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Sábado, 29 de Maio de 1999

I Série - Número 93

VII LEGISLATURA

4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1998-1999)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 28 DE MAIO DE 1999

Presidente: Ex.mo Sr. Pedro José Del Negro Feist

Secretários: Ex. mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos

Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco

João Cerveira Corregedor da Fonseca

Maria Luísa Lourenço Ferreira

S U M Á R I O

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 40 minutos.
A propósito de uma notícia divulgada em diversos órgãos de comunicação social acerca de um documento confidencial enviado pelo Sr. Ministro da Defesa Nacional à Assembleia, interpelaram a Mesa, além do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Costa) - que respondeu também a protestos dos Srs. Deputados Octávio Teixeira (PCP) e Francisco Peixoto (CDS-PP) -, os Srs. Deputados José Magalhães (PS), Luís Marques Guedes (PSD), Francisco Peixoto (CDS-PP), João Amaral (PCP) e Francisco Assis (PS).
Também em interpelação à Mesa, o Sr. Deputado Rui Vieira (PS) criticou uma notícia dada pela RTP acerca do não cumprimento pela Administração da Assembleia da República de legislação no seu exercício de 1997, tendo lamentado que as conclusões do Tribunal de Contas tenham sido divulgados à comunicação social antes de serem entregues na Assembleia.
Procedeu-se ao debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 272/VII - Aprova o regulamento disciplinar da Guarda Nacional Republicana, tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro da Administração Interna (Jorge Coelho), os Srs. Deputados António Filipe (PCP), Francisco Peixoto (CDS-PP), Marques Júnior (PS), Moreira da Silva (PSD)e Jorge Lacão (PS).
A Câmara apreciou igualmente, na generalidade, a proposta de lei n.º 268/VII - Regula o exercício da liberdade sindical e os direitos de negociação colectiva e de participação do pessoal da Polícia de Segurança Pública, sobre a qual se pronunciaram, a diverso título, além do Sr. Ministro da Administração Interna, os Srs. Deputados José Magalhães (PS), Luís Queiró (CDS-PP), Miguel Macedo (PSD), João Amaral (PCP), Jorge Lacão (PS), João Amaral (PCP), Francisco Peixoto (CDS-PP), Isabel Castro (Os Verdes) e Guilherme Silva (PSD).
Por último, foi discutida, também na generalidade, a proposta de lei n.º 245/VII - Autoriza o Governo a legislar sobre o regime de utilização das armas de fogo ou explosivos pelas forças e serviços de segurança. Intervieram no debate, além do Sr. Secretário de Estado da Administração Interna (Luís Parreirão), os Srs. Deputados António Filipe (PCP), Nuno Baltazar Mendes (PS), Moreira da Silva (PSD) e Francisco Peixoto (CDS-PP).
Foi anunciado o resultado da eleição de cinco membros para a Alta Autoridade para a Comunicação Social, tendo sido declarados eleitos os Srs. Artur Guerra Jardim Portela, Sebastião Augusto Bandeira de Lima Rego, José Garibaldi Aguiar Barros Queirós, Amândio Santa Cruz Domingues Basto de Oliveira e Maria de Fátima Gravata Resende Lima.
Foi aprovado um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias autorizando um Deputado do PS a depor em tribunal como testemunha.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 14 horas.

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O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 40 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto de Sousa Martins.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Cardoso.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António Manuel Carmo Saleiro.
António Manuel de Carvalho Ferreira Vitorino.
António Rui Esteves Solheiro.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Armando Jorge Paulino Domingos.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Casimiro Francisco Ramos.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Júlio Meirinhos Santanas.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís António do Rosário Veríssimo.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel António dos Santos.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Eduarda Bento Alves Ferronha.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Maria Manuela de Almeida Costa Augusto.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge Lúcio Arsénio.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.

Partido Social Democrata (PSD):

Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António d'Orey Capucho.
António de Carvalho Martins.
António dos Santos Aguiar Gouveia.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Taveira da Silva.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Carlos Eugénio Pereira de Brito.

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Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Carlos Barreiras Duarte.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria de Lourdes Lara Teixeira.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Pombo Costa.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.
Vasco Manuel Henriques Cunha.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Carlos Brochado de Sousa Pedras.
Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Francisco Amadeu Gonçalves Peixoto.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Pedro José Del Negro Feist.
Rui Manuel Pereira Marques.

Partido Comunista Português (PCP):

Alexandrino Augusto Saldanha.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
António Luís Pimenta Dias.
Bernardino José Torrão Soares.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Joaquim Manuel da Fonseca Matias.
Lino António Marques de Carvalho.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Deputado independente:

José Mário de Lemos Damião.

O Sr. José Magalhães (PS): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, quero interpelar a Mesa no seguinte sentido: toda a Câmara tem conhecimento, e a bancada do Grupo Parlamentar do Partido Socialista também, da divulgação hoje feita, por órgãos da comunicação social, de informações atinentes a documentação classificada e transmitida à Assembleia da República pelo Governo.
Em nome da bancada do Partido Socialista, gostaria de declinar qualquer responsabilidade dos Deputados da nossa bancada na circunstância que terá levado ao acesso de terceiros não autorizados a esses documentos. Fazemo-lo com redobrada indignação, tanto mais que, na passada quarta-feira à noite, a Comissão de Inquérito discutiu riscos desta natureza e assumiu o compromisso, que tínhamos julgado generalizado, de usar da máxima responsabilidade na gestão de documentos classificados, cuja transmissão aos Deputados se faz nos termos da Constituição e da lei e em confidencialidade, como deve ser num Estado de direito democrático.
Em segundo lugar, Sr. Presidente, de todas as coisas que hoje foram ditas e, porventura, das que ainda o vão ser nas próximas horas, há uma que nos choca particularmente: a de que é uma ingenuidade e um absurdo pôr nas mãos de Deputados documentos confidenciais, insinuando-se ou afirmando-se que isso equivale a colocá-los na rua.

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Com os Deputados desta bancada não é nem nunca será assim! Respeitamos a confidencialidade dos documentos classificados, tomamos as medidas de segurança tendentes a protegê-los, não falamos do seu conteúdo, a título algum, publicamente - e, portanto, não o faremos aqui - e consideramos profundamente lamentável que a expressão "estar nas mãos dos Deputados" possa significar para alguém estar devassado, estar na rua, estar ao alcance de terceiros não autorizados, inclusivamente de potências estrangeiras. Connosco isso nunca será assim!
Por último, Sr. Presidente e Srs. Deputados, gostaria de dizer que, além de declinarmos qualquer responsabilidade, tomaremos, na altura própria, as medidas adequadas à gravidade dos factos ocorridos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Inscreveram-se, também para interpelar a Mesa, os Srs. Deputados Luís Marques Guedes, Francisco Peixoto e João Amaral.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputado, de facto, é inacreditável o que hoje vem em alguns órgãos de comunicação social! Este episódio, por mais que o PS ou membros do Governo pretendam dizer o contrário, é da exclusiva e inteira responsabilidade do Governo…

Protestos do PS.

… e nunca do órgão de soberania Assembleia da República.
É também de um descaramento impensável alguém, nesta Casa, levantar-se para tentar imputar a Deputados desta Câmara ou à Assembleia da República responsabilidades por uma atitude completamente inacreditável e irresponsável que, repito, é da inteira responsabilidade do Governo,…

O Sr. José Magalhães (PS): - Isso é uma vergonha!

O Orador: - … porque, Srs. Deputados, a atitude de fazer incidir uma sindicância de natureza administrativa sobre aspectos que têm que ver com o funcionamento operacional de um serviço de informações é, em si, de uma gravidade extrema. Do nosso ponto de vista, é algo que feriu de morte não apenas a capacidade operacional de funcionamento de um serviço mas também a sua própria existência, e é evidente para nós que o responsável por isto, o Sr. Ministro da Defesa Nacional, se já não tinha, por razões várias, no exercício das suas funções, condições mínimas para exercer o cargo que desempenha, a partir deste episódio é evidente que é totalmente insustentável a manutenção desta pessoa no Governo da República.
Srs. Deputados, há limites para tudo e é preciso que haja a assunção clara de responsabilidades e que não se pretenda atirar para outrem as faltas e as falhas próprias. O que está a passar-se com este episódio do Serviço de Informações de Segurança é de uma irresponsabilidade a toda a prova e há que assumir responsabilidades, que cabem inteiramente ao Governo. Oxalá o Governo saiba assumi-las!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Peixoto.

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Gostaria de reiterar algo que, porventura, seria escusado, prestando a garantia de que não foi esta bancada, com certeza, que não esteve à altura da informação que, de alguma maneira, lhe coube. Tal como fizemos em situações anteriores, fomos fiéis depositários do segredo, cientes da sua gravidade e, portanto, estivemos perfeitamente à altura da situação.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, recuso-me também, por princípio, a acreditar que alguém nesta Casa, em circunstância alguma, não tivesse tido um comportamento idêntico àquele que nós, afianço-lhe, tivemos.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não ouviu o Sr. Deputado Luís Marques Guedes!

O Orador: - A suspeição que se lança sobre os Deputados desta Casa nós queremos, muito claramente, repudiar. Não há seguramente, até prova em contrário, nenhum Deputado ou alguém desta Casa que não saiba a responsabilidade que em cada momento tem, quando é detentor de informações desta gravidade.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, propomos que, rapidamente e de uma forma perfeitamente eficaz, seja descoberta a responsabilidade de toda esta questão e que, após essa descoberta e sem lugar a mais qualquer especulação, se proceda rapidamente em conformidade, assacando a responsabilidade que, repito, é gravíssima. Por isso mesmo, quem não soube ou não pôde estar à altura dessa mesma responsabilidade, terá de ser punido, porque é alguém que não está à altura dos cargos e das funções que exerce, seja eventualmente Deputado ou membro do Governo.

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: É chocante que um documento com este conteúdo possa circular como circulou e, particularmente, que apareça na comunicação social. É absolutamente chocante e é inaceitável que isso possa suceder! Estamos a falar de um sector altamente sensível do Estado, porque a recolha de informações estratégicas de defesa e militares é, para a política externa do Estado e para a política de defesa, um instrumento essencial.
E se em relação à arquitectura dos serviços de informações, particularmente à forma como actuaram os Serviços de Informações de Segurança, houve aqui grandes debates, posso afirmar que em relação à necessidade de um serviço com este conteúdo nunca houve, nesta Casa, graves divergências. Pelo contrário, assumimos a existência de um serviço como este, não só com os contornos que ele deve ter mas também

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com os do seu campo de intervenção na política externa e nas informações relevantes para a defesa militar contra agressões ou ameaças externas.
Mas se é chocante que isto tenha sucedido, é bom também que não se omita o processo que conduziu a esta situação. E a questão é a seguinte, Sr. Presidente e Srs. Deputados: quando, há certa de um ou de dois meses, se soube da existência de uma carta dirigida pelo Embaixador Monteiro Portugal ao Primeiro-Ministro e a Assembleia pediu essa carta, para obtê-la foi necessária muita diligência e o Sr. Primeiro-Ministro entregou-a por uma forma defendida, resguardada, creio que através do Conselho de Fiscalização do Serviço de Informações de Segurança, garantindo o conhecimento do que é que estava em jogo.
Neste caso, Sr. Presidente, a Comissão pediu ao Sr. Ministro o envio do despacho que determinou a realização de um inquérito e as conclusões desse inquérito e o Sr. Ministro da Defesa Nacional enviou-lhe todo o inquérito, incluindo as declarações feitas pelas diferentes pessoas. E no meio dessa documentação veio este documento, que não se pode comparar nem às conclusões de um inquérito administrativo nem ao depoimento da Dr.ª Antonieta ou de qualquer outra funcionária ou funcionário dos serviços. Este documento - e, aliás, dá para nos interrogarmos por que é que ele está naquele inquérito - não podia nunca, em circunstância alguma, ser circulado de uma maneira que passa pelo gabinete do Sr. Ministro António Costa, que vai ter…

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Costa): - Não passa, não!

O Orador: - Peço desculpa, mas pensei que passava.
Como dizia, este documento chega à comissão de inquérito sem nenhuma indicação de qual é o seu significado. Depois de recebido, este documento foi mandado distribuir pelo Presidente da Comissão, como é sua obrigação, circula pelos serviços da Assembleia e não tem, desta forma, o tratamento que Assembleia devia dar-lhe se o tivesse pedido e se ele tivesse sido fornecido. É bom que isto fique aqui devidamente registado, para que não haja equívocos acerca das responsabilidades neste processo.
Numa actividade como esta, não pode aceitar-se que o responsável governamental diga que a regra é a transparência, não pode aceitar-se que ele venha comentar esta questão dizendo que o seu princípio é o da transparência. Portanto, ou ele não entendeu qual é a filosofia e o significado do que enviou à Assembleia e do que é o funcionamento dos serviços ou, então, seguramente, não estava a falar em condições de serenidade para compreender aquilo que devia ser feito nesse momento.
Assim, peço ao Sr. Presidente, aos Srs. Deputados e a todos que, face à situação criada - e da nossa parte isso está a ser feito e continuará a sê-lo- haja todo o empenhamento em manter a reserva possível, que é a absoluta, em torno desse documento.

Aplausos do PCP.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Tem a palavra, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, como solicitei, em nome do Governo - e foi-me concedida - uma audiência com o Sr. Presidente da Assembleia da República para tratar desta questão, não tomo a iniciativa de pronunciar-me sobre ela.
Contudo, estando aqui presente, não gostaria que, com o meu silêncio, se pudesse interpretar que "quem cala consente". Portanto, gostaria de transmitir à Câmara três coisas: uma, factual, é a de que, ao contrário do que o Sr. Deputado João Amaral acabou de referir, não tramitou pelo meu gabinete nem o pedido da Comissão, que foi dirigido directamente ao Ministério da Defesa Nacional, nem, consequentemente, a resposta do Ministério da Defesa Nacional, que foi remetida directamente ao Presidente da Comissão.
Segundo aspecto: estamos perante uma situação gravíssima, que põe em causa o normal relacionamento entre dois órgãos de soberania. Como devem imaginar e sabem, não me compete pronunciar-me sobre o que ocorre noutros departamentos governamentais e menos ainda sobre actos ou omissões dos meus colegas do Governo. Mas há uma coisa de que não tenho qualquer dúvida, a de que se um membro do Governo envia um documento que lhe é solicitado …

O Sr. João Amaral (PCP): - Não lhe foi solicitado!

O Orador: - …e se o envia classificado, quem o recebe está estritamente obrigado a respeitar os deveres que decorrem da Lei do Segredo de Estado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Se o documento que foi enviado pelo Sr. Ministro da Defesa Nacional à Comissão é o que vem "fac-similado" no semanário Independente de hoje, nele está escrito "confidencial".

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - E se este é o documento que foi enviado pelo Sr. Ministro da Defesa Nacional, isto significa que o Sr. Ministro da Defesa Nacional o enviou classificado aos membros da Comissão Parlamentar de Inquérito e que, não obstante o documento estar classificado, alguém violou os deveres impostos pela Lei do Segredo de Estado, passando esta informação à comunicação social.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - Gostaria de dizer que a atenção se tem fixado numa lista, que é descrita na comunicação social como sendo o quadro pessoal de um determinado serviço, mas, lendo os órgãos de comunicação social, quer o jornal Público quer o semanário Independente, vejo relatos abundantes do conteúdo da auditoria, com a identificação de nomes, de pessoas que, de acordo com os jornais, são apontadas como dirigentes, agentes e funcionários de um determinado serviço do Estado. São indicações que constavam de um documento

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que, repito, foi enviado com a classificação de confidencial, classificação que obrigava estritamente todos quantos tomassem contacto com o documento e, desde logo, todos os Srs. Deputados da Comissão Parlamentar de Inquérito.
Assim, trata-se de uma gravíssima violação do dever do segredo de Estado e de uma gravíssima violação que põe em causa o normal relacionamento do Governo com a Assembleia da República.
Gostaria, sinceramente, de vos dizer, em terceiro lugar, que talvez o mais grave disto tudo seja o juízo que os comentadores e, mais grave ainda, os próprios Srs. Deputados têm da Assembleia da República e de si próprios.

O Sr. José Magalhães (PS): - Incrível!

O Orador: - Fiquei abismado quando li uma peça da jornalista Paula Sá, publicada hoje no Diário de Notícias. Nessa peça, diz-se o seguinte: "A frase foi proferida várias vezes por Deputados que questionaram e citam a ingenuidade do Governo ao fornecer ao Parlamento informações que põem em causa toda a filosofia.". Depois, outra vez entre aspas, citando um Deputado, diz assim: "Imagine-se o que será a lista aparecer em qualquer jornal.".
É admissível, é concebível que um órgão de soberania como o Governo possa ter, perante este órgão de soberania que é a Assembleia da República, o juízo que VV. Ex.as têm sobre vós próprios?!

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Tem de terminar, Sr. Ministro.

O Orador: - É admissível que um Governo possa ter, perante a Assembleia da República, perante uma Comissão Parlamentar de Inquérito, perante os Deputados que fazem parte da Comissão Parlamentar de Inquérito, estes juízos de suspeição?! É admissível que o Governo possa pensar que, recebendo a Assembleia da República um documento classificado como confidencial, ele vai parar a um jornal?!
Digo-vos que eu, como democrata e como parlamentar, teria muita dificuldade em ser membro de um Governo que tivesse esta opinião sobre o Parlamento.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Mas, do mesmo modo, digo: tenho muita dificuldade em relacionar-me com um Parlamento que divulga documentos confidenciais e classificados à comunicação social.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Demita-se!

O Orador: - Tal facto é intolerável no relacionamento entre órgãos de soberania e no quadro do regime democrático!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - O Sr. Deputado Octávio Teixeira pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Para formular um protesto às declarações do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, quero protestar contra estas declarações do Sr. Ministro, porque é inadmissível que o Sr. Ministro acuse a Assembleia da República…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - … e todos os Deputados para tentar salvar a inoperância e, mais do que isso, a inconsciência e irresponsabilidade do Governo!

Aplausos do PCP, do PSD e do CDS-PP.

Isto porque, neste caso, o problema central e concreto é a irresponsabilidade de um Ministro. O Governo que tenha a coragem de assumir essa irresponsabilidade e, se não a assume colectivamente, que faça recair a responsabilidade total sobre o Ministro em causa, tomando as medidas que são necessárias e levando-as às últimas consequências.
O que não podemos aceitar, e não aceitamos nem aceitaremos, é que o Governo tente transferir responsabilidades próprias para os Deputados.

Aplausos do PCP e do PSD.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Ao menos assumam as coisas!

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - O Sr. Deputado Luís Marques Guedes pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Para interpelar o Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Tenho um problema regimental, Sr. Deputado. É que, de acordo com o Regimento, não é possível fazer duas interpelações seguidas. Em todo o caso, atendendo à natureza da questão que estamos a tratar e se o Plenário estiver de acordo com isso, a Mesa consentirá numa segunda ronda de interpelações, embora a figura da interpelação esteja um pouco alterada.
Mesmo assim, e tomando isso em conta, dar-lhe-ei a palavra para esse efeito.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, verá que é uma verdadeira interpelação e não uma utilização dessa figura para outros fins. O que quero dizer dirige-se directamente ao Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Sr. Deputado, peço-lhe desculpa, mas terá de aguardar, já que o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares tem direito a efectuar um contraprotesto, na sequência do protesto efectuado pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira.

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Para efectuar um contraprotesto, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Octávio Teixeira, V. Ex.ª ouviu precisamente aquilo que eu disse, que corresponde à citação de palavras que vêm hoje publicadas no Diário de Notícias, proferidas por um Sr. Deputado. Esse Sr. Deputado diz aí que a ingenuidade do Governo é ter enviado para a Assembleia da República um documento, podendo esse documento ir parar aos jornais. Naturalmente, o que perguntei foi o que é que se admitiria de um Governo que tivesse este juízo da Assembleia.

A Sr.ª Rosa Maria Albernaz (PS): - Tal e qual!

O Orador: - Sr. Deputado Octávio Teixeira, não sejamos ingénuos. O Sr. Deputado João Amaral recordou há bocado o cuidado que o Governo teve ao enviar para a Assembleia da República uma carta que também vinha classificada e escuso-me de recordar a V. Ex.ª qual foi o destino que essa carta teve após ter chegado à Assembleia da República. Há uma coisa sobre a qual não tenho a menor dúvida: é que, se ler o Independente, está lá bem explicado como é que o documento veio, como é que o documento chegou.
Como tal, o Sr. Deputado sabe bem que o que eu disse não foi ofensivo. O que disse foi grave, é verdade, porque é gravíssima a situação em que nos encontramos. Creio que o Sr. Deputado sabe bem que este Governo tem sobre o Parlamento e sobre o relacionamento com o Parlamento uma visão diferente da de outros governos em outras legislaturas.

