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I Série – Número 6
Quinta-feira, 11 de Novembro de 1999

VIII LEGISLATURA
1. A SESSÃO LEGISLATIVA (1999-2000)


DIÁRIO da Assembleia da República


Presidente: Ex. mo Sr. João António Gonçalves do Amaral


Secretários: Ex. mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
José de Almeida Cesário
António João Rodeia Machado
António José Carlos Pinho



SUMÁRIO
de Estado dos Assuntos Fiscais (Manuel Baganha), os Srs. Deputados Maria Celeste Cardona (CDS-PP), Octávio Teixeira (PCP), Joel Hasse Ferreira (PS), Vieira de Castro (PSD), Francisco Louçã (BE), José Barros Moura (PS) e Paulo Portas (CDS-PP).


Ordem do dia. –Foi apreciada a petição n.º50/VII (1.ª), apresentada por Daniel dos Santos Pinto Serrão e outros, solicitando a defesa dos valores nacionais, éticos e religiosos a propósito do programa da RTP parodiando a «Última Ceia de Cristo», tendo feito intervenções os Srs. Deputados António Reis (PS), António Filipe (PCP), Maria do Céu Ramos (PSD), José Ribeiro e Castro (CDS-PP), Luís Fazenda (BE) e Isabel Castro (Os Verdes).
Foi também apreciada a petição n.º90/VII (3.ª), apresentada pela Associação de Defesa dos Diabéticos, sobre as más condições no apoio à saúde dos diabéticos. Intervieram os Srs. Deputados Maria Natália Filipe (PCP), Nelson Baltazar (PS), Nuno Freitas (PSD), António Pinho (CDS-PP) e Luís Fazenda (BE).
Foi ainda apreciada a petição n.º106/VII (3.ª), apresentada pela Comissão de Utentes Contra a Taxa de Activação e os Aumentos nos Telefones, solicitando que a Assembleia da República tome as iniciativas políticas ou legislativas que declarem ilegal o imposto encapotado como é a «taxa de activação» do novo sistema tarifário da Portugal Telecom, tendo-se pronunciado os Srs. Deputados Casimiro Ramos (PS), Rui Rio (PSD), Joaquim Matias (PCP), Telmo Correia (CDS-PP), Isabel Castro (Os Verdes) e Luís Fazenda (BE).
Finalmente, a Câmara apreciou a petição n.º109/VII (3.ª), apresentada pela Associação de Comerciantes do Concelho de Loures, manifestando-se contra o encerramento do apeadeiro de Moscavide. Usaram da palavra os Srs. Deputados Arménio Santos (PSD), Fátima Amaral (PCP), Miguel Coelho (PS), João Rebelo (CDS-PP) e Isabel Castro (Os Verdes).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 25 minutos.
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 20 minutos.


Antes da ordem do dia .–Deu-se conta da apresentação de requerimentos e de respostas a alguns outros.
Em interpelação à Mesa e a propósito da demissão de Artur Santos Silva da presidência da sociedade Porto 2001, S.A., o Sr. Deputado Rui Rio (PSD) solicitou a vinda do Ministro da Cultura, Manuel Maria Carrilho, à Assembleia para dar explicações, no que foi secundado pelos Srs. Deputados Sílvio Rui Cervan (CDS-PP), Luísa Mesquita (PCP) e Francisco de Assis (PS).
Em declaração política, o Sr. Deputado Rosado Fernandes (CDS-PP) falou da importância e do significado da queda do Muro de Berlim, cujo 10.º aniversário foi ontem festejado, tendo, todavia, manifestado algumas preocupações em relação ao futuro.
Também em declaração política, o Sr. Deputado Francisco de Assis (PS) saudou a eleição de António Guterres para presidente da Internacional Socialista e enunciou os principais objectivos da acção daquela organização debatidos em Paris no XXI Congresso, sobretudo as relacionadas com a reforma do Estado-providência e a redefinição dos valores da esquerda. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Basílio Horta (CDS-PP).
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado António Filipe (PCP) criticou a acção do Governo socialista na resolução da crise por que passa a RTP ao prosseguir uma política de destruição do serviço público de televisão, após o que prestou esclarecimentos ao Sr. Deputado António Reis (PS).
O Sr. Deputado Matos Correia (PSD) associou-se igualmente à comemoração do 10.º aniversário da queda do Muro de Berlim, cuja importância civilizacional também realçou.
Procedeu-se ao debate de urgência, requerido pelo CDS-PP, sobre a reforma fiscal, tendo intervindo, além do Sr. Secretário

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Eram 15 horas e 20 minutos.


Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:


Partido Socialista (PS):

Agostinho Moreira Gonçalves
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Alexandre António Alves Chaves
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
António Alves Marques Júnior
António Alves Martinho
António Fernandes da Silva Braga
António Fernando Marques Ribeiro Reis
António Fernando Menezes Rodrigues
António Jorge Freire de Brito Calvete
António José Gavino Paixão
António Manuel Carmo Saleiro
António Manuel Dias Baptista
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Bruno Renato Sutil Moreira de Almeida
Carlos Alberto
Carlos Alberto Dias dos Santos
Carlos Manuel Luís
Casimiro Francisco Ramos
Cláudio Ramos Monteiro
Eduarda Maria Castro de Sousa
Eduardo Ribeiro Pereira
Fernando Manuel de Jesus
Fernando Pereira Serrasqueiro
Filipe Mesquita Vital
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho
Helena Maria Mesquita Ribeiro
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco d'Almeida
Isabel Maria dos Santos Barata
Jamila Barbara Madeira e Madeira
João Alberto Martins Sobral
João Cardona Gomes Cravinho
João Carlos da Costa Ferreira da Silva
João Francisco Gomes Benavente
João Macedo Lourenço
João Pedro da Silva Correia
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
João Rui Gaspar de Almeida
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão
José Aurélio da Silva Barros Moura
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Carlos da Cruz Lavrador
José Carlos das Dores Zorrinho
José Carlos Lourenço Tavares Pereira
José da Conceição Saraiva
José de Matos Leitão
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Ernesto Figueira dos Reis
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Rosa do Egipto
José Manuel Santos de Magalhães
José Maximiano de Albuquerque Almeida Leitão
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Rodrigues Pereira dos Penedos
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Júlio Francisco Miranda Calha
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Manuel Carvalho Carito
Luís Miguel Gomes Miranda Teixeira
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira
Manuel Francisco dos Santos Valente
Manuel Joaquim Barbosa Ribeiro
Margarida Maria Santos Soares da Rocha Gariso
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira
Maria do Céu da Cruz Vidal Lourenço
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino
Maria José Vidal do Rosário Campos
Maria Luísa Silva Vasconcelos
Maria Teresa de Oliveira Ferreira Coimbra
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura
Nelson Madeira Baltazar
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Rui Manuel Leal Marqueiro
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Victor Brito de Moura
Vítor Manuel Alves Peixoto
Victor Manuel Caio Roque
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo


Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Álvaro dos Santos Amaro
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António d'Orey Capucho
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António de Carvalho Martins
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Manuel da Cruz Silva
António Manuel Santana Abelha
Armando Manuel Dinis Vieira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos José das Neves Martins
Carlos Manuel de Sousa Encarnação
Carlos Manuel Marta Gonçalves
David Jorge Mascarenhas dos Santos
Feliciano José Barreiras Duarte

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Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
João António Gonçalves do Amaral
Joaquim Manuel da Fonseca Matias
Lino António Marques de Carvalho
Maria de Fátima Caeiro Queimado Amaral
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Natália Gomes Filipe
Maria Odete dos Santos
Octávio Augusto Teixeira
Vicente José Rosado Merendas


Partido do Centro Democrático Social–Partido Popular (CDS-PP):
António de Magalhães Pires de Lima
António José Carlos Pinho
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
José Duarte de Almeida Ribeiro e Castro
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Luís José de Mello e Castro Guedes
Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró
Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona
Paulo Sacadura Cabral Portas
Raúl Miguel de Oliveira Rosado Fernandes
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia


Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro


Bloco de Esquerda (BE):
Francisco Anacleto Louçã
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda


ANTES DA ORDEM DO DIA


O Sr. Presidente (João Amaral):–Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar proceder à leitura do expediente.


O Sr. Secretário (Artur Penedos) :–Sr. Presidente e Srs. Deputados, foram apresentados na Mesa vários requerimentos. Nos dias 22 e 30 de Setembro: aos Ministérios da Economia e do Trabalho e da Solidariedade, formulado pelo Sr. Deputado Guilherme Silva; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Bernardino Soares; ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulados pelos Srs. Deputados Fernando Pedro Moutinho e Isabel Castro.
Nos dias 25 e 26 de Outubro: ao Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, formulado pela Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia; aos Ministérios da Educação, das Finanças e da Economia, formulados pela Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.
No dia 2 de Novembro: ao Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, formulado pela Sr.ª Deputada Lucília Ferra; ao Ministério da Educação, formulado pela Sr. Deputado Rui Rio.
Na reunião plenária de 3 de Novembro: ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado José Cesário; a diversos Ministérios, formulados pela Sr.ª Deputada Manuela Aguiar; aos Ministérios da Educação e do Ambiente e do Ordenamento do Território e à Secretaria de Estado das Pescas, formulados pelo Sr. Deputado Honório Novo; aos Ministérios da Presidência e Equipamento Social, do Ambiente e do Ordenamento do Território e das Finanças e da Economia, formulados pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; aos Ministérios do Ambiente e do Ordenamento do Território, da Saúde e da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulados pela Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

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O Sr. Rui Rio (PSD):–Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.


O Sr. Presidente (João Amaral):–Sr. Deputado, dou-lhe a palavra, mas espero que seja nos termos do Regimento.


O Sr. Rui Rio (PSD):–Exactamente, Sr. Presidente.
A minha interpelação é no seguinte sentido: o País tomou hoje conhecimento da demissão do Dr. Artur Santos Silva da presidência da sociedade Porto 2001, S.A., numa conferência de imprensa onde foram tecidas críticas ao Sr. Ministro da Cultura, referindo que o Sr. Ministro da Cultura «cometeu erros grosseiros», «pressões inadmissíveis sobre a Sociedade», «desrespeitou os métodos, a programação e a orientação que tinha sida acordada».
Está, pois, em causa, Sr. Presidente, o prestígio do País perante o exterior e também o prestígio do Porto e dos concelhos limítrofes.
Acresce ainda que o Sr. Ministro da Cultura referiu que estava surpreendido com esta demissão. Bom, ou o Sr. Ministro está surpreendido ou não está surpreendido e está a ser hipócrita...


O Sr. Luís Marques Guedes (PSD):–Muito bem!


O Orador :– ... ou, então, está mesmo surpreendido e não sabe minimamente o que está a passar-se.
Julgo que todos nós–esta Câmara e a oposição, em particular, que tem a obrigação de fiscalizar os actos do Governo–temos o dever de pressionar o Governo para que se consiga salvar esta situação que é, obviamente,
grave para o País e para o Porto. Por isso, entregaremos a V.Ex.ª, mais propriamente ao Sr. Presidente da Assembleia da República, uma carta onde solicitamos a vinda do Sr. Ministro da Cultura à Comissão de Educação, Ciência e Cultura.
E fizemos a entrega desta carta porque, como V.Ex.ªsabe, ainda não há, neste momento, Comissão de Educação, pois ainda não tomou posse, e, por isso, em primeiro lugar, queremos anunciar a entrega da carta.
Em segundo lugar, a interpelação que pretendo fazer à Mesa é no sentido de V.Ex.ªnos indicar quando é que prevê que possamos concretizar a vinda do Sr. Ministro, ou seja, quando é que V.Ex.ªprevê que as comissões poderão estar em funcionamento, por forma a que o Sr. Ministro da Cultura possa vir prestar esclarecimentos à Câmara e, naturalmente, ao País, que é o mais importante.


Aplausos do PSD.


O Sr. Presidente (João Amaral):–Sr. Deputado Rui Rio, muito obrigado por se ter conservado nos estritos limites do Regimento, facto que assinalo, pois foi sobre a condução dos trabalhos que fez a sua interpelação.
Sr. Deputado, eu não tenho resposta para a questão que me colocou, ou seja, a resposta está no âmbito da conferência dos representantes dos grupos parlamentares, mas creio que, brevemente, serão empossadas as comissões.
Também para interpelar a Mesa, inscreveram-se os Deputados Sílvio Rui Cervan, Luísa Mesquita e Francisco de Assis.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan.


O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP):–Sr. Presidente, em primeiro lugar, quero saudar a intervenção do Sr. Deputado Rui Rio, que, aliás, complementa, julgo, a iniciativa que o PP tomou nesta matéria e, em segundo lugar, pedir a V.Ex.ªpara informar a Câmara sobre se deu ou não entrada hoje de manhã nos serviços da presidência desta Assembleia um pedido de debate de urgência sobre «Porto–Capital Europeia da Cultura 2001». Aliás, não fizemos a opção de chamar o Sr. Ministro à comissão pelo facto de ainda não haver comissão.
No entanto, julgo que são duas iniciativas que podem perfeitamente complementar-se, porque a forma preocupada e preocupante com que vemos um conjunto inaceitável de declarações sobre a condução do «Porto–Capital Europeia da Cultura 2001» levou o PP a tomar esta iniciativa.
Portanto, gostaríamos que o Sr. Presidente em exercício pudesse esclarecer a Câmara atendendo a que a iniciativa, segundo informação dos meus serviços, deu entrada ainda durante a manhã.


O Sr. Presidente (João Amaral):–Sr. Deputado, em resposta dir-lhe-ei que se o Sr. Deputado diz que entregou é porque está entregue.


Risos gerais.


Tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.


A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP):–Sr. Presidente, penso que estamos perante uma situação esperada, que não cria expectativas, pois era exactamente isto que se aguar

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Vozes do PCP :– Muito bem!


O Sr. Presidente (João Amaral):–Muito obrigada, Sr.ª Deputada. Na impossibilidade de eu me poder interpelar, dado que não tenho aqui qualquer vice-presidente que me substitua, agradeço a sua interpelação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco de Assis.


O Sr. Francisco de Assis (PS):–Sr. Presidente, em primeiro lugar, em relação às competências fiscalizadoras desta Assembleia, quero associar-me às considerações que foram feitas pelos Srs. Deputados que me antecederam e estou certo de que o Sr. Ministro da Cultura não deixará de manifestar, como sempre o fez, toda a disponibilidade para vir aqui, ao Parlamento, apresentar os seus pontos de vista em relação a esta matéria.
Quanto à questão de fundo que originou estas interpelações, uso da palavra na qualidade de Deputado eleito pelo Porto para, muito responsavelmente, dizer o seguinte: é evidente que só um néscio é que, nestas circunstâncias, não manifestaria alguma preocupação perante o que aconteceu e está a acontecer, mas também estou absolutamente certo de que serão encontradas as formas mais adequadas para garantir a realização desse grande evento cultural que marcará a vida da cidade do Porto e a vida nacional.
Estou igualmente certo de que as soluções a encontrar suscitarão a adesão e o apoio dos agentes culturais da cidade do Porto que devem ser, naturalmente, os protagonistas principais de todo este processo, pois, na verdade, o que está em causa é um grande evento cultural e é a criação de condições que favoreçam a afirmação de todos os agentes culturais do Porto.
Ainda esta manhã na TSF ouvi as palavras do Dr. Gomes de Pinho, palavras muito sensatas, muito esclarecidas,...


Vozes do CDS-PP :– Ahhh!...


O Orador :– ... nas quais ele salientava este aspecto. O Porto hoje, felizmente, tem um conjunto de agentes culturais na arquitectura, na literatura, na pintura, no cinema de grande expressão não apenas nacional mas até a nível mundial e o que é importante é que esses agentes tenham condições para garantir a sua plena afirmação, que será também a afirmação da cidade e do País.
Exprimindo a convicção absoluta de que será encontrada a melhor linha de orientação e de que, rapidamente, este problema será resolvido, quero, apesar disso, exprimir também o meu respeito e a minha admiração pelo Dr. Artur Santos Silva que é, inquestionavelmente, uma das grandes figuras da cidade do Porto e do País.


Aplausos do PS.


O Sr. Presidente (João Amaral):–Srs. Deputados, os pedidos feitos pelo PSD e pelo CDS-PP terão o tratamento adequado.
Para declarações políticas, inscreveram-se os Srs. Deputados Rosado Fernandes, Francisco de Assis e António Filipe.
Tem a palavra o Sr. Deputado Rosado Fernandes.


O Sr. Rosado Fernandes (CDS-PP):–Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados: Fez ontem, dia 9 de Novembro, 10 anos que o Muro de Berlim foi derrubado. Sucessor em betão da metafórica «cortina de ferro» imaginada por Churchill depois de tanto «sangue, suor e lágrimas», era o muro que, simbolicamente e na realidade, separava a Europa ocidental da Europa oriental comandada pela superpotência soviética.
Ainda rapaz, lembro-me da Alemanha onde estudei, das suas cidades destruídas, das famílias brutalmente traumatizadas pela guerra que o seu país provocara e da separação a que forçava a existência de duas Alemanhas, consubstanciada nos «refugiados» ( Flüchtlinge, em alemão), que, já mais de 10 anos passados, ainda tentavam chegar.
Apesar de raras análises, como a de Heléne Carrére d'Encausse, em 1978 no Empire Eclaté , profetizava a queda do império soviético, ou a de Paul Kennedy que, na Ascensão e queda das grandes potências , apontava como irreversível a junção das duas Alemanhas, nunca me atrevera a pensar ver durante a minha vida cair o Muro de Berlim erigido em 1961, nem as revoltas de Gdansk (Dantzig) me faziam prever a sua queda, depois de ter assistido às anteriores intervenções dos tanques do Pacto de Varsóvia em 1953, na Alemanha, em 1956, na Hungria, e, em 1968, na Primavera, de pouca dura, em Praga.
Uma ténue luz de esperança surpreendeu-me em Junho de 1979 com a passagem de João Paulo II na Polónia, onde se juntou a Lech Walesa e ao seu «Solidariedade».

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A Sr.ª Odete Santos (PCP):–Estava desejoso de ser Deputado para vir fazer esse discurso!?


O Orador :– O que existira fora o socialismo estalinista. O sistema tinha-se esgotado a si próprio e estava condenado a desaparecer.»
Que sucedeu, por outro lado, ao capitalismo do mundo livre?
Num processo natural de globalização, o capitalismo ocidental tende a contradizer uma das suas mais elementares regras: a da livre concorrência, que, para ser livre, tem de ser justa e honesta.


O Sr. Paulo Portas (CDS-PP):–Muito bem!


O Orador :– Com as fusões, com o «encolher» das empresas, ou downsizing , com a des-regulamentação e outras medidas para aumentar a competitividade, muitos poderosos sonham em obter o monopólio do seu sector. A esperança é que o homem velho saiba reagir à velha tentação do poder absoluto que sempre seduziu o homem seu semelhante e muitas vezes até seu companheiro e amigo.
Gostaria de poder comemorar hoje, em nome do meu partido, com mais alegria e esperança a queda do Muro de Berlim e a junção da Europa ocidental à Europa oriental. Não posso esconder a alegria que sinto em ver desaparecido um sistema que atacou as próprias raízes da alma humana, e evito enumerar aqui os horrores que dele conhecemos, muito embora saiba que, desde Platão, o comunismo sempre existiu na história das ideias ocidentais.


O Sr. Paulo Portas (CDS-PP):–Muito bem!


O Orador :– O que vejo à minha volta, contudo, apesar da confiança que tenho nas potencialidades do bom senso do ser humano, não é de molde a levar-me a pensar que neste fim de milénio estaremos necessariamente perante a vinda de um mundo novo que não seja somente representado pelo controlo totalizante da informática ou pela força globalizante do nosso telefone celular.
Vai depender de nós todos o nosso futuro e a nossa sobrevivência com dignidade na passagem que estamos e vamos fazer inexoravelmente por este mundo.
O Partido Popular entregou um voto que amanhã será discutido, o resto, depois, depende das vossas consciências.


Aplausos do CDS-PP.


O Sr. Presidente (João Amaral):–Não havendo pedidos de esclarecimento, tem também a palavra para uma declaração política o Sr. Deputado Francisco de Assis.


O Sr. Francisco de Assis (PS):–Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados, no início desta minha intervenção, quero saudar a eleição do Sr.Eng.º António Guterres para a presidência da Internacional Socialista, que ontem ocorreu em Paris.


Aplausos do PS.


Quero saudar, nessa eleição, a ascensão de um cidadão português para o exercício de uma função de interesse relevantíssimo na vida da comunidade internacional, bem como saudar uma nova esperança que os socialistas são capazes de transmitir ao mundo.


O Sr. José Junqueiro (PS):–Muito bem!


Orador :– O orador que me antecedeu evocou um dos acontecimentos históricos mais importantes do nosso século: a queda do Muro de Berlim. Quero também, nesta circunstância, associar-me à comemoração desse evento.
O nosso século foi marcado por imensas e profundas contradições: um século em que o homem foi capaz do melhor e do pior; um século marcado por duas guerras mundiais, onde as atrocidades humanas foram elevadas a níveis até então nunca conhecidos; um século marcado por dois grandes fenómenos totalitários; um século marcado pela ascensão do mal, na sua versão mais horripilante.
Mas também foi–e não podemos esquecê-lo–um século marcado por grandes evoluções para a Humanidade; desde a ciência e da tecnologia, até aos direitos humanos, foi, este, um século marcado por grandes e profundas transformações.
Nós, socialistas democráticos, temos um particular orgulho em termos participado em todos os grandes combates do século e, na nossa perspectiva, termos estado sempre no lado justo no âmbito desses combates.


Aplausos do PS.

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A Sr.ª Rosa Maria Albernaz (PS):–Muito bem!


O Orador :– … nós fomos a esquerda que nunca aceitou que os direitos fundamentais dos indivíduos fossem postos em causa, fosse em nome de que objectivo terminal fosse;...


Aplausos do PS.


Nós fomos a esquerda que sempre lutou pelos direitos cívicos, pelos direitos políticos e pelos direitos sociais; nós fomos a esquerda que, nunca renegando o combate pela igualdade, nunca pôs em causa o princípio fundamental da afirmação da liberdade em toda a sua extensão.


A Sr.ª Rosa Maria Albernaz (PS):–Muito bem!


