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Sábado, 2 de Dezembro de 2000 I Série - Número 26

DIÁRIO da Assembleia da República

VIII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2000-2001)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 30 DE NOVEMBRO DE 2000

Presidente: Ex.mo Sr. Manuel Alegre de Melo Duarte

Secretários: Ex. mos Srs. José Ernesto Figueira dos Reis
Manuel Alves de Oliveira
António José Carlos Pinho

S U M Á R I O

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia.- Deu-se conta da entrada na Mesa de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado Carlos Marta (PSD) saudou o novo Presidente da Câmara de S. Pedro do Sul pela vitória alcançada na recente eleição autárquica que se realizou naquele concelho e congratulou-se pelo facto de o PSD voltar a ser o partido maioritário nas autarquias portuguesas. Respondeu, depois, ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Joaquim Sarmento (PS).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Luís Fazenda (BE) fez uma avaliação da 6.ª Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, realizada em Haia, e respondeu à Sr.ª Deputada Isabel Tinoco de Faria (PS).
Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado Rosado Fernandes (CDS-PP) lembrou o 25 de Novembro de 1975, tendo-se associado a esta intervenção o Sr. Deputado Francisco de Assis (PS).
Ainda em declaração política, a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia (Os Verdes) fez um balanço da 6.ª Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, realizada em Haia, e respondeu aos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Joaquim Matias (PCP) e Manuel Queiró (CDS-PP).
Procedeu-se a um debate de urgência, requerido por Os Verdes, sobre o Plano Hidrológico de Espanha e as suas implicações para Portugal, tendo usado da palavra, a diverso título, além dos Sr. Ministro do Ambiente e do Planeamento do Território (José Sócrates), os Srs. Deputados Isabel Castro (Os Verdes), Maria Santos (PS), Joaquim Matias (PCP), Rosado Fernandes (CDS-PP), Helena Neves (BE), Manuel Queiró (CDS-PP) e José Eduardo Martins (PSD).

Ordem do dia.- Procedeu-se à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 51/VIII - Altera o regime de acesso ao direito e aos tribunais, atribuindo aos serviços da segurança social a apreciação dos pedidos de concessão de apoio judiciário, tendo sido aprovado, na generalidade, na especialidade e em votação final global, um texto de substituição apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Intervieram, a diverso título, além do Sr. Ministro da Justiça (António Costa) e do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Trabalho e da Solidariedade (Rui Cunha), os Srs. Deputados Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), Odete Santos (PCP), António Montalvão Machado (PSD) e Helena Ribeiro (PS).
Entretanto, a Câmara aprovou, em votação final global, o texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo às propostas de alteração ao Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto, que altera o Código de Processo Civil, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, e pelo Decreto-Lei n.º 375-A/99, de 20 de Setembro, e o Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 383/99, de 23 de Setembro [apreciação parlamentar n.º 25/VIII (PSD)], em relação à qual o Sr. Deputado António Montalvão Machado (PSD) produziu uma declaração de voto.
Ainda em votação final global, mereceu aprovação o texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais,

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Direitos, Liberdades e Garantias, relativo ao projecto de lei n.º 226/VIII - Aprova a quinta revisão do Estatuto dos Deputados (PS). Usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), Daniel Campelo (Indep.), Narana Coissoró (CDS-PP), António Filipe (PCP), Osvaldo Castro (PS), Guilherme Silva (PSD), Luís Fazenda (BE), Isabel Castro (Os Verdes) e Jaime Marta Soares e Fernando Costa (PSD).
Entretanto, a Câmara aprovou dois pareceres da Comissão de Ética a autorizar dois Deputados (um do PSD e outro do PS) a deporem como testemunhas em tribunal.
Foi ainda apreciada a petição n.º 53/VII (1.ª), apresentada por José Dinis Correia de Morais e outros, pretendendo a promulgação de legislação objectiva e actual sobre a selecção dos locais de instalação de aterros sanitários. Intervieram, além do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães), os Srs. Deputados José Eduardo Martins (PSD), Isabel Tinoco de Faria (PS), Joaquim Matias (PCP), Heloísa Apolónia (Os Verdes), Helena Neves (BE) e Lino de Carvalho (PCP).
O Sr. Deputado do PS Manuel Alegre foi autorizado, por escrutíneo secreto, a ser ouvido, como assistente em tribunal.
Por fim, foi apreciada a petição n.º 20/VIII (1.ª), apresentada pela Junta de Freguesia da Ajuda, protestando contra a anunciada intenção da Administração da Carris em desactivar a carreira de eléctricos n.º 18 - Ajuda. Intervieram, além do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, os Srs. Deputados Dias Baptista (PS), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), Vírgilio Costa (PSD), Helena Neves (BE), Margarida Botelho (PCP) e Francisco Torres (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 35 minutos.

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O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 15 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
António Alves Marques Júnior
António Alves Martinho
António Fernandes da Silva Braga
António Fernando Marques Ribeiro Reis
António Fernando Menezes Rodrigues
António José Gavino Paixão
António Manuel Dias Baptista
António Manuel do Carmo Saleiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Bruno Renato Sutil Moreira de Almeida
Carla Maria Nunes Tavares Gaspar
Carlos Alberto
Carlos Alberto Dias dos Santos
Carlos José Gonçalves Vieira de Matos
Carlos Manuel Luís
Casimiro Francisco Ramos
Cláudio Ramos Monteiro
Dinis Manuel Prata Costa
Eduardo Ribeiro Pereira
Emanuel Silva Martins
Fernando Pereira Serrasqueiro
Filipe Mesquita Vital
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres
Gil Tristão Cardoso de Freitas França
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho
Helena Maria Mesquita Ribeiro
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco d'Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge Tinoco de Faria
Isabel Maria Soares Pinto Zacarias
Jamila Barbara Madeira e Madeira
João Alberto Martins Sobral
João Cardona Gomes Cravinho
João Francisco Gomes Benavente
João Pedro da Silva Correia
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
João Rui Gaspar de Almeida
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão
José Alberto Leal Fateixa Palmeiro
José Aurélio da Silva Barros Moura
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Carlos da Cruz Lavrador
José Carlos Lourenço Tavares Pereira
José Carlos Pinto Basto Mota Torres
José da Conceição Saraiva
José de Matos Leitão
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Ernesto Figueira dos Reis
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Rosa do Egipto
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Rodrigues Pereira dos Penedos
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Luís Miguel Gomes Miranda Teixeira
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António dos Santos
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Margarida Maria Santos Soares da Rocha Gariso
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira
Maria do Céu da Cruz Vidal Lourenço
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria José Vidal do Rosário Campos
Maria Luísa Silva Vasconcelos
Maria Teresa de Oliveira Ferreira Coimbra
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco
Paulo Alexandre Homem de Oliveira Fonseca
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Rui Manuel Leal Marqueiro
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Victor Brito de Moura
Vítor Manuel Alves Peixoto
Victor Manuel Caio Roque
Vítor Manuel Lontrão Carola
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Social Democrata (PSD):
Álvaro dos Santos Amaro
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António de Carvalho Martins
António d'Orey Capucho
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Manuel da Cruz Silva
António Manuel Santana Abelha
António Paulo Martins Pereira Coelho
Armando Manuel Dinis Vieira
Arménio dos Santos

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Artur Ryder Torres Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos Manuel de Sousa Encarnação
Carlos Manuel Marta Gonçalves
Domingos Duarte Lima
Eugénio Fernando Sá Cerqueira Marinho
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Jorge Loureiro de Reboredo Seara
Fernando José da Costa
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Santos Pereira
Francisco Augusto Caimoto Amaral
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
Jaime Carlos Marta Soares
João Bosco Soares Mota Amaral
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José da Silva Maçãs
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José António de Sousa e Silva
José David Gomes Justino
José de Almeida Cesário
José Eduardo Rêgo Mendes Martins
José Frederico de Lemos Salter Cid
José Luís Campos Vieira de Castro
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel de Matos Correia
José Manuel Durão Barroso
Lucília Maria Samoreno Ferra
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Pedro Machado Sampaio de Sousa Pimentel
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Castro de Almeida
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim Barata Frexes
Manuel Maria Moreira
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria do Céu Baptista Ramos
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Nuno Miguel Marta de Oliveira da Silva Freitas
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rui Fernando da Silva Rio
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Comunista Português (PCP):
Ana Margarida Lopes Botelho
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Cândido Capela Dias
Joaquim Manuel da Fonseca Matias
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos
Octávio Augusto Teixeira
Vicente José Rosado Merendas

Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello Branco
António José Carlos Pinho
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Luís Pedro Mota Soares
Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró
Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona
Narana Sinai Coissoró
Paulo Sacadura Cabral Portas
Raúl Miguel de Oliveira Rosado Fernandes

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

Bloco de Esquerda (BE):
Maria Helena Augusto das Neves Gorjão

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, foram apresentados na Mesa vários requerimentos. Nas reuniões plenárias de 26 e 27 de Outubro de 2000: ao Instituto de Estradas de Portugal, formulado pelo Sr. Deputado Paulo Fonseca; ao Ministério do Equipamento Social, formulados pelos Srs. Deputados Ana Manso, Manuel Oliveira e Paulo Pereira Coelho; a diversos Ministérios e à Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, formulados pelo Sr. Deputado Honório Novo; aos Ministérios do Trabalho e da Solidariedade e do Equipamento Social, formulado pela Sr.ª Deputada Natália Filipe; ao Ministério da Educação e ao Conselho de Administração da EPAL, formulados pelo Sr. Deputado Luís Fazenda; ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Luís; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Machado Rodrigues.
No dia 31 de Outubro de 2000: ao Ministério do Equipamento Social, formulados pelos Srs. Deputados Zelinda Marouço Semedo e António Abelha; a diversos Ministérios, formulado pelo Sr. Deputado António Capucho; ao Ministério da Economia, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Martins; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pela Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo; ao Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulado pelo Sr. Deputado Rosado Fernandes.
Nas reuniões plenárias de 2 e 3 de Novembro de 2000: ao Sr. Primeiro Ministro, formulado pelo Sr. Deputado Daniel Campelo; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado

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Dinis Costa; ao Ministério do Equipamento Social, formulado pela Sr.ª Deputada Margarida Rocha Gariso; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pela Sr.ª Deputada Ana Narciso; ao Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, formulados pelo Sr. Deputado José Eduardo Martins; aos Ministérios da Agricultura do Desenvolvimento Rural e das Pescas e do Ambiente e Ordenamento do Território, formulado pelo Sr. Deputado Fernando Penha; ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado Cândido Capela; à Secretaria de Estado das Obras Públicas e ao Ministério da Educação, formulados pela Sr.ª Deputada Margarida Botelho; ao Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, formulado pelo Sr. Deputado Luís Fazenda; aos Ministérios da Economia e do Trabalho e da Solidariedade, formulados pela Sr.ª Deputada Helena Neves; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Rosado Fernandes; o Ministério do Trabalho e da Solidariedade, ao Mercado Abastecedor da Região do Noroeste, S. A., (ECAN/MARN) à Sociedade Instaladora de Mercados Abastecedores, S. A. (SIMAB) e à Câmara Municipal de Braga, formulados pelo Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo; ao Ministério da Saúde, formulado pela Sr.ª Deputada Ana Manso; a diversos Ministérios, formulado pelo Sr. Deputado Luís Pedro Pimentel; ao Ministério da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Oliveira; ao Ministério da Economia, formulado pelo Sr. Deputado Vicente Merendas.
Na reunião plenária de 6 de Novembro de 2000: a diversos Ministérios e à Secretaria de Estado da Comunicação Social, formulados pelo Sr. Deputado Francisco Amaral; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Virgílio Costa; aos CTT - Correios de Portugal S. A., formulado pelo Sr. Deputado Eugénio Marinho; ao Ministério do Trabalho e da Solidariedade e ao Secretário de Estado Adjunto da Presidência do Conselho de Ministros, formulados pelo Sr. Deputado Pedro Mota Soares; aos Ministérios das Finanças, da Economia e do Trabalho e da Solidariedade e ao Secretário de Estado Adjunto e da Indústria, formulados pelo Sr. Deputado Telmo Correia.
Na reunião plenária de 7 de Novembro de 2000: ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; aos Ministérios da Saúde e do Ambiente e Ordenamento do Território, formulados pela Sr.ª Deputada Isabel Castro; aos Ministérios da Educação e da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulados pelo Sr. Deputado Bruno Vitorino; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado José Cesário; ao Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Trabalho e da Solidariedade, formulado pelo Sr. Deputado Melchior Moreira; ao Governo e ao Ministério do Ambiente e Ordenamento do Território, formulados pelo Sr. Deputado Rui Gomes da Silva; ao Ministério do Equipamento Social, formulados pelos Srs. Deputados António Filipe e Paulo Portas.
Na reunião plenária de 8 de Novembro de 2000: ao Ministério do Planeamento, formulados pelos Srs. Deputados Isabel Vigia, José Barros Moura, João Benavente, José Manuel Epifânio, José Penedos, José Reis e Marques Júnior; ao Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, formulado pelo Sr. Deputado Ricardo Fonseca de Almeida; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Moreira; ao Parque das Nações, formulado pelo Sr. Deputado José Eduardo Martins; ao Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, formulados pela Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
Na reunião plenária de 10 de Novembro de 2000: ao Ministério da Economia, formulado pelo Sr. Deputado Agostinho Gonçalves; ao Ministério do Equipamento Social, formulado pelo Sr. Deputado Dias Baptista; ao Governo, aos Ministérios da Justiça, da Administração Interna e dos Negócios Estrangeiros e à Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, formulados pela Sr.ª Deputada Manuela Aguiar; ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Manuel Moreira e Rui Rio; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Honório Novo; ao Ministério do Trabalho e da Solidariedade, formulado pelo Sr. Deputado Telmo Correia; à Alta Autoridade para a Comunicação Social, ao Ministério do Trabalho e da Solidariedade e ao IDICT, formulados pela Sr.ª Deputada Helena Neves; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Luís Fazenda.
Nos dias 13 e 14 de Novembro de 2000: ao Ministério do Trabalho e da Solidariedade, formulado pelo Sr. Deputado Machado; ao Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulado pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; à Secretaria de Estado da Comunicação Social, formulado pelo Sr. Deputado Francisco Torres; ao Ministério do Equipamento Social, formulados pelos Srs. Deputados Castro de Almeida e António Capucho; ao Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros e ao Ministro da Reforma do Estado e da Administrativa Pública, formulado pela Sr.ª Deputada Lucília Ferra; ao Ministério da Cultura e à Câmara Municipal de Braga, formulados pelo Sr. Deputado Miguel Macedo; ao Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, formulado pela Sr.a Deputada Helena Alves.
Por sua vez, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados por vários Srs. Deputados. No dia 31 de Outubro de 2000: António Capucho, na sessão de l8 de Outubro.
No dia 3 de Novembro de 2000: Luís Fazenda, António Filipe e Lino de Carvalho, nas sessões de 17 de Dezembro, 31 de Maio e 20 de Setembro; Paulo Portas, na sessão de 12 de Janeiro; Vicente Merendas, Manuela Aguiar, Agostinho Lopes, Natália Filipe, João Rebelo, Isabel Castro, Ana Manso, Pedro Duarte, Carlos Martins e José Eduardo Martins, no dia 29 de Fevereiro, nas sessões de 16 e 22 de Março, 13 e 28 de Abril, 21 e 30 de Junho, 5, 6 e 26 e nos dias 7 e 19 de Julho, e no dia 13 de Setembro; Margarida Botelho, na sessão de 14 de Março; Machado Rodrigues, na sessão de 11 de Maio; Miguel Anacoreta Correia, na sessão de 7 de Junho; Honório Novo, nas sessões de 8 e 29 de Junho e no dia 14 de Setembro; Miguel Miranda Relvas, na sessão de 14 de Junho; Luísa Mesquita, na sessão de 27 de Junho; Francisco Louçã, nos dias 12 e 28 de Julho e 30 de Agosto e na sessão de 22 de Setembro; Rui Rio e Odete Santos, no dia 31 de Julho; José Cesário, na sessão de 28 de Setembro; David Justino, no dia 10 de Outubro.
Nos dias 6 e 8 de Novembro de 2000: João Amaral, na sessão de 25 de Maio; Carlos Marta, na sessão de 15 de Junho; Hermínio Loureiro, na sessão de 21 de Junho; Honório Novo e João Rebelo, na sessão de 6 de Junho; Dias Baptista, no dia 12 de Julho; Barbosa Ribeiro, na Comissão Permanente de 13 de Julho; Daniel Campelo, na sessão de 2 de Novembro.

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No dia 9 de Novembro de 2000: Francisco Torres, na sessão de 15 de Março; Bernardino Soares, Ricardo Castanheira, Pedro Mota Soares, Isabel Castro, Luís Fazenda, Agostinho Lopes, João Rebelo e Heloísa Apolónia, nas sessões de 23 de Março, 27 e 30 de Junho, nos dias 30 de Agosto, 13 de Setembro e nas sessões de 3 e 18 e no dia 17 de Outubro; Honório Novo, Vicente Merendas e Francisco Louçã, nas sessões de 8 de Junho, 5 e 26 de Julho e no dia 31 de Julho; Pedro Duarte, Fátima Amaral e António Pinho, na sessão de 6 de Julho; Luís Cirilo, no dia 12 de Julho; Paulo Portas, na sessão de 4 de Outubro.
No dia 13 de Novembro de 2000: Herculano Gonçalves, na sessão de 13 de Janeiro; Eugénio Marinho, na sessão de 18 de Maio; João Pedro Correia, na sessão de 26 de Maio; Caio Roque e Mafalda Troncho, na sessão de 7 de Junho; Heloísa Apolónia, Agostinho Lopes, Honório Novo, Sílvio Rui Cervan, Arménio Santos e Bernardino Soares, nas sessões de 6 e 26, no dia 31 de Julho, nos dias 30 de Agosto e 13 de Setembro; Paulo Pisco, na sessão de 21 de Setembro; Francisco Louçã, no dia 10 de Outubro; António Filipe, na sessão de 11 de Outubro; Luís Fazenda, na sessão de 2 de Novembro; Isabel Vigia, José Barros Moura, João Benavente, José Manuel Epifânio, José Penedos, José Reis e Marques Júnior, na sessão de 8 de Novembro.
No dia 14 de Novembro de 2000: Jovita Ladeira, na sessão de 31 de Maio; Agostinho Lopes, na sessão de 9 de Junho; Casimiro Ramos, na sessão de 26 de Julho; Isabel Castro, no dia 13 de Setembro; José Cesário, na sessão de 21 de Setembro.
No dia 15 de Novembro de 2000: Natália Filipe, na sessão de 26 de Julho; Agostinho Lopes, no dia 19 de Setembro; Heloísa Apolónia e Isabel Castro, na sessão de 21 de Setembro; Bernardino Soares, na sessão de 3 de Outubro; Paulo Portas, na sessão de 4 de Outubro; Dias Baptista, no dia 10 de Novembro.
Nos dias 16, 17 e 20 de Novembro de 2000: Luís Fazenda, na sessão de 5 de Maio; Maria Eduarda Azevedo, na sessão de 9 de Junho; Natália Filipe, no dia 19 de Julho; Paulo Portas e Sílvio Rui Cervan, no dia 30 de Agosto; Agostinho Lopes, no dia 14 de Setembro; Honório Novo, na sessão de 4 de Outubro.
No dia 22 de Novembro de 2000: Maria Santos, na sessão de 25 de Maio; Bruno Vitorino, na sessão de 31 de Maio; Agostinho Lopes, na sessão de 27 de Junho; Heloísa Apolónia, na sessão de 28 de Junho e no dia 17 de Outubro; Luísa Mesquita, na sessão de 30 de Junho; Miguel Anacoreta Correia, na sessão de 5 de Julho; José Cesário, na sessão de 20 de Setembro; Lino de Carvalho, na sessão de 19 de Outubro.
No dia 24 de Novembro: Natália Filipe, no dia 13 e na sessão de 26 de Julho; Narana Coissoró, na sessão de 26 de Julho; Isabel Castro, na sessão de 28 de Setembro; Heloísa Apolónia, na sessão de 13 de Outubro; António Filipe, na sessão de 19 de Outubro.
Foram, ainda, respondidos os requerimentos apresentados por vários Srs. Deputados. Nos dias 30 e 31 de Outubro de 2000: José Cesário, na sessão de 4 de Outubro; Natália Filipe, na sessão de 18 de Outubro.
No dia 2 de Novembro de 2000: João Rebelo, no dia 30 de Agosto; José Cesário, na sessão de 4 de Outubro.
No dia 3 de Novembro de 2000: José Cesário, na sessão de 4 de Outubro.
No dia 6 de Novembro de 2000: José Cesário, na sessão de 4 de Outubro.
No dia 8 de Novembro de 2000: José Cesário, na sessão de 4 de Outubro.
No dia 9 de Novembro de 2000: José Cesário, na sessão de 4 de Outubro; Luís Fazenda, na sessão de 26 de Outubro.
Nos dias 10 e 13 de Novembro de 2000: José Eduardo Martins, no dia 30 de Agosto; José Cesário, na sessão de 4 de Outubro; Paula Cristina Duarte, na sessão de 11 de Outubro.
No dia 14 de Novembro de 2000: Luís Fazenda, no dia 30 de Agosto; José Cesário, na sessão de 4 de Outubro.
No dia 15 de Novembro de 2000: Paulo Portas e José Cesário, na sessão de 4 de Outubro.
Nos dias 16, 17 e 20 de Novembro de 2000: José Cesário, na sessão de 4 de Outubro; Rosado Fernandes, na sessão de 19 de Outubro.
Nos dias 22, 23 e 24 de Novembro de 2000: João Rebelo, na sessão de 3 de Outubro; e José Cesário, na sessão de 4 de Outubro.
Em termos de expediente, é tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Faça favor, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, é tão-só para pedir que determine que seja junto à lista dos requerimentos respondidos que o Sr. Secretário leu há pouco a resposta ao requerimento n.º 398/VIII (2.ª), dos Srs. Deputados Margarida Botelho e António Filipe, ontem apresentados.
Peço também a V. Ex.ª que a resposta seja transmitida, com urgência, às diversas bancadas, caso desejem examinar com igual urgência a resposta, que, como V. Ex.ª reparará, foi dada também ela com a máxima celeridade.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Fica registado, Sr. Secretário de Estado.
Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Marta.

O Sr. Carlos Marta (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD voltou a ser o partido mais votado nas autarquias portuguesas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Depois de ter perdido essa liderança em 1989, passa agora, através da vitória no concelho de S. Pedro do Sul, distrito de Viseu, a ser o partido com maior número de câmaras municipais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, em primeiro lugar, saudamos as populações de S. Pedro do Sul pela prova de maturidade e, sobretudo, pela vontade expressa nas urnas de penalizar o Partido Socialista.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O povo deste belo concelho confiou em 1997 o seu voto aos autarcas do PS.

