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Sexta-Feira, 5 de Março de 1999
I SÉRIE-NÚMERO 55
DIÁRIO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
VII LEGISLATURA
4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1998-1999)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 4 DE MARÇO DE 1999
Presidente: Exmo. Sr. António de Almeida Santos
Secretários: Exmos. Srs. José Ernesto Figueira dos Reis
João Cerveira Corregedor da Fonseca
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 35 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa do projecto de lei n.º 633/VII, das apreciações parlamentares n.os 83 e 84/VII, do projecto de resolução n.º 124/VII, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Em. declaração política, o Sr. Deputado Pedra da Vinha Cos. ta (PSD) condenou a decisão do Conselho de Administração da RTP de transmitir uma série de entrevistas televisivas conduzidas pelo Dr. Mário Soares, anunciado candidato do PS às eleições para o Parlamento Europeu, dando também conta da deliberação entretanto tomada sobre o assunto pela Alta Autoridade para a Comunicação Social. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Acácio Barreiros (PS) e
Luís Queiró (CDS-PP).
O Sr. Deputado Artur Penedos (PS) trouxe à colação comportamentos do Presidente da Câmara de Marco de Canaveses e teceu considerações sobre o futuro da AD, respondendo depois a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Rui Marques (CDS-PP) e Pimenta Dias (PCP).
O Sr. Deputado Ricardo Castanheira (PS) falou do crescimento que se tem verificado nos investimentos públicos para a valorização patrimonial e cultural da cidade de Coimbra, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Barbosa de Melo (PSD).

Ordem do dia. - Foi discutida, na generalidade, a proposta de lei n.º 194/VII - Garante uma maior igualdade de oportunidadés na participação de cidadãos de cada sexo, nas listas de candidatura apresentadas nas eleições para a Assembleia da

República e para o Parlamento Europeu quanto aos Deputados a eleger por Portugal, que foi rejeitada. Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Costa) e do Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros (Vitalino Canas), os Srs. Deputados António Brochado Pedras (CDS-PP).
Isabel Castro (Os Verdes).
Octávio Teixeira (PCP).
Helena Santo (CDS-PP).
Manuela Ferreira Leite (PSD).
José Magalhães e Maria do Rosário Carneiro (PS).
Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP).
Manuela Aguiar (PSD).
Helena Roseta (PS).
Odete Santos (PCP).
Maria Manuela Augusto (PS).
Carmem Francisco (Os Verdes).
Maria Celeste Correia (PS).
João Amaral (PCP).
Fernanda Mota Pinto (PSD).
Maria Carrilho (PS) e
Lurdes Lara (PSD).
Na generalidade, foram aprovados a proposta de lei n.º 229/VII - Estabelece o regime de instalação de novos municípios, o projecto de lei n.º 603/VII - Sobre a obrigatoriedade da elaboração e aprovação pelos municípios de planos de urbanização (CDS-PP), o projecto de lei n.º 414/VII - Alarga os direitos das pessoas cuja família se constitui em união de facto (Os Verdes), o projecto de lei n.º 527/VII - Regime jurídico da união de facto (PS) e a proposta de lei n.º 172/VII - Clarifica o âmbito da Lei n.º I2/96, de 18 de Abril, e foi rejeitado o projecto de lei n.º 622/VII - Altera o regime de instalação de novos municípios previsto na Lei n.º 142/85, de 18 de Novembro, para a situação de não ocorrência de eleições em prazo curto (PCP).
Foi, ainda, aprovado um requerimento, subscrito por todos os grupos parlamentares, no sentido de a proposta de lei n.º 127/VII - Da nova redacção ao artigo 4.º da Lei n.º 40/96, de 31 de Agosto (Regula a audição dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas) (ALRM) baixar à 1.ª Comissão sem votação.
0 Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 20 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 35 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Guimarães Fernandes Dias.
António Manuel Carmo Saleiro.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Armando Jorge Paulino Domingos.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Casimiro Francisco Ramos.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira'Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge. Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Júlio Meirinhos Santanas.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís António do Rosário Veríssimo.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel António dos Santos.
Manuel Ferreira Jerónimo.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Eduarda Bento Alves Ferronha.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Maria Manuela de Almeida Costa Augusto.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Paulo Jorge Lúcio Arsênio.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Alberto Queiroga Figueiredo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António d'Orey Capucho.
António de Carvalho Martins.
António dos Santos Aguiar Gouveia.
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado.
António Joaquim Correia Vairinhos.

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António Manuel Taveira da Silva.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Roleira Marinho.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Carlos Eugénio Pereira de Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Domingos Dias Gomes.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
José Augusto Gama.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José Carlos Pires Póvoas.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Manuel Costa Pereira.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Maria de Lourdes Lara Teixeira.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coufinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Carlos Brochado de Sousa Pedras.
Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Francisco Amadeu Gonçalves Peixoto.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Pedro José Del Negro Feist.
Rui Manuel Pereira Marques.
Rui Miguel Gama Vasconcelos Pedrosa de Moura.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

Alexandrino Augusto Saldanha.
António João Rodeia Machado.
António Luís Pimenta Dias.
Bernardino José Torrão Soares.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Lino António Marques de Carvalho.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Carmem Isabel Amador Francisco.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Deputado independente:

José Mário de Lemos Damião.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta do expediente que deu entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: projecto de lei n.º 633/VII - elevação à categoria de vila da povoação de Moita dos Ferreiros no município da Lourinhã (PSD), que baixa à 4.ª Comissão; apreciações parlamentares n.os 83/VII, do Decreto-Lei n.º 32/99, de 5 de Fevereiro, que aprova o regime de alienação e de reafectação dos imóveis pertencentes ao domínio privado do Estado, afectos ao Ministério da Defesa Nacional (PCP), e n.º 84/VII, do Decreto-Lei n.º 35/99, de 5 de Fevereiro, que estabelece a organização da prestação de cuidados de psiquiatria e saúde mental (PSD); e projecto de resolução n.º 124/VII Alargamento das atribuições da Comissão Eventual de Inquérito às Denúncias de Corrupção da Junta Autónoma das Estradas (PS).
Foram apresentados na Mesa, na última reunião plenária, os seguintes requerimentos: ao Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulado pelo Sr. Deputado Arnaldo Homem Rebelo; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Marta; aos Ministérios da Educação e da Cultura, formulados pelos Srs. Deputados Hermínio Loureiro e Luísa Mesquita; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Bernardino Soares; à Secretaria de Estado das Pescas, formulado pelo Sr. Deputado Rodeia Machado; ao Ministério do Equipamento, do Planeamento é da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado José Cesário.

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Na reunião plenária de 26 de Fevereiro de 1999: ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Mota Amaral; ao Ministério da Defesa Nacional, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Encarnação; ao Ministério da Saúde, formulados pelos Srs. Deputados Amândio Oliveira e Jorge Roque Cunha; ao Ministério do Equipamento; do Planeamento e da Administração do Território, formulados pelos Srs. Deputados Fernando Santos Pereira e Lino de Carvalho; aos Ministérios da Economia e do Trabalho e da Solidariedade, formulados pelo Sr. Deputado Alexandrino Saldanha.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: no dia 26 de Fevereiro de 1999, António Saleiro e Lino de Carvalho; no dia 1 de Março de 1999, Jovita Ladeira, Manuela Aguiar, Isabel Castro, Fernando Pedro Moutinho e Arnaldo Homem Rebelo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço-vos que tomem os vossos lugares e que façam o silêncio necessário para que eu possa dar a palavra ao Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa, que se inscreveu para uma declaração política.
Tem a palavra, Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa.

O Sr. Pedro da Vinha Costa (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Ao longo das últimas semanas, os portugueses foram surpreendidos e chocados com o inqualificável comportamento da RTP no que diz respeito à absurda e despudoradamente partidária decisão de conceder ao cabeça-de-lista do Partido Socialista ao Parlamento Europeu um tempo de antena de várias horas de emissão televisiva, em flagrante contraste com o tratamento dado às demais candidaturas já anunciadas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Este comportamento da RU é tanto mais grave e condenável quanto é certo que o funcionamento daquela empresa é pago por todos os portugueses; sejam eles do PS ou não.
Tudo estaria dito sobre este lamentável incidente não fora o facto de, inexplicavelmente, a RTP se mostrar indiferente à indignação pública e generalizada quanto a este seu inqualificável comportamento e à incrível falta de vergonha do Governo socialista, incapaz de resistir à tentação de utilizar os dinheiros públicos na promoção da candidatura do PS ao Parlamento Europeu, teimando em manter a sua posição de flagrante violação dos mais elementares princípios de isenção, de imparcialidade e de equidade perante as demais candidaturas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Assim, Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, enquanto o Governo socialista persistir na utilização abusiva de dinheiros públicos na sua permanente campanha eleitoral, a voz do PSD continuará a erguer-se e a juntar-se à de quantos teimam em pensar que o PS não é dono de Portugal e dos portugueses e que nem todos têm «a obrigação» de ser do PS.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas, Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, estou aqui, hoje, nesta Tribuna, porque importa

relembrar alguns factos que a má consciência do PS e do seu Governo tem tentado fazer esquecer e, sobretudo, dar conta de dois novos aspectos entretanto surgidos.
Comecemos justamente por aqui, pelos novos factos. Dois deles parecem-me deveras relevantes: em primeiro lugar, a prepotência, a arrogância demonstrada pelo Presidente do Conselho de Administração da RTP bem patente numa carta que enviou ao Secretário-Geral do PSD a propósito deste problema. Os termos de tal carta são absolutamente impróprios e só podem ser explicáveis por resultarem de um total servilismo ao PS e ao Governo socialista, cuja estratégia de manipulação da opinião pública e de aproveitamento indevido de meios públicos serve na perfeição. À falta de decoro e de vergonha já publicamente patenteada, o Sr. Presidente do Conselho de Administração da RTP acrescentou agora a falta de educação e a total subserviência ao Governo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Eis, pois, Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, mais um boy que se revela em toda a sua plenitude.

Aplausos do PSD.

Outro facto recente, digno de relevo e menção, é a deliberação ontem tomada pela Alta Autoridade Para a Comunicação Social. Na verdade, Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, aquele organismo produziu uma importante e inequívoca crítica ao despudorado Governo do PS e à sua servil administração da RTP quando afirma, e passo a citar: «A emissão pelo serviço público de televisão de uma série de entrevistas conduzidas pelo Dr. Mário Soares, anunciado candidato ao Parlamento Europeu, e que se prolongarão ao longo de várias semanas até perto do início da próxima campanha eleitoral - independentemente de se considerar o interesse informativo e cultural desse programa, mas sublinhando também que tais qualidades não estão dependentes da urgência ou do ritmo da sua apresentação - configura objectivamente uma situação geradora de desequilíbrios no confronto das oportunidades conferidas pela RTP às candidaturas em presença». Fim de citação.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não fica qualquer margem para dúvidas a Alta Autoridade Para a Comunicação Social deu razão às críticas do PSD e censurou a RU. Aquilo que a opinião pública já sabia, aquilo que as vozes que o PS e o seu Governo não controlam e já haviam afirmado, foi agora sublinhado de forma clara e transparente pela Alta Autoridade Para a Comunicação Social.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Espera-se, agora, Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, que a Administração da RU aja em conformidade, ou melhor, que a Administração da RTP obtenha a «necessária autorização» do PS para agir em conformidade, isto é, para suspender a emissão dos programas de televisão do candidato do PS ao Parlamento Europeu.

Aplausos do PSD.

Se assim não for, então a falta de vergonha será total.

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Mas, Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, eu disse há pouco que estava hoje aqui também para relembrar factos que o PS e o seu Governo tudo têm feito para que se apaguem da memória colectiva dos Portugueses. É que, na verdade, há um importante facto a recordar, porque a memória dos homens pode ser curta mas não tanto que nos impeça de fazer apelo à história passada. E, na verdade, é fundamental lembrar hoje, aqui e agora, que, em 1985, pouco tempo antes das eleições para a Presidência da República, a candidatura do Dr. Mário Soares à Presidência da República e o PS se desdobraram em protestos, queixas e reclamações contra a RTP por esta estar, segundo se alegava então, a favorecer o candidato Diogo Freitas do Amaral.
Ora, peço-vos, Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, que me acompanhem numa pequena viagem ao passado, tão somente para relembrar quais os motivos de tanta indignação, com queixas e reclamações para tudo quanto era organismo que pudesse ter uma qualquer, mesmo ténue, ligação com o assunto. O motivo dessa indignação do Dr. Mário Soares, o motivo da revolta do PS era o facto de a RTP (vejam bem!), em período que não era de campanha eleitoral, estar a passar um spot publicitário a um livro, que apresentava, entre outras coisas (vejam lá!), a cara do seu autor, o Professor Diogo Freitas do Amaral, principal adversário do Dr. Mário Soares nas eleições para a Presidência da República.
Vejam bem as semelhanças entre as duas situações: eleições à porta, várias candidaturas apresentadas, uma delas a protestar, a reclamar contra o facto de a RTP estar a passar imagens que beneficiam objectivamente outra candidatura porque essas imagens são exclusivamente de uma das candidaturas. Em 1985, reclamavam o Dr. Mário Soares e o PS contra o favorecimento da candidatura do Professor Freitas do Amaral; em 1999, reclama a AD contra o favorecimento da candidatura do PS. Estas são, Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, as semelhanças.

O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Mas há diferenças!

rios programas televisivos, programas de mais de uma hora, devidamente publicitados e amplamente difundidos. Em 1985, o PS, a Comissão de Apoio à Candidatura do Dr. Mário Soares e vários acólitos ao nível do Estado insurgiram-se violentamente contra um simples spot publicitário de segundos; em 1999, a candidatura do PS, o PS e os seus habituais acólitos já se esqueceram do que disseram, perderam a memória, fizeram tábua rasa dos princípios, mandaram a coerência às urtigas e hoje já acham óptimo o que, por muito menos, recriminaram energicamente em 1985.

Aplausos do PSD.

É verdade que «mudam-se os tempos, mudam-se as vontades», mas tudo tem limites! Então, em 1985, alguns segundos de imagem televisiva, sob a forma de publicidade paga à RTP, constituíam uma importante e flagrante violação das regras democráticas de tratamento igual a todas as candidaturas e hoje, em 1999, várias horas de televisão, centradas na figura de um candidato do PS, pagas por todos nós, já não são discriminação alguma?

O Sr. Luís Marques Guedes. (PS): - É uma vergonha!

O Orador: - Tenham um pouco de vergonha e de decoro. Mandem parar com a escandalosa transmissão, pela RTP, de horas e horas de publicidade e propaganda ao candidato do PS.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Haja princípios! Portugal é de todos, não é apenas de alguns. A democracia é o regime da igualdade entre todos. A democracia não é o regime em que todos são iguais, só que, na prática, há uns mais iguais do que outros.

Aplausos do PSD.

O Orador: - Vejamos, então, agora as diferenças: em
1985, o Dr. Mário Soares e o PS reclamavam contra á
passagem de um spot publicitário de breves segundos,
pago pelo editor de um livro, porque quis fazer publici
dade; em 1999, a AD reclama contra a emissão de vários
programas, que se traduzirão em várias horas de televisão
que serão pagas por todos os contribuintes, queiram ou
não pagar tais programas, já que o dinheiro vem dos seus

impostos. Quer dizer, em 1985, o movimento do dinheiro
envolvido era no sentido de sair dos bolsos de um parti-

cular para entrar nos cofres da RTP; agora, em 1999, o
movimento do dinheiro é diferente: saem 65 mil contos,
ou seja, 5000 contos por programa, dos cofres da RTP,
que o mesmo é dizer do erário público, para um particu
lar que, ainda por cima, sendo candidato recebe para ser
promovido e publicitado no canal público de televisão.

Vozes do PSD: - Que pouca vergonha!

O Orador: - Mas será que estamos a tratar apenas
ou sobretudo de diferenças quanto ao movimento, à ori
gem e ao destino do dinheiro? Não, Srs. Deputados, é

muito mais do que isso! Estamos a falar de princípios e
de coerência quanto aos princípios. Em 1985, «ia caindo

o Carmo e a Trindade» por causa de um simples spot
publicitário a um livro; em 1999, estamos a falar de vá-
rios programas televisivos, programas de mais de uma hora,
devidamente publicitados e amplamente difundidos.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para um

pedido de esclarecimen-

to, inscreveu-se o Sr. Deputado Acácio Barreiros. Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Sr. Presidente, Srs.

Deputados, Sr. Deputado, o senhor veio aqui, simplesmen
te, revelar uma atitude provinciana,...
Risos do PSD.
... uma atitude de receio pela candidatura do Dr. Mário Soares! O PSD tem razões para ter receio dessa candidatura,...

Protestos do PSD.

... mas tentou vir aqui dar lições de democracia! O Sr. Deputado está com medo de quê? De que o Dr. Mário Soares, por causa das entrevistas, fique mais conhecido no País? Que ninguém conheça, no País, o Dr. Mário Soares e passe a conhecê-lo por causa das entrevistas?
Risos do PS.
Ou está receoso de tende reconhecer que essas entrevistas são dadas e existem porque são feitas pelo Dr. Mário

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Soares e as várias personalidades, atendendo ao prestígio do Dr. Mário Soares, enriquecem a nossa televisão e todos nós?

Vozes do PSD: - Enriquecem-no a ele!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, têm a obrigação de ouvir em silêncio o vosso Deputado. Tenham paciência! Façam favor de ouvir em silêncio o Sr. Deputado Acácio Barreiros!

O Orador: - São, com certeza, entrevistas de grande prestígio para o País e de grande interesse para a opinião pública portuguesa.

Risos do PSD.

Sr. Deputado, o Dr. Mário Soares tem o prestígio que tem, tem o prestígio que granjeou pela sua acção bem conhecida dos portugueses. Portanto, Sr. Deputado, para nós, socialistas, é um orgulho ter como candidato ao Parlamento Europeu o Sr. Dr. Mário Soares!

Vozes do PSD: - Não tinham outro!

O Sr. Arménio Santos (PSD): - Está acima da lei!

O Orador: - Não está acima de lei qualquer lei, Sr. Deputado!

Protestos de alguns Deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, tenham paciência! O Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa foi ouvido, e eu reparei, em rigoroso silêncio! É devido a quem está no uso da palavra, o mesmo silêncio. Sob pena de a sessão de hoje se transformar também numa batalha verbal em que ninguém ouve ninguém e, pior do que isso, ninguém respeita ninguém! Tenham paciência! Peço-vos que oiçam em rigoroso silêncio e depois digam o que tiverem a dizer! Faça favor de prosseguir, Sr. Deputado.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Está também anunciado, á respeito de eleições para o Parlamento Europeu, que um candidato do PCP é o escritor José Saramago. Não tarda muito que o PSD, com essa visão conspirativa, ainda diga que atribuíram o Prémío Nobel a José Saramago já como uma manobra para preparar a votação no PCP para o Parlamento Europeu!

Risos do PS.

O Sr. Azevedo Soares (PSD): - Isso é «passar a mão pelo pêlo»!

O Orador: - Não sei se também querem exigir que a televisão portuguesa, ou outra, a partir de agora, para haver igualdade de todos os candidatos, não torne a falar em José Saramago nem a levá-lo à televisão, porque isso é estar a promover um candidato!
Srs. Deputados, se os senhores têm candidatos com o prestígio suficiente para merecerem a atenção de qualquer órgão de comunicação social...

Aplausos do PS.

... se o PSD só tem candidatos para aparecer na televisão apenas no tempo de antena que lhe é dado por lei, Srs. Deputados, o problema é do PSD!

Protestos do PSD.

Sr. Deputado, com toda a sinceridade, acho que vão ser muito importantes para a opinião pública portuguesa, e são aguardadas com o maior interesse, as entrevistas conduzidas pelo Sr. Dr. Mário Soares, mas não esteja nervoso porque o Sr. Dr. Mário Soares não será mais conhecido por causa dessas entrevistas! E estamos convencidos de que não será por causa dessas entrevistas que o Dr. Mário Soares terá mais ou menos votos - o Sr. Dr. Mário Soares e o PS terão os votos que merecem a candidatura, a personalidade, o prestígio do Dr. Mário Soares, conquistado ao longo de anos de luta e ao longo de anos de serviços prestados ao povo português. Isso é que é o importante!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Vão falar as «Vinhas da Ira»!

O Sr. Pedro da Vinha Costa (PSD): - Sr. Presidente, vou tentar responder ao Sr. Deputado Acácio Barreiros na esperança de que as piadas do Sr. Deputado José Junqueiro já tenham acabado e que, findo o recreio que vem daí, possamos continuar.
Sr. Deputado Acácio Barreiros, confesso que esperava que V. Ex.ª viesse aqui explicar-nos - até porque V. Ex.ª deverá, com certeza, ser um dos melhores da sua bancada a poder explicar mudanças de posição!... - por que é que o PS tinha mudado de posição de 1985 para 1999. Mas, afinal, nem a «experiência» que V. Ex.ª tem - e que todos lhe reconhecemos nessa matéria - lhe permitiu fazer esse exercício que, de facto, confesso, seria muito difícil de fazer.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - As cambalhotas!

Protestos do PS.

O Orador: - Sr. Deputado, deixe-me que lhe diga algumas coisas a propósito daquilo que disse. A primeira é a seguinte: cada um orgulha-se daquilo que quer - V. Ex.ª orgulha-se do que têm e dos comportamentos que têm? Sr. Deputado Acácio Barreiros, nada posso fazer a não ser lamentar a sua falta de gosto. Nada mais do que isso!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - V. Ex.ª pergunta-me do que é que eu estou com medo? Eu digo-lhe do que é que estou com medo: estou com medo de que os portugueses, lá fora, pensem que nós somos iodos iguais, que nós nos comportamos todos da mesma maneira. Mas não comportamos, Sr. Deputado Acácio Barreiros!

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - Nós respeitamos as regras: para os senhores,

não há regras.

Protestos do PSD.

O Orador: - Aliás, o senhor indiciou justamente isso
quando aqui veio dizer-nos
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados do PSD, façam o
favor de agora também ouvir em silêncio!
O Orador: - Quando aqui veio dizer-nos, Sr. Depu
tado Acácio Barreiros, que havia um tempo de antena
gratuito para todos os candidatos - mas não referiu que
há um tempo de antena pago para um candidato, que é o
vosso candidato!

Aplausos do PSD.

E não é o vosso candidato quem paga - é a RTP que
lhe paga, a ele, o tempo de antena de que dispõe! É isso,
Sr. Deputado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, não quero maçá-lo mais,
por isso, vou terminar esta resposta com uma citação de
um camarada seu, aqui, nesta Casa, a propósito das rei
vindicações que os senhores faziam ao tratamento dado
pela RTP.
O Sr. Sílvio Rui Cervas (CDS-PP): - Oh, diabo! O
que é que vem daí?!
O Orador: - Sabe o que é que dizia, há uns anos
atrás, um camarada vosso? Dizia o seguinte: «se nada se
fizer, se nada se alterar, teremos uma terceira questão de
regime: a genuinidade da livre expressão da vontade po
pular, a genuinidade das eleições. Isto é o problema es
sencial:. a própria legitimidade democrática. Uma demo
cracia sem ser formalmente destruída pode ser, pouco a
pouco, degradadas. Sr. Deputado, os senhores estão a
degradá-la quanto baste!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a
palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.
O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. De
putado Pedro da Vinha Costa, V. Ex.ª trouxe aqui, com a
sua intervenção, uma questão importante, que, penso,
merece dois ou três comentários.
O primeiro comentário é o de que desta bancada nin
guém nega - antes pelo contrário, todos se orgulham
disso - o prestígio que tem o Dr. Mário Soares

Vozes do PS: - Ah!

O Orador: e; sobretudo, o que todos lhe deve
mos pela luta que ele assumiu e protagonizou quando se
tratou da consolidação da democracia em Portugal.
Por isso mesmo, Srs. Deputados, é que nos faz muita
pena ver, hoje, o Dr. Mário Soares, nesta fase da sua vida,
a realinhar num projecto partidário e, porventura, a pôr
em causa esse prestígio e esse capital que tinha junto de
todos os portugueses.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E mais: parece-me que o magistério de influência que o Sr. Dr. Mário Soares podia utilizar, por exemplo, neste momento difícil das negociações da Agenda 2000 era, se calhar, muito mais eficazmente utilizado se não se tivesse aperreado a uma candidatura partidária e se. estivesse livre para falar em nome de todos os portugueses, junto de todos os governos da União Europeia.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Acácio Barreiros disse também aqui que não percebia por que é que um qualquer órgão de comunicação social não podia pegar no programa do Dr. Mário Soares, em função da própria qualidade intrínseca, jornalística, do programa. O pior, Sr. Deputado Acácio Barreiros, é que a RTP não é um qualquer órgão de comunicação social; o pior é que a RTP é uma concessionária de um serviço público, é uma televisão pública, que tem outro tipo de obrigações, para além das estritamente jornalísticas.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - Portanto, em face da polémica que esta questão criou - e não vale a pena os senhores julgarem que ela não existe, porque ela coloca-se e é uma questão de fronteira no cumprimento das regras e do jogo democráticos -, o que me faz muita pena, Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa, é que não tenha sido o próprio Dr. Mário Soares a propor a suspensão deste programa e dê a sensação de que precisa dele para aumentar o seu prestígio e o seu score eleitoral.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - É que se não é isso, Srs. Deputados, então, é bonomia a mais, é distenção a mais no cumprimento rigoroso das regras démocráticas e do jogo democrático, em vésperas de eleições!

Aplausos do CDS-PP e de alguns Deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra não posso dá-Ia a outra pessoa para esse efeito... - o Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa.

O Sr. Pedro da Vinha Costa (PSD):.- Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Queiró, estou totalmente de acordo consigo. Não posso...

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, façam favor de ouvir em silêncio.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Como dizia, Srs. Deputados do Partido Socialista, estou de acordo com as afirmações do Sr. Deputado Luís Queiró. E se os senhores recuarem 14 anos, seguramente também estão, porque aquilo que disseram, em 1985, foi exactamente isso. Algo aconteceu, entretanto, para os se-

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I SÉRIE - NúMERO 55 2030

nhores terem mudado tanto de posição. O que é que aconteceu? Acho que sei: os senhores querem o poder pelo poder, tanto vos faz de que maneira vão atingi-lo, tanto vos faz de que maneira vão consegui-to, é-vos completamente indiferente, porque os princípios os senhores já os «mandaram às urtigas».
É por isso, Srs. Deputados, que a citação que há pouco fiz daquele que tantas vezes tem sido apresentado como a vossa consciência moral, o Deputado Manuel Alegre, vos deve calar bem fundo, porque vos deve doer saber que entre vós há alguém que disse bem alto aquilo que todos vós, hoje, devíeis repetir, mas não repetis, porque evidentemente não vos interessa.
Mas há uma questão que tem de ser aqui esclarecida: o que é que os senhores vão fazer com a vossa falta de respeito, a vossa falta de princípios e a vossa falta de coerência, relativamente àquilo que disseram no passado? O que vão fazer perante a decisão da Alta Autoridade para a Comunicação Social? Vão continuar a ser autistas, a fingir que não ouvem e que não vêem aquilo que se passa à vossa volta? Vão continuar a fingir que não têm memória e que não se lembram daquilo que fizeram e disseram no passado? É isso que vão fazer?
Espero que haja um pingo de vergonha desse lado e que mandem, de imediato, suspender um programa que é um atentado às mais elementares regras do jogo democrático.

Aplausos do PSD.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Para uma interpelação à Mesa. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Peço-lhe que seja mesmo para esse efeito, porque, caso contrário, vamos «epidemizar» interpelações que não o são.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Sr. Presidente, é que, não tarda muito, teremos de estudar uma alteração ao Regimento, porque, como o Sr. Presidente certamente reparou - e essa deve ser a nova estratégia da AI) -, passa-se aqui uma situação algo peculiar, que é esta: o PP pede a palavra para nos criticar e o PSD, em resposta, continua a criticar.

Risos do PSD.

É que as perguntas são dirigidas ao Deputado que interveio. De maneira que, Sr. Presidente,...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, cada um faz da palavra o uso livre que quer,...

O Orador: - Claro! Evidentemente!

O Sr. Presidente: não podemos censurar a pala
vra de ninguém.

O Orador: - Então, Sr. Presidente, vejo-me obrigado a pedir a palavra para exercer o direito de defesa da honra e consideração.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados...

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Então, tem muito para defender!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Queria uma televisão à medida e, agora, quer um Regimento à medida!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, um pouco mais de serenidade, senão vamos transformar esta sessão, e outras que se seguem, num verdadeiro inferno.
Faça favor de continuar, Sr. Deputado Acácio Barreiros.

O Orador: - Sr. Presidente, à medida que se aproximam as eleições, é cada vez mais difícil pedir serenidade ao PSD, reconheço-o.
Srs. Deputados, em primeiro lugar, quanto a esses apelos para darmos ordens à programação da RTP, tenho a dizer-lhes que já não estamos nesse tempo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não!...

O Orador: - Não há ordens, há a programação da RTP.

Risos do PSD.

Essa era a interpretação que os senhores faziam.
Por outro lado, registei que o líder da bancada do PP considera um acto de desprestígio o facto de o Dr. Mário Soares se candidatar ao Parlamento Europeu. Ora, só posso interpretar isso como uma crítica ao Dr. Paulo Portas, na sua candidatura ao Parlamento Europeu...

Risos do PS.

