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Sexta-feira, 13 de Outubro de 2000 I Série - Número 10

DIÁRIO da Assembleia da República

VIII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2000-2001)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 12 DE OUTUBRO DE 2000

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex. mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
José de Almeida Cesário
António João Rodeia Machado
António José Carlos Pinho

S U M Á R I O

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia.- Deu-se conta da entrada na Mesa de requerimento e da respostas a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado Carlos Marta (PSD) saudou a comitiva portuguesa presente nos Jogos Olímpicos de Sidney, tendo criticado a política do Governo para a área do desporto, que conduziu a que os resultados alcançados pela selecção olímpica tenham ficado aquém das expectativas. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Laurentino Dias - que exerceu também o direito de defesa da honra - e Manuel Alegre (PS), António Capucho (PSD) - que deu ainda explicações a propósito do exercício do direito de defesa da honra do Governo pelo Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães) - e Bernardino Soares (PCP).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Luís Fazenda (BE) a propósito da divulgação do relatório anual do Observatório Europeu da Droga e Toxicodepência, chamou a atenção para a necessidade de confirmação pela Câmara, em segunda leitura, da lei que descriminaliza a posse e o consumo de estupefacientes, pelas consequências que esta pode ter ao nível da recuperação e dissuasão dos crimes que lhe estão associados. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados João Rui de Almeida (PS) e António Capucho (PSD).
Ainda em declaração política, a Sr.ª Deputada Natália Filipe (PCP) criticou a política de saúde do Governo, que empreende um ataque ao Serviço Nacional de Saúde e constitui uma contra-reforma do sector, após o que respondeu aos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Pedro Mota Soares (CDS-PP), João Sobral (PS) e Ana Manso (PSD).
O Sr. Deputado Rodeia Machado (PCP) deu conta da situação que se vive nas delegações distritais da Inspecção-Geral da Actividades Económicas, nomeadamente na do distrito de Beja.
Foi aprovado o voto n.º 92/VIII - De pesar pela morte do ex-Deputado José Gama (PS, PSD, PCP, CDS-PP, Os Verdes e BE). Usaram da palavra, além do Sr. Presidente e do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães), os Srs. Deputados Manuel Alegre (PS), Machado Rodrigues (PSD), Miguel Anacoreta Correia (CDS-PP), Heloísa Apolónia (Os Verdes), António Filipe (PCP) e Luís Fazenda (BE), tendo, no final, sido guardado um minuto de silêncio.
O voto n.º 95/VIII - Sobre a situação que se vive no Médio Oriente (PS, PSD, PCP, Os Verdes e BE) foi igualmente aprovado, tendo-se pronunciado os Srs. Deputados António Reis (PS), Pedro Roseta (PSD), João Rebelo (CDS-PP), Lino de Carvalho (PCP), Helena Neves (BE) e Heloísa Apolónia (Os Verdes).

Ordem do dia - Em celebração do 1.º aniversário do falecimento de Amália Rodrigues, foram discutidos, conjunta

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mente, o projecto de lei n.º 307/VIII - Define e regula as honras do Panteão Nacional (PS, PSD, PCP, CDS-PP, Os Verdes e BE), que foi aprovado na generalidade, na especialidade e em votação final global, e o projecto de resolução n.º 79/VIII - Concessão de honras do Panteão a Amália da Piedade Rodrigues (PS, PSD, PCP, CDS-PP, Os Verdes e BE), que foi também aprovado. Produziram intervenções, além do Sr. Presidente e do Sr. Ministro da Presidência (Guilherme d'Oliveira Martins), os Srs. Deputados Manuel Alegre (PS), Ferreira do Amaral (PSD), Telmo Correia (CDS-PP), Luísa Mesquita (PCP), Luís Fazenda (BE) e Heloísa Apolónia (Os Verdes). No final, a Câmara aclamou, de pé, a aprovação daqueles diplomas.
Procedeu-se à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 41/VIII - Autoriza o Governo a alterar o Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, alterado pelos Decretos-Lei n.os 387-E/87, de 29 de Dezembro, 212/89, de 30 de Junho, e 317/95, de 28 de Novembro, e pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, que baixou à 1.ª Comissão sem votação, a requerimento do PS. Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro da Justiça (António Costa), os Srs. Deputados Guilherme Silva (PSD), Jorge Lacão (PS), Odete Santos (PCP), Narana Coissoró (CDS-PP) e Luís Fazenda (BE).
Entretanto, a Câmara aprovou o projecto de deliberação n.º 13/VIII - Prorrogação do período de funcionamento da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar à Gestão da TAP desde o Plano Estratégico de Saneamento Económico e Financeiro (PESEF), bem como à organização do seu processo de privatização (Presidente da AR).
Foi ainda discutido, na generalidade, o projecto de lei n.º 156/VIII - Processo especial de constituição das associações juvenis (PCP). Intervieram, a diverso título, para além do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães), os Srs. Deputados Margarida Botelho (PCP), João Sequeira (PS), Bruno Vitorino (PSD), Carla Gaspar e Dinis Costa (PS), Bernardino Soares (PCP), Pedro Mota Soares (CDS-PP) e Heloísa Apolónia (Os Verdes).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 15 minutos

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
António Alves Marques Júnior
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António Fernando Marques Ribeiro Reis
António Fernando Menezes Rodrigues
António José Gavino Paixão
António Manuel Dias Baptista
António Manuel do Carmo Saleiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Bruno Renato Sutil Moreira de Almeida
Carla Maria Nunes Tavares Gaspar
Carlos Alberto
Carlos Alberto Dias dos Santos
Carlos José Gonçalves Vieira de Matos
Carlos Manuel Luís
Casimiro Francisco Ramos
Dinis Manuel Prata Costa
Emanuel Silva Martins
Fernando Pereira Serrasqueiro
Filipe Mesquita Vital
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Francisco José Pinto Camilo
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco D'Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge Tinoco de Faria
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
João Alberto Martins Sobral
João Cardona Gomes Cravinho
João Francisco Gomes Benavente
João Pedro da Silva Correia
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
João Rui Gaspar de Almeida
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão
José Alberto Leal Fateixa Palmeiro
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Aurélio da Silva Barros Moura
José Carlos da Cruz Lavrador
José Carlos Lourenço Tavares Pereira
José da Conceição Saraiva
José de Matos Leitão
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Ernesto Figueira dos Reis
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Rosa do Egipto
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Rodrigues Pereira dos Penedos
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Miguel Gomes Miranda Teixeira
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António dos Santos
Manuel Francisco dos Santos Valente
Manuel Maria Diogo
Margarida Maria Santos Soares da Rocha Gariso
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira
Maria do Céu da Cruz Vidal Lourenço
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino
Maria José Vidal do Rosário Campos
Maria Luísa Silva Vasconcelos
Maria Teresa de Oliveira Ferreira Coimbra
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco
Paulo Alexandre Homem de Oliveira Fonseca
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Rui Manuel Leal Marqueiro
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Victor Brito de Moura
Vítor Manuel Alves Peixoto
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Álvaro dos Santos Amaro
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Martins Narciso
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António de Carvalho Martins
António D'Orey Capucho
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Manuel da Cruz Silva
António Manuel Santana Abelha
António Paulo Martins Pereira Coelho
Armando Manuel Dinis Vieira
Arménio dos Santos
Artur Ryder Torres Pereira
Carlos José das Neves Martins
Carlos Manuel de Sousa Encarnação
Carlos Manuel Marta Gonçalves
Domingos Duarte Lima
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares
Eugénio Fernando Sá Cerqueira Marinho

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Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Jorge Loureiro de Reboredo Seara
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Santos Pereira
Francisco Augusto Caimoto Amaral
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Monteiro Chaves
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José da Silva Maçãs
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Martins Ferreira do Amaral
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José António de Sousa e Silva
José David Gomes Justino
José de Almeida Cesário
José Eduardo Rêgo Mendes Martins
José Frederico de Lemos Salter Cid
José Luís Campos Vieira de Castro
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel de Matos Correia
José Manuel Macedo Abrantes
Lucília Maria Samoreno Ferra
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Pedro Machado Sampaio de Sousa Pimentel
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Castro de Almeida
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim Barata Frexes
Manuel Maria Moreira
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria do Céu Baptista Ramos
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Nuno Miguel Marta de Oliveira da Silva Freitas
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa
Pedro Manuel Cruz Roseta
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Comunista Português (PCP):
Ana Margarida Lopes Botelho
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Cândido Capela Dias
Joaquim Manuel da Fonseca Matias
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Natália Gomes Filipe
Octávio Augusto Teixeira
Vicente José Rosado Merendas

Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello Branco
António Herculano Gonçalves
António José Carlos Pinho
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da França
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
José Martins Pires da Silva
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Luís Pedro Mota Soares
Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona
Narana Sinai Coissoró
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia

Bloco de Esquerda (BE):
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Maria Helena Augusto das Neves Gorjão.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai ler o expediente.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, foram apresentados na Mesa vários requerimentos. No dia 26 de Setembro e na reunião plenária de 27 de Setembro: ao Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulado pelo Sr. Deputado Luís Fazenda; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Miguel Ginestal; ao Ministério do Equipamento Social, formulados pelos Srs. Deputados Castro de Almeida, Maria Ofélia Moleiro e Cândido Dias; ao Conselho de Administração da CP e ao Ministério do Equipamento Social, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Moreira; ao Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, formulado pelo Sr. Deputado Altino Bessa; ao Ministério da Saúde e à Secretaria de Estado dos Transportes, formulados pelo Sr. Deputado Bernardino Soares; a diversos ministérios, formulados pela Sr.a Deputada Natália Filipe.
Na reunião plenária de 28 de Setembro: ao Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas, formulado pelo Sr. Deputado João Rui de Almeida; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Carvalho Martins; ao Governo e ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pelo Sr. Deputado José Cesário; ao Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, formulados pelos Srs. Deputados José Eduardo Martins e Isabel Castro; a diversos ministérios, formulado pela Sr.a Deputada Lucília Ferra; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Oliveira; ao Ministério do Trabalho e da Solidariedade e ao IDICT, formulados pelos Srs. Deputados Vicente Merendas e Luís Fazenda.

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Na reunião plenária de 29 de Setembro: ao Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Alberto; à Secretaria de Estado da Administração Marítima e Portuária, formulado pela Sr.a Deputada Jovita Ladeira; ao Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, formulados pelo Sr. Deputado Honório Novo; ao Ministério do Trabalho e da Solidariedade, formulado pelo Sr. Deputado Vicente Merendas; ao Ministério do Equipamento Social, formulado pelo Sr. Deputado João Rebelo.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: no dia 29 de Setembro, José Cesário, na sessão de l8 de Maio; José António Silva, na sessão de 31 de Maio; Francisco Louçã, no dia 20 de Junho; Luís Cirilo, Ricardo Fonseca de Almeida e Rodeia Machado, na sessão de 6 de Julho; Mota Amaral, na Comissão Permanente de l3 de Julho; Ana Manso, na sessão de 26 de Julho; Fátima Amaral, no dia 31 de Julho. No dia 2 de Outubro, Honório Novo, na sessão de 26 de Julho; Henrique Rocha de Freitas, no dia 13 de Setembro.
Em matéria de expediente, Sr. Presidente, é tudo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, no período de antes da ordem do dia temos três inscrições para declarações políticas, uma inscrição para tratamento de assuntos de interesse político relevante e oito votos para serem discutidos e votados.
Srs. Deputados, temos de nos pôr de acordo sobre estes votos, na medida em que só três são emparceláveis e se formos dar 5 minutos a cada um nem dois períodos de antes de ordem do dia chegariam só para os votos!
Sugiro, e peço o vosso acordo, que o voto de pesar pela morte do ex-Deputado José Gama tenha o tratamento normal e que todos os outros possam ser votados sem discussão - emparcelando, naturalmente, aqueles que são emparceláveis -, sob pena de não termos a menor possibilidade de os votarmos todos no dia de hoje.
Srs. Deputados, estão de acordo?

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, a bancada do PSD não está de acordo, porque há aqui determinado tipo de votos em que a nossa posição carece, de facto, de uma explicitação.
Nesse sentido e de acordo com o Regimento, apelo ao Sr. Presidente que seja descontado o tempo gasto pelas bancadas na discussão dos votos ao tempo disponível para o período de antes da ordem do dia. É o que o Regimento diz, pelo que cada grupo parlamentar terá de o cumprir doseando as suas intervenções de acordo com os tempos que tem e com a gestão que faz desses tempos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, estou inteiramente de acordo. No entanto, se seguirmos essa regra e se não prescindirmos do debate de todos os votos - admito que se possam criar outras excepções -, a soma dos tempos ultrapassa a hora e meia estipulada para o período de antes da ordem do dia.
Considerando que há três declarações políticas, com a duração total de 30 minutos, a hora que resta não é suficiente para todos esses votos e para o tratamento de assuntos de interesse político relevante.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, como percebemos isso e concordamos com a excepção que faz relativamente ao voto de pesar pela morte do ex-Deputado José Gama, a boa vontade da bancada do PSD vai ao ponto de, quanto aos outros votos, reduzir o seu tempo de intervenção a 1 minuto, comprometendo-se a não gastar mais do que 1 minuto em cada voto.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, peço-lhes, então, que só usem da palavra relativamente aos outros votos quando não poderem deixar de o fazer e que, quando o fizerem, reduzam ao mais possível o tempo de intervenção.
Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, se me permite, sugiro que, como há vários votos sobre a mesma matéria, o pronunciamento de qualquer bancada sobre um voto incidisse sobre todos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, penso que, em princípio, a aglutinação dos votos sobre a mesma matéria já está adquirida.
De qualquer modo, peço que se limitem a só usar da palavra quando não poderem deixar de o fazer e que, quando o fizerem, economizem o tempo que for possível.
Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Carlos Marta, para proferir a sua declaração política.

O Sr. Carlos Marta (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Faz hoje precisamente um ano que a UEFA decidiu atribuir a Portugal a organização da fase final do Campeonato Europeu de Futebol 2004.
É um projecto nacional em relação ao qual o PSD, desde o primeiro momento, deu o seu pleno acordo.
Neste momento, ao recordar essa histórica decisão, queremos endereçar as mais vivas felicitações a todos aqueles, qualquer que seja a cor partidária, que se envolveram numa candidatura que ajudará a projectar o nome de Portugal.
Mas o desporto, em Portugal, não pode ser pensado exclusivamente em termos do Euro 2004 e da modalidade do futebol.
Terminaram, há poucos dias, os Jogos Olímpicos de Sidney e, por isso, queremos saudar os atletas, os treinadores, os dirigentes e as respectivas federações que participaram naquela grande organização desportiva, saudando, em particular, a Fernanda Ribeiro, o Nuno Delgado e a garra portuguesa da Manuela Machado e transmitindo-lhes, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, uma palavra de estimulo, apoio e solidariedade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Conhecemos o esforço e trabalho realizados antes e durante os jogos. Conhecemos também os sacrifícios, as horas de treino, as competições duras, a tentativa permanente para melhorar os resultados, o sofrimento e os anos de trabalho intenso para atingir o objectivo: estar em Sidney e representar Portugal. Sabemos que tudo fizeram para honrar o nome de Portugal.

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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não podemos deixar passar este momento sem transmitir que os resultados alcançados pela selecção olímpica em Sidney ficaram muito aquém das expectativas. Podemos dizer que foram uma desilusão para a esmagadora maioria dos atletas e para todos os portugueses.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É por isso que temos o direito e o dever de aqui perguntar: de quem foi a responsabilidade? Quem falhou? Os treinadores? Os atletas? Os dirigentes? As federações?
Há cinco anos, então na oposição, o Eng.º Guterres afirmava que tudo seria diferente para o desporto português se ele viesse a ser Primeiro-Ministro.
Os portugueses e as portuguesas fizeram-lhe a vontade e, passados que são cinco anos de governação socialista, o desporto em Portugal está sem rumo, sem orientação e sem planeamento.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PS.

O Orador: - O PS não pode esconder esta realidade.
Por isso, é possível, agora, fazer um primeiro balanço do ciclo «cor-de-rosa» do desporto nacional.
Em 1996, depois dos Jogos Olímpicos de Atlanta, o então Secretário de Estado Miranda Calha considerava a nossa presença naqueles jogos como globalmente positiva, não tanto pelo número de medalhas mas, sobretudo, pelo conjunto de resultados obtidos. Tivemos a oportunidade, nesta Casa, de lhe dizer que estávamos de acordo, mas que os resultados então obtidos, como era bom de ver, nada tinham a ver com a governação socialista.
Era, também, o reconhecimento tardio, por parte deste então membro do governo, da justeza das políticas seguidas pelo PSD no apoio ao movimento associativo desportivo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Significava isto, tão-só, que estávamos no bom caminho.
Logo nesse momento, o então Ministro do Desporto, Jorge Coelho, anunciava que a partir daí o esforço de apoio a atletas e às respectivas federações iria ser aumentado, iniciando-se, desde logo, uma aposta séria na preparação dos jogos de Sidney.
Como podemos agora verificar, os resultados obtidos e as declarações dos diferentes responsáveis demonstram que não ouve aposta nenhuma. O PS e o Eng.º Guterres esqueceram-se do desporto!
Em cinco anos de governo socialista, tivemos quatro Ministros do Desporto e dois Secretários de Estado. É muita gente para tão pouco trabalho.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador:- É por isso estranho que, depois da ressaca dos resultados dos jogos de Sidney, o novo Ministro do Desporto venha repetir as mesmas promessas dos anteriores e, para desviar as atenções de todos os portugueses, tenha dito que «nas próximas duas ou três semanas será apresentado um novo plano de desenvolvimento, com o objectivo de, no horizonte de oito anos,» ganhar «mais cedo jovens para a prática desportiva e elevar o nível competitivo do País em competições olímpicas».
O ciclo «cor-de-rosa» está à vista e, se havia dúvida sobre os culpados do insucesso nos recentes jogos olímpicos, o novo Ministro veio confirmar as nossas suspeitas. O plano de desenvolvimento para oito anos agora anunciado é a confissão clara e inequívoca de que muito pouco ou quase nada foi feito nos últimos cinco anos, e, se nos esquecermos das palavras de circunstância e dos discursos oficiais, não é difícil reconhecer que nos últimos anos não houve qualquer projecto coerente e global para o desporto nacional.
Foram, pois, incapazes de projectar e desenvolver o desporto nacional, Ministro atrás de ministro, todos socialistas mas todos incapazes de dar um novo sentido, um novo rumo ao desporto em Portugal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Também o Presidente do Comité Olímpico de Portugal e, ao mesmo tempo, Presidente do Conselho Superior do Desporto - nomeado pelo poder socialista - dizia, depois dos resultados de Sidney: «já disse ao Sr. Ministro que é importante que os apoios sejam adequados e surjam a tempo e horas.» O que isto quer dizer? Que «há modalidades e federações que esperam tempo sem fim pelos dinheiros que lhes são atribuídos e que, devido aos atrasos, impedem uma planificação adequada das suas tarefas.» E dizia ainda que «não cabe na cabeça de ninguém que o atleta tenha apoio médico e, de um momento para o outro, o deixe de ter. É preciso ter em acção um centro de alto rendimento que funcione 24 horas por dia e com condições.»
Igualmente, Fernando Mota, Presidente da Federação Portuguesa de Atletismo dizia: «exigimos condições melhores de organização, exigimos centros de alto rendimento, exigimos condições de estabilidade social aos atletas. Se o País quer outra representação, então, que proceda a intervenções de fundo que, aparentemente, não condizem com os orçamentos de desporto.»
Mas muitas outras declarações de outros responsáveis e de outros dirigentes aqui podíamos transcrever e em todas elas, como em cada um dos portugueses, há a convicção forte de que não há em Portugal uma política desportiva.
Sempre nos recusámos a avaliar o desenvolvimento desportivo em função das medalhas conquistadas nesta ou naquela competição. É um erro que não cometemos. O PS, então na oposição, não resistiu à tentação demagógica de aproveitar, por vezes, resultados menos conseguidos nas competições internacionais para criticar os governos do PSD.
Não responsabilizamos o Governo do PS pelas medalhas que não foram conquistadas, responsabilizamos o Governo do PS por não ter uma política para o desporto.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PS.

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O Orador: - Em cinco anos, não há um facto novo, uma ideia, um projecto, uma iniciativa que transmita uma aposta séria no desporto.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Responsabilizamos, por isso, o Governo, não pela falta de medalhas mas, sim, pelos resultados obtidos, que indicam que não há iniciativas políticas concretas capazes de, por um lado, possibilitar uma maior participação das populações, em particular dos jovens, na prática desportiva e, por outro, na criação de condições objectivas para que os mais capazes, individual ou colectivamente, possam atingir níveis técnicos que possibilitem a participação qualitativa nas grandes competições internacionais.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Sabemos do esforço desenvolvido pelas diferentes federações desportivas para darem condições técnicas e materiais a atletas e treinadores, de forma a que estes consigam marcas e resultados de grande nível, mas não pode haver bons resultados quando as federações e os atletas esperam meses pelos apoios concedidos; quando há atrasos significativos no financiamento das actividades regulares e dívidas crescentes ao Instituto Nacional do Desporto; quando a administração pública desportiva se encontra completamente paralisada. Criadas três direcções-gerais pelo anterior governo socialista, supostamente para responder com mais eficácia ao movimento associativo desportivo, são agora os responsáveis a admitir o seu fracasso, porque, sobretudo, não têm meios, recursos, novas ideias ou projectos mobilizadores.
Não pode, ainda, haver bons resultados quando não há uma linha condutora capaz de definir concretamente quais as áreas a desenvolver e a privilegiar (cada novo Ministro ou Secretário de Estado tem a sua própria política e é como se fossem de governos ou partidos diferentes); quando o ex-Ministro Fernando Gomes anunciou, para o ano 2000, um aumento de 33% das verbas destinadas ao desporto e todos sabemos e já constatámos que isso é mentira; quando as verbas afectas ao desporto têm vindo, em termos reais, a diminuir ano após ano, desde que os socialistas chegaram ao poder; quando, apesar das promessas e perante estes resultados, surge uma nova promessa que se traduz num novo planeamento para os jogos de Atenas em 2004 sem que se tivesse ouvido o movimento desportivo e federativo; quando o Centro de Alto Rendimento em Lisboa não tem meios nem recursos para funcionar e o do Porto, há muito prometido, está no cesto dos papéis; quando as federações têm graves problemas financeiros, sendo muitas vezes os seus dirigentes a avalizarem empréstimos bancários; quando a principal preocupação deste Governo é criar a ilusão aos portugueses de que o Euro 2004 resolverá todos os problemas estruturais do desporto nacional; quando o Governo do Eng.º Guterres não percebe e não sabe que, pela sua importância e dimensão, o Euro 2004 deverá ser uma grande oportunidade não só para o futebol mas para todo o sistema desportivo português, através da rentabilização dos investimentos públicos que vão ser realizados e da enorme atracção que o evento irá concitar. E aqui não se trata de desenvolver iniciativas pontuais que, apesar de grande impacto têm efeito mais ou menos passageiro, mas de organizar um conjunto de acções capazes de transmitir aos portugueses, e, particularmente aos jovens, uma cultura desportiva que melhore os seus hábitos de consumo do espectáculo desportivo e, se possível, também, os seus hábitos de prática desportiva; quando sabemos do atraso da mensagem política de apoio e estimulo aos atletas e restante comitiva que participaram nos jogos de Sidney;…

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - … quando, infelizmente, é grave que não haja ainda planeamento, apesar de sucessivamente prometido, para a preparação da geração desportiva que vai estar nos Jogos Olímpicos de Atenas em 2004; quando os projectos de apoio a grandes eventos das federações para a alta competição, assim como o apoio à construção da sede do Comité Olímpico, estão atrasados; quando a Fundação do Desporto se limita a organizar uma gala no final do ano para entrega de prémios; quando a canalização de fundos privados para o desporto são uma miragem e a lei do mecenato não serve para nada.
Também não pode haver bons resultados quando as estruturas regionais e distritais do Instituto Nacional do Desporto não têm meios, atribuições ou capacidade técnica para desenvolver qualquer tarefa e servem, apenas e em exclusivo, para colocar mais uns socialistas e dar uns subsídios em tempo de eleições;…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

Protestos do PS.

O Orador: - … quando prometeram a redução do número de clubes das competições profissionais de futebol mas, depois, face às pressões e protestos, obrigaram…

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado. Já terminou, aliás, há um bocado, mas eu estava distraído.
Peço-lhe que conclua.

O Orador: - Vou terminar já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem de terminar já mesmo, porque já o devia ter feito.

O Orador: - Infelizmente, os sucessivos Governos do PS separaram o que é inseparável e os resultados estão à vista.
É por tudo isto que dizemos, suportados pelos factos, que o País precisa de outra gente, de novas propostas, de novas ideias. O Partido Socialista está esgotado.

O Sr. Presidente: - Tem de terminar, Sr. Deputado. Não pode continuar, senão tenho de lhe retirar a palavra.

O Orador: - É melhor dar lugar a outros, enquanto é tempo!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se quatro Srs. Deputados para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Carlos Marta.
Por este ritmo, não teremos tempo para discutir nem sequer um voto, quanto mais os doze que estão agenda

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dos e não os oito que mencionei há pouco. Eles vão pululando! Há última hora, surgiram mais quatro!
Tem a palavra o Sr. Deputado Laurentino Dias, para formular o seu pedido de esclarecimento.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Marta, depois de terminados os jogos olímpicos, o «país desportivo», e não só, tem procurado fazer um balanço ou uma análise da participação portuguesa naqueles jogos. Faltava, de facto, o seu contributo e do PSD para que esse assunto ficasse arrumado.
A vossa posição é a de que a participação portuguesa foi uma desilusão e têm um culpado. Foi um desilusão porque os resultados foram maus e têm um culpado que é o Governo. Assunto arrumado! O País pode, a partir deste momento, ficar descansado. O sistema desportivo, as federações, os atletas, os técnicos podem ficar descansados que já têm o seu problema resolvido por si, de uma penada!

O Sr. António Capucho (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Sr. Deputado Carlos Marta, a participação de Portugal nos jogos olímpicos é coisa séria.
Devo dizer-lhe, aliás, que, em minha opinião, as participações portuguesas nos jogos olímpicos, neste como em anteriores, têm muito pouco a ver com as governações do País, com esta ou com as anteriores, com este ou com outro qualquer governo. Têm a ver, sobretudo, com a capacidade de esforço, de sacrifício, de empenhamento e de dedicação às diversas modalidades dos atletas e dos dirigentes que têm programado, trabalhado e participado nas competições e nas preparações dos jogos olímpicos.
Aquilo que tem a ver com os governos, Sr. Deputado Carlos Marta, gostava de o ter ouvido antes da partida dos portugueses para Sidney. No entanto, o que ouvi antes da partida dos portugueses para Sidney foi que, finalmente, tinha havido um programa de apoio e de incentivação da participação portuguesa, de forma a criar condições para que a participação de Portugal fosse digna. Foi isso que ouvi, à partida, e não o ouvi criticar por V. Ex.ª e pelo PSD. Porém, é isso que, infelizmente, ouço quando faz, apenas no final, a análise dos resultados e lhes chama desilusão.
Estes resultados não tiveram foi ouro, ouro que ofusca os olhos e que afasta aquilo que, de facto, é verdade, que é de hoje e é de há muito atrás, ou seja, as debilidades estruturais claras do desporto português, as debilidades claras na estrutura do sistema desportivo português, na definição, ou não, de uma política forte e incentivadora da promoção e do desenvolvimento do desporto português em geral e do desporto de alto rendimento.

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado.

O Orador: - Esta é que é a questão, Sr. Deputado Carlos Marta, e é sobre ela que gostava de o ouvir falar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Carlos Marta.

O Sr. Carlos Marta (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Laurentino Dias, muito obrigado pela questão que colocou.
O Sr. Deputado fez o diagnóstico da situação, que, de facto, é grave em termos do desporto nacional, pois todos sabemos que, hoje, não há uma política desportiva em Portugal.
Quero dizer-lhe que estamos plenamente de acordo: os resultados foram maus, como, aliás, foi reconhecido por todos os quadrantes políticos, por todos os dirigentes desportivos, por todas as federações, por entidades responsáveis, como, por exemplo, o Presidente da Federação de Atletismo e o Presidente do Comité Olímpico Português, que, simultaneamente, é o Presidente do Conselho Superior do Desporto e foi nomeado pelos socialistas. Portanto, os resultados foram maus e o culpado é o Governo. Estou de acordo consigo!

Protestos do PS.

É que, apesar das promessas feitas pelo Engenheiro Guterres, em 1995, não foi desenvolvido qualquer projecto nacional e coerente para o desporto português. Praticamente nada foi feito!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, se ainda havia dúvidas sobre esta matéria, o novo ministro da tutela, logo após ter visto os resultados de Sydney, deu-nos a resposta, dizendo que «vamos agora preparar um novo plano de desenvolvimento para os próximos oito anos», o que equivale a uma confissão clara, objectiva, de que o Governo nada fez nos últimos cinco anos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que é necessária e urgente uma reflexão sobre o desporto em Portugal, mas parece-me ridículo responsabilizar este Governo pelos resultados obtidos pelos atletas portugueses nos Jogos Olímpicos de Sydney. Considero isso tão ridículo como seria se, agora, eu acusasse o governo de Cavaco Silva pelo facto de Portugal ter sido um dos três países europeus que não obteve qualquer medalha nos Jogos Olímpicos de Barcelona.
O problema não é esse, o problema é que não há, nem nunca houve, uma política desportiva em Portugal. Houve excepções, mas os resultados das prestações portuguesas em jogos olímpicos foram quase sempre maus. Repito que houve excepções à regra, houve atletas excepcionais, nascidos, aliás, da luta contra a pobreza e as dificuldades, como Carlos Lopes, Rosa Mota e Fernanda Ribeiro,...

Aplausos do PS.

... mas são excepções!
Num país periférico como o nosso, com atrasos ancestrais como os nossos, o Estado não pode demitir-se das suas responsabilidades. E qual é a responsabilidade do Estado? É a de fomentar a prática do desporto como parte

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integrante de uma política de educação, fomentar o desporto nas escolas, nas universidades, nas empresas, criando infra-estruturas e formando formadores, criando condições para que a juventude possa praticar desporto.
Há que encarar o desporto não apenas como algo folclórico, não apenas como luxo, não apenas numa perspectiva puramente eleitoralista mas, sim, como parte integrante da formação humana, como parte integrante de uma política de formação. Penso que é urgente fazer essa reflexão em Portugal.
No entanto, considero mesquinho, próprio de quem tem vistas curtas, transformarmos este problema numa trica político-partidária. É que todos os governos têm culpa por esta situação, cabendo ao Estado a culpa principal que é devida à ausência de uma política desportiva em Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Marta.

