O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 2751

Sexta-feira, 12 de Junho de 1998 I Série - Número 80

DIÁRIO da Assembleia da República

VII LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1997-1998)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 9 DE JUNHO DE 1998

Presidente: Exmo. Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Exmos. Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca

SUMÁRIO

O Sr Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 40 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa das propostas de lei n.ºs 182 e 183/VII, das propostas de resolução n.ºs 109 e 110/VII, dos projectos de lei n.ºs 535 a 538/VII, do projecto de resolução n.º 92/VII, de requerimentos e de respostas a alguns outros.
Em interpelação à Mesa e para manifestar preocupação sobre os conflitos armados na Guiné-Bissau, usaram da palavra os Srs. Deputados Luís Marques Mendes (PSD) - que solicitou a vinda à Assembleia de um membro do Governo para informar sobre o assunto -, Francisco de Assis (PS), Ferreira Ramos (CDS-PP) e Octávio Teixeira (PCP).
Também em interpelação à Mesa, o Sr. Deputado José Saraiva (PS) deu explicações sobre a situação descrita na véspera pelo Sr. Deputado Bernardino Vasconcelos (PSD), relativamente a uma atitude do Presidente da Câmara Municipal de Santo Tirso, tendo ainda intervindo acerca do assunto, além deste Sr. Deputado o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan (CDS-PP).
O Sr. Deputado Fernando Sousa (PS) fez uma avaliação da IX Conferência Inter-Parlamentar Eureka.
O Sr. Deputado Manuel Moreira (PSD) criticou o Governo pela falta de investimentos na Área Metropolitana do Porto e no norte do País.

Ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 60 a 63 do Diário.
Procedeu-se à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 309/VII - Altera o regime de exercício de direitos pelos militares (alteração do artigo 31.º da Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas). Intervieram no debate, a diverso título, os Srs. Deputados João Amaral (PCP), Ferreira Ramos (CDS-PP), Correia de Jesus (PSD), Raimundo Narciso (PS), Albino Costa (PS), Cardoso Ferreira (PSD), Isabel Castro (Os Verdes) e Eduardo Pereira (PS).
Na generalidade, foram aprovadas as propostas de lei n.ºs 135/VII - Regula as técnicas de procriação medicamente assistida, que baixou à 7.ª Comissão, 161/VII - Define as bases do enquadramento jurídico do voluntariado, que baixou à 8.ª Comissão, e 173/VII - Transpõe para a ordem jurídica portuguesa a Directiva n,º 95/46/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995, relativa à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento dos dados pessoais e à livre circulação desses dados, 90/VII - Aprova a lei de imprensa, e 176/VII - Altera a Lei da Alta Autoridade para a Comunicação Social, que baixaram à 1.ª Comissão.
Foi ainda discutido, na generalidade, o projecto de lei n.º 399/VII - Divórcio por mútuo consentimento e divórcio litigioso (alteração de requisitos) (PS), tendo usado da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Strecht Ribeiro (PS), Francisco Peixoto (CDS-PP), Luís David Nobre (PSD) e Odete Santos (PCP)
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 50 minutos.

Página 2752

2752 I SÉRIE - NÚMERO 80

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 40 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Guimarães Fernandes Dias.
António Manuel Carmo Saleiro.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
João Pedro da Silva Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Júlio Meirinhos Santanas.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Rodrigues Costa de Brito.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria Eduarda Bento Alves Ferronha.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Maria Manuela de Almeida Costa Augusto.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Paulo Jorge Lúcio Arsénio.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António dos Santos Aguiar Gouveia.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Eugénio Pereira de Brito.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Domingos Dias Gomes.

Página 2753

12 DE JUNHO DE 1998 2753

Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Manuel Costa Pereira.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Almeida Figueiredo Barbosa Pombeiro.
Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Francisco Amadeu Gonçalves Peixoto.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Rui Miguel Gama Vasconcelos Pedrosa de Moura.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Joaquim Manuel da Fonseca Matias.
José Fernando Araújo Calçada.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Carmen Isabel Amador Francisco.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Deputado independente:

José Mário de Lemos Damião.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente que deu entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: propostas de lei n.ºs 182/VII - Altera a Lei n.º 38/87, de 23 de Dezembro (Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais), que baixou à 1.ª Comissão - e 183/VII - Define as bases gerais a que obedece o estabelecimento, gestão e exploração de serviços postais no território nacional, bem como os serviços internacionais com origem ou destino no território nacional, que baixou às 1.ª e 4.ª Comissões; propostas de resolução n.ºs 109/VII - Aprova, para ratificação, a Convenção n.º 139, da Organização Internacional do Trabalho sobre a prevenção e o controlo dos riscos profissionais causados por substâncias e agentes cancerígenos, que baixou à 8.ª Comissão - e 110/VII - Aprova, para ratificação, a Convenção n.º 162 da Organização Internacional do Trabalho sobre a segurança na utilização do ambiente, que baixou à 8.ª Comissão: projectos de lei n.ºs 535/VII - Sobre a cobrança de pequenas dívidas ao fisco e de dívidas emergentes de contratos de fornecimento de água e outros (PCP), que baixou à 1.ª Comissão -, 536/VII - Privatização da RDP (PSD), que baixou à 1.ª Comissão -, 537/II - Alteração da área administrativa da cidade de Viseu (PSD), que baixou à 4.ª Comissão - e 538/VII - Criação do Dia Nacional da Protecção da Natureza (PSD), que baixou à 4.ª Comissão; e o projecto de resolução n.º 92/VII - Debate parlamentar sobre as comunidades portuguesas (PS), que baixou à 1.ª Comissão.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, foram apresentados na Mesa os requerimentos seguintes: nas reuniões plenárias de 4 e 5 de Junho de 1998, ao Ministério do Ambiente, formulados pelos Srs. Deputados José Junqueiro, Luísa Mesquita e Carmen Francisco; ao Ministério do Ambiente e ao Secretariado Técnico dos Assuntos para o Processo Eleitoral e ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Roleira Marinho; ao Ministério da Economia, formulado pelo Sr. Deputado José Cesário; a diversos

Página 2754

2754 I SÉRIE - NÚMERO 8O

Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Alves Oliveira; aos Ministérios do Ambiente e do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulados pela Sr.ª Deputada Isabel Castro.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: no dia 5 de Junho de 1998, Fernando Pereira Marques, na sessão de 22 de Julho; Lino de Carvalho, na sessão de 23 de Julho; Victor Moura, na sessão de 4 de Março; Américo Sequeira, na sessão de 6 de Março; Isabel Castro, no dia 16 de Março; Costa Pereira, na sessão de 19 de Março; Jorge Valente, no dia 25 de Março; Bernardino Soares, no dia 26 de Março; Nuno Abecasis, na sessão de 3 de Abril: e José Magalhães e Jorge Roque Cunha, na sessão de 22 de Abril.
No dia 8 de Junho de 1998: Jorge Ferreira, na sessão de 6 de Maio.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, pedi a palavra para uma interpelação, que espero curta, por causa da situação que está a ocorrer na Guiné-Bissau.
Obviamente que é uma situação, como todos sabemos, preocupante, cuja evolução estamos a acompanhar, quer pelos elementos públicos à nossa disposição quer pelos contactos privados que também todos temos a oportunidade de ter.
Evidentemente que nos preocupa a situação na Guiné-Bissau e todos, obviamente, formulamos o nosso voto para que a normalidade seja restabelecida e que as ordens democrática e constitucional sejam reafirmadas.
Mas há, neste particular dos conflitos que estão a acontecer na Guiné-Bissau, há já três dias a esta parte, uma outra questão que é também motivo de preocupação e, porventura, ainda de maior preocupação, que é a questão dos portugueses que estão naquele país e, em particular, daqueles que estão instalados, e há três dias praticamente sem contactos, no Hotel 24 de Setembro.
A esse respeito, Sr. Presidente, obviamente que o Governo, como tem informado publicamente, tem vindo a tomar as medidas que considera indispensáveis e à sua disposição para acompanhar a situação e tratar, em particular, da posição dos nossos concidadãos.
Nas últimas horas, surgem-nos alguns dados e alguns elementos, alguns dos quais têm algum melindre tornar público sobretudo nesta ocasião, que, de alguma forma, acentuam um clima de preocupação relativamente ao estado da situação em geral e à situação dos portugueses de uma forma muito particular.
E por esta razão, que julgo que, obviamente, é partilhada por todos, porque não é nem pode ser uma questão de natureza político-partidária, é uma questão que a todos preocupa, gostaria de, por via desta interpelação, colocar ao Sr. Presidente a seguinte questão: julgo que seria útil que, ainda hoje, se fosse possível, pudesse existir um encontro no fórum considerado mais adequado, na Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, ou num fórum mais restrito como a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares o Sr. Presidente decidiria -, com a presença de um membro do Governo, que, obviamente, se manifestasse disponível e com informação para o efeito, de forma a que o Parlamento pudesse, por um lado, inteirar-se totalmente da situação, e não apenas pelos dados públicos que temos, e, por outro, para que possamos partilhar algumas informações que, obviamente, todos temos, e, de uma forma especialíssima, pudéssemos, de facto, todos tomar conhecimento de tudo aquilo que está a ser feito e que possa ainda ser feito, visando informar, por um lado, os nossos concidadãos que estão lá nestas circunstâncias não diria dramáticas mas, pelo menos, muito preocupantes e, por outro, acompanhar o evoluir desta situação.
Julgo que era adequado e, por isso, Sr. Presidente, permitia-me fazer-lhe a sugestão e pedir-lhe o seu empenhamento pessoal, porque julgo que era útil para todos, uma vez que a situação, obviamente, é preocupante.
Todos desejamos - aqui o reitero - que a normalidade se venha a restabelecer, mas, de uma forma muito especial, julgo que devemos acompanhar, neste momento, a preocupação muito, muito particular dos portugueses que, há três dias ou mais, vivem, de facto, momentos de grande ansiedade e de grande angústia na Guiné-Bissau.
Era esta a interpelação, Sr. Presidente. Pedia-lhe a sua atenção e a sua disponibilidade de cooperação.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Sr. Presidente, peço também a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Sr. Presidente, a minha interpelação destina-se, tão-somente, a acompanhar a preocupação agora exprimida pelo Sr. Deputado Luís Marques Mendes e a manifestar a nossa adesão de princípio à proposta que ele apresentou, no sentido de a Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação ainda mesmo, em hora naturalmente a determinar, poder ouvir um membro do Governo.
Também nós temos acompanhado com preocupação esta situação e, ressalvando a preocupação de em nenhum momento confundirmos as nossas preocupações de acompanhamento com qualquer forma de ingerência num assunto do âmbito restrito de outro país, temos verificado que da parte do Governo português, do Sr. Presidente da República, do Sr. Primeiro-Ministro, do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros tem havido uma preocupação clara de proceder a um acompanhamento muito próximo da situação e até já foram adoptadas medidas de carácter logístico no sentido de prestar assistência aos portugueses que se encontram neste momento em território da Guiné-Bissau, se, porventura, os acontecimentos tiverem um desenlace que provoque a necessidade de esses mesmos portugueses terem de sair do território da Guiné-Bissau.
Nessa perspectiva, acompanhamos integralmente a preocupação manifestada, reconhecemo-nos na mesma e manifestamos, desde já, a nossa adesão de princípio e incondicional à proposta que foi feita no sentido de a Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, no exercício pleno e legítimo das suas competências, promover, ainda hoje, uma reunião com a presença de um membro do Governo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação.

Página 2755

12 DE JUNHO DE 1998 2755

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sr. Presidente, é apenas para manifestar também, por parte da bancada do CDS-PP, a adesão às preocupações aqui manifestadas por várias bancadas parlamentares e dar a nossa concordância a que o Sr. Presidente, se assim o entender, proceda à marcação de uma reunião da Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares ou da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, com a consciência de que, eventualmente, estarão a ser tomadas as medidas necessárias, mas seria de todo conveniente que dessas medidas fosse dado conhecimento ao Parlamento.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, a minha interpelação vai no mesmo sentido. Embora o meu partido tenha tido oportunidade de ser informado pelo Sr. Primeiro-Ministro dos acontecimentos que se estão a passar na Guiné-Bissau e das medidas que o Governo tem vindo a tomar, a evolução muda de hora a hora e, por conseguinte, subscrevemos a sugestão de que possa ser feito, ainda hoje, um encontro nos termos em que foi apresentado pelo Sr. Deputado Luís Marques Mendes.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como calculam, comungo das vossas preocupações. Vou de imediato pôr-me em contacto com o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares para promover o esclarecimento possível, de preferência ao nível da Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, que é talvez um órgão mais fácil de convocar do que a Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação. Aqui mesmo da Mesa tentarei entrar em contacto com ele.
Para uma interpelação, tem a palavra o Sr. Deputado José Saraiva.

O Sr. José Saraiva (PS): - Sr. Presidente, foi-me ontem lançado pelo Sr. Deputado Bernardino Vasconcelos um repto para que eu, no tempo que mediasse até este momento, conseguisse reunir a documentação e a informação necessária para aqui dar testemunho da veracidade ou não das afirmações aqui produzidas por ele acerca dos acontecimentos ocorridos na Câmara Municipal de Santo Tirso, que têm a ver com a avaliação que a câmara deveria fazer, a solicitação da Assembleia da República, sobre a possível futura criação do concelho da Trofa.
Ocorre que reuni a documentação oriunda de um lado e de outro, do PS, do PSD, da Comissão Promotora do Concelho da Trofa e ainda da Câmara Municipal de Santo Tirso. Nenhuma das afirmações aqui produzidas pelo Sr. Deputado Bernardino de Vasconcelos são confirmadas nessa documentação, que tem o valor que tem e que se limita, de um lado e de outro, a apostrofar a outra parte, a denunciar comportamentos de uns e de outros, e, por isso, me parece que é uma questão localizada, uma questão que não deveria ter merecido a atenção do Sr. Deputado Bernardino de Vasconcelos e trazê-la para esta Câmara, tentando com isso demonstrar que o PS aprova e apoia, o que não é verdade e é de todo errado, comportamentos menos correctos do ponto de vista democrático ou de lisura de procedimentos, o que de facto, e já ontem, aqui, tive oportunidade de dizer, nós rejeitamos seja em que circunstâncias for.
Mas, repito, o que tive oportunidade de recolher foi o seguinte: os vereadores do PSD, momentos antes de se dar início a uma sessão da câmara municipal, convocaram, através de uma tentativa frustrada, uma conferência de imprensa para o átrio do edifício municipal e depois irromperam, como uma turba, por entre a sala de sessões, acompanhados de todos os elementos da comunicação social local e de câmaras de televisão, fazendo um alarido que à partida estava condenado. Isto porque o que, objectivamente, o PSD pretendia era transformar uma votação, que acabou por ser feita com a ausência dos Srs. Deputados que preferiram dar a referida conferência de imprensa a irem cumprir o seu mandato.
É verdade, porém, que isto se passou assim, de tal forma que, esta manhã já tive oportunidade de recolher um comunicado assinado pelo Sr. Dr. Alexandrino Machado, presidente do Núcleo do PSD de Santo Tirso, o qual resulta de uma reunião ocorrida ontem à noite e que no essencial...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, agradeço que abrevie, por favor.

O Orador: - Vou abreviar, Sr. Presidente.
Direi apenas ao Sr. Presidente e à Câmara que os dirigentes do PSD local decidiram manifestar aos Srs. Vereadores do PSD o total repúdio pela atitude assumida e transmitir aos órgãos concelhios, distrital e nacional do PSD a preocupação pelo modo como, em assuntos de tão grande importância, os vereadores sociais-democratas conduziram todo este processo, tendo-o feito sem legitimidade, na medida em que as populações que eles representam, no elenco camarário, não foram sequer ouvidas. É o PSD de Santo Tirso a desmentir o Sr. Deputado, Vereador de Santo Tirso que aqui, ontem, nos tentou dizer o contrário.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Penso que fica claro para esta Câmara que o que o Sr. Deputado Bernardino Vasconcelos proeurou, aqui e em Santo Tirso, foi fazer uma chicana, acusar-nos de um acto que não cometemos, mas que, se o tivéssemos feito, teríamos necessariamente de rejeitar.

Aplausos do PS.

O Sr. Bernardino Vasconcelos (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Depois das duas interpelações seguintes, não haverá mais interpelações deste género sobre a mesma matéria, como é óbvio. Não vamos reeditar a discussão de ontem.
O Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan acaba de pedir a palavra, mas isto não poder ser epidémico. O Sr. Deputado também tem direito, ficando desde já inscrito. No entanto, peço desculpa, mas não haverá segunda ronda.
Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Vasconcelos.

O Sr. Bernardino Vasconcelos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado José Saraiva vem, hoje, aqui tentar baralhar tudo.

Página 2756

2756 I SÉRIE - NÚMERO 80

Ontem, na minha intervenção, fiz a denúncia de um grave atentado contra a democracia, contra o Estado de direito e contra o Estado democrático que a minha geração e a do Sr. Deputado e muitas gerações aqui presentes ajudaram a construir e a consolidar.
Sr. Deputado José Saraiva, é grave a forma como aborda esta situação, tentando colocá-la na prateleira e considerando-a como um facto menor. Houve um grave atentado à democracia executado pelo Sr. Presidente da Câmara de Santo Tirso no exercício das suas funções.
Disse aqui e reafirmo-o: o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Santo Tirso manipulou o resultado dos votos, anunciou uma votação contrária àquela que aconteceu, e por isso...

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Mentiu!

O Orador: - ... peço ao Sr. Presidente que junte à minha intervenção de ontem a declaração do Sr. Vereador Afonso Paixão, aquele que deu origem a que o resultado fosse contra o Partido Socialista, embora sendo esse o seu partido, e que veio esclarecer de vez esta situação.
O Sr. Vereador Afonso Paixão afirma no referido comunicado que a sua votação não poderia ter sido outra senão a favor da criação do concelho da Trofa. Foi o seu voto que fez a diferença ao passar de quatro para cinco os votos a favor da criação do concelho da Trofa, ao contrário daquilo que disse o Presidente da Câmara de Santo Tirso, ao fazer a leitura dos votos, tendo-os rasgado de seguida.
Afirmei ainda que os Vereadores do Partido Socialista não têm liberdade de voto na Câmara de Santo Tirso.

Protestos do PS.

A prova está na declaração feita pela Vereadora Jacinta de Oliveira que diz o seguinte: "O facto de o executivo camarário ter-se pronunciado, a pedido da Assembleia da República, sobre o concelho da Trofa colocou a Vereadora, nascida e criada na Trofa, numa situação delicada". É a Sr.ª Vereadora que o diz.

O Sr. José Saraiva (PS): - É o PSD que o diz!