Protestos do PSD.

A Sr.ª Rosa Maria Albernaz (PS): - Muito bem!

O Orador: - Há-de admitir, concedendo-nos o benefício da dúvida, que consideremos muito grave para o funcionamento do regime democrático que se possa instalar a dúvida e que o Governo não possa conceder à Assembleia da República, que tem a função de fiscalizar politicamente o Governo, documentos confidenciais. Isso seria e será, se for essa a conclusão, uma limitação colossal e inadmissível em regime democrático dos poderes de fiscalização da Assembleia relativamente ao Governo.
Portanto, o que é grave é que esta crise se possa instalar e que se possa instalar a dúvida, porque é assim que eu coloco o problema. Se o Sr. Deputado ouviu, como eu ouvi, as rádios ao longo da manhã e se leu os jornais, como eu li, durante a manhã, verificará que eu coloco esta questão do ponto de vista da dúvida. No entanto, não há rádio nem jornal que não aponte o dedo ao Governo pelo facto de este pressupor que a Assembleia da República é um órgão de confiança. Isso é que deveria ser ofensivo para V. Ex.ª e contra isso é que V. Ex.ª deveria protestar!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Para uma interpelação, tem, então, a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, a interpelação que vou fazer é-lhe directamente dirigida a si e não ao Sr. Ministro. Não quero apresentar qualquer protesto ao Sr. Ministro, porque, de facto, um Ministro que diz publicamente que se sente em dificuldade e incapacitado de cumprir as suas funções, o que tem a fazer é dirigir-se ao Sr. Primeiro-Ministro e pedir a sua demissão. Por isso, não é ao Sr. Ministro que me dirijo.

Aplausos do PSD.

Nesta Câmara, pela voz do Governo, foram feitas afirmações gravíssimas e ofensivas da dignidade da Câmara e dos Deputados.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

É meu entendimento que a Câmara, através da Mesa e do Sr. Presidente, tem a estrita obrigação de defender a sua honra e a honra de todos os Srs. Deputados, que o Sr. Presidente também é.
Sabemos perfeitamente ao que levam atitudes como esta do Governo, já que este Governo é useiro e vezeiro neste tipo de situações. Já um Ministro deste Governo, quando da sindicância à JAE, começou por dizer à comunicação social que a responsabilidade era dos sindicantes e do Ministério Público, para, depois, se vir a verificar que todas as fugas de informação tinham partido, seguramente, de quem mandou fazer a sindicância, ou seja, do Governo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Assim, vir aqui o Governo "atirar pedras" aos Deputados e à Assembleia da República apenas para tentar salvar a face e desviar a atenção da questão central - que, como muito bem dizia o Sr. Deputado Octávio Teixeira, é uma total irresponsabilidade e uma atitude inacreditável e inaceitável de um Ministro que está a mais e que deve sair imediatamente do Governo -,…

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - … é uma atitude que deve merecer a adequada resposta do Sr. Presidente desta Câmara.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Assis.

O Sr. Francisco Assis (PS): - Sr. Presidente, quero exprimir também a minha profunda indignação, que é absolutamente idêntica à do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, em relação à forma como este assunto foi conduzido e tratado. Quero ainda lamentar a primeira declaração que aqui foi feita pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes, porque, no fundo, o que o Sr. Deputado disse reconduz-se a uma evidência muito simples: na óptica do Grupo

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Parlamentar do PSD, esta Assembleia da República é totalmente incapaz de assegurar os deveres de confidencialidade e não respeita os princípios do segredo de Estado!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Essa agora! O senhor também?!

O Orador: - Isso é que é totalmente inaceitável! O Sr. Deputado lançou uma ominosa suspeita sobre toda a Assembleia da República!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, não! Quem lançou foi o Sr. Ministro!

O Orador: - O que lhe quero dizer, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, é que respeitamos os princípios da confidencialidade e do segredo de Estado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Respeitamos todos!

O Orador: - O Sr. Deputado falará em nome da sua bancada, mas não pode falar em nome de todo o Parlamento e em nome de toda a Assembleia da República.

Aplausos do PS.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso é uma hipocrisia!

O Orador: - Quando se afirma, como o Sr. Deputado afirmou, que o erro é do Governo, pelo facto de este ter enviado documentos confidenciais à Assembleia da República, está-se automaticamente a afirmar que a Assembleia da República é incapaz de tratar com decoro e com sentido de responsabilidade documentos confidenciais. Isso é que não podemos aceitar! Nós não fazemos uma má ideia do Parlamento e não somos tributários de uma cultura anti-parlamentar!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não vale a pena virar "o bico ao prego"!

O Orador: - V. Ex.ª, ao fazer a intervenção que fez, promoveu um discurso claramente anti-parlamentar e que, aos olhos do País inteiro, dá uma péssima imagem da Assembleia da República.

Aplausos do PS.

Isso é que é totalmente inaceitável e é em relação a isso que quero manifestar a mais profunda indignação do nosso grupo parlamentar!
Termino salientando, uma vez mais, que o Grupo Parlamentar do PS tem uma concepção muito exigente do que são os deveres dos Deputados. Entendemos que a Assembleia da República tem todas as condições para tratar com a devida reserva assuntos da complexidade e do melindre daquele que estamos, infelizmente, a tratar. Contudo, o Deputado que hoje aqui falou em nome do Grupo Parlamentar do PSD exprimiu outra posição.
O que não aceitamos é que se faça uma avaliação genérica e universal do comportamento da Assembleia da República. Temos um padrão e o Grupo Parlamentar do PSD, pelos vistos, tem outro padrão. Nós orgulhamo-nos do nosso padrão, enquanto o PSD tem hoje razões para se envergonhar do seu!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Peixoto.

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pretendo, naturalmente, protestar contra a intervenção do Sr. Ministro António Costa. Isto porque a intervenção do Sr. Ministro António Costa nada teve a ver com a minha intervenção inicial, que, de facto, arranca de um registo que é o reconhecimento total da gravidade da presente situação.

O Sr. José Magalhães (PS): - É óbvio!

O Orador: - Perante esta situação de tão grande gravidade, parcializar e defender sectores, sejam eles quais forem, Governo ou Assembleia da República, só pode aprofundar a indignidade em que todos estamos, crescentemente, a ser envolvidos. Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, cada um de nós tem de assumir as responsabilidades que, porventura, possa ter. Como defendi, a única forma por que todos nós - o Estado, o Governo e a Assembleia da República - podemos optar para resolver esta situação é a realização de um inquérito, determinando quem, efectivamente, teve a responsabilidade e agir em conformidade.
Quantas mais palavras se disserem sobre isto e quantas mais posições e "passa-culpas" houver, maior é a indignidade que afecta o Estado. Estou convencido de que desta maneira e desta forma estamos a dar um triste espectáculo do Estado, quando temos, antes de mais, a obrigação de não o fazer, agindo rapidamente em conformidade, mas, sobretudo, com eficácia.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

Pausa.

Peço-lhe desculpa, Sr. Ministro, mas o Sr. Deputado João Amaral já tinha pedido a palavra. Pergunto-lhe para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. João Amaral (PCP): - Para me dirigir a si, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, creio que já foi aqui dito mais do que uma vez que a Comissão tinha

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requerido aquele documento, pelo que peço ao Sr. Presidente que solicite à Comissão de Inquérito, designadamente ao Sr. Presidente da Comissão, a indicação precisa da documentação que foi requerida. Isto porque o que foi pedido pela Comissão foi o despacho que deu origem a um processo administrativo de averiguações e as conclusões desse documento. Foram apenas esses os documentos que foram pedidos e isso, Sr. Presidente, não é irrelevante,...

Protestos do PS.

... porque a Comissão tem a medida do que pede em função do objecto do inquérito. É bom que se saiba que este documento de que se está a falar é absolutamente irrelevante para os fins do inquérito.
Em segunda lugar, quero recordar ao Sr. Presidente que, na lei das comissões de inquérito, um dos fundamentos para recusar o fornecimento de documentos é o segredo de Estado. Este documento tem classificação de segredo de Estado?
Peço ao Sr. Presidente que se informe no sentido de saber se o documento está classificado como sendo segredo de Estado e se esse facto foi comunicado ao Sr. Presidente da Comissão quando o documento lhe foi remetido.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, era para contraprotestar relativamente ao protesto que me foi dirigido pelo Sr. Deputado Francisco Peixoto. Mas, Sr. Deputado, a única coisa que tenho a dizer é que, se me permite, faço minhas as suas palavras.

Vozes do PS: - Muito bem!

Risos.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Srs. Deputados, após as diversas solicitações que me foram feitas e endereçadas, quero informá-los que, transmitirei, no fim desta sessão, ao Sr. Presidente da Assembleia da República as questões que me foram postas, para que possa, porventura, tomar a decisão mais adequada.
O Sr. Deputado Rui Vieira pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Rui Vieira (PS): - Sr. Presidente, exactamente para uma interpelação.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Sr. Deputado, espero que não seja sobre o mesmo assunto.

O Sr. Rui Vieira (PS): - Sr. Presidente, não é sobre o mesmo assunto.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Rui Vieira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A RTP incluiu ontem nos seus noticiários uma peça, a pretexto do parecer do Tribunal de Conta sobre o exercício e contas de 1997 desta Assembleia, em que se passava a ideia de que a Administração desta Casa não respeita a lei em vigor, nos seus procedimentos administrativos, e que administra sem critério o dinheiro dos contribuintes.
Ora isto, Sr. Presidente, é redondamente falso. De facto, quer o relatório quer o parecer do Tribunal de Contas enfatizam, repetidamente, o rigor da gestão da Assembleia da República e o acolhimento que o Conselho de Administração tem dado às repetidas sugestões do Tribunal de Contas sobre a matéria. Portanto, repito, quer o relatório quer o parecer enfatizam e dão relevância a esse aspecto, dizendo expressamente que, em todos os procedimentos atinentes às obras que estão em curso e a outros aspectos da Administração da Assembleia, a legislação em vigor foi rigorosamente cumprida.
Então, o que é que merece a atenção da RTP e de outros órgãos da comunicação social?
Há apenas um aspecto em que a Administração desta Casa diverge do Tribunal de Contas. E este aspecto tem a ver com o facto de termos acrescentado mais um piso ao parque de estacionamento, aparecendo, naturalmente, nas rubricas "trabalhos a mais", um montante de 36% a mais do valor adjudicado para essa obra.
Portanto, é a partir dessa situação, com cobertura perfeitamente legal, autorizada pelo Conselho de Administração e pelo Sr. Presidente da Assembleia da República, que se constrói uma peça que falseia completamente os procedimentos que são levados a cabo nesta Casa.
Deixe-me dizer-lhe, Sr. Presidente, que também lamento profundamente que as conclusões do Tribunal de Contas cheguem primeiro, e com muita antecedência, à mão dos jornalistas, não tendo o Tribunal o cuidado de fazer chegar em primeiro lugar à entidade interessada, ao Conselho de Administração da Assembleia da República, essas conclusões.
Não está aqui em causa a responsabilidade dos juízes ou do Presidente do Tribunal de Contas mas do órgão que, por vias ínvias, repito, faz chegar à mão dos jornalistas as conclusões, sendo a Administração da Casa confrontada com situações em relação às quais nem sequer pode ter resposta, porque não tem ainda as conclusões do Tribunal de Contas.
Portanto, Sr. Presidente, deixo aqui este desabafo e este lamento, dizendo também que, apesar de tudo, deve ressalvar-se aqui uma situação, a de que houve da parte de uma televisão e de alguns jornalistas o cuidado de procurar o testemunho de membros do Conselho de Administração, no sentido de ouvir, antes de noticiarem, a opinião do Conselho de Administração sobre a matéria. Infelizmente, essa não foi a postura da maior parte dos jornalistas, facto que, profundamente, lamento.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Não foi bem uma interpelação, mas um esclarecimento, que será também transmitido ao Sr. Presidente da Assembleia da República.
O Sr. Deputado José Magalhães pediu também a palavra para que efeito?

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O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, para uma interpelação relacionada com uma iniciativa.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, a natureza dos factos que foram abordados esta manhã, na primeira parte desta sessão, não permite a sua continuação, nem seria curial, estando agendada outra matéria para o resto da manhã. Porém, a gravidade dos acontecimentos e das medidas que é preciso tomar justificam que, no fórum próprio, haja um encontro entre líderes parlamentares, na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, a fim de considerar a situação e medidas a tomar.
Assim, Sr. Presidente, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista iria propor que essa conferência tivesse lugar o mais rapidamente possível, no decurso das próximas horas, podendo V. Ex.ª, seguramente, adoptar as providências junto da direcção da Mesa e dos seus colegas, no sentido de que isso possa ocorrer utilmente. Na nossa opinião, é uma situação urgente, uma vez que certas inverdades também foram ditas e há coisas a tratar. Temos essa proposta em cima da Mesa, deixando-a a V. Ex.ª.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Sr. Deputado, como informei a Câmara, vou transmitir ao Sr. Presidente da Assembleia o conteúdo da discussão que aqui se deu, porque, pessoalmente, não tenho competência para convocar uma Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, conforme sugere.

O Sr. José Magalhães (PS): - Tem competência, tem!

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Sr. Deputado, sugiro, se assim o entender, que contacte os colegas líderes, para que eu possa encaminhar essa reunião, em função daquilo que o Sr. Presidente da Assembleia da República me transmitir.
Srs. Deputados, quero informar que assistem a esta reunião um grupo de 30 alunos do Jardim Escola João de Deus, de Torres Vedras, uma grupo de 40 alunos da Escola Básica 2/3 do Monte da Caparica, para quem peço a vossa saudação habitual.

Aplausos gerais, de pé.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Srs. Deputados, para apresentar a proposta de lei n.º 272/VII, que aprova o regulamento disciplinar da Guarda Nacional Republicana, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna (Jorge Coelho): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A tranquilidade e a segurança de Portugal e dos portugueses é uma tarefa que o Governo tem considerado, e continuará a considerar, como uma das grandes prioridades da acção governativa.
Aliado ao desenvolvimento económico, ao combate à exclusão e à pobreza, assistiu-se, nestes quase quatro anos, a um esforço significativo para dotar o nosso país de mais meios para a segurança e a tranquilidade dos portugueses. Mais meios humanos, com 8000 novos membros da GNR e PSP, e mais meios materiais - 3000 viaturas, melhores telecomunicações, melhores e mais instalações, mais formação e melhores condições de trabalho.
Está igualmente a proceder-se a uma revolução tranquila no campo legislativo, que procura criar condições de modernidade e dignidade às forças de segurança e aos seus agentes. Criar mais condições de eficácia e operacionalidade à sua acção é também uma premissa fundamental. As forças de segurança são constituídas por homens e mulheres que, exercendo uma profissão tão nobre, correndo tantos riscos, merecem todo o respeito da sociedade e do poder político, a todos os níveis.
Se entendo, como não me canso de repetir, que a defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos deve ser uma premissa central das actuações das forças de segurança, também nunca me cansarei de repetir que as forças de segurança são constituídas por homens e mulheres que exigem ser tratados com dignidade e com respeito e a quem, necessariamente, devem ser reconhecidos todos os seus direitos de cidadania.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Apresentamos hoje a VV. Ex.as três propostas de lei, que, no âmbito das forças de segurança, visam transpor para a ordem jurídica um objectivo central do Programa do Governo, o de modernizar as instituições e os seus agentes no quadro de um Estado de direito democrático. Esta modernização é, para nós, uma preocupação e uma prioridade, claramente inscrita no Programa do Governo, que, no ponto 2.2., relativo à segurança dos cidadãos, prevê "a modernização dos estatutos das forças de segurança, visando nomeadamente melhorar as soluções institucionais de dependência face ao poder democrático, promover o aprofundamento de valores cívico-profissionais e deontológicos e aperfeiçoar o quadro da representação sócio-profissional".
À semelhança do que acontece noutros países, o modelo policial português assenta na existência de duas grandes forças de segurança: a Guarda Nacional Republicana e a Polícia de Segurança Pública. A primeira é de matriz militar e a segunda de matriz e vocação civil.
As propostas de lei que hoje vos apresentamos são bem o reflexo desse modelo. No que concerne à Guarda Nacional Republicana, submetemos ao Parlamento uma proposta de lei que estabelece um novo regime jurídico disciplinar dos seus agentes. A GNR é, hoje, uma força de segurança de um Estado de direito democrático e é à luz da legalidade democrática que toda a sua actuação se desenvolve.
A Guarda Nacional Republicana, força de segurança com longa existência em Portugal, não tem ainda um regime próprio, só a ela aplicável, em matéria disciplinar. Esta é, para nós, uma grave lacuna no ordenamento jurídico português.
Não obstante a sua natureza militar, e para que não reste qualquer dúvida, o Governo aqui, hoje, mais uma vez, reafirma que a GNR é uma força de segurança, constituída por militares organizados num corpo especial de tropas. A GNR não se confunde com as Forças Armadas por a sua missão se encontrar especificamente adstrita ao cumprimento de funções de segurança interna. Essa destrinça é, desde logo, feita,

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nos termos constitucionais, nomeadamente quando a Lei Fundamental enumera, separadamente, militares, agentes militarizados e agentes dos serviços e forças de segurança.
Este é, para nós, motivo bastante para que o legislador actue no sentido de dotar a GNR de um regulamento de disciplina que reflicta, na plenitude, a condição que referi de "força de segurança, constituída por militares organizados num corpo especial de tropas", à qual estão cometidas algumas das mais importantes missões de segurança interna e ordem pública.
É deste modo que caracterizamos a GNR. Vêmo-la num novo quadro normativo que reflicta uma força policial moderna e eficaz ao serviço dos portugueses, capaz de responder às necessidades de uma sociedade livre e democrática, no respeito simultâneo pela disciplina e pela coesão das instituições. Vêmo-la também pela dignidade de todos e de cada um dos seus membros, mediante a afirmação e o reconhecimento dos direitos fundamentais de que são titulares.
Não se entenda, por isso, que o Governo, ao apresentar uma proposta de lei sobre esta matéria, pretende alterar na substância a natureza da GNR. Nem tal seria possível, já que para tanto havia que alterar, outrossim, os restantes normativos que regem juridicamente a actuação desta força de segurança.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não constitui nosso propósito descaracterizar a identidade própria da GNR, que é, afinal, a justificação plena da sua existência autónoma. O que o Governo quer é, sim, viabilizar, em relação a cada força de segurança, o seu ajustamento crescente aos desafios e imperativos que hoje se colocam, seja no domínio das suas funções seja nos padrões de garantia da sua coesão, no quadro de um Estado de direito democrático.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em traços largos e porque o tempo que disponho é exíguo, deixar-vos-ei as principais linhas orientadoras que subjazem ao Regulamento de Disciplina da GNR.
Em primeiro lugar, a proposta consagra os princípios gerais do procedimento disciplinar, ao qual o processo penal será subsidiariamente aplicável, e salvaguarda, do mesmo passo, os direitos fundamentais e as garantias de defesa aos agentes da GNR.
O regime agora proposto será também aplicável aos militares das Forças Armadas em serviço na GNR, na medida em que os normativos nele insertos não colidam com o disposto no Regulamento de Disciplina Militar, que é, como sabemos, o instrumento legal a que especificamente aqueles se encontram adstritos.
Depois, o elenco de sanções aplicáveis assenta no princípio geral do direito - o princípio da proporcionalidade e da adequação das sanções à gravidade dos comportamentos infractores.
Por outro lado, e no respeito pelo princípio da igualdade, estabelece a presente proposta de lei uma escala única de sanções para todo e qualquer militar infractor, independentemente do respectivo posto. O diploma acolhe também o entendimento de recente corrente jurisprudencial do Supremo Tribunal Administrativo, no sentido da inconstitucionalidade das normas que prevêem a aplicação de penas privativas da liberdade em sede disciplinar. Este é, porventura, um dos pontos mais acaloradamente discutidos na doutrina e na jurisprudência portuguesas, quer ao nível constitucional quer ao nível legal, que vê, assim, desaparecer uma querela jurídica, em claro benefício para os agentes da GNR e, em nosso entendimento, para a dignificação desta força de segurança.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - No âmbito das garantias de defesa, consagrou-se expressamente o efeito suspensivo do recurso hierárquico, pondo-se igualmente fim a situações de execução de sanções decorrentes de decisões, por natureza, precárias.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Porque entendemos que é sempre possível melhorar as propostas de lei que apresentamos, manifesto desde já o nosso empenho e a nossa disponibilidade para, em sede de especialidade, colaborar e trabalhar com a Comissão, no sentido de elaborar um diploma final que vá ao encontro dos objectivos traçados.
Esta é uma proposta de lei que, mantendo a sua matriz militar, visa modernizar e dignificar a Guarda Nacional Republicana sem a descaracterizar. A sua aprovação permitirá, estou certo, que Portugal entre no século XXI com forças de segurança mais modernas, estatutariamente dignificadas e claramente caracterizadas por uma preocupação de compatibilizar a sua eficácia com o respeito pelos direitos e garantias fundamentais dos seus agentes.
É mais um dos vários passos que estamos a dar para contribuir para a tranquilidade e a segurança dos portugueses.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Quase ao cair do pano da legislatura, chegou finalmente à apreciação desta Assembleia a proposta de lei, prometida já há alguns anos, que visa dotar a Guarda Nacional Republicana de um regulamento disciplinar próprio e acabar com a aplicação do Regulamento de Disciplina Militar aos profissionais desta força de segurança.
Trata-se, a nosso ver, de um passo indispensável para a modernização da GNR. Numa sociedade democrática no limiar do século XXI, é insuportável pensar que os profissionais de uma força de segurança possam estar sujeitos à aplicação de medidas tão grosseiramente inconstitucionais como a prisão disciplinar.
A proposta de lei que o Governo apresenta para dotar a GNR de um estatuto disciplinar próprio é um passo positivo para a superação da situação absurda em que esta instituição ainda vive, mas é ainda assim um passo muito curto no sentido de transformar a GNR numa força de segurança adequada à Constituição que temos e ao tempo em que vivemos.
É conhecida a posição do PCP sobre a natureza da GNR. Temos dito e repetido que não faz qualquer sentido que, de entre as várias forças de segurança existentes no nosso país, que funcionam, nos termos da lei, como órgãos de polícia

