O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 603

Sexta-feira, 21 de Novembro de 1997 I Série - Número 16

DIÁRIO Da Assembleia da República

VII LEGISLATURA 3.ªSESSÃO LEGISLATIVA (1997-1998)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 20 DE NOVEMBRO DE 1997

Presidente: Ex.mo. Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex.mos. Srs.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Maria Luísa Lourenço Ferreira
João Cerveira Corregedor da Fonseca
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz

SUMÁRIO

O Sr Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa da apreciação parlamentar n.º 41/VII, dos projectos de resolução n.º 71 e 72/VII e de requerimentos.
A Câmara aprovou, por unanimidade e aclamação, o voto n.º95/VII - De protesto, evocando cinco anos sobre a data da prisão de Xanana Gusmão (Presidente da AR, PS, PSD, CDS-PP, PCP e Os Verdes), tendo usado, da palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis (CDS-PP) na qualidade de Presidente da Comissão Eventual para Acompanhamento da Situação em Timor Leste.
O Sr. Deputado Augusto Boucinha (CDS-PP) denunciou os problemas com que se debatem os trabalhadores da EDP na situação de aposentados. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Elisa Damião (PS), Rodeia Machado (PCP) e Fernando Jesus(PS).
O Sr. Deputado Teixeira Dias (PS) deu conta da sua visita a Ribeira Quente, tendo realçado aspectos muito gratificantes com que deparou, após os trágicos acontecimentos ali ocorridos.
O Sr. Deputado Duarte Pacheco (PSD) contestou o Orçamento do Estado para 1998 na respeitante a investimentos na área oeste do distrito de Lisboa e respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Carlos Cordeiro (PS), Augusto Boucinha (CDS-PP) e Isabel Castro (Os Verdes).
Ao abrigo do artigo 81.º n.º 2, do Regimento, o Sr. Deputado Martinho Gonçalves (PS) enalteceu a forma como o Governo encarou os diversos problemas com que se debate o concelho de Vila Verde com vista à sua resolução.

Ordem do dia. - Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 145/VII - Altera a Lei n.º 45/91, de 3 de Agosto (Lei orgânica do regime do referendo) e dos projectos de lei n.ºs 416/71 - Altera a lei orgânica do regime do referendo (PSD), 420/VII - Referendo sobre a regionalização (PSD), 428/VII - Define a eficácia das respostas à consulta directa sobre a instauração, em concreto das regiões (PCP) e 429/VII - Altera a lei orgânica do referendo (CDS-PP). Intervieram, a diverso título, além do Sr. Ministro da Presidência (António Vitorino), os Srs. Deputados Barbosa de Melo(PSD), João Amaral (PCP), Ferreira Ramos (CDS-PP), Isabel Castro (Os Verdes), Luís Marques Guedes (PSD) Luís Sá (PCP), Guilherme Silva (PSD), José Magalhães (PS) e Jorge Lacão (PS).
Entretanto, foram aprovadas, na generalidade, tendo baixado a 5.ª Comissão, as propostas de lei n.º 144/VII - Altera a lei orgânica do Banco de Portugal, tendo em vista a sua integração no Sistema Europeu de Bancos Centrais - 148/VII - Lei das Finanças das Regiões Autónomas - e 137/VII - Estabelece o regime geral de emissão e gestão da dívida pública foi ainda aprovada, na generalidade, na e especialidade e em votação final global, a proposta de lei n.º 9/VII - Autoriza o Governo a alterar o Código do IRC no sentido de equiparar o Instituto de Gestão de Crédito Público a instituição de crédito residente, para efeito, de tratamento concedida aos instrumentos financeiros derivados no âmbito do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas e alterar o estatuto dos benefícios fiscais - e, em votação final global, o projecto de lei n.º 223/VII - Aprova medidas pendentes à entrega de armamento, explosivos e munições ilegalmente detidos.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 20 minutos.

Página 604

604 I SÉRIE - NÚMERO 16

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Gavino Paixão.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Moreira Raposo.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos das Dores Zorrinho.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Júlio Meirinhos Santanas.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Soares Gomes.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Carlos Eugénio Pereira de Brito.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.

Página 605

21 DE NOVEMBRO DE 1997 605

Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Jorge Manuel Lopes Moreira da Silva.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Costa Pereira.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Armelim Santos Amaral.
Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Silvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Joaquim Manuel da Fonseca Matias.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, felicito a direcção da bancada do PS por hoje ter feito questão de estar presente, pontualmente, às 15 horas. Espero poder estender brevemente esta felicitação às direcções das outras bancadas. Vamos ver se conseguimos alguma conquista de pontualidade.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta do expediente que deu entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: apreciação parlamentar n.º 41/VII - sobre Decreto-Lei n.º 304/97, de 9 de Novembro, que regula o pagamento das propinas às instituições do ensino superior (PCP); projectos de resolução n.º 71/VII - Recomenda ao Governo a tomada urgente de medidas para as pescas portuguesas (PSD); e 72/VII - Reestruturação da frota de pesca do Algarve (PSD).
Foram apresentados na Mesa os seguintes requerimentos: no dia 11 e nas reuniões plenárias de 13 e 14 de Novembro, ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulados pelos Srs. Deputados Francisco Torres e António Martinho; aos Ministérios da Cultura e do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulados pelo Sr. Deputado Paulo Neves; aos Ministérios das Finanças, do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território e da Solidariedade e da Segurança Social, formulado pela Sr.ª Deputada Maria Amélia Antunes; ao Presidente do INATEL, formulado pelo Sr. Deputado Roleira Marinho; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Miguel Macedo e pelo Vice-Presidente Mota Amaral; ao Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulados pelos Srs. Deputados Carlos Duarte e Lino de Carvalho; aos Ministérios da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e do

Página 606

606 I SÉRIE - NÚMERO 16

Ambiente, formulado pelo Sr. Deputado Jorge Roque Cunha; aos Ministérios da Administração Interna e da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Moreira; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em aprovação os n.ºs 103 e 104 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias de 29 e 30 de Julho p.p..
Não havendo objecções, consideram-se aprovados.
Srs. Deputados, está em discussão e votação o voto n.º 95/VII, de protesto, evocando cinco anos sobre a data da prisão de Xanana Gusmão (Presidente da AR, PS, PSD, CDS-PP, PCP e Os Verdes), que é do seguinte teor:
«Passam hoje cinco anos sobre a data da prisão de Xanana Gusmão. O herói da resistência timorense foi aprisionado pelo poderoso exército do invasor indonésio ao fim de década e meia à frente da resistência armada do seu povo. Logo outro comandante o substituiu nessa missão heróica. E bem depressa o ditador Suharto se deu conta de que tinha aprisionado um corpo, não uma vontade.
Da cadeia, Xanana Gusmão, com coragem indómita, continua a liderar o povo de Timor na sua marcha para a liberdade. Na montanha, era um soldado. Na prisão é uma bandeira.
Em cada dia que passa, a consciência universal vence um pouco mais a lógica dos interesses grosseiros e das hipocrisias inconfessáveis. A causa do povo de Timor, que não é senão a do combate à violação dos Direitos Humanos, ganha novos defensores e adeptos.
Portugal tem razões especiais para se bater pela liberdade dos cidadãos portugueses, que ainda são os nacionais de Timor-Leste. Solidário connosco, entre tantos povos, o grande Brasil, hoje aqui presente na pessoa ilustre do Deputado brasileiro Pedro Wilson Guimarães, que assiste aos nossos trabalhos da tribuna de honra, e que autorizou o Presidente da Assembleia da República a anunciar que votará em espírito com os Deputados portugueses este voto de protesto (para o que está mandatado pela comissão de direitos humanos do seu País e à qual preside), por forma a simbolizar a solidariedade do povo irmão do grande Brasil.
A Assembleia da República, na sessão plenária de 20 de Novembro de 1997, evoca, com um forte sentimento de protesto e de revolta, o dia da captura de Xanana Gusmão pelo invasor indonésio, os cinco anos que já dura o seu cruel cativeiro e as duas décadas em que já vai o cativeiro do povo de Timor, heróico e mártir.»

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Presidente da Comissão Eventual para Acompanhamento da Situação em Timor Leste, Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, permita-me V. Ex.ª que assinale um facto histórico que estamos a viver. Pela primeira vez, a Câmara dos Deputados do Brasil, através do presidente de uma das suas comissões, expressamente mandatado para isso, vota com a Assembleia da República. E fá-lo em defesa de Timor, do seu povo e da libertação de Xanana Gusmão. É, de facto, Sr. Presidente, um momento histórico, que me comove profundamente, e estou certo que também comoverá todos nós neste Parlamento.
Xanana Gusmão - diz-se neste voto - transformou-se numa bandeira. A liberdade não se aprisiona, a liberdade vive dentro dos homens, vive com a alma das pátrias. Xanana Gusmão é uma bandeira, não só para os timorenses mas para todos nós. Xanana Gusmão é, também, neste momento, no sul da África, uma bandeira, pela qual está a lutar um homem que se bateu pela liberdade e a conquistou, Nelson Mandela.
Pedia-lhe, Sr. Presidente, que este voto que vamos votar com os nossos irmãos brasileiros fosse enviado, através do Ministério de Negócios Estrangeiros, ao Presidente Nelson Mandela para lhe manifestar até que ponto as Assembleias Parlamentares de Portugal e do Brasil estão com ele nesta nova luta pela liberdade, em que se quis pôr ao nosso lado.
Sr. Presidente, em nome do meu partido, em nome da Comissão a que presido, curvo-me perante a grandeza deste homem que usa a nossa língua, Xanana Gusmão, que será certamente o líder de Timor do futuro. Para ele, a nossa saudade! Para ele, a nossa homenagem, a nossa comovida homenagem!

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como todos estarão de acordo que a intervenção do Presidente da Comissão Eventual para Acompanhamento da Situação em Timor Leste represente o sentir e o pensamento de todas as bancadas e de todos os Deputados presentes, vamos desde já votar este voto de protesto.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, é agora o momento de fazermos uma saudação muito especial ao Deputado brasileiro Pedro Wilson Guimarães, que se encontra na tribuna de honra e que fez questão de, em espírito, votar connosco este voto de protesto.

Aplausos gerais, de pé.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, de seguida, proceder a intervenções sobre assuntos de interesse político relevante.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Augusto Boucinha.

O Sr. Augusto Boucinha (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.- e Srs. Deputados: Uma vez mais, o Partido Popular aqui vem, hoje, denunciar, do alto desta tribuna, um flagrante atentado aos mais elementares direitos e regalias, legitimamente adquiridos pelos trabalhadores da EDP na situação de aposentados.
Fazêmo-lo porque se trata de uma situação de injustiça, que já se arrasta há largos anos, com fortes responsabilidades, ontem, dos governos do PSD e, hoje, infelizmente, do governo do Partido Socialista, com forte vocação social.
Nem se compreende muito bem a posição, quer do PSD (ontem) quer do PS, em deixar arrastar este conflito que não beneficia ninguém e, seguramente, abala a imagem de que a EDP hoje desfruta, quer a nível nacional, quer internacional. E, para mais, depois de todos sabermos da razoável saúde financeira de que goza a Electricidade de Portugal.

Página 607

21 DE NOVEMBRO DE 1997 607

Esta denúncia abrange cerca de 14 000 pensionistas e reformados, que depois de tudo terem dado à empresa se vêm hoje perfeitamente marginalizadas e despudoradamente espoliados dos seus mais elementares direitos e regalias.
Alguns mesmo, cientes dos seus legítimos direitos, e dado que se encontram a ser ofendidos, demandaram judicialmente a EDP junto dos tribunais de trabalho, havendo já sentenças e acórdãos favoráveis aos respectivos autores, que, obviamente, serão extensíveis a todos os trabalhadores que se encontrem na mesma situação.
Nega a Electricidade de Portugal aos seus pensionistas os seus direitos adquiridos, no que se refere ao complemento das pensões, à indexação das reformas, ao prémio de antiguidade por permanência no serviço e - repare-se, que é para pasmar - na utilização dos refeitórios pelos reformados. Caso único neste país democrático e que, quer os governos do PSD, quer, hoje, o do PS, teimam em violar, pondo em causa os mais elementares direitos daqueles que deram uma vida de trabalho para que a EDP singrasse.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Especificando, vigora na Electricidade de Portugal, desde 1979, uma disposição legal, por força do consignado no Estatuto Unificado do Pessoal, depois de amplamente negociado entre a comissão de trabalhadores da empresa e o seu conselho de gerência, um documento - aliás, publicado e consagrado pelo despacho governamental n.º 103/79 do então Secretário de Estado da Energia e Indústrias de Base, ainda vigente -, segundo a qual a EDP está obrigada a complementar as pensões que a segurança social entrega à EDP, para esta, por sua vez, dar aos pensionistas, de tal forma que a pensão mensal global de cada um dos pensionistas é a soma da pensão mensal concedida pela Caixa Nacional de Pensões com o complemento mensal atribuído pela empresa, calculado com base numa fórmula definida e aceite pelas partes.
Tudo foi correndo no melhor dos mundos até 1989, período em que a Previdência sempre entregou à EDP 13 prestações mensais por ano e esta sempre pagou aos seus pensionistas 13 prestações mensais globais, legalmente complementadas de acordo com a dita fórmula em cada ano.
Mas em 1990, ano em que, como se sabe, foi instituído, pela Portaria n.º 470/90 a prestação adicional de Julho, vulgarmente conhecida por subsídio de férias, a Previdência Social entregou à empresa 14 prestações mensais destinadas a cada um dos seus pensionistas, mas esta, por seu lado, só lhes pagou 13 pensões mensais globais, devidamente complementadas e tendo-lhes pago, em singelo, a 14.º prestação da segurança social.
Acontece que, em 1991, a EDP passou a pagar também 14 mensalidades, mas depois de ter alterado unilateralmente e reduzido em cerca de 8% o valor das pensões mensais globais. Isto, consequência de a EDP, a partir de 1991, ter passado a receber da segurança social 14 mensalidades, mas continuar a pagar aos seus pensionistas, agora em. 14 prestações mensais globais, rigorosamente o mesmo que antes lhes pagava em 13.
Ou seja, a EDP locupleta-se à custa dos seus pensionistas, usurpando-lhes a 14.º prestação mensal, instituída pela Portaria n.º 470190, prestação esta que, legitimamente, só a eles pertence.
Além disto, e de acordo como artigo 9.º do Estatuto Unificado do Pessoal da EDP, o complemento da pensão por invalidez será recalculado, para efeitos de actualização, sempre que haja alteração da remuneração normal, de carácter geral no âmbito da empresa, que, no fundo, estabelece o princípio da indexação, em qualquer momento, das pensões dos reformados.
Ora, o que acontece é que a EDP procedeu, em 1991, ao aumento dos vencimentos dos quadros superiores em exercício de funções, mas «esqueceu-se» totalmente dos quadros na situação de reforma, contrariando o estipulado no supra referido artigo 9.º do EUP/EDP. E mesmo o prémio de antiguidade por permanência no serviço, criado em 1980, e por se tratar de um direito adquirido, vem sendo também escamoteado.
Mas inadmissível é a quase proibição da utilização dos refeitórios pelos reformados e pensionistas. Até há quatro anos os reformados podiam utilizar, indiscriminadamente, qualquer refeitório, pois eram-lhes fornecidas senhas gratuitas para um mês, com a devida antecedência, aproveitando os pensionistas o período de almoço para confraternizar com os seus antigos colegas de trabalho em qualquer refeitório, visto não terem limitação de qualquer espécie.
Mas, de então para cá, a EDP determinou que as senhas só fossem distribuídas a cada interessado no próprio dia, das 11 horas ao meio dia, distribuição esta feita só no «departamento de trabalho» a que cada um está adstrito. Sendo assim, estão criadas fortes limitações à livre utilização dos refeitórios pelos reformados, limitações que só podem ser entendidas como para provocar desmotivação na utilização dos ditos refeitórios, com vista certamente à supressão dessa regalia.
Aqui foram denunciadas algumas das ofensas aos mais elementares direitos dos trabalhadores da EDP na situação de aposentação. Ficou demonstrado que os pensionistas foram escamoteados, restando-nos alertar para as autoridades competentes, no sentido da reposição da legalidade e da justiça violadas.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado, agradeço-lhe o ensejo de nos ter recordado, nesse final da década de 80, praticamente início de 90, o processo de privatizações conduzido pelo Governo do PSD e pelo PSD.
V. Ex.ª enunciou um conjunto de problemas sociais decorrentes desse processo de privatização, não responsabilizando o actual Governo, mas também não responsabilizando o anterior.
Na sua intervenção, que entendo ter sido interessante e preparada com cuidado - até teve os interessados a ouvi-lo! -, deveria também ter referido que muitas das situações que hoje se vivem decorrem do decreto de privatização da EDP. O PS, na altura, evocou esse decreto e propôs alterações profundas, nomeadamente quanto à avaliação dos encargos sociais decorrentes das pensões de reforma e dos complementos e de outros benefícios sociais, que V. Ex.ª não referiu mas que a EDP tinha. Hoje, a EDP é, como sabe, uma empresa de direito privado e, portanto, o actual Governo não pode corrigir retroactivamente situações.

Página 608

608 I SÉRIE - NÚMERO 16

Já agora, avive-me V. Ex.ª a memória dizendo-nos se o seu partido teve nessa altura as mesmas preocupações que o Partido Socialista expressou.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Augusto Boucinha.

O Sr. Augusto Boucinha, (CDS-PP): - Sr.ª Deputada Elisa Damião, antes de mais, devo dizer-lhe que, na transição da empresa, deviam ter sido devidamente acauteladas todas estas situações.
Em segundo lugar, se ouviu bem, eu responsabilizei o Governo do PSD. Aliás, é do PSD a grande responsabilidade desta situação!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas também é vossa! Porque, até hoje, e já são decorridos dois anos, nada foi feito.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - Não é por acaso que as pessoas se sentem marginalizadas, porque até hoje nada foi feito. E é já tempo de se pensar na resolução destes problemas, que se arrastam há muito tempo. É natural que esta situação seja igual a muitas outras - o que eu também disse -, mas a EDP não precisa de manter e de prolongar esta situação porque vive em boa situação financeira. Que resolva os problemas como está definido em estatuto! Aliás - também o disse -. vários ex-funcionários, hoje reformados, recorreram aos tribunais e as decisões têm-lhes sido favoráveis. Por isso mesmo, acho que é tempo de o Governo socialista, de o Secretário de Estado da Energia olhar para isto e resolver esta situação.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rodeia Machado.

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Sr. Presidente.. Sr. Deputado Augusto Boucinha, naturalmente que estamos de acordo que a situação na EDP relativamente aos trabalhadores reformados é caricata; trata-se de uma situação que deveria ter sido tratada há muito tempo e não o foi.
O Grupo Parlamentar do PCP alertou aqui, em devido tempo, quando se tratou da questão da privatização e desmantelamento da EDP, para que, tal como em tantos outros casos de privatização e de desmantelamentos de empresas públicas, conduziria a esta situação que está hoje criada, ou seja, que estas empresas, que decorreram da privatização da EDP, não criaram as condições para garantir os direitos dos trabalhadores da EDP. Esta é uma primeira questão. E o seu grupo parlamentar esteve de acordo com a privatização da EDP! Nós não estivemos nem estamos de acordo com essa situação.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, queria dizer-lhe que esta situação é tanto mais caricata quanto a EDP tinha a obrigação de executar as decisões do tribunal, que são imensas. Estou de acordo com o Sr. Deputado em que houve decisão favorável aos trabalhadores da EDP, que não foram executadas as decisões do tribunal e que a EDP tem de as executar. Está ainda em debate na Assembleia da República, em sede de comissão, uma petição dos trabalhadores da EDP, e a nossa posição sobre esta matéria é a de que a EDP cumpra aquilo a que está obrigada, em respeito pelos direitos adquiridos dos trabalhadores.
Queria, pois, perguntar ao Sr. Deputado qual a vossa posição em relação à petição que está na comissão para debate.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Augusto Boucinha.

O Sr. Augusto Boucinha (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rodeia Machado, começarei por lhe responder à sua última questão: já o disse - a nossa posição é muito clara: há que resolver esta situação. que se arrasta há largos anos, e acabar com este tipo de injustiças, mas não só na EDP, se calhar também noutras empresas.
Devo dizer-lhe que o meu partido não fazia parte do Governo quando se negociou isto, portanto essa questão é descabida. Estamos agora a denunciá-la! Que mais quer que faça? A nossa denúncia quer dizer que não concordamos com esta situação e, por isso, vimos aqui denunciá-la e apelamos, de uma vez por todas, para que seja resolvida.

O Sr. Presidente: - Ainda para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando de Jesus.

O Sr. Fernando de Jesus (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Augusto Boucinha, ouvimos com interesse a denúncia que fez dos problemas que afectam os pensionistas da EDP e há duas considerações que é necessário que sejam feitas.
Em primeiro lugar, estes problemas afectam e sensibilizam o Grupo Parlamentar do PS, mas. a não ser uma ou outra vez em que surgiram na imprensa, por exemplo, parece-me estranho - e a culpa não é do Sr. Deputado, com certeza - que os trabalhadores da EDP afectados não se tenham dirigido ao Parlamento. através da Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. Que eu tenha conhecimento. até agora, nesta legislatura, não se dirigiram a esta Comissão.
Por outro lado, faria algumas perguntas que, certamente, ficarão no ar porque penso que o Sr. Deputado não saberá dar-lhes resposta. De toda a forma, ficarão registadas: até que ponto estes trabalhadores se têm queixado ao próprio Governo e qual é a resposta do Governo a esta matéria? Qual é a posição dos tribunais, se é que há processos em tribunal?
De facto, o Parlamento tomou hoje contacto com este problema, e é preciso que estas questões, quando são colocadas, tenham algumas respostas. Não deixa de ser, de alguma forma, estranho que os órgãos competentes desta Assembleia, isto é, a comissão especializada respectiva, não tenha tido conhecimento disto - esta pergunta é mais dirigida aos trabalhadores do que para o Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Augusto Boucinha.

Página 609

21 DE NOVEMBRO DE 1997 609

O Sr. Augusto Boucinha (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado, a primeira conclusão que tiro é a de que, dado o empenhamento geral destas bancadas, me parece que o problema vai ser resolvido!

Risos do CDS-PP.

Em segundo lugar, devo dizer-lhe que, dentro das prerrogativas desta Assembleia, denunciar situações de injustiça e tentar resolvê-las é uma das suas funções. Por isso é que as pessoas me procuraram, tendo entendido que era da mais elementar justiça pugnar por esta situação e por isso aqui estou a denunciá-la.
15to faz parte do nosso trabalho! Não somos eleitos apenas para estarmos aqui sentados; é para fazermos trabalho de campo, andarmos a ver as injustiças, consultar as pessoas. ver quem está contente e quem está descontente! Por isso, está dentro das nossas funções a denúncia destas situações.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Além do mais, devo dizer que toda a minha intervenção foi baseada em documentos que comprometem e justificam a tomada de posição dos reformados da EDP. Nada foi falso. tudo isto tem fundamento. Para terminar. direi que os reformados da EDP? diligenciaram, nas mais diversas formas. inclusive recorreram aos tribunais, para fazerem valer os seus direitos. Por isso, digo-lhe: se está interessado, ajude a resolver o problema dos reformados da EDP.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Teixeira Dias.

