O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 2589

Sexta-feira, 16 de Abril de 1999 I Série - Número 72

VII LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1998-1999)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 15 DE ABRIL DE 1999

Presidente: Exmo. Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Exmos. Srs.

Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 17 horas e 5 minutos.

Deu-se conta da apresentação do projecto de lei n.º 653/VII e da apreciação parlamentar n.º 94/VII.
Após leitura, a Câmara aprovou o voto n.º 152/VII - De saudação ao Congresso das Cooperativas Portuguesas (PS, PSD. CDS-PP e PCP).
Procedeu-se ao debate da interpelação n. º 21/VII - Centrada nas questões relacionadas com a justiça (PCP), tendo usado da palavra, a diverso titulo, além da Sr.º Deputada Odeie Santos (PCP) e do Sr. Ministro da Justiça (José Vera Jardim), que proferiram intervenções na fase de abertura, os Srs. Deputados José Magalhães (PS), Guilherme Silva (PSD). António Brochado Pedras (CDS-PP), Heloísa Apolónia (Os Verdes), Jorge Lacão (PS), António Filipe (PCP), António Antunes (PSD), Francisco Peixoto (CDS-PP), Nuno Baltazar Mendes (PS), João Amaral (PCP) e Carlos Encarnação (PSD).
A encerrar o debate intervieram, pelo partido interpelante, o Sr. Deputado João Amaral e, pelo Governo, o Sr. Ministro da Justiça.
Entretanto, o projecto de deliberação n.º 130/VII - Cessação da vigência do Decreto-Lei n.º 399/98, de 17 de Dezembro de 1998 (PSD), foi aprovado.
As propostas de lei n.º 208/VII - Prorroga os prazos de pagamento de quaisquer taxas e impostos a efectuar nas tesourarias da fazenda pública das ilhas do Faial Pico e São Jorge (ALRA) e 212/VII - Define um período de justo impedimento relativamente a residentes nas ilhas do Faial Pico e São Jorge, bem como a serviços da administração regional e a serviços da administração directa, indirecta e autónoma quando localizados nessas ilhas, mereceram aprovação na generalidade, após o que foi aprovado, na especialidade e em votação final global, um texto de substituição elaborado pela 1.ª Comissão, tendo ainda, a proposta de lei n.º 224/VII - Autorização ao Governo para dotar os engenheiros técnicos portugueses de uma associação profissional de natureza pública, sido aprovada, na generalidade, na especialidade e em votação final global. A proposta lei n.º 246/VII - Altera a Lei n.º 65/93. de 26 de Agosto, que regula o acesso aos documentos da Administração foi também aprovada na generalidade.
Foi discutido e aprovado, na especialidade e em votação final global, o texto final, apresentado pela Comissão de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente, relativo à proposta de lei n. º 229/VII - Estabelece o regime de instalação de novos municípios, tendo-se pronunciado os Srs. Deputados Pimenta Dias (PCP), Carlos Cordeiro (PS), João Amaral (PCP), Manuel Moreira (PSD), Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP).
O texto final, apresentado pela Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social relativo à proposta de lei n.º 227/VII - Assegura a informação e consulta dos trabalhadores em empresas ou grupos de empresas transnacionais, regula a instituição de conselhos de empresa europeus ou de procedimentos simplificados de informação e consulta em empresas e grupos de empresas de dimensão comunitária, foi aprovado em votação final global.
A Câmara aprovou ainda, também em votação final global, as propostas de alteração, apresentadas por aquela Comissão, relativas ao Decreto-Lei n.º 404-A/98, de 18 de Dezembro, que estabelece regras sobre o regime geral de estruturação de carreiras da Administração Pública [apreciações parlamentares n.ºs 73/VII (PCP) e 81/VII (CDS-PP)].

O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 22 horas e 40 minutos.

Página 2590

2590I SÉRIE - NÚMERO 72

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 17 horas e 5 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto Bernardas Costa.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Guimarães Fernandes Dias.
António Manuel Carmo Saleiro.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Armando Jorge Paulino Domingos.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Casimiro Francisco Ramos.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Júlio Meirinhos Santanas.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís António do Rosário Veríssimo.
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Eduarda Bento Alves Ferrenha.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Maria Manuela de Almeida Costa Augusto.
Mário Manuel Videira Lopes.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Paulo Jorge Lúcio Arsénio.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Raimundo Pedro Narciso.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Sônia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Alberto Queiroga Figueiredo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António d'Orey Capucho.

Página 2591

16 DE ABRIL DE 1999 2591

António de Carvalho Martins.
António dos Santos Aguiar Gouveia.
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Taveira da Silva.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Carlos Eugênio Pereira de Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José Carlos Pires Póvoas.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Manuel Costa Pereira.
José Manuel Durão Barroso.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria de Lourdes Lara Teixeira.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Pombo Costa.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Vasco Manuel Henriques Cunha.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Carlos Brochado de Sousa Pedras.
Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Francisco Amadeu Gonçalves Peixoto.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Pedro José Del Negro Feist.
Rui Miguel Gama Vasconcelos Pedrosa de Moura.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

Alexandrino Augusto Saldanha.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
António Luís Pimenta Dias.
Bernardino José Torrão Soares.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Joaquim Manuel da Fonseca Matias.
Lino António Marques de Carvalho.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Deputado independente:

José Mário de Lemos Damião.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os diplomas que deram entrada na Mesa...

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: projecto de lei

Página 2592

2592 I SÉRIE -NÚMERO 72

n.º 653/VII - Aprova medidas tendentes à revisão da situação de militares que participaram na transição para a democracia iniciada em 25 de Abril de 1974 (PS e PCP), que baixou às 1.ª e 3.ª Comissões, e apreciação parlamentar 94/VII - Decreto-Lei n.º 78/99, de 16 de Março (PCP).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, creio haver consenso no sentido de que se faça uma discussão o mais rápida e sintética possível do voto n.º 152/VII - De saudação ao congresso das cooperativas portuguesas (PS, PSD, CDS-PP e PCP), dado o adiantado da hora para uma agenda bastante carregada.
O Sr. Secretário vai ler o voto e, depois disso, peço aos Srs. Deputados que resumam o mais possível as vossas intervenções ou mesmo que prescindam delas.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o voto é do seguinte teor:
«Pela primeira vez neste século, que se abeira do fim, as cooperativas portuguesas, no seu todo, vão reunir-se em congresso, nos próximos dias 16 e 17 de Abril. Eis um acontecimento simbólico que, por certo, se projectará no futuro, assinalando a presença do movimento cooperativo nos caminhos do novo milénio.
Ciente de que correspondeu ao que dela seria de esperar quando, no decorrer da presente legislatura, aprovou, por unanimidade, o novo Código Cooperativo e o Estatuto Fiscal das Cooperativas, a Assembleia da República saúda o congresso das cooperativas portuguesas.
Esta saudação é acompanhada pelo reconhecimento do papel das cooperativas no desenvolvimento social e pela certeza quanto à importância do seu contributo para que a pluralidade dos protagonismos organizativos enriqueça o tecido económico-social do nosso país.
Estendemos esta nossa saudação a todos os cooperativistas portugueses, manifestando, uma vez mais, a nossa vontade de continuar a contribuir, na parte que nos cabe, para o progresso do movimento cooperativo português, como factor importante que é da afirmação da nossa democracia».

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Namorado, a quem peço à máxima contenção em termos de gasto de tempo...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Mas, Sr. Presidente, assim não pode ser! Se fala um, falam todos!

O Sr. Rui Namorado (PS): - Sr. Presidente, estou de acordo, se ninguém falar também não falarei.

O Sr. Presidente: - De facto, Srs. Deputados, o significado do voto vale por si. Foi, aliás, lido e a melhor argumentação é ele próprio.

Vamos, então, proceder à votação do voto n.º 152/VII - De saudação ao congresso das cooperativas portuguesas.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Este voto de saudação será enviado ao Presidente do Congresso.

Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, da nossa ordem de trabalhos consta a interpelação ao Governo n.º 21/VII, centrada nas questões relacionadas com a justiça (PCP).
Para introduzir o debate, em representação do grupo parlamentar que requereu a interpelação, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: Há verdades insofismáveis que não podem ser escamoteadas, porque correspondem a um diagnóstico de uma crise de que são vítimas os cidadãos.
É verdade que a justiça é cara, morosa, de eficácia duvidosa.
A justiça é inacessível aos cidadãos de mais débeis recursos.
A justiça é habilmente manipulada pelos mais poderosos que passam incólumes por acusações de corrupção, por suspeitas de envolvimento na grande criminalidade, que desafiam o poder judicial e o poder político, corroendo, de uma forma insidiosa, a legitimidade do poder político.
Os cidadãos queixam-se de que a justiça só recupera a sua eficácia quando se trata de punir sintomas de graves doenças da sociedade, que se encerram entre os muros das prisões à míngua de soluções que ataquem o cerne da questão, quando se trata de punir a marginalidade resultante de exclusões sociais que até serve de alimento à grande criminalidade.
Assim, o centro da interpelação do PCP é, efectivamente, o cidadão, o que se confronta com uma justiça morosa, cara e quase inacessível.
Sabemos que não há soluções fáceis, e que a crise da justiça não se resolve a curto prazo.
Não nos movem quaisquer intuitos que não sejam os de contribuir para colocar o debate sobre a crise da justiça no lugar certo, de onde muitas vezes se desvia por formas subtis de ataque ao poder judicial, por ser, como diz o Professor José Mattoso, motor de funcionamento da ordem social.
Não nos movem quaisquer intuitos que não sejam o de contribuir para um poder judicial forte, situado longe de querelas político-partidárias, um poder que administre justiça em nome do povo, e que não pode ser alvo de quaisquer medidas que, desta ou daquela forma, por acção ou por inércia, o instrumentalizem.
Mas não podemos deixar de denunciar demissionismos como os que, por exemplo, resultam de afirmações do Sr. Primeiro-Ministro num período de forte mediatização da crise da justiça. Para o Sr. Primeiro-Ministro, segundo disse, o Governo nesta área pouco pode fazer, porque se trata dos tribunais. Mas não é assim! O poder executivo é que define as condições em que a justiça deve ser administrada. E logo aí se abre um vasto campo de actuação do poder político, com vista a garantir uma justiça de proximidade, uma justiça menos morosa, eficaz, acessível mesmo aos cidadãos de mais fracos recursos.

Página 2593

16 DE ABRIL DE 1999 2593

A crise da justiça nasce, em primeiro lugar, a montante da intervenção do aparelho judiciário.
A conflitualidade aumenta diariamente, por forma a poder falar-se de uma verdadeira explosão no recurso à justiça.
O discurso do neoliberalismo económico tem como complemento, na área do Direito, um discurso libertário, no sentido de que todas as demissões do Estado relativamente aos cidadãos, todo o laissez faire laissez passer tem o seu remédio no poder judicial.
A atitude desreguladora do Estado neoliberal, que tem na política do actual Governo um aprendiz de feiticeiro, está, por exemplo, na origem do consumismo que dá lugar ao endividamento das famílias que enxameia os tribunais.
Aquela atitude desreguladora fomenta exclusões, que torna cidadãos, nomeadamente jovens, potenciais candidatos do sistema prisional. Serve de arrimo a grupos poderosos, usando as mais sofisticadas formas de criminalidade, manipulando as garantias em processo penal, pondo em crise o próprio sistema garantístico.
Cedo o cidadão comum se apercebe de que não é verdade que a cada direito corresponda uma acção e que, ao amputar-se a ele mesmo de poderes de intervenção ao lado dos mais desfavorecidos, o Estado acaba por favorecer a impunidade dos mais poderosos, sobretudo na justiça penal.
Os recentes afloramentos mediáticos da crise da justiça mais não fizeram do que radicar no cidadão essa convicção, afastando-o ainda mais da justiça.
A crise da justiça, em segundo lugar, resulta também - e esta pecha vem de há muito - da escassez dos meios, técnicos e humanos, postos à disposição da investigação criminal.
Todos nos recordamos, porque são factos bem recentes, dos mandatos do governo do PSD, dos conflitos que estiveram latentes em torno dos escassos meios postos à disposição do Ministério Público, da amputação de poderes, do Ministério Público na fiscalização da actuação da Polícia Judiciária, e dos riscos de intromissão do executivo no exercício da acção penal, que resultaram da anterior Lei Orgânica do Ministério Público.
Mas todos nos recordamos muito melhor de acontecimentos bem recentes que provocaram nova mediatização da crise, pondo em causa, dada a envergadura dos problemas do processo - o da Universidade Moderna -, a análise serena da conjugação de esforços entre uma polícia vocacionada para a investigação e o Ministério Público, dirigindo essa investigação. No cerne dessa crise está de facto a questão dos meios postos à disposição de qualquer daquelas entidades.
O Ministério Público tem hoje instrumentos legislativos, justificados pela necessidade de combate à grande criminalidade.
Redobradas são, assim, as exigências de resultados palpáveis no respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos relativamente à grande criminalidade como a do branqueamento de capitais, por forma a que se desvaneça a falta de confiança no poder judicial, resultante da convicção da impunidade dos poderosos.
Não se pode iludir o óbvio: existe, para o exterior, uma guerra entre magistraturas que as torna vulneráveis e as enfraquece! E temos para nós que alguma inabilidade do Ministério da Justiça no seu relacionamento com as mesmas foi factor que pesou no ecludir dessa guerra.
O Ministério da Justiça não pode forçar a aprovação, de supetão, de alterações ao Código do Processo Penal, discutidas na especialidade nas piores condições.
O Ministério da Justiça tem o especial dever de criar as condições que fomentem a coesão no poder judicial, porque o poder político democrático é parte interessada num poder judicial forte, que, como um verdadeiro poder, cauciona a legitimidade do poder político.

Aplausos do PCP.

Mas a crise da justiça resulta também, em terceiro lugar, da sua proverbial morosidade, que arrasta, em muitos casos, a sua ineficácia.
Esta morosidade não é, de facto, fácil de resolver. E não pode ser resolvida, como alguns desejariam, à custa do sistema garantístico que tem de continuar vigente quando em confronto estão, por exemplo, cidadãos de desiguais poderes, de desiguais recursos.
A morosidade está relacionada com o aumento da conflitualidade, mas também com a inércia na adopção de soluções informais para um número considerável de litígios que devem ser entregues, em nossa opinião, também a Julgados de Paz. Nesta matéria, o Ministério da Justiça nada fez.
Hoje, trabalhar nos tribunais tornou-se um verdadeiro «inferno», para todos os operadores. Para os magistrados, para os advogados, para os funcionários judiciais. Hoje, para os cidadãos que continuam a assistir aos adiamentos sucessivos dos processos aceder aos tribunais para o exercício de direitos, tornou-se um calvário, a dar redobrada razão ao provérbio «Mais vale um mau acordo do que uma boa demanda».

Aplausos do PCP.

E, no entanto, tem aumentado o número de processos findos, segundo mostram as estatísticas, mas aumenta sempre mais e mais o número de processos entrados, pelo que o trabalho esforçado do aparelho judiciário é manifestamente impotente para atacar, até onde é possível, sem violação dos direitos liberdades e garantias, a morosidade da justiça.
Até porque, e esta é outra das razões que contribuem para a crise da justiça - e que vem também detrás, reconheça-se -, não se fez a modernização devida dos meios ao dispor do aparelho judiciário.
Há, efectivamente, atrasos na modernização, nomeadamente em relação aos meios informáticos.
Se é certo que nos sucessivos Orçamentos do Estado houve aumentos nas dotações orçamentais do Ministério da Justiça, a verdade é que os meios foram escassos na modernização que poderia contribuir de uma forma eficaz para o combate a estrangulamentos que geram morosidades.

Página 2594

2594 I SÉRIE - NÚMERO 72

Os computadores continuam a ser máquinas de escrever; a gestão dos tribunais está entregue a quem tem muitas outras tarefas e não pode racionalizar recursos.
Cada tribunal continua a ser uma estrutura estanque, de difícil acesso aos outros tribunais.
A justiça é uma máquina pesada que não se agilizou em função das novas exigências, que ainda nem, sequer, se modernizou em função das exigências do registo da prova, que continua sem se fazer tornando um mito o segundo grau de jurisdição em matéria de facto.
Mas a justiça, sente o cidadão, é uma máquina que para ele também se caracteriza pela carestia. E esta é uma outra razão, a quinta na ordem que vimos seguindo e que não é não hierarquizada, que gera a falta de confiança dos cidadãos.
Apesar de todos os esforços dos profissionais do foro, nomeadamente dos advogados, continuam a verificar-se insuficiências na realização do princípio constitucional do acesso ao Direito.
Os advogados estagiários presentes nos tribunais assegurando, com a sua presença, a defesa dos arguidos por nomeação in loco não dispõem das melhores condições para assegurar uma defesa que nem, sequer, podem preparar. Reserva-se-lhes um papel quase de figurantes, de que os cidadãos se apercebem, em muitos casos.
Não há justiça, desabafa-se. O «prato» está desequilibrado. É o que dizem os cidadãos quando são, por exemplo, confrontados com as prescrições do processo penal. E aqui estamos confrontados com outra das razões de desconfiança que incide sobre a justiça, logo, com outra das peças do puzzle da crise da justiça.
Na situação de conflitualidade vivida nas autoproclamadas democracias ocidentais, na situação de estrangulamento do aparelho judiciário que se vive em Portugal é impossível que não se verifiquem prescrições. Mas esta não é razão que se apresente ao cidadão atingido pela morte do exercício da acção penal que solicitou ao recorrer aos tribunais.
Por outro lado, quando os cidadãos vêem prescrever processos mediáticos que envolvem a criminalidade de colarinho branco, sentimos então avolumar-se o desabafo: não há justiça!

Aplausos do PCP.

E se do aparelho judiciário passarmos à execução de penas e ao sistema prisional, encontramos novas razões de desconfiança na justiça.
O sistema prisional, apesar de ter beneficiado - reconheça-se - de investimentos e algumas melhorias, não assegura a reinserção social, as penas aplicadas são, por isso, penas perdidas.
De facto, a sobrelotação dos estabelecimentos prisionais é preocupante.
É um dado assente que a droga, a toxicodependência, aumenta de uma forma significativa a clientela dos tribunais, a clientela dos estabelecimentos prisionais.
A toxicodependência está normalmente associada a crimes contra o património e mesmo a crimes contra as pessoas.
É um dado assente que muitos condenados regressam, de novo ao convívio prisional.
Em relação à justiça penal, nomeadamente em relação à justiça que se abate sobre os toxicodependentes, questiona-se sempre o porquê da não aplicação de formas de intervenção viradas para a reinserção social do delinquente, previstas na legislação sobre a droga.
E confrontamo-nos sempre com a argumentação de que o Ministério Público não tem a garantia de que o Instituto de Reinserção Social possa fazer - e de facto não pode - o acompanhamento da situação por forma a prevenir o cometimento de novos crimes por parte do delinquente abrangido pela medida.
A justiça penal, em nome das preocupações justas com a segurança dos cidadãos, perante a inexistência de uma política de reinserção social, tem-se visto constrangida a recorrer ao sistema prisional, sabendo que é ao executivo que compete a criação de condições para a recuperação da confiança noutras formas de execução de penas, e mesmo noutras formas de execução da pena em regime prisional que passam por uma reformulação dos Tribunais de Execução de Penas onde sejam reconhecidos elementares direitos dos reclusos, como o direito a recorrer de decisões e o direito a constituir advogado nos processos nos mesmos pendentes.

Não existe ninguém preso pelo crime de branqueamento de capitais!

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - O grande tráfico de droga escapa às malhas da justiça penal. Os arguidos de colarinho branco usam e abusam de um sistema de garantias e passeiam a sua impunidade.
Nas prisões, um número significativo de delinquentes jovens, de delinquentes toxicodependentes, muitos deles vítimas das exclusões sociais, cumprem penas, enquanto cada dia que corre é mais um risco de afastamento da ressocialização.
É inadmissível que nos 25 anos do 25 de Abril não se encontre consenso para um perdão de penas, uma medida humana que representará a confiança do poder legislativo na possibilidade de ressocializar condenados.

Aplausos do PCP.

O Ministério da Justiça tem o diagnóstico da situação de crise, mas a verdade é que as medidas tomadas se apresentam desconexas e sem que se possa lobrigar uma linha de rumo, uma linha de futuro para a justiça.
É certo que a acção do Ministério da Justiça está obviamente condicionada por outras políticas, nomeadamente nas áreas económica e social, e aí o demissionismo do Governo aprofunda e aumenta as conflitualidades, criando reais problemas à justiça, dando um grande contributo para a sua ineficácia.
No próprio programa do Governo atira-se quase somente para o aparelho judiciário a resolução de conflitualidades complexas.

Página 2595

16 DE ABRIL DE 1999 2595

A gestão da crise tem até passado, algumas vezes, por medidas repressivas relativamente a reivindicações, como em relação aos funcionários judiciais e aos funcionários das conservatórias dos registos comerciais. Passou por uma actuação fugidia no tratamento com as magistraturas. Pese embora a herança dos governos do PSD, nestes quatro anos de Governo PS, mais se poderia ter feito se tivesse havido uma optimização da intervenção do Governo na área da justiça.
A modernização do aparelho judicial é factor prioritário do combate ao alastrar da crise. O PCP entende que tal modernização é indispensável para que magistrados, advogados e funcionários tenham as condições de trabalho estritamente indispensáveis ao esforço que não regateiam para a criação da imagem de uma justiça dignificada, mais próxima dos cidadãos porque munida de indispensáveis requisitos para a sua eficácia.
O PCP entende que é prioritária a criação de formas informais de resolução de alguns conflitos que, em percentagem significativa, ocupam os tribunais e que, com vantagem para a própria coesão social, para a celeridade e para a eficácia da justiça, devem ser atribuídas nomeadamente aos julgados de paz, previstos na Constituição.

Aplausos do PCP.

Trata-se de conflitos que devem ser resolvidos em processo desburocratizado, caracterizado pela oralidade, que aproxime a justiça dos cidadãos.
A esta medida que consideramos angular para uma reforma democrática da justiça juntamos a necessidade de criação da carreira do Defensor Público, indispensável para introduzir no sistema judiciário a igualdade no acesso ao Direito, igualdade que não é característica dos sistemas neoliberais.
O defensor público representará, assim, também, uma nova carreira para os jovens licenciados.
Impõe-se a criação de um observatório da justiça que, com facilidade, poderá elencar, com carácter de urgência, medidas de combate à morosidade processual que, de resto, estão a ser analisadas para a elaboração de um projecto de lei que o PCP apresentará.
Impõe-se que o modelo processual penal entre em vigor para garantir a eficácia da justiça penal relativamente a poderosos grupos que minam impunemente os esteios do Estado de direito democrático.
É necessário que o sistema responda aos cidadãos!
É necessário que se vislumbre, pelo menos, uma tentativa de ressocialização dos reclusos!
É necessário criar as condições para aplicação das medidas alternativas às penas de prisão!
É necessário inverter-se o aumento da conflitualidade!
Para que se possa caminhar no caminho do combate à crise da justiça, é necessário que, de uma vez por todas, o cidadão seja colocado no cerne de várias políticas, nomeadamente das políticas económicas e sociais.

Aplausos do PCP.

A judicialização da questão social para que remete o programa do Governo constitui uma forma de iludir o próprio cidadão, por criar a miragem de igualdade.
O que nos moveu, nesta interpelação, foi a necessidade de equacionar o cidadão no cerne da política da justiça, e estamos em crer que, para além de divergências que consideramos fruto de uma falha no diálogo, todos, de uma maneira geral, magistrados, advogados e funcionários, querem contribuir para a criação da confiança do cidadão no poder judicial.
Esta interpelação era necessária.
Foi preciso que tivessem passado mais de três anos, foi precisa a interpelação do PCP para o Sr. Ministro da Justiça ter vindo anunciar a celebração de um pacto de regime para a justiça cujo conteúdo, aliás, desconhecemos.
A crise na justiça existe, não pode ser iludida, como tem sido, com medidas tomadas ao sabor das marés, porque a maré da justiça tem de ser a que aproveita ao cidadão.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Ministro da Justiça, informo que se encontram a assistir à sessão um grupo de 49 autarcas da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, que já tive o gosto de receber pessoalmente, um grupo de 55 pessoas da Associação Cultural e Recreativa de Samuel e um grupo de 43 alunos da Escola Beira Aguieira de Penacova. Uma saudação muito calorosa para todos eles.

Aplausos gerais, de pé.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (José Vera Jardim): - Sr. Presidente, permita-me que, antes de iniciar a minha intervenção, possa recordar aqui um amigo de quem nos despedimos e de quem me despedi hoje, o Sr. Eng.º Nuno Abecasis. Um homem de grande frontal idade e coragem, um amigo, um homem caloroso, um homem de causas que vai fazer falta à política portuguesa.
Pedia ao Grupo Parlamentar do PP que transmitisse a todos os Srs. Deputados o meu sentido pesar pela morte do Engenheiro Nuno Abecasis.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por saudar vivamente a iniciativa do PCP que nos proporcionou a todos a oportunidade de que tantas vezes falei nesta Assembleia: a de um debate geral sobre a justiça. Este é o lugar próprio e é também o momento adequado. Momento de balanço e prestação de contas por parte do Governo, mas também de lançamento de novas bases, de um novo impulso para continuarmos a obra que estamos a fazer e que depende, em grande parte, desta Assembleia.
A justiça é uma questão de cidadania: são os direitos, legítimas expectativas, liberdades e garantias dos cidadãos que se jogam no processo judicial, quer este se processe na jurisdição cível, penal, administrativa e fiscal ou do trabalho.

Página 2596

2596 I SÉRIE - NÚMERO 72

Os problemas da justiça resultam, hoje, da falta de resposta adequada do aparelho judiciário a uma crescente procura por parte dos cidadãos.
Um pouco por toda a Europa, nuns países mais do que noutros, o sistema judiciário foi surpreendido por esta procura em crescimento brutal, acusando, em muitos países, crescimentos na ordem dos 100% em 10 anos. A situação em Portugal, nos últimos anos, apresenta sintomas ainda mais acentuados com o crescimento de processos em algumas jurisdições na ordem dos 20% ou mais ao ano.
Procurar compreender as causas próximas e, também, os fundamentos mais remotos desta crescente tendência para o recurso ao judicial é uma tarefa prioritária para, com êxito, pôr de pé qualquer reforma do sistema.
As causas são muitas e diversas, mas mergulham raízes nas profundas transformações sociais, económicas e culturais deste final de milénio. O aumento exponencial da conflitualidade trazida ao pretório judicial tem relações directas com a crise de um conjunto de instituições como a família, as pequenas comunidades, as igrejas e as associações do tipo mais variado que foram perdendo, num processo longo mas persistente, a sua capacidade de mediação de conflitos, tudo isto concorrendo para fazer do juiz a instância por excelência da pacificação social.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - A reforma da justiça não pode, aliás, ficar dependente única e simplesmente dos Governos. É fundamental o empenhamento de todos os órgãos de soberania e, desde logo, da Assembleia da República;...

O Sr. Alberto Martins (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... como poder legislativo por excelência nas matérias da justiça, mas também dos órgãos máximos de gestão das magistraturas e dos advogados, passando necessariamente pela sociedade no seu todo, pois que de todos é necessária uma participação activa na discussão das reformas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É que a procura crescente do tribunal espelha não só a crise doutras instituições de mediação como a crescente relevância do Direito como factor de regulação social, face à degenerescência de valores éticos, até há pouco cimento aglutinador da vida dos povos.
Não há hoje debate social e político que não esteja presente ha barra do tribunal - a habitação, as relações parentais, os hábitos e costumes das comunidades, o risco do acto médico, as éticas profissionais, a marginalidade juvenil.
O papel assumido nas últimas décadas pelos tribunais constitucionais nos Estados democráticos como guardiões da Constituição face ao poder legislativo é bem demonstrativo da migração em curso do debate político para o judicial, tudo a demonstrar que as sociedades modernas serão cada vez mais dominadas pela arbitragem e cada vez menos pela administração.
As soluções que se impõem resumem-se numa palavra, palavra essa, aliás, várias vezes usadas pela Sr.ª Deputada Odete Santos: modernização. É que os tribunais acusavam, e ainda acusam, um enorme défice em relação a outras instituições relativamente às necessidades duma sociedade moderna.
Durante muitos anos, a justiça foi o parente pobre dos orçamentos, reflectindo o lugar de marginalidade e desatenção que ocupava nas políticas estaduais. Portugal não fugiu à regra, bem pelo contrário, até há bem pouco tempo.
Mal instalados em edifícios muitas vezes manifestamente ultrapassados, planeados para outro tipo de necessidades e dando mais importância a uma pretensa grandiosidade do que àquilo que é verdadeiramente útil e necessário; usando métodos de trabalho antiquados que, se eram ainda aceitáveis há duas dezenas de anos, não são hoje susceptíveis de fazer face às necessidades de um contencioso avassalador;...

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... ausentes na sua quase totalidade as modernas tecnologias de gestão. Aí está, em resumo, um conjunto de deficiências estruturais com que nos defrontámos no início deste mandato e que já vinham sendo fonte de preocupação de há muitos anos a esta parte, como, aliás, referiu a Sr.ª Deputada Odete Santos, sem que no entanto aparecesse visível uma verdadeira política estruturada para dominar as dificuldades e avançar para novos paradigmas.
O processo crescente de mediatização da justiça está, aliás, directamente relacionado com muitas queixas e críticas dos cidadãos, coincidindo fundamentalmente no problema da morosidade das decisões judiciais.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Exactamente!

O Orador: - É este, efectivamente, o grande problema do funcionamento do aparelho judiciário, hoje em dia, por toda a parte.
As pessoas esperam tempo demais pela resolução do problema ou da queixa que apresentaram; e justiça tardia, muitos anos depois, em muitos casos, de ter sido posta uma acção em tribunal, é uma justiça que exaspera e, em muitos casos, não contribui para o seu objectivo fundamental que é a criação da paz social entre os cidadãos.
A solução só pode ser encontrada, desde logo, num conjunto de medidas muito diversas, a começar pela alteração de regras processuais, tornando-as mais leves, desburocratizadas e de imediata acessibilidade, sobretudo para os conflitos que são de fácil solução. Noções como produtividade, gestão adequada de meios, organização e métodos de trabalho, até há pouco ausentes dos tribunais, estão hoje no centro do debate sobre a justiça.
Mas isto não pode fazer perder de vista que há princípios constitucionais que devem ser observados desde logo, dando à parte contrária prazos suficientes, direito

Página 2597

16 DE ABRIL DE 1999 2597

de recorrer, direito do contraditório, direito de analisar as provas apresentadas, etc. Aliás, é uma verdade incontroversa que em muitos processos, para não dizer na maior parte deles, há sempre uma contradição de interesses no que respeita ao andamento normal da acção: uma parte está interessada no andamento célere, as outras, muitas vezes, em demorar a decisão.
Daí a questão hoje presente no debate sobre a justiça do excesso de garantias que, em muitos casos, redundam em insuportáveis delongas dos processos.
Será possível continuar a admitir que se recorra três, quatro e mais vezes para o Tribunal Constitucional no decurso dum processo penal? Será possível continuar a exigir dos Supremos Tribunais que sejam inundados de recursos como mero expediente dilatório? Não teremos recursos a mais e justiça a menos? Será possível continuar a exigir que se oiçam dezenas, senão centenas, de testemunhas num processo por se entender não dever limitar o número de testemunhas em processo penal? Ou, pelo contrário, teremos hoje ganho consciência de que é este excesso de garantias que fere inexoravelmente de inoperacionalidade a administração da justiça?
As reformas processuais já feitas e outras que estão em curso, designadamente as relativas aos sistemas de recursos e à simplificação dos processos de cobrança, de que é exemplo o processo de injunção, são contributos importantes, nalguns casos mesmo decisivos, para a solução de alguns destes problemas. A experiência de alguns meses de uma organização voltada para as pequenas cobranças de dívidas, que se pretende aumentar progressivamente para quantias maiores e estender a outros pontos do País, é bastante positiva, tendo-se cifrado num enorme aumento de pequenos procedimentos que foram afastados dos tribunais.
Só no último mês de Março, em 20 dias - porque houve as férias judiciais -, entraram na chamada Secretaria de Injunções de Lisboa mais processos, o triplo dos processos que entraram durante todos os anos em que esteve em vigor a Lei de Injunção do anterior Governo.

O Sr. José Magalhães (PS): - Incrível!

O Orador: - Aliás, têm sido esta uma tónica decisiva na política do Governo: simplificar substancialmente os processos que podem ser simplificados, sem prejuízo dos direitos fundamentais de defesa.
Mas temos a noção de que é possível e necessário ir ainda mais além. Não podemos continuar a deixar colonizar os tribunais por bagatelas, com prejuízo claro para as grandes questões da honra, da família, da responsabilidade, da propriedade, da liberdade.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Para além das reformas processuais, há que dotar os tribunais, desde logo, de instalações condignas e que permitam trabalhar em condições optimizadas para todos os intervenientes nos processos, quer magistrados, advogados, funcionários, quer todos aqueles que recorrem aos tribunais. Nesta matéria, fez o Governo um enorme esforço no plano de investimentos nesta legislatura: aumentou em 18% em relação à legislatura anterior os investimentos em novos edifícios e ou em remodelações profundas de instalações existentes.
Esse esforço, que permitiu, sobretudo em grandes tribunais, dotá-los de estruturas adequadas para aumentos de quadros e para instalação de modernas condições de trabalho, foi acompanhado de um redobrado investimento em informática que permitiu, já este ano, o processo de informatização, completa e em rede, de 25 tribunais, incluindo alguns dos maiores tribunais do País (a terminar em Maio próximo), a que se seguirão, até ao fim do ano, mais um conjunto, pretendendo-se agora, depois de terminados os trabalhos em curso de aperfeiçoamento de um conjunto de programas informáticos para a generalidade das jurisdições, estender já, no próximo ano, a montagem de redes à maior parte dos edifícios dos tribunais.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Este é o caminho para operar uma viragem decisiva no funcionamento do aparelho judicial, quer no seu interior quer no seu relacionamento com o exterior.
Outra zona que acusava deficiências graves era a dotação em pessoal, designadamente de oficiais de justiça. O esforço desta legislatura cifrar-se-á na contratarão de 1750 novos funcionários e representa um aumento sem precedentes.
Elemento estruturante e decisivo da reforma da justiça foi a aprovação da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais nesta Assembleia, no passado mês de Dezembro. Ela permitiu ao Governo um trabalho de levantamento da situação processual em todos os juízos dos tribunais portugueses, levantamento feito pela primeira vez no Ministério da Justiça, e permitiu, de uma forma objectiva e baseada em dados actuais, elaborar o novo mapa judiciário do País.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Para além dos juízos já criados e instalados durante esta legislatura, e que somam já 38, serão criados no Regulamento da Lei Orgânica dos Tribunais, para além dos dois tribunais de 2.ª instância no Minho e no Algarve, mais um conjunto de comarcas, mas, sobretudo, um enorme conjunto de juízos tendentes a dotar o aparelho judiciário de estruturas à altura de responder às necessidades actuais e do futuro.
Serão criados cerca de 80 novos juízos entre juízos cíveis, juízos criminais e juízos de competência genérica e instalados, a partir de 15 de Setembro próximo, mais de 60;...

