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Quinta-feira, 12 de Fevereiro de 1998 I Série - Número 39

DIÁRIO da Assembleia da República

VII LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1997-1998)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 11 DE FEVEREIRO DE 1998

Presidente: Exmo. Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Exmos. Srs. José Ernesto Figueira dos Reis
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca

S U M Á R I 0

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação do projecto de resolução n.º 78/VII e do projecto de lei n.º 460/VII, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
A solicitação do Sr. Deputado Manuel Alegre (PS), e com concordância de todas as bancadas, a Câmara guardou um minuto de silêncio pela memória de Maurice Schumann, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros francês.
Em declaração política, o Sr. Deputado Jorge Ferreira (CDS-PP) criticou o recente acordo feito entre o PS e o PSD acerca do referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez, tendo respondido aos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Helena Roseta (PS) e Luís Marques Guedes (PSD).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Octávio Teixeira (PCP) insurgiu contra o referido acordo e respondeu aos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Acácio Barreiros (PS), Carlos Encarnação (PSD) e Helena Roseta (PS).
Procedeu-se ao debate de urgência, da iniciativa do PSD, sobre a suspensão da acreditação do Laboratório de Análises ao Doping e Bioquímica de Lisboa. Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado do Desporto (Miranda Calha), os Srs. Deputados Domingos Gomes, Castro de Almeida e Manuela Ferreiro Leite (PSD), Bernardino Soares (PCP), Jorge Ferreiro (CDS-PP) e Pedro Baptista (PS).

Ordem do dia. - Os projectos de lei n.ºs 220/VII - Altera as regras gerais sobre notificações previstas no artigo 113.º do Código de Processo Penal e 225/VII - Notificações judiciais, apresentados pelo PSD, foram debatidos na generalidade, em conjunto, tendo intervindo, a diverso título, os Srs. Deputados Calvão da Silva (PSD), Francisco Peixoto (CDS-PP), António Filipe (PCP), Joaquim Sarmento (PS), Carlos Encarnação (PSD) e Nuno Baltazar Mendes (PS).
Por fim, a Assembleia apreciou, também na generalidade, o projecto de lei n.º 380/VII - Define as condições de acesso e exercício da actividade de intérprete de língua gestual (PCP), tendo usado da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Bernardino Soares (PCP), Fernando de Sousa (PS), Nuno Correia da Silva (CDS-PP), Filomena Bordalo (PSD) e Antão Ramos (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 40 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Ana Catarina Veiga Santos Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior. António Alves Martinho.
António de Almeida Santos..
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Gavino Paixão.
António José Guimarães Fernandes Dias.
António Manuel Carmo Saleiro.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marquesa
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Pedro da Silva Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Sebastião Sarmento da
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
José Tomás Vasques.
Jovita de Fátima Romano Ladeira.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Júlio Meirinhos Santanas.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Mário Manuel Videira Lopes.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Américo de Sequeira.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António Fernando da Cruz Oliveira.

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António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Taveira da Silva.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Eugénio Pereira de Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encanação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Domingos Dias Gomes.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Veloso.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva:
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota:
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira de Amaral.
Jorge Manuel Lopes Moreira da Silva.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Manuel Costa Pereira.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correias de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria de Lourdes Lara Teixeira.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Sousa Holstein Campilho.
Pedro- José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Armelim Santos Amaral.
Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Francisco Amadeu Gonçalves Peixoto.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez- Rodrigues Queiró.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Nuno Kruz Abecasis.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido: Comunista Português (PCP): '

António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Joaquim Manuel da Fonseca Matias.
José Fernando Araújo Calçada. Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luísa. Raimundo Mesquita.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, gostaria de sugerir à Mesa e a V. Ex.ª um minuto de silêncio em homenagem a Maurice Shumann, que faleceu.
Maurice Shumann foi um grande político francês europeu, um homem de formação católica e politicamente conservador. Foi um resistente da primeira hora, durante a ocupação francesa. Foi, como sabem, a voz da França livre, participou no desembarque na Nornandia, combateu de armas na mão pela libertação de Paris. Foi Ministro dos Negócios Estrangeiros francês do Governo do General De Gaúlle, onde foi um dos pais da construção europeia. Mas, acima de tudo, foi um resistente, um

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combatente antinazi, um homem que merece o respeito de todos aqueles que prezam, acima de tudo, a liberdade.
Assim, penso que merece a nossa homenagem.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Creio que estaremos todos de acordo em que se trata de facto de uma grande figura da cultura europeia. E em nome da unidade da cultura europeia, se a Câmara concordar, vamos guardar, sem mais, um minuto de silêncio.

A Câmara guardou, de pé, um minuto de silêncio.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, o projecto de resolução n.º 78/VII - Constituição de uma Comissão Eventual para Análise e Acompanhamento da Localização e Construção do Futuro Aeroporto Internacional (PSD) e o projecto de lei n.º 460/VII - Alteração à Lei Orgânica sobre Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (PSD), que baixa à 1.ª Comissão.
Foram, ainda, apresentados na Mesa, no dia 3 de Fevereiro de 1998, os seguintes requerimentos: a diversos Ministérios e às Secretarias de Estado da Comunicação Social e das Comunidades Portuguesas, formulados pela Sr.ª Deputada Manuela Aguiar.
O Governo respondeu, no dia 4 de Fevereiro de 1998, aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: António Filipe, na sessão de 23 de Outubro, e Sílvio Rui Cervan, na sessão de 27 de Novembro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, para uma declaração política, inscreveram-se os Srs. Deputados Jorge Ferreira e Octávio Teixeira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A política portuguesa, nos últimos tempos, está difícil de entender para os cidadãos que não se interessam por tricas e mexericos.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - O que aconteceu nos últimos dias parece mostrar que a palavra de alguns políticos já não é o que era e que, como no futebol; também à política passou a aplicar-se a célebre frase «o que é mentira hoje, pode ser verdade amanhã», ....
Nos últimos dias, aconteceram três casos paradigmáticos do que acabo de referir, o primeiro dos quais tem a ver com as sucessivas cambalhotas políticas do Partido Socialista sobre, o aborto e o referendo ao aborto.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - O Partido Socialista prometeu ao País, nas eleições, legislativas de 1995, que na presente legislatura, não alteraria a lei do, aborto; contudo, o Partido Socialista acabou, de promover a alteração da lei do aborto.
Há um ano, o Partido Socialista era contra a despenalização total do aborto até às primeiras 10 semanas de gravidez; este ano, o Partido Socialista passou a ser a favor da despenalização total do aborto até às 10 semanas de gravidez.
A maioria dos Deputados do Partido Socialista conseguiram até este feito extraordinário de votar, em simultâneo, a favor da despenalização total do aborto até às 10 semanas de gravidez e até às 12 semanas de gravidez.

Aplausos do CDS-PP.

No ano passado, o Partido Socialista defendia um referendo, caso viesse a ser aprovada na Assembleia da República uma lei sobre a despenalização total do aborto até às 12 semanas de gravidez; este ano, quando se propôs discutir de novo aquilo que. havia sido chumbado no ano passado, o Partido Socialista já não queria o referendo, mesmo que o Parlamento viesse a aprovar uma lei nesse sentido.
Porém, um dia depois, nem eram decorridas 24 horas, o líder parlamentar do Partido Socialista, que, na véspera; dizia não admitir o referendo sobre `uma lei que alterasse as condições da interrupção voluntária da gravidez, passou a admitir esse referendo e a admiti-lo de uma forma particularmente grave: não mudou de opinião sobre o referendo; não disse estar enganado sobre o referendo; passou a admitir o referendo sobre o aborto desde que fosse celebrado um negócio político entre o PS e o PSD sobre assuntos tão semelhantes à interrupção voluntária da gravidez como a composição do Tribunal Constitucional, a composição do Conselho de Fiscalização do. SIS e, eventualmente, alguma outra condição que até à data do negócio algum Deputado socialista contestatário venha ainda a julgar oportuno incluir no pacote negocial!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - O segundo caso paradigmático de que a vida política portuguesa está de facto muito doente tem precisamente a ver com esta confusão entre valores, convicções e política que o Partido Socialista tem dado ao País, em triste espectáculo, nos últimos tempos.
A partir do momento em que o PS passou a admitir a possibilidade de referendar a lei relativa à interrupção voluntária da gravidez, que aqui foi votada favoravelmente na semana passada, se fosse discutida a composição do Tribunal Constitucional, ficou claro para todos os portugueses que os juízes a eleger, futuramente, para o Tribunal Constitucional - e que vão ter, necessariamente, de resultar de mais um acordo entre o PS e o PSD! - vão condicionados por posições prévias dos partidos que os vão propor, mais amais, como parece ser o caso, em lista fechada, como propõe o PSD. A imagem que o País desejava ter do Tribunal Constitucional era a de um órgão acima dos partidos, acima das maiorias conjunturais e não condicionado por posições dos dois principais partidos que pudessem estar na origem da escolha dos futuros juízes do Tribunal Constitucional. Isto é muito grave, do ponto de vista da imagem do Tribunal Constitucional, perante o País e é ainda mais grave quando o Tribunal Constitucional tiver, eventualmente, de apurar da constitucionalidade

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ou inconstitucionalidade das propostas de referendo, se elas vierem a ser feitas, do tipo de perguntas que vier a ser feito nesses referendos, não se podendo furtar já, nessa ocasião, ao pecado original que esteve na base da sua eleição por acordo prévio entre o PS e o PSD!
Não é este o tipo de Tribunal Constitucional que o País precisa, não é este, seguramente, o modelo que para o Partido Popular deve estar na origem e na composição do Tribunal Constitucional, órgão de que o País espera independência e liberdade de apreciação da constitucionalidade dos actos dos órgãos políticos.

Aplausos do CDS-PP.

É, pois, negativo, para o funcionamento e para a imagem das nossas instituições, o tipo de comportamento tido pelo Grupo Parlamentar do PS quando admitiu a eventualidade de aceitar o referendo sobre o aborto condicionando-o à composição do Tribunal Constitucional.
Em terceiro lugar, a confusão e as cambalhotas políticas não ficam, infelizmente, por aqui. O PSD sempre defendeu que um referendo simultâneo era inconstitucional, sempre defendeu que um referendo sobre a Europa e outro sobre a regionalização eram inconstitucionais. Recordo uma entrevista dada pelo líder do PSD precisamente ao Diário de Notícias, onde dizia, com imensa clareza: «(...) a Constituição não permite que se realizem dois referendos sobre matérias diferentes no mesmo dia. E o PS sabe isso, porque propôs nas reuniões com o PSD para o acordo de revisão constitucional que se juntassem referendos. E o PSD não concordou. Achou que se devia manter o actual regime, porque isso era juntar matérias muito diferentes, podendo subverter resultados numa e noutra questão: contaminar a decisão europeia com as divisões sobre a regionalização ou contaminar a regionalização com questões europeias».
O líder do PSD perdeu o medo da contaminação e, também numa cambalhota política surpreendente, passou a achar constitucional e possível o que ainda na semana passada entendia ser inconstitucional e impossível.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Isto para não dizer que estas brincadeiras dos calendários com que o PSD tem tratado as questões relevantes e sérias dos eventuais referendos a realizar em Portugal fazem lembrar a maneira como as agendas tratam os feriados móveis! Não interessa saber sobre o que versa o referendo, não interessa saber se é constitucional ou inconstitucional, nem o dia em que se venha a realizar. O que é preciso é agitar e trazer sempre o calendário de bolso para, sempre que for necessário, produzir mais uma notícia sobre alterações de calendário.
Não é esta a nossa visão do instituto do referendo, nem da necessidade de se referendar algumas matérias sobre as quais há muitos anos defendemos que devem ser referendadas.
O PSD defendia a necessidade de haver um referendo sobre o aborto, mesmo antes da aprovação da lei; no entanto, bastou uma intervenção do seu líder parlamentar para desaparecer a necessidade desse referendo prévio e ser retirado o projecto de resolução que o sustentava.
Ainda hoje, ouvimos outra proposta de negociata: o PS a sugerir ao PSD que desagende o diploma acerca da proposta de referendo sobre a alteração da lei do aborto para o dia 19 e, supostamente, como contrapartida, a abdicar de levar a votação final global a lei sobre a, interrupção voluntária da gravidez que o Parlamento aprovou, na generalidade, na semana passada.
Meus senhores, triste demais para ser verdade! Esta não é a política que nos interessa, nem a que interessa ao País. O PS e o PSD estão a fazer da política portuguesa uma mera colecção de calendários. É evidente que para o PS e PSD a ruína do sistema de saúde, o aumento do tráfico e consumo de droga, os problemas de um sistema de ensino com pouca qualidade e cada vez menos disciplina, não passarão de questões secundárias e acessórias.
Sucede que para o Partido Popular são estas, e outras, as questões principais e, apesar da tentação, continuarão a ser.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra aos Srs. Deputados Helena Roseta e Luís Marques Guedes que se inscreveram para pedir esclarecimentos, informo a Câmara que se encontram a assistir aos nossos trabalhos um grupo de 58 alunos da Escola Secundária de Nuno Álvares, de Castelo Branco, um grupo de 32 alunos da Escola Profissional Beira-Aguieira, de Mortágua, e um grupo de 70 alunos da Escola Secundária de São João da Talha.
Testemunhemos-lhes o apreço por os termos connosco.

Aplausos gerais, de pé.

Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Roseta.

A Sr.ª Helena Roseta (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Ferreira, ninguém mais do que as Deputadas do PS está preocupado com a aparente eclipsagem da questão substancial da interrupção voluntária da gravidez por uma série de matérias que parecem nada ter a ver com a questão de fundo. Ninguém mais do que nós exige - e exigimo-lo ontem nos órgãos próprios do nosso partido - que a matéria seja reconduzida à sua substância, que não se veja enredada por outras questões, que, apesar de terem muito peso político, têm de ser tratadas cada qual de sua vez. Isto, por uma questão de respeito pela dignidade das mulheres e, já agora, também por respeito pela legitimidade democrática desta Assembleia da República.
Há, no entanto, um ponto em que o Sr. Deputado está equivocado. O Sr. Deputado invoca o Programa Eleitoral do PS para dizer que não há compromissos do PS no sentido de alterar a legislação sobre a interrupção voluntária da gravidez. Também já aqui foi citado um documento, presumo que uma entrevista ou uma declaração, de um dirigente do PS no mesmo sentido. Isto é ignorar a história, Sr. Deputado! É evidente que no programa eleitoral de 1995 este assunto não consta, mas isso não significa que nos quatro anos da legislatura os Deputados do PS estejam absolutamente confinados a fazer apenas aquilo que consta do programa eleitoral, porque há uma história e há uma memória.
A primeira pergunta que quero fazer-lhe é esta: é ou não verdade que foi com a iniciativa do PS e o voto do Grupo Parlamentar do PS que, em 1984, foi introduzida na lei portuguesa a primeira despenalização em matérias relacionadas com a interrupção voluntária da gravidez?

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Segunda pergunta: é ou não verdade - talvez o Sr. Deputado não saiba, mas eu posso confirmá-lo - que esta matéria constava do programa do PS desde praticamente o início e que foi aprovada em Congresso pelo PS? Terceira pergunta: é ou não verdade que, sem a vontade política do Grupo Parlamentar do PS, esta matéria não teria sido trazida novamente à colação para ser votada por esta Assembleia da República? O Sr. Deputado pode ter incompreensão - nós também a temos - por matérias que são atiradas para cima desta e que a ultrapassais, mas não pode ignorar que, em matéria de despenalização da interrupção voluntária da gravidez, há uma coerência histórica e sistemática do PS e a nossa posição, nesta sessão legislativa, mais não fez do que dar continuidade a esta coerência.
Uma outra pergunta que queria fazer-lhe refere-se à questão do referendo. Os problemas suscitados pelo PS relativamente ao Tribunal Constitucional não são despiciendos, compreendo a vossa preocupação. Devemos todos manifestar preocupação por termos um Tribunal Constitucional onde, há quase três anos, alguns lugares estão por preencher e o mandato dos juízes já foi esgotado, por termos um Tribunal Constitucional cuja lei orgânica não foi ainda aprovada, por termos um Tribunal Constitucional que tem funções importantíssimas no funcionamento do sistema democrático, designadamente na realização. do referendo, porque terá sempre de fazer a fiscalização prévia da sua constitucionalidade, seja qual for a pergunta, e assistimos a uma circunstância em que todos falam em referendos, todas as sondagens apontam no sentido de que os portugueses querem os referendos, mas nós não temos tido sequer a clareza e a frontalidade de dizer que, com a actual composição do Tribunal Constitucional, não é possível fazer referendo nenhum! Portanto, estamos aqui a laborar num erro, ou num (ogro, ou numa frustração, o que quiserem. É por esta precisa questão que propomos que o problema do referendo dependa da clarificação do que se passa no Tribunal Constitucional. Entende o Sr. Deputado que nisto há alguma má fé?

As Sr.ªs Natalina Moura e Rosa Albernaz (PS): Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Roseta, eu começaria justamente pelo fim para lhe dizer o seguinte: o problema do Tribunal Constitucional é muito sério e muito grave, mas o problema é que, há dois anos, o PS e o PSD não se entendem sobre a sua solução! Portanto, V. Ex.ª, nesta matéria, quando muito, terá de criticar, mais uma vez, o seu grupo parlamentar e não a mim por ter levantado o problema. V. Ex.ª com certeza que concordará comigo que é, de todo, inadequado e desajustado fazer uma ligação entre o problema da aceitação do referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez e a solução do negócio para a lista de juízes do Tribunal Constitucional. O problema do Tribunal Constitucional tem de ser resolvido, mas se ele é tão sério como V. Ex.ª diz que é - e é! - não se compreende por que é que o PS demorou tanto tempo a tomar uma posição firme sobre a respectiva solução. É, no mínimo, suspeito que, justamente quando se fala da possibilidade de vir a ser feito um referendo sobre o aborto, VV. Ex.as se lembrem de que o problema é grave. É, de facto grave - aí estamos de acordo -, mas o problema é que tem havido uma certa irresponsabilidade na maneira como os Grupos Parlamentares do PS e do PSD têm deixado arrastar este problema, de uma forma calculista, .para tentarem preservar eventuais maiorias de opinião no Tribunal Constitucional. Isso é que é grave! Neste jogo, quer o PS quer o PSD são cúmplices.
Sr.ª Deputada, não sei se V. Ex.ª é das Deputadas que defende que o líder do PS deve estar calado sobre esta matéria.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Ninguém defende isso!

O Orador: - Não sei! Mas sempre lhe quero dizer o seguinte: é verdade, como V. Ex.ª disse, que o PS tem essa história, essa memória e essas posições relativamente à questão da interrupção voluntária da gravidez. É verdade! Mas V. Ex.ª omitiu um facto importante: é que sempre que o PS verbalizou essas posições em eleições legislativas, perdeu-as! Justamente em 1995, quando nada disse em defesa da alteração da lei, ganhou-as! Ou seja; V. Ex.ª anda trocada com o destino do seu partido: quando as suas posições pessoais constam expressamente das promessas, o partido perde as eleições; quando as suas posições pessoais não constam das promessas, o seu partido ganha-as! Francamente, nesta matéria, Sr.ª Deputada, com toda a simpatia que tenho por si, o que vale é o que ficou no programa e não o que V. Ex.ª gostaria que ficasse.

Aplausos do CDS-PP.

O- Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Ferreira, quanto à primeira parte da sua intervenção, em que situou as cambalhotas do PS,...

O Sr. Augusto Boucinha (CDS-PP): - E as vossas também!

O Orador: - ... não vou comentar porque, nessa matéria, pretiro congratular-me com o resultado do que estar a criticar e a analisar as causas. Devo dizer até que, sobre esta matéria, não seria elegante da minha parte estar a criticar o PS.

Vozes do PSD:.- Muito bem!

O Orador: - Quanto à questão que o Sr. Deputado dirigiu directamente à minha bancada e que tem a ver com o problema da simultaneidade, queria esclarecer o seguinte, embora me pareça que o Sr. Deputado bem o sabe: o PSD cedeu na matéria da simultaneidade mas não cedeu convicção absolutamente nenhuma; e a prova disso é que o PSD mantém - e o Sr. Deputado sabe-o bem, e eu reafirmo-o aqui, com toda a clareza - a leitura de que a simultaneidade dos dois referendos sobre a Europa e sobre a regionalização levanta problemas de constitucionalidade. Não é a solução desejável! Que fique

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claríssimo: o PSD sempre o disse e mantém, como é evidente. Agora, o que o PSD tem, e o Sr. Deputado também o sabe, é a possibilidade constitucional, por força da representatividade que tem nesta Câmara, de superar este tipo de problemas através do seu voto. De resto, não somos só nós que pensamos que o problema da simultaneidade é um problema constitucional evidente, todas as outras bancadas também o pensam. E a prova disso é que o PS, nomeadamente, que a defendia, pelo simples facto de o PSD ter dito que não concordava com ela porque levantava problemas de constitucionalidade, acabou, na prática, por deixar cair essa sua ideia, sob pena de ir esbarrar com os problemas de constitucionalidade.
Portanto, o que se passa, com toda a clareza - e o líder do PSD deixou isso muito claro é que o PSD cedeu politicamente em nome de um bem maior, bem maior em que, penso, o Sr. Deputado me acompanha, que foi o de evitar esta teimosia do PS e este alibi em que o PS queria fundamentar-se para evitar que uma alteração à lei de interrupção voluntária da gravidez passasse por uma consulta e uma decisão dos portugueses. Esse é um bem maior em que penso que o Sr. Deputado me acompanha e foi em nome desse bem maior que o PSD decidiu ceder em relação a esta matéria da simultaneidade. E cá estaremos, se for entendimento do Tribunal Constitucional que há problemas de constitucionalidade, como pensamos que continua a haver, nesta simultaneidade, para, com o nosso voto, como a Constituição o prevê, poder permitir a. superação desse problema e 'desse obstáculo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Augusto Boucinha (CDS-PP): - Mais outra cambalhota?!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, ouvi o seu raciocínio com atenção e ele é, como de costume, bem montado mas assenta num sofisma. Porque, como V. Ex.ª bem sabe, o «bem maior», que todos estamos de acordo, que é o fazer-se o referendo sobre o aborto, já hoje podia ser alcançado. Como sabe, nos termos da Constituição - e, esperamos, da futura lei orgânica dó Tribunal Constitucional, que tem de regulamentar essa matéria -, os cidadãos já podem desencadear o processo junto do Parlamento e pedir um referendo sobre as matérias que bem entendem. Portanto, é um sofisma total V. Ex.ª querer justificar mais uma cambalhota do líder do seu partido relativamente ao que eram as suas convicções, mas agora já não são, com esse argumento. O «bem maior» - e é um «bem maior» indiscutível, com o qual todos temos de nos congratular e nem sequer permitir ao PS que lhe passe pela cabeça que pode voltar atrás, outra vez, e dar outra cambalhota - não exigia a vossa cambalhota! A vossa cambalhota política ocorre porque VV. Ex.as estão também interessados na negociata política para o Tribunal Constitucional! Essa é que é a verdade! Porque, se o referendo da Europa contamina o referendo da regionalização e o referendo da regionalização contamina o referendo europeu, VV. Ex.as passam a ser os contaminadores!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na vida das organizações e das instituições, tal como na de cada um de nós, exige-se um comportamento ético, de seriedade e de respeito por princípios e valores. E essas exigências acrescem no exercício da actividade política, no exercício de uma actividade que é suposto ser desenvolvida em nome e ao serviço dos nossos concidadãos, que por isso e para isso nos elegeram. É tudo isto que está ausente na reviravolta incompreensível, na indesculpável cambalhota política do PS quanto à questão da descriminalização da interrupção voluntária da gravidez.