O Sr. Carlos Marta (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Alegre, apenas gostaria de dizer-lhe que a memória é curta!
Penso que o Sr. Deputado estava nesta Casa em 1992, em 1993, em 1994 e em 1995, e, naturalmente, terá assistido às intervenções dos Deputados do Partido Socialista sobre a política então vigente no País em termos desportivos. Assim, sempre que havia grandes competições internacionais - e tive oportunidade de dizer isto na minha intervenção -, certamente ouvia o PS a criticar sempre os governos do PSD e as respectivas políticas em função das medalhas conquistadas ou não numa qualquer competição.

Aplausos do PSD.

Mas nós não viemos aqui criticar nem responsabilizar o Governo por causa da obtenção ou não de medalhas, responsabilizamo-lo por falta de políticas. Ora, o diagnóstico que o Sr. Deputado acaba de fazer dá-nos razão: acabou o desporto na escola; o PS matou o desporto na escola. Não há desporto na escola e sem ele não pode haver desenvolvimento do desporto em Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho para pedir esclarecimentos.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Marta, depois de V. Ex.ª ter iniciado a sua intervenção, fui confrontado com notícias publicadas esta manhã em órgãos de comunicação social desportiva, contendo um relato de coisas verdadeiramente espantosas - a serem verdadeiras! - que ocorreram na Comissão Eventual para a Análise e a Fiscalização dos Recursos Públicos Envolvidos na Organização do Euro 2004, a que V. Ex.ª preside.
Segundo tais notícias, o Presidente do Sport Lisboa e Benfica, para justificar o agravamento dos custos inerentes ao Estádio da Luz, na ordem dos 4 para 15 milhões de contos - cito de cor -, terá invocado, entre outras razões, o facto de ter sido pressionado pelo Governo no sentido de «orçamentar por baixo».
Gostaria muito que o Sr. Secretário de Estado José Magalhães me desse atenção porque, a ser verdade, isto é realmente espantoso e condenável…

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães): - Estou a ouvi-lo!

O Orador: - Como V. Ex.ª, Sr. Deputado Carlos Marta, presidiu à reunião daquela Comissão, gostaria de saber se confirma que tal acusação do Sr. Dr. Vale e Azevedo foi proferida em sede da mesma e se o Presidente do Sport Lisboa e Benfica explicou quem foi o membro do Governo que o pressionou no sentido de «orçamentar por baixo», porquê e com que fins.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Marta.

O Sr. Carlos Marta (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Capucho, de facto, sou Presidente da comissão de acompanhamento do Euro 2004 e confirmo que o que referiu é correcto, corresponde à verdade e que essas afirmações que citou foram proferidas pelo Presidente do Sport Lisboa e Benfica,…

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Que é uma pessoa credível, como sabemos…

O Orador: - … na reunião de ontem, na Comissão.

Vozes do PSD: - É grave!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares para pedir esclarecimentos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Marta, é bem verdade - e nisso estamos de acordo - que esta questão não pode ser discutida em função e por causa do número de medalhas que os nossos atletas conseguem obter nesta ou naquela edição dos jogos olímpicos.
Por outro lado, também é verdade que não podemos admitir que a questão da política desportiva seja equacionada da forma como já o foi, hoje, nesta Assembleia.
É verdade que o fundamental da política desportiva é investir no desporto escolar, em infra-estruturas desportivas, no apoio às federações, às associações e aos clubes desportivos que prestam um serviço público ao permitirem, por si próprios, mais de 80% da actividade desportiva que existe no nosso país. No entanto, o facto de não haver apoios para as federações e o desporto associativo, de não serem dados apoios ao desporto escolar, de não existirem as infra-estruturas necessárias é da responsabilidade dos sucessivos governos que praticaram uma política desportiva assente na «futebolização» do desporto, privilegiando o futebol profissional, que é o que dá audiência, primeira página e abertura de serviços noticiosos nas televisões.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - É por isso que esta culpa, em particular, não pode «morrer solteira», é por isso que há culpas de

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vidamente repartidas pelos diversos governos que temos tido nos últimos anos, por não termos, hoje, uma política desportiva que se baseie na generalização da prática desportiva através da qual possam descobrir-se talentos, campeões, que desempenham um papel muito importante no sistema desportivo.
Para terminar, referir-me-ei à questão do que aconteceu na comissão de acompanhamento do Euro 2004.
Na reunião de ontem da Comissão não foi referida apenas a questão que o Sr. Deputado António Capucho acabou de suscitar. É que também temos vindo a saber, ao longo de diversas reuniões, que o Governo vai garantindo a diversas entidades, designadamente clubes desportivos, que vai haver linhas de crédito próprias, que, de uma forma ou de outra, vai haver um ressarcimento de algumas discriminações que eventualmente tenham sido feitas. Vamos, pois, descobrindo, por esta ou aquela informação, que, porventura, alguns apoios a algumas autarquias poderão estar para além do que estava previsto inicialmente.
Assim, neste momento, impõe-se o esclarecimento completo de qual vai ser, e em que montante, a aplicação de dinheiros públicos neste projecto, que é importante mas não pode absorver todos os recursos do País em matéria desportiva.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Esta é a questão para a qual temos de desafiar também o PSD, para, depois, quando chegarmos à hora da verdade e tivermos de analisar quais os recursos envolvidos neste projecto e quais os que não vão estar afectos ao fomento da prática desportiva. Esperemos que, nessa altura, o PSD manifeste a mesma preocupação que, hoje, aqui apresentou.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Marta.

O Sr. Carlos Marta (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, muito obrigado pela questão que colocou.
Toda a gente sabe - e, aliás, tive oportunidade de o dizer na minha intervenção - que, hoje, as federações e os clubes não recebem regularmente apoios para as suas actividades e daí as crescentes dificuldades com que se debatem para desenvolver a sua actividade.
Porém, mais grave ainda é ter sido criada, pelo anterior governo, uma comissão - mais uma! - para preparar e organizar as necessidades do País em infra-estruturas para os próximos anos e ainda ninguém conhecer o resultado desse trabalho. Mais grave ainda é todos sabermos que existe um programa específico de apoios comunitários para o desporto mas ninguém saber quem pode candidatar-se ao mesmo, quais são os critérios e quais os apoios de que podem beneficiar as diferentes entidades. Portanto, é natural que, hoje, exista uma grande desorientação no desporto português.
No entanto, mais importante do que tudo isto é, de facto, a necessidade de haver uma prática desportiva alargada, a qual só pode existir se se iniciar na escola. É na escola que tudo começa, é na escola que se criam hábitos desportivos, hábitos associativos. Ora, infelizmente, o Governo do Partido Socialista matou o desporto na escola e sem que haja políticas sérias e responsáveis a este nível e, digo mais, de grande colaboração entre o movimento associativo desportivo e o movimento escolar, não é possível o desenvolvimento do desporto em Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Laurentino Dias, pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Para um protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não há lugar a protesto face a pedidos de esclarecimentos ou às respectivas respostas. É uma regra expressa do Regimento.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr. Presidente, protesto relativamente à afirmação…

O Sr. Presidente: - Desculpe, Sr. Deputado, mas não pode. Não há direito de protesto em relação a declarações proferidas no âmbito de pedidos de esclarecimento ou de respostas aos mesmos.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr. Presidente, então, peço a palavra para defesa da honra.

O Sr. Presidente: - Como o Sr. Deputado não faz parte da direcção da sua bancada, certamente pede a palavra para defesa da honra pessoal. Dar-lhe-ei a palavra para o efeito se me disser qual é a matéria que considera ofensiva da sua honra pessoal.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - A matéria que considero ofensiva da minha honra pessoal, porque sou do PS, é a afirmação, proferida por duas vezes pelo Sr. Deputado Carlos Marta, de que o PS matou o desporto escolar.

O Sr. Presidente: - Faço favor de usar o seu direito regimental, Sr. Deputado.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Carlos Marta apelou à memória na resposta que deu a um pedido de esclarecimento. Quero apresentar este protesto apelando também à sua própria memória.
O Sr. Deputado Carlos Marta era Deputado nesta Casa, aliás, como eu próprio, no tempo de governos do PSD. Durante esse tempo, o senhor sabe, como todos sabemos, que uma das decisões - polémica, de facto! - que contestámos foi a da construção pelo País, nas escolas secundárias e preparatórias, de 100 pavilhões desportivos, sem meios…

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, agradeço que se circunscreva à matéria que definiu: «matou o desporto escolar»!

O Orador: - Circunscrevo-me, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente: - Peço-lhe desculpa, mas não está a circunscrever-se!
Faça favor de continuar.

O Orador: - Circunscrevo-me justamente a essa matéria, Sr. Presidente.
Sr. Deputado Carlos Marta, quem, decidindo o que os governos do PSD decidiram ao longo de 10 anos, matou ou quis matar o desporto escolar? Não foi o PSD?

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Marta.

O Sr. Carlos Marta (PSD): - Sr. Presidente, naturalmente que registo esta nota de defesa da honra e vou repetir ao Sr. Deputado Laurentino Dias, e a toda a Câmara, aquilo que disse: de facto, o PS matou o desporto escolar.

Vozes do PSD: - Matou e enterrou!

Protestos do PS.

O Orador: - E já que falou em infra-estruturas desportivas, gostaria de lhe dizer o seguinte: tal como em outras áreas da governação, se o PS, em 1995, não tivesse interrompido o programa de construção de pavilhões desportivos nas escolas, hoje,…

Risos do PS.

…Srs. Deputados, estou a falar-lhe daquilo que sei!
Dizia eu, se o PS, em 1995, não tivesse interrompido o programa de construção de pavilhões desportivos nas escolas, hoje, todas as escolas portuguesas teriam um pavilhão desportivo, que não é aquilo que os senhores andam a fazer nas escolas, porque o que os senhores andam a fazer, hoje, nas escolas - se não sabem ficam a saber! - são ginásios, o que é uma coisa completamente diferente. O PSD tinha um programa para construir pavilhões desportivos nas escolas, e construiu-os, para a prática de todas as modalidades desportivas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, V.ª Ex.ª pediu a palavra para defesa da honra da bancada do Governo, pelo que agradeço que identifique a matéria que considera ofensiva.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, a matéria é aquela que decorre das palavras do Sr. Deputado António Capucho e do orador, que, no que diz respeito ao Governo, disse o que, obviamente, não reproduzirei aqui, apenas desejaria refutar.

O Sr. Presidente: - Sr. Presidente, tem de me dizer quais são as palavras.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, são as palavras através das quais o orador, reiteradamente, acusou o Governo de assassinatos vários em matéria desportiva, num tom que nos merece refutação.

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, como dei a palavra, talvez sem a dever ter dado, ao Sr. Deputado Laurentino Dias sobre a mesma matéria, não posso recusar-lha a si, pelo que tem a palavra.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uso da palavra porque ponderei cuidadosamente se, em consciência, o deveria fazer e concluí que sim, sobretudo depois de interpelado directamente pelo presidente da bancada do PSD e não se pode ser indiferente a esse tipo de apelos.
Porém, nesta sede, gostaria de dizer duas coisas: perpassou por esta Câmara o império do rumor.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Rumor?

O Orador: - O Sr. Deputado António Capucho pediu-me para comentar um rumor. Ora, o Governo não comenta rumores!

Protestos do PSD.

Em segundo lugar, perpassou o império do simplismo, e do simplismo acintoso, na análise do comportamento da equipa olímpica portuguesa, e o Governo, francamente, não partilha nem o simplismo, nem a truculência oca com que a questão foi aqui examinada.
Discutir a questão do desporto português, em particular do desporto olímpico, aos brados de que este Governo, ou outro qualquer, assassinou o êxito olímpico ou assassinou este ou aquele sector do desporto, não faz puramente qualquer sentido e não contem com o Governo para discutir nesse tom, nesta Câmara onde as questões devem ser examinadas com profundidade.
Mas, Sr. Presidente, gostaria de dizer que me choca profundamente este facto, nesta hora em que a equipa olímpica portuguesa chegou a Portugal e merece de todos nós - de todos sem excepção - uma palavra de apreço pelo esforço feito, sendo certo que esta é a hora desse apreço e não a da análise de fundo do que vamos fazer para melhorar a nossa performance nas próximas olimpíadas. Srs. Deputados, julgo que não contribui em nada para a imagem da Assembleia da República que qualquer bancada faça desta hora a hora da lamúria e do carpir de coisas várias que devemos discutir noutra sede.
O Governo não se associa, nem se associará nunca, a esse esforço de lamúria e de carpina.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, embora o Sr. Secretário de Estado tenha referido dois oradores, suponho que é ao Sr. Deputado António Capucho que tenho de dar a palavra para, querendo, dar explicações.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado: Em primeiro lugar, não é a oposição que desprestigia a Assembleia da República quando levanta aqui questões pertinentes e que são merecedoras da resposta cabal do Governo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E não venha o Sr. Secretário de Estado falar em rumores, pois não vim aqui levantar rumores. Fui claro e perguntei ao presidente da comissão se era verda

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de que o principal dirigente do Sport Lisboa e Benfica tinha acusado o seu Governo de lhe ter sugerido a ele, Presidente do Benfica, desorçamentar, ou orçamentar por baixo, as despesas do Estádio da Luz, ao que fui respondido «sim, é verdade». Isto é rumor? V.ª Ex.ª tem é de, rapidamente, se me permite a sugestão, pedir ao Sr. Primeiro-Ministro que esclareça mais este escândalo, não tem de vir aqui falar em rumores.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados …

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Marta, V.ª Ex.ª está a pedir a palavra para dar explicações, mas só posso dar a palavra para tal a um Deputado, não a posso dar a dois.
Sr. Deputado António Capucho, pede a palavra para que efeito?

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, é para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, peço desculpa ao Sr. Deputado Luís Fazenda por este incidente, mas V.Ex.ª, ao conceder ao Sr. Secretário de Estado José Magalhães a possibilidade de defender a honra invocando que estava a defendê-la devido a duas intervenções, a do Sr. Deputado Carlos Marta e a minha,…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, nesta Assembleia, que eu saiba, não há memória - e eu ainda tenho alguma! - de haver duas pessoas a dar explicações. Quando eu disse que dois Srs. Deputados tinham sido mencionados mas que me parecia que devia dar a palavra ao Sr. Deputado António Capucho, V.ª Ex.ª acenou com a cabeça que sim e foi por isso que lhe dei a palavra.
Repito, não há memória nesta Assembleia de se dar a palavra a dois Deputados para explicações em relação a uma só defesa da honra, pelo que manterei essa tradição.
Sr. Deputado Luís Fazenda, peço-lhe desculpa e faça o favor de proferir a sua declaração política.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A divulgação do relatório anual sobre a evolução do fenómeno da droga do Observatório Europeu da Droga e Toxicodepêndencia suscita esta intervenção.
O relatório aponta tendências e situações diversas para países da União Europeia e especificamente sobre Portugal sublinha a progressão da heroínomania, já em contraste com padrões de toxicodepêndencia em alteração na Europa, mas alerta-nos para o problema maior do crescimento do HIV entre os consumidores de droga por via intravenosa. Segundo o Observatório, serão 27%, segundo o Governo português até 30%; porém, relativizando a segurança deste indicador, deve crer-se que o fenómeno do contágio do HIV, da SIDA, das hepatites, em associação à toxicodependência que está em crescendo.
O documento do Observatório Europeu enfatiza a necessidade de os Estados avançarem no âmbito da redução de riscos e danos na toxicodependência e o Bloco de Esquerda coincide inteiramente com esta visão.
Sr.as e Srs. Deputados, estamos no limbo da vigência de uma lei que descriminaliza a posse e o consumo de estupefacientes, que é urgente confirmar aqui, nesta Câmara, em segunda leitura.
Anote-se que o Governo, pela voz de Vitalino Canas, já adiantou que os toxicodependentes, em si, não serão multados e aponta mesmo para valores de coimas que seguramente trazem o enquadramento prático da lei para a proximidade da despenalização. Ora, isto é positivo a todos os níveis, desde a recuperação dos toxicodependentes até à dissuasão dos crimes que lhes estão associados.
Sabemos já que não há, por ora, maioria nesta Câmara para medidas que se lhes deveriam seguir, como, por exemplo, a separação de mercados, a legalização das drogas leves, e lamentamo-lo, porque isso seria a primeira verdadeira machadada no tráfico, no infame tráfico, e nos barões da droga.
Contudo, reportemo-nos à redução de riscos. O Partido Socialista parece querer abrir-se à necessidade de criar salas de injecção assistida. Percebemos que Vitalino Canas, com uma prudência sofrida, vai fazendo esse percurso. E, aqui, queremos encorajar o Executivo, pois, pela nossa parte, conferimos igualmente que todos os dados disponíveis revelam que as salas de injecção assistida, vulgo, salas de chuto, têm impacto positivo na saúde pública e reduzem significativamente o risco de contágio de doenças. Ora, a situação aconselha mais celeridade nesta concretização.
Mas, Sr. Presidente, a situação nas prisões é bastante grave e exige a nossa atenção. Todos sabemos que a maioria dos reclusos é toxicodependente; os índices de transmissão de doenças infecciosas são mais que preocupantes; o apoio às reclusas toxicodependentes em situação de gravidez é algo de muito positivo mas, para além de pontual, extremamente insuficiente; o programa de troca de seringas e de substituição de opiáceos tem de ser implementado e desenvolvido nas instalações de reclusão. Não podemos resignar-nos a que as prisões passem a ser câmaras de morte, não podemos ser desistentes porque grupos conservadores na sociedade portuguesa preferem que se espalhe a SIDA e as hepatites do que violar a sua suposta legitimação moral do consumo de drogas.
Sabemos também que há fortes resistências nos serviços prisionais. Encaremo-las, criemos condições para a adequada segurança de guardas e técnicos. Vitalino Canas visitou na Alemanha, em Hannover, uma casa de chuto e poderia também ter observado programas do mesmo género, que descrevo, em instalações de reclusão.
Registamos intenções e alguns passos dados no reforço da rede terapêutica, mas a desproporção entre a dimensão do flagelo e os meios terapêuticos existentes, inclusive a anómala política de subsídio à iniciativa privada, em situação de quase completa carência de meios públicos, insistem para que nós aguardemos do Partido Socialista e do Governo que clarifiquem o que pretendem alterar no Serviço Nacional de Saúde para substituição da heroína e acompanhamento dos toxicodependentes, e mesmo para a administração de heroína em toxicodependentes, em situações tipificadas.

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Os casos quase pontuais de substituição de opiáceo mostram, quer em hospitais, quer em centros de saúde, resultados positivos, mas são meramente experiências pontuais e precárias. Não restam grandes dúvidas sobre as vantagens destes progressos e destes programas para reduzir riscos de infecção associados, garantir patamares de recuperação e combater a criminalidade derivante.
Sr.as e Srs. Deputados, creio que é válido o empenho urgente em variados programas de redução de risco e danos, pois não é área que se compadeça com medidas a conta-gotas e são precisas iniciativas do executivo, do partido Socialista e do Parlamento da República. Os temores sobre as reacções conservadoras não passam disso mesmo. Todos os estudos de opinião mostram a abertura da sociedade portuguesa para soluções novas e que ajudem as pessoas. Não é preciso ter grandes temores políticos, basta ver o fiasco que tem sido o movimento pró-referendo, de que até o líder do Partido Social Democrata já «lavou as mãos».
O insuspeito jornal O Diabo, no seu melhor vernáculo, chama-lhe a trama alucinógena do Partido Social-Democrata; todos, ao que parece, têm receio de não recolherem as assinaturas suficientes, em tempo de eleições presidenciais. Mas, enfim, são pequeninas sacudidelas que fazem, talvez, a delícia da intriga política e que nos convocam, talvez com mais à-vontade, para discutir, reflectir, propor e avançar com medidas que realmente combatam a toxicodependência e é este ponto em particular, como ponto primeiro, da redução de riscos e danos que estão associados à toxicodependência.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O relatório europeu convoca-nos a uma maior ousadia em programas de redução de riscos da toxicodependência propagar outras doenças. Não teremos o direito de dizer que não ouvimos, repito, não teremos o direito de dizer que não ouvimos. A condição humana, Sr.as e Srs. Deputados, só tem sentido quando discutimos, quando decidimos as condições do humano.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro da Mota Soares.

O Sr. Pedro da Mota Soares (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Luís Fazenda, ouvi-o atentamente e deixe-me dizer-lhe que não é a primeira, nem a segunda vez, que o oiço falar, ou outros elementos do Bloco de Esquerda, sobre a problemática da toxicodependência e não deixo de me pasmar face à arrogância e ao espírito dogmático com que VV. Ex.as sempre se referem a este assunto, de quem é detentor de toda a verdade nesta matéria. Sinceramente, não compreendo que assim seja, porque penso que se trata de um tema profundamente divisor dentro da sociedade portuguesa.
Digo-lhe que, à partida, não tenho qualquer solução de «varinha mágica» para resolver esse problema, muito complicado, mas, pelos vistos, o Bloco de Esquerda continua cheio da sua arrogância política e cheio de um autoconvencimento que, muito sinceramente, se me permite a sugestão, não vos fica muito bem.
Após ter feito o discurso, na sua pose, ouvi-o dizer que talvez fosse preciso discutir, reflectir, propor... Mas é pena que, na verdade, depois de assistimos ao primeiro veto do Sr. Presidente da República, até hoje, durante todo o período de tempo em que esta Câmara teve oportunidade de fazer uma discussão mais aprofundada sobre este tema, designadamente através da audição de entidades, de personalidades, de instituições que desenvolveram um trabalho profícuo e, até, se fosse preciso, do Observatório Europeu - que fez o trabalho a que V. Ex.ª se referiu -, durante todo este tempo, dizia, nesta Câmara, não ouvimos o Bloco de Esquerda dizer, uma única vez, que queria ouvir essas entidades.
Há algo que - confesso - continuo a não perceber. É que, falando o Sr. Deputado com esse ar de tanto dogmatismo, com esse ar de quem é dono de toda a verdade e uma vez que está convencido que, para a sociedade portuguesa, esta é uma solução calma e consensual, por que é que V. Ex.ª não aceita a proposta do CDS-PP no sentido de convocar-se um referendo? Por que razão o Bloco de Esquerda não aceita que, numa matéria tão importante e tão discutida na sociedade portuguesa, se pergunte aos portugueses o que é que eles querem?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Mota Soares, devo dizer-lhe que cada um exprime as suas opiniões e está aberto a um confronto democrático sobre as opiniões. As verdades são relativas ou absolutas, consoante a observação de cada um e a confirmação com a materialidade dos factos. Não é isso que nos motiva nem que nos convoca.
Deixe-me dizer-lhe ainda, Sr. Deputado, que «arrogância e água benta, cada um toma a que quer» e cada um escolherá a «pia baptismal» em que a encontra.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Prefiro a «água benta»!

O Orador: - Verifiquei que, na sua intervenção, o Sr. Deputado não aludiu ao conteúdo do relatório do Observatório Europeu, à urgência e à necessidade de programas muito mais ousados no nosso país - essa é uma das recomendações do relatório - para a redução de riscos e danos associados à toxicodependência.
Foi nesse sentido que suscitei a outras bancadas a necessidade de, após a descriminalização do consumo e da posse de estupefacientes, avançarmos rapidamente com medidas que são importantíssimas. Esta é uma área que exige medidas muito urgentes e absolutamente necessária, pelo que não podemos deter-nos longamente em algumas visitas e em estudos; é necessário avançar com um programa ousado de redução de riscos e danos associados à toxicodependência. Sr. Deputado, lamento que sobre esta questão tenha dito nada.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida.

O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, demos toda a atenção à intervenção de V. Ex.ª, uma vez que trouxe ao conhecimento e ao debate deste Plenário o relatório europeu que foi tornado público anteontem. É, pois, preocupante o que o relatório informa, quer a nível europeu quer a nível de Portugal, nomeadamente sobre o número de doentes toxicómanos que estão, neste momento, infectados com SIDA e com hepatite.

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Esta questão tem ainda maior importância pela actualidade que tem a discussão, neste momento e novamente nesta Assembleia, sobre a lei da descriminalização do consumo de drogas.
Julgo que é central - o Sr. Deputado Luís Fazenda também referiu essa questão - sabermos distinguir, com toda a clareza, se, por exemplo, a sociedade portuguesa deve observar um jovem que é consumidor (não traficante, como é evidente!) como um criminoso ou como um doente. Se o queremos observar como um criminoso, ele faz o percurso das cadeias para sair de lá pior do que entrou, mas se o queremos observar por um lado mais humanista, como um doente, ele percorre o caminho das unidades de saúde, onde pode evitar aqueles problemas que o relatório europeu evidencia e de que falou hoje o Sr. Deputado Luís Fazenda.
É evidente que outros passos têm de ser dados a seguir, mas este é fundamental para sabermos distinguir de que lado estamos, isto é, se queremos observar os consumidores como criminosos ou como doentes.
Sobre as propostas que, em seguida, se apresentam à nossa discussão e avaliação, pergunto se estaremos em condições políticas de ter a coragem de dar mais passos em frente, nomeadamente no que respeita à concretização das salas de injecção assistida, bem como ao alargamento, a nível nacional, de uma forma mais coordenada, do programa de troca de seringas e outras iniciativas de redução de riscos e danos.
De facto, esta questão deve fazer-nos reflectir devido à sua actualidade, o que nos obriga a fazer uma leitura muito rigorosa e séria do relatório europeu que ontem foi divulgado.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Rui de Almeida, estou-lhe grato pelas observações que fez. Já aqui tivemos um debate bastante rico em conteúdos, através da análise das várias opiniões que existem e coexistem nesta Câmara, e coincidimos na apreciação de que um consumidor compulsivo e habituado a estupefacientes é um doente e não um criminoso, e deve ser visto como tal.
Também consideramos que a origem dessa doença não é apenas uma patologia medicalizada, é também uma patologia social, que devemos ver em toda a acepção do fenómeno.
A questão que aqui trouxe, e que o Sr. Deputado João Rui de Almeida sublinhou, é que, independentemente de outras medidas que se devam seguir e caso não exista consenso nesta Assembleia em relação à descriminalização da posse e consumo de estupefacientes, é urgente um programa de redução de riscos e danos associados à toxicodependência. Já está em curso uma abertura de perspectiva em relação ao que tem a ver com as salas de injecção assistida, mas diria que, mais do que um genérico programa de troca de seringas, a situação nas instalações de reclusão é a que oferece maior gravidade e é aquela que nos deveria motivar para medidas mais urgentes.
Sei que há resistências, quer dos serviços prisionais quer de várias áreas da sociedade portuguesa, em relação à introdução desse programa de troca de seringas nas cadeias, mas também sei que na Alemanha, e noutros países, esses programas estão a vigorar com bastante eficácia. Portanto, o que concitaria às bancadas do Partido Socialista, do Partido Comunista e, enfim, a todos os Srs. Deputados que queiram avançar neste processo, incluindo o próprio Executivo do Partido Socialista, era que deixássemos alguns preconceitos de lado, alguns temores conservadores e avançássemos mais ousadamente no programa de redução de riscos e danos ao menos na questão da situação prisional, uma vez que as prisões estão a transformar-se verdadeiramente - e assumo, como tal, essa definição - em «câmaras da morte».

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, na intervenção que proferiu, V. Ex.ª fez uma referência que não corresponde à realidade, a propósito da posição do Presidente do PSD no que concerne ao referendo sobre a droga, aspecto que gostaria de esclarecer.
O PSD entendeu que essa iniciativa devia ser cometida, com muito maior pertinência, à sociedade civil, ou a organizações da sociedade civil, que é o que está acontecer. Mas tal iniciativa tem todo o nosso apoio político, a não ser que - e este ponto consta da missiva dirigida pelo presidente do PSD ao Primeiro-Ministro, na carta «precursora» da moção de censura - aproveitemos, nesta Câmara, o facto de o Sr. Presidente da República ter devolvido a lei para reapreciação, de modo a que ela possa ser enriquecida por todos nós, consensualmente ou por uma maioria, deixando de ser apenas uma lei de descriminalização do consumo da droga e passando a contemplar, fundamentalmente, uma estratégia integrada e global no sentido da prevenção, do reforço da terapêutica, da reabilitação e da recuperação dos toxicodependentes e não apenas, insisto, uma lei descriminalizadora.
Se assim for, o assunto muda completamente de figura e, do ponto de vista do PSD, estamos a prestar um serviço de combate efectivo ao flagelo da droga. Se não for assim, se a lei se mantiver apenas com os contornos de descriminalização que hoje tem, nesse caso, Sr. Deputado, o PSD estará ao lado da sociedade civil na luta pelo referendo, contra este diploma.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Capucho, agradeço-lhe a precisão sobre a posição do Partido Social Democrata, que a todos interessou, certamente. Gostava apenas de referir o seguinte, que se traduz numa mera apreciação política: quero crer que, tendo-se o Sr. Presidente do Partido Social Democrata dirigido aos portugueses, há vários meses, em anúncios pagos de página inteira nos jornais, solicitando um movimento nacional de assinaturas para a convocação de um referendo, esse movimento não terá encontrado, afinal, tanto eco como o esperado, porque não se consumou, não apareceu na Assembleia da República - ao menos pelas

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mãos do PSD -, e agora verificou-se uma mudança de agulha e de trajectória, pelo que apenas quis inferir que há dificuldades políticas da parte do PSD e, em geral, da direita, em carrear hoje esta matéria na sociedade portuguesa.
Sr. Deputado António Capucho, coincido com a sua opinião numa questão: em matéria de combate à toxicodependência, se ficarmos apenas por uma lei que descriminaliza a posse e o consumo e por alguns avanços em matéria da rede terapêutica não vamos conseguir resultados mais eficazes, mais positivos e mais humanos no combate à toxicodependência. A esse propósito, recordaria que continuo a estar bastante de acordo, no essencial - isto é, se a virmos como uma medida entre muitas, porque é necessário um programa variado de medidas, incidindo em várias áreas -, com o projecto apresentado pela JSD, de legalização das drogas leves, que é um primeiro passo para a separação de mercados, e nesse domínio, certamente, apenas a descriminalização não chega.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Filipe.

