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Sexta-feira, 3 de Abril de 1998 I Série - Número 56

VII LEGISLATURA 3.ªSESSÃO LEGISLATIVA (1997-1998)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 2 DE ABRIL DE 1998

Presidente: Exmo. Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Exmos. Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca
José Ernesto Figueira dos Reis

SUMÁRIO

O Sr Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 20 minutos.
Antes de ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação do projecto de resolução n.º 85/VII, de requerimentos e da resposta a alguns outros
A Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP) anunciou a eleição do Sr. Deputado Luís Queiró como novo presidente do seu grupo parlamentar, tendo dirigido à Mesa e à Câmara palavras de saudação ao deixar de exercer aquele cargo.
Foi aprovado o voto n.º 1O8/V11 - De homenagem ao 3.º Congresso da Oposição Democrática, na passagem do seu 25.º aniversário (PS), que o Sr Deputado Rui Namorado apresentou, ao qual se associaram, além do Sr Presidente, os Srs. Deputados Lino de Carvalho (PCP), Guilherme Silva (PSD), Ferreira Ramos (CDS-PP) e Isabel Castro (Os Verdes).
Em declaração política, o Sr Deputado Mota Amaral (PSD) congratulou-se com a realização, em Lisboa, do I Fórum dos Presidentes dos Parlamentos Lusófonos, de cujos trabalhos deu conta, tendo louvado esta iniciativa do Sr Presidente da Assembleia da República. A propósito, usaram ainda da palavra os Srs. Deputados José Magalhães (PS), João Amaral (PCP) e Nuno Abecasis (CDS-PP).
Também em declaração política, o Sr Deputado Luís Queiró (CDS-PP), ao usar da palavra, pela primeira vez, na qualidade de presidente do seu grupo parlamentar, saudou a Assembleia e deu conta do XVI Congresso do seu partido. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Francisco de Assis (PS) e Luís Marques Mendes (PSD).
Procedeu-se a um debate de urgência, requerido pelo PCP, sobre a utilização da Base das Lages pelas forças dos Estados Unidos para a operação contra o Iraque, tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Costa) e do Sr Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas (José Lello), os Srs. Deputados João Amaral e Octávio Teixeira (PCP), Reis Leite (PSD), Nuno Abecasis (CDS-PP), Medeiros Ferreira (PS) e Isabel Castro (Os Verdes).
Ordem do dia. - Foram discutidos, conjuntamente, o projecto de resolução n.º 79/VII - Sobre o controlo antidoping (PSD) e o projecto de lei n.º 461/VII - Altera o Decreto-Lei n.º183/97, de 26 de Julho (Combate à dopagem no desporto (CDS-PP), tendo usado da palavra, a diverso título os Srs. Deputados Carlos Marta (PSD), Jorge Ferreira (CDS-PP), Domingos Cordeiro (PS) e Bernardino Soares (PCP).
Entretanto, na generalidade, foram aprovadas as propostas de lei n.º 1O4/VII - Estabelece os princípios em que se baseia a verificação da morte, tendo baixado à 1.ª Comissão e 156/VII - Transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva 93/1O4/CE, do Conselho, de 23 de Novembro relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho, tendo baixado à 8.ª Comissão.
Após aprovação do requerimento, cio PSD, de avocação a Plenário da votação, na especialidade, do artigo 11.º do texto final, apresentado pela Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, relativo à proposta de lei n.º 95/VII - Estabelece o regime de negociação colectiva e a participação dos trabalhadores da Administração Pública em regime de direito público, foi rejeitada a proposta de alteração ao mesmo artigo, apresentada pelo PSD, tendo usado da palavra os Srs. Deputados Moreira da Silva (PSD), Barbosa de Oliveira (PS), Nuno Correia da Silva (CDS-PP) e Rodeia Machado (PCP). Depois, em votação final global, foi aprovado o referido texto final.
Em votação final global, foram também aprovados o texto final, apresentado pela Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, relativo à proposta de lei n.º 1O6/VII - Altera o Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho (Princípios gerais em matéria de emprego público, remunerações e gestão de pessoal da Administração Pública), o texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo à proposta de lei n.º 133/VII - Altera o artigo 1817º do Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de Novembro de 1966, na redacção do Decreto-Lei n.º 49617 de 25 de Novembro, e o texto final, apresentado pela Comissão Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo ao projecto de lei n.º 15/VII - Revoga e substitui o Estatuto do Direito de Oposição (PS).
A Câmara aprovou, ainda, um relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativo à substituição de um Deputado do PSD e um parecer da mes-

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ma Comissão autorizando um Deputado do PSD a depor, por escrito, em tribunal.
O projecto de lei n.º 356/VII - Criação do Museu Nacional da Floresta (CDS-PP), foi discutido na generalidade, tendo usado da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP), Fernando Pereira Marques (PS), João Poças Santos e Roleira Marinho (PSD), Ana Catarina Mendonça (PS), Bernardino Soares (PCP) e Heloísa Apolónia (Os Verdes).
Por fim, foi discutido também na generalidade, o projecto de lei n.º 405/VII - Cria um programa de educação para a cidadania no 3.º ciclo do ensino básico (PS), sobre o qual usaram da palavra, a diverso título os Srs. Deputados Fernando Pereira Marques (PS), Castro de Almeida (PSD), Nuno Correia da Silva (CDS-PP), António Filipe (PCP) e Heloísa Apolónia (Os Verdes).
0 Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 15 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Guimarães Fernandes Dias.
António Manuel Carmo Saleiro.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Pedro da Silva Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Júlio Meirinhos Santanas.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Rodrigues Costa de Brito.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Eduarda Bento Alves Ferronha.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Mário Manuel Videira Lopes.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Paulo Jorge Lúcio Arsênio.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Américo de Sequeira.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Roleira Marinho.
António Soares Gomes.

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Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Carlos Eugénio Pereira de Brito.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Domingos Dias Gomes.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Manuel Costa Pereira. José Mendes Bota.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria de Lourdes Lara Teixeira.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguei Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Francisco Amadeu Gonçalves Peixoto.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Rui Miguei Gama Vasconcelos Pedrosa de Moura.
Silvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Joaquim Manuel da Fonseca Matias.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos. Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Deputado independente:

José Mário de Lemos Damião.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os diplomas, os requerimentos e as respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, e foi aceite, o projecto de resolução n.º 85/VII - Sobre a audição prévia das 2.º e 3.º comissões parlamentares, sempre que seja aplicado o Artigo I do Acordo Técnico anexo ao Acordo de Cooperação e Defesa entre Portugal e os Estados Unidos (PCP).
Nas últimas reuniões plenárias, foram apresentados à Mesa os seguintes requerimentos: na reunião plenária de 26 de Março de 1998 - à Secretaria de Estado da Administração Educativa, formulado pela Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça; à Secretaria de Estado da Administração Pública, formulado pelo Sr. Deputado Barbosa de Oliveira; ao Ministério da Saúde, formulados pelos Srs. Deputados Francisco Valente e Lemos Damião; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Costa Pereira; ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho; aos Ministérios da Administração Interna e do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado José Cesário; ao Ministério do Trabalho e da Solidariedade, formulados pelo Sr. Deputado António Rodrigues;

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ao Ministério da Economia, formulado pelo Sr. Deputado Roleira Marinho; ao Alto Comissário para a Imigração e as Minorias Étnicas e aos Ministérios do Trabalho e da Solidariedade e da Educação, formulados pelo Sr. Deputado António Filipe; aos Ministérios da Educação e da Saúde, formulados pelo Sr. Deputado Bernardino Soares; a diversas Secretarias de Estado, formulados pelo Sr. Deputado José Calçada; aos Ministérios das Finanças, da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulados pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; ao Governo, formulado pela Sr.ª Deputada Isabel Castro.
Na reunião plenária de 27 de Março de 1998 - ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Cláudio Monteiro e Mota Amaral; aos Ministérios da Educação e do Trabalho e da Solidariedade, formulado pelo Sr. Deputado Soares Gomes; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Nuno Abecasis; ao Ministério da Saúde, formulado pela Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
No dia 31 de Março de 1998 - ao Ministério da Educação, formulados pelo Sr. Deputado Castro de Almeida; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado João Amaral: ao Ministério da Economia, formulado pelo Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.
O Governo respondeu, no dia 31 de Março de 1998, aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Francisco Torres, no dia 10 de Novembro; Maria Celeste Correia, na sessão de 26 de Novembro; Isabel Castro, na sessão de 27 de Novembro: Aires de Carvalho, na sessão de 23 de Janeiro; José Saraiva, na sessão de 11 de Fevereiro.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para declarações políticas, os Srs. Deputados Mota Amaral e Luís Queiró, mas, antes, a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto pede a palavra, para uma interpelação à Mesa.
Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): Sr. Presidente, é para, através da Mesa, informar a Câmara que foi eleito para Presidente do Grupo Parlamentar do CDS-PP o Sr. Deputado Luís Queiró.
No momento em que cesso as minhas funções, gostava de proferir umas palavras.
Começo por dirigir-me a V. Ex.ª, Sr. Presidente, para agradecer toda a disponibilidade e isenção que, ao longo do meu mandato, demonstrou para com este grupo parlamentar e, ainda, a sabedoria que V. Ex.ª colocou na solução de alguns problemas mais delicados que sempre vão surgindo nestas lides. Permito-me, ainda, agradecer-lhe o conselho amigo que sempre me deu quando lho pedi e com que nunca me faltou.
Quero agradecer à Mesa da Assembleia, particularmente ao Sr. Deputado Artur Penedos que me ajudou nalguns «tropeços» regimentais devidos, em grande parte, à minha inexperiência inicial. Agradeço-lhe muito essa ajuda, que foi preciosa em todo o momento.
Quero agradecer a todas as bancadas, na pessoa dos seus líderes parlamentares, e a todos os Deputados que, directa ou indirectamente, connosco trabalharam.
Quero agradecer, ainda, aos Deputados da minha bancada que me permitiram ter esta experiência em que, penso, privilegiámos sempre o respeito pelo eleitorado que - votou em nós e a imagem do partido a que pertencemos e, também, por terem contribuído grandemente para que tivéssemos construído um ambiente de trabalho pautado pelo respeito, pela liberdade individual de cada um e pela unidade.
Finalmente, quero desejar ao meu colega e amigo, Dr. Luís Queiró, muitas felicidades no desempenho do seu cargo e que ele guarde da sua experiência uma memória tão bonita como a que decerto vou guardar da minha própria.
Muito obrigada.

Aplausos do CDS-PP, de pé, do PS. do PSD, do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, muito obrigado pelas suas referências amáveis. Eu é que tenho de agradecer o prazer de ter podido colaborar consigo na qualidade de líder da sua bancada parlamentar. Creio que todos nós temos o mesmo sentimento de gratidão, de simpatia e de admiração por si. Pode ter a certeza de que continuaremos a desejar vê-la nessa bancada, a fazer as intervenções sempre sensatas e pertinentes que fez.
Para o Dr. Luís Queiró as minhas felicitações e a certeza de que terá a mesma leal colaboração por parte da Mesa da Assembleia e do seu Presidente.
Srs. Deputados, creio que há consenso no sentido de passarmos de imediato à apreciação, e posterior votação, do voto n.º 1O8/VII - De homenagem ao 3.º Congresso da Oposição Democrática, na passagem do seu 25.º aniversário, apresentado pelo PS, que vai ser lido.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, é o seguinte:

Foi há 25 anos que, em Aveiro, se reuniu o 3.º Congresso da Oposição Democrática.
Acto colectivo de afirmação cívica e de resistência, representou em si próprio a teimosia da esperança. Lugar de convergência de propostas e de troca de ideias, provou que a ética democrática da recusa do salazarismo tinha um suporte programático relevante.
Em Aveiro, em 1973, ganhou corpo e consistência uma alternativa democrática diversificada e decidida.
Hoje, sabemos que esse Congresso foi já um dos episódios do estertor de um regime autoritário e antidemocrático. Os melhores dos textos nele discutidos viriam, no ano seguinte, a contribuir para os alicerces da nossa democracia.
Por isso, a Assembleia da República presta homenagem, através deste voto, ao 3.º Congresso da Oposição Democrática de Aveiro, aos congressistas de então, bem como a todos os que contribuíram para a sua realização.
A coragem, a inteligência, a maturidade cívica que desabrocharam colectivamente pouco depois, em Abril de 1974, contribuindo para a fundação desta nossa democracia, foram alimentadas e preparadas por muitos pequenos e grandes actos de afirmação política. Este Congresso foi um dos mais relevantes.
Hoje, sabemos que há 25 anos, em Aveiro, se deu um passo importante rumo a um futuro de liberdade. Sendo esta Assembleia da República um dos frutos e dos pilares desse futuro, ao prestar esta homenagem reconhece-se no sentido essencial desse Congresso - a ambição democrática.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Namorado.

O Sr. Rui Namorado (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para o Grupo Parlamentar do PS, este voto que

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propõe à Assembleia é, em primeira linha, um voto de homenagem à democracia. Mas como nenhuma democracia se pode construir sem democratas, sem homens e mulheres concretos que se batam por ela e a pratiquem, esta homenagem é também dirigida aos congressistas de 1973.
No entanto, esse 3.º Congresso da Oposição Democrática, marco da luta contra o fascismo salazarista, não surgiu como oásis num deserto de passividade e conformismo. Captou e exprimiu uma energia democrática produzida em repetidos actos de resistência e potenciadora de um persistente sonho de liberdade que viveu longamente na maior parte do nosso povo. Há, pois, também neste voto uma saudação a um património acumulado de amor à liberdade que se construiu ao longo de quase meio século de ditadura. Saudação tanto mais apropriada quanto, verdadeiramente, ela se dirige ao que esperamos haver de melhor no nosso futuro colectivo.
Dentro desse espírito, não podemos deixar de evocar o simbolismo e o significado do facto de esse Congresso ter decorrido em Aveiro. Deu-se assim continuidade a uma generosa tradição de luta pela liberdade que, ao longo do tempo, aí amadureceu. Os congressos da democracia poderiam, é certo, ter decorrido em qualquer outro lugar, mas foi feliz a escolha de Aveiro que, assim, os colocou dentro do que de melhor tem a sua história como lugar de liberdade.
Hoje, sabemos que o 3.º Congresso da Oposição Democrática foi o prenúncio de um estertor anunciado do fascismo salazarista. Mas realizá-lo naquela época foi um acto de resistência e uma aposta na democracia, carregada de esperança, mas também determinada a persistir fosse qual fosse o tempo de escuridão que ainda nos esperasse.
Os esbirros e os corvos do fascismo estiveram desesperadamente activos nesses dias. Houve mesmo, nas ruas, demonstrações concretas de violência. As estradas foram bloqueadas. O regime, forçado à pequena abertura de autorizar o Congresso, temia-lhe as consequências. Tinha razão.
Se lermos hoje alguns dos textos mais consistentes apresentados ao Congresso, surpreenderemos neles múltiplos sinais, múltiplas propostas, muitas questões, que viriam a tornar-se-nos familiares um ano depois, após o 25 de Abril de 1974. Por exemplo, sem desprimor para outros e homenageando todos os que enviaram textos ao Congresso através dele, poderemos recordar a tese de José Medeiros Ferreira, que hoje se senta entre nós, em que se afirmava, como eixos projectivos, a necessidade de se descolonizar, de se democratizar, de se desenvolver. Ou seja, os célebres três dd que, pouco mais de um ano depois, viriam a marear profundamente o horizonte político português.
A memória dos actos futurantes é o contrário de um saudosismo imobilista porque nos recorda a vocação libertadora de tudo o que é humano. Por isso, recordamos esse Congresso homenageando-o, homenageando nele os sinais de democracia e liberdade que soube enviar para o futuro.
Mas, ao prestarmos esta homenagem, devemos também assumir com autenticidade que a democracia não é um estado natural que se colha através da passividade.
A democracia é a invenção da liberdade, o exercício da justiça, a disponibilidade para resistir aos seus inimigos. No fundo, é a ela que prestamos homenagem.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi há 25 anos que o fascismo, contra a sua vontade, foi obrigado a aceitar a realização do 3.º Congresso da Oposição Democrática que não foi um congresso qualquer.
Na sequência das eleições de 1969, em que a oposição abriu um novo caminho no combate à ditadura com base numa enorme imobilização da vontade popular, o 3.º Congresso da Oposição Democrática reuniu, de 4 a 8 de Abril, em Aveiro, mais de 4000 congressistas, dos quais cerca de 500 constituíam uma comissão nacional, que apresentaram quase 200 teses, metade das quais colectivas, com presenças de membros de todos os distritos do País.
O Congresso valeu por si, Sr. Presidente, como um acto que, seguramente, acelerou o caminho para o 25 de Abril. Mas valeu também por todo o trabalho preparatório e pela forma como se conjugou com outras lutas e outros momentos da luta contra a ditadura. Este foi o momento alto no caminho para a liberdade.
Nas suas três principais conclusões da declaração final, pode ler-se que o Congresso definiu como objectivos a luta pelo fim da guerra colonial, a luta contra o poder absoluto do capital monopolista, a conquista das liberdades democráticas. Muitas destas conclusões foram depois traduzidas no Programa do MFA, cerca de um ano depois.
O regime fascista temeu o Congresso e, por isso, desencadeou contra ele uma brutal repressão, traduzida na forte carga policial aquando da romagem à campa de Mário Sacramento, na manhã de um dos dias do Congresso, que produziu mais de 70 feridos.
Ainda hoje me recordo, Sr. Presidente, da forma solidária como a população de Aveiro nos abria as portas de suas casas para nos refugiarmos das bastonadas e das perseguições da polícia de choque.
Assim, não quero deixar de recordar neste momento todos quantos estiveram em Aveiro e todos quantos contribuíram para a realização do Congresso: os comunistas, seguramente, que tiveram um papel importante na preparação, na definição dos contornos e na mobilização popular. Mas os comunistas não estiveram sozinhos. Com eles estiveram os socialistas, muitos dos quais vejo sentados naquela bancada neste momento, os que na altura eram chamados católicos progressistas e muitos outros democratas que, hoje, se espalham pelas várias bancadas deste Parlamento.
É por isso, Sr. Presidente, que, neste momento, não posso deixar de associar-me a este voto que gostaria que, no respeito pelo espírito do Congresso, tivesse sido posto à assinatura das outras bancadas e de outros Deputados desta Assembleia.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Contudo, Sr. Presidente, neste momento em que comemoramos os 25 anos do Congresso de Aveiro, fica bem recordar o apelo final da carta-testamento de Mário Sacramento, que o Prof. Lindley Cintra citou na sua intervenção de encerramento do Congresso, que dizia: «Façam um mundo melhor, ouviram? Não me obriguem a voltar cá!». É para isso que aqui estamos e é para isso que temos de dialogar.

Aplausos do PCP, do PS, do PSD e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

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O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, para quem viveu ainda sob o regime da ditadura e recorda que, há 25 anos, a «primavera marcelista» já se tinha apagado e estávamos já numa fase em que o autoritarismo e a repressão se tinham de novo reforçado, em plena guerra colonial, o que sentimos dever salientar aqui é a coragem dos homens que fizeram o Congresso de Aveiro. Era preciso coragem, uma coragem profunda, para, naquela altura, com a perseguição e com a repressão à liberdade, a todas as liberdades, designadamente à liberdade de expressão, de associação e de manifestação, estes homens, em circunstâncias que, todos recordamos, foram particularmente difíceis, terem feito este Congresso.
Isto, leva-nos a ponderar e a reflectir que, efectivamente, a democracia não começou com o 25 de Abril, começou antes. A construção, as bases, as raízes que permitiram o 25 de Abril passaram por manifestações como esta, como foi o Congresso de Aveiro. Quem teve oportunidade na altura de, por mãos amigas, chegar aos textos que foram as reflexões produzidas nesse Congresso, uma vez que, infelizmente, a censura da época não permitia à comunicação social trazer esses textos e divulgá-los, sente, sem nenhuma dúvida, que o espírito gerado no Congresso de Aveiro permitiu que, mais tarde, já depois do 215 de Abril, quando houve algumas tentativas de desvio de uma linha pela liberdade e pelo pluralismo, esse espírito tenha feito escola, tenha feito doutrina, tenha criado as suas raízes.
É esse espírito que devemos perpetrar e continuar na nossa acção política de todos os dias, na Assembleia da República e fora dela. Felizmente temos ainda hoje entre nós alguns dos participantes desse Congresso, se bem que muitos deles, infelizmente, já tenham falecido. A esses presto a nossa homenagem com sentido redobrado.
Este voto, como aqui foi dito, apesar de ser apresentado por um grupo parlamentar, é um voto, estou certo, de todos os grupos parlamentares, de todos os Deputados desta Câmara, de todos os portugueses, que passaram a saber o que é a liberdade, a amá-la, a agarrá-la e a manter o espírito de Aveiro de forma a que continue de geração em geração.

Aplausos do PSD, do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos.

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero, em nome do meu partido, associar-me a este voto de homenagem ao 3.º Congresso da Oposição Democrática, realizado em Aveiro, e dizer que, mesmo num regime autoritário, Aveiro soube estar à altura da sua tradição, ou seja, soube ser um espaço de tolerância, de liberdade, de modernidade e de desenvolvimento. Direi até que, se calhar, Aveiro seria dos poucos sítios onde este Congresso poderia ter ocorrido, e ainda hoje Aveiro sabe respeitar estes valores democráticos.
Também nós, que não tivemos a coragem ou a possibilidade de estar presentes, reconhecemos o brilhantismo de algumas ideias expressas nesse Congresso e temos o privilégio de hoje, aqui, compartilhar essa experiência democrática com alguns dos seus intervenientes, permitindo-me salientar o Professor Medeiros Ferreira. cujas opiniões ainda hoje mantêm muita perspicácia.
Independentemente de tudo, permitam-me que diga que também nós queremos fazer um mundo melhor e participar nessa construção.

Aplausos do CDS-PP, do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Associamo-nos inteiramente a este voto, que evoca um tempo, do nosso ponto de vista, extremamente importante, um tempo de passagem, um tempo de sinal de que aquilo que, durante anos, muitas pessoas tinham lançado como semente em luta pela liberdade alcançou, com o Congresso de Aveiro, uma dimensão nova. E a dimensão nova foi aquela que, depois, o 25 de Abril trouxe de uma forma mais alargada à luz: a democracia e a liberdade.
Julgo que lembrar Aveiro é lembrar aqueles que, muito antes de nós, agiram e lutaram no seu país pela liberdade de que hoje todos usufruímos. Lembrar Aveiro é lembrar os valores pelos quais as pessoas devem lutar. Lembrar Aveiro julgo que é também lembrar uma mensagem que ainda hoje continua a fazer sentido no nosso país porque a democracia, mais do que direitos formais, é vivência, é construção, e essa, seguramente, é quotidiana e ainda hoje tem expressão, ainda hoje requer de todos nós que continuemos a agir para credibilizar as instituições e para dar sentido a uma democracia plena, a uma democracia equilibrada, a uma democracia onde não haja exclusão, onde não haja racismos, onde os direitos sejam vividos e a liberdade seja plena.
Para nós, esse é também o sentido que lembrar Aveiro e lembrar aqueles que lhe deram corpo continua a ter.

Aplausos de Os Verdes, do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há 25 anos não estive em Aveiro, porque estava em Moçambique, mas mandei uma mensagem que a PIDE não gostou nada, absolutamente nada, de ler.
No próximo sábado não estarei em Aveiro porque volto a estar em Moçambique - é destino meu estar sempre a invocar este impedimento! -, mas vou mandar outra mensagem a justificar a minha ausência e a homenagear os resistentes que então se reuniram em Aveiro e aos quais devemos, em grande medida, a liberdade de que hoje gozamos.
A liberdade e a democracia são um edifício onde se amontoaram muitas pedras vivas, e em que se empenharam muitos que já não puderam ver a aurora de liberdade, que foi o 25 de Abril, mas acho que, mesmo esses, continuam vivos na nossa memória apesar de já terem deixado a nossa companhia.
Queridos amigos, acho que esta evocação foi muito feliz, desejando aos novos congressistas de Aveiro, agora rememorando os tempos da resistência, um sábado feliz de congratulação por esta maravilha de sermos livres e de sermos democratas e por termos deixado de ter medo.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto n.º 1O8/VII - De homenagem ao 3.º Congresso da Oposição Democrática, na passagem do seu 25.º aniversário, apresentado pelo PS.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o voto vai ser transmitido aos «conjurados» do próximo sábado.
Srs. Deputados, encontra-se a assistir aos nossos trabalhos uma representação de países africanos de expressão portuguesa: Edgar Martins, em representação de Angola; Fernando Ferreira, em representação de Cabo Verde; Monforte Mitau, em representação de Moçambique; Orlando Graça, em representação de S. Tomé; Ivo Djalo, em representação da Guiné-Bissau; e a Sr.ª D. Maria Auxiliadora Figueira, em representação da CPLP. Estão em Portugal a convite do Partido Social Democrata.
Encontra-se também a assistir um grupo de funcionários políticos da Guiné-Bissau que se deslocaram a Portugal a convite do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Além destes, assistem aos nossos trabalhos um grupo de 23 alunos do Colégio Marista, de Carcavelos; um grupo de alunos da Escola Secundária Fernão de Magalhães, de Chaves; um grupo de 20 alunos da Escola Secundária da Moita e um grupo de 124 alunos de diversas escolas patrocinadas pela Câmara Municipal do Fundão.
Envolvamo-los a todos numa calorosa ovação.

Aplausos gerais, de pé.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Mota Amaral.