Pelo contrário, acho que é uma atitude de grande dignidade o facto de uma pessoa com o prestígio do Dr. Mário Soares, com a situação que vivemos hoje na Europa, dispor-se a candidatar-se a Deputado. É uma atitude de grande prestígio para o Parlamento Europeu e para a função de Deputado europeu.

Aplausos do PS.

Finalmente, Srs. Deputados, quero dizer-vos que o vosso nervosismo tem razão de ser, porque a vossa candidatura, como dizia há algum tempo o meu camarada José Lamego, faz lembrar aquele último helicóptero a fugir de Saigão. Isto é, trata-se de uma lista que tem, como número um, a Dr.ª Leonor Beleza, e muito bem, uma senhora com todo o prestígio, que dará, com certeza, toda a dignidade ao debate; depois, a lista dessa tal AD que vai avançar para a grande vitória tem, como número dois, o líder da bancada do maior partido da coligação e, como número três, o líder do segundo partido da coligação - e só não meteram na lista o líder do primeiro partido da coligação, para se ir embora para Bruxelas, porque isso também daria demasiado nas vistas quanto à vossa confiança na vitória!

Risos do PS.

Portanto, agora escusam de, no meio disto, no meio desta debandada, tudo a correr rapidamente para Bruxe-

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5 DE MARÇO DE 1999

Ias... Enfim, embora a candidatura do Dr. Luís Marques Mendes se perceba, porque sempre abre uma vaga para o Dr. Marcelo Rebelo de Sousa vir liderar a bancada do PSD depois das próximas eleições - aí, compreende-se!

Risos e aplausos do PS.

Portanto, no meio disto, vir fazer estas diatribes em relação a um programa, como o criado pela RTP, insinuando que ele vai aumentar o prestígio do Dr. Mário Soares, francamente, é tão ridículo, Srs. Deputados, que não merece resposta alguma.

Aplausos do PS.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Diminui é a vossa moralidade!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa.

O Sr. Pedro da Vinha Costa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Acácio Barreiros, em primeiro lugar, por muito que o senhor o queira, depois de terem o controlo de todos os órgãos que têm, quererem também um Regimento à vossa medida nesta Assembleia,...

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Os senhores é que o fizeram!

O Orador: - ... parece-me seguramente demais. Acho que só mesmo o senhor tinha o à-vontade suficiente para vir aqui dizer que é preciso mudar o Regimento, porque o PS está a sentir-se incomodado por este.
Mas deixe-me que o felicite por algo, Sr. Deputado: é que o senhor conseguiu uma coisa verdadeiramente notável - e cumprimento-o por isso: conseguiu dizer-nos aqui, perante este Hemiciclo, perante a comunicação social...

O Sr. José Magalhães (PS): - E o País!

O Orador: - ... e, portanto, perante o País... - muito obrigado pela sua ajuda, Sr. Deputado José Magalhães...

O Sr. José Magalhães (PS): - Estamos aqui para isso!

O Orador: - ... vejo que concorda comigo!
Como dizia, Sr. Deputado Acácio Barreiros, o senhor conseguiu vir aqui dizer-nos, sem se rir, o que é verdadeiramente notável, que o Governo não dá ordens à RU.

Risos do PSD.

O senhor conseguiu isso, mas houve vários camaradas seus que não o conseguiram, pois riram-se nesse momento. É que é difícil, sei que é difícil, manter um ar sério, quando se diz uma tamanha boutade.

Risos do PSD.

Mas deixe-me que lhe diga ainda outra coisa, Sr. Deputado Acácio Barreiros. O Sr. Deputado veio falar-nos de diatribes. Olhe, Sr. Deputado, diatribes são as vossas cambalhotas, ...

0 Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Isso!

O Orador: - ... aquelas que, em 1985, vos levavam a defender princípios que, hoje, atiram para o caixote do lixo; diatribe é os senhores tentarem esconder que, enquanto as outras candidaturas ao Parlamento Europeu vão pagar a sua campanha eleitoral, a vossa candidatura ao Parlamento Europeu recebe, pelo menos, 65 000 contos da RTP para utilizar, ainda por cima, tempo de antena para vender o vosso produto.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Para intervir sobre assunto de interesse político relevante, tem a palavra o Sr. Deputado Artur Penedos.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O discurso produzido pelo PSD e pelo CDS-PP, nos últimos tempos, tem-se caracterizado por um slogan que visa a instalação de um clima de auto-vitimização, traduzido na «tentativa hegemónica do Governo e do PS nas instituições políticas nacionais», garantindo, aqueles que, sob o ponto de vista da afirmação política, «não calarão a sua voz na denúncia de todas as tentativas de intimidar e coagir a oposição», slogan que se tornou quase doentio, se observada a dramática repetição a que se encontra sujeito.
Proclamam ainda os partidos acima referidos que a AD é a única forma de tornar a democracia mais transparente, fazer célere a justiça, acabar com a impunidade e esclarecer os fumos de corrupção que pairam, segundo aqueles, nos ares de Portugal. Como é curta a memória destes dirigentes políticos!
Tal proclamação, como é obvio, nada tem de sério, sob o ponto de vista político, e visa apenas convencer apoiantes e simpatizantes da coligação de uma verdade que só tem cabimento na «cabeça» dos construtores da referida coligação.
A propósito de comportamentos consentâneos com o respeito que é devido aos cidadãos, em Marco de Canaveses, a recém criada associação cívica Associação dos Amigos do Marco realizou, no passado dia 13 de Fevereiro, um almoço de confraternização democrática que, para além do normal convívio entre pessoas, visou a denúncia do clima de intimidação, de insultos, de ameaças e eventuais agressões físicas do Presidente da Câmara de Marco de Canaveses, que dá pelo nome de Avelino Ferreira Torres, a todos os que publicamente discordam ou possam vir a discordar de si próprio.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço desculpa por interrompê-lo, rrias há um ruído de fundo na Sala que não permite que esteja a ser ouvido em condições normais. Peço a todos o favor de guardarem rigoroso silêncio.
Faça favor de continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - A quem possa ter memória curta, recordamos que, poucos dias antes da realização do referido almoço de confraternização, o dito Presidente de Câmara, juntamente com um vereador do seu partido, José Carlos Meneses, aproveitando um pedido de audiência, terá agredido violentamente o autarca Gil Mendes, no próprio gabinete da Câmara, com a agravante de algum nexo causal ter sido publicamente sugerido entre telefonemas anónimos e uma agressão feita por desconhecidos ao tio do

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I SÉRIE-NÚMERO 55 2032

referido autarca e testemunha contra Ferreira Torres da referida agressão.
Acresce ainda que o Presidente da Câmara de Marco de Canaveses - sucessivamente indigitado pelo CDS-PP, pasme-se! - considera uma provocação a presença de cidadãos que o criticam nas reuniões públicas do executivo, considerações que publicamente assumiu na rádio marcoense, como pode ouvir-se na cassete de audio que exibirei no momento próprio.
Ora, para o almoço realizado no Marco de Canaveses contra a prepotência do seu edil, foram convidados capitães de Abril, representantes dos diferentes partidos e de associações cívicas. Eu próprio participei nesse evento, ao lado de figuras conhecidas do PSD, do PCP, de um padre católico e de associações dos direitos dos cidadãos.
Foram nessa altura distribuídos aos presentes um dossier e cassetes com declarações do cidadão que preside aos destinos do referido concelho que envergonham não só o País de Abril mas também qualquer democrata!
Perante uma realização normal, se considerados os valores fundamentais, o cidadão em questão, porque digeriu mal a notícia de um almoço, que visava, exclusivamente, o exercício dos direitos consignados na Constituição da República Portuguesa, resolveu promover um megajantar de apoio à sua própria pessoa.
Pôs para o efeito todos quantos a ele se encontram «submetidos» a exercer influências, tidas por ilegítimas, porque visavam obrigar uns e persuadir outros a comparecerem massivamente nesse evento.
Um tal movimento, que certamente carece de legitimidade democrática, cedo gerou a ideia de que a acção concertada e preparada minuciosamente resultaria em sucesso rotundo! Enganaram-se todos quantos assim pensavam. Começaram por anunciar a presença de 3000 comensais, depois reduziram para 1200 e, finalmente, soube-se - porque estas coisas sabem-se sempre - que o restaurante não comportava mais que 700 pessoas e que a grande maioria dos participantes acabou por receber uma senha (gratuita, claro está!) para o referido repasto.
A acreditar nas notícias publicadas pelo jornal Primeiro de Janeiro, o proprietário do restaurante não sabe quem irá pagar a conta, que, sègundo o mesmo jornal, se estima em 4000 contos!!!
Espero, sinceramente, que, no mínimo, a maioria dos comensais tenha apreciado a qualidade da cozinha da região que é excelente!
Das notícias sobre o referido mega-jantar ficamos a saber que estiveram presentes e tomaram a palavra o Presidente da Distrital do PSD/Porto, Major Valentim Loureiro, e o dirigente nacional do Partido Popular, Nobre Guedes.
Valentim Loureiro terá justificado publicamente a sua presença por ser do PSD e porque foi no Marco que se deu o primeiro passo para a constituição da AD, tendo o representante do PP, Nobre Guedes, mais modestamente,. feito idêntico registo.
E, a propósito das declarações, agora produzidas, importa recordar que data de Março de 1997 a celebração de um acordo entre o PP e o PSD, ao arrepio das estruturas locais do PSD.
Convém, por isso, dar hoje o indispensável relevo ao comunicado produzido nessa data pela Comissão Política Concelhia do PSD em que se afirmava: «Avelino Ferreira Torres é o símbolo do terceiro-mundismo na política: é uma pessoa sem cultura, incompetente e prepotente. Gere a autarquia como se fosse dono do Marco e os seus inte-

resses fizessem lei. Não olha a meios para atingir fins e quem ousar discordar da sua vontade é ameaçado, insultado e perseguido».
E termina deste modo o referido comunicado: «O Marco não é a Albânia (...) Só um acordo é aceitável: o de uma sindicância à gestão de Avelino Ferreira Torres».
Ora, como o Presidente da Distrital do PSD/Porto e o dirigente nacional do PP Nobre Guedes tornaram público que estavam nesse megajantar «(...) porque tinha sido no Marco que os primeiros passos da AD haviam sido dados (...)» interrogo-me e partilho convosco as minhas interrogações: será que a AD tem na sua génese a legitimação do trauliteirismo obscurantista e o clima de intimidação «à Ferreira Torres», tal como à saciedade foi noticiado pelo jornal Público da passada segunda-feira?!.. Será que Valentim Loureiro e Nobre Guedes consideram que a AD do Marco configura o perfil adequado à AD que querem para Portugal?!
Para que VV. Ex.as possam perceber a importância destas questões para o País e a pertinência de uma resposta, por parte do PSD e do CDS/PP, às questões que acabo de colocar, tenho o maior gosto em colocar à vossa disposição, através do Sr. Presidente da Assembleia da República, dois dossiers muito elucidativos e ainda uma audio-cassete e uma cassete vídeo que confirmam e retratam as afirmações que atrás reproduzi.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O País, pelas declarações de Valentim Loureiro e Nobre Guedes, ficou, finalmente, a saber que a AD do Marco é, de facto, a imagem da AD que pretendem para Portugal e que se caracteriza por: uma estratégia de quem não tem estratégia; uma reunião de personalidades com interesses circunstanciais, que não conseguem unir sociais-democratas, nem democratas-cristãos; uma alternativa sem substância, vazia de ideias, que nada tem a ver com o futuro de Portugal, dos portugueses e da democracia.
De facto, Sr.ªs e Srs. Deputados, a autodesignada Alternativa Democrática, pela imagem que do Marco de Canaveses nos chega, tendo na sua génese (imagina-se!...) Ferreira Torres, um presidente de câmara que, a confirmarem-se as acusações que sobre ele impendem, envergonha a democracia, porque não olha a meios para atingir fins e julga que os votos podem sempre legitimar todo o tipo de prepotências, uma tal alternativa para o Governo da Nação não poderá nunca trazer bons resultados ao País.
Com um tal cenário, ficam os portugueses avisados de que a AD, prometida pela retórica de Paulo Portas e Marcelo Rebelo de Sousa, se revê no «buraco negro» da democracia que Ferreira Torres cava num dos mais belos concelhos do distrito do Porto, o Marco de Canaveses, e que esse «buraco negro» conta com a ajuda de Valentim Loureiro e Nobre Guedes.
Assim sendo, Srs. Deputados do PSD e do C13SfPP, não vale a pena tentar convencer os portugueses de que existem campanhas que visam a destruição da AD: basta conhecer o modelo de gestão do Marco para constatar que aquela coligação poderá assustar alguns, mas não conseguirá nunca ter credibilidade para se constituir numa verdadeira alternativa democrática.
Não é preciso destruí-Ia; ela destrói-se a si mesma!

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, conforme afirmei, vou entregar na Mesa os dossiers e as cassetes, pedindo a V. Ex.ª que os mande reproduzir e entregar aos diversos grupos parlamentares.

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5 DE MARÇO DE 1999 2033

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.
Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Ruí Marques e Pimenta Dias.
Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Marques.

O Sr. Rui Marques (CDS-PP): - Sr. Deputado Artur Penedos, não vou perder muito tempo com esta questão, porque me parece despropositado trazê-la aqui, a esta Câmara.
No meio de um discurso «pantagruélico», porque se tratou de almoço para a direita, almoço para a esquerda, jantar para a direita, jantar para a esquerda, comensais para a direita e comensais para a esquerda, a questão que interessa colocar é esta: o senhor veio aqui hoje passar um atestado de incompetência ao eleitorado do Marco, e, não fez mais do que isso, porque no Marco de Canaveses o presidente da câmara já foi eleito, tanto quanto sei, cinco vezes. Portanto, se o eleitorado, por cinco vezes, lhe dá a vitória é porque reconhece que ele trabalha, que ele é competente e que com o seu esforço o município se desenvolveu, e não há mais que discutir.
O senhor iniciou hoje aqui uma campanha eleitoral para as próximas eleições autárquicas no Marco de Canaveses. Assim, com todo esse seu interesse pelo Marco de Canaveses, gostava de perguntar-lhe se o senhor será o próximo candidato do PS ao Marco, porque com o discurso que fez hoje parece que não tem outra alternativa a não ser essa.
Nós depois, em Dezembro, daqui a cerca de dois anos, cá estaremos, com certeza, para discutir a sua derrota no Marco de Canaveses.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Artur Penedos.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Sr. Deputado, gostaria de dizer-lhe que me espanta vê-lo confundir questões de funcionamento democrático e dar-lhe tão pouca importância como a que deu na sua intervenção.
Não faz o menor sentido que o Sr. Deputado nos venha dizer que aquilo que se passa no Marco de Canaveses é despropositado e não faz qualquer sentido. Aliás, deixe-me que lhe diga uma coisa: o senhor está completamente desligado do sentimento dos seus próprios companheiros no distrito do Porto relativamente à personalidade em causa.
O Sr. Deputado falou ainda na incompetência do eleitorado do Marco. Essa expressão é sua, só o responsabiliza a si, a mim não!
A questão que se coloca é de funcionamento das instituições: quem é ou quem não é o responsável pelo estado a que no Marco de Canaveses chegaram as instituições? Esta é que é a grande questão! O Marco de Canaveses faz parte integrante do nosso País e nós temos obrigação de nos preocuparmos com a forma de funcionamento das instituições democráticas no nosso País.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por último, quero dizer-lhe que não tenho pretensões a candidato a Presidente da Câmara. de Marco de Canaveses, mas, como sabe, no meu partido vigora uma atitude límpida e clara nessa matéria. De cada vez que o partido entende que a personalidade A, B, C ou

D deve ser o seu candidato a uma qualquer organização ele sê-lo-á e eu estarei, como é óbvio, disposto a ser candidato pelo meu partido sempre e onde ele me quiser.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pimenta Dias.

O Sr. Pimenta Dias (PCP): - Sr. Deputado, quero aproveitar a sua intervenção para lhe colocar duas perguntas muito objectivas.
Pretendeu o Sr. Deputado colocar aqui, na Assembleia, a questão do não funcionamento de instituições que deveriam ser democráticas, como as câmaras municipais.
É verdade que para combater este abuso de poder é fundamental, a nosso ver, quer o reforço da colegialidade dos órgãos das autarquias, nomeadamente das câmaras municipais, quer também o reforço da intervenção e capacidade da fiscalização das próprias assembleias municipais.
Ora, nós sabemos que o PS nesta matéria tem acompanhado os partidos da AD, independentemente destas encenações, de arrufos e de mimos que, entretanto, vão trocando.
Portanto, a questão objectiva que coloco ao Sr. Deputado é a seguinte: está ou não o PS disposto a rever essa situação de forma a que, efectivamente, quer as câmaras municiais quer as assembleias municipais tenham uma outra capacidade de intervenção para contrariar eventuais abusos de poder verificados nas autarquias locais?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Artur Penedos.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Sr. Deputado Pimenta Dias, começo por responder-lhe dizendo que o PS está interessadíssimo e tem tomado algumas iniciativas no sentido de responder positivamente às questões que o Sr. Deputado levanta.
Portanto, nessa medida, esteja o Sr. Deputado sossegado que nós juntaremos, certamente, sempre a nossa voz e a nossa atitude no combate à prepotência e àquilo a que em Marco de Canaveses se assiste diariamente.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontram-se a assistir à sessão, um numeroso grupo de estudantes das nossas escolas, nomeadamente um grupo de 52 alunos da Universidade Fernando Pessoa, de Ponte de Lima; um grupo de 35 alunos da Escola de Mem Martins; um grupo de 42 alunos da Escola Secundária José Estevão, de Aveiro; um grupo de 54 alunos da Escola Básica dos 2.º e 3.º Ciclos Marquesa de Aloura, de Lisboa; um grupo de 48 alunos da Escola EB 2,3 de Monte da Ola, de Viana do Castelo; um grupo de 48 alunos do Externato D. Diniz, do Porto; um grupo de 75 alunos da Escola Secundária Dr. Jaime Magalhães Lima, de Esgueira; e, ainda, um grupo de cidadãos, para os quais peço a uma saudação muito carinhosa.

Aplausos gerais, de pé.

Para tratamento de assunto de interesse político relevante, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Castanheira.

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I SÉRIE - NÚMERO 55 2034

O Sr. Ricardo Castanheira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito se tem falado ultimamente de Coimbra neste Hemiciclo, seguramente por motivos de natureza ambiental, que, desde início, julguei dispensáveis e que são, em tudo, distintos dos que venho, agora, a esta Câmara apresentar.
De facto, falar-se do ambiente de Coimbra é, necessariamente, considerar-se o ar cultural que desde sempre se pôde respirar na «Lusa-Atenas»; é despertar para a necessidade depromover Coimbra no todo nacional pelo seu carácter histórico e cultural distintivo; é exigir de todos o comportamento responsável para participarem na promoção positiva desta cidade.
E digo isto porque de um momento para outro todos quantos, e em particular o PSD, durante anos, se alhearam do futuro de Coimbra, votando-a ao ostracismo e à ausência de investimento público, apareceram agora, a propósito de ambiente, como paladinos do seu desenvolvimento e dos seus altos interesses.
Coimbra, estou certo, dispensará estes falsos patriotismos de cidade e exigirá antes - a ver vamos das reacções a esta intervenção - um empenhamento colectivo e suprapartidário, no sentido de traçar definitivamente os seus peso e papel culturais e científicos no espaço nacional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É este Hemiciclo o local próprio para se tecerem críticas, apontamentos e observações políticas sobre as mais diversas situações. Assim tem sido ao longo do parlamentarismo democrático e decerto continuará a ser. Mas é, igualmente, esta Câmara o espaço indicado para se enaltecerem projectos e para se sublinharem atitudes. Fá-lo-ei, agora.
Enaltecer o ambicioso e espectacular projecto do Parque de Ciência, Cultura e Lazer de Coimbra, orçado em 3,5 milhões de contos, recentemente apresentado publicamente pela Câmara Municipal de Coimbra.
Enaltecer os programas de recuperação do Pátio da Inquisição, da Cerca de S. Bernardo e de reconversão da Ala Poente do Colégio das Artes, estimados em cerca de um milhão de contos, dignificando estes pontos referenciais da cidade preparando-os assim para albergar iniciativas e instituições ligadas ao teàtro, à fotografia, à cultura e à educação em geral.
Convirá enaltecer, ainda, e sublinhar também para os menos atentos, um total global de investimentos e apoio financeiro de cerca de 3,7 milhões de contos com iniciativas para o próximo triénio, por entre subsídios a organismos autónomos, protocolos como círculo de artes plásticas, com o Teatro Gil Vicente, na conservação da Sé Velha de Coimbra e na requalificação e ampliação do Museu Machado de Castro.
Sublinhar a atitude, sempre consciente e perseverante, da autarquia coimbrã, considerando a matriz cultural e artística como inelutável no processo de construção e de desenvolvimento futuro daquela cidade.
Sublinhara atitude impulsiva e estimulante deste Governo, através de um sério investimento público nas infra-estruturas culturais e históricas da cidade, denotando compreensão sobre o papel de Coimbra no curso nacional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A dimensão e a singularidade do projecto de base municipal Parque de Ciência, Cultura e Lazer de Coimbra justificam uma atenção especial para com os contornos deste investimento de milhões de contos.
Integrado na área do futuro parque verde da cidade, esta empresa cultural e científica contribuirá, indubitavelmente,

para o aproveitamento da margem esquerda do rio e para a promoção dos vários edifícios históricos ali existentes: Convento de Santa Clara à Velha, Lapa dos Esteios, Portugal dos Pequeninos, Quinta das Lágrimas e Convento de S. Francisco.
A diversidade temática, sempre com a preocupação de estabelecer uma relação profunda com a história, por um lado, e com o próprio projecto de futuro para Coimbra, por outro, permitirá ali instalar pavilhões que tratem das questões mais variadas: desde o Rio Mondego, aos Jardins Botânicos, passando pela história de Pedro e Inês de Castro, até à edificação de Museus dos Transportes, da Ciência e da Técnica e Exploratório Infante D. Henrique.
Sublinhe-se, igualmente, o desejo de ver estabelecido um, paralelo organizativo e mesmo o aproveitamento material de estruturas e conceitos da Expo 98, conseguindo assim o, aproveitamento eficaz daquele que foi o evento da década no nosso País.
Esta concertarão de esforços entre a autarquia e o Governo, da qual não poderão estar álheados todos os agentes culturais e artísticos da cidade e da região, permitirá, sem dúvida, dotar Coimbra, e o país, respectivamente, de uma rede de equipamentos decisivos para o apoio à criação e à descentralizarão cultural, artística e científica.
No fundo, o gesto protagonizado simultânea e recentemente por vários ministros, em Coimbra, não foi mais do que o reconhecimento expresso das grandes tradições culturais daquela cidade e do elevado valor do notável património que ali está edificado.
O País chumbou a regionalização como modelo de desenvolvimento, no entanto não pode inviabilizar, apesar das vontades de alguns localizados em Lisboa e no Porto, políticas de descentralização de recursos e de meios para promover um crescimento uniforme de Portugal.
Se existem áreas de governação às quais se imponha este tipo de raciocínio, elas são a Cultura, a Ciência e Tecnologia e a Educação, porquanto são critérios decisivos para aferir do grau de desenvolvimento da população e da sua preparação para enfrentar o futuro.
Coimbra é, hoje, e deverá sê-lo crescentemente, um local privilegiado de criação cultural e artística, detém assim dos mais importantes espólios históricos e patrimoniais do país. Está, enfim, na rota dos espectáculos e da oferta cultural.
Atente-se, por exemplo, nos Encontros de Fotografia, cujo prestígio e qualidade ultrapassaram há muito as fronteiras do nosso País, e que têm servido ao longo dos anos para dar ao mundo uma ideia cultural e artisticamente desenvolvida de Coimbra e do país.
Dada a sua relevância foram também, agora, objecto de um protocolo entre a autarquia e o governo para a sua adequação aos objectivos mais arrojados do futuro, com apoios financeiros na ordem dos 94 000 contos para os próximos dois anos.
Na sequência de uma reunião de trabalho com dirigentes distritais de organizações políticas de juventude, assumi o compromisso de fazer eco no Parlamento da pretensão colectiva de assistirmos ao apoio da Administração Central a uma candidatura de Coimbra a Capital Europeia da Cultura no próximo século.
Honro, assim, um imperativo de consciência e cumpro um compromisso político! Assim sendo, enquanto deputado eleito pelo círculo eleitoral de Coimbra, espero ver, deste ou de outro qualquer governo, medidas concretas de apoio a este desejo generalizado de ver Coimbra simbolicamente representada no espaço cultural europeu, que se

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julga legitimado, desde logo, pelo património artístico e pela história cultural de Coimbra, pelo percurso definido para o seu futuro - Cidade da Saúde e da Culturação, ainda, pela necessidade profunda de o País continuar uma obra de criação artística desconcentrada e de descentralização científica e cultural.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entrego, assim, na Mesa da Assembleia da República um requerimento dirigido ao Ministério da Cultura, solicitando-lhe informações sobre a continuação desta estratégia de investimento público em Coimbra, de que a presença do Ministro Carrilho recentemente foi prova, culminando, então, com o apoio a uma candidatura a Capital Europeia da Cultura.
Por último, citando o grande Eça de Queiroz: «O ar de Coimbra, de noite, andava todo fremente de versos. Por entre os ramos dos choupos, mal se via com a névoa das nossas quimeras... Outra das ocupações espirituais a que nos entregávamos, era interpelar Deus. Não o deixávamos sossegar no seu adormecido infinito.»
Desta feita, não deixemos nós adormecer o caldo vivo de vontades que querem ver e fazer de Coimbra um motivo de orgulho cultural para todo o país.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ricardo Castanheira, começo por louvar a circunstância de ouvir um jovem a falar do futuro. Está certo!, não falou do passado, falou do futuro.
Em todo o caso, escusava de ter feito algum remoque em relação ao passado. Por exemplo, quanto à co-incineração, até hoje, ninguém fez nada por Souselas e todos os partidos que aqui estão já estiveram representados ou no Ministério da Indústria, ou no do Ambiente, depois do 25 de Abril, e, nessa altura, já lá estava a cimenteira! Assim, isso do passado é um pecado colectivo que recai sobre todos e cada um de nós, a não ser, talvez com excepção de Os Verdes. Não falemos, pois, nisso.
Há duas coisas que disse com as quais estou plenamente de acordo: a necessidade de dinamizar a margem esquerda do Mondego e a de definir um plano estratégico-cultural para Coimbra, o qual, na verdade, não existe.
O Sr. Deputado louvou demasiado a autarquia, tendo dito que tem sido sempre consciente e perseverante. Ora, a autarquia anda há muito tempo na mesma mão mas pouco ou nada foi feito até agora, a não ser ter iniciado uma ponte com uma pedra que o Sr. Primeiro-Ministro lá pôs, mas não se vê lá nem ponte nem pedra alguma! Nada se vê!
O Sr. Deputado teve uma ideia que apoio: vamos, finalmente, dinamizar, organizar a margem esquerda do Mondego, que, no estado actual, está mal, tendo sido esquecida ao longo de décadas.
Há uma outra ideia que avançou que também tem a minha adesão. Trata-se da ideia de reivindicar para Coimbra vir a ser Capital Europeia da Cultura, algures no milénio que se segue.
Não é que estas coisas sejam necessariamente importantes, porque muito mais importante do que isso seria ter um plano para organizar correctamente o património vivo, do ponto de vista da cultura - falo da cultura musical académica e da cidade, falo do teatro, falo do artesanato, falo das escolas, da Academia em todas as suas plúrimas

manifestações, das bibliotecas, dos museus -, ter um plano que conjugue a- Universidade e a cidade para utilização correcta daquele património vivo que ali está. Era muito importante que se fizesse isto.
Construir um parque, é bom; pensar em comemorações, é bom, mas o que faz a cultura e o desenvolvimento de uma terra é a vida diária dela, é a capacidade que as populações e as instituições têm de tornar dinâmico o que está dentro delas.
Queria ouvi-lo e vê-lo deste lado das coisas, com um menor sortilégio pelos projectos e pelas ideias. Queria vê-lo, antecipando um pouco o tempo, e perguntar-lhe o que pensa da dinamização de todo esse valor imenso que está arquivado em Coimbra. Como vamos dinamizá-lo?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Castanheira.

O Sr. Ricardo Castanheira (PS): - Sr. Presidente, Sr.

Deputado Barbosa de Melo, za da questão que colocou.

Ouviu-me e sublinhou o facto de eu ter falado do futuro, e, efectivamente, assim foi. Ora, julgo eu que, para termos uma ideia clara sobre o futuro, não podemos deixar de fazer uma abordagem sobre o passado, a qual implicará ou não a atribuição das responsabilidades quanto aos erros que, eventualmente, tenham sido cometidos. A verdade é que, durante muitos anos, houve distanciamento, houve alheamento por parte do governo em relação a Coimbra.
Se, agora, eu pedisse ao Sr. Deputado Barbosa de Melo que me indicasse um exemplo de um investimento na área cultural e científica feito na cidade de Coimbra nos últimos 10 anos...

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Teve o Pólo II, Sr. Deputado!

muito obrigado pela gentileza.

O Orador: - Só esse!

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Só esse?! Acha pouco?

