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Quinta-feira, 30 de Abril de 1998
I Série - Número 64
DIÁRIO da Assembleia da República
VII Legislatura
3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1997 - 1998)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 29 DE ABRIL DE 1998
Presidente: Exmo. Sr. António de Almeida Santos
Secretários: Exmos. Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
João Cerveira Corregedor da Fonseca
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação da proposta de lei n.º 173/VII, da proposta de resolução n.º 101/VII, da audição parlamentar n.º 8/VII, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Em declaração política, o sr. deputado Nuno Abecasis (CDS-PP) condenou os tumultos que, e, Lisboa e Coimbra, rodearam a celebração de missas por alma de oliveira Salazar, no que foi secundado pelos Srs. Barbosa de Melo (PSD), Manuel Alegre (PS) e João Amaral (PCP).
Também em declaração política, a Sr.ª Deputada Isabel de Castro (Os Verdes) falou sobre a instalação de um, cemitério nuclear em Aldeadávila, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Artur Torres Pereira, João Amaral (PCP), Natalina Moura (PS) e Nuno Abecasis (CDS-PP).
A Sr.ª Deputada Lourdes Lara (PSD) abordou alguns problemas com que se deparam os emigrantes portugueses, nomeadamente ao nível do ensino, da reaquisição da nacionalidade e do regresso a Portugal, tendo respondido depois a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Carlos Luís (PS).
O Sr. Deputado Joaquim Matias (PCP) trouxe à colocação os despedimentos na fábrica da Renault em Setúbal (SÓDIA) e na Lisnave e deu respostas aos pedidos de esclarecimento dos Sr. Deputado Nuno Abecasis (CDS-PP).
Após leitura, foi discutido e aprovado o voto n.º 111/VII - De congratulação pelos resultados alcançados pela 1ª Convenção Nacional dos Timorenses na Diáspora ( Presidente da Comissão Eventual para o Acompanhamento da Situação em Timor Leste, Sr. Deputado Nuno Abecasis), sobre o qual intervieram, além do subscritor, os Srs. Deputados Hugo Velosa (PSD), João Corregedor da Fonseca (PCP), Carlos Luís (PS), e Isabel Castro (Os Verdes).
Ao abrigo do artigo 83.º, n.º2, do Regimento, o Sr. Ministro da Economia (Pina Moura) respondeu acusações formuladas pelo PSD na sessão plenária de 22 de Abril p.p. Usaram da palavra, a diverso título, além daquele orador e do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Costa), os Srs. Deputados Manuela Ferreira Leite (PSD), Joel Hasse Ferreira (PS), Carlos Encarnação (PSD), Luís Queiró (CDS-PP), Octávio Teixeira (PCP) e Manuel dos Santos (PS).
Ordem do dia. - Procedeu-se à apreciação do relatório final da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar para Apreciação da Conformidade Legal e Aval do Estado à UGT, tendo feito intervenções os Srs. Deputados Moreira da Silva (PSD), Francisco Peixoto (CDS-PP), Victor Moura (PS) e João Amaral (PCP).
Foi debatida, na generalidade, a proposta de lei n.º 170/VII - Aprova a lei da televisão. Produziram intervenções, a diverso título, além do secretário de Estado da Comunicação Social (Arons de Carvalho), os Srs. Deputados Jorge Ferreira (CDS-PP), António Filipe (PCP), Miguel Macedo (PSD), Medeiros Ferreira (PS), Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP), Guilherme Silva (PSD), António Reis (PS) e José Saraiva (PS).
O projecto de lei n.º 446/VII - Altera o Decreto-Lei n.º701-B/76, de 29 de Setembro (Estabelece o regime eleitoral para a eleição de órgãos das autarquias locais) (CDS-PP), Luís Sá (PCP), Fernando Pedro Moutinho (PSD) e Martim Gracias (PS).
A Câmara procedeu ainda à discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.ºs 151/VII - Autoriza o Governo a prorrogar por três anos o período de vigência do regime de honorários mínimos dos revisores oficiais de contas e 154/VII - Permite que, a título excepcional, se admita a inscrição como técnico oficial de contas de responsáveis directos por contabilidade organizada, nos termos do Plano Oficial de Contabilidade, no período decorrido entre 1 de Janeiro de 1989 e 17 de Outubro de 1995, de entidades que possuíssem ou devessem possuir esse tipo de contabilidade. Pronunciaram-se, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (António Carlos dos Santos), os Srs. Deputados Lino de Carvalho (PCP), Mafalda Troncho (PS) - que fez a apresentação do relatório da Comissão de trabalho, de Solidariedade e Segurança Social -, Augusto Boucinha (CDS-PP), Manuela Ferreira Leite (PSD) e Fernando Serrasqueiro (PS).
Por fim, a Câmara aprovou um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativo à retoma de mandato de um Deputado do CDS-PP e à substituição de uma Deputada de Os Verdes.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 22 horas e 25 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 30 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Guimarães Fernandes Dias.
António Manuel Carmo Saleiro.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Pedro da Silva Correia.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Júlio Meirinhos Santanas.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Rodrigues Costa de Brito.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria de Lurdes Ferreira da Silva Farinha.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Eduarda Bento Alves Ferronha.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Paulo Jorge Lúcio Arsênio.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Teresa Maria Gonçalves Gil Oliveira Pereira Narciso.
Victor Brito de Moura.
Partido Social Democrata (PSD):
Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Taveira da Silva.
António Moreira Barbosa de Melo.
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António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Eugénio Pereira de Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Domingos Dias Gomes.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Manuel Costa Pereira.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marque Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria de Lourdes Lara Teixeira.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Sérgio André da Costa Vieira.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Francisco Amadeu Gonçalves Peixoto.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Rui Miguel Gama Vasconcelos Pedrosa de Moura.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Joaquim Manuel da Fonseca Matias.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.
Deputado independente:
José Mário de Lemos Damião.
ANTES DA ORDEM DO DIA
0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.
0 Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, a proposta de lei n.º 173/VII - Transpõe para a ordem jurídica portuguesa a Directiva n.º 95/46/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995, relativa à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento dos dados pessoais e à livre circulação desses dados, que baixou à 1.º Comissão; a proposta de resolução n.º 101/VII - Aprova, para adesão, a 4.º Emenda ao Acordo Relativo ao Fundo Monetário Internacional (FMI), a que Portugal deliberou aderir através do Decreto-Lei n.º 41338, de 21 de Novembro de 1960, que baixou às 2.º e 5.º Comissões; e a audição parlamentar n.º 8/VII - Sobre o sistema de vigilância de comunicações ECHELOM e sobre o memorando secreto celebrado entre a União Europeia (incluindo Portugal) e FBI, apresentada pelo PCP.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, foram apresentados na Mesa os seguintes requerimentos: nas reuniões plenárias de 15 e 16 de Abril de 1998, à Secretaria de Estado da Administração Pública e da Modernização Administrativa,
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formulado pela Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça; à Secretaria de Estado da Indústria e Energia, formulado pelo Sr. Deputado Américo Sequeira; aos Ministérios da Administração Interna e da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Guilherme Silva; aos Ministérios da Defesa Nacional e do Ambiente, formulado Sr. Deputado Roleira Marinho; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Hermínio Loureiro; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; e aos Ministérios do Trabalho e da Solidariedade e das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado António Filipe.
Na reunião plenária de 21 de Abril de 1998, ao Governador do Banco de Portugal, formulado pelo Sr. Deputado Ricardo Castanheira, e ao Ministério do Trabalho e da Solidariedade e à Secretaria de Estado da Administração Pública e da Modernização Administrativa, formulados pelo Sr. Deputado Barbosa de Oliveira.
Na reunião plenária de 22 de Abril de 1998, à Procuradoria-Geral da República e ao Ministério das Finanças, formulados pelo Sr. Deputado José Magalhães; aos Ministérios do Trabalho e da Solidariedade e da Economia, formulado pelo Sr. Deputado Barbosa de Oliveira; aos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e do Ambiente, formulado pelo Sr. Deputado Artur Torres Pereira; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Encarnação; ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputa4o Guilherme Silva, ao Ministério da Saúde, formulados pelo Sr. Deputado Jorge Roque Cunha; e ao Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro. formulado pelo Sr. Deputado Jorge Ferreira.
Nas reuniões plenárias de 23 e 24 de Abril de 1998, aos Ministérios do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território e da Cultura, formulados pelo Sr. Deputado Carlos Beja; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado José Cesário; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Encarnação; ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulados pelos Srs. Deputados Roleira Marinho e Jovita Matias; e ao Ministério da Saúde, formulados pelos Srs. Deputados Luísa Mesquita, Jorge Roque Cunha e Rui Pedrosa de Moura.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados:
No dia 16 de Abril de 1998 - João Amaral, na sessão de 2 de Abril; Mota Amaral, nas sessões de 22 de Julho e 12 de Março; Odete Santos, na sessão de 29 de Julho; Gonçalo Ribeiro da Costa, no dia 23 de Dezembro; Bernardino Soares, na sessão de 23 de Janeiro; Francisco Fonenga, no dia 27 de Janeiro; Roleira Marinho, na sessão de 29 de Janeiro; e Manuela Aguiar, na sessão de 5 de Fevereiro.
No dia 21 de Abril de 1998 - Isabel Castro, no dia 23 de Setembro, nas sessões de 9 de Janeiro, 20 de Fevereiro e 5 de Março; Luís Sá, na sessão de 8 de Outubro; Aires de Carvalho e Roleira Marinho, na sessão de 29 de Janeiro; Manuela Aguiar, na sessão de 4 de Fevereiro; Lino de Carvalho, nas sessões de 18 de Fevereiro e 5 de Março; Bernardino Soares, na sessão de 20 de Fevereiro; Ismael Pimentel no dia 3 de Março; Heloísa Apolónia, no dia 10 de Março; e Mafalda Troncho, na sessão de 12 de Março.
No dia 24 de Abril de 1998 - Manuela Aguiar, no dia 3 e nas sessões de 5 de Fevereiro e 5 de Março; Paulo Pereira Coelho, no dia 17 de Fevereiro; Afonso Candal, na sessão de 19 de Fevereiro; e Luísa Mesquita, na sessão de 5 de Março.
No dia 28 de Abril de 1998 - Isabel Castro, no dia 10 de Dezembro; Manuela Aguiar, na sessão de 22 de Janeiro, no dia 3 e na sessão de 5 de Fevereiro; Mota Amaral, no dia 10 de Fevereiro; Manuel Alves de Oliveira, na sessão de 11 de Fevereiro; António Martinho, no dia 17 de Fevereiro; Carlos Encarnação, na sessão de 19 de Fevereiro; Bernardino Soares, na sessão de 20 de Fevereiro; Luís Marques Mendes e António Filipe, na sessão de 12 de Março; e Rodeia Machado, no dia 24 de Março.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se para proferir declarações políticas a Sr.ª Deputada Isabel Castro e o Sr. Deputado Nuno Abecasis.
Como a Sr.ª Deputada Isabel Castro ainda não se encontra na sala, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.
O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao longo da minha vida parlamentar, é a segunda vez que subo a esta tribuna por causa do problema que aqui hoje vos venho pôr. Curiosamente, fi-lo anteriormente, em 1976, e nunca pensei vir a fazê-lo em 1998. Estou a referir-me, Srs. Deputados, à gravíssima situação que se produziu ontem em Lisboa e em Coimbra, por razões esfarrapadas que não conseguem convencer ninguém, mas que se traduziram na violação da Igreja de S. Nicolau e da Sé Velha de Coimbra, com o argumento falso de que haveria comícios fascistas no interior das igrejas, o que não convence ninguém, nem pela natureza dos actos, porque uma missa por alma de alguém celebra a sua natureza de pó e não a glória na vida, nem sequer pelo número das presenças.
Devo confessar-vos, Srs. Deputados, que eu, que vivo em Lisboa e penso fazer uma vida normal, estive no Parlamento, não sabia nem me passava pela ideia que houvesse alguma missa pelo Dr. Oliveira Salazar nesse dia. E como eu a maioria dos portugueses ignorava-o. Nada justificava o que foi feito, e o que foi feito é da maior gravidade.
Desde que me conheço, Sr. Presidente, por três vezes tive conhecimento de uma violação de um templo de qualquer religião; das três vezes foi um templo católico. A primeira, ainda há pouco aqui invocada, foi a violação pela PIDE da Igreja do Rato, que condenámos - e bem! - e o próprio Cardeal Patriarca, na altura, recusou-se a sair do Governo Civil enquanto não fossem libertados os que tinham sido presos: a segunda, em 1976, foi em S. Bento da Vitória, na Diocese de Beja, e, nessa altura, falei nisso nesta Assembleia e tive o apoio de todos os partidos, desde o PCP ao meu próprio partido, que condenaram o que aí aconteceu.
Não tenho dúvidas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, de que ninguém nesta Assembleia aprova o que se passou ontem, mas entendo que é neste templo da democracia que, em tempo oportuno, se tem de defender a liberdade dos cidadãos.
Foi numa igreja católica, como poderia ser em qualquer outra, mas nem o culto dos mortos, sejam eles quais forem, nem a prática de uma religião, seja ela qual for, pode ser violada, se não queremos, com argumentos tão fúteis como esses, assistir àquilo que, ainda há bem pouco tempo, aconteceu pela Europa, que foi a violação de cemitérios para continuar a perseguição de judeus.
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Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Srs. Deputados, nada pode justificar a violência, nada pode justificar o ataque à liberdade religiosa e de consciência dos cidadãos. E é contra isso que aqui quero levantar a minha voz em tempo e não me sobra dúvida de que comigo estará a totalidade da Assembleia da República.
Aplausos do CDS-PP, de pé, e do PSD.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Barbosa de Meio, Manuel Alegre e João Amaral.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Meio.
O Sr. Barbosa de Meio (PSD): - Sr. Presidente, ao pedido de esclarecimento que gostaria de fazer, julgo que, nesta Câmara, que é uma Câmara de representantes democráticos do povo português, ninguém me pode responder.
Julgo que o que aconteceu ontem e que eu vi em imagens da comunicação social devo imputá-lo a marginais do processo democrático português.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Não vou, portanto, pedir esclarecimentos nesta Câmara a razões, a motivações, que nenhum de nós aqui presente sabe dar.
Um dos pilares da nossa Constituição, um dos pilares do Estado moderno, do Estado democrático, é a liberdade de consciência, de religião e de culto. E nesse domínio nada pode ultrapassar o acto individual de cada um daqueles que exprimem essa dimensão da sua personalidade.
Tudo o que seja gregarizar isto, tudo o que seja politizar um acto religioso é algo que atenta contra a essência de um Estado democrático.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Julgo, portanto, que o que vi na televisão nada tem a ver com a democracia e nada tem a ver com esta Casa.
Eu também fiquei chocado, porque acresce que partilho também esta crença, também sou católico, e, de acordo com a religião que professo, todos são pecadores, todos, e todos os pecadores têm direito à misericórdia.
É nesta base, Sr. Presidente, que faço este pedido, que repito - não é um pedido de esclarecimento, porque ninguém pode explicar isto nesta Casa.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Abecasis, compreendo e respeito a sua sensibilidade. Portugal é um Estado de direito democrático, onde está garantida a liberdade religiosa, a liberdade de culto, mas também a liberdade política; a liberdade de culto, por um lado, e o direito de protesto, por outro. Penso que estes são os dois aspectos que devemos distinguir e não devemos misturar.
Não podemos opor-nos a que se celebre uma missa por alma de Salazar, de Mussolini, de Hitler ou de outro criminoso ou ditador qualquer, porque a liberdade de culto dentro da igreja deve ser respeitada, mas também não podemos impedir que cidadãos portugueses, e sobretudo jovens, manifestem o seu protesto ou a sua indignação pelo facto de haver confusão entre uma celebração religiosa e uma comemoração política.
Aquilo que há de condenável é a violação do espaço de culto, o que há de condenável e de reprovável não é o acto de protestar, como aconteceu, segundo penso, em Coimbra, por parte de grande número daqueles que lá se encontravam. Esse direito de protesto está consagrado na Constituição, tal como a liberdade de culto.
Aquilo que é reprovável é a violação do espaço de culto, mas é igualmente reprovável qualquer ambiguidade entre a pura celebração religiosa e a celebração de uma individualidade que, durante quase meio século, negou aos portugueses todas as liberdades e é moral e pessoalmente responsável por alguns crimes políticos.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Abecasis, da nossa parte, e com muita clareza, aqui afirmamos que nenhum partido, como o PCP, pode testemunhar o que foi a brutalidade da ditadura de Salazar, e nenhum partido, como o PCP, aqui pode dizer que lutou pelas liberdades, com convicção, com firmeza e com muita coragem, para conquistar a democracia e a liberdade para todos os portugueses, todas as liberdades, sem excepção.
Nós não confundimos, efectivamente, os planos, como acabou de dizer o Sr. Deputado Manuel Alegre, combatemos e combateremos hoje e protestamos contra actos que sejam em si antidemocráticos ou que procurem valorizar princípios antidemocráticos, assim como também podemos analisar e considerar que não é adequado utilizar actos de culto para fins políticos, mas não podemos aceitar que seja, de alguma forma, atingida a liberdade de culto e o direito que a Igreja tem, dentro das suas igrejas, a respeito e dignidade.
Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, do mesmo passo que, com coerência, como sempre fizemos, condenamos a ditadura e todas as tentativas de fazê-la reviver, condenamos aqui, de forma explícita, qualquer acto que atente contra a liberdade de culto.
Aplausos do PCP e do PS.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.
O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, não foi por acaso que ali, daquela tribuna, referi que o PCP, em 1976, apoiou a minha intervenção, quando se tratou de S. Bento da Vitória. E também não será por acaso, Sr. Deputado, que lhe peço que não esqueça que, no anterior regime, muitos dos seus companheiros, que trabalhavam comigo na minha fábrica, encontraram sempre em mim, fosse qual fosse o risco, uma protecção que ninguém mais lhes dava. Por isso, posso falar, sem medo que alguém me possa apontar seja o que
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for. Nunca fui partidário de ditaduras ou de opressões. Toda a minha vida, defendi e lutei pela liberdade dos outros, mais até do que pela minha própria. Por isso, Sr. Deputado João Amaral, aceito o seu apoio às minhas palavras, como aceitei em 1976. E não confundo de modo algum qualquer dos partidos aqui representados com o que se passou ontem, que constituiu uma agressão intolerável à democracia e à liberdade.
Sr. Deputado Manuel Alegre, quero dizer-lhe que nunca questionei o direito à discórdia. Mas nem a discórdia legitima tudo nem a juventude justifica tudo. E se não for nestas alturas que nós, os fiéis depositários do espírito democrático, em Portugal - para isso fomos eleitos -, protestamos, não é quando o comboio já vai no caminho, quando já somos esmagados pelas ditaduras, que vamos fazê-lo e acordar. Os democratas têm de acordar no momento oportuno. E o que quis aqui dizer foi que estava desperto para a liberdade dos portugueses, fossem eles quais fossem. Neste momento, são católicos - e eu sou católico -, mas se fossem hindus, muçulmanos ou de qualquer outra religião, eu estaria com eles, como sempre estive.
Srs. Deputados, de qualquer modo, quero dizer-vos o seguinte: orgulha-me pertencer a este Parlamento, que, em unanimidade, defende a democracia e recusa as violências, as chantagens e os prelúdios de todas as opressões.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
0 Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Mais de 10 anos depois de um certo silêncio, quase a rondar o esquecimento, a que a pequena localidade de Aldeadávila parecia votada, eis que, de novo, volta a ser notícia, como hipótese de instalação de um cemitério nuclear.
A ideia não é nova; retoma publicamente a intenção do Estado espanhol de encontrar um local para armazenar definitivamente os resíduos radioactivos de alta actividade, provenientes das suas centrais nucleares, cuja capacidade de armazenagem está prestes a esgotar-se.
E se a ideia não é nova, nova não é igualmente a contestação, no fim-de-semana já iniciada, que envolveu municípios portugueses.
Uma contestação a lembrar-nos, também ela, o ano de 1987 e o fortíssimo movimento de protesto, então gerado pelas populações, pelos autarcas, pelos grupos antinuclearistas, pelas associações e pelos partidos envolvidos, como «Os Verdes», que, todos juntos, de um e de outro lado da fronteira, acabaram por impor, com a sua intervenção, ao Governo espanhol o abandono deste projecto.
Uma história assim que se repete, ontem como hoje, totalmente inaceitável, que nos obriga forçosamente a reflectir sobre o nuclear, a redefinir conceitos de segurança, de solidariedade e de responsabilidade ética, em relação ao futuro.
Uma reflexão que implica, para «Os Verdes», o reafirmar da total rejeição da opção nuclear, pela ameaça constante que representa para o equilíbrio ecológico do planeta, pelo atentado de que é sinónimo contra a paz, pelo iminente perigo que a sua perpetua herança - os resíduos radioactivos - obriga a enfrentar, pelo irreversível risco que implica para a saúde, a segurança e a saúde das pessoas, no presente e no futuro, pelo próprio carácter sigiloso, ultra-centralista, logo anti-democrático, que rodeia as suas decisões.
Perigos, muitos destes, perfeitamente identificados neste projecto de instalação de um cemitério nuclear, que a sua construção comportaria e a localização na bacia do Douro só tenderia a dramaticamente a acentuar.
Perigos, desde logo, para o equilíbrio ecológico da região e para o valiosíssimo património que o rio Douro, dela parte integrante, representa.
Um rio que ficaria, de modo irreversível, a conviver paredes-meias com resíduos radioactivos, o que representaria não só uma ameaça diária e um permanente risco de contaminação mas um total absurdo, incompatível com a sua classificação e a criação do Parque Natural Douro Internacional.
Um rio assim que perderia, assim, todo o sentido, enquanto valioso bem e mais-valia que simboliza para a região, como factor essencial ao seu desenvolvimento.
Uma região ela própria deprimida, que não só sofreria no plano ambiental mas também no plano social e econ6mico; uma região condenada, a prazo, à morte e a hipotecar o seu desenvolvimento futuro.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Se é certo que Portugal rejeitou, felizmente e bem, a opção nuclear, certo é também que a poluição - e muito menos a nuclear - não conhece fronteiras!
E se embora, no plano ético, se deva questionar a legitimidade de um Estado - no caso, o espanhol - impor a outro, o que este - Portugal - recusou, e se se pode mesmo questionar, no plano jurídico, a necessidade da procura de soluções que permitam - um pouco à semelhança do que acontece na defesa das nossas águas territoriais - a preservação dos nossos interesses como Estado, a não ingerência dos outros e o nosso direito soberano de garantir e decidir o nosso futuro, a verdade é que, de há muito, a experiência tem mostrado que Portugal não pode continuar a ser mero, e mesmo assim mau, observador do que se passa na vizinha Espanha, alheio à defesa dos nossos interesses e indiferente ao desenvolvimento dos seus projectos, nomeadamente no campo nuclear.
Os ventos que da vizinha Espanha sopram, quer se fale de recursos hídricos quer do nuclear, de há muito, exigem atenção e aconselham responsabilidade no acompanhamento destes dossiers e a adopção de uma atitude preventiva.
As razões estão à vista e «Os Verdes» são certamente, na multiplicidade das suas iniciativas, o partido que, ao longo do tempo, para tal imperiosa necessidade de olhar, mais tem chamado a atenção e proposto medidas.
Desde logo, no alerta para a localização das centrais nucleares espanholas, seja junto aos nossos rios internacionais, como o Tejo, seja, como em Almaraz, na proximidade das nossas fronteiras. Fronteiras perto das quais, com fundos europeus - por coincidência, é claro -, se construiu também um gigantesco complexo de enriquecimento de urânio, junto à extracção deste terrível minério, em Saelices dei Chico: fronteiras junto às quais pairou já, no passado, a ameaça de lixeiras nucleares e se projecta, agora, mais uma com a instalação de um cemitério de resíduos radioactivos.
Ameaças que não chegam só de terra e a que os nossos mares não estão imunes. Uma ameaça nas rotas do plutónio que, pelas nossas águas territoriais, regularmente se cruzam para transporte de plutónio; uma ameaça na discreta visita e acostagem, no estuário do Tejo, de sub-
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marinos nucleares; uma ameaça na imersão clandestina nos nossos fundos marinhos, designadamente nos Açores, de resíduos nucleares, já tantas vezes denunciada.
Razões de sobra a reclamar um controle que não existe; razões a exigir soluções legislativas que não se tomam, medidas organizativas que não se vêem, e meios humanos, técnicos e financeiros que dêem suporte a um efectivo Gabinete de Protecção e Segurança Nuclear - lamentável e estranhamente, desmantelado -, que. de facto, permitisse, e não só a fingir, resolver questões de segurança nuclear nos nossos solos, nas nossas águas, nos nossos portos, nas nossas fronteiras.
Uma visão estratégica que, de todo em todo, continua a faltar para lidar com o nuclear e garantir, sem responsabilidades difusas, a resolução mas, sobretudo, a prevenção de problemas de extrema delicadeza e complexidade, que mexem com o nosso direito à vida, ao equilíbrio ecológico e à paz.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A ameaça que temos de enfrentar com Aldeadávila não é uma ameaça menor, é uma ameaça séria. É tempo, pois, de o Governo deixar de dar respostas frouxas, de se remeter ao silêncio, à incompetência, à irresponsabilidade. E tempo de agir.
São dezenas as declarações, os votos. os requerimentos, os projectos, as perguntas que ao Governo do PS vimos fazendo - tal como fizemos ao Governo do PSD sobre o nuclear e a estratégia portuguesa para com ele lidar.
A avaliação e o controle dos efeitos da poluição transfronteiriça, a segurança nuclear e os desenvolvimentos do Programa Nuclear Espanhol não podem ser questões indiferentes a Portugal, não podem ser tratadas como meras questões técnicas, meras rotinas, passíveis de ser descuradas. Não são tão-pouco questões secundárias para ficarem à mercê de diplomacias de circunstância. São questões eminentemente políticas, que exigem, por isso mesmo, um envolvimento e uma responsabilidade políticas ao mais alto nível, já que têm consequências ambientais, sociais e económicas gravíssimas, que se reflectem no presente e condicionam o futuro.
Aldeadávila, junto à fronteira portuguesa, não é propriamente uma novidade. Aldeadávila era uma hipótese ponderada, como o evidenciava a resposta dada, em 26 de Abril de 1993, pelo Ministério do Ambiente a um requerimento por mim formulado acerca do Plano Geral de Resíduos Espanhol, aprovado, em Conselho de Ministros, naquele país, em 1991.
Um plano que impunha, até 1999, ou seja, até ao próximo ano, a selecção de um sítio para armazenamento definitivo de resíduos de alta actividade, em formações geológicas de granito, e que identificava claramente a bacia do Douro, como uma hipótese entre elas.
Um plano, sobre cujo acompanhamento por parte do Estado português voltámos, em Julho do ano passado, por requerimento, a questionar o actual Governo.
Um plano que, pelo silêncio do Governo até agora dado como resposta, estava obviamente esquecido e tinha sido ignorado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes» recusa ver o nosso país transformado numa lixeira nuclear.
É nossa convicção de que os Deputados desta Câmara e os portugueses por eles representados - e não só os de Trás-os-Montes - partilham de igual opinião.
É, pois, tempo de exigir ao Governo informação, clareza de atitudes, firme protesto e empenhamento activo para exigir o abandono por parte do Estado espanhol deste projecto, em nome da recusa da opção nuclear que fizemos, do direito à vida e do direito à paz.
Aplausos de Os Verdes e do PCP.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Artur Torres Pereira, João Amaral, Natalina Moura e Nuno Abecasis.
Tem a palavra o Sr. Deputado Artur Torres Pereira.
O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Sr. Presidente, esta questão é, para nós, extremamente sensível, porque, já em 1987, aquando da primeira tentativa de instalar um depósito de resíduos nucleares em Aldeadávila, houve uma reacção generalizada de protesto por parte das populações envolvidas, das autarquias portuguesas e espanholas e das organizações de defesa e preservação do ambiente e da natureza, reacção essa que, felizmente, motivou o abandono por parte do Estado espanhol das suas intenções em relação à criação de um depósito de resíduos nucleares naquela localidade.
Ora, é por termos tido a perfeita consciência do risco que corremos, em 1987, que, mal esta questão foi agora tornada pública, o Grupo Parlamentar do PSD entregou na Mesa da Assembleia um requerimento à Sr.ª Ministra do Ambiente e ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, solicitando os esclarecimentos que não só eram devidos à Assembleia da República como eram aguardados pelas populações, pelas autarquias e pelas organizações ambientalistas. Em vão! Até ao momento, não foi obtida qualquer resposta... Razão pela qual o Grupo Parlamentar do PSD solicitou de V. Ex.ª o agendamento urgente de um debate sobre esta questão na Assembleia.
Mas o que de mais flagrante realça em toda esta questão é a atitude do Governo e, em particular, do Ministério do Ambiente em relação a esta e outras matérias análogas. Aquilo que é, sobretudo, de realçar é a prática reiterada do ensurdecedor silêncio por parte do Ministério do Ambiente em relação a questões de tanta acuidade, delicadeza e interesse para o País.
Foi assim no que disse respeito à negociação com Espanha do acordo relacionado com os rios transfronteiriços, em que, durante um ano e meio, quer a Assembleia da República quer o País, foram mantidos em silêncio sobre o que se passava ou, melhor, sobre o que não se passava.
Parece ser assim também, agora, numa matéria tão delicada como esta, da nova tentativa de instalar junto da fronteira portuguesa, junto da entrada do Douro internacional, em Portugal, um cemitério de resíduos nucleares, com o que de grave e negativo isso representa, quer para a saúde pública das populações quer para a preservação do meio ambiente quer ainda para a economia nacional e da região, onde se produz uma das maiores riquezas nacionais que é o vinho do Porto.
À gravidade da situação, responde o Governo com um ensurdecedor silêncio, como, de resto, já o havia feito em relação à questão dos rios internacionais.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Tem vindo a fazer!
O Orador: - Assim sendo, Sr. Presidente, a questão, em si mesma, e grave e merece, a nosso ver, um debate de urgência. Mas se é grave na substância, também o é pelo que parece
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revelar de desinteresse por parte do Governo, quando silencia e cala, durante meses a fio, às populações e ao Parlamento questões de tão vital importância para Portugal e para os portugueses como o são estas que temos estado a tratar.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Isabel Castro, há mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos. Deseja responder já ou no fim?
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Já, Sr. Presidente. O Sr. Presidente: - Tem a palavra.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Artur Torres Pereira, partilhamos inteiramente das preocupações do PSD. Já tínhamos esta preocupação, desde há muito - aliás, quando lidamos com o nuclear, lidamos seguramente com algo que tem de ser pensado numa perspectiva de longo prazo.
A questão que. há muito, está colocada, em relação ao programa nuclear espanhol, não pode ser uma questão a que o Estado português seja alheio. O nuclear não tem fronteiras e o plano definido por Espanha para o armazenamento dos seus resíduos, designadamente os resíduos de alta actividade, era conhecido. Portanto, não havia razão alguma para que o Governo pudesse descurar uma questão vital para o desenvolvimento, para a vida e, do ponto de vista económico, para o nosso país.
E, pois, nosso entendimento que é forçoso a Assembleia da República tomar uma posição e o Governo ocupar-se desta questão. E se a Sr.ª Ministra continuar a provar não ser capaz de o fazer, então, o Sr. Primeiro-Ministro que assuma a responsabilidade de lidar com esta questão.
Vozes de Os Verdes e do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr." Deputada Isabel Castro, a meu ver, a questão que está contida no problema que aqui colocou é de grande alcance e importância, a nível nacional e a nível mundial. Em torno dos resíduos nucleares estabeleceu-se um dos mais sórdidos negócios mundiais de que há conhecimento, e um dos mais perigosos. De facto, em tomo da questão nuclear e das opções que foram feitas criaram-se os maiores perigos, que não estão devidamente descritos para toda a Humanidade.
A questão que se coloca perante o problema concreto das intenções já assumidas oficialmente pelas autoridades espanholas de utilizar a Bacia do Douro para depósito de resíduos nucleares é a seguinte: a Sr.ª Deputada acha que é possível que as autoridades espanholas tenham definido esse programa à revelia de qualquer contacto, de qualquer troca de informações, de qualquer sinalzinho dado às autoridades portuguesas? Acha, em sua consciência, que as autoridades portuguesas são complemente ignorantes acerca dessa questão? Nem sabiam nem suspeitavam?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, havendo mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Respondo já. Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Deputado João Amaral, a questão que colocou é óbvia. A resposta que o Governo nos deu no passado sobre a intenção de Espanha é pública e é a que o Ministério do Ambiente detém.
É óbvio que o Ministério do Ambiente não estava à margem desta hipótese; é óbvio que ela tinha sido levantada; é óbvio que 1999 era a data limite para que Espanha decidisse da localização do cemitério nuclear e é óbvio também que a Bacia do Douro estava, preto no branco, como uma das localizações prováveis.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.º Deputada Natalina Moura.
A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Sr.ª Deputada Isabel Castro, gostaria de começar por dizer-lhe, aproveitando, já agora, para fazer o mesmo ao Sr. Deputado Artur Torres Pereira, que os senhores sabem que o Governo português já pediu explicações a Espanha - aliás, isso veio numa notícia no jornal.
Como a senhora sabe, as explicações estão pedidas junto de quem de direito - aliás, a Sr.ª Ministra do Ambiente pediu a intervenção do Ministro dos Negócios Estrangeiros para saber o que se passava nesta situação.
Por outro lado, os Srs. Deputados também sabem que este problema é cíclico, que vem aqui com alguma regularidade, que nos inquieta a todos, não só aos senhores, que é um problema da competência do governo regional de Castilla e Léon e que estes governos se comprometeram a, até ao ano 2010, não instalar qualquer lixeira. Ora, é importante recordar isto.
Sr.ª Deputada, gostava que me respondesse a esta questão: considera ou não que este Governo deu uma resposta adequada ao criar o Parque Natural das Arribas do Douro? É ou não é uma resposta adequada a esta situação?
Srs. Deputados, nós apoiaremos todas as manifestações contra a instalação desta lixeira. Estejam certos disso, mas aquilo que não podemos deixar de estranhar - e apoiaremos também o voto que foi distribuído - é a linguagem, a terminologia, usada no ponto 2 do voto, que nos parece demasiado agressiva no momento em que decorrem negociações. De facto, não estamos longe das vossas posições, mas, estamos, eventualmente, mais informados.
O Sr. Deputado Artur Torres Pereira disse que foi pedida a vinda da Sr.ª Ministra do Ambiente aqui. Ora, eu gostaria de saber quando é que isso foi pedido. Foi ontem? Então, como é que a Sr.ª Ministra do Ambiente poderia já estar hoje aqui para dar respostas?
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr.ª Deputada Natalina Moura, se decorrem ou não negociações essa é uma informação não oficial que a Sr.ª Deputada tem, pois nenhum de nós nesta Câmara o sabe.
Em Junho do ano passado fiz um requerimento a perguntar ao Governo que acompanhamento é que estava a
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fazer deste dossier e devo dizer-lhe que ainda não passou um ano mas passaram muitos meses e o Governo não respondeu.
Portanto, o dever de informação não é para o Grupo Parlamentar que apoia o Governo é para a Câmara, é para os Deputados, é para os portugueses que aqui estão representados.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sr.ª Deputada, se, porventura, a senhora tem a ingenuidade de pensar que um programa nuclear depende daquilo que é a lógica de uma região, então está a avaliar muito mal aquilo que é a dimensão do risco, do investimento e o modo, que não é perfeitamente à toa, como em Portugal acontece, como estas questões são tratadas.
O programa nuclear espanhol, designadamente no tocante ao programa de eliminação de resíduos, está de há muito definido em Conselho de Ministros pelo governo de Espanha e não foi posto em causa. Aliás, essa é uma questão que se coloca, inevitavelmente, porque a capacidade de armazenagem de resíduos de alta actividade está prestes a esgotar-se nas centrais nucleares espanholas.
Sr.ª Deputada, não sei se a Sr.ª Ministra pediu ajuda ou não ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, mas sei que estamos a lidar com uma coisa muito importante e sei que se a Sr.ª Ministra do Ambiente não é, nesta matéria, como noutras, competente para acompanhar o dossier, então cabe-nos exigir do Primeiro-Ministro uma resposta sobre algo que é fundamental para o nosso futuro e que não se reduz, obviamente, a dar um título ao Douro internacional com a criação, não mais do que no papel, do Parque do Douro Internacional em 30 de Dezembro de 1997 que continua na mesmíssima situação em que estava.
Sr.ª Deputada, não é assim que, em nosso entender, se vai resolver o problema, como poderá compreender.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!
A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Sr. Presidente, gostaria de pedir que fosse distribuída a notícia do jornal, que não é uma notícia oficial, mas... Tenho esta notícia do jornal e penso que ela poderá ser distribuída pelas diversas bancadas.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, está ou não definido no Regimento da Assembleia da República o direito constitucional de os Deputados exigirem informação ao Governo e o dever de resposta que ao Governo incumbe?
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, está e isso tem funcionado, talvez com normalidade razoável... Mas nunca a velocidade das respostas é tão grande como se desejaria.
Em todo o caso, direi que o instituto das perguntas ao Governo tem funcionado razoavelmente bem.
O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de junto de V. Ex.ª esclarecer duas questões: primeira, sendo certo que os requerimentos são entregues na altura em que o são, os membros do Governo vêm ou não vêm à Assembleia da República. Aliás parece que há membros do Governo que não vêm à Assembleia da República mas, em contrapartida, parece haver outros membros do Governo que, mesmo que não sejam solicitados para virem à Assembleia da República, têm muito interesse e querem muito cá vir - se não é na Comissão é no período de antes da ordem do dia -, pelo que ficamos sem saber como é que havemos de lidar com o Governo, porque se não pedimos eles vêm e se pedimos eles não vêm ... !
Protestos do PS.
Mas, independentemente desta questão, quero dizer ao Sr. Presidente que nesta matéria, que é tão importante para os habitantes junto à fronteira portuguesa em Trás-os-Montes, as populações ouvem falar da instalação de um depósito de resíduos nucleares portas adentro e pedem explicações, as autarquias pedem explicações, as organizações ambientalistas pedem explicações,...
O Sr. José Magalhães (PS): - Tê-las-ão!
O Orador: - ... o Parlamento pede explicações e a resposta que obtemos é a de que o Governo pediu explicações.
Sr. Presidente, não nos parece a forma mais razoável de curar de defender os interesses nacionais.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.
O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr.ª Deputada Isabel Castro, mais uma vez, quero agradecer-lhe ser a consciência ambientalista desta Assembleia e agradecer-lhe o serviço que está a prestar ao País.
De facto, a instalação de um cemitério nuclear junto da fronteira, além de ser, em si mesmo, uma afronta a um país vizinho, é caso único.
Há vários países que fizeram a opção nuclear, que necessitam de eliminar ou armazenar resíduos nucleares, mas não me consta que, por exemplo, França algum dia o queira fazer na fronteira com a Alemanha, nem a Alemanha na fronteira com a França, nem nenhum destes países na fronteira com a Bélgica, nem com a Suíça, nem com a Áustria ou seja com quem for...
Ora, acontece que Espanha tem um vasto programa nuclear e tem várias centrais nucleares espalhadas pelo seu território e eu não acredito, porque isso é inverosímil, que dentro da diversidade da natureza dos terrenos do solo espanhol, que só em Aldeadávila, que só junto à fronteira com Portugal, é que se encontre uma estrutura geológica
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capaz de suportar os resíduos nucleares. Aliás, penso que é sabido que as estruturas mais adequadas são as salinas, o que não é manifestamente o caso na região do Douro.
Portanto, juntaria a todos os seus argumentos mais este que pode ser usado pela Sr.ª Ministra do Ambiente. Porquê abrir a excepção no mundo? Porque é que Espanha é o único país do mundo que quer construir na fronteira com um país vizinho uma central nuclear quando tem tantos sítios para escolher? Por exemplo, Inglaterra, não pode metê-los na fronteira com ninguém, tem de resolver o problema no seu próprio espaço e resolve-o, de uma maneira ou de outra.
Penso que há aqui uma componente de provocação, que não quer dizer que vamos zaragatear internacionalmente, mas temos de tomar consciência que o mesmo País que, de um lado, nos quer tirar a água quer, por outro, deitar-nos a água suja para cima... Ora, isto é intolerável e há aqui muitos argumentos que podem ser usados na cena internacional.
De qualquer maneira, Sr.ª Deputada, muito obrigado por ter trazido aqui esse problema, que é oportuno, que não é um problema do Governo nem de um ou de outro partido, mas, sim, um problema de todos nós que temos o direito à vida, à qualidade de vida e à preservação dos nossos bens e dos nossos produtos típicos - e lembro o caso do vinho do Porto que ficará em risco por causa disto.
Por tudo isto, Sr.ª Deputada, obrigado e espero que o problema seja um problema para todos nós e não fique a dormir nas secretarias do Governo.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Deputado Nuno Abecasis, quero agradecer as suas palavras.
Julgo que o problema colocado com este projecto, que compulsivamente obriga Portugal a partilhar de uma opção nuclear que, em devido tempo, rejeitou, é, seguramente, uma questão com a qual temos de lidar.