A Sr.ª Natália Filipe (PCP): - Sr Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Partido Socialista assumiu há cinco anos o Governo e há um ano seleccionou a saúde como a prioridade das prioridades, a sua nova «paixão». Ao fim deste tempo, é legítimo perguntar: qual é a expressão da tão propalada «paixão»? Quais foram os reflexos na melhoria da qualidade dos serviços prestados?
O Serviço Nacional de Saúde absorve a maior fatia de recursos financeiros e humanos que são disponibilizados para assegurar os cuidados de saúde à população. Só para o ano 2000, o Orçamento do Estado incluiu 900 milhões de contos para o SNS. Contudo, em matéria de saúde, o País está pior do que estava há um ano atrás, e muitos são os problemas que se colocam aos cidadãos, em geral, e aos profissionais, em particular. Persistem as dificuldades de acesso a cuidados de saúde no domicílio e na comunidade, às consultas, aos meios auxiliares de diagnóstico e às cirurgias; é vergonhosa a carência de recursos humanos e a ausência de um plano estratégico; é insustentável a crescente desmotivação dos profissionais de saúde face ao aumento dos ritmos de trabalho; acentua-se a escandalosa promiscuidade entre o sector público e o privado

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Apesar de todo o investimento público que é realizado com o dinheiro dos impostos dos cidadãos, apesar do empenhado esforço de mais de 110 000 profissionais, por que razão os cidadãos não têm a resposta atempada aos cuidados de saúde de que necessitam e quando necessitam em termos de acesso, volume, qualidade e continuidade?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É porque o Governo e a actual equipa do Ministério da Saúde não estão interessados numa verdadeira política de formação, incentivo e fixação de profissionais nem na rentabilização da capacidade instalada nos serviços públicos de saúde, promovendo um verdadeiro contrabando de utentes e de dinheiro dos cidadãos.
É porque o Governo não está interessado no fim do parasitismo do sector privado relativamente ao sector público, nem na desgovernamentalização e descentralização da administração do SNS, nem no financiamento adequado do SNS que potencie as suas capacidades.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - É verdade!

A Oradora: - Neste quadro, e anunciada que foi a nova «paixão», o tempo demonstrou que a mudança de protagonistas no Ministério da Saúde e a limpeza de quadros que se verificou a seguir foi um claro sinal de inversão do rumo que se vinha seguindo para a saúde.
Na última legislatura foi positiva a apresentação e discussão públicas de orientações e objectivos de curto, médio e longo prazo para concretização de ganhos em saúde para os portugueses. Havia uma estratégia, mas a equipa do Ministério evidenciou grandes dificuldades em levar à prática as orientações que definiu e de promover a necessária discussão em torno das peças legislativas que compunham o «SNS XXI».

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - É verdade!

A Oradora: - O não envolvimento local dos principais «actores» que dinamizariam qualquer processo de transformação e a não apropriação social das mudanças em curso foram erros tácticos, que derrubaram a estratégia que estava em desenvolvimento e evidenciaram as próprias contradições do Partido Socialista.
O PCP tomou posições críticas em relação às medidas legislativas aprovadas pelo Governo no anterior mandato do PS, mas também reconheceu que a sua aplicação seria um passo positivo para a regeneração do SNS, interrompendo a linha neoliberal que se vinha a verificar.
A paralisia na concretização das peças do «SNS XXI», com o pretexto da redefinição de prioridades, surge agora como a antecâmara do regresso das velhas políticas neoliberais, de natureza privatizadora, de redução do Estado a um papel exclusivamente financiador e regulador, deixando para os privados a exploração da prestação de cuidados de saúde, ficando o SNS reservado a um papel meramente caritativo e assitencialista.
O actual pseudo vazio de orientação e de estratégia não traduz, como alguns querem fazer crer, ausência de política de saúde. Pelo contrário, a orientação da política de saúde é clara e estamos convictos de que está em curso uma das maiores ofensivas contra o SNS.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Para o PCP, está colocada em marcha uma verdadeira contra-reforma da saúde. Nada fazendo para melhorar a organização, o funcionamento, a direcção e a administração das instituições e do SNS, ele continuará com os mesmos problemas de sempre. A táctica é continuar a degradar, a definhar. Logo, a privatização surgirá como a resposta natural, inevitável e socialmente compreensível!
A suspensão do Programa Acesso para recuperação de listas de espera em cirurgia, até Abril de 2000, por falta de orientações e medidas operacionais, sustentou o acumular das listas de espera e acalentou a ideia de que o serviço público não dá resposta.
Esta situação criou as condições para abrir esta «área de negócio» ao sector convencionado. A prová-lo temos o «contrato tipo» para as convenções com o sector priva

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do, publicado durante o Verão, e a comprová-lo a recente assinatura do protocolo com a União das Misericórdias.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Esta medida contraria a lei aprovada na Assembleia da República, por iniciativa do PCP, que prevê expressamente que o recurso a contratos com o sector privado só se verifique quando, comprovadamente, os serviços públicos de saúde tenham esgotado a sua capacidade de dar resposta às necessidades dos utentes.
Ao serem estabelecidos contratos com o sector privado, por 5 anos automaticamente renováveis, fica clara a intenção de transferir para os privados esta área da prestação e não investir na rentabilização dos serviços de saúde públicos. Ou seja, os blocos operatórios e os equipamentos instalados vão continuar parados por grandes períodos do dia.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exactamente!

A Oradora: - O pacote de legislação relativa aos medicamentos genéricos e às comparticipações traduz uma clara cedência aos vorazes interesses dos lobbies do sector e vai traduzir-se, no imediato, em mais gastos directos e indirectos por parte dos cidadãos, para além de que traduz um claro desrespeito pela lei recentemente aprovada nesta Assembleia.

O Sr. António Filipe (PCP): - Exactamente!

A Oradora: - A política de recursos humanos para a saúde é uma verdadeira vergonha nacional. Sendo assumida e reconhecida a carência de recursos, o Governo não apresenta qualquer plano estratégico de formação, não investe estruturalmente na qualificação dos nossos jovens, e passa o dia a pagar anúncios em jornais espanhóis para ofertas de emprego.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

A Oradora: - Este é mais um exemplo do desrespeito pela Assembleia da República, onde foi aprovada em Janeiro deste ano, por unanimidade, também por iniciativa do PCP, uma recomendação ao Governo no sentido de elaborar um plano de acção urgente de aumento de formandos.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Bem lembrado!

A Oradora: - Em suma, o PS aprova medidas legislativas na Assembleia da República que o mesmo PS, o Governo, viola descaradamente.

Vozes do PCP: - Exactamente! Tal e qual!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao nível do Orçamento, há indícios de derrapagem financeira e o reforço financeiro, verificado no último Orçamento, ao invés de ter sido utilizado para apoiar a modernização e a reorganização do SNS, foi completamente absorvido pelos principais credores do sistema. Além disso, não podemos deixar de ignorar as informações segundo as quais haverá restrições financeiras em unidades hospitalares e centros de saúde que estão a fazer perigar os níveis mínimos de aprovisionamento e de segurança, pondo em causa o volume e a qualidade dos cuidados, e continuam a aumentar as dívidas do SNS.... Tudo em nome do bom rigor orçamental!
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Na apreciação do PCP, a actual política de saúde assenta numa clara estratégia de ataque ao SNS, e assenta essencialmente em três aspectos tácticos: a continuação da degeneração da organização, do funcionamento, da direcção e da administração das instituições públicas e do SNS; o aumento das despesas do SNS à custa das convenções com o sector privado e com os medicamentos, tornando-o insustentável; e a degradação das condições de trabalho, nomeadamente por carência de profissionais, gerando desmotivação e desalento.
Os principais instrumentos desta estratégia, em nosso entender, consistem no desvio para o sector privado da recuperação das listas de espera e dos meios auxiliares de diagnóstico; na entrega da construção e da gestão das unidades de saúde ao sector privado, em perspectiva para os novos hospitais; na manutenção da gestão privada no Hospital Amadora/Sintra e o possível alargamento a outras unidades da região; no pacote legislativo dos medicamentos que está publicado; nas alterações ao estatuto jurídico dos hospitais sem que as experiências existentes sejam avaliadas; na nova lei de bases da saúde que parece estar algures em preparação nas «gavetas de uma sub-cave» na João Crisóstomo; ou na criação de empresas de profissionais para gerir centros de saúde.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - O PCP e outros democratas não aceitam a liberalização deste sector social e estarão na primeira linha de combate e defesa da regeneração do SNS.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - O PCP recusa o caminho que mantenha e acentue a divisão dos portugueses em «cidadãos de primeira» e em «cidadãos de segunda». Defendemos um SNS reorganizado e modernizado, regressado à filosofia democrática e humanista que a Constituição consagra.
Daqui queremos deixar ao Governo do Partido Socialista um aviso muito claro: a manter-se o estado em que se encontra a saúde em Portugal, estará a assumir uma pesada responsabilidade e ver-se-á, inevitavelmente, confrontado com a resistência do PCP e o protesto de utentes e dos profissionais de saúde que não aceitam a destruição do SNS.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos à Sr.ª Deputada Natália Filipe, estão inscritos os Srs. Deputados João Sobral e Ana Manso.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Sobral.

O Sr. João Sobral (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Natália Filipe, queria começar por lhe referir que no Grupo Parlamentar do Partido Socialista sabemos distinguir quem quer acabar com o Serviço Nacional de Saúde e quem pretende continuar a lutar pela sua manutenção e pelo seu espírito.

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Dito isto, sabemos também que a manutenção do Serviço Nacional de Saúde só é possível, hoje em dia, se for justo, eficaz e solidário. A propósito da sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde, que penso ser a questão concreta que temos em cima da mesa, a criação de medidas como o aumento do número de consultas, o cartão de utente, o investimento em infra-estruturas e em alguns recursos humanos - pode não parecer, mas a capacidade formativa de médicos foi conseguida, assim como com uma dignificação da enfermagem através da criação da ordem e da licenciatura, absolutamente justa, o que foi conseguido por governos do Partido Socialista - vão no sentido da dignificação dos profissionais, sinais decisivos que demonstram o sentido e a orientação da política do Partido Socialista nesta área.
Penso que será bom referir que o aumento de 15% na comparticipação para pensionistas com pensões inferiores ao salário mínimo e que a introdução da majoração nos medicamentos genéricos, como sempre anunciámos, estão também previstos na Lei n.º 205/2000. É bom dizer que concretizámos aquilo a que nos propusemos. Mas tudo isto se centra na questão da sustentabilidade.
A sociedade tem evoluído, os custos com a saúde têm aumentado, naturalmente podem representar um aumento do acesso, mas pensamos que se as questões da justiça, da equidade e da eficácia do Serviço Nacional de Saúde não forem convenientemente resolvidas por todos não haverá quem esteja disposto a sustentar o nosso Serviço Nacional de Saúde.
Penso que devemos sair de posições dogmáticas e os que estamos do mesmo lado, e que sabemos porque estamos, devemos analisar este problema com alguma capacidade e garantir o que para nós é fundamental, em vez de tomarmos posições muito particulares que não atingirão o objectivo - calculo que o vosso seja semelhante ao nosso.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Filipe.

A Sr.ª Natália Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Sobral, congratula-me saber que, em seu nome, o PS está interessado na sustentabilidade do SNS. No entanto, há uma coisa que não me conseguiu explicar: por que razão medidas legislativas que foram adoptadas, nomeadamente nos últimos seis meses da legislatura anterior, por este Governo, pelo PS, não se encontram a ser operacionalizadas e a ser implementadas. Em nossa opinião, elas poderiam ser, e seriam certamente, um meio para tornar o SNS - como disse, e bem - mais justo, mais eficaz e mais solidário. Essas medidas, ao que sabemos, não se encontram implementadas, não há planos de actividade devidamente elaborados para, seguidamente, se fazer a responsabilização pelo cumprimento ou incumprimento desses planos. Inclusive, a actual equipa do Ministério da Saúde, desvaloriza alguns aspectos, isto é, considera que os profissionais não estão desmotivados - não é essa a percepção que temos! -, considera que a carência de recursos humanos, nomeadamente de enfermeiros, não existe. Estes são exemplos demonstrativos de uma completa incapacidade de reconhecer o trabalho que até aqui foi feito, nomeadamente um estudo, elaborado pelo Ministério da Saúde, que reconhece a carência de recursos humanos e aponta para a existência de 12 000 enfermeiros neste momento.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Neste contexto, entendemos que se deveria encaminhar os utentes para serem operados nos serviços públicos, onde houve investimento nas instalações e na formação de profissionais, e não através de convenções, como recentemente foi feito. Ou seja, não se deverá continuar a alimentar o sector privado com interesses nesta matéria e que, na nossa opinião, visa exclusivamente o lucro e não a qualidade e o rigor. Para além disso, o sector privado não investe em carreiras, em investigação, na formação contínua dos profissionais, e tudo fará para, da sua produção de cuidados, obter o maior número de lucros.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Manso.

A Sr.ª Ana Manso (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Natália Filipe, a «fotografia» que fez, infelizmente, é real, e se peca, peca por defeito.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Na verdade, a segunda paixão do Governo socialista, a da saúde, não passou de uma paixoneta de verão e não deu em nada.

O Sr. João Sobral (PS): - Já trazia isso escrito?!

A Oradora: - Escrevi agora.
As dívidas às farmácias ultrapassam 150 milhões de contos; aos enfermeiros devem mais de 220 000 contos. Como é possível ter enfermeiros motivados senão com o esforço pessoal deles?
Os funcionários não recebem atempadamente nem ajudas de custo nem subsídios, e as horas extraordinárias, nalguns casos, estão atrasadas sete meses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Há intervenções cirúrgicas que não são realizadas por falta de material básico e as listas de espera de doentes continuam a aumentar assustadoramente.
Só para lhe dar um exemplo, Deputado João Sobral, o hospital da Guarda continua quase sem pediatras há mais de 407 dias. O que é que o Governo já fez até este momento para minorar a situação e resolver o problema? Há 40 000 crianças que se deslocam ao hospital de Viseu!
Penso que, hoje, os 120 000 profissionais de saúde estão completamente desacreditados em relação ao Serviço Nacional de Saúde e ao sistema de saúde que o Governo socialista pratica. Os portugueses também já não acreditam no Serviço Nacional de Saúde, já não acreditam na sua capacidade de gestão e de resposta. Digo mais, na «casa da barafunda» em que o Ministério da Saúde se tornou, será que sabem quantos doentes continuam em lista de espera? Será que sabem quantos doentes continuam em lista de espera nas diferentes especialidades?

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Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Filipe.

A Sr.ª Natália Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, penso que as questões foram colocadas directamente ao Grupo Parlamentar do PS, contudo não gostaria de deixar de aproveitar a oportunidade para comentar o seguinte: a Sr.ª Deputada referiu que eu tinha pecado por defeito. Todavia, genericamente, da análise que fazemos, a política que hoje está em curso pouco ou nada difere daquilo que foi a política adoptada pelos governos do PSD durante os últimos anos.

Vozes do PSD: - Agora é muito pior!

A Oradora: - Houve desinvestimento no serviço público e alimentaram-se os interesses dos medicamentos, da indústria farmacêutica, dos convencionados, dos auxiliares de diagnóstico, etc. Não se criaram, portanto, formas de fazer rentabilizar os serviços públicos. Permitiu-se que os blocos operatórios deixassem de funcionar a partir das 2 horas da tarde; que os meios auxiliares de diagnóstico, a partir das 3 horas ou 4 horas da tarde, ficassem a descansar. Esta é a política que hoje se verifica nos serviços públicos.
Em nosso entender, o PS tinha criado as condições para passar à prática de medidas no terreno que, na actual legislatura, foi considerado (apesar de estarem publicadas há seis meses), serem necessárias. Daí que tenha ficado tudo a «marinar» (penso que é a melhor expressão), relativamente ao conjunto legislativo que iria, efectivamente, e acreditamos que sim, melhorar o funcionamento dos serviços públicos de saúde.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção para tratamento de assunto de interesse político relevante, tem a palavra o Sr. Deputado Rodeia Machado.

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Recebi há dias, no âmbito das minhas funções de Deputado eleito pelo distrito de Beja, funcionários da Delegação Distrital da Inspecção-Geral das Actividades Económicas, e fiquei surpreendido com as questões que ali foram colocadas.
Com efeito, foi afirmado que existe, neste momento, uma quebra nas competências que as delegações distritais da IGAE detinham, o que faz com que os vários agentes económicos não estejam a ser devidamente fiscalizados.
Para além da insuficiência de pessoal, que é manifesta, a fiscalização a efectuar pela delegação não pode ser hoje determinada pelo chefe da delegação, pois as ordens para tal decisão são recebidas directamente da Inspecção-Geral, o que tem criado um mal-estar entre os próprios trabalhadores.
Aliás, hoje qualquer cidadão que se sinta prejudicado por um agente económico e apresente queixa na delegação distrital pode ter a certeza que os funcionários da IGAE não irão de imediato ao local - têm de receber primeiro autorização a nível central, e, depois sim, podem actuar.
Mas, para além destas questões, outras existem que não são de menor importância. A falta de meios é gritante. Quando há meses as delegações receberam indicações superiores para inspeccionarem os objectos em ouro e prata, a nível da «contrastaria», verificaram que não tinham meios para o fazer. Não existiam lupas nas delegações para inspeccionar tais objectos!
Mas, o que é mais grave é que os hipermercados do distrito não são fiscalizados há cerca de dois anos, com todas as consequências que isso acarreta para a saúde pública, pois é necessário e fundamental que a nível dos produtos alimentares exista uma apertada vigilância, para saber se os produtos que consumimos estão efectivamente em boas condições.
Se esta situação é realmente preocupante no distrito de Beja, podemos e devemos interrogar-nos se tal situação é idêntica em todo o território nacional e quais os prejuízos que tal causa aos consumidores.
Tanto quanto se sabe, e segundo os números disponíveis, as acções de fiscalização têm baixado, nos últimos dois anos, em todo o território nacional. Alguns dados servem, pois, de reflexão.
Em 1995, foram inspeccionados 88 546 agentes económicos e, em 1996, 71 913. Em 1998, baixaram para cerca de 58 000 e, em 1999, embora não existam ainda elementos estatísticos concretos, estima-se que apenas tenham sido feitas cerca de 12 000 inspecções a agentes económicos nessas situações.
Em consequência disto, o número de infracções detectadas baixou de 2289, em 1995, para 665, em 1999.
Os números demonstram bem que houve uma quebra significativa nas acções de fiscalização que nos deve preocupar e, sobretudo, deveria preocupar o Governo, já que está em causa a saúde pública e a defesa dos consumidores.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Acresce salientar que novas entidades fiscalizadoras foram criadas, no âmbito de vários departamentos governamentais, mas a falta de articulação entre si conduz inevitavelmente à situação que está criada. A pergunta que daqui decorre é, naturalmente, a seguinte: os consumidores estão ou não a ser prejudicados, face às questões aqui descritas?
Em nosso entender, compete ao Governo dar explicações, alterar rapidamente esta situação e criar condições às entidades fiscalizadoras no sentido de proteger a saúde pública, ou seja, defender efectivamente os consumidores, que somos todos nós.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, de 12 votos apresentados, só temos tempo para discutir e votar um, tendo os restantes de ficar para o próximo período de antes da ordem do dia, na próxima quarta-feira.
Srs. Deputados, o voto n.º 92/VIII - De pesar pela morte do ex-Deputado José Gama (PS, PSD, PCP, CDS-PP, Os Verdes, BE), é do seguinte teor: «Morreu o Dr. José Gama, Deputado à Assembleia da República nas I, II, III, VI e VII Legislaturas, Deputado ao Parlamento Europeu, Presidente da Câmara Municipal de Mirandela, político por vocação e generosidade.
Como Deputado pelo círculo da emigração da Europa, conquistou a admiração e a simpatia dos portugueses residentes no exterior.

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Como Deputado ao Parlamento Europeu, bateu-se nesse Parlamento e no Conselho da Europa pela construção de uma Europa unida, coesa e fiel aos valores da civilização europeia, nomeadamente à defesa dos direitos humanos.
Eleito Presidente da Câmara Municipal de Mirandela, realizou uma obra a todos os títulos notável, que o credenciou como exemplo dos autarcas portugueses.
Político versátil, orador fluente e ser humano corajoso e solidário, deixa-nos a imagem de um fazedor de simpatias e amizades. Foi, em tudo o que isso significa de nobre, um grande e bom português de Trás-os-Montes, que, pela sua inteligência e o seu carácter, se afirmou um verdadeiro cidadão europeu. Mais do que isso: contribuiu, com as suas peregrinações políticas, para aproximar a Europa de outros continentes, convertendo-se ele próprio no paradigma de um futuro cidadão do Mundo.
Dificilmente se encontra alguém que, tendo-o conhecido, o não recorde com admiração e saudade.
A Assembleia da República, na sua sessão plenária de 12 de Outubro do ano 2000, aprovou um sentido voto de pesar pelo falecimento do Dr. José Gama, guardou em sua memória um respeitoso minuto de silêncio e endereçou à família enlutada, à Assembleia Municipal e à Câmara Municipal de Mirandela, o seu profundo pesar pelo passamento de tão ilustre transmontano e português.»

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Associo-me a este voto, em meu nome e no do Partido Socialista.
Fui amigo do Deputado José Gama e estive com ele durante vários anos no Conselho da Europa. Ele era uma pessoa de uma grande afectividade, tinha os seus rompantes, e também de uma grande generosidade.
Era um português do mundo, um português errante, que viu o mundo, andou pela América, mas nunca esqueceu as suas raízes e, depois das voltas que deu pelo mundo, foi capaz de chegar a Mirandela, ganhar as eleições para a câmara municipal e transformar a sua terra.
Tendo embora posições diferentes das minhas, era um homem do 25 de Abril, da democracia, e era, sobretudo, uma pessoa muito extrovertida, que marcou todos aqueles com quem conviveu. Tornou-se uma figura conhecida no Conselho da Europa pela sua maneira de ser.
A sua morte foi para mim uma grande surpresa e um choque, pois não sabia sequer que ele estava doente.
Só posso dizer que ele deixa saudades em todos os que o conheceram. Sabia cultivar a amizade, mesmo com aqueles que pensavam de maneira diferente ou eram seus adversários políticos, e colocava a amizade em primeiro lugar.
Resta-me apresentar condolências à sua família e aos seus companheiros políticos e dizer que tenho sinceras saudades dele, como seu amigo que fui.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Machado Rodrigues.

O Sr. Machado Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Exprimo, perante VV. Ex.as, o pesar da bancada do PSD e o meu próprio pelo falecimento do Dr. José Gama e presto uma humilde mas sentida homenagem à sua memória, embora apenas legitimado por ser seu conterrâneo, seu admirador, ter com ele convivido e, na mudança para a actual Legislatura, ser o seu substituto, como primeiro Deputado eleito pelo distrito de Bragança.
Conheci o Dr. José Gama quando desempenhava as funções de Presidente da Câmara Municipal de Mirandela. Ou, melhor, quis conhecê-lo, porque as referências que escutava, vindas dos mais diversos sectores, sobre a obra que fazia, sobre as suas capacidades e as suas qualidades, diziam-me que seria bom conhecer uma pessoa tão notável.
Não me desiludi. Encontrei um homem que assumia completamente que tinha uma missão, que era a de desenvolver a sua terra e fazer com que as populações vivessem melhor, e que considerava que, para o conseguir, tinha de reunir à volta da sua as vontades de muitas outras pessoas, nomeadamente a dos poderes públicos e a da sociedade civil, que servia.
A primeira, em grande parte, não lhe faltou. No que respeita à segunda, que já ia conseguindo, considerava que, quanto mais conseguisse potenciar a auto-estima das populações, maior seria a adesão e a contribuição do desenvolvimento que pretendia.
Numa altura em que a qualificação e a requalificação urbanas eram ainda só temas de discursos, José Gama abria avenidas e reconstruía ruas e decorava-as com canteiros de flores e painéis artísticos. Em cada rotunda, fazia erguer um monumento - lá está o monumento ao emigrante como homenagem à causa que tão brilhantemente defendeu enquanto Deputado eleito pelo círculo da emigração.
Aproveitou uma linha praticamente abandonada pela CP para pôr em serviço aquilo a que ele chamava o primeiro metro de superfície do País e baptizou todas as estações com os nomes sonantes dos construtores da Europa, de Jean Monet a Jacques Delors, numa homenagem à causa por que sempre se bateu e que tão brilhantemente defendeu, enquanto Deputado do Parlamento Europeu.
Pela sua obra, José Gama tornou-se um símbolo para os autarcas portugueses e para os construtores da democracia e do progresso.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, terminou o seu tempo, pelo que tem de concluir.

O Orador: - Estou mesmo a terminar, Sr. Presidente.
À sua família e aos seus amigos, quero dizer que os acompanho na sua dor.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Anacoreta Correia.

O Sr. Miguel Anacoreta Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nada é mais difícil do que falar de um amigo que acaba de nos deixar.
Vivemos juntos, e durante muitos anos, horas de desafio, pelo que temo que o sentimento atraiçoe a razão.
Esta não é, por certo, uma hora de retórica e, por isso, no nosso voto, que o Sr. Presidente da Assembleia da República fez o favor de agregar aos de outros partidos, para que a Assembleia se manifestasse, se possível, de forma unânime, dissemos, com toda a simplicidade, as razões por que esta Câmara deveria homenagear José Gama.
José Gama foi um grande Deputado, nesta Câmara e no Parlamento Europeu. Foi um europeísta convicto, foi um

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grande defensor das comunidades portuguesas, mas foi, no plano da acção cívica, sobretudo um grande autarca.
A sua paixão por Mirandela, cuja cidade e concelho verdadeiramente transformou, foi sempre correspondida por um grande afecto popular, como foi demonstrado anteontem pelos muitos milhares de pessoas que o quiseram acompanhar por uma última vez.
A sua ausência ajuda-nos, porém, a ver mais claro aquilo que mais apreciávamos nele: um grande homem, corajoso, determinado, criativo, solidário, sempre pronto a evidenciar mais os aspectos positivos do que os negativos e a buscar até à exaustão os consensos. Um homem de diálogo e amigo do seu amigo, ele faz realmente falta a todos nós.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome do Grupo Parlamentar de Os Verdes, quero associar-me a este voto de pesar e referir que recordo a imagem do Dr. José Gama também pelas intervenções que o vi produzir nesta Câmara, muito debruçadas sobre os direitos dos emigrantes.
Era um homem conhecedor de realidades tão diferentes como a internacional e a local e orgulhoso da sua realidade local, como, por diversas vezes, aqui expressou.
Em nome do Grupo Parlamentar de Os Verdes, apresento sentidas condolências à família enlutada e também ao PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, quero também associar-me a este voto de pesar pelo falecimento do Dr. José Gama, que desempenhou vários cargos políticos, quer aqui na Assembleia da República, em várias legislaturas, quer no Parlamento Europeu, na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, quer como autarca, como Presidente da Câmara Municipal de Mirandela e Vereador da Câmara Municipal de Coimbra.
Diversos membros do nosso partido tiveram oportunidade de travar com o Dr. José Gama os mais acesos debates e também de conviver com ele e de conhecer uma personalidade que soube merecer, da parte de todos nós, a mais elevada consideração.
É por isso que, nesta hora, o Grupo Parlamentar do PCP quer exprimir, quer ao seu partido, quer aos seus familiares, as mais sentidas condolências.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero manifestar, em nome do Bloco de Esquerda, o nosso luto e pesar, bem como o respeito pela memória de José Gama.
Queremos com isto sublinhar que as autarquias perderam um autarca que manifestou uma vontade enorme no desenvolvimento do poder local e que fez obra reconhecida em vários pontos do País, particularmente em Mirandela.
Terminando, quero ainda manifestar a homenagem do Bloco de Esquerda a esta personalidade portuguesa de primeiro plano que agora nos deixou.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tive o privilégio de conhecer, ao longo de muitos anos, e em circunstâncias muito diversas, o Dr. José Gama. Digo «doutor», mas soa um pouco artificial porque, para nós, ele era o José Gama, uma pessoa com uma simplicidade desarmante nas horas altas e em todas as outras, característica que manteve até ao fim.
Como todos os que conheceram José Gama, guardarei dele a imagem de uma verdadeira força da natureza, incapaz de redução às margens estreitas das classificações da ideologia ou dos catálogos do gosto.
Evoca-se a sua biografia, como se faz, tão rigorosamente, no voto lido e redigido pelo Sr. Presidente da Assembleia da República, por quem ele tinha tão grande apreço, e fica patente como uma vida pode parecer breve e, nem por isso, deixar de ser um mosaico formidável de inquietação peregrina, de trabalho, de coragem e de obra feita - obra de pedra e obra de cultura -, que todos conhecemos.
Entre outras coisas, ensinou-me a respeitar a diferença, mas muitos partilharam com ele o gosto de não deixar que o País fique no atraso e a vontade de transformar a terra de que todos gostamos, a terra portuguesa e a Europa, pela qual se bateu.
Por isso, nesta hora, em nome do Governo, gostaria de me associar ao pesar expresso pela Câmara e de endereçar aos familiares enlutados e a todos os que o estimaram os nossos sentidos pêsames.

O Sr. Presidente: - Também tive o privilégio de ser amigo e de ter a amizade do nosso querido José Gama. Também o admirei e também hoje venero a sua memória, e também, tal como todos vós, já tenho e vou ter saudades dele.
Srs. Deputados, vamos votar o voto de pesar n.º 92/VIII - De pesar pela morte do ex-Deputado José Gama (PS, PSD, PCP, CDS-PP, Os Verdes e BE).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos guardar um minuto de silêncio.

A Câmara guardou, de pé, um minuto de silêncio.

Srs. Deputados, o voto vai ser enviado à família enlutada, à Assembleia Municipal de Mirandela e à Câmara Municipal de Mirandela.
O Sr. Deputado Manuel dos Santos pediu a palavra para uma interpelação à Mesa. Faça favor de dizer qual a matéria da ordem de trabalhos sobre a qual deseja pronunciar-se.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): -Sr. Presidente, desejo dar uma informação à Mesa e, depois, fazer uma interpelação sobre a continuação da ordem dos trabalhos.
A informação que desejo dar é de que vão ser entregues na Mesa, com um pedido para que V. Ex.ª despache

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no sentido de serem publicados, dois textos, um dos Deputados do círculo eleitoral de Bragança e outro de mim próprio, enquanto membro da direcção do grupo parlamentar, relativamente ao voto que foi aprovado unanimemente nesta Câmara.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.