O Orador: - Compreendo o Sr. Presidente da Câmara pois este recusa-se a ver dividido um território ao qual se candidatou e que geriu durante 15 anos e, por isso, exige que a sua proposta de rejeição do concelho da Trofa seja defendida pela sua equipa. Esta é a prova de que não há voto em consciência, não há voto livre por parte dos Vereadores Socialistas da Câmara Municipal de Santo Tirso.
São os dois documentos acima referidos que gostaria de ver adicionados à minha intervenção de ontem. Sr. Presidente.
Lamento imenso que o Sr. Deputado José Saraiva, paladino também da democracia, para defender um correligionário, tivesse tomado a atitude que tomou nesta Câmara e afirmado o que afirmou.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Bernardino Vasconcelos, os textos que invocou não serão referidos a propósito da intervenção de ontem mas a propósito da de hoje, como igualmente o texto referido pelo Sr. Deputado José Saraiva.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado José Saraiva: Sabemos que, por vezes, o debate parlamentar obriga-nos a tarefas ingratas. Porém, aquilo que aqui lhe pediram não foi uma tarefa ingrata mas impossível. Aquilo que o Sr. Deputado José Saraiva, aqui, hoje, veio tentar defender foi um autarca eleito pelo seu partido que, não respeitando a votação da câmara municipal, adulterou essa mesma votação,...

Vozes do PS, : - É mentira!

O Orador: - ... coagiu o Vereador Afonso Paixão a renunciar ao mandato e repetiu depois uma votação com uma composição na câmara municipal completamente diferente.
Gostaria de ler-lhe o comunicado do Dr. Afonso Paixão, vereador eleito pelo seu partido,...

O Sr. José Saraiva (PS): - Está assinado? Se não está, não é verdade!

O Orador: - ... que diz o seguinte: "(...) Fui verbalmente agredido, caluniado e vítima de insinuações graves (...) Sempre fui favorável ao concelho da Trofa (...) Terminada a votação, entendi ter o meu dever cumprido (...), ausentei-me, com um pedido de demissão lá apresentado".
E termina dizendo: "Contem comigo, sim, para trabalhar pela Trofa".
Sr. Deputado José Saraiva, sei quanto lhe custou fazer aqui a interpelação que fez e, como o sei, peço-lhe para não repetirmos nem eternizarmos este problema, porque é, efectivamente, uma vergonha para a democracia aquilo que se passou...

O Sr. Rui Namorado (PS): - Aquilo que você diz que se passou!

O Orador: - ... na semana passada, no concelho de Santo Tirso. Os tirsenses não merecem e nunca mereceram atitudes destas e sei bem que estão envergonhados com a atitude do seu Presidente da Câmara.

Protestos do PS.

O Sr. José Saraiva (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da honra.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradeço que façam silêncio para, ao menos, eu me poder fazer ouvir.
O Sr. Deputado José Saraiva pediu a palavra para defesa da honra. Porém, advirto-vos que não consentirei numa nova vaga de hipersensibilidades morais. Tenham paciência, mas peço-vos que usem da palavra para fazerem verdadeiras defesas da honra, o que não aconteceu há pouco quando interpelaram a Mesa.

O Sr. José Saraiva (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pretendia apenas dizer à Câmara que não cumpro nenhuma tarefa ingrata.

Vozes do PSD: - Ah!

O Orador: - Cumpro aquelas de que o meu partido me incumbe e proeuro ser um homem honrado, em todos os momentos.

Página 2757

12 DE JUNHO DE 1998 2757

Gostaria ainda de dizer o seguinte: esta acusação à Câmara Municipal de Santo Tirso não é nova.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Ao presidente da câmara!

O Orador: - Pelo menos, o tribunal desta cidade, perante uma acusação idêntica feita, na altura, pelo Dr. Gonçalves Afonso, emanou uma sentença, cuja cópia tenho comigo, que destroí completamente este tipo de argumentação. Portanto, é falso...

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço desculpa, mas o Sr. Deputado José Saraiva tem o direito de se fazer ouvir, tal como os Srs. Deputados quando estão no uso da palavra.

O Orador: - O que acontece é que os senhores do PSD de Santo Tirso são useiros e vezeiros neste tipo de acusações.

Protestos do PSD.

Venho trazer aqui apenas dados, factos e documentos e contra isto não pode haver argumentos. O meu partido nunca subscreverá atitudes antidemocráticas, sejam elas praticadas por quem forem.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Nesta matéria, não vejo aqui qualquer acto de contrição, designadamente, por parte do vereador Bernardino Vasconcelos pela arruaça que impôs na sessão municipal e isso parece-me que distingue um partido de outro partido, um comportamento de outro comportamento.

Aplausos do PS.

O Sr. Bernardino Vasconcelos (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para dar explicações.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente,...

O Sr. Rui Namorado (PS): - Explique lá aquela de não ter a confiança do Núcleo do PSD de Santo Tirso...!

O Orador: o Sr. Deputado José Saraiva termina dizendo...

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, isto não tem senso... Quando há um Deputado de um dos partidos a usar da palavra, o outro faz barulho. Quando muda o local do uso da palavra, muda também o local do barulho. Srs. Deputados, tenham paciência, mas temos de nos comedir um pouco, de respeitar a necessidade de silêncio que todos têm, não havendo ninguém privilegiado neste caso.

O Orador: - O Sr. Deputado José Saraiva termina a sua alocução dizendo que fui provocador de uma arruaça na Câmara Municipal de Santo Tirso. Aliás, parece-me a voz do dono, do Sr. Presidente da Câmara de Santo Tirso, quando fez chegar à SIC que os Vereadores do PSD, na sexta-feira última, determinaram ou queriam fazer uma arruaça em Santo Tirso. Se os arruaceiros que lá estavam eram os Vereadores do PSD, se os arruaceiros que lá estavam eram militantes do PS, se quem lá estava na sua grande maioria eram os órgãos de comunicação social, então o Sr. Deputado José Saraiva deve ter um conceito de arruaça muito limitado.
V. Ex.ª, aliás, fez uma intervenção muito limitada pela obrigação partidária, mas fê-la com um calor de que me admiro sobretudo pensando que V. Ex.ª era, de facto, um democrata. O que V. Ex.ª fez foi encobrir ou querer encobrir um crime contra a democracia.

Protestos do PS.

Foi esse o seu papel na Assembleia, Sr. Deputado. Foi miserável o papel que fez.

Aplausos do PS.

O Sr. Rui Namorado (PS): - Então, o comunicado é falso ou verdadeiro?

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar no tratamento de assuntos de interesse político relevante, para o que concedo a palavra ao Sr. Deputado Fernando de Sousa.

O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Reflectir sobre Europa e o Mundo Contemporâneo na Nova Ordem Internacional, neste final de século, é, antes de tudo, reflectir sobre acontecimentos de excepcional importância que transformaram profundamente o mundo em que vivemos.
A Velha Ordem assente na Guerra Fria deu origem ao aparecimento de uma nova ordem mundial, caracterizada por uma crescente heterogeneidade e complexidade do sistema internacional, em que domina cada vez mais a incerteza. Perante esta incerteza, que parece ser o traço distintivo da nossa era, temos o dever, como afirma Ilya Prigogine, de "impor a nossa criatividade" e "fazer face ao incerto". E é neste sentido que devemos encarar também as incertezas do nosso tempo.
As economias tornaram-se em toda a parte interdependentes, introduzindo uma nova forma de relação entre a economia, o Estado e a sociedade num sistema de geometria variável.
O aumento do volume do comércio internacional, a integração dos mercados financeiros, a internacionalizarão das estratégias empresariais, contribuíram para o aparecimento de uma nova época, qualitativa e quantitativamente, diferente, assente num mercado global único.
A extinção da União Soviética e, com ela, o desmoronamento do bloco de Leste contribuíram para uma radical transformação política, pondo fim à Guerra Fria, atenuando fortemente os riscos de um holocausto nuclear.
E subjacente a todas estas profundas transformações do mundo contemporâneo, importa sublinhar a revolução provocada pelas novas tecnologias da informação, as quais vieram transformar, como escreveu o Ministro da Ciência e Tecnologia, Prof. Doutor Mariano Gago "muitos aspectos da vida económica e social, tais como os métodos, e as relações do trabalho, a organização das empresas, a importância da educação e da formação e, ainda, a forma, como as pessoas comunicam entre si".

Página 2758

2758 I SÉRIE - NÚMERO 80

O mundo, nas últimas décadas, tomou-se multipolar. Mas não será que os três clássicos pólos, americano, japonês e europeu, parecem evoluir rapidamente para a construção de um só pólo dominante?
Neste processo de mundialização, que se traduz não apenas por uma maior abertura das economias às trocas internacionais como também, mais profundamente, pela interpenetração dos sistemas produtivos nacionais, quem beneficia em primeiro lugar? A globalização de que todos falamos não é a globalização orientada pelos Estados Unidos da América, a grande vencedora da Guerra Fria?
Primeira potência económica, os Estados Unidos são também, incontestavelmente, a primeira potência militar, a única superpotência capaz de se projectar por todo o planeta com uma superioridade industrial, tecnológica e operacional esmagadora.
Será possível contrariar esta realidade, atenuar o peso hegemónico de uma só potência, afirmar outros pólos dominantes, enfim, regular a globalização?
Esta pergunta é particularmente importante para a Europa, pois se o Velho Continente quiser continuar a ser uma parceiro dinâmico neste espaço global e neste tempo de grande aceleração da comunicação e do saber terá de reforçar substancialmente a sua posição e de encontrar rapidamente respostas originais e inovadoras aos novos desafios que se lhe colocam, isto é, temos de fazer face ao incerto através da nossa criatividade.
Foi justamente neste contexto que, há alguns anos atrás, François Mitterrand teve a ideia de lançar um projecto verdadeiramente original e inovador, o qual se traduziu, em poucos anos, num empreendimento de sucesso, cujas repercussões são hoje bem evidentes. A Europa encontrou, então, uma resposta simples, original e funcional para os novos desafios da era global: Eureka!
A iniciativa Eureka foi lançada em 1985, com o objectivo de reforçar a competitividade europeia a nível mundial, pela cooperação entre as empresas e as instituições de investigação dos Estados membros, através de projectos de investigação e desenvolvimento (I&D), e, presentemente, congrega 25 países europeus e a Comissão Europeia.
E como é que se chegou a esta resposta?
A maior fraqueza da indústria europeia continua a residir no problema da inovação. Com efeito, a Europa, que dispõe de uma excelente tradição científica, tem revelado dificuldades significativas em pôr em prática este saber acumulado, nomeadamente nos sectores de ponta, quer a nível tecnológico quer a nível económico.
A Europa é melhor a inventar do que a inovar, isto é, a aplicar a invenção à realidade económica.
A inovação constitui um factor determinante da competitividade neste clima de dura competição internacional. Inovação que não é apenas um fenómeno puramente tecnológico, uma vez que se aplica, também, a outros sectores como a produção, a organização, a distribuição e o financiamento, obrigando, assim, a que as empresas tenham de entender a inovação como o seu principal objectivo estratégico.
Quais são os principais obstáculos que impedem ou travam a inovação na Europa?
Em primeiro lugar, importa referir o problema dos recursos financeiros dedicados à investigação. Não só os investimentos públicos e privados, na investigação, são mais baixos na Europa do que no Japão e nos Estados Unidos, como também, enquanto naqueles países há a tendência para concentrar o investimento, na Europa revela-se uma maior tendência para a dispersão.
Em segundo lugar, surge o obstáculo da realidade política e institucional europeia, uma vez que a União Europeia não é um Estado ou uma federação, mas uma livre associação de Estados soberanos, cada um com a sua legislação, regulamentos, impostos e sistemas sociais diversos, os quais não encorajam a liberdade das actividades transnacionais das empresas.
O terceiro obstáculo é constituído pelo divórcio que continua a existir entre a ciência e a indústria, a escola e a empresa, mau grado todos os esforços que têm sido feitos para resolver esta separação e promover a cultura científica e tecnológica.
O quarto e último obstáculo parece ser de natureza social e cultural. A ciência, ao contrário do que se passou décadas atrás, não é hoje entendida, em termos de opinião pública, como sinónimo de progresso. E a inovação tecnológica é vista com medo e recebida com certa hostilidade, uma vez que se reflecte de modo negativo no emprego.
Eis aqui, de modo sumário, algumas das razões que ajudam a compreender o lançamento da iniciativa Eureka, um instrumento fundamental para reforçar a competitividade europeia.
Portugal preside a esta iniciativa, desde Junho de 1997, através do Ministro da Ciência e Tecnologia, Prof. Doutor Mariano Gago. Durante um ano, a presidência portuguesa, servida por uma equipa de grande qualidade, dedicou-se à construção de uma política científica e tecnológica, europeia ambiciosa e exigente, profundamente empenhada na relação entre a produção e a difusão dos conhecimentos, na valorização social, cultural e económica, da ciência e da tecnologia, a par da liberdade de criação e do estímulo à inovação e ao risco.
No âmbito da presidência portuguesa, destacou-se como principal preocupação a promoção do aparecimento de novos projectos de qualidade. Em particular, a presidência portuguesa proeurou: implementar as mudanças nos mecanismos de funcionamento aprovados na antecedente presidência britânica; melhorar a visibilidade da iniciativa Eureka e organizar acontecimentos que assinalassem a abertura da iniciativa Eureka em relação à cooperação a nível mundial.
A presidência portuguesa organizou também uma exposição dos resultados de projectos Eureka relacionados com os oceanos, que constituem o tema principal da Expo 98.
De modo a promover eficientemente a visibilidade do Eureka e a facilidade de acesso aos utilizadores correntes e futuros, a presidência portuguesa incrementou a rede Internet de comunicação entre as empresas Eureka e a rede de informação a todas as empresas que pretendem aceder a esta iniciativa.
Tendo em consideração a globalização da actividade económica, a Presidência Portuguesa realizou dois encontros em Macau, onde organizou também uma mostra tecnológica.
Na sequência destas iniciativas, teve lugar, na semana passada, nos dias 1, 2 e 3 de Junho, aqui, na Assembleia da República, a Conferência Interparlamentar Eureka, que várias Sr.ªs e Srs. Deputados, de diferentes bancadas, acompanharam de perto.
Tendo em conta a importância dessa reunião, que juntou em Lisboa deputados, empresários e cientistas de toda a Europa, justifica-se a apresentação sucinta de algumas das suas conclusões.

Página 2759

12 DE JUNHO DE 1998 2759

A Conferência registou, com satisfação, que a iniciativa Eureka continuava a gerar projectos de cooperação de alto nível, alguns da maior importância para a indústria europeia.
A Conferência acolheu também com satisfação a informação de estarem em curso projectos bem sucedidos com parceiros de várias partes do mundo e sublinhou o êxito de uma série de eventos, no âmbito dos negócios Eureka meets Asia, organizados pela presidência portuguesa em Macau.
A Conferência observou que a composição do portfolio do projecto Eureka tem vindo a alterar-se, o que se deve, pelo menos em parte, ao princípio da iniciativa empresarial e às forças de mercado. Uma participação crescente das PME, em especial, constitui um desenvolvimento positivo, de acordo com o papel importantíssimo desempenhado cada vez mais por estas empresas nos processos de inovação.
A Conferência salientou finalmente que, apesar destes desenvolvimentos positivos, seria necessário fazer-se algo mais para manter a iniciativa Eureka atractivo às grandes e às pequenas empresas, o que poderá ser alcançado através de projectos estratégicos ambiciosos, possivelmente em colaboração com os programas da União Europeia.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A iniciativa Eureka, que congrega 25 países, e reúne presentemente um amplo conjunto de políticos, empresários e cientistas empenhados no progresso e na competitividade do nosso Continente, reunidos em torno de um vasto projecto multinacional que já transpôs as suas fronteiras, projectando-se para outras regiões do mundo, nomeadamente, a América Latina e a Ásia, é, hoje, uma realidade. A presidência portuguesa, que aproveitou com determinação e clarividência esta oportunidade única para dinamizar, no plano interno, a participação das empresas portuguesas no Eureka e para reforçar, no plano externo, os laços de cooperação da Europa com a Ásia, isto é, para responder, de forma activa, aos desafios colocados pela globalização, revelou nitidamente que o projecto Eureka é um processo dinâmico de aprendizagem intercultural, de partilha de conhecimentos, experiências e saberes e de conquista comum de um melhor futuro para todos nós.
Resta-me agradecer o apoio indispensável que, desde a primeira hora, o Sr. Presidente da Assembleia da República concedeu à IX Conferência Interparlamentar Eureka, a cooperação dos Srs. Deputados que participaram nos seus trabalhos e a colaboração prestada pelos serviços da Assembleia da República, para que esta Conferência tivesse sido um êxito e funcionado com grande dignidade.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo pedidos de esclarecimento, aproveito esta oportunidade para informá-los de que se encontram a assistir à sessão um grupo de alunos da Escola EB 2+3 Gualdim Pais de Tomar, além de um numeroso grupo de cidadãos.
Para todos eles, peço uma carinhosa saudação.

Aplausos gerais, de pé.

Também para uma intervenção sobre assuntos de interesse político relevante, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira.
Enquanto o Sr. Deputado se dirige à tribuna, quero agradecer as palavras amáveis do Sr. Deputado Fernando de Sousa e dizer-lhe que o sucesso da organização contou em grande medida com o seu próprio contributo.
Tem a palavra, Sr. Deputado Manuel Moreira.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: O Partido Social-Democrata é um partido permanentemente preocupado com o presente e o futuro de Portugal e dos portugueses.
Os portugueses, depois de uma obra notável dos governos do PSD, ao longo de uma década que mudou e transformou completamente a fisionomia de Portugal, em 1995, seduzidos pelo "canto de sereia" da oposição à época do PS, cansados da política de rigor e austeridade que foi exigida pela adesão de Portugal à Moeda única, o euro, praticada pelo Governo social democrata, deram o seu voto ao Partido Socialista.
Volvidos cerca de três anos, o que é que temos?
Temos um Governo socialista que todos os dias se comporta não como o Governo do País, mas antes como se fosse oposição e, em lugar de governar e exercer as tarefas que lhe compete, entretém-se a criticar a oposição e a fazer oposição à oposição.
E assim temos um País sem uma política coerente e visível nas múltiplas áreas, designadamente nas áreas da saúde, da educação, da segurança social, da justiça e do ambiente; um País onde a segurança e a tranquilidade nas ruas diminuem constantemente; um País onde as desigualdades se acentuam todos os dias; um País onde o comércio é pouco mais que ignorado; um País onde a agricultura é hostilizada: um País onde as pequenas e médias indústrias são esmagadas; um País onde as crianças não têm a educação que merecem para serem os homens de amanhã; um País onde os mais velhos não têm o apoio social e a alegria de viver; um País onde os jovens não têm um futuro de esperança; um País onde os ricos são cada vez mais ricos e os pobres são cada vez mais pobres.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: A este propósito, não posso deixar de alertar e chamar a atenção, desta Câmara para a forma como o Norte, em geral, e a Área Metropolitana do Porto, em particular, têm sido tratados por este Governo socialista.
O actual Governo, até agora, não fez um único investimento de relevo e digno desse nome na Área Metropolitana do Porto e no norte de Portugal.
Não tenho uma visão reducionista do meu País e sou claramente contra as guerras ou disputas Norte-Sul ou Lisboa-Porto.
Sou dos que entendo, de forma positiva e justificada, todos os esforços feitos a favor do desenvolvimento da Região de Lisboa e Vale do Tejo e, em particular, da Área Metropolitana de Lisboa, onde também, ao longo dos tempos, se acumularam problemas e carências graves, a que urgia pôr cobro e resolver.
Mas, como diz o povo, o que é demais é moléstia. É que este Governo socialista parece apenas o Governo de Lisboa e para Lisboa ou como quem diz "só Lisboa é Portugal e o resto é paisagem".
Assim, como Deputado eleito pelo distrito do Porto, quero aqui dar voz à indignação legítima das populações e forças vivas da minha região, que vêem crescer cada vez mais as suas desigualdades e dificuldades e não vislumbram, da parte do actual Governo, as respostas consequentes que se impõem para corrigir a situação existente.
O Governo do Partido Socialista abandonou o Norte, o distrito do Porto e a Área Metropolitana do Porto.

