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Sexta-feira, 23 de Outubro de 1998

I SÉRIE - NÚMERO 17
DIÁRIO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

VII LEGISLATURA

4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1998-1999)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 22 DE OUTUBRO DE 1998

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex.mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Maria Luísa Lourenço Ferreira
João Cerveira Corregedor da Fonseca

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.

Antes de ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa do inquérito parlamentar n.º 9/VII, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado Lino de Carvalho (PCP) criticou os objectivos e a posição do Governo perante o acordo multilateral de investimentos, que se estava em preparação no âmbito da OCDE,  no fim, respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Fernando Pereira Marques (PS).
Procedeu-se ao debate de urgência, requerido pelo PSD, sobre o descontrolo financeiro do Ministério da Saúde. Usaram da palavra, a diverso título, além da Sr.ª Ministra da Saúde (Maria de Belém Roseira), os Srs. Deputados Manuela Ferreira Leite (PSD), José Barradas, José Alberto Marques e Nelson Baltazar (PS), Jorge Roque Cunha (PSD), Bernardino Soares (PCP) e Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP).
O Sr. Deputado Miguel Coelho (PS), a propósito da realização do próximo referendo sobre a regionalização, congratulou-se com a perspectiva da instituição da região de Lisboa e Setúbal.
O Sr. Deputado Pedro Baptista (PS) deu conta da realização da VIII Cimeira Ibero-Americana na cidade do Porto, tendo salientado as suas conclusões mais importantes. No final, respondeu a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Sérgio Vieira (PSD).

Ordem do dia. - Procedeu-se à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 177/VII - Regula a publicidade domiciliaria por telefone e por telecópia, sobre a qual intervieram, além do Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro (José Sócrates), os Srs. Deputados Francisco Peixoto (CDS-PP), António Filipe (PCP), José Magalhães e Manuel Varges (PS), Moreira da Silva (PSD) e Isabel Castro (Os Verdes).
Foi igualmente apreciado, na generalidade, o projecto de lei n.º 556/VII - Proibição de aplicação em dividendos das receitas de alienação de participações nacionalizadas (PSD), tendo intervindo no debate, a diverso título, os Srs. Deputados Rui Rio (PSD), Sílvio Rui Cervan (CDS-PP), Octávio Teixeira (PCP) e Fernando Serrasqueiro (PS).
O projecto de lei n.º 553/VII - Criação do Provedor da Criança (PS) foi discutido, na generalidade, tendo usado da palavra os Srs. Deputados António Braga (PS), Luísa Mesquita (PCP), Nuno Abecasis (CDS-PP), Maria Eduarda Azevedo (PSD), Isabel Castro (Os Verdes) e Luís Marques Guedes (PSD).
Finalmente, foi debatida, na generalidade, a proposta de lei n.º 175/VII - Autoriza o Governo a legislar no sentido de estabelecer os princípios reguladores da investigação de acidentes e incidentes com aeronaves civis, tendo usado da palavra, além do Sr. Secretário de Estado dos Transportes (Guilhermino Rodrigues), os Srs. Deputados Rodeia Machado (PCP), Falcão e Cunha (PSD), Luís Queiró (CDS-PP) e Nuno Baltazar Mendes (PS).
Entretanto, foram aprovados, na generalidade, tendo baixado à Comissão respectiva a proposta de lei n.º 206/VII - Aprova a nova lei orgânica da Polícia de Segurança Pública e o projecto de lei n.º 102/VII - Altera a composição do Conselho Superior de Polícia e do Conselho Superior de Justiça e Disciplina da PSP (PCP), tendo, a requerimento do PCP, o projecto de lei n.º 103/VII - Consagra novos direitos e compensações para os profissionais da PSP (PCP) baixado à Comissão sem aquela votação.
A requerimento do PSD foi também aprovada a baixa à Comissão, sem votação na generalidade, dos projectos de lei n.os 557/VII - Democratização das comissões de coordenação regional, 558/VII - Novas áreas metropolitanas de Aveiro, Braga, Coimbra, Faro, Leiria e Viseu, 559/VII - Reforço das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, 560/VII - Reforço da intervenção autárquica no distrito, 561/VII - Novas atribuições e competências das associações de municípios, 567/VII - Reforço das atribuições e competências dos municípios, 563/VII - Valorização das freguesias e 564/VII - Contas das autarquias locais - emolumentos (alteração ao Decreto-Lei n.º 66/76, de 31 de Maio) e do projecto de resolução n.º 98/VII - Localização de serviços do Estado nas zonas do interior, todos da iniciativa do PSD.
Por último, a Câmara aprovou o texto final, apresentado pela Comissão de Economia, Finanças e Plano, relativo à proposta de lei n.º 155/VII - Aprova o Estatuto Fiscal Cooperativo (EFC), bem como o inquérito parlamentar n.º 9/VII - Constituição de uma comissão eventual de inquérito às denúncias de corrupção na Junta Autónoma de Estradas (CDS-PP) e, ainda, três pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias autorizando dois Deputados do PS e um do PCP a deporem em tribunal como testemunha.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Guimarães Fernandes Dias.
António Manuel Carmo Saleiro.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Armando Jorge Paulino Domingos.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Dinis Manuel Prata Costa.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Oliveira de Sousa Peixoto.

José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Júlio Meirinhos Santanas.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Cendal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria Eduarda Bento Alves Ferronha.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Manuela de Almeida Costa Augusto.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Paulo Jorge Lúcio Arsênio.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António d'Orey Capucho.
António de Carvalho Martins.
António dos Santos Aguiar Gouveia.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Eugénio Pereira de Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.

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Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Domingos Dias Gomes.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Manuel Costa Pereira.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria de Lourdes Lara Teixeira.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Augusto Torres Boucinha.
Francisco Amadeu Gonçalves Peixoto.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.

Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Pedro José Dei Negro Feist.
Rui Manuel Pereira Marques.
Rui Miguel Gama Vasconcelos Pedrosa de Moura.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

Alexandrino Augusto Saldanha.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Joaquim Manuel da Fonseca Matias.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Isabel Maria de Almeida e Castro.

Deputado independente:

José Mário de Lemos Damião.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas, dos requerimentos e das respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deu entrada na Mesa e foi admitido o inquérito parlamentar n.º 9/VII - Constituição de uma comissão eventual de inquérito às denúncias de corrupção na Junta Autónoma de Estradas (CDS-PP).
Sr. Presidente e Srs. Deputados, nas últimas reuniões plenárias foram apresentados à Mesa os seguintes requerimentos: nos dias 12 e 13 de Outubro p.p. ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado Manuel dos Santos; ao Ministério das Finanças, formulado pela Sr.ª Deputada Manuela Aguiar; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Jorge Ferreira; ao Ministério do Ambiente, formulado pelo Sr. Deputado Rui Pedrosa de Moura; ao Ministério da Economia, formulado pela Sr.ª Deputada Carmen Francisco.
Nas reuniões plenárias de 14 e 15 de Outubro p.p., ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Miguel Ginestal; ao Ministério da Saúde, formulado pelos Srs. Deputados Bernardino Vasconcelos.
Filomena Bordalo e Jorge Roque Cunha; aos Ministérios da Justiça e do Trabalho e da Solidariedade, formulados pelo Sr. Deputado António Rodrigues; ao Ministro Adjunto e à Secretaria de Estado do Desporto, formulado pelo Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan; à Câmara Municipal da Murtosa, formulado pelo Sr. Deputado Rodeia Machado; à Secretaria de Estado da Administração Pública e da Modernização Administrativa, formulado pelo Sr. Deputado Alexandrino Saldanha; aos Ministérios da Economia e do Ambiente, formulados pela Sr.ª Deputada Carmen Fran-

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cisco; ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do território, formulado pelo Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: no dia 19 de Outubro p.p., José Junqueiro, na sessão de 8 de Junho; Manuel Frexes, na sessão de 26 de Junho; Carlos Duarte, nas sessões de 29 de Junho e 24 de Setembro; Maria Celeste Correia, no dia 14 de Julho; Jorge Roque Cunha, no dia 29 de Julho, António Barradas Leitão e Bernardino Soares, na sessão de 23 de Setembro.
No dia 21 de Outubro de 1998: Joaquim Matias, nas sessões de 12 de Março e de 6 de Maio; Rui Pedrosa de Moura, na sessão de 14 de Maio; Rui Rio e Lino de Carvalho, na sessão de 17 de Junho; Álvaro Amaro, na sessão de 30 de Junho; Isabel Castro, no dia 21 de Julho; Lucília Ferra, no dia 30 de Julho; Carmen Francisco, no dia 1 e na sessão de 17 de Setembro; Paulo Pereira Coelho, no dia 15 de Setembro; Bernardino Soares, na sessão de 23 de Setembro; Octávio Teixeira, na sessão de 7 de Outubro.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, em termos de expediente é tudo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar no período de antes da ordem do dia...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, o debate de urgência hoje em discussão já foi solicitado há muito tempo. Não vejo a Sr.ª Ministra da Saúde aqui no Plenário, mas admito que possa estar, recolhida no gabinete do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares; por isso, gostaria de saber se o Governo foi informado do debate de hoje e se estará presente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a informação que tenho é que o Governo estará presente, mas, como sabe, há antes uma declaração política, que irá consumir algum tempo, e creio que no momento em que passarmos a esse debate o Governo já estará presente.
Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em Abril deste ano, por iniciativa do PCP, o Ministro Pina Moura veio à Comissão de Economia prestar esclarecimentos sobre o Acordo Multilateral de Investimentos (AMI) e sobre a posição e responsabilidades do Governo português nesse processo.
Para nossa surpresa, verificámos então que, incluindo aparentemente o Governo, poucos pareciam saber o que era o AMI e as suas enormes consequências para a economia portuguesa. Perdoe-se-me se erro, mas fiquei com a ideia de que alguns pensavam que estávamos a falar de qualquer coisa como a Associação Médica Internacional!
O próprio Ministro da Economia - não sei se por desconhecimento do dossier se para tentar desresponsabilizar-se - limitou-se, no fundamental, a ler um texto escrito pela técnica que o acompanhava, funcionária do ICEP e representante do Governo português nas negociações secretas que decorriam na OCDE.

No fundo, é a confirmação de que certos - não todos! - dirigentes políticos preferem dedicar-se mais aos espectáculos virtuais do que aos problemas reais do País.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, o AMI tem um objectivo preciso: liberalizar e desregulamentar totalmente o investimento estrangeiro, estendendo ao Investimento Directo Estrangeiro (IDE) as regras que vigoram na Organização Mundial do Comércio (OCM) para a liberalização do comércio, com o objectivo expresso de protecção ao investimento dos grandes investidores transnacionais.
Dito de outra maneira, o AMI é um instrumento que visa a consolidação de um modelo de acumulação financeira capitalista a nível mundial.
De acordo com o texto, negociado secretamente durante dois anos pelos 29 Estados membros da OCDE, o AMI, primeiro, obriga a que se conceda ao IDE um tratamento no mínimo igual aos investidores nacionais, logo, ficariam proibidos todos os apoios especiais às pequenas e médias empresas nacionais ou aos produtores nacionais; seriam proibidas políticas de defesa, por exemplo, dos recursos pesqueiros e do nosso mar territorial; seria impedida a promoção da produção nacional e, em particular, a promoção das indústrias e das produções culturais nacionais.
A abertura ilimitada às indústrias culturais norte-americanas, por exemplo, afogaria em pouco tempo a produção cultural nacional e liquidaria os direitos dos seus criadores.
Em segundo lugar, o AMI impede um Estado de impor regras de defesa do interesse público, do interesse nacional e do emprego. Por exemplo, seriam proibidas políticas que quisessem impor um nível ou percentagem mínima de incorporação nacional na produção estrangeira; que privilegiassem bens produzidos no respectivo território nacional; que pretendessem orientar o investimento ou a sua sede para determinado ponto do território nacional, por razões de ordenamento e de combate às assimetrias; que quisessem estabelecer uma percentagem mínima de participação nacional nos capitais de empresas a constituir; que defendessem o recrutamento, para efeitos de emprego, de um nível dado de nacionais; que condicionassem o investimento em nome da defesa do ambiente, etc.
Todas estas políticas, aliás, poderiam, inclusivamente, dar lugar a direitos de indemnizações a favor das transnacionais por eventuais perdas de oportunidades de lucro suscitadas por políticas internas dos Estados membros.
Em terceiro lugar, o AMI impediria as expropriações ou nacionalizações de empresas por razões de interesse económico ou social.
Em quarto lugar, o AMI limitaria os direitos sociais dos trabalhadores, constitucionalmente consagrados. O capítulo do acordo chamado «Protecção Contra as Desordens» é talvez dos mais significativos do espírito do AMI. Nele está estabelecido que se um investidor estrangeiro sofresse, também aqui, prejuízos ou redução das expectativas ou oportunidades de lucro por razões de guerra, estado de emergência, agitações civis, greves, etc., tal daria igualmente lugar à possibilidade de tal ou tal transnacional exigir indemnizações ao Estado em causa.
E fácil perceber que isto conduziria, rapidamente, à tentativa e à chantagem de condicionar ou proibir os trabalhadores de exercerem os seus legítimos direitos sociais e laborais.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Um escândalo!

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O Orador: - Em quinto lugar, é um acordo que asseguraria a «transferibilidade» livre e total para o exterior de todos os lucros e outros valores respeitantes ao investimento.
Em sexto lugar, segundo o acordo, se houvesse diferendos entre o Estado e a multinacional, seria esta - e não o Estado - que teria o direito de escolher a jurisdição a quem submeter o diferendo existente.
Mas mais: nos termos de um dos articulados do acordo, a multinacional pode accionar o Estado, mas - pasme-se! - o Estado não pode accionar a multinacional por violações de uma qualquer obrigação. É um AMI bem pouco amigo, Srs. Deputados!...
Por outro lado, esse diferendo seria julgado e interpretado não de acordo com a legislação do Estado em causa, mas segundo as regras do comércio internacional e, em última análise, no âmbito de uma Comissão Internacional para a Regulação dos Diferendos, funcionando, obviamente, de acordo com a lógica da liberalização dos mercados financeiros e dos interesses do investidor.
Por último, e só estou a citar alguns exemplos mais significativos, um País aderente ao acordo só poderia renunciar e sair dele 20 anos depois da sua entrada em vigor, ou 15 anos após a sua adesão, possuindo o acordo uma cláusula que impede que alguma vez ele seja alterado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A mão cheia de exemplos que aqui deixei são elucidativos de um leonino acordo internacional, de um acordo onde é imposto aos Estados uma espécie de direito absoluto do investimento transnacional.
Como chegou a afirmar o patrão de uma das multinacionais mais importantes da Europa, o AMI significaria «a liberdade para os grupos económicos se implantarem onde quiserem, pelo tempo que quiserem, para produzirem o que quiserem, abastecendo-se e vendendo onde quiserem, suportando o mínimo de obrigações em matéria de direitos de trabalho».
O objectivo do AMI, Srs. Deputados, não é, pois, regular os investimentos mas controlar os governos.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Pois bem, foi este acordo leonino, que poria os Estados « de joelhos» perante os interesses das transnacionais, que o Governo negociou em segredo, que nunca por sua iniciativa veio à Assembleia ou foi debatido em público. Era este o acordo que o Governo português se preparava para aceitar e assinar, em Paris, no passado dia 20 de Outubro, acordo este que, servindo sobretudo os interesses dos Estados Unidos, seria depois imposto ao resto do mundo.
Foi preciso, primeiro, que amplos movimentos de cidadãos contra o acordo se desenvolvessem um pouco por todo o Mundo e que, há poucos dias, a França tivesse decidido retirar-se do Acordo Multilateral de Investimentos para que, por um lado, o texto passasse a ser conhecido e debatido publicamente e, por outro, com a decisão do Governo francês, que se retirou das negociações por considerar o «projecto perigoso para a soberania do Estado», o acordo tivesse, para já, abortado e sido provisoriamente enterrado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O PCP, desde a primeira hora, procurou trazer esta questão para o conhecimento e o debate públicos - aliás, fomos a única força política que o fez.

Mas, pergunta-se: o que fez o Governo português? Vai continuar, em silêncio e no segredo das negociações da OCDE, a apoiar o acordo? Qual a posição do Governo português face à renúncia francesa ao AMI? Vai o Sr. Ministro Pina Moura continuar a alinhar com os interesses estratégicos de Washington e das transnacionais?
O silêncio do Governo português é, só por si, comprometedor.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Pela nossa parte, PCP, exigimos que, face a um texto completamente intolerável e irreformável, o Governo português, também ele, renuncie ao AMI e se retire das negociações, como já o devia ter feito há muito tempo, se estas prosseguirem no seio da OCDE ou noutro fórum internacional.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - É o interesse e a dignidade nacionais que estão em causa.
São as teses da globalização financeira e do ultraliberalismo, responsáveis, aliás, pela grave crise mundial em curso e que se afirmam contra a economia real e contra os povos, que devem ser neste contexto claramente abandonadas, rejeitadas e derrotadas.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontram-se a assistir aos nossos trabalhos um grupo de 49 alunos da Escola ED-1 n.º 3 das Caldas da Rainha, para os quais peço a vossa manifestação de carinho.

Aplausos gerais, de pé.

Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, começarei por dizer que não lhe fica bem essa visão monopolista com que pretendeu afirmar que foi ó PCP a única força política que se preocupou e se manifestou sobre esta questão.
V. Ex.ª sabe, porque estava lá, que eu próprio, à parte de outras intervenções que tive no quadro desta Assembleia, fui designado pela Comissão de Cultura e de Educação da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa para abordar a questão do AMI sobretudo na óptica cultural.
Nesse sentido, tive então ocasião de dizer que era para nós, Comissão de Cultura e de Educação da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa mas também para o Grupo Parlamentar do PS, claro que se visava com este acordo eliminar os obstáculos com que ainda se depara a liberalização dos investimentos a nível mundial, criando aquilo a que se poderia chamar uma verdadeira declaração universal dos direitos do capital, ou seja, criando normas que protegessem os investidores e obrigações que vinculassem sobretudo os governos nacionais.
Torna-se evidente que, caso este acordo fosse levado à prática, a de regulação dos investimentos e as obrigações draconianas a que estavam sujeitos os governos teriam consequências profundas no que concerne à soberania dos Estados, às economias mais vulneráveis, mas também no que

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respeita a projectos e organizações de dimensão regional, como a própria União Europeia.
Tive, então, ocasião de sublinhar, no que respeita especificamente às matérias da cultura - que, como toda a gente sabe, são as que, nesta Câmara, mais me preocupam -, que, em primeiro lugar, seriam inviabilizadas as indústrias culturais europeias, muito particularmente a do audiovisual, assim como programas nacionais e europeus no sector do audiovisual e disposições actualmente existentes de protecção e de apoio à criação. Ou seja, programas europeus de apoio à criação, como o Media 2 e o Eurimages, entre outros, teriam de ser abertos sem contrapartidas às indústrias não europeias, as quotas de difusão desapareceriam e os acordos de co-produção tornar-se-iam caducos, devido à cláusula da nação mais favorecida.
Em segundo lugar, e isto é particularmente importante, a definição de direito de autor e de direitos conexos, como investimento, tal qual era previsto nesse acordo, poria em causa não só toda a legislação europeia mas também as legislações nacionais neste domínio, modificando radicalmente a tradição existente na Europa de protecção da criação, dos autores, dos artistas e dos intérpretes.
Dito isto, quero ainda acrescentar que o Governo português, bem como outros governos, na reunião de Abril - e V. Ex.ª passou muito rapidamente por cima deste facto -, tomou uma posição clara, manifestando as suas reservas em relação aos temas da cultura e do ambiente.
Não posso, por isso, deixar de me congratular pelo facto de, mais eficaz do que essas reservas postas pelo Governo português e por outros governos, nomeadamente o do Canadá, que como toda a gente sabe não é um governo europeu, ter sido uma decisão de um governo socialista...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já ultrapassou o seu tempo, faça o favor de concluir.

O Orador: - Com certeza, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, congratulo-me pelo facto de ter sido uma decisão do governo socialista francês que tenha contribuído, de forma decisiva, espero, para que este acordo fique inviabilizado.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Pereira Marques, permita-me que comece com um meia culpa, pois o PCP, de facto, não foi, a única força política, em Portugal, que trouxe a terreiro o debate sobre o AMI. Pagando aqui direitos de autor ao meu camarada Bernardino Soares, que me mandou essa piada aqui detrás, para além do PCP também foi a «força política Pereira Marques»,...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador:.- ... porque a força política PS, Sr. Deputado, de Comado se ouviu completo silêncio nesta matéria.
Sr. Deputado, sublinho que o senhor, sempre que tem tido oportunidade de se manifestar sobre esta matéria, tempo feito pronunciando-se contra o Acordo Multilateral de Investimentos. Aliás, tem-no feito de forma mais incisiva e conhecedora do texto do acordo do que a revelada pelo Sr. Ministro da Economia na tal reunião de Abril, quando veio à Comissão de Economia.

É verdade, Sr. Deputado, que a dimensão do problema cultural que o acordo arrastava era importante e em torno dela foram feitos amplos debates no sentido de, inclusivamente, consagrar aquilo a que se chamou a «excepção cultural» no quadro do acordo. Aliás, diga-se de passagem, Sr. Deputado, e aqui também talvez se revele o interesse do seu próprio Governo, que, no âmbito do Conselho da Europa e da própria OCDE, quando essa questão foi debatida, infelizmente, o nosso Ministro da Cultura não estava presente.
Mas, Sr. Deputado, sendo essa questão importante, ela não é a única, nem a exclusiva, questão do acordo. O acordo é mais globalizante, toca todos os sectores do investimento directo estrangeiro das transnacionais em cada um dos Estados. Portanto, não nos podemos limitar a aceitar como bom o acordo, se, porventura, a excepção cultural fosse consagrada, até porque seria sempre uma excepção, dado que, no corpo e no texto do acordo, as questões grossas ficariam intocadas.
É por isso, Sr. Deputado, que andou bem avisado o governo francês, quando, aliás, no quadro de um debate que fez na Assembleia Nacional francesa, decidiu retirar-se do acordo pelas suas implicações globais para a soberania do Estado. E era isso que eu esperava que o Governo português fizesse! Era isso que eu esperava que o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques, em nome do Partido Socialista, nos tivesse vindo aqui dizer! Ou seja, que o Governo português também, enfim, alinhava com essa posição, tendo também, nesta matéria, uma posição de rejeição.
Infelizmente, Sr. Deputado, apesar da sua intervenção e da sua permanente disponibilidade para rejeitar o acordo, continuamos sem saber qual é a posição oficial do Partido Socialista e do Governo português nesta matéria.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dado que já estão presentes os Srs. Membros do Governo, a quem apresentamos as nossas saudações, vamos passar ao debate de urgência, requerido pelo Partido Social Democrata, sobre o descontrolo financeiro do Ministério da Saúde.
Para introduzir o debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A situação financeira do Ministério da Saúde está em descalabro, descalabro que é claro quando se verifica que a dívida deste sector aumentou 200% em menos de 3 anos.
E porquê este aumento da dívida? Será que melhoraram os serviços prestados aos doentes? Será que, nestes 3 anos, o sistema de saúde viu reduzidas as listas de espera e os doentes são atendidos em menos tempo do que antigamente? Sabemos que não. Muito pelo contrário, esta situação tem-se agravado, e muito.

A Sr.ª Fernanda Costa (PS): - É falso!

A Oradora: - Será que melhoraram os serviços de urgência e estes passaram a actuar eficazmente? Nem pensar! As notícias que têm vindo a público são no sentido da existência de rupturas graves nestes serviços.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Será, então, que está a aumentar o investimento no sistema, o que faz ter a esperança de que a

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situação está má, mas vai melhorar no futuro? Também não é este o motivo, porque os montantes inscritos no Orçamento, para investimento neste sector, têm vindo a decrescer nos últimos anos.
Ou será que as despesas aumentaram porque se tem melhorado significativamente os vencimentos do pessoal que trabalha no sector da saúde? A agitação social que reina neste sector também não nos pode levar a concluir que tenha sido este o motivo.
Assim sendo, a única coisa que se verifica é que a despesa aumenta, mas não se vê qual o motivo real para esse aumento.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Ou seja, é mesmo um problema de desgoverno.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E, perante isto, como reage este Governo? Quais as soluções que apresenta para reduzir este descontrolo?
Da análise do Orçamento, concluo o seguinte: em primeiro lugar, uma vez que as receitas dos impostos já não são suficientes para pagar as dívidas com a saúde, o Governo pretende que sejam as receitas resultantes da venda de empresas públicas a, em parte, pagá-las.

Vozes do PSD: - É uma vergonha!

A Oradora: - Ou seja, o Governo entende que as despesas podem aumentar á vontade, porque, enquanto houver património para vender, temos solução à vista. O Governo entende que se pode delapidar o património para que a Sr.ª Ministra não se canse a gerir, e a desgovernar, o sistema de saúde.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - É que é exactamente isto que se propõe no Orçamento do Estado para 1999, quando se pretende assumir como dívida o que é simples despesa corrente do Ministério da Saúde. Espero, de resto, que esta manobra não seja aceite por esta Assembleia, nem pelo Tribunal de Contas, nem, muito menos, pelas instâncias comunitárias. Porque não há dúvida, Srs. Deputados, de que estamos perante um novo caso PARTEST.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Em segundo lugar, quando me apercebi de que parte das despesas com saúde iam ser pagas com a receita da venda do património - e não seriam pagas, naturalmente, pelos impostos -, julguei que era a forma que o Governo tinha encontrado para pagar o desperdício, sem aumentar os impostos.
Puro engano! Os impostos também aumentam!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E muito!

A Oradora: - E, para maior ironia, os impostos aumentam, entre outras razões, motivados pela forma como passam a ser tratadas, para efeitos de IRS, exactamente as despesas com saúde. Ou seja, aqueles que mais fazem despesas com a saúde são os que verão os seus impostos aumentar mais em relação ao ano anterior.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Maior contra-senso, Sr.ª Ministra, não pode existir!
Com efeito, as pessoas pagam os impostos com várias finalidades, entre as quais se destaca, sem dúvida, o pagamento dos serviços de saúde.
Acontece, porém, que, como os serviços de saúde são maus, porque os impostos pagos são mal geridos, as pessoas são «empurradas» a recorrer a serviços privados. Pagam assim, outra vez, os serviços de saúde de que necessitam e que pagaram previamente com os impostos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Não contente com isto, o Governo entendeu que estas mesmas despesas de saúde deveriam ter um tratamento fiscal diverso do que tem sido consagrado até à data, sendo, elas próprias, fonte de agravamento fiscal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - É uma vergonha!

A Oradora: - Ou seja, somos penalizados triplamente por este descalabro na saúde: uma vez, porque pagamos impostos sem contrapartida na prestação de serviços; duas vezes, porque pagamos os serviços privados a que temos de nos socorrer porque os públicos não funcionam; três vezes, porque estas despesas vão passar a ter um tratamento fiscal que resulta num efectivo aumento de impostos.

Aplausos do PSD.

Talvez por aspectos como estes, nunca se viu um Governo tão inseguro com um Orçamento como este que foi apresentado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É à socialista!

A Oradora: - Ainda o Orçamento não deu entrada nesta Assembleia há oito dias e já se fala na sua reformulação, no acerto de contas que estão erradas, na dúvida quanto às previsões macro-económicas que ele contém. É muito pouco tempo para tantas dúvidas!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É muita incompetência!