O Sr. Mota Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs Deputadas e Srs. Deputados: Não deve demorar-se menção expressa nesta Câmara, para que conste das respectivas actas, da importante iniciativa do Presidente Almeida Santos, ao reunir em Lisboa, nos dias 20 e 21 de Março, os presidentes dos parlamentos dos sete países de língua portuguesa. O objectivo é óbvio e merece total apoio e aplauso!
A comunhão de língua e a partilha de História por parte de um número tão significativo de países, espalhados por três continentes e envolvendo perto de duzentos milhões de pessoas, não pode deixar de ter uma projecção política significativa.
Num mundo tornado cada vez mais pequeno, pelos vertiginosos progressos da tecnologia, os Estados, isoladamente, têm menos força. A cooperação internacional impõe-se mesmo como necessária para realizar interesses económicos, ecológicos, de segurança colectiva, que ultrapassam as fronteiras estaduais. Os factores aglutinadores de tal cooperação são também muito variados. A língua, como expressão do verbo, que está no princípio de tudo, não será decerto dos menos importantes.
A criação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, verificada no Verão de 1996, veio precisamente dar expressão institucional a tais realidades. O processo de gestação da nova entidade foi lento e conturbado. O arranque da sua actividade tem sido muito moderadamente auspicioso. Impõe-se fazer mais e ir mais além!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O projecto geopolítico da lusofonia exige arrojo e um forte compromisso dos países participantes. Ora, a verdade é que todos eles, a começar por Portugal, estão assoberbados por desafios de muito diversa natureza, alguns dos quais se revelam mesmo esmagadores, por razões de proximidade geográfica e imediata prioridade. Se para nós as questões europeias absorvem energias, a começar pelas dos governantes, e sem esquecer os outros decisores sociais, situações análogas confrontam os nossos parceiros da CPLP. Um projecto de tanto fôlego só pode prosseguir-se em total liberdade, com clara percepção dos interesses comuns e sem prejuízo do envolvimento de cada país nas outras alianças que entender convenientes. A realização de tal projecto reclama firmeza e perseverança - tudo se deve promover para assegurar a sua vitalidade!
E, por isso, inadmissível que o Governo não tenha ainda concluído o processo de definição do estatuto da CPLP, da sua sede e dos que nela prestam serviço, o qual só pode ser o corrente para as entidades internacionais que operam em Portugal. Isto se não for possível ir mesmo mais além, para exprimir o nosso apreço pela Comunidade, correspondendo, por outro lado, às responsabilidades de país-hospedeiro e ao evidente interesse nacional de tal posição.
Convém, a este respeito, recordar que a manutenção de laços privilegiados de amizade e cooperação com os países de língua portuguesa é, para Portugal, um imperativo consagrado na própria Constituição, logo nos seus primeiros artigos, correspondendo plenamente ao sentir comum do povo português. Esta alusão à Lei Fundamental é especialmente oportuna no dia de hoje, 2 de Abril, quando se completam vinte e dois anos sobre a aprovação solene da mesma, neste histórico Hemiciclo do Palácio de São Bento. É pena que, de entre os Deputados à Assembleia Constituinte, que assinaram o autógrafo da Constituição, apenas alguns poucos (nove ao todo, salvo erro) tenham agora, em efectividade, assento nesta Câmara.
Sr. Presidente. Sr.ªs Deputadas e Srs. Deputados: A dimensão parlamentar do CPLP foi esquecida na fase fundacional. Não podemos aceitar que tal estado de coisas se mantenha! Os parlamentos são os legítimos representantes directos do povo de cada país. Esta Comunidade, em que tanto contam os laços de sangue, não pode esgotar-se no plano intergovernamental. O envolvimento dos parlamentos é mesmo indispensável para lhe assegurar uma forte componente humana e afectiva. Face à modorra existente, pode até funcionar como impulso dinamizador.
Estamos, pois, todos de parabéns pela iniciativa do Presidente Almeida Santos. Tendo participado na delegação portuguesa ao 1.º Fórum dos Presidentes dos Parlamentos Lusófonos, por designação do PSD, posso testemunhar o entusiasmo do nosso Presidente nesses trabalhos, a sua criatividade, a refinada diplomacia, o patriotismo e a grande paixão pelo projecto da lusofonia e pelos países que falam a nossa mesma língua, em especial, por razões conhecidas, os africanos - tudo ingredientes decisivos do sucesso alcançado.
Foi decidido, por unanimidade das representações presentes em Lisboa, a convite da Assembleia da República - Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné, Moçambique e São Tomé e Príncipe - a constituição do Fórum dos Parlamentos de Língua Portuguesa, com sede inicialmente em Lisboa e reuniões anuais rodando pelas capitais dos países-membros, a do próximo ano marcada já, a convite da respectiva delegação, para Maputo, Moçambique. Reconheceu-se a necessidade de intensificar a cooperação no domínio parlamentar, mediante o intercâmbio de experiências e a promoção de iniciativas conjuntas. Foi concretizado, em documento complementar da declaração constitutiva do Fórum, o lançamento, em breve, de uma rede telemática interparlamentar. Neste domínio, a reconhecida expertise do Sr. Deputado José Magalhães, membro também da

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nossa delegação, por parte do PS, deu provas decisivas de instrumental eficácia.
Considero de especial importância a inclusão, entre os objectivos do Fórum dos Parlamentos de Língua Portuguesa, do compromisso para a defesa e fortalecimento da democracia em todos os Estados-membros, bem como a luta, em comum adoptada, contra a xenofobia, o racismo, a discriminação social.
Em qualquer dimensão do projecto da lusofonia, o papel do Brasil é fundamental. E, pois, de bom augúrio que o Presidente do Senado e do Congresso e grande senhor da política brasileira, António Carlos Magalhães, correspondendo gentilmente ao convite do Presidente Almeida Santos, tenha querido marcar, em Lisboa, para este Fórum fundador, uma presença actuante e entusiástica.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O empenho dos presidentes dos dois parlamentos pode ajudar a resolver - assim espero -, em meu nome pessoal e em nome do Grupo Parlamentar do PSD, delicados problemas pendentes no relacionamento bilateral entre Portugal e o Brasil. A questão dos dentistas brasileiros que trabalham entre nós arrasta-se há tempo demais: felizmente, há agora sinais de que vai ter solução em breve. E a reciprocidade de direitos dos cidadãos dos dois países, que tanto empanou o brilho da visita do Presidente Jorge Sampaio ao Brasil, no ano passado, exige também uma resposta, pois está prejudicando os interesses da numerosa comunidade portuguesa estabelecida em terras brasileiras.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em tempos, o Primeiro-Ministro António Guterres apontou o Brasil como a prioridade das prioridades da política externa do Governo. É bom que se faça alguma coisa para tirar conclusões práticas, no domínio referido, de tão estrondosa proclamação. O fortalecimento dos laços luso-brasileiros só pode ter efeitos positivos sobre a dinâmica do projecto lusófono, em cujo âmbito alguns dos problemas referidos, e outros análogos, também se manifestam.
A latitude dos objectivos, aliás, não exclui, antes inculca, a construção por pequenos passos. Merece por isso destaque e louvor o recente acordo celebrado entre Portugal e Cabo Verde acerca de delicados assuntos monetários e financeiros - por sinal um passo em frente, e não assim tão pequeno, afinal, no aproveitamento das vantagens mútuas do diálogo lusófono, potenciando a pertença de Portugal à União Europeia.
Sr. Presidente, Sr.ªs Deputadas e Srs. Deputados: O Fórum dos Parlamentos de Língua Portuguesa, agora criado, é apenas um primeiro passo na participação parlamentar no projecto lusófono. E legítimo ter em mira a passagem para formas superiores de envolvimento, como seria uma Assembleia Parlamentar da CPLP, composta por delegações eleitas pelos parlamentos dos Estados membros, como acontece no Conselho da Europa, na NATO e em outras entidades internacionais importantes. Fala-se em que uma evolução deste tipo virá também a verificar-se, no âmbito da reforma em curso da Organização das Nações Unidas.
Mais remoto parece o sonho de um Parlamento da CPLP, eleito directamente pelos povos respectivos, à imagem e semelhança do Parlamento Europeu. Com audácia,
o Presidente Almeida Santos apontou também este objectivo, olhando já, visionário, para o século XXI...
A Assembleia da República deve agora - e quanto mais depressa melhor - ratificar os documentos habilmente negociados pelo nosso Presidente. Apreciados com urgência na comissão competente, será possível votar o seu conteúdo, sob a forma de resolução, numa próxima oportunidade.
Será esta a melhor maneira de mostrarmos aos outros Parlamentos dos países de língua portuguesa o empenho da Assembleia da República neste empreendimento de interesse comum. Será também, decerto, a melhor maneira de testemunharmos todos, ao Presidente Almeida Santos, quanto apreciamos mais este serviço prestado por ele ao prestígio da instituição parlamentar, bem como, evidentemente, a Portugal.

Aplausos do PSD e do Sr. Deputado do PS, Carlos Luís.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Mota Amaral, muito obrigado pelas amáveis referências que fez à minha iniciativa. Só alguém da sua altura política é que poderia ter tomado esta atitude tão simpática.
De facto, foi bom que o tivesse feito, porque empresto o maior relevo à cimeira que teve lugar em Lisboa e que, praticamente, não conseguiu o mais pequeno lugar nas páginas dos nossos jornais. Mas o que interessa é o que se faz e não o eco público do que se faz!
Tenha, pois, a certeza de que na execução do que acordámos vamos ser o mais exigentes em relação a nós próprios.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Mota Amaral, em nome da bancada do Partido Socialista, gostaria de sublinhar a nossa concordância com o apreço que revelou pelos resultados da cimeira realizada, há dias, nas instalações da Assembleia da República, na qual tive, de resto, por indicação do Sr. Presidente da Assembleia da República, o gosto de poder participar.
Esta cimeira foi um importante virar de página e dela resultaram decisões concretas. E isso, francamente, Sr. Presidente, conforta-nos.
Por um lado, o impulso que deu - o Sr. Presidente teve aqui um papel pessoal que também nos apraz sublinhar - teve, desde logo, frutos, pois virá a Plenário, na altura própria, a ratificação da criação da nova entidade: o Fórum dos Parlamentos da Língua Portuguesa, que é uma estrutura com vocação permanente e com missões muito precisas definidas na declaração institutiva.
Por outro lado, foi aprovada uma declaração sobre o uso de novas tecnologias para o reforço da cooperação interparlamentar entre os parlamentos de língua portuguesa.
O Sr. Deputado Mota Amaral teve ocasião de acompanhar, dia-a-dia, a elaboração desse corpo de vinculações e, Srs. Deputados, acreditem!, trata-se de um pesado e muito relevante caderno de encargos.
Historicamente, na sala D. Maria, foi assinada pelos representantes e presidentes dos parlamentos de língua portuguesa uma vinculação a um conjunto de actos de estudo de problemas comuns suscitados pelo novo ambiente digital, designadamente, e traduzidos num conjunto de li-

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nhas de cooperação que vão implicar esforços da generalidade dos Deputados para que seja possível levar a cabo aquela «carta a Garcia», que nos interessa, seguramente, a todos.
O Sr. Deputado Mota Amaral aproveitou ainda para fazer observações, situadas num outro plano, relacionadas com a marcha da CPLP, que não podem merecer a nossa concordância. Nove meses depois da tomada de posse do Governo que hoje rege o País, era instituída a CPLP; depois teve lugar a instituição da componente autárquica; as ONG fazem a sua marcha, segundo o seu ritmo - que podemos encorajar mas não podemos ditar! -, rumo a formas mais aperfeiçoadas de cooperação.
Por fim, o Sr. Deputado desembocou numa declaração que merece, essa sim, de novo, todo o nosso apreço. E a forma como a sinto é esta: não há limite para o sonho de uma comunidade lusófona,...

O Sr. Carlos Luís (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... mas é necessário praticar actos. Pela nossa parte, estamos convictos de que estamos a fazê-lo. E, Sr. Presidente da Assembleia da República, naquela sala, naquele dia histórico de sábado, foi praticado um acto muito importante no que diz respeito à cooperação interparlamentar.
Saudamos V. Ex.ª, cumprimentando o Sr. Deputado Mota Amaral por ter dado um fiel tributo e por ter feito uma boa descrição do que ali se passou e declaramos., Sr. Presidente, que estamos de alma e coração nesse projecto. Connosco e com as demais bancadas parlamentares será construído um bom fórum dos países de língua portuguesa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado José Magalhães, mas sem a sua experiência em matéria de novas tecnologias não teria sido possível assinar, sobre esse aspecto, uma declaração conjunta tão perfeita como a que assinámos.
Voltaremos a ter oportunidade de discutir este assunto quando tivermos de ratificar os textos que aprovámos.
Sr. Deputado João Amaral, antes de dar-lhe a palavra, aproveito para agradecer a sua colaboração, que foi preciosa na maneira como puderam ser recebidas as delegações, que foram daqui encantadas com Lisboa.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também queríamos saudar a iniciativa de reunir, em Lisboa, representantes dos parlamentos dos sete países de língua portuguesa e de, através dessa reunião, ter sido possível lançar as bases de uma efectiva cooperação entre os parlamentos, o que significará uma maior cooperação entre os países.
O problema da CPLP é exactamente esse, o de ir dando os passos necessários. A CPLP não é um «terminal» já construído mas, sim, algo que se tem de construir caminhando, e os passos que aqui foram dados, na Assembleia da República, designadamente com a inspiração e o apoio do Sr. Presidente, são muito importantes.
Essa importância releva, nomeadamente, pelo facto de o nível de representação dos parlamentos ser qualitativamente diferente do da representação dos governos. Enquanto os governos são executivos que, com toda a legitimidade, representam os seus países nos termos constitucionais, mas que superintendem na administração e fazem uma representação que é a do país no seu contexto concreto, os parlamentos representam uma diversidade de posições e, nessa medida, a participação dos parlamentos nesta obra comum é muito importante, porque permite o apport das diferentes forças políticas.
Tal como o Sr. Presidente assinalou, tive oportunidade de receber e de me despedir, na sala do aeroporto, da generalidade das delegações, tendo constatado que elas eram constituídas por variada representação partidária.
Entendo que é importante que assim seja e, nessa medida, expresso ao Sr. Presidente a nossa posição de que, em qualquer outra realização deste tipo, também a representação do Parlamento português deva ser tão variada como, por exemplo, a do Parlamento moçambicano, que nos deu, quanto a esse ponto, uma lição.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Assim se fará, Sr. Deputado.
Sr. Deputado Mota Amaral, não sei se pretende dizer algo, porque não houve propriamente pedidos de esclarecimento, mas, sim, referências à sua intervenção.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Mota Amaral (PSD): -- Sr. Presidente, quero apenas agradecer as referências que me fizeram e congratular-me com o facto de um tema de tanta importância para a afirmação de Portugal no mundo merecer o consenso, praticamente unânime, da Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - Ainda sobre este assunto, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, quero apenas proferir umas breves palavras para dizer que poucos povos perceberão tanto, e tão recentemente, como nós a importância dos parlamentos dos países amigos na consolidação da democracia própria. Fizemos essa experiência e sabemos quanto nos foi benéfica a ajuda dos parlamentos amigos nos momentos em que queríamos consolidar a nossa democracia e torná-la o mais pluripartidária possível.
Nesse sentido. Sr. Presidente, felicito-me e felicito-o a si, em nome do CDS-PP, pelas iniciativas que tem tomado, diligente, oportuna e importunamente, para fazer andar para a frente a CPLP.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, se houvesse uma eleição do português mais africano, já que não podia votar em mim, votava em si!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, antes de iniciar a minha intervenção, permita-me que transmita uma palavra pessoal de agradecimento pelas palavras amáveis que me dirigiu e dizer-lhe, muito singelamente, que tenho aprendido muito com V. Ex.ª - com V. Ex.ª e, de resto, com os meus novéis colegas, líderes de ban-

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cada, e com todos os Srs. Deputados. É meu desejo expresso estar na primeira linha, ou mais, se possível, da dignificação do trabalho parlamentar, da Assembleia da República, desta Casa da democracia e de todos os Deputados.
Beneficiei hoje, o que registo com grande humildade, uma votação muito expressiva dos meus colegas Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Popular. Espero, com o labor de todos nós, poder proporcionar ao meu sucessor uma votação ainda mais expressiva, pela simples razão de que teremos mais Deputados no nosso grupo parlamentar.

O Sr. Presidente: - Permita-me interrompê-lo, Sr. Deputado, para registar a generosidade com que disse que aprendeu muito comigo. E só generosidade sua. Mas quero dizer-lhe que a verdade é que aprendi muito com o senhor seu pai, que foi meu ilustre professor.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Não me comova agora, se faz favor!
Srs. Deputados, vou fazer agora a intervenção política que é da praxe, na sequência do último congresso do CDS-PP, e que não teve lugar na passada semana, em respeito à memória de Sua Eminência o Cardeal Patriarca.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Terceiro partido do Parlamento português, consciente do papel e das responsabilidades que detém na democracia portuguesa. O CDS- Partido Popular reuniu nos dias 21 e 22 de Março o XVI Congresso da sua história, do qual saiu eleito Presidente o Dr. Paulo Portas.
Foi um congresso marcado pelo começo de um novo ciclo na sua vida e é inegável que as suas conclusões marcarão igualmente o início de uma nova fase da vida política de Portugal.
Não obstante o esforço e a dedicação dos militantes do CDS-PP, os resultados globais por nós alcançados nas eleições autárquicas do passado mês de Dezembro levaram o nosso anterior Presidente, Dr. Manuel Monteiro, a pedir a sua substituição e a provocar, deste modo, uma reflexão generalizada a todo o partido sobre os objectivos e condições da sua acção, em particular sobre a estratégia que deveria seguir daqui para a frente.
A dignidade que rodeou este gesto do Dr. Manuel Monteiro não passou despercebida a ninguém e constitui para os militantes do meu partido mais uma razão para justificar o orgulho que mantêm nos dirigentes que, ao longo do tempo, têm assumido a condução da nossa instituição.
É com esse sentimento em mente que tenho a honra de, nesta Casa e em nome do Grupo Parlamentar do CDS-PP, prestar ao Deputado Manuel Monteiro a homenagem que lhe é devida pelos serviços que ao lona dos últimos anos prestou à causa da democracia, pela entrega que dedicou ao Partido Popular e pela atenção permanente que consagrou aos interesses do nosso país.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A reflexão a que o CDS-PP se entregou conduziu à formulação de uma nova atitude na cena política nacional. A mudança que encetámos decorre da apreciação que fazemos do papel especial que o Partido Popular foi chamado a desempenhar no contexto da situação política criada pelas últimas eleições legislativas.
De acordo com o nosso compromisso na campanha eleitoral de 1995, o CDS-PP assumiu-se, desde o início, como uma oposição construtiva e responsável num quadro parlamentar em que não existe maioria absoluta de um só partido. Tendo sido o Partido Popular aquele que mais se bateu pela ausência de uma maioria monopartidária, ninguém compreenderia que uma vez atingido esse objectivo contribuíssemos para o pôr em causa, o que fatalmente aconteceria se apostássemos apenas em fixar uma demarcação, a todo o custo e em todas as circunstâncias, da nova prática governativa.
Fomos, por isso, vistos na opinião pública como o partido que aceitou para si a função de manter a governabilidade do País quando ela parecia ameaçada pela competição sem tréguas dos partidos no Parlamento.
Sabíamos que por tal pagaríamos um preço político, mas as condições que governaram o início desta legislatura impuseram ao CDS-PP a observância deste exercício de coerência. Sabíamos ainda, além do mais, que não poderíamos esperar, por parte do Partido Socialista, nosso natural adversário político e ideológico, um comportamento que denunciasse uma qualquer atitude de reconhecimento.
Se alguém a esperasse, todavia, a forma como o Grupo Parlamentar do PS resolveu conduzir a parte mais nobre dos trabalhos desta legislatura, a revisão constitucional, em diálogo privilegiado com o PSD, depressa se desiludiu e esclareceu. Esse momento constituiu, de resto, um ponto de viragem no mandato do presente Governo, a partir do qual a mudança de orientação no PP passou a ser politicamente inevitável.
Esta primeira metade da legislatura foi assim para o PP uma fase obrigatória, e dela restará para nós apenas a ocasião de dizer que podíamos esperar da parte dos portugueses uma maior compreensão e justiça na sua avaliação. Mas ela é hoje parte do passado.
O Congresso do CDS-PP ditou-nos uma alteração de rumo. Continuando a assumir o princípio de constituir unia oposição responsável, sabemos hoje que ela se exerce já num quadro político e parlamentar inteiramente diferente. É hoje claro que o espectro das eleições legislativas antecipadas já não ameaça a tranquilidade dos portugueses nem a governabilidade do País.
As manobras políticas e parlamentares que a tal poderiam conduzir já não são hoje praticáveis sem uma pesada sanção sobre os responsáveis que os eleitores certamente exerceriam. Esse cenário já não faz sentido para a oposição e o Governo já não pode sonhar com ele.
O que hoje se vive, Srs. Deputados, é o início de um prolongado período de preparação das próximas eleições europeias e legislativas, ambas a ocorrer em 1999. E a responsabilidade oposicionista a que o Partido Popular se obrigou implica a adopção de um posicionamento em função dessa perspectiva e da necessidade de começar a construir alternativas à actual governação. A nossa oposição não será guiada, pois, por princípios diferentes, mas será, seguramente, orientada por objectivos alternativos nítidos para todos os portugueses.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, não poderá haver nenhuma confusão sobre qual é o adversário do Partido Popular no plano institucional e parlamentar. Ele está claramente representado pelo Governo: o nosso principal adversário no plano ideológico e político é o Partido Socialista.
A esse propósito a actuação do Grupo Parlamentar do CDS-PP vai, pois, manter-se. guiada pela obrigação democrática de evidenciar perante os portugueses o que, no nosso entender, poderia e deveria ser melhor legislado e executado.
No respeito da tradicional autonomia que a original definição personalista do CDS sempre preservou para o seu

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grupo parlamentar, e que o Partido Popular herdou e acarinhou, será em consonância com a orientação estratégica que o nosso partido definiu na sua reunião magna que definiremos o carácter e o ritmo das nossas iniciativas, bem como o tipo de resposta que as iniciativas alheias vão encontrar da nossa parte.
É já sabido que o objectivo do Partido Socialista para as eleições de 1999 é a obtenção de uma maioria absoluta. Da nossa parte permanece a desconfiança para com o poder absoluto de um só partido, não apenas em função da experiência recente mas também da perspectiva de o ver exercido por uma força situada à esquerda do nosso espectro político.
Não ignoramos que para tentar atingir esse resultado eleitoral ao Governo interessará convencer os portugueses de que não é possível fazer as reformas fundamentais sem tal maioria. O nosso objectivo será, naturalmente, o de demonstrar o contrário.
Deste modo deve ser interpretada a nossa reafirmada disponibilidade para os pactos de regime, por nós propostos em primeira mão nesta legislatura, de resto.
Não pode, portanto, subsistir qualquer dúvida sobre a nossa absoluta sinceridade a esse respeito nem sobre a nossa determinação em fazer dessa matéria o núcleo fundamental dos trabalhos parlamentares até ao fim da legislatura.
Da nossa parte podem contar com uma insistência constante para que avancem as reformas. Apresentaremos propostas inovadoras, criativas, e ficará evidente para todos os portugueses sobre quem recairá a responsabilidade de um eventual bloqueio das reformas se, porventura, o conjunto dos actores do sistema político não conseguir levá-las para a frente.
Que não haja hesitações a esse respeito. Para nós, um Governo de negociação é a melhor plataforma, diríamos mesmo a única base, para assentar a política de modificações estruturais de que a sociedade portuguesa tanto carece.
O papel que, neste domínio, cabe à oposição, em particular à oposição não socialista, terá de ser o da iniciativa, quando, como é o caso, o discurso das reformas por parte do poder parece ser meramente retórico e unicamente destinado a acumular um capital de queixa para futuros usos eleitorais.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Congresso do CDS-PP veio trazer um contributo decisivo para a clarificação da cena política portuguesa. A uma nova direcção do meu partido corresponde uma estratégia especialmente adaptada às perspectivas políticas que se abrem ao nosso país nesta segunda metade da vigência normal da actual legislatura.
Como tem sido hábito na recente história política portuguesa, o CDS-PP assume um papel pioneiro na definição de um novo quadro para o futuro. Muitas dessas novidades vão traduzir e, como é saudável em democracia, em factos de natureza parlamentar, e nada mais natural, portanto, que viesse dar aqui conta, em nome dos meus colegas de bancada e do meu partido, do renovado espírito que nos anima e de que seremos intérpretes perante os portugueses.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Assis.

O Sr. Francisco Assis (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Queiró, quero, em primeiro lugar, saudá-lo pela sua recente eleição para a liderança do Grupo Parlamentar do Partido Popular e desejar-lhe os maiores sucessos no desempenho da função que, a partir de agora, vai exercer.
Quero também dirigir uma palavra de saudação à Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, que no último ano e meio, ao que creio, desempenhou as funções de líder parlamentar do CDS-PP com grande elevação e com espírito de grande lealdade democrática, o que aqui quero assinalar.
Sr. Deputado Luís Queiró, entrando agora na avaliação da sua intervenção, V. Ex.ª referiu aqui os novos rumos do Partido Popular. Acentuou mais a componente da ruptura estratégica, mas permita-me que lhe recorde que mais duas rupturas foram claramente assumidas: uma, no que concerne à liderança da bancada e, outra, no plano programático, uma vez que o PP, aparentemente, e a crer não só nas declarações mais recentes do seu líder mas também nas que proferiu durante a realização do congresso, em Braga, o Partido Popular revaloriza agora uma linha doutrinária assente numa matriz democrata-cristã, personalista e até, provavelmente, institucionalista, o que nos leva até a admitir que daí possa decorrer alguma alteração de posições no que concerne a assuntos tão concretos como a questão da regionalização, ou seja, a maneira como o partido vê a descentralização do País.
Houve também alterações programáticas importantes noutras matérias, como seja em relação à própria questão europeia, em que se assiste, de facto, a uma alteração substancial das posições mais recentes do Partido Popular sobre essa matéria.
Por isso, permita-me que lhe diga, Sr. Deputado, que, tendo embora V. Ex.ª enfatizado a circunstância de considerar o Partido Socialista o principal adversário ideológico e político do Partido Popular, do ponto de vista das alterações que introduziram no último congresso não se acentuaram as clivagens que já existiam entre o nosso e o vosso partido. Pelo contrário, em alguns aspectos houve, da vossa parte, uma alteração de posições que, de alguma maneira, vem contribuir para que diminua a distância, do ponto de vista doutrinário/ideológico, que separava o Partido Popular do Partido Socialista.
E V. Ex.ª só acentuou a componente estratégica, porque, pela via doutrinária e programática, não tinha qualquer possibilidade de sustentar a tese de que o Partido Popular está hoje mais longe do Partido Socialista, uma vez que, claramente, ele está hoje mais perto, em algumas matérias, daquelas que têm sido as posições do meu partido, V. Ex.ª , por isso, seguiu pela via da ruptura no plano estratégico. Enunciou, de resto, com uma meridiana clareza, que devo saudar, aquela que é a ambição do novo PP ou a nova ambição do PP: impedir que o Partido Socialista, nas próximas eleições legislativas, alcance a maioria absoluta.
Deixe-me dizer-lhe que, como motivação de uma ambição estratégica, isso é deveras escasso, indiciando um estado de espírito que leva a admitir que, como o Partido Popular não acredita, hoje, na possibilidade de a governação do Partido Socialista constituir uma alternativa política verdadeiramente mobilizadora no plano nacional, reduz a sua ambição estratégica à vontade de dar o seu contributo - e veremos qual vai ser - para impedir que o Partido Socialista alcance a maioria absoluta nas próximas eleições.
Mas é também interessante analisar a razão primeira que V. Ex.ª apresentou para sustentar tal receio e que foi, justamente, a forma como se processou a governação no

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último momento em que, neste país, existiu uma maioria absoluta. Isso significa que, felizmente, nessa matéria o CDS-PP não mudou, isto é, os senhores continuam a ter uma perspectiva muito crítica em relação ao período do «cavaquismo».

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - E a pergunta que lhe faço é a seguinte: mantendo o Partido Popular uma leitura tão crítica em relação ao «cavaquismo», considerando que ele foi tão negativo para o País, que não é aconselhável repetir, nos próximos tempos, a experiência de uma maioria absoluta, tendo em conta os erros graves cometidos no passado,...

O Sr. Presidente: - Peço-lhe que termine, Sr. Deputado, se faz favor.

O Orador: - ... gostaria de saber como concebe o esforço de autonomização estratégica do CDS-PP no contexto da direita portuguesa...

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado.

O Orador: - e como é que reage face às especulações que têm vindo a desenvolver-se nos últimos tempos em relação a uma possível aliança entre o CDS-PP e o PSD.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado.

O Orador: - Significa isso que o CDS-PP acha que o actual PSD...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de terminar.

O Orador: - ... já renegou suficientemente o «cavaquismo» a ponto de estar agora disponível para estabelecer com ele uma aliança eleitoral,...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado...

O Orador: - ... ainda que essa aliança não tenha como finalidade última criar um ambiente de grande mobilização em tomo de uma política séria...

O Sr. Presidente: - Já vai em 5 minutos, Sr. Deputado.

O Orador: - ... mas antes impedir que o PS alcance uma maioria absoluta?
Não vão consegui-lo, certamente, com esse estado de espírito, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Queiró, havendo mais um orador inscrito para pedir-lhe esclarecimentos, V.Ex.ª deseja responder já ou só após terem sido formuladas todas as perguntas?

