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Sexta-feira, 13 de Fevereiro de 1998 I Série - Número 40
DIÁRIO
da Assembleia da República
VII LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1997-1998)
REUNIÃO PLENARIA DE 12 DE FEVEREIRO DE 1998
Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos
Secretários: Exmos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.
Antes de ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação do projecto de resolução n.º 79/VII, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
A Sr.ª Deputada Manuela Aguiar (PSD) deu conta da temática de algumas intervenções feitas na última sessão da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, designadamente acerca do problema dos refugiados, tendo enaltecido a acção da delegação portuguesa, ao que se associou o Sr. Deputado Carlos Luís (PS).
Ordem do dia. - Procedeu-se ao debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 133/VII - Altera o artigo 1817.º do Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de Novembro de 1966, na redacção do Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro, que foi aprovada, tendo baixado 1.ª Comissão. Intervieram, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Matos Fernandes), os Srs. Deputados Luís Queiró (CDS-PP), Odete Santos (PCP), Luís Nobre (PSD) e José Magalhães (PS).
Os projectos de lei n.º 422/VII - Sobre iniciativa legislativa popular (PCP), 455/VII - Regula a iniciativa da lei por grupos de cidadãos eleitores (PSD) e 456/VII - Regula e garante o exercício do direito de iniciativa legislativa popular (PS) foram apreciados em conjunto, na generalidade, e aprovados, tendo baixado à 1.ª Comissão. Usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados António Filipe (PCP), Moreira da Silva (PSD), Strecht Ribeiro (PS), Francisco Peixoto (CDS-PP) e Isabel Castro (Os Verdes).
Foi aprovado na generalidade, o projecto de lei n.º 269/VII - Altera os montantes das coimas e multas resultantes de infracções a normas sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, trabalho de menores discriminação em função do sexo, duração do trabalho, trabalho suplementar, pausas e intervalos de descanso, pagamento de retribuições e salário mínimo nacional (PCP), tendo baixado à 8.ª Comissão.
Na generalidade, foi rejeitado o projecto de lei n.º 220/VII - Altera as regras gerais sobre notificações previstas no artigo 113.º do Código de Processo Penal (PSD) e aprovado o projecto de lei n.º 225/VII - Notificações judiciais (PSD), tendo baixado à 1.ª Comissão.
O projecto de lei n.º 380/VII - Define as condições de acesso e exercício da actividade de intérprete de língua gestual (PCP) foi aprovado, tendo baixado à 6.ª Comissão.
Por fim, a Câmara aprovado um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais. Direitos, Liberdades e Garantias autorizando um Deputado do PS a depor em tribunal.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 17 horas e 15 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 25 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Gavino Paixão.
António José Guimarães Fernandes Dias.
António Manuel Carmo Saleiro.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Pedro da Silva Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueira.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
José Tomás Vasques.
Jovita de Fátima Romano Ladeira.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Júlio Meirinhos Santanas.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Góes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheiro Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Partido Social Democrata (PSD):
Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Américo de Sequeira.
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António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Taveira da Silva.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Ãht4nio Roleira Marinho.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Eugénio Pereira de. Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Domingos Dias Gomes.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Jorge Manuel Lopes Moreira da Silva.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Manuel Costa Pereira.
José Mendes Bota.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria de Lourdes Lara Teixeira.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando. da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Sérgio André da Costa Vieira.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
Armelim Santos Amaral.
Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Francisco Amadeu Gonçalves Peixoto.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Joaquim Manuel da Fonseca Matias.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta do expediente que deu entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, e foi admitido, o projecto de resolução n.º 79/VII - Controlo antidoping (PSD).
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Foram apresentados na Mesa os seguintes requerimentos:
Na reunião plenária de 4 de Fevereiro de 1998: ao Ministério do Ambiente, formulado pelo Sr. Deputado Arnaldo Homem Rebelo; ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulados pelos Srs. Deputados Castro de Almeida e Fernando Pedro Moutinho; ao Ministério da Educação e à Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, formulados pela Sr.ª Deputada Manuela Aguiar;
Na reunião plenária de 5 de Fevereiro de 1998: ao Ministério da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Arnaldo Homem Rebelo; a diversos Ministérios e Secretarias de Estado, formulados pela Sr.ª Deputada Manuela Aguiar;
Na reunião plenária de 6 de Fevereiro de 1998: aos Ministérios do Ambiente e do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulados pela Sr.ª Deputada Jovita Matias; ao Governo, pelo Sr. Deputado Mota Amaral; ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulados pelo Sr. Deputado Castro de Almeida; aos Ministérios da Administração interna è da Saúde e à Câmara Municipal do Porto, formulados pelo Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan.
O Governo respondeu aos requerimentos, apresentados pelos seguintes Srs. Deputados, nos dias 6 e 10 de Fevereiro de 1998 Miguel Ginestal, no dia 19 de Novembro; Arnaldo Homem Rebelo, na sessão de 10 de Abril; José Calçada, na sessão de 9 de Julho; Paulo Mendo, na sessão de 26 de Setembro; Lemos Damião, na sessão de 7 de Outubro; Rodeia Machado, na sessão de 24 de Outubro; Jorge Roque Cunha, na sessão, de 13 de Novembro; António Filipe, na sessão de 27 de Novembro; Barbosa de Oliveira, na sessão de 17 de Dezembro; Lino de Carvalho, na sessão de 19 de Dezembro; é Hermínio Loureiro, na sessão de 23 de Janeiro.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há inscrições para declarações políticas, mas inscreveu-se a Sr.ª Deputada Manuela Aguiar para tratamento de assuntos de interesse político relevante, a quem dou a palavra.
A Sr.ª Manuela Aguiar (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs. e Srs. Deputados: Todos os anos, ritualmente, se fala uma vez em Plenário sobre as delegações internacionais da Assembleia da República. É pouco! Mais parece que a perfunctória satisfação desse dever é uma desculpa para se manter a separação dos mundos em que vivem os Deputados que integram estas delegações e todos os outros.
O eco das intervenções que se ouvem no Palácio da Europa não chega a S. Bento - nem ao Plenário, nem ás comissões especializadas. Aliás, a avaliar por uma declaração recente de Miguel Angel Martinez, este problema não será especificamente português, pois também ele se lamentava desta ostensiva ruptura das rotinas parlamentares em que os Deputados dividem os seus discursos nacionais e internacionais.
Como superar o status quo? Não será difícil, desde que, nas- sessões plenárias e nas diversas comissões especializadas, nos abram um espaço para o debate das ideias e opiniões que, de uma forma muito idealmente livre e individual, nos é facilitada a cada um e a todos os membros da delegação portuguesa em instituições como a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa e á Assembleia da União da Europa Ocidental.
Desta feita, é-me dada a oportunidade de deixar aqui o registo de algumas das intervenções feitas :em Estrasburgo durante a última sessão plenária e de partilhar convosco as preocupações que elas expressam.
Coube-me, em representação da Comissão das Migrações, Refugiados e Demografia, fazer a análise crítica dos documentos finais da 2.ª Cimeira de Chefes de Estado e de Governo do Conselho da Europa é chamará atenção para as questões respeitantes aos refugiados e, aos migrantes, tal como elas aí foram tratadas. Antes do mais, os migrantes. Notámos com satisfação o parágrafo em que se apela à intensificação do combate contra o racismo, a xenofobia, o anti-semitismo e a intolerância e aquele outro em que se afirma, com determinação, a vontade de proteger os direitos dos trabalhadores migrantes em situação regular, facilitando á sua integração nas sociedades do país onde vivem.
São princípios que a Comissão das Migrações, Refugiados e Demografia sempre defendeu e o que mais desejamos é a sua execução rápida e incondicional.
Há outras disposições dos textos da Cimeira, que igualmente respeitam ao domínio das migrações, ainda que de forma indirecta. Na verdade, a Declaração final apela à construção de uma sociedade mais livre e tolerante, fundada na igual dignidade de todos os seres humanos - logo de todas as pessoas que se encontrem no território de um dos Estados membros -,sem mais considerações sobre a sua nacionalidade ou estatuto jurídico.
São também aí referidos expressamente os direitos dos migrantes em situação legal, mas nem por isso podemos esquecer os migrantes desprovidos desse estatuto, os que se usa chamar «clandestinos» ou -«ilegais»; antes devemos lembrar que gozam dos direitos fundamentais garantidos pela Convenção Europeia dos Direitos Humanos e devem, por isso, ser tratados com, o respeito devido a todo o ser humano.
A Declaração final sublinha ainda a contribuição do Conselho da Europa para a estabilidade e a segurança no nosso continente. A este propósito, lembremos que o controle dos fluxos migratórios é um dos aspectos essenciais, à segurança democrática da Europa actual. Consequentemente, uma cooperação mais estreita entre os Estados membros neste domínio é indispensável e o Conselho da Europa oferece o quadro adequado a uma concertação sobre problemas migratórios, com respeito integral pelos direitos da pessoa humana.
Devemos, igualmente, felicitarmo-nos pela preocupação manifestada de proteger as vítimas de conflitos e de respeitar o direito internacional humanitário.
Durante a última década, a Europa conheceu o ressurgir de conflitos sangrentos, que julgávamos uma parte da história definitivamente morta; pelo que, infelizmente, a inserção deste parágrafo na Declaração final se torna imperiosa.
O que mais dúvidas suscitou à Comissão de Migrações; Refugiados e Demografia foi o parágrafo respeitante aos refugiados e candidatos ao estatuto de asilo, o qual, evocando a solidariedade internacional; vê a solidariedade, antes do, mais, na obrigação dos Estados de readmitir no seu território os candidatos ao estatuto de refugiado e de
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asilo, sem que qualquer alusão seja feita à necessidade de lhes garantir a eles, em prioridade, a protecção que merecem.
Em boa verdade, o teor deste parágrafo deixou-nos perplexos. Os refugiados, por definição, abandonam o Estado de origem, porque este se mostra incapaz de garantir a sua segurança. Mas, então, como é que se pode querer pedir a readmissão dos refugiados no território do Estado de onde fugiram, por medo de perseguição? O aditamento da frase «em conformidade com o direito internacional», a finalizar o parágrafo em causa, a nosso ver, em nada esclarece as dúvidas levantadas pelo seu conteúdo, nos termos expostos.
Já nos merece uma nota positiva a iniciativa dos Chefes de Estado e de Governo de porem em evidência a necessidade de reforçar as actividades do Fundo de Desenvolvimento Social do Conselho da Europa, cujo objectivo primeiro é a ajuda aos refugiados e migrantes, assim como às vítimas de catástrofes naturais. O «Plano de Acção» convidou ó «Fundo» a contribuir para a coesão social dos Estados membros e a dar prioridade ao esforço de investimento no domínio social e da criação de empregos.
Com efeito, cada vez mais nos deparamos com situações nas quais a assistência material é um complemento necessário ao apoio jurídico e técnico que fornecemos. Há que intensificar a acção do «Fundo» nos domínios para os quais foi, em primeira linha; criado, ou seja, a ajuda aos países confrontados com problemas causados pela presença de refugiados, de desalojados e migrantes, qualquer que seja o seu estatuto, e, bem assim, às regiões atingidas por catástrofes naturais e ecológicas. Desgraçadamente, o que não falta na Europa de hoje é um sem número de pessoas que se pode integrar em qualquer dessas duas categorias.
