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Quinta-feira, 24 de Setembro de 1998

I Série - Número 4
DIÁRIO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
VII LEGISLATURA

4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1998-1999)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 23 DE SETEMBRO DE 1998

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex.mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Carlos Manuel Duarte de Oliveira
João Cerveira Corregedor da Fonseca
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 35 minutos.
Deu-se conta da entrado na Mesa da proposta de lei n.º 208/VII, dos projectos de lei n.os 560, 561 e 566/VII, dos projectos de resolução n.os 98, 99 e 100/VII, da apreciação parlamentar n.º 55/VII e da interpelação ao Governo n.º 17/VII.
Foram aprovados os n.os 71 a 88 do Diária.
Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, das projectos de lei n.os 528/VII - Cria as bases do sistema nacional de segurança social (CDS-PP), 565/VII - Lei de bases da segurança social (PCP) e 567/VII - Lei de bases da segurança social

(PSD) e da proposta de ler n.º 185/VII - Aprova as bases gerais do sistema de solidariedade e de segurança social, que foram aprovados, tendo baixado à 8.ª Comissão. Intervieram, a diverso título, além do Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade (Ferro Rodrigues) e dos Srs. Secretários de Estado da Inserção Social (Rui Cunha), do Emprego e Formação (Paulo Pedroso) e da Segurança Social e das Relações Laborais (Ribeiro Mendes), os Srs. Deputados Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP).
Elisa Damião (PS).
Octávio Teixeira (PCP).
Nuno Correia da Silva e Moura e Silva (CDS-PP).
Pedro da Vinha Costa e Filomena Bordalo (PSD) e
Afonso Lobo (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 25 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 35 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Maninho.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Guimarães Fernandes Dias.
António Manuel Carmo Saleiro.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Armando Jorge Paulino Domingos.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Cláudio Ramos Monteiro.
Dinis Manuel Prata Costa.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.

José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Oliveira de Sousa Peixoto.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias. José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Júlio Meirinhos Santanas.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Eduarda Bento Alves Ferronha.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Manuela de Almeida Costa Augusto.
Mário Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Paulo Jorge Lúcio Arsênio.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António d'Orey Capucho.
António de Carvalho Martins.
António dos Santos Aguiar Gouveia.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Roleira Marinho. Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Eugénio Pereira de Brito.

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Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Domingos Dias Gomes.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cenário.
José Guilherme Reis Leite.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Manuel Costa Pereira.
José Manuel Durão Barroso.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria de Lourdes Lara Teixeira.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.
Vasco Manuel Henriques Cunha.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Francisco Amadeu Gonçalves Peixoto.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Pedro José Del Negro Feist.
Rui Manuel Pereira Marques.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

Alexandrino Augusto Saldanha.
António Filipe Galão Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Fernando Araújo Calçada.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Carmen Isabel Amador Francisco.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Deputado independente:

José Mário de Lemos Damião.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: proposta de lei n.º 208/VII - Prorroga os prazos de pagamento de quaisquer taxas e impostos a efectuar nas tesourarias da Fazenda Pública das ilhas do Faial, Pico e S. Jorge (ALRA), que baixou à 1.ª Comissão; projectos de lei n.º - 560/VII - Reforço da intervenção autárquica no distrito (PSD), que baixou às 1.ª e 4.ª Comissões, 561/VII - Novas atribuições e competências das associações de municípios (PSD), que baixou à 4.ª Comissão, e 566/VII - Regulamenta o exercício profissional dos odontologistas (PS), que baixou à 7.ª Comissão; projectos de resolução n.os 98/VII Localização de serviços do Estado nas zonas do interior (PSD), 99/VII - Baixa das tarifas de electricidade (PCP) e 100/VII - Educação sexual e planeamento familiar (CDS-PP); apreciação parlamentar n.º 55/VII - Decreto-lei n.º 244/98, de 8 de Agosto - Regulamenta a entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional (PCP), que baixou à l.ª Comissão; interpelação ao Governo n.º 17/VIII - Sobre política de segurança e combate à criminalidade (CDS-PP).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em aprovação os n.os 71 a 88 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias e da Comissão Permanente dos dias 20, 22, 27, 28, 29 de Maio, 3, 4, 5, 8, 9 17, 18, 19, 24, 26, 29 e 30 de Junho e 15 de Julho, p.p.
Não havendo objecções, consideram-se aprovados.
Srs. Deputados, vamos dar início à discussão conjunta, por agendamento potestativo do CDS-PP, do projecto de lei n.º 528/VII - Cria as bases do sistema nacional de segurança social (CDS-PP), da proposta de lei n.º 185/VII -

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Aprova as bases gerais do sistema de solidariedade e de segurança social e dos projectos de lei n.os 565/VII Lei de Bases da Segurança Social (PCP) e 567/VII Lei de Bases da Segurança Social (PSD).
Para introduzir o debate, em representação do seu partido e em relação ao projecto de lei de que é subscritora, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Se alguém duvidou da utilidade da iniciativa política e legislativa do CDS-PP fica agora esclarecido.
Enfim, e pela primeira vez, apresentam-se a esta Câmara iniciativas várias sobre uma das mais importantes reformas sociais que se consubstancia, também ela, numa nova lei de bases...
Sr. Presidente, não sei se será possível conseguir que se faça algum silêncio na Sala. É que, de facto, se a matéria da segurança social não interessa, não vale a pena prosseguir...

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Sr.ª Deputada tem toda a razão, há um ruído de fundo de Sala. Os Srs. Deputados que estão a conversar têm de deixar de fazê-lo, no mínimo, em respeito para com quem está no uso da palavra, para com o Parlamento e para com todos nós. Muito obrigado.

A Oradora: - Com efeito, Sr. Presidente e Srs. Deputados, penso que já existem dúvidas suficientes quanto à utilidade deste debate, pelo que, ao menos, nós próprios podíamos não dar um mau exemplo.
De facto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, se não fosse o CDS-PP a tomar a dianteira, duvidamos que alguma vez, nesta legislatura, fosse possível, em matéria de segurança social, uma discussão generalizada assente em contributos plurais.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - É que, passados os trabalhos da comissão que preparou o chamado Livro Branco da Segurança Social, passadas as declarações de intenção, mais ou menos débeis, da necessidade de pactos de regime nesta matéria e quase passada a legislatura, tornou-se claro que ao Governo não convinha dar o passo de concretização das medidas apregoadas através de uma iniciativa legislativa própria. E o CDS-PP não pode deixar de se orgulhar por ter provocado esta discussão.
Conhecemos os argumentos dos que pensam o contrário. Esses argumentos não nos perturbam porque não nos comovem. Dividem-se estes em dois grupos.
O primeiro grupo inclui aqueles que julgam que a inércia é prudência. Segundo eles, é preciso morrer de calma nesta e noutras matérias. Esquecem-se que - e justiça seja feita - um importante trabalho foi já levado a cabo numa sede que se supõe isenta, representativa e responsável: a Comissão do Livro Branco da Segurança Social.
Esquecem-se, também, que não se governa com livros verdes ou brancos. Esquecem-se que o próprio processo legislativo, tal como se desenvolve nesta Câmara - a Assembleia da República -, é ainda, e felizmente, um processo de discussão democrática e maturação responsável.

Outros há que julgam que estas matérias devem resultar de consensos absolutos e prévios a qualquer iniciativa partidária. Entendem esta iniciativa, decerto, como uma partidarização demagógica de um tema que, muitas vezes, só na retórica consideram da maior importância. Mas a enorme importância da segurança social não a retira da esfera de responsabilidade dos partidos. Pelo contrário.
É por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que sentimos estar tão-só a cumprir o nosso dever. E não estamos a fazê-lo a partir do zero, nem estamos a deitar fora um património comum de conhecimentos, de observação, de experiência, que resultaria num nihilismo que rejeitamos, nem estamos, felizmente, a inventar nada.
Em nome do CDS-PP, é com muito gosto e uma consciência perfeitamente tranquila que apresento aqui, hoje, perante a Assembleia e perante o País, com profundo sentido de razoabilidade e responsabilidade, o projecto de lei n.º 528/VII.
O seu motivo primeiro é rever a actual Lei de Bases da Segurança Social de acordo com diagnósticos, princípios e instrumentos amplamente discutidos a nível nacional, na base de um vasto consenso que já ficou claro. Fazêmo-lo em nome de imperativos nacionais e geracionais, com clara recusa de um imobilismo que é, como todos sabemos, o maior factor de degradação dos sistemas sociais.
Move-nos, ainda, o intuito político de convocar o Governo às suas responsabilidades, desde o cumprimento das promessas eleitorais até às afirmações não concretizadas no âmbito da prática governativa.
O nosso projecto recebe assim, indirectamente, contributos vários. E, repetimos, recusamos a inovação peta inovação, nesta e em todas as matérias cuja qualificação e melhoria só podem resultar da sedimentação de pontos de vista plurais, de experiências, de conhecimentos e de ponderação. Tão-pouco o apresentamos como um produto acabado. Temos consciência de que, a partir de hoje, um longo caminho se abre. A responsabilidade do tempo e do modo como ele será efectivado passa, desde agora, a ser responsabilidade colectiva de todos nós.
No entanto, este nosso pragmatismo não nos levou á abdicar de um núcleo de valores essenciais. E temos a certeza que eles são, hoje, partilhados por muitos. Traduzem-se no equilíbrio justo entre solidariedade e responsabilidade, entre a intervenção do Estado e a esfera de liberdade dos indivíduos è das famílias para construírem livremente o seu próprio futuro.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - Com efeito, a nossa proposta salvaguarda o essencial de um património social, perfeitamente claro na lei em vigor que o CDS-PP também apresentou e aprovou, e consagra factores de correcção cuja consciência de utilidade e necessidade são amplamente partilhados de forma transversal pela sociedade portuguesa.
Não confundimos valores com instrumentos nem somos tentados por motivos circunstanciais. Antes quisemos dar expressão a uma base sólida de princípios reformistas que relembro:
A consagração de um principio de convergência no que se refere ao aumento das pensões mínimas, transformando em direito aquilo que, hoje, é uma benesse dada ao sabor de sondagens e actos eleitorais;
Flexibilização da idade da reforma e a possibilidade de reformas parciais e reformas progressivas, priorizando,

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assim, as necessidades dos indivíduos e das famílias e não as necessidades financeiras dos governos;

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - A cobertura, pelo sistema, de duas novas eventualidades sociais: a dependência e a incapacidade absoluta e definitiva no reconhecimento da necessidade de um sistema aberto à evolução e involução social;
O estabelecimento do princípio de um limite superior contributivo, seguindo, aliás, neste ponto as sugestões do Livro Branco, incluindo o limite superior a fixar;
A consagração de um principio pelo qual nos temos batido, a saber, o princípio da diferencialidade social;
A insistência na necessidade de medidas de maior justiça fiscal como condição de toda uma reforma;
A abertura a sistemas complementares, obrigando a uma maior regulamentação e fiscalização por parte do Estado e à criação de diferentes instrumentos de que destaco o fundo de garantia das pensões dos regimes complementares.
E tudo isto, como não podia deixar de ser, com a garantia absoluta do respeito pelo direitos adquiridos e em formação.
Dos Estados Gerais ao Programa do Governo, do Livro Branco aos princípios de reforma apresentados pelo Sr. Ministro Ferro Rodrigues, das teses aos discursos, por todo o lado, afinal, se referem e fundamentam estes princípios.
Será que, por receberem corpo num projecto de lei do CDS-PP, passarão a ser «maus», «perversos», «inaceitáveis»?
Será que, por não termos docilmente esperado que o Governo, já desprovido de quaisquer alibis para tanta inércia, tivesse, enfim, dado «luz verde», a nossa iniciativa passa a ser demagógica?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não se pode enganar toda a gente durante todo o tempo e é por isso que gostaria de deixar bem claro o seguinte.
O CDS-PP não pode, nem de facto nem de direito, exigir a aprovação do seu projecto de lei. Mas o CDS-PP pode e deve exigir que ele seja julgado, aqui e hoje, pelo seu conteúdo, com honestidade intelectual e com responsabilidade política.
Os portugueses têm o direito de saber, hoje, se este Governo prefere uma prática de aumento de pensões na boa maneira discriminátória de «bodo aos pobres» ou se aceita consagrar um principio de convergência que dá aos pensionistas com pensões mais degradadas um direito assente no reconhecimento da sua dignidade e cidadania.
Os portugueses têm o direito de ficar a saber hoje, também, se o Governo traz ao rol de intenções o plafonamento .quando lhe convém e o diaboliza quando não lhe convém, e que explique porquê.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Os portugueses - e, sobretudo, os portugueses que vêm neste Governo uma esquerda moderna e moderada - têm o direito de perceber se o sector privado é ou não um parceiro responsável ou se, conforme as circunstâncias, se transforma num risco para um estatismo que, sendo constantemente condenado, está sempre presente, ao fim e ao cabo, nas grandes decisões
do Governo.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Temos, de igual modo, de saber, aqui e hoje, se queremos o Estado no seu lugar, cumprindo com autoridade e eficiência o que lhe compete, como garante do sistema de segurança social e de outros sistemas sociais, ou se queremos o Estado em todo o lado, mais prestador que garante, com as consequências que, hoje, são do conhecimento comum.
É, também, a hora de saber se queremos pôr o sistema ao serviço das pessoas e das famílias, na sua vertente de solidariedade e previdencial, ou se queremos vergar as pessoas ao modelo do sistema. Ou seja, se queremos o igualitarismo ou a diferencialidade, se queremos o assistencialismo ou a inserção e promoção sociais.
Importa, por fim, saber se queremos só ver o presente ou se somos capazes de um rasgo prospectivo que preserve e melhore o futuro de milhões de portugueses, isto é, se queremos tomar decisões corajosamente ou se queremos entrar em jogos eleitoralistas, varrendo levianamente para debaixo do tapete aquilo que é, já hoje, inevitabilidade.
É disto que se trata, Sr. Presidente e Srs. Deputados. É a isto que nós aguardamos que esta Câmara responda.
Nós, por nós, fizemos o que nos competia. Para o muito que falta fazer, contamos com todos, podem estar certos.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos à Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, inscreveram-se a Sr.ª Deputada Elisa Damião e o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
Admitindo que o Sr. Relator não quer fazer um resumo do relatório, já que não pediu a palavra para o efeito, dou a palavra à Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, quero dizer-lhe que foi com agrado que acolhemos e estudámos o projecto de lei do CDS-PP. Registámos mesmo vários aspectos extremamente positivos que nos dão conta de uma evolução do CDS-PP: em primeiro lugar, a consagração do rendimento mínimo garantido. Bem-vindos, portanto, ao rendimento mínimo garantido!
Em segundo lugar, registámos as preocupações com a solidariedade, separando o sistema do sistema de seguros social, o que o CDS-PP, quando foi governo, não fez. Portanto, bem-vindos a esse respeito pelas contribuições dos trabalhadores.
Em terceiro lugar, registámos uma preocupação com a maternidade e a paternidade responsáveis, que, como calcula, não sei se significa a mesma coisa para nós duas. Portanto, gostaria que V. Ex.ª explicasse o que entende ser o papel da segurança social nessa matéria.
Em quarto lugar, o projecto de lei do CDS-PP vem esclarecer o que tem sido uma publicidade enganosa feita durante meses pelo Presidente do CDS-PP, que, como todos sabemos, é um homem talentoso, fascinante, que conseguiu convencer a sociedade portuguesa - e, hoje mesmo, alguns cidadãos me diziam: «a senhora não vá lá inviabilizar essa coisa, que é para eu passar a receber 58 000$, tal como o salário mínimo!».
Porém, como no vosso projecto de lei, ao contrário de todos os outros, VV. Ex.as indicam que a pensão mínima

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do regime geral, a que chamam «previdencial», preferindo voltar a uma terminologia ligeiramente passadista, «deve convergir para o montante da remuneração mínima líquida da taxa social única», quero perguntar a V. Ex.ª se sabe o que é a taxa social única.
É que, por acaso, neste mesmo Parlamento, tive ocasião de discutir com o próprio autor o que é taxa social única. Assim, digo-lhe que a taxa social única é constituída pela comparticipação dos trabalhadores e dos empregadores e não corresponde nem à versão do Governo, nem à do PSD, nem à do PCP.
Portanto, independentemente dos outros contributos extremamente positivos com os quais nos congratulamos, nomeadamente no que toca ao desenvolvimento da complementaridade, gostaria que V. Ex.ª nos esclarecesse quanto a estes pontos.
Já agora, uma vez que VV. Ex.as prevêem vários mecanismos de segurança daquela complementaridade, que considero bastante interessantes e que devem ser tomados em linha de conta, gostaria de saber se não pretendem também que, depois, o Estado pague os fundos quando forem à falência. Isto é, se os trabalhadores decidirem correr o risco de optar pelo sistema de segurança social privado, devem corrê-lo até ao fim.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, para responder.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Elisa Damião, começo por registar as suas boas-vindas.
A esse propósito, apenas quero dizer-lhe que nos deu as boas-vindas por termos chegado onde já estávamos, onde estamos e onde ficaremos.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Isso é mau!

A Oradora: - A consagração do rendimento mínimo garantido é óbvia, pois votámos favoravelmente essa matéria, Sr.ª Deputada. E aqui não há direitos de autor!

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Votaram favoravelmente?!

A Oradora: - Votámos favoravelmente, sim. A Sr.ª Deputada é que está com má memória! Fui eu quem fez a intervenção nesse dia e disse algo que me parece muito importante: «Dê-se o peixe e ensine-se a pescar». A minha dúvida é se depois de dar este «peixe» o Governo ensinou a «pescar»! Mas, se assim foi, sou a primeira a reconhecer o mérito desta medida, tal como o fiz na altura.
Quanto ao exemplo da maternidade e da paternidade responsável, certamente a Sr.ª Deputada recorda-se, uma vez que foi relatora desse nosso projecto, que a primeira alteração à Lei da Maternidade e da Paternidade também ia neste sentido, e foi da nossa iniciativa.
Portanto, repito, deu-nos as boas-vindas por estarmos onde estávamos, estamos e estaremos, porque parece-nos que temos razão.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Pois claro!

A Oradora: - Em relação ao princípio de convergência, e uma vez que a Sr.ª Deputada fez essa crítica ao Presidente do CDS-PP, com certeza não quer que deixe que a sua pergunta possa ser entendida como uma espécie de licitação entre as duas bancadas, a fim de apurar quem vai dar mais aos portugueses. Não é essa a nossa intenção e já lhe explico porquê.
O princípio de convergência é, para nós, muito importante, pois trata-se de um princípio que garante um direito e esse direito é o nosso tributo à dignidade das pessoas, sobretudo àquelas que têm menos.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - A Sr.ª Deputada tem de reconhecer que o sistema que quer manter é discricionário e será cada vez mais discricionário num ciclo eleitoral que é cada vez mais curto e onde os partidos se batem, infelizmente, muito mais pelas eleições e pelos votos do que pelas pessoas.

Aplausos do CDS-PP.

Foi essa a razão que me fez subscrever, até hoje, o princípio de convergência, e não gosto de o ver colocado numa espécie de licitação, para ver quem dá mais. Não estou aqui para dar mais; estou, sim, com a preocupação da sustentabilidade deste sistema, que é outro aspecto sobre o qual vamos ter de falar.
Contudo, como a Sr.ª Deputada Elisa Damião e o Sr. Ministro Ferro Rodrigues tanto atacaram, do ponto de vista financeiro, as nossas medidas, devem ter feito algumas contas. É por isso que considero surpreendente a sua dúvida neste momento, porque se essa é uma dúvida real, ela deveria ter sido colocada no momento oportuno.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Exactamente!

A Oradora: - É que os senhores fizeram um «escarcéu» sobre umas contas sem ter, sequer, procurado explicar-se!
Sr.ª Deputada, é óbvio que a retribuição é liquida da taxa social única e a parte que diz respeito ao trabalhador corresponde a 11%. Penso que fica esclarecida, Sr. Deputada.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, julgo que a sua intervenção se poderia resumir no seguinte: V. Ex.ª veio dizer-nos que os projectos podem ser positivos, mesmo quando apresentados pelo PP!

Risos do PS.

Pelo menos como tese, aceito-a, e não vou agora discutir para além disso.
V. Ex.ª colocou a questão neste sentido: «critiquem-nos pelo conteúdo»! Ora, em relação ao conteúdo do projecto de lei do CDS-PP, gostaria de começar por dizer-lhe que a filosofia que ele apresenta é, claramente, de substituição do sector público, do sistema de segurança social, por um sector privado, puro e simples.

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Através dos limites contributivos a nível horizontal e da introdução da possibilidade de haver transferências a nível vertical do sistema público para o sistema privado, a filosofia subjacente é a de acabar com o sistema público, é deixar ao sistema público uma função exclusivamente assistencialista: os excluídos e os marginalizados pela sociedade, ou seja, as populações de risco, essas, ficam no sector público e tudo o resto deve passar para o sector privado.
Ora, essa filosofia de base, de autêntico radicalismo neo-liberal, tem, logicamente, a nossa oposição total, completa e frontal.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Aproveito ainda para lhe colocar a seguinte questão concreta: a Sr.ª Deputada, o seu grupo parlamentar e o seu partido sustentam os vossos projectos no facto de haver necessidade - ainda agora o referiu de garantir a sustentabilidade do sistema público de segurança social. Ora, como é que o projecto de lei do CDS-PP, procurando retirar todas as receitas ao sistema público da segurança social, pretende que haja sustentabilidade?
Em segundo lugar, Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, se o vosso projecto de lei fosse avante, em caso de falência de fundos de pensões, de empresas seguradoras ou se se verificasse um grande decréscimo na Bolsa, quem é que pagava as pensões aos contribuintes, aos trabalhadores? Ficariam, como se costuma dizer em linguagem popular, a «chupar no dedo»?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Elisa Damião pediu a palavra para que efeito?

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Para uma interpelação à Mesa, uma genuína interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, tem prioridade, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, gostaria que V. Ex.ª providenciasse para que os serviços esclarecessem qual foi o sentido de voto do CDS-PP quanto ao rendimento mínimo garantido.