A Oradora: - De todas as incertezas que rodeiam este Governo, há uma que não temos. Se o próximo governo socialista...

Aplausos do PS.

A Oradora: - Se o próximo governo fosse socialista,...

Vozes do PS: - Ah! Isso é garantido!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Só daqui a 20 anos!

A Oradora: - Srs. Deputados, não me deixaram acabar a frase!

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Porque, se o próximo governo fosse socialista, sabemos muito bem que a Sr.ª Ministra da Saúde se manteria nesta pasta, uma vez que já foi anunciado que terá sido convidada para integrar esse governo. Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, para bem dos portugueses, da sua saúde e dos seus impostos, é bom que não venha a existir, nunca mais, esse governo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedirem esclarecimentos à Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, inscreveram-se os Srs. Deputados José Barradas e Alberto Marques.
Sr. Deputado José Barradas, tem a palavra.

O Sr. José Barradas (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, V. Ex.ª falou em descontrolo e em descalabro e devo dizer-lhe que nunca vi expressão mais desajustada face ao que V. Ex.ª acabou de dizer. Isto indicia que o PSD quer transformar este debate numa fonte de demagogia e de falta de rigor.

Aplausos do PS.

VV. Ex.as chamam descontrolo a um aumento da despesa, não falando nos benefícios evidentes que traz para as pessoas.

Vozes do PSD: - Quais benefícios?! Onde estão?!

O Orador: - VV. Ex.as chamam descontrolo ao crescimento dos gastos por aumento da rede - lembro-lhe que, só no caso dos toxicodependentes, há hoje mais 200% de camas do que havia no tempo de VV. Ex.as.

Aplausos do PS.

VV. Ex.as chamam descontrolo à concretização atempada e pelos custos inicialmente previstos, de obras como o hospital do barlavento algarvio ou o da Cova da Beira.

Vozes do PS: - Bem lembrado!

O Orador: - Mas V. Ex.as não chamam descontrolo ao caos, à balbúrdia - aí, sim! -, ao desgoverno de algumas das mais importantes obras lançadas pelo vosso governo! Lembro três: o Hospital de Matosinhos, orçado em 4 milhões de contos, custou 14 milhões de contos; o Hospital de Santo António, orçado em 3 milhões de contos, custou 17 milhões de contos; e o hospital de Amadora/Sintra, orçado em 8 milhões de contos, custou 18 milhões de contos! Isto dificilmente se chamaria descontrolo!...
A minha pergunta é simples, Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite: como é que VV. Ex.as pretendem responder ao aumento de procura dos cuidados de saúde, neste momento? Como nós, considerando o cidadão o centro do sistema e apetrechando o Serviço Nacional de Saúde para isso, ou como fizeram outrora, numa determinada altura, de que posso dar três exemplos: na luta contra a SIDA, restringindo a utilização do AU por ser muito caro,...

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Falso!

O Orador: - ... ou, como no Hospital Curry Cabral, impedindo que as equipas de cirurgia fizessem mais do que uma prótese da anca porque era muito cara;...

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Falso!

O Orador: - ... ou, finalmente, como no Hospital de Santa Marta, interrompendo obras no bloco cirúrgico, porque eram muito caras?

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Falso!

O Orador: - Qual é agora o vosso critério?

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Dado que a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite prefere responder apenas no final dos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Marques.
Srs. Deputados, peço-lhes que façam silêncio, pelo menos quando o Presidente da Mesa está a falar!
Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Alberto Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, antes de mais, só podemos agradecer-lhe o ter feito a intervenção que fez, porque veio demonstrar que os vícios antigos do economicismo na saúde, que caracterizou a gestão da saúde durante o vosso governo, se mantêm. Portanto, obrigado por isso.
Mas, Sr.ª Deputada, permita-me também que lhe diga o seguinte: deram-lhe números sobre a gestão da saúde e pediram-lhe que viesse fazer aqui um número político sobre a saúde dos portugueses.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr.ª Deputada, compreendemos a sua dificuldade e estranhamos que não tenham sido os Srs. Deputados do PSD que bem conhecem a matéria da saúde a vir aqui fazer a intervenção que V. Ex.ª fez. Mas isso tem explicação, isso tem explicação, Sr.ª Deputada! V. Ex.ª limitou-se a fazer a análise contabilística, economicista dos números, o que até é a sua especialidade, mas esqueceu-se de ir ao terreno, ou esqueceu-se de perguntar aos seus colegas como estão as coisas no terreno!
Esqueceu-se de verificar que hospitais que faziam só uma cirurgia por dia, no período da manhã, agora fazem de manhã, à tarde e, alguns, à noite!

Vozes do PSD: - É falso!

O Orador: - Esqueceu-se de verificar as alterações do atendimento dos portugueses nos centros de saúde;...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ...esqueceu-se de verificar que, agora, até há horários pós-laborais para atender os utentes, para que não tenham de faltar ao seu trabalho, e esqueceu-se de que isso também custa dinheiro!
Esqueceu-se que sabemos bem o que é que está a custar mais do que o previsto, que sabemos bem onde estamos a gastar o dinheiro e que temos consciência de o estarmos a gastar da melhor forma para defender a saúde dos portugueses!

Protestos do PSD.

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Mas, Sr.ª Deputada, aquilo que lhe peço, aquilo que peço aos Deputados do PSD é que não caiam na tentação de, tal como em outras matérias, nomeadamente, na matéria da regionalização, vir a esta Câmara fazer política «pimba» em matéria de saúde dos portugueses.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, para responder aos dois pedidos de esclarecimento, dispondo de 5 minutos.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É lamentável que a bancada do Partido Socialista considere que, quando se está a tratar de um problema de aplicação de dinheiros públicos e quando se está a falar de aumento de impostos, é política «pimba». Ficámos, portanto, a saber que gostam deste tipo de política, ou seja, são eles que fazem a política «pimba»!

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado, é também lamentável que nenhum dos Srs. Deputados se tenha referido aos dois pontos importantes e decisivos de que falei na minha intervenção. Em primeiro lugar, é verdade ou não - ou os senhores vão negar?! - que o Orçamento do Estado para 1999 consagra o pagamento das despesas públicas por via da venda do património? Isto é, enquanto houver património, há despesa com saúde; quando acabar o património, pergunto: pagamos as despesas como, Srs. Deputados? Sobre isso, nada disseram!

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Em segundo lugar, Srs. Deputados, não disseram absolutamente nada sobre o facto - que é iniludível -, de por haver despesas com saúde que vão ser deduzidas no IRS de uma forma diversa, haver um aumento de impostos. Portanto, as pessoas doentes são as mais penalizadas com o aumento de impostos.

Aplausos do PSD.

Rigorosamente, os senhores nada disseram sobre isto! Acham bem?!
Posso dar-lhe um exemplo, que já construí: um cidadão que tenha uma despesa com saúde de 300 contos e pague, de IRS, uma taxa média de 30%, deduzia, antigamente, 90 contos; agora passará a deduzir apenas 75 contos. Estes exemplos multiplicam-se por todos os lados!

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradeço que façam silêncio!

A Oradora: - Srs. Deputados, a isto, os senhores disseram zero! E os senhores disseram zero porque sabem que é o problema fundamental que têm neste orçamento da saúde e deverão agradecer à Sr.ª Ministra da Saúde «o buraco em que ela vos enfiou», do qual não têm qualquer espécie de saída!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nelson Baltazar para uma intervenção.

O Sr. Nelson Baltazar (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O tema que hoje nos é proposto para discussão, por iniciativa do PSD, que, no seu direito regimental, agendou um debate de urgência sobre a saúde, entende-se, por um lado, pela importância do sector a que se refere e pela atenção que todos devemos dar-lhe, mas, por outro lado, merece o nosso reparo por indiciar um claro oportunismo político.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Descontrolo financeiro?!... Srs. Deputados do PSD, têm a coragem de vir a esta Câmara falar de descontrolo financeiro?! Têm essa coragem quando todos sabemos - e os senhores não podem negá-lo - que o SNS que nos deixaram,...

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Isso é falso!

O Orador: - ... após a gestão ruinosa que fizeram durante 12 anos, se encontrava desorganizado, sem rumo financeiro e sem estratégia política,...

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Isso é falso!

O Orador: - ...com um buraco financeiro de 170 milhões de contos, entre os quais se encontrava o orçamento adicional, de 105 milhões de contos, feito em 1995?

O Sr. Bernardino Vasconcelos (PSD): - Isso é falso!

O Orador: - Começa aqui o oportunismo com que, hoje, o PSD quis presentear-nos. Mas, efectivamente, não termina aqui. Senão vejamos: não vai haver orçamento rectificativo para a saúde e, como o PSD estava à espera desse palco, foi, pois, necessário criar o facto político, antes de o deixar diluir-se na discussão de um orçamento onde se fala de tudo o que interessa ao País, foi necessário criar este debate de urgência para que pudessem ter palco político para uma afirmação que todos sabem - e os Srs. Deputados do PSD também o sabem - que é demagógica. Puro oportunismo!
No entanto, Srs. Deputados, também cá estamos para isso e para avaliar essas atitudes. Sobretudo, importa ser claro e afirmar qual é, realmente, o controlo financeiro que este Governo tem vindo a assumir no Ministério da Saúde.
Srs. Deputados, nunca afirmámos que o SNS é um serviço com dinheiro a mais. Sempre dissemos o contrário e continuaremos a dizê-lo, enquanto se mantiverem os patamares de financiamento que temos tido. Diga-se em abono da verdade que até alguns dos Srs. Deputados da oposição o têm afirmado por diversas vezes, clamando por mais financiamento.
O que sempre dissemos também foi que, com o mesmo dinheiro, seríamos capazes de fazer melhor. Aproveitando esta oportunidade que o PSD nos quis proporcionar, vamos dar-vos conta de alguns resultados, que são já consequência da política deste Governo: conseguimos uma redução do crescimento da dívida do SNS para metade, pois estava em 14 pontos percentuais, em 1995, e estará em 7% no próximo ano; conseguimos anular a diferença entre o crescimento da despesa e o crescimento da receita - era de 8%, em 1995, será de 0% em 1999.

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O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Já disse isso há três anos! ... .

O Orador: - Mas esta discussão tê-la-emos, muito em breve, no debate do Orçamento do Estado para 1999, a sede própria para o fazer. O que importa realçar, aqui e agora, foi o que fizemos mais e melhor: fizemos mais consultas em hospitais e centros de saúde - cerca de 1,5 milhões de consultas mais;...

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Onde é que isso está?!...

O Orador: - ...demos mais acessibilidade, com mais primeiras consultas, em todas as ARS - cerca de mais 150 000 consultas;...

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Não diga isso!

O Orador: - ...temos mais edifícios novos a funcionar, ou seja, há mais cinco novos hospitais; criou-se, pela primeira vez, um Centro de Atendimento a Doentes Terminais; há mais 56 centros de saúde, gerais e domiciliários, a funcionar, que conferem mais acessibilidade e melhor qualidade no atendimento dessas populações; temos melhor organização geral do SNS e melhor articulação da rede de saúde pública; temos melhor funcionamento da rede de cuidados primários, com alargamento do período de funcionamento nos centros de saúde.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Nota-se!

O Orador: - Descontrolo financeiro do SNS, Srs. Deputados do PSD?!... Nada é menos verdadeiro! Não há descontrolo financeiro, o que há são acréscimos de prestação de cuidados, o que há é mais satisfação dos utentes,...

O Sr. Bernardino Vasconcelos (PSD): - É falso!

O Orador: - ...em qualidade e quantidade, o que há são grandes investimentos nas áreas abandonadas pelo anterior governo.
Vejamos: temos crescimentos enormes na rede e na qualidade de atendimento a toxicodependentes - a oferta de tratamento, em número de camas, cresceu 200% e o investimento global cresceu 500%, Srs. Deputados, sendo este ano de 15 milhões de contos; há crescimentos significativos nos programas de acção específicos, como, por exemplo, no programa de promoção do acesso, ou seja, naquilo a que os senhores chamaram a recuperação de listas de espera...

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Mas há listas de espera?!...

O Orador: - ...e para o que nós temos um programa mais amplo.
Concretizando: para melhoria do acesso aos cuidados de saúde, em 1998, este Governo aplicou 2,5 milhões de contos, com mais 83 000 primeiras consultas,...

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Onde?

O Orador: - ...mais 20 000 cirurgias...

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Onde?

O Orador: - ...e mais 100 000 tratamentos diversos.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Onde?

O Orador: - Importa, neste caso, referir que estão já previstos, para 1999, programas de execução que rondam os 6 milhões de contos.
Houve também crescimentos importantes nos apoios assumidos às patologias de elevados encargos, como a doença de Gaucher (com 330 000 contos), os transplantes (com 4 milhões de contos), a diálise (com 5 milhões de contos) e a SIDA (com 7 milhões de contos).
Srs. Deputados, a vossa causa é, à partida, uma causa perdida. Todos o sabemos, os utentes do SNS sabem disso, a população portuguesa tem disso consciência.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Não há problema nenhum! Já está tido resolvido!

O Orador: - Descontrolo financeiro foi o que tivemos no passado, com obras a serem construídas no dobro do tempo previsto, com obras a custarem o triplo do que tinha sido previsto, com obras adjudicadas por estrito interesse político e eleitoral.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Vocês nem começaram obras que já estavam adjudicadas!

O Orador: - Srs. Deputados do PSD, descontrolo era o que existia antes. É tempo de passarem a ver a realidade dos nossos tempos e deixarem de pensar em função de tempos que terminaram há três anos atrás. Esses foram outros tempos e foram também outras vontades.
Todos temos a consciência que ainda há muito para fazer, mas podemos desde já afirmar que muito está feito e começamos a ter um Serviço Nacional de Saúde mais acessível, mais organizado, melhor estruturado e, em particular, com um futuro programático bem definido.
Mantemos, contudo, alguma intranquilidade quanto à necessidade de melhorar muitas das frentes de trabalho e resolver os problemas dos doentes que procuram os serviços públicos da saúde.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de terminar, pois esgotou o tempo de que dispunha.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Mas também temos já lançadas as sementes que permitirão rentabilizar os serviços públicos de saúde. Por muito que isso vos custe a aceitar, estamos a cumprir o Programa deste Governo, temos uma equipa, temos um projecto, temos objectivos e temos uma estratégia traçada para a saúde em Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Aceite também que ninguém acredita nisso!

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Sr. Presidente, rigorosamente trata-se de uma interpelação aos Srs. De-

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putados do Partido Socialista, mais exactamente para recordar ao Sr. Deputado Nelson Baltazar que, em 1996, foi entregue na Comissão de Saúde, pela actual titular do Ministério da Saúde, um documento segundo o qual o saldo remanescente da dívida era de 67,7 milhões de contas. Isto está escrito em documentos oficiais, que V. Ex.ª bem conhece.
Três orçamentos suplementares depois, a dívida é de 200 milhões de contos no primeiro semestre, de acordo com o que diz o Sr. Secretário de Estado e segundo dados objectivos distribuídos pela Sr.ª Ministra da Saúde.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, ao contrário do que anunciou, não fez uma interpelação, como calcula. Temos agora, naturalmente, um outro pedido de interpelação à Mesa, desta vez do Sr. Deputado Nuno Baltazar.
Srs. Deputado, aviso que não vou deixar «epedimizan» as interpelações deste género, mas faça o favor de usar de igual direito, Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Baltazar (PS): - Sr. Presidente, penso que o palco certo para tratar desta questão será o da futura discussão do Orçamento do Estado para 1999. De qualquer forma, para que o Sr. Presidente fique realmente informado, a dívida que deixaram foi de 170 milhões de contos e as contas são muito fáceis de fazer: são os tais 63 milhões de contos, mais os 35 milhões de contos que o Ministério da Saúde recebeu em 1995, mais os 70 milhões de contos que recebeu ainda no ano de 1995. Tudo somado, dá 170 milhões de contos.

Aplausos do PS.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Não é nada disso! Está tudo aqui, neste documento!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, têm de fazer-me o favor de se familiarizarem um pouco melhor com o que significa uma interpelação à Mesa. Não é para isto que as interpelações existem. No entanto, podemos criar uma figura especial, se quiserem, para estas necessidades, que parecem ser tão frequentes, mas, repito, isto não foram interpelações à Mesa.
Srs. Deputados, quando do debate do Orçamento do Estado, terão a oportunidade de clarificar esses montantes.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A primeira coisa que é preciso dizer, quando falamos do descontrolo financeiro e da dívida do Ministério da Saúde, é que ele sempre foi, e continua a ser, um caminho aberto para a ainda maior privatização dos cuidados de saúde em Portugal. Mais: a dívida do Serviço Nacional de Saúde é um instrumento propositadamente utilizado por todos aqueles que querem saquear e privatizar o SNS.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas as razões para o descontrolo financeiro da área da saúde estão perfeitamente identificadas: são os apetites vorazes dos grupos económicos, das multinacionais dos medicamentos, dos interesses que dispõem de fabulosos lucros nesta área, e é, sobretudo, a conivência de sucessivos governos com esta situação.
O Governo do PS nunca quis afrontar estes interesses, mesmo sabendo que só assim será possível controlar a despesa e aplicar na melhoria dos cuidados de saúde os recursos existentes.
E na área dos medicamentos isto é por demais evidente. É nesta área se acumula uma boa parte dos gastos desnecessários e que servem apenas a quem com eles acumula lucros desmesurados.
Por isso o PCP elencou, no seu programa de redução de gastos com medicamentos, medidas concretas e de eficácia comprovada, para pôr fim ao desperdício e ao prejuízo para o Estado e também para os utentes.
Para o PCP é fundamental que, de uma vez por todas, se tomem medidas para que os medicamentos genéricos, que são, em média, 20 a 30% mais baratos, possam, de facto, ser uma alternativa, tal como tem acontecido em países como a Espanha, a França, a Itália ou a Holanda, onde se tomaram medidas para promover o mercado de genéricos.
O PCP propõe, igualmente, que se institua a prescrição pelo princípio activo, mantendo a possibilidade de os médicos, querendo, indicarem a marca do medicamento que prescrevem. Mas consideramos importante que os utentes tenham a possibilidade de, informadamente, optar, dentro do mesmo princípio activo, por um medicamento mais barato e com a mesma eficácia terapêutica.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, é fundamental que se institua, de uma vez por todas, um formulário nacional do medicamento, alargando, afinal, a todos os serviços de saúde aquilo que já se faz no interior dos hospitais. Não há nenhuma razão - repito, nenhuma razão -, a não ser a vontade de privilegiar interesses económicos das multinacionais farmacêuticas, que justifique que este formulário ainda não exista.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, não podemos admitir a continuação da situação que hoje existe para muitos medicamentos que são prescritos nos hospitais e centros de saúde. Existe hoje uma série de medicamentos que dão mais despesa ao Estado ao serem comparticipados, quando são receitados e aviados nas farmácias comerciais, do que se fossem gratuitamente dispensados nos próprios hospitais e centros de saúde.
É inacreditável - e eu repito, para terem a certeza, Srs. Deputados, que é verdade - mas sai mais caro ao Estado dar as receitas aos utentes, para que estes as aviem nas farmácias, do que dar os medicamentos, directa e gratuitamente, aos utentes, nos hospitais e nos centros de saúde.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É verdade!

O Orador: - É absolutamente inadmissível que, desta forma, se esbanjem milhões de contos, perante a passividade e a complacência do Governo. Mais ainda: penalizam-se os utentes, que têm de pagar uma boa parte do custo de medicamentos que, com vantagem também para o Estado, poderiam ter-lhes sido entregues gratuitamente.
Aliás, estas medidas nem sequer põem em causa a actividade económica nesta área. O que não podemos per-

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mitir é que continue este descalabro de lucros, completamente ilegítimos e imorais, à custa dos impostos e dos recursos da saúde.
Temos no nosso país um constante subfinanciamento da saúde, que este Governo mantém; temos carências gritantes, nomeadamente no acesso aos cuidados de saúde; temos uma percentagem de gastos dos cidadãos com a saúde, para além do que pagam já nos impostos, de 40% do total, enquanto que a média europeia é de 25%, e, no entanto, mantém-se esta situação nos gastos com medicamentos.
Com estas propostas, o PCP vai, finalmente, fazer aqui o tira-teimas, o teste do detector de mentiras. E isto é também para os Srs. Deputados do PSD.
Vamos ver quem, de facto, se preocupa realmente com o descontrolo das contas do SNS e quem está pouco ligando à saúde dos portugueses, tentando abrir caminho para uma ainda maior privatização da saúde.
As propostas do PCP são contributos reais e de eficácia comprovada para resolver esta situação.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Veremos como se comportam em relação a elas o Governo e os restantes partidos, porque já não se trata aqui de medidas que impliquem entendimentos diferentes da política de saúde; trata-se de pôr fim ao saque, à pilhagem dos dinheiros do Serviço Nacional de Saúde; ....

Aplausos do PCP.

O Orador: - ... trata-se de diminuir os custos que os portugueses suportam, injustamente; com medicamentos. A actual situação não pode continuar.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Como não há inscrições para pedir esclarecimentos, para uma intervenção tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Ministra e Sr. Secretário de Estado: Era uma vez um Governo, era uma vez um rigor orçamental e era uma vez uma consciência social.
Foi assim que o Governo socialista se apresentou aqui, nesta Câmara, e devo dizer que estamos a discutir, neste momento, um ministério onde todas essas coisas caíram e ruíram, talvez definitivamente: o rigor orçamental e, consequente - porque nesta área isso é muito importante - a consciência social.
A este debate de urgência, decidi trazer afirmações feitas pela Sr.ª Ministra, sucessivamente repetidas nesta Câmara aquando da discussão de Orçamentos do Estado.
Sr.ª Ministra, não sei se se lembra do tempo em que V. Ex.ª dizia - e isso aconteceu durante o debate do Orçamento do Estado para 1996 - que «(...) este orçamento é exigente mas cumprível.»

O Sr. Bernardino Vasconcelos (PSD): - Ah!...

A Oradora: - E por que é que esse orçamento era cumprível? Era-o porque V. Ex.ª tinha, nas suas palavras - e cito-as - «(...) uma estratégia de introdução de reformas estruturantes, sem as quais não conseguimos conter os custos.»

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito bem!

O Sr. Bernardino Vasconcelos (PSD): - Ah!...

A Oradora: - E lembra-se, Sr.ª Ministra, quando V. Ex.ª acrescentava: «O que não podemos continuar a prosseguir é aquilo que tem vindo a agudizar-se sistematicamente e que é, cada vez mais, uma maior injecção de recursos financeiros e um cada vez menor grau de satisfação dos utilizadores e dos profissionais.»
Sr.ª Ministra, a injecção, neste momento, é de morfina. Os utilizadores, infelizmente, são mudos - e a minha grande pena é essa, ou seja, a de que, em saúde, - os utilizadores sejam mudos e sofram - e os profissionais, que eu saiba, estão no self-service.
Lembra-se, Sr.ª Ministra, quando V. Ex.ª dizia que «(...) o aumento das receitas tem a ver com a reorganização dos serviços, que essa reorganização precisa de instrumentos de que não disponhamos no ano passado mas de que vamos passar a dispor no próximo ano, nomeadamente da Carta de Equipamentos da Saúde.»? Então, dissemos-lhe que não era possível fazer tudo tão rapidamente e que, provavelmente, nem sequer ia conseguir fazer tudo numa legislatura.
Lembra-se, Sr.ª Ministra, quando o Sr. Secretário de Estado acrescentava que a tal Carta «(...) tinha como objectivos, entre outros, dar a conhecer a maneira como está a funcionar a capacidade interna de oferta dos serviços e qual o seu modelo de condições de exploração em termos de custos e de qualidade.»? Que bem!... Concordo com isto - aliás, todos nós concordamos -, mas tem V. Ex.ª, neste momento, uma Carta de Equipamentos nestes termos? Não uma Carta que diga que estão ali três táxis ou duas outras coisas quaisquer, mas, sim, quantas horas trabalham, quantos dias por semana trabalham, quantos doentes vêem? Não sei, Sr.ª Ministra!...
E, depois, dizia ainda o Secretário de Estado: «Este Orçamento (...) - e referia-se ao Orçamento do Estado para 1997 - «(...) não é optimista. É que, entretanto, no terreno, foi preparado um conjunto de medidas estruturais.» Uma delas, Sr. Presidente e Srs. Deputados - pasme-se -, era a tipificação-inventariação dos subsistemas, uma coisa que a revisão constitucional tornou clandestina.
E o Cartão do Utente? Srs. Deputados, lembram-se do Cartão do Utente? Estava em fase de conclusão e em meados do primeiro semestre de 1997 estaria implementado em todo o País. Mas, afoita, a equipa da saúde congelou os custos em medicamentos e meios auxiliares de diagnóstico para 1997. E perguntava assim o Sr. Secretário de Estado, aqui, nesta Câmara: «E como é que nós vamos conseguir então obter estes objectivos?» Eles eram tão extraordinários que nós, suspensos; ficámos à espera.
É que, de seguida, o Governo iria decidir sobre qual seria o novo mecanismo de base de comparticipação dos medicamentos e, logo depois, o preço de referência, tendo como base o princípio activo e, logo, logo, logo, o formulário nacional terapêutico. E, então, continuava: «Quero concluir com tudo isto, que está no campo e já no decurso de alguns meses a ser aplicado um conjunto de medidas que, inevitavelmente, vão ter de levar ao controlo de facturas dos custos do SNS» Mas que inevitabilidade boa seria esta, digo eu e acho que dizemos todos nós!

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Depois, a Sr.ª Ministra acrescentava: «A questão da discussão do financiamento e do plano de financiamento durante a legislatura é um dos aspectos fundamentais e que será objecto do relatório do Conselho de Reflexão.» Vejam bem, do Conselho de Reflexão, que já morreu. Já morreu!...

Risos do CDS-PP e do PSD.

Depois, dizia assim: «(...) e depois serão objecto de um debate aqui (...)». Eu não vi nenhum debate! Não sei se faltei nesse dia...
Mais adiante - e este ponto é muito importante -, dizia a Sr.ª Ministra: «Considero que o PERLE também deve ser utilizado para a recuperação de listas de espera nos próprios hospitais, com um mecanismo que permita pôr os serviços a funcionar efectivamente mais tempo, nomeadamente os blocos operatórios» coisa que todos nós apoiamos! E prosseguia: «E este ano já está decidido com as ARS que vamos fazer a comparação entre experiências no sector privado e no sector público».
Dizia mais, a Sr.ª Ministra: «Muitas das nossas disfunções têm a ver com o facto de a organização do trabalho ser intensa durante a manhã. Não há gabinetes para ninguém durante a manhã, porque todos estão a trabalhar ao mesmo tempo e, depois, à tarde, temos os espaços todos vazios, quando podíamos ter o dobro...» - o dobro, Srs. Deputados, o dobro! - «... de tudo aquilo que existe, se utilizássemos, pelo menos até às 20 horas, como actividade normal aquilo que está efectivamente disponível».

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Boas intenções!

