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Sexta-feira, 13 de Março de 1998 I Série - Número 48

DIÁRIO da Assembleia da República

VII LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1997-1998)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 12 DE MARÇO DE 1998

Presidente: Exmo. Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Exmos. Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 35 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação da proposta de a proposta de lei n.º 167/VII, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado Luís Marques Mendes (PSD), a propósito da demissão da Sr.ª Secretária de Estado do Orçamento (Manuela Arcanjo), lembrou outras demissões havidas recentemente e condenou a actuação política do Sr. Primeiro-Ministro. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Francisco de Assis (PS), Octávio Teixeira (PCP) e Luís Queiró (CDS-PP).
O Sr. Deputado Ricardo Castanheiro (PS) lembrou a situação em Timor Leste e congratulou-se por uma corrente de solidariedade humana organizada pelo Instituto Superior Miguel Torga, de Coimbra, ao que se associou o Sr. Deputado Nuno Abecasis (CDS-PP).
O Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho (PSD) deu conta de algumas situações problemáticas existentes no distrito de Coimbra cuja resolução havia já sido prometida, após o que respondeu a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Rui Namorado (PS).

Ordem do dia. - Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 160/VII - Altera o Código Penal e do projecto de lei n.º 403/VII - Altera disposições do Código Penal relativas ao princípio da extraterritorialidade, ao abuso sexual de menores, outros crimes sexuais e à liberdade de imprensa, e adita disposições relativas a ilícitos penais laborais (PCP), tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro da Justiça (José Vera Jardim), os Srs. Deputados Odete Santos (PCP), Guilherme Silva (PSD), Luís Queiró (CDS-PP), Ricardo Castanheira, José Magalhães e Nuno Baltazar Mendes (PS) e Miguel Macedo (PSD).
Entretanto, foram aprovadas, na generalidade, as propostas de lei n.ºs 112/VII - Estabelece as bases da política de ordenamento do território e do urbanismo, que baixou à 4.ª Comissão, e 121/VII - Lei de saúde mental, que baixou à 1.ª Comissão.
Foram ainda aprovados três pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias autorizando igual número de Deputados do PS e do PSD a deporem em tribunal.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 20 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 35 minutos.

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Guimarães Fernandes Dias.
António Manuel Carmo Saleiro.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Pedro da Silva Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.

orge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueira.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Júlio Meirinhos Santanas.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Eduarda Bento Alves Ferronha.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Paulo Jorge Lúcio Arsénio.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Sônia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Américo de Sequeira.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.

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António Manuel Taveira da Silva.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Soares Gomes.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Eugénio Pereira de Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Domingos Dias Gomes.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Manuel Costa Pereira.
José Mendes Bota.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria de Lourdes Lara Teixeira.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Sérgio André da Costa Vieira

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Augusto Torres Boucinha.
Francisco Amadeu Gonçalves Peixoto
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Rui Miguel Gama Vasconcelos Pedrosa de Moura.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Joaquim Manuel da Fonseca Matias.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro

Deputado independente:

José Mário de Lemos Damião.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas, dos requerimentos e das respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos) : - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deu entrada na Mesa e foi admitida a proposta de lei n.º 167/VII - Autoriza o Governo a alterar o regime de contra-ordenações em matéria de pesca marítima e culturas marinhas constante do Decreto-Lei n.º 278/87, de 7 de Julho, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 218/91, de 17 de Junho.
Foram apresentados na Mesa os requerimentos seguintes: na reunião plenária de 4 de Março, a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Ricardo Castanheira; aos Ministérios do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, da Administração Interna e das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado José Reis; aos Ministérios

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do Ambiente e da Economia, formulado pelo Sr. Deputado Aires de Carvalho; ao Ministério da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Fernando Pereira Marques; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Luís Filipe Madeira; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Victor Moura e Arménio Santos; aos Ministérios da Administração Interna e da Saúde e à Câmara Municipal de Alenquer, formulados pelo Sr. Deputado Duarte Pacheco; aos Ministérios das Finanças e do Trabalho e da Solidariedade, formulado pelo Sr. Deputado Rui Rio; ao Ministério do Trabalho e da Solidariedade, formulado pelo Sr. Deputado José Calçada; aos Ministérios da Educação e da Saúde, formulados pela Sr.ª Deputada Luísa Mesquita; aos Ministérios da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, e do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulados pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; à Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, formulados pelos Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho e João Amaral.
Na reunião plenária de 5 de Março: ao Ministério da Saúde, formulados pelos Srs. Deputados José Barradas e Jorge Roque Cunha; à Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, formulados pela Sr.ª Deputada Manuela Aguiar; à Secretaria de Estado da Comunicação Social, formulado pelo Sr. Deputado Jorge Ferreira; ao Ministério da Justiça, formulado pela Sr.ª Deputada Luísa Mesquita; aos Ministérios do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território e do Trabalho e da Solidariedade, formulados pelo Sr. Deputado Lírio de Carvalho; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Rodeia Machado; ao Ministério do Ambiente, formulado pela Sr.ª Deputada Isabel Castro; à Câmara Municipal de Lisboa, formulado pelo Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho.
Na reunião plenária de 6 de Março: ao Governo, formulados pelo Sr. Deputado Mota Amaral; ao Ministério do Ambiente, formulados pelos Srs. Deputados Américo Sequeira e Luísa Mesquita; aos Ministérios da Economia e do Ambiente, formulado pelo Sr. Deputado Artur Torres Pereira; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado António Filipe; ao Ministério do Trabalho e da Solidariedade, formulado pelo Sr. Deputado José Calçada; ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulado pela Sr.ª Deputada Isabel Castro.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: no dia 6 de Março, Luísa Mesquita, na sessão de 27 de Novembro; Natalina Moura, na sessão de 19 de Dezembro; Sónia Fertuzinhos, na sessão de 22 de Janeiro; Sílvio Rui Cervan, na sessão de 6 de Fevereiro.
No dia 9 de Março: Isabel Castro, na sessão de 28 de Novembro; Fernando Pedro Moutinho, no dia 3 de Dezembro e na sessão de 3 de Abril; Lírio de Carvalho, na sessão de 21 de Fevereiro; Elisa Damião, na sessão de 24 de Abril; Sérgio Vieira, na sessão de 7 de Maio; Antão Ramos, na sessão de 14 de Maio; António Filipe, na sessão de 16 de Julho; Paulo Neves, na sessão de 18 de Dezembro.
No dia 10 de Março: Antão Ramos e Barbosa de Oliveira, nas sessões de 3 e 17 de Julho; Nuno Abecasis, no dia 25 de Fevereiro; Elisa Damião, no dia 8 de Abril; Moreira da Silva, na sessão de 2 de Julho; Rodeia Machado, na sessão de 10 de Julho; Falcão e Cunha, na sessão de 15 de Julho; António Filipe, na sessão de 16 de Julho; Heloísa Apolónia, na sessão de 29 de Julho; Aires de Carvalho, na sessão de 3 de Setembro; Arnaldo Homem Rebelo, na sessão de 14 de Janeiro.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Mendes.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O País foi surpreendido nas últimas horas com a demissão da Secretária de Estado do Orçamento.
Na ausência no estrangeiro do Primeiro-Ministro e do Ministro das Finanças, a responsável máxima pelo Orçamento do Estado apresentou a sua demissão em conflito político com o Ministro das Finanças.
É a primeira vez na história da democracia em Portugal que um Secretário de Estado do Orçamento se demite e o faz em conflito com o Ministro das Finanças.
Isto acontece a poucas semanas da decisão sobre a entrada de Portugal no euro; isto acontece com um elemento que é o responsável máximo, elemento nuclear da execução da política orçamental do Governo e em vésperas da elaboração do primeiro Orçamento do Estado que Portugal vai ter depois de estar na moeda única e na última fase da União Económica e Monetária.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Esta é uma situação grave! Esta não é uma situação qualquer; é, além do mais, a demissão de um elemento que o próprio Primeiro-Ministro publicamente elogiou por diversas vezes e considerou como elemento central da política económica e, sobretudo, orçamental deste Governo. Bem pode agora o Sr. Primeiro-Ministro; como é seu hábito, fazer de conta, desvalorizar e minimizar a importância fundamental desta demissão; trata-se de urna baixa de vulto, trata-se de um golpe desferido na credibilidade da política orçamental do Governo e trata-se de uma demissão, ao contrário do que antes era dito, não por motivos pessoais mas, sim, por ruptura política e em clara oposição àquilo que dizia e pensava o Primeiro-Ministro de Portugal.

Aplausos do PSD.

Mas este não é, infelizmente, o único caso. Esta demissão grave, no presente, naquilo que representa, e nas consequências que tem para o futuro, é, infelizmente, um facto que se inscreve na saga de demissões que os últimos dias patentearam de forma inequívoca.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É lamentável!

O Orador: - Refiro-me às demissões em catadupa nas Forças Armadas. Demissões e mais demissões, desautorizações e mais desautorizações, avanços e recuos, sem se saber, alguma vez, onde estava o Governo e onde existia o Primeiro-Ministro, numa matéria sensível do ponto de vista da autoridade do Estado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - De um lado, sabia-se, estava o Presidente da República; do outro, conhecia-se, estavam os chefes militares; pelo meio, ao que consta, estava a Casa Militar do Presidente da República, as notícias, os recados, as cartas, as

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pressões e as contrapressões... Mas neste processo todo nunca existiu nem Ministro da Defesa nem, muito menos, o Primeiro-Ministro de Portugal. Isto é de uma gravidade sem limite!

Aplausos do PSD.

Nesta saga de demissões, de uma semana negra de demissões e mais demissões, não escapou também a empresa pública de televisão, num processo, porventura kafkiano, de sondagens e convites na praça pública, de incapacidade para assumir a necessidade, a vantagem ou a inconveniência de fazer substituições e de notícias nunca desmentidas de que o Governo sabia e conhecia de tudo, e, mais grave do que isso, que o Governo, ele próprio, para não dizer o próprio Primeiro-Ministro, tinha sondado uma pessoa para ocupar o lugar daquele que se pretendia substituir.
É um processo verdadeiramente kafkiano, onde, uma vez mais, o Governo agiu sem a capacidade de assumir responsabilidades.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Vejamos a dança dos gestores públicos que continua e que se intensifica. Gestores públicos nomeados há um ano e destituídos no ano seguinte; gestores públicos substituídos depois de elogios à sua capacidade e à sua competência...
Veremos, dentro de não muito tempo, se na gestão de algumas empresas públicas estratégicas - fica aqui o aviso - não há um primeiro indício grave, muito grave, de subordinação ou capitulação do poder político perante as pressões de alguns grupos e de alguns lobbies económicos em Portugal.

Aplausos do PSD.

Mas estes factos não são, infelizmente, isolados; não se trata apenas de demissões. Estes factos são a matriz de um comportamento político do Governo e, em particular, do Primeiro-Ministro!
Mas há outras situações graves: na função pública, o Primeiro-Ministro, antes das eleições, era o paladino dos concursos; agora, depois das eleições, o Primeiro-Ministro já não tem concursos para nada... Pactua, avaliza, ele próprio é o responsável desta autêntica política de regabofe nacional.

Aplausos do PSD.

O Plano Mateus era, há dois anos, para o Sr. Primeiro-Ministro, a reforma mais importante deste Governo - aliás, dedicou-lhe uma sessão especial aqui na Assembleia da República. Dois anos depois, o Plano Mateus foi o fracasso que se viu, o insucesso que se conhece e perante o mesmo Primeiro-Ministro, com a aprovação e a assinatura do mesmo Primeiro-Ministro, o «Plano Mateus» dá origem ao «plano anti-Mateus»; estamos perante um Primeiro-Ministro que, com a maior das facilidades, fingindo que nada é importante, dá o dito por não dito, faz uma coisa e o seu contrário!
Mas isto acontece também noutros sectores: há dois anos, o grande coração e sensibilidade social do Primeiro-Ministro levou-o a vir a público ufanar-se do negócio feito com a Renault, em Setúbal, para que o Estado tomasse conta daquilo que era da responsabilidade da empresa, com encargos enormes para o erário público.
Era o tempo do coração, da consciência e da sensibilidade social; dois anos depois, o Estado perde «pau e bola». A empresa fecha, os trabalhadores vão para o desemprego, o Estado retira a acção que tinha contra a empresa para defender os interesses nacionais e agora assume a responsabilidade financeira desta autêntica irresponsabilidade, da qual o Primeiro-Ministro é o único e verdadeiro responsável.

Aplausos do PSD.

O mesmo se passa com a reforma da segurança social. Aqui a duplicidade de comportamentos é verdadeiramente irresponsável: perante o Ministro Ferro Rodrigues o Primeiro-Ministro apoia, estimula, dinamiza a Comissão do Livro Branco e quer cá fora o Livro Branco da Segurança Social; o Ministro das Finanças, que também e suposto ser Ministro do mesmo Primeiro-Ministro, vem a público dizer que o Livro Branco da Segurança Social não serve para nada, representa zero e prepara-se - ele, Ministro das Finanças, e o Primeiro-Ministro para «rasgam completamente esta reforma da segurança social em Portugal.

Aplausos do PSD.

O Primeiro-Ministro, antes, era o paladino da moralidade: era a moralidade para trás, para a frente, para os lados... Agora, é o mesmo Primeiro-Ministro que pactua com a ostensiva e abusiva utilização de viaturas oficiais do Estado por quem não pertence ao Estado e faz de conta que nada disto tem importância alguma.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: Tudo isto acontece porque há, em Portugal, uma situação que, em vez de governo, é de desgoverno; uma situação em que o Primeiro-Ministro não existe para nada daquilo que é importante e em que o Primeiro-Ministro não dá a cara, foge às responsabilidades e não assume os compromissos que contraiu perante o eleitorado.
O País já começou á perceber que este é um Primeiro-Ministro que adia tudo quanto pode adiar, é um Primeiro-Ministro que foge às dificuldades, sempre que elas lhe surgem pela frente, é um Primeiro-Ministro que não conduz uma política mas que é conduzido pela política do sem rei nem roque e da «federação de ministros» que existe dentro deste Governo. Este é um Primeiro-Ministro que degrada a sua autoridade, é um Primeiro-Ministro que não assume responsabilidades, é um Primeiro-Ministro que não é capaz de levar à prática os seus compromissos e as suas obrigações.
Perante todos estes factos e contrafactor - porque são factos - não há argumentos e é caso para perguntar, é legítimo perguntar, se estamos perante um Primeiro-Ministro que conduz a política de um país ou se estamos antes perante um Primeiro-Ministro que se limita, apenas e só, a conduzir a área das relações públicas deste Governo e do Estado. É esta a questão que é legítimo colocar.
Mas mais, Sr. Presidente e Srs. Deputados: é tempo de parar o «faz-de-conta», é tempo de alterar a situação de um Primeiro-Ministro que finge que governa mas que quer ape-

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nas e só as vantagens do poder, sem nunca ter a coragem de assumir os custos de uma verdadeira e real governação. É tempo de pedir responsabilidades a quem é responsável e quem é responsável não são os ministros que entram e que saem, que hoje fazem uma política e amanhã fazem o contrário; quem é responsável não são os Deputados socialistas, que passam o tempo a consumir energias nas suas guerras e divergências inúteis, quem é responsável é quem ganhou as eleições, é aquele em quem os portugueses votaram, é quem chefia o Governo, ou seja, é o Engenheiro António Guterres a quem devem ser pedidas explicações. É essa a sua obrigação e a sua responsabilidade!
Por isso, Srs. Deputados, hoje mesmo vamos exigir uma interpelação ao Governo, para abordar e dissecar todas estas questões essenciais de degradação da vida política, de falta de autoridade, de falta de comando, de incapacidade para assumir decisões e responsabilidades. É tempo de o Sr. Primeiro-Ministro vir ao Parlamento e de, perante o País, ser questionado, ser confrontado com estas e outras questões graves, ser capaz de dar a cara. Um Primeiro-Ministro existe para dar a cara perante os problemas e as dificuldades, não existe para fazer apenas o papel de relações públicas.
Exigiremos que o Primeiro-Ministro aqui venha, não pari estar calado e silencioso, mas para falar dos problemas para os quais os portugueses exigem respostas. E, mais: não é legitimo o Sr. Primeiro-Ministro invocar seja o que for para não vir, perante o Parlamento e o País, responder ás questões que os portugueses querem ver respondidas. Um Primeiro-Ministro que tem tempo, na sua agenda, para receber, na sua residência oficial de S. Bento, os Deputados da Juventude Socialista, para resolver problemas internos do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, tem de ter muito mais tempo para vir ao Parlamento falar sobre as questões concretas do País e dos portugueses.

Aplausos do PSD.

Os problemas internos do PS são os problemas internos do PS; os problemas do País, esses são aqueles perante os quais se curva o dever de uma responsabilidade. Já é tempo de termos um Primeiro-Ministro que actue, perante os problemas do País, perante os males do País, como um verdadeiro cirurgião, que age, que resolve, que enfrenta as questões; já é tempo de terminar com esta situação de, em vez de termos um cirurgião para resolver, para tratar e para curar, termos alguém que se preocupa, apenas e só, em anestesiar Portugal e os portugueses.

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - É por isso que estamos aqui á exigir, cumprindo a nossa obrigação. Portugal e os portugueses estão primeiro e é isso que cumpre fazer aqui, nesta Assembleia.

Aplausos do PSD, de pé.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Luís Marques Mendes, os Srs. Deputados Francisco de Assis, Octávio Teixeira e Luís Queiró.
Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco de Assis.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Mendes: Do líder parlamentar do maior partido da oposição espera-se que seja algo mais do que um cronista maldizente, e até tendencialmente intriguista, de alguns aspectos da vida política portuguesa.

Aplausos do PS.

Espera-se que seja capaz de denunciar, de forma rigorosa e firme, os aspectos menos positivos da governação do País e que seja, ao mesmo tempo, capaz de enunciar um conjunto de alternativas apresentado pelo seu próprio partido, pelo seu próprio grupo parlamentar, para enfrentar os desafios e os problemas que se colocam no horizonte do País.
Contudo, ao longo dos 13 ou 14 minutos da intervenção que acabou de proferir, V. Ex.ª nunca conseguiu ir além dessa dimensão de cronista maldizente, e até, para além de maldizente, tendencialmente intriguista, da vida política portuguesa.

Aplausos do PS.

O que convém e importa analisar não são as circunstâncias mais ou menos fortuitas em que decorre a governação do País, o que importa é saber se esta governação do País tem vindo a desenvolver-se de forma a garantir o cabal cumprimento dos objectivos programáticos enunciados pelo Governo no momento inicial, em que este se apresentou perante esta Câmara; o que importa é saber, nomeadamente na área económico-financeira que tanto parece preocupá-lo, se este Governo tem sido ou não capaz de alcançar os objectivos que visava atingir. E basta olhar para os dados, basta olhar para a frieza absoluta e rigorosa dos números para, facilmente, concluirmos que este Governo tem prosseguido uma política que lhe permitiu alcançar os objectivos que apresentou no momento em que surgiu perante esta Assembleia da República e que, de resto, suscitaram a desconfiança, a descrença, do vosso próprio grupo parlamentar.
Quando, hoje, verificamos que a taxa de inflação se situa em 1,9%, que a dívida pública está a reiniciar uma trajectória descendente e que o défice orçamental é mais baixo do que o valor inicialmente previsto, constatamos, com uma clareza meridiana que não permite qualquer desmentido válido, que a política económico-financeira do Governo tem sido uma política de sucesso, á luz dos propósitos iniciais do Governo e até mesmo á luz dos próprios critérios de avaliação de uma correcta política económico-financeira do Governo por parte do principal partido da oposição, por parte do PSD.
Isto é, á luz dos vossos próprios critérios, este Governo tem prosseguido uma política económico-financeira marcada, claramente, pelo sucesso. E isso é o que conta, porque é já altura de o debate político, em Portugal, se centrar nas questões substanciais e deixar de lado as questões procedimentais, as questões laterais, as questões acessórias.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Bem sei que quem quer fazer da pura intriga o instrumento fundamental de ascensão na vida política portuguesa tem alguma dificuldade em aceitar a deslocação do centro de gravidade do debate para a dimensão substancial, que é aquela em que esse debate se quer travar.

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Aplausos do PS.

Bem sei que aqueles a quem sobra o talento táctico e escasseiam as convicções e as ideias acerca do futuro de Portugal se recusam, obstinadamente, a travar o debate em torno das questões fundamentais. Mas é aí, de facto, que o debate deve ser tratado e, aí, não temos qualquer receio em afrontá-lo, porque este Governo está a prosseguir as suas políticas, está, paulatinamente, a levar a cabo as reformas que se propôs concretizar, está a contribuir para que o País se modernize e se transforme nas mais diversas áreas e está a suscitar o aplauso claro da maioria dos portugueses, conforme revelam as sondagens e os estudos de opinião.

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente.
Não querendo entrar nessa dimensão da intriga, quero apenas lembrar-lhe, Sr. Deputado Luís Marques Mendes, que não há nenhuma demissão, por mais importante que ela seja, que cause, quer nas estruturas do Governo quer nas do partido que o apoia, o mesmo tipo de calafrios e de reflexos negativos que causa no vosso partido uma simples declaração proferida publicamente pelo vosso anterior líder, o Professor Cavaco Silva.

O Sr. Presidente: - Tem mesmo de terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - E é porventura na vossa debilidade, no vosso receio, nas vossas insuficiências, que está a razão de ser deste tipo de comportamento, que em nada concorre para elevar o nível do debate político na sociedade portuguesa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Mendes.

O Sr. Luís Marques Mendes (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, Sr. Deputado Francisco de Assis: Começo pela parte da intriga,...

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - É onde está mais à-vontade!

Risos do PS.

Protestos do PSD.

O Orador: - ...que é uma daquelas matérias em que, como se tem visto nas últimas semanas - e recorro apenas a insuspeitos comentadores -, V. Ex.ª e os Deputados do seu grupo parlamentar são mestres por excelência.

Risos do PSD.

Recorro aqui, seguramente, a um comentário de alguém insuspeito, o Sr. Primeiro-Ministro, que, há poucas semanas, perante as notícias vindas de dentro do seu grupo parlamentar, disse que não tinha paciência para essas intrigas.

Aplausos do PSD.