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criminal, e que têm todas, por missões, defender a legalidade democrática, garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos, algumas tenham natureza civil e uma delas, a GNR, tenha natureza militar.
Temos dito e repetido que não faz qualquer sentido que de entre as várias forças de segurança existentes no nosso país, que funcionam, nos termos da lei, como órgãos de polícia criminal e que têm todas por missões defender a legalidade democrática, garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos, algumas tenham natureza civil e uma delas, a GNR, tenha natureza militar.
Não há nesta nossa posição qualquer animosidade em relação às Forças Armadas. Bem pelo contrário, sempre nos batemos pela sua dignificação.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Trata-se é de reconhecer que se as funções de defesa militar da República e as funções de segurança interna são perfeitamente distintas e se é perfeitamente distinto o estatuto constitucional das Forças Armadas e o das forças de segurança, não faz qualquer sentido nem encarregar as Forças Armadas de missões de segurança interna nem atribuir às forças de segurança um estatuto de forças militares.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Se a GNR é uma força de segurança que tem por missões prevenir a criminalidade, garantir a tranquilidade dos cidadãos ou funções como, por exemplo, regular o trânsito, por que razão há-de ter o estatuto de corpo militar? Por que razão a segurança dos cidadãos das zonas urbanas é assegurada por uma força civil e a dos cidadãos das zonas rurais o há-de ser por uma força militar? E por que razão hão-de os profissionais da GNR ter de estar sujeitos a um regime de disponibilidade permanente para o serviço que se traduz na prática em regimes de trabalho forçado de 80 horas semanais? E, já agora, por que razão hão-de os profissionais da GNR, que têm por missão defender os direitos dos cidadãos, ter de estar sujeitos a um regime disciplinar que faz letra morta dos seus direitos enquanto cidadãos e profissionais?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não é isto que está hoje em discussão. O Governo não propõe a alteração do estatuto militar da GNR, limita-se a propor a substituição do RDM por um Regulamento Disciplinar específico, mantendo porém intocadas as características militares da GNR.
Só pode vislumbrar nesta proposta de lei uma alteração da natureza militar da GNR quem a não tenha lido ou quem tenha das forças de segurança uma visão ultra-retrógrada, avessa a qualquer evolução, por mais tímida que seja. A oposição a esta tímida evolução só pode vir de quem tenha das forças de segurança uma concepção autoritária e repressiva, de alguém para quem a polícia existe para reprimir os cidadãos e os comandos policiais existem para mandar reprimir os próprios polícias.
Dizer, como já para aí alguém terá dito, que a simples substituição do RDM por um regulamento disciplinar próprio da GNR é susceptível de ter consequências imprevisíveis e constitui motivo de grande preocupação é próprio de quem confunde o País com uma caserna.
Os que se opõem a qualquer mudança no regime disciplinar da GNR só podem ser os mesmos que são responsáveis pela aplicação, nesta força de segurança, de medidas disciplinares inconstitucionais que só enxovalham a instituição e os seus profissionais.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Aqui há uns dias, um oficial da GNR, que solicitou o anonimato para poder insultar à vontade, deu uma entrevista a um jornal, na qual defendeu a manutenção das penas de prisão disciplinar, segundo ele, por serem menos gravosas de que as medidas de suspensão. Para este oficial, é menos gravoso para um cidadão estar preso com o vencimento completo do que andar em liberdade com um desconto no vencimento. Donde se conclui que seria de toda a conveniência introduzir penas de prisão no Estatuto Disciplinar da Função Pública, dado que estas seriam seguramente as medidas disciplinares preferidas pelos trabalhadores que incorressem em responsabilidade disciplinar...
Imagino que esta entrevista tenha feito corar de vergonha muitos oficiais da GNR que seguramente não se identificam com tamanhas enormidades e que compreendem que a força de segurança que abnegadamente servem só terá a ganhar com a aprovação de um regulamento disciplinar que respeite a dignidade das pessoas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Comecei por dizer que esta proposta de regulamento disciplinar representa, a nosso ver, um passo positivo e reafirmo-o.
Não nos confundiremos neste debate com aqueles que criticam esta proposta de lei em nome do imobilismo e que inventam fantasmas sempre que ouvem falar em mais direitos para os cidadãos.
Mas, mesmo dando por adquirido que a presente proposta de lei se move num quadro conceptual de que divergimos, o da GNR como corpo militar, há alguns aspectos que nos parecem, mesmo nesse quadro, incompreensíveis.
Não faz qualquer sentido consagrar no regulamento disciplinar da GNR que os seus membros devem manter-se "permanentemente prontos para o serviço ainda que com sacrifício dos interesses pessoais".
Consagre-se o dever de apresentação pontual ao serviço, o dever de comparecer sempre que circunstâncias especiais o exijam e o dever de não se ausentar do serviço sem autorização. Até aí, muito bem. É evidente que em determinadas circunstâncias, o serviço de uma força de segurança impõe o sacrifício de interesses pessoais, só que a consagração do princípio da disponibilidade permanente, tal como é proposta, implica a manutenção do princípio, absurdamente vigente, do sacrifício permanente dos interesses pessoais perante regimes de trabalho arbitrários e desumanos. Não é admissível que os profissionais da GNR, sem que circunstâncias excepcionais o exijam, sejam obrigados a um regime de duração do trabalho que está acima de tudo o que é razoavelmente exigível, impondo um sacrifício inadmissível não apenas aos

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próprios mas também, obviamente, aos seus familiares. O direito e o dever de um profissional da GNR acompanhar e educar os seus filhos não pode ficar entregue ao arbítrio do seu comandante.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Um outro aspecto incompreensível diz respeito ao sistema de recurso das decisões disciplinares.
O recurso hierárquico de uma decisão disciplinar faz-se para o Comandante-Geral e deste para o Ministro. Só que o recurso sobe até ao Comandante-Geral para decisão, passando por todos os degraus da cadeia hierárquica até lá chegar, dispondo os responsáveis de cada escalão de um prazo para se pronunciar, podendo propor a revogação ou a modificação da decisão.
Para além do absurdo de se admitir que uma sanção disciplinar possa ser agravada pelo Comandante-Geral ou pelo Ministro na sequência de um recurso apresentado pelo próprio sancionado, ainda se adopta um sistema bizarro que faz com que, sobre o mesmo recurso, se pronunciem meia dúzia de entidades inseridas na cadeia hierárquica, não tendo nenhuma delas qualquer poder de decisão, nem sequer, provavelmente, conhecimento do caso.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente.
Outros aspectos são merecedores de crítica: veja-se, por exemplo, o facto de não existirem, neste regulamento disciplinar, infracções leves mas apenas infracções graves, divididas em muito graves, graves e pouco graves, o que não deixa depois de ter correspondência com um regime sancionatório pesado e pouco flexível; ou repare-se, ainda, no desequilíbrio flagrante que se estabelece entre o vasto arsenal sancionatório previsto para o incumprimento de um extenso cardápio de deveres e a magreza confrangedora dos direitos dos profissionais da GNR a expor as suas razões perante os seus superiores hierárquicos, quando nem sequer existe o elementar direito de chamar a atenção, respeitosamente e obtida a devida autorização, para a ilegalidade de uma ordem recebida.
Seria bom que esta Assembleia, já que deitou mãos à obra para dotar a GNR de um regulamento disciplinar próprio, pondere atentamente estas questões e aproveite as poucas semanas que ainda restam desta Legislatura para dar um passo significativo na modernização e dignificação desta força de segurança.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Sr. Deputado, utilizou cerca de um minuto a mais do seu tempo, mas que lhe foi concedido pela bancada de Os Verdes.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Peixoto.

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado: A Guarda Nacional Republicana é uma força de natureza militar, sendo fundamental para o Partido Popular que assim se mantenha em função das necessidades de apoio à defesa nacional de que o País carece e de que não pode e não deve prescindir, muito particularmente agora em que a questão da segurança externa implica o apoio de missões de natureza típica perfeitamente inseridas na natureza e no sistema funcional da GNR. Também, precisamente, agora, numa altura em que se processam alterações tão profundas nas Forças Armadas - trabalhadas e discutidas entre nós - de forma a proceder à sua adaptação ao estatuto profissional, avultando assim a necessidade de manter um corpo militarizado, sem dúvida, com aptidão particular para as questões internas de segurança, mas também com capacidade para poder assumir, em caso extraordinário, a própria defesa do País, sem embargo, como dizia há pouco, da sua aptidão na participação em missões de natureza internacional e de defesa externa.
Ao defendermos a manutenção da natureza militar da GNR estamos explicitamente a defender a especificidade da disciplina militar assente na coesão e na individualidade próprias do seu estatuto, socialmente recompensado, como é de justiça, por um conjunto de aliciantes e atractivos que apenas poderão complementar a vocação de quem decide e assume abraçar estas missões sociais, e que é também de justiça reconhecer que não faltaram, não faltam, nem faltarão portugueses dispostos a fazê-la.
Esteja assim antes o Governo à altura de os compreender e lhes dar, assim como à sociedade portuguesa em geral, as condições mínimas de apoio e de reconhecimento.
E é nesta especificidade que importa proceder à distinção com os demais; designadamente com os outros agentes e funcionários do Estado.
A natureza da instituição, das missões e dos serviços da sua competência, a importância e a gravidade das suas funções exigem uma disponibilidade para o serviço, um grau de exigência quer em termos de aptidão, de competência, de noção de hierarquia, de subordinação e de obediência, que só podem ter como contraponto o reconhecimento e não o laxismo permissivo e facilitador.
É verdade que a coesão e a disciplina só serão possíveis com a existência e com a aplicação de um regulamento disciplinar exigente e específico, mas também não é menos verdade que sem coesão e disciplina não teremos qualquer corpo militarizado apto e capaz de desempenhar cabalmente as missões que são atribuídas à GNR.
E assim pergunta-se: podem os portugueses dela prescindir? Com certeza que não!
Então o Governo que governe, que não se furte às suas responsabilidades, que resolva os problemas que tem de resolver e que não viva nem faça viver os portugueses na convicção e na expectativa dessas mesmas resoluções. E que assuma o que todos naturalmente sabemos: que as virtudes e deveres militares são um bem e uma necessidade a acarinhar e a desenvolver para quem livremente escolhe esse tipo de vida, até porque quem com elas verdadeiramente beneficia são a segurança, a tranquilidade e o desenvolvimento do País inteiro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado: A proposta de lei em análise visa aprovar o novo estatuto disciplinar da GNR, que deixaria de estar sob disciplina militar, terminando desta forma com décadas de

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subordinação ao regulamento da disciplina militar, aplicando-se a todos os agentes de GNR, mesmo aos militares das Forças Armadas em serviço naquele corpo em tudo o que não for incompatível com o RDM; também o pessoal civil que presta serviço na Guarda passaria a ficar sujeito ao Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional ou Local, salvo se outro não lhes for aplicado.
Sendo certo que em caso de guerra ou em situação de crise, uma vez colocada a Guarda na dependência operacional do Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas, os seus militares passariam de novo a ficar sujeitos ao RDM.
Assim, e desde logo, a diversidade dos regimes disciplinares, potenciadora de um sem fim de situações equívocas e verdadeiramente atentatórias da unidade e da natureza da condição militar, a par de um pendor fortemente civilista da proposta, chegando mesmo ao singular e exclusivo normativo - comparativamente com o da PSP, por exemplo - em admitir a denúncia fora das relações interpessoais bem como da redução do valor probatório da participação por superior hierárquico e do efeito suspensivo do recurso interposto, apontando assim, claramente, para uma concepção civilista da GNR que nós, Partido Popular, não temos, mas que acima de tudo consideramos nociva e perigosa na precisa medida em que frontalmente choca com as necessidades do País e que desde logo nem sequer conta com o apoio e a compreensão da própria corporação.
Agora o Governo tem é que se definir e esclarecer o País, dizendo sem ambiguidade e com clareza se quer ou não manter a natureza militar da GNR. E se não, como tudo indica, de que forma e de que modo vai assegurar a continuação do desempenho exemplar das missões de que a Guarda Nacional Republicana tem vindo a desempenhar ao longo dos anos.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A proposta de lei que estamos a analisar é de uma importância extrema.
É um elemento estruturante da Guarda Nacional Republicana e vai determinar, no futuro, a compatibilização entre uma força de segurança com características militares ou, como é referido no artigo 1.º da nova Lei Orgânica, "uma força de segurança constituída por militares organizados num corpo especial de tropas" e a necessária modernização do seu estatuto disciplinar.
Creio não ser descabido, quando abordamos uma iniciativa legislativa com esta dimensão, recordar que a Guarda Nacional Republicana tem a sua actual denominação com o advento da República em substituição da Guarda Municipal que, por sua vez, tinha origem na Guarda Real de Polícia criada pelo Intendente Pina Manique como um corpo militar, que fazia parte integrante do corpo do exército e era classificada como tropa de linha.
Recordo igualmente os inestimáveis serviços prestados pelos agentes da Guarda Nacional Republicana à comunidade ao longo dos tempos, muitas vezes com sacrifício da própria vida. Quantos sacrifícios, quantas horas de vigília, quantos quilómetros calcorreados desde as mais recônditas aldeias na defesa do interesse público, garantindo a ordem pública e a segurança dos portugueses.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Esta missão de interesse público não é exclusiva da Guarda Nacional Republicana, mas nesta força de segurança ela tem assumido, ao longo dos anos, uma especificidade muito própria e que é característica de uma instituição com uma forte componente militar que a identifica com os valores e princípios da instituição militar, não deixando contudo de ter uma cultura organizacional própria, que, mercê da dupla característica do corpo militar com funções de polícia, lhe confere uma particularidade especial decorrente desta simbiose militar-policial.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A propósito desta discussão não podemos ignorar que a questão que hoje está na ordem do dia, e que tem reflexos importantes na própria instituição, é a de saber se o Governo pretende ou não pôr em causa a natureza militar da Guarda Nacional Republicana, e, nesse contexto, como é que deve ser enquadrada a aprovação de um regulamento disciplinar próprio para a Guarda Nacional Republicana. Estas dúvidas, que subsistem, foram hoje mais uma vez, claramente reafirmadas pelo Sr. Ministro da Administração Interna.
Quanto à afirmação da natureza militar da Guarda Nacional Republicana em oposição a outras opções mais civilistas, ela tem sido permanentemente reafirmada quer pelo Primeiro-Ministro quer pelo Ministro da Administração Interna, como reconheceu o próprio projecto de relatório da Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdade e Garantias ao reportar a uma afirmação do Ministro da Administração Interna que disse que a Guarda Nacional Republicana "é, e será sempre, militar".
Aliás, compreende-se mal, a não ser com o objectivo de desestabilizar, que periodicamente se ponha em causa, directa ou indirectamente, o estatuto de natureza militar da Guarda Nacional Republicana, atribuindo esses propósitos ao próprio Governo, quando esse estatuto tem sido sistematicamente reafirmado. Nós sabemos que há outras opções, às quais não negamos, obviamente, legitimidade, mas temos igualmente o direito de defender e apoiar esta opção do Governo que tem correspondência nos países do Sul da Europa com os quais culturalmente mais nos identificamos, não confundindo, no entanto, Forças Armadas com uma força de segurança quer ao nível dos estatutos quer ao nível das missões e, agora também, ao nível de regulamentos disciplinares autónomos, considerando as suas especificidades no quadro da nossa Constituição.
A opção do Governo relativamente à natureza militar da Guarda Nacional Republicana está de acordo não só com o Programa do Governo, como tem expressão na Lei de Bases Gerais do Estatuto da Condição Militar, a Lei n.º 11/89, que a manda aplicar aos militares da Guarda Nacional Republicana e na Lei n.º 29/82, Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas, bem como na própria Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana.

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Não há, pois, qualquer dúvida sobre a natureza militar da Guarda Nacional Republicana, que é claramente assumida por este Governo em oposição a outras opções que podem legitimamente ser equacionadas. A proposta de lei não altera a natureza ou descaracteriza a identidade própria da Guarda Nacional Republicana, que é, afinal, a justificação plena da sua existência autónoma.
Outra questão importante é a de saber se se deve aplicar aos militares da Guarda o Regulamento Disciplinar Militar aplicado às Forças Armadas, alterando, evidentemente, as normas que conflituam com os princípios constitucionais ou, por outras palavras, se o facto de a Guarda Nacional Republicana ter um regulamento disciplinar próprio lhe altera ou condiciona, de qualquer modo, a sua natureza militar.
A aplicação do RDM estaria, eventualmente, mais em conformidade com a sua natureza militar, mas não tinha em conta as especificidades inerentes a uma força de segurança como a GNR, que são manifestamente distintas daquelas que enquadram as missões das Forças Armadas a necessitarem também, aliás, de um novo Regulamento Disciplinar.
A opção do Governo é clara ao considerar que a natureza do corpo militar não é alterada pelo facto de ter um regulamento disciplinar próprio. O que se pretende é dotar a Guarda Nacional Republicana de um Regulamento de Disciplina que reflicta, na plenitude, a sua condição de "força de segurança constituída por militares organizados num corpo especial de tropas", à qual estão cometidas algumas das mais importantes missões de segurança interna e de ordem pública.
A Guarda Nacional Republicana é, assim, caracterizada como força policial moderna e eficaz, ao serviço dos portugueses, capaz de responder às necessidades de uma sociedade livre e democrática, no respeito simultâneo pela disciplina e pela coesão das instituições, mas também pela dignidade de todos e de cada um dos seus membros, mediante a afirmação e o reconhecimento dos direitos fundamentais de que são titulares. Nesse sentido, o Regulamento procura compatibilizar estes valores essenciais com a natureza da condição militar que é própria da GNR e que determina que o respectivo regulamento disciplinar se deva distinguir, de forma clara e inequívoca, dos demais regulamentos aplicáveis a outros servidores do Estado.
Daqui decorre que o Regulamento Disciplinar aplicado à GNR tem de conter princípios que resultam quer da natural e indispensável exigência de disponibilidade para o serviço, quer da constitucional restrição de alguns direitos e liberdades, quer, por último, da necessidade de fixação de princípios deontológicos e éticos próprios, indispensáveis a uma forte coesão e disciplina entre os seus membros a fim de que possam ser alcançados os objectivos que lhe são impostos pelo Estado como missão.
Esta é a matriz que deve compatibilizar a natureza militar da Guarda Nacional Republicana com a modernização do seu estatuto, visando, como refere o Programa do Governo, "melhorar as soluções institucionais de dependência face ao poder democrático, promover o aprofundamento de valores cívico-profissionais e deontológicos e aperfeiçoar o quadro de representação sócio-profissional".
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As questões que acabo de colocar são questões de princípio e questões conceptuais, mas terão elas completa tradução no Regulamento que estamos a analisar? Haverá nesta proposta disposições que conflituam, de forma acentuada, com a natureza militar da Guarda Nacional Republicana pondo em causa os valores e princípios que lhe dão forma e são indispensáveis à coesão e disciplina de um corpo militar?
Da análise que se faz do diploma é possível admitir que nalguns pontos seja necessária uma melhor clarificação e nesse sentido, em sede de especialidade, estaremos disponíveis para considerar eventuais alterações que tenham em conta os dois parâmetros que consideramos fundamentais: a manutenção da natureza militar da GNR e a modernização de um regulamento disciplinar próprio, que, tendo em conta os novos desafios que a instituição enfrenta, não ponha em causa os princípios estruturantes dessa mesma instituição.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A proposta de lei que aqui temos hoje em discussão é uma fonte de equívocos e de contradições evidentes.
E se algumas dúvidas tivéssemos quando lemos esta proposta essas dúvidas tinham ficado total e cabalmente esclarecidas com as intervenções que aqui hoje ouvimos da parte do Governo e do Partido Comunista Português; e, se há algo que hoje podemos claramente afirmar é a manutenção evidente da coerência do Partido Comunista e, também, a manutenção evidente da incoerência absoluta do Partido Socialista e do Governo.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Isso é chavão!