Página 2760

2760 I SÉRIE - NÚMERO 80

Sr. Presidente e Srs. Deputados: Falemos agora essencialmente sobre as desigualdades e discriminações de que tem sido alvo a Área Metropolitana do Porto.
Nos últimos anos, as desigualdades, ao nível do investimento público, entre as Áreas Metropolitanas do Porto e de Lisboa acentuaram-se em desfavor da nossa região.
Nos últimos anos, a Área Metropolitana de Lisboa foi palco de inúmeros e vultosos investimentos estruturantes e necessários, mas infelizmente iguais necessidades não foram tidas em consideração no que diz respeito à Área Metropolitana do Porto.
A nova ponte Vasco da Gama, com um custo de cerca de 250 milhões de contos, a travessia ferroviária da ponte 25 de Abril, com um custo de cerca de 150 milhões de contos, a expansão do Metropolitano de Lisboa, com um custo de cerca de 500 milhões de contos, e a Expo 98, cujos custos ainda não estão devidamente avaliados, estão entre as muitas obras que não têm sucedâneos no Porto e no Norte.
Não ponho em causa a reabilitação de uma zona profundamente degradada de Lisboa, com a criação de uma nova centralidade, que foi possível com a realização da Expo 98, a qual desejo sinceramente venha a ter todo o sucesso e seja uma afirmação clara do Portugal moderno no Mundo.
O Governo vai avançar com a construção de um novo aeroporto, em Lisboa, cujo investimento previsto se aproxima dos 600 milhões de contos.
As obras que acabo de enumerar, e que não são a totalidade das que estão a ser desenvolvidas e que vão surgir num futuro próximo, significam um investimento que ronda os 1700 milhões de contos, o que torna caricato o apoio a obras urgentes para o equilíbrio da vida urbana na Área Metropolitana do Porto e que continuamos a mendigar.
O que se está a passar, por exemplo, com os episódios rocambolescos sobre o projecto e financiamento do Metro Ligeiro de Superfície do Porto, que implica escassos 25% do que, em igual período, está a ser investido no Metropolitano de Lisboa, é um sinal inequívoco de uma inaceitável desigualdade de tratamento.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Desafio o Governo do PS a dar a devida atenção e apoio à Área Metropolitana do Porto e ao Norte, neste final de século e milénio, e a dar-lhes as condições que nos permitam afirmar-nos no conjunto das metrópoles europeias e das regiões da Europa.
O Governo socialista, Srs. Deputados, não tem equidade; para o Governo, há portugueses de primeira e portugueses de segunda; para o Governo, há quem sirva para gastar e para gozar e quem sirva para trabalhar e criar riqueza.
Basta olhar para o País e comparar a belíssima Gare do Oriente com as estações de Coimbra B, Campanhã ou de Braga, para ficarmos todos bem esclarecidos e bem entendidos.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Com as últimas eleições autárquicas, operou-se uma mudança na liderança na Área Metropolitana do Porto. Os actuais responsáveis metropolitanos, liderados pelo Prof. Vieira de Carvalho, estão a elaborar um programa ambicioso de investimentos úteis para a referida Área Metropolitana, a que pretendem dar o nome de Programa Milenium, para pôr cobro à situação insustentável e corrigir as assimetrias, discriminações e desigualdades existentes.
Considero também que é necessário dar uma resposta positiva, em termos de investimentos, para a realização do grande evento cultural que vai ocorrer no Porto, no ano 2001, com a Capital Europeia da Cultura.
Considero ainda que, para a afirmação e uma acção mais coerente e eficaz das Áreas Metropolitanas, se justifica que, com urgência, se reveja a Lei n.º 44/91, que as institucionalizou, reforçando claramente as suas atribuições e competências e os seus meios financeiros e, no que diz respeito à do Porto, o alargamento da sua área territorial, com a inclusão de novos municípios que plenamente se justifica que a integrem.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo e o Partido Socialista não abandonaram apenas o Norte e a Área Metropolitana do Porto; abandonaram também as pessoas. Todos nós recordamos como o Partido Socialista prometeu cuidar das pessoas e ter preocupações sociais. Mas, até agora, o que temos visto essencialmente é fazer oposição à oposição legítima; entretido a fazer o que, afinal de contas, só sabe fazer, o Governo e o Partido Socialista não tiveram tempo para cuidar das pessoas.
O Partido Socialista fala da solidariedade, mas a solidariedade, para o PS, é apenas um chavão, que convém usar e abusar com objectivos essencialmente eleitoralistas.
Não nos admira esta atitude do PS.
Para o PSD a solidariedade é, antes de tudo, um valor e uma praxis política. E se pode dizer-se que a solidariedade não é património exclusivo de qualquer partido, há que dizer também, em abono da verdade, que o Partido Social-Democrata tem mais obra feita e provas dadas do que qualquer outro partido em favor da solidariedade em concreto para com todos os portugueses.
Com o Partido Socialista no Governo, somos um País adiado; um País sem projectos mobilizadores da sociedade; um País que passa ao lado das indispensáveis reformas estruturais; um País onde a vontade política de governar do PS está todos os dias ao sabor dos noticiários das televisões, das primeiras páginas dos jornais e das sondagens de opinião; um País onde os interesses reais dos portugueses, particularmente dos que mais precisam e carecem de ajuda, são encaminhados para a vala comum do desinteresse do Estado.
O PS e o seu Governo o que pretendem é estar na crista da onda a qualquer preço, manter-se no poder acima de tudo.
Os portugueses - pensam o Partido Socialista e o seu Governo - que se lixem, que se entretenham com a bola e que paguem a festança.
Todos os dias, para variar, os Deputados do PS e alguns Ministros e Secretários de Estado do Governo dizem uma coisa e o Primeiro-Ministro e outros membros do Governo dizem outra, precisamente contrária.
Este Governo é uma desilusão que não tem emenda! Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, impõe-se uma alternativa democrática, sólida e coerente, ao PS que compete ao PSD liderar com o apoio de outras forças políticas e sociais.
O PSD, sob a liderança do Professor Marcelo Rebelo de Sousa, está a demonstrar aos portugueses - e fá-lo-á cada vez mais nos próximos meses -, que tem um projecto sério, competente e galvanizador de Portugal com políticas e projectos concretos para as áreas da educação, da saúde, do ambiente, da justiça, da segurança social, do emprego, etc.
O País está cansado de palavras bonitas e de boas intenções do PS e do seu Governo que, incapaz de fazer obras, se limitou a concluir e a inaugurar as obras gizadas e iniciadas pelo governo do PSD presidido pelo Professor Cavaco Silva.

Página 2761

12 DE JUNHO DE 1998 2761

Assim, queremos, com determinação, fazer de Portugal um País mais justo e mais feliz; um País onde todos os portugueses vivam melhor, onde todos possam ter emprego, habitação condigna, onde as pessoas tenham segurança e tranquilidade públicas e possam ter um fim de vida digno; um País onde os ricos sejam menos ricos e os pobres cada vez menos pobres.
É este o País que queremos construir para bem de todos os portugueses e para assegurar um futuro melhor para Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por terminado o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 30 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em aprovação os n.ºs 60 a 63 da 1.ª série do Diário, respeitantes às reuniões plenárias de 22, 23, 24 e 25 de Abril p.p.
Srs. Deputados, vamos votar.

Submetidos à votação, foram aprovados por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos passar à discussão do projecto de lei n.º 309/VII - Altera o regime de exercício de direitos pelos militares (Alteração do artigo 31.º da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas), apresentado pelo PCP.
Para apresentar o projecto de lei, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente Srs. Deputados: O PCP traz corajosamente a debate da Assembleia da República uma das mais importantes e sensíveis matérias que se relacionam com a situação dos militares, isto é, a questão do regime de exercício de direitos fundamentais pelos militares e restrições que lhe são impostas.
A iniciativa do PCP, o seu projecto de lei n.º 3O9/VII, é no sentido de alterar o actual conteúdo de restrições constante do artigo 31.º da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, diminuindo sensivelmente essas restrições, por considerá-las excessivas, injustas e desproporcionadas.
O artigo 31.º da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas contém restrições aos direitos de associação, petição colectiva, expressão, reunião, manifestação e capacidade eleitoral passiva, restrições essas que têm o seu assento formal no artigo 270.º da Constituição da República, que define a possibilidade de restrições precisamente a esses direitos.
Mas o legislador do artigo 31.º não teve em atenção, no plano material, dois princípios jurídicos fundamentais. Em primeiro lugar, esqueceu que o princípio que rege a ordem jurídica portuguesa quanto ao exercício de direitos é o da plenitude desse exercício, consubstanciado no n.º 1 do artigo 18.º da Constituição.
A Constituição Portuguesa e o regime democrático nela consagrado não desconfiam dos direitos fundamentais; assumem-nos pela positiva, com confiança, e entendem neles uma componente essencial do Estado de direito democrático.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Ora, toda a lógica do artigo 31.º é a da desconfiança, a do temor, a da negação.
O segundo princípio que foi esquecido foi o consagrado nos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º, segundo o qual as restrições de direitos não podem ser excessivas, devendo limitar-se ao necessário, devendo ser proporcionais e não devendo nunca descaracterizar o conteúdo essencial dos direitos que restringem.
Estes princípios têm expressão no próprio artigo 270.º da Constituição, que só permite restrições daqueles direitos, e não a sua eliminação, e só permite essas restrições "na estrita medida das exigências das suas funções próprias".
Ora, o artigo 31.º contém restrições que hoje, à luz da evolução conceptual e da prática seguida, não podem deixar de ser consideradas excessivas. Para dar um exemplo, referirei que o artigo 31.º proíbe, pura e simplesmente, a apresentação de petições colectivas, apesar de o artigo 270.º só permitir restrições e não proibições de exercício de direitos.
Outro exemplo: o artigo 31.º proíbe os militares de todas as declarações públicas sobre assuntos respeitantes às Forças Armadas (excepto artigos de natureza exclusivamente técnica inseridos em publicações editadas pelas Forças Armadas). Por este artigo, uma simples declaração de um militar dirigente ou não de uma associação acerca das carreiras, ou do sistema retributivo, ou sobre a lei dos coronéis, seria ilegal.
Ainda outro exemplo: a lei proíbe (sem passagem à reserva, isto é, sem abandono da carreira militar) a candidatura a qualquer lugar efectivo, desde a Presidência da República até um lugar de vogal numa Assembleia da freguesia. Claro que os mesmos que aprovaram esta norma em 1982 não se coibiram de chamar depois o general Soares Carneiro - que tinha sido candidato à Presidência da República em 1980 - às funções de Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, apesar da sua controvérsia que a sua candidatura levantou, pois foi feita sob o signo da tentativa de golpe referendário para substituição da Constituição.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Este exemplo mostra bem o que esteve na génese do artigo 31 .º da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas. Na realidade, esse artigo foi aprovado em 1982, quando o poder político, no processo de revisão constitucional, resolveu extinguir o Conselho de Revolução, acabar com a intervenção dos militares no exercício do poder político e mandar os militares para os quartéis.
O artigo 31.º nasceu de um confronto político, com o poder político determinado em calar os militares, impondo-lhes mesmo um estatuto diminuído de cidadania. O artigo 31.º é uma espécie de "vingança servida fria", um acto de revanche, de profunda desconfiança nos militares, particularmente nos que mantinham vivos os ideais do 25 de Abril, incluindo os militares do chamado "grupo dos nove", dominantes na componente não hierárquica do Conselho da Revolução.
O artigo 31.º nasceu torto, por razões conjunturais de política, que o tempo há muito apagou definitivamente.

Página 2762

2762 I SÉRIE - NÚMERO 80

Dezasseis anos após a revisão constitucional de 1982, o mundo é outro e Portugal está também profundamente mudado. Por isso, dezasseis anos após a aprovação daquele excessivo artigo 31.º, é mais que tempo para acabar com o seu carácter "antidireitos" e dar-lhe uma feição mais democrática e mais consentânea com os nossos tempos.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Porque os tempos mudaram, de facto, e a função da política e dos políticos é a de saberem acertar a sua actuação com o tempo e com a evolução dos conceitos e dos problemas.
Desde o distante ano de 1982 foram aprovadas duas importantes resoluções sobre a matéria dos direitos fundamentais dos militares, em particular daquele direito que está no centro de toda esta questão, e que é o direito de associação.
De facto, em 1984, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução, na base do Relatório PETERS, em que recomenda aos Estados membros da Comunidade Europeia que reconheçam o direito de associação dos militares, designadamente para participação na definição das questões profissionais e sociais do seu estatuto. Também a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, em 1988, aprovou uma resolução, na base do Relatório APENES, em que recomenda às legislações nacionais permitirem aos militares o direito de criarem associações profissionais. Esta resolução tem a particularidade de ter sido aprovada pelos Deputados portugueses presentes nessa reunião, incluindo por Deputados do PS e do PSD.
Ambas estas recomendações têm o seu fundamento na Declaração Universal dos Direitos do Homem, na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no Pacto da ONU sobre Direitos Civis e Políticos e nas Convenções da OIT sobre o direito de Associação e Representação na Função Pública.
Estas recomendações, aprovadas pelas Assembleias Parlamentares das instituições que correspondem ao espaço político da inserção do Portugal de hoje, exprimem muito bem uma tendência da doutrina e da legislação europeias, no sentido da afirmação e do reconhecimento do direito de associação dos militares.
Para essa tendência contribuem vários factores. Em primeiro lugar, recordam-se as sequelas do nazi-fascismo e do comportamento das forças armadas alemãs na II Grande Guerra, que trouxeram uma nova luz à questão da responsabilidade do militar. O Tribunal de Nuremberg fez jurisprudência, que conformou fortemente as actuais forças armadas alemãs, onde o reconhecimento do direito de associação, da plena capacidade eleitoral passiva e de outros direitos procura garantir uma osmose e integração dos militares na sociedade, acabando com o espírito de casta e com o modelo prussiano de forças armadas.
Em segundo lugar, os últimos 50 anos foram fortemente marcados pela afirmação dos direitos humanos, de que é expressão a sucessão de instrumentos internacionais acima referidos, e que, no plano das forças armadas, assume a sua melhor expressão com a fórmula "o soldado é um cidadão de uniforme", fórmula usada nas resoluções da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa e do Parlamento Europeu.
Em terceiro lugar, a crescente tecnicidade das funções militares, a crescente preparação e nível de ensino dos militares e a sua cada vez maior especialização conduziram a uma significativa modificação do perfil do militar, hoje mais próximo das exigências e especialidades de funções técnicas paralelas no mundo civil, particularmente na informática, sistemas de comando e controlo, simulação, operação de sistemas de armas, etc.
Em quarto lugar, os sistemas clássicos de defesa dos interesses profissionais dos militares entraram numa profunda crise sem saída. Esses sistemas clássicos baseavam-se na ideia de que era dever das hierarquias a defesa dos interesses profissionais dos seus subordinados.
Mas esses sistemas tinham por premissa numa grande autonomia das forças armadas face ao poder político, numa espécie de autogoverno. Ora, a tendência constitucional dominante hoje é a da subordinação das forças armadas ao poder político em todos os domínios, incluindo no chamado domínio corporativo.
Nesse quadro, a hierarquia é impotente e não tem meios para garantir a defesa dos direitos dos seus subordinados. O caso da lei dos coronéis foi paradigmático: perante a total ineficácia da reacção das chefias, os militares perguntaram legitimamente: "quem nos defende?".
Está fora de questão, obviamente, o papel devido às hierarquias, às chefias. Conta-se o caso simplesmente para mostrar a evolução havida, também nesta área.
Estes factores conjugados- fizeram evoluir fortemente o comportamento dos poderes públicos e a legislação sobre direito de associação dos militares. Hoje, a EUROMIL, a organização europeia de associações de militares, tem já no seu seio organizações de 20 países europeus, incluindo nove países da União Europeia.
A questão central do projecto do PCP é, portanto, a alteração da limitação vigente quanto ao direito de associação. Hoje, a lei só permite associações profissionais com competência deontológica. O PCP propõe a constituição de associações profissionais com poderes de representação.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Não propomos sindicatos militares, embora isso não seja nenhum tabu. Há sindicatos militares, por exemplo, na Alemanha e na Holanda, que têm forças armadas integradas na NATO, altamente disciplinadas e com alta capacidade militar.
Mas, no quadro jurídico nacional, a solução das associações profissionais com direito de representação é preferível e está mais adequada aos princípios que regem entre nós o direito de associação, incluindo a sua vertente de direito sindical.
Sabemos que há quem alerte para a possibilidade de o associativismo militar profissional conflituar com a ética militar. Quem assim alerta, refere que o Código de Honra dos militares bastaria para assegurar a defesa dos seus interesses. Só que foi a própria vida que se encarregou de dar aos militares outro enquadramento.
O militar é hoje tratado pelo poder político como um profissional como os outros, ou, pior ainda, como, um sujeito de deveres especiais mas de nenhuns direitos especiais. Este novo enquadramento dos militares, quase diria "proletarização", não é exclusiva de Portugal. Dela decorre afinal que o Código de Honra mantém toda a sua actualidade mas para a componente operacional e para a relação de deveres para com a Pátria que impendem sobre o militar.
Já quanto à sua condição estatuária, quanto aos seus interesses e direitos, o militar aproximou-se dos outros corpos da função pública e tem, por isso, de ter mecanismos próprios de representação.