O Orador: - Por outro lado, Sr. Presidente, julgo haver consenso de todas as bancadas no sentido de solicitar a V. Ex.ª que, excepcionalmente, se proceda à discussão, creio que rápida, e votação do voto n.º 95/VIII, sobre a situação no Médio Oriente, pois se não for votado hoje perde muito do seu sentido e oportunidade. Julgo que há consenso nesse sentido.

O Sr. Presidente: - De facto, o consenso nem sempre revoga o Regimento da Assembleia da República. Mas, neste caso, se há acordo, podemos sair daqui um pouco mais tarde.
Mas há dois votos sobre o assunto que referiu: o n.º 85/VIII e outro, colectivo, que tem o n.º 95/VIII..

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Exactamente, Sr. Presidente. Julgo que seja o n.º 95/VIII.

O Sr. Presidente: - Muito bem, Sr. Deputado.
Vai ser lido pelo Sr. Secretário da Mesa o voto n.º 95/VIII - Sobre a situação que se vive no Médio Oriente (PS, PSD, PCP, Os Verdes e BE).

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - É o seguinte:

Tendo em vista a crise iniciada no dia 28 de Setembro, que ameaça pôr em causa o processo de paz no Médio Oriente, a Assembleia da República, reunida em sessão de 11 de Outubro, manifesta a sua preocupação pela situação vivida nos territórios de Jerusalém, Gaza e da Cisjordânia e pela subida da tensão política em toda a região. Do mesmo modo, exprime o seu pesar pelas vítimas inocentes da presente situação.
A Assembleia da República manifesta o seu apreço pelas iniciativas desenvolvidas pelo Secretário-Geral das Nações Unidas em busca da paz e do respeito pelos Direitos Humanos.
A Assembleia da República rejeita, na linha do já declarado pela Resolução 1322 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, o uso da violência por parte das tropas israelitas contra as populações dos territórios de Jerusalém, Gaza e Cisjordânia, bem como todas as atitudes de intolerância e recusa do diálogo e as «provocações cometidas a 28 de Setembro de 2000 no Haram al-Charif em Jerusalém» que desencadearam a presente crise.
A Assembleia da República considera útil e necessário o diálogo ao mais alto nível entre ambas as partes, de modo não só a conter a actual onda de violência como também a relançar a confiança no processo de paz.
A Assembleia da República reafirma o seu apoio, na linha da acção diplomática de Portugal e da União Europeia, à criação de um Estado Palestiniano independente e considera que Portugal deve intervir junto das instâncias internacionais em que participa com vista ao cumprimento das Resoluções 338 e 242 do Conselho de Segurança da ONU.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, olhamos as imagens na televisão e pasmamos. Como é possível que, ao fim de tantos anos, ao fim de tantos esforços da comunidade internacional, a violência irrompa ciclicamente, fatalmente quase (diríamos), no Médio Oriente e os conflitos se exacerbem entre israelitas e palestinianos?
E, curiosamente, é sempre quando uma solução mais estável para este conflito se começa a desenhar no horizonte que esse esforço, essa solução é sabotada, e sabotada sempre por extremistas, ora de um lado, ora do outro. No caso presente, sabemos as responsabilidades especiais que o líder do Likud teve na visita que efectuou para o desencadear de mais esta onda de violência.
Que fazer, numa circunstância destas? Evidentemente, apelar, e sempre, aos esforços da comunidade internacional, apelar ao respeito pelas resoluções das Nações Unidas, incentivar os esforços da diplomacia portuguesa em todos os areópagos internacionais, para que se caminhe para uma solução definitiva e estável para o conflito do Médio Oriente.
É tudo, infelizmente, aquilo que, por enquanto, podemos fazer. Esperemos que, um dia, essa terra, que tem sido banhada constantemente neste conflito de ódio, venha a conhecer a paz e que os Direitos Humanos nela venham a ser respeitados.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o Grupo Parlamentar do PSD vai votar favoravelmente este voto conjunto, ao qual se associou.
Para nós, nada, objectivo algum, por melhor que seja, pode justificar a morte violenta de crianças Nada pode justificar a violação de direitos da pessoa humana, a começar pelos direitos à vida, à integridade pessoal, à segurança, a condições que permitam uma vida realmente humana.
Os fins nunca justificam os meios! Por isso, o PSD sempre defendeu para o Médio Oriente uma solução pacífica e negociada que conduza ao respeito pelos direitos da pessoa e dos povos, designadamente o direito do povo palestiniano à independência e a um Estado reconhecido, bem como do povo israelita a viver em segurança. Estes direitos são expressamente referidos nas Resoluções do Conselho de Segurança mencionadas no voto em apreço.
Infelizmente, assistimos de novo ao reacender da violência, da guerra, do ódio, que só provocam danos e nada resolvem. Não podemos aceitar a recusa do diálogo para uma solução pacífica, nem a violência de forças israelitas e de colonos contra populações indefesas de Jerusalém, de Gaza ou da Cisjordânia. Estes actos violentos só podem dar força a extremistas de ambos os lados que preconizam a destruição mútua.
Queremos, por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que cesse a violência, que todos se lembrem que a paz é condição sine qua non para o respeito por cada pessoa, pelo seu direito a uma vida digna e à felicidade: digo bem,

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pelo direito de cada pessoa e não de uma abstracção, a pessoa enquanto conceito abstracto. Trata-se de cada uma das muitas pessoas que vivem nos territórios martirizados que já referi. Permitam-me que invoque uma antiquíssima máxima da sabedoria do povo judeu, que diz: «quem salva uma vida, salva a humanidade». Então, que não se destrua nem mais uma só vida, porque quem destrói uma vida também destrói a humanidade.

Vozes do PSD: - Muito bem

O Sr: Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Rebelo.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o CDS-PP lamenta, de maneira clara, as manifestações de violência que têm ocorrido em Israel e nos territórios autónomos palestinianos.
Lamentamos, sobretudo, a perda de vidas, a deterioração da situação social e manifestamos a nossa preocupação com a existência de uma espiral de violência que pode pôr em causa a estabilidade e a paz na região. O CDS-PP defende que a resolução do conflito entre Israel e os palestinianos passa forçosamente pelas negociações, pelo diálogo, pela resolução pacífica deste conflito, bem como pelo respeito dos acordos internacionais e das resoluções das Nações Unidas.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Depositamos a maior confiança na mediação da comunidade internacional e na presença do Secretário-Geral das Nações Unidas no Médio Oriente para a busca de uma solução que resolva a contenda. Estes passos são, sem dúvida, importantes para o cessar da violência e para o reatamento do processo de paz. Portugal deve, nesse sentido, apoiar as mediações em curso e apelar ao bom senso de todas as partes.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, assim sendo, e por todas estas razões, defendemos que o contributo a ser dado pela Assembleia da República passa pelo apelo às duas partes para que reatem as negociações e desenvolvam esforços comuns para alcançar um acordo justo e duradouro e que ponham definitivamente fim aos actos de violência e desrespeito pelos direitos dos homens que, neste momento, acontecem no território.
O facto de o meu partido não ter subscrito este voto não quer dizer que não nos solidarizemos e concordemos com tudo o que foi escrito. Mas pedimos que também ficasse clara uma referência a que essas resoluções das Nações Unidas referem-se também ao direito de o povo hebreu e o Estado de Israel viverem igualmente em paz e em segurança e que também houve, da parte de alguns dirigentes palestinianos, certos abusos. Como foi aqui referido pelo Sr. Deputado do Partido Socialista, também houve alguns dirigentes palestinianos que não cumpriram com obrigações respeitantes ao Tratado de Oslo. Ora, isso não foi referido no texto do voto, sendo só por causa disso que o CDS-PP se vai abster.
Porém, concordamos em absoluto com o apelo aqui referido por todas as bancadas, para que cesse a violência nos territórios e para que, finalmente, quer Israel quer os palestinianos, possam viver em paz, de forma a que o futuro, queira Deus, seja bem positivo para ambos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, a grave situação que se vive de novo nos últimos dias no Médio Oriente em resultado, como afirma expressamente a Resolução 1322 do Conselho de Segurança da ONU, da provocação (e cito) cometida a 28 de Setembro de 2000, em Jerusalém, e constituída pela visita do líder do Likud, Ariel Sharon, com uma força de 3000 soldados à Esplanada das Mesquitas, em Jerusalém Oriental, no momento preciso da oração islâmica, é uma situação que nos preocupa profundamente e que desencadeou uma nova e intolerável vaga repressiva contra o povo palestiniano.
As imagens do jovem Mohamad El Dirah, assassinado com o seu pai pelas balas do exército israelita, correram o mundo, chocaram-nos a todos e são a ilustração da brutal repressão desencadeada que já provocou mais de uma centena de vítimas, entre as quais dezenas de mortos.
A verdade é que Israel se tem sistematicamente negado a cumprir as resoluções da ONU, designadamente as Resoluções 242 e 338 do Conselho de Segurança, que exigem a retiradas das forças armadas israelitas dos territórios ocupados, a resolução do problema dos refugiados, a libertação dos presos políticos. Não têm, inclusivamente, cumprido os Acordos de Oslo.
Apesar da enorme deterioração da situação nos territórios sob a sua administração, a OLP e a autoridade palestiniana tudo têm feito para evitar uma nova escalada das tensões e dos conflitos, traduzido, nomeadamente, na aceitação do adiamento da proclamação do Estado Palestiniano, em relação ao calendário acordado.
Este é, de novo, um momento grave que vivem o Médio Oriente, os povos árabes e, em particular, o povo palestiniano. É um momento grave que não nos permite margem alguma de ambiguidade, nem em relação à atribuição de responsabilidade de Israel, nem em relação à exigência universal de Israel se conformar com o direito internacional e resoluções das instâncias internacionais.
O Médio Oriente precisa de paz. O povo palestiniano tem direito a uma pátria independente e soberana. Por isso apresentámos, originalmente, um voto claro sobre esta matéria. Mas também com o objectivo de encontrarmos o mais largo apoio, nesta Assembleia da República, aceitámos encontrar com o Partido Socialista, a que posteriormente aderiu o PSD, uma redacção comum que convergisse, no essencial: a condenação do uso da violência por parte das tropas israelitas contra as populações de Jerusalém, Gaza e Cisjordânia, a exigência do fim da repressão e do cumprimento pelas resoluções da ONU, a consideração de que o Estado português deve intervir junto das instâncias internacionais para obrigar Israel a conformar-se com as obrigações jurídicas e responsabilidades que lhe incumbem, garantindo-se, assim, a paz na região.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Neves, a quem dirijo uma saudação especial por ser a primeira vez que tenho a honra de lha conceder.

A Sr.ª Helena Neves (BE): - Sr. Presidente, sendo a primeira vez que uso da palavra nesta Assembleia, queria

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saudar, por seu intermédio, não só a Mesa como também todas as Sr.as Deputadas e todos os Srs. Deputados.
O Bloco de Esquerda associa-se ao voto de alguns Deputados sobre a situação no Médio Oriente, porque condenamos veementemente a política de ocupação e de agressão do Estado de Israel que atinge todo um povo, em especial as mulheres feridas, quer no corpo da sua terra sempre negada, quer no seu próprio corpo, tantas vezes violado. Condenamos veementemente a recusa sistemática do Estado de Israel em reconhecer o Estado Palestiniano, violando assim as recomendações da ONU, o direito do povo palestiniano à independência e ferindo gravemente a causa da paz no Médio Oriente e, portanto, a causa da paz em todo o mundo, que é a nossa causa.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o Grupo Parlamentar de Os Verdes subscreve o voto agora em apreciação e manifesta o seu mais veemente repúdio pelo uso da violência do exército israelita sobre o povo palestiniano. É preciso que toda a opinião pública se indigne, é preciso levar a efeito todos os esforços e garantir o envolvimento do Estado português e da acção diplomática no sentido de pressionar a comunidade internacional para pôr termo a este horror, em nome dos mais elementares direitos humanos.
Os Verdes reafirmam que uma paz justa e duradoura para o Médio Oriente pressupõe a retirada de Israel de todos os territórios árabes ocupados, a existência do Estado Palestiniano independente e o regresso dos refugiados palestinianos em segurança.
Fica, pois, hoje e aqui, expresso o nosso repúdio pela repressão do exército israelita e a nossa solidariedade para com o povo palestiniano.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, então, proceder à votação do voto n.º 95/VIII - Sobre a situação que se vive no Médio Oriente, apresentado pelo PS, PSD, PCP, Os Verdes e BE.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do PCP, de Os Verdes e do BE e a abstenção do CDS-PP.

Srs. Deputados, o voto que acabámos de aprovar será enviado ao Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, com destino ao Secretário-Geral da ONU, ao Embaixador de Israel em Portugal e ao representante do povo palestiniano em Portugal.
Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 20 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar o período da ordem do dia, cujo primeiro ponto é a celebração do primeiro aniversário do falecimento de Amália Rodrigues. Assim sendo, procederemos à apreciação conjunta do projecto de lei n.º 307/VIII - Define e regula as honras do Panteão Nacional (PS, PSD, PCP, CDS-PP, Os Verdes e BE) e do projecto de resolução n.º 79/VIII - Concessão de honras do Panteão a Amália da Piedade Rodrigues (PS, PSD, PCP, CDS-PP, Os Verdes e BE).
Antes de dar a palavra aos Srs. Deputados que já se inscreveram, começo por saudar a família de Amália Rodrigues, que se encontra na Galeria dos Diplomatas. Para eles, peço também a vossa saudação.

Aplausos gerais, de pé.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre, que dispõe de 5 minutos.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Excelentíssima Família de Amália Rodrigues, Srs. Deputados: Tanto quanto a conheci, creio que Amália preferia ficar onde está, perto do povo que vai levar-lhe flores, rezar por ela e cantar os seus fados. Talvez não desgostasse que a trasladassem para a capelinha da Senhora da Saúde do Fado da Mouraria. Mas Amália já faz parte da nossa mitologia. Parafraseando um dito de Sophia de Mello Breyner sobre a poesia, Amália não se explica, Amália implica. Entrou na história, na lenda, no imaginário e no coração dos portugueses. E por isso a sua morada vai ser no Panteão Nacional, ao lado, entre outros, de Almeida Garrett, João de Deus, Guerra Junqueiro e dos cenotáfios de Nuno Álvares Pereira, Infante D. Henrique, Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral e Afonso de Albuquerque. Falou-se dos Jerónimos e de um mausoléu. Eu acho que podia ser até uma simples campa rasa. O que importa, mais do que o sítio, é o significado histórico de uma decisão que coloca Amália entre os símbolos nacionais. Ela, que era tímida, se por acaso nos está a ouvir, deve estar muito aflita.
Amália não se sentia à vontade com cerimónias, solenidades e discursos. Preferia o fado e a poesia. É por isso que vou fugir à regra. Peço desculpa à prosa e vou fazer o que por certo ela gostaria que neste momento eu fizesse: vou ler o poema que um dia lhe ofereci e agora é cantado por João Braga.
Na tua voz há tudo o que não há/há tudo o que se diz e não se diz/há os sítios da saudade em tua voz/o passado o futuro o nunca o já/as sílabas da alma e um país/porque tu mais que tu és todos nós.
Na tua voz embarca-se e não mais/não mais senão o mar e a despedida./Há um rastro de naufrágio em tua voz/onde há navios a sair do cais/nessa voz por mil vozes repartida/porque tu mais que tu és todos nós.
Há mar e mágoa e a sombra de uma nau/a gaivota de O'Neill e o rio Tejo/saudade de saudade em tua voz/um eco de Camões e o escravo Jau/amor ciúme cinza e vão desejo/porque tu mais que tu és todos nós.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Manuel Alegre, agradeço-lhe, sobretudo, a originalidade tão simpática de, em parte da sua intervenção, ter trocado a prosa pela poesia, apesar de ambas serem notáveis.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira do Amaral.

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O Sr. Ferreira do Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há um ano morreu alguém que gostava de ser quem era. Alguém que «tinha alegria nos olhos» e «tinha sorrisos na boca». Alguém que «lavava no rio, lavava» e cantava o povo que lava no rio. Alguém que entrou na «vida a cantar» para cantar a «Casa Portuguesa».
Amália Rodrigues partiu há um ano julgando que não voltava. Despediu-se: «Adeus amigos que tive, vou embora já não venho.». E, ao partir, não sabia «por que voltas da lei» teria de continuar também junto à gente da sua terra.
Amália disse: «Faço acto de contrição/Senhor meu Deus perdoai-me/Dou-vos o meu coração (…)». Mas sabia que o Misericordioso não se opunha a que no «Portugal dos Portugueses» lhe fosse também reservada morada eterna. Hoje, porém, onde está já sabe «por que voltas da lei» ingressará no Panteão Nacional.
Amália tem sempre, sempre teve e sempre terá o voto e a aclamação de todos os portugueses. Amália é, sempre foi e sempre será, a eleita de todos e de todos a representante por excelência.
Não mercadejou o voto, não procurou o favor nem aceitou a benesse comprometedora. Não subiu aos altares da fama pela mão do subsídio sem norte. Amália foi sempre o que é a arte: independente, livre, sempre coração, sempre um enorme coração, sempre «um perfeito coração».
No fado, na poesia, no teatro ou no cinema, Amália conquistou um lugar de privilégio no panteão da cultura portuguesa.
Amália era a cultura em forma de voz. A nossa voz, a nossa cultura, cantada e espalhada por toda a parte.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se há deliberação desta Casa que colha ao aplauso de todo o povo português, é essa de dar por morada a Amália o Panteão Nacional. Este será o seu fado, escrito por nós!

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estão em discussão dois projectos que visam alterar o regime legal das honras de Panteão e trasladar os restos mortais de Amália Rodrigues para o Panteão Nacional. Esta é, certamente, a oportunidade de, na sede de democracia portuguesa, evocarmos um dos maiores vultos da nossa cultura no Século XX.
Amália Rodrigues é, certamente, um dos nomes portugueses com dimensão mundial e uma das figuras que, quando discutimos honras do Panteão, ganhou perante a Nação o estatuto que noutra tradição cultural distingue, por exemplo, aqueles que em França são designados como «os imortais». É certo que um sentimento nacional é superior aos feitos ou ao talento dos que o interpretam num dado momento, mas não é menos verdade que a natureza de um povo ou a forma de estar e de ser portuguesas só são claramente reconhecíveis e imortalizáveis na expressão cultural dos seus maiores autores e intérpretes.
É o caso de Amália Rodrigues. O seu segredo, para além de uma voz única, inconfundível e inesquecível, terá sido o de, quase como ninguém, interpretar o sentimento e a alma nacional.
Qual o seu segredo? A rapariga pobre do bairro operário de Alcântara e a humilde e tímida vendedora de mercado tornou-se, fruto do seu talento e da sua personalidade, uma figura de renome mundial e uma diva admirada ou mesmo idolatrada em todo o mundo, convivendo com os maiores nomes do mundo das artes, da cultura ou mesmo da política. E é talvez esta combinação da artista de renome mundial - foi considerada uma das quatro vozes do século XX, a par de Sinatra, de Piaf e de Callas - com a personalidade de uma mulher humilde e do povo que fizeram de Amália Rodrigues um caso único. A altivez e a nobreza de atitudes, o porte aristocrático combinado com a humildade de quem sempre quis ser do povo talvez sejam parte importante do segredo de Amália e, certamente, também parte do segredo do que é ser português.
Talvez por isso mesmo os projectos que hoje discutimos tenham alguns aspectos susceptíveis de controvérsia. Contudo, ao subscrever e apoiar estes projectos, o CDS-PP quis participar num consenso e numa homenagem a Amália Rodrigues. Fazêmo-lo, no entanto, conscientes de que Amália foi sempre mais do povo e do seu público do que do Estado ou dos políticos.

Aplausos do Deputado do CDS-PP Basílio Horta.

Fizemo-lo conscientes também de que esta não seria a única solução e que, a ser aprovada, será necessário garantir que o culto de admiração popular pela artista possa ter expressão.
E mais terá de ser feito. Não sei se realizando um monumento, se pela importância que conferirmos ao seu património - infelizmente também não isento de polémica quanto ao seu destino - ou se pela participação do Estado na realização de um museu destinado à sua figura. O que é certo é que a nossa responsabilidade maior é a de que a voz, o nome e a personalidade de Amália Rodrigues possam continuar próximos do povo e que, como um símbolo da nossa cultura, ela esteja acessível a todos os que nos visitam e que querem conhecer a sua obra.
É importante que o façamos por consenso e por acordo. Se perguntarmos qual foi o maior segredo de Amália, esse foi certamente o de sempre ter unido e nunca ter dividido. E o de ter dado a conhecer ao mundo o que Portugal tem de mais belo: a nossa poesia e os nossos poetas. Pela voz única de Amália, o mundo ouviu, entre outros, Camões, Pessoa, Pedro Homem de Melo, José Régio, Alexandre O´Neill, Ary dos Santos, Cecília Meireles, David Mourão Ferreira, ou, entre os presentes, Manuel Alegre. Levou a nossa poesia a todos sem distinção, de Moscovo a Nova Iorque, passando pelo Japão e pelos esmagadores triunfos de Paris.
Amália cantou e encantou - nunca fez política.
É curioso registar que precisamente num país tão distante geográfica e culturalmente como o Japão existem três escolas onde, graças à Amália, se ensina e se aprende o fado e, através do fado, se conhece a poesia portuguesa. Todos estes feitos explicam um pouco o segredo, o sucesso e o mistério de Amália Rodrigues. Mas não completamente. A própria Amália Rodrigues dizia não saber explicar o seu percurso único: «Eu não sei explicar a minha vida. Julgo até que não vivi a vida, foi a vida que me viveu.».
Depois de uma vida cheia de glórias e de triunfos e um ano após a sua morte, cabe ao poder político honrar,

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dignificar e preservar uma figura tão ímpar e tão identificada com Portugal. A nossa responsabilidade é a de fazer com que o povo possa continuar a viver com Amália, de fazer com que as novas gerações de portugueses tenham acesso à sua obra e de fazer com que esta seja dada a conhecer ao mundo. Para que os nossos filhos ou, se quiserem, para que um jovem aluno da escola de fado de Tóquio possa, ao chegar a Portugal, saber que está no país de Amália e que o seu nome e a sua memória são aqui sentidamente acarinhados e preservados. Não é tarefa menor, no momento em que lamentavelmente - porque também temos sempre as nossas misérias mediáticas - se procuram levantar algumas polémicas tristes e pequenas sobre a sua vida ou mesmo sobre a sua morte, em vez de fazer o que deve ser feito: honrar o seu nome e divulgar a sua obra. Dar a conhecê-la é fazer com que os nossos jovens gostem de Amália. Nas palavras da grande artista «... Porque se alguém gosta de mim, algo de mim sobrevive».
Que a obra de Amália sobreviva é a tarefa mais importante e que se sobrepõe a tudo. Mesmo à explicação desse destino ímpar, pois esse, mais que todos os louvores e discursos, terá uma razão: a de uma vida que a própria dizia não saber explicar: «Julgo que não vivi a vida, foi a vida que me viveu». Um percurso único e 50 fabulosos anos de carreira. Os louvores, a admiração, tudo, certamente, foi por vontade de Deus.

Aplausos do CDS-PP, do PS, do PSD, do PCP e de os Verdes.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados: Há um ano, Lisboa despedia-se de Amália, transportando de S. Bento à Estrela e aos Prazeres, quer pelo silêncio, quer pelo poema cantado, a emoção, o afecto e naturalmente a dor de quem perdia, por morte não anunciada, parte de um todo que a todos pertencia.
Homens e mulheres de um povo que, anónimo, se identificava, ria e chorava, lembrando acordes de guitarra que à «dor inúmeras vezes mataram a sede».
Amália «gostava de ser quem era».
Filha de uma família pobre e numerosa que um dia parte para Lisboa à procura de melhores dias. Mas as expectativas não se concretizam, e ei-los que partem e Amália fica.
Aprende a língua portuguesa a cantar para o «povo que lava(s) no rio», para as vizinhas que lavam a roupa na selha e os aplausos ecoam pelas ruas apertadas do bairro lisboeta, quando não tinha, sequer, meia dúzia de anos. Não conhece brinquedos, mas sabe algumas cantigas. No bairro, pedem-lhe que cante e, em troca, enchem-lhe as algibeiras do bibe com rebuçados e moedas.
Não longe desta casa, na Escola Primária da Tapada da Ajuda, menina ainda, ela ouve, pela primeira vez, as palmas de um público mais vasto que a escuta, adivinhando a prazo talento e sucesso.
Mas a escolaridade acabou cedo. Foi necessário aumentar os parcos recursos da família com o seu próprio labor. Parece fado de gente pobre. Grandes e pequenos garantem o sustento da casa.
E ela parte para o cais da Rocha, em Alcântara, vendendo fruta e cantando alegrias e tristezas de um povo que, então, parcas razões tinha para cantar o presente, porque distante estava ainda a madrugada da liberdade.
«Estranha forma de vida», não por ser desconhecida, mas diferente, diria o poeta de Bárbara Escrava, a Negra Cativa, e talvez, em rodapé, acrescentasse «igual a tantas outras».
António José Saraiva diz que o fado é a expressão mais popular desse «gosto de ser triste: é um lamento entrecortado de soluços».
Amália interpretou este sentir, apreendeu este ser e estar português, cantou e recriou o fado.
Ela explica o seu engenho e arte com uma simples e natural metáfora: «Nem sei como hei-de explicar isto. Talvez eu não seja criadora, mas quando canto estou a inventar. E, para inventar, preciso de música. O fado, quando comecei, era amarrado como se tivesse só uma divisão e a minha maneira de cantar deu-lhe mais duas casas.»
No teatro de revista, nas operetas, no cinema, nas casas de fado a sua voz sofrida ecoa, e talvez por isso ela confesse: «Quando canto, escuto-me, e quando me escuto acabo a chorar.»
O País é então já insuficiente para a cantadeira, e o mundo abre as suas portas a uma voz que expressa e sente o sofrimento sem precisar de fingir que é dor a dor que deveras sente.
Europa, África, América e Ásia rendem-se ao seu fascínio.
O mundo conhece e reconhece em Amália Portugal e os Portugueses.
A língua portuguesa ri e chora com ela, ao som da guitarra.
Poetas anónimos, trovadores medievais, Camões, Ary dos Santos, David Mourão Ferreira, Natália Correia, Vinícius de Morais são apenas, e só, alguns dos textos fadados pela arte de uma voz prenhe de emoção sensual e musical que «é património vivo da nossa cultura, do nosso país e do nosso povo».
Há um século, a cantiga, o fado irrompia nos bairros operários de Lisboa; depois cresceu, invadiu o urbano e o rural, e hoje «anda ainda na minha rua e o sol também».
Amália canta, e o País entrega-lhe hoje, aqui, as honras de Panteão Nacional

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, sublinhamos em Amália a excelência da arte, o cruzamento da expressão popular e da melhor poesia, um timbre único, a alegria do trauteio, mas também a voz mais afinada que ecoou nas sete partidas.
Sublinhamos em Amália a sua origem que, constantemente, foi também a sua devoção: a dos bairros populares de Lisboa, de onde se lobriga o Tejo, de onde se vêem as chaminés, as docas, os bairros antigos e onde há profusão de culturas. Também Amália foi multicultural na expressão do fado.
Sublinhamos em Amália a alegria de vida, sublinhamos em Amália a vontade de viver mais, de viver mais além.
A República inclina as suas bandeiras perante Amália. Amália merece esta homenagem da República.

Aplausos gerais.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Amália é uma referência na cultura portuguesa. E, mais do que uma referência em Portugal, Amália foi, é e será uma referência de Portugal no Mundo.
Chegámos ao longo da história de diversas formas a vários pontos do mundo, Amália foi uma dessas formas. Deu a conhecer parte da nossa cultura ao mundo, por seu grande mérito.
Na arte de interpretar a canção portuguesa, deu uma alma diferente ao fado, alargou-lhe horizontes, atribuiu-lhe uma dimensão mais alargada, cantando poemas de grandes poetas, interpretando com uma voz de reconhecida beleza infinita. Também infinita, porque não se vai perder no tempo. A imagem e a voz de Amália perdurarão pelo valor que encerram em si.
O reconhecimento do valor Amália não precisaria de prémios e similares. O povo reconhece-a, e todos a reconhecem.
O que a Assembleia da República propõe, e que Os Verdes subscrevem, é permitir colocar Amália ao lado de grandes figuras nacionais, concedendo-lhe as honras do Panteão, prestando uma grande homenagem a esta mulher.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.

O Sr. Ministro da Presidência (Guilherme d'Oliveira Martins): - Sr. Presidente, Ex.ma Família de Amália Rodrigues, Sr.as e Srs. Deputados: Muito se tem dito sobre Amália, mas são sempre poucas as homenagens que lhe possamos tributar. Poucos lembram que, antes de Amália, o fado era tido por alguns puristas como uma arte tolerada. Poucos disseram que Amália mudou radicalmente o fado, pondo ao serviço dele uma voz única, a capacidade de inovar e a audácia de cultivar novos métodos, com as inevitáveis voltinhas de sabor andaluz.
Afinal, teve a inteligência de ligar um repertório popular e erudito e de reconciliar fado aristocrático e fado vadio, criando uma nova «estranha forma de viver».
Alain Oulman musicou para ela os grandes poetas, abrindo uma nova capacidade de fazer popular o erudito, a começar por Camões e a continuar nos maiores contemporâneos, desde David Mourão Ferreira a Alexandre O'Neill e a Manuel Alegre, passando por Ary dos Santos ou Pedro Homem de Melo.
Amália fez a sua interpretação livre do fado, tornando-o um elemento da nossa identidade, que antes, de algum modo, era posto em causa. E com ela o fado talvez tenha deixado de ser um ter de ser, para passar ao pode ser. E assim deixou o saudosismo para passar a ler o destino à luz da vontade.
Um dia, Amália disse: «nunca tive pretensões de exprimir a alma nacional. Exprimo a minha. A alma nacional é muito pesada para mim».
No entanto, quisesse ou não, exprimindo a sua alma, foi fiel à nossa.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Srs. Membros da Família de Amália Rodrigues: As vossas palavras, Srs. Deputados, pensam as minhas.
Das coisas boas que devo à vida, uma delas foi ter podido conhecer de perto Amália Rodrigues, tê-la ouvido e ter sentido a sua arte.
Tive o privilégio de poder ser seu amigo e o privilégio ainda maior de supor sempre que tive a sua amizade. E creio que a tive.
Encontrámo-nos muitas vezes, cantámos juntos - ela teve a generosidade de, às vezes, me dizer que eu cantava bem o fado de Coimbra -, e a partir daí eu também fiquei convencido de que não cantava tão mal como julgava.
Creio que ganhei, junto dela, alguma coragem para cantar mais vezes do que teria cantado se a não tivesse conhecido.
Amália é já para mim uma grande saudade, e isso é o essencial que tenho a dizer hoje. Uma saudade dolorosa, ligada a uma grande admiração, a um grande respeito. Efectivamente, não sou capaz de me desligar da memória e de uma homenagem permanente à grande Amália Rodrigues.
Creio que o que estamos a fazer é o nosso dever: o dever de, como representantes do povo português, transladar os restos mortais de Amália para junto dos mais ilustres portugueses. Ela foi um dos mais ilustres portugueses!
Srs. Deputados, se concordarem, passamos de imediato à votação dos dois diplomas em apreciação, pois é bom que o façamos na presença da família de Amália Rodrigues.
Vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 307/VIII - Define e regula as honras do Panteão Nacional (PS, PSD, PCP, CDS-PP, Os Verdes e BE).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Vamos votar, na especialidade, o projecto de lei n.º 307/VIII.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Vamos passar à votação final global do projecto de lei n.º 307/VIII.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos agora votar o projecto de resolução, também subscrito por todos os grupos parlamentares, relativo à transladação dos restos mortais da grande Amália Rodrigues para o Panteão e à concessão das honras do Panteão à grande Amália Rodrigues e à sua memória, como tradução da veneração que o povo português tem por ela.
Srs. Deputados, vamos então votar o projecto de resolução n.º 79/VIII - Concessão de honras do Panteão a Amália da Piedade Rodrigues (PS, PSD, PCP, CDS-PP, Os Verdes e BE).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, creio que este momento merece uma ovação colectiva.

