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Quinta-feira, 9 de Outubro de 1997 I SÉRIE - NÚMERO 1

DIÁRIO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

VII LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1997-1998)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 8 DE OUTUBRO DE 1997

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex.mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Maria Luísa Lourenço Ferreira
João Cerveira Corregedor da Fonseca

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa do projecto de lei n.º 413/VII, do projecto de resolução n.º 413/VII, de requerimentos e de respostas a alguns outros.
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP) deu esclarecimentos à Câmara sobre as razões que levaram no adiamento das jornadas parlamentares conjuntas do seu partido com a UNITA, em Luanda. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Francisco Assis (PS), Carlos Encarnação (PSD), Octávio Teixeira (PCP) e Isabel Castro (Os Verdes).
Procedeu-se ao debate de urgência, da iniciativa do PSD, sobre aumento da insegurança e da criminalidade no país. Usaram da palavra, a diverso título, além do Srs. Ministros da Justiça (José Vero Jardim) e da Administração Interna (Alberto Costa), os Srs. Deputados Carlos Encarnação (PSD), Marques Júnior (PS), João Amaral (PCP), Jorge Ferreira (CDS-PP) e Isabel Castro (Os Verdes).
O Sr. Deputado Duarte Pacheco (PSD) acusou o Governo de ainda não ter cumprido as promessas feitas de investimento na Região Oeste e criticou o comportamento dos respectivos autarcos socialistas. No final, respondeu a um pedido de esclarecimento do Sr. Debutado Carlos Cordeiro (PS).

Ordem do dia. - Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 97/VII - Estabelece um novo regime jurídico-legal em matéria de asilo e de refugiados e do projecto de lei n.º l64/VII - altera a lei n.º 70/93, de 29 de Setembro, sobre o direito de asilo (PCP). Intervieram no debate, além do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna (Luís Amado), os Srs. Deputados António Filipe (PCP), Maria Celeste Correia (PS), Calvão da Silva (PSD), Nuno Abecasis (CDS-PP), Isabel Castro (Os Verdes), José Magalhães (PS) e Carlos Encarnação (PSD).
A Câmara aprovou o voto n.º 84/VII - De saudação a todos os educadores portugueses por ocasião do Dia Mundial do Professor, apresentado pela Comissão de Educação, Ciência e Cultura.
Foi ainda discutida, na generalidade, a proposta de lei n.º 84/VII - Estabelece medidas preventivas e punitivas a adoptar em caso de manifestações de violência associadas, ao desporto. Produziram intervenções, além do Sr. Secretário do Desporto (Miranda Calha), os Srs. Deputados Jorge Ferreiro (CDS-PP), Paulo Pereira Coelho (PSD), Bernardino Soares (PCP) e Domingos Cordeiro (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 5 minutos

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Gavino Paixão.
António José Guimarães Fernandes Dias.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Moreira Raposo.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos das Dores Zorrinho.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Júlio Meirinhos Santanas.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Soares Gomes.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Eugénio Pereira de Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Domingos Dias Gomes.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.

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Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Costa Pereira.
José Mário de Lemos Damião.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Afonso de Pinto Galvão Lucas.
Armelim Santos Amaral.
Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Joaquim Manuel da Fonseca Matias.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os diplomas, os requerimentos e as respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projecto de lei n.º 413/VII - Reposição do ICI entre Torres Vedras e Leiria e do IP6 entre Peniche e Santarém, como vias sem portagens (CDS-PP, PSD, PCP e Os Verdes), que baixou à 4.ª Comissão -, e projecto de resolução n.º 65/VII - Recomenda ao Governo que proceda com urgência aos estudos e tome as decisões necessárias à correcção dos cadernos eleitorais (CDS-PP).
Srs. Deputados, foram apresentados na Mesa vários requerimentos. Na sessão plenária de 26 de Setembro de 1997: ao Ministério para a Qualificação e o Emprego, formulado pelo Sr. Deputado José Calçada; aos Ministérios do Ambiente e da Saúde, formulados pelo Sr. Deputado Paulo Mendo; ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulados pelo Sr. Deputado Francisco Torres; ao Ministério da Saúde, formulado pela Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.
No dia 30 de Setembro de 1997, ao Governo e ao Ministério do Ambiente, formulados pela Sr.ª Deputada Isabel Castro.
Na sessão plenária de 1 de Outubro de 1997: ao Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulados pelos Srs. Deputados Lino de Carvalho e Carlos Duarte; à Secretaria de Estado dos Desportos, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Marta; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Nuno Correia da Silva, e aos Ministérios do Ambiente e da Economia, formulados pela Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
Entretanto, o Governo respondeu, no dia 18 de Setembro de 1997, aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: José Costa Pereira, nas sessões de 19 de Março e 17 de Julho; Odete Santos, nas sessões de 21 de Maio e 20 de Julho; Rodeia Machado, Roleira Marinho, Lino de Carvalho e Fernando Pereira Marques, nas sessões de 23 de Maio, 4 de Junho, 2, 15 e 23 de

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Julho; Isabel Castro, na sessão de 28 de Maio e no dia 17 de Junho; José Calçada, Luísa Mesquita, Sílvio Rui Cervan e Macário Correia, nas sessões de 5 de Junho, 3 e 22 de Julho; Cruz Oliveira, na sessão de 11 de Junho; Fernando Serrasqueiro e Helena Santo, na sessão de 12 de Junho; Heloísa Apolónia, na sessão de 18 de Julho; Filomena Bordalo e Soares Gomes, na sessão de 19 de Junho; Elisa Damião, no dia 1 de Julho; António Galvão Lucas, na sessão de 29 de Julho, e Manuel Monteiro, na sessão de 30 de Julho.
O Governo respondeu ainda, no dia 25 de Setembro de 1997, aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Adriano Azevedo, na sessão de 29 de Janeiro; Antão Ramos, na sessão de 10 de Abril; Manuela Aguiar e Ricardo Castanheira, no dia 20 de Maio e na sessão de 9 de Julho; Paulo Pereira Coelho e Rodeia Machado, nas sessões de 28 de Maio, 25 de Junho e 10 de Julho; Heloísa Apolónia, Lino de Carvalho, Bernardino Soares, Mendes Bota, Carlos Beja, Fernando Pereira Marques, Aires de Carvalho e António Filipe, nas sessões de 5 e 18 de Junho, 15, 16, 22 e 25 de Julho; Pedro Pinto, na sessão de 11 de Junho; Jorge Roque Cunha e Carlos Duarte, na sessão de 26 de Junho; Carlos Luís, no dia 8 de Julho; Isabel Castro, na sessão de 24 de Julho; Macário Correia e Helena Santo, na sessão de 31 de Julho.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra, para uma declaração política, à Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, informo a Câmara de que se encontram a assistir à sessão um grupo de cidadãos alemães, pertencentes a um instituto alemão de formação de adultos, um grupo de alunos do Curso de Formação de Direito do Trabalho e, na tribuna de honra, o Sr. Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados.
Para todos eles, peço a vossa habitual saudação.

Aplausos gerais, de pé.

Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente. Sr.as e Srs. Deputados: No decurso da visita a Angola, em Setembro passado, o líder do CDS-PP, Dr. Manuel Monteiro, articulou com a direcção do principal partido da oposição angolana, a UNITA, algumas iniciativas, assentes no objectivo de ajudar aquele partido a desenvolver e potenciar a sua componente político-partidária e parlamentar.
A realização, em Luanda, de umas Jornadas Parlamentares UNITA/Partido Popular, quer pela temática quer pelo simbolismo, parecia-nos enquadrar-se bem nos objectivos de fundo - contribuir para que Angola deixe de ser um «país adiado» entre a guerra e a paz -, ajudando as suas forças políticas a darem provas decisivas na vida democrática, da qual o Parlamento e a prática parlamentar são parte integrante.
Das mesmas deu o Presidente do CDS-PP conhecimento ao Primeiro-Ministro de Angola, Dr. França Van Dunen, durante a audiência que este lhe concedeu, em Luanda.
Preocupados em proceder com a maior transparência e tendo consciência da sensibilidade da questão e do momento, de tudo informámos, atempadamente, as entidades legitimamente interessadas.
O Governo português foi por nós informado, no dia 19 de Setembro, na pessoa do Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, Dr. José Lamego, que, além de ter considerado a iniciativa como boa e susceptível de contribuir para o progresso da paz, reconciliação e democratização de Angola, nos pôs em contacto com o Embaixador de Portugal em Luanda, para que ele desse a assistência da Embaixada à deslocação dos Deputados portugueses.
O Sr. Embaixador de Angola em Lisboa, Dr. José Patrício, foi informado pessoalmente por mim e pelos meus colegas de bancada, Deputados Nuno Abecasis e Nuno Correia da Silva, na terça-feira, 23 de Setembro, tendo manifestado a sua compreensão quanto à iniciativa, que acolheu como uma acção para reforçar a integração da oposição na vida político-parlamentar.
No entretanto, sugestões da direcção da UNITA para uma deslocação da delegação ao Andulo não nos pareceram aconselháveis e foram retiradas a nosso pedido, já que não queríamos segundas interpretações e a ideia da deslocação de uma delegação de Deputados portugueses e europeus a uma área de território onde não se realizara ainda a extensão governativa podia dar lugar a especulações e melindres.
Neste quadro - em que todos os requisitos da prudência e da boa fé políticos e éticos foram escrupulosamente seguidos -, procedemos, na quinta-feira, 25 de Setembro, à realização de uma conferência de imprensa, em Lisboa, onde publicamente explicámos a iniciativa; que, entretanto, recebera o apoio de Deputados ao Parlamento Europeu, que se deviam juntar a nós para seguirmos para Luanda.
Qual não foi, pois, a nossa surpresa - e a nossa mágoa - quando, na sexta-feira, 26 de Setembro, o Sr. Embaixador José Patrício nos transmitiu uma comunicação do Governo de Luanda, que «desaconselhava» e considerava um acto inamistoso para com Angola a realização das Jornadas Parlamentares.
E soubemos, pela comunicação social e por responsáveis políticos nacionais que a primeira versão deste desagrado fora transmitida, na quinta-feira 25 de Setembro, ao fim do dia, ao Sr. Embaixador de Portugal, em Luanda, tendo o Governo português entendido, e bem, que, não sendo costume em Portugal os governos darem recados e muito menos ordens aos partidos da oposição, deveria ser o Embaixador de Angola, em Lisboa, a tal comunicar, o que foi feito.
Na conjuntura, decidimos adiar as Jornadas, não porque tivéssemos medo de incidentes ou até riscos ruas porque nos pareceu ser da mais elementar responsabilidade política nacional, como parlamentares, não expor a dignidade desta Assembleia nem o nome de Portugal a qualquer situação de menos respeito ou a qualquer desacato que pudesse criar obstáculos insuperáveis, no futuro, à relação entre Portugal e Angola.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Também na sequência nos abstivemos, com risco até de incompreensão da opinião pública e dos nossos eleitores, de quaisquer comentários ou declarações que pudessem agravar a situação, antes dela informarmos o Sr. Presidente da República e o Sr. Primeiro-Ministro, um, como a mais alta figura do Estado, outro, como chefe do Executivo português, responsável, portanto, pela política externa e pela defesa da dignidade e do bom nome de Portugal, dos portugueses e das instituições nacionais.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

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A Oradora: - Entretanto, informámos do ocorrido o Sr. Presidente da Assembleia da República, até porque tivemos de lhe devolver uma mensagem que nos encarregara de entregar ao Sr. Presidente da Assembleia Nacional angolana.
Porque convém que se esclareça uma vez mais, era nosso objectivo - e disto estavam informados os Governos de Lisboa e de Luanda pela vias competentes - não limitarmos os nossos contactos em Luanda às Jornadas, mas ternos encontros com as outras forças políticas angolanas, incluindo, por maioria de razão, o partido maioritário, o MPLA.
Impedidos de o fazer, bem como os nossos colegas do Parlamento Europeu, ficámos à espera, da parte do Governo de Luanda, de algum esclarecimento formal, justificando aquilo que, de outra forma, mais parece um acto de arbitrariedade, próprio de um governo que não dá contas à opinião pública e inviabiliza, nas vésperas de se realizar, uma viagem de parlamentares de um país amigo, devidamente explicada e esclarecida a todos os níveis.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - Tal explicação ainda não veio, pois não podemos considerar explicação as declarações, transmitidas por uma rádio portuguesa, do Sr. Ministro Aldemiro da Conceição, porta-voz da Presidência da República de Angola, que, além de fazer uma discriminação intencional e ofensiva entre os Deputados portugueses e europeus, nunca abordou o fundo nem a substância da questão.
Também pouco conclusiva nos pareceu a missiva enviada pelo Presidente da Assembleia Nacional angolana, Dr. Roberto de Almeida, ao Presidente da Assembleia da República. Donde só poderíamos concluir que se considera que os Deputados portugueses não sabem ler nem interpretar os Acordos de Lusaca e que, de qualquer modo, a UNITA não tem capacidade parlamentar plena, o que é estranho pela letra desses mesmos Acordos de Lusaca, que passo a citar: «Todos os deputados da Assembleia Nacional gozam dos direitos, liberdades, garantias, imunidades e privilégios previstos na lei.
Os dirigentes da UNITA investidos em funções nas diversas estruturas políticas, militares e administrativas do Estado gozam das regalias e dos benefícios inerentes aos seus cargos, definidos pela legislação em vigor».

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Bem lembrado!

A Oradora: - Na sequência, foi-nos também pedido pelo Governo português, em nome dos superiores interesses nacionais e considerando a proximidade da visita a Angola do Sr. Primeiro-Ministro António Guterres, que não apresentássemos imediatamente um voto de protesto neste Plenário, ao que cedemos.
Posteriormente, na passada quarta-feira, dia 1 de Outubro, o Dr. Manuel Monteiro e eu própria fomos recebidos pelo Sr. Presidente da República, a quem expusemos as nossas preocupações e perplexidades perante o que, independentemente dos aspectos da política interna angolana, consideramos uma ofensa a parlamentares portugueses e a membros desta Assembleia, cujas intenções e acções eram perfeitamente transparentes e voltadas para a construção da paz e da democracia em Angola.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Na passada sexta-feira, dia 3 de Outubro, o Sr. Primeiro-Ministro recebeu o Partido Popular, nas pessoas do seu Presidente, Dr. Manuel Monteiro, Vice-Presidente, Dr. Fernandes Thomaz, Deputado Nuno Abecasis e eu própria.
Numa longa e esclarecedora conversa, estando o Sr. Primeiro-Ministro acompanhado pelos Srs. Secretários de Estado dos Assuntos Parlamentares e dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, foi-nos confirmado o seguinte: o Governo português foi informado desta iniciativa na forma e nos termos adequados; o Governo considerou a iniciativa como positiva e accionou os competentes canais diplomáticos; o Governo moveu esforços para obter do Governo de Angola explicações bastantes e satisfatórias da inesperada mudança de atitude, inviabilizadora da iniciativa; o Governo prosseguirá este objectivo, no âmbito da deslocação a Angola do Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, o qual recebeu do Primeiro-Ministro essa incumbência expressa.
Concluídas todas as diligências necessárias ao tratamento correcto e responsável por parte do CDS-PP desta melindrosa questão, é hoje, quarta-feira, dia 8 de Outubro, neste período de antes da ordem do dia, o momento, adequado para prestar a esta Câmara os esclarecimentos a que tem direito.
Quisemos chegar a esta tribuna habilitados a fazê-lo, moral e politicamente, em nome da verdade e em abono da nossa comum dignidade parlamentar.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Para o que interessa a esta Câmara, aos eleitores que nos elegeram e ao País, continuam por explicar as razões, decerto ponderosas, que levaram o Governo, de Angola a recusar a entrada em Luanda a parlamentares de um país amigo e com especiais responsabilidades no processo internacional de pacificação de Angola.
Pelo modo isento como procedemos, e de que VV. Ex.as ficam aqui informadas, não podemos, à falta de esclarecimento, deixar de considerar tal decisão imprópria para todos os membros desta Assembleia, abrindo um precedente de menos respeito por esta instituição e pelo povo português que ela representa, cujas consequências a todos podem atingir.
E é por isso, antes de mais, que desejamos veementemente que as diligências do Governo, nesse sentido, sejam bem sucedidas.
É que nada atingiria mais o prestígio de Portugal do que um silêncio que possa passar, aos olhos da opinião pública portuguesa e angolana, como um sinal de fraqueza das instituições e do Estado português.
Assim, o Grupo Parlamentar do CDS-PP, caso o Sr. Secretário de Estado Dr. José Lamego não seja portador de explicações satisfatórias, ver-se-á na obrigação de propor a esta Câmara um voto de protesto.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Francisco Assis, Carlos Encarnação, Octávio Teixeira e Isabel Castro.
Têm a palavra o Sr. Deputado Francisco Assis.

O Sr. Francisco Assis (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, usarei esta figura regimental para, sobre este assunto, produzir uma curtíssima declaração política, do seguinte teor: O Grupo Parlamentar do PS reconhece a bondade dos motivos

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subjacentes à decisão do PP, de promover a realização de umas jornadas parlamentares conjuntas com a UNITA, em Luanda. Considerámos, aliás, que uma iniciativa desta natureza, assente na vontade de valorizar a componente político-parlamentar da UNITA, poderia ter concorrido, de forma favorável, para a evolução do processo de pacificação da sociedade angolana.
Deste modo, queremos exprimir, sem reservas, a nossa concordância com os propósitos orientadores do comportamento do PP e do seu grupo parlamentar, nesta questão específica.
Verificámos, contudo, que tais propósitos, a nosso ver, repito, justos e oportunos, não foram correctamente interpretados, tendo-se em seu torno gerado um equívoco, que, agora, carece de ser esclarecido e resolvido. Nesta perspectiva, o Grupo Parlamentar do PS manifesta a convicção de que o Governo português, no contexto das excelentes relações hoje existentes entre os dois Estados, não deixará de promover as diligências necessárias para garantir a superação desta situação.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, apesar de não se ter tratado de um pedido de esclarecimento, se quiser usar da palavra, para responder, faça favor.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco de Assis, quero somente dizer-lhe que eu e a minha bancada nos congratulamos com as suas palavras.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, ouvimos com toda a atenção o relatório dos acontecimentos que acabou de produzir para o Plenário. E, sobre isso, gostaria de tecer as seguintes e curtíssimas declarações: avisámos, em devido tempo, se bem se recorda, na altura da expulsão do embaixador português na África do Sul, que estava a criar-se um precedente negativo, gerador de debilidades na afirmação e na consideração devida de Portugal, em África. Agora, antevemos o pior.
Quando o Partido Popular silenciou uma ofensa grave Estado a Estado, no caso da expulsão do embaixador de Portugal na África do Sul, talvez o PP não queira agora, numa relação partido a Estado, ir mais longe e colocar adicionais dificuldades ao processo de paz angolano e aos interesses de Portugal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Governo, aliás, não protestou nem condenou a atitude de Luanda. V. Ex.ª encomenda-se aos bons ofícios do Governo. Nada aconteceu, nada acontecerá, mas é uma boa forma de encerrar um assunto incómodo para ambos, PP e Governo.

Aplausos do PSD.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não apoiado! Que falta de sentido de Estado!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Encarnação, é sempre difícil explicar a alguém que não está em consonância connosco em coisas importantes a essência dessas coisas importantes. É difícil, mas vou tentar.

Risos do PS.

Nós não silenciámos qualquer ofensa grave. Aquilo que, se bem me recordo, o meu colega Deputado Nuno Abecasis e eu própria, na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, lhe solicitámos foi que ponderasse os inconvenientes para Portugal, que não para o Governo de que ambos somos oposição, de uma interpelação ao Governo sobre aquele caso concreto, antes de o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros ser ouvido na respectiva Comissão.

Vozes do CDS-PP: - Bem lembrado!

A Oradora: - E essa posição, que ali assumimos, foi a mesma que assumimos quando a questão se passou connosco.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Ou seja, fomos ao ponto de poder, infelizmente, dar a prova de que aquilo que aconselhámos para uma situação em que não estávamos envolvidos foi o mesmo que aconselhámos para a situação em que estávamos envolvidos.

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - E aquilo que temos tido, Sr. Deputado Carlos Encarnação, faça-me e aos meus colegas essa justiça, é apenas uma infinita paciência para não «partir» uma situação, de cuja delicadeza talvez nós, melhor do que o Governo, estejamos ao corrente.
Por conseguinte, aquilo que nós demos ao Governo - e que referi da tribuna - foi um benefício da dúvida.
O Sr. Primeiro-Ministro, que, penso, não terá interesse em mentir, expressamente e à nossa frente, incumbiu o Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação; Dr. José Lamego, dessa missão - espinhosa, talvez, difícil, quem sabe impossível... veremos. E, nessa circunstância, fizemos aquilo que era a nossa estrita obrigação: suspender o voto de protesto.
Caso o Governo não consiga trazer essa explicação, então, Sr. Deputado, a situação é outra, não porque a nossa paciência tenha acabado - decerto ela acabou, mas, nestas coisas sérias, ela não pode ser motivo exclusivo -, mas porque, nessa altura, fica provado que o Governo não tem capacidade para negociar seja o que for com o Governo de Angola - nem pedidos de explicações, nem pedidos de coisa alguma! E se não tem capacidade para negociar o que quer que seja, podemos nós avançar com o voto de protesto.
É esta a lógica, mas também lhe direi que, tendo o PSD estabelecido há pouco tempo, tanto quanto sei, um acordo preferencial de colaboração com o MPLA, se me vir muito aflita - o que, penso, não irá acontecer - para obter até pessoalmente explicações - e o mais interessante é que,

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eventualmente, neste caso, até poderia obter mais rapidamente as explicações -, pedirei ao Sr. Deputado Carlos Encarnação que se associe a mim para o fazer.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, também eu vou referir a nossa atitude perante esta situação.
Julgo que a situação que nos relatou não pode ser encarada na perspectiva de um incidente que tenha ocorrido com um país que viva em normalidade e estabilidade democrática e constitucional. Aliás, todos sabemos que a situação desse país não é normal nem estável, fundamentalmente por responsabilidade de um partido - julgo que isto é inequívoco -, neste caso concreto, a UNITA.
Acresce que no momento em que o Grupo Parlamentar do CDS-PP entendeu fazer a reunião que quis fazer com os Deputados da UNITA, em Luanda, estava pendente uma possível decisão do Conselho de Segurança da ONU para, eventualmente, aplicar sanções precisamente à UNITA.
Ora, independentemente dos objectivos que o PP entendia prosseguir com a realização desta reunião, é neste quadro da situação que se vive em Angola e da oportunidade devido ao que estava pendente no Conselho de Segurança da ONU que lhe dizemos, com toda a sinceridade e muito frontalmente, que, pela nossa parte, consideramos que não era o momento oportuno e que, se, por acaso, a decisão do Conselho de Segurança da ONU tivesse sido no sentido da aplicação imediata das sanções à UNITA, poderia até ter leituras políticas a nível internacional que não seriam as mais favoráveis, designadamente para o processo de paz em Angola.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, concordo com o que disse, só discordo porque nós próprios, na altura, também considerámos a oportunidade do momento. Aliás, levámos essa consideração a quem de direito, a saber, ao Sr. Embaixador de Angola em Lisboa que, tanto quanto sabemos, está em comunicação com o governo de Angola - isto já para não referir o facto de o Presidente do meu partido ter transmitido essa intenção ao próprio Primeiro-Ministro de Angola.
Portanto, como dizia, atempadamente, colocámos a questão da oportunidade ao Sr. Embaixador de Angola, o qual, se nos tivesse dito, nessa ocasião, «talvez não seja o momento mais oportuno», poderia ter-nos levado a ponderar a questão. Mas não! O Sr. Embaixador de Angola encorajou-nos.
Transmitimos, ainda, essa situação ao Sr. Secretário de Estado, que nos encorajou. Por isso, esta é uma situação que teve este desfecho depois de ter tido o maior record de concordâncias que conheço. Este é, pois, um aspecto que queria sublinhar.
Tanto assim foi que a Embaixada de Angola concedeu todos os vistos - como sabe, os Deputados não carecem de visto - a todas as pessoas que nos acompanhariam, nomeadamente aos representantes da comunicação social e também - à última da hora, é certo - aos euro-deputados. Portanto, essa inoportunidade que referiu não estava tão clara na mente do governo de Angola como pensa o Sr. Deputado Octávio Teixeira ou, pelo menos, não de forma homogénea.
Finalmente, quero dizer-lhe que, para mim, como pessoa que tem seguido, atenta e empenhadamente, o processo de Angola, a invocação da inoportunidade constituía um argumento melhor do que aquele que acabou por ser transmitido à opinião pública, ou seja, o de uma capitis diminutio da UNITA na sua actividade parlamentar. Isso é que me magoa, Sr. Deputado!
Isto é, depois da assinatura dos Acordos de Lusaca, afinal, no Parlamento, a UNITA é um bocadinho menos do que o MPLA. Ora, se a inoportunidade do momento seria um argumento compreensível, a incapacidade da UNITA no Parlamento não é um argumento aceitável.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro, igualmente para pedir esclarecimentos.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, serei muito breve.
No que diz respeito aos contornos desta situação, julgo que a iniciativa que um partido político tem todo o direito de tomar não pode ser desligada do contexto em que ocorre.
Na verdade, está-se perante uma situação peculiar, de desrespeito pela vontade de se acatar determinados acordos que conduziriam à paz num país. Daí que haja um clima de ausência de paz em função do qual há pessoas a sofrer, havendo um partido político que tem responsabilidades por essa situação.
Ora, independentemente de o Partido Popular ter todo o direito de tomar as iniciativas que, do seu ponto de vista, conduzam a um caminho de paz, é, seguramente, muito discutível que o momento escolhido fosse o mais apropriado. Não obstante, tomamos nota da preocupação do Partido Popular em não agudizar uma situação.
No entanto, do nosso ponto de vista, a iniciativa do Partido Popular não ocorreu no melhor momento, não iria contribuir para a paz e era inadequada, mas também entendemos que, porventura, aquela iniciativa não teve a resposta mais hábil por parte do governo angolano.
Em todo caso, consideramos que o facto de a Câmara e todos os grupos parlamentares terem sido informados das ocorrências é, dadas as circunstâncias, pelo menos um sinónimo de razoabilidade que registamos.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, apenas quero chamar a sua atenção para o facto de que o Conselho de Segurança das Nações Unidas tomou recentemente uma decisão quanto às sanções a qual reflecte exactamente o entendimento do Conselho sobre a situação em Angola. E talvez o Conselho de Segurança das Nações Unidas esteja

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mais habilitado do que nós próprios para ver quais os passos que foram dados e qual a perspectiva de que esses passos sejam maiores no futuro. Portanto, não partilho da opinião da Sr.ª Deputada e penso que o Conselho de Segurança das Nações Unidas também não.
Finalmente, quero dizer-lhe - e não o disse antes, na minha intervenção política, porque já não vinha a propósito - que também o Sr. Beye recebeu o Dr. Manuel Monteiro e, ao contrário da Sr.ª Deputada, considerou que esta nossa iniciativa era importante.
«Puxar» pelo lado parlamentar da UNITA é importante. Quem conhece Angola e a situação angolana sabe que assim é.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminou o período de declarações políticas, pelo que vamos dar início ao debate de urgência, requerido pelo Partido Social-Democrata, sobre o aumento da insegurança e da criminalidade no País.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, em Julho deste ano, proferi nesta Assembleia uma declaração política na qual afirmei três coisas: o crime violento havia disparado; o Governo perdera o discurso e o controlo na luta contra a droga; em algumas zonas da periferia de Lisboa, o Estado de direito não passava de um simulacro.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Nessa ocasião, do Grupo Parlamentar do Partido Socialista recebi duas respostas: a primeira de um Sr. Deputado, recém-chegado do Governo, que me dizia ir a economia bem; a segunda de um Sr. Deputado, particularmente responsável na luta contra a toxicodependência, que alegou a desactualização estatística.
O primeiro dos Srs. Deputados quis desconversar; o segundo dos Srs. Deputados quis esconder as piores notícias.
O assunto morreu na Assembleia, o Sr. Ministro nem pestanejou, o Sr. Primeiro-Ministro fingiu não dar conta do que se passava.
O inevitável, porém, aconteceu.
As pessoas, primeiro, os órgãos de comunicação social, depois, aperceberam-se da realidade. Não era possível continuar a ignorar os homicídios violentos, a multiplicação de roubos por esticão, os assaltos à mão armada aos estabelecimentos, as violações à luz do dia, as batalhas campais entre centenas de pessoas, como a de Paço de Arcos.
Não era possível continuar a ignorar as acções de varrimento que grupos organizados realizam junto de bairros degradados da periferia de Lisboa; não era possível iludir e esconder as agressões aos agentes policiais que se atreviam a entrar onde não eram bem-vindos; não era mais possível esquecer as declarações de responsáveis policiais que confirmavam que a polícia não exercia a sua função em permanência em certas zonas ou que se limitava a acções de rusga ou flagelação com grandes efectivos e para mero efeito dissuasor.
Definitivamente, como o Sr. Primeiro-Ministro disse um dia destes, Portugal ainda não é um país seguro. Ou, como afirmava, também há pouco tempo, o Sr. Dr. Fernando Gomes, olhando garboso a sua força de 50 agentes da PSP emprestados, «a insegurança continua a crescer».
Infeliz o Ministro, que já não sabe quantos novos polícias anunciar, se não se dá conta de que, por cada 1000 que entram, 750 saem por ano para a reforma, se não se dá conta de que 4000 por ano são perdidos em tarefas burocráticas.
Mal compreendido o Ministro que ninguém ouve quando anuncia 19 esquadras construídas em dois anos e mais de 100 que pensa necessárias e saberá impossíveis. Até os meios de comunicação social mais atentos, veneradores e obrigados titulam com ironia uma notícia com mapa e a cores: em cada esquina, uma esquadra.
Já sabemos a quem se dirigia a piada da «fábrica de farturas»...