Página 2763

12 DE JUNHO DE 1998 2763

Esgrimir contra a proposta do PCP, dizendo que ela é fonte de indisciplina, é caricato e injurioso.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Caricato, porque a proposta do PCP corresponde a uma realidade de outros países da NATO, que não consta que tenham forças armadas pouco eficazes. Injurioso, porque isso é fazer dos nossos militares uns irresponsáveis e é querer amarrá-los a um estatuto de cidadãos de segunda.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Tem-se dito também que hoje já a actual lei pode ser interpretada no sentido de reconhecer o direito que o PCP propõe que seja consagrado. Tenho aqui um parecer da Procuradoria-Geral da República acerca da Associação dos Oficiais das Forças Armadas (AOFA) que diz precisamente o contrário. E não esqueço a lista de punições que ao longo dos anos foram dadas a alguns militares com funções nas associações existentes.
O poder político tem vivido com essas associações a pior relação possível, que é a relação de arbítrio. Tanto recebe as associações, até ao nível de Ministro isso foi feito, como aceita as punições que referi; tanto ouve as associações sobre certas questões, como é capaz, logo a seguir, de não lhes permitir que participem num debate ou colóquio oficial.
Este arbítrio é o contrário das regras do Estado de direito. A Assembleia da República tem de assumir com clareza e transparência a alteração da lei. Esta Assembleia da República que recebe oficialmente a Associação Nacional de Sargentos, a AOFA, a ASMIR, ou a Associação dos Contratados do Exército, esta Assembleia que participa em realizações dessas associações, esta Assembleia que discute com essas associações problemas de toda a natureza e não só os deontológicos, não pode continuar a enterrar a cabeça na areia, a adiar a resolução deste problema.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Os direitos fundamentais não se exercem por tolerância, mas por reconhecimento justo e adequado.
O que essas associações e os militares que os representam querem é uma resposta clara. Eu sei que não faltarão aqui tentativas de fugir à questão. Não sei se não ouviremos a habitual rezinga dos que fogem das suas responsabilidades, a dizerem aqueles lugares-comuns vazios, do género "esta matéria deve ser resolvida em conjunto com esta ou aquela matéria".
Ao contrário de tudo isso, esta é uma matéria específica, que exige alterações seja qual for o modelo final das forças armadas portuguesas. Mas, quanto a isso, ninguém duvida: sabe-se perfeitamente que ele será proximamente muito mais profissionalizado do que é hoje, sabe-se qual é esse modelo e assim nem isso é desculpa.
Esta é uma matéria em que estamos atrasados vários anos. O projecto do PCP não é um texto fechado. Estamos disponíveis e interessados no debate na especialidade, que permita apurar soluções consensuais, desde que apontando para um efectivo alargamento dos direitos, designadamente do direito de associação.
Os militares que fizeram a Revolução de Abril, que tiveram a coragem do heróico acto fundador da democracia, cuidaram pouco de si mesmos. Pensaram e agiram para as liberdades do País e do povo e o país agradeceu-lhes mantendo-os na malha apertada das restrições de direitos.
Homenageio aqui, neste momento, os militares que nestes últimos anos nas associações profissionais existentes, na ANS, AOFA, ASMIR e ANCE e perante a paralisia e desinteresse dos poderes instituídos em responderem às suas justas aspirações, afirmaram, com grande coragem cívica e sentido de responsabilidade e de disciplina, o direito dos militares à dignidade e à cidadania.
Bem hajam, pela vossa luta pela democracia!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo pedidos de esclarecimento, dou a palavra, para uma intervenção, ao Sr. Deputado Ferreira Ramos.

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei de alteração do regime de exercício de direitos pelos militares consagrado no artigo 31.º da Lei de defesa Nacional e das Forças Armadas dificilmente pode ser considerado uma matéria propícia ao estabelecimento de consensos, por ser, no mínimo, matéria acerca da qual sempre existiu debate acalorado e sério, e por ser assunto em relação ao qual as posições dos diversos partidos sempre foi clara e, por vezes, antagónica.
Trata-se, com efeito, de um ponto que mereceu discussão aquando do processo legislativo que veio a culminar na Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas. Foi, de resto, um dos pontos que serviu, entre outros, para fundamentar o veto do então Presidente da República, General Ramalho Eanes, ao decreto que saiu desta Assembleia.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Dir-se-ia mesmo que se trata de uma daquelas matérias em que as diferenças ideológicas e programáticas entre a direita e a esquerda mais se acentuam e melhor espelham algumas das dissensões provocadas na sociedade portuguesa numa altura em que o poder militar, que esteve na origem do 25 de Abril, sofreu o necessário apagamento face ao poder político democrático, em que se mostrou necessário dar uma perspectiva mais coerente, no plano jurídico-constitucional, à organização democrática das forças armadas e à sua subordinação aos órgãos de soberania, à Constituição e à lei.
Melhor do que qualquer outro exemplo, para confirmar o que se acaba de referir, é a leitura da "Nota justificativa" do projecto de lei, onde se diz, e cito, "a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas foi aprovada em 1982, logo a seguir à primeira revisão constitucional, num contexto político marcado, no plano das forças armadas, pela extinção do Conselho da Revolução. O regime de restrição de direitos dos militares foi, portanto, influenciado por uma conjuntura muito complexa e, particularmente, adversa a um reconhecimento aberto dos direitos fundamentais dos membros das forças armadas".
E, de facto, assim era, assim foi. De um lado, o Ministro da Defesa justificava a necessidade e a conveniência destas restrições estribando-se na convenção europeia dos direitos do homem e explicando a razão de ser das mes-

Página 2764

2764 I SÉRIE - NÚMERO 80

mas na necessidade de garantir, em última análise, que a força das armas não fosse usada ou receada como argumento contra a força das ideias ou como imposição contra o sentido do voto.
Do outro lado, os Deputados do Partido Comunista Português marcavam a clivagem de posições afirmando que os democratas e o povo português queriam as forças armadas do 25 de Abril, sem partidarização, entregando-se às suas missões específicas, enquanto que outros queriam as forças armadas do 28 de Maio.
Para os primeiros era o facho da liberdade que as forças armadas empunharam em 25 de Abril, que estava em causa; para os segundos, reservavam o restauracionismo, indiciavam processos de intenção, lançavam suspeitas.
Passaram já 15 anos desde essa data. Quinze anos em que as palavras inflamadas, eventualmente quer de um quer de outro lado, foram felizmente desmentidas pela realidade.
Nem um nem outro dos receios, que delas transbordavam, alguma vez tomou corpo ou teve tradução efectiva na convivência do poder militar com o poder civil, pois um e outro souberam assumir cada qual o seu papel e as suas responsabilidades.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas define o estatuto da condição militar, isto é, o complexo de direitos e obrigações em que os cidadãos nacionais que desempenham funções nas forças armadas ficam investidos a partir do momento em que nelas ingressam.
O artigo 31.º desta lei representa o cerne deste estatuto. Às forças armadas, diz a Constituição, incumbe a defesa militar da República Portuguesa, a satisfação dos compromissos internacionais do Estado português no âmbito militar, a participação em missões humanitárias e de paz das organizações internacionais de que Portugal faz parte, a colaboração em missões de protecção civil e a cooperação técnico-militar no âmbito da política nacional de cooperação.
As missões de interesse nacional atribuídas por lei às forças armadas não podem ver-se - não devem ver-se! -, contingentadas e condicionadas por diferentes percepções do que é, em cada caso e em cada momento, o interesse público, sejam tais percepções individualmente consideradas ou de origem corporativa.
Só isto parecer-nos-ia suficiente, hoje, como há 15 anos, para justificar a existência das restrições, que estão legalmente consagradas, ao exercício de direitos por parte dos militares das forças armadas.
Mas não só: neste preciso as forças armadas estão perante um desafio de monta, que é o da sua modernização. Com a desconstitucionalização e a redução do período de serviço militar obrigatório, aprovada na última revisão constitucional, têm de encontrar as respostas que lhes permitam avançar no sentido do melhor aproveitamento dos efectivos existentes e da sua profissionalização.
Essa é uma tarefa, que se adivinha complexa, mas que tem de ser levada a cabo e não pode ficar dependente nem sofrer qualquer dificuldade que possa resultar de interesses e de actuações corporativas.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - A nós, CDS-PP, não nos custa admitir a razoabilidade de algumas das propostas aqui hoje apresentadas, nem nos custa dizer que, eventualmente, será necessário, no futuro, fazer algumas alterações. Mas, ao contrário daquilo que foi dito aqui pelo Deputado João Amaral consideramos que 15 anos será ainda pouco tempo para se fazer esse aprofundamento e desenvolvimento.
Teremos, eventualmente, de esperar mais tempo, de deixar as forças armadas responderem ao desafio que lhes está colocado, de acreditar que essa resposta seja positiva, para depois de termos visto a solução encontrada há 15 anos dar resposta cabal, então darmos os passos seguros, firmes e correctos no sentido do aprofundamento dos direitos que todos os cidadãos têm, nomeadamente os que integram as forças armadas, mas com a consciência que esses cidadãos têm, por integrarem as forças armadas, determinadas restrições de todo admissíveis e que, no nosso entender, devem manter-se.

Aplausos do CDS-PP:

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo pedidos de esclarecimento, dou a palavra, para uma intervenção, ao Sr. Deputado Correia de Jesus.

O Sr. Correia de Jesus (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A Câmara discute hoje o projecto de lei n.º 309/VII, apresentado pelo Grupo Parlamentar do PCP, que visa alterar o regime de exercício de direitos pelos militares, consagrado no artigo 31.º da Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas.
Tratando-se de discussão na generalidade, não é pertinente, nesta sede, proceder à análise substantiva das alterações propostas pelo PCP. Agora, interessa tão-só proceder ao enquadramento político desta iniciativa legislativa, às suas reais motivações, clarificando, depois, qual é a posição do PSD sobre o projecto de lei em apreço.
De acordo com as promessas eleitorais do PS, deveríamos estar agora a discutir uma iniciativa do Governo ou do partido que o apoia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Acontece, porém, que, para além da situação de incumprimento sistemático em que o Governo e o PS se encontram em relação às suas promessas eleitorais, a política de defesa nacional e as Forças Armadas não têm merecido, da parte do Governo, a devida atenção.
Por inacção ou ausência de alternativas, o actual Governo optou por adiar as decisões, provocando um hiato no processo de reformas estruturais, que em fins de 1995 se encontrava em fase adiantada de implantação.
Em face de tal vazio, no espírito dos portugueses vem ganhando corpo a ideia de que em Portugal não há política de defesa ou de que ela se esgota na mera administração do respectivo orçamento e nas frequentes querelas entre o poder político e a instituição militar.
É por isso que, em vez de estarmos hoje a debater uma proposta de lei do Governo sobre a revisão da Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas, estamos, afinal, perante mais um afloramento da dialéctica que caracteriza as relações entre os dois principais partidos de esquerda na Assembleia da República.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Se, de uma maneira geral, PS e PCP caminham lado a lado, de vez em quando o PCP sente necessidade de se afirmar, de marcar uma posição própria, sob pena de ver ainda mais reduzida a sua base de apoio,

Página 2765

12 DE JUNHO DE 1998 2765

não hesitando, para tal, em entalar o PS. Para isso, nada mais fácil do que recorrer às promessas eleitorais do PS, dada a sua consabida tendência para as não cumprir.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Neste caso, o PCP não enfrentou especiais dificuldades. Foi ao Programa Eleitoral do PS e leu, a páginas 1-49, uma promessa lapidar e inequívoca, do seguinte teor: "Revisão do artigo 31.º da Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas, sobre restrições ao exercício de direitos pelos militares e regulamentação dos direitos de expressão, reunião, manifestação, associação, petição colectiva e capacidade eleitoral passiva".
Coerente com posições anteriormente assumidas, o PCP limitou-se a reeditar, em Abril de 1997, o seu projecto de lei n.º 202/VII.
Entretanto, decorreu mais de um ano sem que o diploma fosse agendado. O PCP, no seu desígnio de criar dificuldades ao PS em matéria tão melindrosa como a do artigo 31.º da Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas, preparava-se para requerer o seu agendamento potestativo. Mas, afinal, não foi preciso ir tão longe, já que o diploma acabou por ser agendado por acordo, com o assentimento do PS. Perante os factos, permita-se-me a ironia de dizer que o PCP não precisou de entalar o PS com o agendamento potestativo. Foi o PS que se entalou a si próprio.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Nesta, como noutras áreas!

O Orador: - Assim, a discussão que se trava aqui, hoje, é mais um episódio das relações entre o PS e o PCP, às quais o meu partido é totalmente estranho. É uma questão que terá de ser resolvida entre esses dois partidos, cabendo ao PS decidir se apoia ou não a iniciativa do PCP.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como já referi, o PCP tem sido coerente na crítica ao artigo 31.º da Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas e na necessidade de o alterar no sentido de se diminuírem as restrições que, em matéria de exercício de direitos fundamentais, impendem sobre os militares.
Tratar-se-á de uma coerência virtuosa ou, antes, de uma coerência estratégica?
Saber qual a motivação profunda do PCP ao insistir nas alterações ao artigo 31.º é averiguação que deixo aos analistas políticos...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - E a uma comissão de inquérito!

O Orador: ... e aos politólogos, já que tal atitude se insere no contexto mais amplo e mais complexo das posições normalmente adoptadas pelo PCP sobre direitos, liberdades e garantias, sobre as Forças Armadas, as forças de segurança, as polícias e os serviços de informações. Trata-se de uma questão tanto mais pertinente quanto é certo que há exemplos relativamente recentes de militantes do PCP que se mudaram de partido e agora, no novo partido, defendem exactamente o contrário do que defendiam em relação a estas mesmas matérias quando militavam no PCP.

Vozes do PSD: - Bem lembrado!

O Orador: - Porém, do ponto de vista político, interessa-nos tanto a razão real como a razão aparente das coisas.
No caso do diploma em discussão, a razão aparente é a que decorre do texto do projecto e da sua fundamentação.
A motivação real só será entendível se tivermos presente que os partidos comunistas, quando estão na oposição, são muito permissivos, manifestando-se contra todas as restrições aos direitos fundamentais; quando detêm o poder, todos conhecemos exemplos passados e presentes de como o exercem.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É conhecida a posição do PSD quanto ao artigo 31.º da Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas. Sempre nos temos manifestado a favor da sua manutenção.
As restrições que nele se contêm não só não são inconstitucionais, o que já foi expressamente reconhecido pelo Tribunal Constitucional, como constituem expressão adequada das preocupações que ainda hoje estão subjacentes aos artigos que a Constituição dedica às Forças Armadas.
Como afirmou, aquando da apresentação da proposta de lei de defesa nacional e das Forças Armadas, o então Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa. Professor Diogo Freitas do Amaral, a razão de ser do artigo 31.º é óbvia: "Trata-se de garantir, em última análise, que a força das armas não seja usada ou receada como argumento contra a força das ideias ou como imposição contra o sentido do voto".

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Na mesma ocasião, o Professor Freitas do Amaral, respondendo ao argumento demagógico de que a lei transformaria os militares em cidadãos de segunda, acrescentou: "(...) porque todo o indivíduo que escolhe a carreira castrense sabe perfeitamente que o estatuto da condição militar comporia certas restrições e é incompatível com a actividade política, precisamente para evitar que pelo uso das armas sejam os civis a ficar transformados em cidadãos de segunda face aos militares políticos".
Porém, o PSD tem acompanhado a evolução entretanto verificada nas Forças Armadas portuguesas, orgulhando-se de, como partido de Governo, ser responsável pelas principais reformas nelas operadas e pela sua modernização. O PSD também tem estado atento à evolução que nesta matéria se vem registando nos ordenamentos jurídicos dos demais países da União Europeia e às posições que em organismos internacionais têm sido adoptadas a este respeito, tendo nomeadamente presente o que vem consagrado na Convenção Europeia dos Direitos do Homem e as Resoluções da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa.
Significa isto que o PSD está atento aos sinais dos tempos e não recusa a evolução sobre as questões suscitadas pelo artigo 31.º da Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas o PSD não pode deixar de manter uma postura responsável em matéria tão importante quão melindrosa.

Página 2766

2766 I SÉRIE - NÚMERO 80

Ora, estando em curso uma reforma profunda das nossas Forças Armadas, centrada na substituição do serviço militar obrigatório pelo recurso ao voluntariado, o PSD considera inoportuno discutir uma matéria que tem a ver com aspectos fundamentais da organização das Forças Armadas, de forma avulsa, desinserida de uma revisão global da Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas, que terá de basear-se no mais amplo consenso possível.
Como partido que foi poder por largos anos e como alternativa de Governo, o PSD não pode abordar esta questão levianamente e fora do tempo e do contexto próprios. Muito menos pode embarcar em iniciativas que melhor se enquadram na luta interpartidária do que na preocupação patriótica de dotar o País com Forças Armadas disciplinadas, coesas, prestigiadas e operacionais.
Estamos perante uma verdadeira questão de Estado. Independentemente da posição que os outros partidos venham a adoptar, o PSD, de acordo com o seu sentido de Estado, assumirá clara e plenamente as suas responsabilidades.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Raimundo Narciso.

O Sr. Raimundo Narciso (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Correia de Jesus, foi com alguma surpresa que escutei a sua intervenção. Fiquei a saber, um pouco desagradado, tendo em conta a consideração e o respeito que tenho por V. Ex.ª, que esta questão das restrições dos direitos aos militares é uma coisa entre o PS e o PCP, da qual o PSD está completamente alheado e à qual não atribui, pelos vistos, qualquer importância.
Simultaneamente, fiquei a saber e a não saber, porque parece que está aberto, juntamente com outros grupos parlamentares, entre eles o do PS, a encarar alguma revisão destas drásticas medidas, mas, ao mesmo tempo, está fixado, cristalizado, nas posições de 1982, na oposição, talvez ainda, ao Conselho da Revolução.
Ora, Sr. Deputado, pessoalmente, sou favorável a uma revisão profunda deste artigo 31.º e a este respeito tenho ainda hoje a mesma opinião que tinha no passado, ou seja, entendo que este artigo 31.º só é compreensível no contexto histórico e político de 1982. Naturalmente, estas questões das restrições aos militares têm de ser vistas com serenidade e entendidas num contexto não só nacional como político e histórico.
Lembro que este artigo 31.º estabelece restrições muito grandes aos militares portugueses, em contradição com o que se passa na Europa. Assim, lembro ao Sr. Deputado que, por exemplo, a Noruega tem sindicatos, ou organizações para-sindicais, porque, em geral, o direito à greve, como é óbvio, está excluído em todo o lado, desde 1835; a Suécia, desde 1907; a Dinamarca, desde há dezenas de anos; mas isto não é um síndroma dos países escandinavos, porque a Bélgica tem sindicatos desde 1967; a Holanda, desde 1897; a Áustria tem associações e sindicatos militares desde 1961; na Alemanha, desde praticamente o início da Bundeswehr, desde 1956, os militares têm liberdade de expressão, escrita, falada, política, praticamente sem restrições - não estou a propor que se adopte o figurino da Alemanha, pois cada país e cada sociedade tem as suas tradições e as suas necessidades -; e a Inglaterra permite aos militares que se inscrevam nos sindicatos da função pública. Simultaneamente, verificamos que o nosso célebre e polémico artigo 31.º diz que os cidadãos militares não podem abordar num artigo de jornal, por exemplo, assuntos respeitantes às Forças Armadas, excepto se se tratar de artigos de natureza exclusivamente técnica.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira terminar.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Isto é, aos militares está vedado, por exemplo, escrever um artigo em que opinem sobre o serviço militar, sobre o sistema de defesa nacional, sobre aquilo em que eles mais poderiam dar alguma contribuição.
Por isso, faço-lhe a seguinte pergunta, Sr. Deputado: afinal, está ou não o PSD aberto para examinar com serenidade, tendo em conta a nova realidade e até a profissionalização das Forças Armadas, alterações a esta legislação? Ou está o PSD completamente fechado a qualquer alteração?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Correia de Jesus, havendo mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, pergunto se deseja responder já ou no fim.