O Orador: - Aquilo que nós verificamos nesta proposta é tão simples como isto: o Governo, mais uma vez, quer fazer a "quadratura do círculo", quer afirmar-se a favor de uns e favor de todos, quer mais uma vez tentar fazer aquilo que é óbvia e naturalmente impossível.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O Governo tem a necessidade - ouvimos isso por parte do Sr. Ministro e ouvimos por parte do Sr. Deputado Marques Júnior do Partido Socialista - de, ao longo dos dois discursos que aqui foram proferidos, reafirmar, afirmar e voltar a afirmar a natureza militar da GNR, e nisso estamos todos de acordo.
Mas é sintomático que o Governo e o Partido Socialista sintam a necessidade de reafirmar essa natureza, dizendo, por exemplo, nas palavras do Sr. Ministro, que a GNR é uma força de segurança constituída por militares, que a GNR é e sempre será militar, e que não pretende alterar a natureza ou descaracterizar a natureza militar da GNR, palavras do Sr. Ministro proferidas já várias vezes e reafirmadas hoje neste Plenário da Assembleia da República.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Palavras leva-as o vento!...

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O Orador: - Mas, Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, querem reafirmar a natureza militar, por um lado; e querem afirmar, com esta proposta de lei, a natureza civil do seu estatuto disciplinar - duas questões obviamente incontornáveis e incompatíveis, entre si. É esta a governação do Partido Socialista: dizer que sim a todos e manter uma irresponsabilidade quanto a questões fundamentais do Estado. É isto o que aqui mais uma vez se nos apresenta.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Se não, vejamos: como é possível o Governo ter - e tem sempre, desde o seu programa do Governo até hoje - um discurso claro, de afirmação da natureza militar da GNR, e por outro, apresentar a esta Assembleia da República uma proposta de acto legislativo claramente afirmante da natureza civilista da GNR, duas naturezas, por isso, incontornáveis e incompatíveis?

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o que está, claramente, hoje em discussão é o Governo afirmar, de uma vez por todas, o que é que quer para as suas forças de segurança e para as forças de segurança do País. Se quer que a GNR se mantenha com o estatuto militar, como afirma nos seus discursos, ou se quer uma natureza civil, como o faz pelos seus actos. É isto que, claramente, tem de ser desmascarado! De uma vez por todas, o Governo e o Partido Socialista têm de se definir claramente!
Se querem a natureza militar da GNR, como têm vindo a afirmar, então, a solução não pode ser esta que aqui nos é presente, e sabem-no muito bem.
Por quê apresentar um regulamento disciplinar para a GNR que tem em si claramente a transformação e a transferência para GNR do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública e um rompimento claro relativamente ao regime de disciplina militar? É isto que aqui nos apresenta. Nem sequer é um meio caminho, é claramente a mera transferência, com adaptação às forças em causa, do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública. E, por isso, nem sequer é uma "terceira via" Sr. Ministro!... É, claramente, pegar no Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública, introduzindo apenas algumas adaptações.
É, por isso, uma proposta de lei civilista para a GNR que aqui nos é presente. Assumam isso! Alterem o vosso discurso! Ponham-no, em concreto, de acordo com a vossa prática! Assumam essa discrepância! E sejam claros em dizer que não podem ter, ao mesmo tempo, na GNR, como propõem neste diploma, agentes submetidos ao regime de disciplina militar e agentes submetidos a um regime do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública, com adaptações.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Ubiquidade!

O Orador: - Quer dizer, Sr. Ministro, que, no futuro, com esta proposta, se ela for aprovada, VV. Ex.as terão no mesmo corpo trabalhadores que, por uma falta, podem ser sujeitos a prisão e outros que, pela mesma falta, podem ser sujeitos a mero regime de suspensão de actividade. Ou seja: é, com a mesma natureza funcional, introduzir uma desigualdade material! VV. Ex.as, se querem seguir a Constituição, devem ter a hombridade de verificar que estão a criar aqui uma desigualdade iníqua entre trabalhadores com as mesmas funções e com a mesma natureza.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, Sr. Ministro, o que aqui está em causa é muito simplesmente a vossa política, mais uma vez, ou a falta dela, a falta de hombridade em dizer perante o País o que querem para as forças de segurança. Se querem a natureza militar, sigam-na em conformidade; se querem a natureza civil, sigam-na em conformidade! Não pode V. Ex.ª apresentar aqui, a esta Assembleia e ao País, afirmando a natureza militar, um regime civilista. Não pode V. Ex.ª querer ter tudo no mesmo saco. E é isso que VV. Ex.as aqui, mais uma vez, apresentam.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, sejamos, por isso, claros relativamente a esta proposta de lei: se querem alterar o regime de disciplina da GNR e querem manter a natureza militar da mesma, só há uma solução possível, Sr. Ministro, e não é esta! A solução é alterar o regime de disciplina militar, naquilo que vos acompanharíamos, com certeza, relativamente a esse ponto. Não é, no entanto, camuflar as vossas atitudes, dizer que fazem uma coisa e fazem outra, como aqui vem previsto.
Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não acompanharemos V. Ex.ª neste tipo de atitudes. Temos de ser claros perante o País e perante uma questão fundamental para a segurança dos cidadãos. Se queremos a natureza militar da GNR, teremos de ter todas as suas consequências; se lhe querem dar a natureza civil, assumam as vossas consequências e responsabilidades.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Moreira da Silva, é um pedido de esclarecimento muito simples.
Se eu tinha, com toda a propriedade, muito orgulho de hoje estar aqui a apresentar esta proposta de lei, depois de ouvir a intervenção do Sr. Deputado do PSD fiquei ainda com mais orgulho de estar aqui a apresentar esta mudança importante daquilo que tem a ver com o estatuto disciplinar da GNR.

Aplausos do PS.

Só lhe quero perguntar, muito simplesmente, se o Sr. Deputado acha que o que é fundamental para se ser militar é, hoje, os 25 000 homens e mulheres da GNR estarem sujeitos a penas de fascinas ou de privação de liberdade sem decisão do tribunal e que isso é admissível no ano de 1999, num país da União Europeia, num país desenvolvido. É esta a questão que é muito importante colocar!

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É que os senhores, com a posição que têm, são responsáveis pela manutenção deste estado de coisas. Felizmente que a Assembleia, com os votos dos seus Deputados, vai aprovar outra coisa com que o PSD está contra.
É bom que o País saiba que os senhores estão a favor da situação que hoje se verifica, ou seja, estão a favor destas situações que aqui referi, e que foi o Governo do PS que, com coragem, com determinação, foi mais longe nesta matéria, alterou o que tinha de ser alterado, para dignificar as forças de segurança, nomeadamente os agentes da GNR.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A responsabilidade é de quem pratica os actos! É bom que o País saiba que os senhores são coniventes com este estado de coisas que hoje se verifica na GNR!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, verifico, pela pergunta que V. Ex.ª fez, a dificuldade que teve em tomar nota das questões que aqui lhe coloquei. E a dificuldade essencial, Sr. Ministro, é V. Ex.ª ter uma posição clara perante o País e esta Assembleia do que é que quer para a GNR. É que V. Ex.ª quer exactamente o mesmo que aqui vem criticar. V. Ex.ª diz: será que se concorda com esse regime, com o regime hoje vigente para os agentes da GNR?

Vozes do PS: - Já disse!

O Orador: - V. Ex.ª concorda também com ele, porque não o vejo alterado relativamente às Forças Armadas e aos militares!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É uma crítica ao Ministro da Defesa Nacional!

O Orador: - VV. Ex.as não pretendem alterar…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Está a criticar o Ministro da Defesa Nacional, não é!?

Vozes do PSD: - Vai à boleia!

O Orador: - Exactamente! Exactamente!

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Srs. Deputados, peço que deixem o Sr. Deputado Moreira da Silva terminar a sua resposta.

O Orador: - Ó Sr. Presidente, não quero que algum outro ministro venha dizer que está a ser alvo de uma tentativa de "assassinato político"...!

Risos do PSD.

Vozes do PS: - Oh!…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Pelo colega!

O Orador: - Sim, por parte do seu colega de Governo!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O Sr. Ministro da Defesa Nacional é o torcionário não é? Pelas suas palavras deve ser!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, diria que a nossa visão é clara, que a visão do Partido Comunista é claríssima também, mas a que visão do Partido Socialista e do Governo é a única, em toda esta matéria, que não é clara, que é incoerente e que não é capaz de se definir perante o País! Se VV. Ex.as querem acabar com esse regime disciplinar da GNR,…

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Está de acordo com isto?

O Orador: - … alterem a natureza da GNR ou alterem o regime disciplina militar,…

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Então e as prisões?

O Orador: - … não podem querer as duas coisas ao mesmo tempo. E é isso que é incapaz de explicar ao País e aos trabalhadores da GNR! Isso é que V. Ex.ª não é capaz de fazer!

Aplausos do PSD.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Os trabalhadores da GNR? Que grande gaffe!

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Houve um tempo em que o conceito estratégico de defesa assentava na ideia de que o Estado teria pela frente um certo inimigo externo, o qual, por sua vez, também tinha repercussão ao nível interno. E como consequência, o objectivo de defesa nacional implicava que tanto seria necessário combater o inimigo em termos exteriores como dar combate ao mesmo inimigo em termos internos e, por isso, este conceito não sabia distinguir entre uma área e um domínio de defesa nacional e outra área e outro domínio de segurança interna.
Felizmente que hoje a nossa Constituição faz essa distinção. E pena é que os Srs. Deputados do PSD ainda não se tenham dado conta disso!

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Andam um bocado baralhados!

O Orador: - E pena é, por isso, que não consigam compreender que a alternativa da nossa ordem constitucional não é a de haver, necessariamente e apenas, um único estatuto dos militares do quadro das Forças Armadas, incluindo GNR,

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e um outro estatuto de funcionários civis do Estado. É que há um outro domínio, uma outra área, que os Srs. Deputados parece que ainda não entenderam, que se chama o regime das forças de segurança.

Vozes do PS: - Exacto!

O Orador: - E esse regime das forças de segurança pode ser estabelecido na lei, com regras específicas, em função da natureza também específica das forças de segurança.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Proponha a civilização da GNR!

O Orador: - É isso que está a acontecer hoje aqui, Srs. Deputados! O que está a acontecer hoje aqui é a verificação de que a GNR é uma força primordial de polícia, no âmbito das forças de segurança, que, independentemente da qualificação do seu estatuto, pode ter um regime próprio e esse regime não tem de ser, necessariamente, igual aos do demais militares das Forças Armadas.
Como os Srs. Deputados não percebem isto, não só têm uma atitude conservadora sobre a proposta do Governo como - permitam que vos diga - têm uma atitude profundamente reaccionária…

Aplausos do PS.

Risos do PCP.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - É a palavra exacta, no momento certo!

O Sr. Ministro da Administração Interna: - É verdade! Com mais de 100 anos!

O Orador: - … porque é uma atitude que não é capaz de compreender que a compatibilização entre o estatuto da dignidade de agentes de força de segurança com a salvaguarda dos direitos fundamentais dos cidadãos exige, como questão fundamental, dar dignidade aos agentes de segurança. É isto que a proposta do Governo visa fazer e é contra isto que, infelizmente, os senhores continuam a estar.

Aplausos do PS.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Peço-lhe que seja, de facto, uma interpelação à Mesa.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, interpelo a Mesa no seguinte sentido: depois da intervenção do Sr. Deputado Jorge Lacão, fiquei com uma dúvida, para a qual peço o esclarecimento da Mesa. Pergunto a V. Ex.ª se deu entrada na Mesa da Assembleia, porque desconheço, alguma proposta de lei do Governo de alteração à Lei Orgânica da GNR. É que, que eu saiba, até agora, o Governo não apresentou qualquer proposta para tirar a natureza militar da GNR…

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Isso está muito fraco!

O Orador: - … e, por isso, não conheço essa proposta de alteração.

Vozes do PS: - Ah!

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Sr. Deputado, até agora não deu entrada qualquer proposta.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, peço também a palavra para interpelar à Mesa.

O Sr. Presidente (Pedro Feist) - Tem a palavra, Sr. Deputado. Mas que seja, de facto, uma interpelação.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, é para, através da Mesa, sugerir que se dê conhecimento ao Sr. Deputado Moreira da Silva de que, nos termos do artigo 272.º, n.º 4, da Constituição "a lei fixa o regime das forças de segurança…" e fixa-o segundo o critério do legislador. É isso que estamos aqui a fazer hoje.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Muito obrigado, Sr. Deputado.
Creio que o Sr. Deputado Moreira da Silva ouviu. A Mesa propriamente não tem capacidade de dar cumprimento ao pedido que me faz.
Srs. Deputados, terminámos a discussão desta proposta de lei, que será votada na próxima sessão em que houver votações.
Passamos agora à apreciação, na generalidade, da proposta de lei n.º 268/VII.
Tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Na segunda intervenção que tenho hoje perante vós, quero falar-vos de uma outra proposta de lei que reconhece à Polícia de Segurança Pública (PSP) a liberdade sindical e os direitos de negociação colectiva e de participação. A sua aprovação constitui um marco histórico para esta instituição e um passo importante para a modernização da actividade policial em Portugal.
Já referi que o XIII Governo Constitucional assumiu como uma das suas prioridades, na área policial, a modernização das forças de segurança. Essa modernização passa, nomeadamente, pela promoção do aprofundamento dos valores cívico-profissionais e pelo aperfeiçoamento do quadro de representação profissional das forças de segurança. São estas as ideias e a filosofia que, no essencial, estão enunciadas no Programa do Governo. Trata-se, nomeadamente, do aperfeiçoamento do quadro de representação profissional das forças de segurança mediante a sindicalização na polícia.

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Amplamente discutido e analisado em diversos sectores da nossa sociedade, nos planos político, da doutrina e da jurisprudência, o reconhecimento do direito à constituição de sindicatos na polícia é um importante vector para a modernização da Polícia de Segurança Pública. Este é o nosso compromisso, por ele temos trabalhado nos últimos anos nos domínios das instalações, dos equipamentos, dos recursos humanos e da formação. Iniciámos e estamos a concretizar uma política consistente de reformas. A liberdade sindical na polícia faz parte integrante dessa política.
Para este Governo, não se trata, portanto, de um tema tabu. É, isso sim, um elemento de mudança, apanhando o passo da Europa nesta matéria, na qual a eficácia e profissionalismo policiais não são prejudicados pela existência e sindicatos na polícia.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas esta não é uma matéria com debate "esgotado", daqueles em que tudo já foi dito e em que é preferível "fechar os olhos" e manter o status quo. Pelo contrário, é uma matéria que todos devemos discutir. E isto porque a liberdade sindical constitui uma das liberdades essenciais em Estados que assentam numa democracia pluralista, como assenta Portugal. É no respeito por essa organização do Estado que devemos abordar a constituição de sindicatos na polícia, sem preconceitos, sem tradicionalismos mas sempre com a vontade de transformar para melhor. Acredito que este é momento mais oportuno para que, finalmente, o Estado e a sociedade portuguesa reconheçam o direito fundamental de constituição de associações sindicais na PSP.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Reconhecer a liberdade sindical aos agentes da PSP com funções policiais, e os direitos de negociação colectiva e de participação que lhe andam associados, baseia-se num muito simples e inegável pressuposto - o de que cada agente policial é um cidadão, é um trabalhador. E é-o sem prejuízo das funções específicas que desempenha. Cada polícia é um agente do Estado que tem por função "defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos".

A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Muito bem!

O Orador: - A PSP tem, hoje, inequivocamente afirmada a sua vertente civilista. Essa é a filosofia do diploma que VV. Ex.as aprovaram já no corrente ano sob proposta do Governo - refiro-me à Lei de Organização e Funcionamento da Polícia de Segurança Pública. Aí se encontra plasmada a restituição da sua natureza civil como força de segurança constituída por um conjunto de agentes que prestam um serviço público à comunidade.
Desde há algumas décadas que a exclusão do reconhecimento do exercício da liberdade sindical na polícia deixou de ser uma verdade absoluta. Desse facto dão conta diversos instrumentos internacionais e a própria legislação interna de numerosos países. É este o cenário no Direito Comparado. Em Portugal, por seu turno, praticamente todas as categorias profissionais se organizam em sindicatos para promoção dos seus interesses.
Entende, pois, o Governo que não há, no actual enquadramento jurídico da PSP, aprofundada a sua vertente civilista, qualquer fundamento legítimo para o não reconhecimento destas liberdades aos seus agentes. Ou seja, é para nós claro que estes têm também legitimidade para prosseguir, através de associações próprias, finalidades de natureza sindical. Esta é uma proposta que reúne um consenso alargado no âmbito dos mais directamente interessados na sua aprovação. Foram ouvidas as Associações Profissionais da Polícia de Segurança Pública e o Governo procedeu, após essa audição, às alterações compatíveis com a natureza específica que preside ao diploma. Ao pessoal da PSP com funções policiais é já reconhecido o direito de associação, nomeadamente nos termos da Lei n.º 6/90 - trata-se, agora, de regular a vertente específica de direito de associação profissional sindical.
Esta proposta não pretende - e é importante que tal seja claramente dito - retirar qualquer direito já legitimamente alcançado pelos profissionais da PSP. A presente proposta só revoga a Lei n.º 6/90 na parte em que seja incompatível com os direitos agora consagrados. A par do reconhecimento de direitos, a proposta regula as condições do seu exercício. O pessoal da PSP com funções policiais e as associações sindicais exercerão os seus direitos e as suas competências no respeito pelo princípio da prossecução do interesse público, na dignificação da função policial e na promoção da melhoria das condições sócio-profissionais do pessoal que representam. Esse princípio e estes objectivos nunca estiveram em causa, nem ficarão comprometidos uma vez aprovada a nova lei. Os órgãos políticos legitimamente eleitos têm a capacidade fiscalizadora e o dever público de garantir perante os portugueses que tal nunca acontecerá. Ao pessoal da PSP com funções não policiais é aplicável o regime dos trabalhadores da função pública. Esta é uma solução que entendemos coerente desde logo porque a Constituição distingue, no seio do Título relativo à Administração Pública, os agentes de polícia dos agentes da função pública em sentido restrito.
Atendendo, por um lado, às funções cometidas, constitucional e legalmente, à PSP e, por outro lado, às especificidades da sua organização estrutural, foi necessário prever um regime próprio de direitos e de garantias que fosse compatível e articulável com a missão que, concretamente, lhes incumbe. O Governo optou, pois, por definir, com absoluto rigor e sentido de responsabilidade, as restrições ao exercício da liberdade sindical pelo pessoal com funções policiais, procurando o necessário equilíbrio entre a eficácia das acções de polícia e o exercício da liberdade sindical. É, pois, justificável e adequado restringir o exercício da liberdade sindical em determinados casos, uma vez mais como acontece em vários países da União Europeia, onde estamos integrados.
Assim, restringe-se o direito à greve e a prestação de declarações que afectem a subordinação da polícia à legalidade democrática, bem como a sua isenção política e partidária. Também está restringida a prestação de declarações de que tomem conhecimento no exercício das suas funções e que constituam segredo de Estado ou de justiça, ou respeitem a matérias relativas ao dispositivo ou actividade operacional da polícia classificados de reservado nos termos da lei. Saliente-se, ainda, que não podem convocar reuniões ou

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manifestações de carácter político ou partidário, ou nelas participar, excepto, neste último caso, se os agentes trajarem civilmente. Tratando-se de acto público, os agentes não podem integrar a mesa, usar da palavra ou exibir qualquer tipo de mensagem. Os membros dos corpos gerentes das associações sindicais e os seus delegados gozarão de um conjunto de direitos próprios do seu estatuto, de entre os quais destacaria: o direito a créditos de não trabalho remunerado e o direito de não serem transferidos do seu local de trabalho sem obediência a dois requisitos - o seu acordo expresso e a audição da associação sindical respectiva.
No que concerne a incompatibilidades, o exercício de cargos em corpos gerentes é incompatível com as funções dirigentes tipificadas nesta proposta. Essas funções justificam, a nosso ver, uma verdadeira impossibilidade funcional de acumulação dos respectivos cargos com os corpos gerentes de associações sindicais. O motivo é relevante: prende-se com a imperiosa independência no exercício dos cargos. É importante referir que a estrutura, as atribuições e as competências da PSP constituem, no entendimento do Governo, matérias que devem permanecer exclusivamente no âmbito dos órgãos legislativos porque residem e têm interligação necessária com o conceito de Segurança Interna. São, por isso mesmo, matérias insusceptíveis de negociação colectiva. Resta-me referir que o interlocutor das associações sindicais nos procedimentos de negociação será o Governo, através do Ministro da Tutela, ou seja, do Ministro da Administração Interna.
A nossa posição é, por conseguinte, muito clara: justificam-se algumas especialidades no regime do exercício da liberdade sindical, mas é hoje injustificável a sua supressão.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, feita que está a apresentação deste diploma que hoje o Governo submete à apreciação de VV. Ex.as, quero deixar-vos uma preocupação: entendo que quem não reconheça aos agentes da PSP a liberdade sindical e os direitos de negociação colectiva e de participação terá o ónus de fundamentar claramente e justificar a sua.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - É que negar direitos que são, pela sua própria natureza, direitos de exercício normal e vulgarizado num Estado democrático é, implicitamente, assumir que os profissionais da PSP, nossos concidadãos, que merecem o nosso respeito, não têm a maturidade democrática cível que é lhe exigível num Estado como é o nosso.