O Orador: - Não é pouco, é extraordinariamente importante. Sucede que é um investimento único, raro, singular, durante muitos e muitos anos.
Estou certo é que hoje - e a partir do momento em que o Sr. Deputado, aqui, aderiu expressamente a este conceito de programar para Coimbra uma ideia cultural e científica -, estão criadas as condições para que todos possamos ter este empenhamento colectivo, partindo, obviamente, de um exercício colectivo de reflexão. Penso é que, como já disse, olhar para o futuro não implica, necessariamente, deixar de fazer uma abordagem sobre o passado.
Apesar de tudo, confesso que, em Coimbra - e julgo que esse tem sido um problema durante estes anos grande parte dos instrumentos, das infra-estruturas, do acervo cultural patrimonial e histórico não depende só da sociedade coimbrã, muita da qual está ligada à Universidade de Coimbra. Parece-me que a Universidade em si mesma deveria dar o ponto de partida, uma noção de abertura, de democratização do seu próprio acervo cultural, o que me parece que nem sempre é bem feito.

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Sucede que espero - repito e termino desta forma, agradecendo novamente a gentileza de ter-me colocado a sua questão - que, por parte do PSD e dos demais partidos que não se pronunciaram sobre esta questão, talvez porque não tenham Deputados eleitos por este círculo eleitoral, haja abertura para que todos nós, de forma concertada, nos aliemos à autarquia, pois, necessariamente, tem de ser esta a protagonizar a mudança e este passo para o futuro, no sentido de que, no futuro mais próximo possível, Coimbra possa ser Capital Europeia da Cultura, com o simbolismo que tal nomeação tem.
É que, afinal de contas, como disse - e concordo absolutamente consigo -, Coimbra deverá ser, diariamente, uma capital nacional da cultura. Isso sente-se no quotidiano, no acesso à cultura, no tal acesso ao património. Mas há que começar já, independentemente de Coimbra vir ou não a ser nomeada Capital Europeia da Cultura.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 35 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 194/VII Garante uma maior igualdade de oportunidades na participação dos cidadãos de cada sexo nas listas de candidatura apresentadas nas eleições para a Assembleia da República e para o Parlamento Europeu quanto aos Deputados a eleger por Portugal.
Para introduzir o debate em representação do Governo, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Costa): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Nunca uma proposta de lei se revelou tão eficaz. Ainda antes de ser votada, apesar das ameaças de ser chumbada, esta proposta de lei já produziu mais efeitos do que muitas leis há muito em vigor.
Pela primeira vez, a opinião pública, os líderes de opinião, os agentes políticos, ganharam consciência de que a vida política permanece fechada a uma maior participação feminina, ao contrário do que ocorreu em todos os outros domínios da sociedade portuguesa.
Pela primeira vez, todos os líderes partidários se comprometeram, pública e solenemente, a fazer eleger nas suas listas para o Parlamento Europeu e para a Assembleia da República um conjunto equilibrado de cidadãos de ambos os sexos, excedendo mesmo os limites mínimos aqui propostos.
Pela primeira vez, duas das três principais listas de candidatas ao Parlamento Europeu serão encabeçadas por mulheres.
Tanto bastaria para confirmar a oportunidade desta iniciativa do Governo.

Aplausos do PS.

Porquê, então, insistir na necessidade da sua conversão em lei da República? Por três razões fundamentais e, em primeiro lugar, por uma questão de convicção.

Esta iniciativa resulta de um compromisso assumido pelo Primeiro-Ministro António Guterres aquando da realização do «Parlamento Paritário», em Fevereiro de 1994, que foi expressamente acolhido no programa eleitoral do PS e da nova maioria, em 1995, e teve tradução no Programa do XIII Governo Constitucional.
Em segundo lugar, porque os partidos não estão acima da lei.
A Assembleia da República e o Parlamento Europeu
não são órgãos internos dos partidos, nem os respectivos
mandatos parlamentares seu património de que possam
dispor livremente, em auto-regulação.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - A democracia organiza-se pelas leis da República e não pela efémera vontade dos príncipes.
Em terceiro lugar, porque, com os votos do PS, do PSD, do PCP e de Os Verdes e a abstenção do CDS/PP, a Constituição passou a exigir, sob pena de inconstitucionalidade por omissão, que seja a lei a «promover a igualdade no exercício dos direitos cívicos e políticos e a não discriminação em função do sexo no acesso a cargos políticos».
A última revisão constitucional não foi, para nós, um
exercício mediático, um acordo de conveniência ou ma
nobra política de ocasião. Por isso, não nos entretivemos
no efémero «foguetório» comemorativo das vitórias de
Pino e, pelo contrário, empenhamo-nos com toda a ener
gia na concretização das reformas efectivas que aquela
revisão permitiu e que a Constituição, hoje, exige.
A Constituição já não se limita a garantir a igualdade entre sexos e a proibir as normas que discriminam negativamente as mulheres. A Constituição vai mais longe, desde 1997. A Constituição exige-nos, agora, a promoção da igualdade efectiva e não só a garantia da igualdade formal. Não só rias relações laborais e familiares, mas agora, também, no domínio do exercício de direitos cívicos e políticos e da não discriminação no acesso aos cargos políticos.
A proposta de lei do Governo resultou do contributo de um grupo de trabalho que integrou os Professores Jorge Miranda e Vital Moreira, as Professoras Luísa Duarte e Lúcia Amaral e, ainda, a Dr.ª Leonor Beleza. Um contributo que foi enriquecido pelo diálogo mantido com as 50 ONG (organizações não governamentais) presentes no conselho consultivo da Comissão para a Igualdade e Direitos da Mulher.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!

O Orador: - O Governo começou por dar tratamento legislativo a esta matéria na proposta de reforma da lei eleitoral que apresentou em Março de 1998, na Assembleia da República, e que veio a ser chumbada pelas oposições.
Optou, então, o Governo pela autonomização legislativa desta questão, de modo a facilitar a reprodução do consenso que suscitara em sede de revisão constitucional, pelo que, em Junho do ano passado, apresentou esta proposta, que podemos caracterizar em sete pontos fundamentais.
Primeiro, abrange as eleições para a Assembleia da República e para o Parlamento Europeu; segundo; tem natureza transitória, só sendo aplicável às próximas quatro eleições para a Assembleia da República e para o Parla-

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mento Europeu; terceiro, aplica-se, por igual, aos cidadãos de ambos os sexos; quarto, tem carácter gradual, fixando um programa de metas quantitativas para a paridade, que se inicia com um objectivo de 25% nas duas primeiras eleições e evolui para 33,3% nas duas eleições subsequentes; quinto, tem natureza supletiva, nada impedindo qualquer partido de adoptar soluções de partilha mais ambiciosas ou mais rapidamente;...

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Orador: - ... sexto, previne a fraude, impondo uma distribuição regular dos candidatos de ambos os sexos ao longo da lista de efectivos; sétimo, consagra uma garantia efectiva, pois prevê a rejeição das listas que não respeitem estes critérios.
Esta proposta de lei não é, obviamente, a única forma possível de regulamentar o artigo 109.º da Constituição. Já o dissemos. Mas esta proposta é a única iniciativa apresentada. Nenhuma alternativa lhe foi contraposta.

A Sr.º Maria Celeste Correia (PS): - Exactamente!

O Orador: - As 50 ONG de defesa dos direitos das mulheres, entre as quais não posso deixar de destacar, nesta ocasião, a organização das mulheres comunistas, as mulheres do CDS/PP, as mulheres portuguesas social democratas e departamento de mulheres do PS, exortaram a Assembleia da República - e cito - «a aperfeiçoar o presente diploma em sede de debate parlamentar»,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... designadamente, alargando o âmbito dos órgãos electivos abrangidos, estabelecendo um calendário menos «distendido» e metas menos «tímidas».
Da nossa parte, queremos deixar bem claro: é total a abertura do Governo para que a Assembleia da República dê ouvidos a este apelo da sociedade civil.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Do mesmo modo, a muito interessante audição parlamentar promovida pela 12.ª Comissão, que vivamente felicito pelo seu excelente trabalho na pessoa da sua Presidente, Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro, forneceu um conjunto de sugestões e ideias que mereciam não ser ignoradas, no trabalho da especialidade.
Não será, pois, por falta de iniciativa do Governo nem da sua disponibilidade para o diálogo; não é por falta de iniciativa, de sugestões e de ideias da sociedade civil que a Assembleia da República violará a Constituição. Se o fizer, será, única e exclusivamente, por insuportável e arrogante autismo das oposições!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O que aqui está em causa não é uma questão de mulheres. O que está em causa é a qualidade da democracia.

Aplausos do PS.

Desde logo, porque esta proposta se dirige, indistintamente, aos cidadãos de ambos os sexos.

É certo que, sendo o feminino o sexo claramente sub-representado entre-os titulares de cargos políticos, os objectivos mínimos fixados são-lhe preferencialmente aplicados. Mas esta não é uma distinção criada pela proposta de lei. Esta é a realidade que a proposta de lei, precisamente, visa superar.
Igualdade não significa identidade. O princípio da igualdade perante a lei não elimina as diferenças. Exige que, apesar das diferenças, todos sejam tratados por igual. «Todos diferentes, todos iguais».

Aplausos do PS.

Não acompanho assim o universalismo abstracto que, em nome da conquistada igualdade formal, retira a interdição da diferenciação positiva, como se aquela houvesse logrado, por si só, superar a desigualdade de facto.
Não se veja aqui o risco de um comunitarismo diluidor do princípio da representação dos cidadãos na representação categoria) de raças, corporações, confissões religiosas ou outras.
A diferença de género é única, necessária e compreensiva de todas as demais. A humanidade é universal e intemporalmente masculina e feminina e assim são todas as outras diferenças cultural e socialmente construídas.
Tenho, aliás, insistido numa distinção, só aparentemente subtil. O problema não é o da «sub-representação das mulheres», mas o de haver poucas mulheres representantes.
De acordo com o princípio representativo, cada Deputado e cada Deputada representa todos os cidadãos. Por isso, todos os homens e todas as mulheres estão por igual aqui representados, na Assembleia da República.
O problema é outro. É que, entre os representantes, há muito poucas mulheres. E isto significa que a representação está amputada do contributo, do mérito, da competência, da vivência, da maioria da população portuguesa.
O objectivo desta lei não é dividir, mas reconhecer a humanidade na sua plenitude masculina e feminina, democratizando a democracia.
Há dois argumentos radicalmente opostos que convergem no comum entendimento da inconveniência e desnecessidade do tratamento legislativo desta matéria.
Por um lado, sustenta-se que a natural evolução social há-de mudar a situação, como vem mudando em outros domínios, não devendo alei recorrer à «engenharia social».
Por outro lado, entende-se que o que importa é a mudança das condições objectivas da vida das mulheres, das suas relações laborais e familiares.
Para uns e para outros, tudo deveria ficar como está. À espera da natural evolução social ou do fruto da luta colectiva por uma nova organização social. São, é preciso dizê-lo, duas visões de um mesmo imobilismo conservador.

Risos da Deputada do PCP, Odete Santos.

É óbvio que a adopção desta proposta de lei não resolve, por si, qualquer dos problemas das mulheres. Mas isto só demonstra que esta iniciativa não é suficiente e tem de ser acompanhada de outras medidas de natureza social, laboral e de educação cívica.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - O que faz falta é a lei
do «part-time»!

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O Orador: - Mas o que não percebo, com toda a sinceridade, é como é que, do reconhecimento da necessidade de fazer mais, se extrai a conclusão de ainda fazer menos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, o que a experiência destes 25 anos nos revelou, e a experiência dos outros países comprova, é que a evolução social nunca foi suficiente para determinar uma alteração relevante da presença feminina nos órgãos de decisão política.

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Orador: - Em todos os países onde esta alteração se produziu foram adoptadas medidas positivas e fixados objectivos mínimos quantificados.
Não por acaso, hoje mesmo, dia 4 de Março, a França discute a revisão da sua Constituição, de modo a obter cobertura constitucional para voltar a adoptar medidas positivas que anteriormente adoptou e que, então, foram consideradas inconstitucionais. Não por.acaso, a Itália pensa seguir o mesmo caminho. Não por acaso, a Bélgica, o Brasil, a Argentina ou os países do norte da Europa, em especial os escandinavos, já as adoptaram.
Todos constataram a necessidade de adoptar medidas positivas sob a forma de objectivos mínimos quantificados. Não como um fim, não como um ideal de organização da democracia representativa, mas como uma alavanca para a paridade, como um instrumento temporário para compensar uma efectiva desigualdade de oportunidades.
E esta desigualdade ninguém nega. Seja porque se reconhece como causa a persistência de resquícios, tantas vezes inconscientes, de velhos preconceitos, seja, por outro lado, porque se aponta a dificuldade de conciliar as vidas profissional, familiar e cívica, desigualmente partilhadas. E aqui se legitima a necessidade de adoptar medidas positivas, porque a igualdade exige tratar de modo desigual o que é, de facto, desigual.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A iniciativa do Governo sobressaltou todos os conservadorismos. Desde logo, os que, entrincheirados num imobilismo, que esta iniciativa visa - é verdade! - abalar profundamente, se opõem a esta reforma do sistema político, como, em boa verdade, se opõem a todas as reformas que querem alargar o espaço da cidadania, que procuram revitalizar a vida democrática, que visam uma maior partilha dos poderes.
Mas sobressaltou também o paternalismo que justifica a ausência de mulheres na vida política pela sua «intrínseca sensatez», pelo seu proverbial «6.º sentido», que as levaria a rejeitar uma actividade menor, desprestigiada e desprestigiante. O mesmo paternalismo que critica esta iniciativa como uma humilhação que queremos infligir às mulheres, cuja superioridade se revelaria afinal, paradoxalmente, na humilhante inferioridade em que se encontram nos postos de decisão.
Tal desvelo e carinho pela mulher para justificar a exclusão das mulheres só tem paralelo no desvelo e no carinho que a Câmara Corporativa revelou, em 1946, ao justificar, pela pena do Professor Fezas Vital, o não alargamento do direito de voto às mulheres casadas, da seguinte forma: «E que maior homenagem prestar às mães

portuguesas - às nossas mães - do que a de retirar-lhes a capacidade política em nome da sua insubstituível função de guardas da paz familiar, de rainhas santas do lar cristão?».

A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - Esta interrogação, Srs. Deputados, .dirige-se à consciência de VV. Ex.as, interrogando-os se devem juntar o vosso voto a estas vozes, interrogando-os se devem com o vosso voto dar nova vida aos intemporais argumentos que o preconceito sempre inspira para justificar a injustificável exclusão!

Aplausos do PS.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - São as diferenças biológicas que levam a isso!

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado António Brochado Pedras.

O Sr. António Brochado Pedras (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: Para além da conquista das liberdades e da democracia, um dos traços mais marcantes da revolução de Abril foi, justamente, a abolição da discriminação dos cidadãos em razão do sexo, consagrando-se assim a igualdade dos cidadãos, homens e mulheres, perante a lei. E isto teve consagração ao nível constitucional e ao nível da legislação ordinária, designadamente ao nível das leis eleitorais.
Gostava aqui de lembrar, agora que estamos prestes a comemorar as bodas de prata, que foi justamente o 25 de Abril que redimiu a República de um pecado original. É que, paradoxalmente, o regime que foi implantado em 5 de Outubro de 1910 e que adoptou como símbolo o busto de uma linda, esbelta e escorreita mulher, negou à mulher portuguesa o direito de voto nas eleições que se seguiram à implantação da República.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem! Bem lembrado!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Era uma República burguesa, claro! Tinha de ser!

O Orador: - Este facto não pode deixar de ser aqui lembrado, porque as três Constituições monárquicas, embora não totalmente, conferiam às mulheres alguns direitos eleitorais.

O Sr. José Magalhães (PS): - Que ignorância!

O Orador: - Julgo que esta medida veio na sequência de uma prática jacobina, que vem já da Revolução Francesa, em que as senhoras eram remetidas às galerias, aí fazendo tricot e apoiando ou invectivando os interventores.

Risos.

O Orador: - Creio, Sr. Ministro, que este facto nos diz bem da importância fulcral do 25 de Abril.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

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O Orador: - E é altura de lembrar que foi exactamente por mor do 25 de Abril que as mulheres portuguesas passaram a ascender à magistratura, à carreira díplomática, à polícia, à Administração Pública, às universidades, a todo o lado. Mas ascenderam por direito próprio, pelas qualidades que tinham, por valor intrínseco, pelo seu mérito, e é assim que deve ser.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Temos aqui, na nossa bancada, duas mulheres, a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, que foi Presidente do Grupo Parlamentar, e a Sr.ª Deputada Helena Santo, que foi Secretária-Geral do Partido, e nas galerias vejo com muito agrado a que foi muito digna Bastonária da Ordem dos Advogados, por mérito próprio, não por favor da lei.

Aplausos do CDS-PP.

O Orador: - Julgo que esta proposta de lei que está agora em discussão avilta a mulher, constitui uma memorização, é uma capins diminutio e é isso que eu não a quero e que certamente as próprias mulheres não a quererão, mas elas também o dirão.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Julgo, Sr. Ministro, que V. Ex.ª e o seu Governo têm meios para promover a subida das mulheres à política. Por que não alterar a lei eleitoral por forma a permitir candidaturas independentes, onde as mulheres, sem precisarem dos partidos, possam concorrer, seja à Assembleia da República, seja às autárquicas?

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Gostava também de lembrar que, em sessão da Assembleia, todos os líderes vieram aqui proclamar que vão fazer todos os possíveis pára que as mulheres tenham lugar nas próximas listas em maior número possível do que a quota que o Governo propõe. Queria sugerir aos líderes partidários que já no próxitno dia 25 de Abril...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de terminar.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Dizia eu que queria sugerir aos líderes parlamentares que, precisamente quando comemorarmos as bodas de prata do 25 de Abril, possam, em conjunto, juncar as escadarias da Assembleia da República com cravos para que as mulheres portuguesas subam até aqui, não pela lei das quotas, mas por mérito próprio. É a isto que eu julgo que as mulheres portuguesas têm direito e será com todo o agrado que as vamos receber, mas, dignamente, por direito próprio e não por lei.

Aplausos do CDS=PP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Brochado Pedras, agra-

deço as suas questões e não fique preocupado porque não é o 25 de Abril que nos divide mas o grau de exigência que nós temos quanto à igualdade.
O Sr. Deputado satisfaz-se por a Constituição garantir a igualdade formal mas eu não, eu quero a igualdade real, a igualdade efectiva.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E não sou só eu, é também a Constituição, porque, em 1997, esta Assembleia aprovou uma revisão constitucional, com a abstenção do seu partido, é certo, mas com os votos favoráveis do PCP, do Partido Ecologista Os Verdes, do PS e do PSD, que introduziu um novo artigo, o artigo 109.º, onde se diz que a lei deve promover a não discriminação em razão do sexo no acesso a cargos políticos. O que é que isto significa? Sr. Deputado, a garantia de que não podia haver discriminação já lá estava desde a versão original da Constituição e o que a Assembleia reconheceu foi que, não obstante essa garantia formal, existem situações de desigualdade de facto ou discriminações informais que fazem com que, ao contrário do que aconteceu em todos os outros domínios da vida social, isso não se verifique na política.
O Sr. Deputado reconheceu aqui alguns casos: por exemplo, na magistratura, onde existem mais de 40% de mulheres e eram proibidas até ao 25 de Abril; na carreira diplomática, onde, no último concurso, entre os quatro primeiros lugares, três são mulheres; em todos os ramos do ensino superior, onde, à entrada no ensino superior, 55% são mulheres, que representam 65% das conclusões de curso com sucesso. E aqui? Aqui, são 12%. E ao nível das autarquias? Apenas 6%! E ao nível das presidências de câmara? Somente 2%! E ao nível do Parlamento Europeu? 8%!
Sr. Deputado, não basta querer fechar os olhos a uma realidade que é indiscutível: só há um domínio na sociedade portuguesa, 25 anos depois do 25 de Abril, onde a mulher não encontrou o lugar a que tem direito pelo seu mérito e pela sua competência: na vida política.
E não é preciso termos ilusões acerca de quais são as razões. Todos nós conhecemos os partidos! O Sr. Deputado pode ler, por exemplo, ás actas-da audição parlamentar e ver o que o Secretário-Geral do PS disse, o que disse o Presidente do PSD, o que disse a Dr.ª Leonor Beleza, explicando bem quais são as causas que, efectivamente, no funcionamento dos partidos, impedem e impedirão que se dê um salto qualitativo nesta matéria.
Mas ainda bem que recordou aqui o caso da I República, pois, efectivamente, a 1 República é um bom exemplo daquilo que não devemos fazer quanto. a esta matéria. É que quando, no dia 28 de Maio de 1911, pela primeira vez, uma mulher, uma médica, viúva, mãe, chefe de família, Carolina Beatriz Ângelo, exerceu - foi a primeira e única mulher, -, o seu direito de voto, a reacção da República foi, na lei eleitoral de 1915, explicitar que só os cidadãos do sexo masculino tinham direito de voto, aclarando assim aquilo que antes não se tinha explicitado, porque era de tal forma óbvio que quando se dizia cidadão não estavam compreendidas as mulheres que tal nunca tinha sido aclarado.
E foi preciso que Carolina Beatriz Ângelo recorresse ao tribunal, recorrendo de um despacho do então Ministro do Interior António José de Almeida, para que lhe fosse concedido a ela, e só a ela, o direito de voto nas eleições, e só naquelas eleições, porque nas seguintes já a lei esta-

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va alterada. O resultado foi que, efectivamente, a República não se soube aprofundar, muscular e vitalizar a sua democracia, acabando como acabou.
É que comemorar os 25 anos do 25 de Abril não é virmos todos fazer aqui o discurso retórico do saudosismo da madrugada libertadora; para comemorar o 25 de Abril, o que importa é acreditar que ele pode ter mais 25 anos com uma melhor democracia, com mais qualidade e, Sr. Deputado, não haverá mais democracia nem mais qualidade se não houver mais mulheres a fazerem política em Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Ministro António Costa abordou uma questão que é muito importante para nós, a do empobrecimento de uma democracia que não garanta, em todos os domínios; a não discriminação das mulheres.
Mas, obviamente, Os Verdes não partilham o entendimento de que o problema se coloca só no plano político, assim como não partilham o entendimento, como o Sr. Ministro disse, de que há resquícios de preconceito.
Aliás, gostaria que o Sr. Ministro desse mais atenção à forma como o Governo se dirige ao Sr. Deputado Isabel Castro. É que tem tão adquirido, na sua linguagem sexista, que são todos homens que até se esquece de dirigir as cartas correctamente às mulheres que são Deputadas!

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Falhou um pequeno pormenor!

Risos.

A Oradora: - Mas, Sr. Ministro, há duas coisas que gostaria de ver esclarecidas e a primeira tem a ver corri uma questão que me parece séria, o facto do Governo dizer - e bem - que não se contenta com a igualdade formal.
Também nós, Os Verdes, não nos contentamos com a igualdade formal e a pergunta, muito simples, que lhe faço é a seguinte: por que é que o Governo apresenta uma proposta de lei que procura atingir um universo de 255 eleitos, respeitantes ao Parlamento Europeu e ao Parlamento nacional, e ignora as 40 000 pessoas que são eleitas a nível nacional. no poder local? Por que é que o Governo, que falou - e bem - da qualificação das mulheres, não diz uma palavra sobre a sua participação noutros órgãos de decisão política?

O Sr. Rui Carreteiro (PS): - Não leu o projecto de lei! Isso não é verdade!

A Oradora: - Por que é que não diz uma palavra sobre as nomeações? Ontem ouvimos falar em 10 000 pessoas nomeadas pelo Governo e eu pergunto: qual é a percentagem de mulheres nesse conjunto, quer seja um universo de 10 000 ou 5 000? Qual é a quantidade de mulheres e como é que o Governo procura equacionar esta questão?
Por último, Sr. Ministro, uma coisa que me parece, de facto, espantosa na proposta de lei do Governo. A proposta de lei diz, no seu artigo 3.º, que «o nascimento de

um filho é motivo relevante de suspensão até quatro meses do mandato de Deputado». Até aqui não acrescenta nada porque, como todos os Srs. Deputados sabem, a lei que concede esse direito, por iniciativa de Os Verdes, já está aprovada. Mas, depois, o Governo diz uma coisa espantosa, que é um retrocesso em relação àquilo que foi o diploma aprovado pela Assembleia da República: «os Deputados gozam de direitos e regalias respeitantes à maternidade previstos na lei». Ora, o que a lei prevê, numa perspectiva diferente, são direitos de maternidade e paternidade e, portanto, pergunto-lhe onde é que está a mudança de entendimento do Governo.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, a sua especialidade, nos últimos dois dias, é procurar dar algum tom de esquerda à pior argumentação que a direita produz contra iniciativas legislatívas que querem mudar a sociedade portuguesa.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Deputada está a desempenhar um triste papel, o de «bengalinha» de retórica da direita portuguesa.
Como terá reparado, a Sr.ª Deputada não explicou, primeiro, por que é que não apresentou.um diploma que cobrisse os eleitos locais e, segundo, por que razão não se reserva para, em sede de especialidade, alargar o âmbito de aplicação deste diploma, uma vez que já manifestei a disponibilidade total do Governo para esse efeito - correspondendo, aliás, à exortação que as 50 ONG de mulheres dirigiram à Assembleia da República -, antes se prepara para «chumbar», na generalidade, esta proposta de lei.
Sr.ª Deputada Isabel Castro, vou explicar por que é que não abrangemos, desde já, as autarquias locais. Nós quisemos acreditar que quando V. Ex.ª, o PCP e o PSD votaram favoravelmente, em sede de revisão constitucional, o artigo 109.º da Constituição; não o fizeram a brincar, mas a sério, para se proceder à elaboração de uma lei realista.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E arrostámos com a crítica que nos tem sido dirigida, por ela ser «tímida», por ter um calendário que é lento e por só abranger a parte e não o todo. Mas fizemo-la assim, porque percebemos que tínhamos de recuar relativamente aos nossos objectivos de fundo, a fim de procurar encontrar uma base mínima que viabilizasse a aprovação da proposta nesta Assembleia. E, se nem assim vai passar, quanto mais alargada fosse, menos passaria!
A Sr.ª Deputada sabe - como integra a CDU, conhece as estruturas distritais e locais desta - que nos grande partidos é mais fácil aumentar a participação das mulheres ao nível dirigente, quando essa decisão é tomada ao mais alto nível, e vai sendo cada vez mais difícil consoante se vai descendo na escala das estruturas partidárias, por uma razão que é fundamental: efectivamente, as raízes conservadoras que mobilizam as oposições contra esta

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proposta de lei estão bem vivas em todas essas estruturas. E também falo de um partido que conheço.
É, obviamente, mais difícil partir de um universo de 2% de presidentes de câmara, ou de um universo de 6% de eleitos locais, do que de uma base de 12% aqui, na Assembleia da República. E nem perante a perspectiva dos 12% os partidos políticos estão disponíveis para assumir o compromisso, tutelado e garantido pela lei, de que essa evolução se vai concretizar!
Sr.ª Deputada, se as suas divergências são essas, tem um bom remédio: viabiliza, na generalidade, a nossa proposta de lei e nós daremos todo o apoio às alterações que sugeriu, em sede de especialidade. Aguardo a sua resposta.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Isabel Castro pediu a palavra para que efeito?

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Para exercer o direito regimental de defesa da consideração da minha bancada, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, manifestamente, não foi desonrada, mas faça favor.

Risos.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - É uma leitura admissível, como qualquer outra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Em todo o caso, uma leitura mais objectiva do que a sua, desculpar-me-á!

A Oradora: - Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, não admitimos essa visão, talvez patriarcal, segundo à qual a defesa das posições de Os Verdes é sinónimo de uma triste ou alegre - na leitura de cada um - atitude de «bengalinha» ou de «bengala». Esse não é, seguramente, um comentário admissível, seja por parte de quem for!
Portanto, não aceitamos que o Governo, só porque se sente incomodado e convive mal com as críticas, «legende» as críticas e retire delas leituras; sem qualquer autoridade para o fazer!

Vozes do PS: - E a resposta?

A Srª Odete Santos (PCP): - Ora essa!... A Deputada Isabel Castro não pediu a palavra para responder!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, percebo que a sua consciência esteja incomodada, não pelas minhas palavras mas pela sua postura neste debate. E faço-lhe a justiça de admitir que a sua consciência está incomodada porque a conheço - fomos colegas na assembleia municipal - e sei que a Sr.ª Deputada, defendendo os valores que defende, terá dificuldade em juntar o seu voto a um discurso reaccionário, como foi o produzido pela Câmara Corporativa, em 1946! É que esse é o discurso que-hoje, de uma forma mais subtil e, até, com desvelo e carinho para as mulheres, pretende justificar a injustificável dis

criminação constituída pelo facto de as mulheres, apesar do mérito que têm na sociedade portuguesa - que já provaram -, não estarem presentes nos órgãos de decisão.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Deputada deve ser daquelas pessoas que julga, com convicção, que queremos humilhar as mulheres, como se essa questão fosse, sequer, possível de colocar sem um preconceito, esse, sim, negativo sobre as mulheres. Essa ideia pressupõe que os homens, por natureza, têm mérito e competência, por isso ninguém questiona o mérito e a competência dos 90% de homens que estão sentados nessas bancadas, nem dos 100% de homens que estão sentados na bancada do Governo, e que as mulheres, para terem mérito e competência, estão sujeitas a prova! Mas porquê?!
A Sr.ª Deputada sabe bem que a política não está sujeita a exame de admissão por mérito, por isso há poucas mulheres! Sempre que a admissão está sujeita ao mérito e à competência dos candidatos, as mulheres ganham, e por isso não estão nesta humilhante sub-representação de 12%, que é a que existe nesta Assembleia da República.
O que devia ofender a honra e a consideração da bancada de Os Verdes é o facto de serem tão poucas as mulheres na Assembleia da República, a não ser que goste de se sentir sozinha e mal acompanhada, como, pelos vistos, manifestamente, gosta!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, o nível de arrogância de que já deu mostras neste início de debate,...