O Sr. Correia de Jesus (PSD): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Correia de Jesus, antes de mais, devo agradecer ao Sr. Deputado Raimundo Narciso o facto de ter feito um pedido de esclarecimento antes, porque me permitiu encarar a sua intervenção com mais alguma distância.
Sr. Deputado Correia de Jesus, a sua intervenção foi insultuosa para o meu partido. Não sei se é a palavra adequada, mas andou perto disso. O Sr. Deputado pôs em questão que nós pudéssemos seriamente agarrar num assunto desta delicadeza, durante anos, dialogarmos na Comissão de Defesa Nacional em tomo dele, termos dito que gostaríamos que ele subisse a Plenário e que o fizéssemos porque queremos efectivamente alterar o artigo 31.º. Sr. Deputado, nós não queremos "entalar" ninguém, nós entendemos que há aqui um problema sério para ser resolvido e que o artigo 31.º da Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas, que configura um regime de restrições de direitos que sempre tem de existir, hoje tem restrições excessivas. O que propomos à Assembleia, aos Deputados do PS e aos do PSD - o Sr. Deputado sabe perfeitamente que esta lei, para ser aprovada, tem de ter o voto favorável de dois terços dos Deputados, portanto, não vale a pena estar a olhar para o vizinho, porque, se a lei for aprovada, tem de o ser com o seu voto também -, é uma reflexão sobre cada uma dessas restrições. E propomo-lo seriamente.
Sr. Deputado, ser-me-ia muito fácil perguntar por que é que o PSD exibe esta duplicidade de receber as associações em comissão e discutir com elas questões estatutárias, para, depois, chegar aqui e dizer que não quer mudar nada. Não vou entrar nesse "jogo". Vou considerar que precisamos, de facto, de analisar todas e cada uma destas alterações. Mas vou dizer uma coisa ao Sr. Deputado Correia de Jesus, que, aliás, já lhe tinha anunciado: esperava algo de muito diferente, tanto da sua parte, como da do PSD. Esperava que, em relação a uma matéria tão sensível como esta, que é matéria de direitos fundamen-

Página 2767

12 DE JUNHO DE 1998 2767

tais, o PSD se lembrasse de outras heranças que não aquelas do autoritarismo que aqui exibiu.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A minha convicção, Sr. Deputado, era a de que na sua alma podia haver ainda alguma lembrança desse tempo, mas, pelos vistos, o que o marcou e o que o marca hoje é essa herança do autoritarismo. Mas não é com essa, seguramente, que poderemos contar numa situação de progresso da sociedade portuguesa e, provavelmente, Sr. Deputado Correia de Jesus - também lhe digo com muita honestidade -, não é com esse espírito e com essa forma de encarar as questões que, hoje, os portugueses, tanto os que estão na vida civil, como os que estão na vida militar, esperam da Assembleia da República ou dos seus Deputados para responder a estas questões. Provavelmente, contam com uma atitude totalmente diferente: com abertura, com espírito de diálogo, com capacidade para entender as mudanças, com capacidade para dar novas soluções aos novos problemas.
É nesta oportunidade que aqui reafirmo e reitero o desafio, a proposta, o convite que faço a todas as bancadas para que analisemos esta questão e façamos as alterações possíveis e necessárias a este regime de restrição de direitos.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Correia de Jesus.

O Sr. Correia de Jesus (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, começo por agradecer as questões que tiveram a amabilidade de me colocar.
Sr. Deputado Raimundo Narciso, não há, da nossa parte, qualquer alheamento em relação a esta questão. Tive oportunidade de dizer que temos estado atentos ao modo como a realidade subjacente tem evoluído e que temos, em relação a esta questão, uma postura interessada, curiosa sobre o modo como as coisas vêm evoluindo, quer no nosso país, quer noutros países, nomeadamente os que fazem parte da NATO e da União Europeia. Mas, ao mesmo tempo, temos a preocupação de encarar esta questão com o sentido de responsabilidade, com o equilíbrio e com a moderação com que ela deve ser encarada.
Quando se pergunta se há ou não abertura da nossa parte para discutir estas questões, devo dizer que o PSD, como partido democrático, está aberto para discutir todas as questões. Contudo, entende que em relação a esta matéria tem que haver um debate institucional, na medida em que a reflexão que se faça a este respeito e as alterações que venham a ser introduzidas no artigo 31.º da Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas terão uma repercussão necessária e inevitável sobre um dos pilares da nação portuguesa. É essa a nossa preocupação. O que não podemos, de maneira alguma, é - e depois responderei ao Sr. Deputado João Amaral -, apenas porque surgia uma iniciativa legislativa em determinado momento, sentirmo-nos obrigados a fazer, de repente, o que deve ser feito com toda a ponderação e com todo o cuidado.
Quanto a si, Sr. Deputado João Amaral, penitencio-me pelas dúvidas com que o deixei e fico muito satisfeito pelos esclarecimentos que aqui nos prestou e pela genuinidade das suas intenções. Aliás, a dúvida política não é, necessariamente, uma dúvida subjectiva.
Quanto às heranças a que me referi, são heranças que o Partido Social Democrata retém como seu património indeclinável, mas não têm nada a ver com autoritarismo. Digo-lhe com toda a sinceridade, Sr. Deputado João Amaral, que quando fala aqui de autoritarismo relativamente à posição do Partido Social Democrata, parece que está a lançar esse labéu, não só sobre este partido, mas sobre todas as entidades respeitáveis que entendem que o artigo 31.º da Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas teve a sua razão de ser e que se tem mantido até ao momento com uma justificação de interesse nacional. Do mesmo passo, entendemos que deve ser feito um debate sobre esta matéria, mas, insisto, um debate institucional, de modo a encontrarem-se as soluções mais equilibradas.
Acrescento que defendemos que esse debate não deve ser feito isoladamente, mas no contexto da reforma, que se nos afigura necessária, da Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Albino Costa.

O Sr. Albino Costa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP apresenta hoje, a debate na Assembleia da República, uma iniciativa legislativa tendente a alterar o actual regime jurídico que estabelece as restrições de direitos dos militares.
Por força do disposto no artigo 270.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 31.º da Lei n.º 29/82, a questão dos direitos fundamentais dos militares, dos quadros permanentes e dos militares contratados em serviço efectivo submete-se aos princípios da neutralidade política, de subordinação ao poder civil e ao apartidarismo das Forças Armadas. Acresce que a lei fundamental atribui como competência primordial às Forças Armadas a defesa militar da nação, colocando esta instituição numa situação de dependência face aos restantes órgãos de soberania.
A leitura que resulta da lei fundamental é a de que a prestação de serviço militar pode interferir na esfera das liberdades pessoais e colectivas dos cidadãos que nas Forças Armadas exercem a sua actividade profissional. Alega-se, por isso, a existência de uma série de incompatibilidades entre a autonomia individual e colectivamente reconhecida ao cidadão no ordenamento fundamental e o funcionamento dos organismos de defesa militar. Assim, como corolário natural, atribuiu-se uma natureza jurídica especial à instituição castrense e ao vínculo do serviço militar, à custa das restrições às liberdades individuais e colectivas dos membros das Forças Armadas.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, eis, pois, o que está em causa: dirimir e adequar o conflito gerado entre a garantia da dignidade do militar, à semelhança do que a lei fundamental estabelece para os cidadãos, e as reconhecidas restrições admitidas pela Constituição e determinadas pelo artigo 31.º da Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas, o que pressupõe que estas restrições admissíveis estejam exclusivamente relacionadas com a natureza específica da função. Deste modo, os limites fixados pela lei apenas se afiguram legítimos quando se mostrem necessários e proporcionalmente adequados à garantia dos interesses directamente relacionados com a defesa militar.

Página 2768

2768 I SÉRIE - NÚMERO 80

Por seu lado, o direito internacional reconhecido na ordem portuguesa contém algumas normas que reconhecem o direito da criação de associações de natureza deontológica, bem como de carácter sócio-profissional. É o caso da Convenção Europeia dos Direitos do Homem que, no seu artigo 11.º, n.º 1, consagra de um modo universal o direito de qualquer pessoa fundar ou filiar-se em sindicatos para a defesa dos seus interesses. A este respeito, também as Convenções n.ºs 87 e 151 da Organização Internacional do Trabalho garantem liberdade sindical aos militares, bem como o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais reconhece, embora de forma limitada, o sindicalismo militar.

A Sr.ª Rosa Maria Albernaz (PS): - Muito bem!

O Orador: - No entanto, o n.º 2 do artigo 11.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem prevê um conjunto de limitações desses direitos aos membros das Forças Armadas, Polícia e Administração do Estado. Assim, mais uma vez, as restrições entendem-se como legítimas se subordinadas ao princípio da proporcionalidade e da "necessidade numa sociedade democrática".
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A esse propósito, em 1988, a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, com base no relatório APENES, na sua Resolução n.º 803, "convida todos os Estados-membros, que ainda não o consagraram, a concederem aos membros das Forças Armadas, sob circunstâncias normais, o direito de criarem, de se filiarem e participarem activamente em associações específicas, formadas para protegerem os seus interesses profissionais no quadro das instituições democráticas".
Ainda em 1984, o Parlamento Europeu, com base no relatório PETER, aprova uma resolução onde "convida todos os Estados-membros a concederem aos militares, em tempo de paz, para defesa dos seus interesses sociais, associações profissionais, de nelas se filiarem e participarem activamente".
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 309/VII, do PCP, pode entender-se, nessa medida, como convergente em relação a um entendimento jurídico e social que já é prática comum nas Forças Armadas europeias e da NATO.

A Sr.ª Rosa Maria Albernaz (PS): - Muito bem!

O Orador: - Por essa razão, constitui uma iniciativa cautelosa e moderada, em contrastante antagonismo com uma certa visão excessivamente libertária que, por erro ou omissão, se tem querido dar deste projecto de lei.
O que mais está em causa não é de somenos. As Forças Armadas portuguesas enfrentam, hoje, um desafio estrutural de grande importância. Falo, obviamente, do desafio da profissionalização. Não deve, pois, a Assembleia da República ou outro órgão de soberania perturbar a estabilidade da instituição militar, exactamente num momento histórico em que a garantia dessa estabilidade é mais cara.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta iniciativa deve, pois, estar subordinada à reforma de fundo que é a profissionalização das Forças Armadas e não pode ser ela própria entendida como estruturante dessa mesma reforma. Não podemos esconder que, ao despoletar este debate e ao desenvolvê-lo na Assembleia da República, quer ao nível do Plenário, quer ao nível da Comissão de Defesa Nacional, este carece de um consenso alargado que os dois terços necessários para a sua aprovação implicam e justificam.
Se o PCP pretende a aprovação deste projecto de lei, tem obrigatoriamente de fazer esse esforço de consensualização. De contrário, o efeito do debate resultará apenas, e só, num esforço simpático mas inconsequente - defraudante para quem alimentou tantas expectativas...
O Grupo Parlamentar do Partido Socialista tem disso a exacta noção e mostra-se disposto, ao nível da discussão na especialidade, a ter uma atitude própria de quem considera que, perante um novo modelo organizacional e jurídico das Forças Armadas, a problemática dos direitos dos militares assume uma outra acuidade.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Albino Costa, ouvi a sua intervenção e constatei o grande entusiasmo do Partido Socialista por ver as suas promessas cumpridas por interposto partido. Ou seja, quase que se congratulou por ter aparecido esta iniciativa legislativa, que devia ter tido origem no promitente, não deixando de ser curioso que quase a tenha classificado de prudente; porventura, gostaria que ela tivesse ido muito mais além. O que é espantoso em tudo isto é que o senhor, ao fim e ao cabo, revele uma abertura para rever esta matéria, faça quase um apelo de consenso ao Partido Comunista, mas ficámos sem perceber se esse consenso é no sentido reducionista ou se quer ampliar ainda mais a proposta do Partido Comunista.
Isto para lhe dizer, Sr. Deputado, que não fiquei esclarecido com o sentido da sua intervenção e deu-me a sensação de que o grande problema que o senhor trouxe, hoje, à Câmara, é uma profunda discordância entre aquilo que foi prometido, aquilo que foi insinuado que iria ser feito, e aquilo que, hoje, o Partido Socialista, uma vez no Governo, não quer que, de facto, venha a acontecer.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. João Amaral (PCP): - Tenho a impressão de que estão um bocado "entalados"!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Albino Costa.

O Sr. Albino Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Cardoso Ferreira, agradeço a questão que me colocou.
Dizia o Sr. Deputado João Amaral que a palavra "entalar" está a ser muito usada pela sua bancada, Sr. Deputado Cardoso Ferreira, e, de alguma forma, há uma razão estratégica do PSD de "empurrar" o Grupo Parlamentar do PS em direcção ao PCP. Porém, sobre a questão substancial, o PSD nada diz. Dá uma no cravo e outra na ferradura!

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Dá todas na ferradura!

O Orador: - Sobre as razões de peso e de substância, o PSD nada diz.

Vozes do PS: - Exactamente!

Página 2769

12 DE JUNHO DE 1998 2769

O Orador: - Aliás, a minha opinião também conta nesta matéria e por isso é que intervim. Penso que este artigo deve ser alterado. Em todo o caso, nesta matéria, o Sr. Deputado sabe tão bem quanto eu que são necessários dois terços para que a alteração seja conseguida.
Ora, o PSD, de alguma forma, não responde nem aos apelos de consenso que eu fiz da tribuna, nem sequer aos apelos do proponente do projecto de lei.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Deputado, a questão que coloquei foi completamente diferente. Foi acerca do equívoco da posição do Partido Socialista, que só pode ser entendido por uma razão, ou seja, pelo grande embaraço entre as promessas feitas antes das eleições e, porventura, a opinião genuína partilhada por muitos dos seus colegas e a posição do Governo e de muitos membros do Governo, alguns deles até que foram membros da Comissão de Defesa Nacional, que não querem que se proceda à revisão do artigo 31.º. Daí o seu embaraço. Agora, a nossa posição foi muito clara, Sr. Deputado. Não diga que não foi.

O Orador: - Não é uma questão de embaraço, nem estou a eludir essa questão.
O Sr. Deputado Correia de Jesus foi, de alguma forma, abusivo quando citou o Programa Eleitoral do PS, porque sobre a matéria específica do artigo 31.º nada dissemos. Aliás, no Programa do Governo e no Programa Eleitoral do PS, só se fala na Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas de uma forma genérica, como objecto a ser revisto.
O comentário que merece a posição do PSD é o de que o PSD, nesta como noutras questões, utiliza uma política de não envolvimento.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - De não envolvimento?!

O Orador: - Será que esta questão vai ser alvo de uma proposta de referendo por parte do PSD? Se calhar, é isso que o PSD propõe.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Assembleia da República está hoje a debater o projecto de lei n.º 309/VII, da iniciativa do PCP, que propõe a alteração do regime de exercício de direitos pelos militares, concretamente através da modificação do artigo 31.º da Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas.
Para nós, Os Verdes, este é um debate extremamente importante. Com efeito, mantendo-se durante tantos anos, depois do 25 de Abril, uma interdição, quanto a nós, absurda no exercício de direitos civis e políticos para uma parte da sociedade portuguesa, concretamente os militares, é evidente para nós que, do ponto de vista democrático, se trata de uma situação que se torna imperativo modificar. Aquilo que, concretamente, está em causa é a capacidade de aceitar ou não modificar uma interdição, do nosso ponto de vista, datada, obsoleta, que impõe aos militares um código de conduta que é politicamente insustentável.
Embora gostando e podendo Os Verdes acolher, com entusiasmo, uma amplitude maior nas modificações que se propõem, a realidade é que julgamos que não é aceitável que, hoje, em Portugal, ao contrário de outros países da União Europeia, quase isoladamente, prevaleça uma situação que faz do militar um cidadão em regime de excepção. Um regime de excepção que, de algum modo, se baseia numa intocável perspectiva de entender a instituição castrenses, o seu poder ilimitado, o modo como a autoridade é concebida nessa perspectiva, portanto um regime que impõe ao cidadão fardado a aceitação de recusar ver-se amputado dos seus exercícios, dos seus direitos, ou seja, ver-se amputado da própria cidadania, enquanto sinónimo de direitos fundamentais, e também da possibilidade de poder organizar-se, de poder, livremente, associar-se.
No fundo, julgo que a questão que se coloca é a de que, no momento em que aos militares se atribui, aparentemente, uma maior importância do ponto de vista de uma defesa, no momento em que se lhes exige maior capacidade de resposta, no momento em que se lhes exige maior qualificação, maior complexidade de preparação para determinado tipo de missões que lhes estão cometidas, aquilo que, em simultâneo, se pede a esses cidadãos é que acedam à sua morte civil. Para nós, Os Verdes, esta é uma situação insustentável.
Aliás, de acordo com o Pacto Internacional sobre os direitos civis e políticos, que Portugal subscreveu no quadro das várias propostas do Conselho da Europa e do Parlamento Europeu, entendemos que cada vez mais faz sentido, numa perspectiva de desmilitarização da sociedade, não só conceder aos conscritos os direitos que manifestamente não têm, não só ter avançado, como Portugal avançou, não totalmente, de acordo com a nossa opinião, para garantir o direito à objecção de consciência, mas, acima de tudo, atribuir um outro significado aos direitos dos cidadãos militares, porque, na nossa opinião, essa condição de militar não os pode fazer abdicar da sua condição de cidadãos de corpo inteiro, de cidadãos pensantes, de cidadãos com direito a organizarem-se em defesa dos seus legítimos interesses.
Independentemente de esta lei poder ser alargada e enquadrada numa outra discussão, nomeadamente, quando se caminha para um outro século, do que, hoje, deve ser ou não o conceito de segurança (ou seja, se, hoje em dia, faz sentido que o conceito de segurança se mantenha o mesmo de algumas décadas atrás ou se a segurança não passa, cada vez mais, por considerar a defesa dos nossos recursos naturais, das nossas águas territoriais e do País numa perspectiva de autonomia e de soberania, as quais não têm sido tradicionalmente equacionadas), julgamos que este passo, que, em nosso entendimento, não vai tão longe quanto desejaríamos, é, seguramente, indispensável para a modernidade, para o desenvolvimento, para devolver aos militares, às forças de segurança e àqueles que optam por servir diferentemente a sociedade uma outra dimensão do exercício dos seus direitos que claramente lhes tem sido negada e que, do nosso ponto de vista, é politicamente inaceitável.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

