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Quinta-feira, 2 de Abril de 1998 I Série - Número 55

VII LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1997-1998)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 1 DE ABRIL DE 1998

Presidente: Exmo. Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Exmos. Srs.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca

SUMÁRIO

O Sr Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação das propostas de lei n.º 169 e 170/VII, da proposta de resolução n.º 98/VII, dos projectos de lei n.º 511 a 514/VII, da apreciação parlamentar n.º 48/VII, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Em declaração política, o Sr Deputado Lino de Carvalho (PCP) contestou a recente legislação, publicado pelo Governo, relativa ao seguro automóvel e respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs Deputados Francisco Torres (PSD) e José Magalhães (PS).
Procedeu-se ao debate de urgência, requerido por Os Verdes, sobre o Plano Hidrológico Nacional de Espanha, tendo usado da palavra, a diverso título, além da Sr.ª Ministra do Ambiente (Elisa Ferreira), os Srs Deputados Isabel Castro (Os Verdes), Natalina Moura (PS), Joaquim Matias (PCP), Nuno Abecasis (CDS-PP), Teresa Patrício Gouveia (PSD) e Paulo Neves (PS).
O Sr Deputado Carvalho Martins (PSD) acusou o Governo de, nos sucessivos Orçamentos do Estado, não disponibilizar as verbas necessárias para fazer face ao desenvolvimento do distrito de Viana do Castelo.
Ao abrigo do artigo 81.º, n.º 2, do Regimento, o Sr Deputado Mendes Bola (PSD) elogiou o trabalho dos autarcas dos anos 70 e 80 que, sem condições, desempenharam a sua tarefa com abnegação e denunciou muitas injustiças e exercícios abusivos do poder de muitos autarcas actuais.
Foi aprovado o voto n.º 107/VII - De homenagem ao comandante da guerrilha timorense, Konis Santana, e de pesar pelo seu falecimento, apresentado pelo Sr. Deputado Nuno Abecasis (CDS-PP), na qualidade de Presidente da Comissão Eventual para Acompanhamento da Situação em Timor Leste, em relação ao qual intervieram, além daquele orador, os Srs Deputados Manuel Moreira (PSD), José Calçada (PCP), Isabel Castro (Os Verdes) e Acácio Barreiros (PS) No final, a Câmara guardou um minuto de silêncio

Ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 40 a 43 do Diário A proposta de lei n.º 156/VII - Transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva 93/104/CE, do Conselho, de 23 de Novembro, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho, foi discutida na generalidade, tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais (Ribeiro Mendes), os Srs Deputados Odete Santos (PCP), António Rodrigues (PSD), Elisa Damião (PS), Aluno Correia da Silva (CDS-PP), Strecht Ribeiro (PS) e Pedro da Vinha Costa (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 45 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Guimarães Fernandes Dias.
António Manuel Carmo Saleiro.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Júlio Meirinhos Santanas.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Rodrigues Costa de Brito.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Eduarda Bento Alves Ferronha.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Paulo Jorge Lúcio Arsênio.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Paulo Mendes de Sonsa Pinto.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Américo de Sequeira.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Taveira da Silva.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Soares Gomes.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Carlos Eugénio Pereira de Brito.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Domingos Dias Gomes.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.

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Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Manuel Costa Pereira.
José Mendes Bota.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria de Lourdes Lara Teixeira.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguei Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Rui Miguel Gama Vasconcelos Pedrosa de Moura.
Silvio Rui Neves Correia Conçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Joaquim Manuel da Fonseca Matias.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Balão de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Deputado independente:

José Mário de Lemos Damião.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário, vai dar conta dos diplomas, dos requerimentos e das respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: propostas de lei n.ºs 169/VII - Aprova a Lei Eleitoral para a Assembleia da República e 170/VII - Aprova a Lei da Televisão, que baixaram à 1.ª Comissão; proposta de resolução n.º 98/VII - Aprova a Convenção entre a República Portuguesa e a Roménia para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento e o capital e respectivo protocolo assinados em Bucareste, a 16 de Setembro de 1997, que baixou às 2.ª e 5.ª Comissões; projectos de lei n.º 511/VII Proíbe a aplicação de taxas suplementares às comunicações telefónicas (PCP), que baixou às 1.ª e 5.ª Comissões, 512/VII - Lei-quadro da acção social escolar no ensino superior (PCP), que baixou às 6.ª e 11.ª Comissões, 513/VII - Lei-quadro do financiamento e da gestão orçamental e financeira do ensino superior público (PCP), que baixou às 6.ª e 11.ª Comissões, e 514/VII - Elevação da povoação de Almendra, no concelho de Vila Nova de Foz Côa, à categoria de vila (PS), que baixou à 4.ª Comissão; apreciação parlamentar n.º 48/VII - Decreto-Lei n.º 44/98, de 3 de Março, que cria um novo tipo de pagamento especial por conta para os sujeitos passivos do IRC e reduz a taxa do IRC em 2 pontos percentuais (PSD).
Foram apresentados na Mesa os requerimentos seguintes: nas reuniões plenárias de 19 e 20/03/98 - ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulados pelos Srs. Deputados Jovita Matias e José Júlio Ribeiro; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Roleira Marinho; ao Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulado pelo Sr. Deputado Cruz Oliveira; ao Ministério da Saúde, formulados pelos Srs. Deputados

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Costa Pereira e Manuel Alves de Oliveira; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado António Filipe; à Secretaria de Estado das Obras Públicas, formulado pelo Sr. Deputado Américo de Sequeira; à Secretaria de Estado da Administração Pública, formulado pelo Sr. Deputado Rodeia Machado;
Nos dias 24 e 25/03/98 - ao Ministério da Economia, formulado pelo Sr. Deputado Rodeia Machado; ao Ministério do Ambiente e à Câmara Municipal de Setúbal, formulados pela Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia; aos Ministérios da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e do Ambiente, formulado pelo Sr. Deputado Jorge Valente; ao Ministério da Administração Interna e à Secretaria de Estado da Juventude, formulados pela Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: no dia 25/03/98 - Jorge Roque Cunha, Manuela Aguiar e Bernardino Soares; no dia 27/03/98 - Manuela Aguiar, Lino de Carvalho e Maria Celeste Correia.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo anunciou recentemente que os portugueses iriam passar a pagar menos pelo seguro automóvel na componente «danos próprios», o chamado e conhecido seguro contra todos os riscos. Era a «Lei Sócrates».
Entrada em vigor a lei, no passado dia 1 de Março, os portugueses descobrem agora que afinal, ao contrário do que o Governo prometeu, estão a pagar mais - e em alguns casos bem mais! - do que pagavam anteriormente pelo mesmo seguro. É uma nova versão, agora nos seguros, da anunciada baixa de preços nos telefones. Nos telefones, como no seguro automóvel, afinal a baixa é para cima! É uma nova originalidade socialista!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Como todos estaremos recordados, numa manhã de um destes dias fomos acordados pelo Ministro José Sócrates que, nos noticiários das rádios, anunciava ao País a boa nova socialista: os prémios dos seguros automóveis iam baixar! Esperemos que o Governo e o Sr. Primeiro-Ministro em particular venham agora dizer uma de duas coisas: ou que enganaram os portugueses ou, então, que as companhias de seguros estão a violar a lei e que o Governo vai actuar sobre elas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Porque a verdade é que alguém anda a enganar alguém!
O Decreto-Lei n.º 214/97, de 16 de Agosto (a chamada «Lei Sócrates»), dispõe que o valor seguro dos veículos deverá ser automaticamente alterado de acordo com uma tabela de desvalorização periódica e que o respectivo custo do seguro - o prémio - deve ser ajustado à desvalorização da viatura. Mas o que está a acontecer é que, apesar das tabelas de desvalorização, os portugueses que têm contratados seguros com cobertura de danos próprios estão a ser informados pelas companhias dos novos prémios de seguros que, invariavelmente, são mais elevados do que eram antes da lei. Por exemplo, um veículo com um ano de idade sofre uma desvalorização de 24% no seu valor, mas o correspondente prémio não baixa de preço, pelo contrário, até sobe. Isto é, o segurado continua. na prática, a pagar o seguro pelo valor da aquisição em novo. Mas, se entretanto tiver um acidente, o valor da indemnização, em caso de perda total do carro, é o correspondente ao valor desvalorizado da viatura. Para pagar às companhias de seguros os portugueses continuam a pagar um prémio como se a viatura fosse nova na prática; para receber recebem pelo valor desvalorizado. Grande negócio!
Mas há mais! Como as tabelas de desvalorização do capital seguro são mensais e o cálculo do custo do seguro é feito anualmente, o que acontece é que os segurados vão pagando durante o ano o mesmo prémio, enquanto o valor comercial pelo qual a viatura está avaliada pela companhia se desvaloriza todos os meses. Escusado será dizer que, em caso de acidente, o valor pelo qual as companhias de seguros calculam a indemnização é o que decorre da desvalorização mensal.
Então, como é possível que, com a nova lei tão propagandeada pelo Governo, os portugueses ainda paguem mais pelo seguro designado por seguro contra todos os riscos do que com a anterior situação? É simples. Anteriormente, as companhias de seguros não eram obrigadas a proceder à desvalorização automática do valor das viaturas, só o eram no caso do segurado assim o exigir. E, nestes casos, o novo prémio era todo calculado com base no novo valor do carro, o que tinha como consequência a descida do custo do seguro. Agora, a lei - ou ingénua ou propositadamente - permite a existência de duas componentes para o cálculo do preço final do seguro: uma taxa para determinação do prémio de cobertura de danos parciais, que são a maioria, que é calculada sempre com base no valor da viatura em nova e uma outra taxa para determinação do prémio de cobertura de perda total da viatura, que é a única que expressamente a lei determina que seja calculada com base no valor comercial, isto é, tendo em conta a desvalorização da viatura. Como as companhias de seguros não estão a dormir e a lei lhes dá toda a latitude, encontraram aqui a sua «galinha dos ovos de ouro»: a parte mais grossa do custo do seguro (e da taxa de cálculo do prémio) incide sobre o valor da viatura em nova, o que sobra, que é a parcela mais pequena em taxa e em valor, é que vai incidir sobre o valor comercial (desvalorizado) da viatura. Como, simultaneamente, as companhias aproveitam para aumentar os prémios de modo a que a soma das duas parcelas seja superior ao que se passava anteriormente, o resultado é que os seguros, em vez da diminuição anunciada pelo Governo, têm aumentos que, em alguns casos, se traduzem mesmo em aumentos substanciais.
Entretanto, os chamados seguros contra terceiros (os que só cobrem os danos alheios, integrados no conceito de responsabilidade civil obrigatória) também verão a sua situação relativa agravada como consequência da aplicação, por arrastamento. aos seus casos da tabela de desvalorização mensal da viatura, sem sequer terem, nessa modalidade, a possibilidade alternativa de negociar outro valor de indemnização em caso de acidente ou exigirem a correspondente diminuição do custo do seguro.
A consciência por parte das companhias de seguros de que é intolerável este procedimento é tão grande que, em geral, terminam as cartas que estão a mandar aos segurados oferecendo-lhes, despropositadamente, a possibilidade de, mediante o preenchimento de um exaustivo inquérito

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sobre a situação patrimonial e a carteira de seguros do cidadão - tudo isto na mesma carta em que informam da infracção à lei - ficarem habilitados, por exemplo, a viagens à República Dominicana ou a qualquer outro paraíso, desde que, bem embalado, sirva para iludir a manipulação da lei!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É uma evidência que, com os dados disponíveis, as companhias de seguros estão a agir de forma arrogante e concertada, no sentido de tornear a lei. Mas é também evidente que só o fazem porque a própria lei lhes dá essa possibilidade.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Ministro Sócrates, por ingenuidade, incapacidade jurídica ou propositada vontade política, elaborou uma lei prenhe de generalidades, onde as questões concretas e fundamentais para a garantia dos direitos dos consumidores - definição de taxas, componentes do cálculo do prémio de seguro, percentagem obrigatória da diminuição do custo do seguro em correspondência com a tabela de desvalorização da viatura, etc. - foram deixadas para as companhias de seguros. Ou seja, a estas foi entregue «a faca e o queijo»!
O Ministro Sócrates, parafraseando o seu homónimo filósofo, bem pode dizer: «só sei que nada sei! ... » - de seguros, obviamente. E por isso, o Governo meteu-se numa embrulhada onde os principais prejudicados são os consumidores portugueses. Sei que o Ministro é jovem e que tem a ambição de ir longe, mas, Sr. Ministro, quando se meter com as companhias de seguros, segure-se bem, rodeie-se de juristas competentes e isentos e não se preocupe unicamente com os anúncios simpáticos que todos querem ouvir e que é suposto dar votos ao Governo. Porque a verdade é que o Governo enganou os portugueses, que estão agora a pagar mais pelos seguros dos seus automóveis do que anteriormente.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Ministro José Sócrates deve vir ao Parlamento explicar esta embrulhada e, para tanto, já requeremos a sua presença na Comissão de Economia, Finanças e Plano. Mas o Primeiro-Ministro, máximo responsável do Governo, não pode fingir, como é seu costume, que não é nada com ele. Numa matéria desta importância para os consumidores portugueses, o Primeiro-Ministro tem a estrita obrigação de explicar ao País o que se está a passar, de obrigar as companhias de seguros a cumprirem o que foram os objectivos anunciados da lei ou, então, a alterar esta. Caso contrário, é legítimo concluir que tudo isto foi preparado em conjunto entre o Governo e as companhias de seguros - que as intervenções públicas de hoje do Ministro José Sócrates, dando objectivamente cobertura ao comportamento das seguradoras, parece confirmar que o Governo anda a fazer publicidade enganosa.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Encontram-se inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Francisco Torres e José Magalhães.
Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Torres.

O Sr. Francisco Torres (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, estamos naturalmente de acordo com as preocupações aqui suscitadas pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho. É que, em Portugal, o papel da regulação não tem sido cabalmente exercido. E se estamos de acordo com a ideia de regular o sector segurador, deveríamos ter começado por uma clara transparência por parte da entidade de supervisão da actividade seguradora.
Como sabemos, o que aconteceu foi que o presidente do Instituto de Seguros de Portugal era, ao mesmo tempo, empregado de uma companhia de seguros, o que é inadmissível em qualquer país civilizado, em matéria da regulação financeira ou seguradora. Seria impensável que o Governador do Banco de Portugal fosse também empregado de um qualquer banco comercial!
Posto isto, direi que não basta pôr em funcionamento um decreto-lei - neste caso, a «lei Sócrates», o Decreto-Lei n.º 214/97 -, é preciso segui-lo. Esta é, de facto, a diferença entre um país civilizado e um país não civilizado. Não podemos, pelo facto de os monopólios públicos serem transformados em monopólios privados - estamos perante esse facto em matéria de energia, de telecomunicações e por aí fora -, deixar de exercer, e agora com razão acrescida, o papel regulador do Estado. E este não está seguramente a funcionar.
Tememos pela falta de força política do Ministro Sócrates no Governo. Apoiamos as suas iniciativas, mas tememos mesmo que, já noutras matérias, como por exemplo na dos resíduos, onde parece que Portugal não está a cumprir com as directivas que aprovou, o Sr. Ministro Sócrates tenha sido promovido para fora da área onde estava a causar alguns dissabores aos lobbies que pressionam o Governo.
O Governo tem de saber resistir aos lobbies e deixar de fazer negócios com os grandes grupos, tem de ter um papel regulador na sociedade portuguesa. É por isso que estamos solidários com as iniciativas do Ministro Sócrates mas estamos preocupados com a falta de cumprimento dessas mesmas iniciativas.
A iniciativa de o Sr. Deputado perguntar à sua seguradora é reveladora do facto de as seguradoras poderem ainda estar, de certa forma, cartelizadas, e isso preocupa-nos como nos preocupa outros sectores da actividade económica portuguesa. No entanto, penso que a melhor forma de darmos esse apoio ao Ministro Sócrates, que estará sozinho, abandonado no Governo, será a Assembleia da República dar-lhe uma ajuda nesta e noutras matérias.
A título de exemplo, como coordenador do grupo de trabalho que está a estudar as directivas do Programa Auto-oil, devo dizer que convidámos já, hoje, o Ministro Sócrates para uma audição na próxima terça-feira ao meio-dia. Ele estará presente exactamente para defender a sua posição em matéria de aprovação destas directivas.
Por isso, Sr. Deputado, conte sempre com o Grupo Parlamentar do PSD para pugnar pela transparência no exercício dos cargos de regulação e para que essa regulação seja de facto efectiva.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, não poderíamos dedicar mais atenção a uma declaração sobre uma questão que diz respeito a milhões de consumidores, mas nesta matéria, Sr. Deputado, creio que alguma coisa deve ter aconteci-

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do, porque o Decreto-Lei n.º 214/97 é de 16 de Agosto de 1997. O diploma, publicado nessa altura, suscitou generalizado aplauso, e não foi por acaso, Sr. Deputado Lino de Carvalho, mas por ele ser um marco histórico em matéria de responsabilidades.
Nós, os segurados, que estávamos sujeitos aos azares de termos declarado ou não a desvalorização e accionados os mecanismos para não termos de pagar prémios excessivos em relação aos valores das nossas viaturas, passamos, com o novo regime - e passámos todos! -, a ter esse benefício automático. Isto é, evidentemente, uma importante garantia e foi nesse sentido que este decreto-lei, que foi aprovado pelo Conselho de Ministros, que é uma realização governamental, obteve generalizado aplauso. Primeiro, porque garante justiça, prémio proporcionado, prémio verdadeiro, e, segundo, porque sanciona as empresas seguradoras que não façam a actualização, obrigando-as, em caso de sinistro e de não terem feito a actualização, a pagar o veículo pelo montante de novo, o que é, evidentemente, uma importante penalização que visa garantir que a actualização, ou seja a desvalorização, seja feita.
Por outro lado, é um sistema completamente transparente, que não subordina o funcionamento de qualquer das suas componentes, a desinformação dos utentes, a maior capacidade cultural, e, neste sentido, é um sistema com duas virtudes, que todos devíamos aplaudir e que o Sr. Deputado, seguramente, aplaudiu e aplaude. É, pois, por um lado, transparente e, por outro, justo.
O que é que preocupa o Sr. Deputado e a todos? E o cumprimento estrito da lei, e, neste sentido, Sr. Deputado, o Instituto de Seguros de Portugal, o Governo e a Assembleia da República, como é evidente, têm uma missão a desempenhar.
O Sr. Deputado diz que há empresas seguradoras que estão a utilizar elementos de preços, pedindo taxas adicionais. É preciso estar atento a isso, mas uma coisa é certa: o mercado vai, neste aspecto, conduzir à penalização dessas empresas e à vantagem das que assim não procedam. O Sr. Deputado não vai, seguramente, pagar um prémio excessivo e em débito à sua companhia de seguros! Não, pura e simplesmente deita fora o contrato e procura uma outra companhia que o não obrigue a esportular um montante inapropriado e excessivo.
Portanto, confiamos que há na lei mecanismos de autodefesa dos consumidores que estão inteiramente ao seu alcance e que podem funcionar contra protagonistas de mercado que queiram extrair vantagens indevidas.
Sr. Deputado, não está ao nosso alcance operar uma opção de «regulamentarite aguda» nesta matéria, o que está ao nosso alcance é fazer a vigilância adequada.
Em suma, estamos completamente abertos a todas as iniciativas de acompanhamento parlamentar da aplicação desta lei. Mas o Sr. Deputado não requereu a aprovação em sede de fiscalização deste diploma em 1997, pois não? Estava o Sr. Deputado distraído?