A Oradora: - Agora, pergunto: quando nos «embrulhamos» no conceito de capacidade instalada, o que é isto senão o aproveitamento da capacidade instalada?! Como vai, Sr.ª Ministra, o aproveitamento dessa capacidade instalada? Não sabemos.
Para rematar, a Sr.ª Ministra explicava, pedagogicamente: «Muito dos desperdícios que temos têm a ver com a falta de estratégia de cada um dos estabelecimentos, mas aí a culpa é dos conselhos de administração,...» - é que, nessa altura, a Sr.ª Ministra ainda não tinha nomeado conselhos de administração! «... não tenhamos quaisquer dúvidas disso. Precisamos de ter conselhos de administração nas instituições para definirem, em articulação com as estratégias nacionais e regionais, aquilo que deve ser a sua intervenção». Ora, a Sr.ª Ministra já tem imensos conselhos de administração...

Vozes do PSD: - 100%!

A Oradora: - Quais são os resultados, Sr.ª Ministra?
E prosseguia: «Também vamos fazer outra coisa, que é comprar no exterior (do Ministério), a empresas capazes de o fazer, auditorias às grandes unidades hospitalares. Quer dizer, os grandes hospitais e aqueles que têm como orçamento vários milhões de contos necessitam de uma avaliação externa». Como vão, Sr.ª Ministra, essas auditorias externas?

Vozes do PSD: - Na gaveta!

A Oradora: - A propósito, já não do PERLE, mas das listas de espera, voltava a Sr.ª Ministra à carga: «Queria referir que, em relação às listas de espera, nenhum de nós sabe hoje a real expressão das listas de espera e o Cartão do Utente é uma das coisas que vai permitir destrinçar isso. De qualquer maneira, o programa de recuperação das listas de espera, que eu entendo alargar aos estabelecimentos públicos, (...)» - e muito bem, digo eu - «visa garantir o tal alargamento de funcionamento dos serviços e dar essa oportunidade de rentabilizar até horas aceitáveis aquilo que se passa de total improdutividade que todos nós temos de corrigir». Corrigiu, Sr.ª Ministra? Diga-nos se corrigiu.
Para acabar de nos «anestesiar», o Sr. Secretário de Estado dizia o seguinte: « A avaliação do passivo e dos seus factores de geração está perfeitamente feita e os factores identificados, agora o que estamos é a testar, no terreno, a consequência financeira de um conjunto de iniciativas que já despoletámos e, a partir daí, ficamos com dados muito mais seguros para podermos construir o tal plano financeiro». E acrescentava: «Daí que pense (...)» pensava o Sr. Secretário de Estado, nós não! - «(...) que o plano, dentro dos próximos meses ou do próximo ano, com certeza, (...)» - 1997! - « (...) vai ser perfeitamente identificado e com pressupostos minimamente sustentados nas acções em curso».

Vozes do PSD: - É só sucessos!

A Oradora: - Sr.ª Ministra, a situação tornou-se monótona, nada empolgante e é muito grave.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - O Estatuto Jurídico dos Hospitais ficou na «gaveta», o Cartão do Utente, como é natural e razoável, ainda não está em vigor em todo o País, (...).

Vozes do PSD: - Nem vai estar!

A Oradora: - ... ou seja, os pressupostos estão errados desde 1996; a carta sanitária, vista na perspectiva que então nos deu, honestamente, julgo que não existe; o que é feito da recuperação das listas de espera (o PERLE dentro dos hospitais); das auditorias, dos indicadores da produtividade hospitalar; dos conselhos de administração dos hospitais, os tais que vinham aí como «anjos vingadores»; dos subsistemas; da política do medicamento; da cobrança das receitas; da discussão das conclusões do Conselho de Reflexão da Saúde; do programa geral de intervenção nos grandes hospitais; onde está o sistema de informação integrado do SNS? Também não sabemos.
Estes foram, e bem, Sr.ª Ministra, identificados como os factores de correcção, mas julgo que não existem, ou não existem exactamente assim!
O mal, Sr.ª Ministra, não é ter gasto mais. O mal é ter dito que não ia gastar mais, quando não tinha qualquer necessidade de o fazer.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - O mal é ter gasto mais sem proveito para ninguém!

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Penso que hoje V. Ex.ª vai daqui com uma ajuda «branqueadora» do Partido Comunista Português,...

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - ... mas um «branqueamento» do Partido Comunista Português, com todo o respeito que tenho por ele, não faz bem à saúde de ninguém!

Aplausos do CDS-PP e de alguns Deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Saúde.
Para que possa gerir melhor o tempo de que dispõe, informo que tem, desde já, um orador inscrito para pedir esclarecimentos.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Costa): - Já?!

Risos do PS.

O Sr. Presidente: - Aliás, já estão inscritos dois oradores para pedir esclarecimentos, Sr.ª Ministra.

A Sr.ª Ministra da Saúde (Mana de Belém Roseira): Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estes debates sobre a saúde são sempre extraordinariamente interessantes e destinam-se, sobretudo, a apreciar, não a situação financeira do sector mas, sim, o modelo da saúde em Portugal.

Vozes do PS: - Muito bem!

Vozes do PSD: - Não, não!

A Oradora: - Os Srs. Deputados dar-me-ão licença de falar, já que não teci comentários enquanto estavam a fazer as vossas intervenções?!

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Falar é o que V. Ex.ª faz melhor.

A Oradora: - Acha que sim, Sr. Deputado? Agradeço-lhe imenso essa apreciação e fico a saber que tenho em si um dos meus admiradores em relação à maneira como falo!

Risos do PS.

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Sorri ainda melhor!

A Oradora: - De qualquer forma, se os Srs. Deputados me derem licença, gostava de responder a algumas das questões que aqui foram colocadas, uma vez que 10 minutos é manifestamente insuficiente para um debate desta grandeza e interesse. Vou, por isso, cingir-me ao título deste debate, o descontrolo financeiro do Ministério da Saúde, muito embora muitas das insuficiências que foram apontadas tenham sido aceites e assumidas.
Em relação ao ritmo de crescimento da despesa, quero dizer que ele tem vindo a descer de forma sustentada.

O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Vejamos: em 1996, esse crescimento foi de 12%; em 1997, de 10%; em 1998, de 8,7% e, segundo as previsões, em 1999 será de 7,1 %.

Também é importante referir que as despesas com medicamentos, pela primeira vez, ao fim de muitos anos, situaram-se abaixo dos dois dígitos. E as despesas com convencionados também estão a decrescer a um ritmo sustentado, tendência que os números podem comprovar, apesar - e ao contrário do que foi aqui afirmado - do enorme e expressivo aumento de actividade, também susceptível de ser comprovado com os números que terei oportunidade de entregar a VV. Ex.as. Aliás, os senhores far-me-ão a justiça de reconhecer que, em todos os debates solicitados e em relação a questões específicas, entrego sempre os documentos oficiais do Ministério da Saúde, não fazendo qualquer manipulação em relação a essas questões.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Quero ainda deixar claro o seguinte: não vou falar do alargamento de funcionamento em termos de números de unidades. Todos o conhecem e, num debate mais alargado, teremos oportunidade de melhor identificar essas questões. Todavia, seria extraordinariamente difícil, com a melhoria sistemática das instalações e o recrutamento de mais técnicos, poder afirmar-se que piorou o atendimento e os resultados de saúde - aliás, esses indicadores nem sequer são construídos por nós, mas, sim, por outras entidades.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - É o que as pessoas dizem!

A Oradora: - Em todo o caso, está demonstrado, publicamente, que o atendimento melhorou, e felizmente que assim é! Todos devemos congratular-nos com isso, porque as condições físicas, sendo más, complicam as situações, mas as más condições de trabalho também complicam todo este processo.
Vou agora referir-me a algumas questões específicas apresentadas pelos Srs. Deputados.
Quanto à questão dos medicamentes, aqui colocada pelo Partido Comunista Português, recentemente foi publicado um diploma que prevê um regime diferente para a fixação de preços e definição das comparticipações. Como sabem, este é um diploma problemático, porque afronta um determinado tipo de culturas, de tradições e hábitos.
É muito frequente, nas discussões com os parceiros, quando os confrontamos com algumas medidas que até estavam enunciadas no tempo do Governo anterior, muitas delas datadas de 1993, argumentarem que essas medidas estavam previstas, mas tinha sido prometido, à partida, que elas não eram para cumprir.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Não é verdade!

A Oradora: - É sistemática esta posição e, em relação aos convencionados, este argumento foi utilizado muitas vezes, na medida em que, como sabem, o regime dos convencionados, o regime das convenções é, efectivamente, o das incompatibilidades que consta do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde,...

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Incompatibilidades para alguns!

A Oradora: - ... aprovado no tempo do Ministro Arlindo de Carvalho.

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O Sr. Nelson Baltazar (PS): - Muito bem!

A Oradora: - De qualquer forma, em relação a estas questões, há todo um conjunto de medidas que, efectivamente, têm vindo a ser tomadas, medidas essas que serão, com certeza, insuficientes na opinião de alguns, exageradas na opinião de outros, mas que, efectivamente, afrontam os fortes interesses instalados neste sector, que nem sequer apelido de ilegítimos, pois tratam-se de interesses em função dogue são os objectivos destas entidades.
É evidente que o objectivo das multinacionais ou das empresas nacionais produtoras de medicamentos será o de melhorar as suas vendas. E se esse aumento é feito à custa do Serviço Nacional de Saúde ou das despesas deste serviço, cabe-nos a responsabilidade de moderar esses interesses com aquelas que são as nossas capacidades.
Também em relação a um conjunto de medidas estruturantes, a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto reproduziu aqui várias afirmações por mim produzidas. De facto, produzi-as, mas também produzi outras! Com certeza, a Sr.ª Deputada teve ocasião de constatar que esses são processos que não se esgotam num único ano e que têm de ser aplicados ao longo de um conjunto de anos.
A discussão de orçamentos fez-se sempre com base não num aumento de actividade, mas acompanhado pelas finanças para prever crescimentos não definidos à partida, mas que pudessem ir sendo acompanhados junto das instituições, o que tem vindo a ser feito.
Alguns aspectos muito emblemáticos, aqui referidos como não tendo sofrido qualquer alteração...

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Despesas de saúde!

A Oradora: - O Sr. Deputado Jorge Roque Cunha queria que me restringisse às despesas de saúde, mas fui interpelada em relação a algumas outras matérias! E essas matérias incluem, por exemplo, a questão das urgências.
A esse propósito, devo dizer-vos que, à excepção de Lisboa e Vale do Tejo, em que não houve um decréscimo das urgências, apesar de ter aumentado o número de consultas externas, quer nos centros de saúde, quer nos hospitais, em todas as demais administrações regionais de saúde verificou-se uma diminuição do afluxo às urgências, designadamente em algumas áreas muito importantes.
É o caso das urgências pediátricas no grande Porto, onde as medidas adoptadas levaram à diminuição de cerca de 50% do recurso às urgências. Portanto, estes são já números demonstráveis e visíveis - são os números máximos que conseguimos atingir!
Já em relação a outras regiões, terei todo o gosto em disponibilizar-vos os números de que disponho e que traduzem os bons resultados conseguidos.
Em relação ao Cartão do Utente, neste momento, temos emitidos cerca de 45%, ou um pouco mais, do número total dos potenciais utilizadores do Serviço Nacional de Saúde, sendo que a sub-região de Braga - e digo-o para informação aos Deputados daquela zona - tem 95%, e Lisboa e Vale do Tejo, melhor dizendo, a sub-região de Lisboa, é a que tem a menor taxa de execução, uma vez que está bastante abaixo daquilo que eram os objectivos definidos.
Quero também dizer - é extraordinariamente importante - que ó Conselho de Reflexão da Saúde não está morto nem enterrado, entregou-me o seu relatório em Janeiro deste ano, tendo sido divulgado, para além dos milhares de exemplares que foram entregues e enviados a um conjunto de entidades. Na Internes houve uma extraordinária sensibilização, através de uma campanha pública sistemática, designadamente por parte do seu Presidente, suscitando comentários e sugestões. Porém, essa suscitação relativamente à produção de comentários, pura e simplesmente quase nada produziu, porque, infelizmente, neste país, toda a gente fala muito e tem muitas ideias sobre tudo mas quando se pede para passar ao papel, para se apresentar medidas concretas, para se apresentar propostas, aí, aquilo com que nos confrontamos, infelizmente, é nada!

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

Para terminar, uma vez que já esgotei o meu tempo, devo dizer-vos que aquilo que ficou definido e decidido, na sequência desse relatório, na sequência do relatório da OCDE e na sequência das propostas que apresentámos nesta Assembleia, foi construir uma nova lei de bases da saúde, na medida em que temos que consagrar, nós próprios, em lei, um conjunto de recomendações que são indispensáveis para regenerar o Serviço Nacional de Saúde em Portugal e definir muito claramente aquilo que é o seu papel enquanto instrumento estratégico ao serviço da política de saúde.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Bernardino Soares e Jorge Roque Cunha. Uma vez que a Sr.ª Ministra já não dispõe de tempo, dar-lhe-ei um tempo mínimo para poder responder.
Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Saúde, a crítica de que toda a gente fala muito e tem muitas ideias sobre tudo e que depois não as passa ao papel não se aplica com certeza ao PCP, porque acabámos de apresentar, ontem, no papel, medidas concretas para várias áreas. Vamos ver, agora, qual é a resposta do Governo.
Em relação a este debate, a verdade é que o Governo não tomou as medidas necessárias para fazer face ao aumento da despesa, nomeadamente com os medicamentos. E digo que não tomou, porque o diploma a que a Sr.ª Ministra se referiu, em relação às comparticipações, tem um «calcanhar de Aquiles» muito grande, como V. Ex.ª sabe. É que, tal como está elaborado, pode vir a reflectir nos utentes o aumento dos custos nos medicamentos.

A Sr.ª Ministra da Saúde: - Não é verdade!

O Orador: - Sim, sim, é verdade! Acabará por não diminuir a despesa com os medicamentos ou, se o fizer, fa-lo-á à custa de quem menos tem de sofrer com essa diminuição, que são os utentes, são os cidadãos, são os portugueses. Portanto, isso não é a solução para este problema.
Por outro lado, há muito tempo que a Sr.ª Ministra diz que o formulário nacional de medicamentos é uma necessidade essencial. Gostava de perceber por que é que, durante todos estes anos, o Governo ainda não conseguiu

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alargar aquilo que já existe nos hospitais para todos os serviços de saúde do SNS. Qual é a razão, que não seja o compactuar e o aceitar os interesses que se opõem a essa medida, para que isto não tenha ainda acontecido?
Relativamente aos genéricos, quantas vezes ouvimos o Governo socialista falar da necessidade de se implantar e desenvolver o mercado dos genéricos! E até agora o que é que se fez? Nada, Sr.ª Ministra!
Em relação à situação escandalosa, que a Sr.ª Ministra também não referiu, de haver medicamentos que são mais baratos para o Estado e para os utentes se forem comprados directamente pelos hospitais ou pelos serviços de saúde em vez de serem receitados nas urgências e nas consultas externas para serem aviados nas farmácias, a Sr.ª Ministra sabe bem que há uma experiência desenvolvida pelo próprio Ministério, no Hospital de Beja, que comprova que isto é verdade. Qual é o obstáculo, Sr.ª Ministra, para que esta medida entre imediatamente em vigor?

O Sr. José Calçada (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Para terminar, quero apenas dizer que, nesta matéria, há dois caminhos muito claros, que é preciso escolher: ou aceitamos que continuem a existir e a predominar nesta área os grandes interesses económicos, continuando o Governo a pactuar com eles e a deixar pilhar e levar os recursos do Serviço Nacional de Saúde ou, então, enfrentamo-los, diminuímos os gastos desnecessários com estas despesas, reorientamos os recursos para as verdadeiras necessidades do SNS e protegemos os utentes, que já pagam tanto com os medicamentos e com todos os outros cuidados de saúde.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Ministra, uma vez que a Mesa lhe vai dar algum tempo para responder, sugeria que respondesse em conjunto aos dois pedidos de esclarecimento.
Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Jorge Roque Cunha, que quase não tem tempo, mas a Mesa concede-lhe 1,5 minutos.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Agradeço, Sr. Presidente, a sua benevolência.
Sr.ª Ministra, acho extraordinário que tenha vindo ao Parlamento repetir aquilo que vem dizendo aquando da discussão dos orçamentos do Estado, com um discurso «redondo» e que, na prática, em relação às questões essenciais, diz muito pouco. De facto, a realidade é tão simples...

O Sr. José Magalhães (PS): - É complexa!...

O Orador: - ... como isto: a Sr.ª Ministra gere o seu Ministério sem rigor e sem eficiência, tendo em conta os milhões de contos postos à sua disposição. Portanto, em relação aos debates, temos de ter mais seriedade, mais humildade e mais transparência.

O Sr. José Magalhães (PS): - É retórica!

O Orador: - No ano passado, ouvimos o Sr. Secretário de Saúde, Dr. Arcos dos Reis... Lembra-se dele?!... Depois de lhe ouvir os mesmos argumentos que a Sr.ª Ministra aqui disse, justificações do momento - mais uma derrapagem do orçamento do Ministério -, das duas, uma: ou o Sr. Secretário de Estado veio a este Parlamento, qual Egas Moniz, «de baraço ao pescoço», pedir desculpa ao Parlamento, aos portugueses, por aquilo que vinha cá dizer, especialmente aos Deputados do PS, que normalmente fazem discursos inflamados em termos de seguidismo; ou, então, como veio a acontecer a sua demissão, vem agora a esta Assembleia, com alguma ligeireza, em termos de não ter assumido esses compromissos do passado...
O que é um facto é que, em três anos, triplicou a dívida do Orçamento do Serviço Nacional de Saúde.
Em relação aos dados de produtividade do Ministério da Saúde, que temos vindo repetidamente a solicitar, desde 1995 que não são públicos. Eram-no, mas agora não o são. Agradecíamos, pois, que nos informasse desses dados.
Para terminar, devo dizer que, de facto, as pessoas que se encontram em listas de espera continuam a esperar e a desesperar; os profissionais de saúde estão descontentes (os médicos, os enfermeiros, os técnicos de diagnóstico e terapêutica); há centenas de milhar de cidadãos que não têm médico de família; haverá discricionaridade com esta lei das convenções, passando a ser mais difícil fazerem-se raios X e electrocardiogramas, porque vai haver menos convenções, contrariamente do que, há pouco, a Sr.ª Ministra se vangloriou.
De facto, Sr.ª Ministra, este é o preço a pagar, dado que a principal preocupação da equipa do Ministério da Saúde é a boa imagem, em vez de resolver os problemas.
Sr.ª Ministra, não estará arrependida de ter «posto na gaveta» a ideia de fazer uma reforma estrutural do Serviço Nacional de Saúde, especialmente em relação ao seu financiamento? Não acha também que, tal como o anterior Secretário de Estado, ser governante não será um modo de vida...?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: -.O Sr. Deputado Jorge Roque Cunha, para além de 1,5 minutos que a Mesa lhe cedeu, beneficiou também de 1 minuto concedido por Os Verdes.
Para responder aos dois pedidos de esclarecimento, utilizando para o efeito 3 minutos, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Saúde.

A Sr.ª Ministra da Saúde: - Sr. Presidente, começando por agradecer a quem me cedeu tempo, gostaria de dizer o seguinte: o PCP sempre habilitou o Ministério com as suas posições, bem como acontece com algumas organizações, que têm enviado os seus contributos de apreciação em relação a um conjunto de documentos. Portanto, não me estava a referir especificamente ao PCP quando disse que, suscitada a discussão de documentos, se respondia com zero. O que quis dizer foi que os que respondiam com zero a essa suscitação eram, não só um conjunto de entidades e de pessoas colectivas, mas também pessoas individuais que, muitas vezes, escrevem artigos de opinião sobre estas matérias mas não as fazem chegar até nós.
Especificamente quanto ao relatório do Conselho de Reflexão da Saúde, gostaria muito de ter recebido uma posição do PSD sobre essa matéria, como, aliás, recebi, em tempos, do PP (ainda do anterior), dando conta de qual a sua construção para o modelo de saúde. Tenho, de facto, debatido estas questões com algumas pessoas em termos de sugestão sobre o relatório, mas reafirmo aquilo que há pouco referi de que, efectivamente, toda a gente fala sobre aquilo que devia ser feito na saúde, mas quando se trata de escrever documentos estruturados, com sugestões positivas, a resposta não chega.

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Quanto aos medicamentos, quero dizer o seguinte: o formulário hospitalar, revisto este ano, foi publicado já com base num trabalho desenvolvido pela Administração Regional de Saúde do Norte, um formulário europeu para os cuidados de saúde primários. Estão também a ser desenvolvidos os formulários em vigor que têm vindo a ser apurados junto dos projectos Alfa, no sentido de se conseguir, não uma mera imposição administrativa numa área que, tradicionalmente, tem muito que ver com culturas de liberdade de prescrição, mas também em articulação com a Ordem dos Médicos, em que, como sabem, foi já desenvolvido um formulário por patologias.
Em relação à principal causa de morbilidade e de mortalidade em Portugal, sairão mais sete, a muito curto prazo, em relação às principais patologias que afectam os portugueses, porque a questão da abordagem da doença não tem a ver apenas com os medicamentos, tem a ver também com os meios auxiliares de diagnóstico. E, nesse sentido, é bom que existam consensos. Os consensos terapêuticos e de abordagem terapêutica têm de ser obtidos interpares, com base em processos que hoje têm de ser validados, do ponto de vista daquilo que é a metodologia internacionalmente aceite, do ponto de vista científico, para que sejam construídos.
Relativamente à questão de os medicamentos serem fornecidos nos hospitais, temos uma experiência em curso em dois hospitais. Mas, como o Sr. Deputado também sabe, uma medida que, pura e simplesmente, definisse que os medicamentos seriam dispensados gratuitamente, quer nos hospitais, quer nos centros de saúde, iria comprometer um conjunto de equilíbrios que não tem só a ver com interesses económicos, tem também a ver com outros interesses, com a estruturação da nossa sociedade e dá nosso tecido empresarial, designadamente com um conjunto de entidades que têm desempenhado um papel neste país, que são as estruturas empregadoras, em relação às quais aquilo que devemos fazer é actuar relativamente à política do preço do medicamento e tomar um conjunto de medidas a partir do momento em que também temos os hospitais estruturados para fazer face a determinado tipo de solicitações.

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr.ª Ministra. Já ultrapassou o seu tempo.

A Oradora: - Sr. Presidente, refiro apenas, muito genericamente, que a reforma estrutural não está na gaveta, está em curso. Tive ocasião de apresentá-la publicamente no dia 22, para o que convidei todos os partidos com assento parlamentar, tendo, infelizmente, só visto um deles presente. Mas se o Sr. Deputado estiver interessado em conhecer a reforma estrutural, terei também todo o gosto em fazer uma sessão só para si, explicando qual é o modelo do Serviço Nacional de Saúde XXI.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminado este debate de urgência, despedimo-nos da Sr.ª Ministra e passamos ao tratamento de assuntos de interesse político relevante.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Coelho.

O Sr. Miguel Coelho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aproxima-se o dia 8 de Novembro, data em que se realizará o referendo à instituição da regionalização, o qual, em meu entender, representa a oportunidade para a implementação da reforma estrutural mais importante no nosso pais e, à qual, curiosamente, se opõem as forças mais identificadas com o conservadorismo e o imobilismo. Situação análoga a esta só encontra paralelo com a adesão do nosso pais à União Europeia, momento no qual também todos os «velhos do Restelo» se fizeram ouvir e todas as mesmas forças tentaram adiar a sua concretização. Coincidências ....
Como Deputado eleito pelo círculo eleitoral de Lisboa, não posso deixar de me congratular com a perspectiva da instituição em concreto da região de Lisboa e Setúbal.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!

O Orador: - Aqui vivem e trabalham cerca de 3 milhões de portugueses que, com a sua inteligência, esforço e dedicação, têm contribuído para o desenvolvimento de Portugal.
Infelizmente, também aqui, nesta região, encontramos fenómenos preocupantes ao nível do desenvolvimento social e do conceito alargado da qualidade de vida das pessoas. Para além das bolsas de pobreza, que ainda subsistem à volta da grande cidade, algumas transformadas em autênticos guettos, subsistem ainda, os problemas da qualidade de vida nas suas diversas vertentes: a ambiental, a segurança dos cidadãos, a habitação e a habitabilidade, o melhor aproveitamento dos equipamentos e infra-estruturas existentes. São problemas que, muito naturalmente, só poderão ter uma evolução francamente positiva com a regionalização administrativa do pais.
A descentralização que a regionalização acarreta poderá servir como agente catalisador para o surgimento de novas sinergias, de maior dinamismo e reforço da auto-estima tão necessários para que aqueles que estão nas suas terras, nas suas regiões, tenham a vontade subjectiva e as condições objectivas para pugnarem por uma alteração radical no sentido do desenvolvimento. O desenvolvimento do interior do nosso país criará seguramente condições para, a prazo, se suster o insustentável fluxo migratório para as grandes cidades.
Mas para além desta primeira razão, quase só por si justificativa do «sim» à regionalização, porque eminentemente solidária com os mais desfavorecidos, há, evidentemente, outras razões determinantes para o apoio a esta importante reforma:
Em primeiro lugar, o respeito pela Constituição da República, na qual está consagrada, desde 1976, a existência de um nível de autarquia local designada por região administrativa. Curiosamente, desde então, os sucessivos governos não tiveram a mínima preocupação de implementar esta autarquia de nível supra-municipal, apesar da aprovação - quiçá hipócrita, por parte do partido que detinha a maioria naquela altura: o PSD, evidentemente - da Lei n.º 56/91, Lei-Quadro de Criação das Regiões Administrativas.
Em segundo lugar, pela razão de se tratar de um compromisso eleitoral do PS e de António Guterres, devidamente sufragado nas legislativas de 1995.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No que concerne a esta questão, encontramos motivos para preocupação perante alguma argumentação por parte dos partidários do centralismo e do «não»! Criticavam-se e criticam-se os partidos
e os políticos por não cumprirem os seus programas eleitorais e os seus compromissos. Agora, cai-se no paradoxo

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de se criticar por se querer cumprir o que se prometeu. Deixamos esse papel para os participantes no Congresso da Feira e para todos os hipócritas das emoções fáceis.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em terceiro lugar, somos pela regionalização porque a mesma, contrariamente ao propagandeado, reforçará a coesão nacional. Com a introdução de autarquias locais de nível supramunicipal estas terão melhores condições para inverterem o crescente desequilíbrio entre o litoral e o interior do país. As regiões mais desfavorecidas serão dotadas de instrumentos que incentivarão a atracção de investimentos, assim como surgirão novos protagonistas que, com o objectivo de obterem o melhor para as suas regiões e os seus eleitores, contribuirão para o desenvolvimento sustentável do País.
Em quarto lugar, porque regionalizar o país relaciona-se com a nossa integração na União Europeia. Bom exemplo é o funcionamento do Comité das Regiões, onde os nossos representantes são os únicos que não foram eleitos para o exercício de tais funções, ou são funcionários nomeados para cargos nas Comissões de Coordenação Regional (CCR), o que, obviamente lhes retira credibilidade para defenderem as suas posições e lhes dificulta o protagonismo nas instituições regionais da Europa, impedindo-lhes a obtenção de maiores apoios para os programas regionais.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!

