e de criação de condições para a construção da união económica e monetária, produz, em Portugal, um ritmo de crescimento que representa o dobro do ritmo de crescimento nesse ciclo favorável. Trata-se de uma interrogação a que temos de responder, porque senão passamos ao lado de problemas fundamentais.
E, basicamente, gostava que me ajudassem numa reflexão.
Creio que não é muito relevante discutirmos quem é campeão deste ou daquele valor, desta ou daquela atitude. Em política, deve ser o povo, devem ser os cidadãos a identificar quem defende este ou aquele valor. Esse é um mecanismo essencial da democracia, e não apenas nos momentos eleitorais mas também naquilo que representa o dia-a-dia da democracia e da participação dos cidadãos.
O Sr. João Amaral (PCP): - Então, não é importante a convicção própria?!
O Orador: - É muito mais útil deixar que a opinião pública diga o que entende sobre a posição do Governo, sobre a posição do partido A ou do partido B, do que procurarmos apresentar-nos como defensores deste ou daquele valor. Isso é fundamental para as nossas convicções, é fundamental para a defesa daquilo por que nos balemos, mas talvez também seja fundamental deixar que a democracia funcione nessa matéria.
Não nos afastamos dos problemas estruturais se reconhecermos que, em Portugal, há um ciclo económico diferente daquele que se verifica na Europa, o qual está, por exemplo, traduzido no seguinte: o último dado sobre a produção industrial dá um crescimento homólogo superior a 8%. Desde o último trimestre de 1996, a indústria transformadora em Portugal cresce 4,5% ou 5%, ou seja, muito acima da média de
crescimento da indústria transformadora na Europa. Mas, muito justamente, não podemos esquecer que, ao mesmo tempo, este crescimento ainda não produziu um crescimento positivo do emprego; conseguiu-se apenas que, em termos de emprego gerado pela indústria transformadora, passássemos de taxas altamente negativas para taxas ainda negativas.
Portanto, a atitude correcta e rigorosa é a de admitir que os problemas estruturais estão aí e que são problemas significativos, sem precisarmos de criar ilusões ou de criar, sistematicamente, a negação da realidade para valorizar problemas estruturais que são suficientemente fortes para os podermos reconhecer. E, basicamente, temos também uma situação em que, por exemplo, no primeiro trimestre deste ano, as receitas do turismo aumentaram 28%, apesar de terem surgido sobre esse trimestre notícias de fracas ocupações hoteleiras, de fracas performances da nossa indústria.
O que está a acontecer, na Europa e em Portugal, ao nível dos vários sectores de actividade, é o aumento da pressão concorrencial, os desafios da construção de uma nova realidade, os desafios de criar riqueza e de a distribuir de forma mais equitativa, os quais estão a criar diferenças fundamentais ao nível das empresas e dos cidadãos e a agravar outras diferenças. E o que está a acontecer é que algumas empresas estão a fazer muitíssimo melhor do que outras, o que representa um traço, fundamental das políticas modernas, que é o de saber responder a esses problemas.
Para enfrentarmos os problemas fundamentais do País e da Europa não nos ajuda passarmos a vida a esconder aquela que é a realidade. A minha sugestão é a de que enterremos «oásis» e «desertos» e nos concentremos no seguinte: Portugal está a ter uma boa performance, do ponto de vista macroeconómico, mas, sobretudo, está a Ter uma boa performance, do ponto de vista microeconómico. E por uma razão muito simples: porque existem as tais parcerias que estavam aqui a ser criticadas, porque há uma política microeconómica dirigida às empresas, à sua competitividade, à criação de capacidade de financiamento, à sua consolidação, do ponto de vista da qualidade, da tecnologia. da inovação e da internacionalização, e é isso que está a fazer a diferença da situação da economia, portuguesa em relação às economias europeias. Isto não chega para resolver problemas acumulados ao longo dos anos, mas deixem-me dar uma nota muito tranquila sobre isso: este Governo não escolheu problemas com décadas. O célebre problema que aqui foi evocado pelo Deputado Passos Coelho, que já não se encontra presente, relativo ao Grupo Grão-Pará e ao Autódromo, o problema da Torralta e o problema da Lisnave não foram escolhidos por este Governo. Simplesmente, o Governo assume as suas responsabilidades e não acredita que um país possa ter sucesso e possa ter uma economia moderna e competitiva, deixando arrastar todo um conjunto de actividades, ao Deus dará, deixando arrastar, sistematicamente, problemas por resolver. Por isso, vamos ter indústria de construção
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e reparação naval e vamos poder sustentar um número significativo de postos de trabalho, porque se pegou no problema da Lisnave, porque se vai poder fazer a construção de um novo estaleiro que vai acomodar aquilo que são as debilidades de um estaleiro de reparação construído antes dos choques do petróleo e numa realidade muito mais rígida e muito menos flexível do que aquela que hoje existe. É isso que vai permitir a revitalização da Lisnave e a sua colocação como uma realidade extremamente competitiva no contexto europeu. Se o não fizéssemos. Portugal perderia uma indústria fundamental para o seu desenvolvimento, quando já perdeu grande parte da sua frota pesqueira, quando já perdeu grande parte da sua relevância no mar. Aquilo que estamos a fazer é a pegar nas realidades que herdámos e a dar-lhes solução.
Convinha também, embora aceite todas as críticas em todos os momentos, que dissesse que, de qualquer forma, considero ligeiro que se façam críticas ao Governo com base em títulos de jornais. E o Deputado Passos Coelho disse uma coisa perfeitamente fora de contexto que foi a de que eu teria dito que o Governo foi longe de mais. O que disse e que gostava de referir aqui foi que, para um ministro responsável pelo turismo e, do ponto de vista dos interesses da indústria automóvel, ter de perder o tempo que perdi por causa da questão da "Fórmula 1", mal vai Portugal. E que se fosse um país moderno e competitivo, o Autódromo estaria bem gerido, seria uma infra-estrutura moderna e valorizada, a Federação Internacional do Automóvel e o Automóvel Clube de Portugal teriam um contrato duradouro com essa infra-estrutura e a "Fórmula 1" aconteceria normalmente em Portugal. Este país tem de criar condições para que as coisas sejam assim, para que exista menos Estado e para que o Estado tenha uma atitude de promoção e não de permanente intervenção nestes problemas. Numa política de promoção do País, de promoção das actividades económicas, turísticas e comerciais, temos de ter actividades desportivas de relevância internacional, e não apenas a "Fórmula 1", porque há actividades do mesmo valor da "Fórmula 1" que tem de ser atraídas para o País. Não há qualquer concentração na "Fórmula 1", o que temos de ter é transparência e rigor na realização dessas provas.
O PSD, muitas vezes, posiciona-se - e dou-lhe razão, digamos assim - contra falar-se de "heranças". Raramente falo de "heranças", mas, curiosamente, na "Fórmula 1" falaram-me de um legado, que é a herança ao contrário. O legado era a "Fórmula 1", mas era um legado pobre, porque o que acontecia era "Fórmula 1" sem contrato, com total discricionaridade. A "Fórmula 1" realizava-se em Portugal sem qualquer contrato, sem qualquer capacidade para, digamos assim, acomodar a realização da prova, com protocolos casuísticos ano a ano, com pouco rigor e, obviamente, era necessário justificar investimentos públicos que pudessem ser feitos num contexto de rigor.
Aquilo que sucedia, todos os anos, era dinheiro público dos contribuintes ser malbaratado para mais um protocolo casuístico, para que, mais uma vez, se prolongasse uma "Fórmula 1" completamente diferente da dos outros países. Aquilo que vamos passar a fazer é uma análise custo/benefício do investimento na "Fórmula 1", porque há outras realidades importantes, no domínio do desporto automóvel e também no domínio do golfe, do ténis e de muitas outras coisas, que podem dar à zona de Estoril/Cascais/Sintra um valor fundamental, desse ponto de vista, em termos turísticos e, obviamente, acautelar postos de trabalho e defender as realidades.
O Sr. Artur Penedos (PS): - Mas o Deputado Pedro Passos Coelho não está interessado! Tanto que já foi para Cascais!
O Orador: - Quanto à questão que foi colocada, ontem tomei a iniciativa de pedir à Sr.ª Presidente da Comissão de Economia, Finanças e Plano que pudesse agendar uma reunião, para poder dar os esclarecimentos não só sobre o acordo feito com o Grão-Pará como também sobre a celebração do contrato com o Sonae para a recuperação da Torralta, como tenho feito em relação a muitos outros aspectos que tenho sempre procurado trazer ao Parlamento.
Gostava, no entanto, de chamar a atenção para outro ponto fundamental: nesta matéria, aquilo de que o País necessita é de criar, com rigor, com base na legalidade, com base nos instrumentos existentes, soluções para problemas que se arrastam há muito tempo, invertendo completamente a situação. O que não pode acontecer neste país é acumularem-se, permanentemente, dívidas ao Estado, arrastar-se a degradação de um património com potencial de valorização e manter-se uma situação em que, em áreas fundamentais para o desenvolvimento do País, temos empresas e realidades que são a negação daquilo que queremos construir.
Este país tem condições, exactamente porque está a crescer mais ou menos ao dobro da velocidade da Europa, para acentuar esse crescimento, ao longo de 1998 e de 1999. E não se trata de um crescimento meramente centrado na construção e obras públicas. Dei-vos indicadores sobre a indústria e sobre o turismo, mas, de um modo geral, a nossa economia está a crescer e está a crescer puxada pelo investimento e pelas exportações, ou seja, está a crescer bem, honrando aquelas que são as necessidades do seu ajustamento estrutural em matéria de crescimento da produtividade. E se conseguirmos acelerar o crescimento para além dos valores actuais, de cerca de 3,5% para 4%, teremos condições para reduzir significativamente o desemprego conjuntural, embora não possamos responder, por essa via, aos problemas do desemprego estrutural, porque esses têm de obter resposta com outras políticas.
Aquilo que me parece fundamental é não confundirmos uma situação conjuntural favorável ao País, que deve ser reconhecida, que deve ser trabalhada, do ponto de vista de fortalecer a confiança dos portugueses no seu futuro, com um conjunto de graves problemas estruturais a que é preciso fazer frente.
O que não é compreensível é, para umas coisas, o Governo ser acusado de não governar e, para outras, quando assume as responsabilidades, quando toma decisões, ser acusado de fazê-lo, tal como não é admissível criar o mito de que as reformas estruturais são neutras. Não há reformas estruturais neutras! Há problemas estruturais que exigem reformas da nossa sociedade, mas essas reformas tem cor, tem valores, tem convicções. Portanto, não se trata de fazer ou não reformas; trata-se de fazer as reformas que respondem aquilo que são valores fundamentais, e os valores fundamentais a prosseguir nesta sociedade são o de não fugir à criação de riqueza, e, portanto, ao problema da competitividade - Portugal e a Europa têm de encontrar novas formas de criar riqueza, de melhorar a competitividade das empresas, da Administração Pública e das Universidades -, e o de encontrar novas formas de repartir essa riqueza. Trata-se de um desafio fundamental. É nesse terreno que
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se ganham as batalhas e não no terreno das palavras, no terreno de ver quem fala mais alto.