Protestos do PS.

... aliado a algumas diatribes que lançou contra quem se opõe à proposta de lei = algumas delas, permita-me que lhe diga, completamente irresponsáveis -, são a prova provada, só por si, de que nem sequer V. Ex.ª tem confiança na proposta apresentada pelo Governo;...

Aplausos do PCP e de alguns Deputados do PSD.

... de que nem sequer V. Ex.ª consegue entender, ou admitir, que essa proposta de lei seja boa!
Aliás, o Sr. Ministro começou a sua intervenção por dizer que nunca uma proposta de lei teve tanta eficácia como esta já teve.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - É verdade!

O Orador: - Mas esqueceu-se, talvez - e não vou agora discutir essa matéria -, de tirar uma conclusão necessária e, julgo, cada vez mais evidente: a de que esta proposta de lei já esgotou a sua eficácia e não vale a pena passá-la a lei, porque ela já não tem mais eficácia! Essa, sim, é a questão central.
Contudo, antes de entrar na questão central, e devido a essa eficácia que referiu, de todos os líderes parlamenta

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res se terem comprometido, publicamente, a desenvolver esforços para reforçar a participação das mulheres na vida política, no âmbito dos respectivos partidos, gostava de dizer que, até hoje, só não consegui ouvir essa afirmação da parte do líder parlamentar do Partido Socialista!

Aplausos do PCP.

Deixo para mais tarde o problema da Constituição - a minha camarada Odete Santos tratará dele -, mas adianto, para já, o seguinte: é preciso não esquecer por que é que a proposta de alteração ao artigo 48.º, apresentada pelo Partido Socialista, não foi aprovada e, de início, imediatamente criticada por todas as outras bancadas. Nas actas estão as razões - queriam impor a questão das quotas na Constituição - que levaram à rejeição imediata dessa proposta.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Exactamente!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Já li, e julgo que V. Ex.ª, Sr. Ministro, também terá lido, uma afirmação que considerava este tipo de leis, de imposição legal de quotas, como uma «receita preguiçosa» e uma «solução perigosa». E esta é uma questão que não pode ser escamoteada neste debate.
A proposta do Governo é uma «receita preguiçosa» porque quer, ao fim e ao cabo, «caiar a parede» para não ter de resolver os problemas de fundo que impedem e dificultam a criação de condições para que haja uma efectiva igualdade entre mulheres e homens, uma promoção da igualdade real entre mulheres e homens, com todos os problemas que as mulheres têm de enfrentar a mais do que os homens, durante toda a vida, na nossa sociedade. E para fugir a essa situação e é essa «preguiça» do Governo que o leva a apresentar esta proposta de lei, não resolvendo nem contribuindo para a resolução das questões de fundo que impedem essa promoção da igualdade.
E é uma «solução perigosa», porque pode dar a ideia de que, com uma lei destas, o problema da promoção da igualdade entre homens e mulheres estaria esgotado, quando, afinal, a situação que se coloca é precisamente a inversa.
Não quero correr o risco de V. Ex.ª também me chamar de direita, reaccionário, etc, etc...

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Não é preciso!

Risos do PSD.

O Orador: - Não é preciso, Sr. Ministro, porque, se V. Ex.ª o fizesse, ninguém acreditaria! Mas se lhe chamasse reaccionário a si, já muitos acreditariam, porque isso é verdade nos actos do Governo e do PS.

Aplausos da Deputada do PCP Odete Santos.

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino dizendo que a proposta que o Governo nos apresenta, ao fim e ao cabo, propõe que as mulheres se apresentem a sufrágio pelo facto de serem mulheres e não enquanto cidadãs de pleno direito. E é por

causa desta discriminação negativa, desta opção do Governo para escamotear as questões de fundo que nós nos opomos a esta proposta de lei.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Esses métodos franceses do terrorismo aqui não funcionam!

Risos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - A Sr.ª Deputada Odete Santos há-de dizer «essa do terrorismo» para o microfone, porque tem a vantagem de ficar gravado!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Em França chamaram isso tudo~a mulheres de esquerda!

O Sr. Presidente: - Agradeço que os Srs. Deputados criem condições para que o Sr. Ministro possa responder.

O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, a proposta do Governo é contrária ao que o Sr. Deputado diz, pois não pretende que as mulheres se candidatem pelo facto de serem mulheres; o que pretende, sim, é que as mulheres deixem de se candidatar pelo facto de serem mulheres, porque esta é a realidade!
Como é que o Sr. Deputado Octávio Teixeira me explica que, estando hoje as mulheres em posição de destaque em todos, mas todos, os outros domínios da vida social, seja só na política que não estão?! É porque há uma incapacidade específica para ser político? Ou seja, podem ser juízes, embaixadoras, advogadas, médicas, operárias, trabalhadoras dos serviços e só para a vida política são incapazes!? Quer que acredite nisto? Não acredito e sei que o Sr. Deputado também não.
O Sr. Deputado sabe tão bem como eu por que razão é quer apesar do mérito e da competência, as mulheres não estão mais representadas na vida política.
Refere ainda o Sr. Deputado que a proposta de lei é uma «receita preguiçosa» e uma «solução perigosa», e acrescenta: é «preguiçosa» porque não vai ao fundo da questão. Tem de se ir ao fundo da questão, mas insisto naquilo que já disse na minha intervenção, isto é, que não é pela necessidade de fazer mais que vamos tirar a conclusão de que, então, ainda vamos fazer menos! E tem-se feito alguma coisa.
Designadamente, para resolver a questão de fundo, é importantíssimo o alargamento da rede do pré-escolar e será importantíssimo que V. Ex.ª não volte a juntar o seu voto aos do PSD e do PP para «chumbarem» a lei da licença parental que o Governo apresentou a esta Assembleia;...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... foi importantíssima a redução do horário de trabalho para 40 horas semanais e é importantíssimo continuar esse trabalho.
Sr. Deputado, deixe-me que lhe diga que há um ponto que não percebo: por que é que o facto de haver mais mulheres nos órgãos de poder tornará mais difícil tomar

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mais medidas que beneficiem as mulheres na resolução desses problemas de fundo? É que até penso precisamente o contrário: se houver mais mulheres nesta Assembleia da República, a Assembleia passará a dar mais atenção aos problemas do ponto de vista de como eles dizem respeito, de um modo muito particular, à vivência feminina.
O Sr. Deputado diz-me: «a receita é perigosa porque aparenta que a desigualdade se resolve». Não! Há uma coisa que não aceito: é que para aparentar a igualdade eu mantenha a desigualdade!
O Sr. Deputado fará a leitura do artigo 109.º da Constituição que bem entender, mas há uma expressão que o artigo 109.º refere e que antes não constava: é que a lei da República - e não refere a auto-regulação partidária - deve promover a não discriminação, e estabelece que se deve promover a não discriminação porque a Constituição entende - e V. Ex.ª quando a votou entendia -, que era insuficiente a mera garantia da igualdade formal.
Devo dizer-lhe ainda que o que mais me surpreende na posição do seu partido é o facto de ter aderido a esta leitura do princípio da igualdade como sendo uma leitura que interdita qualquer discriminação positiva.
Sr. Deputado, os ricos e os pobres também são iguais
perante a lei e é nosso dever introduzir medidas e políti
cas de redistribuição do rendimento que reforcem a coe
são social. E o que é isto se não uma medida de diferen
ciação positiva?! Ou V. Ex.ª também já capitulou
totalmente perante o mais ultraliberalismo, recusando a
diferenciação positiva como pondo em causa o princípio
da igualdade? -

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Eu não sou do Partido Socialista!

O Orador: - É que percebo esse discurso vindo do Deputado Antónió Brochado Pedras porque ele faz sentido, mas vindo de V. Ex.ª não faz sentido!
Porém, felizmente, na esquerda europeia, temos uma esquerda unida e ainda ontem ouvimos, na televisão, uma Deputada defender uma proposta de lei desta natureza, dizendo: «É pena não podermos apresentá-la aqui, em Espanha, porque não há uma maioria de esquerda necessária para a aprovar». E ficaria a Deputada muito espantada pelo facto de, graças a V. Ex.ª e ao seu grupo parlamentar, em Portugal, também não haver uma maioria para a votar, mas haverá uma maioria para a chumbar!

Aplausos do PS.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Esta proposta não é de esquerda. É tudo menos isso!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Santo.

A Sr.ª Helena Santo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, depois de ouvir a sua intervenção e antes de colocar uma pergunta, permita-me que invoque um pouco da legitimidade que julgo ter neste debate. É que estou aqui como mulher que não está na vida política por quotas, que nem tão pouco está na vida política por ter sido convidada; estou na vida política porque, a dado momento da minha vida, entendi que devia participar num projecto em que acreditava.

O Sr. Augusto Boucinha (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - As quotas, na altura, não eram.moda e a direcção do partido a que pertenço e os militantes do distrito onde fui cabeça de lista, sem ter de dividir esse meu lugar com nenhum homem, onde fui depois Secretária-Geral sem também ter de dividir esse cargo com nenhum homem, de facto, deram-me todo o apoio e tenho de lhes prestar, por isso, o meu reconhecimento e agradecimento.
Sr. Ministro, invoco esta legitimidade para lhe dizer que entendo que este debate é completamente esquizofrénico, e vou explicar porquê.
Em primeiro lugar, porque esta é uma proposta em que as pessoas que se mostram a favor, regra geral, fazem-no porque entendem que é um mal menor. É um debate esquizofrénico porque a grande maioria das mulheres não quer ser descriminada através de uma lei que lhes imponha o acesso à carreira política e que as limite e, portanto, que as discrimine.
Por outro lado, é mais estranho que o autor dessa proposta, ou seja, o Governo do Partido Socialista, tenha recentemente dado ao País uma prova clara e inequívoca de verdadeira discriminação da mulher ao ter alargado o número de membros desses órgãos para permitir que mais mulheres compusessem os seus órgãos.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Uma vergonha!

A Oradora: - De onde se conclui que, de facto, este é um debate relativamente ao qual os que são a favor não sabem porquê, são a favor talvez porque é moda, são a favor porque são, mas verdadeiramente não explicam porque é que são a favor. Este é um debate em que há, de facto, uma grande hipocrisia, uma grande demagogia, em relação à razão por que mais mulheres não estão na vida política, porque as mulheres, de facto, são, neste sentido, muito mais pragmáticas.
Ainda ontem li num jornal que, confrontado com o anúncio de que esta proposta iria ser chumbada, V. Ex.ª dizia: «não faz sentido retirar a proposta, porque há que pressionar os partidos políticos». A pergunta que gostaria de lhe colocar é a seguinte: como pode V. Ex.ª vir a esta Câmara defender a participação de mais mulheres na vida política, com igualdade, com dignidade, porque as mulheres fazem falta na vida política - e fazem falta exactamente para evitar estes debates demagógicos -, repito, como pode V. Ex.ª vir a esta Assembleia propor isto faz quando parte e é dirigente de um partido político que deu, há bem pouco tempo, um exemplo ao País de como discrimina as mulheres?
Será que V. Ex.ª também vai propor, a seguir, que se alargue o número de membros desta Assembleia para virem mais mulheres para a Assembleia da República? Isso, Sr. Ministro, eu rejeito!

Vozes do CDS-PP: - Bem lembrado!

A Oradora: - Portanto, quero saber se vai fazer essa proposta, porque não quero ser tratada como minoria, não quero ser discriminada. Devo dizer que, pela primeira vez desde que estou na vida política, senti e vi uma proposta que verdadeiramente discrimina as mulheres e, em nome daquelas mulheres que não podem aqui estar mas que sentem essa discriminação, quero dizer que a rejeito.

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Aplausos do CDS-PP e de alguns Deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Santo, não queria que se sentisse diminuída na sua auto-estima, mas a Sr.ª Deputada foi eleita com uma quota, por uma razão simples: é que toda a vida democrática e todo o sistema parlamentar assenta nas quotas. Desde logo, porque, num sistema proporcional, cada família política tem a quota que o eleitorado lhe atribui.

Risos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Orador: - É, é!
Em segundo lugar, porque, num sistema eleitoral estruturado em círculos de base distrital, cada distrito tem uma quota geográfica. Se a Sr.ª Deputada, em vez de ter sido cabeça de lista em Santarém, tem sido cabeça de lista em Beja, não estaria aqui.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A Sr.ª Deputada está aqui porque, da conjunção da quota do CDS-PP com a quota geográfica, foi eleita pelo círculo de Santarém.
Mas, Sr.ª Deputada, estas não são as únicas quotas, porque toda a vida partidária - não houve líder partidário que não o dissesse nas audições - assenta em quotas, quotas informais: é a quota da distrital, é a quota de líder do partido, é a quota da concelhia, é a quota da organização de juventude... São estas todas as quotas menos aquela que a Sr.ª Deputada não aceita.
Sr.ª Deputada, devo dizer-lhe que, sobre á vida interna dos partidos, não falo e,esta lei não «mexe» na vida interna dos partidos. É que a Assembleia da República não é um órgão interno do partido, a cadeira que a Sr.ª Deputada ocupa não é uma cadeira do seu partido. A senhora está aqui porque o eleitorado votou em si. Agora, Sr.ª Deputada, devo dizer, com toda a franqueza, que estou convencido de que se houvesse alargamento do número de lugares da Assembleia da República, se calhar, esta lei não seria chumbada como VV Ex.as vão chumbar. Essa é uma grande razão e peço-lhe que medite nesta questão.
A Sr.ª Deputada não pense que esta lei visa discriminar as mulheres. Não, não discrimina as mulheres! O que a lei diz - o que, aliás, se dirige a ambos os sexos - é que nenhuma lista pode ter, primeiro, mais de 75% de candidatos do mesmo sexo e, a seguir, que não pode ter mais de 66,6% de candidatos do mesmo sexo, e só se retira que esta situação beneficiará o universo feminino porque se parte de uma realidade que é a de que, aqui, hoje há 90% de pessoas do sexo masculino a ocupar os postos de decisão.
Há uma quota, que a Sr.ª Deputada reconhece como natural, legítima e correcta, de 90% do sexo masculino. Eu estarei à-vontade para o dizer - admitirá - e não acho legítima a existência dessa quota.
Esta lei não visa que alguém entre por favor, visa, sim, que alguém deixe de entrar por desfavor. A Sr.ª Deputada é capaz de explicar por que razão é que em todos os domínios da vida social as mulheres já provaram, ocupan-

do os lugares a que merecidamente têm direito, e só na vida política é que não conseguem ocupar os lugares cujo mérito e cuja competência lhes davam legitimamente direito a tal? Porquê? Foi porque o eleitorado não votou nelas ou porque os partidos não as candidataram?! E por que é que os partidos não as candidataram? Os partidos não as candidataram pela única e simples razão de que é muito difícil fazer a renovação. É difícil fazê-la quanto às mulheres e é difícil fazê-la quanto aos homens ou quanto aos jovens!
Agora, devo dizer-lhe que não vejo, em relação a mais ninguém, as pessoas escandalizar-se com a existência de quotas. E nenhum Deputado, quer tenha vindo por uma quota da concelhia, por uma quota distrital ou por uma organização da juventude, se deve sentir diminuído.
Com toda a sinceridade lhe digo que os primeiros cargos políticos desempenhei foi pelo facto de ser militante da Juventude Socialista e a Juventude Socialista ter direito a uma quota, e assim continua a ser. Ou seja, vários Srs. Deputados estão aqui, hoje, porque foram indicados pela JS, que tem uma quota, ou pela a JSD, que também tem uma quota, sendo que eles estão cá como representantes da JSD.
Todo o sistema político e democrático é assim estruturado e quem não quiser ver esta situação quer manter os «olhos fechados», para justificar uma injustificável exclusão.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O projecto de diploma que hoje está em discussão visa fomentar a participação da mulher na vida política, nomeadamente pelo estabelecimento de quotas nas listas de candidatos a Deputados.
Este método é olhado com reserva por muitas mulheres, é violentamente rejeitado por outras e, uma coisa parece certa, não suscita o entusiasmo de ninguém.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Quando um projecto desencadeia tais reacções por parte daquelas a quem se destina está, por uma questão de bom senso, votado ao fracasso.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Em democracia, a plena igualdade de direitos entre homens e mulheres é uma condição básica para o integral desenvolvimento do ser humano, tanto na perspectiva individual como na perspectiva social.
Por isso, considero que a situação das mulheres no mundo contemporâneo, qualquer que seja a sua área de actuação, é um problema fundamental de direitos humanos. E, neste contexto, nunca é demais insistir que o seu acesso à educação, à saúde, ao mercado de trabalho, à participação social, cívica e política, com partilha dos centros de decisão, é condição elementar de justiça social, mas é, sobretudo, um aspecto fundamental do respeito pelos direitos políticos e cívicos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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A Oradora: - Assim, a necessidade e o modo de participação das mulheres é também uma questão prioritária no âmbito do desenvolvimento económico, com reflexos em muitas das áreas que para ele contribuem, desde a economia ao ambiente, passando pela saúde e pela a educação.

Vozes do PSD: - Muito bem!.

A Oradora: - E por isso já não podemos aceitar, hoje, a condenação de metade dos cidadãos a um estatuto redutor das suas aptidões e identidade,...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Bem lembrado!

A Oradora: - ...nem nenhuma sociedade se pode dar ao luxo de abdicar de um manancial imenso de riqueza que tem sido desaproveitado, em puro desperdício de capacidades.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - No entanto, a igualdade não pode, nem deve, em momento algum, ser confundida com abdicação da identidade própria das mulheres e dos homens,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - ...porque é na diversidade que reside a maior riqueza, a principal fonte de mudança, que os sectores que hoje são maioritariamente reservados aos homens terão de aceitar e absorver, alterando conceitos, pontos de vista e modos de actuar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - É um facto que Portugal evoluiu muito a partir da instauração da democracia política e que a participação das mulheres já se reflecte, de forma nítida, na maioria dos sectores de actividade.
Não se pode negar que nos últimos anos se registou um acentuado progresso no acesso à educação, que se torna mais nítido ao nível universitário, onde se verifica que mais de metade dos diplomados são mulheres.
Esta notável evolução permite perspectivar, num futuro próximo, o desejável equilíbrio no acesso aos mais altos cargos de responsabilidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - No que se refere ao emprego, Portugal tem uma das taxas mais elevadas de actividade feminina, em termos europeus, mas persistem ainda factores negativos, como a ocupação das mulheres em tarefas menos qualificadas, o trabalho precário e dificuldades na necessária partilha das responsabilidades familiares.
Mas para que seja possível a plena participação de mulheres e homens em todas as facetas da vida económica, social, cultural e política, sem prejuízo do equilíbrio da vida familiar, da educação dos seus filhos e do apoio aos seus idosos, é urgente encontrar novas formas de organização social e familiar para que à participação das mulheres não venha a ficar associado o desmoronamento das bases essenciais em que assenta a nossa sociedade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Para alcançar este objectivo é fundamental e decisivo o papel da educação, porque, afinal de contas, uma coisa é verdadeira e incontornável: todos os grandes atrasos estruturais ou défices de mentalidades radicam sempre, quer se queira quer não, numa questão cultural e no atraso ancestral que tivemos em matéria de educação.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: É nesta perspectiva que considero que a participação das mulheres na vida política deverá ser a consequência natural de uma igualdade de facto e não o resultado artificial em que se impõe uma participação igualitária sem que previamente se tenham assegurado as condições reais para que ela se concretize.
A mulher não necessita nem está à espera de leis que a empurrem para tarefas para as quais sinta aptidão.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Precisa, sim, que as condições culturais e sociais lhe propiciem essa livre escolha.

Vozes do PSD e da Deputada do CDS-PP Maria José Nogueira Pinto: - Muito bem!

A Oradora: - Se este diploma fosse aprovado, estaríamos, por isso, a começar pelo fim.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - E começar pelo fim é desvirtuar um objectivo que em si mesmo é justo, é correr o risco de ridicularizar o que devia ser enaltecido.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Por outras palavras, e de forma ainda mais directa, o fim a atingir é louvável, o meio para o alcançar, esse, é criticável.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD considera desejável uma maior. participação das mulheres na vida política, o que, de resto, tem demonstrado pela sua actuação concreta, mas não desconhece que, em matérias desta natureza, não há leis que consigam derrubar a falta de vontade própria dos partidos, como, de resto, também tem sido provado pela prática de alguns deles.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Não damos lições de moral mas também não as recebemos. E, em particular, não recebemos orientações de quem, no uso da suprema hipocrisia, aqui vem hoje defender esta lei mas ainda ontem, no seu congresso partidário, fez o contrário do que o espírito da lei estabelece:...

Aplausos do PSD.

... em vez de substituir homens por mulheres, adiciona o número necessário de mulheres aos homens já existentes nos órgãos partidários, apenas para fazer de conta que cumpre a lei que ele próprio propõe.

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Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Mas o PSD também está consciente de que tratando-se de um problema que, na sua essência, é cultural, ele não se altera fundamentalmente através de leis. Este papel, neste caso concreto, deve pertencer primordialmente a cada um dos partidos políticos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Por isso, entende que será pela vontade própria e pela sua actuação que deverá proporcionar e fomentar a participação de cada vez mais mulheres na vida política.
Mais ainda: se esta é uma questão dos partidos, por que é que se quer fazer uma lei só para os partidos, em vez de serem eles próprios, os partidos, a assumirem por iniciativa própria esse objectivo louvável?

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Sobre este tema devemos todos ter consciência de que discutir o modo de aumentar o número de mulheres na política é discutir um cenário em extinção.
Com efeito, a questão da participação de mulheres em actividades que tradicionalmente têm estado reservadas aos homens é algo que apenas diz respeito à minha geração, a qual foi moldada por princípios culturais que ainda estão muito arreigados e que, por isso mesmo, não se ultrapassam com leis, por mais bem intencionadas que sejam.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Simultaneamente, esta mesma questão, por motivos diversos, já não se coloca à geração dos nossos filhos. Para eles, o tema da desigualdade de oportunidades entre homens e mulheres é um absurdo.
Ou seja, esta lei surge desajustada no tempo: não resolve o problema da minha geração e é inútil para a próxima.

Aplausos do PSD.

Portanto, o que teremos de ponderar é por que é que as mulheres continuam a não participar na vida política, para, provavelmente, concluirmos que as causas são diferentes daquelas que se pretendem apontar e por isso estas soluções não servem.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É evidente!

A Oradora: - A vida política portuguesa não se tem apresentado atractiva aos olhos da opinião pública não só pela campanha de descrédito de que tem sido alvo mas também pela exposição pública não selectiva a que está sujeita, própria de uma sociedade mediática mas que nem todos estão na disposição de sofrer.
Para alterar este estado de espírito colectivo, vários caminhos têm sido apontados para conduzir à criação de condições diversas de funcionamento do sistema. Entre eles, saliento a necessidade de alterar alei eleitoral.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Mas, ironicamente, para esta modificação não houve clara vontade política por parte do Partido

Socialista, quando recusou a redução dó número de Deputados, elemento essencial à credibilidade do seu trabalho, a par da indispensável alteração dos actuais círculos eleitorais.

Aplausos do PSD.

Vem agora o Governo, para poder dizer que mexeu na lei eleitoral, propor um «remendo» que, ao estar desenquadrado de uma verdadeira reforma, não serve para nada porque esquece o essencial para que as mulheres se motivem pela vida política e corre mesmo o risco de estragar o que já se evoluiu, conduzindo ao seu descrédito. Não é com medidas superficiais e de mera aparência que se intervém, com resultados, nesta área.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As mulheres não correm para se candidatar a lugares. As mulheres lutam por objectivos; não se escondem dos problemas, procuram, antes, ajudar a resolvê-los; com dificuldade, abandonam os seus princípios porque gostam de lutar para os defender. É essa a sua vocação mais profunda. E, por isso mesmo, o passo mais importante a dar de forma a criar condições para a sua participação é o de que a política se apresente como um meio e não como um fim.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Dignifique-se a classe política; não a exponham a um ataque público sem regras. Se assim for, talvez contem com uma maior participação das mulheres; se assim não for, as mulheres continuarão á participar pouco na vida política, por maior que seja o número de lugares disponíveis mas, muito simplesmente, porque não querem. O seu alheamento não resultará de um impedimento legal, resultará de uma opção.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Para mim, esta é uma razão determinante para que as mulheres não aceitem pacificamente que a sua participação activa resulte de uma imposição legal, porque isso pode desvirtuar o verdadeiro e útil papel que as mulheres devem desempenhar neste domínio.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Como será possível imporem-se, se terão sempre sobre elas o ónus da dúvida sobre se foi o mérito ou a aritmética o critério que presidiu à sua escolha?!

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Com essa dúvida, a sua força esbater-se-á.
Por mim, nunca aceitaria nenhum lugar se admitisse que a minha escolha alguma vez se pudesse ter baseado no facto de ser mulher ou para ajudar a preencher um mero critério legal.

Aplausos do PSD e da Deputada do CDS-PP Maria José Nogueira Pinto.

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Julgo, por isso, que o desejável é que a maior participação das mulheres na vida política venha, no futuro, a estar associada a uma maior exigência na actuação política. Se os partidos políticos o conseguirem, terão desenvolvido uma capacidade de captar pessoas para uma área de actuação que se pretende nobre e digna e terão dado um contributo inestimável para a democracia.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem! Risos do PS.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É como os Srs. Deputados fazem com os emigrantes!

O Orador: - Srs. Deputados, é um momento solene! Quando o Deputado António Pedras pede isto, enterra duas coisas: a legislação «salazarenta» e o Deputado Morgado, o que é muito bom para todos nós!

A Oradora: - Sinceramente, por mim, pelo meu partido, e em consciência, entendo que esta lei não dá esse contributo. Aprová-la seria um contributo negativo. Recusar a lei mas assumir o princípio, de livre e espontânea vontade, é, seguramente, um passo em frente para a dignificação da participação das mulheres na vida política e para a valorização da democracia.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, V. Ex.ª fez uma intervenção com um começo francamente intrigante, porque começou por nos dizer que tinha vislumbrado ao longo destes meses, na sociedade portuguesa, na opinião pública, um fortíssimo movimento, diria mesmo, um «vendaval» contra a adopção de medidas positivas, de acções positivas que combatam a chocante - V. Ex.ª reconheceu que é chocante - situação existente, neste momento, em Portugal. Sucede que não sei em que país é que V. Ex.ª esteve, e não me parece que tenha estado neste, porque aquilo a que assistimos foi a manifestações, as mais diversas, concordando que a actual situação é inaceitável e repugnante e que é preciso vencer a inércia, é preciso mudar a situação actual, para o que não se pode continuar a omitir, a não adoptar medidas.
Portanto, gostaria que nos explicasse onde vislumbrou tal torrente, porque nós não a vislumbrámos, o que nos chegou é totalmente diferente. Interrogamo-nos, pois, sobre o local onde V. Ex.ª esteve.
Em segundo lugar, V. Ex.ª proeurou ocultar - e compreendo que as necessidades transitórias e tácticas expliquem isso - que há entre nós, nesta Câmara, um consenso alargadíssimo. Por isso é que, de resto, o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares falou da eficácia antecipada da proposta de lei.
Nós vamos hoje aqui enterrar, e devemos dizer isto com orgulho, o velho espírito que levou àquela legislação bolorenta...
Há dias, pedi à Biblioteca desta Casa a Lei n.º 2015, de 28 de Maío de 1946, que era aquela lei, Sr.ª Deputada, onde só podiam votar as mulheres do sexo feminino, chefes de família mas viúvas, divorciadas, separadas ou especialmente letradas. As outras não!
Mais: quando se alterou isso, em 1968, ligeiramente, foi ainda verdadeiramente às arrecuas, para um voto censitário, limitativo.
O 25 de Abril, de facto, acabou com isso tudo e hoje em dia, na Câmara, até o Deputado António Pedras pede cravos para as mulheres!

Risos do PS.

Mas repare: a Sr.ª Deputada não tem de ter vergonha disso! Deve ter orgulho disso, tal como devia ter orgulho de ter aprovado o artigo 109.º da Constituição.

Vozes do PS: - Bem lembrado!

O Orador: - Não percebo o seu embaraço! É que, Sr.ª Deputada, V. Ex.ª não só está de acordo quanto à tese como também está de acordo, ou esteve, quanto à métrica!

A Sr.ª Deputada Eduarda Azevedo - não nos esque
ceremos - fez uma notável intervenção, que eu transcre
vi esque-
ceremos relatório da 1.ª Comissão, elogiando a democracia
paritária. Não menos, não mais!
Chegou agora a hora de decidir. Sr.ª Deputada, em que é que ficamos? E V. Ex.ª disse-nos - e não foi uma surpresa, porque o Professor Rebelo de Sousa já nos tinha dito, mas V. Ex.ª, em certo sentido, empolou esse dito - que vão adoptar uma quota! O Professor Rebelo de Sousa até diz mais: «a minha quota é maior do que a tua.»! Esta mania da métrica é obsessiva!... A quota dele é maior do que a nossa, ele quer mais, mais longe, não quer 25, quer mais, quer 26, quer 27, Marcelo!...