Aplausos gerais, de pé.

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Srs. Deputados, despedimo-nos da família de Amália Rodrigues que se encontra a assistir a esta sessão. Gostámos muito da vossa presença.
Vamos, agora, passar à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 41/VIII - Autoriza o Governo a alterar o Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, alterado pelos Decretos-Lei n.os 387-E/87, de 29 de Dezembro, 212/89, de 30 de Junho, e 317/95, de 28 de Novembro, e pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto.
Para introduzir o debate, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (António Costa): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O debate de hoje constitui um teste decisivo à determinação política no combate à morosidade processual.
A posição do Governo é clara nos valores, no objectivo e nos meios.
Os nossos valores são os do Estado de direito democrático, o nosso objectivo é assegurar a obtenção de tutela jurisdicional efectiva em tempo útil e os meios resultam da estratégia que aqui enunciámos aquando da discussão do Programa do Governo e que temos concretizado: reforço de meios, melhor administração, meios alternativos de prevenção e resolução extrajudicial de conflitos e também simplificação processual.
Temos uma causa e um adversário: uma causa, a Justiça ao serviço da cidadania e do desenvolvimento; um adversário, a morosidade processual.
A clareza do Governo exige clareza das oposições. Estão ou não determinadas a combater a morosidade processual?
Logo no debate do Programa do Governo disse-vos muito claramente ao que vinha. Nesse debate, apresentei uma estratégia clara e calendarizada do que nos propúnhamos fazer, estratégia que reafirmei nos debates promovidos, em Janeiro e Fevereiro, pelo PCP e pelo CDS-PP, na sequência do chamado «caso Aquaparque».
Está já concretizado o pacote de reforma da administração da justiça. O Ministério tem uma nova lei orgânica, que o dotou de uma inspecção-geral, que vai assegurar a inspecção de todos os órgãos auxiliares da justiça, e de um gabinete de auditoria e modernização, que permitirá uma visão integrada e global do funcionamento e organização dos tribunais, preenchendo a lacuna de um sistema parcelar e atomizado assegurado pelos conselhos superiores das magistraturas.
O plano de informatização dos tribunais está em marcha, garantindo que a rede informática estará integralmente instalada até final do próximo ano e em funcionamento todas as aplicações informáticas para a gestão de cada um dos processos.
Foram criadas as condições legais e orçamentais para que o Conselho Superior da Magistratura possa, até ao final do ano, reforçar, a título extraordinário, o quadro de magistrados. As vagas do quadro de oficiais de justiça estão já reduzidas a 80 lugares e, até final de Janeiro, pela primeira vez em décadas, os quadros estarão integralmente preenchidos.
Deram-se passos muito significativos no desenvolvimento de meios alternativos, extrajudiciais, para a prevenção e resolução de conflitos, de que tomo por exemplo o novo regime de pagamento de prémios de seguro e o acordo com o Automóvel Clube de Portugal, a Associação Portuguesa de Seguradoras e a DECO para criação de um centro de arbitragem para os danos materiais dos acidentes de viação.
Este esforço já produziu alguns resultados.
Lembram-se, certamente, dos «famosos» 132 000 processos que estariam parados no DIAP de Lisboa à espera de notificação. Posso informá-los que, na passada segunda-feira, cumpriu-se a última diligência relativa ao último destes processos.
Lembram-se também, com certeza, dos 21 000 exames pendentes no Laboratório de Polícia Científica. Posso informá-los que, no final de Setembro, as pendências estavam reduzidas a 11 000, não obstante os pedidos de exame entrados, ao longo deste ano, irem já nos 12 230.

O Sr. António Filipe (PCP): - Não era assim tão difícil!

O Orador: - Mas, Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, não tenhamos ilusões! Repito, não tenhamos ilusões! Não basta recuperar as pendências acumuladas, não basta mais e melhores meios, melhor administração, desenvolver meios alternativos, é essencial investir na simplificação processual, de uma forma precisa, criteriosa, calendarizada, cirúrgica, para eliminar bloqueios processuais conhecidos e prevenir, de modo sustentável, novas acumulações de pendências.
Em Fevereiro, aquando da interpelação do CDS-PP, disse-vos que aguardava um estudo síntese do Professor Boaventura Sousa Santos. Recebido e analisado este estudo, definimos uma check-list das alterações processuais de curto prazo; apresentámos 11 medidas que podem entrar já em vigor em Janeiro próximo; ouvimos os comentários, as críticas e as sugestões; elaborámos projectos de articulado e voltámos a auscultar a comunidade judiciária; e considerámos muitas das críticas e acolhemos muitas das sugestões.
Somos, como sabem, defensores de um método de boa decisão: estudar, ouvir, reflectir, dialogar e decidir. Chegou a hora de também decidirem. O Governo já decidiu na parte em que tem competência própria: as alterações ao processo civil. Quanto ao processo penal, precisamos, como sabem, de autorização legislativa da Assembleia da República.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Devia ser uma lei material!

O Orador: - O que pedimos é autorização para eliminar cinco pontos de bloqueio ao funcionamento do processo penal: primeiro, eliminar a possibilidade do arguido paralisar o processo, seja porque se furta à notificação, seja porque falta à audiência de julgamento;…

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - … segundo, limitar a 20 o número de testemunhas quer da acusação quer da defesa, sem prejuízo de este limite poder ser excedido, excepcionalmente, quando a complexidade da causa ou a descoberta da verdade material assim o exija; terceiro, assegurar a plena utilização dos mais modernos meios de comunicação, designadamente o recurso à videoconferência para inquirição de testemunhas que residam fora da área do tribunal; quarto, per

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mitir que os laboratórios e institutos oficiais, sempre que não possam realizar as perícias no prazo fixado pelo tribunal, as possam solicitar a outros organismos previamente acreditados; quinto e último, simplificar a elaboração do despacho de pronúncia, das sentenças dos processos sumários e abreviado e dos acórdãos absolutórios.
Trata-se de cinco alterações bem precisas e de consequências profundas.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Enfrentemos já e de caras a questão central deste debate, que se centra na eliminação da possibilidade do arguido paralisar o processo, porque se furta à notificação ou porque falta à audiência do julgamento.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Não aceito a contraposição entre simplificação processual e defesa das garantias. Há uma garantia fundamental dos cidadãos que é diariamente desrespeitada: a garantia constitucional a uma decisão em «tempo útil», a garantia da Convenção Europeia dos Direitos do Homem de uma decisão em «prazo razoável».

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Portugal já foi condenado em mais de 170 processos no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem por violação desta garantia e estão já pendentes mais cerca de 50 processos contra Portugal. Sinceramente, não nos podemos conformar! Esta é a garantia fundamental dos cidadãos que é violada! Esta é a garantia de todas as outras garantias, a garantia de que o cidadão pode obter tutela jurisdicional das outras garantias que lhe são conferidas, a garantia sem a qual todas as demais não passam de mera retórica!
É precisamente para garantia de todas as garantias que temos de simplificar os rituais processuais.
A principal conquista do Estado de direito é assegurar o direito de defesa, o direito a um julgamento público, equitativo e em prazo razoável. O direito ao julgamento não pode ser confundido com o direito a impedir o julgamento.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Não posso aceitar que se diabolizem riscos imaginários da mudança e se desprezem os riscos reais da inacção, pois esses são conhecidos: 40% - repito, 40% - das cartas registadas, com aviso de recepção, expedidas pelos tribunais não são levantadas no correio, porque o seu destinatário sabe que, assim, pode paralisar o processo em que é arguido; diariamente, milhares de cidadãos que cumprem o seu dever cívico de colaborar com a justiça são obrigados a comparecer em tribunal e a voltar duas, três, quatro vezes, porque o julgamento é sucessivamente adiado.
Este estado de coisas descredibiliza a justiça, esvai a função preventiva que só um sistema de justiça eficiente pode exercer, não assegura o império da lei e constitui-se como refúgio do incumprimento da lei.
O arguido tem, obviamente, o direito à defesa, mas não tem direito a furtar-se à acusação; tem direito ao julgamento, mas não tem direito a impedir o julgamento.
Chegou o momento, Sr.as e Srs. Deputados, de termos presente que o arguido não é o único cidadão no processo e que todos os cidadãos têm de estar representados na lei: o cidadão que é vítima do crime tem direito a exigir justiça; o cidadão que é testemunha tem direito a ser ouvido no dia e hora para que foi convocado para depor; e todos os cidadãos têm direito a ver restaurada a confiança no sistema de justiça.
Aquando do «caso Aquaparque», os Srs. Deputados não se pouparam no diagnóstico sobre o funcionamento da justiça. «Entrou em colapso», proclamou o Deputado António Filipe; «Encontra-se à beira da ruína»,…

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - E encontrava-se!

O Orador: - … preveniu o Deputado Henrique Chaves; «Em estado de falência», acrescentou o Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. António Filipe (PCP): - «Que maravilha!», disse alguém do PS!

O Orador: - Permitam-me que vos pergunte, com igual frontalidade: E agora? Agora que têm a oportunidade de autorizar a mudança o que é que decidem? Autorizam a mudança ou inviabilizam a mudança?
É por isto que este debate é um teste decisivo à determinação política no combate à morosidade processual. Porque, em função da disponibilidade que aqui revelarem, se apurará das condições políticas que este Governo dispõe para prosseguir o trabalho determinado de, passo a passo, simplificar as leis processuais.
Não pedimos um «cheque em branco», pedimos só a autorização para aprovarmos cinco soluções concretas para cinco problemas concretos.
Como sabem, temos plena disponibilidade para trabalhar, em sede de especialidade, aperfeiçoamentos técnicos. Em Comissão avançámos já soluções para os receios que a mudança vos suscita.
Diálogo? Sempre disponíveis para o diálogo! Mas, com clareza, vos digo, Sr.as e Srs. Deputados: o diálogo só se justifica se houver disponibilidade para decidir, para decidir com clareza no sentido da mudança, um sinal político inequívoco de que o combate à morosidade processual também passa pela simplificação das leis processuais. Este sinal é decisivo e a decisão que aqui e agora assumirem também será.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Guilherme Silva, Jorge Lacão e Odete Santos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, eu disse-lhe aqui, aquando do debate do Programa do Governo, e também o tenho dito noutras oportunidades, que a postura do PSD nestas matérias, tanto quando está na oposição como quando está no Governo, é a mesma, ou seja, convergimos sempre na mesma preocupação de olhar para a justiça com uma questão de Estado séria, que o é, e preocupados em emprestar-lhe eficiência e dignidade.
O Sr. Ministro enviou à Assembleia da República uma proposta de lei de autorização legislativa, mas eu, devo

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dizer, preferiria que tivesse sido uma proposta de lei material, e vem aqui pôr uma questão, de uma forma que não me parece ser a mais adequada ao apregoado diálogo, que é a seguinte: «os senhores têm esta oportunidade, demonstrem agora se estão connosco na preocupação de acelerar a justiça ou se vão refugiar-se em argumentos e justificações para não votarem favoravelmente esta proposta de lei»!
O Sr. Ministro ouviu, quer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, quer de instituições ligadas à justiça, desde a Procuradoria-Geral da República, à Associação dos Magistrados Judiciais, ao Conselho Superior do Ministério Público e à Ordem dos Advogados, ecos de alguns receios relativamente a esta proposta.
Se V. Ex.ª quer evitar que Portugal seja condenado no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, por razões de morosidade da Justiça, e se não quer que Portugal, eventualmente, venha a ser condenado pelo atropelo de outras garantias processuais no exercício da justiça -…

O Sr. Osvaldo de Castro (PS): - Não é verdade!

O Orador: - … esta é a questão que se tem de colocar em relação a esta proposta de lei -, pergunto: está o Sr. Ministro na disponibilidade de introduzir as alterações que evitem tanto esse risco como o de, a pretexto de nulidades e de inconstitucionalidades que esta lei encerra na sua redacção, ter nesta lei uma fonte perversa de maior morosidade e reponham o equilíbrio que esta proposta não tem?
Pergunto-lhe também se acha que é esta a grande «peia» de soluções para a questão da celeridade da justiça ou, em sede de Orçamento do Estado, tem de pensar-se na dotação de meios em maior quantidade e qualidade, para que a justiça funcione com mais eficiência e não apenas à custa e subordinada às simplificações processuais que possam pôr em causa garantias e direitos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, temos de saber qual é o caminho que temos de traçar. Estive aqui, como sabe, no dia 3 de Fevereiro, aquando da interpelação ao Governo do CDS-PP e, nessa altura, V. Ex.ª interpelou-me dizendo que eu estava à espera de estudos, de estudos, e perguntou-me se, em meu entender, não era de apresentar alterações legislativas. E expliquei-lhe o método: estava a aguardar um estudo de síntese do Professor Boaventura Sousa Santos, para identificar o que era necessário mudar, e que, depois de dialogar, iríamos decidir. Estudámos, ouvimos e chegou a altura de decidir, e de decidir com coragem!

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E de decidir com coragem significa, designadamente, ter em conta os receios - com certeza, ninguém aqui é irresponsável! Nunca cometeria o agravo à Assembleia de lhe enviar uma proposta de lei cuja aprovação constituísse para ela uma irresponsabilidade! Mas, como o Sr. Deputado sabe, não é isso que tem em mãos! Eu já disse na Comissão que estou disponível para aceitar duas ou três alterações técnicas que evitem alguns dos receios que V. Ex.ª e o Sr. Deputado Luís Marques Guedes suscitaram.
Agora, há uma coisa para a qual não estou disponível, é para continuarmos a excluir do Código de Processo Penal parte dos cidadãos, o cidadão que é vítima e o cidadão que é testemunha. Não estou disponível para continuarmos a fazer os códigos, única e exclusivamente, com o ponto de vista da comunidade judiciária, que tem, naturalmente, em relação à mudança um receio estrutural básico e de princípio, qualquer que seja essa mudança.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Esse é que é o problema!

O Orador: - Pergunta-me se tenho receio de virmos a ser condenados. Ó Sr. Deputado, há uma coisa que sabemos, que não são receios imaginários, é que, todos os dias, somos condenados no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem por atraso na administração da justiça.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Tem razão!

O Orador: - Esta é a realidade! São 170 casos que já aconteceram e temos lá pendentes mais 50! E a pergunta que os cidadãos portugueses nos dirigem, a mim, a si e a todos nós, é quantas prescrições é que ainda vão ser necessárias para se disporem a atacar a necessidade da simplificação processual.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É verdade!

O Orador: - Sr. Deputado, os receios que tenho ouvido suscitar são receios que os juristas sempre arranjam naquela previsão da catástrofe que atinge qualquer cidadão, previsivelmente, sempre que tem de se relacionar com a justiça. Sempre que se tem de relacionar com a justiça é previsível que aconteça algo, que seja atropelado, que parta uma perna, que a esposa entre em trabalho de parto ou o filho tenha uma amigdalite. Tudo isto acontece! É sempre previsível! Mas isto não é o que acontece no dia-a-dia ao cidadão comum, a nenhum cidadão comum, que vai aos exames no dia em que eles estão marcados, que casa no dia em que a cerimónia está marcada, que vai ao médico no dia em que a consulta está marcada. Por que é que toda a gente comparece no dia e hora certa onde tem de comparecer e só no tribunal é que isto não acontece?! Sabe por quê? Porque se generalizou a convicção de que a justiça não é para ser levada a sério.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, peço-lhe que termine.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
E o grande desafio que temos é o de restabelecer a credibilidade do funcionamento do sistema de justiça, porque, no dia em que as pessoas perceberem que a justiça funciona e o julgamento se faz no dia e hora em que está marcado, garanto-lhe que deixa de haver adiamentos e que as pessoas passam a estar presentes.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, pelo facto de termos apenas um projecto de deliberação para votar, não quer dizer que não cumpramos, na medida do possível, a hora regimental das votações. Assim, vamos votar o projecto de deliberação n.º 13/VIII - Prorrogação do período de funcionamento da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar à Gestão da TAP desde o Plano Estratégico de Saneamento Económico e Financeiro (PESEF), bem como à organização do seu processo de privatização (Presidente da Assembleia da República).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos agora retomar a discussão da proposta de lei n.º 41/VIII.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, V. Ex.ª mencionou aqui - e recordou-nos - aquilo que foi o seu compromisso, em momentos anteriores em debate parlamentar, relativamente ao empenhamento do Ministério no combate aos factores de estrangulamento, devidamente identificados, ao nível da administração judicial. E é caso para podermos dizer, no momento em que já nos encontramos, que vários desses compromissos têm sido empenhadamente afirmados e concretizados por parte do Ministério, não apenas no sentido mais estrito da administração judiciária mas também relativamente ao conjunto dos problemas que, ao nível do mundo do Direito, afectam, em geral, a vida dos cidadãos.
Penso que é, por isso, o momento de cumprimentar vivamente o empenhamento do Ministério da Justiça e lembrar aqui o esforço, já concretizado, no sentido da simplificação de tantos actos, designadamente pela simplificação de actos notariais, pela possibilidade de permitir a partes contratantes, através de contrato com escrito particular, alcançar com igual nível de segurança aqueles objectivos que, antes, porventura por razões de excesso burocrático, exigiam longas démarches junto das instâncias notariais. Podemos, assim, constatar o verdadeiro empenhamento que tem sido feito para dar eficácia a esta máquina que tem a ver com o dia-a-dia dos cidadãos e sublinhar nisso aquilo que já foi feito, designadamente em matéria da própria organização da investigação judiciária, com lei recentemente aprovada, com a actualização da Lei Orgânica da Polícia Judiciária e, igualmente, com o enorme trabalho de actualização dos meios humanos e tecnológicos ao nível do sistema judiciário, que permite acreditar numa verdadeira revolução no modo de tratamento procedimental dos actos que se ligam ao sistema judiciário.
Por tudo isso, Sr. Ministro da Justiça, tem V. Ex.ª o inteiro aplauso da bancada do PS na prossecução desse esforço.
E, no que ao caso convém agora, o Sr. Ministro manifestou disponibilidade para dialogar com a Assembleia, dentro de um propósito objectivo de, eventualmente, encontrar soluções de aperfeiçoamento do pedido de autorização legislativa formulado, mas com o objectivo de o concretizar e não de o adiar.

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado. Faça o favor de concluir.

O Orador - Concluo, já, Sr. Presidente.
Quero, por isso, Sr. Ministro, pedir-lhe o seu testemunho, no sentido da disponibilidade do Ministério para, nos próximos dias, trabalhar conjuntamente no quadro da 1.ª Comissão, para o efeito que referiu.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, agradeço-lhe as palavras amáveis que me dirigiu, em nome do Grupo Parlamentar do PS e em seu nome próprio.
Sr. Deputado, como referi na Comissão, estou totalmente disponível para trabalhar, em sede de comissão, na especialidade. O Governo aceita, aliás, com agrado, o convite que, na sua qualidade de Presidente da 1.ª Comissão, nos dirigiu para nos podermos associar aos trabalhos.
A única coisa que eu disse foi que não podem haver aqui equívocos entre nós. Portanto, se é para o diploma baixar à Comissão, mesmo sem votação, para um trabalho determinado, com um objectivo, o de introduzir aperfeiçoamentos para eliminar receios, mas para aprovarmos e decidirmos, estou totalmente disponível - esta é a forma de este Governo estar com a Assembleia da República e, permitam-me a imodéstia, é, em particular, a minha forma de estar com a 1.ª Comissão.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Agora, temos é de ser claros sobre o que pretendemos. Portanto, a minha disponibilidade é total. A única pergunta que fiz foi a de saber qual é a disponibilidade dos partidos da oposição. É que se também disserem «não temos a menor disponibilidade para considerar que, mesmo com aperfeiçoamentos técnicos, isto tenha condições de ser aprovado», então, assumamos claramente o que cada um pretende e cada um assuma as suas responsabilidades.
Pela nossa parte, estamos disponíveis para trabalhar. Vamos a isso!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, dado que disponho de pouco tempo para a intervenção global neste debate, irei fazer algumas perguntas telegraficamente, mas, desde já, quero começar por dizer que o Grupo Parlamentar do PCP está disponível para introduzir algumas alterações em sede de Código de Processo Penal, que contribuam para debelar a morosidade da justiça.
Devo dizer que, por exemplo, haver a possibilidade de se adiar duas vezes um julgamento e ele só se fazer à terceira é manifestamente excessivo, embora também queira afirmar, num parêntesis, que o actual Código já permite que não haja nenhum adiamento. Se os magistrados judiciais estivessem mais disponíveis para exercer as competências e fizessem o que o Código diz - eles não podem fazer,

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porque têm muito trabalho -, diligenciavam pela comparência do arguido, usando da custódia nessa primeira vez e não apenas na terceira vez, como se faz nos tribunais.
Relembro-lhe ainda a comparação que V. Ex.ª fez, no tal debate de Janeiro de 2000, a propósito da situação do sistema de justiça. Disse V. Ex.ª o seguinte: «(…) o sistema de justiça, com os meios que tem, do século passado, e as exigências que hoje se fazem, do próximo século, está na situação em que estaria o sistema de saúde se a penicilina ainda hoje não tivesse sido inventada». E acrescentou que era preciso ir introduzindo «penicilina» aos poucos, ao que o Sr. Presidente retorquiu, com muita graça: «Sr. Ministro, os vírus estão a ficar resistentes à penicilina!».
Ora, gostaria de perguntar a V. Ex.ª se acha que, desde Janeiro até agora, já aplicou as doses de «penicilina» necessárias noutras áreas que me parecem muito importantes, nomeadamente na desjudicialização do social, por exemplo, não atirando tudo para os tribunais, nos meios técnicos e humanos, enfim, se já aplicou isso e entende que já está tudo no caminho certo.
A minha segunda questão tem a ver com os juízes de instrução. É que uma das causas da morosidade processual, em muitos tribunais, foi a extinção dos lugares de juízes de instrução e a acumulação do trabalho do juiz do julgamento com o trabalho do juiz de instrução, como aconteceu em Setúbal. Ora, pergunto-lhe, Sr. Ministro, por que é que não ataca aí as causas da morosidade processual. É que em muitos tribunais é imperioso voltar-se à figura do juiz de instrução.
Colocar-lhe-ia uma última questão, porque não tenho tempo para colocar-lhe mais nenhuma - embora ainda não me tenha explicado devidamente e eu não tenha entendido muito bem…

O Sr. Presidente: - Já terminou o seu tempo, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - … por que é que a notificação postal registada é substituída pela outra -, para saber por que razão se desvaloriza, mais uma vez, o papel do juiz de instrução com uma tarefa que eles não podem cumprir, que é a de ditar para a acta a decisão instrutória. Isto é desvalorização.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, perguntou-me a Sr.ª Deputada o que fizemos desde Janeiro. No meu discurso tentei dar alguns exemplos do que fomos procurando fazer desde Janeiro.
No que diz respeito aos meios humanos, a Sr.ª Deputada sabe que havia mais de 1000 vagas no quadro de oficiais de justiça, mas, neste momento, só há 80 e, até final de Janeiro, os quadros estarão integralmente preenchidos. Eu próprio trouxe aqui à Assembleia - e a Assembleia aprovou - a proposta de criação de um conjunto de mecanismos extraordinários para recrutamento de magistrados. Isso já permitiu encurtar o estágio do primeiro universo de magistrados e ter um reforço de 50, e, em Dezembro, vamos ter um segundo reforço de 50; já está feito o regulamento que permitirá um concurso extraordinário e, tanto quanto sei, o Conselho Superior da Magistratura, muito brevemente, irá abrir o concurso para o recrutamento extraordinário de magistrados, de modo a que o plano que foi acordado entre o Governo e o Conselho Superior da Magistratura, que visa dotar de juízes auxiliares todos os tribunais onde exista uma capitação superior a 1500 processos, possa estar concretizado no próximo dia 1 de Janeiro.
Mais, teremos ainda de alterar, muito rapidamente, a lei dos assessores, de forma a cumprir o outro compromisso, que é o de dotar de assessores todos os tribunais onde exista uma capitação de processos entrados superior a 1000.
Quanto aos juízes de instrução, a Sr.ª Deputada conhece, certamente, a alteração que fizemos à Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, em que criámos 13 novos lugares de juízes afectos à investigação criminal…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não chega!

O Orador: - Ó Sr.ª Deputada, pois não chega! Mas sabe por que é que só criámos 13 e por que é que 11 deles só são instalados em Janeiro? Porque não há juízes! Não há juízes!
A criação desse movimento foi feita à unidade, num trabalho de horas e horas infindáveis com o Conselho Superior da Magistratura, magistrado a magistrado, por forma a ver-se que lugares seriam possíveis criar e onde se poderia ir buscar juízes! E devo dizer-lhe que, para este movimento ser possível, o Conselho Superior da Magistratura deliberou - muitas vezes o Conselho é aqui atacado e merece ser publicamente elogiado por isto! - não preencher todas as vagas nos tribunais superiores, de modo a reter magistrados, que tinham direito à promoção, nos tribunais de 1.ª instância, onde faziam falta! Agora, nós andamos a trabalhar à unidade!
Se me perguntar se eu quero ter 30 juízes de instrução criminal, digo-lhe que quero, com certeza! Agora, não os tenho no bolso! E nem sequer posso contar com a Sr.ª Deputada para os tirar do seu bolso, porque sei que também não tem!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Do meu não! Posso é oferecer-me para juíza!

O Sr. António Filipe (PCP): - Os espanhóis não se adaptam!

O Orador: - Mas peça aqui ao Sr. Deputado Octávio Teixeira que é capaz de arranjar!
Sr.ª Deputada, há uma questão fundamental em que temos de nos compenetrar: precisamente como o Sr. Presidente disse, os vírus vão ficando resistentes à penicilina, e, portanto, há um «cocktail de ataque» aos novos vírus, que passa pela informatização. É por esta razão que vai ter toda a rede informática instalada até ao final do próximo ano, todas as aplicações informáticas a funcionar até ao final do próximo ano. Se for aos 30 tribunais onde a aplicação respeitante ao processo cível já está a funcionar, os funcionários poder-lhe-ão dizer quais são as vantagens que esta aplicação introduz. Mas vamos ter de ter mais meios humanos.

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Ministro. Faça favor de concluir.

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O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Porém, há uma coisa sobre a qual não podemos ter ilusões: não bastam mais e melhores meios, é essencial mudar as formas processuais!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - E a montante?!

O Orador: - E a Sr.ª Deputada sabe que, na essência, os nossos códigos processuais vêm do princípio do século e que hoje já não somos a sociedade paroquial que fomos. Portanto, aquelas formas processuais, hoje, só introduzem morosidade,…

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, tem de terminar.

O Orador: - … já não introduzem garantias, só sacrificam as garantias dos cidadãos.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Este código é de 1987!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Que fique claro que a minha posição e a do Grupo Parlamentar do PSD vão, inequivocamente, no sentido de dar o seu contributo para, por via deste diploma, se encontrar as soluções que, sendo simplificadoras, são aceleradoras da justiça e que não ponham em causa direitos fundamentais que a Constituição da República Portuguesa consagra e que são conquistas do Estado de direito democrático.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Digo isto, Sr. Ministro, não para trazer qualquer embaraço na exigência escrupulosa do cumprimento destes princípios e garantias mas, sim, por duas razões: primeiro, custou muito a construir o Estado de direito e a implantar a democracia e,…

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Nós sabemos!

O Orador: - … segundo, às vezes metemo-nos por atalhos e a «viagem» fica mais longa! E é para evitar que nos metamos por atalhos que chamamos a atenção para este facto: simplifiquemos, adoptemos as medidas necessárias à aceleração, mas não tenhamos a tentação de, com alguma leviandade, passar por cima de exigências que são fundamentais e que não podemos ultrapassar e que, sendo ultrapassadas, irão ser uma fonte da arguição de nulidades, de incidentes processuais, de questões de inconstitucionalidade, que irão ter o efeito perverso daquele que é o seu, o meu e, com certeza, o desejo de todos nós, que é o de contribuir para uma maior eficiência, para uma maior celeridade da justiça dos nossos tribunais.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Que esta questão e esta posição fiquem bem claras!
Desde já lhe digo, inequivocamente, que estamos inteiramente de acordo não só com as soluções que levam à adopção de novas tecnologias de comunicação, designadamente a teleconferência, evitando as deprecadas, os ofícios precatórios, demoras, etc.,…

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - As novas tecnologias! Finalmente!