O Orador: - Em quinto lugar, por motivos que se prendem com uma maior racionalização e rentabilização económica, dado que com a atribuição da coordenação de projectos e também dos investimentos, as regiões contribuirão para uma economia de meios, beneficiando assim o conjunto da mesma pois deixarão de ter apenas cariz municipal e serão decisivas para a rentabilização dos meios empregados e em consequência de uma maior racionalização de investimentos. Por exemplo, na região de Lisboa e Setúbal, com os planos de desenvolvimento regional e planos regionais de ordenamento do território, poderemos beneficiar com a criação da desejável - mas nunca, até agora, alcançada - figura da alta autoridade para a coordenação dos transportes ou com a institucionalização de uma entidade coordenadora intermunicipal dos diferentes programas de habitação e reinserção social.
Em sexto lugar, pelo que a regionalização representa como combate à burocracia do aparelho de Estado, que só prejudica os cidadãos. A desconcentração e a descentralização dos serviços, a par com a sua racionalização, permitirá o aumento da sua eficácia e o aumento da confiança dos cidadãos na própria Administração Pública.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!

O Orador: - Em sétimo lugar, para permitir uma maior disponibilidade do governo para as questões nacionais e globais. Descentralizando competências e funções de coordenação de projectos de índole regional, os membros do governo terão uma ainda maior disponibilidade para todas as grandes questões da política nacional, comunitária e global com claro benefício de todos os portugueses.
Por último, e em oitavo lugar, porque a regionalização implica o reforço dos municípios, contrariamente ao que dizem agora alguns convertidos aos municipalismo, também aqui curiosamente os mesmos que, em mais de dez anos de governação, não só não reforçaram as atribuições dos municípios como os espoliaram em mais de 50 milhões de contos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Com a regionalização, os municípios ganharão importância porque mais facilmente serão concretizados projectos intramunicipais, projectos com características de continuidade, racionalidade e imbuídos de uma lógica regional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A região de Lisboa e Setúbal e as áreas metropolitanas que lhe são inerentes atravessam um momento de profunda reestruturação do território, derivado da implementação de novos sistemas de acessibilidades e também da recomposição da sua estrutura produtiva e organizacional.
Não tem existido uma estratégia global e concertada entre os agentes públicos e privados, de âmbito local e regional, que institua concretamente um modelo de desenvolvimento para esta região metropolitana e que atenua o peso da centralidade de Lisboa nesta área. Esta realidade, com a perspectiva de evolução da região na sua componente física e produtiva para o próximo decénio, leva-nos a pugnar por um claro empenho na vitória do «sim» no referendo à regionalização e na instituição em concreto da região de Lisboa e Setúbal.
Competirá, pois, à junta regional e à assembleia regional encontrar as políticas intramunicipais e os caminhos que levem a uma racionalização do desenvolvimento previsto nos próximos anos para a nossa região, tendo em conta que o mesmo deve ser um desenvolvimento sustentado que vise o enquadramento harmonioso das pessoas com o progresso previsto, que defina regionalmente as políticas ambientais entre Lisboa, Setúbal e o Oeste.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Políticas de acessibilidade, de desenvolvimento harmonioso da própria habitabilidade e habitação, de apoio ao investimento específico, de reforço da própria segurança dos cidadãos e da optimização dos meios e equipamentos existentes exigem, na realidade, uma concertação de medidas e uma autoridade que só pode advir de uma estrutura eleita pelos cidadãos e que tenha de responder perante eles.
As pessoas que aqui habitam, as portuguesas e os portugueses, não podem perder esta oportunidade de aprofundamento da democracia, de reforma profunda do aparelho administrativo e de manifestação de solidariedade para com os que tiveram menos fortuna.
A regionalização é um bem para o país e serve melhor os interesses da região de Lisboa e Setúbal.
Não mudamos de opinião nem de posição, somos coerentes com o imperativo da nossa consciência.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Ainda para o tratamento de assunto de interesse político relevante, inscreveu-se o Sr. Deputado Pedro Baptista.
Tem a palavra para uma intervenção, Sr. Deputado.

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O Sr. Pedro Baptista (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, realizou-se no Porto, no fim da semana passada, a VIII Cimeira Ibero-Americana.
Foi, para a cidade, a realização de maior projecção dos últimos 20 anos. A cidade mostrou-se, com toda a normalidade, à medida do acontecimento, assim como envolveu a população num comportamento cívico paradigmático, na tradição hospitaleira do cosmopolitismo portuense.
Basta referir a atitude espontânea da população, surpreendendo toda a expectativa, de dispensar o uso dos transportes automóveis privados para facilitar as movimentações da Cimeira, mantendo-se fiel à tradição do trabalho e à de bem receber.
Mas é claro que, para a cidade, foi importante não apenas a projecção internacional granjeada, como o investimento público feito, quer no edifício da Alfândega Nova, quer nas zonas de património mundial adjacentes.
Parte da recuperação urbana há muito planeada a nível dos institutos municipais foi acelerada com o evento, através dos meios postos à disposição pelo Governo. O mesmo no que diz respeito aos espaços públicos circundantes, em particular com a renovação daquele troço ribeirinho: E, sobretudo, com a renovação e equipamento de um edifício que, se era imponente e tinha grandes potencialidades, se já é neste momento um importante centro cultural e de reuniões, pode tornar-se num dos centros museológicos e de congressos mais qualificados do país. O que dependerá do Governo.
Mas não tenho dúvidas de que o Governo socialista que, com o espírito descentralizador demonstrado no facto de procurar implementar a regionalização administrativa do país, garantiu, contra inúmeras pressões de diversos quadrantes, a realização da VIII Cimeira, no Porto, garantirá também que o espaço da Alfândega Nova se consolide como um equipamento estratégico para toda a região e para todo o país, estabelecendo a Norte uma paridade com o Centro Cultural de Belém em Lisboa.
Mas para isso é preciso consolidar o equipamento e providenciar pela animação permanente, eu diria pela vivificação do edifício, tal como foi feito e tem sido feito, e bem, no Centro Cultural de Belém.
O Porto, classificado como património mundial desde 1997, albergando agora, em 1998, a VIII Cimeira Ibero-Americana, pouco depois de ter sido indicado como capital europeia da cultura para 2001, está a alargar-se, malgrado as dificuldades, de pólo estratégico dinamizador da indústria e dos serviços em pólo cultural marcante de todo o noroeste peninsular.
Tal não pode representar para o país mais do que um sucesso. Tal tem de ser apoiado e consolidado. Todo o processo que vai até 2001 tem de ser encarado como a menina dos olhos do Governo e - porque não dizê-lo? A menina dos olhos do país.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quis o destino que fosse no Porto, de onde partiu o grosso da emigração portuguesa para a América do Sul, que se realizasse esta reunião transatlântica de chefes de Estado bem como as numerosas reuniões e seminários sectoriais realizados no seu âmbito.
Para o País, considerando o incremento das relações entre a União Europeia e o Mercosul, no seguimento do acordo/quadro de cooperação ratificado por esta Câmara em 1996, e considerando o protagonismo que nos está destinado, sobretudo no concernente ao Brasil, a escolha e o calendário não podiam ter sido mais convenientes.
É que Portugal rompeu com a tradição da retórica das promessas na cooperação com o Mercosul, em particular com o irmão lusófono, e passou às realidades de expressão económica, comercial e financeira, um outro cimento para as relações políticas e culturais.
Em 1994, o investimento português directo no estrangeiro no Brasil não representava nem 1% do total.
Em 1996, encetou-se a redescoberta económica do Brasil, com as empresas portuguesas a investirem cerca de 48 milhões de contos, representando um terço de todo o investimento português no estrangeiro.

O Sr. Silvio Rui Cervan (CDS-PP): - Mandaram-se para lá os supermercados.

O Orador:- Em 1997, ano em que o Primeiro-Ministro de Portugal visita o Brasil, o valor do investimento português subiu para os 85 milhões, para não falar do ano presente em que só o investimento na privatização da Telebrás foi aos 668 milhões de contos.
Portugal torna-se, assim, no terceiro maior investidor estrangeiro nas privatizações brasileiras - 718 milhões, atrás apenas dos EUA e da Espanha, tornando-se também um dos cinco maiores investidores do Brasil.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Para lá dos interesses particulares do nosso país, a VIII Cimeira foi um acontecimento de grande importância mundial, envolvendo directamente grande parte da população do globo.
Assumindo como eixo central temático, a globalização e a integração regional, a Cimeira reiterou o compromisso de fortalecer as instituições democráticas e o pluralismo político, o Estado de Direito e o respeito dos direitos humanos e liberdades fundamentais. Reafirmou o respeito pelos princípios da soberania, de não intervenção e do direito de cada povo construir livremente o seu sistema político, bem como os princípios de convivência internacional consagrados na Carta das Nações Unidas e na Declaração Universal dos Direitos do Homem.
A Cimeira analisou o fenómeno da globalização no âmbito económico marcado pela intensificação das trocas comerciais e dos fluxos financeiros e pela intensificação da liberalização económica e integração regional, bem como pela mundialização dos mercados e segmentação da produção, considerando que tal processo, com os programas de desregulação económica, privatização e liberalização do comércio internacional, tem permitido atingir maiores níveis de crescimento.
No entanto, a Cimeira considerou que se enfrentam grandes desafios quanto à redução das desigualdades económicas e sociais, reiterando que os governos devem ter como objectivo primeiro a justiça social e a elevação do nível de bem-estar das populações.
A participação activa dos países ibero-americanos numa economia global deve contribuir para ampliar as vantagens da globalização.
Também para fazer face às consequências da instabilidade nos mercados financeiros, os países concordaram em prosseguir mudanças estruturais nas economias e apelar à adopção de medidas urgentes por parte dos países do G-7 e dos organismos financeiros, para a estabilidade dos mercados financeiros e de capitais.
Foi neste contexto que a Cimeira apoiou os esforços para a aceleração do acesso aos benefícios da iniciativa para os países pobres altamente endividados, assim como

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para negociações bilaterais com vista a aliviar a dívida desses países.
Reiterando a gravidade do problema da droga e o firme compromisso para continuar a estreitar a cooperação contra este flagelo dos indivíduos, das sociedades, das economias e das instituições democráticas, a Cimeira debruçou-se sobre a integração regional como instrumento fundamental para que um número cada vez maior de países possa melhorar a inserção num mundo globalizado, já que eleva o seu nível de competitividade, aumenta as trocas comerciais, aumenta a produtividade, cria condições para maior crescimento económico e propicia o aprofundamento dos processos democráticos.
Tal como é expresso na declaração final, a Cimeira do Porto consagrou a integração regional e a globalização como processos complementares e vantajosos, não podendo, num mundo progressivamente mais globalizado, ser a integração regional analisada apenas pelo prisma económico. Há uma dimensão política crescente na necessidade de intensificar a cooperação bilateral e multilateral nos domínios da cultura, da educação e de vários outros campos, como os da luta contra a droga, a corrupção ou a degradação ambiental.
É assim que a Cimeira destaca as vantagens em aprofundar-se a cooperação entre a América Latina e a União Europeia e preconiza uma dinamização dos processos de negociação entre ambas as regiões, conducente a acordos concretos nos múltiplos aspectos do relacionamento entre as duas regiões.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É de realçar, finalmente, o acordo de procedimento alcançado entre o Equador e o Peru, visando a solução pacífica das suas diferenças.
Eis, pois, Sr. Presidente e Srs. Deputados, motivos de sobejo para nos alegrarmos com a Cimeira do Porto, e, sobretudo, para enfrentarmos as responsabilidades próximas, no âmbito do progressivo aprofundamento da nossa relação através do Atlântico Sul, tanto no contexto do país como no da União, continuando a assumir um cada vez mais claro protagonismo.

Aplausos do. PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Vieira para formular um pedido de esclarecimento.

O Sr. Sérgio Vieira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Baptista, em primeiro lugar, queria felicitá-lo por ter trazido a esta Câmara o evento que tanto honrou o Porto neste último fim-de-semana. De facto, em boa hora o governo anterior tomou a decisão de levar a oitava Cimeira Ibero-Americana para a cidade do Porto e em boa hora também, depois de algumas dúvidas que existiram, este Governo manteve essa decisão de forma a e esse evento ter sido realizado no Porto.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Este evento foi um sucesso para a nossa cidade e um sucesso para todos os portuenses. Mas convém dizer também, Sr. Deputado Pedro Baptista, que foi um sucesso, apesar de boa parte da intervenção feita na Alfândega, junto a Miragaia até Massarelos, ter sido feita em cima do joelho, à pressa, porque, como o Sr. Deputado sabe, tão bem como eu, o Governo não disponibilizou, a tempo e horas, as verbas necessárias para aquela intervenção. Mas, apesar deste atraso do Governo do PS, as obras foram concluídas a tempo e esta Cimeira foi um sucesso.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Já cá faltava essa!

O Orador: - Sr. Deputado Pedro Baptista, tal como tive oportunidade de referir, na última segunda-feira, na Assembleia Municipal do Porto, ao Sr. Presidente da Câmara do Porto, o Sr. Dr. Fernando Gomes, o Porto, este fim-de-semana, ficou mais bonito! Nos jardins, nos arruamentos e no embelezamento da cidade. E a grande expectativa que o PSD tem, neste momento, é a de que este embelezamento e esta preocupação não tenham ficado «metidos na gaveta» no último fim-de-semana e que a Câmara Municipal do Porto continue a ter a mesma preocupação e a mesma intervenção que teve na preparação desta Cimeira.
Obviamente, também não podia deixar de referir, Sr. Deputado, que nos congratulamos com o facto de a cidade do Porto ficar com equipamento importante, como é o da Alfândega do Porto, mas não partilhamos da grande satisfação do Sr. Presidente da Câmara Municipal quando refere que esse equipamento tem um valor aproximado de um milhão de contos. E não partilhamos dessa grande satisfação porque essa verba não é nada demais comparada com o que, por exemplo, o Governo do PS gastou nos edifícios da Expo 98, quando, há pouco tempo, os comprou.

O Sr. Silvio Rui Cervan (CDS-PP): - O Sr. Deputado Pedro Baptista é muito ambicioso!

O Orador: - E, só para terminar, o Sr. Deputado referiu um evento que terá de marcar a cidade do Porto, que terá de ser um passo em frente daquela cidade: a capital europeia da cultura do ano 2001. Gostaria de lhe perguntar se partilha da mesma atenção e da mesma expectativa com que está o PSD acerca de qual será a decisão do Governo em relação a esta matéria.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Pode confiar no Governo.

O Orador: - O Governo deu pouco mais de um mês...

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Nessa altura o Governo é outro!

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Estou a terminar, Sr. Presidente.
Dizia eu que o Governo deu pouco mais de um mês para a comissão instaladora do Porto do Projecto 2001 apresentar o projecto do modelo organizacional do programa dos eventos. A comissão instaladora cumpriu este objectivo. A nossa expectativa é de que o Governo não demore muito a dar a sua resposta em relação ao projecto que foi apresentado e que esse projecto - que, pelo que veio a público, merece boa parte da nossa concordância mereça também a concordância, a aceitação e a atenção do Governo para ser dado um passo decisivo para a cidade do Porto.

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Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Baptista.

O Sr. Pedro Baptista (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Sérgio Vieira, agradeço a sua colaboração nesta troca de impressões.
Em primeiro lugar, é um facto o que V. Ex.ª referiu: o governo anterior, aquando da inauguração de grandes eventos aqui, na capital do país, acedeu à ideia de que a Cimeira Ibero-Americana fosse feita no Porto - acedeu, eu ouvi-o nos noticiários! Mas deixe-me que lhe diga, Sr. Deputado, a ideia ficou tão, tão abstracta, a ideia era tão pouco consistente que lhe lembro que, em 1996, na Ilha Margarita, ainda o Sr. Presidente da República se referia à Cimeira Ibero-Americana como a próxima cimeira de Lisboa. Foi o Governo socialista que consolidou a ideia de que a Cimeira Ibero-Americana seria no Porto.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Contra o que disse o Presidente Jorge Sampaio?!

O Orador: - Não houve problema nenhum! O Sr. Presidente da República desconhecia inteiramente porque não havia nenhum seguimento à notícia que VV. Ex.as deram, de que iam fazer a cimeira no Porto, o que leva a concluir que, provavelmente, se não houvesse alteração de governo, tentariam fazer a cimeira em Lisboa, o que, evidentemente, não iam conseguir!

Risos do PSD.

Passando ao segundo ponto, Sr. Deputado Sérgio Vieira, sei que o senhor e o seu partido, no Porto, costumam estar bastante ansiosos em relação às coisas que a Câmara Municipal faz, mas a ansiedade é uma característica das pessoas. V. Ex.ª devia ter feito o que eu fiz, porque também estava ansioso no princípio: fui perguntar o que é que se passava, e, quando percebi, vi perfeitamente que estava tudo «a andar nos carris» e que iria ter o sucesso que teve. V. Ex.ª devia «dar a mão à palmatória» porque andaram a insinuar que as obras não iam estar prontas a tempo e estiveram. Mas eu sabia que isso ia acontecer.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!

O Orador: - A terceira coisa que quero referir, relativamente às zonas envolventes, é que foram aceleradas obras que estavam há muito previstas. Os meios disponibilizados pelo Governo, que não foram os que V. Ex.ª referiu, foram aplicados em coisas que estavam há muito projectadas - não foram decididas «em cima do joelho»! Apenas houve mais dinheiro para executar projectos municipais que já existiam. E as verbas disponibilizadas não foram de um milhão de contos, foram cinco vezes isso que V. Ex.ª referiu.
De resto, Sr. Deputado Sérgio Vieira, não aceito que haja alguém que se bata mais pela região do Porto do que eu! Acredito que haja outros que se batam tanto como eu. Mas não quero ter uma visão paroquial do Porto nem uma visão paroquial do País.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não me faz mossa aquilo que se passa no País nem aquilo que se passa em Lisboa! Quero é que se faça também no Porto! Aliás, quero que se faça em todo o País e, por isso, é que eu sou um defensor da regionalização administrativa exactamente para criar diversos pólos de desenvolvimento neste País.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, deixe-me terminar, dizendo que, de qualquer forma, independentemente destas divergências, tenho a certeza de que conto com o Sr. Deputado Sérgio Vieira e com outros Deputados do PSD do Porto para, todos juntos, lutarmos para que o Porto, capital da cultura em 2001 seja um sucesso.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Nessa altura, o Governo é outro!

O Orador: - Tenho a certeza de que, com o Governo do PS, no que diz respeito à disponibilidade do Governo para apoiar essa iniciativa, isso vai ser feito! E também tenho a certeza de que, se alguma vez o Governo do PS não cumprisse com esta decisão, teria em mim, como Deputado do PS, uma voz bastante mais crítica do que a de VV. Ex.as, quando foi o governo do PSD a não cumprir!

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 30 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão da proposta de lei n.º 177/VII, que regula a publicidade domiciliária por telefone e por telecópia. Para apresentar a proposta, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro.

O Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro (José Sócrates): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, tenho muito prazer em apresentar-vos esta proposta de lei proveniente do Governo, que visa, no fundamental, assegurar a defesa dos interesses dos cidadãos e dos consumidores, que são alvo de comunicações publicitárias que não desejam. Nos últimos anos, como é sabido, as técnicas publicitárias têm evoluído muito e os meios publicitários que utilizam a correspondência domiciliária, quer seja ou não endereçada, bem como as comunicações publicitárias que usam a telecópia e o telefone têm progredido muito e têm, de certa forma, posto em causa alguns direitos dos consumidores que desejam receber apenas as comunicações publicitárias que têm interesse para a sua vida, e têm posto, em causa alguns aspectos que dizem respeito à esfera individual dos consumidores - no fundo, pondo em causa aquele direito a ser deixado só ou, melhor, o direito a não querer receber comunicações publicitárias de qualquer tipo.

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Por isso, apresentamo-vos agora esta proposta de lei, que visa regulamentar esse espaço da actividade publicitária, com o desiderato de, dando maior protecção a esses direitos dos consumidores, assegurar uma regulamentação desta actividade que tenha em conta, naturalmente, os interesses não só da sociedade na actividade publicitária mas também dos consumidores, com protecção daqueles que não desejam receber comunicações publicitárias. Por isso também, propomo-vos uma legislação que regulamenta as actividades publicitárias domiciliárias por telecópia e por telefone de diferentes maneiras, dado que os aspectos a considerar, dos diferentes tipos, são também diversos.
Em primeiro lugar e desde logo, no que diz respeito à actividade publicitária domiciliária, há que distinguir a endereçada da não endereçada. Por isso, propomo-vos um sistema que nos parece ser o mais eficaz - e que, aliás, resulta da experiência de outros países - para a promoção dos interesses e para a concertação dos interesses em presença, que, no caso da publicidade domiciliária endereçada, passará pela criação de listas de exclusão, listas essas que serão elaboradas por organismos de auto-regulação das próprias empresas que promovem estas actividades. Já no que diz respeito à publicidade domiciliária não endereçada, aí, o sistema que nos parece mais curial é aquele que passará pela afixação de um qualquer sinal na caixa do correio dos consumidores que permita perceber a oposição desse consumidor a receber qualquer tipo de publicidade deste género. Julgamos, portanto, que este tipo de publicidade domiciliário, quer endereçada quer não endereçada, fica melhor regulamentado se existir esta oportunidade de proibir a entrega na caixa do correio dos consumidores que se oponham visivelmente a receber essa publicidade.
Por outro lado, no que diz respeito à publicidade por telecópia, dado que a utilização deste meio pode ferir até interesses patrimoniais de quem recebe essa publicidade, o sistema que nos parece fazer mais sentido é o da autorização prévia, isto é, ficará proibida a publicidade por telecópia dirigida aos consumidores sem o seu consentimento prévio. Isto quer dizer que deverão ser organizadas listas de pessoas que desejam receber este tipo de publicidade, e a elaboração. dessas listas ficará também a cargo dos organismos de auto-regulação das empresas que promovem este tipo de publicidade.
Finalmente, no que diz respeito à publicidade por telefone, há que distinguir também duas situações: a publicidade por telefone feita com utilização de sistemas automáticos, com gravações feitas previamente - e, nesse caso, o sistema que nos parece mais adequado é também o do consentimento prévio, portanto, um sistema de optingin, de entrar por opção, isto é, só quem der o seu consentimento prévio é que pode ser alvo de publicidade deste género; enquanto que, na restante publicidade por telefone, aquela que é feita por comunicação humana, quem não desejar recebê-la, deve declarar que não deseja recebê-la e, então, os organismos auto-reguladores da associação destas empresas encarregar-se-ão também de elaborar listas que permitam que, quem não deseja receber este tipo de publicidade, possa não ser incomodado com essa actividade.
No fundo, fizemos aqui um diploma que pretende compaginar os interesses dos consumidores com o interesse de uma actividade publicitária que é também de grande interesse para os consumidores - há muitos consumidores que a reclamam, porque a publicidade, ao contrário do que, porventura, possa imaginar-se, é amiga do consumidor porque permite mais escolha, dá mais informação. Mas julgamos também, dos contactos que tivemos com as empresas do sector, que a fórmula como resolvemos agora esta situação é importante não apenas para os consumidores para também para as agências que fazem este tipo de publicidade. Ao contrário do que se poderia pensar, não são interesses conflituantes mas antes interesses convergentes, porque nenhuma empresa de publicidade deseja enviar publicidade para quem não deseja recebê-la. Isso é contraproducente e a maior parte das empresas estava, há muito tempo, disponível para apoiar uma legislação deste tipo e também para organizar, de forma auto-regulada, um instituto que permita recolher os nomes das pessoas que não desejam receber este tipo de publicidade.
Pensamos, portanto, que esta proposta de lei é equilibrada porque é uma proposta que pretende defender, como disse, os interesses dos consumidores que não querem a sua esfera privada invadida por este tipo de publicidade, que querem ser deixados sós, mas que defende também a actividade das empresas, a torna mais digna e, porventura, mais eficaz. Naturalmente, haveria quem pensasse que poderíamos não apenas regulamentar a actividade publicitária nos domínios da publicidade endereçada e não endereçada ao domicílio, na telecópia e nos telefones, mas também começar a regulamentar áreas que dizem respeito, por exemplo, à Internet e a outro tipo de publicidade que a nova revolução informática veio permitir. No entanto, parece-nos que os problemas que podem surgir dessas actividades utilizando esses meios não estão ainda claramente identificados, como não está também identificada a melhor forma de proteger os interesses em presença, pelo que julgámos mais adequado avançar, para já, com a regulamentação destas três áreas, num espaço em que todos os países europeus e mais desenvolvidos já avançaram e com bastante sucesso. Ora, a solução que vos propomos já está testada, com resultados já atingidos e com a qual os diferentes países estão satisfeitos, enquanto que, noutras áreas, sinceramente, acho que é melhor deixar sedimentar um pouco essa actividade para então, se houver necessidade de intervir ao nível legislativo, podermos fazê-lo com maior segurança.
Pensamos que o que pomos à consideração da Câmara é uma lei necessária, uma lei importante, que protege o consumidor mas também a actividade publicitária; é uma lei equilibrada e razoável, e é muito importante para a política de defesa do consumidor, na medida em que defende não apenas o consumidor mas também a actividade publicitária que, como digo, é também ela, em si própria, amiga do consumidor enquanto agente que produz informação e pluralidade de escolha. Deixo, portanto, à consideração da Câmara a análise desta proposta.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Peixoto.