O Orador :– Por isso, demos um contributo determinante para a evolução neste século: demonstrámos que era possível compatibilizar a liberdade com a igualdade, que era possível compatibilizar sistemas políticos liberais com o aprofundamento da democracia em todas as suas dimensões. Apostámos sempre no homem e, partindo desta aposta fundamental, numa visão humanista, fomos capazes de conceber modelos de organização política e económica que, até prova em contrário, do nosso ponto de vista, são aqueles que vão, de forma mais eficaz, ao encontro das verdadeiras aspirações da Humanidade.
Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados: Ancorados nesta memória, ancorados nesta herança de que legitimamente nos orgulhamos, estamos hoje, nós todos, socialistas e sociais-democratas do mundo inteiro, empenhados em encontrar novas respostas para novos problemas que se colocam à Humanidade.
Em nome dos princípios de sempre–do princípio da igualdade, do princípio da liberdade, do princípio da solidariedade –, estamos todos, conjuntamente, empenhados, à escala de cada um dos nossos países, em encontrar as soluções mais adequadas, face a uma sociedade que sofreu profundas alterações nos últimos anos, a maior das quais é, incontestavelmente, aquela que reside na globalização económica e financeira, na progressiva internacionalização das economias, na progressiva mundialização do próprio fenómeno das trocas culturais.
Em relação à globalização, não produzimos o discurso de resistência, que, infelizmente, ainda caracteriza alguns sectores da esquerda europeia. Nós não estamos contra a globalização. Reconhecemos os méritos e as vantagens da globalização, mas entendemos que é preciso construir hoje, a um nível global, modelos de regulação que impeçam, justamente, que, em nome da mundialização, ressurjam injustiças sociais e fenómenos de desigualdade, que, ao nível de cada Estado Nação, por força e mérito dos movimentos socialistas e sociais-democratas, fomos capazes, historicamente, de ultrapassar e resolver.
Estamos, por isso, absolutamente convencidos de que, face à globalização, há, hoje, uma necessidade essencial que passa pela reabilitação da política.
Aquando da discussão do Programa do Governo, foram várias as intervenções oriundas de vários grupos parlamentares que apontaram todas para este aspecto: é preciso reabilitar a política.
Face à desregulação económica, face a alguns riscos de desregulação social, é preciso reencontrar um lugar central para a política e é preciso garantir de novo a supremacia da política.
Ora bem, esse foi o «combate número um» assumido pelos socialistas reunidos nos últimos dias em Paris: reabilitar a política, criar condições para que a política volte a ocupar um lugar central nas nossas sociedades, mas tendo a noção de que hoje já não é ao nível da escala puramente nacional que se pode proceder à reabilitação da política; é, sim, ao nível internacional–através da aposta na construção de grandes blocos regionais, que não perspectivamos como blocos fechados mas como blocos abertos à cooperação e às trocas uns com os outros–que poderemos reconstituir modelos de regulação que tanto êxito tiveram no passado ao nível do Estado nacional e que, estamos certos, podem vir a ter um êxito futuro ao nível europeu e ao nível mundial, desde que devidamente perspectivados.
É preciso reconciliar o indivíduo com o cidadão; é preciso estabelecer uma nova relação entre a política e a economia; é preciso conceber o mercado como um instrumento fundamental, mas não mais do que isso. Um instrumento que tem de estar permanentemente colocado ao serviço do homem e ao serviço dos objectivos fundamentais de uma sociedade que queremos cada vez mais justa e que hoje pode ser uma sociedade de oportunidades para todos.
Porque se houve transformação que ocorreu nos últimos anos–e que aqui deve ser saudada–foi a transformação no domínio da ciência e da tecnologia que permitiu uma notável expansão das oportunidades. Aí, não temos dúvidas em afirmar que o mercado é o melhor modelo de organização económica que garante melhor alocação de recursos, que mais estimula a criatividade e os espírito de iniciativa individuais. E esse espírito de iniciativa individual é fundamental para que as sociedades evoluam, para que as sociedades se transformem e se expandam, sob todos os pontos de vista. E não houve sociedade como esta que tivesse ao seu alcance tantas e novas oportunidades.
Estaremos todos de acordo–ou muitos de nós estaremos–relativamente à necessidade de valorizar o mercado e a livre iniciativa, condições imprescindíveis para que se promova uma plena expansão das oportunidades.
Mas, ao mesmo tempo (e este é o nosso velho combate), é preciso garantir uma igualização no acesso à plena fruição de todas essas oportunidades. E esse é um combate que nós, socialistas de todos os países do mundo, estamos dispostos a travar, enfrentando todas as dificuldades e visando superar todos os obstáculos que se nos deparem.
Por isso, quero saudar aquilo que ficará para a História como a «Declaração de Paris»–que consiste num documento que foi elaborado ao longo dos dois últimos anos, sob a coordenação do antigo primeiro ministro espanhol Felipe Gonzalez –, em que se enunciam os grandes objectivos da acção da Internacional Socialista para os próximos anos.
Em primeiro lugar, a luta contra a pobreza e a fome, contra a exploração e a desigualdade no acesso aos recursos tecnológicos e económicos mundiais, propondo, des

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Vozes do PS :– Muito bem!


O Orador :– Em segundo lugar, a luta pela afirmação dos direitos humanos e da democracia em todos os lugares do Globo, no sentido de garantir o avanço do direito de ingerência por razões humanitárias e no sentido de garantir a construção de sociedades cada vez mais democráticas.
Em terceiro lugar, a opção pela paz e pela segurança através da consolidação de uma nova ordem internacional, com recurso à criação de instrumentos multilaterais que se revelem eficazes na prevenção, gestão e resolução dos conflitos que opõem os povos uns as outros.
Em quarto lugar, uma proposta clara no sentido de se avançar com a reforma da ONU, com a ampliação do número de membros do Conselho de Segurança. Avançam-se também propostas no sentido de reformar o FMI, o Banco Mundial e a Organização Mundial de Comércio com o intuito de adaptá-las às novas realidades com que somos confrontados. Visa-se, ainda, assegurar uma maior transparência no funcionamento do sistema financeiro internacional e propõe-se a criação de um conselho de segurança económica ao nível da Organização das Nações Unidas.
Em quinto lugar, um dos compromissos é encontrar respostas rápidas, incisivas e adequadas para garantir a protecção do ecossistema, incentivando a adopção de tecnologias que não ponham em causa os grandes equilíbrios naturais.
Por último, a afirmação da Europa como um bloco regional aberto e como condição insubstituível para garantir a constituição dos tais mecanismos reguladores de âmbito económico e social, ao nível de um espaço que seja capaz de impedir os efeitos negativos do fenómeno da globalização.
No fundo, citando António Guterres em entrevista dada há poucos dias: «O que está em causa, o objectivo fundamental que move os socialistas e sociais-democratas de toda a Europa é o de compatibilizar uma economia de mercado com um Estado regulador, com a justiça social e com uma sociedade cada vez mais solidária».
Sr. as e Srs. Deputados, há pouco, alguém saudou, e bem, a queda do Muro de Berlim. Trata-se de um fenómeno, em si, de uma importância tal, que só por si merece a saudação que aqui foi já referida. Mas, ao mesmo tempo, é necessário encontrar respostas políticas, no plano da geo-política e da geo-economia, para um mundo que é muito desorganizado; um mundo onde emergiu uma nova única potência hegemónica no plano político; um mundo onde as iniquidades sociais e as desigualdades económicas continuam a pôr em causa princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana.
Por isso, no final de um século (como já aqui foi dito e eu próprio referi) que foi tão diverso e tão contraditório, creio que há uma frase–que ainda na semana passada aqui foi referida por um Deputado do meu grupo parlamentar–de um filósofo político hoje justamente revalorizado, Gramsci, que me parece ser a frase que de alguma maneira sintetiza o século que termina e abre as portas para o século que se inicia: «O pessimismo da inteligência e o optimismo da vontade».
Temos todos, hoje, razões para cultivar algum pessimismo lúcido no plano da inteligência, mas nunca deixemos que a inteligência se estimule. A vontade de dar o nosso contributo para a construção de um mundo mais livre, mais justo e mais solidário, esse é o nosso compromisso de socialistas, aqui e em qualquer lugar do mundo.


Aplausos do PS.


O Sr. Presidente (João Amaral):–Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.


O Sr. Basílio Horta (CDS-PP):–Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco de Assis, permita-me que comece o meu pedido de esclarecimento recordando que o primeiro português eleito para uma organização internacional foi o presidente e primeiro fundador do meu partido, Professor Diogo Freitas do Amaral, quando foi eleito Presidente da União Mundial das Democracias Cristãs.


O Sr. Paulo Portas (CDS-PP):–Muito bem!


O Orador :– Por isso, a minha bancada está numa posição particularmente boa para compreender a vossa alegria, embora, como hão-de entender, ideologicamente, não nos possamos a ela associar.
Quero, no entanto, perguntar a V.Ex.ªse pode esclarecer-me sobre uma dúvida que me assaltou quando li os relatos acerca da forma como decorreu o Congresso da Internacional Socialista. É que, uma e outra vez, se disse que a eleição do nosso Primeiro-Ministro, Engenheiro António Guterres, era uma tentativa de harmonizar as correntes socialistas com as correntes humanistas cristãs. Ora, pensava eu que o socialismo totalitário não era humanista e que o socialismo democrático era humanista laico!...


Risos do CDS-PP.


Gostaria, pois, que V.Ex.ªme esclarecesse sobre se são verdadeiras esta tendência e estas notícias que surgiram e, em caso afirmativo, o que é que isto quer dizer.


Vozes do CDS-PP :– Muito bem!


O Sr. Presidente (João Amaral):–Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco de Assis.


O Sr. Francisco de Assis (PS):–Sr. Presidente, Sr. Deputado Basílio Horta, agradeço-lhe a questão tão estimulante, do ponto de vista do debate puramente teórico, que me colocou.
Devo igualmente agradecer-lhe a forma como se referiu à eleição do Sr.Eng.º António Guterres para a presidência da Internacional Socialista. Estou certo de que a compreensão da nossa alegria, neste momento, é idêntica à compreensão que os socialistas tiveram em relação à vossa alegria no momento em que o Sr.Prof. Freitas do Amaral foi eleito para o exercício de tão relevantes funções, em que não deixou de prestigiar o País, como sempre tem prestigiado, sempre que tem sido chamado a exercer funções de relevo na vida internacional, como aconteceu, ainda recentemente, quando assumiu a presidência da Assembleia Geral da ONU.
Em relação à questão que me coloca, uma questão pertinente, dir-lhe-ei o seguinte: como sabe, o socialis

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O Sr. António Capucho (PSD):–É saudável!


O Orador :– … mas que, hoje, se encontram em torno de um conjunto de valores fundadores fundamentais, que são os do socialismo democrático e da social-democracia.


O Sr. António Capucho (PSD):–Não tem problema!


O Orador :– Sr. Deputado António Capucho, esta referência aos valores fundadores da social-democracia parece, de alguma maneira, tê-lo estimulado, reconhecendo-se naquela que é, hoje, a posição do Partido Socialista e naquela que é, hoje, a representação política, cultural e sociológica do Partido Socialista.
Sr. Deputado Basílio Horta, para terminar, dir-lhe-ei apenas o seguinte: o Sr.Eng.º António Guterres não foi eleito para a presidência da Internacional Socialista para estabelecer o consenso entre quem quer que seja. Foi eleito pelos seus méritos próprios; foi eleito porque os socialistas reconhecem ser ele, hoje, de entre todos os socialistas, o mais habilitado para presidir aos destinos de tão importante organização internacional.


Aplausos do PS.
Foi eleito porque representa, de uma forma modelar, este socialismo, que, sem romper com a sua tradição e sem renegar as suas origens, também não se recusa a enfrentar o futuro, com novas soluções para novos problemas, fiéis aos princípios e aos valores. Mas os princípios e os valores não nos podem paralisar a ponto de não compreendermos as novas realidades, como também não paralisaram os Srs. Deputados do Partido Popular.
Aliás, em jeito de graça, e para terminar, diria que, há pouco, quando ouvia a intervenção do Sr. Deputado Rosado Fernandes, verifiquei que, do ponto de vista conceptual, ela era tão concordante com algumas intervenções que ouvi, nos últimos dias, em Paris, que bem poderia ter sido proferida no contexto de um congresso da Internacional Socialista.


Aplausos do PS.


O Sr. Presidente (João Amaral):–Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.


O Sr. António Filipe (PCP):–Sr. Presidente, Srs. Deputados: A situação de crise em que se afunda a Radio-televisão Portuguesa confronta o Partido Socialista com um dos maiores fracassos da sua governação.
Do Programa do XIII Governo Constitucional, debatido nesta Assembleia há quatro anos, constavam propósitos estimáveis de saneamento financeiro da empresa e de um novo quadro de exigência, no qual o serviço público seria entendido como uma filosofia de programação e não como um conjunto disperso de obrigações. Proclamava-se uma particular atenção à produção interna da RTP, com a correspondente utilização dos meios humanos e técnicos, devendo as condições de recurso à produção externa ser disciplinadas através de instrumento apropriado, que assegurasse a sua transparência e obstasse à constituição de situações de privilégio. Esta concepção de serviço público impunha um novo modelo de gestão que garantisse a efectiva independência da RTP face ao poder político.
Passados quatro anos, nem saneamento financeiro, nem filosofia de programação que se entenda, nem aproveitamento de meios humanos e técnicos, nem sequer um mínimo de estabilidade indispensável ao funcionamento de uma qualquer empresa.
A despeito das boas palavras de governantes e directores, a condução dos destinos do serviço público de televisão tem-se traduzido num fiasco monumental, que põe em evidência a total incapacidade do governo PS para superar a situação de grave crise da RTP que herdou dos governos do PSD.
É um facto inquestionável, que, desde a abertura da televisão à iniciativa privada, no início desta década, todos os governos se têm mostrado muito mais preocupados em assegurar a viabilidade dos operadores privados do que em garantir a existência de um serviço público de televisão capaz de responder aos desafios do novo panorama audiovisual.


O Sr. Octávio Teixeira (PCP):–Muito bem!


O Orador :– Enquanto isso, o controlo e a manipulação da RTP por parte do poder político atingiu o desaforo, não apenas através do controlo partidário e governamental dos conteúdos informativos, mas também através de uma constante dança de chefias, geradora de instabili

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Vozes do PCP :– Muito bem!


O Orador :– No plano financeiro, o Governo não só não define uma política de financiamento do serviço público de televisão como nem sequer cumpre atempadamente as obrigações financeiras que assume no respectivo contrato de concessão. O Governo, que continua imperturbavelmente a falar na necessidade de sanear financeiramente a RTP e de assegurar a sua viabilização, mas a agir como se nada fosse com ele, é o mesmo que tomou a decisão política injustificável de reduzir a publicidade na RTP, retirando-lhe mais uma fonte de receita, em benefício directo e assumido das televisões privadas.
No plano da definição de uma estratégia para a empresa, são anunciadas sucessivas restruturações, que, normalmente, apontam para a alienação dos sectores mais rentáveis, como a produção, e, citando um recente comunicado das estruturas representativas dos trabalhadores da RTP, «são encomendados sucessivos estudos e pagos a peso de ouro, sem quaisquer consequências práticas e sem que ninguém seja responsabilizado pelas suas omissões e ineficácia».
Nas palavras dos respectivos trabalhadores, a RTP é, hoje, «um edifício que se desmorona por dentro». A «situação obscura» que a empresa atravessa «leva a que trabalhadores qualificados e mais-valias da empresa estejam a abandoná-la ou em vias disso, pois cada vez é mais difícil cada um argumentar consigo próprio e encontrar justificação para a sua permanência».
Mas também aos olhos da opinião pública a RTP vai perdendo credibilidade, com uma programação de tal modo incoerente que, como se costuma dizer, não agrada «nem a gregos nem a troianos». Em vez de definir uma linha própria de programação e de produção, segue a reboque de estratégias comerciais e celebra contratos de produção externa que se revelam tão ruinosos no plano financeiro como de audiências. Em vez de valorizar a sua própria programação, abdica dela, a favor de estratégias negociais de mérito duvidoso ligadas à televisão codificada, como bem se nota no confrangedor empobrecimento da programação da RTP em matéria desportiva e cinematográfica.


O Sr. Octávio Teixeira (PCP):–Muito bem!
O Orador :– De cada vez que se assiste a uma dança de cadeiras na direcção da RTP–e é com frequência que isso acontece–todo o País assiste a um «lavar de roupa suja» sobre as responsabilidades no aprofundamento da crise e a descrições arrepiantes sobre ingerências políticas, sobre lutas pelo poder na empresa, sobre a influência de lobbies e de interesses instalados nas tomadas de decisão dentro da RTP. E, invariavelmente, sempre que alguém abandona a direcção desta empresa, trata, em primeiro lugar, de alijar as suas próprias responsabilidades no agravamento da crise, imputando sempre a culpas alheias o facto de ter deixado a empresa numa situação pior do que a que encontrou.
A realidade é que, agora pela mão do PS, não pelas palavras mas pelos actos, prossegue a política de destruição do serviço público de televisão, desacreditando-o aos olhos da opinião pública e servindo objectivamente os propósitos de quem sempre teve como objectivo desmantelar a televisão pública para fazer prevalecer sobre os seus escombros o completo domínio da televisão comercial e os interesses económicos que a controlam.
Nós não alinhamos no coro dos que atacam a RTP com o objectivo de acabar com o serviço público de televisão ou de o reduzir a uma função meramente residual.


O Sr. Octávio Teixeira (PCP):–Muito bem!


O Orador :– Ter acesso a um serviço público de televisão é um direito de todos os portugueses que a Constituição consagra! O serviço público de televisão não pode dirigir-se apenas à satisfação de necessidades específicas dos emigrantes portugueses, dos residentes nas regiões autónomas e de algumas elites culturais, ou ao cumprimento de algumas obrigações institucionais.
Nós não alinhamos no coro daqueles que choram «lágrimas de crocodilo» pelo dinheiro dos contribuintes que supostamente é gasto com o serviço público de televisão, mas fingem esquecer que a existência de operadores privados foi viabilizada à custa de vultosos investimentos públicos a fundo perdido, designadamente na rede de emissores, pagos, evidentemente, com o dinheiro dos contribuintes.


O Sr. Bernardino Soares (PCP):–Exactamente!


O Orador :– Não contestamos, como é óbvio, a existência e a legitimidade dos operadores privados de televisão, mas também não alinhamos na estratégia de promover a demolição sistemática do serviço público de televisão como forma de garantir o sucesso empresarial das televisões comerciais e o seu domínio absoluto do panorama audiovisual.


Vozes do PCP :– Muito bem!


O Orador :– As críticas contundentes que fazemos à política do Governo para a RTP e à actuação de muitos dos seus responsáveis nos últimos anos não visam pôr em causa a existência do serviço público de televisão, mas precisamente o contrário. O que criticamos ao Governo e aos responsáveis da RTP é a falta de uma política que valorize esse serviço aos olhos dos cidadãos e que leva muitos deles a considerar como inglório qualquer investimento público que seja feito na RTP.


O Sr. Octávio Teixeira (PCP):–Muito bem!

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Vozes do PCP :– Muito bem!


O Orador :– A televisão pública tem, por isso, de ser um espaço da cidadania, livre de intromissões abusivas do poder político e do poder económico, aberto a todas as correntes de opinião, impulsionador do debate sobre os problemas que importam verdadeiramente aos cidadãos e veículo privilegiado das produção e difusão da criatividade e da cultura portuguesas.


O Sr. Octávio Teixeira (PCP):–Muito bem!


O Orador :– O que se exige ao serviço público de televisão é uma informação autónoma de pressões exteriores, deontologicamente rigorosa e isenta, aberta ao confronto de posições e às diferentes problemáticas que afectam e determinam o viver dos portugueses. E uma programação exigente quanto à qualidade do que difunde, valorizadora do património cultural português, dos seus criadores e intérpretes, potenciadora dos meios materiais e humanos de que dispõe, capaz de inovar e de experimentar, aberta ao intercâmbio e ao reforço do relacionamento no interior do espaço geográfico da língua portuguesa.
O serviço público de televisão que hoje temos não é o que queremos nem corresponde ao que minimamente lhe é exigido.


O Sr. Octávio Teixeira (PCP):–Muito bem!


O Orador :– É fundamental assegurar a todos os cidadãos portugueses um serviço público de televisão digno desse nome, mas isso não passa por meras palavras inscritas no Programa do Governo, nem por chavões indefinidos, do tipo «pacto de regime» ou «amplo consenso nacional». A viabilização do serviço público de televisão implica uma firme vontade política e uma prática que, de
uma vez por todas, acabe com as indefinições quanto ao futuro da RTP e inverta o caminho para o abismo que esta empresa tem vindo deploravelmente a percorrer.


Aplausos do PCP.


O Sr. Presidente (João Amaral):–Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.


O Sr. António Reis (PS):–Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, a sua intervenção teve claramente duas partes. Na última parte, o Sr. Deputado fez a defesa teórica do serviço público de televisão e atacou os argumentos daqueles que defendem a privatização da RTP,…


O Sr. Paulo Portas (CDS-PP):–Não, não! De um canal!


O Orador :– … em termos, aliás, com os quais nós, socialistas, sempre nos temos identificado. E não foi por acaso que, na última legislatura, juntos defendemos aqui essa mesma concepção de serviço público e juntos apoiámos uma nova lei da televisão, que o consagra em termos absolutamente inequívocos.
Por isso me espanta a primeira parte da sua intervenção. Espanta-me, porque, afinal de contas, o Sr. Deputado usou, em relação à RTP que temos, que todos sabemos não ser perfeita e carecer de inúmeros aperfeiçoamentos, um tom verdadeiramente catastrofista, arriscando-se a que esta sua intervenção seja encarada como mais uma voz de carpideira, a juntar a tantas outras vozes de carpideira que têm vindo do sector de direita desta Assembleia e também dos concorrentes privados da RTP. Penso que essa não é a melhor maneira, na prática, de defender o serviço público de televisão e de contribuir para uma melhoria efectiva da RTP.
Inclusivamente, o Sr. Deputado permitiu-se fazer uma crítica feroz à programação actual da RTP, afirmando até que ela tem descurado a sua produção interna, quando, ainda muito recentemente, como o Sr. Deputado sabe, a RTP apresentou uma nova série de documentários, intitulada Crónica do Século , que ficará, sem dúvida, como um marco importante no esforço feito pelos canais de televisão portugueses para documentar historicamente o século XX, em Portugal. Proximamente, será também exibida uma série sobre Macau, no momento em que Macau for entregue à soberania da República Popular da China, o que é mais um exemplo concreto de como a RTP está atenta, no cumprimento do serviço público.
Estamos de acordo em que há muito ainda para fazer; só que existe um plano nesse sentido. E é bom que a Assembleia da República esteja informada sobre o plano, em curso, de reestruturação da RTP. Por isso, nada melhor, no início desta Legislatura, do que chamar à comissão parlamentar que se vier a constituir para a comunicação social o Sr. Presidente da RTP, para que todos os Srs. Deputados possam ser melhor informados sobre o plano de reestruturação da RTP.


Aplausos do PS.


O Sr. Presidente (João Amaral):–Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.


O Sr. António Filipe (PCP):–Sr. Presidente, Sr. Deputado António Reis, o senhor referiu que a minha intervenção tinha duas partes, uma que era a defesa teórica do

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD):–Aquilo que não tem seguido!


O Orador :– Sr. Deputado, não se defende o serviço público fechando os olhos à realidade e foi isso que o senhor fez! O Sr. Deputado ignora a situação de crise profunda que a RTP atravessa? Todos a conhecem! A sua intervenção, Sr. Deputado, foi a primeira que ouvi neste país a dizer que a situação não é assim tão má!


O Sr. Paulo Portas (CDS-PP):–Muito bem!