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Irresponsavelmente, por ambições pessoais desmedidas, por vaidade e por interesses exclusivamente partidários, os autarcas do PS, que tinham recebido legitimamente a confiança dos eleitores para governarem com maioria durante quatro anos, abandonaram pelouros e responsabilidades e abandonaram a Câmara e o seu Presidente, deixando os sampedrenses sem a necessária liderança municipal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Tudo isto com a cumplicidade dos dirigentes locais, distritais e nacionais do Partido Socialista.
Faltaram, assim, aos compromissos que assumiram com o eleitorado. Traíram, por isso, todos aqueles que lhes confiaram o seu voto.
A um ano e meio das próximas eleições autárquicas ninguém podia prever a possibilidade de haver eleições intercalares em S. Pedro do Sul, sobretudo num momento em que se preparavam e se organizavam os projectos para a candidatura ao III Quadro Comunitário de Apoio. Era, pois, uma oportunidade que não podia ser desperdiçada e que devia merecer atenção de todos os autarcas.
E o que fizeram os socialistas? Abandonaram a Câmara, repito, que é o mesmo que dizer que voltaram as costas às populações.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, os sampedrenses penalizaram o Partido Socialista, mas também o Governo, pelas promessas demagógicas de última hora, pela correria de Ministros e Secretários de Estado prometendo fazer aquilo que não foram capazes de realizar nos últimos 11 anos de liderança na Câmara e cinco anos de governação nacional.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Penalizaram o PS e o Governo e, em especial, o Ministro, Dr. Jorge Coelho, que, apesar de saber que já nada podia fazer, também não resistiu a utilizar o poder para brincar com os sampedrenses, e passo a citar: «se as obras ainda não foram feitas é porque ainda ninguém me telefonou para o gabinete.»

Vozes do PSD: - Uma vergonha!

O Orador: - O que dizer disto? Será isto aceitável? Em que país é que estamos? E que Ministros é que nos representam? E que dignidade do Estado é esta?
Mas as promessas não se ficaram apenas pelas palavras - ou pela falta de telefonemas - mas também por compromissos escritos.
Os Deputados do PS, como é do conhecimento desta Câmara, fizeram aprovar alterações ao PIDDAC para 2001 (que não estavam incluídas na versão inicial), inscrevendo obras fundamentais para o desenvolvimento do concelho de S. Pedro do Sul e dando-lhe na comunicação social uma grande divulgação e destaque, procurando assim, em vésperas de eleições, tentar alterar o sentido de voto das populações de S. Pedro do Sul.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Pois muito bem! Queremos dizer aos socialistas, aos Deputados do PS e ao Governo que, depois do anúncio público e do aproveitamento que fizeram desses investimentos, se o Governo durante o próximo ano não realizar essas infra-estruturas, não perdoaremos, nem os sampedrenses desculparão, se não forem cumpridas essas promessas.

Aplausos do PSD.

Será ética e politicamente inaceitável que o não façam.
O PS e o Governo têm, aqui, uma enorme responsabilidade; têm, aqui, uma oportunidade de provar que não discriminam autarquias; têm, aqui, uma oportunidade de provar que honram os seus compromissos e que, apesar de a Câmara ser liderada pelo PSD, isso não será razão para penalizar o povo de S. Pedro do Sul por não lhes ter dado o seu voto.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em terceiro lugar, permitam-me uma palavra de felicitações para os candidatos do PSD e, em particular, para o novo Presidente da Câmara, Dr. António Carlos Figueiredo. Felicitações pela vitória conquistada, mas também pelo sentido de responsabilidade ao longo de todo este processo. Foi a sua maturidade, a sua contínua disponibilidade, a lisura de processos, o seu comportamento e o sentido de serviço à terra que é sua, que foram determinantes para a retumbante vitória alcançada.

Aplausos do PSD.

Acreditamos que, nos próximos 11 meses, fará mais por S. Pedro do Sul do que os socialistas em 11 anos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD volta a ser o partido mais votado nas autarquias portuguesas. É um bom sinal. Mas é também um aviso - um sério aviso - que os portugueses e as portuguesas, a partir de S. Pedro do Sul e de Viseu, deram ao PS e ao seu Governo.
Começou, quer o PS queira, quer não, a viragem, o início de um novo ciclo que levará de novo o PSD ao governo de Portugal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sabemos e sentimos as preocupações do PS. Aliás, foram os responsáveis socialistas que, através de várias declarações, deram um alcance nacional a esta eleição. O Ministro Jorge Coelho, responsável pela máquina de propaganda socialista, chegou mesmo a dizer, e cito-o mais uma vez, que «votar em S. Pedro do Sul no PSD era o mesmo que estar a votar para a queda do autarca modelo do PS e presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses.»

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O PS sabia, pois, dos riscos que corria; o PS sabia, pois, que a perda de S. Pedro do Sul representava uma derrota em termos nacionais para o Partido Socialista; o PS sabia que Mário de Almeida tinha a sua legitimidade em risco.

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Mas é bom dizer que o PSD tem uma outra visão do poder local e dos autarcas portugueses. O PSD não põe em causa a legitimidade democrática que levou à presidência dos municípios portugueses um autarca do PS por este ter sido o partido mais votado em 1997.
Mas, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, queira o PS ou não, o PSD passou agora com toda a legitimidade democrática, depois da vitória em S. Pedro do Sul, a ser o partido maioritário nas autarquias portuguesas e isso não pode ser ignorado em qualquer posição protagonizada pela Associação Nacional de Municípios Portugueses, em particular pelo seu Presidente.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Saberemos, por isso, respeitar as decisões dos autarcas e os seus mandatos, mas sem deixar de lembrar que a Associação Nacional de Municípios Portugueses nunca poderá ser qualquer tipo de correia de transmissão do Governo e das suas propostas, mas, pelo contrário, tem de saber exigir a descentralização prometida e sucessivamente adiada, tem de defender de outra forma os interesses dos distritos do interior de modo a corrigir as assimetrias existentes, tem de exigir do Governo um tratamento equilibrado e solidário na elaboração do PIDDAC e, sobretudo, tem de ser uma voz de reivindicação e de valorização do poder local.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: S. Pedro do Sul foi um marco de uma mudança desejada. S. Pedro do Sul é de verdade o sinal de uma mudança anunciada.
A todos, muito obrigado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Sarmento.

O Sr. Joaquim Sarmento (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Marta, a democracia é obra comum de partidos rivais e, em democracia, temos que ter uma enorme dignidade quando perdemos mas também temos que ter uma enorme elevação quando ganhamos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ora, V. Ex.ª, na sua intervenção, não soube utilizar um tom de elevação,…

Protestos do PSD.

… pelo contrário, fez da vitória do PSD - e aproveito a oportunidade para dar os parabéns ao novo Presidente da Câmara Municipal de S. Pedro do Sul e a toda a sua equipa…

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - V. Ex.ª não tem razões para tirar ilações políticas da forma como as formulou, pois estamos apenas perante uma eleição local e, ainda mais do que isso, perante uma eleição intercalar. Portanto, não há razões para V. Ex.ª «embandeirar em arco» e tirar ilações nacionais, dizendo - mal, em nosso entender! - que estamos perante um ciclo de mudança. Não estamos perante qualquer ciclo de mudança, trata-se apenas de uma questão pontual, onde, efectivamente, existiram problemas reais entre o anterior presidente da Câmara e os seus vereadores.
Tratou-se de problemas, vicissitudes e constrangimentos que nós, dirigentes do Partido Socialista, lamentamos, e, portanto, também temos de repudiar as acusações que V. Ex.ª faz quando acusa os dirigentes do Partido Socialista - e estava a referir-se, nomeadamente, à Federação do Partido Socialista de Viseu -, que tudo fizeram para que a via do diálogo prevalecesse sobre a via da polémica e do antagonismo.
Além disso, V. Ex.ª, Sr. Deputado Carlos Marta, faz aqui críticas ao trabalho desenvolvido pelos Deputados do Partido Socialista no sentido de verem contempladas no PIDDAC obras que servem os sampedrenses.

Vozes do PSD: - Não foi isso!

O Orador: - Não têm quaisquer razões - e isso fica-lhe mal, Sr. Deputado Carlos Marta -, porque VV. Ex.as têm feito show off em todo o círculo eleitoral de Viseu em relação ao PIDDAC, quando não têm legitimidade para fazer críticas nos termos em que as fazem.

Protestos do PSD.

Não têm legitimidade, e vou dizer porquê: é que VV. Ex.as votaram contra, contra e contra, não apresentado qualquer proposta de aperfeiçoamento ou de alteração em termos de votação do Orçamento do Estado na especialidade.

Aplausos do PS.

Sr. Deputado Carlos Marta, eu felicitei os vencedores, mas também tenho aqui…

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, peço que conclua, porque esgotou o seu tempo.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, felicitei os vencedores, mas também tenho de ter uma palavra de solidariedade para com os vencidos, para com aqueles que, efectivamente, não viram sufragadas as suas posições políticas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Marta.