A Bósnia-Herzegovina é, infelizmente, um exemplo, entre outros, mas foi, nesta sessão do Conselho da Europa, aquele sobre o qual mais detalhadamente nos debruçámos, através de um relatório da Comissão das Migrações, Refugiados e Demografia.
São os refugiados que nos dão a face trágica da Bósnia, de uma sociedade minada pelos ódios, numa terra minada pelas bombas, de um povo suspenso do abismo, nesse estado de indefinição em que não há nem guerra nem paz.
Os Acordos de Dayton, de Novembro de 1995, pretendem fundar a paz verdadeira na reconstrução de um país multiétnico, onde mais de dois milhões de refugiados e desalojados possam regressar a casa livremente.
Desde então e até agora, pouco mais de 380 000 puderam reocupar os lares abandonados e cerca de 350 000 estão integrados, com carácter permanente, nos países de acolhimento.
Assim, mais de 860 000 continuam desalojados no interior da Bósnia-Herzegovina e mais quase 700 000 refugiados permanecem na absoluta incerteza sobre o seu futuro imediato. Mas, de todos estes números que ensombram o balanço provisório de Dayton, o mais preocupante é o que revela a insignificância dos retornos dos grupos minoritários - apenas 35 000 pessoas -, apesar da protecção oferecida pelas forças de paz internacionais, das quais, na maioria dos casos, inteiramente depende a sua segurança.
Este quadro confrangedor passou a ser, para mim, uma realidade tangível, com o rosto de pessoas concretas, desde que percorri, em missão do Conselho da Europa, a zona de separação entre a República Srpska e a Federação e pude, ainda que só por uma semana, partilhar a crença de uns e o desalento de outros. Depois, regressei à admirável normalidade democrática do meu país, mas nunca esquecerei o que ali vi.
Apenas três comentários:
O primeiro é o de que se impõe o escrupuloso respeito da vontade real das pessoas, a possibilidade de livre circulação e de fixação de morada, em qualquer ponto do território do país, a de escolha do velho ou de um novo local de residência, em função de considerações subjectivas, direito que é particularmente importante para os membros de uma minoria étnica e que deve ser garantido juridicamente por sistemas de indemnização ou permuta.
O segundo é o de que as forças de paz internacionais são, e continuarão a ser, por tempo ainda indeterminado, imprescindíveis à garantia dos direitos humanos, nomeadamente o direito de retorno dos refugiados dos grupos minoritários a uma determinada localidade, com reatamento dos laços de boa vizinhança e convivialidade. Tuzla e outras «cidades abertas» são, para já, apenas um paradigma inspirador, a excepção que confirma a regra.
O terceiro comentário é o de que, quer no aspecto da ajuda material, nomeadamente a projectos de construção de habitações que permitam a efectiva devolução das casas aos refugiados, casas hoje ocupadas ou destruídas, quer no campo diplomático e militar, se impõe a mais estrita neutralidade para com todas as partes co-envolvidas no processo, o fim de uma atitude maniqueísta, em prejuízo dos Fins da coesão económica e social e da pacificação política do país, globalmente considerado.
Queria, a este propósito, repetir, em S. Bento, palavras ditas em Estrasburgo, palavras de apoio e elogio à atitude dos militares portugueses e da nossa diplomacia, que têm sabido constituir um grande exemplo de isenção política, a merecer a simpatia e o respeito das populações dos vários grupos étnicos e dos diferentes quadrantes políticos.
Esperemos que, tal como o Batalhão português de Rogatica, que tive a honra de visitar, e que se encontra numa das áreas mais sensíveis da linha fronteiriça, os outros evitem o alarde desnecessário da força bélica e se conduzam como aliados firmes mas discretos de todos os povos da Bósnia-Herzegovina. A paz, a paz interior, passa e passa só pelas relações humanas e os políticos, os diplomatas, os militares devem, acima de tudo, estimular o seu desenvolvimento.
Sr. Presidente, Caros Colegas: Na década de 1990, a questão dos refugiados e das migrações encontra-se, assim, de novo, no centro das atenções dos Estados europeus.
O conflito na ex-Jugoslávia, os movimentos de racismo surgidos no espaço da ex-União Soviética e á multidão de candidatos a asilo vindos de outros continentes fizeram ressaltar, a nossos olhos, tanto a dimensão política como a social deste problema. Cada cidadão, cada Estado, todos nós, no quadro do Conselho da Europa, face a esta evolução, conscientes de que migrantes, candidatos a asilo e refugiados se encontram numa posição especialmente fragilizada, devemos reagir e agir, para que seja
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encontrada e afirmada uma resposta verdadeiramente europeia.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Luís.
O Sr. Carlos Luís (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Manuela Aguiar, ouvi com muita atenção a sua intervenção e ainda bem que V. Ex.ª subiu àquela tribuna para revelar à Câmara algum do trabalho que tem sido feito na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa e, nomeadamente, na Comissão das Migrações, Refugiados e Demografia.
Mas eu diria que toda a delegação parlamentar no Conselho da Europa tem dado um contributo significativo aos trabalhos daquele Parlamento, que hoje, mais do que nunca, está na ordem do dia.
V. Ex.ª fez uma abordagem sobre o problema dos refugiados. Eu próprio, como sabe, fui relator do Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados e desloquei-me à Europa Central e Oriental e pude constatar in loco a realidade dramática que milhares ou milhões de cidadãos vivem, aos quais a delegação portuguesa nunca recusou o apoio ou o auxílio e sempre com uma solidariedade muito forte no âmbito do Conselho da Europa e a nível governamental.
Penso que este Parlamento devia seguir mais de perto os trabalhos dos organismos internacionais, nomeadamente dessa grande tribuna, desse grande fórum que é a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa.
Por isso, não queria propriamente fazer-lhe uma pergunta, porque sou testemunha do trabalho que os Deputados têm vindo a desenvolver na Assembleia. Parlamentar do Conselho da Europa, nomeadamente V. Ex.ª, que é Presidente da Comissão das Migrações, Refugiados e Demografia, mas, sim, uma saudação, juntando a minha voz à sua para chamar a atenção para essa situação dramática que milhões e milhões de pessoas vivem a nível mundial, para o problema dos refugiados.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Apesar de não ter havido qualquer pedido de esclarecimento, se a Sr.ª Deputada quiser usar da palavra, faça favor.
A Sr.ª Manuela Aguiar (PSD): - Sr. Presidente, quero também juntar a minha voz. à do Sr. Deputado Carlos Luís para formular um voto de que esta Assembleia venha a acompanhar-nos mais nas posições que tomamos no Conselho da Europa, de uma forma, acho eu, idealmente consonante e fraterna.
Eu própria tive oportunidade, nesta última reunião, de substituir o Sr. Deputado Carlos Luís e de apresentar, em Estrasburgo o excelente relatório que ele fez sobre essa instituição humanitária tão importante, que é o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, porque, infelizmente, ele não pode estar presente por razões de saúde. Todos lamentámos a sua falta e elogiámos o seu trabalho. Foi mais um relatório dos muitos que os portugueses têm feito nessa instituição, que teve o aplauso de toda a Câmara.
Também por isso, Sr. Deputado, quero aqui, uma vez que não esteve presente, em nome de todos, traduzir a expressão desse elogio e também da preocupação com que acompanham o seu estado de saúde, desejando-lhe, rápidas melhoras.
Sr. Presidente, ao trazer aqui a questão da Bósnia e ao falar muito especialmente da posição da nossa diplomacia e da posição das nossas forças armadas num ponto tão sensível do território, acho que é merecido salientar a forma como têm agido, como têm dignificado Portugal e a importância que Portugal ganhou nesse país pela forma exemplar, como aí defende a paz na Europa.
Basta que lhes diga - e com isto terminarei - que Portugal, no 10 de Junho do ano passado, no seu dia nacional, foi o único país, a nossa embaixada foi a única em que estiveram presentes representantes de todas, as forças políticas da Bósnia-Herzegovina. Penso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que isto diz tudo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.
Eram 15 horas e 45 minutos.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar nó período da ordem do dia, com a discussão da proposta de lei n.º 133/VII - Altera o artigo 1817.º do Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de Novembro de 1966, na redacção do Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro.
Para introduzir o debate, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da justiça (Matos Fernandes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É muito simples, embora relativamente técnica, a proposta de lei que ó Governo vos vem apresentar. Em princípio, poderia parecer uma inutilidade, uma vez que a norma do Código Civil, isto é, o artigo 1817.º, que se pretende modificar, numa certa interpretação que a doutrina maioritariamente perfilha mas que não tem merecido - permitam-me o aparte -, infelizmente, o sufrágio maioritário do Supremo Tribunal de Justiça, já contemplaria a solução que o Governo sugere na sua proposta de lei. Por outras palavras: lido em certos termos, tal como, designadamente, a doutrina a lê e rima franja minoritária da jurisprudência, o n.º 4 do artigo 1817.º do Código Civil poderia ter já o alcance que se pretende atribuir-lhe com estas alterações.
O que sucede é que, numa área de direitos fundamentais que têm a ver com o direito à identidade pessoal, decorridos tantos anos de incerteza e de insegurança, parece que seria altura, ainda que com um ligeiro atentado «urbanístico» ao aspecto austero do Código Civil, de exprimir com mais clareza nesta norma do artigo 1817.º aquilo que verdadeiramente se pensa ser a melhor das soluções. Isto sobretudo num país como o nosso, que alinha entre aqueles que não adoptaram a imprescritibilidade
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do direito à investigação de paternidade ou de maternidade. A questão põe-se, obviamente, em sede de investigação de paternidade, porque são puramente académicas as hipóteses de investigação de maternidade.
De resto, Portugal, como a França, a Suíça, o Luxemburgo e a Bélgica, mas não como a Itália, os Países Escandinavos, a Áustria, a Polónia e recentemente, com algumas restrições, a Espanha, mantém que razões de certeza e segurança do direito não vão no sentido de que seja imprescritível o direito a que alguém investigue a sua paternidade.
Ora, o que se tem passado até aqui é que, numa interpretação que não perfilhamos e que gostaríamos a Câmara não perfilhasse, se tem entendido que o ónus da prova no decurso do prazo - aliás, muito curto - de um ano recai sobre quem investiga, num entorse a princípios gerais que os juristas têm dificuldade em aceitar, uma vez que o decurso do prazo de propositura de uma acção é um prazo de caducidade e deveria, como excepção peremptória, estar sujeito ao ónus da prova por parte de quem deduz a excepção.
Por outro lado, era ainda importante que se estabelecesse e que se fixasse o que deve entender-se por cessação do tratamento como filho. A lei é equívoca nesse domínio e basta citar um mestre de direito, o Prof. Pereira Coelho, de Coimbra, até porque, sendo um mestre eminente, ele exprime o entendimento geral da doutrina. Em princípio, a cessação do tratamento deverá ser interpretada como uma cessação voluntária por uma modificação da atitude psicológica de quem deixa de tratar como filho alguém que começou a tratar como tal.