O Orador :– Leiam-se as entrevistas de responsáveis pela RTP até há pouco tempo, vejam-se os comunicados de todas as estruturas representativas dos trabalhadores da RTP, e, de facto, ficamos inquietos com a situação que, realmente, se vive na RTP!
Estou plenamente de acordo em que esta Assembleia faça diligências no sentido de apurar com mais rigor a situação que se vive, de debater a situação no serviço público de televisão e de debater as políticas para o serviço público, mas, já agora, que também se oiça o membro do Governo responsável pela área, o Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social e não só apenas os responsáveis pela RTP, que têm responsabilidade neste domínio–também o Governo tem uma responsabilidade política indeclinável e que tem de ser chamado a assumir.


Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (João Amaral):–Não tenho mais qualquer pedido de palavra para declarações políticas, pelo que, para uma intervenção sobre assunto de relevante interesse político, tem a palavra o Sr. Deputado Matos Correia do PSD.


O Sr. Matos Correia (PSD):–Sr. Presidente, nesta que é a minha primeira intervenção neste Hemiciclo, gostaria de começar por saudar respeitosamente V.Ex.ªe por cumprimentar também todas as Sr. as e Srs. Deputados das diferentes bancadas parlamentares.
Já alguns oradores antes de mim se referiram aqui a uma data que merece, de facto, ser referida e que ontem celebrou o seu 10.º aniversário: a queda do Muro de Berlim.
E o Grupo Parlamentar do Partido SocialDemocrata não poderia, evidentemente, deixar de se associar a um momento que é, de facto, um dos momentos mais fundamentais da História Contemporânea, porque há datas que merecem ser comemoradas, mesmo que muito tempo–e não é o caso–se tenha passado sobre o momento em que ocorreram e que, pela sua importância, merecem ser celebradas com alguma solenidade.
Quero crer que a queda do Muro de Berlim é, de facto, uma dessas datas. Desde logo, pelo que representou na história de um grande povo europeu: um povo que nunca deixou de acreditar numa reunificação que sempre desejou e que só a teimosa vontade de um regime caduco insistia em manter artificialmente afastado.


O Sr. Luís Marques Guedes (PSD):–Muito bem!


O Orador :– Mas o Muro de Berlim não se limitava–e isso já seria suficiente–a separar fisicamente uma nação. Era muito mais do que isso: simbolizava a divisão da Europa e nele estava igualmente representada a divisão do mundo, a divisão entre aqueles que acreditavam no valor da pessoa humana e os que espezinhavam os interesses do indivíduo aos insondáveis desígnios do todo; a divisão entre aqueles que viam o Estado como um instrumento ao serviço da realização do bem comum e aqueles para quem o poder era apenas encarado como uma forma de perpetuação, a qualquer custo, de uma ideologia política; a divisão entre aqueles para quem a vontade popular era o único título de legitimidade e aqueles que se arrogavam o direito de falar em nome do povo, ao mesmo tempo que lhe negavam a possibilidade de escolher o seu próprio destino; a divisão, enfim, entre aqueles para quem a liberdade valia todos os sacrifícios e aqueles que negavam a milhões e milhões de seres humanos o direito fundamental de serem livres.
Mas a existência do muro impressionava ainda por uma outra razão: é que o simples facto de ali estar representava a mais extraordinária, porventura, a mais patética demonstração do fracasso de um regime político que a memória dos homens alguma vez registou, um regime em desespero, que viu no encarceramento de todo um povo a última e obstinada forma de impedir a sua deserção em massa,…


O Sr. Luís Marques Guedes (PSD):–Muito bem!


O Orador :– … que viu na criação de um Estado concentracionário a derradeira via para a sua própria salvação.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD):–Muito bem!


O Orador :– Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados: Se o dia 13 de Agosto de 1961 ficará para sempre marcado na nossa memória como aquele em que teve início a construção do muro que veio a ser conhecido como o muro da vergonha, recordaremos para sempre, igualmente, o dia 9 de Novembro de 1989 como aquele em que se abriram os horizontes de uma desmesurada esperança, de uma esperança que todos os sinais iniciais pareciam querer confirmar. E aí estavam: o termo da guerra-fria, o ponto final na lógica dos blocos; os ventos de democracia e liberdade que num ápice invadiram todos os continentes e quase todos (infelizmente não todos!) os países; inimigos de tantas anos e de tantas batalhas finalmente sentados à mesma mesa e a Organização das Nações Unidas ao leme dos destinos internacionais.
Só que as coisas não se passaram como o previsto ou como nós gostaríamos que se tivessem passado e a pouco e pouco fomos assistindo à libertação de fantasmas e ao desencadear de movimentos políticos e sociais tradicionalmente contidos ou mesmo inexistentes. Fomos colocados perante a explosão dos nacionalismos e a consequente necessidade de repensar fronteiras e arrumações geográficas e fomos confrontados com a multiplicação de diferendos e com a eclosão inesperada de conflitos.
Mas também as disparidades de desenvolvimento se não esbateram, em muitos casos apresentaram até tendência para se agravar, fruto em grande medida de alguma relativa incapacidade que demonstrámos em pilotar um processo de globalização económica que, de resto, muito ficou a dever ao próprio apaziguamento ideológico que a queda do muro propiciou.
Vivemos, por isso, uma situação aparentemente paradoxal e permito-me aqui citar um célebre autor francês, Pierre Hassner, que sintetizou numa fórmula, que julgo particularmente feliz, a situação do mundo contemporâneo: «a paz tomou-se um pouco menos impossível, mas a guerra tornou-se, ao mesmo tempo, mais provável».
Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados: No meio de todas estas águas agitadas, o velho continente conseguiu, apesar de tudo, ser um notável referencial de estabilidade, sem distinguir os que estavam de um lado e do outro do muro, antes de 1989, a todos permitindo a participação num processo que é comum, sem arrogância da parte dos que ganharam, mas sem azedume da parte dos que perderam.
Por isso, presenciámos um percurso, na Europa, sem precedentes de reformulação de uma ordem que assentou nas instituições que haviam sido pensadas para a realidade específica da guerra-fria, mas que também foram capazes de responder aos novos desafios do «pós 1989».
Por isso, assistimos ao reforço do papel da União Europeia, quando alguns previam a sua inexorável erosão, e fomos testemunhas do revigorar da Aliança Atlântica e não de um desaparecimento que tantos, tão apressadamente, quiseram apregoar.
Mas se na Europa fomos capazes de arrumar minimamente a casa já sobre os escombros do sistema internacional desaparecido não conseguimos até agora definir com precisão os contornos políticos, económicos, sociais e culturais da nova ordem global.
Mas «não tomemos a nuvem por Juno»: é que, pesem embora as preocupações que nos assolam e os perigos que espreitam, o mundo é hoje um lugar melhor do que o era antes de 1989 e quase tudo o que desde aí fizemos valeu a pena.


O Sr. Paulo Portas (CDS-PP):–Muito bem!


O Orador :– Nos últimos 10 anos fomos capazes de refundar uma comunidade internacional baseada nos valores da democracia e da liberdade, valores por que tantos de nós se bateram e que para nós, Partido Social Democrata, foram, são e continuarão sempre a ser a parte central do nosso ideário e da nossa prática política.


Vozes do PSD :– Muito bem!


O Orador :– Agora, falta-nos fazer dessa mesma comunidade internacional um espaço de estabilidade e de justiça. Só então estaremos verdadeiramente à altura do legado que a queda do Muro de Berlim nos deixou e essa é uma batalha que todos nós temos de travar, mas que, sobretudo, cabe aos Estados, a todos os Estados, grandes ou pequenos. Os Estados que o não quiserem fazer, que o não puderem fazer e os que «ficarem a ver a História passar» serão irremediavelmente penalizados, serão, sem apelo nem agravo, despromovidos à categoria dos Estados internacionalmente dispensáveis.


O Sr. António Capucho (PSD):–Muito bem!


O Orador :– Os riscos continuam a ser muitos, sobretudo para países da dimensão de Portugal, esta é uma realidade que temos de ter sempre bem presente e que não podemos, em circunstância alguma, escamotear. A solução, no entanto, é só uma: estar no centro do processo de renovação, participar activamente na busca de soluções e influenciar o processo de tomada de decisão, ser, em suma, credível na actuação internacional.
A terminar, deixo um último voto: que a política externa portuguesa, numa situação de risco como a que esta apresenta, saiba, no dealbar do próximo milénio, estar tão à altura dos complexos desafios que nos aguardam como o esteve nos anos que se seguiram à queda do Muro de Berlim.


Aplausos do PSD.


O Sr. Presidente (João Amaral):–Antes de iniciaremos o debate de urgência queria assinalar que temos connosco um grupo de 50 cidadãos de Oeiras que vêm «pela mão» da Câmara Municipal de Oeiras e agradecia aos Srs. Deputados que saudassem a sua presença aqui.


Aplausos gerais, de pé.

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A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP):–Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados, Sr. Ministro das Finanças... Peço desculpa! Nós já suspeitávamos, mas ao fim de sete dias temos a certeza de que o Sr. Ministro da Economia já não tem tempo para ser Ministro das Finanças!...


Aplausos do CDS-PP.


Vozes do PSD :– Muito bem!


A Oradora :– Em qualquer caso, vamos ao que importa!
O debate de urgência pedido pelo CDS-PP é oportuno e necessário!
Em primeiro lugar, porque o País foi confrontado com uma proposta de reforma da tributação geral sobre o património. O Governo, apesar de ter sido expressamente desafiado pelo presidente do meu partido, ocultou esta proposta até à realização das eleições.
Em segundo lugar, o Governo tem de perceber que, em matéria de sistema fiscal, tem, nesta Assembleia, um partido absolutamente intransigente: o Governo e V.Ex.ª, Sr. Secretário de Estado, podem ser–e são!–o fiscal dos contribuintes, mas o meu partido e eu própria seremos os fiscais de VV. Ex. as


Vozes do CDS-PP :– Muito bem!


A Oradora :– Em terceiro lugar, este Governo pretendeu apresentar uma reforma de tributação começando mal, isto é, atingindo duramente a propriedade privada, quando se sabe que a maioria dos portugueses é dono da sua própria casa–quantas vezes com tantos sacrifícios, Srs. Membros do Governo!...
Depois, e finalmente, sabemos que o Governo recuou: a «reforma Medina Carreira» parece estar agora apenas reduzida à «reforma `…eira' »... É o que parece sobrar do relatório, depois de o Governo ter sido obrigado, em boa parte mercê da acção do nosso partido, a recuar na tributação dos depósitos, dos prédios rústicos e dos valores mobiliários.
Mesmo assim, fica-se sem saber o que quer o Governo neste domínio. Quer fazer a reforma fiscal através de uma reforma parcelar sobre o património? Que profunda mistificação!
A criação de novas formas de tributação não é nem pode ser concebida como «panaceia» para as injustiças, desigualdades e iniquidades do sistema no seu conjunto,...


O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP):–Muito bem!


A Oradora :– ... um sistema fiscal em que a classe média paga taxas de IRS de 40%, em que, apesar do nome, não é único, nem quanto aos rendimentos nem quanto aos custos, e que se acomoda à pesada carga fiscal incidente sobre os rendimentos do trabalho dependente–quem não consegue fugir suporta maioritariamente os impostos –,...


Vozes do CDS-PP :– Muito bem!
A Oradora :– ... um sistema que pratica as mais elevadas taxas de IRC ferindo e impossibilitando a competitividade das nossas empresas, que se deixa «afundar» num volume de benefícios fiscais cuja contabilização e quantificação não é possível fazer-se e em que as garantias dos contribuintes ainda são modeladas pelo velho e injusto princípio de «paga primeiro, reclama depois».
Este sistema fiscal é e pode ser reformado, simplificado e tornado mais justo, designadamente através do alargamento da base tributável. Não o é, nem será, através da criação de novos impostos ou do puro e simples aumento de impostos.
Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Porque consideramos necessário e urgente clarificar a posição do Governo sobre a reforma fiscal e a reforma da tributação do património e porque estamos convictos de que os contribuintes querem saber agora o que não puderam conhecer antes das eleições,…


O Sr. Paulo Portas (CDS-PP):–Muito bem!


A Oradora :– …vamos colocar um conjunto de perguntas que queremos ver efectivamente respondidas; são muito simples, muito objectivas e muito úteis.
Em primeiro lugar, tenciona o Governo, em identidade com o que fez quando mandatou a comissão para criar o imposto geral sobre o património mobiliário e imobiliário, fazer um despacho que anule o primeiro e consagre expressamente que a reforma se cinge ao imobiliário urbano?
Em segundo lugar, aceita ou não o Governo proceder à extinção imediata do imposto sobre as sucessões e doações, isto é, aceita o Governo deixar de tributar em morte o que já tributou–e muito–em vida dos contribuintes?


O Sr. Paulo Portas (CDS-PP):–Muito bem!


A Oradora :– Srs. Membros do Governo e, particularmente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Ficais, faço um pacto consigo. Conte connosco para viabilizar os meios razoáveis para obter uma maior eficiência fiscal; em contrapartida, decrete o Governo, e nós aprovaremos, a extinção do imposto sucessório.
A terceira pergunta é a seguinte: admite ou não o Governo o princípio da abolição–friso bem, abolição e não substituição–gradual da sisa? Em caso afirmativo, aceita ou não o Governo, já no próximo orçamento, aumentar para 20000 contos o valor da isenção para a aquisição da primeira habitação?
Ainda uma outra pergunta: está o Governo disposto a aceitar o princípio de que as famílias e os casais jovens possam abater ao IRS o valor que despenderam com a aquisição, a construção e a beneficiação das suas casas, em identidade com o que sucede com as sedes das empresas?
Srs. Membros do Governo, voltemos agora, novamente, ao imobiliário. Queremos saber qual é a escolha do Governo. É o código das avaliações, do PSD, de 1991, que entregava os contribuintes nas mãos da administração fiscal? É o modelo descentralizado proposto pelo Prof. Sidónio Pardal e pela Universidade Técnica? É o modelo declarativo e centralizado do Prof. Dr. Sousa Franco e do Dr. Medina Carreira? Queremos resposta a esta questão.
Ainda mais uma pergunta: o que é para o Governo o imposto sobre o património imobiliário urbano? São as casas e os apartamentos nas cidades ou são também os

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O Sr. Basílio Horta (CDS-PP):–Muito bem!


A Oradora :– Ainda uma outra pergunta: tem o Governo consciência do país que governa, isto é, de que nas nossas cidades existem cerca de 63% de idosos que são proprietários das suas casas, sendo que, em média, 41% dessas casas estão em deficientes condições, não dispondo de condições mínimas, e que cerca de 2/3 desses mesmos idosos vivem com reformas abaixo do valor da pensão mínima?
Pretende o Governo aumentar a tributação sobre tais imóveis? Mantém o Governo a estranhíssima ideia de dar apenas a estes idosos a possibilidade de suspender o pagamento da tributação–mas, claro, mediante a hipoteca da sua casa? Para quem? Para o Estado! Quando as mais das vezes, Srs. Membros do Governo, estes são, apesar de tudo, os poucos bens que estes idosos possuem?


O Sr. Paulo Portas (CDS-PP):–Muito bem!


A Oradora :– Está o Governo em condições de nos garantir que vai consagrar uma isenção nestes casos ?
E, já agora, quanto ao valor das rendas antigas, o que pensa o Governo fazer sobre essa matéria? Arrecadar mais do que o que se recebe de rendas? Julgo que não é um bom princípio!
Ainda uma outra pergunta, Srs. Membros do Governo. Dá, ou não, o Governo valor à existência de um factor familiar como critério para a definição da base de incidência da tributação? Para nós, Sr. Secretário de Estado, não é indiferente que, por exemplo, uma casa com 100 m 2 seja utilizada por uma família com três filhos e que outra, por exemplo, com 200 m 2 seja habitada por uma família com apenas um filho.
Para nós, Sr. Secretário de Estado, não é indiferente o regime consagrado no artigo 104.º da Constituição da República,….


O Sr. Paulo Portas (CDS-PP):–Muito bem!


A Oradora :– … para nós é um imperativo! E para o Governo ?
E já agora pergunto: podemos ficar seguros, podem os contribuintes ficar certos de que não vão aumentar o chamado imposto de selo sobre os automóveis? Pela nossa parte, e para finalizar, queremos deixar um aviso sério ao Governo nesta matéria: não permitiremos qualquer aumento deste imposto enquanto o Governo não baixar o imposto automóvel!


Vozes do CDS-PP :– Muito bem!


A Oradora :– Sr. Presidente. Sr. as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: São dúvidas aquelas que aqui trouxe perante vós, são dúvidas nossas e dos cidadãos contribuintes, que precisam de respostas claras. É o que agradecíamos que o Governo desse a esta Câmara.


Aplausos do PP.


O Sr. Presidente (João Amaral):–O Sr. Secretário de Estado inscreveu-se para responder no fim a todas as intervenções, pelo que tem agora a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.


O Sr. Octávio Teixeira (PCP) :–Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputado, Srs. Secretários de Estado: Como a nós poucas dúvidas nos restam sobre estas matérias, iremos mostrar algumas certezas.
Começaria por aquela que me parece ser a principal: é que sobre a reforma fiscal, por iniciativa e vontade do Governo do Engenheiro Guterres e do Partido Socialista, estamos conversados. Não haverá reforma fiscal!
O mote já estava dado, com o recuo claro e inexplicado que é visível no Programa do Governo. Aí, e na perspectiva da reforma, tudo havia ficado confinado à promessa da aprovação de um único imposto geral sobre o património,…


A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS):–Olhe que não!


O Orador :– … mas logo durante o debate do Programa, o Primeiro-Ministro e o «biMinistro» das Finanças e da Economia enterraram, sem qualquer pudor, a ideia do imposto geral.


O Sr. Lino de Carvalho (PCP):–Exactamente!


O Orador :– Logo nesse debate, o Primeiro-Ministro mostrou, de forma incontroversa, que nem o facto de as promessas serem agora mínimas significaria a vontade política de as cumprir.


Vozes do PCP :– Muito bem!


O Orador :– Mais uma vez, e talvez de forma mais clara que nunca, o Governo do PS e o Eng.º Guterres demonstraram, de forma notória, a falta de vontade política para enfrentar os poderosos lobbies que se movem e, pior que isso, dominam em múltiplos campos da sociedade portuguesa.


Vozes do PCP :– Muito bem!


O Orador :– Isso mostra que, em matéria de reforma fiscal, o novo Governo do PS pretende ser ainda mais retrógrado e inoperante que o seu antecessor. E ainda agora «a procissão vai no adro»!...


Aplausos do PCP.


Mais do que uma asneira, a decisão do Governo de agora só admitir a reforma da tributação do património imobiliário edificado significa, sem margem para qualquer dúvida, a decisão política de continuar a beneficiar, ilegítima e escandalosamente, a riqueza, os rendimentos e as aplicações e actividades financeiras.
Que razões e que moral pode ter um Governo para tributar uma casa de habitação valorizada em 30000 contos, por exemplo, e, simultaneamente, não tributar uma quinta com o valor de 130000 contos ou um património em acções no valor de 2 milhões de contos?!


Vozes do PCP :– Bem perguntado!


O Orador :– Nenhuma razão, nenhuma moral, apenas a vontade política de continuar a privilegiar os mais privilegiados!

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O Orador :– O imposto geral sobre o património, ou imposto sobre a riqueza, é um elemento essencial num sistema fiscal que se pretenda basear no princípio da capacidade contributiva, por um lado, pela possibilidade de atingir a capacidade de pagar inerente à titularidade de activos patrimoniais (independentemente da fonte dos rendimentos que conduzem a esses activos patrimoniais) e, por outro lado, pela a possibilidade de conseguir a discriminação positiva dos rendimentos, tributando relativamente mais os rendimentos de capital face aos rendimentos do trabalho, já que, na generalidade dos casos, não são os rendimentos de trabalho que são propícios à capitalização em activos patrimoniais.
Para além disso, o imposto sobre o património contribui para a melhoria do controlo da determinação da matéria colectável dos impostos sobre o rendimento. E esta última questão não será a de menor peso, que leva algumas forças políticas a atacarem o imposto geral sobre o património e conduziu o Governo a «dar o dito pelo não dito», porque esse imposto seria, ele próprio, tal como o levantamento do sigilo bancário, elemento importante no combate aos níveis escandalosos de fraude e de evasão fiscal que se registam em Portugal.


Vozes do PCP :– Muito bem!


O Orador :– Também para nós, Srs. Deputados, o estudo técnico e a proposta técnico-política apresentados pela Comissão presidida pelo Dr. Medina Carreira tem «o mérito de defender um modelo de tributação global do património, que constitui a única forma de repor a equidade na repartição dos encargos fiscais entre trabalho e capital/propriedade, o que é uma imposição elementar de justiça em qualquer sistema fiscal e, em particular, no sistema português, devido às enormes evasão e fraude fiscais existentes, protegidas por uma cultura de egoísmo e irresponsabilidade e por poderosas forças políticas e sociais».
Estamos de acordo com isto, mas é igualmente evidente que esta consideração geral não invalida que tenhamos legítimas divergências sobre algumas das opções assumidas pela Comissão. Designadamente, e para o PCP, o imposto sobre o património deve, em primeiro lugar, incidir apenas sobre as pessoas singulares, salvo nas situações, como na contribuição autárquica, em que já actualmente são tributadas as pessoas colectivas. A não tributação das empresas visa evitar a dupla tributação do respectivo capital próprio, já que as acções, quotas e outras participações em sociedades são tributadas, e devem sêlo, no património dos respectivos detentores.


Vozes do PCP :– Muito bem!


Deve, em segundo lugar, instituir limites de valores patrimoniais abaixo dos quais não haverá tributação, isto é, valores isentos do imposto, justificados por razões económicas e sociais, de forma a reduzir a conflitualidade por causa do imposto e a limitar a capacidade de demagogia das forças políticas de direita, como ainda há pouco aqui assistimos.


Vozes do PCP :– Muito bem!
O Orador :– Em terceiro lugar, deve estabelecer que, em regra, os sujeitos passivos têm a obrigação de apresentar a declaração do imposto e, por conseguinte, sujeitar ao imposto, por exemplo, as jóias e os objectos de arte e de colecção pertencentes a pessoas singulares.
Em quarto lugar, o imposto sobre o património deve ter como meta, nas circunstâncias actuais e no âmbito do património imobiliário, que não aumente o montante das receitas dos impostos que serão substituídos, de forma a conseguir-se uma tributação equilibrada e com aceitação social. Isto é, o alargamento da base tributária no sector imobiliário deve redundar em benefício pleno dos contribuintes detentores dos 10% de prédios que actualmente pagam imposto.
Em quinto e último lugar, deve incidir sobre o património líquido e não sobre o património bruto, como, aliás, sucede na generalidade dos países da União Europeia e é, a todos os títulos, justíssimo que assim seja. Seria inconcebível, embora existindo essa situação na prática, neste momento, que um imposto que se pretende novo sobre o património tributasse, por exemplo, uma habitação que custa 20 ou 30000 contos ao mesmo tempo que o seu titular está a pagar o empréstimo nesse montante que fez na banca para pagar essa habitação.
Regresso ao já anteriormente referido. O novo Governo do PS quer ser, ao menos em matéria fiscal, política e socialmente mais retrógrado que o anterior porque, na resolução do Conselho de Ministros relativa às bases gerais da reforma fiscal de 1997/98 e no mandato conferido à Comissão que para o efeito foi criada, o que se referia expressamente era a intenção de «criação de um imposto único, analítico, periódico, real e proporcional sobre a riqueza mobiliária e imobiliária».