Risos do PSD.

De facto, até hoje, a única proposta do Sr. Ministro é: mais polícias e mais esquadras. Nem uma palavra acerca da reestruturação, da reorganização, do aproveitamento de recursos.
Os polícias continuarão a fazer o que não devem, só que em maior número: os polícias continuarão a fazer falta nas ruas, entretidos em reuniões sindicais nas esquadras.
Até a máxima do Sr. Ministro - «proximidade e visibilidade» - é ridicularizada. O Sr. Ministro talvez tenha tornado a polícia próxima, o problema é que continua invisível.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PS): - É falso!

O Orador: - Ninguém o acredita, Sr. Ministro.
O cidadão que vê a sua casa repetidamente roubada, o cidadão que vê os seus familiares crescentemente ameaçados pelo esticão, não acredita na «distracção» da polícia. Mas ele sabe que o Sr. Ministro diminuiu a autoridade da polícia, sabe que os agentes cada vez se sentem mais inseguros no modo de actuar, sabe que os polícias suspeitam que a falta de confiança no sistema judicial e penal recai agora também sobre eles. E sabem mais. Sabem que, para não arranjar sarilhos, fingem não ver e preferem ignorar.
Foi esta, Sr. Ministro, infelizmente, até hoje, a sua grande obra.
Há algum tempo atrás, pensava-se mais largo e mais longe. Sabia-se, por exemplo, que um dos grandes problemas das áreas metropolitanas era a descoordenação das polícias. Foi o tempo do acentuar dos serviços de informação policial, da polícia dos comboios e do metropolitano, das brigadas contra a droga, do início da campanha pela segurança, nas escolas. Foi o tempo de uma evolução qualitativa pela mobilidade, pelo investimento em telecomunicações, pelo caminho da informática.
Ao fim destes dois anos, como vai longe esse tempo e como as coisas se complicaram entretanto!...
O Sr. Ministro pode entender a nossa iniciativa extemporânea, pode até, nas conversas com os seus, dar a ideia de que tudo vai bem, pode promover uma viagem de helicóptero, com o Sr. Primeiro-Ministro, a visitar as obras, ou organizar as rusgas televisivas para responder às notícias incómodas; o Sr. Ministro não pode, porém, enganar os portugueses.

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Eles sabem que quem tem razão é quem diz que a insegurança cresce ou quem diz que Portugal não é um país seguro. V. Ex.ª, perde no confronto com o Dr. Gomes ou com o Sr. Primeiro-Ministro. Ao fim de dois anos, ninguém acredita na sua política.
Tantos polícias depois e um aumento anual de 62% no roubo por esticão!... Tantos anúncios depois e 9054 detidos por crime de droga em 1996, contra 6380 em 1995!... Tantos discursos depois e centenas de cidadãos em batalha campal!...
Chega Sr. Ministro, arrepie caminho (como diz um seu bem conhecido colega de Governo) enquanto é tempo!
Não posso, Sr. Ministro, competir com o Governo em acções de marketing, não posso pagar anúncios à GNR e à PSP.
Certamente que os menos culpados no meio de tanta desorientação são as próprias forças policiais.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Como titulava um órgão de comunicação social há poucos dias, o Governo tem, perante a droga, um discurso de rendição, daí entrarem todos em combate previamente derrotados.
O discurso contra a droga é, essencialmente, um discurso de afirmação de valores; o caminho da droga é o da destruição moral do cidadão, o da alienação da personalidade. Quem trafica é também responsável, em Portugal, por uma morte por overdose de dois em dois dias; quem trafica tem um mercado que, em Portugal, cresce com 27 novos toxicodependentes por dia; quem trafica usa como correios de droga, em Portugal, jovens cada vez mais novos; quem trafica sabe que dele depende quem alienou a vontade própria e se entregou à doença.
O Sr. Primeiro-Ministro ouviu o Sr. Tony Blair dizer um dia, «duros contra o crime, duros contra as suas causas».
Traduziu mal!...
O Governo do Partido Socialista é mole contra o crime e mole contra as suas causas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Dois anos já é muito tempo, Sr. Ministro!
E tempo de analisar e de propor, e são quatro as propostas que lhe fazemos.
Quando os municípios da região de Lisboa permitiram a multiplicação dos bairros de barracas estavam a alimentar a mão-de-obra do crime; quando o Governo anterior lançou o programa de erradicação de barracas estava a tentar combatê-lo - na Amadora, Sr. Ministro, a nova data do plano é 2008! É uma vergonha!
A nossa proposta, Sr. Ministro, é a de que nos próximos dois anos se ponha fim a esta chaga social, que se lance com um novo ritmo o programa.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Os bairros degradados estão cheios de centenas de crianças abandonadas, as vítimas mais fáceis de todas as tentações e todas as alienações.
A nossa proposta é um urgente programa de recuperação e acompanhamento que mobilize médicos, psicólogos e educadores que ofereçam um centro de apoio em cada bairro e que identifiquem os casos, promovam os internamentos, tratem e recuperem, supram a inexistência da família e da responsabilidade.
É altura de o Sr. Ministro dizer se está de acordo ou não com outros países europeus, com a redução da idade da imputabilidade ou com a responsabilização dos pais em relação aos crimes cometidos pelos menores.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Essa agora!?...

O Orador: - Os bairros degradados não oferecem segurança nem para os seus próprios moradores. É conhecida a procura de armas, são sabidos e silenciados os ajustes de contas.
A nossa proposta é um esquema de policiamento próprio, permanente, com o recurso, para já, de unidades móveis do corpo de intervenção. A polícia quando lá vai não se pode apresentar como envolvida numa operação militar. Também ali há gente honesta e trabalhadora e não merecem ser todos tratados como suspeitos ou marginais.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Manter esta situação é manter uma parte da sociedade à margem, é definir uma terra de ninguém.
Todos compreenderam já que o Dia D se esgotou numa operação de marketing. É preciso acabar com a publicidade enganosa das boas intenções sem consequência.
A nossa proposta é que, já no próximo Orçamento do Estado, o Governo apresente um aumento substancial dos recursos afectos ao combate à droga, mas com programas concretos, nas escolas, nos bairros, nos centros de saúde, nas prisões.
Aqui viemos para levantar as questões e fazer propostas. Surpreenda-nos, Sr. Ministro, aproveite, entusiasme-se e apresente a esta Assembleia a organização das forças de segurança para o ano 2000.
Do deserto de ideias faça nascer uma proposta. Era bem tempo. Estamos prontos a discuti-la.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para exercer o direito regimental de defesa da honra da bancada do Governo, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da justiça (José Vera Jardim): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Encarnação, V. Ex.ª. Fez um exercício de demagogia que, certamente, não era feito nesta Casa há muito tempo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Esse exercício de demagogia não teria muita importância se não fosse feito à custa dos sentimentos dos cidadãos.

Aplausos do PS.

Mas, mais do que isso, V. Ex.ª fez um exercício de inverdade. É estranhíssimo que um Deputado nem sequer se dê ao trabalho de, antes de fazer uma intervenção deste tipo na Assembleia, ao menos ler a imprensa, ao menos somar as acções que têm sido desenvolvidas nos últimos tempos, sem paralelo na História portuguesa!

Vozes do PS: - Exacto!

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O Orador: - Sr. Deputado Carlos Encarnação, se tivesse lido os jornais e somado, só até fins de Setembro, as operações levadas a cabo pela Polícia Judiciária, as apreensões e as prisões feitas, teria constatado que elas atingem valores 800% mais elevados do que as do seu tempo.

Aplausos do PS.

Sr. Deputado, trata-se aqui de intenções com consequências e não de promessas. Durante este ano, apreendemos mais 990% de cocaína e mais 400% de haxixe; dezenas de pessoas foram presas e vários gangs da droga destruídos.
Agora, é triste que VV. Ex.as - nem sequer leiam os jornais...

Protestos do PSD.

O Sr. Deputado Carlos Encarnação diz que não há uma política de combate à droga nas prisões, mas a verdade é que quando cheguei ao Governo havia três dezenas de lugares para toxicodependentes e, neste momento, há cinco vezes mais lugares, em dois anos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. José Magalhães (PS): - Aproveite para pedir desculpas!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, não sei o que seria do Governo sem si!

Risos do PS.

Não sei o que seria da política do Ministério da Administração Interna sem que V. Ex.ª estivesse a seu lado!

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - VV. Ex.as é que trouxeram o tema da criminalidade para o debate!

O Orador: - Não sei o que seria da luta contra a criminalidade sem que V. Ex.ª estivesse aqui presente!

O Sr. José Magalhães (PS): - É o Ministro da Justiça! Essa é boa!

O Orador: - Em relação à demagogia aqui produzida, não sei o que seria das memórias desta Assembleia sem V. Ex.ª quando era Deputado e acompanhava - muito melhor do que eu poderia alguma vez supor fazer - a demagogia que aqui se praticava no tempo em que o Partido Socialista era oposição.

Aplausos do PSD.

Os jornais, Sr. Ministro, estão actualizados: são esses os números e eu não os ignoro. Mas não estou a falar das últimas duas semanas, nem dos programas de televisão transmitidos nas últimas duas semanas!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Estou a referir-me, sim, ao que aconteceu nos últimos dois anos neste país. E o que aconteceu foi uma degradação objectiva das condições de segurança dos portugueses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PS): - Antes era o paraíso!

O Orador: - Este é que é o problema com que V. Ex.ª se confronta.
Contudo, se V. Ex.ª quer responder, em nome do Sr. Ministro da Administração Interna, se quer ofuscar o brilho que o Sr. Ministro da Administração Interna teria neste debate, ao menos dê oportunidade para que o Sr. Ministro da Administração Interna se pronuncie sobre este tema!

Vozes do PS: - Lá iremos!

O Orador: - Não lhe açambarque o tempo, nem diga o que ele vai dizer; não surpreenda esta Assembleia com o que ele deveria dizer e que V. Ex.ª diz em nome dele.
Sr. Ministro da Justiça, não queira ser para este Governo um tutor, pois está muito bem no seu papel; não «adopte» o Sr. Ministro da Administração Interna, não é preciso! V. Ex.ª deve falar, sim, do que tem de fazer no futuro e do que preocupa os portugueses.
O Sr. Ministro teve razão numa coisa: de facto, falei em nome do sentimento dos cidadãos.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas o sentimento dos cidadãos é o meu e não aquele que o senhor imagina.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Mais uma vez as questões da segurança e da criminalidade são debatidas na Assembleia da República, o local adequado quando se trata de questões tão importantes como aquelas que têm a ver com direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
De notar uma simples curiosidade: o ano passado, por esta altura, 9 de Outubro de 1996 - faz amanhã um ano -, depois de férias, o PSD agendou uma interpelação sobre o aumento da insegurança e criminalidade, exactamente o mesmo tema que hoje está em discussão.
O que é que leva o PSD, desde que perdeu as eleições, a agendar por esta altura as questões de segurança e criminalidade? Será uma genuína preocupação com a segurança ou será a procura de um efeito fácil, perante legítimas preocupações que estão no subconsciente colectivo e que interessará potenciar para procurar dividendos políticos ilegítimos? Mas será uma atitude responsável? Penso que a resposta é irrelevante quando todos sabemos o - que o Governo do PSD fez em questões de segurança - e se nos restavam dúvidas, a intervenção do Sr. Deputado Carlos Encarnação é sintomática: para V. Ex.ª, o cenário só tem duas cores - ou preto ou branco. Não é possível imaginar maior demagogia!
Previamente às questões das estatísticas, para saber se a criminalidade aumentou ou diminuiu, a «justificar» um

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debate de urgência, penso ser adequado tecer algumas considerações que; necessariamente, terão de enquadrar toda esta problemática, para que tenha utilidade e deixe de ser um simples esgrimir em matérias que pela sua importância não devem ser objecto da guerrilha partidária.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Em primeiro lugar, há que ter presente que toda a política de segurança deve ter como referencial de actuação a defesa intransigente dos direitos dos cidadãos e é em função destes mesmos valores que devem ser tomadas as medidas adequadas de modo a garantir a sua execução.
Por outro lado, as forças de segurança devem ser consideradas como instrumento fundamental de garantia dessa mesma segurança e não, como muitas vezes acontece - confundindo a instituição com a acção incorrecta dum ou doutro agente -, como sendo os perturbadores a justificar todas as dúvidas, criando um clima psicológico desvalorizador da sua acção e,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: consequentemente, potenciador de outros factores, também psicológicos, que podem criar um clima propício ao desenvolvimento da criminalidade.
Em segundo lugar, há que ter em conta os instrumentos que existem com o objectivo de fiscalizar a acção das forças e serviços de segurança, de modo a corrigir aquilo que estiver mal por forma a garantir a indispensável confiança dos cidadãos.
Há que ter presente que, sempre que a actuação de um ou outro agente de segurança não for a adequada ou sempre que se lhe imputem, justa ou injustamente, atitudes condenáveis, isso tem consequências a nível das forças de crime. Daí a grande responsabilidade que recai nas próprias forças de segurança - que não se devem deixar confundir com as acções incorrectas de um ou outro elemento -, no cuidado que deve ser posto na acção dos seus agentes e em todos aqueles que devem fiscalizar a sua actuação, quer ao nível das próprias instituições quer ao nível da comunicação social, que é um instrumento fundamental com grande incidência na actuação das forças de segurança.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Foi com este Governo e por virtude da acção do Ministro da Administração Interna, Dr. Alberto Costa, que foi reforçado, de forma significativa, o ideal consubstanciado na defesa dos direitos dos cidadãos, como o valor de referência que cumpre em primeiro lugar às forças de segurança defender. Penso mesmo que esta grande batalha é hoje uma vitória que deve ser imputada, em primeiro lugar, ao Ministro Alberto Costa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Toda a acção do Ministro da Administração Interna, que muitas vezes e injustamente foi mal compreendido, teve como objectivo introduzir nas forças de segurança e na opinião pública a ideia de que o homem, mesmo quando criminoso, deve ser tratado com dignidade. Penso que esta cultura democrática está hoje plenamente assumida e é justamente reconhecida.
Como corolário desta sua acção foi instalada a Inspecção-Geral da Administração Interna que, como afirmou o Ministro no discurso de tomada de posse do Inspector-Geral, deve contribuir «(...) para um processo de modernização cívica, profissional, institucional e cultural na área da segurança interna que os portugueses pedem, esperam e merecem». A este propósito convém recordar, Sr. Deputado Carlos Encarnação, que nos 10 anos anteriores não funcionou qualquer organismo de inspecção e fiscalização superior no âmbito do MAI, quando nele se concentram os serviços e forças com papel dominante no exercício da actividade da segurança interna.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exactamente, convém não esquecer!

O Orador: - Complementarmente, mas com igual importância, tem sido o esforço de investimento - quando comparado com o que se passava anteriormente -, quer ao nível do aumento de efectivos (recordo que o Governo do PSD chegou a estar mais de dois anos sem formar um único agente da PSP) quer ao nível de meios técnicos (viaturas, meios de comunicação e instalações), que este Governo tem feito para dotar as forças de segurança das condições indispensáveis ao cumprimento das suas missões.

Aplausos do PS.

No que se refere a novas viaturas, verifica-se que mais de 1000 foram objecto de aquisição em 1997 e estarão entregues mais de 500 unidades até, ao fim deste ano.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Quanto às comunicações, existe um programa em curso com o objectivo de dotar as polícias com os meios adequados, estando, no que diz respeito, por exemplo, à PSP e na área de Lisboa, dotada dos meios mais modernos que existem no mercado.
No que se refere a instalações é também significativo o esforço que o Governo tem feito, quer no desenvolvimento de processos que vinham do anterior quer no lançamento de novos projectos. O investimento global em meios operacionais e instalações cresceu 45% entre 1995 e 1996 e 77% entre 1996 e 1997. Em 1997, tal como em 1996, quase 2/3 deste investimento global foi consagrado à modernização dos meios operacionais das forças de segurança.
Paralelamente a toda esta acção de formação e modernização, o Governo tem acompanhado com a sua presença e incentivo toda a sua actividade, realçando a importância que num Estado democrático assumem as forças de segurança, procurando valorizar e prestigiar a sua actividade perante todos os portugueses.
Na verdade, o Governo, ao introduzir como primeira prioridade a defesa dos direitos dos cidadãos, deu um passo decisivo para que seja restabelecido o verdadeiro sentido de autoridade que deve assentar em valores indiscutíveis para que seja reconhecida e aceite por todos os cidadãos.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - É esta a diferença fundamental entre o autoritarismo e o verdadeiro sentido da autoridade.

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Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quanto às estatísticas, que são tão do agrado do PSD, no que se refere aos índices de criminalidade devem ser muito bem equacionados, porque como sabemos, basta haver um desequilíbrio explicável em qualquer das rubricas para dar uma ideia geral desajustada da realidade. Aliás, o Relatório da Segurança Interna relativamente a 1996, o primeiro verdadeiramente da responsabilidade do actual Governo, foi o primeiro que procurou, através dos elementos de estatística do Ministério da Justiça, apresentar a evolução anual da criminalidade em Portugal, permitindo efectuar apuramentos e comparações expurgadas da dupla contagem e dispor de valores mais próximos da realidade.
Deste relatório verificou-se uma diminuição ligeira da criminalidade global, um desagravamento da globalidade do crime violento, mas num caso e noutro houve algumas categorias a registarem incrementos, a demonstrar que não é fácil, para quem queira tratar o assunto sem demagogia, retirar conclusões gerais e globais que podem, em muitos casos, mistificar a própria realidade.

Vozes do PS: - Bem observado!

O Orador: - Relativamente ao primeiro semestre deste ano e segundo informação que podemos recolher, verificou-se que no primeiro semestre de 1997, e considerando as três forças policiais, houve um acréscimo global de criminalidade de cerca de 1 % relativamente ao período homólogo do ano anterior.
Na área da GNR houve um aumento percentual da criminalidade relativamente ao primeiro semestre de 1997 de 4,7%, aumento que foi influenciado por factores como o crime «contra a vida e sociedade», relativo a incêndios/fogo posto - curiosamente, em floresta ou matas e apesar da diminuição da área florestal ardida -, com um acréscimo de 73,%.
Na área da PSP a criminalidade global no primeiro semestre de 1997 apresentou valores semelhantes relativamente ao primeiro semestre de 1996, embora. o crime violento sofra um agravamento na sua globalidade em resultado principalmente dos roubos/furtos por esticão, com um aumento de 60%.
Nestes dados estatísticos terão também de entrar em linha de conta o aumento de efectivos das forças de segurança e da sua operacionalidade, que permite um maior número de registos que, esperamos que continuem a aumentar proporcionalmente ao clima de confiança que se for instalando na opinião pública relativamente às forças de segurança, como tem acontecido.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As razões que estão na origem do debate pedido pelo PSD parecem resultar de notícias na comunicação social que referiam que a «polícia já não consegue controlar gangs suburbanos».
Todos nós sabemos que há pessoas que habitam em bairros degradados na Área Metropolitana de Lisboa e que, fruto de condições sociais específicas, vivem sem o mínimo de dignidade, situação que se tem vindo a agravar ao longo dos anos como resultado de uma cada vez maior fixação de pessoas na área da grande Lisboa, quer por um processo natural de crescimento de grandes metrópoles quer ainda como resultado das grandes obras públicas que estão em curso nesta área.
E se é verdade que ao nível da primeira geração de imigrantes é possível encontrar uma cada vez maior integração na sociedade portuguesa, também é verdade que ao nível da segunda geração a sua integração tem sido mais difícil, tendo como resultado a sua solicitação para atitudes marginais e para as quais é indispensável uma cada vez maior atenção das entidades públicas.
A criação do Alto Comissariado para a integração e as Minorias Étnicas é a manifestação da preocupação e do interesse com que o actual Governo tem encarado esta situação. Todo este ambiente de marginalização, e que não se resume a minorias étnicas, é propício à criação de um clima de violência para a qual não é estranha, como vários estudiosos têm afirmado, a própria televisão e alguns dos seus chocantes programas de violência de todos os tipos.
É assim que se compreende que haja bairros em Lisboa onde, pelas suas características específicas, o patrulhamento da polícia não deva ser feito por um simples agente como acontece noutros locais e tenha, como sempre aconteceu, de fazer o seu patrulhamento com o efectivo adequado ao local e que resulta de um estudo de situação próprio. Não penso que seja correcto criar um problema especial de segurança pelo facto da polícia adaptar o número de efectivos ao local específico do patrulhamento.
É nosso dever analisar a evolução da criminalidade, estudar e combater as suas causas e procurar limitar as suas consequências. Há, infelizmente, razões que explicam a evolução da criminalidade, como seja a dificuldade do combate ao tráfico da droga - apesar dos dados fornecidos pelo Sr. Ministro da Administração Interna -, que é o grande responsável pelo seu aumento. É nosso dever encontrar soluções que façam face a essa evolução, reconhecendo, no entanto, que é um combate difícil, não isolado e que requer medidas globais e acções de coordenação internacional.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Apesar do aumento de algumas rubricas em contexto de estabilização da criminalidade global não penso que seja possível, sem demagogia, atribuir a este Governo qualquer responsabilidade nessa evolução, nem às forças de segurança qualquer negligência no combate ao crime.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - O sentimento de insegurança, para além do aumento de certa criminalidade, é também o resultado do empolamento de certas situações, da maior visibilidade de factos e acontecimentos e nem sempre tem uma correspondência directa com o aumento da criminalidade, ou seja,...

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Ou seja, o sentimento de insegurança não se relaciona exclusivamente com o aumento da criminalidade mas também pela forma como esta é apresentada. De qualquer modo, este não deve ser o tema preferido para o combate político ou partidário, pois o resultado corre o risco de ser o aumento do sentimento de insegurança.
Uma atitude politicamente responsável não deve utilizar as questões de segurança e da criminalidade como factor de divisão entre as forças políticas, antes pelo contrário, devemos todos unir esforços num combate que tem muitas

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origens e que se apresenta nas sociedades modernas e democráticas como um elemento desagregador que atenta contra todos os cidadãos, independentemente do partido político e das ideologias.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Ministro da Administração Interna, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: Começo por cumprimentar o Sr. Ministro da Administração Interna e desejar-lhe, em nome da bancada do PCP, completo restabelecimento do seu estado de saúde Isto apesar de o ambiente desta sala ser pouco propício...
O Sr. Ministro já foi obrigado a ouvir aqui o Sr. Deputado Carlos Encarnação e o seu estilo mórbido e desesperado. Foi um estilo que lhe ficou desde o tempo em que era Secretário de Estado com o então Ministro da Administração Interna Dias Loureiro, quando os dois viam os índices de criminalidade a subirem, dia-a-dia, e os relatórios da segurança interna a trazerem com regularidade o panorama de um país cada vez mais assustado.
Muitas vezes aqui criticámos a política do PSD, porque o PSD tinha de facto uma política fortemente negativa, mas tinha uma política que se percebia e que punha em execução como um caterpiller... O PSD odeia polícia de proximidade, abomina pequenas esquadras de bairro, teme, mais que tudo, polícias inseridas na comunidade a partilharem os problemas e, só a ideia de ver cidadãos a participarem na execução de medidas de prevenção, deixam prostrado e à beira de um ataque de nervos.
O que o PSD gosta mesmo é de polícias acantonados em divisões concentradas, as chamadas super-esquadras, polícias armados até aos dentes, enquadrados militarmente, espreitando o mundo pelas frestas dos seus quartéis e fazendo surtidas no exterior para arrebanharem suspeitos, criminosos e, sabe-se lá, até alguns sindicalistas e anarquistas... Isto é «o PSD no seu melhor»...!

Risos do CDS-PP.

Com a política das super-esquadras até poupou no orçamento da segurança interna. Nos tempos do Sr. Ministro Dias Loureiro, o orçamento corrente do ministério desceu, em termos reais, vários anos seguidos - o orçamento corrente!
Esta política do PSD era muito adequada para usar a polícia como uma força de ocupação, como sucedeu na Marinha Grande no caso da Pereira Roldão, ou para as chocantes cenas das cargas policiais para defender as portagens - as portagens sociais democratas, é evidente! -, decretadas pelo então Ministro Ferreira do Amaral - o Amaral das barracas!

Risos.

