O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1573

Quinta-feira, 12 de Março de 1998 I Série - Número 47

DIÁRIO da Assembleia da República

VII LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1997-1998)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 11 DE MARÇO DE 1998

Presidente: Exmo. Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Exmos. Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se coma da apresentação da proposta de resolução n.º 94/VII, dos projectos de lei n.ºs 501 a 504/VII, dos projectos de resolução n.ºs 82 a 84/VII, de requerimentos e da resposta à um requerimento.
Através da Mesa, a Comissão de Economia, Finanças e Plano informou o Plenário que se encontra caduco o processo relativo à ratificação n.º 38/VII (CDS-PP), dado não se ter verificado qualquer alteração ao Decreto-Lei n.º 209/97, de 13 de Agosto.
A Câmara deu assentimento às viagens de carácter oficial do Sr. Presidente da República à Ucrânia e a Marrocos, respectivamente entre os dias 13 e 16 de Abril e 13 e 15 de Maio.
Em interpelação à Mesa, o Sr. Deputado Eurico Figueiredo (PS) proeurou informar-se da forma como se dirigir ao Presidente da República a propósito de declarações por este proferidas acerca do processo de regionalização, tendo também sido interpelado pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira (PC) sobre o agenciamento, pelo PS, do diploma relativo à lei da criação das regiões.
Procedeu-se ao debate de urgência, requerido pelo PCP, sobre propostas comunitárias para o azeite, tendo usado da palavra, a diverso título, além dos Srs. Ministros da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas (Gomes da Silva) e dos Assuntos Parlamentares (António Costa), os Srs. Deputados Lino de Carvalho (PCP), Carlos Duarte (PSD), Augusto Boucinha (CDS-PP), Teresa Patrício Gouveia (PSD), António Martinho (PS) e Isabel Castro (Os Verdes).
O voto n.º 103/VII - De pesar pelo falecimento da ex-Deputada do PCP Alda Nogueira (PCP), foi aprovado, tendo feito intervenções, além do Sr. Presidente da Assembleia da República, os Srs. Deputados Octávio Teixeira (PCP), Helena Roseta (PS), Isabel Castro (Os Verdes). Maria Eduardo Azevedo (PSD) e Nuno Abecasis (CDS-PP). No fim, a Câmara guardou um minuto de silêncio.
O voto n.º 104/VII - De saudação sobre a participação política das mulheres (PS, CDS-PP e Os Verdes), foi também aprovado, tendo intervindo os Srs. Deputados Maria Eduardo Azevedo (PSD), Isabel Sena Lino (PS), Odete Santos (PCP), Isabel Castro (Os Verdes) e Ismael Pimentel (CDS-PP).
O Sr. Deputado Américo Sequeira (PSD) trouxe à colação alguns dos problemas mais prementes da região do Alto Minho.
Ordem do dia. - Foi discutido, na generalidade, a proposta de lei n.º 121/VII -Lei de saúde mental. Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro da Justiça (José Vera Jardim) e da Sr.ª Ministra da Saúde (Maria de Belém Roseira), os Srs. Deputados Bernardino Soares (PCP), Luís David Nobre (PSD), Isabel Castro (Os Verdes), Jorge Roque Cunha (PSD), Eduardo Ferrenha, João Rui de Almeida e José Niza (PS), Moura e Silva (CDS-PP), Alberto Marques (PS) e Paulo Mendo (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 40 minutos.

Página 1574

1574 I SÉRIE - NÚMERO 47

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Guimarães Fernandes Dias.
António Manuel Carmo Saleiro.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Henrique José de Sousa Neto.
João Pedro da Silva Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueira.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Mana Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Júlio Meirinhos Santanas.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel António dos Santos.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Góes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Eduarda Bento Alves Ferronha.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge Lúcio Arsénio.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Américo de Sequeira.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Taveira da Silva.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Soares Gomes.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Carlos Eugénio Pereira de Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.

Página 1575

12 DE MARÇO DE 1998 1575

Domingos Dias Gomes.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
José Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Manuel Costa Pereira.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria de Lourdes Lara Teixeira.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Rui Miguel Gama Vasconcelos Pedrosa de Moura.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Joaquim Manuel da Fonseca Matias.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Deputado independente: José Mário de Lemos Damião.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai ler o expediente.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente, Sr. Deputados: Deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: proposta de resolução n.º 947 VII - Aprova, para ratificação, o Acordo de Parceria e Cooperação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados membros, por um lado, e a República da Bielorússia, por outro, que baixa às 2.ª e 9.ª Comissões; projecto de lei n.º 501/VII - Regime jurídico das associações de emigrantes (PS), que baixa à 1.ª Comissão; projecto de lei n.º 502/VII - Altera a Lei Orgânica da Polícia Judiciária (CDS-PP), que baixou à 1.ª Comissão; projecto de lei n.º503/VII -Altera a Lei n.º 20/87, de 12 de Junho, (Lei da Segurança Interna) (CDS-PP), que baixou à 1.ª Comissão; projecto de lei n.º 504/VII - Altera o Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro (com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 45/96, de 3 de Setembro; (CDS-PP), que baixou à 1.ª Comissão; projecto de resolução n.º 82/VII - Proposta de referendo sobre a revisão do Tratado da União Europeia (CDS-PP), que baixou à 1.ª Comissão; projecto de resolução n.º 83/VII - Prevenção primária da toxicodependência no ensino básico e secundário (CDS-PP), que baixou à 6.ª Comissão; projecto de resolução n.º 84/VII - Tratamento médico de toxicodependentes detidos (CDS-PP), que baixou à 1.ª Comissão.
Da Comissão de Economia, Finanças e Plano recebemos a seguinte indicação: face ao resultado da apreciação do Decreto-Lei n.º 209/97, de 13 de Agosto, que regula o

Página 1576

1576 I SÉRIE-NÚMERO 47

acesso e o exercício da actividade das agências de viagens e turismo [ratificação n.º 38/VII (CDS-PP)], não se verificou qualquer alteração àquele diploma, pelo que se encontra caduco o pedido de ratificação apresentado.
Foram ainda apresentados na Mesa os seguintes requerimentos: ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Maria Celeste Correia, Miguel Miranda
Relvas, Carlos Coelho e Ismael Pimentel; ao Ministério do Ambiente, formulado pela Sr.ª Deputada Isabel Castro; a diversos ministérios e à Câmara Municipal de
Estarreja, formulados pela Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
O Governo respondeu ainda a um requerimento apresentado pelo Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, recebemos do Sr. Presidente da República duas mensagens pedindo o assentimento da Assembleia da República para duas deslocações suas ao estrangeiro.
A primeira é do seguinte teor: «Estando prevista a minha deslocação à Ucrânia, em visita de Estado, a convite do Presidente Leonid Kuchma, entre os dias 13 e 16 do próximo mês de Abril, venho requerer, nos termos dos artigos 129.º, n.º1, e 163.º, alínea b), da Constituição da República Portuguesa, o necessário assentimento da Assembleia da República.»
A Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação emitiu o seguinte parecer: «A Assembleia da República, de acordo com as disposições
constitucionais aplicáveis, dá o assentimento nos termos em que é requerido.»
Srs. Deputados, vamos votar o parecer da comissão.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a segunda mensagem é do seguinte teor: «Estando prevista a minha deslocação a Marrocos, em visita de Estado, a convite de Sua Majestade o Rei Hassan II, entre os dias 13 e 18 do próximo mês de Maio, venho requerer, nos termos dos artigos 129.º, n.º 1, e 163.º, alínea b), da Constituição da República Portuguesa, o necessário assentimento da
Assembleia da República.»
A comissão competente opinou no sentido de que «a Assembleia da República, de acordo com as disposições constitucionais aplicáveis, dá o assentimento nos termos em que é requerido.»
Srs. Deputados, vamos votar o parecer da comissão.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Eurico Figueiredo.

O Sr. Eurico Figueiredo (PS): - Sr. Presidente, tive mos conhecimento há uma ou duas semanas, da parte do Sr. Presidente da República, do interesse em que o debate sobre a regionalização suba de nível no sentido de nos ocuparmos menos de mapas, menos de fronteiras e mais de conteúdos, de competências sobre a regionalização.
Fiquei surpreendido, tanto mais que, quando o Sr. Presidente da República recebeu no Porto uma comissão das cinco regiões, ao fim e ao cabo, só se discutiram mapas e fronteiras. Mas, mais grave do que isso, houve da parte
dessa comissão afirmações que são completamente erróneas, pois pretende que cinco regiões são mais consensuais do que oito.

Ora, atendendo a que no Livro Verde Consulta pública sobre a regionalização nenhum município a norte do rio Douro, nos distritos de Viana do Castelo, Braga, Vila Real e Bragança, falou na região norte, nem na zona norte - repito, nenhum município -, gostava de saber que maneira tenho de informar o Sr. Presidente da República do resultado desta consulta pública para que, de facto, o problema do mapa, o problema das fronteiras se arrume de uma vez para sempre e para que possamos fazer debates sérios como o Sr. Presidente da República sugeriu.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, fica registada a sua interpelação, mas replico com outra pergunta: o que posso dizer-lhe que o Sr. Deputado não saiba?

Risos.

O Sr. Eurico Figueiredo (PS): - Sr. Presidente, como é que me devo dirigir ao Sr. Presidente da República de maneira a informá-lo de todo este processo de modo a que ele não seja mal influenciado?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, nesse aspecto sabe tanto como eu. Como é que nos havemos de dirigir ao Presidente da República numa democracia?! É chamando-lhe «Excelência»!

Risos.

O Sr. Presidente:- Também para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, já que o Sr. Deputado Eurico Figueiredo solicitou agora um esclarecimento relacionado com a questão da regionalização, concretamente sobre como é que poderia explicar ao Sr. Presidente da República o que se passou com o mapa das regiões, aproveito a oportunidade para, através da Mesa, solicitar ao Sr. Deputado Eurico Figueiredo que explique, se soube, a razão pela qual o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, três meses depois de o Sr. Presidente da República ter devolvido, a esta Câmara o decreto sobre a Lei de Criação das Regiões, ainda não o quis agendar!

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a interpelação foi dirigida ao Grupo Parlamentar do Partido Socialista e, como compreende, não posso responder.
Srs. Deputados, vamos iniciar o debate de urgência, requerido pelo Partido Comunista Português, sobre propostas comunitárias para o azeite.
Tem a palavra, para introduzir o debate, o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, Srs. Membros do Governo: Rumores! Assim exclamou o Ministro da Agricultura de Portugal perante o anúncio do debate de urgência requerido pelo PCP a propósito das novas propostas que o Comissário Europeu Franz Fischler preparava, em segredo, sobre o azeite e altamente gravosas do sector oleícola nacional e dos produtores de azeite. Rumores; diz o Ministro da Agricultura de Portugal, porque acredita mais, nas

Página 1577

12 DE MARÇO DE 1998 1577

cartas do seu colega Comissário Europeu do que nos alertas e nas informações do PCP e dos produtores nacionais.
Pois bem, Sr. Ministro, os «rumores e especulações» de que fala o Comissário Fischler na carta que pressurosamente lhe enviou estão aqui nesta concreta proposta de Regulamento que vai ao próximo Colégio de Comissários e depois ao Conselho de Ministros da Agricultura e que, pelos vistos, só o Sr. Ministro é que não conhece. Proposta de regulamento a que só lhe falta o número e que, ao contrário do que o Comissário Fischler afirma na carta que lhe escreveu, Sr. Ministro, prejudica os interesses portugueses e, em particular, regiões como o Alentejo e Trás-os-Montes bem como, mais uma vez, penaliza uma produção específica mediterrânica.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É sabido que a proposta da Comissão Europeia de uma reforma global do mercado do azeite, que pretendia substituir a actual ajuda à produção e ao consumo por uma ajuda por árvore, foi rejeitada em praticamente toda a União Europeia: manifestações de agricultores; um relatório do Parlamento Europeu e debates em vários parlamentos nacionais, entre os quais - também por iniciativa do PCP - na Assembleia da República, onde aprovámos uma resolução de rejeição da proposta, foram decisivos para que o Comissário Fischler e os Ministros da Agricultura dos países da União Europeia tivessem decidido congelar o projecto de reforma global do sector oleícola.
Mas o que saiu pela porta quer agora a Comissão Europeia fazer entrar pela janela. A Comissão Europeia propõe-se reabrir o caminho para retomar em 2001 uma reforma global do sector baseada em propostas tão más ou piores do que as anteriores. Para já, o Comissário Fischler lança um novo balão de ensaio alterando o regulamento actual para evitar novo debate e nova derrota no Parlamento Europeu e na Europa em geral, propondo-se fixar uma quota para cada país com montantes fixos de ajuda; substituir, o preço de intervenção (uma garantia, designadamente para os pequenos produtores) por uma ajuda ao armazenamento privado; acabar com a ajuda ao consumo; acabar com a ajuda única. específica para os pequenos produtores; proibir ajudas à plantação de novos olivais.
O princípio da quota com um montante fixo de ajuda e a proibição de plantação de novos olivais põe em causa as perspectivas de expansão futura do olival e do sector oleícola em Portugal, um dos poucos em que temos francas potencialidades e capacidade competitiva. Mais, deita para o lixo o tão propagandeado Plano de Dinamização da Fileira Oleícola em que o próprio Governo fixa um objectivo de produção de 120 000 t/ano para 2015.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - As denúncias públicas entretanto efectuadas parecem já ter produzido. alguns, embora tímidos, resultados (apesar da passividade do Governo português): da quota inicial proposta de 27 800 t já se está agora, ao que parece, numa quota de 43 700 t. Para além desta oscilação de valores, colocar em causa os critérios e a fiabilidade dos dados de produção da Comissão Europeia ficam ainda assim longe dos valores históricos da produção média de azeite em Portugal (55 600 t), inviabilizam o Plano para a Fileira Oleícola, não correspondem às próprias necessidades actuais (que entre produção e exportação se cifram em 75 000 t/ano) e mantêm o princípio inaceitável de uma quota com montantes fixos de ajuda.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Entretanto, a supressão da ajuda fixa específica para os pequenos produtores (a pretexto do combate à fraude e sem criar nenhuma alternativa) significaria que dos cerca de 70000 olivicultores existentes no País, quase 60 000 (tantos quantos são os pequenos produtores) seriam seriamente prejudicados. O fim da ajuda ao consumo levaria inevitavelmente a uma nova subida do preço do azeite no consumo e a um aumento da posição concorrencial de outros óleos vegetais.
Ora, é precisamente esta última questão que inspira as sucessivas propostas do Comissário Fischler, que o Ministro português classifica de rumores, em vez de procurar mobilizar os agricultores portugueses para a repudiar e, por esta via, aumentar a capacidade negociai do Governo. A verdade é que nada justifica esta proposta: os trabalhos do Comité Oleícola Internacional não prevêem excessos de produção nos próximos anos; existe um aumento da procura de azeite no plano mundial, designadamente de países não produtores como os EUA, Japão, Canadá, Austrália, países da Europa do Norte e do. Sudeste Asiático; há uma percepção pública crescente da importância do azeite no plano alimentar; é um produto natural que a Comunidade tanto diz querer promover.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Só que, exactamente por isto tudo, grandes multinacionais do sector agroalimentar têm-se vindo a implantar na área dos óleos alimentares, operando com outros óleos vegetais (como 0 óleo de girassol ou de soja), procurando ao mesmo tempo comprar e liquidar marcas nacionais tradicionais do azeite. São multinacionais como a Nestlé, a Unilever ou a Eridiana-Beghin. São os interesses destas multinacionais (somado a mais uma tentativa de diminuição' das despesas agrícolas à custa das produções mediterrânicas e dos pequenos produtores) que estão na base da proposta do Comissário Fischler, pois, como se pode ler num estudo recente da Comissão, «a racionalização do sector da produção prosseguirá certamente sob a acção das multinacionais». É por isso que a Comissão quer condicionar a produção europeia de azeite. Nesta como noutras matérias o que inspira a União Europeia não são nem os produtores nem os consumidores mas sim os poderosos interesses económicos que determinam as políticas da Comunidade.
Entretanto, enquanto V. Ex.ª, Sr. Ministro, acredita piamente nas cartas do Comissário Fischler, os Ministros da Agricultura de Itália e de Espanha têm vindo a pressionar e a negociar em Bruxelas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Os italianos acabam por ser os mais beneficiados e a Espanha obtém não uma garantia de quota de 538 000 t, como está proposto, mas de mais de 625 000 t, a que acrescerão daqui a quatro campanhas mais 221 360 t, num total de 846 570 t. Enquanto a Itália e a Espanha conseguem, no final do processo, quotas superiores às suas médias históricas, Portugal ficaria muito abaixo das suas expectativas futuras. Grande sucesso. Em todo

Página 1578

1578 I SÉRIE-NÚMERO 47

o caso bem pode V. EX.ª, Sr Ministro, ficar agradecido aos Governos italiano e espanhol se, por arrastamento, também formos contemplados com algumas migalhas na nova versão das quotas mas que de todo em todo não servem os nossos interesses e impedem a expansão do sector.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro: Acabámos de demonstrar que a proposta de alteração do regulamento do sector do azeite é bem real e gravosa para os interesses da olivicultura nacional; ao contrário do que o Comissário Fischler e V. Ex.ª, Sr. Ministro, tentaram fazer crer com conversa de embalar. Perante isto, e tendo em conta a resolução já anteriormente aprovada aqui na Assembleia da República, pergunto: o que vai o Governo português fazer? Declarar que perdeu a confiança no Comissário? Vetar a alteração ao regulamento? Deitar o Plano Oleícola Nacional para o lixo?
Pois bem, Sr. Ministro, em nossa opinião, é necessário criar-se uma frente comum dos países produtores e adoptar-se uma firme posição no próximo Conselho de Ministros da Agricultura baseada nas seguintes propostas: rejeitar esta proposta de alteração ao regulamento; propor que a quantidade máxima garantida para toda a União Europeia seja fixada num volume mínimo de 1850 000 t, face às perspectivas de evolução dos mercados; rejeitar a existência de um montante fixo nacional de ajuda - mais a mais com o valor proposto! -, acima do qual os olivicultores não teriam ajudas; manter os apoios aos pequenos agricultores, bem como os apoios à produção e ao consumo ,criando-se em alternativa um sistema integrado de combate à fraude; fixar que qualquer alteração ao regulamento do azeite não inviabilize o Plano Oleícola Nacional, que deve passar, com urgência, da fase da propaganda para a fase da execução.
É isto que propomos. Ficamos à espera da resposta do Governo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente:- Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas.

O Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas (Gomes da Silva): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por referir a oportunidade deste debate na Assembleia da República. Ele traduz a preocupação dos representantes eleitos do povo português por um sector importante da nossa agricultura, sector que nas últimas décadas foi relegado para segundo plano e que este Governo, logo que chegou ao poder em 1995, elegeu como primeira prioridade.

O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Nota-se, nota-se!...

O Orador: - Políticas erradas, prosseguidas num passado não muito recente, conduziram a produção de azeite de cerca de 80 000 t, em média, na década de 50 - com cerca de 570 000 ha no censo de 1954 -, a pouco mais 'de 30 000 t na década de 80 - com uma área de 340 000 ha no recenseamento de 1989.
Apesar da existência de verbas comunitárias através do PEDAP, a ausência de uma estratégia de política agrícola nacional ajustada às características marcadamente mediterrânicas do País conduziu à regressão do peso económico e social deste sector. Desprezou-se uma produção que, por exemplo, a vizinha Espanha desenvolveu fortemente, com os excelentes resultados agora visíveis.
Julgo poder afirmar que houve uma falta de visão do futuro, no quadro e após a nossa adesão à então Comunidade Europeia.
Por um lado, desenvolveu-se um conjunto mais favorável de preços e ajudas a outros sectores, nomeadamente cereais e oleaginosas, dando internamente aos agricultores sinais discordantes com o que se sabia ser o quadro de concorrência e preços após a nossa completa integração europeia. Por outro lado, descurou-se o apoio à olivicultura e à produção do azeite.
Nos 10 anos pós adesão, por cada hectare de olival plantado, arrancaram-se 3,6 ha. Negociou-se mala adesão no sector da olivicultura, permitindo que só 10 anos após a adesão, na campanha de 1995/1996, os agricultores portugueses tivessem direito à ajuda integral que a União Europeia disponibiliza para o sector, contrariamente ao que sucedeu para as culturas arvenses.
E hoje aí temos, uns e outros, em dificuldades, porque a política sectorial e os respectivos instrumentos não tiveram, em tempo oportuno, a visão e o conteúdo que permitissem antecipar o contexto de mercado aberto, após a completa integração.
Marginalizaram-se, ontem, produções que hoje têm mercados em expansão e possibilidades de competir, pelo menos em certos nichos; apoiaram-se outras, correspondendo a interesses de curto prazo, que têm hoje dificuldades crescentes em ser competitivas e rentáveis; agravaram-se problemas e atrasou-se a necessária reconversão da nossa agricultura, a ser feita, hoje, em tempo escasso e com custos mais elevados.
Após ter tomado posse, este Governo definiu uma estratégia para o sector agrícola nacional, na qual a olivicultura e o azeite são uma das prioridades.
Preparámos e lançámos o Plano para a Dinamização da Fileira Oleícola e, mais recentemente, melhorámos substancialmente, em cerca de 50%, os apoios ao olival tradicional no quadro das medidas agro-ambientais. Foram ainda eliminados neste quadro os limites de área por produtor.
Pela nossa dimensão e condições socio-económicas e estruturais, temos dificuldade em competir, no mercado de produtos de massa, com os grandes produtores oleícolas da bacia do Mediterrâneo: Espanha, Itália, Grécia, Turquia, Tunísia e Marrocos.
Temos, contudo, características próprias dos nossos azeites, consagradas hoje - e defendidas - a nível comunitário através das cinco «denominações de origem»- Trás-os-Montes, Beira interior, Ribatejo, Norte Alentejano e Moura. Reforça-se, assim, a política de apoios e incentivos ao desenvolvimento das produções de qualidade superior.
É, em suma, uma visão integrada de desenvolvimento de um subsector estratégico da agricultura nacional: a oliveira e o azeite.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A cultura da oliveira e o azeite têm uma presença no nosso mundo rural só comparável à da vinha, bem como um elevado valor paisagístico e ambiental, contribuindo para a redução dos riscos de incêndios, para além do contributo fundamental para manutenção do emprego e das populações em zonas rurais críticas ou difíceis.
Queremos manter esses objectivos e seremos intransigentes na condução da política agrícola nesta matéria, quer a nível nacional, quer a nível comunitário.

Página 1579

12 DE MARÇO DE 1998 1579

Será formalmente apresentada, dentro de uma semana, a proposta da Comissão para a reforma da Organização Comum de Mercado do Azeite. Dela conhecemos já os seus pontos fundamentais, por forma a poder formular um primeiro juízo de valor.

A proposta, tal qual é conhecida, não serve à agricultura portuguesa e penaliza os agricultores nacionais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quero, no entanto, esclarecer um aspecto fundamental. O documento de trabalho da Comissão, conhecido há cerca de 15 dias, e que alguns teimaram em considerar a proposta definitiva, difere do actual entre outros aspectos pelas quantidades máximas garantidas (QMG) atribuídas a cada Estado membro. Portugal dispõe agora, depois do trabalho efectuado em sede de negociação, de 43 915 t,. em vez das anteriores 27 815 t.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A QMG nacional beneficiou assim do maior aumento por Estado membro: 58% face ao valor inicial, contra 16% para Espanha - tão prometida e badalada -, 12% para Itália - tão anunciada - e 16% para a Grécia.

Aplausos do PS.

Para além disso, o valor agora atribuído a Portugal excede em cerca de 5000 t o máximo de produção jamais atingido, após a adesão à União Europeia, contrariamente ao que sucede nos restantes estados produtores.
Permitam-me então, Srs. Deputados, a afirmação de que a capacidade negociai de Portugal em Bruxelas não, é assim tão fraca quanto alguns gostariam de fazer crer ao País.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Nem tão pouco será útil pedir auxílio à Ministra da Agricultura do Reino de Espanha para defender os nossos interesses.

Vozes do PS: - Bem lembrado!

O Orador: - Dito isto, repito o que já afirmei há pouco: trata-se de uma proposta que não serve os interesses da olivicultura nacional e penaliza os nossos agricultores.
Desde logo, bloqueia as novas plantações a partir de 1 de Maio, acaba com a ajuda aos pequenos produtores, não permite o reporte nacional interanual. Mantém, no entanto, a ajuda por quilo produzido, o que constitui mais uma vitória da posição portuguesa, defendida há um ano atrás - recordo-o para aqueles que já o esqueceram -,face à vontade então expressa pela Comissão de passar a uma ajuda por árvore.
Estamos, assim, perante uma negociação que antevemos da maior dificuldade e dureza, e que se vai prolongar por vários meses: Dada a importância que atribuímos ao olival e ao azeite no futuro económico e rural do posso país, vamos ser muito firmes na discussão que se vai iniciar.
Somos pela ajuda à produção efectiva para todos os olivicultores. Queremos a quantidade máxima garantida europeia repartida por Estados membros, que nos coloque a coberto de reduções de ajudas por aumentos de produção noutros Estados membros.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - Queremos uma quantidade máxima garantida que deixe perspectivas de crescimento da produção em Portugal, que atenda aos valores já obtidos no passado e que tenha em conta a área de olival objecto de arranque no passado recente.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - Queremos continuar a plantar olivais após 1998, elegíveis às ajudas ao investimento e à produção.
O País, o seu sector agrícola, os agricultores e o mundo rural portugueses não podem ser privados de uma actividade e da expansão de um produto de qualidade superior, indispensável à sua viabilidade futura.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É com esta ambição e com estes objectivos, servidos por inquebrantável determinação de que já dei provas, que vou iniciar a discussão da reforma da OCM do azeite em benefício dos interesses da agricultura e dos agricultores do meu País.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sei para isso poder contar com o vosso apoio, com a actuação dos parlamentares portugueses europeus e das associações de agricultores de Portugal empenhadas, de facto, na defesa dos verdadeiros interesses da agricultura nacional.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Lino de Carvalho e Carlos Duarte.
Como o Sr. Ministro não dispõe de tempo para responder, informam-me que o PS cede 3 minutos para o efeito. De qualquer modo, a Mesa também lhe concede mais algum tempo, se for necessário.
O Sr. Deputado Lino de Carvalho também já não dispõe de tempo para usar da palavra...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, face à importância nacional do azeite para a nossa alimentação, creio que V. Ex.ª me disponibilizará mais algum tempo...