O Sr. Lino de Carvalho (PCP):–Exactamente!


O Orador :– O recuo que houve agora foi apenas o recuo do Governo, a Comissão não ultrapassou o seu mandato, não ultrapassou o que tinha sido definido, em termos de resolução de Conselho de Ministros, pelo anterior Governo.


Aplausos do PCP.


O Dr. Medina Carreira tem, pois, todas as razões para dignamente assumir a atitude que assumiu e tem a nossa solidariedade na sua indignação pela atitude do Governo, do Primeiro-Ministro e do Ministro das Finanças.
Finalmente, quero garantir a todos os Srs. Deputados, e em particular aos do Partido Socialista, que, para o PCP, a questão da reforma da tributação do património mobiliário e imobiliário, da tributação da riqueza, como, de uma forma geral, a questão da reforma fiscal em termos globais, não acabou. Podem ter a certeza que, neste momento, estas atitudes tomadas pelo Governo significaram apenas que, para o PCP, esta questão renasceu e está renascida.


Aplausos do PCP.


O Sr. Presidente (João Amaral):–Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.


O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS):–Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Saúdo o Sr. Presidente e todos os colegas eleitos nesta minha primeira in

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O Sr. João Carlos da Silva (PS):–Bem lembrado!


O Orador :– ... e também a própria reformulação da administração fiscal, com novas leis orgânicas criando a Administração Geral Tributária como estrutura de coordenação das direcções gerais dos impostos, da Direcção Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre Consumo e da DGITA (Direcção Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros), as quais foram também reformuladas na sua estrutura orgânica.
Assim se criaram melhores condições de operacionalidade, designadamente para o combate à fraude e à evasão fiscal e para melhor coordenação de toda a capacidade técnica existente, que desta forma terá melhores condições de aproveitamento.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito significativas, ao longo da legislatura, foram as alterações realizadas no IRS. Nomeadamente no Orçamento de 1999, aprovaram-se medidas concretizando o desagravamento fiscal dos estratos mais desfavorecidos e um mais equilibrado e equitativo critério quanto às deduções. Já se tinha, entretanto, corrigido a forma politicamente negativa de aplicação do quociente conjugal aos contribuintes.
Entretanto, há que sublinhar que se conseguiu, sem aumento de impostos, essencialmente pela conjugação dos efeitos do crescimento económico com o aumento da eficácia da máquina fiscal, aumentar significativamente as cobranças, o que contribuiu também para a redução do défice orçamental e para um correcto financiamento das políticas sociais do Governo.


Vozes do PS :– Muito bem!


A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD):–Diga isso sem se rir!


O Orador :– No entanto, temos de reconhecer que existe um conjunto de tarefas que, em nosso entender,
interessa desenvolver e concretizar: o aprofundamento de uma linha de «ecotributação», desenvolvendo o que já foi aprovado no Orçamento de 1999 e permitindo utilizar a fiscalidade também como um instrumento ao serviço de uma estratégia política de preservação da qualidade ambiental;…


O Sr. João Carlos da Silva (PS):–Muito bem!


O Orador :– …a adopção de uma lei de bases sobre a tributação do rendimento, articulando e harmonizando as disposições existentes nos actuais Códigos do IRS e do IRC; a reformulação do perfil dos benefícios fiscais.
Importará, porventura, ainda, reunir num só código os diferentes tipos de infracções aduaneiras e não aduaneiras, como interessará alterar a fiscalidade automóvel, num sentido mais moderno e eficiente, eventualmente alterando as componentes relativas à aquisição e à circulação dos veículos.


Vozes do PS :– Muito bem!


O Orador :– Em suma, é necessário continuar a melhorar a equidade do sistema de contribuições e impostos, prosseguir a marcha no sentido de uma melhor justiça tributária, utilizar cada vez mais a política fiscal como um instrumento ao serviço do desenvolvimento económico, de políticas sociais correctas e de uma assumida equidade.


O Sr. João Carlos da Silva (PS):–Muito bem!


O Orador :– Os Srs. Deputados perguntar-me-ão: mas, então, e o património? O estudo coordenado pelo Dr. Medina Carreira, tal como o estudo dirigido pelo Professor Sidónio Pardal, carreiam material importante para análise, reflexão e decisão política.
A opção política que temos afirmado vai no sentido de vir a abolir-se a sisa e de enquadrar-se essa abolição, bem como a do imposto sucessório e a substituição da contribuição autárquica, no âmbito de um imposto único sobre o património, com uma filosofia diferenciada, tecnicamente moderna e socialmente progressista.


O Sr. Octávio Teixeira (PCP):–Mas é geral?


O Orador :– Quanto às características exactas dessas novas formas de tributar o património, também seria bom ouvirmos o que pensam, com alguma clareza, as diferentes forças políticas da oposição, e nem todas o têm feito.
Quanto ao Sr. Deputado Octávio Teixeira teve, pelo menos, o mérito de clarificar, em boa parte do seu pensamento, o que poderá nem sempre merecer a nossa concordância, como é óbvio, mas merece o nosso registo.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Foi adoptado um conjunto significativo de medidas durante estes quatro anos; conseguiu-se alargar bastante o número de contribuintes, cidadãos e empresas, a pagarem para o fisco; tomaram-se medidas na direcção certa; aprovou-se a Lei Geral Tributária; desenvolveram-se e elaboraram-se diversos estudos que permitiram avançar com rigor no processo de reformar, de forma segura e cuidadosa, o sistema fiscal.


O Sr. João Carlos da Silva (PS):–Muito bem!

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Aplausos do PS.


O Sr. Presidente (João Amaral):–Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira de Castro.


O Sr. Vieira de Castro (PSD):–Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados: Começaria por pedir aos Srs. Secretários de Estado o favor de transmitirem ao Sr. Ministro da Economia ou ao Sr. Ministro das Finanças que, pelo menos, o Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata muito gostaria de o ter visto hoje, neste debate.


Vozes do PSD :– Muito bem!


Vozes do PS :– Isso é que são saudades!


O Orador :– A propósito deste debate, não me atrevo a dizer que os 58 minutos que estão para ele previstos são tempo perdido, mas direi que, se é verdade que vamos fazer um debate, em boa verdade, não vamos fazer um debate de urgência, pela circunstância de que, para o Governo, não é urgente a reforma da tributação do património. Para o Governo, não é urgente qualquer reforma!


O Sr. Luís Marques Guedes (PSD):–Muito bem!


O Orador :– Para o Governo, o que é mesmo urgente são os anúncios das reformas. Foi assim durante a campanha eleitoral de 1995 e também foi assim durante a campanha eleitoral de 1999!


Vozes do PSD :– Muito bem!


O Orador :– Na semana passada, o Sr.Primeiro-Ministro esteve nesta Assembleia para debater o Programa do Governo. Foi questionado sobre a revisão da tributação do património e, de resposta em resposta aos pedidos de esclarecimento que sobre esta matéria lhe foram dirigidos, foi limitando mais e mais o âmbito dessa reforma. O Sr.Primeiro-Ministro, respondendo a cada pedido de esclarecimento, «rasgava» mais umas páginas do relatório e,…


O Sr. Luís Marques Guedes (PSD):–Muito bem!


O Orador :– …pelas minhas contas, se sobrou alguma coisa, foi a introdução!


Risos do PSD.


E acreditamos que na introdução desse relatório, sem demérito para os seus autores, não está inserta, por certo, uma reforma profunda da tributação do património.


O Sr. Durão Barroso (PSD):–Muito bem!


O Orador :– Mas não estamos surpreendidos com esta situação. Tivemos e vamos continuar a ter um Governo
de gestão corrente, tivemos e vamos continuar a ter um Governo de recuos, não tivemos nem vamos ter, infelizmente, um Governo reformador.
Não concordamos com muitas das soluções propostas no relatório da Comissão para a Reforma da Tributação sobre o Património, designadamente com as propostas que se referem à tributação do património mobiliário, porque somos contra a extorsão,...


Vozes do PSD :– Muito bem!


O Orador :– ... somos contra a dupla tributação!


Vozes do PSD :– Muito bem!


O Orador :– Aliás, é natural que discordemos porque não fomos nós que nomeámos a Comissão, não fomos nós que definimos as directrizes para o seu trabalho, nem fomos nós que acompanhámos o seu trabalho.


O Sr. Luís Marques Guedes (PSD):–Parece que não foi ninguém!


O Orador :– Agora, o que é verdadeiramente estranho, diria até, o que é surrealista, é que o Governo seja exactamente o maior opositor a esse relatório!


Risos do PSD.


E entre os membros do Governo, o maior dos maiores opositores é, certamente, se é possível elegê-lo, o Sr.Primeiro-Ministro! Pelo menos foi o que nos disse na semana passada, faz hoje precisamente 8 dias.
É estranho, porque num almoço que aconteceu no dia 11 de Abril do ano passado e que reuniu à mesma mesa o Sr.Primeiro-Ministro, o Sr. Ministro das Finanças Professor Sousa Franco e o Sr.Dr. Medina Carreira, o Sr.Primeiro-Ministro reafirmou os objectivos e o alcance da revisão da tributação do património,…


Vozes do PS :– Estava lá?


O Sr. Paulo Portas (CDS-PP):–O Sr.Primeiro-Ministro estava à espera da maioria absoluta!


O Orador :– …incluindo a tributação do património imobiliário e do património mobiliário, tributação com a qual, agora, pelos vistos, já não está de acordo.
Na semana passada, quando acabou de reduzir a reforma da tributação do património à ínfima espécie, o Sr.Primeiro-Ministro respirou, certamente, de alívio.


O Sr. Paulo Portas (CDS-PP):–E o contribuinte também!


O Orador :– É que libertou-se de ter de enfrentar mais um problema e, simultaneamente, foi mais uma reforma que pôs de lado.
Quanto à demissão do Presidente da Comissão para a Reforma da Tributação do Património, a mesma percebe-se bem, porque, após duas horas e meia de uma troca de impressões, certamente em tom cordial, com o Sr. Ministro da Economia e das Finanças, o Sr.Dr. Medina Carreira compreendeu que a reforma que propunha já estava reduzida a zero e, então, quando teve essa percepção, foi-se embora. E agora? Bem, agora simples: é dar ao rela

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Risos do PSD.


Moral da história: os contribuintes ficam a perder mas o Governo fica aliviado. Convenhamos, sempre é mais uma reforma que o Governo não tem de fazer.


Aplausos do PSD.


O Sr. Presidente (João Amaral):–Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.


O Sr. Francisco Louçã (BE):–Foi inicialmente convocado este debate sob o signo das ameaças que o projecto Medina Carreira de imposto sobre o património exerceria sobre as famílias portuguesas. Bem se fez ao dar-lhe, agora, um âmbito mais genérico do que meramente o do debate sobre o imposto do património, e melhor se fez retirando essa ameaça da discussão sobre a grande invasão da propriedade de 1975 recapitulada em 1999, porque assim talvez discutamos aquilo que é essencial.
Devo dizer-vos, no entanto, que há uma outra razão de bom senso pela qual me parece ter sido uma boa escolha discutir-se a generalidade da reforma fiscal e não tanto exclusivamente este imposto sobre o património, apesar da sua grande importância, que, aliás, já foi bem sublinhada por algumas intervenções. Essa boa razão é que a proposta morreu antes de nascer. Se os Srs. Deputados se deram ao trabalho de ler o prefácio que o Ministro de então acrescentou ao relatório da comissão Medina Carreira, terão visto que esse prefácio dizia que «(…) o texto não compromete o actual Governo (…) e, sobretudo, «(…) não costuma o signatário, em nome de matérias nas quais lhe cumpre tomar posição, lavar as mãos como Pôncio Pilatos, mas tão pouco pode nestes meses finais da legislatura (…)»–tratava-se do último dia da legislatura e não dos meses finais–«(…) e perante matéria tão complexa, ir além da divulgação desta valiosa base de trabalho.»
A valiosa base de trabalho justificou que o ministro Sousa Franco não pudesse ser acusado nessa altura de abandonar um relatório, visto que ele nunca o subscreveu. Quando muito, poderíamos acusá-lo «de lavar as mãos da lavagem das mãos do Pôncio Pilatos».


O Sr. Paulo Portas (CDS-PP):–O que é pior!


O Orador :– E como vimos aqui quando do debate do Programa do Governo, o relatório da comissão presidida por Medina Carreira foi «cozido em lume brando» com requintes culinários de maldade política no contexto deste debate.
Há, no entanto, várias razões pelas quais me parece que é fundamental entrar-se no corpo da matéria, que é a reforma do sistema fiscal.
Está, neste momento, a ser negociado pelo nosso Governo um projecto de harmonização fiscal europeia, do qual, naturalmente, este Parlamento tem de ser informado e que tem de discutir em primeira mão, visto que se trata de assunto da mais relevante importância.
Dizia a Deputada Maria Celeste Cardona, com o colorido alegre que empresta às suas intervenções e pelo qual a felicito, que, em Portugal, tínhamos as taxas mais elevadas de IRC. É verdade, temos as taxas mais elevadas de IRC da Europa, mas temos as taxas mais baixas de IRC pagas na União Europeia.


O Sr. Paulo Portas (CDS-PP):–Uma coisa tem a ver com a outra!


O Orador :– E se tivesse lido o Financial Times de há alguns meses atrás teria verificado, justamente, que Portugal era recomendado como o lugar onde a evasão fiscal mais favorecia, por esses diferenciais, a possibilidade de investimento.
Temos outras distorções gravíssimas, porque não há só impostos sobre rendimentos e impostos sobre o património, como este que está a ser discutido; temos gravíssimas distorções no caso do imposto sobre a despesa, o IVA.
Mas, sobretudo, quero chamar a vossa atenção para um facto extraordinário, que deve inspirar tanto esta discussão como outras que se abram a partir de hoje: o relatório que foi ontem à noite divulgado por uma televisão, a SIC, no seu noticiário. Trata-se de um relatório da Inspecção Geral de Finanças que aponta as formas práticas como não só a banca portuguesa mas também a banca estrangeira instalada em Portugal fogem ao cumprimento das suas obrigações a respeito do IRC. Da amostra dos 22 bancos que foram escrupulosamente estudados, só sete pagam IRC; bancos como o Banco Borges & Irmão, o Banco Comercial Português, o Banco Comércio e Indústria, o Banco Fonsecas & Burnay, o Banco Mello, o Banco Nacional Ultramarino, o Banco Pinto & Sotto Mayor, o Banco Português do Atlântico, o Barcklays Bank, o Crédit Lyonnais, não pagam um centavo de IRC em Portugal.
Temos uma taxa geral de IRC pago pelo sistema bancário de 13%, se excluirmos a Caixa Geral de Depósitos, que tem este aspecto extraordinário: a Caixa Geral de Depósitos é coresponsável por 21% dos proveitos do total do sistema bancário e liquida 59% do IRC do sistema bancário,…


O Sr. Basílio Horta (CDS-PP):–Exactamente!


O Orador :– … o que deveria, evidentemente, levar a reflectir duas vezes quem quer que queira ser governo–e, aliás, quem quer que queira ser oposição também–e por cuja mente possa passar a ideia de sugerir a privatização da Caixa Geral de Depósitos, porque sabemos o resultado que isto teria.
Há gravíssimas distorções do ponto de vista do sistema bancário que são, como diz o relatório da Inspecção-Geral de Finanças, fundamentadas no facto de haver uma fuga generalizada pelo offshore da Madeira e uma fuga generalizada protegida pelo sigilo bancário, que é apontado a dedo neste relatório como responsabilizado.
Terminaria dizendo que se deve fazer justiça, permitindo que o denominado relatório Medina Carreira valha no debate sobre a reforma do sistema fiscal aquilo que tem de valer. E queria, em breves segundos, recapitular uma concordância fundamental e algumas críticas em relação a este texto.
A concordância fundamental é a ideia de que deve ser actualizado o conjunto dos valores matriciais, ou seja, o património deve ser registado em cadastro com critérios

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O Sr. Presidente (João Amaral):–Como não há mais inscrições para pedir esclarecimentos, para responder, tem a palavra o Sr. Deputado dos Assuntos Fiscais.


O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (Manuel Baganha):–Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados, ao usar pela primeira vez da palavra neste Hemiciclo, casamãe da democracia, permitam-me que saúde, na pessoa do Sr. Presidente, todas as Sr. as e Srs. Deputados.
Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados, em primeiro lugar, quero comunicar que a não presença aqui do Sr. Ministro das Finanças e da Economia tem a ver com problemas de incompatibilidade de agenda…


Risos do PSD e do CDS-PP .


O Sr. Durão Barroso (PSD):–Ah!. Pois!…


O Sr. Paulo Portas (CDS-PP):–A Casa da democracia é a última linha da agenda!


O Sr. Presidente (João Amaral):–Srs. Deputados, vamos ouvir o Sr. Secretário de Estado.
Tem a palavra, Sr. Secretário de Estado.


O Orador :– Queria começar também por salientar que ao entrarmos hoje aqui eram conhecidos de todos nós alguns factos, nomeadamente que, na apreciação do Programa do Governo, o Sr.Primeiro-Ministro tinha dito que não haveria a tributação dos depósitos a prazo e que, também durante a discussão do Programa do Governo, o Sr. Ministro das Finanças e da Economia falou em tributação do imobiliário e disse que essa tributação iria iniciar-se pelo imobiliário urbano.


O Sr. Paulo Portas (CDS-PP):–Iniciar-se ou cingir-se?!


O Orador :– Relativamente à questão da extinção da sisa, foi também mencionado, na resposta a uma pergunta, que a extinção desse imposto deveria ser analisada no contexto da reformulação da tributação e do património.
Estes eram alguns factos de todos nós conhecidos e, por conseguinte, penso que já estavam respondidas algumas das questões que aqui foram levantadas.
Antes de responder e antes de mencionar alguns dos aspectos relativamente à tributação do património, quero começar por salientar que na reforma do sistema fiscal feita no final dos anos 80 um dos impostos então criados, a contribuição autárquica, não foi totalmente finalizada. E não o foi porque nunca chegou a ser publicado nem elaborado um código das avaliações. Muita da discussão que hoje aqui temos passa por esse facto, ou seja, por ele não ter sido criado.


O Sr. Paulo Portas (CDS-PP):–Ainda bem!


O Orador :– Houve diferentes anteprojectos, mas nunca foi elaborada tal lei.
Ora, isto assume particular relevância porque creio que tão importante como o processo legislativo, tão importante como criar os códigos fiscais, é criar as condições para a sua operacionalização e para a sua aplicação. E uma promessa que desde já quero aqui fazer-lhes é garantir que todas as propostas de lei que forem trazidas a esta Câmara pelo Governo nesta matéria serão acompanhadas, serão exequíveis e serão possíveis de implementação. Este é um aspecto que queria deixar aqui bem claro.
Quero também salientar–e isso foi bem patente nas intervenções das Sr. as e Srs. Deputados dos diferentes grupos parlamentares–que a tributação do património tem sido discutida em diversos relatórios e estudos. Lembro-vos que na Comissão para o Desenvolvimento da Reforma Fiscal, vulgo relatório Silva Lopes, já se falava da contribuição autárquica e da sisa, propondo-se, relativamente à contribuição autárquica, a necessidade de fazer avaliações e falava-se, relativamente à sisa, na dificuldade e na impossibilidade de a eliminar completamente.
Quero também salientar que, no final de 1996, o anterior governo elaborou e entregou na Assembleia da República um relatório com as vantagens e inconvenientes dos diversos modelos de tributação do património. Incluído nesse relatório estava um estudo da Universidade Técnica de Lisboa, vulgarmente conhecido por relatório Sidónio Pardal, o qual continha diferentes propostas de reformulação da contribuição autárquica. Era suposto que esse relatório fosse objecto de profunda discussão pelo Parlamento, já que tratava de matéria relevante em que nenhuma reforma seria possível sem um consenso.
Contudo, tanto quanto sei, só se realizaram duas discussões sobre esse relatório, nunca tendo sido realizada a terceira, que foi adiada sine die . Espero que o debate que hoje aqui se inicia–e aproveito para agradecer ao CDS-PP ter desencadeado tal discussão–seja o primeiro contributo para tão necessária discussão.
O Governo, quanto ao relatório mais recente, conhecido por relatório do Dr. Medina Carreira, apresentou-o como relatório técnico e ao apresentá-lo como relatório

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Aplausos do PS.


O Sr. Presidente (João Amaral):–Inscreveram-se a Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona, para um pedido de esclarecimento, e o Sr. Deputado Octávio Teixeira, para uma interpelação à Mesa, a quem dou a palavra de imediato, nos estritos termos regimentais, por esta figura ter prioridade.


O Sr. Octávio Teixeira (PCP):–Sr. Presidente, Srs. Deputados, a minha interpelação à Mesa será nos termos regimentais, porque gostaria apenas de dizer o seguinte: a
Assembleia da República é criticável e muitas vezes é criticada, às vezes com razão, outras sem ela.
Há pouco, tivemos um novel Secretário de Estado, agora aqui aparecido, que veio criticar a Assembleia da República porque o chamado relatório Sidónio Pardal não foi aqui discutido. Convém, Sr. Presidente, que seja clarificado ao Sr. Secretário de Estado e a quem aqui não esteve na legislatura anterior, que esse relatório chegou a ter discussões e audiências na Comissão de Economia, Finanças e Plano, não tendo prosseguido o debate porque o então Ministro das Finanças, a determinada altura, disse: «isto não presta», «isto não é para contar», «encomendámos novo relatório, agora, ao Dr. Medina Carreira». Foi essa a única razão!
A Assembleia da República, neste aspecto particular, não tem nada de ser criticada!


O Sr. Basílio Horta (CDS-PP):–Tem toda a razão!


O Orador :– O Governo é que tem todas as razões para ser criticado por aquilo que não fez e por aquilo que agora vem dizer!


Vozes do PCP :– Muito bem!


O Sr. Presidente (João Amaral):–Sr. Deputado Octávio Teixeira, creio que me dispensará de reproduzir ao Governo a sua intervenção.
Inscreveram-se, para uma interpelação à Mesa, o Sr. Deputado João Carlos da Silva e o Sr. Deputado Paulo Portas e, para um pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado Rui Rio.
Informam-me da Mesa que o Sr. Deputado Paulo Portas se inscreveu em primeiro lugar, pelo que tem desde já a palavra, também nos mesmos estritos termos regimentais.


O Sr. Paulo Portas (CDS-PP):–Sr. Presidente, Srs. Deputados: Usando a interpretação corrente nesta sessão, gostaria de pedir ao Sr. Presidente da Assembleia em exercício que recordasse ao Governo–depois de termos ouvido o Sr. Secretário de Estado afirmar que o Governo vai começar pela tributação do património urbano, o que significa, se ainda há lógica, que tencionam continuar, ou completar, a reforma da tributação do património dos rurais–que no dia em que atacar a pequena e média propriedade dos rurais, os quais constituem, de longe, a população mais desfavorecida em Portugal, tem aqui uma moção de censura apresentada pelo CDS-PP…


O Sr. Basílio Horta (CDS-PP):–Muito bem!