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Não!

O Orador: - Foi enganado? Confundiu a matéria?

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sim!

O Orador: - Estava, durante o Verão, a gozar férias justas e não se apercebeu?

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sim!

O Orador: - Não, não lhe faço esta injustiça. O Sr. Deputado viu o diploma. O diploma é um marco histórico, muito positivo e a sua aplicação tem de ser garantida! Esta bancada vai garantir também as iniciativas tendentes a que a lei seja estritamente cumprida. E, se isso acontecer, Sr. Deputado, teremos dado, como foi intenção do Governo, um notável passo na defesa dos consumidores.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Torres, permita-me que comece por responder ao Sr. Deputado José Magalhães.
Sr. Deputado José Magalhães, «o que é que se terá passado entre a data de publicação do diploma e agora?!»... O que se passou, é que a lei só entrou em vigor agora, no dia 1 de Março.

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas está exactamente igual!

O Orador: - Esta lei dependeria da forma - e dissemos isso - como fosse regulamentada e como fossem dadas as instruções internas às companhias de seguros para que estas não pudessem violar o espírito e os objectivos, legítimos e bondosos, com que foi publicada. Acontece que entre 16 de Agosto e agora o Governo nada fez e deixou que o Instituto de Seguros de Portugal - o presidente do conselho de administração saiu de lá agora para ir para o conselho de administração de uma companhia de seguros, Sr. Deputado! - regulamentasse a lei de molde a que as companhias de seguros, neste momento, no momento da aplicação, pudessem fazê-lo eventualmente violando o espírito da lei mas seguramente fazendo com que os segurados, os cidadãos portugueses paguem mais caro do que pagavam anteriormente pelos seguros dos seus automóveis na componente de danos próprios.
O Governo, ao longo destes meses, deveria ter feito o mínimo que se exigia: que acompanhasse a regulamentação, que acompanhasse a definição destas normas internas, que o Instituto de Seguros de Portugal fez mancomunado e conluiado com as companhias de seguros, para dar o resultado que agora está a dar.
Sr. Deputado, o anúncio da nossa intervenção de hoje nesta Assembleia hoje suscitou de tal forma a atenção que estamos a receber no nosso grupo parlamentar - seguramente no vosso também - faxes de cidadãos que, tendo ouvido o debate de hoje de manhã na rádio, travado entre mim próprio e o Ministro Sócrates, estão a enviar faxes a dizer: «é verdade, estou a pagar mais apesar de o carro estar desvalorizado». E isto não acontece só com uma companhia de seguros, mas com várias, Sr. Deputado. Trata-se, pois, de uma acção concertada das companhias de seguros.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, a lei pode estar cheia de boas intenções, mas também está cheia de buracos!

O Sr. José Magalhães (PS): - Quais?

O Orador: - Deixou às companhias de seguros a possibilidade de fixarem as taxas, de fixarem as percentagens

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dos prémios que são calculados para fazer face aos danos próprios e a parcela dos prémios que são calculados para fazer face aos danos parciais nas viaturas e não definiu qual o custo do seguro que devia acompanhar a taxa de desvalorização da viatura, etc., etc., etc. Portanto, as companhias, como não andam a dormir, como sabem muito disto e como não estão aqui para perder, fizeram tabelas de tal modo que, na prática, se estão a traduzir em aumento dos seguros para os segurados.
Sr. Deputado, registo a disponibilidade do PS para acompanhar, em sede parlamentar, o controlo da execução da lei mas era preferível que o Governo, ao longo destes meses, tivesse acompanhado a sua regulamentação para que os resultados não se traduzissem, como estão a traduzir-se, na penalização dos consumidores portugueses, violando as promessas que fez na altura em que a lei foi publicada.
Sr. Deputado Francisco Torres, o que acabei de dizer liga-se a uma questão que referiu: também tenho a sensação, como o Sr. Deputado, de que o Ministro Sócrates é um «cavaleiro andante» cheio de boas intenções, mas, por um lado, é capaz de não estar rodeado de juristas competentes para poder terçar armas com as companhias de seguros e, por outro lado, também não deve ter grandes solidariedades no seio do Governo. A verdade é que, por essa razão ou por outra, os resultados são estes, e preocupam-nos. Nesse sentido, Sr. Deputado, acompanho-o; penso que o Instituto de Seguros de Portugal, como entidade supervisora, está a fazer, de facto, o contrário do que devia fazer: não a acompanhar a regulamentação e a fiscalização da lei, mas a encontrar formas de manipular a lei, de aproveitar os «alçapões», porventura propositados (não sei!) que a lei tem, para não prejudicar os lucros das companhias de seguros e os seus ratios de rentabilidade.
É aqui que entra a questão que o Sr. Deputado referiu relativa aos monopólios públicos ou privados: se as companhias de seguros continuassem a ser empresas públicas, porventura o Governo teria na sua mão outra capacidade, outros instrumentos de intervenção que não existem agora com as companhias privadas. Sei qual vai ser a resposta do Governo: «Srs. Deputados, nós não podemos definir taxas, não podemos definir prémios, isso é o mercado que faz ... ». E, claro, o mercado conluia-se, torna-se oligopolista, e com isto prejudica os consumidores e põe em causa aquilo que parecia ser uma boa intenção inicial. Mas como de boas intenções está o mundo cheio, Sr. Deputado, espero que, no final deste processo, pelo facto de termos trazido aqui esta questão, se alerte o Governo suficientemente para que tome as medidas de forma a que as companhias cumpram a lei ou, no caso de não o fazer, que altere a lei para impedir que os «alçapões» que a lei tem possam, na prática, prejudicar mais os portugueses do que anteriormente. É isto que se exige do Governo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação h Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueiro.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, a interpelação decorre do texto do boletim informativo onde, creio, pode existir algum lapso.
As nossas relações com o país vizinho estão em alta, mas não penso que isso seja suficiente para agendar para este Hemiciclo um debate que ficaria certamente bem nas Cortes Espanholas... Pergunto, pois, ao Sr. Presidente se, eventualmente, não haverá qualquer lapso quanto a irmos debater o Plano Hidrológico Nacional Espanhol.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem lembrado!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não há nenhum lapso. 0 que consta do boletim é exacto e qualquer outra hipótese que não a de darmos cumprimento a este debate de urgência está fora do Regimento, como calcula.
Também para uma interpelação à Mesa, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, gostaria de esclarecer o Sr. Deputado José Junqueiro que na nossa carta consta: «Plano Hidrológico de Espanha, pelas implicações daí resultantes para Portugal». Talvez isso o ajude a situar-se. Mas, dada a presença da Sr.ª Ministra, o Ministério soube situar-se neste debate, felizmente.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, assistem à reunião plenária um grupo de 25 alunos da Escola Secundária Afonso Lopes Vieira, de Leiria, um grupo de 80 alunos da Escola Básica n.º 2, de Elvas, 2.º e 3.º cicios, um grupo de 90 alunos da Escola Secundária D. Sancho I, de Vila Nova de Famalicão, um grupo de 22 alunos da Escola Profissional de Rio Maior, e um grupo de 50 alunos da Escola Secundária Clara de Resende, do Porto. Estes jovens das nossas escolas bem merecem uma ovação muito sincera.

Aplausos gerais, de pé

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar o debate de urgência, requerido pelo Partido Ecologista Os Verdes, sobre o Plano Hidrológico Nacional Espanhol.
Para introduzir o debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Sr.ªs e Srs. Deputados: Com a realização, finalmente, hoje, do debate de urgência, proposto por «Os Verdes» em 26 de Janeiro, retoma a Assembleia da República, no local próprio, o debate sobre uma questão, pelas suas implicações, demasiado importante para que possa ser esquecida, tão pouco silenciada: o Plano Hidrológico de Espanha e a necessidade de um novo convénio. Um Plano para cujas consequências, precisamente em Janeiro, há cinco anos atrás alertámos.
Um Plano cuja discussão iniciámos nesta Câmara, mau grado as acusações que o PSD, então Governo, nos fez: de falta de responsabilidade política, de alarmismo, de excesso, no fundo e tão só, por assumirmos como política uma questão que se alegava técnica e por exigirmos para uma questão de vital e estratégico interesse nacional um acompanhamento, um debate e uma participação até então negados!
Um debate que, afinal, se revelou essencial no processo desencadeado. Envolveu todos os partidos, a opinião pública, rompeu o marasmo, transformando-se numa questão nacional de extrema importância perante os interesses ambientais, sociais e económicos em jogo e que se compreendeu era forçoso saber salvaguardar!

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Um Plano que veio evidenciar o contraste da posição dos dois países face a um dos seus recursos mais valiosos: a água.
A Espanha, um país, com uma política, um plano, uma estratégia! Outro país. Portugal, lamentavelmente sem nenhum deles!
Um Plano que veio ainda evidenciar a extrema fragilidade da posição portuguesa, a ausência de uma política nacional para os recursos hídricos, a falta de uma visão global, integrada e de longo prazo sobre o planeamento e gestão deste precioso bem.
Razões de sobra, pois, julgar-se-ia, Srs. Deputados, para não cruzar os braços e para que com a experiência se tivesse aprendido. Aprendido a prepararmo-nos, não só para lidar diferentemente com um recurso valioso e estratégico para o nosso desenvolvimento, quer presente, quer futuro, e de que não estávamos a cuidar. Mas aprendido, igualmente, a prepararmo-nos para as etapas seguintes das negociações que se avizinhavam com Espanha, e que importava concretizar, através da assinatura de um novo convénio que salvaguardasse os interesses de desenvolvimento sustentado.
Afinal, Sr.ªs e Srs. Deputados, após dois anos e meio de Governo do PS, porque continuamos nós sem uma política, sem um plano, sem uma estratégia, cabe perguntar a um partido tão justamente crítico no passado, tão curiosamente adormecido desde que se sentou no poder? Acaso será a cadeira assim tão confortável?
Como explicar, então, este silêncio? Porque quis o Governo evitar este debate de urgência? Porque se recusa a prestar contas ao País? Porquê o seu embaraço face a esta iniciativa de «Os Verdes», que alegou ser politicamente inoportuna, a que chegou a ameaçar não comparecer, que remeteu para uma audição prévia, à porta fechada e sem jornalistas, dada a natureza reservada da informação que se insinuava iria ser prestada: uma audição marcada pelo desapontamento, que não acrescentou rigorosamente nada ao pouco que se sabia, que só serviu para confirmar e agravar a nossa preocupação inicial.
Afinal, Sra. Ministra, como explica o Governo, que deveria já ter assinado um novo convénio com Espanha a acreditar nas declarações que não se cansou de fazer, que, afinal, da quinta reunião formal luso-ibérica, realizada na passada 5.ª feira, mais não se tenha para anunciar do que, pasme-se, a criação de mais um grupo de trabalho conjunto para elaborar um projecto de convenção sobre o plano hidrológico da Península?
Afinal, Sr.ª Ministra, que fez o Governo durante este longo tempo? Brincou ao faz de conta? Convirá explicar.
Como convirá explicar também aqui, agora e de uma vez por todas, porque, não havendo qualquer problema nas relações com Espanha, que se afirma serem muito cordiais, continua esse país a violar os convénios de 64 e 68, designadamente no tocante aos caudais do Douro, do Tejo e do Guadiana? Porque, sendo sempre tão fecundos os encontros entre as delegações luso-espanholas, eles só produzem grupos de trabalho? Porque, sendo sempre tão abertos e produtivos os contactos com a sua homóloga espanhola, eles se encontram inutilmente fechados, sem que o Governo português tome a iniciativa? Porque, tendo o Governo espanhol assumido o compromisso de consultar previamente Portugal sobre as obras - que continua avulsamente a fazer - e sobre os seus impactos ambientais, persiste, pura e simplesmente, em ignorá-lo. sem que se conheça um protesto português? Porque, sendo os caudais ecológicos uma peça-chave no processo político negocial, para o qual nunca poderá o nosso país aceitar um valor global, insiste o Governo em fechar-se à discussão no Parlamento, alegando tratar-se de uma questão meramente técnica? Uma questão técnica da qual, aliás, têm excluído, é bom sublinhar, a própria comunidade técnico-científica portuguesa!
Razões sem dúvida de inquietação a justificar plenamente a oportunidade deste debate. Inquietação a que se junta agora perplexidade pelas declarações da Sr.ª Ministra feitas à imprensa em 21 de Março.
Declarações em que admite não só dificuldades, que perante os Deputados poucas semanas antes em absoluto tinha negado, mas dificuldades tão sérias que permitiam admitir a própria hipótese de ruptura.
Afinal, Sr.ª Ministra e Srs. Membros do Governo, em que ficamos? Em qual das versões devemos acreditar?
Srs. Deputados, a credibilidade e a capacidade negocial aumentam ou reduzem-se, como é evidente, com a nossa própria capacidade de tomar decisões no nosso país. Como se explica, pois, então, que tenha sido anunciado que os planos de bacia (nomeadamente dos rios internacionais, fundamentais para elaborarmos o nosso próprio plano hidrológico nacional) iriam ser lançados no início de 96 e só tenham arrancado no final de 97? Como se explica que o planeamento e gestão dos nossos rios continue a não ser feito tendo por unidade básica a bacia hidrográfica, contrariando assim todos os princípios internacionais e a própria proposta de directiva-quadro? Como se explica que mesmo em território nacional não sejam assegurados os caudais ecológicos nos rios, como por exemplo hoje no Lima, fragilizando a nossa posição?
Srs. Deputados, a directiva-quadro de água que se aproxima vem seguramente introduzir uma nova ética na utilização dos recursos hídricos e uma partilha ecologicamente sustentada da água. Mas vem implicitamente também aumentar a nossa própria responsabilidade. Estamos, pois, perante questões demasiado sérias para que com elas se possa continuar a brincar.
A água, como o 4.º Congresso, recentemente promovido pela A.P.R.H, tão bem demonstrou, é um recurso estruturante do desenvolvimento. Cabe-nos, pois, defendê-lo.
É tempo, assim, Sr.ª Ministra e Srs. Membros do Governo, de deixarem de navegar em águas turvas. É tempo de transparência. É tempo de acção. E tempo de debate.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natalina Moura.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, Sr.ª Ministra do Ambiente: Quero, antes de mais. saudá-la pelo facto de se ter disponibilizado, aquando da última audição na 4.ª Comissão, em 10 de Março último, sobre esta mesma matéria, em vir, as vezes que esta Câmara entendesse por necessário, falar do Plano Hidrológico Espanhol.

O Sr. Paulo Neves (PS): - Bem lembrado!

A Oradora: - Seja-me permitido começar por citar a arquitecta e Deputada Helena Roseta quando elege como o primeiro dos «10 mandamentos do ambiente» salvar a água. Seja-me permitido, igualmente, estar neste debate partindo do princípio de que todos comungamos da ideia de que a modificação do regime hidrológico dos cursos

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de água é uma das mais importantes acções antropogénicas sobre o ambiente.
Sabem os portugueses que a situação geográfica relativa do território de Portugal na Península Ibérica é aspecto relevante na distribuição dos recursos hídricos nacionais; 64% do território é ocupado por bacias hidrográficas luso-espanholas (Minho, Lima, Douro, Tejo e Guadiana); mas, da globalidade dessas mesmas bacias hidrográficas, apenas 21% delas se situa em território português. Todos sabemos que os rios apresentam regimes não uniformes ao longo do ano, com caudais mensais médios superiores ao caudal anual médio nos meses de Dezembro e Abril, e caudais médios muito baixos nos meses de Julho a Setembro (meses de Verão).
Por força do que atrás se disse, é perfeitamente natural que, em 1993, quando o plano hidrológico espanhol foi tomado público, tivesse havido profunda inquietação nos meios nacionais. Recorde-se que, nessa altura, o governo do PSD afirmou que as preocupações manifestadas pela oposição eram preocupações provenientes de ignorantes, já que o governo dominava em absoluto o assunto e que estava em condições de garantir aos portugueses que os seus interesses estavam salvaguardados.

O Sr. Paulo Neves (PS): - Bem lembrado!

A Oradora: - O mesmo PSD saiu a terreno insurgindo-se contra o Presidente da Câmara Municipal do Porto pelo facto de este ter tido o cuidado de zelar, tal como é sua obrigação, pelos interesses dos portugueses, manifestando-se apreensivo pela ausência de estratégia do governo num campo de tão elevado melindre.

O Sr. Paulo Neves (PS): - Bem lembrado!

A Oradora: - É na sequência desta movimentação política do autarca do norte que a Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais de então, Teresa Patrício Gouveia, vem prestar contas neste Parlamento sobre as negociações relativas ao Plano Hidrológico de Espanha, afirmando, na sessão plenária de 30 de Junho de 1994, que: «o processo negocial está no bom caminho, mas não ignoro que ele encerra grandes dificuldades». E acrescentou: «... ter entendido ser oportuno comunicar as preocupações à comissão europeia, dada a dimensão transfronteiriça dos problemas em questão no espaço da União Europeia». Quem, como nós, tem seguido as negociações por parte do actual Governo e quem, como nós, tem seguido e lido as manifestações da Sr.ª Deputada Teresa Patrício Gouveia, concluiria que, para a Deputada, as dificuldades negociais que sentira como ministra se tinham desvanecido num toque de mágica, tendo, para isso, bastado que os negociadores e protagonistas passassem a ser outros.
Haja bom-senso! Ninguém em seu juízo e sensível ao decoro se permitiria fazer juízos aligeirados a propósito das dificuldades com que se deparam os que hoje conduzem o processo e dão conteúdo a este dossier.
As sensibilidades político-partidárias têm de manifestar-se com as cautelas que, neste particular assunto, se adivinham necessárias, pelas implicações que, quer no plano social, quer no plano jurídico e político, esta matéria impõe.
Não nos permitiremos fazer discursos de suspeição ou de desconfiança quer quanto à qualidade dos negociadores quer quanto à garantia que nos dão de defenderem as legítimas aspirações e interesses dos portugueses.
Sabemos que este Governo tem estado vigilante e actuante. São prova disso as inúmeras reuniões efectuadas, quer reuniões formais, em número de cinco, a última das quais se realizou em 26 do mês transacto, quer reuniões técnicas, em número de sete, quer reuniões cimeiras entre os Governos de Portugal e de Espanha, em número de três, quer ainda reuniões da Comissão dos Rios Internacionais, em número de duas.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Este debate tem o mérito de realçar e salientar, uma vez mais, a importância que o Governo sempre dispensou e sempre dispensará, a este assunto.
Este debate tem o mérito de demonstrar que não tem havido deficiente circulação de informação, mas não se espere que não haja, quando o bom aviso assim o requeira, alguma reserva quanto à informação delicada, a lembrar que os segredos são a alma dos negócios, mormente quando se fazem a bem de Portugal e dos portugueses.

O Sr. Manuel Varges (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Estamos neste debate e dele sairemos com a mesma plena consciência da importância do tema e do significado estratégico da partilha das águas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Matias.