O Sr. Teixeira Dias (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, uma passagem pelo real da tragédia: por motivo das funções de Deputado, seria legítimo tentar uma visita, quase de imediato, à Ribeira Quente, uma vez que estava na Região dos Açores. No entanto, de acordo com o meu colega de bancada pelos Açores, Deputado Medeiros Ferreira, resolvemos esperar uns dias e fazer a visita de modo discreto e em conjunto. No Sábado, dia 8, estivemos no lugar da tragédia.
Não vamos aqui falar dos mares de lama que encontrámos na estrada ou nas ruas da Ribeira Quente, nem tão pouco dos carros irreconhecíveis, nem dos destroços ainda patentes por todo o lado. Queremos realçar aspectos singularmente humanos e profundamente gratificantes com que nos foi dado deparar.
A vigilância de acesso era firme mas delicada: os agentes destacados sabiam o que estavam a fazer. Na Ribeira Quente, fizemos o percurso até à igreja: encontrámos um par de noivos, tirando fotografias; soubemos que a data de 1 de Novembro fora, naturalmente, alterada, bem como a quantidade de acompanhantes - era o primeiro sinal inequívoco de querer continuar a vida. Da igreja passámos à casa dos escuteiros: o que vimos foi um segundo e mais significativo sinal - um grupo de jovens, firmemente decididos, perfeitamente organizados, conscientemente responsáveis do que havia a fazer, fazendo-o. Afinal muita juventude de hoje é, como a juventude de todos os tempos, generosa, firme e decidida, muito longe de uma imagem negra com que querem, por vezes, caracterizá-la. A palavra «generosidade» estava traduzida na enorme quantidade de alimentos, roupas, produtos de higiene e brinquedos que, dia após dia, chegaram à sede de escuteiros em Ponta Delgada e dali encaminhados para a Ribeira Quente. A distribuição diária e criteriosa é toda obra dos grupos dos escuteiros da Ribeira Quente, ajudados pelos de Ponta Delgada.
Mas o mais importante para nós era a confirmação ou não de boatos postos a correr em que se afirmava que os helicópteros chegaram tarde, que a corveta da Marinha não tinha dado o apoio esperado, etc., etc. As informações da população foram categóricas: os helicópteros vieram no momento em que o improvisado heliporto esteve disponível; a corveta, arredados os inúmeros troncos arrastados para o mar, entrou em acção. Repare-se só que a Ribeira Quente deve ser um dos poucos povoados, senão o único, de São Miguei que não tem um campo de futebol, que seria o lugar indicado para os helicópteros. O Presidente da Câmara da Povoação, como autoridade máxima da Protecção Civil, lá estava no seu posto, como aliás vinha fazendo desde a primeira hora em que as condições lhe haviam permitido chegar até ao local.
Na conversa havida entre nós e o Sr. Presidente e vários residentes que se encontravam presentes, foi-nos dado sentir a compreensão, dadas as circunstâncias, pelo apoio eficaz e inequívoco, quer das autoridades regionais, nas pessoas do Presidente do Governo Regional e dos Secretários do mesmo. quer das autoridades nacionais, com especial relevo para a prontidão da visita do Sr. Ministro e Secretário de Estado da Administração Interna. Um reconhecimento muito especial era reservado ao Sr. Presidente da República pelo empenho demonstrado em procurar aliviar, com a sua presença, o sofrimento das populações. A visita mais recente do Sr. Primeiro Ministro reiterou, iniludivelmente, o apoio do Governo ao povo da Ribeira Quente.
A passagem pelas ruas do pequeno povoado mostrou a azáfama posta na limpeza de canadas, das ruas, das casas de habitação. A ponte, grandemente danificada pelas intempéries, estava a ser substituída por uma provisória que permite já a passagem de um para outro lado da Ribeira, enquanto não é feita uma nova que possibilitará, certamente, uma melhor e mais segura tramitação de pessoas e bens. Os enormes camiões, as gruas poderosas, as escavadoras revezavam-se na azáfama incessante de restituir à Ribeira Quente o ar acolhedor que faz desse pequeno povoado o lugar de veraneio de muitos habitantes de São Miguel, bem como destino privilegiado de passeios dominicais. As escolas começaram já a funcionar e as crianças, no seu entendimento infantil, traduziam em desenhos, que nos mostravam a sua visão da tragédia e, interrogadas, diziam do seu querer de continuar a vida na Ribeira Quente. Afinal, a natureza, mesmo parecendo madrasta, continua a enfeitiçar as pessoas. Este mesmo sentimento foi-nos transmitido pelo pároco da Ribeira Quente, que, desde o primeiro momento, viveu como poucos a extensão da tragédia.
É pena que tenha sido a tragédia o elemento aglutinador de tantas boas vontades, de tanta energia, de tanto querer!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontram-se a assistir aos nossos trabalhos um grupo de 45 alunos da Escola Secundária Moinho de Maré, de Corroios. um grupo de 20 alunos da Escola Secundária de Montejunto, um

Página 610

610 I SÉRIE - NÚMERO 16

grupo de 75 alunos da Escola Profissional Profitecla, do Porto, um grupo de 50 alunos da Escola Secundária João Gonçalves Zarco, de Matosinhos, e um grupo de cidadãos reformados da EDP. Saudêmo-los.

Aplausos gerais, de pé.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Pacheco.

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Orçamento de Estado para 1998, recentemente aprovado nesta Casa, não augura nada de bom para a Área Oeste do distrito de Lisboa.

Vozes do PS: - Ah!!!

O Sr. João Amaral (PCP): - Acordou agora?

O Sr. Armelim Amaral (CDS-PP): - Porque é que não votou contra?

O Orador: - Investimentos estruturantes para a região ao nível das infra-estruturas rodoviárias e ferroviárias e ao apoio à actividade produtiva não surgem no documento que deveria concretizar - e, neste caso, não concretiza - as promessas socialistas. Diziam os responsáveis do PS em 1995 que o número de desempregados no Oeste era inaceitável e que, uma vez chegados ao poder, os postos de trabalho criados iriam fazer baixar o número de desempregados; infelizmente para o Oeste e, sobretudo, para as pessoas, esta promessa não foi concretizada e o número de desempregados não teve uma evolução positiva. Diziam os responsáveis do PS em 1995 que, uma vez chegados ao poder, iriam actuar de modo a que o Oeste tivesse uma vida própria, potenciando as suas capacidades endógenas, evitando a sua crescente dependência de Lisboa; infelizmente para o Oeste e, sobretudo, para as pessoas, são cada vez mais aqueles que trabalham na Área Metropolitana de Lisboa e que só vão dormir ao Oeste - prova inequívoca do falhanço da governação autárquica e central do PS, que não foi e não é capaz de gerar postos de trabalho de modo a fixar as pessoas do Oeste no Oeste, não o tornando em mais um dormitório de Lisboa.
Mas, se estes problemas estruturais não são combatidos, nomeadamente através do Orçamento de Estado para 1998, também muitas obras importantes para a qualidade de vida na região não são apresentadas, ou melhor, algumas são, mas não passam de obras de papel. Tomemos o exemplo da saúde, onde, no PIDDAC, através de 20.000 contos o Governo anuncia quatro centros de saúde no valor superior a 1,3 milhões de contos. É uma vergonha! As necessidades existem, devem ser satisfeitas, o PS prometeu satisfazê-las e, no seu penúltimo orçamento, inscreve 5.000 contos para cada concelho, pensando que consegue atirar areia para os olhos das pessoas em véspera de eleições autárquicas. E face a este escândalo, o que dizem os autarcas socialistas? Nada, deixando de defender o Oeste, vergando-se perante a disciplina partidária! Infelizmente, este exemplo de obras de papel, não é só prática do Ministério da Saúde. O Ministério da Administração Interna, cavalgando o ímpeto eleitoralista, brindou os concelhos de Arruda dos Vinhos e de Sobral de Monte Agraço com novos quartéis para a GNR, quartéis que, sendo urgentes - repito, urgentes -, recebem 3000 contos cada. Um escândalo!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Orçamento do Estado para 1998 contempla ainda o Oeste com uma ausência de referência quanto a investimentos nas infra-estruturas rodoviárias e ferroviárias. A modernização da linha férrea do Oeste, através da sua duplicação e electrificação, é uma aspiração antiga da região e uma promessa, também com alguns anos, do Partido Socialista e do seu Deputado Henrique Neto. A verdade é que neste penúltimo orçamento da «era rosa» nada se vislumbra quanto a este sonho e necessidade de toda uma região. De igual modo, as infra-estruturas rodoviárias do Oeste não merecem referências no Orçamento do Estado e espero, sinceramente, que não seja nenhuma retaliação do Ministro João Cravinho face à abolição das portagens, pois não posso acreditar que um Governo actue por amuos e não por critérios rigorosos de combate a problemas prioritários para o País como um todo e para uma região em particular.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Infelizmente o Governo, que se dizia de consciência social, também não apresenta projectos que continuem os investimentos do Governo anterior na criação de lares e centros de dia, de que concelhos com a população envelhecida tanto necessitam.
Paralelamente a todo este quadro. os membros do Governo multiplicam-se em visitas pelo Oeste com promessas que não têm intenções de cumprir, a um ritmo que chega a ser de cinco Secretários de Estado por semana, numa utilização abusiva e escandalosa do aparelho de Estado na campanha eleitoral.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A situação é de tal modo gritante e sem vergonha que o presidente da concelhia do Partido Socialista de Torres Vedras acumula o cargo de Governador Civil de Lisboa misturando-se no terreno as duas funções. O candidato socialista a presidente da Câmara de Arruda dos Vinhos é chamado a desempenhar funções no Governo Civil de Lisboa de modo a passar a representar o Governo Civil em actos públicos no concelho e deste modo aumentar a sua notoriedade, misturando, de uma forma sem precedentes, a sua função oficial com a de candidato a presidente de câmara. E ainda o candidato socialista à Câmara da Lourinhã, que aguarda julgamento por actos praticados na anterior gestão autárquica, afirma ter a confiança política de todo o Partido Socialista, talvez por, digo eu, perante o secretário-geral do PS, ter dado a sua palavra de que nada de ilegal fez ao longo do seu mandato.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - É o habitual!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É um escândalo!

Protestos do PS.

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nunca o Oeste foi tão maltratado por um Governo, nunca o Oeste assistiu a esta utilização do aparelho de Estado ao serviço de campanha partidária. Infelizmente, quem sofre com estes comportamentos não é só o Partido Socialista, são

Página 611

21 DE NOVEMBRO DE 1997 611

todos os portugueses, porque quem sai fragilizado é o Governo de Portugal. Este é o momento de a responsabilidade e de a seriedade política virem ao de cima. É só isto que o Partido Social Democrata exige aos responsáveis do PS para o bem do nosso país.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - «A Oeste nada de novo» da vossa parte!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Cordeiro.

O Sr. Carlos Cordeiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Duarte Pacheco, já é hábito na Assembleia da República ouvir-se de vez em quando uma rábula de V. Ex.ª sobre a situação do Oeste. Já lhe disse aqui, há pouco mais de um mês, que cada vez que o vejo naquela tribuna faz-me lembrar a história da raposa e das uvas: V. Ex.ª sabe que «estão verdes», que o seu partido não chegará lá e vem aqui diminuir a actuação e a actividade dos autarcas do Oeste e o que este Governo tem feito e pretende fazer a favor dessa região. Mas V. Ex.ª esquece que, durante 10 anos, quem ignorou o Oeste, quem nada fez a favor do Oeste, quem desprezou o Oeste foi o Governo do seu partido.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Então, sim, o Oeste foi completamente desprezado, nada se fez a favor do Oeste, e temos agora 10 anos de atraso para recuperar. No entanto, V. Ex.ª pode ter a certeza de que esse atraso vai ser recuperado. Este Governo tem prestado atenção ao Oeste, pelo que esta região vai entrar, de facto, no bom caminho.
V. Ex.ª crítica o facto de o meu camarada Alberto Avelino ser, simultaneamente, Governador Civil de Lisboa e presidente da comissão política concelhia de Torres Vedras do Partido Socialista. Penso que quererá que uma pessoa que exerce funções no aparelho de Estado não possa exercer funções políticas, no entanto creio que também terá no seu partido muita gente que, exerceu, simultaneamente, funções políticas e funções no aparelho de Estado.
Quanto à referência que fez ao candidato do Partido Socialista à Câmara Municipal da Lourinhã, considero muito infeliz a sua intervenção na medida em que o meu camarada José Manuel Custódio foi objecto de uma perseguição que ainda hoje ninguém sabe explicar; foi acusado de um crime que ainda hoje ninguém sabe qual é; esteve preso por causa desse crime em prisão preventiva durante muito tempo; foi libertado porque não havia provas contra ele e ainda não há e também não há culpa formada. Como todos os portugueses, todos os indivíduos são inocentes até prova em contrário, e a situação do meu camarada José Manuel Custódio é essa mesma. Ele foi vítima de uma actuação infeliz das entidades que, naquela ocasião, procuraram que alguém servisse de bandeira na luta contra a corrupção, e essa bandeira foi o José Manuel Custódio.
Até agora, não conseguiram provar nada contra ele e penso que nada conseguirão provar. Todavia, não conseguem evitar que o meu camarada José Manuel Custódio tenha feito na sexta-feira a apresentação da sua candidatura a Câmara Municipal da Lourinhã e tenha enchido o cinema da Lourinhã e o largo fronteiro de pessoas que o querem apoiar e que tenha conseguido que muitos elementos, que nas eleições anteriores figuraram em listas do PSD, tenham aceitado colaborar com ele nas listas do PS.
Penso que é isto que o Sr. Del3utado Duarte Pacheco e o seu partido sentem na pele, é isso que vos dói e é por isso que de vez em quando tem necessidade de fazer esta afirmação «oestina», afirmações que. aliás, nunca fez durante os 10 anos em que o Governo do partido de que V. Ex.ª faz parte dirigiu os destinos deste país.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Pacheco para responder.

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): - Sr. Presidente, Sr Deputado Carlos Cordeiro, visto que desconhece, certamente por insuficiência minha, as intervenções que proferi na anterior legislatura vou-lhe enviar fotocópia de todas elas.
Em relação a esta legislatura, pelos vistos já está cansado de ouvir, mas vai ouvir muito mais vezes. A única maneira de não me ouvir é fazer-se obra Oeste - nessa ocasião virei agradecer. Como, infelizmente, presumo que no tempo que falta para o fim do vosso Governo não vamos ver nada de novo da parte do Partido Socialista vai continuar a ouvir-me aqui durante os próximos tempos.
Concretamente em relação ao que o Governo do PSD fez, em nome de Portugal, ou aquilo que o Governo do Partido Socialista, em nome do país, está a fazer no Oeste, o que constato é que fizemos obra, e obra edificada: quartéis de bombeiros - o quartel de Alenquer, de Arruda dos Vinhos, da Lourinhã; escolas - a do Carregado e da Abrigada. E da vossa parte? Têm 5000 contos para o centro de saúde da Lourinhã; têm 5000 contos para o centro de saúde de Alenquer; têm 5000 para o centro de saúde de Arruda dos Vinhos! Com estes 5000 contos de certeza que não pode dizer aquilo que digo hoje, ou seja, que o meu Governo fez obra no Oeste.
Em relação às funções, como é óbvio pode haver simultaneidade de funções. Existiu no passado, existe no presente e, certamente, haverá no futuro! Mas o escândalo é alguém ser chamado para o Governo Civil e ao mesmo tempo ser candidato, passando a representar o governador civil no terreno, em cerim6nias oficiais, em inaugurações, a atribuir os subsídios, a fazer discursos em nome do Governo Civil. Isso é que é um escândalo! Isto passa-se, concretamente, com o vosso candidato de Arruda dos Vinhos em que há uma mistura completa entre a sua posição de candidato a autarca e a função que tem no governo civil, o que é um escândalo que não tem precedentes! Já agora, se souber de outro caso, agradeço que me diga.
Por fim, a Lourinhã... Falamos da Lourinhã, mas também podemos falar de Cascais. Aquilo de que nos apercebemos é que em relação a pessoas do Partido Socialista basta darem a sua palavra e ficam logo inocentes para toda a vida.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Augusto Boucinha.

O Sr. Augusto Boucinha (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Duarte Pacheco, confesso que ouvi atenta

Página 612

612 I SÉRIE - NÚMERO 16

mente a sua intervenção e fiquei perplexo porque fez várias alusões, algumas delas sem cabimento, ou pelo menos com fortes precedentes n PSD.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Gostaria de lhe lembrar o que disse o Governador Civil de Aveiro de então, o Dr. Gilberto Madaíl: afirmou que se não tivesse o seu gabinete o PSD não teria feito eleições em Aveiro. Ou seja, utilizou o gabinete do Sr. Governador Civil para fazer campanha. Isto só para lhe dizer que os senhores têm telhados de vidro, portanto não deveriam fazer essas observações.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - Em segundo lugar, gostava de lhe perguntar só isto: então, não augura nada de bom para a região do Oeste?! Por que votou o Orçamento do Estado?! E por que o viabilizou?! E por que rejeitou dezenas de propostas de alteração ao PIDDAC, algumas delas, se calhar feitas pelo seu partido e pelas outras bancadas?!

O Sr. José Junqueiro (PS): - Bem perguntado!

O Orador: - Estiveram tanto tempo no Governo e não conseguiram desenvolver a região do Oeste? O que andaram a fazer durante aqueles 12 anos que estiveram no poder com maioria absoluta?!

Vozes do PS e do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Duarte Pacheco.

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Augusto Boucinha, já estamos habituados a que V. Ex.ª seja o 113.º Deputado do Partido Socialista...

Protestos do CDS-PP.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, não me admira que viesse em ajuda do PS depois da infeliz pergunta do Deputado do Partido Socialista porque ele é do Oeste e, portanto, tem a certeza que aquilo que eu disse era verdade e daí que estivesse mais atrapalhado.
Desculpo-o porque o senhor, não sendo de lá, não conhece região e quis ajudar os seus colegas e amigos do Partido Socialista, mas sem resultados.

Risos do PSD.

Em relação ao Governo Civil só gostava de perguntar o seguinte: o Sr. Deputado vem aqui criticar o passado, mas por que não crítica o presente? Nunca ouvi da sua bancada vir aqui dizer que os Srs. Governadores Civis do Partido Socialista estão a fazer isto ou aquilo. O passado é sempre o passado e novamente a sua costela socialista veio ao de cima mas sem resultado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Ainda para um pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Duarte Pacheco. ouvi a sua intervenção com particular interesse porque levantou uma questão extremamente importante e gravíssima, do nosso ponto de vista, que é a confusão entre o aparelho de Estado e o partido. Aliás, sempre o considerámos grave no passado porque, como bem sabe, o PSD usou e abusou do aparelho de Estado em múltiplas situações confundindo territórios que não podem ser confundidos e daí que, perante um facto que hoje afecta o Partido Socialista e que é muito grave, me pareça que o Sr. Deputado não é a pessoa indicada para levantar a questão.
Todavia, há um aspecto que não vi ser respondido ao nosso colega do PP e por isso não gostaria de deixar de lhe dar de novo oportunidade de responder. É que o Sr. Deputado fez um conjunto de críticas que nós subscrevemos inteiramente em relação ao Orçamento do Estado e à forma como remete a Região Oeste ao abandono, ficando adiados múltiplos projectos. Poderia juntar à sua lista muitos outros: os projectos de despoluição, que continuam há anos e anos adiados, na Lagoa de Óbidos, no rio Lis, enfim, todo o litoral está no estado em que está, bem como a modernização da linha ferroviária que também continua adiada.
Mas a pergunta que lhe faço, porque não entendi, é a seguinte: sentando-se na bancada de um partido que não é um partido totalitário e onde se reclama o valor da liberdade, como é que votou um Orçamento do Estado que, como muito bem disse, votou ao ostracismo a Região Oeste em nome da qual falou?
Era esta a explicação que gostaria que nos desse.

Vozes do PS e de Os Verdes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Pacheco para responder.

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, em relação à utilização abusiva do aparelho de Estado pelo meu partido, entendo que nem aos «calcanhares» daquilo que o Partido Socialista está a fazer chegámos! Mas uma coisa lhe posso dizer: a população votou, nós fomos julgados pelo que fizemos e não fizemos e neste momento estamos é a julgar o comportamento do Partido Socialista e do seu Governo.
Em relação ao Orçamento do Estado há uma frase de Francisco Sá Carneiro, que vou citar: «sou social-democrata, mas acima da social democracia está a democracia e acima da democracia está Portugal.».

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É com este sentido que penso que acima de um interesse particular de um concelho ou de uma região está o interesse do País. E para Portugal este Orçamento do Estado era importante, tendo em conta a nossa adesão à moeda única. E esses interesses superiores do País estiveram presentes no momento do meu voto.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Ao abrigo do artigo 81.º. n.º 2, do Regimento, tem a palavra o Sr. Deputado Martinho Gonçalves para uma intervenção.

