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Quinta-feira, 13 de Maio de 1999 I Série - Número 84

DIÁRIO
Da Assembleia da República

VII LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1998-1999)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 12 DE MAIO DE 1999

Presidente: Exmo. Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Exmos. Srs. João Ernesto Figueira dos Reis
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 40 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa das propostas de resolução n.º 140 a 143/VII, dos projectos de lei n.º 677 e 678/VII, de requerimentos e de respostas a alguns outros.
Em interpelações à Mesa sobre a eventual participação de Portugal em acções de ajuda humanitária aos refugiados kosovares albaneses usaram da palavra os Srs. Deputados Azevedo Soares (PSD), Acácio Barreiros e Eduardo Pereira (PS), Octávio Teixeira (PCP) e LUÍS Queiró (CDS-PP).
Em declaração política e a propósito do atravessamento do Paul de Arzila pelo troço da via rápida de Taveiro a Arzila, a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia (Os Verdes) criticou o que considera a «política de delapidação das áreas protegidas», respondendo depois a pedidos de esclarecimento da Sr.ª Deputada Natalina Moura (PS).
Procedeu-se ao debate de urgência, requerido pelo Partido Social-Democrata, sobre a confrontação do Governo à decisão parlamentar de suspender o processo de co-incineração, tendo usado da palavra, a diverso titulo, além do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Cosia), os Srs. Deputados Luís Marques Guedes (PSD), Rui Pedrosa de Moura (CDS-PP), Acácio Barreiros (PS), Octávio Teixeira (PCP), Isabel Castro (Os Verdes) e Luís Marques Mendes (PSD).
O Sr. Deputado Rui Rio (PSD) contestou a posição expressa pelo cabeça de lista do PS ao Parlamento Europeu, Dr. Mário Soares, relativa à criação de um imposto europeu, tendo respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Sílvio Rui Cervan (CDS-PP). Manuel dos Santos (PS) - que também usou da palavra em defesa da honra da bancada - e Lino de Carvalho (PCP).
O Sr. Deputado Rodeia Machado (PCP) chamou a atenção da Câmara para a crise que existe no sector da pesca do arrasto costeiro e respondeu a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Jorge Valente (PS).
Ordem do dia. - Foi discutida, na generalidade, a proposta de lei n.º 249/VII - Altera a Lei n.º 4/84, de 5 de Abril, relativa à protecção da maternidade e da paternidade, tendo usado da palavra, a diverso título, além dos Srs. Secretários de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais (Ribeiro Mendes) e da Presidência de Conselho de Ministros (Vitalino Canas), os Srs. Deputados Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP), Pedro da Vinha Costa (PSD), Mafalda Troncho (PS), Luísa Mesquita (PCP), Heloísa Apolónia (Os Verdes) e Rui Carreteiro (PS).
Foi também discutida, na generalidade, a proposta de lei n.º 271/VII - Aprova o regime aplicável ao adiantamento pelo Estado da indemnização devida às vitimas de violência conjugal. Intervieram, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Matos Fernandes), os Srs. Deputados Helena Santo (CDS-PP), Odete Santos (PCP), Correia de Jesus (PSD) e Jovita Ladeira (PS).
Seguidamente, a Câmara discutiu, também na generalidade, a proposta de lei n.º 223/VII - Altera a Lei n.º 10/97, de 12 de Maio, que reforça os direitos das associações de mulheres, tendo intervindo no debate, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, os Srs. Deputados Helena Santo (CDS-PP), Odete Santos (PCP), Lourdes Lara (PSD) e Isabel Sena Lino (PS).
Por fim, foi apreciado, na generalidade, o projecto de lei n.º 643/VII - Garante o direito a licença especial nas situações de gravidez de risco (PCP), sobre o qual se pronunciaram os Srs. Deputados Luísa Mesquita (PCP), Helena Santo (PS), Pedro da Vinha Costa (PSD) e Sónia Fertuzinhos (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 40 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 40 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Martins Seguro.
António Manuel de Carvalho Ferreira Vitorino.
António Rui Esteves Solheiro.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Armando Jorge Paulino Domingos.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Casimiro Francisco Ramos.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Júlio Meirinhos Santanas.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Caudal.
Luís António do Rosário Veríssimo.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel António dos Santos.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Eduarda Bento Alves Ferrenha.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Maria Manuela de Almeida Costa Augusto.
Marfim Afonso Pacheco Gradas.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Sônia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.

Partido Social Democrata (PSD):

Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Alberto Queiroga Figueiredo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes
António Costa Rodrigues.
António d'0rey Capucho.
António de Carvalho Martins.
António dos Santos Aguiar Gouveia.
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Taveira da Silva.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Carlos Eugênio Pereira de Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Calos Manuel Duarte de Oliveira.

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Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Domingos Dias Gomes.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugênio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José Carlos Pires Póvoas.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Manuel Costa Pereira.
José Manuel Durão Barroso.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria de Lourdes Lara Teixeira.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Pombo Costa.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.
Vasco Manuel Henriques Cunha.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Carlos Brochado de Sousa Pedras.
Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Francisco Amadeu Gonçalves Peixoto.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Pedro José Dei Negro Feist.
Rui Manuel Pereira Marques.
Rui Miguel Gama Vasconcelos Pedrosa de Moura.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

Alexandrino Augusto Saldanha.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Joaquim Manuel da Fonseca Matias.
Lino António Marques de Carvalho.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Deputado independente:

José Mário de Lemos Damião.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário da Mesa vai anunciar os diplomas, requerimentos e respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: propostas de resolução n.º 140/VII - Aprova a Convenção entre a República Portuguesa e o Reino de Marrocos relativa a auxílio judiciário em matéria penal, assinada em Évora a 14 de Novembro de 1998, que baixou às 1.ª e 2.ª Comissões; 141/VII - Aprova, para ratificação, o Acordo sobre o Estatuto das Missões e dos Representantes de Estados Terceiros junto da Organização do Tratado do Atlântico Norte, assinado em Bruxelas a 14 de Setembro de 1994, que baixou à 2.ª Comissão; 142/VII - Aprova a Convenção entre a República Portuguesa e o Reino de Marrocos relativa à assistência às pessoas detidas e à transferência das pessoas condenadas, assinada em Évora a 14 de Novembro de 1998, que baixou às 1.ª e 2.ª Comissões; 143/VII - Aprova, para ratificação, a Convenção sobre o reconhecimento de qualificações relativas ao ensino superior na Região Europa, aberta à assinatura dos Estados membros do Conselho da Europa em Lisboa, a 11 de Abril de 1997, que baixou às 2a e 6a Comissões; e os projectos de lei n.ºs 677/VII - Nova demarcação da freguesia de Idães (CDS-PP), que baixou à 4.ª Comissão, e 678/VII - Apoios à

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permanência e integração na família de idosos e pessoas portadoras de deficiência (PSD), que baixou às 8.ª e 12.ª Comissões.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, foram apresentados na Mesa vários requerimentos. Nas sessões plenárias de 4 e 5 de Maio de 1999: aos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e das Finanças, formulado pela Sr.ª Deputada Manuela Aguiar, a diversos Ministérios, formulado pelo Sr. Deputado Roleira Marinho; ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado António Rodrigues; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; e à Secretaria de Estado do Ambiente, formulado pelo Sr. Deputado Ricardo Castanheira.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Isabel Castro, no dia 3 de Dezembro; Lino de Carvalho, no dia 26 de Janeiro; José Junqueiro, na sessão de 11 de Fevereiro; Alexandrino Saldanha, nas sessões de 12 de Fevereiro e 30 de Março; Arnaldo Homem Rebelo, na sessão de 25 de Fevereiro; Jorge Roque Cunha, na sessão de 3 de Março; Manuel Alves de Oliveira, na sessão de 18 de Março; João Amaral, na sessão de 19 de Março; e Rodeia Machado, no dia 23 de Março.
Em matéria de expediente é tudo. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.

O Sr. Azevedo Soares (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, através de uma breve interpelação, gostaria de referir que vieram hoje a público notícias ainda não desmentidas de que o Governo português tinha decidido não participar numa operação humanitária no Kosovo. Esta matéria suscita-nos duas brevíssimas palavras: uma de surpresa e outra de perplexidade.
De surpresa, porque esta operação humanitária de apoio aos refugiados kosovares na Albânia tinha sido formalmente aprovada no Conselho Superior de Defesa Nacional, e porque dela tinha sido dado conhecimento à Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, tendo aí conhecido um largo consenso de apoio. Até à data, não sabemos se o Governo informou o Sr. Presidente da República, que é o Presidente do Conselho Superior de Defesa Nacional, mas, seguramente, não informou este Parlamento ou, pelo menos, a Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação.
A segunda palavra, de perplexidade, porque estamos perante uma operação humanitária e não uma operação de guerra e porque havia a intenção de fazer Portugal cooperar com outros vinte e tal países nesta operação. Como tal, a questão que se coloca é simples. Qualquer cidadão português, concorde ou discorde da participação de Portugal nas operações militares da NATO no Kosovo, fará, perante si próprio e ao País, a seguinte pergunta: como é que Portugal participa numa operação de guerra e se recusa-a participar numa operação humanitária?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Como é que Portugal manda aviões de combate e se recusa a mandar médicos e enfermeiros para apoiar refugiados?
Sr. Presidente, são estas duas palavras de surpresa e de perplexidade que queria deixar registadas através de V. Ex.ª, não deixando de dizer que gostaríamos que o Governo, dentro de um prazo tão breve quanto for possível, esclarecesse o País e, naturalmente, esta Câmara.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Fica registada a sua interpelação, Sr. Deputado.
Também para uma interpelação, provavelmente sobre a mesma matéria, tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Berreiros.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Azevedo Soares, pelo qual tenho a maior consideração, surpreende-me, até porque é o Presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, ao ter uma iniciativa deste género. Fazer uma interpelação porque leu uma notícia no jornal não é tratar estas matérias com a seriedade que elas exigem.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - É proibido ler jornais?!

O Orador: - Mas, já agora, dou-lhe um conselho, Sr. Deputado: já que está sempre tão atento à comunicação social - e penso que faz muito bem -, para além de ler jornais ouça também a rádio, porque, se também ouvisse rádio, teria ouvido o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros a desmentir essa notícia.
Como sabe, a decisão do Governo - e essa mantém-se firme - é a de se disponibilizar para participar em acções humanitárias, como V. Ex.ª sabe, se bem que essa disponibilização dependa de um acerto estratégico dentro da NATO. Portanto, é isso e simplesmente isso que está em discussão. Ou seja, não se trata de prestar auxílio humanitário de iniciativa unicamente portuguesa; trata-se de prestar auxílio humanitário no quadro das forças da Aliança Atlântica. É, portanto, esse acerto que está a ser feito entre o Governo português, entre as Forças Armadas portuguesas e o comando da Aliança Atlântica. O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros já desmentiu essa notícia e já esclareceu isso.
Se V. Ex.ª ao contrário da doutrina do Professor Cavaco Silva, que não lia nem ligava à comunicação social, está atento à comunicação social, e faz muito bem, leia os jornais, veja televisão e ouça rádio, porque, se assim fizesse, escusava de ter feito este protesto, que não tem razão de ser.

Aplausos do PS.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, se me permite, não sei qual a figura regimental que devo utilizar, mas quero dar um esclarecimento ao Sr. Deputado Azevedo Soares...

O Sr. Presidente: - Faça-o a título de interpelação, Sr. Deputado, já que, embora um pouco abusivamente, tem sido a figura utilizada.

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O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Então, Sr. Presidente, será uma interpelação à Mesa.
Queria informar o Sr. Deputado Azevedo Soares do seguinte: a situação a que se referiu foi analisada em Conselho Superior de Defesa Nacional e, na verdade, a proposta do Governo era uma proposta de envio de elementos para transportes, da possibilidade de envio de um grupo de engenharia e, em terceiro lugar, porque correspondia aos três pedidos da NATO, do envio de uma equipa de auxílio médico.
O problema foi analisado em Conselho Superior de Defesa Nacional, mas devo dizer-lhe que não são só as questões da NATO que nos preocupam, já que existem também outras questões como as de Timor, as da Guiné e as possíveis questões de Angola. Como tal, depois de uma ponderação adequada, o Conselho Superior de Defesa Nacional resolveu dizer que a ajuda devia ser estritamente humanitária, podendo assumir qualquer das três modalidades já referidas. No entanto, o Conselho disse que as Forças Armadas deviam negociar a ida de uma equipa médica. Foi isto que foi feito e, pelo que ouvi ultimamente, essa equipa médica foi oferecida por vários países, tratando-se apenas, agora, de fazer um balanço' entre os países que ofereceram equipas médicas. De qualquer modo, nada está no pé em que o Sr. Deputado disse, porque se está num passo, nitidamente, de negociação e, tanto quanto percebi na reunião, o Governo está disposto a satisfazer os pedidos das várias áreas, seguindo as instruções do Conselho Superior de Defesa Nacional, para ponderar os auxílios a dar a outros territórios e para que possa decidir.
Não se trata, portanto, de não querer enviar, trata-se de uma negociação que ainda não terminou e que não pode ter o sentido que o Sr. Deputado lhe deu.

Aplausos do PS.

O ST. Presidente: - Também para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, julgo que estes problemas e esta questão só podem ser esclarecidos com uma informação do Governo à Assembleia ,da República. De facto, ninguém pode estar na Assembleia da República a tratar destas questões através da comunicação social, ouvindo rádio ou lendo jornais, principalmente quando uns dizem umas coisas e outros dizem outras. É o Governo que tem de tomar a iniciativa de explicar à Assembleia da República o que se passa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - De qualquer modo, e como já afirmei na última reunião conjunta da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação e da Comissão de Defesa Nacional, em que foram colocadas as várias hipóteses possíveis, qualquer que seja o «chapéu» sob o qual se preveja o envio de forças militares para o «teatro de guerra», é, para nós, demasiado. O que deve acontecer rapidamente é o regresso dos dois aviões que lá andam e dos militares que lá estão. Julgo que essa é a questão central!
Aliás, é sintomática a informação que nos é dada agora de que todos os países querem enviar apenas médicos e enfermeiros. Metem-se na guerra e agora têm receio, têm medo, têm vergonha de dizer publicamente que estão na guerra!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma nova interpelação, tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.

O Sr. Azevedo Soares (PSD): - Sr. Presidente, a questão que estamos a analisar não são os permanentes desmentidos que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros faz às afirmações proferidas pelo Sr. Ministro da Defesa. Essa é uma questão que, de facto, embaraça um pouco, mas que nos causa apenas preocupação.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, na qualidade de Presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, gostaria de dizer que o Governo se dirigiu a esta comissão, de resto, reunida em conjunto com a Comissão de Defesa, e levantou os seus problemas e pôs as suas questões. Pêlos vistos, havia outras questões que o Sr. Presidente da Comissão de Defesa Nacional conhece mas que eu desconheço, por isso, se levantam aqui dúvidas.
Mau era que não fizesse política a ler os órgãos de comunicação social! Estamos quase no fim do século XX!

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Podia era ler e ouvir todos!

O Orador: - O que pedi - e penso que é de se exigir - foi que o Governo se antecipe a todas estas notícias e possíveis especulações e, se tiver uma outra cultura parlamentar e se antecipar a informação que dá ao Parlamento, a esta Casa, através das comissões, certamente que alguns destes problemas desaparecem.
No fundo, concluo dizendo que o Governo deve vir explicar o que se passa, já que não ficou esclarecida coisa alguma!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma última interpelação sobre esta matéria, já que não darei mais a palavra para interpelações deste género, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, agradeço-lhe o aviso. Em todo o caso, a minha interpelação vai um pouco no sentido da preocupação já expressa pelos restantes grupos parlamentares.
De facto, a Assembleia da República não deve especular de acordo com notícias que vêm na rádio ou nos jornais. Contudo, a verdade é que hoje de manhã ouvi na rádio que uma fonte oficial do Estado Maior General das Forças Armadas confirmava que tinha sido tomada a opção de não enviar os elementos do batalhão de engenharia em missão humanitária, para aquela zona do «teatro de guerra» dos Balcãs.
Portanto, esta confirmação, apesar de tudo, jornalística, se não é verdadeira, tem de ser desmentida urgentemente.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Já foi!

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O Orador: - Mas não foi aqui! Tem de ser desmentida urgentemente, porque senão fica-nos a impressão de que o Governo tomou a decisão de envolver Portugal na guerra dos Balcãs e, ao mesmo tempo, trabalhou para ter, hoje, um título simpático para a população que não concorda com esta guerra. E isso não pode ser!
Assim, Sr. Presidente, a minha interpelação muito concreta é no sentido de V. Ex.ª promover, junto do Gabinete do Sr. Ministro da Defesa Nacional, através do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, um esclarecimento para ser prestado ainda hoje à Assembleia da República relativamente a esta situação.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Um esclarecimento que pudesse ser lido por V. Ex.ª à Assembleia da República, por forma a que as palavras que foram transmitidas nesta Câmara pela bancada do Partido Socialista possam ser inteiramente confirmadas, de que Portugal não se mete no esforço de guerra para, depois, se recusar ao esforço humanitário.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Procederei em conformidade à diligência que o Sr. Deputado solicita.
Srs. Deputados, quero informar a Câmara de que se encontra, na Tribuna do Corpo Diplomático, uma delegação de Deputados do Parlamento da República da Hungria, para quem peço uma saudação.

Aplausos gerais, de pé.

Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Paul da Arzila tem, ainda, uma importância extrema na zona centro, em particular, e no País, em geral, na medida em que, desde 1988, integra o conjunto de áreas protegidas, das primeiras a ser reclassificada, uma das poucas zonas húmidas do centro do País, na margem esquerda do Mondego, constituindo um local privilegiado de biodiversidade e conservação da avifauna migratória e residente, para além de que é Zona de Protecção Especial e integra a Rede Natura 2000.
Muitas outras características mereciam ser apresentadas para caracterizar esta zona classificada, mas estas bastam para fazer sobressair a importância do Paul da Arzila para a conservação da natureza em Portugal.
Ocorre que, à semelhança de todas as áreas protegidas do País, que muitas vezes de «protegidas» só têm o estatuto, uma vez que, na prática, são vítimas de actos contínuos de degradação, o Paul da Arzila tem sido palco de inúmeros atentados, que promovem a sua destruição e, consequentemente, a da biodiversidade nela existente.
Mais um atentado anunciado para o Paul da Arzila é o já afamado troço da via rápida de Taveiro a Arzila, que vai passar por dentro da área protegida. Muitas têm sido as declarações em torno desta obra, algumas tão infelizes como afirmar que não faz mal, porque vai atravessar o Paul não no centro mas apenas na zona mais periférica, como se o Paul fosse protegido apenas no centro e não em lodo o seu limite; ou que, como o Paul já sofre atentados, então mais um não será o problema, sempre na lógica não de solucionar o que está mal mas servindo sempre de pretexto para outro mal aquilo que já mal está.
É óbvio que é compreensível que a região necessite, de facto, de uma nova via de ligação de Taveiro a Arzila. Todavia, a questão é perceber porquê passar exactamente no meio de uma área protegida?! Isto quando do conjunto de hipóteses avançadas para o traçado da via, uma delas em nada colidia com o Paul da Arzila, porque passava a sul. Para além disso, o primeiro estudo de impacte ambiental reconheceu que a estrada e a reserva eram duas coisas incompatíveis. Também membros da comunidade científica já manifestaram a sua apreensão face à possibilidade de se cometer este atentado. Não se trata aqui de um conflito entre progresso e ambiente, porque ambos são compatíveis; trata-se antes de uma questão de desenvolvimento ou de destruição; trata-se de uma questão de poder provar que com outro traçado é um passo em frente no desenvolvimento sustentável do País.
O certo é que a Junta Autónoma de Estradas, mesmo sem o parecer do Instituto de Conservação da Natureza, tem vindo a construir vários troços ainda fora do Paul..., a já corrente «política do inevitável», criando todas as condições para que depois se diga que «é inevitável seguir aquele traçado».. Isto em simultâneo com as declarações tomadas públicas da Sr.ª Ministra do Ambiente, garantido aos portugueses que, conforme noticiado na imprensa, «a estrada não passará no Paul da Arzila, nem na sua zona de protecção». Afinal, em que ficamos?
Afinal, que política de conservação da natureza é esta que, permanentemente, permite a degradação das áreas classificadas? Para isso, por que é que as classifica? Por que é que têm estatuto de protecção, mas, permanentemente, se abrem excepções a esse estatuto? Assim, para que serve andarmos a discutir estratégias para a conservação da natureza, se, na prática, a política é inteiramente contrária a qualquer conservação?
Perante isto, o Sr. Director do Paul da Arzila, numa sessão local, de acordo com notícias tomadas públicas vem «pôr o dedo na ferida», afirmando que existem organismos do Ministério do Ambiente que «se estão puramente nas tintas» para as reservas naturais; que nunca falou com a Ministra do Ambiente Elisa Ferreira, isto apesar de ser o director de uma área protegida e de a Sr.ª Ministra estar no Governo há quase quatro anos, e afirmando ainda que «a sua voz não chega a Lisboa».
Esta disfunção entre organismos do Ministério do Ambiente, esta completa descoordenação tem, depois, um resultado prático, que contraria a conservação da natureza, como se vê, aliás, na generalidade das áreas protegidas em Portugal. No entanto, a Sr.ª Deputada Paula Cristina Duarte, do PS, veio, há alguns dias, fazer uma intervenção inflamada de apoio à «nova forma» que o PS encontrou de fazer política. «Nova forma» de fazer política!?... A sucessiva degradação das áreas protegidas é uma «nova forma» de fazer política? A sucessiva degradação da biodiversidade em Portugal é uma «nova forma» de fazer política? A descoordenação completa entre organismos do mesmo Governo e até do mesmo Ministério é a «nova forma» de fazer política? Não, Sr. Presidente e Srs. Deputados! Portugal não precisa de formas diferentes de exercer a mesma política! Portugal precisa de uma nova política para a conservação da natureza!

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Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natalina Moura.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputada Heloísa Apolónia, nós entendemos as suas fortes preocupações e até é justo que as coloque neste momento, está mesmo a tempo de manifestá-las, porque, como sabe, há 10 anos que deveria ter sido publicado este livro, que só agora foi. Trata-se de um documento que diz respeito à conservação da natureza e à preservação da biodiversidade.
Esse documento já esteve para consulta pública. É, pois, também altura de a Sr.ª Deputada ver qual o contributo que pode dar para enriquecê-lo.
Trata-se de um documento catalítico, que o Governo teve a coragem de pôr à discussão, esperando pelo contributo precioso das Deputadas do Partido Ecologista Os Verdes. Quero apenas lembrar-lhe que ainda está a tempo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Natalina Moura, curiosamente, em final de Legislatura, é o tempo de o Governo do Partido Socialista aparecer com as «estratégias»... Fala da «estratégia de luta contra a droga», da «estratégia para a conservação da natureza»...
A Sr.ª Deputada já por diversas vezes nos ouviu, nesta Câmara, reivindicar o cumprimento da Lei de Bases do Ambiente, coisa que este Governo também se recusou a fazer durante estes quatro anos. Na verdade, faltava um instrumento fundamental para a prossecução de uma política integrada de ambiente, que era a estratégia para a conservação da natureza. E o Governo vai seguramente terminar a Legislatura sem a estratégia aprovada.
Porém, o projecto de estratégia sempre apareceu, em final de Legislatura, com uma intenção tardia de cumprimento da Lei de Bases do Ambiente. Peca, portanto, Sr.ª Deputada, por tardia, esta proposta. Infelizmente, muitas acções pontuais têm acontecido de destruição e de delapidação das nossas áreas protegidas, e, hoje, trouxe-lhe um exemplo.
Permita-me, Sr.ª Deputada, que lhe deixe uma pergunta:
considera que esta «estratégia para a conservação da natureza», apresentada pelo Governo, e que a senhora apoia, vem pôr fim à delapidação das áreas protegidas, às pedreiras do Parque Natural da Arrábida e à política de construção de vias em áreas protegidas?

A Sr.ª Natalina Moura (PS); - Vem!

A Oradora: - Se vier, é uma boa estratégia; se não vier, Sr.ª Deputada, não passará de um documento formal e em nada vem ajudar uma boa política para a conservação da natureza!

Vozes de Os Verdes e do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar ao debate de urgência, requerido pelo Partido Social-Democrata, sobre a confrontação do Governo à decisão parlamentar de suspender o processo de co-incineração.
Para introduzir o debate, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Srs. Deputados: O processo de tratamento de resíduos industriais perigosos tem vindo a revelar-se um folhetim cor-de-rosa de muito mau gosto, em que o papel desempenhado pelo Governo - sem dúvida, o de vilão - evoluiu da arrogância auto-suficiente para o de falso pagador de promessas. Um folhetim que,» para desgraça das populações afectadas, ainda não chegou ao fim, tendo tido como seu mais recente episódio uma habilidade jurídica do Governo, em que mais não se pretendeu do que mudar alguma coisa para que tudo possa ficar na mesma.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Depois de a Assembleia da República se ter visto obrigada a adoptar a via legislativa para repor o bom senso e a seriedade na condução deste processo, sustendo a opção da co-incineração e devolvendo à estaca zero as decisões sem justificação nem nexo que os socialistas queriam impor, o Governo ensaia, por decreto-lei, a subversão da vontade expressa deste Parlamento, tentando enveredar, sorrateiramente, por uma política de factos consumados.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, sejamos, desde já, muito claros: a questão da co-incineração de resíduos perigosos é uma questão política, não é um problema jurídico! Por mais respeito que nos possam merecer as considerações jurídicas que se queiram avançar sobre o tema em defesa da atitude do Governo - das quais, aproveito para dizer, o PSD discorda frontalmente, como devidamente fizemos sentir ao Sr. Presidente da Assembleia da República -, é evidente que não aceitamos embarcar em mais este artifício.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Somos sérios, mas não somos parvos! De nada vale às populações de Souselas e de Maceira que a Assembleia da República e o Governo se entretenham a discutir datas, primazias na acção legislativa ou o efeito diferente entre a normal e a imediata entrada em vigor dos diplomas. O que as populações de Souselas e de Maceira querem é que a ameaça do Governo de co-incinerar resíduos perigosos à porta de suas casas - que, com natural boa-fé, eles acreditaram ter sido sustida e afastada pela intervenção deste Parlamento - não seja, afinal, retomada, com «pezinhos de lã», como o Governo verdadeiramente pretende com a publicação destes decretos-leis.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E, quanto a isso, vamos, então, ser rigorosos: é ou não verdade que esta Assembleia decidiu parar o

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processo de co-incineração desencadeado pelo Governo e subordinar todo o assunto à elaboração prévia de um plano estratégico nacional para a gestão dos resíduos?

Vozes do PSD: - É!

O Orador: - É ou não verdade que esta Assembleia decidiu, expressamente, revogar as escolhas do Governo para os locais de queima e tratamento, recolocando tudo na estaca zero?

Vozes do PSD: - É!

O Orador: - É ou não verdade que esta Assembleia decidiu criar uma comissão científica independente para apreciar esse plano, analisar as alternativas possíveis e definir as regras que vão presidir às escolhas que venham a ter de ser feitas para a localização de instalações para tratamento ou depósito?

Vozes do PSD: - É!

O Orador: - É ou não verdade que esta Assembleia decidiu que só então se procederá à revisão do quadro legal e levantará a suspensão decretada?

Vozes do PSD: - É!

O Orador: - E é ou não verdade que esta Assembleia decidiu ainda, também expressamente, que deviam, de imediato, ser executados os programas de reabilitação ambiental em todas as povoações onde estão localizadas cimenteiras?

Vozes do PSD: - É!

O Orador: - Todos sabemos, Srs. Deputados - é certo -, que estas não foram decisões unânimes nem pacíficas tomadas nesta Câmara.
Ninguém de bom senso se deixou iludir pela «cambalhota» de última hora do Governo e do PS, fingindo-se concordantes com a opinião maioritária da Assembleia e do País, levando a bancada socialista a abster-se na aprovação destas decisões. Foi «gato escondido com o rabo de fora».

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Bem lembrado!

O Orador: - Numa encenação bem montada para a comunicação social, a Ministra do Ambiente e o Ministro dos Assuntos Parlamentares surgiram até a congratular-se com o decidido pelo Parlamento, como se a co-incineração, então parada, fosse opção que nunca quiseram ou maldade de que estavam sinceramente arrependidos.
A esmola, Sr. Ministro, logo nos pareceu grande demais. e pela nossa parte desconfiámos das verdadeiras intenções do Governo.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - E muito bem!

O Orador: - Infelizmente, não foi preciso esperar muito para o tempo nos dar razão. Sorrateiramente, a verdade acaba de vir ao de cima.
Digerido o aparato jurídico habilidosamente construído para criar a ilusão de se estar a cumprir o decidido pela Assembleia da República, com rigor, o que de politicamente relevante o Governo faz com os seus decretos é o seguinte: em primeiro lugar, esvaziar de conteúdo científico minimamente sério o papel da comissão independente, ao comprimir a 30 dias o seu mandato para o licenciamento de operações de co-incineração em Souselas e Maceira.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Inacreditável!

O Orador: - Em segundo lugar, retirar qualquer efeito útil à acção da comissão, ao impor o seu pronunciamento definitivo num prazo de 60 dias, ignorando a imposição de uma prévia aprovação pelo Governo de um plano estratégico nacional para a gestão de resíduos.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Um escândalo!