Isto significa que é muito difícil para o investigante, sobretudo ao longo dos anos, conseguir manter a prova de que continuou a ser tratado como filho por alguém que obviamente não é seu familiar. A própria vida faz com que as pessoas emigrem, os laços de convivência desapareçam... Por outras palavras, é muito mais notório aferir de um tratamento como filho de alguém que é recém-nascido, que está nos primeiros tempos de vida, do que através da vida das pessoas, que, entretanto, se separam e deixam de se encontrar.
Por isso é que, por exemplo, se tem colocado na jurisprudência a questão de se há ou não cessação do tratamento como filho quando o investigado está em coma, em estado de pré-coma, casos típicos da jurisprudência, ou em situação em que a sua saúde mental lhe não permite exprimir, livre e seriamente, a sua vontade.
Por outro lado, no fundo, não se tratando aqui o tratamento como filho de um caso técnico de posse de estado, mas sendo uma situação muito próxima dessa, sempre nos ensinaram que a regra é a de que a posse de estado é irretratável.
Por outro lado ainda, a própria possibilidade de propositura de acção nas circunstâncias que o actual, n.º 4 do artigo 1817.º do Código Civil estabelece tem muito a ver com o argumento de uma certa repugnância moral para que alguém, em vida do investigado, instaure contra, ele uma acção de investigação, até porque é legítima a expectativa de que, mais tarde ou mais cedo, o investigado voluntariamente assuma' a sua paternidade, sabendo nós que é corrente, embora não seja do dia-a-dia, que, pela via testamentária - e o testamento é o veículo adequado a que tal aconteça -, alguém reconheça outrem como seu filho.
Numa palavra, entendemos que se passaram anos de mais de dúvidas e de hesitações e que esta é uma matéria que tem de essencial a dignidade humana e o direito à identidade das pessoas, pelo que não se pretende com isto um facilitismo na área da investigação de paternidade, mas tão-só tornar claro aquilo que, já hoje, repito - e com isto concluo -, em certo entendimento, que nos parece o melhor, já resulta da lei, tendo nós apenas a necessidade de introduzir mais um número no artigo 1817.º do Código Civil para prevermos a hipótese, não negligenciável, do caso de pré-morte do filho, sabendo nós que o cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e os descendentes do filho investigante têm legitimidade, nos termos do artigo 1818.º do Código Civil, para intentar a acção.
Era isto, muito rapidamente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que, para abrir o debate, me cumpria, com muito gosto, transmitir a VV. Ex.as.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.
O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça; fazendo uma referência muito breve a esta iniciativa legislativa do Governo, direi que esta Câmara, sendo política, é hoje aqui chamada a discutir uma questão essencialmente técnica. Portanto, nem me sinto sequer especialmente legitimado a tirar muito tempo à Câmara com esta proposta de lei.
No entanto, Sr. Secretário de Estado e Srs. Deputados, não quero deixar de dizer o seguinte: mexer no Código Civil, que é um diploma estruturante do nosso sistema jurídico civil, era algo que apenas se deveria fazer em momentos, decisivos. Fez-se a propósito do Direito da Família, em 1977, na sequência das evoluções sociais de todos conhecidas; fez-se a propósito do regime do arrendamento urbano - e aí, do meu ponto de vista, timidamente, mas com razão. Agora, alterar um diploma que tem um prazo de vida longo e é, ele próprio, um instrumento de certeza e segurança jurídica, a propósito da matéria em debate parece-me desnecessário e pouco oportuno.
Julgo que esta pequena alteração, para resolver questões jurisprudências e da doutrina, em casos que, apesar de tudo, são cada vez mais raros, não me parece absolutamente indispensável e não contribui para essa estabilidade do Código Civil ao longo da sua vida.
Além de tudo o mais, Sr. Secretário de Estado, quero dizer-lhe que penso que este diploma não resolve as questões essenciais, mantendo alguma incerteza relativamente à questão de saber se o prazo de propositura da acção é um prazo de caducidade ou não, o que tem influência nas regras da repartição do ónus da prova.
Por outro lado, este direito à identidade, ao conhecimento da paternidade ou da maternidade, continua a ser um direito que, apesar de ter dignidade constitucional, está sujeito a prazo de caducidade e julgo que esta é a questão mais importante. Os investigantes podem recorrer ao tribunal para o efeito durante a sua menoridade e depois
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apenas nos dois anos posteriores à sua maioridade. Ou seja, um jovem de 18 anos tem dois anos para se aperceber deste problema e, muitas vezes, ele pode não ter consciência do problema nesta altura. E a verdade é que este direito, o direito de conhecer a história da sua identidade, é inalienável e devia ser, a meu ver, imprescritível.
O Sr. Secretário de Estado já referiu que há muitas legislações e sistemas jurídicos estrangeiros que adoptam esta ideia da imprescritibilidade do direito à identidade, ao reconhecimento da paternidade e da maternidade, do direito a conhecer a história da sua identidade. A mim parece-me que se se tivesse evoluído para aí teria valido a pena fazer esta alteração. Assim, afigura-se-me uma alteração com pouco significado, que não resolve. algumas das questões essenciais ligadas às dúvidas jurisprudênciais e da doutrina sobre esta matéria nem a questão relevante, que é a de persistir em manter um prazo para que as pessoas possam exercer o seu direito à identidade, em nome de interesses, que, são os da paz social e do pai das famílias, ligados até a padrões de comportamento sexual e social, que, porventura, se vão desvanecendo - e o recente debate aqui realizado sobre a interrupção voluntária da gravidez é também, nesse sentido, um sinal disso mesmo.
A meu ver, o Governo devia ter evoluído decisivamente para a imprescritibilidade deste tipo de acções de investigação da paternidade e da maternidade.
O Governo está pois a cuidar do pequeno pormenor, Sr. Secretário de Estado, mas já que V. Ex.ª está aqui aproveito para lhe pedir as grandes reformas, que tardam, no sistema da justiça.
(O Orador reviu.)
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Queiró, agradeço-lhe o seu pedido de esclarecimento.
Penso que não estamos a cuidar do pormenor, salvo o devido respeito. Estamos a cuidar do direito à identidade das pessoas, estamos a tornar mais clara uma norma que tem 30 anos - e os 30 anos de vigência do Código Civil eram mais do que suficientes para haver consenso nesta matéria -, o que não é propriamente cuidar do pormenor.
Entendo que não devemos avançar para o Código Civil com alterações levianamente pensadas, mas entendo também que ele não deve ser tão sacralizado, sobretudo nos tempos que correm, que uma norma, que, no fundo, se destina a ter um carácter interpretativo do que o próprio Código Civil já diz, vá ofendê-lo ou alguns dos seus co-autores, ainda vivos, que, estou convencido, aplaudiriam esta interpretação.
Aliás, devo dizer-lhe que esta Câmara, há dois anos, revogou o artigo 2.º do Código Civil, acabando com os assentos, e, depois disso, houve que fazer, por força do primeiro diploma de reforma do Código de Processo Civil, uma intervenção pontual quanto ao prazo do depósito do preço na acção de preferência. Enfim, o Código Civil não tem estado tão imune, tão blindado, a pequenas intervenções necessárias quanto isso, aliás, como o dos demais países europeus, porque a tranquilidade e a paz da codificação foram - permitam-me a expressão - «chão que deu uvas», com a evolução da vida social. Não se aceitando, para já, a imprescritibilidade - e a Câmara tem competência para legislar sobre essa matéria e, por isso, estou aqui com muito gosto - do direito de investigar a paternidade, ao menos que não se criem dificuldades e dúvidas acrescidas no âmbito da jurisprudência., no sentido de, nos estreitos limites em que é possível investigá-la, ela ser investigada. É essa a nossa intenção.
Não se trata de uma grande reforma mas estou convencido de que não viemos cá por geração espontânea. Houve uma espécie de provocatio ad agendum, traduzida, inclusive, em exposições dirigidas a esta Câmara, que foram reenviadas ao Ministério da Justiça, designadamente pedindo nós o esclarecimento, de uma vez por todas, do que se passa com esta disposição, porque é chocante, isso sim, que se prove dezenas de vezes a paternidade biológica - e estamos nós em pleno espírito biologista de investigação de paternidade - e, por uma questão de dúvida em sede de ónus da prova e em sede do que seja cessar ou não cessar o tratamento como filho, a acção soçobre. Não há nenhum cidadão deste país que se conforme, por virtude de uma dúvida que merecia ser esclarecida, com á negação da sua filiação depois de ver feita a prova judicial da filiação biológica.
Era isso que gostaríamos que deixasse de acontecer, tanto quanto possível.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: De facto, concordo que esta não é uma grande reforma da justiça, mas não concordo com o Sr. Secretário de Estado quando disse que esta era uma questão relativamente técnica. Considero que não é e que a questão aqui colocada é eminentemente política.
Estamos de acordo com a proposta de lei mas pensamos que se poderia ter ido mais longe: Ela coloca algumas questões num pendor progressista, nomeadamente em relação à inversão do ónus da prova.
Gostava aqui de recordar perante a Assembleia, para se ver que isto é uma questão eminentemente política, que, quanto a estas questões de repartição do ónus da prova, houve, em 1983, um surpreendente assento do Supremo Tribunal de Justiça que dizia que era o autor, na investigação de paternidade, que teria de fazer uma prova negativa, a de que a mãe não tinha tido relações sexuais com mais nenhum homem. E justificava, então, esse assento, numa jurisprudência que considero muitíssimo conservadora, que esta prova tinha de ser feita pelo autor, porque a mulher, devido à liberdade sexual, já não beneficiava da presunção de ter tido um só homem.
Por isso, digo que esta inversão do ónus da prova que aqui se faz e o novo tratamento que se dá ao prazo para propor acções em relação à posse de estado vai efectivamente no sentido de, com base na filiação biológica, romper contra a corrente daqueles que, de facto, protegendo
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direitos sucessórios, querem é restringir o direito à identidade pessoal - restringir e não apenas limitar.
É nesse sentido que consideramos estas alterações, positivas, pese embora entendermos - e gostava de marcar isto - que, indo as alterações no sentido de expurgar conteúdos de, moralidade que o Código Civil ainda têm, poderá equacionar-se muito mais do que isto.
De facto, poderá equacionar-se se o direito à identidade pessoal deve ou não conduzir à imprescritibilidade das acções, pondo-se de parte a questão do prazo e, ao menos, Srs. Deputados para que não se levantem clamores e, em nome da certeza e segurança jurídica, introduzir algumas regras no sentido de, passado um certo prazo, limitar o acesso à herança. Mas, pelo menos, ficaria salvaguardado o direito à identidade pessoal.
Estas são interrogações que se me colocam no sentido de talvez se poder concluir que poderia ter-se ido mais além, que pode ir-se mais além na garantia de um direito fundamental que é o direito à identidade pessoal.
É que compreendo muito mal que aqui se estabeleçam prazos, que são curtos e que talvez não sejam adequados e proporcionados mesmo após atingir a maioridade, que se limite desta maneira um direito à identidade pessoal - claro que ainda não discutimos este assunto mas, seguramente, iremos discuti-lo - e que, depois, quando se apresenta à Assembleia uma proposta de lei sobre, procriação medicamente assistida, se inutilize o direito à maternidade com base no direito à identidade pessoal, estabelecendo-se que a mulher solteira e a mulher divorciada não têm direito à procriação medicamente assistida.