Aplausos do PCP.

É indiferente que a responsabilidade desta condenável alteração do posicionamento do PS seja atribuível ao seu Secretário-Geral e Primeiro-Ministro, à direcção da sua bancada parlamentar ou aos «jovens turcos» do Governo. A responsabilidade deste indigno comportamento é do PS! Não dos seus militantes anónimos, mas de todos aqueles que, em seu nome, exercem funções políticas e que, por acção ou omissão, decidiram ou aceitam tal comportamento. Temos para nós que em política nem tudo é negociável, que em política os fins não justificam todos os meios. Mas, pelos, vistos, há quem se empenhe em querer demonstrar o contrário. E esta não é, definitivamente, uma questão menor na grande diferença que existe entre o PCP e outros partidos, no caso o PS mas também o PSD, na forma de encarar e exercer a actividade política.

Aplausos do PCP.

Houve quem tenha querido acusar-nos de ingenuidade ou de resignação por não termos exigido ao PS a garantia de aprovação na generalidade do nosso projecto de lei sobre a interrupção voluntária da gravidez, como moeda de troca para garantirmos a aprovação do projecto do PS, incapazes de compreenderem que o PCP se possa reger, acima de tudo, por valores e por um profundo respeito pela dignidade das mulheres portuguesas.

Aplausos do PCP.

Em flagrante contraste com a atitude assumida pelo PS e PSD, que jogam e negoceiam com um dos maiores dramas que afectam a mulher: o drama de terem de realizar o aborto clandestinamente, como criminosas que têm de se furtar à justiça e, na maioria dos casos, sem quaisquer garantias de higiene e segurança. É ética e politicamente condenável que o PSD e o seu presidente façam a proposta de negociata que fizeram, não por razões filosóficas ou religiosas, mas por mesquinhos cálculos politiqueiros e de pretensa afirmação partidária.

Vozes do PCP: - Muito bem!

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1294 I SÉRIE-NUMERO 39

O Orador: - E é revoltante que o PS lhe acene com a sua concordância de imediato, tão de imediato que legitima á ideia de algo premeditado ou pré-acordado.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

O Orador: - O que pomos em causa e contestamos não é, naturalmente, a legitimidade de o PS, ou o PSD, poderem optar, em consciência e por convicção, por um referendo para decidir sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez. O que está em causa, o que é indesculpável, são a forma e as razões pelas quais o PS e o PSD pretendem, ou aparentam pretender, impor esse referendo. A verdade é que a seguir à rejeição, em Fevereiro do ano passado, dos projectos de lei do PCP e do PS, nunca o PS ou o PSD reclamaram um referendo sobre a matéria, isto é, nunca levantaram a hipótese de ser necessário testar essa decisão através de uma consulta popular. E toda a gente sabe que, se a Assembleia da República tivesse novamente rejeitado o projecto do PS, nem o PSD estaria a reclamar um referendo nem o PS estaria a aceitá-lo, com ou sem negócios associados.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É grave o significado e detestáveis as concepções que esta duplicidade de critérios e atitudes. revela. Por detrás dela, o que se esconde é a ideia de que a actual criminalização da mulher e penalização do aborto corresponderiam a uma «ordem natural das coisas» e a, um dado de civilização. De tal forma que só para a sua anulação é que careceria de se ouvir o povo, mas já a manutenção dessa alegada «ordem natural» não exigiria uma consulta popular!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Recordando tudo quanto alguns Deputados do PS aqui disseram no passado dia 4, justifica-se que deixe às suas consciências a pergunta sobre se afinal, e renegando o que então disseram, também partilham a ideia de que a criminalização e a penalização constantes actualmente do Código Penal são a ordem natural das coisas, ou se, pelo contrário, são a injusta ordem jurídica da hipocrisia e da insensibilidade social para o flagelo do aborto clandestino.

Aplausos do PCP.

É indesculpável a autêntica farsa de que se reveste o facto de, menos de 24 horas após a aprovação do projecto de lei do PS, quando os aplausos dos Deputados socialistas ainda ecoavam no hemiciclo, o PS ter dado o dito pelo não dito, lançando o descrédito sobre o grupo parlamentar socialista, sem dúvida, mas pondo ainda em causa as próprias decisões e a legitimidade da Assembleia da República.
Após os inflamados discursos de Deputados socialistas fundamentando as razões que justificam plenamente a não realização de um referendo sobre as alterações à lei do aborto e a exigência de ser a Assembleia da República a «eliminar uma inaceitável intromissão da lei penal no domínio da consciência individual da mulher», o que é chocante é que o PS venha agora juntar-se àqueles que, pretextando posições referendárias, de facto, apenas querem manter o actual estado de coisas e impedir que algo se faça para a resolução séria do problema do aborto clandestino.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O' Orador:_ - É lamentável, mas politicamente significativo, que o PS, a pretexto de um «desafio» do PSD, corra a aliar-se à direita para congelar, inevitável e indefinidamente, a solução que, no passado dia 4, tinha. sido conseguida à esquerda e, mais do que isso, para garantir a efectiva' paralisia dó processo legislativo e ir prometendo que se vai fazer.
O que não se sabe é quando, como ontem o deixou claro o Ministro Jorge Coelho, admitindo aquilo que sempre se soube: que o referendo não é passível de ser realizado no próximo mês de Junho. Cabe perguntar, aliás: por vontade do PS e do PSD, alguma vez o será?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Ou melhor: não iremos, a seguir, assistir, não estaremos já a assistir, aos próximos capítulos desta tragicomédia com o PS e o PSD irmanados na vontade de não fazerem qualquer referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez, mas cada um tentando responsabilizar o outro pela sua não realização?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não nos restam dúvidas de que a questão mais grave de todo este entendimento entre o PS e o PSD reside na utilização da dignidade e do sofrimento da mulher como moeda de troca num negócio politiqueiro.
Mas não podemos deixar de, igualmente, criticar vivamente a inclusão neste pacote negociai da dignidade institucional do Tribunal Constitucional e o colocar em causa a própria credibilidade da sua independência.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Identicamente, verberamos a intromissão, política e institucionalmente inaceitável, que o PS e o PSD fazem no terreno dos poderes exclusivos do Presidente da República; quando, sem pudor, negoceiam quais os referendos a realizar, às respectivas datas e a junção ou não de mais do que um referendo no mesmo dia.
E, a este respeito, não podemos deixar de manifestar estranheza e incompreensão por, perante esta situação totalmente abusiva, o Sr. Presidente da República não se ter ainda pronunciado, delimitando, de forma clara e categórica, a sua indelegável e exclusiva competência nesta matéria.

Aplausos do PCP.

Pela parte do PCP, Srs. Deputados, podem estar certos de que continuaremos a orientar-nos por convicções, por princípios e por valores. Nunca alienaremos este património de seriedade e responsabilidade na voragem de um qualquer negócio.

Aplausos do PCP.

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1295 12 DE FEVEREIRO DE 1998

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Barreiros.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, deixe-me começar por repudiar com toda a firmeza aquilo que tomo como um excesso de linguagem da sua parte; ou seja, a acusação de que o PS pretende jogar com o sofrimento de mulheres nesta matéria. Essa acusação não faz qualquer sentido em relação a um partido que aqui apresentou uma lei e a fez aprovar, embora com os votos de VV. Ex.as, é verdade, e que há 12 anos atrás, aprovou a lei que se encontra em vigor, também com os vossos votos, é preciso dizê-lo, que já introduziu uma despenalização significativa desta matéria.
Deixe-me também dizer-lhe, Sr. Deputado, que há que assumir aqui uma coisa com toda a clareza, que o Sr. Deputado não descobriu, seguramente, hoje, é da história política portuguesa, todos sabemos isso: há uma divergência entre o PCP e o PS em matéria de referendo no que se refere à questão da interrupção voluntária da gravidez. Há esta divergência!

O Sr. João Amaral (PCP): - Mas no passado dia 4 não havia!

O Orador: - Não é a única divergência, infelizmente - digo eu -, entre o PS e o PCP, mas há esta divergência! E o PS não modificou em. nada as suas posições!

Vozes do PCP: - Não?!

O Orador: - O PS teve oportunidade de dizer - e disse-o aqui no próprio debate - que, consideramos que esta decisão tanto pode ser legitimada aqui, na Assembleia, como através de referendo...

O Sr. João Amaral (PCP): - O Sr. Presidente da República já disse que aceitava? O Tribunal Constitucional já disse que aceitava?

O Orador:- e, mais, que estávamos abertos à realização de um referendo. Só não estávamos disponíveis - isso foi sempre muito claro, foi sempre publicamente afirmado - para acrescentar mais uma consulta popular àquelas duas consultas que já estavam previstas para este ano. Foi isto que o PS sempre disse, tendo até proposto que, se aceitassem a realização de vários referendos no mesmo dia, o PS estava disponível para dar o seu acordo. Portanto, não fomos nós que mudámos de posição. Porém, a partir do momento em que o PSD diz que aceita a realização simultânea de referendos, ao contrário do que sempre disse, entendemos que há condições - veremos se há! - para a realização deste referendo. Aliás, já tivemos oportunidade de dizer no ano passado que, mesmo após a aprovação na generalidade do diploma, o PS estava disponível pára a realização de um referendo.
Quanto à acusação de negociata, Sr. Deputado, devo dizer que o PS tem perfeita consciência de que desempenha na democracia portuguesa um papel de estabilidade e que procura encontrar os acordos e os entendimentos, sendo certo também que é nossa sina sermos sempre acusados por outros de que estamos a fazer negociatas.
Ainda recentemente, usando; aliás, muitas das palavras que o Sr. Deputado usou, recebemos acusações do PP e do PSD, quando votámos a Lei das Regiões Administrativas, de que tínhamos feito uma negociata com o PCP.
Nós é que procuramos entendimentos, como factor de estabilidade da democracia, para conseguir-mos as grandes reformas da sociedade portuguesa.
Para terminar; Sr. Deputado, acredito que seja possível realizar estes referendos e estou seguro de que estarei com o Sr. Deputado na campanha pelo «sim» nesta matéria, como estarei na campanha pelo «sim» , que é outro compromisso do PS; para a regionalização. Só é pena não poder contar consigo, muito provavelmente, na campanha pelo «sim» para a questão europeia e essa, sim, é uma divergência bem séria que mantemos com o PCP.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Acácio Barreiros, V. Ex.ª e o PS não podem ficar ofendidos por dizermos que o PS pretende jogar com uma questão de fundo relativa às mulheres, porque é isso mesmo que está a acontecer.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Não é verdade!

O Orador: - É público! É notório! Toda a gente o sabe! Vocês colocaram a questão da interrupção voluntária da gravidez como moeda de troca para outras coisas!

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Não é verdade!

O Orador: - É verdade!

Aplausos do PCP.

O Orador: - Ainda ontem à noite, aumentaram reais contrapartidas! É indesmentível que se trata de um jogo!

Sr. Debutado, acredito sinceramente que pode haver Deputados do PS que se sintam mal com isto, mas a situação real é esta: o PS está a faze-la. Isso é que é lamentável, isso é que é inaceitável e isso é que não pode ser aceite.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Porque aquilo que estão a fazer, Sr. Deputado - disse-o e vou repeti-lo, embora a palavra possa parecer forte -, aquilo a que assistimos por parte do PS nesta matéria é, a uma farsa.

O Sr. João Amaral (PGP): - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados, houve aqui uma votação no passado dia 4...

O Sr: Jorge Ferreira (CDS-PP): - Eles querem esquecer-se!

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1296 I SÉRIE - NUMERO 39

O Orador: - ... em que foi aprovado um projecto de lei do PS pela grande maioria dos Deputados do PS e também pelos Deputados da minha bancada e pelos Deputados do Partido Ecologista Os Verdes e no dia 5, ainda não tinham passado 24 horas, os senhores voltaram completamente atrás, não apenas em termos da questão da votação mas também em termos da argumentação da defesa da não colocação a referendo da interrupção voluntária da gravidez.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Isso foi aqui afirmado no passado dia 4 por vários Srs. Deputados. Não interessa agora nomeá-los, mas apenas gostaria de recordar a última intervenção no debate por parte do PS, que foi exclusivamente pura justificar as razões de fundo que o PS encontrava para não sujeitar a referendo a lei da interrupção voluntária da gravidez.

O Sr. João Amaral (PCP): - É um facto!

O Orador: - Isso é um facto indesmentível. Foi ouvido e está transcrito em acta.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Acácio Barreiros, V. Ex.ª diz que está esperançado de que esse referendo se venha a realizar. Com toda a sinceridade, admito que nem todos os Srs. Deputados do PS conheçam os passos que é preciso dar para se poder chegar à realização de um referendo, mas V. Ex.ª, que faz parte da direcção do Grupo Parlamentar do PS, necessariamente, tem obrigação de os conhecer. E basta contar dia-a-dia os passos que é preciso dar - e se for necessário, o PSD esclarecê-los-á muito bem sobre isso, porque estão claramente conscientes disso, desde o início - para ver que não há qualquer possibilidade de se vir a fazer qualquer referendo até ao fim do mês de Junho de 1998.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Ai sim!

O Orador: - Mais, Sr. Deputado Acácio Barreiros: tenho as maiores dúvidas neste momento, devido ao comportamento que tem vindo a ser seguido pelo PS nesta matéria, se será possível, ainda este ano, fazer um qualquer referendo em Portugal.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, sinto hoje aqui uma inquietação muito grande em muitas das bancadas deste Hemiciclo...

O Sr. João Amaral (PCP): - A única tranquila é a do PSD!

O Orador: - ... e sinto numa das bancada deste Hemiciclo um grande contentamento: é na minha bancada.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É natural que VV. Ex.ªs, na bancada do PCP. não sintam um grande contentamento. VV. Ex.ªs nunca quiseram o referendo sobre a alteração à lei do aborto.
Mas lembro V. Ex.ª que, ainda há três semanas, defendi aqui a realização do referendo à alteração à lei do aborto, no preciso dia em que por exemplo, o PS anunciava a sua recusa. Ainda há uma semana, neste Parlamento, toda a gente pensava que, depois da aprovação de uma determinada lei na generalidade, o referendo se não realizava, porque o PS dizia que não, e nesta altura estamos todos conscientes - e o Sr. Deputado também - de que o referendo se vai realizar, porque o País assim o quis.

Aplausos do PSD.

Há uma vontade que V. Ex.ª não pode matar: a vontade do povo português e da sua consciência em ser ouvida. E é essa vontade que vai fazer com que o referendo se faça.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não tenho, Sr Deputado, qualquer culpa que. para determinados acordos que estão previstos na Constituição, sejam exigidos dois terços dos votos dos Deputados nesta Assembleia e que V. Ex.ª, infelizmente, não conte para isso. Aquilo que V. Ex.ª e outros dizem ser negócios,...

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP)- - Outros não! O PP!

O Orador: - ... devem reduzir ao termo «acordos», previstos na Constituição. E devo dizer-lhe u esse respeito, para vos sossegar a todos, que não há aqui qualquer volte-face. não há aqui qualquer cambalhota,...

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Não?!

O Orador: - ... o que há é um acordo em relação à composição do Tribunal Constitucional, que foi celebrado em Março de 1997 e que tem de ser honrado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O que há é um acordo, que tem de ser celebrado, também em relação à Lei Orgânica do Tribunal Constitucional. Aliás, em relação a essa lei, devo dizer que deu entrada na Mesa da Assembleia da República um projecto de alteração. Não há aqui nada de novo. Sr. Deputado! Não se preocupe connosco! O povo português vai votar pelo referendo em liberdade plena.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

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12 DE FEVEREIRÓ DE 1998 1297

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Encarnação, começaria pela única questão que suscitou, em que estou completamente de acordo consigo, que é quando diz que a bancada do PSI) está perfeitamente tranquila. Não tenho a mínima dúvida sobre isso, porque está a jogar, tal como o PS, com a dignidade das mulheres, mas está também a jogar com o PS. Por isso, estão tranquilos, estão satisfeitos. Isso é indisfarsável!
Agora, vamos às grandes discordâncias. Sr. Deputado, se fosse verdade a opção de fundo, a vontade do PSI) em promover o referendo para saber a vontade do povo português sobre se quer ou não a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez em determinadas circunstâncias, se isso fosse verdade, que razões teriam levado o PSI) a, com um projecto de resolução entregue na Assembleia da República desde Fevereiro de 1997, não ter sequer tentado agendar esse projecto?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP) - «Gato escondido com o rabo de fora»!

O Orador: - Não é verdade, Sr. Deputado, que haja essa intenção e essa vontade de fundo! Porque é claro que VV. Ex.as não querem fazer qualquer referendo sobre o aborto. O que VV. Ex.as querem é impedir que haja qualquer alteração à actual lei penal,...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sem consulta? Com certeza!

O Orador: - ... que reprime, castiga e criminaliza a mulher portuguesa, quando tem de recorrer ao aborto.

Aplausos do PCP.

É isso, é apenas isso, que os senhores defendem! E aí estão a conseguir levar, mais uma vez, o PS. Ele vai andando, vai andando e vai dando satisfação a tudo aquilo que os senhores pretendem.
Diz ainda o Sr. Deputado que há um acordo, desde Março de 1997, sobre a composição do Tribunal Constitucional e sobre a votação e aprovação da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Não! Sobre a primeira!

O Orador: - É só sobre a primeira parte? Só sobre a composição do Tribunal Constitucional?

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sim!

O Orador: - Mas há também um acordo global, substancial, tirando um artigo, salvo erro, o artigo 20.º, para a lei orgânica.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Isso, vamos a ver...

O Orador: - O Sr. Deputado Carlos Encarnação, também estão disponíveis para ceder aí, não estão? É uma questão de negócio...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Não, não é! É uma questão de acordo!

O Orador: - Ou estão, mais uma vez, à espera que seja o PS a ceder?
Sr. Deputado, a questão é esta: se existe esse acordo, por que é que ainda não o concretizaram? E, mais do que isso, se há eventualmente má vontade ou má fé de uma das partes, por que motivo e com que legitimidade metem nesse processo a dignidade da mulher portuguesa?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Roseta.

A Sr.ª Helena Roseta (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, o Sr. Deputado. fez a sua análise dos acontecimentos e acrescentou, por sua iniciativa, que tinha dúvidas - não sei se a expressão foi exactamente esta, mas foi este o sentido das suas palavras sobre o comportamento ético dos Deputados do Partido Socialista. Julgo que o Sr. Deputado terá ido longe demais, porque isso é presumir que os Deputados do PS não têm inteira liberdade de consciência e não andam a tomar as suas posições com uma profunda preocupação de corresponder àquilo em que em acreditam e àquilo por que se batem. E tanto assim é que, na semana passada, votámos, em votação nominal, um a um, o que pensávamos sobre esta matéria. Portanto, Sr. Deputado, não se precipite a tirar conclusões.
Mas vamos à questão do referendo. O Sr. Deputado referiu ter havido Deputados do PS - e é verdade - que aqui disseram ser contrários à realização de um referendo. Mas, por outro lado, também conhece, como eu, toda a campanha que se desencadeou na opinião pública, no sentido de solicitar à Assembleia da República que viabilizasse um referendo, porque muitos portugueses manifestaram a vontade de participar neste debate.

O Sr. João Amaral (PCP): - É a campanha do PSD!

A Oradora: - Não é só do PSD, Sr. Deputado, e agradecia que me ouvisse.

O Sr. João Amaral (PCP): - Não posso fazer um aparte?!

A Oradora: - Pode, com certeza!
A questão é muito simples: esta é uma matéria de sociedade e de cidadania. Nós debatemo-la aqui com inteira legitimidade - sobre isso não tenho qualquer dúvida -, mas o debate já está lançado em todo o País, a campanha já está em curso em todo o País. E tanto assim é que, ainda neste fim-de-semana, vimos notícias de que nas igrejas, nas homilias, os próprios padres começaram imediatamente a mobilizar os católicos para que se pronunciassem pelo «não» num referendo que ainda nem sequer existe. É isto que não podemos ignorar. Nós temos de compreender que, em debates que envolvem a socie-

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dade e a cidadania, não devemos restringir a participação das pessoas mas, sim, alargá-la. Esse é o motivo de consciência que leva os Deputados do PS. a tudo fazer para não os acusarem de serem eles a razão pela qual não poderá ser consultada a opinião pública, o conjunto dos cidadãos, nesta matéria. Esta questão é fundamental e é uma questão de consciência para nós.
Mas há mais, Sr. Deputado: os partidos não esgotam a cidadania, não esgotam as possibilidades de intervenção das pessoas. Assim, a minha pergunta fundamental é esta: se o referendo for conseguido, for exequível, e tivermos de o realizar, o PCP fará campanha pelo «sim»? Seguramente, presumo-o. Mas a minha pergunta vai mais longe...

O Sr. João Amaral (PCP): - O PS faz?!

A Oradora: - Sobre se o PS fará campanha pelo «sim», pela minha parte, respondo-lhe que não tenho quaisquer dúvidas de que todos os que aqui participaram, na votação farão campanha pelo «sim». Mas a pergunta vai mais longe...

O Sr. João Amara[ (PCP): - O PS faz?

A Oradora: - O PS fará campanha pela defesa da, iniciativa dos seus Deputados. Só poderá fazer campanha pelo «sim».

O Sr. João Amaral (PCP): - Será?!

A Oradora: - O PS ainda não decidiu nesse sentido.

O Sr. João Amaral (PCP): - Ah!

A Oradora: - Ó Sr. Deputado, não vale a pena fugirmos às questões. O PS não decidiu ainda nesse sentido. Mas nós cá estamos para levar essa batalha até ao fim.
A minha pergunta é se o PCP está disponível para se aliar a largos sectores da sociedade portuguesa, que não se esgotam no PS nem no PCP, para constituir um movimento de opinião que vá fazer a campanha pelo «sim», lá fora e para lá dos partidos políticos representados nesta Assembleia, de modo a congraçar todos aqueles e aquelas que entendem que esta lei tem de passar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder; tem apalavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Roseta, começaria por me referir a uma questão com que a Sr.ª Deputada iniciou o seu pedido de esclarecimento. Tive o cuidado - julgo que não terei tido esse lapso - de nunca pôr a questão da ética em relação a um ou a qualquer um dos Deputados do PS. Referi-a em relação ao Partido Socialista. E fui muito claro, ao dizer o que entendia por Partido Socialista, incluindo nesse Partido Socialista aqueles que exercem funções políticas, pelo que, naturalmente, em termos globais, também todos os Deputados do PS.

A Sr.ª Deputada coloca a questão sobre se nós não temos em consideração - e não interessa agora por pressão de quem, se do PSD, se do movimento «Juntos pela Vida», se da Igreja- de que começou a haver um movimento na sociedade portuguesa sobre o referendo em relação ao aborto.
Ó Sr.ª Deputada, a questão que lhe coloco é esta: mas essa situação e esse eventual movimento que existia no dia 5 de Fevereiro não era exactamente o mesmo que existia no dia 4?

