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3964 I SÉRIE - NÚMERO 104

catástrofe na cidade porque, a partir do dia 2, não se sabe quem é pode enterrar os mortos nesta cidade!
Pedia-lhe, pois, Sr. Presidente, que se fizesse uma interpretação autêntica desta disposição para evitar a indefinição que hoje se está a gerar.

O Sr. Presidente: - Sr. Presidente, o problema não me colhe de surpresa pela razão simples de que me foi exposto pelo Sr. Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, solicitando ou a possibilidade de uma interpretação não oficial ruas oficiosa, ou inclusivamente a publicação de uma lei urgente que viesse corrigir o defeito que assinalou à lei que foi publicada.
Respondi ao Sr. Presidente da Câmara e, da minha resposta, respigo, para ser mais conciso e concreto, porque estudei o assunto, as seguintes considerações: primeiro, declaro que não me compete a interpretação das leis só cabe à Mesa e não a num a interpretação do Regimento; mas é evidente que se a Mesa ou eu próprio fizermos uma interpretação oficiosa que tenha o assentimento, ainda que tácito, da Assembleia da República, isso teria significado. Penso eu, em todo o caso, que talvez não seja preciso ir tão longe.
E assim, sem me eximir, na qualidade de Presidente da Assembleia da República a pronunciar-me sobre o tema, direi o seguinte: em matéria de interpretação de lei, como toda a gente sabe, nomeadamente os juristas, o artigo 9.º do Código Civil prescreve que ela não deve cingir-se à letra da lei mas reconstituir, a partir dos textos, o pensamento legislativo, desde que a conclusão a que se chegar tenha, na letra da lei, um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. E diz mais: que o intérprete deve presumir (e isto é muito importante) que o legislador consagrou as soluções mais acertadas.
Da carta do Sr. Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, contraditando a interpretação segundo a qual a Lei n.º 23/97, de 2 de Julho, ao estabelecer, na alínea c) do n.º 1 do artigo 4.º, que o Sr. Deputado referiu, que é competência das freguesias a gestão, conservação e limpeza de cemitérios, se reporta a todos os cemitérios situados no seu espaço - a Câmara Municipal de Lisboa acha que não pode ser assim - retiro os seguintes desacertos, se fosse essa a interpretação: o município de Lisboa, por exemplo, é proprietário de sete cemitérios, de que faz uma gestão integrada; esses sete cemitérios ocupam uma área
global de um milhão de metros quadrados; só a circunscrição territorial do cemitério do Alto de S. João engloba 30 freguesias: o valor patrimonial dos cemitérios municipais de Lisboa é da ordem dos 1600 milhões de contos;
os encargos previstos para o ano de 1997, em curso, com a manutenção, conservação, limpeza e segurança dos cemitérios municipais de Lisboa ascendem a 560 mil contos; a sua gestão técnica e administrativa é assegurada
por 300 pessoas, mediante uma remuneração que ascende a mais de 1 milhão de contos; a actividade de gestão dos cemitérios municipais de Lisboa é exercida por um complexo orgânico de serviços municipais de impossível
substituição ou transferência no curto prazo, para o que, aliás, se careceria de cobertura legal que, naturalmente, não existe; a transferência imediata. a partir da entrada em vigor da referida Lei n.º 23/97, ou seja, 1 de Agosto, sem
as necessárias coberturas legal, regulamentar e financeira, entronizaria o caos mais ingerível. Este quadro convence, sem necessidade de mais, de que não foi este o cenário que o legislador teve por solução mais acertada porque, bem ao contrário, não poderia ser maior o desacerto!
Se não foi nem podia ser este o resultado do pensamento legislativo, outro haverá de ter sido - qual, eis a questão. Creio que não existindo na lei uma palavra que nos leve a concluir que o legislador quis que as freguesias passassem a gerir, conservar e limpar cemitérios propriedade de outrem, públicos e privados, ainda que situados na sua área territorial, só pode ter querido referir-se aos cemitérios de que as freguesias já têm a propriedade ou a gestão, aos cemitérios cujo dono, Câmara ou outra entidade, tenha delegado nelas essa gestão. Isto porque, como esclarece o artigo 3.º da lei em apreço, as competências dos órgãos da freguesia podem ser próprias ou delegadas - nada impede assim que uma Câmara delegue nos órgãos de uma freguesia a gestão, conservação ou limpeza de cemitérios cuja propriedade lhe pertence. Mas a lei em apreço não impõe que estas operações se transfiram automaticamente para as freguesias, dando origem ao tornado técnico, administrativo e Financeiro que, a traço grosso, deixei caracterizado atrás. Ficaria sem espaço a faculdade da delegação que a própria lei prevê.
Mas o legislador foi prudente, ao contrário do que se pressupõe na preocupação da Câmara e também do Sr. Deputado, e refugiou-se na remissão , clássica para os termos da lei. Portanto, a competência citada na alínea c) do n.º l do artigo 4.º tem de ser exercida nos termos da lei. Qual lei? Uma lei a haver, que por enquanto não há. Uma lei que há-de preencher o vazio deixado por esta, integrando-a sob pena de inexequibilidade. Quer dizer, se a interpretação fosse a que eu próprio rejeito, ela só teria força imperativa a partir da lei regulamentar de que a citada Lei n.º 23/97 faz depender o exercício da competência em causa.
Receia o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Lisboa que lhe oponham o velho brocardo "onde a lei não distingue, não pode o intérprete distinguir", mas já o velho Manuel de Andrade ensinava que não é assim quando for óbvio que a distinção se impõe, como é precisamente o caso. Aquele argumento teria este conteúdo: se a alínea c) em apreço fala em cemitérios sem distinguir entre estes, é porque quer incluir todos - esta seria a consequência do tal brocardo. Mas, por um lado, o argumento provaria demais pois também os privados se teriam de incluir, o que seria um absurdo; e, por outro lado, o legislador foi, mais uma vez, prudente e não disse "de todos os cemitérios" nem disse sequer "dos cemitérios", mas disse "de cemitérios"! E aqui é que está a pequena diferença que salva, evidentemente, dó absurdo a interpretação que se receia: " de cemitérios" - do género, não da espécie: a definição desta ficou para os ternos da lei prevista no corpo do n.º 1. E aqui temos nós preenchida a exigência, de que a interpretação a que se chegue tenha na letra da lei um mínimo de correspondência. É exactamente a diferença entre " de", "dos" ou "de todos".
Considero, assim, com ressalva de melhor entendimento, como sempre, que a alínea c) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 23/97 não comete às freguesias a gestão, a conservação

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