Portanto, Sr. Presidente, Srs. Deputados, penso que este não é um debate técnico nem sequer relativamente técnico, penso que se corre o risco de torna-lo técnico mas, efectivamente, não o é.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Nobre, para uma intervenção.
O Sr. Luís Nobre (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Antes de mais, gostaríamos de fazer o mesmo comentário que o Sr. Deputado Luís Queiró.
Julgamos que as alterações a fazer ao Código Civil devem sê-lo de forma sistemática e integrada e não de uma forma casuística, para retirar um escolho. Na verdade, julgamos que o Código Civil merece respeito de todos nós, não pela norma em si mas pelo seu carácter estruturante na vida de todos e por ser um diploma fundamental na nossa vida jurídica, pelo que qualquer intervenção que se lhe faça deve ter um conteúdo integrado e sistemático. Não o dizemos porque decorra de um imperativo legal, pois assim não é. Decorre, sim, de um imperativo de bom senso e de prudência ao legislar.
Portanto, no que diz respeito a esta matéria e à lógica desta alteração, proposta ao Código Civil, repito que gostaríamos que qualquer intervenção a ser feita tivesse o carácter que apontei.
Quanto à proposta de lei em concreto, julgamos que a mesma pretende dar um conteúdo de justiça, pretende estabelecer e conferir segurança ao conceito de cessação de tratamento, conceito este cuja regra da voluntariedade decorre, aliás, do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 370/91. Certo é que é bom que esse elemento de voluntariedade no conceito de cessação de tratamento esteja incorporado na norma e, como tal, esta alteração que hoje nos é proposta terá o nosso apoio.
Quanto ao ónus da prova, julgamos que é positiva esta alteração proposta, porque passam a ser os réus, neste caso, os investigados, a ter de fazer a prova da caducidade dessa mesma acção.
Assim, por último, devo dizer que esta proposta de lei terá o nosso apoio e, ainda, que gostaríamos que, daqui para a frente, todas estas matérias relativas à filiação e ao respeito pela identidade de uma pessoa passem a ser encaradas de uma forma mais profunda, a fim de obviar a que, cada vez que se pretende fazer uma intervenção de pormenor e cirúrgica, tenhamos de recorrer a alterações ao Código Civil.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: A proposta de lei agora apresentada tem diversos méritos que creio que seria justo acentuar.
Um deles é o de que não há, na sociedade portuguesa, nenhum movimento que reivindique uma substituição do actual Código Civil por um outro com uma filosofia distinta, ou oposta, ou uma refundição global do nosso ordenamento em matéria de Direito da Família, de princípios gerais de Direito Civil, de direito sucessório, de direito das coisas. Portanto, se fizéssemos depender qualquer ajustamento do Código Civil de uma refundição global do mesmo, estaríamos a assentar numa perspectiva sofista, porque ninguém vê nem ninguém propõe essa refundição global - nem o PP, nem o PCP, nem o PSD, nem o Partido Socialista.
Nessa matéria, do que se tem tratado é de operar aperfeiçoamentos em função de necessidades comprovadas, assumindo frontalmente a razão que leva a essa operação de carácter cirúrgico e provando que a mesma se justifica.
Neste caso concreto, a prova está a ser feita abundantemente. De resto, o Sr. Secretário de Estado teve ocasião de, em termos fiéis à própria fundamentação, da proposta, sintetiza-lo perante nós e creio francamente que tem razão.
Como todos os Srs. Deputados sabem, ao longo dos anos, têm-se dirigido à Assembleia da República muitos, e muitas, peticionários, inconformados com as dificuldades que a jurisprudência vem revelando em dirimir questões que, como sublinhou a Sr.ª Deputada Odete Santos, são questões humanas, de alcance profundo, não são questões de carácter técnico, irrelevante ou secundário. Serão subtis e exigentes do ponto de vista da construção jurídica mas são, acima de tudo e a começar por tudo, questões de carácter humano fundamental, relacionadas com a identidade, com o estabelecimento da paternidade e da maternidade, momentos fundadores da identidade de qualquer ser humano, com profundas implicações do ponto de vista do Direito Civil e de todos os ramos do Direito.
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Ao fazer o que faz, a proposta de lei toma uma opção. Impede que em nome um aspecto de prova e de um aspecto procedimental, feita e apurada uma filiação biológica, soçobre o processo que corre termos nos tribunais com vista a estabelecê-lo. E fá-lo frontalmente, alterando regras processuais e estabelecendo um concreto ónus da prova. Fá-lo em termos que, nesta sede, não mereceram crítica quanto à solução concreta.
Quanto a outras críticas, designadamente as relacionadas com outras alterações ao Código Civil e à lei civil, gostaria de dizer que, obviamente, devem ser estudadas e analisadas na sede própria. Isto é, quando discutimos o regime de procriação assistida, teremos ocasião de discutir aprofundadamente se as regras propostas quanto à fecundação artificial e quanto à possibilidade de fecundação artificial. de mulher não casada devem ser as que estão aventadas ou se é melhor adoptarmos outras regras, tendo em conta o debate que existe na sociedade portuguesa sobre essa matéria, as alterações de costumes e a filosofia dos nossos partidos sobre a questão. Mas não amalgamemos essa questão, hoje e aqui, coma decisão que nos é trazida.
Por isso, dizemos que, sim, deve ser concedido um novo prazo de um ano após a morte do investigante para a propositura das acções tendentes a apurar o que é o tópico da lei e, por outro lado, tal como o Governo propõe, deve caber, de facto, ao réu o ónus de provar a cessação voluntária de tratamento para efeitos de caducidade desse mesmo direito.
Com isso, «trincharemos» e acabaremos uma querela, dando razão e encorpando em lei uma determinada solução que tem vindo a ser apurada pelo Tribunal Constitucional. Com isso, vamos estabilizar a jurisprudência, dar aos cidadãos que enfrentam esta situação, que pode ser humanamente dramática, uma solução jurídica clara para a resolução desse conflito. Com isso, vamos contribuir para a paz civil, para a clareza do Direito e para o aperfeiçoamento do Código Civil, sem lhe beliscar a natureza.
Intuo, Srs. Deputados - e congratulo-me em nome da bancada do PS -, que há um consenso largo nesta Câmara em torno da adopção desta medida. Em sede de especialidade, se houver qualquer contributo, qualquer sugestão que aperfeiçoe este articulado, estamos completamente disponíveis para discutir com todos os partidos, sem nenhuma discriminação, a melhor solução e, seguramente, teremos, para esse efeito, a colaboração institucional do Governo, tal como é seu timbre.
Repito - e com isto concluo, Sr. Presidente - que é para nós motivo de satisfação que a dúvida que vinha, pairando sobre este conflito, que divide pessoas e gera instabilidade, possa ter, hoje e aqui, o princípio do seu fim.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr.. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Farei uma brevíssima intervenção, suscitada pela do Sr. Deputado José Magalhães.
O que nos leva a votar a favor desta proposta de lei não é que se tenha verificado uma jurisprudência diferente. Se assim fosse, se, de facto, a actividade da Assembleia da República tivesse de ser exercida sempre que há jurisprudências divergentes, então, Srs. Deputados, nós não faríamos outra coisa se não estar aqui, todos os dias, a fazer projectos de lei e o Governo a fazer propostas de lei para clarificar jurisprudência e para tornar tudo uniforme.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - Mas não é assim. Efectivamente, a jurisprudência é diferente em muitas áreas e, aliás, dessa diversidade nasce a sua própria riqueza.
Portanto, votaremos a favor da proposta de lei porque entendemos que a mesma tem ínsitos conceitos que nos parecem correctos para o Direito Civil, que respondem, de facto, a direitos das pessoas, ao direito à identidade pessoal.
Entendemos que esta é a solução correcta, não para que venhamos aqui dirimir conflitos jurisprudênciais, porque quanto a isso, Srs. Deputados - e o Sr. Deputado José Magalhães deve lembrar-se perfeitamente -, há muitos anos, andámos aqui, durante 15 dias, a discutir um projecto de lei apresentado pelo PSD sobre um artigo do Código Civil relacionado com o arrendamento para pôr fim a um conflito de jurisprudência e tomar uma, iniciativa legislativa diferente de um assento.
Concluo dizendo que penso que esta questão do direito à identidade pessoal é, de facto, uma questão política que, hoje, está no fulcro de muitos debates. Em Itália, está no fulcro de um debate sobre uma proposta de lei na qual também se afasta do direito à fertilização in vitro as mulheres solteiras; as que não são casadas. Isso tem sido contestado por aqueles que defendem o direito fundamental da mulher à maternidade. Ora, isto também tem a ver com a presente proposta de lei porque nela se joga com os limites.
É que aqui, nesta proposta de lei, considera-se que o prazo pode limitar o direito à identidade pessoal e, no outro lado, já não se considera o direito da mulher à maternidade, em contraposição com o direito à identidade pessoal.
São estas interrogações que quis deixar-vos porque parece-me que, de facto, devia ser vincado que este não foi um debate relativamente técnico nem técnico, foi um debate político em relação a direitos fundamentais.
Vozes dó PCP e do Sr. Deputado do PSD Luís Marques Guedes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao orador seguinte, chamo a atenção dos Srs. Deputados para o facto de hoje termos «um grande número de estudantes a assistir aos nossos trabalhos: 45 alunos da Escola Profissional Bento de Jesus Caraça, de Setúbal, 30 alunos da Escola Secundária de Palmeia, 11 alunos da Escola C+S
Dr. Alberto Iria, de Olhão, 13 alunos da Escola Secundária da Sobreda, 45 alunos da Escola Secundária de Esmoriz, 50 alunos da Escola Secundária Anselmo de Andrade, de Almada, 16 alunos da Escola Secundária da Amadora, 38 alunos da Escola Secundária Henrique Medina, de Esposende, e 39 formandos integrados no Projecto «Virar»; promovido pela UMAR, de Almada. Temos, ainda, a presença de 15 Deputados e três dirigentes da
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RENAMO, que, como sabem, é o maior partido da oposição na Assembleia Popular de Moçambique.
Vamos dar uma calorosa ovação a todos eles.
Aplausos gerais, de pé.
Tem agora a palavra o Sr. Deputado Luís Nobre, para uma intervenção.
O Sr. Luís Nobre (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por parte do PSD, gostaríamos que ficasse bem claro, que o nosso apoio à solução proposta nesta iniciativa legislativa não é para corrigir uma questão de jurisprudência, pois, para tal, existem os tribunais. Apoiaremos esta solução legislativa porque se nos afigura mais correcta e mais justa do que a que se encontra em vigor.
Ao contrário do que o Sr. Deputado José Magalhães disse, não cabe à Assembleia da República solucionar questões jurisprudenciais. E, se tivesse tido a devida atenção em relação a esta matéria, veria que foi o próprio Tribunal Constitucional que, no Acórdão, introduziu o aspecto da voluntariedade no conceito de «cessação de tratamento».
Portanto, quanto a nós, PSD, não estamos aqui para corrigir jurisprudência, estamos aqui, sim, para adoptar uma solução e apoiar o que se nos afigura mais justo no caso concreto.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, dispondo de 3 minutos concedidos pela Mesa, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da justiça: - Sr. Presidente, antes de mais, agradeço a sua generosidade.