O Orador: - Em terceiro lugar, restringir expressamente às cimenteiras localizadas em Souselas e Maceira a instalação de filtros de mangas, necessários para a reabilitação ambiental das povoações vizinhas a unidades deste tipo, desrespeitando o determinado por esta Câmara.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Em quarto lugar, em tudo isto e com tudo isto, retomar e tornar irreversíveis as escolhas de Souselas e Maceira como locais únicos para a co-incineração de resíduos perigosos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para alguns, isto pode parecer coisa de somenos ou até que o Governo, afinal, até só faz aquilo que, tecnicamente, não lhe está vedado pela Constituição, o que também merece, como disse, a nossa viva discordância política. Mas o que é incontornável é que o Governo quer fazer tábua rasa do que as populações, a comunidade científica e universitária, as associações ambientalistas, as autarquias e a Assembleia da República, politicamente, exigiram e decidiram com muita clareza: «O processo de co-incineração pára de imediato e o problema do tratamento de resíduos perigosos volta à estaca zero para ser retomado em contornos científicos de rigor e seriedade, com garantias legais de isenção e independência nas opções que vierem a ser tomadas».
Sem ter a coragem política de o assumir, é esta decisão que o Governo afronta com os seus decretos. Por isso, Srs. Deputados, têm as populações de Souselas e Maceira o legítimo direito de se sentirem atraiçoadas; têm as instituições universitárias, científicas e ambientais, que acreditaram no recuo do Governo, o direito de se sentirem usadas e enganadas, mas é a Assembleia da República que tem a estrita obrigação de responder, com firmeza, a esta inusitada confrontação política do Governo e reafirmar tudo aquilo que anteriormente decidiu sobre este processo, com urgência e pelas vias legais ao nosso alcance.
É isso que a dignidade e a própria credibilidade desta Assembleia exigem e, em particular, as populações atraiçoadas esperam de nós todos. É isso mesmo que o PSD fará!

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Pedrosa de Moura.

O Sr. Rui Pedrosa de Moura (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: A análise da questão de fundo subjacente ao presente debate de urgência pressupõe que, de uma forma séria e isenta, façamos, sem memória selectiva, um pequeno resumo daquilo que tem sido a atitude do Governo no decurso deste já longo processo.
No dia 16 de Dezembro de 1998 e no passado dia 14 de Janeiro, a Assembleia da República promoveu, respectivamente, uma interpelação ao Governo que versava sobre a política para os resíduos industriais e um debate de urgência sobre a decisão governamental de co-incineração de resíduos tóxicos nas cimenteiras.
Em ambos os debates, a maioria dos grupos parlamentares deu voz às populações contra a forma precipitada como o Governo estava a conduzir todo este processo. Ao mesmo tempo, o Conselho Científico da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra emitia um parecer que repudiava a solução de co-incineração; o Senado da mesma Universidade solicitava a suspensão de todo o processo; as populações clamavam por ser ouvidas; as autarquias locais aprovavam moções criticando a actuação do Governo... Só que o Governo, o proclamado Governo em diálogo, falava, mas não ouvia, insistia que todos estávamos enganados e que a co-incineração era uma opção sem alternativa!

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Face a este crescente autismo governativo, no dia 20 de Janeiro, a Assembleia da República discute o projecto de deliberação n.º 55/VII, que, aprovado no mesmo dia, deu origem à resolução n.º 6/98. Nessa resolução, a Assembleia recomenda ao Governo, entre outros, a imediata suspensão do processo de co-incineração em cimenteiras, com a revogação das decisões respeitantes à escolha dos locais para a queima e tratamento e a elaboração, até final da Legislatura, de um inventário nacional de todos os resíduos produzidos, que incluísse a sua tipificação.
Consequências objectivas, práticas, deste apelo institucional? Nenhumas!

O Sr. Silvio Rui Cervan (CDS-PP): - Zero!

O Orador: - Perante esta total indiferença o Parlamento, como única forma de travar uma decisão manifestamente mal sustentada e de garantir a efectiva protecção da saúde pública e do ambiente, viu-se forçado a recorrer à lei, aprovando, no dia 25 de Fevereiro, aquilo que é hoje a Lei n.º 20/99, que suspende todo o processo de co-incineração.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Bem lembrado!

O Orador: - Tinha esta lei, fundamentalmente, três objectivos: o primeiro era o de cometer ao Governo a apresentação, por decreto-lei, até ao final da presente Legislatura, de um plano estratégico de gestão dos resíduos industriais; o segundo era a suspensão da aplicação da legislação anterior que punha em curso o processo concreto de co-incineração, incluindo a avaliação e a selecção de
locais para a queima e tratamento dos resíduos industriais; o terceiro era a constituição, também por decreto-lei, de uma comissão científica independente que procedesse ao estudo global da questão dos resíduos industriais, relatando e dando parecer relativamente ao tratamento desses resíduos, incluindo - sublinha-se - o impacte de «cada uma das possíveis modalidades de tratamento».
Não é, pois, possível fazer-se uma interpretação diferente sobre este diploma que não seja a de que a Assembleia da República decidiu colocar um ponto final neste processo de co-incineração e que o mesmo teria de voltar ao ponto de partida.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - No entanto, o Governo socialista, incapaz de constatar que errava, limitava-se a condicionar o erro, aprovando, no dia 19 de Fevereiro, um decreto, o Decreto-Lei n.º120/99, que cria um sistema especial de controlo e fiscalização ambiental da co-incineração.
Ou seja, seis dias antes do debate e votação do projecto-lei que deu origem à Lei n.º 20/99, e cujo conteúdo era sobejamente conhecido por todos, o Governo decide algo que sabia que não podia deixar de ser contrariado por esta Câmara!
Curiosamente, ou não, na mesma altura, a Sr.ª Ministra do Ambiente, na edição do mês de Fevereiro de uma revista nacional, questionada sobre se estaríamos perante uma decisão tomada em definitivo dizia (e passo a citar):
«esta decisão é irreversível».

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Palavra de socialista!

O Orador: - Era talvez com base nesta presunção de irreversibilidade que o Governo legislava no sentido da implementação da co-incineração em Souselas e Maceira, criando inclusivamente uma comissão de controlo e fiscalização da co-incineração.
Só que seis dias após a aprovação deste diploma a Assembleia da República aprova a lei que suspende todas as decisões e o próprio processo de co-incineração.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - E a Sr.ª Ministra não se demite!

O Orador: - Perante isto, no dia 18 de Março, o Governo aprova um outro diploma, o Decreto-Lei n.º 121/99, que atribui a competência prevista na lei da Assembleia da República à comissão que havia sido criada pelo seu anterior diploma.
No preâmbulo deste decreto é dito (e passo a citar): «parece conveniente atribuir também a esta comissão a competência para elaborar o relatório previsto no artigo 4º da Lei n.º 20/99, assim se evitando a multiplicação de estruturas e favorecendo a adequada articulação entre os pareceres a emitir».
Agora, perguntamos nós: se tudo ficou suspenso, quais são as estruturas que se multiplicam? Quais são os pareceres que têm de ser articulados? Quais são as outras competências que a comissão, hoje, também tem?

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito bem!

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O Orador: - Se a Assembleia da República quis que tudo voltasse ao princípio, que o Governo voltasse, nesta matéria, ao ponto de partida e se o Decreto-Lei n.º 121/99 foi feito para articular a legislação anterior do Governo com a lei aprovada pela Assembleia, por que é que se mantém, num processo que parte do princípio, apenas os representantes das Câmaras Municipais de Coimbra e de Leiria!
Das duas uma: ou o Governo já sabe que o processo vai acabar novamente em Maceira e em Souselas ou o Governo quer mesmo que vá acabar nesses locais.
Por outro lado, na sequência de toda a reflexão geral que o Governo terá de realizar é possível que se venha a optar por outras formas de tratamento e eliminação de resíduos que não a co-incineração!
A verdade é que a manutenção dos representantes apenas destas duas câmaras indicia que o Governo quer, por decreto-lei, ir para além daquilo que foi decidido nesta Câmara. E é nesta exacta medida que há aqui um conflito entre aquilo que o Governo deseja - ou já sabe que vai acontecer - e aquilo que a Assembleia da República aqui fez, que foi remeter o processo para o seu ponto de origem, para que tudo comece do princípio.
Mas como se tal não bastasse o Decreto-Lei n.º 121/99 reserva-nos outras «curiosidades»!
Nos n.ºs 2 e 3 do artigo 2.º, o Governo prevê prazos para a emissão de pareceres, respectivamente, «para a concessão da licença industrial provisória e autorização prévia necessárias à realização dos testes de co-incineração» e para a «concessão definitiva de licença industrial e de autorização prévia ambiental para as operações de co-incineração».
Mas, afinal, que articulação é esta com a lei que põe termo ao processo de co-incineração? O processo de co-incineração está ou não está suspenso?
Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.ªs e Srs. Deputados: O que estamos hoje aqui a fazer não é tão-só analisar efeitos derrogatórios de diplomas ou questões formais de datas, não é saber se o Decreto-Lei n.º 120/99 foi aprovado apenas seis dias antes da Lei n.º 20/99 ou se foi referendado na mesma data ou publicado na mesma data que o Decreto-Lei n.0 121/99.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Estamos, sim, a aferir questões materiais de opções políticas e sobretudo de práticas políticas concretas, e isso é que é relevante!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Se é verdade que as intenções ficam com quem pratica os actos, não é menos verdade que desses actos todos temos de retirar as devidas consequências.
E o Governo tem de, perante todas as evidências, assumir claramente que está a dar sinais de uma arrogância política gritante, bem elucidativa daquilo que seria se algum dia viesse a ter maioria absoluta.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Não havendo pedidos de esclarecimento, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Barreiros.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Verdadeiramente este debate não tem qualquer razão de ser.
Trata-se apenas de uma «prova de vida» da Direcção da bancada do PSD, que bem precisa...

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - A «prova de vida» é das populações de Souselas!

O Orador: - Será bom recordar que o PSD se lembrou de propor este debate de urgência no desespero de ver aproximar-se o seu último Congresso, sem lhe ocorrer qualquer questão concreta para criticar o Governo.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Está a brincar com a saúde alheia!

O Orador: - E como o desespero é mau conselheiro resolveu-se a mandar para o ar mais uma atoarda, mais um conjunto de insultos e calúnias.
No fundo o PSD não fez mais do que dar continuidade ao triste papel de oposição irresponsável que tem prosseguido nestes últimos quatro anos. Incapaz de falar de política de emprego, de educação, de políticas sociais ou de questões europeias limita-se a atirar poeira para o olhos a ver se ilude os incautos.
Mas desta vez o PSD excedeu-se.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Exactamente!

O Orador: - As gravíssimas acusações que fez ao Governo de desrespeito por esta Assembleia,...

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Gravíssimas?!

O Orador: - ... obrigaram mesmo o Sr. Presidente da Assembleia da República, com a frontalidade que todos lhe reconhecemos, a fazer um despacho a esclarecer se essas acusações tinham ou não tinham fundamento.
A qualidade do douto parecer do Sr. Presidente da Assembleia da República dispensa-me de qualquer comentário adicional e teria permitido ao PSD, se ainda lhe restasse algum decoro, a oportunidade de desistir deste debate. Mas, em vez desse gesto de bom senso, o PSD preferiu fugir em frente. E chegou mesmo ao ponto de fazer sair ontem um papelucho a contestar o despacho do Sr. Presidente da Assembleia. A falta de qualidade e o estilo canhestro desse comunicado deixou logo adivinhar quem foi o constitucionalista de serviço que o redigiu.

Risos do PS e do PCP.

Mas o importante desse comunicado é que ele revela que aquilo que desespera o PSD é que a Lei n.º 20/99, aprovada a 25 de Fevereiro, não diga aquilo que o PSD gostaria que ela dissesse.
Seguramente, ninguém se esqueceu do papel ridículo a que o PSD aqui se prestou no debate da Lei n.º 20/99.
Sob a batuta do Engenheiro Carlos Pimenta - agora caído em desgraça -, apareceram aqui muitos radicais propondo o regresso à estaca zero, proibindo a co-incineração em todo o território nacional e não prevendo, sequer, a criação de qualquer comissão científica.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Quem te viu e quem te vê!

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O Orador: - Mas perante a perspectiva de ver a sua proposta derrotada, o PSD entregou-se ao indecoroso espectáculo de fazer um acordo de última hora com o PCP, acordo esse que desmantelou o essencial das propostas do PSD.
E, assim, surgiu a Lei n.º 20/99, que, ao contrário do que o PSD pretendia, não revogou o Decreto-Lei n.º 273/88, limitando-se a suspender a sua aplicação, criou uma comissão científica, que, aliás, já tinha sido criada pelo Governo em diálogo com as autarquias, a Universidade de Coimbra e o Conselho de Reitores, e não proibiu a co-incineração, admitindo que ela possa ser posta em prática se a comissão científica assim o entendesse, tal como, aliás, constava da decisão do Governo.
Além disso, a Lei. n.º 20/99 limitou-se a abrir uma porta aberta, ou seja, a exigir um Plano Nacional de Resíduos que, como se sabe, constitui um compromisso firme do Governo e se encontra em adiantada fase de elaboração.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - E foi em respeito pela decisão da Assembleia que o Governo elaborou o Decreto-Lei n.º 121/99, que adaptou o anterior Decreto-Lei n.º 120/99, nomeadamente no que se refere à designação e ao âmbito da comissão e à necessária salvaguarda daqueles aspectos do Decreto-Lei n.º 273/98 referentes à defesa do ambiente e à punição das infracções de acordo com as normas comunitárias.
Afinal de que é que o PSD se queixa?

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Não é o PSD que se queixa!

O Orador: - Será da independência da comissão científica? Será que o PSD está incomodado por nessa comissão o Governo só ter um elemento em seis? Ou será que o PSD critica a independência financeira e o carácter vinculativo das decisões da comissão científica?
Não me digam que depois de tudo o que se passou o PSD pretende que as Câmaras Municipais de Leiria e de Coimbra sejam marginalizadas, em vez de terem uma palavra decisiva em todo este processo.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Então e as outras?

O Orador: - Porque, se é isso que querem, é bom que o digam com clareza para que as populações de Coimbra e de Leiria saibam que o PSD não confia na capacidade, na competência e na isenção dos autarcas desses concelhos.

Aplausos do PS.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - O de Coimbra, nem pensar!

O Orador: - Afinal o que é que o PSD quer? Verdadeiramente, o PSD não sabe aquilo que quer; o PSD limita-se a esbracejar e fazer o maior ruído possível - que, como eu já disse também, é uma forma de poluição - a fim de evitar que seja tomada qualquer decisão. Para além disso, o PSD quer ver se os portugueses se esquecem de que os gravíssimos problemas ambientais que decorrem da acumulação de centenas de milhares de toneladas de resíduos industriais perigosos resultam da criminosa inoperância dos governos do PSD ao longo de 10 anos.

Aplausos do PS.

Mas nada há de espantar pelo facto de o PSD não saber aquilo que quer.
Pois não é verdade que o PSD fez um Congresso há poucos dias cuja principal conclusão foi não ter propostas concretas a apresentar aos portugueses? Não é verdade que na ausência dessas propostas concretas o novo líder do PSD, o Dr. Durão Barroso, teve o desplante de dizer que ia estudar o assunto e lá para Setembro, nas vésperas das eleições, dizia o que pensa dos problemas dos portugueses?

Maria Celeste Correia (PS): - Exactamente! Quatro meses!

O Orador: - Bem se pode dizer que o Dr. Durão Barroso faz lembrar aquele menino cábula que passou os anos na «boa-vai-ela» e só começa a estudar na véspera do exame, e como bom cábula vai copiando aquilo que pode...

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - E há aqueles cábulas que nunca estudam!

O Orador: - É assim que a recente proposta de apoio às famílias que têm idosos a seu cargo se limita a copiar uma Resolução do Conselho de Ministros de Janeiro deste ano.
Mas essa táctica de estudar só nas vésperas dos exames não costuma dar bons resultados. Mas esse é um problema do PSD.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - E há aqueles cábulas que copiam!

O Orador: - Eu sei que o CDS-PP também tem razões de queixa quanto a «copianços» da parte do Dr. Durão Barroso... Se calhar, com razão, mas esse é um problema do PSD!

Risos do PS.

Os problemas dos portugueses, no que se refere ao tema que hoje aqui nos traz, é algo que nenhum de nós pode ignorar e que se resume à realidade dramática de que, por cada mês de atraso na tomada de uma decisão, acumulam-se no nosso país mais 10 000 toneladas de resíduos industriais perigosos.
E os portugueses sabem quem são aqueles que tudo têm feito para resolver o problema e quem são aqueles que tudo têm feito para agravar o problema.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Informo que temos a assistir aos nossos trabalhos, além de um grupo de cidadãos, um grupo de 50 alunos da Escola E. B. 2,3 Dr. Joaquim Magalhães, de Faro, um grupo de 160 alunos de vários estabelecimentos de ensino dos Concelhos do Fundão. Marinha

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Grande, Montemor-o-Novo e Vila Real de Santo António, estando para chegar um grupo de 50 alunos da Escola E. B. 2,3 de Loulé. Uma saudação carinhosa para todos eles que bem merecem.

Aplausos gerais, de pé.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Srs. Deputados: Para além de todas as peripécias e confusões de que se revestiu a publicação da Lei n.º 20/99 e dos Decretos-Leis n.0' 120 e 121/99, e que deveriam ter sido evitadas, o que para o PCP é essencial é saber se com a publicação daqueles decretos-leis foi derrogada, na prática, a vontade da Assembleia da República expressa na lei aqui aprovada em 25 de Fevereiro.
Repito: o que nos interessa essencialmente, o que é politicamente substantivo é saber se, de facto, houve alguma derrogação da lei, e não tanto saber o que Governo eventualmente teria querido fazer ou o que ele desejaria que fossem as conclusões do parecer da comissão científica independente, porque sobre isto estamos conversados. É público e notório que o Governo se manifestou contra a aprovação da lei, não a quis e desejaria que ela nunca tivesse visto a luz do dia. É evidente que o Governo reza para que a co-incineração vá para a frente, e se assim for mantém o desejo de a impor a Souselas e a Maceira.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Ora bem, nesta perspectiva em que nos colocamos, o que interessa analisar é se o processo de co-incineração está ou não suspenso, como o quis a Assembleia da República, até que a comissão científica independente «relate e dê parecer relativamente ao tratamento de resíduos industriais perigosos».
É verdade que o Decreto-Lei n.º 120/99 criava uma comissão científica que tinha por objectivo emitir pareceres para a concessão de licenças e de autorizações, provisórias e definitivas, para a realização de testes e operações de co-incineração.
Mas é para nós igualmente certo que o n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 121/99 é claro ao determinar, expressamente, que o parecer da comissão científica que a Assembleia da República quis é prévio a qualquer outro parecer. Ou seja, a competência que no Decreto-Lei n.º 120/99 é concedida à comissão científica para licenciar e autorizar testes e operações de co-incineração está indisponível enquanto a própria comissão se não pronunciar sobre a questão, mais geral e prévia, relativa ao tratamento de resíduos industriais perigosos incluindo o impacte das modalidades possíveis sobre o ambiente, a saúde pública, etc.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Isto é, para nós é inequívoco que nenhum passo no caminho da co-incineração, ainda que em termos de testes, pode ser dado pela comissão científica e pelo Governo antes que aquela comissão elabore o relatório e parecer que a Assembleia da República quis e continua a querer.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Costa): - Muito bem!

O Orador: - E isto, independentemente de esse parecer ser elaborado no prazo de 60 dias ou em qualquer outro prazo: enquanto não houver esse parecer, nada há, absolutamente nada para a co-incineração. Em Souselas, em Maceira ou em qualquer outro ponto do País.
Aquilo, afinal, que substantiva e realmente foi querido pela Assembleia da República quando aprovou a Lei n.º 20/99.
E se aquele parecer vier a pronunciar-se contra a co-incineração, esta modalidade de tratamento será definitivamente abandonada, o Decreto-Lei n.º 120/99 deixará de ter objecto e morrerá de morte natural.
Na nossa opinião, não há, pois, derrogação da lei na decorrência da publicação dos decretos-leis aprovados pelo Governo.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Evidente!

O Orador: - Pode, porém, suscitar-se legitimamente a questão de, estando suspenso o processo de co-incineração por decisão da Assembleia da República - como está -, ter um significado simbólico da obsessão do Governo pela co-incineração em Souselas e Maceira a presença na comissão científica de especialistas designados pelas Câmaras Municipais de Coimbra e de Leiria. Por isso, o Grupo Parlamentar do PCP proporá, em sede da ratificação do Decreto-Lei n.º 121/99, uma alteração em que se determine que tais especialistas não integrem a comissão científica enquanto o trabalho desta tiver por objecto a elaboração do relatório e parecer requerido pela Lei n.º 20/99.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, queremos recordar ao Governo que a Lei n.º 20/99 não se esgota no relatório e parecer da comissão científica independente.
A lei deve ser cumprida na sua plenitude.
E, sendo certo que o Governo só está obrigado a apresentá-lo até ao final da Legislatura, esta pode ser uma boa oportunidade - hoje, este debate - para o Governo informar a Assembleia da República do ponto de situação relativo à elaboração do plano estratégico de gestão dos recursos industriais que assuma como prioridade absoluta a sua redução, reutilização e reciclagem.
Do mesmo modo que o Governo nos deve prestar contas das medidas que já tomou no sentido de permitir, no curto prazo, a adequada deposição e armazenamento controlados desses resíduos.
E, por último, que hoje nos elucide sobre o que está a ser feito quanto à execução de programas de reabilitação ambiental das povoações onde estão colocadas unidades cimenteiras, não apenas Souselas e Maceira mas todas as localidades onde existem unidades cimenteiras!

Vozes do PCP: - Muito bem!

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O Orador: - Aguardamos a prestação de contas pelo Governo, mas, sejam elas prestadas ou não hoje, que fique claro que para o PCP a Lei n.º 20/99 tem de ser cumprida pelo Governo na sua globalidade, sem subterfúgios, sem disfarces e sem delongas!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, queria dizer que, para Os Verdes, é muito claro o que está em discussão neste momento e com este debate de urgência. Não é, como se pretendeu fazer, crer um problema menor que um grupo parlamentar suscita - neste caso, um problema que tenha a ver com a forma -, é um problema político, é um problema de conteúdo e é um problema que não é novo. Ou seja, o saber como um problema nacional, como é o tratamento de resíduos industriais - que é um problema sério
-, é tratado seriamente.
É nesse sentido que Os Verdes, desde há muito, se têm vindo a pronunciar; foi nesse sentido que Os Verdes, muito antes da polémica instalada estalar, chamaram a atenção do Governo, utilizando aquele que é seu dever parlamentar de trazer o problema a debate público, foi nesse sentido que Os Verdes se pronunciaram e fizeram em 16 de Dezembro uma interpelação ao Governo, discutindo, de modo alargado, a questão e a política para os resíduos industriais, demonstrando, como ficou demonstrado - e essa foi uma leitura que, seguramente, ninguém foi capaz de contrariar na interpelação então havida -, que a política que estava então a ser seguida pelo Governo do Partido Socialista, manifestamente, não cumpria o objectivo de resolver o problema dos resíduos industriais, particularmente no tocante ao problema de tratamento dos resíduos tóxico-perigosos.
Se se recordam, toda a falta de credibilidade que sustentou as decisões, os estudos e o modo como - não o primado da saúde pública e do ambiente mas de tão-só o de favorecer um grupo de interesses - estiveram e empurraram a decisão, foram alvo que na altura criticámos e para o qual chamámos a atenção.
Também não foi por acaso que se realizou, no início do ano, um debate de urgência neste Parlamento sobre a matéria; não foi por acaso que a Assembleia aprovou, com uma forte maioria dos Deputados deste Parlamento, uma resolução que tinha claramente uma leitura política. O Governo não quis fazer a leitura do significado dessa tomada de decisão da Assembleia, desrespeitou-a e, aliás, comentou-a em termos extremamente indecorosos, que me parecem de manifesta falta de cultura democrática.
O problema que se coloca, hoje, para Os Verdes não é tanto um problema de coincidência e do significado que pode existir ou não na publicação quase simultânea de dois diplomas de sinal contrário, mas, o de ver discutido
- e para o qual pedimos o agendamento de um debate de urgência, na próxima semana - e de saber se aquilo que foi uma decisão política da Assembleia da República, aquilo que foi o travar um processo que nasceu mal e criar as condições para que a decisão que venha a ser tomada no futuro o seja correctamente baseada num conhecimento, num estudo, num inventário que manifestamente não existe e sustentada por uma estratégia orientada para princípios que não são um amontoado de generalidades mas algo definido no tempo e com clareza para dar conteúdo a uma política de prevenção, de redução, de reutilização e reciclagem. É isso que está claramente em discussão.
E a razão de ser do debate de urgência que solicitámos à Assembleia da República, e que se vai realizar para a semana, tem como objectivo aquilo que, para nós, está presente na lei aprovada pelo Parlamento.
A lei aprovada pelo Parlamento não foi para meter na gaveta um problema que é complicado, não foi para facilitar a resolução de um problema que pode ser explosivo, e que é explosivo em ano eleitoral, porque, neste momento, afecta directamente duas populações, mas que, no fundo, afecta outras que também, numa perspectiva imediata ou não, estão abrangidas por esta decisão, se se teimar em levá-la por diante. A questão que está implícita no diploma aprovado pela Assembleia é travar este debate sobre uma questão séria, para que o debate seja conduzido seriamente, isto é, seja baseado numa estratégia e em dados credíveis.
Portanto, aquilo que queremos, porque a decisão da Assembleia não foi ganhar tempo, não foi arquivar algo que é incómodo, é saber qual é o ponto da situação, ou seja, para além das palavras, o que é que o Governo já fez, desde 20 de Janeiro, para dar conteúdo àquilo a que ficou obrigado perante os Deputados portugueses.
Foi com esse sentido que me parece que o diploma foi aprovado, e julgo que é isso que, depois de uma grande contestação, as populações de Souselas, de Maceira, de Alhandra ou de qualquer outro sítio esperarão, seguramente, que o Governo se comprometa, não a ter uma maioria que lhe permita não dar contas a ninguém mas, sim, resolver seriamente um problema que é sério.

Aplausos de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: É com muito prazer que, em 15 dias, estou aqui pela segunda vez para tratar da mesma matéria.
Começarei pelas questões concretas e relevantes que foram colocadas pelos Srs. Deputados Isabel Castro, Octávio Teixeira e Rui Pedrosa de Moura.
A Sr.ª Ministra do Ambiente estará aqui no debate de urgência promovido pelo Partido Ecologista «Os Verdes», que é um debate que tem conteúdo e um objecto real e que merece a intervenção e o debate conjunto entre o Governo e a Assembleia da República.
Não querendo, portanto, esvaziar o que vai ser dito nesse debate, não posso deixar de responder, contudo, à questão que o Sr. Deputado Octávio Teixeira colocou e a que se referiu também a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
O Plano Estratégico de Gestão dos Resíduos Industriais estava a ser elaborado não propriamente por causa da vossa recomendação de Janeiro deste ano mas porque entrou em vigor, em Setembro de 1997, um decreto-lei, da iniciativa deste Governo, que previa a sua elaboração. Como foi dito em Janeiro, quando aprovaram a recomendação, esse Plano estava a ser elaborado.

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Como eu aqui disse há 15 dias, e agora repito, foi publicamente apresentada em Março a primeira versão desse Plano, como, aliás, os Srs. Deputados deveriam saber, visto que isso foi noticiado, pelo menos, na edição de 8 de Abril do Diário de Notícias, na edição de 8 de Abril do Público e na edição de 8 de Abril d'A Capital, o que, portanto, deve ser matéria, certamente, do conhecimento dos Srs. Deputados.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É o editorial do Governo?!

Risos do PCP.

O Orador: - E este Plano Estratégico de Gestão dos Resíduos Industriais teve a sua primeira versão apresentada publicamente em Março, continua a ser elaborado e a sua elaboração estará concluída em Julho. Ora o que diz a lei da Assembleia é que o Governo tinha até ao final da Legislatura para fazer aprovar este Plano, por via de decreto-lei.
Podem estar descansados e tranquilos porque, muito antes do fim da Legislatura, o Governo terá o Plano aprovado por decreto-lei.
Pergunta também o Sr. Deputado Octávio Teixeira o que é que está a ser feito quanto à requalificação ambiental das localidades onde existem cimenteiras. Sou-lhe sincero: este Governo não é perfeito e, de facto, está mais adiantado onde já havia trabalho em curso, ou seja, relativamente às localidades de Souselas e Maceira.
Mas pareceu-nos que seria muito injusto prejudicar as populações dessas duas localidades, dizendo «agora não vamos fazer nada aqui enquanto não houver um programa para o conjunto de todas as localidades e também de Setúbal, de Vila Franca de Xira, etc.», e, portanto, continuámos a avançar.
Já tive oportunidade de dizer que está contratado um profissional muito competente, o Arquitecto Gonçalo Byme, para dirigir estas duas operações de requalificação. Dá-se, aliás, a coincidência feliz de o Arquitecto Gonçalo Byme ser natural de uma dessas freguesias, no caso concreto da freguesia de Maceira.
Houve uma primeira fase do trabalho em que a administração central, em conjunto com os municípios e com as freguesias, elaborou as bases de um plano de acção nas freguesias de Souselas e Maceira. Esse documento foi entregue ao Arquitecto Gonçalo Byme e, durante o mês de Maio, ele apresentará ao Governo, às juntas de freguesia e às câmaras municipais o trabalho que tem estado a realizar.
Um terceiro tipo de questões colocadas pelos Srs. Deputados Octávio Teixeira e Rui Pedrosa de Moura é dizer assim: se a comissão científica passou agora a ter uma competência mais alargada, designadamente para dar o parecer previsto na lei da Assembleia da República, que não dá de barato que exista co-incineração e muito menos a sua localização, então, o que é que lá estão a fazer as Câmaras Municipais de Coimbra e de Leiria?
E aí, Srs. Deputados, já vos disse há 15 dias, e o Sr. Deputado Octávio Teixeira já correspondeu, anunciando uma sugestão de alteração, a posição do Governo era muito delicada, porque, ao contrário - e, aliás, é o único reparo que tenho a fazer à sua intervenção -, o Governo não foi seis dias antes da Assembleia aprovar uma lei que resolveu fazer um decreto-lei.
O decreto-lei que foi aprovado no dia 19 de Fevereiro no Conselho de Ministros, uma semana antes de a Assembleia discutir o projecto de lei, estava, como sabem, em elaboração desde 6 de Janeiro, porque no dia 6 de Janeiro, quando o Sr. Primeiro-Ministro recebeu as Câmaras Municipais de Coimbra e de Leiria, as Juntas de Freguesia de Souselas e Maceira e vários dirigentes das associações locais ambientalistas, entregou-lhes um memorando com uma proposta de metodologia, e essa metodologia foi desenvolvida e formatada em diploma legislativo pelo Professor Vital Moreira e, finalmente, foi aprovada no dia 19 de Fevereiro. Portanto, não foi uma novidade e VV. Ex.ªs sabiam isso quando aqui o discutiram, na Assembleia da República.
Ora, no memorando que o Primeiro-Ministro apresentou, havia o compromisso de haver uma representação de cada uma dás câmaras municipais, o que, aliás, como perceberão, nada favorece aquela intenção perversa que VV. Ex.ªs querem ver na posição do Governo, porque, se o Governo tivesse um em quatro, estaria, obviamente, melhor representado do que tendo um em seis.
Mas nós tínhamos este compromisso com as Câmaras Municipais de Coimbra e de Leiria, por isso não seríamos, nem seremos, nós a quebrar esse nosso compromisso. Aliás, nem sequer o poderíamos fazer porque, quando o Governo aprovou o decreto-lei, não havia ainda lei da Assembleia da República. E, como sabem, a partir do momento em que o Governo aprova um diploma e o envia para o Sr. Presidente da República para promulgação, o Governo não pode ter mais intervenção.
Claro que no segundo decreto-lei, em que ajustámos o primeiro à lei da Assembleia, poderíamos ter excluído as câmaras municipais. E faríamos bem? Eu já disse aqui, há 15 dias, que faríamos mal! Faríamos mal, primeiro, porque quebraríamos um compromisso; segundo, porque a presença das Câmaras Municipais de Coimbra e de Leiria em nada diminui a independência da Comissão - pelo contrário, reforça-a;...