Admitindo que o Engenheiro Guterres - e isto sem estar, agora, aqui a dilucidar a questão de saber se o Engenheiro Guterres é que é do Partido Socialista ou se o Partido Socialista do Engenheiro Guterres - continua a ser, obviamente, o líder apoiado pela sua bancada, julgo que este seu depoimento, dizendo que não tinha paciência para as intrigas do seu grupo parlamentar, é insuspeito e, portanto, ficaria por aqui.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sei que isto dói, Sr. Deputado, mas vai doer um pouco mais.
A segunda questão tem a ver com o problema das políticas e das políticas alternativas.
Sr. Deputado, a primeira obrigação que temos é denunciar o incumprimento das promessas e dos compromissos de quem ganhou as eleições. E o senhor, perante as questões de política substantiva, essencial, que desafiei daquela tribuna, faz como aqueles que, na barra do tribunal, aos costumes dizem nada, ou seja, o senhor, sobre as questões substantivas disse nada. Sabe porquê, Sr. Deputado? Porque o senhor não consegue dizer uma palavra a desmentir tudo quando ali denunciei. E sabe porquê, Sr. Deputado? Porque o senhor, de alguma forma, simpático e obediente, tenta sempre, perante os problemas e as dificuldades, seguir o exemplo que vem de cima, do seu Primeiro-Ministro: faz de conta que nada existe porque não tem argumentos para desmontar qualquer um dos factos que denunciei e isso é o que lhe custa.

Aplausos do PSD.

Mais: Sr. Deputado Francisco de Assis: não fui eu, não foi o meu partido, não foi a minha bancada, quem disse, ainda hoje, mais exactamente esta manhã, publicamente, que a Secretária de Estado do Orçamento era um modelo de competência, de capacidade, de gestão rigorosa ....

Vozes do PS: - E é!

O Orador: -...dos dinheiros públicos; não foi a minha bancada mas, sim, a sua bancada e o seu partido que assumiram, publicamente, que a Secretária de Estado do Orçamento sai em divergência pública e política com o Ministro das Finanças. Não é uma divergência pessoal, é uma divergência política.
E agora explique-me, Sr. Deputado, como é que a Secretária de Estado do Orçamento, peça nuclear de um Governo, elogiada publicamente pelo Primeiro-Ministro, sai em divergência pública e política com o Ministro das Finanças e nada disto é importante, nada disto serve para um instante de maçada do Sr. Primeiro-Ministro e do Sr. Deputado?
Sabe, Sr. Deputado Francisco de Assis, a grande questão é esta: em véspera da tomada da decisão de entrada no, euro, no momento em que se começa a elaborar o primeiro orçamento de Estado do pós-euro, a saída de uma Secretária de Estado que tinha a seu cargo a reforma da Administração Pública só pode indiciar que reforma da Administração Pública já nem vê-la e isto pode indiciar os maus tempos que virão depois da entrada no euro. Veremos se, a seguir à saída da Secretária de Estado do Orçamento, não se sucederão,

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nessa área, novas demissões, porque todos querem «festa» mas ninguém vai querer assumir a responsabilidade daquilo que vem a seguir á «festa». Veremos, na altura, quem tem razão.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Mendes, ouvi no início da sua intervenção aquilo que julgo ser a causa próxima dela, a demissão da Sr.ª Secretária de Estado do Orçamento, e estranhei, porque me pareceu que a grande preocupação do PSD em relação a esta demissão é o problema do euro. Pareceu-me ser essa a sua grande preocupação.
Do nosso ponto de vista, as preocupações que devem existir por se ter verificado esta demissão da Sr.ª Secretária de Estado do Orçamento têm a ver com as condições em que ela se verifica, com a estranheza que dela resulta, desde logo, em termos do momento em, que se verifica essa demissão, absolutamente anormal, julgo eu, em qualquer Governo: uma Secretária de Estado demite-se quando estão ausentes do País, simultaneamente, o Primeiro-Ministro e o Ministro sob o qual exerce funções.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, estranheza por o Sr. Primeiro-Ministro saber e aceitar o pedido de demissão da Sr.ª Secretária de Estado do Orçamento e, em simultâneo, o Sr. Ministro das Finanças desconhecer que a sua Secretária de Estado tinha pedido a demissão, estranheza total e completa por não haver qualquer ligação entre o Primeiro-Ministro e o Ministro das Finanças, no caso de pedido de demissão de uma Secretária de Estado.
Sr. Deputado Luís Marques Mendes, apesar de tudo isto, não é capaz de vislumbrar também alguma virtualidade, potencial, ao menos, nesta demissão? Sendo a Sr.ª Secretária de Estado do Orçamento tão importante para o Primeiro-Ministro e para o Governo, como reiteradamente tem sido afirmado, não poderá o Sr. Primeiro-Ministro aproveitar esta oportunidade, em que sai do Governo uma figura que lhe é cara, para fazer alterações governamentais mais amplas do que a mera substituição da Sr.ª Secretária de Estado do Orçamento?
Creio que o mais importante da declaração do Sr. Deputado Luís Marques Mendes tem a ver com o Grupo Parlamentar do PS. Quem fez a declaração que aqui fez há pouco, nos termos em que a fez, verberando fortemente não apenas
o Governo mas também o PS e a bancada socialista, explorando as dificuldades internas do PS, explorando as dificuldades, as insuficiências e as faltas de coordenação manifestas que existem no Governo, foi o vosso parceiro de todos os
dias, o parceiro a quem os senhores recorrem para fazer alterações á Constituição, o mesmo parceiro a quem os senhores recorrem para tripudiar projectos de lei aprovados, na generalidade,...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

O Orador: - ... nesta Assembleia da República, o mesmo parceiro a quem os senhores recorrem para travar o processo da regionalização, o mesmo parceiro a quem os senhores se colam para tentar, mais uma vez, retirar qualquer margem de manobra ao Sr. Presidente da República no exercício dos seus direitos e das suas competências em matéria de marcação de referendos.

Aplausos do PCP.

Srs. Deputados do PS, este é o vosso parceiro e esta é a questão central da intervenção do Sr. Deputado Luís Marques Mendes.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Mendes, dispondo de mais dois minutos que lhe são concedidos pela bancada do PCP.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, em primeiro lugar, quero agradecer-lhe, de uma forma rápida, as questões que colocou e o tempo que me cedeu.
Da demissão da Secretária de Estado do Orçamento, há duas ou três coisas importantes. A primeira é simbólica: é a Secretária de Estado do Orçamento que se demite, e não um qualquer membro do Governo, em vésperas de entrada do euro, em vésperas de preparação do próximo e último Orçamento do Estado da Legislatura e o primeiro do euro.
Acresce a isto o facto de sair uma Secretária de Estado não por aplicar ou gerir mal a aplicação dos dinheiros públicos,...

Vozes do PS: - Ah!

O Orador: - ... porque ela, pelos vistos, é um exemplo de boa aplicação dos dinheiros públicos, como diz o Sr. Primeiro-Ministro, mas por sua vontade e iniciativa. Alguma coisa de grave existe? Ou seja, quem aplica mal os dinheiros públicos mantém-se no Governo; quem os aplica bem e tem um controlo rigoroso, sai do Governo! Algo de grave existe, porque, se não, isto era demasiado brincadeira para parecer verdade.

Vozes do PS: - Ou, então, é tudo mentira!

O Orador: - A segunda questão, Sr. Deputado, para além de simbólica, é essencial. Às tantas, a Sr.ª Secretária de Estado do Orçamento quis sair a tempo, antes que fosse tarde, antes que os problemas se avolumassem e viessem à luz do dia. Às tantas, quis sair já, depois de prenunciar e antes de constatar os tempos difíceis que «depois da festa» aí podem vir. Uma coisa é certa: a reforma da Administração Pública, essa, já nem vê-la. Aliás, já se tinha percebido, porque o Ministro das Finanças disse, há poucas semanas, que reforma fiscal, ao contrário do prometido, já nem pensar para esta Legislatura, e já tinha lido que o Ministro das Finanças entendia que o Livro Branco da Segurança Social, que o Primeiro-Ministro tanto elogiou, representava zero e era para rasgar.
Às tantas, a Sr.ª Secretária de Estado do Orçamento, apresentada por todos os sectores como rigorosa, competente e como introduzindo um novo estilo, elogiada, sobretudo, pelo Sr. Primeiro-Ministro, como um modelo de gestão, saiu por-

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que percebeu tudo quanto aí vem, tudo quanto pode acontecer. Por isso mesmo, assumiu o ónus e a coragem de uma decisão política, porventura, para prenunciar, antecipar e, de alguma forma, mostrar o que podem ser os tempos que aí vêm.
Por isso é que alguns não entendem, porque nunca entendem nada, ou outros fazem de conta que não percebem, porque fingem que nunca acontece nada de importante, que os próximos tempos vão ser pródigos em novas atitudes, em novas noticias, em novas informações, para se perceber tudo quanto verdadeiramente envolve toda esta situação.
Se não fosse isso, e com isto termino, Sr. Deputado, não tinha importância de maior a demissão da Secretária de Estado do Orçamento, porque este Governo tem apenas dois anos e pouco de vida e já foram tantos a sair que isso não seria novidade alguma. O tempo do desgaste deste Governo é que é a novidade, um Governo que parece já estarem funções há 10 ou 15 anos quando tem apenas dois anos e meio; veja-se o estado de degradação a que, ao fim desse tempo, este Primeiro-Ministro está a deixar chegar o País e o seu Governo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: = Como anunciei, também o Sr. Deputado Luís Queiró pediu a palavra para solicitar um esclarecimento. Como ele não dispõe de tempo para fazer a pergunta nem o Sr. Deputado Luís Marques Mendes dispõe de tempo para responder, a Mesa concede um minuto a cada um. Por isso, peço que sejam concisos.
Tem a palavra, Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, posso informar a Mesa de que o Partido Ecologista Os Verdes acabou de nos ceder, simpaticamente, dois minutos, o que agradeço.

O Sr. Presidente: - Então, fica o Sr. Deputado com dois minutos e a Mesa cede ao Sr: Deputado Luís Marques Mendes dois minutos.
Faça o favor de continuar.

O Orador: - Sr. Presidente, vou procurar utilizar o mais possível o meu espírito de síntese, que, aliás, não tenho.
De facto, quero concordar com o Sr. Deputado Luís Marques Mendes. Passaram-se 1 5 dias negros para o Governo, que culminam, hoje, com aquilo a que me apetecia chamar «a queda de um arcanjo».

Risos.

Gostaria de dizer-lhe que V. Ex.ª relatou casos maiores, casos menores, casos mais importantes e casos menos importantes, mas esqueceu-se, por exemplo, de um, o caso dos indultos, das propostas de indulto ao Presidente da República para foragidos,...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Bem lembrado!

O Orador: - ... que motivaram imediatamente uma reacção do Ministro, dizendo que iria promover um inquérito, mas continuamos a não ter a menor notícia sobre os seus resultados.
O mais importante é, claramente, a demissão das chefias militares, na área da defesa, a exoneração de um chefe e o pedido de demissão de outro, e agora o caso da Sr.ª Secretária de Estado Manuela Arcanjo. Num caso, claramente, o Governo revelou, a meu ver, falta de capacidade para se relacionar tranquilamente com as Forças Armadas, com a instituição militar. Em relação ao outro caso, ouvi, quando vinha há pouco para a Assembleia, uma coisa espantosa: o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, na rádio, às 15 horas, naturalmente com conhecimento profundo e íntimo do caso, dizia que se tratava de um choque de personalidades fortes no Ministério das Finanças.

Risos do PSD.

Era apenas isto, um choque de personalidades fortes, marcantes, incisivas. E eu, que já estava preocupado com a falta de coordenação do Governo, ainda mais preocupado fiquei, quando o Sr. Primeiro-Ministro já não é capaz de gerir os choques de personalidades fortes dentro do seu Governo.
Aliás, quero lembrar uma coisa que me parece muito significativa, e vou terminar, para não abusar da paciência do Sr. Presidente: o que se vê é que a condução e coordenação política das áreas nobres da governação é hoje feita pelo Presidente da República, como mostra o almoço que recentemente foi feito com os três líderes partidários e os Ministros das pastas em relação à política da droga. É o Presidente da República que anda à procura dos consensos essenciais na sociedade portuguesa, para que, na verdade, esta descoordenação não se acentue.
Mas, Sr. Deputado Luís Marques Mendes, falta a pergunta. V. Ex.ª fez aqui, verdadeiramente, uma moção de censura ao Governo. Pergunto se vai daí tirar as consequências, ou seja, V. Ex.ª pediu a cabeça do Governo ou pediu, apenas, mais cabeça ao Governo? É isto o que lhe pergunto.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Mendes, dispondo de dois minutos que a Mesa lhe concede.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Queiró, achei muito interessante a citação que fez, a qual agradeço, de resto, pois não a conhecia. Pelos vistos, foi dito pelo Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, hoje, a uma rádio, que havia um choque de personalidades fortes. Sr. Deputado, de facto, isto é muito interessante, a «política à portuguesa» tem um conjunto de originalidades. Sabe qual é o comentário. que isto me suscita? É que acho isto tão bizarro, tão bizarro, que a única coisa que constato, ao fim de dois anos de Governo, é que este Governo não tem qualquer personalidade, nem forte, nem fraca, não tem, pura e simplesmente, qualquer personalidade.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É por isso que tudo isto acontece. Só que chegou o tempo de o Sr. Primeiro-Ministro não se refugiar mais no «faz-de-conta», no fingimento, no «não tem importância», no «tudo é culpa do Ministro, dos Deputados», quando foi este Primeiro-Ministro, o Engenheiro António Guterres, mais do que o PS, que ganhou as eleições. É a ele que os portugueses pedem contas e responsabilidades.

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É esta a questão, depois da degradação acentuada que se verificou nas últimas semanas em Portugal. Foi por isso também, Sr. Deputado, que eu disse aqui, há oito dias, que a nova originalidade, embora preocupante, da vida política portuguesa é esta: já tínhamos um Governo que não governava, um Primeiro-Ministro que não dirigia o partido e dirigia pouco, como se vê, o Governo, agora temos um Presidente da República que sente a necessidade de se substituir ao Governo em questões fundamentais para Portugal, num regime como o nosso, preenchendo um vazio.
Está tudo trocado, está tudo alterado. Parece que estamos num país absolutamente surrealista. Este é o estado de crise mais grave que pode existir, anestesiando tudo isto, falando com charme e simpatia. No entanto, os problemas lá estão, cada dia que passa são mais graves, mais agudos, mais acentuados.
Por isso, não estamos aqui para pedir a cabeça de ninguém, esse é um problema dó Primeiro-Ministro. Estamos aqui, sim, para confrontar o Governo e, sobretudo, o Primeiro-Ministro com as suas responsabilidades, com aquilo que prometeu e não faz, com a degradação da autoridade, para ver se o Primeiro-Ministro percebe, ao menos, que há bens que se degradam pelo seu uso mas há bens, como a autoridade, que se degradam mais quando não se usam.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira concluir.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.
Como não se tem usado, a autoridade tem-se degradado. A continuar assim, veremos o estado a que vão chegar Portugal e os portugueses.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para intervir no âmbito do tratamento de assuntos de interesse político relevante, os Srs. Deputados Ricardo Castanheira e Paulo Pereira Coelho.
Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Ricardo Castanheira e uma vez que alguns jovens estudantes se preparam para se ausentar, quero comunicar que temos hoje o privilégio de ter connosco 596 jovens das nossas escolas - é quase um record, se não mesmo um record. São eles: um grupo de 20 alunos da Escola Pré-Universitária Autónoma de Lisboa; um grupo de 37 alunos da Escola Secundária Dr. Manuel Fernandes de Abrantes; um grupo de 41 alunos da Escola Secundária de Mira de Aire; um grupo de 40 alunos da Escola Secundária de Alcains; um grupo de 50 alunos da Escola Secundária de Inês de Castro, de Gaia; um grupo de 82 alunos da Escola E.B. 2,3 de Medas, Gondomar; um grupo de 47 alunos da Escola Secundária Vale de Cambra; um grupo de 45 alunos da Escola Secundária Artur Gonçalves, de Torres Novas; um grupo de quatro alunas do Instituto de Odivelas; um grupo de 25 alunos da Escola Secundária Luís de Freitas Branco, de Oeiras; um grupo de 16 alunos da Escola Secundária Abade de Baçal, de Bragança; um grupo de 170 alunos da Escota Básica 2.º e 3.º ciclos da Moita; e um grupo de 20 alunos da Escola Secundária D. Dinis, de Coimbra.
Que grande responsabilidade assumimos pelo que fizermos e dissermos nesta sessão! Saudêmo-los, Srs. Deputados.

Aplausos gerais, de pé.

Tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Castanheira.

O Sr. Ricardo Castanheira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Timor Leste - e este é seguramente um tema que interessa aos jovens portugueses - é geralmente, em momentos de dor e de infortúnio colectivo ou de assinalável relevo histórico, objecto de retórica política e social.
Pretendo com esta intervenção, por um lado, quebrar essa tendência, trazendo à memória parlamentar o drama que, neste momento, vivem ainda milhares de timorenses, cumprindo assim um imperativo político, e, por outro lado, assinalar a generosidade e dignidade da iniciativa «Corrente Humana», organizada por uma instituição do ensino superior de Coimbra.
Uma iniciativa com a natureza e a espontaneidade social desta «Corrente Humana» é o reflexo da crescente importância que o drama timorense vai adquirindo não apenas na sociedade portuguesa mas no espaço mundial. Deve por isso ser apoiada, devem por isso os órgãos de soberania estar atentos, deve por isso remar-se contra a indiferença que foi, seguramente, nestes últimos anos, a principal aliada do genocídio perpetrado em Timor.
Importa, por isso, dar as mãos neste despertar solidário de consciências.
Assinale-se a particularidade de a grande «Corrente Humana», designação dada ao evento que pretende juntar assim milhares de cidadãos conimbricences, ser organizada pelo Instituto Superior Miguel Torga, em Coimbra. Ora, nada melhor do que associar um dos maiores poetas da nossa língua à defesa intransigente dos interesses dos timorenses.
Para Miguel Torga a solidariedade era um valor supremo. Para Torga a nossa língua era a sua arma predilecta de combate cívico, social e cultural. Para Torga os símbolos da nossa identidade eram condimentos de uma lusitaneidade que ele singularmente corporizava. Nesta justa medida, uma «Corrente Humana» representativa de um espírito fraterno e solidário é um expediente feliz para Portugal, enquanto potência administrante de Timor, dar as mãos de forma irreversível a um combate pela liberdade e pela autodeterminação dos timorenses.
Coimbra é uma das cidades portuguesas que tem acolhido muitos dos jovens timorenses que se refugiam em Portugal. Fruto da diversidade sócio-cultural, que assenta indubitavelmente na dimensão quase planetária da sua instituição universitária, existem assim nesta cidade condições ímpares para a coexistência enriquecedora entre os jovens oriundos das «quatro partidas do mundo». Não admira, pois, que uma iniciativa com este simbolismo e com esta carga social tenha a sua génese na «lusa Atenas». Não seria a primeira vez que dali ecoavam gritos de revolta e de libertação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar da diplomacia do Estado português muito ter contribuído para um estado de alerta internacional, em que actualmente em todo o mundo é inaceitável arguir o desconhecimento desta questão, constatamos, no entanto, 23 anos de ocupação, 23 anos de genocídio, 23 anos de relativa passividade da comunidade internacional, nalguns casos mesmo sob forma de indiferença, noutros de cumplicidade.
Parece-me inegável a oportunidade do momento para, dentro de um quadro de actuação diplomática, as forças políticas internacionais lançarem uma ofensiva para o reconhecimento indonésio do direito à autodeterminação de Timor.
A história demonstra-nos, através de inúmeros episódios,

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ao longo do tempo, que a mutação das mentalidades é o processo mais lento e o objecto de maiores resistências, ensinando-nos igualmente que factores de natureza económica têm uma singular força mobilizadora e transformadora não apenas de regimes políticos mas também de estruturas sociais e mentais.
Daí que a consolidação da Indonésia como um «Estado burocrático autoritário», a corrupção generalizada na sua administração pública, a desvalorização galopante da moeda e o aumento assustador dos preços venham promovendo um caldo de insatisfação social generalizada.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Importa, assim, continuar a alertar a comunidade internacional para este momento de potencial ruína financeira da Indonésia, a que deve associar-se - espera-se que assim seja - a queda de um regime de tirania e de violação permanente dos direitos do Homem.
Ora, tendo a Indonésia recorrido ao apoio do Fundo Monetário Internacional, dado o sabor amargo da crise social em que está mergulhada, deveriam os eventuais contributos a prestar ser equacionados não apenas numa lógica de diminuição drástica da despesa pública e reformulação das opções macro-económicas mas igualmente na dependência de comportamentos governamentais, respeitadores dos mais elementares direitos humanos.
Entretanto, Suharto foi novamente reeleito no cenário habitual de exercício despótico do poder, mas desta vez, em momento habilmente escolhido, por forma a obstruir os primeiros passos de afirmação política e social do seu povo.
A situação de Timor Leste está absolutamente relacionada com uma perspectiva mais alargada da violação dos direitos humanos, produzindo também reflexos junto do próprio povo indonésio. Daí que os movimentos pela autonomização de Timor estejam a florescer nos meios intelectuais, académicos e estudantis de Jacarta. Para muitos indonésios, a libertação do outro, de Timor, será, porventura, a representação viva da sua própria liberdade.
Poder-se-á assim inferir que a comunidade internacional, ao lutar pela afirmação do direito à autodeterminação dos timorenses, estará reflexamente a combater a anestesia cívica que Suharto doseou ao seu povo ao longo destas quase três décadas de autocracia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tal como alertou, recentemente, a Amnistia Internacional no seu mais recente relatório sobre Timor Leste, importa gerar mecanismos de fiscalização e reorganização das forças militares e de segurança indonésias, porquanto são estas estruturas, através de actos contínuos de detenções, interrogatórios, execuções extrajudiciais e torturas que corporizam grande parte das violações dos direitos humanos em Timor.
As últimas análises sobre os direitos humanos em Timor são inequívocas quanto ao agravamento da repressão política e social. A opção pela violência crescerá, seguramente, nos próximos tempos na razão directa do aumento das crises sociais e económicas. Os timorenses pagarão, infelizmente, com o seu sangue o colapso financeiro da «nova ordem» gerada por Suharto.
Devem, assim, no seio da comunidade internacional, ser criadas condições para serem, efectivamente, implementadas pela Indonésia medidas que cumpram as recomendações contidas na resolução da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas e garantir o acesso livre e regular ao território a observadores independentes dos direitos humanos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Recordem-se alguns números impressionantes - e aproveito para sublinhar: em Timor, desde a invasão Indonésia, em 1975, já foram assassinados mais de 300 000 timorenses, o correspondente a 44% da população do território antes da ocupação ilegítima. Repito, 300 000 mortes, o correspondente a 44% da população. Se compararmos estes 44% de mortos com os 7,4% resultantes da guerra civil em Moçambique; os 10% do Ruanda; os 23% de Angola ou, até mesmo, os 33% de judeus mortos na II Guerra Mundial, teremos, então, urna noção mais brutal e mais real dos actos cometidos contra o povo de Timor.
Impedir que Timor Leste atinja a plena expressão da sua individualidade própria resulta não apenas num genocídio físico mas também num genocídio cultural, que afecta gerações presentes e futuras. Muito recentemente, teve o Ministro dos Negócios Estrangeiros a possibilidade de se encontrar com o Papa João Paulo II, conferindo novamente à Igreja um papel fundamental neste processo de libertação, já antes sublinhado pela comunidade internacional com a atribuição do Prémio Nobel a D. Ximenes Belo. Confirma-se, assim, a importância do protagonismo da estrutura católica na satisfação das necessidades sociais do povo maubere, esperando-se uma resposta crescente de condenação às atrocidades cometidas.
Não posso, todavia, terminar sem fazer uma referência justa e carregada de simbolismo à intervenção e ao papel crescente do Presidente Nelson Mandela na tentativa de resolução do problema de Timor Leste.
Nelson Mandela é inegavelmente um dos símbolos contemporâneos da defesa dos direitos humanos. O seu percurso pessoal e político confere-lhe urna autoridade particular para despertar a atenção da opinião pública internacional para os dramas que, ontem, foram os seus e do seu povo e que, hoje, abalam igualmente todo o povo maubere.
A instituição parlamentar, a Assembleia da República, atenta ao seu redor social, deve justamente, saudar e sublinhar a solidariedade e o significado deste gesto de estudantes de Coimbra, afirmando-se claramente como um elo nesta grande «Corrente Humana» pela solidariedade.