O Sr. Presidente: - Agradeço que os serviços tragam os elementos de informação necessários.
Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, é óbvio que a maior discordância manifesta-se entre as nossas duas bancadas. Mas isso não nos retira a razão, porque entendo que o mundo pensa mais como eu do que coma o Sr. Deputado Octávio Teixeira, com todo o respeito, nesta e noutras matérias!
No entanto, há aqui uma questão que me parece fundamental. O Sr. Deputado ironizou acerca da sustentabilidade financeira do sistema, mas devo dizer-lhe que esse aspecto é, para nós, muito importante, porque sabemos que só se distribui o que há. O Sr. Deputado Octávio Teixeira é que ainda pensa que se pode distribuir o que não há! Ora, essa é, já à partida, uma diferença enorme.

O Sr. Pedro Feist (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - Sei que só posso distribuir o que tenho e o Sr. Deputado ainda entende que pode distribuir o que não tem!
A sustentabilidade é muito importante porque este é um sistema que vai ter de distribuir e, presume-se, vai ter de o fazer a pessoas que precisam dessa parte que recebem.
Por outro lado, aproveito para dizer-lhe o seguinte: nós não privatizamos nada. Podíamos fazê-lo, em termos de projecto de lei, mas seria absurdo! Não é essa a nossa intenção.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, peço desculpa pela interrupção mas continua a haver um ruído de fundo na sala. Os Srs. Deputados continuam a conversar como se não tivesse sido feita qualquer advertência. Insisto para que se faça silêncio.

A Oradora: - Presumo que o Sr. Deputado Octávio Teixeira se estivesse a referir ao plafonamento e à possibilidade de o cidadão poder aplicar o seu dinheiro, acima de um determinado plafond, onde bem entender, nomeadamente em fundos de pensões.
Em primeiro lugar, consagramos como públicas a parte da solidariedade e a parte previdencial até aquele plafond. Fazemo-lo como opção e não para esconder nada a ninguém.
Em segundo lugar, e ao contrário de outros projectos de lei que são hoje objecto de discussão, consagramos um plafonamento horizontal, porque temos perfeita consciência, por um lado, que esse plafonamento pode acarretar, se for brusco, problemas financeiros ao sistema público da segurança social, cuja saúde financeira queremos preservar e reforçar, e, por outro lado, temos consciência que os portugueses não têm uma cultura previdencial, que, infelizmente, é ainda preciso fomentar.
Ora, o nosso projecto é, exactamente, um passo para conseguir, por um lado, uma transferência sem qualquer espécie de «sacudidela» no sistema público e, por outro lado, fomentar uma cultura de liberdade e de responsabilidade. Provavelmente, esta não é uma cultura relativamente à qual o Partido Comunista tenha grande apreço.
Por último, quanto ao cenário da falência dos fundos de pensões de que falou - e, como o Sr. Deputado sabe, este é um sistema que existe mais ou menos em todo o mundo -, existem mecanismos (esses, sim, competem ao Estado) de regulamentação, de fiscalização e, se quiser, de «resseguro», num certo sentido, que são adoptados por todos os governos.
Eu vi falir a Rússia e não estou à espera de, durante a minha vida, ver falir os fundos de pensões.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, em representação do Governo, tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade.

O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade (Ferro Rodrigues): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O debate que hoje se inicia nesta Assembleia assume uma

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notável importância e um significado muito relevante para os portugueses.
Ao iniciar a intervenção do Governo na discussão da proposta e dos projectos de lei de bases da solidariedade e da segurança social saúdo a Assembleia da Republica e todos os partidos aqui representados, destacando o esforço que conduziu à apresentação dos quatro documentos que temos para apreciação. Este facto traduz, antes de mais, a importância que a sociedade portuguesa tem vindo a conceder ao processo de reforma do nosso sistema de protecção social.
Com este debate iremos, seguramente, dar mais um importante passo para construir uma segurança social forte e para todos para o século XXI.
Como já tive oportunidade de afirmar nesta Assembleia, para o Governo, o processo de reforma da segurança social não se reduz à aprovação de um novo enquadramento legal da segurança social. No entanto, essa aprovação constitui um importante passo desse processo de reforma e apresenta forte relevância.
No cumprimento do Programa do Governo, temos vindo a dar passos decisivos para a modernização e a reforma da protecção social. Nestes últimos três anos produzimos mudanças estruturais de grande alcance e significado e podemos dizer, com segurança, que a situação que vivemos em 1998 se distingue, claramente, daquela que encontrámos em 1995.
A segurança social em Portugal é hoje mais eficaz na protecção social dos mais desfavorecidos; a segurança social em Portugal possui hoje maior sustentabilidade e a sua credibilidade para os portugueses aumentou significativamente.
Reforçámos a protecção social ao criar novos e fundamentais mecanismos de protecção dirigidos àqueles que mais desprotegidos se encontravam - os mais pobres dos pobres - e são hoje mais de duas centenas de milhar os cidadãos que recebem uma prestação de rendimento mínimo, a grande maioria dos quais não possuía, no passado, qualquer relação sólida com a protecção e a solidariedade social.

Aplausos do PS.

A posição de voto do CDS-PP, nessa votação final global, certamente, será clarificada pela Mesa!
Reforçámos a protecção social ao diferenciar positivamente as prestações familiares, ao melhorar as pensões degradadas e ao alargar a cobertura do desemprego numa lógica de dar mais a quem mais precisa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Reforçámos a sustentabilidade do sistema ao cumprir integralmente os compromissos do Estado perante a segurança social desde 1995 e ao lançar e manter sempre activas políticas eficazes de combate à fraude nas prestações.

Aplausos do PS.

Reforçámos a sustentabilidade do sistema ao desencadear processos de recuperação das dívidas e de combate à evasão contributiva, processos que têm permitido que as receitas da segurança social tenham vindo a crescer a ritmos superiores aos da actividade económica sem que para tal se tenham aumentados as taxas contributivas; reforçámos a sustentabilidade ao destinar uma parte do excedente gerado ao reforço da capitalização do sistema, garantindo desta forma uma gestão preocupada com o presente e com o futuro.
Com a reforma que estamos a construir, a credibilidade do sistema aumentou significativamente e afastámos a visão catastrofista da falência eminente da segurança social que, tantas vezes, de forma irresponsável, era, ainda há poucos anos, o discurso generalizado sobre o futuro do sector.
Mas esta concepção de reforma, como um processo em curso, gradual e permanente, de ajustamento responsável e realista às mudanças económicas e sociais, não significa que desvalorizemos a importância do debate que aqui nos traz. Bem pelo contrário, a aprovação de uma nova lei de bases da segurança social é um importante passo de todo este processo. É um momento de síntese de toda uma dinâmica de mudança; pode e deve ser um momento de afirmação de um novo patamar de progresso e de modernização do nosso sistema de solidariedade e segurança social e da nossa sociedade.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Na sequência do aprovado pela Lei n.º 127-B/97 e no documento de princípios fundamentais das reformas estruturais nas áreas da segurança social, saúde, educação, justiça e Administração Pública, apresentado em Março do corrente ano, afirmou o Governo: «Consagrando as orientações e as medidas incluídas no Pacto que venha a ser subscrito, o Governo apresentará à Assembleia da Republica as iniciativas legislativas que dele decorram, nomeadamente a revisão da Lei de Bases da Segurança Social».
Não foi possível, infelizmente, e por razões estranhas à vontade do Governo, seguir os passos que então propusemos, mas, como se vê, era claro para nós, já nessa altura, que deveríamos, nesta legislatura, atingir este ponto importante, que é o de debater uma nova lei de bases da segurança social.
Estaríamos a fazê-lo com ou sem o agendamento potestativo do PP, mas é com muito gosto que o fazemos com o vosso agendamento potestativo. Não temos qualquer problema, não somos sectários.

Aplausos do PS.

Afirmámo-lo antes de qualquer iniciativa da oposição e afirmámo-lo porque tal correspondia a toda uma lógica de trabalho que lançámos no começo desta legislatura.
O compromisso contido no Programa do Governo foi por nós respeitado de forma rigorosa e empenhada. Para chegar aqui, a um momento em que estão perante esta Assembleia quatro propostas e projectos de lei, percorremos um caminho que apresentámos em 1995 aos portugueses, um caminho que foi cumprido e que foi, afirmo-o com toda a segurança, o caminho mais ajustado.
Tal como constava no Programa do Governo, foi criada a Comissão do Livro Branco da Segurança Social, comissão aberta e independente que, durante cerca de 18 meses, produziu uma importante reflexão que alastrou para toda a sociedade e contribuiu para dar aos problemas da
segurança social uma visibilidade nova.

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Possuímos hoje, no nosso país, um conjunto aprofundado e plural de estudos e reflexões sobre este sector, que tomam este debate mais sério e mais responsável.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Muito bem!

O Orador: - Fomos acusados por alguns de termos sido lentos neste processo. só um profundo desconhecimento da realidade que defrontamos ou a demagogia mais banal podem justificar tais afirmações.
Processos semelhantes aos que estamos a percorrer estão a ser vividos noutros países europeus. Em todos eles, mesmo naqueles países com os mais altos níveis de desenvolvimento e os mais eficazes modelos de protecção social, as mudanças foram precedidas de longos processos de estudo e avaliação das alternativas de mudança e de longos e aturados processos de concertação social.
Permitam-me que vos cite o exemplo da Suécia, país que combina o mais alto nível de desenvolvimento com um exigente sistema de segurança social. O processo de estudo da reforma do sistema de pensões neste país iniciou-se em meados dos anos 80 e só em 1990 a comissão criada para o efeito apresentou as suas conclusões e propostas, que permaneceram em debate até que, em 1994, uma proposta de orientações foi apresentada ao parlamento, sendo a legislação completa de novo modelo de pensões aprovada apenas em Junho de 1998.
Importa, no entanto, assinalar que, apesar de mais rápido do que este exemplo e apesar de óbvias limitações e insuficiências, o processo de reflexão alargada sobre os caminhos da segurança social, aberto em Portugal em 1995, veio a revelar-se de enorme importância para o momento que estamos hoje a viver. Creio ser indiscutível afirmar que em particular os estudos realizados pela Comissão do Livro Branco da Segurança Social - como ouvimos pela voz da Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto - influenciaram e estão presentes em todas as posições hoje em discussão. Podemos hoje, tranquilamente, discutir as opções e as visões do futuro com conhecimento aprofundado da situação e o estudo de várias alternativas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As proposta e projectos de lei de bases presentes a esta Câmara possuem, naturalmente, significativas distinções e divergências.
Permitam-me, no entanto, antes de reflectir sobre essas distinções, que valorize a existência de um importante espaço de convergência entre as mesmas, espaço esse que é um desafio para o trabalho que hoje iniciamos.
Existem duas grandes constatações sobre a situação da segurança social que constituem, a meu ver os principais espaços de convergência entre todas as propostas e projectos aqui apresentados.
É hoje claro e genericamente assumido que há necessidade de reforçar os mecanismos de protecção social dirigidos àqueles sectores que mais intensamente sofrem os problemas da pobreza e da exclusão. Esse objectivo, ainda que traduzido em propostas políticas diversas, em instrumentos distintos, está presente nas quatro posições em agenda.
É, pois, não só possível como imperioso que do trabalho desta Assembleia resulte um novo quadro legal que não apenas enquadre todo o esforço de melhoria do modelo de segurança social português, como abra campo para o aprofundamento, rigoroso e realista, dos mecanismos de protecção social.

Mas existe também um amplo espaço de consenso na sociedade portuguesa que se reflecte igualmente nas propostas agora em discussão e que se prende com a necessidade de garantir a sustentabilidade económica e financeira do mesmo sistema.
Estas duas preocupações terão de ser as traves-mestras do consenso a construir neste debate.
São, de facto, significativas as áreas de convergência entre as diferentes propostas. Permitam-me que destaque algumas dessas áreas: quanto aos objectivos do sistema, todos os documentos se reportam à garantia do direito à protecção social, tal como o mesmo vem definido na Constituição; no que respeita à gestão do sistema, a responsabilidade última cabe ao Estado, de acordo com a previsão de todos os textos em análise; todos os textos prevêem a existência de blocos de protecção diferenciados segundo os objectivos que se propõem; todos os textos prevêem como elementos-base para a determinação do montante das pensões contributivas o valor das remunerações dos beneficiários e a duração das respectivas carreiras contributivas; todos os textos prevêem a garantia de pensões com limites mínimos convergentes para o valor do salário mínimo nacional, com modulações relativas face à carreira contributiva - e os recentes aumentos extraordinários de pensões determinados pelo Governo são já um importante passo nesse sentido; todos os textos defendem, explícita ou implicitamente, em matéria de financiamento do sistema, o princípio da diversificação das fontes; todos os documentos assumem também, com maior ou menor expressividade, o princípio da adequação selectiva das fontes e das receitas às modalidades de protecção previstas; todos os documentos prevêem como principais fontes de financiamento do sistema as contribuições dos beneficiários e das entidades empregadoras e as transferências do Estado; todos os textos prevêem a necessidade de encontrar novas fontes de financiamento que evitem uma maior oneração dos salários; todos os documentos prevêem, como regra, que as bases de incidência contributiva sejam as remunerações da actividade profissional; todos os textos admitem a fixação de bases de incidência alternativas para as entidades empregadoras; todos os documentos prevêem a conjugação do regime de repartição com o regime de capitalização; todos os documentos prevêem a existência de regimes complementares que permitam a obtenção de melhor -protecção social.
Em suma, todas as propostas apontam para novos caminhos em áreas como a abertura a novas formas de financiamento nas empresas e a novas formas de articulação entre repartição e capitalização e para uma mais significativa presença das receitas fiscais na segurança social. Isto vem apenas reforçar a convicção de que há condições políticas para uma reforma amplamente consensualizada e de que o método que seguimos produziu frutos, influenciando decisivamente esta discussão.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mas o consenso desejável terá de ser alicerçado no respeito por duas grandes exigências.
Não é possível ampliarmos o esforço de protecção social sem que seja claramente identificada a natureza e a dimensão dos recursos que, a curto e a longo prazo, esse esforço exige e sem avaliarmos a capacidade nacional para as mobilizar.

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O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Muito bem!

O Orador: - Não é possível discutir a sustentabilidade financeira da segurança social de forma totalmente autónoma sem ter em conta a sustentabilidade financeira global do sector público administrativo. Teremos um sistema sustentável se o esforço que este exige aos portugueses, agora e no futuro, qualquer que seja a modalidade de financiamento desse esforço, for compatível com os grandes objectivos de estabilidade financeira e desenvolvimento económico e social do País.
Cremos ser possível aprofundar a reforma da segurança social e criar um novo quadro para o seu desenvolvimento, mas o respeito por esta dimensão de rigor e responsabilidade é a chave para o sucesso desse caminho.
A proposta do Governo, cujas grandes linhas já tive, aliás, ocasião de apresentar nesta mesma Assembleia, em 17 de Junho, alicerça-se nos dois grandes objectivos de aprofundar as condições de eficácia das políticas de protecção social e de reforçar a sustentabilidade do sistema.
Trata-se de uma proposta que foi desenvolvida na sequência de um debate aberto, em que o Governo ouviu e participou, e na sequência de uma gestão reformista de um sistema que conhecemos, nas suas virtudes e insuficiências, e cujo desempenho sabemos que pode e deve ser melhorado.
Mas a nossa proposta é uma proposta aberta à mudança e ao enriquecimento e o nosso empenhamento é pleno para que, deste debate, resulte uma nova lei de bases, fruto do mais amplo consenso possível.
Mas se é um facto que, sobre as grandes preocupações da modernização da protecção social, poderemos encontrar espaço para importante convergência nesta Assembleia, importa que aprofundemos alguns dos domínios fulcrais das propostas em debate.
O primeiro aspecto que gostaria de salientar prende-se com os princípios gerais do modelo de segurança social que a nova lei de bases irá assumir.
O novo quadro de desenvolvimento das políticas sociais tem vindo a tornar imperiosa a combinação do princípio da universalidade com o princípio da diferenciação. De facto, é hoje claro que o reforço da equidade, da sustentabilidade e da eficácia dessas políticas exige que se afirme essa capacidade de dirigir uma parte dos recursos, de forma mais selectiva, para os segmentos sociais mais carenciados.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Muito bem!

O Orador: - Este princípio, que a experiência recente da segurança social portuguesa tem vindo a concretizar, parece ser uma das mais importantes mudanças que reúne significativa margem de consenso na sociedade portuguesa e na Assembleia da República. É um princípio de concretização complexa e exigente, envolvendo uma extrema sensibilidade no seu desenvolvimento, quer pela exigência que possui, do ponto de vista da capacidade de resposta do aparelho da segurança social, quer pela articulação que exige com a reforma fiscal.
Mas este caminho, o de «dar mais a quem mais precisa», é um dos caminhos onde a inovação e a reforma mais têm de percorrer.
Uma outra área onde importa aprofundar consensos e descensos remete-nos para as modalidades dê protecção social que teremos de aprofundar numa segurança social para o século XXI.
Julgo que, neste domínio, importa que se produzam importantes rupturas com o modelo que enforma o nosso actual sistema de protecção social, rupturas quê julgo não serem suficientemente assumidas pelos projectos dos partidos da oposição.
Vivemos um momento de mudança muito profunda nos modelos de organização social e, particularmente, nas modalidades de organização do trabalho.
Os processos de construção dos mecanismos de segurança e solidariedade social não podem, já, assentar apenas nos tradicionais modelos providenciais, deixando para relações de natureza assistêncial as respostas a um amplo leque de necessidades e problemas da sociedade moderna.
A instituição daquilo a que chamámos a protecção social de cidadania, onde incluímos, nomeadamente, o direito ao rendimento mínimo para a inserção social, a autonomização da área da protecção à família, onde se insere a definição das respostas aos problemas da moderna dependência, são novas soluções para novos problemas.
Julgamos essencial que se possa produzir, também neste domínio, a necessária convergência de posições, por forma a assumirmos, aliás, na linha da nossa tradição constitucional, uma postura ambiciosa no plano dos direitos sociais de cidadania.
Uma terceira área, onde importa clarificar o sentido e o alcance das posições em debate, situa-se nos modelos de financiamento do sistema de segurança social.
Apraz-me registar que existe hoje um denominador comum que passa pela necessidade de aprofundar uma solução que integre os mecanismos de repartição e de capitalização no financiamento de importantes prestações sociais. Existe, no entanto, um amplo campo de divergência quanto à dimensão dessa combinação de modelos.
A proposta do Governo é, neste particular, clara e muito explícita: reconhecemos que o sistema de segurança social construído no passado recente, numa lógica praticamente exclusiva de repartição, terá de manter uma componente dominante suportada por este modelo; no entanto, é essencial promover, de forma intensa, uma crescente componente de capitalização pública que promova a sustentabilidade de longo prazo do sistema, assim como é vantajoso que se concretizem fórmulas contributivas que favoreçam a flexibilidade da construção de estratégias - individuais, de grupo, associadas ou sindicais - de reforço dos mecanismos públicos de protecção.
Nesta parcela do nosso debate, não podemos escamotear uma realidade absolutamente incontornável para a construção de um futuro saudável e credível da protecção social no nosso país: não é possível introduzir dimensões de mudança relevante neste plano sem responder à crucial questão de como suportar os custos de um período prolongado de transição entre modelos.
O projecto do PSD, por exemplo, propõe, nomeadamente, um modelo onde se aposta de forma clara na capitalização, através da possibilidade de divisão das contribuições em duas componentes, sendo uma delas gerida em regime de capitalização com liberdade de escolha da aplicação dessa componente.
Esta mudança, sem dúvida muito profunda, deixa por responder a questão de identificar como seria compensada a quebra de receitas, naturalmente elevada, que adviria desta opção pela capitalização e como se suportariam as despesas com os actuais e os futuros beneficiários, en-

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quanto a futura quebra de despesas não compensasse a actual quebra de receitas. E dizer que isso se resolve em cada Orçamento, Sr.as e Srs. Deputados, devo dizer-vos que é criar uma expectativa que, depois, a seguir, na prática, não tem qualquer possibilidade de se materializar.
Convém não esquecer que conseguir, de forma equilibrada, maiores receitas para a segurança social pública é o principal problema e desafio e não o contrário. Quando todos os partidos que aqui estão representados querem maiores respostas aos pensionistas, aos desempregados e às famílias, o que está em causa não é abrir uma hemorragia de receitas mas exactamente o oposto.
Uma idêntica reflexão terá de ser efectuada a propósito de qualquer alteração nos níveis de incidência contributiva que actualmente possuímos.
O Governo defende uma postura de evolução das taxas contributivas e da natureza das mesmas, no sentido de estimular a actividade económica e de favorecer o emprego. Mas teremos de, mais uma vez, trabalhar de forma cautelosa e gradualista. É possível evoluir para uma estrutura de receitas que incorpore outras fontes de financiamento para além das já existentes que se centram quase exclusivamente na taxa social única e nos rendimentos do trabalho. É neste sentido que a proposta do Governo inclui a criação de uma contribuição de solidariedade.
Mas é imperioso que esta mudança se faça de forma muito cautelosa e após estudos e avaliações que não estão ainda completados. Recordemos que a contribuição sobre os salários continua a ser, ainda, a forma privilegiada de financiamento dos sistemas de segurança social por toda a Europa, mesmo em países que há mais tempo iniciaram reformas estruturais neste sector.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Muito bem!

O Orador: - E recordemos também que a própria contribuição de solidariedade à francesa leva a que mais de 90% da receita seja feita sobre rendimentos do trabalho. Ora, com o sistema fiscal que temos em Portugal, essa não pode, obviamente, ser a solução consensual nesta Assembleia da República. A nossa contribuição de solidariedade não é a contribuição de solidariedade à francesa, porque o nosso sistema fiscal também não é o sistema fiscal francês e temos de caminhar paralelamente na reforma da segurança social e na reforma do sistema fiscal.
A estrutura de financiamento da segurança social está necessariamente associada ao papel do Estado nesse processo.
A proposta do Governo é, neste particular, muito precisa. Chamarei a atenção para dois aspectos fundamentais da nossa posição: em primeiro lugar, procedemos a uma muito exaustiva definição das formas de financiamento das diversas modalidades de protecção, assumindo o Orçamento do Estado uma responsabilidade integral pelas dimensões de solidariedade nacional dessas prestações; em segundo lugar, assumimos por completo a responsabilidade última do Estado pelas prestações de todos os sistemas, garantindo, desta forma, os direitos adquiridos de todos os cidadãos. Significa isto que o Estado assume a cobertura de situações futuras de eventuais défices dos sistemas assentes em financiamento bipartido, aliás, a única posição coerente com o facto de, durante muito tempo, ter existido um subfinanciamento orçamental das despesas de segurança social.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Muito bem!