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Não foi isso que dissemos!

O Orador: - ... terceiro, e fundamental, porque o que está na lei da Assembleia - e leio o n.º 2 do artigo 4.º - é que «Os membros da comissão não representam as entidades que os nomearam», e, portanto, o princípio é que haverá seis cientistas, com três fontes de designação diferentes, que, como tal, com total independência irão debater esta matéria.
Portanto, os Srs. Deputados são soberanos. Se querem tomar a iniciativa de excluir as câmaras municipais, tomá-la-ão, e pela nossa parte não temos qualquer melindre. O Sr. Deputado Octávio Teixeira propôs, aliás, uma solução que me pareceu relativamente equilibrada: «só entram depois de ser dado o primeiro pareceu) e, presumo eu, caso o primeiro parecer venha a ser positivo,...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Oh! Acabou tudo!

O Orador: - ... porque, se logo o primeiro parecer excluir claramente a co-incineração, não haverá co-incineração para ninguém, nem em Souselas, nem em Maceira, nem em qualquer outro sítio.

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Muito bem! Então creio que não é por isso que dificultaremos a tramitação legislativa desta matéria, porque estamos de acordo.
E o Sr. Deputado Octávio Teixeira disse - e não me leve a mal de eu estar a referir-me elogiosamente a si, espero que não o melindre - a frase-chave nisto tudo: «É evidente que a lei da Assembleia da República não está derrogada! É evidente que o processo de co-incineração, conforme a Assembleia da República o deliberou, está suspenso! E nada nos decretos-leis do Governo permite alterar isso!».
Resta-me, portanto, dizer alguma coisa, porque seria indelicado da minha parte não dizer mesmo nada, quanto à intervenção aqui produzida pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes, que veio, no seu estilo «Quinta da Marinha»,...

Risos gerais.

... repetir o discurso populista que o Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho já aqui tinha feito há cerca de 15 dias.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Não visite mais Souselas! Há-de lá ir!

O Orador: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes é assim: nós não discutimos nem embarcamos em processos de má fé. Sei que o PSD tem um problema, está a ganhar tempo, está a ver se, até ao dia 2 de Setembro, lhe cai alguma ideia para dizer alguma coisa ao País sobre qualquer assunto que seja, e, portanto, para ganhar tempo, foram ao baú deixado lá pelo Professor Marcelo e a primeira coisa que estava à mão era tentar reanimar o debate sobre a co-incineração.
Srs. Deputados, não vale a pena entrarem por aí, puxem pela imaginação! O País tem muitos problemas..., muitos problemas onde o vosso contributo, aliás, para a sua resolução, era muito útil. E se contribuírem para a sua resolução com metade daquilo que contribuíram para sua criação, é já um notável contributo que VV. Ex.ªs dão ao País!

Aplausos do PS.

Agora a verdade é só uma: o Sr. Deputado Luís Marques Mendes, que agora lhe está aí a bichanar ao ouvido, a ver se V Ex.ª diz alguma coisa de jeito a seguir,...

Protestos da Deputada do PSD Manuela Ferreira Leite.

... escreveu uma carta ao Presidente da Assembleia, onde disse a coisa mais grave que se pode dizer sobre o relacionamento entre dois órgãos de soberania. Escreveu o Sr. Deputado Luís Marques Mendes: «Num acto de evidente confrontação política sem paralelo na nossa história constitucional democrática, através do qual o Governo socialista vem, obviamente, desrespeitar o Parlamento».
O Sr. Deputado Luís Marques Mendes, escreveu isto, calou-se no primeiro debate, cala-se neste, não teve apoio de nenhum partido da oposição para subscrever este insulto que aqui está ao Governo, forçou o Sr. Presidente da Assembleia da República a pronunciar-se sobre a questão, e eu, para terminar, porque, além do mais, o tempo está a esgotar-se, limito-me a dizer, porque nem todos os Srs.
Deputados conhecerão, a conclusão que o Sr. Presidente da Assembleia da República tirou de todo este caso:
«1 - Que o Governo não derrogou nem, por certo, pretendeu derrogar o que foi legalmente determinado pela Assembleia da República;
2 - Que, assim sendo, não ocorreu no caso concreto sobre exame um acto ou sequer um propósito de desrespeito ou confrontação política do Governo relativamente à Assembleia da República, nomeadamente consistentes na tentativa de esvaziar de conteúdo útil o determinado pela Assembleia da República;
3 - Que não ocorreu, assim, qualquer situação determinante de uma tomada de posição do Presidente da Assembleia da República de defesa do prestígio da Assembleia e do respeito que lhe é devido».
Sr. Presidente, eu seria totalmente incapaz dizer mais ou melhor do que V. Ex." disse.

Aplausos do PS.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Para uma intervenção, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Srs. Deputados:
No final deste debate, quero apenas deixar aqui três breves palavras, a primeira das quais para sustentar o seguinte: denunciámos com a missiva que enviei a V. Ex.ª com a realização deste debate uma situação que consideramos politicamente grave. Ao contrário do que aqui foi dito, a questão não é jurídica, a questão é política! A questão não está em os decretos-leis estarem a revogar juridicamente uma lei da Assembleia da República, a. questão política é outra e toda a gente a entende, e só a não entende quem não quer entender.
Face à lei da Assembleia da República, feita contra a vontade do Governo e contra a maioria que o apoia, a Assembleia da República suspendeu um processo, o Governo não tinha de fazer mais qualquer decreto-lei nesta fase que não fosse apenas e só cumprir a lei da Assembleia da República.

Aplausos do PSD.

No momento em que fez dois decretos-leis, pode ter todas as explicações jurídicas e formais, artigos, alíneas, números, tudo isso, uma discussão bonita para juristas, mas politicamente tinha apenas de cumprir a lei, tinha apenas de fazer o Plano Estratégico, que ainda não fez, porque, com estes decretos-leis, o Governo está, com «pezinhos de lã», capciosamente, sub-repticiamente a tentar criar o «facto consumado».

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Eu sou sério, mas não sou ingénuo e percebo politicamente o que está por trás de tudo isto!

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Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, fica aqui também claro o seguinte: o Sr. Ministro pode não estar preocupado e, naquela sua linguagem de um verdadeiro diplomata (dá-nos sempre aqui exemplos disso), pode mostrar-se arrogante e altivo, mas eu próprio, acompanhado de vários Deputados da minha bancada, ainda no domingo passado estive em Souselas com as populações. As pessoas podem aqui dar explicações jurídicas muito bonitas, mas há algo que ninguém consegue - nem o Sr. Ministro - afastar: é que as pessoas estão realmente preocupadas com o facto de o Governo não ter cumprido, como devia, a lei e estar a criar as condições para apresentar o facto consumado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E ninguém desconhece as pressões imensas que as cimenteiras e outros grupos econónúcos estão a fazer junto do Governo para que esta decisão, passado um primeiro período em que houve acalmia e anestesia, venha a tornar-se um facto consumado. Veremos, na altura própria, se temos ou não razão nesta denúncia.
Terceira e última questão: fica hoje aqui claro, uma vez mais, que estivemos, estamos e estaremos contra a co-incineração, em Souselas, em Maceira, em qualquer outra localidade! Esta clareza ninguém nos pode tirar. O Governo não tem, nem de longe nem de perto, metade desta clareza.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma nova intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, para o que dispõe de tempo cedido pelo Partido Socialista.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, agradeço ao Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
Sr. Deputado Luís Marques Mendes, o senhor é obviamente sério - a sua seriedade não está em causa -, mas não diga que não é ingénuo, porque nós sabemos que não é!
Mas, Sr. Deputado Luís Marques Mendes, quando diz «o Governo tinha de cumprir a lei e não fazer decretos», recomendava-lhe vivamente que lesse a lei aprovada pela Assembleia. É que a lei da Assembleia, só decretos, manda o Governo fazer três! Manda fazer um para aprovar o plano estratégico;

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Que não fez!

O Orador: - manda fazer outro para proceder à alteração do Decreto-Lei n.º 273/98;

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Que não fez!

O Orador: - e, quanto à comissão, sabe o que é que diz, Sr. Deputado? Diz o seguinte: «será constituída, por decreto-lei, uma comissão científica independente para relatar e dar parece?).

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Que também não fez!

O Orador: - Ou seja, a Assembleia mandou o Governo - e o Governo obedeceu - fazer um decreto-lei a criar a comissão científica independente. E porque já estava criada uma comissão científica independente, o que o Governo fez foi, simplesmente, alargar a sua composição para não andarmos a multiplicar órgãos, senão os senhores depois diriam que era para multiplicar boys, e despesas, e empatar tempo!
Sr. Deputado Luís Marques Mendes, sei que o senhor esteve em Souselas! O Sr. Deputado anda por aí porque o vosso sonho, verdadeiramente, é conseguirem voltar a ver na televisão manifestações em Souselas e em Maceira! Como não têm pretexto, porque o processo está suspenso por vossa iniciativa, e as pessoas não se manifestam contra um processo suspenso, têm de inventar que o processo não está suspenso!
Sejamos práticos: o que é que queremos dizer? O que está estabelecido é que esta comissão tem de dar o parecer que esta Assembleia disse que daria. Dando esse parecer, das duas, uma: ou diz «não» à co-incineração, ou diz «sim» à co-incineração. Mas até dar o parecer nada se pode fazer em matéria de co-incineração, o processo está suspenso!
O Sr. Deputado está desconfiado do que vai decidir a comissão? Olhe, eu não estou nem confiante nem desconfiado. É uma matéria científica relativamente à qual sou incompetente. Admito que V. Ex.ª também seja, embora talvez saiba muito mais sobre isto do que eu... Mas os professores que vão ser designados pelo Conselho de Reitores, pelas câmaras municipais, se a Assembleia não lhes retirar o poder de designarem, e pelo Governo é que decidirão! É bom? É mau? Nós estamos serenos! Serenos! Há uma comissão científica, que é independente, que decidirá, e nós acataremos a decisão, como acatámos a vossa. Espero que V. Ex.8 tenha igual serenidade.
De qualquer forma, se quiserem continuar por esse caminho, vão andando... Mas devo dizer-lhe que, pela imaginação, vale zero!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, quero aproveitar o tempo que me resta para dizer duas coisas.
Em primeiro lugar, quero referir-me à intervenção do Sr. Ministro quando, há pouco, disse, reportando-se aos especialistas, que para o Governo até era melhor ter um entre quatro. Ora, como eu, lendo a lei, ou mesmo o Decreto-Lei n.º 120/99, reparo que os especialistas são pessoas independentes, julgo que uma afirmação dessas só pode estar a pôr em causa que as pessoas que venham a ser nomeadas tenham a seriedade suficiente para serem independentes. Eu não ponho essa seriedade em causa, e, por conseguinte...

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Foi um lapsus linguae!

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Foi uma fífia!

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O Orador: - Lapsus linguae, Sr. Ministro?! Então, assuma então o lapsus linguae!
Em segundo lugar, Sr. Presidente, gostaria de dizer que, politicamente, reafirmando o essencial daquilo que há pouco disse - e trata-se da nossa seriedade neste processo e não de ingenuidade -, o que é importante, designadamente para as populações de Souselas e de Maceira, pelo menos enquanto não houver o tal relatório e parecer da comissão científica técnica sobre o problema do tratamento de resíduos industriais, é que não haverá co-incineração em Maceira e em Souselas.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Exacto!

O Orador: - Essa é que é, do nosso ponto de vista, a questão política relevante, e é por isso que continuamos a sustentar que isso é assim, de acordo com toda a legislação que existe. Se fizermos uma leitura contrária, poderemos estar a abrir ao Governo a porta para dizer: «a própria Assembleia disse que, afinal, o processo de co-incineração não está suspenso». Isso seria extremamente grave, e, como é evidente, ninguém o disse nesta Casa.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, creio que poderemos concluir que chegámos ao fim deste debate.
Para o tratamento de assunto de interesse político relevante, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não se consegue entender o porquê de algum espanto pelo facto de o cabeça de lista do Partido Socialista às eleições europeias admitir a criação de um novo imposto europeu tendo em vista o aumento dos recursos próprios da União. Ao apresentar a questão da forma como inicialmente o fez, o Dr. Mário Soares mais não foi do que perfeitamente coerente consigo, com a sua ideologia e com o seu próprio partido.
Coerente consigo, porque, professando ele, há muito, um caminho federalista para a Europa, tem todo o cabimento que, nesse âmbito, defenda a criação de impostos cobrados directamente por Bruxelas. Em todos os estados federados há impostos cobrados localmente pelos diversos estados autónomos e impostos cobrados directamente pela federação. Consequentemente, o Dr. Mário Soares mais não fez do que reafirmar, em termos de política fiscal, aquilo que é o seu pensamento político.
Quem pretende que a União Europeia caminhe no sentido de uma Europa federal, não pode deixar de acreditar que o orçamento, da União seja também financiado por impostos de âmbito federal. Por isso, ao defender a criação de um imposto europeu, o candidato socialista mais não fez do que ser coerente consigo próprio e explicar ao eleitorado a sua visão do problema orçamental da União.
Mas, Sr. Presidente, o candidato socialista foi também coerente com a ideologia em que convictamente acredita. Não é segredo para ninguém que as teses socialistas mais ortodoxas apontam normalmente para a solução dos problemas económicos por via do aumento da despesa pública. O que seria de espantar era que fosse defendido o contrário. Defender que os impostos deveriam baixar significaria colocar de novo o socialismo na gaveta. Defender o contrário seria uma contradição. Dizer que o orçamento comunitário não devia ser superior àquilo que ele efectivamente é - apenas 1.2% do PIB europeu - seria contrariar todas as teses socialistas. Seria agredir princípios sagrados da ideologia em que o candidato, há muito, acredita.
É, pois, coerente que o cabeça de lista do PS ache que o orçamento da União Europeia deva ser maior e é também perfeitamente coerente que o mesmo candidato ache que, para materialização desse crescimento, deva ser equacionada a hipótese de criação de um novo imposto de âmbito europeu. Como disse, e bem, na sua perspectiva, não se podem fazer omeletes sem ovos. Não se pode caminhar no sentido de uma Europa federal sem impostos federais e não se pode gastar mais se não houver mais receitas (os tais ovos) para financiar mais despesa (as tais omeletes). Ao admitir a criação do imposto europeu, o cabeça de lista do PS mais não fez do que aplicar à la carte a tradicional receita socialista.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas, como disse, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Dr. Mário Soares foi também coerente com a prática governamental do seu partido. 1325 milhões de contos por ano é quanto os portugueses pagam a mais de impostos desde que António Guterres assumiu o cargo de Primeiro-Ministro. 1325 milhões de contos que correspondem a um aumento da cobrança de impostos da ordem dos 39,1% desde 1995 até hoje. Como podia um cabeça de lista do PS ter coragem para dizer o contrário daquilo que disse? Como podia um cabeça de lista do PS dizer que os impostos têm de baixar? Sr.ªs e Srs. Deputados, só se não fosse sério!
Com o PS no Governo, cumpriu-se o ritual socialista. A despesa pública corrente cresceu nos últimos quatro anos perto de 2000 milhões de contos e reforçou o seu peso relativo na produção nacional. Esse aumento foi fundamentalmente pago com mais impostos dos portugueses. Somos contra tal caminho, mas reconhecemos que, em 1995, a maioria dos portugueses votou no Partido Socialista. Por isso, reconhecemos que a política escolhida foi esta e não a contrária. Numa Europa governada maioritariamente por socialistas não fere ouvir reflexões sobre a criação de novos impostos. Se quisermos que tal não aconteça, o caminho não é obviamente o de escolher os que defendem e praticam tais soluções.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ouvir um histórico socialista reflectir sobre as virtualidades do aumento da despesa europeia e do seu modo de financiamento, da forma com o Dr. Mário Soares o fez, não constitui novidade. Só que, após a confusão que, entretanto, se instalou e com as declarações contraditórias que surgiram entre o actual Secretário-Geral do PS e o seu cabeça de lista, impõe-se saber qual a posição dos restantes candidatos do partido.
Ao contrário do que muitos pensam, á maioria dos eleitores do PS não vão votar no Dr. Soares. O Dr. Mário Soares é apenas o primeiro candidato de uma lista. Quem quiser votar nele terá de ir às umas de manhã cedo, pois, se se descuidar e se for votar mais tarde, estará já a eleger, obviamente, o número dois ou o número três da lista socialista. Só quem for votar o mais tardar até às 11 horas

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da manhã é que terá algumas chances de votar no primeiro candidato da lista.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Depois, só se forem votar no Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Orador: - Impõe-se, por isso, ouvir o que pensam os restantes candidatos socialistas. Defendem, tal como o antigo Secretário-Geral do PS, um orçamento europeu maior, financiado por impostos federais? Ou subscrevem o que o actual Secretário-Geral disse na Grécia e que ainda ninguém entendeu lá muito bem?

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Seria oportuna esta clarificação até porque há um ponto que, em abono da verdade, não pode deixar de ser dito. O Dr. Mário Soares do passado sábado, que disse, sem preocupações eleitorais, aquilo que realmente pensa e sente, merece a nosso aplauso, pois, mesmo sabendo que a maioria está contra ele, apesar disso, resolveu assumir publicamente essa sua posição minoritária. O Dr. Soares do passado sábado é o político que ocupou, durante dois mandatos, o Palácio de Belém. Só que nos dias imediatos, cedendo à pressão eleitoral, o candidato começou a recuar e a tentar dar o dito por não dito. O Dr. Mário Soares de domingo, de segunda e de terça-feira, aquele que tenta explicar que não disse o que todos ouviram, é obviamente o outro Dr. Soares. Aquele que, durante anos, todos conhecemos como Secretário-Geral do PS e como candidato do seu partido. É para todos nós claro que o papel de que ele está, neste momento, investido, é, obviamente, o de candidato partidário. Por isso, prefere a confusão de domingo, de segunda e de terça à clareza da sua coerente reflexão de sábado passado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD não vê necessidade de lançamento de um imposto europeu, nem mesmo se ele for compensado pela redução de um qualquer imposto nacional.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não há um espírito federal na opinião pública europeia e, portanto, seria completamente errado avançar num sentido para o qual não existe um sentimento e um apoio generalizado. Em coerência com o que sempre dissemos, entendemos que um ligeiro crescimento do orçamento comunitário poderá, por exemplo, ser equacionado no quadro do apoio à política orçamental de um Estado membro que sofra momentaneamente um choque económico de carácter assimétrico. É uma solução possível para o facto de a política monetária estar agora centralizada em Frankfurt e não poder, por isso, atender a casos específicos.
No entanto, é bom que fique, mais uma vez, muito claro: para o PSD, se tal vier a ser considerado pela União e se isso implicar um pequeno contributo adicional dos diversos Estados membros, por mais pequeno que ele seja, não pode ser nunca à custa de mais aumentos de impostos.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O mesmo é válido para a eventual implementação de uma política de defesa comum. Poderemos aceitar uma redistribuirão da despesa pública, nunca aceitaremos mais despesa pública. Não nos cansaremos de repetir que consideramos completamente errado o descontrolado aumento de despesa corrente que este Governo tem feito e, principalmente, o aumento de impostos a que, por responsabilidade dessa política despesista, muitos portugueses têm estado sujeitos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Respeitamos o pensamento socialista e fazemos votos para que ele seja defendido com frontalidade e sem preocupações de índole eleitoralista. Só que pensamos de forma diferente e, por isso, temos a obrigação democrática de lutar por uma via diferente. Num país em que a despesa pública representa quase metade da produção nacional, neste particular da política orçamental, não nos cansamos de repetir: para nós, o caminho não é mais impostos. Para nós, o caminho é, obviamente, menos despesa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Rui Rio, os Srs. Deputados Sílvio Rui Cervan e Manuel dos Santos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan.

O Sr. Silvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Rui Rio, se me permite uma sugestão, um conselho avisado em relação ao caminho federalista da Europa, é preciso alguma prudência porque, senão, V Ex.ª e os seus companheiros, quando chegarem ao Partido Popular Europeu, podem ter algum dissabor!
Sr. Deputado, nós concordamos, na essência, com aquilo que foi a sua intervenção aqui, hoje. Aliás, até concordamos mais com essa intervenção do que com aquele que é, genericamente, o pensamento do seu cabeça de lista sobre muitas dessas matérias. Não vou falar do exército europeu, de quanto custa o exército europeu, não vou sequer falar de quanto custa uma política externa de segurança comum (PESC), não vou falar do que está por detrás da PESC, que é um governo europeu, vou apenas referir-me à essência da sua intervenção.
O Dr. Mário Soares está sempre a fazer estas maldades ao PS, que é arvorar-se agora em líder da oposição ao Partido Socialista - não percebe que, efectivamente, não é ele que está em causa para ser eleito, será o décimo, o décimo primeiro, o décimo segundo ou, para fazer a vontade ao Sr. Deputado Manuel dos Santos, o décimo terceiro candidato que está em causa para entrar -, tendo uma outra ideia em muitas destas matérias.
Mas se há uma matéria em que todos os socialistas estão sempre de acordo é esta, a de aumentar os impostos. Nessa matéria, toda a lista do Partido Socialista está solidária!
Sr. Deputado Rui Rio, esta questão essencial pode levantar mais problemas laterais, como seja a própria constitucionalidade de uma proposta como esta, uma vez que, ao falarmos do imposto europeu, estamos a falar de matéria da competência desta Assembleia, e, por isso, não pode ser abordada com esta ligeireza.
Como nota final, pergunto-lhe: ó Sr. Deputado Rui Rio, já está a ver o Sr. Dr. Mário Soares, candidato a eurodeputado, a justificar, depois, quando se reclamasse do imposto europeu e se questionasse quais as instâncias para que se recorria...?!

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O Sr. Dr. Mário Soares tem a virtualidade de dizer estas coisas e de não medir a consequência daquilo que diz. Mas, mais grave é que todos os Deputados e todos os candidatos do Partido Socialista nestas eleições sabem bem que esse é o caminho da proposta federalista da sua lista e da sua Internacional.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan, relativamente ao cabeça de lista do PSD - e no caso do PSD não há problema entre o cabeça de lista e a restante lista, pois pensam todos exactamente o mesmo nesta matéria, não vejo qualquer diferença - ele foi perfeitamente claro contra o imposto europeu.
O cerne da comunicação que o PSD pretende fazer em sede desta polémica do imposto europeu é que, antes dele, sendo até mais importante para o País, está o problema da despesa. O que está aqui em causa não é tanto o problema dos impostos, pois é evidente que se se gasta mais tem de se ir buscar impostos a qualquer lado. O cerne da questão é que se gasta muito!

O Sr. Silvio Rui Cervan (CDS-PP): - E mal!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - O cerne da questão é esse!

O Orador: - Exactamente! O cerne da questão é que não podemos aceitar que haja um desperdício ao nível da despesa como acontece em Portugal e que, depois, em lugar de se combater esse desperdício e de se conseguir aí folgas para eventuais aumentos do orçamento europeu, se venha propor não a redução dessa despesa, mas, ainda, uma carga superior não só para os contribuintes portugueses como europeus.
Faço lembrar que, no limite, se aumentarmos a carga fiscal na Europa - esta questão não tem só a ver com Portugal, mas, sim, com toda a Europa -, uma vez que já tem problemas de competitividade relativamente a outras zonas do globo, a começar pelos Estados Unidos da América, por causa de questões de ordem fiscal, perdemos ainda mais competitividade e estamos a «bater» em nós próprios. Por isso, na nossa óptica, aumentar a carga fiscal nunca estaria bem, principalmente quando há grandes folgas para cortar na despesa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Também para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, vou ter alguma dificuldade responder ao Sr. Deputado Rui Rio...

Vozes do PSD: - É óbvio!

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Devia ser perguntar!

O Orador: -... porque falaram dois candidatos a eurodeputado, mas, depois, explicarei melhor este assunto quando me dirigir a ele.
Em relação às afirmações do Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan, quero dizer que tenho muito poucas hipóteses de ser eleito para o Parlamento Europeu, como sabe. Tenho tantas hipóteses quantas tem o ex-presidente Mário Soares na candidatura à presidência do Parlamento Europeu, ou seja, muito poucas.
Uma coisa é certa: se não for para o Parlamento Europeu estarei aqui a defender o Partido Socialista e o governo de então.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Rui Rio falou em duas qualidades. Em primeiro lugar, falou na qualidade habitual de Deputado nacional, sempre com a história de que aumentamos a carga fiscal, confundindo - eu já o disse dezenas de vezes e não posso perder mais tempo a ensinar-lhe - receita fiscal com carga fiscal, com pressão fiscal. Julgo que o Sr. Deputado frequentou a mesma faculdade que eu, mas os professores devem ter sido diferentes, porque não consegue perceber que a receita fiscal não é carga fiscal! Pode haver um grande aumento de receita fiscal, por virtude, por exemplo, da luta contra a evasão fiscal, e não haver aumento da carga fiscal. Não vale a pena perder tempo! A Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite conhece bem este assunto, aliás, é mais elegante a colocar a questão e mais difícil de contraverter, mas o Sr. Deputado Rui Rio não tem emenda, continua a insistir, a insistir... Parece as pilhas Duracel, que insistem, insistem, insistem, e nunca mais acabam.
Em segundo lugar, falou na qualidade de candidato ao Parlamento Europeu frustrado, uma vez que os candidatos ao Parlamento Europeu «não dão a cara» - um deles, o cabeça de lista, é pago para estar nesta Assembleia e não está presente.
O Sr. Deputado fez aqui um conjunto de diatribes, que já estávamos à espera, baseando-se, naturalmente, numa referência feita no contexto de uma conferência, a que eu assisti e o Sr. Deputado Rui Rio não, moderada pelo Sr. Dr. Mário Soares, e que contou com as presenças, entre outros, do Professor Freitas do Amaral, da Engenheira Lurdes Pintassilgo, do Primeiro-Secretário do Partido Socialista Francês e do Secretário-Geral do Partido Socialista António Guterres. Portanto, o que o Sr. Deputado Rui Rio pretende dizer é que o candidato Mário Soares acabou por propor a criação de um imposto europeu.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Além de um imposto era um exército! Era tudo!

O Orador: - Já foi dito pelo Sr. Candidato Mário Soares... Aliás, não o deixaram falar ontem, na televisão, pois quando ele explicava esta questão interrompiam-no sistematicamente. Foi um espectáculo de esclarecimento «muito lindo»..., com o líder do CDS-PP e o cabeça de lista do PSD - foi, realmente, muito lindo! -, em que o candidato do Partido Socialista não teve oportunidade de explicar essa questão.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Ele não sabia!

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O Orador: - Mas houve algo que ficou no ar: a solução para o candidato do PSD é, por exemplo, a de diminuir as despesas da saúde.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Para pôr no exército! Tirava do medicamento e punha no obus

O Orador: - Isso ainda se ouviu! Ele disse: «A solução é reduzir o orçamento da saúde»! Ele disse isso, não se esqueçam! Não são vocês que querem lutar contra as listas de espera?! Não são vocês que querem aumentar a qualidade dos cuidados nos hospitais?! Não são vocês que querem multiplicar os centros de saúde?!
Ele disse: «Temos de reduzir as despesas de saúde»! Não disse «as despesas correntes», disse «as despesas de saúde»!

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - O dinheiro da saúde para um F16!