O Sr. João Amaral (PCP): - Exactamente!

O Orador: - E por que é que, o PS no dia 4 defendeu uma posição e no dia S a posição completamente inversa? Esta é que é a questão, Sr.ª Deputada Helena Roseta!

Aplausos do PCP.

Sr.ª Deputada Helena Roseta, referi na minha intervenção, e mantenho-o, que o que está aqui em causa não é a legitimidade de o PS, enquanto tal, ou qualquer outro partido, optar, consciente e convictamente, por que a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez deva ser previamente sujeita a um referendo. Posso estar em desacordo com essa opção, mas não contesto a sua legitimidade.
O problema é que o PS - e a Sr.ª Deputada sabe-o muito bem -, no dia 4 de Fevereiro, defendeu à outrance, com toda a argumentação possível, as razões por que não deveria haver um referendo sobre a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez e no dia 5 disse exactamente o contrário.
Por outro lado, a Sr.ª Deputada fala na realização do referendo. Porém, a Sr.ª Deputada sabe que, para isso, é necessário que seja aprovada a Lei Orgânica do Tribunal Constitucional,...

Vozes do PS: - Claro!

O Orador: -.. que seja feita á eleição dos membros do Tribunal Constitucional,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - ... que seja aprovada a lei do referendo,.....

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - ... que seja aprovado e discutido 0 projecto de resolução, propondo a realização do referendo, e que ele seja objecto de análise de constitucionalidade por parte do Tribunal Constitucional,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: que haja acordo do Sr. Presidente da República, ...

O Sr. José Magalhães (PS): - Exactamente!

O Orador: - ... etc., etc., etc.

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12 DE FEVEREIRO DE 1998 1299

Sr.ª Deputada Helena Roseta, faço-lhe esta pergunta com muita seriedade: a direcção da sua bancada ou do seu partido já lhe explicou quanto e quanto tempo isto demora? Já lhe explicou quais são os entraves que aparecerão inevitavelmente pelo caminho? Já lhe explicou as dificuldades, quase insuperáveis, para se conseguir chegar à possibilidade da realização do referendo?

O Sr. Presidente: - Agradeço-lhe que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, permito-me solicitar-lhe apenas mais 30 segundos para acabar de responder à Sr
Deputada Helena Roseta.
Finalmente, à sua última questão, Sr.ª Deputada - e já nem lhe vou responder àquela que já o foi em aparte -, respondo-lhe o seguinte: não tenha a mínima dúvida de que, se vier a haver um referendo sobre a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez, o PCP assumirá, como tal, uma posição favorável, coisa que a Sr.ª Deputada não pode garantir em relação ao PS.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Apoiaremos todos os movimentos pelo «sim» ao aborto. Mas, Sr.ª Deputada, não queira procurar, desde já, fazer caminho no sentido de que haja apenas um único movimento, a nível nacional, para que os partidos não sé comprometam, para que o PS possa «sair de cara lavada», sem se comprometer em relação a esse referendo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar ao debate de urgência, requerido pelo PSD, sobre a suspensão da acreditação do Laboratório de Análises ao Doping e Bioquímica de Lisboa.
Para introduzir o debate, tem a palavra o Sr. Deputado Domingos Gomes.

O Sr. Domingos Gomes (PSD): - Sr. Presidente, como pode imaginar, é uma grande honra poder cumprimenta-lo e demonstrar-lhe a minha consideração, estima e admiração.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado. É recíproco.

O Orador: - Srs. Membros do Governo, aproveito a ocasião para lhes apresentar os meus cumprimentos sinceros.
Srs. Deputados, é um privilégio que sinto poder intervir num local onde nos apercebemos que cada espaço, cada recanto, deste Palácio e deste Parlamento respira História e transpira Portugal.
Sinto-me ainda, e também, muito orgulhoso de ser Deputado e poder assumir, em pleno, a função de porta-voz dos portugueses.
Agradeço-vos a consideração e creiam-me um dos vossos.
Subo a esta tribuna, hoje, para abordar um tema urgente e preocupante: Portugal tinha, até há pouco tempo,, um laboratório de controle antidoping credenciado para todo o tipo de análises. Era um dos 22 laboratórios que, em todo o mundo, tinham acreditação. Era prestigiante para Portugal e muito importante para o desporto português e eu que o diga...
Este laboratório poderia fazer análises e contra-análises dos eventos nacionais e estrangeiros. Custou muito a quem, em tempo parcial, bem ou mal pago, bem ou mal tratado, com ou sem contrato, deu o seu melhor, desde os pioneiros até à Direcção Científica e Técnica, até há meses atrás.
Há poucas semanas, o mesmo laboratório foi desgraduado para o grau I ou fase 1, significando que só pode fazer análises antidoping a provas nacionais. As contra-análises terão de ser exportadas para Madrid!
Conclusão: antes, tínhamos o máximo, o melhor, o mais importante; agora, passamos a ter o mínimo, o escalão mais baixo, uma verdadeira descida de divisão, falando em termos desportivos.

Aplausos. do PSD.

Portugal perdeu e isto é, quer queiram, quer não, muito preocupante.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O nome de Portugal desceu no pedestal. Antes, tínhamos uma bandeira hasteada no topo. O laboratório estava lá, nós estávamos lá, o País estava lá.
O desporto sempre contribuiu para a produção da imagem e do nome de Portugal. Desta vez, o nome de Portugal sai despromovido e desprestigiado.
Os nossos atletas, as nossas equipas e as nossas selecções encarregam-se de engrandecer o nome de Portugal. Assim tem sido. Desta vez, a administração pública desportiva contribuiu, temos de concordar, para o seu desprestígio.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, se questiona: como e porquê?!
Sabe-se que o problema residiu na gestão de recursos humanos.
Por que razão não foram criadas condições de trabalho aos técnicos que asseguravam a reputação do laboratório?
Por que razão se deixaram deteriorar as relações humanas no interior do mesmo? Todos sabem que isso aconteceu.
Por que razão se deixou perder a forte motivação e o empenhamento dos especialistas do laboratório?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por que razão não se escutaram os sucessivos avisos que os técnicos iam lançando? Estava em jogo, repete-se, o nome de Portugal!
E sabem porquê? Porque foi dada abertura à polémica entre a Federação Inglesa de Atletismo e o laboratório. Porque descemos em creditação, com as consequências internas, de vária ordem, que se sentem e a imagem internacional que se imagina. Porque damos azo a mais uma dependência do estrangeiro, não só no recorrer a outro ou outros laboratórios, mas também na vinda de um técnico

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estrangeiro. Até parece que, em Portugal; não há técnicos competentes.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador:'- Até parece que só o que vem de fora é bom. Até parece que gostamos de menorizar, desvalorizar e desprezar. a comunidade científica nacional. É um sinal de desprestígio para essa comunidade científica, quer queiram quer não.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Acham que isto é pouco?! Acham que isto não tem importância?!
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Isto não é uma pequena coisa! Dizia Rosenthal que quando algo importante acontece, o silêncio é uma mentira. Isto é um facto importante!
Sempre que o nome de Portugal esteja em jogo - nem que seja um jogo de cartas, nem que seja o jogo do carolo -, tudo deve convergir para que ele mais alto suba!
Nesse sentido, exige-se que não se sobreponha a esta
finalidade seja o que for: o interesse individual ao colectivo, os pareceres, as birras, os tempos parciais, as
sobreposições, as não reconduções, em resumo, as «burocracites».
Por isso, aqui estamos para denunciar a situação, pára pedir responsabilidades a quem deixou chegar tudo a este ponto lamentável, para reclamar que, rapidamente; se tomem as medidas necessárias para alterar este estado de coisas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Ouvimos as entidades do sector, e todas estão preocupadas.
Por isso, daqui fazemos um desafio ao Governo: tenha a coragem de reconhecer que errou - não custa nada! -, tenha a humildade de reconhecer que é preciso fazer qualquer coisa diferente,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... tenha o sentido de responsabilidade de fazer voltar a situação ao que era antes, porque Portugal o exige e o desporto português o reclama.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Desporto.

O Sr. Secretário de Estado do Desporto (Miranda Calha): - Sr: Presidente, Srs. Deputados: Acabámos de ouvir algumas considerações em relação à actuação do Governo ...

O Sr. Luís Marques Guedes (PS D): - Não foi relativamente à actuação mas sim, à inacção do Governo!

O Orador: - . ... a pretexto da situação do laboratório de dopagem e bioquímica do Instituto Nacional do Desporto. Não é de estranhar. O PSD quer confundir os portugueses e sacudir as responsabilidades que tem neste processo.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

O PSD invocou a suspensão da acreditação do laboratório, por parte do Comité Olímpico Internacional (COI), para suscitar este debate.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - É preciso descaramento!

O Orador: - E fê-lo a correr, à procura de dividendos políticos e lançando no ar a ideia dê que o combate à dopagem tinha sofrido um rude golpe. Nada mais falso, Srs. Deputados do PSD! O laboratório recebeu um nível de acreditação. 0 Comité Olímpico Internacional reconheceu o esforço feito pelo Governo português na luta contra o doping. Mas o Governo está à vontade para falar do laboratório, do que encontrou por fazer e das muitas medidas que tem vindo a concretizar.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Todas boas?!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs.- Deputados: Quando o Governo tomou posse, a luta contra o doping era um objectivo esquecido pelo anterior Governo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O número de controlos tinha descido assustadoramente, passando de 2052, em 1994, para 1760, em 1995. Tinham deixado de ser feitos, num só ano, quase 300 controlos antidoping. Houve, portanto, que tomar medidas para inverter esta situação:
Em 1996, efectuaram-se 2097 controlos, isto é, mais 337 e, em 1997, efectuaram-se mais 512 controlos, o que representa um crescimento, de 30% em relação ao que os senhores faziam no passado. E é preciso dizer que muitas, destas acções ocorreram fora da competição.
Claro que a luta contra o doping incómoda algumas pessoas.
Quando o Governo tomou posse, o laboratório, de dopagem tinha máquinas mas não tinha instalações. O Desporto pagava rendas à Justiça para o laboratório funcionar no Instituto de Medicina Legal. As obras mandadas fazer no Centro de Medicina, Desportiva tinham sido «para eleitor ver». Terminaram em Outubro de 1995, mas o tecto e as paredes metiam água, .... -

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD)- O senhor é que está a «meter água»!

O Orador: a rede eléctrica estava por montar e nem sequer havia uma bancada de trabalho. O regresso do laboratório às instalações do Desporto era um projecto deliberadamente adiado por V. Ex.as enquanto estavam no governo.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Incrível!

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O Orador: - Hoje, o laboratório tem casa própria. O seu equipamento foi modernizado. As exigências do Comité Olímpico Internacional passaram a ser cumpridas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador:. - Quando o Governo tomou posse, encontrou um quadro de pessoal que funcionava no sistema de «2 em 1 ». Dos oito técnicos existentes, seis estavam a tempo parcial, incluindo o director. Os técnicos trabalhavam no Instituto de Medicina Legal e, quando podiam, faziam análises no laboratório. Com o mesmo horário, tinham duas ocupações. Arte e engenho não faltavam às soluções descobertas pelo PSD!
O laboratório, agora, tem pessoal próprio. Em nove técnicos apenas um está a tempo parcial. O director técnico funcionará a tempo inteiro e vai desenvolver acções de formação, o que é muito importante para o funcionamento do laboratório. Estamos, portanto, a recuperar o tempo perdido.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Já agora, falemos da principal razão' de todo este processo.
Foi em Junho de 1993 que tudo começou. Então, o PSI) empurrou para fora do INDESP o director técnico do laboratório e nomeou-o director de serviços no departamento de justiça. Consequência prática: o laboratório teve de mudar para o Instituto de Medicina Legal de Lisboa e, por arrastamento, com a mudança do laboratório, mudaram-se os técnicos.
Essa solução foi a encontrada para resolver a crise de acreditação de 1993. Mas, como se veio a verificar, o expediente não tinha futuro. Em cada ano, acreditar o laboratório era um drama. O laboratório não cumpria todas as exigências do Comité Olímpico Internacional. O próprio director acumulava funções em situação de incompatibilidade: O PSI) teceu uma teia que culminaria com a situação que hoje vivemos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tudo foi feito para minorar os danos provocados pela governação demissionária do PSD.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Costa): Muito bem!

O Orador: - Lançámos campanhas de esclarecimento junto dos jovens e dos praticantes, ao mesmo tempo que actualizámos a legislação, ampliando o seu âmbito e introduzindo maior rigor nas penas. Fizemos investimentos, instalámos o laboratório, dotámo-lo de pessoal, estabelecemos um plano de formação.
Utilizámos a máxima transparência no relacionamento com o Comité Olímpico Internacional. Estamos em condições de, a curto prazo, obter a acreditação plena. Estamos em condições de acabar, de uma vez por todas, com as crises sistemáticas de acreditação.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em todo este processo, tomámos as medidas necessárias para o controlo antidoping continuar

activo e com credibilidade. Jamais a luta pela verdade desportiva foi posta em causa.
Desenvolvemos o nosso trabalho sem deixar transparecer para a opinião pública o estado a que tinha chegado a gestão do laboratório. Optámos pelas acções em detrimento das palavras. Tivemos um comportamento responsável, porque estava em jogo o interesse nacional e aqui o Sr. Deputado do PSI) tem razão, pois, de facto, estava em jogo o interesse nacional.
Infelizmente, a irresponsabilidade do PSI) está à vista...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... e somos forçados a dar visibilidade a situações que foram ultrapassadas com firmeza, mas também com a necessária reserva.
Srs. Deputados, este é um debate inédito. É um debate com este sentido: é o PSI) da oposição a interpelar o PSD do ex-governo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedirem esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Castro de Almeida e Bernardino Soares.
Tem a palavra o Sr. Deputado Castro de Almeida.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, fiquei muito mais preocupado depois de tê-lo ouvido. É que fica claro que V. Ex.ª ainda não percebeu a gravidade da situação que criou.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - V. Ex.ª dá mostras de não ter nenhuma estratégia de saída para a situação ridícula em que colocou o laboratório e o nome de Portugal perante a comunidade desportiva internacional.

Aplausos do PSD.

Sr. Secretário de Estado, das suas palavras, não se notou nenhuma vontade de resolver o problema. Não apresentou uma única pista, não apresentou uma solução, não deu qualquer garantia, não teve sequer a preocupação de tranquilizar-nos.
Na verdade, temos razões para ficar muito mais intranquilos porque o Governo veio dar mostras de que muito mais do que procurar as razões de facto que estiveram na origem desta desacreditação, prefere tentar encontrar responsabilidades políticas onde elas, aliás, não estão.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É que, Sr. Secretário de Estado, ninguém leva V. Ex.ª. a sério quando vem dizer que, durante 10 anos de governo do PSD, o laboratório estava acreditado, sendo-lhe atribuído o nível 3, durante os primeiros dois anos do Governo de V. Ex.ª continuou acreditado e, ao fim de dois anos e meio, é desacreditado por culpa do governo do PSD!? Ninguém o leva a sério, Sr. Secretário de Estado!

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Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador:.- Essa é uma acusação ridícula! Ninguém leva V. Ex.ª a sério se persistir ,nesse, rumo!
Sr. Secretário de Estado, a razão de ser deste debate - e isto é que é importante era a de permitir que V. Ex.ª desse uma palavra, um sinal de tranquilidade aos dirigentes desportivos, aos médicos desportivos, às equipas, aos atletas, no sentido de que o Governo não vai abrandar a luta contra o doping e vai fazer tudo para recuperar a credibilidade que o laboratório já teve.
Afinal, verificamos é que V. Ex.ª passa o tempo a olhar para trás, à procura de responsáveis políticos de há anos, em vez de olhar para a frente, procurando as soluções, conforme se justifica.

Aplausos do PSD.

Sr. Secretário de Estado, consta que o laboratório nem sequer está a fazer as análises relativas às provas nacionais, as quais poderia fazer face à sua actual acreditação no nível 1. Já sabemos que não pode fazer contra-análises nem análises relativamente a provas internacionais - V. Ex.ª acabou com essa possibilidade! -, mas a verdade é que mesmo as análises relativas a provas nacionais também não estão a ser feitas no laboratório de Lisboa.
É verdade que o investimento que foi feito está completamente desperdiçado, que o Laboratório está paralisado? É verdade, Sr. Secretário de Estado, que se prepara para pagar um ordenado chorudíssimo a um técnico holandês; quando, com metade desse dinheiro, poderia tranquilizar e criar condições de trabalho aos técnicos que serviram o laboratório, e bem, até V. Ex.ª Ter feito a frustrada remodelação que fez?

O Sr. Presidente: - Tem de terminar, Sr. Deputado. Já esgotou o seu tempo.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente. Permita-me apenas que diga mais o seguinte: o PSI) vai apresentar aliás, já apresentou - um projecto de resolução que contém um conjunto de propostas e de recomendações ou sugestões ao Governo. No entanto, Sr. Secretário de Estado Miranda Calha, quero fazer-lhe uma sugestão mais directa: V. Ex.ª pode resolver este problema em 48 horas, basta desfazer aquilo que fez, ou seja, repor a situação que existia antes de ter mexido neste assunto e de o ter estragado. Integre os técnicos portugueses que estavam nó Laboratório, criando-lhes condições de trabalho, pegue no ordenado. destinado ao técnico holandês e afecte-o aos técnicos portugueses que lá trabalhavam, crie condições para os técnicos portugueses que deram credibilidade ao laboratório e teremos, um laboratório altamente reacreditado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, dispondo de dois minutos cedidos pela Mesa, além do, tempo que ainda lhe resta, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Desporto.

O Sr. Secretário de Estado do Desporto: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Castro de Almeida, V. Ex.ª utilizou a palavra ridículo uma ou duas vezes e parece-me que isso caracteriza a sua intervenção. É que o Sr. Deputado veio colocar um conjunto de questões a que. tive oportunidade de responder na minha intervenção.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Não leu!

O Orador: - Aliás, vou enviar-lhe uma cópia da referida intervenção, visto que parece que não me. ouviu - esteve, certamente, desatento -, porque aí respondo a todas as questões que me colocou.
Agora, o que o Sr. Deputado não pode evitar, especialmente o senhor, porque foi secretário de Estado da área do desporto, é a responsabilidade que teve na situação que foi criada: um laboratório que não funcionava no laboratório; recursos humanos que não correspondiam ao, que era necessário; o Comité Olímpico Internacional a exigir que houvesse um director técnico e um director científico e que houvesse um local próprio. O que os senhores tinham era, mais ou menos, uma situação «presa por arames» que vinham utilizando constantemente, ano. após ano, sem resolver qualquer tipo de problemas. Aliás, o ano de 1995, durante o. seu último, mandato, foi uma das alturas em que houve uma mais baixa campanha de controlo antidoping.

Aplausos do PS.

Protestos. do PSD.

Os senhores não podem escapar ao juízo da realidade e da vossa incompetência e incapacidade para resolver os problemas, deixando-os na situação em que se encontravam.
Por isso, Sr. Deputado, quero dizer-lhe que reestruturámos o laboratório, temos, neste momento, o acolhimento do Comité Olímpico Internacional, que nos diz para, rapidamente, tratarmos do processo de reacreditação o que, como é evidente, vamos- fazer, tão depressa entre em funções o novo técnico com que m já foi ajustado vir trabalhar no nosso laboratório. Quanto às pessoas que já lá estão, a tempo inteiro, Técnicos novos, alguns deles recém-licenciados, são elementos sobre os quais não tenho dúvidas de que vão trabalhar com afinco; com seriedade e da melhor forma em relação ao problema do doping e da luta contra o doping, que - é preciso dizer-se! - nunca abrandou durante o tempo em que tivemos responsabilidades governativas. Aliás, quero aqui utilizar uma expressão que é tão do agrado do Sr. Deputado Luís Marques Mendes, «a culpa não pode ficar solteira», para lhe dizer que a culpa não está solteira, a culpa está casada com o PSD!

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para exercer o direito regimental de defesa da honra da bancada, tem á palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, pretendo exercer o direito regimental de defesa da honra da bancada, porque o Sr. Secretário de Estado in-

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siste em referir a actuação do anterior governo sobre o tema que está neste momento em causa.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!

A Oradora: - O que quero dizer é simplesmente o seguinte:...

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Que concorda!

A Oradora: - ... estava tudo mal, tudo funcionava mal, a organização era má, o laboratório era péssimo...

Aplausos do PS.

... mas, com tudo isso, o laboratório estava acreditado ao nível mais alto.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Não se sabe bem porquê, quando este Governo assumiu funções, o Sr. Secretário de Estado do Desporto, com o seu dinamismo e com a sua competência, introduziu tais melhorias no laboratório que ele ficou desacreditado.

Aplausos do PSD.

E, Sr. Presidente, julgo mesmo que a grande melhoria que o Sr. Secretário de Estado introduziu foi, por certo, na óptica do Governo socialista, o contrato com um técnico holandês, em vez de técnicos nossos, portugueses. Pela nossa parte, nunca fizemos isso! Sempre tivemos técnicos portugueses e, mesmo assim, o laboratório estava acreditado!

Vozes do PS: - Demagogia!

A Oradora: - Sr. Secretário de Estado, evidentemente, não lhe vou falar do facto de já termos perdido a Fórmula 1 e de agora termos perdido a acreditação do laboratório, porque, como é óbvio, é tudo fonte da incompetência do PSI) e da enorme competência do PS... Já sabemos isso! Não obstante, já pedimos várias vezes ao Governo que, não fazendo, pelo menos não desfaça, que se mantenha quieto e tranquilo, ,porque é a melhor forma de fazer progredir Portugal.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Tire de lá os boys!

A Oradora: - Assim, Sr. Secretário de Estado, gostaria que não saísse daqui, hoje, sem fornecer à nossa bancada os elementos que exigimos e que se traduzem em saber quanto ganha esse técnico holandês que o Sr. Secretário de Estado contratou.

Aplausos do PSD.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Isto é para vocês corarem de vergonha!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, querendo, tem á palavra o Sr. Secretário de Estado do Desporto.

O Sr. Secretário de Estado do Desporto: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, quando a vi pedir a palavra para exercer o direito regimental de defesa da honra pensei que fosse também aproveitar a oportunidade para falar no assunto e nas vossas responsabilidades, sobre a situação em que deixaram aquele laboratório, visto que, na altura, era a Ministra do sector.

Aplausos do PS.

Risos do PSD.

Tenho pena, mas, afinal, a Sr.ª Secretária de Estado veio apenas falar bem das acções do actual Governo. Fico satisfeito com isso! Consideramos até extremamente interessante que isso tenha vindo do responsável que tinha sob a sua tutela a área do laboratório!...
De qualquer forma, quero dizer à Sr.ª Deputada que não tenha dúvidas de que o laboratório vai ser reacreditado rapidamente, com os técnicos adequados para que funcione. Aliás, a este respeito, e embora a Sr.ª Deputada insista muito em que se vão buscar os técnicos que estavam no laboratório, importa dizer que os técnicos que lá estavam estão incompatíveis, em face da lei portuguesa, no sentido de poderem funcionar noutro lado. Por isso, por opção dos próprios,...

Vozes do PSD: - Não, não!

O Orador: - ... não quiseram continuar. E não podemos atemorizar as pessoas para irem trabalhar para os sítios que não querem! Talvez no tempo do seu governo isso se pudesse fazer, mas, no nosso Governo, não funcionamos assim!

