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2880 I SÉRIE - NÚMERO 80

E uma tradição que se perde na memória dos tempos e que, de forma ininterrupta, se realiza pelo menos desde que foram proibidas touradas com touros de morte em Portugal, ou seja, pelo menos desde 1928.
Barrancos é uma vila pequena, com poucos habitantes, mas com homens e mulheres de fortes sentimentos e gentes de paz; viveu durante muitos e muitos anos no mais perfeito anonimato para os meios de comunicação social; nunca ninguém se lembrou de Barrancos e das suas gentes, quando acolheram no seu seio refugiados da guerra civil espanhola e lhes prestaram a sua enorme solidariedade; nunca, ou poucas vezes, se lembraram da população barranquenha, quando muitos deles tiveram de migrar para fora ou dentro do seu próprio País, quando ali não existia trabalho que sustentasse a família.
A população de Barrancos não é como se pretende fazer crer, com alguns anúncios despropositados mas seguramente bem financiados, um povo que não tem sensibilidade e cujas tradições advêm de costumes bárbaros. O povo de Barrancos é um povo cuja cultura assenta numa profunda relação humana de solidariedade, de partilha e de amizade.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): -Muito bem!

O Orador: - Barrancos tomou-se notícia nos media nacionais quando uma providência cautelar, entregue num tribunal de Lisboa, por cidadãos que nada têm a ver com a região, nem com os seus usos e costumes, tentaram impedir as festas em honra da sua padroeira com a tradicional corrida de touros à espanhola.
O Decreto n.º 15 355, de 14 de Abril de 1928, caiu em desuso em Barrancos porque nunca chegou, efectivamente, a ser aplicado.
Conhecendo essa realidade, mas igualmente conscientes de que pendia sobre eles a decisão da providência cautelar, a Comissão de Festas, a Comissão de Defesa das Tradições Barranquenhas, a Câmara Municipal de Barrancos e outros fizeram chegar ao Grupo Parlamentar do PCP e a outros grupos parlamentares a sua posição sobre estas matérias e a forma de ser encontrada uma solução legislativa que garantisse o que desde há muito é uma realidade.
Foi neste contexto que o PCP apresentou o projecto de lei que hoje aqui apreciamos e em cuja «Nota justificativa» afirmamos que apesar de a disposição do Decreto n.º 15 355, de 14 de Abril de 1928, proibir touradas com touros de morte, durante todo o período da ditadura e posteriormente até hoje, elas foram levadas a efeito praticamente sem interrupção em determinados e circunscritos pontos do território nacional como é o caso de Barrancos.
Por outro lado, e por analogia, referimos que a lei francesa acolhe já as touradas na forma que assumam a tradição local e no artigo n.º 521-1 do Código Penal francês, através de um dispositivo legal inserido pela Lei n.º 653, de 1994, cujo critério relevante é a invocação de «tradição ininterrupta».
Acresce salientar que no Agravo do Tribunal da Relação de Lisboa sobre a providência cautelar é o próprio juiz relator que reconhece razão à Comissão de Festas e ao povo de Barrancos quanto ao futuro ao afirmar: «Sem necessidade de se determinar se, presentemente, tais touradas são proibidas por lei, mas mesmo admitindo que o sejam, certo é que o legislador que parece não ter grande reacção contra elas, não se pronunciando com toda a clareza para pôr termo a dúvidas que ainda existam, pode pretender autorizá-los em determinadas circunstâncias excepcionais nomeadamente em alteração à vontade de alguma população.»
Por isso, Srs. Deputados, o projecto de lei do PCP propõe-se assim criar um dispositivo legal que acolha a tradição local e onde esta se tenha mantido desde 1928, como é o caso de Barrancos. Que fique claro que o projecto de lei do PCP não propõe a alteração da proibição dos touros de morte em Portugal, o que se pretende é que a Assembleia da República reconheça e legitime os usos e costumes de uma população, ancorados na cultura e na vivência de um povo e que faz parte integrante do seu património colectivo; o que se pretende é que, no respeito por outras sensibilidades, se acolha a diversidade da nossa cultura, não querendo uniformizar o que não é uniformizável.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos a assistir aos nossos trabalhos um grupo de 50 professores dos 2.º e 3.º ciclos da Escola Fernando Pessoa, de Lisboa; um grupo de 14 formandos do curso de técnicas administrativas do Concilium de Almada e um grupo de 12 formandos do Curso de Contabilidade e Gestão do Concilium de Almada, do concelho de Almada.
Está também a assistir a este debate um numeroso grupo de cidadãos, suponho que de Barrancos, uns sendo favoráveis aos projectos de lei que se vão discutir e outros não o sendo. Lembro a esses cidadãos que temos muito gosto em recebê-los nesta Câmara, mas que não têm o direito, nem podem manifestar-se pró ou contra esses projectos, o que seria considerado uma falta de respeito para com a Assembleia da República. Não faço, naturalmente, esse juízo da população de Barrancos.
Para todos estes cidadãos que estão a assistir aos nossos trabalhos, peço uma saudação dos Srs. Deputados.

Aplausos gerais, de pé.

Para apresentar o projecto de lei n.º 592/VII - Aprova o novo regime sancionatório das touradas com touros de morte (revoga o Decreto n.º 15 355, de 14 de Abril de 1928) (PS), em representação do seu grupo parlamentar, tem a palavra o Sr. Deputado António Saleiro.

O Sr. António Saleiro (PS): - Sr. Presidente, permita-me que também saúde a população do meu distrito, a população de Barrancos.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Tal como aconteceu em França, a questão dos touros de morte em Portugal levantou um vivo debate sobre esta problemática, que irá, certamente, conduzir à aprovação de um novo regime penal neste âmbito. Assim, pretende-se que o Código Penal, tal como em França, preveja com carácter de excepção que não são tidas por actos cruéis as situações das corridas com touros decorrentes de tradições locais e ininterruptas. Aliás, neste sentido também se inclinou o Tratado de Amesterdão ratificado por esta Assembleia, nomeadamente em matéria de ritos religiosos, tradições culturais e património regional.
É fácil constatar, portanto, que é perfeitamente defensável a adopção de um quadro legislativo respeitador do Direito internacional e europeu sem pôr em causa as tradições nacionais, regionais ou locais que, pela sua prática reiterada aceite, se converteram em costume.