O Sr. Martinho Gonçalves (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao incluir no PIDDAC de 1998 uma verba de

Página 613

21 DE NOVEMBRO DE 1997 613

um milhão de contos, destinada à construção da nova Ponte de Prado e das variantes às EN101 e EN201, e ao proceder, dentro de poucos dias, à adjudicação da respectiva obra, o Governo da nova maioria não só cumpre uma promessa e honra um compromisso, como dá os primeiros e firmes passos na resolução de um dos mais delicados problemas de congestionamento de trânsito de todo o país.
A construção de uma nova ponte sobre o Rio Cávado, na Vila de Prado. em Vila Verde, que constitua uma alternativa de trânsito à centenária Ponte de Prado, constitui uma velha aspiração de várias gerações de pradenses e vilaverdenses que, ao longo de mais de 40 anos, têm vindo insistentemente a reclamar, sem êxito, a concretização desse sonho junto dos vários Governos que desde então ocuparam o poder. E se há reclamações justas e prementes no que à rede viária deste país diz respeito, por certo que à cabeça terá de estar a resolução deste estrangulamento de tráfego que afecta directamente milhares e milhares de pessoas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Com efeito, não são só os cidadãos de Vila Verde que são afectados, já que a passagem pela Ponte de Prado é igualmente inevitável para os habitantes de Braga, de Ponte de Lima, de parte de Barcelos e afecta ainda, de uma forma indirecta, as populações de Amares, Terras de Bouro, Ponte da Barca, Arcos de Valdevez e Monção que pretendem dirigir-se a Braga ou ao Porto. A situação apresenta-se de tal forma grave que, em horas de ponta e nos fins de semana, as filas chegam a atingir mais de 8km, o que, atenta a densidade populacional e em termos relativos, constituirá, por certo, uma das mais graves situações de estrangulamento de trânsito do País! Para além dos danos pessoais que advêm do tempo perdido neste trânsito caótico, são incomensuráveis os prejuízos acumulados pelas várias empresas da região que têm necessidade de utilizar a Ponte de Prado para passar os seus produtos ou os seus trabalhadores. São horas e horas desperdiçadas, que representam prejuízos materiais de milhares e milhares de contos!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como todas as forças políticas hoje o admitem, o concelho de Vila Verde, à semelhança, aliás, do que aconteceu com os concelhos limítrofes de Amares e Terras de Bouro, viveu durante muitos anos entregue à sua própria sorte e aos seus parcos recursos.
Na verdade, o poder central esqueceu-se destas gentes laboriosas e ordeiras, voltou-lhes as costas e negou-lhes o progresso a que muito justamente tinham direito.
Durante anos e anos, não foi celebrado qualquer contrato-programa entre a autarquia de Vila Verde e o Governo e os investimentos directos do poder central contaram-se pelos dedos de uma mão e disseram somente respeito à concretização daquele tipo de obras que já todos os restantes concelhos do distrito há muito possuíam.
Pelo caminho, foi abandonado pelos governos do PSD o projecto da construção da parte restante da EN307 entretanto iniciada, obra que assume uma importância vital na ligação do litoral ao interior, com a consequente dinamização da vertente turística proporcionada por uma maior facilidade no acesso ao Parque Nacional da Peneda-Gerês por parte dos cidadãos do litoral minhoto e pelos nossos irmãos galegos de Vigo, Pontevedra e Corunha.
De igual modo, o concelho de Vila Verde é o único que não tem um acesso directo à auto-estrada Porto-Valença. Esta falha tem repercussões de ordem económica extremamente negativas no desenvolvimento industrial do concelho, já que, desta forma, os investimentos são naturalmente desviados para outros concelhos que possuem um ou mais acessos à referida auto-estrada.
O Governo da nova maioria alterou radicalmente esta postura de alheamento dos problemas que o concelho de Vila Verde enfrenta e encarou frontalmente a resolução dos que se afiguram como mais prementes.
Foi assim que o sector da educação, após anos e anos de vãs promessas, viu resolvidas, de uma vez por todas, as suas enormes carências, com a construção das novas Escolas Básicas 2 e 3 de Moure e Escola Básica Integrada da Ribeira do Neiva e com o início em breve das obras da nova Escola Básica 2 e 3 do Pico de Regalados.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - De igual modo, foi possível desencadear o processo de construção dos novos postos da GNR e do Centro de Saúde da Vila de Prado, obras que envolvem montantes superiores a 150 000 contos. Assim como se concretizou um programa de combate à pobreza que envolve verbas na ordem dos 100 000 contos.
Para além disso, o Governo comparticipou na construção de variadas obras de índole social, cultural e desportivo, com a disponibilização de verbas que ascendem a mais de 150 000 contos, sendo de destacar, neste âmbito, a construção do Centro Social da Lage e o protocolo assinado com a Comissão do Santuário de N. Sr.ª do Bom Despacho, em Cervães, destinado a salvar uma centenária e valiosíssima talha do altar-mor que se encontrava em adiantado estado de degradação.
E, como corolário desta boa vontade do Governo para encarar a resolução das grandes questões que têm impedido o normal desenvolvimento do concelho de Vila Verde, eis que, com a referida adjudicação da obra à empresa vencedora do concurso público, se dão os primeiros passos concretos e seguros na construção da nova Ponte de Prado e variantes às EN101 e 201, obra que mui justamente é encarada unanimemente como determinante, no início de uma nova era, no desenvolvimento e progresso do concelho e da região.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O município de Vila Verde, à semelhança, aliás, de alguns outros concelhos do interior do País, não possuindo receitas próprias relevantes, luta com a dificuldade de desenvolvimento que lhe advém do facto de estar limitado quase exclusivamente às verbas do Fundo de Equilíbrio Financeiro.
Sendo um concelho com uma assinalável área de cerca de 221 KM2 com uma configuração de relevo acidentada que onera substancialmente o custo das obras da rede viária, com um povoamento disperso e desordenado, característico de toda a região minhota e que dificulta e agrava o custo da realização das infra-estruturas básicas, como o abastecimento de água, saneamento e electrificação, o certo é que essas características não são devidamente ponderadas nos critérios de atribuição do FEF, factor negativo que agrava ainda mais a sua já débil situação económico-financeira.

Página 614

614 I SÉRIE - NÚMERO 16

Vila Verde, confrontada durante anos e anos com esta triste realidade que a condicionou na sua dinâmica de desenvolvimento e sem o amparo necessário do poder central, foi acumulando carências e focos de tensão social e viu os seus munícipes reclamarem em vão pela alteração deste estado de coisas.
Finalmente, parece ter chegado a hora de serem ouvidos e, principalmente, compreendidos por um Governo que, utilizando as armas do diálogo e da isenção no tratamento para com os municípios, não olhando à sua coloração partidária, soube ir de encontro aos problemas velhinhos de décadas.
E, ao contrário de outros que preferiram adiar e esquecer, por entre promessas não cumpridas e simulações de soluções de impossível concretização, o Governo da nova maioria soube enfrentar essas questões de frente e teve o engenho e a arte de encontrar as melhores soluções para os problemas concretos das populações de Vila Verde.

Aplausos do PS.

Tratou-se, também, de uma prova cabal de confiança do Governo em cidadãos honrados e trabalhadores, preocupados com o seu futuro e zelosos de defender os seus pergaminhos de gente de bem e de paz, que mais não quer do que o direito a viver tranquilamente numa terra que, à semelhança de tantas outras por este país fora, seja de progresso e de prosperidade.
Este é, ilustres pares desta Assembleia, o testemunho que aqui vos quero deixar como vilaverdense que, como todos os outros, sempre fez questão em caminhar de pé e com a cabeça bem erguida.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 35 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão conjunta da proposta de lei n.º 145/VII - Altera a Lei n.º 45/91, de 3 de Agosto (Lei orgânica do regime do referendo), e dos projectos de lei n.º 416/VII - Altera a lei orgânica do regime do referendo (PSD), 420/VII - Referendo sobre a regionalização (PSD), 428/VII - Define a eficácia das respostas à consulta directa sobre a instituição em concreto das regiões (PCP) e 429/VII
Altera a lei orgânica do referendo (CDS-PP).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.

O Sr. Ministro da Presidência (António Vitorino): Sr. Presidente, Srs. Deputados: - A quarta revisão da Constituição da República Portuguesa, ocorrida em 1997, tornou imprescindível proceder à revisão da lei orgânica do referendo.
O Governo pretende contribuir para o debate parlamentar dessa revisão com as suas próprias propostas, mas de espírito aberto, por considerar que o referendo consagra um dos pilares essenciais do sistema democrático português, na sua vertente participativa, que deve merecer o mais largo consenso possível entre as forças políticas.
O legislador da revisão constitucional, ao introduzir alterações no articulado da Lei Fundamental sobre o referendo, explicitou que se deveria manter inalterada a natureza deste instituto jurídico-político. Na nossa ordem jurídica, o referendo incide sobre questões de relevante interesse nacional, que, subsequentemente, serão objecto de resolução, seja por via de acto legislativo, seja por via de uma convenção internacional.
Não estamos, portanto, perante fórmulas de referendo directamente relacionadas com a tomada de decisão sobre uma lei em concreto. O referendo, em Portugal, responde a questões, define o sentido fundamental da resposta à questão cuja efectiva tradução, no plano da ordem jurídica objectiva, cabe à Assembleia da República ou ao Governo, de acordo com a natureza das matérias e o quadro constitucional de repartição de competências entre órgãos de soberania.
Não se trata, por isso, de consagrar um referendo de aprovação de leis nem um referendo ab-rogativo de actos legislativos.
A proposta de lei que o Governo apresenta à Assembleia mantém-se, por isso, fiei à matriz do referendo tal e qual foi definida em 1989, aquando da sua introdução no nosso ordenamento constitucional, e mantida, aliás, no essencial, na revisão de 1997.
Do mesmo modo, esta última revisão constitucional manteve, no essencial, o equilíbrio de poderes e de responsabilidades entre órgãos de soberania no contexto do processo referendário, temática particularmente sensível porquanto directamente relacionada com a necessária articulação e compatibilização das instituições de democracia representativa face às formas de expressão directa ou semidirecta da vontade popular.
Neste contexto, cabe ressaltar o papel central do Presidente da República no processo de referendo, quer quanto à livre decisão da sua convocação, quer quanto à interpretação e observância das regras essenciais atinentes à sua realização em concreto.
Do mesmo modo, compete ao Tribunal Constitucional um papel central de garantia obrigatória da conformidade constitucional e legal do referendo, muito em especial quanto à observância dos critérios e regras atinentes ao condicionalismo da formulação das perguntas e quanto à garantia de clareza. transparência e rigor das respostas dadas às perguntas do referendo, que constituem pressupostos de autenticidade da vontade popular democraticamente expressa.
Também no que concerne à partilha de competências, o quadro constitucional manteve as regras de concorrência no poder de iniciativa dos referendos entre a Assembleia da República e o Governo, em função dos respectivos quadros de repartição de competências constantes da nossa Lei Fundamental.
Sem embargo, no momento em que reapreciamos o quadro jurídico de referência do referendo nacional, não podemos deixar de sublinhar, nesta reavaliação, as lições colhidas da experiência. E a experiência sobre o referendo, entre nós, ultrapassada que foi a fase dos fantasmas ou do efectivo risco da deriva plebiscitária de má memória, assenta num paradoxo.
Por um lado, sucessivas sondagens, sobretudo após 1992, mostram que é grande e diversificada a apetência da opinião pública para a realização de referendos sobre um leque variado de matérias, o que indicia uma real vontade de participação popular na conformação de decisões estruturantes da nossa comunidade política.

Página 615

21 DE NOVEMBRO DE 1997 615

Por outro lado, o balanço concreto dos referendos, sequer tentados, é nulo, não só se computarmos os oito anos de vigência dos preceitos constitucionais atinentes ao referendo nacional mas também se ponderarmos a figura próxima das consultas populares locais, que foram instituídas há mais de 15 anos, na primeira revisão constitucional de 1982, e em que nenhum caso foi efectivado.
Os referendos foram, até agora, quer no plano nacional, quer no plano local, o que em matemática designaríamos por um conjunto vazio. Daí que, se a experiência efectivada não nos fornece dados concretos para a avaliação da conformação do instituto do referendo, a sua ausência pode alertar-nos, com vantagem, para a necessidade de, no plano legislativo, removermos eventuais obstáculos que, no passado, dificultaram a realização desses mesmos referendos.
Em qualquer circunstância, o determinante é a vontade política de levar a cabo referendos com o alcance previsto na Constituição. Nenhuma engenharia jurídica pode substituir-se à vontade política, e esta sai reforçada por indicações inequívocas, decorrentes quer dos programas eleitorais submetidos pelos partidos políticos aos votantes em Outubro de 1995 quer das várias iniciativas legislativas apresentadas pelo Governo e pelos Srs. Deputados sobre o regime jurídico do referendo hoje em debate.
Neste contexto, bem se poderá dizer que, a par da quarta revisão constitucional. esta legislatura ficará politicamente marcada pela realização dos primeiros referendos nacionais sobre questões de relevante interesse para a comunidade e, se permitem uma nota de cientista político, marcada pela interpretação do sistema político-representativo, face aos resultados do voto popular directo ou semidirecto.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sem prejuízo de diversos aspectos menores ou meramente sectoriais. a que adiante aludirei, a reforma do regime do referendo que o Governo propõe corresponde a três objectivos centrais, colocados no centro da arena política pela própria revisão constitucional: em primeiro lugar, a ampliação do elenco de matérias susceptíveis de serem submetidas a referendo; em segundo lugar, a cominação expressa da realização de uma consulta directa em matéria de regionalização; em terceiro lugar, o alargamento da participação dos cidadãos no processo referendário, fora do enquadramento institucional conferido pelos partidos e pelos seus grupos parlamentares na Assembleia da República, desta forma reforçando a natureza directa do protagonismo popular no próprio processo referendário.
Proponho-me analisar agora o significado das propostas que o Governo avança para alcançar estes três objectivos centrais.
No que concerne às matérias sobre as quais pode incidir o referendo nacional. a revisão constitucional, mantendo excluído do referendo, e bem, o próprio texto constitucional, que é ele próprio expressão de um consenso parlamentar alargado, forjado ao longo de 21 anos e de quatro revisões constitucionais. das quais três extensas e muito substanciais, ampliou a possibilidade de realização de referendos à generalidade das matérias constantes dos artigos 161.º e 164.º da Constituição, permitindo, desta forma, os referendos sobre um vasto elenco de questões que tenham de ser resolvidas mediante convenção internacional, com especial destaque para a possibilidade do referendo sobre matérias europeias nos termos e no quadro do Tratado de Amsterdão. Mantém-se, compreensivelmente, a excepção para o caso das convenções que versam sobre a paz e a ratificação de fronteiras.
A revisão constitucional consagrou expressamente, para além da iniciativa da Assembleia da República e do Governo, a iniciativa popular do referendo junto do Parlamento. permitindo assim que o processo de desencadear o referendo, assentando impostergavelmente numa decisão dos órgãos de soberania. possa também ter origem no movimento de um grupo de cidadãos que provoque, em primeira linha, a pronúncia do próprio Parlamento.
Neste quadro, a proposta de lei do Governo fixa em 1% do universo eleitoral o número necessário à iniciativa do referendo, a qual assume a forma de petição escrita endereçada à Assembleia da República. O primeiro subscritor é considerado o representante dos peticionários, embora possam ser indicados outros subscritores para o acompanhar ou até substituir nessa qualidade.
A iniciativa popular pode ser, flexivelmente, formulada ou não formulada. Se for formulada, entende-se que isso deve precludir a iniciativa superveniente sobre a mesma questão de qualquer outra entidade. Esta é a solução que representa, em nosso entender, a única forma de evitar que a iniciativa popular totalmente delimitada na sua intenção e formulação pudesse ser desvirtuada ou adulterada por iniciativas supervenientes concorrentes.
A iniciativa popular é obrigatoriamente apreciada em Plenário da Assembleia da República, mas, naturalmente, nos termos da Constituição, o Parlamento não está vinculado a aprová-la, mesmo que não seja inconstitucional ou ilegal. Sem embargo. o indeferimento liminar ou o arquivamento por não sanação de vícios em causa são recorríveis para o Tribunal Constitucional. por forma a permitir um controlo externo à decisão do Parlamento. A iniciativa popular caduca com o termo da legislatura, mas se os cidadãos subscritores quiserem retomá-la na legislatura seguinte, poderão utilizar a mesma lista de subscritores se entre a data da recepção da petição pelo Presidente da Assembleia e a data de renovação não tiver decorrido mais do que um ano.
Paralelamente, a fiscalização preventiva do Tribunal Constitucional mantém-se basicamente inalterada. Sem embargo, o Tribunal passa a apreciar também, nos termos da Constituição, os requisitos relativos ao respectivo universo eleitoral. Por apreciação dos requisitos relativos ao universo eleitoral deve entender-se que o Tribunal deverá pronunciar-se também sobre a parte da resolução da proposta de referendo, seja da Assembleia da República, seja do Governo, que explicitamente delimita o universo eleitoral para o referendo em causa. Se o Tribunal entender que o universo eleitoral fixado pelo Parlamento ou pelo Governo não respeita a Constituição e a lei, o Presidente não pode convocar o referendo sem que a inconstitucionalidade ou ilegalidade seja conformemente expurgada.
Quando se tratar, contudo, de iniciativa popular, a decisão negativa do Tribunal implica a sua caducidade. Entendemos que, neste caso, não deve haver possibilidade de os representantes dos cidadãos expurgarem a eventual inconstitucionalidade ou ilegalidade, uma vez, que isso implicaria a utilização de uma lista de subscritores para uma finalidade que poderia ser diversa da que havia estado na base da adesão à iniciativa por cada um deles originariamente apresentada.
No caso de iniciativa popular, passa a haver o dever de notificação do Presidente da Assembleia da República, para além também do Presidente da República.

Página 616

616 I SÉRIE - NÚMERO 16

A proposta de lei do Governo elimina o intervalo obrigatório de três meses entre a realização de dois referendos. Em nosso entender, como os Srs. Deputados sabem, a Constituição e a lei já permitem a realização de dois ou mais referendos no mesmo dia. Sem embargo, poderia ser importante evitar que se realizassem vários referendos sucessivos, com intervalos entre si muito curtos.
Na verdade, nessa circunstância, corre-se o risco de o País assistir a campanhas eleitorais sucessivas para o referendo.
A proposta de lei do Governo entende que essa questão não deve ser resolvida rigidamente na lei, devendo caber, isso sim, a quem define as datas do referendo, que é o Presidente da República, que o convoca, a apreciação da oportunidade política ou da própria necessidade da realização de vários referendos, seja em simultâneo, seja com intervalos curtos entre si.
No tocante ao universo eleitoral, seguindo a Constituição, passa a prever-se na proposta de lei do Governo o direito de participação de cidadãos portugueses recenseados no estrangeiro, nos termos definidos na lei eleitoral para o Presidente da República, quando o referendo recai sobre matéria que lhes diga também especificamente respeito - artigo 115.º, n.º 12, da Constituição, e artigo 38.º, n.º 2, da proposta de lei.
Quanto a isto haveria que densificar, por parte do legislador ordinário, a expressão indeterminada «matéria que lhes diga especificamente respeito». No artigo 38.º, n.º 3, o Governo optou por dizer que «entende-se existir especificidade sempre que as questões referendadas se repercutam de forma directa e imediata no exercício de direitos e deveres de não residentes em território nacional». Embora a fórmula adoptada pelo Governo possa ainda ser tida como relativamente indeterminada e estando nós disponíveis para considerar outros critérios, que, aliás, não constam dos projectos apresentados pelos partidos políticos para debate hoje nesta Assembleia, não nos parece, contudo, que a lei neste domínio possa ir muito mais longe do que avançamos. O que significa que, de facto, grande parte da tarefa de delimitação do universo eleitoral se cumprirá caso a caso, partilhada por quem toma a iniciativa, o Parlamento ou o Governo, e quem tem a responsabilidade de controlar o Tribunal Constitucional.
Ainda no respeitante ao universo eleitoral, entendeu-se ser constitucionalmente permitido dividir o universo de cidadãos portugueses recenseados no estrangeiro, nos termos definidos na lei eleitoral para o Presidente da República, isto é, optou-se por se considerar válida a possibilidade de em certos referendos só poder votar parte desse universo eleitoral, à luz do critério da finalidade das matérias que lhes digam directamente respeito. É o caso dos referendos sobre matérias referentes a assuntos da União Europeia, onde o Governo entende que devem participar os cidadãos portugueses residentes fora do território nacional, que residam em países membros da União Europeia.
Na campanha para o referendo, passam a poder intervir, para além dos partidos políticos ou coligações de partidos, que, aliás, para este fim deixam de ter de ser permanentes, grupos de cidadãos eleitores. Salienta-se que os partidos e coligações passam a ter de declarar com antecedência junto da Comissão Nacional de Eleições qual a posição que tomarão sobre a pergunta submetida a referendo. 15to deve-se essencialmente ao facto de a distribuição dos tempos de antena se passar a fazer de acordo com as próprias posições assumidas face à questão do referendo.
Os cidadãos eleitores podem participar como grupo na campanha, desde que reúnam 1% de assinaturas do conjunto do colégio eleitoral, um número, portanto, semelhante ao exigido para a própria iniciativa popular do referendo junto da Assembleia da República. Dessa participação decorre que terão direitos e obrigações equivalentes aos partidos e coligações em todo o processo eleitoral.
No que concerne à campanha eleitoral, o Governo optou por apresentar uma alteração no regime dos tempos de antena, que, sobretudo, incide sobre os critérios de distribuição desses tempos. Na lei em vigor, os tempos de antena são distribuídos igualitariamente pelos partidos intervenientes. Essa solução não só trata de modo igual partidos com diversa representatividade, como permite que uma das posições possíveis na resposta ao referendo desapareça dos tempos de antena ou seja sub-representada.
Na proposta do Governo criam-se condições para que o «sim» e o «não» tenham tempos de antena equivalentes, e só não será assim quando nenhum partido ou grupos se apresentar a defender uma dessas posições, o que - permito-me pensar - não será de esperar, atendendo ao carácter normalmente controverso e até, se quiserem, fraccionante das questões sujeitas a consulta referendária.
Para além disso, a distribuição de tempos entre os partidos representados na Assembleia faz-se dentro de cada uma das posições, em termos proporcionais e não igualitariamente. No caso de se tratar de iniciativa representativa, seja da Assembleia da República, seja do Governo, dois terços do tempo destinado a cada posição irão para os partidos com assento parlamentar, a restante parcela de um terço destinada a cada posição será confiada ao grupo ou aos grupos de cidadãos eleitores e a partidos extraparlamentares, sendo, nesse caso, distribuída também de modo igualitário.
Sobre os efeitos do referendo, o Governo optou por reeditar, no artigo 242.º da proposta de lei, a regra constitucional de que o referendo só tem eficácia vinculativa quando o número de votantes for superior a metade dos eleitores inscritos no recenseamento. Esta regra não pode deixar de ser interpretada no sentido de que, se o número de votantes for inferior a metade dos eleitores, o referendo não é vinculativo para os órgãos de soberania. Sem embargo, é preciso reconhecer que o referendo ou é vinculativo ou, se não for vinculativo, não se pode dizer que não tenha existido. Realizou-se, não é vinculativo, tem um carácter político meramente indicativo.
Esta questão é particularmente relevante se se tratar de analisar as implicações da concepção acolhida pelo Governo na sua proposta de lei, no que diz respeito especificamente ao referendo relativo à instituição em concreto das regiões administrativas. O Governo optou por incluir neste diploma da lei orgânica do referendo a temática do referendo sobre a instituição em concreto das regiões por entender que se trata, no fundo, de um referendo nacional, que tem acopulado a si oito referendos regionais, estes com pergunta idêntica entre si.
Não faria sentido tratar o referendo sobre a regionalização em diploma à parte, uma vez que as regras, que são específica e exclusivamente aplicáveis ao referendo sobre regionalização, são em pequeno número e, no essencial, o corpo estruturante do referendo sobre a regionalização será o corpo estruturante do referendo nacional em geral.
Tão-pouco, em nosso entender, faria sentido tratar na lei sobre o referendo a pergunta nacional sobre a instituição em concreto das regiões e depois, num diploma autónomo, à parte, cuidar apenas da pergunta de incidência regional.