Com o risco que me podem imputar, dou o exemplo da crise da Renault. Esta empresa perdeu 160 milhões de contos no ano passado e está numa crise profunda. Em Portugal, foi celebrado um acordo entre o Governo português e a Renault - mais um acordo em que o Ministro da Economia esteve envolvido -, que determinou, desde há 18 meses, na unidade de Setúbal, apesar da unidade de Vilvoorde, tão falada nos últimos tempos, com custos de transporte tão prejudiciais à competitividade da unidade de Setúbal, a seguinte situação: trabalha-se, trabalha-se com dignidade, trabalha-se com normalidade, trabalha-se dando lucro e, sobretudo, trabalha-se com um exemplo de enorme responsabilidade da comissão de trabalhadores e de todos os trabalhadores da unidade da Renault de Setúbal, que, hoje, é uma empresa controlada pelo Estado. Esta unidade vai ser reconvertida, vai possibilitar a esses trabalhadores e à península de Setúbal dispor de mais um elemento que permita que, na península de Setúbal, a indústria automóvel seja um valor fundamental no desenvolvimento da indústria e da economia portuguesas. É assim que as coisas se resolvem e não com declarações bombásticas ou com declarações tonitruantes sobre valores ou sobre realidades.
Em Julho de 1998, que é o mês em que acaba o contrato de montagem, negociada entre a Renault e a sociedade para o desenvolvimento da indústria automóvel, que gera a unidade de Setúbal, terei muito gosto em estar neste Parlamento para, convosco, comparar a situação da unidade de Setúbal com a situação de unidade da Vilvoorde. Embora nunca tenham ouvido ao Ministro da Economia de Portugal fazer declarações que não fossem no sentido de defender os postos de trabalho, defender a indústria automóvel do nosso país e demonstrar que é possível, assumindo responsabilidades e riscos, criar realidades que vão efectivamente ao encontro dos interesses dos portugueses.
A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!
O Orador: - Vamos pedir aos trabalhadores dessa unidade e à população da península de Setúbal que formulem a sua opinião sobre quais são as melhores políticas, as que têm consciência social ou não têm, as que produzem ou não resultado. Tal como vamos poder fazer isso mostrando que na península de Tróia vai ser possível pôr fim a mais de 20 anos de não valorização do património, de não criação de realidades empresariais com o mínimo de dignidade, vamos poder mostrar que é possível ter projectos turísticos e que se constrói, ao contrário de algumas das heranças que todos temos em Portugal, que é uma sobre-utilização dos recursos naturais, que são projectos turísticos sem respeito pelo ambiente nem pelo ordenamento do território.
É, pois, este o caminho que o Governo está a seguir, é este caminho que cria uma grande responsabilidade a todos, Governo e oposição, que é, no essencial, deixar de perder tempo a discutir as evidências, porque as evidências traduzem-se na economia, que está a crescer mais do que a economia europeia; no desemprego conjuntural, que está a reduzir-se significativamente em Portugal. Temos condições para acentuar este processo de crescimento económico, vamos aceitar isso como uma grande oportunidade para fazer as reformas. As reformas fazem-se por iniciativa do Governo, mas também se fazem em colaboração com o Governo e a oposição.
A situação da economia portuguesa permite-nos fazer as reformas. Vamos aceitar esse desafio, vamos concentrar-nos naquilo que são os problemas fundamentais, onde as diferenças dos partidos, onde as diferenças entre o Governo e a oposição se podem acentuar; o que não vamos é fazer oposição com base nos títulos dos jornais, nem vamos passar a vida a discutir problemas sem irmos ao fundo do que eles significam. É isto que acontece e é por isso que a economia portuguesa, apesar do que aqui foi dite, continua a progredir, continua a ter uma situação de progresso e continua a poder permitir ousadia na transformação estrutural da situação da nossa sociedade e da nossa economia, mostrando que é possível "casar" competitividade com coesão social, que é aquilo que em Portugal e na Europa é decisivo. É tão decisivo que, após a criação da moeda única, que é uma tarefa fundamental para os europeus, vamos poder ter condições para batalhar por algo absolutamente fundamental, que é consolidar essa situação, assumindo novas prioridades, assumindo decisivamente aquilo que é uma Europa ao serviço do desenvolvimento económico e da criação de emprego, que vai exigir novos desafios aos portugueses e aos europeus.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!
O Orador: - O ano de 1998 será um ano decisivo do ponto de vista português e do ponto de vista europeu. Todos erraríamos se, discutindo ninharias, questões secundárias sem profundidade, malbaratássemos uma oportunidade de termos uma Europa mais competitiva e mais solidária e um Portugal mais central na construção da Europa, com maior protagonismo, com maior capacidade de satisfazer as expectativas da sua população.
Estes são os verdadeiros problemas do País. É aqui que se mede se um governo governa ou não; é aqui que se mede se uma oposição tem ou não credibilidade para as críticas que faz.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Maria José Nogueira Pinto, Lino de Carvalho, Vieira de Castro, Pedro Feist, Pedro Passos Coelho e Luís Queiró.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.
A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, devo dizer que gostei de o ouvir, porque o Sr. Ministro centra os debates, centra os temas. Isso é uma verdade! Podemos discordar, podemos duvidar, mas não há dúvida alguma.
Sr. Ministro, aquilo que distingue os desafios e os problemas quando estamos a olhar para a mesma realidade (uns dizem "é um problema", outros dizem "é um desafio") é aquela distinção entre riscos certos e vantagens incertas. No fundo, quando colocamos alguma dúvida é porque estamos a ver o risco certo e não a vantagem certa.
Vou fazer-lhe duas perguntas muito concretas. A primeira é a seguinte: considera que vai ser ou não necessário adoptar a legislação laborai europeia em Portugal? Se sim, quais as consequências no mercado de trabalho português?
A segunda pergunta é no sentido de saber se prevê ou se tem algum estudo sobre a repercussão, na economia
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portuguesa, do alargamento da União Europeia aos chamados "PECO"?
Eram estas as duas questões, porque presumo que quem vê não problemas mas desafios, já deve ter isto estudado.
O Sr. Presidente: - Uma vez que o Sr. Ministro responderá no final dos três primeiros pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, V. Ex.ª, sempre que vem à Assembleia, brinda-nos com interessantes aulas de Teoria Económica. Mas, na Teoria Económica, como o Sr. Ministro sabe tão bem como eu ou melhor, as variáveis têm que jogar, têm de ser coerentes. E a questão, Sr. Ministro, é que as suas variáveis, no quadro da teoria que aqui nos traz, nunca jogam com os resultados concretos, com os outputs dessas mesmas teorias.
Sr. Ministro, sendo a política do Governo a de privilegiar a aceleração de privatizações e desmantelamento do sector público, numa economia onde o sector publico tem ainda um importante papel a desempenhar de alavanca de vários segmentos de actividade económica; sendo uma política de condicionamento do investimento público em resultado dos constrangimentos resultantes dos acordos de Maastricht; sendo uma política de desregulamentação dos mercados, como está a verificar-se, em resultado também de uma política neoliberal no plano da chamada "globalização da economia"; sendo uma política que tem vindo a liquidar aspectos estratégicos do sector produtivo - e estou a lembrar-me da agricultura, das pescas, da indústria metalúrgica (ainda há dias foi anunciado que se corre o risco de metade das empresas metalúrgicas em Portugal fecharem) -, pergunto, tendo em conta a estrutura produtiva da economia portuguesa, se esta política conduz a alguma saída de sustentação para uma economia moderna, progressiva, competitiva, uma economia que se baseie nas capacidades produtivas do país, no saber fazer do País e de forma a criar emprego.
Aliás, o Sr. Ministro reconheceu que, podendo, eventualmente, estar a combater-se o desemprego conjuntural - e já verificámos que esses dados têm muita coisa escondida em matéria de transferência para a agricultura -, ele mantém-se. Mantém-se e vai manter-se e agravar-se, porque estes segmentos, estas vertentes, estas orientações da política económica vão conduzir não a uma economia portuguesa mais sustentada, mais capaz de competir num mercado aberto, mas a uma economia mais fragilizada, em que os sectores em termos de algum saber fazer estão a ser progressivamente destruídos. Esta é que é a questão central.
Mas há mais, Sr. Ministro: as pessoas não são feitas para a economia, a economia é que é feita para as pessoas e para a melhoria das suas condições de vida. O Governo a que o Sr. Ministro pertence fala persistentemente na melhoria dos indicadores da economia portuguesa, mas o que verificamos permanentemente no País é um agravamento do desemprego, do desemprego precário, da desorganização regional, da distribuição da riqueza.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Ponha os óculos para ver melhor!
O Orador: - O senhor está excitado a esta hora e à quinta-feira!...
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - V. Ex.ª entusiasma-me sempre!
O Orador: - Sr. Ministro, no ano passado, por exemplo, entre 1993 e 1996, o peso do factor trabalho no rendimento disponível das famílias continuou a descer - desceu de 58,3 para 55,8%. Isto é, há obviamente um agravamento das condições da distribuição do rendimento disponível nas famílias.
Mas vamos a algumas questões concretas, Sr. Ministro, porque a economia também se faz de coisas concretas.
O Sr. Presidente: - Já não podem ser muitas, Sr. Deputado. Agradeço que termine.
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Primeira questão: Plano Mateus. A verdade é que o Sr. Ministro tem confessado que o Plano Mateus não correspondeu, nem de longe nem de perto, às expectativas iniciais; é o Sr. Ministro que confessa, numa entrevista que deu, que esteve sozinho no terreno! Devemos-lhe, aí, alguma solidariedade: não devia estar sozinho, Sr. Ministro - devia estar com o Ministro das Finanças e com o Primeiro-Ministro que, quando foi oportuno, privilegiaram este plano e a sua propaganda mas depois, quando viram que falharam, o deixaram sozinho no terreno. Foi ingénuo, Sr. Ministro, foi ingénuo!
Segunda questão: Autodril. Acha o Sr. Ministro que uma compensação de 20 milhões de contos para a Grão-Pará é um negócio razoável para o Estado?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de terminar.
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Terceira questão: SONAE e Torralta. Quando é que o Sr. Ministro fornece à Assembleia os documentos dos negócios da SONAE e da Torralta? É verdade ou não, Sr. Ministro, que, nesse quadro, desse negócio, foram dadas concessões especiais para um diminuição do imposto de jogo a pagar pela SONAE? É verdade ou não que está perspectivada a alteração do cais de acostagem com vista, eventualmente, à privatização da praia? É verdade ou não que foram dadas concessões deste tipo. Sr. Ministro? Estas são as questões.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem mesmo de terminar.
O Orador: - Por fim, o Sr. Ministro das Finanças acompanhou a situação da Autodril e da Torralta? Quando é que vem aqui, à Assembleia, falar sobre isto?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vieira de Castro.
O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Economia, eu gostaria de distinguir V. Ex.ª com uma pergunta sobre o plano que assumiu o seu nome: o Sr. Ministro não lhe dedicou uma única palavra! Não tivemos, portanto, mais notícias sobre o Plano Mateus! Neste caso, todavia, a ausência de notícias significa que as notícias que teria para nos dar são más - são as mesmas que nos foram dadas pelo Presidente do Gabinete para a Cooperação e Recuperação de Empresas.
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O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Já não serve para si, Sr. Deputado! Já não tem recuperação!