O Orador: - Sr. Deputado Rui Rio, também terei muito gosto em explicar-lhe - aliás, se pertencesse à Comissão de Assuntos Europeus, como o seu colega de bancada Francisco Torres, perceberia o conjunto de asneiras que disse - que, hoje, o que está em causa na União Europeia é a discussão sobre o seu próprio financiamento, que, actualmente, já é feito com receitas transferidas pelos Estados, naturalmente também cobradas aos portugueses.
Se não sabe, eu digo-lhe: são quatro as fontes de receita que são transferidas dos orçamentos nacionais para os orçamentos comunitários. São elas os recursos PNB, os direitos aduaneiros, os direitos niveladores e uma parte do IVA. O Sr. Deputado não sabe isto, mas também não é grave!
Curiosamente, o lançamento de um imposto único europeu, embora eu não o defenda, até podia diminuir esta contribuição. E, se fosse ligado aos PNB e aos PIB, ate a diminuiria, pelo menos, no plano relativo.
Olhe, o que não vai diminuir, seguramente, é a contribuição portuguesa se for aprovada a famosa «ecotaxa», que vai penalizar, sobretudo, os países que estão em processo de desenvolvimento industrial! Mas o Sr. Deputado Rui Rio não sabe isto e eu não tenho tempo para explicar-lhe.
O que aqui está em causa é o antagonismo entre o conhecimento e a ignorância, entre a demagogia e o sentido de Estado. É só isso, e quanto a isso nada há a dizer!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel dos Santos, há uma diferença entre despesa e despesismo. É a seguinte: o Partido Socialista, nestes quatro anos, gasta, em termos de saúde, muito mais do que aquilo que nós gastávamos em 1995.

O Sr. Casimiro Ramos (PS): - Se não há médicos e não há hospitais, não há despesa!

O Orador: - Se prestasse melhor serviço, havia mais despesa, como presta o mesmo serviço há despesismo. Foi isso que ouvi ontem, na televisão, ou seja, cortar com o despesismo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Manuel dos Santos, mesmo que lhe desse razão sobre a questão dos impostos, dizendo que quem paga impostos não está a pagar mais e que há quem não pagava e agora está a pagar, deixe-me dizer-lhe, mais uma vez, que, mesmo que isto fosse verdade, o que se devia fazer era reduzir os impostos daqueles que «aguentam» com a carga fiscal há anos e anos e não aumentar a despesa pública à custa disso. Mesmo que fosse verdade o que o Sr. Deputado diz, não era correcta a política do Governo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Manuel dos Santos, entendi agora que há um certo recuo de V Ex.ª que, aliás, é candidato na lista das eleições europeias, relativamente ao imposto europeu, o que não me admira. O Partido Socialista e o Governo são «o partido dos recuos»; recuaram na colecta mínima; não queriam fazer referendo ao aborto, mas recuaram e fizeram o referendo ao aborto; não queriam fazer referendo à regionalização, mas recuaram e fizeram o referendo à regionalização; disseram que iam duplicar as verbas do FEF (Fundo de Equilíbrio Financeiro), mas recuaram e não duplicaram quaisquer verbas; disseram que iam fazer as nomeações da Administração Pública por um concurso, que está em lei, mas recuaram e não fizeram nada disso; disseram que iam alterar a tributação sobre o imposto automóvel, cujo projecto repousa na Comissão de Economia, Finanças e Plano há não sei quantos meses, mas recuaram e não querem fazer nada; e a mesma coisa para a tributação do património. Hoje de manhã, recuaram no sigilo bancário...

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Ainda bem!

O Orador: - ... e no sigilo profissional. Hei-de, pois, ficar admirado de o Sr. Deputado já estar a recuar no imposto europeu?!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não fico rigorosamente nada admirado, porque basta que se «bata o pé» ao Governo para que ele recue logo! O Governo é fraco, é medroso! No fundo, é um Governo que não tem quaisquer convicções!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao imposto europeu, o Sr. Deputado recue para onde quiser, mas ficou claro, no artigo publicado no Diário de Notícias e na intervenção do Dr. Mário Soares ontem, na SIC - aliás, ficou claríssimo! -, que, no momento em que a questão se colocar no Parlamento Europeu, os senhores votam a favor!

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Manuel dos Santos pede a palavra para defesa da honra da bancada. Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, começo por justificar o meu pedido de palavra. O Sr. Deputado Rui Rio afirmou que houve um recuo da nossa parte, o que entendo ser, do ponto de vista político, ofensivo para a bancada.

Risos do PSD.

Talvez para essa bancada os recuos não sejam ofensivos, mas para esta são!
Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Rio, não há qualquer recuo. O que eu disse aqui foi exactamente o que o Dr. Mário Soares disse na conferência a que eu assisti presencialmente, pelo que estou em condições de enquadrar a frase transmitida pelas rádios e pela SIC no contexto de toda a conferência. E, de facto, é exactamente o que disse o Dr. Mário Soares no artigo do Diário de Notícias de ontem e seria seguramente o que diria, ontem, no debate, se o tivessem deixado acabar as frases que queria proferir e se não houvesse um chinfrim verdadeiramente insuportável entre o Dr. Pacheco Pereira e o Dr. Paulo Portas, embora - e quero fazer aqui justiça - com mais responsabilidade para este último relativamente ao tipo de debate ontem feito.
Portanto, não há qualquer recuo. Essa afirmação é completamente falsa e, naturalmente, não pode ser aceite levemente pela minha bancada.
Mas, Sr. Deputado Rui Rio, o que está em causa é o que eu lhe disse no fim da minha intervenção. O que está em causa é ter uma visão da Europa, é ter uma ideia para a Europa, não é refugiar-se apenas em ideias como «a minha Europa não é a vossa Europa», «não sou economista e não sei o que é a Agenda 2000», «a Europa é a paz da Rússia», «a Europa tem de fazer a paz e não a guerra», isto é, em ideias que «andam a voar», que não têm qualquer significado. Isso não é visão - alguma para a Europa!

O Sr. Moreira da Silva(PSD): - A vossa visão são os impostos!

O Orador: - A diferença está, pois, entre ter uma visão para a Europa que tem a ver com o conceito de cidadania europeia, com o reforço do sistema de segurança social europeu - que tem uma matriz social-democrata, que é uma expressão que os senhores ainda têm no nome do vosso partido -, e tentar fazer terrorismo político, demagogia com base na ignorância, servindo-se de pessoas que não têm conhecimentos técnicos para fazer esse tipo de intervenção, tentando retirar a ilação, em pré-campanha eleitoral para as eleições legislativas, de que o PS, ao fazer a afirmação que fez no colóquio que acabei de referir, está, de algum modo, a indiciar que proporá, para o futuro, o aumento da carga fiscal sobre os portugueses.
Isso é que é demagógico! Isso é que é intolerável! Isso é que é inaceitável! E o Sr. Deputado Rui Rio sabe bem que assim é.
Sr. Deputado Rui Rio, acalme-se! Não é por essa via que o seu partido conseguirá recuperar o lugar a que naturalmente tem direito na sociedade portuguesa e que, aliás, será bom que ocupe para efeitos de reforço de democracia portuguesa, ou seja, um lugar forte na oposição, onde terá de estar durante mais algum tempo.
Estou convencido de que o vosso candidato a Primeiro-Ministro também gostará de estar mais algum tempo a amadurecer as ideias, até porque é relativamente lento - demora quatro meses a escrever um programa de governo! - e, portanto, vai precisar de bastante tempo para solidificar as suas ideias. Descanse que vai ter resultado eleitoral suficiente para não perder visibilidade mas insuficiente para continuar exactamente nesse lugar onde está, que é o seu lugar e o vosso lugar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel dos Santos, o nosso programa de governo, ainda pode custar um pouco a fazer, mas o do PS, como é para fazer nada, pode estar pronto a qualquer momento e, por isso, não demora tempo algum, a julgar por estes quatro anos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas isso pouco tem a ver com o imposto.
Sr. Deputado Manuel dos Santos, à medida que tem falado, se intervém uma terceira vez, ainda vai dizer qual é a taxa do imposto!

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Se intervém uma terceira vez, começa a dizer sobre que incide o imposto, começa a explicá-lo melhor!

Risos do PSD.

Deixe-me dizer-lhe que há aí alguma confusão: diz que não há recuo por parte do PS... O senhor está mais parecido com o Eng.º Guterres, que disse e ninguém entendeu bem o que disse, do que com o Dr. Mário Soares, que foi claro, que disse que deve haver um imposto europeu. Portanto, o candidato n.º 13 da lista do PS aproxima-se do candidato n.º 1 da mesma lista do PS, em termos de dizer que há um imposto; na forma como o diz, aproxima-se mais do actual Secretário-Geral do PS que ninguém entende bem o que pensa.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Manuel dos Santos, se não há recuo - e vamos reter, pelo menos, isso que diz -, então, vem dar razão à forma como, há pouco, acabei a minha intervenção e como vou acabar outra vez: colocado este problema no Parlamento Europeu, os Deputados do Partido Socialista votarão «sim» a um novo imposto europeu a incidir sobre os portugueses, sobre os europeus.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan tinha pedido a palavra para uma interpelação à Mesa. Espero que seja uma verdadeira interpelação, e se não for, então, seja sucinto.
Faça favor.

O Sr. Silvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Presidente, é para uma interpelação à Mesa, e sucinta.
Quero dizer à Câmara, através de V. Ex.ª, Sr. Presidente, que este debate quase corria o risco de ser virtual, mas não foi.
O Sr. Deputado Manuel dos Santos, do Partido Socialista, optou por não defender o candidato ao Parlamento Europeu, Dr. Mário Soares. Ora, eu próprio, que não concordo com as suas ideias e que digo aqui que os Deputados eleitos pelo Partido Popular votarão contra um imposto europeu, vou citar apenas uma frase do Dr. Mário Soares que faz parte de um artigo, publicado no Público, cujo início é «Soares não foge ao tema do imposto europeu», em que o próprio diz: «Se quisermos ligar a Europa à cidadania, não nos podemos opor a uma ideia destas». Sr. Deputado Manuel dos Santos, é isto o que pensa o cabeça de lista pelo seu partido. O que pensam os outros é com V. Ex.ª!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, como sabe, não fez uma interpelação, mas não é grave!

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, é para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não é possível continuarmos assim. Temos um agenciamento a cumprir!
Peço desculpa, mas a tolerância tem limites! O Sr. Deputado já exerceu o direito regimental da defesa da honra, em meu entender com hipersensibilidade!
Espero que faça uma verdadeira interpelação, senão peco-lhe o favor ou de desistir ou de ser muito sucinto.

Tem a palavra.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, vou optar pela segunda hipótese porque tenho a consciência de que não é uma verdadeira interpelação e o Sr. Presidente sabe que sou incapaz de enganá-lo. Mas vou ser muito sucinto.
É só para dizer que, se esta questão vier a colocar-se, não há o risco de os Deputados do PP votarem no Parlamento Europeu num sentido ou noutro.

Risos e aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho para formular um pedido de esclarecimento.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Rio, ao ouvir o Sr. Deputado Manuel dos Santos a fazer a defesa da honra por causa de uns alegados recuos, convenhamos que, nos próximos dias, devido aos acontecimentos de ontem e de anteontem, vamos tomar a ouvi-lo muitas vezes pedir a palavra para defesa da honra devido a vários recuos, em vários momentos e várias situações, ...

Risos do PSD.

... a começar logo no da comissão de inquérito, ontem!
Mas vamos a outra questão.

O Sr. Deputado Rui Rio, ao referir-se ao «euroimposto», disse que o cerne da questão passava por uma reafectação dos meios e por uma rediscussão acerca do nível da carga fiscal sobre os cidadãos dos vários países.
Ora, Sr. Deputado, o cerne da questão não é esse. O cerne da questão é o modelo de Europa que queremos e que está subjacente à ideia de um imposto para a Europa.
É que só os Estados podem lançar impostos e, portanto, no momento em que se admite a ideia de um imposto europeu, estamos, obviamente, a admitir a ideia de um Estado europeu, de um governo europeu, de uma nação europeia. Esta é que é a questão!
Nesta matéria, não estamos perante um problema, que obviamente também existe, de ataque à corrupção, de ataque à fraude, de reafectação dos meios financeiros que hoje existem, mas a questão é mais funda do que essa e tem a ver, exactamente, com p modelo de Europa.
A questão é a de definir se queremos uma Europa da cooperação, mas em que cada país mantenha a sua soberania, designadamente em matéria fiscal, como nós defendemos - e, por isso, somos contrários ao «euroimposto» em quaisquer circunstâncias e para qualquer fim -, ou se aceitamos o «euroimposto» e, a partir daí, estamos a aceitar a Europa federal e o Estado federal. É esta a questão a que o PSD tem de responder.
Quanto ao Partido Socialista, já sabemos que o seu candidato defende o «euroimposto» e o Estado federal. Aliás, nem podia ser de outro modo, porque ele é líder de um movimento federalista que é o Movimento Europeu.
Portanto, o Partido Socialista, que nesta matéria tem sido mais discreto e mais envergonhado, também tem de clarificar a sua posição e dizer se está ou não de acordo com as teses do seu cabeça de lista, que defende o «euroimposto», uma Europa federal e a criação de um governo europeu. Esta é a questão a que o Partido Socialista não pode furtar-se nesta discussão.
No que diz respeito a esta matéria das candidaturas ao Parlamento Europeu, há que clarificar que não se trata de candidaturas individuais, em que cada Deputado diga o que lhe vai na cabeça, são candidaturas em que os Deputados expressam as opiniões, os programas, os projectos dos respectivos partidos. Portanto, o PS tem de dizer se está ou não de acordo com a tese federal que está subjacente à ideia do «euroimposto».
Mas, Sr. Deputado Rui Rio, em matéria de impostos e de reafectação dos meios para a Europa, há outras propostas, como sabe, do Prof. Cavaco Silva que, agora, ao que parece, é de novo a tutela do vosso partido.
Ora, neste fim-de-semana, o Prof. Cavaco Silva lançou uma proposta muito clara para um choque fiscal na Europa e no País: a redução da taxa do IRC em quatro pontos percentuais - portanto, redução dos impostos sobre os lucros das empresas; redução da taxa máxima do IRS, de 40% para 35% - portanto, redução da taxa do IRS que incide sobre os rendimentos mais elevados do País; aumento das taxas do IVA em dois pontos percentuais - aumento dos impostos para a população em geral, para os

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consumidores e, portanto, para os de menores rendimentos.
Isto é, o Prof. Cavaco Silva, vossa eminente tutela, defendeu o aumento dos impostos para os consumidores, para as classes mais desfavorecidas, e a quebra dos impostos para as empresas e para os rendimentos mais elevados. Estão VV. Ex.ªs de acordo com isto?
Mas há mais, Sr. Deputado Rui Rio.
Sabe o que é que o Sr. Prof. Cavaco Silva também defende? A quebra do sigilo bancário para efeitos fiscais!
Ora, no momento em que, na Comissão de Economia, Finanças e Plano, acabou de discutir-se esta questão, a minha pergunta é a seguinte: está o PSD de acordo com esta proposta de quebra do sigilo bancário para efeitos fiscais? E, em caso afirmativo, então, está de acordo em rever as suas posições na matéria em sede da discussão do texto sobre a lei geral monetária?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, não é porque um militante do PSD emite opinião sobre qualquer coisa que, imediatamente, o partido tem de ter opinião sobre aquela opinião do militante, por mais ilustre que ele seja.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Já está respondido!

O Orador: - Não está nada!

Vou dizer-lhe uma coisa: eu não tenho o prestígio do Prof. Cavaco Silva, mas já disse e escrevi muitas vezes aquilo que o Sr. Prof. Cavaco Silva agora veio dizer. Não quantifiquei, porque não sei fazer as contas, dado não dispor dos dados para faze-las, mas estou farto de dizer que os impostos sobre o rendimento devem descer e que os impostos sobre o consumo devem subir.
Sabe porquê? Pelas mesmas razões por que os senhores dizem o contrário!
É que, do ponto de vista social, é muito mais justo aumentar-se o IVA e baixar-se o IRS do que o contrário. Sabe porquê? É porque os tais trabalhadores, que os senhores sempre defendem e todos temos de defender, que ganham 60, 70 ou 80 contos por mês, não têm carro da empresa para utilizar, o qual não paga IRS, não têm cartão Visa, não têm gasolina «de borla», não têm férias «de borla»! Está a perceber por que é que eu digo isto? É, precisamente, porque considero muito mais justo e, fiscalmente, muito mais eficaz, baixar o IRS e o IRC e tributar o consumo do que fazer rigorosamente o contrário.
Portanto, como vê, outro militante do PSD, sem o prestigio daquele que citou, também defende o mesmo! Não vou é falar sobre a quantificação porque não me debrucei sobre essa matéria.
Quanto à questão inicial que colocou, é óbvio que há uma diferença, e grande, entre o PSD e o PCP.
O PSD tem dito «mais impostos, não!». Isto significa «mais impostos, não», sejam eles federais ou nacionais, enquanto o Partido Comunista diz uma coisa diferente.
O que está subjacente a um imposto daquela natureza é um imposto federal, por isso, o PCP diz logo que está contra, mas não é contra mais impostos, é contra aquilo que representa um imposto federal. É por isso que os senhores estão contra. Se assim não fosse, os senhores estariam a fazer demagogia, pois dizem sempre que nunca são contra mais despesas públicas. Os senhores não têm qualquer problema em que haja mais despesa pública, são coerentes com a vossa ideologia.
Quanto a nós, temos outra visão: dizemos «menos despesa pública»! Portanto, se o mote é o de «menos despesa pública», tem de implicar, naturalmente, menos impostos. Se os senhores dizem «mais despesa pública», naturalmente, querem dizer «mais impostos». O que os senhores não querem é um imposto de carácter federal!
Há, pois, aqui, claramente, esta diferença entre o PSD e o Partido Comunista, que fica implícita no que o Sr. Deputado disse. Nós dizemos «mais impostos, não!», os senhores dizem «impostos federais, não!». É uma diferença!

Aplausos do PSD.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Mas quer o imposto federal ou não?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rodeia Machado para uma intervenção.

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Subo a esta tribuna para, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, trazer a debate, no Plenário da Assembleia da República, uma matéria de grande preocupação social, a crise no sector da pesca do arrasto costeiro, fruto da intransigência dos armadores, que apenas visam o lucro e não têm em conta os direitos dos trabalhadores a um salário digno numa profissão de risco.
Com efeito, os trabalhadores do arrasto costeiro foram forçados a encetar como forma de luta a greve, em defesa dos seus legítimos direitos na negociação colectiva, motivados pela total intransigência da entidade patronal em se sentar à mesa das negociações e, em diálogo com os trabalhadores do sector e suas estruturas representativas, encontrar formas de entendimento.
O que os trabalhadores pretendem é que lhes seja feita justiça face a um contrato de trabalho extremamente desactualizado.
Basta verificar que as matérias em conflito têm que ver com questões que não são revistas há cerca de 30 anos, como é o caso da percentagem da pesca, que, como se sabe, é uma das componentes da retribuição.
Mas é igualmente desajustado, numa profissão de risco, como a actividade da pesca, que o vencimento mensal base tenha um valor extremamente baixo, como é o caso.
Certamente, nem todos os Srs. Deputados saberão que o salário base corresponde a 25 550$. É verdade. É este o salário base de um pescador, e é pago, percentualmente, só nos dias em que está no mar. Significa isto que, se não pescar, se o tempo não estiver de feição, o salário resume-se a uma miséria.
Esta é a dura realidade dos trabalhadores da pesca. E é sobre esta realidade que os armadores se recusam a negociar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A justa luta dos trabalhadores do arrasto costeiro tem tido o apoio dos trabalhadores do sector e a solidariedade das populações que mais directamente estão ligadas à actividade piscatória.

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Têm tido a solidariedade das assembleias municipais, onde os eleitos lhes têm manifestado todo o apoio, designadamente através de moções. Têm tido o apoio de vastos sectores de opinião nacional. Têm tido, e terão sempre, o apoio e a solidariedade do Partido Comunista Português e do seu Grupo Parlamentar que tudo farão para que seja reconhecida e se faça justiça aos seus legítimos anseios, na defesa intransigente dos postos de trabalho, mas também dos seus direitos de terem uma vida melhor e mais justa, para si e para as suas famílias.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Esta justa luta dos trabalhadores do arrasto costeiro só não tem tido, infelizmente, o apoio e a solidariedade da parte do Governo do PS que, desde há muito, deveria ter agido no sentido de fazer sentar à mesa das negociações os armadores, já que os trabalhadores sempre têm manifestado a disposição para negociar.
Não se venha agora dizer nem muito menos argumentar que o Governo não pode intervir nesta matéria. A situação de conflito no sector do arrasto costeiro pode e deve ser ultrapassada com a intervenção directa do Governo. São os trabalhadores que o reclamam, é o bom senso que o impõe, e o Governo só o não fará se estiver de todo alheado desta matéria e ao lado da parte mais forte, os armadores.
Não basta o Governo proferir palavras bonitas sobre a questão, é preciso intervir e de forma rápida e precisa.
O Governo, aquando da discussão do Regime Jurídico do Trabalho a Bordo das Embarcações de Pesca, teve oportunidade de resolver parte destas matérias se tivesse aceite as propostas que o Grupo Parlamentar do PCP fez através do projecto de lei que apresentou.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Em vez disso, o Governo e os Grupos Parlamentares do PS, do PSD e do CDS-PP preferiram aceitar as propostas dos armadores, votando contra as propostas do PCP.
Dissemos na altura, e reafirmamos hoje, que a composição da retribuição deveria ter como vencimento base o salário mínimo nacional e que a percentagem da pesca deveria ser revista. São matérias que, na altura, tal como hoje, se mantêm desactualizadas e a que urge pôr cobro.
Daqui desafiamos o Governo a que, rapidamente, intervenha neste conflito de forma adequada e precisa, para que os armadores se sentem à mesa das negociações para a revisão do Contrato Colectivo de Trabalho do Arrasto Costeiro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Termino como comecei: esta situação é uma questão social de enorme importância, a que o Governo não pode fazer «orelhas moucas».
A justa luta dos trabalhadores do arrasto costeiro merece respeito e solidariedade.
O Grupo Parlamentar do PCP reafirma aqui a sua solidariedade aos trabalhadores e à sua justa luta por melhores condições salariais e pela dignificação da sua profissão.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Valente para formular um pedido de esclarecimento.

O Sr. Jorge Valente (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rodeia Machado, veio trazer uma preocupação que é de todos nós e não apenas do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português. Não há nenhum governo nem nenhum partido maioritário que suporte esse governo no plano parlamentar que goste de greves. O ideal seria que elas não ocorressem.
A verdade, Sr. Deputado, é que o Governo tem tido uma intervenção activa, tendente a contribuir para a resolução deste conflito. E tem-no feito no plano legal existente.
O conflito com que estamos confrontados tem a ver com uma negociação entre a Federação dos Sindicatos do Sector das Pescas e a ADAPI (Associação dos Armadores de Pesca Industrial), no sector do arrasto costeiro.
Importa também referir que o arrasto costeiro representa 12% do total do peixe descarregado nas lotas. A ele estão agregadas 65 embarcações, nas quais trabalham 800 pescadores. O. vencimento destes profissionais da pesca varia entre 80 e 300 contos, incluindo, obviamente, o prémio de pesca, sendo que o salário base é, de facto, muito pequeno, salvo erro, de 25 500$.
O Governo tem estado atento ao problema e, aliás, é este o Governo que propôs, e viu aprovado por este Parlamento, pela primeira vez em Portugal, o Regime Jurídico de Trabalho a Bordo das Embarcações de Pesca. Desde logo, pode concluir-se daqui que não estamos perante um governo insensível relativamente à vida e às dificuldades dos pescadores portugueses.
Nesse quadro, o Governo promoveu, no dia 12, uma reunião entre o Sr. Secretário de Estado das Pescas, o Sr. Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais e a Federação, e uma outra reunião com a ADAPI. Nos dias 13 de Abril e 4 de Maio, houve reuniões, no IDICT (Instituto do Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho), tentando uma conciliação.
Infelizmente, até hoje não foi possível obter essa conciliação e há algo que partilho com o Sr. Deputado Rodeia Machado, que é a preocupação pela indisponibilidade para a negociação patenteada pela ADAPI. Mas não posso, de modo algum, partilhar com o Sr. Deputado Rodeia Machado a ideia de que o Governo não está atento, não está interveniente e não está preocupado com a situação. O Governo sempre esteve preocupado com os pescadores e com a pesca, está e há-de continuar a estar!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rodeia Machado.

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Valente, agradeço-lhe as questões que colocou, porque me permite dar-lhe algum esclarecimento sobre esta matéria.
Creio que o Sr. Deputado referiu o que efectivamente se passa com a ADAPI, que é a intransigência total em negociar esta matéria.
O Sr. Deputado certamente não esquecerá que esta questão da negociação vem desde 10 de Maio de 1998, não é de agora. E as tentativas que os sindicatos dos pescadores fizeram para ultrapassar esta situação foram muitas, foram inúmeras, foram totais, até que não aguentaram e tiveram de entrar em greve.

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O Sr. Deputado afirmou que está preocupado com a situação. Acredito que sim, mas não o vi preocupado em estai solidário com os trabalhadores. Ainda não fez qualquer intervenção sobre esta matéria, ainda não disse se está solidário com os trabalhadores da pesca sobre isto. E há posições diferenciadas.
Nós estivemos presentes e fomos solidários com os trabalhadores quando eles se manifestaram frente à Assembleia da República, porque a sua luta é justa. Mas não vemos o Governo preocupado com isso, contrariamente àquilo que o Sr. Deputado diz.
A intervenção do Governo deve ser no sentido de fazer sentar à mesa de negociações os armadores, e isso não tem sido conseguido. A intervenção do Governo tem sido muito dúbia, muito escassa.
O Sr. Deputado disse - e estou de acordo consigo - que o Governo não foi insensível à questão das pescas. Mas, Sr. Deputado, foi-o relativamente à questão dos pescadores. E permita-me que lhe diga que se tivesse sido sensível, aquando do debate do regime jurídico, às propostas do PCP hoje esta matéria estaria resolvida. O Sr. Deputado certamente recordar-se-á que quando debatemos, em sede de especialidade, o regime jurídico os Grupos Parlamentares do PS, do PSD, do CDS-PP e o seu Governo foram sensíveis, isso sim, às comissões dos armadores, não foram sensíveis às comissões dos trabalhadores, e nessa altura a situação poderia ter ficado resolvida.
Porém, o Governo ainda está a tempo de emendar a mão se o Sr. Deputado fizer pressão, como nós estamos a fazer neste momento, como temos feito sempre, no sentido de os trabalhadores terem direito a um salário justo e correcto para que possam sobreviver e ter condições para resolver certos problemas das suas famílias.

Vozes do PCP e de Os Verdes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 55 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 249/VII - Altera a Lei n.º 4/84, de 5 de Abril, relativa à protecção da maternidade e da paternidade.
Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais.

O Sr. Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais (Ribeiro Mendes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, a proposta de lei n.º 249/VII, que altera a Lei n.º 4/84, relativa à protecção da maternidade e da paternidade, tem duas vertentes fundamentais que procuram concretizar a política do Governo: uma vertente laboral, que é fundamental, e uma vertente de política de família.
Vou resumir as minhas considerações de apresentação do diploma à parte laboral e o meu colega, o Sr. Secretário de Estado Vitalino Canas, desenvolverá o aspecto da política de família.
Relativamente ao aspecto laboral, gostaria de situar este diploma na política que vimos conduzindo.
A política laboral do Governo é uma política que articula flexibilidade, gestão personalizada do tempo de trabalho e segurança activa e é uma política que passa pelo reconhecimento, na linha do mais recente relatório da comissão chefiada pelo jurista Supiot para a Comissão Europeia, de duas realidades fundamentais do mundo contemporâneo: em primeiro lugar, a pluralidade dos mundos da produção e, em segundo lugar, a diversidade dos estatutos de trabalho. Tem como consequência que as medidas de política social e laboral devem ser orientadas para todo o ciclo de vida de cada cidadão, apoiando a continuidade das trajectórias profissionais mais do que a estabilidade do emprego, tal como a entendíamos outrora.
Tem ainda como consequência que a formação dos direitos subjectivos no plano social é cada vez mais - e tem de o ser cada vez mais - entendida como acesso a créditos sociais de tempo, de licenças, de investimento pessoal, em qualificação e inserção social e não apenas como protecção passiva face aos riscos sociais e profissionais.
Quais são, então, as alterações principais que este diploma apresenta em matéria laboral de protecção à maternidade e paternidade? Em primeiro lugar, mais protecção à maternidade, designadamente nos casos de risco clínico; em segundo lugar, a obrigatoriedade de gozo de seis semanas de licença a seguir ao parto, em vez dos actuais 14 dias, em reforço dessa protecção à maternidade: em terceiro lugar; o direito do pai a licença subsidiada de cinco dias úteis no primeiro mês de vida do filho; em quarto lugar, o alargamento da dispensa para aleitação pela mãe, além da situação de amamentação, que pode ser gozada, nesse caso, também pelo pai; em quinto lugar, a transposição da Directiva n.º 96/3 4/CE, de 3 de Junho, que institui a licença parental de três meses, direito a ser exercido por qualquer dos progenitores ou adoptantes até aos 6 anos de idade da criança; finalmente, a possibilidade de gozo de licença de três meses, em tempo parcial, durante seis meses seguidos ou interpolados, introduzindo aqui um aspecto de gestão flexível, mas personalizada, do tempo de trabalho, como se insere na nossa política em termos mais globais. Também uma maior protecção das grávidas. puérperas e lactantes em caso de despedimento é devidamente acautelada.
São estas, essencialmente, as inovações, no plano laboral, da proposta de lei ora presente aos Srs. Deputados e desejaria, como tem sido timbre por parte do Governo ao apresentar as suas propostas de lei nesta área, que fosse profícuo o trabalho em sede de comissão no sentido de um aperfeiçoamento destes diplomas, porque tanto neste caso, tal como em oportunidades anteriores. em que o Sr. Ministro do Trabalho e Solidariedade aqui veio apresentar legislação, temos sempre insistido nessa tónica.
Temos uma atitude aberta e de discussão franca, mantendo com firmeza, naturalmente, os pontos essenciais da nossa política.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais referiu que a apresentação do diploma em discussão seria completada pelo Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.