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Era a chicote!

O Orador: - As pessoas não querem, não vão!
Portanto, vamos arranjar um técnico, o laboratório vai funcionar e, neste momento, já temos outros técnicos, pelo que não vai haver problemas. Depois, a Sr.ª Deputada pode consultar as declarações de, impostos para, sobre essa matéria, saber os vencimentos respectivos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, partindo da hipótese de que não existe nenhum segredo sobre o vencimento que vai ser pago ao técnico holandês que foi contratado, faço uma interpelação à Mesa no sentido que a Mesa solicite ao Sr. Secretário de Estado do Desporto que distribua pelas várias bancadas a indicação do vencimento desse técnico.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, ou o Sr. Secretário de Estado sabe o vencimento de memória ou não poderá fornecê-lo.

A. Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Ele sabe!

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O Sr. Presidente: - Mas a Sr.ª Deputada fará o favor de formular um requerimento e o Governo, como é habitual, responderá.
Para pedir esclarecimentos ao Sr. Secretário de Estado do .Desporto, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado do Desporto, em primeiro lugar, quero dizer-lhe que, de facto, neste caso, a culpa não morre solteira; o problema é que, provavelmente,...

O Sr: Jorge Ferreira (CDS-PP): - É bígama!

O Orador: - ... incorre num crime de bigamia, uma vez que tanto casa com o PS como com o PSD.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Confesso que começo a ficar um pouco cansado...

Vozes do PS: - Tão novo e já cansado?!...

O Orador: do tom. das intervenções que o Sr. Secretário de Estado faz aqui, nesta Câmara. É que qual quer problema que surja, em matéria desportiva, leva a que o Sr. Secretário de Estado faça uma intervenção sempre a desculpar-se de todos os males que acontecem no desporto com, a política do PSD, que foi terrível è que, neste caso concreto, também tem culpas graves na degradação
da situação do laboratório. Isso está fora de questão, é indiscutível, mas o Sr. Secretário de Estado não pode fazer a defesa da posição política deste Governo e da sua responsabilidade nesta matéria com aquilo que aconteceu há dois anos e meio atrás! O seu Governo também tem culpa nesta matéria, Sr. Secretário de Estado, e essa culpa tem de ser reconhecida!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Caso contrário, para além de termos, aqui o PSD da oposição a criticar o PSD do ex-governo, temos o PS dó Governo a fazer o papel do PS da oposição!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - A vossa posição é mais estável!

O Orador: - E, Sr. Secretário de Estado, já não está na oposição!
Portanto, o que é preciso é que o Sr. Secretário de Estado diga aqui, em primeiro lugar, se há ou não um problema de recursos humanos no laboratório, que levou à diminuição do seu nível de acreditação, e se havia ou não este problema quando o Sr. Secretário de Estado e este Governo tomaram posse.

Vozes do PSD: - Boa pergunta!

O Orador: - Em segundo lugar, se sabiam da existência deste problema, por que é que dois anos e meio depois ele continua a existir? Por que é que foi preciso que o Comité Olímpico Internacional tomasse a medida que tomou para que, de repente, o senhor viesse dizer que, afinal, já está tudo resolvido? Isto significa que, se não houvesse uma diminuição de acreditação, o problema não seria resolvido? E por que é que só foi resolvido nesse momento?
Por outro lado, também não ouvi o Sr. Secretário de Estado dizer, na sua intervenção. quando vamos ter o problema resolvido.

O Sr. José Calçada (PCP): - Não sabe!

O Orador: - O «curto prazo» a que se referiu é um termo suficientemente vago para ainda podermos vir a ter aqui outro debate de urgência antes de o problema estar efectivamente resolvido. Mais dó que a nomeação deste ou daquele técnico e de outras minudências que, nesta matéria, outros partidos têm como principal preocupação, o que nos preocupa, o que queremos saber é quando esta situação vai ser resolvida, quando é que o nosso laboratório vai ter a acreditação que tinha até há pouco tempo, quando é que o controlo antidoping vai ter a credibilidade e a eficiência que é necessária à verdade no fenómeno desportivo "nacional."

Aplausos do PCP.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente

O Sr. Presidente: - Para responder, beneficiando de 1 minuto concedido pela Mesa, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Desporto.

O Sr. Secretário de Estado do Desporto: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, naturalmente, as questões que colocou também se traduzem numa preocupação nossa, nomeadamente a de saber a rapidez com que o laboratório voltará a funcionar. E a nossa vontade, como é evidente, é a de que ele comece a funcionar no mais curto espaço de tempo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador:.- E isto aconteceu porquê? O Sr. Deputado ouviu certamente a minha intervenção mas repito alguns aspectos. Houve, de facto, um problema de recursos humanos e quando chegou a altura em, que havia necessidade de proceder à análise de uns testes. que são feitos e depois canalizados para o COI, e isso corresponderá ou não à acreditação, foi precisamente a altura em que surgiu a incompatibilidade dos funcionários que estavam no laboratório e eram funcionários do Instituto de Medicina Legal.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Isso já se sabia!

O Orador: - Não se sabia porque até esse momento os funcionários estavam ainda a trabalhar no IML e no próprio laboratório. Só nessa altura houve um parecer interno do IML que dizia da impossibilidade e da incompatibilidade de poder estar a funcionar no outro lado e, então, consequentemente, não foi possível fazer os testes para

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o processo da acreditação. A situação é tão simples como isto e foi isto que aconteceu.
É evidente que o problema dos recursos humanos é de lenta resolução e ao longo destes anos, praticamente, só um ou dois técnicos ficaram. detentores do conhecimento sobre esta matéria, pois não houve formação de ninguém. Durante, todo este tempo, tudo isto se reduziu e afunilou em termos de um elemento, o que originou dificuldades em termos de encontrar alguém no espaço português. em condições e com disponibilidade para vir fazer determinado tipo de análises que têm uma grande especificidade e um grande rigor técnico.
Aliás, o rigor técnico em relação ao funcionamento do laboratório cresceu mesmo do ano anterior para este, ou seja, de 96 para 97 e, portanto, devido ao facto de não ter havido qualquer formação de técnicos, tendo essa questão ficado praticamente centrada num elemento, o qual ficou numa situação de incompatibilidade, o que aconteceu precisamente (sabe-se por que razões) na altura em que era preciso fazer o teste, originou esta situação. É tão simples como isto!
Todavia, o que vos quero dizer, e repito, é que a campanha nacional que temos vindo a desenvolver em relação ao doping não abrandou mas intensificou-se. Neste momento, não só fazemos mais análises, como, por outro lado, conseguimos a contratualização de muitos mais técnicos para trabalharem a tempo inteiro no laboratório, alguns deles recém-licenciados, que vão ter cursos e planos de formação.
Aliás, o Comité Olímpico Internacional já nos fez um convite para que rapidamente (entretanto, o laboratório continua acreditado, embora num nível diferente) apresentemos a análise respectiva, a fim de ser dada a acreditação plena ao laboratório. Por tudo isso, penso que estará brevemente resolvido o problema da acreditação plena.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O caso da suspensão da acreditação do Laboratório de Análises de Dopagem e Bioquímica suscita-nos um conjunto de perplexidades, ao qual não é alheio o facto de o doping ser hoje o principal factor de suspeição que está lançado sobre o desporto em geral e constituir uma actividade criminosa que se tem revelado de difícil detecção pelas autoridades desportivas.
O doping é muito mais do que um atentado á saúde e á integridade física dos atletas, converteu-se também num instrumento manipulado por políticos sem escrúpulos, fanáticos da produção de «super-homens» de laboratório, quais pequenos Goebbels, que perceberam que o desporto-espectáculo pode ser, nas sociedades contemporâneas, mais importante para o Estado do que a velha arte de fazer a guerra e celebrar a paz.
Sabemos hoje que o factor principal do poderio desportivo das ditaduras do Leste europeu, que surpreendeu o mundo em sucessivas competições internacionais, não se ficou a dever nem aos méritos. da planificação desportiva, nem aos manuais científicos das universidades do desporto, nem a uma, qualquer religião patriótico desportiva susceptível de transformar crianças e jovens como quaisquer outros em predestinados ou sobredotados para o sucesso na alta competição. Foi, simplesmente, o doping.
Ainda há pouco tempo um jornal francês nos dava conta de um caso de uma atleta do Leste em que o excesso de hormonas, que lhe valeu um recorde mundial do lançamento de peso, a obrigou a mudar de sexo. Sabemos hoje, ainda, que existem outros países onde o que se passou no Leste europeu está agora a acontecer. Todo 0 mundo desconfia de muitos resultados obtidos por atletas chineses de várias modalidades.

O Sr. António Filipe (PCP): - Se calhar, foram só os comunistas!

O Orador: - Sabemos hoje, enfim, que também no nosso país há doping, embora como noutras áreas, sejam mais os rumores do que as confirmações. O que muitos dizem conhecer, nenhuns têm conseguido provar. Sem tirar ou diminuir o mérito do jornalista, é paradigmático que tenha sido uma estação de televisão e não as autoridades públicas a revelar ao País o mundo oculto do doping no desporto português.,
O caso que hoje aqui debatemos é sintomático da competência do Governo em dar brilho às folhas enquanto deixa apodrecer a árvore. Passamos, então, ao enunciado das perplexidades, sendo a primeira esta: se é verdade que as deficiências de funcionamento do laboratório vêm do tempo anterior governo, então como é que o mesmo governo logrou obter a respectiva acreditação junto do Comité Olímpico Internacional?!
A segunda perplexidade é esta: como é que o Comité Olímpico Internacional, tendo de conhecer se o laboratório reunia ou não os requisitos para a acreditação, a, concedeu sem que eles se verificassem?!
A terceira perplexidade é a seguinte: como é que o Governo socialista, que foi rápido a colocar um boy socialista à frente do laboratório, não teve tempo, em dois anos, para corrigir o que estava mal e eliminar todos os pretextos a uma possível desacreditação?! Se o problema era o dos técnicos a tempo parcial, porque razão não se admitiram técnicos a tempo inteiro?! Se o problema era de excessiva falibilidade ou laxismo nos procedimentos, por que razão não foram alterados?!
A verdade é que a desacreditação do laboratório português é um retrocesso no prestígio internacional do nosso país nesta sensível e importantíssima área do desporto e, especialmente, do controlo antidoping: Serve-nos de pouco reflectir por que razão o Comité Olímpico Internacional não se preocupa com o «doping de Estado», não tocando no laboratório de análises de Pequim, da mesma forma que nunca encarou de frente o problema do controlo antidoping nós países de Leste. É que, hoje, um Estado que não perceba-os poderes das estruturas desportivas internacionais e que não faça lobby para defender os seus interesses, perde soberania. Outros já o perceberam por nós e o Governo socialista está aprender à sua própria custa.
As razões que determinaram o pedido' do presente debate de urgência pelo Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata estão hoje parcialmente ultrapassadas. É verdade que as primeiras notícias sobre este caso pareciam indicar que Portugal tinha descido à III divisão do controlo antidoping. Hoje, segundo parece, descemos apenas à II divisão. O Governo tem a estrita obrigação técnica e política de voltar a colocar Portugal na I divisão do

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controlo antidoping. Corrijam o que está mal, já. Tomem as decisões que importam e deixem de se lamentar e de sé queixar do passado porque é suposto terem sido eleitos para resolver o que estava mal.
O desporto português tem perdido, nos últimos tempos, uma parte substancial do- seu prestígio internacional e da sua credibilidade: normas confusas, conflitos institucionais permanentes, suspeições sortidas, indisciplina nos estádios, violência dos adeptos, a perda da Fórmula I e, agora, a desacreditação do controlo antidoping. É caso para perguntar: quando perceberá o Governo que não pode continuar a viver dos louros e à sombra do arrelvamento dos campos de futebol, que o PS mandou fazer há 12 anos?
Pela nossa parte, estaremos muito atentos à evolução deste caso. Mas tomaremos também a iniciativa de entregar, agora mesmo, na Mesa da Assembleia da República um projecto de lei no sentido de reforçar os meios de controlo e aperfeiçoar o sistema de sanções aplicáveis ao doping.
Também aqui é preciso ir mais longe e mais fundo do que limitamo-nos a discutir a nacionalidade do técnico e 0 ordenado que aufere. Quando está em causa a integridade física dos atletas, a verdade desportiva e a imagem das instituições, não se pode hesitar, nem contemporizar com quaisquer interesses instalados ou critérios de oportunidade. E por isso que, do nosso ponto de vista, é essencial que passe a ser obrigatório o controlo antidoping nas competições profissionais e até que todos os intervenientes no processo desportivo, e não apenas os atletas, tenham previsto na lei um sistema de sanções que seja efectivamente dissuasor das práticas de doping.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o, Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A questão que hoje aqui discutimos exemplifica bem a falta de vontade e capacidade deste Governo para atacar os verdadeiros problemas do desporto nacional em contraste com o afã com que normalmente procede no que ao futebol profissional diz respeito, em prejuízo de tudo o resto.
Assim, e analisando apenas as propostas de lei que o Governo enviou à Assembleia nesta legislatura, verificamos que quase todas estão relacionadas com o futebol profissional, quanto muito com o desporto profissional, embora por vezes « enfeitadas» com alguns ornamentos secundários.
Na realidade, o problema que hoje aqui analisamos e que motivou este debate de urgência vem já do tempo dos governos do PSD. Mas, ao invés de servir de atenuante, esta circunstância só agrava a responsabilidade do actual Governo. Impunha-se que tivessem sido tomadas medidas para resolver atempadamente os problemas de equipamentos e recursos humanos qualificados que estiveram na base desta decisão do Comité Olímpico Internacional. Não é admissível que só quando esta situação é denunciada pelo COI este Governo apareça a tomar medidas, a tentar resolver o problema, quando ele já existia quando tomou posse, quando ele já existia ao nível dos recursos humanos desde há dois anos e meio, ou seja, quando o Sr. Secretário de Estado tomou posse desta pasta.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - No meio das várias remodelações e reestruturações que fez na área do desporto, bem poderia ter o Governo encontrado espaço para resolver também o problema do controlo antidoping, que só descobriu há pouco tempo. Houve tempo para dividir o INDESP em três organismos e rever toda a orgânica funcional e orçamental dos serviços públicos que operam na área desportiva, mas não houve para resolver o problema, reconhecido e recenseado, do laboratório de análises ao doping de Lisboa.
A situação em que nos encontramos tem; desde logo, uma marca de desprestígio internacional que atinge todo o desporto nacional, todas ás competições desportivas nacionais. Mas é mais do que isso. A alteração da acreditação do nosso laboratório põe em causa o cumprimento cabal da função de controlo antidoping no nosso país e nas nossas competições desportivas. O que está em causa, afinal, é a credibilidade das nossas competições desportivas e é o papel que este laboratório e a administração pública desportiva têm de ter na garantia desta credibilidade.
Equivale isto a dizer que o que está em causa é a garantia da verdade do fenómeno desportivo português e não qualquer outro processo, qualquer outro. objectivo. Assim, mais preocupados ficamos quando deste debate não saem garantias concretas e definidas de quando este problema será resolvido e de quando esta situação terá enfim um final.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Baptista.

O Sr: Pedro Baptista (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: No passado dia 20, o PSI) pediu o agendamento de um debate de urgência sobre o Laboratório de Análises de Dopagem e Bioquímica. Referiu então a não acreditação do laboratório, que teria sido decretada pelo COI, deitando por terra o prestígio do País. As análises passariam todas a ser feitas em Madrid e o País; arrasado na sua dignidade, estaria transformado bioquimicamente, pela mão dos socialistas, numa espécie de colónia ou província de Espanha. Avisado pelo vigilante PSD, o País teria razão para tremer.
No entanto, não passaria pela cabeça dos autores da iniciativa que, poucas horas depois, nesse mesmo dia, a Subcomissão de Doping da Comissão-Médica do COI enviasse à Direcção de Serviços de Medicina Desportiva uma carta, referenciando á, reacreditação anual dos laboratórios, informando que na avaliação «da subcomissão e dos especialistas foi acordado unanimemente reconhecer que foi feito um enorme esforço em Portugal com vista a garantir o nível de perícia laboratorial no futuro». Informava também que, em virtude de Portugal não ter feito o teste de reacreditação, havia sido decidido classificá-lo na Fase 1, sob as condições de nomear brevemente o director científico com todos os requisitos necessários para um impecável funcionamento do laboratório e mantendo-se o estatuto até o laboratório estar pronto para fazer o teste

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de reacreditação, a ser feito a qualquer momento conveniente para Portugal.
Afinal tínhamos um mons parturiens: a montanha parira um rato! Ao contrário do que esperava o PSD, mal o COI conheceu os esforços de Portugal para romper com o passado e edificar um laboratório fiável, não só elogiou os esforços do País como se dispôs a enviar o teste de reacreditação que não tinha sido feito. Romper com o passado é a expressão exacta do que é necessário e do que está a ser feito.
É que, numa campanha de intoxicação da opinião pública, o PSD andou a dizer que o que era preciso era, pelo contrário, e voltou hoje aqui a dizê-lo, manter as estruturas do passado e repor o pessoal indicado no tempo do PSD, para que não ocorressem casos como os que. se repetiram de análises positivas no Laboratório de Lisboa cujas contra-análises deram negativas, nos casos dos futebolistas Sanchez, Pedro Emanuel, Paulo Sousa, para só falar nos mais conhecidos.
Só que todas estas análises ocorreram em inícios de 1997, exactamente quando o LADB se mantinha tal qual o deixou o PSD! A equipa do PSD só saiu em Novembro de 1997 e isso talvez tenha sido um erro do Governo. Foi a equipa do PSD que não fez o teste que iria permitir a reacreditação do LADB no COI. Mais, vergonha, vergonha para o País foi a análise positiva à atleta inglesa Diane Modhal, dada como dopada pelo LADB em 1994 e que veio a vencer todos os recursos tanto na Federação Britânica de Atletismo como na Federação Internacional de Atletismo.
Meu queridíssimo amigo, Deputado Domingos Gomes, e Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, deixem-me dizer-lhes que não nos devemos ajoelhar, nem autoflagelar pela nossa condição de portugueses, considerando que somos menos que os outros, mas também não nos temos de pensar maiores que os outros e esconder os factos das realidades só para dizermos que somos maiores que os outros ou que não somos menos que os outros! Nem subserviência nem nacionalismo a cheirar a xenofobia.
O que se passou no Laboratório de Lisboa, passou-se, como disse, e não podia ser de outra forma. O Laboratório funcionava no Instituto de Medicina Legal; não havia confidencial idade; toda a gente tinha a chave dos gabinetes; funcionários permaneciam fora das horas de serviço nas instalações e levavam as chaves para casa, toda a gente conhecia os pedidos de controlo que chegavam ao fax da secretaria. Era um caos!

Vozes do PS: - Uma vergonha!

O Orador: - E o pessoal? Quase todos os funcionários eram do Instituto de Medicina Legal e, dos oito técnicos, seis estavam a tempo parcial.
Como poderia ser fiável um laboratório nestas condições, .montado pelo PSD e que foi, para o Governo do PS, mais uma pesada herança do passado? Mais uma a juntar à dívida fiscal das empresas e dos clubes, à Autodril, à Casa do Douro...

Risos do PSD.

Quando, em Maio de 1997, altura em que o LADB ainda estava acreditado pelo Comité Olímpico Internacional, a Professora Doutora Arminda Alves, da Faculdade
de Engenharia do Porto, detectou a situação calamitosa em que vivia o laboratório, o Governo percebeu que os esforços produzidos para intensificar o controlo antidoping estavam armadilhados pela inadmissível incapacidade do laboratório deixado pelo PSD.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Personalidades do PSD têm vindo agora a falar de «varrer» os responsáveis. Não precisam incomodar-se, porque os responsáveis foram «varridos» para utilizar a elegante expressão de alguém... - desde Novembro deste ano. Mas, contraditoriamente, outros responsáveis do PSD vêm dizer que é preciso repor os que foram depostos. Ou seja, tendo sido depostos os responsáveis pelo estado de coisas, indicados pelo PSD, o PSD quer que sejam repostos os depostos, o que, voltando à linguagem «valentínica», significa voltar a pôr no lugar em que estava aquilo que foi «varrido».
Talvez por se aperceber da incapacidade do laboratório, o PSD, que vem agora falar de preocupação com a dopagem, fez descer o total de controlos de 2052, em 1994, para 1760, em 1995, enquanto o PS os fez subir para 2097, em 1996, e para 2272, em, 1997.
Quem tem, afinal, preocupação com a dopagem? O PSD, que fez descer o total de controlos e deixou um laboratório nas condições que o País conhece, ou o Governo actual, que fez subir o total dos controlos em todos os itens e procede à reestruturação de um laboratório que, como os factos provaram, não tinha fiabilidade?
Como afirmou a citada Professora Doutora Arminda Alves, «a ideia de que o laboratório é um dos 23 melhores laboratórios do mundo, mensagem só curiosamente veiculada pelos meios desportivos, depois das insuficiências que ali detectei, não corresponde minimamente à realidade».
Não nos interessam fachadas, nem nos interessam lobbies para convencer o Comité Olímpico Internacional a dar credibilidade a um laboratório sem fiabilidade. Interessa-nos fazer um laboratório que funcione com rigor e que, por isso, prestigie o País. E o que acontecerá com o figurino agora incrementado, sob a direcção dos Professores Doutores Lesseps dos Reys e De Boer, e que vai em breve ser acreditado inteiramente pelo Comité Olímpico Internacional.
Mas o LADB fará o teste de acreditação quando tiver condições para o fazer. Nós somos contra os procedimentos de fachada. O que nos interessa é a luta contra o doping.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Pará uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Castro de Almeida, beneficiando de dois minutos cedidos pelo Grupo Parlamentar de Os Verdes.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Este debate serviu bem os objectivos que o PSD se propôs, atribuir-lhe.
Infelizmente, verificámos que o Governo não está empenhado em resolver o problema que criou nem dispõe de uma estratégia de saída para o problema em que se

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envolveu, mas a opinião pública e a comunidade desportiva, em particular, ficaram mais alertadas para a situação grave que se vive.
A verdade é que estão criadas todas as condições para. que pessoas menos escrupulosas possam reintroduzir no mundo desportivo fenómenos e práticas que atentam gravemente contra a saúde e a verdade desportiva.

Vozes do PS: - Isso não é verdade!

O Orador: - É absolutamente essencial que o Governo dê sinais claros, inequívocos, de que está na disposição de não permitir nem tolerar essas práticas.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Orador: - A desacreditação do laboratório só contribui para pôr em causa a seriedade da luta contra o doping. Por isso, instamos o Governo a, decididamente, reganhar para o laboratório a competência e o nível de acreditação que ele já teve.
Sr. Secretário de Estado do Desporto, se não é segredo de Estado a estratégia que V. Ex.ª tem em mente para obter a reacreditação do laboratório, gostaríamos que no-la tivesse explicado. infelizmente, o Governo não nos diz que estratégia tem em mente para obter a reacreditação do laboratório. Pode até ser segredo de Estado, mas, então, Sr. Secretário de Estado, deveria dizer-nos, ao menos, quando é que os seus esforços vão atingir o objectivo! Devia tranquilizar-nos, informando quando vai ter, novamente, o laboratório reacreditado ao nível em que o encontrou.
Finalmente, Sr. Secretário de Estado, fazia-lhe o seguinte apelo: perca menos tempo em encontrar responsabilidades políticas de um governo que já não o é há dois anos e meio e procure aplicar o seu tempo em encontrar soluções para o problema que criou.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O País precisa de quem encontre as soluções e não de quem identifique problemas.