Aplausos do PS.

... serão criados sete tribunais de família e menores, sobretudo na Área Metropolitana de Lisboa que acusa uma pendência processual muito aumentada nos últimos anos neste sector, libertando assim os juízos cíveis, em

Página 2598

2598 I SÉRIE -NÚMERO 72

muitos casos, de uma enorme percentagem de casos de família e menores que aí pendem.
A solução adoptada da dupla corregedoria, funcionando nos círculos, servirá, na maior parte dos casos, espera-se. bem melhor do que os tribunais de círculo agora existentes e será ainda complementada, em vários casos, com a criação de varas completas com três juizes, que prepararão e julgarão as acções mais relevantes, quer no processo cível quer no processo criminal.
O Governo não se poupou nem poupará a esforços, designadamente financeiros, para dotar os tribunais portugueses dos meios pessoais e materiais necessários a fazer face à situação actual.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Especial atenção tem merecido da parte do Governo - aliás, também com a aprovação por esta Assembleia de vários instrumentos legislativos - a situação da investigação criminal em Portugal. Esta é uma estrutura fundamental de combate à criminalidade, a qual se faz fundamentalmente através de uma investigação cuidada e eficaz dos crimes, com a descoberta dos seus autores, das circunstâncias em que ocorreram e com o julgamento rápido e a aplicação das sanções quando for caso disso. Não há melhor prevenção criminal do que a investigação e julgamento rápido, sem, naturalmente, perda das garantias de defesa.
A celeridade das investigações é, aliás, uma garantia para os próprios arguidos de verem a sua situação clarificada face à sociedade, mas é, sobretudo, um direito das vítimas e da própria sociedade no seu conjunto.
O Governo tem, nesta matéria, feito um reforço substancial do aparelho de investigação, quer na magistratura que tem a direcção do inquérito quer na Polícia Judiciária. Face aos novos desafios que aí estão, provocados pela abertura de fronteiras e pela crescente sofisticação do crime organizado, é necessário não poupar esforços ao dotar todo o aparelho de investigação dos meios adequados ao cumprimento das suas funções.
A aprovação da Lei Orgânica do Ministério Público e o conjunto de diplomas, alguns já publicados e outros em fase de publicação, que a complementam, vem permitir o reforço dos meios, que não de poderes, da magistratura do Ministério Público. Não tivéssemos hoje o Núcleo de Apoio Técnico da Procuradoria-Geral da República ao serviço das investigações da criminalidade económico-financeira e da corrupção, quer no respeita ao Ministério Público quer à Polícia Judiciária, e estaríamos em muito piores condições de combate a essas formas de criminalidade.

Vozes do PS: - Bem lembrado!

O Orador: - Mas o reforço nesta zona da investigação não se traduz apenas na criação do NAT e do Departamento Central de Investigação e Acção Penal; traduz-se, também, num esforço de reforço de meios humanos qualificados para a Polícia Judiciária, nunca até agora feito como nesta legislatura!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não foi apenas, no entanto, o reforço de meios para o Ministério Público e a Polícia Judiciária. Também dentro dos objectivos da Lei Orgânica dos Tribunais encontra-se a criação dos novos tribunais de instrução criminal e o Governo tem sempre acompanhado os objectivos do Conselho Superior da Magistratura de nomeação de juizes de instrução criminal em todas as comarcas onde se verifique a sua necessidade.
Desejo aqui reafirmar, claramente, a vontade política do Governo de dotar as magistraturas e as polícias de todos os meios necessários para que a luta contra a criminalidade," seja ela qual for, não acuse défices que podem fazer perigar os princípios fundamentais do Estado de direito democrático.

Aplausos do PS.

Uma referência especial merece ainda o sistema de execução das penas, designadamente a situação dos serviços prisionais.
Deu-se aqui um brutal aumento da população prisional: passámos de 10 000 reclusos, em fins de 1994, para 14 500 reclusos, em fins de 1998. E a situação continuou a agravar-se, embora em menor medida, durante o ano de 1998. A isso se somava uma situação muito negativa na generalidade das nossas prisões: sem pessoal suficiente, com instalações físicas acusando uma generalizada degradação; com os serviços centrais incapazes de dar resposta às necessidades; com uma situação de saúde e sanitária grave, dadas as características nesta matéria da população prisional.
Foi preciso, de imediato, elaborar um programa arrojado, adequado em investimentos, reforços de pessoal, novas políticas de saúde, educação e formação, que pudesse dar a volta ao sistema prisional e encetar um caminho de regeneração para que as nossas prisões, em vez de nos envergonharem, possam estar à altura do Estado de direito democrático que somos.
O aumento dos investimentos no sector durante esta legislatura cifrar-se-á em mais de 300%; pretende-se aumentar, até ao fim de 1999, a lotação em mais de 25% daquela que existia na altura em que o Governo tomou posse.
Mas, para além disso, as obras feitas na totalidade dos estabelecimentos prisionais para melhorar as condições de habitabilidade, as escolas criadas, as enfermarias, as alas livres de droga aumentaram quatro, cinco e, por vezes, mesmo seis vezes em relação àquilo que existia. Resta ainda muito a fazer, mas os resultados estão já à vista e espelham-se no relatório da Provedoria de Justiça, do último mês de Fevereiro.
Daí se retiram as seguintes afirmações: «Como adiante ficará melhor explicitado, e sem embargo do que de negativo também se terá ocasião de frisar, é justo reconhecer uma melhoria geral nas condições observadas na generalidade dos estabelecimentos.
Foi, aliás, com satisfação que vi terem sido levadas em consideração as minhas observações e recomendações,

Página 2599

16 DE ABRIL DE 1999 2599

sobre variados aspectos de estrutura e funcionamento». E continua: «Também a observação do sistema, mencionando agora essencialmente os três aspectos acima enunciados - a saúde, a formação e as condições de habilitabilidade -, apresenta evolução positiva».
Ao nível da saúde, acrescenta: «Verifiquei com gosto a construção de novas e modernas unidades de saúde, a melhoria das condições do hospital prisional e da clínica psiquiátrica (...), o grande aumento ao nível do pessoal médico e de enfermagem e o incremento de programas de apoio a toxicodependentes, designadamente pela construção de unidades livres de droga».
Estamos de consciência inteiramente tranquila. Malgrado as muitas dificuldades e carências ainda existentes, provocadas em especial por uma população prisional na sua grande maioria atingida por gravíssimas situações de exclusão e toxicodependência, gerando, por sua vez, uma situação sanitária complexa, onde avultam doenças infecto-contagiosas - a hepatite, a tuberculose e a SIDA -, a verdade é que o sistema se encontra cada vez mais preparado para enfrentar estas muitas dificuldades.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Referi apenas, no curto tempo que cabe dentro desta primeira fase da discussão, os problemas mais candentes. Como sempre, pretendo que os problemas da justiça sejam encarados como questões de Estado que dizem respeito a todos os cidadãos e que, como tal, devem ser encaradas pelos órgãos de soberania - e que, como há dias dizia numa entrevista televisiva um antigo ministro, do Governo do PSD, não podem constituir armas de arremesso político partidário.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Bem pelo contrário, um debate sereno e objectivo que possa conduzir à clarificação de estratégias, à análise crítica do que está feito, e muito foi feito na reforma da justiça, e àquilo que ainda vai ser necessário fazer. Também é necessário exigir da Assembleia e do Governo uma perspectiva de. cooperação estreita que não deixe de lado, naturalmente, um claro e aberto debate democrático.
Para eles estou, como sempre estive, inteiramente aberto. Aliás, o Ministro da Justiça tem sempre, perante a Assembleia da República, adoptado uma atitude de total transparência dos dados, das dificuldades e das soluções.
Estou, aliás, inteiramente disponível para pôr os serviços do Ministério da Justiça a colher e fornecer todos os dados necessários para que a Assembleia da República sobre eles se possa debruçar e dar o seu contributo essencial para as reformas em curso e para aquelas que é ainda necessário fazer. Mas também não é menos necessário saber em que medida a Assembleia e os partidos nela representados estarão disponíveis para acolher o conjunto de propostas do Governo, umas já presentes na Assembleia, outras ainda a aprovar, que se destinam a dar contributos essenciais para uma verdadeira reforma da justiça.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A análise e o trabalho que tenho feito por minha iniciativa, mas com a activa e colaborante participação das mais elevadas personalidades representativas das magistraturas e da advocacia, dá-me também a certeza de que, por esse lado, poderemos todos contar com a colaboração aberta e permanente de todos os agentes da justiça.
Não quero também deixar de referir o interesse sempre demonstrado pelo Sr. Presidente da República, em que o debate sobre a justiça se alargue cada vez mais à sociedade portuguesa.
Sei que há, naturalmente, visões divergentes em relação a alguns problemas e às soluções mais ajustadas. Não é isso o essencial. O consenso não é a regra de ouro da democracia; a regra de ouro da Democracia é o debate democrático, com a expressão da livre opinião e crítica.
Não me tenho como detentor das únicas verdades nem como alguém a quem não assaltam dúvidas. Nenhum político responsável pode, perante as dificuldades, agir numa posição de autismo que a nada conduz. Mas estou em crer que o esforço já feito, ao contrário do que alguns teimam em afirmar, constitui uma base essencial para a reforma em que todos estamos empenhados.
Se há sector em que um pacto democrático se imponha é o da justiça. A favor dos cidadãos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Pacto que se traduz, apenas, em que o debate se deva situar acima da querela partidária ou da defesa de poderes e de interesses corporativos e acima de factos e opiniões, que podem ser muito mediáticos mas que nada significam de importante para os portugueses.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Com as reformas processuais e muitas leis que as completam, com a nova Orgânica dos Tribunais Judiciais, que entrará em vigor em 15 de Setembro próximo, temos os instrumentos fundamentais da reforma no terreno. Há agora que continuar, mas sem por em causa reformas com três meses de vigência ou que ainda nem sequer estão em vigor!
As reformas da justiça exigem ponderação e serenidade; nem a todos agradarão. Também não é isso que nos preocupa. Quem nos preocupa são os portugueses.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos à Sr.ª Deputada Odete Santos, inscreveu-se o Sr. Deputado José Magalhães, e para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro da Justiça, inscreveram-se os Srs. Deputados Odete Santos, Guilherme Silva, António Brochado Pedras, Heloísa Apolónia, Jorge Lacão, António Filipe, Antonino Antunes e João Amaral.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, a interpelação que o PCP trouxe à

Página 2600

2600 I SÉRIE - NÚMERO 72

Assembleia da República é uma ocasião positiva para aprofundarmos o debate que temos vindo a realizar sobre a situação da justiça. Todos os Estados de direito democráticos estão hoje colocados perante desafios de grande complexidade, e Portugal não escapa a essa «lei».
Não podemos fazer um debate em tom de quezília. Seria porventura mediático, como o Sr. Ministro da Justiça referiu, mas estéril, perigoso e, aliás, desprestigiante para o Parlamento e para as próprias magistraturas.
Sr.ª Deputada Odete Santos, permita-me que sublinhe, desde logo, e com apreço, a forma cuidadosa, serena e construtiva como nos introduziu este debate. No entanto, a verdade é que há mais um acordo do que um desacordo em relação às questões mais fundamentais de todas as que se colocam diante de nós, a começar por aquelas que resolvemos na Constituição.
A reforma constitucional de 1997 acentuou e clarificou os traços principais do nosso regime, deste ponto de vista, e creio que V. Ex.ª estará de acordo que não é necessário reinventar a Constituição para dar resposta às questões da justiça; é necessário, sim, aplicá-la, uma vez que ela é equilibrada, garante a independência dos tribunais, fixa pilares inarredáveis em relação às penas que podemos aplicar, exclui certas soluções radicais, extremistas que o PP sempre introduziu ao longo desta legislatura, e que rejeitámos, acompanhados, de resto, pelo voto do PCP, na maior parte das vezes.
Portanto, a meta é clara e os princípios são claros.
Outro aspecto que, creio, a Sr.ª Deputada não negará é que, desde 1996, se fez um esforço, e um esforço sério, para ter as maiores verbas de sempre na área da justiça e segurança e reforços de meios objectivos que, todavia, não fazem o milagre de resolver a «enxurrada» a que o Sr. Ministro se referiu, há pouco, verificada apenas durante o mês de Março, num concreto tribunal de uma área específica.
Por outro lado, aprovámos um programa legislativo que está a ser aplicado: o Código Penal, o Código de Processo Penal, a Lei Orgânica do Ministério Público, a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, viabilizada, aliás, pelo voto favorável do PCP - e o PSD e o PP em nada contribuíram para essa reforma legislativa - ...

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Mas teríamos gosto.

O Orador: - ... e vamos aplicar essa reforma já feita. Estamos de acordo nesta matéria, mas, Sr.ª Deputada
- e não acentuou isso na sua intervenção, mas creio que é um ponto sobre o qual também não estamos divididos
-, há certas coisas em que Portugal tem um triste atraso estratégico. Houve coisas que deveriam ter sido feitas no momento próprio, durante os 15 anos de administração da pasta da justiça pelo PSD, mas que não foram feitas. Dou-lhe um exemplo que muito me sensibiliza e a nós todos seguramente: nos Orçamentos do Estado, entre 1992 e 1995, aprovámos cerca de 7,5 milhões de contos para a informatização judiciária e quando fizemos as contas, no início deste Governo, tinham sido gastos pouco mais de 2 milhões de contos em equipamento péssimo e desactualizado, portanto perdeu-se essa ocasião. E a carruagem da História, infelizmente, não passa duas vezes no mesmo sítio! Perdeu-se nesse momento e vamos agora recuperá-la.
Por último, Sr.ª Deputada, suscito-lhe uma reflexão antes de formular-lhe a pergunta. Não podemos numa discussão séria alimentar mitos. Estamos de acordo com a proposta - aliás, julgámos nós, PS, quase, propô-la na revisão constitucional. De facto, ela não é o elixir para todos os problemas, pois não é com os julgados de paz que se combate o branqueamento de capitais...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Claro que não!

O Orador: - ... ou que se apagam certos fogos ateados pelas organizações criminosas...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - É evidente!

O Orador: - Cada coisa no seu sítio!...
Portanto, não devemos instilar ilusões de facilidade e face ao que o Sr. Ministro da Justiça teve ocasião de apresentar como programa em execução do Governo e atendendo ao espírito de não quesília, o que lhe pergunto é muito simples: está V. Ex.ª disponível para colaborar no esforço de pacto democrático que agora nos foi proposto? Podemos contar com esse esforço para, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, e aqui, no Plenário, viabilizarmos as medidas que resultem desse pacto feito com a sociedade civil e com as magistraturas num clima de diálogo eficaz e construtivo?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Deputado José Magalhães, agradeço-lhe as questões que me colocou.
Creio que ficou claro pela intervenção que foi produzida pelo Grupo Parlamentar do PCP qual era o nosso objectivo real em relação a esta interpelação.
Pensamos que o que se passou ultimamente não ajudou a justiça e acabou por fragilizar as próprias magistraturas e o poder judicial e perante isto o cidadão continuou a avolumar motivos de desconfiança na máquina da justiça e os problemas não se resolvem assim. Aliás, as posições que sempre aqui tomámos em relação à justiça foram no sentido responsável de contribuir com o vosso voto para que a justiça tivesse os meios, que nos justificaram que eram necessários, para tarefas como, por exemplo, a do combate à grande criminalidade, meios que, não eram suficientes, tal como nos diziam e provaram.
Portanto, nós tivemos, até à data, uma atitude responsável e continuaremos a tê-la na certeza de que, como o Sr. Deputado disse, temos uma Constituição que é preciso cumprir.
De facto, quando ouvi falar na comunicação social que o Sr. Ministro da Justiça tinha feito um pacto de regime com várias entidades, perguntei-me: o que é que esse pacto

Página 2601

16 DE ABRIL DE 1999 2601

terá? O pacto é o que está na Constituição, é o cumprimento daquilo que lá está - aliás, ainda não vi adiantar na intervenção do Sr. Ministro o conteúdo desse pacto. Então, o que é que esse pacto diz? É que as pessoas ficarão caladas mesmo que tenham de fazer críticas?

Os Srs. José Magalhães e Alberto Martins (PS): - Não! Não!

A Oradora: - Não? Pronto, então, tudo bem!
Mas o pacto, para nós, é o modelo constitucional e nesse aspecto a resposta à pergunta do Sr. Deputado José Magalhães está dada: o PCP contribuirá para que a justiça seja dignificada e para que o cidadão se sinta no cerne da política de justiça.
É claro que os julgados de paz não são o remédio para tudo, como é óbvio. Não vamos entregar o combate ao branqueamento de capitais aos julgados de paz - aliás, penso que isto nem deve ser dito, nem por graça, porque, depois, pode haver quem não entenda que foi uma graça e vá para os jornais dizer que foi proposto que o branqueamento de capitais fosse entregue aos julgados de paz...! Não!
É evidente que os julgados de paz não resolvem tudo - aliás, na minha intervenção eu disse que a crise da justiça era complicada de resolver e que não podia ser resolvida a curto prazo.

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

A Oradora: - Mas é verdade que, conforme foi dito pelo Sr. Deputado José Magalhães, que, nesse aspecto, é muito experiente, a radiografia, o diagnóstico, no início desta Legislatura em relação, por exemplo, à modernização dos tribunais, estava feito. Então, passados três anos e tal continuamos a falar da modernização?! Eu acho é que os tempos estão errados,...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - ... pois se estava feito o diagnóstico, como toda a gente sabe... - aliás, eu disse na minha intervenção que a informatização feita nos anteriores governos não foi informatização, isto é, deram-se uns computadores aos funcionários judiciais que se sentaram à frente deles a utilizá-los como máquinas de escrever...
Toda a gente sabe que se fez legislação sobre registo de prova, que parece que não é exequível e que anda tudo a discutir como é que é, como é que se extrai a prova, se há ou não funcionários para a extrair, e te., etc.
Portanto, o que me parece é que nós não estamos de acordo na análise que fazemos deste mandato do PS. Como eu terei ocasião de dizer ao Sr. Ministro, foi feito aqui ou um discurso de oposição ao Governo pelo próprio Sr. Ministro da Justiça ou, então, um discurso de início de Legislatura...

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Bem pensado!

A Oradora: - ... a anunciar as medidas que iriam imediatamente ser tomadas.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Dou de novo a palavra à Sr.ª Deputada Odete Santos para formular esclarecimentos ao Sr. Ministro da Justiça.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Ministro da Justiça, pegando naquilo que eu acabei de dizer, como é óbvio, a opinião que pairou na minha bancada depois de ouvirmos a sua intervenção foi a de que a sua intervenção ou era de oposição ao próprio Ministro da Justiça ou de início de Legislatura.
Eu diria que foi uma intervenção de início de Legislatura, porque toda a gente sabe que o Sr. Ministro tinha uma radiografia do que se passava - e o senhor é experiente nestas matérias da justiça - e durante os anteriores governos do PSD fez aqui intervenções, mostrando que tinha opiniões certas e seguras sobre estas questões, mas a verdade é que chegamos quase ao fim da Legislatura e o que penso que pode dizer-se - e eu tento ser rigorosa - é que não descobrimos um paradigma da justiça, não descobrimos qual é para o Ministério da Justiça um rumo certo.
Pensamos que a máquina do Ministério da Justiça também é muito pesada e pouco ágil para, com rapidez e estudando os relatórios que lhe têm chegado e que são importantes, tomar as medidas.
Pergunto, Sr. Ministro: é ou não verdade que foi apresentado por uma comissão nomeada por V. Ex.ª um relatório em relação à execução de penas que já foi entregue um relatório há muitos meses? O que é que se fez até à data para que essa execução começasse a ser alterada?
É ou não verdade - e eu sei que é, porque esse livro consegui-o, porque não chegam à Assembleia da República todos os livros do Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério da Justiça, mas este chegou - que nesse livro sobre a suspensão provisória do Processo Penal se fazem afirmações que demonstram que não há reinserção social em Portugal?
De facto, nesse livro diz-se que foi de 1% em sete anos a percentagem de processos em que se lançou mão do instrumento da reinserção social e em relação a alguns casos de consumo de droga também, embora não em primeiro lugar. Aliás, diz-se que não são aplicadas nem se lança mão destas medidas mais vezes, porque não há reinserção social. É isto que os magistrados dizem: é que não há acompanhamento das pessoas e todos sabemos que não há.
Este relatório até diz nas conclusões o seguinte: «A atribuição do acompanhamento ao Instituto de Reinserção Social foi em geral pouco frequente equivalendo apenas a 7% das suspensões provisórias aplicadas. Foi chamado a intervir em situações de consumo de estupefacientes mas mesmo assim a sua participação correspondeu a não mais de metade dos processos suspensos por este crime».
Portanto, não há reinserção social e eu penso que esta é uma questão muito urgente relativamente à qual já deviam ter sido tomadas algumas medidas.
Na questão da conflitualidade, nós ficámos a saber que o número de telemóveis que os portugueses têm não

Página 2602

2602 I SÉRIE -NÚMERO 72

indicam qualquer nível de bem-estar, ao contrário do que disse o Sr. Ministro das Finanças, porque as dívidas por causa dos telemóveis enxameiam os tribunais.
Mas ainda em relação à conflitualidade, eu gostava de perguntar a V. Ex.ª, não acha - e faço um apelo mas sei que vou ser mal sucedida - que a privatização dos notários vai aumentar a conflitualidade e vai privar o Ministério da Justiça de receitas no montante de mais de 14 milhões de contos, que podiam ser para investir na modernização dos tribunais?
Última pergunta, porque não tratei deste tema na intervenção que produzi: a Justiça administrativa. Aqui o cidadão encontra-se quase completamente desprotegido perante a máquina da administração. As leis administrativas são uma floresta... O Tribunal Central Administrativo está afundado... Em 1998, para um total de 11 juizes - e este tribunal foi criado há pouco tempo - foram distribuídos 1668 processos e findaram somente 453...
De facto, não se sabe o que e que se pretende da justiça administrativa, qual é o paradigma da justiça administrativa.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Ministro da Justiça, comecei a ouvi-lo e tive a sensação de que V. Ex.ª tinha agora chegado de Macau, porque por tudo o que se passou na justiça, tudo o que se passou com V. Ex.ª, tudo o que se passou no Governo nesta área nos últimos tempos não foi do conhecimento de V. Ex.ª. Aliás, V. Ex.ª manteve-se, pelo menos em espírito, em Macau e veio hoje à Assembleia da República tendo passado por cima de toda essa realidade.
O Sr. Ministro da Justiça, com certeza, que não leu um comentário que a este propósito foi escrito por alguém e que lhe passo a ler: «Vera Jardim vai ficar na História. Bonacheirão, presidiu ao maior pandemónio da justiça portuguesa de que há memória em muitas décadas. Como membro do Governo a sua inutilidade é agora absoluta e dia após dia crescem os prejuízos que está a causar ao País.»
V. Ex.ª deverá saber quem escreveu isto, mas eu lembro-lhe: foi o seu companheiro Dr. António Barreto.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Desautorizado pelo Conselho Superior da Magistratura, desautorizado pelo Sr. Procurador-Geral da República, depois de ter fomentado os conflitos entre a magistratura judicial e a magistratura do Ministério Público, depois de ter fomentado os conflitos entre a polícia Judiciária e o Ministério Público, depois de ter posto a justiça no pandemónio em que pôs, V. Ex.ª tem a coragem, o desplante e o descaramento de vir fazer o discurso que fez sem falar de uma única medida de fundo que fosse.
Parecia que V. Ex.ª era um mero empreiteiro ou um director-geral que vinha dar contas de intendência na área da justiça sem dizer uma palavra que fosse sobre as questões graves que preocupam a justiça e sobre as reformas que a justiça exige e necessita.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Há pouco a Dr.ª Odete Santos tentava fazer um pouco a catalogação da sua intervenção e disse que se tratava de uma intervenção de início de Legislatura. Ora, eu penso que será mais certeiro dizer-se que é, e espero que seja, um discurso de despedida e não de início de Legislatura.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não há outro sentido em V. Ex.ª vir cá a não ser para se despedir deste Hemiciclo como ministro. Tomando de novo as palavras do Dr. António Barreto, aquilo que ouvimos foi o discurso de um ex-ministro e não do Ministro da Justiça.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, pretende responder, desde já, ou prefere fazê-lo depois de mais um pedido de esclarecimento?

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, prefiro responder depois.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra para pedir esclarecimentos o Sr. Deputado António Brochado Pedras.

O Sr. António Brochado Pedras (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, ouvimos com muita serenidade as palavras que V. Ex.ª pronunciou e julgávamos que V Ex.ª, depois de tudo o que tem sido dito, quer na imprensa quer aqui, neste Parlamento, quer por todos os agentes ligados à justiça, não seria capaz de ter hoje o discurso que teve noutras alturas, por exemplo, quando, há cerca de três meses, veio aqui para um debate sobre segurança. É evidente que V. Ex.ª hoje veio aqui a reboque dos acontecimentos, tarde e a más horas, confessar aquilo que toda a gente sabe: há uma crise grave da justiça. Mas se esta confissão não tem valor, porque, justamente, foi feita a reboque do que todos os outros disseram, V Ex.ª limitou-se a fazer aqui um diagnóstico de alguns dos males de que padece a justiça, mas não dos piores.
O que não ouvi V. Ex.ª dizer, depois do curtíssimo balanço que fez, foi a quem é que cabe a culpa de toda esta situação que se vive actualmente em Portugal. Não quero enjeitar culpas próprias, culpas desta Assembleia, culpas do governo anterior, culpas das universidades, culpas dos magistrados, culpas dos advogados, culpas dos funcionários, mas a culpa política principal é do Governo, e V Ex.ª não a assumiu aqui!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, V Ex.ª veio hoje propor um pacto de regime, uma parceria - foi isso que entendi

Página 2603

16 DE ABRIL DE 1999 2603

da sua intervenção, se não foi, tanto pior! Mas eu gostaria de referir a V. Ex.ª que já em intervenções anteriores tive ocasião de dizer que a minha bancada está absolutamente disponível para participar com o Governo na feitura das leis de que o País carece.
Mas o que concluo, Sr. Ministro, é que V. Ex.ª não tem projecto político algum! Onde está a estratégia global do seu Ministério? O que vi foram medidas avulsas, propostas pontuais! Não vi e continuo a não ver, naquilo que V Ex.ª anuncia, qualquer projecto global, qualquer fio condutor da actuação de V. Ex.ª! Para onde é que vamos, Sr. Ministro? Não sei! Não sei e penso que é grave não sabermos.
Penso que o esforço que V. Ex.ª fez à frente do Ministério foi um esforço inglório, melhorou muito pouco e piorou quase tudo, não simplificou o processado, não acelerou o andamento dos processos, não resolveu os principais problemas, não agradou aos agentes da justiça. Afinal, o que é que V. Ex.ª fez?
Gostaria ainda de lhe lançar uma última pergunta. V. Ex.ª entende que é a seis meses do termo do seu mandato que vai forjar aquele plano tão amplo e tão global de que a justiça carece, sem a ajuda de toda a gente, inclusivamente do meu partido? V. Ex.ª tem força, sente--se com ânimo, depois de tudo o que se passou, para fazer alguma coisa?
Creio que, tal como o Sr. Deputado Guilherme Silva aqui disse, é altura de lhe apresentar cumprimentos de despedida. Julgo que V. Ex.ª vai bem para casa, pois, apesar de ser um ilustre jurista e um advogado que reconheço como emérito, como Ministro da Justiça, V. Ex.ª falhou rotundamente!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder aos três pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça, dispondo de 5 minutos para o efeito.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, antes de mais, quero dar um esclarecimento: é que eu não vim aqui trazer pacto de regime algum. Os senhores terão lido isso nos jornais, mas eu não vim aqui trazer pacto de regime algum. Vim aqui fazer um apelo a não haja mais intervenções sobre a justiça como as de VV. Ex.ªs. Foi precisamente esse apelo que vim aqui trazer!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - O grave não são as intervenções sobre a justiça, o grave são as más intervenções sobre a justiça!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradeço que não estabeleçam diálogo, pois isso não é permitido pelas regras da Casa.
Faça favor de prosseguir, Sr. Ministro.

O Orador: - Sr. Presidente, o apelo que vim trazer foi a que haja seriedade e serenidade - foi esse! - e um debate democrático. Disse muito claramente que a regra de ouro da democracia não é o consenso, é o debate, o debate democrático, mas a começar com o respeito pelas instituições. E se há «bombeiros pirómanos» nesta Assembleia, que fiquem com o seu trabalho, pois eu fico com o meu!
Querem introduzir na justiça as reformas que já introduzimos. VV. Ex.ªs estão a falar, desconhecendo que há uma reforma global dos tribunais portugueses! Toda a geografia judiciária do País vai ser completamente diferente a partir de 15 de Setembro, e VV. Ex.ªs desconhecem isto! VV. Ex.ªs desconhecem que aprovaram aqui, em Janeiro, uma lei orgânica dos tribunais e que o Governo trabalhou essa lei orgânica, fez um regulamento e que esse regulamento, Sr. Deputado, significa um reforço da justiça portuguesa como não há memória,...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Do que não há memória é do pandemónio!

O Orador: - ... e significa deitar abaixo, Sr. Deputado António Brochado Pedras - viro-me para si porque ao Sr. Deputado Guilherme Silva, peço desculpa, mas não respondo!

Aplausos do PS.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Isso também não está certo! O debate democrático não é isso!

O Orador: - Desculpe, mas o Sr. Deputado Guilherme Silva não me fez pergunta alguma! Não me fez pergunta alguma, fez-me ataques soezes e eu não respondo porque penso que esta Assembleia não se deve compaginar com ataques soezes!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A V. Ex.ª respondo, como respondo à Sr.ª Deputada Odete Santos, porque V. Ex.ª merece uma resposta, que é- uma lembrança. O Sr. Deputado aprovou - aprovou, não, pois votou sempre contra, e. quando digo «o senhor» refiro-me à sua bancada - um código de processo penal, uma lei orgânica dos tribunais (que são os dois instrumentos fundamentais), uma nova lei orgânica do Ministério Público, dezenas de diplomas, de que lhe posso dar uma lista, e vem aqui dizer que me estou a despedir?! Não, Sr. Deputado, quando eu me despedir, há algo de que pode ter a certeza: é que, se eu me despedir - porque isso está no poder, primeiro, do povo, não no seu, depois, no do Sr. Primeiro-Ministro e, depois, do meu, que também tenho uma palavra a dizer sobre essa matéria! -...

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Orador: - ... e se me despedir cedo, o Sr. Deputado, nos meses mais próximos, vai ver o que é que eu fiz! Agora, não fale é daquilo que ainda nem sequer está no terreno!

Página 2604

2604 I SÉRIE - NÚMERO 72

Sr.ª Deputada Odete Santos, antes de mais, gostaria de me referir ao facto de V. Ex.ª ter ligado a privatização do notariado à conflitualidade. Bom, Sr.ª Deputada, é uma ideia de perseguição ao notariado privado que a senhora tem e, agora, envolve o notariado em tudo... Também não exageremos!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - É a questão da fé pública!

O Orador: - Sr.ª Deputada, quanto à execução das penas, temos uma lei de execução das penas que não se cumpre - V. Ex.ª sabe isso! -, e a Sr.ª Deputada queria que eu melhorasse a lei de execução das penas para continuar a não a cumprir! Não, Sr.ª Deputada, sejamos realistas! Primeiro, façamos o que temos a fazer no nosso sistema prisional porque, de leis bonitas, está o País cheio!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Há leis muito bonitas, há princípios muito bonitos - o PSD, nessa matéria, deixou uma obra de mestre - só que nunca se cumprem! E leis aprovadas para não se cumprirem, a minha «casa» não usa, este Governo não usa!
Aí tem, pois, a explicação para o facto de eu ter «metido na gaveta» - e digo aqui que «meti na gaveta», embora seja muito bom - um relatório que aponta para soluções de futuro, porque não temos, ainda hoje, condições para aprovar essa lei. Portanto, vamos primeiro criar as condições e, depois, aprovar a lei.
V. Ex.ª disse que não há reinserção social, mas V. Ex.ª sabe que já há 10, 12, 15 anos se diz que não há reinserção social.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - É verdade!

O Orador: - A reinserção social foi criada para fazer aquilo que é possível. Tenho dito que tenho muita pena que, durante três anos, os Srs. Deputados não tenham tido ocasião de ir às prisões, mas já vi que, finalmente, o meu apelo foi atendido pelos Srs. Deputados, pois sei que está marcada uma visita a um estabelecimento prisional e a vossa ida, que começa agora, vai ser muito importante.
Mas, repare, Sr.ª Deputada, temos feito imenso! V. Ex.ª sabe qual foi a percentagem de duplicação dos presos em regime aberto? São três vezes mais, Sr.ª Deputada! São centenas e centenas de presos em todo o País.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas eu não nego isso!

O Orador: - Sr.ª Deputada, então, isso não é reinserção social?! Essa é a medida fundamental de reinserção social, ou seja, a de pôr essa gente a trabalhar, que, mais do que isso, com os protocolos que temos, quando saírem da prisão, pode ter um emprego garantido. Portanto, não podemos falar só da suspensão provisória do processo, a qual se usa muito pouco, e mau é que se use - tenho feito essa crítica muitas vezes, mas, como V. Ex.ª sabe, eu não mando nas magistraturas. Os Srs. Magistrados pedem sempre melhores condições para a aplicação dessas medidas, mas também não podem sempre ter desculpas para não aplicar aquilo que vem na lei.
Certamente, vamos ter tempo de voltar a falar nisto, mas permita-me que lhe pergunte, Sr.ª Deputada, juizes de paz para resolver a conflitualidade que há nos tribunais portugueses?! Sr.ª Deputada, estou à vontade para lhe falar nisso porque fui eu, se o meu partido me dá licença que o diga, que convenci o meu partido a introduzir na Constituição os juizes de paz.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não me diga que não podem resolver pequenas dívidas! Agora, está a desiludir-me!

