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5 DE MAIO DE 1999 2881

O projecto de lei que, com outros ,Srs. Deputados, apresento a esta Câmara adopta o princípio geral da proibição dos touros de morte em Portugal, mas salvaguarda contudo, excepcionando, as lides com touros de morte praticadas segundo a tradição.

No caso vertente, é Barrancos que está em causa. Digo Barrancos porque se pratica a morte de um touro em lide. Ninguém desconhece que se tem assistido, por parte do Estado, e desde sempre, à sua aceitação tácita por omissão. Talvez por isso nem se possa dizer que houve abuso, porque foi consentido.

A verdade é que a actual lei proíbe, consentindo ou não. Mas, tendo havido esse consentimento, ano após ano, fácil é concluir que, afinal, o que está mal é a lei. Digo que está mal porque não foi de encontro à realidade de um povo, à sua vontade colectiva, aos seus hábitos e aos seus costumes, isto é, a lei, que é feita para servir as pessoas e bem, neste caso, não serviu ou, melhor, serviu mal porque não foi cumprida. E quando uma lei não é cumprida, ano após ano, com a compreensão daqueles a quem compete aplicá-la, é porque, de facto, não serve, logo, muda-se! Digo muda-se porque, existindo, tem de se fazer cumprir. Lei é lei e é para se cumprir ou, caso contrário, o poder cai na rua e ninguém cumpre coisa alguma!

Naturalmente que, para que os representados se revejam nos seus representantes, não podemos em silêncio aceitar o seu mandato, neste caso das gentes humildes e boas de Barrancos, que de bárbaros, cruéis e ferozes nada têm, bem pelo contrário! Assim, há que ir acabando com o silêncio ao encontro da dignidade antropológica e cultural daquele povo.

Não se pretende, com este projecto, um quadro de privilégio ou de desigualdades na unidade do ordenamento jurídico, pretende-se, sim, o contrário. O privilégio existe com o actual quadro ou, melhor, se não se cumpre a lei estamos a privilegiar o infractor, que o não é no verdadeiro sentido da palavra, porquanto não há decreto nem lei que acabe com uma tradição, e os sucessivos governantes perceberam isso.

Em Barrancos, é essa a verdadeira questão, porque, do berço à cova, encontram aquele sentimento em todas as fases da vida, quer residam em Barrancos ou não.

Aquela tourada é um elemento de coesão social do barranquenho. Eu diria mesmo que, se sem negros não há Pernambuco, se calhar, sem touradas hão haveria barranquenhos. Mais ainda: acabar com aquele costume é apoucar o barranquenho!

À sua presença hoje, aqui, não é mais do que querer respeitar a legalidade, mas também é demonstrar que têm um querer que é raro, e está provado, e que não tomaram o xarope da dormideira.

Querem também evitar incoerências, equívocos e ambiguidades; querem, naquela Praça da Liberdade e em honra de Nossa Senhora da Conceição, o reforçar do orgulho, da especificidade, da realidade ancestral daquela comunidade.

Nem se diga que o acto da morte do touro causa em quem vê e assiste a vontade da violência, porque, em todo Portugal, onde a criminalidade é menor é precisamente em Barrancos.

Aplausos de alguns Deputados do PS.

Escusam, pois, de vociferar, na praça pública, incoerências contra as nossas intenções, nomeadamente a de oportunismo político, porque o que queremos, tão-só, é que a legalidade se cumpra e que se lhes não tire o pouco que lhes resta, porque basta-lhes o isolamento.

Sr. e Srs. Deputados: Está aqui um povo, pela minha voz e pela voz de outros Deputados, do meu partido ou não, e com a sua presença, a reclamar tão-só a sua identidade; pedem tão-só que não os ameacem com bastões e que os deixem ser felizes.

Acabar com as festividades anuais de Barrancos, que incluem as touradas, seria, pois, terminar com a alegria, a eloquência e o sentimento mais profundo e genuíno de toda uma população que vive dentro do seu concelho e que se encontra espalhada um pouco por toda a parte.

Em Barrancos matam-se touros, é verdade! Há sangue, é verdade! Há quem não goste, também é verdade!

Eu próprio já estive por duas vezes nas festas de Barrancos e nunca assisti a uma tourada, mas dar-me-á isso a legitimidade, enquanto Deputado, de não permitir aos outros que vivam como sempre fizeram, com elevado civismo, educação e respeito pelo próximo? Estaremos aqui para defender aquilo de que gostamos e de que não gostamos ou para fazer sentir e transmitir aquilo que é o nosso país?

Os barranquenhos são uma gente ordeira, afável e amiga de qualquer visitante, desconhecido ou não, que por ali passe ou por ali pare. Se os barranquenhos sempre nos respeitaram, é esta, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a hora exacta para lhes retribuir.

Em Barrancos, sacrificam-se cinco animais por ano. Desde 1928 caíram, em Barrancos, cerca de 350 touros. É bom lembrar que só no decorrer do ano de 1998 as ganadarias portuguesas exportaram para Espanha e França cerca de 2000 animais para serem lidados e mortos em redondéis do país vizinho.

Se não permitirmos que, em nome duma prática ancestral dum determinado ponto do nosso território, sejam sacrificados cinco animais por ano e permitirmos a exportação de 2000 para serem mortos da mesma forma aqui mesmo ao lado, estamos a fomentar a hipocrisia no País.

Comparando com o sempre muito citado exemplo da escravatura, seria como dizer: «Nós não temos escravos em Portugal, mas exportamos escravos para Espanha», ou seja, «nós achamos mal, mas promovemos o seu comércio para que outros façam aquilo que achamos cruel».

Não será isto ter dois pesos e duas medidas? Será que se pode ficar com as mãos limpas e com as consciências tranquilas sabendo que estamos a exportar animais nossos para serem tratados barbaramente aqui, paredes meias?

O civismo de um povo não se determina, certamente, pelas touradas, determina-se pela forma como as minorias religiosas, políticas ou étnicas são tratadas pela população de um qualquer Estado. Estes exemplos é que constituem «barómetros» de civismo mais ou menos avançado de uma comunidade, de uma população ou de um povo.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, quando, há algumas semanas atrás, aqui discutimos a chamada questão das leis de protecção dos animais, em nome da bancada do PPD/PSD, o Sr. Deputado Barbosa de Melo dizia: «A diversidade e a variedade das formas e expressões culturais fazem parte essencial do património e da identidade dos portugueses. Só os ditadores, os centralistas, os iluminados e os vanguardistas parecem acreditar, ou fazer acreditar, que a uniformidade é a nossa regra de vida». E continuava: «A tradição, à escala nacional, nas artes, nos usos e costumes, nas festas e nas desgraças, é feita de muitas tradições».

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