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Tem, pois, a palavra o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.

O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros (Vitalino Canas): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: É com imenso gosto que me encontro na bancada do Governo, para apresentar, juntamente com o meu colega, esta proposta de lei, uma vez que considero que o diploma nos coloca na guarda avançada da Europa no que diz respeito à política de família, à política da igualdade e à política da conciliação entre a vida profissional e a vida pessoal.
Gostaria de destacar estes três aspectos, ou estas três vertentes, da proposta de lei que hoje aqui apresentamos.
Política de família: uma política de família congruente com a protecção da infância, com o conforto das mães e dos pais, unção e um acompanhamento próximo das crianças pela mãe mas também pelo pai. Destaco, no âmbito da política de família, algumas das inovações ou algumas das medidas contidas nesta proposta de lei que hoje o Governo aqui apresenta.
Em primeiro lugar, o facto de passar a haver a possibilidade de uma licença por tempo indeterminado, de acordo com prescrição médica, em caso de risco clínico, independentemente do internamento hospitalar de que a mãe pode beneficiar. Até aqui era possível esta licença, mas apenas por 30 dias; agora passa a ser licença por tempo indeterminado.
Para além disso, alarga-se aos casos de confiança judicial ou administrativa e à adopção alguns direitos que agora eram apenas concedidos aos pais e às mães naturais. A partir desta altura, aqueles que tiverem confiança judicial de crianças, confiança administrativa ou tiverem adoptado crianças têm acesso à redução de horários para assistência de menores deficientes, a faltas para assistência a deficientes, etc.
Passa também a garantir-se - e considero esta uma inovação importantíssima, tendo em conta o público que vai atingir - aos avós de crianças filhas de pais, sobretudo de mães, adolescentes, com idade até 16 anos, o direito a faltarem até 30 dias consecutivos aquando do nascimento do seu neto, podendo este direito ser gozado pelo avô ou pela avó. Trata-se da colmatação de uma lacuna que existia e que diz respeito às mães adolescentes que ainda continuam a existir em grande número no nosso país.
A política de igualdade também está contemplada e prosseguida através desta proposta de lei, nomeadamente de igualdade de papéis no âmbito do casal, no que toca ao acompanhamento das crianças.
Destaco, no âmbito da política de igualdade, o facto de o pai passar a ter não dois dias, como acontecia até aqui, de acordo com a lei, mas até cinco dias úteis de faltas a seguir ao nascimento do filho. Esta possibilidade é gozada independentemente do gozo da licença de paternidade que, como sabem, nesta altura, tanto pode ser gozada pelo pai como pela mãe; possibilidade também de o pai poder passar a ter dispensa para aleitação dos filhos quando a mãe não puder ou não quiser proceder ele própria à amamentação; possibilidade de uma nova licença parental e, no âmbito desta nova licença, que qualquer dos dois progenitores pode gozar, a possibilidade de o pai usufruir de 15 dias remunerados como forma de incentivar a equitativa repartição das responsabilidades familiares e a criação de laços efectivos entre pai e filho, logo nos primeiros tempos de vida da criança.

O Sr. José Barradas (PS): - Muito bem!

O Orador. - Finalmente, a política de igualdade está presente na medida que agora propomos, e que já referi, de, quer o avô quer a avó, poderem acompanhar a sua filha adolescente que teve uma criança.
Este diploma prossegue ainda uma política de conciliação entre a vida profissional e a vida familiar, particularmente uma política de conciliação da vida profissional e da vida familiar de mulheres, que são, ainda hoje, as mais sacrificadas pela maternidade, maternidade essa que as leva, muitas vezes, a sacrificar-se duplamente, uma vez que têm de conciliar as suas carreiras profissionais e as suas tarefas de mãe, mas que também as leva, por vezes, a desistirem, pura e simplesmente, da sua carreira profissional.
Neste campo, para além das medidas que já referi anteriormente, é de destacar a criação da nova noção de licença parental, que é cumulativa com uma outra já existente, a licença especial de seis meses durante os primeiros três anos de vida da criança. De acordo com este novo instrumento - a licença parental -, a mãe ou o pai podem gozar de uma licença de três meses, consecutivos ou não, ou de seis meses, no caso de tratar-se de trabalho a tempo parcial.
Portanto, Sr.ªs e Srs. Deputados, é com grande gosto que nos encontramos aqui, hoje, a apresentar este conjunto de medidas que, estou seguro, irá contribuir para uma evolução da política de igualdade, da política de família e da política de conciliação entre a vida profissional e a vida familiar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, gostava de fazer as seguintes considerações em relação à proposta do Governo.
A lei que agora se altera é uma lei que já nasceu ambiciosa, mas não teve a aplicação prática que seria desejável. E, nestas questões, os antecedentes históricos são importantes. Com efeito, a Lei n.º 4/84, de 5 de Abril, foi utilizada pelas mães e pelos pais na exacta medida em que tal não prejudicava a sua permanência no mercado de trabalho nem o desejo e necessidade de progressão - legítima - na respectiva actividade profissional.
Por isso mesmo, no início desta legislatura propusemos uma alteração modesta à Lei n.º 4/84, de 5 de Abril, uma vez que dizia apenas respeito a filhos doentes crónicos e deficientes. E era modesta considerando que não havia aqui um «saco sem fundo» e que era preciso conciliar algo muito complicado.
Assim, se esta proposta de lei pretende ser um conjunto de medidas de protecção à família, tenho de dizer que a considero curta e ultrapassada, no sentido de que as políticas de família são hoje entendidas como políticas transversais. Por exemplo, seria muito mais importante uma intervenção ao nível do urbanismo, da habitação, dos equipamentos sociais junto das habitações das pessoas, ou seja, medidas que, efectivamente, facilitassem a vida das famílias, do que, propriamente, a adopção de medidas que

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entram no mercado de trabalho, mercado de trabalho que o Governo não controla.
Em suma, o que quero dizer é o seguinte: estas medidas são muito simpáticas e, com certeza, caem no agrado da maioria das pessoas, mas a sua exequibilidade é ínfima, porque essas mulheres - infelizmente, as licenças parentais são utilizadas sobretudo pelas mães -, por exemplo, não têm a possibilidade de se ausentarem e, mais tarde, voltarem ao seu posto de trabalho sem serem prejudicadas, sem que, entretanto, tenham sido ultrapassadas, eventualmente já desactualizadas, porque foram introduzidas novas técnicas, novas rotinas, novas metodologias que elas não puderam acompanhar!
Trata-se, pois, de um «presente bem embrulhado», mas que não tem o conteúdo nem o alcance que se lhe quer dar.
Em contrapartida, penso que o Governo não tem coragem de enfrentar algo que era mais necessário. Refiro-me a uma política natalista, uma vez que temos uma pirâmide demográfica totalmente invertida, uma população muito envelhecida e, portanto, estamos a ficar sem população activa. Ora, perante estes números, a criação de uma população activa é uma estratégia que qualquer Governo devia assumir.
Na óptica de uma política natalista, política que foi seguida em muitos países, diria que estas medidas são curtas. Ou seja, são curtas na óptica de uma política natalista e completamente utópicas na óptica de uma política que pretenda defender a mulher, a família ou o casal, porque joga com o mercado de trabalho. Aliás, nem o mercado de trabalho público se compadece com estas medidas!
Dou-lhe um exemplo, Sr. Secretário de Estado: um técnico superior de 1.ª classe que se ausente da sua divisão ou direcção de serviços, ao voltar, e no caso de concorrer a chefe de divisão, será preterido, de certeza absoluta, porque esteve a tomar conta de um bebé, em vez de estar ocupado com tudo aquilo que dizia respeito à sua direcção de serviços.
A questão que lhe coloco é se, pelo menos, foi prevista a possibilidade de esta mulher, ao regressar ao seu local de trabalho, não ser prejudicada por ter estado ausente, ao fim e ao cabo, no usufruto de um direito que lhe é dado pelo Governo.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra um dos Srs. Secretários de Estado que procederam à apresentação do diploma em debate. Os próprios saberão distinguir a quem se dirigiu o pedido de esclarecimento.

O Sr. António Rodrigues (PSD): - Organizem-se!

O Sr. Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais: - Estamos sempre organizados, Sr. Deputado. Fique tranquilo!

O Sr. António Rodrigues (PSD): - Às vezes não parece!

O Sr. Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais: - Tenho a impressão de que há mais problemas desse lado, não?!

Risos do PS.

Não sei se já conseguiram organizar-se, finalmente.
A Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto desculpar-me-á este tom inicial, mas, como parlamentar ilustre, certamente que entende esta troca de palavras como um normal relacionamento entre membros do Governo e os Srs. Deputados neste Hemiciclo.
As questões levantadas pela Sr.ª Deputada são, naturalmente, da maior importância. Com efeito, não poderiamos, em consciência, dizer que este diploma resolve tudo e dá a resposta definitiva, designadamente ao problema concreto que colocou de defesa das perspectivas de progressão profissional por parte das mulheres que, porventura, continuarão, durante mais alguns anos, a ser, no essencial, as beneficiárias destes alargamentos de protecção.
Creio, sinceramente, que o caminho de resposta, não de resposta do Governo na polémica, mas o caminho de resposta na sociedade não pode ser dado por medida legislativa. No essencial, é no terreno da negociação colectiva - refiro-me ao sector privado, evidentemente, porque no plano do sector público e administrativo as questões são diferentes e, aí, a responsabilidade do Governo é directa - que terão de se ir construindo essas respostas, através do diálogo social. Na generalidade dos casos, com todos os limites que, eventualmente, tenham nessa matéria, os sindicatos estão sensibilizados e alertados para o problema. Também com o peso que a população feminina tem, não só na vida activa, não só na população empregada, mas também na própria base de sustentação do movimento sindical, estou convencido que serão, eles próprios, obrigados a cuidar desse aspecto.
Em todo o caso, não há uma resposta plenamente satisfatória a esse problema, porque ele entronca em questões muito mais profundas relacionadas com o panorama cultural e com os nossos padrões de vida social.
Em termos de medida legislativa, como disse o meu colega, Secretário de Estado Vitalino Canas, creio que estamos tão longe quanto podemos ir e, comparativamente com os outros países, designadamente os nossos parceiros da União Europeia, não ficaremos atrás. Não estamos, talvez, a seguir uma política natalista, de que a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto falou, mas, neste momento, creio que a política social do Governo tem dado suficientes sinais práticos de que também existe essa preocupação de incentivar as famílias.
Nesse sentido, recordo o desenvolvimento da rede de ensino pré-escolar, os apoios a todo o tecido de instituições particulares de solidariedade social que respondem aos cuidados nos primeiros tempos de vida das crianças, ou ainda a política de prestações familiares, designadamente o subsídio familiar orientado como um apoio, sobretudo para as famílias com menos recursos, de forma a não ficarem condicionadas, nas suas decisões em matéria de procriação, à restrição financeira, pura e dura.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa.

O Sr. Pedro da Vinha Costa (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Poucos dias depois de celebrarmos o 25.º aniversário do 25 de Abril, somos chamados a discutir uma proposta de lei que visa alterar o regime de protecção da maternidade e da paternidade, tal como está previsto e regulamentado pela Lei n.º 4/84.

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Permitam-me que comece por lembrar, justamente, o importante papel que o 25 de Abril teve na alteração das mentalidades na sociedade portuguesa, e as consequências muito positivas que daí advieram para as relações familiares.
Na verdade, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados, muita coisa mudou em Portugal após Abril de 74.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A liberdade, a democracia, o desenvolvimento do País foram sendo concretizados ao longo destes 25 anos. Mas. talvez mais importante que tudo o mais, mudaram as relações entre os diversos componentes da estrutura familiar, verdadeira célula motora de qualquer sociedade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Na verdade, a aragem dos tempos de Abril, a liberdade a partir de então desfrutada, a progressiva igualdade entre os jovens independentemente do sexo, jovens que começaram a estudar nas mesmas escolas, a praticar os mesmos desportos, com aspirações de acesso ao ensino e ao mercado de trabalho cada vez mais iguais, tudo isto, levou a uma gradual mudança de mentalidades que possibilitou uma melhoria muito significativa das relações familiares e do papel da família na sociedade portuguesa.
Mas, justamente porque se trata de uma área em que a sociedade muda porque se alteram as mentalidades daqueles que a constituem, torna-se necessária uma periódica adaptação do quadro legal que regula esta matéria, já que esta é uma área em constante mutação, com novos desafios a surgirem diariamente, a que importa dar as respostas mais adequadas.
A mulher passou a ter um importante papel no mercado de trabalho, um papel até aí reservado ao homem, criando a necessidade de uma cada vez maior assunção comum de responsabilidades entre homem e mulher no seio da família. Daqui nasceu um novo papel para a paternidade, um papel que até aí era área reservada à mulher, tantas vezes encarada como tendo, na sociedade portuguesa de então, o único direito/dever de ser mãe.
A sociedade portuguesa tem vindo a percorrer um caminho importante de igualização de responsabilidades entre homem e mulher; um caminho com alguns obstáculos, um caminho que para alguns tem sido demasiado lento, um caminho que, evidentemente, choca com algumas mentalidades mais retrógradas, mas um caminho que já não pode ser percorrido em sentido contrário, porque homem e mulher assumiram, definitivamente, quererem construir um mundo melhor e mais justo.
A minha geração tem, inevitavelmente, sobre esta matéria uma visão diferente, para melhor, em relação às gerações que a antecederam, como seguramente as gerações seguintes evoluirão nas suas mentalidades por forma a construírem um mundo necessariamente melhor, mais justo e mais igualitário, onde a cidadania não dependa do sexo.
É neste contexto que o PSD, orgulhoso dos contributos que deu ao longo destes 25 anos, para possibilitar à mulher ser cada vez mais mãe, mas também cidadã de corpo inteiro de uma sociedade que é tanto sua como de qualquer outro, é neste contexto, dizia, que o PSD aprecia a presente proposta de lei.
É, na verdade, orgulhosos desse valioso património que vemos, com agrado, questões tão importantes como a assunção de responsabilidades por parte do Estado, em aspectos que se prendem com os cuidados de saúde a prestar à mulher grávida, mas também à mãe, ao pai e à criança, encontrarem novas respostas para os novos desafios.
Também um novo enquadramento legal para uma paternidade cada vez mais interveniente, que partilha de facto as responsabilidades que da condição de pai advêm, bem como o reconhecimento da adopção como um instituto capaz de possibilitar o acesso à felicidade de muitas crianças, mas também de muitos adultos, e que, por esse facto, merece e precisa de ser tratado em termos que se assemelhem, cada vez mais, aos aplicáveis às relações familiares biológicas, merecem o nosso aplauso.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Como a atenção ao problema da gravidez na adolescência, que tem vindo a ganhar cada vez maior importância, com algumas soluções interessantes que são apresentadas, merece o nosso aplauso genérico.
Finalmente, permitam-me que refira ainda a concordância do PSD quanto à necessidade de garantir a protecção legal para a mãe e o pai trabalhadores poderem exercer, efectivamente, a maternidade e a paternidade, consolidando e fortalecendo os laços que unem pais e filhos, aproximando-os cada vez mais e criando condições para que os momentos comuns sejam mais frequentes.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: A perspectiva do PSD sobre a presente proposta de lei é, pois, genericamente positiva. Estamos disponíveis, hoje como sempre, para colaborarmos na busca de cada vez melhores soluções para os problemas que vão surgindo.
Todavia, há uma questão que não me canso de referir, porque temo possa contrariar, na prática, as boas intenções subjacentes a este como a outros diplomas. Refiro-me à excessiva proliferação e dispersão de instrumentos legislativos que, assim, tomam cada vez mais difícil a sua divulgação e correspondente conhecimento por parte dos seus destinatários.
Não é este o momento para se debater este problema. Fica, contudo, o alerta para uma situação que se tem vindo a agravar sobremaneira, criando problemas complicados que resultam de soluções legislativas muitas vezes contraditórias.

Apesar disto, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados, em nome do PSD, daqui saúdo a permanente busca de uma sociedade mais justa, mais igualitária, onde homem e mulher sejam cada vez mais cidadãos de corpo inteiro.

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Mota Amaral.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mafalda Troncho.

A Sr.ª Mafalda Troncho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Através da

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proposta de lei n.º 249/VII visa o Governo introduzir alterações à Lei n.º 4/84, de 5 de Abril, relativa à protecção da maternidade e da paternidade.
Trata-se, pois, de uma iniciativa legislativa que se afigura globalmente positiva e meritória e cujo objectivo último é o reforço dos direitos das trabalhadoras, dos trabalhadores e dos próprios filhos e adoptantes.
A presente iniciativa legislativa, que corresponde a uma legítima expectativa dos trabalhadores portugueses e das suas organizações representativas, tem subjacente a necessidade de alterar o quadro legal da protecção da maternidade e da paternidade, no sentido da sua melhoria efectiva, sendo certo que da sua aprovação beneficiarão milhares de trabalhadoras e trabalhadores, que verão o seu direito à maternidade, à paternidade e ao emprego mais reforçados e valorizados.
Com efeito, embora a Lei n.º 4/84, de 5 de Abril, se mantenha actual e adequada do ponto de vista dos princípios, reconhece-se que carece, todavia, de alterações no sentido da sua melhoria e aperfeiçoamento, algumas das quais em resultado dos compromissos da integração europeia.
No seu programa eleitoral, o Partido Socialista assumiu com os portugueses o compromisso de promover iniciativas que visem a compatibilização da vida familiar e dos tempos livres com a actividade profissional. É nesse contexto que o Governo da «nova maioria», tem vindo, ao longo da presente legislatura, a adoptar medidas, designadamente no sentido do reforço da protecção que deve assistir às trabalhadoras, aos trabalhadores e às crianças. E é nesse espírito que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista acolhe com grande satisfação a presente proposta de lei, que espelha, de facto, soluções normativas justas e adequadas à protecção dos interesses em causa.
Permitimo-nos destacar algumas das alterações preconizadas pela proposta de lei n.º 249/VII, cuja aprovação se traduzirá num manifesto reforço dos direitos dos trabalhadores portugueses.
Vejamos: aumenta a duração da licença por adopção de menor (para 100 dias) até 15 anos de idade, nos mesmos termos da licença por maternidade e paternidade, que na lei actual é de 60 dias de licença relativamente a adoptados até 3 anos de idade; estende o regime de faltas (justificadas) ao serviço para assistência inadiável a filhos ou adoptados, em caso de doença ou acidente, aos trabalhadores a quem tenha sido deferida a tutela ou confiada a guarda da criança por decisão judicial; reconhece o direito a um período de 30 dias de faltas aos avós dos recém-nascidos de adolescentes com idade até 16 anos que careçam do auxílio e acompanhamento dos seus ascendentes, desde que vivam em comunhão de mesa e habitação, o que consubstancia uma inovação relativamente ao regime vigente.
Esta é, para nós, uma medida de relevante significado, porquanto todos reconhecem o aumento do número de adolescentes que no nosso país engravida e que, por essa razão, carecem de acrescidos cuidados e acompanhamento dos próprios pais.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Reconhece, ainda, ao pai o direito a uma licença de cinco dias úteis durante o primeiro mês de vida do filho, sem prejuízo de poder gozar a licença por paternidade em caso de impossibilidade ou morte da mãe ou por decisão conjunta de ambos; em caso de risco clínico, e independentemente de internamento hospitalar, a mãe passa a ter direito a uma licença por tempo indeterminado, de acordo com a prescrição médica; reconhece ao pai e à mãe trabalhadores o direito de faltarem ao trabalho durante três meses, a denominada licença parental, para prestarem assistência ao filho ou adoptado até seis anos de idade ou, em alternativa, poderem trabalhar a tempo parcial durante seis meses, podendo, nesta situação, ausentar-se do trabalho durante períodos interpolados equivalentes a três meses - esta licença parental consubstancia outra das inovações mais importantes da presente proposta de lei, assumindo uma função social de vital importância no quadro da conciliação da vida familiar com a vida profissional e de uma mais justa e equitativa repartição das responsabilidades familiares; clarifica o regime aplicável ao despedimento de grávidas, puérperas e lactantes, reforçando o carácter obrigatório do parecer prévio da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, sendo sempre decretada a suspensão judicial do despedimento se o referido parecer for desfavorável ou, sendo favorável, se o tribunal considerar que existe probabilidade séria de verificação de motivo justificado.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Estas são algumas das alterações espelhadas na proposta de lei em apreço, facilmente identificáveis como melhorias substanciais ao regime jurídico vigente.
De sublinhar, ainda, que as alterações agora propostas correspondem à assunção por parte do Estado das suas responsabilidades resultantes da integração europeia, porquanto se trata de transpor para a ordem jurídica interna o disposto na Directiva n.º 96/34/CE, de 3 de Junho, do Conselho, aprovada na sequência do acordo-quadro relativo à licença parental e ao direito a faltas ao trabalho por motivo de doença de familiares celebrado entre as organizações interprofissionais de vocação geral no plano comunitário.
Acresce, também, que se trata de uma matéria que é consensual na sociedade portuguesa, correspondendo às mais justas aspirações das mulheres e homens portugueses e das suas organizações representativas.
Com efeito, o acordo de concertação estratégica celebrado entre os parceiros sociais e o Governo da nova maioria estabelece, clara e expressamente, que, «no quadro duma política de promoção da igualdade de oportunidades interessa dar maior atenção aos problemas da maternidade/paternidade». E, nesse sentido, as partes envolvidas acordaram «na necessidade de transposição da directiva comunitária sobre a licença parental para assistência à família e em especial aos filhos menores». Esta proposta de lei configura, pois, o cumprimento, por parte do Governo, de mais uma das medidas consagradas pela concertação social.
Em suma, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista considera globalmente positiva a proposta de lei n.º 249/VII, podendo a mesma, em sede de discussão na especialidade, receber melhorias que possibilitem a aprovação do quadro legal que melhor responda às necessidades sociais no domínio da maternidade e paternidade.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

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A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Mais uma vez temos para discussão uma proposta de lei que visa alterar a Lei n.º 4/84, relativa à protecção da maternidade e da paternidade.
Como já o dissemos, há pouco mais de um ano, a propósito de outras iniciativas legislativas relativas à mesma matéria, a diversa legislação publicada desde 1984 tem sofrido, na generalidade, de uma timidez absurda e mesmo retrógrada, decorrendo daí o facto de transfigurar, algumas vezes, o texto constitucional, quando, naturalmente, o deveria verter de forma pragmática, actuante e realista. É disto exemplo a licença por maternidade, cujo período de 120 dias, proposto pelo PCP desde 1982, foi sempre rejeitado, tendo o texto aprovado em 1984 consagrado, somente, um período de 90 dias. Só este ano, a partir de Janeiro de 1999, as mulheres portuguesas tiveram, finalmente, direito a um período de 120 dias.
São disto exemplo também algumas das alterações introduzidas a propósito da transposição da Directiva n.º 92/85 que o Governo do PSD trouxe à Assembleia da República, suprimindo direitos já adquiridos pelos trabalhadores e trabalhadoras portugueses. Refiro-me, concretamente, ao conteúdo do artigo 1.º-A, que ainda hoje define trabalho nocturno como aquele que é prestado entre as 0 horas e as 7 horas, ignorando um diploma anterior que definia como nocturno o trabalho prestado entre as 20 horas e as 7 horas.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ªs Deputadas: A proposta de lei hoje em debate melhora alguns aspectos do quadro legal vigente, deixando, no entanto, intactos outros que urgia alterar, como aquele que acabei de referir.
As alterações que o Governo fez chegar à Assembleia decorrem, quase exclusivamente, da necessidade de adequar uma lei com 15 anos a outros diplomas legais entretanto existentes, e com disposições mais favoráveis que, naturalmente, não podiam ser prejudicadas pelo disposto na Lei n.º 4/84 - refiro-me, por exemplo, ao regime jurídico da adopção -, ou, então, decorrem da necessidade de transpor para o ordenamento jurídico nacional a Directiva n.º 96/34/CE, de 3 de Junho, transposição que deveria ter ocorrido até Junho de 1998, relativa à licença parental e ao direito a faltas ao trabalho por motivo de doença de familiares, ou, então, ainda, decorrem do reconhecimento - e, neste caso, mais vale tarde do que nunca - de graves realidades, tantas e tantas vezes ignoradas ou minimizadas, como os despedimentos sumários a que estão sujeitas muitas mulheres só pelo facto de o serem e, por isso mesmo, poderem, um dia, talvez, engravidar e ser mães,...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - ... ou decorrem também, ainda, do reconhecimento da existência, cada vez mais preocupante, de um aumento de gravidezes na adolescência, situação que requer urgentes medidas de diagnóstico e de avaliação para encontrar respostas adequadas de protecção e acompanhamento. Mas é muito pouco, risível mesmo, o que a proposta de lei contempla nesta área, ficando-se pelo «direito a um período de faltas aos avós destes recém-nascidos, desde que vivam em comunhão de mesa e habitação» ou por considerar que só têm este direito os trabalhadores e as trabalhadoras cujos netos tenham como progenitores adolescentes até aos 16 anos, ignorando que a idade pediátrica é até aos 18 anos, como o confirma a Convenção Internacional dos Direitos da Criança.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Mas sejamos realistas.
O fosso entre a lei e a prática é abissal. E as responsabilidades deste Governo, particularmente, têm sido muitas.
Ainda esta tarde, iremos apresentar um projecto de lei de protecção da maternidade com o objectivo de impedir que o Governo continue a ignorar a lei e a considerar a gravidez como se de doença se tratasse. E isto só pode ter duas leituras: ou o País tem um Governo sistematicamente distraído ou o Governo possui, hipocritamente, dois pesos, o peso do discurso, em nome da igualdade de oportunidades, e o peso da prática, em nome da discriminação, cada vez mais feroz, que se abate sobre as mulheres.
É ou não verdade que este Governo apresentou propostas de lei que viabilizam a redução dos salários, dos subsídios de férias, dos subsídios de Natal e de desemprego, que viabilizam o incentivo à transformação de contratos de trabalho a tempo completo com direitos em contratos a tempo parcial, sem direitos, nem garantias?
E ou não verdade que as propostas governamentais anulam o direito a dois dias de descanso semanal, especialmente coincidente com o sábado e o domingo?
É ou não verdade que este Governo tudo tem feito para tornar precária e flexibilizar as relações de trabalho?
Todos sabemos e o Governo também sabe que degradando-se a situação dos trabalhadores aumentam as discriminações em relação à mulher. A maternidade passa a ser um obstáculo que os empregadores utilizam para inviabilizar o acesso ao trabalho por parte das mulheres que são ou pretendem vir a ser mães. E quando o conseguem são penalizadas também: muitas vezes não lhes é paga a remuneração referente ao tempo de dispensa para exercício de direitos consagrados, como os das consultas pré-natais, de preparação para o parto ou de amamentação ou aleitação.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Nesta matéria - convém dizê-lo -, congratulamo-nos pelo facto de o Partido Socialista ter percebido, finalmente, que uma criança não amamentada tem o direito à aleitação.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Exactamente!

A Oradora: - Não foi capaz de o entender em 1984, quando o Partido Comunista Português propôs o direito a dispensa diária de trabalho, por dois períodos distintos, para amamentação e aleitação, e o Partido Socialista, lado a lado com o CDS, lado a lado com o PSD, rejeitou esta proposta, porque, diziam então, os empregadores não gostariam de tantos direitos e as mulheres, futuras mães ou mães, teriam dificuldade em assegurar o direito ao trabalho.
Mas os números, os oficiais, estão aí a confirmar as discriminações: as consentidas, as silenciadas e as sugeridas.

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As mulheres constituem a maioria dos desempregados.
As mulheres são as mais afectadas pelas formas de trabalho precário e atípico, o trabalho ocasional, à peça, à tarefa e sem protecção social.
As mulheres correspondem a mais de 50% dos trabalhadores com contratos a termo.
As mulheres são 63% dos trabalhadores a receber salário mínimo nacional.
As mulheres são 66% das titulares do rendimento mínimo garantido e, destas, mais de 20% têm filhos a cargo.
Quando o Governo do Partido Socialista discrimina, liberaliza, desregulamenta e flexibiliza atinge todos os trabalhadores mas atinge, particularmente - e os Srs. Deputados não terão dúvidas disso -, as mulheres.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Por isso, é tão pouco o que o Governo do Partido Socialista traz hoje à Assembleia da República. Pouco, porque o quadro social de injustiças várias e de violações de direitos fundamentais do ser humano faz cada vez mais parte do nosso quotidiano e atinge cada vez mais as mulheres, as crianças, os homens, a família e, naturalmente, o País.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ªs Deputadas: O processo legislativo é também um processo pedagógico. Alguns disponibilizam-se para a aprendizagem, outros teimam em silenciar os saberes.
Mas a construção de uma sociedade mais justa e solidária é um projecto de futuro que não tem retomo possível.
Um jornalista americano, desaparecido na revolução mexicana, dizia, a propósito dos que se recusam a construir uma sociedade de justiça e progresso: "Um homem que viajava no deserto encontrou uma mulher. Quem sois - perguntou o Homem - e porque habitais este lugar medonho? O meu nome é Verdade - respondeu a Mulher - e vivo no deserto para poder estar perto dos meus seguidores quando os seus companheiros os repelirem. Todos acabam por vir, mais cedo ou mais tarde".