Página 2770

2770 I SÉRIE - NÚMERO 80

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já depois de agendado este projecto de lei, resolvi reler as actas dos debates da Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas. Não foram debates fáceis e a discussão que se travou em torno do artigo 31.º foi mesmo demorada e difícil.
Recordo que esta lei é o primeiro e mais importante diploma estrutural, depois da 1.ª revisão da Constituição, apresentado pela AD, sendo Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa o Sr. Professor Freitas do Amaral. Nesta revisão foi posto termo ao Conselho da Revolução e, com ela, pretendia-se reforçar a subordinação das Forças Armadas ao poder político. Nesta revisão foi incluído um novo artigo (artigo 270.º), que veio estabelecer restrições ao exercício dos direitos de expressão, reunião, manifestação, associação e petição colectiva e à capacidade eleitoral passiva dos militares e agentes militarizados dos quadros permanentes em serviço efectivo, na estrita medida das exigências das suas funções próprias.
Na Constituição de 1976, o comportamento das Forças Armadas era pautado pelo n.º 4 do artigo 275.º, que estabelecia que estas "estão ao serviço do povo português, são rigorosamente apartidárias e os seus elementos não podem aproveitar-se da sua arma, do seu posto ou da sua função para qualquer intervenção política".
De acordo com o Professor Freitas do Amaral e com a memória justificativa que acompanhava a proposta de lei "toda a regulamentação que se preconiza para esta matéria (...) não é nova e mais não faz do que reunir, sintetizar ou reproduzir o que já se encontra estabelecido no Regulamento de Disciplina Militar e em directivas aprovadas nos últimos anos pelo Comando das Forças Armadas". Não me parece demasiado brilhante. "Inovações, propriamente ditas, apenas se encontram nos n.º 4 (direitos de reunião e de manifestação), n.º 5 (direito de associação) e n.º 6 (autorização superior para participar em associações militares) do artigo 31.º da proposta de lei e, mesmo aí, só em parte".
Durante o debate de especialidade, as discordâncias centraram-se na ultrapassagem dos limites fixados no artigo 270.º da Constituição da República Portuguesa, a respeito das restrições ao exercício de direitos por militares, consideradas muito severas por alguns.
Questionou-se ainda a conclusão de que se um militar opta por pertencer às Forças Armadas, a nação confia-lhe as armas. Em contrapartida, restringe-lhe os direitos. Constatou-se também que as restrições foram discutidas sem parecer da Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias, autorizada pela Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, decisão, considerada por alguns, pouco feliz. A redacção dos artigos 270.º e 275.º da Constituição da República Portuguesa foi, no entanto, aceite por todos os participantes nos debates.
Quer então quer hoje, o que leva a rever o artigo 31.º são os limites constitucionais da necessidade de adequação e de proporcional idade a aplicar aos direitos em causa, vistos à luz das novas Forças Armadas que temos. No n.º 2 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa, especifica-se que "A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos".
O que eu afirmo, e por mim o meu grupo parlamentar, é que as Forças Armadas de 1998 não são as mesmas de 1982.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O sistema de serviço militar vai mudar, a sua organização está em mudança e a esta mudança deve corresponder uma maior motivação dos seus quadros. Pude verificar que também o PSD está atento às mudanças que se estão a dar nos últimos anos.
O Programa Eleitoral do Partido Socialista e o Programa do Governo apontam para a necessidade de manter "um diálogo institucional com os militares, em modalidades consultivas a definir, sempre que estejam envolvidas questões do foro profissional (...)" e afirma que "À luz dos preceitos constitucionais e legais, importa assegurar, a todos os níveis, os direitos e o cumprimento dos deveres dos militares enquanto membros de uma instituição integrada no Estado de direito Democrático".
Aliás, é tempo de darmos um passo no sentido das recomendações do Conselho da Europa e do Parlamento Europeu, que já foram aceites pela grande maioria dos países europeus. O associativismo militar é, entre nós, há vários anos, uma realidade legalmente reconhecida mas não aceite. O anterior Ministro da Defesa dialogava com as direcções associativas. Hoje mesmo, o Sr. Ministro envia representantes seus às reuniões públicas dessas associações. A Comissão da Defesa dialoga, recebe-as, troca com elas correspondência e intercede junto do Ministério a pedido das associações. No entanto, não existe diálogo institucionalizado, não são consultadas em assuntos de interesse dos seus associados. Desconfia-se da sua actuação.
A subida do número de voluntários com contratos exige que se estabeleça com a sua associação relações claras, na base de contratos claros, na revisão das restrições impostas na lei, sem o que será muito difícil contar com a adesão dos homens e das mulheres de que as Forças Armadas necessitam.
Estão impedidas as exposições colectivas. Em vez de uma exposição com dezenas de assinaturas, a Comissão recebe dezenas de exposições individuais entregues pela mesma pessoa, à mesma hora, no mesmo serviço.
Tem-se perdido, Meus Senhores, demasiado tempo desde que a alteração do artigo 31.º se tornou premente.
É, contudo, necessário afirmar que na Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas o artigo 31.º não é o único a necessitar de tratamento. Sempre disse que a Lei n.º 29/82 sofreu nos últimos anos do anterior Governo alterações, mutilações, em suma, tratamento inadequado em relação ao que havia a fazer para a adaptar às novas realidades. Sempre se preferiu resolver a questão que preocupava o Governo, alterando um ou outro artigo, sem cuidar da coerência da lei, defendo mesmo que o que hoje faria sentido seria legislar sobre defesa em diploma separado da legislação puramente militar. No entanto, só é admissível actuar em maior profundidade com garantias de que não se vai perder demasiado tempo. A não ser assim, actuemos, pela última vez, em mais um artigo, o artigo 3l.º.
À Comissão de Defesa Nacional caberá encontrar as vias de diálogo que permitam uma aproximação das posições dos vários grupos parlamentares. O cimento desse trabalho é a vontade comum de escolher o que melhor satisfaça as necessidades da defesa, no respeito pela instituição militar e pelos homens que a servem.

Página 2771

12 DE JUNHO DE 1998 2771

À modernidade das novas munições, mais viradas para a conservação da paz do que para a guerra, tem o legislador de corresponder com modernidade e abertura.
Por nós, estamos para aí virados.

Aplausos do PS.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

O Sr. João Amaral (PCP): - Se o Sr. Presidente entender possível eu pedir um esclarecimento...

O Sr. Presidente: - É um pouco difícil, porque o Sr. Deputado Eduardo Pereira já gastou mais tempo do que o que tinha disponível.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, eu dou metade do meu tempo ao Sr. Deputado Eduardo Pereira.

O Sr. Presidente: - Com certeza. E eu dou a outra metade.
Tem a palavra, Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Eduardo Pereira, creio que a sua declaração é muito importante porque é virada para um trabalho de comissão, trabalho esse de aprofundamento de toda esta matéria, tendo por horizonte uma solução, como disse o Sr. Deputado, contida e modesta. No entanto, não é assim que a aprecio; na minha opinião, é uma solução adequada e justa.
Sr. Deputado Eduardo Pereira, o nosso projecto de lei é uma base de trabalho, mas eu gostava, porque isso não ficou claro para mim, de perguntar-lhe se o Partido Socialista ou o Governo, no caso de saber, pensam tomar alguma iniciativa, visto que já sabemos, pela sua intervenção, que admite a possibilidade de esta matéria, tal como se passou com a LOBOFA, com a Lei de Serviço Militar e com a lei que regula a mobilização, ser tratada, no quadro da Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas, de forma autónoma e em que prazo. Esta informação é muito importante para a sequência dos trabalhos, evidentemente.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, antes de responder propriamente à sua pergunta, lembro ao Sr. Presidente que não existe parecer do Conselho Superior de Defesa Nacional, pelo que também estamos à espera que o Conselho decida não emitir parecer, por entender que não é necessário, ou, então, que o emita.
Respondendo agora ao Sr. Deputado João Amaral, quero dizer que sim, penso ter conhecimento que, de uma forma muito rápida, o Governo também pretende apresentar legislação sobre esta matéria. Devo ainda acrescentar que, tanto quanto sei, não vamos esperar por essa legislação, visto ela só entrará na Assembleia imediatamente após as férias.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Eduardo Pereira, tive oportunidade de alertar o Sr. Presidente da República, por escrito, para o problema que criava, em termos de consulta, ao Conselho Superior de Defesa Nacional o agendamento para hoje deste projecto de lei. Mas, se o projecto de lei for aprovado na generalidade, também nada impede que o parecer seja dado depois, aquando da discussão na especialidade. Não é muito correcto, mas sempre suprirá uma lacuna.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, na verdade, tenho conhecimento do seu ofício e da impossibilidade de o Conselho Superior de Defesa Nacional reunir antes do próximo dia 15. Ele só vai reunir no próximo dia 15.
De qualquer forma, gostaria que, sobretudo, o partido que apresentou o projecto de lei nos esclarecesse sobre esta realidade: creio que não estamos em condições de votar hoje, na generalidade, este projecto de lei,...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não está prevista para hoje a votação.

O Orador: - Nem amanhã, nem tão cedo...
Portanto, tendo em conta o que anunciei, a economia do projecto de lei e a rapidez com que o PCP gostaria de ver aprovado o seu diploma, penso que nenhuma das propostas inviabiliza no tempo a solução ideal. E, assim, deveríamos esperar...

O Sr. Presidente: - O ideal seria que o parecer tivesse precedido a discussão; no entanto, no mínimo, se puder, deverá preceder a votação.

O Orador: - Tal não dependeu de nós, e não é possível, Sr. Presidente.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra, para, em 30 segundos, dar um esclarecimento sobre esta questão.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, o nosso objectivo é o de alterar, de uma forma que, pensamos, seja sensata, o conteúdo do artigo 31.º. E não o podemos fazer sozinhos.
Portanto, não tenho qualquer dúvida em dizer que, se o Governo, como foi anunciado pelo Partido Socialista, pensa apresentar logo a seguir às férias parlamentares, ou seja, no recomeço dos trabalhos, em 15 de Setembro, uma iniciativa sobre esta matéria, não será o PCP que forçará uma decisão separada sobre o nosso projecto de lei. Mas, Sr. Presidente, também não podemos aceitar que a apreciação do nosso projecto de lei fique deferida no tempo, sem um prazo.
Assim, Sr. Presidente, anunciarei que considero a possibilidade de o nosso projecto de lei ser apreciado e votado conjuntamente com a proposta de lei até 15 de Outubro ou 31 de Outubro, creio que é um prazo sensato e por isso vou apresentar na Mesa um requerimento nesse sentido. Isto é, até essa data, podemos fazer a votação na generalidade, para, depois, procedermos ao debate na es

Página 2772

2772 I SÉRIE - NÚMERO 80

pecialidade, para o qual, seguramente, contaremos com todos os grupos parlamentares.

O Sr. Presidente: - Penso que a solução que se recomenda é a baixa do projecto de lei à respectiva comissão sem votação, se alguém apresentar um requerimento e este for aprovado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Farei o requerimento na próxima reunião plenária, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Isto porque se o projecto de lei baixar à comissão sem votação, aguardará a data que for indicada no próprio requerimento.
Srs. Deputados, visto não haver mais inscrições, dou por terminada a discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 309/VII, do PCP, e passamos, se concordarem, às votações dos diplomas agendados para hoje, constantes do guião.
Visto não haver objecções, vamos proceder à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 135/VII - Regula as técnicas de procriação medicamente assistida.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS e do CDS-PP e abstenções do PSD, do PCP e de Os Verdes.

Esta proposta de lei baixa à 7.ª Comissão.
Vamos agora votar, também na generalidade, a proposta de lei n.º 161/VII - Define as bases do enquadramento jurídico do voluntariado.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Esta proposta de lei baixa à 8.ª Comissão.
Vamos passar à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 173/VII - Transpõe para a ordem jurídica portuguesa a Directiva n.º 95/46/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995, relativa à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento dos dados pessoais e à livre circulação desses dados.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e votos contra do PCP e de Os Verdes.

Esta proposta de lei baixa à 1.ª Comissão.
Vamos proceder à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 90/VII - Aprova a lei de imprensa.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Esta proposta de lei baixa à 1.ª Comissão.
Vamos, finalmente, votar, igualmente na generalidade, a proposta de lei n.º 176/VII - Altera a Lei da Alta Autoridade para a Comunicação Social.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, votos contra do CDS-PP e abstenções do PSD, do PCP e de Os Verdes.

Esta proposta de lei baixa à 1.ª Comissão.
Srs. Deputados, terminadas as votações agendadas para hoje, vamos dar início à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 399/VII - Divórcio por mútuo consentimento e divórcio litigioso (alteração de requisitos), do PS.
Para fazer a apresentação deste diploma, tem a palavra o Sr. Deputado Strecht Ribeiro.

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O presente projecto de lei visa, de uma forma que diria cirúrgica, flexibilizar o casamento, ou seja, visa tornar mais fácil a dissolução do contrato do casamento quando manifestamente um dos cônjuges já não está no casamento. Não tem sentido o casamento contra a vontade de um dos cônjuges. Esta é a realidade sociológica e a lei deve acompanhá-la.
O que propomos é bem simples: deslocar a tónica do divórcio para a solução objectiva, isto é, para um divórcio com fundamento em causas objectivas, em que a culpabilidade dos cônjuges não é chamada à colação, retirando a perspectiva do divórcio fundado na culpa de um dos cônjuges. Encurtaram-se, assim, os prazos da separação de facto de seis para três anos e os da ausência sem conhecimento de quatro para dois anos. No fundo, o que se tentou fazer foi pôr a tónica, repito, nas soluções em que a culpabilidade não é o fundamento mas a constatação da ruptura do casamento.
Portanto, na nossa opinião, e seguindo uma direcção oposta à da tentativa de sacralizar a união de facto como um tertium genus ou um casamento de segunda via, entendemos que se deve flexibilizar o casamento, torná-lo apetecível e, ao mesmo tempo, considerar que o casamento é ainda o contrato mais sério para quem pretende regular juridicamente a sua relação. Assim, mesmo do ponto de vista garantístico quer entre os cônjuges, quer entre os terceiros que se relacionam com os cônjuges, portanto com uma nova realidade criada pelo casamento - a saber, a sociedade conjugal -, entendemos que não se deve formalizar ou sacralizar uma relação que é de si informal mas, ao contrário, agilizar o casamento.
Logo, é esta a tónica, é este o sentido que fundamenta a iniciativa legislativa que aqui trazemos. Estamos convencidos não só de que ela vai ao encontro do desejo das pessoas mas também de que o Plenário, mesmo os partidos à nossa direita, reconhecerão que é uma iniciativa adequada, pelo que, certamente, irão votar a favor. Certamente, não quererão molestar o seu eleitorado, pois reconhecerão que votar contra seria contrário ao interesse do seu eleitorado urbano.
Portanto, é nossa convicção que este projecto de lei vai ser votado maioritariamente, no interesse das pessoas, no interesse de quem reconhece que o casamento é, cada vez mais, um contrato de afectos, é, cada vez mais, um contrato entre duas pessoas que só tem sentido enquanto ambas quiserem estar nesse contrato. Estou convencido, sinceramente, de que a votação será favorável.
Por último, retirámos como fundamento do divórcio a doença de um dos cônjuges porque nos parece "desrazoável" que, numa situação de fragilidade de um dos cônjuges, esse seja um dos fundamentos para o divórcio. Mais: não há memória, praticamente, do recurso a esse fundamento para o divórcio. A prática é de anomia plena quanto a essa norma jurídica e, ao flexibilizarmos o divórcio, torna-se totalmente desnecessário manter esse fundamento.
Em suma, convencido de que esta é uma proposta actual e no interesse das pessoas, pelo que convido o Plenário a votar favoravelmente a proposta de lei apresentada pelo PS.

Página 2773

12 DE JUNHO DE 1998 2773

Aplausos do PS.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Mota Amaral.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Peixoto.

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado, ouvi atentamente a sua intervenção e, de alguma forma, lamento não poder comungar do seu optimismo.
Antes de mais nada, gostaria de deixar expresso que o que motivará a nossa votação é exclusivamente a salvaguarda de princípios que pensamos, honestamente, serem os melhores e não qualquer medida de captação de votação urbana ou rural. Não é isso o que nos importa.
Penso que, da sua intervenção, é fundamental centrarmo-nos numa questão prévia: é que nós, Partido Popular, mais conservadores, com certeza, entendemos que não deve haver qualquer espécie de discriminação - abjuramos completamente esta situação - entre famílias constituídas no quadro do casamento ou famílias constituídas fora do quadro do casamento. Ninguém deve ser discriminado por isso, são situações que se devem manter em rigorosa igualdade.
Mas, Sr. Deputado, há aqui questões que deveríamos esclarecer profundamente. O Sr. Deputado refere que introduz aqui pequenas operações cirúrgicas para compor e flexibilizar o casamento, mas não é bem assim. Há, pelo menos, dois casos fundamentais onde isso não acontece e eu diria até casos chocantes, como mais adiante focarei, na minha intervenção, com mais substância.
Em primeiro lugar, refiro a questão da separação de facto como fundamento suficiente para se requerer o divórcio, uma situação que se enquadra particularmente nas situações patológicas em que é requerido o divórcio por mútuo consentimento, onde pode não haver acordo relativamente a questões fundamentais - e tão fundamentais como seja a regulação do poder paternal - e, mesmo assim, para além disso, a lei força ao divórcio: basta a não oposição do cônjuge requerido e temos o divórcio decretado, ultrapassando a regulação e a composição de situações de tão transcendente importância como a regulação do poder paternal.
Depois, Sr. Deputado, não entendo como é que V. Ex.ª pode dizer que tirar-se a ruptura da vida em comum como fundamento do divórcio, precisamente no caso da doença psicológica do cônjuge, é uma medida positiva; pelo contrário, a preocupação do legislador anterior foi precisamente regulamentar com um carácter de especialidade uma situação que é especial e que tem de ter uma salvaguarda especial. Não é chocante que isso seja razoável e realisticamente comprovado, visto e verificado, o que é chocante é ignorar essa situação e remeter o cônjuge são para a única modalidade possível, neste enquadramento, de divórcio, precisamente a separação de facto.
V. Ex.ª convirá que não há violação culposa dos deveres conjugais por parte de alguém que não está psicologicamente em situação normal e não pode haver requerimento de divórcio por mútuo consentimento, pelo que restará, única e exclusivamente, neste quadro de doença do outro cônjuge, a possibilidade de o cônjuge são requerer o divórcio e, antes disso, promover a separação de facto, violando gravemente o dever de cooperação a que anteriormente estava ligado.
Seria bom que, para a responsabilidade e mesmo a culpa do cônjuge que quer requerer o divórcio por esta via, houvesse esta alternativa que a lei anterior tão sabiamente contém. São casos graves, chocantes, a que V. Ex.ª não deu uma resposta que nos esclarecesse e daí o meu pedido de que o faça, por favor.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Strecht Ribeiro.

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Peixoto, a questão que coloca, do meu ponto de vista (não me leve a mal), induz-me à resposta contrária àquela que sugere, e vou dizer-lhe porquê: não é por acidente, como compreenderá, que não há memória de divórcios com base neste fundamento.

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Eu tenho conhecimento profissional de um!

O Orador: - Não tem expressão! Mas o senhor, depois, dirá qual é, se souber, a expressão dos divórcios com base nesse fundamento.
Para além disso, deixe-me dizer-lhe que é particularmente chocante que alguém invoque esse fundamento, porque ele é contra a consciência social e colectiva, e por isso é que ele não é invocado.
Mas, deixe-me dizer-lhe mais: tem o Sr. Deputado a certeza de qual é o limiar entre o doente e o normal, no domínio das doenças psíquicas?