O Orador :– … e arriscam-se a ter, na rua, uma «Maria da Fonte»!


Aplausos do CDS-PP.


Risos do PS.


O Orador :– O que acabei de dizer agora já o disse no Programa do Governo. É só para lembrar!


O Sr. Presidente (João Amaral):–Sr. Deputado Paulo Portas, creio que, pelo mesmo critério, V.Ex.ªvai-me dispensar de reproduzir isso ao Governo.

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I SÉRIE–NÚMERO 6




O Sr. João Carlos da Silva (PS):–Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nos termos regimentais estritos e dispensando já V.Ex.ªde transmitir o recado, agradeço a palavra para referir duas coisas.
Em primeiro lugar, para, de certa forma, corrigir aquilo que o Sr. Deputado Octávio Teixeira disse, relembrando o passado e referindo que, por iniciativa do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, foi proposto na Comissão de Economia, Finanças e Plano, presidida pela Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, na altura, uma audição parlamentar a várias personalidades sobre a reforma do imposto sobre o património, com base num relatório do Prof. Sidónio Pardal.
Foram previstas três audições; duas delas realizaram-se, diga-se, de passagem, com grande «aliviamento» das bancadas da oposição, pois, com excepção da do PCP, apenas me lembro de ter lá visto a Sr.ªPresidente da Comissão.


O Sr. Carlos Encarnação (PSD):–Nós estávamos lá!


O Orador :– Quanto à terceira audição, não se realizou, efectivamente, por razões de agenda do Parlamento e não por nenhuma razão atinente ao Sr. Ministro das Finanças da altura.
Aliás, o Sr. Deputado Octávio Teixeira, que é tão cioso da independência do Parlamento, como todos nós,…


O Sr. Octávio Teixeira (PCP):–E o despacho?


O Orador :– … e da não dependência dos trabalhos parlamentares das conveniências do Governo, nunca aceitaria que, por vontade do Prof. Sousa Franco, se deixasse de fazer uma audição parlamentar.


Vozes do PS :–Muito bem!


O Orador :– De facto, assim não foi! Essa terceira audição não se fez por conveniência da agenda parlamentar e, depois, por não ter sido retomado o tema em devido tempo.
Portanto, para testemunho histórico, aqui fica o esclarecimento. Foi isso que o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais aqui referiu e não vi nisso uma crítica mas, antes, uma lamentação por esses brilhantes contributos não terem podido ser recolhidos na altura.


O Sr. Octávio Teixeira (PCP):–Quando é que foi criada a outra Comissão?


O Orador :– O Sr. Deputado, se desejar fazer uma nova interpelação, com a permissão do Sr. Presidente, com certeza que terei todo o gosto em ouvi-lo.
Por outro lado, Sr. Presidente, gostava, também, de ser um pouco rigoroso. Quando o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais disse que a tributação do imposto sobre o património começaria pelo património imobiliário e urbano, estava, com certeza, a respeitar aquilo que foi aqui discutido, na semana passada, o Programa do Governo, onde se prevê a existência de um imposto único sobre o património.


O Sr. Paulo Portas (CDS-PP):–Urbano, segundo o Dr. Pina Moura.


O Orador :– Desculpe, o Sr.Dr. Pina Moura, ilustre Ministro das Finanças e da Economia, disse aqui que a prioridade seria o imposto sobre o património imobiliário e urbano. V.Ex.ª, se tem dúvidas, consulte a Acta da sessão.
Portanto, como é lógico, Sr. Deputado Paulo Portas, com ou sem «Maria da Fonte», com ou sem moção de censura, não pode haver só um imposto único sobre o património imobiliário urbano. Depois, como é que fica a tributação do património rústico ?!


O Sr. Paulo Portas (CDS-PP):–Não foi o que os senhores disseram aqui!…


O Orador :– Sr. Deputado, se V.Ex.ªquer eliminar o imposto de sisa, tem de o substituir por outro imposto, de acordo com o princípio da estabilidade das receitas fiscais.


O Sr. Paulo Portas (CDS-PP):–Exactamente…


O Orador :– Aliás, o Programa do Governo e a resolução do Conselho de Ministros referem que a eliminação do imposto de sisa, da contribuição autárquica e do imposto sucessório serão feitas na estabilidade da receita fiscal, e o Sr.Primeiro-Ministro, na tomada de posse do Governo e aqui, disse que o Governo não quer aumentar os impostos mas não abdica da estabilidade da receita fiscal.


Aplausos do PS.


O Orador :– Trata-se de conferir justiça ao sistema fiscal e VV. Ex. as , com as vossas intervenções, por um lado, demagógicas, como já aqui foi assinalado, e, por outro, extremamente tendenciosas na apreciação dessa justiça, com certeza que terão de «inverter o bico ao prego» e considerar a tributação do património sob o ponto de vista global, para que se possa, efectivamente, acabar com o imposto de sisa. A não ser que V.Ex.ª…


O Sr. Presidente (João Amaral):–Sr. Deputado, peço-lhe que conclua.


O Orador :– Sr. Presidente, é só para concluir.


O Sr. Presidente (João Amaral):–Se é para concluir, vou passar ao orador seguinte!


O Orador :– V.Ex.ªnão pode acabar com o imposto de sisa para os urbanos e mantê-lo nos rurais. Com certeza que não deseja isso!


Aplausos do PS.


O Sr. Paulo Portas (CDS-PP):–Abolir não é substituir!


O Sr. Presidente (João Amaral):–Sr. Deputado, peço desculpa por o ter interrompido, mas a sua interpelação teve mais de 4 minutos. Creio que compreenderá, e a sua bancada também, que eu tenha de dizer alguma coisa. Caso contrário, mal parecia e mais valia sair daqui!


Risos do PS.

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O Sr. Rui Rio (PSD):–Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Antes da pergunta que lhe queria fazer, gostava de dizer, mais uma vez (já o disse aqui aquando da discussão do Programa do Governo), que julgo que esta Assembleia–pelo menos, da parte do PSD assim será–não vai pactuar muito mais com situações em que a desculpa do Sr. Ministro para não estar presente são problemas de agenda. Já aqui avisámos que ele vai ter, sistematicamente, problemas de agenda! Portanto, não se podem discutir matérias com alguma profundidade e, neste caso, uma reforma, como V.Ex.ªtambém disse (duvidamos, mas para todos os efeitos, uma reforma), e não estar aqui o Ministro!
Sr. Secretário de Estado, temos um trabalho técnico que tinha apoio político do anterior Primeiro-Ministro mas que não o tem do actual Primeiro-Ministro, no que concerne a uma parcela que é a da tributação dos valores mobiliários, tais como depósitos a prazo, acções, obrigações. Tinha um apoio político, deixou de o ter e vamos partir, agora, para a análise da tributação dos valores imobiliários, no âmbito dos quais o estudo técnico ainda tem algum apoio político... Vou ver se, efectivamente, tem todo ou se só tem algum...
Da bancada do Partido Socialista, quer o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, quer o Sr. Deputado João Carlos da Silva, falaram muito em justiça, pelo que gostaria de perguntar qual é a justiça do Governo apoiado pelo Partido Socialista, que se diz de consciência social.


O Sr. João Carlos da Silva (PS):–Muito bem!


O Orador :– No actual estudo técnico, há factores de agravamento e de desagravamento e gostaria de saber se V.Ex.ªestá de acordo com eles. Por exemplo, uma casa que não tem cozinha, que não tem instalações sanitárias, etc., tem um desagravamento. Depois, há factores de agravamento, que serão, por exemplo, garagem colectiva, garagem individual, piscina individual, piscina colectiva, corte de ténis. Ora, verificamos que, pelo actual estudo técnico nesta matéria, que ainda tem apoio político, é mais penoso ter uma garagem individual do que uma piscina individual, é mais penoso ter uma garagem colectiva do que ter piscina colectiva e, então, não é nada penoso ter um corte de ténis em casa.
Gostava de saber de um Governo e um partido que tanto falam em justiça social nesta matéria de tributação do património imobiliário, a qual ainda tem o apoio político do actual Primeiro-Ministro, se ela está coincidente e em coerência com aquilo que aqui foi referido, inúmeras vezes, ainda hoje, sobre justiça social.


Protestos do PS.


O Sr. Presidente (João Amaral):–Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona.


A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP):–Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de fazer de novo as mesmas perguntas, mas não disponho de tempo. Assim, permitia-me perguntar, de uma forma muito clara, ao Sr. Secretário de Estado, falando em justiça e referindo um
aspecto que para nós é muito importante, o seguinte: a questão que colocámos relativamente a 63% de idosos que auferem pensões de menos de 30 contos por mês, é ou não factor de isenção na parte do relatório que ainda tem apoio político, para utilizar as palavras que já foram utilizadas?
Gostaria ainda de colocar uma última e brevíssima questão: para nós, Sr. Secretário de Estado, são abolidos o imposto de sisa e o imposto sucessório; os outros podem ser revistos, simplificados. Para nós, estes dois impostos não têm nenhum fundamento racional, Sr. Secretário de Estado,…


O Sr. Paulo Portas (CDS-PP):–Muito bem!


A Oradora :– … não há nenhuma razão que leve a tributar transmissões por morte, como é o caso do sucessório, ou outras, como é o caso da sisa, prejudicando os mais jovens e, até, prejudicando, do ponto de vista da actividade económica, o conjunto dessa mesma actividade.
Portanto, Sr. Secretário de Estado, entendamo-nos de vez: estamos a falar do início da tributação do património imobiliário urbano e estamos à espera das autárquicas para o rústico?


Risos do Sr. Deputado do CDS-PP Paulo Portas.


A Oradora :– De que é que estamos a falar?
Voltamos a falar de imposto único sobre o património? Qual, Sr. Secretário de Estado? Mobiliário e imobiliário ou só imobiliário?
Vamos extinguir o imposto de sisa e o imposto sucessório e tornar mais justa a tributação ou em que é que ficamos, Sr. Secretário de Estado?


O Sr. Paulo Portas (CDS-PP):–Muito bem!


O Sr. Presidente (João Amaral):–Para responder às perguntas que lhe foram formuladas, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.


O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais :– Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de começar por agradecer ao Sr. Deputado João Carlos da Silva o comentário relativamente ao que se passou com o relatório Sidónio Pardal.
Voltando à questão da tributação sobre o património, gostaria aqui de referir–e estive a ler, antes de vir para aqui, as Actas relativamente à discussão do Programa do Governo–que o Sr. Ministro das Finanças e Economia falou em dar prioridade ao património urbano.
Relativamente a muitas das perguntas que aqui foram colocadas, gostaria de chamar a atenção para um facto: o relatório do Dr. Medina Carreira foi apresentado como um relatório técnico, como um relatório para discussão. Como tal, isto significa que, neste momento, os valores específicos que lá estão não estão sujeitos a discussão. Aquilo que peço às Sr. as e aos Srs. Deputados é que não aconteça, com alguns desses elementos, o que se verificou, no passado, com outros relatórios. E a questão que coloco é a seguinte: é um relatório para discussão, vamos discuti-lo.


Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente (João Amaral):–Tem a palavra o Sr. Deputado Barros Moura, para uma intervenção.


O Sr. Barros Moura (PS):–Sr. Presidente, pedi a palavra porque me surpreenderam–e não quis deixar de dizê-lo–alguns dos propósitos e algumas das afirmações do Sr. Deputado Paulo Portas, feitos com base em algo que, reconhecidamente, é apenas um relatório, isto é, uma base para estudos.
Ora, conhecemos a figura do relatório como uma base para estudos e para a tomada de medidas futuras, mas não conhecemos a figura do relatório, nem como fonte de direito nem como iniciativa política de um governo.


Vozes do PS :– Muito bem!


O Orador :– O segundo aspecto que quero assinalar referese à gravidade da referência feita pelo Sr. Deputado Paulo Portas à «Maria da Fonte».
Creio que o Sr. Deputado Paulo Portas está a tomar os seus desejos pela realidade. Mas não deixo de lhe fazer notar quão anti-pedagógica pode ser essa intervenção,…


Vozes do PS :– Muito bem!


O Sr. Paulo Portas (CDS-PP):–Oh!


O Orador :– … quando o que queremos e estamos a discutir é a questão de como introduzir justiça no sistema fiscal. Ora, o que pretende o Sr. Deputado Paulo Portas, ocultando que o grande problema da injustiça fiscal não tem a ver nem com os pequenos e os médios proprietários nem com os pequenos e os médios industriais, é fazer recair sobre nós o que seria o odioso de uma reforma dirigida contra os mais pobres.
Sr. Deputado Paulo Portas, sem deixar de lhe fazer notar a gravidade da ameaça,…


O Sr. Paulo Portas (CDS-PP):–Qual ameaça?


O Orador :– … gostaria de fazer-lhe uma pergunta para terminar esta minha intervenção.
Nós, no Partido Socialista e no Governo, não queremos nem vamos concretizar qualquer ataque à propriedade privada. Nós, no Partido Socialista e no Governo, não vamos concretizar os seus desejos de «quanto pior melhor». É por isso que, para terminar a minha intervenção, gostaria de perguntar-lhe, muito francamente, se a sua intervenção não tem aquele significado de–e para citar palavras suas–«agarrem-me, se não eu bato!».
(O Orador reviu).


Aplausos do PS.


O Sr. Presidente (João Amaral):–Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas, para defesa da consideração.


O Sr. Paulo Portas (CDS-PP):–Sr. Presidente, Sr. Deputado Barros Moura, começaria por dizer-lhe que o que é fonte de direito para o que estamos a discutir é o despacho do Sr. Ministro das Finanças, que dá um mandato a comissões de reforma fiscal e que, por enquanto,
essa fonte de direito estabelece que o que estamos a discutir é o património imobiliário e o património mobiliário. Entendam-se VV. Ex. as com o Governo se, entretanto, amputaram uma parte do mandato mas ainda não revogaram o despacho!


O Sr. Basílio Horta (CDS-PP):–Muito bem!


O Orador :– Em segundo lugar, a referência que fiz não foi uma ameaça e se, agora, prestar a atenção que eu prestei à sua intervenção, há-de reconhecer o seguinte: no debate do Programa do Governo, o Dr. Luís Nobre Guedes, em nome da nossa bancada, disse, e está escrito, que o CDS-PP apresentará uma moção de censura nesta Assembleia, no dia em que o Governo propuser o que nós consideramos um ataque à pequena e média propriedade privada porque se traduz em aumentos brutais da actual contribuição autárquica.
Para que fique claro, Sr.Dr. Barros Moura: não aceitaremos, em nenhuma circunstância, aumentos de 1000%, de 2000%, de 3000%, para não citar outros, na contribuição autárquica das pequenas e médias propriedades situadas em grande parte do interior de Portugal. É disso que estamos a falar. Se não sabe, leia o relatório do Dr. Medina Carreira.
Como imagina, se a vossa intervenção fosse assim tão linear, há uma pergunta a que VV. Ex. as não saberiam responder: se, afinal, a reforma do imposto sobre o património é a mesma, se, afinal, o imposto é sobre o património urbano e o rural, se, afinal, também ainda admitem «qualquer coisa» sobre os valores mobiliários, então, por que é que o Dr. Medina Carreira se foi embora?


O Sr. Basílio Horta (CDS-PP):–Claro!


O Sr. Luís Marques Guedes (PSD):–Responder a isso é que é mais difícil!


O Sr. Presidente (João Amaral):–Tem a palavra o Sr. Deputado Barros Moura, para dar explicações.


O Sr. Barros Moura (PS):–Sr. Presidente,…


O Sr. Paulo Portas (CDS-PP):–Não foi ameaça!


O Orador :– Se não foi ameaça pareceu muito que foi!


O Sr. Paulo Portas (CDS-PP):–Não foi, não!


O Orador :– Sr. Deputado Paulo Portas, julgo que efectivamente se confirma a ideia que eu tinha. Trata-se, então, daquela figura do «agarrem-me, se não eu bato!»
É que, Sr. Deputado, pela forma como intervieram e pela maneira como o Governo e esta bancada encararam o relatório Medina Carreira, sabe perfeitamente que não vamos concretizar a criação de um cenário de «quanto pior melhor», digamos assim, que poderia convir a alguns mas que, certamente, não convém ao País, ou um cenário de uma tão profunda injustiça fiscal.


O Sr. Paulo Portas (CDS-PP):–Não ironize!


O Orador :– Esteja, portanto, seguro de que é este o sentido, responsável, segundo o qual consideramos um relatório de uma comissão de estudo–aliás, uma ilustre De

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Aplausos do PS.


O Sr. Paulo Portas (CDS-PP):–Ficamos na mesma!


O Sr. Presidente (João Amaral):–Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.


Eram 17 horas e 40 minutos.


ORDEM DO DIA


O Sr. Presidente (João Amaral):–Srs. Deputados, vamos proceder à apreciação da petição n.º50/VII (1.ª), apresentada por Daniel dos Santos Pinto Serrão e outros, solicitando a defesa dos valores nacionais, éticos e religiosos a propósito do programa da RTP parodiando a Última Ceia de Cristo .
Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis, para uma intervenção.


O Sr. António Reis (PS):–Sr. Presidente, Srs. Deputados: O relatório sobre esta petição foi aprovado por unanimidade, no final da legislatura passada, em sede da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, estando representados o PS, o PCP, o PSD e o CDS-PP.
Evidentemente, não vou repetir aqui o argumentário produzido no referido relatório de que sou autor. Limitar-me-ei, em nome do meu grupo parlamentar e já liberto das amarras da qualidade de relator, a exprimir, de forma frontal, a nossa posição sobre esta petição.
Com efeito, parece-nos que esta petição representa uma reacção totalmente desproporcionada e precipitada em relação ao programa de Herman José, em que se parodiava a Última Ceia , de Herman José.
O relatório mostra abundantemente que nenhuma norma legal ou constitucional foi violada pela RTP. Na verdade, não estiveram em causa nem a liberdade religiosa e de culto, nem o ultraje pessoal por motivo de crença religiosa, crime tipificado no Código Penal.
O que poderia acontecer, Sr. Presidente e Srs. Deputados, era que, se esta petição viesse a merecer o acolhimento da Câmara, ou seja, se viesse a ser aceite aqui o apelo nela feito para que o Estado democrático funcione no «respeito pelas convicções dos cidadãos» e «a liberdade de expressão não degenere em impunidade de agressão», correríamos o risco, levando até às últimas consequências este apelo, de pôr em causa, sim, a liberdade de expressão e de criação artística.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que me preocupa nesta petição é o que ela contém, ainda, de resquícios de uma ancestral e atávica mentalidade de tipo inquisitorial e confessional. Por toda ela perpassa, afinal de contas, a nostalgia de um Estado confessional e de religião oficial.
É caso para perguntarmos: até que ponto, dentro de alguns de nós, não está sempre presente um pequeno « ayatollah » à cata do seu pequeno «Salman Rushdie»?


Risos do PS.


É evidente, Sr. Presidente, Srs. Deputados, que o humor tem de ter, necessariamente, uma certa carga ofensiva, se não, não seria humor autêntico. Mas quem pode estabelecer limites entre o humor aceitável e o humor não aceitável?
Como cidadão, cada um é livre de discordar e de criticar esse humor, mas, por favor, não peça ao Estado que intervenha, porque, se assim for, sabe-se onde se começa mas não se sabe onde se acaba.
A nosso ver, esta petição teve, pelo menos, uma vantagem e uma utilidade: deu-nos oportunidade, tanto em sede de comissão como aqui, nesta Câmara, de reafirmar princípios essenciais, como o princípio da liberdade de expressão e de criação artística e o princípio do Estado laico, para o qual, ainda há pouco, muito oportunamente, o Bloco de Esquerda chamava a atenção, durante o debate do Programa do Governo. Por isso mesmo, permite-nos, também, contribuir, pedagogicamente, com este debate, para a reforma da tal ancestral e atávica mentalidade confessional e inquisitorial que gostaríamos de ver banida de vez dos nossos costumes.
(O Orador reviu.)


Aplausos do PS.


O Sr. Presidente (João Amaral):–Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe, para uma intervenção.


O Sr. António Filipe (PCP):–Sr. Presidente, Srs. Deputados: A primeira consideração que gostaria de fazer diz respeito não só a esta petição como a outras.
Esta petição deu entrada na Assembleia, em Julho de 1996. Estamos em Outubro de 1999 e tal deveria constituir um elemento de reflexão. É que os cidadãos que, por qualquer razão, entendem dever dirigir-se à Assembleia da República, usando o direito de petição, esperariam, legitimamente, que a Assembleia da República se pronunciasse com mais celeridade sobre as suas reivindicações ou pretensões.
Ora, estando nós no início de uma legislatura, creio que é a altura adequada para reflectirmos sobre a forma como esta Assembleia tem respondido a estas solicitações dos cidadãos e para corrigirmos esta prática no sentido de fazer um esforço para que a Assembleia se pronuncie de forma mais célere sobre as petições que lhe são apresentadas pelos cidadãos. Pela nossa parte, manifestamos total disponibilidade para tomar iniciativas e discutir esta questão muito seriamente, por forma a corrigir a actual prática.
Estamos perante o direito, legítimo, de petição exercido por numerosos cidadãos que, segundo dizem, se sentem ofendidos nas suas convicções religiosas e protestam por esse facto junto da Assembleia da República, chamando, também, a atenção para o facto de que outros símbolos podem ser ofendidos por práticas semelhantes, designadamente a Pátria, as Forças Armadas, os próprios órgãos de soberania. Pedem à Assembleia da República que reflicta e tome medidas relativamente a esta situação, mas não propõem qualquer medida em concreto, deixando isso à nossa reflexão.

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O Sr. José Saraiva (PS):–Não é o caso!


O Orador :– Mas há, no nosso regime democrático, formas de reagir legitimamente a essa eventualidade: há uma entidade reguladora para o sector da comunicação social e há os tribunais aos quais incumbe tutelar os direitos fundamentais dos cidadãos e reagir perante qualquer situação de ilícito criminal.
Os peticionários, tanto quanto nos é dado saber, não recorreram a essas instâncias certamente por entenderem que esta matéria não tinha relevância criminal. Os peticionários não recorreram aos tribunais, não o invocaram, solicitaram-nos uma reflexão, e é o que estamos a fazer.
Para terminar, quero dizer que estivemos presentes na reunião da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias onde foi discutido o relatório elaborado pelo Sr. Deputado António Reis, votámo-lo favoravelmente e queremos reafirmar que, do nosso ponto de vista, o relatório está muito bem elaborado, pelo que felicitamos o relator por isso e compartilhamos as considerações que nele são feitas.


O Sr. Presidente (João Amaral):–Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria do Céu Ramos.


A Sr.ª Maria do Céu Ramos (PSD):–Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há três anos e meio um programa da RTP 1, que é uma estação de serviço público de televisão,…


O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP):–Devia ser!