Aplausos do PS, do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, pedi a palavra para me congratular com a intervenção do Sr. Deputado Ricardo Castanheira e para dizer à Assembleia que recebi, há dias, uma delegação de estudantes universitários de Coimbra que me vieram anunciar essa iniciativa, que, aliás, não é a primeira que fazem em conjunto com a Assembleia da República. Vieram também dizer-me que tencionavam promover esta cadeia em toda a universidade portuguesa, em todas as associações académicas do País, a fim de que cada uma delas fizesse um abaixo-assinado pedindo a libertação de Xanana Gusmão e a autodeterminação do povo de Timor, pelo que me comprometia acompanhar, como Presidente da Comissão Eventual para o Acompanhamento da Situação em Timor Leste, cada uma destas delegações à Delegação das Nações Unidas, em Lisboa, para que esse clamor tivesse a dimensão e a repercussão que se justifica que tenha.
Pedi, pois, a palavra, Sr. Presidente, porque penso que a Assembleia terá todo o interesse em ter conhecimento deste facto.

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Ricardo Castanheira, apesar de não ter sido um pedido de esclarecimento, tem a palavra, se assim o entender.

O Sr. Ricardo Castanheira (PS): - Não quero usar da palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho, dado que o seu partido não dispõe de tempo para poder intervir, vai fazê-lo ao abrigo do n.º 2 do artigo 81.º do Regimento, tendo, para o efeito; como sabe, 10 minutos.
Tem, pois, a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Faz agora um ano, o Primeiro-Ministro esteve no distrito de Coimbra, no chamado «Governo em diálogo» e fez, então, várias promessas muito concretas, pára além de reafirmar outros, compromissos que havia já assumido na campanha eleitoral de 1995.
Recorde-se que, há um ano, estávamos em época pré-eleitoral e compreendia-se o afã e a forte disputa com que os autarcas socialistas disputavam a presença do Primeiro-Ministro, tendo alguns que se contentar com alguns raids do Ministro Cravinho, que, obviamente, não deixou por mãos alheias a sua afamada capacidade de prometer, mas nado comprovada quando se trata de cumprir.
Passado este tempo, urge confrontar o prometido com o realizado, o que se disse e o que se fez, confrontar o Governo com as suas responsabilidades. Assim, entendeu a Direcção do Grupo Parlamentar do PSD fazer uma visita ao distrito de Coimbra para ouvir e sentir as forças locais e as populações. A conclusão a tirar é que este Governo é uma desilusão!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - No que concerne ao cumprimento do muito que prometeu, o desencanto é geral.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Importa verificar, factualmente, para que não restem dúvidas, que, em matéria de vias de comunicação, três anos passados, a situação é confrangedora.
O IP 3, entre St.ª Eulália e Coimbra, está como estava. Pior, anularam um concurso que findava em Março de 1996, para, supostamente, ser mais rápido acabar com a obra, com a transformação em auto-estrada com portagens. Nada está feito e - pasme-se! - foi agora consignado o resto do IP 3, entre Viseu e Chaves, com portagens virtuais, e mais uma vez o distrito de Coimbra fica para trás.
Cumpre, aqui, lançar o nosso grito de revolta com a passividade e a cumplicidade com que os socialistas da região, estando ou não em cargos governamentais, assistem a este atropelo dos interesses das populações da nossa região. Façam como os vossos camaradas do Algarve e revoltem-se, pois parece que só assim se consegue fazer com que o vosso Governo actue e cumpra o que prometeu, defendam quem vos elegeu, quer se trate de autarcas, Deputados ou membros do Governo.
O IC 8, entre Pombal e Figueira da Foz, está na mesma, quando o resto já está concluído e o candidato do PS à Câmara da Figueira da Foz afiançava ser uma realidade a curtíssimo prazo. Por falar em promessas na Figueira, para quando o começo das obras do porto que deveriam ter começado em Dezembro?

Por que é que o candidato socialista à Câmara da Figueira da Foz até garantiu que a obra começava antes do final do ano? 1á estamos em Março e ainda nada se viu!
A estrada da Beira é outra realidade adiada. Para quando os melhoramentos prometidos para ontem nesta via fundamental? E quanto ao IC 6 e ao IC 7? Lembram-se quando criticavam o anterior governo por só cuidar das vias principais?! A memória dos homens é curta, roas não tanto que não dê para perceber que este Governo é como S. Tomás «olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço».

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mas as promessas foram muitas mais e só quartéis da GNR foram cinco os prometidos. Nenhum conhece a luz do dia, nem um tijolo foi colocado.
As obras do Baixo Mondego estão paradas com a justificação de conflitos entre ministérios. O que os agricultores recomendam é que se organizem e dêem sequência ás obras. A agricultura já tem tantos problemas que bem dispensa virtuais guerras de «capelinhas».
No entanto, os casos mais emblemáticos foram o chamado «metro de- superfície», o palácio de congressos e a famigerada ponte Europa. Quanto ao metro, nem um centímetro! É bom lembrar que o Ministro Cravinho até se deu ao luxo de prometer que tal «metro de superfície» poderia chegar- pasme-se! - à vila de Góis e que, por isso, era necessário nomear mais uma comissão para, naturalmente, mergulhar o metro em estudo profundo...

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Comissões é que é necessário! O PS resolve tudo com comissões!

O Orador: - Quanto ao palácio de congressos, o velho Convento de. S. Francisco lá está, decrépito, à espera que alguma «graça divina» lhe valha, pois com este Governo não será, com certeza, realidade, dado ter nomeado mais uma comissão para estudo profundo...
Quanto à ponte Europa, já não bastou o embaraço de não ter sido possível lançar a primeira pedra pelo Primeiro-Ministro, pois ninguém sabia nem sabe onde vai ficar situada a dita - e lá soubemos que continua em estudo, agora, pela Junta Autónoma das Estradas, pois a Câmara Municipal de Coimbra revelou-se totalmente incapaz de fazer o projecto.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O balanço é desastroso para este Governo e, fundamentalmente; desonra os socialistas do distrito, que estão mais preocupados em discutir e guerrear-se mutuamente pelos lugares políticos que ocupam e pela afirmação de poder pessoal de cada um do que em assumirem as suas obrigações e responsabilidades para com as populações de Coimbra.
É caso para dizer: em Coimbra; este é um Governo virtual. Fala mas não faz; promete mas não cumpre; faz de conta que governa mas não governa. É um desgoverno de Governo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Rui Namorado e João Rui de Almeida.

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Para responder, o Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho dispõe ainda de quatro minutos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Namorado.

O Sr. Rui Namorado (PS): - Sr. Presidente, se aquilo que disse o Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho tivesse alguma relação com a realidade, então, teríamos assistido a um fenómeno verdadeiramente incrível. Isto é, perante a terrível desgraça que o Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho descreveu, então, não podíamos perceber como é que o eleitorado, ainda há poucos meses, desmentiu, praticamente, todas as catástrofes que o Sr. Deputado aqui anunciou.
O Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho tem preparado 0 discurso da desgraça, di-lo sempre em todas as circunstâncias e, se calhar, é o discurso que ele interiorizou durante os 10 anos em que foi responsável. A bem dizer, houve uma pretensão de vir examinar o que é que este Governo tinha feito em Coimbra, mas, todavia, o que devia fazer era um exame de consciência, porque VV. Exas. fazem parte de um partido que se deu ao trabalho de nomear um governador civil que teve a tarefa específica de sabotar o trabalho do Presidente da Câmara Municipal de Coimbra.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - É o que o vosso faz!

O Orador: - Portanto, VV. Exas. são especialistas na sabotagem da vida política em Coimbra. VV. Ex.- pertencem a um partido que cercou Coimbra de uma marginalização tal que os representantes do PSD por Coimbra tinham como tarefa, em Lisboa, sabotar tudo aquilo que pudesse beneficiar o distrito. São, na verdade, especialistas que materializam as catástrofes anunciadas pelo Sr. Deputado Pauto Pereira Coelho. Porém, ele estava, certamente, a fazer uma autocrítica relativamente ao seu passado e pouca relação tem com a realidade...
Na verdade, tudo aquilo que o Sr. Deputado ali descreveu vai acabar por ser construído, porque tenha a certeza que as obras que foram prometidas e os processos que estão em marcha irão por diante. V. Ex.ª não ignora certamente que tudo aquilo que se pretende fazer, como são coisas em profundidade e de relevo, não surge de um dia para o outro.
Na verdade, esta ida a Coimbra, esta expedição mediática do PSD a Coimbra não tem qualquer relação com o julgamento que pretendem fazer ao Governo nem tem qualquer relação com o distrito de Coimbra. Apenas tenho dúvidas quanto a uma coisa: será que se tratou de uma expedição punitiva, destinada a humilhar o Presidente da Câmara da Figueira da Foz, mandando-lhe apenas uma equipa de adjuntos sem o chefe, ou será que, pelo contrário, foi uma revelação relativamente inoportuna, um acidente, que veio revelar que o líder do PSD perdeu, à última hora, a coragem de enfrentar um dos seus rivais e deixou ir os seus adjuntos sozinhos defrontarem-se com o Dr. Santana Lopes, porque se acobardou desse frente a frente?
Sr. Presidente , Srs. Deputados: Julgo que esta ida a Coimbra nada tem a ver com o distrito, nada tem a ver com o Governo, tem a ver com o ajuste de contas que se prepara entre o Dr. Santana Lopes e o Dr. Marcelo Rebelo de Sousa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr: Presidente: - Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho, havendo outro orador inscrito, deseja responder já ou no fim?

O Sr: Paulo Pereira Coelho (PSD): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida.

O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Prescindo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Namorado, começo por referir que, de entre outras coisas, a sua intervenção fica desde logo qualificada pelos últimos 30 segundos,...

Vozes do PSD: - É verdade!

O Orador: - ... porque foi, de facto, um bom exemplo da tal baixa intriga que não deve, nem pode, ser trazida para um debate destes.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - V. Ex.ª sabe que os problemas que levantei são importantíssimos para a população de Coimbra e não se compadecem com tricas e maledicências, como V. Ex.ª acabou agora de proferir.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mais valia ter omitido esses 30 segundos, porque o resto já eu esperava! Esperava naturalmente que V. Ex.ª aos costumes dissesse nada. Agora, quanto á intriga, era bem dispensável. A população de Coimbra não merecia que V. Ex.ª se referisse aos seus problemas dessa maneira.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas vamos aos factos.
Quanto a resultados, parece que o Sr. Deputado se ausentou do país durante o mês de Dezembro. Está esquecido da queda que o PS teve no distrito de Coimbra? Está esquecido que VV. Ex.as, tendo em conta os resultados obtidos em 1995, agora baixaram escandalosamente? Está V. Ex.ª esquecido que perderam a «pérola» do PS no distrito, ou seja, a Figueira da Foz? Está esquecido que no próprio concelho de Coimbra desceram vertiginosamente? Entende isto como o reconhecimento do eleitorado pela vossa obra ou pelo falhanço da vossa política e dos vossos candidatos?

O Sr. Rui Namorado (PS): - E vocês; ganharam alguma coisa?! Perderam!

O Orador: - Quanto ao Governo Civil, Sr. Deputado, ao contrário do que V. Ex.ª disse, que teríamos nomeado um governador civil para boicotar o presidente da Câmara Municipal de Coimbra, que era socialista,...

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Protestos do PS..

Ouça, Sr. Deputado, dou-lhe o beneficio da dúvida. Porém, o grave é ter um Governo socialista que nomeie um governador civil, também socialista, para boicotar o trabalho do presidente da câmara municipal, que também é socialista, porque foi o seu governador civil que, sistematicamente, ao longo do último ano, andou a dizer que o trabalho do presidente da Câmara Municipal de Coimbra era sofrível, era quase desastroso e só não mudaram o candidato por não terem coragem para o fazer. Esta é a verdade, Sr. Deputado! Quanto a intrigas, estamos conversados.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

O Sr. Rui Namorado (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra, para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Rui Namorado (PS): - Sr. Presidente, interpelo a Mesa apenas para informar que quem teve mais votos no distrito de Coimbra, quem tem mais presidências de câmaras municipais, mais presidências de assembleias municipais e mais mandatos é o PS. O Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho deve estar a falar de Marte, porque em Coimbra, cá da Terra, não ganhou qualquer eleição.

Vozes do PS: - Bem lembrado!

O Sr. Presidente: - Fica registada a sua interpelação, Sr. Deputado.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Peço a palavra, para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, mas agradecia que fosse muito sucinto.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Sr. Presidente, gostaria apenas de informar o Sr. Deputado Rui Namorado que, de facto, há qualquer coisa que deve estar a baralhar-lhe a cabeça, no que diz respeito à interpretação dos resultados.
É que toda a gente reconheceu unanimemente - inclusive, os seus camaradas foram os primeiros a fazê-lo - que os resultados obtidos pelo PS no distrito de Coimbra talvez tenham sido os piores do PS...

O Sr. Rui Namorado (PS): - Sr. Deputado, quem ganhou? Quem é que ganhou?

O Orador: - Desculpe, quem. ganhou o quê?!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço que não entrem em diálogo, até porque os resultados estão publicados, pelo que basta ler o Diário da República.

O Orador: - Sr. Presidente, só para terminar, quero dizer que VV. Ex.as, como sabem;...

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço, mais uma vez, que não entrem em diálogo, pois os resultados estão publicados...

O Orador: - Como V. Ex.ª sabe, o PS perdeu em Coimbra milhares e milhares de votos nas últimas eleições. Foi nessa medida que foram punidos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, os resultados estão publicados e a melhor maneira de demonstrar que não estão a usar a figura regimental da interpelação é que se dirigirem não há Mesa mas a um Deputado de outra bancada.
Srs. Deputados, visto não haver mais inscrições, dou por terminado o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 50 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início ao período da ordem do dia com a discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 160/VII - Altera o Código Penal e do projecto de lei n.º 403/VII - Altera disposições do Código Penal relativas ao princípio da extraterritorial idade, ao abuso sexual de menores, outros crimes sexuais e à liberdade de imprensa, e adita disposições relativas a ilícitos penais laborais (PCP).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (José Vera Jardim): - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados: O Código Penal e o Código de Processo Penal são a matriz da nossa política criminal. Neles se contêm os princípios basilares em que assenta quer a definição dos comportamentos ilícitos, que devem merecer sanções de natureza criminal, quer a fixação da graduação das penas e o modo de conduzir a investigação, instrução e julgamento dos factos criminosos. Constituem um conjunto de leis de enorme sensibilidade, situando-se no âmago da temática dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e da essencialidade do direito de punir, manifestação, porventura a mais relevante, da autoridade do Estado.
É aqui, na política criminal, que se defrontam os valores mais nobres de um Estado de Direito - o direito à liberdade e o direito da potestas estatal de lhe fixar as limitações e restrições ocasionadas pela prática de crimes, em defesa da comunidade, dos valores da segurança, da paz e dos princípios fundamentais em que assentam as comunidades políticas.
Por isso mesmo são os textos básicos do Código Penal e do Código de Processo Penal leis em que deverá procurar atingir-se um amplo consenso social e político, que traduza a assumpção pela comunidade do conjunto de valores julgados mais essenciais à vida em sociedade, traduzindo-se na punição dos comportamentos que gravemente os atinjam, visando os alicerces da convivência social.
O Direito Penal de que o Código é a linha orientadora mais estável é a última ratio do arsenal sancionatório e nele devem cristalizar-se a defesa dos valores essenciais da liberdade, da propriedade, da honra, da estabilidade social e da defesa do Estado democrático. São afinal os bens jurídicos essenciais, cuja ofensa, por grave, legitima por parte do Estado o exercício da força que poderá levar à privação do direito à liberdade.

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O equilíbrio entre o direito à segurança e o direito à liberdade está aqui presente na sua maior densidade. As opções a fazer terão consequências em muitos casos dramáticos na vida de muitos - na dos autores de actos criminosos, como na das vítimas.
Vivendo, como vivemos, em sociedades de risco e em que sentimentos generalizados de insegurança estão sempre presentes, assistimos ao crescimento de movimentos na opinião pública que clamam por mais criminalização, mais responsabilização, mais punição.
A verdade é que a melhor prevenção contra a insegurança e o crime nem sempre, se é que o é algumas vezes, é conseguida por medidas punitivas crescentes, numa espécie de escalada progressiva das penas, que se pretende impor como meio adequado de resposta a uma real ou suposta escalada da insegurança. Actuação rápida da justiça penal, presença das forças de segurança junto dos cidadãos, política de prevenção geral, mecanismos de investigação adequados à luta contra o crime organizado, atenção especial às várias formas da delinquência juvenil, são mais eficazes do que a pura e dura política da «lei e da ordem», nos seus aspectos porventura mais fáceis, mas cuja eficácia a generalidade dos autores da criminologia está longe de subscrever.
Significará isso que nos devemos quedar pelo imobilismo no que respeita ao aperfeiçoamento da tipologia dos crimes e da graduação das penas? O ritmo de mutações sociais que hoje vivemos traz consigo novas formas de criminalidade e agravamento quantitativo e qualitativo de certas formas de comportamentos criminosos a exigirem resposta não só dos aparelhos da investigação criminal como dos próprios textos básicos da política criminal.
Quem falava em branqueamento de capitais há 20 anos atrás? Que relevância assumia ainda há meia dúzia de anos, na opinião pública, a pedofilia? Quem há duas décadas pretenderia criminalizar os atentados contra o ambiente? E os exemplos poderiam multiplicar-se.
Trata-se, em alguns destes casos, de comportamentos bem antigos, mas que se encontravam como que escondidos da opinião pública, quando não, mesmo tacitamente, aceites ou, pelo menos, não tidos como graves para justificar a aplicação de penas. Hoje ninguém duvida da sua gravidade e da necessidade de reagir pelo uso legítimo da força posta ao serviço da defesa dos bens atingidos, tidos como essenciais nas nossas comunidades.
Especial atenção devem merecer por parte do Estado a protecção de certo tipo de vítimas, particularmente indefesas face às agressões, as mais diversas de que podem ser objecto. Daí o essencial das alterações que agora propomos e que, aliás, colhem consenso, muitas delas nas bancadas da oposição.
Assim, no que respeita à parte especial, as alterações propostas visam basicamente: o reforço da protecção das vítimas contra crimes violentos dirigidos contra a vida e a integridade física das pessoas; o reforço da protecção das vítimas particularmente indefesas em razão da idade, da doença ou da gravidez; o reforço da protecção das vítimas de crimes de maus tratos no seio da família; a intensificação do combate aos crimes de exploração sexual de pessoas objecto de prostituição e de tráfico; o alargamento da incriminação e reforço da protecção de menores vítimas de crimes sexuais; o alargamento da incriminação e reforço da protecção dos trabalhadores contra a violação dolosa das regras de segurança no trabalho e contra fraudes para obtenção de emprego no estrangeiro ou de trabalhadores estrangeiros em Portugal.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Neste quadro, as alterações são apenas aquelas que pensamos imporem-se para cumprimento dos objectivos e princípios que deixámos atrás enunciados.
Desde logo o aditamento de algumas circunstâncias para a qualificação do homicídio: ser este praticado contra vítima particularmente indefesa por funcionário com grave abuso de autoridade ou através de meio particularmente perigoso, Todas elas pensamos que se justificam por si próprias de uma forma bem clara e têm também um efeito de arrastamento em relação a outro tipo de criminalidade menos grave, designadamente as ofensas corporais.
Vínhamos, aliás, sendo criticados, e com inteira razão, nas instâncias internacionais no que respeita designadamente à característica não pública do crime de ofensas corporais praticadas por funcionário com grave abuso de autoridade.
No que se refere ao crime de exposição ou abandono, alarga-se o âmbito da incriminação a todos os casos em que o agente deixe a vítima indefesa, desde que sobre ele recaia o dever de a guardar, vigiar ou assistir. É da violação deste dever - e não da debilidade da vítima, neste caso - que resulta o carácter desvalioso e censurável da conduta.
Reintroduz-se como crime autónomo a violação das leges artis da medicina que criam perigo para a vida ou grave ofensa para o corpo ou para a saúde do paciente, solução que já esteve consagrada no Código de 1982 mas que desapareceu, mal quanto a nós, na última revisão.
Ora, tal conduta é suficientemente grave para justificar a criação de um crime de perigo, tanto mais que as dificuldades de prova (da produção do dano) são evidentes neste domínio. Esta norma, não obstando à aplicação do regime sancionatório geral do homicídio e das ofensas à integridade física, constitui apenas um modo de antecipação e reforço da tutela penal dos bens jurídicos e só se aplica, subsidiariamente, se pena mais grave não couber ao facto.
Quanto aos maus tratos, introduz-se uma alteração relativa à natureza processual do crime praticado contra o cônjuge (ou contra quem conviva com o agente em condições análogas) e criminaliza-se a violação dolosa de regras de segurança no trabalho.
No primeiro caso, embora, como regra, o procedimento dependa de queixa, permite-se que o Ministério Público inicie o procedimento quando o interesse da vítima o exigir, de forma a assegurar uma defesa efectiva de pessoas sujeitas a ofensas reiteradas no âmbito da instituição familiar, em consonância, aliás, com a solução adoptada para os menores. É bem sabido que a exigência de queixa do ofendido contribui seguramente para, nestas situações, assegurar a impunidade do agente do crime, mediante o constrangimento da vítima. No segundo caso, pretende defender-se quem preste serviço a um empregador da criação de perigos para a vida ou para a integridade física, tutelando-se, por esta forma, o direito à segurança no trabalho consagrado na Constituição.
No âmbito dos crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual, são propostas alterações significativas que visam reforçar a tutela da liberdade e autodeterminação sexual.
Assim, seguindo-se a orientação consagrada nalguns códigos europeus, alarga-se o conceito de violação, que passa a abranger, para além da cópula e do coito anal, o coito oral. Trata-se, na verdade, de formas de penetração sexual que, de acordo com os estudos da psicologia e da psiquiatria, consti-