Sr. Presidente:- Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, já que o Partido Socialista não se quer envolver neste debate, envolvemo-nos nós.
Em primeiro lugar, gostava de sublinhar o facto de o Sr. Ministro ter realçado a oportunidade deste debate, bem como o de ter vindo aqui afirmar que esta proposta, mesmo na versão final que se conhece, não serve os interesses da olivicultura nacional. Espero, Sr. Ministro, que esta sua posição seja também a do Governo português, em particular a do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros,...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - ... porque enquanto V. Ex.ª afirma, publicamente, que a reforma da PAC não serve Portugal, o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros afirma que a reforma da PAC, tal como está, é uma base de trabalho.
Portanto, espero que seja essa a posição de todo o Governo e não apenas do Sr. Ministro da Agricultura!

Página 1580

1580 I SÉRIE - NÚMERO 47

Em segundo lugar, peço desculpa, mas o Sr. Ministro está mal informado. De facto, o que Espanha conseguiu, na fase final do processo negociai, não se fica pelos valores que o Sr. Ministro referiu, mas atinge outros bem mais elevados: valores superiores em 57,2% à proposta inicial da Comissão. E sabe porquê, .Sr. Ministro? Porque, para além das 625 000 t agora acordadas, há uma nota final na decisão que refere o seguinte: «Este aumento realizar-se-á nas próximas três campanhas»; ou seja, até ao dia 1 de Abril de 2004, data em que Espanha disporá de um volume suplementar de 221 360 t, o que dá um total de cerca de 900 000 t quase mais 60% do que a proposta inicial!

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Esta é a proposta de Espanha! E também poderíamos talar dos valores que foram negociados para Itália...
Portanto, os valores não são exactamente aqueles que o Sr. Ministro aqui trouxe. De qualquer modo, sejam eles quais forem, a verdade é que o princípio do montante fixo de ajuda não é aceitável para Portugal.
Ainda há pouco tempo, o Governo apresentou - o Sr. Ministro acabou de o referir - um Plano para a Dinamização da Fileira Oleícola, que tem como objectivo atingir uma produção de 120 000 t por ano, com a expansão dos olivais. Pergunto, então, como é que o Sr. Ministro compatibiliza este Plano para a Dinamização da Fileira Oleícola com a proposta de regulamento da Comissão, no caso de ela ir para a frente. A menos que o Sr. Ministro, usando os seus poderes, a vete no próximo Conselho de Ministros da Agricultura!
A minha questão é esta: o Sr. Ministro está disponível para, em sede negociai, aquando da realização do Conselho de Ministros da Agricultura, avançar com o veto desta proposta de regulamento, uma vez que ela coloca em causa, obviamente, o referido plano? Se não a vetar, o que vai fazer ao Plano para a Dinamização da Fileira Oleícola, que até agora o Governo tem propagandeado, mas que todos o reconhecemos, se calhar a começar pelo Governo... - pouco tem sido executado?
Se assim não for, as sucessivas vitórias anunciadas pelo Sr. Ministro ficam muito aquém dos próprios objectivos do Governo. Quase diria, Sr. Ministro, que vamos de «vitória em vitória», até à derrocada final da agricultura portuguesa!
É isso que não querermos. O que queremos, sim, são soluções negociais que sirvam os interesses da agricultura portuguesa. É nesse sentido que aqui travamos' este debate e é nesse sentido que interrogamos o Governo sobre a compatibilidade desta proposta de regulamento - mesmo tendo presente os últimos valores - com os objectivos nacionais que o Governo anunciou..

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Como o Sr. Ministro não dispõe de tempo para responder e beneficia de tempo concedido pela Mesa, sugiro que responda no final aos dois Srs. Deputados inscritos para pedir esclarecimentos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Duarte.

O Sr. Carlos Duarte (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, a minha colega de bancada, Teresa Patrício Gouveia, fará uma intervenção, na qual exporá a posição do Grupo Parlamentar do PSD sobre esta questão. Todavia, depois de ouvir as palavras do Sr. Ministro, não posso deixar de fazer dois registos e colocar uma questão.
Com efeito, não podia deixar de registar o apelo, politicamente correcto, dirigido a todas as bancadas e aos parceiros sociais no sentido de reforçar a posição do Governo nas negociações comunitárias. Penso que esse reforço é bem necessário, atendendo aos resultados práticos obtidos nestes dois anos de negociações levadas a cabo pelo Sr. Ministro e que, na prática, consubstanciaram prejuízos terríveis para vários sectores da agricultura nacional.

O Sr. António Martinho (PS): - Não é verdade!

O Orador: - É bom que, pela primeira vez, o Sr. Ministro tome consciência de que não foi suficiente ter participado, no passado, nas manifestações de agricultores para agora, no presente, virar-lhes as costas, caluniandoos -, mas é preciso consolidar uma posição estratégica, em que os agentes políticos e os parceiros sociais reforcem a posição do Governo, de forma a que a agricultura nacional, designadamente alguns sectores estratégicos, como o do azeite, possam ser defendidos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Também não posso deixar de registar que a posição de responsabilidade adoptada pelo Grupo Parlamentar do PSD diverge, estrategicamente e no essencial, daquela que foi assumida por outras bancadas parlamentares, já que, em negociações similares com outros sectores agrícolas, a bancada do PS adoptou, no passado, comportamentos extremamente diferentes e prejudiciais para a agricultura portuguesa.
O Sr. Ministro também se referiu ao passado e à estratégia então seguida. Poderá, eventualmente, tratar-se de uma táctica política para desculpar erros do presente, mas não posso deixar de referir que, em 1988, o Governo português negociou com a Comunidade um programa nacional de olivicultura que pressupunha um investimento na fileira oleícola, envolvendo cerca de 26 000 ha novos e podendo Portugal atingir uma produção de azeite da ordem das 62 000 t.
Sr. Ministro, nesse programa nacional de olivicultura, apresentado em 1988 e aprovado pela Comunidade, o Governo português tinha como meta estratégica que Portugal atingisse uma produção de 62 000 t de azeite por ano, meta essa que, neste momento consideramos necessário ultrapassar.
O Sr. Ministro referiu-se ainda às marcas registadas de azeite, mas essa foi uma decisão do Governo anterior, implementada por ele no passado. De qualquer forma, ainda bem que o Governo, quando quer falar em algo de positivo em matéria de azeite, remonta a decisões do Governo anterior. Ficamos satisfeitos por esse reconhecimento.
Também não podemos deixar de registar a ineficácia do poder negociai do Sr. Ministro em Bruxelas, uma vez que fez com que, em 1996 e 1997, os produtores de azeite vissem os seus rendimentos penalizados em 27%, apesar de não terem ultrapassado as quantidades anteriormente produzidas. Este é um sintoma claro da fraca negociação que o Sr. Ministro consegue em Bruxelas.
De qualquer modo, em relação a este documento - a proposta de regulamento -, o mais preocupante é o facto de o Governo, há 6 meses atrás, ter apresentado, divulgado e propagandeado pelo País um programa nacional

Página 1581

12 DE MARÇO DE 1998 1581

que envolvia cerca de 60 milhões de contos de investimento, com um aumento de mais de 80 000 ha de oliveiras e uma produção de 120 000 t de azeite por ano, mas o que vemos é que a proposta da Comunidade diz que Portugal não pode plantar nem mais uma oliveira a partir de 1 de Maio.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - 1 de Março!

O Orador: - ... e que a nossa produção vai ficar a l/3 daquela que, eventualmente, o Governo português pretendia atingir.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É inaceitável!

O Orador: - Sr. Ministro, não podemos aceitar esta proposta!
A posição do Governo neste debate, como no passado, mostra algumas fragilidades e alguma tibieza. É necessário mais firmeza, de forma a que os produtores nacionais se sintam melhor defendidos.
Da nossa parte, empenhar-nos-emos para que Portugal, nomeadamente no sector oleícola nacional, possa ter soluções que permitam a sua expansão e dinamização.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, parece que sobreavaliei a generosidade do Grupo Parlamentar do PS, pois, afinal de contas, o PS não tinha dito que cedia 3 minutos ao Governo, mas que podia vir a dar se não precisasse deles no fim do debate.
Portanto, não transfiro, desde já, para á bancada do Governo, esses 3 minutos do tempo do PS, mas a Mesa concede ao Sr. Ministro 5 minutos para responder aos pedidos de esclarecimento que foram colocados.
Tem a palavra, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Relativamente aos comentários feitos pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho, posso dizer-lhe que o texto de que disponho, e que é o texto oficial da proposta - texto F apresentado pela Comissão -, não faz, de facto, referência a qualquer valor suplementar para Espanha.
O Sr. Deputado Lino de Carvalho teve a simpatia de me informar que se trata de um comunicado publicado ontem em Bruxelas - suponho ser um comunicado da Comissão Europeia -, mas essa não é a forma normal de tratar estes problemas, pois as propostas são as que são apresentadas e, normalmente, os comunicados de imprensa não vêm acrescentar textos às propostas. Aguardaremos, pois, para ver em que termos é que esse problema será posto. Aliás, posso dizer-lhe que a negociação ainda nem sequer começou e muito disso terá de passar por aí.
De qualquer forma, agradeço as sugestões que fez quanto a pontos importantes, porque, conforme disse, todas as contribuições são úteis, e dado pensar que se trata de um problema de interesse nacional e não de um problema que possa constituir motivo de discussão entre partidos ou entre oposição e Governo.
Relativamente às considerações feitas pelo Sr. Deputado Carlos Duarte, uma vez que não fez qualquer pedido de esclarecimento, limito-me apenas a agradecê-las.
Em todo o caso, direi, a título de informação, que em 1994 não foi aprovado nenhum projecto de plantação de oliveiras, que em 1995 foram aprovados 1200 ha, que em 1996 foram aprovados 1765 ha e que em 1997 foram aprovados 3560 ha, o que mostra que há uma relativa evolução em resposta a medidas de política postas em vigor.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, como o Sr. Ministro acabou de referir que o Governo português não conhece o que foi negociado ontem ou anteontem em Bruxelas, e que, portanto, tal altera completamente o discurso inicial do Sr. Ministro, peço que, através da Mesa, seja entregue ao Governo cópia do documento oficial ontem emitido em Bruxelas pela Direcção-Geral III (Informação) sobre os resultados das negociações, designadamente com Espanha.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Augusto Boucinha.

O Sr. Augusto Boucinha (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O sector olivícola representa em Portugal uma actividade de vital importância social e económica em variadíssimas zonas do País, tendo um papel fundamental não só no combate à erosão e desertificação de zonas mais deprimidas, onde o nível educacional de grande parte dos agricultores é muito baixo, mas também em termos de emprego ainda que sazonal.
Existe olival disseminado de norte a sul do País, constituindo para muitos agricultores a sua principal fonte de rendimento.
A produção de azeite em Portugal tem conhecido variações de produção que vão desde as 94 000 t no decénio de 50/60, tendo vindo a descer nos decénios seguintes e apresentado no presente decénio sinais de crescimento, resultantes do fomento de plantio de árvores novas levadas a cabo recentemente, podendo, com segurança, apontar-se hoje para as 50 ou 60 000 t/ano.
As principais razões desse decréscimo tiveram a ver, de início, com a quebra de consumo do azeite verificada aquando da invasão dos mercados pelos óleos vegetais e consequente desvalorização do produto, levando ao abandono de grandes áreas de olival, começando a inverter-se esta tendência a partir dos anos 80 com a adesão de Portugal à Comunidade Europeia e com o reconhecimento da especificidade da agricultura portuguesa, através de um conjunto de incentivos ao olival e do Programa Nacional de Olivicultura.
A ajuda à produção de azeite, um dos instrumentos da Organização Comum de Mercado (OCM), foi introduzida na campanha de comercialização de 1986/87 com o valor de 7,10/ecus/100 kg de azeite, valor muito inferior ao que era atribuído aos restantes Estados membros.
O crescimento do sector, que seria de esperar, não se verificou, uma vez que este sector nunca foi considerado, pelos sucessivos governos, como prioritário quando das grandes decisões relativas à política agrícola do País.
A situação hoje é muito diferente e o sector apresenta grande dinamismo, pois em todas as acções que envolve

Página 1582

1582 I SÉRIE - NÚMERO 47

a olivicultura, o sector é prioritário. Criaram-se denominações de origem, apostou-se em novas plantações, aumentou-se o número de olivicultores; apostou-se na modernização das empresas de transformação é, com toda- a segurança, podemos afirmá-lo, o sector apresenta hoje níveis de crescimento elevados apontando para produções da ordem das 50 ou 60 000 t/ano ou mais.
Ora, isto quer dizer que os representantes da produção não aceitam uma proposta de reforma da OCM baseada em valores históricos de produtividade e de número de oliveiras referentes aos anos de baixa produção. Assim como não podem admitir quotas por Estado membro quer à produção quer ao número de oliveiras nem quotas baseadas no orçamento disponibilizado por Estado membro.
O sector encontra-se claramente em crescimento e é uma das raras alternativas futuras para a agricultura portuguesa.
É inadmissível a atribuição de uma ajuda diferenciada por Estado membro, pois uma proposta destas vai contra o espírito de uma Europa que é suposto andar a uma única velocidade e irá provocar distorções de mercado.
O olivicultor português deixará de ter valores acrescentados pela entrega da sua azeitona no lagar, uma vez que dificilmente será escoado o azeite português, quando 0 mercado nacional for invadido por azeite de outros Estados membros produtores com custos muito mais reduzidos, consequência, nomeadamente, de custos de produção mais baixos e da atribuição de uma ajuda a estes Estados membros com um valor de mais do dobro da ajuda a atribuir a Portugal.
É por isso que dizemos que a atribuição de uma ajuda por árvore, desligada da produção e com valores baixos, levará ao total abandono dos olivais e ao agravamento da situação de desertificação de várias zonas do País.
Se isto viesse a acontecer, teríamos ainda a invasão do mercado da União Europeia por azeite produzido em países terceiros, que estão a desenvolver fortemente a cultura e que dispõem, como se sabe, de condições concorrenciais imbatíveis, nomeadamente no plano social.
Uma proposta de reforma nestes moldes terá igualmente consequências ao nível do emprego, sendo previsível a perda de mais de 850 000 dias de trabalho directo, sem contar com as consequências ao nível do trabalho indirecto.
Recuperar o atraso em que se encontra a nossa olivicultura passa, necessariamente, pelo recurso a um regime de ajudas, que incentive a produção, e nunca por um sistema exclusivamente preocupado em manter o rendimento dos olivicultores, diminuir o esforço de controlo à fraude, que premeie o imobilismo e penalize quem produz bem e com qualidade.
Temos de apostar em políticas que permitam recuperar o atraso da nossa olivicultura e participarmos, adequadamente, na expansão do mercado europeu e mundial do azeite no próximo século.
Qualquer que seja a alteração que possa vir a verificar-se na actual OCM do sector, deverá ser sempre garantida a competitividade do sector olivícola a qual constitui a única forma de assegurar a manutenção do rendimento dos olivicultores.
Numa altura em que o consumo do azeite tem vindo a aumentar, deverão estar previstas acções que visem a melhoria dá qualidade do azeite e que promovam o seu consumo.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Por tudo o que foi dito, assistimos, ao contrário do que diz o Sr. Comissário Fischler, ao aumento quer da produção quer do consumo do azeite numa Europa não excedentária, por isso só fará sentido promover o investimento neste sector, em que o azeite é um produto estratégico e vital para Portugal, e nunca restringir o seu crescimento, dando sequência ao «plano para a dinamização da fileira olivícola», de que V. Ex.ª, Sr. Ministro, é pai, apresentado em Maio de 1997, com pompa e circunstância, e que, segundo foi afirmado por V. Ex.ª, iria permitir grande crescimento de um dos sectores agrícolas alternativos.
De nada valerá esse plano se a proposta da Comissão for aprovada, propondo-se limitações à produção, ao hectare e ao número de oliveiras a inscrever. _
Quer dizer, Sr. Ministro, que uma das bandeiras mais sonantes apresentada por V.Ex.ª poderá cair por terra se as pretensões do Sr. Comissário, insensível ao problema específico da olivicultura em Portugal, for avante.
Felizmente, pelas informações de que dispomos, o Sr. Comissário Fischler tem conhecido, neste sector, algumas derrotas e, apesar da teimosia revelada, esperamos que V. Ex.ª saiba defender, com rigor e alto sentido patriótico, os interesses de Portugal na União Europeia.
Quero dizer ainda, Sr. Ministro, que a proposta da reforma da organização comum de mercados do azeite, que o Sr. Comissário agrícola pretendia apresentar no passado mês de Outubro, traria para o sector olivícola português, nomeadamente olivicultores, trabalhadores agrícolas sazonalmente dependentes do sector, proprietários de lagares e lagareiros, cooperativas, empresas de vendas de máquinas agrícolas e maquinaria associada à extracção de azeite, consequências profundamente nefastas.
O Sr. Comissário Fischler parece que pouco percebe de azeite e parece ser mais sensível às pressões é ao poder de influência das indústrias multinacionais produtoras de óleos.
Por tudo o que foi dito, Sr. Ministro, devemos defender, sem qualquer tibieza ou submissão, o seguinte: a elevação da quantidade máxima garantida para os níveis de produção real dos países da União Europeia; a elevação da quantidade nacional de garantia para os níveis de produção nacional, tendo em conta o aumento significativo da actual produção e prevendo-se; a curto prazo, o seu aumento para valores nunca inferiores a 50 ou 60 000 U ano. A fim de não estancar o crescimento do sector, não podemos permitir a exclusão de novos olivais e outros apoios a partir de 1 de Março de 1998; não podemos permitir que desapareça o mecanismo de intervenção como salvaguarda dos olivicultores e a ajuda ao consumo, de modo a evitara degradação da qualidade do azeite: não podemos permitir a tentativa de introdução de uma ajuda à árvore ou ao hectare a partir do ano-2000 ou 2001. Devemos defender a manutenção de ajuda ao consumo, que tem tido um papel muito importante para a moralização do mercado nacional e europeu; incentivar acções que visem a melhoria da qualidade do azeite e que promovam o seu consumo; proibir a mistura de azeite com outros óleos vegetais em todos os Estados membros.
Assim sendo, podemos contribuir, de algum modo, para o desenvolvimento de um sector da nossa agricultura que está em crescimento e recupera de anos de imobilismo.
Não podemos permitir que seja fechada a porta a uma alternativa futura tão importante para Portugal, um País que produz metade do azeite que consome e numa Europa que não se imagina possa vir a ser excedentária.
Aprovar uma proposta baseada em produtividades históricas é perpetuar e até acentuaras assimetrias na distribuição de rendimentos e é privilegiar os sistemas que já

Página 1583

12 DE MARÇO DE 1998 1583

são à partida competitivos, comprometendo a evolução dos sistemas mais pobres.
Este não será, por certo, Sr. Ministro, o caminho para a coesão.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, mais uma vez não estamos sós, temos a companhia agradabilíssima e responsabilizante de cerca de 380 alunos das nossas escolas: 100 alunos da Escola Básica 1,2,3 de Santa Catarina da Serra, de Fátima; 40 alunos da Escola Secundária da Lousã; 50 alunos da Escola Severim de Faria, de Évora; 54 alunos da Escola EB 2,3 Miguel Torga, de Sabrosa; 60 alunos da Escola Secundária da Belavista, de Setúbal; IS alunos da Escola Secundária Augusto Gomes, de Matosinhos, e 60 alunos da Escola Secundária do Fundão.
Para eles peço o vosso carinho.

Aplausos gerais, de pé.

Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Patrício Gouveia.

A Sr.ª Teresa Patrício Gouveia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Nos cenários mais optimistas de proposta da Reforma da PAC, tal como ela se apresenta, metade das explorações agrícolas do Continente e dois terços da terra cultivada serão inviáveis ou não competitivos dentro dos próximos 12 anos.
A opinião não foi recolhida de entre os slogans de uma manifestação de agricultores - que, aliás, já não contaram com a presença do Ministro da Agricultura -, mas foi lida num recente estudo do Professor Francisco Avillez que analisa as propostas em debate sobre a Reforma da PAC e as suas consequências Portugal.
De acordo com o estudo referido, os rendimentos dos agricultores portugueses em 1995 foi de um sexto do dos dinamarqueses e um quinto do dos franceses.
Na realidade, as propostas, tal como se apresentam neste momento, traduzem um gritante desfavorecimento para a agricultura mediterrânica, para os países da coesão e de entre estes para Portugal.
Esta orientação distorcida tem vindo a ser mantida de forma consistente em todos os documentos que se vão conhecendo oriundos da Comissão, o que permite concluir que se trata, de facto, de uma posição que se vai consolidando.
Por outro lado, no que diz respeito ao caso específico do azeite, os documentos conhecidos de todos, mas ignorados pelo Ministério da Agricultura, vão apontando - e certamente não é por acaso - claramente, no mesmo sentido, fixando tectos que estrangulam qualquer perspectiva de desenvolvimento deste sector, alterando os apoios aos pequenos produtores, inviabilizando o plantio de novo olival e criando um quadro de rigidez em relação à expansão da fileira oleícola nacional.
Para rebater estas propostas seria necessária firmeza mas também antecipação a essa consolidação de propostas.
A antecipação, como se viu, não foi nenhuma. Ninguém ignora que as propostas se vão formulando mesmo antes de serem escritas... A Comissão, ao formular propostas distorcidas, não o faz por má vontade para com Portugal, mas apenas porque outros exerceram as suas pressões. Aqui, o Governo português não existiu! Quanto à antecipação estamos, pois, conversados! Não esperávamos mesmo esta estrondosa confirmação que hoje aqui tivemos sobre a ausência do Governo das verdadeiras negociações com a confissão de total desconhecimento de uma proposta que toda a gente conhece menos o Governo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Quanto à Firmeza, também aí não temos motivos para nos tranquilizarmos. É que, mesmo perante as propostas já conhecidas, o Ministério continua a dizer em documentos oficiais que «a Agenda 2000 é um primeiro balão de ensaio (...)» com «(...) margem de manobra mais do que suficiente para acolher os interesses de Portugal».
A produção do azeite representa em Portugal, e em particular para o Alentejo, uma contribuição importante do ponto de vista da produção e da economia agrícola.
A produção oleícola é, aliás, justamente, daquelas cuja viabilização pode ser encarada, desde que devidamente reconvertida, para além do horizonte das ajudas em vigor, e mesmo, segundo refere o dito estudo, num cenário de total liberalização. Devia, assim, constituir um sector cuja modernização se impunha apoiar estrategicamente com determinação.
Contudo, sucede precisamente o contrário: de facto, os produtores de azeite portugueses têm sido, nos últimos tempos, fortemente penalizados e, em primeiro lugar, pela recente quebra ao rendimento sofrida na colheita de 1996/97. Perante a resignação do Governo, que não soube, ou que não achou relevante, defender as circunstâncias particulares vividas nesta área e neste ano, os agricultores sofreram uma penalização de 27% dos apoios ao rendimento.
Por outro lado, os agricultores foram confrontados, em Junho passado, com uma proposta apresentada pelo Governo, o chamado Plano de Dinamização da Fileira Oleícola, na qual se apontava para uma produção anual de 120 000 t/ano. Desde então os agricultores não só nada mais ouviram dizer da sua aplicação concreta, como têm visto recusado o apoio à necessária reconversão do olival, indispensável à modernização do sector.
Mas, mais ainda: os agricultores vêem-se agora confrontados com o anúncio de uma proposta de alteração do regulamento da OCM que aponta para quotas de 43 000 t, contrariando brutalmente as expectativas criadas pelo Governo aos agricultores.
É caso, para se perguntar se o Governo, ao apresentar publicamente esta proposta, sem ter aparentemente, de todo em todo, curado da defesa da sua viabilidade no plano comunitário, a apresentou de boa fé ou se o fez para entreter os alentejanos, que nessa altura se debatiam com duros problemas de seca.
Por outro lado, ainda, e para acrescer a todas estas contrariedades, os produtores de azeite do Alentejo têm vindo a ser penalizados, agora activamente pelo Governo, através da imposição de multas por razões ambientais.
Recordo uma reunião, em Novembro de 1996, nesta mesma Casa, em que o Ministro da Agricultura asseverou aos proprietários dos lagares de azeite que enquanto se estivesse a negociar o protocolo esses produtores não seriam multados.
Ora, acabámos de receber desses mesmos produtores cópias de autos de notícia, em contradição com essas promessas. Nessa altura, foi pedido aos proprietários que fizessem chegar ao Ministério a indicação dos casos

Página 1584

1584 I SÉRIE-NÚMERO 47

concretos, para que o Ministério intercedesse junto do Ministério do Ambiente.
Mas recordo também que, nesse mesmo encontro, o Ministro da Agricultura - e agora volto à reforma da OCM - também pediu aos agricultores presentes que lhe fizessem chegar as suas posições para reforçar a posição do Governo junto da Comissão Europeia.
Os tempos de facto, mudaram e as vontades também! Hoje o Governo já não pede aos agricultores que o reforcem com as suas legítimas preocupações, mas pede-lhes antes que o deixem em paz, afirma que essas preocupações não têm fundamento, que a Comissão já não pode ouvir falar na sua especificidade. Será ela fictícia?...
É pena que, em toda esta questão, o Ministério tenha voltado as costas aos parceiros sociais, que não estabeleça com eles uma concertação estratégica, ao contrário do que acontece em outros Estados membros nossos vizinhos.
Esperemos que o Governo saiba fazer valer os interesses nacionais na discussão destas matérias. É que não podemos olhar para os agricultores como um peso morto, um grupo social que o País tem a seu cargo e que tem de sustentar de forma assistencial.
Os agricultores constituem uma importante componente produtiva, criadora de riqueza, com uma relevante função, de desenvolvimento social.
E nessa perspectiva que os seus interesses devem ser defendidos, porque eles são também os interesses de todos nós.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Martinho.