O Orador: - Para executar dívidas das companhias de seguros e dos telemóveis?! Sr.ª Deputada, por amor de Deus, essa não!...
Repare bem: a Sr.ª Deputada sabe que 80 % do que inunda os tribunais portugueses são execuções por dívidas e cobrança de dívidas. Então, isso é que é para os juizes de paz?! Por amor de Deus! Isso é, sabe para quê? Há um jornal que me chamou - foi só um, infelizmente, mas vou ver se há muitos jornais a chamar-me isso - o «Ministro das injunções». Sabe porquê? Porque em toda a Europa há um processo rápido para cobrança de dívidas há 20 anos e em Portugal havia um mas não era usado!
Enquanto não libertarmos os tribunais das centenas de milhar de processos de cobrança de dívidas e de execução de dívidas, Sr.ª Deputada, nada conseguimos fazer na justiça portuguesa!

Aplausos do PS.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Ministro da Justiça, muito irritado e numa noção muito própria da democracia parlamentar, recusou-se a responder-me, referindo que eu lhe dirigi um ataque soez ao ler um escrito do Dr. António Barreto. Pará confirmar que se trata, efectivamente, de um escrito do Dr. António Barreto, vou fazer chegar à Mesa uma cópia desse artigo e vou também fazer chegar ao Sr. Dr. António Barreto o registo da qualificação que o Sr. Ministro faz dessa referência como ataque soez.
Em relação às questões essenciais, o Sr. Ministro continua a nada dizer: nada diz sobre prescrições de processos,...

O Sr. Presidente: -_ Sr. Deputado, já está fora da figura da interpelação à Mesa, pelo que agradeço que se circunscreva à mesma -.

O Orador: - ... nada diz sobre o limite de entrega de processos no tribunal cível de Lisboa a 100 por dia, sem qualquer cobertura legal para tal,...

Página 2605

16 DE ABRIL DE 1999 2605

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tenha paciência, mas hoje não é dia para deturpação de figuras regimentais!

O Orador: - ... continua a querer furtar-se ao debate parlamentar, recusando-se a responder às questões colocadas!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Hoje não podemos ser generosos em matéria de figuras não típicas!
Para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, o Sr. Provedor de Justiça publicou, em 1986, um relatório onde dava conta da situação dos estabelecimentos prisionais em Portugal. No capítulo específico sobre a saúde, o Sr. Ministro não deve negar que o panorama era verdadeiramente assustador e dramático, nomeadamente naquilo que dizia respeito às doenças infecto-contagiosas. De facto, a situação e a evolução tendencial dessa situação era verdadeiramente dramática.
O certo é que, neste novo relatório que o Sr. Provedor de Justiça veio anunciar, e ao qual, aliás, o Sr. Ministro se referiu, não percebendo eu por que é que o Sr. Ministro se sente tão tranquilo face àquilo que o próprio relatório diz no capítulo específico da saúde, a manutenção das precárias condições de higiene, bem como a subsistência da sobrelotação dos estabelecimentos prisionais - entre outras condições, naturalmente - leva a que tenha havido, de facto, um aumento intenso do drama das doenças infecto-contagiosas em meio prisional.
De facto, é assustador - e, já agora, passo também a citar uma única frase do relatório - que o Sr. Provedor de Justiça refira, no diz respeito às doenças infecciosas, que «é petrificante a análise dos dados declarados pelos vários estabelecimentos.» E estamos a falar dos dados declarados, o que significa que eles não correspondem até, como deve calcular, à situação real, porque se formos também aos casos não declarados o número aumentará, com certeza.
Aliás, há estabelecimentos prisionais que declaram ter mais de 50% de reclusos seropositivos e há mesmo um estabelecimento prisional que declara ser de cerca de 90% a percentagem de hepatites existentes entre os reclusos. De facto, não dá para negar que a situação é verdadeiramente petrificante.
Sr. Ministro, o que quero perguntar-lhe concretamente, até porque as respostas do Sr. Ministro da Justiça relativamente ao relatório de 1996 davam conta de uma certa adaptação a uma inevitabilidade que, na nossa perspectiva, não pode existir nem pode ser entendida como tal, é o seguinte: o que é que fez, ou o que é que pensa fazer, no sentido da diminuição da incidência das doenças infecto-contagiosas em meio prisional, o que passa, obviamente, pelo aumento da prevenção relativamente a esta situação?
Gostava que respondesse a esta questão, informando-me sobre medidas concretas sobre esta matéria.
Depois, um comentário muito breve: quando a justiça deriva numa grande injustiça devido à morosidade dos processos, quando os cidadãos desistem de processos devido a essa morosidade, quando a justiça está completamente descredibilizada aos olhos dos cidadãos, também devido a essa morosidade, quando a justiça esquece verdadeiramente os cidadãos e quando até algumas das reformas que têm sido implementadas foram feitas para despachar verdadeiramente os contenciosos das grandes empresas, esquecendo completamente os cidadãos, o Sr. Ministro vem muitas vezes falar publicamente, por vezes até em órgãos de comunicação social, numa verdadeira modernização da justiça.....

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Termino já, Sr. Presidente.

Só que, depois, face à contradição entre a realidade e as afirmações do Sr. Ministro, os cidadãos estão constantemente a queixar-se, nomeadamente aos seus advogados, e a perguntar-lhes por que é que os seus processos não andam.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Portanto, gostava também de um comentário do Sr. Ministro sobre esta situação, ou seja, sobre a morosidade dos processos e a descredibilização da justiça perante os cidadãos.

O Sr. Presidente: - Como o Sr. Ministro continua a acumular três pedidos de esclarecimento antes de responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Este debate tem, certamente, uma virtude, a de ter demonstrado que os problemas da justiça têm a possibilidade de ser discutidos de forma serena. Assim, merece cumprimento a bancada do PCP pela forma como, justamente, introduziu o debate, aflorando questões institucionais que, realmente, são problemas objectivos do mundo da justiça. Mas também fica demonstrado, pela forma como o fez, que o partido interpelante não tem, propriamente, uma alternativa para apresentar à política de justiça praticada, nos últimos anos, por este Governo.
Se olharmos para o outro lado do Hemiciclo vemos já, da parte do PSD e do CDS-PP, a ausência completa de uma perspectiva sobre política de justiça, porque, em lugar de aflorarem qualquer questão fundamental neste domínio, a natureza agressiva das intervenções produzidas revela bem o desfasamento de alguns Srs. Deputados e de alguns grupos parlamentares: :a reboque da pior lógica do Estado-espectáculo, mostram-se manifestamente incapazes de discutirem, com sentido crítico, os problemas reais que afloram o mundo da justiça.
Falou-se da inexistência de uma reforma global e eu pergunto-me, Srs. Deputados: a reforma da justiça não é

Página 2606

2606 I SÉRIE -NÚMERO 72

uma reforma de reformas, não é uma reforma de acompanhamento e de sustentação permanentes?!
Então, o que dizer, já nesta legislatura, da actualização do processo civil, da revisão do CEJ, da revisão profunda do processo penal, da revisão do Estatuto do Ministério Público, da revisão profunda do regime da adopção, da profunda revisão do Estatuto dos Tribunais Judiciais, que terá a sua concretização regulamentar naquilo que o Sr. Ministro da Justiça há pouco qualificou como a maior alteração dos últimos tempos em matéria de estruturação concreta dos tribunais portugueses? E as próprias medidas especiais, actualmente em apreciação, de combate à corrupção e à criminalidade organizada?!
Srs. Deputados, dizer que não há uma perspectiva global e ao mesmo tempo esquecer - e esquecer deliberadamente, com certeza - tudo isto que, entretanto, já foi feito ou está em eminente via de concretização, é não quer trazer para este debate as questões sobre as quais vale a pena reflectir.
Por isso, Sr. Ministro da Justiça, julgo que faz sentido os termos em que colocou a questão: é necessário um debate sério e crítico sobre os problemas da justiça, até para fazer a distinção entre aquilo que em cada momento procura ser o afloramento dramático de qualquer episódio do mundo judicial relativamente às questões institucionais mais sérias da justiça portuguesa.
Ora, talvez o que a ausência de debate crítico nesta matéria revele é que, verdadeiramente, não há alternativa às políticas da justiça que têm sido praticadas. E por isso, Sr. Ministro da Justiça, não me leve a mal que termine estas considerações fazendo-lhe uma pergunta, que, porventura, é um pouco de La Falisse, mas que tem que ver, certamente, com o estado deste debate. Aliás, nem eu nem a minha bancada temos conhecimento de propostas de orientação de política de justiça que, verdadeiramente, pudessem ser consideradas propostas alternativas às medidas institucionais praticadas, ou em curso de prática, por este Governo.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Ora essa!...

O Orador: - O Sr. Ministro pela sua parte, tirando a proposta estimável do PCP relativamente à questão dos julgados de paz...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - E a do defensor público?!...

O Orador: - Estimável, Sr.ª Deputada!...

Como dizia, tirando esta proposta hoje aflorada, o Sr. Ministro da Justiça teve a ocasião de receber, da parte de algum grupo parlamentar, qualquer resposta consistente de que valesse a pena tomar hoje conhecimento,...

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - ... quando estamos a fazer o balanço crítico das orientações de política no domínio da justiça?

Aplausos do PS.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, gostaria de responder já a estes dois pedidos de esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra, Sr. Ministro

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que o Sr. Deputado Jorge Lacão cometeu uma grande injustiça, já que há, realmente, projectos de tomo apresentados. E vou recordá-los: o CDS-PP apresentou, há dois anos e meio, um projecto de Código Penal - e não foi difícil fazê-lo, pois foi, de «cabo a rabo», aumentar as penas -, o qual está esquecido no tempo e ainda bem; o PSD apresentou uma proposta, também de tomo, que V. Ex.ª está a esquecer, o celebérrimo projecto da aceleração processual, que já ficou célebre nos tribunais portugueses!...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Ria-se, ria-se!...

O Orador: - O célebre projecto da aceleração processual!

Bom, mas, hoje, as duas únicas propostas são, naturalmente, as apresentadas pelo PCP. Não conheço a proposta dos julgados de paz, só conheço a do defensor público e não estou de acordo com ela, porque advogados das 10 às 17 não é comigo, mas, enfim!...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Olhe que o Sr. Presidente da Assembleia defende-os há alguns anos!

O Orador: - Sr.ª Deputada, mas o Sr. Presidente da Assembleia sempre me deu licença - e vai continuar a dar - para discordar dele em muitas coisas!...

O Sr. Presidente: - Excessivas, excessivas, Sr. Ministro!

Risos gerais.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Posso interrompê-lo, Sr. Ministro?

O Orador: - Desde que V. Ex.ª não me tire tempo!... É que se me interrompe tira-me tempo!... Bom, está bem, faça favor.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Ministro da Justiça, quero só recordar a V. Ex.ª que há muitos países onde existe o defensor público e, se calhar, V. Ex.ª não rejeita os advogados de empresas das 10 às 17 horas.

O Orador: - Sr.ª Deputada, podemos, depois, discutir isso com mais pormenor, mas cite-me um país de sistema continental que tenha defensor público. Não podemos comparar-nos com países anglo-saxónicos, que têm, sistemas completamente diferentes!
Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, não gosto que usem termos como «descalabro total». Isso não é verdade!

Página 2607

16 DE ABRIL DE 1999 2607

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - E ainda ficam aquém!...

O Orador: - A justiça portuguesa continua serenamente, nos tribunais, a fazer um enorme esforço para ir ao encontro das expectativas dos cidadãos. Porém, nós não podemos fazer milagres. Milagres não fazemos!

O Sr. José Magalhães (PS): - Infelizmente!...

O Orador: - Como a Sr.ª Deputada do partido interpelante disse, as reformas da justiça demoram tempo. Ora, essa é a grande tarefa do Ministério da Justiça, porque há quem diga que não há justiça, mas há! O que é preciso é tirar dos tribunais todas as bagatelas que lá andam. E estamos a ter êxito, Sr.ª Deputada!
Aliás, faço aqui um convite aos Srs. Deputados da 1.ª Comissão: visitem, já que nunca visitaram, o lugar onde se processam, por dia, centenas ou mesmo milhares de acções, que são decididas em 24 horas ou em 15 dias. Em vez de irem para os tribunais, essas acções vão para lá. Visitem aquela experiência, que é o grande ensaio para solucionar essas, bagatelas, e vejam se não estamos no bom caminho. Mas estas coisas demoram tempo!
Sr.ª Deputada, não sei se ouviu o meu discurso desde o princípio - não sei se teve paciência ou tempo para ouvi-lo-, ...

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Ouvi!

O Orador: - ... mas eu sou o primeiro a dizer que a situação sanitária, da saúde, nas prisões é muito grave. Está dito! Mas o que digo também é que estamos a fazer um enorme esforço - e ele é reconhecido pelo Sr. Provedor de Justiça -, que não chega, não chega para tudo! No entanto, estamos a preparar o sistema para resolver a situação.
Temos hoje mini-hospitais em cinco estabelecimentos centrais portugueses e não havia um único; fizemos obras no hospital central, que aumentou enormemente a lotação, e estamos à beira de encontrar, para o sistema prisional, um hospital só para doenças infecto-contagiosas.
Porém, também lhe vou dizer uma coisa, Sr.ª Deputada: mau grado os esforços que têm sido feitos pela Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, é muito difícil encontrar quem queira trabalhar neste sistema, porque ele é muito pesado. E, aí, eu dou inteira razão ao PCP, porque o sistema prisional é o espelho daquilo contra o que todos nós lutamos, a começar pelo Governo, ou seja, é o espelho da explosão social que ainda temos no nosso país.
Quem está nas prisões, quem entra nas prisões, Sr.ª Deputada, são, infelizmente, toxicodependentes, muitas vezes arrastados para a vida do pequeno crime pela toxicodependência. E, mais, eles são, muitas vezes, rejeitados pelas famílias.
Sabe que, no início desta legislatura, fiz legislação -já ninguém fala dela, ninguém se lembra, ninguém se Lembra das coisas que foram feitas há oito dias quanto mais há três anos! - que dava a todos os infectados o direito de, estando já num estado avançado de doença, saírem das prisões? E sabe por que é que essa experiência não tem resultado, Sr.ª Deputada? Porque, segundo me informam, as famílias não os querem. É triste, mas é assim!. Portanto, estamos a fazer um grande esforço no que diz respeito à toxicodependência e já temos variadíssimas alas livres de drogas. Mas também devo dizer-lhe que não é fácil as pessoas irem para as alas livres de droga, apesar de, às vezes, termos aí lugares livres. E não é fácil ir para lá porque isso exige um grande esforço e uma grande coragem. Estamos já a fazer experiências com a metadona em vários estabelecimentos prisionais, estamos também a distribuir preservativos em variadíssimos estabelecimentos prisionais, temos vontade política, mas faltam ainda alguns meios. É verdade que não temos ainda meios suficientes, mas também não os temos porque, muitas vezes, não encontramos quem tenha a coragem de trabalhar nesse sistema, que é muito pesado. Se o não conhece, aconselho-a lá ir e vai ver quão pesado ele é.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça: Tive oportunidade de, preparando esta interpelação, reler o Programa do Governo na área da justiça e verifiquei que este programa faz um diagnóstico da situação que encontrou no sistema judiciário que, no essencial, é correcto.
Verificamos, por exemplo, que se diz que a área da justiça apresenta deficiências graves que põem em causa direitos fundamentais; que a realização na prática e o aprofundamento do Estado de direito requerem que os tribunais sejam dotados de meios para, em tempo útil, fazerem face às tarefas que lhes são exigidas; que a justiça continua a ser lenta, em muitos casos ineficaz, excessivamente cara e culturalmente longínqua dos cidadãos, e apresenta, depois, um programa para mudar esta situação em* domínios fundamentais.
O que é preocupante é que estamos praticamente a chegar ao fim do mandato deste Governo e, relendo o seu programa, verificamos que o diagnóstico não só era correcto na altura como continua a ser correcto hoje. Isto é que é, de facto, profundamente inquietante, porque demonstra que a prometida mudança constante do Programa do Governo não se verificou com a latitude que era inquestionavelmente necessária.
Claro que o Sr. Ministro dirá que este Governo tomou diversas medidas legislativas, inclusivamente aprovadas nesta Assembleia, o que é, de facto, correcto, mas é também correcto dizer-se que não melhorou significativamente a relação dos cidadãos com a justiça e a relação da justiça com os cidadãos.
A justiça continua a ser excessivamente morosa para quem a ela tem de recorrer, continua a ter más condições de trabalho para quem nela trabalha nos diversos subsistemas, e continua a ser dispendiosa e pouco acessível, particularmente para os cidadãos de menores recur-

Página 2608

2608 I SÉRIE-NÚMERO 72

sos, não tendo melhorado significativamente a eficácia no combate à grande criminalidade.
Inclusivamente, o Sr. Ministro vem aqui criticar soluções legislativas adoptadas por diplomas que, ainda há bem pouco tempo, teve oportunidade de alterar, como acontece com o sistema de recurso para o Tribunal Constitucional, já que nesta legislatura houve uma alteração legislativa em matéria de Lei Orgânica do Tribunal Constitucional. É ainda o caso do número de testemunhas admissíveis em processo penal, matéria que podia ter sido equacionada na recente revisão do Código de Processo Penal.
Um último aspecto a que gostaria de me referir, por ser particularmente grave, é o da prevenção e do combate à alta criminalidade. De facto, este problema está sempre presente no discurso político mas não é por aí que se criam grandes problemas à lotação do sistema prisional, porque há um défice, por todos reconhecido, relativamente à investigação e à repressão da criminalidade organizada.
Nesse campo, o branqueamento de capitais, como foi referido na intervenção inicial da minha camarada Odete Santos, continua a revelar uma repressão e prevenção insatisfatoriamente ineficaz. Dir-se-á que a criminalização é recente, que ainda não teve tempo de provar e que a investigação é extraordinariamente difícil, o que é reconhecido por todos. No entanto, isso não explica, desde logo, a insuficiência que existe ao nível dos mecanismos de prevenção e, particularmente, o grau de cumprimento das incumbências legislativas que já existem, relativamente a autoridades administrativas.
Existem, de facto, mecanismos legais de prevenção, existem competências atribuídas a várias entidades administrativas, mas não há quem trate de verificar se essas competências são efectivamente exercidas e como é que são exercidas e não há quem tenha como preocupação coordenar o esforço das várias autoridades administrativas, que englobam, evidentemente, o Ministério da Justiça mas também outros ministérios, para que haja uma coordenação mínima dos esforços que é necessário fazer ao nível da prevenção, designadamente do branqueamento de capitais provenientes de várias actividades de criminalidade organizada.
Nesta matéria, a inércia que se tem verificado, e que ainda recentemente tivemos oportunidade de verificar numa iniciativa feita nesta Assembleia, é confrangedora. Se não houver uma acção coerente e coordenada de prevenção da criminalidade neste domínio, tudo o que se disser, Sr. Ministro, não passa de boas palavras e de boas intenções.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Antonino Antunes.

O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, ouvi atentamente o seu discurso e vi que V. Ex.ª se «passeou» ali por cima, procurando dar ao Plenário e ao País a ideia de quem passa em revista a justiça em Portugal. Mas V. Ex.ª não passou nada em revista. V. Ex.ª debateu-se, ali em cima, entre o dilema de olhar para o seu próprio umbigo e a posição envergonhada de olhar ou de assobiar para o ar com a preocupação suprema de não tropeçar nos pedregulhos da sua parada. Sr. Ministro, vamos falar claro, vamos falar concreto, vamos falar de perdão de penas, vamos falar «olhos nos olhos»,...

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Olhos nos olhos?!

O Orador: - ... frontalmente, de perdão de penas. V. Ex.ª está confrontado com o problema do aumento exponencial do número de presos, que, em três anos, cresceu assustadoramente. Mais do que mais presos, mais do que prisões sobrelotadas,...

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Isso é mentira!

O Orador: - ... promíscuas e sujas, V. Ex.ª tem hoje, sobretudo, mais presos a viver em condições desumanas e tem mais presos doentes a morrer todos os dias com sida, com tuberculose, com hepatites e com outras doenças infecto-contagiosas.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): Tem de se lhe dar a estatística!

O Orador: - Por outro lado, V. Ex.ª, Sr. Ministro, está confrontado com o acentuar galopante da criminalidade e da segurança interna. Mas V. Ex.ª tem andado a fingir que a questão do perdão de penas não lhe diz respeito, com o argumento de que se trata de matéria da competência exclusiva desta Assembleia da República. V. Ex.ª tem andado a fingir que não quer o que deseja intensamente. Tem andado a esquecer-se que o perdão tem incidência na política criminal e no direito penitenciário. O Governo tem andado com esquivos subterfúgios, com medo de perder uns míseros votos. V. Ex.ª, Sr. Ministro, tem andado a passear e desde que chegou de Macau tivemos um Ministro da Justiça «escondido com o rabo de fora». É que há dias, Sr. Ministro, o Sr. Director-Geral dos Serviços Prisionais deixou escapar não só que entre a população prisional está criada uma incontida expectativa quanto ao perdão de penas, mas, sobretudo, que veria com bons olhos e com grande alívio a consagração dessa medida de clemência. V. Ex.ª, Sr. Ministro, não pode continuar com essa falta de coragem, não pode continuar calado, não pode desaparecer da cena, não pode sair deste Plenário, hoje, passando por esta questão como «gato por cima de brasas». V. Ex.ª está agora, além do mais, colocado perante esta posição de ter de confirmar ou de negar aquilo que o Sr. Director-Geral dos Serviços Prisionais divulgou e que o Ministro ainda não teve a coragem de dizer.
A pergunta que lhe faço, Sr. Ministro, é esta: confirma ou desdiz o que o Sr. Director-Geral dos Serviços Prisionais deixou escapar?

(O Orador reviu.)

Página 2609

16 DE ABRIL DE 1999 2609

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por responder ao Sr. Deputado Antonino Antunes. V. Ex.ª, no início do seu pedido de esclarecimentos, deu-me uma ideia de uma poesia - aliás, suponho que V. Ex.ª é atreito a essas coisas -, mas depois, lentamente, transformou-se em sereia, em canto de sereia.
Disse V. Ex.ª que eu estava a olhar para o meu umbigo e eu estava a ver que V. Ex.ª estava a olhar para a sua cauda!

Risos

Estava a olhar para sua cauda a ver se, efectivamente, o canto de sereia que V. Ex.ª estava a entoar adormeceria as hostes e se conseguiria atingir alguma coisa. Não consegue, Sr. Deputado!

O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Estava a olhar para si, Sr. Ministro!

O Orador: - Estava a olhar para mim, mas ligeiramente voltado para a sua cauda, devido ao canto de sereia!
Sr. Deputado, o que tenho a dizer-lhe sobre essa matéria é muito simples. V. Ex.ª estava presente nesta Assembleia quando, há dias, aqui compareceu o Sr. Primeiro-Ministro. O Sr. Primeiro-Ministro, sobre essa matéria, disse o que tinha a dizer e não esperará, certamente, que o Ministro da Justiça venha dizer outra coisa diferente, nem que seja numa vírgula. De qualquer maneira, agradeço a sua pergunta.

Aplausos do PS.

Sr. Deputado António Filipe, há algumas coisas que queria clarificar. É que eu, Sr. Deputado, não tenho poderes para alterar a Constituição e já aqui nesta Assembleia tiveram de fazer uma alteração à Constituição para permitir, uma reforma do Código de Processo Penal. O que lhe pergunto a si, Sr. Deputado, é se tenho poderes - eu, Ministro da Justiça - para acabar com esse escândalo, contra o qual os senhores também se devem rebelar, de os ricos e poderosos recorrerem três, quatro, cinco e seis vezes para o Tribunal Constitucional, desde o inquérito à acusação, passando pela instrução, até ao acórdão definitivo do Supremo Tribunal de Justiça. Diga-me, Sr. Deputado, se tenho ou não poderes para alterar isso. O que eu disse, Sr. Deputado, quando falei de um pacto democrático, é que há muita coisa na justiça que depende também do quadro constitucional e há que ter coragem, dentro desse pacto democrático, para encarar essas questões, porque quem recorre para o Tribunal Constitucional, Sr. Deputado, cinco, seis e sete vezes são precisamente aqueles que o Sr. Deputado diz que são os ricos e que não vão para a cadeia. Mas digo-lhe mais: naturalmente, não irão para a cadeia,, porque continuarão a recorrer dezenas de vezes e a reclamar dezenas de vezes para ganharem o tempo necessário para que haja prescrição.
Sr. Deputado, estamos a trabalhar em matéria de prescrição, mas precisamos do pacto para alterarmos essas coisas, porque eu não estou para me sujeitar a vir aqui e a ouvir, de algumas bancadas, não da do PCP, coisas que não quero ouvir.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - O Sr. Ministro tem de nos ouvir!

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Gostava de saber como é que V. Ex.ª se defende do que tem de ouvir!

O Orador: - Sr. Deputado, defendo-me não as ouvindo! Não sei se me faço entender!... VV. Ex.ªs têm todo o direito de falar, mas eu também tenho o direito de não querer ouvir. Portanto, não vou aqui apresentar...

Protestos do Deputado do CDS-PP Gonçalo Ribeiro da Costa.

Sr. Deputado, quero que fique tudo claro! É que, de cada vez que se quer alterar alguma coisa nesta Assembleia, há muita gente que fala de garantias. Vou dar-lhe um exemplo rapidíssimo e recente. Apresentei aqui uma proposta de Lei Orgânica dos Tribunais que punha a alçada do Supremo Tribunal de Justiça em 4000 contos. Essa alçada era apenas para recuperar a inflação e a Assembleia voltou para 3000 contos. Sabe o que é que isso significa, Sr. Deputado? Significa que nós, hoje, temos mais acesso ao Supremo Tribunal de Justiça do que tínhamos há 10 anos. Enquanto continuarmos assim não vamos a parte alguma, Sr. Deputado! E é por isso que digo que temos de nos entender antes de virem aqui determinadas questões.

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Orador: - Não vale a pena continuar com o discurso de que os tribunais não funcionam, que demoram tempos infinitos, que a justiça não é pronta, enquanto se continuarem a introduzir, aqui, cada vez mais garantias no processo penal, no processo civil e noutros processos.
Em relação à investigação, Sr. Deputado António Filipe, neste momento está a ser feito, na Polícia Judiciária, um reforço como nunca foi feito, pelo menos de há 20 anos a esta parte. Está á ser feito um concurso precisamente para a direcção que trata das fraudes financeiras, do branqueamento, etc., e, pela primeira vez na história da Polícia Judiciária, a perícia financeira vai contar com mais de 30 peritos. Quando o PSD deixou o governo, havia lá três «desgraçados»! Agora, vai haver perto de 40 peritos em perícias financeiras!

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Vai haver!...

O Orador: - Portanto, Sr. Deputado, estamos atentos e é por isso que tenho legitimidade para ter dito, ali de cima, da tribuna, que acompanhamos a situação e estamos

Página 2610

2610 I SÉRIE -NÚMERO 72

a fazer todos os esforços para dotar a magistratura do Ministério Público, a magistratura judicial e a Polícia Judiciária dos meios que permitam, efectivamente, lutar contra a alta criminalidade, contra a criminalidade organizada, contra a criminalidade económico-financeira.
Devo também referir, porque é de justiça dizê-lo, que, nesta Câmara, as reformas que passaram, e sem as quais, hoje, estaríamos totalmente desprevenidos contra certa forma de criminalidade, passaram com o apoio da bancada do PCP e com o voto contra da bancada do PSD e do PP.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegados ao fim dos pedidos de esclarecimento e das respostas, vamos passar às votações.
Vamos votar o projecto de resolução n.º 130/VII - Cessação da vigência do Decreto-Lei n.º 399/98, de 17 de Dezembro, que atribui ao Governo, através dos Ministérios das Finanças e do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, a competência para definir os lanços de auto-estradas ou de grandes obras de arte que venham a ser objecto de concessão nos termos do n.º 4 do artigo 15.º da Lei n.º 10/90, de 17 de Março (PSD).
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes e a abstenção do PS.
Vamos votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 2087 VII - Prorroga os prazos de pagamento de quaisquer taxas e impostos a efectuar nas tesourarias da fazenda pública das ilhas do Faial, Pico e São Jorge (ARLA).

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Vamos votar, também na generalidade, a proposta de lei n.º 212/VII - Define um período de justo impedimento relativamente a residentes nas ilhas do Faial, Pico e São Jorge, bem como a serviços da administração regional e a serviços da administração directa, indirecta e autónoma quando localizados nessas ilhas.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos passar à votação, na especialidade, da proposta de lei n.º 208/VII, que há pouco votámos na generalidade.

O Sr. José Magalhães (PS): Sr: Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, a 1.ª Comissão preparou um texto de substituição, na especialidade, de todo o articulado, que, aliás, funde as duas propostas de lei, dando origem a uma única. Portanto, Sr. Presidente, salvo melhor opinião, era preferível votarmos esse texto de substituição, havendo depois que votar também uma proposta de aditamento, regulamentar, do PS, que completa esse texto.
Portanto, o texto a votar seria o de substituição das propostas de lei n.ºs 208 (ARLA) e 212/VII.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, então, votar, na especialidade, o texto de substituição das propostas de lei n.ºs 208/VII (ARLA) e 212/VII, apresentado pelo PS, PSD, CDS-PP e PCP e aprovado na 1.ª Comissão.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

É a seguinte:

Artigo 1.º

Prorrogação de prazo

1. Podem ser praticados, sem quaisquer encargos adicionais, até 60 dias depois da entrada em vigor da presente lei, os actos em falta nos processos judiciais e procedimentos administrativos que estivessem pendentes no dia 9 de Julho de 1998, nas ilhas do Faial, Pico e São Jorge da Região Autónoma dos Açores, ou que a partir dessa data devessem ter sido iniciados.

2. O disposto no número anterior é aplicável ao pagamento de quaisquer impostos ou taxas e à apresentação de documentos com os mesmos relacionados.

Artigo 2.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor dez dias após a sua publicação».

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar, agora, na especialidade, a proposta de aditamento, apresentada pelo PS, ao texto de substituição do articulado das propostas de lei n.ºs 208 (ARLA) e 212/VII, que acabámos de votar e que consiste em dois aditamentos, ambos do artigo 1.º, do seguinte teor: «Podem ser praticados sem quais quer encargos adicionais, ou penalidades, até 60 dias depois da entrada em vigor da presente Lei, os actos em falta nos processos judiciais e procedimentos administrativos que estivessem pendentes no dia 9 de Julho de 1998, nas ilhas do Faial, Pico e São Jorge da Região Autónoma dos Açores, ou que a partir dessa data, e até à data da entrada em vigor da presente lei, devessem ter sido iniciados.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Vamos proceder, então, à votação final global do texto de substituição que foi objecto de votação na especiali-

Página 2611

16 DE ABRIL DE 1999 2611

dade, contendo à proposta de alteração que também foi aprovada, relativo às propostas de lei n.ºs 208/VII e 212/VII.

Submetidos à votação, foi aprovado por unanimidade.

Vamos votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 224/VII - Autorização ao Governo para dotar os engenheiros técnicos portugueses de uma associação profissional de natureza pública.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e abstenções do PCP e de Os Verdes.

Se não houver objecções a que se vote em conjunto, vamos proceder à votação, na especialidade, dos artigos 1.º, 2,º e 3.º do diploma que acabámos de votar na generalidade.
Não havendo objecções, vamos votá-lo.

Submetidos à votação, foram aprovados, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e abstenções do PCP e de Os Verdes.

São os seguintes:

Artigo 1.º Objecto

É concedida autorização ao Governo para dotar os engenheiros técnicos portugueses de uma associação profissional de natureza pública, bem como para, com a aprovação dos respectivos estatutos, completar a transposição para a ordem jurídica interna da Directiva n.º 89/487 CEE, do Conselho das Comunidades Europeias, de 21 de Dezembro de 1988, já feita, em termos gerais, pelo Decreto-Lei n.º 289/91, de 10 de Agosto.

Artigo 2.º

Sentido e extensão

O sentido e extensão da legislação a elaborar ao abrigo do artigo anterior serão:

a) Criar uma comissão instaladora que dê expressão às diferentes associações representativas dos engenheiros técnicos e que proceda ao lançamento da associação profissional de natureza pública do sector;
b) Assegurar a representatividade da classe no domínio do ensino profissional da engenharia técnica;
c) Estabelecer regras de deontologia profissional, com a garantia da sua aplicação através do mecanismo disciplinar e do conjunto de medidas disciplinares aplicáveis;
d) Cometer à associação o registo de todos os engenheiros técnicos e a atribuição de títulos profissionais, bem como a protecção destes e das competentes profissões;
e) Instituir um sistema de eleições directas para os cargos directivos da associação;
f) Definir o âmbito das incompatibilidades e impedimentos, com o objectivo de assegurar a independência no exercício da engenharia técnica.

Artigo 3.º

Duração

A autorização concedida pelo presente diploma tem a duração de 180 dias, contados a partir da data da sua entrada em vigor».

O Sr. Presidente: - Vamos proceder, agora, à votação final global deste mesmo diploma.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e abstenções do PCP e de Os Verdes.

Vamos proceder à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 246/VII - Altera a Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, que regula o acesso aos documentos da Administração.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS e do PSD e abstenções do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes.

Srs. Deputados, esta proposta de lei baixa à 1.ª Comissão.

Vamos passar à votação, na especialidade, do texto final, apresentado pelo Comissão de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente, relativa à proposta de lei n.º 229/VII, que estabelece o regime de instalação de novos municípios.
Pergunto se pretendem votar artigo a artigo ou se podemos agregar alguns, uma vez que são 21 artigos. Pergunto também se têm necessidade de algum tempo para alegar na especialidade, embora tenha havido consenso na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares no sentido de se conceder aos grupos parlamentares os tempos correspondentes a uma grelha G, para a discussão deste diploma. Em todo o caso, não sei se pretendem usá-la em relação a todos os artigos ou artigo a artigo.
Relativamente ao artigo 1.º, temos uma proposta de substituição, apresentada pelo PCP.

Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, trata-se de uma questão metodológica. Penso que seria de todo o interesse que o Sr. Presidente perguntasse, antes de pôr à votação o artigo ou a proposta de substituição, se alguém pretende intervir.

Página 2612

2612 I SÉRIE-NÚMERO 72

O Sr. Presidente: - Como sabe, eu fiz o pedido genericamente, estava à espera que cada um pedisse a palavra quando fosse necessário.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, eu explico novamente o que é que quero dizer - e peço desculpa por estar a gastar o tempo da Assembleia, mas penso que não estou a dizer isto inutilmente.
O Sr. Presidente quer que façamos uma intervenção geral sobre a discussão na especialidade, mas nós queremos fazê-la artigo a artigo.

O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado, perguntei se pretendiam fazer uma intervenção genérica, sem prejuízo de intervenções na especialidade, artigo a artigo. Podiam querer fazer uma intervenção geral.
Relativamente ao artigo 1.º, pergunto se alguém pretende usar a palavra.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Pimenta Dias.