Mas uma polícia assim nem. dava segurança aos cidadãos, nem tinha eficácia na prevenção do crime.
A política de segurança interna do PSD foi uma das que mais penalizou o PSD e que mais contribuiu para o seu afastamento em 1995. E, Sr. Ministro da Administração Interna, se havia política onde legitimamente era possível esperar mudanças, esta era precisamente uma delas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O PS fartou-se de fazer promessas. Falou, falou até 1995; depois de 1995, falar vai falando, mas agir em coerência, aí é que está o problema.
O Ministério da Administração Interna faz a política do «pára-arranca». Parece um táxi: se alguém faz um qualquer sinal, um artigo no jornal, uma intervenção aqui no Plenário, logo o táxi pára para fazer uma corrida, cheio de estatísticas e medidas; mas, se esse alguém se apeia e vai a outra quinta ou, por exemplo, se aqui na Assembleia se deixa de falar de segurança interna, então o Ministério da Administração Interna entra de repente em estado de letargia e deixa as coisas correr.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exactamente!

O Orador: - O Governo PS já devia ter desmantelado as super-esquadras e todo o seu aparelho de aparato repressivo, mas não o fez; já devia ter apresentado aqui a lei de orientação da política de segurança interna, que prometeu há 10 meses, mas não o fez; já devia ter resolvido o problema da ocupação de milhares de agentes policiais da PSP e GNR em missões dos tribunais, mas não o fez; já devia ter apresentado o relatório sobre a formação inicial e permanente dos agentes... - diz-me agora o Sr. Ministro que já o apresentou e eu agradeço a sua informação; já devia ter melhorado as condições de vida dos agentes, por exemplo com o mais que prometido subsídio de risco e com a eliminação do absurdo horário de trabalho dos elementos da GNR, mas não o fez.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - No fundo, a equipa do Sr. Ministro da Administração Interna limita-se a gerir o aparelho do ex-Ministro Dias Loureiro, retocando-o aqui e ali, mas foi incapaz de fazer a sua reforma e de lhe dar um novo rumo.
As consequências desta política do ziguezague são mais que conhecidas - e o caso da direcção superior da PSP pelos vistos não serviu de ensinamento. Fazer um decreto-lei a permitir a nomeação de um não-militar. para comandante-geral da PSP e, logo a seguir, nomear um general foi um tiro no pé, ou melhor, nos dois pés: no do general e no do próprio Sr. Ministro.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Risos do CDS-PP e de Os Verdes.

O Orador: - O resultado foi terrível e é conhecido! E, no termo dos acontecimentos de Évora e dos seus desenvolvimentos, o PCP agendou para aqui, para a Assembleia da República, já para o distante dia 4 de Janeiro, um projecto de grandes opções da política de segurança interna, que quero resumir de forma simples: uma polícia de proximidade, de características cívicas, bem preparada, disponível para as suas missões de polícia e privilegiando a prevenção.

Aplausos do PCP.

O Governo falou da apresentação próxima de uma lei de orientação e, por isso, o projecto do PCP baixou à comissão, sem votação, a aguardar a proposta do Governo. Como é costume, depois do susto e do solavanco, o MAI

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entrou novamente em letargia e a proposta não apareceu. E explico porquê, por que é que esta proposta não apareceu, por que é que não apareceu a lei de orientação. Por uma razão simples: porque o Governo, porque o Ministério não tem orientação para a política de segurança interna! O PSD tinha - aliás, já o disse aqui -, o PSD queria repressão e militarização. O PS anunciou o contrário e quando o coração do Sr. Primeiro-Ministro se comove a pensar nas pessoas volta a falar em proximidade, mas as comoções do Sr. Primeiro-Ministro são passageiras, tratar-se com ácido acetilsalicílico - e não falo na marca porque agora é perigoso -,...

Risos do CDS-PP.

... isto é, o coração do Governo, balançando, acaba por pender para o lado da política velha, a do PSD, a dos tabefes dados a tempo.

Risos do CDS-PP.

Entretanto, não veio a lei de orientação, mas está a toque de caixa, aqui, a lei dos cortes de estrada, para ser agendada no próximo dia 22. É uma orientação de truz!
É por isso que trago aqui hoje, em forma completa, uma proposta para uma reforma de fundo. Não há nada que justifique que a GNR continue a ser um corpo militar. Numa sociedade aberta, a militarização da segurança não tem sentido. Por isso. o primeiro desafio que lhe faço, Sr. Ministro, é o seguinte: dê um único argumento para justificar que a GNR continue militar.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - E não diga que a GNR, em tempo de guerra, está subordinada às Forças Armadas porque se passa o mesmo com a PSP. E, com franqueza, um Governo que quer desmantelar o serviço militar obrigatório, considerando-o desnecessário, quer manter uma polícia, cuja função é policiar, como uma estrutura militar?!
Não se esqueça, Sr. Ministro, de que, em 1992, o compromisso do PS, assumido aqui, nesta tribuna, foi o de aproximar o estatuto da GNR e da PSD a um estatuto civilista.
Enquanto o PS navegar aos ziguezagues e preferir penalizar os cortes de estrada, isto é, as lutas populares,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Lutas populares?! Os cortes de estrada são lutas populares?!

O Orador: - ... em vez de prevenir o crime e de dar segurança aos cidadãos, reformando as polícias e o seu aparelho, o País continuará a viver em situação de insegurança e o Sr. Ministro da Administração Interna continuará a ser aqui interpelado pelo ex-Secretário de Estado do Ministro Dias Loureiro, não pela política que faz, como Ministro, mas - imagine-se! - por não fazer devidamente e de forma completa a política do PSD. Esta é boa!

Aplausos do PCP.

Risos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente. Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Estamos a assistir a um debate triste em que em vez de se discutirem os problemas de segurança do País, estamos a presenciar manobras recíprocas de demagogia.

O Sr. João Amaral (PCP): - Ah!

O Orador: - Quero relembrar que, segundo li no jornal, este debate foi pedido porque saiu uma notícia também num jornal, segundo a qual as forças de segurança não conseguiam entrar em determinados bairros especialmente perigosos. Essa notícia foi desmentida, mas o debate sobreviveu e deve ter sido por essa razão que hoje, aqui, ainda não ouvimos uma palavra sobre o problema das entradas ou não entradas das forças de segurança nos bairros degradados da Área Metropolitana de Lisboa.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Ouviu mal!

O Orador: - Sabemos bem que é ao requerente do debate que compete introduzir o problema, mas, na falta do requerente do debate, não nos importamos de o fazer, porque pensamos que é um problema sério. E, como, pelos vistos, o requerente do debate descobriu outros problemas e não falou deste, pensamos que é altura de lembrar ao Sr. Ministro da Administração Interna que deve uma explicação clara ao País sobre a capacidade operacional das forças de segurança relativamente à manutenção da ordem pública nesses bairros. Esperamos essa explicação, Sr. Ministro.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Vão ter!

O Orador: - Por outro lado, quero também dizer que o Governo não pode entender que o problema do combate à droga e da eficácia do combate à droga se avalia pelo comportamento das forças de segurança nos últimos 15 dias. O Governo é governo há dois anos e recordo que, de acordo com o Relatório de Segurança Interna, no ano transacto diminuíram as ocorrências do conjunto das forças de segurança relativamente ao tráfico de droga. Ainda bem que, nos últimos 15 dias, estas ocorrências aumentaram!... Esperemos que não seja apenas uma ligeira contribuição para a média do ano!...

O Sr. José Magalhães (PS): - As estatísticas são mais complexas do que isso!

O Orador: - Esperemos que esses factos passem a corresponder a uma política sistemática, de todos os dias, por parte das forças de segurança no combate e na repressão ao tráfico de droga.
Não podemos deixar de recordar que, nos anos de 1994 e 1995, foram suspensas as admissões nas forças de segurança. Não podemos deixar de recordar que este Governo prometeu que os polícias deixariam de fazer notificações judiciais, que haveria funcionários civis para desempenhar tarefas administrativas das forças de segurança, libertando polícias para a rua. Não podemos deixar de lembrar que foi prometido, aliás, de forma quase milagrosa, um reiterado retorço dos efectivos policiais nas forças de segurança. Porém, Srs. Membros do Governo,

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há pequenos factos desgraçados, por vezes, para nos apercebermos bem do conteúdo essencial de certas políticas que deviam ser políticas de fundo. Veja, Sr. Ministro da Administração Interna, a seguinte coincidência: exactamente no dia em que houve uma batalha campal, completamente descontrolada, numa praia da linha, em Paço de Arcos, com um confronto de gangs - justamente aquilo que o Governo garante que as forças policiais controlam -, eu, Deputado, e que fosse apenas na qualidade de cidadão, desloquei-me ao local onde estão a ser construídas umas portagens, no oeste do distrito de Lisboa, e desde que lá cheguei até que de lá sai tive o privilégio, para mim ainda hoje inexplicável, de ter sido permanentemente acompanhado por agentes da PSP e da Brigada de Trânsito da GNR.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Foi para o protegerem do Nanito!

O Orador: - Pensei eu: «ou sou muito importante, ou, por lapso, pedi segurança - e verifiquei que não tinha pedido -, ou, então, o problema antigo, da quantidade dos efectivos, que subsiste, deu lugar, com este Governo, a um outro problema, que é o da capacidade de os saber distribuir e de os colocar onde eles são efectivamente necessários».
Sr. Ministro, de facto, quero agradecer-lhe a amabilidade que as forças de segurança tiveram em acompanhar-me durante esse dia - e penso que não corria riscos, porque, se entendesse que sim, eu próprio tinha tomado a iniciativa de pedir segurança, como já fiz noutras ocasiões -, mas, muito sinceramente, quero pedir-lhe que, para a próxima, dê mais atenção à Pedreira dos Húngaros, ao Alto da Loba, ao Bairro das Fontaínhas, ao Bairro da Quinta do Mocho, ao Alto de Santa Catarina, onde há tanto para fazer, Sr. Ministro, e tanta intranquilidade do cidadão comum que mora nos arredores desses bairros. E essa intranquilidade não diminuiu, aumentou! Aliás, por isso é que este debate me parece um exercício de demagogia mútua, porque se desenvolve à margem da razão do pedido do debate, ninguém ouviu aqui falar dos bairros nem dos gangs até eu ter falado neles!
VV. Ex.as esquecem-se de que já lá vão dois anos - é uma desgraça, mas faz parte da democracia! - e tudo continua na mesma!

Aplausos do CDS-PP.

Vozes do PS: - Não apoiado!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna (Alberto Costa): - Sr. Presidente, Sr.as Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero agradecer as palavras que me dirigiu, pessoalmente, o Sr. Deputado João Amaral.
É preciso, Sr.as e Srs. Deputados, falar sério em matéria de segurança. E falar sério, Sr. Deputado Carlos Encarnação, era o que esperava de si há cinco debates atrás sobre esta matéria mas que, sinceramente, já não espero.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Nem ninguém!

O Orador: - Quem falar sério para lá dos títulos de primeira página e das aberturas de telejornal, tem de reconhecer, em primeiro lugar, o esforço que está a ser feito no domínio da recuperação da capacidade de resposta das forças de segurança. Desse esforço são elementos fundamentais os seguintes: a maior renovação de efectivos realizada em qualquer legislatura; o aumento de capacidade instalada de formação em 40%;...

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... a entrada ao serviço de 3500 novos agentes; as 2250 admissões autorizadas para este ano e outras tantas para o próximo ano, ou seja, um total de 8000 novos agentes para reforçar a segurança dos portugueses.

Aplausos do PS.

E, para esclarecer a sua dúvida, Sr. Deputado Carlos Encarnação, posso dizer-lhe que o saldo líquido entre entradas e saídas nestes dois anos já é superior ao saldo líquido entre entradas e saídas em toda a anterior legislatura.

Aplausos do PS.

Por outro lado, registou-se um reforço sem precedentes dos meios operacionais ao dispor das forças de segurança.
Em 1996, o valor global efectivamente investido em meios operacionais foi superior à soma do que fora investido nos dois anos anteriores. Nos seus dois anos, Sr. Deputado Carlos Encarnação!...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - No ano em curso, o valor dos equipamentos já adquiridos para as forças de segurança viaturas, meios de comunicação, equipamento informático, maquinaria, equipamento pessoal ou cujo concurso está a decorrer, em que se incluem 1435 veículos - eleva-se á 8 milhões de contos.
Num domínio onde as carências eram por demais conhecidas - e não cometerei o pecado da repetição que o Sr. Deputado Carlos Encarnação aqui traz, de interpelação em interpelação e de debate de urgência em debate de urgência -, está a verificar-se uma viragem significativa que os homens e mulheres das forças de segurança podem comprovar.

Aplausos do PS.

No campo das instalações, os números também são eloquentes: 19 obras concluídas, 39 obras a decorrer, 45 obras de remodelação e beneficiação, 47 projectos em execução, 78 projectos em fase de lançamento.
Qualquer observador imparcial reconhecerá que estão lançadas bases sérias para que a legislatura se traduza num saldo sem precedentes no capítulo da renovação e da qualificação humana, do equipamento e das instalações das forças de segurança. E muitas outras políticas, do nível autárquico ao central, têm incidência na segurança e na criminalidade. É, o caso do urbanismo, da habitação, do emprego, da escola, da justiça e da solidariedade.
Mas o desenvolvimento da capacidade e operacionalidade das forças de segurança é fundamental em qualquer sociedade para enfrentar o crime e os custos criminais decorrentes do desenvolvimento.
Há indicadores nítidos de que essa capacidade está a desenvolver-se: na GNR há, em relação ao ano passado,

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um incremento do patrulhamento de 7%; na PSP aumentaram em 20% as detenções por furto em residência, em 17% as detenções por roubos por esticão, em 6% as detenções por furto de automóveis, tendo-se verificado um aumento de 30% na recuperação de viaturas roubadas, o que eleva para 70% a percentagem global de recuperação.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Apesar da sofisticação crescente das organizações ligadas ao tráfico, as quantidades de droga apreendidas tiveram este ano, no conjunto das forças policiais, um salto gigantesco. Não me refiro. aos últimos meses, mas nos primeiros seis meses do ano a quantidade de droga apreendida aumentou 379%.

Vozes do PS: - Muito bem.

O Orador: - Também o número de indivíduos identificados, detidos e de apreensões aumentou. Nestes números, como eu disse, não estão ainda contabilizadas as mais recentes e gigantescas apreensões realizadas pela Polícia Judiciária.
A prontidão da resposta no esclarecimento da maior parte dos crimes graves tem sido notória. Não há dúvida de que a operacionalidade e o desempenho das forças de segurança estão hoje em forte progressão.
Sublinhá-lo é não apenas prestar a justiça que é devida aos homens e mulheres que as integram como referir um elemento essencial para reforçar a confiança do público nas forças policiais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Medidas tomadas no sentido de reforçar a sua presença, .visibilidade e proximidade têm também traduzido orientações de combate à insegurança: actuação por programas direccionados para a protecção de grupos de risco; mobilização dos corpos de reserva para missões permanentes de criação de segurança; revisão de soluções de afectações de pessoal para permitir aumentar o patrulhamento; abertura de novas unidades em bairros carenciados de segurança.
Não pode negar-se a existência, na maior parte das sociedades actuais, e também entre nós, de um sentimento subjectivo de insegurança, aliás, relativamente independente dos níveis de criminalidade e de vitimação, e mais sentido até por grupos sociais que menores taxas de vitimação registam.
Onde nós, Sr. Deputado Carlos Encarnação, nos distingimos da sua postura é que nunca vimos aqui reconhecido, como agora temos a coragem de fazê-lo, os níveis de insegurança subjectivamente experimentados e realmente experimentados pelos nossos concidadãos e que queremos combater.

Aplausos do PS.

Mas a situação objectiva que se vive, neste contexto, é uma situação de controlo por parte das forças policiais.
Os números globais respeitantes à criminalidade registada pelas três forças policiais no primeiro semestre deste ano revelam estabilização e os números respeitantes a homicídios e ofensas corporais graves continuaram a registar decréscimos.
Os maiores aumentos absolutos registados no domínio dos crimes contra as pessoas continuam a dizer respeito a rubricas como ameaças, ofensas corporais simples, difamações e calúnias, que representam cerca de 75% do total, e que relevam, manifestamente, de uma maior conflitualidade interindividual ou, melhor, de uma conflitualidade interindividual mais participada, porque, naturalmente, a chegada de crimes particulares e crimes semi-públicos às autoridades não pode senão representar uma maior confiança na sua eficácia e na sua prestação.

Aplausos do PS.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Vive-se num «bom clima social»...

O Orador: - No domínio da violência é importante registar que o principal agravamento verificado no primeiro semestre deste ano se deve ao roubo por esticão, que registara no ano passado uma pronunciada diminuição em relação a 1995 e se fizermos a comparação dos 12 crimes violentos mais graves perpetrados na sociedade portuguesa, verificaremos que, do primeiro semestre do ano passado para o primeiro semestre deste ano, se verifica, deduzidas as participações que se referem aos mesmos crimes, que existe uma redução global de 4,47%.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - «As pessoas não são números»... Onde é que eu já ouvi isto?

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: É importante que o País saiba, que os portugueses saibam, que não há lugares no território nacional onde as forças policiais não vão ou não possam ir cumprir as suas missões. Insistir nessa ideia seria uma grave injustiça para os homens e mulheres que nelas servem e um contributo para uma descredibilização imerecida.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Há locais onde sempre foi mais difícil, ou sensível, ou arriscado ir. Como em todas as sociedades actuais, como no seu tempo, Sr. Deputado Carlos Encarnação. Em França, por exemplo, há pouco tempo, havia 210 áreas classificadas como sensíveis deste ponto de vista. As nossas forças de segurança têm um conhecimento preciso de tais áreas.
O problema dos bairros degradados à volta de Lisboa - habitados por 80% de nacionais - é um problema social que vem de trás, que atravessou sem solução efectiva e se desenvolveu na última década...

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Orador: - ...e viu as questões agravarem-se com a segunda geração de residentes...

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - E continuam a agravar-se.

O Orador: e o desenraizamento a que ficaram expostos.

Aplausos do PS.

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O surto de violência juvenil e grupal, envolvendo residentes nesses bairros, e com visível participação de minorias étnicas, tem as suas origens nesse problema.
É estruturalmente um problema cuja solução passa por realojamento, reordenamento e qualificação urbanística e inserção social e é uma área onde está a ser feito um grande investimento, que este ano atinge os 18 milhões de contos. Desde 1996 foram celebrados 72 contratos de comparticipação, envolvendo a construção de 4857 novos fogos em Lisboa, Porto e Setúbal, que totalizam na sua concretização um investimento global de 40 milhões de contos.
Este problema é, complementarmente, um problema de segurança.

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Ministro, pois já ultrapassou o seu tempo.

O Orador: - Esforçar-me-ei, Sr. Presidente.
Tal como se trata de áreas carecidas de tantos outros bens essenciais, são também áreas carecidas de segurança, onde, em vários casos, é difícil levá-la, em função das suas próprias características, que as tornam também áreas de refúgio de delinquentes e de actividades e tráficos ilícitos.
Não ficámos insensíveis às realidades e às manifestações de agressividade relação a agentes policiais, aos bandos de jovens que, embora não revistam as características da criminalidade organizada, incorrem com frequência numa criminalidade de oportunidade, tirando muitas vezes partido da impunidade que resulta da sua inimputabilidade penal.

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Orador: - Uma inimputabilidade também explorada por aqueles que os recrutam para o pequeno tráfico de droga. Por isso, em 5 de Março deste ano, Sr. Deputado Carlos Encarnação, vários meses antes do discurso que aqui mencionou, foi determinado que os efectivos dos corpos de reserva das forças de segurança passassem a ser empregues regularmente em áreas sensíveis carentes de reforço da presença policial.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, tenho de pedir-lhe que termine, por favor, pois já ultrapassou o seu tempo em três minutos.

O Orador: - Até ao presente, a actividade do corpo de intervenção já era superior em 40% ao ano passado, verificando-se também um crescimento paralelo na área da GNR.
Desde então, verificaram-se ganhos significativos da operacionalidade nos principais comandos, tendo o número médio mensal de operações aumentado 25%, os meios humanos aumentado 9% e os resultados operacionais aumentado 20%.
Em bairros com outras características, mas igualmente carenciados de segurança...

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, não posso deixar de pedir-lhe, mais uma vez, que termine a sua intervenção, pois já gastou quatro minutos a mais do tempo de que dispunha, o que está um pouco fora dos nossos hábitos e limites e eu não quero criar tratamento excepcional para ninguém.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Em bairros carenciados, com outras características já foram instaladas quatro novas unidades. No último Conselho de Ministros foi aprovado um importante programa de reforma no domínio da protecção dos jovens em risco.
Não sobrestimemos a missão e a responsabilidade da polícia. Também aqui a escola e a família, uma família mais responsabilizada, têm um papel fundamental.
Esta é uma matéria onde se impõe convergência de esforços e de contributos.
Pela nossa parte, estamos de espírito aberto para melhorar e enriquecer o que está a ser feito e o que se projecta fazer...

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, peço-lhe que termine. Tem de me, fazer esse favor!

Orador: - ... onde ocupa lugar central, na segunda metade da legislatura, a criação de polícias municipais com o perfil de protecção das comunidades locais e de garantia da tranquilidade pública que lhes foi conferido na revisão constitucional.

Aplausos do PS, de pé.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, claro que, se assim o desejar, o seu discurso será publicado na íntegra, como é normal e razoável.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa da consideração da minha bancada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Ministro, há quem diga da sua bancada que V. Ex.ª está a perder 7-0... Não acredito!

O Sr. José Magalhães (PS): - A ganhar! É ao contrário!

O Orador: - Sr. Ministro, em primeiro lugar, devo dizer-lhe que V. Ex.ª não se deve preocupar muito com as intervenções do Sr. Deputado João Amaral, porque ele já anda a dizer isto da GNR há, pelo menos, 20 anos, desde que eu o conheço.
Mas uma novidade, a única, que ele consegue acrescentar hoje aqui é a de que, desde que ele faz crónicas numa das nossas rádios, julga que é tudo conversas de escárnio e maldizer e, portanto, vem para aqui fazer intervenções nessa base e dentro desse princípio.

O Sr. José Magalhães (PS): - Isto é que é a defesa da honra?

O Orador: - Portanto, V. Ex.ª, Sr. Ministro, não se preocupe que isso depois passa-lhe!

O Sr. José Magalhães (PS): - O Sr. Deputado está a precisar de fazer umas crónicas radiofónicas...!

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (António Costa): - Isso era a falência da rádio!

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O Orador: - Sr. Ministro, gostaria de...
Sr. Deputado José Magalhães, V. Ex.ª quer dizer alguma coisa?

O Sr. José Magalhães (PS): - V. Ex.ª precisa de ser contratado para fazer umas crónicas...

Risos do PS.

O Orador: - Ah, já percebi que V. Ex.ª quer abandonar as crónicas que faz!...
Bom, Sr. Ministro, o senhor acusou-me aqui de uma coisa que eu não aceito: a de não falar com seriedade!
Sr. Ministro, fiz-lhe quatro propostas, fiz um debate sério...

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Não tem mérito este debate...!

O Orador: - ... e, em relação a esta matéria, espero que V. Ex.ª ou aceite as propostas que lhe fiz ou, então, faça outras.

O Sr. José Magalhães (PS): - Já fez! Não ouviu?

O Orador: - Este é que é o verdadeiro mérito de um debate como este.
Em relação ao que V. Ex.ª disse sobre a comparação entre o passado e o presente e sobre as hipotéticas demagogias produzidas por mim, tenho aqui um relatório que V. Ex.ª compreenderá que não é falso, que é da PSP, do Comando-Geral, Supreintendência-Geral, que diz o seguinte sobre o crime violento...

O Sr. José Magalhães (PS): - Já saiu no Expresso!

O Orador: - «O crime violento, entendendo aquele, como é mais susceptível de provocar especiais danos físicos ou psicossociológicos na Comunidade (...) homicídios, raptos, sequestros, atentados bombistas, violações, roubos armados, algumas ofensas corporais graves voluntárias, assaltos a bancos e roubos por esticão, ao contrário do que sucedeu no ano anterior, sofreu um agravamento na sua globalidade».

O Sr. José Magalhães (PS): - Foi o que o Sr. Ministro explicou há bocado!

O Orador:, - Isto, Sr. Ministro, não é demagogia: isto é citar os números e dos dados que vêm no relatório que é seu e não meu!

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas é preciso saber lê-lo!

O Orador: - Quando eu refiro o roubo por esticão é porque aqui se diz, a páginas 6, que «o furto ou roubo por esticão com um crescimento elevado assume-se cada vez mais como o tipo de crime relativamente violento a merecer maior preocupação, já que no período em análise subiu 66%».
Este, Sr. Ministro, é um dado seu! Não é um dado de demagogia; é um dado objectivo que resulta de um relatório da PSP. São os dados que eu citei!
Relativamente aos investimentos de agora e de antes, vale a pena recordar a evolução do PIDDAC e ver o seguinte: de 1992 para 1993, o PIDDAC cresceu 26,5%; de 1993 para 1994, cresceu 8,9%; de 1994 para 1995, cresceu 9, 1% - são os três anos durante os quais eu tive responsabilidades governativas; de 1995 para 1996, cresceu 4,8%: de 1996 para 1997, cresceu 7,4%, o que significa que o ritmo, em lugar de crescer, abrandou e mal feito fora, Sr. Ministro, que V. Ex.ª não tivesse agora a honra e a obrigação de aumentar este ritmo de crescimento e de despesas de investimento, porque senão tudo aquilo que eram os programas iniciados nessa altura ou não eram completados ou não teriam viabilidade económica.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Deputado Carlos Encarnação, é preciso considerar a globalidade dos números, pois não existe só uma força de segurança e como o senhor sabe há processos que são transferidos de uma para outra força de segurança - o senhor conhece bem este procedimento -, e sabe que existe uma contabilização expurgada dos processos transitados que, aliás, é feita no Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério da Justiça.
Ora, é atendendo a essa contabilização, que já esteve na base do último relatório sobre segurança interna apresentado à Assembleia da República, a cuja apresentação na Comissão o Sr. Deputado assistiu, que pode atingir-se um resultado diferente desse, isolando uma única força de segurança, como o Sr. Deputado refere.
O senhor sabe que um valor pode subir numa força e descer noutra. Por exemplo, a generalidade das rubricas em relação à Polícia Judiciária encontra-se em descida; noutras como, por exemplo, a Guarda Nacional Republicana, há rubricas que emergem é outras que descem... É, pois, preciso analisar globalmente estes movimentos e não ficar prisioneiro de pequenas variações sazonais que podem não ser suficientemente significativas.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Posso interrompê-lo, Sr. Ministro?

O Orador: - Faça o favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Ministro, os números que eu citei estão errados?

O Sr. José Magalhães (PS): - São números de uma força e referem-se a cinco meses!...

O Orador: - Sr. Deputado, eu refiro-me aos números globais e esses são números parcelares!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Mas estão certos!

O Orador: - Eu apresento-lhe números globais!
Quando nós dizemos que em Portugal existiram até 30 de Junho 209 mortos, o que representa menos 11 mortos do que em 1996 por homicídio voluntário, estamos a referir-nos a todos os crimes. É este procedimento que em teoria devia poder observar-se em relação a todos estes crimes.
Portanto, onde temos dados particularmente sólidos de clarificação e cruzamento nós podemos apresentar aqui estatísticas incontroversas e estamos a fazer isso em relação a outros crimes.

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O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Esteve três anos no ministério e não percebeu nada disto, Sr. Deputado Carlos Encarnação!

