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Quinta-feira, 22 de Abril de 1999 I Série - Número 74

DIÁRIO da Assembleia da República

VII LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1998-1999)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 21 DE ABRIL DE 1999

Presidente: Exmo. Sr. António de Almeida Santos
Secretários: Exmos. Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz

SUMÁRIO

1.ª Parte - Às 16 horas e 5 minutos, e dando inicio à sessão solene de boas-vindas ao Presidente da República de Moçambique (Joaquim Chissano), entrou na Sala das Sessões o cortejo em que se integravam o Sr. Presidente da Assembleia da República (Almeida Santos), Sr. Presidente da República de Moçambique, os Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, os Secretários da Mesa, a Secretária-Geral da Assembleia da República, o Chefe do Protocolo do Estado, o Director do GAREPI. o Adjunto do Presidente da Assembleia da República da República para os Negócios Estrangeiros e os Secretários do Protocolo do Estado.
No hemiciclo encontravam-se já, além dos Deputados, o Sr. Procurador-Geral da República, Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, os Presidentes do Supremo Tribunal Administrativo, do Supremo Tribunal Militar e do Tribunal de Contas, o Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o Provedor de Justiça, os Chefes dos Estados-Maiores do Exército e da Armada, o Vice-Chefe de Estado-Maior da Força Aérea, os Conselheiros de Estado Maria de Jesus Serra Lopes e José Manuel Galvão Teles, os Juizes Conselheiros do Tribunal Constitucional Guilherme da Fonseca e Messias Bento, o Presidente da Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados, o Presidente da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, o Governador Civil de Lisboa, o Governador Militar de Lisboa e o Comandante-Geral da GNR.
Encontravam-se ainda presentes nas tribunas e galerias o ex-Presidente da República Francisco Costa Gomes, a Dr.ª Margarida Almeida Santos, a Dr.ª Maria Barroso, membros do Governo, membros do Corpo Diplomático, convidados e demais público.
Constituída a Mesa, na qual o Sr. Presidente da República de Moçambique tomou lugar à direita do Sr. Presidente da Assembleia da República, a Banda da Guarda Nacional Republicana, postada nos Passos Perdidos, executou os Hinos Nacionais. Seguiram-se as intervenções do Sr. Presidente da Assembleia da República e do Sr. Presidente da República de Moçambique, após o que foram de novo executados os Hinos Nacionais.
Eram 16 horas e 50 minutos quando a sessão foi interrompida.

2.ª Parte - O Sr. Presidente reiniciou a sessão às 17 horas e 35 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa das propostas de lei n.ºs 267 e 268/VII, dos projectos de lei n.ºs 654 a 661/VII, da apreciação parlamentar n.ºs 95/VII, de requerimentos e de respostas a alguns outros.
A Câmara tomou conhecimento da declaração de renúncia ao mandato apresentada pelo Deputado do PSD Carlos Pimenta.
Foi aprovado um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre substituição e retomando mandato de Deputados do PS e do CDS-PP.
Procedeu-se ao debate de urgência, requerido pelo Partido Social-Democrata, sobre a situação da TAP e a estratégia do Governo para o futuro da Companhia, tendo usado da palavra, a diverso titulo, além dos Srs. Ministros do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território (João Cravinho) e dos Assuntos Parlamentares (António Costa) e do Sr. Secretário de Estado dos Transportes (Guilhermino Rodrigues), os Srs. Deputados Arménio Santos (PSD), Lino de Carvalho (PCP), José Junqueira (PS), Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP), Manuela Ferreira Leite e Falcão e Cunha (PSD).
Ordem do dia. - Foi discutido, na generalidade, o projecto de lei n.º 653/VII - Aprova medidas tendentes à revisão da situação de militares que participaram na transição para a democracia iniciada em 25 de Abril de 1974 (PS e PCP). Usaram da palavra, a diverso titulo, além do Sr. Presidente em exercido (Mota Amaral), os Srs. Deputados António Reis (PS), Francisco Peixoto (CDS-PP), João Amaral (PCP), Carlos Encarnação (PSD) e Isabel Castro (Os Verdes).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 5 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, declaro aberta esta sessão de homenagem a S. Ex.ª o Presidente da República de Moçambique.

Eram 16 horas e 5 minutos.

A Banda da Guarda Nacional Republicana executou os Hinos Nacionais.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Martinho.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Guimarães Fernandes Dias.
António Manuel Carmo Saleiro.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Armando Jorge Paulino Domingos.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Casimiro Francisco Ramos.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Júlio Meirinhos Santanas.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Caudal.
Luís António do Rosário Veríssimo.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Eduarda Bento Alves Ferronha.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Maria Manuela de Almeida Costa Augusto.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Paulo Jorge Lúcio Arsénio.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheiro Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sônia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.

Partido Social Democrata (PSD):

Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Alberto Queiroga Figueiredo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António d'0rey Capucho.
António de Carvalho Martins.
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Taveira da Silva.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
Arménio dos Santos.

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Artur Ryder Torres Pereira.
Carlos Eugênio Pereira de Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Domingos Dias Gomes.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugênio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José Carlos Pires Póvoas.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Manuel Costa Pereira.
José Manuel Durão Barroso.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Maria de Lourdes Lara Teixeira.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Pombo Costa.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.
Vasco Manuel Henriques Cunha.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Almeida Figueiredo Barbosa Pombeiro.
António Carlos Brochado de Sousa Pedras.
Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Francisco Amadeu Gonçalves Peixoto.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Pedro José Dei Negro Feist.
Rui Manuel Pereira Marques.
Rui Miguel Gama Vasconcelos Pedrosa de Moura.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

Alexandrino Augusto Saldanha.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
António Luís Pimenta Dias.
Bernardino José Torrão Soares.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Joaquim Manuel da Fonseca Matias.
Lino António Marques de Carvalho.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Deputado independente:

José Mário de Lemos Damião.

O Sr. Presidente: - Sr. Presidente da República de Moçambique, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, Srs. Membros dos Governos de Portugal e de Moçambique, Srs. Deputados de Portugal e de Moçambique, Srs. Embaixadores de Portugal, Moçambique e países amigos. Excelentíssimas Autoridades e entidades de Portugal e de Moçambique, Excelências, Minhas Senhoras e Meus Senhores: Sr. Presidente, é meu privilégio saudá-lo em nome dos que o povo português escolheu para neste acto o representarem e também, se me é permitido, em meu nome pessoal.
Conhecemo-nos de há muito e creio não forçar a nota dizendo que a história dos nossos povos nos facultou oportunidades para construirmos uma amizade que muito me honra. São momentos particularmente relevantes dessa amizade a minha participação na negociação e na assinatura do «Acordo de Lusaka»; o meu contributo para a viabilização do «Acordo do Incomati»; o período em que V. Ex.ª desempenhou com brilho as difíceis funções de Primeiro-Ministro do Governo de Transição, sendo eu Ministro da Coordenação Interterritorial; e, depois disso, as minhas relações de privile-

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giada amizade com o primeiro grande líder do Moçambique Livre, o Presidente Samora Machel, de cujo Governo V. Ex.ª foi distinto Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Nunca me hei-de esquecer que, quando visitei Moçambique para assistir à assinatura do «Acordo de Incomati», o Presidente Samora Machel, num jantar largamente participado com que me quis distinguir, que muito me honrou e a que assistimos ambos, imprevistamente me perguntou (era sempre imprevisível!) se eu sabia quem é que ia ser Presidente de Moçambique depois dele.
Respondi-lhe, naturalmente, que era questão que, de momento, se não colocava. Ripostou, porém: «Coloca-se sempre!». E como eu lhe dissesse que não fazia a menor ideia, saiu-se com esta: «É o Chissano!» Disse-lhe então que o considerava a si um brilhante e experimentado político, mas logo me desarmou, dizendo: «Não é nada disso! Vocês, europeus, não percebem nada de África! O Chissano (assim familiarmente lhe chamou!) vai substituir-me porque descende de reis e o poder em África é tradicionalmente monárquico!»
Fiquei surpreendido, como calcula, sobretudo sendo eu um indefectível republicano. Nem sabia que o meu caro Presidente pertencia à aristocracia africana (e espero que esta revelação não entre em choque com a sua condição de Presidente de uma República!) nem imaginava que pudesse ser esse o critério da preferência do Presidente Samora Machel.
A verdade é que ele foi premonitório. Quando assistíamos ao seu funeral, tive oportunidade de recordar este episódio. Dava que pensar. Mas após a prestação de V. Ex.ª como Chefe do Estado de Moçambique, concluo que não terá sido, ou não terá sido só por V. Ex.ª ser de boa cepa que o Presidente Machel o considerou então o mais capaz para ocupar o seu lugar. As razões terão sido seguramente outras e a que foi invocada por Samora Machel era, porém, a que lhe permitia ser, mais uma vez, o que tanto gostava de ser: original e imprevisível. O povo de Moçambique viria a sufragar largamente essa escolha premonitória.
Para este Parlamento, hoje é dia de festa. Poder receber o Presidente de um povo irmão - por laços de língua, de história e de sangue - é para nós motivo de júbilo.
Temos consciência do alto significado desta cerimónia. V. Ex.ª é, Sr. Presidente, apenas o quinto Chefe de Estado estrangeiro que nesta II República temos a honra de, neste Plenário, receber e ouvir. Como vê, não banalizamos as nossas homenagens nem os nossos sentimentos.
Aceite pois, Sr. Presidente, em toda a sua plenitude, o significado da nossa homenagem.
Moçambique não é apenas mais um país cujo Chefe de Estado nos visita. É um país que, por ficção política, foi durante séculos Portugal, mas que, no desenrolar do processo histórico, foi companheiro de aventura dos irrequietos portugueses no entrecruzar das civilizações.
Essa aventura saldou-se por grandezas e misérias, amizades e desforços, mas nunca de indiferença. Para o bem e para o mal, o destino ligou-nos sempre e para sempre.
No que me diz respeito, considero Moçambique, sempre o digo, a minha segunda Pátria. Por escolha do coração, naturalmente, e aos que não resistam a pensar que Pátria só há uma, peco-lhes um exercício de imaginação: o de ficcionarem que viveram 21 em Moçambique; que ali profissionalmente se realizaram; que ali travaram um exaltante combate pela sua libertação; que ali tiveram cinco filhos, que é como quem diz ali lançaram cinco raízes; que ali fizeram amigos e inimigos - não há combate libertador sem eles -; que ali experimentaram a atracção irrecusável da paisagem africana (física e humana); que ali construíram uma mundividência aferida pela grandeza de espaços sem fim; que ali, enfim, «beberam a água do Umbeluzi», como por lá se diz. Depois digam-me se pode ou não eleger-se afectivamente uma segunda pátria!
Ter-me fixado em Moçambique foi, aliás, uma exigência de alma. Visitei o território integrado numa embaixada cultural estudantil - faz este ano meio século! Como eu vou ficando velho...! - e tomei irresistivelmente a decisão de voltar e de voltar, fundamentalmente, porque descobri uma causa, e nunca concebi a vida sem causas: a de lutar pela emancipação da África, a anos de vista da Conferência de Bandung, ou seja, do seu despertar.
Ser advogado era dispor de uma arma. Servi-me dela com determinação contra as iniquidades - que não eram exclusivo nosso, ou sequer defeito particularmente português - do regime colonial.
Bati-me, enquanto isso foi por mim julgado possível, por uma saída política e negociada, que visionei em moldes comunitários, no quadro de uma federação política ou apenas cultural, neste caso uma CPLP avant la lettre, algo menos simbólica do que a que tentamos agora recuperar.
Mas Salazar de todo desconhecia o Ultramar. Prisioneiro de S. Bento, era provinciano, apesar de culto. Só pelos livros ou por informadores interessados em desinformá-lo, procurava saber o que no Ultramar se passava. Daí que a sua teima em não discutir a Pátria, como então dizia, tenha, a partir de certa altura, assumido foros de demência. Reagiu ao nacionalismo branco, que precedeu o negro, dificultando a ida de portugueses para as colónias, e praticamente proibindo a sua industrialização. Viria a reagir ao nacionalismo negro pela força das armas, quando era já claro que a era colonial havia chegado ao fim e os mais poderosos impérios coloniais haviam já descolonizado ou aceitado plataformas a isso conducentes.
Os Estados Unidos e a URSS, fortemente anticolonialistas, haviam sido os grandes vencedores da guerra. A Carta das Nações Unidas não reservava futuro à era colonial e não tardaria que resoluções da ONU, na linha de uma generalizada interpretação da história, condenassem os últimos abencerragens da teima colonial, tendo Portugal como destinatário, que foi ficando único. Mas a lógica dos interesses sobrepôs-se à lógica das convicções e a breve trecho a sobrevivência do regime se viu colocada na dependência da perduração da guerra.
A fuga à clarividência não era mais praticável. Daí que eu tenha considerado que a minha defesa de uma solução comunitária havia perdido o prazo de validade e tenha, aberta e publicamente, aderido à tese do respeito pelo direito das nossas colónias à autodeterminação e à independência. Creio, aliás, termos sido, eu e alguns mais - um deles aqui presente, o Embaixador Rui Baltazar - subscritores de um manifesto eleitoral em que essa posição foi assumida, os primeiros resistentes a defender a expressa aceitação desse direito.
O manifesto foi, naturalmente, apreendido. Eu fui, uma vez mais, arbitrariamente descandidatado. Desta vez com base no absurdo fundamento de não ter feito prova da minha qualidade de cidadão português. Não tinha de fazer... Ninguém mais fez, até porque só sendo português podia estar inscrito nos cadernos eleitorais. Mas os próceres desse regime de então entenderam que talvez eu fosse abexim e mais uma vez fui impedido de disputar o simulacro de eleições a que o regime periodicamente se entregava para ludibrio de tolos.
Viria eu a reafirmar, em livro, a inevitabilidade de uma solução política à base do exercício, pelas colónias, do direito à livre escolha do seu destino. Depois de um espectacular êxito inicial de livraria, foi. também apreendido e queimado. Por causa dele, um grupo de energúmenos pidescos programou liquidar-me fisicamente, tendo, inclusive, perpetrado alguns ac-

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tos do esquema da conjura. A tempo desmascarados, resignaram-se a que eu continuasse a viver e a lutar, mas eram assim os profetas do evangelho do ódio.
Sem alternativa à libertação pelas armas, os movimentos nacionalistas africanos foram procurá-las, além de outros apoios, junto dos únicos países que lhas disponibilizavam. Só que a solidariedade política, tal como os deuses, segundo Pessoa, vende o que dá e o preço exigido, e irresistivelmente pago, foi o do alinhamento ideológico. Finda a sujeição colonial, os dirigentes dos novos Estados adoptaram naturalmente o modelo político e económico de quem os havia ajudado a conquistar a liberdade de escolher. Por que outro podiam ter adoptado? O do inimigo de uma década, seus aliados e apelantes?
Estava-lhes, porém, reservada uma segunda decepção: o modelo adoptado aproximava-se do fim. Desmanteladas as estruturas políticas, económicas, judiciárias e sociais da era colonial, tiveram de enfrentar o colapso dos modelos pelos quais as substituíram, condenados assim, pela segunda vez, a recomeçarem a partir do zero.
Hoje, reconhecem, decerto, que aquela substituição, globalmente considerada, foi um erro. Um erro que, aliás, branqueou muitas das nossas responsabilidades históricas. Daí que Moçambique tenha começado por assinar com a África do Sul, do odioso apartheid, o chamado «Acordo de Incomati», em jeito de trégua com o principal inimigo, por acto político de notável lucidez e pragmatismo do então Chefe de Estado de Moçambique Samora Machel. Já sob a égide de V. Ex.ª, Moçambique fez a opção histórica de perfilhar um modelo político de democracia pluripartidária, baseada no voto universal, apesar de esse modelo se situar na contramão da tradição africana e, simultaneamente, a adopção por um modelo económico de economia de mercado, além de um modelo jurídico e judiciário não muito distanciados dos da era colonial.
Calculem, pois, os Srs. Deputados com que prazer, ao visitar oficialmente Moçambique, pude ser recebido no seu Parlamento democrático e ali questionado por Deputados livremente eleitos, apoiantes uns do Governo legítimo, outros adversários dele.
Mais: com que satisfação testemunhei o funcionamento de um mercado concorrencial, de livre oferta e procura, bem como um crescimento que políticas equilibradas e sensatas procuram converter em verdadeiro desenvolvimento. As taxas de crescimento do produto são confortáveis e significativas, medidas frequentemente em dois dígitos, mesmo tendo em conta a plataforma de que se parte; o investimento externo cresce, com Portugal situado logo a seguir à África do Sul (imbatível por razões de vizinhança e complementaridade económica); as reservas em divisas aproximam-se de níveis de luxo para um país africano; e a inflação vem registando marcas negativas. É talvez este, apesar de tudo, um dos principais constrangimentos da economia moçambicana, sabido como é que as baixas inflações são inimigas do emprego e, em geral, do progresso social - é a velha dificuldade de conciliar vantagens que reciprocamente se excluem.
E não nos havemos de esquecer que Moçambique, ao iniciar a experiência de um modelo económico colectivista de fim de estação, e decerto por isso, se viu confrontada com uma nova confrontação militar, desta vez tipicamente civil, pelo que não pôde usufruir as vantagens de, antes disso, ter lutado em regime de movimento único.
O prolongamento da lógica dos interesses coloniais explica o reacender dos combates, mas, menos do que a explicação deles, o que importa hoje realçar é que Moçambique só há escassos anos dispõe da paz necessária à reorganização e
reconstrução do país, após mais de duas décadas de guerra destrutiva e desmotivadora.
Deve-se essa paz à sua visão política, Sr. Presidente, ao ter pressentido que a aceitação da democracia e do sistema económico de mercado era o antídoto necessário contra uma guerra civil sem sentido.
O povo moçambicano, chamado pela primeira vez a escolher livremente um Presidente e um Governo, escolheu aqueles a quem devia a independência e depois disso a liberdade de escolher, ou seja a democracia política e económica.
Não é ainda, longe disso, o fim das dificuldades acumuladas. Os novos Estados africanos, sem que Moçambique consiga ser excepção, enfrentam constrangimentos específicos resultantes do facto de o acesso ao autogoverno ter ocorrido sem que os países colonizadores tenham assumido a preocupação de os preparar para isso, antes pelo contrário se tendo empenhado em vulnerabilizá-los face a essa eventualidade.
Não foi sequer excepção o recurso último de ir recrutar os novos líderes africanos às masmorras da repressão colonial.
Duas outras condicionantes vulnerabilizariam também o acesso dos ex-colonizados à liberdade, à independência e ao exercício do autogoverno, sendo uma do passado, consistente em os povos africanos terem visto interrompida a natural evolução do seu processo civilizacional pela intromissão de outra civilização, na intenção substitutiva da sua. O processo colonizador deixou-os assim a meio da ponte entre o que eram, ou entregues a si mesmos viriam a ser, e o que não chegaram a ser. O célebre artifício assimilador, tendo por objectivo inatingível um preto de alma branca. Desenraizámos os africanos dos seus valores e das suas tradições e impuse-mos-lhes, ou tentámos impor-lhes, os nossos valores e as nossas tradições. Por mais que a política assimilacionista (oposta a uma política evolucionista no quadro das civilizações originárias, propugnada pelos mais lúcidos representantes do pensamento colonial, que foram, infelizmente, excepção) tenha sido ditada por intenções generosas, veio a constituir uma colossal agressão anímica aos povos colonizados.
A outra condicionante é do presente. Esta consistente em o seu acesso ao autogoverno ter ocorrido no momento em que desabavam os pilares da nova civilização modelo ou como tal considerada. Isto é, no momento em que o espantoso salto tecnológico, verificado no último meio século, em especial no último quarto de século, pôs em causa todos ou quase todos os equilíbrios económicos, políticos e sociais da era precedente.
Os colonizadores transmitiram ou procuram transmitir às suas antigas colónias o modelo de um Estado-Nação que se debate com as dificuldades do seu próprio apagamento, no confronto irreversível com as exigências de um processo de globalização a que nenhum escapa. E mais: um modelo económico neoliberal que, sozinho no terreno desde que o seu contraponto dirigista «atirou a toalha», se vê confrontado com as suas próprias contradições e se debate com a irracionalidade da expansão da pobreza e da concentração da riqueza.
Quer dizer, a uma assimilação inacabada, seguiu-se a necessidade de uma outra. Por mais que nos custe reconhecer esse facto, os novos Estados, africanos vêem-se confrontados agora com a emergência de um segundo ocaso dos modelos que, no espaço de um quarto de século apenas, sucessivamente lhes foram sugeridos ou impostos.
É, queiramos ou não, uma segunda fonte de desnorte, a somar à primeira, com a diferença de que, desta vez, o desnorte nos é comum. Também nós não sabemos como ultrapassar os desafios da mundialização e dos fenómenos em que se des-