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados, a proposta de lei n.º 177/VII visa, entre outros objectivos, corporizar na legislação nacional os dispositivos restritivos à utilização de técnicas de comunicação à distância previstos na Directiva n.º 97/7/CE do Parlamento e do Conselho Europeu. Trata-se primordialmente de proteger os consumidores face ao aumento de agressividade das novas técnicas de marketing, das novas técnicas de venda ou de comerciali-

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zação de produtos, utilizando quer a TV e as novas tecnologias de comunicação quer a própria correspondência domiciliária.
Em questão, está a salvaguarda da esfera privada dos cidadãos que possam não querer, como facilmente se entende, o potencial esbulho ou turbação da intimidade dos seus lares, e que estas novas tecnologias podem representar. Mas mesmo mais além, e especificamente no domínio da protecção de dados pessoais angariados para a constituição de ficheiros com objectivos de promoção de marketing directos, trata-se, como todos entenderão, de preservar a salvaguarda dos direitos fundamentais de qualquer pessoa, de qualquer cidadão. É que é fácil de antever os enormes danos e perigos que podem advir da má utilização de um conjunto de informações susceptíveis de serem cruzadas com outras e, desta forma, formar um banco de dados de toda e qualquer pessoa, à mercê de alguém que, claramente, passará a dispor de todo um poder evidentemente condicionador e limitativo dos direitos liberdades e garantias que, cultural e constitucionalmente, entre nós estão garantidos designadamente pelos artigos 26.º e 34.º da Constituição.
No âmbito da regulação da publicidade domiciliária é, pois, incontornável a necessidade de consagrar mecanismos de transparência em todo o processo de entrega dessa mesma publicidade, a par de instituir um regime de oposição à distribuição seja ela endereçada ou não, e isto com o correlativo sistema de responsabilidade para os casos de violação do estatuído. Mas continua-se aquém das necessidades reais e de tudo aquilo que seria desejável e mesmo exigível ao excepcionar-se do regime do artigo 6.º matéria tão importante como o é a publicidade não domiciliária, a processada por correio electrónico e ainda toda aquela que é dirigida a profissionais, bem como a que é entregue no mesmo invólucro conjuntamente com outra correspondência.
Mas é no tocante ao tratamento de dados pessoais para fins publicitários que maior apreensão nos suscita esta proposta.
Se, por um lado, se reforça claramente o princípio da autodeterminação informacional, que pressupõe o direito à informação, quanto aos vários aspectos do tratamento de dados, fiem como o direito de não receber publicidade não desejada, o que é facto é que a presente proposta transpõe apenas o artigo 10.º da Directiva.
Não nos desculpemos com a diferença, parcialmente aparente, entre publicidade por novos meios tecnológicos e contratos negociados à distância, porque o que releva é que a Directiva dá um enorme passo em frente na defesa dos direitos do consumidor, mesmo no âmbito restrito desses contratos, em comparação com a legislação portuguesa.
Mas mais: a regulamentação da publicidade por correspondência está associada à comercialização com base neste tipo de comunicação, sendo certo que a agressividade de ambas é em tudo idêntica.
É que, na prática, a publicidade por correspondência ou de telemarketing está igualmente associada, quase sempre, à venda de um bem ou serviço. Portanto, a fronteira que separa a publicidade nas formas aqui tratadas e a venda à distância é muito ténue, se não mesmo inexistente.
Um outro aspecto ainda: esta proposta de lei não consagra o dever de informação, no caso de publicidade pelo telefone, da entidade que procede ao telemarketing, podendo perfeitamente suceder que se receba uma chamada promocional de um qualquer bem ou serviço sem que se possa ter conhecimento de quem está a promovê-lo. E isto, Sr. Ministro, é violar claramente o dever de informação do consumidor.
Inoperante é igualmente a não obrigatoriedade de constituir uma listagem centralizada de recusa, claro garante do exercício dos efectivos direitos dos consumidores, consignados agora, com aparente candura, nesta proposta de lei.
Aguardaremos que o Governo aceite ultrapassar estas e outras deficiências, para que este diploma, de forma consensualizada, possa servir os objectivos a que se propõe.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Quanto à questão de princípio que preside à apresentação desta proposta de lei, compartilhamos inteiramente a preocupação que é manifestada pelo Governo e, de facto, achamos da maior pertinência que esta matéria seja efectivamente regulada.
Todos nós, no nosso dia-a-dia, sabemos o que representa a invasão do nosso domicílio por várias formas de comunicação publicitária e, portanto, todos nós sabemos, por experiência própria, da necessidade de esta matéria ser efectivamente regulada e de se evitar a situação que actualmente existe nesta matéria.
Agora, aquilo que vale a pena discutir neste debate é se, relativamente às várias vertentes que se pretendem regular, da publicidade directa, da publicidade pelo correio, pelo telefone e por telecópia, as soluções que aqui são propostas são aquelas que, nos tempos que correm, melhor correspondem aos fins que esta proposta de lei visa.
Creio que, relativamente a alguns aspectos, vale a pena reflectir se não haverá, em sede de especialidade, melhores soluções a adoptar. Não me refiro, evidentemente, à publicidade que é directamente colocada nas caixas do correio, aí creio que é difícil encontrar outra solução que não seja a que aqui é proposta, de ser aposto um dístico na caixa do correio proibindo que ela lá seja depositada, que é uma solução que pode ser a adequada.
Já no que se refere à publicidade endereçada - e isto que vou dizer é também válido para a solução que o Governo propõe para a publicidade pelo telefone e por telecópia -, parece-nos que se poderia tentar encontrar uma melhor solução, porque o que aqui se propõe é que alguém, decidindo que não quer receber publicidade pelo correio, por telefone ou por telecópia, o expresse e ficará a fazer parte de uma listagem, que a proposta de lei não esclarece muito bem onde é que fica nem a quem é que o consumidor se dirige para dizer que não quer publicidade, isto não está claro.
Alguém que não queira fazer parte de uma base de dados comercial para distribuição de publicidade, não apenas por não querer receber publicidade mas, pura e simplesmente, por não querer fazer parte dessa base de dados, a única solução que tem é a de fazer parte de outra base de dados que é a base de dados daqueles que declaram que não querem fazer parte das bases de dados. Portanto, parece-nos que talvez seja possível encontrar uma melhor solução.
Designadamente a nível do telefone e de telecópia, custa um pouco a crer que, com a actual evolução técnica, com as actuais condições técnicas, em que é possível fazer tudo e mais alguma coisa a nível da rede telefónica e de

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telemóvel, não seja possível encontrar uma solução que possa passar, por exemplo, pela existência de um código de barlavento do acesso àquele número de telefone por mensagens publicitárias. Não estou a ver que seja impossível, no actual estado da técnica neste domínio, encontrar uma solução que seja mais eficaz e que evite uma espécie de criação de uma lista nacional de não aceitantes de publicidade por telefone ou por telefax.
Portanto, parece-nos que, de facto, a ideia é meritória, mas talvez haja uma melhor solução do que esta que aqui é proposta.
Também no que se refere ao artigo 6.º desta proposta de lei, que exceptua a aplicação dos artigos anteriores «à publicidade entregue no mesmo invólucro conjuntamente com outra correspondência» ou «quando existem relações duradouras entre anunciante e destinatário resultantes do fornecimento de bens ou serviços», aqui também havia uma salvaguarda a estabelecer, porque ninguém nos garante que não venha dentro de um invólucro algo que nada tem a ver com aquilo que lá vem.
Isto é: admito que uma empresa que me presta um determinado serviço utilize a correspondência que tem normalmente comigo para promover um outro serviço da mesma empresa, mas aquilo que penso que já não é muito adequado, e esta formulação poderia permiti-lo, é que, por exemplo, a empresa que fornece o serviço telefónico aproveite o envelope para promover um refrigerante. Julgo que isto não faz qualquer sentido e a proposta de lei, tal como está, permitiria, de facto, abrir a «porta» para que toda a publicidade pudesse ser metida por esta via.
O mesmo relativamente às empresas que mantenham uma relação duradoura com o destinatário resultante de fornecimento de bens ou serviços, também aqui haveria de salvaguardar a existência de uma conexão entre a publicidade que é feita e aquele serviço que é prestado, sob pena de também abrirmos aqui a «porta» de uma forma discriminada a que a publicidade não pudesse entrar pela «porta» mas passasse a entrar pela «janela».
Portanto, parece-nos que esta é uma boa iniciativa em termos genéricos, mas em sede de especialidade - repito - talvez seja possível fazer alguns acertos e, em alguns casos, encontrar mesmo soluções que possam ser mais eficazes do que estas que são propostas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. De putado António Filipe, trata-se, no fundo, de permitir uma reflexão ulterior em relação à questão que V. Ex.ª coloca.
Teríamos grande empenhamento em conseguir aprovar este diploma, hoje e aqui, na especialidade, por razões ób vias relacionadas com o funcionamento da Assembleia - e já tive ocasião de trocar impressões com os Deputados
de todas as bancadas, no sentido de tentarmos viabilizar isso.
É por isso mesmo que tomo a palavra, para colocar -lhe a seguinte reflexão: há um ponto meritório na pro posta de lei que o Sr. Deputado, aliás, assinalou e que o Sr. Ministro começou por enunciar, que é a sua pedra de toque, a sua regra de ouro - é preciso respeitar a vonta de do consumidor, ou seja, deixá-lo em paz, e, para o
deixar em paz, se for essa a sua vontade, é preciso en contrar um meio tecnológico adequado, simples, barato e não burocratizador, e a proposta de lei procura encontrá-lo, à luz de um corpo de princípios que o Sr. Ministro teve ocasião aqui de sintetizar.
Diz o Sr. Deputado: «mas não há um meio tecnológico que permita ao utente que não quer livrar-se de ter de estar numa lista, de evitar mais uma base de dados»? Sr. Deputado, infelizmente, ou felizmente, não é... Para já não devemos demonizar as bases de dados, o que é preciso é que sejam controladas, e isso tem de ser feito, naturalmente, pela Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais.
Por outro lado, a hipótese que o Sr. Deputado alvitrava: então, não se pode barrar o telefone daquele utente em concreto»? Sr. Deputado, há limites para barrar, é fácil criar um conjunto de números de telefone que não são acessíveis, homogeneizá-los - foi que se fez para os telefones eróticos e para outros, agora, quando é o contrário, num mercado atomizado, onde os Josés, as Marias e os Fernandos estão em listas telefónicas, há duas soluções: por um lado os números confidenciais, que existem e continuam existir, por outro, em relação aos não confidenciais, a declaração de vontade do utente, que o inscreve numa lista, que tem de ser acatada e aplicada.
A solução que o Sr. Deputado apontava, que era uma espécie de barramento, que julgo que é tecnicamente impossível, também não furtava o utente a estar numa lista, que era na lista dos barrados. E, portanto, Sr. Deputado, não conseguiu fugir aos computadores. De resto, eles não são demoníacos, apenas têm de ser, evidentemente, disciplinados e controlados.
Não creio, assim, que, desse ponto, a solução para que aponta embrionariamente seja exequível e também não creio que a solução que consta da proposta do Governo seja, em si mesma, negativa. É exequível, será controlada e dará aos utentes grande liberdade, inclusivamente a liberdade de não quererem ser objecto de contactos telefónicos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP). - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, no fundo, V. Ex.ª acabou por não me fazer qualquer pergunta...

O Sr. José Magalhães (PS): - É uma reflexão!

O Orador: - Aquilo que fez foi dizer que não havia melhor solução do que esta que aqui está proposta pelo Governo, mas continuo a ter algum cepticismo relativamente a isso.
Depois há o outro aspecto que coloquei relativamente ao artigo 6.º, que, de facto, me parece poder inviabilizar ou inutilizar o princípio previsto anteriormente, por diversas formas.
É evidente que não temos qualquer intuito - isto que fique bem claro - de estar a protelar seja o que for, mas, evidentemente, se era objectivo do Governo ou do PS que a proposta de lei já fosse votada hoje em votação final global, poderiam ter-nos dito antes, e aí, em sede de Comissão, poder-se-iam tomar medidas para que a reflexão já chegasse aqui com maior amadurecimento, o que não é, manifestamente, o caso.

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Portanto, temos de dizer aqui claramente que, relativamente a esta matéria, consideramos que faz falta uma discussão na especialidade, que, naturalmente, não será uma coisa para demorar meses, porque o diploma não é grande, mas, de facto, há aqui soluções sobre as quais nos parece que vale a pena reflectir se são estas as melhores ou se não é possível encontrar sistemas mais adequados. É apenas este o problema.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Varges.

O Sr. Manuel Varges (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: A publicidade domiciliária, difundida por correspondência, distribuição directa, telefone e telecópia, tem conhecido, nos últimos anos, um desenvolvimento sem precedentes no nosso país, a que, certamente, estará ligada a forte concorrência empresarial e a própria evolução do sector publicitário. Quantos de nós, consumidores, estranham hoje ver a sua caixa de correio completamente «lotada» com publicidade não pedida ou qual de nós e quantos de nós estranham atender o telefone para receber uma oferta publicitária?
A par do desenvolvimento da publicidade domiciliária, o número de reclamações contra este tipo de publicidade, que muitas vezes viola direitos constitucionalmente tutelados, como seja o direito à privacidade ou mesmo o direito à protecção dos dados pessoais, tem vindo a aumentar junto das associações de consumidores, que passaram a defender a necessidade de restringir a publicidade domiciliária às situações em que a mesma é desejada pelos seus destinatários.
A medida agora proposta, que visa criar mecanismos de protecção dos consumidores destinatários de publicidade domiciliária, por telefone e fax, não desejada, insere-se neste contexto de reforço do quadro normativo vigente, devendo, tendo em conta os seus fins, merecer, em nosso entendimento, o acolhimento por parte da Assembleia do República.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - A proposta de lei n.º 177/VII, da iniciativa do Governo, que visa regular a publicidade domiciliária, por telefone e por telecópia, é, do ponto de vista dos objectivos que visa atingir, globalmente positiva e meritória, estabelecendo para o efeito:
A obrigatoriedade de a publicidade domiciliária ser identificável exteriormente de forma clara e inequívoca; A proibição da distribuição de publicidade não endereçado ou distribuída directamente, quando a oposição do destinatário seja reconhecível no acto do entrega;
A criação de mecanismos que possibilitem aos consumidores a efectivação do direito de não receber publicidade endereçada contra a sua vontade; A necessidade de consentimento prévio dos consumidores para a publicidade por telefone e telecópia; O estabelecimento de um quadro sancionatório que garanta o respeito pelos direitos dos consumidores no domínio da publicidade domiciliária, por telefone e telecópia.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!

O Orador: - A presente iniciativa legislativa, indo ao encontro das aspirações e legítimas expectativas dos consumidores portugueses e das suas associações representativas, que no âmbito do Conselho Nacional de Consumo foram auscultadas, representa um reforço dos direitos dos consumidores face a determinadas modalidades da actividade publicitária que carecem efectivamente de regulamentação.
Para o Partido Socialista, a promoção dos direitos e interesses dos consumidores constitui uma prioridade e assume grande relevância no plano do exercício dos direitos de cidadania.
A clara aposta numa política de defesa dos consumidores global e transversal, por parte do Governo do Partido Socialista, materializada na adopção de um vasto conjunto de medidas concretas, ao longo dos últimos três anos, contribuiu de forma decisiva para uma valorização do estatuto dos consumidores e para o aperfeiçoamento do quadro normativo da defesa dos consumidores.
Com efeito, a acção do Governo em matéria de protecção dos consumidores é hoje amplamente reconhecida pelos cidadãos e também pelas organizações representativas dos consumidores, que viram os seus direitos ampliados e aperfeiçoados.

O Sr. António Braga (PS): - Muito bem!

O Orador: - Basta recordar: a Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, que veio actualizar e reforçar os direitos dos consumidores; a Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, que constituiu um marco histórico ao impor aos serviços públicos o respeito pelos direitos dos consumidores; a criação do Conselho Nacional de Consumo; a obrigatoriedade de as companhias de seguros procederem à actualização anual do valor do seguro automóvel por danos próprios a pagar pelos consumidores e, mais recentemente, as alterações introduzidos ao Código da Publicidade, que vieram estabelecer o enquadramento jurídico da actividade publicitária.
Posteriormente à sua aprovação, o Código da Publicidade veio sendo objecto de várias alterações legislativas, no sentido do seu aperfeiçoamento, tendo em conta, por um lado, a experiência decorrente da sua aplicação e, por outro, as obrigações decorrentes das directivas comunitárias e de novos fenómenos ocorridos ao nível do desenvolvimento de actividade publicitária, nomeadamente as televendas, os produtos milagre e outros.
O Código da Publicidade, estabelecendo já regras precisas quanto ao exercício da publicidade domiciliária, não faz depender, contudo, esse exercício da vontade dos seus destinatários e é precisamente esta medida que o Governo pretende agora consagrar, através da aprovação da proposta de lei em discussão.
Trata-se, pois, de um vasto conjunto de medidas de carácter legal, implementadas já pelo Governo do Partido Socialista, algumas já aprovadas nesta Assembleia, que constituem no seu todo um reforço do quadro normativo da defesa dos consumidores.
Em suma, Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados, esta proposta de lei n.º 177/VII do Governo merece o claro e expresso apoio do Grupo Parlamentar do Partido Socialista.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente:- Srs. Deputados, informo que, após a intervenção do Sr. Deputado Moreira da Silva, a quem

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seguidamente darei a palavra, procederemos às votações regimentais. Agradeço que as direcções das bancadas, para além do aviso que consta no circuito de televisão interna e também da campainha que já está a funcionar há mais de 10 minutos, chamem os Deputados ausentes para procedermos às votações.
Tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Esta proposta de lei que hoje estamos aqui a discutir regula algo meritório. Penso que todos os meus colegas que já intervieram tiveram oportunidade de referi-lo.
Permitir aos consumidores que exerçam um direito fundamental de impedir que as suas caixas de correio apareçam, todos os dias, atafulhadas, pejadas, de panfletos de publicidade, penso que é sempre de respeitar - é este o objectivo desta proposta de lei e a isso, a este objectivo, somos obviamente favoráveis.
Há, no entanto, algumas soluções apresentadas pela proposta de lei que merecem algumas considerações. Já aqui foram referidas sugestões alternativas aos problemas aí existentes e gostava também de acrescentar mais três ou quatro para uma reflexão, que, penso, importa fazer. Por isso, permitam-me dizê-lo, não me parece que seja possível «arrumar» este diploma já hoje, sem que, em sede de comissão, tenhamos oportunidade de fazer uma pequena, mas mais aprofundada, reflexão sobre as soluções que o Governo aqui nos traz.
Desde logo, no artigo 2.º, que se refere à identificabilidade exterior, de forma clara e inequívoca, da publicidade, coloco o seguinte problema: a identificabilidade de quem? A identificabilidade do produto, do anunciante, do responsável pela distribuição? E que, muitas vezes, aparece-nos uma correspondência responsalizando um determinado distribuidor que não é o anunciante e que, muitas vezes, não está de forma alguma ligado à marca que nos é proposta na publicidade. Por isso, não há para o consumidor uma imediata identificabilidade daquele produto que se pretende promover relativamente ao próprio consumidor e daí a sua impossibilidade de, imediatamente e numa primeira percepção, aceitar ou rejeitar essa publicidade. Por isso, «esta identificabilidade exterior de forma clara e inequívoca» da publicidade devia ser mais densificada. Devia dizer-se não apenas que deve ser identificável exteriormente mas que deve ser identificável um mínimo de requisitos para que assim possa facilmente ser perceptível pelo consumidor. Não basta uma referência segundo o artigo 23.º do Código da Publicidade; penso que, mesmo aí, é pouco para aquilo que seja uma imediata percepção por parte do consumidor do produto que, em concreto, está a ser promovido naquela carta.
Em relação ao artigo 3.º, devo chamar a atenção - e penso que essa matéria não terá sido bem trabalhada para o facto de haver uma sanção para a sua violação. Refere-se no artigo 7.º, relativo às «Sanções», que a violação deste artigo 3.º envolve uma sanção - e uma sanção pecuniária. E esta sanção pecuniária, neste caso muito concreto, só pode ser a uma pessoa: aos prestadores de serviços postais. Ora, penso que não foi assim entendido, mas também penso que a entidade que emite esta publicidade não pode ser penalizada pela falta do carteiro, que, verificando na caixa do correio o indicativo «não coloque aqui correspondência publicitária», ignora esse recado e coloca a publicidade na caixa do correio. A responsabilidade, aqui, não é da empresa publicitária, só pode ser do carteiro que ignorou a ordem expressa do consumidor. E, por isso, a sanção, aqui, só pode ser para o carteiro ou para o prestador de serviços postais e não para a empresa publicitária. Assim, julgo que, neste artigo 3.º, terá de ser analisada essa matéria.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Tem de ser corrigido!

O Orador: - Nos artigos 4.º e 5.º, há uma questão, já aqui aflorada, para a qual chamo novamente a atenção. Aqui, quer dar-se ao consumidor a possibilidade de rejeitar - e muito bem - as «enchentes» da sua caixa de correio, na publicidade domiciliária endereçada, ou as «enchentes» telefónicas auditivas no seu domicílio, na publicidade por telefone ou por telecópia. No entanto, o que é que o consumidor tem de fazer? Em minha opinião - e o Sr. Ministro corrigir-me-á, se assim não for -, o consumidor vai estar enredado numa teia burocrática impossível de deslindar,...

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Cada vez maior!

O Orador: - ... que é a seguinte: ele terá de enviar a um determinado responsável pela publicidade a sua declaração de que não quer receber publicidade. Mas endereça-a a quem? A todas as firmas potencialmente capazes de enviar publicidade?

O Sr. José Magalhães (PS): - Não!

O Orador: - A todas as associações responsáveis do sector? É que, segundo o n.º 3 dos artigos referidos, ele deve endereçar às entidades que promovem o envio de publicidade ou, em alternativa, aos organismos que as representam. Mas como é que o consumidor sabe?! O consumidor não sabe! Ou seja, o consumidor, a cada momento, não sabe a quem é que há-de enviar, com efeitos jurídicos úteis, a sua declaração. É que pode dar-se o caso de estar a enviar para alguém que, posteriormente, vai dizer: «não, mas não fui eu que recebi; na minha listagem nada tenho que me impeça de enviar a esse consumidor as minhas promoções, nada recebi desse consumidor».

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E isso andará sempre de consumidor para consumidor e de empresa para empresa. Ou seja, penso que aqui o Instituto do Consumidor devia ser chamado a intervir e devia ser permitido que o consumidor lhe endereçasse a ele, Instituto, a sua declaração e ele, depois, pudesse encarregar-se de encaminhá-la para a entidade responsável. Mas, a partir do momento da recepção da declaração no Instituto do Consumidor, estava criada a obrigação jurídica de não mais receber ou, se receber, da aplicação da sanção respectiva.
E falei do consumidor, do caminho inefável que o consumidor tem de percorrer para ver assegurado o direito que esta lei lhe pretende garantir, mas também as empresas não ficam garantidas por esta lei. É que as empresas, a todo o momento, poderão ser coimadas - poder-lhes-á ser aplicada uma sanção - por, eventualmente, alguma outra sua empresa ou a associação ter recebido essa declaração sem elas saberem e, por isso, estarem a cometer uma ilegalidade sem terem tido conhecimento de que não podiam enviar essa publicidade para esse consumidor. Não

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há aqui essa relação de que, enviada para uma entidade, todas as restantes entidades terão de ficar co-obrigadas e penso que isso era fundamental.
Por isso, relativamente a estes artigos 4.º e 5.º, julgo que esta questão tem de ser resolvida.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Há também em todo este diploma - e terminava com isso, pois penso que, por agora, já há alguma matéria para reflectir - pouca referência, embora ela esteja por detrás de tudo isto, às próprias associações de consumidores. O papel das associações de consumidores é aqui ignorado, embora me pareça que elas devessem ser colocadas num pé de igualdade relativamente ao próprio consumidor. Ou seja, o facto de um consumidor estar inscrito numa associação de consumidores devia permitir - aliás, elas já têm o direito de intervenção judicial - que essas associações de consumidores também pudessem fazer, em relação a alguns dos seus consumidores, esta declaração que aqui vem referida e, assim, permitir uma intervenção das associações de defesa dos consumidores também nesta matéria.
Sr. Ministro e Srs. Deputados, penso que já temos aqui alguma matéria que, claramente, nos impede de dirimir esta questão imediatamente, em votação na generalidade e na especialidade. Julgo que, em sede de comissão, na especialidade, teremos oportunidade de reflectir melhores sobre esta matéria.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, coloco-vos o seguinte problema: há ainda dois oradores inscritos, a Sr.ª Deputada Isabel Castro e o Sr. Ministro Adjunto, e tenho de me ausentar para ir assistir a um solene Te Deum consecratório do XX Aniversário do Pontificado de João Paulo II. Assim, a única maneira de podermos acabar este debate, antes de procedermos às votações, se for essa a vossa preferência, é fazer-me substituir, desde já, pelo Sr. Vice-Presidente, Deputado João Amaral. Se estiverem de acordo, faz-se assim, para que não deixemos um pequeno resto de debate sobre esta proposta de lei e não inviabilizemos a sua votação imediata.

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Mas houve alguma decisão ou alguma posição conjunta que indicie a possibilidade de ser alterada a hora das votações, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Só se houver consenso, Sr. Deputado.

O Orador: - Exactamente.

O Sr. Presidente: - Mas, se não houver consenso, essa hora não será alterada e as votações far-se-ão imediatamente.

O Orador: - Muito bem, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, Srs. Deputados, passamos, de imediato, às votações e o Sr. Deputado João Amaral substituir-me-á só após as votações.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 206/VII - Aprova a nova Lei Orgânica da Polícia de Segurança Pública.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, votos contra do PSD e do CDS-PP e abstenções do PCP e de Os Verdes.

Srs. Deputados, este diploma baixa à 1.ª Comissão.
Srs. Deputados, vamos votar o projecto de lei n.º 102/VII - Altera a composição do Conselho Superior de Polícia e do Conselho Superior de Justiça e Disciplina da PSP (PCP).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP e de Os Verdes e votos contra do PSD e do CDS-PP.

Este diploma baixa também à 1.ª Comissão.
Srs. Deputados, relativamente ao projecto de lei n.º 103/VII - Consagra novos direitos e compensações para os profissionais da PSP (PCP), vamos votar um requerimento, apresentado pelo PCP, solicitando a sua baixa à Comissão sem votação, na generalidade.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, em relação aos projectos de lei n.os 557/VII - Democratização das Comissões de Coordenação Regional (PSD), 558/VII - Novas Áreas Metropolitanas de Aveiro, Braga, Coimbra, Faro, Leiria e Viseu (PSD), 559/VII - Reforço das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto (PSD), 560/VII - Reforço da intervenção autárquica no distrito (PSD), 561/VII - Novas atribuições e competências das associações de municípios (PSD), 562/VII - Reforço das atribuições e competências dos municípios (PSD), 563/VII - Valorização das freguesias (PSD) e 564/VII - Contas das autarquias locais - emolumentos (alteração ao Decreto-Lei n.º 66/96, de 31 de Maio) (PSD) e ao projecto de resolução n.º 98/VII - Localização de serviços do Estado nas zonas do interior (PSD), vamos votar um requerimento, subscrito pelo PSD, solicitando também a sua baixa à Comissão sem votação, na generalidade.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e abstenções do PS, do PCP e de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos, agora, proceder à votação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Economia, Finanças e Plano, relativo à proposta de lei n.º 155/VII - Estatuto Fiscal Cooperativo (EFC).

O Sr. Rui Namorado (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Rui Namorado (PS): - Sr. Presidente, quero informar que, com o consenso de todos os partidos, se recomenda a correcção de um erro existente no texto final, no sentido de que o artigo 13.º, n.º 1, tenha a redacção

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que realmente foi aprovada, na especialidade, em sede de Comissão, e que é a seguinte: «Estão isentos de IRC com as excepções previstas no N.º 3 do artigo 7.º.