Aplausos do PS.

Isto custa a ouvir, mas vão ter de ouvir! E é, em última análise, assumir uma clara atitude de "travão" à modernização do Estado e das suas instituições. Quem rejeita estes direitos está a travar a modernização de uma das instituições que merece o maior respeito dos portugueses, que pela sua segurança e tranquilidade tem trabalhado em condições que todos sabemos não serem fáceis.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quem rejeita estes direitos está a dar aos outros países da União Europeia, uma imagem completa de paragem no tempo, relativamente à União Europeia. Quem rejeita estes direitos ainda não percebeu que os outros também podem ter razão.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Isso é que vai ser uma pergunta difícil!

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, permita que lhe pergunte se há algum orador de outras bancadas inscrito. É que daríamos precedência ao uso da palavra de Srs. Deputados de partidos da oposição.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Sr. Deputado, tenho inscrições de todas as bancadas para intervenções, mas para pedidos de esclarecimento o seu é o único.

O Sr. José Magalhães (PS): - V. Ex.ª não tem mais nenhuma inscrição para pedidos de esclarecimento ao Sr. Ministro?

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Não, a não ser o seu, Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - É extraordinário!

O Sr. José Magalhães (PS): - Então, Sr. Presidente, farei o meu pedido de esclarecimento, mas permita-me que lhe diga que é verdadeiramente surpreendente que, tendo o Sr. Ministro feito uma intervenção carregada de ideias, de compromissos e de afirmações, os Srs. Deputados, designadamente do PSD, se limitem a fazer apartes em galeria ou em tribuna, como se estivessem ali sentados sem poder falar, e não usem da voz, dado que suspeito que têm voz, uma vez que ouço uma vozearia que procura sobrepor-se à minha voz.

Risos do PS.

O Orador: - Mas é uma vozearia indistinta, não se percebe! São apartes!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Se o Sr. Ministro não conseguiu esclarecer a sua bancada, como é que há-de esclarecer as outras?

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro, creio que V. Ex.ª deve ser…
Sr. Presidente, o Sr. Deputado Guilherme Silva está incontinente, mas eu sei que nem V. Ex.ª consegue calá-lo, porque ele vem de onde sabemos!

Risos do PS.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Sr. Deputado, faça o favor de continuar. A sua voz é suficientemente alta para se ouvir bem!

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O Orador: - Sr. Presidente, eu gostaria de dar parabéns ao Sr. Ministro por ter tido não apenas a coragem de quebrar o tabu mas por ter explicado cabalmente, perante a Assembleia da República, porque é que o Governo, depois de ter apresentado uma proposta que reforçava, aliás significativamente, o associativismo sócio-profissional da PSP, decidiu evoluir para a apresentação de uma proposta de instituição de verdadeiro e próprio sindicalismo específico e adaptado à natureza daquela força. Fê-lo de maneira transparente, fê-lo sem ocultar porquê, fê-lo ouvindo a sociedade, designadamente os destinatários. É desse porte e dessa atitude de que nós nos orgulhamos, e gostava de sublinhar isso.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Exactamente!

O Orador: - Mas gostaria de fazer perguntas genuínas ao Sr. Ministro sobre aspectos que importam ao nosso debate. A primeira é sobre o debate público. Julgo que o debate público que fizemos, que foi feito, e que, aliás, no plano parlamentar ainda estará em curso até aos primeiros dias do mês de Junho, trouxe contribuições e, ao que julgo saber, essas contribuições são de forte aplauso à proposta que o Governo apresentou e de apelo à Assembleia da República no sentido de que consagre esta evolução para um modelo policial que inclua sindicalismo policial. E não conheço nessa matéria nem argumentos nem posições que infirmem essa opção de fundo; sugestões de aperfeiçoamento conheço, mas não conheço o que quer que seja que infirme essa opção.
A segunda questão, que julgo igualmente importante, diz respeito ao lugar de Portugal no concerto europeu, designadamente em matéria de associativismo sócio-profissional das polícias. V. Ex.ª mencionou, de passagem, que julgava que Portugal não podia estar, neste fim de século, numa posição de isolamento estranho em relação à marcha que outros países têm vindo a prosseguir, sem comoções e sem apocalipses, de forma moderna e normal. Mas gostaria que V. Ex.ª pudesse analisar mais detidamente a situação de outros países, designadamente da União Europeia, porque julgo que isso corrobora a justeza da opção do Governo.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Sr. Deputado, peço-lhe que termine. Já esgotou o seu tempo.

O Orador: - A terceira questão é esta: a viabilidade desta lei depende, em opções de especialidade, de um consenso alargado - ninguém o oculta. A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias discutiu essa matéria abertamente, a revisão constitucional consagrou soluções e, portanto, a posição do PSD é relevante. Mas o PSD é um partido com história mas sem memória, e lembro-me de alguns episódios em que o PSD, na minha leitura, antecipava a possibilidade de consideração de uma solução positiva desta questão, se tivesse lugar uma certa reforma da PSP, que ocorreu já! Gostaria que V. Ex.ª pudesse, porventura, refrescar a memória dos que não a têm ou dos que estão a ocultá-la.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Era essa a pergunta difícil?!

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, Sr. Deputado, procurando ir ao encontro das questões que colocou, devo dizer, em primeiro lugar, que Portugal e o Governo têm muito orgulho em apresentar aqui esta proposta de lei e em constatar que ela poderá ser aprovada porque vamos colmatar uma falha que considero gravíssima. Neste momento, só há um país da União Europeia - um país da União Europeia! -, que é a Grécia, que tem algo que ainda não é bem um sindicato. Todos os países da União Europeia que têm polícias de segurança pública organizadas com a vertente civilista como tem hoje Portugal, depois da aprovação por esta Assembleia da República dessa nova lei, todos eles têm sindicatos nas suas polícias. E, que eu saiba, a França, que desde 1901 tem sindicato, não tem problemas especiais! A Espanha, que tem sindicatos onde 93% dos polícias estão sindicalizados, também não tem problemas! A Itália! Todos os países! É algo de sui generis que possa haver ainda, em 1999, em Portugal, partidos que se dizem avançados, que se dizem reformistas e que, quando se propõe algo de tão simples como conceder um direito que em toda a Europa é considerado normal, se mantenham agarrados ao seu conservadorismo, à sua ortodoxia, e fiquem completamente parados no tempo, como ficam os partidos que se pronunciaram contra.
Mas nem sempre foi assim! Se me permitem, vou ler-vos aqui um texto curioso - peço aos Srs. Deputados do PSD que tenham calma porque já vão ficar preocupados…

Risos do PS.

Em 10 de Setembro de 1986, houve alguém que disse o seguinte: "Penso que só me falta abordar o caso do associativismo ou sindicalização da PSP. A esse respeito, direi que o estado de espírito do Governo ou do Ministro da Administração Interna não é o de ser contra a sindicalização da polícia, isto é, contra a criação de sindicatos ou de associações sindicais, compreensivelmente condicionados como o são noutros países..." - reparem bem "compreensivelmente condicionados", que é para verem o que é que os senhores vão dizer a seguir! "Quando se der a transformação da polícia de um organismo com estrutura militarizada para um organismo civil..." - o que já foi feito, foi aprovado nesta Casa! - "...o Governo está perfeitamente aberto a permitir essa sindicalização". E dizia mais: "Não há qualquer complexo quanto à sindicalização da polícia e o Governo permiti-lo-ia já amanhã, se é que tal iniciativa depende da permissão do Governo, se a PSP fosse um organismo civil".
Os Srs. Deputados sabem quem é que disse isto? O Sr. Ministro da Administração Interna, Eng.º Eurico de Melo! E sabem quem estava aqui ao seu lado, no lugar de Secretário de Estado? Era o Dr. Durão Barroso! Por amor de Deus, não andem a brincar com coisas sérias porque isto é andar a brincar com coisas sérias.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

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O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Sr. Ministro, peço-lhe que termine.

O Orador: - Percebo que os senhores estavam à espera de outro! Foi uma "chatice", mas é o que está cá! Está no Diário da Assembleia da República, reunião plenária de 21 de Julho de 1986. Só o Sr. Deputado Guilherme Silva e talvez o Sr. Deputado Carlos Encarnação, que hoje, curiosamente, desapareceu deste debate, depois de durante todos estes anos andar aqui a metralhar contra a sindicalização na polícia…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Está no estrangeiro em missão oficial!

O Sr. José Magalhães (PS): - Deve estar em Varsóvia!

O Orador: - Mesmo o Sr. Deputado Guilherme Silva só chegou agora no fim, para ver se passa nisto sem ninguém ver!

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Sr. Ministro, tem de terminar!

O Orador: - Para terminar, quero só dar conta de uma coisa: mesmo os países que estão em transição democrática, como é o caso da Eslováquia, até esses estão a constituir sindicatos de polícia neste momento! É uma vergonha haver partidos em Portugal que tenham consolidado as suas posições e não sejam capazes de evoluir minimamente para aquilo com que todos - cerca de 80% dos portugueses, por estudos que se conhecem - estão a favor.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Sr. Deputado Luís Queiró, pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, gostaria de indagar, através de V. Ex.ª, se o Sr. Ministro da Administração Interna dispõe, nos seus arquivos relativos a discussões anteriores ocorridas na Assembleia da República, quando aqui se discutiu o associativismo da polícia noutras ocasiões, das declarações proferidas pelo Ministro que o procedeu, o Sr. Ministro Alberto Costa, que disse, com igual convicção àquela com que o Sr. Ministro Jorge Coelho agora falou, que não estava no horizonte do Governo a criação de sindicatos de polícia mas apenas de associações profissionais.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Era outro Governo!

Protestos do PS.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Não é verdade!

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Srs. Deputados, estamos perante um conflito regimental, pois o Sr. Deputado Luís Queiró interveio ao abrigo de uma interpelação à Mesa mas, afinal, quem foi interpelado foi o Sr. Ministro da Administração Interna.
De qualquer maneira, dou a palavra ao Sr. Ministro para responder, querendo.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Houve uns tempos em que o Sr. Deputado Luís Queiró vinha pouco à Assembleia da República, pelo que deve estar a referir-se a algum debate a que assistiu pela TV Cabo, mas do qual viu apenas um bocadinho, não viu todo.

Risos do PS.

Dá-me ideia que pode ter sido isso o que aconteceu!
A questão é muito simples: nós somos coerentes nesta matéria!

Vozes do PSD: - Ó diabo!…

O Orador: - Os senhores é que não são, como acabámos de ver. É uma tragédia! O melhor é ligarem ao Dr. Durão Barroso, não vá ele dar outra ordem agora, para que ele não fique mal visto! Os senhores, hoje, vão deixá-lo mal visto!

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Mas não é deles que eu falei!

O Orador: - Tem razão, peço desculpa. Já lá vai o tempo em que quando falava para o Sr. Deputado Luís Queiró tinha de estar a olhar também para os Srs. Deputados do PSD. Mas isso já lá vai, já foi noutra altura, e ainda bem!

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Essa sua confissão é extraordinária!

O Orador: - Nesta matéria, só gostava de referir-lhe a coerência do processo, uma vez que foi aprovada, por esta Casa, uma lei orgânica que transformou a Polícia de Segurança Pública numa direcção civil, a partir da qual passámos a defender a existência de um sindicato. Com o estatuto anterior nunca o defendemos, mas, agora, sim, estão criadas as condições para o fazer, porque os polícias são cidadãos iguais aos outros e precisam de ser tratados com os mesmos direitos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A questão dos sindicatos na polícia é o exemplo acabado da inconstância de posições próprias de um Governo que está disposto a tudo sacrificar aos seus interesses eleitorais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PS.

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O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Srs. Deputados, peço que criem condições para que o Sr. Deputado Miguel Macedo possa continuar a sua intervenção.

O Orador: - Os Srs. Deputados do Partido Socialista podem interromper-me as vezes que quiserem, mas ficam com a certeza de que não me incomodam com essas interrupções.
Sobre esta matéria, o Governo inscreveu no seu Programa que pretendia "aperfeiçoar o quadro de representação sócio-profissional da PSP". Esta enigmática proclamação justificava a curiosidade de quem procurava apreender o sentido e o significado exacto das intenções do Governo, que foram explicitadas na proposta de lei n.º 122/VII, desta legislatura,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Deste Governo!

O Orador: - …discutida nesta Assembleia, na sessão de 16 de Outubro de 1997.
Com aquela proposta de lei o Governo pretendia proceder à alteração do artigo 5.º da Lei n.º 6/90, de 20 de Fevereiro, que regula o exercício de direitos do pessoal da PSP, nos termos seguintes: primeiro, clarificar o direito das associações profissionais a tomar parte na definição das condições de trabalho e do sistema retributivo; segundo, alargar o número de representantes no Conselho Superior de Polícia e no Conselho Superior de Justiça e Disciplina; e, finalmente, permitir a participação de dois representantes eleitos nos órgãos de gestão dos serviços sociais.
O Deputado José Magalhães, intervindo neste debate, afirmava, então, em pedido de esclarecimento dirigido ao Deputado João Amaral, que havia desafiado o PS a permitir a criação de sindicatos na PSP, que "o compromisso que o Partido Socialista assumiu perante o eleitorado e que consta do seu Programa de Governo cifra-se, letra por letra, nisto: aperfeiçoar o quadro de representação sócio-profissional da PSP".
E acrescentava: "Foi isto, rigorosamente isto, que o Partido Socialista prometeu e é isto, rigorosamente isto, que quer e vai fazer. E, repare, nesta matéria, não somos imunes àquilo que nos diz, mas não podemos, como é natural, cumprir o seu e não o nosso Programa".

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem! Bons tempos!

O Orador: - Aparentemente, ficavam assim clarificados os propósitos do Governo sobre esta matéria.
Puro engano. Apesar de aprovada na generalidade, a proposta de lei n.º 122/VII jaz, desde essa data, abandonada e esquecida pelos socialistas, na comissão parlamentar a que deu baixa. Afanosamente defendida e saudada como traduzindo a vontade política expressa no Programa do Governo, aquela proposta de lei não passou de um nado-morto legislativo, sacrificada no altar da volatilidade das conveniências eleitorais dos socialistas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - De resto, importa recordar que, na mesma sessão do Plenário desta Assembleia, foi discutida a proposta de lei n.º 128/VII, que regulava o exercício de direitos do pessoal da Polícia Marítima, e que, na ocasião, o Governo sublinhou, enfaticamente, acolher para a Polícia Marítima o regime de exercício de direitos consagrado para a PSP, incluindo até as alterações que acabavam de ser discutidas para esta. Nem mais, nem menos!
Tratava-se, portanto, de defender o paralelismo do regime de exercício de direitos para a PSP e para a Polícia Marítima. Mas, a ser assim, importa saber se o Governo vai propor agora idênticas alterações para a Polícia Marítima ou se, pelo contrário, entende hoje já não fazer sentido o paralelismo de regimes antes pretendido.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, sejamos claros neste debate. O PSD não aceita que as questões de segurança e tranquilidade dos cidadãos sejam encaradas com esta ligeireza e sejam tratadas com tal leviandade política.
O PSD não aceita também que a segurança dos cidadãos possa ser hipotecada pelo exercício de direitos sindicais nas forças de segurança e, assim, por razões laborais ou outras, fazer comprometer aquela obrigação do Estado. Em consequência, o PSD não concorda com esta proposta de lei.
De resto, o PSD está convicto de que, ao tomar a iniciativa legislativa que consagrou a possibilidade de constituição de associações sócio-profissionais nas forças de segurança, foi tão longe quanto era e é consentido pelo texto constitucional que temos.
O Governo invoca dois argumentos principais para justificar esta sua iniciativa legislativa: por um lado, sublinha que esta proposta de lei consente na criação de sindicatos das forças de segurança mas veda o exercício do direito à greve; por outro, invoca a situação existente nos restantes países europeus para destacar o nosso isolamento neste domínio.
Em qualquer dos casos, não tem o Governo razão. Primeiro, porque não desconhece o Governo que a forte carga programática que caracteriza, ainda, a nossa Constituição não tem qualquer paralelo com as Constituições de outros países europeus; podem os outros países ter sindicatos de polícias, mas não têm uma Constituição como a portuguesa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Depois, porque, decorrente da natureza excessivamente especiosa com que a nossa Constituição regula muitas das matérias relevantes para esta discussão, é inerente à natureza sindical das associações profissionais, por exemplo, o exercício do direito à contratação colectiva e o exercício do direito à greve.
Assim sendo, e tendo como referência ainda o nosso texto constitucional, não vemos que seja possível restringir, nos termos propostos, o direito à greve na PSP.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Proponham!

O Orador: - E isto porque o artigo 270.º da nossa Constituição não inclui, no elenco de direitos, liberdades e garantias passíveis de restrição, o direito à greve, sendo certo que, nos termos do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, apenas podem ser restringidos os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos nessa mesma Constituição

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Sr. Ministro, sei que custa ouvir isto, mas convém que ouça, porque temos de ter seriedade nestas matérias e temos de olhar para estas questões com responsabilidade.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Vê-se!

O Orador: - Ou seja, entendemos que só é possível optar por um de dois caminhos: ou se recusa a natureza sindical das associações profissionais das forças de segurança,e neste caso pode restringir-se o exercício do direito à greve,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Preto no branco!

O Orador: - … ou, pelo contrário, permite-se a constituição de sindicatos e, então, não pode recusar-se o exercício do direito à greve.
O que é impensável é conferir o direito à constituição de associações sindicais despidas daquele que é um seu conteúdo constitucional fundamental.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - De resto, é meu convencimento que o Governo está ciente desta contradição…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sempre esteve!

O Orador: - … e que só a falta de coragem política para assumir todas as consequências e implicações decorrentes do reconhecimento de sindicatos nas forças de segurança - e, desde logo, o exercício do direito à greve - motiva este aparente anacronismo.