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dobra. Mas sabemos, isso sim, que os desafios de uma concorrência económica globalizada são, particularmente, penosos para as economias mais dependentes e mais débeis.
Uma coisa é certa: a descolonização, que hoje mais do que nunca se reconhece ter sido a possível, nas circunstâncias em que teve lugar, deixou intactas as pontes. Os erros cometidos, antes e depois da independência das nossas ex-colónias, por colonizadores ou ex-colonizadores, como por colonizados ou ex-colonizados, não tiveram impacto sensível nas relações de amizade entre os respectivos povos. Nem a guerra, que teve culpados certos, nem as dificuldades posteriores a ela, conseguiram transformar-nos em inimigos. Está aí, a dar frutos, a CPLP, embora ainda não seja a árvore frondosa que há-de ser, está aí, pátria comum de ex-colonizadores e ex-colonizados, a maravilhosa língua portuguesa, essa sim, a verdadeira ponte para um futuro comum, e está aí o capital de afectividade que a história acumulou. Resta-nos transformar tudo isso em espírito de auxílio mútuo e construir, até onde formos capazes, um futuro solidário.
Sem recíprocos complexos coloniais temos de, mais do que nunca, rentabilizar o que nos une e secundarizar o que nos divide. Ao nível da cooperação interparlamentar - a que, neste momento, me diz mais directamente respeito - temos trabalhado bem. E, na primeira quinzena de Julho, terá lugar em Maputo a segunda cimeira dos Presidentes dos Parlamentos dos Países de Língua Oficial Portuguesa - braço parlamentar da CPLP.
Sr. Presidente, já por demais retive a sua atenção e todos nós estamos ansiosos por ouvi-lo, mas gostaria de não terminar sem duas mensagens de solidariedade. Uma dirigida ao povo mártir de Timor, que ainda não esgotou o cálice do martírio que a bárbara Indonésia continua a impor-lhe, embora já se vislumbre o alvorecer de um futuro de independência, liberdade e paz. Os timorenses são também nossos companheiros de jornada, são ainda nossos compatriotas. Assim, contribuir para a sua libertação é, para nós, um compromisso de honra, um dever de amizade e um impulso do coração. Estaremos à altura desses sentimentos!
Outra endereçada ao povo irmão de Angola, que continua a ser vítima da ganância e da cobiça que as fabulosas riquezas do território despertam. Vítima, ainda hoje, da recusa do salazarismo em descolonizar politicamente e a tempo; vítima de a aspiração emancipalista se ter dividido em três movimentos e outros tantos exércitos, cada um deles tendo as ambições de uma grande potência por detrás; vítima de na guerra colonial se ter enxertado uma guerra civil, que ainda dura, mesmo depois de eleições livres e democráticas - a que assisti como observador:- terem conduzido à formação de uma assembleia legislativa pluripartidária e a um governo legítimo.
Tudo porque a lógica dos interesses mais grosseiros continua a fomentar o tráfico das armas contra a lógica da contagem dos votos como única forma pacífica e justa da mediação de conflitos. Também sentimos a tragédia do povo angolano como se fosse nossa.
Quando se havia tomado legítima a esperança de um mundo sem massacres, limpezas étnicas e guerras de extermínio, eis que esses flagelos regressam. Temos de desensarilhar as armas dos velhos combates e recomeçar de novo. É consolador poder dirigir este desabafo a um ex-combatente pela libertação do seu país.
Seja bem-vindo ao Parlamento português, Sr. Presidente. Seja bem-vindo a Portugal, que mais não seja pela comunhão de língua, sinta-se, tal como eu em Moçambique, na sua segunda pátria.

Aplausos gerais.

Vai usar da palavra o Sr. Presidente da República de Moçambique.

O Sr. Presidente da República de Moçambique (Joaquim Chissano): - S. Ex.ª o Presidente da República Portuguesa;

S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, S. Ex.ª o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, S. Ex.ª o Presidente do Tribunal Constitucional, Srs. Deputados, Minhas Senhoras e Meus Senhores: Em primeiro lugar, gostaria de manifestar o nosso agradecimento pela oportunidade que nos é proporcionada para nos dirigimos a esta magna Assembleia. É com muita honra e satisfação que, através de vós, nos dirigimos à Nação portuguesa, para reafirmar os laços de amizade e de cooperação que unem os nossos povos.
Consideramos esta ocasião como um dos pontos mais altos da visita de Estado que efectuamos a Portugal, a convite de S. Ex.ª o Presidente da República Portuguesa, Dr. Jorge Sampaio, em retribuição da visita por ele efectuada a Moçambique, em Maio de 1997. Este é, sem sombra de dúvida, o momento oportuno de fortalecimento das relações históricas e culturais que ligam Moçambique e Portugal, relações essas que são o principal fundamento do entendimento sólido e privilegiado entre os nossos países.
Acreditamos que a nossa visita a Portugal é um momento privilegiado de continuação do diálogo franco e aberto existente entre nós, é mais uma oportunidade de conviver mais de perto com o povo português.
Tenho acompanhado, com especial atenção, o estado da cooperação entre a Assembleia da República de Moçambique e a Assembleia da República Portuguesa. Quero aqui expressar a minha viva satisfação pelo nível e qualidade das relações de cooperação que, VV. Ex.ªs e os parlamentares moçambicanos têm sabido forjar e concretizar. Não é por acaso que entre os meus acompanhantes se encontram Deputados da Assembleia da República, pertencentes aos três grupos parlamentares com assento neste órgão do poder moçambicano.
Sr. Presidente, a última vez que estivemos nesta magna Assembleia, precisamente há nove anos, Moçambique vivia uma guerra de desestabilização e um clima de instabilidade económica e social cujos efeitos se reflectiam negativamente em todos os aspectos da vida do povo moçambicano.
É com alegria que hoje trazemos a VV. Ex.ªs uma nova imagem do nosso país e estamos particularmente alegres por podermos transmiti-la a partir desta tribuna da Assembleia da República, o que acontece, como já foi dito, em raras ocasiões. É uma grande honra para Moçambique.
Em Moçambique continuamos a envidar esforços para tornar a paz e a estabilidade conquistas irreversíveis e desenvolver a democracia. É neste contexto que nos preparamos para realizar, durante o segundo semestre do ano em curso, as segundas eleições gerais multipartidárias. Será mais uma ocasião para os moçambicanos escolherem, livremente, aqueles homens e mulheres que julgam mais capazes de conduzir a realização dos seus anseios por um futuro de paz, de estabilidade e de desenvolvimento para todos.
O curso dos acontecimentos permite-nos concluir que estamos a trilhar um bom caminho e a um ritmo progressivamente positivo, aliás, foi com muito gosto que ouvimos essa avaliação feita pelo Presidente da Assembleia da República, como também ouvimos do Presidente da República e do Primeiro-Ministro e Portugal.
Prosseguimos com o nosso programa de recuperação económica, visando reduzir os níveis de pobreza abso-

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luta que ainda atinge a maior parte da população moçambicana.
E de notar que, nos últimos dois anos, temos registado níveis de crescimento económico assinaláveis, que se têm reflectido, por um lado, na evolução positiva dos índices de desenvolvimento humano e, por outro, na redução significativa da inflação e na estabilização da moeda, granjeando assim referências elogiosas da comunidade internacional.
Para que a agenda do desenvolvimento seja o compromisso do mundo globalizado no próximo milénio, é imperioso que os mentores dos conflitos em África sejam convencidos a desenvolver e a dar prioridade à cultura da paz e de reconciliação e que os incentivos da democratização respeitem a realidade de cada sujeito nas relações internacionais.
Os nossos programas de desenvolvimento obedecem também a imperativos regionais. É por isso que levamos a cabo acções para transformar os Corredores de Nacala, Beira e Maputo em corredores de desenvolvimento, na perspectiva de equipá-los com meios adequados para responder ao grau de desenvolvimento que se avizinha na região.
Os projectos do alumínio e do Vale do Zambeze, potenciais pólos para o investimento estrangeiro, com enormes vantagens, constituem outra vertente para o desenvolvimento económico e social da região.
Gostaríamos de ver o empresariado português associado a estas iniciativas.
É nosso desejo ver o empreendimento de Cahora-Bassa a contribuir, de forma decisiva, para o desenvolvimento de Moçambique e da África austral. Fazemos votos para que as negociações em curso encontrem, rapidamente, soluções que possam salvaguardar os interesses de todos.
Acordámos, recentemente, um Programa-Quadro da Cooperação Moçambique-Portugal para o triénio de 1999/2001, que dará um impulso às nossas relações bilaterais. Com este instrumento, estão criadas condições para um maior cometimento dos nossos países em projectos de desenvolvimento económico, social, cultural e educacional.
Sr. Presidente, o mundo tomou-se já numa aldeia global que está a reestruturar-se e a procurar estabelecer, com urgência, regras de convivência e coexistência internacionais que, em muito, escapam à nossa influência.
Esperamos que, no século que se avizinha, se desenvolva uma parceria exemplar entre África e a União Europeia, por forma a ultrapassar o triplo desafio que condiciona o progresso do continente africano: o desafio da paz, o desafio do Estado de direito e o desafio do desenvolvimento sustentável. Por isso, estamos ansiosos para ver concretizada a conferência entre a União Europeia e África, preconizada por Portugal para o próximo ano.
Sr. Presidente, no âmbito regional, o nosso país tem procurado transmitir a experiência que possui no quadro da política de reconciliação nacional. Temos acompanhado com preocupação e de forma particular a evolução dos conflitos na região dos Grandes Lagos e na república irmã de Angola. Acreditamos que a sua solução exige, de todos nós, um apoio inequívoco e franco às partes em conflito, nos esforços da busca de uma paz duradoura; é por isso que temos encorajado as partes em conflito a procurar soluções pacíficas para os seus diferendos políticos, numa perspectiva voltada para o futuro.
Para o conflito angolano, apelamos à observância e ao respeito de todas as resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas que visam a solução definitiva do conflito e o apoio humanitário ao povo martirizado.
Saudamos a forma empenhada e eficaz como a CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) contribuiu para o alcance do entendimento político entre as partes em conflito na Guiné-Bissau.
Em todo este processo, não poderíamos deixar de destacar o papel activo desta Assembleia da República, do Governo português e de inúmeras organizações da sociedade civil portuguesa.
Fazemos apelo à comunidade internacional para que um apoio multiforme seja concedido àquele país irmão, com vista a assegurar a restauração da normalidade da vida e a consolidação da paz.
No que toca a Timor Leste, louvamos os esforços encetados por Portugal, visando a libertação de Xanana Gusmão e de todos os outros presos políticos, o respeito pelos direitos humanos e a autodeterminação do povo maubere. Preocupam-nos as recentes notícias de massacres ocorridos naquele território, pelo que apelamos ao Governo da Indonésia para que, em colaboração com a comunidade internacional, tome todas as medidas para que esses acontecimentos não voltem a ocorrer e para que se criem condições para que a esperada auscultação ao povo maubere, quanto ao seu destino, se faça num clima livre de intimidações e violência.
Queremos saudar os esforços empreendidos por Xanana Gusmão, que não se cansou de contactar todos os seus adversários, os integracionistas, para se criarem estas condições de paz. Saudamos também o acordo que se alcançou recentemente; oxalá este seja aplicado conforme o desejo dos mauberes e dos indonésios sensatos!
Queremos, também, desejar sucessos para a reunião que se está realizar ou começará amanhã, em Nova Iorque, entre a Indonésia, o Governo português e as Nações Unidas. Nós, em Moçambique, estamos prontos para continuar a dar o nosso contributo ao povo irmão de Timor Leste até à sua completa autodeterminação e, oxalá, até à sua independência total.

Aplausos gerais.

Manifestamos, igualmente, a nossa preocupação face à continuação da crise na região do Kosovo e apelamos às partes envolvidas para que encontrem uma plataforma de entendimento, priorizando o diálogo, por forma a evitar mais perdas de vidas humanas e a destruição de infra-estruturas económicas e sociais.
As Nações Unidas é o instrumento de que todos os seus membros se devem valer para resolverem as suas disputas e os seus conflitos.
Srs. Deputados, Minhas Senhoras, Meus Senhores: É com grande estima e carinho que dirijo a minha atenção ao Sr. Dr. Almeida Santos, Presidente da Assembleia da República Portuguesa, filho e amigo de Moçambique. Cada reencontro suscita em nós a alegria de velhos amigos, que não só forjaram os moldes de um novo relacionamento entre Moçambique e Portugal como também trilharam o caminho da erradicação dos traumas entre portugueses e moçambicanos, criados por longos anos de colonização e de guerra, para fomentar e desenvolver a solidariedade e a amizade dos dois povos.
O Dr. Almeida Santos, quanto não deu pela defesa dos moçambicanos contra a tirania do fascismo colonial, enquanto advogado em Moçambique! Estamos reconhecidos pela sua contribuição na luta do povo moçambicano pela sua independência, quando integrou o grupo dos democratas, contrastando com alguns dos seus compatriotas que recusavam a autodeterminação e a independência aos moçambicanos.
O Dr. Almeida Santos, ainda hoje, continua a dar o seu contributo na luta do povo moçambicano, desta, vez pelo desenvolvimento económico do país: vezes sem conta, tem acon-

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selhado vários empreendedores, tanto portugueses como de outras nacionalidades, a investirem em Moçambique. É um grande visionário do desenvolvimento de Moçambique através do desenvolvimento do Vale de Zambeze - é um apaixonado desse tema -, o que é uma visão correcta.
A visita do Dr. Almeida Santos à nossa Assembleia da República foi um marco importante para o reforço das relações fraternais dos dois parlamentos, que, juntos, prepararam o importante encontro internacional ao nível dos presidentes das suas Assembleias, esperado, para breve, em Maputo.
Por tudo o que fez, e continua a fazer, por Moçambique, quero, perante VV. Ex.ªs, dizer ao Sr. Dr. Almeida Santos o nosso muito obrigado, pois não tenho outras palavras mais amigas e mais expressivas dos nossos sentimentos. Muito obrigado!

Aplausos gerais.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, mais uma vez, agradeço esta oportunidade tão ímpar que VV. Ex.ªs me concederam para estar aqui convosco e sentir o pulsar deste majestoso Parlamento.
A terminar, gostaria de reiterar os nossos sinceros agradecimentos pelo caloroso e fraterno acolhimento que o povo português, representado pela população de Lisboa, nos tem dispensado desde que chegámos a este belo país.

Muito obrigado!

Aplausos gerais, de pé.

O Sr. Presidente: - Sr. Presidente da República de Moçambique, Srs. Deputados, Ex.ª Autoridades, declaro encerrada esta memorável sessão de boas-vindas e homenagem ao Sr. Presidente da República de Moçambique, a que se segue uma sessão de cumprimentos no Salão Nobre.

Srs. Deputados, está suspensa a sessão.

Eram 16 horas e 45 minutos.

A Banda da Guarda Nacional Republicana executou, de novo, os Hinos Nacionais.

Aplausos gerais, de pé.