O Orador: - Estamos perante um dos aspectos centrais do processo de reforma.
As alternativas de financiamento e as suas modalidades podem e devem ser equacionadas por forma a diversificar as fontes, adequá-las às modalidades de protecção e aos objectivos do crescimento económico e do emprego. Mas é indispensável assumirmos, neste plano, uma postura de grande responsabilidade. Quaisquer que sejam as modalidades de financiamento, teremos sempre de submetê-las à avaliação do seu impacto conjunto sobre a economia e a sociedade portuguesa. É a intensidade do esforço que, agora e no futuro, será pedido aos portugueses que está, em primeiro lugar, em questão.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não existem transferências milagrosas de responsabilidade, o que existe, antes de mais, são limiares de esforço que não podem ser ultrapassados sem colocar em risco equilíbrios fundamentais na nossa economia e na nossa sociedade.
Esta é uma dimensão de reforma que terá, também aqui, de ser acompanhada, permanentemente, com os esforços em curso de melhoria do nosso sistema fiscal.
Relembremos o facto de os estudos elaborados sobre o futuro da segurança social, apesar de afastarem o cenário de défice na componente contributiva do mesmo, não deixarem de identificar, a médio prazo, uma situação de importantes dificuldades financeiras. Estas dificuldades financeiras, fundamentalmente explicadas pelo processo de maturação do nosso sistema de pensões, irão exigir que o esforço com o financiamento do sistema se amplie, em 20 anos, segundo o Livro Branco, em valores que se poderão aproximar dos dois pontos percentuais do produto interno bruto.
Trata-se de uma expansão considerável - a preços de hoje, acima dos 300 milhões de contos - que, apesar de compatível com uma economia em franco desenvolvimento, não deixa de exigir sérios cuidados do ponto de vista da gestão da reforma e do sistema.
Na óptica do Governo e no plano do financiamento, importa que a futura lei de bases estabeleça os princípios gerais do modelo de financiamento e abra campo para a aprovação de instrumentos legislativos específicos, seja no domínio da criação de novos instrumentos contributivos, seja na flexibilização da taxa social única. Esses instrumentos, cuja fundamentação técnica continuamos a desenvolver, deverão possuir uma adaptabilidade à evolução conjuntural que seria errado prever num instrumento como uma lei de bases de um sistema.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos, pois, perante um conjunto de documentos onde é possível encontrar amplas zonas de consenso e importantes áreas de divergência. É natural que assim seja.
Por um lado, existem amplas zonas de aproximação, porque foi possível, nestes últimos anos, tornar consensuais importantes componentes do diagnóstico sobre a situação social em Portugal e sobre a natureza de alguns dos nossos principais desafios.
Por outro lado, existem importantes fricções, porque permanecem na nossa sociedade posturas distintas, alternativas políticas e ideológicas diversas sobre o papel e a importância dos instrumentos de protecção social. Isto é positivo. Esta divergência é, naturalmente, um factor de enriquecimento da nossa vida colectiva e de valorização da importância do debate que agora aprofundamos.
Há quem possua do sistema de segurança social uma visão de construção de um limiar de protecção apenas suficiente para responder aos problemas, básicos dos cida-

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dãos, deixando a organização de parte substancial dessa protecção à escolha individual de cada um. Não é essa a nossa visão.
Há quem possua uma visão que consideramos demasiado conservadora do sistema, como modelo que poderia crescer indefinidamente, colocando no Estado a resposta a todas as dificuldades desse crescimento. Também não é essa a nossa visão.
Estou convicto de que as alternativas que temos perante nós, apesar de divergentes em aspectos importantes e apesar de, em alguns aspectos, serem efectivamente contraditórias, se afastam das posturas ideológicas mais extremadas e permitem trabalhar para a produção de um consenso que expresse o sentir da generalidade dos portugueses. Esse consenso, aliás, foi conseguido em vários países onde também há partidos políticos da direita e da esquerda, onde há alternativas, mas em que foi possível estabelecer linhas gerais fundamentais que estão agora a balizar o desenvolvimento das reformas dos sistemas. Não sei por que razão, em Portugal, não seremos capazes de percorrer esse caminho!...
Esse consenso vai exigir um intenso e aturado trabalho de discussão, na especialidade, dos múltiplos componentes deste normativo. Debate para o qual é importante que se proceda a múltiplos contactos e audições.
Os Srs. Deputados farão o que entenderem, no âmbito das comissões, mas, do nosso ponto de vista, era importante que, sobretudo acerca dos principais pontos de divergência em presença, fossem ouvidas personalidades que trabalharam na Comissão do Livro Branco e outros especialistas. Os parceiros sociais devem ser, novamente, associados a este debate, bem como os restantes parceiros da área da solidariedade.
Este debate deverá permitir que, na presente sessão legislativa, seja aprovada uma nova lei de bases da segurança social e que o Governo possa preparar e apresentar, ainda em 1999, diplomas que concretizem, pelo menos, alguns domínios da nova lei.
A produção desse consenso, a aprovação da nova lei de bases e dos diplomas de concretização criarão o quadro que permitirá que, na próxima legislatura, se consolide e desenvolva a reforma da segurança social já iniciada na presente legislatura.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estou convicto de que este calendário pode ser cumprido e de que estamos em condições de atingir um importante consenso nesta Assembleia.
Todos, quem governa e quem está na oposição, temos a obrigação, agora mais do que nunca, de assumir a transitoriedade das nossas funções, tendo permanentemente presentes os interesses das portuguesas e dos portugueses de todas as gerações. Saibamos cumprir. Saibamos servir Portugal, preparando para o século XXI um país não apenas economicamente mais desenvolvido mas também socialmente mais solidário e dotado de uma segurança social mais forte e para todos.

Aplausos do PS, de pé.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro, os Srs. Deputados Maria José Nogueira Pinto, Nuno Correia da Silva, Moura e Silva e Octávio Teixeira.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): Sr. Presidente, Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade, em primeiro lugar, quero registar a diferença do seu discurso em relação ao nosso projecto entre o dia 17 de Junho, em que fez um discurso muito crítico, e o dia de hoje, em que, de facto, quase estabeleceu aqui a base do pacto de regime de que estávamos à espera e que só ocorreu devido a esta nossa iniciativa.

Risos de alguns Deputados do PS.

Há pouco, referi algumas incertezas sobre a utilidade deste debate não porque não esteja empenhada nele - aliás, toda a bancada e todo o partido estão e penso que as restantes bancadas também - mas porque se me suscita uma dúvida que gostaria de lhe colocar e que se prende exactamente com uma das traves-mestras que referiu, a saber, a sustentabilidade financeira do sistema.
Se bem se recorda, e voltando a 17 de Junho, quando lhe perguntei como estava a saúde financeira da segurança social, pois penso que esta é uma questão prévia a toda e qualquer reforma, o Sr. Ministro remeteu-me para o quadro da Comissão do Livro Branco da Segurança Social, que é um quadro tranquilizador porque transfere para o ano de 2020 o início de um ciclo de dificuldades financeiras, o que nos dá uma margem de manobra para um trabalho com alguma serenidade. Qual não foi o meu espanto, e era sobre isto que gostaria de questionar o Sr. Ministro, quando tomei conhecimento de um trabalho da autoria do Sr. Dr. Pedro Duarte Silva, e que julgo também ter sido pedido pela Comissão do Livro Branco ou, talvez, por alguma das direcções-gerais que o Sr. Ministro tutela, que prevê um grande desequilíbrio financeiro 10 anos mais cedo. Ou seja, enquanto em 17 de Junho, antes do agendamento destes projectos - e note que o nosso projecto de lei, sob este ponto de vista, é bastante prudente, porque nunca fomos muito optimistas -, tínhamos um quadro que previa que até 2010 não haveria um grande problema de insuficiência financeira, confrontamo-nos agora com um quadro completamente diferente, na medida em que há um défice equivalente a 1,30% do produto em 2010, o que, traduzido em milhões de contos, seria mais 250 milhões de contos do que em 1998.
Ora, penso que, não obstante a proclamação de boa vontade que o 'Sr. Ministro fez na tribuna - e que é uma proclamação de boa vontade perfeitamente compreensível, porque, obviamente, o Governo não tem outro interesse senão o de que saia daqui uma boa lei de segurança social - era importante esclarecer a Câmara sobre esta questão prévia. É que se este quadro é para 2010, aquilo que deveríamos debater aqui hoje seria, provavelmente, mais qualquer coisa; se este quadro porém estiver errado, e tratando-se de um estudo oficial só o Sr. Ministro poderá responder, também gostaríamos de manter a tranquilidade que nos transmitiu em 17 de Junho e que esperamos não ser ilusória.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade.

O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade: Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, começo por lhe dizer que se houve diferença de tom foi entre a intervenção do CDS-PP e o enquadramento polí-

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tico de hoje e aquele que existia em Junho. A Sr.ª Deputada sabe tão bem como eu que, em Junho, a questão mais mediática, a questão fundamental, a questão a que se reduzia a reforma da segurança social do CDS-PP era a da convergência entre as pensões mínimas e os salários mínimos. Ora, quanto a essa questão, como a Sr.ª Deputada sabe, o Governo mantém hoje a mesma posição que tinha em Junho: sempre dissemos que era injusto que pessoas com 15 anos de vida contributiva tivessem pensões iguais ao salário mínimo, tal como sucede com pessoas com 40 anos de vida contributiva, e agimos em conformidade com isso.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Muito bem!

O Orador: - Portanto, os senhores fizeram intervenções que, do nosso ponto de vista e como dissemos na altura, eram erradas e, do ponto de vista social, demagógicas. Respondemos com a prática política e é isso que também faz a diferença na maneira de estar, ainda que, obviamente, uns estejam no Governo e outros na oposição.
Portanto, a diferença está na centralidade da questão das pensões mínimas, que neste momento e obviamente não têm a mesma centralidade e percebe-se porquê: é que, entretanto, foram tomadas medidas concretas, positivas e coerentes com o que sempre dissemos.
Quando há pouco a Sr.ª Deputada, na sua intervenção, insinuava como é que não havia dinheiro e agora já há, bem, devo dizer-lhe que não há comparação possível: Sr.ª Deputada, as medidas que tomámos são medidas financeiramente consistentes que, do ponto de vista financeiro, representam muitíssimo menos do que as medidas que queriam que tomássemos, que são medidas erradas do ponto de vista social e com consequências políticas que levariam a que o projecto do CDS-PP, na verdade, estivesse a 180º de distância daquele que apresenta, porque teria de recorrer a fortíssimos aumentos das receitas ou teria de explicar como é que, no Orçamento do Estado, se iriam buscar impostos crescentes para responder a essas necessidades.
Não foi isso que foi feito e o meu registe de hoje é diferente do de Junho porque o vosso também é. Portanto, é tão simples como isto.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Muito bem!

Vozes do CDS-PP: - Não! Não!

O Orador: - Do ponto de vista da situação financeira da segurança social, é verdade que há um trabalho, aliás, interessante, do Dr. Duarte Silva, que não tenho o prazer de conhecer pessoalmente. De qualquer modo, conheço o trabalho que ele fez, o qual, segundo sei, foi entregue já o relatório da Comissão do Livro Branco estava pronto, que poderia levar à .ideia de que as dificuldades do regime geral começariam mais cedo.
Estamos a analisar esse trabalho, que, como estou a dizer, contem muita informação e é muito interessante a vários níveis, mas, no que diz respeito a esta questão em concreto, eu próprio já pude verificar - não por culpa do Dr. Duarte Silva mas da informação a que teve acesso que a base de contribuições para 1996, 1997 e 1998 da qual parte está muito abaixo do que foi a realidade, o que leva a uma distorção nas projecções.

Não vamos meter «a cabeça debaixo da areia», vamos procurar analisar, apesar de tudo, a consistência desse trabalho, mas, devo dizer-lhe que, em qualquer circunstância, não há qualquer alteração que leve a uma mudança de ritmo e de postura. Sempre considerámos e continuamos considerar que não há qualquer falência da segurança social pública - aliás, não pode haver também não há qualquer ruptura financeira à vista, até porque um aumento da despesa ou do investimento na segurança social de dois pontos do PIB apenas faz com que Portugal se aproxime de valores médios europeus de que está ainda muito afastado, como a Sr.ª Deputada sabe. Portanto, achamos que não é por causa disso que não se deve fazer uma reforma, pelo contrário, ela deve ser feita com a rapidez possível e com a capacidade política que se considere mais vasta. Assim, este trabalho de reforma está em curso e o que aqui estamos a fazer hoje vai nesse mesmo sentido.
Quero, portanto, sossegá-la, Sr.ª Deputada, pois em matéria de falência as conclusões de hoje são as mesmas de sempre, isto é, não há qualquer falência da segurança social pública, nem poderia haver, repito. Eventualmente, poderão existir dificuldades no regime geral, uns anos mais cedo do que aponta o relatório oficial do Livro Branco, mas isso só nos deve estimular a termos o maior cuidado com a sustentabilidade financeira do sistema enquadrado na sustentabilidade financeira do sector público administrativo e aí esse é um desafio para todos nós.

Aplausos do PS, de pé.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): Sr. Presidente, a questão que coloquei ao Sr. Ministro era a de saber se o quadro assumido pelo Governo para o ano de 2020 poderia ocorrer no ano de 2010. Registo que o Sr. Ministro não respondeu.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, a Mesa nada pode fazer a esse respeito.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, na primeira parte da sua intervenção, comecei a pensar comigo mesmo se não iria chegar à conclusão de que, afinal, todos os projectos convergiam em tudo. A listagem que fez foi tão grande que comecei a pensar que era capaz de não haver divergências.

Risos do PCP.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Podem ter-se enganado no projecto!

O Orador: - Sr. Ministro, o que pretendia referir sobre esta questão é o seguinte: é evidente que, nos vários projectos, há diversas matérias que convergem; agora, julgo que, numa situação destas, num quadro destes e nesta matéria, o que é importante é precisamente a zona

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das divergências, porque é nas orientações estruturantes, que podem ou não vir a permitir que hajam soluções consensuais, que se colocam as grandes questões e aí, como o Sr. Ministro certamente reconhece, as divergências são enormes, como, aliás, há pouco apontou.
Todos nós apresentamos nestes projectos novos caminhos, mas alguns são completamente divergentes de outros e é nesse âmbito que temos de encarar as questões, sendo também nele que, em sede do pedido de esclarecimento, vou colocar algumas questões sobre os caminhos que o Governo pretende seguir, de acordo com o seu projecto.
Não temos quaisquer dúvidas de que queremos que haja uma sustentabilidade do sistema público da segurança social e do sistema na sua globalidade, mas numa perspectiva de evolução no progresso da protecção social, não numa perspectiva de regressão, como apontam alguns projectos que temos neste momento em cima da mesa.
Portanto, pela nossa parte, a grande questão que se coloca em relação à proposta de lei do Governo é, de facto, a problemática da reintrodução no sistema português do chamado limite dos tectos contributivos ou, se se quiser, do chamado plafonamento. Isto por razões políticas, certamente, no encarar da questão da protecção social, e, se se quiser, também por razões ideológicas, mas, fundamentalmente e mais uma vez, pela tal questão de saber como é que assim se consegue garantir a sustentabilidade do sistema, porque o Sr. Ministro sabe que o próprio Livro Branco não sustenta, embora o proponha, a sustentabilidade do sistema de segurança social com a introdução do plafonamento.
Não vou, agora, referir os vários estudos, que, aliás, apontam para a ideia de que a longo prazo - embora com um agravamento a curto e médio prazo - haverá ou poderá haver saldos positivos do sistema global. Aliás, já se falou aqui de vários estudos e estou a recordar-me do estudo do CIEF em que se diz que, com a introdução do plafonamento, antecipa-se a ruptura do sistema em cinco anos e no cenário estudado, isto é, até ao ano 2050, haverá sempre saldos negativos. do sistema global da segurança social. Ora, se pensarmos que, na perspectiva do ano 2050, continua a haver saldos negativos, não pode ser esta a via.
Julgo que esta é a grande questão central que deve ser dirimida com todo o cuidado e seriedade para que os portugueses e os trabalhadores não venham, no futuro, a sofrer danos irreparáveis.

O Sr. Presidente: - Agradeço-lhe que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Há pouco, na sua intervenção, o Sr. Ministro fez uma afirmação, com a qual estamos totalmente de acordo, acerca do regime contributivo para trabalhadores por conta de outrem, onde a base para o cálculo das prestações deve ser as remunerações e o período de contribuição. Só que na proposta de lei do Governo não vem apenas isso, vem também a ideia de, para além disso, introduzir um elemento de selectividade. Como é que num sistema de solidariedade inter-profissional se pode inserir um sistema de selectividade? Não conseguimos perceber esta questão.
Sr. Ministro, como é que numa proposta de lei de bases gerais do sistema de segurança social o Governo não faz uma referência, uma proposta para o problema da amortização da dívida do Estado à segurança social?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, o Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade.

O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade: Sr. Presidente, Sr. Deputados Octávio Teixeira, em primeiro lugar, queria agradecer-lhe as suas perguntas e dizer o seguinte: o PCP, em relação à lei de bases que está hoje em vigor, teve a atitude de não a votar; no entanto, hoje, ela é um referencial importante para o PCP e não é de agora - no tempo em que os nossos partidos estavam ambos na oposição, o cumprimento da lei de bases sempre constituiu para nós uma questão fundamental, sobretudo em matéria financeira, naquilo em que o Orçamento do Estado deveria participar relativamente aos défices dos regimes não contributivo, parcialmente contributivo e de acção social.
Agora, o que se verifica é que se corre o risco de, neste processo de lei de bases, poder vir a acontecer o mesmo; espero que não, sinceramente, pois penso que era um sinal de amadurecimento da nossa democracia em geral se houvesse possibilidade de, numa lei estruturante do regime, existir uma participação activa do PCP. Aliás, este seu projecto, pelas razões que disse naquela parte em que referi as convergências, é um projecto com o qual se pode trabalhar.
Mas, Sr. Deputado, repare que há duas maneiras de «pegarmos» neste debate, sendo uma estimularmos a divergência, procurando todas as divergências e salientando-as, o que, depois, nas votações finais, teria uma determinada lógica. O estilo e o método que percorri e preferi é aquele que se me afigura mais adequado com a possibilidade de não haver, à partida, eliminações neste processo de debate e de transformação da lei de bases em que penso que haverá uma contribuição activa por parte de todos os partidos e também por parte do PCP.
Sr. Deputado, vou ler-lhe um artigo 24.º, que diz o seguinte: «as contribuições são determinadas pela incidência das percentagens fixadas na lei sobre as remunerações, ou equiparadas, na parte em que não excedam o montante igualmente indicado na lei». Sr. Deputado, sabe de que diploma faz parte este artigo? É da lei de bases que está em vigor, a qual tem, no seu texto, o tal plafonamento, essa coisa horrível, essa invenção demoníaca...

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Demoníaca para si!

O Orador: - Sr. Deputado, estou só a dizer que houve um partido que teve maioria absoluta durante 10 anos e que, pelos vistos, considerou que não tinha condições ou que não deveria levar à prática este tipo de plafonamento. Portanto, aquilo que, neste momento, há nos vários projectos é uma visão de articulação entre o sistema público e os sistemas de capitalização, públicos ou não, que é diferente de projecto para projecto, mas numa lei de bases não se deve « fechar portas», visto que temos de admitir que há alternância no poder e «fechar portas» era a maior «estupidez» que se podia fazer em matéria de lei de bases.
O PSD tem uma posição diferente, porque defende um plafonamento de outro tipo, que não é, digamos, para níveis de rendimento a partir de um determinado salário mas para que todos os trabalhadores, independentemente dos salários, possam optar por uma determinada parte do seu salário ser para capitalização privada e não para re-

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partição. É, portanto, uma lógica diferente daquela que está presente na actual lei de bases e na proposta do Governo.
Vamos para a discussão na especialidade, porque, obviamente, há uma questão que para mim é fundamental: é que não há qualquer desenvolvimento que eu admita dos sistemas privados em Portugal, tanto nesta área como em qualquer área social, que possa ou deva ser feito à custa da «desnatação» ou à custa do prejuízo dos sistemas públicos. No entanto, há fórmulas possíveis de encontrar equilíbrios entre os sistemas privados, os sistemas públicos, a capitalização e a repartição que não sejam feitos nessa promiscuidade e é para aí que temos de ir.
Portanto, vamos partir para essa reflexão na especialidade, sem dúvida nenhuma com os dados da Comissão do Livro Branco, que são importantes, porque, efectivamente demonstram que, do ponto de vista financeiro, o resultado do plafonamento, se for feito, por exemplo, a um nível de cinco salários mínimos, é um resultado extremamente pequeno, mesmo daqui a 20 ou 30 anos, quando começar a ser positivo e, assim, vamos discutir até que ponto é que há meios e formas de conseguir os mesmos resultados com outros métodos.
Nós temos uma proposta, assumimo-la, mas vamos para a discussão na especialidade com toda a abertura para debater o vosso projecto e outros relativos a esta matéria.
Estamos convencidos de que a nossa fórmula é a melhor...

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Ministro.

O Orador: - Com certeza, Sr. Presidente, embora entenda que as outras questões que iria abordar também são importantes..., mas ficarão para a discussão na especialidade.