O Orador: - … como com o recurso a perícias exteriores, aos institutos oficiais e públicos, às entidades privadas, desde que sejam salvaguardadas as regras dos impedimentos e da suspeição, e temos de encontrar uma forma de as salvaguardar.
São duas medidas que, por certo, vão contribuir para a celeridade, e cuja adopção não tem qualquer colisão, pelo contrário, com direitos fundamentais.
V. Ex.ª referiu a circunstância de 40% das cartas registadas serem devolvidas e de haver uma eventual posição intencional dos destinatários dessas cartas, que não as vão levantar exactamente por quererem furtar-se à notificação, como justificação para a adopção da via postal simples como regra geral para uma notificação, e regra geral para actos que são extremamente relevantes, como é a acusação.
Mas a pergunta que coloco, Sr. Ministro da Justiça, é esta: V. Ex.ª adopta, como regra geral, a notificação postal simples e ao adoptá-la não vai pôr em risco a certeza da notificação dos outros 60% que recebem as cartas e que cooperam com a justiça? Esta é a questão que se coloca! V. Ex.ª quer dar uma resposta, quer ultrapassar um problema, que é o dos tais 40%, e, porventura, vai caminhar pelo caminho e pela opção que vai pôr em risco a certeza e a garantia da notificação efectiva dos outros 60%. Esta é uma questão incontornável!

Vozes do PS: - Isso não é verdade!

O Orador: - E a verdade é que a opção da notificação postal simples vai trazer muitos problemas a muitas pessoas que não são, efectivamente, notificadas e que vão ter o problema grave e a dificuldade de fazer nos tribunais, em incidente que seja suscitado para o efeito, a prova do facto negativo, que V. Ex.ª sabe que não é uma prova fácil. E, subjacente a tudo isto, há uma questão que me preocupa muito, muito sinceramente, que é esta: há uma certa banalização, uma certa subvalorização do que é um processo penal, do que é um processo crime, do que é alguém estar envolvido e a contas com a justiça criminal. Porque se não recebeu a notificação não tem grande importância, ver-se-á mais adiante, é capaz de receber a notificação para julgamento.
Mas há princípios no meio de tudo isto! Fica impedida e frustrada a possibilidade de requerer a abertura de instrução e de demostrar, nessa sede, que não se justifica que a pessoa se sente no banco dos réus. Não são questões menores em relação aos direitos, liberdades e garantias e é preciso pensar e reflectir nestas situações e na forma como podemos, eventualmente, conciliar estas medidas de simplificação e de aceleração com a salvaguarda de aspectos que continuam a ser fundamentais ao exercício da justiça.
Há pouco, quando eu disse que teremos, obviamente - e também é um valor constitucionalmente consagra

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do e resultante das convenções internacionais, designadamente da Convenção Europeia dos Direitos do Homem -, uma justiça pronta, o direito a ter a causa resolvida em prazo razoável, não é para a obtermos a qualquer preço, nem a Constituição nem a Convenção Europeia dos Direitos do Homem dizem isto, com atropelo das regras intercalares essenciais a outras garantias, que também assistem aos visados pela justiça. Esta conciliação é indispensável que se consiga, e estamos inteiramente disponíveis para esse esforço de conciliação em sede de discussão na especialidade, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Estas não são questões que sejam aqui trazidas pelo PSD por mera invenção…

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Mas parece! Você está com alguma dificuldade, Sr. Deputado Guilherme Silva!

O Orador: - … ou como forma de obstáculo, porque isto é fruto dos tempos, Sr. Ministro da Justiça.
Eu nem sou nem deixo de ser partidário desta proliferação legislativa, particularmente para as alterações sucessivas aos códigos. Os códigos são, por natureza, diplomas que são elaborados com uma lógica sistemática e com uma filosofia geral na sua total organização e são, sistematicamente, postos em causa pelas alterações avulsas - repito, sistematicamente postos em causa pelas alterações avulsas -, gerando muitas vezes os tais aspectos perversos de dúvidas, de grandes conflitualidades jurisprudenciais, com recursos sucessivos, com os tais efeitos perversos de morosidade que o legislador não quis. Quando o legislador trouxe aqui, em diplomas anteriores, as soluções para alterar o Código de Processo Penal fê-lo na boa intenção de conseguir soluções mais céleres e mais eficientes. Mas a verdade é que muitas delas geraram, como nós sabemos, dúvidas nos tribunais, interpretações diversas, pela sua forma menos coerente com a própria lei que se pretendeu alterar. Esta também é uma chamada de atenção que quero fazer relativamente a esta solução.
Ainda há pouco, em 1998, a Lei n.º 59/98 introduziu alterações no Código de Processo Penal, designadamente as decorrentes da revisão a que procedemos em 1997, quanto ao julgamento do réu ausente, que, a meu ver, ainda não foi suficientemente amadurecido, ensaiado e experimentado, para que seja agora, como é, de uma forma radical, alterado. São estas sucessivas alterações num curto espaço de tempo, que não me parecem ser os caminhos mais adequados ao desiderato que a todos nos anima.
Mas dizia eu que as preocupações que aqui trago não são fabricadas ou fomentadas pelo PSD. Há especialistas na matéria que levantam dúvidas, quer sobre a constitucionalidade, quer sobre a conformação de algumas soluções, designadamente com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, como seja o caso de VV. Ex.as, agora, eliminarem a possibilidade de o réu julgado à revelia poder requerer novo julgamento. Esta situação, que estava prevista e decorria das alterações introduzidas em 1998, desaparece nesta proposta.
Ninguém deixa de perceber e compreender que alguém que foi julgado à revelia, que, por circunstâncias que não reconhecemos à partida, naturalmente, não teve a possibilidade de exercer os normais meios e direitos de defesa que assistem a quem tem de ser julgado, possa, perfeitamente, num julgamento que venha a requerer posteriormente, quando notificado da decisão que lhe foi aplicada à revelia, exercitar esses direitos e demonstrar que, ao fim e ao cabo, nada tinha a ver com aquela situação, que estaria inocente, presunção que, aliás, também tem assento constitucional.
Há aqui soluções que merecem comentários, como, por exemplo, a de a decisão instrutória poder louvar-se na acusação deduzida pelo assistente ou pelo Ministério Público que mereceu, do Professor Germano Marques da Silva, este comentário: «Este artigo contém o apelo ao autoritarismo traduzido na validade da decisão por força da autoridade judicial e não da racionalidade dos seus fundamentos. As decisões judiciais devem ser sempre fundamentadas não só para própria disciplina interior de quem as profere mas também para convencimento dos destinatários. A fundamentação é uma exigência do processo burocrático».
Ora bem, há, na solução proposta, um desequilíbrio. Por que não prever também que o juiz, se entender não receber a acusação e fazer um despacho de não pronúncia, não se possa louvar no requerimento de abertura de instrução? Por que não introduzir algo de equilíbrio e de igualdade nesta solução, que também é de economia processual e de celeridade? Por quê só poder louvar-se na acusação que tenha sido deduzida pelo assistente e pelo Ministério Público?
Sr. Ministro da Justiça e Srs. Deputados, estamos completamente disponíveis para colaborar no aperfeiçoamento desta lei, nesta conciliação muito simples: vamos fazê-la em conformidade com a Constituição, com o Estado de direito democrático que somos!

Aplausos do PSD.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Isso já está feito!

O Sr. Presidente: - Visto não haver inscrições para pedir esclarecimentos, tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Sr. Ministro da Justiça, tendo V. Ex.a tido a gentileza de relembrar, hoje, aos Deputados aquilo que disseram aquando da interpelação ao Governo, feita pelo CDS-PP, sobre o estado da Justiça em Portugal, em 3 de Fevereiro passado, gostaria de retribuir a V. Ex.a tal amabilidade com a leitura de alguns parágrafos da intervenção que, então, proferiu.
Disse V. Ex.a: «Estaremos, assim, em condições de, muito brevemente, procedermos à necessária auscultação formal dos diferentes operadores judiciários (…) quanto à simplificação dos diversos actos, desde a citação à sentença.
Por exemplo: pode a citação prescindir de aviso de recepção? Pode considerar-se efectuada no domicílio constante do contrato, se (…)» a relação contratual for a causa de pedir? «Ou o domicílio constante do arquivo de identificação, nos demais casos? O Governo responde 'sim' a estas perguntas. Gostaria de conhecer as respostas dos Srs. Deputados.
Assim que os tribunais sede dos círculos judiciais estiverem equipados com sistema de vídeoconferência podem as deprecadas ser substituídas por esta forma de inquiri

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ção durante a própria audiência? O Governo responde 'sim' a esta pergunta. Gostaria de conhecer as respostas dos Srs. Deputados.
(…) importa termos presente que a questão da morosidade não se esgota na necessidade de simplificar os actos processuais. Passa, designadamente, pela necessidade de enfrentarmos essa chaga que constituem os adiamentos, os sucessivo adiamentos, sejam os que resultam de faltas de quem tem o dever de comparecer, sejam os que resultam de indisponibilidade do tribunal.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Temos, sobretudo, de atender aos direitos da testemunha, o cidadão que cumpre o seu dever, desinteressado, de comparecer a colaborar com a justiça, e que tem direito a não ser sucessivamente obrigado, sob cominação de multa, a deslocar-se a audiências sucessivamente adiadas. (…)
Também aqui o Governo pode responder 'sim' a esta pergunta (…), gostaria de conhecer as respostas dos Srs. Deputados.»
Pois, Sr. Ministro, depois de conhecermos o teor da proposta de lei que hoje discutimos, depois de conhecermos as posições e as reservas assumidas pelas entidades que foram formalmente ouvidas aquando da elaboração da mesma e analisadas as explicações dadas por V. Ex.a na 1.ª Comissão e hoje, no Plenário, estamos preparados para lhe dar a nossa resposta. E a resposta do nosso partido é «não»!
A resposta é «não», Sr. Ministro, porque a proposta de lei, na sua versão ou redacção actual, sublinho, parece-nos demasiado ligeira na sua fundamentação e algo ínvia nas soluções que propõe.
A resposta é «não», Sr. Ministro, porque as entidades que foram ouvidas na 1.ª Comissão manifestaram as maiores reservas quanto ao ponto a que se chega nas limitações aos direitos de defesa dos arguidos e nas potencialidades de violação de direitos constitucionais fundamentais que a proposta em si encerra.
A resposta é «não», Sr. Ministro, porque as explicações por V. Ex.ª trazidas não nos convencem inteiramente.
Sr. Ministro da Justiça, a revisão e a reforma do Código de Processo Penal têm uma década de história. Em Março de 1991, quando surgiu o novo projecto de Código Penal, o Ministério da Justiça nomeou uma comissão para rever o Código de Processo Penal de 1987. Durante quatro anos, e com o intuito de tornar o Código de Processo Penal compatível com o Código Penal revisto, foram-lhe introduzidas alterações pontuais, a última das quais em Novembro de 1995. Apesar disso, quatro meses depois, o ex-Ministro da Justiça Vera Jardim veio reconhecer que a justiça criminal continuava, «por regra, a ser lenta e, em muitos casos, ineficaz» em virtude de as alterações não terem atacado os estrangulamentos que geravam a ineficácia e a morosidade no sistema penal.
O Governo decidiu, então, nomear outra comissão para a reforma do Código de Processo Penal, presidida pelo Professor Germano Marques da Silva e constituída por um juiz de Direito, um procurador da república, três assistentes de faculdades de Direito, um inspector da Polícia Judiciária e um representante da Ordem dos Advogados. Na sequência do trabalho desta comissão, veio a conhecer a luz do dia a Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, que reformulou profundamente o Código de Processo Penal.
Não decorridos ainda dois anos sobre a entrada em vigor desta lei, propõe-se novamente o Governo rever o Código de Processo Penal sem que da proposta de lei que agora apreciamos conste uma única linha, nem sequer na exposição de motivos, sobre o resultado da avaliação das soluções constantes da Lei n.º 59/98, sobre quais delas se mostraram completamente improdutivas, produziram algum resultado ou necessitam de aperfeiçoamento, nem ainda sobre quais as que se revelaram eficazes. Ou seja, nada é dado por adquirido quanto à eficácia da implementação de mecanismos processuais novos então adoptados, mas a vertigem de legislar, legislar, legislar, continua e temos, hoje, novamente, uma outra proposta.
Disse o Dr. Francisco Bruto da Costa, juiz desembargador do Tribunal da Relação de Évora, sobre a proposta de lei que estamos hoje a apreciar: «(…) um código é um grande edifício acabado, coerente, com soluções integradas e cuidadosamente engendradas; a alteração de uma única norma de um código pode ser devastadora em termos de compreensão geral da sua lógica, dadas as múltiplas remissões internas que tem, daí que seja natural esperar do legislador um cuidado acrescido quando altera códigos».
São as lei feitas à pressa que originam prescrições inesperadas e alimentam querelas doutrinárias e jurisprudenciais intermináveis, cativando o tempo e a atenção dos profissionais de Direito para questões processuais, em desfavor da reflexão e do aprofundamento das verdadeiras questões jurídicas de fundo, em última análise, contribuindo para a menor produtividade dos tribunais, com os consequentes atrasos que muito contribuem para o descrédito do sistema jurídico.
Sr. Ministro, o núcleo duro da proposta de lei em análise é constituído por dois pontos, conforme V. Ex.ª reconheceu na 1ª Comissão: alterações ao regime de notificação do arguido, dos assistentes e das partes civis; e alterações ao regime de marcações e adiamentos da audiência de julgamento. Tudo o resto são círculos maiores, periféricos, que, efectivamente, não têm grande importância do ponto de vista de atacar o núcleo duro, que é a chaga dos adiamentos e da recusa de justiça.
Propõe o Governo que o arguido, os assistentes e as partes civis passem a ser notificados mediante notificação postal simples sempre que tenham indicado à autoridade judiciária ou policial, perante a qual prestaram declarações, a sua residência, local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha, devendo indicar pessoa idónea, na comarca em que o processo corre, para receber as notificações sempre que residam ou vão residir para fora desse território.
Bastará o facto de um funcionário dos CTT lavrar uma declaração a dizer que depositou a carta no dia tal, pelas tantas horas, na caixa de correio da morada tal para substituir o contacto pessoal com o destinatário que a notificação registada pressupõe? Não cumprirá a notificação registada mais eficazmente o objectivo de indicar ao tribunal a razão pela qual, também pela declaração do distribuidor dos CTT, a correspondência em causa não foi entregue ao seu destinatário, permitindo-lhe retirar daí as necessárias consequências? O mesmo se diga quanto à notificação do despacho que designa o dia para o julgamento.

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Estará o Governo disposto a arcar com o ónus deste aligeiramento de formalidades processuais tão importantes e significativas quanto estas?

O Sr. Ministro da Justiça: - Está!

O Orador: - Não será uma deslealdade censurável, sobretudo para com o arguido e para com o assistente, impor-lhes o ónus de provar um facto negativo - a falta de notificação - quando tal facto se pode ter ficado a dever a uma desatenção de um funcionário postal?
Diz V. Ex.ª que, segundo a estatística, em 99% dos casos a distribuição é feita, mas também sabemos que casos como o de um funcionário dos correios que guardou 2000 cartas, que não lhe apeteceu entregar aos destinatários, na bagageira do seu automóvel não são excepcionais.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Isso é uma excepção!

O Orador: - É o tal 1%, dirá V. Ex.ª, mas nele poderá estar incluído um único arguido, o que basta para ser vítima de uma lei demasiado célere e, para ele, tornar-se uma lei celerada.
Considera o Governo que uma das maiores causas da morosidade processual reside nos sucessivos adiamentos da audiência por falta de comparência do arguido ou de outras pessoas cuja presença seja indispensável à boa decisão da causa, ou seja, imposta por lei ou despacho judicial.
Sr. Ministro, julgamos que o principal problema, conforme é referido num relatório do Professor Boaventura Sousa Santos, não é principalmente a questão dos adiamentos mas, sim, aquilo a que ele chama as causas da morosidade organizativa ou organizacional.

O Sr. Ministro da Justiça: - Isso é verdade!

O Orador: - Sem atacar estas formas de morosidade organizacional, entende V. Ex.ª que, através de mera «cirurgia localizada», é capaz de atacar o problema central da morosidade, que é, umas vezes, intencional e dolosa e, outras vezes, não intencional e negligente, por parte dos principais operadores da justiça?
O que tem feito V. Ex.ª, depois do relatório do Professor Boaventura Sousa Santos, para atacar os lobbies corporativos, que infestam a chamada morosidade organizacional.
Portanto, primeiro, V. Ex.ª deveria dar a esta Câmara uma resposta sobre esta questão e, só depois, fazer estas pequenas «cirurgias estéticas».
Mas uma coisa é certa: V. Ex.ª aceitou trabalhar na 1.ª Comissão para melhorar essa proposta de lei, para o que contará connosco.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço que termine, pois já esgotou o tempo de que dispunha.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Porém, não contará connosco para a diminuição da defesa dos arguidos, para empurrar os juízes para a pressa de ditar despachos e sentenças e, principalmente, para que uma lei mais célere se torne numa lei celerada.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Ministro da Justiça: - E as vítimas?

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Lacão pediu a palavra para formular um pedido de esclarecimento, mas o Sr. Deputado Narana Coissoró já não dispõe de tempo para poder responder. Como é que se vai resolver este problema?

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, o meu grupo parlamentar cede 1 minuto ao CDS-PP para que o Sr. Deputado Narana Coissoró possa responder.

O Sr. Presidente: - Sendo assim, tem a palavra, Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, suponho que 1 minuto chegará, porque a pergunta em si também é extremamente simples.
Sr. Deputado Narana Coissoró, ouviu-o com toda a atenção e consideração, mas não resisto a colocar-lhe a seguinte questão: pode dizer à Câmara se, em seu entender, considera haver algum, um único, ponto de contacto entre o discurso que acaba de fazer e aquilo que o líder do seu partido tem andado a dizer acerca da crise do Estado e da justiça?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró, dispondo de 1 minuto.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, com certeza que há! E V. Ex.ª, se deixar a demagogia de lado, sabe perfeitamente que esta autorização legislativa, que tem apenas dois pontos, da maneira como vem redigida - e foi por esta razão que V. Ex.ª se empenhou em levar à 1.ª Comissão o Ministro da Justiça, exactamente para introduzir neste diploma as benfeitorias necessárias -, com este vezo de legislar a qualquer preço, a qualquer momento, aumentaria a morosidade processual.
O que o líder do meu partido tem dito é que a crise da justiça tem de ser resolvida prudentemente, com os olhos naquilo a que se chama «morosidade organizacional», que eu referi e que o Professor Boaventura Sousa Santos menciona no primeiro parágrafo do seu relatório.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que conclua, pois já esgotou o tempo.

O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
Sei que o Sr. Ministro tem adoptado algumas providências nesta matéria, como, por exemplo introduzindo meios informáticos, aumentando o número dos magistrados e melhorando alguma coisa do equipamento e das instalações.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem mesmo de terminar.

O Orador: - Mas não é suficiente, é preciso atacar também o factor humano da morosidade organizacional! É isto que lhe falta fazer!

Aplausos do CDS-PP.

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0370 | I Série - Número 10 | 13 De Outubro De 2000

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Começo por dizer que a intervenção do Sr. Ministro da Justiça me lembrou uma afirmação que se impõe referir: esta proposta de lei não é o alfa e o ómega do combate à morosidade processual; é preciso colocar as coisas dentro das balizas.
Recordo ainda que, já em 1998, Assembleia da República aprovou alterações ao Código de Processo Penal, que não é do século passado mas, sim, de 1987 - há pouco, pela intervenção do Sr. Ministro, dava-se a ideia de que se estava a introduzir retalhos num código do século passado -, que marcam já, em algumas das suas disposições, a intenção de combater uma, mas só uma, sublinha-se, das causas da morosidade da justiça penal. O artigo 333.º deste diploma estabelece que, faltando o arguido, se deve diligenciar pela sua comparência imediata e só se assim se não puder fazer se procede ao adiamento da audiência, o que sublinha o princípio de que o adiamento é a última solução.
Também para obviar à morosidade processual a lei de 1998 introduziu, para casos de urgência - urgência é, por exemplo, a iminência de prescrição do procedimento criminal -, a notificação por via telefónica, sujeita a formalismos indispensáveis à garantia da autenticidade do acto.
Relativamente a outros assuntos versados na presente lei de autorização, concretamente a celeridade na fase processual da instrução, o Código de Processo Penal já estabelece que o despacho de pronúncia, encerrado o debate instrutório, é imediatamente lido ou verbalmente proferido e ditado para a acta, consagrando embora - e muito bem! - aquilo que nestas alterações se retira: a possibilidade de, nas causas complexas, o juiz poder decidir no prazo de 10 dias. Mas tem de ser assim!

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Dez dias é muito !

O Sr. Ministro da Justiça: - Processo sumário!

A Oradora: - Mas há processos extraordinariamente complexos! Há incidentes que podem ser levantados e que o juiz tem de decidir! Os 10 dias podem não ser utilizados pelo juiz; utilizá-los-á se, efectivamente, tiver de ser.
Portanto, esta disposição da autorização legislativa não pode, em nossa opinião, passar para a lei, não damos o nosso acordo para que isto aconteça.
As disposições da lei de 1998 e outras da versão originária do Código já sublinham o princípio da celeridade e excepcionalidade do adiamento da audiência de julgamento.
Passados dois anos, constata-se que das disposições do Código não foram retiradas as necessárias virtualidades, impondo-se que se diga que, em muitos casos, tal aconteceu e acontece por não terem sido dotados atempadamente - este é um mal que já vem de há muito - os tribunais dos meios humanos e técnicos necessários a um bom andamento da justiça penal.

O Sr. Ministro da Justiça: - Reduzimos as vagas de 1000 para 80!

A Oradora: - O Sr. Ministro não ouviu o que eu disse! Este problema vem de há muito tempo,…

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Há anos!

A Oradora: - … de há anos, e descambou de facto numa acumulação de pendências extraordinária.
De facto, pelo menos no que toca a tribunais sediados em meios urbanos de grande conflitualidade, a acrescentar aos adiamentos por falta de arguidos ou testemunhas, surgiram - será que agora não surgem?! Vamos a ver! - adiamentos por falta de notificação, porque não houve sequer, não foram expedidas as notificações, ou por falta de notificação atempada dos intervenientes processuais. É preciso não esquecer que, muitas vezes - e quem é advogado já se viu confrontado com isto -, o prazo para a contestação por parte do arguido e para apresentar o rol de testemunhas termina depois do dia marcado para a audiência! E a lei obriga que a marcação da audiência seja feita com 30 dias de antecedência.
Quantas vezes os magistrados judiciais se não socorrem do artigo 333.º do Código de Processo Penal, ordenando que se faça comparecer o arguido na primeira marcação, porque, tendo várias diligências ao mesmo tempo, vão realizar aquelas em que estão presentes todas as pessoas!
Quantas vezes, em processos simples, não foi ditado para a acta, no encerramento do debate instrutório, o despacho de pronúncia, porque há vários debates instrutórios marcados para a mesma hora!
Quanto à questão dos juízes de instrução diria apenas que a solução encontrada, extinguindo este tipo de juízes, que existiam e estavam nos tribunais - nessa altura, estavam! O tribunal de Setúbal tinha um juiz de instrução e, depois, quando deixou de haver, foram os juízes de julgamento a acumular outros processos -, ocasionou delongas nos processos, tanto nos de instrução como nos de julgamento.
Estas reflexões a propósito da alteração legislativa proposta são para que não possa solidificar-se a ideia de que as questões sobre que se debruça o diploma estão no cerne da morosidade e que problemas já aqui falados, como o da judicialização da crise social e o da falta de meios técnicos e humanos à disposição dos tribunais, não têm sido, de facto, os principais motores da morosidade processual e da crise da justiça.
Extravasando um pouco a questão do processo penal, mas, ao fim e ao cabo, tem a ver com ela no tocante às causas da morosidade, não é porque as pessoas se furtam às notificações que nos processos de falência os trabalhadores esperam nove ou mais anos pela sentença de verificação e graduação de créditos e 12 ou mais anos pelo recebimento dos seus créditos.
Estas considerações servem para se assinalar que, em caso algum, a crise da justiça pode servir para entorses graves no processo penal, que surgem, aparentemente, como necessários e justificados face à míngua de soluções que tem havido para debelar a crise no seu cerne, combatendo-se também, dessa forma, a chicana processual.
O grande risco de algumas soluções que tocam com as garantias de defesa e que têm avançado sempre primeiro do que a dotação dos tribunais com meios eficazes está no risco, futuro, do confronto com outras alterações que podem ainda vir e aparecer, com naturalidade e emergência, por razões de segurança e da necessidade de eficácia musculada da máquina judicial.

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0371 | I Série - Número 10 | 13 De Outubro De 2000

O PCP está de acordo em alterar, na lei processual penal, os mecanismos que tornam possível a ocorrência de expedientes meramente dilatórios.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - De facto, juntar-se um rol de testemunhas com os nomes constantes de toda uma lista telefónica ou com todos os assinantes de um jornal é um expediente dilatório.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Ou com o nome dos depositantes de um banco!

A Oradora: - Isto não pode ser admitido e, desta maneira, não se está a violar qualquer garantia de defesa,…

Vozes do PS: - Exacto!

A Oradora: - … tanto mais que a autorização legislativa, neste aspecto, torna possível que se exceda o número de testemunhas desde que haja razões para tal. E neste aspecto estamos de acordo, aliás, até gostava de sublinhar, com tom crítico, que são comportamentos destes, numa minoria de processos, que, depois, vêm agitar na comunicação social a questão do processo penal e a tomada de decisões contra a generalidade dos cidadãos no processo penal.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - Portanto, refiro, mais uma vez, que neste aspecto estamos de acordo.
Porém, a nossa posição já não é a mesma em relação a outras matérias, porque entendemos que, de facto, há que agir com cautela para não se violar o que a Constituição estabelece quanto às garantias de defesa, a todas elas, e ao consta na Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Porque, se a Convenção estabelece que qualquer pessoa tem o direito a que a sua causa seja examinada por um tribunal num prazo razoável, a verdade é que também estabelece que o processo seja equitativo. E estabelece, ainda, que o acusado tem direito, no mínimo, a ser informado da natureza e causa da acusação e a dispor do tempo necessário para a preparação da sua defesa.
Ora, o que vem proposto quanto à total impossibilidade de adiamento de audiências, com a consequente possibilidade de o juiz alterar a ordem da produção de prova sem regras nem limites, viola as garantias de defesa, viola o direito a um processo equitativo, pode violar a própria presunção de inocência, porque, se faltar toda a prova da acusação, serão de imediato ouvidas as testemunhas de defesa,…

O Sr. Ministro da Justiça: - Não, não!

A Oradora: - … surgindo o arguido a justificar-se em relação a uma acusação que ainda não foi fundamentada. Só posteriormente haverá, então, a audição das testemunhas de acusação, depois da audição das de defesa - com o que vem proposto pode acontecer isto -, o que é um grave entorse ao modelo de processo penal do regime democrático, que nada pode justificar, nem o prazo razoável para o exame da causa, já que a decisão perderá a razoabilidade perante a possibilidade de ser injusta.
Conexa com esta questão está, também, a documentação da prova da audiência determinada pela inversão da ordem da sua produção, que acabou de se criticar. É que, com tal solução, se viola o princípio da imediação e da oralidade que rege o processo penal.
Estas últimas questões prendem-se, afinal, com a presunção absoluta, contida na proposta de lei, de que o arguido recebeu a carta.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Exactamente!

A Oradora: - É uma presunção absoluta e não pode ser, porque podem acontecer as tais excepções, mas as excepções não podem ser prejudicadas por uma regra destas.
Mas aquilo que me deixa dúvidas - e devo dizer que tenho muitas - é a transformação da presunção absoluta em relativa, tornando possível a prova de um facto negativo. Será que isto cumpre o que está estabelecido na Convenção Europeia dos Direitos do Homem quanto à pessoa ter direito a ser informada e a ter um prazo razoável para apresentar a sua defesa?!
Sr. Ministro, a questão, que, para mim, continua um mistério, de substituir a carta simples, afinal com formalidades -…

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Maiores do que para a registada!

A Oradora: - … com as quais, segundo V. Ex.ª, iria gastar o mesmo que com a registada -,…

O Sr. Ministro da Justiça: - O problema não é dinheiro!

A Oradora: - Pois não, mas se calhar é capaz de ter a ver com outra coisa, Sr. Ministro. É que a maior parte das vezes os arguidos recebem as cartas já sem o prazo de 30 dias de antecedência. Recebem-nas, mas basta o arguido estar cinco dias ausente da casa - e pode estar! - para que a carta chegue já fora de prazo. Porém, com a carta simples, V. Ex.ª tem o problema resolvido, ficando esses tais cinco dias, afinal de contas, inutilizados.
Portanto, creio que neste ponto também continua a haver entorses, pelo que teremos de o examinar, de forma a que estas soluções não se concretizem desta maneira. Aliás, já aqui foi falado, isto pode gerar uma grande conflitualidade, um levantar de problemas de inconstitucionalidade, atrasos nos processos. Não é esta, com certeza, a intenção do Governo e também não é, de facto, a nossa intenção.

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputada. Terá de concluir.

A Oradora: - Vou terminar repetindo que estamos, efectivamente, de acordo em analisar a proposta de lei a fim de se chegar a soluções que possam, ainda, contribuir para a celeridade ou o combate à morosidade.

Vozes do PCP: - Muito bem!