O Orador: - Queria perguntar ao Sr. Ministro se mantém a afirmação que fez, há um mês atrás, relativamente a uma pergunta que lhe foi formulada pela minha colega Manuela Ferreira Leite: o Sr. Ministro disse, então, que o Grande Prémio de "Fórmula 1" estava garantido para este ano em Portugal. Pergunto ao Sr. Ministro se mantém que o "Grande Prémio de Fórmula 1" vai ser realizado. A esse propósito, o Sr. Ministro disse que se abstinha de falar na "herança", mas que nós tínhamos referido que tínhamos deixado um "legado"; e disse que nem sequer havia contrato para a realização do Grande prémio de "Fórmula 1" - mas, Sr. Ministro, apesar de não haver contraio, durante os nossos governos, nunca deixou de se realizar o Grande Prémio de "Fórmula 1", nem nunca sequer esteve em causa a realização dessa prova, como muito bem sabe.
A segunda pergunta tem a ver com o acordo celebrado entre o Governo e a Grão-Pará: é um acordo complexo, que nós vamos analisar e queremos avaliar se, nesse acordo, está bem defendido o interesse do Estado. Queremos saber se esse é um acordo equilibrado. Registamos a disponibilidade do Sr. Ministro para vir ao Parlamento esclarecer matéria do acordo, mas não chega porque não é só o Sr. Ministro da Economia que tem a ver com esse acordo, e nós vamos requerer também a presença do Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Já é habitual! Isso é uma fixação!
O Orador: - O esclarecimento do Sr. Ministro da Economia é importante, mas também é importante o esclarecimento do Sr. Ministro das Finanças. Entretanto, ao Sr. Ministro da Economia faço a seguinte pergunta: esse acordo envolve matéria fiscal; houve uma cerimónia de assinatura desse acordo, cujo texto prevê que o Sr. Ministro das Finanças o assine. Sendo que na cerimónia não esteve nem o Sr. Ministro das Finanças nem nenhum Sr. Secretário de Estado do Ministério das Finanças, apesar disso, será que o Sr. Ministro das Finanças está de acordo com o acordo celebrado entre o Estado e a Grão-Pará?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Economia.
O Sr. Ministro da Economia: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, colocou duas questões muito relevantes - obviamente, muito fora de algumas coisas que aqui discutimos. Vou dar-lhe apenas uma nota da sua importância: em relação à legislação laboral, é um tema de grande relevância e que nos aconselha a trabalhar num contexto de iniciativa dos governos mas também de colaboração entre o Governo e as oposições, e num contexto de utilização de espaços de concertação que existem em Portugal. Temos pontos fundamentais nessa matéria: mais do que jogar entre a Europa e Portugal, temos um desafio de adaptação à evolução da vida.
Temos em curso (não falei disso aqui mas dará o seu resultado em devido tempo e então falarei) a revitalização dos centros das nossas cidades com base em projectos de urbanismo comercial que desafiam coisas como os horários de abertura do comércio, de forma a adaptarem-se, por exemplo, à vida das vida das famílias - tema de que aqui nos fala sempre. Se calhar, há, com vantagem para todos, a necessidade de reformular horários consagrados - bem sei que são horários consagrados há muito tempo, que têm diferentes interpretações e diferentes significados para as várias pessoas. Aquilo que na sociedade portuguesa não pode existir são reformas que não sejam maioritárias nem reformas que sejam feitas contra interesses particulares, sejam eles dos empresários ou dos trabalhadores - temos de ter reformas a favor da evolução da nossa sociedade. E isto é algo que não pode ser imposto contra ninguém: tem de ser uma reforma que permita criar uma vantagem competitiva em Portugal, o erro de pôr Portugal a adaptar-se àquilo que são outras realidades do exterior é perder vantagens competitivas. Um país que consiga criar uma legislação laboral adequada ao seu estilo de vida, adequada às suas potencialidades, ganha uma enorme competitividade em relação a outros países e pode fazê-lo num contexto de melhoria das condições de vida dos seus trabalhadores.
Quanto à questão dos Países da Europa Central e Oriental (PECO), Portugal pode escolher dois caminhos: pode escolher um caminho votado ao insucesso, que é sentir-se ameaçado pela entrada desses países na União Europeia, sentir que vai perder fundos estruturais e batalhar por continuar a ser um país da coesão, única e simplesmente. Portugal tem de adoptar uma atitude diferente, tem de aproveitar oportunidades de investimento e de comércio com os PECO e tem de se preparar para que, na gestão dos fundos comunitários, para além da manutenção de um elevado nível de investimento em infra-estruturas que reforcem a coesão da Europa, no seu conjunto, tenha a possibilidade de utilizar fundos estruturais para matérias que têm a ver com a qualidade, com a inovação, com a qualificação dos recursos humanos, que são absolutamente fundamentais. É, basicamente, um desafio e não um custo o que temos pela frente.
O Sr. Deputado Lino de Carvalho colocou-me várias questões, algumas muito importantes, outras mais conjunturais. Quanto a estas, vou fazer aquilo que propus à Câmara e penso que é a melhor maneira, ou seja, estarei, tão depressa quanto possível, numa reunião da Comissão de Economia, Finanças e Plano para poder, em relação a muitas das questões que colocaram (Grão-Pará, Torralta), dar todos os esclarecimentos. Não vou deixar passar uma ou outra coisa, porque seria não satisfazer as perguntas e manter uma situação em que estaríamos a discutir por interposto jornal, que é uma coisa que me parece absolutamente inadequada.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - V. Ex.ª virá acompanhado pelo Sr. Ministro das Finanças, seguramente!?
O Orador: - Sobre essa matéria, gostava de dizer que o acordo da Grão-Pará foi um acordo que foi subscrito por mim e pelo Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, que foi mandatado pelo Conselho de Ministros para conduzir todo o processo de negociação do acordo global com o Grupo Grão-Pará. Eu intervim neste processo porque, como Ministro responsável, como vos expliquei, pela área do turismo e pela da indústria automóvel, procurei que o acordo se fizesse num tempo também útil para o desenvolvimento dessas responsabilidades e o acordo foi ratificado pelo Conselho de
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Ministros. Portanto, é um acordo que tem o apoio de todos os Ministros, como não podia deixar de ser.
O Sr. João Amaral (PCP): - Estava lá o Sr. Ministro das Finanças?
O Orador: - O acordo tem o apoio de todos os Ministros. Devo dizer que, para além do Conselho de Ministros, em todo o processo de negociação do acordo, estive sempre em contacto com o Sr. Ministro das Finanças e, na equipa técnica que trabalhou, esteve sempre, para além de um adjunto meu, um adjunto do Sr. Ministro das Finanças, trabalhando em pé de igualdade. Portanto, a maneira de fazer é esta e acautela as questões que colocaram.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Estou a ver que não estava lá o Sr. Ministro das Finanças!
0 Orador: - Quanto à Torralta, gostaria de não deixar passar todo o tema que se passou a propósito do jogo. O que está consagrado no contrato e que terei oportunidade de explicar na reunião da Comissão de Economia, Finanças e Plano, é basicamente o seguinte: para além do imposto especial de jogo, que, como sabem, está fixado numa lei que está em vigor, fica estabelecido, nos termos que irão ser usados para a elaboração de um decreto-lei, que - correndo todo este processo, como se espera, de saneamento jurídico, saneamento financeiro, lançamento de um projecto de investimento - existirá (para além do imposto especial de jogo e para além daquilo que é obrigatório pagar aos Serviços da Inspecção-Geral de Jogos em qualquer concessão) uma contrapartida fixa de 10% que evoluirá para 12,5% e para 15%. Isto dará, no final da concessão, exactamente a mesma situação do Casino de Vilamoura, por exemplo, sendo que a Lei do Jogo estabelece, para a situação de Tróia, um menor potencial do que qualquer outra do Algarve - a concessão de Tróia está equiparada à do Vidago e à de Porto Santo. É uma matéria perfeitamente pacífica. Qualquer ilação à volta de qualquer coisa especial em matéria de jogo é, pura especulação.
Mas quanto às questões fundamentais que o Sr. Deputado Lino de Carvalho colocou, e que me agradam, não tenho tempo para abordar todas mas vou referir duas muito importantes. A primeira é a industria metalúrgica. Estive ontem a abrir o seminário promovido pelas associações, do sector e tive ao meu lado o presidente da associação que fez essas declarações; e tive oportunidade de dizer a esse presidente o mesmo que disse aqui hoje, ou seja, mal vai um país onde, para chamar a atenção para uma indústria, tem de se apresentar um clima de catástrofe. É um disparate, é ridículo! Estou a usar as mesmas palavras que usei na abertura do seminário: é um disparate e é ridículo, de um sector que tem a diversidade que tem o sector da indústria metalúrgica e metalomecânica em Portugal, e que tem a performance que teve esse sector nos últimos anos, apresentar uma visão catastrofista de que metade do sector vai desaparecer. Obviamente que em nenhuma actividade deixam de desaparecer empresas e deixam de aparecer novas empresas. O que acabou em Portugal foram associações empresariais ou empresas que, para obterem determinadas contrapartidas do Governo, falam alto ou dão nas vistas - dar nas vistas ou falar alto não induz qualquer alteração nas políticas que o Governo está a conduzir nesta matéria. Hoje, por acaso, o mesmo presidente que tinha feito essa declaração, veio dizer que, afinal, o sector não está numa situação tão má e que do seminário resulta todo um conjunto de ilações que permite enfrentar a situação.
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, agradeço que termine.
O Orador: - Quanto à questão das privatizações, que considero muito importante, quero dizer que o mundo em que vivemos é um inundo onde o Estado deve garantir a orientação da economia em termos de que as empresas que produzem bens e serviços de forma concorrencial e competitiva, tenham condições...
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - A Sr.ª Thatcher dizia o mesmo!
O Orador: - A Sr.ª Thatcher é a Sr.ª Thatcher! E não dizia o mesmo! Na sua opinião, pode dizer; mas não dizia o mesmo!
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, tem de terminar.
O Orador: - As privatizações são fundamentais para manter postos de trabalho e para que as empresas portuguesas se internacionalizem e se tornem competitivas.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Então, e o "Grande Prémio"?
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, houve aqui um problema de tempos. Sei que o Sr. Ministro ainda tem mais dois pedidos de esclarecimento, mas é também muito desagradável deixar sem resposta o Sr. Deputado Vieira de Castro. Portanto, se o Sr. Presidente, com a sua proverbial generosidade, consentisse ao Sr. Ministro da Economia concluir já a resposta ao Sr. Deputado Vieira de Castro, e se algum dos grupos parlamentares tivesse a amabilidade de ceder algum tempo, penso que poderíamos ficar ...
O Sr. Presidente: - O PS informa que concede cinco minutos - se ninguém se opuser... Se houver oposição de um grupo parlamentar, não poderei deixar de cumprir o Regimento. Mas, se não houver, tenho muito gosto em que o Sr. Ministro esgote o tempo de que dispõe com esta resposta.
Dado que não há oposição, tem a palavra, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro da Economia: - Sr. Presidente, ainda bem.
Sr. Deputado Vieira de Castro, eu ia responder-lhe depois, mas agradeço a oportunidade de ter um pouco mais de tempo. Quanto à "Fórmula 1", as coisas têm de ser tratadas com todo o rigor: vamos ter um contrato de dez anos para ter "Fórmula 1" em Portugal de 1998 em diante. Em relação a este ano, espero, durante a próxima semana, poder dar-lhe uma resposta definitiva. Aquilo que posso dizer é que, por aquilo que depende do Governo, em nenhum momento a "Fórmula 1" esteve em dúvida; e aquilo que posso afirmar, é que há todas as condições para
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que, em 1997, exista "Fórmula 1" em Portugal - mas não posso confirmar, absolutamente. Devo dizer que a dimensão da "Fórmula 1", tal como nós entendemos, em termos do seu papel na promoção do País, em termos do seu papel no desenvolvimento do turismo e da indústria automóvel no nosso país, é fundamentalmente importante num contexto que é o que vai conduzir a que haja "Fórmula 1" duradouramente com minimização dos investimentos, com optimização desses investimentos nos próximos 10 anos. Era interessante manter a "Fórmula 1" em 1997 e tudo fizemos e faremos para isso. Sinceramente penso que vamos ter condições para o fazer e durante a próxima semana terei oportunidade de poder confirmar isso.