O Sr. Pimenta Dias (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Consideramos que esta proposta de lei não pode, de modo algum, ser desligada da lei de criação de novos municípios. Por consequência, se a Lei n.º 142/85, de 18 de Novembro, em si mesma, não é revogada nesta nova lei, faz todo o sentido que haja uma ligação entre ela e esta nova proposta de lei.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Cordeiro.

O Sr. Carlos Cordeiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O documento que vamos votar constitui o produto de uma ampla discussão, feita no âmbito da subcomissão para a criação de novos municípios, freguesias, vilas e cidades, onde obteve a votação maioritária das forças políticas que nela estão representadas. E porque, nos termos constitucionais, a discussão e a votação do documento na especialidade tem de ser feita em Plenário da Assembleia da República, o Partido Comunista resolveu trazer a esta discussão e votação as propostas que apresentou em sede da subcomissão e que não fizeram vencimento.
Não se trata de algo novo, mas de uma repetição noutra sede de discussão. Por isso, o Partido Socialista mantém-se fiel à redacção que foi aprovada e, por uma questão de economia de tempo, declara, desde já, que votará contra todas as propostas de alteração que venham a ser apresentadas pelo PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero só registar que, como é óbvio e evidente, nada foi aprovado em sede de subcomissão. O texto só pode ser aprovado, na votação na especialidade, aqui, no Plenário.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A Assembleia da República procede hoje às votações na especialidade e final global da proposta de lei n.º 229/VII, que estabelece o regime de instalação de novos municípios em Portugal, com base num texto finai elaborado no âmbito da Comissão Parlamentar de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente.
Como o PSD já teve oportunidade de afirmar, aquando da apreciação e votação na generalidade desta iniciativa legislativa, o PS e o PCP cometeram um erro crasso ao alterar, já no decurso da análise e votação de projectos de lei para a criação de novos municípios, a lei-quadro de criação dos mesmos (Lei n.º 142/85, de 18 de Novembro), no sentido de, entre outras coisas, evitar as eleições intercalares dos novos e dos municípios de origem, remetendo as respectivas eleições para quando das eleições gerais autárquicas de 2001.
Esta alteração obriga as comissões instaladoras dos novos municípios de Vizela, Trofa e Odivelas a terem um mandato muito dilatado, de três anos, alterando as suas funções essenciais, a instalação das novas autarquias, e obrigando-as a gerir os seus destinos durante este período prolongado.
Ora, a Lei-Quadro da Criação de Municípios, como é sabido, contempla uma comissão instaladora com funções muito reduzidas, não detendo esta as competências, os meios e os instrumentos necessários ao desenvolvimento de uma acção autárquica eficiente e eficaz. Daí a necessidade da aprovação de uma nova legislação para colmatar esta situação grave que o PS e o PCP criaram aos novos municípios portugueses.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Conscientes desta grave situação e não querendo defraudar as legítimas expectativas e os- anseios naturais das populações de Vizela, Trofa e Odivelas de verem as suas comunidades locais dirigidas, desde já, no sentido de um claro desenvolvimento e progresso local, o PSD concorda com a aprovação da nova legislação,
O PSD, como é óbvio, preferia que, passado pouco tempo da criação dos novos municípios, se procedesse à realização das respectivas eleições para os órgãos autárquicos municipais. Assim, esses municípios ficariam investidos de toda a legitimidade democrática, com autarcas eleitos e programas eleitorais sufragados, e poderiam ser governados plenamente para o bem-estar das populações locais.
Apesar das suas naturais discordâncias e reservas em relação a esta iniciativa legislativa, pelas razões atrás referidas, o PSD, como partido responsável e preocupado, acima de tudo, com o bem estar das populações locais, votou favoravelmente, na generalidade, a proposta de lei n.º 229/VII e deu o seu contributo, com propostas e sugestões para a elaboração do texto final, em sede de comissão especializada, dotando deste modo o regime de

Página 2613

16 DE ABRIL DE 1999 2613

instalação de novos municípios dos instrumentos adequados e as respectivas comissões instaladoras de competências em grande parte análogas às câmaras municipais, permitindo-lhes uma gestão autárquica condigna.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O PSD vai, por isso, votar contra as propostas de alteração ao texto final, apresentadas pelo PCP, porque as mesmas estão eivadas de uma filosofia que não nos parece consentânea com a autonomia dos novos municípios que esta Assembleia da República decidiu outorgar quando os criou.
A concluir, direi que o PSD deseja a maior felicidade aos novos municípios de Vizela, da Trofa e de Odivelas na sua acção autárquica.

(O Orador reviu.)

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, para que fique clara a razão de ser do nosso posicionamento e da nossa crítica a esta solução legislativa, queria, desde já, dizer o seguinte: a solução encontrada para a nova situação que a alteração à Lei-Quadro da Criação de Municípios criou - que permite que um município criado esteja mais de três anos com comissão instaladora - foi ficcionar a comissão instaladora como uma verdadeira câmara municipal, acrescentando-lhe, ainda, poderes típicos de uma assembleia municipal. Esta solução é absolutamente inconstitucional! Não tem salvação, não tem remédio, é uma solução absolutamente inconstitucional!

Vozes do PCP: - Muito bem! Exactamente!

O Orador: - Quero recordar ao Sr. Presidente e aos Srs. Deputados que o poder local, que é um poder democrático, é constituído por autarquias, que são pessoas colectivas territoriais dotadas de órgãos representativos eleitos pela população e não de comissões instaladoras nomeadas pelo Governo. Se estes municípios não têm órgãos representativos, então, só podem funcionar em termos de instalação, não podem funcionar como se fossem municípios, que não são!
Aliás, quero recordar ao Sr. Presidente e aos Srs. Deputados a norma da Constituição que, em caso de dissolução de órgãos autárquicos, estabelece um prazo curtíssimo para realização de eleições. E porquê? Por que é que estabelece esse prazo? Porque, em democracia, há um princípio essencial no funcionamento de órgãos de poder representativos que é o de serem eleitos. Se não são eleitos, não podem permanecer em funcionamento!
O que está aqui a ser feito, Sr. Presidente, é uma aberração inqualificável! É uma entorse inqualificável! Ora, não podemos, de forma alguma, sujeitarmo-nos, colaborar e cooperar com esta clara inconstitucionalidade. Essa é a razão de ser das propostas que apresentamos.

O Orador: - Sr. Presidente, referiremos algumas razões, em relação a algumas propostas, porque não queremos prolongar este debate para além do necessário, mas fiz esta intervenção para deixar claro, não só junto do Sr. Deputado Carlos Cordeiro mas junto de todos os Srs. Deputados que aqui estão sentados, que o que se está aqui a fazer é violar grosseiramente a Constituição da República Portuguesa.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando foram discutidos, aqui, na Assembleia diversos projectos de lei de criação de novos municípios, o Partido Comunista não se opôs a qualquer deles. Em abono da verdade, também, os autarcas do Partido Comunista não fizeram as figuras tristes que outros autarcas fizeram quando viram uma parte do seu território «fugir-lhes da mão». Foi necessário que chegássemos à criação do concelho de Odivelas para que a máscara do Partido Comunista caísse, de facto.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Segundo percebi, é o respeito pela Constituição!

O Orador: - As alterações que o Partido Comunista, agora, aqui apresenta significam que a verdadeira face do Partido Comunista fica a descoberto, com aquilo que hoje nos é apresentado.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - O que o Partido Comunista pretende - é bom que fique claro - é que, nomeadamente (talvez, exclusivamente) a Comissão Instaladora do Município de Odivelas nada faça durante o período de mandato que tem pela frente,, para daqui a uns dois ou três anos vir o Presidente da Câmara de Loures gritar «Aqui d'el Rei», ou melhor, «Aqui d'el PC» dizendo: «Como vêem, afinal, a criação do concelho de Odivelas não trazia qualquer interesse ou ganho de causa para os munícipes e para os habitantes de Odivelas».
É isto que o Partido Comunista quer, sejamos claros, e isto ficou a descoberto com a apresentação destas propostas pelo Partido Comunista.
Srs. Deputados, Sr. Deputado João Amaral, quanto à sua «entorse inqualificável», é bom que fique também claro o seguinte: foi o Partido Comunista que, aqui, neste Plenário, praticou essa «entorse inqualificável», porque foi o Partido Socialista que propôs o prolongamento dos mandatos das comissões instaladoras quase ad eternum, até às próximas eleições autárquicas, e foi o Partido Comunista que viabilizou a proposta.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Ora bem!

Página 2614

2614 I SÉRIE-NÚMERO 72

O Orador: - Portanto, se os mandatos, hoje, têm três anos de vigência é porque o Partido Comunista viabilizou essa «entorse».
Aquilo que estava previsto na lei, como o Sr. Deputado se recorda, e aquilo que o Partido Popular defendeu, foi que os mandatos tivessem uma duração mínima de seis meses, de forma a que se evitassem algumas das críticas que o Partido Comunista, agora, se lembrou de trazer à liça.

O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Bem lembrado!

O Orador: - Porém, também temos de dizer, Sr. Presidente- e Srs. Deputados, que a proposta que o Governo nos trouxe era francamente má e foi em sede de subcomissão, e depois na Comissão Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente, que essa proposta foi alterada para melhor. Não há dúvidas sobre isso!
Aquilo que o Governo nos trouxe era minimalista, não garantia a fiscalização e a transparência dos actos das comissões instaladoras, e aquilo que hoje nos é apresentado pela comissão que trata do poder local são normas onde está perfeitamente garantida a transparência e a fiscalização dos actos da comissão instaladora,...

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - ... até em moldes mais rigorosos e mais precisos do que relativamente às autarquias locais eleitas, o que se percebe perfeitamente e tem razão de ser.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a posição do Partido Popular nesta matéria vai ser, obviamente, de voto favorável ao texto final que nos é aqui apresentado.
Por último, ainda a respeito dos melhoramentos que foram introduzidos à proposta de lei do Governo na Comissão, quero dizer o seguinte: tentou-se, e conseguiu--se - graças ao esforço e, até mesmo, à contribuição do Partido Comunista no seio dessa subcomissão -, que a criação de novos municípios não se traduzisse no alargamento desmesurado da despesa pública. Tentou-se, é conseguiu-se, que a criação de novos municípios não se traduzisse num alargamento dos quadros da função pública, aproveitando, portanto, os recursos humanos dos municípios de origem e também do quadro de excedentes da administração central.
Foram melhoramentos introduzidos e que justificam, só por si, um voto favorável do Partido Popular.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não podia deixar sem uma resposta directa aquilo que foi dito agora pelo Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.
Votámos aqui - com o Partido Socialista, efectivamente - uma alteração à Lei-Quadro da Criação de Municípios que define que, no primeiro ano a seguir a eleições autárquicas, a criação de um novo município não implica eleições de imediato. Isso não altera a qualificação do que é uma comissão instaladora, nem altera a norma da Constituição que diz que as autarquias locais têm órgãos representativos...

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Altera! Agrava!

O Orador: - O Sr. Deputado está a tentar confundir as questões. A questão, aqui, não é a de saber se a autarquia deve estar ou não três anos como uma comissão instaladora mas, sim, se uma comissão nomeada pelo Governo pode ter os poderes próprios que são exercidos pelo poder local, no caso, pelos municípios.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP); - Quem é que falou do Governo?

O Orador: - Nós pensamos que isso não pode ser, não deve ser, e que é inconstitucional!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado João Amaral, era bom que, já agora, me escutasse, porque pedi a palavra, pela segunda vez, nesta matéria para que fique claro, perante todos os colegas e perante esta Câmara e o País, que, se estamos a discutir hoje uma nova lei para a instalação dos novos municípios em Portugal, a responsabilidade é exclusivamente do Partido Comunista Português e do Partido Socialista, porque, a nosso ver, como já tive oportunidade de referir na minha intervenção inicial, alteraram a Lei-Quadro da Criação de Municípios já no decurso da apreciação em concreto dos projectos de criação de novos municípios, o que não é, até, razoável no plano democrático. Ou seja, não é razoável estar-se já a proceder à aprovação de novos municípios e ter-se alterado as regras do jogo, alterando a lei-quadro, remetendo deste modo para as próximas eleições autárquicas a eleição dos novos órgãos autárquicos desses novos municípios.
Por isso, não faz sentido, e era defraudar as populações - particularmente, de Vizela, de Odivelas e da Trofa -, fazer com que as comissões instaladoras ficassem durante três anos apenas e tão-só a preparar as eleições dos futuros órgãos autárquicos municipais. Isto não era aceitável!
Pergunto-lhe, muito concretamente: quem é que dirigia, quem é que governava, quem é que dava respostas satisfatórias às aspirações das populações? Ainda por cima quando as populações desses concelhos há muito

Página 2615

16 DE ABRIL DE 1999 2615

desejavam libertar-se dos concelhos de origem - e refiro-me, em particular, aos concelhos de Trofa, Vizela e Odivelas - porque se sentiam preteridos no seu desenvolvimento, modernização e bem-estar.
Por isso, seria inaceitável, da parte do poder político instituído, desta Câmara, que não déssemos, ao menos, os instrumentos, os poderes e meios para que as comissões instaladoras pudessem gerir condignamente esses novos municípios.
Por isso, o PSD é coerente, porque votou contra essa alteração do PS e do PCP a prorrogar o prazo das comissões instaladoras e a adiar as eleições intercalares, que devia haver não só para os municípios de origem como para os novos municípios.
O nosso desejo era que estivéssemos já a assistir a eleições nesses novos municípios, para a câmara municipal e para a assembleia municipal, para que governassem com toda a legitimidade democrática, com autarcas eleitos, com manifestos eleitorais, que fossem sufragados pelas populações, e, assim, não estarem diminuídos na sua acção.
Agora, temos de resolver o vosso problema, o problema que os senhores criaram! Foi um erro, que os senhores têm de ter a coragem de assumir porque não o deviam ter cometido.
Por isso, temos de ser responsáveis e dotar as comissões instaladoras dos meios indispensáveis. Foi por isso que o PSD disse - e mantenho aqui - que discordamos da filosofia geral desta lei, porque nos parece que não é correcto, de facto, estar a dar às comissões instaladoras poderes análogos aos das câmaras municipais e, em parte até, funções das assembleias municipais. Isto é verdade, mas não fomos nós que criámos esse problema!

Aplausos de alguns Deputados do PCP.

Os senhores estão a ser cínicos - tenho de vos dizer isto com muita sinceridade! Estão a ser cínicos, porque foram os senhores que criaram este problema e, agora, queriam, pura e simplesmente, que as comissões instaladoras... VV. Ex.ªs até queriam mais: queriam que os novos municípios continuassem na dependência directa e subjugados ao município de origem. Isso é inaceitável! E foi por isso que o PSD, discordando, de um modo geral, desta lei, mesmo com todas as reservas quis fazer com que pudéssemos ter aqui uma lei minimamente aceitável, para que as comissões instaladoras pudessem governar de uma forma minimamente condigna esses novos municípios.
É nesse sentido que estamos a ser coerentes ao votar este diploma.

(O Orador reviu.)

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero, antes de mais, agradecer ao Sr. Deputado Manuel Moreira por ter, em parte, enfatizado aquilo que eu tinha dito antes.
De qualquer forma, Sr. Deputado João Amaral, há uma coisa que tem de ficar clara e que tem de ser dita as vezes que forem necessárias, até que o senhor perceba e para que não haja dúvidas.

O Sr. João Amaral (PCP): - Não seja petulante!

O Orador: - Os senhores vêm aqui invocar um problema que foi criado por vocês. Foram os senhores que criaram o problema, portanto não têm legitimidade para agora o virem invocar.
E quero recordar-lhe que, se bem ouvi, foi o Sr. Deputado que fez a comparação da duração do mandato destas comissões instaladoras...

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - ... com o mandato das câmaras que «caem» e que ficam apenas com poderes de gestão até às eleições intercalares.
Portanto, o seu problema não é de mais ou menos comissões instaladoras mas, sim, de duração da comissão instaladora. Ora, a duração do mandato da comissão instaladora, como eu disse, foi um problema criado por si e, portanto, agora, não tem legitimidade para o vir invocar.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais pedidos de palavra. Vamos, assim, passar à votação, na especialidade, do texto final, apresentado pela Comissão de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente, relativo à proposta de lei n.º 229/VII - Estabelece o regime de instalação de novos municípios.

Vamos votar a proposta de alteração do artigo 1.º do texto da Comissão, apresentada pelo PCP.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP e de Os Verdes.

Era a seguinte:

Artigo 1.º Âmbito de aplicação

A criação e instalação de novos municípios rege-se pela Lei n.º142/85, de 18 de Novembro, com as alterações decorrentes da Lei n.º 32/98, de 18 de Julho, e pelo regime definido na presente lei.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o artigo 1.º do texto da Comissão.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e votos contra do PCP e de Os Verdes.

Página 2616

2616 I SÉRIE -NÚMERO 72

É o seguinte:

Artigo 1.º Âmbito de aplicação

O presente diploma estabelece as normas aplicáveis ao regime de instalação de novos municípios.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação das propostas de alteração ao artigo 2.º do texto da Comissão, apresentadas pelo PCP.

O Sr. João Amaral (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, é apenas para dizer que se trata de três propostas de alteração e de uma proposta de aditamento de um novo número.
Como elas configuram o mesmo processo, admitimos a sua votação em conjunto.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se não houver objecção, vamos votar em conjunto as propostas de alteração aos n.081,2 e 3 e a proposta de aditamento de um novo n.º 4 ao artigo 2.º do texto da Comissão, apresentadas pelo PCP.

Submetidas à votação, foram rejeitadas, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP e de Os Verdes.

Eram as seguintes:

1 - Os novos municípios estão sujeitos ao regime de instalação previsto no presente diploma desde a entrada em funções da comissão instaladora e até ao início de funções dos órgãos eleitos.

2 - Os municípios em regime de instalação gozam de autonomia administrativa e financeira no estrito quadro das competências da comissão instaladora com as limitações previstas no presente diploma.

3 - A legislação condicionante da actividade e da responsabilidade dos municípios, dos seus órgãos e respectivos titulares bem como o regime da tutela administrativa são igualmente aplicáveis aos municípios em regime de instalação, com as especificidades e adaptações necessárias ao estrito quadro das competências da Comissão instaladora.

4 - À Inspecção Geral de Finanças e à Inspecção Geral de Administração do Território compete a elaboração de um relatório trimestral sobre o cumprimento pela comissão instaladora das suas competências.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o artigo 2.º do texto da Comissão.

O Sr. Pimenta Dias (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Pimenta Dias (PCP): - Sr. Presidente, como temos posições de voto diferentes relativamente a cada um dos números deste artigo, requeremos que eles sejam votados separadamente.

O Sr. Presidente: - Então, vamos votar o n.º 1 do artigo 2.º do texto da Comissão.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e votos contra do PCP e de Os Verdes.

É o seguinte:

1 - Os novos municípios estão sujeitos ao regime de instalação previsto no presente diploma desde a publicação da lei de criação e até ao início de funções dos órgãos eleitos.

O Sr. Pimenta Dias (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Pimenta Dias (PCP): - Sr. Presidente, os restantes podem ser votados em conjunto.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, então, votar os n.ºs 2 e 3 do artigo 2.º do texto da Comissão.

Submetidos à votação, foram aprovados, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e abstenções do PCP e de Os Verdes.

São os seguintes:

2 - Os municípios em regime de instalação gozam de autonomia administrativa e financeira com as limitações previstas no presente diploma.

3 - A legislação condicionante da actividade e da responsabilidade dos municípios, dos seus órgãos e respectivos titulares é igualmente aplicável nos municípios em regime de instalação, com as especificidades e adaptações necessárias.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 3.º...

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, há propostas de aditamento de novos artigos 2.º-A, 2.º-B e 2.º-C ao texto da Comissão, apresentadas pelo PCP. Pedimos que sejam postas à votação.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Vamos votar a proposta de aditamento de um artigo 2.º-A ao texto da Comissão, apresentada pelo PCP.

O Sr. Pimenta Dias (PCP): - Peço apalavra, Sr. Presidente.

Página 2617

16 DE ABRIL DE 1999 2617

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Pimenta Dias (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A razão de ser desta nossa proposta de aditamento de um novo artigo prende-se com a questão do regulamento das taxas aplicáveis nos novos municípios.
Para nós não faz sentido que, estando os munícipes dos respectivos municípios sujeitos a determinados regulamentos e taxas, de um momento para o outro e na vigência das comissões instaladoras, eles possam ser alterados.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, então, votar esta proposta de aditamento.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP e de Os Verdes.

Era a seguinte:

Artigo 2.º-A

Regulamentos e taxas aplicáveis

Até ao início de funções dos órgãos eleitos, mantêm--se em vigor nos novos municípios os regulamentos, bem como as taxas e tarifas, em vigor no ou nos municípios de origem, com as adaptações estritamente necessárias.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar a proposta de aditamento de um artigo 2.º-B ao texto da Comissão, apresentada pelo PCP.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP e de Os Verdes.

Era a seguinte:

Artigo 2.º-B

Composição da assembleia instaladora

A assembleia instaladora é constituída pelos presidentes das assembleias e juntas das freguesias que integram o novo município.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar a proposta de aditamento de um artigo 2.º-C ao texto da Comissão, apresentada pelo PCP.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, esta proposta está prejudicada.

O Sr. Presidente: - Estando prejudicada, vamos passar à votação do artigo 3.º do texto da Comissão, em relação ao qual existem propostas de alteração, apresentadas pelo PCP.

O Sr. Pimenta Dias (PCP): - Sr. Presidente, requeremos que os vários números deste artigo e respectivas propostas sejam votados separadamente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar a proposta de alteração ao n.º 2 do artigo 3.º do texto da Comissão, apresentada pelo PCP.

O Sr. João Amaral (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, primeiro terá de ser votado o n.º 1, em relação ao qual não há propostas de alteração.

O Sr. Presidente: - Talvez, depois, pudéssemos votar em conjunto todos os números do artigo, se forem rejeitadas as propostas de alteração.

O Sr. João Amaral (PCP): - Não, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente. - Então, vamos votar o n.º 1 do artigo 3.º do texto da Comissão.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e abstenções do PCP e de Os Verdes.

É o seguinte:

Artigo 3.º

Composição e designação da comissão instaladora

1 - A comissão instaladora, cuja composição será definida na lei de criação, é composta por um presidente e por quatro, seis ou oito vogais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar a proposta de alteração ao n.º 2 do artigo 3.º do texto da Comissão, apresentada pelo PCP.

O Sr. João Amaral (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, é apenas para deixar registado que esta alteração que aqui se propõe é instrumental em relação à ideia de que a comissão instaladora devia ser objecto de um processo de confirmação por parte das juntas de freguesia que integram o território do novo município e não ser simplesmente nomeada pelo Governo, sem qualquer controlo.

O Sr. Presidente: - Vamos, então, votar a proposta de alteração ao n.º 2 do artigo 3.º do texto da Comissão, apresentada pelo PCP.

Página 2618

2618 I SÉRIE-NÚMERO 72

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP e de Os Verdes.

Era a seguinte:

2 - Os membros da comissão instaladora são propostos por despacho do Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território que tomará em consideração os resultados eleitorais globais obtidos pelas forças políticas nas últimas eleições autárquicas realizadas para as assembleias das freguesias que integram o novo município.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o n.º 2 do artigo 3.º do texto da Comissão.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e votos contra do PCP e de Os Verdes.

É o seguinte:

2 - Os membros da comissão instaladora são designados por despacho do Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território que tomará em consideração os resultados eleitorais globais obtidos pelas forças políticas nas últimas eleições autárquicas realizadas para as assembleias das freguesias que integram o novo município.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora votar a proposta de alteração ao n.º 3 do artigo 3.º do texto da Comissão, apresentada pelo PCP.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, pode-se votar, mas dá-me a impressão de que está prejudicada.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, de facto, refere-se ao número anterior, mas o número anterior existe com a redacção do texto da Comissão! Portanto, penso que devemos votá-la.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP e de Os Verdes.

Era a seguinte:

3 - O despacho referido no número anterior indicará, de entre os membros designados, aquele que é proposto para exercer as funções de presidente da comissão.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar a proposta de aditamento de um n.º 4 (novo) ao artigo 3.º do texto da Comissão, apresentada pelo PCP.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP e de Os Verdes.

Era a seguinte:

4 - A designação da comissão instaladora deverá ser ratificada, por maioria simples, pelo colégio de presidentes das assembleias e juntas das freguesias que integram o novo município.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o n.º 4 do artigo 3.º do texto da Comissão. Embora seja uma alteração sistemática, ele tem de ser aprovado.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP. e abstenções do PCP e de Os Verdes.

É o seguinte:

4 - A comissão instaladora inicia funções no 30.º dia posterior à publicação do diploma de criação.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 4.º do texto da Comissão, em relação ao qual existem diversas propostas de alteração.

O Sr. João Amaral (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, este artigo 4.º resume e contém tudo aquilo que referi na minha intervenção inicial. É aqui que se atribui à comissão instaladora poderes das câmaras, todas as competências das câmaras, mas não só as competências das câmaras, também as competências das assembleias municipais, a competência para aprovar o plano, o orçamento, o balanço, a conta de gerência, a taxa da contribuição autárquica, poderes que são absolutamente separados.
O Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa está com aquele ar de pessoa a quem afundaram uma ponte e está na borda... Como o caminho dele é para o outro lado, vai em frente e vai ao fundo!
Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa, as pessoas também têm de pensar! Não custa! O senhor defendeu brilhantemente a proposta do Governo, tal como o Sr. Deputado Manuel Moreira - foram, de facto, brilhantes! -, mas, neste caso, deviam ter pensado: como é que é possível que o mesmo órgão exerça as competências do órgão executivo e do órgão deliberativo? Isto é completamente absurdo!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, agradeço que termine. Tenho-lhe dado a palavra, apesar de já não ter tempo...

Página 2619

16 DE ABRIL DE 1999 2619

O Orador: - Sr. Presidente, peço desculpa, mas, de repente, o nosso tempo, no quadro electrónico, passou de 4 minutos para 0 minutos!

O Sr. Presidente: - Não Sr. Deputado, penso que já esgotou o seu tempo.

Tenho-lhe dado a palavra por interpretar as suas intervenções como interpelações, uma vez que se referem à ordem dos trabalhos e à maneira de conduzir os trabalhos. Mas, para argumentar, já acabou o seu tempo!

O Orador: - Sr. Presidente, peço muita desculpa, eu não sabia. O meu tempo era de 4 minutos e tal, e, de repente, passou para O minutos. Aliás, esqueci-me de dizer, mas pensei que era um engano.

O Sr. Presidente: - Se calhar, houve lapso!

O Orador: - Sr. Presidente, eu já disse o essencial, mas gostava de dizer apenas mais uma coisa. Além dessas competências da assembleia municipal, todas - mapa de pessoal, etc., que são de delegação das competências nas juntas de freguesia, o que é puro surrealismo, é o estado de sítio - há ainda uma outra, interessantíssima, que é a de deliberar, noutras matérias da competência das assembleias municipais, desde que razões relevantes de interesse municipal o justifiquem, e, neste caso, com ratificação do Ministro!
Sr. Presidente, peço desculpa por estar a gastar o seu tempo,...

O Sr. Presidente: - Não é meu!

O Orador: - ... mas este é o puro domínio da loucura constitucional! Não sei se a «casa vai cair»! Desta forma, a comissão instaladora tem todos os poderes do executivo è também do órgão deliberativo, como, em relação a alguns deles, exerce-os mediante fiscalização e vigilância do Governo! Não consigo perceber se estamos no reino do direito ou se estamos no reino do absurdo e numa espécie de estado de sítio em relação ao poder local, que é totalmente inaceitável.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação da proposta de alteração da alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º, apresentada pelo PCP.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP e de Os Verdes.

Era a seguinte:

a) Exercer as competências de gestão corrente que lhe cabem por lei;

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação da proposta de substituição da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º, também apresentada pelo PCP.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP e de Os Verdes.

Era a seguinte:

b) Elaborar e submeter à apreciação da assembleia instaladora o orçamento anual e as opções do plano do novo município;

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora proceder à votação da proposta de aditamento de uma nova alínea para o n.º 1 do artigo 4.º, apresentada pelo PCP.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP e de Os Verdes.

Era a seguinte:

Elaborar, em conjunto com o município de origem, as propostas para financiamento público e comunitário, que devem ser submetidas à apreciação da assembleia instaladora.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação de uma outra proposta de aditamento também de uma nova alínea, ainda para o n.º 1 do artigo 4.º, apresentada pelo PCP.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP e de Os Verdes.

Era a seguinte:

Proceder à partilha do património e determinação de direitos e responsabilidades nos termos dos artigos 10.º e 12.ºdaLein.º 142/85, de 18 de Novembro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, de seguida vamos proceder à votação de uma proposta de eliminação da alínea.f) do n.º 1 do artigo 4.º, apresentada pelo PCP.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP e de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos votar uma proposta de eliminação da alínea g) do n.º 1 do artigo 4.º, apresentada pelo PCP.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP e de Os Verdes.

Página 2620

2620 I SÉRIE -NÚMERO 72

Srs. Deputados, vamos proceder à votação de uma proposta de eliminação da alínea l) do n.º 1 do artigo 4.º, apresentada pelo PCP.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP e de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação de uma proposta de novo número para o artigo 4.º, apresentada pelo PCP

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP e de Os Verdes.

Era a seguinte:

As competências da comissão instaladora não podem ser delegadas..

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora proceder à votação do artigo 4.º no seu conjunto, constante do texto da Comissão.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e votos contra do PCP e de Os Verdes.

É o seguinte:

Artigo 4.º Competência da comissão instaladora

1 - Compete à comissão instaladora:

a) Exercer as competências que, por lei, cabem à câmara municipal;

b) Aprovar o orçamento e as opções do plano do novo município;

c) Aprovar o balanço e conta de gerência do novo município;

d) Fixar a taxa da contribuição autárquica incidente sobre os prédios urbanos;

e) Exercer os poderes tributários conferidos, por lei, ao município;

f) Deliberar sobre a aplicação ou substituição dos regulamentos do ou dos municípios de origem e proceder à respectiva alteração;

g) Aprovar delegações de competências nas freguesias;

h) Elaborar o relatório referido no artigo 11.º, n.º 1;

i) Promover, junto do Instituto Português de Cartografia e Cadastro, a delimitação administrativa do novo município e das freguesias que o compõem e proceder à respectiva demarcação;

j) Aprovar o mapa de pessoal previsto no artigo 14.º;

l) Deliberar noutras matérias da competência das assembleias municipais, desde que razões de relevante interesse público municipal o justifiquem.

2 - As deliberações referidas nas alíneas b) a g) do n.º 1 carecem de parecer favorável da maioria dos presidentes, das juntas das freguesias e dos presidentes das assembleias das freguesias da área do novo município.

3 - As deliberações referidas na alínea l) do n.º 1, obrigatoriamente acompanhadas do parecer da maioria dos presidentes das juntas das freguesias e dos presidentes das assembleias das freguesias do novo município, carecem da ratificação do Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, sob pena de nulidade.

4 - A comissão instaladora pode delegar no seu presidente a prática dos actos da sua competência, nos casos e nos termos em que a câmara municipal o pode fazer no presidente respectivo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos agora ao artigo 5.º, para o qual há uma proposta de eliminação do n.º 2, apresentada pelo PCP.

Vamos proceder à sua votação.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP e de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação da proposta de eliminação do n.º 3 do artigo 5.º, também apresentada pelo PCP.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP e de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos agora proceder à votação do artigo 5.º constante do texto da Comissão.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e votos contra do PCP e de Os Verdes.

É o seguinte:

Artigo 5.º

Competência do presidente da comissão instaladora

1 - Cabe, em especial, ao presidente da comissão instaladora:

a) Coordenar a actividade da comissão e cumprir e fazer cumprir as suas deliberações;

b) Proceder à instalação das primeiras assembleia e câmara municipais eleitas.

2 - O presidente da comissão instaladora detém também as competências do presidente da câmara municipal.

3 - O presidente da comissão instaladora pode delegar ou subdelegar nos restantes membros a prática de actos da sua competência própria ou delegada.

4 - Das decisões dos membros da comissão instaladora ao abrigo de poderes delegados por esta cabe

Página 2621

16 DE ABRIL DE 1999 2623

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, solicito a votação separada de cada um dos números deste artigo.

O Sr. Presidente: - Assim se fará. Srs. Deputados, vamos então proceder à votação do n.º 1 do artigo 13.º do texto da Comissão.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e abstenções do PCP e de Os Verdes.

É o seguinte:

Artigo 13.º Suspensão de prazos

1 - Até à entrada em funcionamento dos serviços dó novo município, cabe à câmara municipal do município ou dos municípios de origem prestar o apoio técnico indispensável à apreciação das pretensões dos particulares devendo fazê-lo de molde a que a comissão instaladora delibere sobre essas pretensões nos prazos legais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do n.º 2 do artigo 13.º do texto da Comissão.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS e do PSD" e votos contra do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes.

É o seguinte:

2 - Nos processos respeitantes a pretensões dos particulares, cujos documentos devam ser objecto de transferência do ou dos municípios de origem, consideram-se suspensos todos os prazos legais ou regulamentares desde a data do início da produção de efeitos do diploma de criação do novo município até à recepção dos documentos pelos serviços do novo município.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, creio que a Mesa tem o dever de ler as propostas, e se o Sr. Presidente ler este texto do n.º 2 temo pela sua saúde!

Dispenso-o de ler a proposta, que atinge directamente os direitos dos particulares, decretando uma suspensão de todos os requerimentos apresentados por particulares durante um tempo indefinido!

O Sr. Presidente: - Espero não me sentir muito mal a partir de agora!

Risos.

Srs. Deputados, vamos passar à votação do n.º 3 do artigo 13.º constante do texto da Comissão.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS e do PSD e votos contra do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes.

É o seguinte:

3 - A suspensão em causa vigora pelo período máximo de um ano a contar da data do início da produção de efeitos do diploma de criação do novo município.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do artigo 14.º.do texto da Comissão.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e abstenções do PCP e de Os Verdes.

É o seguinte:

Artigo 14.º Mapa de pessoal

1 - A dotação do pessoal que se prevê necessária para funcionamento dos serviços do novo município consta de mapa de pessoal a elaborar e aprovar pela comissão instaladora e a ratificar pelo Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território.
2 - A previsão de lugares de pessoal, dirigente, de chefia ou outro, no mapa referido deve ser devidamente justificada e corresponder, em nível e número, às reais necessidades de funcionamento dos serviços.
3 - O mapa de pessoal vigora até aprovação do quadro de pessoal pelos órgãos eleitos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar agora ao artigo 15.º, para cujo n.º 2 há uma proposta de alteração, apresentada pelo PCP.

Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, dado que temos uma proposta de alteração para o n.º 2, se esta for votada primeiro e depois o n.º 2, poderemos a seguir votar o restante artigo em conjunto.