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Respondo já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, é sempre difícil responder ao Sr. Deputado Francisco Assis, não pela razão que ele pensa, mas porque é tão torrencial aquilo que diz que chega a ser complicado acompanhar o seu caudal de palavras. Mas vou fazê-lo rapidamente, de acordo com os apontamentos que tomei.
Em primeiro lugar V. Ex.ª referiu que fizemos uma ruptura no plano programático. Sr. Deputado, nós também temos os nossos livrinhos! ... Eu vou mandar-lhe a nossa declaração de princípios, que é de 1974, e por ela ficará V. Ex.ª a saber que não fizemos qualquer ruptura, no plano programático, relativamente à democracia cristã. É verdade que hoje VV. Ex.as são quase um partido social-cristão, mas esse problema é vosso e dos Deputados que estão sentados na parte de trás dessa bancada.
Quero também dizer-lhe que, relativamente à questão europeia, as nossas preocupações e os nossos valores mantêm-se rigorosamente inalterados. E vou enunciar-lhe, rapidamente, quais são esses valores, que se definem numa única expressão: a defesa do interesse nacional e a defesa do aumento do nível do bem-estar dos portugueses. E isso não mudou!
Sr. Deputado, não fechamos os olhos à evolução da sociedade e sabemos que, hoje, a defesa desses valores, a defesa do interesse nacional de Portugal se faz, sobretudo, tendo uma posição clara na recusa do modelo de federalismo institucional, por um lado, e, por outro, através do controlo democrático do Governo económico da União. Sr. Deputado, não é por não andarmos a falar todos os dias na questão de Olivença que somos hoje menos patrióticos.
Quero também referir-me à orientação estratégica do meu partido para as próximas eleições legislativas e àquilo a que o senhor chamou de «Aliança Democrática», um fantasma que anda a povoar muito mais a vossa imaginação do que a nossa.
Sr. Deputado, relativamente a estarem sempre a dizer que a antiga «Aliança Democrática» é que era boa - e ainda ontem o ouvi da boca do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Primeiro Ministro, António José Seguro peço imensa desculpa, mas ninguém lamenta mais do que nós que Francisco Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa não estejam cá para agradecer-vos esse desvelo.
Mas queria acrescentar, Sr. Deputado, relativamente às nossas preocupações nessa matéria, que o senhor ouviu, tão bem quanto eu, o que ficou definido no nosso congresso. Iremos discutir a política de alianças na altura própria, quando se aproximarem as eleições. Sempre assim fizemos, mas agora com a novidade de devolver a palavra aos militantes do partido permitindo a globalidade de estes ditarem a posição a tomar.
Quero ainda dizer-lhe, Sr. Deputado, no que toca às reformas, que o Partido Socialista dispôs, nos três anos desta legislatura, e sobretudo neste último, de uma janela de oportunidades que nunca mais tornará a ter. Os senhores têm um ciclo económico em crescimento que vai até 1999, que - é o que diz o último relatório da OCDE - não souberam aproveitar. Têm agora um ano e meio para fazê-lo! É agora ou nunca! E os senhores vão ter-nos aqui todos os dias a lembrar-lhes isso.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Mendes.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Luís Queiró: Começo,

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naturalmente, por saudar a sua eleição para a liderança do Grupo Parlamentar do CDS-PP, agradecer-lhe as palavras que dirigiu a esta bancada e desejar-lhe as maiores felicidades no exercício das suas novas funções.
Permita-me que, no mesmo sentido de sinceridade e justiça, dirija uma palavra à sua antecessora, com quem já privo desde há anos e com quem privei também aqui, na Assembleia da República, com muito gosto. Foi uma excelente relação, que não direi que cultivámos, mas que consolidámos, e é-lhe devida também. com muito gosto e satisfação, uma palavra neste momento.
Tirando estes dois aspectos, tenho a vantagem, Sr. Deputado, de falar depois de ouvir o líder da bancada de um dos partidos da oposição e o líder da bancada do partido da maioria. Por isso mesmo, aproveito este ensejo para fazer algumas observações que, depois, a seu critério, V. Ex.ª comentará ou não.
O meu primeiro comentário reporta-se a ontem e é reincidente hoje. Na verdade, não deixa de ser estranho que o meu partido, por exemplo - e só posso falar pelo meu -, ainda não tenha discutido, e muito menos decidido, a sua estratégia eleitoral para 1999 e o Partido Socialista, como ontem demonstrou e hoje reincidiu, já esteja a demonstrar nervosismo e preocupação. Com toda a franqueza, podiam ter sido um bocadinho mais inteligentes.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas, de facto, esta preocupação é legítima, porque a grande verdade é que a inquietação e o nervosismo que invadem o Partido Socialista têm a ver,
acima de tudo, com a sua incapacidade, com os seus deméritos para aproveitar a excelente oportunidade que tem tido à sua frente.
Mais: ficará na História que esta legislatura, em teoria, mas só em teoria -, não tem uma maioria absoluta, já que lhe faltam apenas três ou quatro Deputados par tê-la. Na prática, este Governo tem uma maioria absoluta, com melhores condições que algumas maiorias absolutas, porque tem uma estabilidade política nunca vista - não há lei importante, ou que considere importante, que não
passe na Assembleia da República -, tem condições económicas absolutamente excepcionais e tem tido da parte do Presidente da República não apenas a solidariedade institucional mas o apoio activo, particularmente em momentos cruciais.
Se os portugueses, em função de tudo isto, começam a estar desiludidos com o PS é, justamente, porque tendo todas as condições as não aproveita, tendo todas as oportunidades as deita pela janela fora, tendo todas as condições e oportunidades para cumprir as expectativas que,
egitimamente, muitos portugueses tiveram neste Governo, todavia acontece o contrário.
No fundo, é um Governo que não age - quando muito reage ou reage mal -, é um Governo que anda a reboque dos acontecimentos e nunca a liderá-los, que tem
um Primeiro-Ministro que não dirige - quando muito é dirigido, o que é uma coisa sui generis -, como ainda ontem assistimos, e é por isso também que nos congratulamos e fazemos votos para que o CDS-Partido Popular, na linha da intervenção que o Sr. Deputado fez daquela tribuna, seja mais um contributo para a exigência de que este Governo cumpra e não tenha alibis quando for julga
do. E digo-o porque é minha convicção que, quando for julgado, verificar-se-á, de uma forma final, definitiva, aquilo que, usando uma linguagem dos tempos modernos, é uma interrupção voluntária da confiança que o eleitorado lhes deu em 1995.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra, o Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Mendes. agradeço as suas palavras.
Antes de fazer um breve contracomentário, quero dizer que chegou a altura, uma vez que não há mais pedidos de esclarecimento, de deixar expressa uma última palavra no âmbito desta nossa discussão, que é uma palavra para a Dr.ª Maria José Nogueira Pinto.
A Dr.ª Maria José Nogueira Pinto foi um exemplo para o CDS-PP, particularmente para o nosso grupo parlamentar, um exemplo de sólida preparação nas áreas da sua intervenção e, sobretudo, de capacidade de mobilização de um grupo parlamentar que é e que cultiva a liberdade da diferença, e que conseguiu transformar-se e tornar-se num corpo coeso e, como disse, mobilizado.
Sendo devida esta palavra à Dr.ª Maria José Nogueira Pinto, resta-me esperar não desmerecer do seu trabalho e poder estar aqui no fim deste meu mandato não só com a concretização do voto que fiz da tribuna mas também com a satisfação do dever cumprido, que, digo-vos, meus caros amigos, é muito mais agradável do que o encargo de ter de cumprir um dever!
Sr. Deputado Luís Marques Mendes, já tivemos oportunidade de falar sobre o nosso posicionamento em relação ao PS e, na verdade, não vamos esquecer-nos de que temos de estar aqui atentos todos os dias à governação do País. Temos de ter uma posição séria, responsável, de iniciativa, lembrando as obrigações da governação ao PS. O que não queremos, Sr. Deputado, é que quando entrarmos no pelotão da frente, na moeda única, quando chegarmos ao euro, os trabalhadores portugueses descubram que ganham muito menos euros do que os seus congéneres da Comunidade Económica Europeia. Isso é que não queremos! E gostaria que V. Ex.ª ficasse ciente de que não queremos que todos os portugueses tenham essa surpresa em relação à moeda única.
Quanto ao aumento dos níveis de bem-estar, o que pretendemos é maior prosperidade e vamos todos, todas as oposições, aqui contribuir para que o Governo possa governar melhor. Uma coisa é certa, e aí tenho de concordar consigo - não posso concordar muito consigo, como compreenderá, porque isso pode ser logo mal interpretado...

Risos do PSD.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - E ainda é muito cedo!

O Orador: - Como vê, é instantâneo, não demora um segundo, Srs. Deputados do PS, concordamos tantas vezes convosco que, na realidade, mais vale não se incomodarem tanto. Sempre que governarem bem, contem connosco.
O que a este propósito quero dizer é que ao PS não faltaram nem faltam condições, com uma maioria que é praticamente absoluta, para exercer correctamente a governação. Os senhores do PS tiveram todos os orçamentos aprovados, têm todos os instrumentos da governação, têm um ciclo económico de crescimento até 1999 que será imperdoável não saberem aproveitar.

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Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há pouco anunciei que estava presente um grupo de alunos de diversas escolas patrocinadas pela Câmara Municipal do Fundão. De facto, só agora chegaram e seria pena que fossem embora sem um carinho nosso. Para eles, peço a vossa habitual saudação.

Aplausos gerais, de pé.

Vamos iniciar o debate de urgência, requerido pelo PCP, sobre a utilização da Base das Lajes pelas Forças dos Estados Unidos para a operação contra o Iraque.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Apesar de os acontecimentos que justificaram este pedido de debate de urgência já terem conhecido o seu desfecho há mais de um mês, o PCP entendeu manter o debate por cinco razões.
Em primeiro lugar, porque é necessário que o Governo entenda, de uma vez por todas, que não pode frustrar o direito constitucional dos grupos parlamentares aos debates de urgência em tempo útil, como tem feito, atrasando a sua realização com argumentos tirados da «agenda turística» dos membros do Governo.
Em segundo lugar, porque os acontecimentos puseram em evidência a questão das autorizações concedidas aos Estados Unidos para a utilização da Base das Lajes para operações militares, e é necessário que, de uma vez por todas, fique definido o dever político de o Governo trazer os pedidos dos Estados Unidos à Assembleia antes de ser decidido se a autorização é ou não dada.
Em terceiro lugar, porque os acontecimentos trazem à colação uma questão central da política externa do Governo do PS, a de saber se ela se pauta pela rigorosa e inalienável defesa do interesse nacional e pelo critério de uma afirmação própria ou se navega nas águas de um seguidismo acrítico.
Em quarto lugar, porque, na sequência, é necessário saber como está o Governo português a defender os interesses de Portugal na zona do Próximo e Médio Oriente, concretamente no Iraque.
Em quinto lugar, porque é necessário que seja explicada qual é a posição portuguesa acerca da eficácia de um embargo que, até ver, sacrificou crianças e pessoas indefesas, mas manteve intocado o regime iraquiano e a ditadura pessoal de Saddam Hussein.
Comecemos pela questão dos debates de urgência. A revisão constitucional de 1997 aditou ao n.º 1 do artigo 18O.º da Constituição, que diz «Constituem direitos de cada grupo parlamentar:», uma alínea c) com a seguinte redacção: «Provocar, com a presença do Governo, o debate de questões de interesse público actual e urgente».
Isto não está na Constituição para, depois, o Governo, quando o debate é solicitado, responder que tem os ministros espalhados pelo mundo e sem disponibilidade para virem à Assembleia da República.
Diga-se de passagem que também não está na Constituição que os Ministros, quando os Deputados interpelam o Governo, possam estar ao telefone ou a conversar com outros Deputados.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

Se o Ministro Jaime Gama teve tempo para receber o funcionário americano que veio a Lisboa trazer os recados do Sr. Clinton e da Sr.ª Albright (que não se deu ao incómodo de fazer escala em Portugal), por que razão não teve tempo para vir, logo a seguir, à Assembleia, mesmo sem ser preciso este pedido de debate de urgência? Depois de este pedido feito, como justifica o Governo o atraso na comparência?
Tem de ficar aqui claro que o Governo tem deveres constitucionais perante a Assembleia da República e tem de os cumprir, com diligência e em tempo útil. A minha primeira pergunta ao Governo é, por isso, a seguinte: vai o Governo respeitar a Assembleia e cumprir os seus deveres constitucionais quanto aos debates de urgência? Quando havia Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, esta pergunta podia ser-lhe feita, agora, como já não há esse Secretário de Estado, duvido que haja interlocutor a quem a fazer.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A segunda questão é a da intervenção da Assembleia nestes processos. Apresentámos ontem na Mesa da Assembleia um projecto de resolução, cuja filosofia é a de estabelecer a prática de que, quando é aplicada a disposição do Tratado com os Estados Unidos que permite a utilização da Base das Lajes, o Governo venha, antes disso, às 2.º e 3.º Comissões Parlamentares, ou seja, às Comissões de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação e de Defesa Nacional.
Neste caso da operação americana contra o Iraque, não se tratava de uma operação NATO nem havia resolução da ONU que lhe desse cobertura. Logo, nos termos do acordo, não havia lugar só a aviso prévio, era necessária uma autorização explícita e prévia.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A autorização, se foi dada, envolve Portugal num potencial conflito armado, com decisões que, no desenvolvimento do processo, não são da competência do Governo mas, sim, do Presidente da República, da Assembleia da República, do Conselho Superior de Defesa Nacional e, também, do Governo.
O Governo não pode, a este propósito, invocar o seu Programa, porque se trata de matéria que transcende o Programa e não podia estar prevista na altura em que ele foi feito. Não pode dizer que, sendo a decisão da sua competência, ela é estranha à Assembleia. Por todas as razões constitucionais e políticas que referi, o Governo tem o dever de informação prévia à Assembleia sobre os pedidos de utilização da Base das Lajes para fins militares, para operações militares como esta que os Estados Unidos dirigiam contra o Iraque.
A minha segunda pergunta, que dirijo ao Governo e a cada uma das bancadas, nomeadamente às do PS, do PSD, do PP e de Os Verdes, é esta: entendem ou não que deve haver uma prática no relacionamento entre o Governo e a Assembleia segundo a qual o Governo deve vir, antes de dar uma autorização como essa, à Assembleia da República, para, em sede de comissão, colocar a questão? Não estou a referir aqui que o Governo não tenha, ele próprio, a competência para dar a autorização. o que estou a colocar aqui é uma questão de praxe constitucional, de o Governo. antes da autorização, ter uma conversa com as Comissões de Negócios Estrangeiros, Comunidades Por-

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tuguesas e Cooperação e de Defesa Nacional, colocando as questões que envolvem o pedido de autorização.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quanto ao fundo da questão, a autorização concedida aos Estados Unidos, a nossa posição é a de que ela não se adequou às resoluções da ONU, que não existiam, nem ao Direito Internacional, não defendeu os interesses nacionais e não contribuiu para uma afirmação própria da política externa portuguesa.
Muitos países do mundo manifestaram-se contra a posição americana. Por exemplo, a França e a Itália. Em Espanha, quando o Primeiro Ministro Aznar declarou a intenção de ceder a Base de Morón, o PSOE protestou vivamente. Também se opuseram a Federação Russa, a China e outros países. Até a Turquia se opôs à cedência da Base de Incirlik. E o socialista Jack Lang, Presidente da Comissão dos Negócios Estrangeiros da Assembleia Nacional Francesa, declarou: «Nenhum País, por mais poderoso que seja, se pode arrogar o direito de decidir unilateralmente sanções sobre o Iraque».

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Passadas cinco semanas desde o acordo assinado por Kofi Annan e Tarek Aziz, pergunto ao Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, que aqui está em representação do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros - e é a minha terceira pergunta neste debate: quantas armas químicas, bacteriológicas ou nucleares foram encontradas no Iraque? Que tenha sido dito, que tenha sido contado por aí, nem um pulverizador de DDT, que, como se sabe, também é proibido.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Devo dizer que admito que o Sr. Secretário de Estado esteja a telefonar para a ONU, para saber a resposta na ponta da língua...

Risos.

Mas eu sei onde há - e digo-lhe isso, mesmo sem telefonar - imensos arsenais de armas químicas, bacteriológicas e nucleares. É nos Estados Unidos, Sr. Secretário de Estado. Os Estados Unidos - pergunto-lhe eu - não foram um dos países que se opuseram à assinatura de um pacto para eliminação das minas antipessoais, que é uma das armas mais repelentes da História da Humanidade?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Esta intervenção militar no Iraque, como os bombardeamentos de há dois anos, fica como a marca da arrogância e despudor da superpotência única, que hoje marca o mundo.
Foram os Estados Unidos que, na guerra do Golfo, quiseram que Saddam Hussein continuasse no poder. E agora? Queriam realmente derrubar o ditador? Ou queriam experimentar a mais recente gama de armas inteligentes?
Portugal não pode portar-se, nesta situação, como se não tivesse interesses próprios e voz própria. O comportamento ligeiro e acrítico do Governo é totalmente inaceitável, ainda por cima para um país que é, actualmente, membro do Conselho de Segurança da ONU.
Faço aqui, no que respeita aos interesses de Portugal, uma outra pergunta ao Governo. Países como a França, a Itália, a Grécia e a Espanha mantêm activas e empenhadas as suas embaixadas no Iraque. Por exemplo, a embaixada italiana serve de plataforma para empresas como a Telecom italiana e a AGIP, dos petróleos, que estão à espera que termine o embargo. Estão prontas, no terreno. Até os Estados Unidos têm os interesses representados pela Polónia! E a minha quarta pergunta ao Governo é esta: por que razão tem a embaixada de Portugal paralisada? Por que razão foram paralisados, os contratos da Petrogal? O que é que o Governo entende de tudo isto? Não vê o Governo que são as empresas portuguesas e muitas operavam na zona, nomeadamente no Iraque que vão pagar este alinhamento acrítico do Governo?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Felizmente para o Sr. Ministro, ele não teve de enfrentar uma plateia como a que teve de enfrentar a Sr.ª Albright, que exibiu ao mundo inteiro a cara de quem é apanhada em falta, sem explicações e sem resposta. A realidade é que, tal como a opinião pública portuguesa, também a americana não aceitava a lógica militar e intervencionista das autoridades americanas.
A guerra no Iraque mantém-se latente ao longo destes anos, tal como os Estados Unidos a quiseram.
O embargo que se vem arrastando não abalou um centímetro o regime iraquiano nem Saddam Hussein; não deu qualquer credibilidade à oposição contra Saddam, seja a próamericana, a fundamentalista, a dos movimentos curdos ou a de esquerda e comunista. Nada mudou na zona. A única consequência do embargo foi a miséria e a morte dos mais desprotegidos: crianças, velhos e doentes. É um embargo que, na prática, tem dizimado os inocentes e tem tido condenações de muito lado, incluindo da Igreja católica.
A minha quinta pergunta ao Governo é a seguinte: não entende que deve ser proposto o termo do embargo, tanto mais que agora é a própria ONU a certificar, com a sua assinatura, o cumprimento, pelo Iraque, das suas resoluções? Não é altura de dizer «basta»?!
A evolução deste caso, entretanto, trouxe uma novidade, cujo alcance estamos muito longe de poder avaliar. Trata-se do facto de o processo militar do ataque americano contra o Iraque ter sido paralisado por um acordo celebrado entre Kofi Annan e Tarek Aziz, pelas Nações Unidas e pelo Iraque. As reacções de desagrado de dirigentes americanos não deixam margem para dúvidas: os Estados Unidos não queriam fiscalização, nem acordo, nem cumprimento de resoluções da ONU; queriam a guerra!
Se a não fizeram, isso deve-se à posição de vários países, à pressão de uma relevante opinião pública mundial e, até, à oposição da opinião pública americana. Fez mais contra a guerra aquele cidadão americano que interpelou frontalmente, no debate no Ohio, a Sr.ª Albright do que todo o Governo português.
Que este debate sirva para o Governo meter a mão na consciência e começar a pensar na defesa dos interesses nacionais e da paz!

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas.

O Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas (José Lello): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João

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Amaral, mau grado as considerações que V. Ex.ª fez, o Governo está aqui, aliás como aqui esteve anteriormente o Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, e como sempre aqui estará para esclarecer esta Câmara, porque isso lhe compete constitucionalmente.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Muito bem!

O Orador: - Todavia, haverá alguma ironia pelo facto de este debate de urgência ocorrer quando a situação que o suscitou está, por agora, ultrapassada.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Por responsabilidade do Governo!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Costa): - Não!

O Orador: - Se me permite, Sr. Deputado João Amaral, esclareceria exactamente como tudo se passou.
Sr. Presidente. Srs. Deputados: O representante permanente dos EUA junto das Nações Unidas, Bill Richardson - que é, sublinhe-se, por inerência, membro do Governo americano - deslocou-se no início de Fevereiro a Lisboa para contactos com o Governo português relacionados com o incumprimento, por parte do Iraque, das resoluções do Conselho de Segurança, nomeadamente as relativas à verificação do desarmamento em matéria de armas de destruição maciça, que a Resolução n.º 687/91 fixou, no quadro das condições de cessar-fogo impostas na sequência da guerra do Golfo.
A posição norte-americana era a de que o cumprimento, por parte do Iraque, das resoluções aplicáveis do Conselho de Segurança seria inegociável, impondo-se o acesso livre e desimpedido dos inspectores da UNSCOM a todos os locais que entendessem inspeccionar, e de que, para obter tal cumprimento, deveriam ser utilizados meios de pressão política, diplomáticos e de dissuasão militar.
Pontificando, prefiguravam-se as resoluções existentes, nomeadamente a decisão-chave que fixou as condições de cessar-fogo, a Resolução n.º 687/91.
A posição portuguesa era a de que o Iraque violara gravemente as resoluções do Conselho de Segurança que lhe eram aplicáveis.
Por um lado, pelo facto de manter e procurar desenvolver um assinalável potencial militar, nomeadamente ao nível do arsenal biológico e químico.

O Sr. João Amaral (PCP): - Já foi descoberto algum?!

O Orador: - Tanto mais quanto se detinham informações concretas sobre a reconstituição dessa capacidade militar.
Por outro, pela sua atitude de impedir a UNSCOM de exercer o seu mandato, cerceando o seu livre acesso a certos locais e dificultando, em geral, o normal exercício das suas actividades.
Portugal entendia, assim, ser necessária uma combinação de meios de pressão políticos, diplomáticos e militares para esse efeito e, ao mesmo tempo, salientava que a ameaça de intervenção militar constituía um elemento dissuasor necessário e de reforço da posição do Conselho de Segurança, não excluindo a continuidade dos esforços diplomáticos com a finalidade de se obter um desfecho pacífico.
Será bom salientar que Portugal preconizou sempre um reforço da assistência humanitária à população civil iraquiana, vítima indiscutível das sanções aplicadas ao seu país, tendo defendido, assim, a revisão dos montantes de petróleo que o Iraque estava autorizado a exportar para pagar as importações de produtos essenciais, ao abrigo da Resolução do Conselho de Segurança n.º 986 («Oil for food»).
Entendíamos, igualmente, que a opinião pública internacional não estava devidamente informada sobre o aspecto essencial do problema: o perigo decorrente da reconstituição da capacidade iraquiana no domínio de armas de destruição maciça.
Poucos dias depois, os EUA solicitavam autorização prévia ao trânsito e ao sobrevoo do território português por aviões militares dos Estados Unidos, em apoio aos esforços das Nações Unidas e da coligação internacional na região do Golfo Pérsico e do Médio Oriente. Esclarecia-se que esses aviões participavam na operação Southern Watch, pela qual os EUA colaboravam com as Nações Unidas na aplicação das resoluções do Conselho de Segurança n.ºs 687/91, que já citei, 688 e 949/94.
Portugal tinha vindo, de facto, em consonância com a posição assumida durante a guerra do Golfo e tendo em conta as diversas resoluções adoptadas pelo Conselho de Segurança na sequência da mesma, a autorizar a utilização da Base das Lajes para missões militares norte-americanas na região.
A operação Southern Watch desenvolve-se, assim. ao abrigo das Resoluções n.ºs 773/92 e 949/94, tratando-se, portanto, de uma operação militar sob a égide das Nações Unidas e não de uma iniciativa militar dos EUA.
Neste ponto, será útil recordar que, a partir da conclusão do Acordo de Cooperação e Defesa entre Portugal e os EUA, de 1995, e nomeadamente do Acordo Técnico que lhe está anexo, este tipo de autorizações passou a estar expressamente contemplado pelo n.º 3 do artigo 1.º deste último, e que, Sr. Deputado João Amaral, me permito citar: «Portugal encarará favoravelmente quaisquer pedidos de utilização da Base das Lajes para a realização de operações militares decorrentes de decisões tomadas no âmbito de outras organizações internacionais de que ambas as partes sejam membros, desde que tais decisões tenham sido apoiadas por Portugal».

O Sr. João Amaral (PCP): - Isso é um abuso diplomático! Não há qualquer decisão!

O Orador: - Neste enquadramento, as autorizações consistem em aprovações genéricas, por prazo de 90 dias, da permissão de trânsito pela Base das Lajes (e de sobrevoo do espaço aéreo nacional) de aviões militares dos EUA. Contudo, sublinha-se, as autoridades americanas ficam obrigadas a informar, regular, e atempadamente, as autoridades portuguesas de todos e cada um dos voos efectuados ao abrigo destas autorizações.
Quanto à solicitação americana para a Southern Watch, ela foi apresentada em 6 de Fevereiro, como se disse, e o prazo de 90 dias da autorização então em vigor terminava dentro de 4 dias, a 10 de Fevereiro, pelo que as autoridades americanas solicitavam, assim, a sua renovação.
Neste contexto, o Governo português respondeu no dia 10 desse mês, reconfirmando as facilidades de utilização da Base das Lajes no quadro de operações destinadas a dar cumprimento às pertinentes resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas relativas ao Iraque.
Fê-lo, assim, ao abrigo do clausulado referido, tal como o vinha fazendo nos últimos anos, procedendo à sua renovação periódica.

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Ao fazê-lo, teve em conta fundamentalmente o seguinte: a consideração de que o comportamento do Iraque estava em clara violação das resoluções pertinentes do Conselho de Segurança e de que a manutenção ou reconstituição das suas capacidades em matéria de armas de destruição maciça representaria uma grave ameaça à paz e segurança internacionais. Neste particular, eram conhecidas as sucessivas tentativas anteriores de desafiar as proibições impostas pelas Nações Unidas e de dificultar as tarefas dos inspectores da UNSCOM, único meio disponível, credível e com provas dadas no controle das actividades iraquianas nesta matéria.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A nossa convicção era a de que, atentos os precedentes e os padrões de comportamento do regime iraquiano, seria necessária a combinação de meios de pressão diplomáticos e militares.
Assim, não faria sentido afirmar, por um lado, a necessidade de utilizar a ameaça militar como elemento de dissuasão credível no quadro da pressão internacional que se procurava exercer, e negar logo depois, por outro, a renovação de uma autorização que vinha há anos sendo dada precisamente para, no quadro das resoluções em vigor nas Nações Unidas, assegurar o cumprimento, pelo Iraque, das obrigações que justamente agora tão flagrantemente desafiava.
Importará, neste momento, referir que, embora os Estados Unidos da América possam argumentar que a comunidade internacional está legitimada para agir e empregar a força, ao abrigo das Resoluções n.ºs 687 e 688, no caso duma violação do cessar fogo, a posição portuguesa no Conselho de Segurança foi sempre a de que, nesta situação, se deveriam compatibilizar duas opções: a diplomática e a militar, esta última, sobretudo como forma de pressão para tornar a opção diplomática efectiva e com conteúdo, como, aliás, se veio a verificar pela forma como estão a decorrer as inspecções. Portugal, ao mesmo tempo, sempre expressou claramente a sua posição de que um recurso extremo à força teria de ser legitimado pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, numa nova apreciação do problema e numa nova resolução compatível.
A atitude firme, dissuasora e inequívoca, para a qual Portugal contribuiu, criaria as condições favoráveis para o bom êxito da iniciativa do Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, que conseguiria a aceitação, por parte do Iraque, de todas as resoluções relevantes do Conselho de Segurança, nomeadamente o respeito e colaboração devidos à UNSCOM, cuja missão foi claramente reafirmada. Ao discursar perante o Conselho de Segurança, em 2 de Março, o próprio Secretário-Geral, Kofi Annan, ao sublinhar que as Nações Unidas e a comunidade internacional não tinham perdido nada, recuado nada, nem cedido nada de substancial, acrescentaria ainda quanto esta crise havia posto em evidência que a diplomacia, para ter sucesso, deveria ser apoiada pela força e pela justiça - by force and by fairness.
Pensamos, de facto, que a solução encontrada mostrou a validade da opção então feita, de preconizarmos a combinação dos meios diplomáticos com a ameaça do uso da força e de termos contribuído, consistentemente, para a pôr em prática de forma credível e efectiva.
Entretanto, de harmonia com a posição expressa pelo nosso país quanto à necessidade de reforçar o programa humanitário no Iraque, e tendo ainda em conta a qualidade de presidente do respectivo Comité de Sanções, Portugal apresentou ao Conselho de Segurança, conjuntamente com o Reino Unido e a Suécia, um projecto de resolução que se converteria na Resolução n.º 1153/98, que praticamente dobrou o valor do petróleo que o Iraque está autorizado a exportar para enfrentar as carências da sua população, nomeadamente em termos alimentares e sanitários. Aliás, a presidência de Portugal, tanto do Comité de Sanções como do de Compensações, tem sido alvo dos maiores elogios, e, designadamente, o próprio embaixador do Iraque, em entrevista dada há três semanas ao jornal Semanário, não se pouparia nas suas referências de apreço ao nosso país.
Para concluir, queria apenas mencionar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a circunstância de o Embaixador António Monteiro, representante permanente de Portugal junto das Nações Unidas, ter sido convidado a integrar, como diplomata observador, o primeiro grupo de inspecção previsto pela Resolução n.º 1154 para examinar os locais ditos «presidenciais» no Iraque, e que agora se encontra naquele país. Este convite traduz o reconhecimento pelo trabalho desenvolvido por Portugal, que temos procurado levar a cabo com equilíbrio, justiça e sentido das realidades princípios que presidiriam igualmente à nossa actuação na recente crise do Golfo e a que os factos se encarregaram de dar razão.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado, em primeiro lugar, quero agradecer a V. Ex.ª o facto de ter traduzido e lido esse relatório do Pentágono porque creio que todos nós aproveitamos bastante com o conhecimento detalhado dessa posição. Agradeço a V. Ex.ª e aos serviços do Ministério dos Negócios Estrangeiros!

Risos do PSD, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes.

E agradeço também ter mencionado o facto de o embaixador ter feito o que o Sr. Secretário de Estado entendeu como uma referência elogiosa ao Sr. Ministro, porque o que o embaixador disse foi: «concordo com o Ministro quando ele disse que era preferível a via diplomática», Sr. Secretário de Estado, este embaixador merece nota 20, em matéria de estilo diplomático! De facto, o que ele quis dizer foi que o Sr. Ministro devia preferir a via diplomática e não a via militar, que era aquela que estava a preferir.

Risos do PSD, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes.

Mas eu não queria complicar a questão, apenas queria fazer-lhe duas perguntas muito simples. Uma é a seguinte: porque é que o Governo português, ao contrário do que fizeram os governos italiano, francês, espanhol e grego, tem a embaixada portuguesa paralisada?
Segunda pergunta, de uma simplicidade ainda maior: tendo sido firmado o acordo entre as Nações Unidas e o Iraque há mais de um mês, e tendo já sido inspeccionados numerosos palácios presidenciais, quantas armas químicas é que foram encontradas que justificassem a tal enormíssima operação militar que o Governo português achava que devia ser feita contra o Iraque?

Vozes do PCP: - Muito bem!

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3 DE ABRIL DE 1998 1889

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas.

O Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas: - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, o seu estilo continua inconfundível. Confesso que já tinha saudades de cá vir! O seu estilo continua coerente, continua tão coerente na sua atitude como o atraso deste debate se enquadra fora do tempo, na atitude natural do PCP face às questões do nosso tempo.
O Sr. Deputado pergunta-me acerca da embaixada portuguesa. A embaixada portuguesa não está encerrada...

O Sr. João Amaral (PCP): - Está paralisada!

O Orador: - O Sr. Deputado terá ido lá, não sei...