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, pedi a palavra para uma pequena intervenção, uma vez que ainda disponho de tempo, para reforçar uma ideia que talvez não tenha ficado devidamente explicitada.
Penso que não vale a pena fazer boas leis virtuais. Não vale a pena! Penso até que se as mulheres portuguesas tivessem a dimensão do pouco que isso lhes traz agradeceriam que não fossem feitas, criando, aliás, expectativas que penso serem perigosas.
Dizia o meu colega de bancada que esta proposta de lei era boa numa sociedade onde as empresas andassem à procura dos trabalhadores e não os trabalhadores à procura de um posto de trabalho. E este aspecto é importante. É preciso ver a que sociedade é que esta lei se vai aplicar e a questão do mercado de trabalho é uma questão muito importante.
Sabemos que existem muitos vínculos precários, que, hoje, muitas trabalhadoras são obrigadas a assinar uma carta, antes de iniciarem as suas funções, para poderem ser mais facilmente dispensadas, sabemos que existem inúmeras violações da lei laborai e muito pouca fiscalização dessas situações, pelo que podemos entender, com algum pessimismo, que uma lei destas servirá para criar ainda mais situações irregulares e, ao mesmo tempo, um grande desencanto e uma grande decepção em quem acreditou que ela poderia ser viável.
Quando acentuámos o aspecto natalista não foi por acaso, foi porque o aspecto natalista, exactamente porque não se trata de dar, digamos, um conjunto de benefícios às mulheres ou aos casais, entende a função social importantíssima da procriação ou da família e porque, de facto, uma política de natalidade, num quadro demográfico como o nosso, significa criar uma classe activa. E isto é algo que tem de interessar as empresas. As empresas têm de estar envolvidas nesta ideia, têm de ser obrigadas a estar envolvidas nesta ideia.
Portanto, uma política como esta que aqui apresentaram está, do nosso ponto de vista, condenada ao fracasso, porque os senhores não dominam o mercado de trabalho e, volto a repetir, nem sequer o mercado de trabalho público.
Uma política natalista que explicasse ao País qual a consequência de a população envelhecer, de não haver renovação geracional, pois perdemos progressivamente uma força importantíssima que é a nossa população activa, teria, eventualmente, um compromisso da própria sociedade civil que nos parece ser muito importante.
É esta distinção que queremos fazer e não dizer que a proposta de lei do Governo não tem qualquer mérito ou não interessa, pelo contrário, tem, com certeza, coisas muito importantes e, porque acreditamos na recta intenção do Governo, tem, com certeza, o mérito de tentar melhorar uma situação. Em todo o caso, ela pode ser um instrumento perverso e desadequado para aquilo que se pretende atingir.
Tenho sempre muito medo quando, em Portugal, vejo aprovada ou publicada uma lei que é das mais modernas da Europa. Não somos um dos países mais modernos da Europa, nem somos um dos mais ricos, nem somos um dos mais estruturados, somos um País onde ainda há muita coisa a fazer, pelo que, quando uma lei, em comparação com as dos outros países, é das mais avançadas, assusta-me e não quero deixar de me assustar, porque, infelizmente, assustando-me assim, encaro com mais realismo aquele que é o meu País e as necessidades das mulheres do meu País.

A Sr.ª Helena Santo (CDS-PP): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Também para uma intervenção, tem, agora, a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em nome do Grupo Parlamentar de Os Verdes, e relativamente à proposta de lei n.º 249/VII, quero tecer algumas considerações que nos parecem importantes.
A adaptação da lei de protecção da maternidade e da paternidade às necessidades de protecção e acompanhamento das crianças e de mais estritos laços das crianças em relação às mães e aos pais é, de facto, um imperativo contínuo que deve implicar uma acção contínua.

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Obviamente, o dia-a-dia da generalidade dos portugueses, a azáfama diária em que muitas mães e muitos pais se encontram, na sua ida para os empregos, empregos, esses, muitas vezes necessários não pela realização pessoal de cada um mas, infelizmente, por carências de sustentação das famílias, é uma realidade que não contribui para esses laços familiares mais próximos, antes, contribui para o distanciamento. Infelizmente, esta ë a realidade e até por isso, e dada esta realidade, o acompanhamento das crianças e a sua assistência nos primeiros tempos de vida, durante a infância e também na fase da adolescência, em geral, são, na nossa perspectiva, fundamentais.
O certo é que em matéria de protecção da maternidade e paternidade se regrediu já muito em alguns aspectos, nomeadamente naquilo que se refere a alguns limites de falta. É por isso que, na nossa perspectiva, tudo aquilo que vier para reforçar direitos, tudo aquilo que vier para reforçar apoios e acompanhamentos, nomeadamente à criança, é extremamente importante.
Por outro lado, gostaria de referir algo que já foi aqui dito no decurso do debate: a aplicação prática dos direitos, obviamente, é fundamental e não seriamos honestos connosco próprios se não atendêssemos à realidade da não aplicação, em muitos casos, de alguns direitos aqui consagrados, nomeadamente os das consultas pré-natais, da amamentação e da aleitação, bem como à dificuldade de muitas mães no acesso a estes direitos em alguns regimes laborais.
Há, no entanto, direitos que, na nossa perspectiva, não estão devidamente garantidos e que nos separam ainda de muitos países da União Europeia. Refiro-me, concretamente, ao período de licença de maternidade e paternidade, que, no nosso entendimento, é ainda muito reduzido, pelo que importa que, rapidamente, se consigam dar passos no sentido do seu alargamento, para um acompanhamento mais prolongado dos primeiros tempos de vida da criança.
Relativamente a esta proposta de lei em concreto, na nossa opinião, entre outras coisas, ela avança numa matéria que consideramos ser muito positiva - e, por isso, gostava de a realçar -, que é a do envolvimento do pai numa mais estrita relação de assistência à criança e até numa fase prévia da gravidez.
Quero realçar que o momento do parto é um momento fundamental da relação com o recém-nascido, pelo que é pena que, em muitos hospitais - e a própria lei procura incentivar a garantia ao parto hospitalar -, infelizmente, não se garanta o próprio acompanhamento por parte do pai, a assistência ao parto, naturalmente com o consentimento do pai e da mãe. Consideramos isto lamentável e entendemos que era bom que se garantisse essa oportunidade em todos os hospitais portugueses, pois parece-nos que se trata de um momento importante de relação familiar.
Quero ainda referir que o alargamento de determinados direitos às crianças adoptadas e aos pais adoptantes é um imperativo real. O filho adoptado é, obviamente, um filho de pleno direito e, seguramente, com carências afectivas muito grandes nos primeiros tempos da sua vida que, segundo a opinião unânime de muitos técnicos pediatras, marcam e moldam a personalidade e as características da criança no decurso da sua existência.
Gostaria também de referir algo que nos parece uma lacuna desta proposta de lei. Esta proposta de lei não deveria esquecer as diferentes ou as correntes formas de constituição da família na nossa sociedade e esquece, fundamentalmente, e só para dar um- exemplo, as famílias monoparentais. O apoio a estas famílias, que são uma realidade na nossa sociedade, é muito escasso e deveria ser reforçado, dada a ajuda de que muitas mães nessas condições necessitam. Não vamos, pois, fechar os olhos a uma realidade corrente e não vamos negar que existem diversas formas de constituição de família na nossa sociedade.
Por fim, gostaria de referir uma matéria, que também já tivemos oportunidade de mencionar aquando da discussão da protecção à maternidade e à paternidade, em 1997, quando se discutiu a alteração a esta lei, que é a falta de estruturas para apoio a crianças portadoras de deficiência. Cremos que o Governo tem apostado muito pouco nesta matéria, a qual consideramos fundamental e em que as crianças, prioritariamente, mas também as famílias, necessitam de muito apoio. O Estado tem o dever de encontrar soluções para esta situação, mas, infelizmente, não nos parece que esta seja uma prioridade por parte deste Governo.
Para finalizar, gostaria de dizer que, na generalidade, concordamos com os princípios expressos nesta proposta de lei, pelo que a votaremos favoravelmente.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carreteiro.

O Sr. Rui Carreteiro (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A "Nova Maioria" assumiu, desde o primeiro momento, o princípio da solidariedade como o eixo central da sua orientação política e da sua acção governativa. Assim, preconizamos uma nova relação entre quatro pilares fundamentais da nossa civilização: a família, o Estado, o mercado e a sociedade civil. E é no mesmo sentido que defendemos um novo equilíbrio entre os papéis da mulher e do homem na família e na sociedade.
Acreditamos que uma sociedade que se quer solidária tem de assegurar uma maternidade e uma paternidade dignas. Estamos convictos de que uma civilização que não cuida da renovação adequada das gerações arrisca a sua continuidade. Importa, portanto, garantir à mãe uma gravidez equilibrada e assegurar a ambos os progenitores o acompanhamento adequado dos filhos, sobretudo nos primeiros anos de vida.
A sociedade portuguesa confere à maternidade e à paternidade uma especial afeição no quadro do nosso sistema de valores. Cumpre, pois, ao legislador reconhecer, valorizar e, até, estimular esta primordial função social.
A "Nova Maioria" comprometeu-se com os portugueses a promover iniciativas que visassem compatibilizar a vida familiar e o lazer com a actividade profissional dos nossos cidadãos de ambos os sexos. É neste sentido que o Governo do Partido Socialista tem adoptado medidas de apoio à família e também com vista a tornar Portugal um país onde a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres seja cada vez mais efectiva.
Em particular, os esforços dirigidos à conciliação trabalho/família constituem verdadeiramente uma marca inovadora e distintiva do XIII Governo constitucional, desde logo com a criação do rendimento mínimo garantido às famílias, hoje largamente consensual como eficaz arma de combate à exclusão e instrumento de reintegração social, em particular de muitas mulheres portuguesas, dada a forte feminização da pobreza no nosso país, mas também com a generalização da rede do pré-escolar, que tem permitido

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a um número progressivamente maior de famílias por todo o território nacional garantir, de forma adequada, às suas crianças, desde os primeiros anos, a educação escolar e um acompanhamento durante o horário de trabalho dos pais.

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Claramente direccionada para as áreas em questão foi a inserção na Lei Orgânica do Governo do Alto-Comissário para a Igualdade e a Família. A esta entidade compete a coordenação e a dinamização dos serviços da Administração Pública aos quais cabe efectivar a política de igualdade entre homens e mulheres e as políticas de família.
Foi também incumbida a este Alto-Comissário a tarefa de dinamizar a aplicação do Plano Global para a Igualdade de Oportunidades, que o Conselho de Ministros aprovou a 6 de Março de 1997. De entre os objectivos do Plano, destacamos: a integração do princípio da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres em todas as políticas económicas, sociais e culturais; a promoção da igualdade de oportunidades no emprego e nas relações de trabalho; a conciliação da vida privada e profissional e a protecção social da família e da maternidade.
Destaque-se, entre as diversas acções do Alto-Comissário, a campanha amplamente divulgada na comunicação social que estimula uma maior partilha de responsabilidades domésticas entre mulheres e homens, no sentido de uma compatibilização mais harmoniosa entre a realização profissional e a vida privada de ambos os membros do casal.
A 9 de Fevereiro do corrente ano, o Conselho de Ministros aprovou o Plano para uma Política Global de Família, que visa o reforço das políticas de família. Numa perspectiva transversal e integrada, o Plano abarca um conjunto de medidas nas componentes da educação, da saúde, da habitação, do trabalho, passando pela cultura e tempos livres e pelo associativismo familiar, entre outros.
É neste contexto que surge agora a proposta de lei n.º 249/VII, que altera o regime legal da maternidade e da paternidade, com o objectivo de reforçar a protecção dos direitos dos pais, mães e avós trabalhadores e das crianças.

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: É com natural regozijo que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista se honra de apoiar esta iniciativa, que propõe soluções inovadoras, justas e adequadas e cujo efeito no quotidiano das famílias portuguesas será, estamos convictos, largamente positivo.
As alterações avançadas têm um carácter inovador e premente, nomeadamente no que concerne à adopção, aos avós de recém-nascidos de adolescentes carenciados e, sobretudo, prosseguindo uma política consistente e consequente, no que diz respeito à consagração da paternidade em direitos e deveres iguais relativamente à maternidade. O aumento da licença de maternidade e paternidade por adopção de menor até aos 15 anos; a extensão do regime de faltas justificadas aos pais ou mães de filhos ou adoptados doentes ou acidentados; o reconhecimento do direito a um mês de faltas aos avós de recém-nascidos de adolescentes carenciados até aos 16 anos com quem coabitem; a licença de cinco dias ao pai, além da eventual licença de paternidade, durante o primeiro mês de vida do filho; o direito a tempo indeterminado de licença, desde que prescrita, em caso de risco clínico da mãe; a licença parental de três meses aos progenitores para assistência ao filho ou adoptado até seis anos de idade, flexível de acordo com as necessidades da família e do filho e, finalmente. a clarificação do regime de despedimento de grávidas, puérperas e lactantes, reforçando a obrigatoriedade do parecer prévio da entidade competente são medidas já abundantemente referidas e elogiadas que falam por si e não requerem mais comentários.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Para o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, a protecção da maternidade e dá paternidade é um imperativo de ordem social. Como questão suprapartidária, requer da parte dê todos, sem exclusão, um compromisso em nome dos direitos do trabalho, do direito à maternidade e paternidade plenas em particular, em nome da igualdade de oportunidades, da paridade, em suma, em nome da instituição da família.
Concluindo, cientes de que, em sede de especialidade, se podem ainda somar melhorias e benfeitorias, consideramos muito positiva a proposta em análise, na convicção profunda de que a sua aprovação marcará um avanço fundamental no reconhecimento, na protecção e no estimulo à maternidade e à paternidade como valores civilizacionais em que todos acreditamos e que defendemos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.

O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Eu gostaria de complementar as nossas intervenções iniciais e, de alguma forma, reagir a algumas das intervenções dos Srs. Deputados.
Penso que é unânime - pareceu-me notar isso, mas perdoem que faça esta constatação - entender-se que esta proposta é positiva. Nós consideramo-la muito positiva, mas, obviamente, há quem entenda que é pouco, como parece ser o caso do Partido Comunista Português, e há quem entenda que é muito, que é demasiado ambiciosa, como parece ser o caso da Sr.3 Deputada do PP.
Não vou responder ao Partido Comunista Português porque normalmente entende que tudo é pouco, mas vou, pelo menos em relação à Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, dizer o seguinte: às vezes, quando se fazem as leis, as mesmas têm objectivos que não são imediatamente atingíveis e não é por isso que devemos deixar de ter ambição. Ora, este Governo tem ambição nas áreas que estão aqui em causa. Temos ambição como se tinha ambição quando se fez a primeira lei. que, na altura, também pareceria, porventura, difícil de aplicar, mas hoje se vai aplicando. E penso que estas novas possibilidades que se abrem aos pais e às mães irão também ser aplicadas.
Devo dizer à Sr.ª Deputada que, se eu tivesse a certeza - e tenho-a - de que quando esta lei for aplicada, no primeiro dia haverá logo gente a poder receber e usufruir destes novos instrumentos, já teríamos cumprido parte da nossa missão. Penso que haverá condições para. gradualmente, esta lei ser aplicada e, daqui a uns anos, ficaremos seguramente muito satisfeitos quando viermos apresentar uma ainda mais ambiciosa.

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Foi também aqui feita uma referência, e concordo que é uma área onde devemos tomar medidas, ao facto de, no regresso, haver dificuldades. Quando os pais e as mães usam destes direitos, quando regressam aos seus postos de trabalho, muitas vezes têm dificuldades, concordo, sendo verdade que há muitas áreas da nossa economia onde isso se verifica.
Quero, contudo, comunicar que o Governo se encontra, nesta altura, a concluir o trabalho de alteração do Decreto-Lei n.º 136/85, de 3 de Maio, que diz justamente respeito às garantias que os trabalhadores têm no regresso, depois de gozarem licença parental. Neste projecto de revisão, irá estabelecer-se que, quando for gozada a licença parental, a entidade patronal deve reintegrar o trabalhador no mesmo posto de trabalho, que a reintegração do trabalhador se fará num posto de trabalho correspondente à sua profissão e categoria, se não for possível reintegrá-lo no mesmo posto de trabalho, etc. Estamos a acautelar que esta lei não ficará sozinha e virá a ser acompanhada por outras iniciativas legislativas do Governo para, do ponto de vista prático, a lei não ficar no papel.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr.ªs e Srs. Deputados, a lista dos Oradores está esgotada, pelo que declaro encerrado o debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 249/VII - Altera a Lei n.º 4/84, de 5. de Abril, relativa à protecção da maternidade e da paternidade.
Passamos ao ponto seguinte da ordem de trabalhos, que consiste na discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 271/VII -Aprova o regime aplicável ao adiantamento pelo Estado da indemnização devida às vítimas de violência conjugal.
Para apresentar a proposta de lei, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Matos Fernandes): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Começo por apresentar a VV. Ex.ªs os meus respeitosos cumprimentos.
Cabe-me a menos simpática das tarefas desta tarde porque eu gostaria que não fosse necessário, a num ou a qualquer outra pessoa, apresentar uma proposta de lei como a que o Governo traz a esta Assembleia. Bom seria que se tomasse desnecessário dispor sobre o adiantamento de indemnizações às vítimas da violência conjugal ou aos companheiros nas situações análogas à vivência conjugal, do mesmo modo que penso que esta Assembleia teria gostado que não fosse necessário editar a Lei n.º 61/91, de 13 de Agosto, cujo artigo 14.º é agora regulamentado, nos termos da proposta de lei do Governo.
Com efeito, o artigo 14.º da Lei n.º 61/91 anunciou, e já se passaram oito anos, que: "Lei especial regulará o adiantamento pelo Estado da indemnização devida às mulheres vítimas de crimes de violência, .suas condições e pressupostos, em conformidade com a Resolução n.º 31/77 e as Recomendações n.0' 2/80 e 15/84, do Conselho da Europa."
Permitam-me o parêntesis, aconselhando VV. Ex.ªs a não procurarem na resolução aqui citada nem nas recomendações aqui indicadas qualquer ponto de contacto com a matéria versada nesta lei nem neste diploma. A Resolução n.º 31/77 refere-se à protecção contra os actos da Administração e as Recomendações têm também a ver com direito administrativo, referindo-se a segunda delas a uma aprovação de contas pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa relativo à área da saúde, de que Portugal nem sequer foi participante. Pousaram aqui gralhas de grande porte, que, aliás, não afectam o que é essencial no preceito, ou seja, o adiantamento da indemnização pelo Estado. De resto, nem a nossa proposta de lei escapou a uma gralha, que terei oportunidade de corrigir dentro de alguns minutos.
A sucinta "Exposição de motivos" fala por si e o esquema gizado vai para além da própria lei porque se entende que, muito embora estatisticamente seja uma realidade que a mulher é, designadamente na área dos maus tratos físicos, mais vitimada do que o homem, não encontramos qualquer razão, como não a encontrou o legislador do Código Penal, no artigo 152.º, para distinguir, como vítima do mau trato físico ou psíquico, qualquer um só dos cônjuges. Daí que a proposta de lei se refira indistintamente ao homem e à mulher.
São, pois, protegidos por esta medida cidadãos de ambos os sexos: ou o cônjuge ou quem com ele conviva em condições análogas, para usar a expressão do n.º 2 do artigo 152.º do Código Penal. São abrangidos como actos de violência os maus tratos físicos ou psíquicos e o processo é intencionalmente desjudicializado, de cariz administrativo, que corre perante a comissão para a instrução dos pedidos de indemnização às vítimas de crimes violentos, de que ainda na semana passada tive oportunidade de aqui falar, aquando da discussão de uma outra proposta de lei também relacionada com esta matéria.
É estabelecido um período rápido, sob pena de a medida não ter interesse prático, de um mês para instruir o pedido, o parecer da comissão deverá ser dado em 10 dias e, se se verificarem, cumulativamente, os requisitos exigidos pelo artigo 2.º da proposta de lei, a vítima terá direito ao adiantamento de uma indemnização, que não excederá o salário mínimo nacional, por um período normal de três meses, que poderá ser prorrogado por mais três meses e - agora corrijo o que está no n.º 3 do artigo 7.º -, em situações excepcionais, de especial carência, "por mais seis meses" e não "por mais de seis meses", como, por manifesto lapso, consta do n.º 3 do artigo 7.º.
Por sua vez, o Estado fica sub-rogado no crédito da vítima sobre o autor do dano, como é natural e corrente nestas situações. Se, porventura, puder ser reembolsado, muito bem; se não puder ser, não deixou, no entanto, de cumprir a obrigação de (que é de todos nós), em situações graves como estas, não deixar ao desamparo vítimas de violência no seio da família, violência que, infelizmente, está nas cifras negras da nossa criminalidade. Assim, não podemos deixar de encarar esta realidade e de cuidar dela na medida do possível. Este diploma interfere numa área já de grave patologia das relações conjugais, mas, repito, é uma matéria que carece, urgentemente, de ser regulada, acudindo-se, na medida do possível, a situações de desprotecção que ofendem gravemente os sentimentos humanitários de qualquer cidadão, de qualquer pessoa de bem.
Aliás, a legitimidade para formular o pedido radica não só na vítima mas também nas associações de protecção à vítima e no Ministério Público, sabido que, nesta área, o artigo 152.º constrói um crime semipúblico mas que, em certos casos, permite que o procedimento criminal seja instaurado pelo Ministério Público, porque é frequente

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também que a vítima seja igualmente vitimada pela situação de coacção em que se encontra, de dependência psicológica, de dependência material, e acabe por sofrer duplamente: por não poder reagir e por .não poder tomar as medidas que se impõem nestas circunstâncias.
Em termos gerais e uma vez que o programa dos trabalhos da sessão parlamentar de hoje está ainda em meio e já é fim de tarde, era isto que, por ora, me cabia dizer, ficando à vossa inteira disposição para o esclarecimento de quaisquer questões que, porventura, VV. Ex.ªs queiram suscitar.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, as Sr.ªs Deputadas Helena, Santo e Odete Santos.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Santo.

A Sr.-* Helena Santo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça, efectivamente, como referiu - e eu estou de acordo -, o importante é que esta medida tenha interesse prático e, infelizmente, este Governo tem legislado sobre muitas matérias que depois, na prática, não têm aplicação.
Portanto, quero colocar-lhe a seguinte questão: pese embora o n.º 2 do artigo 6.º da proposta de lei dizer que "A instrução deve estar concluída no prazo de um mês" e pese embora, depois, o n.º 3 do mesmo artigo dizer que, "Concluída a instrução, a Comissão emite parecer, no prazo de 10 dias (...)", quanto à concessão do adiantamento da indemnização não está previsto qualquer prazo. Ora, na nossa opinião, faria todo o sentido que também para o pagamento fosse previsto um prazo, sob pena de esta medida não ter efeito prático, visto, infelizmente, sabermos o que tanta vez sucede quando é o Estado a entidade devedora, e devedora, aqui, no sentido de adiantar a indemnização.
Era esta, Sr. Secretário de Estado, a questão que queria colocar.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Secretário de Estado, deseja responder imediatamente?

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - Posso responder, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Então, tem a palavra.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Santo, de facto, não se marca prazo ao Ministro da Justiça para despachar. Posso dizer que nos pareceu inútil e desnecessário transcrever isso na proposta de lei. porque é aparentemente óbvio, pelo menos para mim (e penso que para o comum das pessoas e para quem quer que venha a despachar sobre estas matérias), que, construído no plano da urgência, da necessidade - isto é um procedimento cautelar ou uma figura da família do procedimento cautelar -, a natureza urgente de tudo isto não permitiria, sob pena de uma gravíssima censura política, que o Ministro relegasse para as calendas gregas ou para o fundo do monte de processos que tem para despachar processos deste tipo. Aliás, se serve de explicação, como tive oportunidade de referir aqui a VV. Ex.ªs na semana passada, tenho competência delegada no domínio da prática do pagamento da indemnização às vítimas de crimes violentos e esses são os processos que despacho prioritariamente, justamente porque já é urgente, nessa área, a atribuição da indemnização.
De qualquer modo, o Governo não vê inconveniente, embora não seja usual, em estabelecer um prazo. No entanto, ele não seria mais do que um prazo ordenador e quantos mais prazos se estabelecem mais prazos se violam, como a prática mostra. Interessante pareceu-nos amarrar a comissão à instrução rápida do pedido, amarrar a comissão à emissão rápida do parecer.
Penso que, posto isso, não haverá qualquer dificuldade em que um membro do Governo dê prioridade a este tipo de despacho, que poderá ser, as mais das vezes, um despacho tabelar, atendendo até à própria qualidade dos membros que constituem esta comissão. Mas, em sede de especialidade, não é herético para nós que se estabeleça um prazo, que, repito, não será mais do que um prazo ordenador.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, gostava de colocar duas questões.
Primeira: não restringindo o artigo 14.º, mas também não impedindo o que o Governo vem fazer, que o adiantamento de indemnizações seja só para as vítimas da violência conjugal e conhecendo-se como se conhece a extraordinária gravidade e as consequências dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, bem como o peso já um tanto representativo, segundo o inquérito à vitimação do Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério da Justiça, e a alta representação das mulheres como vítimas que são nesses crimes, ou seja, 84%, pergunto por que é que o Governo restringiu este adiantamento apenas às vítimas da violência conjugal. Isto porque se justificaria que também fossem incentivadas as vítimas de crimes como o tráfico de mulheres para a prostituição, por exemplo, que coloca as mulheres numa dependência económica e numa escravatura tremenda, porque elas, sob ameaça e por causa da dependência, não denunciam muitos desses crimes. Por que é que não alargou o adiantamento a esses casos gravíssimos de que são "vítimas as mulheres?
Segunda: devo dizer que discordo que o Governo tenha apresentado aqui uma proposta de lei que se aplica também às vítimas do sexo masculino. Vou explicar o porquê desta minha discordância e gostava que V. Ex.ª justificasse melhor a sua afirmação de que "não via razão". É que se consultarmos, por exemplo, a Plataforma de Acção de Beijing, verificamos que (ela salienta-o) na base das discriminações da mulher, está, em grande parte dos casos, a violência, o que não acontece em relação ao homem.
Assim, o que lhe pergunto é se não seria preferível que se respeitasse, de facto, a lei e que, por uma questão de transformação das mentalidade, por questões culturais, fossem as mulheres as únicas beneficiadas desta previsão do adiantamento. Isto porque, caso as vítimas fossem os homens, eles tinham a defendê-los o Código de Processo Penal, que também prevê modalidades destas. É que a questão da neutralidade do género é, de facto, uma grande discussão, mas quando se trata...

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Risos do Ministro dos Assuntos Parlamentares.

Como o Sr. Ministro está a achar muita graça, talvez possa explicar por que é que se riu. Eu remeto-o para a tese da Professora Teresa Beleza, que trata destes assuntos. E, se calhar, quando falei em neutralidade do género pensou noutras coisas que não nas questões sérias que estou a levantar. Mas eu já fiz as perguntas e o Sr. Secretário de Estado poderá responder, à parte as graçolas, que neste caso não entram.

Vozes do PCP: - Muito bem! Protestos do Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Desculpem, mas o Sr. Ministro é que chamou a resposta que dei, porque não se compreende que uma pessoa esteja a falar de questões com seriedade e o Sr. Ministro solte uma gargalhada, em ar de graçola.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - A Sr.ª Deputada sabe por que razão me ri?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não sei, não.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr.ª Deputada, eu dei a palavra ao Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

Faça favor, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, é sempre com muito prazer que respondo aos esclarecimentos que me solicita.

Quanto à primeira questão - e já hoje, noutro contexto, se pôs aqui o problema -é bem verdade que o "óptimo" é inimigo do "bom". O próprio diploma de protecção às vítimas de crimes violentos, de que falámos na semana passada, abrange apenas as vítimas da violência no sentido naturalístico das ofensas corporais, que causem, pelo menos, 30 dias de doença. Ora, nós gostaríamos que outras formas de violência, designadamente a violência sexual, estivessem já abrangidas nessa área. Lá iremos!... Estou convencido que sim, que o caminho inexorável a seguir é esse.
Quanto à violência admitida nesta proposta de lei do Governo, deu-se mais um passo em frente, uma vez que o artigo 152.º do Código Penal fala em maus tratos físicos mas fala também em maus tratos psíquicos. E quanto aos maus tratos psíquicos, embora possa dizer-me que dificilmente se poderá fazer a prova desse tipo de criminalidade, que é mais frequente do que se supõe mas que se passa em locais de tanta intimidade que são crimes que ficam impunes, estou convencido de que o homem carece de tanta protecção como a mulher ou poderá carecer, percentualmente, de uma protecção maior do que a mulher.
Mas, quanto à violência admitida na proposta de lei, fizemos o que a lei manda que fizéssemos para já não com base na resolução aqui citada - que, repito, nada tem a ver com isto - mas, sim, com base naquilo que, suponho eu, o legislador de 1991 devia ter querido invocar e que é a Resolução n.º 27/77, do Comité de Ministros do Conselho da Europa, já que essa, sim, fala neste tipo de violência, previsto pelo artigo 152.º do Código Penal. E assim respondo à sua primeira pergunta.
Quanto à segunda pergunta, ou seja, ao carácter indistinto das vítimas a proteger... Meu Deus!, na realidade, a estatística demonstra, e é óbvio, que na área dos maus tratos físicos é a mulher a maior vítima, mas nós remetemos para os maus tratos de modalidade mais sofisticada - e prevêmo-la também -, a dos maus tratos psíquicos. E, Sr.ª Deputada, não vemos por que é que o legislador não deva, neste caso, também estender a sua protecção a minorias, que neste caso será o homem, muito embora eu termine, dado que já estou a ultrapassar o tempo de que dispunha, dizendo-lhe que gostaria que este fosse um debate que não tivesse tido necessidade de ocorrer. E, desculpe-me mas, como a minha geração me admite estes termos porque, de facto, sou um homem já muito idoso,...

A Sr.8 Odete Santos (PCP): - Não apoiado!

O Orador: - ... permito-me terminar o debate invocando o belo verso de Louis Aragon quando escreveu que "La femme est l'avenir de l,homme."

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Correia de Jesus.