O Sr. Deputado referiu as centrais nucleares espanholas, que são nove e que estão localizadas quase todas em zonas estrategicamente importantes para Portugal; junto à fronteira de Almaraz, nas margens do rio Tejo e, como eu referi na minha intervenção, curiosamente, o maior complexo de enriquecimento de urânio também foi instalado junto à fronteira da Portugal, o que é sinónimo, para nós, de que há soluções que o governo espanhol tem imposto, felizmente com contestação das populações espanholas, que esses projectos são lesivos para Portugal e que, em nosso entendimento, a questão só será solucionada numa base diplomática de cooperação e de diálogo, mas, seguramente, fazendo desta questão um protesto, que tem de existir para que este projecto, tal como no passado se tentou, não possa ir por diante.
Vozes de Os Verdes e do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, aproveito para informar a Câmara de que assistem aos nossos trabalhos um grupo de 50 alunos da Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa; um grupo de 25 alunos da Escola Secundária D. José I, de Lisboa; um grupo de 12 alunos do Curso de Jardinagem da Câmara Municipal de Alenquer; um grupo de 70 alunos da Escola Profissional de Arqueologia de Marco de Canaveses; um grupo de 22 alunos da Escola Profissional da Vitivinicultura António Lago Cerqueira de Amarante; e um grupo de 43 cidadãos da Associação Portuguesa de Surdos, para quem peço o vosso aplauso.
Aplausos gerais, de pé.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Lourdes Lara.
A Sr.ª Lourdes Lara (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Permitam-me que os saúde ao usar hoje da palavra pela primeira vez e após ter iniciado, recentemente, as minhas funções como Deputada pela Emigração. Círculo Fora da Europa.
Muito se tem dito sobre a emigração, mas, infelizmente, são pouco visíveis, em termos práticos, as acções desenvolvidas em relação aos emigrantes e em seu benefício e, verdade seja dita, os reflexos políticos dessas acções normalmente não passam do discurso parlamentar.
A Diáspora portuguesa, consequência dos Descobrimentos, primeiro, e das vicissitudes políticas, económicas e sociais do século, depois, mundializou as comunidades do nosso país.
Os problemas com que se confrontam são em grande número comuns. Vou, no entanto, confinar-me a três temas, que me preocupam de sobremaneira: o ensino, a reaquisição da nacionalidade e o regresso.
Preparar os jovens para o futuro tem de ser preocupação de todos nós.
Compreendo que o ensino em Portugal atravesse momentos difíceis. As queixas surgem de todos os sectores: os estabelecimentos de ensino são considerados inadequados; os professores são confrontados com classes superlotadas; os alunos e encarregados de educação estão insatisfeitos.
Na Emigração, Círculo Fora da Europa, existem também problemas muito graves. Permitam-me que enumere alguns deles: falta de reciclagem de professores; falta de um programa adequado; falta de material pedagógico, nomeadamente de livros actualizados.
Tendo em conta que um número considerável destes jovens acompanhará os seus pais no desejado regresso a Portugal, podem antever-se os problemas graves com que estes alunos se verão confrontados quando integrados no ensino em Portugal.
O problema tem, naturalmente, solução: basta, apenas, que haja vontade política e que se disponibilizem os meios para que as alterações se implementem.
Caso não haja, naturalmente, uma rápida intervenção do Governo (no bom sentido), corremos o risco de abandono progressivo destes jovens, cujos valores dos países de nascimento há muito se sobrepõem aos dos países dos seus progenitores. A língua, a cultura e a gastronomia são afinal, em alguns casos, a única ligação que estes jovens mantêm com Portugal.
E não me falem na existência do Instituto Camões. Basta fazer uma consulta s comunidades e ficaremos elucidados sobre a eficácia deste Instituto, e mais atónitos ficaremos quando nos apercebermos que, ainda hoje, um grande número de emigrantes desconhece, ou conhece muito mal, o Instituto Camões (apenas poderá conhecer a sua denominação).
A área do ensino/educação, essencial para garantir a salvaguarda da nossa presença linguística e cultural no Mundo, e a manutenção de laços indeléveis e elementares com Portugal deverá merecer de todos nós, e em especial do Governo, atitudes muito firmes e determinadas. O acto de
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fundamental importância que foi a criação do Instituto Camões, órgão coordenador da promoção da língua e da cultura portuguesas a nível internacional, tarda em reproduzir efeitos de forma a preencher expectativas e a manter a credibilidade do projecto.
No que respeita ao ensino, é necessária a redefinição de métodos pedagógicos, a reciclagem e motivação de professores, a revisão de programas e a criação de condições para que o português, enquanto matéria curricular, seja integrado em sistemas oficiais de ensino dos países de acolhimento, se possível a partir do pré-primário e com um mínimo de horas semanal adequado a uma razoável aprendizagem.
No que respeita à cultura, há que estabelecer critérios de qualidade, procurando não criar rupturas com os hábitos e as tradições dos nossos compatriotas e, simultaneamente, tentar incutir-lhes o gosto e o interesse por outras vertentes culturais.
Quero, no entanto, deixar aqui um nota positiva ao papel dos professores, com ou sem habilitação própria, que, de forma abnegada, mal remunerados e sobrecarregados com todas as dificuldades apontadas anteriormente, conseguem elaborar um programa ainda que deficiente, mas que, de alguma forma, tem ajudado a preservar e a manter a nossa língua nas comunidades.
Todos compreendemos que é difícil motivar e captar a atenção das crianças depois de um dia de trabalho nas escolas que frequentam. Aliciá-las para duas horas mais de trabalho escolar não é tarefa fácil.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Outro tema que quero abordar é o da reaquisição da nacionalidade. Acho vergonhoso este termo reaquisição aplicado a alguém que nunca renegou a sua nacionalidade.
Estou a referir-me àqueles portugueses que adquiriram voluntariamente outra nacionalidade (naturalização como cidadão do país onde reside e trabalha) antes de 3 de Outubro de 1981 (data de publicação da Lei n.º 37/81 - Lei da nacionalidade), perdendo, assim, a nacionalidade portuguesa, como estava previsto na legislação que então vigorava em Portugal.
Lembro que a Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro, não teve efeitos retroactivos, apenas se prevendo no artigo 31.º a possibilidade de reaquisição da nacionalidade mediante declaração, sendo capazes. A intenção dos políticos de então era a de facilitar a reaquisição da nacionalidade, através de um meio simples e rápido. No entanto, a forma como veio a concretizar-se esse processo tem levantado sérios protestos.
Esta lei é considerada vergonhosa e incongruente, já que a grande maioria, ou mesmo a esmagadora maioria, dos portugueses que adquiriu a nacionalidade do país de acolhimento (caso dos portugueses no Canadá) nunca fez qualquer declaração no sentido de abdicar da sua nacionalidade de origem. Segundo a lei portuguesa, não perde a nacionalidade o cidadão português que adquira outra nacionalidade. Só a perderá no caso de declarar expressamente que pretende deixar de ter nacionalidade portuguesa.
Esta é uma das razões pelas quais nas comunidades existem portugueses que se recusam a iniciar o processo de reaquisição, ainda que ao longo dos tempos, pelas suas actividades e conduta de vida, demonstrem ser tão portugueses, ou mais ainda, dos que aqueles que vivem aqui, em Portugal.
A impassividade do Governo em pôr termo a esta injustiça desmotiva, naturalmente, os nossos emigrantes.
Primeiro, porque o processo de reaquisição é moroso (cerca de três anos) e complicado. Entre outros requisitos é necessário a apresentação de uma certidão de registo de nascimento e outra de registo criminal, esta última de difícil obtenção para quem muitas vezes já não tem laços familiares em Portugal. Isto para não falar nos emolumentos que aumentaram, ao invés do proposto pelo partido no Governo durante a campanha eleitoral, e no facto de terem de esperar horas infindáveis em alongadas filas e de fazerem deslocações de centenas de quilómetros, muitas vezes sob condições climatéricas que nada ajudam.
É altura de se devolver aos portugueses da Diáspora um direito que o lugar de nascimento lhes confere, uma vez que nunca abdicaram da sua nacionalidade e se encontram em desvantagem em relação àqueles que optaram pela dupla nacionalidade depois de Outubro de 1981, ou mesmo em relação aos cidadãos comunitários, que vêm resolvidos os seus pedidos de aquisição de nacionalidade em escassas semanas.
A Deputada Manuela Aguiar apresentou, em 11 de Abril de 1997, um projecto de alteração à Lei da Nacionalidade, através do qual se alteraria a redacção do artigos 16.º, n.º 2, e 31.º.
Trata-se também de uma das recomendações do Conselho das Comunidades Portuguesas, mas, até hoje, nada foi feito.
No mínimo o Governo tem a obrigação moral de atender às solicitações justas dos emigrantes, que em todo o mundo continuam a nossa História secular e participam na grandeza e no enriquecimento de Portugal, não só com o seu trabalho mas também com a manutenção da nossa língua e das nossas tradições além fronteiras.
Afinal, Portugal tem mantido o equilíbrio da sua balança de pagamentos através das receitas do turismo e das remessas dos emigrantes.
Depois da integração de Portugal na União Europeia, o País passou a beneficiar também dos fundos comunitários. Estes, ainda que inferiores às remessas dos emigrantes, são de tal modo propagandeados que ofuscam as outras receitas e levam a fazer crer que sem elas não haveria desenvolvimento nem progresso em Portugal. No entanto. situação real é bem diferente: entre 1993 e 1997, as remessas dos portugueses residentes no estrangeiro totalizaram 2420 milhões de contos contra 1737 milhões de contos dos fundos comunitários. Assim sendo, os emigrantes enviaram para Portugal mais de 6821 milhões de contos do que a União Europeia.
Entretanto - e isto é um dado muito importante se por cada 100 écus cerca de metade regressa à fonte contribuinte em encomendas de equipamentos e serviços, as remessas dos emigrantes são enviadas generosamente, sem exigências nem contrapartidas, sujeitando-se ainda ao pagamento de impostos.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Infelizmente, as situações de injustiça de que os emigrantes são alvo nunca obtiveram, tal como referi anteriormente, a desejada e justa solução. Nunca passaram do discurso parlamentar e de acenos de simpatia, muito ao de leve e de longe.
Quando se reflecte, por exemplo, na importância das receitas dos emigrantes, no seu amor à Pátria - o que não admira, pois o sentimento de portuguesismo tende a reforçar-se quando nos afastamos do solo pátrio -, no seu empenhamento como cidadãos por inteiro e, como tal, no desejo de retorno à Pátria, apercebemo-nos da falta de apego e da desigualdade de tratamento desta mãe - mais
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madrasta do que mãe -, qual gata assanhada que, em vez de protegê-los os atira para bem longe e os abandona. Triste conclusão.
Ainda há dias, dizia um conselheiro do CCP, que preferia viajar com o passaporte do seu novo país do que com o passaporte português, ou seja, de cidadão de segunda classe!
E se pouco se importam com os cidadãos enquanto emigrantes, ainda lhes prestam menos atenção quando estes decidem regressar à Pátria. Basta ver que em substituição do Instituto de Apoio às Comunidades Portuguesas nada foi criado que pudesse, de forma eficiente, auxiliar o emigrante no seu regresso. Assim sendo, aqueles que optam pelo regresso definitivo vêm-se a braços com vários problemas, que vão desde a inserção escolar à busca de um emprego, à assistência médica e medicamentosa, à legalização de veículos, à transferências ou à obtenção de cartas de condução, à criação de empresas, à transferência de bens, etc.
Os emigrantes merecem um tratamento e uma postura diferentes do Governo e dos políticos deste País. Afinal, eles têm sido uma fonte de receita inesgotável e o baluarte de uma Nação que disso faz eco através dos discursos de ocasião de alguns políticos... Mas as palavras, leva-as o vento!
Se não houver uma mudança, tanto de atitude como de actuação, corremos o risco do seu afastamento progressivo, o que, aliás, já se reflecte na fraca percentagem de recenseados e de votantes, quer da primeira quer da segunda gerações, e, pior ainda, da terceira geração, que já poucas ligações tem ao nosso país.
Para mantermos a sua confiança teremos de demonstrar, sem tibieza nem hesitações, a vontade permanente de fazer mais e melhor, mais nos actos do que nas palavras.
Afinal, os emigrantes pedem tão pouco!... Pedem apenas igualdade de tratamento e de direitos. E a verdade é que já não se compadecem com discursos e com políticas inócuas, porque de simples teor emocional ou circunstancial. Eles anseiam pela plena realização das suas legítimas aspirações.
A realidade das comunidades portuguesas não deve ser dissociada ou compartimentalizada do todo nacional. Afinal não seremos nós, portugueses, toda uma Nação, em remota origem formada de muitas e variadas gentes?
Caminhamos para o Século XXI e é necessária uma concepção moderna e actuante. centrada no conceito de cidadão português residente e não residente, que suscite uma vasta e complexa articulação cultural, económica e social, de relações multilaterais e supranacionais que potenciem os interesses dos portugueses no Mundo.
Falamos, afinal, de mais de quatro milhões de portugueses, cerca de metade da população residente, com uma dispersão geográfica a nível mundial, envolvendo questões de carácter intersectorial e interdepartamental, que afectam toda a área da governação que englobam uma «multitude» de públicos diferenciados.
Hoje, mais do nunca, faz sentido reflectir sobre as falsas promessas do direito de consagração do voto dos emigrantes nas eleições presidenciais. de não lhes ser dado o direito de votarem nos referendos nacionais e nas eleições autárquicas como cidadãos de pleno direito.
Admiram-se que a percentagem de votantes na emigração seja tão diminuta, mas esses resultados traduzem a clara ausência da política global em relação aos emigrantes e o ignorar dos seus direitos ao longo dos anos.
Aliás, o mesmo se reflecte em relação a Portugal, onde em cada acto eleitoral o nível de abstenções é significativo. Afinal os seres humanos reagem da mesma maneira às situações de indiferença e injustiça.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O desafio que enfrento é deveras aliciante. Gosto de situações de luta salutar e como portuguesa, mulher e emigrante, irei, sempre que se justifique, erguer a minha voz na defesa daqueles que, sem outros meios, dependem dos Deputados da Emigração para a defesa dos seus interesses. Prometo que o farei de forma consciente e disciplinada, mas tenazmente.
Convido-os a, nos próximos tempos, olharem para os emigrantes com os olhos da razão e do coração. Compreenderão mais facilmente o sentir de milhões que se sentem traídos pelo seu País.
Peço-lhes que visitem os países de forte integração de emigrantes e, não se confinem à Europa. Lá longe, a atravessar períodos conturbados nos países onde vivem - e refiro a África do Sul, Macau, Angola, Moçambique, etc. - temos milhares de portugueses que se sentem esquecidos, ignorados e a viver verdadeiros dilemas.
O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - É necessário conhecer e dar a conhecer aos portugueses, de forma isenta, a realidade da emigração. Pena é que a RTP-Internacional, a RDP-Internacional e a Agência Lusa - Serviço Comunidades, não sejam ouvidas e lida em Portugal inteiro, e que os jornais comunitários, alguns de grande valor informativo e literário, não tenham direito ao «porte pago», como acontece aqui com os jornais regionais.
É imensa a obra realizada pelos portugueses emigrados. É uma obra grande de cultura, de desenvolvimento económico e humano, em suma, de civilização.
Dizia o Padre António Vieira que nós, portugueses, temos um pequenino pedaço de terra para nascer e o mundo inteiro para morrer. Infelizmente ainda não nos organizámos, como país e como povo, à medida das exiguidades e da pobreza da nossa terra e da grandeza e da dignidade da nossa gente.
O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - E, como disse Francisco Sá Carneiro, é de esperança a última palavra, esperança em que saibamos reconhecer e aproveitar a lição dos portugueses que trabalham no estrangeiro e que organizemos o nosso país com base na paz, na tolerância, na dignidade e no trabalho de que eles são um verdadeiro exemplo.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Luís.
O Sr. Carlos Luís (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Lourdes Lara: Em primeiro lugar, quero cumprimentar e saudar V. Ex.ª pela primeira intervenção que fez neste Plenário e aproveito também a oportunidade para desejar-lhe os maiores sucessos nesta Casa.
Sr.ª Deputada, ouvi com atenção a sua intervenção e à medida que V. Ex.ª ia falando iam aumentando as minhas dúvidas sobre o discurso que estava a proferir.
Vem V. Ex.ª da Emigração e tem a responsabilidade de conhecer as acções que foram para aí direccionadas
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durante 18 anos de governos consecutivos do PSD, de duas maiorias absolutas. No entanto, quando olhamos para o que foi feito em matéria de política de emigração nos governos do PSD - e já o disse por mais de uma vez nesta Câmara - verificamos que essa foi a área mais negativa da sua governação.
Falou V. Ex.ª do Instituto Camões e eu quero lembrar-lhe que quando foi criado este Instituto, em 1992/1993, V. Ex.ªs anunciaram ao País, através do seu ex-presidente, Professor Adão da Fonseca, numa conferência de imprensa realizada a 28 de Abril de 1994, a criação de 30 centros culturais espalhados pelo mundo, de um megacentro cultural em Nova Iorque e de um outro centro de grande expressão em Paris. Chegámos ao dia 1 de Outubro de 1995 e nenhum centro cultural tinha sido construído.
Anunciou mais o Professor Adão da Fonseca a duplicação de cátedras e o aumento dos leitorados no estrangeiro. Chegados ao dia 1 de Outubro de 1995, o aumento
de cátedras reduziu-se a zero e o número de leitorados reduzira-se a menos sete.
Anunciou também o Professor Adão da Fonseca a edição de um dicionário técnico/científico, publicado nas línguas francesa, inglesa e alemã. Até agora aguardamos igualmente o cumprimento dessa promessa.
A partir de 1993 ficou à responsabilidade do Instituto Camões o ensino da língua e da cultura portuguesas no estrangeiro. No entanto, durante cinco anos o ensino da nossa língua em Paris não teve coordenador, andou à deriva, e dos 450 professores que havia em França para ensino da língua e da cultura portuguesas quando o Professor Cavaco Silva iniciou funções restavam 112 quando ele as terminou, a 1 de Abril de 1995. Veja V. Ex.ª, Sr.ª Deputada, a redução significativa: de 450 passou-se para 112 professores, e isto só em França.
No que diz respeito a uma outra área que V. Ex.ª abordou, a do envio das remessas dos emigrantes, foi nos governos do Professor Cavaco Silva que a Conta Poupança Emigrante mais penalizada foi, aumentando sempre as penalizações sobre ela...
O Sr. Presidente: - Agradeço-lhe que termine, Sr. Deputado.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
E até hoje não compreendo como é que um decreto-lei, publicado em Julho de 1995, proíbe a movimentação da Conta Poupança dos emigrantes para a aquisição de bens patrimoniais em Portugal, ludibriando e penalizando muitos dos seus titulares. É uma atitude que, até hoje, não compreendemos.
Para terminar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, quero assinalar que o único acto de programação política do PSD que conhecemos relativamente à Emigração - e ouvimo-lo do Professor Marcelo Rebelo de Sousa - é o de que, quando vier a ser governo, o PSD elevará a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas a ministério.
Mais: o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, numa recente entrevista ao jornal O Lusitano, confessava aos emigrantes que, enquanto esteve no poder, o PSD muito pouco ou quase nada fez na área da emigração. Foi o próprio Secretário-Geral do PSD que o reconheceu!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr.ª Deputada Lourdes Lara.
A Sr.ª Lourdes Lara (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Luís: Em primeiro lugar, muito obrigado pelas suas palavras.
Apreciei também o seu discurso, mas o senhor enveredou por comparações que não fazem sentido, na medida em que o Instituto Camões, na Europa, tem professores destacados e que Fora da Europa não há professores destacados, há apenas leitores. O que funciona são escolas particulares. O senhor tem de inteirar-se melhor.
Além do mais, Sr. Deputado Carlos Luís, só posso dizer-lhe que o senhor e o seu partido me fazem lembrar os meus alunos Pedrinho e Luís. Quando digo ao Pedrinho, «ó Pedrinho, senta-te, está quieto, presta atenção», ele responde, imediatamente: «Sr.ª Professora, o Luís está a fazer o mesmo».
Risos do PSD.
Os senhores passam a vida inteira a apontar o dedo ao PSD. os senhores apresentaram-se ao eleitorado como sendo o partido da mudança, o partido da diferença, o partido que ia fazer e que ia acontecer, mas, afinal, os senhores não fizeram nada. Apenas têm conseguido completar - e mal! - as obras iniciadas pelo Partido Social-Democrata. Em todos os sentidos, aqui e lá fora.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Sendo a primeira vez que a Sr.ª Deputada usa da palavra, não lhe faço o reparo de ter usado uma expressão demasiado pesada.
Para uma intervenção. no âmbito da matéria de interesse político relevante, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Matias.
O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cerca de 600 trabalhadores da fábrica da Renault, em Setúbal, agora chamada SÓDIA, foram esta semana notificados do processo de despedimento colectivo movido pela administração, devido ao encerramento da fábrica a 31 de Julho próximo futuro!
Este despedimento colectivo contraria as expectativas criadas e os compromissos assumidos pelo Governo. num processo em que a actuação irresponsável do Executivo tem como consequência lançar no desemprego cerca de 600 trabalhadores de uma empresa do Estado, com profissão especializada, família e compromissos sociais.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como vêem, o Sr. Deputado Joaquim Matias está no uso da palavra, mas suspendeu-a, porque os Srs. Deputados estão a conversar e a produzir ruídos que impossibilitam que ele seja ouvido em condições normais. Agradeço que quem não quer sentar-se e ouvir saia do Plenário. Talvez seja mais leal para o orador.
Faça favor de continuar, Sr. Deputado Joaquim Matias.
O Orador: - Obrigado, Sr. Presidente.
Quando o Governo negociou com a Renault a venda da sua quota, com a assunção das responsabilidades pelos trabalhadores e por uma empresa de elevada tecnologia, através da criação da SÓDIA 1 e SÓDIA II, desresponsabilizou a Renault dos seus compromissos contratuais e, inclusive, desistiu da acção que o Estado
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português movera à Renault no Tribunal de Genève, por não cumprimento dos compromissos assumidos pela empresa, em contrapartida dos benefícios fiscais e dos fundos comunitários com que fora brindada.
Esqueceu o Governo as afirmações que fez na altura e que passo a citar: «O negócio entre o Estado e a Renault visa viabilizar a empresa»; «Neste, processo os empregos, de uma ou de outra forma, estarão sempre assegurados».
Não é verdade que os trabalhadores cumpriram e até ultrapassaram os planos de produção estabelecidos pela administração?
Não é verdade que a Renault não aumentou em 180 o número de postos trabalho em Cacia, como contrapartida do mesmo negócio?
E agora? Onde estão os compromissos assumidos pelo Governo? Ou vai o Governo reconhecer que a sua atitude criou falsas expectativas, o que, na prática, significa uma posição objectiva de cumplicidade com a multinacional francesa Renault, a qual, como é público, tem largos precedentes, como os que deram origem à Resolução do Parlamento Europeu, de 11 de Março de 1997, que, expressamente, no seu ponto 5 condena energicamente a direcção da Renault?
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Bem lembrado!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como pode o Governo desresponsabilizar-se e desresponsabilizar a multinacional Renault de encontrar uma solução alternativa que assegure o futuro da fábrica e os postos de trabalho? Como pode o Governo não honrar os compromissos que assumiu perante os trabalhadores?
Numa reunião da Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, realizada no passado mês de Março, com a presença do Sr. Secretário de Estado da Indústria e Energia, convocada pela Sr.ª Presidente da Comissão a pedido do nosso grupo parlamentar, o Sr. Secretário de Estado acabou por admitir que as notícias que foram saindo na comunicação social, dando conta das negociações para vender aquela unidade fabril a construtores japoneses, depois, a americanos e, por fim, a coreanos, não tinham qualquer fundamento, dado que nunca houve qualquer hipótese credível de venda da fábrica.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exactamente!
O Orador: - Também as notícias de hipóteses de colocação profissional dos trabalhadores não tinham qualquer credibilidade dado que o Governo não possuía, como não possui ainda hoje, resposta para as perguntas fundamentais: quantos empregos tem o Governo para atribuição concreta aos cerca de 600 trabalhadores da SÓDIA? Que trabalho está destinado a trabalhadores especializados da indústria automóvel? Como são garantidos os seus direitos individuais e contratuais?
As notícias não tiveram, assim, objectivamente, outra finalidade que não fosse a de criar na opinião pública a imagem de que já estaria encontrada pelo Governo a solução para o problema. Profundamente falso!
Sr. Presidente e Srs. Deputados: No distrito de Setúbal onde, conforme os dados de desemprego registados pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional, o desemprego continuou a crescer nos dois primeiros meses do ano, atingindo 44 975 o número de desempregados no distrito em Fevereiro deste ano, passa-se, noutro sector de actividade, a construção e reparação naval, a atitude perfeitamente absurda e de difícil compreensão que é o recrutamento de 400 a 500 trabalhadores no estrangeiro para trabalhar de Junho a Setembro na Lisnave.
Tivemos oportunidade, em Fevereiro do ano passado, de denunciar aqui, nesta tribuna, que o chamado plano de reestruturação da Lisnave, estabelecido pela Resolução do Conselho de Ministros de 13 de Fevereiro de 1997, constituía uma negociata entre o Governo e o Grupo Mello, feita à custa do erário público. que lesava gravemente a população do concelho de Almada e da península de Setúbal, os direitos dos trabalhadores da Lisnave, os interesses do sector de construção e reparação naval e os interesses nacionais.
Sendo a Lisnave o primeiro estaleiro a nível europeu e o terceiro a nível mundial, com grande prestígio internacional que lhe advém da elevada qualificação da mão-de-obra, possui por tal facto uma carteira de clientes que lhe garante um volume de encomendas considerável, orçamentada este ano em 45 milhões de contos.
Neste quadro, como é possível que, da aplicação dos sucessivos planos de reestruturação, deste Governo e do anterior, para além das escandalosas benesses financeiras oferecidas ao Grupo Mello e do encerramento a curto prazo do mais bem equipado estaleiro português, o da Margueira, tenha resultado o despedimento de mais de 2500 trabalhadores?
Entretanto, a Lisnave para cumprir as encomendas, além de recorrer a centenas de subempreiteiros, durante todo o ano, vai agora recrutar pessoal ao estrangeiro.
Quando se projecta encerrar estaleiros de qualidade, quando não se faz formação de pessoal numa actividade em que os trabalhadores têm que ser formados no próprio local, quando os trabalhadores próprios especializados vão reduzindo o número e a média etária vai sendo cada vez mais elevada, quando se recorre sistematicamente a pessoal do exterior para cumprir as encomendas regulares, é legítimo perguntar: que se está, de facto, a preparar. E em nome de que interesses?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Num caso como no outro, o que está em causa, de facto, é a cumplicidade do Governo com os grupos económicos, no sentido de restringir os direitos dos trabalhadores, com o objectivo de permitir o enriquecimento do grande capital à custa do agravamento da exploração.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.
O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joaquim Matias, ainda há dias o meu grupo parlamentar - e eu, em nome dele, com outro Deputado - recebeu os operários da Renault.
De facto, a situação da Renault é grave, só que eu diria, Sr. Deputado, que deveríamos ter chorado mais cedo.
O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Exactamente!
O Orador: - O mínimo que eu gostaria que tirássemos, nacionalmente, era a lição de quanto custa um contrato mal negociado. A verdade é esta, por mais dolorosa que seja para nós, mas é preciso dizê-la: não havia qual-
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quer cláusula a que nos agarrássemos. Ineludivelmente, a Renault tinha na mão todos os instrumentos para se ir embora e não nos ligar nenhuma. O mal é negociarem-se contratos assim. A culpa já vem muito de trás, dos anos 80, mas é sempre tempo de aprender as lições.
Eu diria, Sr. Deputado, que o pior erro que poderíamos fazer seria o de, atabalhoadamente, passar a fábrica da Renault a qualquer outro construtor que, daqui a dois ou três anos -, nos fizesse o mesmo, mas, então, em situação bem mais grave, porque a concorrência seria bem maior na Europa. Creio que, de uma vez por todas, temos de aprender o que é elementar: se nós não soubermos tratar dos nossos interesses, ninguém vai tratar deles. E isto, no mundo dos negócios, particularmente agora, quando a economia se abre e internacionaliza, é extremamente importante. Há um momento em que se têm as armas todas na mão, depois da assinatura, só se têm as que lá ficaram. Infelizmente, esta é a situação que se passa com a Renault.
Peço aos trabalhadores da Renault que nos dêem um certo número de informações, para vermos em que lhes poderíamos ser úteis, mas o que eu não queria, de maneira alguma, era entrar em falsas soluções. Se hoje é grave, para operários que têm 42 ou 45 anos, enfrentarem a situação que estão a enfrentar, quando tiverem 50 anos será bem pior. Penso que ainda há no horizonte soluções que podem ser consolidadas e que são, de qualquer modo, preferíveis a decisões precipitadas, só para mostrar serviço. Há quem vá pagar, depois, uma factura bem alta por causa do mau serviço que se presta nestas condições.
Sr. Deputado Joaquim Matias, não sei se está de acordo comigo. mas quero dizer-lhe que estou consigo e com todos os outros Deputados desta Casa que queiram contribuir para encontrar soluções concretas, fiáveis e duradouras. Não quero é de maneira alguma iludir os operários da Renault com falsas esperanças, que lhes sairão, depois, bem caras.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Matias.
O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Abecasis, antes de mais, agradeço a questão que colocou.
O que se passa é que a Renault. devido a uni contrato menos bem formulado - e aí estou de acordo com o Sr. Deputado -, teve isenções fiscais do Estado português para exercer a sua actividade, teve 17 milhões de contos de lucro e recebeu verbas dos fundos comunitários para implantar a fábrica e, com um melhor ou pior contrato, não cumpriu os compromissos que tinha para com o Governo português, o que fez com que o Governo português accionasse a Renault em tribunal.
Ora, este Governo, dizendo aos trabalhadores que os seus postos de trabalho estariam sempre assegurados e que se tratava de uma fábrica de alta tecnologia, o que fez foi vender a sua participação na Renault e desresponsabilizar a Renault do compromisso para corri os 600 trabalhadores, que eram trabalhadores da Renault e passaram a sê]o de uma empresa do Estado.
Passados dois anos, e tivemos oportunidade de dizer isto ao Sr. Secretário de Estado da Indústria e Energia na Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, saíram várias notícias nos jornais, de que todos tivemos conhecimento, de negócios para venda da Renault, de possibilidades de colocação dos trabalhadores, que apenas visavam, em nossa opinião, iludir a opinião pública, porque, solicitado directamente ao Sr. Secretário de Estado para dizer qual desses negócios ou dessas colocações de trabalhadores tinha mais de 5% de probabilidades de ser executado, ele teve de admitir que não existia essa probabilidade de 5% e que era uma ténue esperança que poderia existir.
Assim se foram iludindo os trabalhadores durante dois anos e criando na opinião pública a noção de que não existiria problema, mas, de facto. o problema existe e é grave. Foi uma atitude leviana, no mínimo, quando se desresponsabilizou a Renault da sua responsabilidade perante os trabalhadores e o Governo português assume, ele, agora, o despedimento colectivo de 600 pessoas, o que é profundamente lamentável.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa os votos n.ºs 111/VII - De congratulação pelos resultados alcançados pela 1.º Convenção Nacional dos Timorenses na Diáspora apresentado pelo Deputado do CDS-PP Nuno Abecasis. e 112/VII - De protesto pela instalação de um cemitério nuclear em Aldeadávila. subscrito pelo do Partido Ecologista «Os Verdes». mas, quanto a este último, 10 Deputados do PS exerceram o direito potestativo de provocar o adiamento da sua discussão e votação para a próxima sessão em que haja período de antes da ordem do dia.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, gostaria de perguntar se o Sr. Presidente ou algum dos membros da Mesa sabe da razão pela qual o PS pretende adiar a votação deste voto, na medida em que há poucos minutos tinha manifestado a sua intenção de votá-lo favoravelmente.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, do requerimento não consta a razão e não tenho outra fonte de informação que não seja o requerimento.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, trata-se do exercício de um direito que todos os partidos têm e que, pela nossa parte, pretendemos. neste caso, accionar para nos permitir as diligências de reflexão e discussão de bancada que são apropriadas e a seriedade da matéria exige. Eis o que há de mais normal e democrático.
O Sr. Presidente: - O direito é de natureza potestativa, não temos se não que respeitar o seu exercício.
Para a leitura do voto n.º 111/VII - De congratulação pelos resultados alcançados pela 1.ª Convenção Nacional dos Timorenses na Diáspora, apresentado pelo Deputado do CDS-PP Nuno Abecasis, tem a palavra o Sr. Secretário.
O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o voto é do seguinte teor:
Terminou no passado dia 27 de Abril a 1.º Convenção Nacional dos Timorenses na Diáspora.
Acontecimento histórico da maior relevância, não só pela sua realização como pelos resultados a que conduziu e se consubstanciaram na aprovação de uma Carta Magna dos Direitos, Liberdades e Garantias do povo de Timor
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- verdadeira pré-figuração da futura Constituição do Estado de Timor -, na constituição do Conselho Nacional da Resistência Timorense e na eleição dos titulares dos seus órgãos directivos, presididos pelo heróico Comandante Xanana Gusmão, ainda hoje prisioneiro no presídio indonésio de Cipinang, esta 1.ª Convenção Nacional ficará assinalada como uma pedra fundamental na longa, dolorosa e gloriosa luta dos timorenses pelo direito à sua identidade nacional e pelo seu sagrado direito à autodeterminação e à independência.
Ao assinalar tão auspicioso acontecimento, a Assembleia da República Portuguesa, que, desde sempre e sem divisões, fez sua e se bateu, com todos os recursos ao seu alcance, pela autodeterminação de Timor Leste:
Congratula-se com o povo timorense pela tão ambicionada unidade de expressão e de direcção agora alcançados.
Saúda a Carta Magna dos Direitos, Liberdades e Garantias do povo de Timor e o seu Hino Nacional;
Felicita o Conselho Nacional da Resistência Timorense e a sua Direcção, em especial Xanana Gusmão, desejando que, tão rapidamente quanto possível. conduzam o povo timorense à liberdade, pondo fim à cruel e impiedosa subjugação que, desde há tantos anos, o aprisiona e martiriza.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.
O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que este voto fala por si. Quero testemunhar, perante a Assembleia da República, que representei, em nome do seu Presidente, na abertura e no fecho desta 1.ª Convenção Nacional dos Timorenses na Diáspora, a emoção com que presenciámos o nascer de um Estado, o nascer de uma Nação.
Esta Declaração da Carta Magna dos Direitos, Liberdades e Garantias, verdadeira Constituição, a unidade encontrada, em que timorenses que há mais de 20 anos não se falavam, se odiavam e se ofendiam uns aos outros, caindo nos braços uns dos outros em lágrimas pela sua pátria, a forma como todos eles cantaram o seu Hino foi qualquer coisa de verdadeiramente histórico, Sr. Presidente.
Esta Assembleia da República, que criou uma comissão parlamentar para acompanhar o nascimento de Timor, não podia, de maneira nenhuma, alhear-se deste momento
nem deixar de o assinalar e de escrever na sua própria história que presenciou, apadrinhou e seguiu o nascimento do primeiro Parlamento dos timorenses, que foi esta Convenção Nacional dos Timorenses na Diáspora.
Foi, por isso, Sr. Presidente, que, em nome da Comissão Eventual para o Acompanhamento da Situação em Timor Leste e de todos os Deputados que dela fazem parte, quis apresentar este voto de congratulação, que fica a assinalar este momento tão importante para nós como o foi para os próprios timorenses.
Aplausos do CDS-PP, do PS e de alguns Deputados do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Velosa.
O Sr. Hugo Velosa (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Em meu nome pessoal e em nome do Grupo Parlamentar do PSD, também quero expressar a total concordância com a oportunidade deste voto de congratulação e, sobretudo, com o seu conteúdo e os seus resultados.
Também me parece que a aprovação desta Carta Magna, a criação do Conselho Nacional de Resistência Timorense e a eleição dos seus órgãos directivos constituem mais um passo histórico e fundamental na luta do povo de Timor Leste. É, aliás, um momento em que é bom lembrar três homens que têm feito com que esta unidade surja: por um lado, Xanana Gusmão, o resistente militar e político, que passou a ser o Presidente do Conselho Nacional da Resistência Timorense; por outro, D. Ximenes Belo, que tem sido o resistente religioso; e por outro, ainda, Ramos Horta, que é a face diplomática deste movimento.
Esta perspectiva de unidade que resulta da Convenção do povo timorense é um forte indício de que Timor Leste vencerá e obterá um dia os seus objectivos de autodeterminação e independência.
Por isso, o Grupo Parlamentar do PSD aprova, com muita veemência, este voto de congratulação.
Aplausos do PSD, do PS e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma resistência timorense forte e unida constitui mais um sério obstáculo ao regime indonésio de integrar definitivamente, como pretende impor, Timor Leste como uma das suas províncias, num claro desrespeito pelo Direito Internacional e pelas resoluções aprovadas nas Nações Unidas.
A Assembleia da República, através da sua Comissão Eventual para o Acompanhamento da Situação em Timor Leste, de que Portugal é potência administrante, tem recebido sempre, ao longo dos anos, muitos timorenses que nos têm apresentado os seus legítimos protestos, os seus anseios, os seus problemas. Pela parte do nosso grupo parlamentar, temos salientado que a resistência do povo de Timor, quanto mais unida se apresentar, mais se torna credível no panorama internacional reforçando, assim, a sua legítima e corajosa atitude contra a ditadura indonésia, passando a constituir um interlocutor ainda mais credível e respeitável no panorama internacional.
A realização, no nosso país, da primeira Convenção Nacional dos Timorenses na Diáspora, cujos trabalhos o nosso grupo parlamentar acompanhou, constituiu um assinalável esforço que culminou com a aprovação de importantes documentos e com a primeira eleição do Conselho Nacional da Resistência Timorense, que congrega representantes das principais forças políticas e outros elementos representativos de um povo que, ao longo de mais de duas dezenas de anos, prossegue uma luta heróica contra as forças militares indonésias, invasoras do seu território.
Congratulamo-nos com os resultados positivos alcançados e esperamos que todos os timorenses, sem excepção, consigam atingir os seus legítimos objectivos, que passam pelo direito à autodeterminação e independência de Timor Leste. O Conselho Nacional de Resistência Timorense, ora eleito, pode sempre contar com o apoio do nosso grupo parlamentar na actividade que desenvolverá na defesa da sua liberdade e dos seus direitos, reconhecidos pelas próprias Nações Unidas.
Neste momento, saudamos o Conselho Nacional da Resistência Timorense, a quem desejamos o melhor e mais
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profícuo trabalho e reafirmamos, uma vez mais, a este Conselho a nossa total solidariedade.
(O Orador reviu.)
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Luís.
O Sr. Carlos Luís (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Associamo-nos ao voto apresentado pelo Sr. Presidente da Comissão Eventual para o Acompanhamento da Situação em Timor Leste, o Sr. Deputado Nuno Abecasis, e saudamos não só todos aqueles que tornaram possível a 1.ª Convenção Nacional dos Timorenses na Diáspora, que terminou no passado dia 27, mas também todos os corpos dirigentes eleitos nessa mesma Convenção, e lembramos aqui todos os que tombaram em prol da causa de Timor.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Temos também presente a figura de Xanana Gusmão, a sombra tutelar da Resistência, assim como a de D. Ximenes Belo, bispo de Timor, que tem sido uma voz da Resistência, uma voz incómoda para os indonésios. Saudamos também, em particular, todos aqueles que tomaram possível esta convenção nacional.
Formulamos votos para que da aprovação da Carta Magna, em que se elabora os princípios fundamentais de uma futura Constituição, em que são consagrados os direitos fundamentais dos timorenses. se traduza, muito em breve, na futura Constituição do futuro Estado de Timor, Estado independente.
Por isso, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista congratula-se, mais uma vez, pelo grande êxito alcançado no passado dia 27 e, mais uma vez também, se congratula pelo voto apresentado pela unidade da Resistência de Timor Leste face ao Estado indonésio.
Aplausos do PS e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito sinteticamente, para dizer, em nome do Grupo Parlamentar Ecologista Os Verdes, que saudamos vivamente a 1.ª Convenção Nacional dos Timorenses na Diáspora e os resultados que ela conseguiu alcançar.
É nosso entendimento que a Resistência precisava de um só rosto, precisava de uma direcção que aglutinasse as diferentes correntes de opinião e pensamento que convergem pela causa de Timor, precisava de uma Carta Magna que tivesse as linhas orientadoras do futuro que se quer construir. Parece-nos que esse objectivo foi plenamente alcançado e que o povo de Timor tem, neste momento, condições acrescidas de poder impor-se junto da comunidade internacional para dialogar.
Concluímos, dizendo o seguinte: as muitas mulheres e homens e os muitos jovens que. ao longo destes anos e anos, com a sua coragem, resistência e luta, têm, no território ocupado, feito sobreviver a Resistência mereciam, seguramente, este esforço de entendimento e aquilo que esta convenção conseguiu alcançar.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados. vamos proceder à votação do voto n.º 111/VII - De congratulação pelos resultados alcançados pela 1.ª Convenção Nacional dos
Timorenses na Diáspora, apresentado pelo Presidente da Comissão Eventual para o Acompanhamento da Situação em Timor Leste, Sr. Deputado Nuno Abecasis.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Srs. Deputados, o texto do voto aprovado será transmitido oficialmente ao representante no exterior da Resistência timorense.