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente João Amaral.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado, também beneficiando de tempo cedido por vários grupos parlamentares.

O Sr. Secretário de Estado do Desporto: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, desde já agradeço o tempo que me foi cedido para encerrar este debate e, naturalmente; reafirmar o que aqui salientei no início da minha intervenção.
Esta última intervenção do Sr. Deputado Castro de Almeida parece ser uma insistência que não corresponde ao que aqui dissemos durante o debate, especialmente na minha primeira intervenção.
De facto, Sr. Deputado, tivemos de identificar os problemas, porque eles existiam , estavam lá, tínhamos de os conhecer para apurar como resolver a situação do laboratório. Naturalmente, o combate ao doping é a nossa preocupação fundamental e, aliás, lançámos campanhas visando, precisamente esse combate.
Essas campanhas, tal como tivemos oportunidade de dizer, aumentaram significativamente em três direcções: em termos de recursos humanos, com a formação, instalações e directores técnico e científico para o laboratório: através de um novo ordenamento jurídico para o combate ao doping e através de campanhas de informação junto dos jovens e dos cidadãos, em geral, esclarecendo-os sobre o que significa o doping e em que é que ele é prejudicial, não só para a verdade. desportiva mas, sobretudo, para a saúde dos cidadãos.
O laboratório é; obviamente, um instrumento importante e necessário, mas não serve nem vive por si se não for utilizado como instrumento para as campanhas e acções que' estamos a desenvolver - todos os dados e estatísticas provam que as temos desenvolvido. Alias, posso fornecer esses elementos ao Sr. Deputado para que fique mais informado, e detalhadamente informado, em relação ao que estamos a fazer nesta área.
Srs. Deputados do PSD, o que posso dizer-vos é que herdámos uma situação muito má, mas existe uma determinação e uma vontade nossa para que, de facto, haja uma campanha efectiva e real e não a política «de fachada» do passado, em relação ao combate ao 'doping a nível do desporto. Essa é uma determinação e uma vontade que continuará a- existir inequivocamente, pese embora a situação, os complots e os lobbies que os senhores deixaram no terreno, no passado.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Ninguém acredita no que está a dizer!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 35 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.ºs 220/VII - Altera as regras gerais sobre notificações previstas no artigo 113.º do Código de Processo Penal e 225/VII - Notificações judiciais, apresentados pelo PSD.
Para fazer a apresentação dos projectos de lei, tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Subo a esta tribuna para, em nome do PSD, apresentar dois projectos legislativos. Com o projecto de lei n.º 220/VII alteram-se as regras gerais sobre notificações previstas no artigo 113.º do Código de Processo Penal e com o projecto de lei n.º 225/VII criam-se, nas secretarias do Supremo Tribunal de. Justiça, das Relações e da 1.ª Instância, os «serviços externos de comunicação de actos processuais», aos quais competirá «assegurar, de forma centralizada, com recurso a pessoal civil próprio; o serviço judicial externo de citações e notificações, inclu-

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indo a realização de actividades de comunicação dos actos processuais previstos no Código de Processo Penal».
Não se trata de macro-programação. Em causa estão duas medidas simples, mas portadoras de micro-soluções para problemas reais, concretos, sentidos de forma crescente no dia-a-dia, todos os dias, pelos cidadãos de carne e osso - uns, vitimas de violência e de crime, de forma especialmente aguda; outros, todos em geral, de modo mais difuso, pelo sentimento de insegurança e de intranquilidade pública em que são envolvidos.
Trata-se, afinal, de duas medidas de reforma do Estado; de reforma do aparelho policial e judiciário, com vista a melhorar a qualidade e eficiência do serviço público de segurança e de justiça e assim responder às exigências da sociedade.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, Depositário da soberania, instrumento do poder político, porta-voz do interesse geral, o Estado não é uma instituição como as outras. Guardião e promotor do bem comum, da unidade e coesão nacional, impõem-se as reformas necessárias para melhorar a qualidade do Estado ao serviço dos portugueses.
É, pois, indispensável que o Estado dê prioridade às suas próprias responsabilidades, às responsabilidades especiais que ninguém mais pode nem deve exercer por si. São elas as funções de soberania, a feitura das leis e controlo da sua aplicação, a justiça, a segurança, a defesa, a diplomacia.
A propalada crise do Estado providência evidencia bem que não cabe ao Estado ser um operador e que não deve fazer o que outros podem fazer melhor do que ele. É preferível fazer pouco e bem... Daí a descolectivização e desregulação, em curso, um pouco ou muito, por toda a parte.
Mas há coisas que o Estado deve fazer e deverá fazer melhor, nem que para isso tenha de ser reinventado. E reinventar o Estado, hoje, significa resituar ou recentrar o poder público nas suas funções essenciais, que o desenvolvimento tentacular do Estado providência não raro secundarizou ou ocultou.
Assegurar a segurança e a ordem pública, fazer a justiça, defender o País contra as ameaças externas, promover os interesses nacionais no mundo são a primeira razão de ser do Enfado, histórica e politicamente. São, e continuarão a ser, condições primeiras da vida em comum e objectivos prioritários do Estado.
Da maneira como essas responsabilidades de soberania são exercidas depende a qualidade do nosso Estado de direito, a coesão nacional e a capacidade para vencer os desafios que se nos deparam.
Garantir uma justiça justa, mais rápida e mais próxima dos cidadãos, constitui imperativo nacional. A crise da justiça representa manifestação das mais graves da crise do Estado. Se a lei não for respeitada, se os cidadãos preferirem resignar-se. perante a injustiça a intentarem processos judiciais que sabem lentos, demorados e complexos, se prevalecer o sentimento de que há dois pesos e duas medidas e de que a justiça não e igual para todos, se tudo isto for assim, o contrato social estará desestabilizado e minado.
Uma justiça respeitada, que garanta o primado do direito e da equidade sobre a força e o facto consumado, é condição vital da coesão nacional e fermento da democracia. À cabeça, os prazos dos julgamentos.
A justiça requer tempo, reflexão, ponderação, não se compadece com a pressa e a instantaneidade dos media. Mas se longos e muito demorados os prazos dos julgamentos, as vítimas não estarão para se incomodar com propositura de acções e não se confiarão à justiça. Só que esta incapacidade de resposta pronta dos tribunais deve ser vista como demissão do Estado, demissão grave já que cria nas vítimas o sentimento de abandono e impulsiona-as à violência e à justiça feita pela próprias mãos.
É neste contexto que se insere o projecto de lei n .º 220/VII, apresentado pelo PSD, sobre as notificações em Processo Penal, no qual se explicita e precisa como regra a notificação via postal, seja no domicílio ou no local de trabalho do notificando.
Pretende-se, desta sorte, evitar o desprestigiante jogo do «gato e do rato», do «esconde-esconde», de deslocações inúteis de funcionários de justiça para fazer a citação-pessoal a residências onde, as mais das vezes, não se encontrarão os destinatários.
Pretende-se, por outro lado, o envolvimento possível do notificando no processo de notificação, se não encontrado, motivando-o para o contacto directo, com o tribunal, no prazo de oito dias. Se esse contacto não for feito, haverá lugar à notificação por anúncio num dos jornais mais lidos no lugar da residência ou no local de trabalho.
Deste modo, mais simplificado e desburocratizado, pretende o PSD contribuir para um processo penal mais rápido e eficiente, no interesse geral e do próprio arguido, o qual tem direito a ver rapidamente esclarecida a verdade dos factos a si imputáveis.
Com a criação dos «serviços externos de comunicação de actos processuais», pelo projecto de lei n.º 225/VII, pretende o PSD libertar as forças de segurança de serviços de citações e notificações judiciais, problema este recorrentemente focado nos relatórios de segurança interna, o de milhares de diligências prestadas pela forças de segurança aos tribunais.
Os efectivos da PSP e da GNR são agentes de segurança e não oficiais de diligências. A sua preparação, a sua qualificação, a sua formação profissional vão no sentido de garantir a segurança das pessoas e dos bens, de todos e em toda a parte.
A paz e a tranquilidade pública condicionam a qualidade de vida e bem-estar dos portugueses. O Estado não pode demitir-se desta missão, sob pena de campearem a autodefesa, os poderes de facto, as milícias populares, as zonas de não-direito como «Estados» dentro do Estado.
Na envolvente nova de graves e organizadas formas de criminalidade e de pequena delinquência crescente, numa sociedade aberta e complexa, o Estado deve. renovar as respostas à subida do crime e pôr as forças de segurança ao serviço dos cidadãos.
Hoje, mais do que ontem, de pouco valem mais agentes de segurança se postos ao serviço de tarefas administrativas e diligências judiciais; hoje, mais do que ontem, a nacionalização e especialização das forças de segurança exige a sua afectação aos fins para que foram criadas. Não o fazer constitui desperdício dos dinheiros públicos. Para quê Escola Superior de Polícia e Instituto de Criminologia se, depois, muitos. desses agentes qualificados e preparados não. fazem aquilo que sabem fazer?
Libertar da sobrecarga burocrática, administrativa e judicial as forças de segurança e virá-las para fora, para o serviço operacional da «Praça da República» é uma prio-

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ridade nacional; de dissuasão da criminalidade. Assim o exigem ,as causas de insegurança,. muitas e misturadas: desemprego; fome, falta de habitação e de abrigo, insucesso escolar, droga, prostituição, etc.., etc.
O sentimento de insegurança não é bom conselheiro; o sentimento de insegurança constitui caldo de cultura de ideologias e tentações securitárias que devemos saber prevenir.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito! bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados:
Garantir uma justiça, pronta e respeitada, a segurança, a ordem e a tranquilidade pública são condições primárias da vida em comum, do bem-estar dos portugueses.
Os dois projectos de lei em discussão são portadores de uma estratégia política, de uma nova ambição para a justiça e a segurança. _
Oxalá isto seja compreendido e aceite por todos; oxalá não se entre na pura retórica da táctica política.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o, Sr. Deputado Francisco Peixoto.

O Sr: Francisco Peixoto (CDS-PP): - Sr. Presidente;, Srs. Deputados: É hoje um sentimento comum, largamente preocupante, e mesmo até uma realidade estruturante da sociedade portuguesa, a chamada crise da justiça ou dó Direito. Traduz-se, talvez no essencial, no incontrolável crescimento da ideia de ineficácia e impotência do apare-lho judiciário e mesmo, mais globalmente, da incapacidade do Estado em resolver de forma satisfatória e capaz os litígios que os portugueses esperam e têm mesmo o direito de ver resolvidos.
Não há significativa divergência no reconhecimento da existência de um excesso de leis, na desregulação da organização judiciária perante a necessidade de dar. eficaz e atempada resposta aos problemas e conflitos decorrentes da vida. moderna, e também no reconhecimento de uma burocracia que, talvez por excessivo garantismo, faz, em parte, a administração da justiça tornar-se lenta e paradoxalmente vitimadora do seu primordial objectivo.
É que, sendo. incontestável que a administração da justiça é um verdadeiro padrão civilizacional e a efectivação dos direitos, das liberdades e dás. garantias constitui o. pressuposto primeiro de toda e qualquer vida comunitária minimamente organizada e com condições de sobrevivência, não deixa; igualmente, de ser menos verdade, que o sentido real de «se ter direitos» ou deveres nada passará a valer se eles mesmos não puderem ser respeitados e cumpridos.
Imprescindível é que, de todo o sistema judicial se torne cada, vez mais ágil e eficaz; desembaraçando-se de tudo quanto seja inadequado, caduco, desadaptado e até, mesmo litúrgico mas de escasso ou de nulo valor prático.
Hoje trata-se com urgência, de dar resposta rápida e certeira aos problemas da vida moderna e de alguma forma, e também por esta via, devolver a tranquilidade e a certeza aos portugueses.
Mas não tenhamos quaisquer dúvidas de que a solução estará sempre, estamos em crer, numa, mudança profunda de mentalidade. Há que ser por todos entendido que
o direito de ser feita justiça implica a obrigação de agir e de cooperar com o efectivo funcionamento das instituições judiciárias, mesmo que com isso tenha de ultrapassar-se a parcialidade, sempre explicável, mas cada vez menos justificada e desejavelmente mais punida, em atrasar, em iludir e em contornar o sentido e o efectivo alcance pretendido da justiça. _
Educar e criar uma autêntica pedagogia da cidadania da justiça, a par da adequação e optimização do sistema judiciário e de todo o corpo legislativo, serão as grandes traves da reforma da justiça que em Portugal tarda em ser
Conseguida, como o tem demonstrado o desacerto das últimas reformas de alguns Códigos precocemente declarados, caducos, ou seja, praticamente, no dia seguinte ao da sua entrada em vigor e objecto de pequenas alterações e reformas avulsas, incapazes de mudar o que quer que seja e mesmo às vezes até, de se justificarem a si próprias.
Concretamente, na área dos direitos processuais, a solução do problema - em particular a celeridade de toda, a tramitação processual e a decorrente aplicação efectivado Direito - reside na fórmula ideal consistente na articulação de todo o «garantismo» das normas de salvaguarda de que os sujeitos processuais nunca por nunca poderão prescindir com a moderna necessidade de celeridade e pronta resolução dos litígios que o Estado e de forma desejavelmente crescente, os árbitros são chamados a resolver.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, relativamente ao projecto de lei n.º 220/VII, gostaria desdizer o seguinte: em nome da celeridade processual e potenciando a notifica ção feita através de via postal a realizar na própria pessoal.
do notificando, o que satisfaz a garantia do conhecimento do conteúdo do acto judicial praticado por, parte daquele, institui-se a regra de que estas mesmas notificações se efectuem através de via postal, seja na residência, seja no
local de trabalho - locais de evidente probabilidade de encontro do notificando.
Se desta forma o notificando não for encontrado disso dará conta o funcionário seguindo-se a notificação mediante contacto pessoal.
Mas este diploma inova relativamente ao regime em vigor ao suprimir caso da recusa em receber a carta, que equivaleria à validação do acto como notificação, esgotando o propósito de não recebera notificação na mera recusa em assinar.
Ora, acontece, como todos entenderão, que a 'não. aposição de assinatura não equivale necessariamente à recusa em receber a notificação, e a própria recusa não se esgota na recusa da assinatura. Mal nenhum decorreria da manutenção de um regime geral e residual suficientemente abrangente onde coubessem as mil e uma formas em que, afinal, pode consistir a recusa em se ser, notificado, passando-se daí rapidamente ao entendimento processual de que o notificando foi efectivamente notificado.
Todos sabemos que o extraordinário zelo e empenho que a esmagadora maioria, quer dos agentes da GNR e da PSP, quer de funcionários judiciais encarregues de proceder às mais diversas citações e notificações judiciais, iludindo um sem fim de artimanhas, têm constituído a salvaguarda e a garantia do funcionamento mínimo do sistema judicial neste aspecto particular.
Sem dúvida que este investimento e esta mobilização não podem continuar. O País não pode ter paralisada uma parte crescentemente significativa dos seus, efectivos poli-

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ciais e de funcionários de justiça a calcorrear meio mundo atrás dos notificandos, que insistem em não se deixar envolver - ou quanto mais tarde melhor - nos processos judiciais que lhes dizem respeito e perante os quais, de uma ou de outra forma, têm de responder. Haverá, com certeza, que responsabilizá-los pela prática clara de actos que envolvem a obstaculização à administração da justiça.
Mas não podemos ignorar que é precisamente nesse esforço de abnegação, que mais não é do que a materialização da notificação por contacto pessoal, que reside afinal toda a essência das notificações judiciais e este projecto de lei desguarnece com perigo esta questão.
É que a notificação por contacto pessoal passará rapidamente a ser um mero pró-forma uma vez que este mesmo projecto resume-a, em termos práticos - n.º 3, alíneas a) e b) -, a uma única diligência de contacto na residência ou no local de trabalho do notificando, entrando em grande velocidade o processo de notificação naquele que será, na perspectiva deste diploma, o meio por excelência de serem feitas as notificações: a notificação por anúncio e/ou por edital.
Será, seguramente, assim: o senhor carteiro não encontra ninguém em casa e ninguém de casa levantará na estação dos Correios o aviso que o carteiro entretanto lá deixou. Depois, aqui entra em Tribunal. O funcionário judicial voltará a não encontrar ninguém em casa e ninguém de casa irá comparecer perante o notificados no prazo de oito dias que constava no «convite». Restará a notificação por anúncio! Os jornais da localidade, perante a avalancha de solicitações, terão capacidade para proceder à sua publicação em tempo útil? Quanto vai custar proceder às publicações? Os tribunais vão poder dispor desse dinheiro? Ou vai ser a outra parte processual que, desta forma, vai ver ainda mais agravado em termos financeiros o acesso à justiça?
Seguramente que esta é das partes mais frágeis e mais sensíveis dos processos judiciais e causadora de contrariedades e atrasos. A solução estará em reformas de fundo, mas este projecto de lei avulso, pese a bondade da sua intenção e até do seu acerto em abstracto, na prática, revelar-se-á positivo?
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Relativamente ao projecto de lei n.º 225/VII tem-se mantido, seguramente por falta de alternativa prática, a situação indesejável da afectação de efectivos da GNR e da PSP ao serviço de comunicação dos diversos actos processuais. Distrai-se, assim, muitos efectivos daquelas corporações das suas funções de eficácia operacional para que estão efectivamente vocacionados, sobrecarregando-os com funções que, por princípio, deveriam estar acometidas aos serviços judiciários.
Mas não resta dúvida, como já se deixou dito, que uma das razões de funcionamento deste sector processual à GNR e à PSP se deve. Também por este mesmo motivo é justo è razoável que o Ministério da Justiça transfira para o orçamento do Ministério da Administração Interna as verbas correspondentes aos serviços prestados.
Não poderemos é deixar de ter presente que a alteração deste estado de coisas deve ser gradual e paulatino sob pena de instalação do caos nesta fase processual.
É claramente desejável a criação de serviços externos de comunicação de actos processuais na estrutura das secretarias judiciais. Porém, neste particular, quase que se poderá dizer que cada caso é um caso, não só em termos da oportunidade da substituição, que deverá ser eficiente e não traumática do objectivo pretendido, enquanto noutros casos mesmo indiferente ou escusada.
Se nas grandes localidades se justifica a criação dos serviços externos, apesar de haver uma muito. maior dificuldade objectiva e, em concreto, de proceder às notificações, até mesmo por simples questão de autoridade - que, independentemente de tudo, esses serviços externos vão por si ter de assegurar -já nas pequenas comarcas todo o serviço externo é assegurado sem dificuldades de maior e sem, necessidade de, por ventura, criar serviços específicos e distintos.
Assim; pareceria que para a 1.ª instância a criação dos serviços externos deveria depender da sua necessidade efectiva e não por automatismo decorrente de decreto.
Relativamente aos mesmos serviços externos nos tribunais superiores não se poderá deixar nunca de ter em vista que a comunicação dos actos processuais quase se esgota na notificação por carta ao mandatário judicial do notificando, garantido esta, via o bom sucesso da esmagadora maioria das notificações judiciais. Justificar-se-á neste particular a criação desses serviços nos termos pretendidos?

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, terra a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A questão das notificações judiciais, hoje em debate, é um problema relevante. Embora as iniciativas legislativas em apreciação apareçam como medidas avulsas, desenquadradas de uma reformulação geral da política de segurança interna - que é, do ponto de vista do PCP, necessária e urgente -,elas incidem sobre um problema real, que afecta gravemente a capacidade das forças de segurança para o cumprimento das suas missões próprias, que tem vindo a agravar-se de ano para ano, e que, não temos dúvidas, tem de ser resolvido.
O último Relatório Anual de Segurança Interna, apresentado pelo Governo à Assembleia da República, relativo a 1996, dá conta da gravidade deste problema.
Pode ler-se na parte elaborada pela Guarda Nacional Republicana que esta força de segurança procedeu em 1996 a 405 789 notificações que lhe foram solicitadas, o que correspondeu a um aumento de 13% face às 357 712 que efectuou em 1995...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - E há mais polícias na rua!...

O Orador: - Refere-se inclusivamente no Relatório, que «Paralelamente à falta de efectivos, verifica-se que, de ano para ano, aumentam continuamente as solicitações feitas à Guarda, especialmente pelos tribunais, para execução de notificações e outras tarefas, o que se traduz no empenhamento de um cada vez maior número de efectivos. Não obstante as tentativas para colmatar este problema, esta situação mantém-se com grave prejuízo do desvio de efectivos da sua missão de segurança pública.».
Saliente-se que já no Relatório do ano anterior a GNR havia chamado a atenção para o aumento de 9% das noti

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ficações entre 1994 e 1995, afirmando então que: «para além do tremendo empenhamento de pessoal e viaturas e dos encargos com o consumo de combustível que têm sido suportados quase exclusivamente pelo seu próprio orçamento, o cumprimento de todas estas obrigações, a que a Guarda não se pode eximir por imperativo da sua missão geral, afectam significativamente a sua actividade prioritária que é a segurança de pessoas e bens».
Em relação à Polícia de Segurança Pública, os dados divulgados nos Relatórios de Segurança Interna não particularizam o número exacto de notificações realizadas por esta força de segurança, mas dão conta do número impressionante de 980 991 diligências processuais, onde estas se incluem, assinalando um aumento de 16,5% em relação a 1995.
Desde há muito tempo que o PCP tem vindo a afirmar que esta situação não pode continuar e tem apresentado propostas para a sua resolução. Já na presente legislatura esta questão esteve em debate, por iniciativa do PCP, quando em Janeiro de 1997 aqui debatemos o projecto de lei n.º 12/VII, apresentado pelo PCP, sobre grandes opções de política de segurança interna e medidas imediatas para defesa da segurança dos cidadãos.
No quadro das grandes opções propostas pelo PCP, esta questão da ocupação das forças policiais na realização de notificações é equacionada. Como se pode ler na «nota justificativa» desta iniciativa, o PCP propõe a aprovação de uma lei de grandes opções de política de segurança interna, que aproxime a polícia dos cidadãos, que dote as forças de segurança com meios suficientes e adequados, que ponha de parte as acções repressivas que atentam contra os direitos dos cidadãos, que dinamize a intervenção das populações, das comunidades e das autarquias na discussão de soluções para os problemas de segurança e - sublinho este ponto - que altere o respectivo dispositivo, por forma a assegurar o seu empenhamento prioritário em acções de prevenção da criminalidade e de garantia da segurança e tranquilidade das populações.
Nesse sentido, propomos, quanto à distribuição dos recursos humanos, que estes «devem ser especialmente afectados às missões específicas de segurança interna, pelo que outras missões, designadamente as diligências judiciais, devem ser asseguradas por estruturas próprias dos tribunais».
E na parte respeitante às medidas imediatas consta também do projecto de lei do PCP o reforço «com toda a urgência, das secretarias judiciais com novos funcionários, tendo em vista a realização das diligências que vêm sendo efectivadas por agentes das forças de segurança, permitindo, desta forma, libertar estes agentes para o exercício das suas missões fundamentais de garantia da segurança dos cidadãos.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Este projecto de lei foi debatido em 9 de Janeiro de 1997 e baixou à Comissão sem votação, à espera que o Governo apresentasse uma proposta de lei sobre a mesma matéria, de acordo com um compromisso que nesse mesmo dia foi assumido pelo Ministro da Administração Interna e que até ao dia de hoje não foi cumprido.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Agora já há outroa!