O Sr. Presidente: - Assim sendo, vamos votar a proposta de alteração, apresentada pelo PCP, para o n.º 2 do artigo 15.º.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP e de Os Verdes.

Era a seguinte:

2 - Na falta de acordo, é aplicável o critério da proporcionalidade do número de funcionários do município ou dos municípios de origem relativamente à população residente em cada um dos municípios.

Página 2622

2622´I SÉRIE-NÚMERO 72

2 - Os relatórios devem conter explicitação, suficientemente precisa, dos critérios de imputação utilizados, relativamente a cada um dos grupos referidos.
3 - Compete a uma comissão constituída por um representante do Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, que preside, pelo presidente da câmara municipal do município de origem e pelo presidente da comissão instaladora do novo município, a elaboração de proposta final sobre a matéria, com respeito pelo disposto nos artigos 10.º e 12.º da Lei n.º 1427 85, de 18 de Novembro.
4 - A proposta final constante do número anterior deverá ser aprovada pela câmara municipal do município ou dos municípios de origem e pela comissão instaladora do novo município no prazo máximo de 30 dias.
5 - A não aprovação desta proposta final por qualquer uma das partes envolvidas pode ser suprida por despacho devidamente fundamentado do Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território.
6 - A transmissão dos bens, universalidades, direitos e obrigações para o novo município efectua-se por força da lei e o respectivo registo, quando a ele houver lugar, depende de simples requerimento.

O Sr. Presidente: - Vamos passar ao artigo 12.º, para o qual há uma proposta de aditamento de um n.º 4 (novo), apresentada pelo PCP.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pimenta Dias.

O Sr. Pimenta Dias (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, pretendo apenas informar que esta proposta de aditamento é o retomar do texto inicial da proposta de lei. Julgamos que faz todo o sentido, tal como era previsto na proposta de lei, que os municípios que prestem esses serviços - e devem prestá-los - sejam ressarcidos ou devidamente compensados relativamente aos valores do serviço que prestam, e esta proposta visa isso.
Nós percebemos que o PSD queira emagrecer os orçamentos, quer da Câmara Municipal de Santo Tirso, quer da de Guimarães, mas que o PS esteja de acordo com essa metodologia parece-nos um pouco estranho.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - O PS bate-se por princípios, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do n.º l do artigo 12.º do texto da Comissão.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e abstenções do PCP e de Os Verdes.

É o seguinte:

Artigo 12.º Prestação de serviços públicos

1 - O processo de criação e implantação dos serviços do novo município na fase de instalação não pode pôr em causa a prestação de serviços aos cidadãos, devendo ser assegurados, pelo ou pelos municípios de origem e pelo novo município, os níveis existentes à data da criação deste.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do n.º 2 do artigo 12.º do texto da Comissão.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e votos contra do PCP e de Os Verdes.

É o seguinte:

2 - Até à aprovação da proposta final a que se refere o artigo 11.º da presente lei, cabe à câmara municipal do município ou dos municípios de origem a satisfação de todos os pagamentos relativos a bens e fornecimentos que venham a ser transmitidos para o novo município, ficando aquela ou aquelas entidades com o direito de regresso sobre o novo município relativamente àqueles respeitantes a dívidas vencidas posteriormente à data da criação.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do n.º 3 do artigo 12.º do texto da Comissão.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e votos contra do PCP e de Os Verdes.

É o seguinte:

3 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se unicamente vencidas as dívidas correspondentes a trabalhos ou serviços efectivamente prestados após a data da criação do novo município, não sendo este responsável por mora ou atrasos anteriores, imputáveis ao município ou municípios de origem ou aos empreiteiros e fornecedores, que decorram, nomeadamente, tda falta de medição dos referidos trabalhos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora votar a proposta de aditamento de um n.º 4 (novo), apresentada pelo PCP, ainda para o artigo 12.º.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP e de Os Verdes.

Era a seguinte:

4 - A prestação de serviços por cada um dos municípios envolvidos aos restantes é objecto de compensação, de acordo com os valores vigentes na área territorial do prestador.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos ao artigo 13.º do texto da Comissão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.

Página 2623

16 DE ABRIL DE 1999 2625

a isso se não opuserem as formas de provimento da categoria do interessado, ficando sujeito ao regime de promoção e progressão estabelecido na ler geral ou no estatuto das respectivas carreiras.

4 - A comissão extraordinária de serviço a que se refere o número anterior não carece de autorização do serviço de origem do nomeado.

Artigo 17.º Transição do pessoal para o quadro

1 - Sem prejuízo do regime de estágio, o pessoal integrado no mapa de pessoal transita em regime de nomeação definitiva, se a isso se não opuserem as formas de provimento da categoria do interessado, para o quadro a que se refere o n.º 3 do artigo 15.º, na mesma carreira, categoria e escalão.
2 - Excepciona-se do disposto do número anterior o pessoal que seja considerado dispensável, caso em que o visado regressa ao lugar de origem ou vê cessada a comissão de serviço ou denunciado ou rescindido o seu contrato, com pré-aviso de 60 dias, sem prejuízo, nestes dois últimos casos, do abono das remunerações vincendas a que houver lugar.
3 - O desempenho de funções pelo tempo legalmente previsto dispensa a realização de estágio, desde que este não se deva traduzir, nos termos da lei, na obtenção de uma qualificação ou habilitação profissional.

4 - A integração no quadro implica a exoneração dos funcionários, no quadro de origem.
5 - A promoção ou progressão dos funcionários integrados no mapa de pessoal produz efeitos no quadro de pessoal aprovado, bem como no quadro de origem do interessado, considerando-se, neste caso, criados os lugares indispensáveis, a extinguir quando vagarem.

Artigo 18.º Instalação dos órgãos eleitos

Cabe ao presidente da comissão instaladora ou, na sua falta e em sua substituição, ao cidadão melhor posicionado na lista vencedora, de entre os presentes, proceder à instalação da assembleia municipal e da câmara municipal eleitas, no prazo de cinco dias a contar do dia do apuramento definitivo dos resultados eleitorais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação, em conjunto, dos artigos 19.º e 20.º do texto da Comissão.

Submetidos à votação, foram aprovados, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e votos contra do PCP e de Os Verdes.

São os seguintes:

Artigo 19.º Norma revogatória

São revogados os n.ºs l, 2 e 3 do artigo 10.º e os n.ºs l e 2 do artigo 13.º da Lei n.º 142/85, de 18 de Novembro, e as demais disposições legais que contrariem o disposto no presente diploma.

Artigo 20.º Produção de efeitos

O presente diploma produz efeitos a partir de 15 de Setembro de 1998.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o último artigo, o 21.º, do texto da Comissão.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e abstenções do PCP e de Os Verdes.

É o seguinte:

Artigo 21.º Entrada em vigor

O presente diploma entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora proceder à votação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente, relativo à proposta de lei n.º 229/VII - Estabelece o regime de instalação de novos municípios.

O Sr. João Amaral (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. João Amaral (PCP): - Srs. Presidente, não tenho qualquer dúvida de que o pedido de declaração de inconstitucionalidade desta norma será subscrito por um número muito significativo de Srs. Deputados, incluindo aqueles que vão votar favoravelmente este diploma.
Só quero registar, ainda, para que fique em acta, que entendemos que a elaboração de um diploma como este deveria implicar a audição das comissões instaladoras e das entidades (juntas de freguesia, etc.) que são afectadas, o que foi liminarmente recusado pelo PS e pelo PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Amaral, a sua intervenção fica, desde já, registada como declaração de

Página 2624

2624 I SÉRIE -NÚMERO 72

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora proceder à votação do n.º 2 do artigo 15.º do texto apresentado pela Comissão.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e votos contra do PCP e de Os Verdes.

É o seguinte:

2 - Na falta de acordo, é aplicável o critério da proporcionalidade do número de funcionários do município ou dos municípios de origem relativamente à população residente em cada um dos municípios, não podendo, em caso algum, as despesas a efectuar com o pessoal a integrar no mapa do novo município ultrapassar 60% das respectivas receitas correntes do ano económico em curso.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, agora, votar em conjunto os restantes números do artigo 15.º do texto da Comissão, ou seja, os n.ºs l, 3,4, 5,6, 7 e 8.
Submetidos à votação, foram aprovados, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e abstenções do PCP e de Os Verdes.

São os seguintes:

Artigo 15.º

Repartição de recursos humanos

1 - A integração do mapa de pessoal a que se refere o artigo 14.º é feita, prioritariamente, com recurso aos funcionários de município ou dos municípios de origem, em termos a acordar entre os municípios envolvidos.

2 -(...)

3 - A repartição efectua-se dando prioridade aos interessados na transferência para o novo município e rege--se, neste caso, pelo princípio da maior antiguidade na função pública, na carreira e na categoria, sucessivamente, dentro de cada um do grupos da seguinte ordem de preferência:
a) Interessados que residam na área territorial do novo município;

b) Outros interessados.
4 - A transferência de outros funcionários rege-se pelo princípio da menor antiguidade na função pública, na carreira e na categoria, sucessivamente.
5 - Enquanto não forem formalmente integrados no mapa de pessoal, os funcionários transferidos são abonados de ajudas de custo e transporte pelas suas deslocações diárias, nos termos gerais, a suportar pelo novo município.
6 - Os funcionários transferidos do município ou dos municípios de origem que não residam na área do novo município têm direito a um subsídio de valor correspondente ao quíntuplo do respectivo vencimento mensal que constitui encargo do novo município, a pagar de uma só vez, no momento da integração no mapa de pessoal.
7 - A recusa de transferência, quando não fundamentada ou considerada como tal, constitui grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres profissionais, para efeitos disciplinares, a apreciar pelos órgãos competentes do município de origem.
8 - Os funcionários transferidos ao abrigo dos números anteriores não podem ser considerados dispensáveis ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 17.º.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 16.º do texto da Comissão.
Foi apresentada, pelo PCP, uma proposta de aditamento em relação ao n.º l deste artigo. Está em votação.
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP e de Os Verdes.

Era a seguinte:

Artigo 16.º

l. Sem prejuízo da prioridade definida no artigo anterior, (...)

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, agora, votar o n.º l do artigo 16.º do texto da Comissão.

Sr. Deputado João Amaral, pede a palavra para que efeito?

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, é só para dizer que, por nós, se pode proceder à votação conjunta dos artigos 16.º, 17.º e 18.º.

O Sr. Presidente: - Então, Srs. Deputados, vamos votar, em conjunto, os artigos 16.º, 17.º e 18.º constantes do texto da Comissão.

Submetidos à votação, foram aprovados, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e abstenções do PCP e de Os Verdes.

São os seguintes:

Artigo 16.º Recrutamento dos recursos humanos

1 - A comissão instaladora pode recrutar, nos termos da lei geral e dentro das dotações fixadas no mapa a que se refere a disposição anterior, os recursos humanos necessários.
2 - Pessoal não vinculado à função pública é sempre recrutado para categoria de ingresso.
3 - O pessoal a que se refere a presente disposição exerce as funções em regime de contrato administrativo de provimento, precedido de concurso ou, sendo funcionário, em regime de comissão extraordinária de serviço, se

Página 2625

16 DE ABRIL DE 1999 2625

a isso se não opuserem as formas de provimento da categoria do interessado, ficando sujeito ao regime de promoção e progressão estabelecido na ler geral ou no estatuto das respectivas carreiras.
4 — A comissão extraordinária de serviço a que se refere o número anterior não carece de autorização do serviço de origem do nomeado.

Artigo 17.°

Transição do pessoal para o quadro

1 — Sem prejuízo do regime de estágio, o pessoal integrado no mapa de pessoal transita em regime de nomeação definitiva, se a isso se não opuserem as formas de provimento da categoria do interessado, para o quadro a que se refere o n.° 3 do artigo 15.°, na mesma carreira, categoria e escalão.
2 — Excepciona-se do disposto do número anterior o pessoal que seja considerado dispensável, caso em que o visado regressa ao lugar de origem ou vê cessada a comissão de serviço ou denunciado ou rescindido o seu contrato, com pré-aviso de 60 dias, sem prejuízo, nestes dois últimos casos, do abono das remunerações vincendas a que houver lugar.
3 — O desempenho de funções pelo tempo legalmente previsto dispensa a realização de estágio, desde que este não se deva traduzir, nos termos da lei, na obtenção de uma qualificação ou habilitação profissional.
4 — A integração no quadro implica a exoneração dos funcionários, no quadro de origem.
5 — A promoção ou progressão dos funcionários integrados no mapa de pessoal produz efeitos no quadro de pessoal aprovado, bem como no quadro de origem do interessado, considerando-se, neste caso, criados os lugares indispensáveis, a extinguir quando vagarem.

Artigo 18.°

Instalação dos órgãos eleitos

Cabe ao presidente da comissão instaladora ou, na sua falta e em sua substituição, ao cidadão melhor posicionado na lista vencedora, de entre os presentes, proceder à instalação da assembleia municipal e da câmara municipal eleitas, no prazo de cinco dias a contar do dia do apuramento definitivo dos resultados eleitorais.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos passar à votação, em conjunto, dos artigos 19.° e 20.° do texto da Comissão.
Submetidos à votação, foram aprovados, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e votos contra do PCP e de Os Verdes.
São os seguintes:

Artigo 19.°

Norma revogatória
São revogados os n.os l, 2 e 3 do artigo 10.° e os n.os l e 2 do artigo 13.° da Lei n.° 142/85, de 18 de Novembro, e as demais disposições legais que contrariem o disposto no presente diploma.

Artigo 20.°

Produção de efeitos

O presente diploma produz efeitos a partir de 15 de Setembro de 1998.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos votar o último artigo, o 21.°, do texto da Comissão.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e abstenções do PCP e de Os Verdes.
É o seguinte:

Artigo 21.°

Entrada em vigor

O presente diploma entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos agora proceder à votação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente, relativo à proposta de lei n.° 229/VII — Estabelece o regime de instalação de novos municípios.

O Sr. João Amaral (PCP): — Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra.

O Sr. João Amaral (PCP): — Srs. Presidente, não tenho qualquer dúvida de que o pedido de declaração de inconstitucionalidade desta norma será subscrito por um número muito significativo de Srs. Deputados, incluindo aqueles que vão votar favoravelmente este diploma.
Só quero registar, ainda, para que fique em acta, que entendemos que a elaboração de um diploma como este deveria implicar a audição das comissões instaladoras e das entidades (juntas de freguesia, etc.) que são afectadas, o que foi liminarmente recusado pelo PS e pelo PSD.

Página 2626

2626 I SÉRIE —NÚMERO 72

voto, embora a tenha antecipado em relação à votação final global.
Vamos, então, proceder à votação final global do texto da Comissão.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e votos contra do PCP e de Os Verdes.
Srs. Deputados, vamos, agora, votar, na especialidade, o texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo à proposta de lei n.° 213/VII — Altera a Lei n.° 14/79, de 16 de Maio (Lei eleitoral para a Assembleia da República) e ao projecto de lei n.° 584/VII — Redução do período de campanha eleitoral e de prazos para a marcação de eleições e alargamento do dever de neutralidade das entidades públicas (PSD).

O Sr. José Magalhães (PS): — Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): — Sr. Presidente, na sequência de uma troca de impressões com o bancada do PSD — mas suponho que também corresponde a um desejo de outras bancadas —, propomos que esta matéria, que tem na base uma lei orgânica, seja submetida a votação na especialidade e a votação final global na próxima quinta-feira.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, havendo consenso, esta votação na especialidade transitará para a próxima quinta-feira. Lembro-vos de que se trata de uma votação por maioria absoluta.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): — Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): — Sr. Presidente, é espantosa a proposta que acaba de ser feita pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
As alterações à lei eleitoral, que deviam ser urgentes, não têm, para o Partido Socialista, qualquer urgência! A votação devia ter sido feita a semana passada, ficou adiada para esta semana, agora, propõem o adiamento para a próxima, e depois se verá!? Mas para a votação da lei que estivemos a votar há pouco, total e completamente inconstitucional, houve vontade, e forte!
É, de facto, uma situação que caracteriza bem quais são as prioridades do Grupo Parlamentar do Partido Socialista neste momento.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): — Sr. Presidente, estamos muito surpreendidos com esta intervenção do Sr. Deputado Octávio Teixeira, porque não há qualquer ligação possível entre o que ocorreu na votação anterior e a temática de que estamos agora a tratar.
Este diploma, que encurta prazos, dando cumprimento à Constituição, não vai ser aplicado ao acto eleitoral que já está convocado ao abrigo da lei em vigor, o que significa que temos um compasso de tempo razoável para aprovar o texto do diploma em causa.
Tratando-se de lei eleitoral, com um regime de votação especial, de maioria absoluta na configuração, e até mesmo de dois terços em caso de veto, o pedido, pelo maior partido da oposição, de um compasso de tempo porque o seu representante que acompanhou esta matéria na l.a Comissão, hoje, por alguma razão, seguramente respeitável, não estava presente, mereceu, da nossa parte — e discutimos este assunto com algum cuidado, como calcula — uma atitude de compreensão. É só isto, Sr. Deputado! Tudo o resto é, francamente, desproporcionado e não tem qualquer fundamento.
Portanto, esperamos que na próxima quinta-feira, aliás, com o voto do Partido Comunista, que tinha dado esse sinal na l .a Comissão, e já numa primeira tentativa de votação...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): — Já devíamos ter votado na semana passada!

O Orador: — Exactamente! Mas houve um lapso na votação, como o Sr. Deputado Octávio Teixeira certamente se lembra, e um erro no guião. Ora, é esse erro que vamos corrigir, no mais curto prazo possível, nestas condições, que são normalíssimas. Portanto, Sr. Deputado Octávio Teixeira, não tem qualquer razão para essa «ligação fatal».

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, penso que podemos ultrapassar esse problema, fincando, então, a votação já referida para a próxima quinta-feira.
Vamos passar à votação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, relativo à proposta de lei n.° 227/VII — Assegura a informação e consulta dos trabalhadores em empresas ou grupos de empresas transnacionais, regula a instituição de conselhos de empresa europeus ou de procedimentos simplificados de informação e consulta em empresas e grupos de empresas de dimensão comunitária.

O Sr. Barbosa de Oliveira (PS): — Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: — Para que efeito, Sr. Deputado?

Página 2627

16 DE ABRIL DE 1999 2629

verno, está bem patente na privatização do notariado, que tem sido constantemente adiada e que se diz finalmente aprovada em Conselho de Ministros, mas que não chegou ainda à Assembleia da República.
O PSD tem o seu projecto na 1.ª Comissão à espera da proposta de lei do Governo que tarda em aparecer à luz do dia.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Exactamente!

O Orador: - E tudo isto acontece apesar da particular qualidade e empenho das nossas magistraturas, dos Srs. Conservadores e Notários, dos dedicadíssimos funcionários judiciais e dos demais funcionários dos serviços de justiça.
O Governo não cumpre o mínimo de obrigações que lhe compete de dotar os tribunais dos necessários meios materiais e humanos adequados às exigências de hoje.
A informatização não se generaliza e não se apetrecham os tribunais com os meios técnicos, nem se assegura a adequada formação de magistrados e de funcionários.
No tocante às gravações das audiências prepara-se para mais um negócio privado sem transparência.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Proponha já um inquérito!

O Orador: - Nas prisões é a degradação e as condições infra-humanas que se conhecem. Vou ler-vos um excerto ...

O Sr. José Magalhães (PS): - Outro jornal?!

O Orador: - ... do que escreveu a este respeito um conhecido profissional de saúde: «Por razões profissionais, tenho visitado diversas cadeias e contactado alguns presos. Muitos deles são jovens e perderam há muito a crença numa vida melhor ao deambularem sem esperança naqueles corredores gelados. Há algo, contudo, que impressiona cada vez mais: as degradantes condições de vida em muitos estabelecimentos prisionais. Muitas prisões estão superlotadas, não têm o mínimo de condições de higiene e juntam delinquentes graves com adolescentes em prisão preventiva (7% dos presos têm menos de 21 anos).».

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Compare com 1995!

O Orador: - «Em 30 dos 51 estabelecimentos prisionais as necessidades continuam a ser feitas em latas e em muitas prisões os sanitários estão avariados e a assistência médica e de enfermagem é praticamente inexistente. São frequentes as zangas violentas, as violações, os negócios paralelos e o tráfico de drogas duras. É muitas vezes negada aos presos a possibilidade de estudar ou ler, não existem actividades desportivas estruturadas e a formação profissional é rudimentar.
Falar de alas livres de drogas não corresponde a nada de sólido, porque leva a colocar no mesmo local indivíduos com acontecimentos de vida e perfis desviantes bem opostos. A verdade tem de ser dita, doa quem a doer: não existe uma política de saúde para a população prisional para fazer face aos graves problemas de toxicodependência, SIDA e outras infecções, a atingir um número impressionante de presos (60% consome drogas duras, 2% são seropositivos, 25% tem hepatites B e C). Impressiona ouvir na televisão o Director-Geral das Prisões solicitar às famílias que não transportem drogas para os presos, esquecendo-se esse responsável que nada tem para oferecer aos presos dependentes... É triste ver o Governo a não aceitar um programa prisional de troca de seringas, ou a conceder um espaço na cadeia para administração de drogas, com vigilância médica ou de enfermagem.
A verdade é que também a reinserção social caminha para o abismo. A recente demissão da responsável do Instituto de Reinserção Social (IRS), curiosamente pouco divulgada na imprensa, e a sua rápida substituição por alguém do próprio Os extractos que vos acabo de ler não são de algum suspeito da área da oposição e não são sequer de um relatório do Sr. Provedor de Justiça.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - De quem será? O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Leia! Leia!

O Orador:- O que vos acabo de ler foi escrito pelo Dr. Daniel Sampaio, cuja idoneidade está acima de qualquer suspeita.

O Sr. José Magalhães (PS): - O PSD nem discurso tem, precisa do Dr. Daniel Sampaio!

O Orador: - Da nossa parte, viabilizámos aqui a flexibilização dos regimes de saídas precárias, da saída dos reclusos em situação terminal de doença e de mais avançada idade.
Temo-nos batido, designadamente, em sede de revisão constitucional, pela acentuação da excepcionalidade da prisão preventiva, como nos batemos pela adopção de medidas alternativas e sucedâneas das da prisão, como a multa e o trabalho a favor da comunidade.
Não pode, porém, o Governo deixar de adoptar medidas que permitam uma maior articulação dos serviços de emprego, das autarquias e de outras entidades com os tribunais, para que tais medidas possam ter maior grau de aplicação prática. Não se assaquem aos juizes e aos tribunais responsabilidades que não lhes cabem e que cabem, exclusivamente, ao Governo.
Segundo o relatório do Sr. Provedor da Justiça, 60% da população prisional masculina e 80% da feminina cumprem penas por criminalidade ligada à toxicodependência. Apesar de assim ser, as iniciativas legislativas que a oposição tem apresentado neste domínio tão sensível jazem na 1.ª Comissão à espera que o Governo acorde para esta

Página 2628

2630 I SÉRIE - NÚMERO 72

realidade e saia da hibernação a que se remeteu, como denuncia o Dr. Daniel Sampaio.
Enquanto isto, o Sr. Ministro da Justiça, sem ponderação, toma iniciativas legislativas desfigurantes do equilíbrio que a salvaguarda de direitos fundamentais exigia que se mantivesse no processo penal, acentuando os poderes do Ministério Público e preterindo e atropelando competências que só à magistratura judicial devem caber. Travámos aqui o que nos foi possível!
Porém, pela mão do Governo, instalou-se o «PREC» na jJustiça; pela mão do Governo desencadeou-se a «balcanização» da justiça; pela mão do Governo atirou-se a magistratura judicial contra o Ministério Público e vice-versa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - O PSD é que fez isso!

O Orador: - Pela mão do Governo pôs-se a Polícia Judiciária em conflito com o Ministério Público; pela mão do Governo pôs-se o Director-Geral da Polícia Judiciária em conflito com o Procurador-Geral da República.
Há pouco referi que o PSD, tanto no Governo como na oposição, tem, em matéria de justiça, a mesma postura de responsabilidade, ou seja, para usar a expressão do Dr. Mário Soares, em comentário crítico ao Governo e à sua política de justiça: sempre tratámos as questões de justiça com «pinças»....

Risos do PS.

Acontece que V. Ex.ª e o Partido Socialista, quando na oposição, não usaram «pinças» no trato que deram às questões da justiça.
Por isso, V. Ex.ª chegou ao Governo «sem pinças», para com elas poder tratar tão delicadas matérias.
Assim, e enquanto se intensificava a conflitualidade entre os protagonistas judiciais, V Ex.ª entendeu por bem, como se nada estivesse a acontecer, ausentar-se, sem uma palavra, para Macau, logo após a demissão do Dr. Fernando Negrão do cargo de Director-Geral da Polícia Judiciária até então apresentado como particularmente competente e empenhado, como efectivamente era, e a quem, também por isso, quero aqui prestar a minha homenagem.
Depois foi o que se viu. O rosário de contraditórias e esfarrapadas justificações para tal demissão, por parte de V.Ex.ª.
Primeiro, era a diferença de concepções sobre o modelo investigatório da Polícia Judiciária, depois era o excesso de protagonismo, mais tarde, e já no regresso de Macau, era uma razão grave e oculta, que só aos Deputados seria revelada.
E, finalmente, lá veio a alegada autoria de uma grave fuga de informação respeitante a diligências de investigação em curso em determinado processo.
Referiu-nos então V Ex.ª que, nos dias seguintes, teríamos informações mais. concretas sobre a razão daquela demissão, o que até hoje não aconteceu, sendo certo Ter adiantado, na mesma altura, que, em qualquer caso, o Dr. Fernando Negrão sempre seria demitido da direcção da Polícia Judiciária.
Naturalmente que a essa demissão política teria de seguir-se, como se seguiu, a tentativa de nomeação política de um membro de um gabinete ministerial que, num enxovalho sem precedentes para o Ministro da Justiça, o Conselho Superior da Magistratura inviabilizou!
Mas sobre todo este caos, a que o País assistiu atónito e apreensivo, vale a pena fazer aqui o registo elucidativo de comentadores de várias áreas.
Assim, referiu no Diário de Noticias de Lisboa, o jornalista António Ribeiro Ferreira:...

O Sr. José Magalhães (PS): - Isto parece a TSF!

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Isto parece é uma revista de imprensa!

O Orador: - ...«Na terça-feira, o Ministro da Justiça retirou a confiança política ao Director-Geral da Polícia Judiciária que, depois de alguma resistência, acabou por entregar a sua carta de demissão. Num esforço notável de branqueamento, fala-se agora, a começar pelo próprio demitido, de guerras entre o Ministério Público e a Judiciária sobre modelos, competências e autonomias. A verdade é que a tal guerra não é de hoje. Tem anos, muitos actores e nunca ninguém foi demitido por causa dela. A demissão de Fernando Negrão só aconteceu porque existe, quer queiram quer não, um "caso Moderna" grave. De polícia, de política e de Estado».
O Dr. Moita Flores escreveu também no Diário de Notícias: «O espectáculo vergonhoso, hipócrita ... » e, volto a repetir, «(...) medíocre que envolveu a saída de Fernando Negrão e o eventual processo crime contra ele accionado são actos da maior indignidade cívica, moral e política».
E o Dr. Marques Vidal afirmou: «A partidarização da Polícia Judiciária, por estatuto um órgão ao serviço do Estado, é um caminho seguro para a perda de confiança dos cidadãos na sua função e golpe irreparável no seu prestígio».
E o jornalista Rui Delgado referiu a este propósito: «Se não é uma brincadeira, parece».
O Dr. José António Barreiros comentou: «E, na verdade, isto é, de facto, o perpetuar do "circo", com a impunidade de que ninguém se rala, poucos se atrevem e, sobretudo, nada acontece».

O Sr. José Magalhães (PS): - Ai acontece, acontece!

O Orador: - E o Dr. Luís Salgado Matos escreveu: «A crise das polícias ameaça a segurança e dá verosimilhança ao perigo da "mexicanização": o PS come tudo».

O Dr. Vasco Graça Moura comentou, no Expresso:

Vozes do PS: - Oh!

O Orador: - «Só num País em vias de se tornar um torpe espectáculo de variedades "pimba" é que se compre-

Página 2629

16 DE ABRIL DE 1999 2631

ende que estas coisas se digam e nada aconteça, salvo a demonstração da elástica versatilidade de um Estado em autofagia, em que já ninguém respeita ou acredita em ninguém: ministros e directores-gerais responsáveis das secretas, magistrados, diplomatas e tutti quanti parecem todos tomados de vertigem. Nunca a credibilidade institucional do Governo atingiu um ponto tão baixo como agora; nunca a maioria deu desculpas tão pouco inteligentes nem mostras de ter tão pouco sentido de Estado; nunca a proverbial verbosidade do Primeiro-Ministro se mostrou tão encolhida num dúbio mutismo para enfrentar a oposição; nunca tantos pontos altamente sensíveis foram tratados com tanta leviandade».
O jornalista Fernando Madrinha escreveu, também, no Expresso: «Vera Jardim pensou demitir-se. Mas não o fez. Nem precisa. O verdadeiro Ministro é já outro e está prestes a dominar o braço da Justiça que lhe faltava controlar: a Polícia Judiciária. Chama-se José Narciso Cunha Rodrigues (...) ao contrário do que alguns sugerem, não deve ter qualquer projecto de poder pessoal, pela simples razão de que dificilmente lhe seria possível adquirir mais poder do que aquele que já tem».

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD). - Devia vir cá!

O Orador: - O Dr. Mário Melo Rocha, com referência aos mesmos incidentes, escreveu: «O ponto crucial que os dias que vão passando já revelaram é a sensação de que o verdadeiro poder começa a passar totalmente ao lado das instituições eleitas do regime. Reside em interesses corporativos que se servem do Estado para consolidar coutadas de poder e em interesses inconfessáveis que vêem no regime aberto o seu seguro de vida».
O Sr. Bastonário da Ordem dos Advogados afirmou em tom profético: «Já pensei se é um espectáculo de strip-tease ou se é uma investigação».

Vozes do PS: - Oh!

O Orador: - O Sr. Juiz Desembargador Palha da Silveira escreveu a este propósito: «A crise desencadeada pela demissão do Director-Geral da Polícia Judiciária não representa mais (e já muito!) do que a convulsão, angustiantemente prolongada, de um sistema judicial agónico. A vitória do Procurador-Geral da República, na ridícula dança dos poderes que morbidamente geramos, só pode ser pírrica».
A fragilização em que caiu o Ministro da Justiça foi tal e a conhecida ausência do Sr. Primeiro-Ministro foi tanta, que se tornou necessário virem em seu socorro outros colegas de Governo, estranhos à área da justiça.
O Ministro Jorge Coelho brandiu que as investigações vão até ao fim «doa a quem doer», envolva quem envolver, deixando a todos a preocupada e apreensiva dúvida sobre se estava a reportar-se ao SIS, e se o teria, entretanto, transformando em órgão de investigação criminal.
O Sr. Ministro das Finanças veio afirmar que pressões Corporativas impediam as reformas na justiça, tentando retirar a «água do capote» do Governo e justificar a sua incapacidade e ineficácia.
E até o Ministro Jaime Gama, a propósito da recusa do Conselho Superior de Magistratura de homologar o nome do magistrado inicialmente indicado para Director da Polícia Judiciária, veio dizer (não fosse alguém, face aos acontecimentos, pensar o contrário), que o Governo não era masoquista e teria outra opção para a Policia Judiciária.
Ao desviar-se do seu pelouro, o Ministro Jaime Gama distraiu-se do que lhe competia e deixou aprovar na União Europeia o elogio descabido à Indonésia, no exacto momento em que se repetia mais uma onda de massacres em Timor.

Vozes, do PSD: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PS): - É falso! É infame!

O Orador: - O que faz esta desagradável sensação de não termos Primeiro-Ministro também no que toca à justiça!
Vale a pena, a este respeito, registar aqui o que escreveu o Dr. Vital Moreira: «O Presidente decidiu intervir quando as coisas atingiram um grave estado de degradação e se revelou a incapacidade do Governo para lhes acudir.
Foi também nesta linha de desresponsabilização em virtude da autonomia e independência das magistraturas que o Primeiro-Ministro justificou a impotência governamental. Mas a justificação não procede inteiramente. Uma coisa é a autonomia das magistraturas nas suas funções próprias, outra é a renúncia a utilizar os mecanismos políticos e legislativos que permanecem nas mãos do Governo e do Presidente da República, desde a nomeação e exoneração do Procurador-Geral da República e dos chefes das Polícias até à definição do estatuto jurídico e dos quadros das magistraturas».

O Sr. José Magalhães (PS): - E o PSD aceita essa tese? Isso não sabemos, porque o PSD não tem opinião!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Deputados: A ineficácia do Governo no respeitante à justiça obrigou o Sr. Presidente da República a ter de intervir para tentar pôr termo à grave crise instalada.
Mas como lembra o Dr. Vital Moreira no mesmo artigo: «Não haja ilusões, porém. A recente guerra de corporações na área da justiça é somente um afloramento da profunda crise de todo o sistema. A agitação pode amainar transitoriamente, mas as suas causas estruturais permanecem».

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas não resisto, por particularmente elucidativos, a deixar aqui mais dois ou três registos de comentadores e analistas dos mais reputados, sobre os recentes acontecimentos na área da justiça.
Assim, escreveu Miguel Sousa Tavares: «Repito o que já escrevi inúmeras vezes e que não me cansarei de pensar: nada é mais urgente, nada é mais desesperadamente

Página 2630

2632 I SÉRIE - NÚMERO 72

necessário para a saúde do regime e da vida democrática em Portugal do que pôr a justiça a funcionar. (...) É sintomático no estado actual da política que a tal série de 'coincidências' a que chamamos crise atinja os sectores da defesa, da justiça, da polícia, dos serviços de informação, da política externa. Ou seja, todos os sectores onde o que está em causa é a noção de Estado».
O Dr. António Barreto, que já há bocado citei com tanta irritação do Ministro da Justiça, também dizia: «Se António Guterres me ouvisse, gostaria de lhe dizer: a Justiça Portuguesa está refém. Não encontro em mim, Sr. Primeiro-Ministro, a mais pequena réstia de confiança na justiça, nos sistemas de informação e investigação e nos mecanismos de apuramento da legalidade dos actos do Estado. Como eu, garanto-lhe, há muitos cidadãos para quem a justiça é o último reduto institucional das liberdades, dos direitos individuais e das garantias. Como eu, há muitos portugueses que desesperam de ver o Governo cumprir o seu dever e esforçar-se por tentar salvar aquele que constitui o mais importante apoio de um regime democrático: o seu sistema de justiça. Fica dito. Mas não sei se ele ainda ouve».

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Será isso um ataque de surdez?