Passamos, agora, à intervenção solicitada pelo Governo, ao abrigo do artigo 83.º, n.º 21, do Regimento da Assembleia da República, através do Sr. Ministro da Economia, para tratar o tema «acusações formuladas pelo PSD na sessão plenária de 22 de Abril».
Tem a palavra o Sr. Ministro da Economia.
O Sr. Ministro da Economia (Pina Moura): - Sr. Presidente. Sr.ªs e Srs. Deputados: Esta é a primeira vez que uso da palavra perante esta Câmara. Quero. por isso, dirigir-vos uma saudação especial e sublinhar a honra que tem sinto em estar aqui.
Não pôde ou não quis a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite convocar, com urgência, a Comissão de Economia, Finanças e Plano para me ouvir, conforme a disponibilidade transmitida, em meu nome, faz hoje uma semana, pelo Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares e conforme o pedido escrito de convocatória apresentado na última sexta-feira por Deputados da referida comissão.
É pena, porque era aí, com mais tempo e detalhe que as insinuações ao Governo e aos agentes económicos, feitas, em diferido, pelo Presidente do PSD e pelo seu líder parlamentar deviam ser cabalmente esclarecidas e rebatidas.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Mas o que não era mais possível era permitir que a situação se arrastasse, deixando no ar a dúvida de que o Governo tinha qualquer coisa a temer ou a esconder.
O objectivo desta minha vinda ao Plenário, para usar da palavra no período de antes da ordem do dia, é o de fazer, de acordo com as regras regimentais, o esclarecimento possível: «quem não deve não teme» e, nesta matéria, nem o Governo nem os agentes económicos atacados devem no que quer que seja.
Aplausos do PS.
Mas, Sr.ªs e Srs. Deputados, vamos aos factos.
Primeiro facto: os dois dirigentes do PSD (o seu líder e o seu líder parlamentar) acusaram o Governo de ter favorecido o Grupo Grão-Pará com uni perdão fiscal. É falso! O Estado obrigou, no quadro do Acordo Global subscrito a 8 de Julho de 1997, o Grupo Grão-Pará a ressarcir as dívidas da ordem de 17 milhões de contos acumuladas ao longo dos últimos 20 anos por empresas do Grupo Grão-Pará. Estas dívidas, no fundamental, da responsabilidade das empresas Interhotel e Matur que não detinham meios para pagá-las, foram ou estão a ser regularizadas à custa dos activos da Autodril que praticamente não tinha quaisquer responsabilidades perante o Estado.
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A regularização está a ser feita através dos procedimentos previstos no Decreto-Lei n.º 124/96, usados até agora por 171 133 contribuintes, estando o Estado a recuperar 423 milhões de contos dos 1200 milhões de contos de dívidas acumuladas pelos governos que nos precederam.
Aplausos do PS.
E no que respeita à figura de dação em pagamento, também usada nesse Acordo Global com o Grupo Grão-Pará, ela foi apresentada por 210 contribuintes, 65 dos quais viram atendida a sua pretensão, 117 encontram-se em apreciação e apenas 18 foram indeferidos. Como se vê, é um procedimento que está ao dispor de todos os contribuintes faltosos ou em incumprimento até à data de 31 de Julho de 1997. Sobre este assunto, dei, durante 4 horas, detalhadas explicações à Comissão de Economia, Finanças e Plano, no passado mês de Janeiro. De então para cá, vários passos na concretização do acordo foram dados, designadamente a constituição, em Fevereiro de 1998, da Sociedade Imobiliária, detida a 51% pelo Estado, que é um facto essencial para a efectiva concretização do ressarcimento das dívidas.
Com este Acordo Global terminou também uma prática de dupla subvenção com dinheiros públicos, que aqueles que nos precederam no Governo tiveram, em relação ao Grupo Grão-Pará, a propósito da realização dos Grande Prémios de Fórmula 1, da ordem dos 3 milhões de contos, ao longo de 10 anos.
Em síntese: o Acordo Global com o Grupo Grão-Pará foi, e é, o resultado da aplicação de uma política do Governo - a regularização de dívidas ao fisco e à segurança social - e não um qualquer negócio entre o Governo e um grupo económico.
Aplausos do PS.
Segundo e terceiro factos invocados pelo Sr. Presidente do Grupo Parlamentar do PSD: os dois dirigentes do PSD (o seu líder e o seu líder parlamentar) acusaram-me, pessoalmente, de ter querido favorecer dois grupos económicas portugueses ao nomear para presidentes da Gás de Portugal e da Portucel Industrial, respectivamente, o Dr. António Mexia e o Dr. Jorge Armindo Teixeira, invocando tratar-se de gestores que exerciam a sua actividade em empresas com interesses nesses sectores. Também é falso!
Em primeiro lugar, o Dr. António Mexia foi administrador de um banco de investimento como já antes tinha sido, por nomeação do Vice-Presidente do PSD, Eng.º Ferreira do Amaral, administrador do ICEP. Não me consta que haja, na lei, qualquer limitação a que gestores possam passar de funções públicas para privadas, ou vice-versa.
Quando o convidei para exercer o cargo que actualmente exerce, o Dr. António Mexia abandonou toda a actividade no referido banco de investimento, o que não era, sequer, legalmente obrigado a fazer.
O Sr. José Magalhães (PS): - É de notar!
O Orador: - Com esta decisão, eu não favoreci nenhum grupo. Com esta decisão, criei condições para terminar com os quase 3 milhões de contos de prejuízos em 1997 de uma empresa - a Transgás - que, apesar de estar apta a vender 6 milhões de contos de gás natural, não conseguiu colocar no mercado mais de 3 milhões de contos, pelos atrasos na construção da rede de distribuição. Com esta decisão, criei condições para que todos os portugueses e para que todas as empresas possam vir, no futuro muito imediato, a gastar menos com a energia de que precisam para viver ou para laborar.
Aplausos do PS.
O mesmo no que respeita ao Dr. Jorge Armindo Teixeira, que - é bom lembrá-lo - é um dos responsáveis, enquanto gestor, pela criação do maior grupo mundial de transformação de cortiça.
O meu antecessor - responsável por este convite teve, aliás, o escrúpulo de exigir ao grupo económico onde o Dr. Jorge Armindo tinha então funções executivas que declarasse abster-se de tomar quaisquer posições no sector da pasta e do papel enquanto o Dr. Jorge Armindo nele desempenhe funções e durante os dois anos seguintes. Esta decisão consta da acta n.º 107, de 27 de Maio de 1997, da Sociedade Amorim Investimentos e Participações SGPS, S.A.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Eu não aceito, mas posso entender, que o líder parlamentar do PSD, que tem feito toda a sua vida adulta na carreira política, tenha cometido a imprudência de fazer esta insinuação malévola e despropositada. É uma manifestação de imaturidade que o tempo há-de resolver.
Aplausos do PS.
Protestos do PSD.
Mas o que eu não consigo compreender é como o Prof. Doutor Marcelo Rebelo de Sousa - um dos mais prestigiados e conceituados constitucionalistas e consultores jurídicos das empresas e grupos económicos portugueses, públicos e privados - pode patrocinar ou autorizar que se transforme o mérito profissional de quem quer que seja, afirmado na esfera privada, num factor de suspeição política ou na criação de uma «cláusula de diminuição» para o exercício de funções na esfera pública.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Pela minha parte, continuarei, no respeito pela lei, a procurar nomear para os lugares de gestão ou de especialidade os melhores gestores ou os melhores especialistas, venham de onde vierem, no campo profissional, empresarial ou político.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Foi, aliás, ao serviço desta filosofia que, recentemente, com o Dr. José Luís Arnaut, destacado dirigente do PSD e ex-braço direito do líder desse partido, foi por mim indicado para um cargo no âmbito das funções do Ministério da Economia, dada a sua grande qualificação profissional para a função em causa.
O Sr. José Magalhães (PS): - Ora aí está!
O Orador: - Quarto facto, os dois dirigentes do PSD questionaram também a legalidade e a transparência do
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«contrato de compra e venda de créditos», assinado em 9 de Julho de 1997 - há quase um ano, Srs. Deputados! - entre o Estado e a Sonae no que respeita ao empreendimento da Torralta.
O que os dois dirigentes dos PSD (o seu líder e o seu líder parlamentar) não disseram - e não podem ignorá-lo até porque nos governos que nos antecederam este problema também foi tentado resolver - é que o Governo abriu um concurso público de pré-qualificação para seleccionar projectos de viabilização desse empreendimento.
O que também foi ignorado é que a Sonae, através da Imoareia, foi a única entidade que preencheu os requisitos formais necessários entre os seis candidatos que se apresentaram e, como tal, foi escolhida.
Finalmente, no que respeita aos créditos fiscais e parafiscais...
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, peço-lhe que termine, pois já esgotou o tempo disponível.
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Dizia eu, Sr. Presidente e Srs. Deputados, finalmente, no que respeita aos créditos fiscais e parafiscais constantes desse acordo, o que os dirigentes do PSD, para lançarem a suspeita, omitiram deliberadamente foi que os valores desses créditos foram fixados no processo judicial de recuperação e que os créditos fiscais, negociados abaixo do seu valor nominal, foram objecto de um leilão organizado pelos Ministérios das Finanças e do Trabalho e da Solidariedade. conforme mandam as leis fiscais.
Quinto e último facto: a acusação feita na televisão pelo líder do PSD de que a aquisição pelo IPE de 20% do Modelo Investimentos Brasil teria sido um favor a um «grupo económico amigo», feito à custa dos impostos dos portugueses, numa empresa em má situação económica e financeira.
Sobre isto, cabe dizer três coisas:
Primeiro, a participação do IPE, como parceiro minoritário, em operações de internacionalização de empresas portuguesas no mercado brasileiro. entre outros, e também na área da distribuição, entre outras, é uma opção definida desde sempre na estratégia do IPE, mas claramente precisada no Programa de Apoio à Internacionalização da Economia Portuguesa, aprovado em 1992 pelo Governo do Prof. Cavaco Silva, e reafirmada pelo actual Governo na Resolução do Conselho de Ministros n.º 61/97, de 15 de Abril. É, claramente, um instrumento ao dispor de todos os agentes económicos e não um favor de ocasião para um «grupo económico amigo», como irresponsavelmente o líder do PSD disse na televisão.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Segundo, esta e todas as aquisições do IPE não foram feitas à custa dos impostos dos portugueses, porque o IPE, sociedade anónima de capitais públicos, não se financia à custa do Orçamento mas, sim. dos proveitos e lucros da sua actividade empresarial, dos seus resultados. O IPE não gasta dinheiro do Orçamento do Estado, é um contribuinte líquido do Orçamento do Estado. Desde 1982 que o IPE tem tido resultados líquidos positivos. com excepção dos anos de 1992193194, sendo estes resultados positivos em 1997, cerca de 4 milhões de contos.
Ao contrário do que disse o líder do PSD, o IPE, quer através dos dividendos, quer através dos impostos que paga sobre os seus lucros, contribui para a segurança social, para a saúde, para a educação e para todas as outras funções sociais do Estado.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, agradeço que termine, pois já beneficiou de mais 2 minutos que lhe foram concedidos pelo Grupo Parlamentar do PS, mas, mesmo assim, já o ultrapassou em mais de 1 minuto.
Agradecia que terminasse, Sr. Ministro.
O Orador: - Sr. Presidente, estou mesmo a acabar.
Terceiro, a decisão de investimento no Brasil - aliás, decidida sob responsabilidade directa, dignamente assumida pelo Eng.º Faria de Oliveira, administrador do IPE e prestigiado dirigente do PSD - foi tomada numa empresa que foi avaliada e negociada com base em várias avaliações de credíveis instituições financeiras e que ocupa o 9.º lugar no ranking das empresas de distribuição do Brasil, com um volume de vendas, em 1997, de cerca de 600 milhões de dólares e com expectativas de atingir, nos próximos quatro anos, 3 biliões de dólares/ano. Se a isto se chama uma péssima situação económica. ficamos à espera que o líder do PSD apresente os seus critérios de solidez empresarial.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Este foi o esclarecimento possível no quadro da figura regimental a que me vi forçado a recorrer. Como sempre, ficamos, eu e o Governo, ao dispor desta Assembleia.
Aplausos do PS, de pé.
O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.
A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, pedi a palavra para fazer uma interpelação à Mesa, já que o Sr. Ministro da Economia, no início da sua intervenção, citou o nome da Presidente da Comissão de Economia, Finanças e Plano considerando que ela não tinha querido convocar a Comissão. Foi pena, Sr. Ministro, que, na sua estreia parlamentar, tivesse exactamente começado por dizer uma coisa que não devia,...
Vozes do PSD: - Isso é que foi pena!
A Oradora: - ... ou seja, nunca devia ter criticado o funcionamento desta Assembleia. Era a última coisa que devia ter feito.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Mais: porque o Sr. Ministro desconhece...
Protestos do PS.
Aliás, nenhum Deputado da Comissão a que presido é capaz de dizer que eu alterei, fosse no que fosse, o meu comportamento, igual como sempre, na Comissão de Economia, Finanças e Plano.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Ainda hoje, tivemos uma reunião da Comissão e nenhum dos Srs. Deputados presente foi ca paz de o referir.
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Portanto, Sr. Ministro, foi pena que realmente se tenha estreado com esse ponto, mas percebo, porque o disse, que o fez na tentativa de esclarecer tudo.
Mas, Sr. Ministro, os Deputados estão todos esclarecidos, o Sr. Ministro é que não!
Aplausos do PSD.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Costa): - Sr. Presidente, peço a palavra, para interpelar, a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, mas agradeço-lhe que se cinja o mais possível à figura regimental.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: Sr. Presidente. quero apenas explicitar que o Sr. Ministro da Economia disse, no seu discurso, que lamentava que a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite não tivesse podido ou não tivesse querido.
Sr. Presidente, não posso deixar de dizer aqui, como já ontem disse na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, que o Governo não pode deixar de lamentar que, atentas as boas relações institucionais que devem existir entre o Governo e a Assembleia da República, tendo sido legitimamente produzidas nesta Câmara gravíssimas acusações ao Governo e tendo o Governo, pela minha voz, neste Plenário, faz hoje uma semana, transmitido a disponibilidade do Sr. Ministro da Economia para vir à Assembleia e à Comissão de Economia, Finanças e Plano e solicitado. no Plenário, à Sr.ª Presidente dessa Comissão que procedesse à convocação urgente da Comissão para que o Governo exercesse o seu direito a esclarecer as gravíssimas acusações de que tinha sido alvo,...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - ... durante uma semana, não tivesse sido possível o Governo exercer o direito de defesa perante esta Assembleia da República. Isto eu não poderia deixar de dizer.
Aplausos do PS.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito?
O Sr. Joel Hasse Ferreira: - Para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Não epidemizemos, Sr. Deputado!
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Como?
O Sr. Presidente: - Não epidemizemos a figura da interpelação. Mas faça favor de usar da palavra.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Não percebi, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Deixe lá, Sr. Deputado. Faça favor de usar da palavra.
O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Eternizar!
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Ah! Não eternizemos... Tenho muita pena que não possamos ficar aqui...
Risos.
O Sr. Presidente: - Eu disse epidemizemos!
Vozes do PS: - De epidemia!
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Não! Aqui não há epidemia nenhuma!
Risos.
O Sr. Presidente: - Faça favor de usar da palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, julgo que está claro que o Sr. Ministro da Economia disse na intervenção que há pouco fez que a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite não pôde ou não quis convocar a Comissão de Economia, Finanças e Plano, mas, em meu entender - aliás, eu disse isso à Sr.ª Presidente na Comissão -, a Sr.ª Presidente poderia perfeitamente ter convocado a Comissão...
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Tem poderes regimentais!
O Orador: - ... porque tem poderes regimentais para o fazer.
A Sr.ª Presidente recebeu solicitações, recebeu um requerimento e, segundo nos comunicou na Comissão, não teve o assentimento de outros grupos parlamentares para convocar a Comissão.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito interessante!
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Era bom saber quais os grupos parlamentares que não deram anuência!
O Orador: - Em meu entender, esse assentimento não.
Logo, a Comissão deveria ter sido convocada. Sr. Presidente.
Vozes do PS: - Claro!
O Orador: - A minha dúvida é a de saber se não pôde ou não quis ou se não pôde e, se calhar, até nem quis. Isto porque poder, pôde!
Vozes do PS: - Bem lembrado! Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Quero dizer ao Sr. Ministro que, por aquilo que nos disse, vai ter de cá vir muito mais vezes. O Sr. Ministro vai mesmo ter de vir à segunda chamada, porque o que nos disse foi muito pouco. As desculpas que nos deu foram poucas, curtas e não chegaram.
Vozes do PSD: - Muito bem!
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O Orador: - V. Ex.ª não fez mais do que repetir algumas das coisas que tem dito, mas as nossas dúvidas são muito mais profundas. O patamar em que colocamos esta questão é um patamar diferente, Sr. Ministro. E é tão simples quanto isto: V. Ex.ª sabe que o nosso patamar é o de saber se o princípio da igualdade está ou não a ser respeitado, se o Estado não está a beneficiar, com privilégios, uns e a exigir tudo a outros. É este o problema que estamos a colocar.
Vozes do PSD: - Muito bem!
Vozes do PS: - Muito mal!
O Orador: - Nada nos move, Sr. Ministro, contra os grupos económicos.
Vozes do PS: - Ah!...
O Orador: - Nós não temos «telhados de vidro», Sr. Ministro! Nós não somos cristãos-novos!
Risos do PS.
Nós não temos de provar nada a ninguém, Sr. Ministro!
Aplausos do PSD.
Nós não chegámos à economia de mercado há pouco tempo! Nós não fizemos uma conversão de última hora!
Vozes do PSD: - Exactamente!
O Orador: - O senhor tem de provar alguma coisa a alguém. Nós não, Sr. Ministro!
Aplausos do PSD.
O problema que aqui se coloca, Sr. Ministro, são os critérios de intervenção do Governo. V. Ex.ª escusa de vir confundir-nos com a questão das pessoas porque o problema não é esse, Sr. Ministro. O problema não é V. Ex.ª nomear uma pessoa competente ou não mas, sim, uma pessoa com interesses nas áreas para as quais V. Ex.ª os nomeia. É este o problema.
Vozes do PSD: - Exactamente!
O Orador: - Em segundo lugar, e em relação aos vários casos que V. Ex.ª aqui trouxe e que temos vindo a batalhar ao longo deste tempo, vou referi caso por caso, já que V. Ex.ª o pede.
O primeiro caso é o da Autodril. Qual é o seu problema, Sr. Ministro?
O Sr. José Magalhães (PS): - E qual é o seu?!
O Orador: - Já tentei dizer-lhe isto várias vezes. O problema da Autodril é este: o Estado celebrou um negócio, porque dizia querer a realização do Grande Prémio de Fórmula 1. O Grande Prémio não está realizável, não foi realizado no ano passado e não foi realizado este ano. Assim, duas perguntas muito simples. Primeira, não basta o Sr. Ministro dizer que há cerca de 18 milhões de contos. Não, Sr. Ministro! Diga aqui quantos milhões de contos é que o Estado perdeu em tudo isto.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Quantos milhões de contos é que o Estado perdeu? Diga-o aqui, de uma vez por todas.
O Sr. José Magalhães (PS): - E por culpa de quem? Por sua culpa!
O Orador: - Não esteja a iludir a questão.
Vozes do PSD: - Exactamente!
O Orador: - Segunda pergunta: se o Grande Prémio era na verdade a motivação, a justificação, e não se realiza, por que é que o Governo não denuncia o negócio, Sr. Ministro?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!
O Orador: - O que é que há aqui de interesses escondidos?
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Exacto!
O Orador: - O que há a esconder? O que há aqui de valores que nós não sabemos, Sr. Ministro?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O segundo caso, Sr. Ministro, é o da Torralta. Um grande grupo económico comprou a Torralta com o compromisso de pagar aos credores em 50 anos. Mas o Fundo de Turismo, caso o negócio deixe de interessar à Sonae, reassume a empresa 18 meses após a assinatura do contrato. Entretanto, à Sonae é atribuído a concessão do jogo de Tróia, sem concurso. Um outro grupo económico avança com um processo judicial e pergunta-se a ele próprio que jogos de interesses escondidos. que negócios misteriosos são esses.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Exactamente!
O Orador: - Calou-se este grupo económico pouco depois. Por quê, Sr. Ministro? Terá sido, Sr. Ministro, porque recebeu 2 milhões de contos pelos alegados créditos que tinha, enquanto que os outros accionistas, todos da Torralta, ainda estão à espera de receber o seu pagamento?!
Aplausos do PSD.
O terceiro caso, Sr. Ministro, é o dos supermercados no Brasil. O mesmo grupo económico que comprou à Torralta o que comprou viu adquirido, pelo mesmo montante que tinha investido no negócio todo no Brasil, 20% pelo Estado, pelo IPE. O Estado entende, Sr. Ministro, que é prioritário investir o dinheiro dos contribuintes em supermercados e ainda por cima no Brasil?! Este negócio está ou não ligado a outros?
Vozes do PSD: - É evidente!
O Orador: - O dinheiro dos portugueses, Sr. Ministro, é para isto que serve?!
Vozes do PSD: - Muito bem!
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Protestos do PS.
O Orador: - Sr. Ministro, não tenho tempo, nem vou excedê-lo, porque vamos ter muitas outras ocasiões para voltar ao assunto. No entanto, gostaria muito de indiciar apenas questões que V. Ex.ª deve ter na agenda para poder responder.
Pense, Sr. Ministro, no caso dos hipermercados! Pense no caso do BPI! Pense no caso da Portucel! Pense no caso da Quimigal! Pense no caso da EDP! Pense no caso da Transgás! Pense no caso da Lisnave!
Para terminar, Sr. Ministro, vou colocar-lhe uma questão, também ela nova, porque não quero que V. Ex.ª saia daqui sem mais uma questão nova. Vamos falar, brevemente, no caso dos aviões da TAP.
A TAP adquiriu recentemente alguns aviões airbus. Notícias vindas a público, em 5 de Janeiro, diziam que os novos aviões da TAP teriam sido registados num paraíso fiscal, nas ilhas Cayman. Alertado pela notícia, o Sr. Ministro das Finanças mandou abrir um inquérito. Há quatro meses, Sr. Ministro! Onde é que estão os resultados deste inquérito, Sr. Ministro? A TAP faz aquilo que o Governo recusa aos demais em prejuízo dos outros contribuintes? Por que é que a TAP, Sr. Ministro - e são apenas duas simples perguntas -, disse que os aviões eram da empresa e se verificou depois que pertenciam a uma sociedade registada offshore?!
A outra pergunta, também simples, Sr. Ministro, que quero que responda é a seguinte: por que é que o Sr. Ministro das Finanças, confrontado com as notícias, fala em investigação no sentido de saber, se há ou não crime de evasão fiscal?
São a estas perguntas e a muitas outras, Sr. Ministro, que V. Ex.ª não vai fugir a responder, nem aqui, no Plenário, nem em qualquer outro sítio.
Aplausos do PSD.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito?
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Para exercer o direito regimental da defesa da honra da bancada do Governo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: Sr. Presidente, Sr. Deputado Encarnação, está claro, depois da sua intervenção, o que é que o PSD quer efectivamente.
O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!
O Orador: - O PSD não tem dúvidas. O PSD não quer ser esclarecido. O PSD quer fazer insinuações, acusações genéricas, sem as fundamentar, quer insultar o Governo de Portugal. É isto que o PSD quer!
Aplausos do PS.
Protestos do PSD.
O PSD tudo fez, nesta semana, para não permitir ao Governo vir à Assembleia esclarecer as suas acusações.
Na intervenção que aqui fiz, há uma semana, eu disse ao líder do Grupo Parlamentar do PSD que o Governo queria esclarecer tudo - como é, aliás, seu dever - perante a Câmara e que registava quais eram os cinco casos sobre os quais queria uma resposta. Até solicitei que, se pretendessem resposta sobre outras matérias, para além das cinco que já tinham indicado, tivessem a gentileza de dizer ao Governo quais eram essas matérias e o Governo estaria assim em condições de, pronta e imediatamente, esclarecer. Ficámos a perceber, aliás, já ontem, pelos jornais, que o PSD procura manter no bolso uma caixinha de surpresas e, cada vez que o Governo responde a uma matéria, o PSD lança uma nova insinuação porque o PSD não quer ser esclarecido, o que o PSD quer é insultar o Governo de Portugal.
Sr. Presidente, há limites para a argumentação. Estamos a falar de uma coisa que tenho a certeza de que para o Sr. Deputado Carlos Encarnação também é uma coisa séria, que é a honra e o bom nome das pessoas. Ora, quando se trata da honra e do bom nome das pessoas, e não digo só da honra e do bom nome dos membros do Governo - admito que aí, nos tempos que correm, sejam «ossos do ofício» - mas refiro-me ao bom nome e à honra de pessoas que nada têm a ver com a nossa disputa aqui, são agentes económicos, são gestores, são até pessoas reconhecidas como competentes, sérias e honestas por VV. Ex.ªs, temos de fazer este debate com seriedade, serenidade e rigor.
Protestos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço-vos desculpa mas têm de se respeitar uns aos outros.
Sr. Ministro, faça favor de continuar.
O Orador: - O Sr. Deputado Carlos Encarnação não pode ignorar que uma sociedade anónima, mesmo de capitais públicos, como é o IPE, não cobra receitas fiscais. 0 Sr. Deputado não pode ignorar que o IPE não recebe, nem recebeu, dinheiro dos contribuintes. Portanto, as verbas que o IPE investe, seja onde for, não são dinheiro dos contribuintes.
Vozes do PSD: - Não?!
O Orador: - Não são! Não são! E os senhores sabem que não são, porque sabem que a dotação inicial do capital social do IPE não foi uma transferência da dotação do Estado. O Estado nunca dotou nem nunca fez uma transferência de capital para o IPE.
A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Essa agora!
O Orador: - Portanto, não é dinheiro dos contribuintes.
Mas o Sr. Deputado Carlos Encarnação sabe mais: sabe que, no governo de que foi membro, foi aprovado o Plano de Apoio à Internacionalização da Economia Portuguesa, que dizia expressamente: «Como área estratégica de investimento, países como o Brasil» e, mais, «Como área estratégica de investimento, a aquisição de cadeias de distribuição». E falava das cadeias de distribuição porque «são um veículo estratégico para a penetração de produtos e serviços portugueses». VV. Ex.ªs sabem isso e vêm aqui expor como expõem, não ignorando isto mas com manifesta vontade de distorcer os factos e gerar a confusão junto da opinião pública.
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Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, quero mesmo.
Em primeiro lugar. para dizer ao Sr. Ministro que lamento muito que a aflição seja má conselheira.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - V. Ex.ª é que dita aqui os limites? V. Ex.ª está enganado! Quem dita os limites aqui é a Assembleia da República! V. Ex.ª é que está sob julgamento nesta Assembleia!
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Julgamento? Qual julgamento?!
O Orador: - Julgamento político.
Vozes do PSD: - Muito bem! Exactamente! É isso mesmo!
Vozes do PS: - Isso é falso!
O Orador: - A culpa de as questões serem muitas não é nossa. Sr. Ministro. Não venha perguntar-nos, a nós, por que é que são muitas. São muitas porque VV. Ex.ªs as criam em catadupa!
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Exactamente!
O Orador: - Nós limitamo-nos a citar aquilo que as pessoas dizem. Quer ver o que é que alguns dos grupos económicos, dos tais que V. Ex.ª diz que nós atacamos (e
que é mentira!), dizem de VV. Ex.ªs? A propósito do Decreto-Lei n.º 157/97, acerca da Torralta, dizia na petição o Banco Espírito Santo: «O Decreto-Lei n.º 157/97 tresanda a terceiro mundismo e outras sujidades, é descaradamente a expressão inteira e confessada de um Estado
que nem é democrático nem é de direita»!
Aplausos do PSD.
Por que é que o Banco Espírito Santo mudou de termos e de posições, não é comigo, é convosco! Agora, do que não há dúvida nenhuma é que esta é a expressão deles, e não nossa! O senhor não venha para cá baralhar as coisas, Sr. Ministro. Não venha dizer que nós estamos a atacar quem quer que seja, porque nós não estamos a atacar ninguém!
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - É preciso ter «lata»!
O Orador: - Olhe: achamos muito bem que os grupos económicos façam os melhores negócios da sua vida! Todos! Aqueles que quiserem e mais alguns! O que não façam é à nossa custa! O que não façam é com violação do princípio da igualdade feita
pelo Governo, descaradamente, como VV. Ex.ªs o fizeram!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Isso é preciso provar! Prove!
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Tenha vergonha, Sr. Deputado Carlos Encarnação!
O Orador: - Sr. Ministro. V. Ex.ª é que devia ter vergonha, mas não tem - já vi!
Protestos do PS.
V. Ex.ª não tem vergonha, inclusivamente, de dizer que o Instituto de Participações do Estado não é um instituto de participações do Estado. Foi isto o que V. Ex.ª disse!
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Tenha limites! Tenha limites!
O Orador: - Então, de quem é o dinheiro? De quem é o dinheiro que está investido nisto? É seu? É meu? É nosso, Sr. Ministro! E é o senhor que tem de o administrar, e administra mal!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Ministros: Em primeiro lugar, queria saudar a presença do Sr. Ministro da Economia que, com uma grande clareza, deu resposta às calúnias que foram aqui formuladas pelo Sr. Deputado Luís Marques Mendes.
Risos do PSD.
A actuação do Sr. Ministro da Economia insere-se numa estratégia económica de desenvolvimento, de apoio às empresas, de internacionalização da economia e tem promovido essa estratégia com mestria. A essa estratégia opõe-se uma outra que o Sr. Ministro António Costa qualificou como a estratégia da infâmia e que eu aqui refiro como a estratégia da calúnia.
O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!
O Orador: - Hoje, a concepção miserabilista que está por trás dessa estratégia ficou desmascarada na forma como o próprio Deputado Carlos Encarnação aqui fez a sua intervenção. O nível da intervenção do Deputado Carlos Encarnação não é o de um patamar mas o de um lamaçal!
Vozes do PS: - É verdade!
Protestos do PSD.
O Orador: - Ele trouxe aqui, numa voz que não teve correspondência com a tentativa de acutilância do discurso, uma visão policial pré-democrática, que não tem nada a ver com o nível que gostaríamos que tivesse este debate. Ficámos, no entanto, satisfeitos por não ser mais um boy do Ecclestone mas ser o Sr. Deputado Carlos Encarnação que, suponho, não foi Comissão de Economia ouvir, durante sete horas, esclarecimentos sobre a Autodril e vem para aqui dizer uma ou duas banalidades falsas.
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Protestos do PSD.
Como também o Sr. Deputado Carlos Encarnação não explica como é que o Governo, que ele teve tanta honra de integrar, arrastou durante 10 anos, sem nada resolver, a questão da Torralta e hoje critica a solução que se procura repor.
Aplausos do PS.
É isto que vos dói. O que dói ao PSD é que este Governo queira resolver os problemas! Como não tem alternativa económica, como não se confirmaram os cenários da desgraça, tentam lançar lama sobre as pessoas! Essa
atitude não é corajosa, não é lúcida nem é digna e o País saberá dar-vos a resposta.
Aplausos do PS.
Nós estamos disponíveis para se esclarecer tudo.
0 Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Não fuja às questões!
O Sr. Presidente: - Não é caso para tanto, Sr. Deputado. Não é caso para tanto!
O Orador: - Nunca fugi, Sr. Deputado. Não sei quem é o anónimo que está a falar comigo... Esteja calado e ouça! Se quiser ter coragem, inscreva-se!
O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Responda às questões concretas!
O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Quais questões concretas? Boatos?!
0 Orador: - Sr. Deputado, nós queríamos as questões concretas que discutimos na Comissão de Economia e que vão aqui ser discutidas. Sr. Deputado, por ter sido eleito Secretário-Geral Adjunto não pense que isso lhe dá impunidade para dizer aquilo que quer!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Prossiga na sua via, Sr. Ministro da Economia, que nós estamos consigo. 0 País compreende-o, os trabalhadores e os empresários compreendem a sua actuação. 1, com esta actuação que se criam empregos, é com esta actuação que se desenvolve o País, é com esta actuação que se pode aplicar as nossas políticas de desenvolvimento, de integração europeia e de solidariedade.
Sr. Ministro, conte connosco. Prossigamos por esta via porque a este tipo de questões desta oposição responder-se-á com uma acção concreta, responder-se-á com o esclarecimento das questões, responder-se-á com a via do desenvolvimento e da solidariedade, que é a nossa.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, tenho exigido de mim próprio a maior compreensão para a vivacidade deste debate. Compreendo que é um debate que sempre teria de ser feito com algum calor, mas peço-vos, por favor, que se coíbam de alguns excessos verbais. O Sr. Deputado Carlos Encarnação, há pouco, pediu ao Sr. Ministro que tivesse vergonha e agora o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira fala em estratégia de calúnias, de lamaçal e não sei que mais. Sinceramente, acho que...
Protestos do Deputado do PSD Carlos Encarnação.
Sr. Deputado Carlos Encarnação, não se indigne. Estou no meu direito de fazer a intervenção que estou a fazer!
Peço-lhes, Srs. Deputados, que, na medida do possível, se coíbam de criar situações embaraçosas.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, V. Ex.ª sabe que tenho muita consideração por si.
O Sr. Presidente: - Eu sei. Eu também tenho por si, Sr. Deputado.
O Orador: - V. Ex.ª sabe que é com a alma em sangue, que faço este reparo.
O Sr. Presidente: - Não é caso para tanto, Sr. Deputado. Não é caso para tanto!
Risos do PS.
O Orador: - O que acontece, Sr. Presidente, é que já na semana passada, a propósito de algumas intervenções cruzadas, houve um relato na imprensa que foi incorrecto, acerca do que se passou aqui. Eu não estou para que isso volte a acontecer agora!
Portanto, gostaria de dizer a V. Ex.ª que quem se referiu a mim, se virou para mim e disse «tenha vergonha!» foi o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.
Vozes do PSD: - Exactamente!
O Orador: - Eu apenas me limitei a responder.
O Sr. Presidente: - Sendo assim, critico também, e censuro, o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares. Não me apercebi disso.
Aplausos do PSD.
Sr. Deputado, repare que eu deixei passar essa expressão e só comentei agora por verificar que o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira também estava a incorrer naquilo que entendi serem excessos de fronteira, é verdade, mas excessos. Gostaria que o debate fosse o mais digno possível.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro pede a palavra para que efeito?
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, para confirmar a V. Ex.ª a correcção do que acabou de ser dito pelo Sr. Deputado Carlos Encarnação e para dizer a V. Ex.ª, que é um ilustre jurista, que sabe que por vezes é difícil contermo-nos quando ouvimos barbaridades, e barbaridades ditas por quem sabe que está a dizê-las.
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Protestos do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, acabei de pedir contenção e o Sr. Ministro acaba de pôr «mais vinagre no molho»! Não ajuda nada!
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma brevíssima interpelação.
O Sr. Presidente: - Que seja brevíssima e que seja interpelação, Sr. Deputado.
Tem a palavra.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, queria apenas dizer que tenho sempre em consideração as palavras de V. Ex.` e que, a partir de agora. evitarei usar, ainda quando o seja e quando exista. a palavra «calúnia» nas intervenções parlamentares.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é diferente «calúnia» de «estratégia caluniosa». Quando usou só a palavra «calúnia», não pensei em fazer qualquer reparo, mas a expressão «estratégia caluniosa» é evidentemente ofensiva, em meu entender. Esse é o meu ponto de vista. mas os Srs. Deputados podem ter outro e até censurarem-me, porque têm esse direito. Se quiserem usar da palavra e dirigir uma censura ao Presidente ou até propor que determinada palavra minha seja retirada da acta, não tenho nada contra isso, é o meu critério. Peço desculpa mas faço-o por bem, não o faço por iria], como sabem.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.
O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, confesso que assisti com muita curiosidade e interesse a este debate que está a realizar-se, a propósito de algumas acusações e suspeições lançadas pelo PSD sobre a promiscuidade de algumas decisões do poder político com decisões do sector económico privado.
Quero aqui dizer, em primeiro lugar, que os insultos mútuos não ajudam a esclarecer nada. Parece-me que o dever primeiro de todos. do Governo e da oposição. é procurar o esclarecimento relativamente às suspeitas que foram lançadas. Elas estão aí! Suspeito que, se se passa ao insulto fácil e pessoal, o que se procura é nada esclarecer.
Aplausos gerais.
O Sr. Manuel Varges (PS): - Esta é para si. Sr. Deputado Carlos Encarnação!
O Orador: - Agora, Srs. Ministros e Srs. Deputados, as acusações estão feitas, as suspeições estão lançadas, e foram hoje reforçadas, o que significa que saiu reforçado o dever de esclarecimento por parte do Governo.
Vozes do PSD: - Exactamente!
0 Orador: - Sobre esta matéria, temos dito que a primeira preocupação e o primeiro dever do Governo, a partir do momento em que, justa ou injustamente - continuamos a não o saber claramente -, foram lançadas estas acusações e estas suspeições, era, nem que não dormissem, apresentar um relatório circunstanciado de todas as operações em que o Estado, através do Governo e de alguns dos seus institutos, se viu envolvido, acompanhado das actas, das deliberações, das decisões, dos documentos e das demais provas que o pudessem instruir ....
Vozes do PS: - O inquérito!
O Orador: - ... para evitar que este debate se prolongasse para além do que era necessário.
Quero dizer-lhe, Sr. Ministro, que me parece absolutamente claro que devemos viver sob uma economia de mercado. Não pomos em causa os legítimos interesses da economia privada, dos grupos e das empresas e da procura que essas entidades fazem para obter as melhores soluções e a melhor satisfação dos seus interesses, mas o que é preciso afastar mesmo é a suspeita de que o interesse nacional se confunde alguma vez, ilegitimamente, com esses interesses legítimos da economia privada.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Uma economia privada forte? Sim, criando riqueza, criando emprego, mas não misturada ilegitimamente com o poder político.
Quero ainda dizer-lhe o seguinte, Sr. Ministro: curiosamente, parece-me que. em alguns destes casos, V. Ex.ª e o seu Governo andam a tentar desatar o nó cego que as sequelas da revolução trouxeram aos grupos económicos de então - as intervenções e as nacionalizações de que foram vítimas. O que é o caso do Grão-Pará se não isso, em última análise?
O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Muito bem!
O Orador: - O que é o caso da Torralta senão isso?
E eu, Sr. Ministro, olho para si e vejo-o a dar o nó há 210 anos e a desatá-lo agora. Vejo isso claramente e tenho muita pena que assim seja!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - De qualquer forma, Sr. Ministro, vamos esperar que V. Ex.ª concretize as explicações que hoje começou aqui a dar: concretize as ligações e as coincidências; concretize os esclarecimentos necessários às ligações e às coincidências que aqui foram apresentadas.
V. Ex.ª tem hoje uma lei que regula, como sabe, a chamada administração aberta. V. Ex.ª sabe que todos e, por maioria de razão, os Deputados, devem ter acesso a todos os dados da Administração e dos seus órgãos e dos institutos públicos. V. Ex.ª sabe que há uma comissão, que é integrada, aliás, também por parlamentares, a Comissão de Acesso aos Dados Administrativos. a quem podemos recorrer, se essas explicações não forem consistentes e concretas.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Basta um requerimento!
O Orador: - Uma última palavra, Sr. Ministro: o caso do IPE, para mim, é o mais caricato. Pergunto-me se, de facto, o Estado português devia ter o controle e tomar decisões em matéria de capital de risco em empresas de capital de risco. O accionista da sociedade anónima IPE, como sabe, é o Estado, e o dinheiro que é aplicado nessas operações de capital de risco, que, como o próprio nome indica, podem ser bem ou mal sucedidas, é públi-
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co... Se forem bem sucedidas, muito bem, se forem mal sucedidas, o Estado desbaratou o dinheiro dos contribuintes. Pergunto-me, por isso, se o Estado se devia envolver em operações de capital de risco, porque isso é que me parece um exemplo claro do terceiro mundismo.
Sr. Ministro, de facto, ver o Estado português, através do IPE, a aplicar recursos financeiros na compra de cadeias de distribuição no Brasil, seja lá qual for a razão por que o fez, e acredito que o tenha feito pelas melhores razões, não me parece, na verdade, o melhor caminho.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Entre as muitas promessas e compromissos assumidos por este Governo, constava e bem! - o compromisso de processos e métodos novos e mais transparentes, em contraponto àquilo que foi a governação do PSD. E a questão que está aqui a ser debatida julgo que se coloca nessa perspectiva, porque podemos lembrar aqui aquele ditado que diz que «à mulher de César não basta ser séria, é preciso parecê-lo».
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Em relação a algumas destas situações que foram aqui suscitadas, o Sr. Ministro compreenderá, e, certamente, aceitará, que, de facto, não parecem ser sérias. Não vou entrar em matéria pontual, mas, para fundamentar esta afirmação, há duas questões que aqui foram colocadas: o problema do processo da adjudicação ou atribuição da zona de jogo de Tróia e o problema do IPE em relação à cadeia de distribuição.
Sr. Ministro, o IPE investe. É uma opção do Governo, como detentor do capital do IPE, apoiar a internacionalização de empresas portuguesas. Ora, mas não é apenas no Orçamento que os recursos são exíguos, também no IPE, como em qualquer outra instituição, os recursos são exíguos. E será, na perspectiva de um governo, uma prioridade apoiar a internacionalização de uma empresa no sector da distribuição comercial?!