O Sr. João Amaral (PCP): - Telefonei!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Estava encerrada a essa hora. Não se esqueça que há uma diferença horária!

O Orador: - Mas eu digo-lhe que a embaixada portuguesa não está encerrada. Nós temos lá a secção consular, que funciona, e a bandeira portuguesa também lá está hasteada.
O Sr. Deputado falou dos italianos. Isso leva-me a dar uma informação acerca das reacções aos pedidos de apoio dos Estados Unidos da América, que foram feitos a Portugal mas também foram feitos a outros países: por exemplo, a Alemanha disponibilizou o uso das suas bases militares como concessão de facilidades.

O Sr. João Amaral (PCP): - E a França?

O Orador: - A Austrália, designadamente, disponibilizou apoio militar activo.

O Sr. João Amaral (PCP): - E a Itália?

O Orador: - Por exemplo, a Espanha disponibilizou concessão de facilidades. A Grã-Bretanha deu apoio militar activo, assim como a Holanda e a Nova Zelândia!
Portanto, essa ideia recorrente de colocar Portugal fora do exercício pleno da sua capacidade decisória e da sua soberania é sempre absolutamente errada porque Portugal cumpriu o aspecto técnico do acordo. Aliás, seria muito importante que o Sr. Deputado dissesse, por exemplo, qual a posição do PCP sobre o papel construtivo de Portugal no Conselho de Segurança das Nações Unidas em relação às medidas humanitárias.
Também lhe quero dizer que quem pergunta deve ser perguntado, Sr. Deputado...

O Sr. João Amaral (PCP): - Pergunte que eu respondo!

O Orador: - O PCP, ao fazer perguntas aos outros, esconde muitas vezes as perguntas que devia fazer a si próprio, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Secretário de Estado.

O Orador: - O que pensa o PCP dos armamentos químicos e bacteriológicos do Iraque? O que é que o PCP diz - nunca ouvi que tivesse emitido comunicados nem feito debates de urgência em relação a isso - sobre a invasão do Koweit? O que é que o PCP diz em relação à questão dos curdos - que não foram mortos com DDT, Sr. Deputado - dos chiitas, dos dissidentes políticos e de todos os outros crimes cometidos pelo Iraque?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para defesa da honra da bancada, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, o que o Sr. Secretário de Estado demonstra é uma ausência de informação, que é lamentável, porque os relatórios do Pentágono não forneceram essa parte - ou essa parte não lhe foi fornecida. As posições do PCP acerca desta questão estão escritas e, como dizia o meu camarada António Filipe, basta marcar na Internet «www.pcp.pt» para as encontrar.
Sobre esta matéria, tenho a dizer o seguinte: o PCP condena com clareza a existência e o uso de armas químicas, bacteriológicas e nucleares, tendo condenado, no caso concreto, em relação àquela zona, a existência dessas armas como forma de luta. O PCP condena, com clareza, tudo o que tem sido feito pelos iraquianos, pelos iranianos e pelos turcos contra a ilação curda e tem defendido, aqui e em toda a parte, o reconhecimento dos direitos do povo curdo à sua autodeterminação e independência. O PCP, em relação ao regime iraquiano, que persegue duramente os partidos, como o Partido Comunista Iraquiano, e que matou muitos comunistas, tem uma posição clara: entende que esse regime não é um regime de direitos, não é um regime de liberdades, como também não o é (já agora aproveito para o informar porque é capaz de não saber) a Arábia Saudita e muitos outros dos países que fizeram parte da entente que combateu o Iraque.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O PCP, em relação a estas questões, tem uma posição clara. Mas quem tem uma posição clara, também muito clara, é o Governo! E a posição do Governo é a seguinte, e é de uma clareza espantosa: defende que aquilo que os americanos entendem em relação ao Iraque, aquilo que são os interesses projectados pelos americanos para a zona do Médio Oriente são os interesses portugueses! Apesar de países como a França, a Itália e a outros definirem uma posição autónoma e própria, o Governo entende que tudo o que tem de fazer a este propósito é seguir a posição americana.
Aliás, o seguidismo é tal a este nível e de tal maneira que nem sequer foi preciso vir cá alguém com algum mandato ou posição institucional suficiente. A Sr.ª Albrigth limitou-se a mandar cá um funcionário, que foi recebido com todas as honras pelo Sr. Ministro, e através de um simples funcionário o Sr. Ministro deu, sem ter competência para isso, autorização para a utilização da Base das Lages. E digo «sem ter competência para isso» porque não há, insisto que não há nenhuma resolução da ONU que permitisse aos Estados Unidos da América, unilateralmente, desenvolver esta operação. Digo-o eu como o disseram vários membros do Conselho de Segurança, como o disse governo francês, como o diisse o governo italiano e com disseram muitas personalidades políticas que intervêm na vida política em torno destas questões. Citei uma: citei

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1890 I SÉRIE - NÚMERO 56

a posição do PSOE - digo-lhe o que quer dizer: Partido Socialista Obrero Espanhol - e citei também Jacques Lang, Presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros da Assembleia Nacional Francesa, que disse que «nada pode legitimar um país, por maior que ele seja, nomeadamente os EUA, a decretar unilateralmente sanções contra o Iraque».

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

0 Sr. Presidente: - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas.

0 Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas: - Sr. Presidente, naturalmente que as explicações que darei nada têm a ver com a honra ofendida - quem sou eu para ofender a honra do PCP! Mas foi importante, na medida em que vi o Sr. Deputado na sua mais dinâmica vivacidade que, aliás, é bem mais estimulante do que o «www.pcp.pt».
Gostaria de fazer, Sr. Deputado, uma precisão: o representante americano nas Nações Unidas é (vá ver ao «www ,qualquer coisa»!) membro do governo dos Estados Unidos da América. 0 senhor tem de ser aggiornatto, sabe? Tem de perceber essas coisas! Tem de perceber, sabe porquê? Porque o senhor começou da pior maneira, o que me leva a dizer que, tal e qual este debate, o PCP também está fora do seu tempo. Sabe porquê? 0 senhor disse-me o seguinte: que eu me fui esclarecer no relatório do Pentágono.

0 Sr. João Amaral (PCP): - Esse papelinho, de onde é que veio?

0 Orador: - Sabe o que é que isso me fez lembrar? Em 1994, estava eu aqui a defender o acordo de cooperação com os Estados Unidos da América, e via o que o senhor me dizia ali para cima para a tribuna, que era qualquer coisa do mesmo estilo! E mau para nós, é mau para o PCP, mas é sobretudo mau para o País que uma pessoa tão inteligente, tão capaz, tão dinâmica, que eu prezo tanto, que eu aprecio tanto, continue enquistado no velho discurso do PCP de 1994. É uma pena, lastimo muito porque tenho um apreço muito grande pelas suas qualidade intelectuais e políticas para o ver aí, nesse ghetto.

0 Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, é evidente que o Sr. Secretário de Estado pode ter todo o seguidismo que quiser em relação aos Estados Unidos da América, o que não pode, principalmente depois de lhe ter sido dito desde a primeira vez em que fez referência ao atraso deste debate, que foi por responsabilidade exclusiva do Governo, é repeti-lo mais duas vezes, como o fez.
0 Sr. Secretário de Estado tem repetido que este debate está atrasadíssimo, pelo que gostaria de clarificar, Sr. Presidente, que este debate foi solicitado a tempo e só foi agendado hoje e não antes porque nunca, nunca o Governo esteve disponível para esse agendamento. 0 Governo recusou sempre a possibilidade de ter alguém presente neste debate e só quando nós dissemos que o debate seria
feito de qualquer forma é que o Governo aceitou que ele tivesse lugar.
É, pois, este o sentido da interpelação à Mesa, Sr. Presidente: o atraso é da exclusiva responsabilidade do Governo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Também para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

0 Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: Sr. Presidente, queria apenas pontuar que este debate de urgência foi marcado para a data que a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares marcou e que as questões que o Governo suscitou relativamente a este debate se prendiam, basicamente, com o facto de haver outros debates de urgência pedidos legitimamente por outros partidos da oposição, bem como que a urgência não se verificava a partir do momento em que o facto que tinha suscitado o debate do PCP já estava de todo em todo ultrapassado quando a questão se colocou.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Reis Leite.

0 Sr. Reis Leite (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, Sr.ªs e Srs. Deputados: Esta nossa discussão parlamentar acontece sob o signo das originalidades.
A primeira originalidade é que, para explicar esta matéria que aqui tratamos, à Comissão apareceu o Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, no Plenário aparece o Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas e na futura interpelação sobre esta matéria - atrevo-me a fazer futurologia - aparecerá o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, e interrogo-me onde é que está o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.

0 Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas: - Está em toda a parte!

0 Orador: - Então, é Deus! Está em toda a parte, mas não está na Assembleia! É invisível!

0 Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas: - Estamos no «ano gâmico»!

0 Orador: - No «ano gâmico»... Le Gama, il n'existe pas!

Risos.

0 que é que se deve concluir daqui? Nada tenho contra que esteja aqui o Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, pois admiro-o muito e sou seu amigo, mas, efectivamente, quando aqui se vem discutir uma questão essencialmente de política externa, que é da responsabilidade do Governo, esperávamos ver aqui o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, por isso interrogo-me como é que os senhores querem ser levados a sério numa matéria tão importante se têm esta originalidade.

0 Sr. José Junqueiro (PS): - Esteve cá o Sr. Secretário de Estado!

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0 Orador: - 0 Sr. Secretário de Estado da Cooperação! Não me consta, a não ser que faça cooperação com o Iraque,...!
Segunda originalidade. Isto acontece quando está em vigor um novo acordo de cooperação e defesa entre Portugal e os Estados Unidos da América, que revogou o velho acordo de 1951. Este acordo foi assinado em 1995, com uma nova filosofia, a qual permitiria a Portugal, num novo mundo em mutação, continuar com um acordo bilateral entre os dois países. Foi um caso saudado por todos como uma grande vitória diplomática portuguesa, que parecia que abria novos caminhos a essas relações bilaterais entre os dois países.
Não quero deixar, como Deputado eleito pela Região Autónoma dos Açores, de abrir aqui um parêntesis para dizer que se as relações bilaterais entre Portugal e os Estados Unidos da América subsistem, e subsistem até com um acordo tão recente, devem-se, sem dúvida alguma, ao peso que tem a Região Autónoma dos Açores nesta matéria. Mas isto é um parêntesis, porque não é isso que está em discussão.
Assim, quando se esperava que o Governo do PS usasse este novo instrumento de relações bilaterais, as relações entre Portugal e os Estados Unidos estão no pior dos seus pontos. E o que aqui se passa é, incontestavelmente, um fruto desta situação a que se chegou.
Já aqui foi invocado, e eu não posso deixar de voltar a falar, que, enquanto a Sr.ª Secretária de Estado do Governo dos Estados Unidos percorria afanosamente os países europeus nossos companheiros nesta matéria, e que, possivelmente, não terão acordos bilaterais com os Estados Unidos, mandava um alto funcionário...

0 Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas: - Não é um funcionário!

0 Orador: - ou, se quiserem, um embaixador distintíssimo ....

0 Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas: - Um membro do Governo!

0 Orador: - Mas não pode deixar de ter significado que a Sr.ª Secretária de Estado não tenha passado por Lisboa para tratar deste assunto. Esta é outra das originalidades que eu gostaria de realçar.
A terceira originalidade é a que se prende mais directamente com a questão que aqui está a ser discutida. Não temos dúvidas de que o Governo cumpriu o acordo estabelecido com os Estados Unidos nesta matéria. É preciso que aqui fique dito. A autorização foi dada com base num acordo que foi celebrado em 1995, e que permite que esta autorização seja dada.

Vozes do PS: - E que aprovaram!

0 Orador: - Não só aprovámos - como sabe, eu até não sou grande amante do acordo que foi conseguido, mas por outras razões que não estas -, como até foi negociado pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo do PSD.

0 Sr. Carlos Luís (PS): - Não sabe o nome?!

0 Orador: - Sei o nome, sim, senhor! Sei, mas não é isso que está em causa! As pessoas passam, os acordos e os ministros ficam!

Mas voltemos à matéria. A autorização foi dada com base num acordo e com a legitimidade que esse acordo dá ao Governo. Mas a originalidade está no seguinte: um Governo tão dialogante, um Governo que apregoa o diálogo com tudo e com todos, um Governo que, quando foi para mandar tropas portuguesas em missão para a Bósnia, aqui veio falar com tudo o que eram pessoas não teve uma palavra para com o Parlamento, para com os Deputados e para com as Comissões de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação e de Defesa Nacional numa matéria tão importante e tão relevante como é esta. É condenável! 0 método que foi usado é, efectivamente, um método condenável e devia ter sido aqui valorizado o papel democrático dos parlamentos.
E isso deveria ter sido feito até na medida em que estas matérias não devem ser decididas com este imediatismo, que pode levar a uma confusão, que é a confusão do seguidismo da política externa portuguesa em relação às decisões da política dos Estados Unidos da América.
Não tinha ficado mal ao Governo se tivesse explorado a intervenção democrática, com opiniões diversas sobre esta matéria, do Parlamento português, aliás, seguindo a lição dos nossos aliados e amigos americanos que, quando têm questões internacionais para tratar, tantas vezes fazem valer as suas posições com as posições do Congresso, com a autorização do Congresso e com a consulta aos senadores. Podiam ter feito a mesma coisa e, não estando, evidentemente, o PSD...
Estão aqui a lembrar-me que o próprio Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, quando tratou deste assunto na Comissão de Assuntos Europeus, não deixou de concordar com esta ideia e, no fundo, de «confessar» que tinha sido um lapso, tinha sido um erro, e as decisões do Estado português a tão alto nível não se compadecem com estas distracções. É aqui que bate o nosso ponto de discórdia nesta matéria.

Aplausos do PSD.

0 que é que se deve concluir daqui? Nada tenho contra a presença do Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, pois admiro-o muito e sou seu amigo, mas, efectivamente, quando aqui se vem discutir uma questão essencialmente de política externa, que é da responsabilidade do Governo, esperávamos ver aqui o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros e por isso me interrogo como é que os senhores querem ser levados a sério numa matéria tão importante se têm esta originalidade.

0 Sr. José Junqueiro (PS): - Esteve cá o Sr. Secretário de Estado!

0 Orador: - 0 Sr. Secretário de Estado da Cooperação! Não me consta, a não ser que faça cooperação com o Iraque, que tenha a ver com esta matéria!
Segunda originalidade: isto acontece quando está em vigor o novo Acordo de Defesa e Cooperação entre Portugal e os Estados Unidos da América, que revogou o velho acordo de 1951. Este acordo foi assinado em 1995, com uma nova filosofia, a qual permitiria a Portugal, num novo inundo em mutação, continuar com um acordo bilateral entre os dois países. Foi um caso saudado por todos como uma grande vitória diplomática portuguesa, que parecia que abria novos caminhos a essas relações bilaterais entre os dois países.

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Não quero deixar, como Deputado eleito pela Região Autónoma dos Açores, de abrir aqui um parêntesis para dizer que se as relações bilaterais entre Portugal e os Estados Unidos da América subsistem, e subsistem até com um acordo tão recente, devem-se, sem dúvida alguma, ao peso que tem a Região Autónoma dos Açores nesta matéria. Mas isto é um parêntesis, porque não é isso que está em discussão.
Assim, quando se esperava que o Governo do PS usasse este novo instrumento de relações bilaterais, as relações entre Portugal e os Estados Unidos estão no pior dos seus pontos. E o que aqui se passa é, incontestavelmente, um fruto desta situação a que se chegou.
Já aqui foi invocado, e eu não posso deixar de voltar a falar, que, enquanto a Sr.ª Secretária de Estado do Governo dos Estados Unidos percorria afanosamente os países europeus nossos companheiros nesta matéria, e que, possivelmente, não terão acordos bilaterais com os Estados Unidos, mandava um alto funcionário...

O Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas: - Não é um funcionário!

O Orador: ou, se quiserem, um embaixador distintíssimo.

O Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas: - Um membro do Governo!

O Orador: - Mas não pode deixar de ter significado que a Sr.ª Secretária de Estado não tenha passado por Lisboa para tratar deste assunto. Esta é outra das originalidades que eu gostaria de realçar.
A terceira originalidade é a que se prende mais directamente com a questão que aqui está a ser discutida. Não temos dúvidas de que o Governo cumpriu o acordo estabelecido com os Estados Unidos nesta matéria. É preciso que aqui fique dito. A autorização foi dada com base num acordo que foi celebrado em 1995 e que permite que esta autorização seja dada.

Vozes do PS: - E que aprovaram!

O Orador: - Não só aprovámos - como sabe, eu até não sou grande amante do acordo que foi conseguido, mas por outras razões que não estas - como até foi negociado pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo do PSD.

O Sr. Carlos Luís (PS): - Não sabe o nome?!

O Orador: - Sei o nome, sim, senhor! Sei, mas não é isso que está em causa! As pessoas passam, os acordos e os ministros ficam!
Mas voltemos à matéria. A autorização foi dada com base num acordo e com a legitimidade que esse acordo dá ao Governo. Mas a originalidade está no seguinte: um Governo tão dialogante, um Governo que apregoa o diálogo com tudo e com todos, um Governo que, quando foi para mandar tropas portuguesas em missão para a Bósnia, aqui veio falar com tudo o que eram pessoas não teve uma palavra para com o Parlamento, para com os Deputados e para com as Comissões de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação e de Defesa Nacional, numa matéria tão importante e tão relevante como é esta. É condenável! O método que foi usado é, efectivamente, condenável e devia ter sido aqui valorizado o papel democrático dos parlamentos.
Isso deveria ter sido feito, na medida em que estas matérias não devem ser decididas com este imediatismo que pode levar a uma confusão, que é a confusão do seguidismo da política externa portuguesa em relação às decisões da política dos Estados Unidos da América.
Não tinha ficado mal ao Governo se tivesse explorado a intervenção democrática, com opiniões diversas sobre esta matéria, do Parlamento português, aliás, seguindo a lição dos nossos aliados e amigos americanos que, quando têm questões internacionais para tratar, tantas vezes fazem valer as suas posições com as posições do Congresso, com a autorização do Congresso e com a consulta aos Senadores. Podiam ter feito a mesma coisa.
Estão a lembrar-me que o próprio Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, quando tratou deste assunto na Comissão de Assuntos Europeus, não deixou de concordar com esta ideia e, no fundo, de «confessar» que tinha sido um lapso, que tinha sido um erro. Porém, as decisões do Estado português a tão alto nível não se compadecem com estas distracções. E aqui que bate o nosso ponto de discórdia nesta matéria.

Aplausos do PSD.

O Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas: - Sr. Presidente, peço a palavra para prestar um pequeno esclarecimento.

O Sr. Presidente: - A Mesa tem a faculdade de lhe conceder 1 minuto para o efeito. Faça favor, Sr. Secretário de Estado, mas peço-lhe que se cinja a esse tempo.

O Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas: - Sr. Presidente, quero referir que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros está neste momento em Londres, na reunião dos Ministros dos Negócios Estrangeiros preparatória da reunião ASEAN/União Europeia, portanto em serviço.
O Sr. Deputado Reis Leite diz que as nossas relações com os Estados Unidos vão mal e o Sr. Deputado João Amaral diz que as nossas relações com os Estados Unidos são excessivas. Queiram VV. Ex.as entender-se em relação a essa matéria e, efectivamente, libertar-me dessas considerações.
Finalmente, em relação à falia de informação, quero dizer que isso não é verdade, na medida em que o Sr. Primeiro-Ministro ouviu e informou pessoalmente os líderes partidários desta situação. Foram todos ouvidos.
Porventura, haverá que agilizar mais mecanismos de informação e de contacto com a Assembleia, mas veio aqui, como muito bem referiu o Sr. Deputado, o Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação.

O Sr. João Amara[ (PCP): - Sr. Presidente, peço também a palavra para prestar um esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado. Dispõe de 1 minuto para o efeito.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, creio que o Sr. Secretário de Estado está um pouco destreinado e resolve sempre meter-se em terrenos que já não vale a pena.
Eu nunca disse que as relações de Portugal com os Estados Unidos eram excessivas. As relações de Portugal

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com qualquer país devem ser sempre desenvolvidas e há sempre novos campos para as desenvolver, excepto um, que é o campo do seguidismo. E quanto a isso é que julgo que era preciso mudar.
Agora, o que tenho a dizer ao Sr. Secretário de Estado em relação à presença do Sr. Ministro Jaime Gama é que a lógica levaria, então, a que o Sr. Secretário de Estado, em vez de estar aqui, tivesse ido substituir o Sr. Ministro à tal reunião a Londres e viesse o Sr. Ministro aqui responder ao Parlamento, que é o seu dever.

Aplausos do PCP.

O Sr. Reis Leite (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para responder ao Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Reis Leite, não se tratou de um pedido de esclarecimento do Sr. Secretário de Estado, foi, antes, de um esclarecimento que ele prestou, tal como o Sr. Deputado João Amaral.
Portanto, se quiser prestar também um esclarecimento, poderá fazê-lo, mas no tempo de 1 minuto e não de 3, porque não houve qualquer pedido de esclarecimento.

O Sr. Reis Leite (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, o problema é simples: o Sr. Secretário de Estado diz uma coisa que é verdade, ou seja, que o Sr. Primeiro-Ministro contactou os líderes dos partidos da oposição, pelo menos contactou com o líder do PSD. Contudo, não é isso que está em causa. O que está em causa é que o Parlamento foi ultrapassado nesta matéria e o que devia ter sido feito em relação a esta questão tão delicada era, pelo menos, a mesma coisa que se fez para a intervenção de Portugal nas forças da Bósnia. Há, manifestamente, uma dualidade de decisões. É isso que está em causa e é contra isso que protestamos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Seja a responsabilidade do PCP ou do PS, a verdade é que estamos perante um debate requentado. Mas ele dá tanta alegria ao Sr. Deputado João Amaral que não vejo qualquer inconveniente em lhe proporcionar este momento de satisfação, até, Sr. Deputado João Amaral, por ter verificado que V. Ex.ª foi sensível à influência da opinião de um cidadão americano sobre a entrada ou não do seu país na guerra.

O Sr. João Amaral (PCP): - Podia ter outra graça. Já me tirou a alegria!

O Orador: - Gostava de lhe recordar, Sr. Deputado João Amaral, que não tiveram igual sorte Soljenitsyite e Sakharov, que bem clamaram pela paz e pela liberdade e nunca ninguém lhes ligou qualquer importância. É exactamente por essa diferença que não estamos assim muito preocupados com as armas que os Estados Unidos da América possuam. Os Estados Unidos são, inegavelmente, um país democrático, onde já está mais do que demonstrado que a força da opinião pública pode impor o bom senso e a paz.
Mas acontece que este debate já foi feito no seio da Comissão Parlamentar dos Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação e já ouvi da boca do
Sr. Secretário de Estado, que para mim representa sempre o Ministro, aliás, segundo a lei, representa o Ministro, dizer que o Governo lamentava a forma como tinha procedido de só prevenir os líderes partidários e que, em situações futuras, isso não se repetiria.
Mas também acontece que o Governo não violou qualquer lei e penso que isto não é uma coisa despicienda para a Assembleia da República.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Muito bem!

O Orador: - Trata-se de uma norma de procedimento, mas não se trata de uma violação da lei. Antes pelo contrário, penso que devemos pesar o que estava em jogo. Não sei, pois não estive lá para verificar nem para procurar debaixo das camas se havia ou não armas químicas e biológicas, o que não quero acreditar é que, não havendo qualquer causa, mesmo um líder totalitário, como é o caso do Iraque, sujeite o seu país a um boicote tão doloroso e tão violento como aquele que ele suporta desde há longos anos.
A propósito disto, quero dizer, Sr. Deputado João Amaral, que estou totalmente de acordo consigo em que esta não é uma forma de resolver problemas internacionais, porque também a prática demonstra que as vítimas são as que nada têm a ver com isso, são os doentes que não têm remédios, são as crianças que não têm leite, são os pobres que passam fome e vêem a morte chegar-lhes à porta muito mais cedo. Aí estou de acordo consigo e peço veementemente ao Governo que utilize todos os meios, até os que foram proporcionados por este recuo em relação à guerra, para que também se recue em relação ao bloqueio.
Penso que ficará bem a Portugal e ao Governo português fazer uma intervenção, que, aliás, é repetidas vezes feita pela Santa Sé, como aconteceu em relação a Cuba e a todos os sítios onde está em causa a justiça. Não podemos clamar por justiça em Timor e despreocuparmo-nos pela justiça no Iraque ou em Cuba. Penso que o nosso Governo só teria a ganhar com essa intervenção e faço daqui um apelo muito veemente para que assim seja.
Criou-se a situação de que a paz e a diplomacia triunfaram, não se deve perder a ocasião de explorar essa vitória em favor dos desfavorecidos.
Por mim, não tenho muito mais a dizer. Se, por acaso, ofendi ou indispus o Sr. Deputado João Amaral, fica por conta das vezes que ele me indispôs e ofendeu sem querer. É que somos muito amigos um do outro e isso passa sempre à frente de tudo o resto.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira, para uma intervenção.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tenho as maiores dúvidas sobre o que estamos a discutir hoje. Gostaria de dizer desde já que não compreendo bem a substância da discussão; no entanto, ela pode permitir-nos fazer algumas considerações pertinentes para o que creio estar em causa neste debate.
Em primeiro lugar, gostaria de dizer, contrariando o meu colega Reis Leite, que, quando da celebração do actual Acordo de Defesa e Cooperação entre Portugal e os Estados Unidos da América, houve pessoas que disseram desde logo que aquele era o pior acordo assinado por Portugal com os Estados Unidos em matéria de facilida-

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des relacionadas com os Açores. Tal foi dito, no Verão de 1995, por mim, uma voz isolada quando todos ficaram calados, inclusivamente o Sr. Deputado Reis Leite, que já era Deputado pelos Açores.
O Acordo é, de facto, o pior em comparação com todos os outros que foram celebrados com os Estados Unidos e, portanto, a sua execução é muito difícil e requer, por parte do Estado português, uma maior capacidade de política externa do que a sua simples gestão diplomática. Basta referir as competências da Comissão Bilateral Permanente que o Acordo prevê para se compreender que o essencial estará aí.
Não tem, pois, razão o Partido Comunista quando marca este debate de urgência com um sentido que me parece isolado e sem razão de ser, Sr. Deputado João Amaral. Porquê? Porque nem o Iraque protestou pelo facto de Portugal ter posto à disposição dos Estados Unidos a Base Aérea das Lages. O Iraque não protestou, Sr. Deputado João Amaral!

Risos do Deputado do PCP João Amaral.

Portanto, o que interessa reter é que o Iraque não protestou e o embaixador do Iraque veio à Assembleia da República entregar um memorando no qual não consta nenhuma crítica ao Governo português, nenhuma menção às facilidades concedidas nos Açores. Não houve, pois, protesto por parte do governo do Iraque.
Que se saiba, não houve qualquer diligência por parte de nenhum dos países que o Sr. Deputado mencionou como tendo uma posição diferente da portuguesa. Nem a França, nem a Itália, nem nenhum outro país da União Europeia fez qualquer reparo à atitude do Governo português...

O Sr. João Amaral (PCP): - Pois não! Fizeram reparos à atitude americana!

O Orador: - Sr. Deputado João Amaral, nós só somos responsáveis pelo comportamento do Estado português, não somos responsáveis pelo comportamento dos Estados Unidos...

O Sr. João Amaral (PCP): - São, são!

O Orador: - Não, somos, não!
Como dizia, só podemos responder perante o comportamento do Estado português e, desse ponto de vista, como disse o Sr. Deputado Nuno Abecasis, o Estado parece ter correspondido à legalidade da situação.
Não houve guerra, Sr. Deputado João Amaral. Pelo contrário, como foi acentuado pelo Sr. Secretário de Estado, houve um acordo entre o Secretário-Geral das Nações Unidas e o Governo do Iraque, graças à coacção diplomática e militar posta em execução em grande parte pelos Estados Unidos da América e por um outro país, que também é aliado de Portugal, a Grã-Bretanha.
Portanto, Sr. Deputado, não creio que possa dizer-se que tenha havido um excesso de competência por parte do Governo português. Todas as acções tomadas pelo Governo português foram-no dentro das suas competências próprias, foram, aliás, seguidas de uma vinda à Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação do Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros...

O Sr. João Amaral (PCP): - Da Cooperação!

O Orador: - Dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, sim!
Faço aqui um parêntesis para dizer que acho que não compete ao Sr. Deputado João Amaral desclassificar os Secretários de Estado. Acho que isso não tem qualquer interesse parlamentar!
Por fim, tem-se dito muito que o enviado dos Estados Unidos a Portugal não foi uma personalidade como a Sr.ª Madeleine Albright que, hoje em dia, é a Secretária de Estado americana. Esquece-se que quem veio a Portugal foi o sucessor de Madeleine Albright no cargo de Embaixador dos Estados Unidos nas Nações Unidas. Aliás, ele não veio só a Portugal, também visitou um outro país - com uma importância relativa, bem sei! - que foi o Japão.
Digo isto para explicar, mais uma vez, que os Estados Unidos não enviam pessoas para as Nações Unidas para fazerem diplomacia, enviam personalidades para promoverem a sua política externa e, muitas vezes, isso não é entendido, mesmo pelo Sr. Deputado João Amaral. Ou seja, os Estados Unidos fazem, nas Nações Unidas, política externa, enquanto há outros países que só fazem diplomacia.
O que interessa, Sr. Deputado, é referir que o facto de este debate se realizar agora significa que as inquietações do Partido Comunista não tiveram nenhuma razão de ser.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Reis Leite, para um pedido de esclarecimento.

