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Quinta-feira, 11 de Março de 1999

I Série - Número 57

DIÁRIO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

VII LEGISLATURA

4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1998-1999)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 10 DE MARÇO DE 1999

Presidente: Exmo. Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Exmos. Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Carlos Manuel Duarte de Oliveira
João Cerveira Corregedor da Fonseca

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 35 minutos.

Antes da ordem do dla. - Deu-se conta, da entrada na
Mesa dos projectos de lei n.os 634 e 636/VII, de requerimentos e
de respostas a requerimentos.
A Câmara deu assentimento à viagem de carácter oficial do Sr. Presidente da República à Eslovénia, entre os dias 8 a 10 de Abril, e à Hungria, entre os dias 11 e 15 daquele mês.
Em interpelação à Mesa, o Sr. Deputado Octávio Teixeira (PCP) insurgiu-se contra a pósição do PSD e do CDS-PP relativamente ao agendamento do projecto de lei do município de Canas de Senhorim, tendo suscitado o uso da palavra dos Srs. Deputados Luis Queiró (CDS-PP).
Carlos Encarnação (PSD) e
José Junqueiro (PS).
O Sr. Deputado Pedro Passos Coelho (PSD), a propósito das próximas comemorações do 25 de Abril, deu conta da discordáncia do seu partido com uma pretensão manifestada, em anteprojecto, pela Associação 25 de Abril, de promoção de ai
gíns militares. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento
I n3 e de defesa da honra ou consideração dos Srs. Deputados João Amaral (PCP).
Medeiros Ferreiro (PS) e
Manuel Alegre (PS).
O Sr. Deputado Pedro Baptista (PS) congratulou-se com o início previsto para a próxima semana das obras do metro da Área Metropolitana do Porto e, depois, respondeu aos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Pedro da Vinha Costa (PSD) e
Pimenta Dias (PCP).

Ordem do dia. - Procedeu-se à discussão do projecto de resolução n.º 124/VII - Alargamento das atribuições da Comis

são Eventual de Inquérito às Denúncias de Corrupção na Junta Autónoma de Estradas (PS), sobre o qual intervieram os Srs. Deputados Manuel dos Santos (PS).
Moreira da Silva (PSD).
António Brochado Pedras (CDS-PP) e
Rodeia Machado (PCP).
Foi igualmente apreciada a proposta de alteração do objecto do inquérito parlamentar n.º 8/VII (Apreciação de actos dos Governos do PS e do PSD envolvendo o Estado e grupos económicos), apresentada pela Comissão Eventual de Inquérito. Intervieram no debate os Srs. Deputados Guilherme Silva (PSD), Manuel dos Santos (PS), Luís Marques Cniedes (PSD) e Lino de Carvalho (PCP).
Seguidamente, a Câmara apreciou, na generalidade, o projecto de lei n.º 598/VII - Garante aos pais e encarregados de educação melhores condições de participação na vida escolar e de acompanhamento dos seus educandos (PCP), tendo intervido os Srs. Deputados Luísa Wesquita (PCP), Silvio Rui Cervan (CDS-PP), António Braga (PS), Manuel Alves Oliveira (PSD). Fernando de Sousa (PS) e Isabel Castro (Os Verdes).
Os projectos de lei n.os 552/VII - Planeamento familiar e saúde reprodutiva (PSD) e 632/VII - Reforça as garantias do direito à saúde reprodutiva (PCP) foram também discutidos na generalidade, em conjunto, tendo intervido, a diverso título, os Srs. Deputados Luís David Nobre (PSD).
Nelson Baltazar (PS).
Bernardino Soares (PCP).
Fernanda Costa (PS).
Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP).
Alberto Marques (PS).
Jorge Roque Cunha (PSD) e
Carmem Francisco (Os Verdes).
Finalmente, foi discutido o projecto de resolução n.º 109/Vll Relativo à adopção de medidas contra a deslocalização de empresas (PCP). Usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Lino de Carvalho (PCP).
Vieira de Castro (PSD).
Augusto Boucinha (CDS-PP) e
Manuel dos Santos (PS).
0 Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 35 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum pelo que declaro aberta a reunião.

Erant 15 horas e 35 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Guimarães Fernandes Dias.
António Manuel Carmo Saleiro.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Armando Jorge Paulino Domingos.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luis.
Casimiro Francisco Ramos.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco Josó Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias. José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Júlio Meirinhos Santanas.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís António do Rosário Veríssimo.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Ferreira Jerónimo.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Eduarda Bento Alves Ferronha.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Maria Manuela de Almeida Costa Augusto.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Paulo Jorge Lúcio Arsênio.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Alberto Queiroga Figueiredo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António d'Orey Capucho.
António de Carvalho Martins.
António dos Santos Aguiar Gouveia.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Taveira da Silva.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Carlos Eugénio Pereira de Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.

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Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Domingos Dias Gomes.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Carlos Pires Póvoas.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Manuel Costa Pereira.
José Manuel Durão Barroso.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Vasco Manuel Henriques Cunha.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
António Carlos Brochado de Sousa Pedras.
Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Francisco Amadeu Gonçalves Peixoto.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Pedro José Del Negro Feist.
Rui Manuel Pereira Marques.
Rui Miguel Gama Vasconcelos Pedrosa de Moura.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):
Alexandrino Augusto Saldanha.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
António Luís Pimenta Dias.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Joaquim Manuel da Fonseca Matias.
Lino António Marques de Carvalho.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
Carmein Isabel Amador Francisco.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Deputado independente:
José Mário de Lemos Damião.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta do expediente que deu entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: projectos de lei n.os 634/VII Sobre a lei do serviço militar (PSD), que baixa às 1.ª e 3.ª Comissões, e 636/VII - Aprova o regime jurídico que proíbe a discriminação racial (PS), que baixa à 1.ª Comissão.
Foram também apresentados os seguintes requerimentos: no dia 2 de Março de 1999 - aos Ministérios da Saúde e da Administração Interna, formulados pelo Sr. Deputado Jorge Roque Cunha; aos Ministérios da Economia e do, Ambiente, formulado pelo Sr. Deputado Francisco Torres; a diversos Ministérios e à Câmara Municipal do Cadaval, formulados pelo Sr. Deputado Duarte Pacheco.
Na reunião plenária de 3 de Março de 1999 - ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Victor Moura; a diversos Ministérios e à Secretaria de Estado do Desporto, formulados pelo Sr. Deputado Aires de Carvalho; ao Ministério da Saúde, formulados pelo Sr. Deputado Jorge Roque Cunha; à Secretaria de Estado das Pescas, formulado pelo Sr. Deputado Rodeia Machado; ao Sr. Primeiro-Ministro, formulado pelo Sr. Deputado João Amaral.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Rui Pedtosa de Moura, na sessão de 15 de Maio, no dia 27 de Novembro e na sessão de 8 de Janeiro; João Amaral, no dia 3 de Dezembro; Rodeia Machado, na sessáo de 18 de Dezembro; Mota Amaral, na sessão de 15 de Janeiro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vou proceder à leitura de uma mensagem do Sr. Presidente da República:
«Está prevista a minha deslocação à Eslovénia, em visita de Estado, a convite do Presidente Milan Kucan entre os dias 8 a 10 do próximo mês de Abril. Na sequên

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cia desta visita, e também em visita de Estado, deslocar-me-ei à Hungria, a convite do Presidente Árpád Gõncz, entre os dias 11 e 15 do mesmo mês.
Assim, venho requerer, nos termos dos artigos 129.º, n.º 1, e 173.º, b), da Constituição da República Portuguesa, o necessário assentimento da Assembleia da República.»
A Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação emitiu parecer no sentido de que a Assembleia da República, de acordo com as disposições constitucionais aplicáveis, dá o assentimento nos termos em que é requerido.
Srs. Deputados, vamos votar o parecer e proposta de resolução

Submetido à votação, foi aprovado por uttanúuidade.

Inscreveu-se, para uma interpelação à Mesa, o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
Tem a palavra Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, após a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares de ontem, mais uma vez se verificou um deplorável e inaceitável acto de desinformação de cidadãos que se encontravam junto da Assembleia da República.
Ontem, a desinformação foi da responsabilidade de Deputados do CDS-PP e a propósito de um eventual agendamento dos projectos de lei de criação do município de Canas de Senhorim.
A verdade, Sr. Presidente, é que o PSD e o PP mostram não pretender resolver qualquer problema, não querer criar qualquer novo, concelho. O que os parceiros da AD querem é poder continuar a manipular os sentimentos de populações, a jogar com aspirações populares .para fazerem puro terrorismo político.
Tais manipulações e objectivos são claros e demonstráveis: o PSD tem a possibilidade regimental de agendar, quando quiser, um qualquer projecto de criação de novo município, seja ele o de Canas de Senhorim, o de Fátima, o de Samora Correia ou qualquer outro, utilizando um dos seus direitos de agendamento obrigatório. Recorde-se que o PSD tem direito a um agendamento desses por mês, no entanto o PSD nunca o fez!
Quanto ao CDS-PP, para além de idêntica possibilidade regimental que também não quer usar, o que ontem se passou na Conferência é paradigmático: tendo o Sr. Presidente sugerido que previamente fosse ageridado o projecto de lei de alteração da Lei-Quadro da Criação de Municípios apresentado pelo CDS-PP, sugestão a que o Grupo Parlamentar do PCP foi o único a dar imediato assentimento, a verdade é que o CDS-PP não deu acordo ao agendamento do seu próprio projecto de lei, alegando necessidade de tempo para pensar... E sobre esta questão o PSD primou pelo silêncio.
Isto é, a verdade nua e crua é que o PSD e o CDS-PP não querem criar qualquer novo concelho (tal como 0 Partido Socialista, aliás, mas este assume-o expressamente). E o PSD e o CDS-PP não querem, porque estão interessados em alimentar a fogueira de descontentamentos populares, estão apostados em manipular e instrumentalizar sentimentos e aspirações legítimas de populações.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É um comportamento politicamente reprovável e democraticamente perigoso a que urge pôr fim, Sr. Presidente.

Pela parte do PCP, em Novembro passado, propusemos que a Comissão de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente realizasse uma análise aprofundada da Lei-Quadro da Criação de Municípios, com vista à sua eventual alteração. A verdade é que, desde então, nem PS, nem PSD, nem CDS-PP manifestaram qualquer abertura e vontade para que isso fosse feito.
E continuamos a assumir uma posição coerente. Não nos opomos ao agendamento de qualquer projecto de criação de novos municípios, desde que essa seja a vontade manifestada pelas assembleias de freguesia de origem. Mas entendemos que não deve haver discriminação entre os projectos de lei que em Novembro tiveram consenso unânime para o seu não agendamento e votação.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Precisamente porque as razões de então foram as mesmas: as de não cumprirem as regras da LeiQuadro. E estes projectos são, salvo melhor opinião, os que se referem a Canas de Senhorim, Fátima, Esmoriz, Gândara, Lourosa, Samora Correia e Vila Praia de Âncora.
Por isso, Sr. Presidente, solicito-lhe que na próxima Conferência esta questão seja definitivamente resolvida, para que não haja mais manipulações, desinformações e deturpações.
Ou se agenda o projecto de lei de alteração da Lei-Quadro, ou se agendam todos aqueles projectos que, tendo 0 parecer favorável das assembleias de freguesia, não respeitam os limites mínimos de área e de número de eleitores.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E se nenhuma destas soluções obtiver consenso ou maioria na Conferência, então os Grupos Parlamentares que o quiserem utilizem os seus direitos de agendamento potestativo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Em qualquer dos casos, que definitivamente se acabe com a demagogia.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Também para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, uso da palavra sob a forma de interpelação à Mesa, nos mesmos termos utilizados pelo PCP.
Lamentavelmente, não ouvi a primeira parte da intervenção do Sr. Deputado Octávio Teixeira, no entanto, e pelo que me foi transmitido, queria dizer-lhe o seguinte: parece que o Sr. Deputado terá aqui dito que nós fomos os responsáveis por algum clima de contra-informação relativamente ao que sucedeu ontem com a manifestação das populações de Canas de Senhorim e em relação a algumas coisas que terão sido ditas na comunicação social.
Sr. Deputado Octávio Teixeira, cada partido é responsável por aquilo que é e que diz, e nós só assumimos a responsabilidade por aquilo que temos de assumir e por mais nada, como V. Ex.ª pode compreender.
Eu também não vim aqui, Sr. Deputado, e não venho - estava a ouvi-lo e estava a recordar-me disso - dizer-

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-lhe ou queixar-me em relação ao que, ontem, as populações de Canas de Senhorim disseram sobre aquilo que tinha sido a nossa posição na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares. Não o faço!
Compreendo aquele ambiente de exaltação que se vivia lá em baixo, e o que foi dito levo-o à conta disso mesmo! Agora, a nossa posição, Sr. Deputado Octávio Teixeira, é absolutamente clara: não fazemos depender o agendamento seja de que projecto for - e nem somos autores de qualquer projecto para Canas de Senhorim, como o Sr. Deputado sabe - da alteração da Lei-Quadro actual, porque achamos que é uma hipocrisia partidos terem trazido projectos de lei de criação de municípios e depois, quando se trata de agendá-los, dizerem que são ilegais porque não cumprem os requisitos da Lei-Quadro.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Portanto, Sr. Deputado, nesse caso não conseguimos ter, aqui no Parlamento ou na Conferência dos Representantes dós Grupos Parlamentares, essa hipocrisia e essa plasticidade de raciocínio.
Estamos disponíveis para trazer a Plenário qualquer projecto, quer seja ou não nosso - e, neste caso, nem sequer era nosso, Sr. Deputado, como V. Ex.ª sabe - e para depois, aqui em Plenário, assumirmos a responsabilidade das votações que cada um quiser ter sobre os projectos de lei que aqui venham. Assumiremos as nossas votações claramente!
E repito: também não faremos depender - como hoje os jornais erroneamente referem (pelo menos isso o Sr. Deputado fará a justiça de pensar que não fomos nós que o dissemos) -, como tivemos o cuidado de o dizer claramente, ontem, na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, a subida a Plenário de qualquer projecto de lei sobre a criação de um qualquer município da revisão da Lei-Quadro.
Temos um projecto da revisão da Lei-Quadro entregue na Mesa, mas não fazemos depender a aprovação de um projecto de lei de criação de município da alteração da actual Lei-Quadro, porque, se tivemos a vontade política e assumimos a responsabilidade política de aqui trazermos alguns projectos foi porque estávamos disponíveis para os discutir e aprovar - os nossos, pelo menos, com certeza absoluta - de acordo com a actual Lei-Quadro.
E deixe que lhe diga, Sr. Deputado Octávio Teixeira: consigo perceber alguma irritação da sua parte, porque VV. Ex.as são um partido habituado, ao longo dos anos, a fomentar as manifestações e, às vezes, até a agitação social. Muita da vossa força no período pós-revolucionário, além da força parlamentar, vem daí.
Sr. Deputado, ontem vi na imprensa - e não foi da nossa responsabilidade - que, pelos vistos, os senhores foram alvo de uma pequena manifestação do povo de Canas de Senhorim. Olhe, acontece, mas aguente, porque a democracia é assim mesmo!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Também para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, trata-se de uma interpelação à Mesa, nos mesmos termos em que foi feita a do Sr. Deputado Octávio Teixeira, apenas para dizer o seguinte: Nós, sem nada escondido e sem

qualquer outra intenção, solicitámos, por carta, à Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares que se pronunciasse sobre o agendamento de uma questão que entretanto se tinha agudizado, a questão de Canas de Senhorim. Pedimos à Conferência que se pronunciasse sobre isso e que cada partido ditasse qual a sua posição.
Não podemos fazer um agendamento potestativo por cada projecto apresentado - não chegariam os agendamentos potestativos de toda a legislatura. Portanto, a única coisa de que está dependente o agendamento é do consenso, é do assentimento dos outros partidos na Conferência.
Houve partidos que, nessa Conferência, não deram assentimento ao agendamento, pelo que a situação morreu por ali. Não deixámos de colocar aquilo que era um princípio que nos ditava a consciência para ser colocado à discussão da Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares. Teve o sucesso ou insucesso que teve, não temos de sair daqui.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Ainda para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueiro.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, relativamente a esta matéria, em tempo oportuno, tivemos ocasião de tomar pública a nossa posição, que é absolutamente clara. Dissemos que encerrámos num determinado momento, com a criação dos outros concelhos que são conhecidos, um ciclo político e que, relativamente a essa matéria, não daríamos assentimento à cria-
ção de novos concelhos.
Lembro que, a esse propósito, o Sr. Presidente da República chamou a atenção para a reflexão necessária e global de todos os partidos políticos em matéria de administração e de ordenamento do território.
Portanto, ontem, na Conferência dos Représentantes dos Grupos Parlamentares, não fizemos mais do que reafirmar aquilo que foi a nossa posição expressa nesta Casa e em discurso por nós proferido, na altura, a propósito da criação dos concelhos que são conhecidos.
Sendo assim, nada temos a acrescentar àquilo que é a nossa posição. Mantemo-nos em coerência com ela, e não é, eventualmente, por esta ou aquela movimentação particular, pessoal, ou, até, movimentação deste ou daquele agregado populacional que modificaremos a nossa posição, porque isso implica, no futuro, uma reflexão conjunta de todos nós em matéria de reorganização administrativa de ordenamento do território.
Por isso, esta será sempre a posição do Partido Socialista até se encontrarem outras condições de reflexão sobre a matéria.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, peço a
palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, se não for possível uma nova interpelação à Mesa, será para defesa da consideração da minha bancada, no seguimento das expressões utilizadas pelo Sr. Deputado Luís Queiró.

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe, então, que defenda a consideração da sua bancada, porque não permitirei uma segunda ronda de interpelações atípicas.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Certamente, Sr. Presidente! Utilizarei essa figura, tanto mais que,as expressões utilizadas justificam-na. Quando o Sr. Deputado Luís Queiró fala em hipocrisia está a procurar ofender o PCP.
Gostaria de dizer-lhe o seguinte, Sr. Deputado Luís Queiró: não há qualquer hipocrisia da nossa parte. Nós assumimos os projectos de lei que apresentámos porque considerámos que as pretensões eram justas. O que não pretendemos é duas coisas: não pretendemos ter dois pesos e duas medidas. Se há projectos de lei nossos que têm um determinado problema com a Lei-Quadro e se há outros projectos de lei, que não são nossos, que têm idêntico problema, entendemos que eles devem ser tratados igualmente.
No que se refere à questão da alteração ou não da Lei-Quadro, o Sr. Deputado diz que o PP não põe como condição haver uma alteração. Afinal, o que é que o PP pretende? Pretende aprovar leis na Assembleia da República que, imediatamente a seguir, o Tribunal Constitucional declara inconstitucionais? É apenas para manipular as pessoas? É apenas para jogar com as aspirações e com os sentimentos das populações?
Apenas uma referência ao Sr. Deputado Carlos Encarnação. Eu compreendo que o PSD não queira fazer .um agendamento potestativo para cada um dos projectos de lei, mas só não consigo perceber por, que é que não aceita a proposta do PCP, que tem sido feita reiteradamente, de se fazer um agendamento, que não é necessário ser potestativo, em que se juntem todos esses projectos de lei! Por que é que há-se ser apenas um de cada vez?! Por que é que não aceitam o agendamento dos sete ou oito que têm o parecer favorável das assembleias de freguesia?! Essa é a questão da completa incoerência, do nosso ponto de vista, do PSD sobre essa matéria.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, usando esta figura regimental de dar explicações ao Sr. Octávio Teixeira, embora me pareça que não tenho grandes explicações a dar-lhe, dir-lhe-ei o seguinte: ó Sr. Deputado, a interrogação que coloca relativamente à aprovação de diplomas que podem vir a ser questionados pelo Tribunal Constitucional é uma interrogação que o seu grupo parlamentar e outros, se a têm, deviam ter colocado antes de ter apresentado os projectos de lei! Isso é que me parece óbvio! Não é depois, Sr. Deputado! Porque, então, faz-nos pensar por que é que o senhor... Então, começamos a interrogar-nos sobre quais as motivações que estão por detrás da apresentação dos projectos de lei!

Vozes do CDS-PP: - Exactamente!

O Orador: - Sr. Deputado, esse tipo de interrogação faz-se antes da iniciativa legislativa, depois não nos resta outra coisa senão assumi-Ia conforme ela foi apresentada! Eu esperava não ter de lhe dizer isto, porque me parecia uma coisa óbvia.

E, já agora, aproveito para lhe fazer uma segunda observação: eu não estava aqui - e tive o cuidado de o dizer - no exacto início da sua interpelação, porque estava a terminar um conferência de imprensa sobre outra questão igualmente importante - e não ouvi a primeira parte da sua interpelação, mas acabaram agora de me fazer notar que V. Ex.ª nos acusou mesmo de termos ido lá abaixo manipular a opinião pública, manipular as pessoas de Canas de Senhorim que ali estavam em baixo, dizendo mesmo que o fizemos de uma forma deplorável.
A este respeito, quero deixar aqui duas notas: a primeira, é que fomos o único partido que lá foi abaixo dar uma explicação sobre aquilo que se tinha passado na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares; a segunda, fomos lá abaixo defender a nossa posição. Tudo o resto que disse não fizemos e são conclusões que não fomos nós que tirámos, Sr. Deputado! Isto que fique muito claro! Não tivemos uma palavra de censura para ninguém, relatámos os factos e dissemos qual foi rigorosamente a nossa posição.
Agora, Sr. Deputado, repito-lhe: não podemos exercitar o direito de agendamento relativamente à criação do concelho de Canas de Senhorim, pura e simplesmente, porque não fomos autores de qualquer projecto! Quem o é é que pode, de facto, sofrer as críticas da população que aqui veio ontem! Mas não fomos nós, e não é por causa de nada que tenhamos dito, Sr. Deputado! Isso que fique muito claro, para si e para toda a Câmara.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa, porque fui citado...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não deixo fazer uma segunda ronda de interpelações atípicas sobre esta matéria.
Agendaremos isto para a próxima Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares.
Se quiser, defenda a honra, como fez o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Ó Sr. Presidente, é que, justamente, não queria estar a invocar essa figura...

O Sr. Presidente: - Sim, mas não vou abrir uma segunda ronda de interpelações atípicas! Não vou, Sr. Deputado!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Então, se me permite, Sr. Presidente, usarei a figura da defesa da honra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carios Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, quero dizer-lhe, de uma maneira muito serena, isto: V. Ex.ª sabe que era, de todo em todo, impossível agendar todos os projectos de lei, até porque muitos deles têm pareceres negativos de toda a gente. Portanto, não era possível agendá-los todos.
Nós, em determinado momento, tentámos fazer o agendamento de cinco ou seis que podiam ser votados. Dou-lhe um exemplo: Fátima, Canas de Senhorim - justamente este - ou Samora Correia.

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O Sr. José Junqueiro (PS): - Canas de Senhorim, não!

O Orador: - VV. Ex.as não estiveram de acordo em relação a esta filosofia e a esta metodologia. Pois, muito bem! Nesta altura, colocamos este problema de Canas de Senhorim e dizemos-lhe aqui e sempre: quando VV. Ex.as estiverem disponíveis para agendar a criação do concelho de Canas de Senhorim, digam, que nós agendaremos imediatamente.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, as explicações que tenho a dar ao Sr. Deputado Carlos Encarnação serão rápidas.
Sr. Deputado Carlos Encarnação, apenas lhe quero referir aquilo que lhe disse há pouco: todos os que estão nas mesmas condições! V. Ex.ª refere Canas de Senhorim, Fátima e Samora Correia. E eu pergunto-lhe: então, porque não também - e é essa a questão, é isso que está em cima da mesa! - Esmoríz, Gândara, Lourosa e Vila Praia de Âncora, que estão nas mesmas situações, têm o parecer favorável das assembleias de freguesia?

Vozes do CDS-PP: - Amanhã! Amanhã!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, levaremos o assunto à próxima Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, mas peço-lhes um favor: não se esqueçam que, em última instância, quem tem autoridade para fixar a ordem do dia é o Presidente da Assembleia da República.
Portanto, a Assembleia da República não está disponível para deixar epidemizar o agendamento de projectos de lei que vão contra uma lei de valor reforçado. Há evidentemente, como sempre, o direito de recurso das decisões do Presidente da Assembleia da República, mas gostaria de terminar o meu mandato mantendo o respeito absoluto pelo consenso da Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares. Por isso, peço que não me obriguem um dia a chamar à efectividade, digamos assim, uma competência que nunca exerci.
Então, discutiremos isto na próxima reunião da Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares.
Para tratamento de assunto de interesse político relevante, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Comemoram-se este ano os 25 anos do 25 de Abril em Portugal.
São comemorações importantes, que decorrerão sob a égide do Sr. Presidente da República, e, ao que nos é dado observar, do pouco programa que se conhece, são umas comemorações que começam mal. Refiro-me objectivamente a uma pretensão manifestada pela Associação 25 de Abril num anteprojecto que foi submetido à apreciação dos grupos parlamentares e dos partidos com assento parlamentar.
O PSD teve já, sem delongas, a oportunidade de dizer que discorda que as comemorações do 25 de Abril sejam este ano.assinaladas por tão, bizarra iniciativa.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O 25 de Abril, nos seus 25 anos, deveria servir, no essencial, para as novas gerações, para assinalar o significado do evento; para aqueles que não viveram os tempos precedentes para compreenderem o significado da democracia que construímos; e, naturalmente, também para homenagear aqueles que proporcionaram esse acontecimento.
Percebe-se, então, um pouco melhor a nossa profunda tristeza por serem exactamente aqueles a quem já reconhecemos, todos os anos e, às vezes, todos os dias, um acto heróico e de coragem, que proporcionou a democracia em que vivemos, que sejam eles próprios a reclamar hoje, perante a Parlamento e a sociedade portuguesa, honrarias e privilégios que supúnhamos estarem, por definição, afastados de qualquer comemoração do 25 de Abril.
Trata-se, portanto, de uma iniciativa que mancha e perverte o sentido das comemorações que devíamos efectuar.
O 25 de Abril não é, naturalmente, propriedade de ninguém. E não faz sentido, sendo que, sinceramente, julgo não ter sido essa a intenção, fazer a mais pequena chantagem com alguém na sociedade portuguesa para que uma parte dos envolvidos no Movimento das Forças Armadas exija ou pugne perante a sociedade portuguesa e os seus órgãos representativos - o Parlamento - a concessão de privilégios ou de honrarias.
Não fazemos qualquer reserva nos agradecimentos que já endossámos várias vezes a todos aqueles que, independentemente de terem permanecido nas fileiras militares ou terem optado por uma carreira política e por uma intervenção política, sujeitando-se, naturalmente, por essa razão, ao contraditório político, ao acordo e desacordo, à crítica e ao apoio... Nunca reservámos o mínimo de agradecimento e de reconhecimento pelo acto heróico que protagonizaram.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas, convenhamos, uma coisa é estarmos a homenagear aqueles, como já se fez, com comendas, com outros reconhecimentos, que, desde logo, o próprio Presidente da República assumiu nas condecorações que regularmente vai atribuindo. Uma conta é o reconhecimento que todos fazemos; outra conta, bem diversa, é sabermos agora se, de facto, a sociedade portuguesa se vai pacificar finalmente pelo Parlamento, por lei, e graduar em general, em brigadeiro ou em tenente-coronel um conjunto de militares apenas e só por um acto heróico que produziram.
A sociedade portuguesa está pacificada, e essa foi a razão por que, desde logo, dissemos que esta iniciativa legislativa não faz sentido em Portugal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A sociedade portuguesa está pacificada e uma posição do Parlamento nesta matéria iria, isso sim, abrir uma ferida séria e uma injustiça na sociedade portuguesa.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não nos parece, em primeiro lugar, que haja portugueses de primeira e de segunda, conforme estejam ligados á um movimento ou a outro movimento, e,

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em segundo lugar, não consta que tivessem sido as próprias Forças Amadas a solicitar ao Sr. Ministro da Defesa, e, por essa via, também ao Governo e ao Parlamento, a reparação de uma injustiça.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não são as Forças Armadas portuguesas, depois do caminho que travámos relativamente à civilidade do sistema político, que nos pedem, para sua própria pacificação, e, por essa via, de uma parte importante da sociedade portuguesa; que o Parlamento, por via legislativa, faça as promoções que as Forças Armadas não pronunciaram serem importantes fazer-se.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E se o Parlamento o fizesse, à revelia da própria estrutura militar e da própria hierarquia militar, então significava que todo o caminho que fizemos nestes 25 anos para pedir aos militares que ocupassem o lugar devido numa democracia plena, como aquela em que hoje vivemos, afinal não era suficiente porque nós queríamos ainda impor à estrutura militar e às Forças Armadas aquilo que, numa democracia serena, participativa e regular, será impensável e insustentável: impor, perante as Forças Armadas, promoções e graduações que julgávamos só o Conselho da Revolução ter feito no passado.

Aplausos do PSD.

Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não sendo esta uma questão de saber se estamos mais perto ou mais longe da participação política que alguns dos militares de Abril ulteriormente tiveram - porque isso não está em questão, não está em questão discutir se o 25 de Abril é mais de um partido do que de outro, essa é questão encerrada há muito tempo em Portugal - sobra então uma questão de princípio. Sobre essa questão de princípio nós já nos pronunciámos, mas conviria, também sem mais delongas, que outros se pronunciassem para ver se ainda vamos a tempo de estas comemorações do 25 de Abril não descarrilarem de vez aos olhos das novas gerações.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Por que espera o Partido Socialista para dizer, definitivamente, o que pensa sobre esta questão de princípio? O Partido Socialista - digo-o mais uma vez, com convicção - não estará, com certeza, à espera de se pronunciar para dizer «esta não é uma questão que tenha suscitado consenso na sociedade portuguesa», porque antes das questões de consenso estão as questões de princípio, e o Partido Socialista, sobre a questão de princípio que aqui está presente, já se devia ter pronunciado.
Acha o Partido Socialista que há militares de primeira e de segunda? Que o Parlamento deve tomar iniciativas legislativas que interferem, directamente, na própria estrutura das Forças Armadas e na maneira de estar, numa sociedade civilista como é a nossa, no conjunto dos militares? Ou não acha? É que um esclarecimento dos Srs. Deputados do Partido Socialista sobre esta matéria evitaria, desde logo, uma coisa: que não usássemos, ao fim de 25 anos, a questão do 25 dê, Abril como uma questão de falsa divisão política entre os portugueses. Julgávamos que isso estaria, há muito, ultrapassado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, isso serviria para que o Partido Socialista demonstrasse, perante a sociedade portuguesa, que não precisa de ler atentamente cada vírgula, cada alínea e cada número de um projecto de lei que foi apresentado à sociedade portuguesa pelo próprio Presidente da Associação 25 de Abril e que, perante todos, é claro. Entre uma pretensão e aquilo que cabe a uma democracia civilista como a nossa, o Partido Socialista não precisa de demorar tempo a pronunciar-se. Mas, se for questão de precisar do próprio anteprojecto para se pronunciar, julgo que vários senhores jornalistas e vários Srs. Deputados lho facultarão para rápido esclarecimento.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, é minha esperança sincera que o 25 de Abril deste ano, que não é, de facto, uma data qualquer, se possa ainda endireitar e que, aos olhos de todos os portugueses, e em particular dos mais novos, não seja, afinal, lamentável e tristemente, um cúmulo de honrarias e de privilégios que, afinal, ninguém quer ver quando se conquista a liberdade e a maturidade.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, os Srs. Deputados João Amaral, Medeiros Ferreira e Manuel Alegre.
Tem a palavra, Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho falou de um anteprojecto que, segundo foi reconhecido pelos próprios, foi entregue pelo Sr. Presidente da Associação 25 de Abril ao líder do PSD, Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, anteprojecto esse que, como também foi dito pelo Sr. Presidente da Associação 25 de Abril, não foi entregue a mais nenhum grupo parlamentar. Portanto, neste debate, VV. Ex.as têm a vantagem de conhecer o texto autêntico e não os textos que, circulam ou deixam de circular por aí.
Em relação a esta questão, queria dizer algumas coisas, muito simples. Em primeiro lugar, os 25 anos do 25 de Abril devem ser comemorados com toda a importância que a efeméride tem. 25 anos da Revolução democrática, que permitiu o gozo das liberdades em Portugal, que instituiu a democracia e que é o trabalho de uma geração e do grupo de valorosos militares que a fez, é uma data que deve ser comemorada com toda a solenidade, com toda a importância que tem, e deve ser comemorada, tanto quanto possível, associando as novas gerações a esse acontecimento.
O 25 de Abril e o processo que se lhe seguiu foram feitos com muita coragem, com muita vontade e com alguns sacrifícios ou alguns sacrificados. Houve casos concretos de militares que foram afastados e houve casos concretos de militares cuja carreira foi, estatutariamente, gravemente afectada.
É sabido que, em relação aos militares que ocupavam postos de comando antes do 25 de Abril e que foram afastados por um acto da Junta de Salvação Nacional, foi feito, em 1984, pelo governo PS/PSD, um decreto-lei que lhes reconstituiu a carreira e que repôs aquilo que foi entendido como uma situação de justiça face a ofensa de direitos que tinham.
Era só o que faltava que, em relação aos militares que construíram a democracia e que, por dificuldades do processo, foram afastados ou foram gravemente prejudicados

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nas suas carreiras, não fosse possível equacionar uma solução que tivesse em consideração a possibilidade de uma medida legislatíva que repusesse a situação desses militares! Não sé trata de lhes dar nenhuma honraria, não se trata de lhes dar nenhum sobrevalor, não se trata de lhes dar nada a que eles não tenham,direito; trata-se de repor uma situação a que têm direito e que teriam usado e gozado se não fossem os incidentes do 25 de Abril.
Quando a essa questão, queremos ser de uma clareza enorme: achamos (e não queremos subir à tribuna para confundir as questões!) que isso pode ser feito, sendo proposto e sendo apresentado.
Questão diferente são todas as outras questões que V. Ex.ª levantou. Essas são questões totalmente diferentes. E o facto de as confundir não é absolutamente nada saudável! O que é saudável é distingui-Ias com clareza para que se possa saber aquilo que deve ser feito, o que pode ser feito e aquilo que é considerado num plano totalmente diferente, de compensações, etc., etc., que é a única coisa de que V. Ex.ª falou.
Quero aqui dizer que as questões que eu coloquei honrariam a comemoração do 25 de Abril e poderiam ser consideradas.
Uma última coisa que quero dizer, Sr. Presidente, é muito simples: quem tem o direito de iniciativa legislativa em Portugal é o Governo, as assembleias legislativas regionais, os grupos parlamentares e os Deputados. Mas toda a gente tem o direito de petição! E aos militares do 25 de Abril, por o serem, ninguém tirou o direito de petição! Era esta a última nota que quero deixar nesta minha intervenção.

Aplausos do PCP.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, pois com certeza, longe da minha ideia estar a questionar o direito de petição de qualquer cidadão português junto da Assembleia da República! Julgo, em qualquer caso, que não foi isso que sucedeu e que não estamos sequer nas circunstâncias que o Sr. Deputado utilizou por argumento justificando a eventual iniciativa legislativa para reparar essas injustiças.
Sr. Deputado, ou temos visões muito diferentes do que devem ser as comemorações do 25 de Abril - e, se for o caso, também não vem mal ao mundo -, ou então estaremos a confundir coisas que, no plano dos princípios, se não devem confundir. Em primeiro lugar, qualquer cidadão português - mas qualquer cidadão português! que entenda ser vítima de uma injustiça a primeira iniciativa que tem e que a Constituição lhe permite é o recurso aos tribunais.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Qualquer cidadão, Sr. Deputado! A menos que consideremos que há uns cidadãos que estão em condições diferentes de outros, em diferentes circunstâncias: uns, para verem reparadas injustiças, recorrem ao tribunal e aguardam o desfecho da acção; outros, esperam que sejam os partidos políticos a fazer a lei para reparar a injustiça. Sobre isto, a primeira reacção que se

possa ter é muito importante para determinar a forma como nós vemos o sistema político e os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Nós entendemos que se há cidadãos portugueses, sejam militares ou não sejam militares, que acham que foram vítimas de injustiça que podem recorrer aos tribunais para esse efeito.
Em segundo lugar, Sr. Deputado, reparar injustiças com o anteprojecto que - diz o Sr. Deputado e muito bem - foi presente também ao PSD e ao seu grupo parlamentar - e não só, acrescento! - foi também apresentado, segundo declarações públicas, ao próprio Presidente da Assembleia da República...

O Sr. João Amaral (PCP): - Não foi, não! O Sr. Presidente da Assembleia da República já esclareceu que não foi informado!

O Orador: - Mas essa, Sr. Deputado, é matéria sobre a qual deve questionar o Presidente da Associação 25 de Abril e não o PSD!

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Claro!

O Orador: - O PSD, naturalmente, fez aquilo que devia tér feito: estudou o problema e pronunciou-se publicamente!
Mas, Sr. Deputado, não é disso que trata esse anteprojecto! Esse anteprojecto, do que trata, no essencial, é de promoções! De promoções, Sr. Deputado!

Vozes do PSD: - Exactamente!

O Orador: - E isso, Sr. Deputado, do nosso ponto de vista, não trata de reparar injustiças, mas de criar, eventualmente, novas injustiças.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Pelo que, no essencial, Sr. Deputado, mantenho o que disse daquela tribuna!

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - O senhor não percebe nada disto!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Amaral, pede a palavra para que efeito?

O Sr. João Amaral (PCP): - Para defesa da consideração da bancada, Sr. Presidente, dado que foram feitas imputações que não correspondem à verdade.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, em primeiro lugar, não distorça o sentido daquilo que eu disse. Quando invoquei e assinalei que qualquer cidadão tem o direito de petição, estava referir-me à crítica implícita que havia na sua afirmação de que os interessados não teriam o direito de apresentar um qualquer documento nalgum sítio. Portanto, devo dizer-lhe, com muita clareza, que reafirmo aqui esse pleno direito de todos os portugueses a exercerem o direito de petição. E digo-lhe mais: sem dependência de porem os processos em tribunal!

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Estou muito espantado, espantadíssimo, que V. Ex.ª ache que as injustiças se reparam todas em tribunal! Então, para que é que serve o direito de petição? Para que é que serve o Provedor de Justiça? Para que é que serve a capacidade que têm os cidadãos de exprimir a sua indignação nos jornais, etc., etc.?

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Exacto! Exacto!

O Orador: - Têm todo o direito de o fazer, em todas as circunstâncias que entenderem!
Quanto à questão de fundo, o Sr. Deputado continua a ter a vantagem de ter lido o anteprojecto. Eu não o li, só li o que veio nos jornais. E o que veio nos jornais não corresponde à descrição que o Sr. Deputado fez. Provavelmente, o senhor terá de mandar um desmentido para os jornais!
De acordo com o que vem nos jornais, o anteprojecto tem duàs partes bem diferenciadas: tem uma parte, que se refere a esses cidadãos que foram afastados compulsivamente ou que tiveram desgraduações ou outras situações por motivo do decorrer do próprio processo, e tem uma outra parte, que se refere a essa outra questão das promoções, que foi aquela que levou V. Ex.ª ali acima, à tribuna.
E o que eu digo aqui, e repito; é que V. Ex.ª só fala de uma e esquece totalmente a outra. Mais: esquece-a, escamoteando uma questão essencial! Porque o que V. Ex.º diz acaba por ser isto: «Vão aos tribunais! Ó seus "bananas", vocês não podiam ter ido antes aos tribunais?».
Então, porque é que, em 1984, para repor aquela situação, foi preciso fazer um decreto-lei? Pela mesma razão, que o Sr. Deputado conhece perfeitamente, de que não há nenhum tribunal - porque aqueles actos em si não são ilegais, são actos que ocorreram naquele processo, com base, muitas vezes, na utilização abusiva e distorcida, e já passaram os prazos, etc., e não há outra forma de resolver aquela questão que não seja através de um acto adequado dos órgãos de soberania ou das autoridades militares, conforme as circunstâncias... E se isso foi feito em 1984, por que é que V. Ex.ª acha que, agora, não pode feito em relação aos militares que fizeram o 25 de Abril? Por que é que acha que isso pôde ser feito em relação àqueles que se opuseram ao 25 de Abril e não pode ser feito em relação àqueles que fizeram o 25 de Abril?! Esta é a pergunta que aqui lhe deixo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não se esqueça desta parte final, que é fundamental!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, bem entendido, o Sr. Deputado João Amaral acabou por verificar que não tinha qualquer motivo prático para fazer a defesa da consideração da bancada, na medida em que visivelmente ouviu mal.

O Sr. João Amaral (PCP): - Ofendi a consideração à inteligência da bancada!

O Orador: - Ouviu mal! Isso já está mais do que esclarecido, Sr. Deputado.

Ninguém - mas ninguém! - deve ver cerceado o seu direito de petição à Assembleia da República, nem isso se pode inferir - nem sequer com má fé, quanto mais com boa fé, que é a do Sr. Deputado - daquilo que eu disse daquela tribuna.
Agora, Sr. Deputado, a verdade é esta: todos os cidadãos podem recorrer à Assembleia da República para, através de direito de petição, colmatar todas as injustiças, menos, Sr. Deputado, do meu ponto de vista, para obter privilégios.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E deixe-me só, nesse caso, ler-lhe o n.º 4 do artigo 5.º deste anteprojecto, que, desde já, terei o maior gosto em facultar-lhe, que diz o seguinte: «Os oficiais que tenham sido graduados ou tiverem desempenhado funções de postos superiores àqueles a que ascenderam serão promovidos automaticamente ao posto em que estiveram graduados ou cujas funções desempenharam».
Sr. Presidente, independentemente de tudo o mais que possa até vir contido neste anteprojecto, esta é a questão crucial. E, sobre as comemorações do 25 de Abril, o que deve dizer-se aqui, e relativamente a isto, é apenas o seguinte: deixemo-nos de questões formais! Ou começamos por assinalar o 25 de Abril por aquilo que ele, de facto, representa,...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - E em 1984? Responda!

O Orador: - ... ou começamos por aceder a uma pretensão de privilégio de uma parte da sociedade portuguesa que assim o reclama, em suposto direito de petição ou iniciativa legislativa, pois talvez o Partido Comunista Português, e talvez na parte que lhe possa interessar, ainda a venha a tomar nas suas mãos. Isso, do nosso ponto de vista, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é inaceitável e insustentável e, sobre essa questão de princípio, não fizemos qualquer reserva.
Ficamos a perceber que, sobre esta questão, o Sr. Deputado João Amaral diz rigorosamente nada. E, sobre todas as outras, mesmo que, no passado, tivessem algo a ver com injustiça e que as próprias Forças Armadas já tivessem tido mecanismos para as corrigir em jeito de correcção de carreiras, o Sr. Deputado acha que essa é á questão essencial para o 25 de Abril?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - E em 1984? Esqueceu-se?!

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, não vou levantar mais polémicas. Há colegas meus que queriam que eu falasse nas pensões que foram dadas aos ex-PIDE, mas não vou levantar a questão.
A questão que quero suscitar tem a ver com a forma como o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho agora colocou as questões. O Sr. Deputado agarrou no documento, que ele é o único a possuir, e leu um artigo. Peço ao Sr. Pre-

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sidente para solicitar ao Sr. Deputado Pedro Passos Coelho que faça a leitura integral do tal anteprojecto, que foi entregue pelo Pesidente da Associação 25 de Abril ao seu líder, Marcelo Rebelo de Sousa, para que todos conheçam todos os artigos e possam fazer um juízo completo sobre o diploma.
Não é técnica aceitável a de ler um número e dizer que esse é o conjunto do diploma. Se ele próprio diz que é o n.º 4, então que diga qual é o n.º 1, o n.º 2 e o n.º 3!
Desafio, pois, aqui, o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho - e peço-lhe que lho solicite, Sr. Presidente - a ler o diploma na íntegra.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Amaral, evidentemente não é viável a leitura do texto na sessão plenária e também não posso obrigar o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho a dispor do documento. Se, voluntariamente, o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho o quiser entregar na Mesa, mandá-lo-ei fazer circular pelos grupos parlamentares.
Já agora, dado o meu nome ter sido mencionado, devo informar que não me senti obrigado a divulgá-lo, porque recebi esse anteprojecto não na qualidade de Presidente da Assembleia da República mas a título particular. Não me foi pedido que desse destino a esse papel, que não vinha sequer assinado. Emiti sobre ele, imediatamente, a minha opinião, que não me sinto obrigado a dizer qual foi, e não dei dele conhecimento rigorosamente a ninguém, dentro ou fora do Parlamento, pois aguardei que ele tivesse o destino que normalmente têm estes papéis, que é o de alguém o subscrever como projecto de lei, para, então sim, tomar conhecimento dele como Presidente da Assembleia da República.
Já agora, se me permitem - e perdoem-me só mais isto - também vou dar a palavra a mim próprio para uma interpelação, que é esta: não tenho a visão de que discriminações positivas relativamente a pessoas a quem o povo português deve a liberdade e a democracia sejam contrárias ao espírito do 25 de Abril. Só que isso é uma coisa e outra é concordar-se ou não com o papel. Todos temos o direito de estar de acordo ou não e, se ele vier a ser formalizado, teremos de dizer se estamos ou não de acordo. Porém, enquanto não for formalizado, ele não exisie como projecto de lei, existe como ideia que circula, desde já, na opinião pública, mas não por iniciativa minha, como devem calcular.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD):'- Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado? É que temos mesmo de pôr termo ...

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Para fazer uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente, nas mesmas condições em que o Sr. Deputado João Amaral o fez.

O Sr. João Amaral (PCP): - Vai distribuir o documento?

O Sr. Presidente: - Claro, Sr. Deputado Pedro Passos Coelho. Faça favor.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, quero apenas sublinhar duas questões.

Em primeiro lugar, o Sr. Presidente - e é certo que teve agora a amabilidade de reconhecê-lo -, na qualidade de cidadão, tomou conhecimento do anteprojecto. O presidente do meu partido tomou conhecimento do mesmo anteprojecto, com a necessidade, enquanto presidente de um partido, de o estudar e de, sobre ele, se pronunciar. Essa foi a razão por que ele foi enviado para o grupo parlamentar e para os Srs. Deputados da Comissão de Defesa Nacional, nomeadamente. E foi sobre essa leitura e pronúncia que nos manifestámos. Sentimo-nos, naturalmente, muito honrados por termos sido os únicos e a única entidade que a Associação 25 de Abril escolheu para ouvir e auscultar sobre essa matéria. Mas ficamos com dúvidas sobre isso, depois do que o Sr. Deputado João Amaral disse.

O Sr. João Amaral (PCP): - Mande distribuir!

O Orador: - No entanto, para não fazer qualquer insinuação e poder discutir, de facto, a matéria, faria o seguinte: em vez de estar a ler um anteprojecto que não me pertence, e atendendo a que o Sr. Deputado João Amaral diz que dele não tem conhecimento, embora o possa, como aqui se observou, defender em várias matérias - de resto, ele foi suficientemente publicitado pelo próprio presidente da Associação 25 de Abril -, vou pedir ao Sr. Presidente da Assembleia o favor de promover a distribuição do respectivo documento por todas as bancadas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. João Amaral (PCP): - O documento vai dar entrada pela mão do PSD!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, gostaria de chamar a atenção da Câmara para o seguinte: o que se está a passar com esta discussão a respeito dos militares de Abril leva-me a concluir que se tivesse sido possível a muitos, que, neste momento, de uma maneira hipócrita, estão a tentar interpretar o verdadeiro espírito do 25 de Abril, este teria sido impedido à nascença e os seus militares certamente teriam sido presos antes de iniciar qualquer movimento. Essa seria a real posição política que os Srs. Deputados que estão hoje contra os militares que fizeram o 25 de Abril deveriam assumir frontalmente,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... até porque não correm qualquer risco físico - o único risco é o risco moral e o da transparência.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Chegou a altura de terminar com a hipocrisia sobre o 25 de Abril. Digam-no, sinceramente: muitos gostariam que estivéssemos numa ditadura, que o Prof. Marcelo Caetano tivesse sido avisado, em devido tempo, de que haveria alguns militares que, perante a iminência do castigo de alguns dos seus membros, se iriam opor a que eles fossem desterrados para os Açores, como, por exemplo, o Major Melo Antunes e o Capitão Vasco

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Lourenço. Nessa altura, eles desobedeceram e foram desterrados para os Açores. Porém, depois do 25 de Abril, Sr. Presidente, como sabe, também foi desterrado para os Açores, em cumprimento do seu serviço militar, o Capitão Salgueiro Maia, que viu a sua carreira militar muito prejudicada pelo seu envolvimento operacional no dia 25 de Abril.
Ora, pergunto a mim próprio onde teriam chegado militares com a preparação de Estado-Maior de Vítor Alves, Costa Brás ou Franco Charais, caso, Sr. Presidente, não tivessem interrompido as suas carreiras militares pelo empenhamento cívico a favor da democracia. E, neste momento, não tenho qualquer dúvida de que, se o 25 de Abril não tivesse sido feito por militares, não haveria hoje democracia em Portugal.

Aplausos do PS.

Não vejo entre os críticos dos militares de 25 de Abril alguém que se tivesse levantado em protesto contra todas as injustiças, as perseguições e a repressão instaladas em Portugal, quer na metrópole quer nas colónias, nessa altura.
Vamos, pois, falar seriamente. A bancada do Partido Socialista, Sr. Presidente, não conhece qualquer projecto ou anteprojecto, nem recebeu qualquer carta particular. Por isso, o Partido Socialista, sobre a especialidade, nada pode dizer ao Sr.º Deputado Pedro Passos Coelho.

O Sr. Presidente: - Agradeço-lhe que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - No entanto, poderá perguntar ao Sr. Deputado Pedro Passos Coelho se essa foi a forma que o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa teve, através de si, de responder à carta que recebeu, penso, da Associação 25 de Abril.

Vozes do PS: - Foi!

O Orador: - E se foi essa a resposta do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, não me admira que, daqui a 30 anos, venha a escrever um artigo no Diário de Notícias a honrar a memória dos militares de Abril, como fez, ontem, a honrar a memória daqueles que assaltaram o Santa Maria, num acto que, na altura, foi considerado de pirataria internacional. Certamente que, nessa altura, houve Deputados na Assembleia Nacional que também o afirmaram.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Como fui informado de que o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho responde conjuntamente a este e ao próximo pedido de esclarecimento, tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, penso que esta questão não deve ser aproveitada para ensombrar as comemorações do 25 de Abril.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E, sobretudo, não deve ser explorada para, mais uma vez, se ajustarem contas morais com os militares que fizeram o 25 de Abril.

Acho que não há militares de 1.ª, nem de 2.ª, mas não é legítimo que, 25 anos depois do 25 de Abril, os militares do 25 de Abril continuem a ser tratados como militares de 3.ª - esse é o verdadeiro problema.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não é legítimo que os militares que fizeram o 25 de Abril continuem a ser tratados como se fossem «implicados no 25 de Abril», para usar uma expressão cara ao Capitão Salgueiro Maia.
Estou de acordo com o que disse aqui o meu colega de bancada Medeiros Ferreira: é tempo de acabar com a hipocrisia! É tempo de saber se a sociedade portuguesa está ou não pacificada em relação a esta matéria.
Creio que há um problema não resolvido com o 25 de Abril. Há, pelo menos, uma questão, que é a de saber se toda a gente se reconhece na matriz fundadora do 25 de Abril, que é a Revolução do dia 25 de Abril, feita pelos militares de Abril! Essa é que é a verdadeira questão!

Aplausos do PS.

É que, Sr. Presidente, no essencial, os militares de Abril cumpriram a sua palavra: disseram que devolveriam o poder ao povo! E devolveram o poder ao povo! Regressaram a quartéis!
Estamos aqui, o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho pôde falar livremente e eu pude regressar a Portugal de um exílio imposto e sem remédio, porque houve o 25 de Abril e porque os militares de Abril cumpriram a sua palavra. Isto é um facto único em qualquer revolução, em qualquer país do mundo, que tenha sido feita por militares!
Não se trata de reconferir benesses ou honrarias àqueles que fizeram esse acto, que dignificou Portugal e os portugueses. Trata-se de não continuar a perseguir aqueles que tiveram a coragem de devolver a liberdade ao povo português.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder aos dois pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Medeiros Ferreira, não leve a mal, pois não pretendi nem estou aqui para fazer escatologias tardias sobre o 25 de Abril ou sobre o que o Sr. Deputado pensa sobre a matéria, mas também não estou aqui para aceitar insinuações da sua parte sobre comparações com Deputados da Assembleia Nacional. Considerei essas comparações do maior mau gosto!

Aplausos do PSD.

Releva apenas, Sr. Deputado, para que. 25 anos depois do 25 de Abril, parece que ainda há quem ande nesta Assembleia com complexos e quem já não os tenha. Julgo não ter complexos sobre esta matéria, falando livremente e em função da minha consciência.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Manuel Alegre, disse que já era tempo de acabar com hipocrisias e de pacificar a socie-

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dade portuguesa. Ó, Sr. Deputado, o anteprojecto não é da minha autoria - sabemos que também não é da sua - e o senhor concordará comigo que, então, ele já teve, pelo menos, o demérito de abrir discussões, provavelmente sem sentido, e de abrir feridas que não existiriam já, ou que, pelo menos, não seria de supor que existissem, em 1999, na sociedade portuguesa, em torno do 25 de Abril.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PS.

O Orador: - E dou-lhe um exemplo do que acabo de dizer. Não vou invocar, naturalmente, esta nossa troca de palavras, que é perfeitamente normal em democracia, mas vou citar-lhe as afirmações de um militar de Abril, Almeida Bruno, que, ontem mesmo, se pronunciou sobre esta matéria publicamente, dizendo que, como militar de Abril, considerava ser inaceitável que aquilo que fez e que ajudou a fazer pelo 25 de Abril, como acto, de facto, de coragem, não aguardava nem honrarias nem privilégios concedidos fosse por quem fosse, muito menos reclamados pelos próprios. E é sobre isso, Sr. Deputado Manuel Alegre, que gostaria de o questionar também, em termos de consciência.
Sr. Deputado Manuel Alegre, se a iniciativa não é sua nem minha, se, por acaso, até é dos visados e dos próprios, entende que fica bem, no plano dos princípios ou para homenagear o 25 de Abril, que alguém que esteve na sua origem venha falar, 25 anos depois, não de injustiças mas, sim, de promoções?
Entende o Sr. Deputado, de facto, que é possível explicar a alguém que não seja Deputado ou que não esteja num partido político, isto é, como há-de concordar, à esmagadora maioria dos cidadãos portugueses, que um quarto de século do 25 de Abril vai começar por ser comemorado, justamente pela Assembleia da República, promovendo uma série de militares na respectiva hierarquia?
Sr. Deputado, tenho a certeza de que não é essa a sua convicção, por isso não venha baralhar a discussão nem com o 25 de Abril nem com outros portentos discursivos que não são chamados à colação.

Aplausos do PSD.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da honra da bancada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Medeiros Ferreira.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, em primeiro lugar, gostaria de dizer que tenho quase a certeza de que se não tivesse havido o 25 de Abril V. Ex.ª não estaria nessa bancada, por várias razões.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Quer que lhe agradeça, Sr. Deputado?!

O Orador: - Em segundo lugar, gostaria de dizer-lhe que não tenho quaisquer complexos ao entrar nesta Casa, porque, na medida das minhas possibilidades, dei testemunho e lutei contra a ditadura. Tinha idade para isso e fi-lo.

Quanto ao conteúdo da questão, gostaria de perguntar ao Sr. Deputado Pedro Passos Coelho se tem conhecimento do Decreto-Lei n.º 330/84, de 15 de Outubro, que, em grande parte, responde às perguntas que o Sr. Deputado tem vindo a fazer a esta bancada, o qual reintegrou militares na carreira, quer os saneados antes do 25 de Abril, quer aqueles que interromperam a sua actividade militar devido ao 11 de Março, e que tem a assinatura do Presidente da República de então, António Ramalho Eanes, do Primeiro-Ministro, Mário Soares, do Ministro da Defesa, Mota Pinto e, até, do Secretário de Estado das Finanças, Alípio Dias.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho para dar explicações.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, veja só V. Ex.ª que, há pouco, senti-me ofendido, e disso me lamentei, por o Sr. Deputado Medeiros Ferreira insinuar que, eventualmente, há alguns anos atrás, alguém com idêntico comportamento ao meu, na Assembleia Nacional, verberaria o que se passou com o Santa Maria, esperando eu que o Sr. Deputado Medeiros Ferreira, depois da minha sinalização, pedisse alguma desculpa pelo facto.

Vozes do PS: - Oh!...

O Orador: - Imagine o Sr. Presidente da Assembleia da República que, afinal, o Sr. Deputado Medeiros Ferreira ainda se sentiu ofendido!
Sr. Deputado Medeiros Ferreira, em primeiro lugar, gostava de dizer-lhe que não me sento nesta Assembleia por ter havido o 25 de Abril mas, sim, por ter nascido!

Vozes do PS: - Oh!...

O Orador: - E essa é a primeira condição de qualquer ser livre.
Em segundo lugar, gostava de dizer-lhe que, não tendo tido idade para lutar contra a ditadura, tenho idade que chegue para lutar pela democracia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Isso é algo de que o senhor também poderia dar testemunho e exemplo, e, hoje, não o vi aqui fazê-lo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, queria esclarecê-lo de que não tenho conhecimento-de qualquer anteprojecto e dizer que considero essa uma questão menor. O facto de se pretender fazer desta uma questão maior é que revela uma intenção política, o que me suscita as maiores dúvidas, pois não esqueço que houve um governo que recusou a Salgueiro Maia uma pensão vitalícia e

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que a atribuiu a dois agentes da PIDE. É por isso que tenho dúvidas!

Aplausos do PS.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da honra pessoal.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Medeiros Ferreira, só lhe dou a palavra porque considero que está terminado este debate. Aliás, não estamos sequer num debate.
Srs. Deputados, peço-lhes que acabem com estas hipersensibilidades para que possamos entrar na ordem do dia, pois já gastámos cerca de uma hora e meia do nosso tempo com interpelações, defesas da honra pessoal e da bancada, e não é para isto que estas figuras existem.
Dou-lhe a palavra, Sr. Deputado Medeiros Ferreira, porque não posso substituir-me à sua sensibilidade, mas peço que os Srs. Deputados acabem com esta situação.
Faça favor.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, penso que o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho se excedeu quando disse que eu não estava a defender a democracia. E óbvio que o Sr. Deputado não queria dizer isso, mas como me sinto ofendido por ele se ter excedido, só gostava de dizer que a minha luta pela democracia ainda não terminou e, por aquilo que estou a ver hoje e nestes dias, penso que vai ter de continuar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho para dar explicações.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, queria apenas dizer que não fiz, nas minhas intervenções, qualquer insinuação pessoal ao Sr. Deputado Medeiros Ferreira.
Das afirmações que fiz pode deduzir-se qual é a opinião do meu partido sobre esta matéria e ficou provado, neste pequeno debate que aqui travámos, que o PS não manifestou qualquer posição sobre esta questão,...

Protestos do PS.

... alegando, naturalmente, não ter o anteprojecto.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço que façam silêncio, pois já perdemos tempo demais.

O Orador: - Pois bem, Sr. Presidente, essa questão formal está resolvida, assim, o PS terá agora a possibilidade de se pronunciar, no Parlamento, sobre este anteprojecto, que não é da nossa autoria, naturalmente.
Sr. Deputado Medeiros Ferreira, aquilo que é revoltante são as suas insinuações e não as que eu lhe dirigi. Espero que o Sr. Deputado possa continuar, durante muitos anos, na Assembleia da República, se essa for a vontade popular, a do PS e a sua, com certeza. Mas, Sr. Deputado, não vamos confundir dois pontos: primeiro, que eu esteja inibido de falar aqui desta questão por haver Srs. Deputados que entendem que uns podem exercer o direito da democracia e outros devem agradecer-lhes eternamente e,...

Protestos do PS.

... de preferência, não se devem sequer levantar para falar do assunto, não vá alguém recordar o 25 de Abril. Não aceito isso, Sr. Deputado!
Segundo, não vamos confundir decisões de governos com decisões de tribunais. Há pensões que foram atribuídas ou não por decisão do Tribunal Militar e não por qualquer governo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, lembro-vos de que estão a assistir aos nossos trabalhos um grupo de 40 alunos da Escola Secundária de Tondela; um grupo de 48 alunos da Escola E. B. 2/3 de Almodôvar; um grupo de 30 alunos da Escola Secundária Carolina Michaelis, do Porto; um grupo de 100 alunos da Escola E. B. 2/3 de Eugénio de Castro, de Coimbra; um grupo de 40 alunos da Escola E. B. 2/3 Professor António da Natividade, de Mesão Frio; um grupo de 50 alunos da Universidade Lusíada do Porto e um grupo de 18 alunos do Instituto Duarte Lemos, de Águeda, para quem peço uma calorosa saudação.

Aplausos gerais, de pé.

Para tratamento de assunto de interesse político relevante, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Baptista.