'O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem
a palavra o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Sr. Ministro, é sempre com natural agrado que o oiço reafirmar a boa saúde financeira da segurança social. Isso é encorajador e penso que nos deixa a todos mais reconfortados, mas há uma contradição entre aquilo que o Sr. Ministro diz e aquilo que o Governo propõe - áliás, devo confessar-lhe que, normalmente, estou de acordo com aquilo que o senhor diz, mas, raramente, estou de acordo com aquilo que o Governo propõe. Portanto, há qualquer coisa que não está bem!...
O Sr. Ministro fala da sustentabilidade do sistema e da «boa saúde» financeira da segurança social, mas, na proposta de lei, o Governo vem propor a criação de um novo imposto chamado contribuição de solidariedade.
O Sr. Ministro disse há pouco que a «contribuição de solidariedade» não era uma contribuição à frandesa, mas, na verdade, é uma contribuição à la cante, ou seja, como se diz no n.º 2 do artigo 63.º, sempre que for necessário equilibrar as contas do Sector Público Administrativo vai-se à «contribuição de solidariedade».
De facto, não sabemos sobre o que vai recair esta «contribuição de solidariedade», porque o Sr. Ministro disse aquilo que a «contribuição de solidariedade» não é, mas não disse aquilo que a «contribuição de solidariedade» é.
Assim, o que queremos saber é qual a base de incidência. É sobre os rendimentos do trabalho? É sobre os

rendimentos de capital? Qual é a base de incidência onde o Sr. Ministro prevê basear a «contribuição de solidariedade»?
É porque num sistema fiscal injusto mais impostos significam mais injustiça e esta é que é a grande questão, porque o nosso sistema fiscal é injusto e este novo imposto significa mais injustiça.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - É verdade que os franceses procuraram encontrar uma nova fonte de financiamento, mas não conseguiram, porque sofrem do mesmo problema que nós que é o do sistema fiscal.
A outra questão que gostaria de colocar-lhe tem a ver com o princípio da convergência. O Sr. Ministro pode dizer que é demagogia da nossa parte - aliás, poderá fazer as considerações políticas que muito bem entender -, mas estou certo de que o Sr. Ministro, como todos nós e como qualquer cidadão responsável e sensível às questões sociais deste País, deseja a convergência e terá, certamente, orgulho em viver num País onde não haja pensões de 24 000$ por mês, que não permitem às pessoas viver, quanto muito, com muito esforço, tentam sobreviver...
O PP propõe para o ano de 2005 essa convergência. Pergunto, Sr. Ministro: para quando é que o senhor prevê essa convergência?
Vamos falar com objectividade! Não vamos falar de intenções mas, sim, de acções que é isso que o PP propõe. Nós indicamos o prazo, o tempo e o caminho, portanto, da parte do PP, penso que a proposta, mais do que responsável, é muito séria.
Para terminar, gostaria de dizer que a questão do princípio de convergência é para nós muito cara, porque, mais do que um imperativo social, é um imperativo moral, porque se esta geração está hoje a beneficiar de um nível de bem-estar mais elevado do que a geração que nos precedeu é porque essa geração fez sacrifícios e esses sacrifícios vieram a reflectir-se na sua remuneração.
É uma obrigação moral da nossa parte fazer o princípio da convergência, porque nós estamos a beneficiar daqueles que fizeram sacrifício e eles estão a pagar o preço por terem feito sacrifícios.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade.

O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade: Sr. Deputado Nuno Correia da Silva, agradeço-lhe as questões que me colocou e penso que não há qualquer contradição entre aquilo que eu digo e aquilo que o Governo propõe - pode ser é que hája uma parte que não seja totalmente compreendida.
Foi dito e explicitado .por mim que o lançamento de uma «contribuição de solidariedade» pode e deve ser um contributo, em paralelo com a reforma fiscal, no sentido de aumentar a justiça fiscal em Portugal.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Continuo a não conc9rdar consigo.

O Orador: - Temos em Portugal um problema, todos o reconhecem, que é de justiça fiscal. Todos os par-

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tidos reconhecem que há uma distribuição perversa da fiscalidade sobre determinada parte da população, que é a população trabalhadora por conta de outrem. Portanto, é perfeitamente possível conseguirmos criar novas receitas para a segurança social a partir da fiscalidade, aumentando a justiça fiscal global de todo o sistema. Em todo 0 caso, não podemos é fazer um exercício errado, do ponto de vista técnico, que é o de tentarmos isolar a segurança social de todo o resto.
Todo o processo de transformação da segurança social é um processo paralelo com o de transformação fiscal, o que não impede também que se faça bastante na área da segurança social e, por.consequência, não há aqui qualquer espécie de contradição entre aquilo que se diz e aquilo que se propõe, muito pelo contrário. Aliás, chamo a sua atenção para que a «contribuição de solidariedade», sendo um imposto, é da competência exclusiva da Assembleia da República e, certamente, o Governo terá ocasião de fazer propostas que acentuem, do ponto de vista da interacção entre o Orçamento do Estado e o da segurança social, a justiça fiscal global do conjunto do sistema, porque é isso que está em causa e aí, penso, estaremos todos de acordo.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Estamos, o Sousa Franco é que não sei!

O Orador: - Quanto à questão da convergência da pensão mínima com o salário mínimo, devo dizer-lhe que não tenho qualquer ambição de ver as pensões sociais não contributivas iguais ao salário mínimos porque penso que isso era errado, injusto e criava problemas gravíssimos em Portugal, nomeadamente de convite à não contributividade e de dificílima gestão de todos os programas sociais. Era, pois, totalmente errado e injusto, pelo que não há qualquer ambição da minha parte neste tipo de demagogia.
Assumo hoje, como em Junho, como sempre, que deve haver uma convergência para as carreiras contributivas completas...

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Com certeza!

O Orador: - ... e que deve haver para carreiras contributivas com 15 anos 65% do salário mínimo nacional, o que já é bastante.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - O PP quer é que toda a gente pague sobre o salário mínimo.

O Orador: - E sabem para quando é que nos comprometemos fazer isso que os senhores querem fazer em sete anos? Em menos de um ano!... Em Junho do próximo ano a situação estará como os senhores queriam que estivesse daqui a sete anos,...

Vozes do CDS-PP: - Ó Sr. Ministro...!

O Orador: - ... mas só naquilo que é justo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Moura e Silva.

O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Sr. Ministro, parece não haver dúvidas acerca da necessidade de procedermos com urgência à reforma da segurança social.
O Governo, ao apresentar a sua proposta de lei, associa-se às preocupações que o PP manifestou, razão pela qual me congratulo com a iniciativa do Governo. Direi mesmo que é caso para dizer que valeu a pena o PP ter tomado a iniciativa de apresentar o seu projecto de lei, até porque o Governo parecia estar um pouco adormecido numa querela que surgiu entre os que estavam, de certa forma, a presidir ao documento de suporte para as reformas da segurança social. Mas, felizmente, o Governo associou-se às nossas iniciativa e preocupação - e ainda bem!
A reforma da segurança social não pode, em circunstância alguma, pôr em causa os direitos adquiridos, aliás penso que todos estamos de acordo com isso. Já agora, aproveito para lembrar ao Sr. Ministro que o actual sistema está fundado no respeito pela expectativa que os cidadãos nele depositaram, ou seja, na expectativa de no final da sua vida activa poderem ter níveis de vida e de bem-estar tranquilos...

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Diga isso ao seu líder!

O Orador: - ... e essa expectativa foi depositada no Governo e não pode, em circunstância alguma, o Governo frustrar essa expectativa.
Curiosamente, o Governo com esta proposta em nada contribui para a resolução dos problemas e não introduz mecanismos que melhorem a segurança social.
A proposta reflecte uma opção clara pelas posições defendidas pelas associações patronais em detrimento daqueles que, de facto, deviam beneficiar do regime de segurança social.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Explique lá!

O Orador: - Para ser mais objectivo referir-me-ei ao artigo 65.º da proposta de lei onde é criado o fundo de reserva.
De facto, considero positiva a criação de um fundo de reserva com o objectivo da capitalização pública até assegurar a cobertura das pensões no período mínimo de dois anos. Tudo bem quanto ao princípio, mas discordamos desta proposta, pois este fundo, de acordo com o articulado, deve ser constituído a partir de uma parcela das quotizações dos trabalhadores e em exclusivo.
Lembro que o Estado - e o Sr. Ministro com certeza concordará comigo - utilizou, pelo menos entre 1985 e 1995, verbas com essa proveniência para pagamento de regimes não contributivos e acção social.
Para nós, fazia todo o sentido que o fundo partisse de transferência do Orçamento do Estado específica para esse efeito a dirduzir no montante da dívida, ou seja, o Governo fala em justiça social e em distribuição de rendimentos mas procede de forma diferente.
Permita-me, ainda, de forma breve, que lhe coloque as minhas dúvidas no que tem a ver com a penhorabilidade das prestações. Para o PP parece estranho que o Sr. Ministro subscreva esta proposta, porque, de alguma forma, esta proposta constante do artigo 56.º liberaliza, pura e simplesmente, a penhorabilidade em todas as circunstâncias e a todas as reformas.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Bem lembrado!

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O Orador: - A lei geral, curiosamente, define alguns critérios e a proposta do PP determina a excepcionalidade da penhorabilidade, pelo que nós introduzimos um limite máximo, mas o Governo liberaliza totalmente, sendo a sua proposta muito permissiva nesta matéria.
Para terminar permita-me que manifeste a minha perplexidade e não compreenda o estipulado no artigo 91.º porque, no mínimo, impunha-se uma maior reflexão sobre esta matéria.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade.

O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade: O Sr. Deputado dividiu a sua intervenção em duas partes, uma em que saudou a iniciativa do Governo e outra em que a atacou.
De qualquer forma, penso que em relação aos direitos adquiridos estão bastante claras na nossa proposta de lei a manutenção e a defesa desses direitos adquiridos e dessas justas expectativas existentes.
Quanto à questão do fundo, penso que ele irá ser utilizado fundamentalmente prevendo as possibilidades de existirem problemas naquilo a que hoje se chama o regime geral contributivo, que faz todo o sentido que seja financiado através das contribuições desse mesmo sistema. Aliás, também podemos dizer que é uma falsa questão pensar que se resolvem todos os problemas sociais dizendo-se que é o Orçamento do Estado que transfere para o orçamento da segurança social, porque as receitas que o Orçamento do Estado tem são receitas fiscais e grande parte destas, como o Sr. Deputado sabe, são sobre os rendimentos do trabalho e sobre os trabalhadores.
Portanto, às vezes, pensarmos que temos uma solução genial leva-nos a cair exactamente numa solução do ponto de vista social praticamente do mesmo tipo. Por consequência, aquilo que é fundamental é conseguirmos desenvolver esta reforma da segurança social, que tem alguma audácia e ambição, em paralelo com a reforma fiscal que está em desenvolvimento.
Alguns aspectos que o Sr. Deputado levantou são aspectos interessantes de especialidade, mas que penso que são iguais às fórmulas que estavam consagradas na lei de bases anterior...

O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Não, não! São bem diferentes!

O Orador: - ... e por consequência podemos analisar até que ponto é que neste momento isso poderá ou não ser ultrapassado.

O Sr. Presidente: - Para introduzir o debate do projecto de lei n.º 565/VII - Lei de Bases da Segurança Social, apresentada pelo PCP, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Uma nova lei de bases da segurança social constitui uma questão central para a vida de todos os trabalhadores portugueses, não só para aqueles que hoje são contribuintes/beneficiários do sistema mas também para as novas gerações que se preparam para chegar ao mercado de trabalho. E, pois, uma matéria estruturante que envolve gerações. Bastaria

este facto para sublinhar a necessidade de uma nova lei de bases ter suficiente tempo de reflexão e amadurecimento e ser submetida a um largo debate nacional, sem estar dependente de calendários político-eleitorais que jogam com as legítimas aspirações e expectativas de milhões de pensionistas e reformados. Do nosso ponto de vista, a visão político-eleitoralista do CDS-PP e a sua ânsia insaciável de permanente protagonismo mediático não o permitiram, para já, com este agendamento potestativo e extemporâneo.
Mas não tendo sido dada a possibilidade de o projecto de lei do PCP - tal como o do PSD, aliás - ser submetido a debate público previamente a esta apreciação na generalidade, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista exigirá que essa consulta pública seja realizada entre o debate na generalidade e o debate na especialidade.
Não permitiremos que matéria de incidência laborai da maior relevância para os trabalhadores possa ser objecto de decisão parlamentar definitiva sem a exigível abertura do respectivo debate público.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a reforma da segurança social é, fundamentalmente, uma questão de natureza e opções políticas e ideológicas.
O que está em causa neste debate sobre uma nova lei de bases da segurança social é o modelo social e o papel do Estado no sistema de protecção social da nossa sociedade, são concepções de índole política, não são opções técnicas. Nele se confrontam as concepções dos que defendem uma filosofia política em que o trabalho é perspectivado apenas como uma fonte de rendimentos e as daqueles que, como o PCP, o entendem igualmente como um elemento essencial de realização e dignidade pessoais e de integração social; a concepção dos que entendem que a segurança social deve ser essencialmente uma responsabilidade solidariamente partilhada por toda a sociedade ou a dos que defendem que, para além de um sistema meramente assistencial ista, toda a protecção social deve ser deixada à exclusiva responsabilidade individual dos cidadãos e à lógica da gestão mercantilista. É ainda o confronto de opções políticas entre os que centram a reforma da segurança social nos seus objectivos próprios e os que sobrepõem a esses objectivos os interesses do mercado financeiro e do lucro privado.
Não ignoramos que se colocam à segurança social desafios que exigem uma resposta suficiente no que concerne à sustentação financeira futura do sistema público de segurança social. Mas essa resposta é, também ela, basicamente política.
Srs. Deputados, as diferenças politicamente mais substantivas - aliás indissociáveis entre si, entre o projecto de lei do PCP e os restantes projectos de lei - reconduzem-se a três questões essenciais: a dimensão e as responsabilidades do sector público no sistema de segurança social; a eventualidade de introdução de tectos contributivos, sejam eles horizontais ou verticais, no regime substitutivo dos rendimentos da actividade profissional (a questão da segunda pensão obrigatória) e a problemática das fontes e formas de financiamento dos diversos regimes de protecção social que integram o sistema.
Quanto à dimensão e às responsabilidades do sector público, de forma inequívoca e difërentemente de outros, o projecto de lei do PCP prossegue uma reforma da segurança social orientada para a redução das desigualdades

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sociais, para o aumento do nível global de protecção social na sociedade portuguesa e de acordo com a concepção de que a protecção dos riscos sociais deve ser, primordial e fundamentalmente, uma responsabilidade do Estado e da sociedade no seu conjunto.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Por isso defendemos, sem ambiguidades, o primado da responsabilidade do sistema público e o desenvolvimento da sua universalidade em todas as eventualidades: só a responsabilidade pública garante a unidade de um sistema de segurança social mais preparado para responder aos desafios e necessidades de hoje e do futuro; só um sistema público pode garantir uma efectiva e sustentada protecção social dos cidadãos, porque não está sujeita à lógica dos interesses financeiros privados das seguradoras e das sociedades gestoras de fundos de pensões, nem está dependente da taxa de rentabilidade obtida nos mercados bolsistas e na especulação financeira.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Concomitantemente, recusamos as orientações dos projectos de lei do PSD, do CDS-PP e da própria proposta de lei do Governo que visam reduzir a dimensão do sistema público em benefício da expansão dos regimes privados, seja através da imposição de tectos contributivos com inscrição obrigatória em regimes complementares seja pela possibilidade de redução de contribuições para os regimes públicos quando existem contribuições para regimes privados.
O PCP não enjeita a existência de um regime de prestações complementares desde que seja de subscrição voluntária, de prestações definidas e sem estar sustentado, em nenhum tecto, nas contribuições obrigatórias.
Como escreveu o chamado grupo minoritário da Comissão do Livro Branco, «uma coisa é o encorajamento dos cidadãos a tomarem disposições complementares em matéria de protecção nos riscos sociais, outra coisa é tal encorajamento levar à criação de diversos níveis de protecção social e ao enfraquecimento do sistema já existente».
Quanto aos tectos contributivos, a imposição da chamada segunda pensão obrigatória, como é explicitamente assumida nos projectos de lei do PSD e do CDS-PP e, de uma forma talvez mais encapotada, na proposta de lei do Governo, traduzir-se-ia numa fragilização das receitas da segurança social pública, abriria a porta à privatização da segurança social e ajudaria a agravar o fosso entre os rendimentos de reforma dos trabalhadores melhor remunerados e com emprego regular, e os restantes.
O modelo da segunda pensão obrigatória não é um instrumento de política social, antes um instrumento económico para satisfação de interesses das seguradoras e do mercado de capitais.
Mas a introdução no sistema de um tecto contributivo e da segunda pensão obrigatória, questão central da reforma em debate, exige mais alguns comentários.
Em primeiro lugar, é estranho, pelo menos para nós, que o Governo persista nesta orientação, no momento em que a nível mundial está em curso uma grave crise financeira de dimensão e consequências ainda não totalmente definidas, no momento em que o Primeiro-Ministro e outras figuras gradas do PS aparecem a público a verbe

ratem a liberalização selvagem dos mercados financeiros. É estranho porque é sabido que os múltiplos fundos de pensões e aparentados são dos principais responsáveis pela permanente especulação nos mercados financeiros.
Em segundo lugar, a própria experiência portuguesa do que se passa com as indemnizações de miséria que resultam para os sinistrados no domínio do regime do seguro privado dos acidentes de trabalho deveria ser, só por si, fonte de profunda reflexão por parte do Governo.
Por último, importa reafirmar que o próprio Livro Branco não suporta a tese da segunda pensão obrigatória ao concluir que < o `plafonamento' das contribuições constituirá sobretudo uma medida curativa com resultados pouco visíveis no reequilibro financeiro do sistema, já que não só mantém a perspectiva de ruptura financeira do sistema como poderá criar ainda dificuldades financeiras adicionais no médio prazo, apresentando, todavia, ganhos líquidos no longo prazo».
E que prazos são estes relativamente aos quais já fiz referência?
De acordo com o estudo elaborado pelo Centro de Investigação de Economia Financeira, os prazos são os seguintes: antecipação da ruptura do sistema em cinco anos e saldos negativos de todo o sistema até ao ano 2050.
Porquê, então, a persistência na ideia dos limites contributivos? Para agravar as perspectivas de insustentabilidade financeira do sistema?
Chegamos à questão fulcral da sustentação financeira do sistema público de segurança social.
A resposta aos desafios que se colocam à segurança social não pode encontrar-se numa deriva neoliberal de regressão social mas antes, e apenas, numa reformulação do seu modelo de financiamento, conferindo clareza e coerência ao financiamento dos diferentes regimes de segurança social, promovendo uma menor penalização do factor «trabalho» e uma repartição mais equitativa das cargas contributivas para o sistema.
No quadro destas orientações, o projecto de lei do PCP faz uma clara destrinça entre os regimes que devem ser financiados pela solidariedade nacional através dos impostos, isto é, pelo Orçamento do Estado, e o que deve ser financiado pela solidariedade de base profissional, isto é, pelas contribuições dos trabalhadores e das entidades patronais.
Para além desta clarificação e adequação, o PCP propõe novas fontes de financiamento para a segurança social.
É evidente que um sistema de financiamento baseado quase exclusivamente em contribuições sobre os salários tende a esgotarse a médio prazo, para além de não estimular a criação de emprego e de gerar desigualdades entre empresas.
Por isso, propomos a introdução gradual de um sistema de contribuições patronais complementar do actual, assente no valor acrescentado bruto das empresas; a partir de determinado volume de negócios.
Este modelo inovatório garante a sustentabilidade financeira do regime geral a longo prazo e estabelece algum equilíbrio entre as responsabilidades sociais das empresas de mão-de-obra intensiva e as empresas de capital intensivo. Progressivamente e à medida que o modelo for sendo consolidando, pode perspectivar-se a redução da taxa social única sobre a massa salarial, salvaguardando sempre a sustentabilidade financeira da segurança social, beneficiando-se, assim, o aumento do emprego e as pequenas e médias empresas.