A Oradora :– ... emitiu um sketch de autoria do Herman José que, segundo dizem mais de 10000 portugueses, ofendeu os seus sentimentos religiosos. Esses mais de 10000 portugueses, que são, com certeza, apenas mais uma amostra dos muitos mais que não se associaram à petição, fizeram uma petição dirigida à Assembleia da República. Ao fazê-lo, exerceram um direito que está tutelado pela Constituição, que está tutelado pela lei, exerceram um direito jurídico e político que lhes assiste, e, portanto, a minha primeira reacção à intervenção do Sr. Deputado António Reis é a de repudiar e discordar, sem
embargo da posição que o PSD tomou sobre o relatório na Comissão, das afirmações que faz quanto à desproporção da reacção dos cidadãos.
Todos os cidadãos portugueses têm o direito de dirigir à Assembleia da República uma petição, todos os cidadãos portugueses têm o direito de sentir a sua sensibilidade religiosa, cultural, ou outra, afectada e têm o direito de exercer o famoso, e já não muito novo, direito à indignação.


O Sr. António Reis (PS):–E nós temos o direito de os criticar!


A Oradora :– A sociedade portuguesa dividiu-se quando, há três anos e meio, este assunto foi discutido. O Parlamento, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, esteve unido no reconhecimento de que não há matéria que justifique uma iniciativa própria da Assembleia da República e essa posição é aqui reafirmada pelo PSD, através da minha voz.


O Sr. Luís Marques Guedes (PSD):–Exactamente!


A Oradora :– De facto, não cabe à Assembleia da República assumir outra coisa que não seja um debate político sobre esta questão que os cidadãos trouxeram através da petição.
Não nos cabe a nós, do ponto de vista jurídico-legal, dizer se houve ou não colisão de direitos, se houve ou não colisão de garantias, que primado afirmar entre a liberdade de expressão ou a liberdade de consciência, religião e culto, porque manifestamente os próprios peticionários entenderam que não era isso que estava em causa, uma vez que não recorreram aos tribunais. Compete-nos, sim, fazer um debate político e penso que a única maneira de honrarmos as instituições que a própria Assembleia criou é darmos voz, atenção e debate à petição que foi dirigida à Assembleia da República. Esta é a consequência mínima que podemos extrair da petição que, repito, foi dirigida à Assembleia.
Mas há, também, algo que, julgo, pode ser acrescentado e que, aliás, está reflectido no parecer da Alta Autoridade para a Comunicação Social sobre esta matéria: uma reflexão, que compete a esta Assembleia, sobre a natureza, o âmbito e os limites, não entrando, nunca, numa lógica censória, do que é o serviço público.
A responsabilidade é, sabemos nós, dos responsáveis dos vários serviços de informação da RTP, mas há uma coisa que se pede: é que não, usando da censura, que, obviamente, para nós, está posta de parte, usem de sensibilidade, de prudência, de bom senso, porque é de sensibilidade, de prudência e de bom senso que também estamos a tratar quando tratamos das opções religiosas e das convicções de cada um dos cidadãos portugueses.


O Sr. António Reis (PS):–Muito subjectivo!


A Oradora :– É tão subjectivo que não é possível pedir mais do que sensibilidade, prudência e bom senso.
Finalmente, penso que nenhum debate sobre direitos, liberdades e garantias é excessivo ou supérfluo–esta é, para nós, uma matéria nuclear na política. Por outro lado, deve ser também preocupação nossa na política que o que acontece aqui aconteça em sintonia com o que se passa lá fora e que, em vez de estarmos aqui a debater três anos e meio depois o que a sociedade já debateu em Abril de

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O Sr. Presidente (João Amaral):–Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Ribeiro e Castro.


O Sr. António Reis (PS):–Sr. Presidente, é possível eu fazer uma pergunta à Sr.ª Deputada Maria do Céu Ramos?


O Sr. Presidente (João Amaral):–Sr. Deputado, creio que o Regimento diz que há uma intervenção por cada partido, pelo que a interpretação que é feita na Mesa é a de que isso tem um significado estrito. Se estiver de acordo, vou dar a palavra ao Sr. Deputado José Ribeiro e Castro.
Tem a palavra, Sr. Deputado.


O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP):–Sr. Presidente, Srs. Deputados: Usando, pela primeira vez, da palavra na presente legislatura, gostava de começar por cumprimentar todos os Srs. Deputados e a Mesa.
Estarmos, hoje, a discutir este relatório gera completa estranheza. Estranheza pelo tempo _ mais de três anos depois –; estranheza pelo contexto, uma estranha unanimidade acrítica, na pressa, certamente, distraída de uma sessão final da anterior legislatura; estranheza pelo tom, falta de isenção e indiferença; estranheza pela debilidade, pela ausência de qualquer proposta que não seja uma inaceitável devolução à procedência.
Por isso, o CDS Partido Popular, hoje, aqui, no Plenário, pronuncia-se contra o relatório.


O Sr. José Saraiva (PS):–É óbvio!


O Orador :– Parece que adivinhava a intervenção do Sr. Deputado António Reis.
Chamamos mesmo a atenção das restantes bancadas e do Sr. Presidente, já que passou tanto tempo, para a conveniência de fazer baixar de novo os documentos à Comissão de modo a promover uma apreciação mais cuidada e reflectida. Atentos à natureza da ofensa que determinou a petição e o eco que teve, pode imaginar-se, a profunda indignação dos 105 009 peticionários se, como vem proposto, receberem apenas pelo correio, desta Assembleia, este relatório de ida e volta.
O que é que pretendiam os peticionários? Buscavam um gesto pedagógico do Parlamento. Ora, isto é tudo o contrário: não só falha qualquer pedagogia democrática, como constitui um manifesto de anti-pedagogia, a meu ver, contra o Estado de direito democrático.


Vozes do CDS-PP :– Muito bem!


O Orador :– O relatório podia recomendar o envio ao Provedor de Justiça, como o Regimento sugere. Nada. O relatório podia propor a remessa ao Ministério Público. Nada. Esse é, aliás, o único ponto em que o acompanharíamos, pois os peticionários, expressamente, não quiseram repressão, mas pedagogia. O relatório podia recomendar a apreciação pela Alta Autoridade para a Comunicação Social. Nada. Alude vagamente à competência deste órgão, mas, em termos de proposta concreta, o relatório... nada.
O relatório devia traçar um quadro rigoroso dos princípios democráticos e a ponderação do Direito português aplicável a esta matéria. Mas o que encontramos é pouco–e esse muito pouco, ainda por cima, está, a nosso ver, mal.
O relatório vai ao extremo de se permitir criticar a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, atropelando-a numa leitura enviesada e tentando torpedear a doutrina dos limites que é pedra de toque de qualquer Estado de direito democrático. O relatório diz que olhou para a Constituição e que não viu nada. É que o relatório despreza que a inviolabilidade da liberdade de religião e de culto, fixada no artigo 41.º, n.º1, da Constituição inclui, obviamente, o respeito devido por todos quanto aos actos de culto e aos símbolos sagrados das religiões. Esse é, afinal, o fundamento constitucional das normas penais aplicáveis, a que diante alude. O relatório acha que as questões de conflitos, em sede de direitos fundamentais, apenas ocorrem directamente entre duas liberdades e ignora por inteiro o problema dos conflitos entre liberdades e direitos, como era o caso, ou de conflitos entre liberdades e interesses constitucionalmente protegidos, como era também o caso. Tudo situações em que a solução longamente consagrada pela jurisprudência e pela doutrina está no princípio da concordância prática e nas suas regras de adequação mútua e de proporcionalidade.
O relatório visita o Código Penal, mas aborda tão-só o seu artigo 251.º. Esquece por inteiro o artigo logo a seguir: o artigo 252.º, cuja alínea b ) cobre directamente a matéria que se discutia escarnecer publicamente de um acto de culto de religião.


Vozes do CDS-PP :– Muito bem!


O Orador :– O relatório não reflecte sequer sobre a razão por é que a nossa lei de imprensa, votada no início deste ano, remetendo para a lei penal geral, comina uma geral agravação de 1/3 nas penalidades aplicáveis, quando os alegados delitos são cometidos pela comunicação social. O relatório ignora também que a tutela destes conflitos se faz, não só em sede de possíveis infracções criminais–para que só o sistema judicial é competente –, mas também cumulativamente em sede contraordenacional, com coimas pesadas, como resulta da Lei de Televisão, quer da anterior que estava em vigor, quer da actual votada há um ano atrás.
O relatório podia reflectir, em sede de televisão, sobre ser fim legal dos canais generalistas «favorecer a criação de hábitos de convivência cívica própria de um Estado democrático» ou sobre a expressa proibição de «qualquer emissão que viole os direitos, liberdades e garantias, atente contra a dignidade da pessoa humana ou incite à prática de crimes».
Podia reflectir ainda sobre o papel do director de programação, hoje legalmente «responsável pela orientação e supervisão do conteúdo das emissões»–e estou a citar a lei–ou sobre o relevo hoje atribuído legalmente ao Estatuto Editorial, de adopção obrigatória e que deve incluir, nomeadamente, nos termos da lei «o compromisso de respeitar os direitos dos espectadores».
O relatório devia reflectir sobre as principais obrigações e particulares responsabilidades da RTP, concessionária do serviço público, e ponderar o que para esta representa o dever legal de «pautar a programação por

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O Sr. Presidente (João Amaral):–Sr. Deputado, vai ter de abreviar.


O Orador :– Vou terminar, Sr. Presidente!
O relatório podia até ter um pouco mais de imaginação, lembrar-se dos chamados «livros de estilo» e buscar inspiração num exemplo de referência: a BBC. Nas Producers Guidelines da BBC, acessíveis na Internet , no capítulo Taste and Decency , lêse a respeito da questão de «sensibilidades religiosas»: «O que constitui blasfémia e quão seriamente é vista, varia consoante as religiões e as culturas e dentro de cada uma. A blasfémia é uma infracção criminal, no Reino Unido…»–em Portugal também, em certos termos–«… e em qualquer caso em que a possibilidade de blasfémia se suscite, deve procurar-se aconselhamento no sector de política editorial e dos advogados, através dos Directores de Departamento.»
Mais adiante, as mesmas Producers Guidelines dedicam-se especialmente à «Comédia e Entretenimento», recomendando cuidado com os «estereótipos» e chamando especialíssima atenção para a temática religiosa.
O relatório da Comissão não faz nada disto. Nada do que podia e devia fazer, a nosso ver. E faz o contrário do que devia.
O relatório é, a nosso ver, um tardio monumento de indiferença e de insensibilidade face a uma questão que feriu muitos cidadãos. Por isso, pronunciamo-nos contra e pensamos até que o relatório merecia ser revisto.


Aplausos do CDS-PP.


O Sr. Presidente (João Amaral):–Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.


O Sr. Luís Fazenda (BE):–Sr. Presidente e Srs. Deputados, é caso para dizer, Sr. Deputado Ribeiro e Castro, valha-nos Deus, uma dissertação tão longa e tão juridicamente elaborada sobre um caso, a nosso ver, tão simples!...
Dir-se-ia, em tom jocoso, se me permitem e não me apodarem imediatamente de herege, que, sobre a substância desta petição, a de uma censura a um programa humorístico de Herman José, e sobre a sua oportunidade hoje, mais parece uma manobra publicitária de um canal de TV que recentemente concluiu a transferência da época e que lhe saiu mais uma prenda no sapatinho: esta publicidade extra!


O Sr. José Junqueiro (PS):–Nunca se sabe!


O Orador :– Indo à matéria, porque ela nada tem de jocoso, dir-se-ia que aquilo que há três anos foi discutível, hoje, parece produto de uma assombração aqui em debate, no Hemiciclo.


O Sr. Paulo Portas (CDS-PP):–Mas a culpa não é dos peticionários!
O Orador :– Legitimamente, foi apresentada uma petição, a qual não visa qualquer alteração do quadro normativo, não visa uma reparação, que não pode obter, na Assembleia da República, visava manifestar uma censura, legítima do ponto de vista formal, mas extremamente discutível do ponto de vista político. Não houve qualquer escarnecimento de qualquer confissão, nem de qualquer culto, num espaço estritamente humorístico; aquilo que se verificou foi a reacção desproporcionada de um conjunto de pessoas na sociedade portuguesa, cuja mentalidade–atrevo-me a dizer–está ainda tributária do tempo em que era indiscutível o conceito de Deus, o conceito de Pátria, o conceito de Autoridade.


O Sr. Paulo Portas (CDS-PP):–Ó Sr. Deputado!


O Orador :– E são esses resquícios do salazarismo, é esse saudosismo do ceptro do Cardeal Cerejeira que leva a este tipo de manifestações.
A rábula de Herman José em nada colidia com direitos fundamentais. Discutir, sim–e isso certamente muito em breve –, aspectos da laicidade do Estado. A laicidade do Estado é necessário que seja discutida, porque hoje, a muitos títulos, isso sim, ofende os sentimentos daqueles que não são religiosos na sociedade portuguesa. E não é em espaços humorísticos, são em espaços reais, e certamente teremos oportunidade para o debater.
Hoje, muitas crianças entram em instituições particulares de solidariedade social, em misericórdias, para as quais o Estado canaliza financiamento, e defrontam-se em muitíssimas salas com crucifixos, imagens religiosas e outro tipo de simbologia religiosa em espaços que deveriam ser estritamente públicos, se financiados pelo erário público.
Iria, Sr. Presidente e Srs. Deputados, dizendo aos Srs. Peticionários e, em primeiro lugar, ao seu primeiro subscritor, cuja figura respeitamos mas que vemos continuamente associada a todos os movimentos mais ultramonta-nos na sociedade portuguesa, que seria bom fazerem uma reflexão acerca desta petição, porque era tempo de deixarem de ser uma espécie de taliban do catolicismo em Portugal, porque isso só tem prejudicado o diálogo entre as correntes religiosas, as correntes agnósticas e as correntes ateias na sociedade portuguesa. E esse diálogo cultural e político, filosófico, até, é necessário.


O Sr. Presidente (João Amaral):–Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.


A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes):–Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero dizer que, se é manifestamente desagradável discutir uma petição decorridos mais de três anos sobre a sua apresentação, é tão desagradável discutir esta petição como qualquer outra. Todas elas estão no mesmíssimo plano, por isso a interrogação que a Assembleia da República deve fazer tem a ver com o seu próprio modo de funcionamento e com a sua incapacidade de dar resposta, em tempo útil, aos cidadãos.
Neste caso concreto, os cidadãos não colocam qualquer proposta de solução alternativa para o que, no seu entender, resulta de um hipotético conflito de interesses entre a liberdade de expressão e a liberdade religiosa. E não se está a falar de uma liberdade de expressão qualquer, mas de uma liberdade de expressão peculiar, porque estamos a falar de criação cultural num programa

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O Sr. Presidente (João Amaral):–Srs. Deputados, esgotadas as intervenções relativas à petição n.º50/VII (1.ª), estão cumpridas as disposições legais, designadamente o artigo 254.º do Regimento e o n.º4 do artigo 20.º da Lei das Petições.
Vamos passar à apreciação da petição n.º90/VII (3.ª), apresentada pela Associação de Defesa dos Diabéticos, sobre as más condições no apoio à saúde dos diabéticos.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Natália Filipe.


A Sr.ª Maria Natália Filipe (PCP):–Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaríamos de referir que lamentamos o facto de a Associação de Defesa dos Diabéticos não ter sido, oficialmente, informada desta discussão, tanto mais que é a principal responsável pela petição que agora se discute. Isto tanto quanto sabemos.
Sr. Presidente, acerca do assunto em discussão, nunca é demais lembrar que a diabetes mellitus é uma das mais graves doenças crónicas que afectam a população mundial.
O encontro internacional realizado em 1989, sob a égide da Organização Mundial de Saúde e da Federação Internacional de Diabetes, reconheceu que este é um grave problema de saúde de todas as faixas etárias e de todos os países ocidentais.
Também Portugal não foge à regra, na medida em que uma percentagem importante da população portuguesa é afectada por esta doença, com o consequente impacto
negativo ao nível da qualidade de vida do indivíduo e da sua família. E estimam-se 25 600 novos casos por ano.
«A educação do diabético sobre a sua doença e formas de a controlar constitui um dos principais objectivos terapêuticos para o combate da diabetes mellitus ». Isto está escrito e foi reconhecido como um direito pela Declaração de Saint Vincent.
Podemos dizer que se trata de um problema de saúde pública em que a educação para a saúde assume um papel preponderante no controlo da doença, na promoção de hábitos e estilos de vida saudáveis e na detecção precoce de sinais e sintomas de doença nos indivíduos de risco.
Gostaríamos de realçar o papel fundamental dos muitos profissionais de saúde envolvidos nos programas que são desenvolvidos na comunidade, quer seja nos hospitais e centros de saúde, quer seja pelas associações de diabéticos, garantindo a educação para a saúde, o tratamento da doença e o despiste das inevitáveis consequências.
Se os cuidados forem apropriados e com qualidade, é possível reduzir drasticamente as amputações, a cegueira, a insuficiência renal, a morbilidade por enfarte de miocárdio, os problemas das mulheres diabéticas durante a gravidez, etc.
O controlo metabólico é fundamental na prevenção de complicações causadas pela doença, exigindo ao diabético uma rigorosa auto-vigilância diária (por vezes, várias vezes ao dia), em que, nos casos de diabéticos insulino-dependentes, envolve meios técnicos indispensáveis, como são as tiras reagentes, as lancetas, as seringas e as agulhas.
Sr. Presidente, é neste contexto que se traduz de especial importância a petição que agora discutimos.
Da análise do relatório da Comissão parece-nos preocupante que haja queixas dos peticionários quanto às dificuldades de fornecimento, pelas farmácias, de tirastes-te e agulhas adequadas às diferentes canetas utilizadas pelos diabéticos.
Realçamos que compete a esta Assembleia discutir as medidas políticas que reforcem: as actividades de promoção e prevenção e detecção precoce da doença que garantam a qualidade de vida das populações; a operacionalização do diagnóstico de retinopatia diabética e as consultas de alto risco; o acompanhamento dos doentes, garantindo-lhes o tratamento eficaz que lhes permita viver o melhor possível.
Se há queixas dos utentes, deveria o Governo, através do Ministério da Saúde, apresentar a esta Assembleia os resultados da aplicação do Protocolo de Colaboração, celebrado a 14 de Outubro de 1998, entre o Ministério e demais organismos relacionados com esta matéria.


O Sr. António Filipe (PCP):–Muito bem!


A Oradora :– O Grupo Parlamentar do PCP irá apresentar um requerimento à Mesa a questionar o Governo sobre este Protocolo.
Sr. Presidente, os peticionários solicitaram ao Governo e ao Parlamento as medidas necessárias que possam melhorar as condições de apoio e saúde dos diabéticos.
Considerando como um saldo positivo o que já foi desenvolvido, parece-nos, contudo, que é insuficiente, tanto mais que a evolução tecnológica permite-nos, hoje, reutilizar os equipamentos envolvidos na administração de insulina em óptimas condições de segurança, eficácia e higiene.

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Aplausos do PCP e do BE.


O Sr. Presidente (João Amaral):–Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nelson Baltazar.


O Sr. Nelson Baltazar (PS):–Sr. Presidente, permita-me que cumprimente cordialmente V.Ex.ªe todos os Srs. Deputados nesta minha primeira intervenção na presente legislatura.
Sobre a matéria da petição n.º90/VII (3.ª), não vou repetir algumas das questões já aqui apresentadas pela Sr.ª Deputada do PCP; no entanto, gostaria de recordar que ocorreu, há 10 anos atrás, em Saint Vincent, um encontro internacional, sob a égide da Organização Mundial de Saúde, e desde 1989 até 1997–gostaria de frisar a data de 1997–quase nada foi assumido para melhorar o apoio a estes doentes.
Sendo a diabetes mellitus uma das mais graves e prevalentes doenças crónicas, naturalmente devemos olhar para ela tendo em conta a educação terapêutica como base do tratamento da diabetes. É, pois, através da educação terapêutica dos diabéticos que deveremos exercer o controlo sobre a qualidade de vida dos próprios diabéticos.
Assim, é fundamental o tratamento farmacológico diário, a auto-vigilância e o auto-controlo, aspectos que necessitam de meios técnicos inerentes, como seringas, agulhas, lancetas e tiras reagentes de pesquisa no sangue e na urina.
Apesar de Portugal, na altura em que esta petição foi apresentada, não se encontrar, no contexto europeu, muito afastado de outros países no que dizia respeito aos benefícios sociais concedidos aos diabéticos, pretendia-se, todavia, que o diabético adoptasse um papel mais activo na gestão do seu processo de saúde e doença, o que fez com que fosse lançado o que designámos como o Guia do Diabético, o qual foi criado no sentido de promover a coresponsabilização do diabético no seu tratamento, a ligação entre os profissionais de saúde nele envolvidos e a melhoria dos cuidados de saúde que lhe são prestados, nomeadamente para a educação do diabético.
A 4 de Novembro de 1997 deu entrada na Assembleia da República a petição que estamos a apreciar em Plenário, dois anos depois, com três objectivos específicos.
O primeiro era o de considerar as tiras reagentes, agulhas e seringas não como produto de venda livre mas como produto de uso obrigatório, sobre o qual deveria–naquela data–incidir IVA de 5%, em vez dos 17% em vigor. Onzes dias depois, a Assembleia da República introduziu esta alteração no Orçamento do Estado para 1998 e aprovou, por unanimidade, a passagem da taxa do IVA de 17 para 5% nestes produtos de consumo diário.
O segundo objectivo da petição era o da comparticipação a 100% directamente na farmácia para as agulhas e seringas para administração da insulina.
Em Outubro de 1998, o Ministério da Saúde celebrou um acordo, sob a forma de protocolo, com as associações de diabéticos, a Ordem dos Farmacêuticos, a Associação Nacional de Farmácias, a indústria farmacêutica, os distribuidores farmacêuticos e a Sociedade Portuguesa de Diabetologia, o qual veio regular o contributo solidário de cada uma destas instituições na execução das medidas que
permitem um melhor auto-controlo e auto-vigilância da diabetes.
Pelo sistema em vigor até àquela data, o diabético utente do SNS suportava 100% dos encargos decorrentes da aquisição de seringas, agulhas e lancetas, sem direito a qualquer reembolso. A partir de Outubro de 1998, o custo integral passou a ser suportado pelo Ministério da Saúde (100% de comparticipação), a distribuição passou a ser gratuita pelos distribuidores farmacêuticos e pelas farmácias das seringas, agulhas e lancetas.
O terceiro objectivo desta petição era a comparticipação a 100% directamente na farmácia para as tiras reagentes de glicémia, cetonúria e glicosúria.
Pelo sistema em vigor até Outubro de 1998, o diabético utente do SNS tinha de pagar a totalidade do custo das tiras reagentes, sendo posteriormente reembolsado de 75% daqueles valores. A partir desta data, passou a haver: acesso à comparticipação directa na farmácia; redução do IVA de 17 para 5%; gratuitidade de custos pelos distribuidores farmacêuticos; e a comparticipação do Estado passou a situar-se entre 80 e 90%, uma das mais altas comparticipações da Europa.
Para além desta resposta do Ministério da Saúde aos problemas dos diabéticos, importa referir outros benefícios: acesso mais facilitado ao diagnóstico sistemático da retinopatia diabética; o Guia do Diabético; informação técnica uniforme, a nível nacional, para os profissionais de saúde; Sistema Informatizado para Avaliação da Qualidade do Processo de Atendimento aos Diabéticos; finalmente, com a missão de efectuar a avaliação permanente do Programa de Controlo da Diabetes Mellitus , foi criada de uma comissão de acompanhamento, constituída pelo Ministério da Saúde e pelas entidades já referidas atrás, de forma a poderem acompanhar este Programa.
Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados: Confirma-se que em democracia as justas causas, como tal universalmente reconhecidas, são abraçadas por todos.
Podemos, assim, afirmar que, pela decisão da Assembleia da República, pela iniciativa do Grupo Parlamentar do PS, subscrita por todos os outros grupos parlamentares, e pela opção clara dos governos socialistas desde 1997, a justa petição dos subscritores foi, está e continuará a ser satisfeita!