Página 617

21 DE NOVEMBRO DE 1997 617

Entendemos que esta posição está em consonância com a interpretação que fazemos da vantagem que existirá no futuro, de elaborar um código de referendo que contemple o corpo de regras uniformemente aplicável, trate-se do referendo de índole nacional, trate-se do referendo de índole regional, isto é, no âmbito das regiões autónomas que foi instituído inovatoriamente pela última revisão constitucional, quer se trate do próprio referendo de índole local, as consultas populares directas aos cidadãos eleitores a nível local.
O Governo caracteriza, na sua proposta de lei, o referendo sobre a regionalização como tendo natureza obrigatória. Não se vê, sinceramente, que possa ser de outro modo. Sendo a regionalização um dever constitucional e não uma mera faculdade e sendo a realização do referendo um pressuposto do cumprimento do dever constitucional, quem tem competência para propor, em nosso entender, não pode deixar de o fazer e quem tem competência para o marcar não pode recusar-se a fazê-lo. Não há, por conseguinte, qualquer inconstitucionalidade nem qualquer motivo de estranheza quanto à solução proposta pelo Governo.
Na realidade, a revisão constitucional veio submeter a efectivação de um instituto constitucional, as regiões administrativas, à condição suspensiva da aprovação em referendo, e para o preenchimento dessa condição suspensiva é necessário que haja uma previsão expressa, que entendemos estar contemplada na lei do referendo, segundo a proposta de lei apresentada pelo Governo à Assembleia da República.
Consagramos também neste contexto a simultaneidade das duas questões num só referendo. Esta regra tem, porém, uma excepção prevista no artigo 256.º, n.º 3. Se a resposta à pergunta regional for negativa numa região ou em várias, tendo sido positiva nas restantes regiões e na própria pergunta nacional, poderá a todo o tempo realizar-se novo referendo na região em que se apurou a resposta negativa à pergunta regional e até haver também aí, nessa região, uma resposta positiva, enquanto isto não se verificar, esta última região não poderá ser instituída em concreto, em virtude de não se encontrar preenchida a condição constitucionalmente exigida para a instituição em concreto de todas as regiões administrativas.
O Governo parte do princípio de que a Constituição condiciona a instituição em concreto das regiões a uma resposta positiva na consulta. Se não houver resposta positiva, não pode haver regiões. Por isso, entende-se que, se a resposta for negativa, qualquer que seja o número de votantes, não poderá haver instituição em concreto das regiões. Isto é, a resposta negativa é sempre vinculativa, ao contrário do que sucederia se aplicássemos apenas e estritamente a regra geral do artigo 115.º, n.º 11, da Constituição, de acordo com a qual só haveria vinculatividade se se tivesse verificado uma participação superior a 50%.
Já quanto à resposta positiva, a proposta do Governo diz que ela só terá efeito vinculativo se houver participação superior a metade dos cidadãos eleitores inscritos. A contrario sensu infere-se que, se não houver esse nível de participação, o referendo terá um valor meramente político e indicativo, podendo o Parlamento avançar ou não na instituição em concreto das regiões.
O Governo entende que esta solução é aquela que respeita a regra geral do artigo 115.º da Constituição e que se compagina com a natureza de mera condição ou pressuposto da instituição em concreto das regiões, que constitui a regra especial constante do artigo 256.º da nossa Lei Fundamental.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Este é o contributo do Governo para o debate parlamentar. Estamos abertos ao diálogo construtivo e à necessidade de forjar um diploma que seja consensual, tão consensual quanto possível, porquanto o consenso é uma das regras fundamentais nos instrumentos estruturantes da nossa democracia política e o referendo, cremo-lo. sinceramente, a partir das condições criadas pela revisão constitucional de 1997, pode e deve ser um dos elementos estruturantes do sistema político democrático português.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Informo a Câmara de que se encontram inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Barbosa de Melo, João Amaral, Ferreira Ramos, Luís Marques Guedes e Guilherme Silva.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Meio.

O Sr. Barbosa de Meio (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência, ouvi com atenção, como era devido a vários títulos, a intervenção de V. Ex.ª e, entre o muito que poderia questionar, há três aspectos que não deixarei de colocar-lhe, para que tudo fique o mais claro possível.
Pareceu-me, quanto ao ponto da definição do universo eleitoral, que o Governo, um pouco surpreendentemente, enfileira agora por um casuísmo ou, se calhar, um ocasionalismo, dizendo que é no acto de convocação que tudo isso, ao fim e ao cabo, se definirá. Para esse acto concreto fica tudo o que é de essencial quanto à definição do critério eleitoral e à sua aplicação ao caso concreto.
Aliás, estive atento às fórmulas apresentadas na proposta de lei e verifico que há unia restrição, em relação aos eleitores fora do território nacional, que é uma restrição drástica, relativamente ao que está na Constituição e àquilo que está na vossa proposta de lei. Porque V. Ex.ª esqueceu-se ou, um pouco surpreendentemente, omitiu até na fórmula que usou um «também» que aparece no n.º 12 do artigo 115.º da Constituição da República Portuguesa. Diz-se aí que «( ... ) quando recaiam sobre matéria que lhes diga ( ... )» - ou seja, quando o referendo diga respeito aos eleitores - «( ... ) também especificamente respeito». E V. Ex.ª pensou e articulou como se ele tivesse de dizer exclusivamente respeito aos direitos e interesses dos cidadãos eleitores residentes no estrangeiro, para que eles tivessem legitimidade para serem convocados.
Gostaria de perceber bem este passo, que é, a meu ver, importante, visto introduzir discriminações graves no conjunto dos cidadãos portugueses.
Um outro ponto que não entendi tem a ver com o seguinte: V. Ex.ª disse agora mesmo que o referendo, no caso de não ter a participação dos 50% dos eleitores inscritos, não pode ter efeito vinculativo, mas também não pode dar-se como não tendo existido. Logo, tem um efeito político indicativo. Bom, penso que isto contraria manifestamente o que diz a nossa Constituição a este respeito, porque ela diz que o Presidente da República pode chamar, mediante proposta da Assembleia da República ou do Governo, os eleitores a pronunciarem-se directamente a título vinculativo. Se não houve título vinculativo, o referendo não existiu para este efeito. Não é válido!
Politicamente, até uma sondagem é importante, é evidente que é, mas não estamos a tratar de sondagens, esta-

Página 618

618 I SÉRIE - NÚMERO 16

mos a tratar de um referendo, de um acto regulado pela Constituição e pela lei.
Sobre isto gostaria de perceber um pouco melhor as razões de V. Ex.ª.
Por último, gostaria também de ouvir V. Ex.ª, que é o Ministro responsável pela área militar, a razão por que na vossa proposta se exclui da participação nas actividades relacionadas com o processo do referendo os militares e agentes militarizados dos quadros permanentes em serviço efectivo e bem assim agentes dos serviços e forças de segurança.
Está excluído da vossa proposta de lei que estes grupos profissionais possam ter interferência na actividade referendária, limitando-lhes, assim, um direito fundamental. Ora, como não vejo razões para que o Governo proceda assim, gostaria de ouvi-las do titular da pasta.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro da Presidência, há ainda outros pedidos de esclarecimento. Deseja responder já ou no fim?

O Sr. Ministro da Presidência: - Se for possível, gostaria de responder de imediato, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Ministro da Presidência.

O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, respondo com todo o gosto, pelo muito respeito e consideração que tenho pelo Sr. Deputado Barbosa de Melo, assim como por todos os membros desta Câmara, mas com especial gosto pela pertinência das perguntas que colocou, porque tal me permite esclarecer alguma eventual dúvida que possa ter resultado da minha intervenção.
Quanto à primeira questão, devo dizer-lhe, sem qualquer ambiguidade, que a proposta de lei reproduz ipsis verbis o texto da Constituição. Logo, dele consta o «também» que tanta afeição suscita a V. Ex.ª, Sr. Deputado Barbosa de Melo. Eu diria que o seu «também» é também o meu «também».

Risos do PSD e do PS.

... e não há aqui qualquer «também» a dividir-nos, só que eu não o digo, se calhar, tão bem quanto V. Ex.ª.
Em meu entender. a interpretação do preceito constitucional, que é escrupulosamente reproduzido na proposta de lei, é que o critério dos direitos, que é o critério teleológico da definição do universo eleitoral, que estejam em causa para o conjunto dos eleitores residentes no território nacional também deve ser aplicável aos direitos e deveres, ao estatuto jurídico, dos cidadãos eleitores residentes fora do território nacional. Esta é a interpretação que eu faço do «também» aplicado na Constituição e na nossa própria proposta de lei. Nem outra interpretação poderia ser feita, porque se eu entendesse que o referendo só poderia ser aos direitos que exclusivamente digam respeito aos cidadãos residentes fora do território nacional estaria inelutavelmente a excluir desse referendo os cidadãos portugueses residentes no território nacional, porque os direitos em causa a referendar não diriam respeito a esses cidadãos residentes no território nacional. Seria, salvo o devido respeito, uma conclusão ab absurdo.
Estou de acordo! A lógica é o critério de aplicação ao universo eleitoral residente no território nacional, que, em certas circunstâncias, pode tornar-se extensivo aos cidadãos residentes fora do território nacional, quando a questão que estiver em causa também lhes diga especificamente respeito.
Acresce-se que eu não pretendo com isto proceder a qualquer casuísmo ou a qualquer ocasionalismo. Pelo contrário, o Governo esforçou-se por verter um conceito constitucional indeterminado num conceito legislativo mais balizado. Se fomos suficientemente destros ou hábeis nesse exercício, VV. Ex.ªs julgarão. Mas o PSD não tomou sequer a iniciativa de se dar ao trabalho de fazer um exercício paralelo ou equivalente, para, pelo menos, podermos aquilatar da nossa falta de jeito, da nossa tacanhez ou da nossa pouca habilidade em responder a essa exigência constitucional.
Quanto à questão do efeito vinculativo. Sr. Deputado Barbosa de Meio, podemos aqui encetar um debate, que é de fantasmas, já que parte do pressuposto que haverá um referendo, o da regionalização, que não terá 50% mais 1 dos eleitores recenseados a votar e que consequentemente teremos de redirimir esta questão ex ante. Não é esta a minha tese.
A minha tese é que não devemos partir para qualquer referendo com uma estratégia defensiva, devemos assumir claramente que a normalidade do sistema democrático é a participação dos cidadãos, que há uma apetência da sociedade portuguesa para a participação em referendos e não tenho a menor dúvida de que qualquer referendo terá mais de 50% dos eleitores recenseados a participar. E tanto é assim que dos inúmeros actos eleitorais realizados em Portugal, desde o 25 de Abril de 1975 até hoje, houve apenas um onde o número de cidadãos eleitores a votar não era suficiente para preencher o requisito dos 50% mais 1, as eleições para o Parlamento Europeu em 1994.
V. Ex.ª sabe qual foi, em meu entender, a razão pela qual essa eleição não leve 50% dos eleitores recenseados como votantes? E que eu era o cabeça de lista do Partido Socialista nessas eleições!

Risos.

Como não estarei em causa em nenhum referendo, estou convencido de que teremos 50% mais l!
Mas, de todo o modo, Sr. Deputado Barbosa de Melo, se um referendo, qualquer que ele seja, o da regionalização ou outro qualquer, sobre qualquer outra matéria, não tiver 50% mais 1 dos recenseados, o que é que é?

O Sr. Barbosa de Meio (PSD): - Nada!

O Orador: - Não é nada?! Não existe?!

O Sr. Barbosa de Meio (PSD): - É uma grande sondagem!

O Orador: - Diz-me o Sr. Deputado Barbosa de Melo que é uma grande sondagem. Muito bem, só que há uma diferença: no artigo 256.º da Constituição há uma regra especial para o referendo da regionalização, onde não está em causa um pressuposto de validade mas, sim, uma condição de eficácia, e essa condição de eficácia, expressamente culminada no artigo 256.º, é o voto favorável da maioria dos participantes.
Esta é uma tese que, se calhar, não colhe simpatias, pelo menos daí, e, provavelmente, também não colhe dali, mas é a minha, o que é que VV. Ex.ªs querem que eu faça, e

Página 619

21 DE NOVEMBRO DE 1997 619

submeto-a, com humildade, à consideração da Câmara. A minha interpretação é esta e tem um fundamento jurídico. É uma condição de eficácia, é uma condição suspensiva para que a Assembleia da República possa exercer o poder constitucional, o dever constitucional de criar as regiões administrativas.
Por último, em relação aos militares. Sr. Deputado Barbosa de Melo, estamos dispostos a discutir a conformidade constitucional dessa matéria. A nossa interpretação é que a forma de os grupos de cidadãos se dirigirem à Assembleia da República para suscitar um referendo é uma petição e a Constituição, no artigo 270.º, limita o direito de petição colectiva dos militares e dos agentes militarizados. Esse é o fundamento constitucional da iniciativa do Governo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência, a exposição que V. Ex.ª fez cumpriu, de forma escrupulosa, aquilo que determina o Regimento no que toca à exposição de motivos, aos princípios gerais e até a alguma particularidade da iniciativa que o Governo toma em matéria de referendo.
A maior parte das soluções que expôs, enfim, com muita ênfase, decorrem da Constituição, portanto, limita-se a transcrever para a lei o que está na Constituição, e outras são soluções técnicas que apelam ao debate na especialidade e, assim, não têm relevância para um debate muito acalorado neste quadro.
Mas, apesar de tudo, gostaria de introduzir aqui algumas notas., É que o Sr. Ministro não se esqueceu dos militares. E um homem muito afeiçoado ao seu pelouro. por isso não se esqueceu dos militares e, então, lembrou-se deles para lhes limitar um direito.
O Sr. Ministro disse agora que está prevista na Constituição a possibilidade de haver limitações ao exercício do direito de petição colectiva. Está prevista a possibilidade de haver limitações mas nem isto é uma petição em sentido técnico, nem, mesmo que o fosse, há a obrigação de introduzir limitações em todos os casos. É apenas uma previsão. Então, pergunto: que razões haveria para, neste caso, impedir os militares e os agentes militarizados de fazerem estas petições?

O Sr. Luís Sá (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Um outro aspecto, que tem a ver também com a sua exposição inicial, é que o Sr. Ministro se esqueceu de referir, quando falou do quadro constitucional, que ele continua a impedir aquilo que era o referendo desejável em matéria europeia, ou seja, o referendo sobre a moeda única. O Sr. Deputado, ou melhor, o Sr. Ministro podia ter feito a anotação - que seria sempre agradável no quadro da sua exposição inicial - de que estava excluída, por responsabilidade da bancada do Partido Socialista, a possibilidade de se fazer um referendo sobre a moeda única ou sobre o Tratado de Maastricht. Isso ficar-lhe-ia bem, porque sei que o Sr. Ministro, que, em tempos, até disse que era preciso um referendo, vê com pena que ele não se possa fazer.
Agora, o que Sr. Ministro não abordou de forma devida foi a questão central de todo este processo. E a questão central de todo este processo e deste debate - não tenhamos qualquer ilusão - está na questão do processo de regionalização. O que está a ser julgado, o que está em questão neste debate é o processo de regionalização e é a tremenda embrulhada em que V. Ex.ª, o Governo e o Partido Socialista meteram o processo de regionalização.
Até julguei, Sr. Ministro, que V. Ex.ª ia começar por dizer assim: «estamos a 24 dias do dia em que nós, Partido Socialista, prometemos solenemente ao País que iam ser feitas as eleições para os órgãos regionais». Estão a 24 dias disso e veja o estado em que está o processo de regionalização. Os senhores não têm referendo, não sabem como é que ele vai ser feito, não perceberam ainda como é que vão aprovar uma lei. Talvez até estejam interessados em que nunca se deslinde esse mistério, mas essa é outra questão, que um dia me há-de explicar devidamente.
Porém, o que sabemos. em relação a uma questão central em que o Sr. Ministro tinha «a faca e o queijo na mão», é que o Sr. Ministro optou por criar um obstáculo à regionalização. E essa questão é a do número de eleitores necessários para votar.
O Sr. Ministro admite que este regime, o regime aplicável a esta consulta directa, é um regime diferente, e admite-o porque diz que para o «não» o regime é diferente do aplicado aos referendos em geral. visto que o «não», na sua opinião, é sempre vinculativo, enquanto que no regime geral o «não» só é vinculativo quando tem mais de 50% dos eleitores.
Então, pergunto-lhe, Sr. Ministro: se é assim. porque é que o Sr. Ministro não leva o raciocínio de especialidade até onde o deve levar e não considera que este referendo, que é um obstáculo à execução de uma imposição constitucional, de um dever constitucional, que é o da criação das regiões, deve ser vinculativo, isto é, porque é vinculativa a obrigação constitucional de criar as regiões logo que haja da parte dos eleitores um «sim»? Por que é que o Sr. Ministro, o Governo e o PS pretendem introduzir mais um obstáculo à criação das regiões, quando. no quadro constitucional e no das votações possíveis na Assembleia da República, se pode definir que, para se prosseguir o processo de regionalização e para ele ser vinculativo, bastará um «sim» dos eleitores, um claro «sim» dos eleitores?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.

O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, em primeiro lugar muito obrigado por me ter tratado por Deputado. E uma honra para mim. Sabe-se lá, Sr. Deputado João Amaral, se não foi mesmo premonitório nessa sua qualificação!
Quero dizer-lhe sinceramente que, em relação aos militares, provavelmente só me lembrei deles para permitir que o Sr. Deputado João Amaral brilhasse a defendê-los. Estamos os dois bem um para o outro...
Quanto a esta questão, tenho uma fundamentação constitucional, com a qual V. Ex.ª pode não concordar, mas respeito a sua opinião.
Sobre o referendo em matéria europeia, tive o cuidado de falar expressamente no referendo segundo o Tratado de Amsterdão. Essa é a interpretação do Governo. Não é o referendo com efeitos retroactivos, não é o referendo abrogativo de uma decisão parlamentar válida e que entrou

Página 620

620 I SÉRIE - NÚMERO 16

em vigor na ordem jurídica, decorrente da aprovação do Tratado de Maastricht e do projecto da moeda única europeia, é o referendo sobre as alterações a esse Tratado, ao Tratado da União Europeia, que foram aprovadas pelo Tratado de Amsterdão.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Em relação ao processo de regionalização, Sr. Deputado João Amaral, acuse-me de tudo menos de me ter esquecido dessa matéria. Isso não! Não me esqueci, até gastei bastante tempo da minha intervenção sobre essa matéria, e devo dizer-lhe, com toda a sinceridade, que V. Ex.ª pode discordar da minha opinião, mas é também um problema de rigor na interpretação jurídica.
Entendo que o artigo 115.º consagra um critério de vinculatividade quanto ao resultado do referendo, ou seja, um critério de apuramento da validade do referendo, enquanto que o artigo 256.º da Constituição consagra um critério de condição de eficácia do referendo. Juridicamente, são duas coisas distintas. Em meu entender, a vinculatividade não se confunde com a condição de eficácia e daí a interpretação que faço das maiorias divergentes que, num caso e noutro, são necessárias.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos.

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência, quero, muito brevemente, colocar-lhe duas questões, sendo que a primeira tem a ver com a participação de cidadãos não residentes em território nacional no referendo sobre a regionalização.
A posição do Partido Popular em relação ao tratamento que foi dado aos emigrantes na recente revisão constitucional é conhecida. Entendemos que foi dado um bom passo, pequeno mas bom, que talvez tenha ultrapassado a diferença entre portugueses de 1.º e portugueses de 2.º; porém, certamente que se criou, como veremos num futuro próximo, uma diferenciação entre emigrantes de 1.º' e emigrantes de 2.º.
A questão que lhe quero colocar é se julga ou não que a questão da regionalização também diz respeito a esses cidadãos, que são cidadãos nacionais, que investem e têm bens em Portugal, que participam no desenvolvimento de Portugal. Portanto, pergunto se eles não têm também direito, pelo menos em relação à primeira pergunta, a participar activamente no referendo, dando-lhes, assim, também a legitimidade de uma cidadania que nenhum de nós põe em causa.
A segunda questão é a seguinte: uma vez que ultimamente têm vindo a lume algumas reservas, por parte de alguns Deputados e de algumas personalidades socialistas, em relação ao teor e à fórmula das perguntas constantes do artigo 256.º da Constituição, pergunto se da sua parte e da parte do Governo podemos ter hoje, aqui, a certeza de que relativamente a essas perguntas não há qualquer reserva, não há quaisquer dúvidas e que, portanto, o teor dessas perguntas encontradas em sede de revisão constitucional será aquele a que os portugueses virão a ser chamados a pronunciar-se.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro da Presidência, a partir de agora. beneficia de três minutos que lhe foram cedidos pela bancada do Partido Socialista.
Para responder, tem a palavra o Sr Ministro da Presidência.

O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, em primeiro lugar quero agradecer à bancada do Partido Socialista por esta generosa cedência.
Em relação às questões que o Sr. Deputado Ferreira Ramos me colocou, gostaria de responder muito sinteticamente o seguinte: em relação à primeira, a proposta do Governo entende que não. Entendemos que o referendo sobre a regionalização, mesmo no que concerne à primeira pergunta, não diz também especificamente respeito aos cidadãos residentes fora do território nacional.
É uma matéria susceptível de ser debatida e os Srs. Deputados são soberanos sobre essa matéria. O Governo e eu próprio na minha intervenção explicitámos qual é o nosso entendimento sobre ela.
Quanto à forma do referendo. Sr. Deputado, não sou o destinatário correcto da pergunta de V. Ex.ª, porque a resolução de aprovação do referendo de regionalização é matéria da competência exclusiva da Assembleia da República e se eu emitisse, em nome do Governo ou mesmo apenas em meu nome pessoal, uma opinião sobre essa matéria, correríamos sinceramente o risco de V. Ex.ª, num protesto, invocar que eu estava a ingerir-me nos assuntos internos do Parlamento.

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Não, não! Esteja descansado que isso não acontece!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência, gostaria de lhe colocar duas questões.
Em primeiro lugar, penso que é óbvio para todos nós que a questão que está intimamente ligada ao referendo e aquilo que nela é polémico é, seguramente, o processo de criação das regiões. Ora, não posso deixar de fazer uma apreciação de algo que é para Os Verdes uma questão extremamente grave. Como é que o Governo do Partido Socialista entende que uma reforma tão importante quanto esta na Administração portuguesa, e que é importante do ponto de vista democrático, é uma reforma em relação à qual cidadãos pelo simples facto de serem militares ou agentes militarizados não se podem pronunciar?
Julgo que é uma forma muito bizarra e peculiar de entender a participação cívica destes cidadãos. Independentemente daquilo que o Sr. Ministro diz, ou seja, de a proposta poder ser alterada, ela vem do Governo do Partido Socialista e tem um significado político que Os Verdes não deixam de registar.
Em segundo lugar, Sr. Ministro, para nós, há um outro aspecto que é extremamente importante: estando nós perante um Governo do Partido Socialista, um Governo que tinha a regionalização como uma reforma estruturante do Estado democrático, como um processo de aprofundamento da democracia, cujo Primeiro-Ministro anunciava, no ano passado, num seminário em Vilamoura, a urgência que dava a esta reforma, foi o grupo parlamentar que apoia este mesmo Governo que negociou e acordou um processo que significa que se, por exemplo, concluirmos a actualização do recenseamento e num universo hipotético de 7 milhões de eleitores, é obrigatório que metade, ou seja, 3,5 milhões, votem para que o referendo tenha validade.

Página 621

21 DE NOVEMBRO DE 1997 621

Ora, se este é um aspecto que, do nosso ponto de vista, já tem um significado, pois é um entrave, julgo que é particularmente elucidativo que este mesmo Governo do Partido Socialista entenda que esta reforma, que é a regionalização, para ser vinculativa, obriga a que se pronunciem afirmativamente 3,501 milhões de portugueses.
Julgo que isto tem um significado político muito grave e é sobre esta questão que gostaria que o Sr. Ministro se pronunciasse.

O Sr. Presidente: - Para responder. tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.