O Orador:- A propósito da conhecida ausência do Sr. Primeiro-Ministro e da sua recusa em intervir em situações tão graves como a criada, refere o Dr. Augusto Santos Silva: «Uma opinião pública que pressente que o Primeiro-Ministro se alheia dos problemas ou se esquiva a tomar e esclarecer opções, perde necessariamente confiança; uma opinião pública que suspeita que aquele que consagrou como líder procura segui-la em vez de liderada, vai puni-lo, mais tarde ou mais cedo».
Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça e Srs. Deputados, dirá V. Ex.ª e dirão os Deputados da maioria (cada vez mais relativa), que teci críticas, e que não apresentei alternativas. Além de termos na 1.ª Comissão diplomas apresentados pelo PSD à espera de iniciativas do Governo (caso da privatização do notariado e das medidas relativas a reclusos toxicodependentes), temos um programa alternativo no sector da justiça, que, por certo, vamos concretizar, como Governo, na próxima legislatura.

Risos do PS.

O drama, Sr. Ministro e Srs. Deputados, é a incapacidade do Governo para concretizar o seu próprio programa e para cumprir a suas promessas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E não nos venham agora com propostas de pacto de regime para a justiça.
Na verdade, V. Ex.ª consumou os erros, desencadeou e estimulou os conflitos, desacreditou a justiça e desacreditou-se a si, como Ministro responsável por este sector - pilar fundamental do Estado de Direito, o que lhe retira toda e qualquer autoridade para apresentar qualquer pacto de regime, impedindo, também, que, com V. Ex.ª como Ministro da Justiça, e quiçá com este Governo e sem que serenem os ânimos dos protagonistas judiciários, seja possível qualquer pacto de regime.
Deixou-lhe o PSD, por iniciativa do Dr. Laborinho Lúcio, um diagnóstico da situação judicial em Portugal feito pelo Dr. Boaventura Sousa Santos e pela sua equipa, mas nem esse trabalho V. Ex.ª soube aproveitar. É pena, porque a justiça merecia estar acima dos Governos e dos partidos, e V. Ex.ª tem-na trazido exactamente para o terreno da política e, mais grave, da política partidária.
Veja-se o esclarecimento do seu gabinete, Sr. Ministro, sobre a abordagem que V. Ex.ª terá feito ao então Director da Polícia Judiciária sobre um processo relativo a um seu camarada de partido. O seu gabinete confirmou essa abordagem e mais afirmou que V. Ex.ª, imagine-se, tinha dado conta do resultado desses contactos ao congresso do seu partido!
Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça e Srs. Deputados, sob a égide deste Governo assistimos à substituição da justiça vendada, solene e digna, por uma qualquer mesária justiça «descascada», servida em lugar da fruta, entre umas enguias de barrica e uns ovos moles, em repasto, em que participou a nova direcção da Polícia Judiciária, poucas vinte e quatro horas passadas sobre a sua posse.
Ficou a saber-se, pelas declarações do actual Director-Geral, pouco depois de tal incidente e a tal propósito, que sempre tem de prestar contas, não ao Governo, mas ao Sr. Procurador-Geral da República!
É tempo de terminar. E porque V. Ex.ª instalou um clima de «PREC» na justiça, lembrei-me de reproduzir aqui um excerto de um comunicado feito pela Ordem dos Advogados em Fevereiro de 1975, sendo Bastonário o Dr. Mário Raposo, quando se desenhavam significativos sinais de populismo e de atropelos nos tribunais. Referia-se nesse comunicado: «A dignidade e a tranquilidade de espírito do poder judicial são postas em causa com um à-vontade que colide com a sensibilidade de todos aqueles que sabem que, quando tal sucede, logo se transpõem as fronteiras do caos social. O poder judicial só é livre e independente enquanto respeitado pelo Estado e pelos cidadãos».
Cabe a V. Ex.ª e ao Governo tudo fazer para restaurar o respeito que o Estado e os cidadãos devem ao poder judicial, dotando-o de meios, para que a sua própria acção seja atempada, útil e eficiente e o torne cada vez mais merecedor desse respeito.
Pela nossa parte, enquanto oposição, não deixando de denunciar os erros e as falhas, infelizmente graves, do Governo na área da Justiça, não deixaremos também de dar a nossa cooperação institucional para a viabilização das medidas legislativas que possam contribuir para a melhoria e credibilização da justiça e dos seus serviços.
Assim o temos feito e assim continuaremos a fazer, mantendo, de modo igual, a mesma postura de responsabilidade que nestas matérias temos, tanto no governo, como na oposição.

Aplausos do PSD.

Página 2631

16 DE ABRIL DE 1999 2633

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Guilherme Silva acabou de fazer uma intervenção onde misturou acusações políticas, que seriam porventura discutíveis, com uma colecção sem precedentes de insultos absoluta e inqualificavelmente infelizes.
Por isso, não lhe vamos fazer qualquer pedido de esclarecimento e lavramos aqui o nosso protesto.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Também para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, é só para registar a excessiva sensibilidade que o Governo e o Partido Socialista têm revelado na sessão de hoje. Assim tivessem sensibilidade para os problemas da justiça!...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, faça a sua interpelação.

O Orador: - A minha interpelação vai no seguinte sentido: vou ter o trabalho de enviar todos os artigos de que reproduzi excertos na minha intervenção, porque eles, realmente, precisam de ser lidos pelo Sr. Deputado José Magalhães e pela sua bancada.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr: Deputado Francisco Peixoto.

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Secretários de Estado Srs. Deputados: Independentemente de a origem última da crise que a justiça portuguesa hoje atravessa, e que já ninguém ousa desmentir, poder consistir num complexo de causas diversas, directa e intimamente ligadas à estrutura organizativa essencial da moderna sociedade ocidental, designadamente com a crise da autoridade estadual, com a progressiva falência do sistema representativo democrático e ainda com a cavada crise de valores e de identidade de instituições, que, por fundamentais à organização social e política, anteriormente pouco ou nada foram questionadas; independentemente de essa mesma crise, que é grave e extremamente preocupante, bem poder ser representada por uma radial de sentido invertido e, por isso, convergente num ponto - o mundo da justiça - e composto por segmentos dos mais variados, desde o próprio aparelho do Estado à desadequação de toda a política legislativa, da organização e do funcionamento institucional, do ensino e das universidades, das corporações, da própria sociedade civil na sua dinâmica, ora massificada, ora sectorizada por interesses e anseios específicos e mais ou menos legítimos; independentemente
de a crise que agora, aos olhos de todos, deflagrou, de forma iniludível, poder bem ser resultante do acumular de erros e de omissões de anos, de tensões e de desacertos que se têm vindo a arrastar na nossa sociedade, sem que nenhum governo tenha conseguido inverter esse rumo, parece agora não poder, de todo em todo, restar qualquer dúvida de que qualquer solução ou, mesmo, qualquer ensaio credível de solução implica necessariamente a mais ampla concertação de todo o sistema, nas suas mais variadas componentes, precedida, naturalmente, de um sério e cuidado diagnóstico que permita a opção e a subsequente implementação da política de maior acerto e de mais e melhor garantia de sucesso.
Em todo o caso, a solução será sempre estrutural e estruturante de um novo sistema que, com renovada agilidade, que as actuais exigências requerem, não encerre o risco e o perigo de subverter e de destruir os valores essenciais de que a justiça é um dos principais pilares e um dos principais motores de defesa e de preservação. O mesmo é dizer que pequenas medidas de oportunidade, de fins escusos, não só não resolvem os problemas, mesmo na sua aparência, como ainda vão agravar a efectiva e real resolução dos mesmos, precisamente por enfraquecerem e descredibilizarem ainda mais todo um sistema, cujo maior perigo é a ameaça de ruptura, precisamente por já não conseguir, aceitavelmente, o seu fim primeiro, que outro não é senão o de ser o grande vector de estabilidade social assente na credibilidade de que/quem, naturalmente por necessidade, recorre à justiça para, pelo menos, encontrar a razoável resolução dos seus problemas. E isto em vez do sentido grassante da mais total ineficácia e inutilidade a que temos assistido.
A morosidade geral e, mesmo, a ausência localizada de justiça consubstanciam-se num crescente sentimento de denegação da própria justiça, e especificamente nesta época que vivemos, em que toda a vida económica e social é evolutivamente juridificada, com o risco de poder constituir, como, aliás, constitui, efectivamente, um dos mais perigosos elementos de fractura da própria coesão social.
Referiria, a este propósito, o Sr. Presidente da República, há pouco menos de um mês, quando disse que, e passo a citar, «É urgente a criação de condições para que seja restaurada a confiança dos cidadãos no sistema de justiça.»
É, Sr. Presidente e Srs. Deputados, com a mais viva lástima que verificamos, a final, o reconhecimento formal da razão que sempre nos assistiu, ao longo de toda esta legislatura, sempre e sempre que alertámos o Governo, compulsivamente autista e ensimesmado, para a sua política errante de ocasião e de oportunidade, vitimando, desta forma, a oportunidade de agir e de atempadamente evitar a situação a que agora se chega.
É que de nada valeram as promessas cardio-respiratórias de fim de saison, que, como de fim de saison, jamais foram cumpridas, de o Governo pretender colocar a justiça portuguesa no seu coração.

Risos do CDS-PP.

O Governo não quis ou não conseguiu entender, nunca, com os resultados que se podem ver, a necessidade

Página 2632

2634 I SÉRIE - NÚMERO 72

absoluta de fazer eleger a justiça como uma aposta e como um elemento estratégico vital desta legislatura.
Assim, o País ficou não só aquém, por exclusiva e máxima responsabilidade e culpa deste Governo, da expectativa mínima que legitimamente manteve em ver um projecto e uma política global e credível - e sempre nos disponibilizámos para um pacto de regime nesta matéria - ser entendida e aceite pelos diversos operadores da justiça como modo de gradualmente ser implementado, ao mesmo tempo que, recuperada a confiança no sistema, serviria de ponto aglutinador e gregário não só desses mesmos agentes como, e sobretudo, de todos os portugueses.
Como atónito, o Governo assiste à mais devastadora e patética crise de instituições e corporações ligadas à justiça, no mínimo propiciada por evidente inabilidade política, como ao disparar, por outro lado, da morosidade geral na administração da justiça, bem ilustrada pelo crescente de processos pendentes nos nossos tribunais em quase todas as instâncias e competências, assim como ao extraordinário agravamento financeiro dos seus serviços e, como já vimos, da sua inoperatividade prática, mas ainda, e pelo que sempre será mais grave, à adopção de medidas de fundo que desesperadamente tendentes, de momento, a resolver os problemas de mera contabilidade dos tribunais, são, elas mesmas, portadoras das mais desajustadas soluções susceptíveis de criar, desde já, os mais graves e fracturantes conflitos sociais.
Nunca o sistema de justiça em Portugal foi tão inacessível! E a culpa não será, nunca, dos portugueses pelo aumento da conflitualidade tão opaco e incompreensível como agora, ao ponto de qualquer solução, seja ela qual for, não poder já partir deste Governo. É que, de facto, nunca se viu uma herança tão leve de nada mas tão pesada de erros!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.85 e Srs. Deputados: Num debate tão importante como este sobre as. questões da justiça, não podemos ignorar que a construção, sempre permanente, de um sistema de justiça é responsabilidade de todos os cidadãos e, muito particularmente e naturalmente, dos responsáveis pelo poder político e de todos os agentes da justiça.
Vinte e cinco anos após o 25 de Abril, realizadas que foram quatro revisões constitucionais, temos vindo a construir um sistema de justiça coerente e sólido assente em princípios seguros e coerentes, que permitem hoje assegurar a independência do poder judicial, de acordo com a sagrada divisão dos poderes.
É conveniente lembrar a alguns que não queremos voltar ao tempo dos juizes e dos, então, agentes do Ministério Público dependentes do Governo em tudo o que dizia respeito a nomeações, colocações, transferências, promoções e, bem assim, quanto ao poder disciplinar.
A esses dizemos, sem hesitações, e com toda a tranquilidade, que é um tempo a que não queremos voltar, sejam quais forem os hipotéticos fundamentos, as pretensas justificações ou as causas invocadas.
As magistraturas são hoje absolutamente independentes do poder executivo, e assim devem continuar, cuja administração, nos seus diversos níveis, é assegurada pelos conselhos autónomos respectivos.
Do mesmo modo, não estamos disponíveis para aderir às teses demagógicas daqueles que se propõem ignorar ou enfraquecer as garantias de defesa dos cidadãos, em nome de celeridades que mais não são do que a demonstração da inexistência de políticas alternativas devidamente sustentadas, ou daqueles que, como o Deputado Guilherme Silva, se limitam, do alto da tribuna, a debitar um rol de recortes de imprensa mal lidos e, ainda por cima, mal percebidos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Mal percebidos por si e pela sua bancada! Mas eu percebi que VV. Ex.ªs não perceberam!...

O Orador: - Não obstante, não procederemos como aqueles que, até há três anos e meio e durante mais de 15 anos, tiveram a pasta da justiça e se limitaram a anunciar reformas que não concretizaram, obras que não realizaram, políticas que não seguiram, princípios que não souberam defender.

Vozes do PS: - Bem lembrado!

O Orador: - Permita-me, Sr. Presidente, que faça agora uma referência ao sistema prisional.
A situação que o actual Governo encontrou no sistema prisional em fins de 1995 foi, simplesmente, catastrófica. E não somos nós que o dizemos!
O Sr. Provedor de Justiça, que, no auge do cavaquismo, agora de regresso ao maior partido da oposição, ainda que em segunda mão e em versão empobrecida,...

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Tschh!...

O Orador: - ... era apelidado e considerado como uma das forças de bloqueio - quem não se lembra? -, teve a oportunidade de denunciar quer a insuficiência da prestação de cuidados de saúde à população prisional, agravada pela proliferação de doenças infecciosas em meio prisional, quer a insuficiência do alojamento, em quantidade e qualidade, quer, ainda, a deficiência então verificada ao nível da garantia de ocupação a todos os reclusos durante o tempo de permanência na prisão que permitisse cumprir o propósito da sua reinserção social.
Se bem que a situação do sistema prisional continue a ser particularmente difícil, circunstância que não ignoramos e não escondemos, nem sequer omitimos, o que é facto é que já hoje é bem visível uma melhoria nas condições observadas na generalidade dos estabelecimentos prisionais, conforme foi salientado pelo

Página 2633

16 DE ABRIL DE 1999 2635

Sr. Provedor de Justiça, no seu relatório de 2 de Março passado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - Repito: quem o reconhece expressamente não somos nós, é o Sr. Provedor de Justiça!
É certo que o actual Governo não fez das observações e recomendações do Sr. Provedor letra morta, qual força de bloqueio castradora do progresso então dito cavaquista.
Continuamos a agir para alterar o sistema prisional de forma substancial e profunda ao nível da saúde, ao nível do alojamento e ao nível da ocupação, com especial realce para o ensino e para a necessidade de se desenvolver e aprofundar um novo paradigma da realidade laborai prisional, assente, sobretudo, na preparação adequada e eficiente para o reingresso dos reclusos no mundo activo.
O que não aceitamos é que, nesta Câmara, aqueles que, ao longo de 16 anos, nada fizeram, bem pelo contrário, demonstraram até uma absoluta incapacidade para lidarem com os problemas e as situações difíceis, venham agora acusar o Governo de não ter conseguido, em três anos e meio, resolver todos os problemas.
Podem ter a certeza, Srs. Deputados, de que não serão necessários 16 anos!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ª e Srs. Deputados: Um sistema de justiça democrático, como é o nosso, não se destina a eliminar interesses e conflitos, facto que alguns parecem querer ignorar. O que é determinante e desejável é que o sistema de justiça regule tais interesses e conflitos de forma equitativa, pronta e eficaz.
A independência dos juizes, a autonomia do Ministério Público e o estatuto dos advogados apenas fazem sentido se concorrerem para a realização da justiça; de contrário, de nada servem, nem sequer para os próprios.
Tal como afirmou recentemente S. Ex.ª o Presidente da República, «as democracias modernas experimentam crescentes dificuldades em fazer coincidir a legitimidade do poder fundada no sufrágio universal, e como tal pacificamente aceite, com a legitimação derivada do exercício do poder pelo sufrágio conquistado.»
Não deve ser função dos partidos políticos agudizar e exacerbar crispações, cujo desentendimento na praça pública debilita a imagem da justiça e, logo, a sua legitimação.
Por isso mesmo, consideramos como muito positivas as iniciativas que possam contribuir para o debate e a reflexão tranquila das soluções que se impõem. O momento é, necessariamente, de cooperação entre todos os responsáveis.
Pela nossa parte, queremos continuar a ser parte das soluções e não parte dos problemas e muito menos factor da sua agudização.
O estudo e a reflexão, bem como a adopção de políticas correctas e adequadas, e por isso mesmo adquiridas e l como tal aplicadas e não impostas, não pode ser substituído pela retórica demagógica, que apenas se destina a criar clivagens artificiais e a atear fogos.
Nesta interpelação, seria especialmente importante que partidos que já tiveram responsabilidades governativas na área da justiça assumissem erros do passado e tivessem, aqui e hoje, a coragem de contribuir em concreto para as soluções que se impõem.
Queremos acreditar que o PSD, eventualmente, acabará por deixar cair mais este tabu, aceitando participar na reflexão proposta.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, em democracia os poderes devem respeitar-se entre si próprios, sendo que a autoridade democrática e a autoridade do Estado é a da lei e das instituições.
Defrontar os problemas é assumi-los, propondo soluções, encarando alternativas, eventualmente até contraditórias quanto às soluções propostas.
Os nossos princípios são claros, são os princípios constitucionais, que a todos devem responsabilizar.
Se a independência da magistratura judicial é inquestionável, pelo que deve ser defendida e preservada em quaisquer circunstâncias, também o é a autonomia do Ministério Público e o estatuto dos advogados. A responsabilidade do Governo pela elaboração e aplicação da política de justiça não pode, em circunstância alguma, pôr em causa tal modelo.
A natureza de cada um destes poderes próprios exige a todos os agentes formas de cooperação que terão de ser efectivamente instituídas, em obediência ao inderrogável princípio constitucional da cooperação de poderes.
Há uma reforma em curso que tem de ser continuada mas também assumida por todos os agentes, independentemente das medidas que, em cada momento, tenham de ser tomadas, de acordo com a política definida pelo Executivo, legitimamente sufragada pelos cidadãos eleitores.
O PS, como partido maioritário, assume as suas responsabilidades perante todas as outras forças políticas, reiterando a sua disponibilidade para analisar e avaliar as diversas medidas e acções a levar a cabo na área da justiça e da responsabilidade da Assembleia da República.
É necessário continuar a trabalhar para conseguir uma maior diminuição da duração dos processos, desburocratizando ainda mais, com a consequente celeridade processual.
Uma palavra mais acerca dos caminhos e opções futuras da justiça.
É necessária mais e melhor informação sobre os direitos fundamentais em matéria de saúde, ambiente, consumo, habitação; melhor acesso ao conhecimento do direito; aposta na disseminação de informação multimédia e de quiosques de informação nas freguesias e municípios;...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... adopção de conteúdos programáticos nas escolas do ensino básico e secundário, dirigidos à

Página 2634

2636 I SÉRIE - NÚMERO 72

formação cívica e defesa dos direitos dos cidadãos; utilização de mecanismos alternativos, quando possível, das vias tradicionais de justiça, por mecanismos de resolução de litígios que se situem num patamar mais próximo dos cidadãos, desenvolvendo uma cultura da educação dos cidadãos em geral, no sentido de estes não fomentarem a morosidade da justiça.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ª e Srs. Deputados: Temos a perfeita consciência do caminho percorrido, bem como do caminho a percorrer. Queremos, com toda a sinceridade, responder perante aqueles que estão lá fora e que nos julgarão em tempo oportuno.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Antonino Antunes e João Amaral.
Tem a palavra o Sr. Deputado Antonino Antunes.

O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes, não nos interessa, não queremos, não faremos baixar o nível do debate político dos problemas nacionais ao patamar do lamentável espectáculo de strip- tease de Aveiro.
Também não queremos deixar de reconhecer que esse desnudamento é de todo estranho aos eventos de confraternização da Polícia Judiciária. O que se passou, não prestigiando a instituição, também não chega para abalar o seu prestígio nem para manchar a honra de quantos ali serviram e servem.
Nessa medida, também entendemos que foi um incidente para lamentar e para esquecer.
Mas, Sr. Deputado, chegam-nos ecos de que algo de muito mais grave já aconteceu depois disso.

O Sr. José Magalhães (PS): - Para quê é que os está a lembrar?

O Orador: - Já vai ouvir, Sr. Deputado.
Chegam-nos informações de dois acontecimentos que são, no mínimo, surrealistas. A saber: o primeiro é o de que foram apreendidas, a fotógrafos e jornalistas presentes em Aveiro, películas e cassetes vídeo, para que não pudessem divulgar as imagens colhidas.
A segunda informação é a de que foi cometida à Direcção Central contra o Banditismo a investigação do caso do strip-tease de Aveiro.
Sr. Deputado, não quero crer que isso possa ter acontecido hoje, no meu país. Por mais infeliz e inoportuno que fosse o espectáculo do strip-tease, não consigo divisar aí qualquer crime. Muito menos, consigo divisar um crime cuja investigação deve ser cometida a uma direcção que tem por fim proteger-nos do banditismo.
Por mais voltas que dê ao texto da lei, não consigo ver justificação para a busca e apreensão das películas e das cassetes vídeo.
O Sr. Ministro da Justiça veio hoje à Assembleia, mas não veio disposto a responder. Sobre aquilo que lhe não convém, sobre aquilo que o incomoda, o Sr. Ministro, hoje, não responde, «nem na presença do seu advogado.»
Mas talvez o Sr. Deputado, que integra o partido que apoia e sustenta o Governo, me saiba responder concretamente às seguintes perguntas: que processo crime foi instaurado e contra quem? Que autoridade judiciária permitiu aquele confisco de películas e de cassetes?

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Faça um inquérito ao inquérito!

O Orador: - E se os seus legítimos donos confiscados - que até podiam ter interesse intelectual, profissional ou material na divulgação das imagens licitamente colhidas - se lembram de processar o Estado português? Quem paga a factura? Os Srs. Deputados e o Sr. Ministro lavam as suas mãos?
O Sr. Ministro não irá dizer certamente ao Sr. Deputado que nada sabe, porque o caso não foi comunicado à tutela (que é o Ministério da Justiça) mas ao Sr. Procurador-Geral, que é quem manda no Ministério da Justiça. É que, se o disser, veremos ainda com mais clareza que o Ministro da Justiça fragilizado, que entrou hoje pela porta do Plenário, sai daqui definitivamente arrasado.

Protestos do PS.

Sr. Ministro, já que estamos a falar em perdões de penas, é altura também para dizermos que «temos pena do Ministro, mas o Ministro não tem perdão».

(O Orador reviu.)

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes, o Sr. Deputado sabe - aliás, pôde constatar ao longo desta interpelação ao Governo - que a nossa posição em relação a este debate sobre a justiça é a de equacioná-lo do ponto de vista dos interesses do cidadão e, desse ponto de vista, questionar o Governo, como é nosso direito e dever perante a situação que se vive, e apresentar propostas.
Mas também não quero deixar de registar, para que não fiquem dúvidas, que os confrontos que existiram nos preocupam muito e que não podemos isentar de total responsabilidade o Governo. Não podemos dizer ao Governo que ele nada tem a ver com o assunto, porque houve situações concretas onde essa responsabilidade apareceu. Desde logo, ela aparece, em primeiro lugar, num quadro geral, que é o da debilidade de resposta aos problemas da justiça. Aliás, a propósito desta situação, eu já disse que «casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão». Isto é, o conflito é natural quando os problemas não se resolvem.

Página 2635

16 DE ABRIL DE 1999 2637

Mas, Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes, houve também situações muito concretas em que não se pode dizer que tenha havido, da parte do Governo, o tratamento cuidadoso das questões que era necessário ter.
Mais: neste conflito que envolve magistraturas e toda essa situação difícil, houve casos concretos em que a ausência de diálogo foi uma das causas que alimentou tensões. Recordo, por exemplo, as alterações que foram feitas no regime de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, as quais provocaram enormes tensões, já que foram apresentadas sem uma prévia audição e sem uma garantia de compreensão de todas as partes. Num quadro como este, evidentemente que essas tensões acumulam-se.
Não gostaria de passar esta interpelação sem deixar este registo, sem fazer uma referência a esta questão; porém, porque não quero fugir à linha de orientação seguida para esta interpelação, direi o seguinte ao Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes: há duas componentes que nos preocupam particularmente e que são reflectidas nesta situação da justiça, que é a morosidade e o preço, a inacessibilidade da justiça para muitos cidadãos.
Quanto à questão da morosidade, já falámos muito; quanto à questão da acessibilidade, o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes e os seus colegas da primeira fila da bancada - e os da segunda fila da bancada, não quero ofendê-lo, com certeza fizeram o mesmo! - fizeram uns sorrisos quando falámos no defensor oficioso...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Defensor público.

O Orador: - Desculpem, no defensor público. Aliás, há um Deputado da vossa bancada que deve estar a rir-se de si próprio... e ele sabe a quem me estou a dirigir.
Isto para perguntar se o sorriso quer dizer que os senhores têm uma alternativa. É porque, nesta componente do acesso, não houve, até ver, absolutamente nada, nem promessas! Nesta área do acesso, não houve promessas e a questão do acesso é essencial.
É que um dos problemas mais dramáticos que hoje se pode colocar em termos de uma sociedade que vai amadurecendo é o de que o cidadão, individualmente, não incorpora a justiça na cidadania porque ele não tem acesso a ela, é uma coisa que lhe é estranha. Ele não tem capacidade para ter um bom advogado, não tem capacidade para recorrer a todos os truques e expedientes que utilizam aqueles que têm posses e ele sente-se defraudado, sente-se incapaz e a justiça é, para ele, alguma coisa que está do outro lado do mundo, que não lhe serve, que não responde aos seus problemas!
E eu pergunto, para além de sorrisos - enfim, o sorriso também é uma resposta simpática, que ficará registado; aliás, o sorriso fará parte da filosofia do Secretário-Geral do Partido Socialista! -, quais são os factos, qual é, concretamente, a resposta e por que razão não aceitam uma resposta que é lúcida e eficiente, como é a do defensor público.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Sr. Presidente, começo por responder ao Sr. Deputado João Amaral por razões que todos os Srs. Deputados compreendem. É que o Sr. Deputado colocou, efectivamente, questões pertinentes que têm a ver com o tema desta interpelação ao Governo.
Sr. Deputado João Amaral, quanto à questão não do defensor oficioso mas do defensor público, como V. Ex.ª sabe, já fizemos, no âmbito desta legislatura, uma primeira ré visão da lei...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Foi uma coisinha pequenina!

O Orador: - Ó Sr.ª Deputada, mas sempre fizemos alguma coisinha no que diz respeito ao acesso ao direito!
Sr. Deputado João Amaral, penso que todos temos ideias assumidas relativamente a esta matéria, mas - e respondo, naturalmente, também com alguma da minha experiência pessoal e profissional, que a todos nos deve marcar quando proferimos alguns entendimentos relativamente a estas matérias - sou muito mais defensor de um novo diálogo, de um diálogo diferente, mais determinante, com a própria Ordem dos Advogados. Isto porque não podemos esquecer que temos, neste momento, ao nível de licenciados disponíveis no âmbito da Ordem dos Advogados, advogados estagiários que estão a fazer o estágio em circunstâncias muito difíceis. Temos campo para criar soluções completamente diferentes que permitam tomar decisões nesse sentido.
Além de mais, ao nível da Ordem dos Advogados, por exemplo, V. Ex.ª sabe perfeitamente qual é o entendimento do Sr. Bastonário no que diz respeito à criação do defensor público

O Sr. José Magalhães (PS): - Já agora que o revele! Qual é?

O Orador: - Temos de encontrar fórmulas que sejam efectivamente diferentes e que, em meu entender, não passam - e concordo inteiramente com o Sr. Ministro da Justiça - por uma advocacia tabulada entre as 9 e as 17 horas.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - A advocacia das empresas pode ser das 9 às 17 horas, não tem mal!

O Orador: - Quero crer que não passa.
Todos sabemos que as questões relativas ao acesso ao direito são muito particulares, muito específicas e são colocadas a dois níveis: um, é o do acesso ao direito e do patrocínio judiciário, e outro, o dos preparos judicias, das custas, isto é, tudo o que tenha a ver com o custo económico da justiça.

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Orador: - Parece-me claramente que as circunstâncias difíceis e mais complicadas se colocam relativamente ao segundo nível.

Página 2636

2636 I SÉRIE -NÚMERO 72

formação cívica e defesa dos direitos dos cidadãos; utilização de mecanismos alternativos, quando possível, das vias tradicionais de justiça, por mecanismos de resolução de litígios que se situem num patamar mais próximo dos cidadãos, desenvolvendo uma cultura da educação dos cidadãos em geral, no sentido de estes não fomentarem a morosidade da justiça.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Temos a perfeita consciência do caminho percorrido, bem como do caminho a percorrer. Queremos, com toda a sinceridade, responder perante aqueles que estão lá fora e que nos julgarão em tempo oportuno.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Antonino Antunes e João Amaral.

Tem a palavra o Sr. Deputado Antonino Antunes.

O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes, não nos interessa, não queremos, não faremos baixar o nível do debate político dos problemas nacionais ao patamar do lamentável espectáculo de strip tease de Aveiro.
Também não queremos deixar de reconhecer que esse desnudamento é de todo estranho aos eventos de confraternização da Polícia Judiciária. O que se passou, não prestigiando a instituição, também não chega para abalar o seu prestígio nem para manchar a honra de quantos ali serviram e servem.
Nessa medida, também entendemos que foi um incidente para lamentar e para esquecer.
Mas, Sr. Deputado, chegam-nos ecos de que algo de muito mais grave já aconteceu depois disso.
O Sr. José Magalhães (PS): - Para quê é que os está a lembrar?

O Orador: - Já vai ouvir, Sr. Deputado.
Chegam-nos informações de dois acontecimentos que são, no mínimo, surrealistas. A saber: o primeiro é o de que foram apreendidas, a fotógrafos e jornalistas presentes em Aveiro, películas e cassetes vídeo, para que não pudessem divulgar as imagens colhidas.
A segunda informação é a de que foi cometida à Direcção Central contra o Banditismo a investigação do caso do strip tease de Aveiro.
Sr. Deputado, não quero crer que isso possa ter acontecido hoje, no meu país. Por mais infeliz e inoportuno que fosse o espectáculo do strip tease, não consigo divisar aí qualquer crime. Muito menos, consigo divisar um crime cuja investigação deve ser cometida a uma direcção que tem por fim proteger-nos do banditismo.
Por mais voltas que dê ao texto da lei, não consigo ver justificação para a busca e apreensão das películas e das cassetes vídeo.
O Sr. Ministro da Justiça veio hoje à Assembleia, mas não veio disposto a responder. Sobre aquilo que lhe não convém, sobre aquilo que o incomoda, o Sr. Ministro, hoje, não responde, «nem na presença do seu advogado.»
Mas talvez o Sr. Deputado, que integra o partido que apoia e sustenta o Governo, me saiba responder concretamente às seguintes perguntas: que processo crime foi instaurado e contra quem? Que autoridade judiciária permitiu aquele confisco de películas e de cassetes?

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Faça um inquérito ao inquérito!

O Orador: - E se os seus legítimos donos confiscados - que até podiam ter interesse intelectual, profissional ou material na divulgação das imagens licitamente colhidas - se lembram de processar o Estado português? Quem paga a factura? Os Srs. Deputados e o Sr. Ministro lavam as suas mãos?

O Sr. Ministro não irá dizer certamente ao Sr. Deputado que nada sabe, porque o caso não foi comunicado à tutela (que é o Ministério da Justiça) mas ao Sr. Procurador-Geral, que é quem manda no Ministério da Justiça. É que, se o disser, veremos ainda com mais clareza que o Ministro da Justiça fragilizado, que entrou hoje pela porta do Plenário, sai daqui definitivamente arrasado.

Protestos do PS.

Sr. Ministro, já que estamos a falar em perdões de penas, é altura também para dizermos que «temos pena do Ministro, mas o Ministro não tem perdão».

(O Orador reviu.)

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes, o Sr. Deputado sabe - aliás, pôde constatar ao longo desta interpelação ao Governo - que a nossa posição em relação a este debate sobre a justiça é a de equacioná-lo do ponto de vista dos interesses do cidadão e, desse ponto de vista, questionar o Governo, como é nosso direito e dever perante a situação que se vive, e apresentar propostas.
Mas também não quero deixar de registar, para que não fiquem dúvidas, que os confrontos que existiram nos preocupam muito e que não podemos isentar de total responsabilidade o Governo. Não podemos dizer ao Governo que ele nada tem a ver com o assunto, porque houve situações concretas onde essa responsabilidade apareceu. Desde logo, ela aparece, em primeiro lugar, num quadro geral, que é o da debilidade de resposta aos problemas da justiça. Aliás, a propósito desta situação, eu já disse que «casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão». Isto é, o conflito é natural quando os problemas não se resolvem.

Página 2637

16 DE ABRIL DE 1999 2637

Mas, Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes, houve também situações muito concretas em que não se pode dizer que tenha havido, da parte do Governo, o tratamento cuidadoso das questões que era necessário ter.
Mais: neste conflito que envolve magistraturas e toda essa situação difícil, houve casos concretos em que a ausência de diálogo foi uma das causas que alimentou tensões. Recordo, por exemplo, as alterações que foram feitas no regime de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, as quais provocaram enormes tensões, já que foram apresentadas sem uma prévia audição e sem uma garantia de compreensão de todas as partes. Num quadro como este, evidentemente que essas tensões acumulam-se.
Não gostaria de passar esta interpelação sem deixar este registo, sem fazer uma referência a esta questão; porém, porque não quero fugir à linha de orientação seguida para esta interpelação, direi o seguinte ao Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes: há duas componentes que nos preocupam particularmente e que são reflectidas nesta situação da justiça, que é a morosidade e o preço, a inacessibilidade da justiça para muitos cidadãos.
Quanto à questão da morosidade, já falámos muito; quanto à questão da acessibilidade, o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes e os seus colegas da primeira fila da bancada - e os da segunda fila da bancada, não quero ofendê-lo, com certeza fizeram o mesmo! - fizeram uns sorrisos quando falámos no defensor oficioso...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Defensor público.