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Paralelamente, propomos a criação de uma taxa a aplicar sobre as operações financeiras da Bolsa de Valores que são de muitos milhares de milhões de contos, por ano, em Portugal, actualmente escapando a qualquer tributação e cuja receita reverteria para reforçar a sustentabilidade global do sistema público de segurança social.
Por esta via, com as opções e orientações inscritas no projecto de lei do PCP, não temos a menor dúvida de que é possível assegurar a sustentabilidade futura da segurança social e, paralelamente, consolidar, no progresso, o direito à protecção social dos trabalhadores e de todos os cidadãos.
Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: sendo estas as questões centrais que confrontam claramente o projecto de lei do PCP com os dos PSD e do CDS-PP e com a proposta de lei do Governo, outras orientações importantes do nosso projecto de lei merecem ser relevadas num debate na generalidade.
Desde logo, a consagração na lei de bases de que o critério básico e fundamental para a determinação do montante das pensões de invalidez e velhice do regime geral é o nível das remunerações sobre que incidem as contribuições e o período de contribuição.
Por outro lado, o princípio de que as pensões de velhice e invalidez do regime geral não poderão ser inferiores a um valor mínimo determinado de acordo com a carreira contributiva, com referência ao valor líquido do salário mínimo nacional para uma carreira contributiva completa e devendo ser objecto de actualização anual.
Propomos igualmente a consagração na lei de bases de um plano plurianual de amortização da dívida do Estado à segurança social, estabelecido no prazo de um ano, cujos valores devem ser afectos ao respectivo Fundo de Estabilização Financeira, amortizações que, juntamente com os saldos dos regimes contributivos - uma parcela anual das contribuições e outras receitas - devem ser geridas pelo Fundo em regime de capitalização com vista a contribuir para garantir a sustentabilidade financeira do sistema.
Finalmente, propomos que no mesmo prazo seja legalmente estabelecido o processo de integração da protecção por acidentes de trabalho nos regimes de segurança social, sem prejuízo dos direitos adquiridos.
Eis as questões centrais do nosso projecto de lei que garantem a sustentabilidade futura do sistema e a melhoria sensível das prestações e reformas, sem descaracterizar o sistema ou entregá-lo à voracidade dos mercados de capitais.
O PCP entende que todos têm direito à segurança social pública e que os princípios constitucionais devem estar vertidos na lei de bases, sem entorses, nem portas abertas à sua descaracterização e fragilização.
Esta é verdadeiramente uma proposta de esquerda, uma proposta inovadora e garante do sistema público, sem impedir, entretanto, o aparecimento ou desenvolvimento de sistemas complementares, desde que de base voluntária e sem constrangimentos para a segurança social pública. Lamentamos que, na sua proposta de lei, o Governo não vá pelo mesmo caminho.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: estaria tentado a dizer que com a apresentação que acabei de fazer das principais orientações e opções políticas do projecto de lei do PCP está feita, no essencial e por exclusão de partes, a análise dos outros projectos em presença.
Contudo, sobre eles, permito-me avançar ainda com os seguintes sublinhados: em primeiro lugar, o PCP distingue claramente os conteúdos dos projectos de lei do CDS-PP e do PSD e a proposta de lei do Governo.
As orientações essenciais dos projectos de lei do PSD e do CDS-PP, assentes, aliás e logicamente, numa mesma matriz de neoliberalismo radical, são politicamente inaceitáveis pelo PCP.
Também a proposta de lei do Governo merece da nossa parte fortes discordâncias, nomeadamente quanto à abertura aos tectos contributivos e à segunda pensão obrigatória.
Os projectos de lei do CDS-PP e do PSD apresentam como orientações caracterizadoras essenciais, a redução imediata do sistema público de segurança social e a sua privatização tendencial, atribuindo aos sistemas complementares privados uma natureza alternativa, mesmo substitutiva, do sistema público.
O CDS-PP não se satisfaz com a introdução de um tecto contributivo horizontal, isto é, a partir de determinado valor. O CDS-PP, como, aliás, o PSD, exige a possibilidade dos contribuintes/beneficiários abandonarem por completo o sistema público.
A nova AD pretende instituir um sistema concorrencial, como se a protecção social dos cidadãos pudesse e devesse ser equiparada a uma qualquer mercadoria.
Aliás, o PSD, no seu projecto de lei, mostra ter consciência dos graves riscos daí decorrentes. Por isso, não tem pejo em propor que os lucros resultantes da gestão das contribuições dos trabalhadores para o sistema privado sejam apropriados pelas seguradoras e pelas sociedades gestoras dos fundos de pensões, mas o pagamento futuro das reformas é da responsabilidade última do Estado! É a filosofia do lucro privado, prejuízo público!
Quanto à proposta de lei do Governo, a primeira e grande oposição que lhe fazemos tem a ver, como já referi, com o tecto contributivo. A combinação dos artigos 50.ª e 84.° parece mesmo apontar não para a mera possibilidade de instituição mas para a sua efectiva concretização.
Para além deste aspecto central, outras orientações da proposta de lei - por acção ou omissão - merecem o nosso desacordo. Desde logo a selectividade de prestações no âmbito do regime contributivo é, para nós, como já referi, totalmente incompreensível; a determinação destas prestações sociais não pode ter outras bases que não o montante das remunerações e o período de contribuição! Também merecem o nosso desacordo a tendência sistemática para a utilização do sistema em favorecer as contribuições das entidades empregadoras baixando taxas e isentando-as, as ambiguidades e omissões no sistema de financiamento, não definindo o Governo quem irá pagar a ""contribuição de solidariedade"". Seria esta mais uma contribuição a sobrecarregar os trabalhadores que já pagam a taxa social única?
Discordamos ainda da ausência de referência à introdução de novas fontes de financiamento que contribuam para que o sistema não seja desincentivador da criação de emprego, da total omissão de um compromisso quanto ao pagamento das dívidas do Estado, portas abertas à descaracterização do sistema público e ao reforço das componentes assistencialistas e esvaziamento do princípio da participação.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, terminamos como começámos. Estamos perante uma questão central da vida de todos os portugueses, em particular, dos trabalhadores. Por isso ela não pode ser tratada de ânimo leve nem com decisões apressadas e insuficientemente ponderadas.

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Pela nossa parte, queremos que os projectos de lei que ainda o não foram, designadamente o do PCP, sejam sujeitos a debate público. Mas mais, entendemos que, em sede de especialidade, deverá haver a maior abertura para audições e debates com especialistas e instituições mais directamente ligadas à problemática da segurança social e, em particular, com as associações sindicais representantes dos trabalhadores que para ela contribuem e dela devem beneficiar.
E queremos desde já. sublinhar que uma reforma da segurança social que não seja articulada com uma cada vez mais urgente reforma fiscal, será, no mínimo, uma reforma frustrada.
Embora tenhamos deixado clara a nossa frontal oposição aos outros projectos de lei e à própria proposta de lei do Governo, o Grupo Parlamentar do PCP está disponível para, numa base consensual, viabilizar todos os projectos de lei e a proposta de lei, na votação na generalidade. Não se trata da concessão do benefício da dúvida mas, sim, de possibilitar o debate plural, alargado e profundo que a matéria exige.
O PCP entra neste debate com uma posição e um projecto sério, no quadro de uma opção que valoriza o sistema público da segurança social, a sustentabilidade financeira do sistema, a solidariedade entre gerações e não abdica da perspectiva do dever solidário que a sociedade e o Estado têm de garantir um nível de vida digno a quem trabalhou e descontou toda a sua vida, a quem deu ao País e ao capital o melhor do seu esforço e da sua força de trabalho.
É esta a nossa perspectiva e continuará a ser este o nosso combate.

Aplausos do PCP, de pé.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): Sr. Presidente, Srs. Deputados: Provavelmente esta discussão não teria fim e se o Sr. Deputado tiver disponibilidade eu terei muito gosto em continuar a discutir noutra sede.
Gostaria de perguntar o que é o que o Partido Comunista Português fez aquando da votação da Lei de Bases de 1984.
Já hoje me enganei quanto a um resultado de votação da minha bancada. Portanto, também não sei se sabe de memória, no entanto era interessante ver se o Partido Comunista Português, que hoje defende a permanência desta lei, em 1984 - sei que o CDS-PP, na altura, era um dos subscritores - não a considerou neoliberal. Ou seja, o Partido Comunista Português ao apresentar um projecto de lei que considero que é muito bem feito, na óptica do Partido Comunista Português, mas tardio, indicia que esta lei em vigor talvez fosse suficiente. Ora, esta lei, há 14 anos, certamente mereceu do Partido Comunista Português duras críticas. Tudo isto para dizer que houve um tempo em que eu trabalhava no âmbito da função pública, embora não sendo funcionária pública, e era obrigada a depositar o meu ordenado na Caixa Geral de Depósitos. Agora não sou obrigada a isso e gosto de não o ser, porque assim posso levar o meu ordenado para os bancos que, concorrendo entre si, me criam melhores condições. Portanto, estas coisas evoluem.

O Sr. Deputado confunde neoliberalismo com o mínimo de liberdade que tem de ser dada às pessoas para disporem daquilo que é seu e penso que confunde as obrigações do Estado, como garante único, praticamente, do sistema de solidariedade e do sistema previdencial, com um paternalismo que é hoje insustentável.
É este o meu ponto de vista e penso que esta discussão não terá fim. No entanto, gostaria de saber concretamente qual foi a atitude do Partido Comunista Português há 14 anos, quando foi discutida e aprovada a actual Lei de Bases.
Quero ainda fazer outra pergunta porque esta matéria não foi trazida à colação por ninguém mas está a fazer-me alguma confusão.
O artigo 77.º do projecto de lei do PCP, relativo à protecção dos acidentes de trabalho, é muito semelhante ao artigo 91.º da proposta de lei do Governo, relativo à gestão do regime de protecção dos acidentes de trabalho. O que eu gostava de saber era se o PCP se revê no artigo 91.º da proposta de lei do Governo ou não. Gostava de saber se estou a ler a mesma coisa, embora no caso do projecto de lei do PCP exista o prazo de um ano para publicar uma lei e mais prudentemente o Governo nada diga.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada: De facto, a actual Lei de Bases da Segurança Social foi objecto de duras criticas por parte do PCP. Aliás, se a memória me não trai, votámos contra. É preciso que não haja dúvidas quanto a esta matéria.
O que está em causa não é considerarmos que a lei que está actualmente em vigor serve e, portanto, pode manter-se. Não! Temos defendido que ela deve ser alterada, reformulada, melhorada, no sentido da consolidação do sistema público, consolidação em todas as vertentes, não apenas na financeira, e no sentido de uma evolução progressiva e progressista, no sentido do progresso das prestações sociais.
Se entendo - e posso estar a entender mal - a razão da pergunta que a Sr.ª Deputada me fez sobre esta matéria, o meu problema não é discutirmos já esta matéria julgo que a Sr.ª Deputada põe este problema; o meu problema é o de não querer que façamos a discussão à pressa porque a matéria é fundamental para todos os trabalhadores portugueses. Não façamos coisas à pressa, discutamos. Aliás, a responsabilidade cabe-nos a nós também, como é evidente, e preferíamos que o nosso projecto de lei, tal como o do PSD, fossem colocados a debate público, antes da discussão na generalidade.
Aliás, o projecto de lei do CDS-PP e a proposta de lei do Governo, na prática - e sejamos claros - foram sujeitos a discussão pública no período de férias.
O nosso problema não é adiar por anos ou não. O nosso problema é o de não fazer «em cima do joelho» uma reforma essencial para o futuro dos portugueses. Esta é que é a questão central.
Depois, o problema dos depósitos na Caixa Geral de Depósitos ou não...

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Era uma imagem!

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O Orador: - Certo, a imagem que deu com os depósitos.
Como dizia, o problema que colocamos não é um problema de gosto. Trata-se de garantir aos trabalhadores que quando acabarem 40 anos de contribuições vão ter uma reforma, porque em relação ao sistema público posso garantir que terão uma reforma, e mais, essa reforma à partida está mensurada. O seu valor não é em escudos, mas numa determinada percentagem que no sistema actual são 80% das remunerações dos melhores 10 anos dos últimos 15, etc.
No sistema privado que propõem não há possibilidade de garantir que será paga a reforma quando o trabalhador se reformar! Aliás, temos o exemplo do que se passou nos Estados Unidos da América com os fundos de garantia, não apenas no âmbito dos seguros mas também no âmbito dos depósitos!... Quando vão à falência meia dúzia de bancos, os fundos de garantia dos depósitos pagam alguma coisa, mas não pagam os depósitos todos!... Se não houver rentabilidade financeira, as empresas seguradoras, os fundos de pensões, não podem pagar a reforma a que um trabalhador teria direito!...
Por isso, o problema não é de gosto; é um problema de garantir aos trabalhadores que depois de 40 anos de descontos terão, de facto, assegurada uma remuneração. A não ser que a Sr.ª Deputada, como não o faz no seu projecto, queira ir para a solução do PSD que há pouco referi!

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Não!

O Orador: - É que o PSD diz: «vai tudo para o privado».
Há esse risco, sim senhor, mas, quando chegar lá, se o privado não puder pagar a reforma não há problema: o Estado paga.
Aliás, a proposta do PSD é interessantíssima, porque, com aquele sistema, eu julgo que toda a gente opta pelo sector privado,...

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Exactamentamente.

O Orador: - ... porque aquilo que é garantido pelo sector público está sempre garantido pelo Estado, mesmo que para ele não tenham sido feitas contribuições, e, depois, ainda posso ter a sorte de, eventualmente, o sector privado me dar mais do que aquilo que o Estado me dá.
Ora bem, isto é óptimo desde que alguém pague ao Estado. Ora não são as seguradoras que vão pagar ao Estado para que este pague depois aos trabalhadores!...

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
A última questão que quero abordar é a do artigo 77.º. Ó Sr.ª Deputada, os artigos são diferentes!... Aliás, referi na minha intervenção um dos pontos de desacordo. É que nós dizemos, relativamente à protecção nos acidentes de trabalho, que: «No prazo de um ano, será publicada lei que estabelecerá (...)» que passem para a segurança social. Esta é uma luta que mantemos há anos e anos!... Ora o Governo diz que vai legislar sobre os acidentes de trabalho, não diz que vai retirá-los do sector privado para metê-los no sistema público da segurança social.
Por isso há aqui, no mínimo, uma grande diferença, para já, e, possivelmente - e eu não quero juízos de intenções relativamente ao Governo -, o Governo pretende legislar para manter no sector privado as pensões de miséria pagas aos sinistrados para que passem de algumas centenas de escudos para alguns milhares de escudos mensais.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para introduzir a discussão do projecto de lei n.º 567/VII - Lei de Bases da Segurança social, do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa.

O Sr. Pedro da Vinha Costa (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Chamados a discutir as diversas propostas oriundas de todos os espectros partidários com representação nesta Câmara sobre a Lei de Bases da Segurança Social, importa que, antes de mais, se clarifiquem os termos em que cada uma das partes está disposta a participar neste debate.
Na verdade, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, há duas posturas possíveis, tanto neste como em todos os outros debates.
Uma primeira é aquela que foi e será sempre a postura do PSD: a consciência de que, se é verdade que há sectores da vida colectiva que necessitam de amplas e consistentes reformas, é evidente que à cabeça de todos eles está o da segurança social, com a certeza de que, neste sector como em todos os outros, mas por maioria de razão na segurança social, a reforma tem de ser firme e segura, pensada e estudada, tendo em conta o melindre e a importância vital do sector para o bem-estar dos cidadãos, mas que, uma vez pensada e estudada, tem de ser executada, tem de ser posta em prática e não adiada permanentemente.
É esta á postura do PSD perante o desafio que representa, para qualquer um, a necessidade de proceder a uma profunda reforma de um sector que tem de ser, antes de mais, a almofada de bem-estar económico que todos os cidadãos têm de ter assegurada.
Mas, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, há outra postura possível, neste como nos demais debates: é a daqueles que, embora conscientes da necessidade de reformar a segurança social, estão dispostos a discuti-la, de voltar a discuti-la e de discuti-la de novo, outra vez e outra vez ainda, as vezes que forem necessárias para adiar, hoje e sempre, a aplicação de qualquer medida verdadeiramente reformadora, sempre com o receio de beliscar a simpatia eleitoral de qualquer grupo de cidadãos, mesmo que assim se ponha em risco um sector com a importância da segurança social; é a daqueles que agem na política, não com o sentido de Estado que a todos deve nortear, antes com os olhos sempre postos nas sondagens e os ouvidos bem atentos aos fazedores de opinião. No fundo esta é a postura que tem caracterizado o Governo do Partido Socialista.
Aliás, gostaria de aproveitar a ocasião para deixar bem clara a minha discordância relativamente a uma crítica que tem sido feita por muitas pessoas, incluindo do meu próprio partido, quanto a uma eventual total descoordenação da acção governativa.

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Penso, sinceramente, que há muitas críticas que podem e devem ser feitas ao Primeiro-Ministro, mas não me parece justo acusá-lo de não coordenar o seu Governo. Na verdade, é evidente que há, pelo menos, um aspecto que tem sido muito bem coordenado peto Sr. Primeiro-Ministro, demonstrando o Governo, nesse campo, uma total e absoluta coerência: refiro-me ao facto de ser política deste Governo o não decidir, o adiar de decisões, o protelar a execução de medidas importantes, por mais necessárias que elas sejam.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, daqui tiro o chapéu ao Sr. Primeiro-Ministro, porque, efectivamente, todos os membros do Governo, sem excepção, têm demonstrado uma absoluta submissão a esta estratégia de total inacção.
E se cumprimento o Sr. Primeiro-Ministro tenho de cumprimentar todos e cada um dos membros do Governo, começando, evidentemente, pelo Sr. Ministro do Trabalho e da Segurança, que tem sabido, como poucos, adiar e protelar todas as decisões importantes e estruturantes.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O PSD tem particular autoridade moral e política para falar de segurança social, o que lhe advém do facto de, enquanto governo, ter procedido a alterações profundas no sistema de segurança social que visaram - e que, como todos reconhecem, alcançaram - níveis importantes de justiça social.
A título de exemplo, lembro aqui que foi no período de 1985 a 1994, período durante o qual o PSD governou Portugal, que o número de pensionistas aumentou em quase 500 000, tendo a despesa pública com as pensões crescido, em termos reais neste período, cerca de 8,3% ao ano; foi também naquele período que as pensões mínimas e a despesa com a acção social cresceram, em termos reais, a um ritmo anual de cerca de 9%; foi ainda o PSD quem criou o 14.º mês de pensão.
Foi permanente a preocupação do PSD em corrigir a injustiça social acumulada em décadas para com os reformados, cujas pensões sofreram enormes desvalorizações durante o período de elevadíssima inflação que marcou a década de 1975 a 1985. E essa preocupação traduziu-se em actos e acções, de que são exemplo as medidas que acabei de enunciar.
É, aliás, com esta autoridade moral e política que aqui quero referir-me, Sr. Ministro, a um dos seus últimos anúncios de medidas: o aumento de algumas pensões.
Há muito que o PSD vem lembrando a necessidade de ser feita justiça social, nomeadamente no que diz respeito aos cidadãos que auferem pensões muito baixas.
Temos, como disse; autoridade moral e política para fazê-lo, já que a acção do PSD no Governo se pautou por uma preocupação constante com a situação dramática de um número muito considerável de pensionistas, preocupação essa que se traduziu num muito significativo aumento não só do número de pensionistas como do montante das pensões e do poder de compra dos seus beneficiários.
É, pois, com esta autoridade moral e política que, uma vez mais, lhe dizemos, Sr. Ministro, que o recentemente anunciado aumento de pensões é demasiado tímido, porque deixa de fora centenas de milhares de pensionistas que precisavam e mereciam ver as suas pensões aumentadas, mas que foram esquecidos ou relegados para o esquecimento por V. Ex.ª, que os não incluiu entre os beneficiários desse aumento.
No passado, com uma situação económica que se assemelhava à presente, o PSD fez justiça social, mas V. Ex.ª limitou-se a fazer uma aproximação à justiça social, esquecendo milhares e milhares de cidadãos que não podiam ser tratados desta forma.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente,

Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Como atrás afirmei, o PSD participa neste debate com a consciência de que a reforma da segurança social é imprescindível para o bem-estar dos cidadãos, preocupação que deve ser fundamental para todos nós.
Quando se trata de discutir os termos em que o Estado irá responder aos novos e aos velhos problemas sociais é do bem-estar futuro dos cidadãos que estamos a tratar.
Mas é também do bem-estar dos cidadãos no momento presente, uma vez que se trata de uma área muito sensível, que depende muito do grau de credibilidade que o sistema merece aos cidadãos.
E no fundo, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, todos nós, estou certo, comungamos de uma preocupação: tanto esta como todas as discussões sobre o futuro da segurança social visam alcançar níveis de satisfação cada vez maiores para os crescentes problemas sociais. Podemos discordar dos caminhos a seguir na busca permanente desse objectivo, podemos estar em desacordo na leitura e apreciação dos factos, mas estou certo de que o objectivo é comum a todos nós.
É por isso, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, que o Partido Social-Democrata encara a discussão da reformulação da Lei de Bases da Segurança Social como um passo fundamental para, repito-o uma vez mais, a imprescindível reforma da segurança social, que não se esgota na revisão daquela lei, antes aí tem de ter o seu início.
Assim, o PSD apresenta nesta Câmara a sua proposta, consubstanciada no projecto de lei n.º 567/VII - Lei de Bases da Segurança Social, um projecto de lei que, antes de mais, reflecte a consciência de que uma lei de bases tem de ser isso mesmo, isto é, tem de ser o instrumento jurídico que define os contornos de um sistema dentro do qual, através da regulamentação subsequente, se há-de construir todo o edifício da segurança social, abrindo as diversas portas que deixem antever os vários caminhos possíveis a serem percorridos no esforço colectivo de construção do sistema de segurança social.
A escolha dos caminhos, porque dependente de conjunturas variáveis e impossíveis de antecipar com exactidão, mas também porque dependente de opções políticas que podem e devem - assim o impõe a alternância democrática - variar de acordo com a suprema vontade do eleitorado, têm de ficar em aberto, dentro dos contornos definidos pela lei de bases, sob pena de, se assim não for, a cada Governo corresponder uma lei de bases diferente e a cada alteração da conjuntura económica se tornar necessário um conjunto de alterações a uma lei que necessita, como poucas, de estabilidade e de durabilidade no seu período de vigência, condição imprescindível para os cidadãos continuarem a acreditar no sistema de segurança social.