O Sr. Reis Leite (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Medeiros Ferreira, quando começou a falar parece que não sabia o que estava a discutir-se aqui,...

Protestos do PS.

... mas depois percebeu.
Mas tenho de dar-lhe um esclarecimento e fazer-lhe uma pergunta.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Estou a ouvi-lo para aprender!

O Orador: - Aprender, não! Com o esclarecimento que vou dar-lhe não aprende nada porque é um esclarecimento; com a pergunta, dir-me-á...
A verdade é que a sua informação não corresponde à realidade. Aquando da discussão do novo acordo, em 1985, eu discordei, nomeadamente numa reunião da Comissão com o, então, Ministro dos Negócios Estrangeiros, Dr. Durão Barroso. Discordei essencialmente no tocante às matérias referentes aos Açores, em que concordo com o Sr. Deputado, isto é, considero que este é um acordo muito mau em relação ao que os Açores aspiravam. Este é, pois, o esclarecimento que queria dar-lhe.
Passo agora à pergunta que tenho para fazer-lhe. Se a opinião do Partido Socialista - e admito que também a do Governo - sobre este acordo na sua globalidade é a de que ele é assim tão mau, por que é que, passados dois anos, não accionam os mecanismos previstos no Acordo para que possa ser modificado?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis, igualmente para um pedido de esclarecimento.

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O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Medeiros Ferreira, uma vez que me parece claro que, em face deste acordo, Portugal e os Estados Unidos cumpriram as respectivas missões, pergunto-lhe se o Sr. Deputado não fica muito mais tranquilo em que seja um alto funcionário e não a Ministra a vir a Portugal dar ordens ao Governo português.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, começo por responder ao Sr. Deputado Nuno Abecasis.
O embaixador Bill Richardson não é um alto funcionário, é um membro do governo dos Estados Unidos, é um embaixador político.

O Sr. João Amara[ (PCP): - Pelos vistos, veio dar ordens!

O Orador: - Nenhum deles vem a Portugal dar ordens! Essa é uma concepção das relações internacionais perfeitamente escassa e umdimensional que pode corresponder a uma situação que terá acontecido noutros sistemas que já se desagregaram irias que nunca foi a tradição das relações na Aliança Atlântica. Esta é uma aliança em que o voto de cada um dos Estados impera como veto, na medida em que as decisões são tomadas por consenso e por unanimidade. Portugal faz parte desta Aliança, em condições paritárias, sabendo que a realidade internacional é, muitas vezes, severa e, portanto, nós não temos de, se me permitem, «baixar o nível da discussão» com considerações sobre o seguidismo do Estado português ou sobre qualquer subalternização nessa matéria.
Não me parece que nenhum governante português tenha interiorizado qualquer sentimento de inferioridade em relação a qualquer potência, muito menos a países que são nossos aliados e que, em momentos difíceis, têm dado provas de um grande entendimento sobre o que é a solidariedade internacional. Portanto, não coloco a discussão nesse ponto.
Respondendo ainda ao Sr. Deputado Reis Leite, devo dizer-lhe que penso que a ironia tem sempre algumas dificuldades de entendimento.
Obviamente, iniciei a minha intervenção de forma irónica. Lamento tê-lo induzido em erro, mas acho que apanhou o essencial da discussão. Ora, o essencial da discussão também tem a ver com a data em que V. Ex.ª protestou. Disse-me que tinha protestado em 1985, mas penso que queria dizer em 1995, quando o governo do PSD, liderado pelo Prof. Cavaco Silva e tendo Durão Barroso à frente do Ministério dos Negócios Estrangeiro, concluiu o Acordo de Defesa e Cooperação entre Portugal e os Estados Unidos da América sem consultar as autoridades dos Açores.

O Sr. Reis Leite (PSD): - Fez mal!

O Orador: - Creio que é a esse aspecto que V. Ex.ª se refere.
A este propósito, gostaria de terminar, acentuando quanto os Açores são matéria relevante neste debate, pelo que não compreendo como se consegue fazer um debate de urgência sobre esta matéria sem uma única vez se Ter mencionado os Açores, as populações da Ilha Terceira que, em caso efectivo de risco militar, seriam as que estariam mais expostas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro, para uma intervenção.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O debate vai longo, mas, em todo o caso, há uma questão que importaria colocar. Trata-se de uma questão que não se reporta ao PCP mas a todos os partidos da oposição nesta Câmara.
O atraso com que este debate ocorre é, tão-só, igual ao de outros debates de urgência que foram requeridos ultimamente. O Governo foge, o Governo retarda, o Governo empata e, depois de ter feito tudo isto, vem concluir e sugerir que os debates não se realizem porque já perderam a sua oportunidade. Portanto, esta questão não afecta somente o PCP, já afectou Os Verdes, já afectou o CDS-PP e julgo que todos os partidos da oposição têm de estar atentos a este problema.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Mantenha-se vigilante!

A Oradora: - Em relação ao que aqui se discutiu, ou seja, o facilitismo ou não com que o Governo português entendeu, seguindo, diz-se, o acordo que tem com os Estados Unidos da América, ceder território nacional para o envolvimento num conflito militar, há várias questões.
Primeira, gostaria de esclarecer esta Câmara, uma vez que o Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, que entretanto se ausentou, deu uma informação incorrecta, que o Governo não ouviu todos os partidos da oposição. Aliás, o Governo, em relação ao Partido Ecologista Os Verdes, tem somado violações ao Estatuto da Oposição.

Vozes do PCP: - É uma vergonha!

A Oradora: - Segunda, estamos perante um problema político em relação ao qual o Sr. Deputado Medeiros Ferreira, querendo ou não, centrou a questão naquilo que é mais importante. Por um lado, como é que o Governo, com tanta leviandade, se envolve a alimentar intervenções militares belicistas? Nesse sentido é com grande preocupação que nós, Os Verdes, vemos entrar no estuário do Tejo navios da NATO com ogivas nucleares sem que sejam tomadas medidas que estão definidas na lei mas que nunca são cumpridas; é com preocupação que vemos o maior exercício da NATO realizado nos últimos anos ter ocorrido há poucas semanas em Portugal e com 6000 militares envolvidos; é com preocupação que vemos que, ao fim de tantas asneiras e de tantos anos, não se entenda que é pela via diplomática que se resolvem problemas e se insista na via militar. Não é, seguramente, por se fazer morrer pessoas no Iraque que esse país deixa de ser uma ditadura, mas será por isso, seguramente, que muitas mulheres e crianças morrerão, que crimes e desastres ecológicos com as dimensões daqueles que ainda hoje ocorrem na região do Golfo vão permanecer durante muitos anos e não vejo que se entenda que facilitar é participar de um processo de resolução de um problema.
Mas há outra reflexão que deveria ter sido feita. É que não só as populações dos Açores seriam postas em risco se, eventualmente, houvesse retaliação de uma das partes

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envolvidas (O Iraque), que, aliás, não pauta a sua actuação política pela sensatez, mas, realizando-se em Portugal acontecimentos tão importantes como a Expo 98, a Cimeira Ibero-Americana, como é que não ocorre ao Governo que realizações como estas podem ser alvos privilegiados de acções de terrorismo?
Em conclusão, julgo que este debate veio provar a total insensatez com que o Governo interveio nesta matéria e penso que tarde ou não, porque o Governo não tem uma visão de longo prazo e preventiva em relação aos conflitos, este debate fez todo o sentido.

Vozes de Os Verdes e do PCP: - Muito bem!

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, é para dar um esclarecimento à Mesa e à Sr.ª Deputada Isabel Castro.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, não creio que alguma vez a decisão do Governo português tivesse posto em risco a segurança com que se vive em Portugal e que se está a consolidar, sobretudo na véspera da realização da Expo 98. Se me permitem, devo dizer que esse problema não tem qualquer pertinência, pois creio que o que está a acontecer, com a firmeza do Estado em algumas matérias, é, pelo contrário, um aumento de segurança com a diminuição dos riscos que pudessem existir nessa matéria.
Aliás, se não fosse o debate actual, creio que ninguém se lembraria que, em 10 de Fevereiro, Portugal deu uma autorização de rotina, como tem vindo a dar durante os últimos anos, para o trânsito de algumas aeronaves na Base Aérea das Lages.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 50 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à discussão conjunta do projecto de resolução n.º 79/VII Sobre o controle antidoping (PSD) e do projecto de lei n.º 461/VII - Altera o Decreto-Lei n.º 183/97, de 26 de Julho (Combate à dopagem no desporto) (CDS-PP).
Para apresentar o projecto de resolução n.º 79/VII, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Marta.

O Sr. Carlos Marta (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O combate ao doping no desporto é uma tarefa que deve merecer de todos nós uma particular atenção porque estão em causa princípios éticos, está em causa a verdade desportiva e, sobretudo, há que defender e salvaguardar a saúde e o bem-estar dos atletas. Por isso, todos nós devemos fazer um esforço acrescido no sentido de se criarem as melhores condições para que o combate ao doping seja eficaz e credível e responda às necessidades e exigências de uma sociedade desportiva cada vez mais profissionalizada.
Como já aqui foi dito noutro debate, durante muitos anos, o nosso Laboratório de Análises à Dopagem e Bioquímica esteve acreditado ao mais alto nível. Encontrava-se entre os 22 melhores do mundo. Possuía o Estatuto Olímpico por Excelência de Nível III ou, melhor, podia realizar análises nacionais, análises internacionais e contra-análises. Estávamos, assim, na 1.ª divisão mundial.
Inexplicavelmente, por incapacidade do actual Governo, descemos para a 3.ª divisão, fazendo agora o nosso laboratório apenas análises nacionais e mesmo algumas destas estão a ser efectuadas em Madrid, com custos elevadíssimos para o erário público.
Tudo isto representa, como não pode deixar de ser, uma clara e inequívoca derrota para o desporto português. Todos sabemos e reconhecemos o esforço dos nossos atletas e selecções para a dignificação da imagem e do nome de Portugal no mundo e é pena que seja a administração pública desportiva a contribuir para a degradação dessa imagem. O actual Governo ficará, pois, na história pela perda de credibilidade internacional das instituições desportivas nacionais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É grave, por isso, que até ao momento não haja responsáveis pelo acontecido. A culpa morre solteira. Segundo o Governo, todo o mal que hoje nos acontece, a todos os níveis e também agora no desportivo, continua a ser atribuído ao passado e os do presente, aqueles que nos governam, não têm qualquer responsabilidade. Como é possível ter esta visão dos acontecimentos?!
Descemos de divisão. Foi por isso criada a insegurança e a instabilidade no sector e, sobretudo, não há credibilidade nacional e internacional do nosso laboratório. Em dois anos, este Governo deitou tudo a perder.
Naturalmente que para alguns o problema reside na gestão dos recursos humanos e na falta de condições de trabalho e de motivação dos técnicos; para outros. porque os técnicos existentes não podiam acumular com outras funções e por isso quiseram sair, porque estavam mal pagos. Para nós, é claro que não houve o cuidado de gerir com atenção e com bom senso os recursos humanos, técnicos e materiais que estavam à disposição do actual responsável pelo Laboratório.
Por isso, por mais que se procurem encontrar desculpas com o passado, levantando «fantasmas», os factos demonstram a incapacidade do Governo em encontrar as soluções para que o nosso laboratório recupere a credibilidade e regresse à 1.ª divisão mundial.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É que ninguém percebe por que é que, depois de mais de 10 anos de acreditação plena do nosso laboratório, com técnicos a tempo parcial, bem ou mal tratados, com ou sem contrato, em dois anos de Governo socialista e com todos os investimentos entretanto efectuados, tenhamos deitado tudo a perder! Tudo isto aconteceu, repito, sem ninguém ser responsabilizado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar das promessas várias de resolução do problema, o facto, é que as análises continuam a ser efectuadas em Madrid e as suspeições e dúvidas continuam. É tempo de acabar com esta situação. É o desporto português que está em causa e uma luta contra o doping, que deve ser, repito, de todos nós.
É tempo, pois, de acabarem os protagonismos pessoais, motivados exclusivamente por necessidade de afirmação

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política. O protagonismo tem de ser, apenas e só, o de combater eficazmente a dopagem no desporto. Esta é uma matéria que exige dos responsáveis rigor, qualidade, seriedade e discrição. Não são precisas acções mediáticas. É necessário apenas que o director técnico, que se diz ter sido contratado, comece a trabalhar.
Hoje, ninguém acredita no nosso laboratório, nem nas pessoas que o dirigem. É lamentável, mas é verdade! De todos os sectores, «chovem» críticas à actuação do Laboratório. É urgente, por isso, acabar com as suspeições. É imprescindível que exista transparência. Terão de existir, sobretudo, critérios objectivos e iguais para todos de forma a merecerem a confiança dos diferentes agentes envolvidos. Com isto não se brinca.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A desqualificação do Laboratório de Análises à Dopagem e Bioquímica abalou a confiança dos agentes desportivos na seriedade da luta contra o doping e em defesa da verdade desportiva. Há, aliás, o risco, a manter-se a actual situação, de pessoas menos escrupulosas aproveitarem este ambiente de descrédito para fomentar e praticar comportamentos anti-desportivos que temos o dever de combater.
Apresentamos, assim, este projecto de resolução que tem por objecto: em primeiro lugar, recomendar ao Governo uma acção enérgica no sentido de recuperar para o Laboratório de Análises à Dopagem e Bioquímica a acreditação junto do Comité Olímpico Internacional para efectuar análises e contra-análises em provas desportivas nacionais e internacionais; em segundo lugar, recomendar o esforço da vigilância e de controle antidoping nos diversos escalões competitivos, tornando-o obrigatório nas provas inseridas em competições profissionais; em terceiro lugar, recomendar a valorização da comunidade científica nacional, que não pode ser injustificadamente preterida perante técnicos estrangeiros: em quarto lugar, recomendar a valorização adequada do prestígio internacional do Comité Olímpico de Portugal e demais estruturas de cúpula do movimento associativo desportivo junto do Comité Olímpico Internacional.
É, pois, este o nosso contributo para a resolução de tão grave situação. O desporto português bem o merece.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para apresentar o projecto de lei n.º 461/VII, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O combate à dopagem no desporto é para nós um imperativo de ordem pública. A defesa da saúde dos praticantes desportivos, os princípios éticos e os valores desportivos e a credibilidade de todo sistema desportivo impõem uma atitude intransigente no sentido de aperfeiçoar o conjunto de normas que tutela actualmente o combate à dopagem. É nossa convicção que falta fazer muito no sentido de garantir os meios eficazes tendo em conta o objectivo, aliás consagrado na Convenção contra o Doping do Conselho da Europa, ratificada por Portugal em 20 de Janeiro de 1994. da «extinção do doping no desporto».
O Governo publicou, em 26 de Julho de 1997, o Decreto-Lei n.º 183/97 no sentido de «adaptar a legislação sobre o combate à dopagem no desporto (maxime o Decreto-Lei n.º 1O5/9O, de 23 de Março) aos desenvolvimentos que entretanto se verificaram nesta matéria a nível internacional». Foi o caso precisamente da Carta Internacional Olímpica sobre a Dopagem e a citada Convenção Europeia contra a Dopagem.
E com o espírito construtivo de aperfeiçoar a legislação mais recente sobre o combate à dopagem que o Grupo Parlamentar do CDS-PP entendeu apresentar esta iniciativa legislativa, visando três objectivos essenciais.
Em primeiro lugar, cumpre hoje distinguir as competições profissionais das demais. As características e as exigências das primeiras impõem, a todos os níveis de regulamentação desportiva, uma diferenciação clara. É por essa razão que propomos que em todos os jogos das competições profissionais, actualmente o futebol e o basquetebol, se realizem obrigatoriamente acções de controlo antidopagem. Por outro lado, prevemos duas escalas de muitas aplicáveis aos clubes desportivos, consoante disputem competições profissionais ou não, sendo naturalmente mais graves no primeiro caso. O profissionalismo é uma indústria que, ao assentar grande parte do seu sucesso na credibilidade da actuação de todos os seus agentes, não pode permitir-se a dúvida e a suspeição de qualquer natureza quanto à verdade desportiva, o mesmo é dizer quanto à verdade dos resultados.
Em segundo lugar, entendemos que os valores de ordem pública que estão em causa nesta matéria aconselham a consagração na lei das sanções disciplinares e das coimas aplicáveis aos praticantes, aos seus clubes e aos demais responsáveis envolvidos. À autonomia das federações desportivas deve deixar-se tão-só a previsão das sanções desportivas a aplicar aos casos em que se verifique a dopagem. Em domínios tão relevantes e sensíveis, é indiscutivelmente mais prudente e até constitucionalmente adequado condensar em legislação da República o essencial das normas aplicáveis ao combate à dopagem e não as deixar na disponibilidade do poder regulamentar das federações desportivas, com todas as contingências e os imponderáveis que integram o processo de decisão dos respectivos órgãos.
Em terceiro lugar, procedemos ao estreitamento das medidas das multas aplicáveis aos clubes desportivos a que pertençam os praticantes desportivos punidos disciplinarmente por dopagem, relativamente ao que se encontra actualmente previsto, e citamos a título de mero exemplo, no Regulamento Antidopagem da Federação Portuguesa de Futebol, e neste caso apenas para as competições de futebol não profissional. O que queremos garantir é que, no caso de um praticante dopado, o clube desportivo seja sancionado com uma pena concreta de valor superior àquele que ocorre em decorrência de aplicação deste regulamento da Federação Portuguesa de Futebol, citado, repito, a título de exemplo.
Defendemos que as sanções aplicáveis por dopagem a praticantes, clubes e outros co-responsáveis devem ser, em concreto, suficientemente graves para terem efeito dissuasor das práticas de dopagem. Quando o pagamento das multas de baixo montante compensa o cometimento das infracções é porque existe uma inadequação das medidas da multa. E se é verdade que os limites máximos das multas aplicáveis aos clubes nalguns regulamentos federativos são mais altos do que o previsto no presente projecto de lei, também é verdade que a elevação dos limites mínimos garante, à partida, uma multa concretamente aplicada mais alta do que o que os referidos regulamentos hoje permitem. Como julgamos também oportuno agra-

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var significativamente as multas previstas para os agentes desportivos potencialmente co-responsáveis pela dopagem.
Pensamos que o aperfeiçoamento da legislação de combate à dopagem é uma tarefa constante e não fica mal à Assembleia da República assumi-la e co-responsabilizar-se por ela. É por isso que entendemos que devemos propor esta alteração legislativa, não esquecendo de que se trata de um aperfeiçoamento e não esquecendo que, pela parte do Grupo Parlamentar do CDS-PP, não se ignora que hoje em dia, a par dos controlos anti-dopagem das competições, assume cada vez mais relevância o controlo entre competições, que, de resto, só agora parece começar a ser feito, apesar de todas as deficiências, apesar de todas as turbulências que recentemente rodearam a actividade do Laboratório e que já aqui foi amplamente discutida, noutro debate.
Pensamos que essa é uma proposta construtiva que não pode deixar de merecer um apelo de responsabilização de todos os grupos parlamentares e que visa, exclusivamente, como comecei por dizer, aperfeiçoar a nossa legislação, não esquecendo que é necessário, se estas alterações forem aprovadas, como esperamos, exigir do Governo a disponibilização dos meios necessários à sua plena eficácia.
É a verdade desportiva que queremos salvaguardar, é a saúde dos atletas que queremos defender e são, exactamente, estes valores que estão na base da proposta que acabo de apresentar.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Dado que os Srs. Deputados demoram a responder à chamada, como habitualmente, para as votações, vou dar a palavra, para uma intervenção, ao Sr. Deputado Domingos Cordeiro.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Domingos Cordeiro (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Os dois projectos em discussão relevam de um debate de urgência sobre a matéria, que teve lugar nesta Câmara no passado dia 11 de Fevereiro, e revelam motivações distintas por parte dos seus proponentes que importa analisar.
Para o PSD, o que está em causa é a necessidade de repetir os argumentos por si esgrimidos no já referido debate de urgência, no qual visou descartar-se, sem conseguir, das responsabilidades que nesta matéria lhe cabem pelo que não fez enquanto foi governo.
Hoje, tal como fez aquando do referido debate de urgência, o PSD faz recomendações, em vez de apresentar propostas concretas e exequíveis. Em vez de colaborar com sentido de responsabilidade numa luta que a todos deve unir - o combate ao doping com vista à salvaguarda da saúde dos atletas e da verdade desportiva -, o PSD faz afirmações vazias de conteúdo, umas, e destituídas de sentido, outras.
Com efeito, o PSD sabe que o nosso Laboratório de Análises à Dopagem e Bioquímica está acreditado pelo Comité Olímpico Internacional para realizar análises nas competições nacionais. O PSD sabe que a luta contra o doping nunca esteve em causa pelo facto de o nosso laboratório se encontrar, momentaneamente, na fase I de acreditação. O PSD conhece a campanha educacional, visando a luta contra a dopagem no desporto, que está a desenrolar-se. O PSD sabe, igualmente, que o número de controlos em competição e fora dela está a ser incrementado e que não foi recusado qualquer pedido de controlo, até ao momento. O PSD sabe que os agentes desportivos confiam na seriedade posta pelo nosso laboratório na luta contra a dopagem. O PSD sabe tudo isto. Não obstante, não se coíbe de, mais uma vez, afirmar que a suspensão temporária da acreditação plena põe em causa a seriedade da luta contra o doping. Não põe!
Mas sabe mais o PSD: sabe que, ao tempo da sua governação, a luta contra o doping era um objectivo esquecido.
Com efeito: os controlos desciam em flecha, passando de 2052, em 1994, para 1760, em 1995, o Laboratório tinha máquinas mas não tinha instalações próprias, em clara violação com as exigências impostas pelo Comité Olímpico Internacional; ...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... a obra mandada realizar no Centro de Medicina Desportiva, com vista à instalação própria do Laboratório, não só estava incompleta como apresentava defeitos de construção; não estava assegurada a Cadeia de Custódia; o quadro de pessoal funcionava no sistema de «2 em 1» (isto é, dos oito técnicos existentes, seis trabalhavam a tempo parcial, incluindo o director); e, por último, não existia um plano de formação adequado à especificidade do Laboratório.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Foi perante este quadro, fruto de uma total demissão da luta contra o doping, por parte do Governo do PSD de então, e que o PSD actual parece querer esquecer, que o Governo do PS foi confrontado e actuou,...

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Actuou, actuou!...

O Orador: - ... corrigindo os defeitos da obra encontrada, equipando as novas instalações de material adequado, instalando o Laboratório em instalações próprias, cumprindo assim as exigências do Comité Olímpico Internacional, dotando o Laboratório com pessoal próprio, apostando na sua formação e valorizando a informação disponível, intensificando os controlos, quer em competição quer fora dela, tendo os mesmos subido para 2097, em 1996, e para 2272, em 1997.
A par e consciente de que a luta contra o doping é, em muito, uma questão educacional, o Governo lançou campanhas de esclarecimento junto dos jovens, dos praticantes e dos agentes desportivos, coisa que o PSD nunca fez nos seus 10 anos de governo.
Por tudo isto, estamos certos de que as medidas introduzidas pelo Governo respondem às exigências do Comité Olímpico Internacional e abrem caminho para a obtenção da acreditação plena, donde a apresentação, por parte do PSD, do projecto de resolução em discussão não faz nenhum sentido.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O mesmo se não diga do projecto de lei apresentado pelo CDS-PP, que visa, através de propostas concretas, introduzir alterações ao Decreto-Lei n.º 183/97. de 26 de Julho, que regula a matéria do combate à dopagem no desporto, nomeadamente no que se refere à obrigatoriedade do controlo em todos os jogos de competições profissionais.
É preciso salientar, desde já, que poderão estar em causa alterações a um diploma legal recente e cuja concretização pelos seus destinatários - as federações desportivas - começa a verificar-se, não sendo em consequência possível fazer desde já uma avaliação exaustiva da sua aplicação.

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Não obstante, estamos em condições de afirmar que discordamos da obrigatoriedade do controlo nos jogos das competições profissionais, proposta através do artigo 8.º. Para além de ser incomportável do ponto de vista económico, seria uma forma de privilegiar as competições profissionais, face às modalidades amadoras, isto considerando que os meios físicos e humanos não são ilimitados.
Por outro lado, está em desacordo com um dos princípios fundamentais do controlo de dopagem: o factor surpresa. A este título, importa referir que nenhum dos países signatários da Convenção contra a Dopagem no Desporto realiza controlos em todos os jogos das competições profissionais.
No que se refere às alterações sugeridas pelo CDS-PP em relação à redacção dos artigos 24.º - Sanções aplicáveis aos clubes desportivos - e 25.º - Co-responsabilização de outros agentes -, por princípio, não somos contra. Entendemos, porém, que, a irem por diante, poderão pôr em causa a competência que a lei actual confere às federações desportivas, para, através dos seus regulamentos anti-dopagem, definirem sanções disciplinares a aplicar aos clubes desportivos.
Como é sabido, as federações estão a agir em consequência, como é o caso da Federação Portuguesa de Futebol que o CDS-PP refere - e bem! - no seu projecto,
que definiu multas no valor compreendido entre 750 e 7500 contos por cada atleta dopado e, ainda, a perda de pontos e derrota, sempre que na mesma época o clube
infractor tenha três ou mais jogadores punidos em jogos diferentes ou dois jogadores punidos no mesmo jogo, sanções que vão já muito para além dos valores agora propostos pelo CDS-PP.
Trata-se, todavia, de uma questão para a qual, como já referimos, não temos uma posição fechada, pelo que estamos disponíveis para, em sede de especialidade, encontrarmos a solução que nos habilite o melhor possível para a luta contra o doping.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se dois oradores para pedir esclarecimentos, mas, entretanto, como temos estado à espera dos Srs. Deputados, vamos passar de imediato às votações.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente. uma vez que vamos entrar no processo de votações, quero colocar a V. Ex.ª e à Câmara a seguinte questão: ontem, durante o debate de urgência aqui travado sobre o Plano Hidrológico Nacional de Espanha, a Sr.ª Deputada Teresa Patrício Gouveia solicitou a V. Ex.ª e à Câmara a possibilidade de se votar o projecto de deliberação assinado por todas as bancadas desta Assembleia, cujo primeiro subscritor é o Presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, Deputado Azevedo Soares, diploma, esse, que está para votação há mais de um ano. Foi entendido que, ontem, não sendo dia de votações, o mesmo não deveria ser votado. Hoje, como é dia de votações, pretende-se saber se esta Assembleia tem ou não vontade de instituir essa comissão parlamentar para o contacto com as Cortes espanholas, dando tradução parlamentar, no contacto entre os dois Parlamentos, àquilo que todos os partidos dizem querer no discurso político.
Portanto, a questão que coloco é a de saber se este projecto de deliberação, que está há mais de um ano na Assembleia e foi assinado por todos os grupos parlamentares, pode ou não ser votado hoje, dando tradução efectiva à vontade, que todos dizem querer, de estreitar a relação entre a Assembleia da República e as Cortes de Espanha.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, ontem, eu disse que o projecto de deliberação seria agendado na primeira oportunidade pela razão simples de que teria de ser precedido de debate. Não tendo sido agendado, agora só por consenso. Assim, pergunto se há consenso de todos os grupos parlamentares.

Pausa.

Como não há consenso, Sr. Deputado, agendá-lo-emos na primeira oportunidade. Tomarei isso a meu cargo.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, naturalmente, se não há consenso. temos apenas que nos conformar...

O Sr. Presidente: - É evidente!

O Orador: - ... mas gostaria de saber quem é que não deu consenso, porque a informação que tenho é a de que todas as bancadas estavam de acordo com essa votação.

O Sr. Presidente: - Pelo menos, o PS não deu.

O Orador: - Então, é o PS que não dá!

O Sr. Presidente: - Parece que o CDS-PP também não deu...

Vozes do CDS-PP: - Deu, deu!

O Sr. Presidente: - Então, foi só o PS.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - É significativo! É triste que o PS não esteja interessado!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 1O4/VII - Estabelece os princípios em que se baseia a verificação da morte.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS e do CDS-PP e abstenções do PSD, do PCP e de Os Verdes.

Srs. Deputados, esta proposta de lei baixa à 1.º Comissão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, quero anunciar que apresentarei na Mesa uma declaração de voto escrita.

O Sr. Presidente: - Fica registado, Sr. Deputado.

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Vamos votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 1561 - Transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva 93/1O4/CE, do Conselho, de 23 de Novembro, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, votos contra do PSD e do CDS-PP e abstenções do PCP e de Os Verdes.