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0372 | I Série - Número 10 | 13 De Outubro De 2000

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda responde com frontalidade. O Sr. Ministro, de uma forma muito frontal, pediu autorizações para mudanças e nós estamos dispostos a dar essa autorização para a mudança.
Entendemos que o combate à morosidade, seja este o conjunto dos estrangulamentos decisivos ou não, é necessário e não entraria por essas considerações de diagnóstico em relação ao nosso sistema. No entanto, parece-nos que, particularmente, o regime de notificações precisava de ser discutido em sede de especialidade, de forma a que sejam encontradas soluções que não deixem dúvidas que possam contender com direitos humanos, com garantias individuais e com as garantias necessárias de defesa dos arguidos. Isso, para nós, é um ponto absolutamente capital e creio que deveria sê-lo também para este conjunto de alterações que prosseguem o objectivo de uma justiça em tempo útil e aquilo que, de facto, dá valor e confere direito à cidadania activa e à sua relação com a justiça, ao seu acesso à justiça.
Sr. Ministro da Justiça, estamos dispostos a colaborar nessa mudança. Não nos causa perplexidades especiais um conjunto de alterações, mas gostaríamos de ver melhor discutido e melhor aclarado o regime de notificação.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Talvez seja útil que nos coloquemos relativamente a um problema fundamental.
Até há poucos anos atrás, de acordo, aliás, com uma garantia inscrita na Constituição, era proibido o chamado julgamento à revelia. Acreditava-se, então, que o velho instituto da contumácia tinha a virtualidade suficiente para, por ele, se actuarem os mecanismos de forçar o arguido a vir a julgamento.
Compreendemos, depois, que, verdadeiramente, esse tipo de garantia só tinha contribuído para fazer acumular, até ao limite do insustentável, os processo pendentes em tribunais, com verdadeiras consequências de perda de garantias, desde logo, para as vítimas, que não viam julgamento em tempo útil e, portanto, não viam realizada uma condição essencial de administração de justiça.
Mais tarde, veio a estabelecer-se uma solução em que se torna possível o julgamento na ausência do arguido. Mas, de acordo com regras de procedimento penal, aliás, com alguma duvidosa legalidade processual, vem-se permitindo que, na prática, esses julgamentos em ausência do arguido acabem por ter lugar apenas à terceira tentativa de julgamento.
A questão é a seguinte: até muito recentemente, o que se passava nos tribunais era a notificação para julgamento ser efectuada com mais de um ano de antecedência relativamente à data marcada para o mesmo, nalguns casos até com dois anos de antecedência, e, à primeira tentativa, com a ausência do arguido, todos os outros sujeitos processuais eram dispensados, ou seja, as testemunhas no processo, que iam ao tribunal, acabavam por ser remetidas novamente para uma segunda possibilidade para serem ouvidas, e à segunda tentativa, a mesma circunstância.
Assim, hoje em dia, uma testemunha que vem dar um contributo útil para a prova da verdade material em julgamento interroga-se legitimamente: «o que estou aqui a fazer, nesta quase paródia da justiça, em que, numa primeira vez que venho ao tribunal, sou dispensado praticamente sem qualquer justificação e, numa segunda vez, acontece o mesmo?» Depois, a testemunha acaba por desistir, porque tem mais coisas para fazer na sua vida do que comparecer ao tribunal e, quando, à terceira tentativa, se faz julgamento, muitas vezes faz-se sem prova, porque, entretanto, a prova foi-se degradando ao longo das várias impossibilidades de concretizar devidamente uma audiência de julgamento.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ou seja, na conclusão final, não há verdadeiramente sustentação de garantias no processo que permitam dar credibilidade a um julgamento assim realizado. Foi isto que o Sr. Ministro da Justiça nos disse - e bem, a meu ver - que não pode continuar.
E o Sr. Ministro interpelou-nos quanto a uma responsabilidade: é preciso tomar medidas claras e inequívocas para superar situações como esta que degradam completamente, e compreensivelmente, a imagem da justiça perante os cidadãos.
Uma das soluções propostas, relativamente a 40% de insucessos, como foi demonstrado, implica o problema da notificação postal por via simples, para evitar que, devido à não assinatura no registo com aviso de recepção, os arguidos continuem a furtar-se a julgamento.
Alguns dos Srs. Deputados receiam a diminuição de garantias, ao que faço algumas perguntas.
Poderemos falar verdadeiramente numa diminuição de garantias quando, em primeiro lugar, o arguido foi colocado na situação de ter sido estabelecido com termo de identidade e residência, na fase instrutória do processo? É que, logo, tal deveria valer como domicílio civil obrigatório para efeitos de validade de qualquer identificação…

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ora, hoje, isso não está a acontecer e temos de perguntar qual a razão que leva a que, apesar de haver um termo de identidade e residência previamente estabelecido no processo, tal nada valha e seja letra morta.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não podemos continuar assim!
É por isso que a notificação postal, que desejamos que possa ser anotada pelo funcionário judicial no momento do envio e, obviamente, venha a ser anotada pelo distribuidor postal no momento da entrega, é uma garantia suficiente, somada ao termo de identidade e residência.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Se não é precisa, então, acabe-se com a notificação ao arguido!

O Orador: - Mas, Srs. Deputados, como se isso não bastasse, não deveremos esquecer, ainda, que, ao mesmo

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tempo, o defensor que é nomeado para efeitos de acompanhar o arguido em processo é igualmente notificado da marcação dos actos mais relevantes que dizem respeito ao arguido,…

O Sr. Osvaldo de Castro (PS): - É verdade!

O Orador: - … designadamente a própria marcação da audiência.
Falemos com franqueza - e este foi só um exemplo: estamos perante a evidência, mais do que óbvia, de não podermos continuar a ser cúmplices de um sistema que, pelas regras a que chegou ou pela maneira como as mesmas têm sido interpretadas, está a criar problemas à verdadeira administração da justiça.
Assim, Srs. Deputados, porque o tempo mais não me consente, embora gostasse de poder dizer mais nesta circunstância, estou convencido que o trabalho construtivo, em parte já desenvolvido e que, certamente. vamos ter ocasião de desenvolver no quadro da 1.ª Comissão, vai permitir-nos superar alguns equívocos interpretativos e, por outro lado, contribuir, em vários aspectos, alguns dos quais referidos pelos Srs. Deputados, no sentido de, com algumas beneficiações do articulado, encontrarmos a solução aqui pedida pelo Sr. Ministro da Justiça.
Quero congratular-me - e estou convencido que não vou ter razão para arrepender-me! - pelo facto de, verdadeiramente, pelo que ouvimos por parte de quase todos os Srs. Deputados das várias bancadas, haver consciência de que não podem entravar nem obstaculizar uma reforma como esta, que, não sendo uma reforma em sentido estrutural, é pontual mas decisiva para atacar estrangulamentos vitais na actual situação processual.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quero, pois, congratular-me, Srs. Deputados, pelo facto de, neste debate, ninguém ter ousado testemunhar no sentido de que a situação actual não pode deixar de ser corrigida o mais brevemente possível.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Narana Coissoró, pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, é para um pedido de esclarecimento. O Bloco de Esquerda cedeu-me 1 minuto para o efeito.

O Sr. Presidente: - Assim sendo, faça favor.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, apesar do calor que pôs nas suas palavras, como se fosse dizer, pela primeira vez, coisas originais, diga-me uma coisa: na sua vida, nunca lhe sucedeu receber em sua casa a correspondência do vizinho do lado, em boa fé do distribuidor? Comigo acontece uma vez por mês!
É que o meu vizinho recebe mensalmente correspondência da Caixa Nacional de Pensões e, sete ou oito vezes por ano, o distribuidor coloca a carta na minha caixa do correio, trocando a correspondência: põe a minha carta na caixa do meu vizinho e a dele na minha caixa. E o distribuidor está completamente de boa fé quando lavra a declaração de que colocou a carta no sítio certo, mas não o fez! Ora, como sei disso, vou a casa do meu vizinho dar-lhe a carta, mas se for uma notificação não lha dou, como V. Ex.ª também não daria!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não ponha mais a carta.

Risos do PS.

O Orador: - Em segundo lugar, V.ª Ex.ª disse que as testemunhas «empastelam» os julgamentos, adiam, etc. Sr. Deputado, V.ª Ex.ª quer que a testemunha, que é um colaborador da justiça, tenha o mesmo tratamento do arguido e quer que haja termo de identidade para o assistente e os responsáveis civis?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, muito telegraficamente diria que se o funcionário da secretaria judicial averbar em cota a data e o domicílio precisos para onde deve ser enviada a notificação, se o distribuidor postal averbar devidamente, para remeter ao tribunal, a data e o local precisos da entrega da carta, se isto for complementado com o prévio termo de identidade e residência e com notificação simultânea para o defensor do arguido, Sr. Deputado diga-me lá em que mundo é que anda para não admitir que três garantias em simultâneo sejam suficientes para, com o mínimo de eficácia, garantia das garantias que devem ser dadas à vítima no processo penal - porque dela, obviamente, não nos podemos esquecer - relativamente às situações que continuam a existir.
Sr. Deputado Narana Coissoró, é este o problema e digo-lhe com toda a franqueza que a última coisa que eu esperava deste debate era não ouvir da parte do CDS-PP uma única palavra de preocupação relativamente à situação de dever de protecção das vítimas ao nível do processo penal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ao ouvi-los parece-me já estar longe o colapso, a falência, a ruptura... Agradeço o elogio implícito, mas, Srs. Deputados, é imerecido e nós temos de saber o peso daquilo que dizemos. Citei no meu discurso a forma como VV. Ex.as, há poucos meses, descreveram o estado do sistema de justiça. Houve algum milagre, entretanto? Houve?

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Só a obra de V. Ex.ª!

O Orador: - É que eu não sou milagreiro!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas eu tinha percebido que sim!

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0374 | I Série - Número 10 | 13 De Outubro De 2000

O Orador: - Por isso, não posso deixar de fixar boquiaberto ao ver que, poucos meses depois, onde havia falência, ruptura, o caos absoluto, agora, há cuidado, cautelas, é preciso garantir todas as garantias, não mudar nada daquilo que está, porque tudo aquilo que está é fundamental.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Ninguém disse isso!

O Orador: - Permitam-me o exagero que, apesar de tudo, é menor do que as suas cartas serem sistematicamente extraviadas.

Risos gerais.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Basta uma, Sr. Ministro, basta uma!

O Orador: - Sr.as e Srs. Deputados, vamos entendermo-nos: o Sr. Deputado Jorge Lacão sobre a notificação já explicou que o Código de Processo Penal já diz hoje que o arguido está sempre sujeito a termo de identidade e residência, o que implica que não se pode ausentar da residência mais de cinco dias sem comunicar ao tribunal uma nova morada; exige-se que o funcionário escreva no processo qual é a morada para a qual expediu a carta; exige-se que o carteiro que entrega a carta faça uma declaração ao tribunal, dizendo o local e a data exacta onde a entregou, a qual é uma declaração perante o tribunal e, se for falsa, implica um crime de falsas declarações, e os Srs. Deputados pretendem que eu acredite que é possível existir esta conspiração entre, em primeiro lugar, o arguido, que, ao contrário do diligente cidadão que vocês aqui retrataram, não cumpre o dever de residir onde está obrigado a fazê-lo; em segundo lugar, o funcionário, que falseia a declaração; e, em terceiro lugar, o carteiro, que se engana e falseia a declaração.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas pode não ser falsa!

O Orador: - Mas isto são as ocorrências normais da vida? Srs. Deputados, estas não são as ocorrências normais da vida!
Os Srs. Deputados são todos juristas, como eu sou - com excepção do Sr. Deputado Luís Fazenda, e talvez por isso tenha feito uma intervenção diferente -, e eu sei por experiência própria como é difícil para um jurista encarar e interrogarmo-se perante a necessidade da mudança.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não!

O Orador: - O Sr. Deputado Narana Coissoró disse que tinham ouvido várias entidades, aquelas entidades que, há alguns meses, eram corporações mas que agora são entidades. Estamos no bom caminho, pois deixaram de ser corporações e passaram a ser entidades, mas devo dizer que eu também as ouvi e também procurei ter em conta muitas das coisas que, com realismo, disseram. Porém, o que não posso ignorar é a realidade.
A mão a amiga e camarada da Deputada Odete Santos fez-me chegar uma fotocópia de uma folha de notificação para uma testemunha convocada para comparecer no dia 29 de Junho de 1999, às 9 horas e 30 minutos. Cota lavrada nesse dia: «esteve presente na data e hora indicados, devendo voltar no dia 20 de Setembro». Cota lavrada no dia 20 de Setembro: «esteve presente no dia e hora indicados; voltará no dia 18 de Fevereiro do ano 2000». Cota lavrada no dia 18 de Fevereiro do ano 2000: «esteve presente no dia e hora designados; adiado para o dia 2 de Outubro às 9 horas e 30 da manhã». Srs. Deputados, esta é a realidade do dia a dia.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Isso é pouco, porque há julgamentos para 2002 e 2003!

O Orador: - É que eu ainda não tenho aqui a cota do dia 2 de Outubro!

Risos do PS e do PCP.

Srs. Deputados, ainda bem que estão todos disponíveis para trabalharmos, mas há uma coisa que vos peço: não falem só com os juristas, procurem ouvir os cidadãos. Atrevo-me mesmo a dizer que se falarem com os outros Sr.as e Srs. Deputados dos vossos grupos parlamentares que não são juristas e lhes perguntarem o que é que pensam sobre o funcionamento dos tribunais, se calhar, ficarão elucidados.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não preciso de perguntar!

O Orador: - Sr.ª Deputada, eu digo-lhe como é que as coisas estão agora! Por exemplo, há um caso que aparece na abertura dos telejornais e, aqui d'El Rei, isto é o colapso, é o caos, a falência absoluta. Depois, quando chega a altura de fazer um corte cirúrgico, com bisturi, com a devida anestesia, com as devidas cautelas, com os antibióticos preparados para evitar a infecção posterior à operação, já se diz que os tempos mudaram, as corporações, agora, são as entidades que se têm de ouvir e o caos são as garantias, porque é necessário salvaguardar o cidadão e, «por favor, não toquem em nada porque, se não, isto ainda vai ser pior»!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - E vai!

O Orador: - Srs. Deputados, tenhamos bom senso na altura da crise, quando a crise está na primeira página do telejornal, mas continuemos determinados quando o debate já não passa no telejornal e há dois jornalistas que aqui estão a mandar o despacho ou o debate da Amália Rodrigues.
Temos é de ter alguma clareza sobre o caminho que temos de seguir, porque se não ficamos como alguns Srs. Deputados estão: há dois anos, chumbaram a subida das alçadas e, depois, na interpelação do CDS-PP, vieram dizer que uma das medidas urgentes a fazer era a subida das alçadas!
Sr. Deputados Guilherme Silva, Narana Coissoró, António Filipe, antes de falarem com os vossos colegas Deputados que não são juristas, convido-os a relerem aquilo que disseram em Janeiro e Fevereiro passados.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, terminou o seu tempo.

O Orador: - Sr. Presidente, para terminar, peço-lhe que me permita agradecer aos grupos parlamentares a disponi

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bilidade que aqui revelaram para, em sede de comissão, podermos introduzir os aperfeiçoamentos técnicos que, espero, não frustem aquilo que é essencial e superem os receios, com certeza legítimos, que VV. Ex.as aqui manifestaram.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para as cortesias há sempre uma especial tolerância, Sr. Ministro.
A Sr.ª Deputada Odete Santos pediu a palavra para que efeito?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, agradecia que me dissesse qual é a matéria da ordem dos trabalhos que está em causa.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, queria pedir a V. Ex.ª que usasse da sua bondade para me evitar que eu ande a perguntar a um e a outro Deputado o que é que sentiria se fosse julgado não tendo recebido na caixa do correio a notificação para a audiência,…

O Sr. Presidente: - E isso está na ordem de trabalhos?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - ... ou seja, o que é que sentiria nessa situação. É que isso evitava-me uma perda de tempo a ouvir exclamações. Aliás, já ouvi a Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia dizer: «Ah, isso nem pensar!».

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, deu entrada na Mesa um requerimento, assinado por 10 Srs. Deputados do PS, a solicitar que a proposta de lei n.º 41/VIII - Autoriza o Governo a alterar o Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 387-E/87, de 29 de Dezembro, 212/89, de 30 de Junho, 317/95, de 28 de Novembro e pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, baixe à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sem votação, por um período não superior a 10 dias.
Srs. Deputados, uma vez que há consenso, vamos proceder à sua votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos dar início à discussão do projecto de lei n.º 156/VIII - Processo especial de constituição das associações juvenis (PCP).
A palavra aos jovens e, desde logo, à Sr.ª Deputada Margarida Botelho, para uma intervenção.

A Sr.ª Margarida Botelho (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O actual processo de legalização de associações juvenis, pela sua morosidade, burocracia e custos, coloca, na prática, entraves ao desenvolvimento do associativismo juvenil, já que a falta de estatuto jurídico dificulta o acesso aos diversos apoios previstos na lei. Se não, vejamos.
Depois de a assembleia geral aprovar os estatutos da associação, os seus membros devem dirigir-se ao Registo Nacional de Pessoas Colectivas, a fim de obter o registo de admissibilidade do nome escolhido. Se a associação quiser ficar isenta do pagamento de taxas, deve dirigir-se ao Instituto Português da Juventude (IPJ) e inscrever-se no Registo Nacional das Associações Juvenis (RNAJ); caso contrário, paga as taxas.
Já com o certificado de admissibilidade de nome dado pelo Registo de Pessoas Colectivas, devem marcar um notário para fazer a escritura. Este não é, normalmente, um passo tão simples quanto parece. Em audição às associações sobre este projecto de lei que hoje discutimos, foi muito referido o facto de os notários recusarem ou adiarem frequentemente estas escrituras, pelo pouco lucro envolvido.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - É verdade!

A Oradora: - O passo seguinte é a publicação da escritura no Diário da República. Para tornar o processo mais rápido, a actual lei prevê que a associação possa entregar a escritura directamente na Imprensa Nacional-Casa da Moeda; o extracto publicado no Diário do República terá de ser também publicado num jornal da região onde se localiza a sede da associação.
Com o cartão entretanto levantado no Registo Nacional de Pessoas Colectivas, os membros do associação devem deslocar-se à repartição de finanças da área para inscreverem a associação e poderem, finalmente, dar início à actividade.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Só quem não tem o mínimo conhecimento da realidade do movimento associativo juvenil e das suas dificuldades, especialmente no período inicial do sua actividade, é que pode recusar a necessidade de remover os diversos obstáculos existentes. Simplificar, desburocratizar e retirar custos aos processos de legalização, mudança de nome ou alterações estatutárias é, pois, urgente.
O projecto do PCP avança com a alteração das regras e dos procedimentos necessários à criação de associações juvenis, permitindo que estas possam adquirir personalidade jurídica sem custos e rapidamente. As diligências necessárias à obtenção do registo de admissibilidade do nome, à apreciação da legalidade por parte do Ministério Público e à publicação no Diário da República passam a ser da responsabilidade do IPJ.
Isto é, no fundo, o que já se passa hoje com as associações de estudantes, cuja legalização se faz através do envio dos estatutos para o Ministério do Educação, que procede às diligências necessárias para que o Ministério Público avalie da sua legalidade e faça a publicação no Diário da República. Pensamos que esta experiência, que já existe no associativismo estudantil, não pode deixar de ter reflexos no restante associativismo.
Com este novo sistema proposto, haverá seguramente um aumento dos associações juvenis legalmente constituídas e um consequente aumento do sua capacidade de intervenção.
Na legislatura passada, o projecto de lei n.º 661/VII, do PCP, que foi aprovado nesta Câmara, já incluía esta matéria. Na posterior discussão na especialidade, o PS impediu que esta simplificação ficasse prevista na lei. É para nós incompreensível que se tenham posto entraves ao apoio ao associativismo juvenil e que o Governo mantenha, inexplicavelmente, esta situação.

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O associativismo juvenil é uma escola de vida colectiva, de solidariedade, de generosidade, de independência, de humanismo e de cidadania. Concilia valor colectivo e individual, pelo que defender, reforçar, apoiar e promover o desenvolvimento do movimento associativo juvenil é defender e reforçar a democracia e a participação dos jovens na vida social, na perspectiva de luta por uma democracia política, económica, social e cultural.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Sequeira.

O Sr. João Sequeira (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Margarida Botelho, em primeiro lugar, queria saudar o Grupo Parlamentar do PCP, na pessoa da Sr.ª Deputada, pela apresentação perante esta Câmara do projecto de lei ora em apreciação, relativo ao processo especial de constituição das associações juvenis.
Estamos convictos de que VV. Ex.as, ao apresentarem este projecto, estão imbuídos da melhor das intenções e, através deste expediente normativo, pretendem contribuir para o fortalecimento do associativismo juvenil.
Partilhamos de algumas das afirmações plasmadas no preâmbulo do citado projecto de lei e que correspondem a um entendimento mais ou menos consensual do que deve ser e do que é o associativismo juvenil.
Assim sendo, Sr.ª Deputada, não iremos abordar algumas questões de ordem técnico-jurídica em que o vosso projecto, quanto a nós, é insuficiente e lacunar. No entanto, cumpre salientar, desde já, que não partilhamos a opção estratégica de abordar uma única questão relativa às associações juvenis, questão essa que não nos parece ser a que mais relevância tem no debate que se vem travando no mundo do associativismo juvenil.
Também não acompanhamos o PCP na afirmação de que é carga burocrática inerente ao processo de constituição de associações juvenis que tem impedido o aparecimento destas associações, pois, como a Sr.ª Deputada muito bem sabe, são mais de 1000 as associações que estão inscritas no Registo Nacional de Pessoas Colectivas.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Programa do Governo, tal como aconteceu com o Programa do Governo anterior, aposta convictamente no associativismo juvenil. Concretizando esta premissa, o Governo, no seu Programa, compromete-se a apresentar uma proposta de lei de bases do associativismo juvenil, com o objectivo de enquadrar as diversas pressões do associativismo, a participação associativa, clarificar conceitos e valorizar as associações juvenis.
Deste modo, a Sr.ª Deputada e o seu grupo parlamentar concordam ou não com o PS e com o Governo no sentido de afirmar que a melhor forma de concretizar os objectivos postulados no preâmbulo do vosso projecto - e que, em muitos aspectos, se reconduzem ao consagrado no Programa do Governo - é uma intervenção legislativa corporizada através de uma lei de bases do associativismo juvenil? Lei de bases que o Governo se compromete a apresentar perante esta Câmara a breve trecho, uma lei de bases que cria um tipo legal de associativismo juvenil, que neste momento não existe e que o projecto do PCP não clarifica; uma lei de bases que consagra alguns direitos já atribuídos a outros tipos legais de associações a diversos níveis, como o estatuto de utilidade pública, o mecenato, o acesso à informação e o apoio técnico; uma lei de bases que clarifique as competências do IPJ, nomeadamente ao nível da fiscalização e do acompanhamento.
Sr.ª Deputada, concorda ou não com um novo quadro legal, um quadro legal que recuse e ultrapasse uma visão minimalista do associativismo juvenil, abrangente e estruturado, que provenha de um amplo debate que já se trava no movimento associativo juvenil?
Resumindo e para terminar, a Sr.ª Deputada acompanha-nos ou não na construção de uma nova plataforma jurídica que acabe, de uma vez por todas, com a actual «manta de retalhos» existente e que, resultando de um debate alargado e participado, aponte para a criação de um tipo legal de associativismo juvenil que consagre os direitos que ainda há pouco referi?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Botelho.

A Sr.ª Margarida Botelho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado, três questões sobre a abordagem solitária que este projecto de lei faz sobre um ponto muito específico desta temática: na outra legislatura, apresentámos um projecto de lei que tinha mais questões e que os senhores chumbaram porque era muito abrangente. Por isso, temos de ver exactamente em que é que ficamos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

A Oradora: - Em relação à legalização de uma associação juvenil, o facto de ser muito moroso e muito custoso, em termos financeiros, não impede a criação de qualquer associação juvenil, pelo contrário. Estaríamos mal se no nosso país só existissem 1000 associações juvenis, que é o que o Sr. Deputado diz que existe no Registo Nacional das Associações Juvenis (RNAJ). Todavia, este processo moroso e burocrático impede, sim, a legalização, o que impossibilita o acesso aos apoios que o IPJ, neste momento, oferece, apenas, às organizações legalizadas.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Em relação à lei-quadro, provavelmente, gostaria de acompanhar o Sr. Deputado, se visse a lei-quadro, pois antes de a ver não o consigo acompanhar em nada.

Vozes do PS: - Vai ver!

A Oradora: - No entanto, não me parece de todo boa política - e, aliás, parece-me um pouco sintomático ser o PS a dizer isto - adiar mais uma vez a resolução de uma questão que me parece inadiável, que é esta da simplificação da constituição das associações juvenis, aguardando

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por uma eventual lei-quadro que ainda não vimos e que ficamos à espera que seja apresentada.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Vitorino. Continuamos sob o signo da juventude!

O Sr. Bruno Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos hoje um projecto de lei sobre o processo especial de constituição das associações juvenis. Defende o mesmo que o actual processo de constituição das associações de jovens seja simplificado, tornando-se menos moroso e gratuito. É de registar que, mais uma vez, é uma iniciativa legislativa oriunda de um dos partidos da oposição.
Também o PSD, através dos Deputados da JSD, apresentou um projecto de lei sobre o associativismo juvenil, uma verdadeira lei de bases do associativismo juvenil, algo que aguarda agendamento e esperamos discutir brevemente nesta Casa.
Por outro lado, do Governo nada! Embora se possa ler no Programa do Governo que essa seria uma prioridade, ou seja, rever a legislação existente nesta área. Provavelmente é mais uma paixão! E já sabemos o que valem as paixões para alguns…!
Alguns colegas nossos desta Assembleia, não presentes nesta Sala, até de uma bancada que não a minha, classificam a paixão pela educação como pouco intensa e demasiado efémera. Será que a política de juventude deste Governo também é efémera e nada intensa? Pouco, muito pouco, tem este Governo feito para promover o associativismo juvenil.
Depois de uma remodelação governativa, na juventude tudo mudou ficando tudo na mesma. Temos um Ministro da Juventude, mas temos a juventude que já nada espera deste Ministro. Temos um jovem Secretário de Estado que está velho e cansado, sem ideias, sem propostas, sem linha de rumo.
Temos de fomentar o associativismo e não o contrário. Os problemas burocráticos assustam os jovens, e, se não impedem, pelo menos dificultam, e muito, o acesso dos jovens ao associativismo. É, não só mas também, com a participação cívica dos jovens que o nosso país dará passos no caminho certo e na resolução dos seus problemas.
Temos em Portugal a mais alta taxa de abandono escolar da Europa. A iliteracia atinge 80% da população e 25 % dos alunos do ensino básico não concluem sequer a escolaridade obrigatória.
Recentemente, uma associação juvenil elaborou um trabalho que concluiu, provavelmente aquilo que todos sentimos, que os jovens cada vez menos se deixam cativar pelo associativismo. Os jovens afastam-se muito do seu direito e dever de participação cívica.
A família é imprescindível na formação integral dos jovens, tal como a escola. Mas o associativismo também desempenha, ou deve desempenhar, um papel importante nessa formação. E, se assim é, há que incentivar a participação dos jovens nesse mundo.
O projecto de lei apresentado vai ao encontro, nos seus objectivos e princípios, daquilo que o PSD propõe no seu projecto de lei do associativismo juvenil, ou seja, desonerar e simplificar o processo de constituição das associações juvenis. No entanto, essa simplificação não pode transformar-se em desresponsabilização. Os jovens têm de ter consciência de que o processo é sério e passível de fiscalização rigorosa por parte dos organismos do Estado, que também deverão pautar a sua conduta por um maior rigor.
Sendo o mesmo aprovado, como julgamos ou julgávamos, na sua discussão na especialidade o PSD proporá alguns reajustamentos. O PSD concorda, na generalidade, com este projecto de lei e vai votá-lo favoravelmente.
Contudo, não prescindimos da nossa vontade de apresentar e tentar aprovar uma lei do associativismo mais vasta e completa, que vise implementar uma linha coerente e estruturada de incentivo e promoção da participação cívica e democrática dos jovens portugueses, através do associativismo juvenil.
Registe-se a ausência do Governo neste debate! Julgo que isto diz tudo. Diz o que já todos percebemos, ou seja, que os problemas da juventude passam ao lado deste Governo. Mas, se calhar, até estou errado, porque ouvimos mesmo agora o Sr. Deputado João Sequeira... Ou se enganou na cadeira, ou foi um lapso linguístico, ou então já é alguma sede de poder vir a sentar-se, depois, ali nestas funções.
Em relação à lei de bases, o Governo pode ou não apresentá-la? Não sabemos, pois ouvimos essa promessa há cerca de cinco anos. Podemos dizer que é uma promessa deste Governo, e julgo que do governo anterior - vocês gostavam muito de falar do governo anterior, por isso vamos agora falar do governo anterior. É fácil fazerem, pois se não tiverem mais ideias - não as tiveram durante cinco anos - e se não conseguirem concretizar mais copiem o nosso projecto de lei sobre o associativismo juvenil, que está muito bom, e brevemente teremos oportunidade de o provar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Carla Gaspar.

A Sr.ª Carla Gaspar (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Bruno Vitorino, depois de ouvir atentamente a sua intervenção, quero dizer-lhe que o PS congratula-se pelo facto de o PSD se mostrar sensível às questões da juventude e, em particular, às questões do associativismo juvenil.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Exactamente!

A Oradora: - Mas, e como não há bela sem senão, não podemos deixar de lhe relembrar que, durante os 10 anos da sua governação, o PSD não teve o discernimento e a capacidade para efectuar uma reforma de fundo, que hoje se percebe ser absolutamente necessária.

Vozes do PS: - Bem lembrado!

A Oradora: - Se não vejamos: o funcionamento do Conselho Consultivo de Juventude ficou muito longe das expectativas e foi abandonado por muitas das organizações que nele tinham assento.

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Os jovens foram, muitas vezes, destinatários passivos de programas pré-delineados com poucas oportunidades de se pronunciarem sobre a quase totalidade da legislação e medidas produzidas.
O objectivo de integração de políticas falhou, tendo sido a política de juventude pautada por uma série de medidas avulsas e pontuais, sem um projecto coerente, com apoios discricionários e diminutos ao associativismo juvenil, estimulando uma cultura individualista - refiro-me concretamente à atribuição de subsídios.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Mas, Srs. Deputados, permitam que lhes diga que o Governo do Partido Socialista não está distraído e, como já foi aqui referido, apresentará também, a seu tempo, a esta Assembleia, a lei de bases do associativismo juvenil, convicto de que uma geração mais interventora, participativa, responsável, solidária e tolerante consegue-se apostando não só na qualificação dos jovens mas também fomentando o associativismo juvenil como um bem em si mesmo, factor de aprendizagem democrática e consciencialização cívica e social.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - Será que, no futuro, poderemos contar com o bom senso, sensibilidade e colaboração dos Srs. Deputados do PSD para uma ampla discussão com o fim de aprovar uma verdadeira lei de bases, instrumento importante que permitirá simplificar e estimular a participação associativa dos jovens portugueses?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Vitorino.

O Sr. Bruno Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, tantos pretendentes à cadeira do Governo, que se encontra vazia, mais uma vez!

Risos.