O Sr. Carlos Marta (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joaquim Sarmento, agradeço-lhe a questão que me colocou e também as felicitações, que são muito justas e muito merecidas.
Gostaria de lhe dizer que sempre soubemos ganhar e sempre soubemos perder. O grande problema é que o Partido Socialista não soube ganhar, teve a confiança do eleitorado de S. Pedro do Sul, em 1997, para governar a concelho durante quatro anos e, infelizmente, por ambições pessoais e por vaidades atraiçoou a Câmara, atraiçoou o presidente e abandonaram o concelho de S. Pedro do Sul.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - Sr. Deputado, quanto a eleições nacionais, não fomos nós que demos a esta eleição local do concelho de S. Pedro do Sul a dimensão nacional, foi o Sr. Ministro Jorge Coelho nas diferentes visitas que fez a este concelho, foi ele que disse, e repito-o - as palavras são dele - que, se as pessoas de S. Pedro do Sul votassem no PSD, era a mesma coisa que estarem a votar na queda do Presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses. E isto é que consideramos muito grave!
Portanto, foi o Sr. Ministro Jorge Coelho que deu a esta eleição uma dimensão nacional. Se não fosse de dimensão nacional, é evidente que tantos ministros e tantos secretários de Estado não teriam visitado aquele concelho no último mês! Foi a prova evidente de que o Partido Socialista sabia os riscos que corria na eleição em S. Pedro do Sul.
Quero também dizer, Sr. Deputado Joaquim Sarmento, que V. Ex.ª está distraído, porque o PSD e os Deputados eleitos pelo círculo eleitoral de Viseu, em relação a este distrito, não se limitaram a fazer propostas para S. Pedro do Sul, fizeram também propostas para alteração do PIDDAC para muitos concelhos do distrito de Viseu. Infelizmente, é negativo que o Sr. Deputado não tenha consciência desta realidade.
Por último, quero dizer-lhe que, quer o senhor queira quer não, quer o PS queira quer não, a mudança está aí e o PSD vai voltar a ser governo em Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A 6.ª Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, realizada recentemente em Haia, poderia ser motivo para uma gargalhada desta Assembleia, se o assunto não fosse tão sério. O fracasso absoluto das negociações com vista à ratificação e assumpção dos compromissos assumidos em Quioto, em 1997, de redução das emissões de gazes produtores do efeito de estufa demonstra à exaustão a impotência da razão, a inutilidade de todos os dados científicos e de todas as previsões sobre o efeito da acção humana na evolução do clima e, sobretudo, assegura a vitória inquestionável da barbárie ecológica, que se desenrola sobre a preservação do planeta, das poderosas indústrias energéticas dos combustíveis fósseis mobilizadas contra a possibilidade de alternativas menos poluentes.
A Conferência de Haia, apesar de ter reunido os responsáveis de mais de 180 governos, assistiu às exéquias da política, tendo como único fruto a convocação de nova reunião, a realizar dentro de seis meses, para insistir naquilo que esta deveria ter concretizado.
Talvez que, nessa altura, a novela das eleições presidenciais norte-americanas esteja já resolvida e as condições «objectivas» para a negociação possam estar reunidas, embora o feitio hegemónico dos Estado Unidas da América não nos conduzam a grande confiança; talvez os amuos e insultos entre os ministros britânico e francês possam estar ultrapassados; talvez as catástrofes naturais, em grande medida operadas pelas mudanças climáticas, se façam sentir em Nova Iorque, Paris ou Tóquio e sensibilizem opiniões públicas e governos para aquilo que se deveria, de facto, estar a discutir. Talvez! Mas o mais provável é voltarem a não estar reunidas as condições para um acordo global sobre aquilo que já se tinha acordado em 1997.
E se todos os responsáveis políticos e pareceres científicos parecem concordar que o âmbito do Acordo de Quioto, em que os 38 países industrializados se comprometiam a reduzir o total das suas emissões em 5,2%, até 2010, em relação aos níveis de 1990, era já extraordinariamente modesto face às necessidades colocadas pelo efeito da acção humana sobre o clima, um compromisso que fosse respeitado seria uma limitação ao desenvolvimento de políticas suicidas e predadoras do ambiente, um sinal simbólico de que a «economia global» do actual ciclo do desenvolvimento capitalista poderia ser, de alguma forma, limitada pela vontade política, domesticável ao menos pelo bom senso da manutenção da espécie e do seu habitat.
Estudos recentes, com a chancela das Nações Unidas, chegam à perturbante conclusão de que a redução de emissões destes gazes teria de atingir 60% ou 70% do total para que o seu efeito sobre as alterações climáticas pudesse ser sensível. Ou seja, em Haia, como em Quioto, discutia-se pouco mais do que um grão de areia, e nem esse grão de areia - nem sequer dos sacos que foram postos à frente das instalações onde decorreu a Conferência - pode começar a cimentar uma estratégia comum que responda àquela que já é chamada «a grande questão ambiental» do milénio.
Em vez de reduzir a emissão destes gazes, os países participantes apresentaram-se em Haia com um aumento significativo, que, segundo as previsões da Agência Internacional de Energia, chegará, em 2010, a 18% acima dos compromissos de Quioto, no caso da Europa Ocidental, a 42%, no caso da América do Norte, e a 29%, no caso dos países desenvolvidos da zona do Pacífico. Estima-se a possibilidade de um crescimento de 60% de emissões de dióxido de carbono entre a data da Conferência de Quioto e 2020.
Nem o desmantelamento industrial acentuado nos países do antigo Bloco de Leste poderá contrabalançar este panorama negro. E mesmo estes dados terão que ser lidos através das gravíssimas consequências sociais nos países em causa, da dependência e vulnerabilidade das suas economias, do desemprego massivo e da exclusão de uma parte substancial dos seus cidadãos.
Mas o fracasso das Conferências de Quioto e de Haia não esconde também os interesses de alguns dos seus participantes, certamente representantes de «valores mais altos», em negociar cláusulas de salvaguarda e situações de excepção, medidas que mascaram a urgência da aplicação de decisões neste domínio.
A nenhum dos Deputados e Deputadas desta Câmara terá escapado a subtileza do lobby da energia nuclear que, a coberto da exportação de «energias limpas» para os países em desenvolvimento, pretende alargar o mercado radioactivo para os países mais pobres, já que as opiniões públicas dos países mais ricos parecem compreender cada vez pior a proximidade de instalações com tanta «pureza ecológica».
E por falar em atitudes que são de alguma esperteza relativa, como não lembrar aqui o sorriso rasgado da anterior titular da pasta do Ambiente do Governo português, quando, em Quioto, conseguiu salvaguardar a possibilidade nacional para aumentar as emissões de dióxido

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de carbono em 40% e 27% no total dos seis gazes que contribuem para o efeito de estufa? Contentamento que hoje, seguramente, todos poderemos dizer que foi mesquinho e que, na altura, foi apontado pelos movimentos ecologistas como contrário ao espírito do acordo, uma contradição que, em nome de um certo «desenvolvimento», perpetuaria uma situação «sem rei nem roque», sem impor limites e desistindo de uma acção de controlo da emissão de gazes.
O resultado está à vista: no ano passado, só as emissões de dióxido de carbono eram já 34%, quase atingindo os valores negociados para 2010; um aumento de 17% das emissões nos últimos anos; um aumento de 10% no desperdício de energia nos últimos oito anos; um gasto de mais 42% de energia do que a média comunitária para produzir a mesma riqueza.
Mas, mesmo com estes antecedentes duvidosos, Sr.as e Srs. Deputados do Partido Socialista, e uma situação de menor controlo desta política no nosso país, o Sr. Ministro do Ambiente - a quem saúdo - preferiu dar pouca importância à Conferência de Haia. Compreende-se porquê: de momento pareceu ser mais importante o anúncio dos vários programas sectoriais do Programa Polis, outras matérias que tiveram a ver com a negociação do Orçamento do Estado ou talvez congratular-se com as palavras do Presidente da Comissão Médica para a Co-incineração.
Não queremos aqui discutir as prioridades de agenda do Sr. Ministro José Sócrates, nem tão-pouco a qualidade da representação portuguesa em Haia, que não discutimos de todo, mas queremos deixar claro que o Bloco de Esquerda segue atentamente estes acontecimentos e considera que o caso português, por mesquinho que possa parecer, não pode continuar a ser um argumento possivelmente utilizado pelos Estados Unidos da América para demonstrar a má fé negocial da União Europeia ou de qualquer um dos seus Estados-membros.
Aguardamos com expectativa o anúncio do Programa Nacional para as Alterações Climáticas e queremos, desde já, contribuir para a sua discussão. Nesse sentido, e de forma parcelar, apresentámos recentemente a esta Assembleia e ao País Um Contrato Social e Ecológico, documento modesto, mas com intencionalidade, uma perspectiva em que o aumento do preço dos combustíveis para 2001 se possa basear numa nova política fiscal, com incentivos para a utilização de energias menos poluentes, com taxas acrescidas aos poluidores e, sobretudo, que ofereça, como contrapartida social, o desenvolvimento de uma rede de transportes públicos eficaz e abrangente, ou seja, o princípio de uma alternativa, e o princípio é, cada vez mais, urgente, à civilização do automóvel e do desperdício.
Neste campo, o Governo parece estar a ensaiar alguns passos tímidos, mas a urgência da situação não se coaduna com a timidez desta postura. Resta saber se o Governo que temos será capaz da coragem necessária para que Portugal possa ser um exemplo de afirmação de princípios no plano internacional e da concretização de medidas que invertam a agonia do planeta.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esperemos que assim seja, para bem de todos nós, para bem de todas as cidadãs e de todos os cidadãos! Oxalá!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Tinoco de Faria.

A Sr.ª Isabel Tinoco de Faria (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, a Conferência de Haia, tal como se sabe, tinha como objectivo regulamentar a aplicação dos compromissos saídos do Protocolo de Quioto, que impunha a 38 países industrializados quotas de redução de emissões de gazes que têm efeito de estufa, visando, portanto, uma redução global de 5,2% em 2010, tendo em conta os números de 1999.
A reunião, após duas semanas, foi suspensa por consenso dos 181 países, até à realização de nova reunião em Maio de 2001, em Bona.
Convém referir aqui que foi Portugal que definiu a orientação política a seguir na COP6.
O espaço negocial e o grande envolvimento do Governo português foram assumidos, desde sempre, pelo Sr. Ministro do Ambiente e pelo Sr. Secretário de Estado, que esteve presente durante todas as semanas em todas as negociações. O facto de o Sr. Ministro do Ambiente não ter estado sempre presente em Haia pode servir de argumento de que, quando o Sr. Ministro está no estrangeiro, não liga às políticas nacionais, e, quando está em Portugal, não liga às políticas internacionais, como foi referido pelo Sr. Deputado Luís Fazenda. Porém, o acompanhamento do Sr. Secretário de Estado foi sempre muito activo e muito interveniente.
Quanto ao facto de não se ter chegado a qualquer conclusão, cremos que é preferível não ter havido qualquer acordo a existir um mau acordo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, não creio que me tenha colocado qualquer questão; em todo o caso, aproveito a oportunidade para reiterar que o Bloco de Esquerda não quer discutir a agenda do Sr. Ministro José Sócrates, nem tão-pouco temos qualquer objecção de fundo a que se vão fazendo as inaugurações dos vários projectos do Programa Polis, que, como saberá, o Bloco de Esquerda ajudou a viabilizar nesta Assembleia da República. Mas entendemos que talvez algumas actividades de marketing político em torno do Programa Polis fossem melhor substituídas pela significação política de uma presença em permanência do Ministro do Ambiente na Cimeira de Haia! Contudo, essa é uma questão secundária. Nem tão-pouco é o problema de se ter adiado porque ter chegado um acordo a qualquer preço era, seguramente, muito mau. Não é essa a questão.
A questão é a de, na cena internacional, continuar Portugal, com a possibilidade que têm, com o modesto papel que tem mas que é algum, a influir para obrigar os EUA e também a União Europeia a acordos mais vantajosos do ponto de vista das limitações da emissão de gases com efeitos nas alterações climáticas. Mas também no nosso país há muito trabalho de casa por fazer e estamos lamentavelmente atrasados. Os primeiros passos são extremamente tímidos e, por isso, não vale a pena hastear aqui a bandeira do Sr. Ministro do Ambiente. Não se trata disso. Trata-se, antes, de aqui, no nosso país, o Governo do PS passar à prática e concretizar alguns tímidos anúncios de uma política virada para a limitação da emissão destes gases. É disso que se trata e nada mais. E, quanto a isto,

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a urgência é absolutamente tardia neste momento. Isto não era para hoje, era para há muito tempo atrás!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Rosado Fernandes.

O Sr. Rosado Fernandes (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Não quis a minha bancada que se passasse sob silêncio e total indiferença uma data que a muitos incomoda e a outros recorda um crucial momento da liberdade conquistada: o 25 de Novembro.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Digo conquistada e não reconquistada, porque sempre foram efémeros os momentos em que os portugueses dela dispuseram com a liberdade de expressão, liberdade de pensamentos, liberdade religiosa, liberdade de iniciativa, expressões essas mais unívocas do que o termo democracia, porque, significando este o poder assumido com a vontade do povo, serviu e serve, na maior parte dos casos, para definir regimes que subsistem pela repressão da sociedade civil, bem como de qualquer expressão mais livre da acção e pensamentos humanos.
Digo, pois, conquistada, porque quase todo o século XX foi comprometido em Portugal pela falta de liberdade, uma vez que, derrubada a monarquia, ficou a cena política portuguesa dominada por forças jacobinas que, por meio da «formiga branca», antecessora da PIDE, obrigava, pelos cafés de Lisboa, sobretudo o Martinho do Rossio, a gritar «Viva a República», mesmo o mais empedernido «talassa», sob pena de ser mimoseado com golpes de cavalo marinho manipulado com mestria pelos «gorilas» (ainda não havia esse termo nessa altura) do Manuel Pintor ou do Armando de Azevedo, tendo-se este último agente passado, como é normal com seres dessa natureza, para as fileiras da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado, PVDE, a futura PIDE.
A sangue frio, apesar dos apregoados brandos costumes, foram assassinados Machado Santos, Sidónio Pais, António Granjo e tantos outros republicanos, nessa época de insegurança económica, política e social.
A vitória do Estado Novo enquadrou com mais método a falta de liberdade e de tal forma que nem os que restavam do partido unionista de Brito Camacho jamais puderam ser acusados de apoiantes do regime salazarista que iria durar longos 48 anos, garantindo, por se fechar ao mundo exterior, os anos difíceis que, depois da sua queda, a maior parte de nós, os que não sabemos aproveitar as revoluções em proveito próprio, viemos a passar.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Quando o 25 de Abril aconteceu, tinha ruído sem resistência e porque já mumificado o que ainda restava do Estado Novo, hostilizado pela esquerda e direita liberais e por outros sectores nada liberais, mas de organizada militância, da sociedade portuguesa.
Tal como para os vencedores do 1.º de Maio se tinha deparado um homem novo, corporizado no Estado Corporativo, também para muitos dos que organizaram o 25 de Abril, dos quais grande parte, tal como na Primeira República, acabou perseguida, viram à sua frente e de novo o homem novo, o novo Estado, onde «o povo é quem mais ordena». Quem sabia então que a guerra fria se aproximava, na sua versão militar, do seu fim? Quem podia adivinhar que, 15 anos depois, o Muro de Berlim ruiria, e com ele os Jaruselsky, os Honnecker e os Enver Hoxa? Quem poderia pensar que, em Praga, a Primavera iria finalmente chegar? Da mesma forma que, no meio da esperança, não era possível prever que o mundo ocidental acabasse por se deixar dominar, apesar da sua tradição humanista, pelo capitalismo totalitário a cujas brutais fusões todos os dias assistimos, malgrado os custos humanos que elas significam.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - De facto, poucos meses depois do 25 de Abril de 1974 entrava a vanguarda revolucionária que conduzia certos sectores do povo português na luta pela conquista da utopia, isolada que estava da realidade existente à sua volta e por ela considerada de «reaccionária», de «fascista», de «intolerante» ou «imperialista».