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É, pois, com esta perspectiva que o PSD apresenta o seu projecto de lei, uma proposta que, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, tem presente o facto de Portugal ser membro da União Europeia, no actual estádio de desenvolvimento desta, isto é, com a realização da convergência nominal e em concretização de todo um processo de convergência real, mas que também tem presente que Portugal é um país ainda muito atrasado em comparação com outros Estados membros no que diz respeito aos níveis de satisfação de necessidades dos cidadãos e, portanto, do seu bem-estar.
Quer isto dizer que temos ainda um longo caminho a percorrer para podermos pensar em níveis de satisfação para os problemas sociais idênticos aos dos nossos parceiros europeus. Mas é um caminho que tem de ter em conta que não há uma única realidade nos países da União, antes há Histórias diversas, problemas diferentes, que hão de impor soluções múltiplas.
Trata-se de uma proposta que é apresentado, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, com a consciência de que, numa área tão sensível como a da segurança social, é fundamental preservar a confiança dos cidadãos no sistema, razão pela qual o presente projecto de lei é norteado pelo princípio do respeito pelos direitos adquiridos, mas também pelas legítimas expectativas de aquisição de direitos por todos os cidadãos.
É uma proposta que procede a uma clara separação entre dois subsistemas - o previdencial e o de solidariedade social -, vedando-se a possibilidade de financiamento através das contribuições obrigatórias para todas as prestações incluídas neste segundo sub-sistema.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei de bases da segurança social apresentado pelo PSD é também um projecto inovador, que procura dar resposta à dúvida quanto à solvabilidade da segurança social.
No passado, ouviram-se arautos da desgraça alheia gritar, a plenos pulmões, que a segurança social em Portugal estava falida. Hoje, felizmente, parece que já não restam dúvidas quanto ao facto de tal previsão, tão catastrófica, nalguns casos mais parecendo a expressão de um desejo, ser de todo irreal.
Mas importa ter presente que o financiamento, em mente, decidir se querem manter-se no actual regime de repartição ou se preferem mudar para a nova modalidade cuja criação agora se propõe, em que a pensão é assegurada por duas vertentes: uma de repartição e uma de capitalização, tendo sempre como referência as contribuições obrigatórias.
Não se trata, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, de assegurar apenas a sustentabilidade do orçamento da Segurança Social a longo prazo. Antes estamos a falar de um verdadeiro e efectivo aumento significativo das pensões futuras, sem aumento do esforço contributivo de trabalhadores, entidades patronais e até mesmo do Estado, pois é sabido que a taxa de rentabilidade do regime de capitalização é largamente superior à do regime de repartição, como o demonstra a análise dos últimos anos.
Mas, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, estamos conscientes de que a passagem do regime de repartição pura para um regime de repartição e capitalização pode comportar, essencialmente, três problemas. Por isso, a proposta do PSD comporta as respostas que lhes dão solução.
Com efeito, o primeiro dos problemas reside no facto de, sendo verdade que o regime de capitalização é mais vantajoso para os cidadãos, por poder representar significativos aumentos das pensões, também ser verdade que soluções como as que passam por um qualquer tipo de plafonamento representam uma grave injustiça social, dado que só os que têm um rendimento superior a determinado plafond podem ter acesso a essa vantagem, agravando-se, assim, o fosso relativamente àqueles que possuem menores rendimentos e que, por isso, não têm acesso a maiores remunerações do regime de capitalização por não atingirem o tal plafond, ficando, assim, impedidos de alcançar os maiores aumentos de pensões que este regime pode proporcionar.
A esta questão responde o projecto de lei do PSD, na medida em que a parcela das contribuições obrigatórias, que, eventualmente, venha a ser canalizada para o regime de capitalização é igual para todos quantos queiram integrar-se nesta modalidade, independentemente dos seus níveis de rendimento.
Outra questão, Sr. Presidente, Srs. Membros do Gover-

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e de capitalização possa funcionar é necessário que os cidadãos nele acreditem.
Ora a proposta do PSD tem em linha de conta que a experiência do nosso sistema financeiro comprova que a melhor forma de obter uma melhoria das remunerações das contribuições obrigatórias destinadas à vertente de capitalização é através de um sistema equilibrado e saudável de concorrência, de forma a que os interessados possam escolher livremente a entidade, pública ou privada, que irá realizar a gestão financeira destes recursos, de entre todas as sociedades gestoras de fundos de pensões, quer de natureza pública quer de natureza privada, mutualista ou outra, que, para o efeito, a lei autorize.
Assim, aspecto muito importante da proposta do PSD, imprescindível para assegurar a tão necessária credibilidade do sistema junto dos seus destinatários, é a criação de um esquema de garantias para o cidadão.
A primeira dessas garantias reside no facto de se prever que a actividade das sociedades gestoras destes fundos de pensões sejam supervisionadas pelo Instituto de Seguros de Portugal, pela Comissão de Mercados de Valores Mobiliários e pelo Banco de Portugal.
Outra importante garantia reside no facto se prever a criação de um Fundo de Garantia de Pensões, a constituir pelas sociedades gestoras, a quem caberá, entre outras obrigações, a de indemnizar, por inteiro, os titulares de direitos de pensão adquiridos e em formação, calculados à taxa actuarial de repartição, em caso de insolvência da respectiva sociedade gestora.
Mas o PSD quis ir mais longe, ainda e sempre, em matéria de garantias para o cidadão. Assim, o projecto de lei do PSD garante que, em nenhum caso, nenhum trabalhador possa ser prejudicado por ter exercido a opção por este novo regime, conferindo-se ao Estado um papel de garante em última instância, na eventualidade de esgotamento dos recursos do fundo de garantia, insuprível pelos seus membros, adquirindo direito de regresso sobre estes.
Nesta situação, altamente improvável aliás, o Estado asseguraria o pagamento das responsabilidades atrás mencionadas, até ao limite do valor correspondente à taxa actuarial do regime de repartição.
Nestes termos, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, os cidadãos poderão exercer livremente um duplo direito de opção: por um lado, podem optar por ter a sua pensão parcialmente formada em regime de capitalização; por, outro lado, podem escolher a sociedade gestora de fundos de pensões, pública ou privada, mutualista ou outra, de acordo com as suas preferências.
E ao fazerem qualquer destas opções têm a garantia de que o valor da sua reforma, ou dos direitos adquiridos e em formação que lhes correspondam, nunca será inferior ao que obteriam se optassem por se manter no actual (regime de repartição.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Este projecto de lei do PSD exprime, como se vê, uma proposta séria, responsável, credível e inovadora, que, quando aprovada por esta Câmara, representará um importante primeiro passo para a imprescindível reforma da segurança social.
Veremos então quem quer efectivamente reformar a segurança social e quem quer prosseguir no caminho da demagogia.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Como não há inscrições para pedir esclarecimentos, tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Antes de mais quero deixar um esclarecimento formal ao Grupo Parlamentar do CDS-PP, o que faço com muito gosto. É no sentido de informar o seu presidente, meu ilustríssimo amigo, que a Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social não tem dois pesos e duas medidas, nem dois critérios.
Ontem mesmo, perante os novos diplomas entrados na Assembleia da República, decidiu, por unanimidade, sujeitá-los a discussão pública. Portanto, vão agora ser publicados.
Quanto ao agendamento, tendo V. Ex.ª direito a agendamento potestativo, penso que em conferência dos representantes dos grupos parlamentares concordou com o debate - o que, aliás, é tradição nesta Casa - conjunto com os projectos congéneres e isso nada tem a ver com a Comissão a que presido. Mas asseguro-lhe, Sr. Deputado, que em termos de discussão pública cumprimos, como não podia deixar de ser, aquilo que a Constituição impõe em matéria de legislação com incidência na vida dos trabalhadores, como é o caso.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Quando o Governo adoptou a estratégia de constituir uma comissão plural para reflectir sobre a reforma da segurança social, pretendia construir consensos que protegessem pensionistas e contribuintes dos calendários eleitorais, que tornassem o sistema transparente e que viabilizassem a sua sustentabilidade no futuro.
O Governo obteve, com a apresentação desta sua proposta de lei e dos projectos de lei da oposição, o prémio para a sua sensata estratégia e perseverança.
Acusado de nada concretizar, nomeadamente pelo PSD, confrontou-se, depois de, no Dia Nacional da Segurança Social, ter anunciado publicamente a apresentação, na Assembleia da República, de uma proposta de lei de bases e de ter anunciado que ia encetar negociações com os partidos políticos ou convidá-los para participarem num grupo de trabalho para que estas reformas tivessem o máximo de consenso possível, desde logo com a participação das personalidades do Livro Branco, das personalidades académicas e, sobretudo, dos parceiros sociais, com uma rotunda negativa do PSD. Imaginem só: do PSD, que durante 10 anos - 10 anos! - governou o País e que tinha obrigação, posto que é o maior partido da oposição, de ter a matéria em dia e de saber exactamente quais as reformas de que a segurança social mais carecia.
Curiosamente, alguns dos antigos governantes, nomeadamente o último Secretário de Estado da Segurança Social, têm uma opinião bastante contrária àquela que aqui foi enunciada pelo PSD.
Portanto, o Governo confrontou-se com esta lamentável indisponibilidade e com uma jogada de antecipação do CDS-PP, o qual, não obstante apresentar aqui um projecto equilibrado, fez do mesmo uma propaganda que gerou nas pessoas expectativas falsas, uma vez que a embalagem não correspondia, de facto, ao conteúdo do produto prometido. E ainda aqui, no debate, o CDS-PP compromete-se com a convergência do salário mínimo, não sabemos muito bem se com taxa social única ou se com remuneração líquida...

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O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Sr.ª Deputada, está claro!
A Oradora: - Não, não! O Sr. Deputado desculpe,
mas não sabe o que é a taxa social única!
Em contradição com o vosso próprio projecto - porque nele, Sr. Deputado, é acautelado o facto de anualmente o Orçamento do Estado prever os aumentos das pensões, a conta de gerência da segurança social, etc. -, querem chegar ao ano 2005 com a convergência com o salário
mínimo.
Sr. Deputado, estamos perante uma sociedade em que a economia se afunda, dependendo de factores tão lamentáveis e mesquinhos como a vida privada do Presidente dos Estados Unidos da América!
Não sei se o Sr. Deputado, ou alguém nesta Casa, está em condições de dizer exactamente quanto se vai pagar de pensão mínima no ano de 2005.


O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Não se contradiga com o seu Governo!

A Oradora: - Penso que é realmente vender ilusões
às pessoas que delas não necessitam; pelo contrário, necessitam, isso sim, de apoios concretos, do equilíbrio do sistema e de poder contar com o mesmo.
Apenas o PCP se manifestou, desde logo, disponível, embora não escondendo o facto de preferir que nada mudasse - já o Sr. Ministro aqui o disse e isso é evidente. Todavia, fez um esforço e até o PCP pretende, agora, aderir à capitalização e ainda bem que assim é.
As propostas presentes, como dizem os senhores jornalistas, no essencial são muito semelhantes mas, se a regulamentação e a sua concretização não forem coerentes com os princípios aqui enunciados, poder-se-á dizer que, apesar de tudo, as diferenças são abissais. Todos se declaram defensores de uma segurança social pública, universal e solidária. Não escondo que, nesse domínio, o projecto do PSD apresenta ao cidadão contribuinte uma panóplia de opções e escolhas em que o sistema público
concorre com o sistema privado, o que até pode ser interessante se os limites a estabelecer para essa opção preservarem o sistema redistributivo público. Mas não parece que seja o caso, como a intervenção do PSD, que aqui ouvimos, tornou evidente.

Portanto, o PSD não está preocupado que esses limites preservem o sistema público e o sistema redistributivo e que garantam que a segurança social possa, de facto, cumprir as suas responsabilidades e os direitos adquiridos
ou em formação. Porém, o PSD faz claramente uma opção pelos produtos financeiros privados. Mais: exige que estes produtos financeiros privados tenham fundos de garantia - como, aliás, o CDS-PP, o que é normal e até extremamente interessante - e que esses fundos de garantia sejam fiscalizados pelo Governo, mas quer que o Estado
os substitua na eventualidade da falência dos mesmos, garantindo a pensão completa a todos os contribuintes.
Ora, Srs. Deputados, uma escolha dessa natureza - e eu até sou favorável a que o contribuinte possa escolher, em concorrência, entre o público e o privado - implica riscos. Jogar na Bolsa implica riscos. Não se pode compreender, a menos que se , queira proteger e fazer lobby
pelo sector privado e consagrar um salário mínimo que de facto, não permita um sistema público como os senhores afirmam. Portanto, não se compreende que os senhores queiram «sol na eira e chuva no nabal»!

Aplausos do PS.

No essencial, a proposta do CDS-PP aponta para o mesmo caminho mas com um outro sentido de responsabilidade, propondo mecanismos de controlo, garantia e resseguro dos fundos privados, e por aí se queda como qualquer produto financeiro normal.
Nos aspectos sociais e no desenvolvimento do sistema, o que propõe é muito diferente dos discursos inflamados do seu presidente - pessoa de talento, já sabemos, que apreciamos pela sua enorme criatividade -, que sempre ou quase sempre produzem efeitos na opinião pública mas também nefastos efeitos sociais. Este tipo de metodologia de fazer política raramente é positivo, pois confunde a opinião pública e dá dos políticos uma imagem de irresponsabilidade. É tempo de censuramos este tipo de comportamentos.

Aplausos do PS.

Durante dois meses, o País foi confrontado com a hipótese de a pensão mínima ser de 57 000$00 ou 58 000$00 e qualquer idoso julga que vai passar a receber esse montante. O que pretende, então, o CDS-PP? Pretende que, afinal...

O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Ah, já sabe!

A Oradora: - O CDS-PP pretende que, afinal, possamos ter uma pensão mínima garantida a partir de 15 anos de contribuições. Não vale a pena contribuir mais de 15 anos, uma vez que o CDS-PP não está preocupado em fazer corresponder à carreira contributiva completa o seguro social a que tem direito. O CDS-PP não está preocupado em credibilizar o sistema e em consolidá-lo.

Srs. Deputados, estamos perante quatro propostas, sendo que algumas delas dizem que deixam à negociação política posterior o limite superior. Digamos que o chamado plafonamento de que tanto se falou é um importante elemento ausente do debate. Ninguém teve coragem de dizer qual é esse limite superior. Tenho as minhas opiniões...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Mas também não as diz.

A Oradora: - ... mas também não as digo, mas votá-las-ei.

Risos do PCP e de Os Verdes.

Mas votá-las-ei na altura em que surgirem. Votá-las-ei porque tenho confiança neste Governo - que, tenho a certeza, vai ganhar, de novo, eleições -, que cumpriu a Lei de Bases da Segurança Social e alargou efectivamente a protecção social, fazendo o maior alargamento desde o Professor Marcelo Caetano. E chamo a atenção do PSD para um lamentável lapso: é que quem mais alargou a protecção social foi o Professor Marcelo Caetano - é justo que se diga -, que o alargou aos rurais, tendo sido um dos primeiros governos provisórios a alargá-lo às domésticas.

É justo que se diga que, com sentido de responsabilidade e partindo de transferências do Orçamento do Estado, este Governo alargou a protecção social e vai continuar a alargá-la, o que faz com sentido de equidade e de justiça, ou seja, tratando diferente o que é diferente.

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Todos disseram isso, mas, na verdade, não é evidente, nos vossos projectos de lei que seja esse o caminho. Este Governo pretende alargar a acção social, conjugá-la com o rendimento mínimo e torná-la transparente. Só lamento que não tenha contemplado, na Lei de Bases, o importante papel que os trabalhadores e as suas organizações podem ter na construção da complementaridade,...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exactamente!

A Oradora: - ... tanto mais que está comprometido com o acordo de concertação estratégica em que a negociação colectiva pode ser um veículo fundamental para a criação de fundos de pensões, comportabilidade com sustentabilidade para a criação de poupanças com justiça social e sem fins lucrativos. Nesses, sim, se empenharão os trabalhadores, podendo ser geridos ou co-geridos pelas suas organizações. Este Governo vai, com certeza - embora também não seja muito evidente, mas a Lei de Bases é um conjunto de princípios -, garantir a transparência e a participação dos cidadãos.
Em relação ao PCP, eu gostaria de ser esclarecida, posto que, no domínio dos princípios, advoga a manutenção e a orientação da anterior Lei de Bases, quanto ao que o PCP pretende com o seu artigo 5.º, n.º 3. Numa leitura apressada poderá entender-se, e não é isso que quero entender, que deseja a centralização do sistema. Mas isso não está de acordo com as suas convicções regionalistas, nem com as reiteradas afirmações de descentralização e proximidade ao contribuinte. Desejaria, pois, que isso ficasse aqui bem esclarecido porque partilho também desta opinião. Refira-se, ainda, a redacção do n.º 7 do mesmo artigo, que defende a descentralização e a autonomia das instituições.
Eu gostaria de dizer, em nome do regionalismo que defendo, que a autonomia das instituições em simultâneo com essa descentralização pode comprometer a solidariedade. Defendemos que as instituições tenham uma forte gestão política. e que a aplicação e concretização das políticas dessas instituições sejam profundamente descentralizadas, regionalizadas e articuladas para uma maior eficácia, quer do sistema de segurança social quer de outros sistemas.
O PCP chama a atenção para um factor importante: é que algumas empresas devem pagar mais do que outras, tendo em conta aquilo que é aspiração dos trabalhadores (políticas de empregabilidade). No entanto, também o faz de forma confusa.
Eu gostaria de referir que as empresas com maiores índices de empregabilidade e as políticas de empregabilidade devem ser apoiadas pelo sistema, ao invés de uma perseguição ao lucro que pode ter efeitos negativos num País em que as empresas já não declaram lucros. Portanto, gostaria também que o PCP nos esclarecesse sobre as suas intenções.

A Sr.ª Maria Manuela Augusto (PS): - Muito bem!

A Oradora: - O Governo é fiel aos seus princípios - já aqui o demonstrou. Assume-se como o garante de um sistema universal de diferenciação positiva que tem vindo a praticar; como o garante do cumprimento da Constituição que não alterou; como o garante de uma complementaridade sobre o primado da responsabilidade pública e assume-se como tendo a ambição de alargar para novos produtos sociais, nomeadamente, maior oferta aos idosos, uma maior protecção dos deficientes e uma maior e mais ampla protecção das doenças sociais. Por isso, o Governo prevê uma capitalização para o FEFSS. Estou confiante no futuro porque sei que este Governo vai executar os princípios que aqui enunciou. É que, de boas intenções, estamos todos cheios!

A Sr.ª Rosa Albernaz (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Aguardamos a discussão na especialidade para ver, afinal, quem é que quer preservar o sistema de segurança social.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos à Sr.ª Deputada Elisa Damião, inscreveram-se os Srs. Deputados Moura e Silva e Octávio Teixeira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Moura e Silva.

O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, gostaria de começar por lhe manifestar as minhas estranheza e decepção depois de ouvir o seu discurso, porque - e é justo dizer aqui - participámos em muitas acções e senti a preocupação por parte da Sr.ª Deputada pelos mais carenciados e necessitados. Por isso, o seu discurso contradiz tudo aquilo que foi o seu passado na vida sindical. É para mim uma total decepção.
Gostaria ainda de, com toda a franqueza, rejeitar as acusações que fez, quer nesta Câmara quer aos órgãos de comunicação social, dizendo que o nosso projecto de convergência era um logro. Penso que seria desnecessário explicar à Sr.ª Deputada qual o princípio ou o conceito que preside às pensões de reforma, nomeadamente aquele que de alguma forma não permite que um trabalhador reformado tenha um rendimento superior àquele que tinha quando estava no activo. Até porque a Sr.ª Deputada sabe muito bem qual é a taxa social única que é aplicada ao rendimento líquido do trabalhador. Portanto, acho que esse descuido por parte da Sr.ª Deputada não faz muito sentido.
No entanto, seria interessante que a Sr.ª Deputada nos dissesse aqui qual é o seu conceito, uma vez que, há uns meses atrás, fez um conjunto de críticas ao nosso partido, dizendo que este projecto ia agravar a segurança social num conjunto de milhões de contos. Seria, pois, interessante que a Sr.ª Deputada nos desse a conhecer qual foi a sua base de cálculo para fazer essa crítica. Como é que chegou a esses valores? Com que taxa social única?
E mais, Sr.ª Deputada: esse princípio e essa forma de estar, de se poder corresponder a reivindicação, à justa ambição dos mais necessitados, que são os trabalhadores, nomeadamente os que têm salários e necessariamente pensões de reforma mais baixas, resulta do facto de, constantemente, se vir desculpar dizendo que isso é ilusório. Foi este sentimento, foi esta postura que contribuiu para degradar as pensões sociais dos trabalhadores. É isso que a Sr.ª Deputada não quer aceitar, é este princípio que é preciso alterar, só que, infelizmente, parece não haver vontade política do seu lado.
Por outro lado, a Sr.ª Deputada ainda não deu fé de que o Sr. Ministro já alterou o seu discurso!? Não deu! Julgo que anda um pouco distraída. O Sr. Ministro, como também a Sr.ª Deputada, no seu discurso de hoje, para quem esteve mais atento, manifestou aqui a preocupação de, tanto quanto possível, se poder proceder a um conjun-

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to de diplomas que possam vir a melhorar e dar satisfação, materializar, algumas das pretensões que estão na lei de bases. E porquê? Porque o Sr. Ministro reconhece que, de facto, a lei de bases fica aquém daquilo que seria necessário.
Já agora...

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Já agora, só uma questão muito objectiva: a Sr.ª Deputada já disse que subscreve, na íntegra, a proposta do Governo. Sendo assim, pergunto: leu atentamente o artigo 65.º, que tem como epígrafe «Capitalização pública de estabilização», aquele que penaliza mais uma vez os trabalhadores por conta de outrem, aquele cujo fundo tem de ser constituído à custa dos descontos dos trabalhadores?
Faça favor de ler! Tenha isto em consideração.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado, agradeço as suas questões e lamento decepcioná-lo, mas as decepções têm a ver com as expectativas, o inverso não é verdadeiro.

Vozes do PS: - Exactamente!

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Mais uma razão para ter cuidado com o que diz!

A Oradora: - Portanto, o senhor não me decepciona!
Os senhores têm tanta consciência do que fizeram - e nós sabemos que a taxa social única foi feita pelo Dr. Bagão Félix, uma pessoa de reconhecida competência - que apresentaram na Assembleia da República este projecto que visa o aumento progressivo das pensões.

O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Sabe porquê?

A Oradora: - Sei, sei! Por que é que não o agendaram? Se o senhor o ler, verificará que diz 31 300 contos para as carreiras e não aquilo que andaram a dizer na televisão. O senhor tem consciência de que o vosso projecto era muito mais sério do que a forma como ele foi apresentado à opinião pública? Há aspectos no vosso projecto que são sérios e merecedores do nosso apoio e aplauso...

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Com essa parte concordo!