Quero apenas esclarecer, porque me parece importante, que quando utilizei a expressão «questão relativamente técnica» não esqueci a índole eminentemente política do problema. E enfatizei que se estamos em sede de direitos fundamentais, nomeadamente do direito à identidade pessoal, a expressão «relativamente técnica» tem apenas em vista a heterogénea formação desta Câmara. Aliás, quase pedi desculpa pela dificuldade com que me poderia fazer entender perante os Srs. Deputados que, não tendo formação jurídica, poderiam, naturalmente, carecer de uma explicação que, por dificuldade minha, por inépcia minha, não seria capaz de transmitir. Mas concordo inteiramente que a questão não é «relativamente técnica», excepto na medida em que se trata de uma questão que alguma formação jurídica razoável ajuda a entender. Foi apenas nesse plano que situei a minha expressão.
Por outro lado, quero agradecer aos Srs. Deputados que apoiam a proposta e dizer que concordo inteiramente, embora não precisem da minha concordância, que não é atrás de uma determinada corrente jurisprudencial que se deve andar para emendar a mão. No entanto, quero tão-só lembrar que está Câmara - e se não fosse esta Câmara seria o Tribunal constitucional, aqui invocado, que interviria, declarando com força obrigatória geral a inconstitucionalidade dos assentos - tem de estar preparada para intervir, em face de flutuações jurisprudenciais que têm a ver com o que há de mais importante na pessoa humana e que se prolongam, insuportavelmente, por 5, 10, 15 ou 20 anos. Alguém tem de intervir numa situação destas, sem quebra de respeito pelos tribunais aliás, seria o último a tê-la -, e esse alguém terá de ser quem tem a sede do poder legislativo. E não me refiro a uma intervenção vexatória para a jurisprudência, mas a uma intervenção que torne claro aquilo que divide as pessoas e os tribunais.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - De resto, com esta alteração, penso que se presta uma homenagem a quem foi responsável por esta norma do Código Civil, alterado em 1977, sob a égide do Sr. Presidente da Assembleia da República, que nunca me canso de cumprimentar com todo o respeito e com toda a amizade, penso que se presta uma homenagem a quem foi responsável, há.20 anos, pelas alterações ao Código Civil, passando a entender-se algo que já nele está implícito mas em termos tais que têm dado lugar, como já disse, a situações de hesitação que mexem muito com o que há de fundamental para os cidadãos. Ninguém pode entender que, em dois casos iguais, provada a respectiva paternidade biológica, um seja reconhecido como filho e outro não o seja, quando o problema está a ser discutido há 20 anos.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, agradeço-lhe por ter lembrado o papel que tive, aliás, com a sua colaboração, na revisão profunda do Código Civil a que se procedeu depois da Revolução de Abril. Pessoalmente, também me parece que a melhor forma de homenagear o Código Civil é aperfeiçoá-lo tanto quanto possível.
Srs. Deputados, terminámos o debate desta proposta de lei, cuja votação terá lugar ainda hoje, à hora regimental.
Passamos à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.01 422/VII - Sobre iniciativa legislativa popular (PCP), 455/VII - Regula a iniciativa da lei por grupos de cidadãos eleitores (PSD) e 456/VII - Regula e garante o exercício do direito de iniciativa legislativa popular (PS).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe- (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP orgulha-se de apresentar hoje à Assembleia da República o primeiro projecto de lei destinado a regular o direito de iniciativa legislativa de grupos de cidadãos.
Trata-se de um direito novo na nossa ordem jurídica, por cuja consagração o PCP, desde há muito tempo, se tem batido. Propusemo-lo na revisão constitucional de 1989, sem que tivesse obtido acolhimento, voltámos a propô-lo na mais recente revisão constitucional, tendo conseguido, desta vez, a sua consagração no texto constitucional. Trata-se agora de dar conteúdo concreto a esse direito.
A regulação legal, que hoje propomos, da iniciativa legislativa popular, que se traduz na possibilidade de grupos de cidadãos apresentarem projectos de lei à Assembleia da República, é um passo de grande significado na efectivação de um importante mecanismo de participação
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dos cidadãos na vida política, o qual consubstancia uma importante aproximação entre os cidadãos, a Assembleia da República e os Deputados que a compõem.
O poder de iniciativa legislativa, que, até à data, tem pertencido exclusivamente aos Deputados, aos grupos parlamentares, ao Governo e, em certos casos; às assembleias legislativas regionais, passa também a pertencer directamente aos cidadãos, que, assim, por sua iniciativa, poderão levar a Assembleia da República a debater questões que, de outra forma, poderiam nem ser debatidas, mas, mais do que isso, a discutir, em concreto, iniciativas legislativas que, de outra forma, - poderiam nunca ver - a luz do dia.
A iniciativa legislativa popular ë um' passo em frente relativamente a outras formas já institucionalizadas de participação popular junto da Assembleia da República, designadamente ao direito de petição. Mais do que a pretensão de que a Assembleia da República discuta um problema, ficando a sequência a dar a essa discussão, designadamente eventuais propostas legislativas que dela pudessem decorrer, exclusivamente na disponibilidade dos Deputados ou do Governo, passam os próprios cidadãos a compartilhar esse poder de iniciativa, através da apresentação de propostas legislativas concretas.
Porém, para que este direito se torne efectivo, não basta a sua consagração no texto constitucional, é preciso, em primeiro lugar, que seja regulado em lei - e é justamente disso que estamos hoje a tratar -, mas é preciso também que a regulação legal desse direito não seja de modo a frustra-lo na prática.
É evidente que a iniciativa legislativa popular não se traduz na .ultrapassagem da legitimidade democrática da Assembleia da República por iniciativa de grupos de cidadãos. Trata-se de um direito de iniciativa e nunca de uma imposição de vontade, na medida em que. é sempre a Assembleia da República, no uso, dos seus poderes soberanos, quem decide sobre as propostas que lhe são apresentadas.
Também não se trata delimitar os poderes de iniciativa legislativa dos Deputados ou do Governo, que continuam, evidentemente, a poder apresentar projectos ou propostas de lei sobre matérias que tenham sido objecto de iniciativa popular.
O que é essencial é que os mecanismos que se venham a estabelecer para o exercício do direito de iniciativa não acabem por inviabilizar ou dificultar de forma injustificada esse exercício, acabando por frustar os cidadãos que o pretendam utilizar.
É por isso que o projecto de lei do PCP visa facilitar o exercício deste direito, despindo-o de formalismos desnecessários.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há alguns princípios, quanto a esta matéria, que consideramos essenciais para que o direito de iniciativa legislativa popular seja efectivo e tenha, verdadeiramente, um sentido útil.
Em primeiro lugar, entendemos que o número de cidadãos exigido para a apresentação de uma iniciativa legislativa não deve ser tão elevado que impeça, na prática, ou dificulte, injustificadamente, a apresentação de iniciativas.
Em segundo lugar, consideramos que as iniciativas não devem ser recusadas com fundamentos burocráticos ou formais. Pensamos que deve funcionar aqui o princípio do aproveitamento útil das iniciativas, evitando a burocratização dos processos ou a preclusão de propostas, com fundamento em deficiências técnicas que possam ser superadas, com a ajuda da própria Assembleia.
O terceiro princípio que defendemos é o de que a Assembleia da República se vincule à apreciação das iniciativas em prazos previamente fixados para todas as fases do processo legislativo. Se não forem fixados prazos para a tramitação regimental das iniciativas legislativas, corre-se o risco real de que alguma iniciativa legislativa de cidadãos fique encalhada nalguma comissão parlamentar ou vá sendo sistematicamente preterida na fixação da ordem do dia. Se isso acontecesse, seria posto em causa o núcleo essencial do direito que se pretende consagrar e seria uma frustração tremenda para os autores da iniciativa.
Em quarto lugar, é fundamental que os autores da iniciativa popular sejam atempadamente informados sobre o andamento do processo, para que o possam acompanhar e participar activamente na sua discussão pública.
Como quinto princípio, importa que as matérias que possam ser objecto de iniciativa legislativa popular não sejam circunscritas a questões menores, mas que, no respeito por limitações constitucionais, seja dada aos cidadãos uma ampla margem de iniciativa popular em razão da matéria. É evidente que a iniciativa legislativa popular, até pelo esforço organizativo que implica, não será utilizada em torno de minudências legislativas. São as grandes questões, ás que verdadeiramente preocupam grande número de cidadãos, as que, previsivelmente, serão objecto de iniciativa popular. Se o poder de iniciativa dos cidadãos for limitado a questões secundárias, será, mais uma vez, o núcleo essencial do direito a, ser posto em causa.
Vozes do. PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Explicitados os princípios que norteiam a posição do PCP neste processo legislativo e enformam o nosso projecto de lei, importa confrontar as nossas propostas com algumas das que constam dos projectos do PS e do PSD...
Quanto ao número mínimo de cidadãos para apresentar uma iniciativa legislativa, o PCP propõe que sejam 5000. É um número que nos parece razoável e adequado. Se 5000 cidadãos eleitores podem constituir um partido político e concorrer a todos os actos eleitorais, não se compreenderia que o mesmo número de cidadãos não pudesse apresentar uma iniciativa legislativa a submeter à apreciação da Assembleia da República.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O PSD propõe 25 000 eleitores. O PS propõe uma fórmula mais. complicada: 0,3% do número de inscritos no recenseamento em território nacional, o que, de acordo com o recenseamento em vigor, no qual estão inscritos 8 926 129 cidadãos, representa, se as minhas
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contas estão certas, a exigência de 26 779 assinaturas de cidadãos para apresentar uma iniciativa legislativa.
Trata-se, em ambos os casos, de uma exigência manifestamente excessiva e desencorajadora do exercício do direito de iniciativa legislativa. Não se compreende que o número de assinaturas exigido para apresentar um projecto de lei à Assembleia da República seja cinco vezes superior ao número de assinaturas necessário para fundar um partido político e muito mais do que o triplo das assinaturas necessárias para apresentar uma candidatura à Presidência da República.
Não faz sentido que nos argumentem com o Direito Comparado, dizendo que, por exemplo, em Espanha, na Itália ou no Brasil a exigência é maior. O conhecimento do Direito Comparado permite-nos seguir bons exemplos, onde eles existam, mas não nos obriga, a seguir os maus.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Uma outra ordem de questões diz respeito aos requisitos formais das iniciativas.
As exigências de identificação dos proponentes, constantes do projecto do PS, são manifestamente excessivas. Faz sentido que, como o PCP propõe, os proponentes indiquem o nome, a residência e o número de eleitor. Daí até às exigências propostas pelo PS, de, para além disso, terem ainda de indicar o bilhete de identidade e reconhecer a assinatura, vai, de facto, uma enorme distância. Para quê indicar o número do bilhete de identidade se ele já consta do cartão de eleitor? E se o reconhecimento notarial das assinaturas já não é exigido para coisa nenhuma, nem sequer para as candidaturas eleitorais, por que é que há-de passar a ser exigido para apresentar iniciativas legislativas?
Quanto às próprias iniciativas, entende o PCP que deve ser exigido que os proponentes definam concretamente o sentido das modificações que pretendem introduzir na ordem legislativa, mas a admissão da iniciativa não deve ficar dependente da perfeição técnica com que seja apresentada. E entendemos mesmo que a Assembleia da República, através dos seus serviços, deve colaborar activamente com os cidadãos, de modo a adequar, tecnicamente, a iniciativa aos fins visados pelos proponentes.