O Sr. Presidente: - Havendo consenso neste sentido, o texto final que vamos votar sê-lo-á com a correcção anunciada pelo Sr. Deputado Rui Namorado.
Srs. Deputados, vamos, então, votar o diploma acima identificado.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, chegou à Mesa um requerimento do CDS-PP, dando conhecimento de que teria havido consenso no sentido da votação, desde já, do inquérito parlamentar n.º 9/VII - Constituição de uma comissão eventual de inquérito às denúncias de corrupção na Junta Autónoma de Estradas (CDS-PP).
Havendo, efectivamente, consenso, vamos, então, votar o inquérito parlamentar n.º 9/VII - Constituição de uma comissão eventual de inquérito às denúncias de corrupção na Junta Autónoma de Estradas (CDS-PP).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai, agora, dar conta de vários pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que serão votados após a respectiva leitura.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Srs. Deputados, a solicitação do Tribunal de Círculo e de Comarca de Matosinhos, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Antão Ramos a prestar depoimento, por escrito, na qualidade de testemunha, no processo n.º 209/98 - 2.º Juízo Criminal, que se encontra pendente naquele tribunal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Srs. Deputados, a solicitação do Tribunal de Trabalho do Barreiro, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Joaquim Matias a prestar depoimento, na qualidade de testemunha, em audiência marcada para o dia 28 de Outubro, pelas 9 horas e 30 minutos, respeitante ao processo n.º 625/96 - CIT, que se encontra pendente naquele tribunal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Srs. Deputados, a solicitação do Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes a prestar depoimento, por escrito, no processo n.º 7492/9 JDLS13 - 2.º Secção, que se encontra pendente naquele tribunal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, cedo agora o meu lugar na presidência ao Sr. Vice-Presidente, Deputado João Amaral, mas, antes disso, dou a palavra, para uma intervenção, à Sr.ª Deputada Isabel Castro.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente João Amaral.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, eu gostaria de dizer que para Os Verdes, como para qualquer partido desta Câmara, é óbvia a importância de definir regras em relação à publicidade, no fundo, aquilo que a proposta de lei n.º 177/VII, que o Governo nos traz para discussão, procura fazer. E óbvio que tem particular importância num tempo de glorificação do consumo, em que as pessoas deixaram de se afirmar pelo que são mas, sim, pelo que têm, em que a publicidade se tornou particularmente agressiva e impositiva na sua forma de ocupar um espaço que é privado, nomeadamente, o domicílio e a caixa de correio de cada um.
Portanto, embora para nós seja óbvia a importância de definir regras claras para disciplinar a publicidade domiciliária, não gostaria de deixar de referir, em todo o caso, que me parece que a proposta de lei fica aquém da Directiva de 97/7/CE, de 20 de Maio de 1997, que propunha transpor, pois penso que o faz de forma parcelar e algo frouxa.
Julgo haver outros aspectos, já aflorados por alguns colegas, que haveria todo o interesse em poderem ser incorporados pelo Governo em termos do aprofundamento e melhoria desta proposta de lei, que visa um objectivo perfeitamente consensual. Portanto, o Governo tem todas as condições para acolher as diferentes propostas e encontrar as melhores soluções que esta proposta de lei, nesta oportunidade, deveria conter.
Colocaria, desde já, algumas dúvidas. Uma delas relaciona-se com a publicidade endereçada. Todos os Deputados, com excepção dos do Partido Socialista, colocaram a dúvida sobre se a melhor forma de todos aqueles consumidores que rejeitam ser compulsivamente objecto de publicidade se isentarem e escaparem a esse atentado que, no fundo, é feito contra o seu espaço é terem de passar por uma forma burocrática para fugir a uma base de dados, passando a constar de outra.
Parece-me que as hipóteses que foram aventadas poderão, ainda, não ser as melhores tecnicamente, mas admito que a experiência de outros países que já têm toda esta publicidade disciplinada pode, seguramente, ser proveitosa para nós e acredito poder haver outra solução.
Embora nenhum dos colegas o tenha referido, talvez fizesse sentido que a questão se pusesse ao contrário, ou seja, se só fossem objecto de publicidade endereçada os cidadãos que manifestamente exprimissem a vontade de o ser, invertendo-se a lógica com que o Governo decidiu abordar este aspecto da publicidade. Parece-me que não seria uma hipótese a excluir.

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O Sr. Ministro aflorou o facto de considerar que, neste momento, ainda não seria útil incluir a internet nesta proposta, mas questiono-me sobre se faz sentido regulamentar esta matéria parcelarmente. Pergunto, por exemplo, em relação aos pagers como é que funciona a publicidade que também nos chega compulsivamente, a qual julgo dever ser, desde já, modificada.
Para concluir, diria que me parece ser de todo o interesse que esta proposta de lei não seja votada hoje - aliás, penso que essa hipótese já foi desperdiçada uma vez que já ocorreram as votações -, mas que se encontre em sede de comissão, tendo como paralelo experiências de outros países, a possibilidade de fazer desta proposta de lei uma boa lei, que, manifestamente, nos faz falta. Julgo, seguramente, que não devíamos desperdiçar esta oportunidade.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro, para uma intervenção.

O Sr. Ministro Adjunto do Primeiro Ministro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Registando com muita satisfação o agrado geral das bancadas quanto aos objectivos desta legislação, gostaria de fazer algumas observações relativas aos comentários efectuados.
Em primeiro lugar, no que se refere à questão da directiva, gostaria de dizer que no preâmbulo desta proposta de lei está referido que apenas se considera transposto um aspecto da directiva e, também, que esta legislação não visa transpor a directiva no seu escopo principal nem na sua totalidade, o que será feito num outro diploma legislativo. Diz-se apenas que em alguns aspectos, já contemplados nessa directiva, segue-se a mesma solução.
Em segundo lugar, relativamente ao problema da identificação levantado por alguns dos Srs. Deputados, gostaria de dizer que se trata de uma norma geral da publicidade. O que está dito nesta proposta de lei é que tem de haver uma identificação como publicidade. Ou seja, numa comunicação publicitária não tem de constar o que é anunciado mas tem de vir claramente dito que é publicidade, o que também diz respeito ao telefone e à telecópia. Portanto, a identificação da comunicação como sendo uma comunicação publicitária é uma norma geral constante do Código da Publicidade.
Finalmente, gostaria de dizer que as soluções constantes desta proposta de lei são complexas, como complexa é a realidade. Da análise feita sobre as três áreas que pretendemos regulamentar, parece-nos serem as soluções mais razoáveis, equilibradas e testadas, uma vez que são as que existem, com bons resultados, na maior parte dos países desenvolvidos.
Relativamente à publicidade domiciliária, como os Srs. Deputados verificaram, há dois sistemas. O sistema de opção «por entrar», isto é, o sistema de consentimento prévio, é o sistema que mais defende o consumidor, mas é de difícil aplicação a todos. Por isso, utilizámos esta metodologia fundamentalmente para a publicidade por telecópia e por telefone sem intervenção humana, isto é, com mensagens pré-gravadas, pois essas são as que têm maior impacto quer na esfera privada quer na actividade das pessoas, uma vez que podemos ser incomodados em nossas casas por essas gravações e, por outro lado, porque a publicidade por telecópia utiliza os meios da pessoa a quem se dirige a publicidade, já que utiliza as resmas de papel dos destinatários. Assim sendo, pareceu-nos que nestes dois domínios a regra deveria ser a de só com o consentimento prévio se puder ser destinatário de publicidade.
No que se refere à publicidade domiciliária endereçada era muito difícil definir uma regra desse tipo, desde logo porque uma carta endereçada tem, obrigatoriamente, de ser entregue, como consta da «bíblia» dos Correios. Por isso, pareceu-nos ser mais adequado, tal como se faz noutros países, que para a publicidade domiciliária não endereçada se pudesse afixar um aviso que permitisse a quem faz esse tipo de publicidade não a colocar nessas caixas de correio.
Quanto à publicidade domiciliária endereçada e à publicidade por telefone utilizando a via humana, pareceu-nos que o mais adequado seria, de facto, a utilização das listas de exclusão.
Ora bem, gostava de sossegar todos os Srs. Deputados quanto à matéria que diz respeito aos dados. Em primeiro lugar, estas listas existem em todo o mundo, até no mundo mais civilizado, no sentido de considerar os direitos individuais e as protecções dos dados pessoais. Estas listas apenas referem o nome e a direcção ou o nome e número de telefone das pessoas, não havendo dados que exijam uma atenção especial relativamente à sua utilização indevida.
Por outro lado, para fazer esta operação o sistema que nos parece ser a melhor solução - sem prejuízo, naturalmente, de considerarmos outros que os Srs. Deputados nos queiram apresentar -, isto é, o sistema que melhor funciona e que é mais eficaz, é o sistema de auto-regulação. Se for um serviço público a fazê-lo, fá-lo-á, certamente, pior. Esta auto-regulação vai ser feita pela Associação Portuguesa de Marketing Directo, que formará uma organização de todas estas empresas no sentido de receberem as notas das pessoas que não querem ser incomodadas e que não querem receber aquela publicidade, por forma a distribuir por todas as suas associadas.
Parece-me que este é o sistema mais eficaz, o que produzirá mais resultados. A existência de qualquer intervenção, como a que foi sugerida pelo Sr. Deputado Moreira da Silva, no meu ponto de vista, que também a considerei, implicaria haver mais dificuldades em torná-la operativa. Isto é, teria de ser a realidade a encarregar-se de mostrar que, de facto, o consumidor que se inscrevia no Instituto do Consumidor passava a não receber publicidade em casa.
Pelo contrário, de acordo com os contactos que fomos fazendo com outros países para estudar as diferentes soluções, pareceu-me que as soluções mais adequadas e que produziram melhores resultados foram aquelas que passaram pela auto-regulação destas empresas.
Porque é que a auto-regulação é eficaz nesta matéria? Porque, neste domínio, os interesses das empresas e dos consumidores são convergentes, não são divergentes. As empresas também têm muito interesse, desde logo, em não desperdiçar publicidade e, também, em não a dirigir a quem a não a deseja receber, porque isso teria um impacto contraproducente.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É desta confluência de interesses que nasce uma parceria que nos parece adequada à resolução destes problemas. Mas, certamente, em comissão os Srs. Deputados são livres de propor outras soluções que, prosseguindo estes objectivos, possam ter um melhor efeito. Apenas pedia à Câmara e a todas as bancadas alguma urgência na análise deste diploma em comissão, já que

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temos preparada uma campanha de informação ao consumidor, para que logo que o diploma esteja aprovado os consumidores possam dispor destes instrumentos em ordem a proteger a sua caixa de correio e as suas casas da publicidade que não desejam receber.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - O debate está encerrado, procedendo-se à votação na próxima reunião em que houver votações.
Tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva, para uma interpelação.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, gostaria apenas de me referir ao facto de o Sr. Ministro pedir que a comissão tivesse urgência na apreciação. destas medidas.
Pela parte do PSD, posso dizer que na comissão teremos, com certeza, urgência, mas talvez o Sr. Presidente pudesse informar o Governo de que foi deliberado suspender as sessões do Plenário. Por isso, por mais urgência que as comissões tenham, a votação final terá de ser delegada para Dezembro.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Nós não queríamos!

O Sr. José Magalhães (PS): - É um papel útil para a oposição!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, mesmo que o Sr. Ministro não tivesse tido conhecimento desse facto pelo jornal, o Sr. Deputado teve, agora, a amabilidade de informá-lo. Portanto, dispensar-me-á de o repetir.
Está encerrado o debate, a votação será quando o Sr. Deputado Moreira da Silva determinar...

Risos gerais.

Entretanto, como há trabalho de comissões, os Srs. Deputados terão, seguramente, em atenção este pedido de urgência na apreciação da matéria.
Na ordem de trabalhos de hoje segue-se a apreciação do projecto de lei n.º 556/VII - Proibição de aplicação em dividendos das receitas de alienação de participações nacionalizadas (PPD/PSD).
Para a apresentação do projecto tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este projecto de lei prende-se com a vergonha que Portugal teve de passar em Bruxelas, no verão passado, quando se descobriu que o Governo, numa habilidade primária, teria passado acções de empresas a privatizar para a Partest - Participações do Estado (SGPS), S.A. para, de seguida, receber as mais-valias dessas acções a título de dividendos.
A Partest foi criada em 1991, nos anos seguintes, em 1992, 1993, 1994 e mesmo em 1995 nada disto se passou, mas em 1996 e em 1997, de certa forma, o Governo obrigou a Partest a desviar-se do seu objecto social, que é gerir participações, e vendeu simbolicamente - digo simbolicamente porque foi por um preço muito baixo - acções à Partest, que geraram mais-valias e lucros que foram transferidos a título de dividendos para o Orçamento do Estado.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, aquilo que temos estado a analisar ultimamente são habilidades contabilísticas de «perfil uruguaio»...

Risos do PSD.

O Sr. António Braga (PS): - Olhe que não!

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Sem desprimor para os uruguaios!

O Orador: - e não propriamente um lançamento contabilístico perfeitamente claro, linear e nos termos da lei.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Trata-se de uma atitude reprovável a três níveis.
E reprovável do ponto de vista jurídico porque existe uma Lei-Quadro das Privatizações, que não é para ser torneada mas, sim, para ser respeitada, que estipula - e muito bem! - que receitas de privatizações, ou seja, receitas de alienações do património do Estado, que é de todos nós, não são para esbanjar em despesas correntes, não são para gastar num momento, são, sim, para baixar a dívida pública ou, eventualmente, para capitalizar empresas que, mais tarde, irão ser vendidas.
Portanto, para todos os efeitos, essas receitas são sempre para ser mantidas na área do património do Estado e não para ser gastas de uma vez só.
Esta atitude é também reprovável do ponto de vista político porque, primeiro, é uma vergonha para o País aquilo a que todos assistimos em termos de condenação por parte de Bruxelas, por outro lado, porque enfraquece a credibilidade do Governo português, seja este qual for.
Finalmente - e, para mim, esta é talvez a vertente mais importante -, direi que a atitude é reprovável ao nível do comportamento ético. Porquê? Porque se está a dizer aos portugueses que o défice do Estado é um determinado quando, em boa verdade, é mais do que se diz. Ou seja, está a esconder-se aos portugueses em que medida se está a onerar o seu futuro. Diz-se que se está a onerar pelo valor de x mas não, há um valor escondido que está a onerar o nosso futuro e a aumentar mais o valor da dívida do que o que se diz.
No que respeita aos anos de 1996 e 1997, os valores de que falamos são da ordem de 200 milhões de contos. Ora, 200 milhões de contos é dinheiro, chega a ser mais do que o «buracão» da saúde com que o Governo está a braços neste momento sem saber o que há-de fazer-lhe no âmbito do Orçamento do Estado - no caso da saúde, são 150 milhões de contos.
Repito que estamos a falar de 200 milhões de contos, o que é muito dinheiro e pesa no Orçamento do Estado. Daí este projecto de lei que, no fundo, visa clarificar o que já existe. Não se pretende alterar mas, sim, clarificar de tal forma que não seja possível haver interpretações dúbias.
Assim, no que diz respeito ao decreto-lei que cria a Partest, reproduz-se textualmente a Lei-Quadro das Privatizações no ponto onde esta última proíbe que se gaste o património do Estado em acções despesistas. No que se refere aos Estatutos da Partest, introduz-se uma alteração no sentido de explicitar, para mau entendedor, que as mais-valias não podem ser distribuídas a título de dividendos em violação da referida lei-quadro.
A terminar, diria que este é um debate penoso para o Partido Socialista. Em primeiro lugar, porque nem o PS

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nem o seu grupo parlamentar têm culpa dos truques contabilísticos do Governo; em segundo lugar, é penoso porque Bruxelas já «puxou as orelhas» ao Governo e ao PS que, agora, vem aqui defender algo de que não tem culpa nenhuma. Ainda é mais penoso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, porque não só o Grupo Parlamentar do Partido Socialista não é responsável como este Ministério das Finanças também não porque, segundo disse o Sr. Ministro Sousa Franco, a culpa foi toda da Dr.ª Manuela Arcanjo que, ainda por cima, já não pertence a este Ministério e é independente, isto é, nem sequer é militante do PS. Portanto, é penoso para os Deputados do PS terem de defender uma situação em que não estão envolvidos.

Mas há um aspecto importante nesta questão. É que, podendo a Dr.ª Manuela Arcanjo, responsável por tudo isto por que Portugal passou, substituir, a qualquer momento, o Prof. Sousa Franco, julgo que, através da aprovação deste diploma, temos de precaver-nos da possibilidade de a Sr.ª Dr.ª poder atrever-se a repetir a «gracinha» e deixar-nos a todos novamente mal colocados.

Assim, penso que vale a pena votar a favor desta clarificação da lei porque estamos a lutar por uma maior credibilidade das finanças públicas e do Governo e, afinal, por uma maior credibilidade do País.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para formular pedidos de esclarecimento, inscreveram-se os Srs. Deputados Sílvio Rui Cervan e Octávio Teixeira.

Tem a palavra o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan.

fura da exposição de motivos contida neste projecto de lei que o PSD apresentou, fica claro que o que se pretende evitar é que se repita o que se passou.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Ora bem!

O Orador: - Por conseguinte, nesse aspecto, como é lógico, pela nossa parte, não há qualquer objecção ao projecto de lei.
Já agora, aproveito para dizer que, quanto a nós, o problema não é por o Eurostat ter dito que não, é porque a Assembleia da República disse que não.

O Sr. José Calçada (PCP): - Muito bem!

O Orador: - É-me indiferente que o Eurostat tenha dito «não» ou «sim». O problema subsistia, era nosso e fomos nós, Deputados da Assembleia da República - ou pelo menos, a maioria, neste caso concreto - que tomámos a posição que tomámos. Por conseguinte, quanto ao objectivo deste projecto de lei e à questão de fundo, não há qualquer objecção da nossa parte.
No entanto, gostaria de dizer-lhe, Sr. Deputado Rui Rio, que, em termos de especialidade, conviria ver isto com mais cuidado - e, pela nossa parte, queremos fazê-lo -, pois tenho ideia de que haverá aqui algumas alterações a fazer.
Na verdade, posso estar a ler mal, mas nas alterações propostas relativamente ao n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-lei n.º 452/91, fico com a ideia de que se diz que a Partest pode utilizar as receitas apontadas para fazer amortização

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Presidente, de dívida pública. Ora, não é a Partest que pode fazer Sr. Deputado Rui Rio, depois das informações vindas do amortização de dívida pública; as receitas obtidas pela Eurostat, este projecto de lei, com o qual concordamos, Partest que venham a ser transferidas para o Estado é que não é mais do que uma iniciativa legislativa com alguma não podem ser aplicadas pelo Estado para outros fins que força interpretativa e que visa deixar clara uma situação não sejam os que estão consignados na Constituição e na muito dúbia que, inequivocamente, deixou o Partido So- lei. Portanto, repito que há alterações a fazer neste âmbi
cialista e alguns Membros do Governo numa situação to para clarificar a situação.
delicada. Se não foi o caso de um «puxão de orelhas» foi, Passo agora, a uma outra perspectiva.

pelo menos, o de uma advertência relativamente a uma situação que é perigosa e profundamente lamentável para o Estado português.
A este propósito, gostava de deixar uma interrogação. Não seria também proveitoso equacionar uma alteração ao decreto-lei em causa e aos Estatutos da Partest no sentido de introduzir mecanismos nas contas da empresa que permitissem evitar futuras polémicas? Esses mecanismos deveriam garantir uma apreensão rápida da origem dos títulos alienados - nacionalizações directas, ou indirectas, ou outras - por forma a que, logo em sede de assembleia geral para aprovação de contas, a distribuição dos resultados pudesse ser correctamente afectada entre dividendos e outros.
É que, para nós - e é fundamental que isto fique claro -, o bom princípio, o que é fundamental mantermos é que estas receitas, que são receitas de capital, não podem nunca ser afectadas a despesas correntes e o que se passou, quer se queira quer não, foi isso mesmo!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Rio, depois da sua intervenção e após lei-

No primeiro debate sobre a Partest que fizemos nesta Assembleia, eu próprio tive oportunidade de referir que uma das questões escandalosas no meio de todo o escândalo era o facto de a empresa apresentar dezenas de milhões de contos e nada pagar de IRC!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Nesta perspectiva das receitas normais da Partest, a empresa tem de pagar imposto, pagamento esse que não pode ficar «amarrado» a esta impossibilidade de aplicação de dividendos, tal como é referida no n.º 2 do artigo 22.º dos Estatutos da Partest cuja alteração é, agora, proposta no artigo 2.º do projecto de lei.
São, pois, estas situações que, quanto a nós, devem ser esclarecidas em sede de especialidade para que o produto final, digamos, não venha clarificar por um lado e «entortan» por outro.
Aliás, ainda no que diz respeito à discussão na especialidade, a alteração proposta ao n.º 2 daquele mesmo artigo 22.º dos Estatutos da Partest diz que a empresa obtém resultados com as mais-valias que ganha. Ora, as mais-valias estão sempre, e necessariamente, incluídas nos resultados... Mas estas são questões de pormenor que, repito, poderemos analisar em sede de especialidade, se continuarem a considerar que é necessário fazer esta clarificação legislativa.

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O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio, para responder.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, quer relativamente à sugestão do Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan, quer às questões suscitadas pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira, estando ambas as bancadas - do PP e do PCP - imbuídas do mesmo espírito da bancada do PSD, é evidente que todos estamos abertos a encontrar as soluções tecnicamente mais adequadas para que se evite a repetição do que aconteceu.
Portanto, qualquer sugestão é bem-vinda para melhorar aquilo que é a intenção política de evitar a repetição do que aconteceu.

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - No entanto, ainda diria mais do que o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
É que o Sr. Deputado Octávio Teixeira diz que cisto não é assim por o Eurostat dizer que não, mas por a Assembleia da República dizer que não». Ora, concordo com isso e, aliás, no preâmbulo do nosso projecto de lei não se diz que o que propomos é por causa da decisão do Eurostat mas, sim, que ainda ganha mais actualidade quando também o Eurostat critica o comportamento do Governo.
Vou mais longe: não é por a Assembleia da República, através da lei-quadro, o exigir, pois, mesmo que assim não fosse, eu próprio defenderia sempre isto porque se trata da boa gestão das finanças públicas. Ou seja, quando se aliena património, não se pode gastar, pura e simplesmente, a receita dessa alienação num só acto, num só momento. Portanto, o que o Governo fez está profundamente errado em termos de gestão do bem público. Tudo começa por aí e, depois, sim, passa pela Lei-Quadro das Privatizações aprovada nesta Assembleia da República e, finalmente, pelo Eurostat. Como vê, ainda vou mais longe do que o Sr. Deputado quanto aos princípios que enunciou.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra o Sr. Fernando Serrasqueiro, para uma intervenção.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Vai pedir desculpa em nome do Governo!

O Sr. Fernando Serrasqueiro (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PSD, através do projecto de lei n.º 556/VII, pretende fazer ressuscitar um caso que, se o chegou a ser, está resolvido em concordância com os critérios que o Eurostat vem definindo.

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Está resolvido é quando a Assembleia decidir!

O Orador: - A prova disso mesmo é que as estimativas do Governo e do Comissão Europeia quanto ao défice do SPA (Sector Público Administrativo), em final de 1998, não sofrem qualquer alteração, mantendo-se nos 2,3% do PIB porque foi elaborado no respeito pelos critérios definidos.
Esta iniciativa mais não visa do que retomar a discussão política de um tema cuja implicação nas contas contabilidade nacional é nula.

Este projecto de lei é, assim, inócuo, logo desnecessário, sem efeito útil, porque fazer uma lei para obrigar o Governo a cumprir a lei só lembra ao actual PSD.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Se o Governo cumprisse a lei, não era preciso este projecto de diploma!

O Orador: - O artigo 16.º da Lei-Quadro das Privatizações já cumpre o objectivo deste projecto.
Mas esta iniciativa, absurda, em nosso entendimento, é também pouco clara e precisa.
Assim, quando se fala em participações nacionalizadas é necessário clarificar o que estamos aí a incluir. São as acções das empresas que foram nacionalizadas depois do 25 de Abril de 1974 ou são, muito mais genericamente, acções e quotas de empresas detidas pelo Estado por uma qualquer razão?
Atente-se que o artigo 30.º dos Estatutos da Partest refere que «a sociedade tem por único objecto a gestão de participações sociais detidas pelo Estado», sem distinguir se essas participações resultam de nacionalizações ou não.
Quando se falou em violação da Lei-Quadro das Privatizações, há um aspecto que importa precisar: o seu artigo 16.º refere-se a receitas de reprivatizações, mas os casos revelados esquecem que a maior parte das empresas nunca foram privadas e outras cuja fase inicial de privatização é prévia à lei-quadro.
O n.º 2 que se pretende acrescentar ao artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 452/91 só faria sentido se tivessem sido detectadas transacções de lotes de acções a preços artificialmente subavaliados para, posteriormente, produzirem mais-valias, o que nunca aconteceu.
Quanto ao artigo 22.º dos Estatutos da Partest, o n.º 2 proposto não faz sentido porque limita de forma injustificada a utilização dos resultados apurados por uma SGPS, S.A., já para não falar do facto de a empresa poder afectar resultados ao accionista Estado pela via fiscal. Espero que não se esteja por esta forma a revogar a Lei Fiscal no que concerne à empresa Partest que não se pode excluir do quadro regulamentar das sociedades do mesmo tipo. O acrescento ao artigo 23.º não traz qualquer novidade e limita-se a repetir por outras palavras o enunciado prévio, logo é inútil e bizarro.
Este Governo entende a Partest como um instrumento da sua política de privatizações, que actua de forma transparente, já que aprovou legislação que reforça e amplia o poder fiscalizador do Tribunal de Contas a esta empresa.
O destino das receitas das privatizações permitiu que o Governo do PS invertesse a tendência da subida da dívida pública e incluiu-a dentro dos limites fixados pelo Pacto de Convergência. Em 1998, a dívida pública vai fixar-se perto dos 58% do PIB e a Comissão Europeia estima que, no final de 1999, se aproxime dos 55% do PIB.
A discussão que esta matéria suscitou permitiu evidenciar o que o PSD não quer reconhecer: todas as aquisições da Partest ao Estado foram efectuadas ao preço de mercado. A Partest, pela realização de capital em espécie, pelo Governo, e pelas aquisições de acções no mercado tem uma carteira que administra segundo as regras de boa gestão que os resultados comprovam.
O montante que as receitas das privatizações atingiram permite concluir que, em 2 anos, se fez um encaixe superior a 10 do anterior Governo, que se reclamava do «menos Estado e melhor Estado»..

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Este Governo está a desenvolver um programa de privatizações, previamente publicitado, cujo objectivo não é só maximizar as receitas, pese embora se atingissem metas que muitos duvidavam, inclusive o PSD.
Da forma como foram realizadas as privatizações, é justo reconhecer que foram alcançados os quatro objectivos que o Governo se propôs: «Modernização, incremento da competitividade, reestruturação sectorial do tecido empresarial e reforço da capacidade tecnológica e empresarial nacional; desenvolvimento do mercado de capitais e ampla participação dos cidadãos; redução do peso do Estado e da dívida pública na economia; defesa dos interesses patrimoniais do Estado».
Queremos, no entanto, dizer ao PSD que esta sua posição não tem razão de ser pois a contabilização em 1998 das operações que foram consideradas polémicas processaram-se no quadro da Contabilidade Pública e nunca da Contabilidade Nacional, única óptica que interessa para o cumprimento dos objectivos do Pacto de Convergência, como todos sabemos.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Embora se trate de uma matéria de escassa mobilização do interesse popular, sobretudo no contexto do furacão de factos políticos que o PSD vem sucessivamente criando, esta discussão demonstra quais são as verdadeiras intenções daquele partido: não resolver problemas mas, apenas, criar conflito e desgaste. É este o PSD que temos e com iniciativas deste género não é difícil prever qual será a sua estratégia no debate do Orçamento do Estado.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro, quero fazer-lhe um pedido de esclarecimento muito rápido, porque realmente não percebi a sua intervenção.
Por um lado, o senhor diz que aquilo que eu disse que aconteceu e que se visa evitar realmente não aconteceu, mas está contra que se tente evitar aquilo que diz que não aconteceu. Então, se não aconteceu, qual é o seu problema em votar este diploma? Se as coisas não aconteceram, vote este diploma e evite que aconteçam. O senhor diz: «não é nada com o Partido Socialista, não é nada com o Governo, nunca fizemos isto, mas estamos contra». Ora, há aqui uma contradição que, sinceramente, não entendo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Evite que aconteça, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro.

O Sr. Fernando Serrasqueiro (PS): - Sr. Presidente, não percebia questão que o Sr. Deputado Rui Rio me colocou,...