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Uma vergonha!

O Orador: - Sucediam-se, como sempre em ocasiões deste tipo, as prisões dos que tinham ajudado a derrubar o velho regime, multiplicavam-se as ocupações de fábricas, explorações agrícolas, edifícios públicos. Apontavam-se a dedo os colaboradores, ou seja, os que não tinham o jeito de se passar a tempo para as hostes revolucionárias. Houve violências mortais e o terror começava a espalhar-se por todo o País. É verdade que faltou o célebre Paredón e os fuzilamentos em massa, mas era fácil prever que a utopia para ser verdadeira tivesse de vir a exigir inúmeros sacrifícios humanos.
Não chegámos lá, felizmente, porque prevaleceu o bom senso e o normal instinto de conservação da raça humana, e aconteceu o 25 de Novembro, preparado já antes e sobretudo a 24 de Novembro com a paralisação do País em Rio Maior e com a simultânea movimentação das forças políticas e militares e do Governo de então (deslocalizado para o Porto), em conjunto com as forças eclesiásticas, que, por essa altura, demonstraram coragem e decisão.
Não pretendo explorar o assunto, pretendo só dizer que o 25 de Novembro não se caracterizou pelas retaliações que seriam de esperar, mas pela coexistência das forças adversárias, e de tal forma que hoje muitos dos que estavam certamente do lado contrário até já aparecem - e ainda bem! - como combatentes pela liberdade perdida.
Foi devido ao 25 de Abril, restaurado pelo 25 de Novembro, que podemos hoje estar aqui, contentes ou descontentes com o andar da República, mas pacificamente discutindo com maior ou menor brilho as nossas ideias sob a forma de gerir em liberdade a democracia portuguesa.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco de Assis.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Sr. Presidente, não é tanto, como compreenderão, para um pedido de esclarecimento mas mais para manifestar a saudação da bancada

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do PS a essa data do 25 de Novembro, que foi, de facto, uma data fulcral no processo de fundação e edificação de um modelo de democracia representativa de tipo ocidental, no nosso país.
A data do 25 de Abril, data absolutamente relevante porque restaura a liberdade e põe fim a um regime fascista de 48 anos, restitui aos portugueses a liberdade e a possibilidade da convivência no contexto de uma democracia. Mas, depois, assistimos a um período durante o qual se defrontaram duas concepções diferentes de democracia: uma, assente no princípio da representatividade, e outra, assente nas chamadas democracias mais participativas, as democracias directas - e nós sabemos todos, historicamente, em que ditaduras ferozes terminaram sempre as chamadas democracias directas.
Permita-me, Sr. Presidente, que saliente aqui o papel historicamente relevantíssimo então desempenhado pelo PS e, em particular, por quem então o liderava, o Dr. Mário Soares,…

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - … que esteve claramente à frente deste processo, conduzindo uma grande parte da sociedade civil portuguesa no sentido de reorientar a evolução dos acontecimentos para que se consagrasse um modelo de organização do Estado assente no primado do respeito pelos direitos humanos, na valorização da liberdade e da democracia, bem assim como também liderou um processo tendente a evitar que, nos momentos subsequentes ao 25 de Novembro de 1975, algumas tendências revanchistas se tivessem manifestado na sociedade portuguesa. Nessa altura, Mário Soares liderou não apenas um PS mas um conjunto alargado de portugueses, homens e mulheres, que se reconheceram nesses valores e nesses princípios. Ele não estava nessa altura, mesmo na direcção do PS, sozinho, estavam lá muitos e, entre eles, estava precisamente quem hoje está a presidir a esta Assembleia, o Sr. Deputado Manuel Alegre.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Muito obrigado pela sua referência, Sr. Deputado.
Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Rosado Fernandes.

O Sr. Rosado Fernandes (CDS-PP): - Sr. Presidente, não posso responder a quem não me interpelou, de facto. Posso só confirmar a verdade do que o colega Francisco de Assis disse.
Mas também podia recordar os agricultores. Enfim, houve várias entidades e muitos militares que «deram a pele» por aquilo que aconteceu. É só isto que eu queria recordar. Não quero mais nada! Não quero confusões, não quero discussões, quero, sobretudo, não que vivamos numa paz podre mas que, com respeito pelas opiniões uns dos outros, vivamos pacificamente, para ver se conseguimos governar este terrível e difícil país!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Um país magnífico, Sr. Deputado!
Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na 6.ª Conferência das Partes, que teve lugar em Haia, entre 13 e 25 de Novembro, onde estive presente integrando a delegação de Deputados portugueses, participaram 180 Estados, mais de 2000 delegados, mais de 4000 observadores. Foi uma conferência caracterizada pelas intensas e longas reuniões à porta fechada. E o que é que daí resultou? A suspensão dos trabalhos, para se retomarem em Maio do ano que vem.
Caracterizar os resultados desta Conferência como uma desilusão e um fracasso parece-me adequado. Afinal, depois da 4.ª Conferência das Partes, reunida em Buenos Aires em 1998, na qual não se conseguiu chegar a acordo sobre as regras de aplicação do Protocolo de Kyoto, o compromisso dos chefes de Estado e de Governo para com os cidadãos de todo o mundo foi o de que daí a dois anos - portanto, agora em Haia - seriam definidas essas regras e caminhos para atingir os objectivos a que os países industrializados se comprometeram com o Protocolo de Kyoto. Resultados?! Nada! Adiem-se os trabalhos e retomem-se as discussões, muitas delas da estaca zero, no próximo ano.
Até lá, as emissões de gases que provocam efeito de estufa aumentarão e as consequências do aquecimento global do planeta intensificar-se-ão e, certamente, nalguma parte do mundo acontecerão mais drásticas tempestades ou intensas secas, que resultarão na desgraça de muitas pessoas e na perda de muitas mais vidas humanas.
Na verdade, o que se prevê, de acordo com recentes dados científicos, é que, na ausência de medidas adequadas, o planeta assista a um aumento de temperatura média que pode atingir os 6º, em 2100. Por aqui se pode perceber o que significa o aquecimento global e as consequências que daí podem advir ao nível económico, social e ambiental, como a desertificação, o aumento da aridez, significando obviamente redução drástica na produção agrícola, degelo dos glaciares, consequente aumento do nível dos mares, só para referir alguns exemplos. Aliás, de acordo com hipóteses avaliadas, baseadas na inexistência de medidas contra esta tendência, revelam que Portugal seria assolado por intensas secas e que o aumento dos níveis do mar teria consequências catastróficas no nosso litoral.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os EUA são o país que mais contribui, ao nível mundial, para o aquecimento global, produzindo 25% das emissões totais de gases com efeito de estufa. Perante esta realidade, os EUA têm assumido nas negociações posições profundamente vergonhosas, procurando que a política de redução de emissão de gases se resuma a negociatas comerciais de compra e venda de quotas para poluir. Propõem ainda que se possa utilizar os sumidouros de CO2, florestação, reflorestação, práticas agrícolas, como forma de abatimento sobre o compromisso de cada país na redução de gases com efeito de estufa. Só com os sumidouros, contas feitas, os EUA que têm o compromisso de, entre 2008 e 2012, reduzir as emissões de gases com efeito de estufa em 7%, tendo como valores de referência os de 1990, conseguiriam baixar esse compromisso aos 3%, sem tomar uma única medida interna para reduzir as emissões. Com o apoio dos EUA, pôs-se ainda a hipótese de o nuclear poder integrar os mecanismos de implementação conjunta e poder ser tido como

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indústria segura de investimento noutros países em troca de créditos para poluir. Isto é, naturalmente, muito preocupante e é algo que não ficou completamente posto de parte.
A União Europeia, essa, que teoricamente e em termos discursivos tem apresentado propostas mais adequadas à preservação do planeta no que diz respeito ao aquecimento global, acabou por perder influência e capacidade de negociação, fruto também da legitimidade que perdeu para exigir dos outros aquilo que ela própria não faz. Aliás, a «bolha» europeia, que faz com que a União Europeia entre nas negociações e nos compromissos como um todo, não impediu que a posição de Portugal fosse apontada pela delegação norte-americana, como um mau exemplo, na medida em que, fazendo parte dos países do Anexo I, isto é, dos países industrializados, Portugal, em vez de diminuir as emissões de gases que provocam efeito de estufa, negociou o seu aumento em 27%, entre 2008 e 2012, com valores de referência de 1990.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Portugal dá, assim, razões aos outros para não quererem assumir compromissos de redução directa das emissões. Aliás, parece-me uma realidade que o dossier das alterações climáticas não é uma prioridade para o Governo.
Perante a dificuldade das negociações em Haia, o Ministro Sócrates decidiu estar ausente da Conferência, tendo apenas passado lá um dia.
Também o último estudo desenvolvido pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa aponta para um aumento excessivo de emissões de gases que provocam efeito de estufa no nosso país e refere que, na ausência de medidas positivas, Portugal, em vez de atingir os 27%, atingirá os 52%, em 2010. Em vez dos 40% de aumento de emissões de CO2, atingiremos os 66% no mesmo ano, o que é extremamente significativo e nos torna incumpridores, sendo nós também responsáveis pelo desnorte no agravamento do aquecimento global.
É, por isso, fundamental que este dossier entre nas prioridades de intervenção do Governo e que se defina, em Portugal, um plano estratégico para as alterações climáticas.
Essa estratégia não deve, de modo algum, ser elaborada num qualquer gabinete ministerial, entre quatro paredes. É fundamental que essa estratégia seja participada por todos os interessados, empresas, ONG, cientistas, etc., e, obviamente, pela Assembleia da República. Aliás, permitam-me abrir aqui um parêntesis, de modo a denunciar a atitude que o Governo teve na preparação de Kyoto, para o que não consultou a Assembleia da República sobre as posições a defender, tendo ido agora para Haia sem ouvir os Deputados e afastando, assim, o Parlamento da definição de qualquer estratégia a defender.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desenvolver não significa poluir mais. Desenvolver é criar mais bem-estar às pessoas, com respeito pelos recursos naturais e pelo meio envolvente, promovendo modos alternativos de viver com qualidade.
Definir políticas e tomar medidas para diminuição do efeito de estufa é, portanto, promover o desenvolvimento. Por isso, é fundamental intervir a muitos níveis, como, por exemplo, na promoção da poupança e eficiência energética, promovendo energias alternativas, no fomento à adaptação e instalação de indústrias mais limpas, na capacidade de controlo e fiscalização das emissões de gases que provocam efeito de estufa. E, sendo o CO2 o gás mais significativo de entre os seis que se contabilizam por provocar efeito de estufa, então, uma das grandes prioridades de intervenção deve também ser na área dos transportes, que tem manifestamente sido uma área onde o Governo tem apostado muito pouco e tem até primado pela intensificação de erros indesculpáveis. Fundamental é: promover o transporte público colectivo, com maior nível de conforto, com maior regularidade, com coordenação e interligação entre as diversas modalidades de transporte; promover medidas que penalizem os carros que mais poluem, como os de maior cilindrada, e promover também o transporte alternativo, como a bicicleta, nos centros urbanos e fora deles.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As alterações climáticas são o maior problema que se coloca, hoje, ao nível global.
Como insistentemente afirmavam as ONG, em Haia, não façam batota! É preciso seriedade e não tenhamos dúvidas de que o combate ao aquecimento global só se consegue com políticas e medidas internas, que impliquem directamente a diminuição de emissões de gases que provocam efeito de estufa. Haja vontade política!