Dizia, há pouco, o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares que isso estava estabelecido, era uma orientação do anterior Governo. Mas cá está a questão dos novos processos, dos novos métodos e de mais transparência! Por que é que este Governo não alterou?! O Sr. Ministro diz que essa orientação é boa. É boa para mandar produtos para o Brasil, para essa cadeia de distribuição. Mas quais produtos, Sr. Ministro? Sejamos claros. Serão as mangas?! Serão as bananas?! Serão as goiabas?! Será o feijão preto?!
Aplausos do PCP.
Ó Sr. Ministro, os supermercados aqui estão cheios de produtos do Brasil e não são os produtos portugueses que vão concorrer com os produtos do Brasil!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Mas a questão central e fundamental é a seguinte: é que o Sr. Ministro da Economia, há poucos dias, referiu que o Governo quer e apoia o reforço dos grandes grupos económicos portugueses. Precisamente porque tem esta filosofia de querer e apoiar o reforço dos grupos económicos portugueses que o Governo faz coisas que, pelo menos, não me parecem sérias. Essa é a grande questão!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Como cede e tem cedido, em várias circunstâncias, claramente, a pressões de lobbies e de grupos mais ou menos informais.
Sr. Ministro, terminaria perguntando. em síntese, o seguinte: face a esta questão, que para nós é a questão de fundo e a questão central, o Sr. Ministro é capaz de nos garantir que, nos últimos três anos, depois de o novo Governo ter iniciado funções, não aumentou o poder do poder económico sobre o poder político? É capaz de nos dar esta informação e de garantir que isto é assim?
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, esta minha intervenção, que vai ser curta, foi-me suscitada pela intervenção do Sr. Deputado Luís Queiró.
Lembraria ao Sr. Deputado que terminámos há pouco tempo um inquérito parlamentar sobre o famoso caso Champallimaud. Posso deduzir das suas palavras, uma vez que referiu aqui que gostaria de ver documentos, processos, fazer uma apreciação mais profunda a todos estes casos, que V. Ex.ª não está impedido de apresentar uma proposta de inquérito parlamentar. Aliás, se esta operação não é uma operação de calúnia, de infâmia e - perdoe-me, Sr. Presidente - de política de lamaçal,...
O Sr. Presidente: - Chamo a atenção para o que disse há pouco. Sr. Deputado.
O Orador: - ... façam favor de avançar com um inquérito parlamentar. Teríamos, assim, oportunidade de não só ouvir o Sr. Ministro e os agentes económicos envolvidos no processo mas também, provavelmente, de ouvir o Sr. Professor Marcelo Rebelo de Sousa, a quem, seguramente, teríamos muitas e muitas perguntas a fazer.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Deputado Luís Queiró, a Torralta e o Grão-Pará não foram objecto de qualquer processo de nacionalização. Aqui, no Parlamento, é preciso existir algum rigor político mas também algum rigor técnico. Não se refugie em palavras e seja rigoroso. Efectivamente, não estamos perante um processo dessa natureza.
Terceira questão: é evidente que não está em causa o acesso e o respeito pelo princípio da Administração aberta, mas não é isso exactamente o que aqui está em causa. Estamos perante empresas, que têm o seu enquadramento comercial - aliás, como sabe, o IPE é uma sociedade anónima - e a sua autonomia e, naturalmente, não é exactamente o mesmo caso.
Mas ainda ninguém negou a V. Ex.ª, nem a nenhum Sr. Deputado, qualquer elemento informativo sobre estas questões. No tal inquérito teremos oportunidade de os apresentar todos.
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Finalmente, Sr. Deputado e Srs. Deputados, em geral, o caso do IPE. Já foi referido por um administrador do IPE, ministro do Governo Cavaco Silva, Deputado nesta Câmara, uma pessoa cuja respeitabilidade e honorabilidade está acima de qualquer suspeita, que este processo do investimento do IPE no Brasil começou a ser estudado e negociado no Governo do Professor Cavaco Silva. Apenas foi concretizado neste Governo, mas começou a ser estudado no Governo de Cavaco Silva,...
O Sr. Presidente: - Peço-lhe que termine, Sr. Deputado.
O Orador: - ... e isso integra-se, aliás, numa estratégia de internacionalização, como foi referido pelo Sr. Ministro da Economia. O que é que VV. Ex.ªs diriam se o Governo, usando a sua função accionista, interviesse no IPE e impedisse este negócio? Os senhores diriam que estaríamos a protelar ilegitimamente uma empresa de capitais públicos, sob a forma de sociedade anónima. e que, evidentemente. estaríamos a fazer algo que não devíamos.
Portanto, vamos ter um bocadinho de calma, vamos ter um bocadinho de racionalidade e, sobretudo, vamos ter um bocadinho de bom senso, Srs. Deputados. e avancem com um inquérito parlamentar.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Economia, dispondo para o efeito de, como sabe, 5 minutos.
O Sr. Ministro da Economia: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Encarnação. V. Ex.ª começou por dizer que eu trouxe aqui desculpas que eram poucas e que vínhamos aqui ser julgados. Ora, eu nem me sinto a ser julgado nem venho aqui apresentar desculpas de coisa nenhuma. Venho aqui expor políticas, venho aqui expor as políticas do Governo e venho aqui fundamentar que os casos que VV. Ex.ªs levantaram se inserem na aplicação de políticas do Governo.
O Governo não faz negócios, o Governo tem políticas, o Governo tem instrumentos de aplicação das suas políticas e é disso que estamos a falar. Eu e o Governo não nos sentimos réus de coisa nenhuma nem estamos aqui a apresentar desculpas de coisa nenhuma, estamos a defender a nossa política.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Segunda questão: o Sr. Deputado perguntou-me se o acordo com o Grão-Pará não significa uma violação ao princípio da igualdade e quanto é que custou. Sr. Deputado, o que fiz na minha intervenção, nomeadamente a propósito do acordo com o Grupo Grão-Pará, foi demonstrar que esse acordo. na sua componente fiscal, utilizou instrumentos que estão ao dispor e que foram utilizados por centenas de milhar de contribuintes. Foi isso que eu fiz e o Sr. Deputado, na minha opinião, não tem o direito de pôr em causa que o Governo usou instrumentos que não são utilizáveis pelos contribuintes.
Aplausos do PS.
Perguntou-me também quanto é que custou o acordo com o Grupo Grão-Pará. Respondo ao Sr. Deputado o seguinte: a política de regularização de dívidas ao fisco e à segurança social, ao abrigo do diploma aprovado pelo Governo em Agosto de 1996, permitiu ao Estado recuperar 400 milhões de contos dos 1200 milhões de contos que a administração fiscal, sob a direcção de VV. Ex.ªs, deixou acumular em dívidas ao fisco e à segurança social.
Aplausos do PS.
O Sr. Deputado quer que eu lhe explique por que é que o Grupo Espírito Santo desistiu de ir ao leilão? O Sr. Deputado quer que o Governo interfira, pergunte e defina aos grupos económicos, aos agentes económicos, se devem ou não ir a leilões, se devem ou não desistir. se devem ou não negociar? Isso é que é, Sr. Deputado Carlos Encarnação, querer a estatização da economia portuguesa, isso é que é, Sr. Deputado Carlos Encarnação, entrar numa deriva pseudo-esquerdista e pseudo-estatista, seguindo, aliás, o rumo definido pelo líder do seu partido!
Ainda em relação à questão do investimento do IPE no Brasil, devo dizer que é uma visão distorcida e reduzida da realidade estarmos a definir a política de investimentos do IPE como a política de investimentos apenas numa cadeia de distribuição.
Mas, efectivamente, a internacionalização é um objectivo da política do Governo, o mercado brasileiro é um dos mercados alvo da política de internacionalização do Governo e o parceiro que o IPE escolheu para essa operação é um parceiro credível na área da distribuição.
Sr. Deputado, não é apenas no Brasil que as empresas de distribuição portuguesas estão a internacionalizar-se, é também, por exemplo, na Polónia, onde um outro grupo económico da área da distribuição constitui um dos vectores essenciais da internacionalização da nossa economia.
E o que eu disse significa que esses e outros instrumentos de estímulo à internacionalização das empresas portuguesas estão ao dispor de todos os agentes económicos - está o Fundo de Internacionalização das Empresas Portuguesas (FIEP), estão as políticas de crédito de ajuda e estão muitas outras.
O Sr. Deputado Octávio Teixeira referiu - e é verdade - que o Governo tem como política estimular o crescimento dos grupos económicos portugueses. Isso é exigido pelos interesses da nossa economia e temos instrumentos para apoiar essa política, porque os nossos grandes grupos económicos, industriais, comerciais e financeiros são pequenos grupos económicos face aos concorrentes com que têm de se debater. É do interesse nacional fazer isso e nós vamos continuar a fazê-lo.
Porém - e esse é um ponto que as críticas do PSD, na maneira como são feitas. pretendem escamotear -, a política económica de apoio aos agentes económicos portugueses não é apenas aos grandes grupos económicos. Temos, através do PEDIP e do PROCOM. apoiado e estimulado a modernização empresarial das pequenas e médias empresas. Quero dizer-lhes que três quartos dos projectos de empresas apoiadas nos 6600 projectos do PEDIP são de empresas até 250 trabalhadores e 63% desses projectos são de empresas até 100 trabalhadores. Não se queira dizer - e é isso que o PSD pretende fazer que a política económica do Governo português está só ao serviço do estímulo do crescimento dos grandes grupos económicos. 0 Governo português e a sua política económica querem estimular o crescimento e o fortalecimento das pequenas, das micro e das médias empresas
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portuguesas e também dos grandes grupos económicos, industriais, comerciais e financeiros.
O Sr. Presidente: - Agradeço-lhe que termine, Sr. Ministro.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Quanto ao outro objectivo desta tentativa de intimidação de V. Ex.ª, quero dizer-lhes o seguinte: nós não nos intimidamos e vamos continuar a apoiar, no quadro da lei, todos os agentes económicos portugueses, porque queremos, agora que conseguimos participar na construção da moeda única, o euro, que Portugal tenha, no quadro da União Económica e Monetária, uma economia forte e competitiva e não vamos deixar que os agentes económicos de outros países, com melhores condições, venham aqui ocupar o espaço das nossas empresas, sejam elas pequenas, médias ou grandes.
Aplausos do PS.
O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, quero perguntar a V. Ex.ª e, através de V. Ex.ª, à Câmara e, concretamente, ao Sr. Deputado Manuel dos Santos se consegue ir perguntar às dezenas de milhar de pequenos investidores da Torralta se a empresa foi ou não intervencionada, porque talvez venha de lá com uma resposta um nadinha mais insultuosa do que aquelas que aqui se ouviram.
Em segundo lugar, quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que um inquérito parlamentar não nos mete a menor impressão. Agora, o que lhe digo é o seguinte: V. Ex.ª sabe que um inquérito parlamentar demora meses, com férias pelo meio, e, na verdade, o que queríamos era que os esclarecimentos fossem prestados o mais rapidamente possível.
Aqui, «a suspeita não casa com a demora». Mas não temos medo de um inquérito, Sr. Deputado, e se os esclarecimentos não forem prestados, aqui estaremos!
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Nós estamos cá, os senhores é que não querem que vamos à comissão!
O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Nós?!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.
Eram 18 horas e 15 minutos.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à apreciação do relatório final da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar para Apreciação da Conformidade Constitucional e Legal do Aval do Estado à UGT.
Não sei se o relator, Sr. Deputado João Amaral, quer apresentar a síntese do relatório e as suas conclusões ou se podemos dá-lo por conhecido de todos os Srs. Deputados.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, o relatório é do conhecimento de todos os Srs. Deputados, foi distribuído e, na qualidade de relator, nada mais desejo acrescentar.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.
O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Conclui-se, hoje, com a discussão do segundo relatório elaborado pela Comissão de Inquérito criada para o efeito, a apreciação parlamentar deste infeliz caso da concessão pelo Ministro das Finanças de um aval à UGT.
E conclui-se com a certeza, provada e cabalmente demonstrada, de que o Ministro das Finanças, o Governo e o PS não agiram bem e merecem a mais veemente censura política desta Assembleia.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Tinha, pois, razão o PSD quando, há mais de um ano, denunciou publicamente este caso e exigiu a realização de um inquérito parlamentar.
Desde logo, não agiu bem o Ministro das Finanças! Começou por atribuir o aval à UGT num despacho discreto e envergonhado, publicado na II Série do Diário da República, afirmando, altiva e arrogantemente, que o seu despacho não violava a lei dos avales nem punha em causa a independência da central sindical.
Refugiou-se, depois, em primeiras declarações na Comissão de Inquérito, na comparação com a actuação de governos anteriores, afirmando que o que fizera era em tudo semelhante a inúmeros outros avales concedidos por anteriores governos, designadamente do PSD, pelo que, se o seu fosse ilegal, também aqueles o seriam.
O Ministro das Finanças despendeu, então, vasto do seu precioso tempo, que tanta falta faz ao País, na escolha e descoberta de uma lista de avales que seriam semelhantes aos seus e enviou-os, com urgência, à Procuradoria-Geral da República, para parecer.
Como bem refere o relatório que agora apreciamos, a Procuradoria-Geral da República, pelo seu Parecer n.º 26/97, de 9 de Julho, considerou todos esses avales perfeitamente legais e enquadráveis na lei dos avales.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Mas, inexplicavelmente, ou talvez não, esse parecer, recebido pelo Ministro das Finanças, em 6 de Agosto de 1997, só foi revelado à Comissão de Inquérito, em 15 de Dezembro de 1997, quatro meses depois, já no fim dos trabalhos da Comissão!
Talvez, no entanto, assim se explique a razão por que o Ministro das Finanças, nas suas segundas declarações prestadas à Comissão de Inquérito, tenha já optado por uma nova argumentação, preferindo defender-se com base na inaplicabilidade ao seu aval da lei dos avales de 1973, que consideraria já revogada!
Ficou, porém, claramente demonstrado pelos trabalhos da Comissão de Inquérito que o aval do Ministro das Finanças foi ilegal e violador da lei dos avales, então em pleno vigor, e também pôs em causa a independência sindical da UGT. Ao agir assim, o Ministro das Finanças
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descredibilizou o instrumento do aval e a sua função governativa. Razões graves, mais do que suficientes, para merecer a nossa censura política.
Também não agiu bem o Governo! Em todo este processo, o Governo demonstrou clara intenção de condicionar a livre decisão da UGT no processo negocial de concertação social, a decorrer em 1996.
Foi o Governo, pelos Ministros da Solidariedade e Segurança Social e para a Qualificação e o Emprego, que colocou em grave situação económica a UGT, ao cancelar a atribuição das verbas nacionais do FSE às acções de formação profissional desenvolvidas por aquela central sindical. Entendeu o Governo, para tomar essas medidas drásticas, que a UGT não oferecia idoneidade nem credibilidade suficientes.
Foi, porém, o mesmo Governo que, em finais de 1996, com o processo de concertação em fase de conclusão. atribui o seu aval à UGT. considerando que esta central sindical merece, afinal, toda a confiança por idónea e credível!
Em que ficamos?!
A actuação do Governo teve, necessariamente, directa aquiescência do Primeiro-Ministro, pois não nos esquecemos das abusivas intervenções do então Secretário-Geral do PS nas livres decisões da UGT no processo de concertação social de 1994. com o Governo do PSD.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Ficou, assim, descredibilizado o processo de concertação social. que, aliás, marca passo até hoje, e demonstrada a falta de sentido de Estado deste Governo no seu relacionamento com os parceiros sociais. designadamente as associações sindicais, mas sem esquecer o especial relacionamento que tem devotado para com algumas empresas. Razão mais do que suficiente para merecer a nossa censura política.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Finalmente. não agiu bem o PS! Começou por rejeitar todas as críticas da oposição e. sem qualquer espírito democrático, repudiou as opiniões maioritariamente vencedoras na Comissão de Inquérito.
Vislumbramos, no entanto. com satisfação, que. apesar da férrea disciplina partidária que lhes foi imposta, ainda souberam reconhecer que o despacho do Ministro das Finanças poderia conter dúvidas quanto à sua legalidade.
Apesar de tudo, deve ser salientado este esforço do PS, merecendo, porém. clara censura a teimosia com que encararam as provas produzidas e a imaginação necessária que tiveram para nelas conseguir descortinar virtualidades inexistentes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: De todo este processo. tem de ficar uma lição, um ensinamento para o futuro. E esse é que, nos meses que restam de governação a este Governo PS, assumam com humildade democrática e sem arrogâncias os erros cometidos e evitem cometê-los de novo. Em especial. não pratiquem actos atentatórios da legalidade democrática. não criem favores ou benefícios sem critério, não descredibilizem o processo de concertação social, nem ponham em causa esse valor essencial da democracia que é a independência sindical.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Felizmente que em causa esteve a UGT, uma central sindical que já demonstrou, ao longo dos seus anos de existência, não ser permeável a condicionamentos nem aceitar constrangimentos na sua actuação sindical livre.
Felizmente que o PSD esteva atento e cedo denunciou este acto irresponsável do Governo.
Fica, infelizmente, a dúvida de como tudo teria sido com qualquer outra entidade mais débil e permeável a razões económicas. Fica também a dúvida se outros casos não terão existido de que a oposição não teve conhecimento.
E ficar a dúvida, é mau para o País e para a nossa democracia.
O Governo prestou. assim, um mau serviço a ambos!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Peixoto.
O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tinha empenho, ao iniciar a minha intervenção, em referir. de forma inequívoca, o enorme reconhecimento que o Partido Popular faz à UGT como uma peça basilar da luta dos trabalhadores neste país e da assimilação de regras fundamentais de salvaguarda dos trabalhadores. reconhecendo também que a UGT foi uma das peças basilares da institucionalização da democracia no nosso país. isto para dizer que nada, muito pelo contrário, nos move contra a UGT e para referir também que, afinal de contas, bem feitas as contas, a UGT foi uma das principais "vítimas" deste infeliz negócio por parte do Governo. que foi susceptível de lesar, em nosso entender, com gravidade. a sua honorabilidade e, assim, o papel fundamental que uma organização sindical como a UGT pode e deve desempenhar neste país.
E isto porquê? Porque, como resulta do relatório agora em apreciação, o PP pensa que foi violado o quadro, tanto constitucional como meramente legal. que enforma a questão da prestação dos avales neste estado de coisas. Desde logo, houve a violação clara e inequívoca da Base I da Lei n.º 1173. assim como a violação evidente - diria mesmo. algo grosseira - dos princípios da independência e da autonomia sindicais. consignados no artigo 55.º da Constituição da República Portuguesa e também na lei ordinária.
o Governo acabou, afinal de contas, como dizia há pouco. por prestar um péssimo serviço à democracia e um muito mau serviço à UGT, que quase necessita de ser reabilitada.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD) - Muito bem!
O Orador: - Porquê? Porque nunca podemos deixar de ter presente que a UGT é uni parceiro social e que concerta anualmente com o Governo a estratégia de desenvolvimento deste país.
Vozes do CDS-PP: - Exactamente!
o Orador: - Ora, o Governo, ao conceder este regime de favor à UGT. lançou-lhe o estigma da mácula. Ternos a certeza. Sr. Presidente e Srs. Deputados, de que à UGT não vai ser muito difícil fugir e desentranhar-se deste mau estigma. Agora, cabe a inteira, responsabilidade.
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ao Governo, que, digo e repito, prestou muito mau serviço à democracia e à própria UGT.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Victor Moura.
0 Sr. Victor Moura (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados. consuma-se, hoje, em Plenário, aquilo que tem sido o comportamento usual da oposição ao longo desta legislatura: a tentativa de ferir a honorabilidade de membros do Governo. No caso agora em apreço. juntavam-se num só acto dois objectivos: um membro do Governo e unia organização de trabalhadores. Um governante apontado como um dos pilares no êxito e prestígio do Governo e pedra fundamental para um dos objectivos da sua política, a adesão à moeda única, e uma central sindical por quem, talvez por razões diversas, os partidos da oposição não morrem de amores.
Interessava manchar a credibilidade de um ministro e de uma organização de trabalhadores, pondo também em causa a capacidade negocial do Governo de obter
acordos com os parceiros sociais.
Procurava-se ainda ignorar os milhões de contos avalizados pelos governos anteriores, ao abrigo de uma lei que, embora ultrapassada no tempo, esses vários governos nunca se preocuparam em alterar, adequando-a à nova realidade política e económica. Essa lei de 1973 foi servindo para tudo e para todos e teve de ser o actual Governo, apesar de minoritário, a substitui-la por outra, em consonância com os novos cenários políticos e económicas. Os sucessivos governos ignoraram as várias solicitações, nomeadamente de órgãos de soberania, adiando a alteração da lei, por forma a adequá-la à realidade do regime democrático. principalmente a partir do momento em que Portugal aderiu à Comunidade Europeia, que só veio a acontecer em Setembro último com a Lei n.º 112197. Até aí, o aval do Estado foi um instrumento frequentemente utilizado, pelo menos desde 1974, para apoiar, na ordem interna, as empresas com dificuldades económicas e financeiras e, na ordem externa. investimentos e fornecimentos de equipamentos.
O conflito entre a Lei n.º 1173, de 2 de Janeiro, e a nova realidade foi gerido tendo por base os elementos histórico e teleológico de interpretação das normas e através da sua interpretação com recurso à analogia integrando nela todos os avales mas omitindo nos pareceres a apreciação quanto à conformidade, quer em relação à Base I, nuns casos, quer à Base II dessa lei, noutros casos. Este procedimento foi adoptado pela generalidade dos governos que exerceram funções neste período.
Por isso, e em coerência com o que sempre afirmámos, defendemos em sede de Comissão, que o aval concedido à União Geral de Trabalhadores se inseriu na prática administrativa de aplicação da Lei n.º 1173 e conduziu a que o universo de beneficiários do aval do Estado se tornasse bastante amplo, abrangendo grémios e respectivas federações, comissões de trabalhadores, cooperativas, municípios, regiões autónomas, universidades, associações e. mesmo, entidades estrangeiras.
Reafirmamos, assim e agora, que os diferentes avales concedidos pelo Estado nem sempre preencheram todos os requisitos das Bases I e II, o que não impediu, contudo, com o recurso a uma interpretação mais abrangente da Lei e face às circunstâncias concretas que à época condicionaram essas concessões, a Administração de considerar que todos os requisitos da Lei n.º 1173 estavam preenchidos, considerando-os assim legais.
A Lei n.º 1173 foi interpretada dentro do enquadramento factual da situação que envolvia a entidade avalizada e o empreendimento ou projecto a avalizar. Mas, e por outro lado, uma leitura taxativa do universo de beneficiários da garantia do Estado não tem suporte nos princípios constitucionais estruturantes do Estado de direito democrático, pelo que tal leitura é inconstitucional e, como tal, proibida pelo princípio da interpretação conforme à Constituição.
Na verdade, o enquadramento constitucional da chamada "administração prestadora" exige, no plano da formação, o respeito pelo princípio da igualdade em termos de não se poderem operar ao nível legislativo discriminações que não encontrem na realidade fundamento sério bastante.
"Nessa medida, na sua dimensão de igualdade dos cidadãos perante a lei, o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º.ª Constituição da República Portuguesa constitui um comando dirigido ao legislador no sentido da proibição do arbítrio ou da proibição das discriminações que não encontrem, na realidade, fundamento sério e bastante", como diz Gomes Canotilho in Direito Constitucional e Jorge Miranda in Manual de Direito Constitucional.
Por isso. entendemos que a UGT não poderia ser discriminada face à panóplia de entidades que foram beneficiadas com a concessão de avales em situações similares.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados: As oposições poderão prosseguir na sua fúria desenfreada contra o Governo, os grupos económicos e as associações de trabalhadores convergindo numa estratégia comum como se de um só partido se tratasse.
O Governo continuará a governar ao serviço dos portugueses, a todos tratando em conformidade com o enquadramento constitucional e legal a que se encontra obrigado, consolidando e ampliando cada vez mais a maioria que o apoia.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: O inquérito parlamentar para a apreciação da conformidade constitucional e legal do aval do Estado à UGT já terminou há muito tempo e até já foi debatido no Plenário, quando aqui discutimos o primeiro relatório aprovado pela Comissão de Inquérito, sendo a conclusão de que o aval foi ilegal por violação da Lei n.º 1173.
Feito esse trabalho, o inquérito deveria ter terminado e a Assembleia devia ter sido poupada a trabalhos desnecessários e inúteis, mas alguém convenceu o PS - certamente o próprio Ministro das Finanças - que se se averiguassem mais avales iam encontrar-se um mar de ilegalidades.
Pode resumir-se nestes termos: o aval à UGT é, de facto, ilegal, mas como as ilegalidades são muitas a do aval à UGT ficava devidamente salvaguardada. Em terra de pecadores não vale a pena ser santo ... !
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Esta "estratégica franquista", de invocar ilegalidades alheias, desenvolveu-se não só aqui na Assembleia mas também da Procuradoria-Geral da República. Para esta. o Ministro mandou uma lista de avales concedidos, designadamente em operações envolvendo empresas como a Duarte Ferreira, a Lisnave, a Renascença Gráfica, a F. Caiado, etc. O que ligava todos os casos enviados pelo Ministro das Finanças à Procuradoria-Geral da República era o simples facto de todos eles resultarem de despachos concedidos por governos do PSD.
Ora, creio que o Sr. Ministro Sousa Franco actuou com uma enormíssima transparência e todos ficaram a perceber o que é que ele pretendia. Mas ninguém vai acreditar: a Procuradoria-Geral da República não fez a vontade ao Ministro! E apenas no caso da Textáfrica, empresa ligada a uma actividade industrial em Vila Péri. em Moçambique, admite a possibilidade de vício de violação de lei, já que "o quadro, de facto disponível, não permite um juízo seguro sobre se a empresa é portuguesa ou estrangeira." A esta dúvida de nacionalidade de uma empresa luso-moçambicana resumem-se as ilegalidades encontradas. Imagine-se: será lusa ou será moçambicana?
Feio, feio foi o facto de o Ministro ter sonegado o conhecimento deste parecer da Procuradoria-Geral da República à Assembleia da República, já que, tendo-o recebido em 6 de Agosto do ano passado. só o enviou depois de muita insistência em 15 de Dezembro, isto é. 130 dias depois.
Para a Assembleia da República a tentativa foi noutra direcção: no pressuposto de que a UGT cabia no conceito de uma entidade não pública com a natureza de organizações empresariais, sindicais ou sociais, o que foi sugerido, certamente pelo Sr. Ministro, ao PS foi que fossem averiguados os quilómetros de ilegalidades nos numerosíssimos avales concedidos a operações envolvendo esse tipo de organizações.
Mas o problema foi quando a Comissão pediu ao Ministério esses famosos avales. Este enviou 41 avales, relativos aos anos de 1990 a 1997, num total de 94 volumes, 17 279 folhas e, posteriormente, mais 241 avales, referentes aos anos de 1974 a 1989. num total de 522 volumes... Papel não faltou, só que, na prática, a totalidade desses 282 avales não se referia a organizações empresarias, sindicais ou sociais, isto é, não cabia no objecto da Comissão e não respondia aos pedidos que a Comissão formulou.
O Sr. Ministro falhou completamente a estratégia por absoluta falta de meios para executá-la; quando muito conseguiu atafulhar a Comissão com papel...
Por proposta do PS, a Comissão analisou cinco casos, mas dois deles estavam, na prática, excluídos: o do Banco da Guiné- Bissau e o do Banco de Moçambique, que, obviamente, não são entidades não públicas com a natureza de organizações empresariais. sindicais ou sociais e os avales que lhes foram concedidos foram-no ao abrigo de legislação especial num quadro de relacionamento internacional que não tem nada a ver com os avales de que aqui falamos.
Quanto ao Grémio dos Armadores de Pesca do Arrasto há uma lamentável confusão no espírito socialista. que eu tenho de relembrar, já que o PS não consegue identificar nesse grémio uma herança da ditadura, não uma associação empresarial, como parece que, a certa altura, estavam convencidos que era, mas, sim, um grémio corporativo de inscrição obrigatória, isto é, uma pessoa colectiva de direito público.
Fica aqui também este pequeno "lembrete" sobre o que é que era o Grémio dos Armadores de Pesca do Arrasto. porque talvez os Srs. Deputados do PS tenham alguma curiosidade em consultar as numerosas publicações que há sobre o regime corporativo.
Tudo visto. ficaram dois casos, a Fundação Espírito Santo e o Europarque. Só que a primeira é uma instituição de utilidade administrativa que mantém em actividade umas oficinas de restauro. Será que isto tem alguma coisa a ver com a UGT? Oficinas de restauro?...
O Europarque tem uma ligação com a Associação Industrial Portuense, mas não é esta associação que é a promotora e gestora do Europarque, mas, sim a Associação Europarques, que é uma empresa, que tem capital de bancos como, por exemplo, o BPI. o BTA. o BCP, o BES, o BPA e a Caixa Geral de Depósitos. Ora, eu pergunto: querem associar a Associação Europarques à UGT? Também pensam que a UGT tem este capital tão internacionalizado?
A realidade é que. tirando o aval dado à UGT. mais nenhum aval aparece com a natureza ilegal que aquele assume. As manobras de diversão do Ministro Sousa Franco acabaram aqui. Perdeu-se tempo, na Assembleia, que não serviu de nada; gastou-se tempo e a conclusão ficou intocada: o aval à UGT foi ilegal.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Comissão de Inquérito não apresentou qualquer proposta de resolução e, como sabem, o relatório não se vota. pelo que termina aqui o debate desta matéria.
Vamos entrar na discussão da proposta de lei n.º 1701 VII Aprova a lei de televisão.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social.
O Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social (Arons de Carvalho): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Duas multinacionais conhecidas em todo o inundo - a Sony e a Microsoft - anunciaram no início deste mês que passarão a colaborar activamente no desenvolvimento de uma norma única para interligar os computadores pessoais, os sistemas de entretenimento doméstico, o videotelefone, a videoconferência, os televisores, os videogravadores e outros aparelhos electrónicos de consumo, através de uma rede doméstica única.
Este passo traduz o reconhecimento de que o aparelho de televisão, muito para além do entretenimento que classicamente nos oferece, será o centro de uma rede digital doméstica, que nos dará acesso a uma imensa variedade de informações e serviços interactivos.
Nos últimos anos, são, de facto. crescentes os sinais de uma convergência entre as telecomunicações, os meios de comunicação social e as tecnologias da informação.
Esta convergência, objecto, aliás. de um Livro Verde elaborado pela Comissão Europeia, que está a ser debatido em toda a União, influencia já hoje toda a regulamentação dos sectores das telecomunicações e da comunicação social.
No que respeita à televisão. estamos assim já muito longe do monopólio estatal que caracterizou a legislação dos diferentes países europeus até aos anos 80. O monopólio do Estado na televisão encontrou a sua origem em razões técnicas, históricas, económicas e políticas, mas, sobretudo, a partir dos anos 80, essas razões deixaram de fazer sentido.
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Os países com maior desenvolvimento tecnológico, com um mercado publicitário mais alargado e com uma indústria audiovisual mais forte abriram a televisão à iniciativa empresarial privada.
Portugal, onde estas condições se verificaram mais tarde do que na grande maioria dos países europeus, assistiu a esta mudança já no início dos anos 90.
Avivo as vossas memórias: o nosso país teve televisão privada na sequência da revisão constitucional de 1989. PS e PSD, que tinham convergido, em 1974, na defesa do monopólio do Estado, acordaram então numa abertura que seria concretizada em 1990, através de uma lei resultante de propostas que ambos submeteram a esta Assembleia.
Essa lei da televisão, ainda em vigor, marca o fim do monopólio do Estado.
A lei que agora debatemos marcará o fim do monopólio das televisões generalistas.
O quadro geral da actividade de televisão será assim bem diverso: acessibilidades tecnológica e económica, alargamento do espaço publicitário, desenvolvimento da indústria do sector, necessidade de satisfazer a diversidade de gostos e preferências dos consumidores de televisão e, sobretudo, possibilidade de o fazer aberta pelo fim das limitações impostas pelo carácter finito do espaço radioeléctrico.
Da raridade imposta pelas limitações do espectro radioeléctrico passamos para uma progressiva abundância oferecida pela difusão por cabo ou por satélite, potenciada ainda pela numerização do sinal.
Estamos, de facto, numa época de pleno desenvolvimento dos media portáteis e da interactividade, que reforçam a natureza individualista da sua utilização. As pessoas exigem por parte dos media serviços cada vez mais personalizados, para responder às suas expectativas específicas.
Esta personalização traduz-se igualmente a nível dos conteúdos. A especialização reflecte-se no rápido desenvolvimento e sucesso de canais temáticos. As novas tecnologias permitem-nos. as regras de mercado viabilizam-nos.
Depois da taxa de televisão, principal fonte de financiamento dos serviços públicos, e da publicidade, receita fundamental dos canais comerciais, surge, agora, a televisão a pagamento, nos sistemas pay tv ou pay per view.
Os media oscilam ainda entre dois pólos: o local e o planetário, entre a tendência para a proximidade e a tendência para a mundialização. A primeira corresponde à necessidade dos cidadãos verem abordados os temas do seu dia-a-dia, nos locais onde vivem; a segunda reflecte não só aquilo que é proporcionado pela evolução tecnológica, mas, sobretudo. pela globalização da economia.
A proposta de lei que hoje debatemos pretende responder aos novos desafios que a evolução deste meio impõe.
As alargadas acessibilidades tecnológica e financeira permitem e incentivam uma mais clara consagração da liberdade de empresa.
Na difusão por cabo ou por satélite, ou seja, na difusão que não utilize os meios hertzianos terrestre, já não faz qualquer sentido uma selecção entre candidaturas a licenças de emissão.
Os novos canais, nomeadamente temáticos, que sejam difundidos por cabo ou por satélite, dependerão de autorização, preenchidos que estejam os requisitos previstos na lei.
As características progressivamente transfronteiriças e supranacionais, quer das emissões quer da economia ligada a este meio, impõem como contrapartida um redobrado esforço na defesa dos valores da língua e da cultura de cada país.
A proposta de lei transpõe assim a Directiva Televisão sem Fronteiras, na sua recente versão aprovada pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho. Como se sabe, ela inclui, entre muitas outras, diversas normas que visam o desenvolvimento da indústria audiovisual europeia, o que passa, necessariamente, pelo incentivo ao fortalecimento da capacidade produtiva de cada Estado membro da União.
A proposta de lei ainda prevê diversos mecanismos inovadores, que permitem um claro incremento da produção audiovisual de criação original em língua portuguesa.
O previsível aumento do número de canais de televisão, e com ele a crescente complexidade da regulamentação de um sector cada vez mais sujeito a normas internacionais, obrigaram a uma redobrada preocupação pelos direitos dos espectadores.
A consagração de limites à aquisição de direitos exclusivos para a transmissão de acontecimentos que sejam objecto de interesse generalizado do público, o direito à transmissão de extractos informativos, a adopção obrigatória de um estatuto editorial, as regras que visam a transparência da propriedade e o alargamento do direito de antena, por exemplo aos partidos não representados na Assembleia da República, constituem aspectos inovadores essenciais, que marcarão, certamente, a nova legislação do sector.
A proposta que hoje analisamos foi longamente estudada e debatida. Ouvimos todas as entidades com interesses relevantes no sector: operadores, Alta Autoridade para a Comunicação Social. indústria audiovisual e especialistas. Acompanhámos os processos legislativos que estão em curso na generalidade dos países europeus.
A proposta que vos é apresentada tem um importante contributo de todas estas entidades. Estou plenamente convencido de que se trata de um texto moderno e equilibrado, que responde cabalmente ao grande desafio que nos exigem a defesa dos direitos dos cidadãos, as aspirações dos operadores e da indústria audiovisual portuguesa e a capacidade de todos poderem continuar a usufruir da fantástica evolução de toda a tecnologia associada a este sector.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Feita a fundamentação da proposta do Governo, nada mais me restaria a dizer antes de responder às vossas questões se não tivesse sido hoje anunciada uma iniciativa legislativa do PSD, propondo-se privatizar os principais canais do serviço público de televisão.
A ideia não é nova. Há alguns meses, esta Assembleia já a debateu e reprovou. Segundo me recordo, nenhum partido apoiou o PSD e lembro-me mesmo de uma intervenção extremamente inteligente e interessante da Sr.º Deputada Maria José Nogueira Pinto.
Interessa pouco perceber a motivação do PSD. Para mim, é evidente que o PSD espera poder ganhar alguns votos acenando à opinião pública com uma alegada poupança de milhões de contos do erário público.
0 PSD espera também que ninguém se lembre de recordar que esta ânsia de mudar a situação da RTP é directamente proporcional à sua tremenda má consciência em relação a tudo o que fez ao serviço público de televisão.
A situação da RTP é, obviamente, difícil. Os portugueses pagam um custo elevado pelo serviço público de tele-
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visão. Mas não é complicado perceber a origem desta situação e há vários factos que é necessário, nesta altura, relembrar.
O fim da taxa de televisão privou a empresa de uma importante fonte de receita, precisamente quando as receitas de publicidade diminuíram para cerca de metade, graças ao início da televisão privada.
O governo PSD começou por não compensar estas quebras de receitas. Em 1995, a RTP já pagava cerca de quatro milhões de contos anuais só de serviço da dívida. Nesse ano, o governo PSD atribuiu à empresa, entre indemnização compensatória e aumento de capital, cerca de 20 milhões de contos.
Entretanto, em 1991, o governo PSD decidiu que a RTP vendesse à TDP (mais tarde incorporada na Portugal Telecom) a rede de transporte e difusão do sinal por 5,4 milhões de contos Só em 1992 e em 1993 a RTP pagou à PT cerca de 7,2 milhões de contos pela utilização da rede.
Em 1995, a RTP pagou à Portugal Telecom cerca de 1,5 milhões de contos pela RTP1 e quase 700 mil contos pela RTP2. A SIC, que soube negociar, pagou menos de 500 mil contos.
Este é só um pequeno exemplo do que foi a irresponsabilidade com que se geriu a RTP no tempo do governo anterior.
O serviço público tem um custo elevado? Claro que tem!
Mas todos os serviços públicos de televisão da Europa têm um custo elevado: a BBC custa cerca de 400 milhões de contos por ano; o serviço público francês, 180 milhões, o alemão, 520 milhões (e não incluo aqui as verbas destinadas ao serviço internacional); o austríaco 53 milhões; o espanhol quase 100 milhões, etc.
Em percentagem do Produto Interno Bruto consagrado ao serviço público de televisão - única forma de comparar países com dimensões e riquezas diferentes
estamos, assim, muito próximos da média europeia.
Entretanto, convém não esquecer que os portugueses, em função dos baixos índices de leitura de jornais e livros, dependem muito da televisão para a sua informação e formação.
Entretanto, a RTP tem seis canais e não apenas um: apoia as televisões do países de língua oficial portuguesa; tem, desde há cerca de um ano, um espaço de informação regionalizada; tem um teletexto que, em breve, será também um importante veículo de integração dos deficientes auditivos, através da legendagem; tem já uma programação diária para deficientes auditivos; tem uma programação diária atribuída às diferentes confissões religiosas. cumprindo a lei de 1990, que o anterior governo, nesta matéria. ignorou sempre; tem, no 2.º canal, uma programação com maior preocupação cultural, sem interesse comercial; proeurou reequipar-se, preparando-se para a era da televisão digital.
A exemplo da generalidade das televisões públicas europeias, tem limitações à publicidade, ditadas pela necessidade de canalizar receitas para os operadores privados e para os restantes meios, bem como para salvaguardar as regras da leal concorrência.
O Sr. António Reis (PS): - Muito bem!
O Orador: - É claro que e possível diminuir o esforço financeiro do Estado.
O Governo solicitou à RTP um estudo sobre a reestruturação da empresa. Ao contrário do que o anterior governo fez com um estudo idêntico, este Governo não o deixará na gaveta.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Como tem sido anunciado, a RTP será, em breve, transformada numa holding. Abriremos à iniciativa privada os sectores comercial e da produção, a exemplo de outras empresas de serviço público europeias. que estudámos atentamente. Mas não privatizaremos o sector dos conteúdos.
Não nos peçam para responder aos erros da governação PSD com erros semelhantes ou ainda mais gravemente lesivos do interesse nacional.
O Sr. António Reis (PS): - Muito bem!
O Orador: - No quadro actual da situação da televisão em Portugal, a privatização seria uma medida puramente demagógica e completamente disparatada. Não tem em conta nem o interesse nacional, nem o mercado publicitário, nem o interesse dos operadores, nem a preocupação com os públicos minoritários, nem a experiência europeia, nem a necessidade de assegurar a independência da RTP.
Aplausos do PS.
É possível que, dentro de alguns anos, a quantidade de oferta televisiva torne dispensável uma televisão pública e mesmo um serviço público.
No quadro actual, porém, nenhum governo europeu tem essa ideia em mente. Antes pelo contrário!
As razões são diversas e proponho-me enumerá-las sucintamente.
A privatização da RTP seria equivalente, com toda a probabilidade, a entregar o serviço público a uma qualquer multinacional estrangeira. No contexto em que actualmente se exerce a actividade de televisão, sem possibilidades de limitar o capital estrangeiro, como os Srs. Deputados do PSD tão bem sabem,...
O Sr. José Magalhães (PS): - Mas esqueceram!
O Orador: - _a única forma de garantir a existência de uma empresa portuguesa que valorize e promova a língua, a cultura e os valores nacionais, é mantê-la no sector público.