O Orador: - É por isso que não é possível isolar uma força.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Carlos Encarnação, esqueceu que a percentagem de execução do PIDDAC em 1995 foi inferior a 43%...

O Sr. José Magalhães (PS): - Ora aí está!

O Orador: - E em 1996, nós já tivemos um progresso sensível nessa matéria e em 1997 aumentou-se, praticamente, 80% o PIDDAC deste ministério.

O Sr. José Magalhães (PS): - O maior de sempre!

O Orador: - ..., o que significa que existiu uma clara aposta na área da segurança, aliás, repartida entre a Administração Interna e a Justiça.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Carlos Encarnação, relativamente ao que não conseguimos fazer ou ao que fazemos mal, nós temos uma diferença: nós reconhecêmo-lo! Há tarefas onde estamos atrasados e há tarefas onde podíamos andar mais depressa, e queremos fazê-lo! É, pois, com este espírito que estamos e é por isso que vamos analisar todas as propostas construtivas, mas fique o Sr. Deputado Carlos Encarnação a saber que se existem postos móveis é porque nós estamos a comprar e a investir em postos móveis.

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!...

O Orador: - Essa opção está agora a ser assumida e ainda no mês de Setembro foi aprovada a compra de mais cinco unidades de postos móveis.
Portanto, Sr. Deputado, uma coisa são as palavras e outra coisa são as obras e a comparação não deve fazer-se entre as suas palavras e as obras de agora, mas sim entre as obras de agora e as obras do passado.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado João Amaral, que foi citado pelo Sr. Deputado Carlos Encarnação, pediu o uso da palavra para defesa da sua honra pessoal e eu dar-lha-ei no fim do debate, que também já está próximo, como calcula.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Penso que o Partido Social Democrata, retomando um tema que lhe é tão caro, fez a sua intervenção do único modo que é capaz. No fundo, é o jogo do empurra, o jogo dos números e das estatísticas, o jogo de falar de mais marginalidade e não de dizer que há mais marginalidade porque há mais marginalização.
Isto significa - e é esta a nossa primeira conclusão - que este debate continua, repetidamente, a ser feito sempre e só a jusante e não a montante, ou seja, continuamos sem ser capazes de compreender quais são as razões que estão na origem do aumento de delinquência, as razões que estão na origem do facto de ser cada vez maior o número de pessoas que a sociedade rejeita.
Julgo que o debate seria mais interessante se, mais do que distribuir melhor os polícias, soubéssemos como evitar que menos jovens chegassem à delinquência, já que a delinquência juvenil tem registado um aumento significativo; há muitos anos não pára de, tendencialmente, aumentar. Se, por exemplo, há leituras regionais que permitem perceber por que é que essa delinquência acontece, julgo que ao Parlamento seria mais útil discutir as medidas que poderiam ser adoptadas para, além do jogo de polícias, se saber como melhor evitar que tantas pessoas fossem atiradas para a delinquência. Ou seja, para além de se discutir a habitação ou, como o Governo falou, os realojamentos, importaria discutir a maneira como esses realojamentos serão feitos, a maneira como se poderia investir melhor no desporto e outras infra-estruturas para que as pessoas se comportassem diferentemente, a maneira de reduzir as taxas de alcoolismo e de consumo de droga, a maneira como transformaríamos as escolas, para que estas tivessem capacidade de aceitar e não de rejeitar, a maneira de pôr fim á desumanização dos espaços. Portanto, um debate interessante seria não falarmos da falta de segurança dos bairros degradados, mas analisarmos como pôr fim aos bairros degradados. E essa é, seguramente, uma discussão que o Parlamento teima em não fazer, o PSD por razões óbvias, e de algum modo, o PS, parece que pelas mesmas razões.
Aliás, acho lamentável que a questão dos próprios valores desta sociedade continue também a estar ausente e julgo que esta é uma reflexão que deve ser feita quando, não há muitos dias, na inauguração daquilo que nós, Os Verdes, consideramos um monstro desta cidade, o Centro Colombo, um ministro com responsabilidades, o Sr. Ministro da Presidência, disse, glorificando aquele edifício, que ele era o «Scala do consumo».
Quando se entende que são estes os valores importantes nesta sociedade, seguramente há qualquer coisa que está doente, seguramente há qualquer coisa que está mal e eu julgo que esta é uma discussão que importaria fazer.
Srs. Deputados, não vou esgotar o tempo de que disponho, não vou prolongar este debate. De qualquer modo, há um registo que o PSD teima em fazer e que eu considero preocupante, até porque hoje vamos discutir o direito de asilo: o PSD gosta muito de falar da Pedreira dos Húngaros e da marginalidade. Mas fala da marginalidade acentuando, de forma sibilina, que ela tem uma marca étnica. Ora, isso parece-nos muito preocupante e negativo, independentemente de podermos subscrever, em absoluto, críticas e reservas quanto à falta de coerência de uma política de imigração que tenha em conta às questões dos imigrantes e dos seus filhos, portanto da segunda geração, que se repita, de forma sibilina, esta marca em exclusivo da marginalidade, já que é um caminho perigoso que, do nosso ponto de vista, não conduzirá, seguramente, a nada.

O Sr. Presidente: - Para unia intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, serei breve, mas, de facto, houve uma afirmação do Sr. Ministro que me sugeriu a necessidade de uma pequena intervenção.

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O Sr. Ministro da Administração Interna descansou a Assembleia da República quanto à possibilidade de, em todas as partes do território nacional, as forças de segurança e, portanto, os cidadãos, poderem circular e entrar em determinados bairros, ao contrário das notícias vindas a público que, quero recordar, estiveram na origem do pedido deste debate de urgência feito pelo Grupo Parlamentar do PSD.
Ocorreu-me, pois, que talvez não fosse mau sugerir a V. Ex.ª, se me permite, que, para dar público testemunho ao País dessas condições de segurança, V. Ex.ª tomasse a iniciativa, como responsável governamental pela segurança dos cidadãos, de se deslocar a esses bairros, nas condições que entendesse.
É que eu também tenho em meu poder um relatório, que posso mostrar à Câmara, das deslocações que os Srs. Ministro e Secretário de Estado da Administração Interna do Governo anterior fizeram exactamente a essa zonas: ei-lo, é esta folha em branco.

Risos.

Portanto, para que a política de segurança não seja uma mera continuidade da antecedente, seria talvez bom que V. Ex.ª tomasse a iniciativa que acabo de sugerir-lhe. E para não deixar também o Sr. Deputado Carlos Encarnação, depois de tanto esforço a fazer propostas e a procurar um combate político, com a credibilidade que pode ter depois de ter sido quem foi, gostaria de dizer que sempre que oiço V.Ex.ª falar de segurança tenho muita pena que o ex-Sr. Secretário de Estado da Administração Interna Carlos Encarnação não tenha tido o privilégio que todos nós aqui temos de sermos amigos do Deputado Carlos Encarnação. Tão bom Secretário de Estado que ele teria sido!...

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegados ao fim do debate, dou a palavra ao Sr. Deputado João Amaral para defesa da sua honra e consideração pessoal.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, vou usar da palavra nos mesmos termos que usou o Sr. Deputado Carlos Encarnação. E, reconhecendo que o Sr. Presidente fez muito bem em dar-me a palavra só no fim do debate, só tenho pena que não tenha feito o mesmo com o Sr. Deputado Carlos Encarnação. Mas tenho a certeza que tal só ocorreu por lapso.

Risos.

O Sr. Presidente: - Peço desculpa, mas ele defendeu a honra e a consideração da sua bancada. Foi essa a pequena diferença, não leve a mal.

O Sr. João Amaral (PCP): - Eu também estou a defender a honra e consideração da minha bancada, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - A informação que chegou à Mesa, Sr. Deputado, foi a de que pediu a palavra para defesa da honra pessoal. Se assim não fosse, ter-lhe-ia dado a palavra imediatamente.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
O Sr. Deputado Carlos Encarnação não gostou da minha intervenção e cultiva um estilo mais bruto, mais «peludo», mais mal educado - aliás, foi esse o estilo que usou no seu texto. Eu tentei explicar algumas coisas com uma certa suavidade, ruas como vejo que não conseguiu perceber vou traduzir.
O que eu quis dizer ao PSD foi, pura e simplesmente, que, durante o tempo que teve responsabilidades, no Governo, pela segurança interna, conduziu uma política desastrosa, porque a opção que o PSD tomou foi a de afastar a polícia dos cidadãos, a de construir uma polícia de superesquadra, uma polícia afastada dos problemas, uma polícia cuja vocação essencial não era a prevenção mas sim a repressão. E as consequências dessa atitude foram dramáticas, porque os níveis de criminalidade subiram, de ano para ano, de uma forma evidente, registada nos relatórios de segurança interna que aqui discutimos anualmente e os cidadãos perderam confiança, os cidadãos meteram-se em casa, os cidadãos tiveram medo.
Foi essa a realidade da política do PSD! Em vez de ser um factor de segurança, a polícia teve a pior imagem possível, porque a polícia só era chamada para os conflitos sociais. Já ninguém acreditava que a polícia não fosse uma força vocacionada e chamada para os conflitos sociais. E eu dei aqui dois exemplos - e continuo a traduzir: os da Marinha Grande e da ponte sobre o Tejo.
Já agora quero também traduzir-lhe o que disse ao Sr. Ministro. O que eu lhe disse foi que esperávamos uma mudança significativa nesta política. Eu penso que o Sr. Ministro faz um esforço para tentar mostrar que há uma mudança, mas acho que para haver uma real mudança é preciso haver, de facto, uma ruptura com aquela política. Ora, uma ruptura com aquela política implica algumas opções que são difíceis de tomar, tais como acabar com as missões concentradas, fazer uma polícia de proximidade, mas fazê-la decididamente. No entanto, creio que em muitos pontos isso não foi feito e deixo aqui essa crítica ao Sr. Ministro.
Entretanto, não queria deixar de dizer uma coisa ao Sr. Ministro acerca do que aqui se passou: Sr. Ministro, não saia daqui preocupado porque o PSD só se preocupa cote o que vem nos jornais, porque o PSD só reclamará outro debate quando os jornais publicarem outra notícia. O estilo agora é o do reboque das notícias dos jornais.

O Sr. José Magalhães (PS): - Ou vá lá pô-las!...

O Orador: - É claro que eu também admito que o PSD ponha alguma notícia no jornal para, depois, fazer aqui, uma cena. Mas isso é outra história!

Risos.

Porque o PSD não quer discutir a política, nem quer dar credibilidade a esta iniciativa.
Sr. Ministro, tenho pena de dizer-lhe isto, mas tenho de fazê-lo: verdadeiramente, não estou convencido de que o PSD queira que V. Ex.ª mude de política, e é esse o problema.

Vozes do PCP e do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, tenho a impressão que o Sr. Deputado João Amaral é muito injusto, porque eu gostei muito da sua intervenção.

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O Sr. Deputado fez uma intervenção muito hábil, muito inteligente e foi muito igual a si próprio. O grande problema é que, como precisou de explicitar e de explicar a intervenção tanto ao Sr. Ministro como a mim, isto é, como sentiu a necessidade de explicá-la aos dois destinatários possíveis - disse-me: «tenho de explicar isto ao PSD e tenho de explicar isto ao Sr. Ministro» -, ele próprio...

O Sr. João Amaral (PCP): - Não, não, eu expliquei a si.

O Orador: - ...não se percebe a si mesmo nem consegue fazer-se perceber.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Muito fraquito!...

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim deste debate.
Segue-se uma intervenção do Sr. Deputado Duarte Pacheco sobre assunto de interesse político relevante.
Tem a palavra, Sr. Deputado:

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo socialista tem dois anos e a verdade nua e crua da sua governação está à vista de todos. Já vai longe o tempo de todas as facilidades, do dizer sim a todas as reivindicações, do direito à indignação, do prometer branco e preto em simultâneo.
Os portugueses vão tomando consciência desta situação e o mesmo se passa na área Oeste. Até 1995, os autarcas da região surgiam como agentes reivindicativos face ao poder central: as exigências de investimentos no Oeste eram permanentes e as responsabilidades pela ausência de obras que eram suas promessas eram imputadas ao poder central.
A realidade, no entanto, era diferente: quartéis de bombeiros e da GNR, lares para idosos e equipamentos desportivos, escolas e instalações de apoio à actividade produtiva surgiam como obra de todos os portugueses, após o empenho do Governo de Portugal.
Como é diferente a situação hoje. Dois anos é já muito tempo, as desculpas com o estudo dos dossiers ou com a elaboração de planos já não colhem. Há tempo para dialogar e reflectir, mas há tempo para decidir e executar, e esse já está ultrapassado.
Avaliando a área, a execução deste Governo, o resultado não poderia ser mais desanimador, já que as promessas continuam, as obras de papel abundam, mas a sua concretização tarda: nem novas escolas, nem novos centros de dia, nem quartéis de forças de segurança, nem centros de saúde, nem palácios de justiça, nem equipamentos desportivos. Nada.
Ao fim de dois anos de gestão socialista, qualquer «oestino» que avalie seriamente a gestão socialista não poderá dar-lhe uma nota positiva, face ao abandono que a região está a sofrer pelo «poder rosa».
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, algo, efectivamente, mudou: o comportamento dos autarcas socialistas, que deixaram de estar preocupados com a sua região face à disciplina partidária.
E é escandalosa a sua atitude, pois abandonaram as reivindicações de investimentos para o Oeste e é ensurdecedor o seu silêncio face ao abandono da região pelo Governo socialista. Colaboram nas visitas folclóricas dos membros do Governo ao Oeste, que já atingem cinco por semana, não para concretizar qualquer obra mas para meros actos de campanha político-partidária.
Entre os interesses da região e os do seu partido, os autarcas socialistas não hesitam: optam por defender os interesses partidários.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Como é diferente o seu comportamento hoje da actuação dos autarcas sociais-democratas, que, no passado, não hesitaram um segundo em criticar o Governo apoiado pelo Partido Social Democrata face à sua intenção de retirar a PSP de Torres Vedras. São dois comportamentos distintos, são duas maneiras de estar na vida e na política.
Há, no entanto, um momento em que os autarcas socialistas ainda reivindicam algo para a região: é o momento em que, enquanto líderes partidários, condicionam a sua recandidatura às próximas autárquicas à assunção, por parte do Governo, da realização de obras nos seus concelhos. Este comportamento, verdadeiramente espantoso, não é só dos candidatos do PS às Câmaras Municipais do Porto ou de Gaia, infelizmente espalha-se pelo País, sendo também posto em prática no Oeste, nomeadamente no Cadaval, onde o autarca socialista reconheceu que ameaçou com a sua indisponibilidade para se recandidatar como forma de pressão para obter compromissos do Governo em termos de investimentos no seu concelho.
É uma vergonha que um governo paute a tomada de decisões não com base em critérios por si definidos nem com prioridades estabelecidas mas actue em resposta à chantagem partidária.
Os investimentos prometidos, por exemplo no Cadaval, são necessários e urgentes, mas são-no independentemente de a autarquia ser PS e de o actual Presidente se recandidatar ou não. E também triste que um autarca não consiga demonstrar ao Governo a necessidade de determinados projectos, pelo que tenha de usar outros meios para os obter. Mas é igualmente mau que, durante dois anos, se mantivesse em silêncio e só agora intervenha, reivindicando junto do Governo algo para atirar areia para os olhos dos seus eleitores. Só que os habitantes do Oeste com a maturidade política que já têm, não se deixam enganar por este arrependimento de última hora nem pelas obras de papel de quem, durante dois anos nada fez pela região.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Talvez esteja a ser injusto face a um grande investimento que o Governo está a fazer na região, dos maiores já feitos nos últimos anos, o qual parece envolver cerca de 10 milhões de contos. Face ao montante em causa, face ao impacto social, inclusive no tecido produtivo que tem, face às obras de engenharia envolvidas, decerto que o Eng.º Guterres esperava encontrar neste investimento a sua coroa de glória no Oeste. Penso que, afinal, será a sua coroa de espinhos, pois é inaceitável que face a ausências de investimentos na área social (saúde, educação, cultura e desporto) e face aos míseros milhares de contos que surgem para apoiar a agricultura, nomeadamente nas campanhas de internacionalização dos produtos agrícolas, o Governo gaste 10 milhões de contos a destruir os acessos já existentes à Via Rápida do Oeste para poder colocar as praças de portagem.
Afinal, o Governo lembrou-se da região. Só que lembrou-se da pior maneira. Espero que o Sr. Ministro João Cravinho possa dar-nos boas notícias no debate que, nesta Casa, se vai realizar na próxima semana.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: O balanço dos dois anos de governação socialista é, infelizmente, negativo face ao que se fez e ao que não se fez no Oeste. Era bom que autarcas, membros desta Casa, governantes da região, todas as forças políticas, se unissem em defesa dos investimentos de que a região necessita.
Pela minha parte e por todos os que militam no PSD no Oeste, estamos disponíveis, hoje, como sempre, para pôr os interesses da comunidade acima dos interesses partidários, sempre em defesa do Oeste.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Cordeiro.

O Sr. Carlos Cordeiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Duarte Pacheco, lamento não ter ouvido toda a sua intervenção, estava no gabinete a atender umas pessoas. Mas, pelo que ouvi na parte final, regozijo-me pelo facto de o Sr. Deputado se mostrar disponível para defender os interesses da Região Oeste e de todas as populações que vivem e trabalham naquela zona.
Todavia, na minha opinião, há aqui 10 anos de interregno. V. Ex.ª esteve disponível possivelmente nesses 10 anos, só que a sua interferência foi absolutamente negativa. porque o Oeste foi a região deste país mais desprezada pelo Governo do PSD, e nem com a sua intervenção conseguiu, com certeza, resolver os problemas.

Protestos do PSD.

V. Ex.ª fez um ataque aos autarcas socialistas da região. Poderia dizer-lhe, como na célebre fábula da raposa: «estão verdes!». V. Ex.ª e o seu partido não conseguem chegar ao poder autárquico na região do Oeste. V. Ex.ª e o seu partido, em cada eleição que se sucede, vão perdendo votos e lugares. Por isso, nada mais vos resta fazer do que tentar denegrir a imagem dos autarcas do Partido Socialista naquela região, que, como sabe, é uma imagem totalmente positiva, uma vez que as pessoas acreditam nos autarcas do Partido Socialista e nas obras que eles têm feito: Daí que as sucessivas votações que vão obtendo são cada vez melhores.
V. Ex.ª falou - e acredito que se sinta dorido por isso - no Presidente da Câmara do Cadaval. Trata-se de uma câmara que o PSD perdeu para o PS e que o actual presidente tem vindo a dirigir com o prestígio que já alcançou. Por isso mesmo, as populações têm vindo, sucessivamente, a dar-lhe o voto. O facto de V. Ex.ª vir aqui tentar denegrir a sua imagem não significa, com certeza, que as populações não voltem a dar-lhe o seu voto nas próximas eleições.
Por isso, pergunto: V. Ex.ª está totalmente disponível para defender os interesses do Oeste, independentemente de questiúnculas eleitorais? Se estiver, contamos consigo!

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Pacheco.

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Cordeiro, agradeço a sua pergunta.
Disse o Sr. Deputado que, durante 10 anos, o governo social-democrata se esqueceu da região. A verdade é que foram feitos investimentos: por exemplo, cinco quartéis de bombeiros, cinco novas escolas, a Via Rápida do Oeste - e isto só para dar-lhe alguns exemplos.
De facto, é verdade que o Governo socialista também se lembrou da região, com um investimento de 10 milhões de contos. Mas era bom que esse investimento fosse para ajudar a agricultura da região, para criar novos centros de saúde onde são necessários e não para destruir o que já estava feito, só com o único objectivo de lançar portagens. É o exemplo de uma lembrança da região que era melhor que não tivesse acontecido. Preferíamos que não se tivessem lembrado da região em vez de gastarem 10 milhões de contos dos contribuintes a fazerem estas obras que, pura e simplesmente, não lembravam ao diabo, mas lembraram ao Ministro João Cravinho.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à questão de o autarca do Cadaval ser exemplar, devo dizer que é tão exemplar que as únicas obras que conseguiu concretizar ainda eram do tempo do Governo do PSD: o quartel da GNR, o quartel dos bombeiros, as instalações da Frutus, o lar de Algober. Durante o Governo socialista - e já lá vão dois anos, parece que os senhores se esquecem - houve zero! E de tal maneira é zero que teve de ameaçar que não se recandidatava para que o Partido Socialista e o Governo dissessem que iriam lá fazer alguma coisa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Isto é uma vergonha, porque as obras ou são necessárias ou não. Que Governo é este que gere o dinheiro dos contribuintes não para fazer as obras que são necessárias de acordo com os critérios que estabelece mas, pura e simplesmente, para ir respondendo às ameaças que vai sofrendo, não do presidente, mas do candidato, o que é muito mais grave?!
Sr. Deputado, estarei disponível para colaborar na defesa da Região Oeste, mas, infelizmente, o que vejo é que não temos um Governo que olhe por ela.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 40 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 97/VII - Estabelece um novo regime jurídico-legal em matéria de asilo e de refugiados e do projecto de lei n.º 164/VII - Altera a Lei n.º 70/93, de 29 de Setembro, sobre o direito de asilo (PCP).
Para introduzir o debate, em representação do Governo. tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna (Luís Amado): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No seu Programa, o Governo comprometeu-se a conduzir a política de asilo no respeito pela Constituição e pelas convenções internacionais e a

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introduzir as alterações necessárias ao regime jurídico em vigor, feito o balanço da sua aplicação e a experiência de outros ordenamentos jurídicos.
A presente iniciativa corresponde. assim, à realização de um compromisso do Governo. A lei do asilo, reconheça-se, não deve ser entendida, materialmente, como uma lei ordinária comum. Trata-se de uma lei em que se cruzam princípios e valores de civilização, com elementos essenciais do nosso património jurídico-constitucional e com valores próprios de uma tradição cultural de raiz eminentemente humanista, forjada numa peculiar relação histórica com outros povos de todas as latitudes.
Mas, por outro lado, trata-se de uma lei que visa regular a questão do asilo num momento histórico particular em que a deslocação de pessoas, seguindo motivações de natureza diversa se tornou, como alguém escreveu, «um facto social total», actuando sobre todos os elementos do conjunto social, segundo uma lógica própria de um modelo de economia global em que a noção de fronteira adquire uma nova dimensão política, cultura e social.
Neste contexto, o principal objectivo da presente iniciativa é justamente o de encontrar as soluções no plano técnico jurídico que permitam compatibilizar estas duas realidades.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também por isso o Governo procurou abordar esta questão segundo uma metodologia pouco comum no processo legislativo corrente, identificando os aspectos mais críticos da lei em vigor, sem pôr em causa a sua matriz essencial e procurando o consenso político e social possível, em torno de uma lei que deve dignificar o Estado português sem desproteger os seus interesses fundamentais.
Neste sentido, a Assembleia da República aprecia hoje esta proposta de lei, na sequência da análise crítica da aplicação da lei em vigor, no âmbito de um grupo de trabalho, coordenado pelo Ministério da Administração Interna, com uma colaboração muito directa de representantes do Alto Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas, do Conselho Português para os Refugiados e, naturalmente, do serviço responsável pela regulação e acompanhamento do asilo em Portugal (o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), bem como da colaboração estreita da representação do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, através de múltiplas iniciativas, em que se inclui a audição parlamentar em Outubro de 1996, que envolveu a participação de personalidades e organizações cujos contributos foram, em boa medida, atendidos na presente iniciativa.
A presente proposta de lei tem em atenção, por um lado, a forte protecção constitucional de que goza o direito de asilo entre nós, especialmente após a revisão de 1982 que elevou o direito de asilo na sistemática constitucional à categoria dos direitos fundamentais, e, por outro lado, a tendência harmonizadora em curso no direito europeu, seja no âmbito da Convenção de Aplicação dos Acordos de Schengen seja no domínio da União Europeia.
Esta harmonizarão tem-se desenvolvido segundo uma tendência manifestamente restritiva quanto aos procedimentos de asilo, designadamente pela imposição de obrigatoriedade de vistos a nacionais de países potencialmente geradores de refugiados e de sanções às transportadoras que aceitam passageiros sem documentos, bem como à política dos chamados «países terceiros seguros» ou pela introdução de procedimentos acelerados para tratar os pedidos abusivos ou manifestamente infundados.
E se o legislador constituinte pode e deve, porventura, alhear-se muitas vezes dos factos, o legislador ordinário não pode .ignorar a realidade. Compreendo que a associação entre o tratamento das questões do asilo e da imigração ilegal repugnem a uma consciência jurídica rigorosa e, mais ainda, que elas sejam tratadas como questões de segurança interna e segundo uma abordagem por vezes reduzida a uma dimensão policial.
Mas, do ponto de vista político, estas questões são hoje indissociáveis, sobretudo depois de o tratado de Maastricht, no artigo Kl do Título VI, do chamado III Pilar, ter estabelecido como questões de interesse comum, no conjunto dos enunciados de segurança interna, a ligação entre cooperação policial e judiciária e asilo e imigração.
O tratamento do direito de asilo no contexto das questões relativas à liberdade de circulação e a associação desta ao objectivo de criação de um espaço de segurança comum não pode deixar de determinar, necessariamente, constrangimentos e limitações ao seu exercício.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A consagração da liberdade de circulação de pessoas no espaço da União, impondo a supressão dos controlos nas fronteiras internas e a progressiva atenuação da noção de fronteira interna determina o reforço do controlo das fronteiras externas num quadro de garantias de confiança e solidariedade, sem o qual a ideia de União Europeia é inconcebível.
Neste sentido, a harmonização é inevitável e é reforçada pela necessidade de os ordenamentos jurídicos nacionais não estabelecerem, em relação ao conjunto do sistema jurídico, «vantagens comparativas» que gerem fluxos descompensadores entre Estados e regiões. Daí, o sentido restritivo dessas tendências, que eventualmente só poderá ser contrariado no quadro de uma efectiva comunitarização do direito de asilo, segundo uma matriz jurídica compatível com a dimensão humanista da civilização europeia.
Sabemos que continua a haver dentro da União Europeia diferentes percepções sobre a forma como deverão ser organizados os procedimentos administrativos, bem como até onde. deve ir o recurso judicial no que se refere às decisões administrativas negativas.
O que o Governo propõe com esta iniciativa é uma solução de equilíbrio entre as garantias dos requerentes de asilo e do estatuto de refugiado e os princípios de eficácia, celeridade e justiça, também, que devem enformar as decisões administrativas e a protecção dos interesses do Estado.
As soluções propostas parecem-nos adequadas e equilibradas, sendo de realçar as seguintes alterações: estabelece-se a definição de uma nova matriz processual na determinação do estatuto de refugiado, criando-se em substituição do processo acelerado a fase de admissibilidade, pela qual passarão todos os pedidos de asilo; clarificam-se as garantias oferecidas ao requerente de asilo em fase de recurso; é criado o Comissariado Nacional para Refugiados, órgão colegial constituído para o efeito e composto por dois magistrados e por um licenciado em Direito com formação em direito de asilo; garante-se a participação consultiva do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados e do Conselho Português para os Refugiados em todas as fases do processo; estabelece-se uma regulamentação específica para os pedidos apresentados nos postos de fronteira; introduz-se um processo especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de asilo; consagra-se a protecção por razões humanitárias; estabelece-se a introdução de um regime de protecção temporária,