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Suspeito até que o que o Governo pretende, se não deseja mesmo, que, amanhã, confrontado com a eventual convocação de uma greve na PSP, venha a ser declarada a impossibilidade constitucional de poder impedir o exercício daquele direito.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Isto é uma vergonha!

O Orador: - Então, invocando o respeito pelas decisões judiciais, o Governo mais não faria do que encolher os ombros ao mesmo tempo que declarava a sua impotência perante a situação criada. E com este pretenso alibi, que não era mais do que a expressão de refinada hipocrisia política,

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Reserva mental!

O Orador: - … este Governo, aparentemente indignado, dava por encerrado o problema.
Não contam com o PSD para isto!

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, vários responsáveis socialistas, nos dias que antecederam este debate, têm procurado alinhar argumentos na tentativa de provarem que esta lei não carece de aprovação por maioria qualificada de dois terços dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções.
Neste esmerado esforço, o que os Deputados socialistas têm, afinal, explicitado é a novel e peregrina tese de que se o PSD não contribui com o seu voto favorável para os dois terços constitucionalmente requeridos, então, pura e simplesmente, os dois terços não são precisos.
Assinalamos a inovação, espantamo-nos com a ousadia interpretativa e sublinhamos, até, tão encantadora desfaçatez, mas recusamos que a boa interpretação constitucional possa ser feita com recurso a razões de mera conveniência e puro oportunismo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Para dizer tudo, o recurso ao casuísmo da conveniência socialista não pode estruturar uma boa interpretação das leis e da Constituição.
A questão é clara: o Governo quer, agora, permitir a criação de sindicatos na Polícia de Segurança Pública. No quadro desta proposta de lei, o Governo pretende também vedar, entre outros, o exercício do direito à greve.
Não é isto uma restrição de direitos? E, se assim é, como entender não ser requerida a maioria exigida constitucionalmente para este efeito?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Um escândalo!

O Orador: - Enredado nas suas próprias contradições, os socialistas esperam a revelação salvadora para os seus intentos, mesmo que, para isso, tenham que omitir hoje o que afirmaram ontem. Não contem, também, com o PSD para isto!
Sr. Presidente e Srs. Deputados, disposto a avançar, nestes termos, com os sindicatos na Polícia de Segurança Pública, o Governo ignora a Constituição e, assim, despreza as consequências inevitáveis desse facto. Assim sendo, estamos perante uma irresponsabilidade política que não subscrevemos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, ouvi com atenção a intervenção do Sr. Deputado Miguel Macedo, que começou com um filme antigo - costumamos ver os filmes antigos no canal 43, se não estou em erro, que vemos sempre com alguma atenção - ,…

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - São sempre melhores do que os modernos!

O Orador: - … e acho que tem toda a razão. Aliás, se precisar que alguém zurza consigo os ziguezagues que o Partido Socialista foi dando ao longo do tempo, cá estaremos.

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Na intervenção que, com a autorização do Sr. Presidente, vou produzir a seguir tenho uma "peçazinha" sobre esses ziguezagues.
O problema é que o Sr. Deputado Miguel Macedo não tem de responder ao País, à generalidade da população, que pensa que o PSD, algum dia, há-de ser capaz de responder, em termos adequados e aceitáveis, aos desafios das mudanças, no sentido das liberdades, em todos os sectores da vida nacional, mas tem de responder aos profissionais, aos agentes da Polícia de Segurança Pública, que, aliás, estão aqui bem representados, a esta questão simples: porque é que o PSD é contra o sindicalismo na Polícia de Segurança Pública?

O Sr. José Magalhães (PS): - Exactamente!

O Orador: - Porque é que o PSD quer ser a famosa força de bloqueio à constituição daquilo que seria um inegável progresso jurídico…

O Sr. José Magalhães (PS): - Sem desculpas!

O Orador: - … de que iriam beneficiar a polícia e a sociedade no seu conjunto, ou seja, à constituição de um sindicato na PSP?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Uma vez que o Sr. Deputado Miguel Macedo pretende responder a todos os pedidos de esclarecimento em conjunto, tem agora a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Macedo, ao ouvi-lo falar daquela tribuna não pude deixar de achar que a sua intervenção representava a homenagem que o vício presta à virtude, porque argumentos "tremendistas" como aquele que exprimiu foram os da sua bancada, do seu partido, do seu governo, aquando da aprovação da Lei n.º 6/90, de 20 de Fevereiro, que regula a associação dos direitos dos profissionais da PSP.
O Sr. Deputado está esquecido do que disseram que significaria a instabilidade para a Polícia de Segurança Pública, em caso de um instrumento de aprovação de direitos de participação poder vir a ser aprovado? Nada disso aconteceu, Srs. Deputados.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - Aquilo que o senhor agora foi àquela tribuna dizer, como prevenção "tremendista" para o futuro, vai ter exactamente o mesmo tipo de consequências que tiveram os vossos avisos relativamente a um futuro que, entretanto, neste momento, já é passado.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Exactamente!

O Orador: - O que espanta é que os senhores nada aprendam, que não tenham, justamente, a capacidade para verificar que as vossas posições é que estavam inteiramente desajustadas da realidade.
Quando vêm acusar o PS ou o Governo de evoluir na sua própria posição, de uma afirmação em defesa do associativismo sócio-profissional para uma posição de sindicalismo, em todo o caso específico e com limitação de alguns direitos, os senhores não vêem nisso uma evolução natural, criticam apenas porque não estão no vosso ponto de partida, que era a negação inteira, pura e dura, de qualquer de participação aos agentes da PSP.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Está enganado!

O Orador: - Depois, vêm invocar o argumento constitucional, dizendo: "Bem, se calhar, ao fim ao cabo, nada daquilo que o Governo propõe pode ser feito porque a Constituição não deixa". Não deixa, Sr. Deputado?!
Em matéria de restrição de direitos, o que a Constituição admite expressamente é que só podem ser restringidos os direitos que a Constituição preveja. Muito bem! Mas, Sr. Deputado, o artigo 270.º prevê ou não a possibilidade de restringir direitos, designadamente em matéria de associação? Não é disso que estamos a falar? O sindicato não é uma modalidade específica de associação? Claro que é, Sr. Deputado!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Então, se a Constituição expressamente admite a possibilidade de restringir direitos em matéria de direitos de associação, obviamente que permite limitar alguns direitos no domínio do exercício de direitos de participação no âmbito sindical.
Se o Sr. Deputado não é capaz de fazer esta interpretação constitucional, não é capaz nem de ajustar a sua posição política às realidades do tempo nem de compreender a ordem constitucional em que vive.
O que lhe peço é apenas o seguinte, Sr. Deputado: perante o artigo 270.º, diga verdadeiramente à Câmara qual é o direito que, em sua opinião, não pode ser restringido. Mas faça-o citando a Constituição, e não fazendo argumentos à margem dela.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, V. Ex.ª manifestou aqui, mais uma vez, a sua especial predilecção por filmes antigos, …

Risos do Deputado do PCP, João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Boa piada! Foi o Torres Pereira que lhe disse essa?

O Orador: - … o que lhe fica bem, tem cabimento.

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Mas, Sr. Deputado João Amaral, deixe-me dizer-lhe que julgo que a intervenção que fiz da tribuna colocou, embora de uma forma que procurei que fosse politicamente forte, as questões constitucionais que, inevitavelmente, se levantam nesta matéria.
De resto, e adianto já algumas razões, o tipo de pergunta formulada pelo Sr. Deputado Jorge Lacão, em vez de colocar algum embaraço à minha resposta, na verdade, revela quanto o Partido Socialista quer ignorar, o que, evidentemente, é uma matéria de relevo constitucional,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - … o que é uma matéria que, do nosso ponto de vista, pode, afinal, contribuir para um resultado completamente diferente do que o Governo aqui vem proclamar com esta proposta de lei.
Sr. Deputado João Amaral, é bom não esquecer que, em 1990, quando foi aprovada nesta Assembleia a possibilidade de criação de associações de natureza socio-profissional na Polícia de Segurança Pública, foi-o por uma iniciativa do governo de então, da responsabilidade do PSD…

O Sr. Jorge Lacão (PS): - E, entretanto, o Ministro teve de ser substituído!

O Orador: - De resto, VV. Ex.as aprovaram esse diploma! Foi uma proposta de lei apresentada pelo governo do PSD nessa altura, a qual foi aprovada com o vosso voto!
Ora, o que vim dizer, Sr. Deputado Jorge Lacão, foi que, em nosso entendimento, com esta Constituição, não é possível, por um lado, atribuir natureza sindical sem reconhecer o direito à greve e, por outro - e respondendo directamente à sua pergunta -, não estando contida no artigo 270.º da Constituição a possibilidade de se restringir o direito à greve, visto que só podem ser restringidos os direitos aí expressamente previstos, então, nos termos desta proposta de lei, estamos a fazer tudo,…

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Isso é um absurdo! Que grande disparate!

O Orador: - Não é absurdo nenhum!
… estamos a fazer tudo para conseguir o que é inevitável, isto é, a declaração de inconstitucionalidade deste diploma.
Diz bem o Sr. Deputado Jorge Lacão: "É um absurdo!". Pois é, mas é um absurdo que resulta da proposta de lei do Governo!

Aplausos do PSD.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, é para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Tem a palavra, mas peço-lhe que seja uma interpelação de facto.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, é que o Sr. Deputado Miguel Macedo invocou uma iniciativa do anterior governo, em 1990, relativa ao associativismo socio-profissional da PSP.
Na circunstância, havia um Ministro da Administração Interna que teve de abandonar funções por ter-se manifestado totalmente contrário à possibilidade de se adoptar na ordem legislativa…

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Sr. Deputado, faça a sua interpelação à Mesa, por favor.

O Orador: - Sr. Presidente, a interpelação é no sentido de a Mesa refrescar a memória histórica do Sr. Deputado Miguel Macedo, recordando-lhe que esses eventos aconteceram na sequência de uma célebre repressão sobre polícias, ocorrida no Terreiro do Paço, que ficou conhecida pelo "acontecimento dos secos e dos molhados". Na sequência de tais eventos, o Partido Socialista empenhou-se em estabelecer uma disposição legal de amnistia, justamente para criar a paz no interior da corporação da PSP, e assumiu disponibilidade para, com o governo, negociar os termos da proposta sobre o associativismo sindical.
Foi a partir dessa iniciativa do PS que, depois, pelas mãos do governo, foi apresentada uma iniciativa formal, na sequência, portanto, de uma exigência política do Partido Socialista.

Aplausos do PS.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Afinal, a iniciativa foi do governo de então!

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Da nossa parte, PCP, intervimos neste debate com o exacto sentido da responsabilidade que envolve a matéria de que se trata e, também, com a esperança, que ainda mantemos, de que ele permita dar corpo a uma PSP de maior cidadania e mais próxima das suas congéneres da União Europeia no que respeita ao exercício dos direitos fundamentais, incluindo o da liberdade sindical.
Não temos nenhuma dúvida em afirmar que, se se chegou até à proposta de lei que o Governo agora apresenta, isso deve-se à determinação, ao espírito de sacrifício e ao sentido de responsabilidade de que, há quase 20 anos para cá, vêm dando provas muitos e muitos profissionais da PSP.
Muita determinação e espírito de sacrifício para vencer o desprezo de um poder governamental que não hesitou em usar a repressão para contrariar as aspirações manifestadas no sentido da representação profissional e da organização de associações. Essa repressão traduziu-se em muitas arbitrariedades, em processos disciplinares apontando para a expulsão, em transferências compulsivas, em prejuízos na carreira e no exercício de funções profissionais, em proibições de toda

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a ordem, até à cena de brutalidade e ridículo que foi o uso do corpo de intervenção e dos canhões de água da PSP para fazer dispersar os agentes da mesma PSP que tentavam entregar a um dos autistas ministros do PSD um documento com os problemas que os afectavam.
Mas, além da determinação e espírito de sacrifício, os profissionais da PSP contribuíram, de forma decisiva, para o acto de progresso jurídico que hoje se pode verificar com o seu sentido de responsabilidade. Nunca, nesta luta que travam há tantos anos, os profissionais da PSP puseram em causa o funcionamento da polícia e o cumprimento das suas missões. Os profissionais da PSP não eram obrigados a demonstrar a ninguém, nem mesmo a políticos retrógrados, reaccionários e autistas, que eram cidadãos responsáveis e polícias cumpridores. Não tinham necessidade de fazer essa demonstração, mas fizeram-na. Mostraram a completa compatibilidade entre o associativismo profissional e as missões da PSP. Mostraram mais: que uma polícia com direitos reconhecidos e, por isso mesmo, mais próxima da plena cidadania é uma polícia com maior aptidão para lidar correctamente com a sociedade de garantias e direitos que, hoje, é a sociedade portuguesa.
Foi este entendimento que, no PCP, sempre tivemos na apresentação de projectos de lei, reconhecendo a liberdade sindical aos profissionais da PSP. Refiro-me a projectos de lei que apresentámos na V, na VI e nesta VII Legislatura.
Defendemos que a polícia não deve ser marginalizada nem "guetizada". A polícia não deve ser colocada como um corpo estranho à cidadania e aos direitos para não se tornar num instrumento contra os cidadãos e o exercício de direitos.
Por isso, o reconhecimento da liberdade sindical é um progresso jurídico, para uma polícia melhor e mais próxima dos cidadãos.
Foi o que, de resto, os países da União Europeia reconheceram dando assento de lei às associações sindicais de polícia, como a PSP.
Se, em Portugal, a liberdade sindical da PSP ainda não foi legalmente reconhecida é pela oposição que lhe tem sido movida. Umas vezes, oposição activa, incluindo a repressão, como foi feito, desde 1984 até hoje. Outras vezes, a oposição de marcha lenta, bem evidenciada nesta legislatura, em que o PS pôs no programa eleitoral o reconhecimento da liberdade sindical, mas o seu Governo demorou os quatro anos da legislatura para apresentar na Assembleia a respectiva proposta de lei.
Os ziguezagues que o PS foi fazendo ao longo da legislatura quanto a esta questão só serviram para atrasar e para dar alimento à oposição a este progresso legislativo.
Não é possível apagar da memória que, há menos de dois anos, a meio da legislatura, ainda o Governo do PS apresentou aqui uma proposta de lei sobre o regime de exercício de direitos dos profissionais da PSP que continuava a negar o exercício da liberdade sindical.
Chegamos ao fim da legislatura com o Governo a reconhecer que não tinha razão. Só que as incoerências pagam-se caro. Estaríamos neste debate seguramente muito melhor se ele tivesse ocorrido há dois anos e se não tivesse havido tanta hesitação e tanto ziguezague por parte do Governo.
O PCP apresentou, logo no início da legislatura, o projecto de lei n.º 55/VII, sobre a liberdade de associação sindical dos profissionais da PSP. Discutimo-lo, nesta Assembleia, a 16 de Outubro de 1997. O PS votou contra, juntando os seus votos à direita parlamentar. Não reproduzo aqui, por pudor, o que então foi dito em nome da bancada do Partido Socialista contra o reconhecimento da liberdade sindical, além do mais porque tal não merece esse encargo.
Com esta proposta de lei dirá o PS que rompeu o ciclo de hesitações e contradições. Não faltará quem diga que, apresentada tão tarde, há nela uns laivos do chamado "vento eleitoral". Mas, para nós, PCP, o que é importante, o que é fundamental é a possibilidade aberta de consagrar este importante progresso legislativo, que não só corresponde a uma profunda aspiração dos profissionais, que, como já disse, o reclamam há muitos anos e por ele lutam com determinação, como é essencial para o processo de modernização da polícia e da sua evolução para uma polícia civilista e próxima dos cidadãos.

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Agora, na generalidade, o que vamos votar é a concordância ou a discordância com a liberdade sindical dos profissionais da PSP, com algumas condicionantes. É este princípio geral que votamos. Mais tarde faremos a apreciação na especialidade. Mas sabemos que os interessados deram o seu acordo na generalidade e não se opuseram às soluções de especialidade.
Para nós, estão assim reunidas as condições para que a Assembleia da República aprove este avanço legislativo.
Quem se opõe? O PSD?
Este debate não deve servir para mistificar posições.
A posição que o PSD assumiu é mistificatória. Alega que a liberdade sindical ou é total ou não o é. E, para reforçar, afirma que são precisos 2/3 dos Deputados, tanto para essa liberdade existir como para não existir.
O PSD é, incorrigivelmente, uma força de bloqueio. Agora, que não dispõe dos canhões de água para molhar "a malta", usa a sofismação para "regar" os debates.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O PSD olha para o infinito e sentencia: "ou fazem o sindicato 'todinho', e com 2/3, ou não fazem nada disso, também por 2/3!".
Vamos mesmo todos ter de rezar dois terços…

Risos do PCP e do PS.

… para ver se algum santo dotado de quilométrica paciência e incontável perseverança ilumina estes empedernidos espíritos de VV. Ex.as e vos explica uma coisa simples. Agora, a responsabilidade é de cada um dos que se sentam aqui, de cada partido, para responder a esta pergunta muito directa: aceitam ou não o sindicalismo policial, à semelhança dos outros países da União Europeia?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A responsabilidade, agora, é da posição e do voto aqui assumidos e não é da Constituição, nem é dos canhões de água, nem é das próximas eleições.

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Quem votar contra a adopção de uma lei de consagração da liberdade sindical com certos limites é que é responsável pelo resultado final. E se, como sucede no caso do PSD, o seu voto for determinante para obtenção de uma determinada maioria qualificada, então, é maior ainda a responsabilidade do PSD. E sem fuga possível.
Nós, PCP, votamos a favor, porque queremos mais cidadania. Queremos uma polícia mais responsável e mais próxima dos cidadãos. Nós não desconfiamos do sentido das responsabilidades dos profissionais da PSP. Nós confiamos no exercício das liberdades, porque é isso que faz uma sociedade moderna e segura.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O Grupo Parlamentar do Partido Socialista gostaria de saudar a apresentação e discussão, nesta Câmara, da proposta de lei tendente à consagração do direito de associação sindical na PSP.
O Sr. Ministro da Administração Interna teve ocasião de fundamentar as razões que levam o Governo a dar este passo.
O Governo dá este passo de forma transparente, na sequência de um diálogo que entabulou com os cidadãos que prestam serviço nas forças policiais. Esse diálogo cuidadoso, feito ao longo de muitos meses, tem vestígios, vestígios esses que foram transmitidos à Assembleia da República. Tivemos oportunidade de analisá-los e encontrámos neles contribuições, dúvidas, divergências, propostas de alteração, mas, no seu sentido fundamental, aplauso e adesão à reforma que agora foi proposta pelo Governo.
Essa reforma, ninguém o ocultou, representa um estádio superior e mais aperfeiçoado em relação ao que aqui foi votado na generalidade, no início desta legislatura, sem o apoio, aliás, de partidos da oposição. A razão dessa aceitação de um aperfeiçoamento da proposta anterior foi, clara e frontalmente, anunciada. Não se trata, manifestamente, de um ziguezague, trata-se de não ser autista e de ouvir aqueles que connosco conversam e discutem. Foi isso que o Governo fez, e isso merece, da parte da bancada do PS, todo o aplauso e toda a solidariedade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por outro lado, gostaria de sublinhar que esta iniciativa surge no contexto de um conjunto articulado de reformas que, entendemos nós, estão a gerar uma metamorfose e uma melhoria da própria PSP.
A legislação publicada no início deste ano e longamente debatida na Assembleia da República consuma uma reforma histórica deste corpo policial, dá à PSP uma nova lógica de funcionamento, uma nova estrutura e uma dualização do estatuto dos seus membros. Essa opção foi, também, fundamentada e discutida, artigo a artigo, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, e, portanto, no seu resultado, é uma reforma equilibrada e cuidadosa.
Gostaria de saudar o facto de não se tratar de uma reforma no papel, mas de uma reforma na acção, acompanhada de reforço dos meios orçamentais disponíveis para a PSP, do reforço dos meios afectos à formação, à melhoria das condições culturais, à melhoria da operacionalidade e à melhoria dos meios ao serviço dos cidadãos que prestam serviço na PSP. Essa filosofia, que executa escrupulosamente o Programa de Governo, é, em si mesma, uma garantia da modernidade da PSP, da sua própria eficácia e do seu prestígio aos olhos da comunidade, dos cidadãos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Julgo que a PSP tem visto reforçado o seu prestígio. A sua presença assídua, visível, nas ruas de Portugal é, em si mesma, um sinal de confiança dado aos cidadãos e o cumprimento da promessa solene do Governo de que daria à segurança dos portugueses a primeira prioridade, como está a ocorrer.
O debate que hoje se realiza tem revelado uma dualidade de atitudes e, infelizmente, uma fractura que não desejaríamos.
Ao apresentar a proposta, o Governo fez um apelo - e a nossa bancada é solidária em relação a esse apelo - no sentido de um consenso alargado que permita dar à PSP aquilo que, hoje, polícias congéneres na nossa União Europeia têm, em muitos casos, desde há longos anos. Por nós, levamos a sério esse apelo. E os fundamentos que foram invocados para justificar esta reforma merecem-nos concordância e adesão.
Não ouvimos nenhuma razão, nenhum argumento que desmentisse ou infirmasse aqueles que, da nossa parte, têm vindo a ser expressos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Argumentos de Direito Comparado não há. Argumentos de recusa por parte dos destinatários não há. Argumentos de crítica social por parte dos cidadãos, discordando dessa opção, não há. Soluções aventureiras que não permitissem calibrar rigorosamente a medida exacta de direitos a conceber não há. De qualquer maneira, ainda que houvera, estariam rigorosamente nas mãos dos Deputados com espírito construtivo e com cuidado reforçado. Não vimos nenhuma contribuição nesse sentido.
Então, verdadeiramente, o que vimos da bancada do PSD, que se pronunciou em termos mais grosseiros, diria? Vimos uma falácia constitucional que oculta um imobilismo imoral.
A falácia constitucional é simples de enunciar.
O Sr. Deputado Miguel Macedo, que entretanto "desertou" do Plenário, enunciou-a em termos que me relembram a "insurreição dos pregos" - Ah! A triste tradição do PSD da qual faz parte a "insurreição dos pregos", episódio ocorrido no tempo do ex-ministro Ângelo Correia.
Mas, agora, o Sr. Deputado Miguel Macedo traz-nos a ideia da "inventona", do plano secreto para dar "grevismo" ou tipo legal ao "grevismo" da PSP através do chamado "truque constitucional".
Em que constaria o "truque constitucional", que é uma verdadeira aberração, e no qual eu próprio não tinha acreditado - um meu camarada de bancada tinha-me contado uma versão sumária, mas eu não o acreditei. Aliás, peço-lhe desculpa pois devia tê-lo acreditado! - até ouvir directamente da boca do Sr. Deputado Miguel Macedo essa sucessão de falácias coladas umas às outras a que chamarei o "plano secreto para instaurar o direito à greve na PSP, à sucapa"?