A privatização da RTP implicaria, por outro lado. certamente um acréscimo da concorrência entre os diferentes canais. e a questão da concorrência não tem apenas a ver com o tipo de programação emitido. Nessa matéria, vejo mal a iniciativa privada aceitar a programação da RTP2 ou outras obrigações dirigidas a públicos minoritários. como, por exemplo, uma programação mais exigente do ponto de vista cultural ou uma programação para deficientes auditivos, etc. Mas preocupa-me, sobretudo, a escassez do mercado publicitário. Todos os estudos económicos do sector demonstram que o mercado publicitário não aguenta quatro, nem sequer três, canais hertzianos em concorrência directa.
A eventual privatização da RTP levaria, inevitavelmente, a TV1 para a falência e, provavelmente, outros órgãos de comunicação social teriam o mesmo destino. Será, que o PSD não fez contas em relação ao mercado publicitário português, nem ouviu os diferentes operadores privados?
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Quer o PSD repetir os mesmos erros que cometeu quando foi governo? Não aprendeu nada? O PSD acha mesmo que a iniciativa privada aceitaria as obrigações de serviço público sem exigir pesados subsídios do Estado? O PSD quer acabar com a actual programação, por exemplo, do canal 2?
O Sr. José Magalhães (PS): - Quer!
O Orador: - Uma RTP privatizada seria uma RTP mais independente?
Importa sublinhar um facto que todos os observadores independentes reconhecem: a RTP tem hoje uma informação isenta e plural.
O Sr. António Reis (PS): - Muito bem!
O Orador: - Além disso, uma empresa de capitais públicos pode ser independente do poder político. Sei que não é essa a tradição portuguesa, mas essa é a situação actual e a tradição europeia.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Vê-se!
O Orador: - Nada garante é que uma empresa privada seja mais independente de governos ou de interesses particulares. Aliás, se ela for privada e não for independente, pouco poderá o poder político fazer. Numa empresa de capitais públicos, é maior a capacidade para inverter esta situação.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Pois é!
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Mas é preciso saber escolher!
O Orador: - De resto, há vários exemplos de dependência de estações privadas: as polémicas em torno de Berlusconi, os escândalos sobre as ligações de um jornalista da privada TFI francesa, a capacidade de canais brasileiros para fabricarem e demolirem presidentes, etc.
A nível da União Europeia, todos os Estados membros consideram como pacífica e inquestionável a ideia de que um serviço público é uma das formas imprescindíveis de garantir aqueles objectivos.
Nenhum país da União Europeia, ou mesmo do Conselho da Europa, anuncia a intenção de privatizar o serviço público de televisão. Pelo contrário, quer através do protocolo anexo ao Tratado da União, aprovado no ano passado durante a presidência holandesa, quer nas conferências ministeriais do Conselho da Europa sobre a política de comunicação social, realizadas em Praga, em Dezembro de 1994, e em Salónica, em Dezembro de 1997, ficou clara a ideia de que o serviço público de televisão continua a ter um papel fundamental na defesa de um conjunto de valores muitas vezes secundarizados pelos canais comerciais.
Num quadro de crescente e inevitável presença do capital estrangeiro multinacional na actividade televisiva. um sector público de televisão constitui, deste modo, um reduto decisivo de defesa da cultura e da língua de cada país.
Esta asserção não constitui um preconceito político-ideológico da esquerda europeia, mas uma parte substantiva do património cultural de toda a Europa, defendida por democrata-cristãos, conservadores, liberais, sociais-democratas, trabalhistas, socialistas ou comunistas.
Enquanto a tecnologia e as condições do mercado não nos proporcionarem uma oferta muito diversificado de canais, como, aliás, hoje acontece em relação à imprensa, fará sentido um serviço público assegurado por uma empresa de capitais públicos.
Enquanto o mercado não nos proporcionar a variedade e a abundância de escolhas para todo o tipo de consumidores de televisão, justifica-se que elas sejam asseguradas por um serviço público.
Enquanto o mercado publicitário tiver a expressão actual, qualquer privatização do serviço público conduzirá a um inevitável acréscimo de dificuldades para os operadores privados e para o conjunto do sector da comunicação social.
Finalmente, Srs. Deputados, pelo que leio no jornal Público, a exposição de motivos do projecto do PSD refere que "nos últimos três anos, e não contabilizados os avales concedidos, no valor da alguns milhões de contos, o Estado assumiu responsabilidades financeiras na RTP no valor de 110 milhões de contos, isto sem contabilizar os prejuízos de 1997."
Esta frase é bem demonstrativa da leviandade com que se apresenta este projecto.
Em primeiro lugar, o financiamento público nesse período foi de cerca de 68 milhões de contos e o aumento da dívida de 18 milhões.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - E os prejuízos?!...
O Orador: - Em segundo lugar, não houve nesse período qualquer aval do Estado.
Uma última nota. Creio que os Srs. Deputados do PSD deveriam atentar mais numa análise sobre a situação do mercado português de televisão generalista por via hertziana, feita em 1994, em relação à política do anterior governo. E passo a citar: "Um (lia se verá se o Governo, ao criar um esquema que é um esquema de país rico. com tantos canais televisivos, um esquema de mercado inexistente, se não apanha, em boomerang, com uma luta desesperada pela publicidade, pelas audiências, que atravessa todos os canais televisivos e que, em larga medida, teve consequências no nivelamento, por baixo, da qualidade de muita programação em todos os canais de que dispomos."
Este cenário, que seria, certamente, agravado com a vossa proposta, foi traçado por um autor que, creio eu, os Srs. Deputados do PSD já adivinharam que é. 0 autor desta frase é mesmo o Sr. Professor Marcelo Rebelo de Sousa.
Aplausos do PS.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente João Amaral.
O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-P11): - Sr. Presidente, gostaria que me informasse se deu entrada na Mesa algum projecto de lei do Grupo Parlamentar do PSD propondo a privatização da RTP.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Devia ter perguntado a nós.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, neste momento não tenho disso conhecimento, mas mandarei averiguar.
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Sr. Secretário de Estado, inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Jorge Ferreira, António Filipe e Miguel Macedo e a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em função da resposta que a Mesa acaba de me dar, quero começar por lamentar que o Sr. Secretário de Estado tenha vindo aqui, hoje, ocupar uma pane substancial do seu tempo, como membro do Governo e para apresentar uma proposta de lei do Governo, respondendo a um projecto de lei anunciado na comunicação social mas não entregue na Mesa e não distribuído aos grupos parlamentares, o que, a meu ver, é sinal de uma de duas coisas: ou V. Ex.ª não tem em muito crédito a proposta de lei, que é sua função vir aqui apresentar, ou ficou - na nossa opinião, escusadamente - preocupado com o anúncio desse projecto de lei.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Perdeu o verniz!
O Orador: - O que não nos parece correcto num momento destes, numa oportunidade destas, é perder tempo com projectos de lei que hão estão entregues, não estão em discussão e que, com certeza, se forem entregues, teremos a oportunidade de discutir e de votar.
Sr. Secretário de Estado, não resisto a começar por uma observação: V. Ex.ª lembra recorrentemente ao País que os serviços públicos de televisão de vários países europeus custam muito mais dinheiro do que o serviço público da televisão portuguesa e, recorrentemente também, esquece de lembrar que os ordenados médios dos cidadãos são, em Portugal, muito inferiores aos ordenados médios dos cidadãos desses países europeus. É bom que, quando se compara este tipo de matérias, estejamos a comparar tudo, para saber o que é razoável, o que é admissível, o que é aceitável em termos de esforço de recursos nacionais, orçamentais, que provêm dos impostos dos portugueses, relativamente, neste caso, ao serviço público de radiotelevisão.
Sr. Secretário de Estado, tenho duas perguntas para lhe fazer, sendo a primeira a seguinte: a proposta de lei do Governo estabelece a tipologia dos canais televisivos, no seu artigo 7.º. O que quero perguntar-lhe é se não acha que esta é uma boa ocasião para evitar lacunas nesta lei. Esta é uma matéria muito importante, muito condicionadora dos comportamentos, onde estão em causa valores de interesse público - muitos, diversos, importantes - e é uma área de actividade onde todos ganhamos sempre com a clareza.
Ora, o Governo estabelece a tipologia dos canais, mas, a nosso ver, não estabelece uma qualificação clara de todos os operadores, dos que actuam e dos que podem vir a actuar em matéria de actividade televisiva e eu pergunto ao Sr. Secretário de Estado se não entende que esta lei ganharia em, além do estabelecimento da tipologia dos canais, tal como está, caracterizar também todos os operadores potenciais, ou seja, os operadores generalistas que actuam no âmbito do espaço hertezianos em canais abertos, os operadores generalistas que actuam no âmbito do espaço herteziano codificados - que ainda não existem mas que podem vir a existir - , os operadores temáticos que operam através do cabo e do satélite. Enfim, por que razão não aproveita já o Governo a oportunidade para, de uma vez por todas, tornar claro quais são os tipos de entidade que actuam e poderão vir a actuar nesta área tão sensível da televisão.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, a sua pergunta já leva mais de quatro minutos!
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
A segunda questão que queria colocar-lhe é a seguinte: nesta proposta de lei, o Governo anuncia a regulamentação, em decreto-lei, das televisões regionais. Como o Sr. Secretário de Estado acabou de nos explicar que uma das razões por que a RTP não pode ser privatizada é a de não haver mercado publicitário, vou fazer-lhe quatro perguntas muito simples a este respeito: Sr. Secretário de Estado, em primeiro lugar, na opinião do Governo, quem é que vai investir em televisões regionais, onde é que estão esses investidores? Em segundo lugar, onde é que - estão os espectadores dessas televisões regionais? Em terceiro lugar, onde é que estão os anunciantes dessas televisões regionais? Por último, quem é que irá pagar essas televisões regionais?
O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, já ultrapassou os cinco minutos, tem de terminar mesmo.
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Esta é uma matéria-clara, que está remetida aqui para uma legislação posterior mas que. na nossa opinião, é importante para que possamos tomar uma posição final sobre esta proposta de lei.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, tenho de chamar a vossa atenção para o facto de já passar das 19 horas e para os trabalhos que ainda temos pela frente. Portanto, peco-vos o respeito pelo Regimento. .
Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social, havendo mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, deseja responder já ou no fim?
O Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social: - Respondo já, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Então, tem a palavra.
O Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social: -
Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Ferreira, antes de mais, agradeço o cuidado com que se preocupa com a análise que fazemos da oportunidade de intervir sobre determinadas matérias, mas penso que seria leviano da minha parte não só ignorar aquilo que constituiu hoje o título de um dos principais jornais diários deste país como também não manifestar aqui, perante todos os Srs. Deputados, a minha preocupação, e a do Governo, pela irresponsabilidade e leviandade com que. pela segunda vez em pouco tempo, o principal partido da oposição persiste numa proposta que constitui um erro dramático.
Penso que seria um erro muito grande da nossa parte não abordar desde logo essa proposta, uma vez que ela é estruturante da actividade televisiva no nosso país.
Em segundo lugar, quero dizer-lhe que não costumo fazer a demagogia de comparar países com riquezas diferentes. Quando enuncio o custo dos serviços públicos de cada país europeu, faço-o apenas para tentar impressionar algumas pessoas que pensam que o serviço público deve
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ter lucro e não deve ser um custo para o Orçamento do Estado e, sobretudo, para sublinhar que em alguns países europeus esse custo é elevadíssimo.
No entanto, logo a seguir, e o Sr. Deputado já me ouviu várias vezes dizer isso, costumo comparar os diferentes países em função da parte do Produto Interno Bruto que é atribuído ao financiamento público do serviço público de televisão. É esse o ponto de comparação essencial, nenhum outro é substantivo e válido. Esse é o ponto fundamental e, nessa matéria precisa, o nosso país está precisamente na média europeia, sendo certo que, por razões que têm a ver com a influência que a televisão tem na formação e na informação de uma população com pequenos hábitos de leitura, com uma oferta cultural insuficiente e em que as crianças passam, muitas vezes, muito mais tempo à frente de um aparelho de televisão do que à frente de um professor, a influência da televisão e de um serviço público é manifestamente maior do que noutros países da Europa, onde a percentagem do Produto Interno Bruto atribuído ao financiamento do serviço público de televisão é superior.
Sr. Deputado, se, na discussão na especialidade, tiver a amabilidade de nos apresentar propostas mais precisas para a tipologia dos canais,...
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Dos operadores!
O Orador: - ... dos operadores, teremos, obviamente, uma total abertura em relação a essas propostas.
Quanto à pergunta sobre as televisões regionais, onde estão os anunciantes, os espectadores, quem vai pagar,...
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - E as regiões, já agora!
O Orador: - ... e sobre as regiões, creio que as televisões regionais dependerão, em grande parte, da existência ou não das regiões no nosso país. Em todo o caso, se elas vieram a existir, creio que os anunciantes poderão ser, hoje, em grande parte, os mesmos que financiam as rádios de expressão local ou a imprensa regional.
Quanto aos espectadores, se o Sr. Deputado tiver o cuidado de procurar saber qual é a audiência da programação descentralizada que existe na RTP antes do telejornal, sobretudo nas regiões do País mais afastadas dos grandes centros, perceberá que esse interesse dos espectadores é muito grande, pois em média, em algumas zonas do País, a audiência chega aos 20%, o que é extremamente significativo do interesse com que as populações seguem a informação regionalizada.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Não está a dizer que a RTP vai perder audiência, pois não?!
O Orador: - Quem vai pagar são os anunciantes, mas, seguramente, se tiver lido, como leu, certamente, a nossa proposta com toda a atenção, verificará que não será o Orçamento do Estado a pagar a televisão regional.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Ah! Já não é mau de todo!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social, quero colocar-lhe, brevemente, algumas questões.
O Sr. Secretário de Estado começou a sua intervenção referindo a evolução técnica como determinante desta iniciativa legislativa. Temos consciência dessa evolução, no entanto, pergunto-lhe, Sr. Secretário de Estado, se considera de facto que o que determina, ou deve determinar, essencialmente, esta iniciativa legislativa é essa evolução e a necessidade de a permitir e que, em matéria de televisão, não estamos perante uma questão que deva ser encarada apenas do ponto de vista técnico. Ou seja, entende ou não que é verdade que a televisão é uma indústria de conteúdos e não um electrodoméstico como outro qualquer e, portanto, os cuidados que devem ser tomados em matéria de regulação têm tanto a ver com canais que actualmente existem por via hertziana terrestre como com os que, por outras vias, venham a ser viabilizados.
Sr. Secretário de Estado, considera ou não que o facto de se emitir por cabo não isenta um canal generalista do cumprimento de um conjunto de obrigações, que devem impender sobre todos os canais generalistas, independentemente da forma pela qual sejam transmitidos?
Numa segunda ordem de questões, consideramos, e di-lo-ei dentro da pouco tempo, que nesta proposta de lei há aspectos positivos, designadamente em matéria de regulação de direitos exclusivos, de quotas de difusão de produção nacional em língua portuguesa, de preocupações relativas à preservação do património audiovisual, mas também há motivos de preocupação, designadamente a ausência de quaisquer limitações à concentração dos meios de comunicação social, neste caso concreto, das televisões, nos grupos económicos. Temos também preocupações relativas à questão do serviço público, a que o Sr. Secretário de Estado se referiu.
A proposta de lei refere-se inequivocamente ao serviço público, mas tem algumas disposições que consideramos não serem as mais adequadas, do ponto de vista da salvaguarda dos interesses e da existência do serviço público de televisão. Desde logo, a proposta de lei consagra algo que já é uma orientação do Governo, a limitação da intervenção do serviço público de televisão no mercado publicitário, constituindo, assim, um subsídio indirecto aos demais operadores.
Temos preocupações quanto ao financiamento do serviço público tal como é apresentado, na medida em que os proventos que a empresa concessionária possa obter conduzam a deduções na respectiva indemnização compensatória, o que não nos parece ser um bom incentivo ao desenvolvimento do serviço público.
Por outro lado, deixa de haver uma referência, na proposta de lei, à existência de um segundo canal de âmbito nacional generalista no serviço público de televisão.
Assim, a questão que lhe coloco, nesta fase, é esta: qual é, afinal, a política do Governo para o serviço público de televisão? O Governo entende que o serviço público de televisão deve ser um serviço prestado ao Estado e, como tal, é calculado à peça, para cálculo da indemnização compensatória, ou considera que o serviço público de televisão desempenha um papel fundamental na defesa dos direitos dos cidadãos à informação e a uma programação de referência e de qualidade? E não considera que, sendo este o objectivo, o Governo deve empenhar-se claramente e sem equívocos na sua prossecução?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social.
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O Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, creio que ficou claro, na minha intervenção, que não está em causa apenas uma evolução técnica do sector mas sobretudo a necessidade de essa evolução técnica preservar, garantir e acompanhar a evolução inevitável dos conteúdos.
O Sr. Deputado perguntou se os canais por cabo estão isentos ou não de obrigações. Penso que a lei é clara em sentido contrário e o Sr. Deputado não foi tão longe como gostaria na observação que me fez acerca desta matéria. Talvez tivesse em mente apontar uma eventual isenção, por parte de alguns canais temáticos, do cumprimento de quotas de produção audiovisual. Ora, se amanhã for autorizado, em Portugal, um canal temático, por exemplo, de filmes norte-americanos, não faz qualquer sentido vir a impor a esse mesmo canal uma quota de 50% de produção europeia, dada a natureza do canal e a simples existência de um canal que, entretanto, já foi autorizado.
claro que se pode pôr a questão: então, um canal deste tipo pode ser autorizado? Penso que sim, que pode ser autorizado, em nome da diversidade de conteúdos e de escolhas, que, assim, é oferecida aos espectadores de televisão.
O Sr. Deputado apontou uma ausência expressa de referência a um segundo canal no serviço público de televisão, na proposta de lei. Creio que é clara, na minha intervenção e na defesa que tenho feito de um serviço público de dois canais, qual é a política do Governo nesta matéria. Para além desta proposta de lei, há outros instrumentos jurídicos de igual importância relativos à RTP, como o estatuto da empresa e o contrato de concessão entre o Estado e a empresa concessionária de serviço público. Nesses dois instrumentos jurídicos está bem clara a posição do Governo e penso que são absolutamente suficientes nesta matéria.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social, devo dizer que, apesar de estar a intervir a título de um pedido de esclarecimento, não tenho, em verdade, pedido de esclarecimento a fazer-lhe, por opção sua, porque o Secretário de Estado da Comunicação Social veio a este debate fazer duas coisas, sendo a primeira comentar a acção do anterior governo,...
O Sr. José Saraiva (PS): - E fez bem!
O Orador: - ... o que me parece uma actividade própria de um membro do Governo... O membro do Governo está a governar para comentar a actividade do Governo anterior...
A outra linha de força da intervenção do Secretário de Estado foi para comentar a notícia do jornal Público de hoje e, a propósito dessa notícia, ficamos a saber - e isto tem significado político - que, da parte do Governo, há total «fecho de portas» à discussão do que há-de ser a comunicação social do futuro, do que são as tendências internacionais, hoje, neste domínio,...
O Sr. José Saraiva (PS): - Onde?!
O Orador: - ... do que são os novos desafios e do que isto custa ou vai custar aos portugueses e ao erário público.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Sr. José Saraiva (PS): - Onde?!
O Orador: - Sr. Deputado, José Saraiva, vou ter oportunidade de o ouvir.
Nesta matéria, não há problema algum. Sabe por quê? Porque nós, em relação ao PS, em matéria de comunicação social, já estamos habituados a que, geralmente, VV. Ex.ªs cheguem tarde à História e, quando chegam, cheguem mal.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Portanto, Sr. Secretário de Estado, vou pedir-lhe para comentar, no Plenário, já que está nessa onda hoje, duas coisas, a primeira das quais tem a ver com a matéria da taxa.
O senhor gastou grande parte da sua intervenção a criticar a medida do governo anterior que acabou com a taxa da televisão. Já discutimos isto várias vezes, Sr. Secretário de Estado, mas vai ter oportunidade de dizer aqui três ou quatro coisas. Por que razão o PS, na altura, não foi contra a abolição da taxa de televisão? VV. Ex.ªs são hoje Governo, têm responsabilidades e se consideram que foi irresponsável terminar com a taxa,...
O Sr. José Saraiva (PS): - Claro!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Provem!
O Orador: - ... têm uma boa solução: amanhã, apresentam aqui ou decidem, na quinta-feira, no Conselho de Ministros, a instituição, de novo, da taxa de televisão, assumindo, então, inteiramente, o papel de responsabilidade que cabe ao Governo. Agora, o que não é sério e é politicamente inaceitável é continuarem com este discurso, em que acusam o anterior governo de ser irresponsável, quando VV. Ex.ªs, permanentemente, fogem à responsabilidade de querer governar e, segundo o vosso entendimento, governam bem,...
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Taxando!
O Orador: - ... instituindo ou reinstituindo as taxas.
O segundo comentário que lhe solicito tem a ver com a rede. V. Ex.ª voltou a formular aqui uma acusação, que, aliás, já faz há muito tempo, sobre a rede.
O Sr. José Saraiva (PS): - É um facto!
O Orador: - Como o Sr. Secretário de Estado bem sabe, quando se mudou para a teledifusora, fez-se um alargamento da cobertura do território nacional, que não estava na rede que pertencia à RTP, e isto tem custos, custa dinheiro, como os portugueses bem sentem. Se os senhores, na altura, fossem perguntar a um português de Monção se recebia em boas condições a televisão, a resposta seria «não, infelizmente, tenho de ver a emissão espanhola»; ora, isso teve de ser pago, e nós pagámo-lo com gosto, porque estávamos também a corresponder a um serviço para todos os portugueses.
Assim, é importante dizer-se aqui - e é importante que o Sr. Secretário de Estado também o diga, quanto mais não seja por uma questão de seriedade política - que a rede que estava em funcionamento precisava de ser mu-
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dada em grande parte do território. Precisava de investimentos, de ser modernizada e isto custaria sempre, em qualquer circunstância, dinheiro à RTP.
Portanto, se o Sr. Secretário de Estado quer continuar a comentar o que se foi passando e o que se há-de passar, tem um entendimento do exercício da sua acção governativa com que não concordamos; mas se quiser empreender connosco, em tempo, uma discussão séria sobre matérias que são muito sérias para o País e para os portugueses, estamos sempre disponíveis.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social.
O Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Macedo, constato que o Grupo Parlamentar do PSD utiliza uma parte da nossa discussão parlamentar destinada a pedidos de esclarecimentos para dizer que está completamente esclarecido sobre tudo e para, em vez de perguntar, desde logo, se defender e passar também ao ataque.
O Sr. José Saraiva (PS): - Muito bem!
O Orador: - Em primeiro lugar, devo dizer que fiquei à espera que o Sr. Deputado explicasse, primeiro, não só aos Deputados como aos jornalistas e ao País, por que é que o PSD, tendo estado 10 anos no governo, nunca se lembrou de privatizar a RTP. Nunca se lembrou disto!
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - O momento é outro! As coisas mudam!
O Orador: - Em segundo lugar, o Sr. Deputado disse que o Governo estava muito preocupado com a primeira página do Público. Não estou preocupado com a primeira página do Público, o Governo está preocupado é com o facto de o presidente do principal partido da oposição, que pretender vir a ser Primeiro-Ministro, ter dado hoje uma conferência de imprensa a defender uma matéria tão disparatada como esta, a de pretender - aliás, contra, creio eu, a generalidade das restantes bancadas deste Hemiciclo - uma erradíssima privatização da RTP.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Já está à procura de apoios!
O Orador: - Em terceiro lugar, o Sr. Deputado Miguel Macedo voltou a utilizar um velho chavão, que o PS chegou tarde à história e chegou mal,...
Vozes do PSD: - É verdade!
O Orador: - ... insinuando que o PSD defendia há muito mais tempo do que nós, por exemplo, a abertura da televisão à iniciativa privada.
Vozes do PSD: - Está a ver como sabe!
O Orador: - Quero relembrar aos Srs. Deputados do PSD e a todo o Hemiciclo que o Programa do PSD de 1974, e que vigorou até 1990, defendia que o PSD era contra a liberdade de fundação de empresas capitalistas.
O PSD votou a favor do artigo 38.º, n.º 6, da Constituição da República, de 1976, que dizia «A televisão não pode ser objecto de propriedade privada».
Vozes do PSD: - Exactamente!
O Orador: - O PSD apresentou, em Dezembro de 1978, um projecto de lei que dizia «o serviço público de televisão não pode ser objecto de propriedade privada e está sujeito à fiscalização do Estado nos termos da lei».
A primeira vez que um Programa do Governo do PSD inclui a televisão privada foi em 1986, com o X Governo; antes só havia propostas de concessionar um canal à Igreja Católica.
Lembro, aliás, que em 1986, num livro intitulado Aposta no Homem, subscrito por vários dirigentes e responsáveis do PSD - e lembro alguns, Macário Correia, Carlos Pimenta, Couto dos Santos, Mira Amaral - refere-se a necessidade de desgovernamentalizar a comunicação social, o que não deve ser confundido com a desestatização. Recordo igualmente que o Programa do primeiro Governo de Cavaco Silva, em Novembro de 1985, previa que deveria manter-se na posse do Estado um jornal diário.
O PSD não deve ter vergonha do facto de apenas ter mudado de posição nos anos 80,...
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Era o que faltava!
O Orador: - ... tal como nós não temos vergonha de também termos mudado de posição nos anos 80.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Mas com compassos diferentes!
O Orador: - Em 1985, o Programa do PS, com que se apresentou às eleições, estipulava claramente eliminar o impedimento constitucional ao acesso à actividade de televisão por parte do sector privado. Em 1986, apresentámos na Assembleia da República um projecto de lei de bases do audiovisual.
O Sr. José Magalhães (PS): - Bem lembrado!
O Orador: - Ou seja, PS e PSD mudaram de posição nos anos 80, tal como, aliás, todos os partidos liberais, socialistas e sociais democratas de toda a Europa. Em toda a Europa, as razões históricas, técnicas, políticas e económicas que legitimaram nos anos 50, 60 e 70 o monopólio do Estado, deixaram de fazer sentido, os partidos evoluíram, como as sociedades evoluíram. O PSD esquece-se sistematicamente deste facto e tenta omitir esta verdade elementar. Os senhores mudaram de posição, tal como nós, e mais ou menos na mesma altura em que nós o fizemos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Aliás, devo dizer que a lei da televisão que está hoje em vigor nasceu de um projecto de lei apresentado pelo PS, em 1989. O Governo do PSD só apresentou uma proposta de lei vários meses depois. E entre Dezembro de 1989, altura em que apresentámos a nossa proposta, e o momento em que as licenças foram atribuídas para a televisão privada mediaram cerca de dois anos e meio. Dois anos e meio foi o tempo que os senhores levaram a atribuir os canais privados. E porquê? Porque houve, entretanto, eleições e os senhores tinham medo da televisão privada.
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O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Essa é boa!
O Orador: - Queriam manipular, como manipulavam a televisão pública,...
O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Secretário de Estado, peço-lhe que termine, pois já ultrapassou em muito o tempo regimental. Já utilizou cinco minutos.
O Orador: - Finalmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, em relação à taxa, devo dizer que não vamos sugerir o recomeço do uso da taxa de televisão, como é evidente. O que dizemos é que os senhores fizeram muito mal em terem acabado com a taxa...
Vozes do PSD: - Então corrija!
O Orador: - ... sem, simultaneamente, terem aprovado qualquer forma de financiamento...
O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Secretário de Estado, peço-lhe que termine...
O Orador: - ... alternativo da televisão pública.
Vozes do PSD: - Corrija!
O Orador: - Mas sempre vos digo que invejo a situação de outros países europeus, e cito-vos um caso, que os senhores deveriam ter estudado, o da Dinamarca. Na Dinamarca já toda a gente...
O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Secretário de Estado, não sei se me consigo fazer ouvir, mas penso que o Sr. Secretário de Estado entenderá que o meio audiovisual que tenho ao meu dispor é o de também estar presente na Sala.
O Sr. Secretário de Estado já está no uso da palavra há 5 minutos e 42 segundos, o que já é tempo...
O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Faça favor.
O Orador: - Na Dinamarca, hoje, em 1998, todos os dinamarqueses e o serviço público dinamarquês, já sabem qual será o valor da taxa de televisão para o ano 2002.
Vozes do PSD: - Então, introduza a taxa!
O Orador: - Chama-se a isto planeamento estratégico, possibilidade de assegurar, de uma forma equilibrada, o financiamento público de uma televisão. Se os Srs. Deputados formarem consenso connosco e com outros partidos sobre esta matéria, estaremos disponíveis para uma forma mais adequada de financiamento público à televisão.
Aplausos do PS.
Vozes do PSD: - Introduza a taxa!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Medeiros Ferreira, para pedir esclarecimentos, volto a apelar ao cumprimento das regras regimentais, porque, de facto, estamos com algumas dificuldades em saber quando irá terminar a sessão, tendo em conta o adiantado da hora e o tempo que ainda nos resta de trabalho.
Tem a palavra, Sr. Deputado Medeiros Ferreira.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social, começo por saudá-lo e por dizer que esta proposta governamental é, de facto, a mais liberalizante que conheço em termos de televisão. Creio que o Governo se desarma praticamente, perante as emissões de televisão, quer pelo fim dos concursos públicos para o efeito, quer até, em termos ilustrativos, pela eliminação da obrigatoriedade da emissão pelos canais televisivos das célebres notas oficiosas, que obviamente estão ultrapassadas.
De qualquer maneira, gostaria de falar mais na minha condição de Deputado eleito pelo círculo eleitoral dos Açores. Aliás, vou partir imediatamente para Ponta Delgada e não gostaria de o fazer sem colocar uma questão ao Sr. Secretário de Estado.
Na proposta apresentada pelo Governo, apesar dessa linha liberalizante e complementarmente a ela, o Capítulo IV trata do serviço público de televisão, que inclui, como não poderia deixar de fazer, as emissões para e de as regiões autónomas. É esta a interpretação que faço do n.º 1 do artigo 41.º; embora a redacção não me pareça perfeita, a interpretação só pode ser uma. Ou seja, quando aqui se fala em «(...) emissões de cobertura nacional, internacional, destinadas às regiões autónomas (...)», o Sr. Secretário de Estado tem, com certeza, em mente a existência de centros de produção na RTP nos Açores e na Madeira, que fazem parte da Lei n.º 31/96, dos contratos e acordos de concessão em vigor e que, pela presente proposta, o acordo em vigor irá prolongar-se por 15 anos, com a manutenção dos centros de reprodução nos Açores e na Madeira.
Assim pergunto, muito concretamente: esses centros de produção vão continuar a existir com as características de autonomia de produção que devem presidir à sua filosofia? Continuam a existir no sentido bilateral, ou seja, não só para consumo próprio das regiões autónomas mas também para que as regiões autónomas sejam visíveis no todo nacional, através da inclusão da produção destes centros na emissão nacional?
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Penso que é este o verdadeiro espírito do serviço público que aqui se propõe. Eram estas as questões que gostaria de colocar.
Sr. Secretário de Estado, do ponto de vista dos investimentos na Região Autónoma dos Açores, também gostaria de chamar a atenção para o facto de, hoje em dia, estarmos a assistir a um acentuar dos investimentos da rádio, enquanto temos a sensação de, em termos de televisão, esses investimentos não estarem a acompanhar o esforço que a radiodifusão está a fazer nos Açores.
Sr. Secretário de Estado, termino, pedindo-lhe um compromisso: que os investimentos públicos, em relação ao centro de produção dos Açores, venham a aumentar.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social.
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O Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Medeiros Ferreira, não será longa a minha resposta ao seu pedido de esclarecimento. Registo com agrado que, ao menos, houve um Sr. Deputado que, além de o acentuar, verifica o esforço que é feito de desgovernamentalização da actividade televisiva e...
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Mas é suspeito!
O Orador: - ... de atribuir, por exemplo, à Alta Autoridade para a Comunicação Social, um conjunto largo de atribuições, na linha do que está em vigor há muitos anos em vários países europeus, o que sempre foi recusado pelo governo do PSD, que, pelos vistos, continua a não querer ouvir certas verdades.
Também quero dizer-lhe que é correcta a afirmação e a interpretação feita por V. Ex.ª sobre a leitura do artigo 41.º, em relação à importância e ao destaque dado aos centros regionais das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, que continuarão a ter o papel e a importância que actualmente têm, embora, como é evidente, a circunstância de estarem hoje em concorrência com outro ou outros operadores, quer estejamos a falar da televisão hertziana, quer da televisão por cabo, faça naturalmente diminuir a sua audiência potencial.
Em relação à última observação que foi feita, sobre o financiamento desigual da RDP e da RTP, é evidente que isto poderá ser consequência da desigual situação financeira das duas empresas, já que a RDP está numa situação muito mais folgada do que a RTP, embora eu creia que é propósito da administração da RTP fazer o esforço possível e necessário para que o centro regional da RTP-Açores tenha os meios técnicos e humanos necessários à prossecução da sua actividade.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.
A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social, começo por dizer que considero este um debate importante, mas está, em minha opinião, deslocado, em grande parte também por culpa do Sr. Secretário de Estado, para um projecto de lei que não conhecemos, que não sabemos sequer se existe e com isso não estamos a discutir esta lei, que é muito importante.
De qualquer modo, devo dizer-lhe, para o animar, Sr. Secretário de Estado, e sou insuspeita - penso que a bancada do PSD me concede esse benefício da dúvida -, que a proposta deste Governo tem três grandes vantagens: clarifica efectivamente mais do que a anterior; responsabiliza mais do que a anterior; e, na parte da fiscalização, também penso que dá um grande passo.
Antes de formular a minha pergunta, gostaria de dizer que este debate é importante porque a televisão é importante. Não podemos estar aqui a discutir a questão da televisão como se, por exemplo, se tratasse de uma rede de exibição cinematográfica. Porque é que o Estado há-de ter cinco ou dez cinemas? Não faz sentido, efectivamente não faz.
Mas nós estamos a tratar as televisões de maneira diferente. E porquê? Porque realmente elas têm hoje uma importância social, cultural e política e não devemos escamotear essa questão. Trata-se de um grande poder, de um poder que, como qualquer outro poder em democracia, deve estar enquadrado, deve estar regulamentado e deve ser fiscalizado. Esta é a minha opinião e não tenho nenhuma relutância em a expor.
Além do mais, sabemos que a sociedade portuguesa é uma sociedade, em muitos aspectos, ainda vulnerável, que recebe, através das televisões, fundamentalmente, a informação e a formação que pode vir a ter, e isso não pode estar à mercê nem de regras de mercado, puras e simples, nem de efeitos perversos.
Sr. Secretário de Estado, gostaria de lhe perguntar, sem prejuízo de perguntar depois várias coisas ao PSD, o seguinte: nos artigos 35.º e 38.º, quanto à difusão de obras do audiovisual, o Sr. Secretário de Estado não consideraria oportuno que, em relação à produção originária em língua portuguesa, se distinguisse aquilo a que normalmente se chama o stock e o fluxo, isto é, parece-me que esta produção deve ser uma produção de stock e não apenas de fluxo. Não tenho muito tempo, mas penso que fui clara nesta pergunta.
Por outro lado, faz-me confusão que, no n.º 1 do artigo 38.º, logo se predisponha o legislador a aceitar o incumprimento deste desígnio, isto é, as condições são tão vagas que facilmente poderá haver um incumprimento com toda a compreensão por parte do legislador. Portanto, é um pouco o dito por não dito.
Não entendo também porque é que não compete à Alta Autoridade para a Comunicação Social a fiscalização do cumprimento destas obrigações e refiro, de novo, que as coimas têm um valor superior àquele que estava antes estabelecido mas ele continua a ser completamente irrisório e ineficaz.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
A Oradora: - Depois, queria perguntar-lhe se não faria sentido que estas coimas revertessem para um fundo de apoio à produção audiovisual e que o apoio ao audiovisual estivesse na proposta de lei do cinema, que penso que está a chegar, e não aqui. Finalmente, faço-lhe notar que não há uma definição de produção independente, o que provoca também, depois, alguma dúvida quanto à aplicabilidade destes artigos.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social.
O Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, não creio possível que a Assembleia da República debata a televisão e a sua situação num debate completamente desfocado daquela que existe no País. É inevitável que, dada a importância que o PSD deu ao projecto de lei que, aparentemente, teve receio de entregar na Mesa da Assembleia da República mas anunciou, esse projecto de lei tenha de ser aqui discutido. Eu não queria, nesta matéria, deixar o presidente do PSD a falar sozinho ao País, sem que tivesse a merecida e competente resposta, porque é meu dever, como é dever do Governo, debater e abordar todos os temas que são suscitados na opinião pública sobre essa matéria, por mais disparatados e absurdos que eles sejam.
Em relação à questão da produção audiovisual, posso garantir-lhe, Sr.ª Deputada, que esta matéria, do apoio à produção audiovisual, foi das mais debatidas e pondera-
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das. Procurámos, depois de ouvir operadores, a Alta Autoridade para a Comunicação Social, os produtores de audiovisuais, estudar não só as implicações provenientes da directiva Televisão sem Fronteiras (TSF) como as situações decorrentes da experiência de outros países europeus. Tivemos a preocupação de, por um lado, ter uma posição equilibrada e realista, que tivesse em conta a necessidade de apoiar e desenvolver a indústria audiovisual portuguesa, e, por outro, respeitar a directiva TS1 (e, nessa matéria, creio que fomos um pouco mais longe do que essa directiva europeia), criando condições para que os operadores possam cumprir as quotas de produção.
Seria muito simpático para todos os produtores que pudéssemos fazer aquilo que a Sr.ª Deputada propôs, ou seja, distinguir a programação de fluxo da de stock: seria extremamente gratificante para os produtores mas seria completamente irrealista para os operadores e estaríamos a condenar esta lei ao respectivo incumprimento.
Portanto, o que temos de fazer, gradualmente, sobretudo através de uma política de incentivo e de apoio ao audiovisual, é criar as condições para podermos ser, no futuro, mais exigentes nesta matéria. Não é possível criar quotas imperativas, impositivas, sem termos previamente criado as condições de apoio - e elas, como a Sr.ª Deputada sabe, quer pela leitura da lei quer pelo documento que citou, a lei do cinema e do audiovisual, estão, de facto, em curso, nomeadamente no apoio aos programas de ficção, documentário, animação, entre outros.
Optámos pela fiscalização através do Instituto da Comunicação Social e não por parte da Alta Autoridade para a Comunicação Social uma vez que, nesta matéria, não estamos perante algo de apreciação política mas, sim, perante uma questão de apreciação técnica: ou há cumprimento ou não há e creio que o Instituto da Comunicação Social, nesta fase, pelo menos, tem melhores condições técnicas para medir o cumprimento da lei do que a Alta Autoridade para a Comunicação Social. Mas este é um tema que poderemos debater, com toda a abertura, no decorrer da discussão na especialidade.
Em relação às coimas, poderão ser insuficientes para a Sr.ª Deputada e, eventualmente. para os produtores mas, se ouvir a opinião dos operadores, sobretudo tendo em conta que, no futuro, estaremos perante operadores de canais eventualmente locais, temáticos, de menor dimensão, esses valores tornam-se muito elevados; aqui também procurámos ter uma posição equilibrada. Contudo, estou disponível para considerar como interessante a sua proposta no sentido de o resultante das coimas reverter para um fundo de apoio ao audiovisual, embora o volume de verbas necessárias para este fundo seja muitíssimo - certamente, muitíssimo - superior àquilo que vamos obter através da aplicação dessas coimas.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Terminou o período de perguntas e respostas acerca da intervenção do Sr. Secretário de Estado.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado. Srs. Deputados, o Sr. Secretário de Estado revelou aqui, mais uma vez, a sua veia estatizante - aliás, ficou incomodado quando o meu companheiro. Deputado Miguel Macedo. lhe referiu que o PS chegava sempre tarde à história e tentou contar uma história tendente a demonstrar o contrário.
O Sr. José Magalhães (PS): - E demonstrou bem!
O Orador: - Mas a verdade é que isso se confirma aqui mais uma vez porque, no seu discurso, deixou aflorada a sua previsão de que «também o serviço público tem de evoluir para uma situação de privatização e só entende que é cedo - continue a pensar que é cedo e vai confirmar que o PS, mais uma vez e também aqui, chega tarde à história.
Lembro-lhe que, relativamente à abertura da televisão aos canais privados a história ficou incompleta, e é preciso que se lembre igualmente do grande e árduo trabalho que o PSD teve para, na revisão de 1989, convencer o PS a anuir a essa solução. As actas e os projectos confirmam-no, Sr. Secretário de Estado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não convém! Não convém lembrar!
O Orador: - Em 23 de Maio de 1995, em entrevista ao jornal O Diabo, o então Deputado e actual Secretário de Estado da Comunicação Social, Dr. Arons de Carvalho, afirmava: «um governo do PS terá como uma das suas primeiras prioridades alterar os Estatutos da RTP, de forma a que o Governo deixe de nomear a maioria dos seus gestores. A exemplo do que se passa na generalidade dos países europeus, não competirá, pois, ao Governo demitir ou designar chefias. É a única forma de essas opções terem a ver com a capacidade das pessoas para desempenhar as funções para que são nomeadas e não com a cor do seu cartão partidário».
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Até hoje'
O Sr. José Magalhães (PS): - Está na proposta!
O Orador: - «Um Governo PS nomeará apenas, no máximo, dois gestores para a RTP ... ». Mais uma promessa que fica pelo caminho ou que deu lugar, mais uma vez a reboque, a um simulacro de cumprimento.