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consagra-se o reforço dos efeitos do reagrupamento familiar e fixa-se um conjunto de condições mínimas de apoio social a regulamentar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo espera que o trabalho em sede de especialidade aperfeiçoe ainda o texto que se propõe, no quadro dos objectivos definidos, alargando o consenso político em relação ao tratamento da questão do asilo entre nós, conferindo-lhe a dignidade de que se reveste este instituto no ordenamento jurídico português.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Também para introduzir o debate do projecto de lei originário do seu partido, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Os últimos anos têm sido marcados por profundo e lamentável retrocesso da legislação referente ao direito de asilo em vários países europeus.
Da Convenção de Dublin, sobre a determinação do Estado responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado num Estado membro das Comunidades Europeias, assinada em 15 de Junho de 1990 e recentemente entrada em vigor; da Convenção de Aplicação dos Acordos de Schengen, assinada em 19 de Junho de 1990; do chamado III Pilar do Tratado da União Europeia; da evolução legislativa e da prática concertada dos vários Estados, tem resultado uma orientação determinada e sistemática no sentido de restringir, de forma por vezes drástica, as possibilidades de acesso ao estatuto de refugiado em países da União Europeia.
A Convenção de Dublin, ao estabelecer regras meramente processuais para a determinação do Estado responsável pela análise de um pedido de asilo, recorrendo a conceitos formais como o de «país seguro» ou de «país terceiro de acolhimento», tem como resultado prático a negação a muitos requerentes de asilo do direito a ver os seus pedidos analisados. Faz corri que muitos cidadãos vejam os seus pedidos de asilo recusados num país e não os possam apresentar em países que, nos termos da lei respectiva, lho poderiam reconhecer. Conduz inclusivamente a situações de repatriamento ou de envio de refugiados para outros países, sem cuidar de saber se esses cidadãos serão efectivamente acolhidos ou se ficará salvaguardada a sua segurança.
A Convenção de Aplicação dos Acordos de Schengen chega mesmo ao ponto de estabelecer sanções a aplicar às companhias aéreas que transportem cidadãos em situação irregular, quando se sabe que a fuga para o estrangeiro em situação irregular funciona tantas vezes como único recurso de quem procura fugir a perseguições.
A pretexto da segurança, da supressão das fronteiras internas, do combate ao crime organizado e da pressão migratória, uma «Europa» construída a partir destas bases ameaça tornar-se um espaço de desumanidade e xenofobia e onde começam a ser perigosamente postos em causa direitos e garantias dos cidadãos, que são conquistas históricas do nosso património civilizacional e motivo de orgulho para todos os democratas.
Uma «Europa» construída sob os pilares de Maastricht, Schengen e Dublin é uma fortaleza xenófoba, que procura esconjurar os seus flagelos sociais, culpabilizando os estrangeiros e os sectores sociais mais fragilizados e espalhando perigosas sementes de racismo e intolerância.
Em matéria de direito de asilo, a evolução que desde o início da presente década se tem verificado assume aspectos particularmente chocantes. Os requerentes de asilo, para além de serem perseguidos nos seus países de origem em consequência das suas actividades em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana, passaram também a ser tratados com desconfiança nos países a que se dirigem, procurando obter o estatuto de refugiados, como se fosse cada um deles um potencial criminoso.
A pretexto da necessidade de conter a imigração ilegal têm sido adoptados mecanismos legais e procedimentos práticos de denegação pura e simples, já não apenas do reconhecimento do direito de asilo mas da própria apreciação do pedido, com preterição de direitos e garantias fundamentais dos requerentes. A pretexto do combate à imigração ilegal, passaram todos os requerentes de asilo a ser tratados como imigrantes clandestinos.
Perante esta evolução, várias organizações de carácter humanitário têm vindo a alertar para a gravidade da situação criada e para a necessidade de serem adoptadas garantias mínimas dos requerentes no procedimento relativo aos refugiados. A reflexão desenvolvida nos últimos anos por instituições como o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, a Amnistia Internacional e, particularmente no plano nacional, o Conselho Português para os Refugiados ou a Obra Católica das Migrações constituem valiosos instrumentos de trabalho para a necessária alteração da legislação vigente em matéria de direito de asilo e dos refugiados.
Em Portugal, a evolução legislativa acompanhou deploravelmente a tendência restritiva em voga nesta última década. A Lei n.º 70/93, de 29 de Setembro, ainda em vigor, introduziu um conjunto de disposições que carecem de urgente revisão por serem manifestamente atentatórias dos direitos e garantias mais elementares dos requerentes de asilo e por serem desconformes com a dimensão de direito fundamental que a Constituição Portuguesa atribui ao direito de asilo.
A aprovação desta lei em 1993 foi um exemplo típico da diligência com que os governos PSD alinharam na construção da fortaleza xenófoba europeia e representou um grave retrocesso na consagração do direito de asilo em Portugal.
Isto para além de a discussão aqui realizada nesse ano ter sido conturbada pelo clima de guerrilha institucional que o governo PSD instalou contra o Presidente da República de então e pelo terrorismo argumentativo a que esse Governo recorreu para camuflar, perante a opinião pública, a realidade dos seus propósitos.
O projecto de lei do PCP sobre direito de asilo, que hoje se encontra em debate e que aqui apresentámos pela primeira vez no passado mês de Fevereiro, retoma as posições que o PCP defendeu quando exprimiu a sua oposição à aprovação das alterações legislativas introduzidas em 1993 e propõe a correcção dos aspectos mais negativos que marcam a legislação actualmente em vigor em nove pontos fundamentais.
Primeiro ponto, o PCP propõe a revogação das disposições referentes ao processo acelerado de decisão, que constitui, porventura, o aspecto mais grave da legislação vigente sobre direito de asilo.
Com esta forma de processo, foi conferido ao Ministro da Administração Interna o poder discricionário de, em apenas 4 dias, recusar qualquer pedido de asilo, com

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preterição de direitos elementares dos requerentes. Este processo tem uma instrução meramente policial, é decidido de forma exclusivamente administrativa e arbitrária e não confere possibilidades práticas de recurso.
Assim, se o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras entender que as alegações de um requerente são destituídas de fundamento, se o requerente for proveniente de país considerado «seguro» ou «terceiro de acolhimento», ou se o SEF invocar motivos não especificados de «segurança pública» é quanto basta para que o requerente de asilo seja expulso, sem que o seu pedido seja concretamente analisado. Tal forma de processo é inconstitucional e deve, consequentemente, ser revogada.
Segundo ponto, o PCP propõe a eliminação das referências a «países terceiros de acolhimento» e «países seguros». A denegação automática do estatuto de refugiado que se opera pelo simples facto de um cidadão requerente ser originário de qualquer país considerado «seguro» ou «terceiro de acolhimento» inviabiliza a apreciação concreta do pedido de asilo e pode conduzir a um repatriamento que ponha em causa a segurança ou mesmo a vida do requerente. Acresce que a determinação por cada Estado dos países «seguros» ou «terceiros de acolhimento» releva de critérios de política externa muitas vezes estranhos a razões humanitárias.
Terceiro ponto, o PCP propõe a reposição do regime de concessão de asilo por razões humanitárias.
A legislação portuguesa sobre o direito de asilo aprovada em 1980 concedia este direito aos cidadãos impedidos ou impossibilitados de regressar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, por motivos de insegurança devida a conflitos armados ou a sistemática violação de direitos humanos que aí se verificassem. Tais razões, a partir de 1993, passaram a ser atendíveis tão só para efeitos de concessão de um regime especial de autorização de residência distinto do estatuto de refugiado.
Tais razões, a partir de 1993, passaram a ser atendíveis tão só para efeitos de concessão de um regime especial de autorização de residência, distinto do estatuto de refugiado. Sendo certo que a consagração constitucional do direito de asilo não obriga a abranger estes casos, a verdade é que também os não exclui. E se, em 1980, existiam razões para consagrar o reconhecimento do estatuto de refugiado por razões humanitárias, não existem hoje menos razões para a sua reposição.
Em quarto lugar, o PCP propõe a revogação, por inconstitucional, da disposição que possibilita a recusa da concessão de asilo «sempre que a segurança interna ou externa o justifiquem ou quando a protecção da população o exija, designadamente em razão da situação social ou económica do país». Tendo o direito de asilo o estatuto constitucional de direito fundamental, este só pode ser restringido nos casos em que a própria Constituição o preveja. Ora, a Lei Fundamental não prevê qualquer cláusula de restrição deste direito, nem os fundamentos de recusa constantes desta norma - tão vagos e insindicáveis como « a situação social e económica do país» - podem funcionar, à luz da Constituição, como cláusulas de restrição de direitos fundamentais.
Quinto, o PCP propõe a consagração do carácter automático - em vez da simples possibilidade - da extensão dos efeitos da concessão de asilo ao cônjuge e aos filhos menores solteiros ou incapazes, do requerente ou, sendo este menor de 18 anos, ao pai e à mãe.
No sexto ponto, o PCP propõe que a entidade competente para analisar os pedidos de asilo e apresentar propostas sobre a sua concessão seja uma entidade independente. O Comissário Nacional para os Refugiados, que presentemente detém tais competências, sendo embora um magistrado judicial, funciona no âmbito do Ministério da Administração Interna e é nomeado em Conselho de Ministros sob proposta ministerial. Não reúne, portanto, as condições de independência que diversas recomendações internacionais sobre a matéria consideram fundamental. Propõe, assim, o PCP que as competências do Comissário Nacional para os Refugiados sejam atribuídas a um órgão colegial - solução que, aliás, vigorou, entre 1980 e 1993 -, tendo porém a natureza de entidade pública independente.
Em sétimo lugar, o PCP propõe a consagração de uma disposição legal relativa a garantias mínimas dos requerentes de asilo, contemplando designadamente o direito a dispor de intérprete, quando necessário, para compreensão das suas razões por parte das autoridades; a oportunidade de apresentar todos os factos e circunstâncias relativas aos seus casos, bem como os meios de prova de que disponham; o direito a recorrer a advogado, a beneficiar de assistência judiciária e a entrar em contacto corri as organizações não governamentais que se ocupam dos problemas relativos aos refugiados.
Oitavo, o PCP propõe a atribuição aos representantes do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados ou do Conselho Português para os Refugiados do direito de serem informados sobre o andamento dos processos que acompanhem e de contactar pessoalmente os requerentes de asilo, podendo aceder livremente a zonas reservadas, nomeadamente nos aeroportos.
Finalmente, no nono ponto, o PCP propõe a consagração do efeito suspensivo automático do recurso contencioso que seja interposto de uma decisão administrativa que negue a concessão do direito de asilo. A não ser assim, a decisão administrativa que recuse o direito de asilo poderá ter como consequência o abandono forçado do território nacional por parte do requerente, retirando efeito útil ao próprio recurso e determinando desde logo a irreversibilidade da decisão.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Está hoje também em apreciação nesta Assembleia a proposta de lei sobre direito de asilo que o Governo anunciou no início da presente legislatura irias que só no passado mês de Maio deu entrada na Mesa. Esta proposta de lei representa uma decepção face às expectativas que o Governo alimentou quanto às suas intenções de revisão da legislação sobre asilo, tendo inclusivamente em conta a gravidade da situação existente e as críticas que o PS aqui fez em 1993 à lei aprovada pelo PSD. É que, se há aspectos do regime legal vigente que a presente proposta de lei se propõe alterar num sentido positivo, o que é facto é que esta proposta de lei não se afasta, em aspectos cruciais, da matriz da lei que o PSD há quatro anos aqui fez aprovar.
É verdade que, no plano do apoio social aos requerentes, a proposta de lei introduz alguns progressos. É verdade que as consequências drásticas do processo acelerado são um tanto minoradas, ainda que ligeiramente, sobretudo quanto aos prazos aplicáveis. É verdade também que a questão do reagrupamento familiar é tratada em termos mais razoáveis. É verdade ainda que os recursos que sejam interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo, face a decisões que recusem o reconhecimento do direito de asilo, têm efeito suspensivo automático. Mas não é menos verdade que a proposta de lei deste Governo, não só

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mantém em vigor disposições legais que o PS tanto criticou ao PSD, como propõe a aprovação de novas disposições que são inaceitáveis.
Senão, vejamos: em primeiro lugar, o regime de processo acelerado previsto na lei do PSD é substituído, na proposta de lei do PS, por uma fase de admissibilidade do pedido, da competência do SEF, e que, tal como no processo acelerado, assenta em decisões discricionárias da parte dos serviços. Basta que o SEF considere que se verificam causas de exclusão «manifestas»; ou que as alegações do requerente são «destituídas de fundamento»: ou que o pedido é «claramente fraudulento», para que o requerimento não seja admitido e consequentemente não seja analisado. Trata-se de um processo que será um pouco menos acelerado, mas que é ainda assim, inaceitável.
Mas particularmente grave é o regime aplicável aos casos em que o pedido de asilo seja apresentado nos postos de fronteira, na sequência de entrada irregular no território nacional. Nesse caso, o SEF decide da admissão do pedido no prazo de cinco dias, e em caso de não admissão pode o requerente pedir, em 24 horas, a reapreciação do caso pelo Comissariado Nacional para os Refugiados, que decidirá nas 24 horas seguintes. Só que, nestes sete dias, o requerente é obrigado a permanecer na zona internacional do aeroporto! Lê-se e não se acredita. Se uma disposição destas for aprovada, resta esperar que, tal como fizeram aquando do célebre «caso Vuvu», o Sr. Ministro José Vera Jardim e o Sr. Secretário de Estado António Costa intercedam judicialmente contra tal atentado aos direitos humanos e à Constituição da República.
Em segundo lugar, o Governo reconhece a importância de prever a eficácia suspensiva automática do recurso que seja apresentado perante o Supremo Tribunal Administrativo, face à recusa do direito de asilo. Mas já não reconhece o mesmo efeito suspensivo aos recursos que sejam apresentados perante o Tribunal Administrativo de Círculo, face à decisão de não admissão do requerimento. Não é compreensível esta disparidade de critérios.
Em terceiro lugar, a proposta de lei continua a fazer depender o reconhecimento do direito de asilo, ou mesmo a admissibilidade do pedido, de critérios que não decorrem de qualquer consideração humanitária, mas antes de meras considerações de política externa, ou mesmo de oportunidade.
Em quarto lugar, a solução proposta pelo Governo para a composição do Comissariado Nacional para os Refugiados é verdadeiramente abstrusa. Propõe o Governo que tal Comissariado seja composto por um magistrado judicial, um magistrado do Ministério Público como adjunto do primeiro e um licenciado em Direito com funções de assessoria; os dois magistrados seriam nomeados pelo Governo mediante designação dos respectivos Conselhos Superiores e o terceiro seria simplesmente de nomeação governamental - um simples boy.
Esta proposta suscita várias objecções. Primeira; a de que não é pelo facto de um órgão ser composto por magistrados que se torna independente: os magistrados a integrar o comissariado não exercerão as funções de magistrados, ruas de titulares de um órgão da Administração Pública. Segunda, a de que não é adequado que os Conselhos Superiores da Magistratura e do Ministério Público sejam envolvidos na designação de membros que hão-de integrar órgãos a funcionar na órbita governamental. Terceira, a de que, sendo as magistraturas judicial e do Ministério Público independentes, não se percebe porque é que o magistrado do Ministério Público há-de ser o adjunto do magistrado judicial.
Finalmente, é de lamentar que o Governo não aproveite esta iniciativa legislativa para retomar o bom princípio, eliminado em 1993, de que o direito de asilo pode ser reconhecido por razões humanitárias. Também neste caso o Governo PS segue integralmente as pisadas do PSD.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Não restam, apesar de tudo, dúvidas de que estamos hoje em condições de debater esta matéria com mais serenidade do que em 1993. Há hoje melhores condições para deixar claro que estamos a falar de direito de asilo, não estamos a falar de imigração ilegal: que estamos a falar de cidadãos perseguidos pelas suas convicções políticas e pela sua luta em defesa dos direitos humanos, não estamos a falar de criminosos: que estamos a falar de razões humanitárias, não estamos a falar de conveniências de política externa.
Quando em 1993 exerceu o seu direito de veto sobre um primeiro decreto desta Assembleia sobre direito de asilo, o então Presidente Mário Soares chamava a atenção na sua mensagem para as nossas «especiais responsabilidades na ponderação de um novo regime legal sobre direito de asilo e estatuto de refugiado. Está na nossa memória a experiência recente e, por isso, temos de usar de generosidade e abertura, com as cautelas necessárias, capazes de garantir na prática a solidariedade de que ontem beneficiámos e que hoje não devemos regatear». Sobretudo num momento - acrescentava mais adiante - «em que deveremos contrariar e prevenir, com serenidade e firmeza e com sentido humanitário, as tentações do chauvinismo e xenofobia que se vão manifestando no velho continente».
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O voto que hoje fazemos é o de que esta Assembleia aprove, em matéria de direito de asilo, uma verdadeira mudança de rumo em relação aos maus caminhos seguidos em 1993, no sentido de um regime legal mais justo e humano. Daremos, para isso, o nosso melhor contributo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados, Ilustres Representantes do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados e do Conselho Português para os Refugiados: O problema dos refugiados encontra-se inter-relacionado com muitas das questões urgentes com que o mundo se confronta actualmente - a protecção dos direitos humanos, a resolução de conflitos, a promoção do desenvolvimento económico e institucional, a preservação do meio ambiente e a gestão da migração internacional.
Para se abordar o problema dos refugiados de forma efectiva e justa será necessária uma abordagem integrada que tenha, simultânea e sistematicamente, em conta estas diversas questões. Quando as Nações Unidas foram criadas em 1945, o fim declarado da nova organização era o de reafirmar a convicção do mundo nos «direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, assim como das grandes e pequenas nações». Cinquenta e dois anos depois, a procura de soluções para o problema dos refugiados deve reger-se pelos mesmos princípios.

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A proposta de lei n.º 97/VII, que revê o regime jurídico do asilo, foi alvo de séria ponderação, parceria e reflexão, tendo-se tomado como premissa fundamental que a protecção dos refugiados é, em si mesma, inseparável. da noção de direitos humanos. Este diploma espelha, no seu articulado, a Resolução da União Europeia sobre garantias mínimas no procedimento de asilo, bem como algumas previsões da lei de asilo espanhola e da lei belga, estando subjacente no seu todo uma preocupação de conformidade com os instrumentos internacionais sobre Asilo e Direitos Humanos em geral, bem como, ainda, com o processo de harmonização comunitária em sede de asilo.
O que é que noz traz de novo este texto legislativo?
Em primeiro lugar, definição de uma nova estrutura para o processo de determinação do Estatuto de Refugiado, com uma fase de admissibilidade do pedido de asilo e uma fase normal, com recurso contencioso e efeito suspensivo automático.
Em segundo lugar, clarificação das garantias oferecidas aos requerentes de asilo na fase de recurso, com a consagração da possibilidade de recurso com efeito suspensivo na reapreciação pelo Comissariado Nacional para os Refugiados na fase de admissibilidade, e recurso contencioso para o Tribunal Administrativo de Círculo e, no recurso de decisão de recusa do pedido de asilo no processo normal, para o Supremo Tribunal Administrativo.
Terceiro, dilucidação das competências do Ministro da Administração Interna, do Comissariado Nacional para os Refugiados e do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.
Quarto, transformação qualitativa do Comissariado Nacional para os Refugiados, que passará a contar com uma estrutura orgânica própria composta pelo Comissário Nacional para os Refugiados, pelo Comissário Adjunto e assessoria própria.
Os cargos de Comissário Nacional para os Refugiados e de Comissário adjunto são exercidos por magistrados judiciais ou do Ministério Público com mais de 10 anos de serviço e classificação de mérito. Estes entes serão nomeados sob designação respectivamente do Conselho Superior de Magistratura e do Ministério Público, o que garante ab inibo total independência. O Comissariado poderá, inclusive, entrevistar pessoalmente os peticionantes.
Em quinto lugar, associa-se, com carácter pioneiro, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e o Conselho Português para os Refugiados (CPR) em todas as fases do processo, com carácter consultivo e com acesso directo aos requerentes de asilo, o que merece o nosso aplauso e coloca a nossa lei no pelotão da frente no tocante aos sistemas legais mais generosos e justos em termos de política de asilo.
Sexto, regulamentação específica dos pedidos de asilo nos postos de fronteira, como consequência directa do estabelecido na Resolução das Garantias Mínimas de Asilo, de Junho de 1995, e da Conclusão n.º 8 da EXCOM (Comité Executivo do Alto Comissariado).
Sétimo, normas especiais para o processo de elegibilidade quanto a menores e pessoas vulneráveis, em perfeita consentaneidade com a resolução supra requerida e com as Conclusões da EXCOM sobre Mulheres e Crianças.
Oitavo, introdução de um processo especial para determinação do Estado responsável pela análise dos pedidos de asilo, que urgia implementar dada a ausência de regulamentação, quer dos Acordos de Schengen, quer da Convenção de Dublin que entrou em vigor em 1 de Setembro de 1997.
Em nono lugar, reforço dos efeitos da reunificação familiar que, na Lei n.º 70/93, haviam sido consagrados de forma muito restritiva.
Décimo, consagração de protecção legal a três níveis: estatuto de refugiado por motivos políticos, autorização de residência por motivos humanitários, regime de protecção temporária.
Décimo primeiro, introdução de um conjunto de condições mínimas de apoio social que conferem ao asilo a sua indispensável dimensão social.
Assim, prevê-se: apoio social para alojamento e alimentação até à decisão final do pedido, em situações de carência económica; apoio médico e medicamentoso; aconselhamento jurídico e directo pelo ACNUR e pelo CPR; direito à informação a prestar pelo SEF dos direitos e obrigações a que estão sujeitos os requerentes de asilo bem como sobre à respectiva tramitação procedimental; interpretariado; direito ao trabalho nos termos gerais, desde que possuidores de autorização de residência provisória.
A presente proposta de lei é assim globalmente positiva e constitui um avanço considerável no tocante às garantias processuais dos requerentes de asilo face à Lei n.º 70/93, pelo que o grupo parlamentar do PS se congratula com a mesma.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Estamos perante um texto que adoptou um standard médio de protecção em conformidade com os instrumentos internacionais que esculpiram magistralmente a protecção dos Direitos do Homem e dos Refugiados e que soube adaptar o que de melhor prevêem as resoluções da União Europeia neste domínio. O quadro legal que ora se propõe soube verter no seu articulado a necessária justiça nos procedimentos, a celeridade adequada e a indispensável eficácia.
As soluções legislativas encontradas foram o fruto de um longo trabalho de reflexão, debate e pesquisa, que teve o seu ponto alto na audição parlamentar sobre a situação jurídica dos refugiados em Portugal, de 26 de Fevereiro de 1996, organizada pela 1.ª Comissão em cooperação com o ACNUR. Nessa audição constituiu-se um grupo de trabalho para rever a lei de asilo, com uma representação diversificada onde o Governo, o SEF, o Comissariado Nacional para os Refugiados, o Alto Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas, o Conselho Português para os Refugiados e o ACNUR puderam aliar os conhecimentos teórico-práticos com a riqueza da experiência no terreno.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - É certo que não existem leis perfeitas e que a proposta em apreço poderá ainda carecer de aperfeiçoamentos e clarificações que em sede de especialidade poderão ser analisadas. Alguns já foram levantados na apresentação que o Sr. Deputado António Filipe, do PCP, fez do projecto de lei n.º 164/VII, da iniciativa do seu partido.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: A história dos refugiados nunca é uma história feliz, refere a ACNUR. Que o digam os portugueses (alguns desta Casa) que, num passado ainda não muito distante, se viram forçados a procurar no estrangeiro a liberdade e o respeito pelos seus direitos que no seu próprio país lhes eram brutalmente negados! Daqui uma nossa quase obrigação

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de acolhimento, dentro das possibilidades do País, aos que hoje nos procuram e solicitam a concessão de asilo.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos perante uma lei que prestigia Portugal e que dignifica os seus destinatários últimos, os refugiados, e o instituto nobre que é o direito de asilo. Esperamos que as soluções legislativas aqui plasmadas, decerto com os contributos que os diferentes partidos desta Casa poderão trazer, contribuam para um digno quadro legal em prol daqueles - e vou citar Ary dos Santos - «que dormem ao relento numa cama de chuva com lençóis de vento».

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: A proposta que hoje temos aqui, relativa, ao direito de asilo e estatuto dos refugiados, tenta melhorar e aperfeiçoar a lei de 1993. E tenta fazê-lo na medida em que há instrumentos internacionais, sobretudo a recomendação do Conselho da União Europeia que propõe aos Estados membros um conjunto de garantias mínimas para aqueles pretendentes ao estatuto de refugiados. Nessa parte, naquilo que era preciso incorporar, a proposta de lei é boa; mas nem sempre, todavia, naquilo em que há margem de manobra do. Estado português, as soluções encontradas são, em nosso entender, as melhores: em primeiro lugar, quanto à questão de fundo e, em segundo lugar, quanto à questão do processo ou do procedimento propriamente dito.
Quanto à questão de fundo, não se pode dizer que haja qualquer inovação relativamente à história portuguesa, quer no tocante à Constituição, que garante o direito de asilo em certas condições, quer quanto aos fundamentos do próprio direito. As leis ordinárias, quer a lei de 1980 quer a lei de 1993, enquadram-se na nossa grande tradição humanista e, nessa medida, não há nada a dizer. A presente proposta de lei continua o que de bom têm as leis anteriores e, de acordo com as recomendações do Conselho da União Europeia, visa dar mais protecção a certas pessoas em condições debilitadas - neste aspecto, portanto, a tradição humanitária de Portugal sai reforçada e merece o nosso aplauso.
Quanto à parte procedimental, parece-nos que o Governo, nesta proposta, não raro «lava as mãos» como Pilatos. Incrivelmente, o Governo parece ter querido usar este novo diploma como um caso de concretização do discurso político do seu Primeiro-Ministro.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Não é nada disso! Não percebeu nada!

O Orador: - O Sr. Primeiro-Ministro entende que este Governo tem poderes a mais e que, como tal, não se importa de abdicar dos poderes que têm para os diluir, desresponsabilizando-se politicamente.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Só diz disparates!

O Orador: - É o que está aqui, e vou demonstrá-lo em vários aspectos nesta lei. Os Srs. Deputados vão ouvir e depois poderão contraditar!

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Aproveite agora, que eu estou calmo!

O Orador: - Em primeiro lugar, o Sr. Deputado deve ter a calma de ouvir para, depois, poder contraditar - não é isso o que está a acontecer, e esta é uma discussão séria! Ouvi-os com todo o gosto, quer os membros do Governo, quer a Sr.ª Deputada do PS, quer os das outras bancadas, pelo que gostaria que o Sr. Deputado tivesse a elevação para, em matéria séria, saber ouvir primeiro.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - O senhor é cá de uma elevação...!