O Sr. Pedro Baptista (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Na próxima segunda-feira, dia 15 de Março, iniciam-se as obras de construção do metropolitano do Porto. É o corolário dum longo processo administrativo, mas também dum longo processo político.
Passaram cerca de 10 anos desde que a ideia de um metro de superfície foi aventada, 10 anos de compreensões e incompreensões, de apoios e boicotes, de obstáculos e perseverança.
Desde o tempo em que o Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, há oito anos atrás, dizia «Não conheço nada sobre isso, essa responsabilidade pertence a Fernando Gomes» e especulava que «A construção do metro levará décadas», passando pelo dia 17 de Novembro de 1995, em que, cumprindo os compromissos firmados com o eleitorado, o Primeiro-Ministro António Guterres garantiu publicamente o financiamento integral do metro da Área Metropolitana do Porto, até ao dia 25 de Novembro de 1998, em que o Conselho de Ministros aprovou os três diplomas que permitiram à Metro do Porto adjudicar e consignar a obra à empresa vencedora do concurso público, foi um longo percurso em torno do maior projecto a ser concretizado, neste momento, na União, em que ficou claro quem teve a vontade política e a competência de vencer e quem esteve do lado da criação dos obstáculos ou do desânimo da inteira descrença.
Tanto os que, durante tempos, viraram as costas ao projecto, como os que, depois de a ele aderirem nas palavras, recusavam apoia-lo na prática, como, ainda, os que insistiam em que tudo não passava dum bluff político, sem esquecer os que, já nesta legistatura e nesta mesma Câmara, nos apresentaram, desta tribuna, o Sr. Ferreira que, voltado ao País, daqui a 10 anos, se revoltava contra Fernando Gomes por não ter metro do Porto, têm na escavadora, que, na próxima segunda-feira, começará a trabalhar, a devida e única resposta.

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Ademais, o metro do Porto não vai ser construído «às pinguinhas» como alguns, em última instância, pretendiam. Mas é claro que o traçado actual resultou da consensualização dos diversos traçados propostos pelas diversas instâncias. E é claro, também, que o que ora se implementa, no valor de cerca de 200 milhões de contos, é a primeira fase do metro. Não é preciso que ela termine para se começar a trabalhar na preparação da segunda fase.
É nisso que alguns, que outrora descriam mas que, agora, já são «mais papistas do que o Papa» em matéria de crença e que, agora, até gostariam de ter tido as posições que não tiveram, devem concentrar-se. Mais trabalho, menos palavras fáceis.
O trabalho para o alargamento do metro a Gondomar e toda a segunda fase deve prosseguir com a maior velocidade, até porque o «vento» político é, finalmente, nos últimos anos, como será nos próximos, favorável ao financiamento dos grandes empreendimentos de que o Porto metropolitano precisa, merece e foi arredado durante o século XX. Tanto mais importante, no caso de Gondómar, nomeadamente, porque é o grande transporte do futuro para o atravessamento da zona oriental da cidade no sentido da periferia, a nordeste.
É que o vale de Campanhã é outra zona de grande intervenção no sentido da sua reabilitação e qualificação urbana e social, que foi objecto dum plano estratégico elaborado em 1991/1992/1993 e que, agora, se concretiza.
Desde a criação da Fundação para o Desenvolvimento do Vale de Campanhã que, em 1994, apresentou uma candidatura ao Programa Urban, contemplada com perto de 4 milhões de contos em 1995, até à assinatura, com o Governo, do Metropolis, em 1996 (20 milhões), criando-se, com o Governo e privados, a APOR, em 1997, cujos projectos já foram aprovados pela câmara, em Dezembro de 1998, e financiados pelo BEI (Banco Europeu de Investimento), em Março de 1999, foi o percurso necessário de quase sete anos para levar ao terreno os projectos, alguns dos quais com os concursos já lançados, os outros a serem lançados no decorrer deste ano.
Nesta perspectiva, até 2001, teremos concluídos: a Avenida 25 de Abril, entre a Praça das Flores e a Corujeira; a Alameda de Cartes, ligando as Antas a Azevedo; o Palácio do Freixo reabilitado, com desvio da EN108 e o tratamento urbanístico da zona do Freixo e o Pavilhão das Descobertas; a requalificação da marginal do Douro entre a Alameda Basílio Teles e o Passeio Alegre.
E, chegando ao Passeio Alegre, assinalemos que, em boa hora, o Governo acaba de anunciar, no decorrer do Congresso Internacional do Douro, a apresentação de uma candidatura, através do Programa INTERREG, que, durante a próxima cimeira luso-espanhola, procurará que seja conjunta com a Espanha, para a construção dos dois molhes longitudinais na foz do Douro que, finalmente, propiciem a almejada exploração comercial do rio.
O facto de o projecto, pelo lado português, estar a ser trabalhado pelo Instituto de Navegabilidade do Douro, sendo uma instância tutelada, simultaneamente, pelo Ambiente e pelo Equipamento, é garante do desejo de todos de que a obra harmonize positivamente os objectivos económicos, de segurança e ambientais.
Dentro de pouco tempo, alegrar-nos-emos ao não ver repetidas situações como as que agora se vivem de, por causa do assoreamento da barra do Douro, se amontoarem prejuízos pela impossibilidade de entrada e saída dos navios de carga e turísticos ou de as populações ribeiri-

nhas «andarem com o credo na boca», como voltaram a andar neste Inverno.
É hora, aliás, de uma chamada de atenção ao Governo, no sentido de ser acabado o pouquíssimo que falta na navegabilidade, em particular na zona do Pinhão, onde o troço navegável, não estando concluído, apresenta uma inaceitável perigosidade.
Concluídos os molhes, concluídas, então, as condições para a integral navegabilidade do Douro, este, enquanto via fluvial inter-regional, optimizar-se-á como turismo de alta qualidade e transformar-se-á num meio de transporte de futuro, não só favorável à ligação do interior da região com o mar como uma riqueza para o País.
Mas, ao falar de vias, não poderia deixar de registar uma palavra para o actual aeroporto do Porto. Tal como o de Lisboa e o de Faro, o do Porto tem, ainda, muito a dar em termos estratégicos para o País e para a região. Um aeroporto não é menos importante do que uma rede de auto-estradas. E vejo o do Porto da mesma forma que o Sr. Presidente da Câmara de Lisboa vê o de Lisboa e, quiçá, os algarvios vêem o de Faro. Com a necessidade de investir no seu crescimento e melhoramento de forma a cumprir a sua função estratégica, acrescido do facto de, no Porto, se estar a consolidar o papel de liderança em todo o noroeste peninsular e de o aeroporto ter sido sempre, como é cada vez mais, essencial para a prossecução desse papel.
É por isto, também, que espero que a TAP venha a inflectir rapidamente a sua actual política injustificada de esvaziamento do papel internacional e intercontinental do aeroporto do Porto.
É por isto, também, que espero que, em relação à modernização aeroportuária do País, o crescimento e a modernização dos aeroportos existentes sejam encarados como prioridade.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O Porto, recentemente classificado como património mundial, será, também, Capital Europeia da Cultura, em 2001. A sociedade criada para o efeito, depois de empossada, já tomou decisões e iniciou a sua concretização com a encomenda de projectos que deverão passar para o terreno rapidamente.
Mais um salto em frente na reabilitação urbana e arquitectónica da zona histórica, a integração dos espaços culturais e a construção de raiz da casa da música, são algumas das medidas já tomadas. Num projecto que terá sucesso porque a cidade, a área metropolitana e a região o merecem.
Se houvesse dúvidas sobre a mobilização cultural de uma das cidades mais jovens da Europa, onde estudam 50 000 jovens, o Festival Internacional de Cinema Fantasporto, que ora se encerra, é a demonstração clara do que já se sabia, de que os indicadores de frequência cultural no Porto são iguais aos de Paris e de Londres, como de que o público do Porto está particularmente motivado para as artes e para a cultura em geral.
A confluência de iniciativas neste findar de século indica que, depois do período em que os portuenses vão ter de aguentar a «estaleirização» da cidade - passe o neologismo -, o Porto aparecerá transformado, uma cidade moderna, uma jóia do património, um orgulho para todos os portuenses e todos os portugueses.
Politicamente, portuenses e portugueses saberão discernir, como já sabem, quem esteve ao lado de quem, os amigos, os inimigos e os «assim-assim», em todos estes processos.

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Aplausos do PS.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente João Amaral.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Pedro da Vinha Costa e Sílvio Rui Cervan.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa.

O Sr. Pedro da Vinha Costa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Baptista, acho que o senhor conseguiu o «milagre da aceleração», isto é, em pouco mais de 10 minutos, fez-nos uma visita guiada à cidade virtual. Falou-nos dos projectos que existem, falou-nos das ideias que existem e foi-nos desenhando os estaleiros que existiriam não fora o facto de os senhores estarem muito preocupados com a cidade virtual e pouco com a cidade real.
De qualquer forma, Sr. Deputado Pedro Baptista, por muito que tal possa surpreendê-lo, concordo consigo em algumas coisas que disse e, pela raridade do acontecimento, não posso deixar de registá-lo com muito agrado.
Por exemplo, estou totalmente de acordo consigo na crítica que faz à TAP, à respectiva tutela e ao Governo relativamente ao vergonhoso comportamento da transportadora aérea nacional. Concordo com as palavras muito críticas que usou quanto ao tratamento dado pela TAP ao norte do País e, muito particularmente, à cidade do Porto.
Já agora e a propósito, permita-me que lhe diga que o aeroporto do Porto tem nome; chama-se Aeroporto Francisco Sá Carneiro, para grande orgulho das gentes do Porto. Aliás, presto homenagem a um camarada seu, Narciso Miranda, que foi quem apresentou a proposta no sentido de ser dado o nome de Francisco Sá Carneiro ao até então chamado Aeroporto de Pedras Rubras. V. Ex.ª, evidentemente, não sabia disso e tenho muito gosto em esclarecê-lo.
Continuando, deixe que lhe diga, Sr. Deputado, que estas coisas têm de ser vistas com muita calma e muita seriedade.
Ora, V. Ex.ª veio falar-nos de obras que vão começar, de projectos que estão no papel e que foram encomendados, de ideias que foram apresentadas, a maior parte das quais já algumas 10 vezes, umas vezes como sendo ideias novas, outras como sendo ideias renovadas.
De qualquer maneira, quero expressar aqui uma preocupação e perguntar-lhe se não tem idêntica preocupação.
É que, a propósito da Cimeira Ibero-Americana, nós, PSD do Porto, várias vezes tivemos ocasião de levantar a questão e de alertar os responsáveis autárquicos para um facto que- muito nos, preocupava e que era o de que verificámos que havia algum desleixo na prontidão com que as obras iam sendo feitas. Estávamos a ver que elas iam sendo adiadas e, portanto, estávamos preocupados porque sabemos que, nestas coisas, quando é necessário terminá-las a tempo terminam, mas, evidentemente, terminam à custa de maiores sacrifícios, de maiores incómodos para a população e, também, à custa de mais dinheiro.
Assim, fico preocupado - e sei que, certamente, V. Ex.ª também estará preocupado - ao ver que algumas das obras de que V. Ex.ª falou, que têm vindo a ser apresentadas há tantos anos, já podiam ter «passado do papel para a rua», já podiam estar a ser feitas. Evidentemente, V. Ex.ª acusa o PSD de ter algumas responsabilidades nesses atrasos e até aceito que algumas pessoas do PSD

as têm porque não aceitaram que o metropolitano tivesse «rosto», tivesse «nome», tivesse uma paragem na Rua Rainha Santa Isabel...

O Sr. José Saraiva (PS): - Uma vergonha!

O Orador: - É este o tipo de coisas sobre as quais o PSD levantou questões a seu tempo.
Mas, Sr. Deputado, os senhores estão no Governo há três anos, estão na câmara municipal há 10 e não percebo por que «carga de água» algumas das coisas não puderam ser feitas.
Como dizia, Sr. Deputado Pedro Baptista, V. Ex.ª certamente também estará de acordo com a preocupação de evitar que a população do Porto possa ser largamente penalizada com a necessidade de acabar as obras, não em função das necessidades das populações mas, sim, dos interesses particulares, pessoais e políticos de alguns dos protagonistas deste processo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado Pedro Baptista, o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan desistiu do pedido de esclarecimento mas, entretanto, tinha se inscrito o Sr. Deputado Pimenta Dias. Quer responder separadamente ou no fim?

O Sr. Pedro Baptista (PS): - Prefiro responder já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Então, tem a palavra, para responder, mas há que gerir bem o tempo de que dispõe para fazê-lo.

O Sr. Pedro Baptista (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa, muito obrigado pelas suas considerações, tanto mais que, praticamente, não contestou nada do que eu disse. Limitou-se a dizer que, para V. Ex.ª, há uma certa diferença entre o que considera virtual e o que já é bem real.
Portanto, se V. Ex.ª ainda se mantém desconfiado, como tem dado mostras nestes últimos anos desde que tive o prazer de conhecê-lo, em relação à efectividade do início das obras de construção do metro e se ainda tem o mesmo espírito que tinha o anterior presidente da distrital do PSD, do Porto quando, em 1993, dizia que o projecto do metro do Porto não passava de um bluff político, se V. Ex.ª
ainda está nesse mundo virtual e não consegue entrar no mundo real, convido-o a aparecer, na próxima segunda-feira, em Campanhã, às 11 horas da manhã - e, do meu ponto de vista, não fará mais do que a sua obrigação de Deputado! -, para assistir ao início das escaváções para as obras do metro do Porto.
No entanto, depois do que tenho vindo a conhecer acerca de V. Ex.ª quanto à questão da realidade e da virtualidade, tenho um pouco a desconfiança de que, daqui a quatro ou cinco anos, V. Ex.ª há-de andar a passear no metropolitano do Porto, talvez comigo e até com o nosso amigo comum, Dr. Luís Filipe Menezes, e, mesmo' assim, ainda será capaz de pensar que anda em cima daquelas bicicletas que levam três pessoas. Em relação a isso, meu caro amigo, Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa, não posso fazer absolutamente nada!
Agradeço-lhe, ainda, o apoio que me deu quanto à questão da TAP. No entanto, sabendo que sou Deputado do

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PS, não deve mostrar qualquer espanto por eu ter dito o que disse sobre estes assuntos.
Não sei como era a educação das pessoas do PSD no tempo em que este partido foi governo, mas, no PS, a educação não é no sentido da governamentalização dos Deputados.

O Sr. Pedro da Vinha Costa (PSD): - Não?!

O Orador: - Também é verdade - e digo-lho muito claramente - que, mesmo que alguém tentasse, nunca o facto de ser Deputado iria impedir-me de manter a minha condição de livre-pensador e de homem livre.
Como tal, se VV. Ex.as, Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa e outros Deputados do PSD eleitos pelo círculo eleitoral do Porto, tiverem a mesma independência, na oposição como no governo, que eu próprio tenho quando se trata de defender o círculo eleitoral que represento, estou convepcido de que poderemos fazer grandes convergências, que o nosso eleitorado respectivo agradecerá porque tal aproveitará o nosso distrito.
Finalmente, que quer que lhe diga sobre a Alfândega do Porto, Sr. Deputado? As obras do edifício da Alfândega não estão feitas?
VV. Ex.as, ao dizerem que aquelas obras não iriam ser feitas, até me assustaram, ao ponto de ter ido perguntar a quem estava a fazê-las se havia algum atraso, tendo-me sido respondido que não havia qualquer problema. Aliás, já uma vez respondi ao Sr. Deputado sobre esta questão.
O seu é um problema de ansiedade, é como a questão da virtualidade e da realidade. Sr. Deputado, isso tem um tratamento específico; mas nada posso fazer!

O Sr. Presidente (João Amaral): - O Sr. Deputado Pedro Baptista já utilizou todo o tempo de que dispunha. Assim, a Mesa conceder-lhe-á 1 minuto para responder ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Pimenta Dias, que se segue, o qual dispõe, igualmente, de 1 minuto.
Tem a palavra, Sr. Deputado Pimenta Dias.

O Sr. Pimenta Dias (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Baptista, estava a ouvi-lo com atenção e, de repente, imaginei-me num «paraíso» chamado Area Metropolitana do Porto. Daí ter de pedir-lhe alguns esclarecimentos.
Começo por perguntar-lhe se a máquina que vai estar em Campanhã, na próxima segunda-feira, vai começar a rasgar o trajecto do metro do Porto até Gondomar. Se assim for, quer dizer que o Governo «emendou a mão» e, de uma vez por todas, inscreveu a linha Porto-Gondomar na definição do sistema de metro ligeiro para o Porto, o que muito me aprazaria registar, se fosse verdade.
Gostava de perguntar-lhe se também já foi alargado a toda a Área Metropolitana do Porto o âmbito da iniciativa Porto - Capital Europeia da Cultura, a ocorrer em 2001, como seria razoável que acontecesse, aproveitando, inclusive, as riquezas culturais que existem nos concelhos limítrofes, nomeadamente em termos de folclore. Espero que assim seja.
Pergunto-lhe ainda se esse cenário idílico que o Sr. Deputado aqui trouxe também já contempla o lançamento do concurso do troço da via rápida Gondomar/Porto entre o nó das Areiàs e a VCI.
Por último, gostava de perguntar-lhe se o Sr. Deputado é daqueles que acredita que a Casa da Música esteja pronta em 2001. É que o próprio arquitecto que vai fazer o projecto não acredita. Portanto, gostava de obter esclarecimentos sobre estes assuntos.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Baptista.

O Sr. Pedro Baptista (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pimenta Dias: Sobre o traçado do metro para Gondomar suponho que, na minha intervenção, aflorei claramente a questão e como imagina um minuto não dá para contar toda a história, se fosse uma hora sim, mas um minuto não.
Porém, o que eu disse e V. Ex.ª sabe muito bem, e que, pessoalmente, sabe que estou à vontade sobre isso porque, na campanha eleitoral para a Câmara de Gondomar, fui eu quem colocou a questão...

O Sr. Pimenta Dias (PCP): - Foi, foi!

O Orador: - ... da possibilidade de levar o metro até lá, quando andavam a dizer que era uma ideia utópica. Nessa altura, disse o mesmo que digo agora e, efectivamente, as obras estão a começar, estão na primeira fase, portanto não há qualquer hipótese... Só quem está fora do processo administrativo é que imagina a possibilidade de entrar na primeira fase, mas há todas as condições para que, desde já, se implementem os estudos para que a segunda fase surja o mais depressa possível.
Mas deixe-me, também, dizer-lhe que estou inteiramente de acordo com a sua preocupação, também a tenho e acho que é de aproveitar, porque nesta altura e nos anos que se vão seguir, em que o Partido Socialista vai, com certeza, voltar a ser governo, são anos particularmente favoráveis para que este grande projecto do Porto seja implementado. De forma que tenho a certeza de que V. Ex.ª estará do meu lado no sentido de conseguirmos que esta segunda fase vá para a frente, porque os «ventos» são favoráveis.
Sr. Deputado, sobre a Capital da Cultura, a Capital da Cultura é a Capital da Cultura e acho que se o Major Valentim Loureiro me quiser falar dos ranchos folclóricos de Gondomar e de verbas para esses ranchos, ele sabe como há-de contactar comigo, não precisa de mandar o recado por si.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em relação à Casa da Música tenho a certeza de que no ano 2001 vamos assistir ao seu primeiro concerto.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, havia mais uma inscrição, mas como já não há mais tempo, vamos passar ao período da ordem do dia.

Eram 17 horas e 15 minutos.

PERÍODO DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, o primeiro ponto a ser discutido é o projecto de resolução 124/VII - Alargamento das atribuições da Comissão Eventual de Inquérito Parlarrientar às Denúncias de Cor-

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rupção na Junta Autónoma de Estradas, apresentado pelo PS.
Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Embora me pareça que a proposta que aqui trazemos é suficientemente esclarecedora e não merecerá, da minha parte, uma grande actividade discursiva, vale a pena, de todo o modo, acentuar alguns pontos essenciais.
Como V. Ex.ª sabe está em curso, nesta Assembleia da República, um inquérito à actividade da Junta Autónoma de Estradas que está a seguir os seus termos na respectiva Comissão.
Desde o primeiro momento, tem sido nossa afirmação e do Sr. Ministro do Equipamento, Planeamento e Administração do Território, Engenheiro João Cravinho que «quem não deve não teme». Portanto, esta investigação deve ir até às últimas consequências e deve apurar todo o tipo de responsabilidade.
Esta investigação, de resto, foi antecipada por um processo de sindicância que, naturalmente, não tem o mesmo valor nem político nem jurídico e foi desenvolvida por iniciativa do Sr. Ministro João Cravinho cujo relatório já foi nas suas linhas gerais, apresentado à opinião pública e já foi objecto de várias referências nesta mesma Câmara parlamentar.
Ora é neste quadro e sem pretender fazer qualquer juízo e muito menos antecipando más conclusões que a Comissão de Inquérito parlamentar não deixará de tomar na devida altura -, que aparentemente 'de forma incompreensível, alguns partidos da oposição, nomeadamente o Partido Social-Democrata, têm procurado desviar a atenção da opinião pública daquilo que é o escopo essencial do inquérito parlamentar para uma questão lateral que tem a ver com a sindicância efectuada por ordem do Sr. Ministro João Cravinho.
Nomeadamente tem sido dito que as pessoas que colaboraram na sindicância ocuparam no aparelho do Estado - e continuariam a ocupar - posições dependentes do Governo, designadamente no Ministério do Equipamento, Planeamento e Administração do Território, o que lhes retiraria, naturalmente, a respectiva neutralidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, o que sucede é que a maioria dessas pessoas tinham de ser acomodadas na estrutura administrativa central, a isso obriga a lei, e tinham de o ser durante o tempo em que fizessem a respectiva sindicância. Portanto, o problema só se poderia pôr quando terminasse a sindicância e se elas, eventualmente, se mantivessem nessas funções. O que ocorreu foi que logo que a sindicância acabou - e estou concretamente a referi-me ao dia 23 de Fevereiro, salvo erro ou omissão -, fez-se essa desvinculação, não só dos funcionários que colaboraram com a sindicância mas até, imagine-se, da própria Polícia Judiciária que investigava os arquivos do Ministério e que também foi a partir dessa altura dispensada.
Portanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não havendo por parte do Partido Socialista qualquer dúvida sobre esta questão, mas tendo os Srs. Deputados, nomeadamente os Srs. Deputados do Partido Social-Democrata, transformado essa questão numa questão lateral, no nosso juízo ou pelo menos no meu juízo, pretendendo absorver o impacto fundamental e essencial de um inquérito que se quer até às últimas consequências, e porque, repito, a consigna fundamental do Partido Socialista e do Governo nesta matéria é a de que «quem não deve não teme», nós não poderíamos deixar de fazer a proposta que fizemos. É

nesse sentido que requeremos à Câmara que seja aditada ao objecto do inquérito uma vastíssima investigação também sobre esta questão que foi levantada pelos Srs. Deputados do PSD e que, infelizmente, teve alguma tradução e alguma concretização em certa comunicação social.
O essencial é a matéria do inquérito. Essa matéria há-de apurar o que tem de apurar e sobre ela hão-de ser retiradas as respectivas conclusões políticas, eventualmente, conclusões judiciais, se for o caso. Mas, independentemente dessa matéria; nós não permitiremos que qualquer aspecto parcelar ou lateral possa pôr qualquer dúvida ou qualquer mácula sobre o essencial deste processo, que é um processo transparente, um processo límpido e um processo que no fim, estou seguro disso, acabará por honrar o funcionamento da democracia portuguesa.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por parte do Partido Social-Democrata o projecto de resolução de alargamento das atribuições da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às Denúncias de Corrupção na Junta Autónoma de Estradas, apresentado pelo Partido Socíalista, não me merece reparo. Em princípio não vemos qualquer impedimento em que se verifique esta ampliação. O que não quero, no entanto, deixar de referir aqui é, desde logo, esta alteração substancial por parte do Partido Socialista.
No primeiro momento em que o Partido Social-Democrata denunciou estas situações, o Partido Socialista tentou branquear as mesmas, tentou referir - e referiu variadíssimas vezes - que eram questões sem importância, questões acessórias, questões laterais, mas os Srs. Deputados do Partido Socialista vêm, agora, afirmar claramente que é uma questão importante e que deve, como tal, ser analisada pela Comissão de Inquérito.
Verifico, por isso, com agrado que a denúncia em tempo oportuno feita pelo Partido Social-Democrata merece agora, também, por parte do Partido Socialista a relevância necessária para ser incluída nesta Comissão de Inquérito. E estaremos completamente ao dispor do Partido Socialista, do Governo, de quem o entender para fiscalizar os Diários da República e verificar se, por acaso, alguns daqueles despachos que lá vêm publicados estão cheios de gralhas, estão falsificados, se aquelas páginas do Diário da República não correspondem à verdade, investigaremos, com certeza, os fac símile da Imprensa Nacional Casa da Moeda, veremos se houve algum erro de tipógrafo para verificar se aqueles despachos que estão publicados no Diário da República, preto no branco, por acaso por alguma razão que desconhecemos não correspondem à verdade.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - É preciso lata! Olhe que essa...!

O Orador: - Estaremos completamente ao dispor de quem o quiser para fazer esta investigação, como disse o Sr. Deputado Manuel dos Santos, profunda e até às últimas consequências.
Não se peça, no entanto, que esta questão, que é importante, afaste a investigação profunda que está a ser feita na Comissão relativamente às denúncias de corrupção que o Sr. General Garcia dos Santos referiu e que têm vindo

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a ser analisadas e que a sindicância, cujo relatório já foi trazido à Comissão de Inquérito, também revelou.
Isso é uma questão que está a ser investigada pela Comissão. Já se realizaram três audições importantes, amanhã ainda vão continuar outras e faremos essa investigação até ao fim.
Sr. Deputado Manuel dos Santos, terá a nossa total colaboração para apurar até ao fim as eventuais gralhas no Diário da República, pois faremos a investigação destas denúncias até às últimas consequências.
O Sr. Deputado referiu-se aqui, eventualmente, de uma forma que considero um pouco displicente, mas estas questões são fundamentais. E porque aquilo que se verificou, e o Sr. Deputado sabe muito bem foi que os resultados de uma sindicância apareceram na comunicação social antes de o próprio autor os ter entregue ao Governo que a tinha solicitado e o que se verificou foi que alguns dos membros que realizaram essa sindicância, pelo menos aqueles que conseguimos detectar, não sabemos ainda os restantes, e talvez isto nos ajude a saber, receberam depois lugares como assessores de membros do Governo e não foi só no Ministério do Equipamento. Portanto, estas situações têm de ser investigadas.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - É isso que terá de provar!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado António Brochado Pedras.

O Sr. António Brochado Pedras (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Às vezes é bom reflectir sobre o papel da Assembleia da República e sobre os instrumentos de que ela dispõe para cumprir as suas funções e as suas atribuições. Foi o Partido Popular quem requereu este inquérito parlamentar à actividade dá JAE.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Eu próprio sou o relator dessa Comissão e julgo que ninguém melhor do que eu desejaria que o papel desta Comissão fosse um papel exemplar a todos os títulos.
Julgo que é comum, entre os cidadãos portugueses, a ideia de que a figura do inquérito parlamentar tem sofrido um desgaste incompreensível. Muitas vezes os resultados do desgaste destes inquéritos acabam por reflectir, indevidamente, os jogos partidários e quem perde com isto é a Assembleia da República, é o prestigio deste órgão, são os portugueses em geral.

O Sr. Sílvio Rui -Cervan (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Penso que perante uma acusação pública ou uma suspeição é evidente que haveria que responder, para atalhar, a algo que poderia ser grave se não tivesse resposta,
Aconteceu ter sido posta em crise a credibilidade, a honradez ou a isenção de determinadas pessoas, de determinados técnicos que participaram, que colaboraram, que coadjuvaram o magistrado Pinto dos Santos.
E, de certa forma, essa suspeição poderia pôr em causa o resultado da própria sindicância. O Sr. Ministro Cravinho, como lhe competia, veio negar peremptoriamente, veio exibir os despachos de exoneração dessas pessoas e veio dizer que não havia .outros despachos de nomea-

ção dos mesmos para quaisquer outros cargos. Isso é possível comprovar mediante uma simples consulta aos Diários da República.
Portanto, penso que, perante uma acusação ou uma suspeição não provada por quem a levantou, nada mais se poderia exigir. Penso que está patente perante a opinião pública de que não se provou e ter-se-ia facilmente provado, se correspondesse à verdade, aquilo que se afirmou.
Por outro lado, gostaria de lembrar o seguinte: há meios e termos jurídicos próprios para atacar qualquer assunto deste tipo que se levante ao longo do processo, seja ele disciplinar, seja de sindicância, seja judicial!
E o que acontece é que todos sabemos que há processos pendentes na Procuradoria-Geral da República, quer do Tribunal de Contas quer do Supremo Tribunal Administrativo. Efectivamente, se um magistrado, seja judicial seja do Ministério Público, fosse indicado como suspeito por ter qualquer interesse no processo, qual era o meio próprio de atacar esta situação? Íamos nós, aqui, na Assembleia da República, discutir um impedimento ou uma suspeição de um magistrado que está encarregado de investigar e decidir um processo que não nos diz respeito?!
Perante o que acabo de dizer, sendo esta sindicância e o seu resultado um dos meios de prova que a Comissão Eventual de Inquérito tem ao seu dispor e não tendo sido atacada pelos meios próprios, isto é, não tendo acontecido que quem levantou a suspeição a tivesse provado, é evidente que não podemos perder tempo com questões menores, como o Sr. Deputado Manuel dos Santos referiu!

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Diga isso ao PSD, que entende que essa é uma questão central!

O Orador: - Não podemos perder tempo com questões laterais, Sr. Deputado!

O Sr. Augusto Boucinha (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Julgo que temos de dar aqui provas de que o Parlamento não pode ser olhado como tem sido muitas vezes.
Esta é uma instituição séria e temos de prestigiar o Parlamento. Não podemos iludir as atenções, por isso há que concluir com a maior brevidade o inquérito que temos em mão. É disto que se trata, Srs. Deputados, e não vamos agora enveredar por caminhos ínvios que só nos
desprestigiam.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Estou totalmente de acordo!

O Orador: = Sr. Deputado Manuel dos Santos, julgo que podemos e devemos dar o exemplo. Não vou, nem em termos pessoais, nem em nome do CDS-PP, criar obstáculos para que se alargue o âmbito deste inquérito, não o vou fazer, mas estarei aqui, certamente, para pedir responsabilidádes se, porventura, com estas questões laterais estivermos a impedir o Parlamento de decidir sobre o essencial!

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

Vozes do PS: - Tem toda a razão!

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O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma interven= ção, tem a palavra o Sr. Deputado Rodeia Machado.