O Sr. Joaquim Matias (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Srs. Deputados: A primeira questão significativa no debate que estamos a travar resulta de. ainda hoje e mais uma vez, se debater o Plano Hidrológico Nacional de Espanha sem nunca termos debatido o nosso próprio Plano Hidrológico Nacional, nem sequer termos definida e aprovada uma política nacional de recursos hídricos.
Estando o nosso país a jusante de três das cinco maiores bacias hidrográficas da Península, das quais é receptor, o que nos beneficia em termos de quantidade, implica, no entanto, que 40 % dos nossos recursos em águas superficiais resultem de caudais e escorrências provenientes de Espanha. Ficamos, assim, expostos às consequências dos regimes e usos que a Espanha faz e virá a fazer em termos de consumo e de degradação da qualidade.
Neste quadro, o Plano Hidrológico Nacional de Espanha tem, naturalmente, implicação directa na quantidade e qualidade dos nossos próprios recursos.
E se é verdade que é pela via diplomática, através de convénios e acordos bilaterais, que os nossos direitos têm de ser assegurados, é igualmente verdade que só com uma correcta inventariação, planificação e gestão dos nossos recursos seremos capazes de determinar esses direitos e assegurar a sua defesa.
Isto é, necessitamos, antes de mais, do nosso Plano Hidrológico Nacional, assente no planeamento e gestão por bacias hidrográficas, de forma descentralizada e participada com representantes do Governo, de autarquias, de utilizadores, da comunidade científica, das organizações não governamentais do ambiente e das populações. Em vez disso, o Governo, ao contrário do que seria correcto, chama a si próprio exclusivamente esta tarefa, optando por uma solução altamente centralizada e governamentalizadora, já hoje abandonada em quase todos os países por se mostrar desadequada para a gestão das bacias hidrográficas.

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Foi a elaboração de um plano hidrológico nacional que o Governo anterior deseurou, mas que este Governo, prosseguindo também aqui uma política idêntica ao anterior, não quis ou não foi capaz de elaborar.
Mais: continua a não existir, ou pelo menos não é do nosso conhecimento que esteja determinado, o significado e o impacto do Plano Hidrológico Espanhol nos nossos recursos em águas superficiais. É inadmissível!
Continuam igualmente por determinar com rigor as causas que levaram à redução dos caudais, nos últimos anos, das três principais bacias - Douro, Tejo e Guadiana em valores que rondam os 20% nas duas primeiras e mais de metade no Guadiana.
Nos rios Minho e Lima espécies piscícolas outrora abundantes, como a lampreia e o salmão, devido ao pouco caudal, escasseiam ou estão mesmo em vias de extinção.
Os caudais mínimos e ecológicos não estão determinados.
Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Srs. Deputados: Face ao avanço registado em Espanha em relação a Portugal neste domínio, o comportamento do Governo deveria ser o de, através de negociações, garantir que a Espanha parasse com transvases ou retenções de água nos rios internacionais, ou, pelo menos, não os fizesse sem um estudo de impacto ambiental que tivesse o acordo do Governo português, enquanto se dessem passos decisivos para a elaboração do nosso próprio Plano Hidrológico Nacional que permitisse com rigor negociar caudais e preparar um novo convénio.
Mas, ao contrário, o Governo não dá notícias de propostas concretas que tenha feito nesse sentido e da sua respectiva aceitação ou não por parte do Governo de Espanha, enquanto as notícias que vão surgindo na imprensa de obras em curso em Espanha não são animadoras para os nossos legítimos interesses.
Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Srs. Deputados: Em Maio de 1995, num debate de urgência a pedido do PS sobre o Plano Hidrológico Espanhol e as implicações da sua articulação com o planeamento hidrológico nacional, o então Deputado José Sócrates, em nome do Grupo Parlamentar do PS, na abertura do debate, acusava justamente o Governo do PSD «por não ter nem orientação nem estratégia definidas» e por «nunca ter estado à altura das circunstâncias». Dizia ainda que «no que se refere ao planeamento e gestão dos recursos hídricos, Portugal andou a dormir», concluindo pela «confusão, desnorte e impossibilidade que reina no Governo a propósito desta matéria».
Pouco depois, o PS passava a ser Governo e a questão legítima que se coloca, passados dois anos e meio de governação, é a de saber por que é que o Governo do Engenheiro Guterres não tem nesta matéria o comportamento que preconizava enquanto oposição.
Face à situação que permanece idêntica à de 1995, não vamos ver, certamente, o Grupo Parlamentar do PS mudar de opinião relativamente ao Governo. Ou será que vamos!?

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não estou dentro dos negócios e, por isso, não posso dizer a esta Assembleia se, de facto, o segredo é a alma do negócio. Seria bom que assim fosse, mas os factos não nos levam a essa convicção.
Este problema é antigo. Em 1994 - e não foi a primeira vez que o fez -, o Professor Adriano Moreira apresentou aqui um projecto de resolução. A sua preocupação era enorme, porque tinha conhecimento de que, de facto, o Plano Hidrológico Espanhol avançava e já se falava nos transvases e na gestão integrada de todos os recursos hídricos em Espanha.
Em Portugal havia técnicos e opiniões, tal como hoje há técnicos e opiniões. mas não há uma política, nem um consenso, nem sabemos o que fazer com a nossa água e permitimo-nos discutir o que os outros fazem com a deles. É isso que é dramático.
Ainda há pouco dias tivemos uma triste notícia sobre como, em Portugal, se trata este problema das águas. Refiro-me ao celebrado rio Trancão, que, afinal, não vai estar despoluído na EXPO 98, com consequências para nós, certamente, mas também com consequências internacionais.
Srs. Deputados, curiosamente, parece que estamos no jogo do agarra, parece que somos todos umas crianças: umas vezes uns estão no «coito» e outros andam a fugir. Em 1995 era o PSD que fugia e o PS que o queria agarrar; mudaram-se as posições e agora estamos exactamente na situação contrária. Mas, francamente, para o meu partido e para os portugueses isto não é consolação alguma. Não é consolação alguma, porque, ainda agora, o Sr. Deputado José Junqueiro perguntava se a Assembleia ia discutir o Plano Hidrológico Espanhol. Srs. Deputados, a verdade é esta: se queremos discutir algum plano hidrológico, discutamos o de Espanha porque não há outro.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Ao menos para ver se aprendemos alguma coisa com eles, porque continuamos exactamente na mesma!
Provavelmente a Sr.ª Ministra estará nas mesmas condições em que estiveram os ministros anteriores, agora não sei qual é a paralisia que impede este país, com técnicos reputados na área da hidráulica, reconhecidos em todo o mundo, de fazer. de uma vez por todas, um estudo como deve ser sobre o aproveitamento das suas águas, principalmente sabendo-se, como se sabe, que este não é um problema de somenos, é um problema que condiciona o ambiente, que condiciona a utilização de energia, que condiciona a água potável e que condiciona a nossa própria vida. E continuamos a viver num mundo de atentados diários a todos os nossos recursos hídricos, tanto os superficiais como os profundos. Pode dizer-se que todos os nossos recursos hídricos estão em risco.
E vamos ouvindo os vários governos que se sucedem uns aos outros dizer que estamos próximos de atingir o objectivo do tratamento dos resíduos sólidos, dos resíduos líquidos, disto, daquilo e daqueloutro, mas esse horizonte vai-se afastando. Quanto mais nos aproximamos dele, mais para longe ele vai. Continuamos a investir milhões e milhões, mas os resultados continuam a não aparecer. Deve haver uma trágica sina que caiu sobre este país!
Foi por isso, com certeza, que, já um bocado desesperado, o Professor Adriano Moreira apresentou aqui um projecto de resolução, que, tanto quanto sei, foi aprovado por unanimidade, e que pedia que a Assembleia da Repú-

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blica criasse um grupo de trabalho para fazer um levantamento para ver se começávamos a trabalhar,...

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - ... porque, Srs. Deputados, os outros podem fazer ou não, mas nós fomos eleitos pelo povo português para velarmos pelos seus interesses e, por isso, somos os últimos responsáveis.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - E estamos aqui fazendo debates sobre debates, ano após ano, sabendo todos nós, mesmo quando defendemos o que é indefensável, que as coisas continuam na mesma e que não podem adiar-se eternamente.
A água, Srs. Deputados, degrada-se; a água pode ser contaminada irremediavelmente; a água pode deixar de correr nos nossos rios, porque fomos desleixados e os outros foram as «formigas», trataram da sua vida, e, depois, pouco resta à «cigarra» vir chorar, porque não tem água, morre de sede, porque os outros trabalharam para a ter e para a cultivar.
É isto, Srs. Deputados, que me leva a fazer um apelo a esta Assembleia: foi aprovado, por unanimidade, tanto quanto me lembro, este projecto de resolução. Então, que esta Assembleia, através da Comissão competente, tome a responsabilidade de fazer o levantamento desta situação. Tomemos nós consciência do que se está a passar, não pelo que nos dizem, mas pelo que vamos ver, e façamos o que for necessário para que, finalmente, os técnicos, em Portugal, tenham as condições para trabalharem sobre esta área e demonstrarem o que valem, enquanto é tempo de podermos pensar em ter água, porque, se as coisas continuarem assim e se eu não estivesse no Parlamento português mas no Parlamento espanhol, diria: «os portugueses que se governem, porque nós, espanhóis, não vamos morrer de sede». A justiça também é para fazer isso, a justiça é para castigar aqueles que não tratam de si próprios.

Aplausos do CDS-PP.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Manuel Alegre.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Patrício Gouveia.

A Sr.ª Teresa Patrício Gouveia (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Srs. Deputados: Aqui estamos, enfim, no Plenário, para um debate sobre o Plano Hidrológico Espanhol e as suas implicações em Portugal.
Lamentamos que, para que tal acontecesse, se tivesse de passar por tão lamentável peripécia, que consistiu em o Governo, para contornar uma situação para si, obviamente, desconfortável, tivesse recorrido ao estratagema de declarar ao Parlamento que existiam razões de Estado para não se confrontar com um debate sobre uma questão de manifesto interesse vital para o País.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Não foi isso que disse!

A Oradora: - Afinal, como se constatou, essas razões não existiam. Pura e simplesmente, o Governo queria fugir a prestar contas em público. Foi um triste episódio!
Mas passemos agora, à substância. Tínhamos razão na nossa convicção de que o processo negocial estava paralisado. Confirmámos que, desde há mais de um ano e até que o assunto tivesse sido suscitado há poucas semanas, quer pelo Partido Ecologista Os Verdes, quer pelo PSD, nas suas iniciativas públicas, nenhum progresso substancial e concreto se tinha verificado.
Tê-lo suscitado já terá, portanto, valido a pena. Lamentamos que tenha sido necessário que a oposição tivesse tocado o alarme, chamando a atenção do Governo para o abandono deste processo durante um ano e meio e que este ano e meio se tenha perdido.
É sabido que Espanha continua a realizar projectos hidráulicos no seu território. O processo de planeamento, venha a sua designação final a chamar-se Plano Hidrológico Nacional de Espanha ou tenha outra qualquer designação, vai sendo paulatinamente concretizado, ao arrepio de qualquer articulação com Portugal.
A aprovação dos planos de bacia vai sendo concretizada, ignorando as reclamações, em devido tempo, feitas por Portugal, e o alargamento da área de regadio vai alastrando.
Cada dia que passa, haverá, portanto, menos para negociar e a situação de referência vais-se alterando, retirando-nos espaço negocial.
Das declarações do Governo, há dias, na Comissão Parlamentar, continuámos, aliás, sem saber que parte teve Portugal na realização da avaliação do impacto ambiental daqueles projectos, tal como está definida na legislação europeia e nos próprios compromissos que foram assumidos neste sentido pelo Estado espanhol na Cimeira de 1994.
Ficámos a saber, sim,...

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - No tempo do PSD não se sabia nada!

A Oradora: - ... o número de cimeiras, o número de reuniões técnicas, o número de reuniões formais, até sabemos das 15 cartas escritas entre as titulares dos Ministérios do Ambiente, no entanto, sobre o cerne da negociação - as propostas quantificadas feitas por Portugal - desses números o Governo não nos conseguiu falar, dizendo que o assunto é complexo e técnico.
Se Portugal faz uma proposta quantificada, que se situa, no caso do Guadiana, por exemplo, no limiar mínimo de viabilização do Alqueva, e o governo espanhol, há quase um ano, vem contornando esta proposta, continuaremos a dizer que não é um problema técnico, é uma questão política, cuja leitura política o Governo tem de enfrentar e ponderar seriamente nas suas consequências.
É aqui que reside o cerne das dificuldades negociais. É na discussão das quantidades, e não tanto nos princípios, que reside a possibilidade de haver, ou não haver, um bom convénio entre Portugal e Espanha.

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Congratulamo-nos pelas notícias vindas a lume de que, de novo, as duas partes se sentaram à mesa. É bom! Estamos satisfeitos com isso! Embora não tenham entrado ainda em questões que não sejam as tais que, segundo a Sr.ª Ministra diz, podem ser resolvidas com três ou quatro frases de boa negociação.

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Dizer, como foi dito há dias, que não se podem prever quaisquer prazos para o acordo, quando Espanha avança na obra e no planeamento, não é aceitável. E, se por absurdo, Espanha concluísse no terreno e nos planos parciais tudo o que tem previsto, sem nunca lhe chamar Plano Hidrológico de Espanha? Ou, por outras palavras, o que haveria para negociar em termos quantitativos - sublinho - daqui a dois ou três anos?

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Bem lembrado!

A Oradora: - Dizer, como ouvimos há dias, depois de tudo o que sabemos sobre o que está em curso no planeamento do país vizinho, que não nos apoquentemos porque Espanha nos prometeu não aprovar o Plano Hidrológico Espanhol sem nos consultar é de nos deixar arrepiados de preocupação.

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Congratulamo-nos, pois, que, mesmo num movimento reactivo às pressões da oposição, o Governo tenha, finalmente, tido um assomo de firmeza e que tenhamos as duas partes de novo sentadas à mesa das negociações, mesmo que seja, neste momento, apenas para se discutir o articulado jurídico.
Esta é uma questão nacional. Da sua boa resolução dependem as possibilidades de desenvolvimento do País, não tanto hoje, mas no futuro. É que não se trata de acautelar as necessidades de hoje, mas de garantir que, no futuro, Portugal possa manter abertas possibilidades de tomar opções de desenvolvimento que não estejam limitadas às necessidades do presente. Esta é uma questão estratégica. Não a vemos, nunca a veremos - afirmei-o desde o primeiro dia -, como um instrumento de combate político-partidário.
Falo por mim e pela minha bancada, mas estou certa de ser, neste ponto, acompanhada por todos os que aqui estão, quando digo que queremos, pelo menos tanto como o Governo, que Portugal consiga obter um bom acordo que seja razoável, mas que seja justo e equitativo.
Assim, acompanharemos este assunto de perto e de forma construtiva. Não exigiremos nada que saibamos ser irrealista. Queremos é que o Governo faça tudo o que está ao seu alcance, e nada menos do que isso, para conseguir um bom acordo e prosseguir o seu trabalho.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Também não lhe pediremos que quebre a necessária reserva diplomática, mas não aceitaremos que o assunto seja esquecido. O silêncio não é útil para a eficácia negocial, é útil, sim, que a questão seja presente na agenda política nacional e na opinião pública.
Aliás, a julgar pelas informações que hoje aqui vamos ter certamente e que já tivemos pela imprensa, a iniciativa deste debate, suscitado há mais de um mês por parte de Os Verdes, e as iniciativas suscitadas publicamente pelo PSD tiveram já, como vimos, o resultado de se ter reactivado o processo negocial. Congratulamo-nos com isso.
O Governo pode contar com a nossa colaboração institucional.
Nesse sentido, e tendo em conta que há um projecto de deliberação, tendente à criação da Comissão Parlamentar para o Contacto com as Cortes Espanholas, que aguarda, desde Março de 1997, a respectiva votação, propomos, por um lado, que essa votação tenha lugar hoje e, por outro, que sejam de imediato efectuadas junto das Cortes de Espanha as diligências necessárias à respectiva constituição recíproca, para que possa, desde logo, rapidamente ser viabilizada uma primeira reunião.
Queremos fazê-lo, naturalmente, em sintonia institucional. Seja o Governo firme e terá nesta matéria, no Parlamento, o seu melhor aliado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Neves.

O Sr. Paulo Neves (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Teresa Patrício Gouveia, começou a sua intervenção dizendo que o Governo quis fugir ao debate. Ora, o Governo nunca fugiu ao debate sobre esta matéria e, mais importante do que isso, nunca fugiu às suas responsabilidades e nunca «meteu a cabeça na areia» dizendo que este assunto não existe.
Quando o Presidente da Câmara Municipal do Porto chamou a atenção para o facto de que, em Portugal, não se falava neste assunto, não foi este Governo que disse que ele estava a pôr em causa a coesão e a unidade nacional e que o problema não existia.
Não foi este Governo que, depois de alertado para o assunto, numa fase de diplomacia discreta. disse que, afinal, o Plano Nacional Hidrológico Espanhol até tem alguns aspectos que são positivos para Portugal. Nunca dissemos isto no passado nem o dissemos no presente. Há pouco mais de dois anos e meio não era este Governo que o dizia. Na verdade, era o governo da Sr.ª Deputada, na altura Ministra do Ambiente, que dizia «vamos deixar a mesa das negociações! Chega de negociações! Vamos agitar as massas, vamos fazer uma manifestação contra Espanha!». Quem dizia isto era o então Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, actualmente Presidente da Câmara Municipal de Gaia, Luís Filipe Menezes.
O que este Governo fez foi concretizar claramente o que estava atrasado 15 anos: o plano nacional da água relativo às 15 bacias hidrográficas nacionais. Aliás, tanto o PCP como Os Verdes já chamaram a atenção para o facto de que, face a Espanha, Portugal não tinha uma estratégia clara definida em relação aos seus recursos hídricos. Claramente, é este Governo que agora está a concretizar essa estratégia, ao mesmo tempo que conseguiu que o actual governo espanhol pusesse de lado o Plano Nacional Hidrológico de Espanha que tinha sido aprovado pelo governo que o precedeu. Na verdade. o actual governo espanhol suspendeu a aplicação do chamado plano Borreli, como a Sr.ª Deputada bem sabe.
Penso que estamos no caminho certo, pois a Sr.ª Ministra tem continuado a concretizar as negociações com Espanha, seja através de reuniões formais seja através de acordos técnicos, com vista à celebração, com Espanha, de um novo convénio sobre esta matéria.
Neste domínio, interessa realçar todas as reuniões que foram feitas mas, sobretudo, o novo ambiente que existe entre Portugal e Espanha quanto a esta matéria, com o fim de se conseguir chegar a bom termo nas negociações. Devo realçar ainda que, actualmente, sempre que o governo espanhol toma alguma iniciativa, acorda-a previamente com o Governo português, coisa que não acontecia anteriormente.

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Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Patrício Gouveia.

A Sr.ª Teresa Patrício Gouveia (PSD): - Sr. Presidente, vou responder muito sucintamente a esta longa tirada do Sr. Deputado Paulo Neves que quis iludir os factos...

O Sr. Paulo Neves (PS): - Eu disse apenas a verdade!

A Oradora: - É que quando digo que o Governo fugiu ao confronto no Parlamento estou a falar de factos.
O que o senhor diz são opiniões, isto é, quando diz que o Governo quis vir ao Parlamento está a dar a sua opinião, mas é um facto que o Governo não quis vir ao Parlamento.
É apenas isto que tenho a dizer.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Almeida Santos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Ministra do Ambiente para uma intervenção.