O Orador: - Vejamos então o procedimento, em vários aspectos. Desde logo e em primeiro lugar: não entendo como é, possível o Governo fazer uma proposta em que o Comissariado Nacional para os Refugiados será composto por dois magistrados e um jurista, sendo os magistrados nomeados por despacho dos Ministros da Justiça e da Administração Interna mas sob designação, respectivamente, do Conselho Superior da Magistratura e do Conselho Superior do Ministério Público. Salvo o devido respeito, este é o exemplo mais vivo de quem não quer assumir a responsabilidade política que, por eleições, lhe adveio e não quer cumprir o mandato para que foi eleito. Numa matéria tão sensível, numa matéria em que as competência deste Comissariado são as elencadas - e são muitas -, entende o Governo que, quem manda, são o Conselho Superior da Magistratura e o Conselho Superior do Ministério Público: esses órgãos designam os magistrados e os ministros nomeiam-nos. Ou quererá o Governo, não decidindo, limitar-se a reservar para si o direito de veto das pessoas que lhe sejam designadas por esses órgãos, quer o Conselho Superior da Magistratura, quer o Conselho Superior do Ministério Público? Este é o exemplo mais vivo da desresponsabilização política do órgão político por excelência, que é o Executivo de qualquer país, também o de Portugal.
Em segundo lugar, entende o Governo e bem, que por razões humanitárias não deve ser concedido asilo. Rigorosamente não será de asilo que se trata. Justamente por isso, por não cair a situação em apreço nos pressupostos do Estatuto de Asilo e dos Refugiados, definido na Convenção de Genebra, é que há uma outra válvula para demais casos que mereçam o favor de Estados soberanos: pessoas que não reunindo os pressupostos do direito de asilo e consequente estatuto de refugiado, todavia mereçam poder residir em Portugal por razões também humanitárias.
Ora, o artigo que consagra o direito de uma autorização de residência por razões humanitárias, o artigo 8.º, diz: «É concedida autorização de residência por razões humanitárias...». Ora, salvo o devido respeito, entende o PSD que não pode consagrar-se uma imposição ao Governo. De novo o Governo parece preferir um diktat a não ter que decidir, a não ter a liberdade de, soberanamente exercendo o seu poder de decisão, ter que decidir. Compreendo que este Governo tenha a síndrome da decisão, compreendo,...

Risos do PSD.

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... pois, de facto, nos casos em que ousa decidir têm sido muitos os fiascos. E se a lei disser «é concedida autorização de residência por razões humanitárias», o Governo fica com o dever de conceder, como se o peticionário tivesse um direito. Assim não é, porém. O que está em causa, na situação contemplada, não é um direito subjectivo de quem, nas condições que depois são elencadas no artigo 8.º, possa ter esta residência por razões humanitárias. Isto, ao contrário do asilo propriamente dito: garantido constitucionalmente, este, do ponto de vista individual, é um direito subjectivo, com o Estado a ter o dever de o conceder, verificados os correspondentes pressupostos.
Mas, se queremos ir além do que a Constituição da República Portuguesa impõe, se queremos ainda poder conceder residência por razões humanitárias, isso deve ser uma mera faculdade que o Estado exercerá nas circunstâncias concretas e segundo um processo que, terminada a instrução, concluirá pela positiva ou pela negativa. Não se conforma, portanto, com a natureza de faculdade da Administração e do Governo, a redacção proposta no sentido de «é concedida autorização de residência por razões humanitárias...». Pode ser concedida, terminado o processo se verá se estão reunidas as condições ou não para ser concedida a residência por razões humanitárias.
Semelhantemente ao que propomos está no artigo 9.º - protecção temporária. E muito bem. De resto, casos que aí estão elencados, por exemplo «conflitos armados que originem, em larga escala, surtos de refugiados» vêem parte do seu perímetro consumido pela residência por razões humanitárias. E se há consumpção de algum perímetro numa e noutra hipótese, como compreender que num lado o Governo diz «é concedida...», no outro já diz «pode conceder...». Estamos perante uma incoerência total. Eis mais um sintoma de que o Governo não quer ter poderes para decidir, com medo de decidir mal. Mas há que julgar, há que decidir.
O terceiro caso que, em nome do PSD, me apraz registar para, em sede própria, ainda podermos alterar é o do conhecido «processo acelerado». Percebe-se na proposta que o Governo tem medo da expressão, foge dela «como o diabo da cruz», convencido que isso é, se não lepra, pelo menos pecaminoso. E não é. Devo dizer e recordar ao Governo que o mesmo é reconhecido pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados a quem saúdo - no documento intitulado «Procedimentos de asilo justos e céleres». Nesse documento, no seu ponto 15 («os Estados podem recorrer a processos acelerados) e logo no seu ponto 16 («O ACNUR concorda inteiramente com os Estados nos seus esforços para que os pedidos de asilo manifestamente infundados sejam tratados em processos acelerados...»), é aconselhado o processo acelerado desde que se assegure que seja acompanhado das garantias adequadas, incluindo entre outras a possibilidade de revisão ou recurso com efeito suspensivo.
Portanto, Srs. Membros do Governo e bancada do Partido Socialista, não há que ter medo da expressão, porque o problema é de garantias mínimas e essas têm que estar salvaguardadas. Assim, pergunta-se: não querendo o Governo ousar também aqui, em casos excepcionais que se justifiquem de processo acelerado, consagrar este processo, o que é que lhe resta? O processo normal. E o processo normal que lhe resta é igual para todos os casos, mais urgentes, menos urgentes, e sobretudo mais fundados ou menos infundados e mesmo manifestamente infundados
e fraudulentos. Mesmo os casos de pedidos de asilo manifestamente infundados e fraudulentos previstos no artigo 13.º, sob a epígrafe «inadmissibilidade do pedido» em que claramente se assume «... é considerado inadmissível se forem ... manifestas algumas das causas...», entre estas, «... ser claramente fraudulento ou constituir uma utilização abusiva do processo de asilo...» - e mesmo esses casos caem no processo normal, a decidir como todos os outros, nesta fase preliminar de admissibilidade, em 20 dias.
Mas em casos clamorosos, manifestamente inadmissíveis, claramente fraudulentos, é o Estado português que vai estar a aguentar dentro desta normalidade um processo que se podia resolver rapidamente?! O processo acelerado, reconhecido pelas altas autoridades internacionais e por vários Estados membros, não tem lugar em Portugal, porquê? Eis um outro ponto que deixo à consideração para possível aperfeiçoamento.
O quarto ponto tem a ver com o processo nas fronteiras, no posto de fronteira em que alguém chega a pedir a asilo e não entre. Nesta hipótese, o Governo, embora não querendo dizer o nome - porque se o fizesse se calhar caía-lhe o mundo em cima, se calhar a Torre dos Clérigos tombava -, já usa o processo acelerado e não se importa de usar um verdadeiro processo acelerado. Caso em que a decisão tem de ser rápida, tomada em cinco dias.
Todavia, o recurso é para o Comissariado Nacional dos Refugiados, sem salvaguarda de um verdadeira recurso para uma autoridade, designadamente o ministro. Ora bem, neste ponto, o Governo nem sequer está a ter em conta a já referida recomendação de garantias mínimas do processo de asilo, do Conselho da União Europeia. Se tivessem tido o cuidado de a ler melhor, verificariam como nela se recomenda que, nestes processos especiais apresentados nas fronteiras, se assegure que a decisão sobre a recusa de entrada seja tomada por um ministério ou por uma autoridade central de natureza semelhante - preferindo-se a do ministério. Penso que o Ministério da Administração Interna, nestes casos, devia ter também a coragem de em última instância decidir, porque é a ele que o povo português confiou, por mandato, a obrigação de zelar por todos os interesses na área da administração interna e da segurança dos portugueses.
Estes são alguns dos pontos, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados, Caros Colegas, que registo, a merecerem aperfeiçoamentos segundo o PSD. Temos o nosso projecto, que imediatamente entregarei na Mesa para ainda poder ser tido em conta em comissão de redacção final na especialidade. Certos de que assim consensualizariamos uma matéria tão nobre de direitos humanos, como é a que está em causa. Assim, a quem, por razões nobres de luta pela democracia, pelos valores humanos lá fora, noutros Estados, entende encontrar refúgio seguro em Portugal, devemos conceder-lhe asilo. Mas não devemos tolerar que através da porta do asilo se usem outras figuras ou se pretendam obter resultados que não são os seus. Se assim entender o Governo, se assim entender o Partido Socialista, o PSD contribuirá com este projecto para o aperfeiçoamento da proposta ora em apreço, assim como para a consensualização desejável numa matéria que é um dos pilares do Estado e também um dos pilares da segurança do Estado português.
(O orador reviu.)

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Quando. no dia 19 de Fevereiro, aqui foi discutido o projecto de lei n.º 164/VII tive ocasião, ao pedir a baixa à comissão, aguardando a proposta de lei do Governo e outras achegas, de dizer que uma lei de asilo é uma lei de extrema gravidade para um país. Afirmei nessa altura que interessa defender os legítimos direitos nacionais mas que também interessa defender a moral e a alma do país e ao mesmo tempo interessa a nossa dimensão humana, a nossa capacidade de acolhimento, a nossa capacidade de compreensão e de construção da liberdade do mundo, porque é também disso que se trata, e da paz. porque não há paz se, de facto, os homens não puderem ser livres em toda a sua dimensão.
Felizmente que neste processo a Assembleia da República teve o benefício do apoio do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, do Conselho Português para os Refugiados, da Amnistia Internacional e de outras achegas que aqui foram chegando.
E o que disse nessa altura continuo a dizer agora: é fundamental que esta lei seja consensual; é fundamental que todos nós portugueses e todos nós partidos portugueses nos sintamos revistos na lei que vier a ser aprovada; e que não seja a lei um objecto de discussão partidária e muito menos de querela partidária porque está aqui alguma coisa e algum valor que pertence à essência da alma nacional e, como tal. deve ser interpretado.
Nesse sentido não devemos permitir nem os abusos nem os pedidos ilegítimos mas também não devemos deixar que algum caso, que seja um caso urgente, de liberdade e de direito possa vir a ser negado.
Penso que valeu a pena esperar pela lei que o Governo nos apresentou. Não com a minúcia dos meus ilustres colegas, todos eles juristas, mas com o sentido político que qualquer Deputado tem de ter, tive o cuidado de a comparar quer com o projecto de lei do Partido Comunista Português quer com os comentários que nos chegaram vindos do ACNUR e do Conselho Português para os Refugiados.
Isso permitiu-me verificar que não há desvios sensíveis e que, no fundo, já há uma certa consensualidade, embora possa haver pontos que mereçam ser aperfeiçoados, até porque, quanto mais não seja, não há distâncias fundamentais - assim me pareceu - em relação a algumas observações apresentadas pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Assim, creio ser preferível adoptarmos o que nos é sugerido pelo Alto Comissariado.
De qualquer modo, felicito-me por ter sido dada mais uma achega, o projecto de lei do PSD, e é nessa perspectiva que devemos fazer baixar à Comissão competente todo este material, para, sem preconceitos, fazermos a redacção da melhor lei que seja possível fazer.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Recordo aqui que demos um passo decisivo na revisão constitucional quando discutimos largamente e encontrámos uma fórmula que permitisse evitar a expulsão do território em casos que poderiam afectar o próprio direito de asilo. Isto ficou consagrado na revisão da Constituição e facilitou o que temos de fazer daqui para o futuro. E, no fundo, para evitar essas falsas situações, que não defendera - os nossos direitos e muito menos consagram a dignidade humana, que deveremos estar atentos e procurar a lei mais perfeita possível.
O meu partido votará favoravelmente todos os diplomas que aqui foram presentes, acolhe com satisfação aquele que foi agora apresentado e espera que a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias consiga fazer uma lei unânime e em que todos nos revejamos.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente. Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Os diplomas que hoje estamos a discutir são de extrema importância. se situarmos a sua discussão e todo o historial que está na sua origem, ou seja. as modificações profundas ocorridas em 1993, que, no odioso que tiveram, levaram a consequências como grandes contestações e críticas, que o PS, agora apoiante de uma proposta de lei, também subscrevia em relação a uma matéria que é extremamente delicada.
Quando estamos a falar de asilo e de refugiados não podemos ignorar que nos referimos a coisas que interferem directamente com direitos, liberdades e garantias e à definição de um estatuto cujos contornos. em bom rigor, não são fáceis de limitar. E não o são porque a discussão em torno das razões que estão na origem dos grandes fluxos migratórios das pessoas no planeta têm a ver, directamente, com a desigualdade de apropriação e distribuição da riqueza, ou seja. é bom não esquecer que estamos a falar de um planeta onde 20%, da população detém 85% dos recursos disponíveis.
Como é óbvio, as questões do asilo e as razões que estão na origem das movimentações e dos fluxos migratórios não são alheias a isto, como não o são as questões novas que têm a ver com problemas planetários, para os quais a comunidade internacional não tem encontrado resposta, designadamente a desertificação e a fome.
Tendo em conta que este problema não pode ser desligado desta questão mais vasta e que as questões do asilo têm vindo a ser tratadas, na União Europeia, por uma política que não privilegia a cooperação mas, antes, se fixa e releva exclusivamente questões de segurança que, não raro, de forma perigosa, alimentara sentimentos de racismo e xenofobia, estes aspectos que não podem ser desligados desta discussão, que consideramos da maior importância.
Recordo o veto presidencial que esteve na origem de uma reunião extraordinária do Plenário em Agosto de 1993. É situando tudo isto que me parece que, porventura, se investiu demasiado na esperança de que a proposta de lei do Governo acolhesse de forma mais visível e mais forte muitas das preocupações que os múltiplos debates feitos dentro e fora deste Parlamento foram ao longo do tempo acumulando. São questões de procedimento, mas não são meras questões administrativas ou burocráticas, na medida em que o que está em causa é decidir sobre o futuro de pessoas, é a condenação ou não pela forma por vezes arbitrária como as decisões são tomadas sobre o destino de pessoas e dos seus familiares quando recorrentes de asilo.
É nessa perspectiva que, se não podemos deixar de, pontualmente, assinalar que há afloramentos na proposta

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de lei apresentada pelo Governo que têm em conta aspectos que foram objecto de grande crítica no passado e que os debates existentes, designadamente a audição parlamentar no ano passado em Fevereiro, permitiram identificar, como por exemplo as questões relacionadas com o apoio judiciário aos requerentes de asilo, com o apoio social ou com o reagrupamento familiar, há outras habilidades, digamos, nesta proposta de lei que continuam a ser, do nosso ponto de vista, extremamente preocupantes.
A questão do o reagrupamento familiar já foi abordada pelo Governo. Percebi, da intervenção do Sr. Secretário de Estado, que há abertura para equacionar esta questão em termos mais alargados, ou seja, para incluir os irmãos, que não são contemplados. No entanto, se me parece haver alguma abertura para, em termos de especialidade, se aprofundarem aspectos que não são claros, há aspectos que são extremamente negativos que prevalecem e que, do nosso ponto de vista, são graves.
Há conceitos como «país seguro» e «país terceiro» que são de grande subjectividade, ou seja, sinónimo de possibilidade de arbítrio, e que têm a ver com a evocação de sérios motivos de segurança, interna ou externa, o que, na ambiguidade que isto tem, não permite identificar com clareza garantias de que os requerentes de asilo podem admitir que os seus processos sejam devidamente ponderados.
Há questões que nos parecem particularmente complicadas, a saber, aquilo que hoje são os procedimentos acelerados, que se quantificavam em mais de 90% dos casos, e as situações em que os requerentes de asilo apareciam, cujos procedimentos muito críticos agora aparecem sob uma diferente capa e associados aos pedidos feitos em fronteira, que, seguramente, são a grande fatia dos casos.
Aqui, não nos parece - é a opinião de Os Verdes que se acautelem as condições de recurso, de não expulsão dos cidadãos e de garantias processuais, que não são, insisto, meramente processuais, já que interferem com direitos fundamentais.
Gostaria que o Governo fosse mais explícito, e isso já foi várias vezes requerido nó passado, a respeito dos odiosos centros de acolhimento, questão que esta proposta de lei contorna, remetendo-a para a lei. Esta é uma questão que gostaríamos de ver clarificada.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputada, queira terminar.

A Oradora: - Termino já, Sr. Presidente.
Há ainda garantias que continuam a falhar nesta proposta de lei, por exemplo, a de acesso automático às organizações não governamentais - está previsto, mas não é propriamente automático -, bem como de acesso a intérpretes por parte dos requerentes de asilo.
Julgo que a proposta de lei do Governo oferece sérias reservas e, nesta perspectiva, deveria ser melhor ponderada.

Vozes de Os Verdes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Uso da palavra tão-só para exprimir, em nome da minha bancada, agora que o debate se aproxima do seu termo, a nossa congratulação, desde logo, pelo facto de ser notória, e diria também positiva, a diferença entre o torra, o estilo, a forma e o método deste debate e os daqueles que marcaram momentos anteriores da discussão desta matéria na Assembleia da República.
Em 1993, como todos nos lembramos, foi o alarme, o sopro, o incêndio, a reunião de emergência, a ideia do perigo de uma invasão de Portugal por uma horda de entidades que procurariam cá o que não encontravam lá fora. Lembramos o Dr. Encarnação, debaixo de uma ponte em Xabregas, apontando à SIC o perigo romeno, com o dedo esticado... Tudo isso já lá vai, tudo isso foi, tudo isso acabou. Vamos todos esquecer isso. Nós somos os primeiros a esquecer.
Todavia, não devemos deixar de extrair as boas lições. Aparentemente, o próprio PSD já está a extrair algumas. Convenhamos que o quadro de fundo também se alterou, talvez positivamente.
Agora, houve uma preparação cuidadosa, que se desenvolveu ao longo de muitos meses, com a directa intervenção do Sr. Secretário de Estado da Administração Interna, em condições que foram saudadas como positivas pelas entidades que nelas participaram, e se é um facto que esse elogio, da nossa boca, é normal, da boca deles adquire, quiçá, um valor reforçado.
Em segundo lugar, houve audições aqui, na Assembleia da República, com uma larga participação, em que todos puderam falar, todos disseram o que pensavam e todos, em boa verdade, contribuíram, e bem, para este texto que agora nos chegou.
Houve também a avaliação do trabalho do próprio Comissário Nacional para os Refugiados, tendo ele próprio feito uma autoavaliação, uma autocrítica do trabalho desenvolvido, e foram dadas sugestões de melhoria.
Diga-se também uma palavra de louvor às experiências de PARINAC, que trouxeram à Assembleia, sob os auspícios do Sr. Presidente da Assembleia da República e do Sr. Presidente da 1.ª Comissão, múltiplos interlocutores para um diálogo que se foi fazendo ao longo destes meses, serena e muito proficuamente, tanto do ponto de vista técnico como político.
No que toca à questão de fundo, há também mudanças, e positivas. Finalmente, entrou em vigor a Convenção de Dublin e só isso constitui a definição cie um ambiente de contratação internacional importante neste domínio. Por outro lado, vimos aqui uma espécie de «milagre das rosas» na área laranja. O Sr. Deputado Calvão e Silva referiu aqui uma mutação de posição que, em nosso entender, é extremamente positiva, porque nos traduz, a todos, o reconhecimento de que na lei de 1993 havia aspectos francamente incorrectos, que suscitavam dúvidas e dificuldades que era preciso corrigir.
Não conheço ainda o articulado que o Sr. Deputado Carlos Encarnação anunciou há pouco ter apresentado na Mesa da Assembleia da República, mas trata-se, seguramente, de um conjunto de propostas de alteração que será, na especialidade, considerado por nós com rigor e com largueza.
O que pretendemos ficou claro e dispensa reforço. Aparentemente, queremos todos, e isso é positivo, desde logo, que os processos sejam céleres mas não celerados, e sabemos agora onde operar, onde fazer correcções.
Se o PSD nos ultrapassar em generosidade, isso em nada ofenderá a nossa humildade democrática. Teremos todos muito gosto em aprovar reforços de garantias dentro do quadro constitucional e de forma equilibrada. Vamos estudar o projecto de lei. Este nosso «sim» exprime a nossa

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disponibilidade, pois não posso caucionar um texto que ainda não li, mas vamos lê-lo cuidadosamente em sede de comissão.
Em terceiro lugar, as decisões devem ser tomadas precedendo adequada instrução. Não é isto timor decidendi, não é medo de decidir, é cautela elementar em Estado democrático, é socorrermo-nos todos do parecer de entidades independentes e decidir, a fim, com recurso para os tribunais, como é normal e curial em Estado de direito democrático. Isto é normal, não humilha qualquer governo nem traduz fuga à decisão. É uma decisão caucionada, estudada, com intervenção de entidades e, naturalmente, garantias de intervenção dos próprios. Isto é positivo.
Por último, o Regimento, Sr. Presidente e Srs. Deputados, dá-nos a resposta sobre o que é preciso fazer agora: votar na generalidade as iniciativas; faze-las baixar à Comissão para votação na especialidade, e aí considerar, como dizia o Sr. Deputado Nuno Abecasis há pouco, as diversas propostas de alteração.
Agora que o quadro constitucional é inteiramente claro e conhecemos as nossas obrigações internacionais no espaço europeu que estamos a construir, seremos fiéis a elas e teremos a Constituição como bússola.
Srs. Deputados, creio que é um feliz resultado, pelo que, em nome desta bancada, gostaria de congratular-me vivamente com ele.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente. Sr. Deputado José Magalhães, sob a figura regimental do pedido de esclarecimento, gostaria de fazer aqui uma chamada de atenção.
O Sr. Deputado José Magalhães tem uma forma de abordagem dos problemas que muitas vezes acaba por lhe ser prejudicial, ao partido que defende e ao Governo que apoia.
Sr. Deputado, encarámos esta nova proposta de lei sobre o asilo como um trabalho muito sério, ao qual todos demos o nosso contributo, em várias circunstâncias - eu dei o meu contributo pessoal, referindo que a lei tinha sido uma lei necessária e boa para o país, porque tinha resolvido uma série de problemas que na altura tínhamos, que agora, felizmente, VV. Ex.as não têm e que, penso, no futuro breve também não voltarão a repetir-se.
V. Ex.ª aludiu, com alguma bonomia, às centenas de refugiados romenos debaixo da ponte. Este era um problema gravíssimo que o País tinha e V. Ex.ª não deve tratar estes problemas graves com esse ar de enfado, deve procurar entendê-los, pois são problemas humanos, são problemas de um Estado, com a seriedade que eles merecem.
V. Ex.ª, porventura, na altura, preocupava-se mais em fazer política, oposição e guerrilha de oposição do que propriamente em resolver os problemas, enquanto eu me preocupava mais em resolvê-los e muito menos com as guerrilhas da oposição.
Os problemas que V. Ex.ª e outros - não o Sr. Secretário de Estado, como ainda no outro dia me frisou, e bem - levantavam na altura, em relação à lei existente, eram de outra natureza. Eram essencialmente problemas de natureza constitucional, de conformidade constitucional, e VV. Ex.as nisto foram vencidos, porque não tinham razão.
Naquilo em que, porventura, VV. Ex.as tinham razão, eu dei-lhes, pois também disse que a lei ora em vigor tinha vários problemas que necessitavam de ser corrigidos. Sempre disse isto, com toda a seriedade, antes das eleições, por entender que esta seria uma tarefa a fazer em consenso depois das eleições.
São problemas de recurso, de garantias, de adequação às garantias mínimas dos processos de asilo e de assistência, fundamentalmente, aqueles que esta lei, hoje, visa resolver. Não estamos aqui a resolver problemas essenciais mas, sim, problemas formais e é neste sentido que a intervenção do Professor Calvão da Silva é muito importante, do ponto de vista substancial, pois conseguiu colocar aqui uma série de questões. Ora, eu gostava e esperava que V. Ex.ª, com humildade, reconhecesse que o nosso contributo é positivo para a perfeição de uma lei consensual.
Quis V. Ex.ª fazer uma excursão por outras áreas; penso que só lhe ficou mal, não ficou mal a mais ninguém, mas eu não podia deixar de fazer aqui, em nome da minha consciência e do meu partido, esta declaração para a Acta.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Encarnação, a vida parlamentar tem momentos assim. Há dias em que os oradores têm uma infelicidade, à qual fazem suceder uma segunda, em vez de irem tranquilamente para casa, e, às vezes, até uma terceira infelicidade.
Pensei que o Sr. Deputado Carlos Encarnação tivesse acabado o seu ciclo de infelicidades há pouco, mas reincidiu pela terceira vez, de uma maneira, a meu ver, particularmente infeliz. Porém, nesta matéria, não gostaria de ter um espírito sádico ou inclemente, porque, verdadeiramente, somos humildes, a humildade democrática é correcta, mas não devemos ser amnésicos.
A reconstrução dos dados históricos do Verão de 1993, nos termos em que o Sr. Deputado Carlos Encarnação a fez agora, e aqui, será talvez aceitável para os adeptos de um certo «Corão cavaquista», mas não, seguramente, para quem tenha uma visão objectiva desses acontecimentos. E os milhares de cidadãos romenos que ele imaginava eram, afinal, em número reduzido, que, de resto, defluiu, depois de terem sido instalados numa certa esquadra, que, de resto, ardeu em certo momento. Umas semanas ou uns meses depois, a Sr.ª Dr.ª Luísa Druk mostrou-nos a todos, na Sala do Senado, um gráfico de bolachas, no qual a estatística revelava de onde vinham os fluxos e os pedidos de asilo e não vinham daí, vinham de alhures.
Assim, a ideia de criar um perigo temível vindo daí tinha sido uma fantasia do instinto do Dr. Loureiro, que também defluiu historicamente e não nos incomoda com este tipo de coisas.
Portanto, não insistamos nisto, não abramos esta arca, porque, se a abrirmos, também há deste lado autos, actas, documentos e provas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, deixando agora de lado este pequeno incidente, que é, digamos, o tal prolongamento infeliz de uma tarde desgraçada, gostaria