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tuem violações da liberdade da vítima identicamente intensas e estigmatizantes e que, como tal, merecem idêntico tratamento jurídico-penal.
São introduzidos novos crimes contra a liberdade sexual, concebidos como modalidades menos graves de coacção sexual (quando estão em causa actos sexuais de relevo) ou de violação (quando se trata de penetração sexual), abrangendo a extorsão de favores sexuais através de ameaças ou ordens provenientes de quem detenha uma posição de autoridade laborai ou funcional relativamente à vítima.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Estamos, nestes casos, perante situações em que pode não existir ainda a ameaça grave referida na coacção sexual e na violação mas que representa já uma afectação séria da liberdade da vítima e que, como tal, reclama intervenção penal.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Nos crimes de tráfico de pessoas e de lenocínio alarga-se a incriminação, retirando-se das descrições típicas a exigência de exploração de situações de abandono ou de necessidade. Na verdade, bastará, nestes casos, o constrangimento à prostituição ou à actividade sexual de relevo em país estrangeiro (através de violência, ameaça grave, ardil ou manobra fraudulenta) ou a exploração sexual de outra pessoa (desenvolvida profissionalmente ou com intenção lucrativa) para que as condutas já possuam a indispensável relevância ético-penal e para que, como tal, devam ser punidas.
O reforço da protecção das crianças e adolescentes vítimas de crimes sexuais merece especial atenção na proposta de revisão, acolhendo-se recomendações internacionais neste domínio. Neste sentido, criminaliza-se o tráfico de menores de 16 anos destinado à exploração sexual, independentemente do meio utilizado e da situação de abandono ou necessidade da vítima, e intensifica-se o combate ao lenocínio e tráfico de menores e ao tráfico de pessoas através da criminalização do branqueamento dos lucros dele derivantes, mediante a alteração do respectivo dispositivo legal.
No crime de abuso sexual de crianças acrescenta-se às condutas presentemente previstas, que já envolvem a utilização de menor de 14 anos, em fotografia, filme ou gravação pornográfica, a exibição ou cedência destes materiais, nomeadamente a sua venda. Reforça-se, assim, a luta contra a pedofilia, dando-se cumprimento à acção comum adoptada, quanto a esta matéria, no âmbito da União Europeia.
Também no que se refere ao crime de abuso sexual de adolescentes e dependentes se alarga o âmbito da incriminação, reforçando-se a protecção da vítima. Assim, se o menor tiver entre 14 e 16 anos, a prática de abuso sexual passará a ser sempre punível, independentemente de o agente do crime ser responsável pela sua educação ou estar obrigado a assisti-lo.
No que se refere ao procedimento criminal por crimes sexuais, são significativas as alterações propostas. Sendo, em regra, semipúblicos, os crimes sexuais podem actualmente ser perseguidos, independentemente de queixa, por iniciativa do Ministério Público, quando «especiais razões de interesse público o impuserem» e a vítima for menor de 12 anos. A ambiguidade desta formulação e a possibilidade que a mesma comporta de conduzir mesmo .à utilização do menor como meio de prevenção de futuros crimes levam à sua substituição por uma expressa referência ao interesse da vitima, e não ao interesse público, que, afinal, deve constituir aquele o único a ponderar, legitimamente, pelo Ministério Público.
Igualmente em defesa do interesse de menores, bem como de interditos e inabilitados, que sejam vítimas de crimes sexuais, aumenta-se o período máximo de inibição do poder paternal, da tutela ou da curatela de 5 para 10 anos, o que se justifica levando em atenção a severidade das penalidades cominadas, de modo a obviar a que a inibição esteja sujeita a um limite temporal máximo substancialmente mais curto do que o previsto para a pena principal.
Ainda no respeitante à protecção dos trabalhadores, opta-se por acrescentar aos casos especiais de burla já previstos um novo tipo, qualificado, referente ao aliciamento ou promessa de trabalho ou emprego que envolvam a deslocação de trabalhadores de um Estado para outro.
Para além destes aspectos, parece importante aproveitar a presente revisão para eliminar o n.º 5 do artigo 180.º, que impõe a existência de sentença transitada em julgado para prova da verdade do facto imputado, quando se trate de denúncia pública de crimes. Se há casos em que esta exigência atinge o absurdo por impossibilidade absoluta de obtenção da sentença condenatória - casos de extinção da responsabilidade penal -, ela é, de um modo geral, inibitória da liberdade de expressão e da sua veiculação através da comunicação social. Muitos dos crimes que o chamado jornalismo da investigação tem denunciado não poderiam sê-lo com uma norma deste tipo. Assim se protege a liberdade de expressão e informação, seguindo, aliás, a linha defendida pela Comissão de Revisão do Código Penal de 1995.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Propõe-se também um conjunto de alterações que vêm sendo reclamadas, e com inteira razão, no que respeita às formas de falência e insolvência dolosa ou negligente de modo a responsabilizar criminalmente quem de facto tiver exercido a administração da sociedade ou da pessoa colectiva em causa e não somente aqueles que exercem formalmente poderes de administração ou gerência.
Nos crimes contra a paz e a humanidade, altera-se o crime de discriminação racial, de modo a abranger, por um lado, a discriminação nacional e religiosa e, por outro, a negação pública de crimes de guerra ou contra a paz e a humanidade com o intuito de incitar à discriminação racial ou de a encorajar. Trata-se, em todos estes casos, de dar cumprimento à acção comum contra o racismo, adoptada pela União Europeia.
Finalmente, no que respeita aos crimes contra o Estado, são dois os crimes sujeitos a alterações significativas: mutilação para isenção de serviço militar e tráfico de influência. Para além de se descriminalizar o crime de automutilação para isenção do serviço militar, já hoje sem dignidade punitiva face às condições actuais e numa ordem jurídica que consagra a objecção de consciência, alteram-se os pressupostos do crime de tráfico de influência, alargando-o às hipóteses de influência real e suposta e criminalizando igualmente a vantagem patrimonial como a não patrimonial.
São muito poucas as alterações que propomos à parte geral. Esta constitui, por natureza, a parte mais estável do Código, onde se expressam os fundamentos últimos da polí-

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fica criminal. Trata-se, em alguns casos, de corrigir deficiências, de encontrar soluções para questões postas pela possibilidade aberta na última revisão constitucional quanto ao julgamento de ausentes - e já prevista no projecto do código de processo penal, que está presente nesta Assembleia - e de possibilitar o cumprimento integral de acções comuns adoptadas pelas instâncias europeias, nomeadamente contra a pedofilia.
Assim, em sede de aplicabilidade da lei penal portuguesa, introduz-se uma alteração ao artigo 5.º de modo a permitir-se a aplicação da lei penal portuguesa aos crimes de abuso sexual de crianças e de lenocínio e tráfico de menores cometidos fora do território nacional, independentemente da nacionalidade da vítima e de o facto ser também punível pela legislação do lugar onde tiver sido praticado.
Respeitando o conhecido princípio segundo o qual o Estado deve julgar quando não pode extraditar, consagra-se, ainda no mesmo artigo, uma regra de aplicabilidade da lei penal portuguesa a agentes cuja extradição haja sido efectivamente requerida, desde que o crime admita a extradição mas ela não possa ser concedida por inconstitucionalidade, designadamente.
Os regimes de suspensão e interrupção da prescrição são agora alterados em consonância com a 4.ª revisão constitucional, que introduziu expressamente a possibilidade de julgamento na ausência, como já referi.
Novidade com expressão sensível é a possibilidade de aplicação de regras de conduta a imputáveis reincidentes. Sabendo-se que o princípio da culpa não exclui a aplicabilidade de medidas de segurança não privativas da liberdade a imputáveis, pretendemos admitir a possibilidade da sua aplicação a reincidentes logo na sentença condenatória, as quais se manterão por períodos a seguir ao cumprimento da pena de prisão. Pensamos que, para além dos mecanismos já existentes, há que evitar o cometimento de novos crimes depois de cumprida a pena, e a isso se destinam as regras de conduta aplicáveis a reincidentes que já estão, aliás, consagradas a propósito da suspensão da execução e da liberdade condicional.. Ficam subordinadas, naturalmente, a um regime de reversibilidade e a um período máximo de cinco anos, julgado suficiente para evitar que o agente pratique novos crimes. Esta medida poderá ter efeito decisivo na recuperação e reinserção de um conjunto de delinquentes reincidentes e vem ao encontro de tendências claras nos sistemas penais europeus, de forma a controlar a eventual perigosidade de indivíduos libertados após o cumprimento da pena de prisão.
É este, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, o essencial das propostas que o Governo traz a esta Assembleia, cumprindo assim o compromisso assumido na última sessão legislativa de novamente apresentar aqui proposta de parcial revisão do Código Penal. Estamos com elas a contribuir pensamos - para um sistema penal melhor adaptado às condições actuais e às preocupações da sociedade portuguesa e, obviamente, dos órgãos de soberania, com novas e mais preocupantes formas de criminalidade actual, com novos desafios que aí estão a suscitar a nossa atenção.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro da Justiça, os Srs. Deputados Odete Santos, Guilherme Silva e Luís Queiró.

Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, agora que a estrada ficou desimpedida para podermos discutir o Código Penal,...

Risos do PCP.

... gostava de lhe colocar umas muito breves questões.
A avaliação que globalmente faço destas propostas de alteração é positiva, mas temos divergências em relação a algumas questões, quê eu sintetizaria numa ou duas perguntas que têm a ver com a questão dos acidentes de trabalho e da criminalização das condutas que criam perigo para a vida e para a saúde dos trabalhadores. Temos até casos bastante graves no momento presente, como acontece - e já aqui foi discutido - na Ford Electrónica, por exemplo, com as tendinites, e também na empresa Yasaki, que tem fábricas em Gaia e em Serzedo.
Queria perguntar-lhe se considera, realmente, que o artigo 152.º-que só abrange os comportamentos dolosos, não prevendo punição para a negligência - vai ter uma grande aplicação e se, assim, terá um efeito dissuasor tão grande. Parece-me que não, que a aplicação será mesmo mínima, pelo que pergunto porque é que não se seguiu, em relação a esta questão, o que se encontra no Código relativamente à violação de regras de construção, que constrói um crime de perigo que me parece bem construído, mas onde se punem os comportamentos negligentes em relação à criação de perigo bem como à situação de conduta negligente. Considero, pois, que é insuficiente o que consta da proposta do Governo.
A outra questão tem a ver com a natureza pública ou semi-pública de alguns crimes. Desde logo, em relação à matéria de maus tratos e de crimes sexuais contra menores, estou em desacordo com a formulação que vem proposta porque, por exemplo, em relação aos maus tratos na família, parece-me que se justifica que se estabeleça como regra que o crime seja público - já estava assim no Código Penal de 1982, que depois foi alterado - e sugiro que se ponha uma excepção: a de que o Ministério Público, se entender que o interesse da vítima o exige, não continue com a acção penal.
A violência dentro da família, em minha opinião, é uma questão de Estado, não é uma questão privada, que não podemos submeter ao aforismo «entre marido e mulher não metas a colher». Um estudo recente, feito em meio prisional, revelou que 58% dos homicídios, no cômputo total dos homicídios cometidos por mulheres, são devidos a maus tratos que elas sofrem. Por isso, esta é uma questão de grande gravidade, que excede o próprio interesse da família.
Para terminar, em relação aos menores, embora eu tenha notado que a proposta do Governo já sobe para a idade de 16 anos - o que é uma diferença em relação ao que estava previsto, e penso que os casos da Madeira terão tido alguma influência nisso -, pergunto se não se deve estabelecer a regra do crime público e depois pôr como excepção «quando o interesse da vítima o exigir, o Ministério Público não desencadeará acção penal».

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, agradeço as suas questões.

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Naturalmente que achamos que as nossas soluções nesta matéria são mais equilibradas, mas longe de mim criticar as soluções que o seu partido traz a este debate, através da proposta que apresentou. Como sabe, nós criámos um conjunto de disposições relativas aos trabalhadores; elas já existem, em parte, no Código, mas julgamos que são insuficientes. Não quisemos avançar, porque tenho sempre a sensação de que avançar muito nestas matérias, designadamente para a punição da mera culpa ou negligência, em certas circunstâncias, cria uma ilusão, porventura, de melhor protecção das pessoas mas, depois, por impossibilidade prática de aplicação, acabamos por fazer leis que ficam por aplicar. E a isso temos de fugir, designadamente no âmbito penal.
Fizemos esta escolha, pensada, naturalmente, e temos em vista a solução diferente que o PCP propugna - aliás, penso que não andamos tão longe como isso -, apenas cobrindo, pela nossa parte, a actuação dolosa. Repare que a actuação dolosa, no caso de incumprimento de normas, é relativamente fácil de acontecer no que diz respeito a normas regulamentares sobre segurança no trabalho, porque basta a prova do conhecimento da norma para a culpa estar bastante excluída à partida. Penso que é melhor encarar estas coisas de uma forma progressiva - não diria progressista, porque aí V. Ex.ª dirá que a sua é mais progressista que a minha!...

Risos do PCP.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Nós não propusemos os cortes de estrada!

O Orador: - Sr.ª Deputada, eu já disse, de uma outra vez, que V. Ex.ª tem alguma coisa, não direi freudiana, mas...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Freudiana?! Eu?!

O Orador: - ... parecida com isso, em relação aos cortes de estrada. Deixe lá os cortes de estrada sossegados, porque não estamos a discutir essa matéria agora! Aliás, como V. Ex.ª disse, temos o caminho livre -V. Ex.ª disse a «estrada livre» mas eu prefiro dizer o «caminho livre» - para discutir' com grande abertura e grande frontal idade as questões.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas eu estou mais moderna, por isso penso em auto-estradas!

O Orador: - Exactamente, V. Ex.ª está a visionar o crime, que é o corte de uma auto-estrada! Está a visioná-lo, perfeita e concretamente!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Esse é o fantasma do Sr. Ministro João Cravinho.

O Orador: - Mas eu estava dizer que prefiro, e acho que é preferível, em matéria de direito criminal, avançar por pequenos passos e não pretender criminalizar tudo - e o «tudo» seria incluir também aqui os crimes culposos, ou seja, a negligência simples -, criando um sistema que, depois, poderia não ter aplicação na prática, como queremos que tenha este. Mas, como já disse, as duas propostas não andam tão longe uma da outra como isso, embora a proposta do PCP, segundo penso, a qualifique como crime de perigo e a nossa remete para maus tratos a trabalhadores.
No que diz respeito aos maus tratos, já tivemos ocasião de discutir essa matéria várias vezes, Sr.ª Deputada. Trata-se de uma matéria que pensei muito, que discuti muito, até com organizações de mulheres, que são, normal e naturalmente, as mais atingidas, e convenci-me de que esta solução é, também ela, uma solução que direi cautelosa, masque nos permitirá ver (se aprovada, obviamente), ao longo dos próximos anos, como funciona para sabermos se deveremos ir mais além. Confesso que não sou defensor, nestes casos, do adágio «entre marido e mulher não metas a colher», como é óbvio - essa questão nem sequer se coloca -, mas entendo que há questões de intimidade, questões de natureza e de grau dos maus tratos que têm de ser muito pensadas, e temos de evitar uma publicização imediata e que cubra tudo.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro, V. Ex.ª veio aqui com uma segunda volta desta proposta de alteração ao Código Penal, e lembro-me de uma asserção avisada de um criminalista americano, ilustre, que dizia que, ao estudar o crime, devemos ter a consciência de que as descobertas científicas, normalmente consideradas impessoais e subjectivas, trazem invariavelmente consigo a marca do tempo e do lugar. Penso que isto se pode transpor também para a legislação penal: a tentativa que V. Ex.ª fez de trazer aqui, à Assembleia, uma iniciativa de reforma do Código Penal, que agora traz um pouco «requentada», depois de ter retirado alguns «pedregulhos» e de ter posto mais alguns «pós», também me parece que vai ter a marca do tempo e do lugar.
As questões que queria colocar a V. Ex.ª são de ordem genérica, porque já debatemos bastante, tirando agora um ponto ou outro novo, esta proposta de lei, designadamente em sede de comissão e com várias entidades. É pena que não se tenha tirado, talvez, todo o fruto desse trabalho ainda na persistência de algumas soluções que esta lei traz. Assim, queria colocar-lhe seguinte questão: V. Ex.ª sempre defendeu que estas reformas penais isoladas não conduzem a nada e que, para o sistema ter avanços notórios, necessário é que isto seja acompanhado de outras reformas, designadamente do sistema prisional, da execução das penas e várias medidas para-prisionais e para-judiciais na área criminal, que não vejo serem anunciadas nem trazidas, retirando, obviamente, o próprio Código de Processo Penal. Queria saber de V. Ex.ª se ainda mantém esse pensamento, que tinha quando Deputado, ou se agora, como governante, se acomodou a outro tipo de ideia e solução.
A segunda questão consiste em saber da disponibilidade do Governo para, em sede da discussão na especialidade, fazermos aqui um trabalho conjunto de vários diplomas, designadamente de um projecto de lei do PSD que toca já em várias das matérias agora abrangidas por esta proposta de lei e que tem jazido na 1.º Comissão com o argumento dos Deputados do PS de que o Governo estava para apresentar esta proposta de lei. A questão que se põe - designadamente do diploma que lá está, relativo aos cortes de estrada - é se, da parte do Governo, como parece avisado, há disponibilidade para, agora na especialidade, juntarmos esses diplomas e fazermos, então, uma lei, um texto final único de alteração ao Código Penal, não estando aqui com remendos descoordenados numa matéria que se quer harmónica e homogénea.

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São estas duas questões que deixo ao Sr. Ministro para meu esclarecimento e da Câmara.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado, V. Ex.ª e disse que eu vinha aqui, suponho, para uma segunda volta. Ora bem, há quem ganhe à segunda volta, e ganha bem! E depois até fica, muitas vezes, muitos anos! Portanto, não tenha V. Ex.ª nenhum complexo nessa matéria, porque eu não tenho! Há mesmo quem tenha ganho à terceira e até só à quarta volta, e depois ficaram muitos anos, e as suas ideias venceram. Eu não me canso facilmente, Sr. Deputado, apesar de algum peso a mais, mas não vou usar aquela expressão do corredor de fundo, porque já está muito estafada... Mas não me canso facilmente, não fique V. Ex.ª preocupado com isso.

Sr. Deputado, com respeito ao conjunto de reformas, vou dizer-lhe o seguinte: quando esta legislatura terminar (e ainda faltam quase dois anos), V. Ex.ª terá passado os seus olhos e a sua critica, naturalmente sempre acerba, sobre um conjunto de reformas que transformarão completamente todo o sistema em Portugal - o sistema de investigação, o sistema de perseguição e o sistema de julgamento -,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... coisa que VV. Exas. não fizeram e nós aproveitamos para fazer, uma vez que não estava feito.
Portanto, pode ficar descansado, porque matéria de menores, matéria de execução das penas e matéria de processo penal, tudo isso ficará prontinho até ao fim da legislatura, certamente - repito - com as críticas acerbas de V. Ex.ª, mas também com os elogios, porque já os ouvi. A esse propósito pode ficar descansado.
Agora, no que diz respeito à discussão na especialidade, o que vi do PSD foi um projecto de lei pequenino, mas, enfim,...

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Um projecto de lei não se mede pela extensão!

O Orador: - ... isso não se mede aos palmos, que era a reprodução, praticamente ipsis verbis, de propostas que tinham sido contempladas na primeira iniciativa do Governo. E só não digo ipsis verbis porque não sei se faltava uma vírgula ou se tinha um ponto e vírgula a mais!
Portanto, compreenderá V. Ex.ª e que, para nós, propostas dessas, com certeza que serão bem-vindas. São as cópias das nossas!

Risos do PS.

Ó Sr. Deputado, com certeza que são bem-vindas e, na altura própria, cá virei para ler com V. Ex.ª e as nossas e as vossas e verificar que, sendo iguais, estão em condições, naturalmente, de merecerem a aprovação de todos nós.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - E as que não forem iguais?!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, vou ser muito breve, até porque não disponho de muito tempo, mas não quero deixar de salientara capacidade de diálogo que V. Ex.ª manifesta aqui. Desde que seja tudo igual, ipsis verbis, V. Ex.ª está disponível. Esperemos que não exija também o ipsis virgula, porque, se não, ainda é pior!

Mas, Sr. Ministro, este assunto é sério, vamos dar-lhe, se não se importa e não vê inconveniente, seriedade.

Tenho uma intervenção política preparada, onde vou levantar as questões políticas que me parecem pertinentes. No entanto não queria deixar de lhe dizer o seguinte: tenho a sensação de que estamos aqui, talvez não numa segunda volta, mas sim numa reprise, e até talvez numa reprise desnecessária. Talvez este debate pudesse ter sido resolvido e concluído no ano passado!

O Sr. José Magalhães (PS): - Não tivesse chumbado a proposta!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Costa): - Exactamente!

O Sr. José Magalhães (PS): - A culpa é do Sr. Deputado!