A Sr.ª Ministra do Ambiente (Elisa Ferreira): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sob a forma de intervenção, darei algumas respostas pontuais às questões que
foram levantadas.
O Sr. Deputado Joaquim Matias referiu-se ao plano hidrológico espanhol mas, de facto, neste momento, esse plano não existe. O que existia e que o então governo do PSD detectou, tardiamente, foi posto de lado e repito que, neste momento, não existe um plano hidrológico espanhol.
Do lado português, foi o actual Governo que lançou os planos de bacia que, por lei, deveriam ter estado prontos em Fevereiro de 1996 e que nem sequer tinham começado quando entrámos em funções. Este Governo lançou os planos das 15 bacias hidrográficas nacionais, os quais estão todos em curso neste momento. Penso, pois, que esta matéria foi resolvida por este Governo.
De facto, é pena que os espanhóis tenham começado a debruçar-se sobre esta matéria em 1987, mas, nessa altura, eu nada podia fazer para que os estudos começassem do lado português e penso que esse é um problema que foi muito bem suscitado pelo Sr. Deputado Nuno Abecasis.
Quanto aos estudos de impacte ambiental, segundo a nova legislação ambiental na União Europeia, negociada já na vigência deste Governo, em Dezembro de 1996, ficou estabelecido que, desde que os estudos levados a cabo num determinado país tenham efeitos num outro país limítrofe, o primeiro tem de perguntar ao outro se concorda com esses estudos. Esta metodologia está a ser seguida neste momento
São estes os esclarecimentos que tinha para dar.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Só isso?!

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chamo a vossa atenção para o facto de que, na galeria dos diplomatas, se encontram a assistir à sessão, acompanhados do Embaixador de Espanha, nosso querido amigo, os seguintes membros de uma delegação da União Democrática da Catalunha: o Presidente do Comité de Governo e Vice--Presidente da Internacional Democrata-Cristã, um Deputado do Congresso de Madrid e porta-voz da União, Sanchez Llibre, o Secretário das Relações Internacionais, o Secretário de Comunicação e porta-voz, o Secretário-Geral da União de Jovens (Juventude da União Democrática da Catalunha) e o Presidente da União de Trabalhadores.
Saudêmo-los calorosamente.

Aplausos gerais, de pé.

Sr.ª Deputada Isabel Castro, pediu a palavra para que efeito'?

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, por um lado, é para unia intervenção e, por outro, é para pedir um esclarecimento Sr.ª Ministra.

O Sr. Presidente: - A figura do pedido de esclarecimento tem prioridade, pelo que tem a palavra para o efeito, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, parece-me espantoso...

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - É melhor ouvir, Sr.ª Ministra!

Pausa.

A Oradora: - Julgo que as questões que foram suscitadas durante este debate de urgência são demasiado sérias para que a Sr.ª Ministra, numa penada, tente circunscrevê-las nos termos em que o fez.
É que os grupos parlamentares que intervieram no debate estão preocupados com uma questão que não é menor. Na verdade, esta é uma questão vital para o interesse nacional e merece uma maior atenção da parte do Governo. Prestar maior atenção é, também, ter a compreensão de que a posição portuguesa não se fragiliza, antes é mais forte, se tiver o apoio da opinião e de todos os partidos. Portanto, julgo que não ter compreendido isto, tal como aconteceu com o PSD de início, é um erro crasso.

Sr.ª Ministra, o problema que coloco é que não respondeu a diversas questões...

Sr. Presidente, penso que é melhor interromper...

O Sr. Presidente: - Sr. Ministra, agradecia a sua atenção. Ao que parece, a Sr.ª Deputada parou de falar por causa disso.

A Sr.ª Natalina Moura (PS):- A Sr.ª Ministra está bem atenta!

A Oradora: - Sr.ª Ministra, como dizia, há questões concretas que se colocam em dois planos.
Há um plano negocial, em relação ao qual não depende estritamente da vontade de Portugal a resolução ou não das questões...

Sr. Presidente, dada a falta de atenção da Sr.ª Ministra, prescindo de usar da palavra agora e fá-lo-ei noutro momento.

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A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Faz muito bem!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr.ª Ministra do Ambiente, tem a palavra para responder, se assim o desejar.

A Sr.ª Ministra do Ambiente: - Sr. Presidente, creio que a Sr.ª Deputada prescindiu do pedido de esclarecimento que estava a fazer, pelo que pergunto à Mesa se posso fazer a minha intervenção.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Ministra, antes de si estava inscrita a Sr.ª Deputada Isabel Castro, igualmente para uma intervenção. Portanto, vou dar a palavra à Sr.ª Deputada Isabel Castro, para uma intervenção e, depois, dá-la-ei à Sr.ª Ministra para o mesmo efeito.
Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, não vou fazer perguntas, vou fazer comentários.
Os comentários que tenho a fazer são no sentido de que parece-me extremamente grave que, num debate de urgência suscitado por uma questão que é extremamente importante do ponto de vista nacional, o modo como o Governo se comporta não é adequado nem é de modo algum compatível com a natureza do que aqui nos traz. Este é o primeiro comentário.
O segundo comentário tem a ver com dois aspectos.
Por um lado, tem a ver com o modo como o Governo tem conduzido estas negociações. Aliás, perante a forma como o Governo ziguezagueia nas tomadas de posição públicas, vindo à Comissão dizer que não há nenhum problema negocial com Espanha e, duas semanas mais tarde, afirmando à imprensa que esse problema existe, penso que ou se trata de falta de respeito em relação ao Parlamento ou é escamotear informação que, seguramente, é de direito deste ter em seu poder.
Não estamos a falar de um negócio em relação ao qual o segredo seja importante, estamos a falar numa democracia, no direito à informação que assiste a todos os cidadãos deste país em relação a algo que não toca transitoriamente quem está no Governo mas, sim, os naturais deste país, que aqui vivem, bem como as gerações vindouras.
Portanto, julgo que o Governo continua a falhar na compreensão dos termos exactos em que o problema se coloca.
Há dois outros aspectos que me parece importante sublinhar.
A posição de Portugal fragiliza-se seguramente quando o país tem atrasos grandes quanto à sua própria concepção do planeamento e da gestação dos seus recursos hídricos.
Já foi assinalado que a legislação de 1994, que não foi revogada, obrigaria a que, em 1996, houvesse planos de bacia e, em 1997, um plano nacional da água. Já o sabíamos, mas quando a Sr.ª Ministra veio ao Parlamento, sob proposta nossa, em 6 de Fevereiro de 1996, ouvimo-la dizer que os planos de bacia iriam arrancar nesse momento. Ora, arrancaram no fim de 1997, portanto, para nós, continua a ser preocupante a lentidão com que as coisas têm acontecido e consideramos inquietante não ser seguro que os 15 planos de bacia estejam concluídos no final de 1999 e que, no fim de 2000, o mesmo se passe com o plano nacional da água.
Preocupa-nos, ainda, a fragilidade de Portugal quando não consegue garantir os caudais ecológicos no país, tal como o facto de não ser alterada a legislação relativamente ao planeamento e gestão das bacias, tendo por base a bacia hidrográfica. Isto fragiliza a posição de Portugal. Para Os Verdes, estes aspectos são preocupantes e a posição da Sr.ª Ministra é reveladora de que esta preocupação continua a estar muito à margem do Governo.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

O Sr. Paulo Neves (PS): - Essa agora!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Ministra do Ambiente para uma intervenção.

A Sr.ª Ministra do Ambiente: - Sr. Presidente. Srs. Deputados: É com muito e sincero prazer que hoje venho aqui, mais uma vez, falar sobre as questões relativas às negociações com Espanha.
Propus-me vir ao Parlamento em 5 de Novembro de 1996, precisamente antes da apresentação formal da proposta a Espanha, mas, por decisão parlamentar, preferiu-se não debater essa matéria e, sim, questões orçamentais. Vim novamente ao Parlamento, em 15 de Janeiro de 1997, em 12 de Novembro de 1997, em 10 de Março de 1997. Em 20 de Março, recebi uma delegação dos parlamentares do PSD e, hoje, estou aqui novamente e voltarei tantas vezes quantas entenderem conveniente.
Sr. Presidente. Srs. Deputados: A gestão da água entre territórios vizinhos é um problema de reconhecida relevância nas relações, quer entre particulares quer entre estados.
No que respeita ao espaço internacional, o problema tem vindo a merecer atenção reforçada, pela expansão demográfica mundial, pela sobreexploração do recurso, pela poluição que entretanto grassa, associada a processos de crescimento urbanístico descontrolado e de desertificação.
A regulação internacional do problema é essencial, sobretudo quando os territórios fronteiros correspondem a países com pesos relativos em termos económicos e políticos muito diferenciados.
As convenções internacionais de ESPOO, de 1991, de Helsínquia, de 1992. a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito dos Usos dos Cursos de Água Internacionais para Fins Distintos da Navegação, de 1996, são, pois, matrizes de referência essenciais para o progressivo reconhecimento, a nível internacional, dos princípios enquadradores e reguladores das negociações bilaterais.
Também no espaço da União Europeia, uma série de directivas e regulamentos foram consolidando esses princípios estando neste momento em apreciação, no Parlamento Europeu, a directiva-quadro da água que irá substituir e estruturar todo o corpo legislativo pré-existente no que respeita à gestão da água.
Mas de que princípios estamos a falar?
A gestão de um curso de água transfronteiriço pressupõe não só o reconhecimento da sua globalidade enquanto unidade física. com a correspondente concepção de que a utilização do mesmo está condicionada por uma lógica de respeito pelas suas características ambientais, incluindo aspectos qualitativos e quantitativos, limitando, consequentemente, a liberdade de cada parte na utilização de um recurso que é, de facto, comum. Esta nova lógica constitui uma ruptura radical face à tradicional concepção de que a cada país ou região assistiria a liberdade total de

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agir sobre o curso de água que o atravessa. À noção tradicional de «partilha» de recursos hídricos sucede a moderna noção de utilização «equitativa e razoável», isto é, limitada por objectivos maiores.
A proposta de convénio apresentada por Portugal ao actual Governo espanhol - e note-se que este Governo espanhol resulta de eleições em Maio de 1996 -, apresentada no fim de 1996, estrutura-se, de facto, no mais moderno direito internacional e corresponde a uma proposta competente e robusta tanto sob o ponto de vista técnico como jurídico. O interesse na assinatura de um convénio que actualizasse e alargasse (nomeadamente às questões da qualidade da água) o conteúdo extremamente limitado dos convénios de 1964 e 1968 - note-se que estes convénios limitavam-se apenas às vertentes relativas à quantidade de água, não tocando questões de qualidade - e também não ultrapassava, em termos geográficos, a zona estritamente fronteiriça, mas note-se que este interesse foi reconhecido. ao mais alto nível, e por ambas as partes, nomeadamente na cimeira de Ponta Delgada, em Outubro de 1996 e foi a primeira cimeira entre os dois Governos depois da tomada de posse do actual Governo espanhol. Eleita como um dos eixos mais relevantes da política bilateral, a negociação do novo convénio tem, desde então, sido um tema de atenção permanente (ao nível técnico, diplomático e político) no relacionamento entre os dois países.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Herdámos uma situação de relacionamento que, no mínimo. poderíamos classificar de extremamente débil, com uma única reunião negocial realizada três semanas antes das eleições que em 1 de Outubro deram a vitória ao Partido Socialista.

Vozes do PS: - Bem lembrado!

A Oradora: - Em dois anos e meio, Portugal preparou e apresentou, pela primeira vez, uma proposta de convenção técnica e juridicamente sólida: estruturou uma equipa negocial estável e coesa, incluindo as componentes técnica, jurídica e diplomática, com liderança óbvia da última, que é feita pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros; surgiu na cena internacional (quer ao nível das Nações Unidas quer da União Europeia) como um país que sabe o que quer e constrói uma política consistente e coerente na defesa de interesses transparentes e indubitavelmente legítimos; iniciou um processo de negociação intensa reflectindo num calendário apertado de reuniões formais e técnicas (enquanto em 1 de Outubro de 1995 tinha havido uma única reunião de negociação, no passado dia 26 de Março teve lugar a 5.ª reunião formal de negociação, intercalada por mais de uma dezena de reuniões técnicas de vários tipos, três cimeiras a nível de Primeiros-Ministros, reuniões interministeriais e reuniões da comissão dos rios internacionais) para além de trocas de correspondência, dados e pareceres.
Há progressos substanciais, nomeadamente ao nível dos princípios enquadradores da convenção, da estrutura técnica e política do seu texto, dos requisitos a respeitar em termos de padrões de qualidade das águas, dos mecanismos de informação e cooperação bilateral, da estrutura institucional de acompanhamento do futuro convénio.
Falta negociar - e são peças importantes que estão ainda sobre a mesa, em pleno processo negocial - aspectos que, embora descendo ao nível do pormenor e do número, não são menos importantes, uma vez que consolidam e dão substância aos princípios gerais acordados. Trata-se, em particular, de assuntos como os limites quantitativos aos usos da água, os regimes a respeitar em períodos de seca, os limites que deverão enquadrar a solução de problemas de escassez estrutural.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O sucesso do processo negocial em curso corresponderá a uma nova fase no processo, tão longo, de relacionamento entre os dois países ibéricos. Esta nova fase representará a modernidade e maturidade de dois países democráticos e europeus que se respeitam e respeitam os- recursos que têm de gerir de forma organizada e articulada. Independentemente deste facto, haverá que reconhecer que a nova abordagem proposta requer uma alteração do modo tradicional de funcionamento das administrações, das populações, dos políticos, ao verem limitados, no curto prazo, usos e actuações que tradicionalmente eram considerados como de direito próprio como no exercício da sua soberania, que é tradicionalmente ilimitado.
Trata-se de um processo complexo que, ao longo de um ano e alguns meses de negociação, teve períodos de forte aceleração e períodos de menor dinamismo. A última reunião formal de negociação, que teve lugar no passado dia 26 em Lisboa, é já indiscutivelmente um marco importante neste processo negocial e poderá ser (esperamos que o seja) o início da fase conclusiva das negociações, desde que a vontade política de ambas as partes se mantenha. Pela primeira vez, com a liderança diplomática do lado espanhol, há um paralelismo entre a constituição da equipa negocial dos dois lados, o que sublinha a vertente eminentemente política da matéria, tal como Portugal sempre defendeu mas que até agora não tinha conseguido atingir.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Pela primeira vez. está constituída uma equipa mista com um mandato claro e vai ser uma escrita a duas mãos; pela primeira vez, há uma equipa encarregada da elaboração de um texto comum, com um prazo muito exigente, sobre o qual se poderá desenrolar (esperemos que assim seja) a fase final da negociação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A assinatura de um convénio bilateral sobre uma questão tão essencial como a água é um processo de inegável complexidade e sensibilidade. Só uma vontade política forte de ambas as partes envolvidas poderá levar a bom porto um processo que, a ser bem sucedido, como se espera, dignificará ambos os países, quer no quadro do relacionamento bilateral, quer multilateral, conferindo dignidade e maturidade à imagem dos dois países ibéricos. Uma participação esclarecida, neste processo, dos cidadãos e dos seus representantes democraticamente eleitos, nomeadamente desta Assembleia da República, é um factor essencial para estimular essa vontade. E neste quadro que apreciamos e valorizamos o interesse com que o Parlamento tem vindo a acompanhar, e esperamos que assim continue, o processo negocial em curso.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Sr.ª Deputada Teresa Patrício Gouveia referiu a possibilidade de o projecto de deliberação n.º 36/VII ser votado hoje, mas, como não há consenso, assim não acontecerá. No entanto, será agendado na primeira oportunidade.
Para tratamento de assunto político de interesse relevante, tem a palavra ao Sr. Deputado Carvalho Martins.

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O Sr. Carvalho Martins (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já lá vão oitenta e poucos dias desde a tomada de posse deste Governo. Tão pouco tempo passou! Estamos ainda na fase de estudo dos dossiers, das vantagens e inconvenientes, da definição das prioridades, das estratégias, dos levantamentos, das reformulações, tudo o que é necessário para a tomada das boas decisões, ou seja, estudo e análise, análise e estudo.
Só que, Srs. Deputados, já lá vão mais de oitocentos e oitenta e tal dias que este Governo tomou posse e em relação ao distrito de Viana do Castelo, como infelizmente em relação ao país, não saímos do ciclo da falta de decisão, ou seja, análise e estudo, estudo e análise. Já lá vão três Orçamentos do Estado, o que quer dizer que só falta apresentar um, só um Orçamento, até às próximas eleições legislativas. E Viana do Castelo? A resposta é óbvia. O PIDDAC decresceu em relação a 1995, quer em 1996, quer em 1997, quer em 1998. Menos dinheiro, menos investimento.
Vale a pena recordar o Exmo. Sr. Secretário de Estado do Planeamento deste Governo que afirmava no 1.º Congresso do Vale do Lima que «os instrumentos mais fortes de planeamento do desenvolvimento são o PIDDAC e os Programas do Quadro Comunitário de Apoio e que a preparação do PIDDAC deverá sempre passar por uma análise de prioridades a nível regional». Interessante como ideia, mas a prática demonstrou, e já lá vão três Orçamentos, que o PIDDAC deste Governo no distrito de Viana do Castelo, como instrumento de desenvolvimento, funciona exactamente ao contrário, ou seja, em vez de crescer diminui, em vez de haver mais investimento há menos, em vez de haver mais dinheiro há menos.

O Sr. Roleira Marinho (PSD): - É uma vergonha!

O Orador: - Vale a pena recordar os números: Em 1995 o PIDDAC de Viana do Castelo era de onze milhões duzentos e cinquenta e três mil contos; em 1996, primeiro ano do Governo socialista, oito milhões cento e sessenta e quatro mil contos; em 1997, seis milhões oitocentos e noventa e quatro mil contos e em 108 sete milhões novecentos e vinte e três mil contos.

O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Sempre a descer!