Realizou-se, então, o cortejo de salda, composto pelas mesmas individualidades do da entrada.
No recomeço da sessão, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente João Amaral.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 17 horas e 35 minutos.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas, dos requerimentos e das respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: propostas de lei n.ºs 267/VII - Altera o Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, em matéria de processos tutelares civis, que baixou à 1.ª Comissão, e 268/VII - Regula o exercício da liberdade sindical e os direitos da negociação colectiva e de participação do pessoal da Polícia de Segurança Pública, que baixou às 1.ª e 8.ª Comissões; projectos de lei n.ºs 654/VII - Elevação à categoria de vila da povoação de Moita de Ferreiros (PS), 655/VII - Elevação à categoria de vila da povoação de Azueira (PS), 656/VII - Elevação de Ponteio, concelho de Armamar, à categoria de vila (PSD), 657/VII - Elevação de Torredeita, concelho de Viseu, à categoria de vila (PSD), que baixaram à 4.ª Comissão, 658/VII - Apoio à aquisição de instrumentos de música por bandas filarmónicas e outras formações musicais (PS), que baixou à 6.ª Comissão, 659/VII - Elevação da vila de Santa Comba Dão à categoria de cidade (PS), 660/VII - Elevação da povoação de Solto, no concelho do Sabugal, diocese e distrito da Guarda, à categoria de vila (PS), que baixaram à 4.ª Comissão, e 661/VII - Garante aos jovens menores o livre exercício do direito de associação e simplifica o processo de constituição das associações juvenis (PCP), que baixou às 1.ª e 11.ª Comissões; e apreciação parlamentar n.º 95/VII - Decreto-Lei n.º 76/99, de 16 de Março, que repristina a alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 280/94, de 5 de Novembro, que interdita na área abrangida pela ZPE o licenciamento de novos loteamentos.
Foram apresentados na Mesa vários requerimentos.
Na reunião plenária de 7 de Abril de 1999: ao Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro e ao Ministro da Justiça, formulados pelo Sr. Deputado José Junqueiro; aos Ministérios do Trabalho e da Solidariedade e da Administração Interna, formulados pelo Sr. Deputado António Rodrigues; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Bernardino Soares; ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado Joaquim Matias; e ao Ministério do Ambiente, formulados pela Sr.ª Deputada Carmem Francisco.
Nas reuniões plenárias de 8 e 9 de Abril de 1999: aos Ministérios do Ambiente e da Saúde, formulados pela Sr.ª Deputada Paula Cristina Duarte; ao Ministério da Economia, formulado pelo Sr. Deputado Joaquim Sarmento; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado José Cesário; ao Governo e a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Bernardino Soares;, e ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho.
No dia 13 de Abril de 1999: ao Ministro dos Assuntos Parlamentares, ao Ministério dos Negócios Estrangeiros e á Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, formulados pela Sr.ª Deputada Manuela Aguiar; aos Ministérios do Ambiente e do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulados pela Sr.ª Deputada Carmem Francisco; e«ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Alexandrino Saldanha.
Na reunião plenária de 14 de Abril de 1999: ao Ministério da Ciência e Tecnologia, formulado pelo Sr. Deputado José Junqueiro; ao Ministério da Defesa Nacional, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Encarnação; e aos Ministérios da Saúde e do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território e à Secretaria de Estado da Administração Pública, formulados pelo Sr. Deputado Alexandrino Saldanha.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados por vários Srs. Deputados.
No dia 13 de Abril de 1999: Rui Pedrosa de Moura, na sessão de 8 de Junho; Alexandrino Saldanha, na sessão de 14 de Janeiro e no dia 16 de Março; António Filipe, na ses-

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são de 17 de Fevereiro; e Arménio Santos, na sessão de 10 de Março.
No dia 16 de Abril de 1999: Pimenta Dias, na sessão de 11 de Fevereiro; Luísa Mesquita, na sessão de 25 de Fevereiro; e Carlos Encarnação, na sessão de 26 de Fevereiro.
Sr. Presidente, passo à leitura de uma carta, dirigida ao Sr. Presidente da Assembleia da República, que é o do seguinte teor:
«Excelência,
Tendo o meu mandato de Deputado à Assembleia da República suspenso em virtude do exercício das funções de Deputado ao Parlamento Europeu, tenho a honra de declarar a V. Ex.ª, nos termos do n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 7/93, de 1 de Março, que nesta data renuncio ao meu mandato de Deputado à Assembleia da República.
Com os protestos da minha mais elevada consideração, Carlos Alberto Martins Pimenta».
Da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, há um relatório e parecer que se refere às seguintes substituições e retomas de mandatos de Deputados:
«Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista:
António José Seguro (Círculo Eleitoral da Guarda), em 17 de Abril corrente, inclusive, cessando Vítor Brito de Moura.

b) Substituição, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do Estatuto dos Deputados, solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista: Francisco Valente (Círculo Eleitoral de Aveiro), por António Alves Cardoso, com início em 21 de Abril corrente, inclusive;

c) Substituição, nos termos do artigo 9.º do Estatuto dos Deputados (Lei n.º 7/93, de l de Março), solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Popular: Nuno Abecasis (Círculo Eleitoral de Setúbal), por António Pombeiro, com início em 14 de Abril corrente, inclusive. Na mesma data e por motivo de falecimento do Sr. Deputado Nuno Abecasis, passa a exercer funções em regime de efectividade o Sr. Deputado António Pombeiro.
O parecer é no sentido de que a retoma de mandato e as substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, está em apreciação.

Como não há inscrições, vamos votar o parecer.
Submetido à votação, foi aprovado, por unanimidade.

Srs. Deputados, passamos ao debate de urgência, requerido pelo Grupo Parlamentar do PSD, sobre a situação da TAP e a estratégia do Governo para o futuro da Companhia.

Para iniciar o debate, tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Arménio Santos.

O Sr. Arménio Santos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: O que se está a passar com a transportadora aérea nacional é muito grave e exige um cabal esclarecimento da situação por parte do Governo.
A TAP sempre foi considerada uma empresa de valor estratégico para Portugal e um meio essencial na ligação do País com os nossos compatriotas emigrantes espalhados pelo mundo.
Atento a essa importância e aos efeitos da liberalizarão dos espaços aéreos e da globalização do transporte e comércio aéreos, o governo anterior procedeu a uma injecção de 180 milhões de contos na TAP, para viabilizar, económica e financeiramente, a empresa.
Mas esse esforço financeiro dos portugueses e o plano de viabilização da TAP correm o risco de fracassar face à forma desastrada como o actual Governo vem conduzindo o processo de privatização da empresa e a sua parceria com a Swissair.
É público que o Governo escolheu o Grupo Swissair como parceiro estratégico da TAP, tomando os suíços 20% do seu capital. Para esse fim, o Governo entregou, em Maio do ano passado, a avaliação da TAP a dois consórcios internacionais, tendo por base a situação económico-financeira da empresa relativa a 1997. Nesses relatórios, o Banco Finantia avaliou a TAP entre 65 e 104 milhões de contos e o consórcio Chemical atribuiu-lhe entre 80 e 100 milhões de contos. O valor ponderado desta avaliação ficou nos 90 milhões de contos.
Mas numa segunda avaliação, já realizada em Fevereiro deste ano e com base nos resultados de 1998, aqueles consórcios desceram o valor da TAP em cerca de 40%.
O próprio Conselho de Administração da TAP permitiu-se emitir, também, um parecer sobre o assunto, no qual aponta para um valor ainda mais baixo do que o proposto por aqueles consórcios na segunda avaliação. O que não deixa de ser extremamente intrigante.
Esta quebra brutal no valor da TAP, ao contrário do que o Governo tenta justificar, não resulta apenas dos baixos índices bolsistas e da instabilidade vivida a nível internacional na indústria.
A desvalorização da transportadora aérea nacional é, sobretudo, consequência dos erros cometidos pelo Governo e pela administração da empresa, porque entregaram nas mãos da Swissair áreas tão importantes e vitais da TAP como as reservas de passageiros e a base de dados dos seus clientes, sem que, antes, tenham acordado o valor da empresa e os termos da aliança com os suíços.
Na verdade, o Governo tem vindo a tomar opções erradas que descaracterizam e desvalorizam a TAP.
As situações de degradação da empresa e a sua subordinação à Swissair são várias: passou a base de dados, exclusiva dos clientes da TAP, para o Grupo Swissair e, ao prescindir desta base de dados dos seus clientes, a TAP desfez-se de um elemento estratégico importante e, obviamente, enfraqueceu o seu valor no mercado.
Entregou o seu sistema de reservas de passageiros a uma participada da Swissair, a quem, agora, compra caro esses mesmos serviços e, também neste caso, não foram ponderados os critérios de racionalidade económica, já que para os potenciais investidores que sejam Companhias de aviação o seu interesse na TAP e o valor que possam admitir pagar pelas suas acções decresce pelo facto de a nossa transportadora estar dependente e controlada por uma outra Companhia, a Swissair.
Abandonou a sua rede comercial própria e entregou muitos dos seus balcões no estrangeiro às empresas do Grupo Swissair; encerrou as linhas de Montreal e Toronto, no Canadá, onde existem fortes comunidades emigrantes; promoveu mudanças de horários e cancelamento de voos internacionais com partida dos aeroportos do Porto e de Faro, linhas que vêm sendo ocupadas por Companhias concorrentes.
Estes são exemplos do desgoverno e da desvalorização da TAP e são a razão fundamental do baixo preço por que foram avaliados os capitais próprios da empresa.
Causa-nos a maior perplexidade a ligeireza com que todo este processo tem sido conduzido.

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Choca-nos que uma empresa como a TAP tenha sido avaliada em 90 milhões de contos e que, de repente, passe a valer apenas 60 milhões. É um escândalo!
Os portugueses, que contribuíram com 180 milhões de contos dos seus impostos para viabilizar a empresa, têm o direito de saber e o Governo tem a obrigação de explicar o que se passa, de facto, com a TAP.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Para o PSD, a privatização parcial da TAP, num quadro de alianças estratégicas, é normal, mas não se revê neste modelo de privatização que tem vindo a ser desenvolvido. A concretizar-se, este modelo vai pôr em causa interesses que deviam ser estratégicos para Portugal, vai desfigurar de forma irreversível a identidade da TAP e vai entregar a condução e o controlo de um bem de «bandeira nacional» nas mãos de estrangeiros. E isso o PSD não faz!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mas as manifestações de desleixo com que o Governo tem tratado a TAP não se ficam por aqui.
Depois de serem incapazes de resolver pela via negociai o diferencio que, desde 1997, os opunha aos pilotos, o Governo e a administração da empresa apostaram no recurso à arbitragem para resolução desse conflito laboral.
Em Julho do ano passado, acordaram a constituição da Comissão Arbitrai e optaram pela decisão invulgar de recorrer a um especialista espanhol para árbitro-presidente.
Terminados agora os seus trabalhos, aquela Comissão entregou à TAP e ao SPAC o acordo a que chegara e que, nos termos legais, obriga as partes representadas - TAP/Governo e sindicato. O desnorte que se seguiu ao anúncio desse acordo é do domínio público e ultrapassa todos os limites do bom senso.
A administração da empresa quantifica os encargos do acordo em 26 milhões de contos, afirma que a empresa vai à falência e diz-se enganada pela Comissão Arbitrai. O Governo, com o «equilibrismo» que lhe é conhecido em situações de aperto, proeurou descartar-se de qualquer responsabilidade no processo e apontou o dedo acusador à administração da empresa e ao SPAC, escolhendo-os como «bodes expiatórios».

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O costume!

O Orador: - Ora, nós sabemos que, quando as situações são «simpáticas» e podem render votos, o Governo e, em especial, o Primeiro-Ministro, com aquele sorriso estudado para as câmaras de televisão, estão sempre na primeira linha a reclamar e, às vezes, até a usurpar os louros. Mas quando é preciso assumir responsabilidades políticas por qualquer situação difícil, «fogem» delas «como o diabo da cruz».
Mas quem decidiu encaminhar para a arbitragem este diferendo entre o Governo e os pilotos?
Quem escolheu o mandatário da empresa na Comissão Arbitral?
Quem orientou a estratégia da TAP neste processo de arbitragem?
Que faziam o Governo e a administração da empresa enquanto o SPAC preparava e defendia as suas propostas na Comissão Arbitral?
A situação na TAP revela bem o Governo que temos!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A situação é demasiado séria para consentir fugas ao dever por parte de quem tem a obrigação de zelar pela boa gestão da TAP pública e pelos postos de trabalho da empresa. Não vale a pena o Governo tentar «sacudir a água do capote». E só lhe fica bem assumir, pelo menos uma vez, as suas responsabilidades.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Até porque, pelos vistos, a Administração da TAP é a menos culpada pois, caso contrário, se a administração fosse reconhecida pelo Governo como culpada, já teria sido demitida e substituída por outra que constituísse um factor, de credibilidade à frente dos destinos da empresa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - De resto, é muito grave que o Sr. Ministro da tutela afirme, na rádio, que desconhecia que a arbitragem também incidia sobre cláusulas de expressão pecuniária e que, depois, o Presidente do Conselho de Administração venha declarar, na televisão, que, afinal, o mesmo Ministro sabia de tudo desde 2 de Maio do ano passado.
Em que ficamos e quem fala verdade?
O Governo é, pois, o principal responsável pelo que se passa na TAP e pelas consequências do acordo a que chegou a Comissão Arbitrai, tanto mais que, no acordo celebrado com os restantes trabalhadores da empresa, na base de 3% de aumento salarial, terá ficado consagrada uma cláusula segundo a qual, na eventualidade de algum sindicato conquistar aumentos superiores àqueles 3%, a TAP - vejam, Srs. Deputados! - é obrigada a actualizar aqueles salários em percentagens semelhantes.

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados:

A TAP tem condições para ser viável em termos económicos e financeiros, desde que gerida com rigor, e tem um capital de inquestionável importância que é a qualidade dos seus recursos humanos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O PSD entende que a TAP deve ser salvaguardada como grande empresa de interesse estratégico para o País e que os direitos dos seus trabalhadores devem ser respeitados.
E neste quadro que perguntamos ao Governo em que ponto se encontra o processo de privatização da empresa, se avança e em que termos, ou se acabou já, trucidado pelos erros que vêm sendo cometidos pelo Governo e pela administração da empresa.
Qual o conteúdo, sem secretismos nem ambiguidades, dos compromissos firmados, ou em curso, com o Grupo Swissair?
Que vai fazer o Governo face ao acordo produzido pela Comissão Arbitrai e que envolve o próprio Governo, a TAP e os pilotos?
Quais as consequências desta política do Governo para os trabalhadores da empresa?
Em suma, qual o futuro que o Governo tenciona destinar à transportadora aérea nacional?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho, para uma intervenção.

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O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Irresponsabilidade! Não encontro outro qualificativo para definir o comportamento do Governo a propósito dos recentes desenvolvimentos do caso TAP.
Por iniciativa do PCP, a Comissão de Economia, Finanças e Plano da Assembleia da República realizou, ainda não há três semanas, uma audição sobre a TAP. Para o Sr. Ministro e para o Presidente do Conselho de Administração da TAP, «tudo eram rosas». As razões para as preocupações do PCP eram nenhumas. A TAP voava rumo ao céu azul.
Afinal, quem tinha razão eram os trabalhadores que trouxeram à audição múltiplos exemplos e sinais que apontavam para o desastre. Bastaram poucos dias para se perceber que o optimismo vazio do Sr. Ministro, que os seus mapas coloridos, estavam assentes em «pés de barro».
Já não bastavam as consequência do gravoso acordo feito com a Swissair. Um acordo que faz perder à TAP rotas, passageiros, imagem e o controlo de serviços fundamentais para assegurar a autonomia da empresa.
Agora, temos o estranho caso do Acordo de Empresa com os pilotos, aprovado por uma comissão arbitrai, e o igualmente estranho caso do valor de avaliação da empresa. Verdadeiros casos de polícia para Sherlock Holmes resolver.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A verdade é que muito está por clarificar. Fazemos perguntas. Primeira, o Ministro João Cravinho afirma que a Comissão Arbitrai não estava mandatada para negociar cláusulas salariais e de tempo de trabalho, mas o Presidente do Conselho de Administração veio desmentir o Ministro afirmando que ele próprio, no dia 2 de Maio de 1998, informou o Ministro do «conteúdo da arbitragem» e do mandato que foi atribuído ao árbitro representante da TAP para «negociar os salários». Afinal, quem fala verdade? O Ministro João Cravinho? Se assim é, porque é que não demite o Presidente da TAP? Mas quero crer que pelo silêncio embaraçado do Governo quem tem razão é mesmo o Presidente da TAP.
Quanto à segunda questão a Administração da TAP e o Ministro tomaram conhecimento, ao princípio da noite do dia 31 de Março, da decisão da comissão arbitrai. No dia seguinte foi anunciada a venda de 20% do capital da TAP ao Grupo Swissair por um valor incrivelmente baixo. Pergunto: o Ministro informou o Conselho de Ministros da decisão da Comissão Arbitrai e das suas consequências para a TAP? Ou ocultou os decisivos resultados do trabalho dos árbitros? O Sr. Primeiro-Ministro tinha ou não conhecimento das conclusões da comissão?
Terceira questão: por que razão é que em Julho de 1998 o valor de avaliação da TAP, para efeitos de privatização, tinha sido fixado em 104 milhões de contos, no limite máximo, e, oito meses depois, foi vendida à Swissair por um preço base de 60 milhões de contos? Por que é que a Administração da TAP, com o acordo do Governo, foi pedindo sucessivas avaliações e optou pelo valor mais baixo? Nunca se viu semelhante estratégia por parte de quem quer vender seja o que for.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso, nem o Sherlock Holmes!

O Orador: - Dizem os estrategos da privatização que o cenário evoluiu para um ciclo de baixa. Então, se isso é verdade, por que é que, como manda o bom senso e qualquer decisão racional, não se adiou o processo e se esperou por um novo ciclo de alta?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O PCP que é favorável à negociação de parcerias estratégicas - mas não em quaisquer condições - está obviamente contra qualquer processo de privatização da TAP, seja ele em ciclo de baixa ou de alta, mas o Governo nem os interesses financeiros do Estado parece querer defender.
Quarta questão: é verdade ou não que a Swissair impôs um preço baixo à TAP para poder também, poupando na TAP à custa dos interesses nacionais, comprar a Portugália com as mais-valias resultantes do preço de saldo a que a TAP foi vendida?
Quinta questão: e agora, Sr. Ministro, como vai resolver esta trapalhada? Negociar com os pilotos a sua entrada no capital da TAP em troca de cedências no Acordo de Empresa? Entregar parte substancial da empresa, que é nacional, a um sector limitado e privilegiado dos trabalhadores da empresa, à custa dos interesses dos mais de 7000 trabalhadores da TAP?
Sr. Presidente, Srs. Deputados, comecei por acusar o Governo de irresponsabilidade em todo este processo. As perguntas que fazemos e o filme dos acontecimentos ilustram bem a acusação. A verdade é que perante a greve dos pilotos, em 1997, o Ministro João Cravinho para procurar libertar-se de um problema que não sabia como resolver apadrinhou a criação de uma comissão arbitrai, demitindo-se de ter uma posição; lavou as mãos como Pilatos; proeurou, como é timbre deste Governo, passar por entre os pingos da chuva sem se molhar e agora tem uma enxurrada em cima, comportamento que contrasta com a determinação do Governo quando se trata de resolver dossiers que interessam aos Grupos económicos.
A questão é: e agora, Sr. Ministro? Na opinião do PCP, o que é fundamental é assegurar o futuro da TAP enquanto empresa estratégica nacional e os direitos e garantias de todos os seus trabalhadores, o que é necessário é que sobressaiam o bom senso e um equilíbrio negocial que preserve o fundamental: a TAP.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Deixamos uma proposta ao Governo: suspenda-se o processo de privatização da TAP - com esta embrulhada há uma razão adicional para que a privatização seja suspensa - e abra-se um processo de reflexão e debate, envolvendo os trabalhadores, sobre o futuro da transportadora aérea nacional.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, estão nas galerias a assistir a esta sessão um grupo de 100 alunos da Escola Dr. Azeredo Perdigão, de Abravezes; um grupo de 23 alunos da Escola Francisco Torrinha, do Porto; um grupo de 20 alunos da Escola Secundária Tomaz Pelayo, de Santo Tirso; e um grupo de alunos da Escola Secundária D. Duarte, de Coimbra.
Para todos, peço aos Srs. Deputados uma saudação amigável.

Aplausos gerais, de pé.

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Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueiro.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A Transportadora Aérea Portuguesa, a TAP, desde 1994, iniciou um plano para o seu saneamento financeiro a concretizar num período de quatro anos, com a finalidade de reabilitar a Companhia, garantindo a sua viabilidade operacional, sem necessidade de novos auxílios. Foram, por isso, injectados 160 milhões de contos.
No entanto, a reestruturação da empresa deveria ter sido assumida imediatamente, desde 1994, facto que só viria a acontecer em 1996, com o actual Governo, realidade inscrita no relatório da McKinsey & Company concretizado no próprio ano de 1996.
As medidas assumidas pela TAP traduziram-se, já em 1998, num resultado positivo e não naquela imagem catastrófica a que o Sr. Deputado do PSD quis de alguma forma aqui aludir.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É uma triste realidade!