Vozes do PCP: - Muito bem!

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Mota Amaral.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Matias.

O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, partilho das suas preocupações de, depois da 6.ª Conferência, em Haia, três anos depois de assinado o Protocolo de Kyoto, um protocolo, que, diga-se, ficava aquém das necessidades do planeta, não haver ainda um acordo para a implementação desse Protocolo. É, de facto, extremamente preocupante e põe-nos a todos uma questão: e, agora, que fazer, depois de Haia?
Ora, a questão que começo por colocar-lhe é a de saber se a posição do Governo português - aliás, semelhante à da União Europeia -, que, tendo uma perspectiva optimista relativamente às reduções, não tinha contudo um substracto de uma política nacional que conduzisse à redução efectiva da emissão de gases que provocam efeito de estufa, se deve manter, isto é, se devemos aguardar que internacionalmente seja decidida a implementação do Protocolo para, depois, implementarmos as políticas como exigência internacional, ou se devemos avançar nós próprios com algumas medidas, como a dos transportes que referiu mas também outras, que vão no sentido de efectivamente darmos já o exemplo na concretização dos compromissos de Kyoto.
Por outro lado, Sr.ª Deputada, face ao que assistiu, em Kyoto, em que, de um lado, estava a União Europeia, sem políticas internas e aguardando uma decisão internacional, mas, do outro lado, o grupo formado pelos Estados Unidos da América, Japão, Austrália e Canadá tentava, de forma agressiva, negociar as emissões, não fazendo nada e, antes pelo contrário, ultrapassando as já de si exíguas

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margens de Kyoto, a questão que lhe coloco é a de saber se, sem uma forte pressão da opinião pública, que, neste momento, deveria ser fortemente consciencializada, começando pela portuguesa - e isso devia ser uma tarefa do Governo também na implementação do Protocolo de Kyoto -, este sistema dominante, de neoliberalismo e de economia de mercado, conseguirá, alguma vez, chegar a resultados aceitáveis na redução da emissão de gases que provocam efeito de estufa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, a questão que vou colocar serve também para exprimir o essencial da nossa posição sobre a Conferência de Haia e a participação portuguesa nessa Conferência.
As alterações climáticas a nível mundial podem ser analisadas por muitos prismas, mas entendemos que não é prioritário, não é o mais relevante, colocar em causa o esforço português para reduzir as emissões atmosféricas de SO2 e CO2. É que, nas toneladas de emissões mundiais, Portugal não pesa 1g e seria colaborar no desviar de atenções dos principais responsáveis que, a nível mundial, não tomam as posições políticas que lhes cabem e que são, nomeadamente, os grandes potentados económicos responsáveis por essas emissões.
Entendemos que Portugal deve coordenar inteiramente a sua acção com as posições da União Europeia. Primeiro, porque a posição da União Europeia, no contexto mundial, é muito mais eficaz que a de um só país e, segundo, porque a União Europeia, em termos de política do ambiente, tem desenvolvido um grande esforço para ter as posições correctas de aproximação a este problema. Só a União Europeia é que poderá forçar, de algum modo, a resistência dos Estados Unidos da América, no sentido de tomar algumas posições mais negociais relativamente às quotas transaccionáveis, como, com o Terceiro Mundo, fazer um esforço, que, dentro da própria União Europeia, os principais países não conseguem desenvolver na totalidade. Veja-se que o país que ocupa, neste momento, a presidência da União Europeia, a França, tem um discurso politicamente correcto nesta matéria, mas, dentro do seu próprio país, tem registado uma evolução abaixo das metas apontadas no Protocolo de Kyoto.
Devo dizer ainda que, nesta matéria, também não podemos alimentar discursos ideológicos fáceis, porque também eles desviam a atenção. O gigante económico que é os Estados Unidos, que produz realmente a maior parte das emissões de gases causadores do efeito de estufa, vai ser, dentro em pouco, porventura menos de uma década, ultrapassado pela China. E, quando evocamos economias de mercado e outras coisas, devemos ter em atenção que há economias emergentes no mundo que não podem ser afastadas desta preocupação. É que, se centrarmos as preocupações num antiamericanismo fácil, daqui a uma década, veremos que os Estados Unidos já foram ultrapassados, neste contexto, por outro gigante económico e que nós não atalhámos a tempo. Portanto, devemos ser realistas e ter uma maior aproximação dentro do contexto da União Europeia, sem cairmos, no que diz respeito ao esforço português, em discursos de autopenalização, que nos parecem inteiramente despropositados.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra, por 5 minutos, a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, quero agradecer aos Srs. Deputados Joaquim Matias e Manuel Queiró as perguntas e os comentários que fizeram.
Relativamente às perguntas e considerações feitas, gostaria de referir o seguinte: é óbvio que, depois de Haia, Portugal não deve cruzar os braços; deve, sim, ter uma posição forte ao nível das negociações internacionais. Agora, é preciso que olhemos também para a nossa política interna e para as políticas que podemos definir e medidas que podemos tomar, no nosso país. É que se já perdemos legitimidade com o valor acordado de 27%, a nível internacional, então, o que resultará do facto de ultrapassarmos, em grande medida, este valor a que nos comprometemos, tal como revela o estudo da Universidade Nova, caso não tomemos medidas positivas, no sentido de diminuir as emissões de gases com efeito de estufa?
Por isso, referi também na minha intervenção a necessidade da elaboração de um plano estratégico para as alterações climáticas, tal como, aliás, já fizeram outros países, a nível europeu, como a Holanda, a Dinamarca, a Inglaterra, a França e a Alemanha, que, de alguma forma, já definiram uma estratégia, em termos das políticas e medidas internas, para a diminuição de gases com efeito de estufa.
Portanto, a conclusão, na minha perspectiva, é a de que não há que aguardar. E não há, inclusivamente, que aguardar um regime de sanções, ao nível do Protocolo de Kyoto, que qualquer conferência das Partes entenda estipular. Isto porque, como o Sr. Deputado sabe, na medida em que também esteve presente, o regime de sanções, nomeadamente pecuniárias, ficou afastado das negociações.
Cremos, porém, que Portugal e, naturalmente, os outros países não devem esperar por qualquer regime de sanções, no sentido de implementarem, nos seus países, medidas e políticas para a diminuição das emissões de gases com efeito de estufa.
Por outro lado, parece-me também claro - e referi-o na perspectiva de Os Verdes - que só uma outra concepção de desenvolvimento pode anular esta tendência de agravamento do aquecimento global do planeta. De facto, será necessária uma outra concepção de desenvolvimento - onde o poder económico não fale mais alto que tudo e não seja sempre prioritário perante as pessoas e as suas necessidades - que se vire para a criação de modos alternativos de viver com qualidade. Isso parece-me fundamental.
Relativamente às considerações feitas pelo Sr. Deputado Manuel Queiró, o que também não considero prioritário é afastar os meus olhos daquilo que se passa em Portugal e do contributo que Portugal pode dar para esta questão, nomeadamente até do exemplo que pode dar a outros países, até porque, tal como o Sr. Deputado referiu, Portugal também deve ter condições para negociar com força, ao nível e com a União Europeia. E, para isso, é preciso que tenhamos exemplos claros, em termos de políticas e medi

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das internas, para a diminuição dos gases com efeito de estufa.
Gostava apenas de realçar o facto de este plano estratégico nacional para as alterações climáticas necessitar, naturalmente, de ser um plano participado.
Este plano também não deve esgotar-se na redução de emissões de gases com efeito de estufa, deve ir para além disso, nomeadamente sensibilizando as populações para esta questão, para os diferentes comportamentos individuais que cada um pode ter relativamente a esta questão.
Portanto, deve ser um plano global, abrangente nos mais diversos comportamentos, quer nas medidas tomadas pelo Governo, quer nas das empresas, quer nos comportamentos dos cidadãos em concreto, e, naturalmente, deve ser participado. Isso parece-me fundamental.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, encontra-se entre nós um grupo de 25 alunos da Escola Secundária da Quinta do Marquês, de Oeiras. Para todos eles, peço a vossa saudação.

Aplausos gerais, de pé.