Srs. Deputados, esta proposta de lei baixa à 8.ª Comissão.
Antes de passarmos à votação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, relativo à proposta de lei n.º 95/VII - Estabelece o regime de negociação colectiva e a participação dos trabalhadores da Administração Pública em regime de direito público, vamos votar um requerimento, do PSD, de avocação a Plenário da votação, na especialidade, do artigo 11.º do referido texto final.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Vamos agora votar a proposta de alteração ao artigo 11.º. apresentada pelo PSD.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, pedimos 2 ou 3 minutos para podermos discutir esta proposta.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. A Mesa concede 3 minutos a cada grupo parlamentar.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O artigo 11.º estabelece um regime de excepção, nomeadamente aos trabalhadores das Forças Armadas e militarizadas, do regime de negociação colectiva e de participação. Aliás, este artigo 11.º pretende, no fundo, ser a recondução do artigo idêntico do diploma de 1984, que agora é revogado, mas a transposição não é perfeita porque em 1984 o regime constitucional era outro e o termo «Forças Armadas e militarizadas» englobava aquilo que, com a revisão constitucional de 1997, se
apelida de «forças de segurança».
Por isso, o artigo 11.º, ao manter a redacção anterior, referindo apenas Forças Armadas e militarizadas, pretende, no novo regime constitucional, com a gravidade que isso encerra, retirar da excepção as forças de segurança.
Como os Srs. Deputados sabem, o legislador constitucional, no artigo 27O.º. claramente equiparou as forças de segurança e as Forças Armadas e militarizadas para efeitos de restrição de alguns direitos, nomeadamente destes,
pelo que não se vê qualquer razão para não incluir as forças de segurança no mesmo regime das Forças Armadas e militarizadas. Pelo contrário, criar-se-á com isso um regime claro de desigualdade, que permitirá, obviamente, a inconstitucionalidade deste artigo e a invocação por parte dos trabalhadores das Forças Armadas e militarizadas, que, como tal, o invoquem.
Penso que os Srs. Deputados entenderão que os trabalhadores da PSP ou da GNR não poderão, tal como os trabalhadores das Forças Armadas e militarizadas, negociar o seu estatuto disciplinar, as suas carreiras ou o seu horário de trabalho. O regime especial da função que desempenham limitará esses seus direitos.
Por isso, Srs. Deputados, a proposta que apresentamos é no sentido de manter o regime que vigora desde 1984 e, consequentemente, a exclusão também das forças de segurança deste regime de negociação colectiva e de participação.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Oliveira.

O Sr. Barbosa de Oliveira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista não vê razão, como, aliás, disse aquando da discussão desta proposta de lei na especialidade, para alterar o texto apresentado pelo Governo.
Percebemos a posição do PSD, na justa medida em que o que nos separa é exactamente a questão da sindicalização na Polícia. E exactamente essa a questão.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - E que os separa também do Governo.

O Orador: - O que nos separa do Governo sabemos nós, Sr. Deputado. Guarde os seus problemas lá de casa, porque o que nos separa do Governo sabemos nós!
Dizia eu que, em matéria de direitos sindicais da Polícia, há-de ser estabelecida legislação própria para regulá-los. De resto, essa questão tem sido bastante discutida na sociedade e as próprias associações profissionais da Polícia admitem a criação de sindicatos, não só sem direito à greve mas também com outras restrições que, ao tempo, serão discutidas e negociadas entre o Governo e os sindicatos representativos da Administração Pública, como este diploma o foi. E no respeito por meses e meses de negociações e pelo consenso que foi possível encontrar, pela primeira vez ao longo de muitos anos, entre os sindicatos e o Governo, não vemos razões para alterar a proposta de lei, já que o Governo, naturalmente, não estava distraído quando a formulou.
É esta a nossa posição.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que se o Governo não estava distraído quando negociou esta proposta de lei, isso é ainda pior porque cometeu um erro deliberadamente.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Eu ainda tinha esperança de que o Governo estivesse distraído e que nós pudéssemos, agora, corrigir essa distracção, porque o que é grave, Srs. Deputados, é que com a nova amplitude, com a nova dimensão do objecto de negociação colectiva, as forças de segurança passam a negociar os regimes disciplinar, de recrutamento e de selecção.
Srs. Deputados, penso que, em instituições desta natureza, a autoridade ou se exerce ou não se exerce, ou se tem ou não se tem. A autoridade não se negoceia, a segurança não pode ser objecto de negócio, e esta é a questão

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fundamental. Portanto, não vamos escamotear as coisas. Se na proposta que o Governo trouxe à Assembleia está prevista a exclusão das forças militarizadas, então por que é que não se criam as mesmas condições de excepção para as forças de segurança?
De facto, não compreendemos e, naturalmente, votaremos a favor da proposta de alteração apresentada pelo Partido Social Democrata, porque, obviamente, o texto da Mesa, Sr. Presidente, proposta de lei está feerido de grandes inconstitucionalidades.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rodeia Machado.

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação à proposta de alteração apresentada pelo PSD, serei muito breve. Já dissemos, aquando do debate na especialidade, na Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, que não acompanhávamos o PSD nesta matéria. Entendemos que a negociação colectiva é um direito dos trabalhadores e aquilo que foi dito pelo Sr. Deputado Moreira da Silva visa limitar o direito dessa mesma participação.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Está na Constituição, Sr. Deputado!

O Orador: - Assim, se a proposta de alteração fosse para melhorar essa participação, estaríamos de acordo; como é para limitar o direito desses trabalhadores, não estamos de acordo e votaremos contra.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, então, votar a proposta de alteração, apresentada pelo PSD, ao artigo 11.º.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PCP e de Os Verdes e votos a favor do PSD e do CDS-PP.

Era a seguinte:

Artigo 11.º

O presente diploma não é aplicável às Forças Armadas e militarizadas, nem às forças de segurança, sem prejuízo da sua aplicação ao respectivo pessoal civil.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora proceder à votação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, relativo à proposta de lei n.º 95/VII - Estabelece o regime de negociação colectiva e a participação dos trabalhadores da Administração Pública em regime de direito público.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP e de Os Verdes e abstenções do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para informar que, relativamente a esta votação, o Partido Popular apresentará na mesa, uma declaração de voto escrita.

O Sr. Presidente: - Com certeza. Fica registado, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, é para pedir a V. Ex.ª que confirme que a votação que acabámos de fazer não obteve 2/3 da Câmara.
Faço esta solicitação porque, ao abrigo do artigo 168.º, n.º 6, e do artigo 164.º, alínea o), da Constituição, essa maioria seria necessária para alterar o regime que tem a ver com a restrição ao exercício dos direitos por militares e agentes militarizados.
Portanto, repito, peço a V. Ex.ª que confirme que a votação que acabámos de fazer não obteve os 2/3 da Câmara.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, confirmo o quer acaba de declarar. Fica, portanto, feita a confirmação pela Mesa.
Srs. Deputados, passamos à votação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, relativo à proposta de lei n.º 1O6/VII - Altera o Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho (princípios gerais em matéria de emprego público, remunerações e gestão de pessoal da Administração Pública).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS e do CDS-PP, votos contra do PSD e abstenções do PCP e de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos votar, em votação final global, o texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo à proposta de lei n.º 133/VII - Altera o artigo 1817.º do Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de Novembro de 1966, na redacção do Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro.

Submetido à votação, foi aprovada por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos agora votar, também em votação final global, o texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo ao projecto de lei n.º 15/VII - Revoga e substitui o Estatuto do Direito de Oposição (PS).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para informar que vamos apresentar na Mesa uma declaração de voto escrita.

O Sr. Presidente: - Fica registado, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, terminadas as votações, o Sr. Secretário vai dar conta de um relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre substituição de Deputados.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o relatório e parecer da Comissão de

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Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias refere-se à substituição do Sr. Deputado Soares Gomes, do Partido Social Democrata, círculo eleitoral da Guarda, por Nuno José Vaz, com início em 8 de Abril corrente, inclusive.
O parecer é no sentido de que a substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Como não há inscrições, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai agora dar conta de um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Srs. Deputados, a solicitação do tribunal Administrativo do Círculo do Porto, Processo n.º 4462, a Comissão de assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Paulo Mendo (PSD) a prestar depoimento por escrito, na qualidade de testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo objecções, vamos votar.

Submetida a votação, foi aprovada por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, retomamos a discussão conjunta da proposta de resolução n.º 79/VII, do PSD, e do projecto de lei n.º 461/VII, do CDS-PP.
Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Domingos Cordeiro, os Srs. Deputados Carlos Marta e Jorge Ferreira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Marta.

O Sr. Carlos Marta (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Domingos Cordeiro, em relação à sua intervenção, mais exactamente quanto à sua afirmação de que não apresentámos propostas sobre esta matéria, quero lembrar-lhe três propostas muito concretas que fizemos: em primeiro lugar, pedimos que o Governo fizesse tudo quanto possível para que houvesse a acreditação plena do nosso laboratório e essa acreditação, no mais curto espaço de tempo, só é possível se o seu director técnico, que se diz ter sido já contratado, começar rapidamente a trabalhar; em segundo lugar, indo também ao encontro da proposta e do projecto do CDS-PP, propusemos que, nas competições profissionais, houvesse sempre, obrigatoriamente, controlo antidoping; em terceiro lugar, fizemos uma outra proposta importante, a de que se procedesse à valorização dos técnicos nacionais e da comunidade científica, de forma a não haver necessidade de recorrermos a técnicos estrangeiros. No passado, conseguimos fazê-lo, já que trabalhámos só com os nosso técnicos e penso que há necessidade de o Governo fazer essa valorização.
Mas, Sr. Deputado, há uma coisa importante que gostaria de transmitir-lhe: não vale a pena arranjar desculpas! Durante 10 anos, o nosso Laboratório de Análise à Dopagem e Bioquímica, com técnicos bem ou mal pagos, bem tratados ou maltratados, com muitos ou com poucos equipamentos, estava na 1.º divisão, tinha a acreditação plena, estava no nível III, estava entre os 22 melhores laboratórios do mundo. Com o Governo do Partido Socialista, em dois anos, descemos para a 3.º divisão. E contra factos não há argumentos!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, deixe-me só fazer-lhe uma pergunta muito concreta, para a qual peço uma resposta muito rápida e muito objectiva, não só para os Srs. Deputados mas também para o País. O Sr. Deputado disse, e muito bem, que estamos no nível I e que podemos fazer análises nacionais. O que gostava de perguntar-lhe é onde estão essas análises a ser efectuadas.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Domingos Cordeiro, como tem mais um pedido de esclarecimento e dispõe de pouco tempo para responder, sugiro que acumule e responda no fim.

O Sr. Domingos Cordeiro (PS): - Com certeza, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Domingos Cordeiro, ouvi atentamente a sua intervenção e, como fez duas afirmações de que discordo e uma que considero errada, permito-me, por isso, esclarecer-me.
V. Ex.ª disse, em primeiro lugar, que o nosso projecto de lei tem como consequência prejudicar o controlo de dopagem nas modalidades amadoras, por falta de meios. Ora, fiquei bastante surpreendido quando ouvi essa afirmação, porque V. Ex.ª começou exactamente por tentar convencer a Câmara de que agora é que havia meios.
Note-se que eu não estou aqui a debater o Laboratório nem quero fazê-lo agora, até porque já o fizemos, mas o certo é que V. Ex.ª gastou metade da sua intervenção a convencer-nos de que agora é que há meios, para, a seguir, vir dizer-nos que o nosso projecto de lei prejudica as modalidades amadoras, porque não há meios.
Sr. Deputado, em que é que ficamos? Há meios ou não há meios? Se há meios, não vejo por que razão deveriam as modalidades amadoras ser prejudicadas pelo facto de haver um ligeiro acréscimo com esta obrigatoriedade de controlo antidoping nos jogos das competições profissionais, já que, na prática, resulta em poucos mais controlos do que os que hoje já vêm sendo feitos. O que ficava claro era o princípio: todos são controlados, todos os jogos são controlados.
Portanto, de duas, uma: ou V. Ex.ª excedeu-se no anúncio dos meios, e não há tantos quanto isso, ou, então, não tem razão quando tenta dizer que a nossa proposta prejudicaria as modalidades amadoras, o que não é, de todo, o nosso objectivo.
Em segundo lugar, V. Ex.ª disse que a nossa proposta prejudica o factor surpresa. Esse é outro sofisma. Como V. Ex.ª sabe já hoje é geralmente aceite que cada vez mais o factor surpresa do controlo antidoping ocorre nos controlos que são feitos entre competições e, ainda recentemente, houve dois, como sabe, independentemente de

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haver ou não controlo obrigatório nos jogos profissionais. Já hoje é assim e continuará a ser. Agora, isso não é razão para não se aperfeiçoar o controlo antidoping nas competições profissionais.
Por último, V. Ex.ª disse que a Federação Portuguesa de Futebol já hoje previa sanções que vão mais além do que as que propomos. Não é verdade, Sr. Deputado. O regulamento aprovado pela Federação Portuguesa de Futebol prevê uma multa mínima de 750 000$/atleta, nós prevemos uma multa mínima de 2500 contos/atleta. Creio que é fácil perceber que, na prática, isto representa um significativo e, na nossa opinião, justificado agravamento das multas por dopagem/atleta, que, em competições profissionais, dados os valores monetários que elas envolvem, nos parecem absolutamente adequadas. Assim, não é verdadeira a ideia, que se poderia retirar da sua afirmação, de que propomos um aligeiramento do sistema sancionatório. Pelo contrário, propomos que este seja agravado.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Domingos Cordeiro.

Sr. Domingos Cordeiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Marta, fica-lhe bem fazer apelos à valorização dos técnicos nacionais. E é justo! De facto, o trabalho que vem sendo feito ao nível do nosso Laboratório é realizado por técnicos nacionais. Presumo que esteja referir-se ao facto de, neste momento, o Laboratório ter um director que é um senhor holandês.

O Sr. Carlos Marta (PSD): - Não sei!

O Orador: - O Sr. Deputado sabe que o Governo tentou encontrar um director nacional, e isso não foi possível. Nós não temos problemas, não temos complexos de algum provincianismo, sobretudo hoje quando estamos numa comunidade aberta, em que a mobilidade das pessoas é uma regra de ouro. Esta questão está esclarecida.

O Sr. Carlos Marta (PSD): - Não foi isso!

O Orador: - Em relação à questão da 1.ª divisão e da colocação do nosso laboratório nos 23 primeiros lugares, como o PSD gosta muito de referir, podia dar-lhe um exemplo do que disse uma técnica reputada para todos nós, nomeadamente para o PSD, a Dr.ª Arminda Alves, que, a propósito dos casos de doping dos jogadores do Boavista, esteve no Laboratório nacional, à data dirigido sob a responsabilidade do PSD, e atirou com essa argumentação por terra. Mas não vamos deter-nos nisso.
Sr. Deputado, não vou fugir à questão que me colocou. O Sr. Deputado cometeu uma imprecisão quando disse que as análises das recolhas nas competições profissionais são feitas em Madrid. É absolutamente falso! Essas análises são feitas no nosso Laboratório, o que está a ser feito em Madrid é a contra-análise.

Sr. Carlos Marta (PSD): - Não é verdade!

O Orador: - Isto é que está a acontecer. O Sr. Deputado cometeu uma série de imprecisões, mas não vou deter-me muito sobre isso.
Respondendo à questão que me colocou no sentido de saber onde estão a ser feitas as análises, digo-lhe que elas estão a ser feitas no Laboratório nacional.
Sr. Deputado Jorge Ferreira, agradeço a questão que colocou, mas a questão de fundo, para nós, é a de saber se vamos por um caminho certo ao, porventura, virmos a optar pelo controlo obrigatório nas competições profissionais. Não somos favoráveis a essa solução e, a este respeito, falei em discriminação. Por isso, pergunto-lhe o seguinte, Sr. Deputado: se é verdade que o combate ao doping visa salvaguardar a saúde física e psíquica e a ética desportiva, nas competições profissionais há mais ética desportiva e mais saúde física dos que nas modalidades amadoras?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira concluir.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.
Não me parece, Sr. Deputado, e os meios são muito limitados.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Marta, pede a palavra para que efeito?

O Sr. Carlos Marta (PSD): - Para um pedido de esclarecimento. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Não há pedidos de esclarecimento a uma resposta a um pedido de esclarecimento.

O Sr. Carlos Marta (PSD): - Sr. Presidente, então, apenas para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, mas seja breve, porque estou a ver que não se trata de uma interpelação à Mesa.

O Sr. Carlos Marta (PSD): - Obrigado, Sr. Presidente.
Quero apenas repor a verdade e dizer ao Sr. Deputado Domingos Cordeiro que todas as análises e contra-análises nacionais estão a ser efectuadas em Madrid. É o próprio responsável pelo Laboratório que o disse em entrevista recente a um jornal nacional.

Vozes do PSD: - Lamentável!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este debate tem uma origem concreta, que é o facto de o Laboratório de Análises ao Doping e Bioquímica ter sido desacreditado, em certa medida e em dada altura, o que motivou até um debate de urgência nesta Câmara não há muito tempo.
Assim, se nesse debate fizemos a análise dessa situação, provavelmente, hoje, estamos a fazer a contra-análise da situação que ainda se mantém, provavelmente também porque o curto prazo que o Governo anunciou como necessário para resolver este problema não é tão curto ou ainda não foi atingido, uma vez que até agora continuamos a não ter a resolução, tão almejada e afirmada por todos, da menor acreditação do Laboratório.
Mas trata-se aqui de mais do que isso. Trata-se também de garantir a confiança no fenómeno desportivo e a seriedade desse mesmo fenómeno; trata-se de garantir e zelar pela saúde dos atletas; trata-se de garantir o sucesso

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do combate ao doping; trata-se também, e afinal, de, para atingir tudo isto, garantir a máxima credibilidade internacional do Laboratório, que é o mesmo que dizer que se trata de garantir a dignidade e a credibilidade do fenómeno desportivo nacional. É este, no fundamental, o objectivo que queremos atingir com estes sucessivos debates e é este o único objectivo que nos anima em toda esta discussão.
E evidente que as propostas apresentadas, nomeadamente no projecto de resolução do PSD, encaminham-se, na nossa opinião, nesse sentido e devem ser entendidas no sentido estrito de que esta Câmara está vigilante e tem toda a vontade de que o Governo tome as medidas necessárias para que, finalmente, o curto prazo acabe e esta situação seja resolvida, devolvendo ao Laboratório nacional a capacidade para realizar todas as análises das competições desportivas nacionais, assim repondo a seriedade que se pretende que em todo este processo exista.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao projecto do CDS-PP, é importante dizer-se que ele foi entregue aproveitando o ambiente criado à volta desta questão, fazendo um enfoque nas competições profissionais, em que, obviamente, este problema tem maior relevância, e dando uma visibilidade às sanções que deve ser analisada e deve merecer a nossa atenção.
Contudo, há algumas questões sobre as quais temos algumas dúvidas e que terão de ser ponderadas, nomeadamente o parecer excluírem-se, pela formulação das propostas de alteração à legislação existente, as outras sanções disciplinares para além das coimas previstas no n.º 6 do artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 183/97, o que nos parece pouco coerente com a perspectiva de maior fiscalização e de maior responsabilização no âmbito das competições profissionais. Entendemos que, nesta matéria, se deve respeitar em absoluto a capacidade de as federações das ligas profissionais poderem fazer a sua própria regulamentação, a regulação deste fenómeno, sem prejuízo, como é evidente, de o Estado, o legislador, não se abster de ter também um papel regulador, que é importante nesta matéria.
Devo dizer que fico contente por, finalmente, o CDS-PP se juntar ao que temos sempre dito sobre o fenómeno desportivo profissional, ou seja, que este é, no fundamental, uma indústria, uma actividade comercial, que tem dignidade e deve existir e como tal deve ser encarada, dentro do fenómeno desportivo e com a especificidade que lhe assiste.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim do debate do projecto de resolução n.º 79/VII - Sobre o controlo antidoping (PSD) e do projecto de lei n.º 461/VII - Altera o Decreto-Lei n.º 183/97, de 26 de Julho (Combate à dopagem no desporto) (CDS-PP).
Vamos passar à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 356/VII - Criação do Museu Nacional da Floresta (CDS-PP).
Como tenho de me ausentar, porque parto amanhã para Moçambique e este é o último dia em que estou convosco antes da Páscoa, desejo a todos uma Páscoa muito feliz e peço ao Sr. Deputado João Amaral o favor de me substituir na direcção dos trabalhos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CI)S-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: «O pinhal de Leiria é o fulcro à volta do qual vive e vai aumentando o formigueiro humano da região. O habitante das suas redondezas é a verdadeira formiga a caminhar continuadamente para qualquer parte da mancha de arvoredo onde encontra sempre um produto a carrear». Acabámos de citar António Arala Pinto, que, com notável clareza, descreve aquilo que é «um foco de riqueza e trabalho diário».
De tal forma que «é natural concluir que o primeiro casal que veio dar origem à vila "hoje cidade" da Marinha Grande teria sido formado por algum couteiro encarregado da vigilância do pinhal, tendo-se ampliado o lugar com a incipiente indústria vidreira».
Antes, porém, o pinhal de Leiria tinha cumprido a sua missão de fixação dunar e alimentado a indústria de construção naval nascida com a expansão marítima.
Estas e outras funções deram emprego directo a carreiros, a serradores, a jornaleiros, a carrasqueiros, a pegueiros, a resinadores, a carvoeiros e, ainda, a tantos outros indirectos.
De tudo isto resta uma memória materializada numa multiplicidade de objectos, ferramentas, estudos e outros documentos que se mantêm intactos enquanto subsistirem algumas vontades individuais, mas que se perderão se não organizarmos a vontade colectiva de identificar, reunir, investigar, preservar e usufruir todo o património que faz daquele acervo um caso único em Portugal.
A única forma de o conseguirmos é através da criação de um museu da floresta, de âmbito nacional, o que lhe dará viabilidade e dignidade e lhe permitirá recolher espólios que se encontram dispersos.
Dúvidas não restam de que é a Marinha Grande que, com legitimidade, pode reclamar a sua instalação, como, aliás, o tem feito.
Dúvidas não restam, também, quanto à legitimidade de a Assembleia da República assumir a iniciativa, como já o fez com sucesso e por voto unânime em relação ao Museu do Douro.
A oportunidade, essa, já está demonstrada e, se não a aproveitarmos, pode não voltar a surgir.
Aquilo que hoje propomos pode merecer aperfeiçoamento, desde logo se quisermos ouvir a Câmara Municipal, a Associação para o Desenvolvimento Social e Económico da Marinha Grande, o Centro do Património da Estremadura ou, até mesmo, os que profissional e funcionalmente lidam ou lidaram com a floresta, ali ou em qualquer outro lugar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este museu não pode ser apenas um pólo de dinamização cultural e uma montra de antiguidades. Este museu tem de ser uma escola e um instrumento para a defesa de uma das maiores riquezas da humanidade.
A educação cívica das novas gerações na preservação da floresta, isto é, da vida, deverá ser uma das prioridades desta unidade museológica, porque só assim cumprirá a sua função de museu aberto.
No momento em que arde, no Hemisfério Sul, a maior floresta, não podemos pretender reduzir a nossa maior floresta às dimensões de um museu. Mas o simbolismo que pudermos emprestar a este acto legislativo será o sinal do nosso empenho na preservação do passado da floresta e na promoção do seu futuro.

Aplausos do CDS-PP.

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Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente João Anmaral

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Presidente, gostaria de sublinhar alguns aspectos deste projecto de lei, de carácter mais técnico do que de matéria propriamente jurídica, e que têm a ver com a questão museológica para a qual eu pedia alguns esclarecimentos ao Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.
Quanto ao objectivo, em si, da criação de um Museu Nacional da Floresta, trata-se de um objectivo que está previsto na própria lei orgânica da Direcção-Geral das Florestas. Mas concretamente em relação ao seu projecto de lei, eu colocar-lhe-ia as seguintes questões: em primeiro lugar, o carácter nacional. Pela própria fundamentação desenvolvida no seu projecto de lei, o museu que pretende construir na Marinha Grande tem um carácter sobretudo regional, e seria mais esse carácter que deveria ter do que um carácter nacional, que tem outras implicações, nomeadamente ao nível da tutela. Isto por um lado e, em relação a isso, gostaria de ouvir o Sr. Deputado.
Por outro lado, há problemas ao nível da própria formulação do projecto de lei no que diz respeito aos materiais museológicos, dado que são referidos conceitos diferentes: umas vezes só materiais, outras vezes materiais e documentos, quando, em termos museológicos, a expressão correcta é «espécies». Isto por uma razão concreta, não é por uma questão de lana caprina. Por exemplo, no seu artigo 5.º, no que se refere a classificações, diz que o museu deverá proceder «(...) à classificação de todos os materiais dispersos pelos diferentes serviços oficiais ... ». Ora, por um lado, existe este conceito de «materiais» que não é o mais correcto; mas, se este conceito aqui aplicado engloba, por exemplo, espécies arquivísticas, isto levanta problemas no que diz respeito a quem procede a esta classificação, que tem de ser o Instituto Português dos Arquivos/Torre do Tombo. Isto é, um museu desta natureza não pode andar pelos serviços. simplificando as coisas, a recolher material de tipo arquivístico, ou espécies de tipo arquivístico.
Finalmente, Sr. Deputado, há ainda um outro aspecto. Não tive tempo de aprofundar o seu projecto de lei e por isso não vou referir exactamente toda a legislação mas apenas o Decreto-Lei n.º 45/80, de 20 de Março, que já está ultrapassado. Ora, no artigo 2.º, refere «os museus dependentes da Direcção-Geral do Património Cultural», mas já não existe Direcção-Geral do Património Cultural - aliás, o Sr. Deputado diz isso mesmo no seu projecto de lei quando se refere ao Instituto Português de Museus. Isto para lhe dizer que há outra legislação que regulamenta todas estas questões concretas relativas a museus. A minha colega e camarada Ana Catarina fará dentro em pouco a sua intervenção e dirá de sua justiça em relação a outros aspectos da iniciativa que nos apresentou.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Poças Santos.

O Sr. João Poças Santos (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa, em primeiro lugar, gostaria de me associar a esta iniciativa, porque me parece que, a haver em Portugal um Museu Nacional da Floresta, ele não poderá deixar de estar num local como a Marinha Grande, que é o coração da floresta portuguesa, pelas suas tradições históricas, pela associação que existe entre a população da região e o pinhal, bem como a floresta no seu todo. Mas, Sr. Deputado, infelizmente, nem sempre é fácil passar dessas iniciativas à prática existem casos de museus criados por diploma legislativo que, depois, ou não são concretizados ou demora muito tempo a sua concretização.
Sr. Deputado, quando apresentou esta iniciativa legislativa, tinha em conta, com certeza, as condições de implementação do Museu Nacional da Floresta no terreno. Assim, pergunto-lhe que boas vontades espera congregar ao nível autárquico, ao nível de associações representativas do sector das madeiras, do sector de toda a fileira florestal e, por outro lado, se não pensa que esta iniciativa necessita de ser consensualizada por forma a que, do ponto de vista político, do ponto de vista parlamentar, nada haja a que seja, efectivamente, um museu nacional.
Queremos um museu nacional na Marinha Grande, mas queremos que ele tenha um carácter virado para todo o País, nomeadamente para as escolas e para as populações juvenis que, recorrentemente, são chamadas a participar na defesa do ambiente. Julgo que a ligação do futuro museu ao meio escolar e, de um modo especial, ao ensino básico seria fundamental.
Por isso, deixo-lhe também esta questão: como pensa que irá articular-se o museu para que seja, efectivamente, um museu vivo?

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Pereira Marques, o Sr. Deputado referiu, e bem, que a fundamentação contida no preâmbulo deste projecto de lei pode admitir alguns contornos regionais e menos nacionais para este projectado museu. No entanto, se ler bem o preâmbulo, a fundamentação tende mais à localização, à razão por que a sede do Museu da Floresta se localiza na Marinha Grande e não em qualquer outro local e já não se prende tanto com o carácter nacional do museu. Não tenho dúvidas de que só pode haver um museu sobre esta temática. Não faz sentido que haja vários museus sobre a mesma temática, mas pode haver várias delegações do mesmo museu, e isso está previsto no próprio articulado. A fundamentação, essa, é para justificar a localização e sobre isso julgo que não há dúvidas, julgo até que há consenso nesta matéria, porque se há local onde se justifica que o museu fique sediado é na Marinha Grande, pelas razões que todos conhecemos e que não quero aqui repetir, até porque não tenho tempo para isso.
Quanto à tutela, questão que se prende também com o pedido de esclarecimento do Sr. Deputado João Poças Santos, admito que, na especialidade, possa ser melhorado, corrigido ou alterado aquilo que aqui é proposto. Isto por uma razão simples: é que, de facto, dá-se a tutela ao Ministério da Agricultura mas não é caso único, há outros casos. O Ministério da Agricultura tem, sob sua tutela, pelo menos, um museu, como sabe, não está inibido de tutelar este tipo de unidades. Este museu tem duas vertentes: a vertente cultural e a vertente ambientalista. Eu até daria mais pendor à vertente ambientalista e estaria tentado a transferir esta proposta de tutela para o Ministério do Ambiente, retirando-a do Ministério da Agricultura. Julgo

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que esse, sim, seria um passo em frente que poderíamos dar.
Quanto ao espólio que existe no País e que está espalhado por inúmeras circunscrições florestais, as antigas circunscrições florestais, na medida em que os materiais estão armazenados, estão «ao Deus dará», estão a desbaratar-se, estão a deteriorar-se, é necessário recolher tudo isso. Só uma comissão instaladora poderá, ao abrigo da legislação e também com um mandato dado pela Assembleia da República, através do diploma que aqui aprovarmos, reunir esse espólio e classificá-lo, obviamente em íntima coordenação com todas as entidades que, em Portugal, abordam essas matérias, nomeadamente a Torre do Tombo e o Instituto Português de Museus, bem como os serviços ligados ao Ministério do Ambiente que, também aqui, terá uma palavra a dizer.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Roleira Marinho.