A iniciativa popular é um direito dos cidadãos, não é, necessariamente, um direito dos juristas. Os cidadãos não são obrigados, a saber articular uma iniciativa legislativa ou a conhecer os requisitos técnicos complexos da elaboração das leis. Daí que, ao contrário dó que propõem o PSD e o PS, não se tios afigure essencial que a iniciativa legislativa popular deva ter, à partida, a forma articulada ou cumprir os requisitos técnicos que são próprios das iniciativas parlamentares ou governamentais. Essa é uma mera questão de aperfeiçoamento que a própria Assembleia, em diálogo com os representantes dos proponentes, pode perfeitamente ajudar a resolver.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Outra questão diz respeito às matérias que podem ser objecto de iniciativa legislativa popular, sendo certo que existem, à partida, limitações óbvia.
Uma das limitações tem a ver com o respeito pela Constituição e pelos princípios nela consignados, não podendo ser admitidas iniciativas cuja aprovação possa ter como consequência a introdução de normas inconstitucionais na ordem jurídica.
Em segundo lugar, o respeito pela chamada «lei-travão» implica que não possam ser admitidas iniciativas que envolvam, no ano económico em curso, aumento das despesas ou diminuição das receitas do Estado previstas no Orçamento. Pode, no entanto, manter-se a iniciativa desde que os proponentes aceitem que a sua vigência só se inicie no ano económico seguinte.
Uma terceira limitação diz respeito às matérias em que a iniciativa é expressamente reservada pela Constituição a determinadas entidades, pelo que é óbvio que não podem os grupos de cidadãos apresentar propostas de Orçamento do Estado, de Lei Orgânica do Governo, de Estatuto Político-Administrativo das Regiões Autónomas.
Entendemos, porém, que os limites devem ser apenas estes! Em tudo o mais, devem os cidadãos poder apresentar iniciativas legislativas. Para o PCP, devem poder ser objecto de iniciativa popular todas as matérias sobre as quais a Assembleia possa legislar.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Discordamos, por isso, frontalmente, da proposta constante do projecto do PS, no sentido de excluir do âmbito da iniciativa legislativa popular quase todas as matérias incluídas na reserva absoluta de competência da Assembleia da República, limitando-a às matérias incluídas na reserva relativa. Esta limitação não faz sentido, porquanto a iniciativa legislativa popular não conflitua em nada com a competência legislativa da Assembleia da República. Ninguém propõe que esta Assembleia compartilhe as competências que tem em matéria legislativa, o que a Assembleia compartilha com os cidadãos é apenas o direito de iniciativa. E, quanto à aprovação das leis propostas, só a Assembleia o pode fazer. Por que razão há-de, então, ser limitado o direito de iniciativa dos cidadãos? Não vemos razão nenhuma para essa limitação!
Quanto à tramitação, registamos positivamente o facto de todos os projectos convergirem na necessidade de serem estabelecidos prazos para a realização das várias etapas do processo legislativo, o que, a não ser feito, poderia frustrar o sentido útil do direito de iniciativa. E registamos também positivamente a intenção constante de todos os projectos, de criar condições para que os cidadãos proponentes possam acompanhar o andamento das suas próprias iniciativas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não obstante as divergências que referi, existem condições reais para que, ponderadas todas as questões, em sede de especialidade, esta Assembleia aprove uma lei da iniciativa legislativa popular que seja um importante passo em frente em matéria de direitos dos cidadãos e no relacionamento entre a Assembleia da República e o povo português.
O Grupo Parlamentar do PCP tudo fará para que este objectivo seja alcançado.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado António Filipe, tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.
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O Sr. Moreira da Silva (PSD):- Sr. Presidente, Sr.
Deputado António Filipe, ouvi a sua exposição corri muito interesse e, tal como da leitura do projecto de lei do,; Partido Comunista Português, ficou-me essencialmente uma grande dúvida 'que se prende com o número de subscritores necessários para a apresentação da iniciativa legislativa, popular à Assembleia da República. Estou convencido de que seremos capazes de encontrar um número ideal, mas a minha; dúvida gira em torno do critério que o Partido Comunista apresenta para se fixar em 5000 eleitores. É que, como o Sr. Deputado. bem sabe, não, basta ser-se partido político para ter direito de iniciativa legislativa, é preciso que esse partido político tenha- Deputados .eleitos na Assembleia da República: Mas, também não. basta ser-se Presidente da República para se ter iniciativa da lei, pois o Presidente da República não tem iniciativa legislativa.
No fundo, com este critério, o, Sr. Deputado vai aproximar-se de um outro instituto, que é o instituto, da petição, o que não me parece ser a vontade, do Sr. Deputado e do Partido Comunista como resultou da revisão constitucional, pelo contrário, fiquei com a ideia de que o Partido Comunista, tal como nós, quer atribuir uma maior dignidade ao instituto da iniciativa legislativa popular. Mas, se assim é, não se percebe por que razão se exige sensivelmente o mesmo número de subscritores - 5000 para a iniciativa de lei e para a petição.
Por isso, penso que esta questão deveria ser reponderada por VV. Ex.as, no sentido de podermos atingir um número que possa ser mais compatível com a dignidade que a iniciativa deve, merecer por parte desta Assembleia...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr.- Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe -(PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Moreira da Silva, V. Ex.ª coloca uma questão interessante, que é a, do número de assinaturas que deve ser exigido para apresentação de uma iniciativa legislativa popular e suscita-me algumas observações...
O. Sr. Deputado referiu o exercício do direito. de petição, mas gostaria de lhe lembrar, e o, Sr. Deputado sabe-o perfeitamente, que, para o exercício do direito de petição basta um cidadão. Qualquer cidadão pode apresentar uma petição a qualquer entidade,, designadamente à Assembleia da República. Aquilo para que se exigem 4000 assinaturas é a obrigatoriedade de sujeição da petição a debate em Plenário. Mas ninguém impede que a Assembleia decida trazer a Plenário a discussão de uma petição, ainda que seja subscrita apenas por um cidadão. Aliás, há casos nesta Assembleia, de discussão de petições que não foram apresentadas, por 4000 cidadãos más, relativamente às quais, se entendeu que, pela sua relevância e pertinência, deveriam ser submetidas a Plenário. Portanto, basta um cidadão!
Mas o Sr. Deputado questionou-nos relativamente ao critério das 5000 assinaturas, dizendo que, se fazíamos a analogia com o número de assinaturas necessárias para um partido político, isso não basta, porque não basta ser partido político para ter representação parlamentar. Ora, Sr. Deputado, a questão é a seguinte: um dos objectivos, da consagração da iniciativa, legislativa popular, é o de alargar a grupos de cidadãos, e não restringir aos partidos com representação. parlamentar ou ao. Governo, o direito de iniciativa, legislativa.- Essa é a, vantagem, a grande novidade, digamos assim, da consagração do direito de iniciativa legislativa popular, pelo que faz sentido que, para que este direito realmente exista, na vida; para os cidadãos, o número de assinaturas exigidas não seja, tão elevado que acabe por fazer com que nem sequer passe pela cabeça dos cidadãos a recolha dás assinaturas necessárias para apresentar uma iniciativa legislativa. Tem de ser um número adequado! Por. isso mesmo, nós, na medida em que na ordem jurídica portuguesa até - se considera adequado que, com 5000 assinaturas - os cidadãos possam constituir um partido político, - não vemos por que não é adequado, porque não é razoável que essas 5000 assinaturas não possam ser suficientes para a apresentação de uma iniciativa legislativa sobre a qual a Assembleia da República vai decidir! Aliás, ninguém obriga a Assembleia da República a uma tomada de- posição.
Todavia, se exigimos, como os senhores exigem; que sejam precisas 25 000 assinaturas de cidadãos para apresentar. unia iniciativa legislativa na Assembleia da República, de facto, isso acaba por ser profundamente desencorajados - para os cidadãos e acaba por- restringir muito a relevância e a importância prática do direito que, afinal de contas, se quer consagrar.
Porém; como o Sr. Deputado disse no início do seu pedido de esclarecimento, e isso importa registar, há da nossa parte toda a disponibilidade para, na especialidade, podermos encontrar um número razoável e que não seja limitador do direito de iniciativa dos cidadãos. São esses os vossos que exprimimos.
Vozes do PCP.- - Muito bem!
O Sr: Luís Marques Guedes (PSD):- Acabou bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, saudemos calorosamente a presença no Hemiciclo de uma delegação da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, constituída pelo seu Presidente e por Deputados representativos de todos os partidos com assento na assembleia regional, que veio fazer entrega de um projecto de alteração do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores..
Aplausos gerais, de pé.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.
O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com o debate que hoje tem lugar nesta Assembleia procede-se à concretização do novo comando constitucional introduzido pela recente revisão constitucional que atribui o direito de iniciativa da lei aos cidadãos, a par, igualmente, do direito de iniciativa do referendo. Essa concretização é o objecto dos projectos de lei hoje em discussão, incluindo o do PSD. E, uma vez tornados lei, estou certo de que estará dado um passo significativo no aprofundamento da democracia portuguesa.
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A iniciativa legislativa popular constitui matéria estruturante do nosso regime político democrático, assumindo-se com densidade materialmente constitucional. Foi talvez por isso matéria que recolheu largo consenso em sede de revisão da Constituição da República Portuguesa; é matéria que, pelo seu objecto, deve continuar a merecer largo consenso nas soluções concretas a serem adoptadas. Pela nossa parte, tudo faremos para que esse consenso alargado possa continuar a existir.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entregar a iniciativa da lei também aos cidadãos, assumamo-lo sem preconceitos, significa adoptar mais um instituto de democracia directa na nossa democracia essencialmente representativa. Por nós, assumimo-lo com a mesma alegria com que um pai recebe o seu filho pródigo há já tanto tempo longe da sua casa paterna. Sabemos, porém, das reticências que outros sempre colocam a estes institutos próprios da democracia directa, sentindo-se quase de luto por mais uma limitação da intocável democracia representativa.
Assim aconteceu pela consagração do referendo. Assim continua a acontecer para que o referendo saia da bonita letra de forma e se torne uma efectiva realidade operante. Esperemos que, também consagrada na lei a iniciativa legislativa popular, ela possa rapidamente ser utilizada pelos cidadãos numa demonstração pujante de participação e de cidadania.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A nossa Constituição sempre consagrou formas de participação directa dos cidadãos na vida pública. E, ao longo das sucessivas revisões constitucionais, têm vindo a ser desenvolvidas e aprofundadas essas formas de democracia participada e acrescentadas outras, como as que hoje debatemos. A Constituição claramente reconhece e incentiva a participação colectiva dos cidadãos em associações e partidos políticos, a par de outras organizações de intervenção social, como organizações de trabalhadores, associações de consumidores ou de defesa do ambiente e do património. Diga-se, porém, que a Constituição sempre privilegiou mais a vertente participativa no campo social e económico e a nível da Administração Pública do que no campo político e legislativo. Nestes últimos, a participação era limitada, em quase exclusivo, aos partidos políticos, com o seu monopólio de apresentação de candidaturas aos órgãos do poder político bem como à participação nos procedimentos legislativos laborais e de planificação económica.