O Orador: - Em 1995, na distribuição global por distritos, éramos o décimo; em 1998 somos o décimo sétimo e o seu peso passou de 3.23% para 0.8%. Significativo! Sintomático!
Convém mais uma vez recordar, tão-só e neste momento, para que no último, pelo menos no último Orçamento do Estado, Viana do Castelo seja privilegiada. Não pelas obras que já vinham do Governo anterior, obras idealizadas, projectadas e começadas pelos Governos do PSD, como, por exemplo, o IP1 (Porto/Viana do Castelo) ou a A3 (Braga/Valença), em que este Governo se tem limitado a funcionar como tesouraria, mas por aquilo que é urgente começar como: IC1 (Viana do Castelo/Vila Praia de Âncora) e a posterior ligação para Valença; IP9/IC28 (via transversal de ligação à A3): ligação Paredes de Coura/A3, urgente e determinante para o desenvolvimento sócio-económico deste concelho, por forma a potenciar a sua industrialização; melhoria significativa da linha ferroviária do Minho (Braga/Viana do Castelo/Valença).
Obviamente que o início e respectiva conclusão destas infra-estruturas é fundamental, mas pensamos que este é o momento certo para reforçar a iniciativa empresarial, ou seja, atrair um recurso que é escasso e que tem grande mobilidade: os empresários. É o momento certo até porque a generalidade das autarquias, felizmente e bem, estão a construir os seus parques industriais, aumentando significativamente os terrenos disponíveis para atrair novos investimentos.
Por isso, achamos que tem que ter aqui um papel determinante o sistema fiscal, pois se o Alto Minho é uma área menos favorecida, com baixos índices de desenvolvimento, precisa de uma discriminação fiscal positiva. Como? Utilizando o artigo 32.º do Orçamento do Estado, que autoriza o Governo a legislar no sentido de definir um sistema de incentivos às micro, pequenas e médias empresas, bem como aos jovens empresários como forma de promover a convergência económica e social com o restante território nacional.
Na altura da discussão do Orçamento do Estado para 1998, o PSD apresentou uma proposta nesse sentido, proposta essa que foi retirada a favor de uma proposta conjunta de todos os partidos. Já lá vão quatro meses! É altura de legislar. Legislar no sentido de criar incentivos sobre a criação de empregos estáveis: sobre o IRC, reduzindo a sua taxa a 20% durante os cinco primeiros exercícios de actividade e também um conjunto de incentivos fiscais a vigorar por um período de três anos, dirigido à promoção do autofinanciamento, do reforço de capitais próprios e do fomento do investimento produtivo.
Estas medidas são urgentes e serão determinantes para o desenvolvimento do Alto Minho e este Governo não pode adiar mais esta decisão. É uma exigência da oposição e uma exigência dos alto-minhotos. Mais empresas, mais emprego, mais riqueza.
Por último, permitam-me que desta tribuna saúde, em meu nome e em nome dos Deputados do PSD, o Sport Club Vianense pelos 100 anos de vida. Parabéns vianenses.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, ao abrigo do artigo 81.º, n.º 2, do Regimento, tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta é uma intervenção contra a corrente, desalinhada dos tempos de palavra parlamentares, liberta do espartilho das disciplinas partidárias. É um pulsar individual de consciência, sem cor nem bandeira, insubordinado de qualquer estratégia. fazendo uso da prerrogativa regimental que me concede, enquanto Deputado que estou, o direito a estes 10 minutos de liberdade reflexiva e discursiva por sessão.
Iniciei-me na actividade política, pelos caboucos do poder local, vão cumprir-se duas décadas. Num tempo de grandes restrições financeiras, sem fundos europeus nem protocolos com o Estado, desprovido de competências e outros instrumentos jurídico- instrumentais.
Ser-se autarca nos anos 70 e 80 significou, acima de tudo, para esses homens e mulheres que se lançaram na nobre tarefa de desbravar serras e interiores. de sanear e infra-estruturar litorais, uma dádiva pessoal em prol do bem colectivo, uma oferenda no altar de um povo sacrificado por 50 anos de obscurantismo, miséria e subdesenvolvimento.
Ser-se autarca nesses anos de afirmação e consolidação da democracia ainda tinha o perfume e o lirismo de

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um poder sem mordomias, nem ajudas de custo, nem despesas de representação, sem consultores de marketing e propaganda, feito de mangas arregaçadas e camisa em desalinho mordendo o pó e a lama das estradas.
Foi um tempo difícil, onde a impreparação técnica e política dos seus intérpretes conseguia ser ultrapassada pelo voluntarismo da entrega, pela dialéctica e pelo debate entre eleitos e eleitores, por uma luta sadia na defesa dos ideais, dos emblemas ou das terras de cada um, mas com um sabor a disputa minimamente justa e equilibrada. Uma disputa feita de suor e de braço onde, na sua maioria, os candidatos às eleições faziam a festa, deitavam os foguetes e apanhavam as canas, o que equivalia por dizer que redigiam os programas, faziam os comícios e acabavam altas horas da madrugada a colar cartazes e a pintar paredes.
Cometeram-se erros e desvios, certamente, mas julgo adquirido por grande consenso nacional ter sido o poder local, a par da democracia e da liberdade, uma das grandes concretizações do 25 de Abril. Não se entenda nesta evocação, o travo saudosista de quem ficou preso nos arreios do passado. Sou um homem deste tempo, que viveu, que se transformou e que também participou na transformação da realidade passante. Mas há um momento em que temos que parar para reflectir, e por vezes gritar: basta!
Durante duas décadas de serviço no poder local, já fui quase tudo o que se pode ser: vereador, presidente de câmara, presidente de assembleia municipal, candidato a uma assembleia de freguesia. Fui um dos fundadores da Associação Nacional de Municípios Portugueses, onde desempenhei, durante muitos anos, funções de responsabilidade, essa mesma Associação, que se reuniu na semana passada em Congresso, no meu concelho natal. É a Associação dos vencedores das recentes eleições autárquicas de 14 de Dezembro.
Um Congresso onde se discutiram lugares, mais competências, mais dinheiro, mais autonomia, alguma regionalização. Um Congresso onde ninguém se apercebeu, nem estava disposto nem disponível para analisar a perigosa deterioração dos pilares democráticos em que assenta o seu próprio poder.
Uma eleição democrática pressupõe, no mínimo, e em termos teóricos, igualdade de acessos e de oportunidades entre as diferentes candidaturas e candidatos.
Mas que igualdade pode existir, enquanto for permitido a um autarca que se recandidata, por exemplo, à presidência de uma câmara o poder de, até ao dia da eleição, atribuir e distribuir subsídios. aos cheques e às centenas, a todas as instituições sociais, desportivas, educativas e culturais do seu concelho?
Ou o poder de adjudicar e lançar, em sofreguidão de última hora, centenas de obras para tapar os buracos e as inacções de um mandato inteiro, mesmo sabendo não dispor de tesouraria suficiente para as pagar, que atrás virá quem feche a porta?
Ou o poder de mandar executar gigantescas campanhas publicitárias a pretexto de acções específicas do município, glorificando a sua própria pessoa?
Ou o poder de editar às dezenas de milhar, luxuosas revistas e brochuras evocativas da epopeia autárquica dos titulares do poder, pagas pelos cofres municipais?
Ou o poder de distribuir em plena rua, em época de generosidade municipal, cabazes de Natal aos milhares, sem outro critério ou rigor que não seja o da caçada eleitoral?
Ou o poder de admitir novos funcionários em plena campanha, prometendo o emprego a muitos outros para o dia seguinte às eleições?
Ou o poder de enviar viaturas e funcionários do município, a distribuir gratuitamente latas de tinta a quem quiser aproveitar para pôr a fachada da casa em dia?
Ou o poder de atribuir casas económicas em véspera eleitoral, prometendo mais tectos a centenas de outras famílias, submissamente chamadas aos paços do concelho?
Ou o poder de abrir as porias da conveniência e do sorriso em plena campanha eleitoral, dentro dos edifícios municipais, atendendo tudo e todos quantos ali se dirigem, numa propaganda contínua e sem pudor?
Ou o poder de forçar a aprovação de projectos urbanísticos, em desacerto de prazos, de pareceres e de práticas?
Já não bastava a desigualdade congénita da diferente capacidade entre poder e oposição para angariar meios financeiros para campanhas eleitorais cada vez mais milionárias, mais sumptuosas e sofisticadas, onde nada parece faltar, e o esbanjamento roça o escândalo e a provocação. O que choca, o que é aberrante, o que se toma escandaloso, é este desvio democrático e este abuso de poder que consente que, à custa de um orçamento público, à custa do dinheiro de todos os contribuintes, à custa da logística e do pessoal de uma autarquia, se beneficie claramente um dos lados, a posição dominante, em detrimento de todos os outros.
É evidente que a nem todos os autarcas se aplica este tipo de procedimentos, mas também é verdade que este disparo crítico assenta ao comportamento de muitos governantes que não resistem a interferir mesmo em eleições alheias. Mas digo bem alto que se está a ir longe demais, rumo a um caciquismo moderno, provido de meios substanciais, de poderes, competências e atribuições jamais atingidos. o que, a não haver controle, pode conduzir ao aviltamento da própria democracia. Urge colocar-lho um limite, que pode passar, nomeadamente, por transpor para o quadro jurídico eleitoral das autarquias aquilo que a Lei Eleitoral da Assembleia da República já prevê no seu artigo 9.º. Ou seja, a obrigatoriedade de suspensão de mandato dos autarcas com funções executivas, que se recandidatem a qualquer órgão do seu município, desde a data da apresentação de candidaturas até ao dia das eleições.
Posto que, se um presidente de câmara que se candidata a Deputado, é obrigado a suspender o mandato, por se considerar que intervém activamente no processo eleitoral, então, por maioria de razão, essa incompatibilidade adquire importância relevante se se estiver a recandidatar em eleição do mesmo foro. E os órgãos executivos deverão, desde a apresentação de candidaturas até ao dia da eleição, entrar em regime de gestão corrente.
Junte-se a este conjunto de questões o manto de hipocrisia e de mentira que envolve o limite desrespeitado de gastos em campanhas eleitorais e pré-campanhas cada vez mais prolongadas, urgindo uma verdadeira e transparente Lei de Financiamento dos Partidos e teremos, Srs. Deputados à Assembleia da República, matéria bastante para debate parlamentar urgente e importante.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta não é a intervenção de alguém que ainda não interiorizou a perda de uma eleição. Não é uma posição reactiva, tornada a quente, por entre o fumo da refrega eleitoral e a decepção da contagem dos resultados. Não! Por aqui passaram deliberadamente três meses para o assentar da poeira eleitoral e dos sentidos para o amansar da conflitualidade. O que penso hoje sobre estas questões, já pensava há três anos. Só que a situação tem vindo a piorar.
E não ficaria tranquilo com a minha própria consciência se não dissesse o que me vai na alma, se não ditasse

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este alerta para as actas desta Assembleia, se não apelasse aos partidos deste órgão de soberania no sentido de actuarem enquanto é tempo, devolvendo democracia à democracia, moralizando o sistema e dando o próprio exemplo. Este não é um caso pessoal, não é um juízo em causa própria. nem um ajuste de contas, nem uma recriminação orientada neste ou naquele sentido do espectro partidário. Diz respeito a todos nós e todos temos responsabilidades nesta situação.
Estas poderão ser palavras que se extinguem com o silenciar deste microfone, entulhadas nos milhões de silabas que anualmente são debitadas nesta Assembleia. Poderão ser palavras que passem despercebidas, que não encontrem eco para lá desta Sala, nem interfiram, por um segundo que seja, com a lógica das estratégias e das prioridades parlamentares. Mas fica saldado aqui o meu dever de denúncia de muitas injustiças, de exercícios abusivos do poder, do simulacro de democracia, do caricato ético e da moral travestida.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos apreciar o voto n.º 107/VII - De homenagem ao comandante da guerrilha timorense, Konis Santana, e de pesar pelo seu falecimento, apresentado pelo Presidente da Comissão Eventual para Acompanhamento da Situação em Timor Leste, Deputado Nuno Abecasis.
Para proceder à leitura do voto, tem a palavra o Sr. Secretário.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o voto é do seguinte teor:

Konis Santana, o 4.º Comandante que a guerrilha timorense até hoje teve, acaba de falecer, vítima de grave desastre sofrido ao deslocar-se, sempre perseguido pelas forças ocupantes e opressoras do exército indonésio, nas altas montanhas onde, com os seus homens, luta e se abriga.
Konis Santana entrou na clandestinidade ainda um jovem. com 19 anos, e nela viveu mais de metade da sua vida, suportando os perigos da seiva, sempre sobre a ameaça da doença e do acidente, perseguido pelo inimigos, longe da família e dos amigos e privado do seu conforto e apoio, numa luta incessante e corajosa, indiferente à esmagadora diferença de recursos e de meios de defesa e de ataque, certo que estava de que a visibilidade das razões do povo timorense aos olhos do mundo em tudo dependiam da sua obstinação e do seu generoso sacrifício.
A Assembleia da República, que desde sempre fez sua a luta indómita do povo timorense pela conquista do direito à liberdade e à identidade nacional, por meio do livre exercício da autodeterminação, presta pública homenagem ao valor do Comandante Konis Santana e expressa ao povo de Timor o seu profundo pesar por tão dolorosa perda.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que quanto mais digno é um homem e mais valorosos são os seus actos menos palavras são necessárias. Até diria que as palavras são dispensáveis, porque podem ofuscar a sua grandeza.
Konis Santana viveu 22 anos da sua vida na guerrilha, escondido, defendendo sem armas, quase de mãos nuas, a sua pátria e o seu povo. E só viveu 19 anos em liberdade e, mesmo essa, com certeza, sofreu alguns atropelos durante as ocupações estrangeiras.
Sr. Presidente, penso que Konis Santana é um bom exemplo, por isso tenho pena que este voto não tenha sido votado quando a nossa Assembleia estava repleta de jovens, porque são estes homens que mostram bem à juventude quanto vale uma pátria. Tal como a liberdade, só quando ela se perde se sabe o valor que tem.
Sr. Presidente, é de forma comovida que, em nome do CDS-PP e da Comissão a que presido, quis prestar esta homenagem e este testemunho de pesar pela perda de um homem notável que era Konis Santana.
A existência de outros é a certeza de que não se apagará no mundo, senão pela libertação, esta causa, que é nossa também: a causa da liberdade e da identidade do povo timorense.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O povo mártir de Timor Leste ficou mais pobre com o desaparecimento físico, vítima de grave e lamentável acidente, de um dos principais e mais corajosos combatentes pela sua causa de libertação, Konis Santana, que comandava a guerrilha timorense, sucedendo ao comandante Xanana Gusmão, quando este foi preso pelo regime, abominável e ditatorial, da Indonésia.
O PSD associa-se a este voto de pesar pela morte do comandante Konis Santana, apresentando à sua família e ao povo de Timor Leste as suas sinceras condolências.
Também através deste voto, prestamos a nossa singela e justa homenagem a alguém que é bem o exemplo de determinação e coragem de quem dedicou a sua vida a uma causa muito nobre, que é a defesa da liberdade, da dignidade e da autodeterminação do seu povo.
Morreu um combatente ilustre por Timor Leste, o comandante Konis Santana, mas não morrerá a sua causa e a luta que travou ao longo destes anos enquanto o povo de Timor Leste não for totalmente livre e senhor do seu destino.
Estamos certos de que a guerrilha timorense e o povo de Timor Leste, em geral, no interior e na diáspora, com particular destaque para a sua juventude e com o apoio da comunidade internacional, prosseguirão esta luta difícil mas heróica, continuando a ter como referências maiores o comandante Xanana Gusmão e os Prémios Nobel da Paz, D. Ximenes Belo e Dr. Ramos Horta, a quem também queremos prestar a nossa homenagem.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Konis Santana morreu na luta pela liberdade do seu povo. Muitos dos melhores de entre o nosso povo morreram em luta pela liberdade e, entre esses, muitos eram comunistas - nestas coisas, como noutras, reclamar o monopólio é insensato e historicamente incorrecto, mas o nosso quinhão de sacrifício é incontornável.

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Por isso, também por isso, o sacrifício de Konis Santana nos é tão dramaticamente familiar, assim como nos é familiar a certeza de que a liberdade vale todos os sacrifícios e a certeza de que Konis Santana continuará a merecer a luta do seu povo, e vencerá.
Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, para além de um voto de pesar pela morte de Konis Santana, fazemos aqui eco de uma saudação à vitória certa do povo de Timor.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Konis Santana morreu na montanha, morreu junto dos seus companheiros, no local e junto daqueles com quem tinha decidido partilhar a sua vida, a vida que entregou, desde muito cedo, à causa da liberdade do seu povo.
Precisamente neste momento, em que Konis Santana morre e a resistência timorense está de luta, para nós subsiste a convicção segura de que a causa pela qual Konis Santana viveu e morreu terá muitos outros seguidores, muitos jovens, anónimos ou não. Julgo que é essa a convicção que nos deve fazer reflectir e saudar este voto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Barreiros.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também o Partido Socialista quer, naturalmente, associar-se a este voto de homenagem e de pesar pela morte de Konis Santana.
A homenagem que queremos prestar a este comandante da resistência é a expressão da nossa grande admiração e empenho pela luta do povo de Timor Leste. bem como da nossa profunda convicção de que, apesar da desigualdade de meios, um povo que tem razão acabará por vencer.
Nesse sentido, a luta que Konis Santana travou continuará com a mesma determinação e força que decorre da razão, da vontade e do coração de um povo que profundamente estimamos.

Vozes do PS: Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, associo-me comovidamente à homenagem que acabais de prestar a Konis Santana.
Vamos passar à votação do voto n.º 107/VII - De homenagem ao comandante da guerrilha timorense, Konis Santana, e de pesar pelo seu falecimento.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos guardar um minuto de silêncio.

A Câmara guardou, de pé, um minuto de silêncio.

O voto será transmitido ao representante da resistência de Timor no exterior, Dr. Ramos Horta, e, através dele, à família enlutada.
Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 25 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados. estão em aprovação os n.ºs 40 a 43 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias dos dias 12, 18, 19 e 20 de Fevereiro.
Não havendo objecções, consideram-se aprovados.
Srs. Deputados, vamos dar início à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 156/VII - Transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva 931104/CE, do Conselho, de 23 de Novembro, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais.

O Sr. Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais (Ribeiro Mendes): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 156/VII visa transpor para a ordem interna as regras contidas na Directiva 93/104/CE, de 23 de Novembro de 1993, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho, previstos neste instrumento comunitário e que ainda não estão assegurados pela legislação nacional.
A proposta que o Governo ora submete aos Srs. Deputados resultou de um complexo processo negocial que envolveu discussões aprofundadas em sede de concertarão social. Grande parte da complexidade do processo decorre do facto de o objecto desta proposta ter zonas de coincidência com o da Lei n.º 21/96, de 23 de Julho.
Importa, por isso, clarificar, desde já, que tal coincidência parcial de objecto não implica análoga coincidência de finalidades de um diploma e do outro.
Nesta proposta, trata-se de adoptar as disposições legislativas adequadas à promoção de condições de segurança e saúde dos trabalhadores, no âmbito da organização do tempo de trabalho, necessárias para dar cumprimento às prescrições mínimas estabelecidas na Directiva 93/104/CE.
Com efeito, como se sabe, as directivas obrigam os Estados-membros a um acto de transposição para o direito interno, ou seja, os Estados-membros ficam vinculados a incorporar a matéria da Directiva na sua ordem jurídica através de um acto adequado, acto definido pelo direito nacional, em regra um acto da natureza do que seria utilizado na regulamentação autónoma da matéria em causa
no caso da Directiva referida, através de lei formal ou de decreto-lei autorizado.
As directivas da área do trabalho têm, por via de regra, a natureza de prescrições mínimas, o que significa que, na sua transposição, os Estados- membros não podem, sob pena de transposição incorrecta, estabelecer condições menos favoráveis para os trabalhadores.
A presente directiva - estipula o n.º 1 do artigo 1.º
estabelece prescrições mínimas de segurança e saúde em matéria de organização do tempo de trabalho, não ficando os Estados-membros impedidos (coerentemente com este carácter de protecção mínima, acrescenta o seu artigo 15.º) de aplicarem ou introduzirem disposições legislativas, regulamentares ou administrativas mais favoráveis à protecção da segurança e saúde dos trabalhadores. mas não podendo, em caso algum. a aplicação da Directiva constituir justificação válida para fazer regredir o nível geral de protecção dos trabalhadores.
Estamos, por isso, perante uma obrigação do Estado português em proceder à transposição para a ordem jurídica interna das disposições da Directiva que ainda não estão asseguradas pelo direito laboral português.