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação a esta matéria, o que é importante que se discuta em sede de comissão de inquérito é a situação dos actos, se houve ou não corrupção na Junta Autónoma de Estradas. As outras situações, designadamente aquela que é aqui trazida, em concreto, por este projecto de resolução, envolvem questões laterais. No entanto, não nos oporemos a que o inquérito seja alargado também a essa situação.
O que se pretende, na comissão de inquérito, é apurar responsabilidades sobre esta matéria até às últimas consequências. Estamos disponíveis para trabalhar e levar até ao fim esse objectivo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como é natural, não vou aqui discutir o andamento dos trabalhos da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às Denúncias de Corrupção na Junta Autónoma de Estradas, nem é o que se pretende com esta proposta de alargamento das atribuições da Comissão - o momento e o local próprios para o fazer é na comissão eventual de inquérito -, por isso apenas adianto que iremos votar favoravelmente este projecto de resolução.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!

. O Sr. Presidente (João . Amaral): - O Sr. Deputado. Moreira da Silva pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, queria fazer chegar a V. Ex.ª, eventualmente, distribuir aos Srs. Deputados que intervieram e mostraram algum desconhecimento fotocópias dos Diários da República, dos quais constam as nomeações de alguns dos membros da sindicância - pareceu-me que, pelo menos, o Sr. Deputado António Brochado Pedras não tem conhecimento desses despachos publicados em Diário da República.
Faculto à Mesa, para fazer a distribuição que entender, esses despachos publicados no Diário da República, com as nomeações que lá constam, «preto no branco».

O Sr. Presidente (João Amaral): -- O Sr. Deputado fará o favor de fazer chegar à Mesa esses elementos, que a Mesa despachará. Aliás, Sr. Deputado Moreira da Silva, vejo-o lesto, a «correr» para a Mesa, a fim de entregar essa documentação...

Risos.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos, que dispõe de três décimos de minuto.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, confio numa tolerância de apenas 1 minuto. Aliás, esta intervenção também poderia ser feita sob a forma de uma interpelação à Mesa, visto que se destina a informar que eu próprio entregarei mais rapidamente do que o Sr. Deputa-

do Moreira da Silva os tais documentos a que ele se referiu, já que os tenho aqui, para que fique tudo esclarecido. De todo o modo, ainda bem que o Sr. Deputado Moreirá da Silva levantou esta questão.
Em relação à questão de fundo, permitam-me que utilize uma expressão de cultura popular - espero que o Sr. Deputado Moreira da Silva não se ofenda com ela, porque não é essa a minha intenção -, porque, realmente, «é preciso ter lata» para vir aqui dizer que o PS é que quer desvirtuar e desviar o objecto do inquérito, quando foram VV. Ex.as que tentaram «tapar o sol com uma peneira», criando um incidente lateral ao que é fundamental apurar, que é o objecto inicial da Comissão Eventual de Inquérito!
Sr. Deputado, permita-me que lhe diga que, realmente; é demais! Assim, não!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Uma última observação tem a ,ver com a minha concordância em relação à intervenção feita há pouco pelo Sr. Deputado António Brochado Pedras.
Como compreenderá, Sr. Deputado, «os dados estão lançados» e agora não podemos proceder de outra maneira! Ou seja, a partir do momento em que os Deputados do PSD levantaram a questão desta forma, temos de apurar a situação ao nível da comissão eventual de inquérito, até porque, pegando no argumento do Sr. Deputado Antônio Brochado Pedras, foi lançada uma suspeição sobre as pessoas que colaboraram na sindicância, e não apenas sobre o Sr. Ministro do Equipamento, Planeamento e Administração do Território! Essas pessoas foram enxovalhadas e consideradas capazes de ultrapassarem os seus ditames de honra através de uma «compra», digamos assim, por uma nomeação.
Portanto, é fundamental - e este ponto não tem retorno - que esta investigação se faça, também, ao nível da Comissão Eventual de Inquérito.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Muito bem!

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Almeida Santos.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Moreira da Silva pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Para uma intervenção, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Moreira dá Silva (PSD):- Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel dos Santos,...

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Eu não perco tempo, estão aqui os papéis!

O Orador: - ... V. Ex.ª fez não sei bem o quê, se uma interpelação; se uma intervenção, mas quero dizer-lhe o seguinte: se acha que tenho «lata» em referir algumas questões importantes, V. Ex.ª, como «dono de uma latoaria», deveria ter mais cautela! E deveria ter mais cautela porque, desde logo, aqueles despachos que V. Ex.ª está agora a entregar na Mesa, e que são os mesmos que o Sr. Ministro teve a amabilidade de fazer distribuir aos Depu-

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tados, não são cópias dos despachos publicados em Diário da República e denotam algumas incongruências com as publicações feitas no Diário da República.
Parece-me muito bem que V. Ex.ª os tenha feito chegar à Mesa,...

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - São fotocópias do Diário da República, Sr. Deputado!

O Orador: - ... mas eles não substituirão aqueles que vou entregar na Mesa. Do confronto entre eles se verá o que se passa, realmente.
V. Ex.ª disse - e muito bem - que há uma questão essencial em todo este processo, só que essa questão essencial não se prende com denúncias de corrupção na JAE; prende-se, eventualmente, com denúncias relativamente ao Sr. Ministro do Equipamento, Planeamento e Administração do Território, e isso não faz parte do objecto da Comissão Eventual de Inquérito em que estou integrado.
Houve uma sindicância cujos resultados apareceram na comunicação social antes de o sindicante os ter entregue a quem a pediu - o Sr. Ministro do Equipamento, Planeamento e Administração do Território - e colaboradores dessa sindicância apareceram no Diário da República nomeados como membros de vários gabinetes ministeriais.

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino, Sr. Presidente, dizendo que estas são questões que veremos, mas V. Ex.ª, Sr. Deputado Manuel dos Santos, por mais que tente, nunca conseguirá branquear estas situações muito obscuras por parte do Sr. Ministro do Equipamento, Planeamento e Administração do Território.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim da discussão do projecto de resolução n.º 124/VII.
Passamos agora à apreciação da proposta de alteração do objecto do Inquérito Parlamentar n.º 8/VII, para Apreciação dos Actos dos Governos do PS e do PSD, envolvendo o Estado e Grupos Económicos, apresentada pela respectiva Comissão de Inquérito.
Para introduzir o debate, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como sabem, os Inquérito Parlamentares n.os 7/VII e 8/VII «nasceram» mais ou menos na mesma altura. Quando foi proposta a resolução para a constituição de uma segunda comissão eventual de inquérito, o Grupo Parlamentar do PSD tomou a posição de não obstaculizar a constituição .dessa comissão, mas chamou desde logo a atenção para a circunstância de não fazer sentido que, tendo o Inquérito Parlamentar n.º 7/VII já absorvido um conjunto de dossiers - a saber: o da Torralta, o da aquisição, pelo IPE, de uma participação na Companhia Real de Distribuição, o do processo de atribuição da exploração da terceira rede de telefones móveis e o do montante envolvido na dação em pagamento das dívidas do Grupo Grão-Pará ao Estado -, uma segunda comissão eventual de inquérito, comissão a que presido, também se ocupasse dos mesmos dossiers.
Tal situação afigurava-se, aliás, ilegal, para além de ser uma duplicação desprestigiante para a própria Assembleia

da República e para o instituto das comissões eventuais de inquérito, que importa dignificar. Penso mesmo que terão de ser revistos alguns dos seus aspectos de forma a que fique claro - para nós, já era claro - que essa duplicação não faz sentido.
Felizmente, as razões que o Grupo Parlamentar do PSD alegou, mas que, na altura, não foram acolhidas, deixaram alguma «semente» que cresceu e agora reuniu, no seio da comissão eventual de inquérito, a unanimidade dos grupos parlamentares no sentido de se enviar ao Sr. Presidente da Assembleia da República, para que a comissão eventual de inquérito não ficasse na situação delicada e incómoda de não cumprir o mandato formal de que foi incumbida pelo Plenário, o pedido para que o próprio Plenário reponderasse e eliminasse as áreas e dossiers coincidentes, de forma a restringir o seu âmbito de intervenção apenas aos demais casos que não estão a ser objecto do Inquérito Parlamentar n.º 7/VII.
Em traços largos, é esta a proposta da comissão eventual de inquérito.
Já em relação aos dossiers sobrantes tem sido difícil realizar as diligências que levem ao seu apuramento cabal, que é o que todos pretendemos, de modo que, duplicar diligências já feitas por outra comissão eventual de inquérito seria de todo impensável e, até, motivo de algum escárnio relativamente à acção parlamentar e, por isso, pouco dignificante para a mesma.
Portanto, a nossa posição é, obviamente, de inteira concordância com a aprovação desta restrição e desta alteração do objecto do Inquérito Parlamentar n.º 8/VII.

O Sr. Presidente: - Se bem ajuízo, onde o Sr. Deputado escreveu «suprimento», deve ler-se «supressão», é claro.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sim, deve ler-se «supressão», Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, a minha intervenção seria muito breve se não tivesse ocorrido um desvio à verdade histórica na intervenção do Sr. Deputado Guilherme Silva.
Vamos apoiar a supressão que a comissão eventual de inquérito propõe, mas quero lembrar ao. Sr. Presidente, à Câmara e aos órgãos de comunicação social que o PS não votou favoravelmente o Inquérito Parlamentar n.º 8/VII. E uma das razões que apresentou para não o fazer foi, exactamente, a duplicação de funções que iria existir entre as duas comissões,...

O Sr. Luís Marquês Guedes (PSD): - É preciso «lata»!

O Orádor: - É, sim, Sr. Deputado!
... para além da necessária duplicação no gasto de meios que a Assembleia da República teria no apuramento, por duas vezes, da mesma verdade e da desconsideração para as pessoas que iriam ser ouvidas duas vezes sobre a mesma matéria, em duas comissões diferentes.
Os Diários da Assembleia da República comprovam, claramente, o que acabei de dizer.
Portanto, a supressão agora proposta pelo Sr. Deputado Guilherme Silva dá apenas razão a um dos aspectos que invocámos em devida altura.

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Sr. Presidente, aproveito esta oportunidade pára lhe dizer, um pouco na linha da intervenção feita há pouco pelo Sr. Deputado António Brochado Pedras - com o qual, aliás, estou também inteiramente de acordo neste aspecto -, que é preciso repensarmos a verdadeira função das comissões parlamentares de inquérito e, sobretudo; contribuirmos todos pára as crèdibilizar. Só que também há aqui uma grande confusão por parte de alguns dos Srs. Deputados e na opinião pública: é que não é objectivo único e exclusivo das comissões de inquérito apurar resultados. Em toda a parte, em todos os parlamentos do mundo, os-resultados acabam por conformar-se mais ou menos ao espectro partidário dos respectivos parlamentos. Tive o cuidado de estudar esta matéria. Aliás, ainda recentemente, no Congresso dos Estados Unidos, tivemos um bom exemplo desse alinhamento - os democratas alinharam todos num determinado sentido e os republicanos alinharam todos em sentido contrário. Só que esse não é o único objectivo das comissões de inquérito que têm tido o mérito - teve o inquérito parlamentar n.º 7/VII, está a ter o inquérito parlamentar n.º 8/VII e presumo que terá a Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às Denúncias de Corrupção na JAE - de 'trazer para a opinião pública a discussão de matérias que noutras circunstâncias não seriam discutidas na opinião pública, pelo menos, com profundidade.
Há muitos dossiers, há muitas informações, há muitas questões que só chegam à comunicação social e que só chegam à opinião pública porque as comissões de inquérito funcionaram, e funcionaram de forma transparente e aberta.
Portanto, Srs. Deputados, estou de acordo com o Sr. Deputado António Brochado Pedras e penso que temos todos de fazer um grande esforço no sentido de credibilizar este magnífico instituto de intervenção política, mas também não pensemos que tudo está mal porque, por exemplo, as relações entre o Banesto e o Totta, que estão a ser exaustivamente apuradas no âmbito do Inquérito Parlamentar n.º 8/VII, e tantas outras questões, não viriam para a opinião pública se, efectivamente, as comissões de inquérito não funcionassem.
O resultado da nossa votação é claro. Naturalmente, saudamos o Sr. Deputado Guilherme Silva e a Comissão à qual preside pelo facto de terem tido parcialmente o bom senso de diminuir o objecto dessa comissão que, manifestamente, estava mal como estava.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, farei uma intervenção muito rápida apenas porque o Sr. Deputado Manuel dos Santos, seguramente, por um lapso de memória, por uma amnésia súbita, veio dizer uma coisa redondamente falsa: a de que o conteúdo, o mandato desta Comissão de Inquérito tinha sido assim determinado ao arrepio da vontade do Partido Socialista. Ora, o que se passou aqui, numa sessão de resto bastante turbulenta, naquela tarde -na Assembleia da República, foi o facto de o Partido Social-Democrata - eu próprio intervim nesse debate mas confesso que não me recordo se o Sr. Deputado Manuel dos Santos interveio ou não - ter defendido à outrance que, de facto, era ilegal a questão que foi incluída no objecto da Comissão.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - É completamente mentira!

O Orador: - Até entendo que esta resolução se calhar é despicienda por ser manifestamente ilegal a sobreposição de matérias, como o Sr. Presidente sabe, no Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares há um artigo específico que proíbe a sobreposição de matérias na apreciação de comissões de inquérito simultâneas. O PSD levantou essa questão no debate daquela tarde. Debateu-se, especificamente esta questão, durante mais de uma hora, e foi contra o voto do Partido Social-Democrata que esta Casa, na altura, com os votos do Partido Socialista e do Partido Comunista Português, aceitou, na especialidade, incluir no objecto da Comissão esta questão que foi consideràda por nós manifestamente ilegal. Portanto, é preciso repor a verdade: foram o Partido Socialista e o Partido Comunista, que era proponente desta Comissão, quem defendeu que esta ilegalidade fosse cometida e a verdade,é que, do ponto de vista do PSD, se repõe a legalidade ao fim de seis meses.
Até penso que esta resolução talvez fosse supérflua porque, por ser manifestamente ilegal, nessa parte era nulo o mandato da Comissão Parlamentar de Inquérito. De qualquer maneira, mais vale tarde do que nunca. E ao menos, repôs-se a legalidade nesta Casa, o que é sempre de aplaudir.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, não vale a pena por pequenas coisas fazermos grandes discursos.
Pela nossa parte, estamos de acordo com a supressão da parte do objecto do inquérito parlamentar n.º 8/VII que é estabelecido na proposta de resolução e que, a realizar-se, duplicaria o trabalho da outra Comissão. Pensamos que ninguém tem a ganhar coni isso, mas já que, a este propósito, foram introduzidos outros elementos de discussão, convém, a pretexto disto, não fazer grandes discursos de ética, esquecendo o que se passou na altura. Portanto, é verdade que a Comissão relativa ao inquérito parlamentar n.º 7/VII parte de um direito potestativo do PSD ao qual se tentou, a certa altura, introduzir outros dossiers, procurando até criar uma única comissão que impedisse a duplicação de meios e de mecanismos de intervenção sobre dossiers que eram iguais ou, nalguns casos, afins.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Exactamente!

O Orador: - Como estamos todos recordados, o processo de votação e, aliás, a atribulação do processo de votação da bancada do Partido. Socialista, na altura, acabou por criar um quadro que levou à criação de duas comissões, em alguns casos, com objectos muito próximos e até duplicados.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O que nós questionámos!

O Orador: - Portanto, pensamos que, de facto, chegado o processo ao momento a que chegou, momento em que a Comissão relativa ao Inquérito Parlamentar n.º 7/VII está a esgotar os dossiers de investigação em relação a um conjunto de temas que também seriam objecto de apreciação nesta Comissão, não faz sentido que a Comis-

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são relativa ao Inquérito Parlamentar n.º 8/VII vá repetir todo o trabalho feito pela outra Comissão e, portanto, estamos de acordo com a supressão da parte que hoje é aqui proposta.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Finalmente! Mas na altura não estiveram!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para uma intervenção o Sr. Deputado Manuel dos Santos, a quem agradeço que seja breve, porque já não tem muito tempo.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, nem sequer vou gastar o meu tempo.
Gostaria apenas de dizer que confirmo que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes durante a discussão, várias vezes, chamou a atenção para a ilegalidade do que estava a ser aprovado. Mas, como tenho boa memória e, sobretudo, sou um homem de honra, também afirmo, peremptoriamente, olhos nos olhos do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, que o PSD votou favoravelmente a constituição da Comissão relativa ao Inquérito Parlamentar n.º 8/VII com este objecto e o PS não votou favoravelmente a composição desta Comissão com este objecto, entre outras razões, por causa da razão que foi objecto desta discussão.
Também é verdade - e o Sr. Deputado Lino de Carvalho acabou por afirmar - que houve uma fase do debate em que, efectivamente, tudo foi conduzido no sentido de constituir uma única comissão e foi através de uma confusão entre alguns grupos parlamentares e a Mesa cuja responsabilidade naturalmente não posso imputar, e teríamos até opiniões diferentes sobre isso - que impediu que essa única formulação se viesse a verificar.
O que eu disse é completamente certo, consta dos Diários da Assembleia da República, e qualquer pessoa de bem pode confirmálo.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Como diria o Eça, «há altíssimas questões»..., mas não é com certeza esta questão uma dessas.
Vamos entrar na discussão do projecto de lei n.º 598/VII Garante aos pais e encarregados de educação melhores condições de participação na vida escolar e de acompanhamento dos seus educandos (PCP).
Tem a palavra, para introduzir o debate, a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ªs Deputadas, Srs. Deputados: O projecto de lei que o PCP, mais uma vez, nesta legislatura, se propõe debater pretende garantir aos pais e encarregados de educação melhores condições de participação na vida escolar e de acompanhamento dos seus educandos.
E sendo tão claros e tão óbvios os objectivos desta iniciativa legislativa, estamos confiantes que esta Assembleia não deixará de legislar no sentido de permitir que pais e encarregados de educação possam concretizar de façto o que de direito já possuem e o que de dever querem assumir.
Estas são, sinteticamente, as razões por que reapresentamos o nosso projecto e são exactamente aquelas que enunciámos em 1997.

A educação e o ensino são assunto de todos e, naturalmente, também dos pais e encarregados de educação.
Foi com este princípio geral que o Governo do Partido Socialista apresentou a esta Assembleia, no início de 1996, um badalado pacto educativo a cumprir - dizia-se nesta legislatura.
Anunciada esta tão ampla generalidade da qual ninguém discorda, há que operacionalizar as estratégias que permitam esse envolvimento colectivo de todos os portugueses, onde, obrigatoriamente, se integram pais e encarregados de educação como parceiros indispensáveis na definição de uma política educativa.
Diz, a este propósito, o tal pacto do Governo do Partido Socialista que este objectivo específico passará pela necessidade de «desenvolver mecanismos de apoio e incentivo à intervenção dos pais e das suas associações».
Recentemente, através.do Decreto-Lei n.º 115-A/98, o Governo aprovou o regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, reforçando a importância da presença dos pais e encarregados de educação no modelo de organização escolar apresentado.
Concretamente, o diploma consagra essa representação a nível dos dois mais importantes órgãos de administração e gestão das escolas - a assembleia e o conselho pedagógico.
A assembleia é o órgão responsável pela definição das linhas orientadoras de toda a actividade da escola, reunindo ordinariamente uma vez por trimestre e, extraordinariamente, sempre que seja convocada pelo respectivo presidente, e tem a duração de três anos.
O conselho pedagógico é o órgão de coordenação e orientação educativa da escola, nomeadamente nos domínios pedagógicodidáctico, da orientação e acompanhamento dos alunos e da formação inicial e continua do pessoal docente e não docente. O conselho pedagógico reúne ordinariamente uma vez por mês e, extraordinariamente, sempre que seja convocado pelo respectivo presidente.
Este diploma dedica ainda um capítulo à participação dos pais, considerando que esse direito se concretiza «(...) através da organização e da colaboração em iniciativas, visando a promoção da melhoria da qualidade e da humanização das escolas, em acções motivadoras de aprendizagens e da assiduidade dos alunos e em projectos de desenvolvimento sócio-educativo da escola».
Sr. Presidente, Sr.ªs Deputadas, Srs. Deputados: Estamos, assim, perante a assumpção de compromissos políticos por parte do Governo relativamente a esta Assembleia, como órgão máximo de representação democrática do País e, ainda, diante de instrumentos de ordenamento jurídico que determinam a presença dos pais e dos encarregados de educação na vida da escola.
Mas é imprescindível repensar esta participação para além do contorno de obrigatoriedade dos textos legais.
A escola portuguesa debate-se hoje, cada vez mais, com problemas gravíssimos de exclusão social, de trabalho infantil, de taxas muito elevadas de abandono precoce, de taxas não quantificadas de insucesso e de alguma preocupante e generalizada violência, que constituem quadros comprometedores de qualquer processo de desenvolvimento quer individual, quer colectivo.
Ignorar que a escola continua a reproduzir todas as desigualdades, sem excepção; ignorar a importância do diálogo com todos os intervenientes de cada um dos processos de ensino/aprendizagem; ignorar que a escola não conhece o aluno se não o integrar na família, no bairro,

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na colectividade é ser cúmplice de todas as graves situações que proliferam nas escolas do nosso país.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - É apostar num sistema educativo hipotecado ao insucesso.
E é por tudo isto que é impossível continuar a não garantir também um cada vez melhor acompanhamento escolar individualizado de cada criança e de cada jovem e que passa, obrigatoriamente, pelo diálogo escola/família.
As propostas que o Partido Comunista Português traz hoje a esta Assembleia visam, exactamente, estes dois objectivos.
O primeiro é o de garantir um direito paradoxalmente questionado: o direito.de um pai, de uma mãe, de um encarregado de educação poder acompanhar o percurso escolar do seu filho, do seu educando, em diálogo permanente com os restantes actores do processo - professores, director de turma, psicólogo, etc., etc. -, sem que para isso tenha de correr o risco de faltar injustificadamente ao emprego, pôr em causa o seu posto de trabalho, porque é trabalhador por conta de outrém.
Por isso, o PCP propõe que as faltas ao trabalho dadas pelos pais e encarregados de educação, por razões de comprovada necessidade de acompanhamento escolar dos seus filhos e educandos, sejam consideradas justificadas, ainda que tenham de implicar a perda da retribuição correspondente.
O segundo objectivo é o de garantir que os direitos e os deveres impostos pela lei relativamente à participação dos membros das direcções das associações de pais e encarregados de educação e de outros cidadãos que representem os pais e encarregados de educação em órgãos de direcção, administração ou gestão escolares, não sejam absurdamente negados por ausência de mecanismos legais impeditivos de posteriores penalizações laborais.
Assim, o PCP propõe que sejam consideradas justificadas as faltas ao trabalho dadas por motivos inadiáveis relacionados com as actividades das associações de pais e respectivas estruturas federativas ou de coordenação nacional ou regional, ou com a presença em reuniões de órgãos de direcção, administração ou gestão das escolas em que os pais e encarregados de educação devam legalmente estar representados.
O PCP propõe ainda que se assegure, através do Ministério da Educação, uma forma de compensação de prejuízos eventualmente sofridos em função do cumprimento desses deveres de participação.
Estas duas propostas constituem garantia mínima de que direitos e deveres consagrados sejam pertença universal de todos os cidadãos e não privilégio de alguns, detentores de condições económicas ou laborais que lhes permitam poder deles usufruir.
Sr. Presidente, Sr.ªs Deputadas, Srs. Deputados: As motivações que, em 1997, inviabilizaram a aprovação de um projecto de lei similar, apresentado pelo Partido Comunista Português, apesar da aprovação na generalidade e de nenhuma proposta de alteração ter sido apresentada na especialidade, estão hoje, claramente, postas em causa.
De facto, não foi verdade que o Governo estivesse a legislar sobre esta matéria e que, a curto prazo, as propostas enunciadas pelo PCP estivessem contempladas. Quase dois anos depois, quase tudo continua como dantes.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exactamente!

A Oradora: - Quase no fim da legislatura, esta pro-
messa do pacto educativo, como muitas outras, continuam
por, cumprir.
E tarde e, por isso, torna-se mais urgente aprovar medidas que permitam o cumprimento de direitos e deveres que as leis do Estado consagram. Os pais e encarregados de educação esperam, as crianças e os jovens exigem-no, o sistema educativo precisa!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos à Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, os Srs. Deputados Sílvio Rui Cervan e António Braga.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, este diploma, na sequência, aliás, de um diploma que o Partido Comunista Português já aqui tinha trazido e que mereceu o apoio favorável, na generalidade, por parte do Partido Popular, merecerá também o nosso voto favorável.
Porém, coloco, desde já, a seguinte questão à Sr.ª Deputada Luísa Mesquita. Temos, na especialidade, dúvidas - as quais a Sr.ª Deputada sabe que existem -, nomeadamente quanto à forma de implementar e de regulamentar, na prática, alguns dos preceitos, nomeadamente, dos artigos 2.º e 3.º.
Sr.ª Deputada, há, por parte do Partido Comunista Português, disponibilidade para serem discutidos, na especialidade, os problemas tal qual foram já colocados em reuniões passadas, a propósito do primeiro agendamento de um projecto idêntico a este que hoje nos traz aqui?
É esta, essencialmente, a pergunta que queremos ver respondida por parte do Partido Comunista Português.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado António Braga.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, antes de mais, naturalmente, o PS saúda o aparecimento, de novo, deste projecto, por duas razões: a primeira prende-se com o facto de nos permitir, de novo, discutir o tema e a segunda prende-se com o facto de permitir actualizar, quanto ao tema, o que o Governo tem feito.
Contudo, gostaria de começar por dizer que, quando no seu discurso referiu a ideia de cumplicidade ou de alguém ter cumplicidade com aquilo que qualificou de «os males da escola», designadamente a ausência de diálogo ou a dificuldade de colaboração, se quiser até a inadequação de contratualização com os diferentes interesses locais, nomeadamente com os encarregados de educação, obviamente, não estava a referir-se nem ao Governo nem ao Grupo Parlamentar do Partido Socialista. É que, como bem sabe, independentemente de termos filosofias de abordagem distintas quanto à natureza dos projectos que temos vindo a implementar na área da educação, a verdade é que têm sido dados passos importantes e significativos no sentido de facilitar esse diálogo, essa comunicação ao nível da comunidade educativa, de que é claramente exemplo 0 novo modelo da gestão e de um conjunto de leis - trata-se de leis também, no essencial - que, hoje, favorecem a circulação desse diálogo e dessa comunicação.
Quanto à matéria em concreto que aqui nos trás, como é natural, já não é exactamente a mesma que foi trazida

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na legislatura anterior. Tem algumas alterações que reputamos importantes - é preciso dizê-lo -, porque, como sabe, o primeiro projecto de lei que abordava este problema tinha uma dificuldade constitucional e, inclusivamente, invadia matérias de direito do trabalho e da contratação colectiva que têm de ser reguladas noutra instância, dado que são as matérias que têm a ver com os trabalhadores por conta de outrem, relativamente às quais têm de ser reguladas determinadas formas de colaboração com o patronato, por via dos seus representantes. Obviamente, este diploma já não traz essa dificuldade, tem alguma clareza quanto ao esclarecimento desse ponto em concreto e até uma clareza acrescida na preparação do relatório de generalidade elaborado pelo Sr. Deputado Manuel de Oliveira.
Mas a Sr.ª Deputada referiu também que, na época, dissemos que o Governo estava a legislar sobre a mesma matéria e isso era e é verdade. Ou seja, o Governo estava a legislar e, ao que sabemos, tem já um diploma aprovado em Conselho de Ministros, relativamente ao qual terá até havido um problema, que não sabemos colocar, com a sua publicação. Mas o que é verdade é que essa matéria tem sido regulada em permanente diálogo com os representantes dos encarregados de educação e está agora também concluído o referido texto legal aprovado em Conselho de Ministros.
Porém, isto não inviabiliza nem invalida, como é óbvio, a iniciativa parlamentar do PCP. Não estou, com isto, a querer dizer que não tem sentido esta iniciativa legislativa. Aliás, ela tem o seu mérito, nomeadamente o de permitir consagrar aquilo que já se faz um pouco na prática, que é a justificação das faltas dos encarregados de educação quando devidamente fundamentadas pela própria escola e por actos inadiáveis de permanência na escola.
Agora, uma pergunta não posso deixar de lhe fazer, Sr.ª Deputada,...

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Já ia sendo tempo!

O Orador: - ... é a seguinte: independentemente de termos uma adesão de princípio à questão da justificação das faltas e também a um certo pagamento de algumas presenças, nomeadamente aos titulares dos órgãos da escola ou que colaboram com a escola, por exemplo, em associações de pais, tem o PCP um estudo sobre o valor que isto vai custar? Calculou quanto isto vai custar ao Estado português?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Sílvio Cervan, antes de mais, agradeço as questões colocadas.
Ainda bem que, mais uma vez, o CDS-PP está disponível para votar favoravelmente, na generalidade, a iniciativa legislativa do Partido Comunista Português. Mas, Sr. Deputado, podia avançar um pouco mais e não nos deixar tão preocupados como ficamos. É que as atribulações internas do CDS-PP, de um momento para o outro, podem alterar as possibilidades de voto. E que aquele que foi o voto do CDS-PP, na generalidade, relativamente ao nosso primeiro projecto transformou-se, depois, na díscussão na especialidade e, como o Sr. Deputado recordará, isto não foi sinónimo de apresentação de qualquer proposta de alteração, porque o CDS-PP não apresentou, em

sede de especialidade, na Comissão de Educação, qualquer proposta de alteração, foi tão-só a transformação de um voto favorável inicial em voto contra, inviabílízando, na prática, a aprovação da nossa iniciativa.
Sr. Deputado, tal como dissemos naquela altura, estamos disponíveis para, na especialidade, discutir o nosso projecto artigo a artigo e ver as possibilidades de o melhorarmos, desde que essas alterações não desvirtuem, como é óbvio, os dois grandes objectivos do nosso projecto. E os grandes objectivos do nosso projecto não são, como o Governo pretende, um crédito de horas para pais e encarregados de educação membros dirigentes das associações de pais que podem participar na administração e gestão das escolas. Não é isso que a iniciativa do PCP pretende, a nossa iniciativa é bem diferente, não pretende um crédito de horas mas a possibilidade de as associações de pais e os seus representantes estarem, efectivamente, na escola, participarem na vida da escola, quer na assembleia geral, quer no conselho pedagógico, e também que um encarregado de educação,comum, um pai ou uma mãe, possa, de facto, acompanhar o percurso escolar do seu filho e possa estar na escola sempre que isso for necessário, sempre que se torne inadiável a sua presença, para colaborar no diálogo com a escola, com os professores, com o conselho directivo, com o psicólogo, com o director de turma, na resolução de problemas que tenham a ver com o sucesso do seu filho e o seu percurso natural e normal no estabelecimento de ensino.
Portanto, Sr. Deputado Sílvio Cervan, a nossa disponibilidade é total, como sucedeu há dois anos. Penso é que, depois de dois anos, o CDS-PP teve mais tempo para pensar nas propostas que pode apresentar na Comissão de Educação, Ciência e Cultura, no sentido de melhorar o nosso projecto, se assim o entender, em sede de especialidade. Dois anos são tempo mais do que suficiente!