O Sr. Presidente: - Para formular o seu pedido de esclarecimento, a palavra ao Sr. Deputado Pedro Feist.
O Sr. Pedro Feist (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Economia, devido ao pouco tempo de que disponho - agradeço ao PSD o tempo que nos cedeu - e à intervenção de um colega de bancada, vou ater-me apenas à questão da microeconomia que de uma forma bastante explícita tentou traduzir com uma certa dose de optimismo do qual não compartilho. E não compartilho pelo seguinte: o Sr. Ministro disse que a microeconomia está em boa situação, mas eu diria que não está em boa situação porque a microeconomia são os empresários que recorrem ao crédito caro, são os empresários que reformam letras a 24/25%, são os empresários que vêem hoje a lei da despenalização dos cheques sem provisão avançar, são os empresários que têm um crédito selectivo na banca, são os empresários que pagam os juros de protecção, são empresários que pagam os juros selectivos, no fundo, o "chapéu de chuva" onde faz sol sempre para aqueles que não podem gozar desses benefícios.
E também lhe chamava a atenção, se bem que saiba que o seu ministério se ocupa disso e bem embora merecesse talvez ainda mais reforço, para a questão das contrafacções. O Sr. Ministro sabe que Portugal, aliado à Turquia e à Tailândia, é o terceiro país onde as contrafacções mais afligem e onde o crime mais compensa e que esse é um problema terrível para os empresários, para as marcas e que retira a confiança no nosso país e retira a confiança nos investimentos em Portugal. E sabe que quer na área da produção quer na área da distribuição assim acontece e que isso põe em perigo os milhares de pequenos empresários e os milhares de trabalhadores que ao lado deles fizeram a sua vida. É aí, Sr. Ministro, que o tecido económico está a romper e é por isso que não compartilho da visão optimista que V. Ex.ª transmitiu.
O Sr. Presidente: - A palavra, para formular o seu pedido de esclarecimento, ao Sr. Deputado Luís Queiró.
O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr Ministro da Economia, é sempre um gosto, mas também um problema, discutir consigo além de tudo o mais porque não sou economista e essa também é uma razão relevante. No entanto, não queria deixar de dizer-lhe que não é fácil estabelecer aqui uma polémica consigo, como aliás, se devia estabelecer uma vez que estamos numa Câmara pública, porque V. Ex.ª, a haver uma remodelação, deveria pedir para ser o ministro do bom senso, o ministro das palavras sedutoras, suaves, pragmáticas, do apelo à obra e menos ao verbo e à retórica, da resolução dos casos concretos da microeconomia, da enunciação de objectivos, muitas vezes sem apontar as soluções para atingir esses objectivos, de maior competitividade, mais emprego, mais investimento, mais riqueza, melhor distribuição... É difícil não concordarmos todos com isso. O diabo é a realidade e sobretudo a realidade que o circunda no aparelho de Estado. O diabo é, por exemplo, a rede pública de saúde que não funciona. O diabo, por exemplo, é o sistema de justiça que não funciona, que é lento, que não permite a resolução dos conflitos com rapidez e com justiça. O diabo, por exemplo, é a nossa rede notarial e registral, cara e ineficiente, que conduz a uma corrupção endémica - uma coisa é rápida se dermos "10 tostões" a alguém para aquilo andar. O diabo são os sintomas de subdesenvolvimento com os quais V. Ex.ª convive num Governo que, na verdade, vive ele próprio com muita dificuldade em dar passos relevantes nessa matéria.
Estou inteiramente de acordo consigo quando V. Ex.ª, a certa altura, disse uma coisa certa: que é preciso deixar a economia funcionar, que é preciso menos Estado. Deve ter reparado que abri os braços e disse que esta bancada estava à sua disposição quando quiser vir defender isso com ênfase porque é nisso mesmo que acredito. Aliás, acho que o Governo será perfeito e a economia estará a funcionar e o país estará desenvolvido quando o seu lugar não precisar de ser preenchido. Nessa altura, quando não fosse preciso haver ministro da economia, é que o país estaria ao nível dos sistemas europeus.
O Sr. José Calçada (PCP): - O senhor é um marxista encapotado!
O Orador: - Ainda não fiz esse trajecto.
Risos.
Sr. Ministro, num país da União Europeia mete muita impressão que o Ministro da Economia se desloque a Londres para resolver um problema como o da "Fórmula 1". Para mim seria natural que, por exemplo, o ministro do Togo fizesse isso e não o de Portugal e sem ofensa para o Togo pois estamos a falar de estados de desenvolvimento.
Mas quero deixar-lhe uma pergunta concreta: V. Ex.ª interveio num conjunto de acordos estabelecidos para resolver um conjunto de situações com empresas que atravessavam graves dificuldades, a bem dizer, tentando desapertar o "nó cego" que o seu próprio partido criou há 20 anos atrás em muitos desses casos, o que não deixa de ter a sua graça.
V. Ex.ª assumiu o risco e vai ter que responder pelo risco que assumiu. Primeiro, V. Ex.ª utilizou a faculdade que permite ao Estado conceder benefícios fiscais por via contratual e sem curar de saber se fez bem ou mal. Pergunto-lhe: acha bem? Acha que um sistema fiscal que precisa de um Estatuto de Benefícios Fiscais para serem concedidos por via contratual é um sistema justo? Não é um sistema que cria distorções graves em relação à concorrência? Não acha ou não defende, nessa aproximação aos países mais desenvolvidos, que devíamos fazer como a Irlanda que a seu tempo criou um sistema fiscal onde a taxa de IRC é baixa para cativar o investimento? Há outros países que estão a
fazer isso. Não acha que é por aí em termos gerais, que se devia ir? Não era por aí que se incentivava o investimento, se limitava a distorção da concorrência e se captava um investimento e se alcançava o progresso?
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Assim é que era, acho eu.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - A palavra ao Sr. Ministro de Economia, para responder aos dois pedidos de esclarecimento.
O Sr. Ministro da Economia: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Feist, não fiz um discurso optimista, o que referi e é muito importante, foi que quem quiser pensar a razão por que Portugal cresce ao dobro da média da Europa, com uma política macroeconómica mais eficaz que a de muitos países europeus, mas centrada numa coisa essencial que é a convergência nominal, tem que buscar a solução na microeconomia. E na microeconomia há - e fui muito claro nessa matéria - empresas extremamente dinâmicas que criam postos de trabalho, que criam riqueza, que têm aumentos substanciais de vendas. Estive recentemente no Porto a distribuir aquilo que é a consagração de pequenas e médias empresas de comércio pois pela primeira vez há para as pequenas empresas desse ramo o "Prémio Excelência" que não é um prémio, não é uma taça, é o acesso a condições de crédito exactamente iguais ou mais competitivas que as das grandes empresas. Pode dizer-me que eram só 150 empresas, mas o que é facto que essas empresas têm essa possibilidade. Aliás, essas empresas ao longo dos últimos dois anos aumentaram as suas vendas 10% ao ano, cresceram os seus resultados líquidos a mais de 20% ao ano, os impostos que pagaram aumentaram cerca de 13% ao ano e aumentaram o emprego em 5%. Ou seja, existem estas empresas e existem outras que vivem com dificuldades e para isso é preciso um sistema para auxiliá-las e era isso o que lhe deixava para reflexão e não é para ser optimista ou pessimista. É para reconhecer que a batalha fundamental do crescimento e do desenvolvimento se ganha no tecido empresarial, na chamada microeconomia, com uma macroeconomia sólida que é fundamental para estabilizar as decisões.
E neste terreno deixo uma reflexão: toda a análise que se fizer em Portugal mostra que o crédito concedido pelo sistema financeiro tem uma taxa de juro mais alta para as pequenas empresas, uma taxa de juro menos alta do que essa para as médias empresas e uma taxa de juro mais baixa para as grandes empresas. Conclusão: a taxa de juro é função da dimensão da empresa quando devia ser função do risco. Portanto, convém aprofundar esta situação até porque essa é uma matéria fundamental. E falando de microeconomia convém notar que a competitividade é um desafio global em todos os sectores de actividade, não apenas na indústria e no comércio mas também na banca, no sistema segurador e em todos os outros sistemas.
Por conseguinte, aí, no essencial, é que é centrar a reforma da nossa economia naquilo que é a criação de regras e naquilo que é a criação de casos em que as empresas que trabalham bem, que se desenvolvem, criam emprego, têm um bom ambiente laboral, respeitam os direitos dos trabalhadores: são aquelas que vão progredindo, enquanto outras, que não fazem isso, vão perdendo peso, ou seja, uma economia faz-se de os casos bons superarem os casos maus.
Sr. Deputado Luís Queiró, temos aí uma diferença. Apesar das suas palavras simpáticas, não acredito em economias liberais apesar de sempre que falo haver da bancada do PCP alguma tentativa de me comparar à Sr.ª Thatcher, mas enfim, cada um com a sua opinião. Mas não há qualquer economia competitiva e moderna que não seja uma economia mista; é preciso Estado e é preciso iniciativa privada; são precisas boas políticas públicas e são precisas boas estratégias privadas; é preciso menos Estado burocrático, menos Estado administrativo e é preciso mais Estado catalisador de iniciativas, mais Estado que consiga fazer uma regulação dinâmica da economia porque os mercados já provaram que falham tanto como os Governos - tanto falham os Governos como falham os mercados - e tem de haver um equilíbrio permanente entre as políticas públicas e as estratégias privadas. E desse ponto de vista temos uma posição diferente.
Todavia, gostava de dar-lhe uma pequena alegria: vou comer outro risco, não isoladamente mas com todo o apoio do Governo, que é criar este ano dois centros de formalidades de empresas no IAPMEI, um em Lisboa e outro no Porto, para provar que é possível criar, mudar, adaptar empresas em cerca de duas semanas. Não vai ser possível funcionar para os milhares de empresas mas vai permitir criar uma situação de pressão no sentido da reforma de serviços que são fundamentais e vai permitir dar exemplos do que é a competitividade da Administração Pública.
Sobre os benefícios fiscais, não atribuímos qualquer benefício fiscal. Se se está a referir ao contrato da Torralta, o que fica claro é que o projecto que vier a ser apresentado é um projecto que se pode candidatar à atribuição de benefícios de acordo com a lei que vigorar então. Aliás, qualquer projecto de investimento de uma determinada dimensão pode obter benefícios fiscais e, sinceramente, o nosso sistema é melhor que o irlandês. A Irlanda constituiu um paraíso fiscal que nessa matéria que está a colocar é uma situação muitíssimo menos transparente. Ou seja, quando se atribuem benefícios fiscais em projectos em que se contratualiza todo um conjunto de questões que são absolutamente fundamentais, quando estamos a falar de investimento estrangeiro, que é a ligação com as pequenas e médias empresas, que é a ligação com os sistema científico e tecnológico nacional e que é formalização de objectivos de criação de emprego, de valor acrescentado e de exportações, precisamos de regimes contratuais e de benefícios fiscais. Se me diz que o conjunto de benefícios fiscais que lemos é desconexo, é uma multidão de, coisas sem grande coerência, dir-lhe-ei que para isso é necessário fazer uma reforma fiscal. Mas não oponha um sistema fiscal mais favorável a mais e melhor investimento a um bom sistema de benefícios fiscais para projectos contratuais que pela sua dimensão e pelas suas características precisam de ligar a concessão dos incentivos fiscais aos objectivos fundamentais desse investimento.