Na verdade, tendo o então Deputado Arons de Carvalho, autor daquela promessa. sido nomeado Secretário de Estado da Comunicação Social desde o elenco inicial deste Governo e nele se mantendo, apesar de tudo, até agora, não há desculpa para que «uma das suas primeiras prioridades», quando oposição, tenha, agora que está no Governo. ficado para as calendas.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD). - Muito bem!
O Orador: - Foi o PSD que apresentou na Assembleia da República um projecto de lei com vista a alterar o Estatuto da RTP, impondo-se que a escolha da maioria dos seus gestores seja feita pelo Conselho de Opinião. Forçado e a reboque desta iniciativa do PSD, o Governo apresentou, já na 1.ª Sessão Legislativa desta Legislatura, a proposta de lei n.º 6/VVII, que, estranhamente, jamais foi agendada. Assim, não foi até agora cumprida aquela solene promessa mas, sim, um simulacro, um «faz de conta», tão ao gosto do Governo e do Partido Socialista.
Aplausos do PSD.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o que é escandaloso, é que o Governo tenha, em Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, agendado a proposta
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de lei n.º 17O/VII, ora em discussão, que deu entrada na Assembleia da República há menos de um mês e, mais uma vez, tenha esquecido a proposta de lei n.º 61/VII, que «jaz» em Comissão, sem agendamento, há quase dois anos.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - É verdade!
O Orador: - Ao menos agora, e dada a conexão das matérias, sempre deveria o Governo ter cuidado do agendamento conjunto das duas propostas de lei. Para quem qualificava tal medida de alteração do sistema de nomeação dos gestores da RTP como «a primeira das prioridades», não está nada mal! Isto é tanto mais grave, política e eticamente inadmissível, quando são públicas e conhecidas as demissões que ocorreram nas Direcções de Informação e de Programas da RTP, pelo facto de os seus responsáveis não tolerarem mais as intromissões da Administração da empresa naquelas áreas.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Muito bem!
O Orador: - Pois, não obstante assim ser, o Governo prossegue impávido e sereno, na esperança de manter, até às eleições de 1999, a sua obediente Administração da RTP.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Exactamente!
O Orador: - É certo que a presente lei aflora essa questão nas comissões do Conselho de Opinião, mas a verdade é que a alteração estatutária que a presente proposta de lei, aqui já apresentada, contém, deveria ser conjuntamente discutida.
Encaixam-se hoje, como uma luva, na actual situação da RTP as críticas que um grupo de personalidades ligadas ao PS escreveram em documento, de que nos dava conta o semanário Expresso de 26 de Novembro de 1994, que afirmavam ser a RTP uma televisão pública mas não um serviço público de televisão, e referiam ainda que, mercê da sua total dependência financeira do Estado, «a RTP está totalmente nas mãos de um poder político que não hesita em utilizá-lo sempre que necessário».
Não deixa também de ser curioso que o jornal O Público, de 18 de Abril de 1996, referisse que o Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social, Dr. Arons de Carvalho, tinha declarado, em Beja, que «a RTP perde mais de um milhão de contos por mês, absorvendo a maior parte das verbas consignadas no Orçamento de Estado para o sector do audiovisual» e, «por isso, não há dinheiro para apoiar a imprensa regional».
Já em 13 de Abril de 1996, o mesmo jornal O Público, depois de referir que tinha sido duplicada a indemnização compensatória à RTP, que passava de sete para 14,5 milhões de contos, adiantava que o Governo - segundo o Secretário de Estado da Comunicação Social garantia àquele jornal - não tinha a menor intenção de proceder a qualquer aumento de capital da RTP.
Que se passou, então, depois dessa garantia, que não apenas promessa!? Pouco depois, ainda em 1996, o Governo fez um aumento de capital da RTP de dez milhões de contos e, em 1997, voltou a fazer novo aumento de capital do mesmo montante, ou seja, mais dez milhões de contos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, em três anos deste Governo, a RTP custou ao País, sem inclusão dos prejuízos de 1997, ainda não apurados, um total de cerca de 110 milhões de contos,...
O Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social: Falso!
O Orador: - ... em que se incluem as indemnizações compensatórias,...
O Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social: Falso!
O Orador: - ... os aumentos de capital e os prejuízos dos respectivos exercícios.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Verdadeiro!
O Orador: - É, pois, preciso dizer basta e é necessário ter a coragem de mudar este estado de coisas. E não vale a pena o artifício das comparações com outras empresas de televisão europeias, de serviço público, para concluir que, em Portugal, estamos melhor que noutros países. E não vale a pena porque, além desses países terem outra dimensão e maiores disponibilidades financeiras, a verdade é que asseguram um serviço público de televisão de qualidade, isento, independente de poder político, pluralista e competitivo, o que não acontece entre nós. E que se, ao menos, tão elevado preço tivesse como contrapartida um bom serviço público de televisão, restar-nos-ia algum conforto.
Porém, já o disse mais do que uma vez, e repito, quanto maior é o custo da televisão pública mais ela se torna enfeudada e dependente do poder político (leia-se do Governo) e lhe é mais servil e obediente!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Mas a proposta de lei do Governo, em apreciação, não obstante a séria desgraça financeira que referi, ainda se permite fazer algum humor e, exactamente a propósito do financiamento do serviço público, tem, no n.º 3 do seu artigo 46.º, o seguinte naco de prosa, que não resisto à tentação de ler: «os excedentes que eventualmente venham a ocorrer em resultado da actividade da concessionária do serviço público de televisão na exploração ou participação noutros canais, em vez observadas as normas legais aplicáveis à distribuição dos lucros e reservas das sociedades, revertem para o financiamento do serviço público».
Sei que estão aqui em causa alguns negócios que esta lei pretende ratificar e que, neste caso, o Governo pôs um pouco «o carro adiante dos bois» - há a Portusat, e outros -, mas, atentos os antecedentes próximos da gestão da RTP, falar em lucros, ainda que de participações terceiras, não tem qualquer fiabilidade e não parece sério.
A proposta do Governo, agora em discussão, de uma pretensa nova lei da televisão não é efectivamente nova, antes mantém e acentua ar velho e mau, exactamente naquilo em que era necessário ter a coragem e o arrojo de mudar! E dizemos que mantém e acentua aspectos dos mais negativos porque, de facto, assim é.
Imagine-se que, entre as alterações propostas, se inclui agora a atribuição de 60 minutos de direito de antena ao governo e, ainda por cima, justifica-se tal alteração com a revisão constitucional, o que não tem o menor fundamento! Antes pelo contrário, da revisão constitucional resulta a atribuição de direito de antena a associações de carácter social, de defesa de direitos sociais, e essa, sim, está omissa nesta proposta, pelo que tem de ser corrigida para ficar conforme à Constituição.
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O Governo está com certeza a brincar connosco! O Governo, que tem na televisão pública todo o tempo de antena, na forma, no tom, com as truncagens, nos termos e nas condições que muito bem entende, quer agora, por via desta lei, mais 60 minutos de direito de antena! Não basta a sua tendência para dar aos que mais têm como quer agora dar mais a si mesmo!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Igualmente curiosa, e à primeira vista benéfica, e a proposta de revogação do diploma relativo às notas oficiosas. É uma delícia o que se refere a este respeito na exposição de motivos da proposta de lei, e que passo a citar: «especial realce merece ainda a revogação da lei das notas oficiosas, reflexo injustificado e anacrónico de intervenção do poder político na linha editorial dos órgãos de comunicação social». Pensamos, aliás, que a verdadeira razão de ser desta revogação tem a ver com a dificuldade crescente de distinguir o tom e carácter oficioso da informação da televisão pública em geral do que sejam, formalmente, notas oficiosas do Governo.
Aplausos do PSD.
Neste sentido, e só neste sentido, o Governo andou bem e foi coerente ao propor a revogação da lei que regula as notas oficiosas. A análise mais cuidada da proposta de lei permite, porém, concluir que a razão não é esta. De facto, o motivo pelo qual o Governo propõe a revogação da Lei n.º 58/90, de 7 de Setembro, é outro: é que, apesar de tudo, a Lei n.º 58/90, aponta para o carácter excepcional, restritivo e condicionado do uso das notas oficiosas; e, agora, a alínea f) do artigo 44.º da proposta de lei contém uma cláusula aberta. sem a menor fixação de condições de extensão temporal ou outras, por via da qual o serviço público de televisão é obrigado, as vezes que lhe forem pedidas, a ceder tempo de emissão à Administração Pública, com vista à divulgação de informações de interesse geral. Tal disposição tem uma amplitude bem maior do que a sua equivalente do Estatuto actual. Cabe lá tudo: cabe lá S. Bento, cabe lá a Gomes Teixeira, cabe lá ainda o Terreiro do Paço e cabe o Edson Athaíde, que faz o marketing e a imagem do Governo.
Risos do PSD.
O Governo, ao contrário do que afirma na exposição de motivos da proposta de lei que aqui nos trouxe e que ora se debate, não reduz, antes amplia, o seu espaço de intervenção e a sua presença na televisão pública. Liberta-se de todas as restrições e condicionantes da lei das notas oficiosas e abre-se um largo portão, por onde todos, Ministros e os seus ajudantes (e os ajudantes destes) podem entrar, a todo o momento, sem o menor risco de amolgadela lateral das viaturas do Estado, quando e se estiverem ao seu serviço. A esta televisão temos de dizer basta!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um país, como o nosso, com tantas e tão graves carências em áreas particularmente sensíveis, com a necessidade de reforçar os meios financeiros para o combate ao tráfico de droga, à exclusão social e à criminalidade em geral, não pode dar-se ao luxo de manter, ainda por cima pago por todos nós, embora apenas ao serviço de alguns,...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - .. uma televisão do Estado, que constitui um imparável sorvedouro de dinheiros públicos, que temos obrigação de gerir com critério, com rigor e com o maior respeito pelos contribuintes.
Por tudo isto, é lamentável, não obstante alguns avanços e algumas soluções positivas contidas na proposta de lei do Governo, que se não tenha perspectivado esta lei acima das conveniências políticas do Governo e do partido que o apoia, avançando-se soluções que, no futuro, que é já amanhã, melhor servissem os portugueses, todos os portugueses.
Aplausos do PSD.
É, pois, com a preocupação de mudar Portugal e de colocar em primeiro lugar os portugueses que o Grupo Parlamentar do PSD faz entrega, neste momento,...
O Sr. António Reis (PS): - Ali!
O Orador: - ... na Mesa da Assembleia da República de um projecto de lei que propõe a privatização da RTP, com o pedido de que providencie para que os serviços entreguem, de imediato, uma cópia ao Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social, para ele ficar enriquecido pela sua vinda à Assembleia da República ....
Vozes do PSD: - Muito bem'
O Orador: - ... mantendo-se, porém, sob a responsabilidade de entidade pública a RTP Internacional, dado tratar-se de uma vertente da própria política externa, que só ao Estado deve caber.
Igualmente os centros regionais da Madeira e dos Açores, por óbvias razões da insularidade, da cultura regional e da sua dimensão, devem manter-se também no âmbito público.
Aliás, importa, desde já, deixar claro que não aceitamos que os centros regionais da Madeira e dos Açores percam a sua autonomia e produção próprias e que sejam transformados em meros retransmissores dos canais nacionais, instaurando-se um verdadeiro sistema de colonização informativa, que nem os - governos anteriores ao 25 de Abril alguma vez tentaram.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - No mais, é tempo de perceber que «serviço público de televisão», que constitui uma decorrência constitucional, não equivale, necessariamente, a televisão pública.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - O serviço público de televisão não se confunde com a titularidade da empresa operadora. É possível, e até desejável, que tal serviço público possa ser prosseguido por operadores privados de televisão, incluindo o resultante da privatização da RTP.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - É preciso evitar distorções da concorrência e proporcionar condições tanto quanto possível igualitárias para que os diferentes operadores privados de televisão sobrevivam, se valorizem e expandam, garantindo.
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assim, uma mais diversificada oferta e melhor qualidade aos seus telespectadores.
E tempo de perceber que, a partir da abertura da televisão aos operadores privados, que o PSD, depois de muitos anos de luta e de muita oposição do PS, conseguiu assegurar, o panorama do audiovisual em Portugal, e até no Mundo, mudou completamente.
Aliás, tal mudança acentuou-se profundamente com a televisão via satélite, com a TV Cabo, com a Pay TV e Pay per view, e vai continuar a mudar, com a televisão digital, que a proposta de lei em apreciação praticamente ignora.
Situações novas, como são as que acabo de referir, exigem, igualmente, novas e diferentes soluções, que não sejam uma mera reciclagem de outras já anteriormente ensaiadas, sem sucesso e antes com péssimos resultados.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Não queremos apenas menos Estado e melhor Estado, queremos também melhor serviço público de televisão e menos desperdício financeiro!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Bom teria sido que a proposta de lei do Governo fosse, desde já, mais detalhada relativamente às televisões regionais, que prevê e admite. Na verdade, ao discutirmos uma nova lei da televisão, afigurar-se-ia desejável que dispuséssemos de um quadro mais completo, pelo menos no que diz respeito às inovações que se pretendem introduzir.
Naturalmente que saudamos também a distinção entre canais com cobertura nacional e canais com cobertura regional ou local, como saudamos a distinção entre televisão generalista e específica, bem como a previsão dos canais temáticos, e ainda a distinção entre canais de acesso condicionado e não condicionado.
É certo que a sua regulamentação não nos parece suficientemente diferenciada e completa, mas estas são questões que poderão, e deverão, ser aprofundadas na especialidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Manifestámos as nossas discordâncias, as nossas críticas e as nossas reservas relativamente à proposta de uma nova lei da televisão que o Governo aqui nos trouxe. Apresentámos uma via alternativa, inovadora e arrojada, para o serviço público de televisão, tendente à sua melhoria e à desoneração do erário público de encargos excessivos, que fazem falta noutras frentes de elevada carência social, mas, responsavelmente, não vamos deixar de proporcionar a viabilização da baixa da proposta de lei à 1.ª Comissão para discussão na especialidade, onde se espera que o Governo tenha a mesma disponibilidade e abertura que aqui manifestámos, sem prejuízo de nos batermos pela aprovação do nosso projecto de lei, que procuraremos agendar o mais rapidamente possível.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A actual situação da RTP, em que é manifesta a crise do actual modelo de serviço público de televisão, que, em três anos, sem contar com os avales do Estado de alguns milhões de contos e sem incluir os prejuízos de 1997, ainda não divulgados, envolveu um encargo público da ordem dos 11O milhões de contos, não pode continuar e, seguramente, se de forma irresponsável prosseguir não será com a anuência e nem sequer com o alheamento do PSD.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado Guilherme Silva, de acordo com o que me solicitou, mandei distribuir cópia do projecto de lei que acabou de entregar na Mesa ao Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social e aos líderes parlamentares, o que nada tem a ver com o processo de admissão, porque, como é evidente, trata-se apenas de um acto material.
Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Maria José Nogueira Pinto, António Reis, José Saraiva e Jorge Ferreira.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.
A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, gostaria de lhe fazer algumas perguntas, infelizmente mais com base numa notícia do que propriamente no seu discurso, porque a notícia é mais clara do que o discurso, o que é mau sinal.
Começo por dizer que V. Ex.ª tem em relação à televisão pública aquilo que podemos ter em relação a uma mão que dói, isto é, cortamo-la e, quando a cortamos, de facto, ela deixa de doer, mas também deixamos de ter mão.
Quero lembrar-lhe duas situações que são importantes na história do que têm sido as televisões em Portugal e que se situam no período do Governo do PSD, a que pertenci, portanto, não leve a mal, Sr. Deputado, aquilo que lhe vou dizer.
Em primeiro lugar, recordo-me - e recordo-me também de ter falado sobre isso - que, quando a SIC apareceu, houve um grande esforço por parte do Governo, do meu ponto de vista absurdo, de injectar muito dinheiro na RTP, para que esta pudesse competir com a SIC, recém aparecida, na sua programação. Foi a partir daí. julgo eu, que realmente se estabeleceu uma concorrência muito desleal, que levou a um abaixamento da qualidade. Foi um acto, penso eu, grave, em termos daquilo que era o quadro de nascimento das televisões privadas.
Recordo-lhe também o «incidente» da TVI, que não vale a pena escamotear, licença que foi dada a um grupo, porque tinha um projecto, projecto esse que se desvirtuou, perante a igual passividade do Governo.
Isto para lhe dizer que as coisas nesta área, do meu ponto de vista, não são tão simples assim e que, portanto, faz sentido, de facto, que se reserve ao Estado um papel, exactamente porque as televisões têm uma função e têm hoje um poder, mesmo social, que não é de somenos.
Mas gostaria de analisar alguns argumentos, para ver se o Sr. Deputado me poderá esclarecer.
Em primeiro lugar, refiro o extraordinário argumento de que o Estado gastará na televisão o que não tem para as áreas dos cuidados sociais. Ouvi este argumento, nomeadamente aos socialistas, em relação ao Centro Cultural de Belém. O Sr. Deputado há-de concordar que este é um argumento primário. Ouvimo-lo em relação ao Centro Cultural de Belém, ouvimo-lo de outros sectores em relação à Expo 98 - não faz sentido absolutamente nenhum. Não se pode dizer que o que se gasta numa televisão pública faz falta aos hospitais ou à segurança social. Não é isso que está aqui em causa.
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Depois, fala do «buraco» da RTP, e eu só lhe pergunto como é que ele estava há quatro anos - digo-o sem qualquer espécie de malícia, é apenas uma curiosidade.
Diz também que o Estado tem muito mais que fazer do que ser empresário e programador de televisão. Mas um canal público não se traduz em o Estado fazer de empresário ou de programador de televisão; isso era se ele tivesse uma rede de exibição de cinemas ou casinos, o que não é o caso - isso é que era surpreendente! -, ou mesmo de teatros! Mas tem um teatro nacional, como sabe.
Portanto, estamos aqui numa área onde o facto de o Estado manter pelo menos um canal público não significa que esteja a brincar nem aos programadores nem aos empresários.
Diz ainda que, de facto, como não é possível esperar qualquer idoneidade por parte do poder político - o PSD também faz um amén -, o melhor é não haver televisões públicas. Portanto, o motivo que invoca é, reconhecidamente, o da falta de idoneidade do poder político para poder ter um canal público, isto é, o de uma tentação, que ninguém consegue dominar, de usar indevidamente esse poder. Ora, penso que não é bem assim!
Mas também há uma coisa extraordinária, que se prende mais com esta questão, digamos, económica e financeira, que perpassa neste papel, que é o seguinte: compete ao Estado assegurar a emissão de um canal internacional não codificado especialmente destinado à cobertura do espaço lusófono em geral, às comunidades portuguesas no estrangeiro, cujos custos serão suportados pelo Orçamento do Estado.
Portanto, V. Ex.ª e o PSD defendem que o Estado privatize o canal 1 e o canal 2 e, depois, faça um canal só para este efeito. Não sei se têm qualquer estudo económico e financeiro disto, dado que seria interessante saber quanto é que custaria, porque a RTP e a RTP África vivem de um conjunto de sinergias. que, a partir daí, não existiriam, se bem entendo.
0 mais extraordinário é que esse canal também seria transmitido para a Madeira e para os Açores. Só aqui no Continente é que não tínhamos nada. Mas ia para a Madeira e para os Açores e davam também uma programação internacional, o que quer dizer que os nossos concidadãos ilhéus viam essa programação. Não sei o que é que eles pensam, o Sr. Deputado saberá melhor...!
Mas há aqui uma coisa também extraordinária: onde é que o PSD mete o serviço público? Mete-o no horário nobre das televisões privadas. 0 Sr. Deputado acredita mesmo que as televisões privadas vão abrir o seu horário nobre ao serviço público?
Vozes do CDS-PP, do PS e do Secretário de Estado da Comunicação Social: - Muito bem!
0 Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado Guilherme Silva, pretende responder já ou após os restantes pedidos de esclarecimento?
0 Sr. Guilherme Silva (PSD): - Respondo já, Sr. Presidente.
0 Sr. Presidente (João Amaral): - Então, tem a palavra.
0 Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, permita-me que lhe diga que não aceito nem considero que o argumento que chama a atenção para o excesso de encargo para o erário público do serviço público de televisão actualmente em contraponto com carências enormes na área social seja um argumento primário.
0 argumento primário é quando se agita esse tipo de argumento, designadamente no que dizia respeito ao Centro Cultural de Belém, que é um espaço que está a ter uma função extremamente importante, e vai continuar a ter, como se tivéssemos de fechar os outros sectores para responder às duas situações - aí estou de acordo. Mas o problema é outro: é que aqui há alternativas, Sr.ª Deputada! Aqui há alternativas! E eu, pelo menos, estou convencido de que as há! E na medida em que estou convencido de que há alternativas e que a privatização é uma delas, não aceito que a observação que faço para estancarmos esta sangria financeira seja um argumento primário.
Quero dizer-lhe que não estou aqui para afastar, antes pelo contrário - e a exposição de motivos do nosso projecto de lei assim o diz -, a quota parte de responsabilidades que o PSD tem nestas soluções, que não são fáceis. Mas se tivéssemos optado, quando se fez a abertura da televisão ao sector privado, desde logo, por encarar este problema, com a filosofia que agora este projecto de lei veicula, de fazer repartir pelas várias televisões o serviço público e, obviamente, também as compensações, teríamos criado, eventualmente, desde logo, uma situação de maior igualdade e não distorções. E, eventualmente, não acontecia o que aconteceu, de a RTP ter chegado à situação em que está: a de ter perdido competitividade, ter perdido audiência e estar nesta situação.
Porque não é só o problema do serviço público que importa a esta questão, é o vício que esta situação gera em tudo o resto que deve ser normal na competitividade que a televisão deve ter com as privadas, e não tem. Esta é que é a questão! Ou encaramos esta questão de frente e assumimos uma solução - naturalmente nenhum de nós tem a certeza absoluta de tudo e a verdade absoluta de tudo...
Mas o que é curioso na intervenção do Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social é que aflora, em várias passagens, a admissibilidade de que é neste sentido que se tem de evoluir no futuro, mas diz é que não é ainda o momento, porque não há ainda mercado, não há ainda oferta bastante.
Quero lembrar-lhe que não custa nada ao PSD assumir, aqui e agora, uma solução completamente diferente daquela que adoptou, por várias razões simples: primeiro, a própria abertura a canais privados gerou uma situação nova; em segundo lugar, a abertura à TV Cabo; e, em terceiro lugar, a abertura à televisão via satélite e os vários meios tecnológicos que vêm aí. 0 panorama do audiovisual em Portugal, neste momento, é completamente diferente e, se calhar, ao contrário do que diz o Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social, de que estamos a antecipar-nos excessivamente, já estamos é atrasados, Sr.ª Deputada.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Sr.º Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - E a televisão internacional?!
0 Orador: - Efectivamente, há essa indicação! Mas, como a Sr.ª Deputada compreenderá, é uma questão que podemos aprofundar na especialidade, e admito que ela
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esbarre com dificuldades e que tenha, obviamente, de ser reconsiderada e repensada. Não tenho qualquer dificuldade em perceber isso!
0 Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.
0 Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, quero começar por saudar V. Ex.ª porque, da tribuna, ensaiou um verdadeiro passe de mágica ilusionista. Conseguiu transformar ou tentou transformar, através desse passe de mágica, um diploma reconhecidamente liberalizador, o mais liberalizador dos diplomas que aqui vieram a esta Casa,...
0 Sr. Miguel Macedo (PSD): - Olhe que não! Olhe que não!
0 Orador: - ... sobre televisão, num diploma pesadamente governamentalizante.
0 Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É preciso ler nas entrelinhas!
0 Orador: - É obra, Sr. Deputado! Saúdo-o, por isso!
Mas, nesta fase, e independentemente do que terei para lhe dizer na minha intervenção, que se seguirá dentro de momentos, quero fazer esta pergunta muito simples ao Sr. Deputado Guilherme Silva: como é que explica que o PSD, enquanto foi Governo, sempre tenha recusado a proposta do PS de desgovernamentalizar o modo de nomeação dos gestores da RTP?
0 Sr. José Magalhães (PS): - Bem perguntado!
0 Orador: - Como é que explica que, ao longo de anos, o PSD tenha sempre recusado esta nossa proposta e só agora, que é oposição, avance, adira à nossa filosofia em matéria de desgovernamentalização do órgão de administração da RTP? Será que também aqui estamos a presenciar, da parte de V. Ex.ª e do PSD, mais um episódio da renúncia por parte do PSD à pesada herança cavaquista?
0 Sr. José Magalhães (PS): - Bem perguntado!
0 Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
0 Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Reis, pensava que V. Ex.ª não me ia fazer uma pergunta, pensava era que, depois da minha intervenção, V. Ex.ª ia fazer uma pequena intervenção.
0 Sr. António Reis (PS): - E vou! E vou!
0 Orador: - De imediato!
E uma pequena intervenção para explicar como é que VV. Ex.as, na oposição, tanto insistiram na promessa de que iriam desgovernamentalizar e que a primeira das prioridades era alterar o estatuto da televisão, para ser o Conselho de Opinião a alterar a maioria dos membros do Conselho de Administração da RTP, e, até hoje, recusaram fazê-lo.
0 Sr. José Magalhães (PS): Está aqui!
0 Orador: - E, já agora, talvez V. Ex.ª...
0 Sr. António Reis (PS): - Responda à minha pergunta, por favor!
0 Orador: - ... possa informar, porque pode estar no segredo dos deuses (nós não estamos!), se, caso essa alteração seja aqui aprovada, VV. Ex.as fazem cessar de imediato o actual Conselho de Administração da RTP para o pôr a funcionar em conformidade com a nova solução ou se, pelo contrário, querem ter uma administração servil e obediente até às eleições.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Sr. António Reis (PS): - Não respondeu à minha pergunta!
0 Orador: - É muito simples! Eu rendi-me, o PSD rendeu-se aos vossos argumentos!
0 Sr. António Reis (PS): - Ah!
0 Sr. José Magalhães (PS): - Finalmente!
0 Orador: - Mas está perfeitamente frustrado com VV. Ex.as, porque não avançam para a sua concretização. Estamos frustrados, o País está frustrado com a vossa inércia!
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Sr. António Reis (PS): - Está no «segredo dos Deuses»!
0 Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.
0 Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, muito brevemente, gostaria de interrogá-lo acerca deste projecto de lei a que, agora, tivemos, finalmente, acesso.
Não me surpreende que o PSD não proponha para as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira a mesma terapêutica que propõe para o Continente. Isso não me surpreende, porque o Sr. Deputado Guilherme Silva e o PSD sabem bem o jeito que dá o actual satus quo da televisão pública nos Açores e na Madeira. Portanto, mal seria que o Sr. Deputado Guilherme Silva, hábil como é, não quisesse «sol na eira e chuva no nabal» - aliás, «quem parte e reparte, ou não tem arte ou então fica com a melhor parte». Assim, faz todo o sentido essa proposta do PSD, absolutamente incoerente, do nosso ponto de vista. Mas compreendêmo-la!
0 que para nós não faz sentido - e é esta a pergunta que queríamos fazer - é ouvirmos, sistemática e reiteradamente, o PSD alinhar pelas preocupações da lusofonia na política externa, reivindicar uma dinamização da CPLP e criticar o Governo do PS por pretensamente não dar toda a atenção que devia à cooperação com os países africanos de expressão portuguesa, e o exemplo que, hoje, nos entrega aqui é o da extinção da RTP África! Sr. Deputado, sinceramente não compreendemos isto.
Aplausos do PS e do Secretário de Estado da Comunicação Social.
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O Sr. José Magalhães (PS): - Bem perguntado!
Vozes do PSD: - Onde é que isso está?
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Está no vosso projecto de lei!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O Sr. Deputado está a dormir!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Ferreira, em primeiro lugar, o Sr. Deputado tem de conhecer melhor...
Vozes do PSD: - Não teve tempo para ler... Leia o que está aí!
O Orador: - Sr. Deputado, percebo o seu problema, mas vou explicar-lhe o seguinte: é que este Governo, às vezes, toma algumas medidas que confundem as pessoas, e uma delas é a RTP África. A RTP África mais não é do que uma alínea da RTP Internacional. É unia vertente externa,...
O Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social: Completa ignorância! Nunca viu!
O Orador: - ... que, para nós, está na RTP Internacional e, portanto, na nossa preocupação. Assim, o artigo 2.º não diz, nem podia dizer, isso. Há aqui uma fantasia de uma autonomia para show off, mas, efectivamente, trata-se de vertentes de uma só e única realidade...
O Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social: Nunca viu a RTP África!
O Orador: - ... que entronca na política externa portuguesa. E, nessa medida, entendemos que ela deve ser privilegiada e mantida integralmente sob a tutela do Estado, pois parece-me que essas tarefas devem caber ao Estado. Portanto, não há qualquer pretensão de retirar dessa área a RTP África.
Quanto ao problema das regiões autónomas, o Sr. Deputado, há pouco, aquando dos pedidos de esclarecimento feitos ao Sr. Secretário de Estado, foi muito claro ao exprimir os seus receios relativamente à viabilidade de televisões regionais em termos nacionais. E um dos argumentos que referiu era exactamente a questão de mercado. Ora, este problema coloca-se também às regiões autónomas. As regiões autónomas não têm um mercado de forma a levarmos para lá a solução da privatização. Mas, obviamente, todos reconhecemos que a especificidade insular - e nesse caso de uma forma agressiva - necessita de ter centros regionais de televisão, centros regionais emissores de televisão, centros regionais retransmissores de televisão nacional - é indispensável. E isso não pode deixar de estar sob a tutela do Estado.
É esta a nossa posição. Não fazemos um juízo a retalho em função de uma conveniência, mas em função de uma coerência e de uma filosofia.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Dá jeito!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Saraiva.
O Sr. José Saraiva (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, só agora me chegou às mãos o vosso projecto de lei. E eu, que me habituei à consistência das suas intervenções, embora normalmente não concordando com as suas opiniões, fiquei agora surpreendido com o anexo apenso ao vosso projecto de lei. Contém um conjunto de valores, que estimo sejam certos, mas não os anteriores,...
O Sr. José Magalhães (PS): - Nem isso!
O Orador: - ... aqueles que, durante 10 anos, despendendo para manter um serviço que - e de que maneira! - de todo o modo.
Há pouco, V. Ex.ª referiu que o Governo mantinha um vício. Ora, vindo de quem vem, custa-me entender essas expressões. É que V. Ex.ª conhece bem, melhor do que eu, o comportamento de algumas administrações anteriores, pelo que gostaria que dissesse à Câmara se sabe de alguma intervenção directa de um membro do Governo no alinhamento de programas, da interferência directa quanto a noticiários ou de outro tipo de interferência que V. Ex.ª considere manipulador e ao serviço, digamos, da maioria.
Relativamente ao problema da liberalização do capital da RTP, gostava de perguntar-lhe o seguinte: está o PSD convencido de que unia empresa de capitais privados é mais independente do que uma empresa de capitais públicos? Se uma empresa de capitais privados tentar realizar um serviço público, isso não colide com o seu objecto final, que é a obtenção do lucro?
Uma última questão tem a ver com a intervenção feita pelo Sr. Secretário de Estado, a qual historia, recomenda e acolhe um conjunto de situações novas. Ora, a determinado momento, o Sr. Secretário de Estado questionou se com a abertura da RTP a capitais privados não pode correr-se o risco de ela ser hegemonizada por capitais estrangeiros, com todas as responsabilidades que isso acarreta.
Finalmente, pensa que a recuperação económica da RTP, feita por VV. Ex.as podia ser realizada num ano ou dois?
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Saraiva, em primeiro lugar, quero registar o grande esforço feito pelo Sr. Deputado para se recordar da intervenção do Sr. Secretário de Estado, que, parece, também não foi muito atractiva para si ou, então, o Sr. Deputado não lhe deu a atenção que devia. Mas fez um esforço muito grande, apesar de não ter sido muito fiel.
Relativamente ao problema do anexo, faz-me lembrar a história que se conta de um licenciando a quem, ao apresentar uma tese sobre finanças numa faculdade, tese essa que estava encadernada, e, como tal (e é usual), trazia duas ou três folhas em branco, o professor disse: «Pois é, o senhor vem aqui apresentar uma tese de finanças com este desperdício de papel?!» Ao que ele respondeu: «Pois é, mas o Sr. Prof. está a classificar a minha tese exactamen-
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te onde ela nada diz!» Ora, V. Ex.ª começou também a criticar este projecto de lei do PSD exactamente onde ele não é projecto de lei - é um anexo meramente informativo sobre os números.
O Sr. José Saraiva (PS): - Sonega dados?
O Orador: - Em relação aos números anteriores, é óbvio que seria muito maçudo inscrever aqui 20 anos de...
O Sr. José Saraiva (PS): - Só queria 10!
O Orador: - Está bem, mas é preciso ver que também houve um para trás dos 10! Portanto, era pôr muita coisa aqui.
No entanto, quero dizer-lhe que, na «exposição de motivos» do nosso diploma, a dada altura, dizemos isto: «Esta é uma questão essencial, em que todos os agentes políticos e todos os governos, sem excepção, têm a sua quotaparte de responsabilidade, que legitimamente questiona a bondade do modelo actualmente existente». Não enjeitamos, pois, as nossas responsabilidades.
Em relação à outra questão, de saber- se há interferências concretas de membros do Governo na programação ou na formulação dos noticiários, etc., quero dizer-lhe que tenho uma experiência muito interessante, nesse particular, na 1.ª Comissão. E quero «tirar o chapéu» ao PS, porque me apercebi, da forma como funciona hoje a comunicação social pública, que o Governo não precisa de fazer nada disso. Como teve o cuidado de fazer as escolhas certas, alguém o faz pelo Governo.
O Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social: Não é essa a opinião do seu líder, que elogiou a RTP há pouco tempo!
O Orador: - Sr. Deputado, o que se passou na 1.ª Comissão com o presidente da RDP é algo perfeitamente kafkiano. O presidente da RDP foi à 1.ª Comissão e disse: «Interferi junto da informação e vou continuar a interferir em nome do rigor». E deu dois exemplos de intervenção político-partidária em que se tinha cifrado a sua intervenção.
Sr. Deputado, se isto se tivesse passado com o presidente de um órgão de comunicação social público no tempo do governo do Prof. Cavaco Silva, «caía aqui o Carmo e a Trindade» e VV. Ex.as exigiam imediatamente a demissão não apenas do presidente desse órgão de comunicação mas do próprio governo ou, pelo menos, do responsável do governo para a área da comunicação social.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Essa era a vossa postura.
Vozes do PS: - Não!
O Orador: - Portanto, em matéria de interferência do poder político, estamos conversados.
O Sr. José Saraiva (PS): - Não deu um exemplo!
O Orador: - Não dou um exemplo de interferência directa de um membro do Governo; dou o exemplo da montagem, bem pensada e ajustada - e «tiro-vos o chapéu» por isso -, ao terem sabido pôr as pedras certas para se dispensarem e ser desnecessária essa interferência casuística. Mas, se calhar, ela também existe...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. José Magalhães (PS): - Essa é outra técnica de calúnia!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado Guilherme Silva, o PSD esgotou o tempo regimental.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A proposta de lei de que hoje nos ocupamos pretende rever a lei da televisão que aqui debatemos há oito anos e que, na sequência da revisão constitucional de 1989, abriu um novo cicio da televisão, em Portugal.
Nestes oito anos, o panorama da televisão alterou-se profundamente, para o bem e para o mal. Aumentou a quantidade da programação disponível, não apenas através da duplicação de operadores por via hertziana terrestre mas também por via de novas possibilidades de difusão por satélite e por cabo, e introduziram-se novas dinâmicas, sobretudo ao nível da informação, com uma maior atenção de todas as televisões ao tratamento de fenómenos da vida social e à cobertura directa de acontecimentos do mais diverso tipo.
No entanto, tal como se esperava, e como o PCP alertou no debate de há oito anos, o novo quadro televisivo não deixou de se confrontar, e de nos confrontar, com novos e graves problemas.
As dificuldades esperadas da escassez do mercado publicitário face à duplicação de operadores e a concorrência comercial que se introduziu, geraram fenómenos negativos de contra-programação e uma programação essencialmente dirigida à captação de audiências a qualquer preço, muitas vezes com sacrifício de valores inerentes à dignidade humana.
Como era esperado, a abertura da televisão a operadores privados não se traduziu em qualquer democratização do acesso à actividade televisiva; conduziu apenas a novos posicionamentos dos grupos econ6micos no xadrez das participações no sector da comunicação social. O processo de concentração dos meios de comunicação social, que, desde meados da década de 80, se vinha a acentuar entre nós, conheceu novos desenvolvimentos com o alargamento da posição dominante dos principais grupos, associados a colossos mundiais da comunicação, a actividades multimédia.
Tudo isto, num quadro em que o sector público de televisão não conseguiu encontrar o seu lugar próprio, afogado numa situação de instabilidade de quadros, de finanças e de meios, ditada sobretudo por políticas apostadas em viabilizar os operadores privados à custa da degradação das condições de prestação de um serviço público, injustamente erigido por muitos em bode expiatório dos problemas da televisão em Portugal.
Não é possível ignorar que aqueles que hoje exigem a liquidação da RTP são os mesmos que, no governo, se encarregaram de a desmantelar, desprestigiar e degradar, pondo em causa as condições de prestação do serviço público de televisão.
Vozes do PCP: - Exactamente!
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O Orador: - Ninguém pode ignorar o alto preço que a concessionária do serviço público foi obrigada a pagar para viabilizar a configuração do actual panorama televisivo. Desde logo, ao ser esbulhada de todo o vasto património que constituía, até à criação da TDP, a sua rede própria de transmissão e difusão de sinal televisivo, hoje integrada na Portugal Telecom e por cuja utilização a RTP paga, sem que se perceba com que critério, muito mais do que qualquer outro operador. Isto para além de ter perdido a taxa de televisão, que constituía, como se sabe, uma fonte de receita do serviço público e para a qual não foi estabelecida nenhuma contrapartida específica.
Ninguém ignora que a implantação dos novos operadores no mercado publicitário não se deveu apenas a conhecidas tácticas de dumping, mas também a uma política deliberada, decidida já pelo actual Governo, de abdicar voluntariamente de uma fatia do mercado publicitário, como forma de subsidiar indirectamente os operadores privados.
Ninguém ignora que os Governos, tanto o anterior como o actual, têm fechado os olhos perante as mais grosseiras violações das regras aplicáveis à inserção de publicidade nas televisões, que manifestam em muitas situações o mais completo desrespeito para com os espectadores.
Ninguém ignora que os operadores têm beneficiado de uma situação de quase total desregulação da actividade de televisão e de um inadmissível laxismo da parte do poder político, que tem pactuado com violações grosseiras das leis do país, como nos célebres casos da não transmissão de tempos de antena eleitorais ou da divulgação de sondagens no próprio dia das eleições antes do fecho das umas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na exposição de motivos da proposta de lei o Governo fundamenta em razões tecnológicas a necessidade de alterar de novo o quadro legal da televisão em Portugal. Afirma-se que, com a evolução tecnológica do sector foi ultrapassada a limitação constituída pela exiguidade do espectro radioeléctrico, deixando de fazer sentido as restrições vigentes ao exercício da actividade de televisão.
Esta evolução tecnológica é um facto indiscutível, mas mal andará o legislador se considerar que as opções numa matéria como esta podem ser remetidas exclusivamente para as circunstâncias ditadas pela evolução tecnológica.
Não é assim! A questão da necessidade de licenciamento, do nosso ponto de vista, não decorre exclusivamente do problema da limitação do espectro radioeléctrico. Não visa dar resposta a questões tecnológicas mas de conteúdos. Um canal generalista difundido por cabo não pode deixar de dar garantias de cumprimento das obrigações legais dos canais generalistas, em termos legalmente previstos.
As regras de acesso à actividade de televisão não podem ser as mesmas que regulam a venda de um qualquer electrodoméstico. A televisão é uma indústria de conteúdos. Os frigoríficos congelam alimentos, mas as televisões informam cidadãos, trabalham consciências, impõem gostos e valores e determinam comportamentos sociais.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Quem está na corrida ao aproveitamento das novas possibilidades tecnológicas ao nível da televisão não são os cidadãos comuns. São, mais uma vez, os grandes grupos multimédia, apostados em conquistar mais poder económico e mais influência social destinada a consolidar esse mesmo poder.
É neste quadro, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que, hoje mais do que nunca, importa consolidar o serviço público de televisão e contrariar os propósitos dos que se lhe opõem. Secundando, aliás, a conclusão extraída pela Comissão de Reflexão sobre o Futuro da Televisão, de que «no contexto da previsível diversificação de canais, caberá ao serviço público de televisão uma responsabilidade acrescida no desempenho das suas missões».
O Sr. António Reis (PS): - Muito bem!
O Orador: - Na nossa concepção, o serviço público de televisão não pode limitar-se a ser um serviço que o Estado pague à peça. O serviço público de televisão é, acima de tudo, um instrumento decisivo para os cidadãos. É, ou deve ser, um espaço livre das pressões das audiências e do domínio do poder económico, salvaguardada que seja a sua viabilidade, a sua estabilidade e a sua democraticidade.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Não nos conformamos também, por isso, com uma concepção assente numa suposta vocação minoritária ou elitista do serviço público, de programação quase confidencial.