Gostei muito de ouvir a Sr.ª Deputada e quero começar pela pergunta que colocou no fim. Penso que está a colocá-la ao contrário. Ou seja, nós é que temos um projecto de lei nesse sentido, portanto, se calhar, sou eu que lhe posso fazer essa pergunta a si! Mas, se estiverem dispostos a isso, vamos, até antes de o projecto vir a este Plenário, discuti-lo calmamente, aprová-lo na generalidade, mudar, em sede de especialidade, o que for necessário e fazer aquilo que V. Ex.ª defendeu.
Quanto ao que disse sobre o IPJ e a Secretaria de Estado da Juventude, devo dizer que foi no tempo dos governos do Partido Social Democrata que se começou a falar de política de juventude. Se calhar, como fomos nós que demos início a uma nova fase de raciocínio em relação a essa matéria e à problemática dos jovens, há algumas coisas que foram evoluindo, há problemas novos que foram surgindo na sociedade.
Com certeza que nem tudo o que foi feito o foi de forma positiva, mas com certeza que não há comparação mínima possível com o actual estado de desgovernação do Governo socialista nesta matéria!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Passo agora à questão simples de desburocratizar e tirar a oneração dos custos. No que toca à legalização, não sei se sabe como era antes. Se calhar, não sabe, mas eu explico-lhe. O processo burocrático era semelhante ao de agora mas, pelo menos, não era pago, ou seja, havia um mecanismo para devolver às associações juvenis todas as verbas gastas nesse objectivo nobre de ajudar jovens com 15, 16, 17, 18 anos a constituírem associações. Chegou este Governo e piorou-se claramente nesta matéria. Isto além de não ter ideias noutras áreas!
Em relação à Secretaria de Estado da Juventude…
Peço desculpa por, às vezes, me perder um pouco, mas é que não trazia esta resposta escrita, como a Sr.ª Deputada fez com o seu pedido de esclarecimento! Mas registo que já sabia o que eu ia dizer, talvez por perceber tão bem como eu e os jovens portugueses a realidade nesta matéria!

A Sr.ª Carla Gaspar (PS): - É que é previsível!

O Orador: - Em relação ao estado caótico do ensino superior, ouviu-se o Secretário de Estado da Juventude falar sobre esta matéria?
Quanto ao serviço militar obrigatório, continua tudo na mesma. E alguém ouviu da Secretaria de Estado da Juventude uma palavra nesta matéria?
E em relação à redução das taxas de referência para as bonificações ao crédito, que prejudicou milhares de jovens? Nada, foi o que ouvimos! Ouvimos outra coisa, que foi a simulação dos concursos públicos para delegados do Instituto Português da Juventude - simulação, digo bem!
Vou terminar deixando uma pergunta. Gostaria de saber se concorda com a seguinte frase: «Considero singular e positivo que a juventude deixe de ser um assunto da responsabilidade de uma subsecretaria qualquer.» Esta frase foi dita, aquando da remodelação governamental, pela líder - ou não, vocês é que sabem! - da Juventude Socialista, Jamila Madeira.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Narana Coissoró.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Dinis Costa.

O Sr. Dinis Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Vamos tentar abordar o essencial do que está aqui em causa. Há um projecto de lei apresentado pelo PCP e é esse projecto, e só esse projecto, que deve ser discutido.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O percurso já feito por esta Assembleia na tentativa de formular legislação tendente a solucionar os problemas das associações

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juvenis tem sido longo, sinuoso e, valha a verdade, muito pouco eficaz.
Com efeito, se há matéria que se tem constituído como fonte de inspiração legislativa é esta. E a prova evidente é a reiterada iniciativa legislativa dos vários grupos directamente relacionados com esta temática, que, no âmbito desta Assembleia, têm sido objecto de discussão, nos últimos anos.
Apesar disso, o grosso das insuficiências - que reconhecemos existirem - continua à espera de uma resposta cabal. Parece-nos ser, portanto, altura de reflectirmos: será que legislação avulsa e pouco pormenorizada consegue solucionar as insuficiências hoje existentes relativas ao movimento associativo? Um diploma com seis artigos será capaz de contemplar, regulando de uma vez por todas e com a consistência requerida, o exercício do associativismo juvenil no nosso país e as suas necessidades?
Não nos parece. Os méritos do diploma agora apresentado pelo PCP são evidentes: Há uma lacuna legislativa nesta área e cumpre, diria que urgentemente, preenchê-la.
26 anos de liberdade e de pleno exercício democrático reclamam uma solução legislativa à altura da nobreza e das inquestionáveis virtudes sociais que reconhecemos ao associativismo. Aliás, sempre considerámos os seus méritos, fundamentalmente como espaço de socialização e de aprendizagem democráticas, bem como factor particularmente eficaz de combate a todas as formas de exclusão e discriminação social.
Acontece que o projecto em discussão não cumpre este objectivo.
Se há pouco fazia referência à torrente legislativa produzida a este respeito, é justo referir agora aquela que tem sido a sua inconsequência prática, que fica a dever-se, quer à falta de regulamentação, quer ao facto de não conseguir responder à permanente mutação do movimento associativo, o que, aliás, é próprio das suas mais intrínsecas características.
Mas, ainda assim, seja o PCP bem-vindo a este debate e seja enaltecido o contributo que, apesar de tudo, este projecto configura.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Socialista entende que é altura de remeter para o devido lugar aquelas iniciativas, que, a este respeito, não podem ser consideradas senão, e apenas, generosas.
Os jovens portugueses, os milhares de jovens portugueses, constituídos em torno de associações, exigem mais. Exigem uma verdadeira lei de bases que contemple no seu articulado as manifestações associativas cujo grau de regulamentação é inexistente ou manifestamente insuficiente.
A percepção que temos é a de que se deve proceder a uma análise global da legislação que respeita directamente aos jovens portugueses e ao seu direito de associação. Essa análise deve observar cuidadosamente, entre outras, a lei das associações de estudantes, o estatuto do dirigente associativo juvenil, os direitos das associações de menores, o estatuto do trabalhador estudante, a harmonização dos direitos e deveres dos jovens, devendo, desejavelmente, e depois de feita esta observação cuidadosa, culminar numa lei de bases do associativismo.
Como é sabido, é compromisso do Governo apresentar a esta Assembleia uma proposta de lei de bases do associativismo juvenil, com o objectivo claro de enquadrar as diversas expressões da participação associativa, de clarificar conceitos, de valorizar o seu importante papel social, de incentivar o mecenato junto das associações e de promover o trabalho associativo.
Por outro lado, a legislação sobre esta matéria tem de ser mais ambiciosa, deve ser capaz de dar resposta às mais elementares necessidades hoje sentidas pelas associações, como sejam a sua constituição, o estatuto de utilidade pública, o mecenato, o acesso à informação, o apoio técnico, a sua consagração como parceiras para o desenvolvimento social, etc..
Relativamente ao Instituto Português da Juventude e ao seu relacionamento com o movimento associativo, importa, de uma vez por todas, clarificar as suas competências, designadamente no que diz respeito ao acompanhamento e fiscalização, áreas muito justamente criticadas pelas associações.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado, já terminou o seu tempo.

O Orador: - Sr. Presidente, não sei se será possível ser-me concedido mais algum tempo…

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado, eu não posso fazê-lo!

Pausa.

Sr. Deputado, tenho a indicação de que Os Verdes lhe cedem 1 minuto.
Faça favor de prosseguir.

O Orador: - Muito obrigado.
Neste quadro, parece ser evidente a opção política do Partido Socialista neste debate.
Entre a aprovação de mais uma medida avulsa, hoje, e a aprovação de uma lei de bases, muito brevemente, preferimos claramente a segunda. O movimento associativo não pode continuar a ser objecto propício a retalhos legislativos. É tempo mais do que suficiente de consagrar em texto de lei as suas justas reivindicações.
Exortamos o PCP, como, aliás, todos os grupos parlamentares, a participar empenhadamente nesse debate. Os contributos para essa lei são essenciais.
Aguardamos - confesso que com alguma impaciência - a proposta do Governo. Faremos as nossas sugestões, para estarmos, no final, em condições de produzir legislação com a substância e a consistência que esta matéria reclama.
Esperamos de todos os Srs. Deputados a mesma atitude nesse debate, que esperamos venha ocorrer muito brevemente, como disse.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - O Sr. Deputado Bernardino Soares inscreveu-se para pedir esclarecimentos, mas o Sr. Deputado Dinis Costa não dispõe de tempo para lhe responder.

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, cedo 1,5 minutos ao Sr. Deputado Dinis Costa.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Com certeza, Sr. Deputado.
Tem a palavra para pedir esclarecimentos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Dinis Costa, há uma imensa contradição entre o início da sua intervenção e tudo o resto que disse. É que começou por dizer, julgo que dirigindo-se ao PSD, que está aqui em discussão um projecto e que só ele deve ser discutido. Depois, passou o resto o do tempo da intervenção a falar da «futura-provável-possível» proposta de lei do Governo. E aqui temos, de facto, uma contradição muito grande.
Ao que o Sr. Deputado devia ter respondido, na sua intervenção, era à questão de saber se existem ou não dificuldades burocráticas e um regime demasiado pesado para a legalização de associações juvenis; à questão de saber se são ou não as associações juvenis e o associativismo juvenil deste País uma realidade especial e que merecem um regime legal especial, também, para a sua legalização; era à questão de saber se, se tivéssemos esse regime, não seria possível, porventura, em vez das 1000, que o Sr. Deputado João Sequeira referiu, termos muito mais associações que, pela sua informalidade, pela sua actividade e face à burocracia que lhes é imposta, não conseguiram ainda concluir o seu processo de legalização.
Ora, eu talvez até admitisse, com certeza, que o Sr. Deputado viesse aqui defender soluções concretas diferentes, neste ou naquele ponto, em relação ao que propomos para um novo processo de legalização de associações juvenis. O Sr. Deputado não fez isso. O Sr. Deputado ignorou este processo que, como disse, tem sido fonte de inspiração de propostas legislativas há muito tempo, continua a sê-lo, e, pelos vistos, vai continuar a sê-lo, porque o Partido Socialista, designadamente, «chumba» as propostas que aqui são apresentadas, como aconteceu na última legislatura. E essa é que é a verdadeira fonte de inspiração de proposta legislativa, nesta Casa e nesta matéria.
A lei de bases a que o Sr. Deputado se referiu, que será apresentada um dia, estava, de facto, no Programa do Governo, mas não ouvimos mais falar dela até este momento, em que é preciso encontrar uma justificação para não acolher as propostas que o PCP faz sobre a matéria da legalização das associações juvenis.
Não se compreende como é que esta matéria pode ser mais uma vez prejudicada, em nome de uma futura proposta que não sabemos sequer que conteúdo terá, se trará resposta a estas questões concretas e em que termos o fará.
O Sr. Deputado João Sequeira, há pouco, reconheceu as «boas intenções» do nosso projecto de lei. Portanto, se o nosso projecto de lei está mesmo cheio de boas intenções, o que é que podemos concluir em relação à atitude do Partido Socialista em relação ao nosso projecto de lei?!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Não estão interessados.

O Orador: - Só podemos concluir que há, de facto, más intenções em relação a ele e em relação, sobretudo, ao objectivo que ele se propõe resolver, que é o de um processo especial de legalização para as associações juvenis.
E essa atitude está comprovada pelo facto de o único argumento que, ao fim e ao cabo, nos é aqui apresentado é o de ser preciso, de facto, intervir nesta matéria, ser preciso alterar a legislação, mas que deve ser o Governo a fazê-lo. Não pode ser a Assembleia da República, nem, muito menos, sob proposta do PCP.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Tem a palavra o Sr. Deputado Dinis Costa para responder.

O Sr. Dinis Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado, quanto ao que nos divide aqui, eu poderia pôr as coisas nestes termos: há um grau de exigência, há uma visão diferente sobre a maneira como o problema deve ser resolvido. O PCP apresenta um projecto de lei para tentar solucionar um problema que existe hoje na sociedade portuguesa e que afecta milhares de jovens que se querem constituir em associações juvenis. É um facto. Contudo, existem duas abordagens possíveis para tentar resolver esse problema. Uma, é olhar para o global do problema e saber quais são as diferentes e diversificadas fórmulas e extensões do movimento associativo; outra, é, com um articulado de seis artigos, tentar hoje resolver um problema que, passado um mês, por força da mutação própria do movimento associativo, se continuava a colocar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Explique lá isso!

O Orador: - O que eu disse, na minha intervenção, foi que o movimento associativo português merece, da nossa parte (Deputados, responsáveis políticos), uma abordagem mais responsável e que seja capaz de estar à altura das exigências que os próprios jovens que estão constituídos em associações têm da sociedade portuguesa.
Há um conjunto global de matérias relativamente às quais o PCP, com este projecto de lei, não deu resposta, como, aliás, fez o PSD com um projecto de lei sobre o movimento associativo (que já deu entrada nesta Casa e que vai ser discutido em breve), como, aliás, noutras ocasiões e noutras legislaturas, fez o próprio Partido Socialista.
Ou seja, existe um conjunto de questões às quais ainda não se deu resposta, e este projecto de lei continua a não dar. Portanto, aprovar este projecto de lei…

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado, terminou o seu tempo.
Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Vitorino.

O Sr. Bruno Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, queria agradecer ao Sr. Deputado Dinis Costa o facto de ter reconhecido o papel da JSD e do PSD nesta matéria, ao lembrar que já apresentámos um projecto de lei

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sobre o associativismo juvenil que contempla, precisamente, aquilo que aqui disse. Aliás, somos os únicos, neste momento, a ter esse tal projecto de lei abrangente e global que dá resposta a toda esta problemática que tanto o preocupa. E devo dizer-lhe que o nosso projecto não se fica pelos seis artigos a que se referiu há pouco.
Pergunto-lhe se concorda ou não, no campo dos princípios, com o que aqui está em debate. Era isso que gostava de saber e ainda não percebi. Pergunto-lhe, portanto, se concorda ou não com o nosso projecto de lei, porque a sua intervenção vai nesse sentido. Como tal, queria saber se concorda com o nosso projecto de lei ou se concordará com uma proposta do Governo que pode dizer o mesmo que o nosso projecto, podendo até ser dele copiada.
Registamos que o PS não tem opinião própria, limita-se a falar pelo Governo.
Para concluir, desejava saber se o Sr. Deputado pensa que o Governo está bem representado neste debate sobre juventude pelo jovem Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, o Dr. José Magalhães.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Dinis Costa, a quem a Mesa concede 1 minuto.

O Sr. Dinis Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bruno Vitorino, no que respeita às suas observações sobre o Governo, será o Sr. Secretário de Estado José Magalhães a responder.
Na verdade, não percebi a sua pergunta, mas, sinceramente, continuo com alguma dificuldade em perceber o verdadeiro alcance das questões que o Sr. Deputado Bruno Vitorino me coloca, tanto na Comissão de Juventude, como aqui no Plenário, em debates sobre esta matéria. No entanto, sempre lhe digo uma coisa: há uma enorme diferença entre resolver os problemas dos jovens e, neste caso, resolver os problemas que afectam o movimento associativo português e o movimento associativo juvenil e apresentar iniciativas parlamentares. Há, efectivamente, uma grande diferença, porque o mero facto de serem apresentadas iniciativas parlamentares não pode merecer a minha aprovação nem a aprovação do meu grupo parlamentar.
Devolvo à procedência a observação particularmente descabida de que o PS e o seu grupo parlamentar não têm opinião própria. Isso não faz qualquer sentido. O que tentei expor na minha intervenção, que julgo ter sido particularmente clara, foi que nós somos substancialmente diferentes quanto ao grau de exigência com que encaramos as leis que saem desta Casa. Entre a aprovação de mais uma medida avulsa, que permite aos Srs. Deputados aparecerem nos jornais como grandes defensores da causa do movimento associativo,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Mas isso é o que o Governo vai fazer!

O Orador: - … e o esperarmos um mês para, de forma consistente, sair desta Casa um pacote legislativo que vai de encontro às carências do movimento associativo, nós preferimos a segunda opção.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, antes de mais queria, numa nota inicial, registar este milagre do «aparece e desaparece» do Governo. Confesso que, no início do debate, quando olhei para o quadro dos tempos e vi que o Governo tinha 10 minutos, fiquei muito contente e pensei que era extremamente aliciante para a própria discussão que o Governo se tivesse feito representar por quem entendesse - eu entendia que deveria ser alguém da Secretaria de Estado da Juventude, mas essa é uma tarefa do Governo e, como é óbvio, não temos de a comentar. Fiquei, no entanto, surpreso quando vi que o Governo tinha 10 minutos mas não tinha ninguém na sua bancada.
Mais tarde, olhando de novo para a bancada do Governo, vi que o tempo tinha desaparecido mas que já tinha aparecido o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares. Agora, depois de ter pedido a palavra, o Sr. Secretário de Estado vai, pelos vistos, fazer uma intervenção. O que é grave no meio de tudo isto, e esta era a nota inicial que queria deixar, é que, num Governo que não tem uma política de juventude, num Governo onde a política de juventude está ausente, é normal que essa ausência se reflicta nesta Assembleia sempre que são discutidas matérias que estão directamente relacionadas com a juventude. Tenho muita pena que, de facto, não esteja presente um membro do Governo com uma ligação directa a esta área, para nos dar alguns esclarecimentos que me parecem importantes.
Entrando no substracto da minha intervenção, parece-me que o objectivo deste projecto - facilitar e acelerar o processo de constituição de associações de jovens - é salutar e é de aplaudir. Acima de tudo, este objectivo parece-me salutar e de aplaudir porque o associativismo, o movimento associativo, é, de facto, um factor de integração dos jovens na sociedade, é um factor de sociabilização, é um factor que pode incutir nas pessoas, nomeadamente nas mais novas, o espírito da iniciativa, um espírito de iniciativa e de vontade de lutar e de batalhar por aquilo que entendem ser o mais correcto. Isso é, obviamente, para o todo da sociedade portuguesa, uma coisa salutar e uma coisa que esta Câmara tem de aplaudir.
Este objectivo não é uma benesse, não se trata de um favoritismo ou de um mero facilitismo que queremos dar a um conjunto de pessoas. Trata-se de apoiar pessoas que têm uma necessidade concreta que se traduz na dificuldade que têm em aceder, por exemplo, a consultores jurídicos ou a alguém que lhes explique e que lhes possa mostrar como é que, na realidade, é constituída uma associação e como é que se pode ultrapassar a burocracia que está inerente a um processo de constituição de uma associação.
Se, no entanto, esta ideia é de aplaudir, tenho pena que tenha faltado algum aprumo do partido proponente quanto à sua concretização. Refiro-me, em concreto, a algumas definições e sugestões que me parecem essenciais.
A primeira, à cabeça, é a definição do que é uma associação de jovens. Esta é uma definição fundamental num

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diploma como este. O que é uma associação de jovens? É uma associação em que todos os membros são jovens? É uma associação em que os seus dirigentes são jovens? É uma associação em que parte percentual dos seus membros são jovens? É algo que urge esclarecer.
A segunda, que não posso deixar de referir, diz respeito à introdução, em concreto, no regime de constituição das associações em Portugal, do regime do reconhecimento por concessão. Este, como sabem, não é o regime geral que se aplica em Portugal quanto à constituição de uma associação. Aliás, a introdução de um regime diferente do regime do reconhecimento normativo condicionado é, como se refere no preâmbulo do projecto de lei do Partido Comunista Português, uma conquista de Abril - este regime é, de facto, uma conquista de Abril e até estranho que o Partido Comunista Português não tenha sido sensível a este argumento.
De facto, não faz muito sentido que haja, nesta altura, um processo de avaliação prévia ou de controlo prévio por parte do Ministério Público acerca dos fins das associações. Este não é um regime normal em Portugal, tem excepcionalíssimas restrições, há uma ou duas restrições, que se justificam exactamente pela sua natureza, sendo uma delas as associações de estudantes. Mas penso que o PCP não quer financiar estas associações de jovens, tal como o Estado financia as associações de estudantes.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Essa é uma interpretação um bocadinho ínvia!

O Orador: - O terceiro aspecto, que considero um erro fundamental e crasso neste projecto de lei e que urge ser rectificado, é a quebra da segurança nas relações jurídicas que pode existir a partir do momento em que estas associações sejam constituídas sem escritura pública. Trata-se de um elemento que temos de ponderar, porque é complicado e introduz uma alteração muito significativa na ordem jurídica portuguesa, já que mexe, inclusivamente, com algumas normas do Código Civil.
O que tem de ser feito para facilitar, eventualmente - e penso que este é um sentimento unânime desta Câmara -, a constituição destas associações é pôr as instituições públicas que já existem (leia-se, aqui, instituto português da juventude) a dar um apoio real e concreto às pessoas que precisam e pretendem de facto fazer uma associação.
Concordo com a oradora que dizia que não faz sentido que o Instituto Português da Juventude só ajude as instituições que já estão constituídas. Faz todo o sentido que o Instituto Português da Juventude possa ter funções nesta matéria.
Mas depois de ouvir a intervenção do Partido Socialista, eu, que já tinha algumas dúvidas, que já tinha ficado perplexo com alguns aspectos, fiquei extremamente perplexo quando ele disse que era preciso esperar, esperar por legislação.

O Sr. Dinis Costa (PS): - De quem?

O Orador: - Que eu saiba, Sr. Deputado, só houve uma intervenção do Partido Socialista. Houve pedidos de esclarecimentos e uma intervenção do Sr. Deputado Dinis Costa.
Continuando, dizia V. Ex.ª que era preciso esperar por legislação; enquanto não houver legislação, enquanto o Governo não legislar, temos de esperar! Esperar até quando? Se calhar, até ao dia de nenhum de nós ser jovem! Esperar até quando, se esta promessa é tão antiga no seio do Partido Socialista?

O Sr. Dinis Costa (PS): - Aproveitou o facto de eu não ter tempo para responder, Sr. Deputado!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Tem de o gerir melhor!

O Orador: - Usando um termo que V. Ex.ª aplicou na sua intervenção, também fiquei com a percepção de que o Partido Socialista só tem um motivo para «chumbar» este diploma: é um motivo sectário, é um motivo de Estado e é um motivo de juventude!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputado Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio ser importante que fique registado o conjunto de intenções que o Partido Socialista veio novamente apresentar nesta sede em termos de política de juventude, concretamente através de um projecto de lei aqui apresentado. Isto porque a ausência de propostas concretas por parte do Partido Socialista, nas mais diversas áreas, começa a ser uma constante nesta Câmara.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Não será, naturalmente, necessário lembrar um agendamento potestativo do Partido Socialista que foi ocupado com mais um conjunto de intenções relativamente à área da educação, tendo primado pela ausência de propostas concretas. Estamos a falar de um agendamento potestativo que tem a importância que tem e que o Partido Socialista caracterizou com a ausência de propostas nesta área.

Vozes do PCP: - Bem lembrado!

A Oradora: - De facto, em vez de propostas concretas, aquilo que o Partido Socialista tem tendência para fazer é enunciar permanentemente princípios gerais nas mais diversas áreas.
A política de juventude, na nossa perspectiva, Sr. Deputado, não se compadece com este tipo de meras intenções. Ficamos à espera, portanto, durante não sei quanto tempo, de ver essa proposta de lei de bases que o Sr. Deputado aqui anunciou.
Em relação ao projecto de lei em questão, este, sim - e creio que é por todos reconhecido -, é uma proposta concreta para a simplificação a diversos níveis da constituição e da legalização das associações juvenis. O certo é que a morosidade na constituição das associações de juventude e os custos que ela envolve são facilmente factores de desmobilização ao associativismo. Já aqui foram

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dados vários exemplos, como a morosidade na obtenção do certificado de admissibilidade e a marcação da escritura no notário, que tem demoras inaceitáveis. Portanto, será fácil perceber que um conjunto de jovens estimulados à criação de uma associação de juventude, que, pela actividade que pretende desenvolver, legitimamente se candidate a apoios, designadamente do IPJ, só com muita persistência e boa vontade conseguem enfrentar uma tal burocracia e morosidade processual.
Por isso, Os Verdes consideram que tudo o que vier facilitar o processo de constituição e de intervenção das associações juvenis é um contributo importante para o estímulo e o fomento desta forma de associativismo.
Os Verdes consideram importante o associativismo juvenil, com âmbitos de intervenção e objectivos muito variados nas mais diversas associações de juventude, mas que em comum têm, de facto, objectivos claros, como a criação de espaços de intervenção para os jovens, de espaços de participação para os jovens, de ocupação dos jovens, de promoção da criatividade dos jovens, etc.

O Sr. Dinis Costa (PS): - Tudo isso está aqui, no projecto de lei!

A Oradora: - Por tudo o que ficou dito, que facilita, Sr. Deputado, a constituição das associações de juventude e, portanto, a intervenção e a participação dos jovens através dessas associações,…

O Sr. Dinis Costa (PS): - Não compreendeu!

A Oradora: - … votaremos favoravelmente o projecto de lei que cria o processo especial de constituição das associações juvenis.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tomo a palavra neste debate unicamente devido a uma observação feita por um Sr. Deputado, julgo, aliás, que sem qualquer intuito acintoso.
Como sabem, o Sr. Ministro da Presidência e eu próprio tomámos a decisão de acompanhar, com a máxima assiduidade, os trabalhos parlamentares, desde o período de antes da ordem do dia até ao período da ordem do dia onde se discutem diplomas apresentados pelos partidos. Nada no Regimento obriga a tal, é uma atitude de cortesia, que visa, de resto, também reforçar o conhecimento do trabalho da Câmara e assegurar qualquer coisa que seja necessário, gerada pela dinâmica dos debates. Não peço qualquer elogio, mas penso que ninguém levará a mal este tipo de presença, tal como julgo que toda a gente compreenderá que só por uma circunstância histórica, que nenhum de nós pode controlar em absoluto, é que o Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares é uma pessoa que não tem a jovialidade, por exemplo, do mais brilhante de todos eles, o Dr. António Vitorino, que era muito jovem quando exerceu estas funções. Não é o meu caso e nada posso fazer nessa matéria, a não ser, nesta matéria, dar-vos a seguinte garantia: o que hoje aqui se discute é o contributo de um partido para a reflexão sobre o associativismo juvenil, haverá, seguramente, outros contributos, como o contributo que está em preparação por parte do Governo sobre esta matéria, que será submetido, muito em breve, ao Conselho Consultivo da Juventude.
O Sr. Secretário de Estado da Juventude, que, amanhã, irá estar presente nesta Câmara para discutir os dois tópicos que estarão em debate, não pôde, por razões que não conseguiu adiar, estar presente neste exacto momento, o que, seguramente, teria contribuído para o próprio debate incluir uma análise desenvolvida da situação da Secretaria de Estado da Juventude e da política juvenil do Governo. Não serei eu a fazê-la, obviamente, nesta sede, mas gostaria, Srs. Deputados, de apelar no sentido de que se criem as condições institucionais para que a reflexão que conduza à revisão do quadro legal se faça de maneira alargada, com as contribuições plurais, que são desejáveis, e rumo a um regime razoável que melhore, naturalmente, o quadro em vigor, como toda a gente parece ter expresso,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP) - Tem de dizer isso aqui a esta bancada, ao PS!

O Orador: - … incluindo, naturalmente, a bancada que apoia o Governo.
Julgo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que, se trabalharmos assim, trabalharemos bem, sem que ninguém abra uma espécie de competição frenética para conquistar a pool position numa corrida que, afinal, é de todos e onde todos têm a ganhar dentro de determinados pressupostos.
O meu apelo, Srs. Deputados, se mo permitem com as minhas cãs, é no sentido de que isso aconteça em condições adequadas e que a Câmara consiga fazer um bom trabalho, porque é para isso que todos aqui estamos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por encerrado o debate do projecto de lei n.º 156/VIII.
A próxima sessão plenária realizar-se-á amanhã, sexta-feira, às 10 horas, tendo como ordem de trabalhos a discussão do projecto de resolução n.º 77/VIII e a discussão conjunta dos projectos de lei n.os 101/VIII, 308/VIII, 313/VIII e 314/VIII.
Srs. Deputados está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 15 minutos.

Declarações de voto enviadas à Mesa, para publicação, relativas ao voto n.º 92/VIII

Os Deputados do círculo eleitoral de Bragança do Partido Socialista não podiam deixar de se associar comovidamente a este voto de pesar.
É a oportunidade de expressarmos a justa homenagem a um homem que abraçou a causa pública e a defesa intransigente das populações que serviu com tanto esmero.

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Não tendo tido a honra e o privilégio de privar com o Dr. José Gama, desde muito cedo acompanhámos de perto a sua faceta de homem público.
José Gama foi, como são todos os que realizam obra, um homem de causas e combates. Os transmontanos, particularmente os cidadãos de Mirandela, ficam a dever-lhe muito. Não foi um homem consensual, pelo contrário, a forma como sempre colocou os interesses das populações acima dos meramente partidários, deixou-lhe associada uma marca de saudável controvérsia. Tendo estado muitas vezes em lados opostos no combate político, sempre lhe reconhecemos uma indómita vontade de melhorar as condições de vida dos transmontanos. Essa sua teimosia deu-nos o privilégio de, a seu lado, combatermos pela criação da Região de Trás-os-Montes e Alto Douro. As causas não têm partido, e o Dr. José Gama foi um exemplo disso.
Para além das diferenças, que sempre nos separaram no campo político-partidário, fica o exemplo de um homem entregue à causa pública com dedicação e esforços invulgares.
Os Deputados signatários endereçam à família enlutada sinceros votos de sentidas condolências e expressam publicamente o seu pesar pelo desaparecimento de um cidadão do mundo para quem o apelo da terra natal se tornou irrecusável. A esse apelo respondeu José Gama com uma obra cujos méritos devem ser, porque justos, inaltecidos.

Os Deputados do PS, Dinis Costa - Mota Andrade.

---

A Comissão de Assuntos de Europeus aprovou por unanimidade um voto de pesar pelo falecimento do Dr. José Gama. Este voto foi parcialmente incorporado no voto de pesar por iniciativa do Sr. Presidente da Assembleia da República e com a subscrição de todos os grupos parlamentares acabou por ser votado em Plenário.
Considerando que o Dr. José Gama foi um Deputado activo da Comissão de Assuntos Europeus pareceu-me importante registar na íntegra aquele voto de pesar. É o que faço, incorporando-o na presente declaração de voto.

O Deputado do PS, Manuel dos Santos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Eduardo Ribeiro Pereira
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Helena Maria Mesquita Ribeiro
Isabel Maria Soares Pinto Zacarias
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho
Vítor Manuel Caio Roque

Partido Social Democrata (PSD):
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Rui Fernando da Silva Rio

Partido Comunista Português (PCP):
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
António Alves Martinho
António Bento da Silva Galamba
Cláudio Ramos Monteiro
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho
Isabel Maria dos Santos Barata
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Carlos Pinto Basto Mota Torres
José Manuel de Medeiros Ferreira
Luísa Pinheiro Portugal
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz

Partido Social Democrata (PSD):
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
João Bosco Soares Mota Amaral
José Manuel Durão Barroso
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva

Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
João António Gonçalves do Amaral

Partido Popular (CDS-PP):
Paulo Sacadura Cabral Portas
Raúl Miguel de Oliveira Rosado Fernandes
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Isabel Maria de Almeida e Castro

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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