Compare-se este défice político e legislativo de participação com a abertura total da Administração Pública ao cidadão, através da consagração constitucional de amplos direitos de participação na gestão e na formação de decisões administrativas, bem como no direito de acção popular para defesa dos mais variados interesses públicos. Convenhamos que o legislador se comportou egoisticamente. Consciente da luta renhida que teve de desenvolver para conquistar ao Governo monárquico o direito de iniciativa da lei e as suas prerrogativas de legislador principal, viu sempre com reticências a possibilidade de largar parte do seu poder para outros. Se é necessário fazer participar os cidadãos na coisa pública, então abra-se a Administração, más mantenha-se fechado o legislador.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não pretendemos advogar o regresso ao sistema das Assembleias do Povo, das Eklesias da clássica Atenas, modelo aliás abandonado pela sua permissividade aos demagogos e, sobretudo, pela sua impraticabilidade nas sociedades actuais. Mas, sendo o Governo representativo uma necessidade, mais do que um desejo, somos totalmente favoráveis a permeá-lo com os institutos de democracia directa que as sociedades contemporâneas permitam. Para que a democracia seja efectivamente o Governo do Povo é preciso que o Povo seja chamado a participar na coisa pública o mais possível. Não apenas como legitimante da actuação dos seus representantes, mas também como interveniente directo nas escolhas do seu destino. Ou seja, é preciso que os cidadãos intervenham muito para lá da mera participação em eleições.
Nas palavras esclarecidas do saudoso mestre Baptista Machado: «O sufrágio universal a nível do país, pelos factores de autocracia que comporta, pela distância a que se acham do cidadão comum os centros de decisão, que a partir desse sufrágio se constituem, revela-se insuficiente para dar à maioria dos indivíduos o sentimento, a vivência da participação eficaz na modelação dos seus próprios destinos e do destino da colectividade. Pressente-se a gestação e o eclodir de antagonismos explosivos e de enormes frustrações, dentro de uma sociedade técnica que está já para além da escala humana. Tais antagonismos, insatisfações, frustrações, representam uma ameaça séria para a integridade e subsistência da comunidade política, pois tendem a encontrar a sua descarga em acções de revolta e mesmo em actos terroristas. Surge assim aquele fenómeno que já recebeu o nome de oposição extraparlamentar».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A nossa Constituição admitiu já o direito de os cidadãos apresentarem petições à Assembleia da República, exigindo desta um pronunciamento e uma resposta aos peticionantes. Na última revisão da Constituição, no artigo 167.º, deu-se um passo muito mais importante: o cidadão tem agora a possibilidade de iniciar o procedimento do referendo e da lei. É um passo qualitativamente superior. Se na petição o cidadão apenas podia esperar que o Parlamento tomasse conhecimento das suas preocupações, agora, com a consagração da iniciativa popular do referendo e da lei, o cidadão obriga ó Parlamento a tomar uma decisão de fundo sobre o problema. Não podem, pois, ser confundidos os institutos. Cada um com a sua valia, mas significando a iniciativa popular um estádio de participação do cidadão mais elevado e exigente. Razão por que os dois institutos não podem ser dotados do mesmo regime jurídico. Razão também por que, no nosso projecto de lei, se desburocratizou o procedimento de admissão e se densificou o direito de participação procedimental. São duas vertentes, para nós, essenciais à concretização do novo comando constitucional.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Por um lado, consideramos essencial que não sejam frustradas as expectativas dos cidadãos proponentes. Tendo eles reunido o número de assinaturas necessárias, deve o seu projecto de lei popular ser apre
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ciado e debatido politicamente por esta Assembleia, não devendo ser criadas desculpas burocráticas para evitar essa discussão. O projecto de lei popular deve vencer ou ser derrotado pelo seu mérito ou demérito político e não por falta de algum. requisito: menor de admissibilidade. Se 25 mil cidadãos apresentarem nesta, Assembleia um projecto para despenalização do, uso das drogas, deve tal projecto, ser discutido politicamente quanto ao seu objecto, evitando-se rechear a sua admissibilidade com reconhecimentos notariais, ou outras certidões em papel azul de 25 linhas.
Por outro lado, consideramos ainda essencial que a participação dos cidadãos proponentes não se esgote com a introdução do projecto de lei na Assembleia, certos de que esses cidadãos não se pretendem desinteressar da sorte do seu projecto. Razão por que prevemos um conjunto de direitos de participação procedimental, tais como 0 direito de audição perante a comissão nas discussões ria generalidade e na especialidade e o direito de conhecerem a data da sessão em que o seu projecto é agendado para discussão e votação, de forma a poderem assistir ao mesmo. A par destes direitos prevemos também uma tramitação mais célere do procedimento legislativo, de forma a que o projecto popular não seja esquecido nos corredores desta Assembleia.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A força do nosso regime democrático encontra-se na participação dos cidadãos. Como dizia Rousseau, «logo que o serviço público deixa de ser a principal tarefa dós cidadãos (...)o Estado já está próximo da ruína.(:..) É preciso ir ao Conselho? Nomeiam deputados e ficam em casa». A eleição dos Deputados não pode desresponsabilizar o cidadão da sua participação na vida política do país. Mas cabe a esta Assembleia criar os mecanismos por que, essa participação se possa institucionalizar.
Foi o direito de petição, a abertura a cidadãos das candidaturas aos órgãos das autarquias locais, a democratização da participação nos partidos políticos, a iniciativa popular do referendo e da lei. A par do alargamento da participação social e económica dás organizações sociais e profissionais, do direito de acção popular e da participação na formação das decisões da Administração.
Mas mais há ainda para fazer!
Desde logo, na aproximação do eleitor ao eleito, pela redução do número de Deputados e criação de verdadeiros círculos uninominais, onde o cidadão possa conhecer o seu representante e com ele prestar, contas. Esta é, afinal, a verdadeira transparência do sistema político abrindo as portas do sistema à entrada dos cidadãos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com Cari Schmidt e Barbosa de Melo concedo que a democracia seja uma utopia, no sentido de idealmente devermos estar sempre à procura de a aperfeiçoarmos e de reinventarmos. Damos hoje mais um passo decisivo na busca dessa utopia pelo reforço da cidadania. Não fiquemos por aqui!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como certamente vamos terminar o debate antes das 18 horas, pergunto se estão de acordo em que se façam as votações mal terminemos o debate.
Pausa.
Não havendo objecções, assim procederemos.
Para, um intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Strecht, Ribeiro.
O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Congratulamo-nos com o facto de três grupos parlamentares pretenderem a regulamentação de um direito inscrito na Constituição dá República Portuguesa na passada revisão constitucional, e na especialidade certamente ó confronto entre os três projectos permitirá o aperfeiçoamento de cada um e de todos os projectos e, logo, um largo consenso.
Todavia, julgo importante realçar nestas iniciativas legislativas a consciência adquirida pelos grupos políticos da necessidade de um reforço das instituições democráticas , sem que se ponha em causa o núcleo principal do Estado de direito democrático, ou seja, reforço complementar da democracia representativa, não em contradição ou em sobreposição com ela, mas visando reforçar o sistema
nuclear do Estado de direito democrático.
Na verdade, a possibilidade de os cidadãos tomarem eles próprios a iniciativa legislativa pode descomprimir algumas das iniciativas ou, de uma forma mais simples, aquilo que nem sempre, os partidos ou grupos parlamentares podem avocar pode ser agora ser trazido ao Parlamento pelos, cidadãos. Isto é, nos diversos conflitos de interesses, existentes na sociedade portuguesa será fácil desamarrar os compromissos de cada partido consigo próprio e, com as suas próprias tácticas políticas, porque, como é evidente, há temas que atravessam os vários, eleitorados, os vários partidos políticos e o facto de essa iniciativa ser estranha ou exterior aos partidos permitirá certamente ver debater nessa Casa temas que são tabu por razões de conveniência partidária ou de critérios de mera oportunidade política.
E, Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, só esse facto por si só traduz um notável avanço do sistema.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Orador: - É isso que basicamente aqui queremos salientar e é isso que julgo que todos temos que registar com satisfação. Foi nesse pressuposto que tomámos esta iniciativa e é seguramente também o que sucede com as iniciativas dos outros grupos parlamentares. Portanto, congratulemo-nos com essas iniciativas e concertemo-nos para, na especialidade, fazer um diploma que com verdade, regule um direito fundamental que 6o da iniciativa legislativa devolvida agora aos cidadãos.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Peixoto.
O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apenas uma breve reflexão para marcar, e de uma forma que não deixe dúvidas, o apreço que te-
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mos por estas iniciativas de consagração de mais um instituto de democracia directa. Nós, Partido Popular, sempre defendemos a participação directa dos eleitores, defendemos sempre cada vez mais o acentuado fim dos monopólios dos partidos sobre toda e qualquer iniciativa legislativa e, por isso, em outras ocasiões, como na propositura dos referendos locais, defendemos que fossem de iniciativa dos grupos locais.
Por isso, Sr. Presidente, Srs. Deputados, nesta matéria, que nos é muito particularmente agradável, estamos à vontade, se bem que não possamos deixar de ter presente que iniciativas como esta, desejáveis embora, têm de ser acauteladas com algum rigor e com algum cuidado. Se para nós parece francamente razoável e suficiente os 5000 subscritores para que a iniciativa possa ter lugar, já consideramos que há falhas no projecto do Partido Comunista Português, designadamente na sua forma, e sobretudo 0 controle que dessa formalidade decorre para não haver defraudação de todo este projecto. Já o projecto do Partido Socialista enquadra e vê com cuidado essas questões, o que, suponho, permitirá atingir algum consenso.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Independentemente de o Plenário não estar hoje particularmente concorrido, as iniciativas que estamos a discutir são, do ponto de vista de Os Verdes, de extrema importância. A iniciativa popular vai ao encontro daquilo que, como já foi dito, é um princípio consagrado na Constituição da República Portuguesa e que, reflecte um amplo consenso, mas hoje trata-se, mais do que ter conseguido proclamar no texto constitucional uma mais valia importante, de lhe dar corpo e sentido, e por isso esta é uma discussão extremamente rica e importante para Os Verdes.
Julgamos que a etapa que hoje se pode iniciar com a definição, em termos de lei ordinária, do conteúdo do mecanismo da iniciativa legislativa popular é extremamente importante, uma vez que consideramos que a democracia é um processo que não se esgota no acto eleitoral. Cada vez mais, importa reflectir o significado político dos muitos cidadãos que hoje reclamam, e reclamam de direito, novas e diversificadas formas de participação na vida pública. Reclamam, designadamente, o direito de ter com a Assembleia da República um outro diálogo que não aquele que, até agora, tem cabido em exclusivo aos partidos.
Do nosso ponto de vista, o mecanismo da iniciativa legislativa popular vem favorecer a intervenção dos cidadãos, o seu direito de participação na vida pública, alargando e diversificando o processo de democracia participativa.
Julgamos que, quando se trata de criar condições que favoreçam o interesse e estimulem a participação dos cidadãos na vida pública, há toda a conveniência em que as fórmulas a adoptar sejam, elas próprias, desburocratizadas, simplificadoras e não um amontoado de obstáculos processuais, de forma a tornar credível, por parte dos cidadãos, o recurso aos mecanismos que; formalmente, lhes são facultados pela lei.