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Quanto à questão suscitada pelo Sr. Deputado António Braga, não esperava outra coisa senão que o Partido Socialista saudasse esta nossa iniciativa. Ela é necessária ao bom funcionamento da escola, ela é necessária ao cumprimento das promessas incumpridas do pacto educativo, ela é necessária ao cumprimento do diploma de autonomia e gestão não cumprido na área da participação dos pais e encarregados de educação, por incumprimento do Governo das suas próprias promessas, pelo que era natural que o Sr. Deputado António Braga viesse aqui somente saudar aquilo que veio a ser feito pelo Partido Comunista porque o Governo ainda não fez, por inoperância do partido do Governo.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Mas, Sr. Deputado, sejamos claros: há dois anos, o Governo estava a legislar... Bem sei que todos reconhecemos alguma lentidão, em matéria legislativa, naquilo que tem a ver com a governação, mas dois anos para legislar sobre esta matéria é demais, Sr. Deputado! Não lhe parece?! Neste momento, a única coisa que o Sr. Deputado tem a-acrescentar é que já legislou e está para promulgação?!... Andaram pouco em dois anos!... De facto, andaram muito devagar!
Por outro lado, como o Sr. Deputado acabou de referir que não tem dados suficientes que lhe permitam dizer se, de facto, o diploma que está para promulgar sé aproxima

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daquele que hoje sugerimos, damos-lhe essa informação. Aliás, basta contactar as associações de pais! Efectivamente, o diploma que o Governo vai promulgar não recebe a concordância e a unanimidade das associações de pais: Está longe disso, Sr. Deputado! O Governo limita-se a publicar um diploma que dá um crédito de horas que nem sequer corresponde àquilo que o próprio Governo aprovou em termos de lei de autonomia. Ou seja, o Governo quer que os pais e encarregados de educação estejam na assembleia uma vez, pelo menos, de três em três meses, e uma vez, pelo menos, mensalmente, no conselho pedagógico...

O Sr. Fernando de Sousa (PS): - É isso mesmo!

A Oradora: - ... mas esqueceu-se disso no tal diploma que está para promulgar, o qual dá apenas um crédito de uma hora de três em três meses.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - É a descoordenação!

A Oradora: - Portanto, Sr. Deputado, está em perfeitas condições para contactar o Governo urgentemente, no sentido de que atrasem a promulgação do diploma e possam corrigi-lo, pelo menos no que tem a ver com o crédito de horas, actualizando-o de harmonia com o diploma do Governo relativo ïi autonomia e gestão nas escolas.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, tem de terminar.

A Oradora: - Vou já terminar, Sr. Presidente.
Por último, importa não confundir o projecto do PCP que hoje está aqui a ser discutido com a questão do crédito de horas, porque ele é muito mais do que isso. A questão fundamental que está aqui a ser discutida, até pelos instrumentos existentes no ordenamento jurídico, é o direito e o dever de as associações de pais participarem na vida da escola. Mas tão ou mais importante do que isso é um pai ou uma mãe comum poderem acompanhar o seu educando, o seu filho, ao nível do seu percurso escolar. E disto o Governo tem-se esquecido permanentemente!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alves de Oliveira.

O Sr. Manuel Alves de Oliveira (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Apreciamos hoje uma iniciativa legislativa apresentada pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português que mais não é do que a reedição de uma discussão já travada neste Hemiciclo em 25 de Setembro de 1997.
Visa o projecto de lei n.º 598/VII garantir aos pais e encarregados de educação melhores condições de participação na vida escolar e de acompanhamento dos seus educandos.
Verificamos que cada vez mais os pais e encarregados de educação - individualmente ou em associação - são chamados a intervir no processo educativo de seus filhos ou educandos, o qual se desenvolve no seio da escola, e gostaria de fazer uma reflexão histórica sobre o processo legislativo relativo à participação dos pais na vida escolar.

Assim, data de 1976 o decreto-lei que introduz a primeira referência quanto à participação dos pais nos órgãos das escolas, ou seja, nos conselhos disciplinares.
Por lei de 1977 é, formalmente, reconhecido o direito e o dever de os pais, através das. suas associações, participarem no sistema educativo.
Em 1982, a Constituição da República Portuguesa consagra estes direitos mas é com a Lei de Bases do Sistema Educativo, com a Lei das Associações de Pais e a nova Lei de Gestão e Administração Escolar que os pais vêem reconhecidas as possibilidades efectivas de participação na vida escolar.
Em 1998, o Decreto-Lei n.º 115-A198 consagra como princípio geral que aos pais é reconhecido o direito de participação na vida escolar. Faz remeter esta participação para a Lei de Bases do Sistema Educativo e para o Decreto-Lei n.º 372/90, estabelecendo que a participação se concretiza através da organização e da colaboração em iniciativas visando a promoção da melhoria da qualidade e da humanização das escolas, em acções motivadoras da aprendizagem e da assiduidade do aluno e em projectos de desenvolvimento sócio-educativo da escola.
Nos termos da legislação citada, a representação dos pais e encarregados de educação faz-se na assembleia geral e no conselho pedagógico.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Como dissemos em Setembro de 1997, a escola é o reflexo da sociedade onde se insere. Ali encontramos as tensões e as sensibilidades características dessa sociedade, as diferenças sociais, económicas, lideranças próprias e conflitos.
Embora a formação integral do jovem não ocorra exclusivamente na escola, é aqui que se cimentam muitos dos conhecimentos.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É, portanto, à escola que os pais e encarregados de educação devem deslocar-se, se quiserem acompanhar convenientemente o percurso dos seus educandos. É na escola que eles podem entender as opiniões, as contestações, as irreverências e os novos hábitos.
Por isso, a escola de hoje deve privilegiar a incorporação dos pais e encarregados de educação, partilhando responsabilidades.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Para tal, não basta considerar como justificadas as faltas dadas para efeito de participação dos pais em órgãos directivos da escola, em resultado da representação associativa. Será necessário estabelecer que daí não resultem prejuízos de índole material.
Neste domínio, o Estado deve garantir absoluta igualdade entre os trabalhadores da Administração Pública e os empregados em entidades privadas, prevendo formas de compensação por eventuais perdas resultantes da participação na vida escolar.
Será também de equacionar o alargamento de tais direitos a todos os pais e encarregados de educação.
Por tudo isto, reiteramos, na generalidade, a nossa adesão à presente iniciativa legislativa, aliás, como fizemos no passado.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não contem que o PSD passe a consagrar exclusivamente soluções voluntaristas e precipitadas. Como disse, encaramos a participação dos pais no acompanhamento escolar dos seus

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filhos como um direito e um dever. Um dever da mesma natureza daquele que obriga os pais a acompanhar o seu filho, por exemplo, na ida ao médico.
No entanto, não tenhamos ilusões! As facilidades que sejam concedidas aos pais para acompanharem o percurso escolar dos seus filhos hão-de, seguramente, trazer custos a alguém: aos próprios pais, às entidades patronais ou a ambos. Esta avaliação só pode ser feita no âmbito de um justo equilíbrio a ponderar no seio da concertação social e no momento de negociações de acordos mais alargadas.
Daí que o PSD defenda que ao projecto de lei em apreço seja acrescentada uma disposição que determine que o Governo deva fixar em diploma regulamentar as condições concretas do exercício dos direitos que por esta lei sejam conferidos aos pais e encarregados de educação.
Queremos que saia desta Assembleia uma lei justa, equilibrada, operativa e operacional. Será este o nosso propósito, como foi no passado, na discussão que certamente iremos ter em sede de especialidade.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernandó de Sousa.

O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, naturalmente, o PS saúda a iniciativa legislativa do PCP e, certamente, também defende a criação de condições tendo em vista a efectiva participação dos pais na vida da escola. Comungamos destes princípios, destas preocupações e não temos estado parados. Estamos sensíveis a essa matéria e há-de concordar que em dois anos já bastante foi feito relativamente àquilo que hoje aqui trouxe à discussão.
Gostava de suscitar duas questões que se colocam com o projecto de lei do PCP, a primeira das quais é uma questão de substância que tem a ver com o critério e limites da aplicação da lei.
Creio que relativamente aos limites estão previstas duas compensações mensais por cada titular. Em todas as circunstâncias, sempre que há qualquer reunião, o artigo 6.º do projecto de lei do PCP estabelece que as faltas dadas pelos pais e encarregados de educação de alunos na educação pré-escolar ou nos ensinos básico ou secundário que sejam trabalhadores por conta de outrem, desde que decorram de necessidades comprovadas de acompanhamento da situação escolar dos seus educandos, consideram-se justificadas. O que gostaríamos de saber é como é que vamos resolver o caso, por exemplo, de pequenas empresas só com um trabalhador. Como é que vamos resolver problemas que entram na esfera privada, no domínio económico e social - e são problemas graves -, no que diz respeito à intromissão por parte do Estado relativamente à prestação de trabalho?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Esses não têm direito ao acompanhamento dos filhos?!

O Orador: - Eles têm direito ao acompanhamento dos filhos - certamente que sim! - mas também têm direito, por exemplo, a encontrar um horário compatível com o seu trabalho e, portanto, a participar em reuniões que não sejam prejudiciais à sua prestação de serviço.
Outro exemplo: como aplicar e compatibilizar esta lei, se vier a ser aprovada, com a lei-travão deste ano? Creio

que isso também seria difícil de resolver. E seria tanto mais difícil de resolver, Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, quanto, se compararmos esta legislação com aquela que vigora na Europa sobre esta matéria, verificamos que, na Europa, não há regime igual ou semelhante a este.
Portanto, pergunto quanto é que custa a aplicação deste projecto de lei. Sr.ª Deputada, será que o PCP poderá fazer uma estimativa do seu custo e ver de que forma poderemos resolver esta questão em termos financeiros? Isto, para além das questões que já levantei.
A outra questão que se coloca, Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, é a da oportunidade da apresentação deste projecto de lei, que era muito mais premente há dois anos, quando não existia a legislação que, entretanto, veio a surgir. Como sabe, nestes dois anos alguma coisa foi resolvida, nomeadamente através da lei da autonomia e gestão dos estabelecimentos, a que se juntará a lei que o Sr. Deputado António Braga já aqui referiu, que está para promulgação.
A Sr.ª Deputada Luísa Mesquita poderá dizer que se esta última lei está para promulgação ainda não está publícada, mas a verdade é que se encontra para promulgação um decreto-lei que altera o Decreto-Lei n.º 372/90, no qual se aprova o regime que disciplina a constituição das associações de pais e encarregados de educação, mas define também os direitos dos pais e encarregados de educação enquanto membros dos órgãos de administração e de gestão dos estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário e respectivas estruturas de orientação educativa. E esse decreto-lei, que consagra no seu artigo 15.º um regime, diz que «os pais e encarregados de educação que integram os órgãos de administração e gestão dos estabelecimentos públicos têm direito, para a participação em reuniões dos órgãos para as quais tenham sido convocados, a gozar um crédito de dia remunerado, nos seguintes termos: assembleia, um dia por trimestre; conselho pedagógico, um dia por mês; conselho de turma, um dia por trimestre.»
Portanto, como verificará, há já alguns aspectos que estão tratados em nova legislação, a sair brevemente, onde se adaptam algumas disposições à realidade decorrente do novo regime de autonomia e gestão, onde se cria o crédito de dia remunerado aos pais e encarregados de educação, onde se alarga o direito actualmente constante do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 372/90 aos titulares dos órgãos sociais das federações regionais e às confederações, para a participação em reuniões de trabalho com estruturas regionais ou nacionais do Ministério da Educação para as quais tenham sido convocados, tendo em conta que são parceiros ouvidos pelo Ministério da Educação na definição da política educativa e na elaboração de legislação sobre educação e ensino.
Ê evidente que as iniciativas parlamentares são sempre oportunas, mas o que eu quero dizer é que parte daquilo que nos aparece contemplado no projecto de lei do PCP está já contemplado em legislação do Governo.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Essa legislação já está publicada?

O Orador: - Vai estar dentro de dias, Sr. Deputado. Tudo isto está já aprovado e irá ser promulgado dentro de dias.
De qualquer modo, certamente que não nos oporemos a que o projecto de lei do PCP baixe à respectiva Comissão. Aí, em sede de especialidade, teremos a oportunidade de discutir estas questões com mais pormenor.

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O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Fernando de Sousa, tem a palavra o Sr. Deputado Silvio Rui Cervan.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando de Sousa, a minha pergunta é muito simples. O Sr. Deputado tem uma preocupação que julgo meritória, a de saber quanto custa, qual é o impacto financeiro de uma medida como esta. Essa preocupação é tanto mais meritória quanto nós sabemos que quem paga são todos os portugueses e cuidar de saber quanto custa é absolutamente decisivo e importante para uma medida deste género. Mas eu tenho uma pergunta a fazer-lhe: Sr. Deputado Fernando de Sousa, como tem relações privilegiadas com o Governo do Partido Socialista, sabe se este estará disponível para regulamentar, na especialidade, uma proposta que seja apresentada por alguns dos partidos defensores da proposta de lei em debate, no sentido de ser o próprio Governo a estabelecer a forma como este mesmo diploma pode ser aplicado na prática? E faço-lhe esta pergunta até porque há aqui matéria para ser regulamentada especificamente.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem á palavra o Sr. Deputado Fernando de Sousa.

O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan, não tenho só relações privilegiadas com o Governo, tenho-as também com o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan e, portanto, tenho muito gosto em responder-lhe a esta questão.
Sr. Deputado, certamente que estamos disponíveis para, em sede de Comissão, encarar esta questão, vemos o que é que do projecto de lei do PCP já está contemplado na legislação do Governo e encontrarmos, provavelmente, uma solução de consenso.
Portanto, concordamos com a hipótese que coloca de, em uma, duas ou três matérias delicadas, pedirmos a regulamentação por parte do Governo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a pa-
lavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero dizer que, no entendimento de Os Verdes, a proposta de lei em discussão é de grande importância.
No fundo, se tempo houve em que,a escola foi pensada como um território fechado à comunidade e à participação dos pais, a verdade é que se evoluiu ao longo do tempo na consagração e na compreensão de que o envolvimento dos pais, a sua importância e o reconhecimento dessa importância são fundamentais não só para garantir que haja um estreito enlace e uma inserção da escola na comunidade, mas também para que haja, claramente, uma melhoria nas tomadas de decisão.
Ora, julgo que a questão que está colocada hoje, neste diploma, não é tanto a contestação - que ninguém faz da importância da mais valia que significa o dever e o direito de os pais participarem no acompanhamento da vida escolar dos seus filhos e de os pais, enquanto cidadãos organizados em associações, participarem da vida da escola. Portanto, como não é esse o direito que está em discussão, porque ele é consensual, a questão que se põe é a das condições do exercício do direito.

Julgo que o projecto de lei do PCP, que estamos a discutir, é aquele que tem a ver com a constatação, na realidade e no dia-a-dia, de impedimentos, entraves e obstáculos vários que penalizam os pais que querem acompanhar a vida escolar dos seus filhos, que participam do movimento associativo, que participam da vida da escola. São esses os que são penalizados - e deles só uma manifesta minoria o não é - pela possibilidade do exercício desse direito.
Srs. Deputados, penso que o Partido Socialista está a colocar a questão de uma maneira errada, porque nós não temos de perguntar quanto é que custa o exercício de um direito; aquilo que, como Deputados, nos cabe perguntar à sociedade é quanto custa a essa sociedade o não acompanhamento, a não criação de condições que permitam aos pais participar da vida escolar dos seus filhos,...

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Muito bem!

A Oradora: quanto é que custa à sociedade a não possibilidade e a não garantia dê condições que permitam aos pais envolverem-se na vida da escola, acompanharem os vários problemas que se colocam à escola, de violência, de dificuldades e de desajustes da escola e dos seus modelos de transmissão de saber com a realidade. Aquilo que custa a ver - porque há, não é uma ficção - é o grande número de jovens que se não identificam com a escola, que acabam por ser excluídos dela e que, a prazo, colocam outros problemas à sociedade.
Portanto, julgo que a visão mais alargada dos problemas, a visão de longo prazo, e a capacidade de fazer contas para além da pequenez dos tostões que, aparentemente, uma medida pode custar, é algo que - é o que me, parece - é tempo de começar a ser equacionado.
Concluindo, diria que Os Verdes se identificam, claramente, com os propósitos deste projecto de lei, porque, mais do que proclamações de direitos - uma etapa que, de algum modo, já todos passámos -, aquilo que hoje se coloca, aquilo que a sociedade exige de nós, aquilo que os pais exigem de nós, aquilo que os nossos filhos, os jovens e os adolescentes deste país nos exigem, é que criemos as condições que garantam o exercício de direitos. É essa a questão que nos está colocada.
Srs. Deputados, há que enfrentar o problema, porque ele existe, porque as empresas, particularmente as do sector privado, penalizam, porque as empresas discriminam e criam obstáculos à participação. Como a eliminação dessas barreiras é o que se propõe, Os Verdes estão de acordo com o objectivo claro que o projecto de lei em análise traduz.

Vozes dó PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta segunda intervenção era a única maneira possível de responder às questões que o Sr. Deputado Fernando de Sousa colocou e que muito agradeço. De qualquer modo, não seria eticamente possível deixá-las sem resposta.
Sr. Deputado, penso que, com certeza, não ouviu atentamente a nossa intervenção, não leu, com o rigor que lhe conheço, o nosso projecto de lei e, naturalmente, não leu na íntegra o texto que qualquer dia - quem sabe, daqui

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a dois anos - o Governo irá promulgar sobre esta matéria. Daí ter tirado ilações que não estão presentes no documento.
Mas vamos às questões concretas que referiu. Sr. Deputado, não há nenhum país, nesta Europa que todos nós conhecemos, que corresponda, em termos de ordenamento jurídico de associações de pais, aos termos do projecto do PCP. O Sr. Deputado, tal como eu, tem em seu poder um longo dossier, dado à Comissão de Educação, Ciência e Cultura pelos serviços desta Assembleia, onde é feito um levantamento exaustivo do ordenamento jurídico, nesta matéria, em alguns países da Europa.
Para não lhe ler o que se passa em todos eles optei, por uma questão geográfica, pela vizinha Espanha - está aqui tão perto! - onde é o Ministério da Educação e Ciência quem fomenta as actividades das associações, federações e confederações de pais, mediante a concessão de ajudas previstas no orçamento do Estado - estou a citar o documento que o Sr. Deputado possui.
Com certeza que não leu este parágrafo,... como nós não podemos ler tudo, entendo perfeitamente que se tenha esquecido de o fazer.
Quanto à questão da autonomia, disse o Sr. Deputado que muito foi feito nestes dois anos. Vejamos o decreto-lei sobre autonomia e gestão. Sr. Deputado, é exactamente ao contrário!... O decreto-lei sobre a autonomia e gestão veio demonstrar quão necessária, urgente e imprescindível era a iniciativa legislativa do PCP para, de algum modo, tornar menos lacunar aquilo que o Governo ainda não tinha feito, porque o decreto-lei de autonomia, gestão e administração escolar diz apenas que os pais têm de estar nos dois órgãos fundamentais de gestão das escolas, que são tão-só a assembleia de escola e o conselho pedagógico! O Sr. Deputado sabe que as competências da assembleia de escola são, de algum modo, toda a política educativa dessa mesma escola e que o conselho pedagógico...
Sr. Deputado, permito-lhe que consulte os documentos; entretanto, eu aguardo.

O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Não, não! Queira continuar.

A Oradora: - Como dizia, o conselho pedagógico é, de algum modo, o órgão determinante do projecto educativo dessa mesma escola.
Portanto, o que a autonomia veio demonstrar foi que, mais uma vez, tinha de ser o PCP a trazer a esta Casa esta iniciativa legislativa, porque o Governo continuou, ao longo destes dois anos, a pensar, a pensar, a pensar!... E pensou tanto, tanto, tanto, que só conseguiu chegar ao crédito das horas!... E pensou tanto, tanto, e estava tão distraído, que não se apercebeu que o crédito das horas, que está nesse documento que irá ser promulgado um dia destes, quando o Governo tiver vagar - quem sabe, como lhe disse, talvez daqui a dois anos, se ainda for Governo -, que não consultou os dias em que os pais têm de reunir nos órgãos da escola e não consegue fazer a cobertura da sua totalidade, com certeza por um erro matemático de somenos importância, que pode ser corrigido a todo o prazo.
Quanto aos custos, Sr. Deputado, dir-lhe-ia que os custos da democracia são muito, muito elevados, sendo impossível quantificá-los, de tal maneira são elevados. E são tanto mais elevaiios quanto pertinente e persistentemente e de forma muitas vezes leviana e simplista, alguns fazem questão de questionar diariamente a democracia, fa-

zendo o levantamento dos custos daquilo que seria uma democracia não questionada.
E esta é a questão, Sr. Deputado, porque o projecto de lei que o PCP traz hoje a esta Casa vai no sentido de dizer que as associações de pais não podem ter nos seus órgãos dirigentes tão-só e exclusivamente pais com profissões liberais; também têm de ter pais que, se assim o quiserem e por isso optarem, sejam trabalhadores por conta de outrem. Quanto a esses que integrem empresas onde, por acaso, só haja um trabalhador, Sr. Deputado, direi que são os tais custos da democracia!... Só se o Sr. Deputado quiser fazer uma iniciativa legislativa em que diga, quanto aos trabalhadores por conta de outrem, que, no caso de ser um só trabalhador por empresa, este tem de optar entre ser trabalhador ou ter filhos! Essa é uma questão que, se o Partido Socialista assim considerar necessário e conveniente, poderá trazer a esta Casa, pois todos estamos disponíveis para, nessa altura, perguntar quais são os custos dessa democracia do Partido Socialista.

O Sr. Presidente: - Também para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando de Sousa.

O Sr. Fernando de Sousa (PS): Sr. Presidente, Srs. Deputados: A intervehção da Sr.ª Deputada Luísa Mesquita é, de facto, a de quem não vê no horizonte qualquer preocupação de vir um dia a governar, porque a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita e o PCP só podem pedir isso se pensarem que não estarão, um dia qualquer, na esfera do governo! Agora, se pensarem o contrário, não podem pedir o impossível e exigir tudo para hoje, sabendo que medidas desta natureza têm custos muito elevados. Isto para além de um outro problema, mais complicado, que não é contabilizado, decorrente da intervenção do Governo na esfera da influência privada do trabalho. Levantei, pois, aqui uma questão que a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita não referiu.
Relativamente à legislação europeia, gostaria que me dissesse onde é que está previsto que as faltas dadas pelos pais que sejam trabalhadores por conta de outrem são sempre justificadas desde que decorram das necessidades comprovadas de acompanhamento da situação escolar dos seus educandos. O problema é o de saber quais são as necessidades comprovadas dos educandos. O problema é esse!
Um segundo problema é o de não haver qualquer limite para as faltas ao trabalho que venham a ser dadas pelos tais trabalhadores por conta de outrem, pelo que lhe coloco uma questão concreta: se um ou dois trabalhadores de uma pequena empresa faltarem ao trabalho, o que é que acontece à empresa?

O Sr. António Filipe (PCP): - Vai à falência?!

O Orador: - Como é que o Estado vai, depois, resolver o problema da falta desse trabalhador ou desses trabalhadores?
Portanto, estas são questões que temos de ter em consideração, sobretudo porque somos um partido que está no poder e que, quando não está, tem responsabilidades e hipóteses de vir a estar. A Sr.ª Deputada Luísa Mesquita coloca-se, justamente, na posição de quem pertence a um partido que, pelos vistos, não tem quaisquer preocupações dessa natureza.

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Temos preocupações é com os direitos das pessoas!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim do debate do projecto de lei n.º 598/VII, pelo que vamos passar à discussão conjunta dos projectos de lei n.os 552/VII - Planeamento familiar e saúde reprodutiva (PSD) e 632/VII - Reforça as garantias do direito à saúde reprodutiva (PCP).
Para introduzir a discussão sobre o primeiro projecto de lei, tem a palavra o Sr. Deputado Luís David Nobre.

O Sr. Luís David Nobre (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata apresentou, no passado dia 9 de Julho de 1998, o projecto de lei n.º 522/VII, sobre planeamento familiar e saúde reprodutiva, que hoje discutimos.
Importa, pois, relembrar que a sua apresentação ocorreu logo após a realização do primeiro referendo em Portugal, relativo à despenalização da interrupção voluntária da gravidez.
No decurso do período que antecedeu essa consulta referendária, estabeleceu-se na sociedade portuguesa um raro consenso sobre a necessidade de melhoria do acesso dos portugueses ao planeamento familiar, de forma a obviar ao recurso ao aborto. Dando resposta a esse consenso estabelecido, o PSD formulou a presente proposta legislativa, sendo a mesma clara quanto seu alcance útil.
Assim, propomos, em primeiro lugar, a instituição de uma obrigação legal, por parte do Ministério da Saúde, de criação e manutenção, em todo o País, de centros de atendimento para adolescentes. Sendo de reconhecer a existência de alguns, julgamos ser necessário que os mesmos sejam sistematicamente colocados em funcionamento ...

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Muito bem!

O Orador: - ... de forma a dar resposta a necessidades imperiosas de saúde pública e protecção dos jovens e das jovens portugueses. Deste modo, propomos a criação desses centros de forma a que o seu acesso seja fácil e confidencial, a que sejam dotados de pessoal especializado e apetrechados tecnicamente, capazes de compreender e ajudar.
Em segundo lugar, determina-se a criação, no âmbito do Ministério da Saúde, de uma linha verde no domínio da sexualidade. Deste modo, permitir-se-á a todos os interessados, diariamente e de forma ininterrupta, por via telefónica, o acesso a uma informação urgente, sobretudo no domínio da contracepção.
Em terceiro lugar, pretendemos garantir aos cidadãos que, no espaço de uma semana, tenham acesso a uma consulta de contracepção, sempre que o solicitem. Trata-se de uma garantia efectiva de acesso a este tipo de cuidados saúde. Uma consulta deste tipo não pode nem deve levar mais do que uma só semana a realizar-se. Ou o Serviço Nacional de Saúde tem capacidade de a prestar de forma directa, ou suporta o seu custo financeiro, uma vez que permite o acesso do utente, de forma sucessiva, ao sector privado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Uma mulher não pode ser induzida à prática de um aborto porque o Serviço Nacional de Saúde não consegue ou não é capaz, em tempo útil, de ofe-

recer a informação e os meios contraceptivos necessários. Os recursos de saúde de que dispomos não permitem outros níveis de qualidade ou de menor exigência.
Em quarto lugar, pretende-se garantir aos cidadãos consultas em matéria de planeamento familiar e questões conexas em duas semanas e intervenções cirúrgicas no prazo máximo de três meses após a sua solicitação. Em situações de urgência, propomos um prazo mais curto por exemplo, para os casos de esterilização voluntária, propomos o prazo de duas semanas. Se o Serviço Nacional de Saúde não as poder assegurar directamente, mediante o recurso aos seus próprios meios, então, deverá pagar o seu custo. O cidadão é que não pode ficar deles privado por ausência de meios no Serviço Nacional de Saúde ou de deficiências organizacionais.
Trata-se apenas e somente de garantir o acesso a tais cuidados de saúde a todos - mas a todos - os cidadãos, e não apenas de permitir que, como hoje sucede, devido a carências do Serviço Nacional de Saúde, alguns desses cuidados sejam acessíveis apenas a alguns.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Uma mulher não pode ver-se na situação de solicitar uma esterilização, que a lei lhe garante desde 1984, e permanecer meses e meses em listas de espera.
Se, como a Sr.ª Ministra da Saúde afirmou, no passado, o Serviço Nacional de Saúde pode assegurar em 10 semanas os actos médicos respeitantes à interrupção voluntária da gravidez, estamos certos de que igualmente poderá, e deverá, assegurar a efectiva realização de operações de ginecologia-obstetrícia num período não superior a 12 semanas.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Bem lembrado.

O Orador: - Caso assim não suceda, não deve o cidadão a ser penalizado. Nada mais justo do que o Serviço Nacional de Saúde, em situação de impossibilidade de prática de tais actos médicos, suportar a sua realização por quem o possa fazer, neste caso, o sector privado. A garantia da sua realização deve ser concedida ao utente, independentemente de quem for o seu autor.
Em quinto lugar, propomos igualmente a garantia de informação adequada sobre contracepção às mulheres a quem seja concedida alta em virtude de parto ou interrupção da gravidez.
Assim, nenhum serviço especializado de um hospital poderá conceder alta a uma mulher internada em consequência de uma gravidez, independentemente do modo como a mesma terminou, sem a prestação da informação sobre a conveniência ou inconveniência, do ponto de vista clínico, de nova gravidez e das modalidades de contracepção a evitar. Exige-se, como forma de garantia de cumprimento desta obrigação por parte dos serviços de saúde, que o documento de alta confirme a prestação desta informação.
Em sexto lugar, determina-se que o Ministério da Saúde proceda à divulgação de informação sobre os aspectos de saúde e sobre os aspectos legais relacionados com aborto. O dever desinformação não pode cessar apenas quando estas matérias, por motivos vários, assumem especial relevância mediática: trata-se de um direito permanente dos cidadãos.

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O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Por fim, em sétimo lugar, institui-se a obrigação legal de o Governo informar anualmente a Assembleia da República e o País nos domínios da protecção da maternidade e da paternidade, do planeamento familiar, da educação sexual e do aborto, cabendo a discussão do relatório a este Plenário.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não ignoramos que, após a data de apresentação deste projecto, o Governo, através da Sr.ª Ministra da Saúde (por acaso, apenas seis dias após a entrada do mesmo nesta Câmara), emitiu um despacho em que dava apenas resposta muito diminuta a algumas das questões contempladas nesta nossa proposta - trata-se do Despacho n.º 12 782/98.
Sucede que o mencionado despacho, embora pretenda impor prazos,às unidades do sistema de saúde para a prestação de cuidados no âmbito do planeamento familiar e da contracepção, não concede aos cidadãos qualquer garaptia efectiva da sua prestação em tempo útil, ou seja, não é suficiente.
O projecto de lei em debate assegura e concede, pois, a qualquer utente - e é disto que estamos a falar - do sistema de saúde o direito de obter os actos médicos nele previstos em tempo útil, independentemente de quem os praticar.
Contudo, não poderemos dizer que estamos a preterir o Serviço Nacional de Saúde. Caberá sempre a esta estrutura de saúde, em primeiro lugar, dar a devida resposta. Se esta não o fizer, o cidadão disporá, então, de forma sucedânea, alternativa, do acesso à medicina privada, como forma supletiva de assegurar esse direito, sem qualquer encargo para o utente.
O que pretendemos não é mais do que permitir, em tempo útil, o direito dos cidadãos ao planeamento familiar e à contracepção, responsabilizando, em primeira linha, o Serviço Nacional de Saúde pela sua efectivação, não mais permitindo que desculpas de «sorriso», como «descoordenações, falhas, impedimentos, deficiências conjunturais», impeçam o acesso de todos aos cuidados de saúde previstos neste projecto de lei.
Mais: não acreditamos que um sistema em que o seu principal responsável afirmou ser possível responder às questões colocadas pela interrupção voluntária da gravidez no prazo de 10 semanas não possa cumprir as obrigações do presente projecto de lei. Seguramente que pode, mas, caso não cumpra, não é o Estado que fica em causa, é o utente que, fica protegido, uma vez que a lei lhe concede a faculdade de recorrer à medicina privada sem qualquer custo, porque nem todos podem recorrer a suas expensas à mesma. Trata-se de um elemento fundamental da igualdade no acesso aos cuidados de saúde e ao planeamento familiar por parte de todos. Importa colocar, desta forma, o utente como primeiro e principal destinatário deste tema, porque não podemos, com seriedade, prometer combater o aborto adequando e prometendo um justo e fácil planeamento familiar e não assegurar ao cidadão todos os meios para o seu acesso.
Por último, umas breves palavras finais. O texto que hoje apresentamos encontra-se aberto a todos os contributos, desenvolvimentos e aperfeiçoamentos que permitam melhorar o edifício legal existente. No essencial, ele pretende significar um gesto de solidariedade às mulheres que, entre nós, suportam o peso da ignorância e das carências de que ainda não soubemos libertar-nos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nelson Baltazar.