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Por outro lado, considerando que a Directiva adopta, ela própria, unia definição, considerou-se oportuno promover o esclarecimento de algumas dúvidas manifestadas a propósito da noção de tempo de trabalho, pelo que o n.º 2 do artigo 2.º esclarece que determinadas interrupções são consideradas tempo de trabalho.
Relativamente às equiparações previstas no n.º 2 do artigo 2.º, importa salientar que:
Em primeiro lugar, as interrupções nela previstas são sempre interrupções de curta duração, interrupções que respeitam apenas a cada dia de trabalho. As interrupções por razões técnicas ou económicas, quando prolongadas, ficam sujeitas a regime diferente;
Em segundo lugar, os períodos de interrupção são períodos que fazem parte do período normal de trabalho, situando-se dentro do horário e não fora do horário.
A presente proposta regula (no seu artigo 13.º), nos termos das regras gerais de articulação da legislação e das convenções colectivas de trabalho, e de modo diverso do da Lei n.º 21/96, o problema da prevalência de convenções colectivas de trabalho, devendo, no entanto, salientar-se que tal só é aplicável no âmbito do projecto de diploma em apreço.
Carece, por isso, de fundamento jurídico e político qualquer outra leitura que pretenda ver nesta proposta a modificação ou a derrogação das soluções contidas na Lei n.º 21/96. Estas visam, como se sabe, a redução dos períodos normais de trabalho e, para este efeito e só para este, excluir certas «pausas», quando implicam a paragem o posto de trabalho ou a substituição do trabalhador, do cômputo da noção de «trabalho efectivo».
Permitam-me que saliente ainda os seguintes aspectos da proposta de lei:
Quanto ao seu âmbito de aplicação, são abrangidos as relações de trabalho reguladas pelo Decreto-Lei n.º 409/71, bem como o trabalho rural, com ressalva das actividades para as quais vigora regulamentação específica. Não foram incluídas no seu âmbito as relações de emprego público, porquanto as disposições da Directiva, no que respeita à Administração Pública, têm já correspondência em preceitos do direito interno, afigurando-se desnecessário proceder à sua transposição.
Quanto às disposições da Directiva relativas aos períodos mínimos de descanso, encontram-se as mesmas transpostas pelos artigos da proposta de lei, que passo a enunciar:
O artigo 3.º prevê que a duração média do trabalho semanal não exceda as 48 horas. Para tal, fixa, de acordo com o previsto no n.º 2 do artigo 16.º e no n.º 4 do artigo 17.º, ambos da Directiva, um período de referência de 4 meses ou de 12 meses. quando fixado em convenção colectiva.
O artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 409/71 estabelece já um intervalo não inferior a uma hora, de modo a que os trabalhadores não prestem mais de 5 horas consecutivas de trabalho. Ora, o artigo 4.º da proposta de lei vem estabelecer a proibição da dispensa do intervalo se a mesma implicar a prestação de mais de 6 horas consecutivas de trabalho, transpondo assim a regra contida no artigo 4.º da Directiva.
Em matéria de descanso diário, transpõe-se, no artigo 5.º, a disposição contida no artigo 3.º da Directiva, nos termos da qual é garantido aos trabalhadores um período mínimo de descanso de 11 horas consecutivas.
O artigo 6.º, relativo a descanso semanal, consagra o 0 Sr. Presidente: - Então, para uma intervenção, tem e, por isso, vem apenas assegurar que o descanso diário de 11 horas se adiciona ao dia de descanso semanal, tal como está estabelecido no artigo 5.º da Directiva.
No que respeita às férias anuais - artigo 7.º da Directiva -, a legislação nacional prevê um período de férias correspondente a 22 dias úteis, pelo que se torna desnecessária a transposição do artigo 7.º, n.º 1. Já o n.º 2 do mesmo artigo não encontra total correspondência na legislação nacional.
Optou-se, todavia, por não proceder, na presente lei, à transposição desta disposição por duas ordens de razão: por um lado, porque a própria Directiva admite, em relação a esta disposição, um prazo maior para a sua transposição e, por outro lado, porque está prevista a revisão da regras do regime de férias e se considera mais adequada a inclusão desta disposição nesta sede.
Quanto às disposições relativas ao trabalho nocturno, trabalho por turnos e ritmo de trabalho, a transposição da Directiva está consagrada nos artigos 7.º, 8.º e 9.º
Estes são, Sr. Presidente e Srs. Deputados, em suma, os aspectos principais da proposta de lei que o Governo submete à apreciação da Assembleia e que espera, em nome da melhoria das condições de trabalho dos trabalhadores portugueses, venha a ser aprovada.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, um tanto telegraficamente, porque pretendo ainda fazer uma intervenção, quero colocar-lhe duas questões.
Como referiu, e muito bem, a Directiva tem prescrições mínimas e a transposição não deve ser ainda mais mínima do que a Directiva. Em matéria de derrogações, que vem no artigo 12.º, há muitas, como, por exemplo, a questão relativa às 6 horas de trabalho consecutivo ou às 11 horas entre as jornadas de trabalho que são admitidas pela proposta de lei, sem que se estabeleça o direito a descanso compensatório, como a Directiva refere.
Assim sendo, pergunto-lhe: acha que este artigo 12.º responde àquilo que V. Ex.ª enunciou?
A segunda questão é a seguinte: V. Ex.ª disse, e muito bem, que a situação dos trabalhadores não poderia regredir. Pergunto-lhe: em vez de transpor primeiro a Directiva antes da Lei n.º 21/96, que obrigaria o Governo a exarar no diploma de transposição que as pausas e intervalos de descanso eram tempo de trabalho, por que é que o Governo fez o contrário, ou seja, primeiro fez a Lei n.º 21/96 e só depois transpõe a Directiva?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais.

O Sr. Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais: - Sr. Presidente, prefiro responder no fim quando eu fizer uma segunda intervenção.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - É uma nova modalidade!

O Sr. Presidente: - Então, já previsto na Constituição da República e na legislação a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

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A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Temos novas regras nos debates e temos de anotar a devida alteração no Regimento da Assembleia! Mas, seja como for, o que não houve, de facto, foi resposta às perguntas que coloquei.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais: A apresentação da proposta de lei hoje em discussão, pese embora a manutenção na mesma de concepções retrógradas, constitui o reconhecimento de uma expressiva vitória dos trabalhadores que, ao longo da vigência da Lei n.º 21/96, vêm lutando contra o entendimento do conceito de trabalho efectivo em que coincidiram o Governo PS e as confederações patronais.
Vitória assinalável obtiveram-na os trabalhadores têxteis, nomeadamente os do norte do País, que, após 15 meses de greve às horas de trabalho ao sábado, conseguiram, efectivamente, 40 horas de trabalho, apesar das posições adversas não só da Inspecção do Trabalho e da ex-ministra da flexibilidade e da polivalência mas também do Primeiro-Ministro, que, depois das promessas de redução do horário de trabalho para as 40 horas, defendeu aqui, na Assembleia, as posições patronais enquistadas na noção de trabalho efectivo, a tresandar a concepções ultrapassadas quanto ao que deve ser considerado tempo de trabalho.
A resistência dos trabalhadores têxteis à regressão em relação às pausas de descanso de meia hora no trabalho por turnos, destruiu, nesse sector, o conceito de trabalho efectivo no entendimento que o Governo ainda teima em conferir-lhe.
A vitória dos trabalhadores têxteis demonstra que a organização do horário de trabalho e a sua redução se inscrevem entre os principais objectivos dos trabalhadores. Prova de que, pesem embora retrocessos sempre tentados pelas grandes confederações patronais com o apoio de governantes, a caminhada pela conquista de tempos livres é irreversível, porque a dignidade dos trabalhadores exige a protecção da sua saúde. Melhor saúde, menos fadiga. Tempo livre, lazeres. Tempo libertado dos donos do tempo!
A dignidade humana exige que o progresso reverta em proveito dos seus principais obreiros: os trabalhadores.
O Governo vem dar o braço a torcer com esta proposta de lei, mas torce-o. ainda assim, de uma forma insuficiente, pelo que sai desta pugna aleijado, porque, apesar das clarificações sobre as pausas que se integram no tempo de trabalho (que ficam aquém da iniciativa legislativa do PCP discutida há um ano), o Governo quer manter o conceito de trabalho efectivo, alongando o tempo de presença na empresa para além das 40 horas semanais a muitos trabalhadores com pausas conquistadas nas empresas, através dos usos ou na contratação colectiva de trabalho. Aliás, a transposição tardia da Directiva e a forma por que certos dispositivos são transpostos deixam ficar claro que o Governo agiu com má fé em todo este processo.
Na verdade, a Directiva, ao definir tempo de trabalho, ressalva da definição a legislação nacional e/ou os usos das empresas.
Se o Governo tivesse transposto a Directiva antes de ter apresentado a Lei n.º 21/96, deveria, em obediência à mesma, ressalvar da definição de tempo de trabalho, incluindo-o no mesmo, aquilo que já constava da contratação colectiva quanto às pausas e intervalos de descanso incluídas no horário de trabalho e as pausas adquiridas nas empresas através dos usos e costumes.
Ter-se-ia, então, evitado toda a conflitualidade gerada em torno da Lei n.º 21/96. precisamente porque já não teria sido possível fazer inscrever neste diploma a destruição dos efeitos já conseguidos na contratação colectiva quanto a pausas e intervalos de descanso.
Mas o Governo seguiu de olhos bem abertos e conscientemente o caminho inverso. Primeiro, pretendeu fazer tábua rasa das conquistas dos trabalhadores relativamente a tempo livre introduzido no seu horário de trabalho destinado a minorar as consequências dos ritmos brutais de trabalho, para depois, com a transposição da Directiva, não ter de respeitar essas conquistas!
0 que fez correr o Governo desta maneira? Agora, que se começam a desmoronar os acordos na concertação social, são as próprias confederações patronais que referem. como aconteceu na audiência promovida pela Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social aos parceiros sociais, que as condições que tinham colocado para a redução do trabalho para as 40 horas, nomeadamente o conceito de trabalho efectivo, a flexibilidade, a polivalência. não eram condições imperativas, pois que sem elas as empresas se organizariam para cumprir tal redução!
Teria sido, assim, o Governo a impor gratuitamente retrocessos aos direitos dos trabalhadores!
A presente proposta de lei não pode deixar de ser encarada como um acto de contrição que, por não ser de sincero arrependimento, não levará à absolvição.
É que esta proposta de lei não arrepia caminho até ao momento em que o princípio da desregulamentação de trabalho exigido pelas confederações patronais começaram a tripudiar sobre os direitos dos trabalhadores, porque a essa desregulamentação assistimos desde 1991 com variadíssimas introduções de alterações à legislação de trabalho para acentuar a flexibilidade.
Ora, se bem que nesta proposta de lei se venham consagrar certas pausas como integrando conceito de trabalho efectivo (algumas já assim eram entendidas sem conflitos), a verdade é que permanece aquilo que de mais retrógrado se encontra na Lei n.º 21/96, que é precisamente o conceito de trabalho efectivo, continuando a excluir-se do mesmo as pequenas pausas no horário de trabalho normal, como acontece na hotelaria, precisamente as que foram ditadas para protecção da saúde dos trabalhadores, objectivo que se diz prosseguir com a proposta de lei.
A verdade é que se teima na flexibilidade, permitindo-se que o horário de trabalho de 40 horas se obtenha em relação a um período de referência de 12 meses, sem que mesmo aqui se cumpra a Directiva que refere que, para que este período de referência possa ser admitido, é preciso respeitar os princípios de protecção da segurança e saúde dos trabalhadores e só e razões objectivas, técnicas ou de organização de trabalho justificarem tal período de referência. No entanto, nenhuma destas exigências se encontra na proposta de lei.
A flexibilidade tem sido denunciada, aqui e no estrangeiro, como forma de inviabilizar a partilha do trabalho, a criação de empregos, também visada com a redução do tempo de presença na empresa.
Por outro lado, a flexibilidade transforma o tempo do trabalhador em pedaços e retira-lhe a direcção do seu tempo livre. A flexibilidade empobrece o emprego, visando apenas a diminuição dos custos do trabalho à custa dos trabalhadores.
E o que se passa em relação às derrogações é também uma violação do que consta da Directiva e a Federação da Hotelaria denuncia-o, na medida em que derrogações.

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que afectam os trabalhadores desses sindicatos não têm o descanso compensatório garantido na proposta de lei.
Pergunta-se, já que o Sr. Secretário de Estado se referiu a isso, por que é que, em relação às férias, não vem nada referido na proposta de lei. E que, de facto, o que hoje consta da Lei relativamente a férias já não obedece ao que é exigido no período transitório da Directiva, porque a verdade é que do total das férias dos nossos trabalhadores 15 dias podem ser pagas financeiramente e a Directiva impede isso, porque se trata de garantir a saúde dos trabalhadores.
Assim, nós iremos propor, entre outras coisas, que a lei contenha a proibição de parte do período de férias dos trabalhadores possa ser pago. Sabe-se - e o Sr. Secretário de Estado confirmou - que anda a ser negociada qualquer coisa na concertação social, quiçá também para se esbulhar em direitos dos trabalhadores, segundo se ouve, mas a Assembleia da República é o órgão legislativo em matéria de direitos dos trabalhadores.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Exactamente!

A Oradora: - O que até aqui se tem passado tem sido desprestigiante para o Parlamento, que, chamado a pronunciar-se sobre acordos obtidos na concertação social em matéria de Direito de Trabalho, tem vindo a ser esbulhado das suas funções.
Sr. Secretário de Estado, não é possível a convivência de um Parlamento de um Estado de direito democrático com soluções corporativas.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Rodrigues.

O Sr. António Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A discussão dos limites da duração do trabalho semanal está na ordem do dia por toda a Europa comunitária onde tem sido objecto de aturada e acesa polémica. Portugal, por razões diferentes, não tem estado alheio a este debate.
A definição das matérias relativas à organização do tempo de trabalho assume uma relevância significativa na busca do ponto de equilíbrio entre as necessidades da produção das empresas e a protecção devida aos trabalhadores.
Por proposta do Governo, há pouco mais de um ano, entrou em vigor a Lei n.º 21/96 - a «lei das 40 horas» -, que visava regular estas matérias. Surgida na sequência do acordo de concertação social de Janeiro de 1996, a lei foi fonte de instabilidade social e causa de inúmeros problemas laborais.
O que o Governo nos traz hoje não é a transposição de uma directiva comunitária mas, sim, uma nova regulamentação para as dificuldades que a sua proposta anterior criou quer no plano social, quer no seio do Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
O principal objectivo da proposta de lei não é regular matéria de higiene e segurança no trabalho. A pretexto de um acto de transposição, enxertam-se normas para o Governo resolver as suas contradições e sobressaltos derivados das várias interpretações surgidas com a Lei n.º 21/96.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Importa repor a discussão ao nível da seriedade política e governativa, o que não aconteceu no passado em todo este processo, desde o acordo de concertação de Janeiro de 1996, passando pela Lei n.º 21/96 e as interpretações que dela derivaram, até à tentativa discreta de utilizar o acto de transposição de uma directiva comunitária para resolver o imbróglio que o Executivo criou.
O Governo - o mesmo Governo -, embora com outro titular, vem agora de forma velada contrariar o que fez há dois anos atrás, tentando resolver a ambiguidade que manteve durante este tempo e perante todos os parceiros sociais. Falta seriedade e faltou serenidade nesta questão. O problema é, evidentemente, político e foi neste domínio que o Governo e o PS fracassaram, como agora assumem ao propor uma nova regulamentação para a matéria, fazendo perigar o processo de concertação social pela incapacidade de saber assumir compromissos e executá-los adequadamente.
O problema de fundo não é o de reduzir a duração do horário semanal de trabalho para as 40 horas. A Lei n.º 21/96 integra duas questões-chave ainda por resolver, que constituem, e provavelmente vão continuar a constituir, o ponto da discórdia: a introdução do conceito de «trabalho efectivo», inexistente até então no nosso ordenamento jus laboral e, derivado daqui, a definição de quais as interrupções de trabalho que integram aquele conceito.
O conceito de trabalho efectivo veio a constituir o centro de toda a polémica, principalmente porque o Governo não quis definir o conceito, assumindo-o de uma forma envergonhada e dúbia.
As consequências daí decorrentes não eram despiciendas, dado que, em termos semanais, tal podia representar quase uma redução nula ou mesmo um acréscimo do tempo de trabalho, como aconteceu em algumas empresas.
Afinal, a redução não era de 2 ou 4 horas, consistia na eliminação das pausas a que os trabalhadores tinham direito por via contratual. O que a lei proporcionava era uma clara limitação aos resultados da negociação colectiva obtida durante anos. O aditamento da expressão «trabalho efectivo» traduzia uma limitação de direitos adquiridos pelos trabalhadores, fazendo o Governo crer que se alcançava o prometido quando, afinal, se fugia ao resultado anunciado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: A aplicação da lei provocou múltiplas greves e, naturalmente, perdas de milhares de horas de trabalho, com reflexos na produtividade das empresas afectadas. Subsistem ainda alguns milhares de trabalhadores que ainda não foram abrangidos pela mesma.
Os trabalhadores - e até alguns Deputados do PS foram induzidos em erro no passado na convicção de que haveria uma redução do tempo de prestação de trabalho superior àquela que a lei consignou e que derivava das promessas eleitorais do PS.
Nunca uma lei mereceu tantas intervenções na praça pública. Do Presidente da República, ao Governo, da Assembleia da República, do Provedor de Justiça, para além dos parceiros sociais que energicamente e por diferentes razões se pronunciaram contra a forma como o Governo se comportou neste processo e que em muito contribuíram para a queda e extinção de um ministério e de uma estratégia governamental.
Por causa das 40 horas, caiu uma ministra e o Governo perdeu a qualificação e o emprego.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Muito bem!

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O Orador: - Ao invés de se discutir com serenidade os benefícios para as empresas e para os trabalhadores da redução do horário de trabalho, discute-se o acessório e não o essencial, privilegiou-se o instrumental da questão de fundo, preferiu-se a interpretação ao método de proceder à fixação dos limites de duração do trabalho.
À ambiguidade inicial do Governo juntamos um acto de habilidade do Executivo em dar uma volta sobre si próprio, partindo da sua indefinição propositada para, titubeando e por tentativas, ir arrastando a situação, em vez de encontrar as soluções necessárias.
O PSD sempre defendeu a via negocial para resolver o problema. O recente acordo nos têxteis entre os parceiros sociais prova que, se se tivesse remetido para a negociação colectiva a fixação dos limites da duração de trabalho. ter-se-ia evitado a instabilidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O PS inviabilizou duas iniciativas legistativas para fixar e clarificar a questão, preso nos compromissos de agradar a todos e nada resolver
O Governo, que começou por querer impor uma solução por via legislativa, capitula pela via da directiva comunitária que deveria ter utilizado em 1996 e que na altura não quis ou não soube utilizar. Este Governo, que é o mesmo, por mais de uma vez, leve «entradas de leão e uma saída de cordeiro» ...!
Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr. Secretário de Estado, o verdadeiro intuito do Governo fica desvendado: nunca se quis fixar as 40 horas de trabalho. O ex-Secretário de Estado do Trabalho confirma-o, e cito: «O inevitável passo seguinte (tarde ou cedo, a descida do limite absoluto para 40 horas) deixou de ser dramático - será pouco mais de um ajustamento natural da norma à realidade». Eis, enfim, a confissão das intenções escondidas do Governo. Pena foi que o Governo o não tivesse assumido em 1996.
Dois anos depois, o Governo assume-se, mas mesmo assim mal.
Em suma, esta proposta de lei, anunciando adoptar as prescrições mínimas em matérias de higiene e segurança no trabalho, acaba por transformar o regime do tempo de trabalho numa manta de retalhos que, sem esclarecer quais, altera disposições várias da duração do tempo de trabalho, nomeadamente os problemas decorrentes das interpretações dúbias, confusas e contraditórias da Lei n.º 21/96 que, apesar de tudo, ainda se mantêm.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Rodrigues. V. Ex.ª produziu, enquanto relator desta proposta de lei. uni notável relatório - e é pena que não seja apreciado pela Câmara - que consideramos uma peça bastante interessante da vida da nossa Comissão e queremos felicitá-lo por isso. Nesse relatório, V. Ex.ª consegue, com objectividade, fazer um historial deste processo e nem esconde, por exemplo, o facto de que o PSD devia ter legislado para honrar os compromissos assumidos em 1995, o que não fez. Não o fez e, curiosamente, perdeu as eleições, seguramente por não ter querido escolher entre as suas várias responsabilidades e os vários parceiros sociais, entre os empresários que se opunham frontalmente à redução do horário de trabalho para as 40 horas - e que continuam a opor-se, como já verificámos - tout court, e as confederações sindicais que também, entre elas, não tinham uma estratégia comum para essa redução. O PSD não quis correr esse risco, achou que não valia a pena e perdeu as eleições.
Mas o PSD continua a não querer correr nenhum risco ao não dizer a esta Câmara quais são as suas propostas nesta matéria. qual é o caminho que teria optado para legislar, se, afinal, está em uníssono com a CIP, com a CAP, com a CCP, se está de acordo com as críticas feitas pela CGTP ou se considera relevante as propostas feitas pela UGT nesta matéria.
Ficámos também sem perceber se o PSD não gosta desta legislação por achar que o problema foi mal resolvido. Mas nós, Sr. Deputado, pelo menos, resolvêmo-lo. Mesmo com acidentes de percurso, resolvêmo-lo. Os senhores é que não resolvem nada, não dizem nada a esta Câmara, nem têm opiniões sobre esta questão. Os senhores votaram contra a Lei n.º 21/96 argumentando questões técnicas, mas aos costumes, sobretudo à redução do horário de trabalho para as 40 horas, disseram nada e continuam a nada dizer.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado António Rodrigues.