O Orador: - E, repito, num resultado positivo na medida em que o ciclo de prejuízos sucessivos foi interrompido por um lucro superior a 1,6 milhões de contos. O prestígio da Companhia, aliado aos seus resultados, fizeram com que fosse possível, em vantagem, encontrar um parceiro estratégico.
No entanto, os pilotos da TAP, desde 1997, vêm desenvolvendo um processo reivindicativo cujos objectivos ultrapassam as reais possibilidades da empresa e, apesar de constituírem apenas 5% dos trabalhadores, põem em causa os cerca de 8000 postos de trabalho directos e outros tantos indirectos. Para além disso, o clima de deliberada instabilidade que já geraram prejudica todo o processo de transformação da empresa, nomeadamente na parceria fundamental com a Swissair. Esta é uma postura de enorme irresponsabilidade e até de afronta para os trabalhadores em geral e os da TAP em particular.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A comissão arbitrai, relativamente ao Acordo de Empresa (e passo a citar), «Decidiu (...) que devia entrar em vigor nuns certos termos. Portanto os 10 milhões de contos é mais do que cinco ou seis vezes o máximo que alguma vez na história a TAP teve de lucros (...) e foi-o este ano ou o ano passado (...) isto é, se este acordo estivesse em vigor em 1998, a TAP tinha tido quase 10 milhões de contos de prejuízo, por causa do aumento directo dos salários (...)»(José Miguel Júdice no programa «Fórum» da TSF, da semana anterior).

Vozes do PS: - Bem lembrado!

O Orador: - Acresce informar que esta comissão arbitrai, conforme as conclusões de 14 de Agosto de 1997, tinha como objectivo regular e concluir sobre a negociação laborai em matéria exclusiva de tempos de serviço de voo e de repouso de pilotos. A Comissão Arbitrai, como mecanismo de arbitragem voluntária, deveria resolver as divergências existentes segundo princípios então definidos. Alargou o seu âmbito de competência a toda a negociação laborai concluindo contra os próprios pressupostos da cláusula 3 do Acordo de Empresa, nomeadamente no n.º 2, alíneas o) e b), ou seja, «Estabelecer condições adequadas de prestação de trabalho que potenciem a actividade da empresa, a competitividade da empresa e que possam garantir e contribuir para a rentabilidade da operação, proporcionando a garantia de emprego dos pilotos.».
Ora, o que verificamos é exactamente o contrário: a empresa não só perde competitividade como vai à falência, perdendo os pilotos e, sobretudo, todos os outros trabalhadores os seus postos de trabalho.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - É mau!

O Orador: - É que os pilotos, e continuo a citar o Dr. José Miguel Júdice «vão ser obrigados a voar menos do que voavam. Como é possível...?» E vão ganhar mais (e continuo a citar a mesma fonte), «Os 10 milhões de contos é o simples aumento ao play role (...) Depois há um aumento que decorre desse aumento em matéria de regalias sociais. Isto é, um conjunto 4e outros aumentos que são os tais 4 milhões de contos que são uma decorrência inevitável porque há um certo tipo de pagamentos que são feitos em função da massa salarial. Aos 10 milhões de contos somam-se esses 4 milhões e nestes números não estão sequer enquadrados os complementos de reforma que passarão a ser calculados não sobre os salários antigos mas sobre os salários modernos».
Em conclusão: os pilotos querem ganhar mais e trabalhar menos. E como vão voar menos, para manter os compromissos da empresa, será necessário contratar mais pilotos, facto que implicará um acréscimo de custos, segundo o relatório da Finantia, superior a cerca de mais 12 milhões de contos. Contas feitas, os pilotos, através da Comissão Arbitrai fazem crescer os encargos da TAP em mais de 26 milhões de contos, isto numa Companhia que o ano passado deu lucros pela primeira vez e que se consubstanciaram em apenas 1,6 milhões de contos.
Os estudos que referi situam os salários dos pilotos portugueses em 30% acima da média europeia, mas o novo Acordo de Empresa eleva-os até ao topo da tabela, portanto 250% acima da média europeia e, como diz José Miguel Júdice, «(...) passarão a ser os pilotos mais bem pagos da Europa.».

O Sr. Fernando Jesus (PS): - O PSD está de acordo!

O Orador: - Ganharão mais do que os da Ibéria, os da Air France, os da Alitalia, os da KLM, os da Sabena, os da Australian Airlines, da Lufthansa, da Swissair ou do que os da British Airways.
E o que dirão todos os outros trabalhadores portugueses? Certamente que, com indignação, apoiarão o combate determinado a este escândalo contratual.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - No entanto, alguma oposição, nomeadamente o PSD pela voz do Deputado Ferreira do Amaral, diria, como disse no mesmo Fórum que referi, «Compreendo perfeitamente os direitos e os interesses dos pilotos como de todos os outros trabalhadores da TAP. Naturalmente têm que ser contemplados (...) na junção de todos esses interesses. Agora, o que não faz sentido, com certeza, é o Ministro enviar para uma comissão arbitral. Eu nunca fiz isso». Por acaso fez e ainda faz. Então não é verdade que o Deputado Ferreira do Amaral tem sido chamado às reuniões da Comissão Arbitral que estabeleceu para negociar entre a Lusoponte e o Estado promessas extracontratuais superiores a 1,5 milhões de contos que parece ter assumido e tenta demonstrar que assim não aconteceu? Não é nenhuma ilegalidade, porque a Comissão Arbitrai está consubstanciada em lei desde 1979 e ele

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constituiu muitas relativamente às quais já se esqueceu. Agora o que Ferreira do Amaral não pode dizer é que nunca fez; o que Ferreira do Amaral não pode dizer é que deixou a TAP em boas condições, porque a deixou a dar prejuízo e sem plano de restruturação; o que Ferreira do Amaral não pode é dar razão aos pilotos contra todos os outros trabalhadores; o que Ferreira do Amaral não pode é fazer de uma questão de Estado uma arma ridícula de luta político-partidária, sobretudo quando diz, em consciência, uma inverdade, que é a de que é ao Governo que compete negociar o Acordo de Empresa porque, como diz o seu companheiro de partido José Miguel Júdice, «o que está aqui são coisas sobre as quais, com todo o respeito, e enfim ninguém me poderá considerar partidário deste Governo, não têm a ver com o Governo. Os governos não negoceiam acordos de empresa. Quem negoceia acordos de empresa são as empresas e os sindicatos. Os acordos de empresa, de acordo com a lei, podem ser negociados de duas maneiras ou de três, mas uma delas é manifestamente a colocação nas mãos de uma Comissão Arbitrai da capacidade, com respeito pelo princípio do contraditório, de tomar uma decisão (...) Agora, não é ao Governo, parece-me a mim, que compete tomar decisões sobre a organização dos acordos de empresa. Não é isso!».
Portanto, parece poder concluir-se pelo envolvimento do PSD, ou de um certo PSD, a um determinado nível, no clima de instabilidade a que, infelizmente, já nos habituou, subscrevendo climas de agitação laboral, de inviabilidade de empresas e até subscrevendo reivindicações de salários para os pilotos que os aumentam 100%, que lhes atribuem vencimentos de dezenas de milhares de contos por ano, e gostaria de dizer que são mais de 40 000 contos, mesmo que para isso acabem a TAP e mais de 16 000 postos de trabalho directos e indirectos.
Portanto, não compreendo este apoio e esta solidariedade para com os pilotos da TAP neste contexto do Sr. Deputado Arménio Santos, do Sr. Eng.º Ferreira do Amaral e do PSD que não se demarcaram desta situação.
De qualquer forma confio que, em breve, os portugueses saberão responder com clareza a tanta irresponsabilidade.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A TAP volta a estar nas páginas dos jornais e desta vez por causa do desastroso resultado para a empresa da sentença proferida pelo tribunal arbitral que julgou o litígio com os pilotos.
Todo este processo, aliás, está recheado de contradições e de deficiente informação. Os portugueses pasmam com o que está a suceder na TAP. A TAP já foi, e com razão, o orgulho de Portugal; a TAP já foi, e com razão, uma bandeira de Portugal; a TAP é, e com razão, um pesadelo para os portugueses e um descrédito para Portugal.
Um pesadelo pelas centenas de milhões de contos que já foram gastos no saneamento económico e financeiro da empresa e pelas outras centenas de milhões de contos que poderão vir a ser gastos se se confirmarem os números que o próprio Governo afirma virem a ser necessários; um pesadelo pelo mau serviço que presta aos utentes; com voos cancelados, alterados, sobrelotados, atrasados, sem aviso prévio nem explicação cabal; um descrédito pela ausência de estratégia claramente definida para a empresa, que vagueia ao sabor da vontade das sucessivas administrações, sem rumo ou, melhor, com rumos opostos; um descrédito pelos sucessivos conflitos laborais, que rebentam sempre em cima de épocas altas do transporte aéreo e que acabam sempre com o Governo a reconhecer tardiamente o que deveria ter sido resolvido antecipadamente.
Mas, a propósito desta mais recente controvérsia, o que choca é a permanente guerrilha de números e de argumentos em que Governo e empresa, por um lado, e pilotos, por outro lado, se têm envolvido com claro prejuízo para o cabal esclarecimento dos portugueses que serão, em última instância, quem vai pagar a factura, como, aliás, têm vindo a pagar.
Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Como disse, o País anda mal informado acerca da TAP; não sabe quais os resultados da aplicação de 180 milhões de contos ao abrigo do plano de saneamento económico e financeiro; não sabe quantos mais milhões de contos dos seus impostos estão comprometidos em avales; não sabe quantos milhões de contos foram gastos em formação profissional e, sobretudo, não sabe quais os resultados dessa formação; não sabe ao certo quais os custos do serviço público para as regiões autónomas e a quantos serve e, sobretudo, não sabe o que sairá mais barato ao Orçamento do Estado, se manter o monopólio daquelas linhas, se garantir a liberalização; não sabe se, afinal, os tão apregoados resultados financeiros não serão antes os resultados da injecção de subsídios; não sabe se a TAP se pretende vocacionar como rede regional ou como rede global; não sabe por que razão se optou por não privilegiar o mercado de África, do Brasil e da restante América Latina e se optou por abandonar, por exemplo, a quota de mercado que utiliza a ligação Brasil-Madrid para entrar na Europa e que poderia entrar por Lisboa.
Pelo contrário, sabe que foi devido à indefinição deste Governo que a aliança com o Grupo Qualiflyer não foi uma opção mas uma contingência; sabe que essa contingência nos atirou para os braços de um Grupo que vê a TAP como um meio ou um instrumento para outros voos cuja utilidade estratégica para Portugal não está demonstrada, da mesma forma que o não está a sobrevivência da TAP como Companhia independente.
Sabe que, em matéria de parcerias estratégicas, teria sido preferível que o Governo tivesse tido a capacidade de associar a Portugália aos objectivos nacionais.
Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Muito mais continua por explicar.
Desde logo, a opção pelo encerramento de alguns voos europeus com origem no Porto, o que foi aproveitado pela concorrência para entrar nesse mercado. Continua também por explicar a razão de ser da fusão do sistema de reservas da TAP com o da Swissair, ao contrário do que sucedeu com outras Companhias integrantes do mesmo Grupo Qualiflyer.
Curiosamente, não é só o País que não sabe o que quer a TAP; são também os seus quadros que desconhecem a estratégia da empresa, não se antevendo como se pode motivar quem não está informado. Aliás, nos momentos críticos, o Governo e, a Administração da TAP optam por mais propaganda e menos informação.
Estas questões são fundamentais se quisermos que o País volte a confiar na TAP e os investidores nacionais se sintam acarinhados para investir na empresa e garantir a presença de capital português privado.
Em suma, falta mobilizar Portugal em tomo da TAP e, para tanto, falta informar Portugal sobre a TAP. É isto que pretendemos: mais informação, mais debate e menos propaganda.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Muito bem!

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O Orador: - Uma última pergunta, Sr. Ministro: a propósito da extensão do objecto da arbitragem às cláusulas pecuniárias, quem fala verdade? O Presidente do Conselho de Administração ou o Sr. Ministro? Se é o Sr. Ministro, então porque é que ainda não demitiu o Presidente do Conselho de Administração? Mas se é este que fala verdade, então por que ainda não se demitiu, Sr. Ministro?

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Transportes.

O Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território (João Cravinho): - Se me permite, Sr. Presidente...

O Sr. Presidente (João Amaral): - Peço desculpa, mas a indicação que a Mesa tinha era a de que seria o Sr. Secretário de Estado dos Transportes a usar da palavra. Mas, se o Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território pretende usar da palavra, faça favor.
O Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território: - Sr. Presidente, o Sr. Secretário de Estado usará da palavra, mas eu tenho de responder a uma pergunta que aqui me foi feita.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território: - Sr. Presidente, devo dizer que nunca, na minha vida, «sacudi a água do capote» e imputei a outros responsabilidades que são minhas. Estão aqui presentes vários Deputados que me conhecem desde há muitos anos e nas mãos deles me ponho, no sentido de dizer que nenhum deles poderá recordar-se de, alguma vez, me ter escapado às minhas responsabilidades.
Estou aqui como tutela da TAP, assumindo integralmente toda a responsabilidade política que, nos termos constitucionais, me cabe, sem invocar seja o que for para minorar essa responsabilidade política. Nunca «sacudo a água do capote» nesses termos. Mas o que não faço é enfiar os «capotes» que, por natural erro humano ou por má fé, me queiram enfiar! Tenho os meus «capotes»; fico com a «água dos meus capotes» e não enfio os «capotes» que me queiram enfiar, por má fé ou natural erro humano.
A este propósito, quero dizer que distribui às bancadas parlamentares dois comunicados, dos quais resulta claro que nunca enjeitei qualquer responsabilidade. O único ponto que esclareci foi o conteúdo do acordo das conclusões das reuniões tidas com o SPAC - que subscrevi - que previam uma determinada arbitragem.
A empresa, no pleno uso das suas competências próprias, decidiu, por sua própria iniciativa, e com o Acordo de Empresa , pôr-me no âmbito de uma comissão de arbitragem, no dia 1 de Maio, mediante protocolo que também vos será distribuído. E informou-nos - à tutela - no dia 2 de Maio, como se recordarão, porque foi isso que foi noticiado na televisão. E é tudo!

O Orador: - Portanto, não é justo, não é legítimo que me venham aqui atribuir afirmações que nunca fiz ou a enjeição de qualquer responsabilidade, o que também nunca fiz!
No dia 2 de Maio fui informado de uma decisão da empresa, tomada no dia anterior, no âmbito das suas próprias competências. Foi apenas isso que o meu comunicado quis ressaltar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Costa): - Sr. Presidente, não creio que tenha ficado explicito que o. Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território usou da palavra ao abrigo da figura regimental da defesa da honra da bancada do Governo.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Perante quem?

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Perante a intervenção do Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.

O Sr. Presidente (João Amaral): - O Sr. Deputado Lino de Carvalho pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, fiquei com a ideia de que o Sr. Ministro estava a fazer uma intervenção e a dar um esclarecimento - por isso me inscrevi -, uma vez que esta questão foi colocada por todas as bancadas!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, agradeço-lhe a sua chamada de atenção, mas esse é um ponto que vamos tentar clarificar.
Pareceu-me um pouco insólito... De facto, o Sr. Ministro não me disse a que título usava da palavra, mas tinha a indicação de que era o Sr. Secretário de Estado dos Transportes que estava inscrito para intervir.
Perante a situação concreta que está criada, pergunto se há alguma oposição a que seja feita a qualificação pretendida pelo Sr. Ministro, a de defesa da consideração da bancada do Governo perante a intervenção do Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.
Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, a Mesa decidirá como entender conveniente. De qualquer modo, e apenas para efeito de informação à Mesa e do Sr. Ministro, tenho uma questão a colocar ao Sr. Ministro directamente ligada à declaração que acabou de proferir e que considerei que era uma intervenção.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Também para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Arménio Santos.

O Sr. Arménio Santos (PSD): - Sr. Presidente, neste debate, quem usou a expressão que o Sr. Ministro invocou fui eu!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - «Sacudir a água do capote»!

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - E parece-lhe pouco?!

O Orador: - De facto, afirmei que não valia a pena o Governo tentar «sacudir a água do capote».

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Penso, por isso, que o Sr. Ministro se estava a referir à minha intervenção e, nesse sentido, Sr. Presidente, pedia-lhe o direito de resposta.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, esta questão não tem solução.
Perante a situação que está criada, não tenho outro remédio senão qualificar as palavras do Sr. Ministro como uma intervenção e dar a palavra ao Sr. Deputado Lino de Carvalho. O direito de resposta não existe, Sr. Deputado Arménio Santos...

O Sr. Arménio Santos (PSD): - É um pedido de esclarecimentos, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Não dispõe de tempo para o efeito, Sr. Deputado.
Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, sem querer arrastar esta questão, gostava de esclarecer o seguinte: quem estava inscrito para intervir no debate era o Sr. Secretário de Estado dos Transportes. No termo da intervenção do Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa, o Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território fez sinal à Mesa para usar da palavra. Perante isso, o Sr. Presidente disse que tinha a indicação de que era o Sr. Secretário de Estado dos Transportes quem estava inscrito para uma intervenção. E o Sr. Ministro começou a falar, não tendo, efectivamente, explicitado qual a figura ao abrigo da qual estava a usar da palavra.
Percebi que a Mesa interpretou as declarações do Sr. Ministro como sendo uma intervenção, porque estava a ser descontado o tempo de intervenção do Governo no debate. Ainda durante a intervenção do Sr. Ministro, telefonei para a Mesa e coloquei ao Secretário da Mesa esta questão e foi-me dito que, no termo da intervenção, deveria fazer uma interpelação à Mesa. Foi o que fiz.
Assim, se a Mesa considerar as palavras do Sr. Ministro como o exercício do direito regimental de defesa da honra da bancada do Governo e der a palavra ao Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa para dar explicações, querendo, terá de repor o tempo do Governo, seguindo-se a intervenção do Sr. Secretário de Estado dos Transportes. Esta parece-me, de facto, a solução mais adequada, mas, como é natural, o Governo não fará questão disso.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, a decisão da Mesa, por unanimidade, é a de qualificar as declarações do Sr. Ministro como o exercício do direito de defesa da honra da bancada do Governo.
Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, em nenhum momento me pareceu que a minha intervenção tivesse ofendido a honra da bancada do Governo. E a intervenção do Sr. Ministro João Cravinho também não me pareceu uma defesa da honra da bancada do Governo. Entendi-a como um pedido de esclarecimento do Sr. Ministro à bancada do Partido Popular.
A verdade é que o Sr. Ministro tentou inverter os papéis. Nós não estamos aqui para prestar esclarecimentos ao Sr. Ministro; é o Sr. Ministro quem deve prestar esclarecimentos! E acrescento o seguinte: o Sr. Ministro não prestou quaisquer esclarecimentos com a sua intervenção e, aliás, a pergunta que lhe formulei no final da minha intervenção não foi minimamente respondida.
A questão da designação que quis dar à sua intervenção é um problema meramente formal que em nada altera a substância da sua intervenção.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - O Sr. Deputado Arménio Santos pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Arménio Santos (PSD): - Para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, antes de lhe dar a palavra, queria dizer que o meu ponto de vista é muito simples: não tenho de me pronunciar sobre o conteúdo da defesa da honra. Perante o exercício do direito regimental de defesa da honra e perante a indicação de qual é o Deputado, ou o outro agente parlamentar que ofendeu a honra da pessoa que a invoca, unicamente tenho de dar a palavra a um e a outro!
Portanto, o Sr. Deputado pode estar cheio de razão, mas não me compete a mim, nem à Mesa, dar-lhe razão nestas circunstâncias.
A Mesa não pode alterar o que se passou até agora, isto é, o Sr. Ministro usou da palavra para defesa da sua honra e o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa deu explicações.