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de salientar que o Sr. Deputado Calvão da Silva fez uma intervenção, a meu ver, francamente interessante e que tem uma parte de autocrítica - discreta autocrítica - que culmina num conjunto de sugestões. Sr. Deputado, digno, sinceramente: vamos estudar cuidadosamente essas soluções e terá para elas não digo apenas o nosso interesse, pois seria uma questão banal de cortesia, mas a nossa mais cuidadosa avaliação rumo a uma solução que gostaríamos, confesso, que fosse consensual, porque foi assim que trabalhámos na PARINAC, aqui ao lado, na Sala D. Maria, sob os auspícios do Sr. Presidente da Assembleia, com a Dr.ª Luísa Druk, e agora com o novo responsável do Alto Comissariado da ONU para esta área, que nos tem dado um apoio precioso e com o qual temos trabalhado excelentemente. Assim, podemos, todos, levar a cabo esse trabalho, que é um trabalho comum e de importância nacional.
É este espírito que saudamos e é só a ele que somos e seremos fiéis até ao último minuto.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero sublinhar o espírito construtivo das intervenções dos diferentes Deputados que participaram neste debate.
Tenho, como, aliás, o Sr. Deputado Nuno Abecasis, a vantagem, ou a desvantagem, em certas circunstâncias, de não ser jurista, mas saúdo manifestamente a sua postura em relação à necessidade de haver um consenso sobre esta matéria, por duas razões.
Do ponto de vista político, não tenho hoje quaisquer dúvidas sobre a necessidade de encontrarmos para o asilo uma lei consensual tanto quanto possível, por duas ordens de razões: pela tradução humanista e pela protecção especial que no nosso ordenamento constitucional esta matéria reveste, mas, sobretudo, porque o problema em Portugal - e foi isto que, no meu entender, o anterior governo não percebeu devidamente - não é de asilo ou de recurso ao asilo como instrumento de imigração económica, como é na Alemanha, em França, hoje na Itália, ou na Holanda. Em Portugal, o grande problema é a imigração ilegal e não podemos forjar instrumentos legítimos e legitimados, do ponto de vista político, para combater a imigração ilegal sem resolvermos, de uma vez por todas, a questão do asilo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Porque o instrumento do asilo responde a uma esfera de direitos e de liberdades que não pode, de forma alguma, nas decisões administrativa e judicial, ser duvidada ou posta em causa por uma confusão de princípios de natureza jurídica e procedimental.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, a consensualização nesta matéria foi um objectivo definido pelo Ministério da Administração Interna desde o primeiro dia, como são testemunhas as inúmeras participações que fizemos neste domínio e pelo envolvimento, segundo um espírito que o Sr. Deputado Calvão da Silva identifica com o do Sr. Primeiro-Ministro, e muito me louvo de ver reconhecido, porque foi manifestamente esse o objectivo definido, do ponto de vista da táctica legislativa, para este processo de asilo, sob pena de estabelecermos a mesma contusão que foi estabelecida pelo governo anterior.
O asilo e a imigração, Sr. Deputado, estão na decorrência do processo de integração europeia e associados, incontornavelmente, à liberdade de circulação na esfera do mercado interno - razão por que assistimos, com o Tratado de Amesterdão, à sua integração no primeiro pilar, em parte significativa do seu acervo - e à construção de um espaço de liberdade e de segurança. Por isso o Artigo K1 do Tratado de Maastricht coloca justamente no mesmo plano, como questões de interesse comum, o enunciado dos assuntos que devem ser valorizados pelos Estados nacionais, do ponto de vista de segurança interna, quer o asilo, quer a imigração, quer a cooperação policial, quer a cooperação judiciária, quer a cooperação em matéria penal.
Esta associação é perversa na sua génese e, eventualmente, aceito a bondade de uma crítica que possa ser fundamentada no que toca a esta associação, mas ela está aí. E a única forma, do ponto de vista político, de desenvolvermos instrumentos adequados, do ponto de vista jurídico, que dissociem de alguma maneira estas duas realidades é justamente a de assumir responsabilidades na condução de uma política firme em relação à imigração ilegal, sem nenhuma margem de perturbação e de confusão com uma política de apoio aos refugiados e aos candidatos a asilo.
Por tudo isto, louvo a consensualização proposta também por V. Ex.ª, mas lamento que o PSD tenha chegado tarde a esta perspectiva, que, em 1993, tenha feito da questão do asilo uma arma de arremesso político inaceitável contra o Presidente da República e os partidos de oposição e que não tenha havido, nesta matéria, o esforço de consensualização que, hoje, afinal, todos reconhecem ter sido essencial.
Reconheço e dou de barato que o momento histórico em que VV. Ex.as tiveram de actuar foi particularmente perturbador, pelo facto de, nessa fase, haver justamente uma pressão exagerada de fluxos migratórios e um recurso sistemático ao instituto de asilo por eventuais candidatos que não o justificaram. Mas VV. Ex.as cometeram o erro - perdoem-me a observação - de ficarem excessivamente condicionados pela realidade e pelos factos.
Tenho a convicção, não sendo jurista, que, na nossa arquitectura constitucional, o direito de asilo merece, quando desenvolvido no plano da legislação ordinária, uma adequação e uma conformidade compatível com a valorização que esse direito tem na sistemática constitucional. E VV. Ex.as, excessivamente, deixaram-se condicionar pela pressão dos factos e dos acontecimentos sem terem em conta a importância estruturante deste instituto, não apenas no nosso ordenamento jurídico mas também na resposta política aos problemas que lhe estão associados.
Esse foi um erro político, do meu ponto de vista, que, felizmente, vejo que procuram corrigir neste momento, razão por que louvo a vossa iniciativa de apresentarem um texto alternativo e de procurarem encontrar, em sede de especialidade, ponderando algumas das observações que, do ponto de vista da técnica jurídica, o Sr. Deputado Calvão da Silva aqui aduziu, um consenso político em torno de uma lei.

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Porém, reconheço, desde já, que há aí uma manifesta vontade de manter uma apreciação relativamente a alguns aspectos que foram mais críticos do ponto de vista político e que impediram até a clarificação do ponto de vista jurídico do tratamento desta situação, quando nos vêm criticar por termos um processo acelerado nos aeroportos e, depois, termos criado uma figura de admissibilidade, que não é processo acelerado mas um processo acelerado mitigado.
Assumimos claramente a existência de um processo acelerado nos aeroportos, porque aí tem razão de ser a sua existência, já que aí, Sr. Deputado, podemos exercer uma política de afastamento consequente. Porém, já não posso exercer uma política de afastamento consequente - todos os dados aí estão, o Sr. Deputado Carlos Encarnação sabe isso tão bem como eu - relativamente aos pedidos que me são apresentados por candidatos que atravessaram a fronteira interna, que neste momento nem está sujeita a controlo, embora em 1993 estivesse, o que torna justamente ainda mais difícil esse tempo de reacção. E porquê? Porque as políticas de expulsão, como sabem, em todos os Estados, independentemente até da natureza policial que acompanha estes fenómenos, têm uma taxa baixíssima de execução. A expulsão ou o afastamento por outras vias de cidadãos que estão em situação irregular ou ilegal é, manifestamente, difícil de executar e por isso o que eu preciso...

Protestos do Sr. Deputado do PSD Calvão da Silva

O Sr. Deputado Calvão da Silva reage porque não tem conhecimento desta realidade, mas o Sr. Deputado Carlos Encarnação certamente que tem uma perspectiva diferente relativamente a este dado que lhe estou a apresentar.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não tem, não!

O Orador: - Todos os dados sobre medidas de expulsão activadas em todos os países da Europa revelam taxas de execução de 20 a 30%. E precisamente por isso tenho de ter um instrumento que me permita executar efectivamente, em matéria de afastamento, uma política consequente nos aeroportos, e, portanto, aí o processo acelerado mantém-se, mas também tenho de ter um instrumento que equilibre um quadro de garantias, em termos de procedimento, compatível com a dignidade do instituto de asilo em relação aos pedidos que me são apresentados por candidatos que estão no País.
Com esta observação que fiz, permito-me responder ao Sr. Deputado do Partido Comunista, que, de facto, identifica as medidas da proposta de lei do Governo com aspectos críticos, nem sempre pertinentes, relativamente ao efeito suspensivo do recurso ao Tribunal de Círculo.
Há aqui, manifestamente, uma opção política em não aceitar o efeito suspensivo, por uma razão prática que tem a ver justamente com o facto de não podermos sustentar um regime excessivamente desequilibrado em relação aos ordenamentos jurídicos em vigor nos países nossos parceiros. Temos de ter em atenção que, com a supressão dos controlos nas fronteiras internas, temos de atender à harmonização dos ordenamentos jurídicos, que regulam quer o asilo quer a emigração em todo o espaço com o qual partilhamos a liberdade de circulação.
Ora, se criarmos um ordenamento jurídico excessivamente bondoso do ponto de vista das garantias processuais e dos procedimentos, geramos uma situação de «vantagem comparativa» e propiciamos uma descompensação de fluxos em relação ao nosso país. Por isso, a harmonização, num espaço de livre circulação, tem de ser criada através de urna estrutura necessariamente federadora.
Portanto, se quisermos, como, aliás, tive oportunidade de sublinhar, que o patamar de princípios e de valores se aproxime daquilo que consideramos ser o exigido pelos valores da civilização europeia, essa harmonização tem de ser feita ao nível da União Europeia e não ao nível dos Estados nacionais; se o fizermos, se assumirmos essa responsabilidade, geramos, inevitavelmente, fluxos migratórios em relação ao nosso país, porque o nosso ordenamento jurídico cria vantagens em relação a quem procura uma colocação na Europa que os outros ordenamentos jurídicos não reconhecem.
Esta dinâmica está criada! As coisas são o que são! Por isso, como tenho sublinhado, a nossa responsabilidade é encontrar um equilíbrio entre a particular dignidade que o direito de asilo goza no nosso ordenamento jurídico e as tendências harmonizadoras que se verificam nos outros ordenamentos jurídicos europeus, de forma, justamente, a criar, através desse equilíbrio, uma situação de estabilidade do ponto de vista da regulação destes fluxos. Sem isso, sem a clarificação dos instrumentos jurídicos relativos ao asilo, teremos, seguramente, muito mais dificuldade em desenvolvermos uma política consequente de combate à emigração ilegal, e esse é, efectivamente, hoje em dia, o problema com que estamos confrontados hoje e cada vez mais no futuro.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, foi mais ou menos a meio da sua intervenção que tomei a decisão de lhe pedir esclarecimentos, porque V. Ex.ª começou a falar da necessidade. de consensualização, em analisar as várias propostas, que tinha de se criar um clima diferente daquele que existiu em 1993, e até parecia que se estava a demarcar das orientações fundamentais da lei aprovada em 1993. Todavia, depois, quando começou a entrar no terreno concreto, estragou tudo, porque, afinal, veio «pôr muita água na fervura», no tal esforço de consensualização, ao vir assumir opções que constam claramente da lei de 1993.
Chame-se processo acelerado ou não, o que interessa aqui, de facto, é o conteúdo das coisas! E a solução que o Governo aqui propõe para os casos em que o pedido de asilo é apresentado nos aeroportos ou nas instalações portuárias é absolutamente inaceitável e nada deve, do ponto de vista negativo, ao procedimento acelerado.
O PSD criou o procedimento acelerado, apresentando como um regime excepcional. Ainda há pouco o Sr. Deputado Calvão da Silva falava da excepcionalidade do processo acelerado, esquecendo-se de dizer uma coisa: é que o processo acelerado é tão excepcional que é aplicado a praticamente todos os requerentes. E o Sr. Secretário de Estado vem aqui dizer, com a mesma falácia, que isto é aplicável aos casos em que os pedidos de asilo são apresentados nos aeroportos por quem entra em situação irregular, fazendo de conta que não é essa a forma normal de os refugiados aparecerem nos países, onde se pretendem refugiar.
Por definição - não sou eu que o invento, está escrito em toda a documentação do Acto Único -, há uma grande

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probabilidade de o candidato ao reconhecimento do direito de asilo entre num determinado país em situação irregular, como é evidente, na medida em que ele está numa situação muito difícil relativamente ao país de onde é originário.
Portanto, aquilo que o Governo aqui vem propor é uma situação que faz com que as pessoas que cheguem a Portugal nessas condições se sujeitem a um processo, que é em tudo idêntico ao processo acelerado que vem desde 1993, com todas as críticas justas que lhe têm sido formuladas pelas mais diversas instituições.
Mas a proposta de lei tem ainda a desfaçatez de dizer que as pessoas aguardam a decisão nas instalações aeroportuárias! Portanto, a essas pessoas, se esta lei for para a frente, repito o que disse da tribuna, ou seja, que lhes valha algum advogado que tenha a atitude que teve o actual Ministro da Justiça e o actual Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares quando foi do caso Vuvu, isto é, que peçam o habeas corpus.
De facto, não tem pés nem cabeça que uma lei da República diga que as pessoas sujeitas a um processo, que demora sete dias, se elas reclamarem, têm de aguardar esses sete dias nas instalações aeroportuárias. Ficam ali muito «quietinhas» a fazer companhia aos agentes do SEF que estejam de serviço... Isto é absolutamente inaceitável. Lê-se e não se acredita!
Para terminar, Sr. Presidente, devo dizer que o problema do efeito suspensivo é muito parecido com este, isto é, o Governo começa por afirmar em todas as exposições de motivos que dá razão às entidades que sempre chamaram a atenção para o facto de ter de haver efeito suspensivo automático nos recursos que sejam apresentados de decisões que neguem o reconhecimento do direito de asilo, por uma razão óbvia, é que o não reconhecimento desse efeito suspensivo pode retirar qualquer efeito útil ao recurso.
O Governo reconhece isto em todo o lado, mas, depois, no que se refere à decisão quanto à admissibilidade do recurso, onde praticamente todas as decisões em matéria de direito de asilo serão tomadas, aí já não reconhece o efeito suspensivo, porque diz que, enfim, temos compromissos internacionais.

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Não vale a pena o Governo vir aqui falar de consensualização, quando, depois, na prática, revela que não está disponível para qualquer consensualização.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, relativamente às questões que me coloca, devo dizer que o esforço de consensualização pressupõe que abdiquemos das nossas posições em relação às posições dos outros, tanto quanto for possível e necessário.
Por outro lado, a vossa concepção de consenso não é, seguramente, a concepção de consenso que norteia a responsabilidade de quem tem de, directamente, estruturar esse consenso.
Por isso, a nossa proposta vai no sentido de garantir o equilíbrio, como lhe disse, entre uma perspectiva mais securitária, que decorre do contexto em que estes instrumentos têm de ser aprovados, discutidos e negociados, porque a gestão da fronteira externa, hoje, só é possível através de mecanismos de confiança e de solidariedade. E cada vez mais! Basta acompanhar a negociação para a entrada da Grécia, da Itália e da Áustria em Shengen e todo o cortejo de decisões relativamente à supressão dos controlos nessas fronteiras para perceber que a confiança no controlo da fronteira externa é, hoje, um elemento decisivo da própria construção da União Europeia.

O Sr. António Filipe (PCP): - Então, não venha falar em direitos humanos!

O Orador: - O Sr. Deputado está no direito de ter as posições que tem, como é óbvio, porque...

O Sr. António Filipe (PCP): - Então, direitos humanos é só quando convém à União Europeia!?

O Orador: - Não, Sr. Deputado!
Em relação aos direitos humanos, Sr. Deputado António Filipe, não falo nem com mais nem com menos escrúpulo do que V. Ex.ª e as propostas apresentadas foram feitas com o mesmo escrúpulo jurídico, por juristas como o senhor; por isso, o que está aqui em discussão é um consenso político em torno...

O Sr. António Filipe (PCP): - Quer dizer que os juristas pensam todos da mesma maneira!?

O Orador: - Não! Felizmente, não! Por isso mesmo, Sr. Deputado, é que tem de reconhecer os pontos de vista dos outros para forjar algum consenso!
A posição do Governo nesta matéria é deliberadamente construtiva. Basta ter acompanhado a forma como este debate decorreu para ver o esforço que o Governo faz, no sentido de, mantendo a matriz e a estrutura do diploma anterior, introduzir correcções sobre aspectos críticos essenciais que aproximem esta proposta de lei de uma configuração consensualizada.
Efectivamente, as mensagens que, depois dos trabalhos desenvolvidos, pude recolher a diferentes níveis, desde o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, ao Conselho Português para os Refugiados e a outras organizações não governamentais, vão no sentido de que se trata de uma base de trabalho equilibrada, sensata e que atende à realidade, porque não podemos construir o direito ao arrepio da realidade dos factos e dos acontecimentos.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - A proposta que foi apresentada, do ponto de vista do Governo, responde às ambições relativamente à dimensão que este problema exige na nossa ordem jurídica, mas responde também aos problemas práticos de gestão desta realidade que se colocam hoje a Portugal no contexto europeu.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Par uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.

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O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Esperava que o Sr. Deputado José Magalhães ainda tivesse algum pedido de esclarecimento a fazer ao Sr. Secretário de Estado. Tal é a divergência, o fosso abissal,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Um fosso!

O Orador: - ... entre a intervenção do membro do Governo e a do Sr. Deputado José Magalhães que fico surpreendido por não ter surgido sequer um pedido de esclarecimento por parte deste.
Daí que eu não tenha de fazer pedidos de esclarecimento, mas uma segunda e pequena intervenção.

O Sr. José Magalhães (PS): - O Sr. Deputado está é obcecado pelo fosso existente entre si e o Sr. Deputado Carlos Encarnação!

O Orador: - Em primeiro lugar, reconheço que o Sr. Deputado José Magalhães gosta de dividir para reinar, mas não conseguiu reinar nem dividir! De facto, tentar dividir Calvão da Silva, por um lado, e Carlos Encarnação, por outro,...

O Sr. José Magalhães (PS): - É impossível! É um casamento eterno!

O Orador: - ... é impossível! Há aqui uma grande união a nível dos grandes princípios!
Mas a minha pequena intervenção, Sr. Secretário de Estado, tem a ver com o seguinte: V. Ex.ª disse uma coisa que é grave, e torna-se ainda mais grave se sair para a opinião pública, por isso tem de ser desfeita. Espero, portanto, que a corrija.
V. Ex.ª reconheceu expressamente que o processo acelerado é aplicado nas fronteiras, porque pode ser eficaz Contrariamente, não o transpõe para os casos, tão ampla e fundadamente justificados como os das fronteiras, de pessoas que já cá estejam dentro, que tenham usado da maior fraude possível ou que sejam os maiores criminosos possíveis. Neste caso não aplica o processo acelerado, porque diz que não tem meios.
Ora, isso é a confissão expressa da impotência do Estado de direito, do Estado democrático português, na sua própria fronteira, dentro da sua própria casa, para poder ser eficaz na luta contra ó crime, mesmo daqueles que usaram uma porta nobre como é a porta do asilo.
Sr. Secretário de Estado, aquilo que deixou sair da sua própria boca, é um lapso grave, que penso dever ser corrigido, porque quero crer ter sido apenas um lapsus linguae, que, como tal, merece ser rectificado.
A segunda observação é a de que o Partido Socialista - agora, já não é só o Sr. Secretário de Estado continua agarrado ao passado. Como partido do passado que é, nem dá conta ser Governo há dois anos e que tem de preparar o futuro. Para isso, é preciso antever e prever para melhor decidir. O PSD tirou a lição das eleições perdidas e está a construir a alternativa do futuro.
É só esta a diferença: o PS já surge como partido do passado e o PSD como partido do futuro.
(O Orador reviu.)

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Foi elegante essa forma de separar as águas.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, uso esta figura regimental, mas, de facto, queria responder a uma questão directa, que não compreendo por que razão não me foi colocada dessa forma pelo Sr. Deputado Calvão da Silva.
Não há qualquer gravidade na observação que faço, Sr. Deputado, assumo-a completamente, é uma constatação. Só quem não acompanha esta realidade não sabe que, hoje, as medidas de afastamento mais inconsequentes são aquelas que derivam justamente da aplicação da expulsão, do processo de expulsão.

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Orador: - Isso é assim em toda a parte! O Sr. Deputado não pode ter um polícia em torno de cada imigrante ilegal! Não pode fazê-lo! E não consegue afastar senão numa taxa infimamente reduzida. Os dados estão aí em relação a todos os Estados: da Grã-Bretanha à França ou à Alemanha, as taxas de execução das decisões de expulsão não vão além dos 20% a 30%, Sr. Deputado. Foi isso o que eu disse e repito. As decisões de expulsão são executada por qualquer Estado, por mais policial que ele seja, em 30% e este é um dado estatístico que terei todo o gosto em fornecer-lhe o mais rapidamente possível. Não retiro, pois, uma única palavra àquilo que disse.
Por isso, o tratamento das situações nos aeroportos é particularmente exigente e delicado. É que é muito diferente a situação de um candidato a asilo que chega ao aeroporto e que ainda não tem qualquer raiz com o território nacional da de um outro candidato a asilo que, entretanto, desenvolveu um conjunto de relações e de apoios na sociedade portuguesa e relativamente ao qual qualquer outra decisão mais heterodoxa do ponto de vista da decisão administrativa é muito mais difícil.
Não tenho qualquer problema, talvez com a ingenuidade de não ser um jurista em assumi-lo completamente, do ponto de vista político, porque esta é a realidade. Estou aqui para resolver problemas sem fugir à realidade e não faço, como aconteceu no passado, uma política inconsequente, de falsa autoridade, de levantar a voz sem consequência, porque os problemas estão aí para ser resolvidos. E não o foram, apesar do excesso de autoridade e do ênfase que puseram nessas decisões.

O Sr. José Magalhães (PS): - Bem lembrado!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dou por encerrada a discussão conjunta da proposta de lei n.º 97/VII - Estabelece um novo regime jurídico-legal em matéria de asilo e de refugiados e do projecto de lei n.º 164/VII - Altera a Lei n.º 70/93, de 29 de Setembro, sobre o direito de asilo (PCP).
Informo a Câmara que deu entrada na Mesa um voto de saudação relacionado com a passagem, em 5 de Outubro, do Dia Mundial do Professor. Esta é a primeira sessão plenária depois do dia 5 de Outubro e todos os Srs. Deputados deram o seu acordo no sentido de se proceder à sua votação sem prévia discussão.
O Sr. Secretário vai ler o voto, após o que procederemos à sua votação.

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O Sr. Secretário (José Reis): - Srs. Deputados, o voto n.º 84/VII - De saudação a todos os educadores portugueses por ocasião do Dia Mundial do Professor, proposto pela Comissão de Educação, Ciência e Cultura, é do seguinte teor:
No passado dia 5 de Outubro, comemorou-se o Dia Mundial do Professor.
Os professores, cujo empenhamento é reconhecidamente fundamental na defesa e promoção da qualidade educativa, têm mantido, justamente, intocável o respeito pela nobreza do acto de leccionar, congregando nesse esforço toda a restante comunidade educativa.
A evolução do sistema educativo, designadamente nos, últimos 20 anos, pela massificação no acesso ao ensino, tem permitido, em simultâneo, um permanente reforço das condições profissionais e estruturantes da escola portuguesa.
É justo recordar, nesta saudação, que, neste esforço, a presença e a participação dos professores têm sido decisivas, não só pela sua atitude de permanente inconformismo mas sobretudo pela sua capacidade de acreditar e, em cada novo ano lectivo, somar uma nova esperança no futuro da educação.
Uma sociedade em desenvolvimento conta necessariamente com estes profissionais de educação, justamente porque o seu contributo na divulgação do saber é, em si, um passo significativo na salvaguarda da liberdade, na procura e na criação das condições de justiça e igualdade sociais.
Assim, a Assembleia da República delibera saudar todos os educadores portugueses por ocasião do Dia Mundial do Professor.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. - Deputados, vai ser dado conhecimento do voto de saudação ao Ministro da Educação e às principais associações profissionais de professores.
Vamos, agora, dar início à discussão da proposta de lei n.º 84/VII - Estabelece medidas preventivas e punitivas a adoptar em caso de manifestações de violência associadas ao desporto.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Desportos.

O Sr. Secretário de Estado dos Desportos (Miranda Calha): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A violência associada às manifestações desportivas é um fenómeno tão antigo quanto o próprio desporto, embora nos últimos anos tenha assumido novos aspectos. Portugal também conheceu situações novas, que colocam questões aos poderes públicos, no sentido de as prevenir e combater. No entanto, o diploma que estabelece o enquadramento legal das medidas de combate a esse fenómeno data de há mais de oito anos. Está, portanto, desajustado à realidade dos nossos dias e não contempla a evolução das concepções em matéria de prevenção que se podem utilizar com resultados positivos.
Desde a publicação desse diploma, deram-se também importantes passos legislativos, que não foram acompanhados por normas específicas do combate à violência associada ao desporto. A penúltima revisão da Constituição estabeleceu, no artigo 79.º, que cabe ao Estado a assunção das medidas destinadas a combater este fenómeno. A Lei de Bases do Sistema Desportivo saiu, entretanto, e foi revista por iniciativa deste Governo, com o objectivo de separar a gestão da área profissional da não profissional. Portugal também ratificou a Convenção Europeia contra a Violência, do Conselho da Europa. E, por último, o actual Governo criminalizou as condutas susceptíveis de criar perigo à integridade física de assistentes de grandes manifestações, entre elas os espectáculos desportivos. Importava, portanto, dar um passo em frente, de modo a dar eficácia à actuação dos poderes públicos, em função dos avanços conhecidos e das responsabilidades assumidas pelo Estado português.
O Governo vem, assim, a esta Assembleia apresentar um diploma que coloca a tónica de actuação nas medidas de prevenção, ainda que, naturalmente, reforce e actualize aspectos de natureza repressiva.
Por outro lado, reconhecendo que o combate à violência é também uma luta pela defesa da ética desportiva os agentes desportivos são co-responsabilizados pela implantação de acções preventivas e pela criação de regulamentos próprios e sua consequente aplicação.
O diploma faz também, pela primeira vez, uma nítida separação entre o tratamento a seguir em relação às competições profissionais e às não profissionais, impondo medidas inovadoras e de grande rigor relativamente aos grandes espectáculos desportivos. É na área profissional, aliás, que afloram as situações mais difíceis.
Sr. Presidente. Srs. Deputados: Os procedimentos preventivos previstos têm duas preocupações: melhorar a qualidade de instalações e a própria organização do espectáculo.
Quanto ao primeiro aspecto, estabelece-se que os recintos onde decorram competições profissionais devem ser providos de lugares sentados e numerados e servidos por parques de estacionamento adequados às lotações dos equipamentos.
A nível de organização, passará a haver, na área profissional, controlo electrónico da venda de bilhetes e sistemas de vigilância por vídeo.
Todas estas medidas são hoje postas em prática em muitos países do mundo, sempre que ocorrem grandes manifestações. Algumas delas estão a ser implementadas, em Portugal, com o apoio do Estado e vão continuar a sê-lo. O espectador, como consumidor de um espectáculo desportivo, exige conforto e segurança. Neste aspecto. aliás, também tivemos em atenção no diploma o direito de os deficientes assistirem aos espectáculos desportivos, estabelecendo que os recintos desportivos terão de dispor de acessos especiais para esse efeito.
As medidas preventivas vão, todavia, mais longe: introduzem a figura do coordenador de segurança, para que, pela primeira vez, se saiba quem é o responsável pela segurança da parte da entidade organizadora e para que atempadamente possam ser tomadas as medidas consideradas necessárias liara cada tipo de acontecimento em concertação com as forças de segurança. É uma inovação que implica responsabilização de quem organiza e facilita a coordenação de meios.
As autoridades policiais também passam a ter consagrado em lei novo de tipo de actuações: poderão exercer controle sobre os indivíduos que indiciem estar sobre a influência de droga; poderão efectuar controles de alcoolémia e impedir a entrada ou a permanência nos recintos a quem revele resultados positivos ou recuse o teste. E também fica estabelecida a revista de espectadores. de modo a evitar a introdução nos recintos desportivos de