Srs. Deputados, vamos entrar no debate de urgência, requerido por Os Verdes, sobre o Plano Hidrológico de Espanha e as suas implicações para Portugal.
Para introduzir este debate de urgência, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A água é um bem essencial para a vida, um elemento estratégico para o desenvolvimento, uma questão que a todos respeita e, como tal, todos devem participar nela.
É neste pressuposto que assenta a iniciativa de Os Verdes de agendar este debate, sendo também nele que se justifica a oportunidade política desta iniciativa, uma vez que ela faz com que o Parlamento, já que não houve uma iniciativa anterior do Governo, não seja excluído de um processo que, por direito, lhe cabe acompanhar, e esse acompanhamento tem vários precedentes, neste Parlamento, aos quais Os Verdes estão ligados através de múltiplas iniciativas.
O Governo tem o dever de informar e de responder sobre um projecto, o plano hidrológico espanhol, que envolve bacias hidrográficas internacionais; articula-se e relaciona-se intimamente com estas e, logo, tem impactos sociais, ambientais e económicos no nosso próprio País.
É um plano que assenta numa concepção de crescimento baseada numa utilização intensiva da água para a agricultura e para o turismo, traduzida numa significativa vaga de obras públicas de grande dimensão; um plano cuja discussão não pode ser dissociada da actual elaboração dos planos de bacia nacionais e da crítica situação de referência do nosso país como país a jusante; um plano, por fim, cuja análise não pode ser desligada das repercussões e obrigações que decorrem dos vários instrumentos legais a que estamos vinculados: no plano bilateral, à Convenção sobre Cooperação para a Protecção e o Aproveitamento Sustentável das Águas das Bacias Hidrográficas Luso-Espanholas; no plano da União Europeia, à nova Directiva-Quadro da Água; no plano da ONU, à Convenção de Helsínquia (não ratificada por Espanha), e, mais recentemente, ao seu Protocolo Adicional sobre Protecção e Uso de Rios Transfronteiriços e Lagos Internacionais.
Todos estes documentos incorporam novos princípios do direito internacional, impõem uma visão conjunta do planeamento e da gestão de rios partilhados e têm implícita uma nova cultura da água.
Todos esses princípios obrigam Portugal a preocupar-se não só com a quantidade determinada da água que chega à nossa fronteira mas também com as condições em que ela chega e com a sua qualidade, para que se possa preservar o estado ecológico natural dos recursos de água, dos estuários e litoral, garantindo assim também a saúde e o desenvolvimento sustentável.
Não se trata pois, neste debate, de dizer sim ou não, de modo redutor (não é esse o papel que nos cabe), ao Plano Hidrológico de Espanha só porque ele excluí temporariamente transvases, os quais, aliás, para Os Verdes, não são, como é evidente, o único critério de avaliação.
Não se trata também de manifestar euforias abstractas, pouco cuidadas, que não têm em conta os múltiplos alertas e as pertinentes críticas feitas por reputados universitários de Espanha, que estiveram presentes, no Porto, no II Congresso Ibérico sobre Planificação e Gestão da Água e que reputaram o Plano Hidrológico de Espanha como de tradução de «hidroesquizofrenia».
Do que se trata é de saber como é que estamos a agir perante uma realidade concreta, que é a realidade nacional dos grandes rios de fronteira que nos chegam com fortes reduções de caudal, mas, acima de tudo, do ponto de vista da qualidade, com elevados níveis de eutrofização, como é o caso do Douro, o que está a provocar problemas de aparecimento de cianobactérias tóxicas, que constituem um problema de saúde pública e obrigam a uma avaliação de risco para a saúde humana. Do que se trata é de saber o que é que está por cumprir e o que é que o Governo tem feito para obrigar que seja cumprido. Do que trata é de, perante as dificuldades e fragilidades reconhecidas no nosso país (os atrasos nacionais ao nível da elaboração de planos, as deficiências graves no controlo da qualidade, a falta de monitorização, o ainda incorrecto planeamento e gestão, as ausências de redes laboratoriais, as lacunas informação), saber o que é o Governo já fez e, sobretudo, o que é que projecta fazer e quando para implementar um planeamento e uma gestão radicalmente distintos.
Coloco perguntas novas para problemas velhos - os quais, aliás, ainda estão por esclarecer e esperamos que, hoje, o Sr. Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território nos dê respostas -, sobre a inexistência de um caudal ecológico no rio Lima; sobre a ausência de estudo do estuário do Guadiana; sobre o sistemático atraso na elaboração dos planos de bacia e sobre a inaceitável falta de um plano nacional da água.
A estas perguntas ainda há que acrescentar outras. Em primeiro lugar, perguntas relativas à convenção sobre a cooperação, cuja assinatura foi, sem dúvida, importante, mas foi um mero passo, e cujo êxito, ou «inêxito», como então sublinhou o presidente do Instituto da Água (INAG), depende da capacidade de Portugal aplicar e fazer aplicar os critérios nela definidos, que passo a colocar.
Sr. Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território, como é que estão a funcionar os órgãos do seu Ministério, concretamente a Comissão, que tem um papel chave? Quem a integra? Qual é a regularidade do seu funcionamento? Que medidas já propôs de desenvolvimento

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de regime de relação bilateral? Que deliberações adoptou nos últimos meses?
Em segundo lugar, perguntas sobre a qualidade da água, a saber: que critérios metodológicos estão a ser usados para fazer o ajustamento das informações disponíveis entre os dois países? Que exemplos concretos há que o Governo possa facultar a esta Câmara, nomeadamente quanto ao Chança, dessa informação regular, no tocante à qualidade e à quantidade de água fornecidas por Espanha, relativa às zonas transfronteiriças? Que inventário, avaliação e classificação das águas transfronteiriças já foi feito em cada uma das bacias hidrográficas e onde é que está publicada?
Sr. Ministro, colocamos ainda perguntas para que nos esclareça, com base naquilo que o Governo já conhece do Plano Hidrológico de Espanha e dos efeitos negativos que nele se prevêem, sobre quais são as possíveis situações críticas que identifica para Portugal e como é que o Governo pensa agir para as ultrapassar.
Como é que se pensa equacionar a questão das zonas litorais e estuarinas, fundamentais do ponto de vista ecológico, mas manifestamente ignoradas neste plano?
Com base ainda no conhecimento que tem e na realidade que existe, considera o Governo português que o plano vai permitir sair da situação provisória ao nível da definição dos caudais, que é definida na Convenção, passando-se para uma situação definitiva, ou considera que a situação é tão crítica que se corre o risco de adiar eternamente essa definição?
Estas perguntas, naturalmente, têm como elementar a necessidade de um enlace entre os dois países e entre os nossos planos de bacia dos rios internacionais, a elaborar, e os da vizinha Espanha, já feitos.
Estas perguntas requerem ainda o conhecimento dos nossos calendários e uma resposta ao modo como, em termos de consulta pública - que, aliás, já está prevista e já foi anunciada pelo Governo -, se vai fazer um enlace com o Plano Hidrológico de Espanha.
Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: A água é o bem mais singular no nosso belo planeta azul, assim diz, em quatro línguas, a brochura que vos vou entregar. A sua gestão implica partilha, solidariedade, visão conjunta e integrada, e é disso, uma vez mais, que hoje, aqui, se trata.
Durante anos, todos o sabemos, os governos estiveram a dormir. Acordaram! Pois bem, é bom que não se deixem embalar e se mantenham vigilantes e acordados!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Amélia Santos.

A Sr.ª Maria Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, a questão que suscita o debate de urgência é o plano hidrológico espanhol e as suas implicações para Portugal.
Penso que esta questão tem, efectivamente, um enquadramento político-institucional, e é óbvio que é a Convenção de Albufeira.
A Convenção de Albufeira estabeleceu um quadro de cooperação inovador, sublinhado, aliás, positivamente no último Congresso Ibérico sobre Gestão e Planificação da Água, que se realizou no Porto.
A Convenção não é um mero contrato celebrado entre Portugal e Espanha para a gestão das bacias hidrográficas partilhadas - e é bom que tenhamos isso presente neste debate -, ela vai muito mais longe: visa a protecção das águas e dos ecossistemas aquáticos e terrestres que lhe estão associados e estabelece, pela primeira vez, as bases de um relacionamento duradouro e dinâmico entre Portugal e Espanha, nesta matéria.
A Convenção de Albufeira recorre, como disse, ao direito comunitário mais recente, a Directiva-Quadro da Água, para além do direito internacional, e aproveito para dizer-lhe que a Convenção de Helsínquia foi logo ratificada por Espanha, aquando da aprovação da primeira.
A Directiva tem a marca portuguesa, não porque foi aprovada aquando da nossa presidência mas porque Portugal, por um lado, se empenhou activamente na sua elaboração, fazendo prevalecer aspectos fundamentais para a protecção e uso sustentável das águas em condições climáticas e geográficas próprias da Península Ibérica, e, por outro lado, liderou o processo para alargar as normas de qualidade da água aos estuários e às zonas costeiras. Isto é extremamente importante para exigir a qualidade das águas que vêm de Espanha!
Ora bem, é neste quadro de cooperação que devemos apreciar o plano hidrológico espanhol. Penso que temos de substituir as velhas relações do passado, que assentavam numa concepção de «hidroconflito», por uma nova postura baseada na «hidrosolidariedade».
Estou de acordo que temos de nos manter vigilantes (estou totalmente de acordo, não tenho qualquer dúvida) e que temos de agir com firmeza, quando for caso disso.
O actual plano hidrológico espanhol, como sabe, e penso que o terá dito, não prevê transvases nas bacias internacionais.
Numa primeira leitura, constatamos que é um plano muito mais adequado para a defesa dos nossos interesses. Certamente que temos de apreciar outros aspectos do projecto de plano. É fundamental que o façamos, por exemplo, sobre o aumento de consumos de água, o desenvolvimento de regadios, barragens... Muito bem! Penso é que devemos rejeitar, claramente, o facilitismo do menu catastrofista! Já basta! É preciso ter capacidade política para agir em conjunto sobre matérias que são significativamente importantes!
O plano hidrológico espanhol é, por outro lado, um documento de elevada complexidade técnica, que está, neste momento, a ser apreciado pelo INAG, pela comissão da Convenção, e que certamente merecerá o parecer do Conselho Nacional da Água, entre outros.
Não acha, Sr.ª Deputada, que deveríamos aguardar esses pareceres para, efectivamente, fazer um debate político tecnicamente sustentado, portanto, muito mais eficaz para a defesa dos interesses de Portugal, os quais, certamente, são interesses que nos são comuns?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria Santos, em relação ao seu pedido de esclarecimento, em que me fez uma pergunta sintética no fim, gostaria de dizer que julgo que na Câmara todos te

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mos consciência do que representa exactamente a convenção.
Fizemos um bom debate nesta Câmara, várias vezes, nomeadamente em 25 de Junho, quando o documento aqui veio para ser ratificado. Mas parece-me que é óbvio para todos - e, aliás, sublinhei isso na minha intervenção - que é mau retomarmos velhos discursos de que lideramos o que quer que seja. Somos um País de jusante e temos de ter consciência disso, designadamente que 2/3 do nosso território são ocupados por bacias de rios internacionais e que as convenções não são meros papéis que definem princípios que consensualmente todos concluímos que eram importantes.
Em primeiro lugar, a convenção é um documento dinâmico, ao qual se dá corpo aplicando e fazendo aplicar no nosso território os belos princípios que nela estão definidos.
Em segundo lugar, referi o então presidente do INAG, Eng.º Pedro Serra, porque ele próprio foi claro quando, numa entrevista, manifestou a sua opinião no sentido de que o êxito ou inêxito da convenção depende, naturalmente, da capacidade na fase posterior. Ou seja, é evidente que o processo negocial foi importante, mas estamos numa fase diferente, pelo que, um ano volvido sobre a convenção, coloca-se a questão (e é por aqui que se mede o êxito ou inêxito) de saber em que medida é que a vamos fazer aplicar.
Independentemente de não termos uma rede de monitorização a funcionar - e cremos que sobre isso o Sr. Ministro vai dar respostas -, todos vemos o tipo e a qualidade da água que nos chega de Espanha e, como é evidente, todos temos consciência, hoje, que o problema dos transvases não é um critério só de avaliação. O problema e a nova cultura da água implicam a sustentabilidade do modo como a água é utilizada e é essa falta de sustentabilidade que caracteriza o plano espanhol.
É essa a razão, aliás, pela qual toda a sociedade espanhola, designadamente os ecologistas, a comunidade científica e as universidades, tem vindo - como o fizeram, há poucos dias, ao Porto - a ser tão crítica em relação àquele documento. Há uma visão totalmente nova, que não se mede e não se quantifica em saber se hoje, momentaneamente, há ou não transvases que, de forma directa, interferem com Portugal. Não é disso que se trata! Momentaneamente, não há nenhuma transvase que, de forma directa, entre em conflito com Portugal. Mas essa é uma situação que se pode modificar e bem mais importante do que isso é a existência de uma visão e uma concepção de crescimento e de falta de sustentabilidade que são preocupantes para o nosso país.
Portanto, é nesta perspectiva que se coloca este debate, que não invalida aquilo que desde logo, em Setembro, perguntámos ao Governo, isto é, como é que o Conselho Nacional da Água era envolvido, porque esse nível de participação é extremamente importante,…

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputada Isabel Castro, o seu tempo esgotou-se. Faz o favor de concluir.

A Oradora: - … e como é que o cidadão comum é, também, envolvido neste processo. A água é qualquer coisa que tem a ver com a comunidade científica, com os parlamentos, mas também com cidadania, e o cidadão comum tem o direito de participar.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Amélia Santos.

A Sr.ª Maria Santos (PS): - Sr. Presidente, não se importa de corrigir o meu nome? Efectivamente, sou Maria Amélia do Carmo Mota Santos, mas o meu nome parlamentar, pelo qual sou normalmente referida, é Maria Santos.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Com certeza, Sr.ª Deputada. Foi um lapso da Mesa, como foi também um lapso dar-lhe de imediato a palavra, pois está inscrito antes o Sr. Deputado Joaquim Matias, a quem dou a palavra.