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Se bem o entendi - e não estou seguro de tê-lo entendido -, o plano seria o seguinte: a Assembleia da República aprovaria uma norma que instituiria sindicatos; ulteriormente, alguém, uma qualquer força do Mal identificada - até o Sr. Deputado Miguel Macedo e mais outros tantos Deputados! -, iria ao Tribunal Constitucional requerer a declaração de inconstitucionalidade da lei por não consagrar plenamente o direito à greve e esse direito seria reconhecido pelo Tribunal Constitucional, coisa que é preciso evitar a todo o custo já, abortando a lei totalmente, impedindo que haja qualquer lei!
Devo dizer que raras vezes ouvi algo mais disparatado nesta Câmara, algo que assenta num sofisma que é o chamado "sofisma do paralítico", isto é, aquele que está parado, que está imóvel, e que diz "eu estou imóvel mas, a mexer-me, era para correr; como não posso correr, então, não me mexo!", o que é um absurdo!
Entre o exagero de sindicatos na polícia com pleno direito à greve e o grau zero de sindicalismo há um meio termo!

Vozes do PS: - Exactamente!

O Orador: - É esse meio termo que o Governo propõe e ele consiste em calibrar rigorosamente os direitos.
O Sr. Deputado, manifestamente, não fala com nenhum sindicalista há muitos anos, porque eles ter-lhe-iam dito isto e não o diriam como sindicalistas castrados mas como sindicalistas conscientes de que a sua actividade não é exactamente uma barbearia... Sabem que são membros das forças policiais, têm sentido de responsabilidade, estudaram o direito comparado, estudaram a Constituição - coisa que V. Ex.ª manifestamente não fez - e percebem que é possível um meio termo. E tanto radicalismo cheira a esturro, Sr. Presidente, Srs. Deputados. Aquele que não se quer mexer, aquele que se quer manter imóvel, …

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Mais um paralítico!

O Orador: - ... com o pretexto que ou estava parado ou voava como o Concorde é alguém que, manifestamente, nem quer andar. E é isto que francamente nos choca e é isto que não podemos aceitar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A segunda coisa que me chocou e me impressionou neste debate - espero que não seja a impressão definitiva, mas lá que é a primeira impressão e é má, é! - é a lógica de suspeição que está por detrás do raciocínio básico do PSD. Porque a única razão que leva o Sr. Deputado, aparentemente, a insinuar que Portugal não pode dar este passo - já vimos que não é a Constituição, isso é uma falácia - é o medo que os cidadãos que prestam serviço nas forças policiais, investidos no direito de constituírem associações sindicais, desatinem?!

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Desatinem?

O Orador: - Violem os direitos previstos na lei?! Abusem?! Exorbitem?! Mas isso é uma lógica de suspeição! Estes homens e estas mulheres, a quem nós entregamos armas, a quem investimos na responsabilidade de guardar os nossos bens e as nossas vidas, que andam nas ruas defendendo os nossos interesses, podem ser tratados como seres menores ou como inimputáveis e objecto deste tipo de rejeição? Não!

Aplausos do PS.

E essa é, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a nossa posição de fundo: não desistimos de apelar ao consenso, mas seremos absolutamente implacáveis na responsabilização daqueles que sem nenhuma razão boicotem esta reforma estrutural, embora gritem todos os dias por reformas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Peixoto.

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: É esta Assembleia chamada a debater e, necessariamente, a decidir sobre uma das questões de maior impacto social dos últimos anos e, independentemente deste aspecto, das mais delicadas e importantes matérias da nossa sociedade e da actualidade política - o reconhecimento da liberdade sindical e os direitos de negociação colectiva e de participação do pessoal com funções polícias na Polícia de Segurança Pública.
De maior impacto na opinião pública pela crescente perplexidade e desassossego com que se tem presenciado toda uma dinâmica reivindicativa, intencionalmente de muita visibilidade, levada a cabo por sectores daquele organismo, não necessariamente acompanhados pela maioria dos membros que a compõem, mas em todo o caso motivada, se não sempre, pelo menos, quase sempre, por uma situação generalizada de carência, de falta de condições de trabalho e de reconhecimento da natureza das suas funções, riscos e dignidade, também remuneratória, que necessariamente deveriam envolver a Polícia de Segurança Pública, o que, efectivamente, não tem acontecido, possibilitando desta forma e dando até mesmo verosimilhança a quem pense que, descaracterizando, com perigo, um organismo de tanta importância e desequilibrando o seu delicadíssimo estatuto institucional e social, poderá resolver a totalidade dos seus problemas através do reconhecimento da liberdade sindical.
Sensato e particularmente exigível seria que o Governo não se furtasse à resolução dos verdadeiros problemas, refugiando-se na cuidadosa gestão de expectativas e até de justos anseios de forma a arrastadamente os não resolver, mas fazendo sempre crer que amanhã - sempre amanhã! - os virá a resolver.
Mas se mesmo assim, para os não resolver, tiver de passar a culpa, a final, para o sentido de responsabilidade, de justiça e para a vontade efectiva de criar condições genuínas e reais de trabalho e de dignificação da Polícia de Segurança Pública para outros, tanto melhor, sobretudo se estivermos em final de legislatura e em período de pré-campanha eleitoral.
É ou não verdade que muito do que dá corpo a esta reivindicação, de alguns, não representa um fim em si mesmo mas antes a convicção de que será o meio processualmente adequado a satisfazer os seus pontos de vista, propostas e

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anseios, que, aliás, se justos, devem ser sempre resolvidos sem a necessidade da existência do sindicato da Polícia e só o não são por falta de vontade política do Governo?
Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: O objectivo último desta proposta prende-se com a criação de um regime próprio de direitos e de deveres adequados à organização estrutural e às missões específicas da PSP que seja compatível com a eficácia e com a operacionalidade desta polícia, bem como com o reconhecimento jurídico da liberdade sindical e dos direitos de negociação colectiva e de participação a esta força de segurança.
Para tanto, propõe-se estabelecer: a liberdade sindical do pessoal da PSP com funções policiais e o seu exercício; os direitos de negociação colectiva e de participação; o estatuto e direitos dos corpos gerentes das associações sindicais e dos delegados sindicais e a evidente revogação do artigo 6.º da Lei n.º 6/90 de 20 de Fevereiro (exactamente o preceito que restringe o exercício dos direitos de expressão, de manifestação, de reunião e de petição).
Antes de mais nada, e na própria letra desta proposta de lei, é o Governo quem reconhece o que é óbvio aos olhos de todos, de toda a gente sensata e forçosamente assim aos olhos da opinião pública, mas isto sem prejuízo de não querer, por conveniência e não por convicção, como já vimos, tirar as ilações devidas dessa mesma evidência.
A PSP é um organismo com uma muito especial natureza, a que deverá corresponder um particular regime de exercício de direitos, correspondendo em todo o caso a uma força policial armada e uniformizada, obedecendo à hierarquia de comando em todos os níveis de estrutura organizativa. Isto é, a questão da organização sócio profissional da PSP tem a ver, intimamente, com a sua eficácia e disciplina, como corpo privilegiado da segurança dos cidadãos e como corpo com a particularíssima função de defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e o direito dos cidadãos. É o que dispõe o artigo n.º 272.º da nossa Constituição.
Convenhamos todos que não se trata de uma coisa qualquer, trata-se da garantia do cumprimento das leis em geral e do respeito pelos direitos dos cidadãos em tudo o que concerne à vida interna da colectividade portuguesa; trata-se da segurança interna, que tradicionalmente, e muito justamente, é considerada, a par da segurança externa e da protecção civil, como uma das funções essenciais do Estado.
E o Governo, não por que dê provas de ter a precisa noção e a responsabilidade de avaliar o encargo e a importância daquelas funções mas antes pelo instinto de quem quer agradar a tudo e a todos num brevíssimo prazo, propõe-se introduzir no regime desta proposta um conjunto de medidas que, não evitando nada do muito mal e do grave que a caracteriza, antes até a agrava por poder constituir um engano para os mais incautos, uma operação de cosmética para branquear a malignidade da proposta.
É a proibição de fazer declarações que afectem a subordinação da polícia à legalidade democrática, bem como à sua isenção política e partidária; é a proibição de fazer declarações sobre matérias de que tomem conhecimento no exercício das suas funções e constituam segredo de Estado ou de justiça ou, ainda, que respeitem a matérias relativas ao dispositivo ou à actividade operacional da polícia; é ainda a proibição de convocar reuniões ou manifestações de carácter político ou partidário, ou nelas participar, excepto neste caso, se trajarem civilmente e, tratando-se de acto público, não integrarem a Mesa e usar da palavra; é, finalmente, a falácia da proibição do direito à greve.
Tudo isto como se estas medidas fossem técnica e politicamente obstáculo à própria perversidade da proposta de lei, agora até implicitamente reconhecida pelo próprio Governo.
A Constituição prevê e reconhece sindicatos de primeira e de segunda e sindicatos "assim-assim"? Com certeza que não! A questão não se coloca seriamente a montante, nas restrições impostas pela conjugação dos artigos 55.º e seguintes e 270.º da Constituição, que claramente estabelecem a fronteira entre o direito de constituir associações profissionais e o não direito a constituir sindicatos e associações sindicais?
É que para nós, como sempre o dissemos, as associações profissionais da polícia devem configurar um modelo particular de organização que, não podendo ser sindicato, para ele não poderão evoluir.
Mas um outro problema parece levantar-se: o artigo 272.º, n.º 4, distingue, de entre as forças de segurança, aquelas cujas funções é garantir a ordem jurídico-constitucional, através da segurança das pessoas e bens, e as de prevenção de crimes.
Daqui se podem definir duas regras distintas: o princípio da reserva de lei para a organização de forças de segurança e o princípio da unidade da organização das forças de segurança para todo o território nacional.
Em todo o caso, a certeza de estarmos em sede de procedimento legislativo qualificado, que, naturalmente, só pode ser alterado por leis votadas nos mesmos termos das leis que instituem essas mesmas matérias ou, também, estarmos perante uma lei que, ao proceder a restrições ao exercício dos direitos, está submetida a requisitos especiais consubstanciados não só na reserva legislativa absoluta desta Assembleia mas também na exigência de maioria qualificada de 2/3 para a sua aprovação, na medida em que trata de restrições aos direitos de agentes das forças de segurança. É clara e inequivocamente o que dispõe a interpretação conjugada dos artigos 164.º e 168.º da nossa Constituição.
Mas, concluindo este roteiro legislativo, por que norma constitucional pretende o Governo consagrar um sindicato privado do direito à greve? Pelo artigo 270.º da Constituição? É evidente a teia em que o Governo se enleou e da qual já não se liberta, mas é sempre assim para quem e apenas tem a obsessão de fazer crer que faz e que governa sem nunca verdadeiramente o querer fazer.

O Sr. Rui Marques (CDS-PP): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Peixoto, felizmente, vivemos num regime em que são as leis que devem conformidade ao regime dos direitos liberdades e garantias e não é o regime dos direitos, liberdades e garantias que deve conformidade à opção do legislador.
Nestes termos, o Sr. Deputado certamente não desconhece, depois de citar tão abundantemente a Constituição, que as restrições admitidas na Constituição aos direitos fundamentais devem limitar-se às restrições necessárias para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Ou seja, mesmo no caso em que a Constituição

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admite regimes restritivos, eles devem limitar-se ao mínimo para alcançar um objectivo também constitucionalmente consagrado.
Sr. Deputado, em matéria de polícia, o bem constitucionalmente consagrado, o bem mais valioso não é a protecção da legalidade democrática e a garantia da segurança e dos direitos dos cidadãos? Sr. Deputado, isto faz-se com agentes de polícia também conscientes do seu estatuto de cidadania, com esse estatuto reconhecido, ou faz-se com agentes de polícia aos quais se começa por denegar o seu direito a se considerarem eles próprios cidadãos como os outros?
É que, Sr. Deputado, esta é que é a questão fundamental! A sua noção de segurança é uma noção de segurança restritiva da liberdade; a nossa noção de segurança é uma ideia de segurança como garantia da liberdade.

A Sr.ª Maria Manuela Augusto (PS): - Muito bem!

O Orador: - Está a ver a grande distinção doutrinária entre um ponto de vista e o outro? É que a consequência desta distinção doutrinária dá, para o Sr. Deputado, que o que importa é restringir direitos e, depois, como não tem a noção da medida da restrição, quer restringi-los todos.
Sr. Deputado, à sua pergunta sobre onde é que está o fundamento constitucional para admitir liberdade de associação sindical e limitar certos direitos do funcionamento do sindicalismo, respondo que toda essa possibilidade está no artigo n.º 270.º da Constituição, que por acaso é um artigo especialmente preocupado em admitir regimes restritivos de direitos, designadamente aos agentes de segurança, o que quer dizer que é inteiramente possível conciliar a consagração de direitos, liberdades e garantias, nos termos tipificados na Constituição, com alguns regimes restritivos, tendo em atenção a protecção de valores constitucionalmente consagrados.
A solução do Governo tem cobertura constitucional e tem equilíbrio, tem medida; a vossa posição é de falta de equilíbrio e falta de medida, pela justificação que lhe disse: é que a vossa noção de segurança é uma segurança que vai contra a liberdade e não para proteger e garantir a própria liberdade.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Peixoto.

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, agradeço-lhe a sua questão, que, aliás, já foi profusamente tratada neste debate.
Porém, a questão não é tanto como V. Ex.ª a coloca, é mais no sentido de saber se pode - e nós entendemos que não -, no nosso figurino constitucional, ser restringido direito à greve na liberdade sindical. Ou seja, onde há liberdade sindical, onde há constituição de sindicatos, há, necessariamente, o direito à greve.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Não tem razão nenhuma!

O Orador: - E não vejo nem entendo - como muitos constitucionalistas, aliás - que, nesta perspectiva, o Sr. Deputado ou o Governo, particularmente, possam resolver esta questão por esta via. Deste modo, o que acontece é que, politicamente, obrigamo-nos a tirar esta ilação: efectivamente, o Governo dá um passo, nega sempre o próximo passo que vai de certeza dar e acaba por dá-lo.
É este o percurso político do Ministério da Administração Interna, foi isto que o anterior Ministro fez e é isto que, seguramente, vai voltar a acontecer.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Não diga isso!

O Orador: - Nós só queremos alertar politicamente para esta questão e dizer-lhe que, em termos técnicos, entendemos que o artigo 270.º da Constituição o não permite.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Deixa-me dialogar consigo, Sr. Deputado?

O Orador: - O Sr. Presidente não deve deixar, presumo!
Relativamente à questão dos cidadãos de primeira e de segunda, Sr. Deputado, há muitos cidadãos portugueses, cidadãos como outros quaisquer, que não têm direito de se sindicalizarem. E porquê? Pela natureza específica das suas funções.
Defendemos - aliás, sempre o dissemos com total coerência - que o Governo não se deve furtar a dar estatuto, designadamente remuneratório, à PSP (que o não tem feito!), em vez de criar este "balão" do sindicalismo, esta quimera, fazendo crer aos bem intencionados que tudo vai resolver, mas não vai resolver coisa alguma!

O Sr. Rui Marques (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - O que é fundamental, e defendemos isso, é que o Governo resolva materialmente os problemas que afligem a PSP e a sua pontual ineficácia, por falta de meios e não por falta de disponibilidade e empenho dos seus corpos.

O Sr. Rui Marques (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Jorge Lacão, esta é que é a questão política que gostaríamos de ver resolvida. Estes artifícios podem ser muito bonitos, criar muitas ilusões, sobretudo a poucos meses das eleições, mas nada vão resolver, antes vão agravar os problemas colocados.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: É evidente que nesta fase do debate não nos vamos pronunciar sobre o conteúdo da proposta do Governo, mas não posso deixar de salientar os seguintes aspectos.
Em primeiro lugar, é importante e de justiça sublinhar que esta proposta corresponde a uma velha aspiração, com vários anos, dos profissionais da PSP. E essa aspiração não lhes foi oferecida de "bandeja", uma vez que lutam por ela há anos e anos.
Assim sendo, temos de começar por saudar esta proposta de lei, que chegou ao Parlamento no final do mandato e não mais cedo... - mas chegou! -, por ela corresponder ao que os agentes da PSP reivindicaram e lutaram, muitas vezes em condições nem sempre isentas de dificuldades.

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Em segundo lugar, entendemos que este é um passo positivo. Os Verdes apoiaram, desde sempre, a liberdade sindical das forças de segurança públicas, pela razão simples de que defendemos que os agentes de segurança não são "portugueses de segunda", que aqueles que vestem a farda não são cidadãos destituídos de direitos.
Mais: nas sociedades modernas parece-nos que estão em melhores condições de garantir os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos aqueles que delas não são privados. Também segundo esse ponto de vista, acreditamos que este é o caminho certo - nesta matéria, Portugal arriscava-se a ficar, pouco orgulhosamente, só!
Em conclusão, diria que o que está em discussão é uma forma, um passo, para pôr fim a uma situação insustentável de discriminação, situação essa que, do nosso ponto de vista, não é a que melhor garante que as forças de segurança correspondam às missões que, numa perspectiva moderna, se colocam aos seus agentes. A defesa e a forma de lidar com os cidadãos que a estes agentes é exigida, de garante e de responsabilidade perante direitos, liberdades e garantias, seguramente, não pode estar divorciada da própria capacidade desses cidadãos, isto é, de esses mesmos direitos não lhes serem amputados.

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Assistimos hoje não a uma defesa séria de uma proposta do Governo mas a um "número" integrado neste ambiente de pré-campanha, feito por um dos Ministros politicamente mais hábeis deste Governo.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Na verdade, o Governo não quer atribuir a associação sindical à PSP.

O Sr. Barbosa de Oliveira (PS): - Quer o PSD?!