O Sr. António Martinho (PS): - Sr. Presidente, é apenas para saudar a nova porta-voz do PSD para as questões da agricultura e também para dizer que, afinal, o PSD ganhou pouco com esta nova porta-voz, pois ela misturou números, misturou situações e enganou-se.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Neste momento, estamos melhor em termos de auto-aprovisionamento e em termos de produtos agrícolas do que no tempo do seu Governo, do qual, aliás, a Sr.ª Deputada fazia parte.
A Sr.ª Deputada enganou-se quando se esqueceu que a nossa balança comercial melhorou 11%; enganou-se em vários números, apesar de ter citado o Professor Avillez; cujo trabalho também não quis aqui dizer que tem um contexto próprio e que tem um conjunto de anos a que sei refere.
De facto, o Professor Avillez é uma pessoa citável, mas devemos citá-lo no pleno contexto para não induzir esta Câmara em erro.
Além do mais, as questões que o Sr. Deputado Carlos Duarte levantou indiciam pouca elevação no debate e nós queremos. que este debate seja produtivo para Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Patrício Gouveia, a quem a Mesa concede um minuto e meio.

A Sr.ª Teresa Patrício Gouveia (PSD): - Sr. Presidente, responder não posso, porque nada me foi perguntado, mas registo que, apesar de tudo e do seu desconforto com a minha intervenção, a verdade é que se enervou muito, portanto talvez ela não tenha sido tão inútil como isso...

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Em relação à matéria acrescento o seguinte: o Governo apresenta como sua prioridade a questão do azeite, mas, afinal, faz propostas sobre um plano oleícola sem qualquer fundamento de viabilidade, vai sendo confrontado com propostas sucessivas que contrariam esse mesmo plano, deixa que se penalizem os produtores portugueses, como sucedeu com a colheita do ano passado, em 27%, e aplica multas aos lagares. Se isto é atribuir uma prioridade o que será para o resto dos sectores!?
Além disso, o Sr. Ministro vem aqui dizer que a proposta da Comissão agora está em 47 000t e eu pergunto-lhe se isso ficou a dever-se à influência do Governo português ou à pressão de outros Estados membros como, por exemplo, a Espanha, que - essa sim - actuou em tempo útil junto da União Europeia. Soubemos hoje - e é pena que o Sr. Ministro, ao contrário de toda a gente, não saiba o que está a passar-se por lá = que a Espanha, no horizonte de 2001, terá, provavelmente, um aumento para 900 000 t. E o Sr. Ministro vem aqui dizer que está muito contente por Portugal ter 47.OOOt!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Martinho.

O Sr. António Martinho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: A confirmarem-se as informações relativas à proposta do Sr. Comissário Fischler para o sector do azeite, e apesar de algumas das medidas preconizadas neste momento não serem tão penalizadoras para Portugal como há ano e meio se receava, queremos reafirmar a nossa discordância com essa proposta.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em coerência com posições anteriores, na linha do Programa do Governo, onde há um claro entendimento de que os agricultores devem desenvolver «actividades claramente produtivas». Ali se considera que «os apoios concedidos são para permitir a continuação da actividade produtiva em condições de rendimento satisfatório». Devem, assim, ser criadas condições que permitam aos agricultores «continuar a produzir bens e serviços economicamente rentáveis e socialmente úteis».
Este sentido do Grupo Parlamentar do PS distingue-se bem do que aconteceu em anos anteriores no Grupo Parlamentar do PSD.
É esta a nossa posição. Na verdade, a confirmar-se a proposta inicial, ela não teria em devida conta a realidade portuguesa, uma vez que o nosso olival se localiza, na sua maior percentagem, em zonas de solos pobres, de baixa pluviosidade e com acentuadas marcas de desertificação humana. Ora, estas zonas exigem, isso sim, apoios acrescidos, que criam condições ao combate à desertificação física e humana e à degradação ambiental, condições essas propiciadoras da manutenção de uma agricultura tradicional, baseada também, entre outras culturas, na cultura do olival.
Convenhamos que já se verificou algum progresso mesmo neste documento.

Página 1585

12 DE MARÇO DE 1998 1585

É em coerência com estes princípios de orientação estratégica que o Governo que apoiamos tem participado, activamente, nas negociações em Bruxelas, na defesa das nossas posições. Os interesses nacionais devem e têm sido defendidos.
A capacidade negociai demonstrada não permite conclusões pessimistas. Sobretudo, não permite conclusões apressadas. É sempre preferível medir o sucesso negociai pelos resultados finais.
O que me parece é que o discurso e a atitude do Grupo Parlamentar do PCP, na matéria hoje em análise, contrasta com o discurso e a atitude que teve aquando da apresentação e debate do projecto de resolução n.º 33/VII, em finais de 1996.
Hoje, com laivos de miserabilismo e catastrofismo; nessa altura, claramente construtivo. Foi pelo menos essa a impressão que, na altura, me deixou.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Isso está demodé.

O Orador: - Hoje, um discurso muito próximo do daqueles, do outro extremo, que só vêem o bom no estrangeiro; que consideram que só «o que é espanhol é bom».

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem lembrado!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A política agrícola exige, indubitavelmente, a definição clara de objectivos nacionais para o sector e,
medidas de estratégia.
Trata-se, inquestionavelmente, de um assunto suprapartidário, que exige esforços conjuntos de todos.
Necessariamente, a concretização das mesmas depende de meios nacionais e de meios comunitários, no que ao investimento se refere. Depende, ainda, das políticas definidas a nível europeu.
No que se refere à componente nacional, ninguém tem dúvidas, ninguém de boa fé pode ter dúvidas, da justeza das opções do actual Governo.
Efectivamente, logo após a tomada de posse, o Governo PS definiu uma estratégia para o sector agrícola nacional.
Como já aqui referiu o Sr. Ministro hoje, privilegiou-se então o regadio. Definiram-se como prioritários os subsectores da olivicultura, da vitivinicultura, da horto-fruticultura, da floricultura, da floresta e da pecuária extensiva. Reforçaram-se os apoios e incentivos ao desenvolvimento de produções de qualidade, com vista a nichos de mercado bem definidos.
Basta lembrar, Srs. Deputados, as alterações ao PAMAF, logo numa primeira fase. Mas é bom também lembrar o plano para a dinamização da fileira oleícola, que mereceu concordância e aplauso generalizados.
Estas opções, tomadas em devido tempo, contrastam, claramente, com as do anterior Governo. Quanto a opções e quanto a medidas.
Nessa altura, o Governo PSI) preferiu dar prioridade a produtos muito menos ajustados à realidade portuguesa. E, assim, os apoios negociados ao azeite demoraram dez anos a atingirem o nível dos apoios em outros Estados membros, facto que veio a verificar-se só na campanha de 1995/1996: 142.20 ECU/100 kg. Em 1997/1998 a diferença na ajuda era mesmo de 53.64 ECU.
Têm dúvidas, Srs. Deputados do PSD? Então vejam os mapas.

Também nessa altura a área de plantações com apoio foi pequena e diminuiu, situando-se, em 1994, em zero.
Têm dúvidas, Srs. Deputados do PSD? Vejam os gráficos.
Nos anos de 1996 e 1997, esse apoio subiu significativamente, atingindo já, no ano passado, 3500 ha.
Mais, Srs. Deputados: este Governo, consciente da importância do subsector do azeite para a economia portuguesa, consciente de que esta cultura é essencial em muitas zonas desfavorecidas do nosso país, decidiu, e bem, aumentar as ajudas ao olival tradicional através das medidas agro-ambientais. Assim, deixou de haver limites de área e verificou-se um aumento de 50% no apoio.
Têm dúvidas? Consultem os documentos.
Estas medidas, em conjunto com outras, visando o desenvolvimento rural, são, aliás, apostas claras do Governo português.
Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Demonstrado que está a justeza dos objectivos do Governo neste sector, demonstrado que está o interesse nacional quanto à evolução, no sentido mais favorável para Portugal, da proposta do Comissário, é imprescindível o envolvimento de todos - Governo, Parlamento e sociedade civil, grupo parlamentar que apoia o Governo e oposições, Deputados europeus, confederações de agricultores e organizações de consumidores - na prossecução dos melhores resultados nas negociações desta OCM.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Este envolvimento global é essencial para o sucesso das nossas pretensões. A ninguém é legítimo recusá-lo.
Da parte do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, assim será, sem dúvida.

Aplausos do PS.

O Sr.. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes):. - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados: Julgo que se alguma conclusão este debate de urgência evidencia é a de que urge reiniciá-lo.
O facto de o Governo ter demonstrado desconhecer a evolução deste dossier, de ter provado que tem posições e leituras contraditórias da salvaguarda dos interesses nacionais, prova que a situação é grave. E eu julgo que é particularmente grave quando temos pela frente uma reforma da PAC, quando temos como herança uma PAC que também o PSD, quando governo, permitiu que tivesse os seus actuais contornos, que foram lesivos para os interesses da agricultura portuguesa e que têm, obviamente, reflexos extremamente directos e intimamente ligados à própria situação ambiental do nosso país, tais como a degradação dos solos, a perda da nossa diversidade, a destruição daquilo que nos diferencia e do que devia ser o suporte do nosso desenvolvimento. Torna-se claro que há uma tentativa de valorização, e tão só, dos produtos do norte da Europa e das suas agriculturas em detrimento dos produtos dos países do sul, os chamados países mediterrânicos, dos seus produtos e da sua qualidade. Ora, seria importante que, neste momento, quando um novo «pacote» se desenha, com clareza, Portugal fizesse ouvir a sua voz, que questionasse e confrontasse claramente a

Página 1586

1586 I SÉRIE-NÚMERO 47

União Europeia com um processo que destruiu a agricultura e que, dentro da União Europeia, agravou a desigualdade entre regiões.
Julgamos que não ter em conta a componente ambiental na nova política agrícola, não ter em conta a necessidade de restabelecer equilíbrios sociais que se agravaram, não ter em conta que é também negativo, do ponto de vista
da segurança, a destruição dos nossos próprios mercados
e a nossa acentuada dependência do exterior, é não entender que tudo o que está para trás tem uma leitura política e que essa leitura política gerou descontentamento e desequilíbrio ecológico. Julgamos que este seria o momento bom para compreender tudo isto e diferentemente equacionar.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas.

O Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas: - Sr. Presidente. Srs. Deputados: De acordo com o quadro que marca os tempos deste de
bate de urgência, requerido pelo Grupo Parlamentar do PCP, sobre as propostas comunitárias para o azeite, creio que chegámos ao fim.
Foi dito que talvez devêssemos recomeçar o debate, por que o Governo desconhecia documentos fundamentais. Srs. Deputados, tenho a maior admiração por esta Câmara e pelos partidos que a compõem e, por isso, sinto-me um tanto embaraçado neste momento para fazer um comentário final que, no fundo, andará à volta da grande questão levantada e que foi a ignorância do Governo face aos
documentos disponíveis para a reforma da OCM do azeite.
No entanto, a forma como me comporto tanto na vida como no desempenho das minhas funções de ministro obrigam-me a dizer, com serenidade, mas com muita firmeza,
que o documento referido pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho é apenas e tão-só um despacho da agência noticiosa EFE, feito em Bruxelas e datado de 10 de Março, veiculado pelo Parlamento Europeu, Direcção-Geral III, de Informação, que não tem nada a ver com a proposta feita pela Comissão, na qual não existe qualquer referência a qualquer aumento da quota espanhola. Acabo de entrar em
contacto, através do meu Chefe de Gabinete, com o gabinete do Sr. Comissário Fischler, o qual desmentiu, formalmente, a existência de qualquer espécie de aumento para a quota espanhola sobre o valor que figura na proposta,
cujo texto tenho na minha mão, e que corresponde, efectivamente, ao documento que vai ser discutido em Colégio de Comissários no dia 18 deste mês.

O Sr. António Martinho (PS): - Desta vez, a informação do PCP falhou!

O Orador: - Portanto, não há qualquer aumento do valor da quota espanhola. Aliás, é curioso como tão rapidamente se afirma, em coro, após essa intervenção, que o Governo é ignorante e desconhece os documentos sobre os quais trabalha. Isto é lastimável em termos de debate político!
De qualquer modo, quero ainda fazer referência à afirmação feita pela Sr.ª Deputada Teresa Patrício Gouveia, segundo a qual o Governo voltou as costas aos parceiros sociais e não os ouve.

Sr.ª Deputada, penso que essa informação terá sido fornecida pela Confederação dos Agricultores de Portugal, a CAP, ao Sr. Professor. Marcelo Rebelo de Sousa, durante a entrevista que ontem teve com ele. Quero dizer-lhe, claramente, que quem voltou as costas ao Governo foi a CAP, que se recusa a participar nos órgãos consultivos do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, que se recusa a participar no Acordo de Concertação Estratégica. Mais: o Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas não só está em contacto permanente e articula com os parceiros sociais - a CNA, a CONFAGRI, a AJAP, a Câmara de Agricultura do Norte e muitas outras associações de agricultores - as suas medidas, as suas propostas, ás suas normas políticas, como também ouve as suas opiniões.

Aplausos do PS.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): -.Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, eu era o último a querer aqui embaraçar o Governo e o Sr. Ministro...

O Sr. Presidente: - Não estou assim tão certo disso, mas, enfim...

Risos.

O Orador: - .... e a enfraquecer a posição negocial do Governo português. Mas, Sr. Presidente, o Sr. Ministro saberá, melhor do que nós todos, que, para além dos valores oficiais que nas negociações são transportados para os documentos, há, depois, reais negociações de valores que são ajustados com os Estados, com vista a perspectivas futuras. O que tenho na minha mão, Sr. Presidente, e que, pelos vistos, o Sr. Ministro não conhecia nem conhece; é uma «Nota» dos serviços de imprensa do Parlamento Europeu, onde se refere o que acabei de dizer, e volto a ler: «Este aumento (...)» - o aumento inicial previsto para a Espanha - «(...) realizar-se-á nas próximas três campanhas, até 1 de Abril de 2004, data em que a Espanha disporá de um volume suplementar de 221 360 toneladas». É um despacho de uma agência internacional, a partir da imprensa do Parlamento Europeu.

O problemas que se coloca aqui, Sr. Presidente, é que o Governo deverá coordenar melhor as negociações em Bruxelas e, no próximo Conselho de Ministros, exigir que estes valores suplementares atribuídos a Espanha também o sejam a Portugal, para não inviabilizar o plano da fileira oleícola portuguesa, que o próprio Governo previa ter uma produção de 120 000 t/ano.

Aplausos do PCP.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Costa): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Lino de Carvalho tem referido

Página 1587

12 DE MARÇO DE 1998 1587

por várias vezes este documento e por isso, em minha opinião, é essencial que a Mesa o faça distribuir abundantemente, para se perceber que o comunicado de que o Sr. Deputado Lino de Carvalho fala não é da Comissão, nem sequer do Parlamento Europeu ou da Direcção de Informação e de imprensa do Parlamento Europeu, é apenas a revista de imprensa da Direcção de Informação e de Imprensa do Parlamento Europeu, que inclui, entre outras coisas, um despacho de uma agência internacional.
Portanto, não há qualquer comunicado oficial, ao contrário do que o Sr. Deputado Lino de Carvalho disse. H5 simplesmente uma notícia da agência EFE, e ponto final. Em bom rigor, nada mais há do que isto. Assim, seria útil que todos os Srs. Deputados, e o Sr. Presidente também, tivessem conhecimento deste documento, além do mais para evitar que alguém, um dia, num parlamento qualquer, pegue na revista de imprensa que os serviços da Assembleia da República organizam, com os telexes da LUSA, e digam que isso é um comunicado da Assembleia da República sobre qualquer matéria.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, se fizer chegar à Mesa o texto que quer ver difundido, a Mesa terá muito gosto em difundi-lo.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma nova interpelação.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado, mas vamos tentar não «epidemizar».

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, disponibilizei este documento ao Governo, mas ele está disponível também para todas as bancadas e para o Sr. Presidente. O que interessa saber é o conteúdo deste documento,...

Vozes do PS: - Oh!

O Orador: - Não estejam tão perturbados, Srs. Deputados.
... publicado em Bruxelas, e que reflecte aquilo que dissemos, Sr. Presidente,...

O Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas: - Não reflecte nada!

O Orador: - ... ou seja, enquanto o Governo português se mostrou passivo nestas negociações, os governos de outros países conseguiram objectivos negociais, defendendo os seus interesses, enquanto que os interesses nacionais portugueses estão seriamente prejudicados neste processo.
É esta a questão de fundo que embaraça o Governo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, como o documento vai ser distribuído, todos seremos capazes de interpretá-lo e de saber o que ele significa. Creio que não vale a pena alargarmos a discussão sobre este ponto.

O Sr. António Martinho (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, está em causa um documento que vai ser distribuído. Todos sabemos ler documentos e vamos interpretá-lo, por isso, não vale a pena discutir, mas, se quiser, tem a palavra.

O Sr. António Martinho (PS): - Sr. Presidente, resigno-me à sua informação, mas quero registar que este Governo não foi passivo em qualquer das negociações, até ao momento.

O Sr. Presidente: - Também somos capazes de tirar conclusões.
Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, chegámos ao fim deste debate de urgência.
Srs. Deputados, antes de mais, gostaria de passar à apreciação do voto n.º 103/VII - De pesar pelo falecimento da ex-Deputada do PCP Alda Nogueira, nossa antiga colega, que todos prezamos muito.
Para proceder à leitura do voto, tem a palavra a Sr.ª Secretária.

A Sr.ª Secretária (Maria Luísa Ferreira): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o voto, apresentado pelo PCP, é do seguinte teor:

Maria Alda Nogueira foi um exemplo de entrega aos outros e de dedicação de uma vida à luta pela liberdade, pela democracia e por um mundo melhor.
Abdicando de uma carreira de investigadora científica, desde muito nova abraçou os ideais da justiça e do socialismo a que dedicou a sua vida inteira.
Abnegada combatente pela emancipação da Mulher, durante muitos anos destacada dirigente do PCP, Maria Alda Nogueira enfrentou com firmeza a tortura e a prisão rias cadeias fascistas, onde passou nove anos.
Enquanto Deputada à Assembleia Constituinte e à Assembleia da República, Maria Alda Nogueira mostrou a sua rica e forte personalidade, combinando a vigorosa e apaixonada defesa das suas convicções com a sensibilidade e compreensão para com os problemas dos outros.
Maria Alda Nogueira faleceu no dia 5 de Março.
A Assembleia da República presta-lhe merecida homenagem.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira, que dispõe de cinco minutos.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de, muito breve e singelamente, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, recordar Maria Alda Nogueira. Recordo-a como 0 exemplo de uma mulher combatente e militante, abnegada na defesa dos seus ideias e na luta da emancipação da mulher. Como uma mulher simples e descomplexada, que, por opção própria, desde muito jovem resolveu dedicar toda a sua vida à luta pela liberdade do povo a que pertencia e à luta por um mundo melhor para todos os trabalhadores. Como uma mulher que sofreu nove anos de prisões e torturas nos cárceres fascistas, com determinação mas também, e talvez fundamentalmente, com uma grande confiança de que o futuro chegaria, como chegou, no 25 de Abril. Como uma mulher que, todos os que a conhecemos - e, mesmo aqui, nesta Assembleia, os Srs. Deputados tiveram oportunidade de conviver com ela - o sabemos, teve sempre uma grande convicção, uma convicção que a nós, seus camaradas de partido, sempre nos contagiou, uma convicção forte na defesa das suas opiniões; uma mulher que tinha no seu discurso, na sua pala-

Página 1588

1588 I SÉRIE-NÚMERO 47

vra, uma certa aspereza, mas que, simultaneamente, e para quem a conheceu melhor esse é um facto inesquecível, era uma mulher profundamente sensível e amiga, sempre disponível para ouvir, sempre disponível para frontalmente criticar ou apoiar e sempre, mas sempre, aberta e empenhada em auxiliar.
Recordamos, ao fim e ao cabo, a Alda com muita amizade, com muita ternura, com muito respeito e já com muita saudade.
Aproveito esta oportunidade para, em nome do grupo parlamentar do partido a que ela sempre pertenceu, enviar aos seus familiares o nosso abraço de solidariedade e de penalização por este momento difícil que atravessam.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Roseta.

A Sr.ª Helena Roseta (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome da bancada do PS, quero associar-me a este voto, deixando aqui uma nota pessoal de admiração por essa grande mulher que foi Alda Nogueira.
Já aqui foi dito o essencial. No entanto, gostaria de lembrar um traço que me impressiona muito na figura da Alda. Era uma grande intelectual, uma cientista que teve a oportunidade de, com uma bolsa do Estado, ir para Paris trabalhar com a filha da Madame Curie, portanto, no topo de uma carreira química, difícil nessa geração, mais difícil ainda para uma mulher, mais difícil ainda para uma portuguesa, mais difícil ainda para uma portuguesa que lutava contra o regime. A verdade é que a Alda Nogueira foi capaz de prescindir desta carreira que se abria na sua frente para lutar pela nossa liberdade, num tempo em que todos pensam que o sucesso individual e o chegar aos mais altos lugares das várias carreiras é o mais importante. Este é um exemplo que me cala muito fundo.
Tive ocasião de privar com a Alda aqui, na Assembleia. Em várias ocasiões estivemos em grande confronto, noutras estivemos em grande solidariedade. Guardo dela uma imagem paradoxal: era simultaneamente muito firme e de uma ternura extraordinária, e isso é muito difícil. Viver o que ela viveu, passar pela provas que ela passou e não perder a ternura é talvez a principal lição que uma grande mulher e uiva grande portuguesa como a Alda Nogueira nos deixa, e aqui fica também a minha saudade.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero dizer, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes, que reputamos da maior importância este voto. Alda Nogueira, do que foi dado conhecer, é alguém que desde muito jovem dedicou toda a sua vida à causa da liberdade e que, como já foi referido, trocou Paris e uma carreira promissora, do ponto de vista pessoal, pelo seu país e pela luta nele, profundamente envolvida pela liberdade. E alguém que, pela luta por essa mesma liberdade, durante muitos anos dela foi privada.
Creio que a sua passagem por este Parlamento - quem teve o privilégio de com ela privar nessa altura verificou-o e a leitura do que ela na altura dizia demonstra-o mostrou que é alguém que, tendo toda a vida sofrido, se manteve sempre muito próxima e fiel à sua condições também de mulher. Pela causa das mulheres, pela sua emancipação, pelos seus direitos, agiu e lutou neste Parlamento, suscitando há muitos anos discussões que hoje, afinal, tantos anos mais tarde, ainda estamos a reiniciar.
Esta é uma mulher que marca, seguramente, a vida e a passagem das mulheres por este Parlamento, onde elas são tão escassas, é uma mulher a quem aqui prestamos homenagem, apresentando, ao mesmo tempo, as nossas condolências ao PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo.

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Maria Alda Nogueira foi um verdadeiro símbolo do combate ao antigo regime, luta que abraçou com a convicção, o empenho e a dedicação de uma vida.
Quando tinha pela frente uma carreira científica brilhante, tudo pressagiava que fosse brilhante, os ideais foram mais fortes e levaram-na a abandonar a segurança pessoal e familiar e um merecido reconhecimento público e o sucesso.
Deputada à Assembleia Constituinte e à Assembleia da República, como já aqui foi sublinhado, Alda Nogueira evidenciou qualidades que, apesar de não ter tido o prazer de privar com ela e de a conhecer pessoalmente, acredito piamente ter tido.
Por isso mesmo, o PSD associa-se à homenagem a esta mulher, que claramente marca a mudança, o seu tempo e a História.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Conhecia Dr.ª Alda Nogueira durante longos anos nesta Assembleia e tive ocasião de apreciar o alto valor humano que esta senhora tinha.
Sempre vi nela uma enorme convicção na defesa das ideias em que acreditava e, ao mesmo tempo, uma afabilidade e uma simpatia trasbordante. Penso que a Dr.ª Alda Nogueira fez em todos os Deputados que conviveram com ela no Parlamento - e já não serão muitos os que cá estão - verdadeiros amigos. Fui um deles, tive várias oportunidades de falar com ela sobre variados assuntos, de ver a vastidão da sua cultura e, principalmente - e era isso que gostaria que aqui ficasse assinalado -, a afabilidade de uma pessoa que tem uma enorme dimensão humana. Aliás, só com essa dimensão as pessoas são capazes de se dedicar inteiramente àquilo em que acreditam. Alda Nogueira teve-a. Tenhamos nós as ideias que tivermos sobre as ideias dela, ela merece-nos o nosso respeito.
Apresento, em nome do meu partido, condolências à sua família.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quero associar-me pessoalmente às vossas palavras e aos vossos sentimentos, porque também privei com a Dr.ª Alda Nogueira durante muitos anos nesta Casa, habituei-me a admirá-la e a considerá-la e creio que chegamos mesmo a, sinceramente, estimar-nos mutuamente.
Ressaltava dela um fundo pouco expansivo, ela não era uma pessoa expansiva, talvez em resultado do muito que sofreu, mas havia nela a beleza das convicções, das ideias e da sinceridade que punha na defesa dessas ideias e dessas convicções. Guardo dela a melhor recordação. Estou, sinceramente, muito penalizado por termos perdido esta nossa ex-colega.