A Oradora: - Convém, aliás, que explique por que é que não agendaram esse projecto, que era para sabermos exactamente o que é que queriam.
Gostaria também de dizer-lhe o seguinte: de facto, criticámos, mas, por acaso, não fui eu que disse que era possível fazer um esforço de revalorização das pensões. O senhor está pouco atento. Houve quem criticasse (com contas e de vários quadrantes, muitos jornalistas, muita opinião pública, etc.) o despesismo, essa imaginação, essa falta de sustentação de que se atingisse esta meta no ano 2005. Os senhores apresentaram um número e, já agora, peço-lhe que aproveite a ocasião para nos esclarecer em que é que se fundamentaram, para que, no ano 2005, os senhores possam cumprir o que prometeram com o custo de 48 milhões de contos, tal como anunciaram.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - O Sr. Deputado disse ainda que eu neguei o meu passado, que não falei das pensões, mas o senhor sabe que, quando fui sindicalista, negociei com o governo do PSD uma revisão do cálculo das pensões, que foi altamente impopular. Fi-lo sob a superior orientação de um grande amigo e camarada, que já aqui não está, que nos poderia dar algumas lições, porque os senhores nem sequer são modestos, dizem que o vosso projecto foi feito pelos melhores técnicos, mas há outros projectos que também foram feitos por bons técnicos. Mas esse excelente técnico colaborou com o governo do PSD no sentido de consolidar o sistema da segurança social.
Portanto, o Sr. Deputado não está a falar com pessoas que usam a demagogia para fazer política. Quando estamos na oposição nós dizemos exactamente o mesmo que dizemos quando estamos no Governo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, em boa verdade, não é para pedir esclarecimentos mas para responder aos pedidos de esclarecimento que a Sr.ª Deputada Elisa Damião me fez na sua intervenção.
E começaria pelo n.º 3 do artigo 5.º, que diz o seguinte: «A unidade pressupõe que a administração das instituições da segurança social seja articulada de forma a garantir a boa administração do sistema». Trata-se da unidade do sistema, não estamos com isto a propor qualquer concentração dos serviços, etc., nada tem a ver com essa questão que colocou. O mesmo acontece com o n.º 7 desse artigo, que diz que «A descentralização manifesta-se pela autonomia das instituições, no quadro da organização e planeamento (...)». Mas como esta descentralização das instituições é no âmbito da unidade de sistema, aqui, de facto, para simplificar, autonomia não é independência, refere-se a uma mera autonomia.
O outro pedido de esclarecimento que me fez diz respeito ao facto de a Sr.ª Deputada considerar - e perguntou por que é que batemos tanto contra isso - que as reduções de taxas e isenções na taxa social única devem ser pagas pelas contribuições, enquanto nós dizemos que não. O problema não é que não possa haver taxas reduzidas ou isenções, embora tenhamos a ideia de que isso não tem resolvido o problema do emprego - e, por conseguinte, talvez haja outras soluções como algumas que existiram no passado. Agora, quando houver coisas dessas, deve ser a chamada «solidariedade nacional», o Orçamento do Estado a pagar isso, porque senão é o trabalhador que está a descontar normalmente que está a ser prejudicado em termos de futuro na sua reforma, porque essa verba - que devia ir para a segurança social, para o sistema do regime contributivo de trabalhadores por conta de outrém - está a desaparecer. Aí, se qualquer governo entender reduzir taxas ou fazer isenções, deve ser

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ele a colocar esse dinheiro e não o trabalhador que está a descontar.
A última nota não é para responder a qualquer pedido de esclarecimento, mas já agora permito-me dizer-lhe que estou totalmente de acordo com a Sr.ª Deputada Elisa Damião quando fez a crítica ao facto de a proposta de lei do Governo não ter um artigo parecido com o nosso artigo 70.º, que é aquele em que põe a questão da participação dos trabalhadores no âmbito do sistema de segurança social. Estou de acordo consigo sobre isso.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, querendo, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Estou esclarecida, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente; - Então, vamos continuar a esclarecer-nos todos.
Tem, agora, a palavra o Sr. Secretário de Estado da Inserção Social.

O Sr. Secretário de Estado da Inserção Social (Rui Cunha): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O reforço do bem-estar generalizado levou a consagrar o combate à pobreza e à exclusão social como objectivos fundamentais na política de solidariedade e segurança social.
A realidade veio demonstrar que a exclusão social é a fase final de um percurso, por vezes longo, com origens e vicissitudes diversas, e a integração dos excluídos processos complexos e bem diversos de caso para caso. Esta realidade impõe a necessidade de construir um quadro legal que permita a adopção de medidas de política que intervenham preventivamente, combatendo as causas que lhe estão na origem ou, de forma terapêutica, junto da pessoa e das causas, para minorar os efeitos da situação e promover a sua integração rápida e eficaz.
A organização do XIII Governo Constitucional, em matéria de solidariedade e segurança social, induziu mais eficiência nas políticas sociais. Com a repartição de competências ficaram claramente identificadas a extensão, áreas e níveis de responsabilidades públicas e privadas, bem como a diversidade e a complexidade das necessidades das pessoas mais carenciadas.
Resulta claro as prestações pecuniárias, destinadas aos mais pobres, mostrarem-se frequentemente insuficientes para alcançar a integração social das pessoas apoiadas. Para potenciar a eficácia das medidas é imprescindível o concurso de várias políticas sectoriais, das quais realçam o emprego, a formação, a educação, a acção social e, o mais importante, a co-responsabilização da comunidade e da própria pessoa ou família apoiada para alcançar os desejáveis objectivos de integração social.
O Rendimento Mínimo Garantido é o exemplo lapidar desta nova concepção. Nesta perspectiva, a proposta que o Governo apresenta a está Câmara assume uma nova concepção de acção social, quer nos seus objectivos, agora mais amplos, quer nos meios para os alcançar, e determina claramente os níveis de responsabilidade na sua promoção e exercício.
Ao invés do papel secundário que lhe era atribuído no âmbito do sistema de segurança social pela Lei n.º 28184, a proposta do Governo considera-a fundamental na promoção do bem-estar e na coesão sociais, garantindo a igualdade de oportunidades, os direitos mínimos vitais dos cidadãos em situação de carência económica, a prevenção a erradicação de situações de pobreza e de exclusão.
A acção social passou a ser preponderante na protecção social de cidadania, onde se incluem as tradicionais prestações pecuniárias e a disponibilização de bens e serviços para responderem às necessidades imediatas das pessoas mas também, de forma completamente inovadora, através de políticas activas de qualificação e de integração comunitária.
A acção social, mais do que promover a segurança sócio-económica dos indivíduos e das famílias e actuar nas situações de carência, disfunção e marginalização social, passou a assumir o desenvolvimento comunitário como objectivo fundamental para alcançar os seus fins de coesão social. O desenvolvimento comunitário constitui, o mais das vezes, o único instrumento eficaz para alcançar a segurança sócio-económica e a integração social das pessoas.
São agora claros os objectivos da acção social e os meios de os alcançar, com identificação das prestações e apoios a desenvolver.
Dos objectivos realço ainda a satisfação das necessidades básicas das famílias e dos indivíduos mais carenciados, mas também, pela inovação e importância: a prevenção perante os fenómenos (quer sejam de natureza económica quer sejam de natureza social) susceptíveis de fragilizar os indivíduos e as comunidades; o desenvolvimento social através da qualificação e integração comunitária dos indivíduos; a utilização eficiente dos serviços e equipamentos sociais; a eficácia das prestações e não apenas a sua personalização; e, finalmente, a garantia da equidade e da justiça social.
Espartilhada, anteriormente, pela preponderância da prestação de serviços ou a disponibilização de equipamentos, consagra-se agora, para persecução dos seus objectivos, o concurso de prestações pecuniárias com o apoio financeiro à rede de serviços e equipamentos e aos programas que visam o combate à pobreza, disfunção, marginalização e exclusão sociais.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Fruto da demissão do Estado no exercício da acção social que perdurava há muitos anos, os diplomas legais, dos quais realço a ainda em vigor Lei de Bases, apresentavam formulações ambíguas sobre a responsabilidade do Estado. Daí a consagração, agora clara, dos níveis de responsabilidade do Estado, dos indivíduos, das famílias e das comunidades.
Regista-se; por outro lado, a significativa intervenção das instituições particulares de solidariedade social, sejam elas IPSS, misericórdias ou mutualidades, que resultam da solidariedade local e contam com o apoio do Estado, desenvolvido no quadro do pacto de cooperação para a solidariedade social, onde se consagram princípios que agora se incluem na proposta apresentada, nomeadamente quanto ao reforço da sua autonomia.
Atenta a importância dos equipamentos sociais enquanto instrumentos do exercício da acção social, a presente proposta consagra a elaboração de uma rede que permita eliminar as sobreposições e, fundamentalmente, apoiar as comunidades insuficientemente dotadas. Realço que a protecção social de cidadania, da qual destaco a acção social, mantém o seu financiamento exclusivo por transferências do Orçamento do Estado, o que já tinha consa-

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gração legal, mas que só este Governo deu provas de querer cumprir.

Aplausos do PS.

A proposta estabelece ainda uma estrutura orgânica pública assente na descentralização funcional e na desconcentração, com vista à concessão atempada e personalizada das prestações, na persecução dos objectivos de eficiência, eficácia e humanização que caracterizam o sistema de solidariedade e segurança social.
Saliento também o reconhecimento da participação da iniciativa privada lucrativa nas actividades de apoio social, embora sujeita ao licenciamento prévio e à fiscalização do Estado, aspectos que se mostram da maior relevância atento o objecto da actividade que desenvolvem.
Resta-me, por fim, sublinhar que, sendo a pobreza e a exclusão social fenómenos relativamente estáveis na sua configuração, já os trajectos que levam a esses estados e as metodologias a evitar essas situações ou a reintegrar as pessoas são, o mais das vezes, diversos e complexos. Neste campo, é difícil, para não dizer impossível, construir modelos e respostas estáticas para os problemas. Neste momento as respostas e os modelos consagrados nesta proposta, pelas características de fluidez e capacidade de adaptação, permitem reconhecer a sua bondade. Estou certo de que ficam criados, através deste diploma, os instrumentos fundamentais à manutenção da coesão social e, mais do que isso, à elevação do bem-estar de parte apreciável da nossa população.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Filomena Bordalo.

A Sr.ª Filomena Bordalo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A propósito do debate sobre os projectos de lei e a proposta de lei de bases da segurança social, e para além de aspectos já aqui referidos, permito-me apresentar duas, e apenas duas, considerações. A primeira diz respeito ao papel que a segurança social tem no sistema de protecção social e a segunda é relativa à acção social e aos desafios com que se vê confrontada e a que tem imperiosamente de responder.
Relativamente à primeira consideração, corre-se o risco de «tomar a nuvem por Juno», quando é afirmado na proposta do Governo que «O sistema de solidariedade e de segurança social é um conjunto estruturado de regimes normativos e meios operacionais para realizar os objectivos da protecção social dos cidadãos.»
Se protecção social é igual a sistema de solidariedade e segurança social, então, algo está errado: ou é a protecção social que é restrita ou é a proposta de lei de bases que não corresponde a uma protecção social ajustada às novas condições sociais.
Uma concepção global de protecção social inclui sistemas e instrumentos públicos e privados que, enquadrados em princípios orientadores, concorrem sectorialmente para a garantia dessa protecção. É exactamente neste contexto que se inscrevem os sistemas de segurança social e da acção social. Contribuem para a protecção social dos cidadãos mas não a esgotam, não são a protecção social. A par da segurança social, os sistemas da saúde e da acção social, da justiça e da educação, da formação

profissional e da cultura, da economia e da fiscalidade concorrem para a protecção social dos cidadãos, detendo, cada um deles, um corpo estruturado e especifico de saberes, métodos e técnicas.
A intervenção sectorial de cada sistema não poderá nunca deixar de se referenciar ao objectivo primeiro que é proteger o cidadão e deixar de considerar o relacionamento e a interacção dos diversos sistemas que consubstanciam a protecção social. Os objectivos de cada sector, embora importantes, são parciais face aos objectivos gerais do sistema mais global que é o da protecção social. Mas estes objectivos gerais não podem ser reduzidos a um mero somatório de objectivos parciais, fruto de uma coordenação, quantas das vezes completamente ausente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É preciso formular uma nova protecção social. Uma protecção social que reflicta uma melhor articulação e interacção das funções sectoriais da responsabilidade do Estado; uma protecção social que também envolva o associativismo institucional da sociedade; uma protecção social que responsabilize e estimule a participação dos cidadãos.
Nesta concepção, as associações de família e de solidariedade social não são apenas destinatárias das políticas sociais públicas, pois também têm de ser envolvidas e coresponsabilizadas enquanto vectores e agentes de concretização com expressão na definição dessas mesmas políticas.
Daí afirmar-se que é necessário formular um novo contrato social que possibilite uma nova protecção social ajustada às novas condições sociais, mais selectiva e diferenciada, mais preventiva do que curativa, mais responsabilizante para os cidadãos, para as instituições e para o Estado, uma protecção social que não se esgota na segurança social.
E avanço para a segunda consideração.
O nosso Texto Constitucional consagra Portugal como república soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e empenhada na constituição duma sociedade livre, justa e solidária.
Ao cidadão são reconhecidos, entre outros, direitos à segurança social e à protecção na saúde, à habitação e a um ambiente de vida humano e sadio, à educação e à cultura, ao trabalho e ao ensino. Nesta sociedade de direitos e deveres sabemos que muitas pessoas, apesar de detentoras de direitos, deles não usufruem e a eles não têm oportunidade de acesso.
A aplicação de políticas sociais sectoriais deixa de fora muitas pessoas, grupos e famílias. São os excluídos, os marginalizados da sociedade, os que mais riscos correm de rupturas individuais e familiares, de rejeição e de intolerância; são os que têm «menos vez e menos voz», os que, sendo pessoas, não são cidadãos. Têm direito ao trabalho, mas estão desempregados; têm direito à saúde, mas estão anos a aguardar tratamento; têm direito à habitação, mas vivem na rua sem abrigo ou partilham uma barraca, apesar de todos, como cidadãos, terem direito a uma vida digna.

O Sr. Alberto Marques (PS): - É o caos!...

A Oradora: - Se falar em direitos sociais é importante, fundamental é saber efectivá-los no quotidiano. É este o grande desafio que se apresenta à acção social: criar as condições para que as pessoas e as famílias usufruam dos seus direitos, tenham acesso aos recursos, participem

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socialmente e sejam protagonistas das suas próprias vidas. Em suma, promover a cidadão cada pessoa.
Isto só é alcançável com uma actuação profissional próxima, personalizada, de rosto humano, à escala do local, mas que simultaneamente promova solidariedades institucionais e convergência de actuações. A acção social tem sido mais considerada como um elemento subsidiário dos, regimes de segurança social, como elemento correctivo e compensatório das insuficiências das políticas sociais, do que como promotora do desenvolvimento humano, comunitário e social. Aliás, a maioria das propostas aqui em análise remete a acção social, pública ou privada, a uma mera função de prestadora de serviços, dando satisfação às necessidades básicas das pessoas, não realçando e até ignorando o seu papel de construtora de direitos, de mediação entre as pessoas, os sistemas e as instituições, de mediação entre as necessidades e as soluções.
Face à pressão dos problemas sociais e à sua premência, a acção social tem-se esgotado na acção, sendo limitado o desenvolvimento da dimensão do conhecimento compreensivo da realidade, onde baseia os seus planos de intervenção A investigação aliada à acção é um instrumento indispensável para que a acção social, conhecendo melhor as causas dos problemas sociais e os contextos onde eles se inscrevem, assuma maior protagonismo na definição das políticas sociais geradoras e reconhecedoras de direitos e também na definição de novas estratégias e iniciativas mais orientadas para a realidade e para a actuação preventiva. Prevenção que primariamente evite o risco, que evite o agravamento do risco já existente e que, em última análise, estanque .as consequências que crescem em espiral, adensando e agravando a vida das pessoas.
É assim que cabe à acção social conciliar a vertente de remediação com a da prevenção, mas também com a de actuação para o desenvolvimento. A acção social, enquanto conjunto de princípios estruturados em ordem à prevenção, à remediação mas também ao desenvolvimento, é o espaço privilegiado para o voluntariado. Neste movimento voluntário e voluntarista, expressão da nossa cultura solidária, têm grande visibilidade, entre outros, as IPSS, as misericórdias e as cooperativas que não podem ser consideradas - e não são - uma «bolha de ar» no sistema de acção social. Estão todas intrinsecamente comprometidas nos objectivos da acção social, fazendo, aliás e decididamente, parte do próprio sistema.
Quando habitualmente se fala em acção social, referimo-nos sempre a uma função no âmbito da segurança social, mas ela também está presente noutros sectores das políticas sociais, nomeadamente no emprego, na saúde, na educação e na justiça. Havendo esta linha transversal nos diversos sectores que é a acção social, pergunto: como se poderá rentabilizar melhor a sua intervenção, tornando-a mais eficaz e, assim, com maior visibilidade e reconhecimento social?
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A acção social, porque é uma encruzilhada de problemas, considera toda a comunidade no seu contexto, exercendo uma acção transversal entre os diferentes sectores, uma acção de ponte, de elo de ligação. É, assim, um sistema que tratando também da dimensão imaterial da exclusão, das necessidades das pessoas ao nível das suas rupturas individuais, familiares e sociais, se identifica com os grupos inaudíveis e silentes da sociedade, porque não têm voz, mas visíveis porque existem, porque se vêem e. se sentem.

Temos agora a oportunidade, em sede de comissão especializada e no esforço de convergência nesta perspectiva, de conferir à acção social, enquanto sistema, a visibilidade necessária que decorre da importância do seu papel e do seu desígnio que têm de ser cumpridos nesta sociedade tão contraditória em que cada vez há mais qualidade de vida para alguns, demasiado poucos, e menos oportunidades para outros, demasiado muitos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Afonso Lobão.

O Sr. Afonso Lobão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A Assembleia da República aprecia e discute hoje as propostas apresentadas, visando uma nova lei de bases da segurança social. Esta Câmara dá, assim, um contributo importante para uma reforma que o Governo do Partido Socialista assumiu como necessária desde a sua tomada de posse e que hoje envolve, também, todos os partidos com assento parlamentar.
Ao longo destes últimos anos, várias metas foram sendo vencidas nesta caminhada para uma reforma que é de numa geração» e que tem como objectivos fundamentais reforçar a eficácia do modelo de protecção social e preservar a sustentabilidade financeira do sistema de segurança social.
Hoje não oferece dúvidas a forma determinada, rigorosa e - porque não dizê-lo - de grande consenso político e social com que o Ministério desta área conduziu as mudanças significativas que se verificaram na segurança social.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - Primeiro, combatendo o alarmismo na segurança social - há três anos atrás dizia-se que o sistema estava em ruptura -, fazendo chegar a esta Assembleia e aos cidadãos informações periódicas com a verdadeira «radiografia» da situação financeira da segurança social.
Depois, as acções de moralização do sector, combatendo os abusos na utilização dos subsídios de doença e de desemprego, e o rigor posto na gestão do sistema permitiram recuperar valores significativos a que se juntou uma recuperação importante das dívidas à segurança social.
A nomeação da Comissão do Livro Branco da Segurança Social, que, entretanto, concluiu os seus trabalhos, apresentou um diagnóstico que constitui hoje um instrumento importante para a definição de políticas para o sector da segurança social. Ninguém foi indiferente ao trabalho desenvolvido por aquele conjunto de personalidades e, durante meses, as suas conclusões alimentaram debates que tiveram lugar por todo o Pais.
Ainda num quadro de grande consenso político e social se inserem a criação e a implementação do rendimento mínimo garantido, do qual hoje beneficiam mais de 200 000 pessoas, as transferências do Orçamento do Estado para o orçamento da segurança social, o cumprimento do estabelecido na actual Lei de Bases da Segurança Social, o reforço dos valores encaminhados para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, o de-

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senvolvimento de acções visando dar maior operacionalidade ao aparelho administrativo da segurança social, a introdução do princípio da diferenciação positiva, o pagamento das prestações familiares e a actualização diferenciada das pensões mais degradadas.
Podemos dizer que o documento que o Governo apresentou hoje nesta Assembleia contem propostas que vêm sendo testadas ao longo destes meses e que tiveram grande aceitação na população, e que, em resultado dessa experimentação social - permitam-me a expressão -, temos, assim, pela frente uma proposta moderna, coerente e sólida.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ª e Srs. Deputados: Todos temos a noção de que o nosso sistema de protecção social contém ainda debilidades que importa saber corrigir e ultrapassar. Há crianças em risco, há jovens e idosos em situação de pobreza e de exclusão social a exigirem esforços suplementares de solidariedade. O Governo, as autarquias locais, as misericórdias e as instituições de solidariedade social são entidades que conhecem estes problemas e continuam o esforço de estudo de alternativas para melhorar a capacidade de resposta.
A proposta de lei em apreciação reflecte as preocupações do Governo em dar resposta aos grupos mais vulneráveis da nossa sociedade e aos riscos sociais que hoje os cidadãos enfrentam. Aliás, o espírito do pacto, entretanto celebrado, para a solidariedade é transposto agora para a proposta do Governo. É nessa linha que se deseja continuar o esforço que vem sendo desenvolvido na organização de uma rede nacional de serviços e equipamentos sociais de apoio às pessoas e às famílias e se valoriza no texto o papel desempenhado pelas instituições de solidariedade social. É nessa linha a proposta de uma nova arquitectura para o sistema de solidariedade e de segurança social, de que destacamos os ramos de protecção social de cidadania e de protecção à família.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: 15 anos depois, esta Assembleia vai aprovar uma nova lei de bases da segurança social. Vai ser, certamente, um lei amiga do emprego, que valoriza à acção social, que assegura a participação das entidades interessadas, que garante a sustentabilidade financeira do sistema e que moderniza os processos administrativos; uma lei em que os direitos das pessoas que estão reformadas ou em vias de reforma são intocáveis. Enfim, uma lei que seja o resultado de um grande consenso e que vá de encontro ao que a maioria das portuguesas e dos portugueses reclamam.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Os partidos da oposição apresentaram também, cada um deles, o seu projecto de lei de bases da segurança social, o que significa o seu empenho num debate que envolve toda a sociedade portuguesa. Talvez seja uma resposta, ainda que tardia, ao desejo do Governo de celebrar um pacto político-social. O debate de hoje e aqueles que se seguirão em sede de comissão especializada demonstrarão, então, a vontade de querer participar nesta caminhada de melhoria e reforço do modelo de segurança social.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Emprego e Formação.