Apesar de essa ser uma preocupação que está presente nalguns projectos, é com alguma dúvida que subscrevemos algumas das propostas. Desde logo, em nossa opinião, a exigência de um número extremamente elevado de peticionários, que vai muito para além do que se exige para a formação de um partido político, é um obstáculo ao funcionamento deste mecanismo.
Por outro lado, do ponto de vista processual, importa garantir, com clareza, que os cidadãos acompanhem, através de notificação, as diferentes etapas do processo legislativo que passa a estar nas suas mãos e que os requisitos formais para a sua apresentação não tornem complexo o processo, antes o simplifiquem.
Por último, queria salientar o papel extremamente importante que já hoje é desempenhado pela chamada sociedade civil, através dos movimentos autónomos dos cidadãos e de grupos de cidadãos. Os diplomas em causa podem vir a ter uma grande importância como forma de alargar e aprofundar aquilo que já é um património, porventura incipiente e não tão rico quanto desejaríamos, isto é, o envolvimento dos cidadãos em questões que são importantes para a nossa vida colectiva, designadamente para a defesa do consumidor, do património, do ambiente e da qualidade de vida dos cidadãos.
Este é, pois, um mecanismo que vem favorecer claramente o envolvimento dos cidadãos, dando maior legitimidade processual, como, aliás, se reflecte noutros pontos da Constituição, à participação dos cidadãos e maior consistência e conteúdo à participação dos cidadãos em defesa, por exemplo, do direito ao ambiente.
Em nome de Os Verdes, queria dizer que esta iniciativa é muito importante e a sua discussão, porventura, mereceria ter mais Deputados presentes no Hemiciclo. Desejamos, vivamente, que na concretização do articulado se encontrem fórmulas suficientemente flexíveis e agilizadas para que este direito tenha condições efectivas de ser consagrado e credibilizado junto dos cidadãos e não constitua um mero pró-forma.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, vamos dar início. às votações antes da hora regimental. Peço às direcções dos grupos parlamentares um pequeno esforço para convocar os Srs. Deputados que se encontram a trabalhar nos seus gabinetes.
Pausa.
Srs. Deputados, vamos começar por votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 269/VII - Altera os montantes das coimas e multas resultantes de infracções a normas sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, trabalho de menores, discriminação em função do sexo, duração do trabalho, trabalho suplementar, pausas e intervalos de descanso, pagamento de retribuições e salário mínimo nacional (PCP).
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O diploma baixa à 8.ª Comissão Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 220/VII - Altera as regras gerais sobre notificações previstas no artigo 113.º do Código de Processo Penal (PSD).
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Submetido à votarão, foi rejeitado, com votos contra do, PS, votos a favor do PSD e abstenções do CDS-PP,, do PCP e de Os Verdes.
Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 225/VII - Notificações judiciais (PSD).
Submetido. à votação, foi aprovado, cova votos a favor do PSD, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes e votos contra do PS.
O projecto de lei agora aprovado baixa, à l.ª Comissão.
Vamos agora votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 380/VII - Define as condições de acesso e exercício da actividade de intérprete de língua gestual,(PCP).
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O diploma baixa à 6.ª Comissão.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verde): - Sr. Presidente, peço a palavra para informar que apresentarei na Mesa, uma declaração de voto escrita.
O Sr. Presidente: - Fica registado, Sr.ª Deputada.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O. Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, salvo melhor opinião, não me parece que seja a melhor solução fazer baixar o projecto de lei n.º 380/VII à 6.ª Comissão. Séria melhor que baixasse à 1.ª Comissão:
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tomei a sua posição em conta, mas a 1.ª Comissão está tão atarefada e tem tanta acumulação de serviço que optei por sobrecarregar, neste caso, um pouco mais a Comissão de Educação, Ciência e Cultura.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Então, Sr. Presidente, por que não fazer baixar o diploma à Comissão de Trabalho, Solidariedade, Segurança Social e Família? Parece-me ser uma solução mais razoável.
O Sr. Presidente: - Porque o diploma já não veio de lá, Sr. Deputado. Devíamos tê-lo feito, mas não o fizemos!
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, dada a natureza da iniciativa e a matéria que está em causa, parece-me um absurdo que este diploma baixe à Comissão de Educação, Ciência e Cultura.
O Sr. Presidente: - Bom, a educação gestual também pertence à educação em geral, não é?!
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra,. Sr. Deputado.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sc. Presidente, do nosso ponto de vista, é perfeitamente defensável que este diploma baixe à Comissão de Educação, Ciência e Cultura.
O Sr. Presidente: - Sim, é admissível, mas fazê-lo baixar a qualquer uma das três comissões seria admissível! Mas, como a 1.ª Comissão está com trabalho a mais e o diploma não passou pela Comissão de Trabalho -, Solidariedade, Segurança Social e - Família, parece-me que, a melhor solução seria fazê-lo baixar à Comissão de Educação, Ciência e Cultura.
Srs. Deputados, vamos passar à votação dos diplomas que foram hoje objecto de discussão.
Em primeiro lugar, vamos votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 133/VII - Altera o artigo 1817.º do Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º47344, de 25 de Novembro de 1966, na redacção do Decreto-Lei n. º496/77 de 25 de Novembro.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD, do PCP e de Os Verdes e a abstenção do CDS-PP.
A proposta de lei agora aprovada baixa à 1.ª Comissão.
Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 422/VII - Sobre iniciativa legislativa popular (PCP).
Submetido à votação, foi aprovado, coro votos a favor do PS, do PSD, do PCP, e de Os Verdes é a abstenção do CDS-PP.
0 diploma baixa à 1.ªComissão.
Vamos votar na generalidade, o projecto de lei n.º 455/VII - Regula a iniciativa da lei por grupos de cidadãos eleitores (PSD) .
Submetido à votarão, foi aprovado por unanimidade
O diploma baixa à l.ª Comissão.
Passamos à votação, na generalidade; do projecto de lei n.º 456/VII - Regula e garante o exercício do direito de iniciativa legislativa popular (PS).
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade
O projecto de lei baixa igualmente à 1.ª Comissão.
Por fim o Sr. Secretário vai dar conta de um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias .
O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo 2 º Juízo Criminal do Tribunal de Círculo da Comarca de Matosinhos, Processo n.º 378/96, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido dê autorizar o Sr.: Deputado
António Maninho, do PS, a prestar depoimento, na qualidade de testemunha, em processo que se encontra pendente naquele tribunal, em audiência marcada para o dia 19 de Fevereiro de 1998, pelas 9 horas e 30 minutos.
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13 DE FEVEREIRO DE 1998 1345
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Srs. Deputados, como não houve tempo para distribuir a agenda com a ordem de trabalhos da próxima reunião plenária, o Sr. Secretário vai proceder à sua leitura, sem prejuízo da sua ulterior distribuição.
O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Srs. Deputados, para além do período de antes da ordem do dia, com eventuais declarações políticas, o tratamento de assuntos de interesse político relevante e um debate de urgência, requerido pelo Partido Popular, sobre a situação da TAP, o período da ordem do dia inclui a apreciação do projecto de resolução n.º 78/VII -- Constituição de uma comissão eventual para análise e acompanhamento da localização e construção do futuro aeroporto internacional (PSD) e a discussão, na generalidade e na especialidade, e votação final global do projecto de lei n.º 460/VII - Alteração à Lei Orgânica sobre a Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (PSD).
Informo ainda que, relativamente a esta última iniciativa, foram criadas condições para a fixação de duas grelhas de tempos, uma para a generalidade e outra para a especialidade, podendo ser transferidos os tempos sobrantes da discussão, na generalidade para a discussão na especialidade.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, na sequência da leitura agora feita pelo Sr. Secretário, pergunto se, até às 13 horas de hoje, deram entrada mais iniciativas legislativas relacionadas com a mesma matéria e que, portanto, possam ser objecto de agendamento por arrastamento.
O Sr. Presidente: - Que eu tenha conhecimento, não, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, como sabem, amanhã não há reunião plenária pela razão simples de que têm lugar as Jornadas Parlamentares do Partido Ecologista Os Verdes. Estaremos de volta no dia 18, quarta-feira, às 15 horas.
Está encerrada a sessão.
Eram l7 horas e 15 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Declaração de voto enviada à Mesa, para publicação, relativa à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 380/VII (PCP).
O direito à diferença, particularmente das pessoas portadoras de deficiência, embora de há muito proclamado, encontra-se na sua vivência bem longe ainda de ter sido plenamente alcançado.
Um facto que nos confronta com a necessidade de ultrapassar o velho patamar das declarações de intenção. Reclama medidas. Implica uma diferente atitude cultural que envolva e faça envolver toda a sociedade, 0s cidadãos, as instituições e os partidos em especial.
Uma necessidade a que Portugal, por acrescidas razões que resultam d4 elevado número de cidadãos portadores de deficiência (quase 10% da sua população), por um lado, e da extrema fragilidade e insipiência dos mecanismos, quer jurídicos, quer físicos, de apoio a estes cidadãos, por outro; tem de dar particular atenção e prioridade.
Uma atenção e prioridade que dêem corpo e sentido ao texto constitucional que em inúmeros artigos salvaguarda, não só o princípio da não discriminação dos cidadãos deficientes, mas também os deveres de promover à sua integração plena na sociedade.
Uma integração na sociedade que ponha fim à marginalização a que tendencialmente as pessoas portadoras de deficiência são remetidas, uma integração, sobretudo, que crie condições que favoreçam a sua participação plena e autónoma na sociedade.
Razões que levam o Partido Ecologista Os Verdes a considerar de extrema importância a iniciativa do PCP em debate.
Razões que nos levam a apoiar inteiramente as propostas de que se faz eco.
Propostas num projecto que visa, precisamente, ultrapassar uma lacuna hoje ainda prevalecente no nosso país face àqueles cuja actividade profissional consiste precisamente em garantir as condições de comunicação dos surdos com o seu meio ambiente, o mundo que os rodeia, relacionar-se com ele e, naturalmente, assim ultrapassar o seu isolamento; bem como permitir a sua plena ligação aos outros e adquirir, entre outras, condições para a sua formação escolar, profissional e cultural.
Uma preocupação que para os Verdes é cara, como partido que, por exemplo, nos seus tempos de antena, recorre a estes profissionais de língua gestual, é precisamente a de não excluir e chegar àqueles que por direito não devem ser segregados da sociedade e dela devem participar de corpo inteiro.
Uma importância que, também aqui não basta reconhecer esta actividade profissional (cuja classificação já existe), mas, como o diploma o faz, implica o estabelecimento das normas definidoras de uma nobre função que cada vez mais fora do estreito círculo familiar tende a ficar e cujas regras de formação, função e exercício profissional é de justiça vantajoso e urgente enunciar.
As condições, por fim, de exercício da actividade profissional daqueles que foram capazes de provar as muitas linguagens de que a linguagem é feita e a importância do silêncio e do gesto no processo profundamente rico, complexo e diverso na comunicação entre seres humanos.
A Deputada do Partido Ecologista Os Verdes, Isabel Castro.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
António Bento da Silva Galamba.
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Mário Manuel Videira Lopes.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Victor Brito de Moura.
Partido Social Democrata (PSD):
António dos Santos Aguiar Gouveia.
António Fernando da Cruz Oliveira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
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