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Cabe aos médicos!

O Orador: - Devo dizer-lhe que não há certezas sobre isso e, mais, na conflitualidade gerada por eventuais incompatibilidades nesse domínio, a tendência é para um dos cônjuges, o que se sente mal, atribuir um carácter patológico à situação. Ora, não é necessário recorrer a esse fundamento: se a convivialidade é impossível, redunda na separação de facto, inevitavelmente.
Portanto, para mim, é evidente que é mais civilizado este fundamento e dá-se a possibilidade de ele ser mais célere. E deve ser assim! Todos temos memória de um líder, de reconhecido mérito, de uma destas bancadas, que, ao quarto ano de separação de facto, contra a vontade do outro cônjuge, acaba por morrer em condições trágicas sem poder dissolver um casamento inexistente e consagrar um casamento existente!
Não me leve a mal, Sr. Deputado, mas, embora perceba as suas razões, discordo delas. Aliás, devo dizer que não sou eu que discordo, é a própria prática social que discorda! Se me disser quantos casos de divórcio com fundamento em doença incurável conhece, fico-lhe grato.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Luís David Nobre.

O Sr. Luís David Nobre (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Strecht Ribeiro, a sua intervenção suscitou algumas questões, que passarei a colocar, porque esta é uma matéria que colide com a nossa vida diária enquanto juristas e com a nossa vida diária enquanto cidadãos, pelo que, sobre a mesma, deve haver a devida ponderação.

Página 2774

2774 I SÉRIE - NÚMERO 80

Desde já, dizemos que temos disponibilidade para, caso haja alguns melhoramentos neste projecto de lei, dar o nosso acordo ao mesmo. Tudo o que possa contribuir para a melhoria em concreto deste figura jurídica terá o nosso acordo.
Há, no entanto, duas questões que eu gostava de colocar. Primeira: a proposta de alteração do artigo 1755.º, que o Sr. Deputado subscreve e o PS também, retira o limiar mínimo de três anos como requisito para ser requerido o divórcio por mútuo consentimento, passando este a poder ser requerido a todo o tempo. Esta proposta tem uma vantagem, embora possa ter também desvantagens, que é baixar o tempo até à ausência de tempo.
No entanto, na proposta relativa ao artigo 1776.º que formula, aumenta o prazo entre a primeira conferência e a segunda de três para seis meses. Quero dizer-lhe que compreendo a sua intenção ao aumentar aqui o carácter de ponderação do casal, mas sucede que esta alteração poderá, eventualmente, prejudicar a celeridade de outros divórcios em casamentos que já têm, neste momento, mais de três anos. Se facilita para aqueles que têm menos de três anos neste momento, vai prejudicar aqueles que têm mais de três anos.
Esta é uma questão que eu gostaria que fosse discutida em sede de comissão e de especialidade, porque julgo que, se estabelecermos um limiar mínimo razoável de requisito, poderemos manter, seguramente, os três meses sem prejudicar nenhuma classe concreta de cidadãos - por exemplo, um ano, porque não? - e desta forma beneficiamos todos.
Segunda questão: em relação ao requisito objectivo de ruptura de vida comum por anomalia psíquica de um dos cônjuges, Sr. Deputado, a questão aqui não é saber quantificar quantos casos é que houve! A questão é saber por que é que o legislador de 1910 a introduziu como causa de divórcio litigioso e o de 1976 manteve: porque é uma norma de segurança. Ou seja, mesmo que sejam poucos os casos, eles têm uma especial incidência na vida familiar e devem ser, só por si, previstos.
Concordo que este requisito poderá ser aligeirado. Mais, possivelmente concordarei com a supressão do artigo 1784.º, porque não concordo que o juiz determine se a gravidade da doença poderá ser ou não aumentada pelo divórcio, mas isso é o que eu penso, e já o defendi quanto à Lei de Saúde Mental. Contudo, como os senhores defenderam na Lei de Saúde Mental que os juizes podiam determinar diagnósticos de carácter psiquiátrico, também admito que, em concordância, devam manter este artigo 1784.º.
São estas as questões que lhe coloco. Julgo que, da parte do meu partido e sobre esta questão, aliás, pelo caso que o Sr. Deputado teve o cuidado de referir, não temos nenhum preconceito em relação a esta matéria, tal como mais adiante direi.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Strecht Ribeiro.

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís David Nobre, quanto à segunda questão que coloca, já respondi ao Sr. Deputado do CDS-PP e não tenho mais nenhum tipo de argumentação a avançar.
Quanto à primeira questão que mencionou, é verdade que há realmente aqui dois bens, se quiser; se encontrar uma fórmula de os conjugar, estou inteiramente de acordo. Entendo o que diz quando questiona por que é que um casal casado há vinte, há dez ou há cinco anos há-de sofrer os seis meses de reflexão e penso que tem toda a razão. Mas é evidente que isto tem acuidade quando o erro é brutal, colossal, e no dia seguinte já se constata o absurdo do contrato que celebrado no dia anterior.
Evidentemente que o PS está aberto a melhorias. Esta é uma proposta que tem uma filosofia e, dentro dessa filosofia, todos os melhoramentos são bem-vindos. Talvez até se possa pensar numa alteração - não sei, esta é uma sugestão que me ocorre agora mas que, certamente, poderá ser melhor trabalhada na especialidade - do tipo: a partir de três anos, o prazo será de três meses; para quem requerer o divórcio por mútuo consentimento antes dos três anos de casamento, (antigo prazo-travão), o prazo será de seis meses. Havendo acordo quanto à filosofia de base, poderemos arranjar, seguramente, um acordo na especialidade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para um pedido de esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta é uma matéria que considero de bastante importância, pelo que deve ser tratada com seriedade. É nesse sentido que irei colocar uma questão ao Sr. Deputado Strecht Ribeiro, mas, francamente, devo dizer-lhe que não gostei do tom com que o Sr. Deputado colocou ali algumas questões, pondo isto em termos de ganhar ou perder votos. É que, depois, lá fora, em muitos debates, somos confrontados com a afirmação de que estamos a partidarizar matérias e que o que queremos é votos.
Como, de facto, não estamos aqui para fazer sobremesas mas, sim, para discutir assuntos de importância para a população, penso que não está em causa ganhar ou perder votos, está em causa encontrar as melhores soluções numa matéria que toca em interesses muito importantes, em direitos individuais dos membros do agregado familiar.
A pergunta que lhe quero colocar é a seguinte: há uma proposta que vem no projecto de lei que a mim me coloca as mais sérias reservas, aquela em que VV. Ex.ªs propõem que se possa obter o divórcio através da separação de facto por um ano, se não houver oposição do outro cônjuge.
Sr. Deputado, penso que isto está no projecto de lei para fugir aos problemas que se levantam nos divórcios por mútuo consentimento, quando não se consegue obter acordos em relação à regulação do poder paternal, etc., em relação a todas essas questões. Mas, Sr. Deputado, julgo que isso é pouco transparente, e, se assim for, vamos encontrar outra solução! Por exemplo, quando esses problemas, excepto, penso eu, a relação de bens, não forem resolvidos no divórcio por mútuo consentimento, oficiosamente o juiz mandará instaurar o processo de regulação do poder paternal, de pensões de alimentos e de atribuição da casa de morada de família. E, assim, obtém-se o divórcio por mútuo consentimento, que é menos traumatizante para as pessoas, mas os outros interesses ficam salvaguardados.
Agora, desta maneira, contribui-se para que muitas acções possam ser julgadas improcedentes logo ao fim da contestação. Porque, como V. Ex.ª sabe, se não foi obtido o divórcio por mútuo consentimento, o outro cônjuge, por

Página 2775

12 DE JUNHO DE 1998 2775

uma questão de vingança e de révanche, contesta, e lá vai a acção ao ar! Não me parece que esta solução seja ajustada.
Por isso, gostava de saber se, efectivamente, é possível, na especialidade, melhorar isto, mas com transparência também no regime da dissolução do casamento.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Strecht Ribeiro.

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, em relação à primeira questão, deixe-me dizer-lhe o seguinte: não vejo que alguma ironia possa comprometer a seriedade das propostas, e a Sr.ª Deputada deve ter tido consciência, com certeza, que, quando me referi à questão do voto, não era pelo voto em si mas, sim, por aquilo que considerava - e considero - ser a prática social. Portanto, ir contra a consciência social ou a prática social é um erro.
Como é evidente e deve ter, com certeza, entendido, uma pequena ironia - e não me leve a mal - não deveria, do meu ponto de vista, suscitar a sua reacção, certamente legítima, porque a sentiu como sentiu. A proposta é seríssima, como compreenderá, e a ideia que lhe preside também o é.
A questão que me coloca, e agora respondendo directamente à sua questão, tem todo o sentido, mas, como também deve entender, o que aqui é dito é "quando não haja oposição".
Admito, como diz, que é possível, na especialidade, tornar isto mais claro, porque é evidente que carece de regulamentação, de certo até de regulamentação em matéria de processo civil, provavelmente mais do que no direito substantivo.
O que aqui se diz é que, quando se avança para essa proposta deve ter-se a anuência prévia do outro cônjuge. Dir-me-á: mas porquê? Por uma razão simples. A Sr.ª Deputada sabe que muitos dos divórcios litigiosos convolam-se em mútuo consentimento.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Então, o Sr. Deputado quer transformar estas acções de estado noutras acções em que a revelia pode levar à condenação sem julgamento! É o que V. Ex.ª está, ao fim e ao cabo, a querer propor! Ou seja: obtém-se o consentimento e, depois, não vale a pena haver julgamento nem nada!

O Orador: - Não é isso!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Então, vamos transformá-lo! Vamos discutir se deve continuar a ser assim ou não. Estou de acordo em discutir isso. Mas, com o regime que está em vigor, vem dizer-me que obtém o consentimento para o divórcio! Sr. Deputado, com o regime que temos, sabe que isso não é possível e não tem valor! É um direito indisponível, portanto não tem valor!

O Orador: - Não tem razão! Não tem razão!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Tenho, tenho!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Tem, tem!

O Orador: - Desculpe, não tem! Não me leve a mal!
Vamos ver se nos entendemos: neste domínio - a Sr.ª Deputada tem obrigação de saber, uma vez que é advogada -, não há uma nem duas nem três, há as mais variadas nuances que impedem uma saída harmoniosa para uma ruptura evidente no casal.
E quando lhe estava a responder, dizendo-lhe que muitos divórcios litigiosos se convolam em mútuo consentimento, isso é fruto da experiência de qualquer advogado. Face a uma situação de bloqueio, por quaisquer razões, enfim, até do foro psíquico, avança-se com o divórcio litigioso, sabendo, de antemão, que o mais certo é convolá-lo em divórcio por mútuo consentimento.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não foi essa a questão que coloquei!

O Orador: - Já lá vou, Sr.ª Deputada!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Como já terminou o seu tempo, peço que abrevie as suas considerações.

O Orador: - Estive atento às suas objecções e, portanto, já lá vou!

O que lhe digo é o seguinte: a não oposição, não é o consentimento; a lei não fala em consentimento, fala em não oposição, mas isso não obsta a que se tenha de fazer prova de um facto fundamento, que é o ano de separação de facto. Ou seja, não é adquirido que, face à inércia de um dos cônjuges, que nem sequer se opõe... Aliás, é vulgar dizerem: "trata tu do divórcio que eu não me oponho". A Sr.ª Deputada deve ter ouvido isto centenas de vezes. Eu ouvi-o n vezes. Mas tem na mesma de fazer uma prova, e a prova é a do fundamento.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não é isso!

O Orador: - Desculpe! Tem de fazer a prova!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Pois tem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr.ª Deputada Odete Santos, deixe o Sr. Deputado terminar a sua resposta.

O Orador: - Se a acção não for contestada, toda a matéria de facto vai para o questionário e tem de se fazer a prova de que correu o ano. Dir-me-á: mas talvez haja convolação. Mas, se houver, qual é o problema?! Essa convolação em mútuo consentimento é e sempre foi possível!
Portanto, desculpe que lhe diga, sempre com o respeito devido por melhorias que possam ser introduzidas na especialidade, não vejo a sua objecção da forma como a encara. Mas, se me disser que, na especialidade, encontraremos uma fórmula mais feliz, Sr.ª Deputada, evidentemente! O que nos interessa é, como lhe disse, prosseguir a filosofia de base que preside ao projecto de lei. Não mais nem menos do que isso! Não somos titulares únicos da verdade e a abertura democrática do PS traduz-se na possibilidade de, na especialidade, haver melhorias. Portanto, todas as melhorias serão bem-vindas.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Peixoto.

Página 2776

2776 I SÉRIE - NÚMERO 8O

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se alguma dúvida pudesse haver sobre as reais intenções do PS e mesmo até do Governo por ele apoiado relativamente às instituições e aos aspectos basilares da nossa sociedade e da nossa cultura, essas dúvidas poderiam ficar exemplarmente dissipadas com a apreciação do presente projecto de lei e das sua motivações - as confessadas e as implícitas.
Não se pode esperar, em rigor, que o PS aceite que a família constitui a base primeira e essencial, a estrutura fundamental da nossa sociedade, e que seja precisamente na família que o indivíduo se transforma em pessoa, recebendo as primeiras e determinantes noções acerca do bem e do mal, do afectivo, da solidariedade, do significado de ser amado, da estabilidade e do desenvolvimento emocional, de forma a prepará-lo, o melhor possível, na sua única e irrepetível vivência e destino.
Não se pode esperar que o PS aceite que a família, o casamento - o compromisso de uma ligação estável com outra pessoa e a justa medida da responsabilidade de gerar e de educar filhos -, seja qualquer coisa que, pela sua função de solidariedade social, geracional, educacional e afectiva, transcenda a mera álgebra dos indivíduos que a compõem e se projecte em todo um papel e uma importância muito para além desses mesmos sujeitos, ganhando foros de instituição primeira da nossa sociedade e da nossa cultura.
Muito pelo contrário, o PS faz profissão de fé em desencorajar a realização das autênticas condições de geração humana, tudo apostando na sensação do momento, na compensação da ocasião, na manutenção do casamento só e enquanto for compensável, só e enquanto for imediatamente estimulante e aliciante.

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Exactamente!

O Orador: - É certo que homem e mulher devem ser inteiramente livres de escolher o seu destino, o modo como se pretendem ligar, viver, afectiva e emocionalmente, e constituir família.
Nenhuma discriminação deve haver sobre isso; nenhuma discriminação pode acontecer sobre famílias constituídas no casamento ou fora dele - estas devem ser, de forma absolutamente rigorosa, igualmente respeitadas, apoiadas e consentidas. Só casa quem quer, e quem não quer não pode sofrer qualquer penalização por esse facto.
Mas é precisamente por isto - facto indesmentível entre nós - que este projecto de lei do PS é particularmente chocante e inaceitável, precisamente por pretender menorizar, descaracterizar, envilecer mesmo, o casamento ao não permitir que a sua excelência, a sua estabilidade, o seu carácter institucional possa, entre nós, de forma igualmente livre, exercer a sua pedagogia cívica, a sua pedagogia do nosso sentir e da nossa cultura.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não nos repugna que o período de tempo de separação de facto, para que objectivamente possa ser requerida a dissolução do casamento através do divórcio, possa ser inferior a seis anos. Compreende-se, sem custo, que seis anos é tempo mais do que suficiente para se concluir pela solvabilidade de um casamento.
Parece-nos igualmente que o período de ausência, sem que haja notícias, por quatro anos é igualmente excessivo, não obstante dever aqui verificar-se particular cuidado a previsão ou na assimilação por parte do legislador de todo um conjunto de situações que deverão ser criteriosamente ponderadas e pensadas.
A determinação dos períodos de tempo adequados e o acautelamento daquelas situações apenas referidas será todo um trabalho que, em nossa opinião, deverá ser desenvolvido em sede de especialidade e para o qual nos declaramos, desde já, disponíveis.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, os aspectos essenciais deste projecto passam justamente pela abolição de um período de tempo mínimo de vivência do casamento - hoje de três anos - para que o divórcio por mútuo consentimento possa ser requerido.
É certo que o nosso actual sistema legal não comete a violência de obrigar os cônjuges a um casamento insustentável, já por que o divórcio litigioso, com base na violação culposa dos deveres conjugais, é peticionável a todo o tempo, já que a própria separação de facto é um meio adequado de se obter a dissolução do casamento.
Isto para referir, fundamentando, que o divórcio por mútuo consentimento se tem de centrar no absoluto poder de disposição dos cônjuges, na sua exclusiva vontade, sendo precisamente por isso que a lei ou faz sentir a função institucional e a dignidade primeira do casamento, precisamente decorrente da sua função social e cultural única, ou o esvazia de conteúdo, o banaliza e lhe retira esse carácter institucional que deve preservar, envilecendo-o.
É exactamente isso que este projecto lei pretende: a descaracterização do casamento, e fá-lo mesmo com algum cinismo, ao pretender aumentar o período que obrigatoriamente medeia entre a 1.ª a 2.ª conferências de divórcio de três para seis meses.
Ou seja, este projecto de lei permite que no dia a seguir ao da celebração do casamento, e, supostamente, por "dá cá aquela palha", os cônjuges possam dirigir-se ao tribunal e, solenemente, pedir a dissolução do casamento, para, depois, passados seis meses, lhes voltar a perguntar se, afinal, sempre querem. Edificante!
Mas não se fica por aqui e vai mais longe, ao retirar a possibilidade do divórcio por anomalia psíquica de um dos cônjuges.
A lei actualmente em vigor prevê toda uma regulamentação que tenta conciliar o carácter institucional do casamento, a aplicação, no seu máximo, do dever de cooperação entre cônjuges, designadamente ao não permitir que nesta modalidade e nestas circunstâncias o divórcio seja decretado se tal facto for susceptível de agravar o estado de saúde do cônjuge requerido, e o direito compreensível do cônjuge de pretender refazer a sua vida familiar.
É uma necessidade histórica a regulamentação dos divórcios em todo o mundo civilizado.
Ao fazer-se desaparecer a especialidade legislativa desta situação, o PS quase que ridiculariza o dever de cooperação entre cônjuges, e, num caso limite, desculpabilizando e empurrando o cônjuge são, e que não pretende a manutenção do casamento, para o rompimento precoce e sem alternativa da vida em comum e do seu casamento, com vista a contabilizar o tempo imprescindível para que, agora com o único fundamento possível, o da separação de facto, seja decretado o seu divórcio.
Passaremos, assim, todos - digo alguns - a ter a excelência da pedagogia da solidariedade socialista e ainda da coerência de um sistema legal que, à segunda-feira, decreta divórcios por violação culposa dos deveres conjugais - neste caso do dever de cooperação -, e, às terças-feiras, decreta divórcios constatando e sancionando situações precisamente de violação do mesmíssimo dever de cooperação, da forma mais grave e mais desumana, para a qual precipitou os cônjuges.

Página 2777

12 DE JUNHO DE 1998 2777

Aplausos do CDS-PP.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente João Amaral.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís David Nobre.