Risos do PS.

Agora reparem, Srs. Deputados, nesta matéria, há que saber, institucionalmente, o que fazer. Tenho analisado os vossos documentos cuidadosamente - também os anexei ao relatório da 1.ª Comissão - e verifico o seguinte: as mulheres sociais-democratas que participaram no Conselho Consultivo da Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres pedem mais; aderiram a um texto que foi transmitido à Assembleia da República, que tenho aqui e V. Ex.ª também terá, em que se refere que a proposta do Governo é tímida, eram precisas metas mais duras, mais elevadas, em prazo mais curto e mais alargadas às autarquias locais e a outras instâncias de poder. Dizem isto as mulheres sociais-democratas, como, aliás, as mulheres comunistas, as mulheres do PP, etc.! Mas, então, pergunto a V. Ex.ª, meteram estas mulheres na gaveta ou a direcção partidária pede-lhes para dizerem uma coisa quando vão às ONG e, depois, quando saem das ONG, cala-as? Nas ONG são pela paridade e fora das ONG são contra a paridade?
A segunda coisa que, francamente, também tenho dificuldade em perceber, Sr.ª Deputada...

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Conforme estava a dizer, a segunda coisa que também tenho dificuldade em perceber tem a ver com o seguinte: V. Ex.ª diz que vai exceder a dita cuja quota. Mas, então, isso significa que para V. Ex.ª a palavra do príncipe é

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válida mas a lei forte da República é vergonhosa? É que se é vergonhoso estar numa quota, então, acho que é mais vergonhoso estar na quota do chefe do que estar na quota da lei, a quota determinada por todos nós! Em que é que ficamos, Sr.ª Deputada?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, V. Ex.ª utilizou o seu estilo normal, impulsivo e demagógico, provavelmente para disfarçar alguma falta de conteúdo e porque teve alguma dificuldade em diferenciar uma intervenção demagógica de uma intervenção séria.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Exactamente!

A Oradora: - E, portanto, nessa situação, admito que tenha tido alguma dificuldade em fazer-me uma pergunta.
Mas há uma coisa de que tenho um pouco de pena, Sr. Deputado: é de que essa sua fluência, essa sua capacidade oratória não tenha sido utilizada no congresso do seu partido.

Vozes do PSD: - Exactamente!

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Bem lembrado!

Protestos do PS.

A Oradora: - Aliás, até admito que essa sua conversa, neste momento, fosse não só para a bancada do PSD mas, em grande parte, para a sua própria bancada.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Portanto, percebo que o senhor tinha de se esmerar.
Não estou muito na disposição, porque considero isso verdadeiramente hipócrita - e o senhor, provavelmente, também o considera - de estar a votar como partido político para que o próprio partido político cumpra aquilo que sem ser votado ele não cumpre.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

Protestos do PS.

A Oradora: - Acho isso absolutamente extraordiná-

Aplausos do PSD.

O PSD, Sr. Deputado, e peço desculpa pela expressão, não precisa desse tipo de «fantochadas». O PSD não precisa de que eu, hoje, vote em nome do PSD para que o PSD cumpra ou não determinado tipo de objectivos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - A forma como nós temos resolvido 0 problema da paridade e da participação das mulheres é mais do que evidente.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PS): - E em que é que ficamos?!

A Oradora: - Ficamos no seguinte, Sr. Deputado: agora percebo por que é que os senhores não quiseram reduzir o número de Deputados. De resto, isso ficou bem claro na altura do congresso do seu partido. Como é que os senhores poderiam defender a redução do número de Deputados sem que isso correspondesse a ficarem os mesmos Deputados mas com mais mulheres?!...
Mas, Sr. Deputado, ainda há um outro ponto bem complexo ao qual o senhor não fez qualquer tipo de observação. Sabe o senhor por que é que sou absolutamente contra as quotas, defendendo, no entanto, a participação das mulheres na vida política? É que, Sr. Deputado, interessa-me pouco olhar para as bancadas dos Deputados e vê-Ias com mais mulheres. E admito que seja uma visão, pelo menos, mais alegre, pois vestem-se de uma forma menos cinzenta e, portanto, é natural que, de alguma forma, ilustrem a bancada.

Protestos do PS.

Mas, Sr. Deputado, o que gostaria de verificar era a quantas dessas mulheres os senhores dariam a palavra!...
Portanto, Sr. Deputado, enfeitar a bancada com mulheres resolve pouco, ou seja, quotas não são a solução quando o próprio partido está verdadeiramente virado contra dar a voz às mulheres.

Aplausos do PSD e do Deputado do CDS-PP Pedro Feist.

A Sr.ª Rosa Maria Albernaz (PS): - Os seus colegas estão todos contentes! Já têm todos os lugares na lista garantidos!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro.

A Sr.ª Maria do Rosário Carneiro (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs, e Srs. Deputados: Decorridos 50 anos sobre a proclamação da Declaração Universal dos Direitos do Homem, decorridos 23 anos sobre a aprovação da Constituição da República Portuguesa de 1976, os direitos fundamentais e, em especial, o princípio da igualdade, bem como a protecção contra a discriminação nas suas múltiplas vertentes, vieram a adquirir contornos mais precisos e nítidos, tornando-se irreversíveis. Mas, Sr.ªs e Srs. Deputados, os direitos estão proclamados, a sua prática é que está desviada!

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Sob o impulso das Nações Unidas, do Conselho da Europa, da União Europeia e da União Interparlamentar, fizeram-se aprovar, ao longo deste século, múltiplas convenções, recomendações, plataformas. Enfim, um vastíssimo conjunto de instrumentos, todos eles complementares, reguladores e concretizadores do bem que é a liberdade de se ser igual, de se ser par entre pares.
Todos estes instrumentos tiveram necessariamente reflexos e tradução normativa no ordenamento jurídico português, no âmbito do direito constitucional, do direito ci-

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vil, do direito laboral e do direito penal, constituindo a revolução de Abril de 1974 o motor essencial de uma maior aceleração das transformações legais, sociais e culturais que se operaram nestes últimos 25 anos.
No decurso da 4.ª Revisão Constitucional, em 1997, por maioria, o legislador constituinte introduziu um princípio novíssimo no artigo 109.º do texto constitucional, segundo o qual ao Estado se atribui a tarefa prioritária de eliminar todas as formas de discriminação com vista a garantir a partilha equilibrada do exercício do poder político por mulheres e homens.
Mas, Sr.ªs e Srs. Deputados, os direitos voltaram a ser proclamados, diria mesmo, reproclamados, a sua prática é que permanece desviada.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exactamente!

A Oradora: - Quase que parece que a vontade de quem legisla é uma vontade adormecida, escassamente empenhada na aplicação dos princípios proclamados.
Aparentemente, estamos perante consensos inquestionáveis, verdadeiros: a humanidade tem duas faces, ambas únicas e insubstituíveis, ambas não permutáveis, ambas essenciais na sua identidade, dignidade e autonomia, na realização plena desta mesma humanidade.
Aparentemente, só divergimos no método, o qual está expresso na proposta de lei n.º 194/VII, que mais não é do que a apresentação de um mecanismo indutor de correcção aplicável ao sexo sub-representado, revestindo carácter gradual e transitório.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exactamente!

A Oradora: - Sr.ªs e Srs. Deputados: A correcção das assimetrias existentes no tocante à participação política das mulheres não se compadece com o decurso natural do tempo,...

O Sr. Rui Carreteiro (PS): - Muito bem!

A Oradora: - ... requer um elemento volitivo e uma intenção voluntarista de correcção de um funcionamento distorcido.
Esse tipo de intervenção voluntarista, aliás, ensaiada noutros países, é demonstrativa da clara evidência de que só através de medidas específicas de acção positiva por via de lei ou da auto-regulação partidária se logra alcançar o acréscimo de participação feminina e se corrigem gradualmente os desvios.
Encara-se ainda este mecanismo como um corrector de desigualdades históricas e um instrumento privilegiado de reinvenção permanente da democracia de qualidade e de prestígio, a que todos aspiramos. Mas será que é uma simples divergência de método?
Quando se concluiu que a educação era um direito fundamental de todas as pessoas, garante efectivo da sua plena realização e dignidade pessoal e da viabilização da sua efectiva participação na gestão colectiva, rapidamente se evoluiu para soluções que garantiam as condições, que impunham a obrigatoriedade da sua aplicação, que consagravam a universalidade do acesso, sem contestação,...

O Sr. Rui Carreteiro (PS): - Muito bem!

A Oradora: - ... sem divergência, sem possibilidade de auto-regulação de pais, estudantes ou professores.

Quando se concluiu pela necessidade de definir um salário mínimo nacional como forma de garantir direitos Mínimos e de impedir formas intoleráveis de exploração, avançou-se para a fixação de montantes que o concretizassem, sem contestação, sem divergência, sem possibilidade de auto-regulação de empregadores ou de empregados.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PS): - É o papel da lei!

A Oradora: - Sr.ªs e Srs. Deputados: A igualdade de oportunidades, o acesso aos níveis de tomada de decisão é um direito social, entre outros.
A dimensão da aplicação desse direito espelha o nível de desenvolvimento e a matriz civilizacional de um país, constatação essa que o Tratado de Amesterdão veio consagrar de forma inequívoca no seu artigo 2.º e erigir como princípio estruturante, objectivo de acção e missão da União Europeia.
Não sendo um debate sobre os princípios, mas sobre o método, acaba por evidenciar, em primeiro lugar, os comportamentos por parte daqueles que detêm o poder. Comportamentos manifestamente contrários à adopção de instrumentos que expressamente introduzam limites ao exercício desigual do poder, comportamentos suportados por uma imensidade argumentativa e qualificativa do instrumento em causa, invocando-se, para o seu descrédito, desde o vexame, a humilhação, a discriminação, à ilegalidade, à natural ordem evolutiva que tudo corrige a tempo, porque assente nos méritos dos escolhidos.
Mas, Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, que maior vexame ou humilhação que a da discriminação entre pares? Que maior ilegalidade que a de não cumprir os princípios que tão intensamente proclamamos?

Vozes do PS: - Muito bem!

A Orzdora: - Que maior desvio à ordem natural que consentir na permanência de um exercício essencialmente desviado do poder, invocando regras ou ritmos nunca praticados para e pelo sexo majoritário no poder?

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Não são as mulheres que precisam das quotas, é a democracia que precisa das mulheres...

Aplausos do PS.

... e dos homens! Não são as mulheres que se protegem, mas toda sociedade que se fortalece.

O Sr. Rui Carreteiro (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Sr.ªs e Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 194/VII iniciou o debate, deu origem à clarificação de opções, provocou a explicitação pública de posições mais ou menos formalizadas no convencionado compromisso público dos líderes políticos, assumido, nomeadamente, na audição parlamentar organizada pela 12.ª Comissão nos dias 26 e 27 de Janeiro, a qual teve por objecto a apreciação dessa mesma iniciativa. No entanto, este tão proclamado compromisso moral assumido publicamente, peremptório na afirmação da irrecusável imperiosidade de

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caminhar para uma democracia participada e da consequente exigente necessidade de iniciar processos de autoregulação no interior dos partidos políticos, representa um perigoso artifício de fuga a uma clara explicitação das formas de actuação, a uma transparente regulação do funcionamento da sociedade.

O Sr. Rui Carreteiro (PS): - Muito bem!

A Oradora: - As declarações públicas não podem ser entendidas, num Estado de direito, como um alternativo instrumento político de gestão das sociedades,...

O Sr. Rui Carreteiro (PS): - Muito bem!

A Oradora: - ... não podem ser entendidas como uma outra forma possível, substitutiva do processo legislativo.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Quando os comportamentos desviados persistem para além da «natural evolução» da sociedade e dos seus grupos, quando persistem em permanecer aquém do desenvolvimento verificado, então, imperioso e irrecusável se torna a definição e a assunção corajosa dos instrumentos que permitam activamente a construção de uma sociedade mais justa e equilibrada por mulheres e homens que servem com alegria e convicção na gestão partilhada da tarefa que é comum.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Nunca, perante o incumprimento de valores e princípios entendidos como fundamentais, se tolerou a passividade do Estado, se esperou pela auto-regulação dos grupos ou das instituições envolvidas.

O Sr. Rui Carreteiro (PS): - Muito bem visto!

A Oradora: - O Estado é o garante do nosso ordenamento, é o fiscalizador do seu cumprimento, a ele cabe, claramente, intervir para inovar, arrastar, induzir os comportamentos, as práticas que a democracia exige. E a democracia exige a justiça, exige o equilíbrio, rejeita a discriminação!
Este também não é o debate das outras questões (da conciliação e da partilha, dos méritos ou deméritos, da opressão ou da submissão) nem é, tão-pouco, acerca das outras quotas. Este debate é sobre poder, sobre quem o exerce e sobre as regras de acesso,...

O Sr. Rui Carreteiro (PS): - Muito bem!

A Oradora: - ... mas o poder conquista-se: claramente, mas com regras. Regras democráticas, que assegurem de forma expressa e explícita que o poder de todos é exercido por todos, sem subterfúgios, sem compassos, de espera pela «evolução natural», regras que impedem soluções hegemónicas, regras que garantem que o privilégio de servir é inerente à cidadania, que é de todos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José-Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro, encontrei, talvez por erro meu, algumas contradições no seu discurso, que gostava de esclarecer. A primeira contradição é quando V. Ex.ª diz «(...) a democracia rejeita a discriminação.» Considero que sim, não tenho qualquer dúvida sobre isso, mas também penso que os partidos representam a democracia por excelência.
Assim sendo, a primeira questão que lhe coloco é esta: como é que explica que o Partido Socialista, que representa, e maioritariamente, neste momento, a democracia em Portugal, possa ser, ele próprio, um agente discriminatório das mulheres? Tão discriminatório que seja necessária uma lei para conseguir essa paridade,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Tão discriminatório que propõe uma lei contra a discriminação!

A Oradora: - ... ou uma pseudoparidade. Isto é, como é que vê o facto de o PS - e estou a pensar nas palavras do Sr. Primeiro-Ministro, que disse: «No meu partido não consigo. Se há quem consiga óptimo, mas no meu partido não consigo.» -, ser um partido «excluidor» de mulheres, um partido que activamente milita na discriminação, sendo que, como muito bem disse a Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro, a democracia rejeita a discriminação.
Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro, gostava também de perguntar-lhe se acredita realmente que uma pressa na elaboração da lei possa compensar as delongas. A Sr.ª Deputada disse que não nos podemos compadecer com mais delongas, que é preciso ter pressa, mas a lei nem sempre nos dá essa medida de aceleração necessária, pois essa medida é muito mais intrínseca, é muito mais interna. Mesmo,que esta lei aparentemente acelere um processo, as delongas partidárias, que são culturais e muito mais profundas, não são as que nos deviam preocupar.
Queria também dizer-lhe que não percebi se considera que as quotas resolvem as grandes desigualdades de oportunidades entre homens e mulheres, que não se situam claramente neste plano do exercício do poder político. Não se situam aqui, infelizmente, mas muito mais naquilo que constitui o fenómeno da feminização da pobreza, no analfabetismo, no monoparentalismo das famílias, na falta de habitação, etc. Ou seja, gostaria de saber se a Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro considera que as quotas podem ser também uma solução para essas questões, na medida em que entenda que as mulheres que vêm para a vida política por essa via fazem, com aquelas que não têm voz, um contrato social. Não acredito nisso, nem penso que tal seja correcto ou saudável do ponto de vista democrático.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Nem sei se acredita no contrato social!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro.

A Sr.ª Maria do Rosário Carneiro (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, começando pelo fim da sua intervenção, quero dizer-lhe que, efectivamente, as quotas não resolvem discriminações nem desigualdades, mas também sabemos que a igualdade é uma construção artificial, voluntária de todos aqueles que acreditam na democracia. Nesta acepção, as quotas ou

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outros instrumentos são legítimos de serem adoptados para que esta igualdade seja construída, isto é, para que aqueles que são diferentes tenham igual acesso àquilo que é de todos. Este é o objectivo das quotas!
É evidente que as quotas não vão eliminar as discriminações nem os fundamentos da diferença ou da desigualdade intrínseca, o que elas permitem, a par de outros instrumentos, é ter procedimentos que possibilitarão, de alguma forma, regular o que é desigual para que seja menos desigual.
Disse, há pouco, na minha intervenção, que este debate não é sobre as questões da desigualdade, não é isso que estamos aqui a discutir e penso que não devemos continuar a insistir que estamos aqui a debater as outras desigualdades. Estamos aqui estritamente a analisar uma proposta de lei que tem o objectivo claro de esquematizar, de delinear um instrumento de acesso ao poder.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Porque há uma desigualdade!

A Oradora: - Com certeza! É evidente que há uma desigualdade; se não houvesse, não seria necessário tentarmos corrigir essa situação.

O Sr. José Magalhães,(PS): - E no CDS-PP não há também?!

A Oradora: - Quanto à pressa na elaboração da lei, Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, penso que em nenhum momento da minha intervenção se pode ter inferido que eu tenha apelado a uma corrida frenética à introdução de medidas reguladoras da sociedade portuguesa.
Quando me refiro à evolução natural, é à tão proclamada «evolução natural», mencionada em tantas afirmações públicas nesta área, que diz que as mulheres, como acontece com todas as situações de discriminação, naturalmente evoluirão para uma situação mais igualitária. Para além de não acreditar nesta evolução natural, lembraria o que se passou no pós 25 de Abril, na grande reforma da legislação sobre família, que não espetou pela evolução natural da sociedade, não esperou que naturalmente mulheres e homens alterassem o seu estatuto no interior da esfera privada, que é a instituição família.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Antes pelo contrário, o legislador antecipou-se e de forma revolucionária. Foi de tal forma revolucionária que é realmente a partir desta revolução, que é inovadora e que induz por arrastamento, que começamos a constatar modificações estruturais de facto no comportamento dos grupos sociais, concretamente no das mulheres e no dos homens com família, e na sua participação na sociedade.
Quanto ao facto de o PS ser discriminatório ou não, dispensar-me-á de apreciar a sua afirmação, pois entendo que todos os partidos políticos se caracterizam por comportamentos mais ou menos discriminatórios em momentos diversos da sua vida pública.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Aguiar.

A Sr.ª Manuela Aguiar (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, antes de mais, gostaria de felicitar a intervenção da Sr.ª Presidente da Comissão para a Paridade, Igualdade de Oportunidades e Família e de dizer que esta Comissão tem sido um bom exemplo de como as mulheres podem fazer funcionar uma comissão de forma diferente. A quantidade de trabalhos de campo, de reuniões com a sociedade civil e de audições que esta Comissão, com a sua liderança, tem desenvolvido, torna-a realmente diferente da maioria das outras, para melhor. Felicito-a!
Gostaria também de fazer-lhe uma pergunta. A Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro está favor desta lei e eu, substancialmente, também estou, mas tenho uma objecção de fundo: é que ela tem um carácter transitório, é para se aplicar durante quatro anos. E pergunto: porquê? Estamos aqui a tratar de abrir uma passagem para as mulheres na vida política ou a tentar estabelecer um sistema que seja mais justo, mais igualitário do ponto de vista da participação de mulheres e de homens?
E o equilíbrio de participação entre mulheres e homens o que queremos ou, pura e simplesmente, uma promoção um pouco apressada das mulheres?
A meu ver, é um defeito de raiz, de filosofia, porque' uma lei deste tipo, ou a auto-regulamentação dos partidos, deve ter um sinal intemporal: é para agora e é para depois!
Na Suécia, começaram há 40 anos a praticar um sistema de quotas e continuam com a preocupação de o aplicar ainda hoje.
Uma outra observação que eu quero fazer é a de que as quotas não vão criar candidatos de qualidade. As quotas só funcionam num país onde, simultaneamente, o problema de mentalidade colectiva nesta questão esteja resolvido e temos de perguntar se em Portugal está ou não (a mim, parece-me que está) e onde haja mulheres com qualificações e qualidade - e há e a prova está no que se disse, por exemplo, do ensino universitário.
Mas, no ensino, as mulheres ascendem naturalmente porque há condições de perfeita transparência, de perfeita igualdade de competição, tal como em certas profissões como, por exemplo, o jornalismo. É o jornalismo menos absorvente do que a política? Não tem também um carácter de intervenção? Por que é que no jornalismo as mulheres são 40%, e quantas delas jovens, e por que é que são muitas menos na política?
Julgo que as mulheres portuguesas e a sociedade portuguesa estão preparadas para a concretização deste passo e por isso acredito nele. É que, se assim não fosse, as quotas seriam simplesmente formais, como foram em alguns países; do contrário funcionaram no Norte porque havia condições de base para que tal acontecesse. Está em causa o mérito, está em causa a mentalidade? É uma pergunta que lhe faço. A mim, parece-me que não; a mim, parece-me que estão em causa as estruturas partidárias, o sistema de selecção partidário. E se há uma questão de mérito que se coloca ao nível dos partidos não é, seguramente, esta! Talvez os partidos tenham de resolver um problema do mérito da selecção dos candidatos, mas não é um problema de homens e mulheres, embora, o mesmo tenha, porventura, prejudicado as mulheres, muitas vezes, e continue a prejudicar.

O Sr. Pedro Baptista (PS): - Intervenção inteligente!

A Oradora: - Sr. Deputado, essa solidariedade é em nome do Futebol Clube do Porto?

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Risos.

Não é o eleitorado que escolhe os candidatos, são os partidos e penso que o grande problema que aqui se coloca é o das selecções dos partidos, que não é fácil - e já se viu que, no Partido Socialista, a nível do Congresso, não é fácil. Espero que o Partido Socialista vote com alegria esta lei como eu voto e que a aplique também com satisfação.
Se os líderes disseram que sim - e todos os líderes dos partidos disseram que sim a um sistema destes, com ou sem lei -, não lhe parece, Sr.ª Deputada, que é porque o julgam possível, fácil e justo?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro.

A Sr.ª Maria do Rosário Carneiro (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Manuela Aguiar, em primeiro lugar, agradeço a forma tão gentil como referiu o trabalho da Comissão, que é de todos nós - é de todos os Deputados e de todas as Deputadas que pertencem a esta Comissão e que, ao longo de três anos, sistemática e afincadamente, têm desenvolvido trabalho em nome da igualdade de oportunidades e da família.
A Sr.ª Deputada começou por referir o objectivo transitório curto desta proposta, mas suponho que o Sr. Ministro, na sua intervenção e várias vezes nas respostas que deu às perguntas, colocou-se completamente aberto e disponível para introduzir as correcções, que se entendessem convenientes, que pudessem melhorar estes instrumentos, tal como, inclusivamente, a direcção do grupo parlamentar.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Isso é que é fugir à questão! Isso é que é fugir!

O Sr. José Magalhães (PS): - Então, proponha mais, proponha mais!

A Oradora: - De forma muito rápida, em relação a um conjunto múltiplo de questões que a Sr.ª Deputada referiu, no qual se podem destacar, nomeadamente, a mentalidade colectiva, a necessária evolução da mesma, a selecção que é feita dentro dos partidos, devo dizer que é evidente que haverá sempre problemas na selecção que seja feita no interior de qualquer grupo humano, seja um partido ou uma instituição de outra natureza. Daí que o que nós, como legisladores, aqui temos de acautelar é que se encontre um conjunto de normativos que, de alguma forma, nos garantam que os desvios para os quais os agrupamentos se propiciam naturalmente sejam contidos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como suponho que já terão sido informados, as votações far-se-ão no final dos trabalhos, não só as votações regimentais mas também a da proposta de lei que estamos a discutir.
Para pedir esclarecimentos, tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Helena Roseta.

A Sr.ª Helena Roseta (PS): - Sr. Presidente, eu gostaria de fazer uma pergunta à Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro, que sempre nos habitou à sua extraordináría concisão ria defesa dos princípios, que tem a ver com o seguinte: esta proposta de lei tem recebido muitas

críticas, mas teve aqui, no Parlamento, um processo exemplar, na medida em que foi discutida de todos os modos e feitios e, inclusivamente, em audição parlamentar. Como a Sr.ª Deputada disse, durante dois dias, foi possível ouvir as mais diversas entidades sobre a matéria, incluindo representantes da comunicação social, o que é uma novídade. Muita gente apoiou, muita gente criticou, mas houve outras propostas em cima da mesa, designadamente a auto-regulamentação partidária, a criação de um observatório para a cidadania, enfim, um certo número de outras propostas que, em comissão, ao longo das audições, foram apresentadas.
Sei que a Sr.ª Deputada, no final da audição, fez um esforço para ver se de tudo o que foi dito durante dois dias sobre esta matéria seria possível construir um documento, uma proposta de resolução, que pudéssemos aprovar aqui, na Assembleia, enriquecendo esta matéria com uma deliberação colectiva, recolhendo as propostas obtidas na audição.
O que eu gostaria de perguntar à Presidente da 12.ª Comissão é se pode partilhar com a Câmara o resultado das suas diligências, porque temo que estejamos aqui a assistir a um duplo discurso. Ou seja, está toda a gente de acordo com a ideia de que as mulheres devem participar mais na política mas de cada vez que fazemos uma proposta «caem-nos em cima»! Nem sequer as outras propostas, resultantes da audição, que a Sr.ª Deputada tentou trazer aqui, sob a forma de resolução, terão tido acolhimento das bancadas. Afinal, o que é que as outras bancadas querem? Que propostas têm para nos apresentar? Era esta experiência que eu gostaria que a Sr.ª Deputada nos transmitisse.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Maria do Rosário Carneiro, para responder.

A Sr.ª Maria do Rosário Carneiro (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Roseta, agradeço de novo as palavras gentis com que iniciou a sua intervenção.
De facto, na sequência da audição parlamentar, que durou dois dias, foi encetado um trabalho em comissão que se tentou avançar. para um moção, ou uma resolução, que, de alguma forma, consubstanciasse o conjunto de recomendações e de sugestões que foram feitas por todas as entidades ouvidas durante estes dois dias. Infelizmente, e como a Sr.ª Deputada saberá, depois de se ter avançado, de alguma forma, na elencagem destas sugestões e recomendações que passavam, como disse, pela formação de um observatório para a cidadania, pelo apelo à modificação clara de horários de trabalho, pela criação de infra-estruturas, não foi possível, mais tarde, obter o consenso e o apoio dos grupos parlamentares, nomeadamente os do PCP e do PSD.
Desta forma, Sr.ª Deputada, esta é a resposta que lhe posso dar à questão que me colocou, dizendo-lhe que com certeza tenho muita pena que não tenha sido possível encontrar consenso nesta matéria que, no meu entender, era manifestamente matéria de consenso, pois, no fundo, o que a comissão se limitava a fazer era reiterar aquilo que tinha sido afirmado em público durante dois dias, nomeadamente pelos líderes dos partidos políticos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

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5 DE MARÇO DE 1999 2053

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Convém recordar, até porque nos encontramos próximo do dia 8 de Março, e dada a natureza deste debate, que o motivo por que Março foi e continua a ser o mês em que se assinalam as lutas contra as discriminações não pode consentir retratos desfocados.
Convém recordá-lo como dia simbólico que não autoriza pompas nem circunstâncias e, muito menos, cosmétícas. Convirá recordar o dia 8 de Março para que não se esqueça e ressurja a afirmação de que a luta das mulheres se norteou sempre pelo derrube das barreiras criadas e sustentadas em nome das diferenças biológicas. Foram essas diferenças biológicas que deram origem às posições aqui lidas do Professor Fezas Vital e são as diferenças biológicas que estão na base da presente proposta de lei.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - E convém recordá-lo para afirmar que um propalado direito à diferença mais não serve senão para justificar discriminações. A criação das categorias em nome da biologia é um tremendo sinal de retrocesso.
Se recordarmos a luta das mulheres, veremos claramente que elas conseguiram quebrar a barreira biológica e afirmar que nenhuma identidade sexual as podia impedir de igual acesso às profissões ditas masculinas.
Se a luta das mulheres derrubou a barreira das diferenças em função da biologia, é errado chamar sexistas às discriminações das mulheres, porque é mais e é menos do que isso, menos porque as mulheres não são vítimas, todas elas, de igual maneira, dessa discriminação; é mais porque a discriminação das mulheres está profundamente ligada às discriminações de classes, de que também são vítimas muitos homens.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - A proposta que o Governo nos traz, sob uma aparente capa de modernidade, faz a reconstrução das diferenças biológicas, assenta na reconstrução de categorias sexuadas de cidadãos, cumprindo objectivamente a finalidade de fazer esquecer as profundas desigualdades económicas e sociais que tanto atingem as mulheres.
Enquanto muito se fala da discriminação de género, quer-se construir uma barreira de silêncio sobre os reais problemas das mulheres. A história vai assinalar que, desde que começaram a surgir movimentos ditos paritários, os problemas das mulheres no trabalho, na família, na sociedade, foram relegados para segundo plano, porque tais movimentos assinalaram como importante e definitiva - e hoje já foi assinalada pela Deputada Maria do Rosário Carneiro - a tomada do poder a qualquer preço.
E isto mesmo que esse preço fosse o silêncio sobre as desigualdades salariais, as desigualdades no acesso ao emprego, o trabalho com salário reduzido - o trabalho em part-time, e é isso que está em causa -, a luta contra o aborto clandestino pela despenalização da interrupção voluntária da gravidez.
E isto mesmo que o preço seja passar para segundo plano a denúncia de que a grande maioria das mulheres portuguesas se situam entre os 80% dos cidadãos se ficam pelo ensino básico, e nem sempre completo; que a taxa de analfabetismo é preenchida sobretudo pelas mulheres; que, no número dos trabalhadores a auferir o salário mínimo nacional, as mulheres são mais do dobro dos

homens; que elas ganham menos do que os homens, como acontece na União Europeia, em trabalhos iguais; que elas são vítimas de discriminação por estarem grávidas, pois não vêem os seus contratos a prazo renovados quando engravidam e não são abrangidas por aumentos salariais aplicados pelas entidades patronais, quando estas descobrem que vão ter uma trabalhadora em licença de parto.
Enquanto o Governo aqui vem falar da pretensa modernidade de reconstrução de um conceito meramente biológico, há mulheres que sofrem em linhas de montagem, vendo a sua saúde desaparecer, ainda na sua juventude, perante a inércia do Governo, que não cumpre o dever de garantir às trabalhadoras das empresas do sector eléctrico, nomeadamente às da Ford Electrónica - o caso mais gritante de cumplicidade do Governo com o poder económico no desprezo com a saúde de quem trabalha -, que não cumpre o dever de garantir a saúde no trabalho.