Aplausos do PS.


O Sr. Presidente (João Amaral):–Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Freitas.


O Sr. Nuno Freitas (PSD):–Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, o PSD entende que é de saudar esta petição. É evidente que a saudamos como instrumento democrático, pois trata-se de uma petição subscrita por 14 883 concidadãos e que hoje, seguramente, será subscrita por outros mais, entre os quais muitos Deputados aqui presentes.
Também é de saudar o facto de esta ser uma petição feita em nome da qualidade de vida, em nome da auto-suficiência, em nome da independência de concidadãos que sofrem de uma patologia muito prevalente e, portanto, com grande carga familiar e social no nosso país, bem como no resto do mundo desenvolvido, chegando mesmo a falar-se de uma nova pandemia.
Esta petição deve ser igualmente saudada, porque traduz um novo conceito: o de que os doentes não são só

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Vozes do PSD :– Muito bem!


O Orador :– Neste momento, o que é que nos oferece dizer? No próximo domingo, dia 14 de Novembro, comemora-se em Portugal, como em vários outros países, o Dia Mundial da diabetes, este ano dedicado ao tema: Diabetes e Custos. Custos da Diabetes, Custos de Saúde.
Gostávamos muito de ouvir a Sr. a Ministra da Saúde dar boas notícias aos diabéticos portugueses. A saber: gostávamos muito de ouvir a Sr.ªMinistra da Saúde dizer que as tiras reagentes vão, de facto, ser comparticipadas em 100%, como vários Deputados defendem e como nós próprios defendemos; gostávamos que a Sr.ªMinistra da Saúde nos acompanhasse na extensão destes apoios a todos os utentes dos vários subsistemas de saúde; gostávamos de ouvir a Sr. a Ministra da Saúde dizer que a insulina de
acção rápida, que está aí no mercado, e o anti-diabético oral de toma única–e há três anos se espera por isso!–passariam a ser comparticipados, pois tanto ajudariam os diabéticos. É que há os diabéticos que todos os dias têm de tomar insulina e, nos casos agudos, a insulina de acção rápida é essencial e há os diabéticos tipo II, não insulino-dependentes, que se tomassem anti-diabéticos orais de toma única ser-lhes-ia muito mais cómodo e muito melhor.
Pedíamos também à Sr. a Ministra da Saúde que cumprisse o Protocolo, que institui um conjunto de consultas na área da retinopatia diabética, da assistência na gravidez, da assistência a adolescentes... Só para dar um exemplo, direi que, em Portugal, há só um centro que faz consulta de retinopatia diabética, não existe mais nenhum, e, mesmo assim, esse funciona muito mal. Aliás, o Protocolo, cuja revisão está pensada já para Dezembro de 1999, inclui aspectos muitos curiosos. Há um dado em relação a este Protocolo feito pelo Governo que tem a ver com os tais cuidados farmacêuticos que passariam a ser onerados a partir de Janeiro do próximo ano. É muito grave que isto venha a acontecer. Esperamos que a Sr. a Ministra da Saúde também esclareça que, a partir de Dezembro de 1999, os cuidados farmacêuticos não passam a ser onerosos para os cidadãos diabéticos.
Gostávamos que a Sr.ªMinistra da Saúde também dissesse que não íamos rever os preço das tiras reagentes, como diz o próprio Protocolo, e que estas iriam ser comparticipadas a 100%.
Enfim, tudo isto para dar um sinal claro a tantas famílias portuguesas de que, de facto, o Estado português, à semelhança do que se faz internacionalmente, tem uma estratégia para a diabetes para o século XXI, que passa pela prevenção, pelo uso de novas tecnologias, por novos fármacos, também por algo que está praticamente esquecida em toda a legislação subsequente, que é a participação na investigação mundial para a cura desta doença. Neste momento, há uma petição nos Estados Unidos da América, da responsabilidade da Associação Americana de Diabetologia, a pedir ao governo dos Estados Unidos que, rapidamente, avance com mais fundos para a investigação para a cura da diabetes. É possível fazê-lo e Portugal deveria estar também inscrito nessa investigação.
Portanto, aquilo que pedimos à Sr. a Ministra é que não só cumpra o Protocolo, mas com novas metas, com mais medidas, mas também que o Estado comparticipe a 100% e que a aplicação seja para todos os diabéticos.
Termino, lembrando o Presidente da Associação de Defesa dos Diabéticos de Portugal, que é uma associação decana da Federação Internacional de Diabetes, que disse, há pouco tempo, num artigo, que, nesta área, o Governo precisava de competência e de sensibilidade. De facto, esta é ainda a mensagem translúcida desta petição: competência e sensibilidade é o que é preciso para a diabetes em Portugal.


Aplausos do PSD.


O Sr. Presidente (João Amaral):–Para uma intervenção, tem a palavra o Sr Deputado António Pinho.


O Sr. António Pinho (CDS-PP):–Ex. mo Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. as e Srs. Deputados: Queria começar esta minha primeira intervenção por dirigir uma saudação ao Sr. Presidente da Assembleia da

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O Sr. Paulo Portas (CDS-PP):–Muito bem!


O Orador :– Na verdade, que maior vontade de participação, que maior esforço pode ser exigido à participação democrática, que maior exemplo de cidadania pode ser encontrado do que esta de mobilizar cidadãos que se dirigem à sede da representação popular sugerindo, reclamando, exigindo?
Cabe-nos, com a certeza de que não podemos de imediato e totalmente satisfazer, por mais relevantes e objectivas que sejam as pretensões e anseios expostos, pelo menos, em tempo útil, fazer subir a Plenário as diversas petições que se vão amontoando.


O Sr. Paulo Portas (CDS-PP):–Muito bem!


O Orador :– Sr. Presidente, V. Ex. a está numa posição privilegiada para marcar uma rota nesta matéria que permita aos cidadãos recuperarem o interesse e a confiança nas instituições.
Passando agora à petição aqui em análise, esta versa uma temática que se reveste de grande importância, pois a diabetes é hoje em dia uma doença que afecta, segundo os números mais recentes, cerca de meio milhão de portugueses.
Desde a data da apresentação desta petição, alguns passos foram dados no sentido de atenuar as dificuldades destes doentes, nomeadamente a redução do IVA de 17 para 5% na compra das tiras-teste, das agulhas e das seringas.
Se esta pretensão da Associação de Defesa dos Diabéticos foi plenamente atendida pelo Governo, facto que mereceu a aprovação de todos os partidos, já em relação às restantes alíneas tal não se verificou. Efectivamente, os produtos referidos nas alíneas a ) e b ), nomeadamente as tiras reagentes, apesar de englobados no Programa de Controlo da Diabetes Mellitus , apenas se encontram comparticipados a 75%, quando a pretensão dos peticionários era a de que estes produtos fossem comparticipados na sua totalidade.
A comparticipação a 100% parece-nos uma medida adequada, pois permitirá um tratamento eficaz e, sobretudo, um controlo mais efectivo da doença a um número muito mais alargado de diabéticos, evolução essa que foi já bem visível com a passagem da comparticipação de 0 para 75%.
Pensamos que o investimento na prevenção e no acompanhamento precoce da doença é sempre preferível, a todos os níveis, ao investimento forçado e inevitável no tratamento das gravíssimas complicações de toda a ordem
verificadas com o evoluir da diabetes. Falamos–é bom que se recorde–de situações de cegueira, amputações motivadas pela gangrena diabética, de falência renal e infelizmente, em muitos casos, mesmo de acidentes cardiovasculares que resultam na morte dos pacientes.
Apesar da entrada em vigor do referido protocolo, há alguns problemas que persistem e que convém que sejam combatidos com celeridade, tendo em vista a melhoria da qualidade de vida dos portugueses afectados por esta doença crónica. A saber: apenas o Serviço Nacional de Saúde foi abrangido por este Protocolo, o que deixa de fora muitos milhares de doentes, limitando desta forma o âmbito destas medidas; os materiais colocados à disposição dos doentes são de baixa qualidade e muitas vezes incompatíveis com os sistemas de injecção, o que os torna inúteis; o apoio financeiro da parte da indústria farmacêutica, previsto no Protocolo, tarda em chegar, o que constitui uma importante limitação ao desenvolvimento do Programa de Controlo da Diabetes Mellitus . Esta verba destinar-se-ia a vários campos, como a formação de técnicos de saúde especializados, a educação para a saúde de diabéticos e ao apoio ao diagnóstico sistemático da retinopatia diabética, entre outros. Trata-se, pois, de uma verba de extrema importância para o combate à doença, que se encontra bloqueada devido à ausência de uma planificação para a sua utilização a apresentar pelo Ministério da Saúde.
Outros problemas haveria a tratar, como, por exemplo, a questão do Guia do Diabético, que em muitas situações não cumpre o seu papel, ou a impossibilidade de as associações de diabéticos distribuírem tiras-teste aos seus associados, o que se revestia de particular importância no apoio aos mais carenciados.
Terminaria, no entanto, com a questão levantada na cláusula XIV do referido protocolo, «Prestação de cuidados farmacêuticos», onde se diz somente o seguinte: «A prestação de cuidados farmacêuticos é graciosa até 31 de Dezembro de 1999.» Esta questão constitui legitimamente uma enorme dor de cabeça para os diabéticos, pois não oferece quaisquer garantias de que no dia 1 de Janeiro do ano 2000 tal situação se mantenha, o que, a não se verificar, seria um gravíssimo passo atrás no combate a esta doença.
Parece-nos, pois, urgente que o Ministério da Saúde dê resposta a esta e outras questões, muito legitimamente levantadas por aqueles que sofrem no seu dia a dia as consequências da diabetes, uma doença que, como referi anteriormente, afecta hoje em dia cerca de meio milhão de portugueses.


Aplausos do CDS-PP.


O Sr. Presidente (João Amaral):–Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.


O Sr. Luís Fazenda (BE):–Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desde o momento da apresentação desta petição, muito se avançou na pretensões dos doentes crónicos diabéticos em Portugal. Queria só dar conta desse facto, porque isso permitiu, por um lado, melhorias na qualidade de vida dos doentes e no auto-controlo da doença e, por outro, ganhos de saúde, ganhos de economia também.
No entanto, hoje, é necessário prosseguir e dar razão e acordo à necessidade de vir a comparticipar a 100% as tiras reagentes, de vir a regularizar a sua disponibilidade

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O Sr. Presidente (João Amaral):–Srs. Deputados, concluímos a apreciação da petição n.º90/VII (3.ª). Proceder-se-á em conformidade com o artigo 254.º do Regimento e com o artigo 20.º, n.º4, da Lei das Petições.
Passamos à apreciação da petição n.º106/VII (3.ª), apresentada pela Comissão de Utentes Contra a Taxa de Activação e os Aumentos nos Telefones, solicitando que a Assembleia da República tome as iniciativas políticas ou legislativas que declarem ilegal o imposto encapotado como é a «taxa de activação» do nosso sistema de tarifário da Portugal Telecom.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Casimiro Ramos.


O Sr. Casimiro Ramos (PS):–Sr. Presidente, permita-me nesta primeira intervenção, através da sua pessoa, saudar todas as forças políticas e todos os colegas Deputados eleitos na presente legislatura.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta petição em análise, subscrita por cerca de 50000 utentes da Telecom, pretende que seja considerada ilegal a taxa de activação, por um lado, e, por outro, que sejam revogados aspectos abusivos da tarifação.
Na sequência desta petição, foi elaborado o respectivo relatório na 4.ª Comissão e, grosso modo, foram tiradas duas conclusões: primeira, aguardar pela divulgação de dois estudos, um, a ser realizado através da Telecom e da Deco, e outro, por uma instituição universitária; segunda, aguardar pelos resultados de uma acção judicial que, entretanto, seria movida contra a Portugal Telecom sobre a taxa de activação.
Relativamente ao primeiro estudo, aquele que seria de levar a cabo pela Deco e pela Portugal Telecom, consistia em criar um observatório para analisar toda esta situação. No entanto, a criação desse observatório passava por identificar os utentes, facto que, por questões de confidencialidade, não era possível de uma forma directa mas, sim, com a autorização dos próprios. Assim sendo, tiveram de disponibilizar-se os utentes para dar autorização a utilizar os seus dados. No entanto, o número reduzido de pessoas que disponibilizaram a sua identificação foi demasiado baixo para que pudesse ser constituída uma amostra significativa para analisar esta problemática.
Relativamente ao estudo a ser realizado pela instituição universitária, foi feito um estudo pelo ISEG e, de uma amostragem de cerca de 19000 facturas, realizando uma comparação entre o sistema antigo de tarifação e o novo modelo de tarifação entre dois períodos, um em Novembro de 1997 e outro em Março de 1998, utilizando os critérios de uma tarifação ou de outra, consoante o tráfego que existiu naqueles dois meses, as conclusões que apontam os resultados do estudo são, na generalidade, os seguintes: em Novembro de 1997 e em Março de 1998, em termos reais, a redução da facturação da Portugal Telecom cifra-se entre os 9 a 10%; a redução nos custos para os utentes de Novembro de 1997 e de Março de 1998 cifra-se, em termos reais, na ordem dos 4 a 5%.
Segundo este mesmo estudo, cerca de 55% dos clientes ganharam, em termos nominais, com o novo sistema de preços: cerca de 75% dos clientes têm variações inferiores à inflação estimada; cerca de 20% dos clientes têm descidas superiores a 10%; apenas cerca de 17% têm variações superiores a 5% e, destes, apenas metade têm variações superiores a 10%.
Assim, globalmente, o estudo conclui que este novo sistema não foi penalizador, pelo menos para a generalidade dos clientes.
Por último, no que respeita à providência cautelar, tenho comigo o resultado da decisão do 3.º Juízo Cível da Comarca de Lisboa, que diz o seguinte: «(…) a cobrança da activação de chamada no âmbito do Tarifário para 1999 obedece ao princípio da orientação para os custos, respeita os demais princípios constantes da Convenção de Preços para o triénio 1998/2000, não ultrapassa os limites constantes das Bases da Concessão do Serviço Público de Telecomunicações, está conforme às normas regulamentares do serviço fixo de telefone, não se traduz em abuso de posição dominante nem distorce a concorrência, não configura a imposição de um consumo mínimo e não representa qualquer duplicação da taxa de assinatura.
A 1.ª requerida não violou, assim, qualquer direito que à requerente incumba defender.»
Em conclusão, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o novo sistema de tarifação da Portugal Telecom foi criado de acordo com o princípio da orientação para os custos, em conformidade com as directivas comunitárias.
No PS, consideramos sempre bom discutir todas as questões que afectem e/ou preocupem os portugueses, mas, tal como era nossa convicção em Abril de 1998, estamos convencidos de que, na generalidade, os portugueses beneficiaram com o novo sistema, como está atestado pelo estudo do ISEG.
Quanto ao impulso de activação, a providência cautelar é clara quanto à sua legalidade e, à semelhança de quase todos os países da Europa, faz parte do método de facturação por impulso.

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Aplausos do PS.


O Sr. Presidente (João Amaral):–Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.


O Sr. Rui Rio (PSD):–Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta matéria da «taxa de activação» foi objecto de crítica por parte de todos os partidos da oposição e, portanto, também por parte do Partido Social Democrata, no início de 1998, quando ela foi criada.
Basicamente, as críticas que fizemos prendiam-se com o facto de o utente passar a pagar três vezes o mesmo serviço: pagava a assinatura, pagava o custo da chamada e, agora, começou a pagar também a denominada «taxa de activação»–agora, isto é, na altura.
Acresce ainda que, também nessa altura, as assinaturas subiram 9%, com uma inflação esperada de perto de 3%, e as chamadas locais inferiores a três minutos subiram nada mais nada menos do que 48%. Era este o quadro que tínhamos quando esta petição deu entrada na Assembleia em Março de 1998.
Além disso, há a ter em conta o facto de a Portugal Telecom ser uma empresa com lucros fabulosos. Nada de mais há em que uma empresa, inclusive, neste momento de capital maioritariamente privado, tenha lucros fabulosos. Agora, uma empresa como a Portugal Telecom tem uma função social a desempenhar, portanto, os lucros têm de ser equilibrados com essa função social que a empresa tem de desempenhar.
Por outro lado, também havia uma medida que todos, na altura, pedimos que a Portugal Telecom tomasse, juntamente com a «taxa de activação», já que insiste na «taxa de activação», que era a de que fizesse a facturação ao segundo. Isto porque, feita a facturação ao minuto, basta que um atendedor de chamadas atenda para se pagarem, automaticamente, dois períodos, e a pessoa nem sequer fez verdadeiramente a chamada.
Quanto a estas críticas que, na altura, o PSD fez, e todos, na oposição, fizemos, a realidade veio a demonstrar que tínhamos razão, através das facturas que todos estamos a pagar à Portugal Telecom.
A questão que se põe é a de saber como é que se formam os preços das chamadas em Portugal. Como não se formam no mercado, a situação é um pouco diferente e a responsabilidade do Governo, nesta matéria, é, obviamente, alguma, para não dizer que é praticamente toda.
Há uma convenção entre a Portugal Telecom e o Estado que diz que a primeira define os preços mas, depois, o Estado–leia-se «o Governo»–tem de aprovar esses preços. Isto quer dizer duas coisas: por um lado, que a responsabilidade é do Governo e, por outro, que, sendo a responsabilidade do Governo, não compete à Assembleia da República introduzir qualquer alteração e imiscuirse na esfera de actuação do Governo.
Aquilo que compete à Assembleia da República é criticar esta opção do Governo e fazer-lhe ver e ao partido que está no poder que se deveria abolir a «taxa de activação». E, por isso, aquando da discussão de um projecto
de lei do Partido Comunista sobre esta matéria, tomámos exactamente a posição que estou a manifestar, ou seja, estamos completamente de acordo com os princípios desse projecto e, portanto, também desta petição, mas queremos salvaguardar aquilo que é da estrita competência do Governo, pelo que não pode ser a Assembleia da República a mexer nos preços–naturalmente, isso não faria sentido.
Daí que a existência desta petição e a sua discussão, hoje, apesar de decorridos mais de um ano e meio sobre a sua apresentação, deve permitir que todos possamos, mais uma vez, criticar a «taxa de activação», mais uma vez criticar o Governo e relembrar-lhe um aspecto importante: o que está aqui em causa não é a viabilidade da Portugal Telecom, o que está aqui em causa são os lucros da Portugal Telecom. Portanto, o que está aqui em causa é saber se estão primeiro as pessoas ou os lucros.
Por ocasião da discussão desta petição, temos de relembrar o Governo que, para um governo que se diz de consciência social, primeiro estão as pessoas e que deve ter algum cuidado com a «taxa de activação». Deve pôr primeiro as pessoas e depois os lucros, já que aquilo de que se trata não é de prejuízos. A Portugal Telecom é uma empresa viável, é uma empresa privada e deve ter, e tem de ter, lucros; não pode é tê-los à custa de preços que ainda não são formados no mercado. Quando forem formados no mercado, obviamente, aí a Assembleia da República ainda está mais longe do problema. Hoje, não está assim tão longe por força de uma crítica ao Governo que todos devemos aqui fazer porque, em última análise, foi o Governo que aprovou estes preços!


Aplausos do PSD.


O Sr. Presidente (João Amaral):–Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Matias.


O Sr. Joaquim Matias (PCP):–Sr. Presidente, Srs. Deputados: A petição n.º106/VII(3.ª), da Comissão de Utentes Contra a Taxa de Activação e o Aumento nos Telefones, apresentada a esta Assembleia em 10 de Março de 1998, com mais de 50000 assinaturas e reforçada no mês seguinte, passando a ter mais de 110000, mostra, desde logo, a amplitude do forte movimento popular de contestação a uma medida da Portugal Telecom e do Governo que penalizou injustificadamente grande parte dos utilizadores do serviço público de telefones. Ou seja, através da imposição de uma «taxa de activação», questão central do problema suscitado, foi agravado o custo das chamadas telefónicas de menor duração e, consequentemente, foram penalizados directamente os tipos de utilizadores que deveriam estar mais protegidos pela função social das telecomunicações. E, por mais dados estatísticos que apresentem, há algo que é inegável: o aumento de 48% sofrido pelos utilizadores de menores recursos!
Pela nossa parte, sempre manifestámos, e continuamos a manifestar, a solidariedade política do PCP, sem ambiguidades, a estes utentes que, legítima e justamente, protestam contra tal medida e reclamam das instituições competentes a defesa dos seus direitos.
Em 15 de Janeiro desse ano, por iniciativa do Grupo Parlamentar do PCP, a Assembleia da República debateu o então anunciado novo tarifário da Portugal Telecom. Mostrámos, então, claramente, que não estava em causa a introdução de aperfeiçoamentos e simplificações no siste

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Vozes do PCP :– Muito bem!


O Orador :– Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP criticou atempadamente a «taxa de activação». Propôs a sua abolição por lei. Esteve e está com a legítima e justa luta dos utentes dos telefones.
Para nós, o assunto não está encerrado e, face a uma situação em que se perspectiva, já no início do ano, um novo quadro no regime das comunicações telefónicas fixas, com consequentes alterações, se o Governo mantiver esta inusitada «taxa de activação», voltaremos ao assunto com uma nova iniciativa.


Aplausos do PCP.


O Sr. Presidente (João Amaral):–Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.