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objectos proibidos, o que, aliás, já vinha sendo praticado pelas forças de segurança nos grandes jogos de futebol.
O papel dos clubes desportivos no combate à violência também é valorizado no diploma, cabendo-lhes a função insubstituível de incentivo ao espírito desportivo dos seus apoiantes e a tomada de medidas contra aqueles que se envolvam em desordem. Os clubes podem, assim, apoiar as suas claques, mas desde que estas estejam constituídas como associações nos termos gerais de direito e assumam comportamentos consentâneos com um correcto comportamento cívico e desportivo. É, assim. proibida às claques a adopção de sinais, símbolos ou expressões que incitem à violência, ao racismo e à xenofobia. Numa palavra, a festa dos adeptos terá sempre de assentar em valores genuinamente desportivos.
O diploma, naturalmente, actualiza os procedimentos repressivos. Teria de haver um agravamento de coimas para valores que possam ser considerados como penalizantes, de acordo com a área profissional ou não do acontecimento desportivo. Assim, as coimas para os agentes profissionais são a duplicar.
As sanções a tomar em caso de distúrbios são da responsabilidade das federações e ligas, de acordo com os seus regulamentos. Cabe a estas entidades aplicar a interdição de recintos (até um máximo de cinco jogos), as sanções disciplinares pecuniárias ou a obrigação de instalação de novos dispositivos de segurança. A interdição de recintos só pode ser decidida mediante um processo disciplinar e as interdições preventivas não podem ser superiores a 30 dias. Também. nesta área se reconhece a intervenção do movimento desportivo para a defesa dos valores desportivos.
Nas contra-ordenações destacam-se dois pontos: aquele que tipifica o apoio indevido dos clubes ou sociedades desportivas a grupos de adeptos que não estejam constituídos como associações, nos termos gerais de direito, e o referente à introdução ou utilização de engenhos de fogo de artifício ou objectos similares. São duas inovações que se afiguravam como muito necessárias.
O diploma do Governo cria o Conselho Nacional contra a Violência no Desporto, o CNVD. Trata-se de um órgão fundamental para o combate à violência. Tem competências próprias e mais alargadas do que as da actual Comissão Nacional de Coordenação e Fiscalização. Cabe-lhe a implementação das iniciativas de segurança, nomeadamente vistoriar e homologar os recintos, fixar as lotações, fiscalizar a aplicação das normas de segurança, promover campanhas de prevenção e classificar os jogos em função do grau de risco, garantindo as medidas consideradas convenientes em conjunto com as federações e as ligas.
Trata-se de um órgão que vai introduzir factores de dinamismo e intervenção que o combate ao fenómeno da violência justifica e impõe.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A presente iniciativa legislativa e as medidas de apoio à renovação dos recintos desportivos, que o Governo tem prosseguido, inserem-se num quadro de modernização do desporto português e de defesa dos valores associados ao desporto que estamos apostados em desenvolver e intensificar.
O diploma traduz, por outro lado, a preocupação do Governo de tratar de modo diferente situações diferentes. É assim que as medidas previstas para as competições profissionais são muito mais rigorosas. Trata-se de um factor de exigência que se justifica, até pela dimensão e visibilidade que o desporto profissional encerra.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Julgo ser pacífica e consensual a constatação de que também no desporto português se instalou progressivamente, nos últimos anos, um clima de insegurança, com origem, por um lado, na «complexização» dos fenómenos e, por outro, no desenvolvimento de características específicas, que não são de saudar, mas que se vão desenvolvendo, ao fim e ao cabo, à volta do desporto profissional e não profissional.
Por isso, em tese, cumpre sempre registar a tendência do legislador para aperfeiçoar os mecanismos legais de prevenção e repressão de fenómenos de violência e para dar aos cidadãos um maior sentimento de segurança, em concreto, neste caso, relativamente às manifestações e aos recintos desportivos, que, nos últimos tempos, se têm degradado substancialmente.
Todavia, esta proposta de lei suscita algumas dúvidas e perplexidades. E verdade que vem aditar à legislação existente sobre violência no desporto disposições úteis, que têm a ver com os grupos organizados de adeptos, o controlo e venda de bilhetes e as condições de segurança dos recintos desportivos em geral. Mas, para além destes aditamentos úteis à legislação em vigor, algumas dúvidas e perplexidades, como disse, sobrelevam de uma análise do texto da proposta de lei.
Desde logo, uma constatação que, julgo, também devemos deixar aqui clara neste debate é a seguinte: o principal problema em matéria de violência desportiva, em Portugal, em nossa opinião, nunca esteve nas eventuais imperfeições da lei, mas, muito mais, no défice de execução e na capacidade de as autoridades públicas assegurarem a plena execução e aplicação da lei.
Não faz sentido que, num Estado de direito democrático, como somos, vários acontecimentos que ocorreram em recintos desportivos portugueses ou por causa de manifestações desportivas em recintos desportivos portugueses demorem tanto tempo a ser investigados, os seus responsáveis a ser responsabilizados e, se for caso disso, punidos.
Portanto, há, desde logo, nesta matéria, como, de resto, noutras da vida portuguesa, uma grande distância entre a legislação que existe - e, normalmente, é costume sermos identificados como um dos países com legislações mais avançadas da Europa em muitos domínios, mas, depois, com uma gritante falta de capacidade para aplica-las, quando é caso disso - e a aplicação da mesma.
Mesmo assim, gostaria de deixar aqui expressas algumas dúvidas em relação ao diploma que agora estamos a apreciar.
Este diploma prevê a criação de um Conselho Nacional contra a Violência no Desporto (CNVD), irias é omisso relativamente ao destino de um conselho técnico, hoje existente na dependência do Ministério da Administração Interna, do qual absorve só uma parte das competências, pelo que presumimos não ser intenção do Governo fazer desaparecer esse conselho técnico. Porém, se for intenção do Governo fazê-lo desaparecer, o que faz às competências restantes que não transitam para o CNVD? Este é um ponto importante a apurar.
Por outro lado, julgamos ser legítimo questionar se, sendo as ligas profissionais - isto, naturalmente, sem pôr em causa a sua relevância e importância, mas, como estamos a tratar de um processo legislativo, temos de

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atender ao conjunto da legislação desportiva actualmente vigente no País - reconhecidas pela própria Lei de Bases do Sistema Desportivo, alterada, de resto, nesse mesmo sentido, já nesta legislatura, e partes integrantes, embora autónomas, das federações desportivas, fará sentido que não sejam senão as federações desportivas a fazer parte do CNVD.
Há ainda um aspecto preocupante nesta proposta de lei, que compreendemos deve ter um tratamento prudente, mas deve ter um tratamento e, na proposta de lei, ele não é feito. Aos clubes que participam em competições profissionais são estabelecidos prazos claros de cumprimento para as adaptações dos recintos e a criação de normas de segurança para o público que acede aos recintos, mas isso não é feito relativamente aos clubes que não disputam competições profissionais. É verdade que é nas competições profissionais que existe maior probabilidade de haver fenómenos que carecem de tutela legal, mas é também verdade que é necessário, do nosso ponto de vista, estabelecer metas, prazos e condições de aplicação da lei a todo o universo dos recintos desportivos, ainda que para os recintos dos clubes que não disputam competições profissionais esse prazo possa ser menos rígido e menos apertado do que para os que disputam competições profissionais.
Uma última nota que queria deixar respeita à questão do prazo, que é importante e vou dar um exemplo para se perceber porquê.
Como a Taça de Portugal, de futebol, não é considerada uma competição profissional, deste diploma decorre que o Estado fica incumbido da responsabilidade de reformular completamente o espaço do Estádio Nacional e, entre outras medidas, de instalar lugares sentados individuais numerados, adequando, portanto, o Estádio Nacional, sob tutela governamental, exactamente às mesmas condições que exige para os recintos desportivos dos clubes.
Sabemos bem como o Estado é laxista no cumprimento dos prazos. Ora, como a Taça de Portugal, de futebol, não é uma competição profissional o Estado, ao abrigo deste regime jurídico, fica como privilégio de não ter prazo para cumprir aquelas obrigações no que diz respeito a este recinto desportivo. Assim, seria muito aconselhável que, até por esta razão - e sabemos bem como, nesse recinto desportivo, já se passaram tragédias que convém não se repetirem -, a lei estabelecesse um prazo para o cumprimento destas obrigações também para os clubes ou entidades que tutelem recintos desportivos onde decorram competições consideradas pela lei como não profissionais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Reúne hoje o Plenário da Assembleia da República para discutir a proposta de lei n.º 84/VII, que se propõe revogar, no fundamental, o Decreto-Lei n.º 270/89.
Combater a violência, seja ela no âmbito desportivo ou não, é um dever de qualquer entidade, colectiva ou individual, num país que todos queremos democrático. Neste âmbito, saudamos todas as medidas que o Governo, enquanto primeiro garante da ordem pública, ache necessárias para um efectivo e legitimo combate à violência.
Anunciava o Governo grandes inovações, uma nova era de combate à violência, em que este diploma se assume como peça fundamental. Grande decepção, pois este diploma é a reposição do anterior com algumas benfeitorias, poucas, e bastantes equívocos ou, então, incapacidades assumidas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao nível das especificações atinentes a um maior controle e segurança nos complexos desportivos, regista-se um elencar de medidas, a maior parte já previstas, cuja execução se afigura só realizável pelos maiores clubes desportivos pois os outros dificilmente o farão sem ajudas financeiras adequadas. Assim, se tal não for acompanhado por um apoio financeiro concreto, arriscamo-nos a esperar três anos, mais três anos, e, ainda, um despacho do Sr. Secretário de Estado a prorrogar tais prazos. Ou seja, nunca!
Por outro lado, aproveitamos o facto de estarmos próximo da data de apresentação do Orçamento do Estado para este ano para saber em que medida virão vertidos nesse instrumento fundamental os necessários incentivos para que tais medidas possam vir a ser concretizadas.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Bem visto!

O Orador: - Quanto ao controle de álcool, drogas, etc., mal será que as forças de segurança não o façam e que não tomem as medidas que considerarem convenientes. Não serão os clubes que vão substituir as autoridades a quem, constitucionalmente, está atribuída tal função.
É até com alguma surpresa que verificamos o aligeirar de algumas coimas e penalizações. Já estamos a ver que algumas federações irão ser pressionadas pelos clubes filiados a fazer adaptações no sentido de aliviar os respectivos regulamentos, exactamente ao contrário de toda a doutrina prescrita pelas organizações internacionais, sendo certo que, também aqui, não há inovações, pois não se adopta outro tipo de sanções, como seja a obrigatoriedade da efectivação de jogos à porta fechada.
Podemos concluir que existem regulamentos de federações com normativos mais apertados do que este diploma.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Resulta da apreciação deste diploma que, mais uma vez, a política desportiva deste Governo é de «faz de conta». Anuncia na imprensa desportiva, e não só, grandes modificações e, depois, verifica-se que nada avança, frustrando assim as expectativas dos que mais zelosamente ainda esperam alguma coisa da política governamental do sector.
Mais uma vez, a «montanha pariu um rato»! A arte de fazer parecer o que não é resulta cada vez menos e só não vê quem não quer ver, mas esse, como se sabe, é o pior cego.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares, para uma intervenção.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ouvimos do Sr. Secretário de Estado a leitura circunstanciada da proposta de lei que o Governo aqui nos apresenta e é verdade que a mesma retoma, em muito grande parte, uma série de medidas que já existiam mas também traz novidades, algumas das quais são de salientar - e já lá iremos -, pretendendo responder ao que tem sido, nos últimos anos, uma crescente violência no fenómeno desportivo, com consequências graves, até do ponto de vista do afastamento do público em geral, com tudo o que isso implica de maléfico.

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Esta violência crescente decorrerá, provavelmente, do atraso em que nos encontramos relativamente a outros países da Europa no que diz respeito quer às medidas de prevenção, físicas e outras, quer a uma certa formação de dirigentes e de intervenientes no espectáculo desportivo, que ainda não atingimos, formação para a qual será necessário caminharmos, nomeadamente nos escalões de maior responsabilidade e nas competições profissionais.
As medidas preventivas que nos são apresentadas - o controle da venda de bilhetes, o acompanhamento dos grupos de adeptos, o controle de acesso, a lotação delimitada e outros -, se têm uma vertente muito importante do ponto de vista da segurança e da prevenção dos fenómenos de violência, têm também uma vertente, que não é de menosprezar, do ponto de vista do conforto e da qualidade que pode ser dada aos espectadores na fruição do espectáculo.
De entre todas estas medidas, umas mais fáceis de aplicar, outras que exigem uma maior preparação, algumas estão sujeitas a prazos e parece-nos que há alguma confusão, ou, pelo menos, alguma incoerência, em relação aos prazos previstos. É que, por exemplo, relativamente à entrada em vigor do que está previsto no artigo 9.º não se indica qualquer prazo, muito embora tenha a ver com um aspecto que não carece de investimento especial - trata-se da lotação e homologação dos recintos desportivos. Depois, no que toca à matéria do artigo 8.º, não está previsto qualquer prazo e, portanto, seria de aplicação ¡mediata, o que significa que, a partir do momento da entrada em vigor desta proposta de lei, todos os recintos desportivos devem passar a ter imediatamente instalado um sistema uniforme informatizado de controle e venda de entradas, com todos os mecanismos que lhe estão associados. Ora, há aqui uma discrepância que é preciso corrigir.
Não resisto a referir um outro aspecto, já aqui sublinhado pelo Sr. Deputado Jorge Ferreira, que é relativo ao Estádio Nacional.
De facto, analisando os Orçamentos dos últimos anos - deste Governo e dos anteriores -, verifica-se que já era tempo de aquele sorvedouro de dinheiro se consubstanciar em algo palpável também nesta matéria da segurança e da qualidade do espectáculo.
Há ainda algumas questões que nos suscitam dúvidas, a nosso ver, fundadas.
Por exemplo, no que diz respeito a uma série de matérias que vêm previstas nesta proposta de lei, temos dúvidas quanto à respectiva regulamentação e aplicação pelas federações, pelas ligas e até pelos clubes. Ora, apesar da importância deste assunto e da seriedade com que deve ser encarado, parece-nos de alguma forma excessivo que o Governo vá imiscuir-se na autonomia destas entidades, prevendo, nas estatuições desta proposta de lei, o que as federações devem pôr nos respectivos regulamentos internos, a forma como os clubes devem punir os seus associados, o que nos parece uma ultrapassagem das fronteiras da liberdade associativa. Daí que, embora mantendo a intenção de criar as condições para que seja efectiva a aplicação prática destas medidas, ela terá de ser mais cuidada e mais mitigada.
Um outro ponto - e este, positivo - é a regulamentação no que diz respeito aos grupos organizados de adeptos. Sabemos que muitos deles têm estado associados a fenómenos de violência e, portanto, o facto de se prever que os clubes só possam apoiar entidades deste tipo com personalidade jurídica vem decerto ajudar a melhor controle e fiscalização destas actividades e à responsabilização, também jurídica, dos seus titulares.
A este propósito, é justo dizer-se que não é, necessariamente, uma ligação de causa/efeito a existência de claques desportivas e a respectiva prática de fenómenos violentos. Hoje em dia, há, inclusive, grandes clubes com claques desportivas que, muito pelo contrário, se associam a iniciativas anti-racistas, de solidariedade com o povo de Timor Leste e outras, que contrastam em muito com o que acontece por vezes.
Uma outra questão, que contém uma crítica explícita, é relativa ao Conselho Nacional contra a Violência no Desporto, o qual retoma, no fundamental, as competências da antiga Comissão de Coordenação e Fiscalização. É que se este diploma se aplica a todas as competições desportivas - e julgo que é isso que se pretende, embora haja regulamentação específica para as competições profissionais - por que é que não integram aquele conselho as federações desportivas, que serão uma parte muito importante, se não fundamental, dos destinatários deste diploma? Cremos que a presença apenas das ligas profissionais é uma menorização do fenómeno desportivo não profissional que nos parece pouco adequada.
Finalmente, quanto às sanções e coimas, vemos com bons olhos a actualização destas últimas para uma dimensão que tenha efeito real. No entanto, parece-nos que há uma correcção a fazer quanto à discrepância que se verifica na previsão que é feita em vários artigos da lei relativamente às coimas a aplicar aos clubes que apoiem os tais grupos de adeptos sem personalidade jurídica.
Esta é uma proposta de lei com intenções válidas e pensamos que pode ser aperfeiçoada em sede de especialidade, para o que daremos o nosso contributo. Limitamo-nos a uma chamada de atenção especial para as questões relativas à valorização da participação das associações desportivas, que são parte fundamental deste processo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Domingos Cordeiro, para uma intervenção.

O Sr. Domingos Cordeiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Por iniciativa do Governo, somos hoje, nesta Câmara, chamados a debater a proposta de lei n.º 84/VII, que estabelece medidas preventivas e punitivas a adoptar em caso de manifestações de violência associadas ao desporto.
A violência associada a manifestações desportivas, não sendo uma realidade nova, tem vindo a aumentar nos últimos anos, pondo em risco a prática desportiva que se pretende saudável, assente nos princípios da ética desportiva e com respeito pela integridade moral e física dos seus intervenientes.
Alarmada com o aumento de violência, em formas cada vez reais complexas, a comunidade internacional e Portugal têm vindo a dar resposta ao nível de textos normativos que possam travar tal situação.
A Convenção Europeia sobre Violência Associada ao Desporto, aprovada em 1985, constitui uma resposta clara ao conjunto de causas que motivaram o trágico acidente de Heysel Park, ele próprio um marco importante na tomada de consciência internacional e nacional da gravidade do fenómeno da violência.
A nível interno, todo o processo legislativo relativo a medidas preventivas e punitivas associadas ao desporto veio a culminar em 1989 com a publicação, a 18 de

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Agosto, do Decreto-Lei n.º 278/89, visando tornar efectivas as medidas preconizadas pela referida convenção.
Todavia, este diploma legal, que desempenhou um papel importante, afigura-se-nos hoje inadequado e desajustado da realidade desportiva que, nos últimos anos, evoluiu bastante, não dando actualmente resposta a situações que importa tutelar.
Com a presente iniciativa legislativa, cujo objectivo último reside na salvaguarda e segurança dos intervenientes no processo desportivo, o Governo do PS, em cumprimento do seu programa eleitoral, propõe um novo quadro legal mais actual e compatível com a necessidade imperiosa de prevenir e combater tais manifestações de violência associadas à prática desportiva.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Esta e a função, primeira do legislador que deve procurar, de forma responsável e inovadora, actualizar o quadro legal às realidades vigentes, sob pena de, não o fazendo, aquele se tornar ineficaz. É neste sentido que entendemos a presente proposta de lei.
O modelo proposto acompanha as legítimas aspirações do movimento desportivo e dá resposta a um fenómeno que vem preocupando a sociedade portuguesa.
Com efeito, verifica-se uma crescente tomada de consciência da população face à violência no desporto, a que não é alheia a importância acrescida que os órgãos de comunicação social vêm dando (nem sempre bem) a este fenómeno.
A presente iniciativa legislativa vem, pois, dar cumprimento a mais um compromisso do Governo do PS, que, neste domínio como noutros, tem demonstrado grande preocupação e sentido de responsabilidade, não se demitindo das suas funções.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Preocupação, aliás, também demonstrada por parte do Grupo Parlamentar do PS, o que nos levou, inclusive, à realização de um colóquio subordinado ao tema Violência no Desporto, que decorreu na Sala do Senado em 4 de Julho de 1996, e que contou com a participação de dirigentes desportivos, dirigentes de claques, docentes, membros da comunicação social e do Governo.
Por tudo, somos de opinião que a presente iniciativa se afigura globalmente positiva, reflectindo e vertendo no seu corpo normativo a grande preocupação de prevenir e sancionar condutas violentas.
Entre os aspectos mais importantes da presente proposta de lei, importa destacar os seguintes:
Consagra disposições específicas destinadas à melhoria da qualidade das instalações desportivas, como sejam a previsão dos recintos onde se realizem provas profissionais estarem providos de lugares sentados, disporem de um sistema de vigilância e controlo por circuito fechado de televisão, disporem de parques de estacionamento adequados e de acessos especiais destinados a pessoas portadoras de deficiência;
Precisa a separação entre competições profissionais e não profissionais;
Actualiza, de forma significativa, o montante das coimas a aplicar em sede do regime de contra-ordenações;
Cria o Conselho Nacional Contra a Violência no Desporto que substitui a Comissão Nacional de Coordenação e Fiscalização, com o objectivo de promover e coordenar a adopção de medidas adequadas ao combate das manifestações de violência associadas ao desporto.
Trata-se, em nosso entender, de um órgão de composição mais reduzida relativamente à actual comissão, o que denota a preocupação em torná-lo mais eficaz e aumenta-lhe as respectivas competências, designadamente, para fixar a lotação dos recintos, pronunciar-se sobre convenções internacionais e promover a concertação com as autoridades policiais e divulgar campanhas contra a violência e a favor do fair play;
Prevê, ainda, uma disposição específica relativa ao apoio a grupos organizados de adeptos, definindo os limites dentro dos quais os clubes os podem apoiar, proibindo-se expressamente o, apoio àqueles que revelem indícios racistas, xenófobos ou violentos;
Para além do controlo de alcoolémia, já previsto no regime actuai, prevê-se igualmente a possibilidade do controlo do uso de estupefacientes por indivíduos que manifestem comportamentos violentos;
Prevê expressamente a revista de espectadores, sempre que tal se torne necessário, por forma a evitar a introdução nos recintos desportivos de objectos proibidos ou susceptíveis de possibilitar actos de violência;
Por último, prevê, para as competições de carácter profissional a figura de um coordenador de segurança que, em cooperação com as autoridades policiais, deve zelar pelo normal desenrolar do espectáculo, permitindo assim que se saiba, em concreto, quem é o verdadeiro responsável por essa organização.
Em suma; trata-se de um conjunto de alterações que se afiguram imprescindíveis para, no futuro, podermos contar com um desporto mais saudável, respeitador da integridade moral e física dos seus intervenientes e afirmador da ética desportiva.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Neste sentido, a presente iniciativa merece o apoio expresso do Grupo Parlamentar do PS.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Desporto. Peço-lhe que seja breve, dada a escassez de tempo de que o Governo dispõe.

O Sr. Secretário de Estado do Desporto: - Sr. Presidente, de forma muito breve, irei apenas tecer três ou quatro considerações em relação às intervenções que tiveram lugar.
Antes de mais e a título de nota prévia, gostaria de dizer que há toda a disponibilidade da parte do Governo para, de forma construtiva, tentar melhorar alguns aspectos desta legislação. Não temos dúvidas de que, porventura, poderão ser aperfeiçoados alguns aspectos e, mais uma vez, reitero toda a abertura do Governo para trabalhar nesse sentido.
Em relação à questão do conselho técnico, aqui aflorada pelo Grupo Parlamentar do PP, é evidente que este não é extinto e se mantém a trabalhar no âmbito do Ministério da Administração Interna. De facto, o que se fez foi retirar-lhe algumas competências que passam agora para a esfera do Conselho Nacional contra a Violência no Desporto. No restante, o conselho técnico mantém-se em funcionamento, até porque é necessário em termos da aproximação técnica das questões que têm a ver com os problemas de segurança, visto que dele fazem parte elementos da PSP, da GNR e de diversas entidades ligadas a este tipo de questões.
Outra questão levantada, quer pela bancada do PP quer pela bancada do PCP, foi a relativa às ligas e federações.

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É evidente que introduzimos aqui uma certa dicotomia e atribuímos mais peso, em relação a determinado tipo de obrigações, aos espectáculos de cariz profissional. Por isso mesmo, com as alterações que fizemos ao nível da lei de bases, há, efectivamente, a consideração das ligas para as actividades do sector profissional, pois entendemos que seriam os elementos mais indicados para participar a nível do respectivo Instituto Nacional do Desporto. Mas não temos dúvidas de que, porventura, esta possa ser considerada uma participação em termos associativos, a nível não só do Comité Olímpico, em representação do movimento associativo, como da Confederação do Desporto. Portanto, não há qualquer problema em fazermos a agregação desses elementos a nível do conselho.
Também deve ficar claro que a composição agora adoptada é mais reduzida do que a da anterior comissão e pretende, naturalmente, traduzir-se, em termos de acção, numa maior eficácia; não quisemos um órgão com uma estrutura muito pesada que pudesse retardar as questões que interessa resolver com eficácia e rapidez.
Quanto à questão da regulamentação interna, aqui levantada pelo Sr. Deputado do Grupo Parlamentar do PCP, de facto, através da nossa legislação, apresentámos essa mesma ideia, isto é, que sejam as federações desportivas a auto-regulamentarem-se em relação a esta mesma matéria. Claro que damos algumas indicações...

Risos do Deputado do PCP Bernardino Soares.

É o caso, por exemplo, da questão da interdição dos estádios. Penso que é o mínimo que poderia ser feito, mas tudo o mais pertence, efectivamente, à capacidade de regulamentação das federações. Esperamos que elas correspondam neste sentido, com a tomada de medidas internas relativamente a este tipo de situações, em virtude do interesse e da inserção pública que estas manifestações apresentam.
Digamos, portanto, que há aqui um princípio de colaboração e de co-responsabilização, que resulta, como é natural, do respeito pela capacidade de autoregulamentação das respectivas federações.
Uma última palavra sobre o Estádio Nacional. De facto, estamos a trabalhar no sentido de lhe dar as condições de conforto e de segurança que, efectivamente, estão pensadas e que desejamos que existam em todos os recintos desportivos, especialmente na área profissional. Por isso mesmo, para além de utilizarmos sistemas de vídeo e de «torniquetes», o controlo de acesso já está, praticamente, considerado.
Por exemplo, o sistema de vídeo já fez parte da última realização da Taça de Portugal e, para a próxima, a existência de lugares sentados será uma condição para que haja, de facto, o tal conforto que é necessário a nível destas manifestações desportivas.
Já agora, respondendo ou fazendo um pequeno comentário à intervenção muito pouco construtiva do PSD - aliás, já estamos habituados a uma postura de radicalismo atroz do PSD em relação a todas as matérias e mais algumas! -, devo dizer que os senhores diminuíram aquilo que havia de importante nesta iniciativa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Posso dizer-vos que não há preocupações em relação à sua realização dentro dos prazos fixados;
certamente, poderemos pensar em renovar alguns aspectos no que diz respeito aos prazos previstos nesta legislação mas, ao contrário do que alguém da bancada do PSD dizia, de certeza absoluta que estas realizações se irão concretizar muito tempo antes do que «só daqui a 10 anos» e serão, com certeza, muito diferentes daquelas que o PSD poderia ter feito no Estádio Nacional, já que não fez rigorosamente nada!
Portanto, não vamos ajuizar a nossa vontade de concretização em relação ao futuro a partir dos procedimentos próprios do PSD. Aliás, até tomo a iniciativa de convidar os membros da Subcomissão do Desporto para visitar o Estádio Nacional e, desse modo, tomarem conhecimento das acções que aí se estão a desenvolver.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais oradores inscritos, dou por encerrado o debate.
A próxima reunião plenária realiza-se amanhã, às 15 horas, e terá como ordem do dia a discussão e votação final global do texto de substituição, aprovado pela Comissão de Administração do Território, Poder Local; Equipamento Social e Ambiente, relativo aos projectos de lei n.os 94/VII, 137/VII e 143/VII, sobre regionalização.
Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 5 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social Democrata (PSD):

Arménio dos Santos.

Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Francisco José Pinto Camilo.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Mário Manuel Videira Lopes.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
António Manuel Taveira da Silva.
Carlos Alberto Pinto.

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José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Mendes Bota.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.

Partido Comunista Português (PCP):

José Fernando Araújo Calçada.

Quadros-referência apensos à intervenção inicial do Sr. Ministro da Administração Interna e enviados à Mesa para publicação.

CRIMES REGISTADOS PELAS POLÍCIA JUDICIÁRIA, POLÍCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA
E GUARDA NACIONAL REPUBLICANA (1.º SEMESTRE DE 1997)

Crimes registados / Polícias Total Polícia Judiciária

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