O Orador: - Depois da minha intervenção, já vamos ver de quem é a culpa!
Não obstante, não queria deixar de lhe colocar duas questões muito concretas. A primeira tem a ver com o seguinte: divisei na intervenção que V. Ex.ª fez, que, aliás, acompanhou em grande medida a exposição de motivos da proposta de lei, uma preocupação ligada à especial protecção das vítimas indefesas, através da introdução de circunstâncias agravantes da responsabilidade em certos tipos de crimes. Pergunto-lhe, por isso, se não era sistematicamente mais adequado, mais lógico e mais coerente a previsão para este tipo de crimes de um sistema genérico de agravação com o mesmo objectivo.
Em segundo lugar, Sr. Ministro, não lhe venho falar de nenhum aumento de penas, nem dessa espiral de que V. Ex.ª me acusa quando tem razão e quando não tem, mas venho perguntar-lhe se também não acha que, quando há concurso de crimes, quando há reincidência, quando há situações especialmente graves e chocantes - dou-lhe o exemplo que dei aqui no ano passado, já que isto é uma reprise, quando estava muito em foco o crime do «Gang do Multibanco», em que existiu sequestro, violação, roubo, homicídio qualificado, eu sei lá que mais, a que correspondiam penas gravíssimas de 20 mais 20 mais 20 anos, e cujo cúmulo se mantém igual a 20 anos -, não se devia dar algum sentido útil ao cúmulo jurídico e aumentarmos nestes casos a possibilidade de o limite máximo da pena concretamente aplicável, por exemplo, para 30 anos?

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Queiró, estamos em reprise, como V. Ex.ª disse. Estamos em maré de reprise. Diz V. Ex.ª que a proposta de

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lei é uma reprise, ora os 30 anos são uma reprise da reprise da reprise.

O Sr. Ministro dós Assuntos Parlamentares: - Começou em 1970!

O Orador: - Ó Sr. Deputado, já é daqueles «filmes» que a gente às vezes vê - eu vejo com muito prazer -, mas que já estão um bocadinho degradados, a cópia já está degradada,...

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Ministro; responda ao que lhe perguntei, se não se importa!

O Orador: - Estou a responder-lhe? O Sr. Deputado já sabe qual é a minha resposta!

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Não, não sei!

O Orador: - Sabe, sabe! É que o Sr. Deputado continua a falar na pena dos 30 anos! Está agarrado à pena dos 30 anos, não sei porquê!

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Não está, é uma questão de convicção!

O Orador: - Mas não sei porque é que, em vez de 30, não são 40!
Olhe, em relação à proposta do Sr. Deputado, aqui avizinha Espanha tinha um sistema desses e acabou com ele há três anos!

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Está a dizer-me que a minha proposta é o modelo espanhol?!

O Sr. José Magalhães (PS): - Não! Está a chamar-lhe a atenção para o PP espanhol!

O Orador: - Ó Sr. Deputado, o que V. Ex.ª quer já está no Código, agora está é com um máximo de 25 anos, que é a pena relativamente indeterminada! A pena relativamente indeterminada é o mecanismo, aliás, feliz,... Não é só um mecanismo português, porque existe noutros direitos, designadamente no direito austríaco, é precisamente uma pena para fazer face à reincidência grave. Isto está lá! Agora, V. Ex.ª diz «devia ser 30 anos» e está no seu inteiro direito. O que lhe digo é que não é alterando as penas de 25 para 30 anos que vai mudar coisíssima nenhuma, mas V. Ex.ª está convencido de que sim, de que mudaria. Bem, mas isto é um. diálogo de surdos. V. Ex.ª quer que lhe responda, eu vou tentando responder-lhe, mas efectivamente isto é um pouco um diálogo de surdos, porque já andamos nisto dos 25 anos e dos 30 anos há uma data de tempo e é a reprise do costume.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Não é bem, Sr. Ministro!

O Orador: - Em relação às agravantes, devo dizer que não se trata apenas de agravantes. O Sr. Deputado leia com atenção, aliás terá lido, mas não se trata de qualificações agravantes! Não! Bem longe disso! Trata-se de um conjunto de mecanismos que, por um lado, definem melhor o crime, por outro, permitem procedimento criminal mesmo na ausência de queixa e, por outro lado ainda, têm algumas circunstâncias agravantes. Portanto, não se trata, pura e simplesmente, de circunstâncias agravantes.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - São, são!

O Orador: - Ó Sr. Deputado, leia as várias propostas e verá que apenas em um ou dois casos aparecem circunstâncias agravantes, porque, nos outros casos, são mecanismos completamente diferentes que se usam!
Efectivamente, o objectivo é o mesmo, o objectivo é que pensamos que hoje - e, aliás, não estamos isolados nisso, é o pensamento da generalidade da política criminal da União Europeia - há que dar uma protecção mais acentuada às vitimas mais débeis - às mulheres, às crianças, aos idosos, aos deficientes, etc. E V. Ex.ª, certamente, também está de acordo com isto.
Agora, pensamos que nem sempre será da mesma maneira, tem de se usar mecanismos diferentes porventura. Olhe, um deles, que a Sr.ª Deputada Odete Santos já frisou, é o problema dos maus tratos, é o problema do abuso sexual de menores de 12 anos. Não se trata de circunstâncias agravantes, trata-se de saber se, nesses casos, o Ministério Público poderá ou não acusar, independentemente de queixa. É outro mecanismo completamente diferente, não é circunstância agravante nenhuma.
Noutros casos trata-se de uma qualificação mais alargada, que inclua outros comportamentos, trata-se até de tirar em alguns casos, por exemplo no crime de lenocínio, a exigência de que seja para abusar de situação de carência da vítima, o que não permite culpar, nem criminalizar, nem prender ninguém, porque essa circunstância nunca se prova.
Portanto, seguimos aqui, penso com rigor, um conjunto de procedimentos para aperfeiçoar um conjunto de disposições para as tornar mais aptas a essa defesa desses interesses, desses direitos especiais dás vítimas, que nos parecem dever merecer hoje do legislador e desta Assembleia essa especial protecção.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para apresentar o projecto de lei originário do seu partido, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Esta proposta de lei do Governo já teria passado da outra vez, como é óbvio, pelos motivos conhecidos.
E já que tanto se falou no Freud, tenho a sensação de que houve dois membros do Governo que foram ao divã e revelaram ao psiquiatra que só viam auto-estradas, e algum teria visto auto-estradas no estrangeiro cheias de camiões, e, a partir daí, resolveram meter o Sr. Ministro da Justiça numa camisa de onze varas, que foi incluir o corte de estradas na outra malfadada proposta de lei, que V. Ex.ª veio aqui defender, mas, depois, transformou aquilo em legislação penal avulsa, para que, de facto, não desfeasse o Código Penal, que, coitadinho, ficava muito feio com isso.
A proposta de lei, como disse, teria passado, mas penso que até deu tempo ao Governo para amadurecer algumas soluções e eu noto algumas diferenças de sinal positivo entre a primeira proposta de lei e esta.

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De facto, o combate à criminalidade, como o entendemos e dizemos no preâmbulo do nosso diploma, já é possível com o actual Código Penal e já é possível satisfatoriamente.
Aliás, votámos contra as outras alterações ao Código Penal não porque não fizéssemos uma avaliação global positiva, mas porque entendíamos que se estava a brandir a lei penal como uma arma político-partidária de propaganda numa altura própria, que não era correcto e nem se podia fazer uma discussão serena de uma lei penal em tais circunstâncias, porque a lei penal, aliás como a doutrina espanhola, por exemplo, diz, nunca deve ser utilizada como uma arma de propaganda partidária, e que, além do mais, havia outras medidas que deviam ser tomadas na altura com prioridade em relação às alterações do Código Penal, que passavam pela reforma do processo penal e pela reforma do direito penitenciário, por forma a possibilitar-se a reinserção social.
Mas, não obstante as alterações aprovadas, com o nosso voto contra, pelas razões que agora recordei, em 1995 terem um sentido global positivo - e dissemos aquilo em relação ao qual discordávamos -, penso que, de facto, é possível, e será desejável até, e não me assusta nada, que se introduzam agora, a tão pouco tempo de distância, algumas alterações bem ponderadas, que podem ter nascido até do anterior debate.
Portanto, nesse sentido, nós mesmos avançámos com o projecto de lei que está hoje em debate, um projecto de lei que não corresponde a todas as alterações que propusemos em 1994, porque, de qualquer forma, entendemos que a intervenção neste momento no Código Penal se deve limitar ao mínimo e deve ser feita uma intervenção mínima naquilo que é imprescindível, precisamente porque alterámos o Código Penal há muito pouco tempo.
Nós, na parte geral do Código Penal, apenas mexemos no artigo 5.º, também no sentido de alargar a extraterritorialidade. E registo que os reparos que fizemos de outra vez à proposta de lei do Governo em relação à questão deste artigo 5.º, que involuntariamente viria a virar-se contra as mulheres, foram corrigidas agora nesta proposta de lei. Nós, logo no início, fizemos essas reservas, por forma a que, de facto, não se atingisse um resultado contrário ao que se pretendia, porque este alargamento da extraterritorialidade pretende dar mais eficácia ao combate à pedofilia.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Penso que atrás de tudo isto, embora não seja e gostaria aqui de o afirmar - um problema apenas da Região Autónoma da Madeira, a verdade é que é ali que é mais visível, por causa do turismo sexual, e é em relação a esses casos, que, aliás, os Deputados da CDU da Região têm denunciado com bastante veemência, insurgindo-se até com alguma ineficácia e algumas delongas da justiça penal, que merecem melhores armas. A pedofilia sempre, existiu, mas hoje é efectivamente muito mais visível, porque se trata de direitos humanos de crianças, adolescentes e jovens e estes direitos humanos têm vindo a ser reafirmados.
Pensamos, no entanto, tal como consta do nosso projecto de lei - e nesta matéria não estou de acordo com o Sr. Ministro da Justiça nem com a proposta de lei -, que, em relação à questão da instauração do procedimento criminal, a regra deve ser o crime ser público e a excepção deverá ser, quando o interesse da vítima o impuser, o Ministério Público não instaurar o procedimento criminal. Sei quais são as reservas que se fazem à questão de o crime ser público, porque um processo penal é estigmatizante, ou, pelo menos, há riscos de estigmatização da vítima num processo deste género, mas a verdade é que há meios de minorar os riscos de estigmatização.
Por outro lado, se se fixar como regra não ser público e a excepção for a instauração do processo criminal, a verdade é que isso vai contra sentimentos profundos da sociedade, que se insurge contra esse género de crimes, e que a impunidade, essa, estigmatiza toda a sociedade e pode até depois contribuir para, com o laxismo da máquina penal, fomentar essa perversão, que é a pedofilia.
Por isso, parece-me que a proposta que apresentamos para um dos artigos do Código Penal é melhor do que a apresentada pelo Governo. Em relação à questão da idade, dos 16 anos, ela deverá ser ponderada para ver até se, depois, daí não advirão conflitos com outras normas penais. Porém, penso que a proposta apresentada se justifica e merece atenção.
Elegemos para o nosso projecto de lei três áreas, três áreas principais, porque, depois, há também uma outra, relativa aos crimes de discriminação. E, nesta matéria, o Sr. Ministro pode acusar-me de cópia de um artigo, o relativo ao crime de discriminação racial, incluindo a religião, porque aderimos a uma proposta do Governo, mas também o Governo só mais de meio ano depois é que veio apresentar a sua proposta de lei e nós fizemo-lo no fim de Julho.
Como dizia, elegemos três áreas: os crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual, os crimes por ilícitos laborais e o crime que tem a ver com os abusos de liberdade de imprensa.
Começando por este último, para arrumar a questão, por se tratar de um artigo só, há uma norma do Código Penal e o PCP lutou para que ela fosse revogada, em 1995, tendo 0 PS também apresentado uma proposta nesse sentido - que proíbe a prova da verdade dos factos a um jornalista, quando esses factos, que imputa a outra pessoa, constituam crime e não tenha havido condenação. Pensamos que esta norma limita o direito à informação, entrava o exercício da actividade de investigação do jornalista e, consequentemente, deve ser revogada. Uma norma destas poderia levar, já que isto infelizmente tem estado na ordem do dia, a que, se um jornalista descobrisse que determinada pessoa tinha sido bufo da PIDE e tinha contribuído para a prisão e tortura de outras pessoas, ele não pudesse denunciar isso no jornal, mesmo que tivesse provas, porque se tratava de um crime. Ele não podia... Bom, acho que podia, mas, pelo menos, tinha aquela limitação ali na lei. Por isso, o artigo do Código Penal que se refere a esta questão deve ser revogado.

O Sr. Joaquim Sarmento (PS): - O Governo propõe o mesmo!

A Oradora: - Mas aí não pode acusar-me de cópia, Sr. Deputado, porque em 1994 o PCP propôs isso. E não estou a dizer que o Governo não propõe, Sr. Deputado; estou a explicar o projecto de lei do PCP,...

O Sr. José Calçada (PCP): - É óbvio!

A Oradora: - ... como é óbvio. Não estou a criticar o Governo, o Governo propõe isso.
Em relação aos crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual, enquanto o Governo apresenta um maior

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número de propostas, nós limitámos essas propostas de alteração. Limitámo-las em relação às que tínhamos .apresentado em 1994 e reduzimo-las, porque nós temos - e já que a proposta de lei do Governo está na Mesa -, em relação a algumas questões, uma visão um pouco, não totalmente, diferente e que constava das propostas por nós apresentadas em 1994. Penso - e já debatemos isto em sede de comissão - que, antes do chumbo da outra proposta do infeliz chumbo, mas por motivos óbvios -, discutimos isto, mas acho que, de qualquer forma, há outra vez o absorver de um critério de moralidade numa das propostas apresentadas, do qual discordo completamente. É que estes são crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual, pelo que não há razão para sé voltar à classificação de actos atentatórios do pudor. Portanto, em relação a isso, estamos em completo desacordo.
Em relação ainda a essa questão, compreendo o motivo por que se apresentou a proposta, mas também tenho uma maneira de pensar diferente. Penso que o que está mal é a arquitectura do Código - e de outros códigos, em minha opinião -, continuar a estabelecer a diferença entre o crime de coacção sexual e o crime de violação. E a proposta apresentada pelo PCP, em 1994, foi a de crime de coacção sexual com a pena mais grave; que era a do crime de violação, desaparecendo o crime de violação, porque estava no outro, sendo homens e mulheres vítimas, sendo homens e mulheres os agentes. É que, com a proposta apresentada, vai criar-se alguma complicação... Creio que se corre o risco de esvaziar o conceito de «acto sexual de relevo» e que o mais certo seria não conter este capítulo normas especificamente destinadas ás mulheres, porque não é no Código Penal que se faz á discriminação positiva das mulheres e, bem pelo contrário, julgo que pode ser uma discriminação negativa. Mas esta é uma apreciação que, depois, poderemos discutir na especialidade.
Em relação aos abusos sexuais de menores, propomos também alterações, porque as actuais molduras constantes do Código não têm, de facto, justificação. Como é que pode punir-se da mesma maneira, com uma pena até 3 anos, uma pessoa que pratique um acto exibicionista perante um menor e outra pessoa que utilize um menor em pornografia? Foi algo que nunca compreendi,...

O Sr. José Calçada (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - ... mas que está lá! E por mais esforços que se tivessem feito para alterar isso, o mais que se conseguiu foi - porque a utilização de menores em pornografia, segundo a proposta, era punida com uma pena até 1 ano aumentar para 3 anos. Mas, mesmo assim, estão punidas, da mesma maneira, condutas de gravidade diferente. Ora, nesta matéria, propomos uma alteração.
Quero ainda referir-me á questão dos maus tratos, matéria em relação à qual apresentamos uma proposta, mas que se insere na área dos ilícitos penais laborais. Quanto a esta questão, Sr. Ministro, discordo daquilo que V. Ex.ª afirmou, por uma razão: é que maus tratos não são ofensas corporais. Maus tratos são ofensas corporais repetidas. Portanto, dizer que isto são coisas íntimas não me parece ser a visão certa acerca do problema dos maus tratos na família. E, em minha opinião, só não deve ser instaurado procedimento criminal quando o interesse da vitima o exigir. No entanto, Sr. Ministro, creio sinceramente que este interesse da vítima não tem a ver com as coisas íntimas mas com o risco que ela corre de ser morta, se, de facto, houver procedimento criminal. Por isso, nessas situações, admito que o Ministério Público não deduza procedimento criminal. É que esta é uma matéria extremamente delicada. Aliás, a este propósito, lembro-me, muitas vezes, de um filme que vi na televisão sobre um caso real, ocorrido nos Estados Unidos da América, em que foi imposto pelo juiz ao marido o afastamento da casa de morada de família; a mulher, depois, até foi para um centro de atendimento e tudo aquilo acabou comum homicídio. Por
tanto, esta é uma matéria delicada, mas deve consagrar-se, como regra, que se trata de um crime público, salvaguardando a possibilidade de o Ministério Público, ponderando os interesses da vítima, os da protecção da sua integridade física e da sua vida, não instaurar, então, procedimento criminal. _
Quanto aos ilícitos penais laborais, esta é uma matéria em relação á qual o ex-Secretário de Estado Monteiro Fernandes já defendia, em 1968, haver bens jurídicos violados por violação de normas laborais que mereciam a protecção penal. Mas, por outro lado, também estou de acordo com o Sr. Ministro, quando diz - porque isto é um direito de intervenção mínima - que não devemos caminhar para normas que se tornem normas simbólicas, normas que, depois, não sendo aplicadas, são ineficazes e entram em total descrédito. Estou absolutamente de acordo com isso. Mas, nesta questão dos acidentes de trabalho, julgo que a proposta vinda do Governo, incluída nos maus tratos, mas também configurada como um crime de perigo quando crie perigo para a vida, etc., é que corre o risco de se tornar simbólica. De facto, o que mais pode suceder é encontrar-se condutas negligentes e essas não são punidas nos termos da proposta apresentada.
Por isso mesmo e porque estes bens jurídicos são a vida e a saúde dos trabalhadores, eles merecem a tutela penal. Aliás, as propostas apresentadas pelo PCP, nesta matéria, se comparadas com o que consta dos Códigos Penais espanhol e francês, que vão muito, mas muito, mais longe, indo ao ponto de punir o pôr em pisco a estabilidade no emprego, são propostas de intervenção mínima nesta área do direito laborai. É claro que acresce às propostas o que já consta da lei da greve, de criminalização de condutas e, por exemplo, da lei dos salários em atraso.
Por outro lado, julgamos que foi uma proposta importante, surgida já na anterior proposta de lei, a questão da burla cometida contra trabalhadores no trabalho; só não concordamos com a moldura penal. Ou seja, concordamos com os cinco anos; agora, não concordamos, porque já não concordámos no Código anterior, com a substituição da pena de prisão até 5 anos por multa. Isto, por uma razão: é que, na, arquitectura do Código Penal, há alternativa de multa para as penas de prisão até 3 anos. Depois, introduzem-se excepções e, precisamente naqueles crimes cometidos por gente chamada de «colarinho branco», só nesses crimes, é que se vai permitir a alternativa nas penas de prisão até 5 anos.
Ora, a nossa divergência deve-se ao facto de não compreendermos por que é que isso se passa nesses crimes de burla, por que é que se permite a alternativa nas penas de prisão até 5 anos, que nós propomos, retomando a proposta do Governo, mas cerceando-lhe essa parte.
Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Por último, resta falar de uma matéria que também considero muito importante e que consta do

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projecto de lei do PCP, a qual tem a ver com a exploração do trabalho infantil.
O actual Código tem um artigo, o 152.º, em que, com muitíssima dificuldade, poderá encaixar-se a questão da punição da exploração do trabalho infantil. O Código anterior a 1995 era mais exigente nalguns requisitos mas, em 1995, tornou-se este artigo mais impreciso, justamente porque se eliminou a referência a trabalhos inadequados - actualmente, a expressão é, tão-só, «excessivos». Portanto, é muito difícil que no actual artigo 152.º caiba a punição da exploração do trabalho infantil.
É certo que o Governo vem retirar daquele artigo o requisito da subordinação e, fazendo-o, já alarga mais um pouco o enquadramento da punição do trabalho infantil no mesmo.
No entanto, dada a relevância do problema - e ele é tão relevante que, torno a recordar, neste momento, ainda decorre uma marcha internacional contra o trabalho infantil, que teve início em Janeiro deste ano e que chegará a Genebra em Junho -, entendemos que, para os casos em que a punição da exploração do trabalho infantil não caiba no artigo 152.º - e o nosso projecto de lei diz «se pena mais grave não couber por força de outra disposição legal» -,deve prever-se a fórmula, que também propomos no nosso diploma, com uma pena de prisão até 3 anos.
Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: É claro que, como disse quase no início da minha intervenção, o combate á criminalidade passa por outras medidas. Passa por medidas processuais penais, aproximando a sentença do momento da prática do crime - e está já agendada a discussão do Código de Processo Penal -,passa por uma reformulação do direito penitenciário e do sistema prisional, por forma a permitir-se a reinserção social dos condenados.
É que sempre nos insurgimos contra propostas que pretendiam impedir a liberdade condicional nos termos em que o actual Código a prevê porque entendemos que não é dessa maneira que se combate a criminalidade. A criminalidade combate-se melhorando o acompanhamento dos presos, reinserindo-os na sociedade e não «deitando cá para fora» os reclusos, no termo da pena, sem estarem reinseridos, para cometerem outros crimes.
Ficamos, pois, à espera das medidas que ainda faltam para melhorar a segurança dos cidadãos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Castanheira para um pedido de esclarecimento.