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - O problema é esse!

O Orador: - ... porque o que eu aqui quis demonstrar foi que para o objectivo de 2,5% de défice é reconhecido por todos que o défice vai ser de 2,3%, o que significa que as aplicações decorrentes das alienações foram correctamente contabilizadas em termos da óptica da contabilidade que interessa para o facto. Portanto, a questão era meramente uma questão de critério que o Eurostat definiu e que havia dúvidas, não só em relação ao Estado-membro português, mas também em relação a outros Estados. Importava, assim, clarificar esta situação, dado que estávamos perante uma questão de critérios e não perante uma questão substancial.
O que aqui quis dizer foi que já existe lei, não é necessário clarificá-la porque ela está totalmente clarificada com a Lei-Quadro das Privatizações e, portanto, em nosso entender, o que aqui se veio dizer, pura e simplesmente, foi uma coisa bizarra: é que este Governo tem de cumprir a lei. Ora, este Governo nunca disse que não iria cumprir a lei, o Governo nunca afirmou isso.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Pois é, por mais incrível que pareça!...

O Orador: - Portanto, Sr. Deputado Rui Rio, esteja descansado porque a lei vai ser cumprida.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que a discussão do projecto de lei n.º 556/VII está encerrada. A votação realizar-se-á na próxima reunião plenária em que haja votações.
Passamos à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 553/VII - Criação do Provedor da Criança (PS).
Para fazer a apresentação do projecto de lei, tem a palavra o Sr. Deputado António Braga.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A presente iniciativa legislativa que trata de propor a criação do Provedor da Criança é o corolário de um caminho há muito iniciado pelo meu grupo parlamentar, nomeadamente pela então Sr.ª Julieta Sampaio, a quem saúdo, e de quem recebi o testemunho parlamentar nesta matéria, que espero poder honrar.
A consagração jurídico-constitucional da criança, enquanto sujeito autónomo de direitos, é sistematicamente reforçada por políticas dirigidas à consolidação dos direitos e regalias sociais que visam favorecer o seu crescimento harmonioso, designadamente, através das políticas educativas, como foi o caso da recente aprovação da Lei-Quadro da Educação Pré-escolar. Pode dizer-se que a questão dos direitos das crianças tem sido objecto de atenção especial por parte da sociedade portuguesa e dos seus órgãos de soberania, nomeadamente, pela Assembleia da República.
Data de 1989 a Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, que, por força da Constituição da República, passou a vigorar na ordem jurídica interna depois de ratificada pelo Estado português. Assinale-se que esta ratificação não registou qualquer oposição quer dos partidos, quer dos grupos parlamentares. A promoção e protecção dos direitos humanos, por mais ajustadas que sejam as leis, nunca atinge o grau de perfeição tal que dispense aperfeiçoamentos ou esforços suplementares no sentido da sua mais eficaz implementação ou adequação.
Assim se compreende que a Assembleia da República tenha aprovado por unanimidade, em Maio de 1992, uma

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resolução que apontava para a elaboração de um estudo rigoroso da situação de abandono e violência sobre as crianças, para que a partir dele fosse possível estabelecer um debate, com vista a criar as condições que garantissem a todas as crianças portuguesas a satisfação dos direitos previstos na Convenção Europeia e na Constituição da República.
Deve dizer-se que o resultado dessa recomendação é um fundamentado trabalho elaborado pelo Centro de Estudos Judiciários que, infelizmente, veio confirmar a maioria das preocupações expressas quanto à situação das crianças de risco em Portugal.
Confirmou-se a existência de crianças maltratadas, o abandono escolar, a prostituição infantil, o consumo de drogas, em ambientes familiares de elevadíssimo risco para as crianças. As idades vão dos seis aos catorze anos e estas crianças são, geralmente, agressivas, têm insucesso escolar, ficam fora de casa até altas horas da noite, estão fisicamente debilitadas e têm perturbações psico-afectivas.
O estudo a que me refiro aponta metas, mas exige, antes de mais nada. inovação nas respostas, aliás sólidas, às causas ou às hipóteses explicativas que nos possam levar à criação dos apoios necessários para a erradicação destes fenómenos anormais numa sociedade que queremos justa e solidária.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!

O Orador: - Visto do lado mais exposto, isto é, exterior relativamente ao plano da família e à própria criança, ressalta ainda que as crianças estão sujeitas, e cito do referido estudo: «ralhos e agressões verbais constantes, falta de afecto, carinho e falta ou escassez de alimentos». Todos estes dados podem ser explicados por carências financeiras das famílias, por falta de preparação, por negligência e não raras vezes por laxismo das entidades públicas.
Contudo, os maus tratos associados à família são do mais preocupante pelo facto de esta constituis o universo essencial para a formação e desenvolvimento da criança, em cuja harmonia se começa, ou não, a constituir a condição de igualdade no acesso à educação e ao saber.
Este diagnóstico, ao que sabemos, se peca é por escassez, porquanto a recolha deste tipo de dados é sempre muito delicada e sabe-se que por parte dos familiares adultos há tendência para ocultar os maus tratos dados às crianças.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A consolidação da vida democrática exige sucessivos aperfeiçoamentos das capacidades de intervenção das instituições, por forma a garantir a plena igualdade de oportunidades no desenvolvimento da pessoa, favorecendo assim o permanente reforço do respeito pelos direitos das crianças.
Temos, porventura, legislação avançada nesse domínio mas mantém-se, por principio, e por razão de facto, a necessidade de encontrar novos instrumentos que possam dar respostas cada vez mais adequadas na salvaguarda das crianças, designadamente daquelas que correm mais risco.
A proposta de criação desta nova instância encontra, aliás, acolhimento na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, que aprovou, em 1996, a Recomendação n.º 1286, relativa a uma estratégia europeia para as crianças onde, entre outras, solicita, e cito: «Aos Estados-membros que designem um defensor dos direitos da criança, habilitado a nível nacional para salvaguardar os seus direitos e interesses, receber solicitações e queixas e velar pela aplicação das leis, que as protegem, bem como informar as autoridades públicas e orientar a sua acção a favor dos direitos da criança».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É justamente este o sentido e a intervenção que se pretende com a proposta de criação do Provedor da Criança, em Portugal. Aliás, em vários países da Europa essa figura já existe com excelentes resultados, especialmente na prevenção e levantamento de situações de risco, e cujas recomendações têm inovado soluções na acção quer no sistema educativo, quer ao nível de outras condições sociais de apoio.
Neste projecto de lei estabelecem-se as condições para que o Provedor da Criança seja independente dos diversos poderes ou grupos de pressão. Ele há-de ser o elo de ligação, num trabalho transdisciplinar, entre os vários sectores da sociedade, coordenando acções, estudos de investigação, divulgação e recomendações entre as diversas instituições do Estado e entre estas e as organizações não-governamentais e a sociedade civil.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!

O Orador: - A eleição pela Assembleia da República garante a sua independência face ao Governo e às diferentes instituições, estabiliza a sua acção e garante ainda autonomia na sua intervenção, pois apenas responde perante o Parlamento. É minha firme convicção que este é um passo importante na sempre inacabada batalha pela melhoria das condições de crescimento harmonioso das crianças.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Actualizando Charles Dickens, nenhum de nós pode sentir-se tranquilo enquanto uma só criança sofrer maus tratos ou estiver impedida de aceder e fruir a escolarização.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luisa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 553/VII - Criação do Provedor da Criança, apresentado pelo Partido Socialista e que hoje está em debate, retoma, parcialmente, o conteúdo do anterior projecto de lei n.º 325/VII, apresentado também pelo PS na anterior legistatura e que não chegou a ser objecto de apreciação. É fundamental, na nossa opinião, enunciar nesta discussão duas questões: uma, de natureza substantiva, e outra, de natureza legislativa.
Relativamente à primeira, pensamos ser hoje consensual, porque a vida o tem demonstrado, que os avanços técnicos e científicos e mesmo o crescimento económico não garantem, per si, o bem-estar generalizado.
E quantas vezes avanços e desenvolvimento económico contribuíram para agravar as desigualdades, para a perda de regalias históricas, para a marginalização e consequente exclusão dos mais frágeis, e, entre eles, estão sempre as crianças.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Hoje, afirmam-no convenções, recomendações e tratados que a maioria dos pobres são crianças e que a maioria das crianças são pobres.
Num trabalho divulgado, em Novembro de 1997, resultado de um pedido feito pela Assembleia da República

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ao Centro de Estudos Judiciários, relativo às crianças portuguesas vítimas de maus tratos nos anos 90, salienta-se que, na área da saúde, há grupos de população infantil «que escapam totalmente a qualquer tipo de vigilância médica» e que, na área da educação, « a baixa frequência da educação pré-escolar constitui um factor de risco - o risco do insucesso escolar, mas também os riscos que decorrem de crianças entregues a si próprias ou a pessoas pouco qualificadas». E acrescenta ainda que «se o insucesso escolar constitui um risco considerável relativamente ao futuro profissional, a situação de abandono escolar representa um risco ainda mais acentuado (...)» e conclui que «estamos perante uma ilegalidade consentida que as autoridades competentes não têm sabido ou conseguido eliminar».
Quanto à segurança, as estatísticas pecam por defeito e, no entanto, são assustadoras. Afirma-se que, em 1995, 636 crianças foram vítimas de crimes (julgados em tribunal). Destes, 25% do total são «crimes étnicos», 25% são «crimes contra a integridade física» e 24% são «crimes sexuais». No mesmo ano, 33 crianças foram vítimas de homicídio.
Apesar de provisórias, são enunciadas algumas reflexões finais que justificam a referência. Os estudos realizados permitem concluir que as crianças vítimas de maus tratos são oriundas de famílias socialmente maltratadas, onde a pobreza e a exclusão social dominam, onde a degradação habitacional e convivial determinam o quotidiano.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Passaria agora à segunda questão, a de natureza legislativa. A Cimeira Mundial da ONU sobre a criança, que decorreu em Nova Iorque em 1990, aprovou, com a presença de muitas dezenas de chefes de Estado, um plano de acção para ser aplicado durante a década de 90.
E se as convenções e tratados nacionais e internacionais reforçam e legitimam o trabalho de base na sua condição de documentos ratificados pelos governos, a verdade é que o impacto destas decisões, concretamente, sobre a população infantil quer no que se refere d assistência, quer no que se refere à protecção, é escasso e muitas vezes inexistente.
E é assim, porque todas estas boas vontades discursivas, todos estes reconhecimentos de culpa consideram frequentemente a criança como um ser isolado e não como elemento de uma estrutura de relações quer intra, quer extra familiar e também porque a mera ratificação dos documentos não garante a sua ulterior aplicação.
Não há dúvidas quanto à quantidade de produção de literatura nesta área, no entanto, não há dúvidas também que a situação das crianças tem vindo a piorar quer nacional, quer internacionalmente.
E seria suficiente haver vontade política e algum esforço financeiro para responder às necessidades básicas da população infantil. Segundo uma estimativa da UNICEF, 25 milhões de dólares seriam suficientes para resolver todos os problemas de nutrição, assistência médica e educação primária de todas as crianças do mundo.
Portugal foi dos primeiros países a aderir à Convenção sobre os Direitos da Criança; ratificado o texto, vigora na ordem jurídica interna desde 21 de Outubro de 1990.
No âmbito das funções deste Governo, têm sido muitas e diversas as comissões, os grupos de trabalho, as estruturas governamentais e para-governamentais criadas com o objectivo de diagnosticar, observar, estudar, investigar, avaliar, mas tem faltado sistematicamente o «golpe de asa», como diria o poeta, para operacionalizar, formular e executar políticas conducentes à resolução dos problemas inventariados.

O Sr. António Braga (PS): - Ora aí está o «golpe de asa»!

O Orador: - São também muitos e diversos os programas que de forma avulsa, e vivendo, quase exclusivamente, dos apoios comunitários, têm surgido no âmbito dos diferentes ministérios, criados por despachos conjuntos ou isolados, dos quais pouco ou nada se sabe, não se articulam e acabam por falhar em eficácia.
São estas as ilações possíveis, se lermos atentamente o segundo relatório de 1998, sobre a aplicação da Convenção sobre os Direitos da Criança, da responsabilidade da Comissão Nacional dos Direitos da Criança.
É, no entanto, de salientar a apreciação positiva que é feita quer no primeiro, quer no segundo relatórios ao serviço Especial para atendimento e tratamento das queixas das crianças, criado em 1992 pelo Provedor de Justiça. Afirma o relator, logo no início, que «o Provedor de Justiça, a quem qualquer cidadão pode recorrer em caso de violação dos direitos reconhecidos pela Convenção, tem dedicado um cuidado notável às questões relacionadas com a situação das crianças».
E, mais à frente, acrescenta que «segundo os dados fornecidos pela Provedoria, cuja contribuição para o presente relatório se deve assinalar, as crianças telefonam essencialmente no tempo da escola (...) ou quando estão sozinhas em casa. Em média, 4 em cada 5 casos apresentados tiveram solução satisfatória. Apenas 2% dos pedidos de ajuda e aconselhamento, (...) deram lugar a abertura de processo que transitou (...) para os serviços competentes da Provedoria de Justiça.».
Perante este quadro, a questão que ora se coloca é da pertinência de um projecto de lei que cria mais um provedor numa área específica - a da criança - ou da necessidade do reforço das competências e independência do Provedor de Justiça.
Em sede de revisão constitucional, o PCP apresentou um conjunto de propostas de alteração ao artigo 23.º que não mereceram aprovação - tão-pouco do Partido Socialista - e que tinham como objectivo, exactamente, não só ampliar as competências do Provedor de Justiça, mas também reforçar a sua independência e alargar a temporalização do seu mandato.
A iniciativa legislativa do PS parece vir agora reconhecer, de forma enviesada, a importância do reforço das competências do Provedor de Justiça. Só que o faz assumindo uma opinião bem diversa, para não dizer contrária, daquelas que o PS tem sustentado nesta matéria.

O Sr. António Braga (PS): - Não é verdade!

A Oradora: - Aquando da revisão constitucional, em 1989, o Sr. Deputado Alberto Martins considerava que já tinham surgido «(...) ao nível do debate público em Portugal, não só a criação de um provedor ecológico, como de um provedor das crianças, de um provedor das mulheres, de um provedor militar (...)», e que «(...) neste quadro, a proliferação desta figura do Estado seria, (...) uma desvalorização do actual Provedor de Justiça».

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Sr. José Calçada (PCP): - Bem lembrado!

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A Oradora: - Em 1992, quando da discussão do projecto de lei do Partido Ecologista Os Verdes sobre a criação do promotor ecológico, o então Sr. Deputado José Sócrates afirmava: «a posição do Partido Socialista é conhecida: somos contra a pulverização das figuras de promotor ou de Provedor de Justiça. Isso conduziria, obviamente, à desvalorização do cargo de Provedor de Justiça, com todos os inconvenientes conhecidos».

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Agora é a terceira via! Há mais clientela!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na nossa opinião, há que considerar as implicações que podem advir da criação de um provedor na área específica da criança, relativamente às funções e competências da figura constitucional do Provedor de Justiça, até porque algumas disposições da iniciativa legislativa em causa são semelhantes às do Estatuto do Provedor de Justiça.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Há que considerar ainda que o Decreto-Lei n.º 98/98, de 18 de Abril, criou a Comissão Nacional das Crianças e Jovens em Risco, com atribuições de planificação da acção do Estado e de coordenação, acompanhamento e avaliação da acção dos organismos públicos e da comunidade, na protecção, exactamente, de crianças e jovens em risco, e que a esta Comissão preside uma individualidade a nomear por despacho conjunto dos Ministérios da Justiça e do Trabalho e da Solidariedade, e dela faz parte, também, o Provedor de Justiça.
De acordo com os objectivos desta Comissão e atendendo à matéria do projecto de lei do Partido Socialista, poderia o Provedor da Criança, se criado, passar a dirigir recomendações ao próprio Provedor de Justiça.

O Sr. António Braga (PS): - Isso é grave!... Gravíssimo!...

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por tudo isto, na nossa opinião, urge passar da criação à acção.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Trabalhem!

A Oradora: - Urge melhorar e reforçar as competências do Provedor de Justiça, garantindo um eficaz exercício das suas funções, o que, naturalmente, se reflectirá no âmbito da protecção da criança.
Urge agir perante a realidade, porque já é tarde, Srs. Deputados.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tema palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por dirigir uma palavra aos Srs. Deputados António Braga e Eurico Figueiredo, dizendo-lhes que não duvido, de maneira alguma, das intenções que os animaram ao apresentar este projecto de lei. De facto, a situação das crianças em Portugal é preocupante; mas é preocupante, Srs. Deputados, não por causa da carência de instituições que estejam ocupadas ou que se devam ocupar das crianças, bem pelo contrário. Existe uma plêiade de instituições que se ocupam ou deveriam ocupar dos problemas das crianças. Recordaria o Serviço Tutelar de Menores, a Comissão Nacional das Crianças e Jovens em Risco - como a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita ainda há pouco referiu -, o Provedor de Justiça, as Santas Casas da Misericórdia e os seus provedores, as IPSS, os tribunais de menores e de família, o Ministério do Trabalho e da Solidariedade, o Instituto de Reinserção Social e sei cá quantas que não me ocorrem neste momento.
Sr. Deputado António Braga, penso que, antes de mais, o vosso projecto é um grito à inoperância de tantas instituições, que é um facto e é um facto preocupante. Só não sei como é que, criando o Provedor da Criança, ele, por meios informais e expeditos, vai resolver aquilo que os outros, por meios formais e não expeditos, deveriam ter resolvido e não resolveram. 

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Pior do que isso, quando aceitamos que quem deve funcionar não funcione e procuramos substituí-lo, a experiência já longa que levo da vida ensina-me uma coisa: é que nem a nova instituição funciona nem as antigas se sentem obrigadas. Antes pelo contrário, vamos criar uma cadeia, que é o mal que acontece entre nós, de desculpa de uns para os outros e ninguém mais se vai sentir obrigado a resolver coisa alguma.
Penso, Sr. Deputado, que tudo o que diz acerca das crianças está certo e que é necessário que a Assembleia da República se debruce sobre estes problemas e descubra quais são as razões por que as instituições não funcionam. Se é por falta de meios, que lhes sejam dados os meios; se é por qualquer outra razão, que seja detectada e seja remediada. Mas a maneira de fazer funcionar as coisas é perseguindo-as, como na caça. Aí, ou se persegue a presa ou ela foge, não há outro remédio. Não é por multiplicar o número de cães que se vai caçar a peça que queremos perseguir, mas é pela obstinação e por continuar a persegui-la em todos os campos.
Isto também é verdade no caso das crianças. Para lá da conflitualidade que, inevitavelmente, iria surgir entre o Provedor de Justiça, que tem atribuições que não lhe são retiradas nesta área, atribuições importantes, a Comissão que foi criada em Abril deste ano, que tem atribuições importantes que não lhe foram retiradas, os tribunais de família e de menores e todas as outras instituições, estas sobrepor-se-iam ou sentir-se-iam desresponsabilizadas. Nada nos garante que este Provedor, por melhor que fosse a escolha que fizéssemos, tivesse condições para funcionar onde pessoas tão empenhadas e tão sérias que se têm ocupado desta matéria não conseguiram atingir os objectivos que se propunham.
Penso, Sr. Deputado, que não é este o caminho, embora os louve, porque não tenho dúvidas das intenções que vos levaram a apresentar este projecto de lei. De qualquer modo, não é este o caminho. Se há erros, temos de os detectar, temos de os corrigir, temos de ser exigentes, porque se não o formos estamos a desculpabilizar-nos uns aos outros, que é, aliás, o grande mal deste país em muitas áreas e não só nesta. Somos um país de «passa culpinhas» e, como passamos a vida a passar «culpinhas», somos um país que, algumas vezes, parece de irresponsáveis. Para as crianças, não podemos criar mais inresponsabilidade, já chegam as que existem.
Estamos dispostos, Sr. Deputado, para, conjuntamente com os outros partidos, olhar seriamente para este proble-

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ma, procurar encontrar as razões de todos os falhanços e empenhar-nos a fundo a fim de encontrar as verdadeiras respostas.

Aplausos do CDS-PP e do Deputado do PSD, Luís Marques Guedes.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo.

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: o Partido Socialista apresenta hoje a esta Câmara um projecto de lei onde propõe a criação da figura do Provedor da Criança.
Embora a exposição de motivos recorde o significado e a importância das crianças, sublinhe a importância de lhes garantir um desenvolvimento harmonioso e refira os comportamentos, a todos os títulos reprováveis, contra elas dirigidos quer no seio das famílias, quer pela sociedade, a verdade é que este projecto de lei do Partido Socialista carece de substância e não confere dignidade nem eficácia à actuação do provedor.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - De facto, de que outra forma é que nos poderemos referir a um projecto que parece bem mais interessado em definir as honras, os benefícios, os direitos e as regalias do Provedor da Criança do que em desenvolver, concretizando, as suas atribuições, conferindo-lhes consistência e um real substracto no interesse dessas mesmas crianças cuja defesa diz incumbir-lhe?
Que dizer de um projecto de lei que é omisso em matéria de procedimento, afinal, uma primeira sede da necessária garantia da eficácia que se impõe conferir a este tipo de instituições? Que nada contempla, nem relativamente ao dever de sigilo, nem quanto aos direitos de inamovibilidade e de efectiva independência do Provedor da Criança?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Sr. António Braga (PS): - Muito mal! Não leu o projecto!

A Oradora: - O Partido Socialista, que nesta sua iniciativa procurou imitar o Estatuto do Provedor de Justiça, ao copiá-lo, centrou-se, no entanto, na figura do provedor e esqueceu que este só poderia ter interesse social na óptica das funções que poderia desempenhar em defesa das crianças. Assim, limitou-se a desenvolver com uma desproporcionada ênfase os aspectos colaterais do estatuto do Provedor da Criança. Aspectos que, mais do que priorizados, considerou com carácter determinante e quase exclusivo, tal a ênfase que lhes deu.
O estatuto do Provedor da Criança está feito na óptica do provedor, não no explícito interesse das crianças. E foi à luz dessa invertida ordem de prioridades, que mais parece fruto do propósito de tornar atractivo o lugar, que o projecto acabou por ser omisso quanto aos pontos de efectivo, real e inegável relevo, necessários à credibilização desta iniciativa legislativa.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Mas o Partido Socialista não resistiu ainda à tentação de funcionalizar um cargo que, ao que tudo parece indicar, seria meramente de fachada. Foi então que, abandonando a postura copista, mostrou uma ausência de inspiração que já se sentia, aliás, desde as primeiras linhas. Na verdade, segundo este projecto, o Provedor da Criança é tão simplesmente equiparado a director-geral, parecendo assim dispensar a dignidade que o diploma de 1991 veio conferir ao Provedor de Justiça e que é, afinal, inseparável das relações institucionais que o provedor deve manter com os titulares dos órgãos de soberania e justifica as recomendações que lhes dirige.
Nesta medida, ao longo deste projecto o Provedor da Criança emerge como um/uma burocrata com estatuto, remuneração e outras regalias de carreira asseguradas, mas profundamente diminuído no tocante à efectiva área de intervenção e às suas reais possibilidades de acção.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As considerações tecidas justificam e legitimatm que se indague do interesse, não apenas do figurino de Provedor da Criança proposto, mas também, e sobretudo, da mais valia que um provedor da criança pode encerrar para as crianças portuguesas no momento presente.
Num quadro legal marcado pela actuação de instituições públicas e de entidades privadas vocacionadas para a protecção dos menores, existe ainda, e já, o Provedor de Justiça, com a missão de defesa e promoção dos direitos, liberdades, garantias e interesses legítimos dos cidadãos, assegurando, através de meios informais, a justiça e a legalidade do exercício dos poderes públicos. E porque estes cidadãos são todos - homens, mulheres e crianças, independentemente da idade e condição -, o que importa é reforçar os poderes, os meios de acção e a especialização da instituição que existe - a Provedoria de Justiça - e que funciona bem, e não criar instituições paralelas.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, julgo que a iniciativa que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista retoma nesta legislatura é, ela própria, uma acusação. E é uma acusação a uma realidade que não se conseguiu transformar: a realidade das crianças não só deste planeta mas também deste país, que continuam, manifestamente, a não ter, por parte do poder das diferentes instituições da sociedade, quem lhes dê voz. Julgo que esse é um dado incontornável nesta discussão. Aliás, já foi referido o estudo que a Assembleia da República decidiu pedir em 1997, caracterizador da situação das crianças no nosso país. Este estudo do Centro de Estudos Judiciários é um panfleto acusatório da incapacidade de solucionar problemas que são gritantes na nossa sociedade e em relação aos quais não podemos fechar os olhos. São as situações particularmente penalizadoras no norte do País das 2000 crianças que abandonam a escola, são as situações, em relação às quais o relatório também é muito claro, de negligência, de maus tratos e de abandono.
É perante essa situação exacta que julgo que a questão hoje, fundamentalmente, se coloca. Há avanços legislativos - foi referida a Lei de Protecção de Menores e Jovens em Risco -, mas, obviamente, aquilo que é pedido à sociedade não é apenas uma análise da realidade, mas, sim, o procurar entender as causas que lhe estão na origem, prevenindo-as e agindo, a montante, no sentido de elimi-

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nar as condições que estão na origem de um conjunto de situações que não são toleráveis.
As situações que a Convenção sobre os Direitos da Criança, que este Parlamento ratificou em 1990, deveria ter contemplado não o foram e o direito à felicidade, que, ao longo do tempo, não foi garantido, tem de ser discutido na sua real dimensão e nas suas causas.
Julgo que foi colocada outra questão e que se prende com o retomar de uma iniciativa que respeito. Respeito porque Os Verdes, desde 1985, retomam, nesta Câmara, um projecto, não só em sede de lei ordinária, mas também em termos de revisão constitucional, caminho que o Partido Socialista nunca tomou quanto aos direitos das crianças. Recordo, portanto, aquilo que, do nosso ponto de vista, foi o entender que as questões do ambiente - que não são questões fechadas, não são questões dos ecologistas, são questões de toda a sociedade que têm reflexos no presente e no futuro - justificavam a criação de um provedor ecológico. Recordo que na IV Legislatura apresentámos uma proposta, recordo que na V Legislatura voltámos a fazê-lo, bem como nas VI e VII Legislaturas. Fizemo-lo em sede de projecto de lei, fizemo-lo em sede do texto constitucional e recordo a posição do Partido Socialista sobre esta matéria e a razão única pela qual sempre alegou a recusa do nosso projecto: a desvalorização e o esvaziamento de conteúdo do Provedor de Justiça. Seria a banalização e a proliferação.
Relembro, como já foi feito, o debate de 1989, aquando da revisão constitucional, em que a posição do Partido Socialista é clara: «a ideia de atentar à figura do Provedor de Justiça um promotor ecológico abriria espaço à proliferação de provedores de justiça, quando ainda não estão provadas, com toda a consistência, as possibilidades que tem essa figura de magistratura moral».
Enfim, a citação podia ser mais longa, mas todos a conhecem porque muitos dos Srs. Deputados, com vantagem, participaram directamente nessa discussão; eu não estava, na altura, na Assembleia, mas recordo-me dos termos em que a discussão foi feita. Também me recordo que, em 1992, aquando da discussão, em Plenário, de um projecto de lei, fizemos uma proposta semelhante e a posição do Partido Socialista - relembrada, na altura, pela voz do Sr. Deputado José Sócrates - é conhecida: «Somos contra a pulverização das figuras de promotor ou provedor de justiça. Isso conduziria à desvalorização do cargo do provedor, com todos os inconvenientes conhecidos». Aliás, em sede de revisão constitucional, já nesta legislatura, o Partido Socialista expressou, abundantemente, a sua posição quer em 1996, aquando da primeira leitura do nosso projecto de revisão constitucional, quer em Abril de 1997.
Portanto, sendo que para mim o fundamental é encontrar formas, é não condescender, é não silenciar, é a necessidade de dar voz àqueles que, por mais fragilizados, precisam de um olhar especial, julgo que a Assembleia da República tem de olhar para essa realidade e atender aos direitos das crianças. Não vejo que seja este o caminho; não vejo que o Partido Socialista tenha autoridade moral para apresentar um projecto de lei desta natureza quando tem mantido, com grande coerência, uma posição de recusa de qualquer outro provedor que não o Provedor de Justiça.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra, para uma segunda intervenção, o Sr. Deputado António Braga.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, não resisto a citar Jorge Amado que, confrontado com uma situação idêntica - já veremos qual -, disse: «Afinal, tudo está no seu lugar, graças a Deus!».