O Sr. Nelson Baltazar (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís David Nobre, relativamente, às questões essenciais referidas na apresentação do projecto do PSD feita pelo Sr. Deputado, diria que as mesmas estão no terreno. E foi o Sr. Deputado que, efectivamente, através da sua apresentação, disse, que elas estão já no terreno, com despacho normativo da própria Ministra da Saúde.
Quanto às questões não essenciais - embora eu repute esta de um pouco importante -, gostaria de lhe dizer, para já, que não estou de acordo com alguns dos aspectos do vosso projecto, como, por exemplo, o objectivo. Os senhores dizem que é importante prevenir o aborto e promover a saúde, mas, Sr. Deputado, se eu fizesse um projecto de lei deste tipo, poria exactamente o contrário,...

O Sr. Alberto Marques (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... isto é, que o que é importante é promover a saúde e, naturalmente, como consequéncía, prevenir o aborto. Esta é uma questão essencial e fundamental, que decorre imediatamente do objectivo do próprio projecto. No entanto, as mudanças em saúde nunca são síncronas com a decisão que é tomada - com certeza que está de acordo comigo - e, naturalmente, é preciso algum tempo para que possamos colocá-las no terreno e obter alguns resultados.
Posso dizer-lhe que este assunto tem sido tratado com alguma atenção por todos os governos, de tal maneira que vem já do tempo de António Arnaut, de Albino Aroso, e, agora, mais uma vez, com este Governo, através do punho de Maria de Belém Roseira, vem à liça de uma forma clara.
Mas quero dizer-lhe que os resultados só se obtêm com números e que é muito importante esclarecer esta Câmara de que em 1993, por exemplo, a percentagem de partos em adolescentes - portanto, jovens com menos de 20 anos - era de 11,3%; em 1995, era de 10,5%, e, em 1998, de 6,3%, o que quer dizer que Portugal, ao longo de uma política de saúde de alguma dimensão, conseguiu reduzir esta incidência para metade.
Quero também dizer-lhe que o atendimento permanente em planeamento familiar, em 1993, era de 13%, e, em 1994, de 24%. Em 1998, 90% dos centros de saúde estão aptos a responder em 15 dias.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Extraordinário! Isso «só contaram para você»! Telefone para os centros de saúde!

O Orador: - Quero dizer-lhe ainda que, em termos de projecto, temos uma estratégia que define claramente que, no ano de 1999, todo o atendimento de primeira consulta às mulheres em idade reprodutiva terá de ser efectuado em períodos inferiores a 15 dias. Mais: propomo-nos a que, em 2001, o nosso SNS possa ter um atendimento inferior a sete dias, nestes casos.
Daí que lhe queira perguntar aquilo que considero importante. No âmbito do nosso sistema político, é necessário criar, em algumas questões estruturais, pactos de regime ou, pelo menos, ideias base de defesa. Quando é que os senhores têm, realmente, a capacidade de responder

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« sim » a esta questão e, nas questões essenciais, de dizer: «sim, vamos para a frente, vamos nesta perspectiva, temos estes objectivos, estas metas, e também queremos atingi-los»?

O Sr. Alberto Marques (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís David Nobre.

O Sr. Luís David Nobre (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado: Antes de mais, gostaria de lhe agradecer a pergunta formulada e dizer, em primeira mão, que-se o referendo sobre o aborto teve algo importante foi o facto de todos nos termos consciencializado da importância destas questões. Se não tivesse havido o referendo, se não tivéssemos falado, durante meses e meses, sobre planeamento familiar, sobre saúde reprodutiva, sobre contraceptivos, com a calma e a elevação com que julgo que isso foi feito, este debate não poderia ter lugar.
Quanto à primeira questão que me colocou, devo dizer que, se as medidas mais importantes do projecto de lei estão no terreno, vamos torná-las lei em vez de despacho normativo, porque a lei tem muito mais dignidade.

O Sr. Nelson Baltazar (PS): - Isso é desnecessário!

O Orador: - Mas elas não estão no terreno, porque o despacho é uma imposição da Sr.ª Ministra da Saúde que determina que determinados actos médicos devem ser realizados pelo Serviço Nacional de Saúde em determinado prazo de tempo e isso é apenas um comando da principal responsável pela política de saúde aos seus serviços. E se os serviços não cumprirem esse despacho?

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Quem é que é prejudicado? Não é a Sr.ª Ministra, são os utentes, e o que nós pretendemos com este projecto de lei é dizer que, em primeira linha, deverá ser o Serviço Nacional de Saúde a responder; se este não puder responder, então, responderá a medicina privada. O que é que sucede? O utente terá de dirigir-se, inicialmente, ao SNS e se este não responder faz o acto médico na medicina privada, cabendo ao SNS responsabilizar-se por esse acto médico, pagando-o. O que sucede hoje é que o SNS não responde e as pessoas ficam à espera.
Durante tanto tempo, neste país, falou-se sobre planeamento familiar e sobre a sua importância, mas o que parece é que não se pretende assumir que todos, mas todos, tenham acesso ao planeamento familiar, por uma razão: é que estalei é para os mais desfavorecidos, porque os mais favorecidos, se o SNS não responder, vão aos médicos privados, mas os mais desfavorecidos não têm bolsa para tal graça...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao facto de cada vez mais haver um menor número de mães adolescentes, isso deve-se, Sr. Deputado, segundo diz o inquérito à fertilidade da família, não somente a cuidados de planeamento familiar mas também a uma mudança de hábitos culturais na sociedade portuguesa.

O Sr. Nelson Baltazar (PS): - Isso não se faz por lei!

O Orador: - As mulheres têm filhos cada vez ínais tarde. O inquérito à fertilidade da família, se o Sr. Deputado tiver o cuidado de lê-lo, explica isso com uma exaustão imensa. Isto acontece no tempo e desde 1970 que o verificamos.
Por último, quanto ao facto que o Sr. Deputado aludiu, deixe-me dizes-lhe o seguinte: primeiro, permita a aprovação deste projecto de lei, que concede a todos, mas todos, acesso a este tipo de actos médicos e, depois, falaremos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para introduzir o debate do projecto de lei originário do seu grupo parlamentar, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se é certo que a Lei n.º 3/84, sobre a educação sexual e o planeamento familiar está em vigor há 15 anos, a verdade é que sucessivos governos se recusaram a aplicar as suas disposições, sendo, por isso, responsáveis pelas graves insuficiências da saúde reprodutiva no nosso País.
Nestes 15 anos negou-se a sucessivas gerações de jovens portugueses a formação e informação sobre as questões da sexualidade a que todos temos direito. Vingou quase sempre a moral repressiva e obscurantista e a política da negação do esclarecimento.
A lei da educação sexual e do planeamento familiar está hoje em larga medida por concretizar. Mas, subitamente e a propósito dos debates sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, eis que surgem novos e vigorosos defensores da educação sexual e do planeamento familiar, tantas vezes os mesmos que antes, por actos ou por palavras, disso fugiam como o diabo da cruz. De um dia para o outro, surgiram desempoeiradas muitas cabeças que antes se enfronhavam militantemente na negação da sexualidade consciente e da sua importância.
Claro que se tratava de afirmações destinadas a negar e a desvalorizar a justiça e a necessidade da despenalização da interrupção voluntária da gravidez. Em desespero, preferiram muitos afirmar hipocritamente o seu apoio à educação sexual, como argumento para manter a inaceitável criminalização das mulheres que recorrem à interrupção voluntária da gravidez. O certo é que depois dissó meteram a educação sexual e o planeamento familiar na gaveta, passada , que estava a época do aproveitamento oportunista destas matérias.
Mas quem como o PCP sempre esteve na luta pela educação sexual e pelo planeamento familiar, quem, como 0 PCP, esteve na origem da lei aprovada em 1984 nesta Assembleia, quem, como o PCP, sabe que nesta matéria a lei continua por cumprir, não esquece que os jovens deste país continuam a ser vítimas da insuficiente formação e informação na área da educação sexual e continuam a ter dificuldades de acesso ao planeamento familiar e aos métodos contraceptivos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Os jovens querem a educação sexual e o planeamento familiar. Se ainda fosse preciso prová-lo, aí está a campanha em defesa da educação sexual nas escolas, levada a efeito pela Juventude Comunista Portuguesa.

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Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Realizaram-se, nos últimos meses, diversas iniciativas, nomeadamente debates e contactos com os estudantes, em mais de 50 escolas, em que se verificou a reivindicação generalizada da introdução da educação sexual na formação educativa, traduzindo-se na recolha de já mais de 15 000 assinaturas com o mesmo objectivo, a entregar oportunamente ao Sr. Presidente da Assembleia da República.

Vozes do PU: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei que hoje aqui apresentamos concretiza muitas das necessidades sentidas nesta área e constitui um conjunto de medidas fundamentais para que se inverta o atraso de longos anos em matéria de educação sexual e de planeamento familiar.
Propomos que, finalmente, se introduza um programa de educação sexual em todos os estabelecimentos de ensino básico e secundário, que inclua ao longo dos anos, pelo menos, informação sobre o aparelho reprodutor, o relacionamento sexual, o HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis, os métodos contraceptivos e as gravidezes indesejadas.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Esta é matéria que não deve ficar acantonada, na nossa opinião, numa disciplina isolada, não apenas pelas questões decorrentes da excessiva carga curricular a que hoje os estudantes são obrigados e sua inadequação, mas porque tem de merecer abordagem interdisciplinar, que tem de estar integrada nas mais diversas áreas do conhecimento ministrado na escola, porque na vida também assim é.
Aquilo a que se chama educação sexual não é compartimentável; tem a ver com a sexualidade propriamente dita mas também com a educação para os afectos, com o respeito pelo seu próprio corpo e pelo dos outros e com tantas questões de relacionamento e de vida em sociedade.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E isto é tanto mais importante face a uma realidade em que 23% dos jovens afirmam ter iniciado a sua vida sexual antes dos 16 anos, sendo que aos 18 anos essa percentagem sobe para 70%, dados do estudo «Jovens portugueses de hoje», realizado pelo Observatório da Juventude. E é nesta conjuntura que se continua a negar os direitos dos jovens portugueses à formação e à informação em matéria de educação sexual.
Sem esta informação continuará a estar em causa o direito a uma sexualidade saudável e feliz e continuaremos a ter uma taxa de mães adolescentes muito superior à de outros países da Europa, bem como uma taxa estimada de quase 20% de abortos clandestinos em jovens menores de 15 anos.
Mas esta formação terá efeito necessariamente limitado se não existirem depois os recursos necessários na área do planeamento familiar.
Continuamos a ter graves carências no acesso ao planeamento familiar e aos meios contraceptivos nos próprios serviços de saúde, não sendo suficientes as consultas de

planeamento familiar nem outras que se referem igualmente a questões de saúde reprodutiva. Faltam meios contraceptivos nos serviços de saúde, os quais não são distribuídos nas consultas de medicina geral e familiar nem noutras consultas que não sejam as de planeamento. Por isso, propomos que todos os meios contraceptivos sejam gratuitos, quando distribuídos nos serviços públicos de saúde; quando não, propomos que sejam comparticipados a 100%.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Julgamos também fundamental que estejam disponíveis, de forma gratuita; os métodos contraceptivos de emergência cuja necessidade está mais do que provada pela afluência que a linha da Associação para o Planeamento da Família tem registado.
Mas é preciso que tenhamos consciência da realidade que hoje existe no nosso país. É preciso lembrarmo-nos da taxa de incidência do HIV em Portugal é uma das mais. elevadas da Europa e que 24% dos jovens portugueses ainda utilizam o coito interrompido como método contraceptivo, sendo que 7,6% afirmam utilizá-lo frequentemente.
É nesta realidade que temos de pensar quando definimos a intervenção na área dos meios contraceptivos. Esta realidade não se compadece com hesitações nem com intervenções tímidas. O que propomos é uma intervenção forte, sendo preciso aplicar medidas de reconhecida eficácia. Por isso, propomos a distribuição gratuita de preservativos fora das instituições de saúde. Desde logo, a distribuição gratuita de preservativos nas farmácias, permitindo uma acessibilidade fácil e em tempo útil aos mesmos.
Mas propomos, igualmente, que esta acessibilidade seja garantida também num dos locais onde encontramos grande concentração de jovens. É fundamental que se possa proceder à distribuição gratuita de preservativos nas escolas do ensino secundário e superior nos serviços capazes de o fazer, sem prejuízo de em todos estes estabelecimentos de ensino terem de existir meios mecânicos de distribuição.
Esta proximidade é fundamental e indispensável para que se inverta o atraso na generalização dos meios contraceptivos e, especialmente, do preservativo, essencial para a prevenção das gravidezes indesejadas, para a diminuição da taxa de aborto clandestino e para a prevenção das doenças sexualmente transmissíveis. E não há nisto nenhum excesso mas, sim, uma necessidade absoluta.
Senão vejamos alguns dados do já referido estudo sobre a juventude: a probabilidade de uma jovem de escalão social baixo ter uma gravidez indesejada é quatro vezes maior do que em relação a uma jovem de classe alta; a probabilidade de uma jovem com a escolaridade básica se encontrar nesta situação é sete vezes maior do que em relação às que frequentam o ensino superior.
O recurso a métodos contraceptivos, especialmente da pílula, é muito menor nas camadas mais desfavorecidas da sociedade; as jovens das camadas sociais mais desfavorecidas têm três vezes mais possibilidades de ter de recorrer à interrupção voluntária da gravidez do que as jovens mais favorecidas.
Esta é também uma questão de discriminação social. É por isso que propomos medidas que rompam com essa discriminação social; que garantam a todos o acesso ao planeamento familiar e que eliminem as barreiras também económicas que nesta matéria existem. E isto faz-se com

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a generalização e o carácter gratuito dos meios contraceptivos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Em toda esta matéria é preciso acabar com a tutela limitadora que continua a combater a generalização da educação sexual e do planeamento familiar, continuando a querer impor uma certa ideia limitadora de que a vida sexual pouco mais é do que procriação.
É preciso tirar consequências das intervenções feitas aquando do debate da interrupção voluntária da gravidez e é preciso que se garantam as condições para a fruição de uma sexualidade consciente e feliz.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Fernanda Costa.

A Sr.ª Fernanda Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, o projecto de lei em debate, reconhece-se, tem o mérito de, independentemente das soluções que espelha, contribuir para o enriquecimento do debate em torno do planeamento familiar e da educação sexual. Contudo, no nosso entendimento, trata-se de um projecto de lei pouco inovador,...

Vozes do PCP: - Ah...!

A Oradora: - ... ou seja, contempla soluções coincidentes com os programas e acções concretas, coerentes e exequíveis que o Ministério da Saúde tem vindo a adoptar no plano do acesso ao planeamento familiar e à educação sexual,...

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Então, votem--no a favor!

A Oradora: - ... porque nesta matéria mais importante do que legislar é agir e nós temos agido de forma segura e equilibrada porque, nesta matéria, o equilíbrio é fundamental.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É, pois, da mais elementar justiça reconhecer que as acções e intervenções do Ministério da Saúde nos domínios do planeamento familiar e educação sexual são meritórias e cada vez maiores.
Em relação ao conteúdo da vossa iniciativa, as questões que gostaria de ver esclarecidas são as seguintes: no seu projecto de lei, o PCP prevê a distribuição de preservativos, a título gratuito,...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sem ser nos centros de saúde!

A Oradora: - ... nos estabelecimentos de ensino secundário e superior. Pergunta-se: não entende o PCP que essa é uma medida redutora quando se fala de educação sexual e de planeamento familiar e, sobretudo, não entende o PCP que uma tal medida poderá potenciar por parte dos jovens uma sexualidade precoce susceptível de gerar controvérsia na sociedade?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - E depois?!

A Oradora: - É que nós legislamos para a sociedade e não muitas vezes para realidades que idealizamos ou gostaríamos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Está a querer um Estado puritano?!

A Oradora: - Não, Sr.ª Deputada! Não sou puritana! Sou mãe de filhos jovens e estudantes e quero o melhor para eles e para os filhos de todas as portuguesas e de todos os portugueses!

Vozes do PS: - Muito bem!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não parece!

A Oradora: - Uma última questão: o PCP prevê igualmente, no seu projecto de lei, que as entidades empregadoras; mesmo as do sector privado, que tenham serviços de saúde, devam assegurar aos seus trabalhadores consultas de planeamento familiar.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Por que não?!

A Oradora: - Não considera o PCP exagerado exigir a uma entidade empregadora o ónus de criar consultas de planeamento familiar, mesmo quando já dispõe de serviços de saúde, que, certamente, foram criados com outros fins, como sejam em resultado da sinistralidade laboral ou de elevadas taxas de doença profissional?
Não considera o PCP que a esta matéria, como muitas outras, por exemplo, a criação de estruturas sociais, as creches, deveria ser deixada a liberdade negocial das empresas e dos sindicatos?
Não considera, ainda, que um comando legal deste tipo pode inviabilizar e obstaculizar que, de futuro, as empresas venham criar serviços de saúde quando estiverem conscientes de que da sua criação resulta a obrigação de assegurar aos trabalhadores consultas de planeamento familiar?

Vozes do PS: - Muito bem!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - O que é preciso é proteger as empresas e descontar as horas em que as trabalhadoras vão à consulta de planeamento familiar!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr.º Deputada Fernanda Costa, com que então o projecto de lei do PCP contribui para o enriquecimento do debate mas não traz grande coisa de novo?!...

A Sr.ª Fernanda Costa (PS): - Não foi isso que eu disse!

O Orador: - Ó Sr.º Deputada, prever que os métodos contraceptivos, independentemente de serem distribuídos nos centros de saúde, onde, como sabemos, a maior parte do mês não os há, sejam comparticipados a 100%, não é novo? Então, não é novo que a distribuição de todos os métodos contraceptivos se faça não só nas consultas de planeamento familiar mas também em todas as

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consultas onde os utentes o possam requerer? Isto não é novo? A gratuitidade dos preservativos a distribuir nas farmácias e nos estabelecimentos de ensino superior não é novo?
Então, Sr.ª Deputada, à senhora, se calhar, só deram metade do projecto de lei sobre a parte da saúde,...

A Sr.ª Fernanda Costa (PS): - O senhor não leu as iniciativas da VII Legislatura.

O Orador: - ... mas a senhora tinha também de ler a parte relativa à educação sexual para não vir aqui dizer que aquilo que apresentamos em matéria de educação sexual não é novo.

A Sr.ª Fernanda Costa (PS): - Responda às perguntas!

O Orador: - A Sr.ª Deputada disse que o nosso projecto de lei é um contributo para o enriquecimento do debate. Sr.ª Deputada, enriquecimento do debate não foi o que a senhora fez, porque as afirmações que produziu não têm qualquer fundamentação.
Outra coisa que me pareceu chocante, vindo de uma Sr.ª Deputada que, ainda por cima, veio aqui defender uma perspectiva da política de saúde do Governo, tanto quanto me foi dado parecer - o que nem sequer é muito frequente na bancada do PS - foi a sua insensibilidade em relação às questões das doenças sexualmente transmissíveis e à sua prevenção.
A Sr.ª Deputada tem consciência de que nós somos um dos países da Europa em que a taxa de incidência do HIV é das maiores? Tem consciência de que isso acontece porque não está generalizada a utilização do preservatívo? E, face a isto, ficamos só pelo enriquecimento do debate ou propomos medidas concretas que possam resolver este problema?

A Sr.ª Fernanda Costa (PS): - Não se faz educação sexual distribuindo preservativos de borla!

O Orador: - A Sr.ª Deputada está com medo dos excessos? Os excessos são estas taxas elevadas! Os excessos são as gravidezes indesejadas! Os excessos, Sr.ª Deputada, são as taxas de aborto clandestino que existem, especialmente entre as jovens e entre as jovens com menos de 15 anos! Isso é que são excessos, Sr.ª Deputada!

O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Bem lembrado!

O Orador: - Sr.ª Deputada, a sua preocupação em relação às escolas do ensino superior e do ensino secundário, onde propomos que se distribuam preservativos, não tem qualquer sentido. Nós não propomos que haja um cesto na cantina, ao lado do cesto do pão, do qual cada um tira os molhos de preservativos que entende tirar. Em primeiro lugar, porque consideramos que os jovens deste país têm uma postura muito mais responsável do que a que a Sr.ª Deputada, porventura, imaginará e, portanto, têm uma atitude em relação a estas questões que, provavelmente, falta ainda na bancada do Partido Socialista. Em segundo lugar, porque o que defendemos é que possa haver um acompanhamento concreto dos serviços apropriados: os serviços da acção social escolar, os gabinetes de orientação e determinados grupos de áreas curriculares que têm a ver com esta área. Isso é que nós propomos, Sr.ª Depu-

tada. Essa formulação que a Sr.ª Deputada leu não está presente.
Por fim, não posso deixar de referir as questões dos locais de trabalho. A Sr.ª Deputada pergunta por que é que há-de haver planeamento familiar nos locais de trabalho se já há serviços de saúde para a saúde profissional, para a saúde do trabalho. A Sr.ª Deputada tem consciência de que as trabalhadoras e os trabalhadores deste país não têm, em muitos casos, possibilidade de se deslocar fora dos seus locais de emprego para terem, sequer, acesso aos serviços que dão resposta à doença quanto mais a estes de prevenção e de promoção da saúde? Tem consciência de que os patrões descontam aos trabalhadores e às trabalhadoras essas horas em que eles procuram esses cuidados de saúde? Não tem, com certeza, Sr.ª Deputada! Senão, não achava um exagero que nesses serviços de saúde que já existem se pudesse dar acompanhamento na área do planeamento familiar.
Este projecto, Sr.ª Deputada, não é um mero contributo para o debate. É quase uma revolução neste marasmo em que o seu Governo e os outros governos anteriores têm mantido esta questão da educação sexual e do planeamento familiar.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Queria fazer algumas perguntas, mas visto que, regi mental mente, o tempo para perguntas é muito curto e as minhas perguntas são muitas, faço uma intervenção ínterrogada.
Devo dizer que a primeira grande novidade é trazida, de facto, por este projecto do PCP e por isso mesmo pedi ao meu líder parlamentar para tomar parte neste debate, para o qual não estava destacada. Isto porque, realmente, este é um projecto novo, contra o qual me venho insurgir, expondo-me já a todas as zurzidelas que a Sr.ª Deputada Odete Santos queira daí enviar,...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas eu estou calada!

A Oradora: - ... porque penso que é preciso que alguém diga aqui duas ou três coisas que, na minha opinião, são muito importantes.
Em primeiro lugar, quero distinguir, no projecto do PCP, artigos com os quais estou completamente de acordo, outros que levaria mais longe e outros com os quais estou em total desacordo. Aqueles com os quaís estou em desacordo são aqueles que são politicamente relevantes e é por isso que terei de falar.
Quero dizer, desde já, que considero, por exemplo, as consultas no local de trabalho e nos estabelecimentos de ensino mais do que pertinentes, porque o PCP explica bem que elas acontecerão em locais onde já existam consultas, não sendo necessário criar nada de novo. Onde já existam consultas faz todo o sentido que se criem consultas de planeamento familiar, porque já aqui foi levantada a questão real da dificuldade do acesso a centros de saúde, por questões de tempo ou por questões de deslocação.
Depois, há um artigo muito interessante que eu gostaria de referir e que tem a seguinte epígrafe: «Proibição de selectividade». Este artigo, tanto quanto entendi, a ser aprovado este projecto de lei, teria como consequência reco-

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nhecer como lícita e legal a desnatação feita agora. Ora, eu entendo que a lei em vigor não permite esta desnatação, isto é, todas as mulheres devem ser atendidas, têm de ser atendidas nos hospitais. Portanto, do meu ponto de vista, este artigo não faz qualquer sentido, porque significa reconhecer uma situação que, se, de facto, existe, não tem cobertura legal e, como tal, deve ser denunciada. Se vamos aprovar uma redacção deste tipo, estamos a aprovar uma redacção < defensiva» que nada justifica, porque seria o mesmo que afirmar «sim, senhora, há desnatação. Ela não é ilegal e passa a ser a partir da aprovação deste projecto.».
Depois, devo dizer que, em relação às estatísticas, seria bom o PCP aprofundar um pouco a questão dos processos clínicos e a questão da classificação por GDH, porque penso que é por aí que se terá de fazer um levantamento sistemático de todas as situações, para que seja possível ao País conhecer a situação. Penso que isso é fundamental, desde logo em termos de saúde pública, mas também em termos, por exemplo, destes debates, em que andamos à volta dos números sem nunca chegar lá. Portanto, aí também diria que o que é necessário conhecer não é uma estatística em sentido genérico mas, sim, o que os hospitais, neste momento, têm e que instrumentos é que podem aperfeiçoar. Desde logo, podem aperfeiçoar os processos clínicos e a classificação das situações.
As campanhas de divulgação destinadas aos jovens são uma medida óbvia, já que não é possível conceber qualquer espécie de formação ou de informação sem recorrer a campanhas e a meios audiovisuais. Contudo, há algo que está aqui e que me parece extraordinário, que é a ideia muito negativa de natalidade que o Partido Comunista dá.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas qual ideia?!

A Oradora: - Explico por que é que isto é grave. É grave porque, sem prejuízo de toda a atenção que tem quem vive nos dias de hoje, vê televisão e conhece as situações em relação aos países do terceiro mundo, a demografia, na nossa situação concreta de País do primeiro mundo, é um problema ao contrário, já que temos uma demografia profundamente envelhecida. Portanto, se é certo que devemos criar mecanismos para permitir às mulheres e às jovens não engravidarem quando não têm condições para isso, não têm vontade ou não têm maturidade, também é certo que não faz sentido estarmos tão obcecados com isso que, de repente, qualquer projecto de lei e qualquer discurso sobre planeamento familiar só traduza esta ideia: «é gravíssimo, é tremendo, é terrível e é, a todos os títulos, legítimo evitar ter filhos!». Não há razão para isso! São duas situações, do meu ponto de vista, completamente diferentes e penso que se está a passar, por excesso de zelo e até talvez por má consciência - e aqui não sinto que seja a minha,
uma ideia negativa de natalidade que é muito anti-pedagógica e que não corresponde à realidade. Uma coisa é a liberdade e os mecanismos necessários para aceder a essa liberdade, outra coisa completamente diferente é a ideia muito negativa de natalidade.
Por outro lado, gostei de ouvir o Sr. Deputado falar dos afectos, porque ia perguntar se, de facto, a sexualidade humana é só mecânica, se não há também, nessa formação e nessa educação, a ideia - e falo-lhe como mulher - de que o acto sexual tem de estar ligado ao afecto, ou de que deveria estar ligado ao afecto, à auto-estima, à possibilidade da liberdade, à possibilidade da escolha e, finalmente, à dignidade.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Há!

A Oradora: - É este conjunto que também não vejo aqui espelhado e foi isso que me fez pedir a palavra. Estranho, por exemplo, que se tenha de esperar pela alta para fazer uma consulta de planeamento familiar a uma mulher que teve de interromper a gravidez. Por que é que não se pode fazer essa consulta durante o internamento? Digo isto com conhecimento de causa, porque sei que as mulheres que são «apanhadas» no internamento, essas, pelo menos, sairão encaminhadas, passe a expressão. As que não saem encaminhadas dos hospitais terão, depois, muito mais dificuldade em encontrar uma resposta adequada ao nível das consultas dos centros de saúde. Se estas mulheres, durante o puerpério, devem ter uma consulta de planeamento familiar, com mais razão deverão ter uma consulta de planeamento familiar aquelas que foram ao hospital na sequência de qualquer tipo de aborto. Aí, portanto, iria mais longe.
Concordo inteiramente com a intenção de colocar as consultas de planeamento familiar mais próximas das pessoas, nomeadamente das mulheres e das jovens, mas fico muito espantada com a ideia de que o problema, para o PCP, se resolve com máquinas de preservativos. É muito ilusória - e não podemos estar aqui a enganar os mais novos - a ideia de que quando lhes dermos um preservativo, lavamos daí as nossas mãos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Isso não é verdade!

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Quando não damos, é que «lavamos as mãos»!

A Oradora: - Sei que o que acabei de dizer é politicamente incorrecto, mas é-me indiferente. Estamos quase no fim da legislatura e prezo-me de ter dito aqui tudo aquilo que pensei.
Penso que não devemos fazer isso. Penso que devemos dar-lhes os meios de informação, os meios de formação e os meios de prevenção, se quiserem, mas isto deve ser dado com respeito por eles e o respeito por eles, do meu ponto de vista, não é «toma lá um preservativo», como quando eu era pequena, no tempo do salazarismo, me davam, no Liceu Rainha D. Leonor, um copo de cacau.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Olhe, mas nesse tempo, preservativos, nem pensar neles! E hoje há quem não queira ouvir falar disso!

O Sr. Presidente: - Eu não dei a palavra à Sr.ª Deputada Odete Santos!
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, em relação a algumas das questões que a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto aqui levantou, é preciso esclarecer bem o que é que é intenção do PCP. Em primeiro lugar, nós defendemos que temos de caminhar para uma situação em que em todos os estabelecimentos de ensino haja, a curto prazo, o programa de educação, de formação e de informação sexual, incluindo as questões importantíssimas dos afectos, com especial importância, provavelmente, nos primeiros anos do ensino básico e nós abrangemos também o 1.º ciclo do ensino básico, o que é

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muito importante. Contudo, não vamos distribuir preservativos aos alunos do 1.º ciclo do ensino básico!

A Sr.º Luísa Mesquita (PCP): - Como é óbvio!