O Sr. Ricardo Castanheira (PS): - Sr. Presidente, Sr
Deputada Odete Santos, em primeiro lugar, devo sublinhar que muitas das questões que colocou serão objecto de aprofundamento em sede de especialidade e, obviamente, o Partido Socialista estará empenhado em debatê-las com toda a propriedade.
Mas há uma questão que me suscita algumas dúvidas e, por isso, gostava de vê-las esclarecidas. Essas dúvidas têm a ver com a parte final do projecto de lei, isto é, com o artigo 201.º-B, proposto pelo PCP, relativo à exploração do trabalho infantil.
Não fazendo grandes considerações sobre o que hoje temos sob o ponto de vista penal, isto é, sobre o artigo 152.º e a sua eficácia ou não, não posso deixar de referir que, porventura, apenas criminalizar será pouco. Ou seja, obviamente, este fenómeno tem causas a montante, causas de natureza social, cultural e até cívica, a que importa dar resposta. Nesse sentido, este Governo tem feito algo de considerável do ponto de vista das políticas sociais, nomeadamente através da instituição do rendimento mínimo garantido, da actividade, actualmente muito mais intensa, da Inspecção-Geral do Trabalho, até vocacionada para este fenómeno, e mesmo através dos aumentos dos abonos de família. E muito mais haverá a fazer.
Posto isto, vou colocar-lhe três ou quatro questões relativamente ao projecto do PCP na parte que diz respeito à proposta de criminalizar, com uma moldura penal até 3 anos, o fenómeno do trabalho infantil.
Começo por dizer que penso ser importante a Sr.ª Deputada explicar se poderá ou não haver uma perversidade inerente ao princípio de criminalizar, isto é, se os efeitos dissuasores que se pretende retirar dessa criminalização podem ou não ser perversos e criar uma iniquidade jurídica, como há pouco referia o Sr. Ministro, ou uma situação de mais inflação legislativa para além da que já temos.
Uma segunda questão tem a ver com as palavras da Sr.ª Deputada a certa altura da sua intervenção, quando disse que o PCP entendia que todas as intervenções ou alterações na sistemática do Código Penal deviam ser sempre mínimas e cuidadosas.
Nesse sentido, fazendo uma alteração que é da sistemática do Código Penal, e que o PCP propõe, isto é, aditando um novo artigo, pergunto à Sr.ª Deputada se, porventura, não seria mais interessante fazê-lo através de legislação extravagante, na medida em que este é um fenómeno sujeito a alguma volatilização, à semelhança de outros crimes, nomeadamente contra o ambiente, que estão em legislação extravagante.
Em terceiro lugar, o PCP pretende criminalizar a relação laborai, pretende impor um juízo ético jurídico de censura ao empregador. Sendo dirigido ao empregador, questiono a Sr.ª Deputada no sentido de saber se poderá ou não haver uma interpretação extensiva desta norma no sentido de os pais, portanto, a família, poderem, também eles, vir a ser responsabilizados, do ponto de vista criminal, como cúmplices.
Porque hoje é um dado adquirido que este é um fenómeno que se tem deslocado para o domicílio, termino, questionando a Sr.ª Deputada no sentido de saber até que ponto é que uma norma desta natureza vai ou não dar resposta a este deslocamento de um fenómeno que, obviamente, a todos nós preocupa, e a mim próprio em particular.
Devo dizer que saúdo a iniciativa do PCP nesta matéria porque, quanto mais não seja, debate-se o fenómeno do trabalho infantil em sede parlamentar, que julgo ser uma sede extraordinariamente importante, se não mesmo a principal, para o debater. Por isso, gostava de conhecer as respostas da Sr.ª Deputada e do Partido Comunista Português a estas quatro questões.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos, para responder.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ricardo Castanheira, agradeço as questões colocadas

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que são muito interessantes, teria era agradecido que não tivesse começado pelas questões sociais porque aí, se calhar, temos algumas divergências em relação ao que o Governo tem feito. Isto estava a correr tão bem...

Risos.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Exactamente! Foi mais sincero do que o Governo!

A Oradora: - ... que eu não queria irritar-me...! De facto, não vou falar nessa questão.
Em primeiro lugar, Sr. Deputado, eu não disse que entendia que as intervenções na sistemática do Código Penal deviam ser mínimas mas, isso sim, que aquilo que apresentámos são propostas de intervenção mínima.
Mas ainda bem que falou na sistemática, porque nós entendemos que é preferível fazer um capítulo destacado com os ilícitos laborais, pois pensamos que deve dar-se esse realce à violação de bens jurídicos dos trabalhadores.
Sei que, efectivamente, há quem defenda - e o Prof. Figueiredo Dias assim o defende e defendeu - que, no Código Penal, não deveriam constar os ilícitos penais laborais porque se trata de uma área em que há uma constante variação e que, portanto, não cabe no Código.
Como é óbvio, espero que, um dia, deixe de haver trabalho infantil e, então, a norma deixaria de ser necessária. Não sei é se se conseguirá debelar esse fenómeno assim tão depressa.
Entretanto, não percebi o que o. Sr. Deputado queria dizer quando afirmou que os efeitos dissuasores da criminalização do trabalho infantil poderiam conduzir a uma iniquidade jurídica. Importa-se de explicitar?

O Sr. Ricardo Castanheira (PS): - Referia-me à ineficácia. Isto é perguntava se o princípio de criminalizar é ou não eficaz...

A Oradora: - Ah! Ineficácia! Já percebi: seria iniquidade porque era ineficaz.
Sr. Deputado, na vigência do anterior Governo, quando estava em vigor o artigo 153.º do Código Penal, que, hoje, é o artigo 152.º, que referia não só os trabalhos excessivos mas também os trabalhos inadequados, interpelei frequentemente o Governo no sentido de saber por que é que a Inspecção-Geral de Trabalho levantava autos relativamente às situações em que encontrava menores a trabalhar e não fazia participações criminais. É que me parecia que podiam ser feitas participações criminais, embora ignore se, posteriormente, haveria ou não acusações.
Portanto, não sendo detectados todos os casos de trabalho infantil - e não são - há os que são detectados. Ora, havendo uma lei criminalizadora, logo que se detectem esses casos, faz-se a participação ao Ministério Público.
Para concluir, quanto à questão que colocou de os pais das crianças poderem vir a ser responsabilizados do ponto de vista criminal como cúmplices dos empregadores, respondo-lhe que acho que não, pois, para já, no Direito penal não pode haver interpretações extensivas das normas. Aliás, isso está bem explicado no novo artigo 20l.º-B do nosso projecto de lei: «Quem, por qualquer forma de relação contratual, e em seu proveito. (...)». Ora, entre pais e filhos não há nenhuma relação contratual.

Por outro lado, também devo dizer que, mesmo nós casos em que as famílias têm conhecimento do trabalho infantil, não há comportamentos dolosos por parte dos pais. O que aqui se pune são comportamentos dolosos e, da parte dos pais, salvo casos excepcionais - e admito que existam, porque também há casos de pedofilia -,não há comportamentos dolosos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, interrompemos aqui o debate para procedermos às votações agendadas para hoje.
Em primeiro lugar, vamos proceder à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 112/VII - Estabelece as bases da política de ordenamento do território e do urbanismo...
Verifico que há Srs. Deputados que ainda agora estão a entrar na Sala e agradeço que o façam mais expeditamente. É que a campainha de chamada para as votações está a tocar há já 10 minutos, pelo que, enquanto aguardamos os Srs. Deputados retardatários, peço, mais uma vez, que sejam um pouco mais diligentes e que reajam mais prontamente à chamada.

Pausa.

Srs. Deputados, vamos, então, proceder à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 112/VII - Estabelece as bases da política de ordenamento do território e do urbanismo.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS e do CDS-PP e abstenções do PSD, do PCP e de Os Verdes.

Esta proposta de lei baixa agora à 4.ª Comissão.
Passamos à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 121/VII - Lei de saúde mental.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS e abstenções do PSD, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes.

Esta proposta de lei baixa à 1.ªComissão.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de três pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que serão votados após a respectiva leitura.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Srs. Deputados, a solicitação do Tribunal de Círculo e de Comarca de Matosinhos, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado António Maninho (PS) a prestar depoimento, por escrito, na qualidade de testemunha, no processo n.º 378/96 - 2.º Juízo Criminal que se encontra pendente naquele tribunal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal de Trabalho de Braga,

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a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Amândio Oliveira (PSD) aprestar depoimento, na qualidade de testemunha, em audiência marcada para o dia 20 de Março de 1998, respeitante ao processo n.º 137/97 - 2.º Juízo, que se encontra pendente naquele tribunal..

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Srs. Deputados, a solicitação do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Falcão e Cunha (PSD) a prestar depoimento, por escrito, na qualidade de testemunha, no processo n.º 40 180/90.0 TDLSB que se encontra pendente naquele tribunal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, alguns de vós continuam a entrar na Sala, já depois de terminadas as votações. Peço desculpa por dizê-lo, mas isso não deve continuar a acontecer. Uma das principais funções dê um Deputado, aliás, uma das suas obrigações, é participar nas votações, não é estar a trabalhar no gabinete, o que não é mencionado no Regimento, apesar de o incluir. É que não é possível estar a entrar na Sala «a prestações» -- e continuam a entrar Srs. Deputados! - com as votações já terminadas. Faltaram ao cumprimento de um dever. Lamento muito ter de chamar a vossa atenção para isso.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, V. Ex.1 anunciou, na sequência da aprovação, na generalidade, da proposta de lei n.º 121/VII- Lei de saúde mental, que ela baixaria à l.ª Comissão. Dado o carácter técnico da especialidade; que se nos afigura mais adequado processar-se no âmbito da saúde, pedia a V. Ex.ª que esse diploma baixasse, na especialidade, à Comissão de Saúde e não à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, ontem, fartei-me de ouvir aqui dizer que esta proposta de lei tinha o defeito de ser demasiado justicialista, isto é, de só ter cinco normas relativas a saúde, parece que sem qualquer importância, mas de todas as outras terem uma importância enorme quanto ao problema da defesa dos direitos, liberdades e garantias do doente mental. É, por isso, capaz de estar bem na l.ª Comissão, Sr. Deputado. Mas, enfim, por mim...

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, estamos inteiramente de acordo com as observações que acabou de fazer. Há questões de constitucionalidade e de enquadramento jurídico bastante melindrosas a fazer.
Pela nossa parte, Sr. Presidente, creio que poderíamos adoptar aquilo que temos feito em matérias de conjugação de competências de comissão. Assim, neste caso, quando a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias votar esta proposta, seguramente encontraremos uma forma - e o Sr. Presidente da Comissão tem particular experiência nessa matéria - de nos articularmos com os nossos colegas da Comissão de Saúde. Isto tem funcionado noutras circunstâncias...

O Sr. Presidente: - Qualquer delas podia articular-se com a outra, mas, de facto, ontem, ouvi tantas referências à judicialização desta proposta de lei, Sr. Deputado Carlos Coelho, que ela fica, então, na 1.ª Comissão, tendo esta a incumbência de ouvir a Comissão de Saúde.

O Orador: - Estamos de acordo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Até este momento, continuaram e continuam - a entrar Srs. Deputados. Ainda vão entrar Srs. Deputados? Não pode ser! Peço imensa desculpa, mas votar é um dos deveres dos Deputados, expresso na Constituição; estar no gabinete não é um dever do Deputado, é uma faculdade necessariamente. Peço imensa desculpa mas este sistema tem de ser corrigido. Espero que colaborem com a Mesa nesse sentido.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: É certo que vão longe os tempos em que os grandes Códigos se destinavam a longos períodos de vigência, escapando, durante largo tempo, à tendência inflacionista da produção legislativa.
Porém, também é verdade que, hoje, tende-se a não deixar sedimentar as reformas e a não colher delas a experiência e os resultados que melhor fundamentem e justifiquem alterações, assegurando-se a sua adequação aos novos desafios e exigências que, crescentemente, se colocam.
A grande reforma que os tempos e as mudanças exigiam que se fizesse ao Código de 1982, teve lugar, disso não tenhamos dúvidas, na anterior legislatura.
Tão profunda foi aquela revisão que a exposição de motivos da proposta de lei agora em discussão, que reproduz, aliás, a anterior proposta de lei n.º 80/VII, que o Governo apresentou e foi aqui reprovada, reconhece que «ao Código Penal em vigor pode chamar-se, com inteira propriedade, Código Penal de 1982/95».
É claro que, agora, estamos não perante uma reforma penal, mas face a meras alterações pontuais, com que se pretende dar resposta a situações novas ou agudizadas por agravamentos sociais, que não podem ser ignorados.

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Mas a proposta de lei agora em discussão, versão reduzida da proposta de lei n.º 80/VII, que a Assembleia rejeitou, continua a ter uma «Exposição de motivos» bem mais extensa do que o próprio articulado das alterações que nela se propõem.
Razão tinha o meu ilustre companheiro e amigo, e ilustre Deputado, Prof. Costa Andrade, quando, na discussão da proposta de lei de autorização legislativa que deu lugar à Lei n.º 35/94, ao abrigo da qual foi aprovado o Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, que aprovou o Código Penal, afirmava: «0 tempo do direito intemporal acabou quando, no século passado, se desfizeram as últimas ilusões do jusnaturalismo. Só quando se pensava que o Direito Penal podia ser lido na vontade dos deuses ou escrito na natureza é que se podia pensar que o Direito e o Direito Penal, proclamado uma vez, o era para todos os tempos.
As tarefas que nos incumbem - e esta foi a grande descoberta do direito positivo - são muito mais modestas mas também muito mais gloriosas. Somos agentes e participantes numa estafeta interminável, em que nos limitamos a passar o testemunho. Deixamos um padrão com a marca do nosso próprio tempo e das nossas angústias e esperanças, na certeza e na convicção de que aqueles que hão-de vir farão diferente de nós».
Sr. Ministro da Justiça, permita-me que lembre, nesta oportunidade, que é a própria e a adequada, ter valido a pena a Assembleia da República rejeitar, como rejeitou, a proposta de lei n.º 80/VII, que o Governo, trouxe, na anterior sessão legislativa, a esta Câmara.

O Sr. José Magalhães (PS): - Isso é má consciência!

O Orador: - O Governo e V. Ex.ª perceberam, finalmente, e tardiamente, que nos assistia razão e que era necessário moldar as alterações à lei penal, ao sentir e às preocupações que esta Câmara, na sua representatividade plural, reflecte e que V. Ex.ª e o Governo, apesar do tão apregoado diálogo, ignoraram, então, de todo.
Valeu, pois, a pena chamar o Governo e V. Ex.ª à razão e só lamentamos a falta de abertura, então revelada, pois, teria sido possível, desde logo, adoptar as inovações e melhorias necessárias da lei penal,, retiradas que fossem as medidas taxistas e os mecanismos de esvaziamento de prisões que o Governo pretendia impor.
Saudamos, pois, os resultados que obtivemos e a versão da proposta de lei agora em discussão atesta, conforme passo a enumerar: abandonou-se o alargamento do limite de 6 meses para 1 ano na substituição das penas curtas de prisão; igualmente se abandonou as alterações propostas no âmbito dos pressupostos da suspensão da execução da pena; do mesmo modo, o alargamento do âmbito do instituto da liberdade condicional deixou de constar da proposta de lei agora em discussão; também a possibilidade de ampliação nos casos de dispensa de pena para o limite de 1 ano de prisão foi igualmente retirado.
Igualmente, a alteração que levaria a administração pública central e local a demitir-se das suas responsabilidades em matéria de tutela do ambiente foi retirada desta proposta de lei.
Efectivamente, o crime de poluição, tal qual está actualmente estruturado, impõe aos responsáveis públicos a intervenção e a fiscalização necessárias que, realisticamente, permitem desenvolver a pedagogia indispensável à observância do Direito do Ambiente.

Foi possível, assim, travar a política de desresponsabilização governamental - qual Pilatos -, em matéria de ambiente, que a anterior proposta de lei pretendia consagrar.
Também a famigerada alteração ao artigo 348.º do Código Penal, que consagrava uma total desautorização dos agentes da autoridade e policiais, ou seja, instituía a desobediência consentida e generalizada, deixou de figurar no elenco das alterações ora propostas.
Valeu, pois, a pena obrigar o Governo a repensar e a reformular as suas propostas de alteração da lei penal.
Porém, Sr. Ministro da Justiça, nem tudo o que se contém na proposta de lei, agora em discussão, são rosas (cor e símbolo que lhe são particularmente gratos).
Na verdade, persiste-se em algumas soluções que não são rigorosas e que se afiguram tecnicamente deficientes, inadequadas ou insuficientes.
Assim, não faz sentido que, no âmbito do abuso sexual de adolescentes e dependentes, se deixe de fazer diferença na graduação da pena relativamente àqueles a quem os mesmos tenham sido confiados para educação e assistência.
Manter no artigo 174.º e introduzir agora no artigo 175.º o requisito do abuso da inexperiência de menor vítima, como requisito da existência do crime, e não como mero factor a ponderar na valoração da pena, parece-nos de todo inadequado, quando se quer acentuar o combate à pedofilia.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - De todo incompreensível é manter, no artigo 175.º, uma medida penal mais reduzida para os actos homossexuais de relevo, com menores entre os 14 e os 16 anos, ou para quem leve a tal prática, do que para idêntica prática heterossexual, prevista no artigo 173.º.
Também a previsão da inibição do poder paternal, prevista no artigo 179.º, tem de ser alterada, no sentido de ser possível o seu estabelecimento definitivo ou temporário, mas nunca por período inferior a 2 anos.
A redacção do artigo 240.º, referente à discriminação racial ou religiosa, tem de ser alterada, sob pena de, introduzir-se, em termos excessivamente amplos, o delito de opinião e abrir-se uma porta excessiva à «politização» do crime, que se nos afigura indesejável.
Aliás, a alínea b) do n.º 2 do artigo 240.º tem, como é sabido, uma localização histórica precisa.
Há, pois, todo um trabalho, de especialidade, que tem de ser aprofundado.
Importa ainda lembrar o atraso desta proposta de lei e a situação que se tem criado na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, no sentido de atrasar a apreciação, na especialidade, da proposta de lei do PSD, já aprovada, na generalidade, e que, no essencial, contém tudo quanto se propõe na proposta de lei agora em discussão.
Já que nos foi imposta esta espera e o Governo, mais uma vez, chegou atrasado, ao menos que se assegure agora a discussão de todos os diplomas que envolvem alterações do Código Penal e que se encontram na 1.ª Comissão e os que agora venham a baixar, para que se faça a sua apreciação, conjunta e articuladamente.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Preocupa-nos sobre-

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maneira um discurso tido como oficioso da área governamental da justiça, que, ao contrário do que era a posição do Sr. Deputado José Vera Jardim, imputa, com frequência, os males da justiça ás magistraturas.
Naturalmente, estamos numa área sensível da acção do Estado, em que todos os agentes têm a sua quota-parte de responsabilidades.
Mas, Sr. Ministro, as magistraturas querem-se dignificadas e não podem ser sistematicamente atacadas nem pode assacar-se-lhes os males da justiça.
Faça V. Ex.ª e o seu Governo as reformas que prometeram e proporcionem aos tribunais os meios técnicos e humanos de que carecem, cumprindo, assim, a sua quota-parte na melhoria do sistema.
Não «sacuda o pesado capote» do sistema prisional para cima das magistraturas, que não fizeram ao Pais as promessas que o seu partido e o seu Governo sempre fizeram, de tudo resolverem.
Já se esqueceu da promessa de revisão da legislação prisional, da legislação de execução das penas, da separação dos detidos em regime de prisão preventiva dos que se encontram em cumprimento da pena, de jovens e adultos, de agentes de crime em função da sua natureza e gravidade, das medidas de tratamento dos reclusos de toxicodependentes, da organização e redimensionamento do sistema prisional, da maior protecção e compensação das vítimas, enfim, do mar de rosas da justiça e do eficaz combate á criminalidade?
Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Onde param essas reformas e que é feito das promessas da sua célere apresentação a esta Assembleia?!
Bem pode, pois, V. Ex.ª transformar as suas críticas de ontem, na oposição, em pertinentes autocríticas de hoje, no Governo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado José Magalhães e o Sr. Ministro da Justiça.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, a sua intervenção revela que há uma grande mudança de circunstâncias em relação á reforma penal que levámos a cabo em 1995. E congratulo-me com o facto de podermos estar a discuti-la, hoje e aqui, nestes termos e não noutros, ainda que V. Ex.ª não tenha resistido à tentação de procurar reescrever História e, pelo caminho, proceder a algumas bicadas, suponho que um pouco rotineiras e protocolares mais do que sinceras e causadoras de dano.
O facto de o Governo ter apresentado uma proposta - e o Sr. Ministro terá ocasião de se referir a isso em termos próprios - revela para nós, bancada, que o acompanhamos e apoiamos, primeiro, que não é surdo, segundo, que é atento, e terceiro, que não é rígido e que extrai conclusões políticas dos debates parlamentares que aqui ocorrem, o que é positivo e democrático e contrasta, de facto, com certas regras do passado.
Mas a sua intervenção - e é isso, e só isso, que me leva a usar da palavra - revela também, tudo o indica, que teremos um consenso alargado para fazer esta reforma penal. Isso é muito importante institucionalmente, porque se as divergências do PSD, em matéria de reforma penal, se circunscrevem aos temas que o Sr. Deputado enunciou, diria que são divergências não só de pormenor mas, quase diria, de hiperpormenor, são mini-divergências, que não cavarão seguramente um fosso entre nós, e inteiramente susceptíveis de ser analisadas na especialidade.
Isto marca um contraste enorme com o clima aqui vivido nesta Sala, neste exacto sítio, em 1995, quando foi impossível á bancada parlamentar socialista votar a reforma penal, ao contrário do que muito desejava, por intransigência por parte do Governo do PSD. E, designadamente - verificou-se ulteriormente -,essa reforma, que poderia ter incorporado certas alterações, não só não as incorporou como, em relação a algumas que tinha incorporado, caso do crime de tráfico de influências, não cumpriu, exactamente nos termos em que a Assembleia da República tinha deliberado, aquilo que constava da lei, o que foi francamente lamentável.
O Sr. Deputado disse algo que carece de aclaração - e essa é a segunda razão que me leva a fazer-lhe uma pergunta. Disse que é intenção do PSD - ou é vontade política do PSD ou é proposta política do PSD - que a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias aprove esta reforma em conjunto com outras que estão pendentes na Comissão e que fazem o seu caminho para o Plenário neste exacto momento - suponho que se refere à reforma processual penal, à Lei Orgânica do Ministério Público e a outros diplomas de carácter complementar que estão pendentes.
Porém, soube, ontem, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, o que me deixou estupefacto, pela voz do Sr. Deputado Miguel Macedo, que o PSD entende que a reforma processual penal não deve vigorar no próximo ano judicial e quer uma vacatio legis longa para a reforma processual penai. Fiquei boquiaberto, pois, além do mais, isso contrasta com a pressa que parece decorrer dos termos em que o Sr. Deputado usou da palavra na tribuna.
Em que é que ficamos, Sr. Deputado: pressa ou pousio? Pressa ou pausa? É uma questão de orientação para nós muito importante, porque temos o sentido de que esta reforma é prioritária e mereceria o mais alto empenhamento de todas as bancadas, incluindo, naturalmente, a sua.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, eu é que tenho de adiantar e registar com agrado as sucessivas aproximações que o Governo e o Partido Socialista têm feito às nossas posições, bem como alguma abertura relativamente às críticas que lhes fizemos. Isso revela que, efectivamente, valeu a pena ter levantado essa questão, como eu disse da tubuna, porque o Governo veio com uma proposta mais adequada do que a que tinha trazido anteriormente e o Sr. Deputado revelou aqui algo ainda mais positivo. É que, em relação ás críticas, que ainda mantemos, no que toca a alguns aspectos desta proposta, o Sr. Deputado revela, em nome do seu grupo parlamentar - e espero que neste caso haja sintonia entre o grupo parlamentar e o Governo! -,...