O Sr. Correia de Jesus (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ª e Srs. Deputados: Na reunião plenária de 4.ª feira passada, discutimos a proposta de lei n.º 256/VII, que tinha precisamente em vista eliminar a restrição que se continha no n.º 2 do artigo 3º do Decreto-lei n.º 423/91, de 30 de Outubro, e que consistia em negar o direito à indemnização quando a vítima de crime violento fosse um membro do agregado familiar do autor do crime ou pessoa que com ele coabitasse em condições análogas. E a principal razão apresentada pelo Governo para propor a revogação daquele preceito foi a de preparar o caminho para uma efectiva aplicação da Lei n.º 61/91, de 13 de Agosto, que concede uma protecção especial às mulheres vítimas de violência.
O que o Governo pretende agora, com a proposta de lei em discussão, é precisamente proceder à regulamentação do adiantamento, pelo Estado, da indemnização devida às mulheres vítimas de crimes de violência, prevista no artigo 14.º da referida Lei n.º 61/91, de 13 de Agosto.
E certo que o faz sob o impulso da nossa Resolução n.º 31/99, aqui votada no passado dia 14 de Abril. Reconhecemos, porém, que o Governo, na esteira das alterações introduzidas no Código Penal pela Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro, a nosso ver, mais conforme com os princípios constitucionais em matéria de direitos, liberdades e garantias, ultrapassa a visão restritiva que se continha, quer na Lei n.º 61/91, quer na Resolução n.º 31/99 da Assembleia da República, que, como sabemos, se referem apenas às mulheres vítimas de violência, estendendo a protecção ao universo mais amplo das vítimas de violência conjugal.
Só é pena que o Governo não tenha assumido plenamente a opção que faz no domínio dos princípios, sentindo-se na obrigação, a meu ver preconceituosa, de, no artigo 1.º da proposta, ao identificar os beneficiários do di-

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reito ao adiantamento da indemnização, continuar a referir, com especial ênfase, nomeadamente - como se diz na proposta de lei - as vítimas que se encontrem nas situações previstas no artigo 14.º da Lei n.º 61/91, ou seja, as mulheres. Trata-se, em meu entender, de um entorse aos princípios, além de que praticamente irrelevante e algo discutível do ponto de vista jurídico.
Quanto às soluções legislativas contidas na proposta, parecem-nos, de uma maneira geral, adequadas. Sem entrar na especialidade, penso, no entanto, que, no caso de uma sociedade multinacional como a nossa e tendo em conta uma cada vez maior mobilidade das pessoas, o requisito de que, em relação aos crimes praticados no estrangeiro, a vítima tenha de ter nacionalidade portuguesa, possa acabar por negar o direito a vítimas que, à luz de critérios materiais, não devessem ser dele privadas.
No que respeita à legitimidade para requerer o adiantamento da indemnização, parece-me discutível que tal legitimidade seja reconhecida às associações de protecção à vítima e não o seja também a parentes próximos da vítima, por exemplo, os filhos maiores ou os pais da vítima, nomeadamente quando não seja fisicamente possível à vítima exercer o seu direito ou, eventualmente, não haja associação a que recorrer.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Compreendo as razões que levam o Governo a exigir que o requerimento seja acompanhado de cópia da queixa apresentada ou do auto de notícia. Porém, tenho dúvidas de que esta exigência não venha a funcionar, na prática, como um contra-motivo ou até mesmo um obstáculo ao exercício do direito, além de me parecer contrária ao apaziguamento, ao arrependimento e ao perdão, que são, a meu ver, sentimentos e atitudes a preservar no seio das famílias e também no quadro das relações conjugais ou equiparadas.
Também convinha aclarar, Sr. Secretário de Estado, o que é que se entende por pressupostos da indemnização, no contexto do artigo 7.º da proposta. Serão os pressupostos da responsabilidade civil ou será outro o alcance da expressão utilizada pelo Governo?
Atendendo à morosidade com que funcionam os nossos tribunais, os períodos de três meses e, eventualmente, seis, estabelecidos como limite temporal máximo para a concessão do adiantamento podem, na prática, revelar-se insuficientes.
A obrigação de reembolso também poderá, nalguns casos, significar a entrega ao Estado da totalidade da indemnização arbitrada pelo tribunal. Em tais situações, a obrigação de reembolso colocaria a vítima num estado de especial carência igual àquele que determinou a concessão do adiantamento. É questão que, a meu ver, deve ser objecto de reflexão em sede de especialidade.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Ao recolher alguns elementos para a preparação destas notas, tive oportunidade de analisar os antecedentes da presente proposta de lei. Para além de uma visão feminista da violência doméstica, pude verificar que as' medidas que têm sido propostas ao longo dos anos se colocam todas a jusante do problema da violência física. Pouco encontrei de preocupação ou reflexão sobre as suas causas, e quase nada sobre as não menos graves formas de violência psicológica. Por mim, acho que não haverá
combate eficaz à violência em geral, enquanto não forem detectadas as suas causas profundas - a que a meu ver não são estranhos factores de natureza axiológica - e encontrados os meios para as combater eficazmente a todos os níveis.
Trata-se de um domínio em que convergem factores de ordem cultural, civilizacional, moral e até religiosa. Existe violência no desporto. Existe agressividade no trânsito, nas relações de trabalho e mesmo na política. Os Governos e os Estados também não se entendem sobre o modo pacífico de regular os conflitos. Ontem, ao passar uma vista de olhos sobre os cerca de 50 canais de televisão 'acessíveis, tive uma enorme dificuldade em encontrar um canal onde não me confrontasse com cenas de violência, algumas reais, mas a maior parte delas virtuais, para entretenimento dos telespectadores. É neste ambiente de agressividade e de violência que se desenvolvem as relações familiares em geral e, obviamente, as relações conjugais.
Penso tratar-se de um panorama que deveria preocupar-nos a todos, em especial àqueles que, como nós, têm particulares responsabilidades no domínio da feitura das leis ou da governação, como é o caso de VV. Ex.ªs, Srs. Membros do Governo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Jovita Ladeira.

A Sr.ª Jovita Ladeira (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O século XX foi testemunha do desenvolvimento e aprofundamento do conceito dos direitos humanos, a sublinhar os direitos a verse livre do medo e da necessidade de liberdade de palavra e de pensamento. Esses direitos humanos foram reconhecidos no plano nacional e internacional e ficaram garantidos nas leis e constituições nacionais e em acordos e instrumentos internacionais.
No entanto, a realidade é bem diferente. Constata-se que as mulheres sofrem graves privações no que concerne aos direitos humanos fundamentais. Não só se lhes nega a igualdade, mas também se lhes nega com alguma frequência a liberdade, a dignidade, sofrendo violações directas na sua autonomia física e espiritual.
Numa "viagem" pelo drama da violência contra as mulheres, os dados só podem, no mínimo, envergonhar-nos. "Nós", que teoricamente defendemos uma sociedade mais justa, mais igualitária, mais solidária, mais tolerante e fraterna.
A violência contra as mulheres, seja violência na sociedade ou na família, de carácter físico, psicológico ou sexual, é um atentado e violação dos direitos humanos. Tudo nos interpela a um esforço de renovação de ideias e à reorganização de uma sociedade com valores, assentes na dignificação da pessoa humana, com respeito pela sua identidade e na salvaguarda dos seus direitos de ser, estar e de participar. É, afinal, uma exigência da própria democracia é uma questão de justiça social.

Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Permita-se-me sublinhar que a vitimização das mulheres não pode desligar-se de um quadro mais global, que é o do estatuto social da mulher. Uma situação económica desvantajosa, a precariedade do trabalho, o desemprego, como mostram as estatísticas, o trabalho empobrecido e a

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desigualdade no acesso a saídas profissionais constituem um quadro propício à criação de dependência. A consagração dos papéis tradicionais dos sexos na família favorecem a violência e o facto de as mulheres não estarem representadas na justa proporção nas instituições políticas faz com que, ao nível das decisões tomadas, não se tenha suficientemente em conta toda esta problemática.
Tendo em conta esta interdependência, uma modificação fundamental não terá êxito senão no seguimento de medidas de harmonização e concertação de vários sectores da sociedade.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Vários estudos apontam o espaço da casa/família como aquele onde as mulheres dizem ter sido mais vítimas de actos de violência. Contudo, sabe-se que não se trata de um fenómeno novo, sendo apenas nova a sua visibilidade como fenómeno, bem como novas são as valorizações de alguns actos que no passado eram tidos como fazendo parte do relacionamento dito "normal" entre homem e mulher e hoje, felizmente, são considerados como formas de violência. Gerou-se em tomo da violência familiar um muro de silêncio que só recentemente está a ser quebrado, a que não são, seguramente, alheias as conquistas feitas pelas mulheres ao nível da redefinição do seu papel e da sua nova integração social, passando a tomar maior consciência dos seus direitos e a exigi-los como exercício de cidadania.
É da mais elementar justiça uma saudação e uma palavra de apreço às organizações governamentais e não-govemamentais que têm desenvolvido actividades relevantes no atinente à discussão desta temática e ao apoio de mulheres vítimas de violência.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Em estudo recente, de 1995, efectuado pela Universidade Nova de Lisboa e encomendado pela Comissão para a Igualdade dos Direitos das Mulheres, é traçado um quadro da situação da violência contra as mulheres algo preocupante. Este quadro assentou nas seguintes conclusões: as situações mais frequentes de violência correspondem a casos em que os autores são homens; quando as acções se fazem no espaço familiar, são sobretudo os maridos ou companheiros que as praticam; o espaço onde a violência física contra as mulheres é mais frequente é o da casa/família; é notória a falta de reacção das mulheres aos actos de que são vítimas, ou o remeterem-se a simples reacções passivas; são muito pouco frequentes os casos de reacção violenta e de reacções jurídico-penais. Acresce a estas conclusões o facto de mais de 50% das mulheres dizem ter sido alvo de, pelo menos, um acto de violência ou discriminação.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: No relatório apresentado pelo Ministério da Administração Interna no passado dia 8 de Março ressalta um número arrasador que a todos e a todas certamente atormenta: 2889 casos de violência doméstica teriam sido registados na GNR e PSP em, apenas, 4 meses - de Outubro de 1998 a Janeiro de 1999. O número fala por si e é, certamente, a ponta do iceberg. Neste universo, a percentagem de mulheres vítimas de violência é de 81%, sendo a dos homens de 19%. Este último número tornou-se perceptível a partir do momento em que os preconceitos sobre esta matéria se vão diluindo.
Ao apresentar a proposta de lei ora em discussão, o Governo instala mais uma pedra, de valor inquestionável, na edificação do sistema penal português como um sistema culturalmente adequado à realidade portuguesa. Este diploma procede à regulamentação do artigo 14.º da Lei n.º 61/91, de 13 de Agosto, garantindo às mulheres vítimas de violência doméstica o adiantamento por parte do Estado da indemnização devida pelo agressor.
Ainda que sejam os cidadãos do sexo feminino quem mais frequentemente são vítimas de maus tratos e de violência doméstica, optou-se, e muito bem, por um alargamento deste regime a todas as vítimas de violência conjugal, espelhando-se bem a matriz humanista e social que questões desta natureza merecem. O "edifício" dos direitos do Homem deverá estar fundado sobre a dignidade e os valores igualitários de todos os seres humanos.
Em termos de relevância, importa também salientar a previsão de que o Estado antecipe o pagamento devido à vítima, logo a partir da instauração do processo criminal. Esta antecipação revela-se de primordial importância, na medida em que visa conceder à vítima, que na maioria dos casos é a mulher, um apoio económico que contribua para que esta possa sair da situação de dependência relativamente ao agressor.
Por outro lado, a circunstância de ser pressuposto da concessão da indemnização a instauração de um processo criminal constitui um incentivo para que as situações de violência conjugal sejam efectivamente denunciadas, o que, infelizmente, não acontece na maioria dos casos, devido à relação próxima existente entre a vítima e o agressor.
Vale a pena destacar que este diploma articula-se com uma nova redacção do n.º 2 do artigo 152.º do Código Penal, no qual, perante o crime de maus tratos ao cônjuge, se permite ao Ministério Público instaurar o respectivo procedimento criminal, desde que não haja oposição do ofendido.
Certamente, estes são exemplos do adequado caminho a seguir, embora saibamos quanto ele é longo e espinhoso.
Uma concepção aberta de família, que permita que cada um dos seus membros seja responsabilizado perante os outros pela violação de deveres de relação que regem os valores correspondentes aos direitos humanos fundamentais, é o caminho a percorrer. A defesa da família comporta a protecção de todos os seus membros, homens, mulheres, crianças e idosos, contra toda a forma de violência. Cumpre, por isso, tomar efectivas as medidas que permitam reafirmar a família como espaço de dignificação da pessoa e negar, um dia, a verdade da afirmação segundo a qual "a casa é um dos lugares mais perigosos das sociedades modernas".
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Permita-se-me nesta Câmara, como mulher, como mãe e como educadora, congratular-me com o facto de, quer o Governo, quer a oposição, estarem de forma decidida a levantar o véu e o anel silenciador que durante anos caracterizou as relações familiares em Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: A proposta de lei é um passo positivo na regulamentação de uma lei que é já de

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1991 e que não tinha tido, até à data, regulamentação nesta matéria. É claro que há alguns preceitos que não precisam de regulamentação, mas é bom que se clarifique se isto é mais para o exterior, porque hoje as notícias veiculavam, por errada informação, com certeza, que estávamos a tratar de problemas como as medidas de coacção e o afastamento do agressor da casa, quando não é nada disto que estamos a tratar.
Consideramos, como dizia, que esta proposta de lei é um passo positivo para a regulamentação da lei. No entanto, lamento, e, em jeito de pedido de esclarecimento, já o tinha dito, que, efectivamente, não se tenha ido mais além e não se preveja o adiantamento para crimes que são muito graves, como são os crimes contra a liberdade e contra a autodeterminação sexual. Tive ocasião de passar uma vista de olhos pelo inquérito à vitimação relativo a 1994 e, efectivamente, verifica-se - e gostava de salientar esse facto - que, antes da criminalidade, há dois problemas que as mulheres portuguesas consideram muito mais graves: a droga e o desemprego. A criminalidade vem em terceiro lugar, de acordo com o inquérito feito pelo Ministério da Justiça. De qualquer forma, lamento que não se tenha ido mais além, porque penso que há situações bem mais graves do que as situações de violência conjugal e, abrindo um parêntesis, gostaria que ficasse escrito que, quando se fala de violência conjugal, não se pode dizer que ela aumentou em relação a outros anos, porque não há dados comparativos. Antigamente, não se falava em violência conjugal e, portanto, o que podemos dizer é que, hoje, ela é mais visível. Por outro lado, não vamos também fazer aqui um empolamento de situações para limites de que não temos provas.
A outra questão que quero referir, em relação à qual vou repetir e realçar o que já disse há pouco no pedido de esclarecimento que fiz ao Sr. Secretário de Estado, é que a previsão de que esta proposta também se aplique às vítimas do sexo masculino acaba por empobrecê-la. Esta é a minha opinião, mas admito que haja outras diferentes. Esta previsão empobrece, de facto, a proposta. No preâmbulo da proposta, o Governo reconhece que, de facto, são as mulheres as principais vítimas da violência conjugal e que, portanto, ao fim e ao cabo, a proposta de lei se lhes dirige. Ora, em matéria de direito penal, de facto, há doutrina que considera que não é nesta sede que se deve fazer a distinção entre os géneros e dirigir artigos especificamente para o sexo feminino e outros para o sexo masculino.
Por fim, parece-me muito importante ler os pontos fundamentais da Plataforma de Acção da Conferência de Beijing. Este documento considera que a violência está na base da discriminação da mulher, da subordinação da mulher e de muitas discriminações de que ela é vítima. Assim, porque esta questão da violência é também uma questão de mentalidades, já que mesmo nas classes mais desfavorecidas se assimilam alguns valores de discriminação da mulher, valores esses que vêm de outras classes, penso que teria muita importância, em termos de alteração dos padrões culturais, que as pessoas soubessem que havia uma lei que previa de uma forma especial o adiantamento de indemnizações às mulheres vítimas de crimes. Considero, portanto, que era uma acção positiva destinada a contribuir para a mudança de mentalidades.
De qualquer forma, gostaria de corroborar que as resoluções não são aquelas que lá estão. No relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias está um elencar de recomendações e resoluções do Conselho da Europa, uma convenção e estão também excertos da tal Conferência de Pequim.
De maneira que terminaria, salientando que, efectivamente, é um passo positivo o que se faz, mas, para mim, não é suficiente. Aliás, penso que os limites alargados em relação ao sexo não vêm favorecer os objectivos que se quiseram prosseguir com a Lei n.º 61/91.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Não havendo mais Oradores, considero encerrado o debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 271/VII.
Vamos passar à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 223/VII - Altera a Lei n.º 10/97, de 12 de Maio, que reforça os direitos das associações de mulheres.
Para apresentar a proposta de lei, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.

O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A Lei n.º 10/97, de 12 de Maio, veio reforçar os direitos das associações de mulheres, atribuindo às associações com representatividade genérica o direito a estarem representadas no Conselho Económico e Social, bem como o direito a tempo de antena na rádio e na televisão.
Contudo, o conceito de representatividade genérica assenta em critérios puramente quantitativos, tal como resulta da Lei n.º 95/88, de 7 de Agosto, nos termos da qual têm representatividade genérica as associações de mulheres de âmbito nacional, as quais, por sua vez, têm de possuir um número mínimo de 1000 associados.
Este critério, retomado pela Lei n.º 10/97, revela-se inadequado no confronto com a realidade, visto que existem associações com menos de 1000 associados que desempenham um papel importantíssimo na sociedade aos mais variados níveis: apoio a mulheres carenciadas, vítimas de violência doméstica; elaboração e execução de projectos no âmbito da igualdade de oportunidades e da participação das mulheres na vida social profissional, política e cultural, entre outros.
O Governo verificou que existem muitas associações de mulheres que devem beneficiar dos direitos garantidos pela Lei n.º 10/97 e que, devido ao critério adoptado por este diploma, não são abrangidas pelos mesmos.
A presente proposta de lei concede o estatuto de parceiro social e representação no Conselho Económico e Social também às associações de mulheres que estejam representadas no Conselho Consultivo da Comissão para a Igualdade e os Direitos das Mulheres (CIDM) colectivamente consideradas, bem como, nos mesmos termos, tempo de antena na rádio e na televisão para essas mesmas associações de mulheres. Substitui-se, assim, o critério quantitativo por um critério qualitativo mais consentâneo com a realidade.
O Governo visa, deste modo. colmatar uma situação de grave injustiça que resultava da aplicação de um critério meramente quantitativo e desfasado da realidade, tendo sido sensível aos apelos das associações de mulheres e ao seu contributo para a melhoria das condições de vida das mulheres em Portugal.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Santo.

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A Sr.ª Helena Santo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, a proposta de lei em análise, tal com referiu o Sr. Secretário de Estado, pretende alargar as prerrogativas. até agora concedidas às associações de mulheres com representatividade genérica, a todas as outras associações igualmente de mulheres, desde que representadas no conselho consultivo da CIDM colectivamente consideradas.
A questão que gostaria de colocar ao Sr. Secretário de Estado - e remeto para V. Ex.ª, uma vez que o Governo é o autor da proposta de lei -, é a de saber como, efectivamente, se vai considerar este "colectivamente consideradas". Sendo uma questão que se me suscitou quando apreciei a proposta de lei e entendendo que as leis devem ser o mais claras possível, não deixando grandes dificuldades ao seu intérprete, gostaria de saber qual o entendimento da expressão "colectivamente consideradas". sob pena de estas dúvidas que me suscitaram poderem também ser levantadas, posteriormente, na aplicação da lei.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.

O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Santo, "colectivamente consideradas" significa que todas as organizações não-govemamentais que têm assento no conselho consultivo da CIDM podem escolher, de entre elas, uma que as representará. Nós consultámos essas organizações e elas comunicaram-nos que isto é possível, uma vez que já se tem feito assim noutras ocasiões e noutros contextos. Ou seja, atendendo a que têm já um hábito de trabalho em comum no âmbito do conselho consultivo da CIDM, é possível, havendo a representação no Conselho Económico e Social, designar, entre elas, alguém que as represente colectivamente.
Portanto, é essa a intenção que está subjacente nesta proposta de lei.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos, dispondo, para o efeito, de três minutos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, embora tenha entendido a proposta de lei, mas, para que tudo fique claro, e se bem entendi, pelo menos, pela colocação das vírgulas, poderá ser esta a interpretação: as associações com representatividade genérica têm uma representação e as outras, colectivamente, têm outra?
Em relação ao tempo de antena, ele é dividido entre as associações com representatividade genérica e as outras? Por exemplo, havendo três ou quatro com representatividade genérica e valendo as outras por uma, o tempo de antena será dividido entre essas quatro, em termos da sua representatividade, porque as associações profissionais se organizam dessa forma para repartir o tempo de antena? Eu gostava que isto ficasse clarificado.
E já agora, se me permite, havendo, actualmente, no Conselho Económico e Social, apenas um representante das associações da área de igualdade de oportunidades de homens e mulheres, será preciso alterar a constituição do Conselho?

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, dispondo de três minutos, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.

O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, a interpretação que faço, lendo o artigo 3º da Lei n.º 10/97, é que as associações com representatividade genérica têm direito a tempo de antena nos mesmos termos que as associações profissionais - e teremos de ver em que termos é que elas têm esse direito de antena.
No entanto, a intenção do Governo é a de que as organizações não governamentais de mulheres representadas no Conselho Consultivo da CIDM valham por uma associação com representatividade genérica, e terão tempo de antena nos mesmos termos das organizações profissionais, sendo que elas, depois, escolherão entre si - e penso que não haverá dificuldade em fazê-lo, porque estão, segundo me informaram, habituadas a fazê-lo em vários outros contextos - quem as representará e quem falará por todas ao nível dos tempos de antena.
Quanto à questão da composição do Conselho Económico e Social, sobre esta possibilidade de representação, que é conferida às associações com representatividade genérica, e que resulta directamente da lei que lhes confere esse direito, suponho que não é necessário alterar a composição do Conselho.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Aí é que tenho dúvidas!

O Orador: - Mas confesso que é um assunto sobre o qual não reflecti. Portanto, poderemos pensar sobre ele.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria de Lourdes Lara.

A Sr.ª Maria de Lourdes Lara (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr." e Srs. Deputados: No actual contexto legal português podemos afirmar que, em Portugal, não existem discriminações baseadas no sexo.
Afirma-se igualmente na Constituição (artigo 58.º) que ao Estado compete promover a igualdade de oportunidades para que não seja vedado ou limitado, em função do sexo, o acesso a quaisquer cargos, trabalho ou categorias profissionais. Transpuseram-se os princípios constitucionais também para a área do trabalho (Decreto-Lei n.º 426/88, de 18 de Novembro), garantindo às mulheres a igualdade com os homens em oportunidades e tratamento no trabalho e emprego. Exorcizou-se a discriminação das mulheres através da consolidação do princípio da igualdade de oportunidades no nosso ordenamento jurídico.
No entanto, no quotidiano de cada mulher, a discriminação vai irrompendo. Discriminação com raízes sociais e culturais profundas, que só será apagada através da uma mudança de mentalidades. É exactamente neste campo que o movimento associativo pode e tem naturalmente um papel importante.
Os direitos de actuação e participação das associações de mulheres foram estabelecidos pela Lei n.º 95/88, de 17 de Agosto. Posteriormente a Lei n.º 10/97, de 12 de Maio, veio reforçar esses direitos reconhecendo às associações de mulheres o estatuto de parceiro social.
Agora, a proposta de lei n.º 223/VII vem propor o alargamento às associações de mulheres representadas no

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Conselho Consultivo da Comissão para a Igualdade dos Direitos das Mulheres (CIDM) dos mesmos direitos de participação e intervenção concedidos na Lei n.º 10/97, de 12 de Maio, às associações de mulheres com representatividade genérica.
Assim, a proposta de lei em apreço reconhece que existem organizações de mulheres que, apesar de não possuírem representatividade genérica, desempenham um papel extremamente importante no apoio a mulheres carenciadas e na execução de projectos relacionados com a igualdade e com a participação das mulheres na vida social, profissional, cultural e política.
Neste sentido, reconhece-se às associações de mulheres representadas no Conselho Consultivo da Comissão para a Igualdade dos Direitos das Mulheres o estatuto de parceiro social, nomeadamente a sua representação no Conselho Económico e Social, e consagra-se o direito a tempo de antena na rádio e na televisão, nos mesmos termos das associações profissionais.
No entanto, não poderei deixar de referir que as associações sociais, onde as organizações das mulheres se integram melhor do que nas profissionais, foram contempladas com direito de antena na última revisão constitucional - e estou a fazer referência ao artigo 40.º.
O Conselho Económico e Social funciona como órgão máximo de consulta e concentração no domínio da política económica e social. Cabe ao Conselho Económico e Social a função, para além da concentração social, de consulta e negociação com os mais diversos agentes económicos e sociais relativamente a políticas de reestruturação e de desenvolvimento sócio-económico. A escolha dos membros que integram o Conselho Económico e Social e a sua natureza é feita segundo critérios diversos, nomeadamente representação de interesses e movimentos sociais.
A proposta de lei n.º 223/VII, ao alargar a representatividade no Conselho Económico e Social das associações que integram o Conselho Consultivo da Comissão para a. Igualdade dos Direitos das Mulheres, vem reforçar o papel do associativismo feminino, agora não tanto numa perspectiva quantitativa, pois estas associações não possuem necessariamente representatividade genérica, mas, sim, numa. perspectiva de reconhecimento do papel social que as mesmas desempenham, especialmente no desenvolvimento de projectos e na relevância das suas áreas de actuação.
O reconhecimento do estatuto de parceiro social às organizações de mulheres e os sucessivos reforços de participação destas organizações reflectem o que, desde há alguns anos, se preconiza a nível das diversas instâncias internacionais.
Assim, o princípio de mainstreaming (integração do princípio da igualdade de oportunidades nas diversas políticas) viu-se reconhecido à escala global na IV Conferência da ONU sobre a Mulher, realizada em Pequim, em 1995. Em Fevereiro de 1996, a Comissão adoptou uma comunicação sobre o princípio de mainstreaming, assinalando, assim, o compromisso com a integração da dimensão da igualdade de oportunidades no conjunto das principais políticas e acções da Comunidade.
Por seu lado, o Tratado de Amesterdão identificou especificamente entre os seus ideais fundamentais a eliminação das desigualdades e a promoção da igualdade entre homens e mulheres em todas as actividades da União Europeia, formalizando, assim, o conceito de integração da igualdade de oportunidades em todas as áreas políticas.
Assistimos, presentemente, a uma mudança de atitude relativamente à promoção da igualdade de oportunidades acompanhada do desenvolvimento de uma perspectiva de género nas políticas e nos programas ao nível dos Estados membros da União Europeia e dos espaços de discussão internacionais.
O reforço da participação das associações das mulheres e, em especial, o seu reconhecimento como parceiros sociais é tão-somente, na sequência do que foi dito, a maneira de lhes conferir voz e influência nos diversos níveis do diálogo social.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Sena Lino.

A Sr.ª Isabel Sena Lino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Proteger as mulheres, contra todas as formas de discriminação, requer do Estado um olhar atento pela actuação das associações de mulheres, para cuja acção deve ser dedicada uma redobrada capacidade de intervenção.
A lei que em 1988 veio estabelecer os direitos de actuação e participação das associações de mulheres, tendo por finalidade a eliminação de todas as formas de discriminação e a promoção da igualdade entre mulheres e homens, foi reforçada, já no decurso desta Legislatura, pela Lei n.º 10/97.
Este reforço, além de reconhecer àquelas associações o estatuto de parceiro social, concedeu-lhes o direito a apoio para o desenvolvimento de actividades com vista à efectiva igualdade de oportunidades. Posteriormente, com a sua regulamentação, pretendeu-se disciplinar o processo de reconhecimento de representatividade genérica, as formas de apoio técnico e financeiro e o registo das Associações Não Governamentais de Mulheres.
A proposta de lei apresentada hoje pelo Governo procede a uma alteração ao texto da Lei n.º 10/97 no sentido de alargar os direitos de participação, intervenção e direito de antena às associações de mulheres representadas no conselho consultivo da Comissão para a Igualdade e os Direitos das Mulheres.
Com efeito, o requisito de representatividade genérica, actualmente previsto na lei, não abrangia um conjunto de organizações não governamentais de mulheres que, apesar de não possuírem representatividade genérica, desempenham um papel extremamente importante no apoio a mulheres carenciadas, na execução de projectos relacionados com a igualdade e com a participação das mulheres na vida social, profissional, cultural e política.
Esta alteração tem um alcance importante, uma vez que a anterior legislação, embora concedesse os direitos acima referidos, fazia-o de acordo com um critério meramente quantitativo relativo ao número de associados, o que, afinal, veio a verificar-se não traduzir por si só a importância real de algumas organizações. Ao aditar-se o critério da natureza, importância e qualidade do trabalho desenvolvido, além de ser mais justo, não deixa de fora qualquer associação de mulheres representadas no conselho consultivo da CIDM.

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A Sr.ª Maria Manuela Augusto (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: São inegáveis os avanços conseguidos na sociedade portuguesa pelo trabalho desenvolvido por estas associações, quer contra a discriminação quer na mudança das mentalidades.
Reconhecendo este contributo, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista sugere, ainda, que a presente lei contemple a possibilidade de estas associações gozarem de benefícios fiscais ao abrigo do Estatuto do Mecenato.
As novas realidades da participação das mulheres em todas as esferas da vida das sociedades contemporâneas têm suscitado transformações sociais significativas. É ao Estado que compete garantir que haja protecção, promoção e salvaguarda da pessoa, independentemente de quem sejam os agentes envolvidos, não sendo passível de qualquer distinção entre cidadania dos homens e das mulheres.
A preocupação na construção de uma sociedade mais igualitária e paritária foi corporizada quer no "Contrato de legislatura" quer no programa eleitoral do XIII Governo Constitucional, pelo que o apoio e o incentivo ao associativismo nesta área são um aspecto essencial da sua política.