Ora bem, numa economia mista a concorrência produz coisa muito diferentes: a concorrência pode produzir mercados desequilibrados, pode produzir mercados que não se equilibram nem na oferta nem na procura, pode produzir mercados sem capacidade de investir na ciência e na tecnologia, pode produzir muita coisa e, portanto, têm de criar-se formas de regulação dos mercados que permitam equilibrá-los no sentido da coesão social, da inovação e do desenvolvimento e, para isso, são precisos instrumentos e alguns deles são fiscais.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Secretário de Estado.
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O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, ontem, a pedido do Sr. Ministro da Economia, dirigi uma carta à Sr.ª Presidente da Comissão de Economia, Finanças e Plano, solicitando a marcação, com a maior brevidade, de uma reunião com o Sr. Ministro para transmitir informação detalhada sobre os acordos que foram celebrados com a Grão Pará relativos à questão do Autódromo e com a Sonae sobre a questão da Torralta.
Aliás, dei hoje de manhã conhecimento a V. Ex.ª e aos líderes dos grupos parlamentares desta minha carta, pelo que solicito a V. Ex.ª se digne interceder junto da Comissão de Economia, Finanças e Plano no sentido de que esta reunião se possa realizar com a brevidade possível, não só porque, como se viu nas intervenções, nomeadamente dos Srs. Deputados Lino de Carvalho e Luís Queiró, foram colocadas várias questões sobre estes assuntos, como também porque, ao longo do debate, se revelou de grande utilidade ouvir os esclarecimentos do Sr. Ministro da Economia.
De facto, quem ouviu a intervenção do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, gritando da tribuna que "era um escândalo", e quem ouviu a intervenção prudente, seria, rigorosa, que, aliás, me permito elogiar, do Sr. Deputado Vieira de Castro, onde este sublinhou a importância de conhecer os contratos e de os apreciar antes de gritar na praça pública...
O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, cinja-se à figura da interpelação.
O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente.
Portanto, ao verificarmos esta evolução do próprio PSD, constatamos como é importante ouvir este esclarecimento.
Assim, solicito a V. Ex.ª que interceda para que a reunião da Comissão com o Sr. Ministro se realize brevemente. Creio que a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite não se encontra na Assembleia - aliás, faz muita falta, não só porque apressava a realização da reunião como, sobretudo - permitam-me que diga isto -, sem a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite o PSD é o que se vê... Num grupo parlamentar de 88 Deputados com tanto interesse em ouvir o Sr. Ministro da Economia chegou a estar na Sala um único Deputado... Agora estão seis, um deles, aliás, já refugiado na bancada do PS...
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, não costuma ser meu hábito intervir aos gritos, embora por acaso o Sr. Ministro das Finanças nos brinde regularmente com essas exibições,...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E o Secretário de Estado também!
O Orador: - ... por isso o Sr. Secretario de Estado está um pouco confundido.
Em segundo lugar, o senhor não deve ter ouvido exactamente o que eu disse. O que me parece escandaloso é o facto - e volto a afirmá-lo - de o Estado querer resolver um conflito, um contencioso de mais de 20 anos, alienando aquilo que é o próprio interesse do Estado.
Em terceiro lugar, e para finalizar, gostaria de dizer ao Sr. Secretário de Estado que a bancada do Governo também parece cada vez mais empenhada neste debate à medida que os minutos vão passando...
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Para se demarcar do outro Coelho!
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não vamos deixar epidemizar a figura regimental da interpelação à Mesa, sobretudo desvirtuando-a, mas faça favor.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Seguramente que não, Sr. Presidente.
Sr. Presidente, é que parece que estamos perante este novo eufemismo da Câmara que é pedir palavra para uma verdadeira interpelação... De facto, se assim continuamos, daqui a pouco estaremos todos a pedir a palavra para uma verdadeira intervenção, para uma verdadeira defesa da honra...
Risos.
Já não é a primeira vez, hoje, que o Sr. Secretário dos Assuntos Parlamentares faz interpelações que são, não direi exactamente manobras de diversão, mas a tentativa de concentrar a atenção da Câmara noutras coisas que, se calhar, para o Governo são menos penosas do que o debate que estamos a realizar.
Em qualquer circunstância, gostaria de referir três questões muito simples: primeiro, o PSD regista pela voz do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, pela terceira vez, se a memória não me falha, na sessão de hoje, a disponibilidade de o Sr. Ministro da Economia vir à Assembleia da República prestar esclarecimentos sobre essas matérias.
Sr. Presidente compreenderá que, pelo menos pela segunda vez. o PSD recorde a V. Ex.ª e à Câmara que, a despeito de vermos com muito interesse esses esclarecimentos, não nos confortamos apenas com eles e não dispensamos a presença do Sr. Ministro das Finanças para prestar esclarecimentos sobre a mesma matéria como, aliás, já demos conta junto da Mesa da Comissão de Economia.
Em segundo lugar, peço a V. Ex.ª que interceda junto do Governo, tendo nós ouvido a interpelação que acabou de fazer, no sentido de fornecer, desde já, à Câmara o texto do contrato assinado, uma vez que o Sr. Ministro, nos esclarecimentos que acabou de dar, informou que o contrato foi assinado pelo menos por dois membros do Governo.
Portanto, creio que o Governo estará em condições de fornecer de imediato à Câmara o texto do contrato assinado.
Em terceiro lugar, gostaríamos ainda de, sobre essa matéria, informar que o PSD desejaria saber exactamente se o Ministro das Finanças ou o Secretário de Estado das Finanças assinaram esse contrato, porque, a nosso ver,...
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O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Já perguntaram isso há bocado quando eu estava lá fora...
O Orador: - ... se isso não ocorreu, traduz a nulidade do contrato e retiraremos daí todas as ilações.
Em último lugar, Sr. Presidente, uma vez que foi feita uma referência à ausência da Vice-Presidente desta bancada, Deputada Manuela Ferreira Leite, gostaria de informar V. Ex.ª e a Câmara que a Sr.ª Deputada se encontra no estrangeiro em missão partidária como, aliás, é do conhecimento público.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, em Comissão o seu partido tomará as iniciativas que entender, quanto aos documentos creio que o Sr. Ministro ouviu o seu pedido.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Que seja mesmo uma interpelação, Sr. Secretário de Estado, porque não vou deixar epidemizar o abuso desta figura regimental.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, é exactamente nos mesmos termos da interpelação do Sr. Deputado Carlos Coelho.
O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, esse argumento não aceito para ninguém, porque quando se viola uma regra não se pode invocar essa violação para se ter igualdade de tratamento, como é óbvio.
Tem, contudo, a palavra, Sr. Secretário de Estado.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, gostaria que a Mesa informasse o Sr. Deputado Carlos Coelho que o Governo fornecerá todos os elementos que lhe forem solicitados e também que, na ausência do Sr. Deputado Carlos Coelho da Sala, naquela fase em que só cá estava o Sr. Deputado Vieira de Castro, o Sr. Ministro da Economia teve oportunidade de informar que o contrato assinado com a Autodril foi hoje mesmo ratificado em Conselho de Ministros.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso não chega!
O Orador: - Finalmente, gostaria de informar o Sr. Deputado Carlos Coelho que a minha intervenção foi muito útil porque há pouco estavam na Sala cinco Deputados do PSD e agora já estão 10. Conseguiram duplicar...
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Secretário de Estado, depois da sua intervenção a bancada do Governo ficou reduzida a dois membros, só que eu não vou ter a deselegância de pedir a palavra ao Presidente da Mesa da Assembleia da República para dizer quantos membros do Governo estão presentes neste momento!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Artur Penedos.
O Sr. Artur Penedos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as
e Srs. Deputados: Num conceituado semanário, publicado no último fim-de-semana, pode ler-se a dado passo que "(..) colado à direita, contra os socialistas, o PCP não está numa posição eleitoralmente confortável em vésperas de autárquicas" e, para justificar tão relevante opinião, acrescenta "(..) propostas como a de um aumento intercalar de 3.000$ escudos nas pensões de reforma soam a eleitoralismo fácil de quem está fora do Governo...".
O incómodo provocado por tão "hediondo, injusto e repugnante conceito" levou o PCP nos dias que antecederam a interpelação e no decurso da mesma a procurar demonstrar - sem o conseguir - que se alguém pode ser acusado de praticar políticas de direita, esse alguém é o PS e o Governo e nunca o PCP.
É o PCP a fazer jus à "arte de bem iludir" a opinião pública!... Só que, desta vez não o vai conseguir. E chegada a hora de dizer: basta! Basta de calúnias, de desconsiderações, de tentativas sistemáticas e continuadas de confundir a opinião pública! Basta de tentativas - até hoje por realizar - de conseguir, à custa do PS,
crescer eleitoralmente!
Se o PCP só conhece a teoria do "olho por olho, dente por dente", então passará a conhecer a resposta adequada!..
Protestos do PCP.
Apesar de tudo, não nos iludamos: o PCP, que domina magistralmente a técnica da "manipulação", procura instalar na opinião pública a ideia de que o Governo não
governa e que as promessas não foram ou não serão cumpridas.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Infelizmente é verdade!
O Orador: - Vejamos então, no concreto, as promessas contidas no Programa do Governo, nomeadamente no capítulo a que o PCP parece dar maior importância: as políticas sociais.
Para o PCP tudo está mal, mesmo quando tudo tende para ir bem...!
Este capítulo é, sem dúvida, o que mais fascina o PCP, por isso é neste que ele actua, tentando distorcer a realidade com maior frequência, logo, será nesta mesma matéria que tentaremos esclarecer esta Câmara e o PCP em particular.
Infelizmente, Srs. Deputados do PCP, neste capítulo, no tocante ao Ministério da Solidariedade e Segurança Social apenas quatro das 15 normas programáticas do Programa do Governo estão por concretizar. Quatro, num universo de 15, significa mais de 75% de cumprimento do Programa do Governo nesta área. Dispensar-me-ei de enumerá-las, porque julgo que, a esta hora, já VV.
Ex.as terão feito uma leitura alenta do Programa do Governo, bastando por isso cingir-me a alguns aspectos relevantes, nomeadamente aqueles que os senhores mais criticam.
Vejamos: rendimento mínimo garantido; prestações familiares: reforma da segurança social; rendimento disponível das famílias; desemprego; regulação das situações laborais.
No que respeita ao rendimento mínimo garantido, após a realização de projectos-piloto de aplicação, em vários concelhos do país, inclusivamente em alguns concelhos comunistas, pura que não pudesse dizer-se que esta medida eleitoralista do Governo tinha por fim beneficiar apenas e só o seu próprio partido, com elevado grau de su-
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cesso, viu-se concretizada a sua extensão a todo o território nacional no passado dia 1. Na verdade, o rendimento mínimo garantido constituiu o primeiro grande compromisso do Programa de Governo e está cumprido.