O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Somos chamados hoje a apreciar o projecto de lei n.º 356/VII, sobre a criação do Museu Nacional da Floresta, na dependência do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas.
Se a ideia, embora não sendo original, pode parecer-nos simpática e, mais do que isso, interessante do ponto de vista histórico e potenciadora de um enriquecimento cultural, outrotanto não vislumbramos da dependência apontada do Ministério da Agricultura, embora não seja isso motivo bastante que nos leve à rejeição do projecto. Incumbe, já hoje, ao Ministério da Agricultura, a responsabilidade de «identificar, preservar e divulgar» a documentação histórica relacionada com a floresta, podendo perguntar-se se tal responsabilidade é exercida com a visibilidade necessária, de modo a que a sociedade portuguesa colha os frutos dessa acção. Não parece que a acção seguida seja suficientemente conhecida e capazmente atraente para que a realidade florestal seja divulgada e apreciada em todas as suas valências.
Um museu da floresta tem de ser, e deve ser, muito mais do que a simples guarda de um espólio, muito mais do que o catalogar de meia dúzia de documentos, muito mais do que a preparação de um edifício e abertura de uma porta, que um dia se inaugura com pompa e circunstância, tudo se resumindo à festa da inauguração, e, depois, o vazio instala-se no interior dessas paredes escuras e frias, abandonado por todos, pesem embora as boas intenções daqueles que um dia tiveram a ideia de propor a sua criação. A nossa tradição florestal remonta à época da fundação da nacionalidade e teve larga divulgação no reinado do Rei Lavrador. que mandou semear pinhal em larguíssimas áreas, com manchas significativas na orla marítima e foi com base na produção florestal que muitas indústrias se desenvolveram e que as próprias frotas pesqueiras ou de navegação encontraram matéria-prima para o seu florescimento.
O projecto de lei propõe a criação do Museu Nacional da Floresta, mas a floresta portuguesa não se reduz ao pinheiro bravo, outras espécies são características da nossa floresta como, por exemplo, o pinheiro manso, o sobreiro, a azinheira, o carvalho. Tenhamos presente que este será um museu nacional, não um museu regional. Não podemos, portanto, esquecer essa realidade, nem tão pouco os parques naturais e os parques nacionais, como o Parque Nacional de Montesinho e o Parque Nacional Peneda-Gerez, manchas florestais características da floresta portuguesa, realidades que um museu nacional das florestas terá de levar em devida conta.
Assim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, parece-nos que esta iniciativa legislativa deveria ser melhor ponderada e deveria ter em conta toda a variedade e diversidade do tema, abarcando o ontem, o hoje e o amanhã da floresta portuguesa, tomando-a como fonte de prazer, de recreio, de cultura e de riqueza, pelo que a sua votação se deverá processar em momento mais adequado, quando coligidos elementos enriquecedores do projecto e encontrados meios que ajudem à efectiva implantação do museu. O museu será o repositório dessa variedade, bem como das produções da floresta: a madeira, a lenha, a cortiça, a resina, os frutos, os óleos essenciais, os utensílios usados na fruição florestal, a floresta no dia a dia do nosso quotidiano, a vida animal na floresta, as técnicas de arborização e de povoamentos, as espécies florestais de interesse para o País, as áreas naturais e de cultura e a sua caracterização ecológica. Reunir o material e os conhecimentos dispersos pelos muitos departamentos do Ministério da Agricultura, despertar a consciência nacional para a realidade florestal, certos de que cada época oferece uma visão diferente da vida e da natureza, o que se deve fixar como marco da história e fonte do conhecimento e formação cultural da sociedade. Um Museu Nacional da Floresta não é representativo de uma determinada área ou região, mas de toda a realidade nacional - só assim o entendemos.
Esperamos que o objectivo pretendido pelo projecto de lei n.º 356/VII seja alcançado, que a história da floresta portuguesa seja mais enriquecida e melhor divulgada e, sobretudo, que nova visão floresça no seio dos responsáveis, no sentido de colocar a floresta como bandeira da acção política de fomento e ampliação da área florestal nacional, afinal uma das riquezas que mais e melhor poderá ser aproveitada em prol da economia nacional.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amara]): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, pretendo saudar a iniciativa do CDS-PP com este projecto de lei n.º 356/VII, com vista à criação de um Museu Nacional da Floresta. Entende o PS que é fundamental que ele exista, dependendo da forma como irá existir e da forma como está apresentado nesta Câmara.
Começaria por dizer que a localização na Marinha Grande se compreende devido à existência do grande espólio florestal do Pinhal de Leiria, pelo que não estamos contra o facto de este museu vir a ser aí localizado.
Convém apenas salientar alguns factos que nos parecem suscitar algumas dúvidas. Desde logo, as questões constitucionais que estão preteridas com a apresentação deste diploma. Por um lado, parece-nos que o diploma viola claramente o princípio da separação de poderes do Governo, conforme o estipulado nos artigos 111.º, n.º 1, e 198.º, n.º 2, da Constituição, por outro lado, podem alguns dos seus artigos violar ainda a lei travão, nomeadamente porque vai aumentar despesas no corrente ano orçamental.
Por fim, gostaria de dizer que o PS entende que este diploma deve voltar à comissão sem votação, sendo que é necessário um estudo e uma consulta prévia ao Instituto

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Português dos Museus, ao Ministério da Cultura e, além do mais, é preciso rever estas questões constitucionais. Por isto mesmo, o PS requer que o diploma baixe à Comissão de Educação, Ciência e Cultura sem votação no Plenário, para que todas as inconstitucionalidades sejam supridas e, mais ainda, para que a Assembleia da República não seja um palco de estipulação de matérias que são claramente da competência do Governo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça, não vou pedir esclarecimentos sobre a parte da sua intervenção em que concorda com o mérito da iniciativa, mas tão-só sobre alguns aspectos que levantou, que são originais, mas que, apesar de serem originais, não são bons.
A Sr.ª Deputada descobriu subitamente que a competência da Assembleia da República para criar um museu é uma competência inconstitucional. Descobriu ainda que, quando a Assembleia da República cria um museu, isso viola outra norma constitucional, a tal lei travão, que impede a assunção de despesas durante um exercício orçamental.
Sendo assim, Sr.ª Deputada, explique-nos, então, o seguinte: como é que o PS e V. Ex.ª, há exactamente um ano, no dia 13 de Março de 1997, não lograram descobrir essas mesmas questões de inconstitucionalidade no vosso projecto de lei do Museu do Douro? Por que é que o PS, já não a Sr.ª Deputada, não logrou descobrir as mesmas questões de inconstitucionalidade, na anterior legislatura, quando apresentaram um projecto de lei para criação do mesmo Museu do Douro? E por que é que também não se referiram a isso quando, no mesmo dia 13 de Março de 1997, o PCP apresentou um projecto de lei - e muito bem! - de criação do Museu do Douro? Na altura, toda a Câmara aprovou esses dois projectos de lei por unanimidade. Não se compreende agora como é que subitamente a Sr.ª Deputada, sem ter mudado em nada a Constituição nessa matéria, descobre inconstitucionalidades que, há um ano, não conseguiu encontrar ou não quis encontrar ou, pelo menos, não se quis referir a elas.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): - Sr. Presidente. Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa, vamos lá ver se nos entendemos: uma coisa é um museu regional e outra um museu nacional. A lei é muito explícita quando diz que os museus nacionais são da competência exclusiva do Instituto Português de Museus e do Ministério da Cultura. Ora, o que o projecto de lei, apresentado pelo CDS-PP. diz, no artigo 1.º, é o seguinte: «É criado, na dependência do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, o Museu Nacional da Floresta, adiante designado por Museu». Está claramente ilegal!

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Distraiu-se!

A Oradora: - O Sr. Deputado distraiu-se, não percebeu que o artigo 198º, n.º 2, da Constituição indica que V. Ex.ª tem de ter a clara percepção da separação de poderes entre a Assembleia da República e o Governo.
Mas podemos ir mais além, Sr. Deputado. Por exemplo, o artigo 4.º do vosso projecto de lei diz: « I - Constituem património do Museu: a) O espólio que actualmente está confiado (...)». Não lhe parece que isto é uma clara intromissão na reserva de competência administrativa do Governo, conforme o artigo 111.º. n.º 1, da Constituição?
E dizia-lhe mais, Sr. Deputado. Quando o vosso projecto de lei diz, nas disposições finais, «o Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas ( ... )» - e devia ler-se «o Ministério da Cultura e o Instituto Português dos Museus» - «( ... ) tomará as medidas necessárias para a entrada em funcionamento dos órgãos do Museu no prazo de 60 dias após ( ... )», não estaremos nós a intrometer-nos nas competências do Governo?
Sr. Deputado, esteja mais atento às questões constitucionais quando apresenta aqui um processo legislativo!

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, de facto, existe um certo desconhecimento sobre aquilo que a Assembleia aprovou nesta legislatura. É que a Lei n.º 125/97, que é a lei que cria o Museu do Douro, diz que é um museu nacional, que fica na tutela do Ministério da Cultura, e define prazos de instalação e de entrada em funcionamento, em tudo idênticos aos que aqui são propostos no projecto de lei que agora estamos a apreciar.
Quero ainda acrescentar mais uma coisa, até porque era minha intenção fazê-lo na minha intervenção, mas, por puro lapso, esqueci-me. Quero aqui deixar claro que, não obstante discordarmos destas supostas inconstitucionalidades que foram levantadas, o PP aceita a baixa deste projecto de lei à comissão,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - para posterior subida já na sua versão final.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Fica registado que o CDS-PP aceita a baixa do seu projecto de lei à comissão, sem votação. De qualquer forma, o debate vai prosseguir.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É inegável que todos vemos como positiva a criação de um museu nacional da floresta. Trata-se de uma vertente muito importante, que se conjuga com uma série de realidades que, ao longo dos tempos, do ponto de vista cultural e do desenvolvimento de certas regiões, são de preservar e de garantir que permaneçam na memória das gerações futuras e, portanto, esta intenção de criar um museu nacional da floresta é, para nós, importante e positiva.
O problema do projecto de lei do CDS-PP. que o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa aqui a apresentou, é que faz uma confusão entre duas situações. É importan-

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te que haja um Museu Nacional da Floresta, é importante e desejável que existam museus regionais, que existam extensões regionais, com as características próprias de cada região, por exemplo no Buçaco e em Évora, com as características próprias dessas regiões e com as vertentes culturais e da vida do dia-a-dia das populações que lhes estão associadas. Agora, o que não podemos é propor um museu nacional que, depois, na sua concretização prática, se consubstancia num museu regional, que tem, obviamente, interesse também existir na Marinha Grande, com a importância que o pinhal de Leiria tem em termos históricos e culturais, mas que não se compagina com um projecto de lei que pretende criar um museu nacional da floresta.
Devo dizer que esta é a objecção fundamental que temos em relação a este projecto de lei, mas julgamos que, em comissão especializada, é possível encontrar uma solução que permita tirar dele aquilo que é mais válido e, portanto, será nesse sentido que trabalharemos, uma vez que o partido proponente já anunciou a sua anuência para a baixa à comissão especializada sem votação.
Não posso deixar de dizer também que tenho ouvido da parte do Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa, por diversas vezes e em vários debates, um furor anti-regionalista, enfim, com as suas opiniões e argumentos próprios, mas parece que nesta matéria desapareceu completamente - e ainda bem que está a caminhar nesse sentido, que julgamos que é o mais correcto -, ...

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Está enganado!

O Orador: - ... ao apresentar um projecto de lei eminentemente a valorizar uma vertente regional, o que é positivo e, portanto, ultrapassando esse seu complexo anti-regionalista, que, também nesta matéria, não nos traz nada de vantajoso.
Quero concluir, dizendo que da nossa parte teremos uma participação construtiva na discussão na generalidade deste projecto de lei, tentando aproveitar dele o que há de melhor e tentando ajudar a sanar esta contradição, que para nós é o fundamental ponto negativo do projecto apresentado, entre propor-se um museu nacional e, afinal de contas, se consubstanciar a proposta com uma vertente meramente regional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente ao projecto de lei n.º 356/VII, sobre a criação do Museu Nacional da Floresta, é com alguma pena que afirmamos também que ele tem no seu conteúdo um conjunto de contradições que esperamos sejam sanadas ao nível da comissão durante a sua discussão.
A primeira contradição existe quando ele se baseia num histórico chamado pinhal de Leiria, que não deixa, por isso - e querendo eu realçar aqui todo o valor histórico, cultural e também natural -, de ser uma monocultura. E, quando falamos de floresta, falamos de uma coisa completamente diferente, falamos de diversidade de espécies, falamos do encontro de espécies.

Não queria também neste debate deixar de referir a riqueza da diversidade da floresta. Portanto, a base do projecto de lei deveria ser, de facto, a existência da floresta. Devo confessar, Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa, que, se calhar, é difícil fazê-lo, porque hoje, pelas sucessivas políticas de ordem florestal que se vêm prosseguindo em Portugal, começa a ser difícil falar de floresta, porque, de facto, essa biodiversidade tem sido constantemente apagada. Esta, digamos - se me permitem a expressão -, é uma primeira contradição deste projecto de lei, que é precisamente a sua base.
A outra contradição, já aqui tão focada hoje, é a questão do carácter nacional ou regional e não me pareceu, apesar do argumento que o Sr. Deputado aqui apontou, que o carácter regional servisse apenas para a fundamentação da localização do referido museu, pareceu-me que extravasava um pouco mais, até pelo conteúdo do próprio projecto de lei. A contradição está, de facto, no seu conteúdo. De vez em quando, tem um carácter regional e, de vez em quando, já aparenta um carácter nacional. De facto, isto é uma contradição que tem de ser sanada.
Para terminar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, gostava de referir o seguinte: um museu tem um objectivo fundamental, que, no fundo e em termos gerais, é o de promover o contacto com algo, de mostrar realidades concretas. Sem discordar da efectiva criação de um museu nacional da floresta em Portugal, era bom que ele, de facto, retratasse uma realidade existente e não uma realidade passada.
Por isso, termino esta intervenção a dizer que, sem discordar, repito, da criação de um museu nacional da floresta, o melhor museu da floresta é a existência da floresta ao vivo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, terminámos a discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 356/VIII.
Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa, a votação do requerimento para baixa à comissão deste diploma, que peço que seja entregue na Mesa, será feita na próxima reunião em que haja votações.
Passamos, agora, à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 4O5/VII - Cria um programa de educação para a cidadania no 3.º ciclo do ensino básico (PS).
Para apresentar o projecto de lei, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs, e Srs. Deputados: A Lei de Bases do Sistema Educativo atribui às escolas diversos objectivos que, genericamente, se inserem no âmbito do que se poderá designar por educação para a cidadania.
Deste modo, a reforma curricular empreendida em 1989 decidiu que a formação pessoal e social nos ensinos básico e secundário deveria ser objectivo, em primeiro lugar, de todas as disciplinas, depois, de uma disciplina específica de uma hora por semana, chamada «desenvolvimento pessoal e social», alternativa à «educação moral e religiosa», mais actividades extracurriculares e, finalmente, de uma área curricular não disciplinar, a área-escola, que, durante o 3.º ciclo, englobaria um programa nacional específico de educação cívica.
A generalização da reforma curricular iniciou-se, como sabem, em 1991/1992 para o primeiro ano do 1.º ciclo, em 1992/1993 para o primeiro ano dos 2.º e 3.º ciclos (5.º

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e 7.º anos) e, em 1993/1994, para o primeiro ano do ensino secundário (10.º ano).
Segundo um estudo de uma especialista, a Dr.ª Isabel Menezes, publicado em 1995, a disciplina específica de Desenvolvimento Pessoal e Social continuava em regime experimental desde 1991 e só em 19 escolas, dado os professores terem de obter uma qualificação específica. Quanto ao programa de educação cívica, no 3.º ciclo, a situação era idêntica.
A autora desse estudo concluía assim: «Na globalidade pode dizer-se que, em Portugal, os objectivos de preparar os estudantes para a cidadania estão disseminados, por todas as disciplinas, são objecto de uma disciplina específica e estão presentes numa área de projectos e nas actividades de complemento curricular, mas a implementação destas estratégias curriculares está ainda num estádio inicial».
Outros estudos recentes têm confirmado as dificuldades em prosseguir os objectivos curriculares consignados na lei por causa desse carácter disseminado e da inerente diluição de responsabilidades e de sistematização pedagógicas.
Perante esta realidade, considerou o Grupo Parlamentar do Partido Socialista justificar-se uma iniciativa que, ganhando o peso e a dignidade de uma lei emanada desta Assembleia, contribuísse para uma convergência de vontades e de esforços no sentido de a educação para a cidadania se tornar uma realidade efectiva no nosso país, ocupando o lugar central que lhe cabe no sistema educativo de uma sociedade democrática.
Como consta no projecto de lei que apresentamos, importará reforçar o carácter nacional desse programa, enunciar de forma sistemática e clara os seus objectivos principais e responsabilizar o Governo, em conjunto com as escolas, no sentido de criar as condições para que esses objectivos sejam atingidos na fase particularmente importante do ensino básico obrigatório que é o 3.º cicio. Isto se se quiser, ainda, que, mantendo-se o espírito e a letra do Decreto-Lei n.º 286/89, de 29 de Setembro, no que se refere à educação cívica para o 3.º ciclo, a avaliação dos alunos quanto aos conteúdos de um programa como o que propomos seja considerada para a atribuição do diploma de escolaridade básica.
Esta iniciativa vai ao encontro das preocupações por várias vezes expressas sobre o assunto pela actual equipa governamental da Educação. Visa, assim, inscrever-se no processo que está em curso de revisão dos currículos, dos sistemas de avaliação e de redução da carga horária. Revisão que se espera seja simultaneamente realista e inovadora.
Por outro lado, a importância que atribuímos à educação para a cidadania está na linha das orientações repetidamente enunciadas e de projectos levados a cabo (penso, por exemplo, no CIVITAS, criado em 1995) por organizações supranacionais como o Conselho da Europa, para além de corresponder também às resoluções saídas da Conferência de Ministros de Educação dos 4O países membros desse Conselho, realizada na Noruega, em Junho último. A própria Declaração Final da II Cimeira dos Chefes de Estado e de Governo desses mesmos países, que teve lugar em Estrasburgo, em Outubro do ano passado, refere-se especificamente a tal questão.
É nossa convicção que, mais do que nunca, a escola tem de ser um lugar de socialização, com tarefas essenciais na preparação dos jovens para enfrentar os fenómenos desagregadores da sociedade que fomentam o individualismo cínico, o relativismo ético e a irresponsabilidade social. Fenómenos que, a todo o momento, nos lembram que a democracia não é um estádio irreversível de gestão civilizada dos conflitos e das diferenças em sociedades complexas e que, através das suas fragilidades, injustiças, aberrações, continua a ameaçar irromper a barbárie que, em diversas fases históricas, tem sinistramente marcado a História da humanidade.
Mas sabemos também que não cabe ao Estado, através das escolas, cair em tentações doutrinadoras ou pseudo-moralistas que, em vez de incentivarem ao sentido crítico e ao exercício responsável do livre arbítrio, geram o conformismo e a passividade cívica. Por isso, preferimos a designação de educação para a cidadania a outras designações que, normalmente, geram compreensíveis reacções de rejeição devido a experiências traumáticas de outros tempos.
Com efeito, há que colocar a noção de cidadão no centro do próprio acto educativo. Neste sentido, o objectivo pedagógico principal da educação para a cidadania não se pode esgotar na integração das crianças e dos jovens na ordem democrática. E fundamental também, e simultaneamente, prepará-los para a assunção plena da sua condição de futuros cidadãos, conscientes, informados, activos e participantes na vida da sociedade a que pertencem.
Toda a educação tem de ser educação para a cidadania, durante todo o processo educativo e em todas as fases, começando-se, desde logo, pela vida interna das escolas enquanto espaços de trabalho, de formação e de conviviabilidade, mas também de hierarquização de funções e de responsabilidades. Todavia, isto não elimina a necessidade da transmissão organizada e sistemática de princípios de civilidade para os mais novos e, para os demais, de instrumentos conceptuais e de conhecimentos que não se apreendem de forma espontânea e casuística, que permitam ao jovem conhecer a natureza e o funcionamento das instituições, assim como outros aspectos de carácter social, económico, cultural, histórico ou de outro tipo, relevantes para a vida na comunidade em que se insere.
Ou, dito ainda de outro modo, os direitos e os deveres do cidadão, valores como os da liberdade, da solidariedade, da tolerância, dever-se-ão aprender não só através de vivências e de práticas que a escola deve fomentar, como também através da aprendizagem teórica de matérias, referências, princípios como, por exemplo, os contidos na Declaração Universal dos Direitos do Homem de que se comemora o 50.º aniversário este ano.
Temos consciência, evidentemente, de que os melhores programas não passarão de letra morta se não se derem condições adequadas aos professores e às escolas, se não houver cargas horárias realistas, currículos equilibrados. Não desconhecemos que vários problemas se põem em relação à estruturação de um programa - não de uma disciplina - como o que propomos, nomeadamente no que se refere à avaliação dos alunos.
São aspectos que já debatemos em sede de Comissão de Educação, Ciência e Cultura, que poderemos ainda vir a debater mas que, de acordo, aliás, com o articulado do nosso projecto de lei, caberá ao Ministério da Educação, ao Conselho Nacional de Educação, às escolas e aos professores, equacionar com a necessária profundidade técnica para se encontrarem as soluções mais adequadas.
A aprovação deste projecto de lei deverá significar, primordialmente, e em nosso entender, o empenhamento desta Assembleia na concretização de um objectivo nacional em matéria de educação, objectivo de que ela não se deverá nem poderá alhear. Contamos, naturalmente, com uma

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atitude positiva e construtiva por parte dos demais grupos parlamentares que decerto partilham connosco idênticas preocupações.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem agora a palavra o Sr. Deputado Castro de Almeida, para uma intervenção.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Redundante, desnecessário, equívoco, ambíguo, incoerente, contraditório, irrealista e inútil são as qualificações mais apropriadas a este projecto de lei do Partido Socialista. É também, acredito eu, generoso e bem intencionado.
Começa por ser redundante e desnecessário porque não acrescenta nada de substancial ao quadro normativo que hoje regula o nosso sistema educativo. Se não, vejamos.
O projecto de lei em discussão vem estabelecer que seja criado um programa de educação para a cidadania no 3.º cicio do ensino básico, com conteúdo a aprovar por despacho do Ministro da Educação, depois de submetido a parecer do Conselho Nacional de Educação. Acrescenta ainda o projecto socialista que «a avaliação do aluno nesta matéria deverá ser considerada para a atribuição do diploma de escolaridade básica».
Passo agora a ler o que dispõe já o Decreto-Lei n.º 286/89 sobre o mesmo assunto: «O 3.º ciclo do ensino básico inclui obrigatoriamente um programa de educação cívica para a participação nas instituições democráticas, cujos conteúdos, depois de submetidos ao parecer do Conselho Nacional de Educação, serão aprovados por despacho do Ministro da Educação, devendo a avaliação do aluno nesta matéria ser considerada para a atribuição do diploma de escolaridade básica».
Convido os Srs. Deputados a descobrirem as diferenças entre o projecto socialista e o decreto-lei de 1989 que se encontra plenamente em vigor.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Não há!

Orador: - Proponho-me dar uma ajuda.
O projecto socialista usa a expressão «educação cívica para a cidadania» enquanto o decreto-lei em vigor preferiu a designação «educação cívica para a participação nas instituições democráticas». Nenhuma diferença de conceitos, antes a mera substituição de palavras; nenhum conteúdo normativo novo, antes a manutenção de normas antigas.
Pode, no entanto, vislumbrar-se uma diferença relativamente à situação existente. A referência que no projecto se faz a uma carga horária parece sugerir a intenção de transformar o que é hoje um programa de uma área transdisciplinar numa disciplina autónoma. Quer o Partido Socialista criar uma nova disciplina de «educação para a cidadania»? Se é esta a intenção, como compatibilizar a nova disciplina com os programas da área-escola e com a disciplina, também já existente, de desenvolvimento pessoal e social?

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas se não há a intenção de criar uma nova disciplina, como perceber, então, a referência à carga horária?

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Não se percebe!

O Orador: - O projecto é manifestamente equívoco e ambíguo. Mas também é contraditório. Contraditório com a opção do Governo de reduzir a carga lectiva dos estudantes. Está o Governo a anunciar a redução da carga lectiva e, ao mesmo tempo, o Partido Socialista a propor o seu aumento. É o Governo para um lado e o PS para o lado contrário; o Governo a anunciar uma coisa e o PS a propor o seu contrário.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Não é nada!

O Orador: - Recordo que, ainda na passada semana, os Deputados socialistas afrontaram o Ministro da Educação a propósito da localização da nova Faculdade de Medicina. Começam a tornar-se rotineiros os desentendimentos e contradições entre a bancada socialista e os independentes do Governo. O sector da educação está a transformar-se no palco privilegiado desses desentendimentos.
Mas, além de contraditório, este projecto é também irrealista e inútil: assenta na crença, muito socialista, aliás, de que a realidade se transforma com a aprovação de novas leis. Se isto não é verdade na vida em geral, é ainda menos verdadeiro no mundo educativo.
Não é por ausência de leis ou regulamentos ou por falta de circulares que se verificam deficiências na formação cívica dos nossos estudantes. O que falta é uma acção mais enérgica do Governo em criar condições concretas e os apoios necessários para o cumprimento dos programas já existentes.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Toda a área das formações trans e interdisciplinares está carente de um novo impulso que dê motivação aos professores, que interesse os alunos e que reforce a participação dos pais.
A educação para a cidadania, a educação para a paz, a construção do ideal europeu, a defesa da igualdade das mulheres, a defesa dos consumidores, a educação ambiental, todas estas áreas, face à sua natureza transdisciplinar, devem ser objecto de permanente e reforçada atenção pelos órgãos das escolas e do Ministério da Educação. As insuficiências que se verificam nestas áreas reclamam menos leis e mais apoio às escolas e em particular aos professores, começando pela sua própria formação.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Este projecto de lei é, pois, um exemplo de ilusionismo político: propõe-se uma lei sobre educação para a cidadania, criando a ilusão de que fica resolvido o problema. Não teria nenhum mal que este projecto fosse apenas inútil. O problema é que a sua aprovação pode ter o efeito de sossegar as consciências, tranquilizar os espíritos e desresponsabilizar aqueles que têm a obrigação de levar à prática os normativos que já existem sobre esta matéria.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desde a Lei de Bases do Sistema Educativo está consagrada a responsabilidade da escola, não apenas na transmissão de saberes mas também no que respeita aos valores e aos comportamentos. A formação para a cidadania ou para a participação nas instituições democráticas é um pilar essencial da afirmação da própria dignidade e da liberdade de cada cidadão. E a escola tem de ter um papel essencial na formação de cidadãos.