O Orador: - Desculpem, no defensor público. Aliás, há um Deputado da vossa bancada que deve estar a rir-se de si próprio... e ele sabe a quem me estou a dirigir.
Isto para perguntar se o sorriso quer dizer que os senhores têm uma alternativa. É porque, nesta componente do acesso, não houve, até ver, absolutamente nada, nem promessas! Nesta área do acesso, não houve promessas e a questão do acesso é essencial.
É que um dos problemas mais dramáticos que hoje se pode colocar em termos de uma sociedade que vai amadurecendo é o de que o cidadão, individualmente, não incorpora a justiça na cidadania* porque ele não tem acesso a ela, é uma coisa que lhe é estranha. Ele não tem capacidade para ter um bom advogado, não tem capacidade para recorrer a todos os truques e expedientes que utilizam aqueles que têm posses e ele sente-se defraudado, sente-se incapaz e a justiça é, para ele, alguma coisa que está do outro lado do mundo, que não lhe serve, que não responde aos seus problemas!
E eu pergunto, para além de sorrisos - enfim, o sorriso também é uma resposta simpática, que ficará registado; aliás, o sorriso fará parte da filosofia do Secretário-Geral do Partido Socialista! -, quais são os factos, qual é, concretamente, a resposta e por que razão não aceitam uma resposta que é lúcida e eficiente, como é a do defensor público.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Sr. Presidente, começo por responder ao Sr. Deputado João Amaral por razões que todos os Srs. Deputados compreendem. É que o Sr. Deputado colocou, efectivamente, questões pertinentes que têm a ver com o tema desta interpelação ao Governo.
Sr. Deputado João Amaral, quanto à questão não do defensor oficioso mas do defensor público, como V. Ex.ª sabe, já fizemos, no âmbito desta legislatura, uma primeira ré visão da lei...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Foi uma coisinha pequenina!

O Orador: - Ó Sr.ª Deputada, mas sempre fizemos alguma coisinha no que diz respeito ao acesso ao direito!

Sr. Deputado João Amaral, penso que todos temos ideias assumidas relativamente a esta matéria, mas - e respondo, naturalmente, também com alguma da minha experiência pessoal e profissional, que a todos nos deve marcar quando proferimos alguns entendimentos relativamente a estas matérias - sou muito mais defensor de um novo diálogo, de um diálogo diferente, mais determinante, com a própria Ordem dos Advogados. Isto porque não podemos esquecer que temos, neste momento, ao nível de licenciados disponíveis no âmbito da Ordem dos Advogados, advogados estagiários que estão a fazer o estágio em circunstâncias muito difíceis. Temos campo para criar soluções completamente diferentes que permitam tomar decisões nesse sentido.
Além de mais, ao nível da Ordem dos Advogados, por exemplo, V. Ex.ª sabe perfeitamente qual é o entendimento do Sr. Bastonário no que diz respeito à criação do defensor público.

O Sr. José Magalhães (PS): - Já agora que o revele! Qual é?

O Orador: - Temos de encontrar fórmulas que sejam efectivamente diferentes e que, em meu entender, não passam - e concordo inteiramente com o Sr. Ministro da Justiça - por uma advocacia tabulada entre as 9 e as 17 horas.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - A advocacia das empresas pode ser das 9 às 17 horas, não tem mal!

O Orador: - Quero crer que não passa.

Todos sabemos que as questões relativas ao acesso ao direito são muito particulares, muito específicas e são colocadas a dois níveis: um, é o do acesso ao direito e do patrocínio judiciário, e outro, o dos preparos judicias, das custas, isto é, tudo o que tenha a ver com o custo económico da justiça.

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Orador: - Parece-me claramente que as circunstâncias difíceis e mais complicadas se colocam relativamente ao segundo nível.

Página 2638

2638 I SÉRIE - NÚMERO 72

Mas, obviamente, Sr. Deputado João Amaral, esta é uma discussão que temos de travar necessariamente e estamos disponíveis para a travar. Não fazemos é como os Srs. Deputados da bancada do PSD, não chegamos aqui e dizemos: «não há problema, essa é uma questão que nem se quer se coloca». Coloca-se, efectivamente, temos de ter noção disto! Mas coloca-se na perspectiva que referi na parte final da minha intervenção, isto é perguntando que alternativas é que podemos criar. Temos ou não hipóteses, neste momento, de criar alternativas ao nível da resolução dos litígios numa série de matérias? Podemos ou não contribuir, ao nível do acesso ao Direito, de forma a conseguir melhor informação para os cidadãos, dotando as instituições, as autarquias locais, as freguesias, os municípios de novos conhecimentos que possam ser divulgados ao próprio cidadão?
Penso que temos um campo imenso para explorar, o que não tem sido feito, e o pacto do regime também serve para isso.

O Sr. António Filipe (PCP): - O pacto do regime serve para tudo!

O Orador: - Para terminar, Sr. Presidente, gostaria de referir-me àquilo que o Sr. Deputado Antonino Antunes disse. O Sr. Deputado disse que não ia falar sobre um determinado assunto que enunciou, mas o que é facto é que falou.
Como o Sr. Deputado pode calcular, e já percebeu, nós, porque somos responsáveis, temos uma noção - e não estou a dizer que o senhor não tenha - diferente daquela que o Sr. Deputado e a sua bancada têm sobre este assunto: obviamente, não falamos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Alguém terá dito um dia que a verdadeira imagem de um país é dada pelas suas prisões. A forma como são tratados os cidadãos privados de liberdade é sempre, em cada país, o espelho do respeito com que são encarados os direitos fundamentais de todos os seus cidadãos.
O respeito para com a dignidade dos reclusos e a preocupação com a função ressocializadora das prisões são sinais de maturidade democrática e são questões essenciais quanto ao respeito pelos direitos humanos.
Sendo esta interpelação ao Governo centrada nas questões que mais nos preocupam quanto à administração da justiça, não podemos deixar de atribuir especial relevância às preocupações que temos com o sistema prisional português não apenas pelos problemas que são criados, ou que não são resolvidos no seu interior, mas também pelas disfunções sociais e judiciárias que nele se reflectem.
O Sr. Ministro dirá que nos últimos anos aumentou o investimento no sistema prisional, com a construção de mais prisões, com a alargamento de algumas das já existentes, com um esforço considerável no melhoramento das condições de reclusão. Não negamos que esse esforço tem sido feito e que a situação do sistema prisional melhorou nos últimos dois anos quando comparada com a enorme crise que atravessou nos anos de 1995 e 1996. E temos consciência, obviamente, que o sistema prisional é obrigado a confrontar-se com problemas que não gera, mas que é obrigado a gerir.
Mas seria irresponsável da nossa parte ter um juízo de satisfação perante uma realidade que continua a ser inquietante. O sistema prisional português continua a ser mais punitivo que ressocializador.
É um sistema que reflecte as disfunções da aplicação da justiça: está cheio de pequenos delinquentes, presos preventivamente ou a cumprir sucessivas penas pela prática reiterada de furtos ou de crimes ligados à toxicodependência, mas faltam lá os criminosos de «colarinho branco» e os poderosos que a justiça se revela incapaz de punir.
É um sistema que se confronta com gravíssimos problemas quanto à assistência médica aos reclusos, sendo um meio de grande incidência e de propagação da toxicodependência, da SIDA e de outras doenças contagiosas.
É um sistema que, visando prevenir e combater a criminalidade, acaba objectivamente por reproduzir condições para a reincidência e para a consolidação de percursos criminosos.
Os dados conhecidos são preocupantes: a maioria da população prisional é jovem, iletrada e quase condenada à reincidência; cerca de 45% dos reclusos têm menos de 30 anos; mais de 70% não passaram do ensino básico, sendo que uma boa parte de entre eles não sabe ler nem escrever; 46% dos reclusos são reincidentes.
O primeiro problema que, normalmente, vem ao de cima quando se discute o sistema prisional é o da sua sobrelotação. Há, evidentemente, razões para isso. A lotação das cadeias portuguesas está muito acima do limite aceitável, com todos os problemas que daí decorrem e que são muitos. Mas resolver-se-á esse problema simplesmente criando mais cadeias e aumentando a sua lotação? Do nosso ponto de vista, esse investimento é necessário, mas não é suficiente para resolver os problemas de fundo. O problema de Portugal não é o de ter cadeias a menos mas, antes, ter presos a mais.
Ao contrário do que muitas vezes se diz, a verdade é que se prende muito, em Portugal. Temos hoje uma taxa de reclusão de 147 presos por cada 100 000 habitantes, quando em qualquer outro país da União Europeia essa taxa oscila grosso modo entre os 60 e os 80.
E também não é verdade que as penas aplicadas em Portugal sejam brandas. Bem pelo contrário! Portugal tem a maior duração média de prisão efectiva de toda a União Europeia, que aumentou de 36 meses, em 1994, para 44 meses, em 1997.
Há, evidentemente, razões que conduziram a esta situação: a falta de condições para a prevenção da pequena criminalidade; a nula prioridade que, durante muitos anos, foi dada ao policiamento de proximidade; a criação de ur

Página 2639

16 DE ABRIL DE 1999 2639

clima de alarmismo entre a população, gerador de naturais sentimentos de insegurança, que o Partido Socialista tanto usou como arma política quando se encontrava na oposição,...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - É verdade! E quanto mais perto das eleições pior!

O Orador: - ... que contribuíram para criar uma pressão da opinião pública - e, é preciso dizê-lo, das forças policiais - no sentido do uso e abuso da prisão preventiva e da utilização das penas privativas da liberdade para além do que seria, porventura, estritamente necessário.
Mas o problema da população prisional não reside apenas no seu excesso em termos quantitativos. O que acontece é que, enquanto nas prisões se amontoam os toxicodependentes e outros autores de pequenos delitos, os criminosos de «colarinho branco» ostentam cá fora a impunidade e os sinais exteriores de riqueza.
Enquanto a maioria dos toxicodependentes não têm nem maneira de se tratar, nem meios para se defender, nem um sistema de defesa oficiosa condigna e sofre implacavelmente a acção da justiça, os autores de crimes de corrupção, de fraudes de grande dimensão, de branqueamento de capitais de origem criminosa escapam facilmente às malhas de um aparelho judiciário, que nunca foi convenientemente preparado para os combater e eximem-se facilmente à aplicação da justiça usando todos os meios que a própria acção criminosa lhes faculta.
Numa palavra: a população prisional reflecte fielmente as consequências de uma justiça socialmente injusta.
A resolução do problema da sobrelotação prisional não passa, por isso, apenas, por construir mais prisões, embora se reconheça a necessidade de investimentos no sistema prisional que melhorem qualitativamente a sua capacidade.
Quando verificamos que, dos cerca de 10 000 presos que cumpriam penas nas nossas prisões em finais de 1997, cerca de 8000 cumpriam penas por crimes contra o património ou por crimes relativos a estupefacientes, sendo a sua maioria toxicodependentes, facilmente concluímos que, em vez de mais prisões, do que precisamos é de mais CAT, de mais comunidades terapêuticas, de uma legislação que encaminhe os toxicodependentes para o sistema de saúde e não para o sistema prisional.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Também não é verdade, ao contrário do que por vezes se pensa, que a maioria dos reclusos se limitam a cumprir uma parte relativamente reduzida das penas a que foram condenados. Não só isso não é verdade como nos últimos anos tem diminuído a concessão de liberdade condicional. E pior: no caso de cidadãos estrangeiros a quem tenha sido aplicada pena acessória de expulsão após o cumprimento da pena de prisão, o que se verifica é que não só a pena é cumprida rigorosamente até ao fim, sem liberdade condicional e sem saídas precárias, como a expulsão é executada de imediato e sem dar sequer a possibilidade de um contacto directo com a família.
O que verdadeiramente falta em Portugal são sistemas credíveis de medidas alternativas à prisão: a utilização das medidas de trabalho a favor da comunidade não têm expressão, registando-se em 1997 apenas 14 casos de aplicação destas medidas; escasseia a utilização do regime aberto; tardam as medidas de controlo, que permitam substituir com vantagem o recurso à prisão preventiva; não se verificam, na prática, casos de suspensão provisória de processos relativos a toxicodependentes para tratamento, não obstante o enorme efeito prático que esta medida poderia ter pelo facto de não haver qualquer comunicação digna desse nome entre os tribunais e o sistema de saúde.
Isto para já não falar dos estrangeiros indocumentados que, na falta dos famosos centros de instalação temporária, aguardam a sua expulsão nas prisões como se todos eles tivessem cometido crimes que o justificassem.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Ora aí está!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando, em 1996, o Sr. Provedor de Justiça elaborou um excelente estudo sobre as condições prisionais, concluiu: pela insuficiência da prestação de cuidados de saúde à população prisional, agravada pela proliferação de doenças infecciosas em meio prisional; pela insuficiência do alojamento, em quantidade e qualidade; pela deficiência verificada ao nível da garantia a todos os reclusos de uma ocupação durante o tempo de permanência na prisão que permitisse cumprir o propósito da sua reinserção social.
Há pouco mais de um mês, foram divulgadas as conclusões de um novo levantamento da situação nas prisões, recentemente efectuado pela Provedoria de Justiça, destinado a avaliar a evolução verificada desde o relatório de 1996. Nas conclusões que extraí, o Sr. Provedor de Justiça regista evoluções positivas, mas não deixa de exprimir preocupações quanto a graves deficiências que se mantêm, quer no plano do alojamento, quer da ocupação, quer do enquadramento legislativo do regime penitenciário, do sistema de execução de penas ou do Instituto de Reinserção Social, quer - e saliento este ponto pela sua gravidade - ao nível da saúde.
Diz o Provedor de Justiça que, no que à saúde diz respeito, «persiste alguma indefinição sistémica que se reflecte nalguma desarticulação que se sentiu no terreno entre os vários níveis existentes, com eventual sobrecarga nuns casos e défice de aproveitamento noutros, bem como na precariedade da situação jurídico-laboral de boa parte dos quadros médicos e paramédicos.
A grande pressão exercida pela toxicodependência e pelas doenças infecciosas, conduzindo, ademais, a um esforço financeiro brutalmente acrescido cada ano que passa, exige um empenhamento mais esforçado, não só do Ministério da Justiça, mas de todo o Estado, essencialmente do Ministério da Saúde, enquanto serviço governativo com a atribuição de velar pela saúde pública.»
De facto, a saúde constitui, também do nosso ponto de vista, um dos mais graves problemas com que se confronta o sistema prisional e para o qual só têm sido encon-

Página 2640

2640 I SÉRIE -NÚMERO 72

tradas respostas precárias, pontuais e assentes em boas vontades.
A população prisional é, como se sabe, extremamente carenciada. Muitos reclusos entram na cadeia já com graves problemas de saúde ou, pelo menos, com grandes carências de assistência médica. É uma situação para a qual a prisão evidentemente não concorre, mas que não pode deixar de tentar resolver, tanto mais que esta situação se agrava e potência no ambiente prisional.
Com uma população prisional em que avulta a presença de inúmeros toxicodependentes, onde há uma enorme taxa de seropositividade e onde alastram doenças infecto-contagiosas, é urgente encontrar respostas para as gritantes insuficiências que os serviços prisionais revelam e reconhecem a este nível.
Dispondo apenas de um hospital prisional central (em Caxias), de algumas enfermarias criadas em estabelecimentos prisionais, de uma comunidade terapêutica em meio prisional (no Estabelecimento Prisional de Lisboa) e de algumas alas livres de drogas e a braços com uma impressionante falta de meios humanos quanto a médicos e enfermeiros, os serviços prisionais têm procurado responder a este gravíssimo problema através de protocolos com o SPTT e com serviços regionais do Ministério da Saúde.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Não chega!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não pode ser! Uma questão tão grave como é a da saúde nas prisões não pode ser resolvida apenas com base na boa vontade, embora ela seja, como em tudo na vida, indispensável.
É preciso que, para além do protocolo com o SPTT, que permitiu iniciar a introdução de programas de redução de riscos em meio prisional e que importa intensificar, se desenvolva uma mais ampla cooperação entre os Ministérios da Saúde e da Justiça que permita dotar as prisões com os recursos técnicos e humanos indispensáveis para assegurar condições aceitáveis de assistência médica nas prisões.
Em resumo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, os graves problemas do sistema prisional estão muito longe da resolução. Dirá o Governo que investiu muito mais no sistema prisional do que os governos anteriores e que, em comparação com a situação existente há uns anos atrás, as coisas melhoraram. Simplesmente, a comparação que tem de ser feita não é com as condições deploráveis que existiram no passado mas, sim, com o mínimo que se exige para que sejam hoje respeitados direitos elementares dos cidadãos.
É óbvio que as condições prisionais são hoje muito melhores do que as que existiam no tempo do fascismo e são melhores do que as que existiam há uns anos atrás, mas não são, ainda, nem as desejáveis nem sequer as exigíveis.
Como muito bem refere o Provedor de Justiça, na introdução ao seu excelente relatório, «resulta do nosso ordenamento jurídico que a privação da liberdade não deve consistir no simples pagamento de uma dívida do delinquente para com a sociedade. Antes, a prisão deve procurar alcançar os objectivos de uma assistência prisional e pós-prisional com vista a auxiliar os presos a prosseguir, uma vez recuperada a liberdade, uma vida de acordo com os princípios de uma sã convivência social dentro dos parâmetros da Constituição.»
Apenas acrescentarei que falta ainda muito para que esse objectivo possa ser atingido.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Brochado Pedras.

O Sr. António Brochado Pedras (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Depois da intervenção inicial do Sr. Ministro da Justiça, cheguei à conclusão de que tinha de mudar o meu discurso, porque, ouvindo ontem os telejornais e lendo os jornais de hoje, julguei que o Sr. Ministro viria hoje aqui, com uma postura de muita humildade, solicitar à oposição colaboração para uma autêntica parceira para um pacto de regime que levasse a Assembleia da República, sem partidarismos, a dotar o País da legislação de que carece.
Mas enganei-me e por isso é que eu digo que tenho de alterar o meu discurso. Indubitavelmente, esta interpelação e este debate são oportunos e actuais, mas parece-me que é inútil em função da disposição do Governo.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Parece-me que é perder tempo e que, tal como as propostas, os decretos-leis e todas as medidas pontuais e avulsas do Governo têm tido resultados escassos, têm sido inglórias,...

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - ... este debate, a ser prolongado, será inglório. Por isso, limito-me a dizer o seguinte: nunca eu ou o meu partido afirmámos que esta crise tivesse começado com este Governo...

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Ah, vá lá...!

O Orador: - A crise da justiça vem detrás, mas o que é verdade é que ela se agravou e teve maior visibilidade com este Governo e muito por culpa do próprio Governo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Só!

O Orador: - Ora, eu julgo que o Governo, ao reconhecer agora a realidade da crise, porque já não podia negá-la mais, já não se podia alhear mais dela, já não podia assobiar para o lado, pois a crise está instalada e é grave, em face disso não poderia haver outra atitude do Sr. Ministro que não a de chegar aqui e reconhecer que há crise. Aliás, era o que faltava que V. Ex.ª tivesse outra atitude que não esta...!

Página 2641

16 DE ABRIL DE 1999 2641

Agora, julgo que tenho de chegar a esta conclusão: medidas como as que foram tomadas de reforma processual, seja civil seja criminal, foram reformas insuficientes e diria até precipitadas porque, feitas há um ano, é já preciso reformulá-las, é preciso uma novíssima reforma da reforma feita há um ano... Ora, é um desprestígio para a justiça ter de reformar já coisas que ainda há bem pouco tempo foram reformadas!
Verifiquei hoje que o Governo não tem nem quer ter uma política global para a justiça e essa circunstância, do meu ponto de vista, é de criticar e é censurável, porque o PP quer e acha que é seu dever dar um contributo para esta reforma global, mas, se o próprio Governo não a quer fazer, valerá a pena estarmos nós agora a adiantar aqui alguns conceitos? Julgo que será perder tempo!
Falou-se aqui da crise quantitativa da justiça, mas não ouvi falar em pormenor de aspectos qualitativos. Eu gostaria de dizer, por exemplo no que respeita à formação de magistrados, que me parece uma lacuna, que não pode continuar a haver, o facto de o acesso à judicatura por parte de jovens sem experiência, sem tarimba, sem maturidade...

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Nós é que alterámos isso!

O Orador: - Isso não pode, a meu ver, continuar e deve...

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Nós é que alterámos isso!

O Orador: - Sr. Deputado, quer fazer o favor de ouvir?

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - O senhor é que não ouviu o que nós dissemos!

O Orador: - Eu ouvi os senhores com paciência e peço-lhes que me ouçam também!

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - O senhor é que não ouviu...

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço desculpa, mas não são horas para estarmos a interromper os trabalhos com diálogos desta natureza.

O Orador: - A própria formação dos advogados pode ser muito melhorada. É necessário organizar de forma diferente as magistraturas, acabar com as quesílias das corporações. A Procuradoria-Geral da República não pode andar constantemente aqui a ser apontada como uma instituição que está em oposição à Polícia Judiciária, juízes versus Ministério Público... A questão da inoperacionalidade da investigação criminal, tantas e muitas outras coisas que eu prescindiria agora de continuar a citar.
Julgo que, futuramente - e penso que não será com este Governo - um pacto de regime é absolutamente essencial e que é fundamental a reforma do sistema prisional não apenas com base em melhores prisões, como já aqui foi dito, mas com a reforma do sistema de saúde nos estabelecimentos prisionais, a reforma do regime penitenciário (que data já de 1979), a reforma do sistema de execução de penas e medidas de segurança, a remodelação do Instituto de Reinserção Social - e acho que este ponto é fundamental. Se a finalidade das penas é a ressocialização dos criminosos, como conseguir este desiderato sem um verdadeiro Instituto de Reinserção Social a trabalhar com técnicos competentes?
Não há dúvida de que, tal como diz o Sr. Provedor de Justiça, é preciso acabar com «depósitos» de homens e mulheres, porque é esta a figura actual das prisões portuguesas.
Em termos de propostas, e para que não se diga que não há espírito construtivo por parte do PP, dou alguns exemplos. Achamos que são aspectos absolutamente primordiais a nova reforma das reformas do Código de Processo Civil e do Código de Processo Penal, a completa revisão do contencioso administrativo e fiscal, com vista à sua simplificação - este aspecto é importantíssimo! -, a limitação dos recursos, designadamente, para o Tribunal Constitucional, o aumento do quadro de magistrados e de funcionários judiciais, a contingentação de processos, uma verdadeira avaliação e responsabilização disciplinar dos magistrados, o afastamento destes da vida política, fazer dos conselhos superiores das magistratura judicial e do Ministério Público autênticos órgãos do Estado, atacando corporativismos atávicos e incompreensíveis, estender a todos os magistrados judiciais serviços de assessoria técnica a prestar por licenciados em Direito, aproximar a justiça dos cidadãos, recuperando com as devidas actualizações e melhorias técnico-jurídicas os antigos julgados de paz, essencialmente como instâncias privilegiadas...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queria terminar, pois já ultrapassou o seu tempo e a generosidade é proibida a esta hora da noite.

O Orador: - Concluirei já, Sr. Presidente.

... e a limitação da prisão preventiva à criminalidade de maior gravidade.
A política deste Governo não é, de facto, reformada, não tem política global, não tem capacidade para elaborá-la, não quer pactos de regime e, sendo assim, a conclusão a tirar deste debate é a de que, a partir de hoje, o Ministério da Justiça, após o balanço que fez, a meu ver amplamente negativo, «encerrou para mudança de gerência». Assim, vai a justiça em Portugal!...

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Encerrou para gerência?!

Vozes do CDS-PP: - Para mudança de gerência!

Página 2642

2642 I SÉRIE - NÚMERO 72

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradeço que façam silêncio para eu poder dar a palavra ao orador seguinte.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O debate vai longo e, permitam-me que vos diga, as perplexidades também. Como apontou o Sr. Ministro, logo na sua intervenção inicial, os problemas da justiça em Portugal derivam, quantos deles, de processos sociológicos de mutação na sociedade portuguesa. O que é espantoso é que, ao longo do debate, não se tenha registado, particularmente da parte dos Srs. Deputados da oposição, ou das oposições, uma única reflexão acerca desses processos em mutação na sociedade portuguesa, porque são eles - e de que maneira! - a fonte de vários dos problemas sérios e reais que existem na área da justiça.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Até parece que eu não falei nesses processos! Os senhores têm a mania de que são uns doutores!

O Orador: - Aquilo que é espantoso é que os Srs. Deputados, em vez de olharem para esses problemas sérios e reais e procurarem detectar a causa das causas desses problemas, acerca disso, se tenham verdadeiramente demitido. E se tenham, por isso, demitido de tentar compreender as razões que levam a um aumento de conflitualidade efectiva na sociedade portuguesa, em consequência de mutações das próprias instituições sociais, em consequência de uma afirmação de direitos individuais que exigem, na litigação, uma efectiva protecção do direito, na sequência de uma maior intensidade das actividades económicas, muitas delas também sujeitas ao princípio da litigância.
E, se me disserem que problemas novos implicam respostas novas e que, neste sentido, temos todos de ser imaginativos, devo referir-vos que, por exemplo, o Sr. Ministro da Justiça, no início das suas palavras, chamava a atenção para a mutação de paradigma entre um Estado tradicionalmente administrador para um Estado que é, cada vez mais, regulador, com funções de arbitragem, a qual, provavelmente, também no domínio da justiça, terá de ter, nos próximos tempos, um muito maior aprofundamento para permitir outras soluções, mais flexíveis, mais informais, no domínio da regulação dos interesses, que não passem necessariamente por sistemas institucionais de justiça. Acerca disso, os Srs. Deputados disseram rigorosamente nada!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Até parece que ninguém falou hoje nisso!

O Orador: - Por outro lado, é verdade e é justo que se faça a distinção: temos a atitude positiva com que os Srs. Deputados do PCP intervieram neste debate, os quais não deixaram de fazer críticas, mas fizeram-nas com o sentido da medida.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Este «abraço de urso»!

O Orador: - Ainda há pouco, ouvimos dizer que havia, e há, problemas sérios ao nível do sistema prisional Srs. Deputados, como estaria hoje o sistema prisional se não tivesse havido um aumento real das disponibilidades de aceitação de reclusos no sistema prisional e se o mesmo se encontrasse como se encontrava à data em que este Governo tomou posse? Seria uma situação não de dificuldades mas de ruptura catastrófica e só não o é pelas medidas que foram tomadas em três anos, em detrimento das medidas que não foram tomadas durante 15 anos por aqueles cuja responsabilidade é conhecida!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, vale a pena sinalizar o sentido da medida. Quando o Sr. Deputado António Filipe reconhece que hoje o sistema, obviamente com as dificuldades que lhe apontou, em todo o caso, não tem o gravame que tinha há três anos atrás, fazendo uma crítica, fez, simultaneamente, um testemunho de justiça, a partir de uma posição de equilíbrio. E é essa posição de equilíbrio que, sinceramente, não consegui encontrar nas intervenções dos Srs. Deputados do PSD e do CDS-PP,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... que foram ao ponto de dizer coisas que eu quase diria absurdas como, por exemplo, a acusação de precipitação relativamente às reformas da área do processo civil e da área do processo penal, para dizerem, logo a seguir, que agora temos de fazer outras.
Pois bem, fica o desafio: quais, Srs. Deputados? Digam-nos aqui! Para que as palavras não fiquem no ar, para que as críticas não sejam apenas a expressão da vossa insensatez, digam-nos se chegam à conclusão...

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Deputado, as pendências em processo civil aumentaram, ou não, com o novo Código de Processo Civil?!

O Orador: - Mas isso não é um problema da reforma do processo civil! É, justamente, uma consequência do aumento de litigância por outras causas, diferentes daquela que o senhor acaba de apontar! Ou seja, o senhor só vê os problemas ao nível de certas consequências, não é capaz de fazer uma relação de causa/efeito e vai detectar os males onde eles não existem, necessariamente!
A vossa bancada tem uma responsabilidade, pois disse aqui, peremptoriamente, que era necessário fazer já, a correr, as reformas dos processos civil e penal! Disseram-no, acabou de ser dito pelo último dos Srs. Deputados que, do vosso lado, interveio neste debate!
Digam-nos, pois, para que não façam críticas baseadas em meras atitudes de leviandade política, em que sentido exacto querem, com urgência, reformar o processo civil e o processo penal, para que nós saibamos! Mais para que saibamos algo que também teria sido muito útil que tivesse sido dito pela bancada do PSD, que é s

Página 2643

16 DE ABRIL DE 1999 2643

qual é o arco de consenso institucional possível no Estado de direito em que vivemos! É que muitas das soluções, cujas reformas foram aprofundadas por este Governo, foram reformas aprofundadas na base de uma Constituição votada por dois terços dos Deputados desta Assembleia da República!
Por isso, os Srs. Deputados fizeram críticas do tipo voluntarista, do tipo do «decisionismo», do tipo de saber se o Sr. Ministro da Justiça tinha tido um comportamento mais ou menos hábil relativamente a uma certa conjuntura, mas não fizeram críticas sérias, fundamentadas, com alternativas em relação ao modelo institucional de justiça com que estamos a trabalhar! Acerca disso, disseram nada! Então, eu interrogo-vos: como é que é possível falar da crise da justiça se, sobre o modelo institucional da justiça, não revelaram uma única ideia alternativa e diferente, capaz de apontar para dar substância a este debate?!
Vou concluir, Srs. Deputados, pois a hora já vai adiantada. Houve, de facto, muita inutilidade neste debate político, mas essa inutilidade não resulta de não haver uma orientação política no domínio da justiça. Essa inutilidade, ficou provado, deve-se ao facto de haver um completo deserto de ideias, particularmente nas oposições!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, V. Ex.ª disse, no final, em relação às oposições, que havia um total deserto de ideias. Pois eu quero perguntar-lhe como é que justifica, em relação ao PCP, que o PCP não tenha ideias sobre o modelo da justiça. Devo dizer-lhe que, Sr. Deputado, quando V. Ex.ª resume tudo, todos os problemas que se passam, a problemas meramente corporativos, está a ser injusto, porque é verdade que há problemas levantados pelas magistraturas, mas nem todos os problemas são corporativos. Há, como se sabe - e agora aproveito para aqui falar do modelo de processo penal e de investigação criminal - uma divergência entre esses modelos.
Devo dizer que me admira bastante o PSD ter vindo, ultimamente, para a Assembleia da República, defender um modelo que não era o que defendia durante os seus mandatos, o qual era completamente diferente. Mas também devo dizer-lhe que penso que há, por parte do Governo, alguma inabilidade em tratar do assunto, porque isto esclarece-se com o diálogo! Para mim - e eu defendi os tribunais de instrução criminal -, o que se tem de ver é que houve a fase do Estado-Providência, com o sistema garantístico que podia, efectivamente, ir para esse sistema, para os tribunais de instrução criminal, porque o chamado Estado-Providência intervém a montante da crise da justiça e resolve alguns problemas a montante. Depois, passou-se não para um Estado regulador, porque nós não temos um Estado regulador, ao contrário do que o Sr. Deputado disse, mas para um Estado desregulador, que assiste, impávido e sereno, à conflitualidade e não a quer resolver, por exemplo, nos despedimentos colectivos, que atira para os tribunais do trabalho e não intervém, e que cria a miragem de que a cada direito corresponde uma acção, o que é mentira. E, passando para uma nova forma de Estado, põem-se alguns problemas em termos de investigação penal, em relação à grande criminalidade, os quais têm de ser resolvidos, concluí eu, com um novo modelo de investigação criminal, por causa das transformações do Estado, e tem de se cuidar de que a acção penal não caia nas mãos do Executivo. Foi por isso que votámos contra a anterior lei orgânica do Ministério Público, onde eram retirados ao mesmo poderes de fiscalização pré-processual dos órgãos de polícia criminal. Votámos contra porque isso limitava a autonomia do Ministério Público e cuidámos, até em sede de revisão constitucional, de garantir a independência do Ministério Público, propondo a sua consagração expressa, sem sucesso, pois o PS votou contra.
Quisemos sempre, uma vez que a acção penal estava nas mãos do Ministério Público, garantir que a mesma fosse, de facto, exercida com independência em relação ao poder executivo.
Pensamos, hoje, que se chegou a um modelo em que a acção penal está no Ministério Público - é preciso é que o dotem, de facto, de meios para combate à grande criminalidade - e que este modelo, com as alterações que foram introduzidas em relação às ordens escritas, e te., garante a independência no exercício da acção penal.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, tem de terminar.

A Oradora: - Eu vou terminar, Sr. Presidente, mas quero mostrar que tenho ideias, que o PCP tem ideias, que aqui não há um deserto de ideias em várias matérias e também na área da justiça!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - O que as magistraturas têm é um entendimento diferente disto, não são problemas corporativos! Vamos dialogar, vamos provar que, de facto, se podem conciliar as visões que têm!
Se isto não são ideias, Sr. Deputado, o que é que são ideias?!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, também é uma boa ideia respeitar o Regimento!
Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, agradeço a intervenção que fez, dado que me permite fazer uma interpretação correctora, porque, se não ficou ciente do sentido da minha afirmação, eu permito-me esclarecê-la melhor.
Eu julgava ter feito uma distinção entre a posição do PCP neste debate e a posição das oposições a que me estava a referir quando falei do deserto de ideias. É que, se reparou na estrutura da minha intervenção, a propósito

Página 2644

2644 I SÉRIE - NÚMERO 72

das oposições à minha direita, eu referi a questão do deserto de ideias, julgando ter feito essa separação.
Não quero dizer que, em contrapartida, Sr.ª Deputada, concordo com vários dos seus pontos de vista, até porque julgo haver neles situações verdadeiramente paradoxais. Um dos temas mais glosados nos últimos tempos é o do suposto poder reforçado do Ministério Público. Vejam lá que já se foi até ao ponto de se dizer que o Ministro da Justiça era, por esse efeito, refém da Procuradoria-Geral da República! Todos nós já vimos isto dito várias vezes e repetido.
Curiosamente, a Sr.ª Deputada Odete Santos vem aqui desfazer completamente essas críticas, colocando-se na posição de suspeitar que o Ministério Público está, eventualmente, subordinado ao risco de uma dependência das orientações do Executivo. Não está! E, como não está, talvez as coisas estejam ambas colocadas no sítio certo. O Governo, no âmbito da sua competência própria, e a Assembleia da República, no âmbito da sua competência própria, podem prosseguir políticas criminais e, particularmente, concretizá-las por via legislativa. E é designadamente por via legislativa que o Ministério Público retira as orientações da política criminal para a prossecução da acção penal no âmbito da sua competência. Foi esta a fixação de interpretação que fizemos aquando do debate da revisão constitucional relativamente ao Estatuto do Ministério Público e é este Estatuto do Ministério Público que tem consagração na recente reforma que teve lugar nesta Assembleia da República,...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não percebeu o que eu disse!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Admira-se?!...

O Orador: - ... para desespero, na altura, da bancada do PSD, que queria uma solução para o Estatuto do Ministério Público dependente da tutela directa do Executivo,...

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Exactamente!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas foi isso que eu disse há bocado!...