O Sr. José Calçada (PCP): - E com "elevado grau de sucesso"...!
O Orador: - Mas como "não há bela sem senão", dizia ontem o líder parlamentar do PCP, em mais uma tentativa de desvalorização desta acção governativa de combate à exclusão social, que se trata de uma boa medida, mas acrescentou de imediato "que uma andorinha não faz a Primavera"...
O Sr. José Calçada (PCP): - É verdade!
O Orador: - Com quantas andorinhas fará o PCP as suas "primaveras"?
O novo regime de prestações familiares de segurança social é outro dos temas que importa trazer à colação.
Este novo regime, que entrou em vigor no passado dia 1, é mais um passo decisivo no combate às dificuldades que se colocam às famílias de menores recursos e constitui, por si só, um indispensável aprofundamento dos valores de solidariedade - aliás, julgo que os Srs. Deputados do PCP ainda se lembram desses valores...
O PCP, ao receber a notícia da concretizarão desta medida, pela voz de um dos seus mais ilustres
Deputados, procurou, uma vez mais, desvalorizá-la, manifestando discordância na fórmula encontrada para diferenciar os vários níveis de rendimento dos beneficiários; só que esqueceu ou omitiu deliberadamente a concordância do seu "braço sindical" com a fórmula adoptada.
Tratar-se-ia, no dizer do PCP, que é mais uma "andorinha" para a "primavera" que desejamos no país. A continuarem as "andorinhas" dispersas, o PCP nem se apercebe que teremos "primavera" o ano inteiro...
No capítulo da reforma da segurança social, a primeira versão do Livro Branco, apresentada no fim do mês de Junho, sob a forma de Livro Verde, será concretizada até finais do ano em curso. Por mais que tente, o PCP não conseguirá esconder os méritos da acção governativa.
O programa de recuperação de dívidas demonstra, claramente, a confiança e disponibilidade dos vários agentes envolvidos. A prová-lo está o facto de, até ao momento, terem aderido ao referido programa 35 000 empresas e a recuperação das dívidas cifra-se muito próximo dos 208 milhões de contos.
O combate à fraude das baixas por doença (em constituído um êxito de merecido aplauso por parte de inúmeros sectores da nossa sociedade.
O Sr. José Calçada (PCP): - Muito bem!
O Orador: - A estabilidade financeira da segurança social, também fruto das acções desenvolvidas pelo Governo, é igualmente factor positivo indesmentível.
Quanto ao rendimento disponível das famílias, apesar das políticas de moderação salarial que tem caracterizado a conjuntura económica internacional, é inegável a recuperação dos salários reais. Trata-se de mais um dos méritos que devem ser contabilizados a favor do Governo, mas também nesta matéria contamos com a recusa do PCP em admitir qualquer acção positiva.
No combate ao desemprego, sejamos claros Srs. Deputados: a inversão sustentada da tendência herdada do Governo do PSD para o agravamento do desemprego foi controlada em 1996, e em 1997 são já bem visíveis os sinais de recuperação do mercado de trabalho. Os dados do INE, do IEFP e da segurança social são convergentes nesta conclusão.
Para o confirmar, eis os números mais recentes: em Junho passado os inscritos no IEFP totalizavam 435 048, o que representa uma descida em relação a Junho de 1996 de 6,5 % - a maior descida verificada desde 1993. Estes valores confirmam, de forma clara e inequívoca, a descida da taxa de desemprego, que se situa hoje nos 6,5 %, sendo a mais baixa desde o final de 1993.
Para os profetas da desgraça, estes números são desmoralizantes... Para nós, que somos permanentes insatisfeitos no combate ao desemprego, os resultados alcançados constituem uma pequeníssima satisfação, que nos obriga e estimula para trabalhar cada vez mais.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. José Calçada (PCP): - O excesso de modéstia também fica mal!
O Orador: - Na regulação das relações laborais, a era cavaquista deixou como legado uma pesada herança em matéria de precarização laboral consolidada através da introdução de práticas condenáveis de violação da legislação e dos direitos fundamentais dos trabalhadores, nomeadamente: um quadro de excedentes da Administração Pública - já extinto por este Governo; o uso e abuso do recibo verde - situação já controlada por este Governo, através da criação de normas regulamentadoras da correcta utilização dos mesmos; o bloqueamento da negociação colectiva - desbloqueada em sede de concertação social, apesar das tentativas goradas, diga-se, do PCP para a inviabilizar; o trabalho infantil - chaga social, responsável pelo sucesso e abandono escolar hoje controlada, através de uma correcta acção inspectiva, desenvolvida pela Inspecção-Geral de Trabalho; o trabalho precário na Administração Pública, que foi eliminado, pois os cerca de 35 000 cidadãos sem direito a férias, subsídios de Natal e férias, ao regime de saúde da Função Pública, sem perspectivas de carreira e sem qualquer tipo de segurança relativamente ao futuro, isto é, perfeitamente abandonados pelo Estado-patrão, viram este Governo - que o PCP insiste em chamar de direita - resolver-lhes os problemas; o recenseamento geral da Função Pública, que durante décadas foi ignorado, encontra-se em fase de concretização.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: O PCP sabe bem - mas não está interessado em reconhecer - que este Governo se tem preocupado e tem realizado obra para combater os fenómenos de exclusão social que atingem prioritariamente os mais desprotegidos.
Esta interpelação, pretensamente classificada pelos responsáveis do PCP como "debate do estado da Nação" ficou claro, não passa de mais um (empo de antena do PCP, para propaganda eleitoral que a nada conduz porque os seus objectivos são apenas eleitoralistas e por isso mesmo destituídos de qualquer contributo válido para a resolução dos problemas nacionais.
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O PCP, ao promovê-la, faz jus ao título que merecidamente ostenta: campeão da agitação e da instabilidade sociais. E Srs. Deputados do PCP, se com os níveis de concretização como os que foram apontados, a menos de metade do mandato, o Governo não governa, que teria acontecido se governasse?
Aplausos do PS.
O Sr. José Calçada (PCP): Ninguém disse que não governava; governa é mal!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rodeia Machado.
O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Sr. Deputado Artur Penedos, V. Ex.ª parece ser um estudioso das aves, pois fez uma citação sobre as andorinhas... Mas eu quero entrar no terreno concreto e naquilo que esta interpelação aqui me trás.
Em primeiro lugar, V. Ex.ª não pode dizer que o PCP não está de acordo com o rendimento mínimo garantido, porque isso é uma total mentira. Como sabe, fomos nós o primeiro partido a apresentar nesta Assembleia da República um projecto dessa natureza.
Então, o problema que se coloca, e que o senhor aqui devia ter trazido, é o da reinserção social ligada ao rendimento mínimo garantido, essa sim é uma preocupação que não vemos por parte deste Governo.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Então vê mal! Precisa de óculos!
O Orador: - Não! O senhor é que precisa de óculos...!
Sr. Deputado Artur Penedos, em relação às prestações familiares, que V. Ex.ª admitiu, dizendo que era uma situação muito correcta por parte do Governo, gostaria de dizer nós temos críticas a fazer sobre essa matéria, já as colocámos em sede própria e voltamos a perguntar se V. Ex.ª reconhece a uma família que tem de rendimento 86.000$ a mesma situação de uma família quem tem 450.000$?
Esta situação, este diferencial, os senhores não souberam respeitar. O abono de família é um direito legalmente constituído. Os senhores tornaram num só subsídio o abono de família, o subsídio de aleitação e o de casamento, que está a ser pago desse "bolo" da segurança social.
Por outro lado, em relação à reforma da segurança social, Sr. Deputado Artur Penedos, já o dissemos e reafirmamo-lo aqui, fomos o único partido que, num colóquio sobre segurança social realizado nesta Casa, apresentámos propostas e há já muito tempo que dizemos quais são as situações que pretendemos ver discutidas: a reforma democrática da segurança social, com total respeito pelos direitos do património da segurança social, que não é um património do Governo mas, sim, de todos os portugueses.
O Sr. José Calçada (PCP): - Muito bem!
O Orador: - E isso, com efeito, têm de o reconhecer e manter como tal.
Sr. Deputado Artur Penedos, no que toca ao desemprego, o meu camarada Lino de Carvalho já colocou aqui essa questão. Gostaríamos de ver discutida, muito concretamente, a "limpeza dos cestos", e para isso, para discutirmos a Grundig, a Torralta e outras situações, fizemos o convite à Sr.ª Ministra para a Qualificação e o Emprego, mas ela ainda não foi à Comissão competente para discutir essa matéria.
Sr. Deputado, gostaria que comentasse, entre outras, a situação que se verifica no centro de emprego de Alcácer do Sal. Foi feito um convite aos desempregados e a toda a gente, nos seguintes termos: "Trata-se de um convite a todos os que estão dispostos a contribuir para a construção de alternativas autárquicas muito abrangentes, para a sede do centro de emprego de Alcácer do Sal". O que significa isto? Significa que os desempregados passam a desaparecer, com este convite que VV.
Ex.as fizeram, em sede de centro de emprego, para uma situação localmente partidária?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Artur Penedos.
O Sr. Artur Penedos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rodeia Machado, foi o seu líder parlamentar que me conduziu ao estudo das aves, designadamente das andorinhas, por isso as trouxe cá.
Eu não disse, nunca me atreveria, por isso nem o senhor nem qualquer membro do PCP me ouviu dizer, que o PCP eslava contra o rendimento mínimo garantido. Eu não disse isso. O senhor está muito enganado. O que eu disse foi que o seu líder parlamentar, ontem, comentando esta medida, entendeu que ela era positiva mas acresceu (ou logo que uma andorinha não fazia a Primavera. Nós sabemo-lo. Foi apenas isso que eu disse e nada mais. Logo, não entendo por que razão me coloca esta questão.
O Sr. Deputado quer saber onde estão as medidas de reinserção. Sabe muito bem que estão a ser preparadas por um conjunto
de comissões de acompanhamento que, nos termos da lei, têm essa obrigação. Por isso, não tenha dúvidas nem preocupações em relação à execução clara, concreta e apropriada do rendimento mínimo garantido.
O Sr. Deputado quer que eu lhe comente se 86 contos são o mesmo que 458 contos. Em primeiro lugar, gostaria de lhe dizer que o que o Sr. Deputado e os portugueses, em geral, encontram na lei é precisamente a proposta que também a Intersindical formulou ao Governo, no sentido de encontrar os vários escalões para atribuição do referido subsídio. Sr. Deputado, em qualquer circunstância encontrará sempre uma fronteira, seja ela nos 86, nos 87 ou nos 88 contos. As fronteiras existirão sempre que existam patamares. E os mecanismos adoptados foram os que, em diálogo com os parceiros sociais, inclusive com a Intersindical, se concluiu serem os mais apropriados para o estabelecimento desta regra.
Diz ainda o Sr. Deputado que, na Comissão do Livro Branco, o PCP deu os seus contributos. Como é óbvio, o Governo, ao criar essa Comissão, quis criar condições para que ela tosse pluripartidária e pudesse absorver os contributos de pessoas independentes e dos mais variados agentes sociais. Foi o Governo que, ao estabelecer a fórmula de composição da Comissão, quis que fosse toda a sociedade envolvida na discussão de uma matéria de fundamental importância para o País. O que desejamos
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é que o trabalho se conclua e depois sejamos capazes de encontrar a melhor formulação para a reforma da segurança social.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, vamos entrar na fase de encerramento deste debate.