A Sr.ª Maria Manuela Augusto (PS): - Bem lembrado!

A Oradora: - No primeiro dos documentos referidos, assinalamos esta passagem esclarecedora da nova mentalidade e nova forma de fazer política: "Uma sociedade democrática tem de revelar uma aspiração constante à igualdade de oportunidades entre todos os cidadãos. Nas relações entre os homens e as mulheres, o exercício da cidadania plena exige, para além de um tratamento de não discriminação jurídica, política e social, que se garanta a aplicação de medidas positivas destinadas a corrigir as limitações de base social e cultural de que as mulheres são ainda alvo no tempo presente".
É ainda observado que as mulheres constituem a maioria dos desempregados, auferem salários mais baixos do que os homens e encontram-se em situação particularmente vulnerável em caso de ruptura familiar ou de encargos com a assistência de familiares.

A Sr.ª Maria Manuela Augusto (PS): - Muito bem!

A Oradora: - A promoção dos direitos da mulher requer, além do mais, iniciativas específicas de promoção e emprego feminino, incluindo a formação profissional, o apoio doméstico, o combate às discriminações salariais e a visibilidade e o reconhecimento dos saberes e das competências específicas adquiridas no espaço familiar.
Um dos princípios fundamentais de orientação política deste Governo é o da solidariedade; este pilar requer um novo equilíbrio que releva da necessidade de uma redefinição relativa dos papéis do homem e da mulher na família e na sociedade.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS); - Muito bem!

A Oradora: - Aos decisores políticos continua a caber o reforço das condições que garantam, promovam e assegurem iguais oportunidades de acesso e de sucesso das mulheres nas várias esferas.
A alteração legal que ora se preconiza reflecte esta preocupação e vem de encontro às justas expectativas das organizações não governamentais de mulheres, representadas no Conselho Consultivo da CIDM.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados, a minha intervenção vai ser muito breve, mas, gostaria de dizer o seguinte: as associações de mulheres têm visto o seu estatuto melhorado - a última alteração foi já uma melhoria - e convém que fique aqui explicitado que ninguém, nem mesmo as associações do Conselho Consultivo, deu conta de que o diploma estava errado e devia ser alterado, tendo insistido várias vezes junto da Assembleia da República para que o aprovassem tal como estava e sem qualquer proposta de alteração.
Estamos de acordo e pensamos que o estatuto das associações de mulheres deve ser melhorado. Julgo, no entanto, que há alguma dose de injustiça, o Sr. Secretário de Estado que me desculpe, quando diz que na representatividade genérica há apenas um critério quantitativo. Não há!
A lei inicial contém um outro critério que não o da quantidade; possivelmente serão associadas demais; outra questão que se podia também resolver, porque nas associações de famílias apenas são precisos 100 associados. Portanto, há outro critério que é o da actuação das associações de mulheres, nos termos do qual tem de se ver se a intervenção é feita a nível nacional. Ou seja, é preciso que o seja a nível nacional a juntar ao número de associadas. Portanto, hão é apenas um mero aspecto quantitativo.
Entendemos que estas propostas devem ser encaradas num sentido positivo. No entanto, penso que em sede de especialidade devem ser apuradas, com algum pormenor, algumas questões sobre as quais tenho dúvidas de interpretação.
Tenho dúvidas se esta redacção afasta o que já está previsto em relação à constituição do Conselho Económico e Social, em que há apenas um representante - e não é só das associações de mulheres mas das associações da área da igualdade de oportunidades. Além disso, quanto estatuto do conselho, a lei diz que o presidente publica anúncios ou convida as entidades a apresentarem candidaturas para depois, de acordo com as candidaturas e de acordo com aquilo que ele entender que é preferível e que tem mais representatividade, escolher um.
O Sr. Secretário de Estado deu uma outra interpretação - que também entendo ser possível - na medida em que no estatuto das associações de famílias se diz que têm direito a indicar um representante e aqui se diz: "têm direito de representação". Penso que é uma interpretação possível, mas, em sede de especialidade, creio que poderemos discutir este ponto e introduzir alterações no sentido de tudo ficar clarificado.
Pensamos que as associações de mulheres, de uma maneira geral, também têm sido injustiçadas - não só essas mas também as outras -, porque, enquanto que as associações de famílias já há muitos anos têm direito à representação no Conselho Económico e Social, as associações

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de mulheres só mais tarde, em 1988, tiveram esse direito - e é de notar que muitas das associações, já durante o fascismo, desempenhavam um papel importante na luta pela libertação e pela emancipação da mulher.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Não havendo mais inscrições, declaro encerrado o debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 223/VII que altera a Lei n.º 10/97, de 12 de Maio, que reforça os direitos das associações de mulheres. A sua votação far-se-á nos termos regimentais.
Passemos ao último ponto da ordem de trabalhos de hoje, que diz respeito ao projecto de lei n.º 643/VII, apresentado pelo PCP, que garante o direito a licença especial nas situações de gravidez de risco.
Para apresentar o projecto de lei, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Já hoje aqui falámos da protecção à maternidade e paternidade e já hoje aqui afirmámos como tímida e lenta tem sido a legislação nesta área.
O projecto de lei que agora apresentamos é de tudo isto, e mais, ainda um excelente e, simultaneamente, inacreditável exemplo.
A denúncia da situação que determinou a entrega da iniciativa legislativa do Partido Comunista Português foi feita, exactamente, no dia 8 de Março, quando as comemorações oficiais que, regra geral, esquecem as discriminações, as violações da lei, as desigualdades, as violências e a ausência de iguais oportunidades, ocorriam como manifestação de que o Governo considera a maternidade e a paternidade "valores sociais eminentes" - tal como o consagra o artigo 1.º da Lei n.º 4/84 - e, por isso, as trabalhadoras grávidas, puérperas e lactantes têm direito a especiais condições de segurança e saúde nos locais de trabalho - tal como o determina o artigo 16.º da mesma lei.
E o que se passa Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, brada aos céus e só visto se acredita: "Elogiar um dia, discriminar nos restantes" - iniciava-se assim a denúncia feita pelo Sindicato dos Professores da Região Centro em 8 de Março de 1999. E, mais adiante, acrescentava a organização sindical: "aquilo que leva o Sindicato dos Professores da Região Centro a promover uma conferência de imprensa no Dia Internacional da Mulher não é a "celebração administrativa" de uma data "politicamente correcta" de ser comemorada. (...) É o grito de angústia de uma organização que há mais de três anos vem travando um combate com o Ministério da Educação sobre uma matéria que discrimina professoras e que, perante a inflexibilidade e a insensibilidade dos governantes, se vê na obrigação de denunciar o problema na esperança de que assim seja resolvido".
De facto, sinuoso é o trajecto das palavras aos actos.
O Partido Socialista - Governo e Grupo Parlamentar - pretenderam convencer o País de que a reserva de quotas por sexos tinha como objectivo o combate à exclusão e à discriminação da mulher e logo foram seguidos por outras estruturas afins. Mas a pretensão de ofuscar o sol com a peneira evidenciou sol de pouca duração.
Afinal, nem o quadro legal vigente - compaginado pela Constituição da República, pelas diversas leis de protecção da maternidade e paternidade e pelos decretos-leis que as regulamentaram - o Governo do Partido Socialista está interessado em cumprir. E por isso, o Ministério da Educação denomina a gravidez de risco de gravidez clínica e considera-a uma situação normal de doença.
O Estatuto da Carreira Docente, no seu artigo 100.º, afirma que "as juntas médicas das direcções regionais de educação são as únicas entidades competentes para avaliar da verificação da situação de risco para o nascituro que, para a doente grávida, constitua fundamento para dispensa dos seus deveres funcionais no respectivo estabelecimento de educação ou de ensino".
Este texto, tão claro e tão simples, permitiu ao Ministério da Educação - através de uma simples circular. subtitulada de "orientação normativa", de 19 de Maio de 1997 - aviltar a lei.
E a circular diz assim: "A norma constante do n.º 2 do artigo 100.º do Estatuto da Carreira Docente é uma mera norma de atribuição de competência às juntas médicas das Direcções Regionais de Educação, pelo que o direito subjectivo à dispensa dos deveres funcionais é remetido para a administração educativa". Partindo desta interpretação, o Ministério da Educação determina, através de uma leitura restritiva do quadro legal, que só poderão beneficiar dos direitos previstos na lei as professoras cujas repercussões sobre a gravidez decorram ou se encontrem associadas "à actividade desenvolvida em virtude da exposição a agentes e processos ou condições de trabalho".
Desta intencional e desrespeitadora leitura dos instrumentos legais, o Ministério da Educação conseguiu, efectivamente, "poupar algum dinheiro", reduzindo praticamente a zero o universo de professoras que poderiam ser, na perspectiva governamental, e são de facto, abrangidas pela lei.
E, assim, de grávidas muito facilmente passaram a doentes e por isso a atestado médico.
E porquê? Porque a grande maioria das situações de gravidez de risco não surgem directamente associadas ao exercício profissional da docência, mas às grandes deslocações a que, diariamente, as docentes se encontram sujeitas, à necessidade de repouso absoluto ou ainda a uma eventual necessidade de intervenção médica de urgência, que dificilmente é viável na maioria das localidades onde, muitas vezes, é quase total ,a ausência de infra-estruturas na área da saúde.
E quando afirmamos que estas violações da lei têm cariz exclusivamente economicista, queremos dizer, por exemplo, que esta circular determina que as docentes grávidas, transformadas em docentes doentes, ficam sujeitas a perda de vencimento em exercício, que significa o desconto de 1/6 do vencimento durante os primeiros 30 dias, ficam sujeitas à perda do tempo de serviço para efeitos de progressão na carreira e de concurso, e, inclusivamente, para a integração nos quadros ou na mudança de escola, se assim o quiserem.
E perder um dia de serviço na carreira docente significa perder um valor na graduação profissional, considerada para efeitos de concurso.
E, assim, o Governo determina a desigualdade e a discriminação. Uma professora que viva uma gravidez de risco é penalizada relativamente a outra professora que não viva esta situação e relativamente a todos os seus colegas do sexo masculino.
A única excepção - e existe, de facto, uma excepção -, prevista na circular ministerial, é que a docente tem o direito, "em caso de risco clínico que imponha internamento" aos 30 dias de "doença", a ver acrescidos outros 30 que se incluem no "período de licença por ma-

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temidade que a mulher grávida pode gozar antes do parto".

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

A Oradora: - E, para que não restem dúvidas, a circular de Maio de 1997 do Ministério da Educação esclarece: "deste modo, as ausências ao serviço motivadas por risco clínico comprovado a que não corresponda internamento, ou que excedam (em caso de internamento) o referido acréscimo de 30 dias de licença por maternidade, só poderão ser justificadas por doença, seguindo o regime das mesmas o disposto no n.º 3 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 497/88, de 30 de Dezembro, que determina o respectivo desconto para antiguidade, quando ultrapassem 30 dias em cada ano".
Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados: Poderia narrar algumas situações ocorridas de Norte a Sul do País com muitas professoras, umas já penalizadas e discriminadas, outras aguardando a penalização e a discriminação. Poderia, inclusivamente, referir os indeferimentos do Ministério da Educação relativamente aos requerimentos formulados pelas professoras nesta situação. Mas todo este quadro é do conhecimento do Governo, do Ministério da Educação.
Durante o ano transacto, a Federação Nacional de Professores colocou diversas vezes esta questão ao Sr. Secretário de Estado da Administração Educativa, no entanto, nada foi resolvido, nada foi feito, e continua a ilegalidade.
Estas são as razões que justificam a iniciativa legislativa que o Partido Comunista Português apresentou e que hoje analisamos. Estamos convictas e convictos de que esta Assembleia não deixará de reparar a gritante injustiça de que são alvo muitas mulheres portuguesas e de que saberá responder ao apelo formulado pelo Sindicato dos Professores da Região Centro. Porque, afinal, "o combate à exclusão e às discriminações, a igualdade de tratamento entre homens e mulheres, fazem-se dia a dia, naquelas que parecem ser as mais pequenas e insignificantes atitudes de cada pessoa, de cada entidade ou instituição, de cada governo".

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Santo.

A Sr.ª Helena Santo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados: Gostaria de começar por dizer que entendo e compreendo esta iniciativa legislativa. Todavia, é nossa convicção de que esta não pode ser a forma utilizada para resolver um problema que é um problema de interpretação da lei.
A licença especial na gravidez de risco, que se encontra regulamentada no artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 194/96, é uma situação excepcional e deve ser interpretada como tal. Para tanto, a lei exige, como naturalmente deve, que a mesma seja decretada com base em relatório clínico que assim o comprove.
A questão que se coloca, em nosso entender, é a seguinte: se o destinatário da protecção legal desta norma se vê impedido de beneficiar de uma lei que o protege, porque a entidade que está obrigada ao seu cumprimento a desrespeita, há que accionar todos os mecanismos legais por forma a que essa entidade a cumpra. Isto é normal e impõe-se em qualquer Estado de direito!
É evidente, e estamos inteiramente de acordo, que o incumprimento é mais grave e censurável quando parte de entidades governativas que deveriam, em primeira instância, dar o exemplo no cumprimento das normas.
Questão diferente é a Assembleia da Republica legislar ou pretender legislar sobre o que já está legislado, criando, assim, uma nova disposição legal por forma a reforçar o cumprimento de uma lei que existe e que, todavia, não é cumprida, pretendendo dessa forma ínvia ultrapassar uma competência que não é sua, mas de quem tem a competência de fazer cumprir as leis quando as mesmas são desrespeitadas.
Ou seja, se o Ministério da Educação não cumpre o imperativo legal a que está vinculado, viola a lei, e, como tal, deve ser julgado e, eventualmente, condenado. Não temos qualquer dúvida em afirmar que essa violação é mais grave do que a de qualquer outra entidade, porque, como já se disse, deveria ser o Estado o primeiro a dar o exemplo.
Mas isso não nos pode dar o direito de tapar um erro com outro erro, como seria o de legislar sobre algo que já está legislado só porque não é cumprido. Quando muito, há a necessidade de aclarar essa norma que, porventura, existe, que levanta dúvidas de interpretação e que não está a ser cumprida.
Criar uma legislação nova, isto é, legislar sobre o que já está legislado, porque a entidade que deveria cumprir a norma e dar o exemplo em primeiro lugar não a cumpre, não é missão da Assembleia da República.
Não posso deixar de juntar a nossa voz à voz do Sr. Bastonário da Ordem dos Advogados e dizer que temos de parar de legislar, quando esta não é a solução necessária, quando não se trata da última solução para resolver o problema, sob pena de a legislação em Portugal crescer cada vez mais, de forma tão abundante que, então sim, as leis tomam-se completamente inaplicáveis e impraticáveis, nomeadamente tendo em conta a falta de recursos que todos conhecemos que existe nos nossos tribunais e em todos os serviços de organismos públicos.
A nossa ideia é, pois, a de compreender e censurar esta atitude do Ministério da Educação, mas isso não significa que tenhamos - só porque o Ministério da Educação não cumpre uma lei - um novo diploma porque, do nosso ponto de vista, essa não é a missão da Assembleia da República.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr.ª Deputada, se é para pedir esclarecimentos à Sr.ª Deputada Helena Santo, tem a palavra.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, tenho dúvidas se é exactamente um pedido de esclarecimento que vou fazer, porque também fiquei com dúvidas se a Sr.ª Deputada Helena Santo acabou de fazer uma intervenção ou de formular um pedido de esclarecimento relativamente à intervenção que eu tinha acabado de fazer.

Sr.ª Deputada Helena Santo, a questão que lhe quero colocar é muito simples. Pareceu-me suficientemente convicta a sua intervenção, no sentido de que a lei existente,

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a Lei n.º 4/84, de 5 de Abril, é suficientemente clara e protectora de uma situação desta natureza e que nada justifica esta iniciativa legislativa por parte do PCP para tomar mais claro ou para, de algum modo, tornar menos lacunar aquilo que na lei já é suficientemente explícito no que ao conteúdo e à substância diz respeito.
Aquilo que lhe peço é muito simples, Sr.ª Deputada: diga-me, por favor, qual é o articulado da Lei n.º 4/84 que responde exactamente a esta situação peculiar das professoras que, em deslocação permanente para as suas escolas, estão efectivamente cobertas por essa mesma legislação e qual é o artigo onde isso é visível.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Santo.

A Sr.ª Helena Santo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, a questão que se coloca aqui, do meu ponto de vista, é que a forma processual utilizada pelo vosso grupo parlamentar não me parece, efectivamente, a correcta, e vou explicar porquê.
Compreendo o problema da Sr.ª Deputada, porque, no fundo, e tanto quanto conheço, a circular resulta do facto de não ter sido entendido que a palavra "tarefa", que a lei prevê no artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 194/96, de 16 de Outubro, inclui também a deslocação para as escolas.
Ora bem, o que está aqui em causa, do meu ponto de vista, é um preciosismo técnico que leva a uma interpretação distorcida de uma lei que, efectivamente, existe. Porque é evidente que, se o relatório clínico que é exigido pela lei disser que o docente não se pode deslocar, do meu ponto de vista é óbvio que a lei, ao referir-se à palavra "tarefa", naturalmente que ela terá também que englobar a deslocação para a escola. Por exemplo, os acidentes de trabalho que ocorrem durante a deslocação do trabalhador estão protegidos.
Portanto, há aqui apenas um preciosismo técnico que, do meu ponto de vista, o Ministério da Educação põe de lado, e isso eu censuro, tal como a Sr.ª Deputada.
Agora, contesto vivamente esta febre de legislar, que, francamente, acho que se instalou, e não pode continuar a instalar-se, portanto, há que accionar todos os mecanismos legais possíveis existentes num Estado de direito para fazer cumprir as leis quando elas existem.
Quando muito, Sr.ª Deputada, admito que possa haver a clarificação de uma questão que parece suscitar dúvidas, mas, do meu ponto de vista, não existe razão para isso. Lamento imenso - e em relação a isso junto, efectivamente, o meu protesto ao protesto da Sr.ª Deputada - que o Ministério da Educação não cumpra e que arranje evasivas para não cumprir um imperativo legal.
Entendo que a Assembleia da República não pode, efectivamente, substituir-se aos órgãos próprios que existem no nosso Estado de direito para fazer cumprir a lei, legislando, porque estamos a criar precedentes e uma prática que, do meu ponto de vista, não nos leva a lado algum: "existe uma norma, a norma não é cumprida, vamos fazer outra norma". Não é isto que, do meu ponto de vista, é correcto e eficaz, e, naturalmente por isso, não me parece que, do ponto de vista processual, a solução utilizada pelo PCP para resolver esta questão seja a correcta. Acho que há, efectivamente, outros mecanismos e, portanto, são eles
que, em primeira instância, têm de ser accionados. Se existe legislação, essa legislação tem de ser cumprida, doa a quem doer, porque, de facto, todos nós estamos vinculados ao cumprimento da lei.
E se há um órgão que não cumpre essa lei, e que, ainda por cima, é uma entidade governativa, o incumprimento é muito mais grave e muito mais censurável. Então, vamos accionar os mecanismos que o obriguem a cumprir, não vamos é legislar para fazer cumprir a lei, porque isso é distorcer completamente a prática e as competências da própria Assembleia da República.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa.

O Sr. Pedro da Vinha Costa (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Somos hoje chamados a apreciar o projecto de lei n.º 643/VII, da iniciativa do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, que visa garantir o direito à licença especial nas situações de gravidez de risco.
O PCP justifica a apresentação do presente projecto de lei com a necessidade de "impedir a deturpação da legislação que protege a maternidade e a paternidade, e que consagra, nomeadamente, (...) a garantia de não desempenho durante a gravidez e em período pós-parto de tarefas clinicamente desaconselhadas às grávidas, sem perda da retribuição global ou de qualquer outro direito (...)".
Na sua exposição de motivos, o PCP explica ter sentido a necessidade de apresentar o presente projecto de lei pelo facto de o Ministério da Educação ter produzido orientação no sentido de serem "tratadas como doença as ausências ao serviço dadas pelas docentes em resultado de uma gravidez de risco não motivada por factores de risco relacionados com a actividade e condições de trabalho".
Para evitar situações destas, propõe o PCP que as docentes e as trabalhadoras da Administração Pública ou que gozem de regime semelhante possam ter direito a uma licença especial no caso de gravidez de risco, seja qual for a causa desse risco e o motivo que impeça o exercício de funções.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Pretende-se, em suma, garantir todos os direitos à trabalhadora grávida em situação de risco.
O desiderato perseguido pelo presente projecto de lei merece-nos o maior respeito e aquiescência. Este respeito, que aqui reafirmo, deve-se ao facto de entendermos que a maternidade deve merecer um papel de enorme relevo na sociedade portuguesa.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Discutimos, aliás, há poucas horas atrás, alterações importantes ao regime de apoios à maternidade e à paternidade, alterações que, como devem estar recordados, mereceram a nossa concordância.
Ora, Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, o Governo, que apresenta propostas tão consensuais, modernizadoras, demonstrativas de uma enorme preocupação e respeito pelo bem-estar das mulheres grávidas, é exactamente o mesmo Governo que parece entender que este respeito e esta preocupação só devem estar presentes quando a entidade pa-

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tronal for privada e que, tratando-se do Estado, já não é assim.
Para nós, PSD, uma mulher é uma mulher, uma gravidez é uma gravidez, seja a sua entidade patronal privada ou pública. Mais: entendemos que numa matéria como esta, não pode o Estado deixar de assumir maiores responsabilidades do que qualquer outra entidade patronal.
E, assim sendo, entendemos que a protecção de que deve gozar a mulher que viva uma situação de gravidez de risco não pode variar consoante o tipo de entidade patronal,...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - ... sempre deve ser dito que, a existirem diferenças, elas, seguramente, se devem traduzir em maiores responsabilidades da parte do Estado e nunca o contrário. Parece que o Governo socialista não pensa assim.

O Sr. Barbosa de Oliveira (PS): - Quem é que disse?!

O Orador: - No fundo, o que o Governo está a tentar fazer é impor às entidades patronais privadas o reconhecimento de direitos que o Governo, enquanto patrão, não quer respeitar. "Faz o que digo, não olhes para o que eu faço", parece ser cada vez mais o lema deste Governo socialista.
Um Governo para quem, em campanha eleitoral, as pessoas não eram números, a solidariedade era um valor supremo, o bem-estar de todos e de cada um dos cidadãos era a preocupação sempre presente.
O mesmo Governo que, uma vez empossado, tem dado mostras evidentes de uma permanente amnésia quanto ao cumprimento dessas promessas e à manutenção dos princípios que jurava prosseguir.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas isso já se sabia. Cada vez mais e de forma cada vez mais clara e evidente.
O que talvez não se soubesse com tanta clareza é que a degradação do Governo já chegou ao ponto de um ministro querer uma coisa, ao mesmo tempo que outro ministro seu colega, na prática, inviabiliza a prossecução desses objectivos.
É claro que isto só pode suceder porque não há coordenação no Governo. Mas isso já sabemos a quem se deve.
E não devemos perturbar o constante descanso do Sr. Primeiro-Ministro, em permanente passeio pelo mundo, esporadicamente, cada vez mais esporadicamente, em trânsito por Portugal.

O Sr. Barbosa de Oliveira (PS): - O que é que isso tem a ver com as mulheres grávidas?!

O Orador: - É por essas e por outras, Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, que, pétala a pétala, a rosa murchou!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos.

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O objectivo fundamental do projecto de lei do PCP que hoje discutimos é o de "impedir a deturpação da legislação que protege a maternidade e a paternidade", no que diz respeito aos direitos garantidos às trabalhadoras grávidas da função pública em situação de risco, neste grupo especificamente às trabalhadoras docentes.
No entender do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, esta iniciativa é positiva, enquanto tentativa de resposta a um problema concreto sentido pelas trabalhadoras docentes, cujas faltas em resultado de uma gravidez de risco não motivadas por factores de risco relacionados com a actividade e condições de trabalho têm vindo a ser consideradas como ausência ao serviço por doença. Deste facto decorrem perdas do ponto de vista profissional que não podem, na nossa opinião, acontecer.
O projecto de lei protege as trabalhadoras grávidas da função pública em situação de risco, para si ou para o nascituro, impeditiva do exercício das funções, de um dos seguintes modos: se o risco puder ser eliminado pela modificação das condições de trabalho, a entidade empregadora pode assegurar-lhe o exercício de funções e/ou local compatíveis; se o risco não puder ser eliminado ou a modificação das condições de trabalho não for possível, a trabalhadora tem direito a licença especial pelo tempo necessário que contará para todos os efeitos como tempo de serviço efectivo.
Esta solução proposta é, no fundo, uma solução análoga à consagrada no artigo 16.º da Lei n.º 4/84, que permite proteger as trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactentes dos riscos profissionais através da modificação das condições e/ou local de trabalho.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PS reconhece que importa, de facto, impedir que, nas situações de gravidez de risco, as grávidas possam ser penalizadas quer em termos remuneratórios quer em termos de progressão na carreira.
De sublinhar que o Governo também consciente da tal situação proeurou já, em colaboração com as estruturas representativas dos trabalhadores, encontrar soluções que estão contempladas num recente despacho do Sr. Secretário de Estado da Administração Educativa, de 4 de Maio de 1999, que, com certeza, os Srs. Deputados conhecem.
O citado despacho vem ao encontro das preocupações do grupo parlamentar proponente do projecto de lei. O despacho prevê que as docentes, face a uma gravidez de risco que resulte de situações de mobilidade profissional, possam ser destacadas para um estabelecimento de educação ou ensino diverso daquele em que estão colocadas, para o exercício de funções equiparáveis.
Em nossa opinião, o mérito da iniciativa do PCP mantém-se e deve ser aproveitado, mas a circunstância específica que lhe deu origem, ou seja, o risco para a grávida resultante da mobilidade profissional, está neste momento, de certa forma, ultrapassado.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Parece-nos pertinente voltar nesta discussão, à proposta de lei n.º 249/VII, que altera a Lei n.º 4/84, já discutida no início desta sessão plenária, muito concretamente, no que diz respeito à alteração que alarga a protecção da trabalhadora grávida em situação de risco clínico.
De acordo com esta proposta de lei, a grávida que, até ao momento, tinha direito ao gozo de 30 dias antes do parto

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em caso de risco clínico que implicasse internamento hospitalar passa a ter direito a uma licença por tempo indeterminado, de acordo com prescrição médica, em caso de risco clínico, independentemente de internamento hospitalar.
Esta referência que fazemos é tanto mais oportuna quanto neste ponto as soluções materiais da proposta e do projecto são coincidentes: abrangem situações de risco clínico quer para a grávida quer para o nascituro, consistindo a protecção num alargamento do período de licença. No entanto, a proposta de lei abrange todas as trabalhadoras, enquanto o projecto de lei se circunscreve ao caso particular das trabalhadoras docentes e das trabalhadoras da Administração Pública. O projecto de lei prevê no fundo, uma possibilidade que a proposta de lei não contempla e que diz respeito à modificação temporária das condições de e/ou local de trabalho, quando dessa forma se puder evitar o risco clínico.
Pelo exposto, parece-nos apropriado que, na especialidade, os dois textos possam ser discutidos em conjunto, de forma a que este aspecto do projecto de lei seja, com vantagem, integrado na revisão da Lei n.º 4/84. Desta forma, seria possível e, no nosso entender, desejável alargar o reforço dos direitos da maternidade, no que diz respeito às situações de gravidez de risco a todas as trabalhadoras, não o circunscrevendo à função pública.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: As propostas que temos em discussão constituem contributos relevantes para o reforço da protecção da maternidade e da paternidade. Este reforço permite reafirmar a maternidade e a paternidade como um valor e uma função social fundamentais, a proteger por todos. De que depende, é bom não esquecê-lo, o futuro que queremos para o nosso país.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr.ªs Deputadas e Srs. Deputados, a lista dos Oradores está esgotada, pelo que declaro concluído o debate, na generalidade, do projecto de lei n.º 643/VII.
Resta-me informar que a próxima sessão plenária se realiza amanhã, a partir das 15 horas, sendo a ordem do dia preenchida pelo debate, requerido pelo PCP, sobre a alteração do conceito estratégico da NATO.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 40 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Carlos Manuel Luís.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.

Partido Social Democrata (PSD):

João Calvão da Silva.
José Luís Campos Vieira de Castro.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Almeida Figueiredo Barbosa Pombeiro.

Partido Comunista Português (PCP):

António Luís Pimenta Dias.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António Alves Cardoso.
António Alves Martinho.
António Manuel Carmo Saleiro.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Santos de Magalhães.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Mário Manuel Videira Lopes.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge Lúcio Arsénio.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Raúl d' Assunção Pimenta Rego.

Partido Social Democrata,(PSD):

João Álvaro Poças Santos.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Manuel Cruz Roseta.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.

Rectificação ao n.º 63, de 25 de Março

Na pág. 2336, l.ª col., 2.º §, linhas 11 e 12, onde se lê "(...) se Portugal abandonasse a Europa era de 55% nos anos 80 e é de 66% nos anos 90." deve ler-se "(...) se Portugal abandonasse a Europa era de 66% nos anos 80 e é de 55% nos anos 90."

Rectificação ao n.º 64, de 26 de Março

No sumário, 2.º cl., 1.º §, a seguir à indicação da votação do projecto de resolução n.º 110/VII, deve incluir-se a votação do projecto de lei n.º 620/VII - Criação da rede pública de casas de apoio a mulheres vítimas de violência (Os Verdes), que foi aprovado na generalidade.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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DIÁRIO Da Assembleia da República

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