O Sr. Secretário de Estado do Emprego e Formação (Paulo Pedroso): - Sr. Presidente, Srs, Deputados: A reforma dos sistemas de segurança social surge hoje como um dos elementos nucleares para a reformulação e dinamização das políticas de emprego no contexto europeu. Há, aliás, uma relação entre segurança social e emprego que é essencial.
Ter economias dinâmicas, ricas em quantidade, mas também em qualidade de emprego, é, em última instância, um factor essencial para o equilíbrio e a sustentabilidade dos sistemas de segurança social. É largamente aceite, e reflecte-se nas propostas em presença, que as receitas da segurança social se baseiem, dentro da complementaridade de fontes de financiamento, no emprego e só um sistema de emprego e uma economia dinâmicos podem proporcionar os efeitos que a segurança social induz em termos de mais coesão, em termos de contracção de necessidade do recurso a prestações e, naturalmente, em termos de acréscimo de receitas.
Contudo, tem vindo a ser questionado o impacto que os custos indirectos do trabalho podem possuir no desincentivo à criação de emprego, bem como o efeito potencial que níveis elevados de protecção social podem produzir enquanto desincentivos ao trabalho.
Julgo que importa aqui que seja sublinhado que em Portugal possuímos, a este respeito, uma situação específica no contexto europeu, pelo que estes efeitos dificilmente terão, entre nós, a dimensão que apresentam noutras economias. Como sabem, e podemos repeti-lo, possuímos uma protecção no desemprego ainda em desenvolvimento. Os custos unitários do trabalho estão longe de atingir os níveis de outras economias europeias. Temos um quadro que difere, nestes como noutros factores, em grande medida do dos nossos parceiros, um quadro em que temos procurado intervir com a política seguida na articulação emprego-segurança social, numa lógica clara de promoção do emprego, sem questionar a sustentabilidade do sistema. Isto está patente na reforma da protecção no desemprego e no relevo dado às medidas activas de emprego, orientadas para a inserção social dos desempregados e dos grupos mais fragilizados. Estamos convictos de que, construindo políticas de emprego personalizadas e contratualizadas, é possível aprofundar uma relação positiva entre a melhoria da protecção social e a sustentabilidade do emprego. A experiência, aliás, de várias economias europeias, especialmente de economias abertas de pequena dimensão, mostra-nos claramente que melhores níveis de desempenho da protecção social não só não são incompatíveis com maiores níveis de emprego como, inclusivamente, as duas dimensões aparecem, muitas das vezes, associadas.
Neste sentido, na proposta de lei de bases que hoje o Governo apresenta à Assembleia da República e, em particular, no que toca à política de emprego, o que está essencialmente em causa é um equilíbrio no plano dos princípios entre estabilidade financeira e pertinência social das prestações. Um equilíbrio que não produz directamente efeitos na promoção e sustentabilidade do emprego mas que, tal como, aliás, tem ocorrido nas medidas reformistas que o Governo, a este nível, tem levado a cabo, promove a coesão social. Pretende-se, com isto, diminuir a vulnerabilidade dos cidadãos à necessidade e o risco de

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exclusão social tornando a sociedade portuguesa mais sólida e, consequentemente, com maior capacidade para promover o emprego.
Mas se a proposta que o Governo aqui apresenta é
mais um sinal do caminho que tem vindo a ser traçado na promoção da cidadania e da coesão, ela enquadra também, designadamente no contexto do financiamento, possibilidades para o desenvolvimento das políticas de emprego. Aliás, e neste sentido, vale a pena referir a abertura
nela contida e claramente assumida no sentido de diminuir o valor da incidência das responsabilidades contratuais perante a segurança social, assim o justifiquem as políticas de emprego.

O desafio de promoção do equilíbrio financeiro e da sensibilidade social que a proposta do Governo incorpora é, pois, um equilíbrio que será favorável ao emprego em Portugal. E é um equilíbrio favorável, nomeadamente por
aceitar o princípio da modulação das taxas contributivas em função da promoção do emprego. Aliás, neste espirito e consubstanciando em sede de política de emprego o que a proposta de lei de bases prevê, o Governo avançará com
propostas no sentido de que verbas orçamentadas para as políticas de emprego e de formação profissional suportem eventuais diminuições de taxas contributivas por parte das entidades empregadoras, em situações excepcionais relacionadas com políticas conjunturais de emprego.
Trata-se de mais um passo para que, cada vez mais, as políticas de solidariedade e de emprego sejam instrumentos que, lado a lado, caminhem para que a sociedade portuguesa seja mais solidária e tenha mais justiça social.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a
palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.
A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): -
Sr. Presidente, Srs. Deputados, faço esta última intervenção para ver se conseguimos recentrar o debate nalguns aspectos essenciais, tanto mais que se trata de um agendamento potestativo da minha bancada.
Começo por referir de novo a questão da sustentabilidade financeira do sistema da segurança social, fazendo daqui um pedido muito concreto ao Sr. Ministro: uma vez que existem dois «cenários», estando o segundo na posse do Sr. Ministro, porque, tanto quanto sei, se trata de um
estudo encomendado pela Comissão do Livro Branco ou pelo Ministério do Emprego e da Solidariedade - em qualquer dos casos é o Sr. Ministro que o conhece -, gostaria que mesmo antes de se iniciarem os trabalhos nas comissões especializadas fosse possível termos um quadro, porque julgo que sem esse quadro muito do trabalho poderá ficar comprometido - aliás, desde já desejo que o quadro real seja o quadro optimista.
Depois, gostaria de acentuar aqui um aspecto que julgo ser muito importante: não vale a pena conduzir estes debates entre uma ideia ultrapassada de paternalismo e uma espécie de «papão» do neo-liberalismo. Penso que estes dois extremos estão totalmente ultrapassados e aquilo de que se trata, no fundo, é de conseguir conviver com
as realidades sociais e económicas e, efectivamente, tornarmos prática a teoria que todos nós pregamos das parcerias com as empresas, as famílias, as IPSS, etc., prática essa que, como temos visto, se torna muito difícil de concretizar no dia-a-dia, incluindo também neste âmbito a
acção governativa. Mas esse é o espírito que está subjacente, não apenas ao nosso projecto mas a quase todos.
Queria deixar claro o seguinte: a nossa opção pelo plafonamento horizontal e não pelo vertical assenta exactamente nessa preocupação de não criar qualquer instabilidade financeira ao sistema público por um lado, e por outro lado, porque nós também sabemos que na realidade não há uma cultura «previdencial» e, portanto, poderia dar azo - e isto sem qualquer paternalismo -, à autocriação de situações que depois viessem a tornar-se difíceis para as próprias pessoas, mas não excluímos que mais tarde - e oxalá que sim - esse plafonamento vertical possa vir a ser possível.

Queria também explicar que não indicámos qualquer montante por não nos parecer oportuno fazê-lo numa lei de bases, pois pensamos que se trata de uma matéria que carece de uma discussão considerável e que se prende com a utilidade que o plafonamento pode ou não ter para a sustentabilidade financeira do sistema e que é, eventualmente, uma utilidade reduzida - e tenho consciência desse facto, pois disponho das mesmas contas que o Sr. Ministro. Mas este instrumento pode ter outro interesse, para além da questão meramente financeira: Bode ter um interesse de modelação do próprio sistema em termos de futuro e por isso é uma questão em aberto que pensamos dever ser discutida. No entanto, dizer que isto se traduz na privatização da segurança social é muito forte, porque na realidade consagramos, e com toda a convicção, o carácter público tanto da solidariedade como da componente «previdencial». Quando se fala de mínimos em Portugal fala-se do rendimento mínimo; as pessoas pensam que o mínimo é uma quantia «miserenta», mas não se trata disso! O que estamos a procurar - e penso que os trabalhos do Livro Branco foram também nesse sentido e qualquer pessoa que pense no plafonamento pensa nesse sentido é salvaguardar uma margem confortável que garanta às pessoas uma reforma confortável, dando-lhes ao mesmo tempo a liberdade de poderem, fora desse quadro, fazer aquilo que entenderem.

A grande questão que se coloca é, sem dúvida, a de conseguirmos, ou não, por um lado, entender a presença do Estado e, por outro lado, a esfera de liberdade dos indivíduos. Da mesma forma, julgo que seria um bom momento para acentuar a questão da responsabilidade. A solidariedade é um valor que todos partilhamos, mas não pode ter como contra-face esquecermo-nos por completo da responsabilidade individual, familiar, colectiva, porque na realidade não integramos um órgão de soberania de um pais de irresponsáveis, portanto temos de fazer esse apelo à responsabilidade dos cidadãos, preocupação que está presente no nosso projecto.
Fundamentalmente, são estes os pontos que queria deixar sublinhados e, sobretudo, a ideia de que estes parceiros têm mesmo de ser chamados a participar. Julgo que não vale a pena fazer votos de confiança na economia privada, não vale a pena fazer votos de confiança nas empresas como agentes económicos importantíssimos, não vale a pena, sequer, fazer leis de bases da família se depois, na nossa prática, contrariamos de forma sistemática esta intenção de parceria que é também uma intenção de partilha de responsabilidades.
Terminaria frisando outro aspecto que gostaria de conseguir exprimir claramente e que é o seguinte: só quem tem uma grande familiaridade com a pobreza pode perceber que todo o esforço tem de ser feito no sentido de eliminá-la. Repito: todo o esforço tem de ser dirigido nesse

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sentido! E é por isso que concordo inteiramente com o que a Sr.ª Deputada Filomena Bordalo disse há pouco em relação à acção social: tem de haver um grande esforço de prevenção e, sabendo nós que mesmo com esse esforço de prevenção é impossível conter o aumento das bolsas de pobreza - eu já não digo conter as bolsas de pobreza como elas estão -, temos de qualquer modo de trabalhar com elas e para elas no sentido de as ir diminuindo gradualmente. A perspectiva da segurança social é completamente contrária. Portanto, quando falamos em solidariedade e segurança social falamos em duas componentes que têm perspectivas completamente diferentes: uma, eu diria que seria desejavelmente circunstancial, outra, eu diria que é sistémica - e desejavelmente sistémica; uma, eu diria que é desejavelmente transitória e, a outra, eu diria que é desejavelmente definitiva. Julgo que não devemos perder de vista esta ideia durante os trabalhos que se seguem.
O empolamento da solidariedade, se não se tiver em atenção aquilo que é a devolução das pessoas ao seu estatuto de dignidade e, portanto, a nossa capacidade de inseri-las, acaba por ser apenas uma tentação alargada de um «assisencialismo» que não produz resultados e que pode ter o efeito perverso da irresponsabilidade. Em relação a este ponto, volto a dizer que quem conheça bem a pobreza e quem conheça bem os pobres saberá que muitas vezes esta intenção de solidariedade levada às últimas consequências pode significar também uma forma de exclusão, porque de algum modo já não os julgamos capazes de voltar ao sistema. Foi neste quadro, que não tem absolutamente nada de transcendente - e julgo que a Sr.ª Deputada Elisa Damião, não obstante ter feito, talvez, do meu ponto de vista, um enfoque excessivo ao que este projecto lei do CDS-PP teve de mediático -, que da Tribuna eu pedi que o projecto lei do CDS-PP fosse julgado, pelo seu conteúdo, porque nem me passa pela cabeça que a Assembleia da República possa julgar um projecto de lei pelas noticias dos jornais. Portanto, à parte esses seus desabafos -que não me dizem respeito penso que do seu discurso também ficou claro que há aqui uma base alargada de trabalho. Parece-me que estas questões que coloco, e que são o escopo do nosso projecto de lei, são hoje partilhadas. Não as considero válidas por serem partilhadas - eu já as adoptei há muitos anos -, mas julgo que correspondem presentemente a um olhar lúcido sobre a sociedade, concretamente sobre a nossa, que ainda tem muitas fragilidades e vulnerabilidades, e sobretudo um olhar de quem, certamente, procura chegar a algum lado e não apenas deixar aqui registos no Diário.
(A Oradora reviu.)

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para uma intervenção o Sr. Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais.

O Sr. Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais (Ribeiro Mendes): - Sr. Presidente, gostaria de fazer alguns comentários breves para finalizar a intervenção por parte do Governo.
Em primeiro lugar, permitam-me uma constatação de surpresa porque quem imaginasse este debate alguns meses atrás esperaria uma veemência e uma atenção da opinião pública muito superiores ao que se verificou hoje. Naturalmente que o tempo ajudou a alterar alguns dos dados

dos problemas que se punham há dois meses, mas a falta de dramatismo do início deste debate talvez não seja, necessariamente, um mau augúrio; bem pelo contrário, quero crer que é um bom augúrio para o progresso de uma reforma que - gostaria de acentuar este aspecto se vai estruturar a partir de quatro projectos.
Todos os partidos sentiram necessidade de apresentar o seu projecto não coincidente com qualquer outro, o que dá a ideia de que a reforma da segurança social se poderá fazer sem se ir necessariamente a reboque dos alinhamentos pré-eleitorais, que, evidentemente, os calendários políticos sempre impõem. Penso, por isso, que se trata de um bom augúrio a falta de dramatismo, insisto, e o facto de haver propostas por parte de todos os grupos parlamentares ou de todos os partidos representados na Assembleia.
Em segundo lugar, gostaria de exprimir a minha convicção de que o essencial da proposta do Governo é correcta neste aspecto importante: comparando a proposta de lei de bases com a actual Lei de Bases, e não tanto com os projectos de lei que estão em confronto, julgo possível afirmar com clareza que a proposta do Governo vem colocar aquilo que estava «de pernas para o ar» nos seus correctos termos.
Na actual Lei de Bases existe a preocupação com a definição do conteúdo do direito constitucional à segurança social. Essa definição é feita a três níveis: ao nível do que na proposta se chama a protecção de cidadania, garantindo os recursos e os programas necessários à plena integração social de cada cidadão, onde quer que esta esteja em risco, definindo ao mesmo tempo o conteúdo desse direito constitucional à segurança social; ao nível da família, tornando explícito o papel decisivo da segurança social na política de família, a qual deve ser ajustada às novas realidades familiares da nossa sociedade; e, por fim, ao nível do cuidado posto na definição ou no conteúdo do direito constitucional à segurança social no que diz respeito à actividade profissional, apontando para o apoio ao emprego e flexibilizando a protecção, para adequá-la às novas realidades do trabalho, e abrindo a perspectiva de novos mecanismos que ajudem a uma saída gradual do mercado de trabalho, onde esta se justifique.
Por outro lado, pondo o acento tónico no conteúdo do direito constitucional à segurança social, a proposta de lei remete - e nesse aspecto penso ser positivo constatar alguma convergência nos projectos de lei de alguns dos grupos parlamentares - todo o essencial da regulamentação do acesso à protecção para a lei ordinária. Em vez de uma lei de regimes de segurança social como aquela que está em vigor, trata-se de uma lei de protecção que remete para a lei ordinária com maior flexibilidade para permitir o seu ajustamento, as condições de acesso a essa protecção, os tais regimes jurídicos de acesso à protecção.
Estabelece ainda princípios para a organização dos meios operacionais que concretizam a protecção, mas também neste caso com grande contenção regulamentar, ao contrário da lei em vigor. Por fim, penso ser claro na proposta de lei que se visa um equilíbrio entre aquilo que é a política e o mecanismo de solidariedade social e aquilo que releva do seguro social e creio que aqui é preciso insistir que justiça social não exclui, pelo contrário deve incluir - como foi frisado na intervenção inicial do Sr. Ministro do Trabalho -, a justiça contributiva. É o principio da contributividade para concretizar, a justiça social.

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Em terceiro lugar, permitam-me ainda que destaque algumas convergências importantes que se patenteiam nas propostas e que a apresentação das diferentes propostas veio confirmar: primeiro, uma convergência fundamental no sentido de orientar cada vez mais a protecção para uma finalidade prioritária de inserção social e profissional do beneficiário quando isso seja possível, e não tanto de substituição estrita dg rendimento do trabalho própria de uma concepção passada e ultrapassada de segurança social; segundo, a defesa da equidade intergeracional assumindo inequivocamente; na generalidade das propostas - julgo que em todas, ainda que coro nuances e diferenças importantes - um modelo misto de repartição e capitalização; terceiro e não menos importante, penso poder registar-se convergência no que diz respeito à nobilitação das formas complementares de protecção, sejam elas públicas, privadas, de economia ou solidariedade sociais, isto é, cresce a possibilidade de uma lógica articulada de pilares de protecção e a afirmação de uma ética de responsabilidade compartilhada entre o Estado, o cidadão e a comunidade em matéria de protecção social.
Ao mesmo tempo parece haver uma convergência importante na abertura de um «campo de possíveis» quanto ao financiamento da protecção, adequados esses «possíveis» às diversas finalidades da protecção: em primeiro lugar, a proposta inovadora de contribuição de solidariedade baseada em receita fiscal para tudo o que é redistributivo no seguro social, designadamente, bonificações de subsídio familiar, subsídio social de desemprego ou as majorações da própria pensão estatutária; em segundo lugar, a abertura a novas bases de incidência para a contribuição dos empregadores, que a generalidade das propostas contempla - ainda que deixando aqui, com prudência, a proposta do Governo todo o campo possível para definições futuras baseadas em conhecimento tecnicamente mais apurado da realidade; em terceiro lugar, a questão do plafonamento contributivo, seja ele horizontal ou vertical, no que é uma diferença importante entre as propostas, mas que tem alcance do ponta de vista da sustentabilidade, a longo prazo, do sistema de pensões, ainda que se deva registar a importância de não defraudar expectativas legitimas, o que poderia acontecer com uma proposta que, em torno de um plafonamento de tipo vertical, como é proposto pelo PSD, inevitavelmente criaria, se o limite fosse fixado anualmente em sede de Orçamento do Estado (Lei do Orçamento), como a proposta do PSD prevê; em quarto lugar, também uma convergência importante, mais capitalização para repartir com mais justiça entre as gerações a factura das pensões, seja por via do sector público, através da Fundo de Estabilização, seja por via particular, através do estimulo às formas de protecção complementares - nisso acompanhamos os países mais sábios e mais prudentes, e até a prudentíssima França está agora a dar os primeiros passos no sentido de criar, também ela, uma capitalização pública de protecção ao sistema de repartição; em quinto lugar, também a clarificação do papel das transferências do Orçamento do Estado para toda a protecção de base não contributiva.
É claro que não referi aqui a evidência de que não há divergência absoluta no que diz respeito à natureza pública do sistema de segurança social na sua maior parte. Também aqui parece que a hora liberal já passou e não vale a pena ressuscitar fantasmas, porque, como acaba de ser afirmado pela Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, também a direita portuguesa não se afirma realmente como liberal no verdadeiro e profundo sentido do termo.
A generalidade das propostas é prudente em matéria de organização do sistema de segurança social.
Finalmente, um último comentário para dizer que, do ponto de vista do Governo, a proposta que avançamos é subsidiária de uma filosofia não burocrática para a arquitectura do sistema de segurança social na perspectiva do próximo século.
Por um lado, trata-se de não ficarmos amarrados a um exclusivo do regime da função pública nas instituições do sistema. É uma posição conhecida do Governo, que se traduziu já, com autorização desta Assembleia, na abertura ao contrato individual dos institutos actualmente existentes, mas que não despreza a valorização dos trabalhadores do sistema que vão permanecer, na sua esmagadora maioria, no regime da função pública, e por isso é interessante anotar que está em preparação a abertura de uma mesa negociai com os sindicatos representativos dos trabalhadores da função pública para estudar os meios e as possibilidades de valorizar o estatuto dos trabalhadores da segurança social no quadro dos acordos já realizados em matéria de função pública.
Por outro lado, a proposta do Governo reafirma a necessidade de consolidar a descentralização funcional, mas quer manter aqui uma reserva importante, no que diz respeito às instituições de âmbito nacional, a propósito das funções centrais de gestão dos regimes de segurança social e da gestão financeira do sistema, bem como do sistema de informação necessário à boa gestão desses regimes e da gestão política das políticas contra a pobreza e a exclusão social. Esta afirmação é importante numa hora em que, ao mesmo tempo, temos de dar um passo grande no sentido de desconcentrar serviços e aproximar do cidadão o funcionamento do sistema de segurança social.
São estes, em resumo, os aspectos que me parecem merecer alguma nota conclusiva.
Creio que, apesar da bem evidente calma com que iniciaram os vossos trabalhos sobre uma das reformas estruturais que a oposição tanto vem clamando da parte do Governo e do partido que o apoia - está aqui hoje reafirmada a sua oportunidade e a determinação do Governo de levá-la por diante -, e talvez por ela e por este sentido menos polémico, será possível, em sede de especialidade, aproximar e consertar posições e alcançar consensos, sem prejuízo das diferenças essenciais de princípios e de filosofia que cada um de nós tem e deve defender de um ponto de vista da sua caracterização política, por forma a chegarmos a uma lei de bases que possa vigorar pelo menos por tantos anos como a actual tem vigorado, apesar de tudo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, o Grupo Parlamentar do CDS-PP, no exercício de um direito potestativo, requereu que a votação, na generalidade, do seu projecto de lei se fizesse imediatamente a seguir à discussão.
Penso, porém, que há consenso no sentido de não se fazer apenas esta votação mas também a de todos os restantes projectos de lei, bem como a da proposta de lei.
Não havendo objecções, vamos passar à fase das vocações, começando, naturalmente, pela votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 528/VII - Cria as Bases do Sistema Nacional de Segurança Social (CDS-PP).

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24 DE SETEMBRO DE 1998 127

Submetido d votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e abstenções do PS, do PCP e de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 185/VII - Aprova as Bases Gerais do Sistema de Solidariedade e de Segurança Social.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS e abstenções do PSD, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, o projecto de lei N.º 565/VII - Lei de Bases da Segurança Social (PCP).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PCP e de Os Verdes e abstenções do PS, do PSD e do CDS-PP.

Srs. Deputados, vamos agora votar, na generalidade, o projecto-de lei n.º 567/VII - Lei de Bases da Segurança Social (PSD).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e abstenções do PS, do PCP e de Os Verdes.

Todos estes diplomas que acabámos de aprovar baixam à 8.ª Comissão, como é óbvio.
Srs. Deputados, chegámos ao fim dos nossos trabalhos de hoje.
A próxima sessão plenária realizar-se-á amanhã, dia 24, às 15 horas. O período de antes da ordem será preenchido por um debate de urgência, requerido pelos Grupos Parlamentares do PSD e do CDS-PP, «Sobre a situação de abandono a que o Governo tem votado a agricultura nacional» e o período da ordem do dia pela discussão do projecto de resolução n.º 99/VII e do projecto de lei n.º 146/VII.
Srs. Deputados, declaro encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 25 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputatados:

Partido Socialista (PS):

Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.

Partido Social Democrata (PSD):

António Paulo Martins Pereira Coelho.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Francisco Antunes da Silva.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Carlos Manuel Luís.
Fernando Alberto Pereira Marques.
João Pedro da Silva Correia.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Mário Manuel Videira Lopes.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.

Partido Social Democrata (PSD):

António Manuel Taveira da Silva.
Gilberto Parca Madaíl.
João Bosco Soares Mota Amaral.
José Augusto Gama.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Pedro Manuel Cruz Roseta.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Rui Miguel Gama Vasconcelos Pedrosa de Moura.

Partido Comunista Português (PCP):

Lino António Marques de Carvalho.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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I SÉRIE - NÚMERO 4 128
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