Para uma intervenção, em representação do partido interpelante, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O debate de hoje, provocado pela interpelação do PCP, reconfirmou uma verdade indesmentível: o Governo do Engenheiro Guterres e do PS preocupa-se mais com as cenas de dramatização artificial da vida política portuguesa do que com a resolução dos persistentes problemas da economia do país e das graves questões sociais dos portugueses.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Confirmou que quem, hoje, em Portugal, prossegue uma delineada estratégia de instabilidade política são o PS e o Governo, com a insistência nos ameaços de demissão do Executivo e de eleições antecipadas.
E deixou bem claro quê o Governo e o PS têm hoje um grande objectivo, uma enorme ambição e elegeram o grande inimigo.
O grande objectivo é o enfeudamento às políticas de Maastricht e à marcha forçada para a moeda única, indiferentes às profundas e negativas consequências económicas e sociais que daí decorrerão e já estão a decorrer.
Esse objectivo, exclusivo no plano económico e social, substitui e procura encobrir a completa ausência de uma estratégia e de um projecto do PS e do Governo para enfrentarem os problemas reais com que o país se confronta.
As promessas eleitorais do PS e do Engenheiro Guterres foram totalmente sacrificadas a esse objectivo sacralizado, a essa fixação doentia do Governo.
O Governo não tem políticas nem medidas concretas contra o desemprego e a injustiça fiscal, para a melhoria das degradadas pensões e reformas, para o emprego com direitos, para a melhoria dos rendimentos dos trabalhadores e uma mais justa repartição da riqueza criada.
Vozes do PCP: - Muito bem!
Vozes do PS: - Falso!
O Orador: - O Governo não apresenta orientações de política que concretizem a proclamada "paixão" pela educação, o combate estrutural à toxicodependência ou condições de acesso mais fácil e rápido aos cuidados de saúde.
O Governo e o Primeiro-Ministro rasgaram os compromissos de finalmente darem cumprimento às disposições constitucionais para a criação das regiões administrativas e de realização das respectivas primeiras eleições no final de 1997 bem como o da duplicação dos recursos financeiros transferidos para os municípios.
O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Para o Governo do PS só existe o desígnio da moeda única!
A grande ambição do Governo e do PS é a de conseguirem o poder absoluto.
Vozes do PS: - Que exagero!
O Orador: - A essa ambição sacrificam a responsabilidade política, a estabilidade institucional e o respeito por regras essenciais da democracia pluralista, da proporcionalidade eleitoral e da isenção do Estado nos processos eleitorais.
Dramatizam crises virtuais para testar o sentimento da opinião pública, de maneira a irem preparando o "ambiente" para momento que considerem mais propício.
É certo que a seguir às dramatizações do Primeiro-Ministro, do Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território ou do Ministro da Justiça, lá vem o Ministro Adjunto Jorge Coelho, que melhor se poderia designar por "administrador-delegado do PS no Governo",...
Risos do PCP e do PSD.
... declarar que o Governo e o PS não querem eleições antecipadas.
Mas haverá sinceridade nisso? Ou querem, de facto? Mas só depois da aprovação do Orçamento do Estado para 1998, para não porem em causa o seu grande objectivo da moeda única? Mas só depois de impedirem a regionalização, para não terem de descentralizar o poder e partilhar os recursos orçamentais? Mas só depois da revisão constitucional e da aprovação de novas leis eleitorais, para poderem, eleger mais Deputados, mesmo que com menos votos?
É ao serviço desta ambição que o Governo e o PS tudo fazem para tentarem incutir na opinião pública a falsa ideia de que "as oposições estão sempre de acordo contra tudo o que o Governo apresenta" e "para impedir que o país trilhe a senda do progresso".
Mas, Sr. Ministro Adjunto, com seriedade, pode V. Ex.ª acusar as oposições de impedirem o Governo de governar, quando em dois anos o Governo viu chumbadas apenas quatro propostas de lei e aprovadas muitas dezenas?
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Foram sete e não quatro!
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - O "totonegócio"!
O Orador: - Eu esclareço o Sr. Secretário de Estado: foram sete, mas três pertenciam ao "totonegócio", por isso contei-as como uma só.
No seu íntimo, ou melhor, quando não fala em público, também V. Ex.ª, Sr. Ministro Adjunto, tem clara consciência de que o que impede o país de trilhar a senda do progresso não são as oposições mas, sim, o Governo, com o seu objectivo da moeda única, que imola o desenvolvimento e a coesão económica do todo nacional, a justiça e o progresso sociais.
Aplausos do PCP.
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V. Ex.ª e o PS sabem que o impedimento ao progresso resulta de o Governo impor cada vez mais ultraliberalismo, mais austeridade nos gastos públicos com as funções sociais, mais desigualdades sociais, mais precaridade no emprego e novas formas de exploração dos trabalhadores.
Sabem que o impedimento maior é precisamente o Governo estar devotadamente a realizar uma política e uma prática em tudo idênticas, e em alguns casos piores, porque mais obtusas, às do PSD quando Governo.
Vem agora o Ministro Jorge Coelho falar nas "caldeiradas entre os partidos das oposições".
Vozes do PS: - Ainda não falou! Vai falar!
O Orador: - Mas os Srs. Primeiro-Ministro e Ministro Adjunto conhecem, melhor do que ninguém, as "peixeiradas" dentro do PS e do Governo.
Aplausos do PCP.
Nós só conhecemos as que vêm a público... e já nos bastam.
Por exemplo, as frequentes ausências do Ministro das Finanças aos Conselhos de Ministros.
O Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional: - Não se preocupem os senhores com isso!
O Orador: - As que ocorreram em torno do "totonegócio" entre o Ministro Adjunto e o Ministro das Finanças. Ou aquelas outras entre o Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território ou o Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e o Ministro das Finanças. Ou, ainda, os já corriqueiros desentendimentos entre o Ministro da Economia e o Ministro das Finanças.
E isto, Srs. Membros do Governo, para já não falarmos das permanentes provas de "solidariedade" política entre os Membros do Governo, como aquela a que todos pudemos assistir ontem, neste Plenário, quando um Deputado do PP pediu a demissão do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais...
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - E bem!
O Orador: - ... e, usando da palavra logo a seguir, o Ministro das Finanças não teve uma única palavra de solidariedade para com o membro da sua equipa ministerial.
Aplausos do PCP.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Não é verdade!
Vozes do PCP, do PSD e do CDS-PP: - É verdade!
O Orador: - É verdade, Sr. Secretário de Estado.
Enfim, o Sr. Ministro Adjunto desabafa publicamente que "o PS precisa, de mais Deputados". Pois é, Sr. Ministro, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados do PS: o povo não lhes deu mais... porque não lhos quis dar!
Tenham paciência democrática e não queiram fazer batota nas leis eleitorais para distorcerem e defraudarem a vontade dos eleitores.
Aplausos do PCP.
O Governo, finalmente, elegeu o grande e principal inimigo: o PCP!
Risos de membros do Governo.
Já não temos memória de um discurso tão anticomunista, tão anti-PCP, como o que nos últimos dias temos ouvido do PS e do Governo. Mas porquê, senhores?
Por causa da proposta de lei das finanças locais não é certamente. Esse é apenas o pretexto, enrolado numa catadupa de falsidades proferidas por membros do Governo e pelo Presidente do Grupo Parlamentar do PS.
O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!
O Orador: - As razoes são outras, bem mais verdadeiras e sérias.
O discurso anticomunista do PS sobe de tom porque o PCP vai mostrando publicamente que, como afirmou um Deputado socialista, cada vez mais o PS e o Governo substituem os princípios e valores por interesses. Porque nós mostramos e provamos, dia a dia, que não é o PCP que impede o PS de realizar o seu programa eleitoral. É, antes, o Governo do PS com a sua política!
Aplausos do PCP.
Porque nós mostramos que as "caldeiradas" não são entre o PCP e o PSD e o CDS-PP, mas permanente e profusamente entre o Governo e o PS e o PSD e o CDS-PP. Aí estão, por exemplo, os Orçamentos do Estado, a leis da flexibilidade e polivalência, do aborto, das uniões de facto, o impedimento da regionalização, a revisão constitucional, a corrida para o euro e tantas outras dezenas de exemplos possíveis.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - E a "caldeirada" da colecta mínima?! Está esquecido?! A colecta mínima foi a "caldeirada" do PCP com o Governo!
O Orador: - O Governo e o PS não suportam a oposição do PCP, fundamentalmente porque isso mostra em permanência aos portugueses que há uma política e um projecto de esquerda em Portugal. E isso torna mais evidente que, em tudo o que é essencial, a política e o projecto que o PS e o Governo prosseguem nada têm de esquerda.
Mas o Governo e o PS vão ter de se conformar com a nossa oposição responsável ao prosseguimento de uma política centram aos interesses de Portugal e dos portugueses.
E o Governo tem de se resolver definitivamente: ou quer provocar a instabilidade política e eleições antecipadas, e então assuma-a, responsável e claramente, sem encenar e ficcionar pretextos, ou não a quer e acabe de uma vez por todas com as dramatizações de crises virtuais.
Pela parte do PCP, podem estar certos de que em qualquer das circunstancias continuaremos a pugnar por uma
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política de esquerda e por um Portugal de progresso económico e social.
Aplausos do PCP.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Para terminar, o Sr. Ministro da Presidência chamou a atenção, com grande ênfase, para a linha 14 da página 17 do seu discurso e pediu uma resposta. Pois aqui a tem: o Sr. Ministro, nessa página e linha, oferece ao PCP uma posição contratual, sob condição do que chama "modernização".
Não haja ilusões: o que o Sr. Ministro pede é que o PCP faça a mesma "modernização" que fez o PS, isto é, meta o socialismo na gaveta, deixe de ter por referência os valores da esquerda e aceite partilhar uma política de direita.
Aplausos do PCP.
O dilema entre governar à esquerda ou "abrir as portas ao regresso da direita" foi o que enfrentou o PS em Outubro de 1995, quando formou este Governo. O PS optou por "abrir as portas ao regresso da direita", ao prosseguir e prolongar a política desta.
O PCP não o fará, em circunstâncias algumas. Situamo-nos à esquerda, cooperaremos sempre com quem siga o mesmo caminho, combateremos sempre quem capitule perante a direita.
Aqui tem a resposta, Sr. Ministro!
Aplausos do PCP, de pé, e de Os Verdes.
O Sr. Presidente: - Para encerrar o debate, em representação do Governo, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto.
O Sr. Ministro Adjunto: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A interpelação que agora chegou ao fim corresponde a um calendário que os partidos da oposição têm vindo a cumprir religiosamente. Trata-se de uma espécie de "saldos de fim de estação política".
Confrontados com os desagradáveis desmentidos da realidade, os temas das várias interpelações e os seus objectivos assemelham-se de tal forma que até se contundem os argumentos do interpelante - primeiro, foi o PP; depois, o PSD e Os Verdes e, agora, o PCP.
A presente interpelação também não fugiu à regra e, tal como nas outras, evidencia a artificialidade de muitas das questões aqui hoje colocadas.
O paradoxo é tão grande que, num ano, assistimos a um partido, o PSD, passar da teoria do oásis para a teoria do deserto, apresentando permanentemente uma visão catastrofista do País.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Portugal e os portugueses continuam a defrontar-se com problemas e dificuldades.
Vozes do CDS-PP: - Isso é verdade!