O Sr. António Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Elisa Damião. agradeço-lhe as referências que fez ao relatório que elaborei e devo dizer-lhe que um relatório deve ser...

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Objectivo!

O Orador: - ... objectivo, como disse, como tentei ser e como a Sr.ª Deputada acha que fui. tal como fui também descritivo - e infelizmente -, relativamente ao processo. Isto porque, Sr.ª Deputada, se neste Parlamente houve algum momento menos bom. ia dizer negro, para a legislação laboral, esse momento foi precisamente o que se relaciona com esta lei.
Disse a Sr.ª Deputada que o PSD não apresentou propostas alternativas. Apresentou, Sr.ª Deputada, e devo dizer-lhe que se houve alguém que lutou pela redução do tempo de trabalho, esse alguém foi o PSD. Recordo-lhe que o acordo a que a Sr.ª Deputada se referiu, o de 1991, foi feito na constância de um governo do PSD e que se não houve outro acordo que levasse à prática a segunda redução foi porque tanto o Partido Socialista como a central sindical de que a Sr.ª Deputada fez parte o inviabilizaram.
Sr.ª Deputada, o PSD fez propostas e foi muito claro em relação à redução do tempo de trabalho. Disse que o faria por via legislativa em 1995, mas não nos foi possível cumprir o prometido porque perdemos as eleições e não continuámos a ser governo. Governo é agora o Partido Socialista, mas, até agora, ainda não se convenceu que o é. E de tal forma não se convence que, em relação a uma proposta que ele próprio aqui apresentou em 1996, pouco mais de um ano depois vem não só dar o dito por não dito como também emendar a mão daquilo que fez no passado.

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Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr.ª Deputada, recordo que foi o Secretário-Geral da UGT, a central sindical a que alguns dos seus colegas ainda hoje pertencem, que defendeu, em 1996, a solução da Lei n.º 21/96. Hoje, já mudou de opinião.
Recordo também a posição do Grupo Parlamentar do Partido Socialista. aqui expressa aquando da votação da proposta de lei n.º 14/VII, em que, primeiro, votou-a favoravelmente e, depois, mudou de opinião.
Recordo, ainda, que, em declarações públicas, muitos Deputados do Partido Socialista disseram que tinham sido enganados pelo próprio Governo em relação a esta matéria e manifestaram-se, a posteriori, contra a, então, ministra para a Qualificação e o Emprego.
Sr.ª Deputada, devo dizer-lhe que o PSD não está preso a nenhum parceiro social. O PSD é livre, assume as suas posições em Plenário e continuará a assumi-la no futuro. Defendemos - e fomos nós os primeiros a dizê-lo - que não estamos amarrados aos processos de concertação social, ao contrário da posição assumida pelos Deputados do Partido Socialista, que defenderam a interpretação feita pela Comissão de Acompanhamento em relação à mesma Lei n.º 21/96, que hoje, pelos vistos, novamente renegam. porque já não é suficiente a interpretação que essa mesma comissão fez.
Afinal, quem não tem posições claras, quem muda de opinião ao sabor dos seus interesses e conveniências não é o PSD mas, sim, o Partido Socialista. Quem também muda de opinião é - e isso é mais grave -, o próprio Governo, consoante os titulares dos vários cargos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista apresenta esta transcrição da Directiva e não nega que um processo legislativo desta natureza, que ocasiona profundas mudanças na vida das empresas e, sobretudo, na vida das pessoas, é sempre um processo em que se tornam claros os conflitos latentes de interesses. Não o nega! Aliás, quando aprovámos a Lei n.º 21/96, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista fez a seguinte declaração de voto: «O Grupo Parlamentar do Partido Socialista deixa claro que é seu entendimento, com o qual o Governo comunga, que a redução produz efeitos nos horários de trabalho estabelecidos e efectivamente em vigor, com exclusão das pausas de origem diversa, como seja de saúde, de segurança, intervalo para refeições ligeiras, consagradas na lei (...)».
Mas disse mais o Partido Socialista, através de um Deputado do seu grupo parlamentar, o qual, certamente, irá relembrar a questão que então colocou, sendo que, nesse debate, o Governo assumiu para connosco o compromisso de fazer uma pilotagem da aplicação da lei e só depois, na sua sequência. proceder às necessárias correcções.
Ó Srs. Deputados, é uma forma diferente de estar na política!...

O Sr. Barbosa de Oliveira (PS): - Na política e na vida!

A Oradora: - Exactamente, na política e na vida.

Srs. Deputados, vai longe o tempo em que uma esmagadora maioria do Grupo Parlamentar do PSD se levantava e dizia «não, porque não».

Vozes do PS: - Exactamente!

A Oradora: - E devo lembrar-lhe. Sr. Deputado, que não só os objectivos da negociação colectiva que esse acordo estabelecia não foram atingidos como o Governo que V. Ex.ª ou, pelo menos, outros Deputados do partido a que pertence apoiavam sem discussão - faça-se-lhes justiça, é essa a vossa concepção! -, sem interrogações, sem inquietações, sem o tal desejo de pilotagem, sem o tal desejo de diálogo responsável que VV. Ex.ªs não têm... Essa é a nossa diferença. Porventura, a nossa virtude na nossa concepção, mas o nosso defeito na concepção de VV. Ex.ªs.

O Sr. António Rodrigues (PSD): - Nós não lavamos é a roupa suja na rua!

A Oradora: - Nós queremos continuar a ser assim defeituosos e a ter o aplauso dos trabalhadores e do povo português, como se tem percebido nas últimas sondagens.
Mas, Sr. Deputado, nós não inventámos nada. A solução encontrada para a definição de pausas, para uns tardia - pessoalmente também penso que é tardia, mas as coisas em concertação não se fazem como cada um desejaria, fazem-se com o maior entendimento e as maiores parcerias possíveis -, foi concertada com os parceiros sociais. Ora, esta solução foi subscrita pela comissão de acompanhamento do acordo e não deixa de ser curioso que aqueles que dizem respeitar, e que o sublinham, as vicissitudes da concertação social, alguns que concertam, não queiram, depois, ver na lei aquilo que concertam. Aliás, nem os Srs. Deputados do PSD podem esquecer este facto, porque, na verdade, não foram capazes de transcrever para a lei este objectivo das 40 horas de trabalho semana], que era, ademais, um objectivo comunitário e uma responsabilidade que o País tinha assumido, objectivo, esse, difícil de alcançar.
Mas não deixa de ser curioso que os subscritores do acordo sejam capazes de dele fazer uma interpretação autêntica e, depois - e ainda há tempo para reflectir sobre estas coisas -, alguns deles venham dizer: «sim senhor, nós subscrevemo-lo, mas isso é um entendimento e não tem de fazer parte da lei».
Srs. Deputados, nós não podemos confundir o papel constitucional do Parlamento, o papel que incumbe aos Deputados, com o papel que incumbe aos parceiros sociais, mas, em contrapartida, estes têm de ser responsáveis, em cada momento, por aquilo que subscrevem e pelas opiniões que emitem.
Esta transcrição da Directiva não é, como não se pretende que seja a legislação laboral no período em que vivemos, uma obra acabada, nem terá o aplauso de todos. 0 Partido Socialista prossegue, responsavelmente, um esforço de equilíbrio entre a flexibilidade e os direitos dos trabalhadores, isto é, a segurança no emprego e, sobretudo, uma progressiva democratização da vida laboral, da qual algumas empresas andam francamente arredadas.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Aliás, em nosso entendimento, só o anúncio da transcrição da Directiva já contribuiu muito

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para aumentar esse sentido de entendimento e de parceria. E a prova disso está no facto de algumas - e, em nosso entender, mal - convenções colectivas. que, de certo modo, foram prejudicadas por legislação anterior, terem sido já retomadas e, portanto. haver já hoje um consenso relativamente a uma redução do tempo de trabalho e um entendimento do que é possível fazer em matéria de organização de trabalho para que ambas as partes ganhem. E o que está em causa é isso. Srs. Deputados. E que, ganhando ambas as partes e dividindo os acréscimos de produtividade por ambas as partes, ganha, seguramente, o País. E o Partido Socialista revê-se nisso.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Rodrigues.

O Sr. António Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Elisa Damião, constatei que, na sua intervenção, falou pouco da proposta de lei em debate e preocupou-se mais com o PSD. E compreende-se: como a proposta de lei pouco inova e pouco traz relativamente ao ordenamento jurídico nacional, mais vale «sacudir a água do vosso capote» e tentar encontrar água no capote dos outros.
Mas devo dizer-lhe que os problemas do PSD resolvem-se sempre dentro do Grupo Parlamentar do PSD, já que não temos, nem nunca tivemos, necessidade de vir para a praça pública discuti-los, como aconteceu com o Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
Devo também dizer-lhe que tão-pouco estamos preocupados com as posições da CIP. Quem está preocupada com elas é a Sr.ª Deputada e parece-nos mesmo que essa é a única questão que a motiva relativamente a esta proposta de lei.
A questão que quero colocar-lhe é tão-só esta: se, de facto, o Partido Socialista estava tão preocupado com as matérias decorrentes da Lei n.º 21/96, por que é que não apresentou na altura devida. aquando da discussão da proposta de lei n.º 14/VII, alterações a esse diploma?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mais: se o Grupo Parlamentar do Partido Socialista estava tão consciente das dificuldades e dos problemas que daí derivavam, bem podia ter apresentado um projecto de lei autónomo. Inclusive, podia - e estava já no acordo de concertação estratégico - ter proposto há bastante mais tempo a transcrição da Directiva comunitária. Teríamos evitado, seguramente - e são essas as preocupações que aqui manifesta , muitas situações de instabilidade social e multas, mas seguramente muitas, horas perdidas em greves por esse país fora.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado, como dissemos, a nossa postura é de uma enorme coerência. Tivemo-la durante o debate da Lei n.º 21/96 e em todo este processo envolverno-nos com o Governo na solução e na procura de uma solução, e ela aqui está.
Srs. Deputados, apetece-me parafrasear o Sr. Deputado João Amaral: os senhores manifestam, seguramente, algum sentimento de inveja, e posso compreendê-lo, porque os problemas internos do PSD, e são muitos, não interessam aos eleitores, não contam. Mas. como é evidente, quando o Grupo Parlamentar do PS toma uma iniciativa e o seu Governo o atende, isto é expectado, é esperado, é ouvido pelo País.
O que estava em causa, Sr. Deputado, é que da primeira legislação beneficiaram 800 000 trabalhadores, mas havia ainda 100000 trabalhadores em situações equívocas. Nem todas estão empoladas, como se pretendeu, mas havia situações equívocas e, responsavelmente, o PS, que é o PS/grupo parlamentar e que é o PS/Governo, entendeu que era chegado o momento - provavelmente o grupo parlamentar tê-lo-ia desejado mais cedo - de resolver essas situações, não obstante os parceiros sociais, sobretudo as entidades patronais, não entenderem ser o momento oportuno. Foi apenas por esta razão que fiz referência à CIP, aliás, parceiro que é importante, é fundamental, mas não é, obviamente, um escolho na actividade legislativa do Governo, como o foi no passado.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A proposta de lei que transcreve a Directiva n.º 93/104/CE conseguiu um feito raro: unir sindicatos e confederações patronais contra uma mesma proposta, tomando clara a sua natureza desajustada, iníqua e inoportuna.
Em primeiro lugar, o Governo confunde transposição com transcrição.
A transposição confere a cada Estado o poder de ajustar as normas comunitárias ao quadro normativo nacional, permite utilizar as derrogações previstas por forma a evitar que vigorem no mesmo ordenamento jurídico normas com âmbito de aplicação total ou parcialmente coincidente mas substancialmente diferente.
A proposta do Governo, no entendimento do Partido Popular, reabre uma ferida que já estava fechada. Todos nos lembramos, todos nos recordamos, dos conflitos laborais que a má redacção da Lei n.º 21/96 provocou.
As interpretações contraditórias, as deturpações provocadas por alguns para confundirem muitos e a atitude pouco clara do anterior Secretário de Estado do Trabalho provocaram graves danos na economia nacional. Multiplicaram-se as greves, perderam-se milhares de horas de trabalho, perdeu-se a produção tão fundamental para o desígnio da competitividade.
Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não compreendemos, não entendemos, a atitude do Governo.
Por que razão o Governo não utilizou qualquer das derrogações que a própria Directiva prevê?
Por que razão o Governo não salvaguardou a coerência do nosso ordenamento jurídico, evitando a dualidade de normas e toda a insegurança jurídica que provoca?
Por que razão o Governo propõe uma lei, a Lei n.º 21/96, vulgo «lei das 40 horas», onde são definidos conceitos diametralmente diferentes dos vertidos na Directiva, sendo já conhecida essa directiva e podendo, e devendo, o Governo transpor a Directiva antes da publicação da lei?
Há muitas perguntas que têm de ser respondidas, mas há uma que se sobrepõe e releva a todas as outras: para que serve hoje a concertação social? Para que servem as

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reuniões entre os parceiros sociais, para que servem os acordos alcançados, para que servem os compromissos assumidos pelo Governo? Para que servem os brindes com vinho do Porto que encerram os acordos, se depois temos de «engolir» tudo o que vem de Bruxelas? Com que autoridade, com que legitimidade, o Governo se senta hoje às mesas de negociações? Como pode assumir compromissos que sabe não poder cumprir? Que motivação têm os sindicatos e as confederações patronais para participarem em reuniões de utilidade relativa?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Popular nunca duvidou da pertinência, da virtualidade e da utilidade da concertação social. Em democracia, é fundamental que os acordos se sobreponham aos conflitos.
Reconhecemos a postura responsável dos parceiros sociais, que, ao contrário do que muitas vezes é apregoado, não têm uma atitude egoísta, em que cada um defende o melhor para a sua parte sem se preocupar com o todo nacional.
Não acreditamos numa sociedade de conflitos, onde os trabalhadores se devem proteger dos empresários e os empresários se devem proteger dos trabalhadores. Acreditamos numa comunhão de vontades, numa convergência de valores, onde o fim último é o bem-estar dos portugueses e o desenvolvimento do País.
Por isso, valorizamos, relevamos e dignificamos a concertação social.
Não entendemos, não compreendemos e lamentamos que um Governo socialista, repetidas vezes, tenha atitudes que periguem a concertação social.
Mas não é só a concertação social que é desrespeitada. Também a Assembleia da República e cada um dos Deputados são postos em causa. Que sentido faz debater, ouvir e colocar à discussão pública diplomas que posteriormente são enterrados pela má transposição de uma directiva comunitária?
Hoje, é legítimo, para qualquer português, questionar a própria Assembleia da República. Afinal, que dignidade tem um órgão de soberania que publica uma lei e meia dúzia de meses mais tarde contradiz tudo o que tinha dito?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Popular não pactuará com este atentado à dignidade da Assembleia da República. Não votaremos favoravelmente esta proposta de lei.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Contra a União Europeia!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Strecht Ribeiro.

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma vez que o PP falou em último lugar, dirijo-me primeiro ao PP para perguntar qual dos PP falou: o do Sr. Eng.º Galvão Lucas, que entendeu que não era roubando pequenas migalhas aos trabalhadores que as empresas poderiam progredir e inserir-se na competitividade à escala mundial, ou este PP, tão preocupado com a pretensa derrogação de uma concertação feita também pelos parceiros, nomeadamente pelos parceiros patronais? Não sei qual dos PP falou, mas, de todo o modo e seja qual for o PP,...

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Ó, Sr. Deputado, qual é o PS que está a falar?!...

O Orador: - ... digo-lhe o seguinte: não só é sabido que a concertação é feita entre os parceiros directos - o patronato, ou o detentor do capital da empresa, e os trabalhadores - mas também, e o PP deveria sabê-lo, porque tem. suponho. um arreigado conceito de Nação, que esses conflitos não se verificam apenas intramuros, não são só das empresas, são do conjunto do País. Ora, o Governo de um país não pode, não deve, demitir-se, face a uma conflitualidade que inicialmente pode e deve ser gerida intramuros, se ela porventura não sossegar, não se pacificar, ou melhor, se não houver sucessivos acordos que consigam conciliar os interesses desavindos, que são, e serão sempre. oponíveis, como é sabido.
Quando este Governo avançou com a proposta de lei que deu origem à Lei n.º 21/96, seguiu o que havia sido acordado entre os parceiros. Já se disse aqui que se tivéssemos avançado inicialmente com a Directiva, poder-se-ia ter evitado a situação actual. Não o sabemos, mas também não sabemos qual seria a conflitualidade que se geraria se se tivesse partido de imediato para a transposição da Directiva. Isso não se sabe e é estranho que se tenha uma certeza sobre o que aconteceria na eventualidade de se ter caminhado primeiro para a transposição da Directiva, em vez de se apresentar uma proposta saída da concertação social possível. Mas é facto que, quando a proposta de lei aqui surgiu, tendo suscitado, e bem, um debate democrático - o que aconteceu também no próprio Partido Socialista, e muito bem, porque é um partido democrático, e não renega essa sua essencial qualidade -, o próprio Governo, a perguntas minhas sobre as eventuais dificuldades na aplicação da lei, respondeu claramente que estaria atento ao percurso que a lei fizesse e responderia de forma eficaz se, porventura, a lei não viesse a cumprir o seu desiderato fundamental, que era, como é evidente e é sabido, no caso que estamos hoje a apreciar, a redução efectiva do horário de trabalho. Disse-o e cumpriu-o.
Dizem que a transposição da Directiva também produzirá efeitos no domínio da organização do trabalho, portanto, na duração do tempo de trabalho e na contagem, ou não, de pausas no tempo de trabalho. É evidente que sim, e por isso não vem mal ao mundo, antes pelo contrário. Trata-se de uma iniciativa que este Governo toma, que o próprio grupo parlamentar também tomou - aliás, é sabido que houve um diálogo constante entre o grupo parlamentar e o Governo, e muito bem, de forma a chegar-se ao resultado final a que se chegou -, mas é do conhecimento de todos que o próprio Governo nunca recusou a hipótese, é bom que isso se diga aqui, de mexer na própria Lei n.º 21/96. Ou seja, o Governo avançou com a proposta de transposição desta directiva, e bem, mas nunca disse que, em última instância, se necessário fosse, não viria a mexer na própria Lei n.º 21/96. Nunca o disse! A meu ver, até deixou em aberto, sempre de uma forma frontal e leal, essa possibilidade!
É nossa convicção, do Governo e do grupo parlamentar, ou seja, do Partido Socialista, que a transposição da Directiva cria espaço na própria luta social, na sede própria da luta de classes, ou seja, em sede de convenção colectiva, para a possibilidade de, por essa via, virem a resolver-se essas situações, sem necessidade de vir a mexer no Direito positivo, nas leis entretanto aprovadas. É nossa convicção de que isto acontecerá e a minha camarada Elisa Damião já disse aqui, e bem, que a simples transposição da Directiva já permitiu efeitos úteis, em sede de concertação, de convenção colectiva, que, em meu entender, apesar de tudo, é a mais importante. Na verda-

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de, a questão do sector têxtil, do Vale do Ave, em boa medida, se não totalmente, está praticamente...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não é por causa da luta dos trabalhadores!...

