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2762 I SÉRIE - NÚMERO 80

Dezasseis anos após a revisão constitucional de 1982, o mundo é outro e Portugal está também profundamente mudado. Por isso, dezasseis anos após a aprovação daquele excessivo artigo 31.º, é mais que tempo para acabar com o seu carácter "antidireitos" e dar-lhe uma feição mais democrática e mais consentânea com os nossos tempos.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Porque os tempos mudaram, de facto, e a função da política e dos políticos é a de saberem acertar a sua actuação com o tempo e com a evolução dos conceitos e dos problemas.
Desde o distante ano de 1982 foram aprovadas duas importantes resoluções sobre a matéria dos direitos fundamentais dos militares, em particular daquele direito que está no centro de toda esta questão, e que é o direito de associação.
De facto, em 1984, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução, na base do Relatório PETERS, em que recomenda aos Estados membros da Comunidade Europeia que reconheçam o direito de associação dos militares, designadamente para participação na definição das questões profissionais e sociais do seu estatuto. Também a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, em 1988, aprovou uma resolução, na base do Relatório APENES, em que recomenda às legislações nacionais permitirem aos militares o direito de criarem associações profissionais. Esta resolução tem a particularidade de ter sido aprovada pelos Deputados portugueses presentes nessa reunião, incluindo por Deputados do PS e do PSD.
Ambas estas recomendações têm o seu fundamento na Declaração Universal dos Direitos do Homem, na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no Pacto da ONU sobre Direitos Civis e Políticos e nas Convenções da OIT sobre o direito de Associação e Representação na Função Pública.
Estas recomendações, aprovadas pelas Assembleias Parlamentares das instituições que correspondem ao espaço político da inserção do Portugal de hoje, exprimem muito bem uma tendência da doutrina e da legislação europeias, no sentido da afirmação e do reconhecimento do direito de associação dos militares.
Para essa tendência contribuem vários factores. Em primeiro lugar, recordam-se as sequelas do nazi-fascismo e do comportamento das forças armadas alemãs na II Grande Guerra, que trouxeram uma nova luz à questão da responsabilidade do militar. O Tribunal de Nuremberg fez jurisprudência, que conformou fortemente as actuais forças armadas alemãs, onde o reconhecimento do direito de associação, da plena capacidade eleitoral passiva e de outros direitos procura garantir uma osmose e integração dos militares na sociedade, acabando com o espírito de casta e com o modelo prussiano de forças armadas.
Em segundo lugar, os últimos 50 anos foram fortemente marcados pela afirmação dos direitos humanos, de que é expressão a sucessão de instrumentos internacionais acima referidos, e que, no plano das forças armadas, assume a sua melhor expressão com a fórmula "o soldado é um cidadão de uniforme", fórmula usada nas resoluções da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa e do Parlamento Europeu.
Em terceiro lugar, a crescente tecnicidade das funções militares, a crescente preparação e nível de ensino dos militares e a sua cada vez maior especialização conduziram a uma significativa modificação do perfil do militar, hoje mais próximo das exigências e especialidades de funções técnicas paralelas no mundo civil, particularmente na informática, sistemas de comando e controlo, simulação, operação de sistemas de armas, etc.
Em quarto lugar, os sistemas clássicos de defesa dos interesses profissionais dos militares entraram numa profunda crise sem saída. Esses sistemas clássicos baseavam-se na ideia de que era dever das hierarquias a defesa dos interesses profissionais dos seus subordinados.
Mas esses sistemas tinham por premissa numa grande autonomia das forças armadas face ao poder político, numa espécie de autogoverno. Ora, a tendência constitucional dominante hoje é a da subordinação das forças armadas ao poder político em todos os domínios, incluindo no chamado domínio corporativo.
Nesse quadro, a hierarquia é impotente e não tem meios para garantir a defesa dos direitos dos seus subordinados. O caso da lei dos coronéis foi paradigmático: perante a total ineficácia da reacção das chefias, os militares perguntaram legitimamente: "quem nos defende?".
Está fora de questão, obviamente, o papel devido às hierarquias, às chefias. Conta-se o caso simplesmente para mostrar a evolução havida, também nesta área.
Estes factores conjugados- fizeram evoluir fortemente o comportamento dos poderes públicos e a legislação sobre direito de associação dos militares. Hoje, a EUROMIL, a organização europeia de associações de militares, tem já no seu seio organizações de 20 países europeus, incluindo nove países da União Europeia.
A questão central do projecto do PCP é, portanto, a alteração da limitação vigente quanto ao direito de associação. Hoje, a lei só permite associações profissionais com competência deontológica. O PCP propõe a constituição de associações profissionais com poderes de representação.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Não propomos sindicatos militares, embora isso não seja nenhum tabu. Há sindicatos militares, por exemplo, na Alemanha e na Holanda, que têm forças armadas integradas na NATO, altamente disciplinadas e com alta capacidade militar.
Mas, no quadro jurídico nacional, a solução das associações profissionais com direito de representação é preferível e está mais adequada aos princípios que regem entre nós o direito de associação, incluindo a sua vertente de direito sindical.
Sabemos que há quem alerte para a possibilidade de o associativismo militar profissional conflituar com a ética militar. Quem assim alerta, refere que o Código de Honra dos militares bastaria para assegurar a defesa dos seus interesses. Só que foi a própria vida que se encarregou de dar aos militares outro enquadramento.
O militar é hoje tratado pelo poder político como um profissional como os outros, ou, pior ainda, como, um sujeito de deveres especiais mas de nenhuns direitos especiais. Este novo enquadramento dos militares, quase diria "proletarização", não é exclusiva de Portugal. Dela decorre afinal que o Código de Honra mantém toda a sua actualidade mas para a componente operacional e para a relação de deveres para com a Pátria que impendem sobre o militar.
Já quanto à sua condição estatuária, quanto aos seus interesses e direitos, o militar aproximou-se dos outros corpos da função pública e tem, por isso, de ter mecanismos próprios de representação.

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