O Orador: - Não o negamos, como outros fizeram, nos 10 anos de Governo do PSD. Portugal encontrou-se, sim, hoje com os seus problemas. Este Governo, apesar de ter um apoio minoritário no Parlamento, tem feito tudo o que é possível para encontrar um futuro melhor para os portugueses.
Sistematicamente, apresentámos propostas, apresentámos soluções, mas também, frequentemente, as oposições limitaram-se a dizer mal, a criticar destrutivamente, nunca apresentando soluções construtivas para nenhuma questão essencial.
Aplausos do PS.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Isso é falso!
O Orador: - Mas a explicação para este facto é simples: perante as dificuldades, a oposição inventa factos políticos; o Governo e o País constróem soluções.
As oposições - o PSD, o PP e o PCP - têm uma imagem do País desfasada da realidade. Esquecem muitas vezes o interesse nacional, privilegiando meras estratégias político-partidárias e contribuindo, assim, para o acentuar das dificuldades, para o atrasar das soluções. Em suma, optam, com esta actuação, para complicar o que já por si não é fácil.
O Sr. José Calçada (PCP): - Malandros!
Risos do PCP.
O Orador: - Porque os problemas centrais das oposições, muitas vezes, não são os problemas reais do País; são, sim, o facto de o Governo e os portugueses estarem, em conjunto, a resolver muitos desses problemas.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Senão, vejamos alguns dos argumentos utilizados ao longo desta sessão legislativa. Em primeiro lugar, o desemprego.
Durante meses, andaram a dizer que o desemprego iria disparar, porque o Governo não unha tomado qualquer medida para combatê-lo.
A verdade é que essa foi a situação que encontrámos quando chegámos ao Governo: o desemprego a subir preocupantemente.
Mas hoje, como é do conhecimento de todos, atingimos a taxa de desemprego mais baixa dos últimos quatro anos.
Não estamos satisfeitos, porque, enquanto houver um só desempregado, há um problema social para resolver.
Aplausos do PS.
Vozes do PSD: - E os ficheiros?!
O Orador: - O País sabe, no entanto, o esforço que está a ser feito.
Aqui se vê, mais uma vez, que, perante as dificuldades, a oposição inventa factos políticos; o Governo e o País, como se vê, constróem as soluções.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Em segundo lugar, a degradação da situação social. Também nesta matéria, as oposições preconizaram uma visão catastrofista do País, que, mais uma vez, ficou demonstrado não corresponder à realidade.
Ao contrário das anunciadas e, em alguns casos estimuladas, manifestações nas ruas, greves, e de um ambi-
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ente de conflitualidade, tem sido possível ultrapassar, em espírito de diálogo e concertação, os problemas, procurando sempre, e em todas as ocasiões, encontrar soluções que os resolvam e não os agravem ou adiem.
Um dos melhores exemplos deste diálogo permanente e de procura constante de soluções foi a maior redução de sempre do horário de trabalho dos portugueses. Fizemo-lo sem afectar a competitividade das empresas e sem aumentar o desemprego.
Ainda subsistem alguns problemas, mas seguramente, nesta matéria, também estamos no bom caminho.
Para quem andou, e ainda anda, a colocar entraves à implementação desta importantíssima medida, sugiro que perguntem aos mais de 800
000 - portugueses, que viram o seu horário de trabalho baixar, o que pensam da sua actuação.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Mais uma vez, perante as dificuldades, a oposição inventa factos políticos; o Governo e o País constróem as soluções.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Isto é o refrão!
O Orador: - Há pobreza e exclusão em Portugal? O PSD, no poder, não só a negou como a agravou, em resultado do seu modelo de desenvolvimento não solidário.
Este Governo, assumindo as suas responsabilidades, cumpriu o que tinha prometido: criou o rendimento mínimo garantido, que, alargado a todo o País no passado dia 1 de Julho, concretiza uma nova política de desenvolvimento para Portugal, assente numa relação de solidariedade, onde as pessoas estão em primeiro lugar.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Aos partidos da oposição, que denegriram, que puseram em causa, que disseram que jamais o fariam, sugiro que perguntem às cerca de 30 000 pessoas, que, já hoje, têm acesso ao rendimento mínimo que lhes garante as condições para uma vida digna, o que pensam dessa atitude.
Mas mais uma vez se confirma que, perante as dificuldades, a oposição inventa factos políticos; o Governo e o País constróem soluções.
Vozes do PS: - Muito bem!
Vozes do PSD: - Cassete!
O Orador: - O Governo, porém, nesta matéria vai mais longe.
Para nós, a exclusão social não se combate apenas com o rendimento mínimo garantido, mas também com a generalização da educação pré-escolar, com o fomento da habitação social, com a criação de emprego e com novas prestações sociais familiares diferenciadas conforme os rendimentos.
Também aqui estamos a cumprir aquilo que prometemos aos portugueses.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Perante as dificuldades, a oposição inventa factos políticos; o Governo e o País constróem soluções.
Uma outra área, onde alguns partidos da oposição tentaram tirar efeitos políticos, foi a da segurança dos cidadãos.
Através de alguns casos isolados, fomentaram um clima propício à insegurança. Também aqui, a realidade negou os artifícios da oposição.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Não é preciso tanto!
O Orador: - Que explicação dará o PSD aos portugueses para o facto de este Governo, num ano e meio, já ter colocado ao serviço da melhoria da segurança e tranquilidade das populações 3500 novos agentes de segurança, devidamente formados, e o PSD, quando Governo, em 1994, não ter admitido um só elemento para a PSP?
Aplausos do PS.
Vozes do PSD: - E a colecta mínima?!
O Orador: - Mais uma vez, se constata que o Governo cumpre aquilo que prometeu aos portugueses. Com a formação de novos agentes, no próximo ano, o Governo alcança a meta a que se propôs de colocar nesta legislatura mais 7000 novos agentes em serviço, contribuindo, assim, para que os cidadãos se possam sentir mais seguros no seu dia-a-dia. Mas mais seguros a todos os níveis, pois, hoje, os portugueses sabem que existe uma nova política e uma nova prática, em que os direitos dos cidadãos estão sempre à frente de tudo.
Aplausos do PS.
Perante as dificuldades, aqui também, a oposição inventa factos políticos: o Governo e o País constróem soluções.
Vozes do PSD: - E a colecta mínima?!
O Orador: - Podem repetir mais vezes, só vos fica bem, porque o que eu digo é a realidade e os senhores, ao repetir, convencem-se dela.
Aplausos do PS.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Isto é a cassete!
O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, como já referi, Portugal é um país com dificuldades, um país com problemas que perduram há décadas e, que urge resolver. Não "melemos a cabeça debaixo da areia" e procuramos hoje, como procuraremos sempre, encontrar soluções para melhorar as condições de vida dos
portugueses.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, é esse o caminho que o País está a seguir, com dados indesmentíveis, por mais ruído e factos políticos que sejam criados.
Um país com uma taxa de inflação que é a mais baixa dos últimos 30 anos; um país com uma taxa de desemprego a decrescer e que é a melhor dos últimos quatro anos; um país onde o custo do dinheiro, quer para investimento quer para aquisição de bens, baixou de forma assinalável, em um ano e meio -...
Vozes do PSD: - E a colecta mínima?!
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O Orador: - ... basta referir que um empréstimo de 15 000 contos, para compra de habitação a 20 anos, baixou, desde 1995, cerca de 40 contos/mês; um país onde o crescimento está a ser superior em 50% à média dos países da União Europeia; um país onde também o número de concursos de obras, públicas subiu, só no l.º trimestre deste ano, 115%, com um aumento do seu valor de 37,7%; um país onde a produção industrial subiu 5%; um país com a política de solidariedade que Portugal está a ter é um país que está a trilhar um caminho sustentado, coerente e que reforça a confiança dos portugueses no seu presente e no seu futuro.
Aplausos do PS.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - E os impostos? Ainda não falou dos impostos!
O Orador: - Tudo isto feito, ao contrário do que acontece noutros países europeus, sem aumento de impostos, com aumentos moderados, mas reais, dos salários e sem despedimentos na Administração Pública.
Por tudo isto, fica aqui claramente demonstrado que o Governo está a cumprir com rigor as suas promessas eleitorais e que o Governo pratica uma política de esquerda, em defesa dos valores e convicções de sempre do Partido Socialista.
Aplausos do PS.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para que o caminho que estamos a seguir, e que prosseguiremos sem desfalecimentos e sem desvios até 1999, seja conseguido, é necessário e vital garantir a estabilidade em Portugal.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Então, já não se demitem?
O Orador: - Os portugueses deram um mandato ao Governo para governar esta legislatura, com os compromissos que o PS apresentou ao eleitorado. É isso que tudo faremos para concretizar.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - E os impostos?!
O Orador: - Queremos chegar às eleições de 1999 e submeter à avaliação dos portugueses a forma como concretizámos os nossos compromissos de Outubro de 1995.
Não é legítimo, nem ninguém entenderá, que, tendo assumido governar com base num programa legitimado pelo voto popular, tentem obrigar o Governo a adoptar medidas que só a irresponsabilidade ou demagogia própria de períodos pré-leitorais poderão explicar.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Muito bem!
O Orador: - O País quer tranquilidade, estabilidade, governos sólidos, mas também oposições coerentes e estáveis.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Muito bem!
O Orador: - Não oposições que digam hoje uma coisa e amanhã façam outra. Não oposições que, quando estavam no poder, faziam uma coisa e, agora, propõem o contrário. Não oposições que, para ultrapassar os problemas internos que os dilaceram, radicalizam a sua acção, para que esses problemas internos não se façam notar. Não oposições que, sem olhar a princípios, a valores, a programas e a convicções, juntam os seus votos de forma negativa, só para estar contra o que o Governo e o PS propõem.
Aplausos do PS.
Para Portugal ter estabilidade e para dar sequência ao esforço que milhões de portugueses fazem no seu dia-a-dia, para que tenhamos uma sociedade mais fraterna, mais solidária e mais humana, é fundamental que todos. Governo e oposição, saibam traçar as linhas de orientação globais, para que, cada um cumprindo o seu papel, possamos todos contribuir para um desenvolvimento sério e sustentável do País.
O Governo tudo tem feito e tudo fará para contribuir para esse objectivo. Corrigindo o que tiver de corrigir, ouvindo e dialogando sobre o que e quando for preciso e decidindo sempre que tiver de decidir, continuaremos a governar, tendo sempre uma preocupação central, de que nunca nos desviaremos: governar para as pessoas, porque são as pessoas, cada um dos portugueses, que nos devem merecer a nossa atenção, o nosso esforço e a nossa determinação em tudo fazer para que, do nosso trabalho, do trabalho de um país inteiro, resulte uma sociedade mais justa, mais solidária e onde todos nos possamos sentir com a satisfação do dever cumprido.
Aplausos do PS, de pé.
O Sr. Presidente: - Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, chegámos ao fim da interpelação n.º 11/VII - Sobre orientações gerais e política global do Governo (PCP).
A próxima sessão plenária realizar-se-á amanhã, com início às 10 horas, tendo como ordem do dia a discussão da proposta de lei n.º 110/VII - Autoriza o Governo a proceder à revisão do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 40 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Domingos Fernandes Cordeiro.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Partido Social Democrata (PSD):
José Augusto Gama.
José Mendes Bota.
Luís Maria de Barres Serra Marques Guedes.
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Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Partido Social Democrata (PSD):
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
João Calvão da Silva.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Partido Comunista Português (PCP):
Ruben Luís Tristão de Carvalho e Silva.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.
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