Página 1589

12 DE MARÇO DE 1998 1589

Endereço também à família e ao partido a que pertenceu as minhas pessoais condolências.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto n.º 103/VII - De pesar pelo falecimento da ex-Deputada do PCP Alda Nogueira, apresentado pelo PCP.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos guardar um minuto de silêncio.

A Câmara guardou, de pé, um minuto de silêncio.

Srs. Deputados, o voto vai ser transmitido à família enlutada e também à direcção do Partido Comunista Português.
Deu, ainda, entrada na Mesa o voto n.º 104/VII - De saudação sobre a participação política das mulheres, apresentado pelo PS, CDS-PP e Os Verdes, que vai ser lido pelo Sr. Secretário da Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente, o voto é do seguinte teor:

No mês em que se celebra o Dia Internacional da Mulher, a Assembleia da República saúda todos os esforços no sentido de combater as gritantes desigualdades que persistem entre homens e mulheres nas sociedades contemporâneas.
A Assembleia da República destaca a importância da Carta de Roma, que se anexa, e da Conferência das Comissões Parlamentares para a Política de Igualdade de Oportunidades entre Mulheres e Homens nos Parlamentos dos Estados-membros da União Europeia (CCIO) que este ano é presidida pela Presidente da Comissão da Paridade, Igualdade de Oportunidades e Família deste Parlamento, cuja proposta de resolução sobre a participação das mulheres na tomada de decisão igualmente se anexa.
A Assembleia da República reafirma o seu empenho na tomada de medidas concretas visando a crescente participação das mulheres na vida política, económica e social numa perspectiva de igualdade e equilíbrio, buscando 0 bem-estar e a evolução da sociedade no respeito pelo binómio desenvolvimento e valores humanos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, tal como foi acordado na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, cada grupo parlamentar disporá de cinco minutos para se pronunciar sobre este voto.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo.

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A bancada do PSD associa-se, obviamente, ao presente voto de saudação.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Sena Lino.

A Sr.ª Isabel Sena Lino (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A igualdade de direitos para todos, incluindo o direito à plena participação em todas as esferas da vida, é amplamente reconhecida como um direito humano básico. A igualdade jurídico-formal, pressuposto essencial de uma sociedade democrática, deverá transformar-se tanto quanto possível numa igualdade efectiva e material. Com efeito, a igualdade de tratamento entre mulheres e homens é um dos princípios fundamentais do Direito Comunitário Europeu e uma componente de pleno direito de uma cidadania democrática.
O espaço político pertence a todos os cidadãos, a política é um assunto de todos e tem incidência sobre a vida de cada um de nós. Contudo, os números são incontornáveis: embora as mulheres representem mais de metade da população global e tenham já demonstrado a sua capacidade em várias vertentes, elas constituem percentagens reduzidas na participação da vida política no plano mundial. Uma utilização eficaz de recursos humanos é vital para fazer face aos futuros desafios. Estatisticamente, as mulheres constituem metade da reserva mundial de talentos e capacidades potenciais.
A mudança no campo da igualdade é complexa, não só porque as mentalidades e os valores culturais evoluem muito lentamente, mas também porque implica o abandono, por parte dos homens, de privilégios e poder que, historicamente, lhes foram atribuídos. Contudo, sendo a igualdade o verdadeiro sinal da democracia, significa, para alcançá-lo, não tratar desigualmente o homem e a mulher onde são iguais e igualmente onde são diferentes. Quer isto dizer, que a igualdade dos direitos e oportunidades pressupõe que as desigualdades digam respeito, exclusivamente, às diferenças de aptidões e não ao sexo. Trata-se de garantir o direito de opção individual - participando cada pessoa, homem ou mulher, de acordo com a sua vontade e capacidade.
Viver a política também no feminino depende da possibilidade real de alargamento da participação das mulheres e de uma alteração na maneira tradicional de abordar a política. A sub-representação das mulheres nas várias instâncias e esferas de tomada de decisão tende a subsistir, não obstante a melhoria considerável dos seus níveis de instrução, da sua progressiva integração no mercado de trabalho e da importância crescente por elas assumida na nossa sociedade.
Como refere a jornalista Antónia de Sousa, «O acesso em massa das mulheres às universidades faz prever que, na próxima década, saia das fileiras femininas um grande número de quadros dirigentes deste País. À questão é saber o que vão essas mulheres fazer do conhecimento e do poder adquirido. Se saberão e serão capazes de redescobrir o feminino como valor e de o introduzir na sociedade». Podemos constatar que existe uma fractura entre o estatuto profissional já adquirido pelas mulheres na sociedade portuguesa e aquele outro que elas detêm no plano político. Podemos, assim, concluir que, para o exercício deste, ainda não estão criadas as condições de plena igualdade no acesso à actividade política entre homens e mulheres. Para igual preparação, não se verifica participação igual.
É exigência fundamental da democracia a participação plena das mulheres nos processos de tomada de decisão na vida política, económica, social e cultural. Portadoras de uma mundividência específica e diferente, é bem possível que as mulheres tragam, enquanto agentes políticos, novas aptidões, estilos e atitudes para o exercício da causa pública. Um sistema político equilibrado deve poder contar com os talentos, os interesses e os conhecimentos específicos dos homens e das mulheres, com a sua complementaridade.
Congratulamo-nos que estas preocupações e princípios não discriminatórios se inscrevam em quase todas as Constituições e em várias convenções internacionais dos direitos do Homem. Urge assim, estudar estratégias e adoptar medidas que possibilitem a igualdade nas condições de acesso das mulheres aos postos de decisão.

Página 1590

1590 I SÉRIE-NÚMERO 47

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar de a Assembleia da República ter já discutido várias questões relativas às mulheres, não só na presente legislatura como na anterior, penso que é possível falar no dia 8 de Março sem celebrar meramente um ritual sem sentido.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - É possível encontrar palavras que, em escasso tempo, dêem voz às mulheres anónimas, que construíram a força da intervenção política no feminino. É, de facto, uma tarefa imensa, num momento em que o avanço da luta convive com um neoliberalismo, que se, formalmente, faz protestos da mais elevada consideração relativamente às mulheres, quer construir os alicerces sobre o triunfo das desigualdades.
Mas, ainda que em poucos minutos, é possível,, aqui, testemunhar a importância das lutas das mulheres. E possível dizei que sem o seu empenho na vida política, social e sindical, não teria sido possível a aprovação de diplomas que a Assembleia da República produziu, um dos quais começou agora a ser posto em execução. Estou a falar de uma lei de 1991, salvo erro a Lei n.º 64/91, de protecção das mulheres contra os crimes violentos, que aguarda ainda regulamentação em relação a alguns dos seus artigos.
Foi anunciado pelo Sr. Ministro da Administração Interna que iriam funcionar secções especiais de atendimento às mulheres nas esquadras, com pessoal feminino da PSP, e foi anunciado pelo Sr. Ministro do Trabalho e dá Solidariedade a abertura de um centro de atendimento às mulheres. É bom que fique aqui expresso que tudo isso está na lei de 1991 e que é o início da execução dessa lei. Um início tardio, quase sete anos após a aprovação da lei e já na última fase da presente legislatura. No entanto, a lei continua por regulamentar, apesar da crescente visibilidade de violência que se abate sobre as mulheres e cuja desumanidade recentes estudos feitos em meio prisional vieram divulgar.
Mas é bom que a tónica não seja colocada apenas na violência doméstica, porque muita outra violência, incluindo a violência do próprio Estado, subsiste, negando à mulher o direito fundamental à liberdade e o seu direito à autodeterminação. São violências de vária ordem; perpetuando a desigualdade. A desigualdade nascida da sua exclusão do mundo do trabalho, profundamente sentida num país que apresenta se não a mais alta, pelo menos, uma das mais altas taxas da União Europeia de actividade feminina. A desigualdade bem patente no número de famílias pobres, cuja face visível é a de uma mulher.
As questões do desemprego, da precariedade do trabalho, as ameaças à estabilidade do emprego - e recordemos a ameaça de 200 despedimentos na Siemens -, são factores de desigualdade, de discriminação, de violência, como ficou demonstrado na iniciativa que se realizou no dia 8 de Março sobre o desemprego no distrito de Évora.
É, pois, factor de desigualdade a falta de alternativas profissionais para as jovens mulheres, nomeadamente para as licenciadas. Constatamos que as mulheres portuguesas são hoje em maior número no ensino superior, porque os rapazes continuam a ser encarados como o esteio da família e exige-se-lhes, por isso mesmo, que entrem o mais cedo possível no mercado do trabalho. Mas a essa apetência pelo saber, patente nas taxas de frequência do ensino, e pela especialização corresponde, na prática, um difícil acesso à profissionalização.
Ora, as mulheres, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não tiram hoje cursos, como dantes aprendiam francês e piano para preencher a ociosidade da casa a que estavam remetidas. As mulheres acedem ao conhecimento para, através dele, contribuírem para o progresso que é ó melhor esteio dos que lutam contra a discriminação, pela democracia política, económica, social e cultural. E o progresso é, portanto, o melhor esteio das lutas das mulheres e a sociedade não lhes dá cabal resposta.
Mau grado os avanços legislativos mau grado a lei aprovada na anterior sessão legislativa, adoptando medidas de retorço ao combate às discriminações, as mulheres continuam a ser discriminadas na banca. Continuam a ser vítimas de discriminação salarial; como acontece, por exemplo, no sector da hotelaria, onde ocupam as categorias menos classificadas e menos remuneradas e trabalham mesmo em fim de gravidez. Continuam a espantar-se quando, nas empresas, como na Yazaki, de Gaia, na entrevista para a admissão ao emprego, lhes perguntam e estão grávidas.
As mulheres; em não raros casos, continuam a esconder a gravidez até aos limites do possível, para não ver rescindido o seu contrato de trabalho a prazo. Abdicam da própria dispensa de trabalho para amamentação dos filhos com receio de perder o posto de trabalho.
As mulheres que, neste país, invadiram áreas tradicionalmente reservadas aos homens - e é o caso do desporto, aliás sem que nesta matéria se lhes dê a devida atenção, como acontece noutros países - continuam a ser confrontadas com práticas obsoletas. Sendo importante que as mulheres ocupem mais lugares nos órgãos de decisão política, a luta pelo fim das desigualdades não se satisfaz apenas com essa reivindicação.
O dia 8 de Março significa, ao fim e ao cabo, reivindicar que se continue a dar voz, e urna voz cada vez mais alta, às mulheres. E por dar voz às mulheres, para quando a regulamentação da lei que reforça os direitos das associações de mulheres?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem de terminar, Sr.ª Deputada!

A Oradora: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Não será de somenos importância para a democracia política realizar os direitos relativos ao estatuto de parceiro social que a lei já lhes reconhece. A abóbada do edifício da igualdade não pode menosprezar os alicerces, porque para que a abóbada seja sólida é necessário que assente na verdadeira igualdade.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nesta sessão tão pouco participada, mas onde a presença das mulheres, ainda que em minoria, é, em todo o caso, de assinalar, julgo que, sendo que as

Página 1591

12 DE MARÇO DE 1998 1591

mulheres se prendem não a palavras e a proclamações mas ao conteúdo dessas proclamações, sendo que o exercício da igualdade, a não discriminação e os direitos das mulheres estão muito longe, no quotidiano, de terem sido alcançados e sendo que não temos para nós o 8 de Março como um ritual litúrgico esvaziado de conteúdo, a reflexão para que o 8 de Março nos remete é para a de uma sociedade que, seguramente, tem de questionar-se no seu próprio conteúdo e no significado da democracia, quando grande parte daqueles que são elos de ligação entre gerações, grande parte daqueles que produzem o trabalho, grande parte daqueles que geram riqueza, grande parte daqueles que são veículos de cultura, no fundo, das mulheres, são nela discriminados. E a discriminação não é para nós, Os Verdes, uma questão que se situe só ao nível da participação do espaço cívico e do espaço político, é uma exclusão que tem razões de ser.
Por isso, importa que as mulheres que não se satisfazem com palavras ocas ponham o dedo na ferida e discutam, seriamente, as razões pelas quais, hoje, a sociedade não cria condições para uma maior participação das mulheres. Ou seja, importa, no fundo, saber quais as razões que levam a que, numa sociedade, não só a humanidade esteja dividida e haja discriminação em relação às mulheres, mas também, dentro do grupo das mulheres, haja discriminação, ou seja, haja mulheres privilegiadas que podem participar da vida política, que podem aceder - e acedem em número maior do que os jovens - ao ensino superior, e outras que são, simultânea e paradoxalmente, as mais pobres, as mais analfabetas, as mais discriminadas do ponto de vista salarial.
Portanto, a reflexão sobre o próprio conceito de democracia e de desenvolvimento é algo que, hoje, deve fazer recordar não só as mulheres que aqui estão mas as outras, anónimas, que nos mais diversos locais, particularmente em defesa dos valores ecológicos, foram, e são, as primeiras animadoras em defesa da sua terra, em defesa dos seus recursos, em defesa, no fundo, daquilo que compreendem ser o futuro dos seus filhos.
Julgo, ainda, que, em nome das mulheres, não tanto das poucas que aqui estão presentes mas das muitas outras, importa criar condições para que possam participar. onde entenderem, na vida política, se assim o quiserem, e em todas as esferas da sociedade, de acordo com a sua livre vontade. É tempo que os seus direitos não sejam ignorados.
Em minha opinião, foram lembradas algumas coisas importantes, tais como a lei sobre a protecção das mulheres contra os crimes violentos, que está por regulamentar, o direito de associação das ONG das mulheres, que está por regulamentar, a lei sobre a interrupção voluntária da gravidez, que está neste momento suspensa na Assembleia da República e que é um direito que as. mulheres têm, facto que, neste 8 de Março, julgo, não deve ser silenciado.

Aplausos de Os Verdes, do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ismael Pimentel.

O Sr. Ismael Pimentel (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Março é claramente o mês dedicado à mulher. Mais uma vez, na passagem do Dia Internacional da Mulher, as suas realidades no dia-a-dia no resto do ano são catapultadas para o primeiro plano. Nesse dia, e quase só nesse dia, a mulher é alvo de todas as atenções, as preocupações com as suas realidades são mais que muitas. Analisam-se as desigualdades de oportunidades, fala-se da diferença de tratamento, questiona-se a sua participação na sociedade, na política, no poder e é até, e só também nesse dia, condecorada. Durante o resto do tempo, o que é feito pela mulher?! Quais são as acções concretas que se desenvolvem no sentido de se estabelecerem regras de equilíbrio em relação à mulher e à sua existência no mundo., no mundo onde existem muitas situações preocupantes no que diz respeito às verdades sobre a mulher?
Porém, em Portugal, e nos nossos dias, embora não se vivendo numa situação de total igualdade e equilíbrio entre homem e mulher, muitos passos têm sido dados neste sentido nos últimos tempos, pois não se vivem situações graves nem gritantes de diferença de tratamento entre homens e mulheres. A .nossa Constituição salvaguarda, aliás, a existência desta mesma igualdade, que sempre deverá existir. E, mesmo não sendo perfeita, a sociedade portuguesa tem nesta matéria um respeito e uma sensibilidade que são inegavelmente invejadas por muitos, o que faz com que a evolução, no sentido positivo, da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres seja uma certeza cada vez mais próxima de ser atingida.
Nas questões sensíveis, e esta não foge à regra, existe sempre uma tendência para o quase dramatismo, para o exacerbar de situações que, apesar de existirem, não são só por si o espelho da realidade total existente.
Nas várias questões que se analisam sobre a mulher, nunca podemos deixar de pensar e de discutir as diferentes realidades existentes. Não podemos esquecer as mulheres que efectivamente não têm igualdade de oportunidades, que não têm possibilidades de atingir determinados patamares na sua carreira profissional ou política ou, pior, que por vezes nem sequer têm a possibilidade de ascender à profissão, à política ou- ao poder, que não conseguem ter um tratamento condigno no seio das suas famílias, que, de uma forma ou de outra, física ou psicologicamente, são perseguidas e condicionadas no seu dia-a-dia.
Mas também não podemos, em consciência, deixar de analisar e de pensar que as capacidades das pessoas não são todas iguais e que entre os homens, e só entre eles, as igualdades de oportunidades também não são as mesmas, já que os patamares atingidos por uns e por outros são, em variadíssimos casos, bem distantes e diferenciados.
Não podemos nunca, sob pena de praticarmos uma grande injustiça de análise, esquecer as mulheres que atingiram o poder e a política e, como disse, um evidente exemplo disto é o facto de o actual Governo ter mulheres como ministras e secretárias de Estado, bem como esta Assembleia da República que tem um número simpático de Deputadas e uma mulher como Secretária-Geral. E não posso deixar de referir o exemplo do meu próprio grupo parlamentar e do meu partido que têm mulheres, respectivamente, como presidente e secretária-geral, como também nunca podemos deixar de render a nossa homenagem às inúmeras mulheres que, no passado e no presente, singraram, venceram e brilharam nas suas carreiras profissionais e não necessitaram de paridade ou de lutas para ombrearem e até vencerem num mundo que frequentemente é apelidado de ser dos homens. Da mesma forma, para pormos em prática a justiça, a verdade e a paridade, não podemos deixar de manifestar a nossa mais profunda admiração pelas inúmeras mulheres que, por sua livre op

Página 1592

1592 I SÉRIE - NÚMERO 47

ção e vocação, decidiram ser óptimas donas de casa, óptimas mães e óptimas esposas, pois pela forma como 0 fazem devem merecer toda a nossa consideração, solidariedade e apoio.
Em suma, o Grupo Parlamentar do Partido Popular, consciente de ainda não se ter atingido o nível de equilíbrio desejado, não quer nem pode ter nesta matéria uma atitude negativa e derrotista e, desejando que muito se progrida no futuro, também não pode, aqui e hoje, deixar de recordar que muito já foi feito e que, com a necessidade evidente de que muito ainda há por fazer, vivemos hoje dias bem melhores do que no passado.
Não termino sem deixar a minha solidariedade, e a do meu grupo parlamentar, a todas as mulheres e a admiração e o apoio no caminho que já percorreram e que inegavelmente terão ainda de percorrer, bem como sem deixar aqui a nossa nota da grande importância que tem para nós, para Portugal, para o mundo e; principalmente, para a mulher, o dia 8 de Março, o Dia Internacional da Mulher. Esperemos que se consiga extravasar para o resto do ano as suas iniciativas, reflexões, acções e principalmente decisões, para podermos, com frontalidade, coragem e determinação mudar a realidade da mulher e fazer progredir o nível de igualdade entre homens e mulheres.
Termino com uma saudação muito especial para todas as mulheres, sem excepção, que, independentemente dos lugares ou cargos que ocupam, trabalham nesta Casa, que é, indubitavelmente, a sede da democracia, e dizendo que o Grupo Parlamentar do Partido Popular se associa, como é óbvio, ao voto de saudação ora em discussão e posterior votação.

Aplausos do CDS-PP, do PS e da Deputada do PCP, Odete Santos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo.

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Lacónico mas veemente, o apoio expresso há instantes pela bancada do PSD ao voto lido não inibe, naturalmente, a intervenção sobre o Dia Internacional da Mulher.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Espera-se que o Dia Internacional da Mulher seja aproveitado para evocar o papel cívico, político, económico, social e cultural que as mulheres têm desempenhado no nosso evoluir histórico e bem assim para reflectir sobre as perspectivas que potenciam o robustecimento desse papel na nossa sociedade em profunda mutação.
Começa, finalmente, a generalizar-se a ideia de que não é correcto falarem democracia em termos neutros, havendo de considerar o género como categoria mais essencial que atravessa horizontalmente todas as demais. Daí que seja cada vez mais claro que uma democracia sem a participação e a representação de mais de metade da humanidade é uma meia democracia, uma democracia imperfeita.
A presente década representa um ponto de viragem no que toca aos papéis tradicional cometidos à mulher. Em alguns países, os anos 90 são já testemunho de um processo global de transformação social de carácter irreversível, no sentido de um desenvolvimento de uma moderna sociedade de partenariado. Nos mais diversos sectores da actividade, assistimos já ao despontar de mulheres que evidenciam e marcam a mudança dos tempos.

No entanto, se bem que a amplitude das transformações que se antevêem seja sobretudo uma questão de tempo, não só o ritmo de evolução será naturalmente diferenciado de país para país, de região para região, de sector para sector, como também as oportunidades não serão nem automáticas nem equivalentes para todos os seguementos do universo feminino. A evidência não pode ser mais elo quente: hoje, em nenhuma sociedade, as mulheres usufruem das mesmas oportunidades que os homens.
Por outro lado, é também manifesto e indiscutível que o livre funcionamento dos mecanismos económicos e dos processos políticos se mostre incapaz de realizar a paridade mediante a promoção de efectiva e real igualdade entre mulheres e homens. Mas a igualdade de oportunidades não pode ser perspectivada como um mero objectivo lateral, periférico, reivindicado por franjas ou grupos minoritários do tecido social, até porq4e as mulheres não são uma minoria. Pelo contrário, a igualdade de oportunidades é um vector nuclear do desenvolvimento humano e este é um pilar central do próprio desenvolvimento das sociedades. A igualdade é um elemento fulcral do desenvolvimento que ambicionamos, realizá-la requer um processo de longo prazo, onde todas as normas cívicas, políticas, económicas, sociais e culturais sofrem alterações de fundo fundamentais. Também requer uma forma completamente nova de pensar, segundo a qual os estereótipos, sobre as mulheres e os homens já não limitam as suas escolhas, dando lugar a uma nova filosofia que encara todas. as pessoas como agentes essenciais da mudança e o desenvolvimento como um processo de expressão e expansão das respectivas escolhas. E o objectivo básico dó desenvolvimento humano deve ser a criação de um ambiente que permita às mulheres e aos homens usufruir de uma vida longa, saudável e criativa, ou seja, dar conteúdo pleno à cidadania.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Espero e desejo que a comemoração do Dia Internacional da Mulher, que, como um ritual, ocorre todos os anos, não sirva para aliviar consciências mas, antes, mobilize para a acção.

Aplausos do PSD e do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto n.º 104/VII - De saudação sobre a participação política das mulheres, que não teremos de transmitir a ninguém a não ser a nós próprios e às nossas convicções.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos entrar no tratamento de assuntos de interesse político relevante.
Para uma intervenção, temia palavra o Sr. Deputado Américo Sequeira.