O Orador: - ... o mesmo PSD que, entretanto, de vez em quando suspeita o Ministério Público, digamos, de outras condutas institucionais, aliás na linha daquilo que poderia ser caso tivesse sido consagrado um modelo de Ministério Público que o PSD defendia e que era o de colocar o Ministério Público na lógica de mero agente da Administração Pública, subordinado à tutela directa do Governo. Nunca foi essa a nossa posição, e felizmente que o não foi!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas eu nunca disse isso!...

O Orador: - Quanto ao reforço dos meios de combate à grande criminalidade, como a Sr.ª Deputada Odete Santos referiu, e bem, estamos todos preocupados com isso. Mas o que é que significou também na reforma do Estatuto do Ministério Público, com a criação do NAT, com a criação do DCIAP, com a possibilidade de os DIAP, territorialmente, descentralizados no País, fazendo isso com equilíbrio, Sr.ª Deputada, como salientou a propósito dos problemas da parte do juiz de instrução, justamente porque criámos modalidades de equilíbrio, permitindo, por exemplo, que nos locais onde se criem os DIAP se venham a criar tribunais de instrução, para que haja um verdadeiro equilíbrio entre a titularidade da acção penal e a possibilidade de protecção dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos em toda a fase de investigação. Tudo isso tem sido feito meticulosamente!
As medidas que estão, neste momento, em apreciação na Assembleia da República, mais uma vez com sentido de equilíbrio, para reforçar o combate à corrupção e à criminalidade organizada?

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Pois bem, temos muitas matérias - algumas daquelas que os senhores sugeriram hoje? Por que não?!... -para que possamos criar um ambiente consensual em torno dos temas da justiça. E o que eu quis dizer quando há pouco terminei a minha intervenção - e é isto que me permito sublinhar - ...

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - ... foi que só é possível fazer consenso com pessoas que estão dispostas a consensualizar e não, manifestamente, com a atitude destrutiva dos partidos à direita nesta Câmara.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, sai-me sempre um pouco na rifa estes debates tardios, até às 21 horas e 30 minutos/22 horas. Enfim, já é sina minha!...

O Sr. Presidente: - Mas este foi por um facto imprevisto, como calcula.

O Orador: - Exactamente. Ó Sr. Presidente, aliás não estou a queixar-me!
Eu apenas tencionava voltar a usar da palavra quando da intervenção final, mas foram aqui ditas tais coisas que eu não resisto a usar mais uns minutos da palavra, sobretudo para fazer algumas citações. Visto que o PSD tem sido tão exímio em trazer aqui citações, eu, se me permite, vou também fazer algumas.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - São do António Barreto?!

Página 2645

16 DE ABRIL DE 1999 2645

O Orador: - V. Ex.ª reconhecê-las-á, certamente!
A propósito do sistema de investigação criminal, do que está implantado, porque desafio aqui alguém que fala no aumento de poderes do Ministério Público a dizer-me onde é que está esse aumento de poderes - todos falam no aumento dos poderes do Ministério Público, mas nunca ninguém me diz onde -, referiu alguém quanto ao sistema: «Construiu Portugal um sistema ímpar na organização do* Estado, fazendo assentar na independência dos tribunais e na autonomia do Ministério Público um dos pilares do seu edifício constitucional.(...)» - não é só dos tribunais, é do edifício constitucional - «(...) Nenhum outro foi tão longe.» Este orador era o Sr. Ministro da Justiça, Laborinho Lúcio.
Mais adiante, um outro orador diz, a propósito do debate sobre a lei contra a corrupção: «(...) e permitam-me realmente, em particular, o diploma relativo ao combate à corrupção, na medida em que é urgente apetrechar a Polícia Judiciária (...)».£, depois, acrescenta: «(...) e o apoio aos tribunais de um corpo técnico na área contabilística e financeira, que permita investigar e instruir de forma eficiente os processos nesta área, apoio que tem vindo a ser reclamado, designadamente, pelo Sr. Procurador-Geral da República.» Quem foi o orador? Foi o Sr. Deputado Guilherme Silva, em 1994.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Já cá não está!

O Orador: - Repito, «(...) apoio que vem sendo reclamado pelo Sr. Procurador-Geral da República.» Foi dado por nós.
Mais adiante, há um novo discurso do Dr. Laborinho Lúcio, de apoio ao Sr. Procurador-Geral da República: «Desde logo importa garantir, pela natureza própria das competências do Ministério Público, excepção feita à representação dos interesses do Estado, que a autonomia se aproxime do conceito de independência. Para tanto há que retirar ao Governo, por intermédio do Ministro da Justiça, a competência para emitir instruções, ainda que de carácter genérico.» Disse-o o ministro da Justiça, Dr. Laborinho Lúcio, em 1994.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Só falta saber no que é que V. Ex.ª inovou!

O Orador: - Já vou dizer, Sr. Deputado. Já vou dizer: foi nos meios.
Sabe que o mesmo Dr. Laborinho Lúcio, em 1991 - em 1991, Sr. Deputado-, dizia: «(...) na necessidade imperiosa, no que aos serviços do Ministério Público se refere, destaca-se como área a exigir a intervenção rápida (...)» - em 1991 - «(...) dos departamentos de investigação e acção penal, os Dl AP (...)». Os Dl AP, que nós viemos agora a formar, contra a opinião do PSD.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E sabe que já nessa altura, Sr. Deputa-[o, o mesmo Dr. Laborinho Lúcio, no seu programa da justiça, falava no seguinte: «Há, assim, que fazer o quê? O Estatuto dos Magistrados Judiciais, (...)» - feito por nós, agora - «(...) o dos Solicitadores, (...)» - feito por nós, agora - «(...) o dos Oficiais de Justiça, (...)» - revisto por nós, agora - «(...) a Lei Orgânica do Ministério Público, (...)» - feita por nós, agora - «(...) e a Lei Orgânica das Secretarias Judiciais (...)» - feita por nós, agora. Tudo isto era prometido no Programa do Governo de 1991, do PSD. Realmente, não há vergonha na cara de algumas pessoas, que vêm para aqui com certos discursos!...

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Muito bem!

O Orador: - Mas há mais, Srs. Deputados! Em grandes parangonas, dizia-se, nesse programa de Governo, que se iria criar um mais fácil acesso à justiça, uma resposta mais pronta, uma melhor confiança. E dizia-se também que iam fazer-se tribunais! Mas para alguns dos previstos, de 1991 a 1995 - e posso citar os nomes -, estamos nós, agora, a fazer os projectos. Repito, estamos a fazer os projectos! Ficaram na gaveta!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Do de Cascais?

O Orador: - Quer que lhe cite alguns, Sr. Deputado?
Em relação a cadeias - e já agora, que está a puxar-me pela língua -, vou referir-me a um programa vosso, que se chamava «Nova Vida Prisional». O que viemos a encontrar, em 1995, foi isso, a nova vida prisional, o qual diziam -já nessa altura, em 1991 - que estava já em curso. De 1991 a 1994 foi sendo esquecido nas gavetas.
O programa previa a criação, em Viseu, de uma cadeia, que não está feita; a criação de um estabelecimento prisional no Algarve, que não está feito, e a instalação de unidades terapêuticas e de recuperação. Sabem onde? Em Santa Cruz do Bispo (a qual foi feita por nós), no Estabelecimento Prisional de Leiria (que também foi feita por nós), em Lisboa (igualmente feita por nós), etc., etc.

O Sr. António Brochado Pedras (CDS-PP): - Mas tarde!

O Orador: - O Sr. Deputado tem inteira razão, mas, como há pouco disse um Deputado da sua bancada, nós recebemos uma herança tão pesada que tivemos de fazer, com algum atraso, tudo aquilo que já estava prometido desde 1991.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - E que na campanha disseram que era mau!

O Orador: - Não, não dissemos, Sr. Deputado. Tanto que não dissemos que vou dar-lhe um exemplo: aproveitámos, em boa parte, o Código de Processo Civil deixado pelo Dr. Laborinho Lúcio, emendámo-lo em duzentos e tal artigos, não tivemos uma palavra do PSD a defender esse código e ainda hoje o criticam.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Os resultados da sua aplicação são péssimos!

Página 2646

2646 I SÉRIE -NÚMERO 72

O Orador: - Sr. Deputado, se me permite...

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Péssimos!

O Orador: - Sr. Deputado, não só tenho lido muito sobre a reforma da justiça, não apenas em Portugal mas em toda a Europa, como tenho discutido a matéria com os meus colegas da justiça europeus, e digo-lhe uma coisa: ninguém tem artes mágicas! Em Itália, o sistema atingiu o caos; na Espanha, idem; na França, idem; na Alemanha, idem. Na Alemanha bem organizada!...

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - E em Portugal, idem.

O Orador: - Um momento, um momento!
Só que, Sr. Deputado, a França teve um aumento do contencioso de 100% em 10 anos e nós tivemos um aumento de 100% em cinco anos. Então, o Sr. Deputado admira-se que já tenha sido bom resistir a este aumento terrível do contencioso? Então, o Sr. Deputado admira-se que, entrando mais 20% de processos por ano, tenhamos conseguido resistir até agora e tenhamos conseguido, em alguns recursos, no Supremo Tribunal de Justiça e nas Relações, e em muitos outros processos, baixar de dois meses a sua duração média?!

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Quem resiste são os cidadãos!...

O Orador: - Sr. Deputado, eu não quero, agora, enveredar pelo tipo de debate a que aqui assisti hoje - com excepção, naturalmente, para o PCP -, pois esse é o tipo de debate que não dignifica a política. Penso mesmo que é com estes debates que a política cada vez menos se dignifica. Refiro-me ao debate do insulto e da mentira, em especial por parte do PSD, e do desconhecimento, por parte do CDS-PP, como já vamos ver.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Não é verdade!

O Orador: - Os senhores falam da reforma da justiça, dizem que falta uma reforma global... Mas o que é isso?!... O que é isso da reforma?

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Fizeram alguma?

O Orador: - Já vamos falar do que fizemos! A reforma da justiça? Afinal, o que é isso da reforma da justiça?!...

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Eu já explico!

O Orador: - Ah, explica? Então, espero a sua explicação, que irá ser útil daqui para o futuro, certamente.

Não quero dizer muito mais, a não ser que isto é triste mas compreensível. É compreensível que o PSD fale em PREC, já que não tem andado noutra coisa a não ser em PREC há um mês... Portanto, é compreensível que fale em PREC, já que nem sabe mesmo para onde vai, infelizmente, porque nós gostaríamos de ter o PSD fortalecido. Tinham amigos, há 15 dias, que passam a inimigos ou a esquecidos; depois vêm novos amigos, que rapidamente são também deitados fora e, portanto, o PREC do PSD está a revelar-se prejudicial ao regime e ao funcionamento do sistema parlamentar, porque com intervenções de insulto soez, de mentira descarada, efectivamente não dignificamos a democracia.

Aplausos do PS.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Encarnação pede a palavra para exercer o direito de defesa da honra e consideração?

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, é para uma intervenção, para a qual, aliás, só tenho 1 minuto e 24 segundos.

O Sr. Presidente: - Julguei que era para defesa da honra, mas pode gastar o minuto de que dispõe.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - V. Ex.ª verá que é uma intervenção muito breve e que também não necessita de ser mais extensa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, quis V. Ex.ª ter a bondade de não chamar a atenção do Sr. Ministro da Justiça, certamente por ele ser nosso convidado, para o tipo de linguagem que, de novo, utilizou.
Volto a dizer que não vou repetir a linguagem do Sr. Ministro da Justiça e não o farei pelo seguinte: o Sr. Ministro da Justiça está completamente deslumbrado. Já hoje disse que o Sr. Ministro da Justiça está para a justiça como o Roberto Begnini está, no seu filme, A vida é bela, para o seu próprio desempenho. Isto é, o Sr. Ministro da Justiça olha para a desgraça a que chegou a justiça e acha que está tudo bem!... O seu único problema é ele ter de explicar isto aos portugueses, o que é muito mais difícil do que o Roberto Begnini explicar a situação ao filho dele!

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Ele nem viu o filme, só assistiu à entrega dos Óscares!...

O Orador: - Portanto, o seu grande problema é não encontrar quem acredite naquilo que ele diz. E bem pode socorrer-se de todos os elementos que tem sobre aquilo que ocorreu no passado, sobre as alterações que houve na maneira de ver os problemas por parte do PSD, sobre o que foi uma sequência natural de construções, que ele há pouco referiu apenas parcialmente - o Sr. Ministro, também nisto, só vê o que não foi feito, não vê que foi feito, tem um défice de visão.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Vamos a factos!

Página 2647

6 DE ABRIL DE 1999 2647

O Orador: - O Sr. Ministro só vê aquilo que acha que está bem, não vê aquilo que acha que está mal! Já há tempos lhe perguntei, com base num conjunto de números muito simples, como é que explica que, tendo a população prisional aumentado em 10%, as doenças aumentaram 50%, aumentaram o dobro, aumentaram o triplo, mais que duplicaram, mais que triplicaram? Como é que explica isto?!
Se tudo estivesse melhor, se tudo tivesse caminhado para melhor, então, este problema, que é um dos «cancros» principais do sistema, estaria certamente resolvido não está! Se toda a gente estivesse contente com a justiça, se os tribunais andassem bem, se as causas fossem resolvidas rapidamente, os portugueses tinham, em relação à justiça, um pensamento que muitas pessoas,
designadamente o Sr. Bastonário da Ordem dos Advogados, não têm.
Por isso, Sr. Ministro pode estar aqui a noite inteira a falar sobre justiça e a dar-nos este panorama que ninguém o acredita! Perdeu o crédito!...

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sabe, Sr. Deputado Carlos Encarnação, não sei se é pelo adiantado da hora ou se é pela reiteração dos factos, mas a verdade é que começo a ficar um pouco insensível aos excessos de linguagem:
Espero que, ao menos depois das eleições, tudo possa voltar à normalidade. Andamos todos muito excitados e penso que, sem se ir além de um certo ponto, o debate parlamentar tem sido particularmente violento nas últimas sessões. Não sei se será por isso que começo a ficar habituado...

O Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes pede a palavra para que efeito?

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Para uma interpelação, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Carlos Encarnação referiu, e certamente não o fez por inocência, que o Sr. Ministro da Justiça estaria aqui a convite. Seria, talvez, prudente, equilibrado e razoável que, através de V. Ex.ª, se informasse o Sr. Deputado Carlos Encarnação que o Sr. Ministro da Justiça está aqui por direito próprio.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, penso que a sua interpelação foi mais uma figura de retórica. Sinceramente, se levamos a nossa sensibilidade a esse ponto, passamos a nossa vida irritadíssimos.
Srs. Deputados, vamos agora passar ao período de encerramento. Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Esta interlação mostra que a crise da justiça não pode continuar a ser encarada pelo Governo, como hoje sucede, de forma meramente conjuntural. Não pode ser debelada com medidas avulsas e às vezes contraditórias, como tem feito o Governo, criando novas instabilidades e desconfianças dentro do sector e no conjunto dos cidadãos.
Enquanto o Governo continuar a reagir como fez hoje, a crise permanecerá sem horizonte de resolução. De facto, a resposta do Governo foi decepcionante. Não basta exibir uns números e umas medidas, mesmo que uma ou outra positiva, e anunciar promessas, tudo com o ar de quem diz «está tudo a andar».
O Governo vem agora fazer um apelo em forma de pacto. É positivo que reconheça que devia ter olhado para esta área com outros olhos. Isso já é um resultado positivo da interpelação.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Mas agora, no fim da legislatura, o pacto não é uma oferta de trabalho, é uma desculpa de mau pagador de quem não mostrou nestas anos a vontade política e capacidade suficientes para responder ao real problema que hoje é a justiça para o conjunto dos cidadãos. Este pacto de regime pode qualificar-se com propriedade como o pacto diáfano da fantasia.
Foi pensando no cidadão que o PCP decidiu realizar esta interpelação. Não pensamos que seja o «bota-abaixo» ou a política «politiqueira» que resolve os problemas. Por isso, deixámos claro que não fazíamos esta interpelação focada em polémicas que possam dividir os agentes da justiça. Não estamos aqui para «escarafunchar feridas», estamos aqui a fazer uma vigorosa chamada de atenção para os problemas deste sector e a apresentar propostas, como se exige a um partido de projecto, como é o PCP.

Aplausos do PCP.

Para nós, comunistas, as questões da justiça e das garantias dos direitos são questões centrais da organização do Estado democrático. Não estamos acantonados, nem deixamos que nos acantonem, nas questões, também essenciais, do mundo do social ou das relações da economia com o poder político. Como partido político profundamente inserido na sociedade portuguesa, damos à justiça uma atenção profunda e permanente, consideramo-la estruturante e intervimos com uma visão própria, mas com vontade de cooperação na construção de uma justiça melhor.

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Por isso, antes desta interpelação dialogámos, em entrevistas, com o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o Procurador-Geral da República, o Bastonário da Ordem dos Advogados, e o Director-Geral do Sistema Prisional (com a visita à Penitenciária de Lisboa).
Pensamos que as componentes essenciais desta crise estão determinadas de forma suficiente para se poder começar a agir.

Página 2648

2648 I SÉRIE -NÚMERO 72

Em primeiro lugar, a morosidade da justiça está a minar a sua credibilidade. A morosidade resulta da falta de meios, da complexidade processual, da acumulação de processos. À morosidade liga-se a prescrição de prazos, a ineficácia, a ideia que os cidadãos têm da inutilidade dos seus esforços para obterem provimento para os seus pedidos. No crime, a morosidade torna a pena, muitas vezes, completamente desajustada.
Em segundo lugar, a justiça é cara, e, por isso, a maior parte da população portuguesa não tem acesso a uma justiça com a qualidade a que podem aceder os que têm posses. Quando um bem essencial, que é um direito dos cidadãos, depende da sua capacidade financeira, então é o direito que está a ser negado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Para alguns, tudo é fácil, incluindo o recurso a todos os truques dilatórios que permitem explorar as debilidades do sistema - desde logo a brutal acumulação de processos - para irem ganhando impunidade.
Mas para uma larguíssima parte da opinião pública, a justiça aparece, assim, como protegendo os ricos e castigando os pobres: aparece como uma justiça de classe! Este problema não pode ser encarado com um sorriso, porque isso corresponderia à aceitação de que os direitos fundamentais não são de exercício universal. Esta questão é determinante para um Estado de democracia efectiva e não apenas de palavras. E conforma a imagem que os cidadãos têm da justiça.
Ao longo da interpelação, abordámos também as questões do sistema prisional, das penas alternativas, dos registos e notariado, da investigação criminal, da formação e outras. No seu conjunto, o que esta crise reflecte é que a justiça, em Portugal, não incorpora ainda a ideia de cidadania. A justiça, pela sua morosidade, preço e distância, não é ainda um instrumento ao alcance da generalidade dos cidadãos para melhoria da situação individual e da sociedade no seu conjunto.
Não por razões que se prendam estruturalmente com os agentes da justiça. Cabe aqui, aliás, uma palavra de respeito e incentivo aos magistrados judiciais, aos magistrados do Ministério Público, funcionários judiciais, corpo da Polícia Judiciária, aos que trabalham nas prisões, nos registos. Nas difíceis condições em que se encontram, não é na falta de dedicação e trabalho que radica esta situação, pese embora a necessidade de continuar e aprofundar uma formação que possibilite uma resposta tecnicamente melhor e uma visão da justiça como serviço ao cidadão.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Esta situação radica, sim, na ausência de resposta por parte dos governos, incluindo este, a este avolumar de problemas. Os problemas crescem mais depressa do que as respostas. É isto que está a matar a imagem e a capacidade da justiça. É esta lógica que tem de ser travada.
Da nossa parte, não ficamos pelo diagnóstico ou pela crítica. Apresentamos propostas. Vou referir quatro que se inserem, precisamente, na lógica do combate às causas desta crise.
Propomos que se organize institucionalmente um observatório da justiça, na dependência da Assembleia da República, que reuna as mais variadas instituições e representantes de estruturas de vária natureza, desde os poderes políticos aos agentes de justiça e até aos utilizadores, através das associações cívicas e outras. Esse observatório da justiça fará anualmente um relatório que será debatido nesta Assembleia e será um elemento importante no debate e reflexão sobre a crise e a sua relação com o modelo estatuído e com as linhas de força de evolução social.
Esteja o Sr. Deputado Jorge Lacão descansado, porque discutiremos essa componente no que respeita às causas da justiça.
Propomos, em segundo lugar, um projecto para criação dos julgados de paz. O objectivo é duplo: tornar a justiça de pequenos casos, bem determinados, evidentemente, mais próxima dos cidadãos. Aliás, a primeira razão é uma justiça mais próxima dos cidadãos e é também descongestionar os tribunais desse tipo de casos, que, com vantagens, podem ser julgados com um processo simplificado e compreensível para os pleiteantes. Em termos gerais, assim se dá execução a uma figura introduzida na Constituição, com imediatas melhorias dos atrasos processuais e no combate à morosidade da justiça.
Uma terceira proposta tem directamente a ver com a questão do acesso ao direito. O apoio jurídico processual é para muitos portugueses um bem jurídico inacessível, se o pretenderem com o mínimo de qualidade e de garantias. Mas é um direito constitucionalmente prescrito. Perante as evidentes carências existentes, o poder político não pode ficar indiferente. Vamos propor que seja criada a função do defensor público, com um quadro institucional adequado e com a precisão de uma carreira ajustada.
Devemos aqui salientar, evidentemente, todo o trabalho que os advogados têm feito e vão continuar a fazer. Mas há que encontrar, juntamente com o escritório do advogado, uma entidade que não é um concorrente da advocacia, mas que é uma das novas formas de concretizar o acesso ao direito, novas formas que respondam à alta percentagem de portugueses sem essa garantia. Pergunto: a que título se obstará a criação de uma função - o defensor público - que dará um impulso decisivo a esse imperativo constitucional? Com que argumentos?

Aplausos do PCP.

O quarto projecto que entregaremos proximamente é um projecto de medidas para descongestionamento nos tribunais.
Este conjunto de projectos que referi insere-se num vasto leque de acções que o PCP preconiza e da qual saliento oitos pontos: a actualização da divisão judiciária, desdobrando círculos e comarcas onde seja necessário; a criação de «bolsas» de magistrados judiciais para atender a situações de acumulação; a simplificação processual

Página 2649

16 DE ABRIL DE 1999 2649

incluindo a reconsideração de prazos de recurso (sem prejuízo dos direitos e garantias constitucionais); a desburocratização do aparelho judicial, com a melhoria da assessoria técnica e dos meios informáticos e tecnológicos ao dispor do tribunal; as medidas que, com salvaguarda dos direitos constitucionais, reduzam as possibilidades de manipulação dilatória da investigação e julgamento da alta criminalidade, incluindo a económica; a concretização das alternativas às penas de prisão e ao excesso de prisão preventiva, com medidas eficazes de apoio à reinserção; o reforço dos meios de investigações, incluindo da Polícia Judiciária; e a dignificação do estágio do advogado.
Com estas linhas de orientação, como com esta interpelação e com as propostas que apresentamos, agimos em defesa da justiça, de quem a administra e dos cidadãos a quem ela se destina.
Vimos, da parte do Governo, o reconhecimento de que o que foi feito não é suficiente. Vimos que pelo menos unta parte da Assembleia participou activamente e que os representantes dos agentes de justiça propõem e reclamam, como é seu direito, respostas para os problemas.
Por tudo isto, nós, PCP, entendemos para valeu a pena esta interpelação. Esperemos agora que se passe das palavras aos actos. Assim o exigem todos, os que trabalham na área, os cidadãos e a própria democracia.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para participar na fase de encerramento desta interpelação em representação do Governo, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É tempo de, efectivamente, finalizar, visto que já vamos quase pela noite alta.
Quero apenas terminar, dando conta, mais uma vez, do que foi feito. Do que está feito, que está nesta Assembleia para ser discutido e, eventualmente, como esperamos, aprovado.
Falou agora o Sr. Deputado João Amaral numa reforma que está feita. Essa reforma dependeu da aprovação da Lei Orgânica dos Tribunais. Neste momento, está em fase final - estará acabado ainda esta semana - o regulamento da lei orgânica, que, como já disse, reformula todo o mapa judiciário do País. Fá-lo através da criação de seis novas comarcas, dois tribunais de segunda instância, sete tribunais de família e menores na área de Lisboa, um conjunto de varas mistas nos centros populacionais e com mais pendência de processos, às vezes até com duas varas mistas, um conjunto de juízos, que somam cerca de 80, dos quais esperamos poder instalar, a partir de 15 de Setembro, cerca de 60 a 65.
É uma verdadeira reforma global do sistema judicial, que tem sido acompanhada pelos Conselhos Superiores das Magistraturas, pelas respectivas associações do sector e que tem merecido, salvo um ponto ou outro, inteiro apoio dessas estruturas.
Mas não é só isso que vem na lei orgânica. Na lei orgânica fizemos um conjunto de alterações que vinham sendo pedidas há muitos anos pelas magistraturas e pelos advogados. Desde logo, as bolsas de magistrados, estando apenas a aguardar a indicação do Conselho Superior de Magistratura e do Ministério Público do número de magistrados para cada uma das bolsas em cada distrito judicial.
Depois, também criámos a figura do assessor, uma velha reivindicação dos magistrados judiciais e do Ministério Público. Reformámos o Centro de Estudos Judiciários, tirando dali uma tendência que se verificava há muitos anos para uma escola muito teórica, querendo fazer dela uma escola mais prática de magistrados. Contudo, reformulámos também o acesso às magistraturas, fazendo-o depender de uma escolha mais dilatada no tempo e até alterando, por via dessa reforma do Centro de Estudos Judiciárias, a idade de entrada e a preparação das pessoas para entrar nas magistraturas.
Em relação ao Ministério Público, adoptámos aquilo que já vinha sendo prometido, pelo que acabei de ler há pouco, desde 1991: o novo estatuto do Ministério Público. O que fizemos foi legalizar aquilo que estava informatizado na própria organização do Ministério Público, os DIAP, criando, fundamentalmente, duas novas estruturas, a que não demos novos poderes. Os poderes do Ministério Público continuam os do sistema que foi implantado, com a reforma do Código de Processo Penal, por um governo do PSD.
Mas, efectivamente, era necessário, era instantemente pedido pelo Ministério Público, desde há vários anos, um conjunto de instituições que pudessem prestar apoio à investigação da alta criminalidade, da criminalidade económica e financeira, da corrupção, da criminalidade organizada.
No que diz respeito à justiça cível e laborai, aprovámos alterações ao Código de Processo Civil e fizemo-lo entrar em vigor contra muitos (alguns magistrados) que diziam, na altura, que o Código poderia não ser útil e que vieram a reconhecer, meses mais tarde, que ele deu um bom contributo para a justiça cível.
Mas aprovámos também, como complemento ao Código de Processo Civil, um conjunto de medidas, sobretudo, para o que consideramos ser o maior «cancro» da justiça cível, que é a cobrança de créditos, de dívidas, nos tribunais.
Na altura, anunciámos, e continuamos a pensar, que o Código de Processo Civil precisa de mais benfeitorias. Passados dois anos da sua entrada em vigor, há que fazer o balanço, sempre o dissemos. Aliás, as nossas críticas, relativamente, por exemplo, ao Código de Processo Penal, foram dirigidas ao antigo governo, que publicou um Código de Processo Penal em 1987 e deixou-o andar sem fazer qualquer avaliação, na prática, do que se estava a passar. E o que se estava a passar era a questão da contumácia, era a falta aos processos, era uma série de institutos que não funcionavam na prática.
Por isso, pensamos que há que introduzir novas alterações, que estamos a preparar, em dois sectores do Código de Processo Civil: os recursos e a acção executiva.
Quanto ao problema do processo civil, a nossa perspectiva é esta: há o problema das dívidas e há o problema das execuções. E, juntamente, estes são os dois grandes

Página 2650

2650 I SÉRIE -NÚMERO 72

problemas do processo civil português. Se usarmos métodos capazes de se chegar a uma legislação e a uma concepção coerente do processo de cobrança de dívidas e do processo executivo, teremos ganho a batalha da justiça cível. É este o nosso plano, que vamos pondo lentamente no terreno.
Toda a gente nos diz, e tem razão, que não podemos fazer uma reforma brutal de tudo ao mesmo tempo. É preciso que as magistraturas e os advogados vão interiorizando e praticando as reformas. Muitas já estão no terreno; outras, em matéria dos recursos e algumas alterações em matéria de execução, esperamos que até ao Verão possam também ser introduzidas.
Fizemos a revisão dos códigos de processo de falência e de recuperação de empresa, e já se estão a notar, sobretudo nas grandes áreas metropolitanas, os efeitos disso. A partir de 15 de Setembro, estes tribunais serão modificados em tribunais de comércio e terão uma competência alargada, que é também necessária para tratar e trabalhar um conjunto de acções que diz respeito ao mundo empresarial.
Apresentámos já na Assembleia da República um pedido de autorização legislativa para a reforma do Código de Processo de Trabalho. Hoje, o Código de Processo de Trabalho está mais burocratizado, menos simplificado, em muitos dos seus aspectos do que está o Código de Processo Civil. Há que trazer também ao processo de trabalho mais simplificação, menos burocracia.
Estão também já em preparação um conjunto de acções pontuais - as tais acções pontuais! - que, todas somadas, podem libertar os tribunais de muita da «canga» e da «bagatela» que lá se encontra: uma relativa à cobrança das dívidas hospitalares; outra relativa à cobrança dos prémios de seguros. É esta «canga» e são estas «bagatelas» que afogam os tribunais portugueses, não são as questões do despejo, da propriedade, da família, da responsabilidade, aquilo que afoga os tribunais portugueses. O que afoga os tribunais portugueses são - e refiro--me, naturalmente, aos tribunais cíveis - os milhares, as centenas de milhar de acções de cobrança de dívida, sejam elas acções declarativas, sejam elas acções executivas.
Há tribunais, como os de Lisboa, onde se vai dar uma verdadeira revolução, a partir de 15 de Setembro. Serão transformados os actuais juízos cíveis em varas, que continuarão apenas com o que têm e apenas com as entradas das acções ordinárias, e serão criados novos juízos cíveis, novos juízos de competência para as pequenas acções de cobrança, sendo feito um enorme reforço na área de Lisboa.
Contamos poder fazer também - e só não o fizemos porque nos faltam ainda instalações para isso -, no Porto, uma operação inversa: manter os actuais juízos dos tribunais da comarca do Porto e criar quatro varas cíveis, que se ocuparão apenas das acções ordinárias.
Em relação a outras matérias, revimos o Código Penal, revimos o Código de Processo Penal, no sentido de dar mais meios à perseguição e à investigação criminal, mas, sobretudo, de resolver os problemas dos ausentes e também os processos para a pequena e média criminalidade. Esse Código de Processo Penal está em vigor há três meses, há três meses, meus senhores! É tempo de criticá-lo? Penso que não! É tempo de o acompanhar paulatina, segura e cuidadamente na sua aplicação, o que faremos! Mas estamos convencidos que esse Código de Processo Penal vai dar, esse sim, uma nova vida à justiça penal.
Revimos a lei da droga no sentido de criar figuras que possam permitir uma melhor investigação neste tipo de crimes e também de agravar as penas para o alto tráfico da droga, para aqueles que fundem ou financiem organizações traficantes.
Finalmente, depois de anos e anos de promessas do PSD, revimos a lei do cheque e acabámos com outro dos «cancros» da justiça penal portuguesa, que era o cheque sem cobertura, que chegava, nalguns tribunais, a atingir 30% da pendência.
Muito mais fizemos mas, como não quero maçar muito mais os Srs. Deputados, vou apenas identificar algumas coisas: o novo regime de identificação criminal; todo o regime médico-legal das perícias; a regulamentação da pena de trabalho a favor da comunidade; o projecto da vigilância electrónica dos arguidos que podem permanecer na sua habitação para aliviar a prisão preventiva, que está presente nesta Assembleia; o novo regime de protecção de testemunhas; o novo regime da cooperação internacional em matéria penal; o novo regime das contra-ordenações. Todos estes casos estão aprovados pelo Governo e todos estão pendentes nesta Assembleia, salvo o das contra-ordenações, que já está para aprovação pelo Governo.
Finalmente, revimos toda a matéria do sistema tutelar, do sistema educativo de menores.

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Ministro.

O Orador: - Revimos a lei da adopção e está aqui um pacote com um conjunto de diplomas que revê toda a matéria do sistema tutelar, quer no sistema tutelar penal, quer da chamada legislação dos jovens adultos.
Somos criticados, em muitos sítios, por ter feito demais, nalguns outros, por ter feito de menos. Tudo é possível e aceitamos todas as críticas, havendo só uma que, efectivamente, nos custa aceitar: é a de não termos uma política dirigida, concertada, com estratégia, para resolver os problemas da justiça portuguesa.
Para terminar, quero deixar o seguinte: se alguém pensa que os problemas da justiça se resolvem numa legislatura, tire daí o sentido. Trata-se de um trabalho árduo, que exige determinação e exige cooperação entre Governo, Assembleia da República, todos os órgãos de soberania, tribunais e todos os agentes da justiça.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim da interpelação ao Governo.
A próxima reunião plenária terá lugar amanhã, às 10 horas, tendo, como ordem do dia a discussão das propôs-

Página 2651

16 DE ABRIL DE 1999 2651

tas de resolução n.ºs 128/VII, 129/VII, 127/VII, 131/VII, 130/VII, 133/VII, 79/VII, 80/VII, 122/VII e 126/VII.

Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 22 horas e 40 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Laurentino José Monteiro Castro Dias.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António Bento da Silva Galamba.
João Rui Gaspar de Almeida.
José António Ribeiro Mendes.
Jovita de Fátima Romano Ladeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.

Partido Social Democrata (PSD):

Domingos Dias Gomes.
João Calvão da Silva.
Luís Maria dê Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Castro de Almeida.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Nuno Krus Abecasis.
Rui Manuel Pereira Marques.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

Página 2652

2652 I SÉRIE - NÚMERO 72

DIÁRIO
Da Assembleia da República

Depósito legal n.º 8818/85

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.

1 - Preço de página para venda avulso, 10$00 (IVA incluído).

2 - Para os novos assinantes do Diário da Assembleia da República, o período da assinatura será compreendido de Janeiro a Dezembro de cada ano. Os números publicados em Outubro, Novembro e Dezembro do ano anterior que completam a legislatura serão adquiridos ao preço de capa.

3 - O texto final impresso deste Diário é da responsabilidade da Assembleia da República.

PREÇO DESTE NÚMERO 640$00 (IVA INCLUÍDO 5%)

Toda a correspondência, quer oficial, quer relativa a anúncios e a assinaturas do «Diário da República» e do «Diário da Assembleia da República» deve ser dirigida a administração da Imprensa nacional - Casa da Moeda, E.P. - Rua de D. Francisco Manuel de Melo, 5 - 1099 Lisboa Codex.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×