Risos do PS.

Ou seja, por razões completamente díspares, toda a oposição está contra a criação do Provedor da Criança: o PCP, por razões que se prendem com ideias relativas a uma visão corporativa quanto aos poderes do Provedor de Justiça;...

Vozes do PCP: - Oh!

O Orador: - ... o PP, por razões que se prendem com uma ideia burocratizante - peço perdão, mas foi assim que entendi - do trabalho de intervenção na defesa do direito das crianças; o PSD, pelos vistos, está contra o facto de o projecto de lei relativo ao Provedor da Criança apenas prever que ele tenha uma categoria de director-geral. Ou seja, estão todos em sintonia, embora com razões distintas, em relação à criação desta instância.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Mas não há sintonia, Sr. Deputado!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, foram feitas citações relativamente a posições de membros do PS. Nós não temos tabus nem metemos a cabeça debaixo da areia. Basta lembrar um seminário, realizado na Assembleia da República, no dia 1 de Junho de 1993, com a presença do Sr. Eng.º António Guterres, em que este dizia, entre outras coisas, o seguinte «Há, portanto, todo um conjunto de ausência de protecção que justifica plenamente uma das iniciativa que queríamos desenvolver a curto prazo, que é a criação do Provedor da Criança, para além de outras iniciativas de natureza legislativa».
Srs. Deputados, como vêem, da parte do PS, não há qualquer incoerência; há, isso sim, uma consistência, porque verificamos que, por um lado, todos apresentam preocupações na defesa dos direitos das crianças, mas, por outro, não resisto também a referir que, por muito democratas-cristãos, sociais-democratas e comunistas que se apresentem, não fazem senão bater com a mão no peito, religiosamente, salientando essa condição, mas, na hora de agir, verificamos o que agora encontrámos, ou sejam ficam apenas nas orações.

A Sr.ª Maria Manuela Augusto (PS): - Muito bem!

O Orador: - Meus caros Deputados, Sr. Presidente, basta de oratória nesta matéria. Não tenhamos medo das corporações; não tenhamos medo, nem nos devemos submeter à burocracia que vi espelhada nos grupos parlamentares. Sejamos audazes; queiramos enfrentar esta matéria com inovação de soluções. Aliás, esta matéria nem é tão inovadora assim porque, como sabemos, há esta figura na Europa, Europa esta que recomenda aos seus países a sua criação.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, resta-me dizer que, felizmente, está tudo no seu lugar!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Estão ainda inscritos os Srs. Deputados Nuno Abecasis e Luís Marques Guedes.

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O Sr. Deputado Nuno Abecasis quer usar da palavra para que efeito?

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Para uma segunda intervenção, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (João Amaral): - O Sr. Deputado Luís Marques Guedes quer usar da palavra para que efeito?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Também para uma segunda intervenção, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem, então, a palavra, Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não quis fazer qualquer processo de intenções às boas intenções do Sr. Deputado António Braga, mas o Sr. Deputado não resistiu à tentação de fazer interpretações das minhas.
O Sr. Deputado António Braga, perante a oposição de todos, prefere dizer: «Tenho razão, todos os outros são tontos». Mas, na vida, há outras posições, pois, às vezes, os outros têm razão.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Braga, de facto, não era suposto eu fazer esta segunda intervenção e penso mesmo que ela teria sido dispensável, até porque, ao ouvir a sua primeira intervenção, devo dizer que me ocorreu um pensamento, que era verdadeiro: de facto, poucas vezes vi alguém ter tanta razão e estar a defender uma proposta tão má. Foi isto que se passou na primeira intervenção do Sr. Deputado, que falou de um problema real, sério, que nos une a todos e relativamente ao qual todos temos a responsabilidade social - não é política - de encontrar soluções. Mas a proposta que o Sr. Deputado defendia para resolver esse problema era uma péssima solução.
Como ficou claro das intervenções neste Hemiciclo e agora o Sr. Deputado Nuno Abecasis referiu, o Sr. Deputado não terá a veleidade de achar que todos nós estamos de «olhos tapados», que todos vemos mal o problema e só o Sr. Deputado e o Partido Socialista é que são donos da razão, nesta matéria.
Desafio o Sr. Deputado - fica aqui feito um desafio claro, em termos políticos, da parte de minha bancada, e conforme já tivemos oportunidade de o referir, hoje, na 1.ª Comissão, a propósito da discussão do relatório sobre este projecto - a chamar à 1.ª Comissão o Sr. Provedor de Justiça para lhe colocar a prioridade política que esta Câmara pretende dar à defesa intransigente dos direitos das crianças em risco e, face a essa questão, perguntar se entende que há necessidade de alguma alteração legislativa, no sentido de dotar a Provedoria de Justiça com novos meios, se necessário com a criação de um provedor-adjunto que possa especificamente ocupar-se do problema das crianças em risco.
O Partido Socialista fica desafiado por nós a, com todas as outras bancadas, ouvir o Sr. Provedor de Justiça e disponibilizar todos os meios para resolver este problema, se ele entender que tal é necessário. Agora, Sr. Deputado, falsas soluções para problemas verdadeiros, não!
Não tente atirar para cima das outras bancadas ónus que não são nossos, são do Governo e daquilo que os senhores não estão a fazer nos serviços e nas instituições que já existem na Administração para tratar deste problema.

Aplausos do PSD.

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - É a mesma coisa que a regionalização. Falsas soluções!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado António Braga, pediu a palavra para que efeito?

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, sei que não tenho tempo, mas, se me permitisse, gastaria apenas um minuto numa curtíssima intervenção, porque não quero socorrer-me da figura da defesa da honra, na medida em que não seria adequado. É que poderia ficar a ideia ...

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem, então, a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, antecipei-me a essa sua bondosa cedência convencido de que ia tê-la.

Risos do PS.

O Orador: - O Sr. Deputado Nuno Abecasis fez uma pequena diatribe que levo a desconto pelo facto de ter eu apelidado de burocrática a sua visão quanto ao problema dos direitos das crianças. Mas, Sr. Presidente, não quero deixar passar em claro o seguinte: não pensamos que temos a solução absoluta para este problema. O Sr. Deputado não ouviu bem a minha primeira intervenção quando eu disse justamente que esta é uma questão na qual, incessantemente e de forma inacabada, procuraremos aperfeiçoamentos nos mecanismos de intervenção nesta área. Portanto, não quero deixar de fazer este reparo.
Sr. Presidente, para terminar, deixe-me dizer também que, finalmente, a minha segunda intervenção fez «saltar» o PSD e o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, comprometendo-se numa posição que antes não tinha tido e, pelos vistos, o Sr. Deputado tinha apreciado de forma diferente o projecto de lei do PS.
Relativamente a esta matéria, o PS reserva-se, naturalmente, o direito de apresentar outras iniciativas, caso não venha a vencer, como nós ainda acreditamos que seja possível, o projecto de lei de criação do provedor da criança.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Como não há mais inscrições, encerramos o debate e faremos a votação, oportunamente, na próxima reunião em que haja votações.
Srs. Deputados, o último ponto da ordem de trabalhos é a proposta de lei n.º 175/VII - Autoriza o Governo a legislar no sentido de estabelecer os princípios reguladores da investigação de acidentes e incidentes com aeronaves civis.
Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Secretário de Estado dos Transportes.

O Sr. Secretário de Estado dos Transportes (Guilhermino Rodrigues): - Sr. Presidente, Srs. Deputa-

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dos: O pedido de autorização para o Governo legislar em matéria de prevenção e investigação de acidentes envolvendo aeronaves advém do facto de as competências a atribuir aos responsáveis pela investigação técnica serem susceptíveis de interferir com o exercício de direitos, liberdades e garantias individuais.
Portugal, enquanto contratante da Convenção de Chicago, já se encontrava vinculado a um conjunto de obrigações no âmbito da segurança aérea. Estas obrigações passavam, necessariamente, pela investigação de acidentes com a finalidade da sua prevenção. No entanto, em 1994, o Conselho de Ministros da Europa aprovou uma nova directiva, a Directiva n.º 94/56/CE, que tem o objectivo de reforçar e aperfeiçoar a eficácia da investigação e prevenção de acidentes.
Ora bem, a transposição desta directiva para a legislação nacional visa um conjunto de princípios orientadores da investigação de acidentes aeronáuticos, bem como autonomizar a responsabilidade pela investigação relativamente às entidades reguladoras do sistema, na medida em que estas, ao terem a capacidade de licenciar e credenciar empresas, podem ser parte interessada ou pode ser-lhes imputada alguma responsabilidade nesta matéria. Assim, neste caso, o facto de as atribuições da entidade responsável pela investigação de acidentes poderem interferir com a matéria que é da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República fez com que o Governo apresentasse este pedido de autorização legislativa, o qual já se fez acompanhar do próprio projecto de decreto-lei, para que o Parlamento pudesse balizar o pedido de intervenção do Governo nesta matéria.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra, o Sr. Deputado Rodeia Machado.

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Transportes, Srs. Deputados: O Governo pretende, através da presente proposta de lei, que a Assembleia da República lhe conceda autorização para legislar sobre os princípios reguladores da investigação de acidentes e incidentes com aeronaves civis.
Na realidade, o que se pretende, através desta autorização legislativa, é transpor para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 94/56/CE, aprovada em 21 de Novembro, que, desde logo, no seu artigo 12.º, estabelece que «Os Estados membros adoptarão e publicarão as disposições legislativas, regulamentares e administrativas, necessárias (...), o mais tardar em 21 de Novembro de 1996. (...)».
A pergunta que legitimamente daqui decorre é a seguinte: por que razão é que o Governo não procedeu há mais tempo ao envio de um pedido de autorização legislativa sobre esta matéria? Naturalmente, seria o mais correcto.
A ausência, no nosso país, de normas regulamentares deveria ter merecido, de facto, desde há muito, uma preocupação da parte do Governo, no sentido de adoptar legislação para que os inquéritos se realizem até à exaustão, no tocante a acidentes e incidentes aéreos, e que os resultados encontrados sirvam exactamente para prevenir futuras situações, funcionando, estes, como recomendações ou normas de comportamento a seguir. Porque é disso que efectivamente se trata, ou seja, o que se pretende implementar, em Portugal, é um instrumento jurídico, isto é, o estatuto jurídico do inquérito, com regras de uniformização de critérios e procedimentos administrativos, no sentido de tornar célere e eficiente qualquer inquérito que, porventura, seja necessário mandar fazer, em caso de acidentes e incidentes aéreos. E isto porque, quanto ao apuramento de responsabilidades, apenas o poder judicial tem essas competências.
Esses procedimentos e critérios já estão, no entender do PCP, devidamente qualificados e enumerados na directiva sobre esta matéria, que, como se disse, foi aprovada em 1994.
No entanto, no pedido de autorização legislativa, não é afirmado pelo Governo qual a entidade que vai superintender nesta matéria e, do ponto de vista de eficiência e celeridade do processo, tal deveria estar devidamente identificado. Isto, porque, para além do factor decisão, que se quer rápido, existe toda uma complexidade de meios, quer administrativos, quer técnicos e de apoio logístico, que deverão ser obrigatoriamente cometidos a uma entidade.
Na exposição de motivos, o Governo refere a criação de um gabinete mas nada é dito sobre quem tutela esta entidade ou, pelo menos, de quem ficará dependente, em termos financeiros, administrativos ou logísticos. É necessário e fundamental, em nosso entender, que, após a aprovação do estatuto jurídico do inquérito, seja rapidamente definida qual a entidade e que meios tem para desempenhar a tarefa que lhe é conferida, para que seja dada eficácia ao próprio estatuto.
Pese embora esta ressalva, entende o Grupo Parlamentar do PCP que o pedido de autorização legislativa vem criar condições para eliminar uma lacuna ou ausência de lei sobre esta matéria e, estando salvaguardado o exercício de direitos, liberdades e garantias individuais dos cidadãos em sede de inquérito, votará favoravelmente o pedido de autorização legislativa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Falcão e Cunha.

O Sr. Falcão e Cunha (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Como é sabido, até este momento, as matérias a que diz respeito a autorização legislativa que estamos a discutir, competiam ao Gabinete de Prevenção e Segurança Aeronáutica da Direcção-Geral da Aviação Civil, entidade responsável pela investigação de acidentes e incidentes com aeronaves civis em território nacional, nomeadamente participando em inquéritos e colaborando com comissões de inquérito que fossem constituídas.
A Directiva n.º 94/56/CE veio apontar noutro sentido, definindo claramente que esta matéria deve ser assegurada, em cada Estado membro, por organismos ou entidades aeronáuticas permanentes, sob controlo de entidades aeronáuticas permanentes, e que estes organismos devem funcionar de modo independente, nomeadamente em relação a outras autoridades nacionais responsáveis pela navegação aérea, pela certificação, pelas operações aéreas, pela manutenção e concessão de licenças, etc. Isto, naturalmente, para evitar situações de conflito.
A proposta de autorização legislativa apresentada vai no sentido de transcrever para o direito português a directiva que acabei de referir e de definir bem a formulação a que a investigação técnica de acidentes ou incidentes aéreos deverá obedecer, para ser útil e contribuir para uma maior segurança do tráfego aéreo, que é o que todos pretendemos.
O meu partido dará o seu acordo a este pedido de autorização legislativa na convicção de que o gabinete que irá ser criado terá garantidos meios financeiros e técnicos

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para cumprir esta importante missão e que, como já foi dito pelo Sr. Deputado Rodeia Machado, será definido o seu enquadramento no âmbito da Administração Pública, o que, efectivamente, não se verifica na proposta que nos foi apresentada.
Com estes dois considerandos, facilmente ultrapassáveis, daremos o nosso acordo a esta proposta de autorização legislativa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Ainda para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também uma nota muito breve para salientar que temos presente a transposição de uma directiva comunitária sobre a questão da investigação de acidentes com aeronaves, com o que, aliás, se actualiza o Regulamento da Navegação Aérea, que é da década de 30, embora várias vezes revisto ao longo da sua vida, como não podia deixar de ser, pois os aviões e as aeronaves também foram evoluindo, tornando-se, por um lado, mais rápidos e, por outro, mais seguros.
Pela nossa parte, também não temos qualquer objecção de princípio relativamente às regras que aqui estão estabelecidas, mas não queremos deixar de salientar, à semelhança do que já foi feito por outros Srs. Deputados, que este pedido de autorização legislativa prevê que a investigação deve ficar a cargo de um organismo independente da autoridade reguladora da aviação civil, o que decorre directamente da directiva, e a exposição de motivos prevê que o decreto-lei autorizado consagrará a criação de um gabinete para o exercício das atribuições até agora cometidas à DGAC. Mas, depois, na verdade, o articulado não se refere a este organismo. Que gabinete será este? Quais as suas competências? Qual a sua composição? A que entidade fica agregado ou não fica? Quais as garantias de independência relativamente à Direcção-Geral da Aviação Civil? De que meios vai dispor?
Pode ser que não tenha analisado bem esta iniciativa, mas são estas questões que me parecem resultar do texto da autorização legislativa aqui em discussão.
Há também uma outra nota que merecerá eventual reparo e, nessa medida, pergunto ao Sr. Secretário de Estado o que é que significa para si ou para o Governo a ideia de que os investigadores podem «(...) Ordenar a realização de testes ou exames que visem a detecção de álcool ou de estupefacientes (...)». Isto significa que este gabinete vai ter poder para o fazer directamente ou vai ter de o solicitar às autoridades policiais?
Para terminar, uma outra dúvida que se me suscita: como é que está resolvido, por exemplo, o problema de estes inquéritos normalmente coincidirem com inquéritos policiais, que também são abertos na decorrência de um acidente aeronáutico? Como é feita a compatibilização entre os inquéritos feitos por este gabinete e os inquéritos criminais, designadamente quanto aos elementos de prova recolhidos, autópsias, exames, colheitas, etc., que, em princípio, no inquérito policial ou criminal, estão abrangidos pelo segredo de justiça?
Em todo o caso, parece-me que esta matéria é pacífica e, resolvidas estas dúvidas, o Partido Popular dará o seu acordo ao pedido de autorização legislativa.

O Sr. Rui Pedrosa de Moura (CDS-PP): - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: A proposta de lei em apreciação pretende obter autorização para o Governo definir as regras a que deve obedecer a investigação de acidentes e incidentes com aeronaves civis e insere-se, como, de alguma forma, se refere na própria proposta de lei, no objectivo geral do Governo de promover a segurança nos transportes.
Pretende-se, com esta proposta de lei, conseguir a harmonização da legislação portuguesa com a Directiva n.º 94/56/CE, de 21 de Novembro, a qual se insere na política de transportes da União Europeia.
Visa-se, sobretudo, com esta autorização legislativa, obter uma melhor eficácia da investigação técnica de acidentes e incidentes com aeronaves civis, a qual tem sido, por vezes, afectada, como é sabido, pela falta de uma definição legal clara de procedimentos e competências dos respectivos investigadores e de responsabilidade das entidades envolvidas. E aqui - até porque corresponde a uma dúvida que foi suscitada agora pelo Sr. Deputado Luís Queiró que me parece, efectivamente, muito pertinente e à qual eu próprio tentei responder, aquando do estudo que fiz desta autorização legislativa - permito-me salientar que estamos a falar de inquéritos técnicos, absolutamente e tão-só de inquéritos técnicos, mas o Sr. Secretário de Estado poderá ou não esclarecer, já que é a isso que a directiva se refere, no seu artigo 6.º, ao estabelecer que «cada Estado membro assegurará a realização de inquéritos técnicos».
Portanto, não pode aqui haver qualquer confusão com investigações e com processos de índole criminal e é importante que isso fique esclarecido no âmbito deste debate.
Da exposição de motivos da proposta de lei resulta o propósito do Governo de criar um gabinete para o exercício das atribuições até agora cometidas à Direcção-Geral da Aviação Civil, sendo que esta inovação é, em nosso entender, de extrema importância, uma vez que as mais recentes tendências internacionais, consagradas nas últimas alterações introduzidas no anexo 13 à Convenção relativa à Aviação Civil Internacional, assinada em Chicago, em 7 de Dezembro de 1944, apontam também no sentido de autonomizar, efectivamente, a responsabilidade pela investigação, relativamente às entidades reguladoras do sector de aviação civil. Aliás, a Directiva do Conselho a que já se aludiu prevê, também ela, que a investigação seja da responsabilidade de um organismo absolutamente independente da autoridade reguladora da aviação civil.
Para além desta matéria, a transposição da Directiva n.º 94/56/CE vai implicar que se confiram, aos responsáveis pelas investigações técnicas, poderes que permitam que tais investigações, sublinho, investigações técnicas, sem prejuízo da eventual investigação criminal, decorram com a celeridade e a eficácia de resultados necessárias à detecção das causas de acidentes ou incidentes com aeronaves civis e à sua prevenção futura, visando a diminuição da sinistralidade aeronáutica.
E, pois, nosso entendimento que a presente iniciativa do Governo é extremamente válida e mesmo necessária e urgente para o bom cumprimento das resoluções da Organização Internacional da Aviação Civil e do anexo 13 à Convenção de Chicago, enquadrando-se ainda na articulação com a política comum de transportes da União Europeia e no esforço meritório de transposição da Directiva n.º 94/56/CE. Por isso, damos o nosso voto favorável.

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580 I SÉRIE - NÚMERO 17 

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Transportes.

O Sr. Secretário de Estado dos Transportes: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que algumas das questões que foram aqui suscitadas têm resposta na própria proposta de decreto-lei que foi enviada com o pedido de autorização legislativa, ou seja, o pedido de autorização legislativa trazia agregada a proposta de decreto-lei, para que a Assembleia pudesse...

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Não a temos, Sr. Secretário de Estado!

O Orador: - Sr. Deputado, enviei-a nesse sentido.
No entanto, gostaria de responder às questões que foram colocadas, a começar pelo Sr. Deputado Rodeia Machado.
Relativamente ao problema de saber por que é que só nesta altura é que o Governo formulou o pedido de autorização legislativa, devo dizer que isso se prende exactamente com um conjunto de questões que foram aqui suscitadas, como a de garantir os meios financeiros e técnicos para que o gabinete de investigação e prevenção de acidentes pudesse funcionar. Ou seja, primeiro, antes de criar o gabinete, houve que apurar quais os recursos necessários e onde é que poderíamos ir buscá-los. Essa foi uma das condicionantes e demorou algum tempo a encontrar as soluções para o efeito.
No que diz respeito ao organismo responsável, prevê-se, no artigo 4.º, que ele será criado na tutela do membro do Governo responsável pela aviação civil, que fica...

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Isso seria normal se tivéssemos a proposta do decreto-lei, mas não a temos!

O Orador: - Já percebi, Sr. Deputado, mas estou a dar-lhe respostas às questões que colocou.
Como estava a dizer, o organismo responsável fica na tutela directa do membro do Governo responsável pela aviação civil.
No que se refere às atribuições do gabinete, para além da investigação de acidentes, sendo também um organismo de prevenção, terá de promover os estudos necessários, mesmo de adaptação da legislação, na decorrência de recomendações que vão surgindo. A partir da investigação técnica, o gabinete vai detectando um conjunto de anomalias da própria legislação e uma das suas funções será a de propor alterações à legislação, assim como também terá de participar na Comissão Consultiva do Sistema Nacional de Busca e Salvamento Aéreo.
Portanto, este gabinete tem um grande conjunto de atribuições, para além da investigação de acidentes.
Quanto à composição, está previsto que o Gabinete tenha um responsável, com a categoria de director-geral, e um director adjunto, podendo depois recrutar assessorias técnicas a diferentes especialistas conforme as suas necessidades e os tipos de acidente que terá de investigar.
Aproveito a oportunidade para responder à questão colocada pelo Sr. Deputado Luís Queiró relativa ao segredo de justiça dizendo-lhe que ele está previsto no artigo 24.º, onde se diz que, embora seja uma investigação técnica, pode decorrer, em paralelo, um processo judicial e, nessa altura, haverá colaboração entre as duas entidades e quem faz a investigação técnica vê-se obrigado às normas de justiça normais, nomeadamente as do segredo de justiça e de reserva da informação.

Aplausos do PS.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, tive ocasião de fazer uma consulta informal entre as várias bancadas no sentido de, atendendo à natureza deste pedido de autorização legislativa, ao manifesto consenso que o debate acabou de comprovar e ao facto de Portugal ter de cumprir obrigações internacionais, sob pena da assunção das respectivas sanções, fazermos de imediato a votação deste diploma.
Acrescento, desde já, que as bancadas do PCP e do PP manifestaram acordo relativamente a isto mas, lamentavelmente, depreendo-o, a bancada do PSD mostra-se indisponível, aparentemente não pela matéria mas, sim, por uma posição retaliatória em relação às próximas semanas de funcionamento da Assembleia.
Mas, apesar de tudo, Sr. Presidente, gostaria que fosse possível apelar à bancada do PSD no sentido de deixar em paz a outra questão e pensar nos acidentes das aeronaves, por forma a podermos ainda consumar a votação desta proposta de lei.

Espero, pois, que a bancada do PSD possa ainda considerar, com cabeça fria e pensando só nesta matéria, esta questão. Há ligações perigosas e impróprias e esta será muito imprópria e muito perigosa.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Artur Torres Pereira.

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Sr. Presidente, depois de o Sr. Deputado José Magalhães ter feito queixa a V. Ex.ª sobre o comportamento das outras bancadas, só me resta acrescentar que não só este procedimento é impróprio e perigoso como também o seria a votação desta proposta de lei de imediato. Daí resulta que não daremos o nosso assentimento.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, a questão está resolvida e a votação far-se-á na próxima reunião em que houver votações.
A próxima reunião será amanhã, pelas 10 horas, com a discussão conjunta das propostas de resolução n.º 111/VII - Aprova, para ratificação, a Convenção sobre a proibição da utilização, armazenagem, produção e transferência de minas antipessoal e sobre a sua destruição, aberta para assinatura em Otava no dia 3 de Dezembro de 1997, e 112/VII - Aprova, para ratificação, o Protocolo sobre a proibição da utilização de minas e armadilhas e outros dispositivos, conforme foi modificado em 3 de Maio de 1996 (Protocolo II), anexo à Convenção sobre a proibição ou limitação do uso de certas armas convencionais que podem ser consideradas como produzindo efeitos traumáticos excessivos ou ferindo indiscriminadamente, adoptado em Genebra, a 3 de Maio de 1998.

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23 DE OUTUBRO DE 1998 581

Procederemos ainda à discussão da proposta de resolução n.º 105/VII - Aprova, para ratificação, a Convenção e o Protocolo Adicional entre os Estados Partes do Tratado do Atlântico Norte e os outros Estados que participam na Parceria para a Paz sobre o Estatuto das suas Forças, concluídos em Bruxelas em 19 de Junho de 1995. Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 20 horas.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Casimiro Francisco Ramos.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Pereira Serrasqueiro.

Partido Social Democrata (PSD):
Álvaro dos Santos Amaro.
Luís Carlos David Nobre.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Vasco Manuel Henriques Cunha.

Partido Comunista Português (PCP):
Maria Luísa Raimundo Mesquita.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António Bento da Silva Galamba.
João Pedro da Silva Correia.

José da Conceição Saraiva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Mário Manuel Videira Lopes.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.

Partido Social Democrata (PSD):

António Manuel Taveira da Silva.
António Moreira Barbosa de Melo.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
João Álvaro Poças Santos.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Manuel Durão Barroso.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Pedro Manuel Cruz Roseta.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Fernando José de Moura e Silva.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
Carmen Isabel Amador Francisco.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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582 I SÉRIE - NÚMERO 17 
DIÁRIO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

Depósito legal n.º 8818/85

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.

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República, o período da assinatura será compreendido de Janeiro a Dezembro de cada ano. Os números publicados em Outubro,

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3 - O texto final impresso deste Diário é da responsabilidade
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Toda a correspondência, quer oficial, quer relativa a anúncios e assinaturas do «Diário da República» e do «Diário da Assembleia da República»,
deve ser dirigida à administração da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, E.P., Rua de D. Francisco Manuel de Melo, 5 - 1191 Lisboa Codex

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