O Sr. Américo Sequeira (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Dizer que o desenvolvimento é um processo sempre em aberto no rumo permanente para metas sucessivas de bem-estar e de realização do ser humano, de todos os seres humanos, releva da leitura correcta daquele conceito não confinado ao sentido redutor e insuficiente de mero - e, às vezes, selvagem - crescimento económico.
Não resistem os sucessos imparáveis da cibernética à tentação de nos transportarem para um mundo virtual, irresistivelmente sedutor. 0 mundo, porém, não deixa de ser

Página 1593

12 DE MARÇO DE 1998 1593

real, como reais permanecem os homens e as suas circunstâncias, nestas incluindo a Terra e os problemas que nela vivem. É por aí que o desenvolvimento tem de passar, por esse par indissociável: a Terra e os homens que nela habitam.
Pois bem, Sr. Presidente e Srs. Deputados; lá em cima, no Noroeste de Portugal, encostada à Galiza e espraiando-se desde o mar à serra, há uma terra de 2222 km2 e 260000 habitantes. É o Alto Minho.É esta terra e as suas gentes quem me traz hoje, uma vez mais, a esta tribuna uma vez mais, pelas mesmas razões de ontem e de há muitos anos. É que, por ali, o relógio que mede o tempo do desenvolvimento atrasou-se em muitas décadas e tarda em recuperar, acertando a hora já nem direi pela da Europa mas, ao menos, pela de Lisboa é Vale do Tejo. Sou. dos que entendem que o desenvolvimento de uma terra é, fundamentalmente, obra da inteligência e da criatividade, do querer e da audácia dos que nela querem viver, seja por nascimento ou opção. Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, sendo esta uma condição necessária, não o é, porém, suficiente. O Estado tem de a complementar responsabilizando-se pelas grandes infra-estruturas determinantes do mais amplo e estratégico investimento dos cidadãos, da produção e da distribuição, do alargamento e diversificação dos mercados, do crescimento económico e da promoção social, da qualidade de vida, desde a saúde à educação, à cultura e ao conhecimento.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Alto Minho continua a esperar por muitas destas condições essenciais ao seu desenvolvimento.
Espera, por exemplo, que se estugue o passo pelo caminho das grandes acessibilidades, as quais, passando embora pela próxima conclusão da A3 e do IC1, ficarão ainda assim tão longe dos objectivos quanto confundidas com a desilusão se, por exemplo, o IC1 ficar algures, por alturas de Viana ou de Âncora e não chegar a Valença - aí permitindo opções de viagem igualmente confortável já pelo interior, já pelo litoral, por aqui, com Viana no caminho -, e se a rede viária transversal, que deve aproximar do grande eixo, que é a A3, os concelhos do interior (Arcos de Valdevez, Ponte da Barca e Paredes de Coura), por tempo demais se atardar. Há-de isto justificar o vivo protesto do Alto Minho interior, que não pode consentir em ser eternamente menorizado.
_ É, pois, urgente que o lanço do IP9 até Nogueira e a sua prossecução para Ponte de Lima com o IC28 para Arcos de Valdevez e Ponte da Barca até ao Lindoso passe das promessas, que saltam de data em data; à realidade no terreno.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Como é imperioso, outrossim, que, a partir do nó de Sapardos da A3, se criem acessos expeditos a Vila Nova de Cerveira e a Paredes de Coura, prosseguindo daqui para Arcos de Valdevez, dando-se por essa forma corpo à já antiga pretensão, justa de resto, da diagonal do Alto Minho interior.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A par da relevância das rodovias, menos importante não é o caminho-de-ferro, aquele por onde há tantas décadas se vai do Porto à Galiza. Se vai penosamente, acrescente-se!
É consensual que o futuro dos transportes passará muito pela ferrovia. A linha do Minho até Valença reclama, de há muito, a modernidade para o futuro a que ela e os alto-minhotos têm direito.
Para quê aduzir argumentos que justifiquem o óbvio? E óbvia é a importância do eixo ferroviário atlântico galaico-português de ligação entre Lisboa e a Galiza, por onde deve correr boa parte da potencial animação económica de toda esta distante periferia europeia.
Depois, sendo Viana cidade filha do mar e do seu porto, que de sempre habita no mais belo estuário, a ambos só pode querer. bem, reclamando para um e outro - o porto e o estuário - asseado visual e meios necessários com que hajam de continuar a cumprir a sua missão, numa dimensão ponderada e realista. Para que plenamente a realize, dêem-se-lhe, definitivamente, ao porto e ao estuário, acessos, rodo e ferroviários, capazes, ultrapassadas que sejam, de preferência pelo diálogo, clivagens que empatam e nada resolvem.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Seria redutor afirmar que as infra-estruturas para o desenvolvimento do Alto Minho se esgotam na construção das acessibilidades. Hoje, é, já indiscutível que o mais poderoso factor de desenvolvimento é o conhecimento.
Por isso, o Alto Minho quer - e justifica-se plenamente esse querer - transformar-se num território onde se promovam a ciência e os saberes, sem os quais não há caminhos para o futuro. O Alto Minho quer e justifica o que desde há sete anos me honro de reclamar, inclusivamente desta tribuna, tal como há oito dias o fez também o meu colega de bancada, uma universidade pública vocacionada para áreas de ponta, como as ciências marinhas e de zonas costeiras, ciências do ambiente, da saúde e engenharia naval.
Entretanto, o Instituto Politécnico, que, desde há mais de uma década, vem cumprindo um papel notável, poderia descentralizar algumas das suas escolas para outros pontos estratégicos dos vales do Lima e do Minho, sabido como é da experiência quanto as escolas superiores são um poderoso meio de animação e promoção, não só cultural como social e económica, das terras onde se implantam, e quanto disto está carecido todo o interior do Alto Minho!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há dias, ouviu-se o Sr. Ministro João Cravinho, quando. anunciava a remodelação e ampliação do aeroporto Sá Carneiro, dizer que deste se faria um dos maiores do Noroeste da Península Ibérica. Pouco depois, de um muito conhecido autarca do Grande Porto, ouviu-se também a afirmação de que o Porto há-de ser uma metrópole de pedir meças às metrópoles europeias mais desenvolvidas.
Só posso desejar que assim aconteça desde que, à porta e nas periferias dos megacentros, não haja cada vez mais pobres, esquecidos e envergonhados filhos da injustiça.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Da injustiça que passa pelo concentracionismo do excessivo investimento público, com prejuízo de novas centralidades, que alarguem e adensem a teia do desenvolvimento, aquele que deve cobrir todo o

Página 1594

1594 I SÉRIE - NÚMERO 47

território nacional, sem clareiras de injustos atrasos, sem exclusão de filhos de um deus menor.
O Alto Minho tem de ser uma dessas novas centralidades, a meio do caminho que separa dois grandes pólos de crescimento do Noroeste peninsular: o Porto e a Galiza.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dispõe o Alto Minho de recursos endógenos múltiplos, não poucos deles singulares pela qualidade. Há por ali um trabalho notável de há muitos anos feito pelos seus autarcas, autarcas a quem hoje sobram projectos, lucidez, ambição e sonho.
Mas, porque à abundância disso corresponde a míngua de meios, esperam eles, e esperamos nós, aquilo que no Alto Minho merecemos: que o próximo Quadro Comunitário de Apoio nos tenha em boa conta; que os PIDDAC da administração central nos façam mais e melhor justiça; que uma nova lei das finanças locais encontre fórmulas conducentes à compensação de especificidades que penalizam algumas autarquias, designadamente as que têm encargos acrescidos derivados da sua localização no Parque Nacional da Peneda-Gerês, porque, se é nacional, à solidariedade nacional há-de ter também direito.
Sendo certo que os interesses regionais e nacionais coincidem, que uns não serão respeitados sem que os outros o sejam também, que é necessário harmonizá-los solidariamente para a coesão do desenvolvimento, então, no Alto Minho, temos de denunciar com veemência a marginalização recorrente e a subalternização injusta. Reclamamos, pois, o legítimo direito ao nosso justo quinhão: de desenvolvimento, tanto no plano nacional quanto na perspectiva europeia.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o relógio por que se mede o tempo do desenvolvimento por ali não mais se atrase. Porque ao Alto Minho não bastam as loas e os ditirambos que se cantam às suas belezas. Ele precisa e quer - de seu direito -, nesta viragem do século, acertar o passo pela Europa e não continuar dela uma eterna periferia, lá longe, muito longe, onde, no dizer do poeta, «a terra acaba e o mar começa!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto não há ver mais inscrições, dou por terminado o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 40 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar. início ao período da ordem do dia com a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 121/VII - Lei de saúde mental.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (José Vera Jardim): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Em matéria de saúde mental, vigora ainda entre nós a Lei n.º 2118, de 3 de Abril de 1963, também conhecida por Lei de Saúde Mental. Foi publicada na vigência da Constituição Política da República Portuguesa de 1933, a qual, conferindo, em regra, ao cidadão português o direito de não ser: privado da liberdade pessoal nem preso preventivamente, logo admitia, nas excepções ao célebre artigo 8.º, a detenção em domicílio privado ou estabelecimento de alienados mediante ordem da autoridade judicial ou de outras autoridades expressamente indicadas ria lei. Os cidadãos podiam, assim, ser objecto de detenção em domicílio privado ou estabelecimento de alienados sem que a Constituição definisse os pressupostos desta restrição do direito à liberdade, o que conferia amplos poderes ao legislador ordinário e às autoridades.
Esta situação alterou-se profundamente com a entrada em vigor da Constituição da República Portuguesa de 1976, o que suscitou a questão de saber se a Lei de Saúde Mental era ou não contrária à Constituição ou aos princípios nela consignados. Reagindo à indefinição dos limites às medidas privativas da liberdade que a Constituição de 1933 permitia, a Constituição de 1976 adoptou o princípio da tipicidade das medidas restritivas da liberdade (artigo 27.º), princípio que impede a existência de quaisquer outras formas de restrição do direito de liberdade, nomeadamente o internamento não consentido para efeitos de tratamento.
A recente revisão constitucional de 1997 veio, finalmente, resolver a questão, a nível da lei fundamental = uma questão de grande sensibilidade em matéria de direitos fundamentais, em que importa conciliar, de forma exigente, o direito de liberdade e o direito à saúde -, acrescentando ao, artigo 27.º a nova alínea h) que prevê a possibilidade de restrição da liberdade por virtude de internamento, em caso de anomalia psíquica, para fins terapêuticos. Trata-se, obviamente, de uma medida fundamental para protecção e promoção da saúde do doente que, por virtude de anomalia psíquica grave, não se encontra em condições de, ele próprio, dar o seu consentimento para poder ser tratado, em situações extremas, nas quais o tratamento não é possível por outra forma senão pelo internamento. Pelos valores e interesses em presença, impõe-se, neste domínio, uma regulamentação particularmente rigorosa, ao nível da lei ordinária, que respeite as regras constitucionais em matéria de restrição de direitos fundamentais, como sejam os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade.
Ora, o regime definido pela Lei de Saúde Mental, em vigor ainda, colide, em pontos fundamentais, com a Constituição, mostrando-se, em geral, desactualizado e insuficiente, nomeadamente no que diz respeito à tutela dos direitos dos doentes mentais. Vivemos num sistema que não tutela-os direitos dos doentes nem protegeu posição dos médicos e dos prestadores de saúde. E, neste quadro de indefinição e dúvida, sem regras nem limites claros, facilmente ocorrem situações paradoxais: ou se praticam abusos, mesmo sem consciência deles, que podem traduzir-se em situações criminalmente ilícitas, mesmo que motivadas por óbvias razões médicas, ou se deixa de intervir com receio de responsabilização criminal, em casos em que tal intervenção estaria plenamente justificada.
A proposta de lei que se apresenta a esta Assembleia, além de absolutamente necessária, insere-se hoje num quadro constitucional claro, resultante da alteração ao artigo 27.º da Constituição, e visa, em conformidade com o texto constitucional, dar expressão normativa à alínea h) desse mesmo preceito. Neste sentido, a proposta de lei tem um triplo objectivo: estabelecer os grandes princípios em matéria de saúde mental; consagrar e tutelar devidamente os direitos do cidadão; afectado por doença do foro psíquico; e regular, de forma exigente, o processo de internamento que, na sua essência, se traduz numa restrição da liberdade pessoal.

Página 1595

12 DE MARÇO DE 1998 1595

As alterações propostas levam em linha de conta a evolução da psiquiatria, por um lado, e, por outro, um conjunto de princípios de natureza jurídica que gozam de consenso no plano nacional e internacional. No que diz respeito à evolução da psiquiatria, esteve sempre presente a sua maior capacidade de intervenção, nomeadamente a nível terapêutico, que permite quer evitar o internamento, quer modalidades mais simples e menos prolongadas de tratamento.
Quanto aos princípios jurídicos que enformam esta proposta, de matriz constitucional, são eles também os formulados em órgãos internacionais, nomeadamente do Conselho da Europa ou das Nações Unidas.
Seguindo as recomendações desta organização e também da Organização Mundial de Saúde relativamente à necessidade de evitar a segregação das pessoas afectadas por doença mental e de facilitar a sua reabilitação e reinserção social, incluem-se, entre os princípios gerais de política de saúde mental, a promoção prioritária da prestação de cuidados de saúde mental a nível da comunidade, a prestação destes cuidados no meio menos restritivo possível e o tratamento de doentes mentais em regime de internamento tendencialmente em hospitais gerais. Idêntica fundamentação preside à inclusão da directriz que estabelece a prestação de cuidados a doentes que careçam de reabilitação psicossocial, preferencialmente em centros de dia e em estruturas residenciais inseridas na comunidade e adaptadas ao grau específico de autonomia dos doentes.
De acordo com os princípios constitucionais que fundamentam e estruturam a proposta de lei, consagra-se, em primeira linha e imanente a todo o diploma, o princípio da plenitude dos direitos fundamentais. O que significa que, indo ao encontro do artigo 30.º, n.º 5, da Constituição, os portadores de anomalia psíquica mantêm a titularidade daqueles direitos, salvas as limitações inerentes à efectividade do tratamento e à segurança e normalidade do funcionamento do estabelecimento.
Em consequência deste princípio informador, exprimem-se, desde logo, alguns desses direitos fundamentais, quer o portador seja internando ou internado. Assim, ao nível dos direitos e deveres dos doentes mentais, leva-se em conta o já estabelecido na Lei de Bases da Saúde, que define o estatuto dos utentes do Sistema de Saúde.
Porém, a natureza específica das doenças mentais, as suas repercussões a nível das capacidades de autodeterminação de quem as sofre, bem como as implicações particulares dos tratamentos psiquiátricos, obrigam a que outros direitos e deveres sejam assegurados aos doentes mentais para além dos já considerados naquela lei.
Consagra-se, assim, o direito dos utentes do serviço de saúde mental a serem informados, de uma forma adequada, dos direitos que lhes assistem, bem como dos planos terapêuticos que lhes são propostos. Reconhece-se o direito a receberem tratamento e protecção é o direito à decisão de receber ou recusar as intervenções diagnósticas e terapêuticas prescritas, salvo quando for caso de internamento compulsivo ou em situações de urgência em que a não intervenção criaria riscos comprovados para o próprio ou para terceiros.
Relativamente a esta última questão, a proposta de lei estabelece, como norma, o consentimento prévio e informado do doente, ou do seu representante legal, em caso de menores ou dos que não possuam o discernimento necessário para avaliar o sentido e alcance do consentimento.
A vulnerabilidade particular dos utentes dos serviços de saúde mental a situações que possam comprometer a dignidade da pessoa humana justifica, tal como é também recomendado pelos organismos internacionais, uma consagração expressa de outros direitos, que são igualmente contemplados. É o caso do direito a aceitar ou recusar a participação em investigações, ensaios clínicos ou actividades de formação; do direito a usufruir de condições dignas de vida e privacidade em serviços de internamento e estruturas residenciais; do direito a comunicar com o exterior e a receber visitas e do direito a receber justa remuneração pelas actividades ou serviços prestados.
Finalmente, com base na dificuldade de autodeterminação frequentemente sentida pelas pessoas afectadas de doença mental, estabelece-se o direito destas a receber apoio no exercício dos direitos de reclamação e queixa atribuídos pela Lei de Bases da Saúde aos utentes dos serviços de saúde, assegurando-se, assim, a superação dos actuais constrangimentos legais a uma autonomização progressiva de um número muito significativo de doentes institucionalizados em serviços psiquiátricos.
O significado do expresso reconhecimento dos direitos fundamentais e da sua expressão na lei afigura-se de especial relevância, porquanto importa afirmar claramente que o portador da anomalia psíquica não seja tomado com capitis diminutio, ipso facto, em zonas da sua cidadania que devem, pelo contrário, ser protegidas pelo Estado.
O regime relativo ao internamento compulsivo - compulsivo apenas porque não é efectuado a pedido do doente, mas por decisão judicial, na impossibilidade de expressão daquele consentimento - pauta-se pelo princípio da proporcionalidade em sentido amplo, consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição: a privação do direito à liberdade limita-se ao necessário para salvaguarda de bens jurídicos constitucionalmente protegidos.
Ao eleger-se como critério de intervenção o perigo para bens jurídicos, restringe-se necessariamente a possibilidade de internamento compulsivo, na medida em que ele apenas estará legitimado quando haja o perigo de lesão insuportável das condições comunitárias essenciais de livre realização e desenvolvimento de cada homem, excluindo-se, desta forma, em absoluto, internamentos com fundamento em perigo para valores morais, religiosos, políticos ou outros, o que não se coadunaria, obviamente, com um Estado de direito como o nosso.
O princípio da proporcionalidade comporta em si mesmo, no seu núcleo essencial, três vectores: em primeira linha, o princípio da necessidade - só há lugar a internamento compulsivo na falta de qualquer outra forma de efectivar o necessário tratamento, cessando logo que cessem os fundamentos que lhe deram causa através da regra da revisão da situação do internado. Em segundo lugar, o princípio da proporcionalidade em sentido estrito - o internamento só será legitimo quando houver perigo para bens jurídicos, próprios ou alheios, de natureza pessoal ou patrimonial de relevante valor, devendo ainda ser proporcionado ao grau de perigo existente no caso e ao bem jurídico em causa. Em terceiro lugar, o princípio da subsidiariedade - o internamento é substituído, sempre que possível, por tratamento em regime ambulatório, isto é, o internamento deve ser a ultima rabo, tal como decorre do disposto no artigo 30.º, n.º 2, da Constituição.
Para esta solução apontam também, decisivamente, os progressos terapêuticos verificados ao longo das últimas décadas, permitindo uma maior eficácia no tratamento e melhoria de prognóstico e potenciando a maior frequência do tratamento em regime ambulatório.

Página 1596

1596 I SÉRIE-NÚMERO 47

O internamento compulsivo pode ainda ter lugar quando exista uma anomalia psíquica grave e a ausência de tratamento deteriore de forma acentuada o estado de saúde do portador. A necessidade do internamento assenta, obviamente, em primeira linha, numa apreciação médica, quer no processo normal quer no processo de urgência.
Trata-se de um princípio fundamental nesta matéria - o princípio da fundamentação clínico-psiquiátrica - que exige sempre uma avaliação clínico-psiquiátrica, imprescindível para a decisão sobre o internamento. Esta avaliação destina-se, desde logo, a confirmar a existência de uma anomalia psíquica grave, o que só pode ser feito por diagnóstico médico.
Ao usar o conceito de anomalia psíquica, optou-se por um conceito estritamente médico, suficientemente genérico, de uso generalizado na prática médica, cobrindo um vasto leque de psicopatologias e tendo por denominador comum uma perturbação do funcionamento psíquico que requer tratamento especializado. A este propósito, refira-se que este é o conceito utilizado na Constituição, no Código Penal, no Código de Processo Penal e no Código Civil.
O processo de internamento é, por opção constitucional, em consonância também com recomendações internacionais, um processo judicial, com uma função eminentemente garantística, que culmina numa decisão obtida com observância de um princípio amplo de audição. O princípio da judicialidade é igualmente respeitado no internamento de urgência, situação que impõe actuação de forma expedita, sem diminuição das garantias consagradas para o processo normal.
No que se refere aos procedimentos, que, pelos valores em jogo, devem revestir carácter de urgência, houve a intenção de lhes conferir a maior informalidade - da qual é exemplo a sessão conjunta, onde impera o princípio da oralidade - sem ceder em matéria de garantias e, ao mesmo tempo, introduzindo-lhe eficácia. Reconhece-se amplamente, neste domínio, o princípio da recorribilidade das decisões judiciais e consagra-se expressamente, e de forma inovadora, a providência do habeas corpus, com ó sentido de garantir efectivamente o direito de liberdade do portador de anomalia psíquica contra eventual privação da liberdade ilegítima e abusiva.
Prevê-se ainda a intervenção do Ministério Público, dadas as suas atribuições em matéria de defesa da legalidade, dos interesses colectivos e da promoção da defesa de cidadãos desprotegidos. Assim, confere-se-lhe legitimidade para requerer o internamento, reconhece-se o direito de ser ouvido em todos os passos essenciais do processo e atribui-se-lhe o direito de interpor recurso das decisões judiciais.
Finalmente, uma das inovações da proposta prende-se com a criação de uma comissão para acompanhamento da execução da lei. Por um lado, constituirá uma outra entidade, a par da via judiciária, à qual os internados se podem dirigir; e, por outro, terá uma função de recolher e tratar, por forma centralizada, a informação relativa à aplicação da lei, contribuindo para a sua boa execução.
Esta lei não cobrirá - nem é seu objectivo - todos os aspectos relativos à saúde mental. É uma lei de princípios fundamentais do sistema e de direitos e garantias dos doentes. É uma lei que se tornava imperioso introduzir no ordenamento jurídico português para fundar em sólidas bases constitucionais um conjunto de matérias de grande sensibilidade em sede de direitos fundamentais. E fá-lo, disso estamos plenamente convencidos, de uma forma correcta, introduzindo neste sector as garantias e salvaguardas adequadas ao integral respeito pelos valores constitucionais da cidadania.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Bernardino Soares, Luís Nobre e Isabel Castro.
Tem a palavra, Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro, um facto incontestável nesta matéria é que é precisa uma nova legislação para, regular esta área. Contudo, não é assim tão pacífico que a proposta apresentada pelo Governo vá no caminho de uma tão grande, tão excessiva judicialização deste processo. Não se compreende o que poderá justificar um eventual caminho tão judidicalizante, como o que é proposto, desde logo porque não é do conhecimento público nem julgo que existam - pelo menos em valor que justifique esta opção - situações de abuso de internamento nas nossas instituições de saúde mental que levem a que se conclua pela existência de um real perigo de abuso nesta matéria. Isso não acontece, de facto.
Esta proposta, para além do mais, traduz uma vontade de que a participação dos médicos, dos psiquiatras, seja bastante fraca; desde logo, pelo exemplo paradigmático de que, na audiência onde se avalia toda a situação do possível internando, não é obrigatória a presença da parte clínica, ao contrário, até, do que a lei belga - onde esta proposta, nalgumas, bastantes, disposições, se inspira - prevê, apesar de também ter uma orientação judicializante. Ora, o Sr. Ministro referiu, na sua intervenção, que houve uma grande evolução da psiquiatria até aos dias de hoje, mas não a vemos, pelas razões que já expus, traduzida nesta proposta de lei. Aliás, não vemos que existam, nesta matéria, generalizadamente, situações de abuso entre os técnicos e os profissionais, não sendo sequer conhecidas situações desse tipo.
Depois, há aqui uma outra questão, provavelmente, a mais importante, que é a de saber onde é que fica, neste processo todo, a importância que tantas vezes o internamento tem para o tratamento do doente, para atalhar, em tempo útil, em tempo eficaz, o agravamento ou a deterioração da situação clínica do doente mental.
É certo que a proposta se refere, no n.º 2 do artigo 12.º, a esta matéria, mas fá-lo de uma forma bastante mitigada e trazendo para esta solução um certo carácter secundário desta questão da necessidade de tratamento, não já por razões de ameaça a qualquer bem jurídico que não seja o da própria saúde do possível internando. Esta questão da necessidade de internamento para tratamento é qualitativamente mais importante porque são. residuais, em relação às situações de tratamento, as situações em que há uma perigosidade social que justifique uma via tão judicializante.
Uma última questão, Sr. Ministro, em relação à possibilidade que o Governo propõe, para a comissão a criar, de elaborar uma base de dados que, quanto a nós, é de duvidosa compatibilidade com as garantias que a Constituição prevê nestas matérias, ainda para mais com a possibilidade de estes dados estarem acessíveis a entidades públicas e privadas numa matéria tão sensível como são as informações sobre a saúde mental dos cidadãos.

Página 1597

12 DE MARÇO DE 1998 1597

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro informou-me que responderá conjuntamente aos três pedidos de esclarecimento. Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Nobre.

O Sr. Luís Nobre (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro: A primeira questão sintomática sobre esta proposta de lei é, tratando-se de uma lei sob a epígrafe de lei de saúde mental, a mesma ter sido apresentada pelo Sr. Ministro da Justiça e não pela Sr.ª Ministra da Saúde.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Isso leva-nos a concluir que, de duas, uma, ou a epígrafe é errada ou, então, não se trata de uma lei de saúde mental mas, sim, de uma lei de internamento compulsivo ou que estabelece normas de internamento compulsivo.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Se compararmos esta lei com a norma em vigor e se atendermos aos dois textos em apreço, vemos que este ocupa muito mais tempo e muito mais espaço percentual em número de artigos a regulamentar o internamento compulsivo do que a lei anterior, porque a lei anterior, essa sim, dispunha algo mais sobre a saúde mental do que este próprio diploma legal. Mas esta é apenas a primeira nota.
Na sua intervenção, com o brilhantismo que nos é conhecido, o Sr. Ministro da Justiça tentou justificar a necessidade desta lei, com o que concordamos, pois é necessário compatibilizar a actual legislação com as normas da Constituição resultantes da Lei Constitucional n.º 1/97.
Estamos de acordo com isso, Sr. Ministro, mas o que é mais importante é saber se as normas que são ora propostas são as mais adequadas - uma coisa é a compatibilização e outra coisa é a sua adequabilidade. Em todo o procedimento do internamento compulsivo, vemos que é aqui patenteado - conforme disse o Sr. Deputado do PCP - não um excesso de judicialização mas mais uma desconfiança em relação à classe médica.
Por exemplo, é requerido o internamento compulsivo de um cidadão; a intervenção dos médicos pode circunscrever-se única e exclusivamente à elaboração da avaliação clínica ou psiquiátrica, porque o médico pode estar presente na sessão conjunta que toma a decisão mas não é obrigatório que esteja, e cabe ao juiz dizê-lo!
Por exemplo, Sr. Ministro, se o juiz entender que não será necessária a presença do médico e, no meio da mesma diligência, se ela se tornar necessária, como é que se consulta o médico? Adia-se a diligência? Telefona-se ao médico? Não será necessária a presença obrigatória do técnico de saúde?
Sou licenciado em Direito e não gostaria de decidir sobre diagnósticos de portadores de anomalia psíquica, mas é isso que esta lei pede. Se virmos nos fundamentos da decisão do juiz, o n.º 2 do artigo 20.º da proposta de lei é bem claro ao dizer: «A decisão de internamento identifica a pessoa a internar, especifica ó diagnóstico clínico e a justificação de internamento». Não sou médico, mas será possível, nesse momento, especificar o diagnóstico? Bem, os médicos a quem pedi informações disseram que, quando muito, pode identificar-se o tipo de tratamento, porque o diagnóstico tanto pode ser feito a priori como a posteriori; no entanto, obriga-se o juiz a especificar o tratamento.