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O Sr. José Magalhães (PS): - Claro que há!

O Orador: - ... abertura para, na comissão, se introduzirem as alterações adequadas.
No que diz respeito ao facto de eu reclamar das reformas que o Sr. Ministro da Justiça prometeu e que constam não só do Programa do Governo mas também de vários documentos de promessa eleitoral do Partido Socialista e a posição do Sr. Deputado Miguel Macedo no que se refere ao Código de Processo Penal, devo dizer que não há nenhuma contradição, bem pelo contrário. Tudo está numa questão de senso. Um problema está na celeridade na aprovação e, quanto mais cedo os diplomas cá chegarem, mais rapidamente os aprovaremos; outro problema é, face a essa aprovação e à extensão dessas reformas, à sua divulgação e à sua informação, em particular pelos sectores da justiça, a legislação, pela sua importância e extensão, ter uma maior ou menor vacatio legis. Esse é que é o problema que se colocou sempre em relação aos grandes códigos, em relação às reformas profundas dos códigos. E temos de saber conciliar esses aspectos.
Portanto, não estou em desacordo com o Sr. Deputado Miguel Macedo, quando chama a atenção para a necessidade de, eventualmente, apressarmos os nossos trabalhos para darmos uma vacado legis adequada e assim não encavalitarmos as coisas. Não vale a pena apressar no lado parlamentar e, depois, não deixar amadurecer o conhecimento e a divulgação pública necessária aos sectores da justiça, em particular, para termos uma execução de uma lei. Que se faça uma lei boa e que se garanta as condições adequadas à sua boa execução.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputados, verifico com agrado que, ao contrário do que costuma dizer a bancada do PSD, estas não são reformas aligeiradas e, pelo menos, uma é profunda, a do Código de Processo Penal.

O Sr. José Magalhães (PS): - Fica na acta!

O Orador: - Fica na acta.
É tão profunda é que o PSD diz que precisamos de bastante tempo para a vacatio legis! Srs. Deputados, vamos conversar sobre isso, mas uma coisa está certa: essa reforma é profunda. Muito obrigado!
No entanto, não era sobre isso que queria interrogá-lo, Sr. Deputado Guilherme Silva. V. Ex.ª, de uma forma sibilina, como, aliás, é próprio de um Deputado como V. Ex.ª que sabe dizer as coisas com alguma cautela, mas deixa nas entrelinhas coisas desagradáveis, veio dizer que o Ministro da Justiça, oficiosamente («oficiosamente» não sei bem o que é!) criticava as magistraturas. Ora, vejam de onde vem esta intervenção: da bancada do PSD que, durante anos a fio, teve um ministro da Justiça que afrontou violentamente as magistraturas judicial e do Ministério Público!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Hoje, que as relações entre o Governo, sector da justiça, e as magistraturas judicial e do Ministério Público estão, como toda a gente diz, pacificadas - e por isso, muitas vezes, sou criticado -,vem V. Ex.ª dizer, repito, sibilinamente, insidiosamente, que, oficiosamente, o Ministério da Justiça critica as magistraturas!
Gostaria de saber o que é que V. Ex.ª entende por actuações oficiosas do Ministério da Justiça e, se alguma vez ouviu da boca do Ministro da Justiça críticas às magistraturas, agradecia que citasse essas declarações, já que a bancada do PSD é tão rica em citações dos membros do Governo que ocuparam lugares na bancada do PS antes de tomarem este mandato.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, estou particularmente satisfeito por ter colocado na minha intervenção esta questão de haver um determinado discurso sobre a justiça, que aparece com frequência na comunicação social e que não é desmentido, designadamente, em grandes títulos de jornais, que, contrariamente ao que acontecia com o Sr. Ministro Laborinho Lúcio que, quando tinha que criticar as magistraturas, o fazia aberta e frontalmente, entra na nossa comunidade como algo oficioso da área governamental da justiça. Foi isso que eu disse e nunca me referi ao Sr. Ministro.
Ora, esta situação é incómoda, Sr. Ministro. Se critica as magistraturas, faça como o Dr. Laborinho Lúcio fazia, ou seja, assuma-o frontalmente; se não critica, e naquilo que estiver ao seu alcance, porque essas informações vêm recheadas de muita informação sobre as situações prisionais, processuais, que é difícil que não tenha qualquer coisa de oficioso do Ministério da Justiça, como essa informação é generalizadamente tida e julgada dessa forma, Sr. Ministro, impeça que isso aconteça, porque as magistraturas são capazes de não ser afectadas na sua dignidade quando criticadas frontal e abertamente, mas, por esta forma, são, efectivamente, afectadas na sua dignidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Parlamento é novamente chamado a pronunciar-se sobre a revisão do Código Penal. E isto quase um ano depois de o mesmíssimo tema ter sido pretexto, nesta Câmara, de uma manifestação governamental de grande firmeza. Estava-se então no tempo em que o Governo ensaiava o remake cavaquista do «deixem-nos trabalhar», quando confrontado com as críticas dos partidos políticos da oposição, dos parceiros sociais e das mais variadas instituições. Em plena fase de cantes quebrar que torcer», tivemos oportunidade de ouvir aqui o Sr. Ministro da Justiça defender com veemência, a propósito da criminalização do corte de estradas, que os atentados à liberdade de circulação não eram eticamente menos reprováveis que as condutas que põem em causa bens patrimoniais.
Ou então, a deliciosa intervenção do Sr. Deputado José Magalhães, insurgindo-se, na mesma linha de raciocínio,

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contra quem pensava - e não éramos nós- que deviam ficar insancionadas condutas que lesavam gravissimamente a ordem pública e que eram insubscritíveis, excepto por anarquistas ou por pessoas que não aceitam as regras mais elementares e que gritam, passo a citar, «Viva Ia Bomba e estatuo-nos nas tintas! Cortem as comunicações! Interrompam as vias! Vale tudo».
Nós não sabemos, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, se vale tudo. Admitimos até que para este Governo não vale efectivamente tudo. Mas vale com certeza abandonar rapidamente, em menos de um ano, convicções e propostas tão veementemente assumidas na sessão legislativa passada.
A pergunta é, então, inteiramente legítima: Os cortes de estrada são, continuam a ser, ou apenas eram, eticamente reprováveis, tão eticamente reprováveis que impediram a viabilização parlamentar da proposta de lei de revisão do Código Penal do Governo?! Ou, que razões levaram então 0 Governo do Partido Socialista a desembaraçar-se tão velozmente do que parecia ser um ponto de honra da sua política criminal? O incómodo da polémica? A aversão á controvérsia? O regresso á bonomia e ao diálogo, agora que estamos apenas a um terço do fim do mandato? Ou simplesmente a necessidade de se desviar de uma questão politicamente mal gerida com a mesma facilidade com que se irá desviar o tráfego para a nova ponte? É que a partir do fim deste mês os utentes da ponte já têm alternativa: quem quer buzina vai para a Ponte 25 de Abril (Viva la Bomba, ou Viva Ia Ponte, como diria o Deputado José Magalhães); quem quer circular, opta pela paisagem mais amena das salinas do Samouco, e já não é preciso criminalizar nada nem ninguém.
E o que dizer do desaparecimento nesta nova versão da regra que condicionava a concessão da liberdade condicional, decorridos 5/6 do cumprimento da pena nos crimes ' mais graves, á apreciação das tendências criminógenas do agente quando novamente em liberdade? Julgo recordar-me que o Sr. Ministro da Justiça chegou a defender que a concessão automática da liberdade condicional nestes casos não se tratava de verdadeira liberdade condicionai, pois a nenhuma condição estava sujeita.
Também a propósito da revisão do Código Penal, temos de falar do problema de afirmação da autoridade dó Estado de que o Governo padece. A afirmação da autoridade do Estado tem sido, aliás, um problema constante deste Governo, que tem calhado á vez a todos os ministérios e respectivos ministros. Calhou ao Ministro João Cravinho, com as greves dos pilotos da TAP; calhou recentemente ao Ministro Veiga Simão, com a vaga de demissões e exonerações nos mais altos postos da hierarquia militar; calhou ainda ontem ao Ministro das Finanças, surpreendido em Cabo Verde com o bater da porta do talvez mais qualificado membro da sua equipa; calha hoje ao Ministro Vera Jardim, com a defesa de uma proposta de revisão do Código Penal amputada das normas que ainda há pouco tempo eram bandeira da acção e da firmeza do Governo.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: É óbvio que o Governo quer mesmo fazer uma revisão do Código Penal, dê lá por onde der, e seja ela qual for. O Sr. Ministro Vera Jardim não resiste á tentação de deixar o seu cunho pessoal, a sua chancela ministerial no Código Penal, nem que para isso tenha de o adaptar e acertar naqueles pontos mais polémicos, ao gosto da circunstância.

Mas a pergunta que nós fazemos é esta: por que é que o Governo não mostrou esta abertura há um ano atrás? Por que é que dramatizou, enfatizou, chantageou, para acabar agora por pura e simplesmente recuar e assim garantir a aprovação da sua proposta de lei?

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Se o tivesse feito logo, já teriam sido consagradas no Código Penal inovações legislativas importantes e positivas - sobretudo aquelas que decorrem das acções comuns aprovadas pela União Europeia - e nós não estaríamos aqui todos a repetir um debate que já poderia estar concluído há muito.
Pela nossa parte, procuraremos contribuir para o aperfeiçoamento do diploma em discussão através da introdução de propostas de alteração na especialidade, que já tivémos oportunidade de exprimir no debate do ano passado. Manteremos á nossa proposta de aumento dos limites máximos das penas aplicadas em concreto para 30 anos, limitada aos casos de reincidência e concurso de crimes e aos demais casos de agravação legal geral que também iremos propor.
No entanto, não se trata, como alguns pretendem, de participar numa qualquer espiral de mais crimes e de mais penas, critica que em absoluto rejeitamos. Aquilo de que se trata é da responsabilidade que sobre nós impende não só de dar resposta penal adequada ao sentimento de insegurança que se continua a viver, em particular nos centros urbanos, como também de conferir tradução legislativa ao efeito de prevenção geral das penas.
Por outro lado, e aproveitando o facto de se ir discutir provavelmente com esta proposta o projecto de lei do PSD sobre o regime da liberdade condicional, revalidaremos as nossas propostas de eliminação da possibilidade de concessão da liberdade condicional com metade da pena cumprida; de aumento dos limites mínimos de cumprimento da pena de prisão para 2/3 ou 5/6, conforme os casos, e de alteração da norma que obriga á concessão automática da liberdade condicional quando estiverem cumpridos 5/6 da pena, que ficará subordinada a requisitos objectivos.
Proporemos, ainda, a eliminação da possibilidade de substituição da pena de prisão por multa em certos casos de protecção jurídica de bens pessoais, bem como a aplicação cumulativa de pena de multa e de prisão noutros casos, retomando a solução anterior à reforma de 1995, e abandonando a visão economicista da justiça penal que esta lhe imprimiu, que inequivocamente rejeitamos.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Proporemos, finalmente, a retoma da natureza de crime público dos crimes de furto simples e de furto de uso de veículo, pois sempre considerámos a solução constante da actual lei uma forma de diminuir artificialmente as estatísticas da criminalidade participada - que, como se sabe, é uma das mais baixas da Europa.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não é demais lembrar que pertencemos a um país elogiado pela criação e desenvolvimento de institutos

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penais alternativos e de doutrina jurídico-penal lida e respeitada internacionalmente. Mas somos também o país da inaplicação das leis penais, da descrença das vitimas na capacidade de resposta do sistema judicial e do pouco temor que ele incute aos criminosos, da morosidade dos processos que, terminando por desistência, amnistia, indulto ou prescrição, geram nele uma economia anómala, e finalmente do subdimensionamento e falta de condições dos estabelecimentos prisionais, incapazes de dar. a adequada concretização prática às finalidades, retributiva e ressocializadora do cumprimento das penas.
É preciso começar a mudar, e o Partido Popular não se exime, como nunca o fez, a dar o seu contributo sério, responsável e empenhado para essa mudança.

Aplausos do CDS-PP

O Sr. Presidente: - Pará uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Antes de mais, queremos saudar o Governo pela iniciativa política consubstanciada na proposta de lei em discussão, que visa alterar alguns dos preceitos do Código Penal. Em 1994, aquando da discussão da proposta de lei de autorização legislativa para alterar o Código Penal de 1982, o Partido Socialista, através do Sr. Deputado Alberto Costa, que aqui quero saudar pelo esclarecimento, coragem e objectividade que então evidenciou, teve oportunidade de fazer um diagnóstico sério e rigoroso sobre os limites e os obstáculos no funcionamento dos dispositivos da resposta penal.
Quer isto dizer que a justiça criminal estava carecida de mudanças mais sérias, profundas e urgentes, que actuam nas fases de investigação, de julgamento, de execução das penas; para que a sociedade, em particular ás vítimas dos crimes, possa aumentar a sua confiança no sistema e acreditar na eficácia da sua intervenção e os cidadãos possam reforçar o sentimento de confiança no Direito.
Tal como então, continuamos a afirmar que não é o simples aperfeiçoamento do texto do Código Penal que, isoladamente, é a medida suficiente para enfrentar os problemas do crime e da segurança na sociedade portuguesa.

Vozes do PS:- Muito bem!

O Orador:- Essa imagem não passaria de uma fraude
política. Isso não faremos!
Durante ano de 1997, deram-se passos decisivos para a melhoria do sistema prisional e da reinserção social, que continuarão em 1998 com a anunciada revisão dos regimes que constituem a base de funcionamento desses sectores e com o esforço da reabilitação e reconstrução da quase totalidade das suas instalações, ultrapassando assim a grave crise com que o Governo foi confrontado a seguir à sua posse.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Das alterações e reformas já apresentadas ou anunciadas, destacam-se as relativas à saúde mental, medicina legal, lei do cheque, identificação criminal, Lei Orgânica do Centro de Estudos Judiciários, Lei Orgânica do Ministério Público e dos Assessores Judiciais e revisão do Código de Processo Penal.

Assim, a presente proposta insere-se numa reforma profunda da justiça que, desde Novembro de 1995, tem estado a ser concretizada nas suas múltiplas vertentes, tendo o Governo vindo a agir com firmeza, sentido de oportunidade e responsabilidade, enfrentando os problemas com soluções inovadoras, claras e eficazes, pesem embora todas as dificuldades políticas que têm sido criadas e são próprias da maioria; relativa de que o PS dispõe nesta, Câmara.
As alterações propostas não são, pois, simples acções sobre o texto, mas, antes, uma acção articulada a favor da qualidade da resposta e da justiça criminal.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Um Código Penal é também a expressão da cultura, de uma comunidade e, normalmente, padrão de uma civilização.
O Código Penal de 1982-1995, como, preferimos designar, é um Código Penal da democracia, cujos fundamentos dogmáticos e político-criminais não são postos em causa com as alterações ora propostas pelo Governo, que visam adequar a política criminal às realidades actuais, nacionais e europeias, embora sem desvirtuar a filosofia humanitária, democrática e progressista do Código Penal de 1982.
Continuamos a pensar - e queremos reafirmá-lo - que não é o simples aumento das penas que contribuirá para um combate mais eficaz contra a criminalidade.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Tem razão, Sr. Deputado!

O Orador: - Continuam, pois, a ser válidos e actuais os princípios consagrados no Código Penal a propósito da problemática da razão e dos fins das penas, que assentam sobre a culpa ética do agente, não negando às penas os fins de expiação, rias exigindo delas também o efeito de ressocialização do delinquente.
Não ignoramos que alguns dos objectivos determinados no Código Penal não foram satisfatoriamente atingidos, para o que decerto terá contribuído a carência de meios, mas não só, diga-se em abono da verdade, já que a tradicional reacção atávica às inovações introduzidas não permitiu também uma diferente praxis executória.
Permitam-me, aliás, que faça aqui uma pequena alusão à questão da preterira benevolência do nosso Direito Penal, para citar, com a devida vénia, o Professor Figueiredo Dias e a referência que ele faz a Montesquieu, que, a tal propósito, disse um dia: «A grande questão que importa resolver para se ter uma justiça produtiva e eficaz hão é a benignidade das leis mas à impunidade dos crimes».

A justa indignação da opinião pública funda-se, sobretudo, e muito justamente, na facilidade com que os arguidos se furtam à acção da justiça e não tanto ria hipotética benevolência das penas aplicadas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ora, o debate que brevemente irá ocorrer nesta Câmara, aquando da discussão da proposta do Governo que altera o Código de Processo Penal, constituirá, por certo, um momento decisivo pára a melhor percepção das posições das diferentes forças políticas quanto a esta importante reforma processual.

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De entre as alterações apresentadas, no âmbito da presente proposta de lei, salientam-se as relativas à protecção dos menores e o combate à pedofilia, as quais se encontram claramente inseridas no contexto europeu de combate a esse flagelo.
A exploração sexual de crianças e o abuso sexual constituem grave violação dos direitos humanos fundamentais, nomeadamente da dignidade humana. Neste domínio, cumpre salientar que a proposta de lei intensifica a defesa da liberdade, designadamente nos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual e nos maus tratos.
A defesa efectiva das crianças e dos seus direitos revela a maturidade das nossas sociedades e, tal como, disse, um dia, Fernando Pessoa, escritor que atravessou os tempos e as fronteiras: «o melhor do mundo são as crianças».
Como sempre defendemos, o bem jurídico que deve ser protegido nos crimes sexuais é a liberdade e não a moral social.
Nesse sentido, é importante o alargamento do conceito de violação agora proposto, por forma a ficarem abrangidos por tal crime situações de violação da liberdade da vítima identicamente intensas e estigmatizantes.
Alteração que também reputamos muito importante tem a ver com o crime de maus tratos infligidos ao cônjuge, ou a quem com ele conviver em condições análogas, no âmbito do qual se permite ao Ministério Público que inicie o processo, independentemente de queixa, quando o interesse da vítima o impuser. Trata-se aqui de defender, efectivamente, as pessoas sujeitas a ofensas reiteradas no âmbito da instituição familiar.
Além destas alterações, permitam-me que refira as seguintes: o alargamento da incriminação nos crimes de tráfico de pessoas e de lenocínio; o alargamento de crimes de coacção sexual através da incriminação, da extorsão de favores sexuais por quem detenha uma posição de autoridade laborai ou funcional relativamente à vítima; o reforço de protecção das crianças e adolescentes contra crimes sexuais; a criminalização autónoma do tráfico de menores de 16 anos destinado à exploração sexual, independentemente dos meios utilizados e da situação de abandono ou necessidade da vítima; o alargamento da incriminação do abuso sexual de crianças, por forma a incluir a exibição e a cedência de fotografias, filmes ou materiais pornográficos em que sejam utilizadas crianças; o alargamento da incriminação do abuso sexual de adolescentes e dependentes, deixando de se exigir que o menor tenha sido confiado ao agente do crime para educação ou assistência; a criminalização do branqueamento dos produtos e dos lucros provenientes dos crimes de lenocínio e tráfico de pessoas e de lenocínio e tráfico de menores.
Saliento também a inclusão de novas circunstâncias referentes a pessoas especialmente indefesas e a graves abusos de autoridade que visam reforçar a tutela da vítima perante formas de exercício ilegítimo de poder.
O Direito Penal legitima-se tanto mais quanto proteja os mais fracos e vulneráveis e limite os abusos dos que dispõem de poder, de força e de supremacia.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A proposta de lei em análise é coerente com as propostas do Partido Socialista, ainda enquanto oposição, bem como com o inscrito nos Estados-Gerais, no Programa Eleitoral do PS e no Programa do Governo.

Esta linha de continuidade é reveladora da honestidade e da coerência de um partido que defende as suas convicções e linhas de actuação, independentemente de ser oposição ou Governo.
Outros assim não procedem. São aqueles para quem as reformas se limitam à mera alteração avulsa de normas legais de diplomas tão importantes, como são os códigos, arvorando-se a si próprios como os grandes arautos de medidas que não tomaram e de alterações que não souberam ou não quiseram implementar; são aqueles para quem o circunstancialismo e a demagogia são a única razão e o objectivo da sua intervenção política.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - São, no fundo, aqueles que continuam a não compreender a realidade actual e que continuam fechados no seu mundo, qual oásis terreno, agora transformado em miragem celestial.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Deputados: A minha intervenção reflecte, sobretudo, uma apreciação sobre o projecto de lei do Partido Comunista Português, mas, por razões que VV. Exas. bem compreenderão, não deixarei de fazer, «preambularmente», quatro considerações motivadas pela discussão que tem estado a haver sobre esta matéria.
A primeira consideração é uma afirmação, a segunda uma rectificação, a terceira uma reclamação e a quarta um repto.
Vamos, primeiro, à afirmação. A afirmação tem a ver com o que aqui foi dito há pouco, designadamente pelo Sr. Deputado José Magalhães e depois confirmado pelo Sr. Ministro da Justiça, quanto ao que se passou há um ano com o Código Penal.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, oferecemos o mérito do que estamos hoje a discutir, porque se nos recordarmos do debate de há um ano atrás e se lermos com atenção a proposta que hoje é aqui sustentada pelo Governo, logo verificamos que só a tentativa - mais uma! - de conseguir uma escalada política que culminasse, porventura, na quimera de umas eleições antecipadas, em que os senhores apostavam na altura, é que determinou uma posição...

O Sr. José Magalhães (PS): - Que imaginação!...