O Sr. Arménio Santos (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado do Partido Popular afirmou que não havia produzido aquela declaração que o Sr. Ministro invocou. O único orador que invocou essa expressão mi eu!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não lhe dou a palavra. Volto a explicar que o Sr. Deputado Arménio Santos pode estar cheio de razão e pode fazer as considerações políticas que entender, mas, do ponto de vista da Mesa, a defesa da honra foi invocada e eu não tenho de pronunciar-me sobre o conteúdo da mesma. Se assim fosse, Sr. Deputado, ninguém conseguia defender aqui a honra!

O Sr. Cabrita Neto (PSD): - Foi uma defesa da honra a posteriori.

O Sr. Presidente (João Amaral): - A Mesa qualificou assim, por unanimidade, mas, Sr. Deputado, faça favor de recorrer da decisão da Mesa para o Plenário!
Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, uma vez que o Sr. Ministro encontrou uma forma regimental de se furtar às perguntas dos Srs. Deputados, informo a Mesa de que retiro alminha pergunta e, desde já, inscrevo-me para pedir esclarecimentos ao Sr. Secretário de Estado dos Transportes.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Agradeço ao Sr. Deputado Lino de Carvalho a compreensão para a dificuldade que a Mesa está a enfrentar.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Transportes.

O Sr. Secretário de Estado dos Transportes (Guilhermino Rodrigues): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste debate

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foram colocadas três ordens de questões: a da aliança estratégica/privatização, a da avaliação e a da arbitragem.
A questão da aliança estratégica já foi discutida em sede da Comissão de Economia, Finanças e Plano. Nessa altura, o Governo teve oportunidade de demonstrar - e penso que conseguiu um consenso generalizado ao nível de todos os Grupos parlamentares - que a única via de salvar a TAP seria a de fazer uma aliança estratégica.
Penso que de há um ano para cá se evoluiu e que ninguém tem dúvidas sobre a questão da aliança estratégica.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Isso não está em discussão!

O Orador: - É uma evolução, Sr. Deputado.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Em que condições!

O Orador: - Interessa entrar na questão da aliança estratégica.
Se há aqui um ponto comum e de consenso não vale a pena discuti-lo.
Também nessa altura foi debatida esta questão e o Governo teve oportunidade de dizer das suas razões.
As razões que justificam o processo de aliança são essencialmente duas: a necessidade de partilha de meios e sistemas por forma a obter reduções de custos. Praticamente todas as empresas caminham para o sistema de alianças e uma das suas vantagem é a necessidade de partilha de sistemas por forma a obter uma redução de custos.
A outra razão prende-se com a indispensabilidade de criar redes de dimensão mundial que substituam o sistema anteriormente existente de interlining.
Portanto, estas são as duas questões fundamentais - e uma aliança consubstancia-se exactamente nisso. E quando os senhores criticam o problema de partilhas de meios com outras Companhias, se reconhecem a necessidade da aliança, têm de reconhecer que estas duas questões são essenciais.
Não percebo os Srs. Deputados quando vêm dizer que subscrevem a aliança estratégica e depois dizem: «a aliança estratégica não pode fazer isto nem aquilo, nem integrar sistemas de reserva, nem passageiro frequente, nem fazer uma interligação das redes». Dizer isto é desconhecer o que é uma aliança estratégica, porque uma aliança estratégica é evidentemente tudo isso.
Julgo que não há nada que possa pôr em causa a identidade da TAP, o que também já foi demonstrado na última discussão que tivemos.
No que diz respeito ainda às alianças estratégicas, o Governo tem defendido que a consolidação das alianças faz-se exactamente através da troca de capitais. Isso é prática generalizada, é prática que todas as companhias hoje em dia seguem.
Quanto ao resultado das avaliações, devo dizer que o Governo seguiu todos os passos que estão previstos na lei quanto a esta questão. E é verdade que a Companhia, em Julho, foi avaliada e o seu valor médio seria de 85 milhões de contos.
Também já demonstrou que entre Julho e Dezembro houve uma queda substancial nas bolsas - aliás, todos têm esses dados - e houve, no último trimestre, uma queda generalizada do tráfego aéreo - o Governo teve oportunidade de distribuir aos Srs. Deputados uma síntese da Revista de Imprensa Internacional sobre tudo o que aconteceu em todas as companhias de transporte aéreo.
Todas as avaliações são feitas a partir de pressupostos. Se os pressupostos variam, as avaliações têm de variar.
Foram dados pareceres pela Comissão de Acompanhamento das Reprivatizações, os quais estão disponíveis.
Sr. Presidente, poderei deixar o dossier que tem toda esta documentação que pode ser entregue ao Parlamento.

O Sr. Presidente (João Amaral): - O meu braço é longo mas não tanto...

Risos.

O Orador: - Disponibilizamos toda a informação.

O Lino de Carvalho (PCP): - É sobre o Governo ou é sobre os vários relatórios de avaliação e as suas justificações?

O Orador: - São os vários relatórios. Poderá ver, com certeza, Sr. Deputado, transparência nesta questão.
Quanto à arbitragem, devo dizer que houve um primeiro acordo que foi assinado entre o Governo e o SPAC, o Sindicato dos Pilotos, no sentido de reconhecer o direito à negociação das condições de trabalho, nomeadamente quanto aos tempos máximos de voo e aos tempos mínimos de repouso.
Caso não houvesse acordo, na medida em quê estavam em causa questões fundamentais de segurança, era necessário que se recorresse à arbitragem. O Governo assume perfeitamente esta questão. Mas a extensão da arbitragem para o Acordo de Empresa é uma decisão que compete à empresa, segundo o Código Comercial e segundo os próprios Estatutos da TAP. Ao celebrar convenções de arbitragem não é o Governo que negoceia o Acordo de Empresa, é a empresa e, portanto não há...

Vozes do PSD: - Não tem a tutela?

O Orador: - Tem a tutela, mas é ignorância da sua parte, Sr. Deputado, por que não é ao Governo que compete negociar os Acordos de Empresa.
Hoje, o recurso à arbitragem é um recurso normal ao qual os senhores, no vosso Governo, também recorreram diversas vezes em imensas matérias.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Já nem se lembram!

O Orador: - É evidente que os resultados da arbitragem são conhecidos e os impactos anuais variam entre 25 e 29 milhões de contos.
Os senhores não se podem eximir, porque mesmo durante o vosso Governo «chutaram para canto» nesta matéria quando assinaram um acordo com os sindicatos mediante o qual se propunham repor o poder de compra.
Nesta matéria, os efeitos de arbitragem são os que se conhecem e variam entre os 22 e os 25 milhões de contos de custos anuais que, a serem aplicados, levarão a uma situação de falência técnica dentro de dois anos.
No entanto, penso que haverá alguns mecanismos e que o Governo tudo fará para salvar a TAP dentro do que é legalmente possível, para poder salvar os 7500 postos de trabalho.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Está inscrito o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente (João Amaral): - Para que efeito, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Para defesa da honra da bancada.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Como tem prioridade, dou-lhe a palavra de imediato.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - O Sr. Secretário de Estado e o Sr. Ministro fizeram várias afirmações, nomeadamente invocaram o nosso governo, pelo que gostaria de dizer o seguinte: o Sr. Ministro disse que a empresa decidiu resolver o problema através de uma comissão arbitral e que a empresa tinha informado o Governo sobre todas estas matérias. Mas há uma coisa que nem o Sr. Ministro nem o Sr. Secretário de Estado disseram, e que esperamos que digam: se concordam ou não com o que se está a passar, com as decisões que foram tomadas e o que é que o Governo vai fazer.
Não temos dúvidas de que a empresa pode decidir, pode informar, mas não é a empresa que, perante os portugueses e a Assembleia da República, tem de responder. O Governo é que tem de responder perante a Assembleia da República e perante os portugueses, não só por uma questão de tutela, mas muito mais pelo facto de, neste aspecto, estarem envolvidos milhões de contos, dinheiro dos portugueses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Em relação a essa questão nem o Sr. Ministro nem o Sr. Secretário disseram ainda uma palavra e nós precisamos de ser informados claramente sobre se concordam ou não. É que, se concordam, quer dizer que estão coniventes com as decisões; se não concordam, pergunta-se de que é que estão à espera para demitir a administração.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Portanto, a partir daqui, só tenho uma coisa a dizer: é que, efectivamente, o meu colega de bancada Arménio Santos tinha toda a razão quando disse que o Governo, sobre estas matérias, nada mais faz do que «sacudir a água do capote».

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra, para dar explicações, o Sr. Secretário de Estado dos Transportes.

O Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território: - Sr. Presidente...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Então o Sr. Ministro é que vai falar?

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Ministro, vai-me desculpar, mas não pode ser. Sr. Ministro, esta gestão à la carte...
Tem a palavra, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado dos Transportes: - Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, o problema não se resolve com a demissão da Administração da TAP.
Devo dizer também que a estratégia que foi adoptada é legalmente assumida, e o Governo também a assume. O Governo não diz que não a irá assumir, mas que irá, por todos os meios, encontrar as soluções que viabilizem a empresa e que salvem os postos de trabalho, como já foi dito.

Vozes do PSD: - Mas concorda ou discorda?

O Orador: - Discordo de quê?

O Sr. Arménio Santos (PSD): - Do acordo!

O Orador: - É evidente que não acho que este acordo que está em cima de mesa seja razoável ou equitativo e, nessa medida, desenvolveremos todos os meios para...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é razoável mas mantém-se.

O Orador: - Desculpe, Sr. Deputado, mas não está a deixar-me responder.
Já disse que não acho razoável e equitativo o acordo e, como tal, desenvolveremos todos os meios...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Então a administração fica na mesma?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Fica tudo na mesma?!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Gostaria de informar o Sr. Ministro, já que pediu a palavra, que, se quiser, para além do tempo de que o Governo ainda dispõe, arranjaremos mais algum tempo para o Sr. Ministro intervir.
Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, a intervenção do Governo neste debate é mais atrapalhada do que a trapalhada em que se meteu com a comissão arbitral e com a avaliação.

Risos do PSD.

Sr. Ministro, ou Sr. Secretário de Estado - já não sei a quem é que tenho de perguntar, depois decidirão quem é que reponde -, a questão é a seguinte: o Sr. Ministro e o Sr. Secretário de Estado voltaram a afirmar, distribuindo inclusivamente o comunicado, que o recurso ao mecanismo de arbitragem, que o Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território subscreveu, incidia exclusivamente sobre os tempos de voo e repouso. Como o Sr. Ministro confirmou aqui, o Sr. Presidente do Conselho de Administração da TAP, a 2 de Maio, «informou o nosso accionista do conteúdo da arbitragem», incluindo as questões salariais.
A questão é simples, Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado: perante a desautorização que é manifesta nesta declaração do Presidente do Conselho de Administração da TAP em relação ao mandato que o Governo diz que deu para a comissão arbitral, o que é que fez o Governo? Demitiu o Conselho de Administração? Se não demitiu, assumiu todo o processo da comissão arbitral desde Maio até hoje!
O que é que fez o Governo, uma vez que o seu representante, enquanto accionista, violou as normas que tinha recebido?
Sr. Secretário de Estado, a segunda questão que lhe quero colocar, e à qual espero que responda, é a seguinte: o Gover-

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no veio dizer, de forma mais ou menos explícita, que responsabilizava a administração da TAP pelas consequências deste processo. Se isto é verdade - e é o que se deduz das vossas intervenções -, pergunto como é que responsabiliza a administração. Com que consequências práticas? Com que efeitos práticos?
A terceira questão que gostaria de colocar prende-se com a avaliação. Os senhores justificam a alteração dos valores de avaliação porque se alteraram as condições dos mercados financeiros e se passou para um ciclo de baixa. Gostaria de saber por que é que, de acordo com o que deve ser uma decisão racional em economia, os senhores não esperaram por um novo ciclo de alta, por um momento em que o processo de privatização, no quadro em que os senhores se movimentam - porque nós estamos contra a privatização -, pudesse ter como consequências melhores receitas financeiras para o Estado, como aliás alguns colegas seus, membros do Governo, lhe sugeriram.
Por que é que tiveram esta pressa em vender a TAP num ciclo de baixa, pelo mínimo valor de todos, e andaram em busca de sucessivas avaliações até encontrarem o valor mínimo que a Swissair pretendia? Porquê, Sr. Ministro?
Última questão: como é que vão resolver o problema da arbitragem? Vão negociar com os pilotos a entrada no capital da TAP contra, eventualmente, a cedência por estes de alguns pontos? Contra os interesses dos outros 7000 trabalhadores? E contra os interesses da TAP como transportadora aérea nacional e como empresa estratégica?
As questões que coloquei são concretas e, para questões concretas, queremos respostas concretas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, o senhor veio aqui dizer que o Governo assumia os resultados da arbitragem. Quero dizer-lhe que a sua afirmação é perfeitamente «la palissiana», porque o Governo não tem de assumir ou deixar de assumir, na medida em que se trata de uma sentença judicial, embora proferida por um tribunal arbitral, que, como tal, só tem de ser cumprida.
A questão que se coloca, e julgo que, de certo modo já foi aqui colocada mas é importante enfatizá-la para que o Governo responda de uma vez por todas e de forma clara, é a seguinte: o Governo concordou ou não com o alargamento do objecto do tribunal arbitral por parte do conselho de administração da empresa? O Governo, no dia 2 de Maio de 1998, quando foi informado, concordou ou não?

Vozes do PSD: - Exactamente!

O Orador: - E, se não concordou, por que é que não agiu em conformidade com a discordância? Esta é a questão que tem de ser respondida.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Transportes.

O Sr. Secretário de Estado dos Transportes: - Sr. Presidente, Sr. Deputado, permito-me ler aqui, digamos, aquilo que são os estatutos do conselho de administração da TAP. Neles se refere o seguinte: compete ao conselho de administração celebrar convenções de arbitragem. Isto é algo que vem nos estatutos, não é...

Protestos do PSD, do CDS-PP e do PCP.

Peço desculpa, a quem compete discutir os acordos de empresa é ao conselho de administração, e o conselho de administração tem legitimidade para celebrar convenções arbitrais.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Então, por que é que o Governo subscreveu a criação da comissão de arbitragem?!

O Orador: - O Governo abriu a porta para que houvesse tempos máximos de trabalho e tempos mínimos de repouso. Mas isto é uma coisa, agora, a comissão administrativa tem plena autonomia para o fazer, independentemente das tutelas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Então, o que é que o Governo veio fazer?!

O Orador: - Não! O Governo, quando quer intervir nas empresas, intervém pelos mecanismos próprios, que são as assembleias gerais. Sabe perfeitamente disso!
Portanto, que fique claro que o Governo...

Protestos do PSD.

No que diz respeito ao valor da avaliação, Sr. Deputado, já o justificámos perfeitamente e tenho todos os elementos que lhe permitam avaliar e fazer o que entender. Repito: neste momento, tenho todos os elementos que lhe permitem avaliar a decisão do Governo nesta matéria.
A questão das avaliações e a questão da privatização são, de facto, questões que dizem respeito ao accionista.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, quero apenas solicitar que a Mesa pergunte ao Governo que tipo de texto é que o Ministério subscreveu e que vem referido no comunicado? É uma portaria? É um despacho? Onde foi subscrito? Foi subscrito no âmbito da assembleia geral? Foi subscrito, enquanto entidade tutelar da empresa?

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Está lá escrito que é um comunicado!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, já percebemos o sentido da sua interpelação.
Estão inscritos os Srs. Deputados Falcão e Cunha e Arménio Santos. Pergunto ao Sr. Deputado Falcão e Cunha para que efeito pretende usar da palavra.

O Sr. Falcão e Cunha (PSD): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Vou dar-lhe a palavra mas, antes, recordo aos Srs. Deputados que o Sr. Ministro está inscrito para uma intervenção.
Tem a palavra, Sr. Deputado Falcão e Cunha.

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O Sr. Falcão e Cunha (PSD): - Sr. Presidente, é uma verdadeira interpelação, porque gostava de ver se conseguimos esclarecer aqui uma questão: o Governo é ou não accionista da TAP? O único accionista da TAP?1

Vozes dos Membros do Governo: - É o Estado!

O Orador: - O Estado é ou não o único accionista da TAP?

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, está feita a pergunta. Posso responder que não sou eu...

O Orador: - Sr. Presidente, deixe-me concluir a pergunta...

O Sr. Presidente (João Amaral): - Não, Sr. Deputado, não deixo! O Sr. Deputado está a interpelar-me...

O Orador: - Estou a interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Então, faça favor.

O Orador: - Gostava de saber se é ou não o Governo que representa o Estado como accionista da TAP. É que verifico que, desde Maio do ano passado, quando o conselho de administração...

Protestos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado...

O Orador: - ... disse que ia fazer uma determinada arbitragem,...

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, estou a pedir-lhe...

O Orador: - ... já houve duas assembleias gerais e o Governo não actuou! O Governo não actuou, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Já conseguiu fazer toda a sua pergunta, não é verdade?!

O Orador: - Terminei a pergunta...

O Sr. Presidente (João Amaral): - Então, agora, agradeço-lhe que termine a interpelação...

O Orador: - Já terminei, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, de facto, algum dia havemos de considerar se existe ou não Regimento da Assembleia da República... Mas também, como as eleições estão perto, admite-se alguma liberdade de palavra.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território.

O Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: - A questão é muito simples.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Quem diria!...

O Orador: - O anterior Governo, com a assinatura dos Srs. Engenheiro Ferreira do Amaral e Primeiro-Ministro Cavaco Silva, conferiu ao conselho de administração da TAP competência para celebrar convenções arbitrais.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - E daí?!

O Orador: - Embora hoje digam que nunca fariam isso, sempre o fizeram! Fizeram-no na Lusoponte e quase em dezenas de casos!

Protestos do PSD.

Portanto, esta convenção arbitral resultou de uma competência...