Vozes do PCP: = Muito bem!

A Oradora: - Não, Srs. Membros do Governo, o debate de hoje não é sobre a modernidade - que não o é - da discriminação de género, mas é, e continuará a ser, sobre as gritantes exclusões de mulheres que fazem dó trabalho uma arma para a conquista da cidadania, para romper o gueto da barreira biológica, para afirmar a recusa de um conceito meramente biológico de discriminação do sexo feminino.
Não, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, o primeiro princípio de toda a emancipação é a recusa de classificar os seres humanos segundo distinções naturais - princípio afirmado no artigo 13.º da nossa Constituição.
E se outro artigo da Constituição acentua a necessidade de promover a igualdade entre homens e mulheres e se o artigo 109.º fala da promoção da igualdade de oportunidades entre mulheres e homens, o texto constitucional, no seu conjunto, não autoriza que uma lei venha impor a divisão dos portugueses em duas categorias meramente fundadas na biologia, porque essa não é forma de promover a igualdade dos cidadãos, individualmente considerados, que não se diluem na dicotomia mulheres/homens:

Aplausos do PCP.

A proposta de lei não quer saber da igualdade de oportunidades para as mulheres que são vítimas de graves discriminações. Limitadas na sua participação na vida política quotidiana, sabem que estas quotas se destinam a resolver um problema do Partido Socialista. Este é um problema das mulheres socialistas, que julgam merecer - e seguramente merecerão - um melhor lugar nas listas deste partido, o que não têm conseguido.
Mas a luta é feita da recusa às «migalhas do banquete».

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - A igualdade de oportunidades entre mulheres e homens, tanto no quadro constitucional como no quadro da realidade em que vivemos, o da política demissionista do Governo no combate a todas as discriminações, não se compadece, nem é constitucionalmente admissível, com um conceito meramente biológico de mulher. E isso resulta, desde logo, do artigo 13.º da Constituição.

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O Sr. José Magalhães (PS): - E o artigo 109.º?

A Oradora: - Escreveram Vital Moreira e Gomes Canotilho,em anotação ao artigo 13.º,...

O Sr. José Magalhães (PS): - E o artigo 109.º?

A Oradora: - Já lá vou!

Risos do PS.

A Oradora: - Como eu estava a dizer, escreveram Vital Moreira é Gomes Canotilho, em anotação ao artigo 13.º, o seguinte: «A obrigação de diferenciação, integrando o conteúdo jurídico-constitucional do princípio da igualdade para se compensar a desigualdade de oportunidades, significa que o princípio da igualdade tem uma função social, o que pressupõe o dever de eliminação ou atenuação, pelos poderes políticos, das desigualdades sociais, económicas e culturais, a fim de se assegurar uma igualdade jurídico-material.»
E continuam os referidos autores: «No que respeita à função da protecção do princípio da igualdade, no sentido de obrigação de discriminações positivas, ele constitui, inequivocamente, uma imposição constitucional de igualdade de oportunidades, cujo não cumprimento justifica a inconstitucionalidade por omissão.»
Será talvez por isso que na pág. 56 do livro Democracia com mais cidadania, que o Governo fez editar, consta que o Professor Vital Moreira escreveu, acerca do cumprimento do artigo 109.º da Constituição: «Uma terceira hipótese é a do estabelecimento directo de quotas por parte da lei, com carácter vinculativo, com as consequências inerentes, nomeadamente a não aceitação de candidaturas que não respeitassem as quotas legalmente estabelecidas e a penalização noutros aspectos. E aqui que podem co= meçar os problemas de constitucionalidade. Na verdade, pode entender-se que um sistema de quotas desta natureza, legalmente definido e legalmente vinculante, pode infringir o princípio da igualdade de tratamento das pessoas, independentemente do sexo.»
Não se reconhece aqui a proposta do Governo?
Saliente-se, porque esse é mais um claro sinal de cosmética, que a proposta do Governo apenas quer instituir quotas para o Parlamento Europeu e para a Assembleia da República.
E, como já se falou da questão do poder local, eu passarei adiante.
A operação paridade ou partilha do poder através de quotas assenta, para mais, num outro dado falso: o de que a identidade sexual, a biologia, determina uma nova forma de fazer política, mais humanizada, mais atenta aos problemas sociais.
Também aqui é preciso dizer que não é a biologia que forma as convicções ideológicas. Até Freud sorriria com afirmações que a tal respeito se produziram.
Como disse Elisabeth Badinter perante o Senado francês, as posições políticas são determinadas em função da ideologia e não do sexo.
Entre Gandhi e Madeleine Albright, optamos claramente por um homem; entre Martin Luther King e Golda Meir, optamos claramente por um homem; e não preferimos nem Golda Meir nem Moshe Dayan, nem a mulher, nem o homem.

Aplausos do PCP.

Sejamos claros: as propostas que endeusam as mulheres, apenas porque são mulheres biologicamente, em vez de contribuírem para a promoção da igualdade, para o combate a todas as discriminações, para a luta dos povos pela sua emancipação, mais não fazem do que erguer novas barreiras, com a aparência de que se vai fazendo alguma coisa.
É que a democracia não está zarolha apenas porque os dois sexos não estão representados de forma equilibrada! A democracia está zarolha e míope - e poderá até ser afectada de cegueira -, enquanto se verificarem exclusões aos mais diversos níveis.
As quotas, a paridade, não têm nada a ver com igualdade; as quotas, a paridade, não são um valor de esquerda. O Partido Comunista Português não está satisfeito...

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Vá lá!...

A Oradora: - ... com a percentagem de mulheres que têm acesso aos órgãos de poder político,...

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Está!

A Oradora: - Não está.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Está!

A Oradora: - Não está, não senhor! Tem dúvidas, Sr.ª Deputada?
Como dizia, o Partido Comunista Português não está satisfeito com a percentagem de mulheres que têm acesso aos órgãos de poder político, porque isso reflecte o atraso em que nos encontramos no combate às discriminações. Mas os números indicam, apesar de tudo, que o PCP se situa à frente no esforço de contribuir para uma maior participação política das mulheres.

Protestos do PS.

Olhem, leiam os livros da Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres, que é governamental!...
Mas não estamos satisfeitos e por isso assumimos o compromisso público de assegurar um significativo reforço de mulheres nas nossas listas eleitorais e desafiámos os restantes partidos a assumirem compromissos similares.
O reforço da participação política das mulheres deve assentar no empenho voluntário dos partidos políticos, para que eles fiquem também sujeitos à sanção ou ao prémio eleitoral por parte de cidadãos, homens e mulheres.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, tem de terminar.

A Oradora: - Entretanto, continuaremos a dar voz às lutas das mulheres, das mulheres que não se vêem no retrato desfocado apresentado pelo Governo, das mulheres para quem o combate contínua todos os dias. Pela igualdade e pela justiça.

Aplausos do PCP.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente?

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Ministro.

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O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, quero só, através da Mesa, voltar a oferecer o livro Democracia com mais cidadania à Sr.ª Deputada Odete Santos, porque a edição que ela consultou estava incompleta. É que só chegava à parte onde o Sr. Prof. Vital Moreira enunciava o problema e por isso não chegou à pág. 64,.. .

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Cheguei, cheguei!

O Orador: - ... onde o Professor Vital Moreira extrai as conclusões. Chamo só a atenção para a conclusão 13.º, que cito: «Nas circunstâncias prevalecentes entre nós, não pode pôr-se constitucionalmente em causa a admissibilidade de um sistema legalmente vinculante, desde que não desproporcionadas quanto à sua medida e aos meios de as tornar vinculativas.»
O livro está à disposição da Sr.ª Deputada Odete Santos para poder lê-lo completamente.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Está aqui. Tenho-o comigo!

O Orador: - Está aí? Então, a Sr.ª Deputada Odete Santos tinha a pág. 64, onde tem a conclusão, escondeu essa conclusão na intervenção que fez e veio dizer...

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, já fez a sua interpelação.

O Orador: - ... que a conclusão era o contrário do que consta do livro?!
Sr.ª Deputada Odete Santos, com certeza que lhe falta esta conclusão!... Convém aqui dizer que o Professor Vital Moreira, que não está presente, pensa o contrário do que a senhora veio aqui insinuar que ele pensava.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares não precisa da Mesa para oferecer livros à Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Deputada Odete Santos pede a palavra para que efeito.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor. Que assim seja, mas que seja o menos parecida com uma interpelação que acabou de ser feita.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, eu não vou oferecer ao Sr. Ministro o livro que tem as dúvidas que o Professor Vital Moreira...

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Leia as respostas!

A Oradora: - Dá-me licença? Eu ainda não acabei.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - É que as respostas é que me interessam. Leia-as, Sr.ª Deputada!

O Sr. João Amaral (PCP): - Você não manda!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, façam silêncio. Deixem fazer a interpelação, por favor

A Oradora: - Não me deixam interpelar a Mesa? Ó Srs. Deputados,...

Risos.

... então e a igualdade?

Risos.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, está a ser vítima de um pecado que tem cometido algumas vezes.
Faça favor de continuar.

A Oradora: - Eu não vou oferecer o livro que tenho comigo e que me foi gentilmente remetido pelo Sr. Ministro para que fosse bem lido.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, faça á sua interpelação à Mesa, por favor.

A Oradora: - É que eu também sei, tal como o Sr. Presidente, utilizar o direito! E também não ofereço a Constituição anotada, onde o Professor Vital Moreira diz o contrário do que refere...

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas isso é anterior à revisão!

O Orador: - Não é! O artigo 13.º, onde o Professor Vital Moreira diz o contrário do que refere neste livro sobre discriminações positivas, não foi alterado!
Sr. Presidente, podemos dar o incidente como encerrado, porque, para além da inconstitucionalidade, esta proposta cheira a mofo. Eu lutei contra as diferenças, eu lutei pela igualização dos sexos, para que as escolas tivessem homens e mulheres, porque entendia que as mulheres tinham o mesmo direito à educação.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, não faça um discurso, por amor de Deus!

A Oradora: - Agora, a mofo cheira esta proposta de

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, isso não é uma interpelação! Não fuja muito dela.

A Oradora: - Acabei, Sr. Presidente. Muito obrigada.

Aplausos do PCP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos à Sr.ª Deputada Odete Santos, inscreveu-se a Sr.ª Deputada Maria Manuela Augusto.
O PS concede à Sr.ª Deputada Odete Santos, que não dispõe de tempo para responder, 2 minutos do seu tempo.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Manuela Augusto.

A Sr.ª Maria Manuela Augusto (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, uma lei, para ter o efeito pretendido, tem de ser necessária - a Sr.ª Deputada sabe-o

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bem -, e é isso mesmo que está aqui em causa neste momento preciso.
O que está em discussão - isto já aqui foi dito - é a qualidade da democracia, é o equilíbrio entre os representados e os representantes, é a dignificação da democracia representativa. Não é outra coisa, Sr.ª Deputada!

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - E não é por termos mais problemas concretos para solucionar, ainda por legislar - que temos! -, concretamente em relação às mulheres, à família e ao trabalho, que não vamos procurar resolver o que de concreto está ao nosso alcance!
O que aqui está em causa é uma medida catalisadora de conformismo, de subserviência, de mudança de mentalidades. E lembro, mais uma vez, que todas as alterações ao estatuto ou à condição da mulher na sociedade, no trabalho, etc., e que enforma as práticas sociais, só têm sido conseguidas por força da legislação.

O Sr. José Magalhães (PS): - Difícil de obter!

A Oradora: - A sociedade vai-se auto-regulando de forma muito lenta - a Sr.ª Deputada sabe-o bem - e a função da lei pode ser a de acelerar as mudanças de mentalidades. E este processo, Sr.ª Deputada, não se quer estático.
Agora, não vamos desviar a atenção do que está em causa! É que esta proposta de lei é o empurrão necessário para quebrar o ciclo vicioso. Por isso, Sr.ª Deputada, acho extraordinário que se fale na criação de medidas legislativas complementares que facilitem este processo e se desperdice uma oportunidade única de criar a interactividade necessária patra inverter este mesmo processo.
Esta é a forma que está em cima da mesa. Vamos desperdiçá-la, Sr.ª Deputada? Vamos continuar à espera de quebrar a inércia social? Se a acham pouco impulsionadora, desnecessária ou insuficiente, proponham outra solução.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - A cassete partiu-se!

A Oradora: - O imobilismo é que não, Sr. Deputada! É isso o que a senhora propõe, o imobilismo? Eu não acredito. Conhecendo o percurso político da Sr.ª Deputada, que me merece o maior respeito, não acredito que seja o imobilismo.
E, desculpe, em relação à discriminação, de que tanto falou, às vezes também é necessário descriminar, mas positivamente, Sr.ª Deputada. Como ainda me sobra tempo, deixe-me dar-lhe só um pequeno exemplo: por exemplo, em relação aos estudantes carenciados, se eles nunca tivessem acesso a uma bolsa de estudo para provaras suas potencialidades e as suas capacidades talvez nunca tivessem oportunidade de mostrar o que muitos deles são e serão, aqui e em qualquer outra parte do mundo. É ou não é uma discriminação positiva?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não!

A Oradora: - Este é um exemplo como outro qualquer.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, nos 2 minutos que lhe foram concedidos pelo Partido Socialista, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria Manuela Augusto, creio, verdadeiramente, que ou a Sr. Deputada esteve manifestamente distraída durante a minha intervenção ou, como já trazia as perguntas «artilhadas» para fazer,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Não sejamos deselegantes!

A Oradora: - ... não reparou sequer no que eu disse.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Francamente, Sr Deputada! .

A Oradora: - ó Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, a discussão ontem foi consigo, mas hoje não é!

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Claro que é!

A Oradora: - A Sr.ª Deputada não me provou - aliás, ninguém aqui provou - que esta fosse uma medida de discriminação positiva. A própria Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro disse que não se tratava aqui das outras questões da igualdade, que o que era preciso era tomar o poder. O poder!

A Sr.ª Maria Manuela Augusto (PS): - Isso não é o importante!

A Oradora: - A Margareth Thatcher achou importante, para discriminar as mulheres.
Eu sou a favor das discriminações positivas, mas esta não é uma discriminação positiva!

A Sr.ª Maria Manuela Augusto (PS): - É sim, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - As mulheres que se situam nos 80% dos portugueses que não têm acesso ao ensino básico, que igualdade de oportunidades têm para se candidatarem aos órgãos de poder político? Diga-me!
Às mulheres que recebem salário mínimo nacional, que têm as tarefas da família a cargo, qual é a igualdade de oportunidades que esta lei lhes reserva?
Srs. Deputados, esta. lei é para um núcleo restrito de mulheres,...

A Sr.ª Maria Manuela Augusto (PS): - Não é, Sr.ª Deputada!

A Oradora: = .., para aquelas que não sofrem discriminações como as outras. É que hoje falou-se aqui muito... - até já se falou do Fezas Vital -, e eu provo-lhe que há mulheres menos discriminadas do que outras!
Falou-se também no direito de voto e aquilo que, a esse respeito, foi citado pelo Sr. Ministro é a prova provada de que nós, mulheres, não somos todas irmãs umas das outras! Essa da «sororidade», da irmandade... Isso é uma balela, é uma conversa para enfraquecer a luta das mulheres!
Sr.ª Deputada, nós não somos todas iguais...

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A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - É por isso que estamos em partidos diferentes!

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, só dispõe de 2 minutos. Tem de acabar mesmo.

A Oradora: - Vou acabar, Sr. Presidente.
Srs. Deputados, as medidas que aqui estão não são nem necessárias, nem adequadas, nem proporcionadas. Elas não visam os objectivos que julgam ir obter. E dou-lhes um exemplo: falam muito dos países nórdicos - que não têm uma lei destas -, onde há muitas mulheres nos parlamentos. No entanto, as organizações das mulheres nórdicas continuam a queixar-se das discriminações! Sr.ª Deputada, para que é que serviu o poder às mulheres lá fora?

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, tem de terminar.

A Oradora: - Diga-me só, Sr.ª Deputada, para que é que serviu terem na vossa bancada mulheres, se votaram contra a idade de reforma das mulheres portuguesas aos 62 anos?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Carmem Francisco.

A Sr.ª Carmem Francisco (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Em nome das mulheres, em nome da promoção da igualdade entre homens e mulheres, em nome da eliminação de todas as formas de discriminação, Os Verdes são contra a imposição de quotas.
Aquilo que para nós é importante discutir hoje neste Parlamento não é tanto se as listas para as próximas eleições legislativas ou europeias cumprem uma determinada fórmula matemática, paupérrima aliás! A questão é a de saber como é que se caminha no sentido de uma democracia autêntica e da igualdade real entre mulheres e homens; a questão é a de saber como é que se garante, de facto, a igualdade de oportunidades na participação dos cidadãos, homens ou mulheres, tanto no espaço público como no privado; a questão é a de saber como é que o Estado cumpre a sua tarefa fundamental de promoção da igualdade entre homens e mulheres, nomeadamente a igualdade no exercício dos direitos cívicos e políticos, e como põe fim à discriminação em função do sexo no acesso aos lugares de poder e de decisão; a questão é a de identificar as causas da discriminação real que, hoje, permanece na sociedade portuguesa, na esfera privada, no emprego e no espaço público: a questão é, finalmente, a da eliminação dessas causas.
Para o Partido Ecologista Os Verdes as causas são estruturais e podem ser encontradas num passado longo de marginalização social das mulheres.
Sr.ªs e Srs. Deputados, são inegáveis as mudanças operadas na sociedade. São inegáveis os gigantescos passos dados no sentido do reconhecimento da igualdade entre homens e mulheres, num contexto em que foi determinante o papel das associações de mulheres.
Mas, Sr. Ministro, a sua teoria «rosa» sobre a vida das mulheres em todos os outros domínios, que não o da política, não corresponde à realidade. O facto é que a partilha das tarefas na casa, no seio da família, não se verificou. A casa continua a não ser um espaço misto.

Na ideia de família, muito mudou. O marido chefe de família, com todas as suas prerrogativas, já não existe. A anticoncepção é uma possibilidade. .O divórcio um direito. Contudo, ainda hoje as mulheres se mantêm como quase exclusivas responsáveis pelas tarefas domésticas e pelo cuidar dos filhos e dos idosos, numa sociedade, como a portuguesa, manifestamente desprovida de estruturas de apoio à infância e à terceira idade.
É certo que as mulheres entraram no espaço das universidades e do trabalho, é certo que estão a entrar no espaço cívico e político, mas isto acontece em acumulação, num esforço brutal, com as responsabilidades do espaço-casa, espaço esse onde os homens teimam em não entrar e em não operar a mudança que terá de, forçosamente, levar a uma justa partilha de tarefas.
No ensino, as mulheres estão hoje em maioria nas universidades. São 70% dos licenciados. Contudo, esta maior qualificação não tem correspondência nas profissões de topo e nas mais bem remuneradas. Tão-pouco tem na promoção na carreira e no acesso aos cargos dirigentes e de chefia, no sector público como no privado, mas de forma ainda, mais chocante neste último. Além disso, o reverso da medalha é que são as mulheres as mais atingidas, ainda, pelo analfabetismo.
Sr.ªs e Srs. Deputados, no mundo do trabalho, as mulheres portuguesas atingem hoje uma presença superior à dos nossos parceiros europeus, com particular incidência no grupo etário entre os 25 e os 40 anos, em que as mulheres trabalhadoras representam cerca de 70%, contudo, com significativas diferenças. É um trabalho realizado em tempo integral e coincidindo com o período em que, precisamente, se é mãe, num mundo do trabalho em que a discriminação é uma constant, provavelmente das mais chocantes.
A mulher é permanentemente discriminada do ponto de vista do próprio acesso ao emprego, muitas vezes interditado pela simples possibilidade de uma gravidez futura, discriminada do ponto de vista salarial, do ponto de vista da progressão na carreira, permanentemente estigmatizada pela sua condição de mulher, de mãe, de filha. Uma discriminação que reclama do Governo uma atitude interventora e não passiva que, essa sim, pode ser considerada inconstitucional por omissão.
Pelo contrário, o Governo pretende fazer aprovar legislação que penaliza todos os trabalhadores, mas, tendo em conta a realidade, de modo muito mais grave as mulheres. Discriminação no emprego contra a qual uma eficaz arma, para além da evolução das mentalidades, é uma implacável actuação da fiscalização e da punição de todas estas situações. Situações provocadas por quem encara as mulheres como mão-de-obra mais barata, como máquina de produzir que se substitui sempre que essa produtividade diminui para dar lugar à maternidade, porque haverá sempre outra mulher para a substituir, uma vez que elas constituem, ainda, o maior número de desempregados.
Sr.ªs e Srs. Deputados, a discriminação e a violência contra as mulheres existem! Violência verbal em casa, no emprego, nos meios de comunicação, na publicidade. Violência que é consentida por um Estado que se remete ao silêncio e que, aqui, não quer intervir. Violência sexual e física em casa, no emprego, na rua. Um outro tipo de violência enquanto não são cumpridos todos os direitos reprodutivos das mulheres. Tal só acontecerá quando, de modo eficaz, for colocado à disposição das mulheres portuguesas todo o leque de opções de contracepção e de interrupção voluntária da gravidez.

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A possibilidade de compatibilização entre a maternidade, como valor social eminente, e o direito ao trabalho é um princípio cuja defesa compete a toda a sociedade e ao Estado em particular. A defesa deste princípio não está, seguramente, assegurada quando se continua a permitir que as mulheres sejam preteridas no acesso ao emprego pelo facto natural de poderem ser mães. Ou quando as Deputadas eram, até há pouco tempo, as únicas mulheres a quem, por lei, não eram reconhecidos os direitos e regalias inerentes à maternidade. Aliás, o Governo nada acrescenta no reconhecimento destes direitos, o que o Parlamento já fez, por unanimidade e por proposta do Partido Ecologista «Os Verdes».

O Sr. José Magalhães (PS): - Está a ver como a lei é importante!

A Oradora: - Ao invés, até recua naquilo que, não sendo certamente um lapso, acaba por ser a involuntária confissão de quem é veículo da visão discriminatória que tem a sociedade e o próprio Governo.
Cito da proposta de lei: «Os Deputados gozam dos direitos e regalias respeitantes à maternidade previstos na lei».
Ao ignorar os direitos respeitantes à paternidade, o Governo põe a nu a visão zarolha de quem, no fundo, afinal não percebeu onde é que se situa a mudança que importa fazer.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Que deselegância!

A Oradora: - Uma mudança que não pode ser de cosmética. Uma mudança que é de toda a sociedade, do entendimento que esta deve ter da sua construção partilhada, por homens e mulheres.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O Partido Ecologista Os Verdes não acredita na imposição de quotas como instrumento eliminador de desigualdades, porque é uma medida artificial, de cosmética, que pretende mascarar a realidade. Porque é uma medida com efeitos perversos.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, já esgotou o seu tempo, pelo que agradeço que termine.

A Oradora: - Porque é uma medida cuja óptica não é a da universalidade de direitos, não é a da igualdade, mas é a das mulheres enquanto categoria, acabando por reproduzir os mesmos conceitos que estão na origem da discriminação.
Mas, àqueles que convictamente acreditam nas virtualidades desta medida, há que dizer que, nesse caso, a proposta do Governo é francamente má! Porque se fixa nos 230 lugares da Assembleia da República e nos 25 lugares do Parlamento Europeu; porque deixa de fora os 40 000 lugares das autarquias; porque deixa de fora os milhares de lugares por nomeações; porque deixa de fora os lugares dirigentes da Administração Pública e das empresas públicas.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, tem de terminar.

A Oradora: - Sr. Presidente, peço algum tempo para concluir.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, já ultrapassou em mais de 1,5 minutos o tempo de que dispunha.

A Oradora: - Termino, então, dizendo que esta proposta deixa de fora também, o que me parece chocante, os próprios lugares no governo.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Gostaria que esta minha intervenção fosse entendida muito mais como uma declaração no feminino e muito menos como uma declaração contra o mecanismo das quotas que a proposta do Governo visa instituir.
Porque me propus neste debate não perder de vista as mulheres, não como uma invenção homogénea, linear e simplista de que alguns se apropriaram, mas como essa multidão de seres humanos, ricos na sua heterogeneidade, plurigeracionais e multimodais, que constituem mais de metade da população do globo e a que me honro de pertencer.
Assim, desejaria colocar algumas questões, Sr. Presidente e Srs. Deputados, e a primeira que se impõe fazer é esta: a que mulheres se destina tal medida? E num duplo sentido nos devemos interrogar; no sentido sócio-económico e no sentido geracional. E que não estamos certamente a pensar, com esta medida, abrir espaço nesta Câmara a mulheres que estatisticamente contribuem para o fenómeno da feminização da pobreza em Portugal, ou estaremos? Tão-pouco estamos a pensar que as que venham por esta via fiquem ou sequer se sintam vinculadas a uma espécie de contrato social com as outras, assumindo ser suas porta-vozes.
Também não estamos a pensar na geração pré-68, que não precisa que lhe abram portas: quem é quem, já é, e quem não foi, já não será. E se a esse «não foi» estiver subjacente uma forte injustiça, o que muitas vezes sucede, não é este o modo ou o tempo de a resolver.

Estaremos, então, a pensar nas mulheres nascidas no pós-68? Também não. Foram elas que contribuíram eficazmente para uma evolução global do papel da mulher nos mais diversos sectores da vida portuguesa. São elas que enchem as universidades, invadem a Administração Pública, o jornalismo, as artes, a magistratura, a diplomacia, o ensino e, progressivamente, as empresas, a banca, os seguros, etc.
A que mulheres, então, se destina este obséquio do Governo?
Julgo que há que responder a esta pergunta, embora, provavelmente, ninguém saiba como.
Em segundo lugar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, convirá pensar em voz alta no seguinte: o que é, realmente, este fenómeno de «especificidade feminina»? Uma especificidade que leva o Governo a apresentar esta proposta de lei, uma especificidade que leva esta Assembleia da República a ouvir e a debater, uma especificidade que, embora por breve tempo, agita os media e a opinião pública.
De que se trata, afinal? De mulheres que querem aceder a lugares políticos de destaque e não as deixam? Estão nos partidos e não ascendem? Não estão sequer, nos partidos porque descrêem da utilidade desse tipo de participação?

O Sr. José Magalhães (PS): - O ISCTE responde-lhe a isso!

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A Oradora: - São, geralmente, discriminadas ou estão maioritariamente ausentes? E, se estão ausentes, porquê?
Ora, Sr. Presidente, Srs. Deputados, muito se tem falado acerca do descrédito da política, da imagem negativa da política, da imagem negativa dos políticos e dos partidos, do afastamento do cidadão das próprias instituições democráticas. Assim sendo - e esta constitui uma das mais graves ameaças à democracia -, é ou não compreensível que as mulheres, sobreocupadas com duplas e triplas tarefas, lutando por manter acrobáticos equilíbrios entre uma panóplia de deveres constantemente lembrados e uma listagem de direitos que raramente se efectivam, tenham, elas próprias, no exercício da sua liberdade, dito não?
Algum desinteresse das mulheres na participação política, nomeadamente através da militância partidária, pode ter apenas e tão-só esta sazão. Merecia, do nosso ponto de vista, não uma falsa perplexidade, mas uma séria meditação.

O Sr. Rui Marques (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - Em terceiro lugar, devemos concluir que são os partidos políticos, na sociedade portuguesa, os principais «excluídores» das mulheres. Ora, os partidos políticos deviam observar uma democracia interna, deviam espelhar o respeito pelas respectivas regras, sendo exemplares na sua pluralidade e representatividade.

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro! Mas como?