Gostava que os juízes tratassem das leis e os médicos da medicina, não gostaria, em circunstância alguma da nossa vida, enquanto cidadãos, de ter um juiz a especificar o diagnóstico de uma doença de que eu, ou qualquer um de nós, eventualmente, padecesse. Mas isto é o que vem na norma, Sr. Ministro!
Por último, gostaria apenas de o questionar - e compreendemos a forma como o artigo 43.º está redigido, porque é anterior à Lei n.º 1/97 - acerca da disponibilidade do Governo para proceder a alterações ao artigo 43.º ora proposto, porque nos parece que a sua redacção é manifestamente inconstitucional, bem como sobre a possibilidade de serem introduzidas melhorias quando à tramitação dos recursos em sede de internamento compulsivo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, em primeiro lugar, subscrevo um dado, que julgo que será consensual, que é o de que, mais de 30 anos volvidos sobre a ausência de legislação acerca da saúde mental em Portugal, ela urgia.
Estamos de acordo - e isso também será consensual - em que a evolução de conceitos a este nível foi grande, mas, provavelmente, já não estaremos de acordo em que essa evolução se reflecte na proposta de lei que o Governo apresenta. Digo isto porque também nos parece que, mais do que centrar toda a atenção naqueles que são hoje os múltiplos problemas da saúde mental em torno da pessoa enquanto doente, no caso doente mental, a forma como a proposta de lei surge centraliza e enfatiza excessivamente a via judicializante.
E há algumas consequências que decorrem disto, pois o doente mental é visto na estrita óptica dos seus direitos enquanto conflituantes com terceiros e, por isso, motivo de agressão e perigo. Julgo que esta é uma leitura grave, porque me parece que as instituições que acolhem os doentes mentais devem, fundamentalmente, estar viradas para o acolher e para o devolver à sociedade, mas não me parece, de modo algum, que seja esse o entendimento e a leitura que se pode fazer do modo como todo o articulado é construído.
Por outro lado, há duas questões que gostaria de colocar. Quanto à avaliação clínico-psiquiátrica referida no artigo 17.º, e sendo esta uma área de clivagem que se coloca aos técnicos de saúde nesta área, porque é que se opta exclusivamente por uma avaliação feita numa perspectiva de interpretação de comportamentos, que reflecte uma área da psiquiatria, e não se tem uma perspectiva diferente do doente mental, optando-se também pela componente do psicólogo? Aliás, julgo que esta ideia também aparece reproduzida noutros artigos da proposta de lei, porque, em relação àquilo que é referido como uma área inovadora, que é o acompanhamento do doente, também se tem uma perspectiva estritamente no plano médico do psiquiatra e não do psicólogo e de outros agentes que julgo que era importante envolver, como, por exemplo, os sociais.
Fundamentalmente, eram estas as questões que gostaríamos de ver resolvidas, além de uma outra que foi objecto de uma grande reserva dos vários grupos parlamentares, que é o artigo 43.º, que nos parece ser uma forma

Página 1598

1598 I SÉRIE-NÚMERO 47

pouco teliz e até grave, do ponto de vista da reserva dos direitos dos cidadãos, tal como é proposta, de construção de uma base de dados sobre os doentes mentais.

O Sr. Presidente: - Para responder aos três pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça, dispondo para o efeito de cinco minutos.

O Sr: Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, começaria por responder ao Sr. Deputado Luís Nobre, sem que isto tenha qualquer intenção de hierarquizar os Srs. Deputados, mas porque são essas as minhas tendências internas.
Sr. Deputado, se a questão é o nome, então, mude o nome!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Agora, julgo que esta é uma lei de saúde mental, porque é ela que tem os princípios fundamentais- da saúde mental; depois, o resto é a organização da saúde mental, que é uma coisa bem diferente.
Todos os Srs. Deputados falam em demasiada judicialização. Este é um «filme» que todos já vimos. Quando foi da revisão constitucional, este «filme» já passou, suponho até que passou várias vezes, repetido!
Agora, há uma coisa que quero aqui dizer ao Sr. Deputado Bernardino Soares: não me interessa se há ou deixa de haver abusos. Para mim, o juiz é o garante dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos,...

Vozes do .PS:.- Muito bem!

O Orador: - ... não é o médico psiquiatra! E digo-o aqui muito claramente. ,
Quando me talam em demasiada judicialização, devo dizer que, ou é o juiz ou não, ou é uma decisão judicial ou não! E isto que está na Constituição que os senhores aprovaram há uns meses! É isto que lá está!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, aqui não há qualquer desconfiança!
Mas este é um «filme» que já vi, em que as pessoas dizem: «isto é um ataque à classe psiquiátrica, não há abusos». Não, não! A Assembleia da República e nós, Governo, não temos de saber se há ou não abusos, temos é de prevenir todos os abusos possíveis, e quem previne os abusos possíveis, restringindo liberdades dos cidadãos, porque é disso que se trata, é o juiz. Portanto, não me venham dizer que é uma via demasiado judicializante.

Aplausos do Sr. Deputado Eurico Figueiredo.

O que é isso de demasiado judicializante? Aqui não há demasiado!
Os senhores dizem que o médico pode não estar presente na conferência. Mas já lá está o relatório médico! Está lá tudo e, naturalmente, o juiz não vai fazer qualquer diagnóstico, vai decretar na base dos relatórios que lá estão. Agora, o doente mental tem direito a ser defendido, tem direito a contestar isso, tem todos os direitos que estão na proposta de lei.
Sr. Deputado Luís Nobre, leis perfeitas não conheço nenhuma! Mas pode ser que me tenha escapado alguma, uma vez que o PSD fez tudo tão perfeito... E também não há projectos de lei perfeitos!
Portanto, estamos disponíveis - penso que posso falar por mim, pela Sr.ª Ministra da Saúde e pelo Governo para introduzir na lei as melhorias que os Srs. Deputados induzirem, mas sem a descaracterizar, porque a decisão fundamental de internamento compulsivo cabe ao juiz. Tenha um ou dois relatórios, tenha a presença do médico ou não, a decisão cabe ao juiz e só ao juiz. Isto não é demasiado judicialização, porque não há demasiada judicialização, há intervenção do juiz ou não há, e aqui, a meu ver, tem de haver.
Quanto aos psicólogos, Sr.ª Deputada, devo dizer que não sei se deverão ser psicólogos ou psiquiatras, mas estou inteiramente aberto a isso. Aí talvez conviesse ouvir os colégios da especialidade,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... porque se trata de uma matéria que, pelo menos pela minha parte ... a Sr.ª Ministra da Saúde poderá, naturalmente, pronunciar-se também sobre essa questão, se assim o entender.
Para mim, fundamentalmente, do que se trata nesta lei, por isso fui o primeiro a subir à tribuna, é dos direitos fundamentais dos doentes mentais, das pessoas afectadas de anomalia psíquica. É disto que aqui se trata e dos princípios fundamentais em matéria de saúde mental.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Não é!

O Orador: - A Sr.ª Deputada Isabel Castro diz que não viu cá o sentido humanitário do doente e tudo isso. Bem, eu só cá vejo isso! Desde o artigo 5.º até ao artigo 11.º estão todos os direitos. Se V. Ex.ª tiver mais algum para enunciar, vamos incluí-lo, mas parece-me que estão cá todos, começando pelo direito de votar.
Bom, não sei humanizar mais a lei, mas V. Ex.ª, com o seu sentido de grande humanismo, certamente que poderá dar também um contributo para enriquecermos mais a proposta de lei.
Portanto, em resumo, penso que esta lei - e, aliás, suponho que isso foi dito unanimemente pelos Srs. Deputados - é importante. Quando entrei no Governo, uma das primeiras coisas em que pensei foi na necessidade de acabar com aquilo que é, a meu ver, um problema importante em matéria de direitos, liberdades e garantias,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: que é o não sabermos em que regime vivemos e, quando houver internamentos compulsivos sem estalei, esses internamentos podem até ser crime. Ora, todos nós, Governo e Assembleia, temos de fazer um grande esforço para terminar rapidamente com essa situação e da melhor maneira.
Penso que esta é uma boa proposta de lei, mas, naturalmente, estamos abertos a, na especialidade, podermos melhorá-la, certamente com o contributo de todas as bancadas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: -- Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Roque Cunha.

Página 1599

12 DE MARÇO DE 1998 1599

O Sr: Jorge Roque Cunha (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Saúde, Sr. Ministro da Justiça, Sr.ªs e Srs. Deputados: De facto, é sintomático que a intervenção inicial tenha sido feita pelo titular da Justiça. Não está em causa a necessidade de regular o internamento compulsivo e que fique claro aqui que o PSD tem dito, desde o início, que, ao mudar o título da lei, o Governo estaria a contribuir para esse debate. De facto, o que estamos aqui a debater fundamentalmente é o internamento compulsivo e não a saúde mental.
A Lei de Saúde Mental, hoje em vigor, tem a bonita idade de 35 anos. Publicada em 3 de Abril de 1963, esta lei tem sido, até hoje, a referência e o texto mestre da política de saúde mental, que estes anos sobreviveu aos debates das diversas escolas de pensamento psiquiátrico, permitindo o livre desenvolvimento do pensamento, sem atitudes monolíticas em relação aos diversos métodos terapêuticos.
Trata-se de uma lei que, como a sua longevidade demonstra, é sensata, completa e em grande sintonia com o pensamento geral da época. Encarava já a saúde mental como uma área médica, em que a prevenção, o tratamento e a reinserção social do doente eram aspectos essenciais a ter em conta e tinha uma visão centrada no doente mental, a quem dava protecção e garantias.
Seguindo o modelo da época, e aí se foi progressivamente afastando dos conceitos integracionistas que iriam ser predominantes nos decénios seguintes, defendia serviços de saúde mental separados dos serviços de saúde, organizados verticalmente e independentes das outras áreas médicas, com grande componente asilar.
Apesar disso, foi uma boa lei, que conseguiu responder às preocupações que se foram levantando e ao desenvolvimento dos conhecimentos científicos, mesmo depois das constituições democráticas terem garantido direitos e liberdades inexistentes na altura da sua publicação.
Mas, precisamente porque o modelo centralizado, vertical e isolado estava ultrapassado e a execução de decisões terapêuticas podiam agredir os direitos e garantias do cidadão, foi-se sentindo uma progressiva necessidade de reformular a lei.
Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr.ªs e Srs. Deputados: É assim que, sobretudo depois de 1990, por iniciativa do Ministério da Saúde, se começam a realizar estudos, a organizar colóquios e a pedir a colaboração de inúmeros profissionais para se encontrarem e tornarem consensuais e exequíveis as bases de uma nova lei de saúde mental.
Não querendo ser exaustivo, apenas lembrarei que foi com esta orientação e neste ambiente que foi aprovado pelo Conselho de Ministros, na altura do Ministro Adindo de Carvalho, o Decreto Lei n.º 127/92, de 3 de Julho, que faz integrar a saúde mental nas instituições de saúde ambulatórias e hospitalares e considera a psiquiatria como uma área especializada da medicina, embora, naturalmente, com as suas próprias características.
São, assim, os hospitais gerais dotados da valência psiquiátrica, os serviços de urgência dos hospitais gerais dotados de psiquiatria de urgência e os centros de saúde obrigados a estenderem a sua acção aos doentes psiquiátricos.
Dada a especificidade da saúde mental, haveria três centros de saúde mental no País, correspondendo às três zonas então existentes na organização administrativa da saúde em Portugal, com a manutenção dos hospitais psiquiátricos (Júlio de Matos, Miguel Bombarda, Sobral Cid, Covões, Conde Ferreira e Magalhães Lemos).
Com este decreto-lei, a organização dos serviços de saúde mental alterou-se profundamente.

É verdade que algumas situações tiveram dificuldade em ser consolidadas no terreno, por várias razões, nomeadamente por representaram uma mudança profunda no sistema e a insuficiência dos recursos financeiros disponíveis para a saúde não acompanhar as necessidades para a saúde mental.
Houve, igualmente, dificuldade em passar de uma situação de total autonomia para uma situação de articulação com o restante sistema de saúde.
Adaptando-se às novas necessidades e às novas possibilidades terapêuticas, a saúde mental reencontrou a medicina e a psiquiatria passou a ser valência dos hospitais gerais, a ter uma presença natural nos serviços de urgência dos hospitais e a articular-se com os centros de saúde.
Entretanto, foi criado um grupo de trabalho de revisão da Lei de Saúde Mental, por despacho de 10 de Novembro de 1993.
Durante 1994, o interesse e empenhamento dos psiquiatras nesta discussão era tanto e estava-se já tão próximo da aceitação geral de um modelo de serviços que se decidiu preparar uma Conferência sobre Saúde Mental, com a participação não só de numerosos e eminentes psiquiatras portugueses como também da Organização Mundial de Saúde e da Federação Mundial de Saúde Mental.
Os trabalhos preliminares de preparação dessa conferência foram presididos pelo próprio Director-Geral da Saúde e envolveram dezenas de especialistas, entre os quais gostaria de salientar, sem ser exaustivo nem exclusivo, os Professores Fernando da Fonseca, Barahona Fernandes, Vaz Serra, Paes de Sousa, Caldas de Almeida, Pacheco Palha, Pedro Polónio, Dias Cordeiro, Guilherme Ferreira, Mota Cardoso, Afonso Albuquerque, Francisco Pólvora, Emílio Salgueiro, Hugo Meirelles, António Loechener e José Manuel Jara, que também participaram activamente nestas discussões. a todos eles gostaria de render a minha homenagem.
Esse trabalho centrou a sua atenção sobre quatro temas, aqueles que deveríamos estar hoje aqui a debater: os princípios que fundamentam a organização dos serviços de saúde mental, o seu modelo de gestão e o seu financiamento e a eventual alteração de legislação, sempre que necessário.
Os resultados destes trabalhos foram considerados suficientemente consistentes e as conclusões dessa conferência foram aprovadas em despacho ministerial de 23 de Agosto de 1995.
Nesse despacho, determinou-se a criação de uma Comissão Nacional de Saúde Mental com competência para dar seguimento às citadas conclusões, nomeadamente quanto à necessidade de reformulação da política de saúde mental ao modelo organizacional.
Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Saúde, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Secretário de Estado, Sr.ªs e Srs. Deputados: Que fez o actual Governo? Depois da posse e com o argumento de que tudo o que o anterior governo fez estava mal feito, passou uma esponja sobre este assunto e todo este trabalho desenvolvido.
Um ano depois, a 23 de Agosto 1996, por portaria, o Governo criou um grupo de trabalho para a elaboração de uma proposta para a lei de saúde mental.
Não pensem, Sr.as e Srs. Deputados, que, com essa atitude, puseram em causa orientações e decisões de um governo do PSD, não é isso que nos preocupa.
O que o Governo pôs em causa foi um trabalho de muitas e muitas pessoas que acordaram, de uma forma consensual, a abordagem de um problema, pessoas essas

Página 1600

1600 I SÉRIE-NÚMERO 47

altamente qualificadas, técnica e cientificamente, provenientes das mais diversas correntes de opinião e numa área onde, felizmente, a diversidade de opiniões impera.
O resultado do grupo de trabalho criado por este Governo originou logo um mar de críticas, das mais diversas correntes de opinião, de organizações profissionais e científicas e de defesa dos doentes mentais...
Dois anos passados, o Governo apresenta a esta Assembleia essa reformulação do sector e a respectiva revisão da legislação, sob a forma de uma proposta lei, a que chama de lei de saúde mental e que devia ser, naturalmente, o ponto de chegada de todo este trabalho de anos.
Mas, infelizmente, a proposta do Governo pouco tem a, ver com a saúde mental, limitando-se a propor legislação sobre o internamento compulsivo.
Sobre a política de saúde mental e organização dos serviços, limita-se a criar um conselho nacional de saúde mental, cujas competências, funcionamento e composição são remetidos para diploma próprio, e a afirmar, no seu artigo 47.º, que a organização dos serviços, também ela, será regulada por decreto-lei.
No entanto, apesar de nada mudar quanto à estrutura e funcionamento dos serviços e da política, revoga expressamente a anterior Lei de Saúde Mental.
Uma lei com cinco artigos muito gerais sobre política de saúde mental e 39 artigos sobre internamento compulsivo não é decerto uma lei de saúde mental.
Estranhamente, embora a proposta seja intitulada como proveniente da área da saúde, em que o primado de toda a acção se deve centrar no cidadão, na manutenção da sua saúde e no tratamento da sua doença, o que sobressai,. no articulado desta proposta, é a judicialização do internamento compulsivo e não a facilitação essencial do tratamento compulsivo como necessidade para o próprio doente.
Não responde a questões tão triviais como estas: qual o enquadramento das relações com os serviços prisionais, os inimputáveis? Qual o enquadramento e relação com a segurança social e a reinserção social? Qual o enquadramento e os apoios financeiros das instituições privad9s de solidariedade social, das ordens hospitaleiras, que são essenciais nos cuidados de saúde continuados a nível da saúde mental? Qual a relação da saúde mental com o combate à toxicodependência e ao alcoolismo? Isto, aliás, na sequência daquilo que o Ministro José Sócrates tem' dito sobre a necessidade de uma maior participação da psiquiatria exactamente nesta área. Qual a política de comparticipação dos medicamentos e a respectiva dispensa às pessoas em tratamento crónico? Qual o papel do Estado na avaliação e na fiscalização?
Sobre estas e outras questões a proposta diz nada, ignora-as, pura e simplesmente.
Uma verdadeira lei de saúde mental devia destinar-se a regular a melhor forma possível de tratar doentes gravemente afectados e que não são capazes de decidir da necessidade de se tratarem, mas esta apenas se preocupa com a defesa dos direitos jurídicos do doente e corra a protecção da sociedade em relação à sua possível agressividade. É evidente que os direitos jurídicos são importantes, mas as doenças das pessoas são para nós igualmente importantes.
E tudo isto é feito com nítido prejuízo de uma visão médica desmistificada do doente mental e da necessidade da imposição de uma terapêutica a quem não está em condições de decidir.

Não venha o Governo ou o Grupo Parlamentar do Partido Socialista dizer que a resposta a estas questões está prevista na legislação regulamentar, que o Governo, em breve, aprovará, e na Lei de Bases da Saúde.
A questão da saúde mental é muito séria e complexa e necessita de lei autónoma que a regule, enquadre e fiscalize.
E se existem esses projectos de decretos-lei, onde tudo está previsto, por que não foram . enviados para a Assembleia da República? Teriam decerto muito mais utilidade que a dúzia de projectos de decretos-lei sobre outras matérias e respectivas versões várias, enviados pelo Ministério e que estão preguiçosamente repousando nas gavetas do Ministério da Saúde.
Faltam também nesta proposta medidas que criem órgãos de actuação rápida e controlada, que possam decidir, na hora, um internamento compulsivo de urgência, fundamentado num parecer médico, e que respondam à angústia actual de não estar definido quem assume a responsabilidade de resolver uma emergência causada por um doente em perigosa agitação delirante.
Falta, em suma, a esta proposta, uma visão humanizada que concilie a urgência assistencial com o necessário controlo judicial, que garanta a protecção jurídica do doente e que nos garanta que o parecer médico é vinculativo. Se houver dúvidas nesse parecer, pedir-se-á outro... Para nós, é fundamental o papel do juiz no Estado de direito; nem sequer admitimos qualquer tipo de insinuações que não vão nesse sentido.
Mas não confundamos as coisas: uma lei que devia enfatizar o tratamento e a reinserção social, enfatiza o trabalho dos tribunais; uma lei que deveria ter como preocupação não o internamento compulsivo mas, sim, o tratamento compulsivo.
Uma breve observação quanto ao termo, talvez politicamente correcto, de «cidadão portador de deficiência mental». Apesar de deixar as questões jurídicas .para companheiros meus de bancada, mais habilitados que eu nessas matérias e, com certeza, também o; Sr. Ministro, dada a, sua experiência, a importação do termo do Código Penal, do seu artigo 138.º, e como o Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 21 de Julho de 1983 atesta «A expressão portador de anomalia psíquica, abrange não só as deficiências de intelecto, de entendimento ou discernimento, como as deficiências da vontade e da própria afectividade ou sensibilidade (...)».
«Portadores de anomalia psíquica» é uma realidade mais ampla que «doentes mentais», estando aí incluídas as anomalias genéticas, hereditárias, etc. Não quero sequer, nem por graça, dizer que haveria até a possibilidade de este internamento compulsivo poder ser direccionado exactamente para essas pessoas.
A contribuição do Governo para este debate tem sido muito limitada; durante todo este tempo e sobre esta matéria, o silêncio tem sido ensurdecedor. Tão pródigo em anúncios, alguns deles aéreos, anunciando centenas de milhões de contos para a construção de hospitais no papel, estudos, conferência e campanhas de imprensa, grupos de trabalho, conselhos de reflexão, mas sobre a saúde
mental nada disse.
Havendo a noção que trabalhar seriamente nesta área obrigaria à tomada de decisões e a estabelecer prioridades - e como provavelmente isso não iria contribuir para a manutenção das quotas de popularidade da Sr.ª Ministra da Saúde -, nada ouvimos em resposta ao mande críticas que, um pouco por todo o lado, se tem vindo a ou-

Página 1601

12 DE MARÇO DE 1998 1601

vir... Não críticas do PSI) ou dos outros partidos da oposição, mas da generalidade da comunidade científica, das mais diversas correntes políticas.
Esta proposta de lei, quanto a nós, carece ainda de muito trabalho de reflexão, e disso são prova essas críticas, pelo que somos da opinião de que deve baixar às comissões interessadas para ser melhorada, na especialidade, devendo haver um prazo de audição de. individualidades e organizações, cuja opinião deve ser naturalmente escutada.
Tem, em resumo, de transformar-se numa verdadeira proposta de tratamento dos doentes.
Apesar de a Assembleia da República ser uma Câmara de controvérsia política e o encontro de consensos ser sempre mais complicado, o PSI) disponibiliza-se para, em sede de comissão, contribuir para a feitura de uma verdadeira lei de saúde mental.
O Governo daria um grande contributo para esse desiderato se alterasse a denominação da proposta de lei para «Lei do Tratamento Compulsivo», retirando os cinco artigos que se relacionam com a saúde mental, em sentido lato, de modo a discutirmos cada coisa de sua vez. Vi aqui alguma abertura por parte do Sr. Ministro da Justiça em relação a esta matéria e, se assim for, o PSI) estará completamente de acordo em, depois, discutir a saúde mental. Uma lei que vigora há mais de 30 anos pode bem esperar mais dois ou três meses.
Repito, tudo faremos para melhorar esta lei e conferir-lhe o carácter de lei de saúde que, infelizmente, lhe falta, de modo a ficarem salvaguardados os direitos dos doentes e das suas famílias, objectos primeiros de qualquer política de saúde mental.
Tudo faremos para impedir que, a coberto de conceitos teóricos mais ou menos interessantes, se permita aumentar o já grande exército dos «sem abrigo» que vagueiam nas nossas cidades.
Tudo faremos para que a angústia das centenas de cidadãos doentes mentais, há décadas internados, sejam, por lógicas mais ou menos teóricas, abandonados à sua sorte, quebrando as ligações e as amizades dos seus companheiros de infortúnio de décadas, e espalhados por onde calha...
Tudo faremos para que todos os doentes em enfermarias de agudos tenham a possibilidade de ser hospitalizados- e de ter um tratamento continuado.
Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Saúde, Sr. Ministro da Justiça, Sr.as e Srs. Deputados: Reafirmamos a nossa proposta que, no âmbito da comissão parlamentar competente, nos próximos 15 a 30 dias, se ouçam formalmente a comunidade técnica e científica, associações de defesa de doentes e todos aqueles que têm algo a dizer nesta matéria, habilitando-nos a decidir da melhor maneira.
Evitamos entrar na discussão de questões técnicas. O que queremos é assegurar uma lei que permita o florescer das mais diversas fórmulas terapêuticas e escolas de pensamento, com uma só exigência: a qualidade dos cuidados prestados junto dos cidadãos doentes mentais.
Esperemos que aquilo que tem sido dito, pelo PS, de abertura para as mudanças, se concretize. A bem da nossa saúde mental, a bem da saúde mental dos portugueses.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Eduarda Ferronha e João Rui de Almeida.

Tem a palavra a Sr.ª Deputada Eduarda Ferronha.

A Sr.ª Eduarda Ferronha (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Roque Cunha, como Deputada e psiquiatra, considero esta proposta de lei absolutamente actual, estando de acordo com o que se passa nos países civilizados.
Está de acordo, nomeadamente, com as conclusões da Conferência Internacional de Saúde Mental, que se realizou, em Lisboa, em 1995, e que constituiu- um grande movimento de renovação da saúde mental, conclusões essas, porém, que, infelizmente, não foram postas em prática.
Ora, esta proposta de lei cria dispositivos seguros para que elas sejam observadas em todos os momentos, prevenindo qualquer espécie de abusos. Assim, considera completamente indispensável para qualquer procedimento e tratamento uma fundamentada e repetida avaliação clínica psiquiátrica, socorrendo-se, depois, do aparelho judicial, quando for caso disso, e legaliza, regulamenta e orienta os processos psiquiátricos, num sentido moderno e actual, tal como acontece no grupo de países civilizados a que pertencemos.
Sr. Deputado, gostava de fazer uma observação quanto à comissão que, no tempo do Dr. Adindo de Carvalho, fez um estudo sobre a saúde mental. «Apanhei» esse período e devo dizer-lhe que foi a época negra da saúde mental, pois as conclusões a que essa comissão chegou foram postas na gaveta.
Por outro lado, por razões economicistas, houve uma baixa do orçamento para a saúde mental, tendo o pessoal excedente sido enviado para o quadro de excedentes. Ainda mais: acabaram com os centros de saúde mental, que eram prioritários e muito importantes, e com as especialidades nos centros de saúde, principalmente com a pedopsiquiatria, que era básica. Quer dizer, os recursos humanos foram afastados, muitos doentes foram passados para os hospitais gerais, mas a maior parte do pessoal foi enviado para o quadro de excedentes e o património da saúde mental, que era grandioso, foi desaproveitado ou, simplesmente, «arrumado». Foi, pois, uma época negra da saúde mental.
Agora, o Governo teve a coragem de apresentar esta proposta de lei, que só necessita de pequenos acertos. De resto, é uma boa proposta de lei, que vai dar resposta às preocupações da maioria dos técnicos, os quais estão de acordo com ela.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Não se tem notado!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida, para pedir esclarecimentos.