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Ministro, deixe-me dizer o seguinte: peço aos Srs. Deputados da bancada do PSD e de todas as outras bancadas que deixem ouvir o orador.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Já o devia ter feito, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Ministro António Costa, já o devia ter feito mas não sou obrigado a explicar aos agentes parlamentares como é que devem usar da palavra. Posso fazer um pequeno curso nos Passos Perdidos...
Faça o favor de prosseguir, Sr. Ministro.

O Orador: - Esta convenção resultou de uma competência que foi conferida pelo Governo de Cavaco Silva ao conselho de administração da TAP e que está plenamente em vigor,...

Vozes do PSD: - Tinha de ser!

O Orador: - ... embora quem assinou essa convenção diga que não a conhece. Pela minha parte, nunca digo isso!
Em segundo lugar, a decisão da comissão arbitral, contra aquilo que está previsto nos próprios termos da convenção arbitral, na cláusula 3.3 da sua decisão, deveria garantir que, pela vontade da TAP e do SPAC, estariam sempre salvaguardadas a competitividade da TAP e também a rentabilidade da operação. Isto está escrito na convenção! Sucede que a comissão vai em sentido contrário e, como é sabido e está comprovadíssimo, se a decisão for posta em execução tal e qual representará a falência técnica da TAP em menos de dois anos.
Gostaria de informar a Câmara do seguinte: depois desta convenção, só para levar a TAP a valor zero o Estado teria de lá colocar 174 milhões de contos!

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Repito: com esta convenção, só para colocar a TAP a valor zero são precisos 174 milhões de contos; para colocar a TAP ao seu valor actual...

Vozes do PSD: - Então, o que é que faz?!

O Orador: - Portanto, nestas condições, consideramos a convenção não equitativa, não razoável, contra a competitividade da TAP, contra a rentabilidade da operação, contra os postos de trabalho. O Governo lutará, por todos os meios legais ao seu alcance, para que a TAP não tenha o

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destino que esta convenção lhe oferece, que é a sua falência técnica. Este é o compromisso que assumimos perante vós!
Finalmente, os Srs. Deputados perguntam quais as conclusões da reunião de 14 de Agosto. São conclusões da reunião! Por que é que o Governo assinou estas conclusões com o SPAC? Pela simples razão de que estas conclusões foram destinadas a pôr fim a uma requisição civil, acto do Governo e não do conselho de administração, pelo que era ao Governo que competia assumir as respectivas responsabilidades. Foi por isso! As negociações de acordos de empresa são um acto de gestão, pelo que, segundo a lei, são da exclusiva competência de um conselho de administração, competindo ao Governo, como tutela, em assembleia geral, tomar as decisões necessárias.
Por outro lado, diz, por escrito, o Dr. José Miguel Júdice, que acompanhou esta convenção, que os resultados foram completissimamente inesperados e, como é evidente, não é aceitável, não é razoável, não é equitativo que, de facto, se coloque uma empresa em falência técnica e se queira dizer que essa convenção arbitral é justa e equitativa.
Assim sendo, a partir de agora, e uma vez feitos todos os estudos comprovativos que não deixam margem para dúvidas, o Governo vem dizer aqui, a esta Câmara, que fará tudo para salvar os postos de trabalho, que fará tudo para que este acordo não entre em execução tal e qual está e que fará tudo para que, de facto, por irresponsabilidade seja de quem for, a TAP não fique liquidada. É este o compromisso que o Governo assume perante o País! Aliás, já o assumiu e levá-lo-á em frente, para vosso desespero!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, estão inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Arménio Santos e Lino de Carvalho. A Mesa já deliberou dar um período razoável, mas pequeno, para que os pedidos de esclarecimento sejam feitos e para que o Governo responda.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, peço desculpa, permite-me o uso da palavra?

O Sr. Presidente (João Amaral): - Pede a palavra para que efeito, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, pretendo exercer o direito regimental de defesa da consideração da minha bancada.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, pelas suas afirmações, já se percebeu que o Sr. Ministro discorda de tudo e do seu contrário.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Exactamente!

A Oradora: - Depois de o Sr. Ministro ter falado ficámos rigorosamente na mesma! Percebe-se que não concorda com nada, depois não concorda com tudo e, afinal, não se percebem as suas afirmações nem a sua visão sobre esta matéria. Mas há uma coisa que me parece que já todos entendemos: o Sr. Ministro percebe que, de acordo com as suas afirmações, a estas horas, a administração da TAP devia estar demitida...

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - ... e não existe, neste País, Governo que seja capaz de tomar essa decisão. Portanto, aquilo de que o Sr. Ministro está à espera é de que eles se demitam!

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Isso é falta de coragem!

A Oradora: - Ó Sr. Ministro, para isso não precisamos de Governo neste País, bastam directores-gerais que sucede tudo da mesma forma.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território.

O Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, os resultados da arbitragem são verdadeiramente desastrosos para a TAP e para o País, irrazoáveis e indefensáveis.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Exactamente! E agora o que é que faz?

O Orador: - Não se pode julgar, creio eu, como foi a comissão encarregada de o fazer, mas leio a cláusula 3.ª, n.º 2: «Ao celebrarem este acordo de empresa, a TAP e o SPAC pretendem, em particular: a) (...) estabelecer condições adequadas de prestação de trabalho que potenciem a competitividade da empresa; b) Contribuir para a rentabilidade da operação (...)». Esta é a vontade da TAP e do SPAC mas, depois, atirou-se com uma bomba atómica sobre a empresa para rentabilizar a operação.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Qual operação?

O Orador: - Pela pura leitura deste documento, sou levado a concluir que, tendo a TAP e o SPAC a vontade de que o acordo de empresa contribuísse para a rentabilidade da operação...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Mas qual operação?

O Orador: - A operação de transporte aéreo! Trata-se da linguagem técnica do acordo. O Sr. Deputado não o tem presente, mas esclareço que é de facto do transporte aéreo.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não o conheço, nem tenho de o conhecer! O senhor é que tem de esclarecer!

O Orador: - Está esclarecido!...
Tendo a TAP e o SPAC afirmado àquela comissão arbitral que pretendiam estabelecer condições adequadas de prestação de trabalho que potenciassem a competitividade da empresa, o que é que fez a comissão arbitral? Para potenciar a competitividade da empresa, manda-a para a falência técnica! Está comprovado! Portanto, nestas condições, como diz o Dr. José Miguel Júdice, a 25 de Março...

Protestos do PSD.

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O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Ministro, faça favor de prosseguir a sua exposição.

O Orador: - Em 25 de Março, como diz o mandatário da empresa, tudo estava a correr bem. Logo a seguir, no dia 30, vem a decisão arbitral e o mesmo mandatário diz-se surpreendidíssimo! Isto significa que, se há qualquer coisa de absolutamente extraordinário e anómalo, não é no sistema de arbitragem, o qual foi consagrado numa lei desta Assembleia de 1986 e num decreto-lei de 1979, usado abundantemente pelo anterior governo, nas mais variadas circunstâncias, e neste ainda, e consagrado, no caso particular da TAP, num decreto-lei, da responsabilidade do Primeiro-Ministro Cavaco Silva e do ministro da tutela Ferreira do Amaral, que distribuo.
Portanto, não é o instituto da arbitragem que está em causa!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O que está em causa é o Governo!

O Orador: - O sistema da arbitragem é bom, cada vez mais recorremos a ele, e é tão bom que, neste caso, como em muitos outros, cada vez mais o Estado a ele recorre, cada vez mais os particulares a ele recorrem, cada vez mais esta Assembleia - esta mesma Assembleia! - recomenda o seu uso!

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Então, estamos perante uma fatalidade?!

O Orador: - O que está em causa é uma aplicação singular, um caso particular desse instituto da arbitragem. Como tal, o Conselho de Administração da TAP, ao usar o instituto da arbitragem, usou um instituto que, cada vez mais, entra na ordem jurídica normal portuguesa, que tem sido usado nas mais diversas ocasiões e, mais, que o governo anterior consignou expressamente no seu próprio estatuto como podendo e devendo ser usado! Portanto, não é o sistema da arbitragem que está aqui em causa!
Dito isto, está em causa este resultado concreto, completamente imprevisto, ruinoso,...

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Ministro, tem de terminar.

O Orador: - ... não equitativo, injusto e que, em vez de fazer o que os próprios árbitros deveriam fazer, que era potenciar a competitividade, arrasa a TAP, em vez de rentabilizar a operação, chumba-a, de tal modo que seria preciso fazer entrar 194 milhões de contos...

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Ministro, tem de concluir!

O Orador: - Portanto, Sr.ª Deputada, é muito fácil, como disse o presidente da TAP, «adivinhar o Totoloto à segunda-feira», ou seja, que este resultado seria desastroso para a TAP. Mas nada o fazia esperar e a surpresa é essa!

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Mas, então, não precisamos do Governo para nada?!

O Orador: - Agora, uma vez que ele se verificou...

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Ministro, não posso deixá-lo continuar, porque o Sr. Ministro ainda tem de responder a perguntas, como se recorda!

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.
Uma vez que ele se verificou, o que o Governo vem dizer é que usará todos os meios à sua disposição, sem excluir um só, para impedir que esta convenção arruine a TAP e a leve à falência - essa garantia lhe dou! E a Sr.ª Deputada não tem do que esperar que o tempo confirme isto.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Passamos, então, aos pedidos de esclarecimento.

Tem a palavra o Sr. Deputado Arménio Santos.

O Sr. Arménio Santos (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, eu estava a ouvi-lo e confesso que é difícil termos uma representação do Governo com as dificuldades que o senhor tem estado a manifestar. O senhor não respondeu a questão alguma, assume-se quase como um guarda-redes que é goleado e que está sistematicamente dentro das redes, não respondeu às questões das avaliações, não explicou por que é que se começou com um valor na TAP de 104 milhões de contos e estamos em 50 milhões de contos. E, Sr. Ministro, é o próprio Conselho de Administração que se permite dar preços abaixo daqueles que foram dados pelos consórcios consultados e contratados para avaliar a empresa. Coisa nunca vista: desvalorizar-se aquilo que se quer vender! Eu, se quero vender algo, proeuro «puxar» ao máximo o seu preço, mas o Conselho de Administração da TAP faz exactamente o contrário: desvaloriza a própria empresa.
O Sr. Ministro não explicou o que é que vai fazer com este acordo que avalizou. É que, desde o dia 2 de Maio de 1998, V. EX.ª teve conhecimento do conteúdo desta arbitragem, os senhores foram solidários com a administração, apoiando-a politicamente, e o senhor diz que, se esta convenção for por diante, há a falência da empresa, mas nada mais diz!
Sr. Ministro, quero dizer-lhe que é confrangedor ouvirmos, da parte do Governo, as respostas de «zero» que, até aqui, têm estado a dar às questões que colocámos. Penso que talvez a Administração tenha razões para estar tranquila, mas os portugueses não têm, Sr. Ministro!
O senhor, ainda há instantes, falou do governo do Prof. Cavaco Silva, mas este governo teve a coragem política de canalizar para lá 180 milhões de contos, que os senhores, agora, estão a delapidar, a desgovernar: em vez de criarem condições para que aquela empresa tenha viabilidade económica e financeira, tenha estabilidade social, seja um instrumento estratégico para a imagem do nosso país no mundo, os senhores chegam aqui, com o «baraço ao pescoço», a dizer que estão à beira da falência! De quem é a culpa? É do Governo, porque os senhores não têm estado a assumir as vossas responsabilidades!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E não vale pena estar aqui a «sacudir a água do capote», Sr. Ministro!

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Exactamente!

O Orador: - O Governo, mais do que palavras, deveria tomar decisões, atitudes, acções! É que isso pode ser muito agradável para a Administração mas, do ponto de vista dos portugueses, dos interesses nacionais e dos trabalhadores, há motivos para todos estarmos muito preocupados! Com as respostas que os senhores nos deram aqui, temos razões para estar mais preocupados do que quando iniciámos este debate!

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente (João Amaral): - Tenho a indicação de que o Sr. Ministro responderá conjuntamente aos pedidos de esclarecimento, pelo que tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, não vou entrar no debate de saber quem é que fez mais malfeitorias à TAP, se foi o PSD, se foi o PS. Ontem, como hoje, temos a mesma posição. Pensamos que a TAP é uma transportadora aérea nacional que se deve manter enquanto empresa pública, é uma empresa estratégica, é uma empresa em relação à qual se deve fazer tudo para a viabilizar, porque o que está em causa é, de facto, uma empresa estratégica para o País e os postos de trabalho de mais de 7000 trabalhadores.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - É esse conjunto que temos de ter em atenção quando apreciamos, designadamente, esta «trapalhada» da decisão arbitral.
Mas, Sr. Ministro, é evidente que não é o instituto da arbitragem que está em causa, mas, sim, a ligeireza, o «demissionismo», a irresponsabilidade - peço desculpa pelas palavras, mas não encontro outras - com que o Governo acompanhou este processo! Essa é que é a questão, Sr. Ministro! O Sr. Ministro não respondeu à questão concreta que coloquei, e esta não é uma questão pessoal. O Sr. Ministro, há pouco, colocou a questão pessoal da sua verticalidade, mas não estamos a discutir isso, estamos a discutir questões políticas!
Há pouco, coloquei uma questão muito concreta, Sr. Ministro. O Sr. Ministro reconheceu aqui que o Governo subscreveu - a expressão é do Governo, não é minha - um mecanismo de arbitragem com determinados objectivos. O Presidente do Conselho de Administração da TAP, representante do accionista, informou o accionista, em 2 de Maio, que a comissão de arbitragem tinha ultrapassado os objectivos para que tinha sido criada. E o que é que o Governo fez? Aceitou, não demitiu o Conselho de Administração, logo, assumiu implicitamente os riscos deste processo! É ou não verdade, Sr. Ministro? É ou não verdade?

Vozes do PSD: - É!

O Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território: - Não!

O Orador: - Assumiu, assumiu automaticamente! Se o Governo entendesse que a comissão arbitral estava a exceder os poderes que o Governo tinha subscrito, tinha vários mecanismos: poderia propor que o árbitro se retirasse, podia demitir a administração da TAP, e nada disso fez! O Governo assumiu! Portanto, o Governo não venha agora aqui querer passar as culpas! O Governo diz que o Conselho de Administração tem poderes e deu-os à comissão arbitral, e o Sr. Presidente do Conselho de Administração da TAP, entrevistado na televisão, quando lhe perguntaram «então, por que é que o árbitro não se demitiu?», respondeu «o melhor é perguntar ao árbitro!» Sr. Ministro, daqui a pouco, o responsável por estas questões é o porteiro da TAP!

Risos do PSD.

Outra questão é a da falência técnica. O Sr. Ministro diz que vai fazer tudo para salvaguardar a TAP. Muito bem! A minha pergunta, muito concreta, é a seguinte: o que é tudo, concretamente?

O Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território: - É tudo!

O Orador: - O Governo deu instruções à TAP para negociar com os pilotos a sua entrada no capital da TAP como contrapartida de cedência no acordo? Sim ou não? E, se sim, como é que isto vai ser gerido com os 7000 trabalhadores da TAP? E, se sim, com que garantias para o futuro da TAP, enquanto empresa estratégica nacional?

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, peco-lhe que conclua.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.

O Governo diz que vai fazer tudo, e eu pergunto: isso inclui a demissão da administração da TAP?
A última pergunta, Sr. Ministro, é a seguinte: face a esta situação, o Governo vai ou não suspender o processo de privatização da TAP e abrir um debate e uma reflexão, como propusemos, sobre a situação da empresa e o seu futuro, com os trabalhadores e todas as entidades interessadas nesta questão?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Dado que lhe foram formulados dois pedidos de esclarecimento, de 3 minutos cada, vou dar, nos termos regimentais, 5 minutos ao Governo para responder.

Tem a palavra, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, sejamos coerentes com aquilo que afirmamos neste Plenário. O Sr. Deputado disse algo muito simples e enfático, ou seja, que não é o sistema de arbitragem que está em causa. Pois claro que não é! Mas, logo a seguir, disse que mal o Governo teve conhecimento que o Conselho de Administração, no uso legítimo das suas prerrogativas, adoptava o sistema de arbitragem, logo ali, à nascença, o Governo deveria ter intervindo contra o sistema da arbitragem!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não é nada disso!

O Orador: - Isto é ou não, logicamente, pôr em causa o sistema da arbitragem? Sejamos coerentes, pelo menos, no discurso! Se o Governo...

Protestos do PSD, do CDS-PP e do PCP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, não sei se repararam que o Sr. Ministro ouviu, sem ruído de maior, as vossas perguntas, pelo que não sei se será pedir-lhes muito que ouçam, nas mesmas circunstâncias, o Sr. Ministro!
Faça favor de continuar, Sr. Ministro.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente. Sejamos lógicos! Se se é contra o sistema da arbitragem, mal o mesmo entre em jogo, isso implica penalização de quem o usa! Se se diz que o sistema de arbitragem não está em causa, que é bom, então, a que título penalizar

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quem o usa, quando está, por lei, autorizado a isso?! Isso não é lógico.
Em segundo lugar, Sr. Deputado Lino de Carvalho, a privatização da TAP estava negociada com os suíços, na parte que diz respeito ao parceiro estratégico, de acordo com «operador de transporte aéreo». Naturalmente, nestas circunstâncias, sobrestamos sobre essa questão e aguardamos que tudo isso se esclareça. O que é que o Governo vai fazer? Está respondido! Sobre a privatização da TAP, o decreto-lei da privatização está e continuará em vigor até que tudo se esclareça e, como é evidente, o acordo firmado com a Swissair não está em condições de ser validado pela simples razão de que, na eventualidade - e eu digo sempre «na eventualidade» - de esta decisão arbitral ser executiva, é evidente que a TAP passa a ter um valor negativo de 207 milhões de contos,...

O Sr. Arménio Santos (PSD): - Como é que chegou a esses números?

O Sr. Falcão e Cunha (PSD): - Ainda vamos ter de pagar esse valor à Swissair!

O Orador: - ... do qual 60 milhões de contos positivos... O que é que o Governo vai fazer? Sr. Deputado Lino de Carvalho, o Governo garante à Assembleia que, no uso de todas as competências que a lei lhe dá, actuará de modo a salvaguardar os interesses do País e da TAP. O Sr. Deputado Lino de Carvalho pergunta o que é que isso quer dizer. O Sr. Deputado quer negociar comigo, já aqui? E em nome de quê?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não sou piloto!

O Orador: - Ah, bom! Óptimo! Olhe que não pilota mal, deixe que lhe diga!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Pelos vistos, o Sr. Ministro negoceia mal!