O Orador: - Ó Sr. Deputado José Magalhães, ouça-me!
Como dizia, foi essa tentativa que determinou uma posição de absoluta intransigência e teimosia do Governo em relação ao que aqui foi afirmado e agora vem confirmado pela proposta de lei que nos é trazida à apreciação.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A segunda consideração, a tal rectificação, prende-se com o seguinte: o Sr. Deputado José Magalhães, certamente porque se ausentou da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, após

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o debate que travámos sobre esta matéria, esqueceu-se de referir aqui, em Plenário, qual foi a posição que então adoptei acerca da entrada em vigor do Código de Processo Penal.
Passo, por isso, a recordar ao Sr. Deputado José Magalhães o que na altura defendi.
Primeiro, quis antecipar a discussão, em sede de comissão, do Código de Processo Penal. Como deve estar lembrado, o PSD entendeu propor ao Sr. Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias que essa discussão não tivesse lugar apenas em Maio e, na medida das possibilidades dos calendários, pudesse ser antecipada para Abril. Veja bem, Sr. Deputado!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É bem verdade!

O Orador: - Acrescentei ainda que, estando em causa uma lei adjectiva, lei essa que se aplica de forma complexa a processos pendentes, naturalmente, seria necessário um alargamento da vacatio legis, já que o Sr. Deputado José Magalhães pretendia - foi o que afirmou em comissão - que esta lei estivesse em vigor no início do próximo ano judicial.
Na altura, lembrei ao Sr. Deputado José Magalhães as anteriores posições do PS em relação a leis adjectivas, designadamente uma bem recente, a do Código de Processo Civil. Parecia-me, por isso, impensável que se fizesse entrar em vigor, de supetão, um novo Código de Processo Penal, com as implicações práticas que essa entrada em vigor acarretaria.
A terceira consideração é uma reclamação directa ao Sr. Ministro da Justiça, com toda a simpatia que tenho por V. Ex.ª. Queria recordar que, no início desta legislatura, o Sr. Ministro da Justiça afirmou, solenemente, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias,...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E fê-lo de motu proprio!

O Orador: - ... que sempre que estivessem em causa alterações a códigos, V. Ex.ª teria o cuidado de se deslocar, previamente - de acordo com a postura dialogante, que é apanágio deste Governo -, à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para as discutir.
Todavia, hoje podemos constatar que, mais uma vez, nesta matéria, V. Ex.ª não cumpriu aquilo que, a si próprio, se tinha imposto em relação àquela comissão parlamentar.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, lanço o seguinte repto: jazem na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias dois projectos de lei do Partido Social Democrata, aprovados na generalidade em Plenário, que tratam de três matéria que, como é óbvio, queremos ver discutidas, em sede de especialidade, em simultâneo com esta proposta de lei de alteração ao Código Penal. Aliás, jazem na Comissão com a nossa benevolência, na medida em que, justamente, entendemos que devem esperar pela alteração ao Código Penal!

O Sr. José Magalhães (PS): - E jazem bem!

O Orador: - Exactamente!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não jazem, estão suspensos!

O Orador- - Não estão suspensos, Sr.ª Deputada Odete Santos! Já sei o que a incomoda. É que a Sr.ª Deputada já adivinhou o que vou dizer...

A Sr.ª Odete Santos (PCP) : - O Sr. Deputado não está a perceber o que eu disse, porque não estava lá! O que eu disse dirigia-se ao Sr. Deputado José Magalhães!

O Orador: - Sr.ª Deputada Odete Santos, pensei que ia agora repetir a exclamação que fez há pouco, aliás com muita piada, de que «isto estava a correr tão bem...»!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Apiada do «suspenso» era dirigida ao Sr. Deputado José Magalhães!

O Orador: - Ah, então era muito bem endereçada, particularmente bem endereçada!
Sr. Ministro, é óbvio que, em matérias como as dos cortes de estrada, da liberdade condicional e dos crimes de abusos sobre crianças, queremos discutirem simultâneo, em sede de especialidade, os nossos projectos e a proposta de lei que altera o Código Penal, porque nos parece impensável - aliás, ontem, em comissão, alguns Srs. Deputados do PS concordaram connosco - que sejam introduzidas alterações «a retalho» num código tão importante e tão relevante como é o Código Penal!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A conta-gotas!

O Orador: - Julgo que esse tipo de método legislativo - uma pulverização de alterações ao Código Penal - é para todos indesejável.
Portanto, queremos aqui reafirmar a nossa disponibilidade para, em conjunto com as demais bancadas parlamentares, discutir essas alterações e, em sede de especialidade, tentar encontrar as soluções que, harmoniosamente, possam ser inseridas num texto único que há-de proceder às alterações ao Código Penal.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Feito. este conjunto de considerandos, queria apenas referir, de forma muito breve, porque já não disponho de muito tempo - e o Sr. Presidente, obviamente, corta-me a palavra, como é, aliás, seu dever e direito! - três ou quatro pontos em relação ao projecto de lei do PCP.
Em primeiro lugar, julgo poder encontrar neste projecto de lei do PCP duas tendências que convivem - não sei se pacificamente! - no seio do Partido Comunista,...

Risos da Deputada do PCP Odete Santos.

... em termos de definição da política criminal. E quais são essas duas tendências?
A Sr.ª Deputada Odete Santos tem afirmado, repetidamente - com o brilho e a ênfase que lhe é próprio -,que o Partido Comunista não quer fazer uma proliferação de criminalização, isto é, não pretende, com a criminalização, abranger tudo aquilo que, muitas vezes, é reivindicado neste domínio, antes procura, aliás com a sua formação ilustre como jurista, actuar com alguma contenção nesta matéria.

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Mas a verdade - o que é um pouco contraditório com esta posição de princípio adoptada pelo PCP - é que, muitas vezes, como está expresso neste projecto de lei, sectorialmente, o Partido Comunista não resiste a entrar nesta voragem de criminalização sobre criminalização.
Ora, eu quero dizer que, no conjunto das propostas que o PCP apresenta neste diploma, não há grandes divergências com aquilo que, entretanto, já fomos discutindo e adquirindo dessas discussões em torno de muitas dessas matérias. Em todo o caso, temos uma posição completamente diferente da do PCP, por exemplo em relação aos cortes de estradas, mas é pública essa divergência.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Essa é irremediável!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a mensagem e a intenção desta minha intervenção é no seguinte sentido: creio que o PCP devia fazer um esforço acrescido para resistir à fácil tentação de criminalizar por tudo e mais alguma coisa, e estou a referir-me, como bem sabe, Sr.ª Deputada, a um conjunto de artigos, que são os últimos, que vem inseridos no vosso projecto de lei...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Três artigos! São três artigos!...

O Orador: - Sim, estou a referir-me a esses três artigos que vêm no vosso projecto de lei e que dizem respeito aos ilícitos laborais, não porque duvidemos do bem-intencionado daquilo que vos leva a fazer esta proposta, não porque não nos preocupemos com as situações que aí estão previstas, mas porque entendemos que crescentes alargamentos de criminalização neste domínio concreto podem ser irrealistas, podem não ter nenhuma, conformidade com a realidade em que estamos e podem ser, porventura, temerários passos em frente que, depois, resultam naquilo que há pouco o Sr. Ministro teve oportunidade de referir, ou seja, consagrarmos no Código Penal regras que depois não têm, efectivamente, uma aplicação que se exige a qualquer tipo legal de crime inscrito no Código Penal.
Portanto, Sr.ª Deputada Odete Santos, como sei que V. Ex.ª galinha» naquele grupo de Deputados do PCP que têm grande cautela em relação a este tipo de iniciativa criminalizadora e porque sei que V. Ex.ª resiste bem a fazer do Código Penal, ou de algumas propostas de alteração do Código Penal, bandeira política com que se esgrima partidariamente, tenho a certeza de que vamos conseguir entender-nos em sede de especialidade para fazermos estas alterações de forma realista, sensata e que tenha em conta a realidade da sociedade a que se destina este Código Penal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados José Magalhães e Odete Santos.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Macedo, V. Ex.ª fez um conjunto de observações que quis qualificar como reclamações, rectificações, etc... É seu direito pleno!...

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - E um repto! Não se esqueça do repto!

O Orador: - Sim, e um repto final. Aliás, eu teria gostado até que começasse pelo repto, porque depois não se percebeu bem qual era o repto... Em todo o caso, pela nossa parte, também temos um repto para vos formular e a sério, suponho eu.
Em primeiro lugar, creio que V. Ex.ª carece de uma rectificação da rectificação, porque, verdadeiramente, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias tivemos ocasião de procurar fazer um calendário consensual para a discussão de todos estes temas e se se pode acusar a Comissão e, em particular, a bancada socialista PS e o Governo de alguma coisa, seguramente, não é de querer impor a entrada em vigor de um Código de Processo Penal de supetão; é bem o contrário!
Por isso mesmo, combinámos que haveria um colóquio público com a participação de qualificados especialistas e dos Deputados que quiserem comparecer, naturalmente alguns deles Deputados especialistas -, e procederemos também á audição das entidades mais relevantes nesta área processual penal, incluindo todos os protagonistas relevantes na investigação, os representantes das estruturas que existem neste meio e outros especialistas.
Assim, quando discutimos - e o Sr. Presidente da Comissão, Deputado Alberto Martins teve ocasião de o fazer na sua qualidade específica- um calendário para tudo isto, foi nossa preocupação que isso não acontecesse de supetão. Curiosamente, até a Conferência de Representantes dos Grupos Parlamentares teve ocasião de marcar, na passada semana, para dia 25 de Março a discussão do Código de Processo Penal. E o que é que aconteceu da nossa parte, Sr. Deputado Miguel Macedo? De imediato, transmitimos ao Sr. Presidente da Comissão, que, por sua vez, procedeu à comunicação ao Sr. Presidente da Assembleia da República, que era parecer da Comissão que esta marcação era intempestiva e que deveríamos fazer esse debate só depois de realizado o colóquio preparatório e depois de ouvir o Sr. Ministro.
Assim, Sr. Deputado, depois disto é, no mínimo, injusto utilizar a palavra «supetão» aplicada a esta bancada e ao Governo; queremos tudo menos isso. Portanto, não faz sentido essa acusação, mas tem sentido que discutamos quando é que a reforma deve entrarem vigor e é nesse sentido que nos parece que devemos assegurar a entrada em vigor em condições de cognoscibilidade mas não tarde demais, ou seja, não adiar injustificadamente.
Srs. Deputados, vamos ter ocasião de aprofundar esta questão, mas não se faça nenhum jogo de calendários, nem nenhum empurrar de responsabilidades, sobretudo porque, nesta matéria, creio que a conduta, quer do Presidente da Comissão, quer do Governo, quer da bancada do PS, foi absolutamente impecável e, como sabe, temos capacidade de autocrítica quando nos enganamos em algum ponto.
Em segundo lugar, Sr. Deputado, a metodologia, ela própria, também foi impecável. O Sr. Deputado perguntou por que é que o Sr. Ministro não foi á Comissão antes da discussão desta proposta de lei? Porque, como todos os Srs. Deputados disseram, esta é uma segunda leitura, verdadeiramente. Quantas horas é que nós passámos com o Sr. Ministro, no ano passado, a discutir a primeira versão desta proposta de lei? E, depois, quantas horas é que passámos no Plenário a discutir essa primeira versão, com plena transparência e com conclusões que estão projectadas na «Exposição de motivos» e que foram aqui, de novo, reafirmadas e fundamentadas?

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1644 I SÉRIE - NÚMERO 48

Srs. Deputados, não devemos transformar as comparências do Sr. Ministro da Justiça num ritual repetitivo em que ele, pura e simplesmente, muito gentilmente e com o aplomb que tem, oferece o mérito dos autos. Francamente, nem o tempo dele nem o nosso merece esse tipo de dispêndios.
Por último, Sr. Deputado Miguel Macedo, correcção, realismo e sensatez- foram estas as suas últimas palavras. A correcção, o realismo e a sensatez merecem, em matéria de reforma penal, que saudemos a convergência alargadíssima que há na Câmara para estas reformas, que são importantes - aliás, ainda há pouco ouvi o Sr. Deputado Luís Queiró sublinhar que elas concretizavam, numa parte, acções comuns, o que significa também o alargar do consenso europeu por parte do PP... Ou milagre, ou consenso renovado ou excepção e equívoco, não interessa, mas carregando consenso... É isso, Sr. Deputado; que nos interessa sublinhar e não querelas secundárias ou terciárias.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Miguel Macedo, havendo mais um orador inscrito para lhe pedir esclarecimentos, pergunto se deseja responder já ou no fim.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Respondo já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, só para dizer que, no que respeita ao calendário, julgo que estamos esclarecidos. Aliás, V. Ex.ª teve o particular cuidado de não fazer nenhuma acusação à nossa bancada, que, caso acontecesse, era puramente gratuita nesse domínio, até porque V. Ex.ª sabe bem que este Governo entregou a proposta de lei do Código de Processo Penal praticamente a meio desta sessão legislativa é como não é possível fazer milagres neste tipo de matérias, não é possível «encavalitar» discussões tão sérias e tão importantes quanto esta de forma que não permita à Assembleia discutir com a profundidade que esta matéria merece este tipo de problemas.
Mas, Sr. Deputado José Magalhães, subsiste, de facto, a questão da vacatio legis que V. Ex.ª quer fazer como a grande questão política do Código de Processo Penal.
Não quero perder tempo com essa, questão, mas apenas dizer-lhe que espero que V. Ex.ª, depois de convenientemente desacelerado deste debate, com sensatez e buscando aquilo que foram as vossas posições anteriores sobre as leis adjectivas, cheguem à conclusão daquilo que nós, entretanto, fomos sugerindo, pois nem sequer foi uma proposta: é que temos de ter, obviamente, cuidado com a questão da vacado legis em relação ao Código de Processo Penal.
Portanto, Sr. Deputado José Magalhães, vamos encerrar esta querela, que não é particularmente interessante nem útil, porque é um mero incidente processual.
Em relação à questão da ida do Sr. Ministro à Comissão - aliás, sei que o Sr. Ministro vai sempre com muito gosto à Comissão, o que é uma espécie de salvo conduto para o meu vício de fumar na Comissão porque, obviamente, ninguém pretende tirar esse direito ao Ministro da Justiça e, portanto, é também por essa razão, e por muitas outras, que é com, enorme gosto que vejo o Sr. Ministro da Justiça na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias -, a verdade é que o Sr. Ministro da Justiça, aquando da anterior apresentação da proposta de lei sobre esta matéria,, também não foi à Comissão antes da aprovação da proposta em Conselho de Ministros, foi depois.. É verdade que foi depois, mas não foi antes.

O Sr. José Magalhães (PS): - E qual é a importância?!

O Orador: - Sr. Deputado, isto tem a importância que tem. Contudo, nós temos o vício de ter memória em relação a este tipo de compromissos e só por isso é que chamamos ao Plenário este tipo de matérias.
Já agora, em relação à questão da sensatez, que foi a última que o Sr. Deputado colocou, posso dizer-lhe que essa é uma questão crucial nestas matérias. É que se é verdade que V. Ex.ª hoje pode aplaudir aqui um grande consenso em relação a um conjunto grande de questões colocadas nesta reforma do Código Penal, V. Ex.ª também não deixará de lamentar com a mesma veemência com que nós lamentamos que, entretanto, se tenha perdido um ano para produzirmos um resultado que era, afinal, aquele que nós queríamos que há um ano se tivesse produzido.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Macedo, V. Ex.ª fez uma crítica ao facto de o PCP ter criado, num capítulo novo do Código Penal, três tipos de crimes, um dos quais foi até o Governo que apresentou na outra proposta de lei e nós achámos que era importante - o da burla em relação à contratação de trabalhadores apenas discordávamos da pena alternativa.
Depois, incluímos outros dois tipos de crimes, os relativos aos acidentes de trabalho - e, pelos vistos, V. Ex.ª acha que o, valor da vida dos trabalhadores não impõe...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é isso!

A Oradora: - Ó Sr. Deputado Luís Marques Guedes, é isso! E vou explicar-lhe porquê. Porque os senhores dizem que não vale a pena criminalizar, que isto é excessivo. E, depois, sabe o que acontece? As condutas criminosas contra a vida e a integridade física dos trabalhadores são consideradas normais na sociedade, e depois continuamos sempre na mesma...!
Já agora, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, gostava de ler-lhe algumas das coisas que o Código Penal espanhol criminalizou a respeito do direito do trabalho: a violação do direito à ocupação efectiva; os atentados dolosos à estabilidade no emprego, aí se incluindo a utilização fraudulenta da contratação a termo; a utilização fraudulenta do recibo de quitação; o recurso a contratos simulados ou a empresários fantoches para encobrir à existência de um contrato de trabalho; a transmissão da empresa com o objectivo de defraudar os direitos dos trabalhadores; o tráfico ilegal de mão-de-obra... E há mais..., mas isto chega!
Agora, diga...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não vamos copiar os maus exemplos!

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A Oradora: - ... por que é que o projecto de lei apresentado pelo PCP é excessivo ao propor dois tipos novos de crimes. É excessivo em quê? É que V. Ex.ª, com certeza, não se sentirá muito incomodado quando sabe que há uma em
presa, que, por acaso, se encontra no distrito por onde fui eleita, que sabe que está a causar doenças profissionais aos seus trabalhadores, que sabe disso, repito, porque tal já aconteceu no Brasil com o mesmo sistema de produção, e, no
entanto, não se importa e continua a laborar com o mesmo sistema de produção e os trabalhadores deixam de poder trabalhar, as mulheres principalmente, porque os braços ficam sem força e paralisados. Então, este atentado não é
criminalizável?
Uma pessoa sofre um acidente de viação e a pessoa que conduzia e que atropelou outra é punida por lei e, então, aqui, porque se trata de um trabalhador, já é de espantar que haja crime? Ó Srs. Deputados, francamente, podem dizer o que
quiserem, mas esse é um ângulo muito falso de críticas ao projecto de lei do PCP, até porque consta do Acordo Económico e Social de 1991 que o Governo iria reformular o ilícito criminal laboral. Não fizeram isso, claro, como é óbvio!
Sr. Deputado, pensavam criminalizar o quê? O que é que pensavam criminalizar? Nada! É isso o que tenho de concluir da intervenção do Sr. Deputado Miguel Macedo, até porque também têm na vossa «carteira» - e poderiam tê-lo
usado nos casos detectados -,para reprimir e perseguir aqueles que usam, quer por egoísmo quer para conseguirem maiores lucros, o trabalho infantil, o artigo 153.º do Código Penal e nunca o fizeram.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, ainda bem que acabou antes que eu propusesse a criminalização da violação do Regimento.

Risos.

Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos: A senhora levou muito à letra o que eu disse em relação á proposta do PCP,...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Ah! Era uma metáfora,...
como no filme O carteiro, de Pablo Neruda.

O Orador: - ... porque se V. Ex.ª atentar bem nas minhas palavras iniciais verá que eu disse que até confiava em V. Ex.ª para sustermos aquela tentação fácil de criminalizar vorazmente todo e qualquer tipo de comportamento.
Se V. Ex.ª me vem descrever, com a carga dramática que pôs na sua intervenção, esse tipo de situações, é evidente que a senhora não pode esperar, da minha parte ou da parte de qualquer outro Deputado - sobre isso não tenho qualquer dúvida - uma resposta de condenação em relação a esse tipo de comportamentos. Mas a questão que lhe ponho, na sua qualidade de jurista eminente, é se a resposta do ordenamento jurídico para esse tipo de situações tem de ser inevitavelmente a criminal. Esta é que é a questão e é isso...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas, então, e o valor dos bens violados, o valor da vida dos trabalhadores?! Foi isso o que eu disse!

O Orador: - Como eu dizia, é isso que estamos prontos a avaliar, em sede de especialidade, em relação ao Código Penal. Foi isso o que dissemos desde o princípio!...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Vamos ver!

O Orador: - Agora, o que nós não desconhecemos é que o PCP, nesta matéria de política criminal, é, de facto, um partido que vaia duas velocidade: de um lado, sensatamente, entende que não deve haver uma proliferação excessiva de criminalização por tudo e por nada, mas depois, de repente, em relação a determinado tipo de situações, o PCP dispara no sentido...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Então, isto é por tudo e por nada? Dois tipos de crime é por tudo e por nada?!

O Orador: - Sr.ª Deputada Odete Santos, tenha esperança...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Isso eu tenho!

O Orador: -... que o debate, na especialidade, produza boas soluções no âmbito do Código Penal. Mas vamos fazê-lo com sensatez- foi a isso que aqui apelámos - e, sobretudo, não vamos construir normas no Código Penal que depois, na prática, venham a revelar-se uma inutilidade,...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Como no Código Penal espanhol, que tem normas que os juízes, depois, não aplicam.

O Orador: - ...porque essa inutilidade é, obviamente, grave para a credibilidade das leis e para a aplicabilidade que os cidadãos esperam daquilo que consta do Código Penal.
Foi isso o que nós dissemos, Sr.ª Deputada, e só isso.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais inscrições, creio poder concluir que chegámos ao fim do debate.
A Câmara voltará a reunir amanhã, pelas 10 horas, para apreciação das seguintes propostas de resolução n.os 55/VII - Aprova, para apreciação parlamentar, o Acordo sobre Privilégios e Imunidades assinado entre o Governo da República Portuguesa e a Organização Internacional para as Migrações, assinado em Lisboa, em 22 de Janeiro de 1997, 63/VII - Aprova, para apreciação parlamentar, o Acordo para a criação do Instituto Internacional para a Democracia Eleitoral, assinado em Estocolmo a 27 de Fevereiro de 1996, 66/VII - Aprova, para apreciação parlamentar, o Protocolo de 1998 para a repressão de Actos Ilícitos de Violência nos Aeroportos aos Serviços da Aviação Civil Internacional, Complementar á Convenção para a Repressão de Actos Ilícitos Contra a Segurança da Aviação Civil, adoptada em Montreal a 23 de Setembro de 1978, e 81/VII - Aprova, para apreciação parlamentar e adesão de Portugal, e Acordo que institui o Laboratório Europeu de Biologia Molecular, concluído em Genebra em 10 de Maio de 1973, no âmbito do Acordo Relativo á Criação da Conferência Europeia de Biologia Molecular.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

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1646 I SÉRIE-NÚMERO 48
Eram 19 horas e 20 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Luís Filipe Nascimento Madeira.

Partido Social Democrata (PSD):

Álvaro dos Santos Amaro.
José Augusto Gama.
Luís Carlos David Nobre.
Manuel Castro de Almeida.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Fernando José de Moura e Silva.

Partido Comunista Português (PCP):

Maria Odete dos Santos.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António Bento da Silva Galamba.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Mário Manuel Videira Lopes.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.

Partido Social Democrata (PSD):

António Fernando da Cruz Oliveira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Maria Helena Pereira Nogueira Santo.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.

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