O Orador: - Fique descansada, Sr.ª Deputada.
1á no que diz respeito à questão da demografia, penso que temos uma divergência grande. É que a Sr.ª Deputada acusa, ou, pelo menos, insinua que o nosso projecto de lei é contra a natalidade. Ora, o problema aqui não é esse, Sr.ª Deputada. É que a natalidade incentiva-se criando condições para que as mulheres e os homens deste país possam querer ter filhos e não deixando-os à mercê da falta de planeamento familiar, para terem os filhos que não querem ou para serem empurrados para as gravidezes indesejadas ou paia o aborto clandestino.

Aplausos da Deputada do PCP Odete Santos.

Finalmente, em relação ao preservativo, há aí uma teoria que tenho muita dificuldade em entender e que, aliás; a Sr.ª Deputada Fernanda Costa também aflorou. Esta teoria diz que a distribuição do preservativo é um obstáculo ao encaminhamento para a educação sexual e para o planeamento familiar.

O Sr. José Barradas (PS): - E pode ser uma dificuldade!

O Orador: - Pelo contrário, Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto. As pessoas, por terem acesso mais rápido ao preservativo, não deixam de ter necessidade nem deixam de ter vontade de receber mais formação na educação sexual e de ter acesso às consultas de planeamento familiar. É ao contrário! Aliás, deixe-me dizer-lhe, para terminar, Sr.ª Deputada, que há uma questão que deve descansar a bancada do CDS-PP: é que os estudos que se conhecem em relação à difusão do planeamento familiar e da educação sexual provam que, quando isso é feito da melhor maneira e com eficácia, até a idade de entrada na vida sexual aumenta. Veja lá, Sr.ª Deputada, que descanso o CDS-PP pode ter ao defender e ao apoiar o projecto do PCP, que, afinal de contas, o que quer é que haja uma sexualidade feliz, consciente, responsável e com todo o direito de decidir dos seus afectos, das suas emoções e da sua vida futura, que é o que muitas vezes não está garantido!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, centrar-me-ia apenas em duas questões que o Sr. Deputado Bernardino Soares me colocou, porque penso que são as mais relevantes.
Em primeiro lugar, a questão da natalidade. Ela incentiva-se, criando, sem dúvida alguma, condições. Se olhar para as estatísticas em Portugal, verifica o crescimento de um fenómeno que, penso, é assustador. Por um lado, aumentam as mães adolescentes, com 13, 14 anos. Aliás, aquilo que o Sr. Deputado disse em relação às adolescentes de condição sócio-económica baixa já eu o tinha dito, e a Sr.ª Deputada Odete Santos, nessa altura, atacou-me fortemente...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - E com razão!

A Oradora: - ... porque achou que era um comentário classista. Mas não é! Obviamente que quem tem menos condições tem menos condições para tudo, tem-no também para o acesso à informação, à formação e para se defender.
Portanto, tem um aumento de mães adolescentes e tem, a partir de um certo nível, as mulheres a terem o primeiro filho aos 30 e para além dos 30 anos.
Isto é uma responsabilidade nossa, é uma responsabilidade de todos nós! Também acho que, criando condições...

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Mas não se resolve limitando o planeamento familiar!

A Oradora: - Não, o planeamento familiar faz parte, mas não é só, porque quem vai ter o primeiro filho aos 30 anos, vai tê-lo porque está a assegurar um posto de trabalho, porque está a assegurar uma carreira, não tem possibilidade de compatibilizar. E quem vai ter aos 14 anos é porque não teve acesso à informação e formação básicas a que tinha direito, nem à ajuda no momento oportuno. É, pois, preciso este conjunto de coisas.
Por outro lado - e o Sr. Deputado tem aí, na sua bancada, uma técnica de educação, e eu, como mãe, também educo alguma coisa, ou tentei educar -, penso que não é com uma visão e uma linguagem descarnadas (e eu tirei apenas aquilo que está no projecto em termos das matérias e dos temas seleccionados, que são terríveis, porque vão desde as doenças até à interrupção da gravidez), ou seja, com todo o aspecto negativo da maternidade, se se quiser chamar assim, ou do acto de engravidar, que as crianças, no ensino básico, ficarão com a ideia completa que deviam ter. Ou seja, se só lhes der o lado negativo, quando é que lhes vai dar o lado positivo?
Por isso é que digo que, conjugando esse elenco, que foi feito pelos senhores, não foi feito por mim - que, por um lado, parece-me correcto e, por outro, não sei como é que isto se vai compaginar -, com o facto de o espalharmos por várias disciplinas, corremos o risco de uma grande diluição. Portanto, também chamo a atenção, com toda a boa fé, de, por um lado, podermos correr o risco de uma grande diluição destas matérias e, por outro, se o concentrarmos apenas numa só, podermos também correr o risco de não ser o que se pretende. Mas, provavelmente, o que vai resultar é uma ideia negativa, um perigo a que é preciso fugir, a que é preciso escapar. Era esta a mensagem que deixava aqui, porque me faz alguma confusão e preocupa-me.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Alberto Marques.

O Sr. Alberto Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O Partido Socialista sempre considerou que a educação sexual e o planeamento familiar são assuntos da maior importância social e de particular relevância política. Era essa a nossa postura na oposição, é-o hoje, ainda mais, que somos Governo!
Na sociedade contemporânea, o conceito de sexualidade está cada vez mais associado à ideia de saúde e de bem-estar biológico e psicossocial e, consequentemente, de felicidade e de qualidade de vida dos cidadãos e das suas famílias. Nessa medida, a educação sexual é uma componente essencial da educação e da promoção da saúde.

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Também nesta matéria o Governo tem demonstrado vontade e capacidade políticas para melhorar a situação de saúde dos portugueses. Demonstram-no já, hoje, o reforço das actividades de saúde nos centros de saúde e nos hospitais e a forte aposta na promoção de formação contínua e nas boas práticas dos profissionais. Comprovam-no o esforço de aperfeiçoamento dos mecanismos de informação e de sensibilização junto da população, particularmente dos jovens e grupos mais vulneráveis.
É por isso justo reconhecer, mais uma vez, a forma dinâmica, a atitude responsável e determinada com que o actual Governo tem sabido corresponder às expectativas e aos interesses dos cidadãos aplicando uma nova política de saúde, de que é recente exemplo o Plano de Acção Integrada para Educação Sexual e Planeamento Familiar, aprovado em Setembro passado.
Há objectivos e metas quantificadas para diversos aspectos da educação sexual e da saúde reprodutiva que o Governo assumiu e que afectam, transversalmente, os serviços de saúde, de ensino, de juventude, do mundo do trabalho, da solidariedade e, mesmo, o sistema prisional.
A Secretaria de Estado da Juventude, respeitando o espírito da Lei n.º 3/84, tem em curso acções específicas para combater a muita desinfòrmação ainda existente sobre o planeamento familiar e a educação sexual. São disso exemplo a Sexualidade em Linha, uma linha telefónica gratuita, a que todos os jovens podem aceder, que conta com mais de 40 000 contactos já efectuados pelos jovens e que constitui um importante complemento ao Programa Haja Saúde.
Ainda no âmbito da Secretaria de Estado da Juventude, em colaboração com o Ministério da Saúde e com as autarquias locais, estão a ser implementados, nas delegações regionais do Instituto Português da Juventude, gabinetes de apoio à sexualidade juvenil (GAS) destinados aos jovens para promoção da saúde sexual, do planeamento familiar, para acompanhamento psico-afectivo e atendimento de clínica geral e ginecologia.
Também o Parlamento, pelos diversos debates parlamentares sobre o planeamento familiar e educação sexual, que os portugueses têm oportunidade de acompanhar, tem valorizado a importância social da educação sexual e do planeamento familiar, reforçando deste modo o clima de confiança dos cidadãos nas instituições e contribuindo para credibilizar os profissionais que nelas trabalham.
O acesso ao planeamento familiar tem aumentado significativamente em Portugal - ninguém terá disso qualquer dúvida! Confirmam-no as estatísticas do INE, atestam-no os resultados na saúde individual, traduzidos por indicadores de morbilidade e de mortalidade, cada vez mais consentâneos com os valores médios dos países da União Europeia.
O atendimento de adolescentes, aspecto específico que tem merecido, e deve continuar a merecer, particular atenção não só do Governo mas também desta Câmara, há muito que foi regulamentado pela Portaria n.º 52/85. Contudo, a sua existência até 1993 mais não foi que discreta. Em 1993, por exemplo, havia atendimento específico para adolescentes em cerca de 13% de centros de saúde; em 1998, essa percentagem ascendeu,a cerca de 23,5% e é, hoje, ainda maior.
Em todos os centros de saúde, há atendimento global em planeamento familiar.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Global, porque específico não há!

O Oradora:- Um dado importante que importa analisar, paralelamente, é a percentagem de nascimentos em mães menores de 20 anos. Nos anos 80, o seu valor situava-se acima dos 11%; em 1997, foi de 6,3%, mesmo assim das mais elevadas da Europa.
Dados ainda recentes, de 1997, resultantes do inquérito à fecundidade e família, confirmam uma crescente adesão dos jovens à contracepção. Estudos mais globais, obtidos pelo mesmo inquérito, colocam o nosso país em matéria de planeamento familiar, nomeadamente na utilização de contracepção hormonal, a par dos outros países da União Europeia. Este facto está, seguramente, relacionado com um conjunto diversificado de acções que têm sido desencadeadas no sentido de tornar os serviços mais acessíveis, mais humanizados, mais vocacionados e mais capacitados para o atendimento em planeamento familiar, particularmente junto dos jovens.
É com realismo que, mesmo conhecendo o esforço dos serviços, continuamos a reconhecer que, apesar das novas medidas adoptados pelo Governo no alargamento das consultas nos centros de saúde e hospitais, nos termos do Despacho n.º 12 782/98, da Sr.ª Ministra da Saúde, ou, mesmo, dos programas da Secretaria de Estado da Juventude na área dos adolescentes, há, sem dúvida, ainda muitas necessidades não satisfeitas, em particular aos grupos marginalizados e aos desfavorecidos economicamente.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Talvez por isso se deva entender a intensa actividade legislativa da oposição! O PSD, por seu lado, apresentou o projecto de lei n.º 552/VII, cujo articulado se norteia em torno de um âmbito comum, definido no seu artigo 1.º, que é o de «prevenir o aborto e promover a saúde reprodutiva». Propósito que, nesses termos; seria consensual, não fossem a diversidade de contradições e redundâncias que o documento contém face ao que é já hoje a praxis dos serviços de saúde.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Não vive neste país!

O Orador: - Logo na «Exposição de motivos», os autores «esquecem-se» da Portaria n.º 52/85, que, como é sabido, regulamenta as consultas de planeamento familiar e os centros de atendimento para jovens. Simultaneamente, estão hoje em curso, nos hospitais e centros de saúde, novas acções decorrentes do Despacho n.º 12 782/98, de 6 de Julho, que não podem ser ignorados neste debate.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Apareceu depois!

O Orador: - Nele contempla-se o reforço das actividades no âmbito do planeamento familiar e da saúde materna, assim como as actividades de educação, dirigidas aos adolescentes e às mulheres jovens, nas áreas da sexualidade e reprodução, determinando, designadamente, que em todos os hospitais com serviço de ginecologia/obstetrícia devem funcionar consultas de planeamento familiar que constituam referência para os centros de saúde da sua área, devendo, obrigatoriamente, dar resposta: a situações de risco; a situações com indicação para contracepção cirúrgica; a situações resultantes de complicações de aborto; e à puérpera de alto risco obstétrico.
Simultaneamente, em todos os centros de saúde deve ser constituída uma equipa multiprofissional que assegu-

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re: o atendimento imediato nas situações em que haja motivo expresso que o justifique; o encaminhamento adequado para uma primeira consulta a efectivar no prazo máximo de 15 dias, ponderado o grau de urgência; e consulta de planeamento familiar, como recurso complementar, a todos os utentes que não disponham de resposta no âmbito do médico de família.
Em terceiro lugar, esse mesmo despacho determinou também uma avaliação do grau de execução das medida enunciadas.
Srs. Deputados, desta avaliação, e em muitos hospitais - convém dizer que esta foi a primeira vez que tal matéria foi alvo de avaliação! -, resultou que, até 30 de Outubro de 1998, 73% dos hospitais tinham já a consulta de referência e 45% tinham elaborado protocolos de referência com os centros de saúde da sua área.
Tudo isto, Srs. Deputados do PSD, para lhes dizer que a vossa iniciativa legislativa se afigura mais como um desnecessário projecto de resolução da Assembleia da República para recomendações ao Governo, travestido de projecto de lei. Porém, ao optarem - legitimamente, é certo - pelo presente projecto de lei, entraram, de facto, em medidas excessivamente dirigidas que, na sua maioria, estão já em curso, colidindo assim com a competência exclusiva do Governo no tocante à sua competência administrativa e ferindo, em nosso entender, o espírito da letra do artigo 199.º da Constituição da República Portuguesa.
Mas, Srs. Deputados, o que politicamente nos espanta, o que merece o nosso repúdio é mesmo o vosso propósito de criarem regras de acessibilidade que visam favorecer os prestadores privados em detrimento do aproveitamento das estruturas públicas de saúde.

Vozes do PS: - Bem lembrado!

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - É falso!

O Orador: - São disso exemplo os artigos 2.º e 3.º do documento, cuja matéria explicitada deve ser enquadrada no Despacho n.º 12 782/98, anteriormente citado.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A superficialidade patente no projecto de lei vai ao ponto de, no caso do artigo 5.º, se criarem centros de atendimento para adolescentes como se não tivessem sido criados antes, como se não existissem já!
Talvez por isso se tenha ignorado a Portaria n.º 52/85, de 26 de Janeiro, que, como já referi, regulamenta as consultas de planeamento familiar e centros de atendimento para jovens.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Está tudo feito!...

O Orador: - Também o PCP, aproveitando a oportunidade, apresentou o projecto de lei n.º 632/VII, que reforça as garantias do direito à saúde reprodutiva. Neste caso, os proponentes assumem, desde logo, o seu carácter de desenvolvimento da Lei n.º 3/84, que está em vigor e com a qual concordamos totalmente.
O PCP apresenta um documento que, na generalidade, vem reforçar disposições já existentes, dando-lhes nova forma legal. São exemplos disso os artigos 9.º, 10.º e 11.º, cujos conteúdos são contemplados no Despacho n.º 12 782/98, sobre planeamento familiar, e os artigos 5.º e 6.º, estes contemplados na Portaria n.º 52/85.
No Capítulo II, tratar-se-á não de prevenir a saúde sexual, como se diz no texto, mas, sim, de promover a saúde sexual, sendo que o artigo 2.º, que é uma reformulação do artigo 2.º da Lei n.º 3/84, agora com um acrescido carácter de obrigatoriedade.
Relativamente ao projecto de lei do PCP, a nossa principal dificuldade reside nos termos em que é proposta a distribuição gratuita de preservativos aos estudantes. Sobre a distribuição de preservativos, parece-nos mais importante assegurar a disponibilidade de contraceptivos nas várias modalidades de atendimento de saúde a jovens nos serviços de saúde e no Instituto Português da Juventude.
Por outro lado, distribuir preservativos nas escolas como de panfletos se tratasse não será, seguramente, a atitude mais adequada nem será, pensamos nós, o objectivo dos proponentes.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não conhece as experiências de outros países! Santa ignorância!

O Orador: - Srs. Deputados, o PS admite ir ao encontro da maioria das propostas contidas no projecto de lei n.º 632/VII, do PCP, se, por parte dos proponentes, existir disponibilidade e vontade política para alterações em sede de especialidade. Desta forma, o PS estará disponível para aprovar uma lei que, tal como indicam os proponentes, reforça as anteriores na área da saúde reprodutiva.
Sr.ªs e Srs. Deputados, o muito que está a ser feito, a atitude dedicada dos profissionais de saúde, as medidas inovadoras em curso, justificam o nosso optimismo quanto ao futuro. A situação é, seguramente, hoje melhor que ontem. Será certamente ainda melhor no futuro se o País concretizar, como esperamos, a estratégia de saúde 1998/2002 que está em curso!
É, pois, Srs. Deputados, optimista a nossa atitude.

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado.

O Orador: - Terminarei de imediato, Sr. Presidente.
Acreditamos ser possível fazer ainda melhor, com mais qualidade nos cuidados prestados, mais fácil acessibilidade, sempre em função das reais necessidades de saúde dos cidadãos. A responsabilidade de ir mais longe, de desenvolver a cidadania, é, seguramente, de todos. O PS e o seu Governo assumem-na, aceitando os desafios da modernidade, assim o entenda também esta Câmara.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Jorge Roque Cunha e Bernardino Soares. Porém, o Sr. Deputado Alberto Marques não tem tempo, a menos que os Srs. Deputados, devido ao tempo que ainda dispõem, lhe concedam metade, para responder, porque a esta hora da noite e ainda com mais um ponto para discutir, está proibida a generosidade da Mesa, pela ordem natural das coisas.

Pausa

Uma vez que há concordância na cedência de algum tempo ao Sr. Deputado Alberto Marques, dou a palavra

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ao Sr. Deputado Jorge Roque Cunha, que dispõe de 2.6 minutos.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Marques, de facto, depois do referendo do aborto, estamos, pela terceira vez, a discutir esta matéria nesta Câmara; curiosamente, todas elas de iniciativa dos partidos que compõem a Alternativa Democrática! É evidente que o PCP merece aqui uma referência especial, porque tem participado activamente nestes debates e, inclusivamente, apresenta o projecto de lei que estamos aqui a discutir. .

A Sr.ª Odete Santos (PCP): — E um bom projecto de lei!

O Orador: — Da parte do Partido Socialista, como acabámos de verificar, é a atitude habitual: o discurso lauda-tório de que tudo é feito por este Governo, discurso completamente fora da realidade!
Sr. Deputado Alberto Marques, é capaz de (dizer à Câmara e ao País que o despacho aprovado pela Sr.ª Ministra da Saúde está a ser cumprido? Nele é referido; entre outras, coisas, que até Outubro, devem ser remetidos os relatórios dos centros de saúde, por forma a permitir a adopção de novas medidas — onde é, que elas estão? —; que em todos os hospitais com serviço de ginecologia/obstetrícia devem funcionar consultas de planeamento familiar — onde é que elas existem? — que os centros de saúde constituirão equipas multiprofissionais que polarizam as motivações e as iniciativas do campo da saúde reprodutiva — onde é que elas estão? Sr. Deputado Alberto Marques, basta agarrar no telefone e ligar para os centros de saúde do País para verificar que na sua esmagadora maioria, estas consultas não existem.
Portanto, aquilo que acabou de dizer, no mínimo, não é optimismo, é perfeita inconsciência e está completamente fora da realidade.
Já agora, para terminar, a questão da educação sexual nas escolas. A equipa, que trabalhou no Programa de Promoção e Educação para a Saúde fez um trabalho excelente ao longo de anos e incluiu um projecto-piloto em cinco escolas, do ensino básico e secundário, projecto esse que foi avaliado e, tem propostas concretas que existem desde há seis anos, portanto não é deste Governo! Deste Governo tem lá, de facto, o relatório final de avaliação, onde se propõe um conjunto de medidas a integrar nos currículos, etc. Mas onde é que elas estão? Naturalmente, a aboborar numa das muitas gavetas do Sr. Ministro da Educação!...
Dei-lhe dois exemplos, para verificar que esta é uma questão séria e que nós, com todos os instrumentos possí-veis, deveremos atacá-la de frente, não devemos tapar o sol com a peneira e dizer que está tudo bem, que está tudo feito.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Sugiro que o Sr. Deputado, Alberto Marques responda conjuntamente aos dois pedidos de esclarecimentos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Marques, penso que o Sr. Deputado não pode vir aqui dizer que o Governo tem valorizado a importância da educação sexual e do planeamento familiar, porque não vejo qualquer medida do Governo no sentido de rapidamente pôr em prática a integração da formação e informação em educação sexual nos currículos escolares. Não há, Sr: Deputado! Não há!

O Sr. Alberto Marques (PS): — Há!

O Orador: — E a experiência do Programa de Promoção e Educação para a Saúde na disciplina de Biologia do 8.º ano tem pouca incidência, não sendo sequer generalizada a todo o País. É, ao fim e ao cabo, uma maneira de dizer que já se fez alguma coisa, quando o que se pretende é uma generalização muito maior. O Sr. Deputado não pode ver essas questões só do ponto de vista da saúde; o que está aqui em causa é, fundamentalmente, também uma questão de educação e esta exige medidas mais intensas. E a intensa actividade legislativa da oposição é precisamente para fazer face à fraca e pouco profunda actividade do Governo nesta matéria. Sobre a questão dos contraceptivos nas escolas, S.r. Deputado, não compreendo essa sua objecção. Não a compreendo! Então, se queremos que as escolas sejam um local privilegiado para a educação sexual, para a formação e informação sobre a sexualidade, se queremos que as escolas sejam um local de aprendizagem nesta matéria, não queremos que nas escolas se faça a distribuição de um dos meios contraceptivos mais importantes que exige maior acessibilidade e que, ainda por cima, tem uma importância fundamental na prevenção das doenças sexualmente transmissíveis?!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: — O Sr. Deputado Alberto Marques, se calhar, não sabe mas nós dizemos que até nos Estados Unidos da América - veja lá o exemplo que fui buscar! - há em vários Estados distribuição gratuita de preservativos nas escolas com resultados muito positivos na prevenção das doenças sexualmente transmissíveis. Veja lá, Sr. Deputado, até nos Estados Unidos da América!
Para terminar, em relação à questão formulada pela Sr.ª Deputada Maria. José Nogueira Pinto, queria dizer que não defendemos uma sexualidade desumanizada nem mecânica; o que defendemos é uma sexualidade com pleno conteúdo humano e com pleno conteúdo dos afectos e é por isso que defendemos este projecto de lei e que propomos educação nesta matéria, coisa que até agora nenhum outro partido o fez.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): — E um inquérito à fecundidade revela que os jovens até a uma certa idade usam muito o preservativo!

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada Odete Santos, não me lembro de lhe ter dado a palavra. Estou a ficar velho, mas não tenho essa ideia!
Para responder aos pedidos de esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Marques, dispondo, para o efeito, de dois minutos.

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Tentarei ser o mais breve possível, até porque não é difícil ser breve.
Em relação às questões colocadas pelo Sr. Deputado Jorge Roque Cunha, do PSD, que ouvi com atenção, queria dizer duas coisas: a primeira é a de que, ao invés de outros governos, o despacho da Sr.ª Ministra da Saúde de 1998 não é um mérito do Governo mas, sim, um cumprimento escrupuloso da Lei n.º 3/84, que não foi cumprida durante 10 anos, Sr. Deputado! Leia o despacho e faça um mea culpa, porque aquele despacho deveria ter sido exarado...

Protestos do PSD.

O Orador: - Sr. Presidente, assim não consigo responder!

O Sr. José Barradas (PS): - Não querem aprender!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, deixem falar quem está no uso da palavra.
Faça favor de continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - Se me permitirem continuar, Srs. Deputados, direi que aquele despacho deveria ter sido exarado há vários anos atrás.

O Sr. Nelson Baltazar (PS): - Em 1994!

O Orador: - Quando uma avaliação séria sobre as insuficiências de resposta às necessidades de planeamento familiar foi levada a cabo, por diversas vezes, pela Direcção-Geral de Planeamento Familiar, o governo de então deveria ter feito um despacho para corrigir a situação anómala que encontrou. Felizmente que o actual Governo o fez, embora apenas em 1998!
O Sr. Deputado Jorge Roque Cunha afirmou ainda que nós dizemos que está tudo feito. Nunca dissemos isso! Nesta Câmara, o PSD afirma sempre que nós dizemos que está tudo feito. Nunca o dissemos! Mas nós compreendemos que os Srs. Deputados digam que está tudo feito, porque lhes interessa! E que têm remorsos, têm um peso na consciência e por isso precisam de dizer que está tudo feito. Mas não está tudo feito! Ainda há muito para fazer, há muita coisa a ser melhorada, há muita coisa a ser levada por diante!

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Vá lá!

O Orador: T- Respondendo ao Sr. Bernardino Soares,...

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Então, e a questão do planeamento familiar?!

O Orador: - ... só lhe queria dizer duas coisas: a primeira é a de que, como V. Ex.ª teve oportunidade de ouvir, a nossa intervenção fez referência ao plano integrado interministerial. Naturalmente que é recente e não abrange os currículos escolares, mas é um trabalho que, todos reconheceremos, estava a necessitar de uma intervenção, e ela foi feita...

Protestos da Deputada do PCP Luísa Mesquita.

O Orador: - Sr.ª Deputada, foi feita a intervenção! Vamos ver os resultados. Aliás, já estão visíveis em muitas áreas.

Outra questão fundamental é a da distribuição dos preservativos. Nós não nos manifestamos contra o fornecimento de preservativos nas escolas,...

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Isso não é nada!

O Orador: - ... até porque não criticamos o n.º 3 do artigo 3.º do vosso projecto de lei em que prevêem a distribuição de preservativos mediante o pagamento de uma verba. Somos é contra o n.º 2 do artigo 3.º, que tem de ser revisto em sede de especialidade.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Carmem Francisco.

A Sr.ª Carmem Francisco (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Para Os Verdes, o direito à saúde reprodutiva é uma questão de respeito pelos direitos humanos.
Relembrando aquilo que aqui dissemos há precisamente um mês quando falámos de educação sexual, de planeamento familiar e de interrupção voluntária da gravidez, falamos dos direitos humanos das mulheres, da sua emancipação, da sua capacidade de livre escolha, da sua possibilidade de contribuir para a construção da sociedade, da sua saúde; falamos de uma nova oportunidade para as jovens, como refere o relatório da UNICEF sobre o progresso das nações; falamos daquilo que constituiu certamente uma revolução no campo da técnica e das mentalidades na promoção da igualdade entre homens e mulheres, uma revolução à qual importa, com urgência, dar continuidade com a implementação de medidas concretas, inovadoras e universais.
Sendo a saúde reprodutiva um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não a mera ausência de doença ou enfermidade em todos os aspectos relacionados com o sistema reprodutivo e com a suas funções e processos, de acordo com a Plataforma de Acção da 4.º Conferência Mundial das Nações Unidas sobre as Mulheres, parece-nos extremamente correcta a definição do âmbito do projecto de lei do PCP, o qual abarca as questões da educação sexual, do planeamento familiar e métodos contraceptivos e da interrupção voluntária da gravidez.
Em nosso entendimento, o projecto de lei do PSD falha ao considerar apenas a vertente do planeamento familiar, quando é o seu próprio texto a definir como objectivo o da prevenção do aborto e da promoção da saúde reprodutiva.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Ainda que na «Exposição de motivos» o PSD refira a importância da informação e educação dos jovens no domínio da saúde reprodutiva, acaba por não autonomizar a questão da educação sexual, fazendo apenas uma confusa referência ao Ministério da Educação no artigo sobre centros de atendimento de adolescentes, os quais o PSD concebe como locais de atendimento dirigidos aos jovens, a funcionar nos centros de saúde e nos hospitais, e que, portanto, tem mais a ver com a disponibilização de alguma informação e não com o que entendemos como educação sexual.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

A Oradora: - Quanto à interrupção voluntária da gravidez, o PSD refere a ignorância que existe sobre o sen-

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tido e conteúdo da lei em vigor, mas é omisso no seu projecto quanto a propostas concretas para clarificar esse sentido e esse conteúdo, para além da obrigação genérica do Ministério da Saúde de divulgação de informação sobre a matéria, obrigação essa que, naturalmente, já recai sobre esse Ministério e os seus serviços. Que ela não seja cumprida, já é outra história!
Clarificar o sentido e o conteúdo da lei em vigor, com todas as suas limitações, é aquilo que faz o PCP com o seu artigo 12.º, o qual proíbe aos estabelecimentos de saúde, oficiais ou oficialmente reconhecidos, de fazerem uma selecção das causas que cada estabelecimento entende como justificativas da interrupção voluntária da gravidez, de entre as estabelecidas por lei. Com esta medida, será atingido o objectivo de garantir que em qualquer estabelecimento de saúde devidamente equipado tecnicamente para o efeito sejam atendidas as mulheres que pretendam a interrupção voluntária da gravidez por qualquer dos motivos previstos na lei.
Sr.ªs e Srs. Deputados, para o Partido Ecologista Os Verdes são de grande importância para o acesso universal aos meios contraceptivos o reforço da ideia da sua gratuitidade, a qual é, no texto do PCP, entendida, também, através da sua comparticipação a 100%.
Também muito relevante nos parece a proposta da distribuição gratuita de preservativos nas farmácias e nos estabelecimentos de ensino superior e secundário - medida esta que, já ficou demonstrado, sairá mais barata ao Estado do que a simples distribuição de preservativos no âmbito das consultas de planeamento familiar -; no entanto, nunca esquecendo que é manifestamente insuficiente a informação mecânica sobre a sexualidade e. a ideia de que «se dermos preservativos a todos os rapazes, os problemas ficarão resolvidos», como sublinha, e bem, Daniel Sampaio.
Daí a relevância que damos ao facto de a saúde reprodutiva ser vista como um sistema, ao qual não pode faltar a educação sexual nas escolas, que o PCP apresenta em complemento com a educação na família e com campanhas de informação como um primeiro patamar que abra caminho a que o planeamento familiar surja com grande naturalidade, sem dramas nem tabus, assegurando que os conhecimentos e valores adquiridos permitem uma realização pessoal, ao nível sexual, dos afectos e das relações interpessoais com uma minimização dos riscos.
Aliás, parece-nos que o PCP apresenta a medida da distribuição gratuita de preservativos não tanto como medida relacionada com a contracepção, não, certamente, como medida relacionada com a educação sexual mas, sobretudo, com o importante objectivo de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis.
Sr.ªs e Srs. Deputados, quando o relatório da Comissão Interministerial para a Elaboração de um Plano de Acção Integrada para a Educação Sexual e Planeamento Familiar reconhece - o que, aliás, é consensual - que há inúmeras barreiras e obstáculos, criados pelos indivíduos ou grupos de influência, quanto às acções a desenvolver que se relacionem com a sexualidade em particular, com a sexualidade fora do casamento, como é muitas vezes o caso dos adolescentes; quando a percentagem de partos em adolescentes atinge em Portugal valores muito elevados relativamente aos outros países europeus; quando, em 1998, só 23,5% dos centros de saúde tinham atendimento específico para adolescentes, consideram Os Verdes de extrema pertinência a proposta constante do artigo 6.º do texto do projecto de lei do PCP de que os jovens possam

ser atendidos em qualquer consulta de planeamento familiar, ainda que em estabelecimento fora da sua área de residência. Esta pode ser uma eficiente estratégia de combate a receios comuns nos jovens de que outros conheçam ou especulem sobre aquilo que cada um decide acerca da sua vida sexual.
Sr.ªs e Srs. Deputados, a terminar, julgamos que faria sentido que um projecto sobre o reforço das garantias do direito à saúde reprodutiva reflectisse a preocupação com o facto de, muitas vezes, as consultas de planeamento familiar ocorrerem em horário coincidente com a escola ou com o trabalho, podendo este factor ser desincentivador da procura deste serviço, conhecidas que são as dificuldades muitas vezes em justificar uma ida ao médico quando aparentemente não se está doente, nomeadamente em meio laboral onde há, ainda, uma discriminação das mulheres, precisamente em função da sua capacidade de poderem ser mães e, portanto, o que a esse facto possa estar associado.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim da discussão, na generalidade, dos projectos de lei n.os 552 e 632/VII.
Vamos passar à apreciação do projecto de resolução n.º 109/VII - Relativo à adopção de medidas contra a deslocalização de empresas (PCP).
Para introduzir o debate, tem a palavra o. Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs: Deputados: As deslocalizações de empresas transnacionais constituem um processo que tem vindo a concentrar as preocupações de muitos países e de diversificados sectores da opinião política.
Por iniciativa do PCP, em Janeiro passado, realizámos aqui um debate de urgência sobre vários casos concretos de deslocalização de multinacionais que estavam, e estão, a atingir o nosso país.
Trata-se agora de ir mais longe. A partir da nossa experiência concreta e tendo como pano de fundo a reflexão que sobre esta matéria é feita por trabalhadores, sindicatos, economistas, instituições internacionais, propomos que a Assembleia da República dê um contributo útil nesta questão pronunciando-se e recomendando ao Governo a adopção de um conjunto de medidas que permitam evitar ou minimizar as consequências económicas e sociais do crescente movimento de deslocalização de transnacionais, muitas vezes sem qualquer respeito pelos compromissos assumidos, pelos direitos dos trabalhadores e dos países onde se instalam.
Há hoje, Sr. Presidente, um crescente e continuado processo de globalização da economia que dá origem a gigantescos fluxos de investimento directo estrangeiro e movimentos financeiros. Mas é preciso distinguir entre a globalização ou a mundialização das relações económicas internacionais resultante do desenvolvimento técnico-científico, enquanto lei objectiva da economia, e as políticas de desregulamentação neo-liberal que transformam essa globalização numa selva sem regras, onde os objectivos do máximo lucro a qualquer preço, os sacrossantos interesses do mercado e o domínio do capital financeiro dominam a lógica do sistema.
É verdade que «a unificação progressiva dos mercados mundiais de bens, de serviços e de capitais» arrasta uma integração cada vez maior da produção à escala mundial.