O Orador: - Eu não tenho de negociar consigo o que quer que seja, não tenho de explicar agora à Câmara, em detalhe, o que são negociações feitas no âmbito da empresa, no mundo empresarial, no contexto da separação que existe entre a tutela e uma empresa. Isso está estabelecido por lei! O que digo é que o Governo, no momento próprio, quando chegar a ocasião... O acordo nem sequer está em vigor! O acordo arbitral pode ser, efectivamente, declarado inválido, não estou a dizer que o venha a ser, estou a dizer que pode! Neste momento, não está em vigor e, não estando em vigor, a Câmara quer que eu vá, em nome do Governo, reconhecer o acordo, por cima da lei?! Não, neste momento, não está em vigor!
Sr. Deputado Arménio Santos, disse que o Conselho de Administração se atreveu a dar um valor à TAP, mas é obrigado, por lei, a fazê-lo.

O Sr. Arménio Santos (PSD): - Podia dar para cima, mas deu para baixo!

O Orador: - Em segundo lugar, quanto à questão de ter dado um valor para baixo... O Sr. Deputado dispõe de um mecanismo muito simples. A Comissão de Acompanhamento das Reprivatizações, que já tem vários anos de experiência, que já fez muitas avaliações de casos de privatização e que nunca foi posta em causa até agora, sendo reconhecida e apreciada, deu um valor de cerca de 53 milhões de contos, salvo erro. Nós negociámos a 60 milhões de contos, o que é mais. O Sr. Deputado e o seu grupo parlamentar têm poderes para chamar a secção especial da Comissão de Acompanhamento das Reprivatizações e pedir que lhes expliquem como é que chegaram a estes valores e porquê e, depois, venha dizer-me por que razão é que, do alto da sua sabedoria, e não conhecendo nada do dossier, vai, no fundo, ser capaz de dizer que autênticos profissionais, que têm sido justamente considerados dos mais sérios e competentes deste País, não têm razão. Falar é fácil, Sr. Deputado!

Aplausos do PS.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa da honra e consideração da minha bancada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, o Sr. Ministro não responde às questões, a nenhuma questão em concreto, acabando por dar só respostas ao lado. Dá a ideia que os outros que aqui estão não percebem nada disto, que o Sr. Ministro é o único inteligente!

O Sr. José Junqueiro (PS): - Por isso é que é ministro!

O Orador: - Por isso está a chegar, com a TAP, aos resultados que estamos a ver!
Sr. Ministro, primeiro comentário: com tanto valor negativo, decorrente das decisões da comissão arbitral, ainda corremos o risco de o Governo ter de dar algum dinheiro à Swissair.

O Sr. Azevedo Soares (PSD): - Sim, sim!

O Orador: - Sr. Ministro, quanto ao sistema de arbitragem, não venha confundir! A questão não é o sistema de arbitragem! Não passe ao lado da questão, Sr. Ministro! Não passe ao lado da questão, por favor! A questão concreta que se põe é a seguinte: a comissão de arbitragem foi subscrita pelo Governo, com um determinado mandato, o Governo tomou conhecimento que o mandato foi excedido... E o que é que fez o Governo? Nada! Assumiu, automaticamente, o novo mandato da comissão de arbitragem? É isto?!...
Sr. Ministro, o Governo é co-responsável por esta decisão, pois sabia que a comissão de arbitragem estava a trabalhar sobre elementos e objectivos diferentes daqueles que o Governo diz ter subscrito. Logo, o Governo assumiu o risco das consequências! E elas estão aqui, Sr. Ministro: irresponsabilidade, demissionismo e incompetência!
Última questão, Sr. Ministro: não quero que o Sr. Ministro negoceie comigo! Negocie com quem entender negociar. Aqui, o Sr. Ministro tem é de responder às questões que lhe são colocadas e, no plano das hipótese, eu insisto perguntando-lhe: então, no plano das várias hipóteses para a negociação, para a resolução desta trapalhada, o Sr. Ministro admite a hipótese de trocar cedências no acordo pela entrega de acções da TAP aos pilotos, a uma parte dos trabalhadores? Admite ou não? E, se admite, o que é que vai fazer com os restantes trabalhadores e como é que salvaguarda o futuro da TAP enquanto empresa estratégica nacional?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para dar explicações, se pretender, tem a palavra o Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território.

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O Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território: - Sr. Deputado, vamos ver se nos entendemos. Mas se quiser desentender-se, isso é fácil...! Não há nada melhor para encontrar um desentendimento do que procurá-lo afincadamente, como o Sr. Deputado faz muitas vezes, sem consequências, aliás.

O Sr. Azevedo Soares (PSD): - Isso é alta filosofia! Parece o Sócrates.

O Orador: - A questão é muito simples: em 14 de Agosto de 1997, no tempo em que vigorava uma requisição civil, nas conversações que levaram ao fim dessa requisição civil punha-se uma questão totalmente diferente, de que o Sr. Deputado talvez não se recorde mas que eu vou dizer. Nessa altura, o Governo preparava uma portaria sobre tempos de voo e de repouso e entendiam alguns que, dizendo o acordo de empresa da TAP que deveria ser cumprida a portaria em vigor - era assim que estava escrito -, uma nova portaria, entrando em vigor, logo era obrigatória. Ora, o Governo quis garantir ao SPAC a liberdade de negociação laboral, dizendo que não subscrevia essa teoria. Entendia que devia haver negociação laboral, que o assunto deveria ser levado a um acordo e que só na última das últimas instâncias o Governo, como tutela e como accionista - as duas coisas, conjuntamente -, daria indicações ao Conselho de Administração da TAP, nesse caso preciso, para que houvesse uma comissão arbitral, se necessário. Como tutela e como accionista, assumia as suas responsabilidades.
Num outro processo totalmente distinto, que não foi esse, que englobou esse mas que excedeu muito esse, o Conselho de Administração usou a deliberação de constituir uma comissão de arbitragem. Que não era a primeira, que não era uma extensão da primeira, era outra que englobava a primeira!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Agora descobriu que é outra?!

O Orador: - Isto é muito claro!
Comunicou-nos no dia 2 de Agosto... E o Sr. Deputado diz: «bom, deveriam ter liquidado logo ali o assunto.» Por que é que não o fizemos? Porque tal era contra o sistema da arbitragem. E embora diga que o sistema da arbitragem é bom, só poderíamos dizer o oposto se fossemos contra o sistema, e nós não somos contra o sistema.
Entretanto, tem-se perguntado aqui: «Mas, então, o que é que o árbitro da TAP lá estava a fazer?».
Srs. Deputados, os árbitros, que são indicados pelas partes, escolhem, entre si, o árbitro presidente, e - atenção a isto!... - é deontologicamente incorrecto, não é aceitável que os árbitros, uma vez indicados pelas partes, se entendam ou falem sequer com as partes.
Portanto, constituída, digamos assim, a comissão de arbitragem, esta é como se fosse um tribunal. Nem o Governo nem o Conselho de Administração devem influenciar os árbitros, a não ser nos próprios termos precisos do funcionamento das comissões de arbitragem: indicam um mandatário e esse mandatário fala com os árbitros, que depõe quando os árbitros o solicitam a depor, e entregam, através do mandatário, a documentação. As comissões de arbitragem não andam a combinar o que quer que seja com os árbitros! E os árbitros são soberanos! Depois, têm de julgar segundo a equidade, têm de julgar segundo um critério de razoabilidade e têm de julgar de modo a exprimir a vontade das partes. A arbitragem é instrumental, o que é fundamental é o acordo, é a vontade das partes! E está aqui dito que «(...) era vontade das partes, TAP e SPAC, assegurar a competitividade da empresa, assegurar a rentabilidade das operações».
Portanto, o que eu digo é que a convenção arbitral, os juizes, sabendo ou não - e não estou agora a dizer mais nada -, objectivamente violaram a vontade das partes. Foram contra a vontade das partes, como conjunto, como entendimento, na medida em que, em vez de assegurarem a competitividade, ditaram uma sentença que arrasa a TAP, em vez de assegurarem a rentabilidade impuseram um prejuízo que, sendo capitalizado, leva a TAP a 207 milhões de contos negativos.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - O Sr. Ministro está a repetir-se e não responde às questões.

O Orador: - Se isto é equidade, se isto é assegurar a competitividade...

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Ministro, tem de concluir.

O Orador: - Eu concluo, Sr. Presidente.
Isto quer dizer que, na minha opinião - e é a minha opinião que estou a manifestar -, é uma péssima decisão arbitral, é um erro da comissão arbitral, é um atentado contra a empresa e contra os seus trabalhadores.
Portanto, o Governo usará de todos os meios que a lei lhe confere - e num Estado de direito a lei confere muitos meios - para que esta decisão seja apreciada no seu valor justo para com a TAP e para com a sociedade.

Aplausos do PS.

O Sr. Arménio Santos (PSD): - No problema da TAP a culpa não é sua, a culpa é do Sr. Primeiro Ministro.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, está concluído o debate de urgência sobre a situação da TAP e a estratégia do Governo para o futuro da companhia, que devia ter demorado 1 hora e demorou 1 hora e 40 minutos.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Mota Amaral.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar no período da ordem do dia.

Eram 19 horas e 25 minutos.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Vamos proceder ao debate, na generalidade, do projecto de lei n.º 653/VII - Aprova medidas tendentes à revisão da situação de militares que participaram na transição para a democracia iniciada em 25 de Abril de 1974 (PS e PCP).
Para apresentar este diploma, tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, Sr. e Srs. Deputados: No momento em que nos aprestamos para comemorar o 25.º aniversário da Revolução libertadora do 25 de Abril, mal ficaríamos com as nossas consciências de democratas se continuássemos a pactuar com a subsistência de situações de gritante injustiça, que vieram afectar a situação de signifi-

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cativo número de militares, todos eles participantes activos quer no derrube do regime ditatorial quer no processo, então iniciado, de transição para a democracia.
Nada justifica a permanência dessas situações. Pelo contrário, tudo impõe que sejam rapidamente revistas e reparadas, à luz não só de incontornáveis critérios de justiça como do espírito de reconciliação nacional, que já originou, em 1984, a revisão da situação dos militares objecto de actos de saneamento administrativo, na sequência da própria Revolução.
Porque é sobretudo - e com efeito - de um acto de justiça que se trata, e não da concessão de qualquer espécie de privilégios ou honrarias, que violariam o princípio da igualdade de direitos e deveres tão caro aos revolucionários de Abril.
Um acto de justiça, porque todos sabemos que esses militares se viram prejudicados nas suas carreiras em consequência do seu empenhamento activo e generoso na Revolução, num período em que as difíceis circunstâncias que rodeavam a sociedade portuguesa impunham à sua presença à frente dos órgãos do Estado.
Um acto de justiça, porque todos sabemos que não era fácil encetar uma transição rápida e linear para a democracia num País marcado pela desinformação e pela anestesia cívica, fomentadas pela ditadura, e mergulhado numa guerra colonial de 13 anos, que limitava as alternativas em termos de estratégia descolonizadora.

O Sr. José Magalhães (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - Foram tempos de aprendizagem e tacteamento, esses, para tantos de nós, militares e civis, dirigentes do MFA ou dirigentes de partidos políticos e sindicatos. Tempos em que os partidos, conscientes da sua própria fragilidade e da necessidade de prevenir quaisquer tentativas de reposição das estruturas autoritárias do regime anterior, não prescindiam da aliança com o Movimento das Forças Armadas e consideravam os militares garantes de um processo de transição para a democracia.
Tempos em que esses mesmos militares souberam honrar o compromisso central do programa do MFA, de realização de eleições livres e sérias para uma Assembleia Constituinte, assim permitindo a emergência de uma legitimidade eleitoral de forças políticas civis, a qual, aliás, viria a revelar-se decisiva para a anulação de veleidades revolucionário-vanguardistas.
Tempos de transição em que o poder tinha de assumir, necessariamente, uma natureza político-militar, sob pena de se agravarem os riscos de uma generalizada confrontação no terreno civil, com o previsível e consequente bloqueamento de uma solução democrática na organização do novo poder.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - Nessa conjuntura difícil, marcada pela emergência de projectos de sociedade contraditórios, coube aos militares um papel para o qual, salvo raras excepções, não estavam nem podiam estar preparados, mas que, em boa verdade, mais ninguém na sociedade portuguesa podia desempenhar.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Cometeram erros? Sem dúvida. Mas quem não os cometeu? Tiveram, pelo menos, a coragem de arriscar e de assumir frontalmente um papel interventor que a esmagadora maioria dos portugueses, aliás, nessa altura lhes exigia. Nalguns casos com excessos e devaneios utópicos, é certo, mas não eram esses excessos e devaneios frutos da própria pressão exercida por uma parte da sociedade portuguesa da época? Ou já esquecemos os sonhos que percorreram inclusivamente alguns dos que hoje se sentam calmamente nos órgãos do Estado e nos mais diversos partidos, incluindo os que se situam à direita do leque parlamentar?
Catapultados para a assunção de um papel político, num ambiente de inevitável instabilidade, confusão e conflito de projectos, esses militares tiveram a coragem de dar a cara em vez de se refugiarem num prudente e, porventura, em certos casos, calculista distanciamento da ribalta dos acontecimentos políticos.
E, no entanto, a transição para a democracia foi concluída com inegável êxito e através, não o esqueçamos, de um pacto negociado e firmado entre o Movimento das Forças Armadas e os principais partidos políticos. Um pacto em que os militares do MFA, fiéis ao seu compromisso inicial do programa do 25 de Abril, aceitavam renunciar ao poder político e entregá-lo, em plenitude, aos representantes eleitos do povo português, como efectivamente veio a acontecer após a revisão constitucional de 1982.
Pela primeira vez na nossa História, numa revolução desencadeada por militares, estes acabam por sé remeter, voluntariamente, à sua função estritamente profissional, em disciplinada subordinação ao poder político civil legitimado democraticamente.
Como não evocar o contraste histórico que esta atitude representa relativamente à I República - no entanto implantada por uma revolução não estrita e autonomamente militar como o 25 de Abril - e ao longo da qual, nessa I República, se sucederam as intervenções dos militares na vida política, culminadas, como se sabe, com o infeliz 28 de Maio? E que diferença entre a atitude dos militares do 5 de Outubro, logo alvo de benesses e privilégios como pensões especiais e promoções automáticas, e a dos principais militares do 25 de Abril, que, de imediato, rejeitaram as propostas de Spínola e Costa Gomes para que fossem logo promovidos!

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Por todas estas razões, consideramos inaceitável que um número significativo de militares do 25 de Abril tenha sido tratado, por alguma hierarquia do período pós-revolucionário, como se tivessem participado num acto subversivo. Até mesmo Salgueiro Maia, em quem o País reconhece o herói-modelo do 25 de Abril, se viu seriamente prejudicado na normal ascensão na sua carreira pelo seu papel, aliás, exemplar, no 25 de Abril e em todo o processo subsequente! E por isso, com aquele humor amargo que o caracterizava, confessava aos seus amigos ser tratado como um «implicado» no 25 de Abril e correr mesmo o risco de, um dia, vir a ser julgado pelos actos subversivos cometidos no Terreiro do Paço e no Largo do Carmo.
É tempo, pois, de pormos cobro a esta absurda e escandalosa anomalia, que só nos envergonha perante a História. Se está fora de causa a concessão de quaisquer benesses ou privilégios aos militares de Abril, que os próprios seriam, aliás, os primeiros a rejeitar, não podemos, porém, continuar a pactuar com os prejuízos causados às suas carreiras por actos administrativos directos ou pelo clima de coacção em que foram envolvidos. É injusto e absurdo que estes militares tenham sido tratados como se, afinal de contas, tivessem perdido o 25 de Abril e o poder tivesse sido recuperado por aqueles mesmos que nesse dia foram derrotados!

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O projecto que ora vos apresentamos é, por outro lado, um projecto que prevê soluções equilibradas e realistas, distinguindo os procedimentos aplicáveis a militares em situação de reserva ou reforma dos procedimentos relativos aos militares no activo, e fazendo intervir, de forma apropriada, todos os órgãos que no Estado de direito democrático devem ser chamados a exercer as suas competências nos termos constitucionais.
É, por tudo isto, um projecto que reúne condições para um amplo consenso nesta Assembleia. Filha primogénita da Revolução de Abril e da sua Constituição, a Assembleia da Republica sairá prestigiada de uma votação maciça a favor da reparação de injustiças cometidas contra tantos que tornaram Abril possível e tiveram a coragem de assumir responsabilidades num período de transição tão difícil e tão delicado como foi o nosso.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Saibamos, pois, ser dignos do regime de tolerância, de respeito mútuo e de convivência cívica que soubemos criar, absorvendo conflitos e superando traumas. Até porque estamos convictos de que nenhum de nós está amarrado a uma concepção vindicativa da história, como se esta tivesse de ser feita através de permanentes ajustes de contas...

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Celebremos, pois, os 25 anos do 25 de Abril também por via deste acto, que, sendo de reconciliação e de concórdia, é, acima de tudo, um acto de justiça!

Aplausos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Peixoto.

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Reis, não questionamos o mérito dos capitães de Abril, mas também não podemos, de forma alguma, esconder ou escamotear que o processo político do 25 de Abril implicou um outro conjunto de injustiças, como, porventura, aquelas que V. Ex.ª há pouco frisou, especificamente referente aos militares de Abril.
Neste nosso espírito, que é de cooperação, que é construtivo e que é positivo, já anunciámos - e aproveito, de qualquer forma, para o dizer outra vez a esta Câmara - que vamos apresentar um projecto de lei no sentido de repor e de solucionar situações de grave injustiça referentes aos ex-funcionários da ex-administração pública das ex-colónias.

O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Assim, quero perguntar ao Sr. Deputado António Reis e ao seu grupo parlamentar se estão ou não disponíveis para também viabilizarem este nosso projecto.
Em termos muito gerais, dir-lhe-ia que o nosso projecto de lei pretende, de alguma forma, avocar ao regime do Decreto-Lei n.º 363/86, de 30 de Outubro, um conjunto de portugueses que, por questões processuais e por questões de tempo, não puderam auferir desse regime, não diria de privilégios, mas, pelo menos, de algum apoio.
Há esta lacuna que cria uma clara injustiça e, por isso, pergunto-lhe, porque vamos apresentar um projecto de lei para colmatar essa situação, se V. Ex.ª e se o seu grupo parlamentar estão ou não disponíveis para votar favoravelmente este nosso projecto de lei.