O Sr. Luís David Nobre (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Debatemos hoje o projecto de lei n.º 399/VII, da iniciativa do PS, que preconiza alterações aos requisitos do divórcio litigioso e por mútuo consentimento, iniciativa esta que, ao invés de paixões passadas, não preconiza a alteração radical desta figura jurídica nos moldes em que se encontra consagrada mas tão-somente aperfeiçoar os mecanismos legais em vigor, adaptando-os às necessidades actuais da vida jurídica.
Também não debatemos hoje a amplitude desta figura, importando, contudo, em homenagem aos tempos idos e aos marcantes debates que esta questão suscitou, fazer uma brevíssima resenha da evolução desta figura jurídica.
E em homenagem a esses mesmos debates, devemos debater esta figura jurídica com a devida elevação, não pretendendo apenas introduzir questões de prática ou de ganhar ou perder votos, porque o divórcio é uma figura jurídica que, se calhar, ao longo da nossa vida em sociedade, mais debates travou. Foi uma figura jurídica que sempre evoluiu ou regrediu conforme a concepção política, económica e religiosa dominante. Mesmo em França, onde foi introduzido pela lei revolucionária de 1792, com a reintrodução da monarquia, em 1816, veio a ser abolido, voltando a ser reintroduzido apenas em 1864.
Em Portugal aconteceu o mesmo. Tivemos evoluções em 1910, com a introdução do divórcio; regressões com a assinatura da Concordata, com dualidade de tratamento entre a forma de celebração do casamento, entre o casamento católico e o casamento civil; uma regressão mais acentuada, em 1966, com a supressão do divórcio por mútuo consentimento; uma evolução enorme, em 1976, com a reintrodução do divórcio por mútuo consentimento e, em 1977, com o aperfeiçoamento de todo este regime jurídico. Desde 1977 até 1998, este regime jurídico manteve-se inalterado.
Hoje, cabe-nos a nós discutir se vamos ou não alterar este regime jurídico. Compreendemos a bondade de algumas soluções propostas em tese pelos subscritores deste projecto de lei, mas a prudência do passado, quando se toca neste tipo de figuras jurídicas, aconselha-nos a que sejamos prudentes e cautelosos. Prudentes e cautelosos vislumbrando a que é que cada uma destas iniciativas legislativas poderá levar.
Quanto à alteração do artigo 1755.º do Código Civil, julgamos que o não estabelecimento de qualquer requisito mínimo temporal para a interposição do divórcio por mútuo consentimento é uma má solução jurídica, porque pretende inverter-se aquilo que é um prazo de carácter substantivo, que é o requisito mínimo da interposição do requerimento de divórcio por mútuo consentimento, num prazo processual, de acordo com a actual proposta dos subscritores. Pretendem acautelar, aumentando o prazo que medeia entre a primeira conferência e a segunda conferência de três para seis meses. Confundem, pois, os subscritores da iniciativa entre um prazo de requisito substancial e um prazo adjectivo ou processual de uma conferência para a outra conferência.
No entanto, desde já, gostaríamos de dizer que, em relação às alterações propostas ao divórcio litigioso, julgamos que existem soluções legislativas cuja perenidade, nesta figura jurídica, sempre foi mantida por todos os legisladores em todas as revisões que este instituto sofreu. E essa questão deve ser por nós mantida, porque não temos qualquer caso concreto de errada aplicação desta previsão legislativa. Ora, se não temos, não é pela sua diminuta aplicação, que é reconhecida - e é-o, já em 1981, no estudo do Prof. Paulo Pereira Coelho, publicado na Revista da Ordem dos Advogados -, não é por ser pouco exercitada, que ela não será uma extrema cautela jurídica.
Desta forma, e atentas as referências anteriormente feitas no pedido de esclarecimento que formulei, a posição do PSD é clara e é a seguinte: se o interesse deste projecto de lei é melhorar as condições de obtenção de divórcio, atribuindo segurança jurídica aos interessados e permitindo acabar com a simulação processual do divórcio litigioso, que, às vezes, campeia pelos tribunais e que é reconhecida tanto em França como em Itália, estaremos de acordo, desde que não se perca com isso segurança jurídica nem se prejudique interesses de terceiros. Sobre essa matéria, estaremos à vontade, mas julgamos que, em sede de especialidade, este projecto de lei deve levar as devidas benfeitorias.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando comparamos a evolução da história do casamento, das proibições e restrições à dissolubilidade do vínculo, com as transformações permanentes da célula familiar e do papel atribuído a cada um dos membros do agregado familiar, podemos aperceber-nos da incidência das transformações económicas na modelação e transformação das relações familiares.
São estas transformações que empurraram e empurram o Direito da Família para novas definições do casamento, para a perda da exclusividade do mesmo como fonte da instituição "família", para um novo estatuto dos membros do agregado familiar.
Foram e são aquelas transformações que reforçaram e reforçam a individualidade dos seus membros, o direito, dentro da família, à liberdade e à autonomia individual, o direito à felicidade, que não se compadece com a concepção, já ultrapassada, de uma instituição, onde, em seu nome, se sacrifica aquela felicidade.
De facto, podemos aperceber-nos, na evolução do Direito da Família, como o modelo da instituição familiar, desenhado como uma forma de defesa de patrimónios, sacrificou direitos fundamentais, nomeadamente no que concerne ao sexo feminino.
O Código Civil de Seabra é uma fonte inesgotável de exemplos de sacrifícios impostos à mulher e aos filhos. Em nome da autonomia familiar, sacrificou-se a autonomia individual dos membros do agregado familiar, conferiu-se à mulher um estatuto de menoridade aviltante e aviltantes se tornaram laços familiares a que se chamou de ilegítimos. E em nome dessa autonomia individual, que se dizia querer ver defendida das intromissões do Estado, o Estado invadiu a privacidade, impondo, por exemplo, à liberdade individual, o carácter perpétuo do vínculo matrimonial. Assim aconteceu no Código Civil de Seabra.

Página 2778

2778 I SÉRIE - NÚMERO 80

As transformações sociológicas entretanto operadas, por força das transformações económicas e do desenvolvimento do liberalismo, conferindo à mulher um novo estatuto no mercado de trabalho, e a progressiva transformação da família de unidade económica em unidade de consumo acabaram por introduzir alterações na própria instituição "casamento", o qual perdeu o carácter perpétuo, imposto pelo Estado, para passar a ser apenas presuntivamente perpétuo, como aconteceu na 1.ª República.
E se embora a 1.ª República, pelo seu carácter burguês, não conferiu à mulher o estatuto de plena cidadania, a verdade é que, a nível do Direito da Família, muitos direitos estabelecidos nas leis da família vieram conferir uma nova dignidade às mulheres e às crianças. O carácter apenas presuntivamente perpétuo do casamento trouxe inevitavelmente a estatuição legal do divórcio como causa de dissolução do casamento, prosseguindo-se, assim, o objectivo de atingir a verdade nas relações familiares, com o que se ganhou muito em termos de compreensão da conjugalidade como factor da felicidade individual.
O Estado abdicava, assim, do seu papel de interventor em defesa de relações familiares familiares degradadas, em nome de um pseudo-interesse público na defesa da família como instituição. Caminhava-se para uma menor publicização do Direito da Família.
A história é, no entanto, feita de fluxos e refluxos. E, também nesta matéria, a história fez-se com a regressão a que se assistiu no regime fascista.
Confundindo-se o Estado com a Igreja, a proibição de dissolução dos casamentos católicos, celebrados depois da Concordata com a Santa Sé, viria a ser de tal forma causa de convulsões sociais, de infelicidades, de discriminações, de que foram especialmente vítimas as crianças e as mulheres, que um poderoso movimento nacional pró-divórcio afrontou o regime, reivindicando o direito de casais, não unidos entre si pelo vínculo matrimonial, à felicidade e o direito das crianças a não serem tituladas de ilegítimas ou de filhos de mães incógnitas.
O Código Civil de 1966 trouxe algumas modificações positivas ao estatuto da mulher na família, como era inevitável. Mais uma vez, as transformações económicas, acompanhadas pela guerra colonial, catapultaram as mulheres para um novo estatuto na sociedade e aceleraram a transformação da família numa unidade afectiva e de consumo.
Mas estes aspectos foram acompanhados pelo reforço da presunção da perpetuidade do casamento, restringindo o Estado o direito ao divórcio. Desta feita, em relação ao regime constante na lei do divórcio, é de assinalar que o Código de 1966 proibiu o divórcio por mútuo consentimento e, assim, reforçava-se a intromissão do Estado nas relações familiares. Ao mesmo tempo, o Código continuou a assegurar, através do Estado, o carácter perpétuo do casamento católico.
A realidade sociológica da instituição família comprovava, no entanto, o afastamento das soluções legais em relação àquela.
E foi com os diplomas de 1975 e 1976, diminuindo o papel do Estado na sua intromissão nas relações familiares, que se correspondeu à necessidade de conferir transparência e verdade àquelas relações, surgindo a conjugalidade mais relacionada com o seu objectivo de prossecução da felicidade individual.
A transparência e a verdade foram prosseguidas, nomeadamente com a alteração da Concordata com a Santa Sé. Foram também prosseguidas, com o retorno ao divórcio-
ruptura, que impede a manutenção das relações familiares, quando é óbvio que as mesmas já não traduzem laços de afectividade.
A reforma do Código Civil de 1977 manteve, no essencial, o quadro legislativo post 25 de Abril.
Entretanto, os indicadores demográficos, a nível de Portugal e da União Europeia no seu conjunto, traduzem a realidade por todos apreendida, dia-a-dia: a diminuição da taxa de nupcialidade é acompanhada de um aumento da taxa de divorcialidade. Na União Europeia, no seu conjunto, um terço dos casamentos arriscam-se a terminar em divórcio, segundo revela o EUROSTAT.
Esta realidade demonstra que os casais entendem o casamento, e a família daí resultante, como uma forma de realização pessoal através da afectividade, que deverá terminar quando a família assim constituída já não represente a unidade que traduz a afectividade.
O projecto de lei em debate, apesar de, na especialidade, merecer algumas sugestões e críticas, reflecte as mutações já havidas e dá mais um passo no sentido de uma menor intromissão do Estado no direito à intimidade da vida familiar.
Merecem a nossa concordância soluções como a da redução do prazo da separação de facto de seis para três anos; merece também a nossa aprovação a revogação do requisito da duração mínima do casamento para que se possa requerer o divórcio por mútuo consentimento.
De facto, penso que as críticas que foram aqui feitas, para a necessidade de estabelecer um prazo, não têm razão de ser. Devo dizer que gostava até de saber em que estudos psicológicos se fundamentam as soluções para dizer que ele é de dois e não de três anos, para dizer que é de três e não de quatro anos... Não se entende! Então, devia ser de quatro, porque parece que há quem diga que, ultrapassado o quarto ano, está salvo o casamento!... Mas tenho muito receio que isto não passe daquela apreensão popular, com base numa amostrasinha...
Julgo que, proposta a acção no tribunal, com o período de reflexão de três meses - e penso que não deve passar para seis -,...

O Sr. Strecht Monteiro (PS): - Melhor!

A Oradora: - ... se, de facto, se trata de um amuo ou de um arrufo, até à primeira conferência ou depois dela, têm todo o tempo para se tornar a reconciliar. Portanto, sinceramente, não vejo por que hão-de estar aqui a fazer finca-pé para que seja três anos e não outro período qualquer, até porque haverá muita diversidade de casos em que, então, tínhamos aqui de explicitar que um psicólogo diria se aqueles cônjuges precisavam de mais tempo para reflectir.
Agora, já não entendo - e já o disse - aquela solução da separação de facto por um ano. É que o Sr. Deputado, aí, não me respondeu, ladeou a questão e chegou a dizer que o cônjuge que propunha a acção se munia de um documento de não oposição do outro. Só que isso não é viável, a não ser que alteremos - e, nesse aspecto, também estou disposta a meter mãos à obra - a definição destas acções e o regime que devem seguir.

O Sr. Strecht Monteiro (PS): - Claro!

A Oradora: - É que, em minha opinião, com a diminuição da intervenção do Estado dentro da família, numa pseudo-defesa do interesse público em manter situ-

Página 2779

12 DE JUNHO DE 1998 2779

ações degradadas, o futuro destas acções será diferente e chegará um dia em que elas seguirão outro regime, não havendo contestação nem julgamento, mas uma sentença definida. E penso até que é isso que mais interessa na defesa da privacidade da família, do direito à intimidade familiar.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, terminaria dizendo que, com algumas reservas que pusemos, nomeadamente a que acabei de referir, iremos dar a nossa aprovação na generalidade. Pensamos, no entanto, que não é esta a última alteração ao Direito da Família; muitas outras serão ditadas pelos comandos de uma realidade sociológica que é a família, que não se doma com nenhuma intervenção do Estado, porque está constantemente em mutação.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, está terminada a discussão do projecto de lei n.º 399/VII - Divórcio por mútuo consentimento e divórcio litigioso (alteração de requisitos) (PS). Com isto, fica esgotada a nossa ordem de trabalhos de hoje.
A próxima sessão plenária terá lugar na quarta-feira, dia 17, pelas 15 horas, tendo como ordem do dia a interpelação ao Governo n.º 16/VII - Sobre objectivos, concretização legislativa e calendarização das reformas estruturais em Portugal (CDS-PP).
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 50 minutos.

Documentos referidos na interpelação à Mesa feita pelo Sr. Deputado Bernardino Vasconcelos (PSD) e por esta mandados publicar.

"Depois da reunião da última quarta-feira, 3 de Junho, remeti-me a um silêncio reflectido, para permitir que a situação se esclareça.
Como é do conhecimento de todos, há muitos anos que defendo o Concelho da Trofa.
Fui aqui nascido e criado. É aqui que pretendo passar o resto da minha vida.
Tomei posições públicas em relação à criação do Concelho da Trofa e nunca procurei nem proeuro louros ou benefícios.
Entrei neste processo sempre pela positiva e sempre defendi que a causa deve ser factor de união entre as pessoas.
Infelizmente nem todos assim entenderam. Fui verbalmente agredido, caluniado e vítima de insinuações graves. Nessas ocasiões, procurei sempre manter a serenidade.
Reconheci sempre a mim mesmo o direito de seguir os ditames da minha condição de trofense. Aliás, idêntica posição teve sempre o Partido Socialista da Trofa, que sempre foi favorável ao Concelho da Trofa.
Os processos de criação de concelhos são processos naturalmente difíceis e a Trofa não seria excepção.
A reunião de Câmara foi, naturalmente, uma reunião tensa e agitada. Terminada a votação, entendi ter o meu dever cumprido e ausentei-me, com um pedido de demissão lá apresentado.
A reunião de hoje foi marcada depois, de eu ter apresentado a demissão. Logo já não possível participar nela.
Os Trofenses que me conhecem sabem bem que eu não tomaria, nem tomarei, qualquer atitude que possa contra a Trofa.
Também pretendo manifestar a minha profunda solidariedade à Professora Jacinta Ventura, porque ela foi alvo de críticas injustas. Considero que a Professora Jacinta teve uma atitude vertical e por isso é credora do meu respeito e admiração.
Coloco, como sempre, as minhas faculdades, ao serviço da Trofa, mas não pretendo alimentar polémicas, nem estou disponível para aproveitamentos políticos. Para isso, não contem comigo.
Contem comigo sim, para trabalhar pela Trofa".

Comunicado

Maria Jacinta Oliveira Serra Simões Ventura, vereadora dos Pelouros de Educação e Cultura da Câmara Municipal, de Santo Tirso, é obrigada a renunciar ao cargo para que foi eleita, para não votar contra o Concelho da Trofa.
Fá-lo, depois de bastante reflexão, e com alguma mágoa, pois nunca escondeu a grande admiração e confiança que nutria por todos os outros membros do executivo camarário, além de que estava a apreciar imenso o trabalho que estava a desenvolver com todos os elementos dos pelouros em que estava inserida.
O facto do executivo camarário se ter de pronunciar, a pedido da Assembleia da República, sobre o Concelho da Trofa, colocou a Vereadora, nascida e criada na Trofa numa situação delicada.
Renuncia ao cumprimento do mandato de Vereadora do Município de Santo Tirso, para que foi eleita, porque não conhece outra alternativa que lhe permita ser fiel à sua consciência e aos seus princípios.
Por um lado, compreende o Presidente da Câmara Municipal de Santo Tirso, quando se recusa a ver dividido o território a que se candidatou e que geriu durante quinze anos, e, por este facto, exige que a sua proposta de rejeição do Concelho da Trofa seja defendida pela sua equipa, enquanto membros inscritos na lista do Partido Socialista. Por outro lado, a Vereadora do Município não consegue dissociar o seu papel de autarca e de Trofense.
A Professora Jacinta sempre trabalhou em equipas defendendo o consenso ou a maioria, mas, neste caso, há um problema de valores que tenta preservar.
Pede perdão aos Trofenses por, ao, renunciar, ter minorado a força da Trofa no executivo camarário.
Desculpa-se perante todos os Tirsenses que manifestaram grande carinho, em todas as acções em que participou, enquanto representante da Câmara Municipal.
Lamenta junto de todos os seus colegas professores que lhe manifestaram o apoio e nela depositaram confiança, enquanto responsável pelo Pelouro da Educação e Cultura.
Redime-se perante as mulheres, pois pensou que a sua candidatura e desempenho poderia ser um incentivo a uma maior participação feminina nas estruturas do Poder.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António Bento da Silva Galamba.

Página 2780

2780 I SÉRIE - NÚMERO 80

Carlos Justino Luís Cordeiro.
Cláudio Ramos Monteiro.
Henrique José de Sousa Neto.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Mário Manuel Videira Lopes.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Raúl d' Assunção Pimenta Rêgo.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Antonino da Silva Antunes.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Manuel Taveira da Silva.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
José Augusto Gama.
José Guilherme Reis Leite.
José Manuel Durão Barroso.
José Mendes Bota.
Maria de Lourdes Lara Teixeira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Pedro Manuel Cruz Roseta.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Pedro José Del Negro Feist.

Partido Comunista Português (PCP):

Bernardino José Torrão Soares.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Lino António Marques de Carvalho.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.

A DIVISÃO DE REDACÇÃ0 E APOIO AUDIOVISUAL

DIÁRIO da Assembleia da República

Depósito legal n.º 8818/85

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E.P.

1 - Preço de página para venda avulso, 9$50 (IVA incluído).

2 - Para os novos assinantes do Diário do Assembleia da República, o período da assinatura será compreendido de Janeiro a Dezembro de cada ano. Os números publicados em Outubro, Novembro e Dezembro do ano anterior que completam a legislatura serão adquiridos ao preço de capa.

3 - 0 texto final impresso deste Diário é da responsabilidade da Assembleia da República.

PREÇO DESTE NÚMERO 285$00 (IVA INCLUIDO 5%)

Toda a correspondência, quer oficial, quer relativa a anúncios ou assinaturas do "Diário da República" e do "Diário da Assembleia da República", deve ser dirigida à administração da Imprensa Nacional - Casa da Moeda, E.P., Rua de D. Francisco Manuel de Melo, 5 - 1099 Lisboa Codex.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×