O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Roque Cunha, em primeiro lugar, quero informá-lo e aos restantes grupos parlamentares, que o PS está aberto a discutir, em sede de especialidade, as alterações que quiserem propor, embora, como disse o Sr. Ministro da Justiça, sem descaracterizar o diploma.
Em segundo lugar, Sr. Deputado, nem todos nós estivemos atentos à revisão constitucional; são muitos artigos e aquilo é um bocado difícil de entender... Mas, enquanto o ouvia, estava a pensar que, certamente, também o Sr. Deputado não esteve atento, já que a situação é muito clara. É que, de facto, a alínea h) do n.º 3 do artigo 27 º

Página 1602

1602 I SÉRIE-NÚMERO 47

da Constituição refere claramente «Internamento de portadores de anomalia psíquica em estabelecimento terapêutico adequado, decretado ou confirmado por autoridade judicial competente».
Mas, Sr. Deputado, a razão do meu pedido de esclarecimentos é outra. É que não sei se ouvi bem mas, em caso afirmativo, peço ao Sr. Deputado o favor de nos explicar o que disse.
Na verdade, o Sr. Deputado disse que não concordava com o internamento compulsivo mas concordava com o tratamento compulsivo. Ora, o Sr. Deputado vai ter de explicar-nos isto muito bem, para não ficarmos com dúvidas sobre esta matéria!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Roque Cunha.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Eduarda Ferronha, apesar da sua formação médica, devo dizer-lhe, se me permite, que presumo que não tenha lido a lei.
É que, Sr.ª Deputada, tem de concordar comigo em que são apenas cinco os artigos que têm a ver com a saúde mental no seu sentido mais lato, enquanto o resto diz respeito ao internamento compulsivo, o que consideramos importante que exista e que seja regulado e não haja qualquer dúvida sobre isto.
Sr. Deputado João Rui de Almeida, quanto ao internamento compulsivo, o que eu disse foi que, muitas vezes, as decisões médicas nesta matéria têm de ser no sentido de obrigar as pessoas que estão. em perfeito descontrolo a serem sujeitas a terapêuticas que as acalmem.

O Sr. João Rui de Almeida (PS): - De que forma?

O Orador: - Aliás, o Sr. Deputado está a dar razão ao que eu disse na minha intervenção, que foi no sentido de que o Governo talvez devesse preocupar-se em ver a melhor forma de proceder.
Quanto aos «espaços negros» da psiquiatria, penso que já estamos habituados a esse discurso do Partido Socialista, que é justificativo da pouca vontade de fazer grandes reformas nesta área...

Protestos do PS.

Faz-me lembrar aquela linguagem de «cavadores e mineiros» que esteve tão em voga no início do mandato do actual Governo.
Srs. Deputados do PS, o apelo que faço é o de que sigam o que o Sr. Ministro aqui veio dizer, nomeadamente quanto à abertura que demonstrou em relação à alteração da denominação. Com esse ponto de partida, creio que temos todo o campo aberto para discutirmos com profundidade uma matéria que é extraordinariamente séria e cuja seriedade queremos manter.
Penso que o. Sr. Ministro terá entendido a nossa mensagem e, se assim for, entendemos que é correcto.
Srs. Deputados, por mais que digam, isto não é nenhuma proposta de lei de saúde mental, isto é uma proposta de lei de internamento compulsivo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A apreciação da proposta de lei n.º 121/VII tem como fundamento a necessidade de modificar os dispositivos legais aplicáveis até à data, nomeadamente a Lei n.º 2118.
Desde logo, deve dizer-se que a proposta em apreço, intitulando-se lei de saúde mental, terá provavelmente uma denominação demasiado vasta. De facto, e considerando a existência de algumas regras de carácter geral no primeiro capítulo, trata-se, fundamentalmente, de uma proposta sobre internamento compulsivo, ficando a parte da saúde mental para posterior regulação por decreto-lei.
Curiosamente, embora a proposta de lei seja anterior, a última revisão constitucional abordou a matéria em análise, introduzindo até uma nova norma no texto da Constituição. A inserção sistemática desta norma, no artigo 27.º, como uma privação de liberdade excepcional, não deve empurrar-nos para uma concepção repressiva das situações de doença mental, nem nos autoriza a descurar a necessidade de garantir as melhores condições para o internamento.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Por esta ordem de razões, é indispensável garantir um entendimento que, para além das situações que se revestem de perigosidade social e que, por isso, apontam para a aplicação de medidas, considere também como razões válidas para internamento sem consentimento as situações em que, do ponto de vista médico-assistencial, esta solução seja indispensável para prevenir agravamentos da doença mental e garantir o seu tratamento ou cura.
O internamento compulsivo deve ser sempre encarado como um instrumento, a utilizar quando estritamente necessário, para o tratamento do doente. De resto, mesmo nestes casos, a hospitalização é apenas uma parcela de todo o tratamento, que integra também cuidados terapêuticos e comunitários e que, com os avanços da psiquiatria, tende a ser cada vez menos necessária e por períodos cada vez mais curtos. Deve dizer-se que a nossa psiquiatria é pouco hospitalar até porque as infra-estruturas não o permitem.
É preciso também dizer que o que a Constituição impõe e garante é uma participação decisiva, decretando ou confirmando o internamento, da autoridade judicial e não que os tribunais monopolizem todo o processo.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - No plano do direito comparado, merece especial referência a legislação inglesa, de carácter humanista e progressista, que tem como diploma actual a Lei de Saúde Mental de 1983. Nesta lei, é nítida a preocupação com a vertente médico-assistencial, plenamente justificada com a evolução e o estado actual da psiquiatria, livre de certos estigmas a. que noutras alturas esteve sujeita. Não obstante, está assegurada a garantia e confirmação judicial da decisão sempre que o requeiram o doente ou seu representante legal. É significativo que a legislação inglesa seja fruto de uma evolução que, desde 1930, caminhou no sentido de uma menor judicialização e de uma maior relevância da vertente médico-assistencial.
A lei francesa admite duas situações de internamento de um doente sem o seu consentimento: a hospitalização a pedido de terceiro e a hospitalização por ofício. E se

Página 1603

12 DE MARÇO DE 1998 1603

esta última corresponde às perturbações ou ameaças para bens jurídicos, nomeadamente referentes à ordem pública e à segurança, já em relação à hospitalização a pedido de terceiro o objectivo que se pretende atingir é a salvaguarda da saúde e do tratamento do doente, aceitando o primado da autoridade médica sem prejuízo da intervenção judicial a posteriori e, se necessário, correctiva.
A maior proximidade com a proposta apresentada existirá em relação à lei belga que aponta para uma via judicializadora, embora, mesmo assim, garanta a presença médica na audiência judicial, bem como uma maior intervenção do tribunal até na avaliação das condições em que se prestam os cuidados de saúde mental, o que não acontece na lei portuguesa.
A presente proposta de lei aponta para uma fortíssima judicialização da questão do internamento compulsivo em detrimento da participação e da autoridade médicas. Trata-se de uma solução que inverte as prioridades que deveriam presidir a esta questão, sobrevalorizando exclusivamente a intervenção judiciai.
Ao privilegiar uma perspectiva judicial neste processo, estamos, inevitavelmente, a descurar a perspectiva médico-assistencial da questão e, por consequência, a menorizar a prioridade ao tratamento e à cura do doente. Ou não será esse o fim a atingir?
Nada disto põe em causa a necessidade de intervenção nas situações em que o escopo é a questão da perigosidade social e da ameaça a determinados bens jurídicos. Mas a verdade é que estas não são a maioria das situações em que se verifica a necessidade de internamento compulsivo.
Nem se defende - Sr. Ministro, fique descansado! que tudo esteja nas mãos dos psiquiatras. Do que se trata é de dar prioridade às questões médicas, garantindo a intervenção das autoridades judiciais através da confirmação do internamento ou como instância de recurso.
Por outro lado, a proposta parte do princípio de que a garantia dos direitos de cidadania, o respeito pelo direito à liberdade e pelo carácter limitado das suas excepções são incompatíveis com a prioridade à protecção e tratamento médico com vista à cura do doente e com a participação determinante dos profissionais médicos. O que não é verdade!
É preciso, também, dizer que não se pode confundir a intervenção da autoridade judicial com a completa judicialização do processo que esta proposta prevê.
Analisando em concreto os dispositivos da proposta lei, comprovamos estarem presentes todos estes vectores.
Desde logo, encontramos nos princípios gerais a estipulação de que o internamento compulsivo deve ser proporcional ao grau de perigo e ao bem jurídico em causa, o que, sendo absolutamente adequado para as situações de internamento por perigosidade social, parece não ter grande preocupação pelas situações apenas do foro clínico.
As dúvidas que ainda existissem ficariam desfeitas pela análise do artigo 12º. Não se trata apenas da secundarização sistemática das situações em que se admite o internamento para evitar a deterioração do estado do doente. Trata-se, também, de concluir que a referência do n.º 1 aos bens jurídicos próprios ou alheios, pessoais ou patrimoniais, exclui do seu âmbito a saúde do próprio internado, relegada para o n.º 2.
A menorização deste aspecto é novamente visível na secção que se refere ao internamento de urgência, em que se excluem explicitamente as situações do n.º 2 do artigo 12º.

Quer isto dizer que, a serem aprovadas estas normas, nunca haveria lugar a internamento de urgência fora dos casos de perigosidade social?
Esta situação é agravada pelo facto de o procedimento normal introduzir um processo que, necessariamente, se traduzirá nalguma morosidade.
Toda esta situação deve ser analisada do ponto de vista da política de saúde mental. A realidade é que o nosso sistema de saúde mental tem grandes carências e necessita de forte investimento. E isto é claro no que diz respeito à melhoria dos serviços de psiquiatria das instituições de saúde e à necessidade de encontrar recursos humanos para esta área. Mas o que também é muito grave é existirem hoje medicamentos extremamente avançados para o tratamentos de diversas patologias específicas do foro psiquiátrico, em que se reduzem até os efeitos que, tradicionalmente, estes medicamentos produzem, e estes só serem comparticipados pelo escalão mínimo, para mais quando estão em causa preços bastante elevados.
Provavelmente, a secundarização e a menorização do internamento para defender a saúde mental e o não investimento para a melhoria das condições nos cuidados médicos e medicamentosos de saúde mental são as duas faces da mesma moeda.
É preciso que, á ser aprovada, esta proposta de lei sofra grandes alterações, na especialidade, que minimizem e eliminem as muitas soluções excessivas e erradas que contém.
Esta proposta de lei sobrepõe claramente a função de protecção pública do Estado à de responsabilidade pública pela saúde mental dos doentes.
A lógica de que o doente mental é um perigoso suspeito, susceptível de ameaçar a segurança pública, perpassa todo o texto, imbuído de uma perspectiva que ignora que o mais importante em relação aos doentes mentais é o seu tratamento.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedirem esclarecimentos, inscreveram-se o Sr. Deputado José Niza e o Sr. Ministro da Justiça.
No entanto, o Sr. Deputado Bernardino Soares já não tem tempo disponível para responder, pelo que pergunto ao Partido Socialista se está disposto a ceder algum do seu próprio tempo. Verifico que estão de acordo, pelo que o Sr. Deputado passa, então, a ter dois minutos para responder a cada um dos pedidos de esclarecimentos, o que totaliza quatro minutos.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Niza.

O Sr. José Niza (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, compreendo que o tema do internamento compulsivo domine este debate e também compreendo que, relativamente a esta questão, o Partido Comunista tenha especiais preocupações.
É que todos nós sabemos - felizmente, isso não se passou consigo, Sr. Deputado, pois já nasceu posteriormente - que muitos dos seus camaradas, tal como muitos dos meus, sofreram internamentos compulsivos em estabelecimentos que não eram propriamente destinados a tratamento psiquiátrico. Disso resultou um trauma, penso mesmo que até resultou um reflexo pavloviano a ponto de, quando ouvimos a expressão «internamento compulsivo, reagirmos de forma mais emocional, mais vivida e mais preocupada.

Página 1604

1604 I SÉRIE-NÚMERO 47

Penso que o Sr. Deputado, que já nasceu em democracia e que tem perante si um Governo e uma Assembleia democráticos, não tem razões para preocupar-se com a compulsividade destes internamentos.
Há, efectivamente, situações limite - eu próprio as vivi enquanto praticava psiquiatria e estão presentes alguns colegas que também passaram por elas - em que é muito difícil conciliar conceitos de natureza jurídica com conceitos de natureza terapêutica de urgência. Vou citar-lhe um exemplo de um caso destes.
Quando eu estava na guerra, em Angola, houve um soldado esquizofrénico que agarrou numa G-3 e começou a disparar rajadas pelo quartel fora. Ora, numa situação destas, creio que não há nenhum psiquiatra que pense no que diz uma dada alínea do artigo 27.º, tem é de agir!
Portanto, tudo depende da forma de actuação. Isto é, se o enquadramento for democrático, se houver bom senso e se houver qualidade terapêutica na actuação, é lógico que o problema será resolvido, mas não, seguramente, com hesitações de natureza legal.
No fundo, não quero fazer propriamente uma pergunta mas, antes, um pedido no sentido de que, em sede de generalidade, conceda o benefício da dúvida a esta proposta de lei para que, na especialidade, se for caso disso, façamos as afinações possíveis, e penso que algumas haverá a fazer.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, certamente expressando a posição do seu partido, tem falado em «demasiada judicialização». Tem sido sempre esta a marcação do seu discurso.
Ora, pareceu-me entendê-lo dizer, por duas vezes, durante o seu discurso - e gostava de saber se essa é a posição do PCP - , que deveria reservar-se a decisão do juiz. aos casos de perigosidade social, sendo do puro âmbito da intervenção médica aqueles que foram classificados por si próprio como sendo meramente de doença.
Gostaria, pois, que me confirmasse se é esta a posição do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares que, como já informei, dispõe de 4 minutos que lhe foram cedidos pelo Partido Socialista.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr: Presidente, começo por agradecer ao Partido Socialista o tempo que me cedeu, aliás demasiado benevolente, pois não vou utilizá-lo todo.
Respondendo ao Sr. Deputado José Niza, quero começar por dizer-lhe que nasci antes do 25 de Abril. Não sou tão novo quanto isso...

Risos.

Quanto ao enquadramento democrático a que o Sr. Deputado se refere, pensamos que, de facto, deve constituir uma prioridade nesta matéria e deve ser tomado em consideração. É à luz desse princípio que julgamos que a nossa sociedade, a legislação e esta Assembleia da República pode confiar ao foro clínico uma primeira abordagem nesta questão do internamento compulsivo, sem prejuízo da garantia da presença da autoridade judicial, da garantia dos direitos dos cidadãos que estão nesta situação, mas também tendo em grande atenção e em grande conta um direito fundamental - que, a não existir, também põe em causa a sua própria liberdade' de decisão e de acção - que é o direito ao tratamento, o direito à sua saúde mental.
Respondendo ao Sr. Ministro, quero dizer-lhe, relativamente aos casos que classifiquei como sendo meramente do foro clínico, que o PCP não defende que haja um afastamento da autoridade judicial. Não se trará disso! Mesmo nesses casos deve haver a possibilidade de confirmação, de intervenção da autoridade judicial, em termos que, depois, poderemos ver...

O Sr. Ministro da Justiça: - «Possibilidade» ou necessidade?

O Orador: - A necessidade, Sr. Ministro! Deve haver intervenção da autoridade judicial em todos os processos, sem prejuízo de o processo não ter de começar e. acabar num tribunal, sem prejuízo de ter de haver uma intervenção fundamental da psiquiatria, tendo em conta que, nesses casos, muito mais do que nos outros a que me parece que a proposta de lei se destina especialmente, o importante é atalhar, com tratamento, o avanço das doenças do foro psiquiátrico.
Tendo em conta que, muitas vezes, existe a necessidade de um internamento por razões médicas, para que o estado de saúde mental de determinado cidadão não se deteriore de tal forma que leve a grandes prejuízos para a sua saúde mental, os quais, por vezes, são causados por não ter havido uma intervenção atempada, logo a seguir ao diagnóstico dos problemas, deve, obviamente, haver controlo judicial mas não deve deixar de ser considerada como principal fundamento a procura da cura ou a melhoria da saúde mental do cidadão.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - E vamos apresentar um projecto de lei para as comparticipações nos medicamentos!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Moura e Silva.

O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 121/VII, que hoje aqui debatemos, refere-se a uma matéria de importância acrescida não só para os doentes de saúde mental mas também para as suas famílias e, de uma forma geral, para todos os cidadãos.
Importa referir que, por despacho autónomo n.º 104, de 16 de Junho de 1997, S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República colocou algumas dúvidas, do ponto de vista jurídico-constitucional, no respeitante ao disposto no artigo 43.º da proposta de lei, relativo à automatização de dados pessoais referentes ao estado de saúde, tendo em conta o disposto no artigo 35.º da Constituição da República Portuguesa, então em vigor, e o teor do recente Acórdão n.º 355/97 do Tribunal Constitucional.
A presente iniciativa legislativa deu entrada em momento temporal anterior à publicação da actual lei constituci-

Página 1605

12 DE MARÇO DE 1998 1605

onal, desconhecendo, pois, os seus autores, na data da sua elaboração, o exacto conteúdo das normas em discussão no processo de revisão constitucional e que vieram a ser aprovadas em sede do processo de revisão.
Neste momento, de acordo com o relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, as dúvidas então suscitadas parecem resultar ainda com maior veemência na actual redacção do artigo 35.º da Constituição da República Portuguesa.
Da parte do CDS-PP, a proposta de lei n.º l21/VII merece o seguinte comentário: como refere, no seu artigo 1.º, a presente proposta de lei «estabelece os princípios gerais da política de saúde mental e regula o internamento compulsivo dos portadores da anomalia psíquica». Transcrevemos esta parte do texto da proposta para que melhor se compreenda o nosso pensamento.
Para a generalidade dos portugueses uma medida compulsiva é conotada com uma atitude jurídica que se destina a actuar sobre o infractor de uma norma ou de uma lei, por forma a constrangê-lo a adoptar um certo comportamento que, até à adopção dessa medida, ignorou. Esta designação de internamento compulsivo dilui ou retira a vertente médica ao tratamento, dando-lhe o carácter típico de uma medida de coacção.
Esta proposta de lei não é, de facto, uma lei de saúde mental mas, tão-somente, uma opção por um modelo judicializado para o internamento compulsivo.
Aquilo que verdadeiramente necessário e urgente importa resolver para o bem-estar dos doentes, para o seu tratamento ou para atenuar o seu problema foi esquecido na proposta.
Transcreve-se, na actual proposta de lei - é verdade que com algumas diferentes palavras mas com o mesmo significado -, o que já consta da Lei n.º 2118, de 3 de Abril de 1963, no que diz respeito à «protecção e promoção da saúde mental» e aos «princípios gerais da política de saúde mental».
Fácil se torna visualizar o excesso de judicialização, o que leva a supor que, na sua feitura, não participaram técnicos devidamente conhecedores na área da saúde mental ou, então, não estariam suficientemente sensibilizados para a compreensão do fenómeno.
De acordo com várias opiniões, a lei consagra o que de mais inútil se viveu na cultura portuguesa e não só no que à doença mental diz respeito. A nova proposta de lei deverá ser designada como legislação sobre internamento compulsivo, acrescentada de um pequeno aditamento sobre saúde mental.
Consagra-se a marginalização e segregação do doente mental, retirando-lhe o fundo compreensivo e humanista que o deve proteger, reduzindo quase essencialmente os problemas de saúde mental a expressões técnico jurídicas, deixando para mais tarde o decreto-lei que virá a regulamentar o conselho nacional de saúde mental, órgão de consulta do Governo em matéria de política de saúde mental, em cuja composição, competências e funcionamento não se vislumbra qual a sua orientação, que só conheceremos mais tarde e nos termos em que o Governo entender. É, contudo, de admitir a participação das entidades interessadas no funcionamento do sistema de saúde mental naquele concelho.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: De facto, não encontramos nesta proposta de lei preocupações com o tratamento da saúde mental. Não se manifestam preocupações com a sensibilização da sociedade para colaborar na compreensão dó fenómeno e

Lembramos que o tratamento involuntário, através do internamento compulsivo, é, por regra, excepcional, o que deveria impulsionar o legislador a preocupar-se não só com a caracterização dos meios jurídicos necessários mas também com uma definição correcta e exacta dos conceitos, de modo a auxiliar a comunidade médica a resolver tais dificuldades e a ajudar e apoiar as famílias, também elas próprias tão castigadas e tantas vezes impotentes perante as situações que têm de enfrentar. Não nos parece que estes apoios surjam da máquina judicial. O bom senso aconselha a que, antes da intervenção judicial, se imponha o indagar das condições pessoais do doente, do meio familiar e comunitário em que se insere, daí resultando que a decisão judicial surja como secundária à intervenção de equipas multidisciplinares, compostas por técnicos competentes nas áreas da saúde.
A proposta não refere preocupações relacionadas com custos financeiros do tratamento do doente, nem aponta critérios que permitam evitar o estrangulamento financeiro das instituições ligadas à saúde mental.
As erradas políticas no passado, ligadas a esta valência, conduziram a uma degradação das instalações, hoje velhas e exíguas, e das condições técnicas e humanas. Constatada esta realidade, seria normal esperar deste Governo as medidas necessárias a inverter esta situação, coisa que, de facto, não vemos nesta lei.
Trata-se de uma proposta de lei desequilibrada em relação às necessidades sociais, privilegiando a rigidez da judicialização e discriminação do doente mental, esquecendo que este doente é apenas um doente, com os mesmos direitos e deveres dos outros doentes.
Para terminar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, esta proposta de lei, não sendo perfeita, tem condições de vir a ser melhorada em sede de especialidade. Lá contará com o nosso contributo.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Marques.

O Sr. Alberto Marques (PS): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Secretários de Estado, Sr.ª` e Srs. Deputados: Os princípios orientadores do nosso sistema de saúde, consagrados na Constituição da República Portuguesa e concretizados no desempenho do Serviço Nacional de Saúde, não podiam deixar de estar presentes, como estão, na importante iniciativa legislativa do Governo que aqui, hoje, estamos a discutir. Aliás, como tivemos oportunidade de ouvir, já o pudemos confirmar ouvindo a intervenção do Sr. Ministro da Justiça.
Discutir a Lei de Saúde Mental é, no nosso entendimento político, antes de mais, reconhecer a sua importância na protecção e promoção do bem-estar psíquico de cada pessoa e saber se, por via do seu articulado, a lei favorece e garante condições para o desenvolvimento das capacidades de cada cidadão, mesmo quando doente, na construção da sua personalidade e na promoção da integração crítica no seu meio social, pilares psicológicos de uma boa saúde individual.
O moderno conceito de saúde, que a Organização Mundial de Saúde adoptou e todos aceitam, inter-relaciona o bem estar físico, social e psicológico como os ingredientes simultaneamente necessários para obter saúde.