O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Peixoto, como é óbvio, não conhecemos ainda o vosso projecto de lei. Temos conhecimento dessa vossa intenção, mas, simplesmente, como calcula, são situações diferentes.
Neste caso do projecto de lei aqui apresentado por Deputados comunistas e socialistas, estamos perante uma situação perfeitamente tipificada que tem a ver exclusivamente com os militares afectados em consequência da sua participação no 25 de Abril e no processo de transição para a democracia e é sobre isso que incide a nossa discussão aqui neste momento.
Por outro lado, só estaremos em condições de manifestar a nossa posição sobre o projecto de lei que tencionam apresentar quando tivermos conhecimento do seu conteúdo. De qualquer modo, uma coisa é certa: o Grupo Parlamentar do Partido Socialista será sempre fiel ao valor da justiça e, em função do valor da justiça, dos casos concretos que nos forem apresentados e das justificações concretas que aqui forem dadas para a vossa iniciativa, assim procederemos. Contudo, convém não confundir situações, convém ter em conta que estamos perante quadros completamente distintos e questões completamente distintas. Neste caso, trata-se, realmente, de fazer justiça aos militares de Abril que foram objectivamente prejudicados nas suas carreiras e é sobre isto que incide hoje a nossa discussão.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi com muita satisfação e alegria que nós, Partido Comunista Português, participámos como co-autores e subscrevemos o projecto de lei que agora está em discussão e cujo o alcance é o de aprovar medidas para repor a justiça em relação a militares do 25 de Abril que foram atingidos pelas dificuldades do processo e que foram, de uma forma ou de outra, prejudicados na sua carreira ou dela afastados.
É essencial considerar que o alcance deste projecta não é o de conceder privilégios, sejam eles quais forem, mas, sim, o de fazer justiça, repondo a situação àqueles que, como já foi muito bem sublinhado, tiveram a coragem de dar a cara, àqueles que não ficaram em casa a ver os acontecimentos passarem, àqueles que correram os riscos da sua própria carreira - e muitos foram eles - para que em Portugal se instalasse a liberdade e a democracia.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Esta é uma questão central de todo este projecto. Evidentemente, podemos argumentar em sua defesa dizendo que foi feita legislação para os militares ligados ao 24 de Abril e que foram afastados, sendo impensável que não pudesse ser feita esta legislação. Mas devo dizer que este argumento é fraco. O argumento verdadeiro é o mérito destes militares,...

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O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... militares que não são uma categoria abstracta. Os militares de Abril são pessoas, cidadãos, militares em concreto, com nomes, com identidade própria e com a sua própria vida pessoal. São militares que souberam pôr essa vida pessoal ao serviço de uma causa comum que é a causa da liberdade.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Acontece que esta medida que aqui estamos a tomar coincide com a comemoração do 25.º aniversário do 25 de Abril. É, evidentemente, positivo que possamos associar a Assembleia da República, com este acto, a essas comemorações. Mas, Sr. Presidente, Srs. Deputados, é bom também esclarecer o seguinte: esta medida é uma medida de reposição da justiça ao nível das carreiras, ao nível dá situação profissional. Aquilo que o País deve aos militares de Abril é muito mais e não se paga com qualquer projecto de lei. Aquilo que o País deve aos militares de Abril é muito mais do que a reparação da carreira, é a eterna dívida de gratidão por eles terem tido a coragem, naquela madrugada de 25 de Abril, de sair à rua, de derrubar a ditadura e de abrir os caminhos da liberdade e da democracia.

Aplausos do PCP e do PS.

Esta situação de injustiça na carreira profissional em que eles vivem é hoje inaceitável, como foi inaceitável ao longo de todo este tempo. Foi-o e se de alguma coisa nos podemos penitenciar é de não termos conseguido encontrar mais cedo o consenso para aprovar esta norma. Mas, como diz o ditado, «vale mais tarde do que nunca» e, assim, assumindo agora esta posição, aprovando com um largo consenso este projecto de lei, é preciso que se diga que a Assembleia da República se prestigia e se honra aos olhos do país democrático que é Portugal.

Aplausos do PCP e do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Peixoto.

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Popular não questiona a validade dos serviços prestados ao País pelos militares de Abril. Desde sempre tivemos a nossa opinião formada e desde sempre entendemos a imagem política que em volta dos capitães de Abril pode ser agregada: generosidade, amor pelo povo português, desinteresse e patriotismo.
Hoje, volvidos que são 25 anos sobre o 25 de Abril e estabilizado que está o regime democrático, é de igual forma inquestionável que, objectivamente, o movimento revolucionário e a situação e circunstâncias políticas daí imediatamente decorrentes geraram, ou, pelo menos, não conseguiram impedir que se tivessem gerado, situações de grave e de grande injustiça que afectam milhares de portugueses, a maior parte deles inteira e absolutamente alheios a qualquer responsabilidade política e mesmo até social ou económica.
Portugueses, esses, que hoje, 25 anos depois, estão muito longe de serem, simbolicamente que fosse, ressarcidos dos seus próprios prejuízos e danos.
Neste contexto, que é certo e que todos reconhecemos, é bem possível que alguém possa, com alguma legitimidade, mesmo recôndita, argumentar que a vontade e a decisão política subjacentes ao projecto de lei que agora apreciamos poderia estar muito longe de constituir um prémio e um reconhecimento, mas, antes, um estigma negativo à ideia de generosidade e de patriotismo desinteressado que se agregou em torno dos capitães de Abril. Mas esta reflexão não é mais do que uma mera cautela.
No concreto e quanto ao projecto de lei agora em análise, não podemos deixar de apontar que ele próprio seja, porventura, propiciador da leitura mais negativa daquele propósito político. É que, pela sua total aleatoriedade e indeterminação de critérios, pode bem passar por um qualquer expediente onde tudo e todos caibam e por isso mesmo longe da efectiva e pontual justiça, essa desejável e querida, pelo menos entre nós, sempre a seu tempo.
No projecto em análise, quanto às injustiças cometidas, nem uma palavra que nos possa dar uma ideia sobre as injustiças em concreto de que estamos a falar. Diz-se que muitos militares viram as suas carreiras objectivamente prejudicadas em função de posições assumidas em consciência.
Que prejuízos objectivos são esses?
Diz-se, no artigo l.º, que o presente projecto de lei determina a revisão da situação dos militares dos quadros permanentes que participaram na transição para a democracia e, em consequência do seu envolvimento directo no processo político, se afastaram ou foram afastados ou cuja carreira tenha sido interrompida ou sofrido alteração anómala. Tudo isto são conceitos vagos e indeterminados, dificilmente concretizáveis e, sobretudo, de difícil sindicabilidade.
O projecto de lei não dá a mínima pista sobre quais os critérios para determinar o que é um envolvimento directo no processo político, o que se deve entender por militares que foram afastados, como se distingue uma interrupção de carreira militar voluntária de uma interrupção forçada ou, ainda, o que seja uma alteração anómala de uma carreira militar.
O artigo 2.º dispõe que a revisão da situação militar implica a reconstituição da carreira militar do requerente, o direito à contagem, como tempo de serviço efectivo, do período decorrido entre a mudança de situação e a produção dos efeitos da decisão que ordenar a revisão da situação militar e, ainda, a assunção pelo Estado do encargo dos pagamentos das quotas ou diferenças de quotas devidas à Caixa Geral de Aposentações, relativas àquele tempo de serviço.
Este tempo de serviço, que conta para efeitos de aposentação, dará origem a pensões cumuláveis com quaisquer outras pensões de outro regime de segurança social para o qual os militares em causa tenham descontado.
E se, porventura, tiverem ingressado na função pública após a interrupção ou alteração anómala da carreira militar, por via da presente lei poderão ter duas remunerações durante o mesmo tempo de serviço, com o consequente inflacionamento do valor da pensão de aposentação a que houver lugar. Pode ser demais!
Não é claro neste projecto que os militares que não estejam no activo tenham de passar à efectividade de serviço para efeitos de revisão da sua situação militar. Desde logo, porque a lei diz que podem regressar à situação de activo quando tenham menos de 36 anos de serviço e não que o devem fazer. Por outro lado, podem permanecer na situação de reserva a seu pedido, se tiverem 36 anos de serviço.
Mas estamos a falar de serviço militar efectivo ou cabe também aqui o serviço prestado na função pública, com os correspondentes descontos para a Caixa Geral de Aposentações? O projecto de lei é confuso neste ponto.
Quais os critérios para determinar quem regressa ao activo? O projecto de lei é omisso neste ponto!

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O que é que impede que todos os potenciais abrangidos por esta lei requeiram a passagem à reserva antes de requererem a revisão da sua situação?
Aquilo que nos parece é que quem pedir a revisão estando na reserva tem muito mais vantagens do que quem estiver no activo, nomeadamente a de se presumir que reúne todas as condições especiais de promoção, ou seja, que concluiu com aproveitamento todos os cursos, concursos, estágios e tirocínios que constituam condição de promoção aos postos para que transitarão ou ascenderão. O projecto de lei é, no mínimo, dúbio neste ponto.
Igualmente, não consta neste projecto de lei qualquer menção à folha de serviço, nomeadamente ausência de punições disciplinares ou criminais. Significará isto, porventura, que qualquer alferes que tenha desertado, na euforia de Abril, possa agora ascender ao posto de coronel sem grande cansaço, auferir a respectiva contagem de tempo de serviço e, futuramente, a correspondente pensão de reforma? Trata-se, com certeza, de um grande bónus para tão pouco esforço, e assim será certamente, nos termos do projecto de lei, em muitos casos.
Por outro lado, esta lei facilmente se adivinha como irregulamentável. Isso é, aliás, patente no próprio projecto de lei, quando se constata que os seus autores não prevêem qualquer prazo para o Governo proceder à sua regulamentação. Parece que já lhe estão a adivinhar à morte com o fim da legislatura...
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pelas razões expostas de início, o CDS-PP está também preocupado com questões prementes e importantes a par das reformas dos militares de Abril; está preocupado em assegurar que os portugueses que trabalham uma vida inteira tenham reformas minimamente condignas. Isto será sempre cumprir Abril, faltará sempre cumpri-lo exactamente por este motivo.
O CDS-PP apresentou, em sede de Orçamento do Estado para 1999, uma norma que consubstanciava um plano de convergência das pensões mais degradadas com o salário mínimo nacional, o qual foi recusado com o argumento de que não se poderia sacrificar interesses estratégicos nacionais mais altos a esse objectivo. Pois bem, se não há dinheiro para aumentar reformas degradadas, teremos de ter muito cuidado quando há um regime algo incontrolável que bem pode consubstanciar uma benesse.
Em 1974, há 25 anos, aconteceu Abril. Como poderemos, então, esquecê-lo?
Mas há outro aspecto da questão que importa realçar. Em Abril de 1974, não pôde ser evitada uma conjuntura política que implicou a recolocação de milhares e milhares de portugueses em território metropolitano, sem que até hoje esses danos e prejuízos fossem suficientemente ressarcidos. Compreenderão todos, por isso, que digamos que, para honrar Abril e os capitães de Abril, estes portugueses estejam primeiro, estejam sempre primeiro!
Exemplo paradigmático do que vos digo é a situação de milhares de agentes e funcionários da ex-administração pública das províncias ultramarinas que, tendo visto as suas carreiras contributivas interrompidas, continuam hoje com a sua situação por resolver.
Com efeito, embora o Decreto-Lei n.º 362/78, de 28 de Novembro, tenha pretendido dar solução a estas situações ao possibilitar a estes cidadãos a atribuição de pensões de aposentação e reconhecendo, outrossim, que, posteriormente, os prazos para requerer esta pensão de aposentação foram sendo sucessivamente prorrogados, a verdade é que a realidade hoje é bem diferente, infelizmente.
O Decreto-Lei n.º 363/86, de 30 de Outubro, foi o último diploma a estatuir a possibilidade de atribuição de pensões de aposentação aos funcionários e agentes da ex-administração pública ultramarina. Mesmo depois da revogação deste diploma em 1990, continuam a chegar aos serviços da Caixa Geral de Aposentações centenas e centenas de requerimentos das pessoas que, não tendo visto a sua situação contemplada, se sentem no legítimo direito de auferiram da mesma pensão.
O CDS-PP está sempre disponível para tentar reparar as injustiças, mas todas as injustiças, sem excepção nem selecção. E é com o firme propósito de reparar estas situações de injustiça que vamos apresentar um projecto de lei, cujo intuito é o de conferir àqueles que não foram abrangidos pelo diploma de 1986 a faculdade de requererem, pelo período de um ano, a atribuição de uma pensão de aposentação pelos anos de serviço prestado ao Estado português nas ex-colónias. É-lhes devida e a ela têm inquestionável direito.
Estamos a falar de situações objectivas, de prejuízos objectivos, de vidas e carreiras destruídas, com graves consequências ao nível económico, social e familiar. Não se trata de algo que hipoteticamente aconteceu, de prejuízos eventualmente sofridos ou de situações de facto cujos contornos não conheçamos em detalhe; estamos a falar de portugueses que em nada contribuíram para a situação em que se encontram e que esperam de nós a oportunidade de verem reparada esta injustiça.
É a estes, que conhecemos bem, que a nossa iniciativa é dirigida, pois são eles que, repito-o, estão e estarão sempre primeiro.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quem diria que, 25 anos depois, dois jovens aspirantes, na altura, estariam aqui a tratar destas matérias!?

Vozes do PS: - É verdade!

O Sr. José Magalhães (PS): - Lado a lado!

O Orador: - Quem diria que estavam a tratar destas matérias num espírito de grande consenso em relação a uma coisa que é, na verdade, a declaração de uma justiça contra um esquecimento ou uma injustiça!?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Neste altura, perante o 25 de Abril, talvez nunca seja demais fazer duas coisas: elogiar o mérito do 25 de Abril como acto revolucionário e de quem o fez e salientar á gratidão por parte dos portugueses a quem o fez.
E talvez também não seja demais recordar que havia, pelo menos, três coisas com as quais todos nós não concordávamos e havia uma coisa que todos nós queríamos: nós não concordávamos com a ditadura, nós não concordávamos com a censura, nós não concordávamos com a guerra; nós queríamos todos a liberdade! Isto era qualquer coisa como um conjunto de valores mais altos que conseguiam fazer esquecer, nesse momento, todas as diferenças que tínhamos e todas as diferenças que, saudavelmente, mantivemos durante todo o processo revolucionário.

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É que o 25 de Abril foi apenas um começo, porque a maior homenagem que se faz ao 25 de Abril é o de aquele acto revolucionário ter sido tomado pelo povo como seu, ter sido aperfeiçoado, ter sido moldado e ter acabado na democracia que hoje temos!
O 25 de Abril foi apenas um começo, a democracia foi o fim. E foi o fim desse acto que nós, hoje, incidentalmente, celebramos. Incidentalmente, porquê? Porque, em determinada altura, se colocou a questão de saber se era possível ou não corrigir algum conjunto de injustiças; em determinada altura, houve uma ideia que, com toda a franqueza que me caracteriza, devo dizê-lo, declarei demasiada e, mesmo, ofensiva em relação ao espírito daqueles que fizeram o 25 de Abril. A ideia não podia nunca aparecer como um privilégio, mas tinha sempre de aparecer como uma reparação, como uma justiça feita. Era justamente aquilo que dizia há pouco quer o Deputado João Amaral quer o Deputado António Reis. Nós nunca poderíamos lutar em homenagem ao espírito daqueles que fizeram o 25 de Abril por privilégios, devemos lutar sempre pela feitura da justiça.

O Sr. António Reis (PS): - É o caso!

O Orador: - E é justamente o caso!
O diploma que aqui temos tem o consenso de todos nós, porque é justamente apenas uma reparação de injustiças. E é uma reparação de injustiças, ainda por cima, que não é qualquer coisa de extraordinário, não é qualquer coisa de novo, é idêntico a qualquer outra coisa que foi feita.
Conhecemos este ano várias outras atitudes dignas da Assembleia. Eu diria que este não é o ano de todas as correcções de esquecimentos, mas é o ano de muitas convergências em relação a matérias que, na verdade, eram, até agora, tabus. Quero recordar o que todos fizemos em relação aos prisioneiros de guerra; quero recordar o que todos vamos fazer - espero bem, dentro em pouco! - em relação ao stress de guerra, porque isso significa que ultrapassámos todos os tabus que havia em relação a estas matérias. O tempo é, de facto, o grande mestre, o tempo vai curando tudo e vai curando também de fazer justiça, como estamos neste caso a tentar fazer.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não quero terminar sem dizer uma coisa muito simples: é que os actos mais nobres, normalmente, não precisam de palavras grandiloquentes; precisam de palavras breves e simples.
Esta foi a forma que entendi - e peço desculpa - mais simples para celebrar este acto.

Aplausos do PSD, do PS e do PCP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito brevemente, para dizer que o projecto de lei que a Assembleia está a discutir, e que seguramente vai aprovar, é, embora tardiamente, a reposição de uma situação de justiça, porque é disso que se trata.
Trata-se de não adulterar a memória e lembrar o papel insubstituível dos capitães de Abril, daqueles que devolveram a Portugal a Liberdade e daqueles que, tendo feito, com generosidade, um acto de amor, um acto de entrega ao seu país, permitiram que todos nós, hoje, nos sentemos em liberdade.
A Assembleia procede hoje ao pagamento dessa dívida, à reposição de uma situação ao apresentar um projecto de lei que não vai gerar privilégios mas, pelo contrário, vai fazer com que aqueles que foram importantes actores de uma mudança radical na nossa sociedade e no nosso país também não sejam estigmatizados e ignorados em relação ao que foram as modificações ocorridas na sua vida.
Portanto, julgo que, embora tardiamente, tendo sido precisos tantos anos para que a devolução de uma situação de justiça se faça, ela vai fazer-se e vai fazer com que o Parlamento português dê o seu contributo para uma mudança que tardava, mas que é importante fazer-se e com a qual todos nós nos devemos regozijar.

Aplausos do PCP, do PS e do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr.ªs e Srs. Deputados: O Regimento não autoriza o Presidente a intervir nos debates. Não havendo, porém, mais oradores inscritos, julgo que me será permitido associar-me, do fundo do coração, ao acto de justiça que a Assembleia da República presta, aprovando o projecto de diploma em debate, aos militares de Abril, cujo heroísmo está na origem do Portugal novo, livre e democrático, de que todos nos orgulhamos de ser cidadãos.

Aplausos do PS, do PSD e do PCP.

Não havendo mais inscrições, declaro encerrado o debate do projecto de lei n.º 653/VII, apresentado pelo PS e PCP.
A próxima sessão plenária realiza-se amanhã, pelas 15 horas. Haverá período de antes da ordem do dia e, no período da ordem do dia, temos a discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.ºs 200/VII - Aprova o regime geral das contra-ordenações laborais, 236/VII - Desenvolve e concretiza o regime geral das contra-ordenações laborais, através da tipificação e classificação das contra-ordenações correspondentes à violação dos diplomas reguladores do regime geral dos contratos de trabalho, 248/VII - Desenvolve e concretiza o regime geral das contra-ordenações laborais, através da tipificação e classificação das contra-ordenações correspondentes à violação da legislação específica de segurança, higiene e saúde no trabalho em certos sectores de actividades ou a determinados riscos profissionais e 254/VII - Desenvolve e concretiza o regime geral das contra-ordenações laborais, através da tipificação e classificação das contra-ordenações correspondentes à violação de regimes especiais dos contratos de trabalho e contratos equiparados.

Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 5 minutos. Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Martins Seguro.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Cláudio Ramos Monteiro.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Henrique José de Sousa Neto.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.

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Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.

Partido Social Democrata (PSD):

António dos Santos Aguiar Gouveia.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António Alves Marques Júnior.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Mário Manuel Videira Lopes.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.

Partido Social Democrata (PSD):

Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.

Partido Comunista Português (PCP):

Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.

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