Como já alguém disse, não há serviço público sem público e não é inevitável que a conquista do público tenha de ser feita à custa da falta de qualidade ou da exploração do sensacionalismo.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Acreditamos, pelo contrário, que com o incentivo da produção nacional e com a valorização do nosso património e dos novos valores artísticos, culturais e criativos, é possível ter uma boa televisão de serviço público, para o público e com público.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!
O Orador: - O serviço público de televisão não é um resquício do passado. É antes, uma exigência do futuro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei do Governo contém aspectos que consideramos positivos. Saliento quatro desses aspectos: em primeiro lugar, a adopção de algumas normas destinadas a dar alguma transparência à titularidade de participações sociais em operadores de televisão; segundo, a regulação da aquisição de direitos exclusivos que incidam sobre a transmissão de acontecimentos que sejam objecto de interesse generalizado do público, por forma a permitir a transmissão por outros operadores caso os titulares dos direitos exclusivos não emitam em regime aberto ou não assegurem a cobertura nacional, bem como a permitir, em qualquer caso, a recolha de extractos informativos desses acontecimentos por parte de todos os operadores; terceiro, o estabelecimento de quotas mínimas de transmissão de produções televisivas nacionais e em língua portuguesa, bem como a adopção de medidas de incentivo à produção nacional; quarto, a consagração de medidas de salvaguarda do património audiovisual, quer através da obrigatoriedade de a concessionária do serviço público conservar e actualizar os arquivos audiovisuais e facultar o seu acesso, quer através da obrigatoriedade de todos os operadores organizarem os respectivos arquivos audiovisuais.
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No entanto, estes aspectos positivos não nos fazem esquecer outros tantos motivos de preocupação face ao conteúdo de outros aspectos importantes da proposta de lei. Saliento também alguns.
Desde logo, a eliminação de quaisquer limitações à participação no capital social dos operadores de televisão. Não só são eliminadas todas as restrições à penetração do capital estrangeiro nas televisões nacionais, como são também eliminadas as restrições actualmente existentes à participação múltipla ou cruzada em vários operadores por parte de uma mesma entidade.
Se a proposta de lei for aprovada como está, ficarão escancaradas as portas para uma maior concentração da televisão nas mãos de uns poucos grupos económicos, que verão assim acrescidos os seus poderes de controlo social, com todas as consequências nefastas que daí decorrem para o funcionamento da democracia e para o direito à informação.
Uma segunda questão preocupante diz respeito ao enorme acréscimo de poderes que a proposta de lei confere à Alta Autoridade para a Comunicação Social. Não que seja negativo conferir mais poderes a órgãos de regulação independentes, mas precisamente porque a Alia Autoridade para a Comunicação Social, com a composição que resultou da última revisão constitucional (que não alterou substancialmente a situação que vinha de trás), não reúne as garantias de independência necessárias para o exercício isento dos amplos poderes que lhe são atribuídos. Mais: a proposta de lei, ao assumir a solução abstrusa de fazer depender o licenciamento de canais de televisão de deliberação da Alta Autoridade sob proposta do Governo, revela com nitidez o propósito de transformar aquela entidade num instrumento de prossecução da política governamental.
Também se afiguram preocupantes algumas das opções fundamentais em matéria de serviço público. Desde logo, o facto de não se prever explicitamente a existência de dois canais generalistas de serviço público de âmbito nacional. Depois, por se pretender impor na lei a decisão já tomada pelo Governo de limitar a publicidade no serviço público como forma de subsídio indirecto aos operadores privados. E, ainda, por se prever na proposta de lei a dedução à indemnização compensatória dos excedentes que ocorram em resultado da actividade da empresa concessionária na exploração ou participação noutros canais. Péssimo incentivo este ao reequipamento e à modernização do serviço público.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Assim como não podemos compreender a solução constante da proposta de lei de criar um direito dos actuais operadores à renovação automática do respectivo licenciamento. Não vemos razões para afastar a regra em vigor, segundo a qual, cessando a vigência de um licenciamento se abre novo concurso público.
Finalmente, pensamos que deve ser alterado um conjunto de disposições constantes da proposta de lei, que visam flexibilizar as exigências na aplicação de normas legais, designadamente as que se referem às quotas mínimas de transmissão de produção nacional, ao ponto de ser a própria lei a criar as condições propícias ao seu próprio incumprimento.
Em conclusão, Sr. Presidente e Srs. Deputados, entendemos ser indispensável que, na especialidade, sejam alterados os aspectos que consideramos mais negativos da
presente proposta de lei. Do resultado da discussão na especialidade dependerá, evidentemente, o nosso posicionamento em votação final global.
Estamos, assim, inteiramente disponíveis e empenhados para participar neste processo legislativo e contribuir para que dele resulte não apenas mais televisão, irias sobretudo melhor televisão.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.
O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero começar por sublinhar a importância deste diploma legislativo e a importância que este debate deveria ter.
De facto, esta é uma lei e este é um debate em que deveriam estar em causa, sobretudo, questões e exigências de carácter ético e cultural da mais alta importância. Uma lei e um debate que deveriam sobressair no meio da avalanche legislativa que semanalmente cai nesta Casa.
Infelizmente, houve quem tentasse transformá-lo num remake de outros debates que aqui temos tido sobre a questão do serviço público e da privatização da RTP. Estratégia claramente prosseguida pelo PSD em relação a esta matéria e que proeurou esvaziar da sua verdadeira importância cultural e política esta lei e este debate.
De facto, não está aqui apenas em causa o problema da adaptação às mudanças tecnológicas, com a inerente necessidade de liberalização das condições de acesso à emissão televisiva, está também em causa neste debate e nesta lei a assumpção das responsabilidades do Estado enquanto comunidade de cidadãos na defesa da língua e da cultura portuguesas, do pluralismo, da exigência do respeito de mínimos éticos por parte dos operadores televisivos em geral.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Este teria sido o momento de fazermos aqui o balanço sereno dos oito anos de vigência da Lei n.º 58/90. Este teria sido o tempo para fazermos o balanço das alterações sobrevindas na paisagem do audiovisual português e o tempo de reflectirmos sobre as consequências da irrupção dos canais privados generalistas e sobre o poder da televisão em geral no mundo de hoje.
De facto, se a Lei n.º 58/90 velo permitir a irrupção dos canais privados generalistas e, consequentemente, um enriquecimento inegável do debate político e do pluralismo informativo, o certo é que ela também veio abrir caminho à cedência à informação-espectáculo e ao sensacionalismo, à tentação de transformar cada debate num combate, à prevalência dos fait divers, à tentação de ficcionar a informação e de fabricar a realidade, aquilo a que Derrida chamava «a artefactualidade».
Tudo isto com o inerente perigo da discriminação dos cidadãos entre aqueles que têm acesso à informação da chamada imprensa séria ou de referência e aqueles que se alimentam apenas deste tipo de informação-espectáculo.
Este seria também o momento de reflectirmos sobre a presença cada vez mais invasora da televisão no quotidiano e no espaço público; da televisão como instrumento da criação da realidade e árbitro de acesso à existência social e política; da televisão como instrumento de pressão para a produção instantânea de decisão política ou
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judicial, que pode levar tendencialmente ao esvaziamento da democracia representativa em proveito de uma pseudodemocracia directa centrada na urgência da decisão imediata e simplificadora; da televisão como força de banalização, de futilização e de ocultação de alternativas, a televisão a que Bourdieu chamava o fast thinking à procura da criação de um fast food cultural.
É neste quadro que devemos reflectir sobre esta questão: que fazer para que os cidadãos não se vejam condenados à hegemonia de uma programação televisiva assente exclusivamente em critérios populistas impostos pelas leis do mercado e possam fazer um uso realmente democrático dos media, sem que isso implique um regresso a um modelo de televisão pedagógico-paternalista, que seria ilusório pretender ressuscitar?
Nesse aspecto, esta proposta de lei abre duas vias: a de um bom e coerente serviço público de televisão e a de mais e melhor regulação da actividade televisiva em geral.
Através dos artigos 43.º, 44.º e 45.º, temos uma definição coerente do que se deve entender por serviço público de televisão, desenvolvida, aliás, nos termos do actual contrato de concessão de serviço público.
A televisão pública deve ser vista como um operador com uma programação de referência, pautada por critérios de qualidade, de equilíbrio e de diversidade na tripla componente da informação, da cultura e do entretenimento.
A televisão pública deve ser vista como uma garantia do pluralismo de conteúdos, numa lei que procura assegurar a máxima pluralidade possível nas formas de emissão televisiva. A televisão pública deve ser vista como a garantia do direito à diferença contra «mais do mesmo».
E temos também de salientar que a televisão pública surge, finalmente, nesta proposta de lei, com a sua garantia de independência assegurada mediante a alteração do modo de nomeação dos administradores da RTP, S.A., através de uma decisiva intervenção de um órgão tão representativo como é o Conselho de Opinião.
E neste contexto que entendemos criticar a alternativa que o PSD agora nos pretende apresentar de privatização dos dois canais generalistas nacionais de serviço público.
Esta alternativa enferma de uma concepção atomista e minimalista do serviço público de televisão entendido como um conjunto limitado de obrigações específicas; uma alternativa que desencadeia a confusão entre serviço público e interesses privados, levando a uma potencial contradição explosiva e fatal para qualquer programação doravante condenada a um hibridismo incoerente, ou seja, uma programação de manta de retalhos; uma alternativa que pode conduzir também à situação perversa de financiamento de televisões comerciais e privadas pelo Estado e que não serve, afinal de contas, nem os interesses dos canais privados nem as exigências do serviço público, uma alternativa que descontentará afinal toda a gente...
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Orador: - ... e que levaria à redução ou mesmo à eliminação das diferenças de programação, favorecendo a concorrência pelo nível mais baixo de programação com ausência de reais alternativas no âmbito dos canais generalistas, implantando, afinal de contas, uma «lei da seiva» que nem os operadores privados querem porque levaria ao aniquilamento de todos eles.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Isto não quer dizer que não haja, como já há e continuará a haver, um serviço público mínimo para todos os canais, na medida em que todos eles são obrigados a respeitar os fins dos canais generalistas estipulados no artigo 8.º desta proposta de lei e na medida em que todos eles, são obrigados a respeitar as quotas de programação previstas nos artigos 35.º a 37.º, que visam a salvaguarda da identidade cultural portuguesa através da garantia de uma produção criativa nacional, de stock mais do que de fluxo, e da garantia de apoio e viabilização de uma indústria audiovisual portuguesa a que a Lei do Cinema e do Audiovisual dará um contributo importante.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Não há liberalização sem regulação. A regulação em função do interesse público é a contrapartida necessária de qualquer liberalização. Num Estado democrático todo o poder carece de controlo adequado capaz de evitar a lesão do interesse público e dos direitos fundamentais dos cidadãos.
Nesse aspecto, esta proposta de lei, ao consagrar novas competências reguladoras para a Alta Autoridade para a Comunicação Social, na sequência, aliás, da abertura possibilitada pela última revisão constitucional, é um contributo importante para reforçar o poder regulador sobre os media.
Não pode haver impunidade, nem complacência das autoridades, nem coimas irrisórias para infracções graves. A proposta de lei prevê a possibilidade de suspender ou mesmo revogar a licença ou autorização de emissão sempre que se fuja reiteradamente ao dever de cumprir obrigações legais e se ofendam gravemente direitos fundamentais dos cidadãos.
Dizia Karl Popper que «numa democracia não deveria existir nenhum poder incontrolado. A televisão adquiriu um poder demasiado vasto no seio da democracia. Nenhuma democracia pode sobreviver se são se puser cobro a esta omnipotência.»
É claro que é isto o que devemos fazer, mas, obviamente, por meios democráticos, tais como aqueles que estão previstos nesta lei, que é, por isso, uma boa lei e merece a nossa aprovação.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, como não há mais pedidos de palavra sobre este diploma, dou por encerrado o debate. A sua votação terá lugar amanhã à hora regimental, ou seja, às 18 horas.
Passamos à apreciação, na generalidade, do projecto de lei n.º 446/VII - Altera o Decreto-Lei n.º 701-B/76, de 29 de Setembro (Estabelece o regime eleitoral para a eleição dos órgãos das autarquias locais) (CDS-PP).
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao longo dos últimos anos tem aumentado significativamente o número de órgãos autárquicos que recorrem à publicidade comercial em período eleitoral e pré-eleitoral.
Esta prática, que voltou a ser especialmente visível no período que antecedeu as últimas eleições autárquicas, constitui, na opinião do Partido Popular, uma intromissão ilegítima dos órgãos autárquicos no processo eleitoral que visa, precisamente, a sua eleição, o que origina uma desigualdade prática entre os vários partidos concorrentes a que, na nossa opinião, urge pôr cobro.
Os números não mentem. De acordo com os dados oficiais fornecidos pela RTP e pela RTC, as câmaras municipais compraram, em 1996, ano em que não houve elei-
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ções, 914 spots publicitários, num valor global de factura superior a 43 000 contos.
Já em 1997, ano de eleições autárquicas, as câmaras municipais compraram um total de 3192 spots publicitários, num valor global de factura superior a 112 000 contos, ou seja, de 1996 para 1997 triplicou o gasto das câmaras municipais em publicidade institucional só na RTP, não considerando outros meios de comunicação, como a imprensa, a rádio e a publicidade exterior.
A isto o Partido Popular chama propaganda política indirecta e um duplo esbanjamento de dinheiros públicos.
É propaganda política indirecta porque é óbvio que a finalidade deste cíclico surto publicitário visa promover e beneficiar os partidos maioritários nos executivos municipais, que sempre concorrem às eleições.
É um duplo esbanjamento de dinheiros públicos porque, por um lado, as câmaras municipais gastam directamente o dinheiro dos contribuintes nestas campanhas publicitárias e porque, por outro lado, beneficiam de um significativo desconto de tabela, impedindo a RTP de facturar outra publicidade a preços de mercado, o que significa um agravamento dos défices da televisão pública - , assunto que, há pouco, acabámos de discutir -, que, como todos sabemos, são sistematicamente cobertos através de indemnizações compensatórias transferidas do Orçamento do Estado. O debate desta iniciativa legislativa vem mesmo a calhar.
Depois do dia 14 de Dezembro de 1997, de súbito, tudo mudou, deixou de ser necessário lembrar que Almada é um paraíso às portas de Lisboa, que a Moita é uma pérola escondida no Tejo, que Lisboa está sempre em festa, que Loures tem um futuro radioso à sua espera, que o Porto tem as melhores iluminações de Natal da Europa e que Oeiras vale a pena. Voltou a ser normal viver em qualquer lado.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - E tudo indica que continuará a ser assim até às próximas eleições autárquicas.
Este abuso eleitoralista do dinheiro dos nossos impostos deve acabar. Já hoje é vedado aos partidos políticos fazerem publicidade comercial a partir do momento em que é publicado, no Diário da República, o decreto que marca a data das eleições. O que o Partido Popular entende é que o mesmo regime legal deve aplicar-se aos órgãos autárquicos, para acabar, de uma vez por todas, com esta interferência nos processos eleitorais e, ainda para mais, com recurso a dinheiros públicos.
Até hoje, no caso de anúncios publicitários promovidos por órgãos autárquicos, a Comissão Nacional de Eleições tem-se, repetidamente, pronunciado no sentido de os mesmos não constituírem uma forma de apoio a qualquer candidatura, apoiada no conceito de propaganda eleitoral que consta do artigo 52.º do Decreto Lei n.º 7O1 -B/76, de 29 de Setembro. Só que o conceito de propaganda política que resulta do artigo 60.º do mesmo diploma é bem mais amplo do que o anterior, limitando-se, actualmente, a abranger os partidos políticos.
Independentemente da correcção jurídica da posição da Comissão Nacional de Eleições, que, nesta sede e neste momento, não queremos nem vamos discutir, a verdade é que se assiste a uma grande coincidência entre os timings publicitários das câmaras municipais, ou dos piques desses timings publicitários, e os períodos eleitorais.
É para resolver esta situação que o Partido Popular propõe, através desta iniciativa legislativa, alterar o artigo 60.º da lei eleitoral para as autarquias locais, para que, no fundo, seja vedado aos órgãos autárquicos fazer publicidade institucional a partir do momento em que é publicado o decreto que marca as eleições autárquicas.
Pensamos tratar-se de uma medida de rigor, de uma medida de transparência, de uma medida antidespesista, que facilmente colherá a simpatia de todos os grupos parlamentares.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Inscreveu-se, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Luís Sá.
Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Ferreira: Compreendo perfeitamente o projecto de lei que V. Ex.ª e o seu grupo parlamentar apresentam. De resto, houve da sua parte o cuidado de referir um conjunto de municípios que teriam feito aquilo a que chama publicidade institucional, e terminou com «Oeiras vale a pena», o que significa que, no fim de contas, é um projecto de lei que tem a ver ainda com a última campanha eleitoral e, designadamente, com a campanha eleitoral para a Câmara Municipal de Oeiras, e que é um projecto de lei anterior à disponibilidade do seu partido para fazer acordos com o PSD e à disponibilidade do PSD para fazer acordos com o seu partido.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Veja lá no que é que se mete!
O Orador: - É, de algum modo, um projecto da anterior direcção do CDS-PP - e não sei bem se lhe chame CDS ou se lhe chame PP...
Independentemente da preocupação, acho que o caminho escolhido não é, efectivamente, o melhor, porque, do ponto de vista técnico, não distingue publicidade institucional de informação institucional, e a verdade é que tudo é proibido, quando uma câmara municipal - como, de resto, qualquer órgão da Administração Pública - pode e deve fazer informação, e deve aqui, sem dúvida nenhuma, haver uma fronteira. Portanto, pode fazer informação pelos meios de publicidade comercial e este aspecto não está, efectivamente, claro.
Mas a questão que quero colocar-lhe é a seguinte: V. Ex.ª certamente não ignora que no Decreto-Lei n.º 7011-B/76 há um artigo, o n.º 109, que proíbe a violação dos deveres de neutralidade e de imparcialidade das entidades públicas. Simplesmente, proíbe-a apenas durante a campanha eleitoral e eu queria, de resto, dizer-lhe que a Comissão Nacional de Eleições, em relação a violações do tipo da que referiu ou de outras que entendeu contrariarem a lei, violarem o direito de neutralidade, participou ao Ministério Público para efeitos de procedimento criminal.
O grande problema que aqui está colocado é o de que esta norma do artigo 109.º apenas se aplica no período da campanha eleitoral, e a minha pergunta é a seguinte: não estará o PP disposto a seguir outro caminho, que é o de aplicar esta norma não no período da campanha eleitoral mas desde a publicação do decreto da marcação das eleições?
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - É isso mesmo!
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O Orador: - Uma segunda questão, não menos relevante, é a seguinte: como as eleições autárquicas se realizaram há quatro meses, só teremos de novo eleições autárquicas daqui a três anos e oito meses. Entretanto, como vamos ter referendos, actos eleitorais para o Parlamento Europeu e para a Assembleia da República, e outro tipo de actos eleitorais, o grande problema que se coloca é este: não teria sido mais adequado propor aliás, tal como o fez o Grupo Parlamentar do PCP na lei eleitoral para a Assembleia da República que apresentou e que aqui foi discutida há dias - que este tipo de normas, isto é, a violação do dever de neutralidade das entidades públicas, fosse aplicado a todo e qualquer acto eleitoral, a todo e qualquer referendo, em vez de a um acto eleitoral que acaba de verificar-se? É certo que há almas magoadas com os resultados que obtiveram, com os comportamentos que existiram, etc., mas não seria mais racional aplicar este tipo de normas a todos os actos eleitorais e a todos os referendos, desde o decreto da marcação das eleições?
É esta a questão concreta que quero colocar-lhe, porque, independentemente da minha compreensão em relação às preocupações de V. Ex.ª, acho que nem do ponto de vista técnico nem do ponto de vista da extensão daquilo que é proposto foi adoptado o melhor caminho.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Sá: Obviamente, não cometo a injustiça de achar que o seu pedido de esclarecimento é motivado pelo facto de, mesmo com alguma - e bastante - publicidade institucional, algumas câmaras que eram do Partido Comunista terem deixado de o ser. Não vou cometer essa injustiça.
Penso, aliás, que o assunto que estamos aqui a abordar é um pouco mais sério e penso até que não será difícil de, à volta dele, gerarmos algum consenso.
Também não tenho dúvidas de qual é o Partido Comunista a que se refere sempre que V. Ex.ª fala. Ainda no outro dia, num debate mais particular, tivemos, aliás, ocasião de aprofundar esse assunto.
Portanto, penso que isso são pormenores do debate político que, às vezes, aqui têm de se dizer, enfim, para dar satisfação a outras matérias.
Agora, este projecto de lei não tem a ver com as anteriores eleições autárquicas, tem a ver com as próximas, e tem um objectivo claro, que é, exactamente, aquele que me questionou na sua primeira pergunta: não é o de impedir as câmaras municipais de continuarem a exercer a informação que for necessária aos munícipes (não é isso, seria absurdo que fosse isso) mas sim impedir que as câmaras municipais só façam publicidade institucional depois da marcação de eleições autárquicas.
E, quanto a isso, V. Ex.ª não pôde contra-argumentar! Aliás, posso fornecer-lhe o mapa das inserções publicitárias - que a RTC também fornece, a si ou a qualquer Sr. Deputado -, e é espantoso como, a partir do momento em que são marcadas as eleições, todas as câmaras, independentemente dos partidos que nelas têm maioria, aumentam a sua facturação em publicidade. Portanto, isto não é uma questão partidária, não tem a ver exclusivamente com qualquer partido, embora, deva dizer-lhe que o se, nessa matéria, deu cartas.
as a nossa preocupação principal não é essa, é, sim, a de tentar evitar que, por este meio indirecto, um dos partidos concorrentes às eleições possa recolher benefícios de propaganda política indirecta, cuja razão de ser exclusiva são as eleições, porque senão as câmaras fariam essa publicidade institucional durante todo o ano, fá-la-iam sempre, espaçadamente, e, de facto, isso não acontece. Se
comparar os números de 1996 com os de 1997 essa realidade é óbvia e dispensa, penso eu, qualquer tipo de comentário.
Portanto, fico satisfeito por V. Ex.ª não ter conseguido demonstrar que a razão de ser do nosso projecto estava errada, fico satisfeito que V. Ex.ª tenha, no fundo, implicitamente ratificado a razão de ser do nosso projecto. E as questões de pormenor, nomeadamente de legislação, tais como o facto de haver vários diplomas que regulam eleições, serão matéria para outro debate e não propriamente para este.
Se quiser, trata-se de uma alteração cirúrgica deste diploma, que me parece justificada e que, penso eu, merecerá acolhimento em termos finais. Mas a nossa preocupação tem a ver, essencialmente, como disse, e bem, com o facto de impedir que, a partir do momento da marcação das eleições autárquicas, as câmaras municipais possam fazer publicidade institucional - é apenas isto, nada mais do que isto e tão-só isto! -, obviamente todas as câmaras, independentemente da maioria que as componham, tenham elas o partido que tiverem à frente dos seus destinos. E é para as próximas eleições, Sr. Deputado, não é para as que já passaram.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho.
O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): Sr. Presidente, Srs. Deputados: Após as últimas eleições autárquicas, o CDS-PP decidiu apresentar na Assembleia da República o projecto de lei n.º 446/VII, com vista a proibir a publicidade comercial por parte das autarquias locais, no período que medeia a marcação do acto eleitoral e a realização deste.
O objectivo expresso neste projecto de lei é o de aplicar, o mesmo regime que veda aos partidos políticos o acesso à publicidade comercial, à publicidade e propaganda institucional promovida pelos órgãos autárquicos.
Sendo esta uma proposta de alteração de apenas um único artigo do Decreto-Lei n.º 7O1-B/6, apresentada pelo do Partido Popular, não podemos deixar de considerar que efectuar alterações pontuais às leis em vigor, desperdiçando
uma reflexão e alterações mais profundas e provavelmente necessárias para a actualização da lei à realidade actual do nosso país, não é um bom princípio para criar um corpo legislativo coerente e não disperso em diversos diplomas,
criando dificuldades àqueles que têm a obrigação de cumprir e de fazer respeitar a lei.
Apesar desta reserva por parte do PSD, não podemos deixar de considerar como pertinente para a transparência da vida pública a proposta de alteração do artigo 60.º sobre publicidade comercial no que respeita às autarquias locais.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Todos nós fomos testemunhas do abuso de algumas câmaras municipais e suspeitámos das intenções com que algumas delas inundaram os órgãos de co-
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municação social com publicidade comercial nos meses e semanas anteriores às eleições autárquicas.
Ora, estes comportamentos eram, em alguns casos, claros actos de propaganda política, porque conjugados com slogans e propostas eleitorais de forças políticas concorrentes às eleições autárquicas e detentoras da maioria municipal.
Pela nossa parte, PSD, atendendo à intensidade e à extensão que a publicidade comercial e institucional está a atingir por parte de algumas autarquias locais em períodos pré-eleitorais, impõe-se a alteração que o projecto de lei do CDS-PP propõe.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Os cidadãos portugueses merecem mais respeito de quem tem a obrigação de bem aplicar os recursos públicos à sua disposição.
A informação aos cidadãos não pode ser substituída pela propaganda política paga pelos contribuintes.
O PSD está disponível para, em sede de Comissão, na especialidade, dar também os seus contributos a este projecto de lei.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O problema da violação dos deveres de neutralidade, o problema de instrumentalizar órgãos da Administração Pública e órgãos de soberania para fins eleitorais é um problema de carácter geral. Verifica-se na generalidade dos actos eleitorais e verifica-se também nas autarquias locais.
No caso concreto das autarquias locais, não vimos apenas municípios e freguesias a tentarem instrumentalizar os meios que tinham para fins eleitorais. E que fique claro: onde quer que isto tenha acontecido, foi errado. Isso é inequívoco.
Agora, independentemente desta questão, o problema colocado não diz respeito exclusivamente às autarquias, ele diz respeito também ao próprio Governo, diz respeito aos governadores civis que andaram, para efeitos eleitorais, acompanhados de candidatos a distribuir subsídios em véspera do acto eleitoral.
Portanto, há aqui um problema geral e parece-me errado que o CDS-PP limite esta questão exclusivamente às autarquias locais, como é errado limitá-la exclusivamente às eleições autárquicas. E foi por isso mesmo que entregámos na Mesa um projecto de lei, chamando a atenção da Câmara, e em particular do CDS-PP, que, em relação a todos os actos eleitorais, incluindo todos os referendos, alarga o dever de neutralidade das entidades públicas e a respectiva punição à data da publicação do decreto de marcação das eleições.
Já tínhamos feito esta proposta em relação à Assembleia da República e propomos agora a sua extensão a todos os actos eleitorais, porque é isto que se impõe para garantir que, em todos os casos, não haja a possibilidade de abuso de poder, de violação do dever de neutralidade, porque, não tenho qualquer dúvida, onde houve abuso de publicidade institucional das autarquias, houve violação do dever de neutralidade, portanto, houve possibilidade de responsabilidade criminal de quem assim procedeu.
O grande problema é que a norma incriminatória só vigora a partir do dia da campanha eleitoral e, insisto, os procedimentos das autarquias locais e de uma série de outras entidades começam, naturalmente, muito antes da campanha. Daí a proposta de que a norma incriminatória valha desde o decreto de marcação das eleições.
Pedimos à Câmara que examine esta proposta conjuntamente com a do PP, porque nos parece que, do ponto de vista técnico e político, é a via adequada de responder ao problema colocado.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Martim Gracias.
O Sr. Martim Gracias (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Às vezes, o que parece ser nem sempre é!
No primeiro dia de Abril de 1998, tradicionalmente celebrado como o «dia das mentiras», reuniu a Comissão de Administração do Território. Poder Local, Equipamento Social e Ambiente para dar cumprimento à respectiva ordem de trabalhos, constando dela a apreciação e posterior votação do relatório e parecer, subscrito pelo Sr. Deputado Mário Albuquerque, referente ao projecto de lei n.º 446/VII, da iniciativa do CDS-PP, que pretende introduzir alterações ao Decreto-Lei n.º 701-B/76.
Justifica o CDS-PP a sua iniciativa por constatar que os órgãos autárquicos estariam a utilizar-se de meios de publicidade comercial em proveito próprio, ou seja, promovendo as suas actividades, o que poderá ser considerado como propaganda política durante o período reservado às campanhas eleitorais.
Foi o respectivo relatório e parecer aprovado por unanimidade, como consta da acta, tal constituindo uma verdade insofismável, quebrando-se assim a tradição do dia primeiro de Abril.
Este mui louvável projecto de lei da iniciativa do CDS-PP, cujo objectivo final seria tornar ainda mais transparente a Administração Pública, quedou-se com especial relevância para a administração local.
Legislar tem como principais objectivos, entre outros, tipificar procedimentos e ilicitudes, claramente explicitados no projecto de lei em apreço, e quantificar a ilicitude considerada, aplicando a respectiva sanção, objectivos claramente omissos neste projecto de lei.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Nos termos do artigo 150.º do Regimento da Assembleia da República, é obrigatória a consulta à Associação Nacional de Municípios Portugueses, visto que o propósito da presente iniciativa legislativa está intimamente relacionado com o poder local.
Tal consulta foi efectuada e, a 16 de Abril de 1998, foi recebido o parecer da referida Associação, cuja data é posterior à da aprovação do relatório e parecer, em 1 de Abril de 1998.
A Associação Nacional de Municípios Portugueses, no seu parecer, tece algumas dúvidas de especial acuidade, tais como: «Que se entende por publicidade institucional?», «Serão os projectos de sensibilização pública enquadrados neste pressuposto?», «Estarão os projectos de informação periódica enquadrados neste pressuposto?»
Equaciona também a Associação Nacional de Municípios Portugueses alguns considerandos sobre quais os instrumentos de comunicação autorizados ou interditos no período de campanha eleitoral.
«A quem compete a fiscalização?»
Não deixa ainda de referenciar esta Associação a ausência de sanções, deixando assim a estrutura legislativa proposta inacabada.
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Face a este conjunto de interrogações, recomenda esta Associação uma maior e melhor reflexão e precisão, acabando por dar parecer desfavorável ao projecto de lei em apreço da iniciativa do CDS-PP.
A ANAFRE, Associação Nacional de Freguesias, tece dúvidas sobre a legitimidade da interdição apresentada no projecto de lei em apreço, sem, no entanto, deixar de indicar alguns factores negativos, como «Afectação de recursos públicos; violação da lei que fixa os custos das campanhas eleitorais; violação do princípio da igualdade, etc. ( ... )», recomendando a necessidade do diálogo institucional como meio mais eficaz para introduzir melhorias no presente projecto de lei.
Comungamos das mesmas dúvidas e preocupações expressas pelas duas associações tempestivamente consultadas.
Assim, salvo melhor opinião, julgo que a presente iniciativa legislativa agora em debate na generalidade poderá ser melhorada em sede da Comissão de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente, tal como é recomendado pelas duas associações referidas, desde que o CDS-PP declare estar disponível para aceitar as alterações que na especialidade forem propostas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quer parecer-me que o sortilégio do primeiro dia de Abril mais uma vez fez-se sentir e o que era uma verdade insofismável, como referi no inicio desta intervenção, não passou de um sofisma da verdade.
E termino: às vezes, o que parece ser nem sempre é!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (João Amara]): - Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que dou por encerrado o debate do projecto de lei n.º 446/VII. A votação deste diploma realizar-se-á amanhã, pelas 18 horas.
Passamos agora à discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.º 151/VII - Autoriza o Governo a prorrogar por três anos o período de vigência do regime de honorários mínimos dos revisores oficiais de contas, e 154/VII - Permite que, a título excepcional, se admita a inscrição como técnico oficial de contas de responsáveis directos por contabilidade organizada, nos termos do Plano Oficial de Contabilidade, no período decorrido entre 1 de Janeiro de 1989 e 17 de Outubro de 1995, de entidades que possuíssem ou devessem possuir esse tipo de contabilidade.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (António Carlos dos Santos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo apresenta duas propostas, uma de autorização legislativa, provinda dos Ministérios das Finanças e da Justiça, relativa à regulamentação da Câmara dos Revisores Oficiais de Contas; e outra relativa à Associação dos Técnicos Oficiais de Contas (ATOC) e ao estatuto da profissão.
Quanto à primeira das propostas, recordamos que o Decreto-Lei n.º 422-A/93, de 30 de Dezembro, estabeleceu que a Câmara dos Revisores Oficiais de Contas passava a ser uma associação pública, que, como sabem, representa uma modalidade de administração indirecta do Estado, que consiste numa devolução dos poderes do Estado a uma organização de profissionais, a quem é atribuída a regulamentação e a disciplina do exercício de uma profissão de interesse público. E por isso que a Câmara dos Revisores Oficiais de Contas, segundo o preâmbulo desse diploma, não pode deixar de ser considerada, à luz das atribuições que lhe estão cometidas por lei, com vista a satisfazer necessidades específicas decorrentes do exercício de funções de interesse público por revisores oficiais de contas, uma estrutura profissional idêntica às ordens profissionais, stricto sensu, e outras câmaras profissionais.
Sucede, porém, que todo um trabalho que tem vindo a ser feito pela Câmara dos Revisores Oficiais de Contas ficaria incompleto sem esta proposta. A própria Câmara alertou para o facto de, através da sua comissão de controlo de qualidade, ter vindo a desenvolver acções pedagógicas e de fiscalização junto dos gabinetes dos revisores, o que tem permitido evoluir no sentido de um processo de normalização do trabalho de revisão legal de empresas. Estas acções, iniciadas em 1993, deveriam continuar.
Portanto, segundo a Câmara, a jovem profissão de revisor oficial de contas ainda não se encontraria preparada para enfrentar um regime de plena liberalização, porquanto se mantêm os pressupostos que justificaram a adopção de um período transitório para a prática dos honorários mínimos. Esses honorários vêm previstos no artigo 160.º do Decreto-Lei n.º 422-A/93. De facto, aí se diz que «Durante um período de três anos, contados do início do ano seguinte ao da entrada em vigor do presente diploma, os revisores têm direito a honorários mínimos no exercício da revisão legal de empresas ou de outras entidades nunca inferiores a 150 000$ anuais, calculados de acordo com a tabela constante do anexo II ao presente diploma».
O que a proposta de autorização legislativa ora apresentada pretende é, pura e simplesmente, prorrogar por mais três anos este regime. Não há qualquer alteração sequer no limite mínimo proposto, que se mantém em 150 000$. É este o sentido da proposta do Governo: prorrogação por mais três anos, mantendo os honorários.
Quanto ao outro diploma proposto, começo por recordar que toda esta questão foi já alvo de discussão nesta Assembleia da República em 17 de Outubro do ano passado, aquando de uma interpelação da Sr.º Deputada Jovita Matias. Tudo o que nessa altura foi dito, e para onde remeto, tem plena actualidade hoje em dia.
O Governo, neste processo, sempre se pautou por cinco princípios fundamentais, que pensa deverem ser mantidos.
O primeiro princípio é do o respeito pela autonomia e, portanto, pela auto-regulação da classe, mas uma autonomia compatível com a natureza pública da associação e da profissão, já estabelecida por lei e reconhecida por acórdãos do Tribunal Constitucional. Aliás, uma associação pública deste tipo continua exactamente o processo iniciado pela Câmara dos Revisores Oficiais de Contas. No fundo, trata-se de duas associações públicas, que devem ter estatutos paralelos cada vez mais similares e exigências mais idênticas.
É em nome dessa autonomia que todas as propostas que até agora temos vindo a efectuar, incluindo a do exame excepcional para inscrição como técnico oficial de contas (TOC), foram-no em concertação com o sector e após audição de um conjunto de escolas de contabilidade. É em nome da natureza pública da associação que atempadamente será pedida à comissão instaladora prestação de contas pela gestão até agora efectuada.
O segundo princípio é o da dignificação, credibilidade e responsabilização da profissão. Pensamos que este prin-
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cípio decorre do decreto-lei que criou a associação, publicado em Outubro de 1995. Decorre daí, basta ler o preâmbulo e pensamos que ele mantém plena actualidade.
Daí, de acordo, aliás, com directrizes comunitárias que regem a profissão de contabilista, a cada vez maior exigência de habilitações académicas para o desempenho da profissão. Daí ainda a responsabilização decorrente da lei, pela assinatura das declarações de impostos. A este respeito, o que o Governo fez foi, durante algum tempo, atrasar o processo de responsabilizar os técnicos oficiais de contas pelas declarações de impostos, porque, de facto, perante a lei, ele podia ter sido iniciado findo o prazo de 180 dias após a tomada de posse da comissão instaladora.
O terceiro princípio é o de justiça, relacionado com a necessidade de resolver certas situações que tinham sido provocadas pela inexistência de um período transitório no diploma que criou a ATOC e pela qual o Governo não é, obviamente, responsável. Daí o despacho que mandou abrir concurso extraordinário para inscrição como TOC dos profissionais que tinham as habilitações mínimas exigidas desde 1976 e possuíssem experiência profissional suficiente. Os exames foram efectuados e, de 3759 inscrições, 2883 foram admitidos a exame e 2046 foram aprovados, faltando 49.
O quarto princípio, o da transparência, é o que justifica a apresentação desta proposta. Na altura, havia dúvida sobre se um mero despacho serviria para legitimar este exame. Mas servia, era esta a nossa posição e daí a desnecessidade deste projecto apresentado, uma vez que um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo muito recente, de 16 de Abril de 1998, torna claro que o despacho cuja suspensão vem requerida, através do qual se determinou a abertura de um concurso extraordinário para inscrição como técnico oficial de contas, mais não é do que a execução e implementação do disposto no Decreto-Lei n.º 265/95, de 17 de Outubro.
Poderia ler, e penso que teria bastante interesse pedagógico, toda a fundamentação do acórdão do Tribunal, mas por razões de tempo não o poderei fazer.
Face a esta decisão judicial, eu diria que este projecto perdeu objecto, tornou-se desnecessário. Poderá ser aprovado, porque quod abundat non nocet, qualquer jurista conhece essa afirmação. A verdade é que, se não o for, o processo foi levado a cabo dentro da mais estrita legalidade.
Neste momento, nada mais acrescento a esta minha intervenção, porque, certamente, terei de responder a algumas questões.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, face ao tempo de que disponho, coloco-lhe uma única pergunta, tão rápida quanto possível.
A existência de um problema, apesar da intervenção do Sr. Secretário de Estado, está patente no facto de o Governo ter apresentado esta proposta de lei, porque, se não a tivesse apresentado, estaria tudo regularizado.
O Sr. Secretário de Estado sabe que o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo é referente a uma reclamação feita por um conjunto de técnicos que se sentiram discriminados e não põe em causa a substância da razão de quem requereu mas, sim, o facto de esse recurso ter sido feito para um despacho quando o que estava em causa era o decreto anterior, que não tinha a tal norma transitória que permitia que todos pudessem exercer a profissão.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Secretário de Estado, o próprio Governo reconhece, no preâmbulo do diploma, que há uma situação de injustiça que é preciso resolver, razão por que apresentou esta proposta de lei.
Pergunto: reconhecendo o Governo que há uma situação de injustiça, por que razão mantém na proposta de lei situações de injustiça e de discriminação?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Ora aí está uma boa pergunta!
O Orador: - Concretamente, Sr. Secretário de Estado, por que é que foi dado a um certo número de técnicos de contas a possibilidade de se inscreverem automaticamente como técnicos oficiais de contas só porque estavam inscritos na Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, cuja inscrição só era obrigatória para efeitos de exercício da contabilidade das empresas do grupo A na altura do Código da Contribuição Industrial, tendo deixado de sê-lo para qualquer grupo a partir da reforma fiscal? Portanto, estes puderam inscrever-se automaticamente, e todos os outros, que exerciam as funções nas mesmas situações de legalidade, de competência e de capacidade, ficaram de fora, quando alguns dos primeiros têm exactamente as mesmas habilitações, a 4.ª classe e mais, e não é por isso que não deixam de ser profissionais competentes, reconhecidos pelo mercado e pela administração fiscal.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Esta é a questão que queremos aqui resolver, Sr. Secretário de Estado.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Peço-lhe que seja rápido, pois já dispõe de muito pouco tempo.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, vi e li com atenção os Diários da República, publicados depois de Outubro de 1995, e não vi que o PCP tivesse pedido a ratificação deste diploma.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Essa é boa!
O Orador: - Não vi, Sr. Deputado! Não Vi! Ora, isto significa que nessa altura essa injustiça não lhe pareceu tão clamorosa assim.
Por outro lado, todos os técnicos de contas existentes na altura tiveram a possibilidade de se inscrever na DGCI e se o não fizeram foi porque não quiseram. Tiveram oportunidade de fazê-lo,...
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O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Mais vale tarde do que nunca!
O Orador: - ... mas deixaram passar o prazo necessário para o efeito. Esse diploma não foi, volto a dizer, aprovado por este Governo mas pelo anterior Governo. E o que fizemos foi: «vamos experimentá-lo, vamos pô-lo em execução, vamos ver como funciona». Não nos pareceu claramente uma boa solução retrogredir a uma época anterior a 1976. Muito sinceramente, exigir habilitações literárias inferiores ao 9.º ano, quando a Comunidade neste momento obriga ao bacharelato e até muitas vezes à licenciatura, não nos pareceu ser uma boa solução.
Portanto, quando se apresentou esta proposta foi, como eu disse há pouco, por haver dúvidas sobre se um despacho bastaria para fundamentar o exame. Se se tivesse a certeza absoluta de que ele bastaria, nunca esta proposta teria sido apresentada. Não seria necessária, tornar-se-ia inútil por falta de objecto.