O Orador: - E fica claro que assim é! Aliás, o Sr. Ministro Jorge Coelho fez aqui o favor de lembrar a posição séria do PSD quando invocou declarações de ministros de governos passados do PSD.
Também o Sr. Deputado Jorge Lacão lembrou aqui qual foi a postura do governo, em 1990, aquando da aprovação da lei que permitia a associação socio-profissional. É que, apesar de ser maioritário, com maioria absoluta, o governo dialogou com a oposição: era preciso reunir 2/3 dos votos! Nesta ocasião, o Governo, apesar de minoritário e sabendo que são necessários 2/3 dos votos para alterar esta lei, não tem essa humildade nem essa atitude.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - O que é que quer que o Governo faça?!

O Orador: - Foi bom que V. Ex.ª tenha tomado a iniciativa de lembrar essa postura do governo do PSD e o contraste que ela revela com a postura do Governo do Partido Socialista.

Protestos do PS.

Essa é mais uma confirmação de que o Governo não quer aprovar esta lei, porque se quisesse tinha começado por dialogar com os partidos necessários à formação dos 2/3 de votos. Mas a falta de seriedade em relação a esta situação vai um pouco mais atrás: se o Governo queria, efectivamente, criar uma associação sindical, se queria que o articulado desta lei correspondesse à verdade pretendida, então, teria começado por propor uma revisão, uma alteração das disposições constitucionais que tornam indissociável a existência de sindicato e o direito à greve: são duas realidades, verso e reverso, da mesma medalha, que são constitucionalmente indissociáveis.
Portanto, se queria criar uma associação sindical, que não apenas a mudança de nome da associação existente, então, tinha começado por, em sede de revisão constitucional, propor as alterações necessárias para que a solução agora gizada pudesse vigorar sem qualquer receio de ser - como é - inconstitucional.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
E não vale a pena vir com referências ao direito comparado, porque se se faz tal comparação, então, faça-se não apenas ao nível do direito associativo como também ao nível do Direito Constitucional, porque essa é que é a grande questão! Que países da Europa têm esta realidade, a da associação sindical das polícias? E não há direito à greve? Também é verdade, só que a constituição não é a Constituição Portuguesa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, em apenas 30 segundos, deixo um apelo ao PSD,
Quando ouvi o Sr. Deputado Guilherme Silva, por quem tenho grande consideração e respeito, citar a política e a posição séria do governo, em 1986, pensei: aí está um bom argumento, Sr. Deputado, para que o PSD mude de opinião e assuma a posição correcta que adoptou em 1986!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Então, faça uma revisão constitucional, altere a Constituição!

O Orador: - Vou apenas repetir: "Não há qualquer complexo quanto à sindicalização da polícia e o Governo permiti-lo-ia já amanhã se a PSP fosse um organismo civil.", disse o Engenheiro Eurico de Melo, na presença do Dr. Durão Barroso!
Os senhores ainda estão a tempo de, até ao dia da votação, repensarem a vossa posição e corrigirem o que aqui disseram hoje. Estão sempre a tempo! Quem vier por bem, para as soluções positivas, é sempre bem vindo!

Risos do PS.

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Os senhores ainda estão a tempo de corrigir algo que os transforma num partido ortodoxo, fechado, sem olhar para a evolução e para a modernidade, defendendo posições que ninguém no País entende, nem os próprios, porque há muitas pessoas no vosso partido que sempre defenderam esta solução e que hoje, mais do que nunca, com certeza, devem estar com um problema - nomeadamente o líder do PSD, face o que aqui disse em 1986. Não lhe criem problemas desta natureza, porque ele já tem tantos!...

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Srs. Deputados, dou por encerrada a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 268/VII, cuja votação terá lugar na sessão plenária de dia 17 de Junho.
Passamos agora à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 245/VII - Autoriza o Governo a legislar sobre o regime de utilização das armas de fogo ou explosivos pelas forças e serviços de segurança.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Interna.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Interna (Luís Parreirão): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Versa a presente proposta de lei o pedido de autorização legislativa para a aprovação de um regime de uso de armas de fogo na acção policial por parte das forças de segurança.
Nunca será por demais salientar que só com a instauração da democracia, em Abril de 1974, se criaram as condições para que as forças de segurança assumissem a natureza de forças de protecção dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e, portanto, com estes seja possível construir uma relação verdadeira de confiança recíproca.
Relação de confiança só possível num Estado de direito democrático, Estado em que a acção policial obedece a um conjunto de valores que constituem os pressupostos de toda a sua actuação. São eles o valor da liberdade, da igualdade na diversidade, do respeito da dignidade da pessoa humana e da garantia dos direitos e liberdades fundamentais.
Estes valores, pressupostos necessários da qualidade da acção policial e da confiança dos cidadãos, têm naturalmente expressão na nossa Constituição, no âmbito dos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da boa fé.
Refira-se, a propósito, que as forças de segurança são chamadas a actuar em situações em que estes valores e princípios estão precisamente em crise, em nome da liberdade e da segurança de cada um e de todos nós. Daí que não seja bastante a mera proclamação dos grandes princípios para que as forças policiais se sintam em condições de, a todo o momento, poder optar pelo tipo de intervenção adequado a cada caso concreto.
Importa definir, de forma sistematizada, uma espécie de "guia de acção" como meio de facilitar a avaliação de cada situação de crise e a adopção do comportamento adequado.
A iniciativa legislativa que hoje é apresentada perspectiva-se, também, como instrumento de reforço de legitimidade e autoridade policial, considerando a sua capacidade para gerar confiança nos cidadãos.
Assim, é pacificamente aceite que os agentes das forças de segurança só podem empregar a força quando tal se afigure estritamente necessário e na medida exigida para o cumprimento do seu dever à luz dos valores e princípios constitucionais já referidos. Se estes valores e princípios são as balizas de qualquer intervenção pela força, são-no ainda com maior premência de acatamento quando está em causa a utilização de um dos instrumentos mais sensíveis da força - a arma de fogo.
Consequentemente, no respeito pelos princípios da necessidade e da proporcionalidade, prevê-se que o recurso a arma de fogo só seja permitido em caso de absoluta necessidade, como medida extrema, quando outros meios menos perigosos se mostrem ineficazes, e desde que proporcionado às circunstâncias.
O presente diploma tem, portanto, subjacente a preocupação de descrever as condicionantes ao uso de armas de fogo inerentes aos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente previstas e de enfatizar, especialmente, a necessidade de salvaguardar a vida humana até ao extremo possível, através da concretizarão de exigências acrescidas e mais restritivas de recurso a arma de fogo contra pessoas.
Assim, repercutindo a natureza verdadeiramente excepcional que tem o recurso a arma de fogo contra pessoas, prevê-se a definição de forma taxativa, das circunstâncias em que tal recurso é possível.
Prossegue-se, também, o objectivo da salvaguarda dos próprios agentes das forças de segurança que, com um quadro mais claro de procedimentos, vêem facilitada a adopção, em cada momento crítico, do comportamento adequado ao desempenho da sua missão.
Por isso, e em complemento da aposta que vem sendo feita na formação profissional, pretende-se com o diploma autorizado para além de regular a utilização de armas de fogo pelas forças de segurança definir certos deveres que acompanham tal utilização, tais como os deveres de advertência, de socorro e de relato.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Termino manifestando-vos que a presente iniciativa legislativa tem como objectivo claro e inequívoco o reforço da qualidade e da eficácia da acção policial, dando, assim, expressão ao cumprimento do Programa do Governo.
Estou certo de que, pelo seu relevo e importância, o presente diploma não deixará de merecer a melhor atenção de VV. Ex.as.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado da Administração Interna: Esta iniciativa do Governo merece, de facto, a melhor atenção, por isso gostaria de referir dois aspectos em particular.
Em primeiro lugar, parece-nos adequado existir um diploma que regule e uniformize as condições em que os agentes das forças de segurança podem utilizar armas de fogo.
Em termos gerais, entendemos que este diploma é razoável no tratamento que faz dessa matéria, na medida em que rodeia a utilização de armas de fogo de cuidados e reconhece que essa é uma última ratio da actuação policial, devendo ser esgotados todos os outros meios possíveis antes de recorrer às armas de fogo. Ou seja, só se pode recorrer à utilização de armas de fogo em último caso.

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No entanto, há um aspecto que contraria um pouco este espírito geral do diploma.
O Governo juntou, como, aliás, lhe compete, e bem, o decreto-lei que pretende vir a aprovar ao abrigo desta autorização legislativa. Ora, gostava de chamar a atenção para o artigo 3.º do decreto-lei que o Governo pretende aprovar, no qual tipifica as condições em que os agentes das forças de segurança podem recorrer a armas de fogo.
Procede a essa tipificação através de várias alíneas relativamente às quais nada temos a objectar, pois parece-nos que densificam, de forma rigorosa, as condições em que as armas de fogo podem ser utilizadas, à excepção da última alínea.
Assim, chamo a atenção do Sr. Secretário de Estado para a referência que é feita à possibilidade de utilização de armas de fogo quando a manutenção da ordem pública assim o exija ou quando os superiores do agente com essa mesma finalidade assim o determinem.
No nosso entender, esta alínea está muito mais vaga do que todas as outras, pois enquanto que todas as outras são rigorosas relativamente à possibilidade de utilização de armas de fogo e é possível determinar em cada caso concreto o que é que a lei autoriza ou não, nesta última alínea isso já não se passa.
Por outro lado, se nós podemos entender que haja situações em que seja necessário manter a ordem pública e que, por hipótese, seja necessário, em última ratio, recorrer à utilização de armas de fogo - e é uma situação que eu vejo como absolutamente excepcional, mas que, imaginemos, possa ocorrer - essa utilização, em última ratio, repito, não está aqui suficientemente densificada e admite-se que possa utilizar-se armas de fogo, desde que os superiores do agente o determinem para efeito da manutenção da ordem pública.
Ora, parece-nos que aqui seria possível encontrar no decreto-lei, a aprovar pelo Governo, uma forma que circunscrevesse mais esta possibilidade de utilização de armas de fogo pelas forças policiais para efeito de manutenção da ordem pública.
Esta é, pois, a objecção que entendemos que, pela importância que tem, se justifica trazer a este debate, mesmo em fase de discussão na generalidade, tendo o Governo toda a possibilidade de, entretanto, equacionar e ponderar bem esta formulação, uma vez que ainda terá de aprovar o decreto-lei.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Relativamente a esta proposta de lei de autorização legislativa, gostava de dizer que é clara a posição de consenso relativamente a este diploma e ao teor do projecto de decreto-lei que foi enviado pelo Governo conjuntamente com a proposta de lei, o qual refere claramente quais são o sentido e a orientação normativa do Governo quanto a esta matéria.
De qualquer forma, nós gostávamos, sobretudo, de valorar o aspecto, talvez, em nosso entender, decisivo relativamente a esta proposta de lei de autorização legislativa, que tem de ver com uma conciliação muito importante e absolutamente decisiva entre os direitos das pessoas - e não podemos esquecer que o direito à vida é um direito constitucionalmente assegurado e absolutamente inviolável - e o direito dos próprios agentes policiais. Essa valoração, em nosso entender, é correctamente assumida pelo Governo no âmbito do projecto de decreto-lei que agora nos apresentou.
Mesmo em relação à questão ainda agora suscitada pelo Sr. Deputado António Filipe, respeitante à última alínea do artigo 3.º, cuja formulação eu entendo claramente qual é, tenho muitas dúvidas de que outra redacção fosse possível para assegurar o princípio e aquilo que se visa defender é, efectivamente, a manutenção da ordem pública fora de todas as outras situações que estão referidas nas alíneas anteriores.
Portanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, pensamos que esta proposta assegura, claramente, a conciliação entre estas duas vertentes fundamentais do direito à vida e dos direitos dos próprios agentes.
Por outro lado, fica também, em nosso entender, claramente demonstrado - e é bom que o possamos referir nesta Câmara - que a actuação das forças policiais está circunscrita aos princípios da necessidade e da proporcionalidade, que são referidos na proposta de lei, e também não temos dúvida alguma em relação aos casos que aqui são referidos do recurso às armas de fogo.
Para terminar, gostaria ainda de dizer uma palavra, porque dúvidas poderiam existir relativamente ao âmbito de aplicação deste decreto-lei, ou seja, aos sujeitos e às entidades que são abrangidas.
Parece-nos extremamente feliz a fórmula que foi encontrada, por forma a ficar, claramente, definido que apenas este decreto-lei é susceptível de ser aplicado às entidades e agentes policiais, incluindo-se neles todos as entidades e agentes previstos no Código de Processo Penal.
Portanto, à partida, a regulamentação, o objecto e o âmbito de aplicação desta norma são perfeitamente claros.
Em suma, esta proposta de lei de autorização legislativa merece a nossa concordância, assegura os princípios constitucionais fundamentais nesta matéria, nomeadamente o princípio da necessidade e da proporcionalidade, e, mais importante do que tudo isto, concilia, de forma muito positiva, os interesses dos cidadãos e os interesses dos agentes policiais.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: A proposta de lei de autorização legislativa aqui presente tem por objecto uma questão extraordinariamente importante que é, como já aqui foi referido, a utilização de armas de fogo e de explosivos pelas forças de segurança e por isso ela deve merecer, por parte desta Assembleia, cuidados na sua análise, discussão e aprovação.
A proposta de lei de autorização legislativa nos seus sentido e extensão, que aqui são propostos, mas também - devo dizê-lo, e bem - pelo complemento do diploma de autorização, a aprovar futuramente pelo Governo ao abrigo desta autorização legislativa, permitem-nos ter um exame completo da proposta e nela as questões importantes são: a tentativa de compatibilização, sempre difícil mas necessária, do princípio da possibilidade de actuação do uso da força por parte das forças de segurança, inclusivamente através de armas de fogo ou de explosivos, para assegurar a segurança dos cidadãos e das pessoas e bens; a sua compatibilização com as garantias constitucionais do direito à vida e à integridade da pessoa humana; e a compatibilização, através da necessária

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ponderação, do princípio da proporcionalidade, designadamente e em concreto da figura da proibição do excesso, que, sendo algo que a lei em si não pode conter, pode apenas referir a existência desse princípio e com isso tornar ilegais quaisquer actuações em excesso pelo uso das armas de fogo ou de explosivos.
Assim, este diploma terá de ser complementado com uma formação profissional adequada de todos aqueles que têm no dia-a-dia de utilizar estes meios para o exercício das suas funções e é isso que não passa aqui por esta Assembleia, mas que perpassa, digamos assim, pelo objecto deste diploma.
Quero, ainda, formular uma questão, para reflexão do Governo, relativa à última alínea, a alínea g), quanto ao dever de relato.
Nesta matéria, o Governo optou, penso eu, permitir-me-á dizê-lo, por um excesso, por isso peço reponderação sobre esta matéria. Com efeito, relativamente às situações do recurso à arma de fogo há um dever de relato que o Governo pretende que seja feito directamente ao Ministério Público, ou seja, a uma entidade com capacidade, poderes e competências legais, inclusive, para iniciar um procedimento criminal relativamente ao agente responsável por esse recurso em condições não de acordo com a Constituição e a lei.
Parece-me, talvez, um excesso a utilização ou a necessidade de fazer intervir uma entidade exterior às forças de segurança; parecer-me-ia, sim, razoável depois de detectada uma situação efectiva de inconstitucionalidade ou de ilegalidade que necessitasse de intervenção processual criminal.
Talvez fosse suficiente numa primeira fase, que é aquela que é aqui regulada de um dever de relato através de instâncias do próprio Ministério, designadamente da Inspecção-Geral do Ministério da Administração Interna, e só numa segunda fase, caso a Inspecção-Geral tomasse conhecimento de uma ilegalidade, então a sua participação para efeitos criminais.
Coloco, pois, esta questão e espero que ao Governo pondere sobre esta matéria, por forma a ter um efeito talvez mais útil neste campo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Peixoto.

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Finalmente, podemos concordar com o Governo, o que, aliás, só vem demonstrar e provar, se isso fosse necessário, a isenção de critério e de justiça que temos e fazemo-lo sem esforço, na medida em que entendemos bem a necessidade que há em regulamentar toda uma matéria de tão grande melindre e com um equilíbrio tão subtil quanto o seja a de arranjar, de facto, um ponto de equilíbrio entre a salvaguarda dos direitos das pessoas, designadamente o direito à integridade física e à vida, e, por outro lado, os direitos dos agentes policiais de usarem armas de fogo no cumprimento do seu dever.
É, de facto, um ponto muito importante, um equilíbrio muito difícil, mas cujos segmentos dos princípios da necessidade da proporcionalidade aqui apresentados pelo Governo nos tranquilizam suficientemente, isto sem embargo de termos encontrado toda a pertinência nas asserções e, sobretudo, nas sugestões dadas pelos Srs. Deputados António Filipe e Moreira da Silva.
Assim, e se o Governo é permeável a este e outro tipo de sugestões, estou convicto de que conseguiremos chegar a bom porto, isto é, chegar a uma lei tão excelente quanto possível e, para já, é esta a nossa disponibilidade e a nossa vontade.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Para encerrar este ponto da nossa ordem de trabalho, tem, novamente, a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Interna.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Interna: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Gostaria de, muito rapidamente, esclarecer as duas questões que foram suscitadas.
Naturalmente que o Governo está disponível para ponderar as questões que foram colocadas e encontrar melhores formulações do que as que estão do decreto-lei.
No entanto, gostaria de, relativamente à questão suscitada pelo Sr. Deputado António Filipe, que compreendo, realçar o seguinte: todo o diploma está construído tendo por base o princípio da afirmação da responsabilidade de quem comanda a força, ou seja, todo o documento está construído admitindo que o uso e o recurso às armas de fogo deve sempre depender de uma ordem de quem comanda uma força policial e que, portanto, deve ter melhores condições para avaliar a situação.
Relativamente à questão suscitada pelo Sr. Deputado Moreira da Silva, gostaria de dizer que ela fica razoavelmente esclarecida através do artigo 7.º do decreto-lei, ou seja, o relato - e estamos disponíveis para ponderar qualquer sugestão - não é sempre feito ao Ministério Público; é feito à hierarquia da própria polícia e só será, depois, feito ao Ministério Público no caso de haver danos patrimoniais ou pessoais. Só nessas circunstâncias.
Estes eram os dois esclarecimentos que pretendia fazer.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Srs. Deputados, a proposta de lei n.º 245/VII será votada no dia 17.
Antes de dar por encerrados os nossos trabalhos de hoje, vou dar a palavra à Sr. Secretária da Mesa, para ler a acta que tem em seu poder.

A Sr.ª Secretária (Rosa Albernaz): - Sr. Presidente, ontem houve eleições, na Sala D. Maria, para cinco membros da Alta Autoridade para a Comunicação Social, tendo votado 196 Deputados. A lista A obteve 104 votos sim, sete votos brancos e sete votos nulos. A lista B obteve 83 votos sim, sete votos brancos e dois votos nulos. Como tal, foram eleitos os Srs. Artur Guerra Jardim Portela, Sebastião Augusto Bandeira de Lima Rego, José Garibaldi Aguiar Barros Queirós, Amândio Santa Cruz Domingues Basto de Oliveira e Maria de Fátima Gravata Resende Lima.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Srs. Deputados, vamos agora passar à discussão e votação de um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que a Sr.ª Secretária da Mesa vai ler.

A Sr.ª Secretária (Rosa Albernaz): - Em resposta ao requerido pelo Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, no âmbito do processo n.º 16557/97, o parecer da Comissão vai no sentido de autorizar o Sr. Deputado Alberto Bernardes

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Costa a prestar depoimento, por escrito, como testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Dado nenhum dos Srs. Deputados pedir a palavra, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.

Srs. Deputados, terminámos os nossos trabalhos de hoje. A próxima reunião plenária terá lugar no dia 16 de Junho, às 10 horas, e terá, como ordem do dia, a discussão, na generalidade, das propostas de lei n.ºs 199, 242 e 260/VII.
Desejo a todos uma boa campanha eleitoral.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 14 horas.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Albino Gonçalves da Costa.
António Bento da Silva Galamba.
António José Martins Seguro.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Mário Manuel Videira Lopes.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Raimundo Pedro Narciso.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.

Partido Social Democrata (PSD):

Alberto Queiroga Figueiredo.
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado.
António Fernando da Cruz Oliveira.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Domingos Dias Gomes.
João Calvão da Silva.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
José Carlos Pires Póvoas.
José de Almeida Cesário.
José Manuel Costa Pereira.
José Manuel Durão Barroso.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Almeida Figueiredo Barbosa Pombeiro.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Rui Miguel Gama Vasconcelos Pedrosa de Moura.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.

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