O Orador: - Importa também lembrar neste debate que, quer o PSD, quer o PS, têm, nesta matéria, responsabilidades que nem um nem outro podem escamotear. O PSD, que nunca resolveu este problema, apesar de, ao longo de vários anos,...

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Anos e anos!...

O Orador:- ... ter lamentado a sua existência e o seu constante agravamento. O PS, que nos tempos em que foi oposição, criticava a passividade do Governo PSD e prometia resolver o problema se fosse Governo.
Estamos, por isso, hoje, confrontados com uma situação que não deixa de ser curiosa: o PSD, na oposição, a propor que seja feito aquilo que enquanto foi Governo nunca fez e um Governo PS que não resolve agora aquilo que antes prometeu resolver!

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Só a primeira é que é verdade; a segunda não!

O Orador: - Neste caso com uma agravante: é que o actual Governo não só não dá sinais de resolver o problema das notificações judiciais...

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Essa é boa!...

O Sr. Carlos Encarnação (PS): - Como não dá sinais de nada!

O Orador: - ... como não dá sinais de clarificar, perante a Assembleia da República e perante o país, quais são as grandes orientações para a sua política de segurança interna, continuando a navegar à vista, ao sabor das inspirações e do estilo dos Ministros da Administração Interna que se vão sucedendo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, relativamente às soluções concretas que o PSD hoje propõe, importa dizer o seguinte: quanto ao projecto de lei n.º 225/VII, que propõe a criação nas secretarias dos tribunais de todas as instâncias, de serviços externos de comunicação de actos processuais, encaramo-lo favoravelmente, na medida em que, como acabei de referir, no entender do PCP, a realização das notificações judiciais deve ser assegurada por pessoal afecto aos tribunais, sendo evidentemente necessário dota-los com funcionários suficientes para o efeito.
Quando dizemos que não faz sentido que sejam os agentes das forças de segurança a realizar notificações judiciais, não estamos a desvalorizar a importância dessa função para o funcionamento da justiça. É uma função importante e digna. Mas, o que verdadeiramente não faz sentido. é que o Estado esteja a investir na formação de agentes de forças de segurança com funções específicas de combate à criminalidade...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Ora aí está!

O Orador: - ... e de manutenção da segurança publica, e que, depois, conhecidos os problemas de segurança e tranquilidade que existem, esses funcionários sejam encarregados de funções que podem ser exercidas, com vantagem, por outros funcionários.

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O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Mas os socialistas não percebem isso!

O Orador: - Já o projecto de lei n.º 220/VII suscita outros problemas. Propõe o PSD que em processo penal passe a funcionar a via postal como regime-regra para as notificações, alterando, nesse sentido, o Código de Processo Penal vigente.
A primeira observação que pretendo fazer é de ordem metodológica: estando em curso um processo de discussão da reforma do Processo Penal faz sentido que esta
proposta seja debatida nesse quadro. Não seria, de facto, boa metodologia introduzir alterações avulsas no Código de Processo Penal ao mesmo tempo que o processo da sua revisão global se encontra em curso.
A segunda observação é de ordem substantiva: é sabido que, como refere a própria «nota justificativa» do projecto de lei, a possibilidade de as notificações em processo penal serem feitas por via postal foi introduzida pelo Código de Processo Penal de 1987, o que representou um avanço em matéria de celeridade processual.
Simplesmente, passar da possibilidade da utilização da via postal para a institucionalização desse meio como regime-regra, com a preterição evidente do contacto pessoal com o notificando, pode suscitar problemas de segurança jurídica e de garantia de direitos de defesa que não podem ser esquecidos.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Isso é verdade!

O Orador: - Sem dúvida que a celeridade processual e a simplificação de processos são valores importantes a ter em conta em processo penal, mas não são os únicos valores em presença.
Num pais como o nosso, em que subsistem taxas elevadas de analfabetismo e de iliteracia e em que a familiarização de grande número de cidadãos como funcionamento dos tribunais e com a documentação processual está muito longe de ser uma relação fácil, há que acautelar devidamente as regras aplicáveis às notificações, sob pena de poderem ser dados «saltos no escuro» que venham a ter consequências nefastas em matéria de direitos, liberdades,e garantias.
De qualquer modo, em sede de revisão do Código de Processo Penal haverá oportunidade de ponderar devidamente esta questão.
Já quanto à questão de desonerar as forças de segurança dos ^cargos com notificações judiciais, de forma a permitir a sua ocupação prioritária em missões relacionadas com a garantia da segurança e da tranquilidade dos cidadãos; não temos qualquer dúvida quanto à sua urgente necessidade.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Sarmento.

O Sr. Joaquim Sarmento (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O agendamento das iniciativas vertentes afigura-se-nos, acima de tudo, inoportuno e despiciendo, dado que introduz meras alterações avulsas ao Código de Processo Penal e a um diploma complementar, quando é do conhecimento público (em particular do dos Srs. Deputados) que foi aprovada em Conselho de Ministros, a 4 de Dezembro de 1997, uma proposta de lei de revisão do actual Código de Processo Penal, tendo já entrado nesta Assembleia pára apreciação.
Entende o XIII Governo Constitucional que a experiência de aplicação do actual Código de Processo Penal revela que não foi possível alcançar os objectivos de celeridade e eficácia processual pela reforma de 1987. Assim, metodologicamente, dever-se-ia agendar em conjunto esta iniciativa com a proposta de lei do Governo, até porque esta, para além de constituir uma reforma global do Código vigente, incide igualmente sobre o artigo113.º.
Analisemos, pois, em primeiro lugar, o projecto de lei n.º 220/VII, apresentado pelo PSD, composto por um artigo único que visa alterar o artigo 113.º do Código de Processo Penal.
Do confronto com a legislação vigente, constata-se que as grandes alterações consistem no essencial no seguinte: primeiro, o PSD quer estabelecer como regra geral de notificação judicial a via postal, pretensiosamente em «nome de um processo criminal que actue de forma mais rápida e eficiente, e a notificação pessoal só se realizará quando aquela não for possível»; segundo, o diploma em, causa quer criar um numero. novo, que não nos merece qualquer reparo, para permitir a notificação por anúncio num dos jornais mais lidos da localidade em que se situe a última residência do notificando, mas também nesta parte a proposta de alteração do Governo já o vinca claramente.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Só que o nosso projecto é anterior!

O Orador: - Note-se que o actual Código já possibilita que a notificação, para além da via pessoal, se pro-

cesse por via postal e telefónica.
As notificações postais e telefónicas representam um grande avanço, como bem refere Maia Gonçalves e no que se articula com a notificação postal, o código vigente investe, na opinião daquele consagrado penalista, o funcionário postal em funcionário de justiça.
Mas não nos parece necessário estabelecer expressamente como regra geral a via postal, atenta a evolução legislativa já consubstanciada no âmbito dos Códigos de Processo Civil e de Processo Penal, os quais consagram a utilização de meios tecnologicamente mais avançados, como o telefone, o telex, valorizando a proposta de lei do Governo, referente à reforma do actual Código de Processo Penal, a telecópia e outras novas tecnologias.
Não há, pois, razões para espartilhar a decisão da autoridade judiciária quanto ao tipo de notificação a efectuar.
A lei actual é equilibrada, carecendo apenas de aperfeiçoamentos, o que não acontece com o projecto de lei em apreço, que não cuida, Sr. Deputado Calvão da Silva, em preceituar que a notificação postal se faça acompanhar de alguns elementos identificadores, nomeadamente impondo-se que o rosto do sobrescrito ou do aviso postal indique com precisão a natureza da correspondência, a identificação do tribunal ou do serviço remetente, isto quando todos nós sabemos e estou de acordo com o Sr. Depu-

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fado António Filipe - que, muitas vezes, os destinatários não sabem ler nem escrever.
Para além disto, o diploma do PSD não cuida de definir o dia em que se presume feita .ª notificação, ao contrário do que subjaz na proposta do Governo com clareza meridiana. Pode, assim, ser posta em causa a segurança jurídica. .
De facto, para além da sua linearidade, o projecto de lei em apreço mais nos parece uma mera inutilidade superveniente da lide.
Há que aperfeiçoar o actual Código, mas esse aperfeiçoamento terá de obedecer à articulação, nem sempre fácil, entre a eficácia e a segurança e entre a celeridade e a transparência.
A proposta de lei do Governo dá esse contributo, aperfeiçoando o artigo 113.º, valorizando as novas tecnologias, incluindo a telecópia, avançando no artigo 114.º com a requisição de funcionário, não carecendo neste caso a comparência do notificado de autorização de superior hierárquico.
No que concerne a notificações de actos processuais, é de realçar que a proposta de lei reforça o direito de informações relativamente a processos atrasados, clarificando-se o dever de comunicação das decisões relativas aos incidentes de aceleração processual (artigo 109.º,n.º6).
Contrariamente à proposta do Governo, o projecto de lei n.º 220/VII, é um acto desgarrado, sem qualquer consistência. Mas à redundância deste projecto de lei, acrescenta o PSD o projecto de lei n.º 225/VII, que poderá ser potencialmente perturbador de um conjunto de leis estruturantes, a começar pela lei orgânica dos tribunais, pela lei orgânica das secretarias judiciais, pondo em causa, analisando o sistema judiciário como um todo, a última reforma do Código de Processo Civil iniciada pelo próprio PSD.
Contradiz notoriamente aquilo que o PSD pretende alcançar com o projecto de lei n.º 220/VII, na alteração que pretende introduzir no artigo 113.º do Código de Processo Penal ao consignar como regra geral a via postal, na esteira do que, aliás (e bem), está consagrado no actual Código de Processo Civil, nomeadamente nos artigos 176.º, 177.º e 178.º e 223.º e seguintes, em que se estende a via postal à citação das pessoas singulares.
As comunicações pessoais são, nos tempos que correm e no nosso tempo histórico, eivado de um enorme stress e de uma grande agitação, sobretudo nos grandes centros urbanos, onerosas, morosas e complexas.
O que entendem, pois, os subscritores do projecto em apreço por «serviços externos de comunicação de actos processuais»? Comecemos por dizer, e dirijo-me fundamentalmente para o Sr. Deputado Calvão da Silva, que é enorme a confusão do PSD ao reclamar a alteração do artigo 9.º do Decreto-lei n.º 376/87, de 11 de Dezembro, quando este artigo já há muito foi parcialmente revogado pela nova redacção do Decreto-lei n.º 364/93, de 22 de Outubro.
Trata-se de uma negligência imperdoável que afere de per si a redundância e superficialidade da iniciativa. em apreço.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - É que a actual lei orgânica das secretarias judiciais, no seu artigo 9.º, n.º 4 - e é este que está em vigor, Sr. Deputado -, já prevê que as secretarias gerais dos tribunais de 1.ª instância, e só nestas, possa existir uma secção central de serviços externos, quando o «volume de serviço o justifique».
Compreende-se a restrição. Não se justificam notificações pessoais nos tribunais das relações e no Supremo Tribunal de Justiça, que são tribunais de recurso. Estas apenas se colocam aos tribunais de 1.ª instância; mas a criar-se uma secção central de serviços externos, Srs. Deputados, a mesma só pode justificar-se não para as notificações pessoais reclamadas no diploma em apreço, mas no âmbito de actos processuais de grande complexidade, como o são alguns despejos de natureza cível e, sobretudo, no âmbito do processo executivo e procedimentos cautelares (arrestos, penhoras, arrolamentos, apreensões de bens) para os quais são precisos meios que a máquina judiciária não tem, por culpa de 17 anos de justiça PSD,...

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... que deixou o sistema judiciário altamente carenciado em pessoal (com um défice de mais de 300 funcionários judiciais) e de meios logísticos, nomeadamente veículos adequados e armazéns de recolha de bens, quer' no âmbito do processo penal, quer no âmbito do processo civil.
Este projecto de lei é, por conseguinte, um projecto de «fogachos», que limita fortemente a eficácia do sistema judiciário, ainda por cima pretendendo o PSD, de forma apressada, dispensar os serviços da GNR e PSP quando é sabido que a máquina judiciária não tem meios, neste momento, ao seu alcance, para dispensar essas forças, sendo a sua coadjuvação imprescindível à luz do artigo 8.º do Decreto-lei n.º 364/93, de 22 de Outubro, na esteira do que já estava estatuído no Decreto-lei n.º 376/87, de 11 de Dezembro.
Criar serviços externos de comunicação de actos processuais é, no conteúdo do diploma em apreço, uma medida irrealista, ineficaz e onerosa do ponto de vista financeiro, de duvidosa constitucionalidade, nos termos que constam do relatório aprovado na la Comissão.
A criação de serviços externos de comunicação de actos processuais é uma medida que subverte toda a evolução da comunicação de actos processuais, quer no âmbito do Código de Processo Penal quer no âmbito do Código de Processo Civil, no sentido da implementação de via postal como via principal de notificação e que contraria frontalmente toda a contextualização do sistema judiciário, no qual todas as suas leis estruturantes não dispensam a coadjuvação das forças policiais, sendo estas indispensáveis, no presente momento, à realização de certos actos - incluindo os de natureza pessoal, como serviço externo de citações e notificações -, como preceitua o artigo 5.º da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciários Saliente-se, nessa articulação, o artigo 244.º, n.º 1, do Código de Processo Civil - ausência do citando em parte incerta -, numa prova de que também no âmbito do Código de Processo Civil o apoio das autoridades ainda é necessário.
E, assim, pergunto: É este o «pacote legislativo» do PSD sobre segurança pública, que deu entrada na Assembleia da República no dia 9 de Outubro de 1996, dia em que se realizou um debate sobre a segurança e

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criminalidade, na sequência da interpelação n.º 5/VII suscitada por aquele grupo parlamentar?
São estas duas medidas de reforma de Estado, como, com toda a pompa e circunstância, lhes chamou o Deputado Calvão da Silva?
Não é, com certeza, com iniciativas deste jaez e desta pobreza que se resolvem os problemas da segurança.
Como diz o poeta «(...) se a pobreza não nos mata, não é desgraça ser pobre (...)». O pior é quando a pobreza gera a insegurança.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Calvão da Silva e Carlos Encarnação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joaquim Sarmento, em primeiro lugar quero dizer que o Partido Socialista está a dar-me argumentos para mais uma «cambalhota».

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Essa é boa! Agora passaram à fase da ginástica?

O Orador: - Tive o cuidado, uma vez que não fui Deputado em legislaturas anteriores, de ler debates sobre segurança interna que aqui foram feitos, nomeadamente os relatórios de segurança interna, e pude constatar aquilo que o Partido Socialista criticava e reclamava que no futuro fosse introduzido na lei para melhorar este campo, No entanto, agora que o partido Social Democrata procura contribuir para a solução do problema, como teve o cuidado de dizer, com duas pequenas medidas, não de macroprogramação mas que vão encontro de problemas clássicos da responsabilidade de todos os Governos anteriores, do PSD e do PS, verifico que a «cambalhota» do Partido Socialista, de então para cá ou de agora para então, mais do que um salto mortal é como que um salto por cima da própria sombra, coisa que ninguém ainda conseguiu fazer. E, pelos vistos, é esse o exercício que, hoje, o senhor quer vir aqui fazer.
Em várias intervenções, designadamente de Ferro Rodrigues e, sobretudo, de Jorge Lacão, criticava-se abundantemente...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Por isso eles não estão aqui hoje!

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Ó Sr. Deputado, isso até lhe fica mal. .

O Orador: - ... Partido Social Democrata e o então Ministro da Administração Interna por não se entender com o Ministro da Justiça, no sentido de acabar com esta afectação das forças de segurança às diligências judiciais, e perguntavam para quando o termo deste serviço.
Se não confiar em mim, posso ler-lhe algumas dessas passagens - tenho-as comigo -, concretamente as de Jorge Lacão. Espero que me dispense dessa leitura, sob pena de a sua vergonha sair daqui corada.
O que está aqui em causa é um problema de estratégia e de filosofia política.. Devem as forças de segurança fazer aquilo para que são preparadas, para o que têm qualificação, nas quais o Estado investe os dinheiros públicos ou, pelo contrário, devemos deslocá-las,...

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Ó Sr. Deputado, de que partido é?

O Orador: - ...desafectá-las desses serviços e, nessa medida, continuarmos a continuar com o estado ,passado, que tende a perdurar desmesuradamente? O que está em causa é só esta questão de filosofia de fundo! ...Se os nossos contributos forem pequenos mas eficazes, apraz-nos que assim seja; se o senhor entende que a macroprogramação é melhor, que a retórica oca do Partido Socialista resolve pequenos ou grandes problemas através da macroprogramação, que nunca chega a concretizar-se,..

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, queira terminar.

O Orador: - ...então, obviamente, as duas filosofias não podem encontrar-se num ponto. E era isso, Sr. Deputado - e vou terminar, Sr. Presidente -, que eu gostaria que não acontecesse.
Disse - e repito - que o problema é de estratégia política e não de táctica ou de guerrilha partidária. Fiz a intervenção que ouviram em nome de uma certa reforma do Estado, do aparelho policial e judiciário e não gostaria que, só porque entrou posteriormente um novo projecto de reforma do Código de Processo Penal, o PS viesse agora tentar dizer que o seu projecto é o melhor.
Trata-se de matéria...

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, tem de terminar.

O Orador: - Sr. Presidente, é só mais um segundo.
Como dizia, trata-se de matéria que, na especialidade, se confrontará, e será no cruzamento das duas iniciativas que encontraremos a resposta eficaz para este problema, repito, já clássico, que tende a tardar.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Qual era a pergunta?

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado Joaquim Sarmento, havendo mais um Deputado inscrito para pedir esclarecimentos, deseja responder já ou em conjunto?

O,S r. Joaquim Sarmento (PS): - Respondo no fim, Sr. Presidente...

O Sr. Presidente (João Amaral): - Então, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joaquim. Sarmento, quero, na modéstia da nossa intervenção e do nosso contributo, colocar-lhe duas verdadeiras questões,
V. Ex.ª tem razão: estes projectos, comparados com aquilo que o Partido Socialista pensa fazer, certamente são

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quase nada; estes projectos, comparados com aquilo que o Partido Socialista fez até hoje, são demasiado grandes; estes projectos, em relação aos problemas que visam resolver, são relativamente pouco; estes projectos, em relação aos problemas que o Partido Socialista resolveu até hoje, são também demasiadamente grandes.
Assim, no exacto sentido das proporções, devo dizer a V. Ex.ª que poderia haver um pouco mais de modéstia da sua parte na apreciação dos contributos que nós apresentamos, até porque aquilo que o Sr. Deputado Calvão da Silva disse há pouco é uma verdade que fere como punhos: VV. Ex.as , na oposição, passavam a vida a dizer coisas desta natureza. E não tinham sequer o pejo de dizer que as vossas iniciativas eram modestas! Diziam que eram grande iniciativas, extraordinárias iniciativas, que, afinal, na maior parte dos casos, se resumiam a duas linhas ou a um pensamento esporádico sobre uma coisa qualquer. E passavam a vida a interpelar os governantes de então sobre quando é que eles acabavam por entender o desperdício que era a utilização das policias e dos guardas republicanos naquilo a que os senhores convencionaram chamar os serviços administrativos.
Ó Sr. Deputado, convém lembrar que VV. Ex.as já estão no Governo há mais de dois anos; convém lembrar que VV. Ex.as passam a vida a falar no aumento do número de polícias e de guardas republicanos;

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - E é verdade, eles estão aí!

O Orador:'- ...e convém lembrar que o número de serviços desempenhados, do ponto de vista administrativo, por este tipo de agentes das forças de segurança cresce exponencialmente.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Eles estão aí, na rua!

O Orador: - Isto é, Sr. Deputado, este problema existe, tem de ser resolvido e só há uma maneira de resolvê-lo: se, até hoje, ele só foi resolvido pelas forças de segurança, e não deve sê-lo - e V. Ex.ª concordará comigo que não deve sê-lo -, então alguém tem de o fazer, e se alguém tem de o fazer será ao nível dos serviços judiciais que teremos de encontrar resposta para esta situação. Este é um problema a que V. Ex.ª não consegue responder de outra maneira que não, seja concordando comigo.
A segunda, questão que quero colocar, Sr. Deputado, é a das notificações.
Há. pouco achei curioso o Sr. Deputado António Filipe aludir à dificuldade que as pessoas têm de entender as notificações, ao problema da iliteracia e a outros problemas, mas o grande problema, Sr. Deputado, é que quem foge às notificações são aqueles que sabem ler demais, são os mais espertos. São esses que se atravessam no nosso sistema de notificações e acabam por fazer com que os processos durem eternidades. E V. Ex.ª , com medidas simples - e admito que elas são tão simples que não são consideradas pelo Partido Socialista como relevantes, na sua modéstia - como estas é capaz de, porventura, resolver problemas que de outra maneira não consegue resolver.
Se V. Ex.ª entende, como toda a gente tem de entender, que a grande questão, hoje em dia, é a das notificações, resolvamo-la. E eu não falo só do universo jurídico português, pois os alemães, ainda há relativamente pouco tempo, resolveram com medidas tão simples quanto estas problemas idênticos que tinham na sua ordem jurídica em relação à processualística penal.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, não sei como é que os alemães resolvem o problema do tempo, mas temos de resolvê-lo aqui à nossa maneira.

O Orador: - Sr. Presidente, resolvem-no com uma grande bondade e um grande sentido :de tolerância para com a pessoa que está a falar, e eu sei que V. Ex.ª também partilha desses princípios.
E, sendo assim, Sr. Presidente, terminaria dizendo apenas o seguinte, Sr. Deputado Joaquim Sarmento...

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - O Deputado Jorge Lacão está aí!

O Orador: - Não vou fazer a maldade de citar o Sr. Deputado Jorge Lacão. Maldade para com ele, não para com V. Ex.ª.
Sr. Deputado Joaquim Sarmento, peço a V. Ex.ª, na sua infinita sabedoria em relação a esta matéria e dentro do profundíssimo trabalho que acabou de desenvolver aqui em relação a esta questão, que considere apenas, na altura em que a vossa proposta, para o Código de Processo Penal for discutida, a inclusão desta matéria, porque - e tenho de lhe lembrar - ela já está há mais de um ano na Assembleia e á vossa proposta para o código de Processo Penal entrou há muito menos tempo. Portanto, é natural que tenham aproveitado algumas ideias nossas. Mas se quiserem aproveitar mais, ou se quiserem aproveitar menos, ou se quiserem aproveitar tudo, então vamos discutir isto na especialidade.
Muito obrigado, Sr. Presidente, pelai sua bondade.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Agora sou eu quem apela à sua tolerância para deixar o Sr. Deputado Joaquim Sarmento responder.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Tem toda, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Então, para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Sarmento.

O Sr. Joaquim Sarmento (PS): - Sr. Presidente, começo por responder ao Sr. Deputado, meu amigo, Dr. Carlos Encarnação,...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - E tenho nisso muita honra.