A Oradora: - Mas esta proposta de lei, este agendamento e este debate demonstram exactamente o contrário.
Afinal, os partidos são clubes só para cavalheiros e nada menos do que a força da lei poderá alterar esta situação. Isto é, reconhece-se a relutância ou a incapacidade de os partidos serem simplesmente democráticos!
Em quarto lugar, reconhecemos todos que, no plano filosófico, conceptual, jurídico e proclamatório, há muito foi lograda uma igualdade de oportunidades entre homens e mulheres. O problema é a abissal diferença entre direitos e realidades.
Ora, a mulher, estando ela própria no âmago do mais real da vida, entre família e ganha pão, entre necessidades e recursos escassos, entre gerações, projectos contraditórios, gestão de conflitos, sistemas sociais de tão fraca resposta etc., não precisa de mais leis. Precisa, sim, de mais realidades que respondam ao mundo real onde ela se situa. E, entre essas realidades, não creio que as quotas sejam as mais importantes.
Mas, ainda que assim fosse, a própria proposta do Governo é paradigmática dessa visão miserabilista que se pode, mas não se deve, ter da realidade portuguesa.
25% porquê? Porque não há mulheres em número suficiente nos partidos? Comece-se, então, por baixo, pelas fundações, pelo soalho. De outra forma, só pode ser risível esta ideia de líderes partidários, de candeia na mão, à procura de mulheres para as quotas.

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas quem disse isso foi o Dr. Portas!

A Oradora: - É dramático para as mulheres a ideia de que foram escolhidas para dar cumprimento a uma norma impositiva, já perdido o projecto, o mérito e a ilu-

são. Era ainda à custa das mulheres que este «civilizado» volte face se faria.
E porquê só para o Parlamento Europeu e para a Assembleia da República? Então o Governo, as autarquias, o Tribunal Constitucional, e por aí fora?
Era ainda connosco a fazer de cobaias. Experiências lentas, calculadas; controladas, e, afinal, aparentemente tão generosas.
Em quinto e último lugar, estamos todos conscientes de que muito mudou em Portugal. Mudou tudo o que podia ser mudado com um quadro normativo favorável e a luta empenhada das mulheres, mas não mudou o que só mudará quando essa mudança for sentida por todos: homens, mulheres, famílias, instituições públicas e privadas, organizações económicas, agentes sociais e opinião pública. No dia, afinal, em que mais importante do que ser titular de um direito for a consciência de o poder exercer livremente.
Na longa memória feminina, que é a própria memória da humanidade, desenha-se já esse dia, que eu daqui saúdo com as palavras sábias de uma grande mulher, que diz: «Porque há uma história que não está na História e essa história só pode ser resgatada ouvindo os sussurros das mulheres.». Nesta longa história, quase sempre escrita por homens, mas tantas e tantas vezes protagonizada por mulheres, os sinais são evidentes. Saibamos ouvi-los, para além das quotas, para além das leis, até para além das mulheres, em nome da cidadania e em nome do desenvolvimento.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Maria José Pinto, na audição parlamentar subordinada a este tema, V. Ex.ª disse que as mulheres não estão a bater à porta dos parti8os, porque não lhes interessa, porque a vida delas já está muito ocupada e porque elas não reconhecem nisto qualquer interesse especial, sendo essa, para si, a questão fundamental.
A Sr.ª Deputada não pensa que este ponto de vista pode representar um risco para a democracia? Não pensa que este ponto de vista pode representar uma forma de enfraquecer a democracia? Não pensa ainda que este ponto de vista é um espelho evidente de uma visão que levou a este estado de coisas e que levou a este estado de iniquidade?

A Sr.ª Maria Manuela Augusto. (PS): - Bem lembrado!

A Oradora: - A Sr.ª Deputada foi Subsecretária de Estado da Cultura, e a cultura é também transformar o silêncio em palavras e em actos. Pergunto-lhe se não pensa que é tempo de o silêncio sobre o papel das mulheres na História ser preenchido e se não pensa que é tempo dos actos.
Este é um meio, mas, se não concorda com este meio, Sr.ª Deputada, aquilo que lhe pedimos é que nos apresente outro. Apresente outra medida que não a auto-regulação dos partidos, que o Sr. Dr. Paulo Portas propôs na audição.
Isto, Sr.ªs Deputadas, porque não queremos só combater as. desigualdades com as correcções que virão lá para as calendas, mas queremos também promover a igualdade.

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Eu quero o melhor para as minhas filhas, é evidente, mas não quero só o melhor para as minhas filhas, quero o melhor também para as minhas netas, para as suas netas, para as suas filhas e quero ainda o melhor para mim e para si.
Numa edição da revista Visão de Agosto de 1998, a Sr.ª Deputada fez uma afirmação que me suscitou uma enorme curiosidade. A Sr.ª Deputada disse: «Quando se levantou a hipótese de eu presidir à Direcção de Recursos Humanos de uma empresa composta maioritariamente por homens e quando se levantou a hipótese de dirigir um estabelecimento prisional, por duas vezes me disseram que o facto de ser mulher era um impedimento».

A Sr.ª Maria Manuela Augusto (PS): - Não se lembra!

A Oradora: - Aquilo que lhe quero perguntar é o seguinte: por que é que pensa que esses homens tinham, e têm, essa representação social que os levou a dizer e a assumir que o facto de, por si só, ser mulher a impedia de exercer essas funções? A Sr.ª Deputada não pensa que já é tempo de nenhum, homem poder arvorar-se o direito de lhe dizer isso?

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

A Oradora: - Sr.ª Deputada, eu sei que a senhora sabe que eu sei que, se calhar, bem lá no fundo da sua consciência, como mulher, como Deputada, a senhora sabe que esta guerra também é sua.

A Sr.ª Maria Manuela Augusto (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Esta guerra, Sr.ª Deputada, tem de começar já a ser resolvida e, por isso, eu faço-lhe um apelo: discutamos na especialidade aquilo que nos divide e vamos dar um sinal às nossas filhas, às nossas netas. Não se esqueça, Sr.ª Deputada, que o Sr. Dr. Paulo Portas se comprometeu a ter mais de 25% de mulheres nas listas do seu partido. Vamos fazer com que isto seja uma realidade, porque, de facto, Sr.ª Deputada, «há uma história que não está na História e que só pode ser resgatada ouvindo os sussurros das mulheres».

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia, não vou desistir de reconhecer, no universo feminino, várias realidades. Não quero um universo feminino homogéneo e faz-me sempre muita confusão quando, nesta Câmara, as mulheres discutem as mulheres como se fossem uma realidade homogénea, porque elas não o são, são uma realidade heterogénea. Portanto, faço por lembrar - eventualmente por razões diferentes das que foram apontadas pela Sr.ª Deputada Odete Santos, já que estamos em bancadas completamente opostas - as razões estruturais do subdesenvolvimento, que impedem que muitas coisas hoje já tenham acontecido em Portugal. Tenho de o fazer por razões que são as minhas, da minha consciência, da minha formação moral e da minha formação como cidadã e como política.

altere?

Como tal, tentei distinguir aqui estas duas realidades, porque aquilo que estamos aqui a perguntar hoje é, apenas e tão só, como é que um grupo muito minoritário de mulheres acede a lugares de poder. Estamos a falar das mulheres privilegiadas de Portugal e, de entre essas, daquelas que são um bocadinho menos privilegiadas do que as outras. Não posso pôr o debate noutro registo, Sr.ª Deputada, porque não sou capaz. Mas, considerando-nos a nós, mulheres aqui presentes; privilegiadas, porque o somos, uma chegaram e outras não chegaram. Para se chegar, é preciso querer e é preciso poder e aquilo que disse e que continuo dizer é que muitas mulheres, sobretudo.as nossas filhas, já não querem, como nós pensámos durante muito tempo, chegar aqui.
Por outro lado, também não podemos estar agarrados a paradigmas passados. Hoje, há muitas mulheres que querem ter a sua carreira profissional e que encaram a sua vinda para a política como algo remoto, não o encaram como algo de muito importante. Portanto, é preciso querer e a vontade não é muita. Ora, uma das razões para que a vontade não seja muita é o modelo masculino que tem o mundo político. Digo e escrevo há muito tempo que esse modelo masculino advém do facto de o mundo político ser, como diria o Monsieur De La Palice, um mundo predominantemente masculino. Portanto, é uma pescadinha de rabo na boca, já que as mulheres não vêm porque o mundo é masculino e esse mundo não se muda porque as mulheres não vêm.

O Sr. José Magalhães (PS): - E não quer que isso se

A Oradora: =- Entretanto, as mulheres das gerações abaixo da nossa estão-ocupadas com coisas muito mais importantes, nomeadamente com uma entrada maciça no mercado profissional e em áreas onde, tradicionalmente, não havia mulheres.
Depois, é preciso poder. Ora, os partidos têm de fazer um esforço interno para alterar todas as regras viciadas de acesso das mulheres ao poder e eu não acredito que isso se altere com uma lei. Isso é algo que, internamente, os partidos terão de fazer, até para assegurar a sobrevivência da democracia, e eu acredito que esse instinto de sobrevivência chegará.
Quero ainda dizer-lhe que eu só por duas vezes fui preterida por ser mulher...

A Sr.ª Maria Celeste Correia.(PS): - Chega!

A Oradora: - ... e hoje estou perfeitamente convencida de que quem perdeu foram eles, porque eu ia ser uma excelente directora desse estabelecimento prisional, ia fazer os possíveis, ia dar o meu melhor e, portanto, eles ficaram a perder.
Esta guerra também é minha e. eu vou dar o meu melhor, não com estas armas, mas com outras.
Finalmente, respondo-lhe ao que disse o Dr. Paulo Portas e falo-lhe nas minhas filhas. O Dr. Paulo Portas disse que ia fazer todos os possíveis para ter 25% de mulheres nas listas...

Vozes do PS: - Mais de 25%!

A Oradora: - Mais de 25% de mulheres nas listas. Quero dizer-lhe, Sr.ª Deputada, que as minhas filhas já me imploraram para que, por essa razão, não voltasse a estar neste Parlamento.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.

O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros (Vitalino Canas): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: É um imperativo para o Governo, pela Constituição e pelo seu Programa, mas também um imperativo ético e um dever perante as mulheres deste país enfrentar o problema da subrepresentação do sexo feminino nos órgãos políticos.
As experiências dos países de que nos sentimos, mais próximos apontam inequivocamente para a instauração formal de metas quantitativas para os dois sexos nas eleições.
Fizemos a proposta, conscientes de que teríamos de enfrentar muitos conservadórismos, muitos arcaísmos.

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Orador: - Não nos enganámos
No próprio momento em que o Governo fez essa proposta houve imediatamente quem apostasse na menorização e na ridicularização do debate e das medidas apresentadas. Não faltou quem vaticinasse o seu insucesso imediato.
Manifestamente, o debate não tem decorrido como esses profetas do ridículo gostariam, porque, pela primeira vez entre nós, o tema mobilizou o Governo, a sociedade civil e os partidos e o debate assumiu o tom sério que, inevitavelmente, tem nas sociedades adultas.
Pena é que, apesar disso, esse debate continue a ser perturbado por argumentos inaceitáveis e, às vezes, até deselegantes, como alguns que hoje aqui foram invocados.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Fala-se das filhas das quotas; alega-se que as quotas são o atestado de menoridade das mulheres; insinua-se que as mulheres não as querem, até porque não sentem interesse ou vocação para a política; sustenta-se que implicam uma humilhação. Estou em total e profundo desacordo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Porque o que é verdadeiramente humilhante é a situação actual.
Porque o que é verdadeiramente humilhante para as mulheres que querem fazer política - e nada, nem ninguém, prova que não o queiram - é sentirem que, apesar de já terem demonstrado a sua competência e o seu mérito em todos os sectores da vida social, intelectual e profissional, esse mérito e essa competência continuam a ser objecto de suspeição no clube restrito da política.
Porque é isso e só isso que sucede todos os dias e sempre que se fazem listas para eleições dentro e fora dos partidos: as mulheres são sistematicamente afastadas ou remetidas para lugares inelegíveis.
Desconfia-se da sua competência; põe-se em causa a sua militância; desvaloriza-se a sua capacidade de captar a confiança do eleitorado. Ninguém pode negar que nos partidos funciona um persistente e implícito esquema de julgamento preconceituoso da capacidade política das mulheres.

Estas conclusões tornam este debate incómodo, porque elas nos conduzem imperceptivelmente para a fronteira do politicamente incorrecto.
Na verdade, este debate obríga-nos a reconhecer que alguns dos pais espirituais das democracias modernas estiveram errados; forçanos a reconhecer que a nossa democracia não é perfeita; obriga-nos a admitir que os grandes sustentáculos do sistema político - os partidos erguem barreiras à real participação política de metade dos cidadãos, excluindo-os de parte importante do jogo democrático; obriga-nos a interrogar as noções de igualdade e de cidadania que herdámos dos nossos antepassados e que ainda não adaptámos ao tempo em que vivemos, onde a discriminação em função do sexo se tornou, felizmente, intolerável.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Mas, mesmo que politicamente incómodo, é um debate que não podíamos, nem podemos, continuar a adiar.
E, suceda o que suceder à proposta do Governo, este tema não vai sair da agenda política. É um compromisso que assumo aqui.

Aplausos do PS.

Desiludam-se, pois, Sr.ªs e Srs. Deputados dos partidos da oposição: nós não vamos desistir!
Porque não poderemos deixar de adoptar medidas de acção positiva para resolver o problema da sub-representação feminina, mesmo sabendo que comportam riscos e merecem reservas sob vários pontos de vista.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O primeiro objectivo do Governo era lançar o debate sobre quais as medidas de acção positiva que deverão ser tomadas. Infelizmente, o debate sobre a proposta de lei do Governo não revelou nenhuma alternativa viável e eficaz a essa proposta.
Surgiram, é certo, compromissos dos líderes dos partidos da oposição. Todos garantem, agora, que promoverão a autoregulação, de modo a que as mulheres dos respectivos partidos tenham mais oportunidades, mesmo qué , a lei não os obrigue a isso.
É de aplaudir essa intenção, obviamente, apesar da névoa de mistério que a envolve, permitam-me que o diga, uma vez que ninguém parece saber como se concretizará tal intenção.
Mas não podemos ter ilusões sobre a sua eficácia. Quem alimentar ilusões sobre isso ou é ingénuo ou é ignorante.
É fruto de ingenuidade ou de ignorância pensar que, apesar de não se conhecer nenhum país do sul da Europa - eu diria mais: nenhum país onde prevaleça uma ética não protestante - onde o modelo de auto-regulação partidária tenha funcionado, ele pode funcionar em Portugal.
Esse modelo não funcionou na França, na Itália, na Bélgica, na Grécia, no Brasil e na Argentina, para mencionar apenas alguns daqueles países onde o tema é objecto de debate actual.
E mesmo nos sítios onde a auto-regulação partidária funcionou isso aconteceu por uma conjugação de factores de que manifestamente não beneficiamos.
Primeiro, a existência de quotas internas formais nos partidos, e que não devemos ignorar.
Segundo, uma ética de responsabilidade menos individualista do que é prevalecente entre nós.

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Terceiro, sufrágio universal implantado há muitas décadas, em alguns casos desde o início deste século.
Quarto, um Estado-providência muito mais profundo do que o nosso.
Quinto, um estatuto social feminino de igualdade muito mais enraizado, quer ao nível real, quer ao nível simbólico.
É o que sucede na Suécia, na Noruega, na Dinamarca, na Finlândia, etc.
É fruto de ingenuidade ou de ignorância pensar que o País que tinha na União Nacional, no dia 24 de Abril de 1974, uma percentagem de mulheres de cerca de 6,8% e onde 25 anos de democracia geraram apenas cerca de 6% mais de representantes femininas no Parlamento mudará de um dia para o outro, apenas por obra e graça de um apressado compromisso de líderes partidários, mais ou menos transitórios.
É fruto de ingenuidade ou de ignorância acreditar que, em países como o nosso, os partidos podem ser a alavanca mais adequada para a paridade.
Espanta que quem acredita nessa capacidade de liderança dos partidos. não se sinta tocado pelo facto de os estudos mais recentes demonstrarem que, em Portugal, é mais fácil a uma mulher ser Deputada do que dirigente nacional de um partido. E nós conhecemos o número diminuto de Deputadas que existem.
Mais: surpreende que não fiquem abalados pela demonstração de que, embora seja difícil às mulheres chegarem aos órgãos nacionais dos partidos, lhes é ainda mais penoso serem escolhidas para os órgãos básicos dos partidos, os órgãos das estruturas locais.
Permitam que o diga, esta Assembleia não deveria correr o risco de passar por ingénua ou ignorante.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Oh! O que é isto?!

O Orador: - Mas, Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, para além disso, esta Assembleia não pode ser agente activa da sub-reptícia perversão das próprias bases em que o Estado de direito e as sociedades modernas se baseiam.
É isso que está, justamente, em causa quando se propõe que, em vez da lei, se tome como bom um mero compromisso de líderes partidários.
Quem faz essa proposta que destino dá à ideia da lei como expressão mais formal, mais digna, mais perene, mais segura, mais democrática e mais transparente da vontade-geral?
Aqueles que sustentam que, para resolver o problema da participação feminina em órgãos constitucionais e europeus basta uma fórmula recuada de auto-regulação partidária, como é o compromisso público dos líderes actuais dos partidos, não estão a recusar à lei o papel que o Estado moderno lhe entregou sem reserva?
Mais uma pergunta: o modelo de sociedade que prescinde da lei ou que a considera superabundante e aceita, sem pestanejar, a sua troca pelo compromisso informal dos chefes, não é o modelo de sociedade que o Estado moderno subjugou?

O Sr. José Magalhães (PS): - Exactamente!

O Orador: - E se os Srs. Deputados da oposição acham natural essa inutilização ou essa desgraduação da lei como instrumento de regulação social, então o que estão aqui a fazer, nesta Assembleia, órgão legislativo, por excelência?

Finalmente, este modelo que nos propõem não é o-modelo que sacrifica o conceito de direitos e prefere a esmola ou o privilégio arbitrário que o Estado moderno enterrou e contra o qual se fizeram revoluções?
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A rejeição desta proposta do Governo, se ocorrer, tem pelo menos quatro implicações que não escaparão aos cidadãos em geral e às mulheres em particular.
Primeiro, fica mais uma vez patente a capacidade de alguns para se negarem.
Não foi Leonor Beleza que disse «as quotas informais sempre estiveram nos partidos políticos, são praticadas por partidos políticos, mas ainda não houve força para que essas quotas informais também sejam praticadas em relação às mulheres»?

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Exactamente!

O Orador: - E não foi Marcelo Rebelo de Sousa que disse «está a demorar a chegar à política o relevo do papel da mulher, que já começa a existir ou já existe francamente noutros sectores da vida social. Há qualquer coisa de errado no sistema político, há qualquer coisa de errado na vida dos partidos políticos, há qualquer coisa de errado no funcionamento das instituições»? E continuava: «a meu ver, e na óptica do PSD, isto não se relaciona necessariamente com uma posição sistemática dos políticos homens portugueses contra a participação das mulheres, mas tem a ver com uma realidade que é a inércia no funcionamento do sistema e das instituições. Quem está luta pela sua permanência, pela sua sobrevivência e nessa base, porque aquilo que está é uma certa realidade, e essa realidade não facilita normalmente a mudança para o futuro».
Mas onde nos conduz isto senão à proposta de lei que o Governo faz aqui hoje?
Segundo, o gritante contraste entre os partidos da oposição e o partido que suporta o Governo. Contraste de ambição, mas também contraste no que toca à capacidade de mudar e à capacidade de enfrentar barreiras antigas, arcaísmos, símbolos e valores, em nome de princípios renovados.
António Guterres não hesitou em conduzir o seu parti
do a cumprir as quotas ...

Aplausos do PS.

Risos do PSD e do CDS-PP.

... e em propor a esta Assembleia que isso ficasse consagrado na lei, com sanções, doa a quem doer.
Os líderes da oposição parecem não ter confiança ou força suficiente para convidarem os seus partidos a fazer o mesmo.
Terceiro; o padrão de irracionalidade do comportamento de alguns partidos da oposição. Para eles a política é o campo privilegiado da incongruência.
É isso que leva a que aqueles mesmos que há uns meses se encarniçavam a bramar que o Governo não tem autoridade e não governa, digam hoje que o Governo caminha para o autoritarismo e para o governo absoluto.
É isso que explica que os mesmos que clamam, dia sim dia não, por reformas, ocupem o melhor do seu tempo a inviabilizar as que o Governo procura fazer.
É isso mesmo que justifica que os que votaram a revisão constitucional, considerando-a uma grande vitória sua,

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a reneguem ou a esqueçam na primeira esquina, quando são confrontados com a necessidade de a cumprir.
Quarto, a incapacidade que, mais uma vez, alguns revelam em dar passos decisivos no sentido da renovação do sistema político. A incapacidade de, 25 anos depois, dar passos decisivos para concluir o programa de igualdade e de democracia que o 25 de Abril de 1974 prometeu e que ainda não conseguimos cumprir integralmente no que toca a 50% dos cidadãos.
E isso que está em causa aqui. Uma questão de cidadania e de democratização da democracia.
É pena que os partidos da oposição se preparem mais uma vez para uma coligação negativa, sem alternativas, contra o que os portugueses querem.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, é meu dever fazer-lhe o reparo de que a Assembleia da República nunca pode correr o risco de passar por ingénua ou por ignorante. A sua vontade será sempre.ª vontade dè um ser soberano.

Aplausos do PSD, do CDS-PP, do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

O Sr. João Amaral (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, eu só posso considerar que o que o Sr. Presidente acabou de dizer é o essencial, e até poderia, a partir daí, abdicar de usar da palavra, mas não posso, em minha consciência, deixar de dizer que acho que um debate sobre um tema como este deve pautar-se precisamente por regras de respeito e compreensão das ideias e não na base de anátemas como os que o Sr. Secretário de Estado acabou de fazer sobre a Assembleia.

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - Penso que o Sr. Secretário de Estado não teria perdido nada em moderar a sua linguagem, a sua forma de se portar nesta Assembleia e tentar - e sei que era um grande esforço da sua parte - argumentar com alguma humildade, até no que toca aos apregoados méritos do Engenheiro António Guterres, porque, se a coragem de apresentar aqui esta proposta de lei tivesse equivalência na sua liderança dentro do partido, então, ele não faria passar o partido pela vergonha de ter de aumentar o número de membros de um órgão para cumprir uma regra de quotas.

Aplausos do PCP, do PSD, do CDS-PP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário de Estado não tem tempo para responder, mas a Mesa concede-lhe 3 minutos para o fazer.

Vozes do PSD: - Peça desculpa!

O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros: - Sr. Presidente, Sr. Deputado João

Amaral, estou aqui com todo o respeito por esta Assembleia da República...

Aplausos do PS.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Ah!

O Orador: - ... e foi esse o sentido total da minha intervenção. E por isso quero dizer, Sr. Presidente, que estou perfeitamente de acordo com as suas palavras.

Risos do PSD.

Quanto à questão do Engenheiro António Guterres; Secretário-Geral do Partido Socialista, não sei se querem debater aqui a vida interna dos partidos, mas podemos fazê-lo, não temos qualquer problema nisso.

O Sr. Arménio Santos (PSD): - Foi você que a trouxe!

O Orador: - Em relação ao Partido Socialista, vamos admitir que aquilo que vem na comunicação social e que os senhores, se calhar, gostariam que tivesse acontecido, foi efectivamente que só se alargaram os órgãos do Partido Socialista para fazer entrar mais mulheres. Vamos admitir, mas não foi isso que sucedeu! O que sucedeu foi que o Partido Socialista cresceu e tem responsabilidades políticas e necessita de ter os seus órgãos mais preenchidos.

Risos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradeço que oiçam com atenção o Sr. Secretário de Estado.

O Orador: - Mas vamos admitir, Srs. Deputados, que essa era a única razão de se ter aumentado o número de membros de alguns dos órgãos do Partido Socialista. Qual é o problema? Por que é que é necessário haver sangue? Por que é que é necessário cumprir-se as coisas da forma mais difícil? O que os Srs. Deputados têm de reconhecer é uma coisa...

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço desculpa, mas não posso insistir até ao infinito para que oiçam o Sr. Secretário de Estado! Agradeço que façam silêncio.
Pode continuar, Sr. Secretário de Estado.

O Orador: - O que os Srs. Deputados têm de admitir, inequivocamente, é que o Partido Socialista é o único partido que hoje cumpre quotas internamente.

Aplausos do PS.

Risos do PSD e do CDS-PP.

Essas quotas são cumpridas! O PS foi o primeiro a fazê-lo e é o único a fazê-lo! Esperamos agora por vós!

Aplausos do PS.

O Sr. João Amaral (PCP). - Peço a palavra, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, é rigorosamente para interpelara Mesa.

O Sr. Presidente: - Vindo de um Vice-Presidente, é, com certeza! Faça favor.

O Sr. João Amaral (PCP): - E o Sr. Presidente vai ter mesmo de me responder!
A questão é a seguinte: face ao que acaba de explicar o Sr. Secretário de Estado, o que pergunto ao Sr. Presidente é se entende que a forma de resolver o problema da presença de mulheres na Assembleia da República, na opinião do Governo, é aumentar o número de Deputados.

Apláusos do PCP, do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Constituição permite que se reduza. Que se aumente, tenho a ideia de que não permite! O problema está constitucionalmente resolvido.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Fernanda Mota Pinto.

A Sr.ª Fernanda Mota Pinto (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: O Governo apresentou à Assembleia da República a proposta de lei n.º 194/VII, pretendendo garantir, nos termos do seu artigo 1.º, «uma maior igualdade de oportunidades na participação política de cidadãos de cada sexo». Para este efeito, propõe-se a proibição de participação nas listas de candidatura para a Assembleia da República e para o Parlamento Europeu de mais de 75% e de 66,7% de candidatos de um dos sexos, respectivamente, no primeiro e no segundo, no terceiro e no quarto actos eleitorais posteriores à entrada em vigor da presente lei. Impõe-se ainda, que as listas de Deputados não contenham sucessivamente mais de três e mais de dois candidatos do mesmo sexo, sob pena de rejeição de lista. Não se prevê, por manifesta impossibilidade, e ao contrário de que maus exemplos recentes poderiam fazer prever, o recurso ao aumento de número de Deputados à Assembleia da República ou ao Parlamento Europeu!

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - O objectivo de conseguir maior igualdade de sexos na vida pública merece a nossa adesão. Todavia, será que para além deste objectivo a proposta em causa merece acolhimento?
Ao reflectirmos sobre a proposta de lei do Governo algumas questões se nos puseram: poderá aderir-se à visão da sociedade que lhe está subjacente e dos meios a utilizar para a transformação desta? Do ponto de vista das mulheres, que esta proposta pretensamente quer beneficiar, será ela positiva ou sequer aceitável? Poderá concordar-se, sob o ponto de vista da justiça e da representatividade democrática, com os meios propostos para alcançar os referidos objectivos? Será que, independentemente de tudo o resto, a concretização de quotas nas listas para Deputados é constitucionalmente imposta, como prega o Governo? Todas estas questões merecem uma clara e inequívoca resposta negativa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Em primeiro lugar, não podemos partilhar a visão dos fenómenos sociais subjacentes a esta proposta. Trata-se de uma visão característica dos defensores da engenharia social, para os quais a evolução da sociedade e das instâncias políticas não resulta da conjugação das actuações dos diversos sujeitos sociais, em correspondência com as suas mundividências, com as suas preferências e liberdade individuais. Resulta, isso sim, de um plano impositivo e por isso autoritário, surgindo de cima, para baixo e de uma evolução forçada por via administra-
tiva e não orgânica.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É bem socialista!

A Oradora: - Em segundo lugar, esta proposta de lei, em vez de beneficiar as mulheres, é para elas claramente prejudicial e, em certa medida, mesmo humilhante, nos seus resultados.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Não que não se defenda o aumento da participação das mulheres na vida política. Não, portanto, que se reconheça que actual situação está bem - nada disso! Todavia, é sabido o resultado a que algumas medidas de discriminação positiva conduziram em relação a muitos elementos de minorias numéricas ou sociológicas, em países onde foram levadas ao extremo, como por exemplo nos Estados Unidos: uma menorização dos destinatários destas medidas; o lançamento sobre todos (os que beneficiam delas e os que delas não beneficiam) do estigma da menor valia individual e profissional - criar-se-ia mesmo a humilhação,.ainda que involuntariamente, de ter de se provar que não se está em determinado cargo porque se nasceu mulher, mas antes porque se tem valor e qualificação para o exercer.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Em terceiro lugar, sob o ponto de vista da justiça e da representatividade democrática, embora esta proposta possa parecer justa numa consideração global da sociedade, revela-se injusta, para homens e mulheres por igual, no plano individual, ou seja, para o indivíduo que é preterido ou preferido não pelo seu mérito mas por ter nascido homem ou mulher.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Com efeito, estabelece um critério de preferência na escolha, não baseado na avaliação da personalidade do indivíduo enquanto tal, mas tendo por base apenas o sexo.
Em quarto lugar, não pode também dizer-se que a instituição de quotas seja numa imposição constitucional. A Constituição enuncia, como tarefa fundamental do Estado, a afirmação da igualdade entre homens e mulheres, e prevê a promoção da igualdade no exercício dos direitos cívicos e políticos e a não discriminação em função do sexo no acesso a cargos políticos. Podem, aliás, as opiniões dividir-se sobre se a Constituição permite ou não a existência de quotas como meio de discriminação, embora positiva, em função do sexo no acesso aos cargos políticos. Parece certo, todavia, que não existe qualquer imperativo concreto de as instituir.