Página 1606

1606 I SÉRIE-NÚMERO 47

A saúde mental não pode, pois, dissociar-se da saúde global do indivíduo, que vive, que se relaciona com os demais, no terreno da, vida social, respirando a vida de um modo livre, com prazer, em exercício da sua plena cidadania, participando na tarefa comum do desenvolvimento.
As encruzilhadas, as frustrações, as vicissitudes do viver, os contrastes e constantes desafios, levam-nos (pobres mortais) por vezes à ansiedade, à angustia, mesmo à neurose e à psicose. Situações mais graves que exigem tratamentos adequados e a apoios psico-sociais diversos.
Um olhar sobre o passado permite constatar que a psiquiatria, a Saúde Mental, se desenvolveu de modo mais intenso no nosso país a partir do final do sec.XIX.
António Maria Sena, pioneiro do tratamento de doentes mentais. naquele que foi o primeiro Hospital Psiquiátrico do País, o Hospital Conde de Ferreira, no Porto, foi autor de um projecto de lei em 1989, (a Lei Sena) que, entre outras inovações para a época, previu a construção de novos estabelecimentos. hospitalares e a criação de um «fundo de beneficência pública dos alienados». Lei frequentemente citada como um grande avanço para o seu tempo!
Outros vultos marcaram o longo caminho dá assistência psiquiátrica em Portugal, como Egas Moniz, Miguel Bombarda, Júlio de Matos, que muito fizeram pelo doentes mentais.
Na actualidade, não só a psiquiatria como a psicologia, a sociologia e a medicina familiar, demonstram evolução e avanços científico-técnicos muito significativos.
Novos conceitos, novas tendências de abordagem diagnóstica, mais e melhores meios de tratamento são divulgados e postos à disposição de doentes e de terapeutas.
Em todas essas especialidades clínicas subsiste a mesma preocupação: ajudar, tratar, reabilitar a pessoa doente, fragilizada e ferida nas suas capacidades de compreensão, de comunicação, de acção, de vivenciação.
Novas realidades familiares, sociais, políticas, contribuem, em alguma medida, para situações e perturbações que se configuram como doença mental. Importa considerar, de modo particular, «situações limite», logo mais complexas e mais difíceis de arbitrar no contexto social. A articulação entre médicos e juristas, por exemplo, torna-se por vezes complexa e difícil.
A intervenção técnico-científica da saúde mental é referenciada cada vez mais no sentido de uma maior socialização dos doentes mentais!
A proposta de lei que o Governo submeteu a esta Assembleia não foge a este rumo, consagrando como princípios gerais da saúde mental: a prestação prioritária de cuidados de saúde a nível da comunidade, com vista a evitar o afastamento dos doentes do seu meio habitual e facilitar a sua inserção social; centrando a prestação de cuidados no meio menos restritivo possível; o tratamento dos doentes mentais á ocorrer tendencialmente em hospitais gerais e a prestação de cuidados de saúde e de reabilitação, de preferência, em estruturas residenciais, centros de dia e unidades de treino de reinserção profissional inseridos na comunidade e adaptados ao grau específico de anomalia dos doentes.
Deve ficar bem claro que para o Partido Socialista esta é, fundamental mente, matéria de saúde, prevista e devidamente enquadrada na política de saúde em curso, que exige ganhos de saúde para o cidadão, adequado tratamento e reabilitação da pessoa doente, não de uma forma qualquer mas com cuidados humanizados, utilizando recursos humanos qualificados, de acesso fácil e ajustado às necessidades desse tratamento, e promovendo a melhor inserção do doente no seio familiar e na comunidade.
Trata-se afinal, no essencial, de aceitar as concepções modernas de saúde mental, evitando a segregação das pessoas afectadas por doença mental e de, modo a facilitar a sua reabilitação e inserção social.
A saúde mental é hoje representada por um forte movimento renovador a nível nacional e internacional. É frequente constatar que a evolução da psiquiatria se fez no sentido da sua abertura social e deu lugar ao movimento da saúde mental, esta claramente dirigida à comunidade, facilitando a intervenção nos grupos familiares e sociais.
Sr.ªs e Srs. Deputados: Diversas personalidades, psiquiatras, psicólogos, sociólogos, juristas e associações, cientificas da saúde mental vêm defendendo desde há muito a necessidade urgente de uma nova legislação de saúde mental.
Por isso mesmo, esta iniciativa do Governo merece um vivo aplauso, tanto mais que, esta proposta de lei se trata de um documento que abarca os principais problemas dá saúde mental carenciados de revisão legislativa, como, por, exemplo, as bases da organização dos serviços, os direitos dos doentes, a regulamentação do internamento e tratamento compulsivos.
A proposta de lei n.º 121/VII é um diploma elaborado com rigor, de adequada actualidade em matéria de saúde mental, especialmente no que se- refere ao internamento dos doentes, tomando em consideração os princípios actualmente aceites nas sociedades mais modernas, designadamente os países da União Europeia, e muito particularmente com as recentíssimas legislações belga e
francesa.
O diploma proposto à Assembleia dia República fecha um ciclo de mais de uma década em. que se sucederam tentativas falhadas de revisão da Lei de Saúde Mental (Lei n.º 2118, de 3 de Abril de 1963).
Anteriormente, grupos de trabalho sucessivamente nomeados pelos Governos nunca produziram uma proposta aplicável...
É mais do que justo ressaltar o trabalho que psiquiatras é juristas, conjuntamente, desenvolveram e que permitiu ao actual Governo, de forma séria, interessada, evoluir ao encontro da importância social da Lei de Saúde Mental.
O Governo nomeou, em 1996, dois grupos de trabalho integrando técnicos da saúde e da justiça, que trabalharam regularmente em conjunto na preparação da presente proposta-lei.
Para além de preconizar a promoção da saúde mental do País e a necessária modernização organizativa dos serviços, a iniciativa legislativa vai ao encontro do articulado da Lei de Bases da Saúde, aspecto fundamental do debate da actual proposta de lei no contexto da saúde global do País, que se enquadra também com o Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, aprovado pelo Decreto-lei nº11/93, de 15 de Janeiro.
A presente proposta de lei tem ainda o mérito de resolver a indefinição legal criada pelo Decreto-lei nº 127/92 que, embora tenha contribuído para uma integração dos cuidados de saúde mental no sistema geral dos cuidados de saúde, a um nível hospitalar, criou uma total indefinição legal no que respeita aos futuros desenvolvimentos dos serviços prestadores de cuidados de saúde mental exigidos pelas concepções actuais neste domínio, como foi, aliás, reconhecido por despacho ministerial de 23 de Agos-

Página 1607

12 DE MARÇO DE 1998 1607

to de 1995, que aprovou as conclusões da Conferência sobre Saúde Mental, realizada em Lisboa pela Direcção-Geral de Saúde nesse mesmo ano.
A confirmar esta necessidade legislativa, é a própria comunidade científica, clínicos, psiquiatras, psicólogos, que hoje reconhecem publicamente que esta proposta de lei do Governo vai de encontro às directrizes do Conselho da Europa e está em perfeita sintonia e conformidade com as mais recentes recomendações internacionais.
A Associação Portuguesa de Saúde Mental, em parecer remetido à Comissão Parlamentar de Saúde, considera que a proposta de lei n.º 121/VII constitui uma contribuição importante para o progresso da saúde mental em Portugal.
Em primeiro lugar, porque ao fim de largos anos de vazio legal em aspectos essenciais dos cuidados de psiquiatria e saúde mental, esta proposta vem abrir perspectivas para que esta situação, que tem causado prejuízos tão graves a doentes, a familiares e a técnicos de saúde, possa finalmente ser superada.
Em segundo lugar, porque a proposta de lei toma em consideração as principais questões que se colocam neste domínio, nomeadamente as que têm a ver com os princípios orientadores da prestação de cuidados de saúde mental, com os direitos dos utentes dos serviços de saúde mental e com a regulação do internamento compulsivo de doentes mentais.
Finalmente, a Associação Portuguesa de Saúde Mental refere que as soluções encontradas para os inúmeros e complexos problemas encontrados na elaboração de legislação adequada nestas matérias lhe parecem equilibradas, integradas nos princípios do ordenamento jurídico português e conformes às orientações provenientes dos organismos internacionais (nomeadamente o Conselho da Europa, a ONU e a OMS).
Contributos como o que acabamos de descrever permitem-nos, com a segurança dos saberes da comunidade cientifica e a determinação política da nova lei de saúde mental, colocar Portugal a par de outros países desenvolvidos em matéria de saúde mental. Temos a certeza de que vai ser, de facto, um importante contributo na modernização de toda a saúde mental em Portugal.
Srs. Deputados; parafraseando Miguel Torga «a angústia é a radical incomunicabilidade». Pela nossa parte, tudo faremos para que não caiamos nesta angústia.
A maioria das «perturbações psíquicas» das pessoas, tal como as do foro físico, são «resolvidas» em termos clínicos no patamar do médico de família - é preciso dizê-lo neste debate.
Nas situações perturbadoras do «equilíbrio» da pessoa, na neurose ou nas psicopatias mais sérias intervêm, concomitantemente ou subsequentemente, a psiquiatria e a psicologia. Estas justificam, por vezes, sempre em função dos critérios médicos, quase sempre pela vontade do próprio doente, tratamentos em regime de internamento. Menos vezes, mas também com maior gravidade e risco existencial da pessoa doente, as doenças só poderão ser controladas por internamento compulsivo.
Esta última situação, por se aplicar a pessoas em si mesmas prisioneiras das amarras da história natural da sua própria doença, limita-lhes o exercício dos direitos fundamentais, que carecem de ser protegidos judicialmente.
A sua fragilidade pessoal e social chega a ser impressionante, e por tão desprotegidas correm maiores riscos não só de saúde, mas também de toda a sua vida social.
Em jeito de aparte, refiro que li há dias, num livro de psiquiatria, que num qualquer ponto do Globo se suicida uma pessoa em cada 80 segundos. É algo que merece a nossa reflexão.
É obrigação da sociedade apoiar as pessoas que são vítimas de saúde mental e protegê-las com dignidade. É esse o verdadeiro sentido da presente iniciativa do Governo.
Assim, parece-nos importante que no Capitulo II da proposta de lei, o do internamento compulsivo, todo esse processo de internamento seja tratado com muito detalhe, com transparência e grande segurança jurídica, que tem a ver com o procedimento, os pressupostos, a legitimidade e o desenrolar do internamento involuntário dos doentes mentais.
Por outro lado, aquilo que alguns, com alguma nebulosidade, classificam de intromissão do poder judicial nesta matéria da saúde nem sempre tem sido explicado com seriedade.
A existência de mecanismos jurídicos é, em nosso entender, justificada e necessária, nas restritas condições que a própria lei propõe. Há grande rigor em todo o articulado da proposta, rigor processual, rigor em tudo aquilo que tem a ver com o respeito pela exigência do diagnóstico e de envolvimento dos médicos em todo este processo e fundamentalmente sempre a bem do doente, defendendo pessoas que, na nossa perspectiva, necessitam e têm direito a respeito e a defesa sob os pontos de vista social, político e ético.
Em matéria como esta, profícua em subjectividade individual, envolvendo um profundo alcance intelectual, humano, social, político e permitindo, legitimamente, diversos posicionamentos nos campos técnico, científico, social e político, a participação e a crítica séria, interessada no sentido de aperfeiçoar e melhor as soluções para os problemas de saúde é sempre bem-vinda.
Em sede de especialidade, o Partido Socialista tentará consensualizar esta perspectiva de benfeitorias à lei.
Pelo Partido Socialista, anunciamos desde já a intenção de apresentar algumas propostas de alteração em sede de especialidade, necessariamente em articulação com os Ministérios da Saúde e da Justiça, deixando em aberto possíveis pontos de consenso parlamentar.
Termino, reafirmando que o tratamento das doenças mentais é sempre um problema do âmbito da saúde, particularmente dos médicos e dos psicólogos, mesmo nas situações em que, por força da gravidade da doença mental e a indicação expressa dos psiquiatras, se tome necessária a intervenção judicial, nos termos da lei, para a determinação de internamento compulsivo de doentes mentais.
A saúde mental é simultâneamente complexa em todo o processo da prestação de cuidados, dos direitos, dos deveres, mas simples no entendimento do que é em si mesma um direito universal para o justo equilíbrio do indivíduo colocado perante a sua intrincada relação e inter-acção no plano da convivialidade social e do envolvimento cívico de cada um, como elemento activo, responsável, mais ou menos implícito em valores e princípios humanos, éticos, sociais e políticos tal qual a complexidade da vida em comunidade.
Nestas circunstâncias, mais do que colocar Portugal a par de outros países, importa tratar e apoiar as pessoas doentes, especialmente as que por mais gravemente doentes e desinseridas da vida familiar e social determinam que a lei permita defender as pessoas sem defesa, privadas temporariamente da liberdade e da capacidade de reconhecer a necessidade do tratamento para seu próprio beneficio.
Porque a proposta de lei corresponde a todo este vasto conjunto de princípios, de necessidades, de garantias, com

Página 1608

1608 I SÉRIE-NÚMERO 47

rigor, com segurança, com qualidade, o PS votará com satisfação, favoravelmente, a proposta na generalidade.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Saúde.

A. Sr.ª Ministra da Saúde (Maria de Belém Roseira): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tendo agora oportunidade de intervir em relação à Lei de Saúde Mental, não posso deixar de orientar a minha intervenção para aquilo que ouvi até agora, nesta Assembleia da República.
Muito aqui se ouviu falar da desproporção, em termos de articulado, entre-a Lei n.º 2118 e a proposta de lei hoje submetida à vossa ,apreciação. Uma vez que já fizemos contas, pesos e medidas, gostava de dizer o seguinte: se bem repararem, na Lei n.º 21 18 há um único artigo sobre política de saúde mental, mais de 20 sobre a organização de serviços de saúde mental e 17 ou 18 sobre o tratamento e internamento compulsivo dos doentes mentais.
Ora, esta lei tem cerca de 35 anos, cumpriu o seu papel, mas passaram-se 35 anos! E 35 anos volvidos, o que é que nós vemos? Vemos uma proposta de lei com cinco artigos relativos à política de saúde mental, contra o único artigo que existia na lei anterior. Tendo em atenção aquilo que é saúde, que se mede muito mais pela qualidade do que pela quantidade, e sendo certo que não posso ter numa proposta de lei a maneira como se faz o tratamento, porque isso é assunto inter pares e que corresponde aos órgãos respectivos para a definição das legis artis, o que é que se verifica nesta proposta de lei? Um pendor bastante grande relativamente à preocupação da regulamentação dos direitos, liberdades e garantias, que é algo que pode ser posto em prática para conseguir o adequado tratamento destes doentes e, também, a defesa da sociedade, sem prejudicar os direitos dos doentes.
Assim sendo, esta proposta de lei, em termos de política de saúde mental - e penso que posso contar com a benevolência de todos os Srs. Deputados em relação a esta matéria -, consagra, pelo menos, quatro princípios fundamentais muito importantes e que nem sempre foram tão assumidos pelo conjunto da comunidade científica, social e política que se debruça sobre estas questões, que são: o tratamento próximo da comunidade corri a perspectiva da reabilitação e integração social; o internamento em hospitais gerais, fundamentalmente, e não em hospitais especializados, os quais, progressivamente, serão esbatidos no nosso tecido de internamento, para evitar a estigmatização; o reconhecimento dos direitos dos doentes, que corresponde a uma evolução muito grande e que, do ponto de vista ético, deve estar consagrado em termos de lei; a participação nos conselhos consultivos, quer dos doentes, quer das suas famílias, que era algo que não existia no ordenamento anterior.
Ainda em relação a esta matéria, a Conferência sobre Saúde Mental, promovida e presidida pelo Sr. Ministro da Saúde que me antecedeu, Sr. Deputado Paulo Mendo, foi importantíssima para se conseguir obter consensos nesta matéria e foi um forum de debate muito alargado e muito participado. Na sequência dessa Conferência, o Sr. Ministro da Saúde de então criou, em 23 de Agosto de 1995, a Comissão Nacional de Saúde Mental, a quem competia e vou dizer o essencial do despacho ministerial então exarado - «dar seguimento às conclusões da Conferência sobre Saúde Mental, nomeadamente no que respeita:

a) À necessidade de reformulação da política de saúde mental; b) Ao modelo organizacional de saúde mental e eventual revisão do Decreto-Lei n.º 127/92, de 3 de Julho, bem como da Lei de Saúde Mental; c) Ao desenvolvimento de um sistema de informação...», etc., pois o resto já é instrumental.
Ora bem, a maneira de dar seguimento - e por isso queria aqui dizer que o Sr. Deputado Jorge Roque Cunha só me ouve de vez em quando, não me ouve sempre...

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Ouço-a sempre com muita atenção!

A Oradora: - Mas se o Sr. Deputado, me tivesse ouvido no Dia da Saúde Mental, quando, fiz uma intervenção, revendo-me e reafirmando estas conclusões da Conferência e o trabalho que tinha que ser desenvolvido nessa sequência, incumbindo a orientação desta matéria e o seu desenvolvimento à Direcção-Geral da Saúde, teria reparado que essa Direcção-Geral indicou os técnicos para, no cumprimento deste despacho ministerial, que continuou em vigor, darem seguimento ao que era a necessidade de reformulação da política de saúde mental, em articulação com o Ministério da Justiça, uma vez que aborda a questão dos direitos, liberdades e garantias. E esse desenvolvimento foi feito em grupo de trabalho, como é evidente, porque não se faz com todas as pessoas que participaram na Conferência, se bem que algumas delas tenham integrado este grupo, e na parte que respeita à saúde foi abordada a questão da política de saúde mental. E isto porquê? Se tenho a orgânica do Ministério da Saúde é de todos os serviços de saúde definida em decreto-lei, isso corresponde a uma evolução do que é a prática jurídica relativamente a normas que são- muito mais instrumentais, que estão sujeitas a evoluções que aconselham a que o instrumento jurídico que as aprova seja mais maleável. Daí que a organização dos serviços de saúde mental deva ser feita por decreto-lei, aliás, como é toda a orgânica do Ministério da Saúde de 1993. Por isso, não considero que deva ser feita por leia orgânica dos serviços de saúde mental, na sequência, aliás, das conclusões da Conferência sobre Saúde Mental, ao distinguir em duas alíneas, neste despacho do Sr. Ministro da Saúde de então, a política de saúde mental e a orgânica do ministério que lhe pode dar execução. Isso é muito importante e foi isso que se fez.
De maneira que gostaria de sublinhar que não é o número de artigos que importa mas o seu conteúdo qualitativo e aquilo que representa de: oportunidade única de se conseguir consensos em relação a uma matéria que, como todos sabemos, as variadíssimas escolas que se pronunciam sobre esta matéria divergem. Portanto, esta pode corresponder a uma ocasião histórica em Portugal para garantir o tratamento adequado das pessoas, para respeitar os direitos que lhes assistem e para lhes permitir também uma participação mais ampla neste domínio.
Gostaria também de referir que alguns aspectos que aqui foram levantados, nomeadamente o das comparticipações de medicamentos, e outros deste género, são objecto de regulamentação em decreto-lei. Não faz sentido estigmatizar, mais uma vez, em lei o tratamento separado dos doentes de saúde mental. Aquilo que é indispensável consagrar em termos de política são os princípios básicos fundamentais e esses estão reservados, porque são muito nobres, à nobreza do instrumento legislativo.
Gostava, ainda, de dizer o seguinte: o facto de esta proposta de lei ter sido apresentada há cerca de um ano, em Junho do ano passado, se não me engano, permitiu que,

Página 1609

12 DE MARÇO DE 1998 1609

ao longo de todo este período, fossem realizados muitos debates sobre esta matéria, dos quais, ao contrário do que se afirmou, o Governo não esteve ausente. Pessoalmente, não participei nesses debates porque não sou técnica da matéria, mas neles participaram, activamente, técnicos da Direcção-Geral da Saúde. Se não estou em erro, houve quatro reuniões na Ordem dos Médicos, uma em cada secção regional é uma de encerramento, na sede, e foram inúmeros os debates promovidos em instituições psiquiátricas privadas e oficiais. Portanto, a lei não ficou por debater e é porque a lei foi debatida, e bastante, que hoje, como já foi afirmado pelo Sr. Ministro da Justiça, é importante que, em sede de especialidade, ela seja melhorada e enriquecida com os contributos válidos obtidos no seio dessa discussão.
Porque já excedi o meu tempo, quero focar só mais um aspecto. De acordo com a prática que tenho seguido em termos de relacionamento com a Comissão Parlamentar de Saúde, obviamente que estou disponível para, através dessa via, disponibilizar os diplomas relativos à organização dos serviços de saúde mental e à gestão do património dos doentes mentais, que são os dois decretos-leis previstos no diploma em discussão.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Paulo Mendo e Moura e Silva.
Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Mendo.

O Sr. Paulo Mendo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, tenho muito pouco tempo e, portanto, vou pedir à Sr.ª Ministra da Saúde que perceba, na minha rapidez telegráfica, o que pretendo dizer.
Concordo quando diz que, em 1995, se chegou ao culminar de anos conturbados que vinham do anterior em discussões permanentes sobre os problemas da saúde mental. Não me vou estender sobre esse tema referindo 0 período da antipsiquiatria, dos médicos organicistas, toda uma série de coisas que motivam uma alta dificuldade na discussão destes temas, mas o certo é que em 1995 se conseguiu fazer, com o apoio da Organização Mundial de Saúde e dos próprios organismos internacionais, uma conferência que deu um contributo substancial em relação à saúde mental e pôs as pessoas de acordo.
Ora bem, foi precisamente motivado por esse acordo, que vinha de anos anteriores de trabalho, que me foi possível fazer o despacho que a Sr.ª Ministra teve a amabilidade de referir. Bom, o que sucede é que dois anos e meio depois a lei que o Governo apresenta é, sobretudo, uma lei - e volto a repetir que estou de acordo com a maior parte das intervenções aqui feitas - sobre o internamento compulsivo, porque ou não se faz lei de saúde mental ou se faz mais do que aquilo que se apresenta neste momento. Aliás, mais do que aquilo que a proposta de lei diz, refere a lei espanhola, que mete quatro ou cinco artigos na sua lei geral de saúde.
Se a Sr.ª Ministra bem reparar, a maior parte do que é referido na proposta de lei são direitos de qualquer doente, porque nós tratamos sempre na comunidade, nós nunca metemos os doentes no internamento, nós usamos o internamento em última instância. Portanto, esta não é uma lei de saúde mental, pois que não faz uma separação, é uma lei geral. Dou de barato esse aspecto porque não temos tempo para o discutir, mas este diploma é uma lei de internamento compulsivo. Lembro muito rapidamente que, na língua francesa, a palavra «hospitalização» significa uma coisa e «internamento» significa precisamente o internamento dos doentes mentais, e isto vem já do tempo em que o doente mental era o louco que era preciso isolar da sociedade e meter num hospital. Agora, dá a impressão, na altura em que já não falamos nisso, cada vez falamos menos, que voltamos a considerar o doente mental como o que tem que ser tratado em internamento.
Bom, o importante é saber como vamos tratar urgentemente um doente que perdeu a liberdade de dizer que ião se quer tratar. Este é o problema fundamental. Aliás, este problema fundamental não se põe apenas em relação a um doente de saúde mental, mas também em relação a um miúdo «batido», que nos aparece no hospital com a família, que nos diz que quer levar o miúdo. Ora, nesse caso, eu terei de dizer que não porque o miúdo é «batido» e por isso tenho de telefonar, imediatamente, ao Tribunal de Menores para que o hospital obtenha a respectiva tutela e eu o possa tratar. Caso perfeito: aqui há um controlo mas sou eu quem decide, sou eu quem tem de decidir.
Agora, com esta proposta de lei dão-me a protecção jurídica e, se quisermos, até a protecção patrimonial do doente mental, mas a resolução fundamental - que é a de decidir como tratar uma pessoa em situação aguda, quando não pode ser ela a decidir - não está expressa em termos que considero essenciais, que é o de tratar-se de uma decisão médica.
Gostava que a Sr.ª Ministra se referisse a isto.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr.ª Ministra da Saúde, o Sr. Deputado Moura e Silva desistiu do pedido de esclarecimentos e o Grupo Parlamentar do CDS-PP cede-lhe 3 minutos para poder responder ao Sr. Deputado Paulo Mendo.
Tem a palavra, Sr.ª Ministra.

A Sr.ª Ministra da Saúde: - Sr. Presidente, começo por agradecer ao Grupo Parlamentar do CDS-PP o facto de me ter cedido tempo para responder. Penso, contudo, que não o vou ocupar na totalidade.
Sr. Deputado Paulo Mendo, é evidente que, em relação a tudo o que aqui referiu, o Governo está completamente aberto à introdução, em sede de especialidade, de melhorias que sejam consideradas indispensáveis ao texto agora apresentado.
De qualquer modo, não queria deixar de dizer que, por vezes, é um pouco complicado para os juristas - e eu também sou jurista! - discutir questões jurídicas com médicos. É que antes de mais, existe uma lei constitucional - a Constituição da República Portuguesa - que se dirige especificamente a este problema. É por isso, isto é, por imperativo constitucional, e não por qualquer outra razão, que esta questão tem aqui um peso tão relevante.
Para além disso, estou convencida de que nunca nenhum juiz decidiria contra um parecer médico; em todo 0 caso, quem tem o direito de privar a liberdade, num Estado de direito como o nosso e com este enquadramento constitucional, é o magistrado,...

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Normalmente, com o Ministério Público e o advogado a ajudar...

Página 1610

1610 I SÉRIE-NÚMERO 47

A Oradora: - ... o que não colide, em nada, com a competência própria, específica do médico. Aliás, algumas sugestões de alteração, que aqui ouvi, por parte da bancada do PCP, quanto à pluridisciplinaridade que deve existir nesta matéria e, portanto, ao envolvimento de outros técnicos de saúde, penso serem importantíssimas em determinadas fases e, sobretudo, em certos locais do País.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, chegámos, felizmente com boa saúde mental, ao fim do debate.
A próxima reunião plenária realiza-se amanhã, com início às 15 horas, e, para além do período de antes da ordem do dia, terá como ordem do dia a discussão conjunta, na generalidade, da, proposta de lei, n.º l60/VII e do projecto de lei n.º 403/VII (PCP).
Uma boa noite para todos.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 40 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.

Partido Social Democrata (PSD):

Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António Bento da Silva Galamba.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Mário Manuel Videira Lopes.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.

Partido Social Democrata (PSD):

António Fernando da Cruz Oliveira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
José Mendes Bota.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Francisco Amadeu Gonçalves Peixoto.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.

Partido Comunista Português (PCP):

Maria Luísa Raimundo Mesquita.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

DIÁRIO da Assembleia da República

Depósito legal n.º 8818/85

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.

1-PreÇo de página para venda avulso, 9$50 (IVA incluído).

2-Para os novos assinantes do Diário da Assembleia da República, o período da assinatura será compreendido de Janeiro a Dezembro de cada ano. Os números publicados em Outubro, Novembro e Dezembro do ano anterior que completam a legislatura serão adquiridos ao preço de capa.

3-O texto final impresso deste Diário é da responsabilidade da Assembleia da República.

PREÇO DESTE NÚMERO 361$00 (IVA INCLUÍDO 5%)

Toda a correspondência, quer oficial, quer relativa a anúncios e a assinaturas do «Diário da República» e do «Diário da Assembleia da República», deve ser dirigida à administração da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, E.P., Rua de D. Francisco Manuel de Melo, 5-1099 Lisboa Codex

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×