O Orador: - ...que falou em infinita sabedoria. A mim não me atravessa essa infinita sabedoria... Os sábios estão nessa bancada... Eu sou um comum mortal. Porém, preparei-me e estudei, nomeadamente, a Lei Orgânica das Secretarias Judiciais, e VV. Ex.ª s, com a vossa sagrada,

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sacrossanta sabedoria não deram conta de que, de facto, já existia uma porta aberta nos tribunais da 1.ª instância para a criação de serviços externos, como se esqueceram também - e por isso falam do passado E de intervenções que camaradas meus (e já lá vamos) fizeram com lógica e com propósito - de responder - ou não quiseram às questões candentes que coloquei.
Srs. Deputados do PSD, não ponho em causa as notificações - por via postal. Entendo, inclusive, que essa é uma evolução legislativa que vem da reforma do Código. de Processo Civil, que o atravessa, como atravessa o mundo moderno e a máquina judiciária; que tem de adequar-se a esse mundo moderno com novas tecnologias, as quais já foram corporizadas no Código de Processo Penal vigente e na proposta de lei do Governo, no sentido de alterar esse Código de Processo Penal.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Está a ver como está de acordo.

O Orador: - Simplesmente alertei a bancada. do PSD para a linearidade e para a superficialidade da sua proposta e, coloquei questões concretas. E, em vez de ser eu o interrogado, são VV. Ex.as que Ficam sem responder às questões candentes, até porque foram VV. Ex.as, que accionaram esta discussão.
Não nego também que o ideal, no futuro, será separar a máquina judiciária do contributo das forças de segurança, nomeadamente da PSP e da GNR.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Então estamos de acordo!

O Orador: - E não o nego porque sou um homem coerente, que costuma preparar-se adequadamente para as questões que se lhe colocam. O que eu digo, Srs. Deputados, é que, no presente momento, por inércia do PSD nos 17 anos que esteve à frente da máquina judiciária, há um défice de funcionários públicos judiciais e que neste momento, Srs. Deputados - e eu posso aliviar a vossa consciência -, está na forja um descongelamento de admissões de novos funcionários de justiça.

G Sr. Calvão da Silva (PSD): - Vem ao encontro das nossas preocupações!

O Orador: - Isto poderá ir ao encontro das vossas preocupações, mas toda a filosofia dos vossos projectos está profundamente desenraizada metodologicamente, porque não passam de fogachos...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Não lhes chamaria assim!

O Orador: desfasados da realidade conjuntural e estrutural da nossa máquina judiciária.
Srs. Deputados, lembro-vos que há diversas, iniciativas legislativas na área da justiça, da iniciativa do Governo, que estão já nesta Assembleia. E estas não são fogachos,...

0 Sr: Nuno Baltazar Mendes (PS): - Exactamente!

O Orador: são, isso sim, reformas do Estado, ao contrário do que o Sr. Deputado Calvão da Silva quis fazer ressaltar na sua intervenção.
Recordo-lhe, nomeadamente, a proposta de lei sobre o Estatuto do, Ministério Público; a proposta de lei que estabelece os princípios gerais que regem a organização e o funcionamento da identificação criminal; a proposta de lei que altera o Código de Processo Penal; a proposta de lei que define as regras sobre, publicação, identificação e formulário dos diplomas; a proposta de lei que altera o Código Penal, que VV. Ex.as, por fundamentalismo político, não quiseram subscrever há uns meses; a proposta de lei que altera o artigo 1817.º do Código Civil. Temos aqui um pacote legislativo que, esse sim, se enquadra em reformas estruturantes do Estado, de ü ma máquina que, com efeito, está carenciada de meios humanos e logísticos. Mas não é com a vossa leviandade...

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Muito bem!

O Orador:- ... que se resolvem estes problemas da máquina da justiça.
Mais, Srs. Deputados, entendo que o século XXI vai ser o século da justiça, porque é o sector onde existem mais carências e dificuldades. Mas não é com medidas parcelares e avulsas, como as que VV. Ex.as querem carrear para a discussão, que se resolvem os problemas da justiça.

Aplausos dó PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma nova intervenção, tem a palavra o Sr: Deputado Calvão da Silva.

O Sr. Calvão da Silva (PSD):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aceitam-se os factos confessados pelo Sr. Deputado do PS, Joaquim Sarmento. No essencial, afinal, estamos de acordo, e ele acabou por vir ao encontro das iniciativas do PSD. É bom que assim seja. Na especialidade, com certeza, encontraremos os pontos de convergência necessários para melhorar a eficácia e eficiência do Estado nos sectores da justiça e da segurança.
O PS está agora a querer atenuar a «cambalhota», depois desta confissão do Sr. Deputado, mas, mesmo assim, para que não pensem que eu estava a falar de cor e, porventura, a levantar falso testemunho em relação ao passado do PS, passo a citar o que então o PS dizia, pela voz do Sr. Deputado Jorge Lacão. Dizia ele, num debate de 1995: «Por exemplo:- deve reunir de urgência com o Ministro da Justiça (...)» - dizia ele para o Sr. Ministro da Administração Interna - «(...) e apresentar, finalmente, um protocolo claro que solucione a repartição funcional de responsabilidades entre os tribunais e as polícias». Dizia ainda: «Outro exemplo: sendo inquestionável o excesso burocrático e de funções não policiais que continuam a impender sobre os agentes de polícia, deve, antes de abandonar o cargo, apresentar um relatório e um plano geral de substituição de agentes de segurança por funcionários civis do Estado para o exercício das funções não especificamente policiais praticadas no quadro das--forças de segurança». Quer isto dizer que, embora atenuadamente, não estamos ainda no tempo do PS da mudança.

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Com esta iniciativa, o PSI) marca uma posição estratégica e de filosofia. Não consta do nosso projecto de lei qualquer artigo que diga que a lei deve entrar em vigor imediatamente, pelo contrário, admite-se até que isso não seja possível; mas deve tudo fazer-se para que venha a ser assim o mais rápido possível. Se quiser, Sr. Deputado, para que não restem dúvidas, fica aqui o nosso compromisso de, em sede de especialidade, dar dois, três ou quatro anos ao Governo, a este ou a qualquer outro, para que necessariamente venha a ser assim.
Como vê, não temos pressa, temos o necessário e suficiente sentido de Estado para perceber que se trata de uma alteração de fundo...

O Sr. Nuno. Baltazar Mendes (PS): - Isso não é verdade!

O Orador: - ... e temos o sentido da responsabilidade, também suficiente e necessário, para dizer que não temos pressa e não impomos qualquer prazo. Abrimos toda a nossa tolerância ao vosso sentimento. Ponhamo-nos de acordo no essencial; em sede de especialidade, o resto se encontrará.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Também para uma nova intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Sarmento.

O Sr. Joaquim Sarmento (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Registo, suponho que com fidelidade aos factos supervenientes que o Sr. Deputado Calvão da Silva trouxe à instância parlamentar, que percebeu a minha explicação, porque, na verdade, limitei-me a aprofundar o que constava da intervenção que proferi da tribuna.
Registo também a confissão de V. Ex.ª, quando refere que nos dá três ou quatro anos, de que está a dar-me razão em que a máquina judiciária que o PS herdou não
pode, neste preciso momento - é foi isso que disse na minha anterior intervenção, o que não põe em causa as intervenções dos meus camaradas, referidas por V. Ex.ª - ser alterada, sendo imprescindível a coadjuvação das
forças de segurança.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): : Nem a lei diz isso!

O Orador: - Mas é essa a vossa filosofia.
Assim, registo com agrado que, afinal de contas, a confissão com confissão se paga.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria apenas de fazer alguns comentários, até por uma questão de rigor quanto à forma como decorreu este debate.
É absolutamente despropositado vir aqui dizer-se, como o Sr. Deputado Calvão da Silva fez, que o PS deu uma «cambalhota». Nunca vi maior «cambalhota» nesta área, Sr. Deputado, do que a dada também agora pelo PSD. Até imaginava, por razões de algum decoro, que o PSD nem sequer trouxesse a Plenário estes seus dois projectos de lei, os quais, como sabe, já têm largos meses nesta Assembleia. Esperava que o PSD tivesse esse bom senso porque, como sabem, a proposta que os senhores fizeram aqui vai completamente ao arrepio de tudo o que disseram e fizeram no passado!
Deixe-me dizer-lhe uma coisa, Sr. Deputado Calvão da Silva: compreendo perfeitamente que, por razões geoestratégicas, de grande política. nacional e mundial, V. Ex.ª queira marcar o Parlamento português, o País, o verdadeiro estado da justiça. Compreendo perfeitamente. No entanto, há também algumas razões de decoro e de respeito pelo passado de cada uma das forças políticas que os senhores têm de ter. Quem foi que se esqueceu de que o PSD foi, por exemplo, o grande responsável pela introdução do instituto da contumácia no Código de Processo Penal? E quem se esqueceu dos resultados absolutamente nefastos que esse instituto teve, tem e continua a ter no nosso regime e no nosso ordenamento jurídico?

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Quando é que acabam com eles??

O Orador:- É esta a questão, Sr. Deputado. V. Ex.ª afirma aqui que o PS está agora a vir ao encontro das posições do PSD sobre as forças de segurança não deverem fazer notificações. Os senhores querem fazei tudo rapidamente, quando não fizeram rigorosamente nada! E estamos a falar, Sr. Deputado Calvão da Silva, de 17 anos! Os senhores apresentam estes projectos de lei para serem discutidos em Plenário hoje por razões de mera oportunidade e conveniência política, e é isso que não querem admitir.
Os senhores sabem perfeitamente que, quando agendaram esta proposta, já estava na Assembleia a proposta de lei do Governo de alteração do Código de Processo Penal.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Essa agora é que é boa!

O Orador: - Os senhores sabiam-no perfeitamente! Conheciam, inclusive a própria proposta de lei. Sabem ti que o Governo, e o PS, naturalmente, apoia-o, propõe quanto a esta matéria, nomeadamente quanto ao artigo 113.º do Código de Processo Penal.
Se uma verdadeira «pirueta» há aqui, ela é vossa, em relação ao passado e ao que pensavam a este respeito.
Portanto, Srs. Presidente e Srs. Deputados, é absolutamente insensato e desprovido de qualquer razão o vosso procedimento e a vossa própria proposta.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Na sua opinião!

O Orador: - Aquilo que nega e põe em causa os vossos projectos de lei é o estado da justiça, o estado em que os senhores deixaram a justiça em 1995. Os senhores não podem esquecer-se de que praticamente todos os tribunais tinham funcionários em greve. Os senhores não podem esquecer-se da quantidade enorme de julgamentos que ou estavam adiados ou não eram realizados por uma máquina absolutamente inoperante. E o que é que os Srs. Deputados do- PSD e o Governo do PSD, até 1995, fizeram quanto a esta matéria? Zero! Rigorosamente nada!
Quando apresentam esta proposta, os senhores negam, inclusive, o vosso passado, o que, em meu entender, é

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ainda bastante mais grave. Como é óbvio, isso não pode passar em claro nem, de maneira alguma, deixar de ser do denunciado nesta Câmara e neste momento.
Nós temos uma proposta de alteração global, temos uma estratégia concertada nesta área. Apresentamo-la e estamos sujeitos à sua discussão, à sua apreciação. Os senhores, se quiserem e entenderem que ela é justa e adequada, discuti-la-ão connosco, como é vosso dever; se entenderem que não têm de a discutir, assumirão as vossas responsabilidades.

Aplausos do PS.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Mota Amaral.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes, penso que depois da intervenção do Sr. Deputado Joaquim Sarmento, o senhor não merecia esta outra intervenção do seu colega do lado.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Isso, para além de desagradável, é eloquente do seu mau senso e da sua irresponsabilidade no debate!

O Orador: - De facto, tentamos colocar o debate e mantê-lo ao nível do Estado. Mas, afinal, há quem pretenda, como tive o cuidado de advertir, entrar no mero jogo e na mera táctica da guerrilha político-partidária. Para isso, eu não estou aqui.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Calvão da Silva, tenho de responder-lhe, por uma razão muito simples: à falta de argumentos, V.
Ex.ª resolve apostar numa intervenção um pouco desqualificada e que não é própria de si.
Sr: Deputado, não estamos numa universidade mas, sim, numa Câmara política, onde estes assuntos se discutem com responsabilidade política. V. Ex.ª tem a sua, nós
temos a nossa! V. Ex.ª assume a sua, nós assumimos a nossa!
Mais, Sr. Deputado Calvão da Silva, quem usou, nesta Câmara política, expressões como «piruetas» e outras que tais foi V. Ex ª. Portanto, se alguém desqualificou este debate, foi V. Ex.ª e o PSD através de V. Ex.ª.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, terminámos a discussão na generalidade dos diplomas em apreço, cujas votações serão efectuadas no momento oportuno e de acordo com o Regimento.
Vamos, então, dar início ao debate, na generalidade, do projecto de lei n.º 380/VII - Define as condições de acesso e exercício da actividade de intérprete de língua gestual, apresentado pelo PCP.
Devo anunciar que se encontram nas galerias um conjunto de pessoas interessado nesta discussão.
Para introduzir o debate, tem a palavra o Sr. Deputa- Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permitam-me que comece por cumprimentar os membros da Associação Portuguesa de Surdos e da Associação de Intérpretes de Língua Gestual Portuguesa, que se encontram a assistir ao Plenário.

Aplausos gerais.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: A comunidade surda paga ainda hoje o preço da estigmatização a que as suas línguas foram sujeitas desde o século passado. O tristemente simbólico «Congresso sobre a educação dos surdos», realizado em Milão no ano de 1880, decretou que as línguas gestuais das diferentes comunidades surdas em vários países não eram verdadeiramente línguas. Consequentemente, baniu de, todas as instituições de ensino frequentadas por surdos as línguas gestuais. Provavelmente teve influência nesta absurda decisão o facto de apenas estar presente um único congressista surdo.
O peso da discriminação das línguas gestuais sente-se com grande força até aos dias de hoje. E isto é muito grave. É grave porque, representa o desprezo pela riqueza cultural e linguística que são as línguas gestuais. Mas é ainda mais grave porque a negação e o menosprezo das línguas gestuais são um obstáculo ao direito de participação e integração plena da comunidade de surdos, isto é, dos surdos, mas também dos pais, professores e amigos que integram esta comunidade.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Esta comunidade não precisa de língua gestual para funcionar em circuito fechado no seu meio mais restrito. Ao invés, precisa da língua gestual para que haja verdadeira comunicação e integração de todos os seus elementos na sua comunidade nacional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A necessidade de remover as barreiras que impedem o reconhecimento das línguas gestuais tem estado presente em diversos documentos de cariz internacional. Assim, vários congressos de surdos a nível internacional, recomendaram, quer o reconhecimento das línguas gestuais quer o da profissão de intérprete.
Também as Nações Unidas se pronunciaram sobre o assunto, integrando esta problemática na Resolução n.º 48/96, que definiu as «Normas sobre igualdade de oportunidades para as pessoas com deficiência».
Finalmente, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução sobre línguas gestuais, que prevê a abolição pelos Estados membros dos obstáculos à utilização das línguas gestuais e sublinha a importância de intérprete de língua gestual. Também a Constituição Portuguesa passou a ter, após a última revisão constitucional, referência à língua gestual portuguesa. Também em Portugal, a comunidade de surdos tem a sua língua - língua gestual portuguesa. Trata-se de uma língua própria, diferente da língua portuguesa e das línguas gestuais dos outros países, isto é, das outras comunidades de surdos. É a primeira língua para

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os surdos, aquela que, em primeiro lugar e naturalmente, utilizam para comunicar.
A língua gestual portuguesa é, por isso, um instrumento tem indispensável para a verdadeira integração dos surdos portugueses e para que usufruam da sua plena cidadania.
Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - As crianças e os jovens surdos são tal vez os principais afectados por não estar ainda garantido o ensino e o acesso à língua gestual portuguesa e a sua utilização nas mais diversas situações da sociedade, com especial incidência no ensino. A, sua consagração no artigo 74.º da Constituição, dedicado ao ensino, demonstra bem a importância fundamental que tem esta área para a igualdade de oportunidades dos surdos.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A não existência de intérpretes no sistema de ensino, nomeadamente no ensino superior, constitui um obstáculo quase intransponível ao acesso dos surdos a este direito. De resto, o mesmo acontece no acesso a tantos outros direitos como a saúde em que a inexistência de intérpretes nos vários serviços públicos leva a que sejam discriminados os cidadãos surdos.
Diversos passos são necessários para que a actual situação, em que são insuficientes as condições de acesso à utilização da língua gestual portuguesa, seja alterada. O projecto que o PCP apresenta aqui, hoje, é apenas uma parte daquilo que é preciso fazer nesta área. Mas é uma parte muito importante. Trata-se, afinal, de criar o quadro legal para o acesso e exercício da profissão de intérprete de língua gestual.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Esta é uma profissão que existe há vários anos, que começou por ser uma ocupação de carácter não profissional, feita por pessoas que contactavam com frequência com a comunidade surda, em especial os seus próprios familiares. Embora ainda hoje a maioria dos intérpretes sejam familiares de surdos, a criação da Associação dos Intérpretes de Língua Gestual Portuguesa abriu a possibilidade de uma formação e exercício da profissão, em moldes mais profissionais.
É preciso ter em conta que esta tem necessariamente de ser uma profissão em crescimento rápido e. urgente. De outro modo, continuarão a ser inúmeras as situações em que os surdos vêem cerceado e limitado o seu acesso ao ensino, aos serviços públicos, especialmente os de saúde; e a todos os direitos decorrentes de' serem cidadãos de pleno direito. ,
Impõe-se, por isso, um investimento forte na formação de intérpretes de língua gestual, para que cada vez mais sejam vencidas as barreiras que aos surdos se colocam. Ora, este investimento e o crescimento desejável do número de intérpretes necessita do reconhecimento legal desta profissão. Por várias razões. Desde logo, porque. estes profissionais devem exercer a sua profissão com ga- . ranhas, têm o direito de ver definidos na lei os princípios por que se devem reger, bem como as condições de acesso à profissão. Mas também porque o desenvolvimento rápido que se deseja da formação, de intérpretes deve ,ser ancorado em, sólidas: bases, que lhe garantam a qualidade indispensável à importância do serviço que prestam.

Vozes do PCP: -- Muito bem.!

O Orador: - Não é admissível que a profissão de intérprete de língua gestual portuguesa continue numa situação de semi-clandestinidade é no esquecimento dos que legislam e dos que governam.

Aplausos do PCP.

O projecto de lei que o PCP, hoje, apresenta tem como grande fonte as propostas da Associação Portuguesa de Surdos e da Associação de Intérpretes de Língua Gestual Portuguesa. Define, desde logo, o que são os intérpretes de língua gestual e quais as suas funções; presta atenção aos requisitos mínimos para o exercício da actividade, em que para além da escolaridade obrigatória e do curso de intérprete se exige a maioridade, o que, no conjunto, garante a qualidade técnica e a estabilidade, e maturidade necessárias para o desempenho desta função. Presta-se, também, atenção à formação através da definição das linhas gerais dos cursos de intérpretes de língua gestual Nestes, assegura-se a existência do papel regulador do Estado na homologação dos curricula, abrindo-se espaço à organização dos cursos a outras entidades e assegurando-se a participação fundamental das organizações de surdos e dos intérpretes de língua gestual. Propõe-se também um conteúdo mínimo para o currículo do curso, considerado essencial, para que se constitua uma base sólida de formação. O projecto que apresentamos avança igualmente com algumas regras do foro deontológico indispensáveis para que o exercício de actividade se faça de modo idóneo. São exemplos disso os deveres de sigilo, de interpretação fiel ou de não influência das partes a que o intérprete está sujeito.
Finalmente, é necessário que se institua um período e mecanismos de transição, já que não podemos esquecer os intérpretes que têm ao longo dos anos, dado o seu contributo para vencer a barreira da língua. A estes, aos que necessitem, deve ser facultado um curso de reciclagem, que lhes permita. alcançar o pleno reconhecimento à luz do novo estatuto legal.
Não é admissível que o legislador, que a Assembleia da República, continue a ignorar a necessidade desta profissão e a criação de condições para um completo reconhecimento da língua gestual portuguesa. É preciso que a Assembleia da República estabeleça as regras com que esta , profissão se deve. reger e que, com isso, contribua decisivamente para o salto qualitativo e quantitativo que é preciso dar nesta matéria.
Sabemos que esta lei não é, por si só, suficiente para resolver todos os problemas dos intérpretes, dos surdos e da aplicação da língua gestual portuguesa, mas é condição necessária para que isso aconteça e para que se dê um passo decisivo em direcção a uma sociedade que todos receba por igual.

Aplausos do PCP.

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O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando de Sousa.

O Sr. José Calçada (PCP): - Veja lá o que vai dizer! Elogie!

O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, eu não elogio o projecto de lei, conforme os Srs. Deputados do PCP pretendiam, mas elogio a iniciativa e os objectivos que estão subjacentes a este diploma.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à iniciativa legislativa em apreço, diria que haverá uma certa ligeireza com que o PCP apresenta este diploma ao tratar de uma questão complexa, delicada e nova e, Sr. Deputado Bernardino Soares, não fale em semi-clandestinidade quando sabe tão bem como eu que há países na União Europeia em que esta profissão ainda não está reconhecida. Trata-se, efectivamente, de um problema novo, que merece uma maior atenção e ponderação, como irei demonstrar.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Quanto tempo vou ficar à espera?!

O Orador: - Primeira questão, a carreia de intérprete de língua gestual, embora constando da classificação nacional de profissões aliás, foi reconhecido por si não está legalmente prevista nem regulamentada. Ora, o objecto deste projecto de lei é, justamente, o da criação de uma carreira, profissional.
Portanto, Sr. Deputado, não lhe parece que cabe ao Ministério do Trabalho e da Solidariedade decisão sobre esta matéria, devendo também nós estar habilitados com um parecer da 7.ª Comissão?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - No ano de 2500 ainda cá estamos!...

O Orador: - Há uma comissão interministerial que está a tratar do assunto, Sr.ª Deputada.
Segunda questão, ao apresentar o curriculum do curso referido no artigo 5.º, o vosso diploma refere a formação em Línguas Gestuais Estrangeiras, que suponho tratar-se do francês ou do inglês gestuais. Por outro lado, quer o léxico, quer a gramática, designadamente a sintaxe da língua gestual portuguesa, não é directamente transponível para as referidas Línguas Gestuais Estrangeiras.
Assim, Sr. Deputado Bernardino Soares, não lhe parece excessiva a exigência de formação nas linguagens gestuais estrangeiras? Não acha preferível que, em vez de introduzir tais disciplinas com frequência curricular obrigatória, as mesmas deveriam ser objecto de um curso de especialização? O Sr. Deputado Bernardino Soares disse que falou com a Associação de Intérpretes de Língua Gestual Portuguesa e que haveria concordância dos seus responsáveis com este diploma,...

O Sr. Bernardino Soares (PCP):- Não foi isso que eu disse!

O Orador: - ... no entanto, eu tenho uma informação contrária, ou seja, a de que os representantes dessa Associação não estão de acordo com esta matéria e consideram-na até um entrave à formação de intérpretes.
Portanto, como compatibilizar esta exigência e, ainda, a afirmação exarada no preâmbulo do diploma de que, e cito, «Uma correcta utilização e interpretação da língua gestual necessita de profissionais qualificados e devidamente formados para assegurar a comunicação entre surdos e ouvintes» com um curso de dois anos sobre uma escolaridade obrigatória?