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Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, esta proposta de lei, tal como outras que o povo português teve ó bom senso de rejeitar ao longo desta legislatura, mais não faz do que tentar remendar, com apressadas afirmações de princípios e precipitações impositivas, a incapacidade de promover as reais transformações de que a sociedade necessita, tendentes a uma maior igualdade entre homem e mulher. Como se, com uma simples penada se conseguisse decretar a sociedade ideal - ilusão ou auto-ilusão de mudar o mundo com uma caneta - desculpabilizadora da não promoção das reformas necessárias à evolução das mentalidades e dos comportamentos sociais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Por isso, o meu partido não apoia o presente projecto lei, mas está aberto a alternativas, que deveriam ter precedido a presente proposta de lei, designadamente o aumento gradual e com objectivos percentuais concretos da participação das mulheres na vida pública através da auto-regulação das forças políticas, eventualmente pactuado entre elas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Carrilho.

A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A proposta de lei que hoje debatemos e vamos votar está bem construída e o seu conteúdo não ataca qualquer valor fundamental, pelo que não fere as consciências, por mais susceptíveis que sejam.

Vozes do PSD: - Ah!

A Oradora: - Mas, ao que parece, vamos perder esta votação.

Vozes do PSD: - Ai é?!

A Oradora: - Pelas mais variadas razões, mas que, no plano dos argumentos, podemos reduzir a três grandes núcleos: dizem uns que as mulheres precisam de mais condições; dizem outros que as mulheres pouco se interessam por política; diz-se ainda que a adopção de uma quota seria humilhante para as mulheres. Primeiro, é verdade: as mulheres, precisam de mais condições para participar a todos os níveis de decisão, nomeadamente política, que é aquilo que estamos a tratar. Precisamos de mais tempo na divisão das tarefas domésticas, menos preocupações no cuidado dos filhos e de familiares idosos.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Esta batalha que travamos hoje só terá consequências positivas se, no futuro, for seguida por esforços concretos nesse sentido. Não refiro o actual acesso à instrução porque, nesse plano, a nossa democracia funciona razoavelmente, pois que a percentagem de jovens mulheres na universidade é já, em alguns casos, superior à dos homens. Mas não nos iludamos com uma miragem mecanicista. A percentagem de mulheres com cursos superiores não significa que elas irão ficar em condições de igualdade para disputar cargos de chefia, posições nos partidos e na esfera política.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Bem lembrado!

A Oradora: - Se é certo que a nossa sociedade cultiva o mérito, fá-lo mais como imagem e projecção do que como realidade assumida. O mérito não é suficiente quando se trata de atribuir posições de poder. Neste caso, o mérito não é suficiente quando existe - como no caso das mulheres e noutros grupos sociais - uma teia de conscrições que não é menos paralizante por ser pouco visível. Algumas dessas conscrições resultam do reflexo que tem no espírito das mulheres o sistema dos valores ditos masculinos e femininos em que vivemos.

O Sr. José Magalhães (PS): - É verdade!

A Oradora: - A auto=inibição é um factor que tem sido apontado como uma das explicações para a situação actual. Mas porque se inibem as mulheres na sua aproximação aos partidos políticos? Aqui entroncamos num outro ponto, que referi em segundo lugar. Em muita da argumentação está subjacente a ideia de que as mulheres são essencialmente diferentes dos homens e que; se é verdade que a presença delas na política é importante, elas representam a esfera predominante emotiva, afectiva, etc., enquanto aos homens cabe o racional, o que é estável, o que é forte, etc. As mulheres realizar-se-iam na esfera da vida privada; aos homens, caberia a esfera pública. Em suma, algumas mulheres na política sim, mas como uma espécie de sal e pimenta, poucas, como tempero, não como substância. Portanto, qualquer aumento do número de mulheres, neste caso, através de uma quota, estragaria a ementa!
Creio que qualquer argumentação baseada na ideia de que as mulheres são essencialmente diferentes nos desvia do verdadeiro cerne do problema. Não estamos aqui a defender a maior participação das mulheres prometendo que elas irão fazer muito melhor do que os homens. O cerne da questão encontra-se no próprio conceito de democracia. A questão básica é fundamental em democracia: é a da representação. Isto tem a ver com a distribuição equilibrada dos vários grupos sociais pelos vários níveis que preparam, emitem e executam as decisões políticas. Mas se a participação de um grupo se baseia na suposição de que os indivíduos que o compõem têm, de forma inerente, diferentes capacidades intelectuais ou emocionais - de acordo com o seu sexo, ou com a sua raça ou grupo étnico - isso significa que estamos a introduzir na ideia de democracia um princípio de contingência, como diria Robert DahI, muito perigoso. O que está em causa é o princípio democrático segundo o qual os indivíduos na sua condição (que inclui o género e a cor da pele) têm o direito a tomar parte em decisões que - afinal de contas - afectam as suas próprias vidas. Mesmo que não seja para trazer a «salvação» ou para fazer «melhor» que os outros - mas para fazer, eventualmente, o mesmo.
Terceiro e último argumento: a introdução das quotas seria humilhante para as mulheres, porque elas conseguiriam chegar lá, mais cedo ou mais tarde. Se possível, é claro, mais tarde... Depois seria, eventualmente num futuro longínquo, tarde demais...

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Permita-se-me uma nota pessoal. Há 25 anos, quando voltei para Portugal na sequência do 25

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de Abril, tendo participado activamente em movimentos de promoção da igualdade das mulheres e no movimento feminista europeu, e quando o futuro parecia estar ali ao alcance, nunca poderia eu imaginar que viria a estar aqui, à beira do séc. XXI, a ter de defender a introdução de quotas para promover a participação das mulheres na política. Dos 7% nas primeiras assembleias, passámos para 12% ou 13%. Em 25 anos... Isto diz tudo!
Sr.ªs e Srs. Deputados, se a necessidade de trazer este tema à discussão envergonha alguém, então envergonha aqueles que, na política ou fora dela, pouco ou nada têm feito para tornar, neste plano, a nossa democracia mais efectiva - e esta carapuça serve a quem quiser enfia-la, evidentemente.

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

A Oradora: - Pela nossa parte, não estamos satisfeitos. Estamos dispostos a continuar, no futuro, o empenhamento que aqui afirmamos hoje ao votar favoravelmente a proposta de lei do Governo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Lurdes Lara.

A Sr.ª Lurdes Lara (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Temos hoje em discussão a proposta de lei n.º 194/VII, do Governo, que pretende garantir uma maior igualdade de oportunidades na participação de cidadãos de cada sexo nas listas de candidatura apresentadas nas eleições para a Assembleia da República e para o Parlamento Europeu quanto aos Deputados a eleger por Portugal.
A questão do déficit de participação das mulheres na vida política foi introduzida no processo de revisão constitucional ocorrido em 1996/97, onde ficou consagrado no artigo 109.º da Constituição. O PSD votou favoravelmente este preceito,que consagra constitucionalmente o compromisso de promover a participação política efectiva, em termos paritários, de homens e mulheres. A democracia passou a ter uma nova perspectiva: não só uma perspectiva representativa e pluralista mas também uma perspectiva paritária.
No entanto, esta questão da participação das mulheres na vida política é uma questão em que há uma dose enorme de diferença entre o discurso político e a prática. Ninguém diz, quando discursa, que não é muito bom que as mulheres participem e, na realidade, é seguramente o aspecto em que ocorrem menos modificações. É um facto visível a nível de autarquias, a nível da vida política nacional em órgãos electivos e não electivos, bem assim como na administração pública portuguesa onde as mulheres ainda estão ainda mal representadas. Estamos, assim, perante um facto assumido por todas as forças políticas: há um déficit de participação das mulheres na vida política portuguesa.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Basta, para tal, reportarmo-nos às audições parlamentares levadas a efeito pela Comissão da Paridade, Igualdade de Oportunidades e Família e recordarmos as palavras dos líderes parlamentares ali presentes.

Há naturalmente factores que contribuem largamente para este afastamento das mulheres da política. Porque não começar, com humildade e até com inteligência, a reflectir sobre a imagem que o Parlamento dá de si próprio? Sem entrar em sociologias comuns mas partindo do pressuposto que há, na visão do Estado e dos fenómenos públicos, por parte das mulheres, em especial, uma procura de resultados, talvez fosse de perguntar se a imagem que este Parlamento projecta, como outros, se torna atractiva, do ponto de vista da ocupação de um período de quatro anos para mulheres que estão a construir o seu prestígio profissional, a sua carreira, seja ela de que natureza for.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - É naturalmente difícil colocar o problema como sendo o de que «o Parlamento expulsa mulheres» - naturalmente, em certo sentido. Mas talvez seja interessante colocar o problema: por que razão as mulheres se interessam menos pelo Parlamento do que pela carreira diplomática, pela universitária, pela magistratura, por uma carreira profissional no sentido estrito?
Por outro lado, a ilusão de que a política é uma actividade invejável não resiste também à análise da realidade. Senão, vejamos: os políticos raramente conseguem realização pessoal, não têm privacidade, estão sujeitos aos maiores incómodos e humilhações.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, permita-me que a interrompa para fazer um apelo. Há um ruído de fundo na Sala que era bom que pudesse reduzir-se.

O Sr. Pedro Baptista (PS): - Tem de falar com o PSD, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não distingui de onde vem o ruído. É um ruído de fundo!
Faça favor de prosseguir, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Obrigada, Sr. Presidente.
Ora, uma mulher que tenha batalhado arduamente ao longo da sua vida para atingir um lugar de destaque em qualquer sector de actividade não se sentirá nada incentivada . a entrar no mundo da política, tendo em conta o anterior quadro e ainda o ter de abdicar dos seus direitos, ordenado, estabilidade pessoal e da própria empresa, carreira, para não falar do horário de trabalho na maioria dos casos compatível ou, pelo menos, já ajustado ao seu papel de mulher e de mãe, o que não acontece na política. E as razões, naturalmente, não se esgotam por aqui.
Esta questão das quotas deixa-me algumas dúvidas que são incontornáveis. Começo pelo facto de a introdução das quotas em pelo menos 25% de mulheres na política constituir, no meu modesto entender, uma violação do princípio da igualdade jurídica que é inconstitucional. Não há razão nem justificação para um tratamento diferenciado das mulheres nesta questão. Passaríamos a ter um número de lugares no Parlamento para o qual os homens não poderiam concorrer e aí cairíamos no risco de ser acusados da existência de uma discriminação no acesso a lugares públicos fundada no sexo. Uma coisa é acabarmos com a discriminação; outra coisa é promover e contribuir para o resultado final.
É necessário ainda não esquecer os efeitos perversos que a introdução desta lei poderia trazer-nos. Visando reforçar o papel das mulheres na vida pública, as quotas

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podem acabar por subaltemizá-lo. Se passasse a existir um número compulsivo de mulheres no Parlamento, ou em qualquer ocupação em que a distinção entre sexos fosse mais relevante, seria difícil evitar a dúvida sobre as razões que teriam levado à sua escolha. Teríamos sido escolhidas por mérito próprio ou apenas para preencher a quota?
Outra questão que convém ponderar seria a dificuldade em estabelecer um regime de quotas se estivéssemos perante um outro cenário: o dos círculos uninominais, onde a escolha de candidaturas é mais descentralizada - ainda que não inteiramente. As direcções partidárias não podem comandar a composição das candidaturas, uma vez que elas teriam de depender da potencialidade de eleição de cada candidato em cada círculo. Mas mesmo que, no conjunto de candidaturas uninominais de cada partido à escala nacional, houvesse quotas, dificilmente se garantiria que, após as eleições, essas quotas reflectissem a composição final do Parlamento. Com todo o rigor, teria de ser exigido que, para além das quotas, em cada círculo, os candidatos de todos os partidos concorrentes fossem ou todos homens ou todos mulheres. E, se isso acontecesse, as pessoas reagiriam e pensariam mesmo que a regulamentação ou engenharia eleitoral estava a ir longe demais. O Parlamento passaria a ter uma composição final resultante de uma engenharia central e não uma composição resultante da escolha dos eleitores. Não estou, de forma alguma, a defender com isto círculos uninominais - tentei apenas dar um exemplo para ilustrar este problema.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O que defende o PSD, em relação ao objectivo que é a criação de condições para o reforço da participação política da mulher, não anda longe daquilo que defendem as outras forças políticas, económicas e sociais portuguesas. A diferença reside apenas no caminho a percorrer. As mulheres tal como os homens devem estar na política por convicção e nunca por obrigação. É o mérito, a vontade, a competência, que devem contar e não é uma quota, aliás, aleatória, a meu ver, humilhante, porque trata as mulheres como uma minoria não considerando que elas são uma maioria em termos sociológicos.

Aplausos do PSD.

Não deve ser uma quota que deve determinar o acesso das mulheres ao Parlamento. Devem, isso sim, criar-se condições económicas, sociais e culturais globais para que a participação política das mulheres seja possível, começando pela legislação.do trabalho, legislação social, mas passando ainda por comportamentos sociais, económicos e comportamentos. culturais da sociedade portuguesa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Como mulher, a minha preferência vai claramente para a responsabilização e a auto-regulação dos partidos políticos, sem necessidade de dependência de lei. Entendo ser mais sincero e mais profundo. O PSD nomeou mulheres para exercer funções de Ministro, de Vice-Presidente da Assembleia.da República, e por aí fora. A nível partidário, as mulheres têm uma participação assaz expressiva: na Comissão Permanente do PSD há 50% de mulheres, na Comissão Política mais de 25% - e não foi necessário alargar o leque dos seus órgãos! -,

Aplausos do PSD.

... a directora do jornal oficial é uma mulher. Na designação de nomes para o exercício de cargos em órgãos nacionais de indicação partidária, como o Tribunal Constitucional e o Conselho de Fiscalização do SIS, o PSD indicou mulheres. O PSD foi pioneiro ao criar em Portugal um Observatório para a Igualdade de Oportunidades, em início de 1994, com composição partidária a nível nacional e distrital e tendo por objectivo fazer o levantamento das estruturas partidárias, nas autarquias e nos órgãos de soberania tendo avançado ainda propostas para alteração do status quo.
Debrucemo-nos agora durante alguns momentos sobre o continente europeu. Nos países nórdicos, onde a participação das mulheres nos órgãos políticos é bastante elevada, não existe qualquer lei que preveja a existência de quotas, apenas estão integradas nas regras internas partidárias. A Bélgica é o único país da Europa onde as quotas estão consagradas na lei; no entanto, apesar da lei, este país não conseguiu dar um passo significativo na prossecução desse objectivo, porque não há regras para a ordenação das listas e as mulheres foram colocadas no fim. Em França, Reino Unido e Itália, houve tentativas para implementar uma lei, sem sucesso, porque foi considerada inconstitucional. Na Finlândia, existe uma lei que obriga a que as comissões e conselhos consultivos e de nomeação política tenham uma composição equilibrada entre elementos de cada sexo. Medida idêntica foi tomada na Dinamarca em 1995. Estes dois países têm uma percentagem de mulheres nos órgãos nacionais da ordem dos 30%. A Alemanha, a Áustria, o Luxemburgo e a Suécia têm um sistema de quotas a nível partidário. A Holanda também apresenta valores relativamente elevados e não tem disposições formais a nível nacional ou partidário. Na Suécia, o primeiro país a introduzir o sistema de quotas nos partidos, há cerca de 30 anos, as regras foram acompanhadas de medidas educativas e culturais. O resultado foi a divisão de lugares governativos e uma diferença mínima nos parlamentares. E poderíamos continuar.
As regras partidárias parecem ter desempenhado um papel na mudança da situação. E é isso que pretendemos para Portugal. Em primeiro lugar, uma mudança de mentalidades: uma sociedade onde homens e mulheres, conscientes do seu papel e valia, trabalhem lado a lado na construção de um mundo mais justo, mais verdadeiro, com melhores condições de vida, onde não exista espaço para a discriminação, sem necessidade de medidas contraproducentes que não resolvem o fundo do problema, criando, a meu ver, uma visão distorcida que é a questão de encontrar soluções em termos de comunidade.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, temos todos consciência de que existe um problema e há um desejo assumido para o resolver. O que defende o PSD é que devem ser criadas as condições para que a mulher portuguesa possa participar mais na vida política portuguesa. Essa é a meta a atingir. As dúvidas, ou mesmo as divergências existentes, são, sim, quanto ao caminho a percorrer para atingir esse objectivo. A diferença de percurso para atingir esse propósito é considerar-se que a solução está na consagração das quotas em lei ou chegar-se a esse objectivo por via da vontade a da actuação dos vários agentes. Num sentido mais amplo, a participação das mulheres na vida política tem de ser feita através de um reforço das condições que lhes permitam uma maior intervenção - condições económicas, sociais, culturais. Estas alterações sociais e comportamentais não se modifi-

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cam necessariamente por via legislativa mas, sim, através de mudanças culturais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Perante a proposta apresentada pelo Governo e, sem embargo da bondade subjacente, o PSD prefere atingir os mesmos objectivos por outra via que não a desta lei, sem necessidade de lei. Quotas por via legislativa, não! Quotas por via de auto-regulação, sim!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, estando a chegar ao fim deste debate, há uma primeira conclusão que é manifesta: os partidos da oposição estão todos contra a proposta de lei do Governo mas nenhum dos partidos da oposição apresentou uma alternativa à proposta de lei do Governo.

Aplausos do PS.

Nem a Sr.ª Deputada Isabel Castro, que aqui clamou contra a insuficiência da proposta de lei do Governo, nem a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, que agora aqui não está, mas que também se lamentou da insuficiência da proposta de lei do Governo, apresentaram um projecto de lei sem as insuficiências da nossa proposta, nem sequer se disponibilizam a corrigir as nossas insuficiências no trabalho da especialidade.

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Nunca mais acabava!

O Orador: - A Sr.ª Deputada Fernanda Mota Pinto, que aqui ouvimos proclamar que o PSD está aberto à apresentação de alternativas, pergunto: por que é que não apresenta, então, o PSD a alternativa que nós estamos abertos a que seja apresentada?

Aplausos do PS.

É que a nossa alternativa é esta, não é a única, mas é preciso que apresentem outra. Compreenderão que não é sobre nós, que apresentámos uma alternativa, que recai o ónus de apresentar também a alternativa à alternativa que nós próprios propusemos.
Há duas perguntas a que nenhum dos Srs. Deputados ou Sr.ªs Deputadas da oposição respondeu: se está tudo tão bem, se é tudo tão igual, por que é que há esta diferença profunda? É que, lá fora, as mulheres estão em todos os lugares onde a competência e o mérito as levaram e, aqui, as mulheres não estão. Porquê? Porque têm mérito para as outras funções e não têm mérito para esta? Onde é que isto está demonstrado?

Aplausos do PS.

Há uma segunda pergunta, muito simples e que foi formulada pelo Sr. Deputado José Magalhães, a que as Sr.ªs e os Srs. Deputados da oposição não responderam e que é esta: então, mas se são contra as quotas na lei, por que é que são a favor das quotas na vida interna dos partidos?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Porque entendem que os partidos estão acima da lei?! Porque entendem, como se permitiu entender o Comité Central do Partido Comunista Português, que «seria um grave precedente de ingerência legislativa na vida interna dos partidos»?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - E é verdade!

O Orador: - Mas qual vida interna dos partidos?! A Assembleia da República é um órgão interno dos partidos? A designação de candidatos é um problema interno dos partidos? A candidatura é um processo interno dos partidos? O mandato parlamentar é um processo interno dos partidos?

Vozes do PSD: - É!

O Orador: - Não é, Srs. Deputados! Não é!

Aplausos do PS.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - O que os senhores queriam era ingerir-se na vida dos partidos!

O Orador: - Na democracia, ninguém está acima da lei e os partidos políticos também não estão acima da lei.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - O Governo está acima da lei?

O Orador: - É que os partidos políticos não podem sequer invocar, como algumas instituições puramente privadas podem, que não interferem no exercício do poder. Compreendo que uma federação desportiva proceda à auto-regulação - aliás, com o sucesso que se tem visto - da sua modalidade. Mas os partidos políticos não são clubes de futebol, a quem a lei possa permitir que, quanto ao exercício de funções de soberania, estejam também em auto-regulação.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Os partidos não são «partidos-Estado», mas o Estado também não é, nem será, um Estado de partidos e, portanto, a lei não poderá abdicar de regular também aquilo que é a intervenção dos partidos no exercício da soberania.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Esta intervenção é muito clarificadora!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados...

O Sr. Presidente: - Agradeço-lhe que termine, Sr. Secretário de Estado...

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Peço-lhe desculpa, Sr. Ministro, chamei-lhe Secretário de Estado, o que é uma heresia.
Faça favor.

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5 DE MARÇO DE 1999 2069

O Orador: - Não seria ofensivo, Sr. Presidente; sobretudo, confundir-me com o Dr. Vitalino Canas, não seria com certeza ofensivo.
Para terminar, nós recusamos - e é preciso que isso fique claro - o determinismo pessimista da Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, quando diz que quem não chegou cá já não chegará e que quem há-de chegar um dia cá chegará. Não é esta a nossa postura.
Sobretudo, há uma enorme diferença entre aquilo que é a postura individual de cada um e aquilo que são os valores que à República cabe tutelar.
Percebo e fica bem à Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto e é bonito o seu orgulho quando diz «eu fui por duas vezes preterida e a minha reacção foi: quem perdeu foram eles».
Porém, há uma enorme diferença: é que à República não cabe tratar obviamente do orgulho da Deputada Maria José Nogueira Pinto, mas à República cabe tratar da qualidade da democracia e cabe tratar de que a democracia não possa dizer: «quem perdeu fui eu porque vão continuar a marginalizar as mulheres no exercício da actividade política.»

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim do debate da proposta de lei n.º 194/VII - Garante uma maior igualdade de oportunidades na participação de cidadãos de cada sexo, nas listas de candidatura apresentadas nas eleições para a Assembleia da República e para o Parlamento Europeu quanto aos Deputados a eleger por Portugal.
Vamos passar às votações agendadas.
Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 229/VII - Estabelece o regime de instalação de novos municípios.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS e do PSD, votos contra do PCP e -de Os Verdes e a abstenção do CDS-PP.

Este diploma baixa à 4.ª Comissão.
Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, o projecto. de lei n.º 622/VII - Altera o regime de instalação de novos municípios previsto na Lei n.º 142/85, de 18 de Novembro, para a situação de não ocorrência de eleições em prazo curto (PCP).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP e de Os Verdes.

Srs. Deputados, relativamente à proposta de lei n.º 127/VII - Dá nova redacção ao artigo 4.º da Lei n.º 40/96, de 31 de Agosto (Regula a audição dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas) (ALRM), há um requerimento, subscrito por todos os grupos parlamentares, no sentido de ela baixar à 1.ª Comissão, por 30 dias, sem votação prévia.
Srs. Deputados, dado que este requerimento foi subscrito por todos os grupos parlamentares e havendo consenso no sentido de que a proposta de lei baixe à 1.ª Comissão por 30 dias, não há necessidade de votar o requerimento e assim se fará.
Srs. Deputados, vamos agora proceder à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 603/VII - Sobre a obri-

gatoriedade da elaboração e aprovação pelos municípios de planos de urbanização (CDS-PP).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do CDS-PP e abstenções do PS, do PSD, do PCP e de Os Verdes.

Este diploma baixa à 4.ª Comissão.
Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 414/VII - Alarga os direitos das pessoas cuja família se constitui em união de facto (Os Verdes).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP e de Os Verdes, votos contra do PSD e do CDS-PP e abstenções dos Deputados do PS Cláudio Monteiro e Maria do Rosário Carneiro.

Este diploma baixa à 1.ª Comissão.
Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 527/VII - Regime jurídico da união de facto (PS).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS e de Os Verdes, votos contra do PSD e do CDSPP e a abstenção do PCP.

Este projecto de lei baixa à 1.ª Comissão.
Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 172/VII - Clarifica o âmbito da Lei n.º 12/96, de 18 de Abril.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS e abstenções do PSD, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes.

Este diploma baixa à 1.ª Comissão.
Srs. Deputados, vamos, finalmente, votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 194/VII - Garante uma maior igualdade de oportunidades na participação de cidadãos de cada sexo nas listas de candidatura apresentadas nas eleições para a Assembleia da República e para o Patlamento Europeu quanto aos Deputados a eleger por Portugal.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votas contra do PSD, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes é votos a favor do PS e da Deputada do PSD, Manuela Aguiar.

A Sr.ª Manuela Aguiar (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Manuela Aguiar (PSD): - Sr. Presidente, quero apenas informar que irei entregar na Mesa uma declaração de voto.

O Sr. Presidente: - Muito bem, Sr.ª Deputada, fica registado.
Srs. Deputados, terminámos os nossos trabalhos de hoje.
A próxima sessão plenária realizar-se-á amanhã, sexta-feira, às 10 horas, com perguntas ao Governo.
Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 20 minutos.

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I SÉRIE-NÚMERO 55 2070

Declaração devoto enviada à Mesa, para publicação, e relativa à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 194/VII - Garante uma maior igualdade de oportunidades na participação de cidadãos de cada sexo nas listas de candidatura apresentadas nas eleições para a Assembleia da República e para o Parlamento Europeu quanto aos Deputados a eleger por Portugal

Entendo que o artigo n.º 109 da Constituição veio dar cobertura explícita à necessidade de intervenção do Estado para promover o maior equilíbrio possível no acesso às correntes políticas e a cargos públicos entre mulheres e homens.
A proposta em debate é um instrumento válido da consecução desse objectivo e por isso lhe dei o meu voto favorável, apesar de algumas deficiências que tenho de apontar-lhe:
- O facto de ser de aplicação restrita a dois processos eleitorais (o dos parlamentos, europeu e nacional), quando, por identidade de razões, se deveria estender à generalidade das listas candidatas a sufrágio, incluindo a nível regional e autárquico;
- Uma filosofia de base que dá ao diploma legislativo, às medidas que estabelece, carácter transitório, de mero expediente para abrir oportunidades às mulheres, condicionando o livre arbítrio dos dirigentes partidários na feitura das listas.
E, a nosso ver, uma perspectiva errada, porque a finalidade de garantir a participação equilibrada do género feminino e masculino é (será!...) um acquis, um processo a preservar contra quaisquer tentações ou hipóteses de regressão.
Pode discutir-se se o processo, em termos teóricos ou práticos, ganha em ser desenvolvido por auto-regulamentação adentro das estruturas partidárias ou, pelo contrário, accionado pelos poderes públicos, mas, seja qual for a escolha, vamos encontrar-nos, igualmente, perante a continuada imposição de princípios organizativos da vida política democrática com validade para o nosso tempo e para todos os tempos...
Não se diga que, atingido um patamar de relativa paridade entre os sexos, a lei se torna supérflua. Pelo contrário: a rabo permanece e é excelente que a sua aplicação resulte, crescentemente, de uma adesão espontânea às directrizes ou comandos nela expressos. As leis são feitas para serem cumpridas.
Uma última observação sobre a experiência internacional comparativa dos resultados dos sistemas de «quotas»: a imposição (ex vi legis ou por compromisso ou regra interna dos partidos) só contribuiu para uma igual partilha da intervenção no domínio da política naquelas sociedades que, do ponto de vista da mentalidade colectiva, e da preparação individual das mulheres, estavam já prontas para a sua prática.
No norte da Europa o regime de «quotas» foi um factor insubstituível do progresso que garantiu os melhores índices mundiais de participações igualitárias (sem prejuízo, antes pelo contrário, da «qualidades ou de emérito» individuais) enquanto, por exemplo, nos países da antiga União Soviética significou a satisfação de uma mera formalidade para efeitos de «estatística oficial».
Em Portugal, temos boas razões para crer que está (há muito!) preenchido o condicionalismo exigido para o sucesso de uma medida deste tipo:
1 - Elevado número de mulheres com qualificações académicas e profissionais ao menos equivalentes às dos

candidatos masculinos que conhecemos de passadas eleições;
2 - Perfeitas condições de igualdade para o exercício das funções em termos de aceitação popular, como o comprovam as que têm tido oportunidade de as desempenhar;
3 - Ausência de vícios de mentalidade, colectiva ou individual que expliquem a exclusão das mulheres da vida pública, em confronto com um sistema de selecção partidária opaco e fechado, que aponta, em primeira linha, para a responsabilização das estruturas dos partidos pelo status quo.
É a minha opinião e é também, obviamente, a dos líderes políticos em Portugal, nomeadamente os da oposição, visto que todos eles se comprometeram, com lei ou sem lei, a fazer preencher a «quota mínima» já nas próximas eleições.

A Deputada do PSD, Manuela Aguiar.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Henrique José de Sousa Neto.

Partido Social Democrata (PSD):

António José Barradas Leitão.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Manuel Durão Barroso.
Manuel Castro de Almeida.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Vasco Manuel Henriques Cunha.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António Bento da Silva Galamba.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Mário Manuel Videira Lopes.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.

Partido Social Democrata (PSD):

António Fernando da Cruz Oliveira.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Nuno ICruz Abecasis.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Joaquim Manuel da Fonseca Matias.

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5 DE MARÇO DE 1999 2071

Rectificação ao n.º 44, de 5 de Fevereiro

No sumário, 1.º cl., na 1.º parte, onde se lê «Os Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça, do Supremo Tribunal Administrativo» deve ler-se «o Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o Sr. Presidente do Tribunal Constitucional, o Sr. Presidente do Supremo Tribunal Administrativo».

No sumário, 2.º cl., 2.º parágrafo, onde se lê «o Sr. Presidente do Supremo Tribunal Constitucional, o Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça» deve ler-se «o Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o Sr. Presidente do Tribunal Constitucional».

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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I SÉRIE - NÚMERO 55 2072
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