O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, a razão justificativa quanto à primeira questão da limitação ao direito dos militares e agentes militarizados é aquela que resulta da interpretação que há pouco fiz, quer na minha intervenção, quer na resposta ao Sr. Deputado João Amaral, em relação à qual V. Ex.ª tem todo o direito e toda a legitimidade de discordar, mas que não tem qualquer incidência específica em matéria de regionalização. Aliás, na minha interpretação do artigo 256.º, a iniciativa referendária sobre regionalização cabe à Assembleia da República.
Quanto ao problema da vinculatividade e da eficácia. Sr.a Deputada, não fui eu que inventei a regra do artigo 115.º da Constituição - V. Ex.ª far-me-á essa boa vontade. Nós confrontamos diferentes interpretações jurídicas da compatibilização entre o artigo 115.º e o artigo 256.º da Constituição - V. Ex.ª tem uma e eu outra - e nos Estados de direito democrático, quando isto acontece, existem órgãos e instâncias com capacidade para dirimir e dizer se é V. Ex.ª ou eu quem tem razão.
O que me parece errado, sob o ponto de vista político, é que quem defende a regionalização encare este debate à defesa e se comporte como se houvesse uma quase certeza de que o referendo sobre a regionalização tem de ser um referendo «barato», em termos de votação popular, e que há o risco de a regionalização não ser popular e, portanto, não vir a consagrar os 50% mais um dos votantes.
Não é essa a minha convicção, não devemos ter medo do referendo sobre a regionalização e devemos travar um combate político para que ele tenha, de facto, vinculatividade com os 50% mais um e o voto favorável na criação das regiões administrativas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, quero chamar a atenção para o facto de, inadvertidamente, ter sido «roubado» tempo, nesta intervenção do Sr. Ministro, ao Partido Ecologista Os Verdes. Por outro lado, queremos dizer que, para o Sr. Ministro poder depois ter tempo para responder ao PSD, o PSD também concede três minutos à bancada do Governo.

O Sr. Presidente: - Peço a atenção dos funcionários que estão atentos ao painel para me substituírem na necessidade de estar constantemente a observar os números. Façam favor de o fazer, porque é esse o vosso papel. Agora, é necessário creditar mais três minutos ao tempo do Governo, retirando-os ao PSD.
Faça o favor de prosseguir, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência, começava por colocar-lhe algumas questões, que, parece-me, o Sr. Ministro abordou na sua intervenção de uma forma pouco clara.
Em primeiro lugar, refiro a questão relativa ao problema da simultaneidade de referendos. Relativamente a isso, o Sr. Ministro deu a ideia - aliás, disse-o mesmo - que era claro, hoje, na Constituição que eram possíveis referendos sobre mais de uma matéria no mesmo dia. Sr. Ministro, discordo, isso não está na Constituição. E, para além de não estar na Constituição, diria mesmo que a única coisa que a Constituição faz sobre esta matéria, no n.º 6 do artigo 115.º, é remeter para a lei, eventualmente, ao referir que ela «determinará igualmente as demais condições de formulação e efectivação de referendos». Ora, entendeu-se também pela explicação do Sr. Ministro que o Governo pretende «atirar essa bola» para cima do Presidente da República. É evidente que, nos termos da Constituição, essa matéria, a ser regulada - e duvidamos que o possa ser constitucionalmente -, teria sempre de ser na lei e nunca poderá ser o Sr. Presidente da República a ficar com essa «batata quente». Portanto, do ponto de vista do PSD, gostava que isso ficasse claro.
A outra questão que queria colocar-lhe tem a ver com o problema da participação de eleitores e da validação dos referendos.
Sr. Ministro, vamos assentar aqui no seguinte: é o Partido Socialista - e também, enquanto intérprete da vontade do PS, o Governo - que tem dito, à sociedade, que o referendo sobre a regionalização é um imperativo constitucional. É um imperativo constitucional. segundo vós, e um imperativo, que, agora, face à letra da Constituição, depende de dois requisitos: por um lado, da existência de uma lei, aprovada pela Assembleia, de criação das regiões, lei essa com carácter orgânico, e, por outro, de um referendo.
Porém, o Sr. Ministro refere, depois, uma coisa espantosa, ao dizer que, mesmo que haja um referendo sobre esta matéria em que não participem 50% dos eleitores e, portanto, do ponto de vista do PSD, um referendo não válido, como já referiu o Sr. Deputado Barbosa de Melo -, esse referendo é válido, mas que a Assembleia pode não regionalizar, nesse caso. Ou seja, há aqui uma contradição total na vossa posição. pois se a regionalização é um imperativo constitucional e se os senhores dizem que um referendo com menos de 50% é um referendo válido, como é que o Sr. Ministro pode vir, depois, dizer que, mesmo assim, a Assembleia pode não regionalizar?
Sr. Ministro, devo dizer que não concordo corri grande parte dos pressupostos em que o Sr. Ministro assentou esta afirmação, mas não deixei de notar a contradição.
Um terceiro aspecto pouco claro na sua intervenção tem a ver com o seguinte: o Sr. Ministro falou da opção de colocar aqui, nesta lei, o problema da lei da regionalização. Confesso, Sr. Ministro. que não estou totalmente de acordo, embora me pareça uma questão formal, uma questão que, para nós, não é decisiva. E não estou de acordo não apenas porque me parece que o artigo 256.º aponta para uma lei orgânica própria mas também devido àquilo que o Sr. Ministro referiu: é que aqui há referendos de âmbito nacional e há referendos regionais, outra qualidade de referendos que a Constituição também trata.
Para terminar - e peço ao Sr. Presidente a sua contemporização -, vou colocar duas questões em relação às quais gostava de saber da abertura do Governo para o debate, na especialidade, que vai ter lugar sobre esta matéria.

Página 622

622 I SÉRIE - NÚMERO 16

Em primeiro lugar, a forma de formulação, por parte de grupos de cidadãos eleitores. de iniciativas de referendo. O Sr. Ministro defendeu a tese de que deve ser o primeiro subscritor de uma iniciativa desse tipo a arcar com as responsabilidades, que. depois, em termos jurídicos, lhe advêm, nomeadamente para efeitos de campanha.
A proposta do PSD, como sabe, aponta - e nisso fomos, depois, seguidos pelo Partido Popular - para uma tentativa de «organicidade», digamos, desse grupo de cidadãos eleitores, «organicidade» essa que tem, depois, toda a vantagem no sentido de facilitar a assunção dos direitos que lhe advêm em termos de campanha. Gostava de saber a abertura do Governo para a ponderação desta formulação.
Em segundo lugar, na vossa proposta, há uma questão - o Sr. Ministro não se lhe referiu, mas ela está lá que, em meu entender, é enorme, em termos de falta de democraticidade, relativa à exigência, colocada aqui na lei, de os partidos que partem para um referendo terem de declarar previamente qual a posição política que vão assumir. Penso que isto contraria totalmente a liberdade política que assiste a todos os cidadãos e seguramente também aos partidos políticos.
Portanto, gostaria de saber até que ponto o Sr. Ministro entende que há aqui qualquer laivo de democraticidade, bem como, depois, na outra norma que. em desenvolvimento disto, acaba por dizer que os tempos de antena, durante a campanha, são distribuídos de forma igualitária entre quem milita a favor do «sim» e quem milita a favor do «não». E o que acontece, Sr. Ministro, a quem, por exemplo, decidir, democraticamente, que é uma posição que radica na consciência dos cidadãos e que, portanto, deve fazer campanha de esclarecimento com liberdade de voto para cada um, não indo defender nem o «sim» nem o «não»? O que acontece a esses partidos, Sr. Ministro?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.

O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, em primeiro lugar, quero agradecer-lhe a cedência de tempo para que possa responder às suas questões.
Sr. Deputado, o que o Governo faz expressamente na sua proposta de lei é flexibilizar o tempo de interposição entre dois referendos, o que, aliás, devia merecer o aplauso do PSD. porque é ele que defende que haja, sobre a regionalização, primeiro, um referendo sobre a pergunta nacional e, alguns dias depois, um referendo sobre a pergunta de incidência regional - o que até beneficia, se quer que lhe diga, da proposta do Governo de flexibilização no tempo do regime da realização dos referendos.
Entendo - e tenho razões para pensá-lo - que a Constituição não proíbe a simultaneidade de realização de vários referendos no mesmo dia. Entendo que essa é a interpretação que hoje já consta e decorre da Constituição e da lei e que não é preciso dirimir essa questão em sede legislativa. A lei não o proíbe, a lei tem um regime específico de convocação de cada referendo, pelo que podem ser convocados para o mesmo dia mais do que um referendo. Mas não creio que essa seja uma questão decisiva e determinante para dirimir este problema.
Em relação às questões que coloca sobre a validade, Sr. Deputado, não há contradição na minha declaração. O Sr. Deputado pode discordar dos pressupostos da minha análise jurídica, mas não há qualquer contradição entre identificar no artigo 115.º uma regra geral de validade que determina a vinculatividade, isto é, a obrigação jurídico-constitucional de a Assembleia da República legislar efectivamente e de o fazer no sentido do referendo, e aquilo que identifico no artigo 256.º como uma condição de eficácia. O preenchimento dessa condição de eficácia abre à Assembleia da República a possibilidade de exercer os seus poderes legislativos, obrigatoriamente no sentido do referendo, quando ele tiver 50% mais um dos recenseados a votar, e facultativamente, na medida em que não houver 50% mais um dos recenseados a votar. E que aí devo dizer-lhe, com toda a sinceridade: então, qual é a lógica de haver duas maiorias, referidas, uma, no artigo 115.º e. outra, no artigo 256.º da Constituição?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não há duas maiorias!

O Orador: - Há, sim. Sr. Deputado! Há duas maiorias! Tecnicamente, são duas maiorias distintas, que, se quiser, não coincidem na sua identificação nem na sua conformação numérica.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso é uma falácia!

O Orador: - Quanto à questão de ser uma lei orgânica própria ou não para o referendo sobre a regionalização, Sr. Deputado, não tenho qualquer posição de princípio. Avancei um argumento e V. Ex.ª provavelmente terá outros que permitirão rever esta posição - não vejo aí qualquer obstáculo intransponível.
De igual modo, quanto à procura de haver um mínimo de «organicidade» nos grupos de cidadãos, a fórmula é flexível; encontrámos esta e VV. Ex.ªs encontraram outras, mas estou certo de que encontraremos uma fórmula que, sem excessos de burocracia, permita garantir alguma autenticidade e, sobretudo, representatividade desse grupo de cidadãos para beneficiarem dos direitos e responsabilidades inerentes ao processo do referendo pelos grupos de cidadãos.
Finalmente, quanto à posição inicial para o referendo, Sr. Deputado, não considero isso uma limitação à liberdade de expressão: considero-o uma exigência de clareza e de transparência no próprio processo do referendo. Quando se parte para um referendo é para dizer «sim» ou «não» à pergunta, não me parece que seja para dizer «mim».

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas isso é uma opinião política e não jurídica!

O Sr. Ministro da Presidência: - Eu sei que para a regionalização vos dava jeito!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sã.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência, em primeiro lugar, quanto à questão do referendo sobre a moeda única, o Sr. Ministro sabe certamente que o que está em causa nesta matéria não é referendar a ratificação do Tratado de Maastricht. Aquilo que

Página 623

21 DE NOVEMBRO DE 1997 623

está em causa é o País determinar soberanamente se a prioridade que tem é uma política tendente à moeda única, se essa é a questão fundamental, ou se, pelo contrário, deve ter outras prioridades. Ou seja, noutros termos, se a prioridade do País deve ser a de estar no pelotão da frente em matéria de desenvolvimento ou em matéria de moeda única. Isto é questão da soberania de cada Estado e não algo que o Tratado de Maastricht imponha ou que esteja decidido pelo próprio Tratado.
A segunda questão que, neste âmbito, quero colocar-lhe tem a ver com o seguinte: o Sr. Ministro, a propósito da resposta à Deputada Isabel Castro, falou em encarar o debate à defesa, em encarar o debate com medo. Não se trata disso, Sr. Ministro, mas de encarar esta questão na base de princípios. E, em matéria de princípios, o Sr. Ministro disse, e bem, que instituir as regiões é constitucionalmente obrigatório e que há uma decisão da Assembleia da República cuja eficácia fica dependente de referendo.
Ora, é aqui que esta situação é criticável, pois trata-se de uma decisão de um órgão de soberania que depende da democracia directa, criando a possibilidade de uma linha de conflito entre a democracia representativa e a democracia directa.
Este é um ponto fundamental, da mesma forma que o é o facto de, no meio das imensas conversas que o Sr. Ministro terá tido, até às 7 horas da manhã, com o líder do PSD, em matéria de revisão constitucional, não ter resolvido os problemas resultantes da enorme trapalhada em que meteu o processo de regionalização.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - E é uma enorme trapalhada que leva a colocar a questão nestes termos: é que, com amigos destes, a regionalização quase que escusava de ter inimigos!

O Sr. João Amaral (PCP): - Exactamente!

O Orador: - A outra questão que quero colocar-lhe. Sr. Ministro, diz respeito ao problema da simultaneidade dos referendos.
Naturalmente, há aqui um problema de constitucionalidade. A Constituição diz que um referendo não pode incidir sobre mais do que uma matéria e o Sr. Ministro chama duas matérias a dois referendos diferentes e resolve o problema da constitucionalidade. Porém, o problema fundamental não é de constitucionalidade mas eminentemente político. E, neste plano, temos de dizer que é um intolerável golpe a tentativa de fazer dois referendos sobre matérias completamente diferentes no mesmo dia, tentando explorar o facto de o PS preconizar um «sim» aos dois referendos e outros partidos preconizarem um «não» a um referendo e um «sim» a outro e, mais do que isto, pretender, em matéria europeia, fazer um referendo sobre questões que não se põem, que são completamente irrelevantes perante os problemas fundamentais que se colocam em matéria europeia.
O Governo tem medo de uma enorme abstenção, assim como o PS, e quer resolver este problema de um modo completamente atrabiliário e que, de todo em todo, não tem ponta por onde se lhe pegue, do ponto de vista constitucional ou do ponto de vista democrático.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.

O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Sã. muito sinteticamente, porque não quero abusar do tempo que me está a ser generosamente conferido, devo dizer-lhe que o problema do referendo ao Tratado de Maastricht não se coloca efectivamente e a forma como o Sr. Deputado coloca a questão não é uni referendo sobre matéria que tenha de ser resolvida por acto legislativo ou por acto convencional, é um referendo sobre prioridades políticas. que não tem cabimento na nossa ordem constitucional.
Aí é que o Sr. Deputado está a pôr-se fora da ordem constitucional, ao querer referendar políticas, independentemente da sua conexão corri actos legislativos ou corri actos convencionais, para fugir à contradição, - aí, sim, real -, que existe entre uma deliberação legítima do órgão da democracia representativa, ao aprovar o Tratado de Maastricht, e aquilo que o Sr. Deputado pretende, que é impedir a entrada de Portugal na moeda única.
Quanto ao problema das maiorias em relação ao processo de regionalização. devo dizer-lhe que entendo que o artigo 252.º consagra uma condição de eficácia. condição essa que não altera a validade do preceito constitucional. Continuará a haver uma obrigatoriedade constitucional de criação de regiões mesmo que o referendo sobre a regionalização se pronuncie no sentido de um não à regionalização. Haverá, portanto, nesse cenário, uma outra oportunidade, um novo referendo para voltar a colocar a questão.
Mas, Sr. Deputado, não fui eu que votei o princípio de que há uma condição de eficácia - essa é unia norma constitucional. A proposta de lei nada acrescenta em relação ao que a Constituição directamente postula. Portanto. não posso ser acusado de ser um «amigo suspeito» da regionalização, uma espécie de «amigo de Peniche» da regionalização.
Quanto às conversas até as 7 da manhã, só podem estar confirmadas quando tiver a minha confirmação. Neste momento, não lha dou.
Quanto à questão da simultaneidade, Sr. Deputado Luís Sá, percebo o seu argumento. Entendo que a lógica da Constituição é uma: cada referendo é sobre unia matéria e só sobre uma matéria, porque cada referendo tem unia campanha específica relativa a essa matéria. Não há impossibilidade constitucional de correrem, em simultâneo, dois referendos com duas campanhas autonomizada sobre matérias distintas.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Duas ou mais! Três ou quatro!

O Orador: - Ou mais!
Srs. Deputados, os senhores, que são recém-convertidos ao referendo, devem recordar-se de que, em Itália, houve ocasiões em que se realizaram 11 referendos num mesmo dia, que discutiam matérias desde saber se o Sr. Berlusconi deveria ou não ter três canais de televisão, e deveria ou não haver Ministério da Agricultura, se deveria ou não haver a seala inobile de indexação dos salários à inflação, até se deveria ou não haver reforço das competências das regiões administrativas italianas. Os italianos não são mais perspicazes do que os portugueses para saberem posicionar-se perante os referendos, sabendo estes últimos posicionar-se diferentemente quando, nas elei-

Página 624

624 I SÉRIE - NÚMERO 16

ções locais, são chamados a votar para três órgãos distintos - a câmara municipal, a assembleia municipal e a junta de freguesia.

Aplausos do PS.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Então, o argumento é copiar a Itália ... ! Essa comparação é «brilhante», é «notável»!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva, para pedir esclarecimentos.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, queria começar pela última questão que abordou e que já aqui foi suscitada pelos Srs. Deputados Luís Marques Guedes e Luís Sá.
Vamos ser claros: o que está em causa é a simultaneidade ou não do referendo europeu com o referendo sobre a regionalização. Não vale a pena escamotear esta questão.
V. Ex.ª preconizou, na sua intervenção, a solução da omissão, isto é, tem uma leitura de omissão ou, pelo menos, de uma falta de letra expressa na Constituição e na lei relativamente à simultaneidade ou não dos referendos; tem uma interpretação sobre essa omissão e quer mantê-la, preconizando que esta Assembleia se demita de regular essa matéria, passando a questão para o Presidente da República.
Não estamos a servir a democracia com este tipo de atitudes, Sr. Ministro!
Estamos perante um instrumento que pretende ser enriquecedor da democracia, enriquecedor da participação dos cidadãos e vamos deixar que, num aspecto relevante e essencial, seja o Presidente da República a arbitrar, em função de pressões a que não deve submeter-se, a questão relevante da simultaneidade.
V. Ex.ª argumentou que, em Itália, se fizeram vários referendos simultaneamente e que o discernimento do povo italiano não é maior do que o do povo português. Mas, por exemplo, repare que vai colocar-se a questão de se fazerem dois referendos no mesmo dia, relativamente aos quais será diferente a participação dos emigrantes num e noutro. Veja a confusão que aí se gera relativamente ao próprio universo eleitoral participante nos referendos.
Em nome do bom senso, da clareza, da transparência, do exercício democrático mais puro, parece-me que temos de deixar clara na lei a não simultaneidade que, aliás, é o sentido que, em nosso entender, já hoje decorre quer da lei quer da Constituição.
Relativamente ao voto e à participação dos emigrantes, V. Ex.ª respondeu ao Sr. Deputado Barbosa de Melo, dizendo que a proposta de lei tinha acolhido o que a Constituição refere nesta matéria quando, no n.º 12 do artigo 115.º, usa a expressão «matérias que também interessem especificamente aos emigrantes».
Só que o Governo, habilmente, recolhe esta redacção constitucional no n.º 2 do artigo 38.º da proposta de lei.
Mas, confirmando, aliás, que o Governo e o Partido Socialista têm vindo a aceitar a contragosto, com grandes dificuldades internas de todos conhecidas.

Vozes do PSD: - É verdade, é verdade!

O Orador: - ... como aconteceu no caso da eleição para o Presidente da República e também para os referendos, esta matéria de reconhecimento da participação dos emigrantes em actos eleitorais e referendários, o Governo utiliza a técnica, nesta proposta de lei, de ir reduzindo cada vez mais o sentido constitucional...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É a técnica do funil!

O Orador: - Assim, a expressão «também» desaparece do 11.º 3, ainda fica menor no n.º 4.
O Governo, no n.º 3 do artigo 8.º, define de forma restritiva o que seja a especificidade para efeitos da participação dos emigrantes, definição com que, obviamente, não podemos concordar e que esvazia o sentido extensivo que a expressão «também» tem no n.º 12 do artigo 115.º da Constituição.
Não satisfeito com esta restrição, o Governo vai ainda mais longe no n.º 4 e proclama que, em termos de referendo europeu, só terão direito de participação os cidadãos portugueses recenseados nos Estados membros. Esquece, assim, que, hoje, a cidadania europeia é um estatuto que têm os portugueses residentes nos vários cantos do mundo, estatuto esse que já tem tido expressão prática e útil. Basta lembrar, por exemplo, o que foi a protecção que países da União Europeia, ao abrigo da cidadania europeia, concederam a portugueses residentes no Congo, matéria a que V. Ex.ª deveria ser particularmente sensível. Não haverá, portanto, interesse desses cidadãos em relação ao referendo europeu em que estão em causa direitos e deveres que são inerentes à sua cidadania?
Vamos restringir a questão do referendo europeu exclusivamente aos cidadãos portugueses residentes e recenseados nos Estados membros? Não é esta uma forma que o Governo encontrou de, ao fim e ao cabo, retirar aos emigrantes um direito que a Constituição lhes dá?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Constato que o Sr. Ministro faz a gestão do seu tempo parlamentar pelos parâmetros de quando era brilhante Deputado...

Assim, a Mesa concede-lhe três minutos para responder ao Sr. Guilherme Silva.

Faça favor.

O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, em primeiro lugar, agradeço a sua generosidade. Naturalmente, o grande número de perguntas que foi feito não poderia ficar sem resposta, pelo que agradeço a generosidade da Câmara ao permitir-me utilizar este tempo adicional. Não creio que seja um benefício meu; sinceramente, creio que é um benefício do debate no seu conjunto.
Sr. Deputado Guilherme Silva, quanto à questão da simultaneidade, admito que haja diferentes opiniões sobre esta matéria, mas não acuse o Governo de querer resolver o problema, perfidamente, por omissão, porque eu poderia devolver a acusação: VV. Ex.ªs também não resolvem o problema por acção. É que se entendem que a Constituição não permite a interpretação da simultaneidade e se queriam certificar-se dessa impossibilidade, deveriam ter explicitado no articulado do vosso projecto de lei que é proibido...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é preciso!

Página 625

21 DE NOVEMBRO DE 1997 625

O Orador: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, tanto não é preciso para VV. Ex.ªs como também não é preciso para mim, em interpretações completamente diferentes...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, não!
Sr. Ministro, veja o n.º 6 do artigo 112.º!