O Sr. Telmo Correia (CDS-PP):–Sr. Presidente, Srs. Deputados: A primeira nota a assinalar em relação a esta
petição é a de ela chegar a este Plenário 20 meses depois de ter sido apresentada pelos cidadãos, tendo a respectiva Comissão formulado opinião sobre ela em 29 de Abril de 1998. O ritmo a que conseguimos discutir uma petição deste tipo não é, certamente, da era das comunicações automáticas e talvez pertença mais ao tempo dos sinais de fumo, tanto é o tempo que levamos a discuti-la!
Em segundo lugar, saliento também que se discute esta petição a dois meses de alterações fundamentais que têm a ver com a privatização e com a entrada em funcionamento do mercado. Portanto, a sua utilidade, hoje, não é a mesma que se teria em discussão anterior.
Passando ao conteúdo da petição, verificamos que ela levanta uma questão fundamental, já aqui focada, designadamente na intervenção do Sr. Deputado Rui Rio, que é a relação entre os direitos do consumidor e a existência de uma empresa monopolista que constitui, obviamente, pela sua intervenção, uma ameaça a esses mesmos direitos.
Esta taxa, bem como toda a tarifação da Portugal Telecom, beneficia os grandes utilizadores, é especialmente penalizadora para as chamadas locais inferiores a 3 minutos, onde se regista esse aumento de 47,4%, é penalizadora para os «pacotes» de pequenos utilizadores e prejudica, muito em especial, os reformados e os pensionistas que, sem terem isenção dessa mesma «taxa de activação», vêem o seu direito, em termos de benefícios, muito reduzido.
Por outro lado, a «taxa de activação» corresponde a um serviço que o utente já pagou, porque já pagou a assinatura mensal e, com isso, já pagou o acesso à rede e a activação da linha.
Diria que esta «taxa de activação» vem, essencialmente, agravar uma injustiça, e agravar uma injustiça de forma mais séria, Srs. Deputados, porque o faz, não estando ligada ao acesso à rede tarifado ao segundo mas, sim, ao impulso, o que a torna particularmente mais grave, sobretudo para os utentes de menores posses e de menores rendimentos.
Termino dizendo que esta taxa é, numa frase, uma espécie de roubo, e de roubo «à mão telefonada»! Claramente de roubo «à mão telefonada»!


O Sr. Paulo Portas (CDS-PP):–Muito bem!


O Orador :– E corresponde àquilo a que eu chamaria uma «terceira via telefónica», porque a Assembleia não tem de ser assembleia geral de empresa alguma! Não é à Assembleia que compete fixar preços. Mas o Governo, que tem convenções com estas empresas, poderia ter feito qualquer coisa e nada fez.
O Governo fez, neste caso, o que costuma fazer, ou seja, o Governo está para as empresas como esta empresa esteve para os seus consumidores: entre os grandes e os pequenos, prefere os grandes; entre o lucro e as pessoas, prefere o lucro! Estranha forma de Governo para uma terceira via socialista e para o caminho do socialismo!
Neste caso, o Governo ficou, como sempre: sentado! Não fez, sequer, o mínimo que poderia ser esperado e que era desejável, que era ter feito algo tão simples como pegar no telefone e tentar resolvê-o com brevidade! Neste momento, já é, de alguma forma, tarde para responder.


A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD):–Mas, assim, pagava «taxa de activação»!

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Aplausos do CDS-PP.


O Sr. Presidente (João Amaral):–Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.


A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes):–Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este não é um debate novo; o tema já foi objecto de discussão, na Assembleia da República, sob a forma de um debate de urgência. E teve lugar, porque esta «taxa de activação» é um roubo, que o Partido Socialista, como partido que sustentava o Governo, não foi capaz de explicar.
Trata-se de um imposto encapotado, pois constitui uma forma de pagar aquilo que já está pago. O serviço tem uma assinatura, que todos os cidadãos têm de pagar, e tem impulsos, que também são pagos diferentemente. Esta é, pois, uma forma pura e simples de roubar, ainda por cima acentuando a desigualdade e penalizando os consumidores mais fragilizados e de menores recursos deste serviço. Esta é uma situação moralmente inaceitável e politicamente inadmissível.
Como já foi referido, os novos sistemas digitais permitem hoje baixar muito os custos dos serviços, e estamos a falar de uma empresa que tem chorudos lucros. Portanto, é neste contexto que a «taxa de activação» tem de ser discutida, é neste contexto que, tal como há 20 meses, continua a ser socialmente injusta, inaceitável. É um roubo e uma violação dos direitos dos consumidores, de acordo com o contrato que, supostamente, a empresa com eles celebra.
Do nosso ponto de vista, esta taxa continua a ser um problema para o Partido Socialista resolver e para os demais partidos da oposição, que afirmam ser contra ela, se posicionarem claramente.


O Sr. Presidente (João Amaral):–Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.


O Sr. Luís Fazenda (BE):–Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero saudar a iniciativa da comissão de utentes contra a «taxa de activação». É necessário que, na sociedade portuguesa, cada vez mais os cidadãos e as cidadãs se movimentem na defesa dos seus interesses, através de organizações próprias em cada momento em que sejam lesados os seus direitos. Por isso, é de sublinhar esta iniciativa e o larguíssimo alcance que ela teve, a despeito de chegar aqui a debate tantos meses depois.
Entrando na questão, direi que a «taxa de activação» é um roubo, como já foi sobejamente afirmado, porque significa a multiplicação de um preço que já tinha alcavalas várias. Mas, sobretudo, o que os cidadãos e as cidadãs sentiram é que moralmente não era justificável, e isso chama-se, em português corrente, uma aldrabice.
Independentemente de estatísticas, que cruzam dados muito diversos, e de decisões judiciais, ainda que respeitáveis, o mal está feito, a reparação está por vir e a aldrabice permanece para além do furto.
Nesse sentido, penso que é necessária a tarifação ao segundo, porque essa é verdadeiramente a defesa do consumidor, mas tem vindo a ser protelada. Ouviu-se hoje, aqui, que o Partido Socialista já sabe que em Janeiro temos a tarifação ao segundo. Cá estaremos para controlar esse objectivo.
Em todo o caso, há que extrair ilações políticas deste facto, porque os consumidores têm tido «tratos de polé», e isso não pode ser mais uma vez embrulhado num conjunto de considerações estatísticas, que omitem por completo as categorias sociais, os agregados económicos e que tudo cruzam desde a escala internacional até à pequena escala local. É fácil falar com estatísticas assim! Mas conhecemos as pessoas que têm chamadas locais, as quais foram objectivamente penalizadas!


O Sr. Presidente (João Amaral):–Em relação a esta petição, proceder-se-á nos termos do artigo 254.º do Regimento e do n.º4 do artigo 20.º do Regime do Exercício do Direito de Petição.
Passamos à apreciação da petição n.º109/VII, apresentada pela Associação de Comerciantes do Concelho de Loures, manifestando-se contra o encerramento do apeadeiro de Moscavide.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Arménio Santos.


O Sr. Arménio Santos (PSD):–Sr. Presidente, Srs. Deputados: A petição n.º109/VII, agora em discussão, e apresentada pela Associação de Comerciantes do Concelho de Loures, em Fevereiro do ano passado, respeita a uma questão que sabemos ser da maior importância para as populações da freguesia de Moscavide e para a economia desta vila.
Por isso, o PSD começa por afirmar aos habitantes de Moscavide e aos comerciantes que aí têm a sua actividade que subscreve as suas preocupações e exigências, porque são razoáveis e legítimas.
De facto, as populações das freguesias de Moscavide, Chelas e Olivais foram as mais penalizadas com os transtornos criados pelas obras da Expo 98. Especialmente os habitantes de Moscavide e os pequenos comerciantes, que dão vida à sua economia, sofreram os maiores atropelos aos seus direitos e às suas condições de vida, com ruas desventradas, caos no trânsito, poeiras a invadirem as casas e ruídos das máquinas de dia e de noite a perturbar o sossego a que tinham direito.
Depois deste sacrifício, para modernizar uma zona profundamente degradada da nossa cidade e realizar com sucesso a exposição universal, como acabou por suceder com a Expo 98, era suposto e justo que Moscavide também beneficiasse desse grande projecto nacional. Mas não! Em vez disso, Moscavide continuou isolada da Expo 98 e a CP tentou encerrar o seu apeadeiro, com argumentos economicistas e infundados. No entanto, a indignação e a mobilização notável das populações e dos comerciantes obrigaram a CP a recuar nos seus propósitos.
Na verdade, se o encerramento do apeadeiro de Moscavide fosse por diante, muitos milhares de habitantes de baixos recursos ficariam sem o seu normal meio de transporte; os pequenos comerciantes seriam drasticamente afectados, porque muitas pessoas deixavam de sair em Moscavide; desertificava-se o comércio local e a vila diminuía a sua vida própria.
Apresentámos nesta Assembleia da República, em Março do ano passado, um requerimento ao Governo, no sentido de interpretar e defender as posições dos peticionantes. O Sr. Ministro João Cravinho respondeu-nos, na altura, que

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD):–Muito bem!


O Orador :– Tal como também é preciso que Moscavide seja ligada à urbanização da Expo e possa comunicar com facilidade com este novo espaço urbano.
A linha ferroviária, que divide Moscavide da nova urbanização, não pode funcionar como um muro a separar estes dois centros urbanos. Há meios técnicos para superar estas situações e sem grandes esforços financeiros. Assim haja vontade política para resolver problemas desta natureza.
Com esse objectivo, as populações reclamam uma outra passagem superior, dotada de elevadores, tendo em conta os problemas da terceira idade, sobre a linha férrea, a ligar a urbanização da Expo a Moscavide, no entroncamento desta vila que se situa na Rua Artur Ferreira da Silva.
O Partido Social Democrata apoia estas pretensões do povo de Moscavide e dos seus comerciantes e espera do Governo medidas imediatas e concretas para as satisfazer, porque são aspirações justas, contribuem para o dinamismo da histórica vila de Moscavide, enriquecem a nova urbanização da Expo e estabelecem uma frutuosa relação entre estes dois importantes pólos populacionais.


Aplausos do PSD.


O Sr. Presidente (João Amaral):–Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Fátima Amaral.


A Sr.ª Fátima Amaral (PCP):–Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados: Todos sabemos que a face da zona oriental de Lisboa mudou por força da realização da Expo 98 e que esse mesmo espaço deu lugar ao Parque das Nações, gozando de uma vasta área aprazível, com estruturas disponíveis para o desenvolvimento de eventos de diversa natureza. Mas não esquecemos, porque de alguma forma o acompanhámos, todo o período conturbado vivido pelas populações residentes nas zonas envolventes das
freguesias dos Olivais e Moscavide. Foi neste contexto que surgiu o problema do funcionamento do apeadeiro da CP de Moscavide.
Na verdade, com o projecto de construção da Gare do Oriente e a implantação do terminal rodoviário, a CP anunciou, então, a tomada de decisão unilateral de proceder à desactivação do referido apeadeiro.
Não deixa de ser curioso o facto de a Câmara Municipal de Loures nunca ter sido ouvida nem sequer contactada pela CP, certamente numa tentativa de a pôr à margem. Não obstante, esta autarquia, desde o início de 1995, tem vindo a tomar posição, assumindo sem tibiezas a defesa da manutenção do apeadeiro numa identificação clara com as preocupações da população e do comércio local.


Vozes do PCP :– Muito bem!


A Oradora :– A própria Assembleia Municipal de Loures, perante a eventualidade do seu encerramento em 20 de Maio de 1998, aprovou por unanimidade, na sua reunião do dia 2 de Abril de 1998, o apoio a todas as diligências que fossem realizadas no sentido das aspirações das populações afectadas.
Os habitantes da freguesia e os utentes residentes, fundamentalmente nas regiões limítrofes, sentindo-se lesados e não prescindindo dos seus direitos, demonstraram a sua elevada consciência cívica e fizeram ouvir a sua voz, através de acções de protesto, concentrações de rua, encerramento do comércio e um abaixo-assinado, convertido nesta petição, com 10 225 assinaturas.
Perante esta resistência, a CP foi obrigada, de alguma maneira, a recuar, e o que tecnicamente era impossível passou a ser viável, vindo então a REFER, empresa que gere as infraestruturas ferroviárias, em Abril do ano passado, a divulgar que o apeadeiro continuaria em funcionamento até ser construído um novo, nas imediações do actual.
No entanto, e porque o problema pode não estar ainda resolvido, importa ter presente que a freguesia de Moscavide tem uma densidade populacional muito elevada; são 13000 cidadãos acima dos 18 anos. Essa população tem uma média etária elevada, com hábitos muito enraizados de utilização deste meio de transporte. Para além disso, nesta zona há uma forte concentração de estabelecimentos comerciais, de infantários e escolas. O apeadeiro de Moscavide serve 5000 a 6000 pessoas por dia.
É importante referir ainda que o comércio local está a braços com uma crise muito grande. Neste caso, a crise que perpassa esta camada de comerciantes é aqui mais preocupante, tendo em conta a criação recente de dois pólos comerciais aglutinadores de pessoas: os Shoppings dos Olivais e Vasco da Gama. Não são, portanto, para este comércio despiciendos a localização e o funcionamento deste apeadeiro da CP.
Não basta fazer declarações de princípio sobre a defesa da sobrevivência e desenvolvimento dos pequenos e médios comerciantes. É preciso nas situações concretas batermo-nos por medidas orientadas para esses objectivos.
Quanto à população, mais em particular quanto os utentes dessa linha férrea, torna-se imprescindível respeitar quer os seus hábitos quer a suas reais necessidades, tendo em conta a preponderância de camadas socialmente mais desfavorecidas.


Vozes do PCP :– Muito bem!

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Aplausos do PCP.


O Sr. Presidente (João Amaral):–Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Coelho.


O Sr. Miguel Coelho (PS):–Permita-me, Sr. Presidente, que nesta minha primeira intervenção na actual Legislatura aproveite também para saudar a Mesa e todos os Srs. Deputados que agora iniciam mais este mandato.
Sr. as e Srs. Deputados, gostaria de dizer que a petição n.º109/VII; que nos foi apresentada em 20 de Fevereiro de 1998, chega agora a esta Assembleia da República numa posição de vencedora quanto aos seus objectivos e propósitos.
Esta petição, apresentada pela Associação de Comerciantes do Concelho de Loures, que recolheu mais de 10 225 assinaturas, dirigia-se unicamente à administração da CP, protestando e pedindo a anulação de um compromisso ou de uma intenção de encerrar o apeadeiro de Moscavide.
É curioso–e o Sr. Deputado Arménio Santos não o referiu na sua intervenção–que o anúncio de encerrar este apeadeiro foi feito ainda no tempo do governo do PSD, sob a responsabilidade do Sr. Ministro Ferreira do Amaral, aquando da apresentação do projecto da Gare do Oriente. Portanto, para que fique claro de onde partiu este processo, devo dizer que foi o governo do PSD que quis encerrar o apeadeiro de Moscavide. É importante que isto fique claro!
Mas, Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados, tal como disse, foi muito importante que esta petição tenha sido apresentada, porque contribuiu seguramente para alertar o Governo do Partido Socialista, para alertar os autarcas–e recordo que a freguesia de Moscavide é já, há largos, anos presidida por um socialista–e para alertar a administração da CP para a injustiça e o erro que constituiria seguramente encerrar o apeadeiro de Moscavide.
Quero referenciar que a junta de freguesia de Moscavide já recebeu um ofício da REFER, onde esta empresa se compromete a construir um novo apeadeiro–seguramente tendo em conta todas as observações técnicas que aqui foram referenciadas, e que são justas–e dizendo que a sua conclusão estará prevista para o primeiro semestre do ano de 2001.
Portanto, Sr. as e Srs. Deputados, não há qualquer dúvida de que estamos presentes perante uma justa petição, que chega a esta Assembleia da República um ano e meio depois, mas já chegou ultrapassada quanto aos seus objectivos, felizmente para todos nós e em particular para a população de Moscavide, porque os mesmos já foram seguramente atendidos.
Estamos, pois, perante um acto de humildade democrática no que diz respeito à própria governação, um acto de reparação de um erro que iria ser cometido, tal como referenciei, por um governo do PSD. Estamos perante um acto justo, que é atender a população da freguesia de Moscavide que, de facto, não poderia ficar sem o seu apeadeiro.


Aplausos do PS.


O Sr. Presidente (João Amaral):–Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Rebelo.


O Sr. João Rebelo (CDS-PP):–Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados: Permita-me cumprimentar, através de V.Ex.ª, Sr. Presidente, todos os Deputados deste Parlamento, desejando-lhes o melhor aproveitamento no desempenho das suas funções.
O CDS Partido Popular entende que o problema decorrente da vontade da CP em encerrar o apeadeiro de Moscavide deve ser analisado rigorosamente nas suas várias vertentes: social, estratégica e administrativa.
É obrigação do Estado promover a qualidade de vida das populações. O Estado não deve esquecer o impacto das decisões em matéria de transportes urbanos. Deve a REFER, portanto a CP, neste caso do apeadeiro de Moscavide, avaliar as repercussões de uma medida desta natureza. No entanto, não parece que isso tenha sido feito, o que é suficiente para preocupar um Deputado eleito pelo círculo de Lisboa.
Há que escolher um de dois caminhos: optar pela proximidade do caminho de ferro suburbano até ao limite ou preferir a optimização dos recursos e do equipamento social, com novas modalidades de transportes mais eficazes.
O que está em causa é saber se queremos fazer investimentos vultuosos–como é o caso da Gare do Oriente e a quadruplicação da Linha do Norte–e continuar a utilizar novos recursos com novas potencialidades mas com fórmulas antigas e desajustadas.
A população de Moscavide não pode sair prejudicada em nome de uma certa ideia de modernização. Devem, por isso, ser encontradas soluções eficientes ao nível dos transportes terrestres suburbanos a partir da Gare do Oriente. Falamos de soluções e não de tentativas.
Os utentes do actual apeadeiro devem ter a garantia de que não sairão lesados quer na regularidade quer no conforto da solução a adoptar.
Aceitamos a modernização; enjeitamos, contudo, a perda de qualidade de vida das populações. Aceitamos o ajustamento de comportamentos ou hábitos sociais; recusamos a penalização dos utentes.

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Aplausos do CDS-PP.


O Sr. Presidente (João Amaral):–Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.


A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes):–Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero dizer, em primeiro lugar, que a questão que é trazida a debate no Parlamento através desta petição é uma questão que não é nova. É uma questão que foi colocada desde o início da discussão do projecto da Expo 98, porque, independentemente de se pensar, como Os Verdes pensavam, que este era um projecto que trazia mais-valia para uma zona degradada da cidade, era importante que essa mais-valia não fosse um ghetto _ neste caso, um ghetto de sinal contrário _ de privilégio para uma determinada zona, em detrimento de toda a zona limítrofe. Obviamente, o que estava em causa era saber quais seriam os benefícios, capazes de melhorar a qualidade de vida das pessoas que vivem na zona oriental da cidade, que ficavam para além do projecto, já que este era efémero.
O problema do encerramento do apeadeiro de Moscavide foi uma questão colocada ao então titular da pasta e foi, naturalmente, uma questão ignorada. E se, na altura, as palavras caíram em «saco roto», pelo menos a intervenção dos cidadãos teve o mérito de obrigar o governo–o governo que, entretanto, se seguiu –, a dar atenção a esta questão. Foram vários e diversificados os protestos dos cidadãos e esta petição é tão só uma parte das muitas formas de intervenção de que as pessoas fizeram uso para que a sua voz não fosse silenciada.
Por outro lado, penso que, se é óbvio que houve, fruto da pressão dos cidadãos, um apeadeiro construído de uma forma provisória, óbvio é também que a tendência seria a de que o provisório ficasse definitivo, o que, aliás, é regra no nosso país. Esse desleixo e essa desatenção, que, no fundo, estão normalmente presentes nas soluções transitórias que são encontradas, eram patentes neste apeadeiro. Um apeadeiro que, como foi referido, tinha todos os requisitos que habitualmente caracterizam este tipo de equipamento em Portugal, ou seja, um apeadeiro que não pensa nas pessoas, que são, no fundo, a razão de ser da sua existência. Tinha, e tem, barreiras arquitectónicas,
como acontece, aliás, com muitas outras zonas do País, não considerando que temos uma população idosa, não considerando que temos deficientes, não considerando que temos pessoas, pais e mães, que querem transportar os seus filhos em carrinhos de bebé, não o podendo, naturalmente, fazer. Aliás, essa desatenção é própria de um país como o nosso, que não tem em conta a importância do transporte público e da criação de condições para a sua utilização.
O transporte ferroviário continua a ser o «parente pobre», continua a ser, independentemente dos desafios ambientais, o transporte esquecido e os resultados desastrosos dessa desatenção estão, naturalmente, à vista. Não é por acaso, com certeza, que, independentemente de ser uma medida que constava do Programa do Governo na anterior Legislatura, o plano ferroviário nacional continua a não existir. A desatenção é total e não é difícil perceber que vender combustíveis continua a ser uma receita mais interessante para o Estado, razão pela qual os custos sociais, ambientais e de saúde pública consequentes dessa desatenção são, de algum modo, algo que estava presente e que não era alheio à situação que foi criada, primeiro, com a desactivação deste apeadeiro e, depois, com o apeadeiro provisório que corria o risco de passar a ser definitivo.
Queria, portanto, dizer que, para Os Verdes, é positivo que os cidadãos se tenham movimentado. É positiva e cada vez mais indispensável a participação dos cidadãos para que a mudança e para que a pressão sobre o poder político se mantenham, sob pena de as mudanças e de a atenção deixarem de privilegiar o interesse das pessoas, passando a privilegiar o puro interesse imediatista e de poupança, próprio de uma visão paroquial e curta que continua a moldar as decisões políticas.
A intervenção dos cidadãos, neste caso, terá, porventura, valido mais do que as chamadas de atenção daqueles que, no Parlamento, na altura, disseram que era preciso encontrar outras soluções, sendo necessário ver mais longe e não ignorando os cidadãos que tinham de ser beneficiados e não prejudicados por um projecto que a Expo significou, mas que, naturalmente, tinha de ter outras valias, para além do efémero que a própria realização da exposição significou.


O Sr. Presidente (João Amaral): – Srs. Deputados, não havendo mais inscrições relativas a esta petição, proceder-se-á conforme o Regimento e a lei das petições determinam.
Queria agradecer aos Srs. Deputados que cumprimentaram a Mesa e toda a Assembleia.
Srs. Deputados, a próxima reunião plenária realizar-se-á amanhã, às 15 horas. Terá período de antes da ordem do dia e do período da ordem do dia constam a discussão do projecto de resolução n.º1/VIII – Sobre a baixa das tarifas de electricidade (PCP) e a apreciação das petições n. os 132/(3.ª), 133/(4.ª), 150/(4.ª) e 164/VII(4.ª).
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.


Eram 19 horas e 25 minutos.


Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:


Partido Socialista (PS):
Dinis Manuel Prata Costa

Página 200



I SÉRIE–NÚMERO 6






Partido Social Democrata (PSD):
António Paulo Martins Pereira Coelho
Arménio dos Santos
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares
Eugénio Fernando Sá Cerqueira Marinho
Maria Eduarda de Almeida Azevedo


Partido do Centro Democrático Social – Partido Popular (CDS-PP):
José Augusto Meleiro Rodrigues


Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:


Partido Socialista (PS):
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Luís Pedro de Carvalho Martins
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António dos Santos


Partido Social Democrata (PSD):
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Artur Ryder Torres Pereira
Domingos Duarte Lima
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Monteiro Chaves
João Bosco Soares Mota Amaral
Luís Manuel Machado Rodrigues
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Pedro Manuel Cruz Roseta


Partido Comunista Português (PCP):
José Honório Faria Gonçalves Novo


Partido do Centro Democrático Social – Partido Popular (CDS-PP):
Narana Sinai Coissoró


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Página 0195:
11 DE NOVEMBRO DE 1999

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