O Orador: - O Sr. Deputado tem uma concepção de Estado que não perfilho, em que o Estado é o Estado de uma classe. Eu não tenho essa concepção. Portanto, como compreenderá, não haverá acordo aí.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Já se esqueceu do que aprendeu!

O Orador: - Essa é também uma concepção corporativa. Os senhores demoram tempo a perceber. mas a História explicar-vos-á que é uma concepção historicamente errada. Não vá por aí, porque não vai bem por aí!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Agora, cita José Régio!

O Orador: - É evidente que há aqui um complexo de poderes, uma conflitualidade social. Mas o Governo, que é o Governo da Nação, no seu conjunto, supera, necessariamente. os conflitos concretos que se jogam no campo concreto, e tem a obrigação de o fazer, porque é o Governo do conjunto dos cidadãos e das cidadãs deste país. Ora, a verdade é que este Governo quer queiram quer não, quer gostem quer não - e talvez não gostem. porque entra directamente naquilo que julgavam ser território vosso, exclusivo. mas não é,...

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Nós não gostamos do Governo, mas ainda gostamos mais do que vocês!

O Orador: - ... e. como não é, dói-vos -, consegue aquilo que julgavam que não conseguiria.

Protestos da Deputada do PCP Odete Santos.

Mais: durante o tempo do cavaquismo, a vossa (do PCP) luta de classes, não a minha mas a vossa, não resolveu o problema da redução dos horários de trabalho! Não resolveu esse problema. e os senhores sabem-no, tal como sabem que não houve, no tempo do cavaquismo, redução efectiva do horário de trabalho para as 40 horas semanais. Portanto, sejam objectivos e reconheçam o mérito das iniciativas do Partido Socialista.
Finalmente, quero apenas dizer que o PSD tem uma posição muito simples: não tem posição. Portanto, como nada é infalível. há sempre a possibilidade de aproveitar tal ou tal falha, tal ou tal dificuldade, o que é cómodo.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Deputado, não é o PSD!

O Orador: - Mas o País já percebeu que os senhores não têm posição sobre nada, portanto, serão fortemente penalizados por esse facto, como, de resto, estão a sê-lo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Strecht Ribeiro, por aquilo que referiu, ao dizer que na concertação social não há pontos de convergência e há sempre interesses em conflito, ficou claro a que PS o Sr. Deputado pertence: ao PS marxista, puro e duro,...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Agora é que eu não percebo nada!

O Orador: - ... que tem como primado a luta de classes, a opção pela classe operária. etc.. etc., tudo o que vem na cartilha. Ora, eu não tenho essa perspectiva, o Partido Popular não tem essa perspectiva e acredita que as partes não deixam de pensar no todo. O Partido Popular acredita nas intenções, sejam elas de sindicatos ou de confederações patronais.
Sr. Deputado, aquilo que não foi respondido e que a sua intervenção, no floreado das palavras, tentou esconder é esta dura realidade: temos de saber para que serve, hoje, a concertação social e o que estão os senhores a fazer sentados à mesa, porque chegam a acordos que, depois, passados uns meses, são derrogados, por vir aí uma directiva que, pelas derrogações que ela própria permitia, podia não colidir com esses acordos, mas que, afinal, veio a colidir com eles.
A questão fundamental é esta: com que autoridade, hoje, o Governo se senta. com que autoridade, hoje, o Governo assume compromissos, com que autoridade, hoje, o Governo chama os parceiros para o diálogo, esse tal diálogo de que o Governo tanto falou, se, mais tarde, tudo isso é derrogado, sempre com a desculpa de que a culpa não é do Governo irias, sim, das normas comunitárias?
Sr. Deputado, a estas perguntas é que os senhores vão ter de responder. Qual é o papel que hoje têm os parceiros sociais? Qual é o papel que o Governo socialista reconhece aos parceiros sociais e, mais do que reconhecê-lo, como é que entende e aplica aquilo que são os acordos alcançados?
Esta é a questão fundamental em relação à qual os senhores querem escamotear e fugir.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Strecht Ribeiro.

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Correia da Silva, em primeiro lugar. pertenço ao PS, e basta!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - E já dá muito trabalho!

O Orador: - Em segundo lugar, talvez o Sr. Deputado saiba pouco de marxismo para poder falar sobre isso.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Sei, sim!

O Orador: - Está enganado! Sabe pouco!
Em terceiro lugar, é evidente que, ao contrário do que disse, este Governo respeita os compromissos que assumiu na concertação social e em nada tocou no que a concertação social concertou. Agora, o que o senhor não pode pedir ao Governo, nem ao meu partido, é que se desresponsabilize por aquilo que a concertação social não

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concerta, porque este é um governo do País. E é este o seu problema. Portanto, a confusão é sua.
Mais: poderia citar-lhe um liberal dos bons tempos da fundação dos Estados Unidos da América do Norte para lhe dizer que o próprio sistema capitalista vive, como é evidente, e a sua própria evolução decorre da luta de classes. Ainda nem o Marx tinha pensado nisto e já alguém sabia disto!

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Eu sou um democrata-cristão, Sr. Deputado!

O Orador: - Oiça, é século XVIII, meu caro! É século XVIII!

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Este é um debate do século XVIII!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, deixem-nos regressar ao século XX!

Risos.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa.

O Sr. Pedro da Vinha Costa (PSD): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Eu não queria citar qualquer pensador, muito menos do século passado, mas. se calhar, vale a pena recuarmos um pouco e pensarmos em algumas coisas que ilustres pensadores do nosso tempo, sentados aqui, nesta Assembleia, disseram há pouco mais de um ano atrás. É que não foi nenhum Deputado do PSD que veio para os jornais dizer que tinha sido enganado pelos membros do Governo. Não foi nenhum Deputado do PSD que disse isso. Foram Deputados do PS que vieram dizer que tinham sido enganados pelo Governo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Isso é totalmente falso! Não é verdade!

O Orador: - E foram tão enganados como aquelas pessoas que acreditaram que o Governo estava a fazer uma redução do tempo de trabalho, quando efectivamente não estava. E é tão-somente esta a questão. E o PSD, aquando da discussão da Lei n.º 21/96, alertou para a situação de conflito social que iria ser criada. Mas o Sr. Deputado diz que não, que, se a transcrição da Directiva tivesse sido feita antes da Lei n.º 21/96, não teria sido possível prever que consequências teria. Está enganado, Sr. Deputado Strecht Ribeiro. No momento da discussão, nesta Assembleia, da proposta de lei, aquela que veio a ser a Lei n.º 21/96, era possível prever que iríamos ter a conflitualidade social que tivemos.

Vozes do PS: - Ah!...

O Orador: - Dissemo-lo nós, disse-o o PCP e também o Sr. Deputado.

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Ó, Sr. Deputado!

O Orador: - Portanto, não é uma coisa que, eventualmente, o Sr. Deputado tenha descoberto agora.

Vozes do PSD: - Má memória!

O Orador: - Era possível descobrir. Porventura, o Sr. Deputado tem andado muito entretido a ler os pensadores do século passado e esqueceu-se daquilo que disse, nesta Assembleia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado, corajosamente - e presto-lhe homenagem por isso -, levantou aqui questões que tinham justamente a ver com a conflitualidade que a proposta do Governo iria criar lá fora. E fê-lo porque, nessa altura, se sentia capaz de prever o que iria acontecer. Mas o Governo e o PS fizeram orelhas moucas. Muito bem! Muito bem, não! Muito mal! Porque pagou o País, porque tivemos conflitualidade social, porque tudo isso aconteceu, como sabemos!
Compete ao Governo emendar a mão. Tem toda a razão, Sr. Deputado! Tem toda a razão! Mas façam-no assumindo as responsabilidades e não a coberto de algo que nada tem a ver com o assunto. Assumam as vossas responsabilidades! Assumam-nas, dizendo: «Errámos. Errámos quando não quisemos dar ouvidos a ninguém e criámos nós, Governo do PS, uma enorme conflitualidade lá fora». Agora, o PS tem toda a legitimidade para querer emendar a mão desta, daquela ou daqueloutra maneira, o que não tem é o direito de o querer fazer escondido atrás de uma transposição de uma directiva.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Strecht Ribeiro, dispondo apenas de 42 copiosos segundos.

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados. Sr. Deputado Pedro da Vinha da Costa, peço desculpa, mas não é verdade o que disse. O senhor não leu a entrevista que dei ao Público, onde esclareci tudo.

Protestos do PSD.

Deixem-me acabar, Srs. Deputados!
Se os senhores previam, como dizem, a conflitualidade, então deveriam ter feito, na época, as emendas na proposta de lei de forma a evitá-las, coisa que não fizeram.

O Sr. Pedro da Vinha Costa (PSD): - E o senhor fez?!

O Orador: - Nós avançámos com a lei e, como fruto desse avanço, a redução veio a processar-se, cujo resultado final é este, quer os senhores gostem ou não. Esta é a verdade! E é isto que os trabalhadores portugueses devem ao PS.
Portanto, não há retórica, nem vossa, nem de qualquer outra bancada, que iluda esta questão!

O Sr. Pedro da Vinha Costa (PSD): - O senhor é que foi enganado e não eu!

O Orador: - Está enganado!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais.

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2 DE ABRIL DE 1998

O Sr. Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente à minha intervenção inicial, tendo presente as que intervenções produzidas e o debate havido entre os Srs. Deputados, gostaria de precisar apenas dois ou três pontos.
Julgo que é claro, tendo em conta este primeiro debate que os Srs. Deputados acabam de travar, que a proposta de lei apresentada pelo Governo não deve ser tomada como factor de agravamento de uma situação complexa.
Esta proposta de lei pisa, como pude referir de início, determinados terrenos comuns, do ponto de vista do seu objecto, com a chamada «lei das 40 horas», mas não é uma emenda de mão, nem sequer uma oportunidade, do ponto de vista do Governo, de fazer qualquer processo do passado. Os Srs. Deputados, naturalmente, têm todo o tempo, nesta legislatura, para introduzir, quando entenderem, essa revisão dos processos do passado - é uma prerrogativa vossa - e o Governo também tem toda a liberdade para reabrir, se o entender, no momento certo da sua
actividade e no exercício do seu mandato, esse dossier, mas não é isso que está a fazer. Isso tem de ficar claro aqui, porque não é isso que o Governo deseja, não é isso que o Governo propõe à Assembleia, não é a isso que convida.

O Sr. Pedro da Vinha Costa (PSD): - Então, entendam-se!

O Orador: - O que o Governo propõe é introduzir no ordenamento jurídico nacional em matéria laboral algumas disposições que não estão ainda contempladas e que
são as famosas prescrições mínimas que uma directiva propõe ao ordenamento jurídico nacional dos Estados-membros. Isso é feito não só para cumprir um compromisso que faz parte da nossa posição como Estado-membro da União Europeia mas, sobretudo, porque facilita e alimenta o desenvolvimento da concertação social e da negociação colectiva. Não é intenção do Governo contribuir minimamente para dificultar o processo de concertação social e de negociação colectiva, isto é, a negociação colectiva ao nível macro e a negociação colectiva (partilho da opinião já aqui expressa) mais, importante, que
é aquela que se faz ao nível micro. Não é propósito do Governo dificultar isto, mas, isso sim, criar condições para que vá em frente e para que acordos como os que se obtiveram recentemente no sector têxtil sejam cada vez mais a regra e não a excepção, porque é nesse terreno de conflitualidade, mas de negociação, entre parceiros que as grandes batalhas se travam neste domínio.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Ora essa! Mas se, antes, o Governo tivesse reconhecido as meias horas não havia necessidade de fazer isso agora!

O Orador: - Evidentemente que isso não leva a que o Governo se demita de legislar e actuar nos seus domínios próprios no sentido de facilitar esses processos e de regularizar e criar níveis mínimos nesta matéria, tendo em
conta, sobretudo, o desigual desenvolvimento da capacidade negocial dos vários sectores de actividade económica, dos trabalhadores e dos empresários desses sectores.
Por outro lado, o Programa do Governo é claro em matéria de tempo de trabalho, de saúde e de segurança no trabalho, e está a ser executado. Por isso, há pouco, talvez infringindo as boas regras ou as regras mais aceites de debate aqui, no Parlamento, não quis responder à pergunta da Sr.ª Deputada Odete Santos acerca da razão por a transposição era feita agora e não antes da Lei n.º 21/96. Estamos a executar um programa, mas estamos a executá-lo no País concreto e real que existe, em debate com os parceiros sociais que existem e com as forças políticas, ainda por cima com maioria neste Parlamento, que não apoiam o Governo e estamos a executá-lo conscientes de que é um processo histórico. Mas não aceitamos que tentem obscurecer o avanço histórico realizado, a marcha positiva. E deve-se a este Governo e ao PS, que o apoia aqui, no Parlamento, o progresso realizado, que estava a ser difícil noutros terrenos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - O progresso deve-se à luta dos trabalhadores!

O Orador: - Também aqui creio que a posição do Governo é clara: queremos que propostas de lei como esta se convertam em elementos para uma solução daquilo que julgo ser um desejo comum a todos, que é levar por diante um processo de redução do tempo de trabalho, porque isso é bom para o cidadão individualmente, é positivo do ponto de vista de emprego, permite mais oportunidades de desenvolvimento da personalidade de todos e pode ser compatibilizado com o crescimento económico. A experiência de outros países assim o demonstra e nós próprios estamos a conseguir, não com um quadro apocalíptico (como o que ressaltou das palavras do Sr. Deputado Nuno Correia da Silva), mas com unia conflitualidade laboral normal.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Normal? Quinze meses de greve é normal?!

O Orador: - Houve uma conflitualidade normal num país democrático e a redução avançou. Portugal nem por isso deixou de cumprir rigorosamente, milimetricamente, os critérios a que se comprometeu para poder estar hoje em condições plenas de participação na moeda única europeia. A conflitualidade faz parte da vida democrática, mas tem de ser enquadrada e gerida em mecanismos de concertação e de negociação. E essa a política que o Governo tem praticado e é essa a política que irá continuar a praticar, enquanto for governo.
Por último, quanto à pouca inovação desta proposta de lei, que alguém referiu. é verdade, e ainda bem, porque, se nós tivéssemos, nesta altura do «campeonato» da nossa vida laboral, de estar a inovar decididamente através da transposição de uma directiva. isso significava que todo o nosso ordenamento jurídico laboral era muito mais atrasado do que efectivamente é. Temos um ordenamento jurídico laboral que acompanha a generalidade dos países da União Europeia ....

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Ultimamente, tem acompanhado mal! Tem sido unia desgraça!

O Orador: - ... não tem zonas de desprotecção significativa e vai continuar a ser aperfeiçoado. Para isso, vão contribuir, naturalmente, não apenas o Governo e o PS, que o apoia, mas todas as forças sociais e políticas que estão interessadas no desenvolvimento económico e social do País. Aliás, vão ter agora uma oportunidade óptima para demonstrar a sua abertura a acordos de regime sobre domínios fundamentais da vida nacional, como o Sr. Primei-

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1868 I SÉRIE - NÚMERO 55

ro-Ministro há bem poucos dias aqui trouxe como desafio aos Srs. Deputados e aos partidos que representam.
Portanto, a transposição é tardia, efectivamente, porque não cumprimos o prazo que a própria Directiva impunha, mas é oportuna porque é feita num momento em que justamente não vai agravar o processo de concertação social, que é delicado e que tem tido avanços e recuos. Ou seja, teve um momento alto no acordo de 1996, teve desenvolvimentos muito positivos, mas também teve dificuldades conhecidas, que são públicas. Ainda tem algumas dificuldades, mas está em vésperas de novos desenvolvimentos, creio, muito positivos, com vista à preparação da economia e da sociedade portuguesas para o embate do euro. Julgo que, na concertação social - sou testemunha disso, porque tenho acompanhado muito do desenvolvimento desse trabalho , há uma consciência de todos os parceiros de que a hora é fundamental para dar avanços nesse plano.
Por isso, creio que a proposta de lei, como os Srs. Deputados poderão ver em sede de especialidade, é consistente e não põe minimamente em causa aquilo que está adquirido na nossa legislação. É certo que não inova muito nem traz grandes avanços, limita-se a generalizar e a regular. Inclusive - e retomo agora a questão inicial da Sr.ª Deputada Odete Santos a quem, na altura, não respondi para não misturar questões de pormenor com o debate que era inevitável que se fizesse em termos mais generalistas e, por isso, não me pareceu oportuno, da parte do Governo, fazer qualquer condicionamento nessa matéria -, o que é facto é que as derrogações que constam do artigo 12.º da proposta de lei respeitam a um conjunto de normas, como o descanso diário das 11 horas consecutivas, o limite de 8 horas de trabalho para os trabalhadores nocturnos, etc., que não estão ainda consagradas na legislação. nem sequer com o alcance sectorial limitado.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Eu perguntei-lhe sobre os descansos compensatórios!

O Orador: - E todas as derrogações do anteprojecto estão previstas no artigo 17.º da Directiva, nos seus pontos 2.2 e 2.1. Deste modo, não pode haver qualquer suspeição de que as derrogações que a proposta de lei contempla sejam elemento de regressão das condições de trabalho nos sectores a que respeitam.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não respondeu à minha pergunta! Eu disse que havia derrogações sobre os descansos compensatórios!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim dos nossos trabalhos de hoje.
A próxima reunião plenária realiza-se amanhã, quinta-feira, dia 2, com início às 15 horas. No período de antes da ordem do dia, haverá um debate de urgência, requerido pelo Grupo Parlamentar do PCP, sobre a utilização da Base das Lages pelas forças dos Estados Unidos para a operação contra o Iraque, e no período da ordem do dia a discussão conjunta da proposta de resolução n.º 79/VII (PSD) e do projecto de lei n.º 461/VII (CDS-PP), a discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 356/VII (CDS-PP) e a discussão, também na generalidade, do projecto de lei n.º 405/VII (PS).

Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 45 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.

Partido Social Democrata (PSD):

António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Moreira Barbosa de Melo.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Pedro Augusto Cunha Pinto.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António Alves Martinho.
António Bento da Silva Galamba.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
João Pedro da Silva Correia.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
Mário Manuel Videira Lopes.
Nelson Madeira Baltazar.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
João Calvão da Silva.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Francisco Amadeu Gonçalves Peixoto.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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