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Mas este processo está assente, hoje, num objectivo central: atingir o máximo de rentabilidade para os capitais envolvidos, apropriando-se crescentemente da mais-valia gerada pelos trabalhadores e do incremento de produtívídade conseguido e, igualmente, rentabilizar ao máximo as carteiras de investimentos e aplicações financeiras. É o made in the world a substituir o made in Portugal.
Se para tanto é necessário ou útil encerrar empresas, desinvestir, transferir-se ou deslocalizar-se de um país para outro e de um momento para o outro, isso não é problema.
Os custos de encerramento de unidades produtivas e da transferência do negócio de uma para outra região do globo são largamente compensados pelos novos ganhos de competitividade que vão obter à custa de novos apoios e da redução dos custos dos factores de produção, designadamente do preço da força do trabalho.
A praticamente total desregulamentação do investimento transnacional proporcionando uma elevada rotação na circulação de capitais sem qualquer controle está hoje, aliás, na base de muitas crises económicas, de desemprego, de depressão em muitas regiões, de novas exclusões.
A impunidade e a arrogância com que o capital transnacional viola os seus próprios compromissos e trata os países (alguns países) onde se instala são a impunidade e a arrogância de quem se sente senhor do mundo.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O que se está a passar no nosso país - e dou só um exemplo, porque já no debate de Janeiro tivemos oportunidade de multiplicar aqui os exemplos - com a Texas-Instruments Samsung Electronic (TISEP) é um exemplo paradigmático do que acabei de dizer.
A TISEP, em 1995, recebeu 10,4 milhões de contos de incentivos e benefícios fiscais e de apoio à formação profissional para um contrato de investimento comprometido até 2004. Decidindo de repente, por seu exclusivo interesse, encerrar a empresa e transferir-se para outras paragens, a TISEP suspendeu a prodqção em Janeiro passado, vai encerrar até final deste mês de Março, os trabalhadores foram despedidos e, ao contrário das promessas do Governo e da empresa, até ao momento, apenas 50 dos cerca de 400 trabalhadores da produção foram recolocados noutras empresas. Para os restantes, é o desemprego.
Pois bem, o director-geral da TISEP afirmou recentemente, de forma arrogante e chantagista, numa entrevista a um jornal português, a propósito do montante que deveria ser objecto de indemnização ao Estado português, que, se o País insistisse muito no pagamento das indemnizações, isso seria mau «para a reputação de Portugal como país capaz de acarinhar o investimento estrangeiro». E afirmava, ainda, «a comunidade empresarial é muita pequena e granjear má reputação para um país é muito fácil.»
Este é um exemplo do nível de arrogância com que as multinacionais trátam os interesses de cada Estado e os seus próprios compromissos. É isto que é preciso regular e disciplinar.
Afirmo aqui o que já afirmei em Janeiro: somos favoráveis ao investimento estrangeiro, mas não ao investimento estrangeiro a qualquer preço, sem qualquer forma de regulamentação.
O Engenheiro António Guterres, num congresso da Internacional Socialista, salvo erro em Nova Iorque, defendeu em tempos, em palavras, a necessidade de regular o investimento directo estrangeiro. Pois bem, Srs. Deputa

dos do Partido Socialista, têm agora uma boa oportunidade de passarem das palavras aos actos, quando os processos de deslocalização vão tender a acelerar-se dentro, inclusivamente, da própria zona do euro.
E como a alternativa não é, para o PCP, entre desemprego ou a diminuição dos salários e dos direitos sociais dos trabalhadores, entre aceitar o investimento e o poder das transnacionais a qualquer preço ou passar a um. regime de autarcia económica, apresentámos o projecto de resolução que está em debate e que corporiza um conjunto de cinco medidas que a Assembleia da República assume e que o Governo deverá tomar em conta.
Essas cinco medidas são: levar o Governo a promover nas instâncias internacionais o debate e a adopção de medidas, visando regular o investimento directo estrangeiro (IDE) e os processos de deslocalização de empresas; alterar a legislação sobre indemnizações por despedimentos, reforçando as compensações a pagar aos trabalhadores que perdem o emprego em resultado de processos de deslocalização; aumento do período com direito ao subsídio de desemprego; programa público de apoio às autarquias e às pequenas e médias empresas subcontratadas vítimas de deslocalizações; reembolso das ajudas públicas recebidas e revelação pública dos contratos e ajudas outorgadas, quando houver violação dos compromissos assumidos pelas transnacionais.
Estas medidas não são, obviamente, o alfa e o omega desta questão, mas são um contributo válido ao nível de acções concretas e de criação de maiores condições de transparência nos processos de investimento das transnacionais.
Não sendo uma questão resolúvel, como já tivemos oportunidade de dizer anteriormente, unicamente dentro das fronteiras de cada Estado, não se pode, contudo, a pretexto disso, alienar as responsabilidades que a cada Estado soberano também incumbem.
Não bastam grandes discursos de preocupação ética - as transnacionais convivem bem com as palavras -, são precisos actos. Nós propomos alguns. Cabe aos restantes grupos parlamentares demonstrar a sua coerência nesta matéria juntando as palavras e os actos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira de Castro.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para nós, o projecto de resolução do PCP tem indiscutível oportunidade. A globalização das relações económicas é um fenómeno recente, mas que, dia a dia, se intensifica e nada faz prever que não tenhamos que com ele co-existir por muito tempo. E associados à globalização das relações económicas estão os processos de deslocalização de empresas, que, em regra, são sempre determinados pela busca de salários baixos, pelas mais altas taxas de produtividade e também pelos países onde há menor respeito pelos direitos dos trabalhadores. Tudo é feito em nome do acréscimo da concorrência e também, quantas vezes, em nome da obtenção de um lucro mais fácil.
Porque é assim, estamos em tempo de tomar algumas medidas que constituam uma acção preventiva que, não sendo capaz de eliminar estas consequências negativas dos processos de deslocalização, em todo o caso, seja capaz de prevenir alguns dos seus efeitos. E entre nós temos,

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infelizmente, razões para estarmos preocupados. Somos um pequeno país e, num curto espaço de tempo, temos já anúncios de intenções de desinvestimento em 11 casos. Por outro lado, preocupa-nos também aquilo que julgamos ser alguma passividade que o Governo tem revelado perante essas situações.
É bom dizermos todos ao Governo que o investimento directo estrangeiro não acaba no dia em que se inauguram novas fábricas; o investimento directo estrangeiro inicia-se justamente no dia em que se inauguram essas novas fábricas, se nesse dia elas começarem efectivamente a sua laboração.
Não precisamos de dizer qual é a nossa atitude perante o investimento directo estrangeiro, mas, ainda assim, vou, para que não subsistam dúvidas, reiterá-la mais uma vez: entendemos que o investimento directo estrangeiro é imprescindível para o desenvolvimento do nosso país,...

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Algum, Sr. Deputado! Nem todo!

O Orador: - ... desde que seja investimento directo estrangeiro que, numa palavra, crie riqueza e desenvolva o País, porque cria postos de trabalho e traz para Portugal tecnologias avançadas. Nós não queremos, porém, que Portugal seja a plataforma de um investimento que está de passagem.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Isso agora já não é! Isso era antes!

O Orador: - Relativamente a esse, nós recusamo-lo, porque não há pior investimento do que aquele que,vem para criar expectativas e, logo a seguir, frustrá-las. E um investimento a que eu chamaria «de malas aviadas». Esse nós não queremos!
Por isso, enquanto fomos governo, tratámos de captar investimento, mas tratámos também de subscrever com os investidores contratos, contratos para serem respeitados por ambas as partes. Em circunstância alguma, qualquer das partes pode considerar um contrato um mero papel e muito menos quando, tantas vezes, desses contratos fazem parte cláusulas que se traduzem em obrigações de apoios financeiros e de benefícios fiscais para essas empresas se instalarem entre nós.
Entendemos, por isso, que o Estado português tem toda a razão, toda a autoridade moral, para exigir que esses investidores cumpram o contrato relativamente a todas as suas cláusulas. Esses contratos não devem tolher o afluxo de investimento directo estrangeiro, mas devem, inequivocamente, salvaguardar o interesse do Estado português. É essa á recomendação que já fizemos ao Governo, quando aqui tivemos um debate de urgência suscitado pelo Partido Comunista Português.
Nós acolhemos as medidas que o PCP preconiza para atenuar as consequências dos processos de deslocalização, porque, no nosso entender, se trata de medidas que não são excessivas, são ajustadas ao problema. Formulamos votos para que sejam perfilhàdas por toda a Câmara.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Augusto Boucinha.

O Sr. Augusto Boucinha (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O projecto de resolução n.º 109/

VII, relativo à adopção de medidas contra a deslocalização de empresas, da iniciativa do PCP, vem na sequência do debate de urgência requerido pelo mesmo grupo parlamentar no início deste ano.
E quer nesse debate de urgência quer, ainda, aquando da discussão do Orçamento do Estado para 1999 o Grupo Parlamentar do Partido Popular apresentou um conjunto de medidas e propostas concretas que em muito ajudariam a disciplinar este fenómeno da deslocalização das empresas, sem com isto pretender tirar mérito a este projecto de resolução.
Há uns tempos a esta parte, e este fenómeno não acontece só em Portugal, temos assistido ao espectáculo preocupante e deprimente de decisões por parte das administrações de multinacionais ao procederem ao encerramento de diversas unidades produtivas ou, no mínimo, em decisões de desinvestimento, com o único objectivo de se deslocarem para outros países em busca de condições de laboração e produtividade que, a maior parte das vezes, vão desde a exploração de mão-de-obra mais barata - onde o factor de produção trabalho é relevante - até à busca de todo o tipo de incentivos e facilidades, deixando um rasto de milhares de desempregados, de miséria e frustrações nos países e regiões que abandonaram, assim como enormes dificuldades para as pequenas e médias empresas subcontratadas a montante e a jusante e que laboram na sua órbita. Isto depois de, avidamente, se terem servido de múltiplos apoios e incentivos, facilidades, benefícios fiscais vários quer do Governo, quer das autarquias, quer, até, comunitários.
E, quando menos se espera, toca a desandar para outras paragens em busca de mais incentivos, mais apoios e regalias de toda a ordem, sem se preocuparem com tudo que deixam para trás e desrespeitando os direitos dos trabalhadores mais precários e dos países que os acolheram, em nome da concorrência, dos custos mais baixos e do lucro mais fácil e rápido. «Comida a carne, os outros que comam os ossos», como diz o povo.
Depois destes considerando, até parece que somos contra os investimentos feitos em Portugal. Nada disso! O investimento estrangeiro é por nós desejado, desde logo pela importância de que se reveste para a economia nacional, ao criar emprego, ao criar mais riqueza, e é uma mais-valia na qualificação profissional.
Que venha, sim senhor, mas com regras. As necessidades de atrair investimento estrangeiro têm limites e não justificam tudo.
Não nos repugnam os incentivos quer fiscais quer financeiros concedidos a tais investimentos, até porque muitas vezes assistimos à desenfreada disputa entre países para a sua instalação no seu território. É o quem dá mais regalias e as multinacionais a aproveitarem-se de tal situação.
Na última década, assistimos a uma cada vez mais procura de investimento em Portugal dessas companhias transnacionais que cá se instalaram, tendo Portugal beneficiado de um afluxo, quase em espiral, de investimento directo estrangeiro, fruto quer da saúde revelada pelos indicadores económicos, quer da relativa estabilidade social, laboral e financeira, quer do desenvolvimento das suas infra-estruturas públicas, dos custos de mão-de-obra relativamente barata e qualificada.
Mas, como entraram com pompa e circunstância, também levantaram ferro. E com o mesmo à-vontade que assistimos e aplaudimos a sua instalação em Portugal, com a presença de membros do Governo e o show-off mediático respectivo, não podemos deixar de exigir ao Governo e

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às outras instâncias comunitárias a aplicação de medidas, o mais depressa possível, a essas multinacionais para o cumprimento das respectivas responsabilidades, de modo a minorarem-se as desastrosas consequências que tais situações arrastam. E é importante que se diga que uma boa parte desses investimentos saem do Orçamento do Estado. Isto apesar da existência de algumas situações de investimento estrangeiro que têm apresentado bons resultados em Portugal.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - E o que tem acontecido, Sr. Presidente e Srs. Deputados? Não temos visto, da parte dos últimos governos, uma atitude tão firme quanto a desejada e só depois de alguma instabilidade social provocada pelos trabalhadores é .que lá se concertam as situações, minorando as consequências e tentando salvaguardar o possível.
A inexistência de legislação adequada quer nacional quer, mesmo, comunitária, a permissividade patenteada,...

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Qual é o caso de permissividade!

O Orador: - ... a elaboração de contratos onde os deveres e as obrigações não estão devidamente salvaguardadas, a vulnerabilidade e ,a fragilidade da nossa economia, parecem-nos ser razões mais do que suficientes para este estado de coisas.
Neste contexto, revela-se da maior pertinência e actualidade o projecto de resolução do PCP hoje em discussão, que até peca por tardio, pretendendo-se que a Assembleia da República tome algumas iniciativas que passem pela necessidade de exigir do Governo, e este junto das instâncias comunitárias, o debate e a adopção de medidas visando disciplinar o investimento directo estrangeiro e os processos de deslocalização das empresas.
Essas medidas contidas no projecto de resolução com as medidas já apresentadas pelo Partido Popular, em tempo oportuno, e com outras que, eventualmente, venham a ser acrescentadas, não deixarão de merecer o melhor acolhimento da parte da bancada do Grupo Parlamentar do Partido Popular.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nós já fizemos este debate em Janeiro, como muito bem aqui lembrou o Sr. Deputado Lino de Carvalho, que, aliás, foi um debate intenso e proveitoso, e, portanto, muito do que podia ser dito foi dito nessa altura quer pelo Sr. Ministro da Economia quer pelo Sr. Deputado Henrique Neto.
A propósito do Sr. Deputado Henrique Neto, que fez a despesa principal do PS nessa altura, gostaria aqui de dizer que ele lembrou uma coisa curiosíssima, que foi a mudança de opinião do PCP relativamente ao investimento directo estrangeiro. O PCP, como sabemos, foi gemendo contra o investimento directo estrangeiro, por razões ideológicas e não só, e agora, aparentemente, não o fará tanto.
Quero dizer, antes que o Sr. Deputado Lino de Carvalho se excite, que não acompanho inteiramente o Deputa-

do Henrique Neto nesse juízo. Acho que a preocupação de que parte o PCP é justa e correcta e eu associo-me a essa preocupação. Acho que a verdadeira preocupação do Sr. Deputado Lino de Carvalho e dos Deputados do PCP, é esta situação insustentável de algum investimento estrangeiro sem regras, sem moral e sem ética, embora nos pudéssemos questionar sobre se compete ao investimento directo estrangeiro ter moral e ética.
Naturalmente que as regras terão de ser as que a autoridade democrática do Estado onde está lhe impõe.
Porém, o ponto de partida do Sr. Deputado Lino de Carvalho e do PCP é um ponto que merece a minha total simpatia: não tem nenhum sentido que pessoas, populações, estruturas produtivas, enquadramentos regionais e sociais possam ser postos em causa à vontade e deixados ao livre arbítrio de um conjunto de interesses que, muitas vezes, não tem nada a ver com o interesse do desenvolvimento do país onde esses interesses se instalam.
Todos sabemos que houve momentos históricos em que o investimento directo estrangeiro, noutros países como em Portugal, não serviu essencialmente os objectivos de desenvolvimento, serviu objectivos de sobrevivência, porque havia questões com a balança de pagamentos que tornavam imperativa a atractividade do investimento directo estrangeiro, independentemente da sua qualidade, e todos nos recordamos disso. Aliás, como nos recordamos, que as próprias empresas públicas foram convidadas, pelos governos de então (estou a falar na década de 70), a endividarem-se, porque era a única forma que existia para que o País pudesse obter as divisas necessárias a manter a possibilidade de financiamento das suas necessidades essenciais.
Esta realidade histórica existiu e tem de ser progressivamente combatida, embora mereça - como digo e disse, não acompanhando inteiramente as palavras do Sr. Deputado Henrique Neto - a nossa preocupação e a nossa atenção.
Os Srs. Deputados do PCP, no seu projecto de resolução, fazem, a meu ver, um enquadramento razoável deste problema, quando distinguem dois tipos de investimento directo estrangeiro, sendo o primeiro tipo aquele que se situa na faixa histórica que há pouco referi: um conjunto de entidades que apenas pretendem maximizar o lucro, que procuram, sobretudo com base em duas «vantagens» comparativas (ou seja, salários baixos e, de algum modo, um dumping ambiental), instalar-se em determinados países e que, sempre que perdem essas «vantagens», fazem a sua deslocação para outro tipo de país, nomeadamente para os países do Magreb ou para países menos desenvolvidos.
Já fomos e ainda somos, em parte, vítimas desse tipo de investimento, o qual, neste momento, não é necessário ao País e não é, sequer, bem-vindo ao País. Portanto, tudo o que for possível fazer - e aquilo que é possível fazer é desenvolver as condições de competitividade da economia portuguesa, criar normas de inserção ambiental, aumentar os salários reais dos trabalhadores, acompanhando a respectiva produtividade - nesse domínio, são medidas claras e não apenas voluntaristas, são medidas estruturantes de combate a esse tipo de investimento directo estrangeiro, que não tem qualquer interesse.
Há, depois, o outro investimento directo estrangeiro, que é aquele que os Srs. Deputados do PCP citam no seu projecto de resolução, que é o que vai naturalmente acomodar-se no espaço económico, social e geográfico da União Europeia e que tem a ver com os níveis de desenvolvi-

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mento de cada região e com a própria imanência do euro e de uma política harmonizada no plano monetário.
Em relação a esse investimento directo estrangeiro, a nossa preocupação tem de ser a da competição - agora, não uso a palavra competitívidade mas competição. Temos de criar condições objectivas de desenvolvimento no nosso país e de inserção desse investimento, que é um investimento estruturante, muitas vezes absolutamente necessário para o desenvolvimento económico e social do País, para que ele se faça a favor do nosso país e não a favor de outros países. E isso, naturalmente, não passa por medidas de polícia, passa por medidas de política. Repito, não passa por medidas de polícia mas por medidas de política! E preciso alterar as políticas públicas em Portugal, nomeadamente as políticas de concorrência e de competitividade, para criar condições objectivas para que este tipo de investimento escolha, de maneira estruturante, o nosso país e não tenda a «saltar» de um lado para o outro, como ainda sucede enquanto essas condições objectivas não estiverem realizadas.
Há aqui um grande percurso que tenho a certeza de que nem o Sr. Deputado Lino de Carvalho porá em causa: se o Sr. Deputado Lino de Carvalho e os Srs. Deputados subscritores deste projecto de resolução apreciarem o que foi a evolução do investimento directo estrangeiro em Portugal, verificarão que há uma mudança qualitativa total. Não quero fazer nenhuma crítica, até porque disse, no início da minha intervenção, que compreendo algumas razões de um certo tipo de investimento directo estrangeiro que foi aceite no passado, mas o que é um facto é que é uma alteração qualitativamente total!
Em 1998, pela primeira vez, assinaram-se em Portugal três projectos de investimento directo estrangeiro chamados estruturantes - que são aqueles que envolvem verbas superiores a cinco milhões de contos, o que significou, no seu conjunto, mais de 15 milhões de contos, atingindo alguns deles mais de 10 milhões de contos- e que, se tudo correr como está programado, criarão 5000 postos de trabalho no nosso país.
Esse tipo de investimento directo estrangeiro é bem-vindo, como é bem-vindo que Portugal tenha capacidade para se internacionalizar, isto é, para ser Portugal a fazer investimento directo no estrangeiro - e só lamento que, às vezes, nem todos os Srs. Deputados entendam isso e, pelo contrário, ainda critiquem o Governo quando dá apoios à internacionalização em áreas fundamentais para o desenvolvimento económico e social português. Aliás, temos um exemplo bem frisante num inquérito parlamentar que está prestes a terminar a sua vigência.
Srs. Deputados, esta é que é a verdadeira questão. Vivemos hoje, como tem dito o Governo e o Sr. Primeiro-Ministro, num mundo extremamente competitivo. A questão da globalização e da regulação da globalização não são palavras bonitas ou palavras abstractas, são realidades concretas, e imaginar que é possível, através de cinco medidas, uma das quais é (pasme-se!) a obrigatoriedade de o Governo português dar a público os contratos que estabelece, no domínio dos tais investimentos estruturantes, com os interessados, negando e rasgando completamente qualquer possibilidade de competição da economia portuguesa com outras economias, sobretudo quando é apoiado por dois lados desta Câmara, visto que o Sr. Deputado Augusto Boucinha apoiou integralmente as cinco propostas do PCP e o Sr. Deputado Vieira de Castro também... Já agora, lembro que a segunda proposta é exactamente isto, é a divulgação pública...

Vozes do PSD: - Dos que vão embora!

O Orador: - Claro, com certeza! Dos que vão embora, com certeza! Era só o que faltava que fosse dos que estão para vir!

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - É completamente diferente!

O Orador: - Não é completamente diferente, é exactamente a mesma coisa, minha senhora!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não diga isso!

O Orador: - O que está em causa é uma contratualização entre um poder político perfeitamente legitimado para isso e um conjunto de interesses, e é face a essa contratualização que devem funcionar todos os mecanismos.

O Sr. Pedro Baptista (PS): - É isso mesmo!

O Orador: - E, no caso concreto que o Sr. Deputado Lino de Carvalho referiu, que é o único investimento estruturante que teve problemas do género daqueles que os Srs. Deputados do PCP têm vindo a salientar, que é o caso da TISEP, da Texas Instruments/Samsung, nesse caso há um contrato, há uma contratualização e há um procedimento judicial e, aí, sim, a Assembleia da República tem de exigir ao Governo que faça cumprir esse contrato. Naturalmente que sim! E alguém duvida de que o Governo accionará os mecanismos que tem à sua disposição para resolver estes problemas?!
Vou terminar, Sr. Presidente, lançando um apelo. Não tive tempo para falar numa coisa que me preocupa muito e sei que também preocupa muito alguns dos Srs. Deputados desta Câmara, de todas as bancadas, o famoso acordo multilateral de investimentos (AMI), que tem sido discutido e que os Srs. Deputados do PCP também têm citado, e bem, e que não sei se faz parte ou se está inscrito nas preocupações do projecto de resolução. Talvez fosse interessante que, um dia, fizéssemos aqui um debate com a presença do Governo sobre essa matéria.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - E fizemos!

O Orador: - Fizemos, mas não com esta profundidade nem com estes objectivos. O Sr. Deputado Lino .de Carvalho, em Janeiro, disse uma coisa muito preocupante: «o Governo preparava-se para aceitar o AMI». Preparava-se?! O que é que isto quer dizer, Sr. Deputado?

O Sr. João Amaral (PCP): - Eu tenho o artigo que o Sr. Ministro da Economia escreveu!

O Orador: - O Governo teve sempre posições muito claras em relação ao AMI e sobre os malefícios que podem decorrer dessa situação!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de terminar.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Srs. Deputados, embora compreendamos a preocupação de que partem, e é perfeitamente legítima, não contem connosco para a aprovação deste projecto de resolução.

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Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Hesitei entre intervir ou fazer uma pergunta ao Sr. Deputado Manuel dos Santos, mas decidi intervir. Depois, se o Sr. Deputado ainda tiver tempo e achar que vale a pena voltar ao debate, aqui estaremos para tal.
A primeira questão que gostava de salientar - independentemente de, na fase final, para justificar o voto contra, o Sr. Deputado Manuel dos Santos ter feito uma argumentação a contrario de todo o desenvolvimento do raciocínio - é a diferença extremamente significativa entre a intervenção do Sr. Deputado Henrique Neto, em Janeiro, e a intervenção do Sr. Deputado Manuel dos Santos feita agora, que é mais equilibrada e mais consentânea com o fundo da questão. É um pouco a diferença entre aquilo a que chamei o discurso empresarial do Sr. Deputado Henrique Neto, em Janeiro, e o discurso...

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Político!

O Orador: - ... - permita-me que lhe diga! - socialista do Sr. Deputado Manuel dos Santos, agora feito.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Está a falar bem, Sr. Deputado!

O Orador: - Mas é preciso que este discurso tenha coerência, Sr. Deputado, e que a certa altura do processo não se dê um salto, não baseado em factos verdadeiros, para justificar o injústificável, o que é um voto contrário ao próprio desenvolvimento e às preocupações de raciocínio do Sr. Deputado Manuel dos Santos.
Se calhar, vou cometer aqui alguma imprudência dizendo que, porventura, pela vontade pessoal do Sr. Deputado Manuel dos Santos, ele votaria favoravelmente...

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Olhe que não!

O Orador: - ... mas o Sr. Ministro da Economia (que, em tempos, escreveu um artigo que citei aqui, em Janeiro, contra as multinacionais contra a necessidade de disputar as multinacionais) tem hoje uma opinião contrária - normalmente, os cristãos-novos são mais fundamentalistas do que aqueles que professam há muito tempo a religião! - ...

Risos.

... e tenho a ideia de que é por isso que a bancada socialista vai ter este voto!

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Cada um tem as suas razões!

O Orador: - O Sr. Deputado Manuel dos Santos disse-nos que não acompanhava o Sr. Deputado Henrique Neto nessa matéria, mas não se coibiu de trazer «à baila» a questão de que o PCP teria sido sempre contra o investimento estrangeiro e agora mudou de posição.

Como sabe, Sr. Deputado, isso é falso e vou dar-lhe um exemplo concreto, que me foi recordado pelo meu camarada João Amaral: em 1975, quando foi o processo de nacionalizações, uma das críticas que nos era feita, designadamente pelo próprio PS, era a de não se ter nacionalizado o capital estrangeiro. Não o fizemos, na medida em que tínhamos, na altura, responsabilidades e intervenção no governo.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Então, afinal, o PCP dirigia o governo?!

O Orador: - Não o fizemos...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, terminou o seu tempo.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem mesmo de terminar.

O Orador: - Peço só mais um minuto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a esta hora da noite, a tolerância está proibida. Não a dei a muitos Deputados, não vou dá-Ia a si. Tenha paciência, mas tem de terminar.

O Orador: - A segunda questão, Sr. Deputado, é que está enganado: o nosso projecto de resolução orienta-se para aquele tipo de investimento que o Sr. Deputado criticou, o do primeiro grupo de empresas, aquele investimento de rapina, aquele investimento que aqui vem para explorar as condições, os benefícios e a mão-de-obra e que, depois, vai para outro lado, em prejuízo da própria economia nacional, de milhares de empresas subcontratadas, deixando um rasto de desemprego. É esse o investimento estrangeiro que está em causa, não é o outro, aquele que cumpre os compromissos,...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de terminar!

O Orador: - ... não é esse o investimento que está aqui em causa e não é a esse que se dirige este projecto. Por isso, Sr. Presidente, pensamos que este projecto é equilibrado.
Aliás, não são medidas de polícia mas medidas de política, Sr. Deputado, e não percebo a posição do Grupo Parlamentar do PS quando o próprio Secretário-Geral do PS, no Congresso da Internacional Socialista, em Nova Iorque, defendeu a adopção de medidas internacionais e nacionais de controlo do investimento directo estrangeiro! Por isso, não percebo a mudança de posição do PS em relação a este projecto.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim dos nossos trabalhos de hoje. A próxima reunião realizar-se-á amanhã, pelas 15 horas, dela constando um período antes da ordem do dia e, da ordem do dia, o debate dos projectos de lei n.os 604/VII e 388/VII e das propostas de lei n.os 162/VII, 226/VII, 227/VII e 231/VII.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 35 minutos.

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Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes.
José António Ribeiro Mendes.
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.

Partido Social Democrata (PSD):

Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
José Augusto Gama.
Lucilia Maria Samoreno Ferra.
Manuel Acácio Martins Roque.
Sérgio André da Costa Vieira.
Partido Comunista Português (PCP):
Bernardino José Torrão Soares.
Maria Odete dos Santos.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Mário Manuel Videira Lopes.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.

Partido Social Democrata (PSD):

António Edmundo Barbosa Montalvão Machado.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
João Bosco Soares Mota Amaral.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Maria de Lourdes Lara Teixeira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Pedro Manuel Cruz Roseta.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Nuno Kruz Abecasis.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.

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