O Orador: - Tão legítimo é eu não ter de legislar quando tenho uma interpretação segura da Constituição como é legítimo V. Ex.ª não legislar se tem uma outra interpretação segura da Constituição! Mas, sinceramente, o que não me parece é que a acusação possa ser feita sem que tenha um efeito de boomerang para quem me acusa.
Quanto aos universos eleitorais diferentes, Sr. Deputado, aqui está quase geneticamente implícita a ideia de que, muito frequentemente, haverá universos eleitorais diferentes, desde logo no referendo sobre a regionalização, no qual - e vou citar um exemplo que decerto lhe é querido - os cidadãos nacionais residentes em território nacional nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira votarão para a pergunta nacional mas já não serão chamados a votar para a pergunta regional.
Esta geometria variável resulta do critério constitucionalmente acolhido de que a definição do universo eleitoral é em função dos interesses que estiverem em jogo em cada referendo. E o Governo avançou com uma proposta de critério (artigo 38.º, n.ºs 3 e 4). É criticável? Todas as propostas são criticáveis.
Mas o PSD não se deu sequer ao trabalho de avançar com nenhum critério densificador da norma constitucional! O PSD, ao não o fazer no seu projecto de lei, está - aí, sim - a remeter para cada caso e para cada decisão o preenchimento integral do conceito indeterminado que a Constituição acolhe. enquanto o Governo. ao menos, fez um esforço de dar um sentido teleológico ao preceito constitucional indeterminado que existe no artigo 115.º da Constituição.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É a táctica do funil ... !
Quem tem de dirimir isso é o Tribunal Constitucional!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem agora a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo. Srs. Deputados: O instituto do referendo no sistema jurídico democrático português tem conhecido uma vida atribulada. Insistentemente reclamado no período inaugural post 25 de Abril por democratas eminentes, como Francisco Sã Carneiro, e por forças políticas significativas, como o PPD/PSD, o referendo só viria a ser acolhido formalmente na Constituição da República com a revisão de 1989.
Foi então regulado no Texto Constitucional com particular minúcia e cautela e teve, na lei orgânica que agora estamos a rever, um desenvolvimento, normativo que digo-o sinceramente - tem evidentes marcas de mestria técnica. Só que, até hoje, não conheceu aplicação prática alguma.
Quando um movimento cívico de considerável envergadura pressionou os poderes constituídos, através de uma petição dirigida à Assembleia da República e através da comunicação social, no sentido de a ratificação do Tratado de Maastricht ser submetida a consulta popular, logo se viu que o referendo não podia ser usado no caso, dado o modo como fora gizado o seu regime constitucional e legal.
O eleitorado da generalidade dos Estados membros das Comunidades Europeias pôde dizer de sua justiça a respeito de matéria tão relevante. Os portugueses. para o poderem fazer precisavam, careciam de ter, primeiro, uma revisão constitucional!
A hermenêutica constitucional assim o impunha: nem as matérias versadas em convenções internacionais submetidas à aprovação parlamentar, nem as matérias legislativas cobertas pelas reservas de competência da Assembleia da República podiam, em caso algum, ser sujeitas a referendo. E a pronúncia do povo em consulta directa nem sequer sobre as alterações constitucionais era admitida matéria esta que constitui, em muitos Estados democráticos, o objecto normal de referendos obrigatórios. Lembro, por exemplo a Constituição de Espanha, a Constituição Federal da Confederação Suíça, muitas constituições de cantões suíços, várias constituições de Lander federados na República Federal da Alemanha, a Constituição de França, etc.
Por sua vez, os cidadãos eleitores. por maior que fosse o seu número, não dispunham do poder de desencadear o procedimento de consulta popular em relação às escassas matérias referendárias. Na mesma ordem de ideias, não havia possibilidade de realizar, por exemplo, referendos revogatórios, como acontece em Itália, pois as questões a referendar versam matérias que estão para decidir e nunca as já decididas! Esta também é, julgo eu, uma originalidade do sistema português.
Numa palavra: o instituto do referendo, acolhido em 1989, aparece menos - notem bem! - como meio de participação dos cidadãos eleitores na vida política e mais como instrumento de desoneração da responsabilidade política por parte dos titulares dos órgãos representativos ou, se quisermos, da «classe política». Ele serviria, imagino, na mente de quem o concebeu, para os políticos poderem, perante uma questão melindrosa, tal como Pilatos, «lavar as mãos», devolvendo ao povo a decisão. Mas este - o povo -, por sua iniciativa. não podia pronunciar-se a respeito de decisões da maior importância colectiva. quer antes quer depois de elas terem sido tomadas.
Ora bem, em 1997 deram-se alguns, só alguns passos importantes no caminho de devolver o referendo à comunidade dos cidadãos. pondo-o ao serviço do direito de participação política de todos os portugueses.
Admitiu-se a iniciativa popular, reconheceu-se o direito à participação dos cidadãos residentes no estrangeiro, estendeu-se a matéria referendável às questões fundamentais ou de relevante interesse nacional da generalidade das convenções internacionais, alargou-se o âmbito material no domínio legislativo e consagrou-se o referendo de incidência territorial como pressuposto da regionalização. Mas, como se vê, estes passos. ainda que importantes. somam, no seu conjunto, uma breve caminhada.
Os referendos constitucionais continuam vedados, não é possível sujeitar a referendo a decisão legislativa que vise, por exemplo - vejam só! -, abolir ou manter o serviço militar obrigatório... Esta decisão não é, ainda hoje, passível de referendo.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Enfim, andou-se um pouco, mas não tanto quanto gostariam os defensores de sempre da ideia

Página 626

626 I SÉRIE - NÚMERO 16

do referendo e da necessidade de integrar a democracia representativa com meios eficazes de intervenção da comunidade dos cidadãos nas decisões importantes. Ou seja, não se deu um passo tamanho que pudesse contentar esses. Em todo o caso, deu-se um pequeno passo.
Todavia, a razão pela qual subi à tribuna não foi, propriamente, para fazer esta declaração mas, sim, para apresentar, na sua generalidade, os dois projectos de lei que o PSD submete à discussão desta tarde.
O PSD, como, aliás, já resultou do que aqui foi dito. seguiu nesta matéria uma estratégia diferente da do Governo. Este apresentou, num só diploma - a proposta de lei em discussão -, um regime geral para o referendo, no qual incluiu um título último que trata, em particular, do referendo previsto em matéria de regionalização.
Nós seguimos caminho distinto, e boa razão tínhamos para o fazer, na óptica que aí anda a respeito do referendo da regionalização. Sr. Ministro, fiquei contente - se é que me está a ouvir, senão peço a algum membro do Governo que lho diga...

Risos do PSD, do PS e do PCP.

Fiquei contente, dizia, por ter ouvido o Sr. Ministro defender aqui que era preciso fazer um código do referendo, isto é, tratar o referendo como uma instituição genérica que, ora se usa para uma coisa, ora se usa para outra - mesmo o referendo de incidência territorial tem de ser pensado assim, porque as modificações, a estruturação do território nunca se faz para nunca mais variar, ou seja, essa ideia da irreversibilidade não é correcta.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O referendo é um instrumento de auscultação da vontade do povo e deve estar «aparelhado» para funcionar sempre que seja necessário fazer ou desfazer aquilo que, um dia, foi feito! A matéria sujeita a referendo está sujeita a ele não só para fazer como também para desfazer, por isso a ideia de incluir todo o seu regime num só documento, ao menos, tem essa virtude.
Saúdo, portanto, o Sr. Ministro por ter a ideia de elaborar um código do referendo, já que ela não estava muito clara na iniciativa legislativa agora objecto de ponderação.
O PSD apresentou, no projecto geral, propostas de emenda relativas a muitos artigos, sempre com a ideia de dar ao referendo essa capacidade de funcionamento de integração da democracia representativa.
Quanto ao projecto de lei n.º 420/VII, o do referendo relativo à regionalização, devo dizer que este referendo já aqui foi, aliás, muitas vezes citado, mas está, evidentemente, organizado para satisfação daquelas que são as nossas pretensões fundamentais, porque são pretensões do povo português.
A este propósito, vou apenas tocar dois pontos.
Em primeiro lugar, o voto dos portugueses espalhados pelo mundo. Antes de mais nada, somos um povo e só depois um território. Aliás, os períodos dramáticos da nossa História são sempre aqueles em que os territorialistas dominam o poder político, esses que querem fazer impérios instalam-se e dão à Nação Portuguesa uma dimensão corporizada num território.
Nós somos um povo que, como escreveu um dos grandes autores que, há tempos, aqui invocámos, o Padre António Vieira - aliás, a frase foi aqui lembrada por alguns dos nossos colegas -, «tem uma porção de terra para nascer e o mundo inteiro para morrer». De facto, o território não é, para nós, questão tão importante; muito importante, sim, é o laço de cidadania, a ligação, o sentimento de pertença que une os portugueses espalhados pelo mundo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, é fundamental que, em qualquer questão relevante da vida política portuguesa - e é questão relevante da vida política portuguesa o uso do referendo -, os cidadãos portugueses espalhados pelo mundo possam emitir o seu juízo se o tema do referendo também tiver a ver com eles. E é evidente que, por exemplo, o referendo de alcance territorial. que organize e componha de maneira diferente o território português, designadamente que decida se ele há-de ter parcelas mais ou menos autónomas, se há-de ser centralizado ou repartido por várias poliarquias, ou seja, uma decisão deste tipo interessa a todos os portugueses, porque esse também é o espaço onde o português, quando pode, velho, regressa para viver.

Aplausos do PSD.

Sendo assim, essa decisão diz-lhe também directamente respeito! Aliás, não faria sentido que se procedesse de outra maneira.
Por exemplo, na proposta de lei, não entendo - e bem gostaria de perceber - por que razão quem está na Europa pode votar nos referendos europeus e quem está em África não pode pronunciar-se a tal respeito! A matéria europeia só interessa a quem está na Europa?!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É caricato!

O Orador: - A nossa relação com a União Europeia só interessa a quem está na Europa? Que ideia é esta da comunidade portuguesa? Agora, sim, entendo por que é que as ideias da comunidade portuguesa andam a funcionar mal, há uns tempos a esta parte...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, e termino, este debate, na generalidade, visa fazer a aproximação de três ou quatro diplomas fundamentais, nos quais as forças políticas aqui presentes expressaram uma larga sorna de conhecimentos e de opções técnicas, ou seja, este debate é apenas o prelúdio, só pode ser o prelúdio, do longuíssimo e profundo trabalho que nos espera em comissão.
É, pois, fundamental que o espírito que me pareceu reinar aqui hoje continue nos trabalhos em comissão e que, ao fim desse longo percurso que teremos de fazer. em debates, porventura, infindáveis em certo sentido, seja possível descobrir o património ético-político comum a todas as forças políticas democráticas em matéria de referendo. E faço votos para que não haja questões menores que impeçam um acerto no essencial da questão.
Nós, Deputados, representantes do povo português, devemos aos cidadãos de Portugal, os que vivem aqui ou fora, um instituto que é hoje uma indispensabilidade para o correcto funcionamento da democracia.
Muito obrigado pela vossa atenção.

Aplausos do PSD.

Página 627

21 DE NOVEMBRO DE 1997 627

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos à hora regimental das votações. Creio que nada há que impeça que se proceda, desde já, às mesmas.
Vamos começar por votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 144/VII - Altera a lei orgânica do Banco de Portugal, tendo em vista a sua integração no Sistema Europeu de Bancos Centrais.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS e do PSD e votos contra do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes.

Srs. Deputados, a proposta agora aprovada baixa à 5.ª Comissão.
Vamos votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 148/VII - Lei das Finanças das Regiões Autónomas.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Srs. Deputados, a proposta baixa à 5.ª Comissão.
Vamos agora votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 137/VII - Estabelece o regime geral de emissão e gestão da dívida pública.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e votos contra do PCP e de Os Verdes.

Srs. Deputados, a proposta também baixa à 5.ª Comissão.

Segue-se a votação, na generalidade, na especialidade e final global, da proposta de lei n.º 119/VII - Autoriza o Governo a alterar o Código do IRC no sentido de equiparar o Instituto de Gestão de Crédito Público a instituição de crédito residente para efeitos de tratamento concedido aos instrumentos financeiros derivados no âmbito do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas e alterar o Estatuto dos Benefícios Fiscais.
O Sr. Deputado Octávio Teixeira pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, queria saber se vamos votar apenas o artigo 1.º da proposta de lei n.º 119/VII ou os artigos 1.º e 2.º da mesma. A minha dúvida põe-se porque este último já está aprovado pela Lei do Orçamento do Estado, e julgo que não se deve votar duas vezes a mesma coisa.

O Sr. Presidente: - Também para intervir sobre a mesma matéria, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, a interpretação que faço é que um dos artigo da proposta de lei fazia todo o sentido quando esta deu entrada na Assembleia da República. Contudo, com a posterior votação dessa matéria em sede de Orçamento do Estado, em meu entender, já não fará sentido repetir esse texto nesta proposta de lei.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, creio que todos estão de acordo de que o artigo 2.º da proposta de lei n.º 119/VII não pode ser votado, porque já foi objecto de votação - o que já se fez não pode fazer-se de novo.
Posto isto, vamos votar, na generalidade, apenas o artigo 1.º da proposta de lei já identificada.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do PCP e de Os Verdes e a abstenção do CDS-PP.

Srs. Deputados, vamos agora votar, na especialidade, o mesmo artigo 1.º da proposta de lei n.º 119/VII.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do PCP e de Os Verdes e a abstenção do CDS-PP.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação final global da mesma proposta de lei.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD, do PCP e de Os Verdes e a abstenção do CDS-PP.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação final global do projecto de lei n.º 223/VII - Aprova medidas tendentes à entrega de armamentos, explosivos e munições ilegalmente detidos (PSD).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, terminadas as votações agendadas para hoje, vamos continuar o debate da matéria constante da ordem do dia.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Suponho que ninguém tem dúvidas de que a Assembleia da República não está só a discutir uns projectos para conformar a lei do referendo às alterações constitucionais decorrentes da última revisão. O que aqui se discute, realmente, é o calendário político do ano de 1998, nele incluídos a questão da regionalização, a consulta directa que deverá ser feita sobre a instituição das regiões e o chamado referendo sobre a Europa, que mais propriamente se deveria chamar um simulacro de referendo sobre a Europa.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Ora, o que é cada vez mais evidente é que o PS meteu o processo de regionalização numa «camisa de onze varas» e agora não pode e não, quer desembrulhá-lo da prisão e da embrulhada em que o meteu.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Para qualquer lado que se volte, o PS encontra, de imediato, novas armadilhas e artimanhas, todas elas tiradas de um inesgotável stock criado pela revisão constitucional que o próprio PS animou, subscreveu e aprovou.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É desta responsabilidade na embrulhada criada e nas suas consequências para a regionalização que

Página 628

628 I SÉRIE - NÚMERO 16

a direcção do PS não pode continuar a alhear-se e tem o estrito dever de a assumir publicamente. O PS não pode continuar a enganar o País, afirmando uma vontade de instituir as regiões administrativas, quando tem sido um artífice diligente dos entraves que emperram o processo de regionalização.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O PS tem de falar verdade, até a muitos dos seus militantes, que, pelo país, andam convencidos de que estão, seriamente, a trabalhar para uma causa que os seus dirigentes máximos armadilharam na revisão constitucional e que vai sendo, assim, adiada e boicotada sucessivamente.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A responsabilidade por estas vicissitudes, atrasos e boicotes não se consuma agora, nesta lei do referendo ou nas perguntas, ou noutro qualquer passo subsequente. A responsabilidade por esta embrulhada definiu-se durante a elaboração e no momento da aprovação da lei de revisão constitucional.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - São as alterações à Constituição que o PS «cozinhou» com o PSD e o PP que fazem o processo estar no estado em que está e, de embrulhada em embrulhada, cada vez em pior situação, como se prova com os três pontos essenciais que estão, realmente, no centro deste debate.
Primeiro ponto: a questão do número de eleitores necessários para consulta directa sobre a matéria das regiões administrativas.
Neste domínio, a solução proposta pelo Governo só poderia ser congeminada por quem quisesse que o processo de regionalização tivesse o máximo possível de obstáculos.
A solução é aberrante e só se pode justificar por uma ideia invertida do comando constitucional. 15to é, onde a Constituição manda que as regiões sejam criadas e instituídas, logo que os portugueses digam «sim», em resposta à consulta directa, o PS leu o contrário, ou seja, colocou em prática a ideia de que a Constituição estabelece que as regiões não devem ser criadas, excepto se os portugueses disserem «sim» numa votação com mais de 50% de participação.
Para o Governo, qualquer «não» é um «não» vinculativo, quer haja mais de 50% de votantes ou não, mas o «sim» só é «sim» se houver mais de 50% de votantes, caso contrário, mesmo na hipótese de haver 49% de votantes e de, ainda por hipótese, 90% dizerem que são favoráveis à regionalização, mesmo assim, uma votação com menos de 50% de eleitores equivale a um «não».

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Não é verdade!

O Orador: - Equivale a um «não», porque VV. Ex.ªs nesse caso, não consideram vinculativa a criação das regiões.
Como sempre sucedeu nesta questão das regiões, o PS começou por defender uma determinada posição, no caso, a de que bastaria qualquer votação para que as regiões fossem instituídas, mas, quando começou o coro dos anti-regionalistas a reclamar a exigência dos 50%, o PS, como de costume, logo assumiu como sua tal exigência e pô-la, «preto no branco», na proposta do Governo.
Nesse comunicado, o PS - Governo assume que pretende para a consulta directa relativa à regionalização um regime mais gravoso do que o que existe para a generalidade dos referendos.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exactamente!

O Orador: - No regime geral dos referendos, em que o recurso ao referendo é facultativo e versa sobre matéria que a Assembleia há-de decidir, o que a Constituição estabelece é que a resposta afirmativa ou negativa é vinculativa quando há mais de 50% de votantes, ficando, nos restantes casos, ao critério da Assembleia, a questão de saber como legislar, em que sentido, incluindo se respeita ou não a indicação resultante da votação.
Ora, no caso da regionalização, o referendo é obrigatório e não facultativo. E havia de ser aqui, quando se trata de executar uma obrigação constitucional, a de criar as regiões, que se haviam de colocar maiores obstáculos e condições para poder prosseguir o processo legislativo; aqui, onde se trata de uma consulta sobre uma lei já aprovada e publicada, consulta obrigatória e condicionadora da concretização de uma imposição constitucional!...
É este o facto que tem sido sistematicamente sonegado neste debate, apesar de o Sr. Deputado Barbosa de Melo, no parecer que elaborou, fazer várias referências a esse facto. E que o que é vinculativo, neste processo, para os órgãos de soberania, é a própria criação e instituição das regiões administrativas no continente.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A proposta do Governo é a proposta do «não» à concretização do imperativo constitucional. Este é o sentido de especialidade que o PS quer impor ao regime de consulta directa sobre as regiões, mas a haver alguma especialidade - e deve havê-la! - é precisamente no sentido contrário ao da proposta do Governo. O que o regime jurídico desta consulta directa exige é que sejam removidos obstáculos artificiais e desnecessários à concretização da obrigação constitucional de criar regiões.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O regime legal desta consulta sobre as regiões deve ser pelo «sim» ao cumprimento da Constituição!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Se se permitisse que, em face de uma resposta positiva, mesmo assim, as regiões não fossem instituídas, estava a permitir-se que os órgãos de soberania pudessem decidir não cumprir a Constituição! E isso é que seria inconstitucional, porque a primeira obrigação dos órgãos de soberania é a de cumprirem as imposições da Constituição!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Foi com este fundamento que o PCP apresentou o projecto de lei n.º 428/VII, que está também em debate. O PS vai ter de se confrontar com a solução

Página 629

21 DE NOVEMBRO DE 1997 629

nele proposta, que, como decorre do que acabei de dizer, considera que uma resposta afirmativa é, por si, condição necessária e suficiente para dar cumprimento ao artigo 256.º, n.º 1, da Constituição, pelo que, em sequência, a Assembleia deve aprovar obrigatoriamente as respectivas leis de instituição, num prazo razoável de 90 dias. O PS vai ter de dizer se aprova, com o PCP, esta solução, que é a constitucional e a adequada ao objectivo de criação das regiões. Votando-a favoravelmente, será essa solução a vigorar, se não o fizer, mais uma vez, por sua exclusiva responsabilidade, é criado mais um obstáculo ao processo de regionalização.

Aplausos do PCP.

O PS sabe perfeitamente que até os trabalhos preparatórios da revisão constitucional mostraram que não é necessária a exigência de mais de 50% de eleitores. Sabe que essa exigência constou do texto da proposta que apresentou para o artigo 256.º, texto, esse, que, no n.º 3, também já mandava aplicar as regras gerais do referendo e que, apesar disso, continha, como específica, esta exigência especial de 50%. Mas o PS também sabe que essa exigência foi retirada, depois das denúncias que nós próprios, PCP, fizemos, nomeadamente em sede de Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, mostrando o que podia resultar dela, no que toca, designadamente, ao universo eleitoral. Agora, o que é que o PS quer dizer? Quer dizer que aquela retirada da norma não foi, afinal, uma retirada? Meus Senhores, Srs. Deputados do Partido Socialista, os que participaram neste debate e que dizem isso não estão de boa fé!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Mas enxerta-se aqui outra questão: o PS, quando assumiu esta exigência de mais de 50% dos eleitores, sabia perfeitamente que, assim, estava a construir uma nova barreira para adiar a regionalização: a da desactualização e do empolamento do recenseamento.
O PCP é muito claro nesta matéria: é necessário rever o recenseamento, fazendo-o aproximar da realidade, mas essa é uma exigência que nada tem a ver com a regionalização; essa é a exigência da verdade do universo eleitoral e nada tem a ver com o processo de regionalização.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Para o prosseguimento do processo de instituição das regiões, não é preciso esperar pela actualização do recenseamento, que, certamente, não vai ser feita em dois dias nem em dois meses. Quem quer esperar pela actualização do recenseamento é quem inventou a exigência de mais de 50% de votantes para o referendo ser válido e não quer instituir as regiões com uma votação afirmativa, mesmo que só a considere com carácter indicativo, por não ter havido 50% de afluência de votantes.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Quem quer esperar pela actualização do recenseamento é quem pensa que o País vai entender que, numa questão como esta, tão polémica e tão debatida como é e tem sido, são sérios e de boa fé os receios de que não haja, mesmo com o recenseamento actual, 50% de votantes em afluência às umas na votação do referendo.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Isso é que é medo!

O Orador: - Claro que haverá!
Com franqueza, quem quer esperar pela actualização do recenseamento não tem razão alguma, no próprio recenseamento, para o fazer; o que quer é atrasar a consulta directa e, ao fim e ao cabo, a própria regionalização.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas não foi este o único bloqueio que o PS engendrou para este processo.
O PSD não esconde aqui os seus objectivos e colocou já em cima da Mesa dois outros bloqueios para o PS se desenvencilhar. Falo da questão do universo de votantes, isto é, de saber se os não residentes em Portugal votam ou não e, em caso afirmativo, quais é que votam.
Com a demagogia ao rubro, o PS, quando foi confrontado com o voto dos emigrantes nas presidenciais e nos referendos, foi «só facilidades», naquela filosofia do «depois vamos ver como é que isso se resolve». Agora, quando se colocam os problemas em concreto, o PS revolve-se nas suas próprias armadilhas. Aqui, o «buraco» é evidente! A Constituição estabelece que os recenseados no estrangeiro, nos termos do artigo 121.º, n.º 2, podem votar nos referendos, quando estes «recaiam sobre matéria que lhes diga também especificamente respeito». Feita a concessão demagógica e entrando-se, depois, na fase seguinte, na proposta do Governo faz-se uma tentativa de traduzir este «especificamente» em questões que «se repercutam de forma directa e imediata no exercício de direitos e deveres de não residentes». O PSD, que é o co-autor da norma constitucional - norma que está no acordo de revisão celebrado entre o PS e o PSD -, entende que basta o que consta do texto da Constituição, isto é, que os residentes no estrangeiro participam nos referendos quando eles recaiam sobre matéria que também lhes diga especificamente respeito. E agora? Com o PSD a exigir o voto dos não residentes na pergunta de alcance nacional, com a demagogia a funcionar em pleno, com o Sr. Deputado Manuel Monteiro a fazer coro com essa exigência e, ainda por cima, com a ameaça constante, permanente do PSD, de recurso para o Tribunal Constitucional, o que vai fazer o Partido Socialista?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Boa pergunta!