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, esgotou o tempo. Queira concluir.

O Orador: - Vou concluir, Sr, Presidente.
A escolaridade obrigatória é suficiente para se frequentar o curso de intérprete de língua gestual? E a duração do curso não deverá ter, no mínimo, três anos, mesmo sem as línguas gestuais estrangeiras?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares, dispondo para o efeito de 3 minutos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando de Sousa, devo dizer que estou um pouco espantado com a intervenção do Sr. Deputado, porque me parecia haver um consenso bastante generalizado na Câmara de que, independentemente de questões de especialidade, que obviamente teremos que apurar, esta era uma iniciativa com bastante oportunidade e, acima de tudo, necessária.
Deixe-me dizer-lhe que, em relação à questão de o Ministério estar a trabalhar, dever fazer e tudo o mais, para mim não colhe, porque, em primeiro lugar, a Assembleia da República tem toda a legitimidade para legislar sobre esta matéria, e, em segundo lugar, porque não são inéditos nem pouco numerosos os casos em que grupos de trabalho e comissões parlamentares estiveram muito tempo à espera de grupos de trabalho dó Governo e dos ministérios para avançarem em determinadas matérias.
Portanto, estamos plenamente disponíveis para ouvir
todas as entidades, estamos completamente disponíveis para ouvir também os representantes do Ministério que nos queiram vir falar desta matéria. Agora, isso não pode servir de entrave a que se avance rapidamente e com firmeza nesta matéria.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Em relação ao conteúdo mais concreto e às preciosidades que o Sr. Deputado Fernando de Sousa quis trazer ao debate, devo dizer que este projecto não foi feito com ligeireza, mas assenta num contacto de há já mais de um ano com a Associação Portuguesa de Surdos e com a Associação de Intérpretes de Língua Gestual Portuguesa, que, inclusivamente, nos entregaram, como julgo que devem ter entregue ao seu grupo parlamentar, um anteprojecto que serviu de base à elaboração desta iniciativa. Nem de outra maneira podia ser, Sr. Deputado! É que não estamos aqui a inventar o que quer que seja,

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estamos apenas a traduzir, numa iniciativa legislativa, as necessidades mais sentidas dos intervenientes nesta matéria.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, o Sr. Deputado levantou algumas questões em relação aos curricula, às formações que estão previstas nu nosso projecto de lei, à duração do curso de formação e à habilitação mínima .de escolaridade obrigatória. Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que estas matérias tinham sido apresentadas numa primeira proposta pelos intervenientes nesta área e, após a apresentação do nosso projecto, houve um contacto posterior, quer com a Associação Portuguesa de Surdos, quer com a Associação de Intérpretes de Língua Gestual Portuguesa, em que nos foi dito, por eles próprios, que tinham já propostas diferentes e que gostariam que este projecto fosse aprimorado nessa matéria, e desde logo lhes .dissemos que estávamos plenamente disponíveis.
Agora, o que acho curioso é que o Sr. Deputado Fernando de Sousa se tenha baseado precisamente nas questões que têm que ser aprimoradas para vir contestar o nosso projecto de lei.

O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Eu não contestei!

O Orador: - Nós também já sabemos que há aqui desenvolvimentos, Sr. Deputado Fernando de Sousa!
Portanto, apenas para concluir, quero dizer que...

Protestos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados do Partido Socialista, peço-vos que deixem o orador concluir a intervenção.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Linguagem triste, essa!

O Orador: - O Sr. Deputado Fernando de Sousa começou por dizer que tínhamos apresentado esta iniciativa legislativa com ligeireza, portanto a linguagem é vossa. A linguagem é vossa!

Aplausos do PCP.

Protestos do PS.

Como eu dizia, estamos disponíveis para, aquando da discussão na especialidade, a ser aprovada a iniciativa. legislativa do PCP, ouvir todas as entidades, todas as partes, nomeadamente os intervenientes nesta matéria, por forma a encontrar-se a melhor solução legislativa, a mais correcta, para resolver este problema, a fim de este processo não se prolongar ad aeternum, à espera não se sabe bem de que contributos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: De facto, há que reconhecer que o PCP, com a apresentação deste projecto de lei, teve um comportamento atípico, porque este diploma tem oportunidade, tem substância e é um projecto de lei com que concordo.
É um projecto de lei que, na minha opinião, nos transporta e desperta a atenção para uma deficiência grave, tão ou mais grave que a deficiência auditiva, e refiro-me à deficiente resposta dada pela sociedade às múltiplas deficiências que afectam milhares de portugueses.
Temos de assumir que as deficiências, sendo absolutas para quem é vítima delas, deverão ser sempre relativas para a sociedade que tem obrigação. de responder. É este conceito de relatividade que deve animar a procura constante de novas respostas, novas fórmulas de integração, novos processos de combate às cruéis desigualdades. É esta a quota de responsabilidade que nos cabe assumir, obrigação que não podemos escamotear, esquecer e que não poderemos nunca por nunca esconder.
No caso em apreço, em relação aos deficientes auditivos, são múltiplos os obstáculos que todos os dias limitam a sua integração. Permito-me realçar - penso que é fundamental fazê-lo - os noticiários televisivos que não têm tradução em linguagem gestual. Se há dúvida para alguns quanto à obrigação que deve vincular os operadores privados, penso que ninguém compreenderá que um serviço público de televisão financiado pelo Orçamento do Estado, ou seja, por todos os contribuintes, incluindo os deficientes auditivos, não ofereça um serviço que é da mais elementar justiça. Mas, mesmo em relação às televisões privadas, parece-me estranho que se apresentem tantas e tantas vezes como arautos da justiça e promotores da solidariedade e esqueçam este tão simples, mas tão necessário, serviço.
Sobre esta matéria, é bom lembrar que a Lei n.º 21/92, de 14 de Agosto, já prevê, entre as obrigações da concessionária de serviço público, a obrigação de produzir e emitir programas educativos ou formativos especialmente dirigidos a crianças, jovens, minorias e deficientes auditivos. Infelizmente, e à semelhança de tantos outros diplomas que versam sobre esta matéria, a lei não passou de letra-morta, transformando boas intenções em graves omissões. Quanto ao sistema de ensino, não se justifica que os deficientes auditivos sejam empurrados para um «ensino especial», um ensino que os afasta da sociedade onde querem viver, onde têm direito a viver e a encontrar uma integração plena e absoluta. Bem sei que é intenção do Governo promover a integração. deste ensino, mas é estranho, é pelo menos estranho, que das intenções haja uma grande contradição com as atitudes.
É estranho que no ensino público haja apenas um curso para tradutores intérpretes de língua gestual e que teve início no presente ano lectivo. É estranho que na formação pedagógica de professores não haja uma única disciplina, nem sequer por opção, sobre linguagem gestual. É estranho, injusto e cruel que os deficientes paguem IVA sobre as próteses necessárias à superação das suas defi-

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ciências. Trata-se, afinal, de um imposto sobre a deficiência.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Popular entende que a actividade política não é um mero exercício de retórica, por isso aproveita a oportunidade deste debate para avançar com um projecto de resolução que recomenda ao serviço público de televisão a introdução da linguagem gestual na cobertura noticiosa dos principais acontecimentos nacionais e estrangeiros.
Esperamos, nesta Câmara, obter uma forte adesão que se traduza num inequívoco sinal político para a radiotelevisão portuguesa.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada, Filomena Bordalo.

A Sr.ª Filomena Bordalo (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Para os cidadãos surdos, a linguagem gestual é a forma de comunicação mais natural à sua situação de deficiência e, portanto, instrumento indispensável e facilitador para a sua autonomia e integração social e política.
É conhecido o papel que a estimulação, proporcionada por um ambiente adequado, desempenha no desenvolvimento das estruturas mentais da pessoa. Não sendo essa estimulação possível pela via oral/auditiva, a não exploração de uma outra via alternativa iria conduzir a uma atrofia, quantas das vezes irreversível. O uso, desde a mais tenra idade, da linguagem gestual pelas crianças surdas possibilita o seu desenvolvimento tão normal quanto possível. De facto, as estruturas mentais reagem de um modo equivalente, quer a estimulação seja de natureza audio/oral, quer seja de natureza gestual.
Com o projecto de lei em apreço pretende-se definir as condições de acesso e o exercício da actividade de intérprete de língua gestual. A língua gestual está, desde a última revisão, consagrada na Constituição, como, aliás, já aqui foi referido. Impõe-se, assim, que profissionais qualificados assegurem a comunicação recíproca entre os surdos e a comunidade ouvinte. Estes profissionais são os intérpretes de língua gestual.
Se é importante regular o acesso e o exercício da actividade dos intérpretes de língua gestual enquanto agentes facilitadores da integração dos surdos, não deixa também de ser importante reflectirmos aqui sobre outros requisitos para a efectiva reabilitação, e integração. Sim, porque, se a não integração das pessoas com deficiência é penosa e desumana para estas, ela não é menos para a sociedade em geral, que fica privada de uma parte de si.
Aliás, só com a integração é que o todo se torna inteiro.
Enquanto os equipamentos educativos não forem dotados de acessibilidade total, envolvendo a anulação das barreiras sócio-psicológicas, não há integração. Enquanto não houver a disponibilização de, recursos e meios adequados às necessidades educativas não há integração. Não há integração enquanto não forem introduzidos nos curricula académicos informações sobre a temática da deficiência, preparando os diversos agentes educativos para o exercício de uma pedagogia inclusiva. Enquanto não for garantido por direito, embora sujeito a condições de recurso, a concessão atempada de ajudas técnicas e equipamentos especiais de adaptação não há integração. Não há integração enquanto não for mais desenvolvida a rede de serviços e recursos para a reabilitação das pessoas com deficiência e para apoio das suas famílias e enquanto não forem promovidas soluções alternativas para as pessoas com deficiência, garantindo-lhes uma existência com dignidade, para além do tempo de vida dos seus progenitores. Não há integração enquanto os organismos e entidades competentes não se empenharem na identificação dos obstáculos sócio-psicológicos que afectam a vida das pessoas com deficiência e suas famílias e enquanto não procederem à eliminação daqueles obstáculos.
Não posso deixar de aqui reconhecer o esforço que está a ser feito para, dotar o edifício da Assembleia da República de algumas das condições indispensáveis para que os cidadãos com qualquer tipo de deficiência a ele tenham acesso em condições dignas e de igualdade. Só nos falta ter constantemente um intérprete de língua gestual.
Se é difícil derrubar barreiras físicas e criar acessibilidades, mais difícil de derrubar são, as barreiras sócio-psicológicas e culturais, as barreiras impostas pelos preconceitos. É contra estas barreiras que todas as nossas energias terão de ser mobilizadas. Não podemos ficar atávicos pelo peso do muito que ainda há a fazer, nem deixar que isso se transforme numa barreira intransponível. Olhar para o caminho já percorrido dá-nos o entusiasmo para continuar o percurso.
Sr. Presidente, Sr.ª, e Srs. Deputados: Diversas iniciativas legislativas, oriundas dos diferentes grupos parlamentares, têm colocado a deficiência no centro das nossas atenções, das nossas preocupações e discussões, estando algumas delas a ser debatidas na especialidade. Porque nem sempre o momento é oportuno, permiti-me hoje, a propósito desta matéria, falar sobre a integração.
Por vezes, o mais urgente não é legislar, mas que as leis existentes sejam regulamentadas, cumpridas e avaliadas e que as medidas políticas contemplem o global sem excluir o particular e tenham uma execução abrangente e articulada. A sociedade em geral e, de um modo particular, as pessoas com deficiência e suas famílias querem que a prevenção, a reabilitação e a integração respondam efectivamente às suas necessidades, reflectindo uma acção coordenada e articulada entre as entidades com responsabilidades naquelas áreas. O que as pessoas com deficiência e suas famílias querem é sentir na prática a coordenação das medidas políticas e a resolução dos seus problemas.
A utilização da língua gestual e a formação dos seus intérpretes está exactamente na encruzilhada da actuação de várias entidades, está dependente dó exercício de várias competências e responsabilidades. Aliás, a credibilização e a divulgação da língua gestual exige um esforço redobrado, no sentido de dotar a comunidade ouvinte e a comunidade surda dos instrumentos facilitadores, como sejam gramáticas, prontuários e dicionários de gestos. Esforços que vêm já a ser feitos de longa data, e recordo o estudo realizado em 1980 pelo Laboratório de Fonética da Faculdade de Letras de Lisboa, intitulado Mãos que falam, e em 1991 o Gestuário. de Língua Gestual Portuguesa, editado pela Direcção-Geral do Ensino Básico e Secundário e pelo Secretariado Nacional de Reabilitação.
O Grupo Parlamentar do PSD votará favoravelmente, na generalidade, o projecto de lei em análise,...

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O Sr. António Filipe (PCP):- Muito, bem!

A Oradora: - ... devido ao seu contributo para a regulação do exercício da actividade de intérprete de língua gestual, reflectindo, aliás, a importância e o valor atribuído à língua gestual como factor de integração e de formação. Reservamo-nos, .ho entanto, para, em sede de especialidade; apresentar as propostas adequadas que melhor correspondam ao interesse e às necessidades- dos surdos, propostas que, no nosso entender, melhor interpretem a especificidade do acesso e do exercício da actividade dos intérpretes de língua gestual.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A sociedade tem de criar espaço e condições para quem; não podendo ouvir e nem por vezes falar, fale com as mãos e ouça com os gestos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra ,o Sr. Deputado Antão Ramos.

O Sr, Antão Ramos. (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com o diploma ora proposto à apreciação do Plenário, visa-se a regulamentação do estatuto do intérprete de linguagem, gestual e, pesem embora alguns pontos que. me parecem carecidos de ulterior afinação, afigura-se-me ser meritória a preocupação que lhe está subjacente. Trata-se de matéria que se insere nos domínios da mediação na comunicação, revestindo-se, porém, de peculiaridades muito sensíveis que reclamam a maior atenção e o maior. cuidado no seu tratamento. São conhecidos os obstáculos à plena integração comunitária dos portadores de deficiência e, naturalmente, a tais dificuldades não se furtam as pessoas surdas.
A surdez é um fenómeno complexo, constituindo a sua consequência mais evidente não tanto a incapacidade para ouvir, mas a relativa inacessibilidade à linguagem falada: Em ordem à sua superação, torna-se necessário incrementar a divulgação da língua gestual, assegurar a formação de profissionais aptos no domínio dessas línguas, credenciar o exercício das respectivas funções e regular ó exercício da profissão de intérprete de línguas gestuais. O gesto acompanha qualquer forma de comunicação oral, desde o princípio da sua aprendizagem e ao longo da sua prática, e constitui, para as pessoas surdas, o modo natural de comunicar. É através do gesto que a criança surda começa a comunicar com os pais, assim tornados já intérpretes empíricos de uma linguagem gestual insipiente, por rudimentar. Mas, possível que se tornou a criação, desenvolvimento e aprofundamento do estudo de línguas gestuais, comos seus léxicos, gramáticas e versatilidades próprias, impõe-se o reconhecimento e a dignificação da língua gestual portuguesa como principal forma de comunicação ao alcance das pessoas surdas.

O Sr. Lino de Carvalho(PCP): - Muito bem!

O Orador: - As línguas gestuais são constituídas por combinações de sinais, combinações organizadas em sequências que se regem por regras gramaticais específicas e distintas das usuais nas línguas faladas. São, por isso, línguas gestuais-visuais em que a aprendizagem da comunicação se encontra conformada por uma específica didáctica da leitura desse grafismo peculiar, expressivo e simpático. As línguas gestuais variam consideravelmente de umas para outras e, como sucede com ás línguas faladas, conhecem a versatilidade dos dialectos e das pronúncias. E naturalmente que o domínio dá língua gestual portuguesa e da sua correcta utilização reclama profissionais qualificados para assegurar a comunicação entre surdos e ouvintes. Esses profissionais são os intérpretes de línguas gestuais.
Inscrita na classificação nacional das profissões, a actividade de intérprete de língua gestual vem assim definida nas suas componentes técnica e deontológica: «O intérprete de língua gestual efectua a interpretação de intervenções verbais para língua gestual e desta para a verbal, servindo de mediador na comunicação entre os deficientes auditivos e os ouvintes, assegurando a interpretação consecutiva e simultânea de intervenções verbais e gestuais, respeitando a interdependência de julgamento e as decisões do deficiente auditivo, a fim de o apoiar em diversas situações, tais como consultas inéditas, seminários, negócios, aulas, audiências em tribunais, reuniões, conferências, etc.».
Os intérpretes de línguas gestuais prestam inestimáveis serviços à população surda, ,permitindo-lhe ter acesso a uma variedade de informação na sua. língua gestual materna e funcionar como elo de comunicação entre população surda e os ouvintes.
Na esteira do que é, frequentemente afirmado, penso que o reconhecimento das línguas gestuais, e também, a sua divulgação, prestará um contributo inestimável para que as pessoas surdas possam desfrutar, por fim, de um estatuto sociológico diferente dó que usualmente se lhes encontra associado. Efectivamente, uma vez assegurada a comunicação pela via gestual, forma última é suprema da expressão das pessoas surdas, estas, mais do que incluídas no grupo dos portadores de deficiência, como tendem, ainda a ser vistas, passariam antes a ser tomadas como integrantes de grupos minoritários com a sua própria língua e cultura. Semelhante consideração, que nada possui de despicienda, constitui mais um forte argumento a favor do reconhecimento, e divulgação das línguas gestuais.
Ora, em Portugal, não se encontra, ainda regulamentada a actividade de intérprete de língua gestual, isto a despeito de estar constituído já um grupo de, estudos interministerial sobre a certificação de formadores e intérpretes de língua gestual e de funcionar, no âmbito do Secretariado Nacional para a Reabilitação: e Integração de Pessoas com Deficiência, uma Comissão para o Reconhecimento e Protecção da Língua Gestual Portuguesa, tendo sido já publicado um Gestuário de Língua Portuguesa. É que, entre nós, como, aliás, noutros países, toda esta problemática é ainda relativamente recente.
Assim, por exemplo, se é certo que, nos Estados Unidos da América, se encontra generalizada a linguagem gestual e onde todos, dos polícias aos carteiros e aos taxistas, são iniciados no seu ,uso, e se, na Suécia, ela é leccionada como terceira língua, ao lado do sueco e do inglês, já na Bélgica tal língua não se encontra ainda reconhecida.
Em Espanha, por seu turno, data de 1993 a iniciativa legislativa que estabeleceu a categoriade Técnico-Superior de Interpretação da Língua Gestual e definiu as bases mínimas a que deve corresponder a respectiva formação.

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Do mesmo modo, em França, a língua gestual só foi reconhecida em Janeiro de 1991, o que trouxe grandes ganhos ao ensino da língua gestual e à sua profusa divulgação, mas só em Outubro de 1992 logrou a respectiva regulamentação.
Por seu turno, prescrevendo acerca das «normas sobre a igualdade de oportunidades para pessoas com deficiência», a Resolução das Nações Unidas de Março de 1996 aponta para a necessidade de se prever a utilização da língua gestual ria educação dos surdos e de se garantir a presença de intérpretes como mediadores na comunicação.
Daí que se intente com o presente projecto de lei dar um primeiro passo para a regulamentação desta actividade, de forma a conferir-lhe, referem os seus autores, «a segurança e a dignidade necessárias para o correcto exercício da profissão». Por outro lado, a actividade do intérprete de língua gestual deve ser enquadrada por um adequado conjunto de regras deontológicas objectivas. É que a mediação comunicativa em que se insere a actividade destes intérpretes tende a desenvolver-se de forma instantânea, ou seja, o intérprete de linguagem gestual depara-se, de um modo geral, com a situação de ter de proceder à tradução simultânea de uma mensagem codificada a partir da troca de sinais gestuais e/ou transmitir gestualmente um dado conteúdo ideográfico percebido a
partir da língua falada.
Assim sucedendo, deve o intérprete dominar a expressão gestual e a própria sintaxe da língua gestual, de forma a poder desempenhar as tarefas com credibilidade e aceitação, o que não será possível sem um treino permanente e intenso. Ora, isto pressupõe toda a confiança no desempenho do intérprete e a mais completa garantia de imparcialidade e fidelidade na apreensão e transmissão das mensagens.
Daí que se reclame do intérprete de linguagem gestual uma formação adequada, envolvendo um treino persistente e um exigente regime de prova que garanta com
credibilidade uma capacitação, técnica sem dúvida, mas igualmente deontológica, em tão sensível domínio da arte de comunicar.
Ora, o presente projecto de lei, na medida em que enuncia os princípios gerais por que se deve reger a formação dos intérpretes de linguagem gestual e a disciplina da sua actividade, tende a constituir uma resposta satisfatória para tais preocupações. A despeito de assim ser, a verdade é que se impõe formular algumas pequenas notas de divergência que, de resto, bem poderão ser objecto de
afinação posterior, designadamente em sede de apreciação do diploma na especialidade. É o que sucede, por exemplo, com o curso de dois anos referido no projecto. Por um lado, quer entre nós, quer no estrangeiro, é de três anos a duração normal em cursos deste tipo, certo sendo que é de três anos o bacharelato em tradução e interpretação de língua gestual portuguesa, curso esse já em funcionamento no Instituto Politécnico de Setúbal, através da sua Escola Superior de Educação. Por outro lado, é também de três anos a duração dos cursos de formação profissional aprovados pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional. Finalmente, haverá que reavaliar o próprio currículo de tais cursos e ele aproximar os critérios de certificação das condições gerais de emissão de certifica dos de formação é de aptidão, ou seja, do processo de certificação profissional fundamentalmente disciplinado pelo Decreto Regulamentar n.º 68/94, de 26 de Novembro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Afigura-se meritória a iniciativa legislativa em apreciação. Mas é preciso que, a par das atenções voltadas para a actividade dos intérpretes de linguagem gestual, se proceda rapidamente ao reconhecimento da língua gestual portuguesa, se promova a sua difusão pela população e se credenciem muitos intérpretes e monitores de formação.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr.ªs Deputadas e Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que está encerrado o debate, na generalidade, do projecto de lei n.º 380/VII. A votação realiza-se em data a marcar, nos termos regimentais.
A agenda de amanhã inclui um período de antes da ordem do dia, com eventuais declarações políticas e tratamento de assuntos de interesse político relevante, e o período da ordem do dia, com a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 133/VII - Altera o artigo 1817.º do Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de Novembro de 1966, na redacção do Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro, e a discussão conjunta, também na generalidade, dos projectos de lei n.ºs 422/VII - Sobre iniciativa legislativa popular (PCP), 455/VII Regula a iniciativa da lei por grupos de cidadãos eleitores (PSD) e 456/VII - Regula e garante o exercício do direito de iniciativa legislativa popular (PS).

Srs. Deputados, está encerrada sessão.

Eram 19 horas e 40 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.

Partido Social Democrata (PSD):

António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugênio Castro de Azevedo Soares.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
José Guilherme Reis Leite.
Luís Carlos David Nobre.
Manuel Acácio Martins Roque.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.

Partido Comunista Português (PCP):

Maria Odete dos Santos.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António Bento da Silva Galamba.
Jorge Lacão Costa. Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.

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Partido Social Democrata (PSD):

Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
António dos Santos Aguiar Gouveia.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
José Mendes Bota.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.

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