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O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Esta função da escola está-lhe expressamente atribuída em vários passos da Lei de Bases do Sistema Educativo: no artigo 3.º. ao prescrever que o sistema educativo tem de assegurar a formação cívica dos jovens e contribuir para desenvolver o espírito e a prática democráticos; no artigo 7.º, onde se estabelecem como objectivos do ensino básico «a formação de cidadãos civicamente responsáveis e democraticamente intervenientes na vida comumtária» ou, ainda está dito, também, na lei de bases - «proporcionar, em liberdade de consciência, a aquisição de noções de educação cívica e moral».
Será legítimo à Assembleia da República dizer mais do que isto?
Deve a Assembleia da República meter-se pelo caminho da definição de programas, entrando pelos objectivos e conteúdos programáticos como faz o projecto socialista?
Nunca a Assembleia da República o fez até hoje e tenho muitas dúvidas que deva fazê-lo.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não vai a Assembleia da República pretender abalançar-se a estabelecer um programa de Física ou de Matemática. Mas, mesmo para lá das ciências exactas, mesmo nas áreas eminentemente sociais ou políticas, tem de haver um enquadramento científico e um rigor técnico que não dispensa a participação de especialistas e das respectivas associações científicas. Também nesta perspectiva o projecto socialista não é um bom contributo.
Como não é um bom contributo esta forma de intervenção avulsa, desgarrada e pontual. O curriculum escolar não pode ser um somatório de programas desgarrados, antes exige uma visão integradora que assegure complementaridades e potencie sinergias.
Tendo o Governo desencadeado uma operação aparatosa a que chamou revisão curricular participada, esta intervenção pontual e desgarrada do grupo parlamentar socialista é bem reveladora da desarticulação completa com o Governo e elucidativa do desrespeito pelas opiniões e pareceres de muitas escolas espalhadas por todo o País.
Não posso deixar de referir, finalmente, que este projecto de lei encara-a educação para a cidadania apenas do ponto de vista (que é o mais fácil) da transmissão de saberes; não dedica uma linha à criação de condições para que as escolas melhorem as condições de exercício e de vivência da democracia e da cidadania. A escola tem de educar para a cidadania, exercendo-a: participando e criticando, respeitando os outros, cooperando, criando o sentido de comunidade, acatando as normas legítimas e penalizando os infractores.
Em grande medida, é na acção concreta, é no regulamento interno das escolas, é no regime disciplinar, é nas associações de estudantes, é no exercício do direito de petição e de reclamação, é na relação pedagógica, é no modelo e nas práticas de gestão que se materializa a educação para a cidadania.
Infelizmente, não há no projecto socialista nenhuma referência, nenhuma medida que facilite ou incentive alterações práticas na vida das escolas.
Curiosamente, é este o primeiro projecto de lei socialista que se discute na Assembleia da República depois que o Sr. Primeiro-Ministro anunciou a sua disposição de proceder a uma reforma estrutural na educação.
Um projecto desgarrado, desinserido de qualquer visão de conjunto, contraditório com outros objectivos anunciados pelo Governo. Começa mal a era das reformas estruturais do Eng.º António Guterres.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques para pedir esclarecimentos.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Castro de Almeida, fez uma intervenção que mereceria longos comentários.
Desde logo, o primeiro comentário que me suscita é em relação à boa consciência com que a anterior equipa da educação se senta nessa bancada, sem sequer ter a humildade de admitir que, durante todos os anos em que esteve no governo, não conseguiu passar à prática as próprias leis que elaborou.
Como expliquei na minha intervenção, nós só avançámos com esta iniciativa para que, com a dignidade de uma lei que daqui resultasse, se suprissem os anos de inércia, de ineficácia, de total vazio, nomeadamente nesta matéria, que são da responsabilidade de VV. Ex.as em particular dos três Deputados que neste momento estão sentados nessa bancada.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!

O Orador: - Acresce que V. Ex.ª vem com uma série de argumentos que, inclusive, são contraditórios em relação a tudo o que são as orientações europeias em reuniões em que têm participado dignos colegas de V. Ex.ª como é o caso dos membros do vosso partido que integram a representação portuguesa ao Conselho da Europa. V. Ex.ª vem com uma argumentação, entre o corporativo e o burocrático, dizendo-me que não fomos suficientemente exaustivos no nosso projecto de lei porque não definimos matéria que incentive alterações práticas na vida das escolas. Depois, diz também que fomos excessivamente longe porque não cabe à Assembleia tomar iniciativas nesta matéria.
É, pois, absolutamente lamentável a sua intervenção, Sr. Deputado, sobretudo pela primeira razão que aduzi da boa consciência com que VV. Ex.as falam.
Em relação a essa «anedota» que V. Ex.ª tentou explorar quanto às incompatibilidades deste grupo parlamentar com o Governo, devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que nós não somos irresponsáveis. Mesmo antes de esta matéria ter sido vivamente debatida na Comissão de Educação, Ciência e Cultura, realizámos um colóquio nesta Assembleia, denominado «Educação para a Cidadania», em que estiveram presentes: a Dr.ª Maria Emília Brederode Santos, Presidente do Instituto de Inovação Educacional, que apoiou a iniciativa, a Prof. Dr.ª Ana Benavente, Secretária de Estado da Educação e Inovação, que apoiou a iniciativa, o Prof. Dr. Guilherme d'Oliveira Martins, Secretário de Estado da Administração Educativa, que apoiou a iniciativa, a Prof. Dr.ª Teresa Ambrósio, Presidente do Conselho Nacional de Educação, que apoiou a iniciativa, assim como a apoiaram os diversos professores, representantes de sindicatos, etc., que também estiveram presentes nesse colóquio.
Perguntar-se-á porque tomamos esta iniciativa. Disse-o na minha intervenção: é porque esta Casa deve ser o cen-

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tro da democracia e da salvaguarda e defesa dos valores democráticos.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!

O Orador: - Não vamos legislar sobre Matemática, História, Educação Física, Físico-Química, mas devemos legislar sobre matéria que tem a ver com a salvaguarda dos direitos do homem e com o reforço das próprias instituições democráticas.
Também poderia perguntar-se qual é a legitimidade, por exemplo, do Conselho da Europa para aprovar um projecto de recomendação aos diversos governos dos países membros no sentido de os respectivos sistemas educativos terem uma componente de educação para os Direitos do Homem, portanto, com objectivos idênticos aos que enunciámos - nós enunciámos objectivos, não conteúdos; cabe ao Ministério da Educação e ao Conselho Nacional de Educação definir os conteúdos. Na óptica de V. Ex.ª, pode, pois, perguntar-se qual a legitimidade de um organismo supranacional em aprovar recomendações deste tipo?
Dito isto, Sr. Deputado, o seu grupo parlamentar pode votar contra este projecto de lei. Assumirá, então, a responsabilidade desse acto.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Castro de Almeida.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Pereira Marques, vejo que não gostou que tivesse sido alguém que conhece o sistema educativo a intervir nesta matéria...

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Ora essa!

O Orador: - Preferia talvez que tivesse sido alguém conhecedor de estradas ou de agricultura, pois, nesse caso, teria mais dificuldade em apreciar o vosso projecto de lei.
Ora, justamente porque conheço as deficiências do sistema educativo, porque conheço o muito que ficou por fazer e até alguns erros que foram feitos é que estive aqui a dizer que onde há que intervir é no interior das escolas, não é a fazer leis. Foi justamente esse o sentido da minha intervenção, Sr. Deputado. Porque conheço o sistema educativo é que vim aqui dizer que o mesmo está precisado de intervenções do Governo e não de leis da Assembleia. É que, quanto a leis, a Assembleia já as fez e mesmo quanto a decretos-leis, também já estão feitos pelo Governo e estão em vigor.
O que V. Ex.ª vem fazer é querer tranquilizar a consciência republicana,...

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Laica e socialista...

O Orador: - ... fazendo de conta que as insuficiências da formação cívica dos nossos estudantes se devem a falta de leis. Ora, não é por falta de leis que os nossos estudantes e os nossos jovens não têm hoje uma boa preparação cívica. E o seu projecto, como disse, não teria nenhum mal se fosse apenas inútil, o problema é que, se for aprovado, V. Ex.ª ficará convencido de que não há mais nada a fazer porque já fez uma lei. No entanto, lei já existe; o que é necessário é a intervenção do Governo, que V. Ex.ª apoia, no sentido de se criarem condições para a participação, a vivência democrática e cívica dentro das escolas.
Sr. Deputado, há, no entanto, um mérito que quero reconhecer na sua iniciativa.

Vozes do PS: - Ah!...

O Orador: - Eu disse, no primeiro parágrafo da minha intervenção, que considerava esta iniciativa generosa e bem intencionada.

O S. Rui Namorado (PS): - Devia ser no parágrafo único!

Risos.

O Orador: - Aquilo que penso que é possível tirar de útil da sua iniciativa é a possibilidade de levar a Comissão de Educação, Ciência e Cultura a discutir com o Governo, se necessário e desejavelmente, uma melhor forma de levar à prática aquilo que existe neste momento previsto na componente da área-escola em matéria de educação para a cidadania, a sua articulação com o programa de desenvolvimento pessoal e social, que está neste momento implementado e que não tem uma generalização a nível nacional como era desejável. Esse será o mérito que queremos retirar da sua iniciativa e é por isso que penso será útil levar este projecto à discussão da comissão, não propriamente para aprovarmos uma nova lei mas para podermos levar à prática novos procedimentos em articulação com o Governo e auscultando e levando à prática o mais amplo consenso que for possível obter do conjunto dos Deputados.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: O Partido Popular nunca subscreveu o conceito estreito daqueles que entendem que a educação para a cidadania se esgota numa simples cadeira, numa disciplina ou em qualquer programa. Educar para a cidadania tem uma dimensão horizontal, envolvendo várias áreas do conhecimento, da história à ciência, da arte ao desporto. A história permite conhecer os caminhos que trilhamos para chegar aos dias de hoje, permite conhecer os erros, mas também revelar a capacidade que tivemos para os corrigir, informa-nos sobre o passado e só quem conhece o seu passado pode ambicionar à construção do futuro.
O desporto comporta em si a melhor escola para a vida. O desporto ensina-nos a saber competir, a saber perder, a saber recuperar e a saber ganhar, ensina-nos a respeitar regras, ensina-nos a respeitar o próximo, ensina-nos a trabalhar em equipa. Tal como na vida, diz-nos que os deveres não são uma imposição gratuita, são devidos pelos direitos que são garantidos.
A educação para a cidadania implica a promoção da cultura da responsabilidade. Nos tempos em que vivemos a cultura da facilidade é o maior inimigo da cidadania, o maior inimigo do respeito, o maior inimigo da democracia. O personalismo que defendemos não se confunde com o individualismo que combatemos. Ao individualismo cego, egoísta e cruel queremos responder com a formação de uma nova geração: uma geração de solidariedade, uma geração de responsabilidade, uma geração de ambi-

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ção. Uma geração de responsabilidade, onde cada um pergunta primeiro o que pode fazer pelos outros antes de perguntar o que os outros podem fazer por si. Uma geração de ambição, onde cada um desafia a situação, combate o conformismo, combate o imobilismo e combate a resignação.
Educação para a cidadania significa enraizar um sentimento apurado de pátria, significa respeitar a sua história, significa conhecer a sua história. Mas mais importante do que conhecer a história é assumir a responsabilidade de escrever a própria história. Queremos e desejamos uma geração de actores onde não haja lugar para espectadores. Queremos uma escola que, mais do que um espaço de informação, se assuma como um espaço de formação, formação académica, formação cívica e formação cultural.
Só é possível despertar o estatuto de cidadão se cada um se descobrir a si próprio, se descobrir as suas vocações, as suas aptidões, as suas ambições. A descoberta de si próprio é o primeiro passo para descobrir o seu papel na sociedade. Por isso, a escola é, por excelência, a plataforma de afirmação da cidadania. E escola deve ter o engenho e a arte de despertar o desejo de intervir, a vontade de construir e a ambição de participar num país que, sendo de todos é, também, de cada um de nós.
Srs. Deputados, o projecto tem o mérito de ter trazido a debate esta questão que tem pertinência e toda a oportunidade, mas, em boa verdade, este projecto não é um projecto de lei, é um projecto de intenções. Teve, repito, o mérito, que reconhecemos, de trazer à luz do dia um debate que julgo importante não apenas na Assembleia da República mas na sociedade portuguesa, nas escolas seguramente, nas universidades, onde quer que pretendemos estar.
Sr. Deputado, parabéns por isso, mas há um caminho a percorrer para que o projecto não seja apenas letra morta.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta iniciativa legislativa, que preconiza a criação de um programa de educação para a cidadania no 3.º ciclo do ensino básico, coloca uma questão que vale a pena discutir: Sendo inquestionável para nós que a formação escolar dos jovens deve ter como uma das suas componentes fundamentais a educação para o exercício consciente dos direitos de cidadania, importa reflectir até que ponto a escola consegue cumprir hoje esse objectivo e importa também reflectir, em todo o caso, qual o melhor caminho a seguir para que esse objectivo seja efectivamente cumprido.
Temos consciência de que a escola não pode ser, permita-se a expressão, o bode expiatório de todas as carências sociais. Não podemos aspirar a que a escola possa dar a todos os cidadãos tudo aquilo que a sociedade em geral lhes pode e deve dar. Mas não temos qualquer dúvida de que a escola - o sistema educativo a todos os níveis - através da vivência que permite, através do seu funcionamento, em todas as disciplinas sem excepção, é uma componente fundamental na formação integral de todos os que a frequentam e não pode por um só momento perder de vista que está a formar cidadãos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A escola transmite conhecimentos e valores. Bem ou mal, queira ou não queira. Consideramos por isso que a preocupação com a formação para a cidadania no sistema escolar é louvável e algo de que a escola não se pode alhear.
Dito isto, não podemos fugir também a algumas observações que a apresentação desta iniciativa legislativa suscita.
A primeira observação é a de que este projecto de lei reflecte um profundo mal-estar em relação à situação do sistema educativo e redunda, afinal, numa grave acusação à política educativa do actual Governo. É que, como não se ignora no preâmbulo do próprio projecto de lei, a Lei de Bases do Sistema Educativo contempla amplamente a educação para a cidadania. Desde logo, nos princípios gerais, onde se estabelece que «A educação promove o desenvolvimento do espírito democrático e pluralista respeitador dos outros e das suas ideias, aberto ao diálogo e à livre troca de opiniões, formando cidadãos capazes de julgarem com espírito crítico e criativo o meio social em que se integram e de -, e empenharem na sua transformação progressiva».

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Mas também nos princípios organizativos, onde se estabelece que o sistema educativo se organiza, de forma a, nomeadamente: «Contribuir para a defesa da identidade nacional e para o reforço da fidelidade à matriz histórica de Portugal, através da consciencialização relativamente ao património cultural do povo português. Contribuir para a realização do educando, através do pleno desenvolvimento da personalidade, da formação do carácter e da cidadania. Assegurar a formação cívica e moral dos jovens».
Mais se inscrevem, nos objectivos do ensino básico, o de proporcionar aos alunos experiências que favoreçam a sua maturidade cívica e sócio-afectiva, criando neles atitudes e hábitos positivos de relação e corporação, quer no plano dos seus vínculos de família, quer no da intervenção consciente e responsável na realidade circundante». Bem como, «proporcionar a aquisição de atitudes autónomas, visando a formação de cidadãos civicamente responsáveis e democraticamente intervenientes na vida comunitária».
E também no que respeita ao desenvolvimento curricular, a Lei de Bases estabelece que «os planos curriculares do ensino básico incluirão em todos os ciclos e de forma adequada uma área de formação pessoal e social, que pode ter como componentes a educação ecológica, a educação do consumidor, a educação familiar, a educação sexual, a prevenção de acidentes, a educação para a saúde, a educação para a participação nas instituições, serviços cívicos e outros do mesmo âmbito».
A educação para a cidadania está, portanto, consagrada amplamente na Lei de Bases do Sistema Educativo, está presente na reforma curricular de 1989 através da disciplina de desenvolvimento pessoal e social, está presente nos objectivos da área-escola e, no entanto, os Srs. Deputados do PS sentem-se na obrigação de apresentar este projecto de lei.
Resulta daqui uma questão óbvia: se os objectivos propostos neste projecto constam da Lei de Bases, da reforma curricular, da área-escola, da disciplina de desenvolvimento pessoal e social, qual é a ideia de propor uma nova disciplina?

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Os Srs. Deputados dirão, e com inteira razão, que a disciplina de desenvolvimento pessoal e social não existe em lado nenhum, que a área-escola corresponde mal aos seus objectivos e que este Governo, tal como o anterior, pouco ou nada tem feito para cumprir a Lei de Bases do Sistema Educativo em matéria de educação para a cidadania, e é verdade!

Vozes do PCP e de Os Verdes: - Muito bem!

Vozes do PS: - Não é verdade!

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - É 5O% verdade!

O Orador: - A apresentação deste projecto demonstra-o com toda a evidência e revela da parte dos proponentes uma saudável incomodidade, mas não iliba o Governo do incumprimento das suas responsabilidades educativas.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Isso é verdade!

O Orador: - Uma segunda observação que este projecto suscita é a de saber se a melhor forma de promover a educação para a cidadania é criar uma disciplina autónoma. E vale a pena reflectir um pouco sobre esta questão.
Desde logo, não é realista pensar que as carências formativas escolares se possam resolver criando novas disciplinas a acrescer, a justapor às já existentes e, depois, porque é hoje amplamente consensual a ideia que os jovens têm uma carga horária e lectiva manifestamente excessiva, o que tem prejuízos óbvios para a sua própria formação e, evidentemente, para o exercício da cidadania. Aliás, é o próprio Ministro que o reconhece.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Será adequado criar mais uma disciplina? Será correcto? É uma questão que fica para a reflexão. Acantonar a educação para a cidadania numa disciplina não poderá ter o efeito contrário àquele que todos nós pretendemos? A este respeito, vale a pena ler com atenção a recente recomendação da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa sobre a Educação para os Direitos do Homem.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É com entusiasmo que acolhemos todas as ideias que apontem no sentido de reforçar o peso da educação para a cidadania em todos os níveis do sistema educativo, em todas as disciplinas e em todas as actividades curriculares e extracurriculares. Somos entusiastas da educação para a cidadania, não tanto através da retórica mas, sobretudo, através da promoção de experiências vividas porque viver em democracia não se aprende nos livros, nem se avalia em notas no final do período.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O melhor serviço que a escola pode prestar ao exercício da cidadania é promover a participação democrática dos jovens na vida e na própria gestão escolar. É que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não se promove a educação para a cidadania através de projectos de gestão empresarial das escolas ou através de promoção prática de valores individualistas, do consumismo ou da mercantilização dos saberes e da formação.
Concluo, sintetizando a posição do PCP sobre este projecto de lei: coincidimos com a preocupação quanto à necessidade de promover a educação para a cidadania no sistema de ensino, mas divergimos da forma que é proposta. A educação para a cidadania não pode restringir-se ao 3.º cicio do ensino básico, nem deve ser acantonada numa só disciplina porque o que falta nas nossas escolas não é mais disciplinas, é melhores condições de formação dos jovens para a democracia, a começar, desde logo, pela democraticidade da sua própria gestão e funcionamento.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, no essencial, V. Ex.ª disse uma série de coisas que eu também disse. Nós não desconhecemos o que diz a Lei de Bases, não desconhecemos o que diz o decreto-lei da reforma curricular, não desconhecemos o problema das cargas horárias, tudo isso que o Sr. Deputado referiu. E há uma coisa que o senhor afirmou e que é verdade: nós temos um certo mal-estar em relação a este aspecto concreto no nosso sistema educativo e esta matéria preocupa-nos pois a não ser assim não teríamos tornado esta iniciativa. E também fundamentei as razões da nossa iniciativa no sentido de vincular esta Assembleia a uma lei que fosse um elemento de reafirmação da importância desta questão no sistema educativo junto do Governo.
Sr. Deputado António Filipe, as suas razões de preocupação, ou de incomodidade, se quiser, são coincidentes com as nossas. Mas o que propõe? Que iniciativa pode a Assembleia da República tomar em torno de um tema como este e que não seja só discutir o assunto em sede de comissão ou em colóquios? O que é podemos fazer? Está-nos vedado fazer qualquer coisa? Está-nos vedado tomar uma iniciativa legislativa? Está-nos vedado usufruir até aos limites dos nossos poderes, direitos e competências? O que é que os senhores propõem?
E que, se não fazemos nada, corremos o risco - e o senhor já tem longos anos de intervenção neste domínio da educação e, portanto, sabe bem qual é a situação existente no decurso de todos estes anos, nomeadamente nesta matéria - de, daqui a três, quatro ou cinco anos, alguns dos nossos sucessores ainda estarem aqui a levantar o problema e a dizer que não há educação cívica, que não há educação para a cidadania!
A Assembleia da República tem o dever de, junto do Governo, pelas vias que lhe são próprias, dizer: «é importante que se tomem medidas em torno deste assunto».

O Sr. Bernardino Soares (PCP). - Já percebemos que o PS não tem iniciativas!

O Orador: - Não, nós temos as vias institucionais que partem da separação de poderes. Felizmente, enquanto esta Constituição existir e for vigente, o grupo parlamentar a que pertenço tem a sua autonomia, o que não quer dizer que se confirmem as insinuações do Sr. Deputado Castro de Almeida, pelas razões que já aduzi.
Por outro lado, quanto à questão da carga horária e da disciplina, é evidente que não queremos uma disciplina estou farto de reafirmá-lo -, o espírito é o mesmo do da

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reforma curricular. Em nosso entender, os princípios da Lei de Bases e a própria reforma curricular de 1989, nas suas grandes linhas, estão correctas. Devemos pôr a imaginação a funcionar.
Os franceses, em 1975, também tinham deixado de ter, praticamente, educação cívica, educação para a cidadania, ou o que se quiser chamar, no seu sistema de ensino, mas, a partir do Ministro Chevénement, nos anos 80, e, agora, com o novo governo, retomaram a questão. Estão, por exemplo, a fazer o seguinte: nos primeiros anos da escolaridade básica, ensinam, sobretudo, civilidade às crianças; depois, nos outros anos, educação cívica e no ano equivalente ao secundário têm uma educação cívica mais desenvolvida para preparar os futuros eleitores. E fazem-no como? Têm um módulo quinzenal de duas horas, transdisciplinar, coordenado normalmente por professores de Filosofia, por vezes, de História ou de Geografia, que se encarregam, quinzenalmente, de dar conteúdo e sustentação a esse módulo.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Queira concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Sr. Deputado António Filipe, há «n» soluções possíveis desde que haja o compromisso político necessário e vontade de fazê-lo - e é nessa vontade que devemos colaborar.
Para terminar, devo dizer que uma iniciativa deste tipo deveria procurar reunir o mais amplo consenso desta Assembleia. Nesse sentido, o meu grupo parlamentar vai requerer que este projecto de lei baixe à comissão, sem votação, para podermos aprofundar o debate.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Muito sensato!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, começaria por salientar a correcção à iniciativa anunciada agora pelo Sr. Deputado Fernando Pereira Marques, porque consideramos que esta matéria deve ser discutida, deve ser ponderada em sede de comissão, na medida em que, como tive oportunidade de dizer, é louvável que este problema da educação para a cidadania seja, de facto, bem discutido. Inquestionavelmente, a situação que temos actualmente não serve, uma vez que nem a Lei de Bases está a ser cumprida nem a disciplina de desenvolvimento pessoal e social funciona, na maior parte dos caos, nem a área-escola está a ser aproveitada, sob este ponto de vista, como deveria. Portanto, a baixa à comissão deste projecto de lei é importante para que esta questão seja reflectida.
No entanto, há alguns aspectos que o Sr. Deputado referiu que não quero deixar de responder. Em primeiro lugar, o Sr. Deputado diz que não propõem uma disciplina. Porém, da leitura do projecto de lei não é isso que se retira. Se os senhores não queriam propor, não deveriam tê-lo escrito, poupariam essa crítica, poderia não ter sido feita, mas, de facto, toda a lógica do diploma apontaria para isso. Mas ainda bem que não é, pois parece-nos que essa solução não seria a mais correcta no quadro actual.
Todavia, quando eu disse, na minha intervenção, que este projecto de lei revelava uma saudável incomodidade da vossa parte - e a incomodidade não é nossa, é vossa! -, quando eu disse que este projecto de lei redundava numa acusação ao Governo, os Srs. Deputados da bancada do Partido Socialista protestaram imenso, mas o Sr. Deputado, pelo que acabou de dizer, reconheceu-o. Afinal de contas, o que a apresentação deste projecto de lei revela é que o Governo não tem cumprido, nem em matéria de reforma curricular, nem em matéria de cumprimento da Lei de Bases do Sistema Educativo, aquilo a que está vinculado. O Sr. Deputado diz «nós propomos isto ... », um pouco como quem diz: «nós já não sabemos o que é havemos de fazer para que o Governo cumpra a Lei de Bases, então, propomos isto ... ».

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Sr. Deputado, isso não nos resolve o problema, porque também ninguém nos garante que, se o Governo não cumpre a Lei de Bases, venha a cumprir uma lei que hoje se aprove. De qualquer maneira, Sr. Deputado, creio que esta matéria vale a pena ser discutida e que não seja de excluir que, da sua discussão na Comissão de Educação, Ciência e Cultura, se possa fazer algum progresso legislativo. Aliás, do nosso ponto de vista, estaremos empenhados para que isso seja possível.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - O Sr. Deputado Fernando Pereira Marques anunciou que vai requerer a baixa deste diploma à comissão, sem votação, mas isso não faz precludir o debate, porque ele vai prosseguir com a intervenção da Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, quero, de uma forma muito rápida, dizer que este projecto de lei tem em conta, na nossa perspectiva, um princípio muito justo já consagrado na Lei de Bases do Sistema Educativo. Pena é que essa lei de bases não seja cumprida, porque, se o fosse, esta discussão agora não teria sentido. Portanto, é, sim, um princípio justo, consagrado na Lei de Bases do Sistema Educativo, o que é preciso é que esta lei seja, de facto, cumprida. Esse é um objectivo fundamental.
Creio que estaremos todos de acordo em afirmar que a educação para a cidadania é fundamental, educação para a cidadania no sentido da participação e da responsabilização livre das pessoas. Penso que a definição do que estamos a discutir é também importante nesta matéria.
Porém, se o princípio é justo, a forma que toma já é questionável. E a forma que ele tomou foi a apresentada no projecto de lei em discussão, que, em nosso entender, é, como já disse, questionável. E é questionável porque entendemos que a educação para a cidadania não pode ser restringida a três anos de ensino, ela deve abranger todos os ciclos do ensino básico e deve ser uma área horizontal com componentes distintas, também definidas claramente na Lei de Bases do Sistema Educativo, pelo que não será necessário repeti-las. O Sr. Deputado Fernando Pereira Marques nega-o, mas tudo indica que assim é, apesar de o vosso projecto poder sofrer alterações nesta matéria.
Por outro lado, a nossa grande preocupação vai também para o facto de se estar a criar um programa rígido, através de uma disciplina rígida, de educação para a cidadania que não faz sentido. Mais programa para debitar aos estudantes, mais carga horária... Parece-me que ficou claro que não é isso que se pretende, apesar de o vosso pro-

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jecto poder ser indicativo disso e, portanto, haver algum receio em relação a essa questão, que pode, naturalmente, ser alterada.
Por último, gostaria de abordar uma questão que, embora não tenha a ver concretamente com o projecto de lei, também não se desvincula completamente dele, mas não queria deixar de referi-lo, porque é uma preocupação nossa. É que a disciplina da moral e da religião católica, segundo a Lei de Bases do Sistema Educativo, deveria ser facultativa. Contudo, ela perdeu completamente o carácter facultativo no nosso sistema educativo porque, de facto, não existe qualquer alternativa a esta disciplina. Não existe alternativa nem de disciplina específica de desenvolvimento pessoal e social, nem tão-pouco na oferta que a escola pode dar, em termos de desporto, em termos de ocupação de tempos livres, para ocupação das crianças que não frequentem a disciplina de educação moral e religiosa.
Parece-nos, pois, fundamental que tenhamos consciência da inexistência de uma educação moral e religiosa facultativa e alternativa e, por isso, julgo que se toma importante fazermos uma reflexão e uma intervenção profunda neste sentido de forma a criar essa alternativa. Creio que cabe ao Governo fazê-lo, porque é necessário que essa alternativa exista para ocupação dos jovens na altura em que esta educação é ministrada.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por encerrada a discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 4O5/VII, o qual será sujeito a requerimento de baixa à comissão, sem votação. Esse requerimento será votado numa próxima reunião, no período de votações.
Resta-me informar que, amanhã, temos reunião plenária, a partir das 10 horas, com uma sessão de perguntas ao Governo.
Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 15 minutos.

Declaração de voto enviada à Mesa, para publicação, relativa à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 1O4/VIII.

Para o Grupo Parlamentar do PSD, é positivo o objectivo expresso na «Exposição de motivos» de reunir num único diploma legislativo, próprio e autónomo, as regras aplicáveis à verificação da morte em geral, ocorra esta em estabelecimento hospitalar ou noutro local, haja ou não a intenção de colher órgãos e tecidos, esteja ou não sujeitos a técnicas de reanimação.
Esta matéria é de grande importância e delicadeza e urgia a respectiva regulamentação.
Como expressámos na discussão na generalidade, o Partido Social Democrata demonstrou à evidência as insuficiências técnicas da proposta de lei do Governo, das quais salientamos as seguintes:
A governamentalização dos critérios de morte, já que tem de ser homologado pelo Ministro da Saúde, na nossa opinião, é um retrocesso em relação à Lei actual, já que releva da autonomia normativa das instituições independentes dos governos, como é a Ordem dos Médicos.
A diminuição de publicidade dos critérios de morte, já que a publicação passa da 1.ª série do Diário da República para a 2.ª série.
A hesitação do Governo quanto ao estabelecimento dos critérios de morte, já que manteve a dualidade dos critérios materiais da morte, não considerando exclusivamente o critério da morte cerebral.
O PSD opta, pois, pela abstenção na votação na generalidade desta proposta de lei, porque quer o Governo, quer o Grupo Parlamentar do Partido Socialista manifestaram abertura para se proceder a uma discussão aprofundada com a participação de especialistas da matéria, da Ordem dos Médicos e o Conselho Nacional de Ética e Ciências da Vida, permitindo alterações na especialidade que a transforme numa boa lei.
Esperamos, pois, que, na votação final global, possamos votar a favor, porque significará que é real a vontade do Partido Socialista em aceitar as alterações que todos os grupos parlamentares sugeriram.

Os Deputados do PSD, Jorge Roque Cunha - Moreira da Silva - Miguel Macedo - Luís David Nobre.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.

Partido Social Democrata (PSD):

Luís Carlos David Nobre.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António Alves Martinho.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Alberto Pereira de Sonsa.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
António Manuel Taveira da Silva.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
João Calvão da Silva.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Maria Helena Pereira Nogueira Santo.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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