O Orador: - Outro bloqueio em curso neste processo é o que tem a ver com a questão da simultaneidade das duas perguntas, a nacional e a relativa a cada área regional. O PSD voltou à carga: quer as perguntas separadas, quer a pergunta de alcance nacional isolada. E o PS? O que vai fazer?
As perguntas que faço ao PS têm uma razão de ser muito simples: é que cada um destes «pedregulhos» no caminho da regionalização, cada uma destas «armadilhas», cada um destes temas, que dão para as ameaças de recursos ao Tribunal Constitucional e para as chantagens de todo o tipo, são o resultado directo da revisão constitucional que o PS assinou com o PSD e votou livremente em Setembro passado. E, para haver lei do referendo, o PS, sozinho, não chega para a sua aprovação, porque as leis orgânicas têm de ser aprovadas pela maioria absoluta dos Deputados. Ora, para aprovar a lei referente ao universo de eleitores recenseados no estrangeiro, se essa questão se vier a colocar, são precisos 213, para definir, nos termos

Página 630

630 I SÉRIE - NÚMERO 16

do n.º 2 do artigo 121.º da Constituição, quais são, dos tais residentes no estrangeiro, os que mantêm «laços de efectiva ligação à comunidade nacional».
Pois foi nesta malha de escolhos e dependências que o PS, por sua vontade e escolha, meteu o processo de regionalização.
Nas Jornadas Parlamentares de Vila Real, o PS voltou à carga com a ideia dos referendos simultâneos, sobre a Europa e as regiões.

Protestos do Deputado do PS Acácia Barreiros.

Esta questão já foi aqui discutida, mas quero voltar a sublinhar que se trata de uma tentativa de uma grosseira manipulação política, inaceitável e inadmissível, do ponto de vista da clareza e da transparência democráticas. O PS quer, com isso, uma espécie de auto-favor ou «sim-sim», que não passa de uma chocante tentativa de manipulação eleitoral.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os projectos em discussão têm, além destes pontos, algumas soluções - umas melhores, outras piores - para algumas das questões novas trazidas pela revisão constitucional. São questões que não envolvem grande polémica e, por isso, no debate na especialidade, o PCP dará a sua própria contribuição. Já há pouco anotei e agora repito que, apesar disso, isto é, apesar de essas questões não terem grande polémica, há, pelo menos, uma delas que é chocante, que é a que se traduz na proposta de proibir aos militares a possibilidade de subscreverem iniciativas populares de referendo. O Sr. Ministro disse, há pouco, que era uma oportunidade para eu defender os militares, mas vou considerar que esta foi uma oportunidade que o Governo se auto concedeu para os atacar.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Num momento em que se considera que as limitações que sofrem os militares são excessivas, o PS, o Governo, o Sr. Ministro da Defesa Nacional, a tutela dos militares, resolvem acrescentá-las, inclusive para além da medida constitucional. Mas todas essas soluções são corrigíveis! As questões graves são a exigência de 50%, o universo de votantes e os momentos das perguntas da consulta directa relativa às regiões.
A última questão que quero anotar refere-se ao simulado referendo sobre a Europa. Aqui, nem o Governo, nem a multidão de comentadores que veio falar sobre a necessidade de mais de 50% de votantes na consulta directa sobre as regiões, suscitou, publicamente, qualquer problema Não há aqui qualquer problema, qualquer observação, necessidade alguma de 50%. Isto apesar de, como é evidente, aqui, sim, se correr o enormíssimo risco de não haver 50% de votantes, ainda por cima num quadro de recenseamento empolado. Mas também aqui, em relação ao recenseamento empolado, ninguém colocou qualquer espécie de problema. Há uma razão simplicíssima para isso: é que o referendo que deveria ser feito sobre a adesão à moeda única, condicionador da posição de Portugal, esse, o PS e o PSD não o permitiram, nem permitiram o referendo sobre Maastricht. nem sequer sobre o futuro Tratado de Amsterdão.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A única coisa que permitiram foram os tais referendos sobre «questões». E quem se deu ao trabalho de ler as propostas de questões apresentadas pelo PS e pelo PSD pôde ver que aquilo são referendos para nada, são referendos que não têm qualquer eficácia, são referendos que não passam do domínio da pura farsa!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - De facto, o referendo dito sobre a Europa não preocupa rigorosamente nada o Governo, que nem sequer está interessado numa votação expressiva. Tanto lhe faz! Basta-lhe dizer que consultou,...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exactamente!

O Orador: - ... porque, quanto ao resultado do referendo, quanto à opção, ela já está tomada, pelo Governo, pelo PS e pelo PSD: Amsterdão é para ratificar, tal como as respectivas famílias já determinaram e os governos europeus, a que VV. Ex.ªs não deixam de dizer os «améns» necessários, decidiram em tempo oportuno. Aqui também, como na consulta relativa à regionalização, o debate está viciado à partida e é pena que assim seja!

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, vou deixar de lado a qualificação que fez como «farsa» dos referendos que a revisão constitucional vai permitir fazer, e que são importantes, porque correspondem a compromissos eleitorais da muito larga maioria que os aprovou, na medida em que essa questão foi dirimida em sede de revisão constitucional e percebemos que há entre nós uma divergência.
Vou ater-me à questão fundamental que colocou, uma questão, diga-se de passagem, relativa a vários pontos que suscitam confusão gerada pelos adversários da regionalização.
É evidente que é do máximo interesse dos adversários da regionalização gerarem toda a espécie de imbróglios políticos e cortarem verdadeiramente cada norma jurídica em 5, em 20 ou em 30, mas, obviamente, por parte dos partidários da regionalização, o interesse comum, e creio que solidário, é fazer rigorosamente o contrário e portanto, longe de lançar a confusão, evitar essa confusão.
Em primeiro lugar, e creio que o Sr. Deputado o reconhecerá, mas é importante ouvi-lo sobre essa matéria, a pretensão máxima do PSD nesta questão foi derrotada. Ou seja, o PSD, aliás, como o PP, desejava que a Constituição deixasse de obrigar à criação de regiões administrativas, desejava que essa obrigação constitucional fosse suprimida. Isso não foi eliminado! Não actuemos como se isso tivesse sido eliminado! Não lancemos isso em dúvida! E não creio que a sua intervenção sublinhe suficientemente esse aspecto.
Em segundo lugar, o PSD gostaria de obrigar os defensores da regionalização a apresentarem-se com uma fasquia ao nível da terra, se possível, e defensista a um ponto de lhes bastar, como objectivo, não a maior maioria possível para um «sim», não uma luz verde inequívoca para um «sim», que permita realizar em boas condições a instituição em concreto das regiões administrativas.

Página 631

21 DE NOVEMBRO DE 1997 631

mas uma posição defensiva, miserabilista, disputando cada centímetro, como se fosse fundamental que a fasquia estivesse rasa ao chão para poder ser galgada.
Francamente, não cremos que seja vantajosa essa disputa, porque a vontade do PSD de que este referendo fosse um referendo que deixasse indiferentes os portugueses nos parece uma vontade irrealista, uma vez que este referendo não deixa ninguém indiferente, é um referendo que atrai a atenção e concita a participação. Não estamos, portanto, obcecados em cortar cabelos em cinco, dando ao PSD o verdadeiro bodo real, que é uma discussão preocupada e jurídica ou hiper-jurídica sobre essa matéria. A nossa posição quanto a isso é clara, mas não caímos nessa cilada. Queremos a maior maioria possível a favor do «sim» e é por isso que vamos batalhar, sem qualquer posição defensista. Eles querem o «não» e querem-no a qualquer preço, de qualquer forma, na secretaria, se possível com uma legião de mortos atrás.
A questão é que o Sr. Deputado, na minha opinião, equacionou mal este aspecto. O Partido Socialista não faz qualquer ligação pérfida entre a actualização do recenseamento eleitoral e o regime jurídico do referendo da regionalização. Pelo contrário, no mês de Fevereiro deste ano, arrancou-se com o processo de criação do ficheiro central de recenseados, com a encomenda dos estudos adequados e a um ritmo próprio, o que, de resto, era um objectivo governamental, e o Sr. Deputado sabe perfeitamente que era um objectivo governamental.
Mais: que Portugal, neste momento, não tenha um ficheiro central e um recenseamento electrónico é algo que brada aos céus, é um sinal de atraso e só resulta da incúria de alguns senhores que se sentam neste momento na bancada do PSD e que, em anos e anos que estiveram sentados no poder, engordando, foram totalmente incapazes de tomar essa medida banal de uma democracia moderna, que não é compatível com verbetes garatujados à mão e guardados em secretarias de juntas de freguesia, sem qualquer controlo, sem qualquer cruzamento de dados. sem qualquer garantia de actualização e sem dar aos jovens que todos os anos fazem anos e adquirem capacidade eleitoral a possibilidade de saltarem para o «barco» e de votarem, sujeitos que estão a um regime que não o permite. Por isso, o autorámos, através de uma lei aprovada há dias.
Portanto, Sr. Deputado, reconheça este facto: não há vantagem alguma em assumir como nossos os argumentos e as dúvidas do PSD. bem como a sua doutrina estratégica. E numa batalha onde há obstáculos, alguns bem reais e constrangedores, não vale a pena inventar um «martelo», porque, em política. os martelos psicológicos caem na cabeça de quem os ergue.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para exercer o direito regimental de defesa da consideração da sua bancada, o que deveria ter feito imediatamente a seguir à intervenção do Sr. Deputado João Amaral e só não fez por lapso da Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, pedi a palavra para defesa da consideração da minha bancada porque o Sr. Deputado, na parte final da sua intervenção, chamou de farsa a posição assumida pelo PSD relativamente ao referendo europeu.
Fê-lo injustamente porque acusou o PSD de ter, relativamente ao referendo europeu, a não exigência da participação de 50% dos cidadãos eleitores, contrariamente àquilo que defende quanto ao referendo sobre a regionalização.
Ora isso, não é verdade, Sr. Deputado! Aliás, o Presidente do PSD já o afirmou publicamente várias vezes. O PSD defende rigorosamente a mesma coisa para o referendo europeu. E mais: o PSD já anunciou que não ratificará o Tratado de Amsterdão se não houver uma participação de mais de 50% dos portugueses no referendo e se a resposta não for favorável, como está bom de ver.
É bom deixar aqui esta rectificação. E, Sr. Deputado, se há farsa é da parte do PS, não nossa, porque a nossa posição é muito clara e séria nesta matéria.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, quero dizer-lhe que quando falei em farsa - e esta é uma linguagem política e não ofensiva, pelo menos proeuro não utilizá-la como tal - referia-me ao conteúdo das perguntas e não anotei devidamente essa exigência que, recordo, foi feita publicamente pelo Presidente do PSD.
Realmente, isto toma-se um bocado complicado, porque vamos ficar reduzidos à discussão desta falta de exigência com o PS. Em todo o caso, quero sublinhar que da parte do Governo não houve qualquer sinal para uma qualquer espécie de exigência em relação a este referendo e por razões que expliquei, isto é, o Tratado está assumido e aí - e peço-lhe desculpa, Sr. Deputado Luís Marques Guedes - ele está tão assumido pelo Governo e pelo PS como por VV. Ex.ªs.

O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimentos formulados pelo Sr. Deputado José Magalhães, tem, novamente, a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amara[ (PCP): - Sr. Deputado José Magalhães, ouvi a sua intervenção, devo dizer-lhe, quase que emocionado...

O Sr. José Magalhães (PS): - Era essa a ideia!

O Orador: - Exactamente, eu senti uns afagos socialistas e interrogo-me: estamos do mesmo lado da barricada pelo «sim» às regiões? Pois é, mas o importante é saber se estamos a trabalhar igualmente bem.

O Sr. José Magalhães (PS): - Achamos que sim!

O Orador: - O Sr. Deputado tem de considerar uma questão que é essencial: o que foi feito em sede de revisão constitucional, não só na aceitação do referendo sobre a instituição das regiões como na sua conformação jurídica, com todas as dúvidas que agora estão colocadas, foi um erro crasso da responsabilidade de VV. Ex.ªs.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E posso dizer - e isto é uma coisa muito simples que estou interessado em encontrar soluções para poder avançar com o processo de regionalização rapidamente, mas interrogo-me: então, a primeira so

Página 632

632 I SÉRIE - NÚMERO 16

lução que o Governo aqui apresenta é a de uma exigência de 50% e é - quer o, senhor queira quer não - a de colocar na ordem do dia o processo de actualização do recenseamento como condição para ser feita a consulta directa sobre as regiões?

O Sr. José Magalhães (PS): - 15so não foi dito! Risos.

O Orador., - Não foi dito?!... ó Sr. Deputado José Magalhães!... O senhor diz-me que não foi explicado devidamente e que não foi dito como tal. Ó Sr. Deputado, não foi dito nem nunca foi negado perante todos os jornais que disseram que era essa a razão para avançar agora com o processo de actualização do recenseamento.
O Sr. Deputado utilizou uma palavra que é «defensista» e que o Sr. Ministro já tinha usado, mas usou-a na resposta que me deu e eu não pude retorquir, por isso vou responder-lhe a si: «defensista» é uma posição que não assume que é possível, desde já, avançar com a consulta directa e que é preciso andar aí a ««embrulhar» esse processo em mais uma trapalhada, que é a actualização do recenseamento.
V. Ex.ª há-de reconhecer que estamos em Novembro de 1997 e que os prazos estão praticamente esgotados.
Aliás, até o Sr. Deputado Barbosa de Melo teve algum gosto e alguma satisfação em dizer que o trabalho de especialidade para que ele se prepara é moroso, é longo, é delicado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas não até ao século XXI!

O Orador: - Penso que os afagos são muito compreensíveis, mas não era à minha bancada que eles deviam ter sido feitos, era ao próprio processo de regionalização, não lhe criando os escolhos, as vicissitudes e os entraves que VV. Ex.ªs lhe criaram.

Aplausos do PCP.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, foi referido e sinto-me muito honrado quando sou bem citado, mas quando sou mal citado tenho o direito de defender a minha propriedade literária.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, eu falei de um caminho longo, não falei de «caminho moroso». Estou farto de coisas morosas nesta Casa e de caminhos muito curtos para muitas coisas, nomeadamente para o processo de regionalização.
Vejo tudo sobre tudo, livros brancos a respeito de tudo, mas sobre um problema de tão grande importância na organização do Estado português não vi estudo algum, nem livro branco, nem livro verde, nem preto e esse é que é o caminho longo a que me referi.
É preciso trabalhar, não é só apelar, como diz o brasileiro.
Portanto, repito, falei de caminhada longa não de caminhada morosa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o direito à defesa da propriedade literária não dá direito a explicações, mas, em todo o caso, dou a palavra ao Sr. Deputado João Amaral.

Risos.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Não posso deixar de agradecer a intervenção do Sr. Deputado Barbosa de Meio, porque esclareceu rigorosamente o seu pensamento.
Portanto, teremos um caminho longo em que andaremos com uma certa velocidade, fazendo um livro branco, um verde, um vermelho e um preto...

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Na fase em que o debate vai, creio que é mais propício ao estilo de uma intervenção coloquial do que, propriamente, ao estilo de uma intervenção tribunícia. Permitir-se-me-á, portanto, que as considerações que entenda fazer as faça, exactamente, procurando esse estilo coloquial.
Primeiro, quero congratular-me com a circunstância de as várias iniciativas legislativas apresentadas pelo Governo, e muito particularmente pela sua extensão, cuidado e rigor, poderem contribuir de maneira, espero, muito significativa para que se alcance uma boa solução na actualização das disposições que regulamentem o regime do referendo em Portugal.
É matéria da maior importância para o bom funcionamento do sistema político e, sendo-o, é também de realçar que se podemos estar, neste momento, a fazer este debate tal ocorre porque a Constituição revista abriu espaço a essa mesma possibilidade de modernização do sistema que, desde logo, procurou vários equilíbrios: equilíbrios como, por exemplo, o primado da Democracia representativa sem descurar a relevância da chamada democracia de opinião.
Por isso, a abertura, a maior flexibilidade, a maior possibilidade de recurso ao referendo, como instituto de consulta popular directa, reporta-se a um aspecto positivo da revisão constitucional que estamos agora a procurar consolidar.
Mas essa consolidação teve as suas preocupações e nessas avultava a de que a abertura fosse feita, podendo gerar em seu tomo um clima de maior confiança entre os eleitores e o sistema representativo, mas também uma situação de estabilidade não afectada no próprio funcionamento do sistema representativo.
Ora, eu creio que vale a pena ponderar, nesta ocasião, sobre se estão reunidas as condições institucionais para que o clima de confiança aumente e para que a resultante da estabilidade se concretize melhor.
Penso que é possível responder positivamente a estas questões, desde logo, porque a nova modelação do regime do referendo teve preocupações. Se, por um lado, aumentou o âmbito material do referendo, nem por isso deixou de circunscrever as questões susceptíveis de serem objecto desse mesmo referendo a matérias que não vies-

Página 633

21 DE NOVEMBRO DE 1997 633

sem a poder pôr em risco a arquitectura fundamental do Estado de direito democrático.
Por outro lado, ao definir com maior precisão a regra de competência quanto à possibilidade da apresentação de propostas de referendo, a decidir em última instância pelo Presidente da República, garantiu e preservou melhor o próprio princípio da separação e da interdependência de poderes, tomando uma atitude preventiva: a de que não possa haver, por via de divergência institucional relevante, o recurso ao referendo como um eventual conflito institucional entre órgãos de soberania com eventual divergência de orientação político-legislativa.
Todos estes aspectos foram, a meu ver, bem salvaguardados pelo modelo de referendo que a Constituição actualmente consagra, mas outros aspectos também, como, por exemplo, o de se dar ao referendo a natureza de um referendo pós-legislativo ou pró-convencional, não permitindo que ele tenha aspectos de referendo ratificativo com efeito suspensivo ou mesmo revogatório de actos legislativos em vigor. Era, por exemplo, o que o PCP e o PP tão veementemente pretendiam quando insistiam na necessidade da solução referendária para a questão da moeda única. Tratar-se-ia, então, de admitir a figura do referendo revogatório que terá na sua matriz um problema essencial: o de um eventual conflito de vontades soberanas, a vontade soberana expressa pelo Parlamento em determinado momento, e a vontade superveniente do povo, quando chamado a uma consulta popular directa.
Esta natureza referendária nunca o PS a aceitou e por isso, felizmente, podemos hoje estar a discutir a matéria do referendo sem o fantasma de ele poder co-envolver estes ricos de conflito ao nível da expressão da vontade popular, por forma direita ou por via dos seus órgãos representativos.
A mesma coisa se diga ao ter-se introduzido no artigo 115.º da Constituição a questão do quorum de participação, articulado com a regra da eficácia vinculativa dos referendos. Ainda aí quis salvaguardar-se um aspecto importante: na eventual circunstância de uma qualquer solução referendária não vir a merecer uma participação significativa de metade de 50% e mais um dos eleitores, ainda aí, quis salvaguardar-se a garantia de que a decisão, em última instância, é uma decisão do órgão representativo justamente em homenagem ao princípio da unidade do soberano.
Creio, Srs. Deputados, que todas estas soluções foram soluções avisadas, que permitem, agora, em sede de concretização legislativa, soluções de boa ponderação.
Era, pois, acerca dessa boa ponderação que gostaria de fazer algumas reflexões de natureza mais pontual.
Algumas aberturas fizeram-se em bom momento, designadamente a que permite que haja impulso para o referendo a partir da iniciativa dos cidadãos eleitores. Qual deverá ser o número adequado de cidadãos eleitores admitidos a poder legitimar esse iniciativa? 1% relativamente ao universo eleitoral, propõe-nos o Governo, praticamente o dobro do resultado obtido com esta solução, propõe-nos, por exemplo, o projecto de lei apresentado pelo PSD ao reportar-se à necessidade de um grupo de 150 000 eleitores para legitimar a iniciativa.
Creio, Srs. Deputados, que temos de ser ponderados: ou faz sentido fazer o discurso da abertura do sistema político à possibilidade de participação dos cidadãos, designadamente por via da iniciativa legislativa popular e por via desta para o referendo, ou vamos criar obstáculos tais na regulamentação, em concreto, do reconhecimento deste direito que o torne muito difícil de exercício prático.
Por isso acho adequado que o PSD pondere a sua exigência e penso que teremos condições para chegar, também neste ponto, a um consenso ideal...

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - ... porque não se trata de admitir nesse ponto convergimos na revisão constitucional - que o impulso dos cidadãos eleitores desencadeie automaticamente a proposta referendária junto do Sr. Presidente da República. Não é isso! Como já foi aqui lembrado no decurso do debate, a Assembleia da República terá sempre uma opção a fazer, não só quanto ao critério de oportunidade como à própria avaliação - podemos dizê-lo de mérito da iniciativa que vier a ser apresentada.
Mas aqui permitam-me, Srs.. Deputados, que faça uma outra reflexão pontual, que está expressa, aliás, no excelente relatório e parecer que o Sr. Deputado Barbosa de Melo teve ocasião de concretizar sobre a matéria na Comissão de Assuntos Constitucionais. Direitos, Liberdades e Garantias. E passo a citar: «deveremos dispensar as iniciativas do referendo de virem acompanhadas da correspondente iniciativa legislativa que esteja subjacente às soluções a estabelecer ou essa iniciativa legislativa deve no processo estar sempre presente?».
Creio, Srs. Deputados, que este é, porventura, um dos pontos mais delicados sobre o qual importará tomar uma boa decisão final. Até porque, se não podemos prescindir de que muitos referendos terão eficácia vinculativa, é sempre necessário que nos interroguemos sobre qual é o objecto da eficácia vinculativa de um referendo. Se não tiver havido no substracto da posição assumida a existência de uma proposta legislativa que seja o objecto concreto relativamente ao qual proceda a eficácia vinculativa, então a eficácia vinculativa seria alguma coisa de demasiado abstracto para poder ser mesmo eficaz e vinculativa.
Há, portanto, certamente, que ponderar este aspecto, como há que ponderar outros, relativamente ao desenho próprio das condições de participação na campanha do referendo.
É, obviamente, muito positivo que o referendo possa, na sua fase de campanha, ser participado pelos partidos políticos que assim o entenderem, bem como por grupos de cidadãos eleitores. Mas a exigência para a constituição de grupos de cidadãos eleitores que participem no referendo deverá ser exactamente a mesma da exigência feita para o desencadear do próprio processo referendário? Eis uma questão que, a meu ver, deverá merecer alguma ponderação futura.
Ponderação futura deverá também merecer a questão já aqui suscitada no debate travado há pouco com o Sr. Ministro António Vitorino relativamente à posição dos partidos à cabeça de um processo referendário. Que essa posição possa ser previamente indicada não tenho sobre isso grande reserva; que essa posição tenha de ser unicitária, no sentido de apenas se vir a admitir que um partido, em bloco e de forma homogénea, tenha de estar, necessariamente, do lado da posição «sim» ou do lado da posição «não», é alguma coisa que me parece que deve ser também, em sede de especialidade, adequadamente reflectido e ponderado em todas as suas implicações.

O Sr. José Magalhães (PS): - Apoiado!