Compreendo que, por razões de natureza política e não por defesa dos interesses de quem neste momento dizem defender, os senhores levantem este problema. As razões são outras.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Secretário de Estado, peço-lhe que abrevie a resposta, porque, como eu disse no início, não dispõe de tempo.
O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sr. Presidente, o PS cede três minutos do seu tempo ao Governo.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É para o Governo se enterrar mais!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Com certeza, Sr. Deputado Luís Filipe Madeira. Sendo assim, pode prosseguir, Sr. Secretário de Estado, pois já dispõe de tempo.
O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
É evidente que a Assembleia é soberana nesta matéria e poderá decidir como quiser. Poderá fazer outras propostas, como propor alterações à do Governo. Agora, o caminho não é entrar no laxismo, na descredibilização da profissão, não é de certeza a passagem administrativa. Não me parece que esta seja uma boa solução, nem nas escolas, nem nas ordens públicas, nem nas associações públicas, nem nas associações de classe, nem nos sindicatos, nem onde quer que seja. Quando se exigem determinados requisitos, esses devem ser cumpridos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Em segundo lugar, não se deve descaracterizar a profissão, é andar exactamente ao contrário daquilo que a maré nos indica. A ATOC foi criada em boa altura, é um bom instrumento de luta contra a fraude e a evasão fiscais e eu temo que, mais uma vez nesta Casa, alguns Deputados ou algumas organizações passem de novo a fomentar indirecta ou directamente a fraude e a evasão fiscais.
Vozes do PSD e do PCP: - Perdeu a cabeça completamente!
O Orador: - Não se pode desconhecer também a evolução das exigências da profissão...
Vozes do PSD e do PCP: - Perdeu a cabeça completamente!
O Orador: - Srs. Deputados, apenas disponho de três minutos e ainda não acabei.
Vozes do PSD e do PCP: - Está louco!
O Orador: - Srs. Deputados, vão desculpar-me, mas não estou a insultar ninguém...
Vozes do PSD e do PCP: - Perdeu a cabeça completamente!
O Orador: - Reparem, estou a dar a minha opinião sobre o assunto e tenho, salvo erro, direito a fazê-lo. Ou já não tenho?!
Protestos do PSD e do PCP.
O Sr. Presidente (João Amaral): - O Sr. Secretário de Estado tem direito a fazê-lo, mas peço-lhe que seja breve.
Protestos do PSD e do PCP.
O Orador: - O problema que púnhamos na intervenção de Outubro era o de saber se a solução deste problema poderia passar, na revisão futura dos Estatutos que irá acontecer dentro de um mês, pela criação, por exemplo, da figura do técnico auxiliar de contas, por uma segunda chamada de exame, por um novo exame, por um regime especial de TOC, etc., ou ainda por um regime de maior rigor, o que também é uma solução. Esta é a questão que, creio, deve ser decidida neste caso. A meu ver, depois de auscultadas as associações públicas e privadas...
O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Secretário de Estado, peço-lhe que conclua...
O Orador: - ... e as escolas de contabilidade, pensamos que devemos ir no sentido de um maior rigor e não de um menor rigor. Esta é a nossa posição.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Eu não disse que estavam a dar tempo para ele se enterrar mais!?...
O Sr. Presidente (João Amara]): - Sr. Secretário de Estado, o problema é muito simples: nos termos do Regimento, o tempo atribuído à resposta ao pedido de esclarecimento é de três minutos, e, quando o interrompi, já não dispunha de tempo. Foi só por isto que o interrompi.
Para exercer o direito regimental da defesa da consideração da bancada, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, reconhecemos ao Sr. Secretário de Estado todos os direitos para defender, com a argumentação que melhor conseguir, as propostas de lei que traz à Assembleia da República. Não lhe reconhecemos o direito de vir à Assembleia da República ofender os Deputados,...
Vozes do PCP: - Muito bem!
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O Orador: - ... de fazer declarações de intenções sobre as razões por que os Deputados trazem à discussão esta matéria.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Não fomos nós que agendámos esta questão, ela foi agendada em Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares com o Governo. Não fomos nós que trouxemos esta proposta de lei à Assembleia mas o Governo, que foi quem a fez, e ele próprio reconhece que é uma situação injusta que é preciso resolver.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Esta é a questão, Sr. Secretário de Estado. E o Sr. Secretário de Estado não respondeu a qualquer questão concreta que lhe coloquei e que voltarei a colocar daqui a pouco na intervenção que vou fazer.
Degradação da profissão, Sr. secretário de Estado?! Como é que o Sr. Secretário de Estado pode dizer que é uma degradação da profissão quando neste momento estão inscritos como técnicos oficiais de contas profissionais, e bons profissionais - e não estou a pôr em causa este facto -, que exerciam a profissão com as mesmas habilitações, com o mesmo reconhecimento pelo mercado e pela administração fiscal do que aqueles que ficaram de fora, só porque a alteração dos pressupostos das condições do exercício da profissão não contemplou todos de uma maneira justa, como, aliás, exigem os constitucionalistas?!
A questão é esta, Sr. Secretário de Estado: por que é que há degradação da profissão, quando se aceita como técnicos oficiais de contas profissionais que não têm sequer o 9.º ano, porque na altura não o tinham, e que se fizeram a pulso, e bem, criando as suas empresas, tornando-se bons profissionais, profissionais competentes, só porque em 1976 estavam inscritos na Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, e não se aceitam outros que não estavam inscritos, porque não eram obrigados a isso, que têm as mesmas habilitações, a mesma competência e a mesma capacidade? Por que é que não há degradação para uns e há para outros?
A questão é esta, Sr. Secretário de Estado, ou será outra? Será que há aí grupos informais de interesses, que o Sr. Secretário de Estado e o PS conhecem muito bem, interessados em diminuir o mercado para aumentar os seus próprios rendimentos e fazer dos outros seus assalariados? Há degradação, Sr. Secretário de Estado!? Então, se há degradação, por que é que há anúncios na imprensa de técnicos oficiais de contas, a quem foi dada a possibilidade de se inscreverem, a contratarem os outros como assalariados, a venderem a sua assinatura e a sua vinheta por 2000 contos só para legalizar a contabilidade dos que não tiveram a possibilidade de se inscrever? É o que estão a fazer na prática no mercado.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É um negócio!
O Orador: - Ó Sr. Secretário de Estado, por favor, sejamos sérios neste debate, porque sabe tão bem como eu, ou melhor do que eu, o que está em jogo. E o que está em jogo não é o que o Sr. Secretário de Estado está a dizer mas, sim, uma questão de controlo de mercado por um grupo informal de interesses estritamente ligado ao PS.
Eu não queria dizer isto, Sr. Presidente, mas a intervenção do Sr. Secretário de Estado obriga-me a tal.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Há que esclarecer isto!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, dispondo, para o efeito, de três minutos.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, leio o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, «não é o despacho em causa que impede os requerentes de continuarem a exercer a profissão de Técnicos de Contas, pelo facto de nele se ter limitado a admissão ao concurso aos candidatos que possuíssem habilitações académicas iguais ou equivalentes, no mínimo ao 9.º da escolaridade, que muitos dos requerentes dizem não possuir, pois que essa exigência decorre directamente do disposto do Decreto-Lei n.º 265/95, de 17 de Outubro, e no Estatuto dos Técnicos de Oficiais de Contas, por ele aprovado».
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Mas isso foi o que eu disse!
O Orador: - Todas estas pessoas podem exercer a profissão de técnico de contas, o problema é saber se podem ser técnicos oficiais de contas, o que não é a mesma coisa. Mas podem exercer a profissão de técnico de contas quer como patrões, contratando um técnico oficial de contas, quer...
Vozes do PSD, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes: - Ah!...
O Orador: - É evidente que podem. É evidente que podem, e o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo refere indirectamente essa questão. Podem também fazê-lo de uma forma directa em relação a todos os casos, como diz o acórdão, que não exija contabilidade organizada. Mas se o Sr. Deputado quer ter a certeza de que essas pessoas estão totalmente habilitadas para o exercício da profissão, proponha um novo exame e não a passagem administrativa.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Então, por que é que aos outros não foram exigidos exames!?
O Orador: - Ó Sr. Deputado, por que é que na altura não propôs isso? Eu nem sequer cá estava...
Protestos do PCP e do PSD.
Penso que, no essencial, já esclareci o que tinha a esclarecer.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É melhor que não diga mais nada!
O Orador: - Sr. Presidente, se ainda tenho tempo, quero dizer que, a meu ver, qualquer solução que se encontre aqui ou venha a ser encontrada pela Assembleia não
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pode pôr em causa, primeiro, um princípio de autoregulação, não pode ter uma visão tão estatista do problema que signifique uma ingerência do princípio da autoregulação. É uma questão importante e pode mesmo ser levantada a questão da inconstitucionalidade por causa disso - chamo já a atenção para esse problema.
Em segundo lugar, creio também que qualquer forma de regulação não pode, na letra nem na forma, traduzir, como traduz um projecto que já vi, embora não saiba se foi ou não assinado, uma enorme desconfiança em relação à associação dos técnicos oficiais de contas.
Quanto à questão de saber se há ou não pessoas do PS na associação, presumo que deva haver, como é óbvio, em proporção igual aos votantes do PS, pelo menos.
O Sr. José Magalhães (PS): - Mas qual é o problema?!
O Orador: - Deve haver de certeza, mal seria se assim não fosse. Mas não são apenas eles que estão na direcção da Associação dos TOC, tenho muita. Lamento contraditá-lo, mas essa informação é errada.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para apresentar o relatório relativo à proposta de lei n.º 154/VII, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mafalda Troncho.
A Sr.ª Mafalda Troncho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo apresentou à Assembleia da República a proposta de lei n.º 154/VII que «Permite que, a título excepcional, se admita a inscrição como técnico oficial de contas de responsáveis directos por contabilidade organizada, nos termos do plano oficial de contas de contabilidade, no período decorrido entre 1 de Janeiro de 1989 e 17 de Outubro de 1995, de entidades que possuíssem ou devessem possuir esse tipo de contabilidade».
Através da proposta de lei n.º 154/VII, visa o Governo permitir a título excepcional a inscrição como técnico oficial de contas aos responsáveis directos por contabilidade organizada de entidades que, no período entre 1 de Janeiro de 1989 e 17 de Outubro de 1995, possuíssem ou estivessem obrigadas a possuir esse tipo de contabilidade, que não sejam titulares das habilitações académicas legalmente exigidas e nem se encontrem definitivamente inscritos na Direcção-Geral de Impostos, mediante a abertura de um concurso extraordinário para o efeito.
Para poderem obter a respectiva inscrição, os candidatos deverão reunir um conjunto mínimo de requisitos, designadamente, possuírem as condições de inscrição previstas nas alíneas a) a d) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 8.º do Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 265/95, de 17 de Outubro; possuírem habilitações literárias iguais ou equivalentes no mínimo ao 9.º ano de escolaridade; serem ou terem sido responsáveis directos por contabilidade organizada, nos termos do POC, durante três exercícios seguidos ou interpolados, de entidades que, no período de 1 de Janeiro de 1989 a 17 de Outubro de 1995, possuíssem ou devessem possuir aquele tipo de contabilidade e, ainda, venham a obter aprovação em exame a realizar para o efeito.
Por último, estabelece ainda a proposta de lei em apreço que os demais condicionalismos referentes à abertura e tramitação do concurso extraordinário com vista à inscrição daqueles profissionais como técnico oficial de contas serão fixados por despacho do Ministro das Finanças.
De acordo com a exposição de motivos da proposta de lei n.º 154/VII, com a entrada em vigor dos códigos dos impostos sobre o rendimento em 1 de Janeiro de 1989, alguns profissionais exerceram funções de técnicos de contas sem se encontrarem definitivamente inscritos na Direcção-Geral das Contribuições e Impostos. E adianta que «a versão final dos Estatutos dos Técnicos Oficiais de Contas, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 265/76, de 17 de Outubro, veio exigir habilitações académicas para o exercício da profissão que muitos dos referidos profissionais não possuem, não contemplando qualquer disposição transitória que lhes permita inscrição como técnicos oficiais de contas, contrariamente ao que se verificava em projectos anteriormente aprovados».
Entendem os autores da proposta de lei em apreço que «vedar, sem mais, àqueles profissionais a inscrição como técnicos oficiais de contas poderia provocar situações injustas» o que não obsta, todavia, «a exigência de habilitações académicas de nível superior para o exercício da profissão». Refere, ainda, a exposição de motivos que, atenta esta realidade, «foi determinada a constituição de um grupo de trabalho ( ... ) com a incumbência de analisar as situações de candidatos à inscrição como técnicos oficiais de contas que não possuíssem os requisitos para tal e pudessem ser consideradas de injustiça flagrante por omissão da lei quanto à definição dos termos e condições extraordinários em que a inscrição destes candidatos pudesse ser admitida».
As conclusões do referido grupo de trabalho determinaram a apresentação da presente proposta de lei que, de acordo com os respectivos autores, «vem permitir que, a título excepcional e como última e derradeira hipótese, se admita a inscrição como técnico oficial de contas de responsáveis directos por contabilidade organizada nos termos do Plano Oficial de Contabilidade, no período entre 1 de Janeiro de 1989 e a data da publicação do Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas, de entidades que, naquele período, possuíssem ou devessem possuir esse tipo de contabilidade, através da abertura, no corrente ano, de um concurso extraordinário para o efeito».
Por último, é de salientar, tal como é referido na exposição de motivos da proposta de lei em apreço, que a sua apresentação foi precedida de audição da comissão instaladora dos técnicos oficiais de contas e da comissão de coordenação dos técnicos de contas.
Já em momento posterior ao da apresentação da proposta de lei n.º 154/VII, o Ministro das Finanças veio, ouvida a Associação dos Técnicos Oficiais de Contas e na sequência das propostas apresentadas pelo grupo de trabalho, criado pelo Despacho n.º 290/97-XIII, de 30 de Junho, através do Despacho n.º 8470/97, de 1 de Outubro de 1997, determinar a abertura do concurso extraordinário para a inscrição como técnico oficial de contas destinado aos candidatos que reunam os seguintes requisitos: satisfaçam as condições de inscrição previstas nas alíneas a) a d) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 8.º do estatuto dos TOC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 265/95, de 17 de Outubro; possuam as habilitações académicas iguais ou equivalentes, no mínimo ao 9.º ano de escolaridade obrigatória, tal como era exigido na Portaria n.º 429/76, de 14 de Julho: sejam ou tenham sido, no período decorrido entre 1 de Janeiro de 1989 e a data da publicação do referido Estatuto, durante três exercícios seguidos ou interpolados, os responsáveis directos por contabilidade organizada, nos termos do Plano Oficial de Contabilidade, de entidades que naquele período possuíssem ou de-
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vessem possuir este tipo de contabilidade; obtenham aprovação em exame a realizar para o efeito. Para além dos requisitos referidos, o citado despacho estabelece ainda todos os condicionalismos atinentes à abertura e tramitação do concurso extraordinário.
Na sequência do referido despacho, 50 técnicos de contas impugnaram o mesmo junto do Tribunal Central Administrativo, tendo em vista a suspensão da sua eficácia, o que originou já um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo. Após as respostas, quer do Ministro das Finanças quer da Associação dos Técnicos Oficiais de Contas, ao recurso apresentado, o Supremo Tribunal Administrativo veio em Acórdão. proferido em 16 de Abril de 1998, indeferir o pedido de suspensão de eficácia formulado.
Nos termos constitucionais (artigos 54.º e 56.º da Constituição da República portuguesa), legais (Lei n.º 16/79, de 26 de Maio) e regimentais (artigo 145.º do regimento da Assembleia da República), a Comissão Parlamentar de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, enviou a proposta de lei n.º 154/VII para consulta pública, que decorreu no período entre 17 de Fevereiro de 1998 e 18 de Março de 1998, tendo recebido 10 pareceres de organizações representativas dos trabalhadores, na sua esmagadora maioria favoráveis.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Augusto Boucinha.
O Sr. Augusto Boucinha (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados, estávamos nos idos anos de 1949 e já o ilustre advogado, Dr. Azeredo Perdigão, com conhecida intervenção na área empresarial e do Direito Comercial, proferia uma conferência, em Lisboa, a convite da Sociedade Portuguesa de Contabilidade, intitulada «das vantagens para a contabilidade da regulamentação dos técnicos de contas». Passaram-se quase 50 anos e algumas das suas observações mantêm plena actualidade.
Na verdade, decorrido meio século, se analisarmos retrospectivamente a evolução legislativa nesta matéria, constatamos que a actividade de técnico de contas, cuja importância não é demais salientar, tem sido objecto de tímida regulamentação, de diplomas contraditórios e de avanços e recuos por parte do legislador. Efectivamente, de uma forma geral, e tirando alguns diplomas fiscais, como o Código da Contribuição Industrial, que faziam referências incidentais aos técnicos de contas, a regulamentação da sua actividade foi objecto de meras e sucessivas portarias. A própria circunstância de o legislador optar pela forma de meras portarias, e sem entrar numa discussão sobre a maior ou menor dignidade dos vários tipos de diplomas legislativos, não deixa de revelar que se não emprestava à actividade de técnico de contas a relevância e a importância crescentes que esta profissão tem nas sociedades actuais e da maior utilidade daqueles profissionais para assegurar uma vida contabilística sã às empresas e aos comerciantes em geral e ainda um correcto relacionamento com a administração fiscal.
Curiosamente, quando, pela primeira vez, na linha de preocupações de dignificação da profissão de técnicos de contas e da maior exigência quanto à sua formação e habilitações, o legislador, por uma via formalmente mais adequada, publicou o Decreto-Lei n.º 265/95, que aprovou o Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas e criou a Associação dos Técnicos Oficiais de Contas (ATOC), fá-lo sem salvaguardar os direitos adquiridos por milhares de profissionais, que não podem ser atirados para uma situação de desemprego e, com eles, muitos outros milhares de colaboradores seus. Quando legislou esta matéria, por portaria, o legislador teve sempre o cuidado de inserir normas transitórias para salvaguardar os direitos adquiridos e paradoxalmente, ao legislar por decreto-lei (o Decreto-Lei n.º 265/95, de 17 de Outubro, ao abrigo de uma autorização legislativa concedida por esta Assembleia, na Lei do Orçamento do Estado para 1995), não teve a cautela elementar de salvaguardar os direitos adquiridos por aqueles profissionais.
Pretende o Governo agora, com a proposta de lei n.º 154/VII, remediar ou corrigir o erro anteriormente cometido, só que, com o devido respeito, fá-lo de forma incompleta e inadequada, ou seja, não respeita nem salvaguarda, de facto, os direitos adquiridos por muitos profissionais da contabilidade.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Dir-se-á mesmo que a proclamação de princípios e de preocupações que se contêm na exposição de motivos da proposta de lei, não tem efectiva expressão e a tradução no seu articulado fica muito aquém dos propósitos e intenções enunciadas. Importa lembrar que o próprio legislador, quando aprovou, em finais de 1988, os códigos do IRS e IRC, deixou de exigir a inscrição na Direcção-Geral das Contribuições e Impostos dos técnicos de contas responsáveis por escrita de empresas com maior volume de negócios. Tal redundou ainda numa maior liberalização da actividade dos profissionais de contabilidade, que não podiam vir a ser, mais tarde, penalizados pelo Decreto-Lei n.º 265/95, como o foram.
Daí que o meu grupo parlamentar, sensível à situação dos profissionais de contabilidade em causa e às advertências de inconstitucionalidade para que apontam Gomes Canotilho e Vital Moreira, bem como Freitas do Amaral, por falta de normas transitórias no Decreto-Lei n.º 265/95 que acautelassem os direitos adquiridos por tais profissionais, entende que a Assembleia da República deve, nesta oportunidade, repor a legalidade e os princípios constitucionais violados, introduzindo e aprovando alterações à presente proposta de lei que, consequentemente, com os Deputados de outros grupos parlamentares, subscrevemos.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Que se exijam para o futuro habilitações de nível superior para a profissão de técnicos de contas é ponto indiscutível face à complexidade e à responsabilidade das tarefas que se colocam aos profissionais de contabilidade. Que se seja exigente, já de imediato e para todos, do ponto de vista disciplinar e deontológico, é também questão fora de causa. Que se atire para o desemprego quem já estava na profissão, independentemente do seu grau de habilitações académicas, é solução com que não pactuamos e que, apesar de não ter sido erro nosso, estamos dispostos a ajudar a corrigir para que, com justiça, se repare o agravo cometido a bem da dignificação da classe.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Apoiado!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
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O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados, estando duas propostas de lei diferentes, em debate conjunto, comecemos pela mais importante: a proposta referente à regularização da situação dos técnicos de contas. O Governo pretendeu retirá-la do debate. Nós não estivemos nem estamos de acordo. O problema que nunca devia ter existido deve ser urgentemente resolvido e resolvido neste processo regimental de debate e votação. O que não deviam era terem sido criadas as razões que justificam esta proposta e este debate.
Estou a dizer isto porque é incompreensível que, tendo o Governo anterior, do PSD (e é preciso sublinhar que esta questão foi criada inicialmente pelo Governo do PSD), alterado os pressupostos em que se baseava o acesso à profissão de técnico oficial de contas, não tivesse acautelado e, entretanto, o Governo do PS, ao fim de dois anos e meio, não tivesse ainda corrigido - como lhe competia - a garantia de continuidade da profissão para todos quantos já a exerciam, em condições reconhecidas pelo mercado e pela administração fiscal, à data da publicação da legislação.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Sr. Augusto Boucinha (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - E estou a dizer que o problema deve ser resolvido neste processo de debate e votação porque, estando a ser exigida pela Administração Fiscal, a partir do passado dia 1 de Janeiro e por força de um despacho do Ministro das Finanças, a assinatura dos técnicos oficiais de contas nas declarações do IVA, IRC e IRS, tal impõe a máxima urgência na resolução da situação criada.
Srs. Deputados, como refere o Prof. Gomes Canotilho este é um caso típico de uma lei que «acaba por atingir situações, posições jurídicas e garantias geradas no passado relativamente às quais os cidadãos têm a legítima expectativa de não serem perturbados pelos novos preceitos jurídicos». O Governo não teve sequer o cuidado de prever, à época, Outubro de 1995. «uma disciplina transitória justa para as situações em causa». O Decreto-Lei n.º 265/95, de 17 de Outubro, que criou o Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas, exigindo como habilitações necessárias para o acesso à profissão a licenciatura ou o bacharelato ou curso de habilitação específica com características de nível superior, fez iniciar a via sacra para todos quantos, durante anos, tendo exercido a profissão, instalado empresas, assinado declarações oficiais perante a Administração Fiscal. não reunissem as novas condições tocando «desproporcionada, desadequada e desnecessariamente dimensões importantes dos direitos fundamentais».
Não se compreende, de facto, que milhares de profissionais que exerceram, e exercem, a profissão de técnicos de contas, uns inscritos na Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, outros não inscritos porque tal não constituía sequer um requisito de exercício da profissão; que, com a reforma fiscal e o desaparecimento da referência à figura do técnico de contas, passaram a assinar oficial e livremente todas as declarações fiscais e a efectuar a contabilidade de todo o tipo de empresas, sem que para tanto lhes fosse exigida qualquer especial qualificação ou inscrição na Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, fossem de repente impedidos de continuar a exercer a profissão.
A proposta de lei do Governo, hoje em debate, pretende, aparentemente, dar resposta a este problema que, como o próprio Governo reconhece, provoca «situações injustas». Mas resolve mal porque mantém duas exigências que continuam a configurar uma situação de discriminação para os milhares de técnicos de contas que tinham ficado de fora das condições exigidas pelo novo Estatuto dos TOC: a exigência do 9.º ano de escolaridade e a realização de um exame. Se hoje o 9.º ano corresponde à escolaridade obrigatória, e é perfeitamente natural a sua exigência (e até mais, já lá vamos), a verdade é que muitos dos técnicos de contas a quem esta proposta de lei é dirigida são profissionais construídos com base na prática que adquiriram muitas vezes a partir da simples condição de escriturário, numa altura em que a 4.ª classe constituía a base da escolaridade obrigatória, que subiram a pulso, que aprenderam, que frequentaram múltiplos cursos de formação e que hoje exercem a profissão como técnicos altamente qualificados, competentes, a título individual ou com empresas instaladas dominando inteiramente as exigências de uma contabilidade moderna, as novas tecnologias informáticas, a fiscalidade, com largas carteiras de clientes, assinando as declarações fiscais e, nesse contexto, reconhecidos e aceites há muito pela administração fiscal.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Orador: - São tão competentes como aqueles a quem o novo Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas permitiu a inclusão automática na lista dos TOC por, anteriormente à data da publicação da lei, estarem inscritos na Direcção-Geral das Contribuições e Impostos. Como esta inscrição não constituía, após a reforma fiscal de 1988, exigência para o exercício da profissão e para serem responsáveis por escrita organizada. muitos - que exerciam a profissão exactamente nas mesmas condições dos que se tinham inscrito na Direcção-Geral das Contribuições e Impostos - não puderam, agora, ser reconhecidos como técnicos oficiais de contas. Porque a verdade é que muitos dos técnicos inscritos por força da legislação de 1963 e 1976 na Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, pelo facto de serem responsáveis pelas contabilidades das empresas do Grupo A e, portanto, reconhecidos agora como técnicos oficiais de contas, também não são licenciados, alguns não têm sequer o 9.º ano (possuem. muitos deles, a 4.ª classe - como aqueles que ficaram de fora) e não tiveram que fazer. Agora, qualquer exame e, no entanto, exercem a profissão com competência e qualidade. Por que é que, então, se dá a possibilidade a uns e não se dá a outros, que estão exactamente nas mesmas condições?
A pergunta, pois, é imediata, e repito: porquê, então, não se há-de proporcionar a todos os profissionais de contabilidade que, no passado, exerciam, na legalidade e com competência, a actividade de técnicos de contas as mesmas condições de inscrição?
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Não estamos a falar do futuro, Srs. Deputados. Aí, não questionamos as novas exigências requeridas para os técnicos oficiais de contas. Sr. Secretário de Estado. Não estamos a falar do futuro e, quanto ao passado, Sr. Secretário de Estado, já nos pronunciámos sobre isso várias vezes, inclusivamente através do requerimento que fizemos em tempo ao Governo. Estamos a falar do passado, daqueles (talvez uns 2000 ou mais) que durante anos exerceram a actividade e que agora, por for
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ça de normativos injustos e discriminatórios, os deixaria de fora.
Neste caso concreto, e pelo que fica dito, não colhe obviamente a argumentação usada pelo Governo de «dignificação da profissão». E de tal modo não colhe que, entretanto, como já disse há pouco, já se lêem anúncios na imprensa, colocados pelos que tiveram a possibilidade de se inscrever na ATOC ao abrigo da nova legislação, procurando contratar, como colaboradores, os outros técnicos de contas ou, de uma forma mais mercantil, procurando vender a sua assinatura e pôr a sua vinheta oficial (por valores que chegam a atingir 2000 contos e mais) nas contabilidades entretanto feitas pelos seus colegas discriminatoriamente não reconhecidos pela actual legislação. Não há, pois, um «problema de dignificação da profissão» mas há seguramente um problema de um grupo de interesses empenhado em manter o mercado o mais fechado possível, só acessível aos que tiveram a possibilidade de se inscrever na ATOC e que agora parecem querer fazer dos outros seus assalariados.
É preciso, pois, pôr termo a esta injusta situação criada. Da nossa parte, que sempre tivemos a mesma posição nesta matéria e que não somos responsáveis nem pelo diploma de Outubro de 1995 nem pela situação hoje ainda existente, entendemos que ela deve ser resolvida neste processo regimental, não digo hoje mesmo devido à hora, mas hoje ou amanhã. De preferência com o consenso de todos os partidos ou, se não for possível, com a maioria que quiser viabilizar as propostas de alteração à proposta de lei, já subscritas por vários Deputados, como o Sr. Deputado Boucinha referiu, necessárias à resolução do problema existente. Que cada um assuma as suas responsabilidades. Nós assumimos as nossas.
Aplausos do PCP.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem! Nós também assumimos as nossas.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, antes de dar a palavra à Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, quero esclarecer o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira do seguinte: em primeiro lugar, o tempo que foi dado ao Governo foi-o por indicação da sua bancada, pelo que a observação que fez ao facto de ter sido dado tempo ao Governo não tem qualquer razão de ser: em segundo lugar. quanto ao desconto de 1,6 minutos, devo dizer que resulta de uma prática definida na Mesa de que, quando o relator ultrapassa os 5 minutos, o tempo a mais é descontado no respectivo grupo parlamentar.
De qualquer forma, se o Sr. Deputado, que está inscrito em nome do PS, ultrapassar o tempo, como foi feito em relação ao Governo e ao PCP, poderá usar o tempo necessário para concluir a sua intervenção.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para que efeito. Sr. Deputado?
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - O Sr. Presidente fez uma observação...
O Sr. Presidente (João Amaral): - Não fiz qualquer observação, dei-lhe uma informação. Mais nada!
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Então, agradeço, mas já ma havia dado por telefone interno.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Mas gosto de as registar.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Então, depois, pessoalmente, explico-lhe o que tenho a responder sobre isto.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Digo-lhe já que não aceito explicações pessoais.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.
A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos hoje a discutir uma proposta de lei do Governo sobre a qual já muitas coisas foram ditas - e penso que o ponto da situação sobre o seu conteúdo está feito -, mas oferece-se-me dizer mais algumas.
Não está em causa que o PSD apoie, como, evidentemente, o faz, a dignificação da profissão e a necessidade de uma maior exigência nas habilitações para o exercício da profissão.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - O que acontece é que a actual lei, como o Sr. Deputado Lino de Carvalho acabou de dizer, da responsabilidade do PSD, tem uma omissão, isto é, não tem qualquer regime transitório em sentido contrário àquele que, neste momento, estamos a discutir. Tem, pois, uma omissão. E é lamentável que, quando o legislador tentou suprir essa omissão, tenha dado uma interpretação exactamente no sentido errado e contra a Constituição.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - É por esse motivo que hoje estamos aqui a discutir. Estamos a tentar suprir uma omissão, omissão essa que estava na anterior lei ou, melhor, não constava na anterior lei, o que significava não se saber como é que transitava quem já desempenhava essa profissão.
Sr. Secretário de Estado, há um ponto que não posso deixar de referir em relação à sua intervenção inicial: nós não estamos aqui a pedir uma passagem administrativa de ninguém,...
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!
A Oradora: - ... porque uma passagem administrativa é a pessoa ter acesso a alguma coisa que não fazia sem fazer qualquer prova. O que está aqui em causa são pessoas que já exerciam a sua profissão, dando provas da sua competência ao longo de uma vida, e que agora o Sr. Secretário de Estado quer reprová-los administrativamente. Nós não queremos passá-los administrativamente, os senhores é que os querem reprovar administrativamente.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
E quando o Sr. Secretário de Estado pergunta «então, por que é que não propõem um exame», quero dizer-lhe que é por um motivo muito simples: consideramos que as provas estão dadas ao longo de uma vida, serviram até à
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data e de repente deixaram de servir. São, talvez, como aquele limão que se espreme e, quando deixa de deitar sumo, vai para o lixo. Eles não são limão que se esprema e vá para o lixo! Têm desempenhado as suas funções e continuarão, com certeza, a desempenhá-las bem. Se, por qualquer motivo, não desempenharem bem essas funções, como são pessoas que actuam no mercado, será o próprio mercado que, com certeza, os porá de lado.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
A Oradora: - Se acham que eles são incompetentes, deverá ser o mercado a seleccioná-los e não o legislador. O legislador tem obrigação de os manter na sua profissão.
O Sr. Secretário de Estado pergunta-me por que é que não propomos um exame. Pior do que isso, repudiamos a existência de um exame, porque ele seria feito, de acordo com a proposta de lei, exactamente por aquelas instituições que estão interessadas na sua reprovação. É por causa disso que o exame não tem sentido, Sr. Secretário de Estado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - São interesses.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Você sabe muito de interesses, Sr. Deputado Luís Marques Guedes!
A Oradora: - Está aqui em causa, como bem sabemos, um problema de direitos adquiridos e da sua verificação ou não. Trata-se de pessoas que desempenhavam a sua função, que tinham uma profissão e, por isso, a lei não pode, porque a Constituição o não permite, vir praticamente legislar retroactivamente e dizer: «a partir de agora, as habilitações exigidas são outras e, como os senhores não as têm, já não podem exercer a profissão». Isto não é possível!
O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - A menos que...
A Oradora: - A menos que o quê, Sr. Deputado?!
O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Seja capaz de fazê-lo!
A Oradora: - O quê?
O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Seja capaz de fazê-lo!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr.ª Deputada, peço-lhe muita desculpa mas está a intervir...
A Oradora: - A prova está feita pelas funções que as pessoas têm executado!
O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Está feita por quem?!
A Oradora: - Está feita pelas pessoas que exercem a profissão.
O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Quais pessoas?!
A Oradora: - Ó Sr. Deputado, já sabemos que o PS é contra isto, porque o PS, que toda a vida anunciou que legisla e governa com o coração e não com a razão, neste momento, tem à prova um momento óptimo para dizer que governam com o coração e não com a razão!
O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - E com a razão!
A Oradora: - Os senhores põem de lado o coração e são tão...
O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Agora, é com a razão!
A Oradora: - É com a razão! Exactamente! Então, vão governar com a razão e vão muito longe com isso, corri certeza!
O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - As sondagens dizem que sim!
A Oradora: - Então, continuem a fazê-lo!
Nós não aceitamos que haja um profissional que, de repente, deixe de poder exercer a sua profissão e os Srs. Deputados do PS sabem perfeitamente que isto é inconstitucional.
O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Não é nada!
A Oradora: - De resto, é um exemplo típico que é dado nos manuais universitários sobre esta matéria.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Esta é para o Sr. Deputado José Magalhães!
A Oradora: - Exactamente!
Portanto, como se trata de um problema de direitos adquiridos,...
O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Direitos adquiridos?!
A Oradora: - Sim, com certeza que são!
Estava eu a dizer que, como se trata de direitos adquiridos, não há aqui meias-medidas. Ou há ou não há! E, portanto, não era possível termos alguns arranjos relativamente à proposta que o Governo faz. Ou têm ou não têm estes direitos! Nós consideramos que têm e que estas alterações têm de ser urgentes, na medida em que, apenas por um despacho de um Membro do Governo, está a ser coarctada a possibilidade de os actuais profissionais exercerem a sua profissão. Apenas por um despacho!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: O despacho limita-se a executar a lei que foi feita por vocês!
A Oradora: - Portanto, como isso é inviável e como as pessoas têm de continuar a exercer a sua profissão, consideramos que isto é absolutamente urgente e não pode ser adiado, motivo pelo qual, amanhã, avocaremos a Plenário a discussão na especialidade das alterações que iremos apresentar, cujas propostas serão subscritas pelos partidos que entenderem dever fazê-lo. De resto, penso que é da vontade de todos os partidos convidar o PS, porque ainda é tempo, a assinar e a subscrever também essas propostas de alteração.
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Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro.
O Sr. Fernando Serrasqueiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Gostaríamos aqui de relevar que os técnicos de contas exercem, hoje, uma função pública da maior importância no quadro da futura reforma fiscal, que, esperamos, a curto prazo, se possa fazer, e com eles queremos levar avante esse processo.
Entendemos que o Estado deve ter um papel quanto baste, isto é, um papel normalizador e enquadrador da actividade, porque a solução preconizada para a dignificação da função pela via da criação de um autocontrolo, através de uma associação pública, parece-nos a fórmula adequada.
Os técnicos de contas são, hoje, uma peça fundamental do sistema de cobrança fiscal, pela credibilização que podem dar ao sistema como interlocutores sólidos entre o risco e os contribuintes.
E porque também queremos que essa profissão seja reconhecida como tal e possa dar garantia aos beneficiários de que o serviço prestado é um serviço de qualidade entendemos que a dignificação tem de ser cada vez mais um objectivo que temos de prosseguir. É por isso que a ATOC tem aqui um papel fundamental na defesa da deontologia de uma determinada actividade, na definição das incompatibilidades que também devem existir para que seja uma actividade credível, para que se fiscalize o exercício desta actividade e para que também ela própria tenha uma actividade de bom relacionamento com as diferentes instituições: com o fisco, com as escolas e com outras entidades que têm algo a dizer sobre esta matéria.
Mas o que hoje, aqui, nos traz fundamentalmente é a proposta de lei n.º 154/VII, cuja discussão consideramos que não se justifica porque não tem conteúdo útil.
O Governo visava, como é conhecido, através do artigo l.º, legislar mediante a abertura de um concurso extraordinário no corrente ano, e o corrente ano referia-se à data de 5 de Novembro de 1997. Este concurso fez-se, as provas já decorreram, até porque existia um despacho que, embora contestado, se verifica hoje, através de uma decisão do Supremo Tribunal Administrativo, que era possível por essa via realizar esta prova, prova essa que decorria do próprio Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas, designadamente do artigo 9.º, alínea d). Portanto, esta era uma solução enquadrada dentro do Estatuto, era uma solução, na nossa perspectiva, constitucional - aliás, houve oportunidade de a 1.ª Comissão se debruçar sobre este diploma - e era uma solução que procurava resolver um dos problemas.
O PSD tem hoje uma posição singular: em 10 anos não resolveu este problema e em 10 minutos de debate quer resolver aquilo para o qual 10 anos não bastaram! É uma posição que registo, porque o PSD nunca quis resolver este problema e sempre que o quis fazer não foi por esta forma.
Também gostaria de dizer ao PSD que dos técnicos oficiais de contas que fizeram os exames - e não quero neste momento responsabilizar ninguém - 73% foram aprovados, o que significa que não havia qualquer intenção da nossa parte de querer chumbar propositadamente quem quer que fosse. Aliás, os resultados confirmam o contrário.
Mas, Srs. Deputados, a nossa posição é a de que o problema dos técnicos oficiais de contas deve ser resolvido através do seu Estatuto, tal como o Governo fez. Até hoje, o que existia em cima da Mesa era um Estatuto e foi através dele que se quis resolver este problema.
O Governo já informou que tem pronta a revisão do Estatuto e, por isso, justificar-se-ia que, durante o debate dessa matéria, fossem introduzidas melhorias e fossem dadas soluções para os problemas que existem, e elas foram aqui levantadas, que gostaríamos de enquadrar dentro de uma perspectiva de dignificação da função e de resolução dos problemas dos profissionais que não têm as habilitações consideradas, desde 1976, como habilitação base, que é a licenciatura, através de sucessivos actos extraordinários e sempre recorrendo ao 9.º ano como habilitação mínima.
Porém, se entenderem que a solução pela via da revisão do Estatuto pode ser morosa, estamos disponíveis para encontrar uma solução consensual balizada dentro destes princípios, isto é, que seja justa, que seja equilibrada e que procure, de uma forma digna, criar um conjunto de instrumentos em que os beneficiários dessa reforma possam sentir que estão perante uma profissão credível, digna, com qualidade e que os serviços que eles prestam é um serviço que queremos cada vez melhor, até porque a complexidade que hoje se verifica ao nível da fiscalidade e da contabilidade nos leva a que esta matéria seja tratada com alguma atenção e que não queiramos resolver isto à pressa, de uma forma que não foi suficientemente ponderada.
Gostaríamos de poder contribuir para uma solução consensual que fosse equilibrada, o que, a nossa ver, não acontece com a que está aqui a ser sugerida.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Nesse sentido, estamos disponíveis para encontrar uma solução. Penso, aliás, que o Governo pode ter um papel importante e que a própria Associação também deve ter algo a dizer sobre esta matéria. Efectivamente, ela tem de ser ouvida para dar uma solução que procure enquadrar todos os profissionais, de modo a que a classe seja reconhecida como um todo e tenha qualidade e, assim, possamos rever-nos nela.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por encerrada a discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.ºs 151 e 154/VII. Informo que, relativamente à proposta de lei n.º 154/VII, deram entrada na Mesa um requerimento de avocação pelo Plenário da discussão e votação na especialidade deste diploma, bem como propostas de alteração, que já mandei distribuir. As votações ocorrerão amanhã, às 18 horas.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura de um relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativo à retoma de mandato de um Deputado e à substituição de um outro.
O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o relatório e parecer refere-se à retoma de mandato do Sr. Deputado Pedro Feist, do CDS-PP, em 30 de Abril corrente, inclusive, cessando o Sr. Deputado Ismael Pimentel, e à substituição da Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, de Os Verdes, a partir do dia 11 de Maio próximo, inclusive, pela Sr.ª Deputada Carmen Isabel Amador Francisco.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, está em apreciação.
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Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.
Srs. Deputados, com isto, fica esgotada a nossa ordem de trabalhos de hoje. A próxima sessão plenária realiza-se amanhã, às 15 horas, tendo como ordem do dia a interpelação ao Governo n.º 13/VII - Sobre política geral, centrada na degradação da vida política e na falta de autoridade por parte do Estado.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.
Eram 22 horas e 25 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Eduardo Ribeiro Pereira.
Partido Social Democrata (PSD):
João Carlos Barreiras Duarte.
Luís Carlos David Nobre.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
António Alves Martinho.
António Bento da Silva Galamba.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Mário Manuel Videira Lopes.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Partido Social Democrata (PSD):
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
José Mendes Bota.
Nuno José Vaz.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
José Fernando Araújo Calçada.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.
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DIÁRIO da Assembleia Da República
Depósito legal n.º 8818/85
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