O Orador: - Temos, depois, a questão da eficácia dos referendos, já aqui abundantemente tratada. Naturalmente

Página 634

634 I SÉRIE - NÚMERO 16

- e estou de acordo -, este problema teve maior paixão, digamos assim, no que diz respeito à problemática do referendo para a regionalização, mas - e cumpre aqui reconhecê-lo - creio que as soluções que nos são apresentadas na proposta de lei regulam de forma adequada e inteiramente compaginável com as posições constitucionais o perfil e a moldura do referendo para a regionalização. Tratava-se de considerar que este referendo tem natureza obrigatória e parece ser essa a natureza constitucional da consulta popular directa no processo da regionalização. Tratava-se de considerar, designadamente, se a questão da simultaneidade - não a simultaneidade nos termos que aqui foi, há pouco, objecto de debate, entre a possibilidade de «sim» ou «não» a vários referendos de âmbito nacional, mas a simultaneidade relativamente ao modo de concretizar as perguntas no âmbito do referendo para a regionalização - é, em sede legislativa, uma opção legítima do legislador. E nada na Constituição contraria essa opção legítima do legislador.
Por outro lado, há que saber se uma resposta positiva ocorrida num referendo em que, eventualmente, não tenham participado 50% e mais um dos eleitores deve ser, apesar disso, tomada sempre a título vinculativo ou se há que aí, de acordo com a regra geral, estabelecer a diferenciação entre eficácia vinculativa e eficácia meramente consultiva.
A questão colocada há pouco pelo Sr. Deputado João Amaral foi a de que a Constituição prescreve a obrigatoriedade da criação das regiões administrativas. É verdade, mas aquilo que não é verdade é que a Constituição prescreva a obrigatoriedade de um determinado modelo estabelecido na Lei de Criação das Regiões Administrativas e é, portanto, essa a distinção que tem de ser feita. No momento de traduzir o resultado de um referendo quanto à sua eficácia vinculativa ou meramente indicativa, o que está em causa é saber se o resultado da vontade popular determinou natureza vinculativa ao arquétipo de concretização regional que lhe é apresentado na Lei de Criação das Regiões ou se, pelo contrário, há lugar a ponderar a revisão possível desse modelo em função de não se ter estabelecido uma consequência vinculativa na resposta do referendo.
Por isso, Srs. Deputados do PCP, a alternativa não é aquela que os senhores põem, ou seja, uma ausência total de alternativa no que se refere à necessidade constitucional da criação das regiões. 15so é, obviamente, uma prescrição constitucional não contestável. Mas aquilo a que os senhores dificilmente têm condição para «amarrar» o legislador é à ideia de que, mesmo que não haja a participação de metade e mais um dos eleitores, o modelo originário para a regionalização tem de ser aquele, só aquele, necessariamente aquele, a prosseguir na fase de institucionalização em concreto das regiões.
Como se sabe, nós não temos grande paixão pelo chamado princípio da irreversibilidade e, portanto, não se admirem os Srs. Deputados quando nós queremos, de uma maneira ponderada, encontrar soluções de equilíbrio no aferimento desse justo equilíbrio entre a vontade dos eleitores chamados a pronunciarem-se e a vontade do legislador ao nível do sistema representativo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados, terá sido um erro da revisão constitucional o ter admitido a existência de uma consulta popular directa mediante a qual se possa dar concretização à fase da instituição em concreto das regiões?
Gostaria de lembrar que era assim no projecto originário do PS em matéria de revisão constitucional e que se em alguma coisa a solução final é diferente relativamente ao projecto originário do PS é na circunstância de se ter admitido a possibilidade de realizar, em simultâneo, uma pergunta de alcance nacional por soma às perguntas de âmbito regional. Mas o termos consagrado a existência de uma consulta popular directa na fase da instituição em concreto das regiões deve-se ao facto de termos recolhido um movimento pró-constitucional nesse sentido, que passou a ser acolhido pelo PS desde o seu projecto assumido para a revisão constitucional e que vem na linha - cumpre aqui reconhecê-lo - de propostas que, nesse sentido, foram historicamente assumidas pelo PSD. Recordo, por exemplo, o projecto de uma Constituição para os anos 80, da autoria do Dr. Sá Carneiro, em que, justamente, era admitido e proposto um referendo na fase de instituição em concreto das regiões.
Estabelecemos, portanto, Srs. Deputados, um consenso alargado em sede de revisão constitucional que permitiu viabilizar essa hipótese. E a vida tem ironias! É verdade que esse consenso - quero aqui reconhecê-lo - foi estabelecido através de um diálogo, que, na altura, foi mais intenso, com a bancada do Partido Popular, porque, curiosamente ou não, o próprio modelo de utilização da consulta popular directa na fase de instituição em concreto das regiões que o PSD tinha admitido como bom no início da década de 80 já não o admitia de forma tão positiva na solução que passou a defender à cabeça deste processo de revisão constitucional.

O Sr. José Magalhães (PS): - Há que lembrar!

O Orador: - E não foi fácil recuperar a posição do PSD para a sua própria posição inicial nesta matéria.

O Sr. José Magalhães (PS): - É um facto!

O Orador: - Mas se não foi fácil, hoje podemos dizer que foi possível, hoje temos o caminho aberto. E o podermos desenvolver este caminho num clima que possa consensualizar os instrumentos fundamentais do nosso sistema político numa perspectiva de modernização, de abertura, de maior apelo à própria participação popular é alguma coisa relativamente à qual, em última instância, só encontramos motivos para nos congratular. Julgamos que alguns fazem o combate ao referendo por terem uma espécie de suspeição genética sobre a participação popular. Não é essa, manifestamente, a nossa posição.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, Srs. Deputados, queremos prosseguir este trabalhos e este esforço legislativo num clima de confiança que possa ser propício ao desenvolvimento do consenso que uma lei como esta justifica.
Se me é permitida uma conclusão um pouco por antecipação, creio, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, que o clima em que tem decorrido este debate é de bom augúrio para que esse consenso se possa concretizar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

Página 635

21 DE NOVEMBRO DE 1997 635

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Jorge Lacão congratulou-se, no final da sua intervenção, com a forma como tem decorrido o debate, mas eu tenho de lhe dizer que, apesar de tudo e talvez porque tenha mais experiência, o Sr. Deputado José Magalhães é mais especialista em afagos do que V. Ex.ª.

Risos do PCP.

O Sr. Deputado Jorge Lacão não atingiu o mesmo nível e o que conseguiu foi uma coisa que não quero pessoalizar mas que é rigorosamente verdadeira, ou seja, o discurso que o Sr. Deputado fez já nós ouvimos aqui muita vez, já sabemos ao que é que ele conduz e já vimos, na prática, aquilo a que conduziu. E o Sr. Deputado não sai disso! Por mais discursos que faça, por mais elaboradas que sejam as frases que construa, não consegue tapar esta realidade: a de que o processo de regionalização foi metido numa enorme embrulhada, e o senhor tem nisso responsabilidade.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, se há receios da consulta popular, meta a mão na consciência no que se refere à posição que o Partido Socialista assumiu no que toca ao referendo de Maastricht, como lembrou o meu camarada Luís Sá, e muito bem.
Agora, quanto à questão da regionalização e dos 50%, devo dizer-lhe que não se trata dos obstáculos que estão na Constituição mas, isso sim, de obstáculos criados agora pelo Partido Socialista para dificultar o processo de regionalização.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado diz que a regionalização é obrigatória mas não o seu modelo. Ó Sr. Deputado, essa é uma conversa que tem mais de 20 anos! Há 20 anos podia haver um qualquer modelo de regionalização. Aliás, lembro que em 1987, quando a regionalização esteve muito perto de se fazer, o Secretário-Geral do Partido Socialista, António Guterres, foi entender-se com o Dr. Fernando Nogueira para, através da criação de uma comissão - o Sr. Deputado José Magalhães lembra-se bem disso! - chamada «para o processo da regionalização», paralisar o processo. Sr. Deputado, esta é uma conversa muito antiga!

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Portanto, as responsabilidades são vossas. Não se trata de fazer um modelo fixo, o modelo é o que existe neste momento, é o modelo que está aprovado e é o modelo possível de pôr em execução.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito obrigado Sr. Presidente.
Sr. Deputado João Amaral, o senhor também não precisa especialmente do meu carinho, não está em situação de descompensação nessa matéria!

Risos do PS.

O Sr. João Amaral. (PCP): - Isso é verdade!

O Orador: - Nesse ponto, estamos entendidos.
O Sr. Deputado manifesta-se, mais uma vez. muito agastado pelo facto de não ter sido aceite o referendo de Maastricht, como lhe chamou. Mas, Sr. Deputado, a questão é curiosa de poder ser debatida, ainda que, mais uma vez, não se vá dizer coisa nova nessa matéria. O que os Srs. Deputados do PCP quiseram foi introduzir uma figura de referendo com a possibilidade de ter a natureza de referendo revogatório, o que, de facto, é alguma coisa que, pela nossa parte, não aceitámos.

O Sr. João Amaral (PCP): - O Sr. Deputado Jorge Lacão tem de renovar o discurso!

O Sr. Luís Sá (PCP): - E a revisão extraordinária?!

O Orador: - Calma, Srs. Deputados.

Protestos do Deputado do PCP, João Amaral.

Sr. Deputado João Amaral, eu ouvi-o com toda a atenção...

O Sr. João Amaral (PCP): - Dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Por mim, dou.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, dá-me licença?

O Sr. Presidente: - Se o orador consente, faça favor. Apenas tenho que informar que o tempo que gastar é descontado no tempo do Partido Socialista.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra só para que não haja confusões. Quando falei da rejeição do referendo sobre Maastricht, não estava a referir-me ao que se passou no ano passado, estava a referir-me ao que se passou em 1992 quando o Tratado de Maastricht não estava em vigor e quando VV. Ex.ªs impediram, em sede da revisão constitucional extraordinária...

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Nessa altura?!

O Sr. João Amaral (PCP): - Ó Sr. Deputado Acácio Barreiros, estava a fazer-se uma revisão constitucional e era possível na altura, - aprová-la, mas VV. Ex.ªs, não quiseram.

O Orador: - Sr. Deputado João Amaral, vamos entender-nos. O Sr. Deputado não queira apagar uma parte da história. E uma parte da história relevante neste processo é que, na última revisão constitucional, o PCP bateu-se arduamente para poder introduzir uma figura referendária que permitisse o referendo revogatório e por isso passou o tempo a falar na necessidade, na urgência, na oportunidade do referendo sobre a moeda única. Esta parte da história, o PCP - pressuponho - não tem qualquer interesse em apagar e foi a essa que me referi.

Protestos do Deputado do PCP, João Amaral.

Página 636

636 I SÉRIE - NÚMERO 16

Sr. Deputado João Amaral, quer ouvir as respostas ou não? É que se não quer, eu não lhas dou.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Claro!

O Orador: - O senhor, do ponto de vista da lisura parlamentar, fez-me algumas perguntas e eu estou a tentar responder. Já agora, gostaria que, mesmo sem carinho especial da minha parte, levasse a lisura até ao fim!
Sr. Deputado João Amaral, como sabemos, esta questão releva de uma outra problemática: é que, do ponto de vista de fundo, os Srs. Deputados têm uma posição isolacionista relativamente à estratégia portuguesa de integração no espaço europeu e na construção da união política europeia e, portanto, esta discussão aparentemente processualista tem por trás essa evidência.
Agora, há um outro aspecto da questão que lhe respondo com toda a franqueza. O PS evoluiu no tempo relativamente à possibilidade de conformar em novos moldes o referendo? Isso é uma evidência, Sr. Deputado João Amaral! A não ser que o Sr. Deputado queira criticar e penalizar-nos por termos podido dar, na sequência da própria evolução e actualização da posição do PS, um contributo muito mais inovador em matéria de revisão constitucional do que aquele que poderíamos ter dado há uns anos atrás, mas isso deveu-se à lei da nossa própria evolução.
Há, naturalmente, uma distinção de posições: nós evoluímos e os senhores, pelos vistos, não. Enfim, é uma diferença entre nós, que podemos registar pela parte de interesse respectivo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado João Amaral, o senhor sempre tem dito que nós lançámos um sério obstáculo à regionalização quando admitimos introduzir o referendo. Esta é que é a questão fundamental. Para os senhores, o sério obstáculo à regionalização é a circunstância da existência do referendo. Esta é, repito, a questão fundamental. Os senhores são contra o processo referendário no processo da regionalização e o PS é favorável ao processo referendário no processo da regionalização.

O Sr. João Amaral (PCP): - O referendo só serviu para atrasar!

O Orador: - Sr. Deputado, deixe-me concluir.

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Feita esta distinção de posições de partida, vamos procurar ser construtivos. Se, relativamente ao objectivo final, temos um objectivo comum quanto à importância da regionalização, Sr. Deputado João Amaral, mais importante do que o senhor ter uma espécie de discurso permanente de situação de calamidade pública sobre os pactos da regionalização, é dar também a sua contribuição positiva e construtiva para, agora, adaptarmos no melhor sentido as soluções legislativas concretas ao modelo constitucional estabelecido.

O Sr. João Amaral (PCP): - Não sejam bombeiros!...

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente, apenas para sublinhar que, nesta matéria, não fazemos discussão em amálgama. O Sr. Deputado João Amaral veio aqui invocar factos passados, fora do contexto, tentando retirar desses factos consequências políticas para a situação presente. Não me parece que isso seja uma forma saudável de fazer um bom debate político.

O Sr. Presidente: - Com o consentimento do Sr. Deputado Ferreira Ramos, o Sr. Deputado Barbosa de Meio usará da palavra, no pouco tempo de que precisa, para fazer uma breve intervenção.
Faça favor, Sr. Deputado Barbosa de Meio.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, pedi a palavra apenas para dar um esclarecimento relativamente a uma afirmação feita pelo Sr. Deputado Jorge Lacão na sua intervenção, que, aliás, ouvi com muita atenção, a propósito da ligação do PSD à ideia do referendo.
Ficou aqui, na Câmara, a ideia de que o PSD só em 1980 é que tinha descoberto este instituto. Eu queria lembrar que, em geral - e não digo da regionalização, digo em geral -, já aquando das negociações entre os partidos políticos subsequentes ao 25 de Novembro. que conduziram ao segundo pacto MFA/partidos, a proposta do PSD foi a de que a Constituição, aprovada na Assembleia Constituinte, fosse submetida a referendo. Isso não aconteceu,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Isso falhou!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito se tinha poupado ao País!

O Orador: - ... não por falência da nossa vontade, mas porque os destinos não nos foram favoráveis, os fados não nos ajudaram.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Lacão já não dispõe de tempo para dar explicações, a não ser que o possa fazer apenas num minuto.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, muito obrigado pela sua tolerância.
Sr. Deputado Barbosa de Melo, julguei poder concluir, depois de o ter ouvido, que não houve contradição de posição no que eu disse e no que o Sr. Deputado sublinhou. Efectivamente, reconheço ao PSD vocação histórica relativamente à questão do referendo, apenas quis sublinhar que, na questão em concreto da institucionalização da regionalização, no início da década de 80, o Dr. Sá Carneiro teve uma posição favorável à solução do referendo na fase de instituição em concreto das regiões.
Gostaria de aproveitar a oportunidade para sublinhar que, nessa altura, o Dr. Sá Carneiro dizia que a regionalização era inadiável em Portugal.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Naquela altura era!

O Sr. Presidente: - Agora, sim, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos.

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Esperamos, com toda a sinceridade, que seja hoje a última vez que se

Página 637

21 DE NOVEMBRO DE 1997 637

discuta o referendo nestes termos, antes de fazermos, de sermos capazes de fazer o primeiro.
É que, para nós, Partido Popular, esta é uma discussão que está atrasada cinco anos. O Partido Popular é - todos têm de reconhecer - o precursor da necessidade de submeter a decisão referendária, quer o processo da regionalização, quer o processo da construção europeia.
E é, na direita e no centro/direita, o único partido que tem, desde 1992, uma posição clara, coerente, firme e definitiva e que está, hoje, neste importante debate, com a mesma convicção. os mesmos valores e o mesmo discurso que tinha ontem.
Desde 1992, há cinco anos, que o Partido Popular, contra todos e contra tudo. tem exigido, lutado, lançado mão de todas as iniciativas à sua disposição para objectivar e possibilitar a realização de um referendo, instituto formalmente previsto na Constituição da República desde 1989.
Nesse debate, nesse combate sofremos qualificações e adjectivações que hoje farão corar de vergonha neo-referendários, que balançaram ao longo dos tempos entre a incoerência e a incapacidade de entenderem as alterações que se estavam a produzir na sociedade portuguesa, que hesitaram entre as suas posições enquanto estavam na oposição e quando assumiram funções governativas, que hesitavam entre o interesse nacional e o interesse partidário e que estavam divididos entre o apelo da modernidade e o medo da decisão soberana do povo em matérias decisivas para o futuro de Portugal.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Popular não sente qualquer incomodidade em verificar que outros partidos o acompanham agora nesta decisão de chamar os portugueses a decidir, a intervir, a legitimar decisões. que não são decisões avulsas, que são matérias determinantes para o nosso futuro comum, como são. nos casos próximos, a regionalização e o processo de construção europeia.
O Partido Popular não sente qualquer incomodidade: antes pelo contrário, sente ter contribuído decisivamente para a alteração da postura, que tememos só formal, desses partidos.
Em 1992, PS e PSD, demonstrando uni imobilismo inqualificável, impediram as alterações constitucionais que permitiriam a realização do referendo acerca de Maastricht. Foi nesse ano e nessa altura que se terão definitivamente apercebido que o povo português exigia participar e tomar posição em assuntos de tão elevada importância. Foi nesse ano, foi nesse processo iniciado e liderado pelo Partido Popular que se terá produzido uma alteração da consciência de alguns políticos. A esses, o Partido Popular dará as boas-vindas a este lado da barricada e relevará a incoerência, a gravidade de algumas afirmações da altura, os ataques insustentáveis e demagógicos que então nos fizeram.
Hoje, após a revisão constitucional de 1997, parece não haver mais entraves, parece não haver mais razoes para atrasar este chamar do povo português a decidir sobre a regionalização e sobre a construção europeia.
Foi isso que o «bioco central», a custo, assumiu nesse processo, rebatendo argumentos do partido popular que continua a temer que, desta revisão constitucional, tenha resultado um novo colete de forças. Veremos se, como na altura o Partido Popular afirmou, o «bloco central» não tenha pretendido criar novos falsos problemas, novas matérias dilatórias, novos bodes expiatórios para impedirem a realização do referendo.
Esperemos que esta política do quórum eleitoral não seja artificial e que afaste o referendo para datas e épocas inconsequentes; esperemos que a discussão acerca da capacidade eleitoral dos emigrantes e a especificidade das matérias não reabra, não tenha que reabrir, processos semelhantes ao da revisão constitucional; esperemos que não estejam o PS e o PSD a pintar com cores diferentes, matizadas, o mesmo quadro do imobilismo, do afastamento da vontade dos portugueses, da posição contrária ao referendo que lhe conhecemos desde sempre.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não deixa de ser bizarro que Portugal seja o país que mais tempo tem reservado à discussão do referendo e que ainda não foi capaz, em oito anos, de fazer um único. E não deixa de ser preocupante a possibilidade de existir um jogo cruzado de interesses partidários que visam, em última instância, paralisar ou adiar para as calendas gregas a promessa da realização dos referendos.
Interesse do Partido Socialista, que está a tentar evitar uma cada mais provável derrota no referendo da regionalização, adiando assim uma remodelação do Governo. Pelo menos, um ministro já anunciou que se demite se o PS perder este referendo.
Interesse do Partido Social Democrata. que teme a crescente fractura interna que esta discussão lhe vem causando.
Acordo cruzado de interesses partidários. que poderá já ter sido objecto de um novo acordo do «bloco central», que negociou a revisão constitucional e. mais recentemente, o orçamento do euro já em 1999.
Na verdade, o PSD veio ontem impor oito condições para viabilizar o referendo. Oito! Começa a assumir foros de número cabalístico para o «bioco central». Oito, foram também as condições negociadas em segredo entre PS e PSD para o Orçamento ser viabilizado.
E mais: quando vemos a intervenção directa de alguns Deputados neste processo, teme-se sempre o pior. A sua brilhante inteligência, a sua argúcia e sua dialéctica faz adivinhar um processo cheio de entraves, cheio de escolhos, cheio de «faz de conta», como, amanhã, continuaremos a ver.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Interessa agora, fundamentalmente, alterar o quadro legal em conformidade com a Constituição revista. Consideramos esta discussão como merecedora da maior dignificação e esperamos que todos os partidos a entendam como uma questão de Estado.
Pode esta Assembleia estar certa que essa será a posição do Partido Popular. Que, por nós, não será levantada qualquer questão, qualquer problema que sustente qualquer atitude dilatória. Bem pelo contrário, queremos, com o nosso projecto de lei, encurtar prazos longos, queimar etapas inúteis por forma a que o referendo da regionalização possa ser feito no primeiro semestre de 1998 e, posteriormente, o referendo acerca do Tratado de Amsterdão.
Reproduzir, hoje, os erros do PS e do PSD no acordo que fizeram para alterar o regime constitucional do referendo é, do ponto de vista de alteração da lei. uma perca de tempo. Evidentemente, para nós, todos os assuntos possíveis de referendo dizem especificamente respeito a todos os portugueses, independentemente do seu local de recenseamento. Não foi assim para o PS e para o PSD.
Evidentemente que a querela do quórum de vinculatividade revela uma desconfiança subconsciente do PS e do PSD no instituto referendário. Mas, agora, há que deitar mãos à obra e fazer uma nova lei do referendo, já que, infelizmente, não será possível tão depressa fazer um bom regime constitucional do referendo.

Página 638

638 I SÉRIE - NÚMERO 16

Cada um assumirá as suas responsabilidades perante o País e perante esta Câmara. O PP assumirá as suas.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegados ao fim deste debate, resta-me informar que a reunião plenária de amanhã se inicia ás 10 horas e terá como ordem do dia a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 150/VII - Processo extraordinário de actualização das inscrições do recenseamento eleitoral através da criação de um ficheiro central informativo, e a apreciação das petições n.ºs 52/VII(1.º), 61/VII (2.º) e 40/VII (1.º).
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 20 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António José Guimarães Fernandes Dias.

Partido Social Democrata (PSD):

Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Fernando da Silva Rio.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António Bento da Silva Galamba.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
José da Conceição Saraiva.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Mário Manuel Videira Lopes.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.

Partido Social Democrata (PSD):

António Manuel Taveira da Silva.
António Roleira Marinho.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Alberto Pinto.
Domingos Dias Gomes.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
João Calvão da Silva.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Mendes Bota.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Afonso de Pinto Galvão Lucas.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

Depósito legal n.º 8818/85

IMPRENSA NACIONAL - CASA DA MOEDA E. P.

1 - Preço de página para venda avulso, 9$50 (IVA incluído).

2 - Para os novos assinantes do Diário da Assembleia da República, o período da assinatura será compreendido de Janeiro a Dezembro de cada ano. Os números publicados em Outubro, Novembro e Dezembro do ano anterior que completam a legislatura serão adquiridos ao preço de capa.

3 - O texto final impresso deste Diário é da responsabilidade da Assembleia da República.

PREÇO DESTE NÚMERO 342$00 (IVA INCLUÍDO 5 %)

Toda a correspondência quer oficial quer relativa a anúncios e a assinaturas do «Diário da República» e do «Diário da Assembleia da República» deve ser dirigida à administração da Imprensa nacional - Casa da Moeda, E.P. Rua de D. Francisco Manuel de Melo, 5 - 1099 Lisboa Codex.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×