O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: 40% dos recursos portugueses em águas superficiais resultam de caudais e escorrências provenientes de Espanha, facto que, inevitavelmente, nos expõe às consequências dos regimes e usos que o país vizinho faz, já hoje, e virá, no futuro, a fazer em termos de consumo e de degradação da qualidade da água.
Assim, a elaboração do Plano Hidrológico de Espanha ou, mais propriamente, de um estudo de viabilidade técnico-económica de obras hidráulicas que darão cumprimento a um modelo de utilização territorial da água, que Espanha vem construindo há décadas, confere legitimidade à análise que é necessário fazer desse plano, do ponto de vista das suas consequências para Portugal, com vista a um correcto posicionamento oficial do Governo português face ao mesmo.
É sabido que o modelo espanhol, por diversas vezes, deu sinais de tendencialmente caminhar para fora dos limites da sustentabilidade e que a posição do Governo português no passado, quer durante os governos do PSD quer já no Governo do Partido Socialista, foi uma posição necessariamente enfraquecida pela ausência de uma correcta inventariação, planificação e gestão dos nossos recursos.
Por outro lado, o Governo persiste numa opção centralizada e governamentalizadora do tratamento deste assunto, opção há muito abandonada em quase todos os países por se mostrar desadequada. Tem sido com uma opinião pública bem informada, através das tomadas de posição das organizações não governamentais do ambiente, das comunidades científicas e das populações, na defesa dos seus interesses, a melhor forma de assegurar os direitos fundamentais dos povos nesta matéria, pelo que este debate deve ter o objectivo de envolver o Parlamento, mas também esclarecer a opinião pública e alertar os portugueses para a defesa dos seus legítimos direitos.
Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Há três aspectos essenciais a ter em conta na análise do Plano Hidrológico de Espanha. Em primeiro lugar, a análise global dos efeitos deste plano na biodiversidade, no clima e na degradação do ambiente.
Sr. Presidente, tenho alguma dificuldade em falar, dado o ruído na sala.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Esse ruído é bastante habitual, infelizmente.
Peço aos Srs. Deputados para criarem condições para o Orador se fazer ouvir.

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O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Face a um plano de utilização da água do ponto de vista económico, que aplica transvases de zonas mais húmidas para promover a sua aplicação em solos mais férteis de zonas mais secas, é necessário saber com rigor, e o Governo português deve informar esta Assembleia sobre: qual a avaliação que é feita dos impactos ambientais associados ao plano; estão ou não suficientemente avaliados os riscos associados a possíveis e previsíveis impactos irreversíveis nos domínios referidos; serão ou não cumpridas por Espanha as normas estipuladas nos acordos internacionais, incluindo, naturalmente, o Convénio Luso-Espanhol.
Em segundo lugar, a análise dos impactes ambientais directos em Portugal, resultantes das alterações do regime hidrológico, da exaustão dos recursos e da degradação da qualidade da água.
Segundo o plano, a viabilidade de transvase é preferencialmente do Ebro. Contudo, outras possibilidades não são abandonadas e a opinião pública em Espanha exerce pressões - designadamente, Sr. Ministro, o PSOE espanhol - para que outros rios, como o Douro, suportem igualmente, de forma dividida, desvios de caudais. Qual a posição do Governo face a esta possibilidade e que medidas pensa adoptar para defesa da sua posição?
Para além dos caudais na fronteira e dos volumes globais, é necessário ter também em conta que a utilização agrícola prevê 20% de retorno, a utilização industrial e urbana 80%, ambas, certamente, com diferentes graus de tratamento, e que a utilização hidroeléctrica não determinada condiciona directamente o regime de afluências. Ora, estando em fase de discussão pública o nosso plano de bacias hidrográficas dos rios luso-espanhóis, que, não sendo um plano de recursos hídricos e muito menos um plano da água, é, ainda assim, um instrumento indispensável para avaliar as consequências para Portugal destes impactos directos, importa conhecer - e, por isso, se pede ao Sr. Ministro que informe esta Assembleia - qual a avaliação que é feita deste plano pelos conselhos de bacia, em primeiro lugar, e, depois, pelo Conselho Nacional da Água. De que forma é o nosso plano será afectado pelos impactes do Plano Hidrológico de Espanha?
Em terceiro lugar, a análise dos condicionalismos ao desenvolvimento e à utilização da água em Portugal.
O regime hidrológico, a quantidade e a qualidade da água afectam directa e decisivamente, embora de forma diferenciada, diferentes zonas do interior do País e de forma indirecta o litoral, alteram a quantidade de água disponível para utilização por Portugal, enquanto a qualidade condiciona o tipo de uso. É assim indispensável que o Governo apresente à Assembleia as possíveis condicionantes e consequências que esta situação provocará no nosso desenvolvimento económico, tendo em conta os diferentes cenários alternativos, e é igualmente indispensável inventariar com rigor as reservas disponíveis para possíveis utilizações no futuro.
Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: Para o PCP estas são as principais questões que queremos ver esclarecidas.
Para nós, não está em causa a utilização legítima da água dos rios internacionais por parte da Espanha, mas é necessário assegurar que há uma repartição justa e justificada dos recursos hídricos e que o nosso desenvolvimento não é abusivamente prejudicado, cabendo ao Governo demonstrar o seu empenho na defesa dos interesses dos portugueses.
É ainda necessário, e frisamo-lo uma vez mais, informar a opinião pública da capacidade e dos limites disponíveis deste importante recurso natural, cuja defesa e preservação a todos interessadamente pertence.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Rosado Fernandes.

O Sr. Rosado Fernandes (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, li no Diário de Notícias umas frases de Jaume Matas, dizendo «não haverá transvases em nenhum dos rios que partilhamos com Portugal». Bom, c'est pas ma faute... «Para fazer outros transvases haveria que aprovar outro plano hidrológico e isso é muito difícil. Havia nove possibilidades de transvases e rejeitámos oito, ficámos só com a do Ebro».
Estou muito menos preocupado com os espanhóis - peço desculpa à bancada de Os Verdes - do que com os portugueses. Para dizer a verdade, «não me temo de Castela donde a guerra ainda não soa, temo-me é de Lisboa».

Risos do CDS-PP.

Efectivamente, tenho visto, como tendência portuguesa, o descurar o estudo aprofundado de toda a nossa rede hidrológica, que não é tão pequena como isso. No fundo, pouco mais de 50% estará em Espanha, mas há 50% que estão, confortavelmente, no nosso território. Ali o colega Lino de Carvalho sabe que, quando o Degebe enche, se o atravessar, é capaz de lhe acontecer alguma coisa desagradável. A verdade é que temos, sobretudo no sul, uma irregularidade muito grande de pluviosidade. No norte a regularidade é maior, mas é verdade também que há uma parte hidrológica que não está aproveitada.
Ora, o que tenho visto, desde que houve aquela redução mental de meter tudo no ambiente e de fazer o Instituto da Água, separando a água da agricultura e de outros departamentos - não é que defenda uma coisa multi-departamental, com todos a mandarem e ninguém a mandar -, é, sobretudo, uma grande preocupação. Estive no Caesar Park, ao pé de Sintra, a ouvir o que é que os seus «rapazes» lá da água estão a pensar e digo-lhe que estão com um apetite imenso de nos irem o bolso. Estão com um apetite enorme e não é de água...
De facto, temos de cuidar da nossa rede hidrológica e de tomar medidas para que a rega seja feita com menos perdas de água, porque ainda hoje as redes são feitas com enormes perdas de água - os canais por onde vem a água para as regas perdem milhões de litros de água. Portanto, não há dúvida nenhuma que já há sistemas muito mais cuidadosos e há que rever todo o nosso sistema de regadio, ou pelo menos uma parte.
Todos sabemos e dizemo-lo sem vergonha, que a agricultura consome 80% da água, mas também sabemos que as povoações estão em primeiro lugar. Portanto, há que reduzir a tempo as zonas regadas, se, porventura, houver uma gestão racional na água.
Sr. Ministro, só lhe peço que ponha ordem no caos hidrológico português, por forma a que saibamos aquilo que é necessário para as povoações, em primeiro lugar, aquilo

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que é necessário para a agricultura, em segundo lugar, aquilo que é necessário para a indústria, em terceiro lugar, no fundo, aquilo que é necessário para a sociedade no seu todo. Ao mesmo tempo, quero também pedir aos «esbirros» da pureza aquática que, de facto, pensem que há um limite que se pode pagar pelo preço da água e que para além desse limite provocarão, por certo, o desaparecimento de ainda mais agricultores e uma desertificação.
Sei que há bom senso. Só lhe estou aqui a fazer um memento, porque já os ouvi falar e fiquei um pouco assustado, de maneira que não me fica mal tomar as minhas precauções.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tm a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Helena Neves.

A Sr.ª Helena Neves (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda manifesta-se profundamente solidário com as organizações de defesa do ambiente, nomeadamente a organização Ecologistas en Acción e a Greenpeace de Espanha, com as quais as associações ambientalistas portuguesas têm vindo a reunir e que se têm pronunciado muito criticamente sobre a incidência ambiental e social do Plano Hidrológico Nacional de Espanha (PNHE). O anteprojecto deste plano encontra-se em discussão pública, embora num clima de grande contestação, discussão essa que o Governo português não manifesta interesse em promover no nosso país.
O que estamos a analisar é o impacto do Plano Hidrológico Nacional de Espanha no nosso país. Neste domínio, há que esclarecer que a negatividade dos seus efeitos é da responsabilidade exclusiva do Governo português. Consequentemente, esgrimir contra o Plano Hidrológico Nacional de Espanha é «dar a estocada ao lado».
Expliquemo-nos. O anteprojecto do Plano Hidrológico Nacional de Espanha, de Setembro deste ano, não agrava a situação decorrente dos acordos luso-espanhóis, que, aliás, o governo espanhol se comprometeu a cumprir, e até afasta - embora momentaneamente e temos de estar vigilantes - a ameaça de transvases relativamente ao Tejo e ao Douro, hipótese que foi considerada como altamente improvável, dados os elevadíssimos custos técnicos, económicos e ambientais.
O que há de seriamente preocupante na situação existente foi negociado em 1999, na Convenção sobre a Cooperação para a Protecção e o Aproveitamento das Águas das Bacias Hidrográficas Luso-Espanholas. Referimo-nos ao facto de aquela Convenção definir o regime de caudais unicamente em termos genéricos e de princípios gerais, quantificando apenas caudais anuais integrais mínimos a garantir e mesmo estes em termos provisórios. Com esta indefinição, Espanha ganha uma significativa amplitude de decisão na gestão dos caudais a libertar anualmente e Portugal fica prejudicado na gestão sustentada dos recursos hídricos, particularmente na estiagem e em caso de seca.
No processo de implementação da Convenção não se vislumbra qualquer posicionamento do Governo português no sentido de renegociar o regime de caudais numa escala de tempo mais curta - mensal, semanal ou diária - e no sentido de acordar definições de garantia da qualidade dos caudais ecológicos e ambientais. Mais: não foi assegurada uma estrutura de acompanhamento científico e técnico do processo de implementação da Convenção, não existem mecanismos de controlo e fiscalização sobre o que vem de Espanha quanto aos caudais e à poluição - não temos sequer sistemas de monitorização para os medir! Talvez por isso permaneçam por esclarecer as causas de redução dos caudais, verificadas nos últimos anos, de 20% nas bacias do Douro e do Tejo e de mais de 50% na bacia do Guadiana.
O comportamento do Governo relativamente a estas negociações é análogo ao que assumiu no debate sobre o Orçamento do Estado, um comportamento arrogante, como se tivesse o que está longe de alcançar, a maioria, no caso do Orçamento do Estado, e uma política hidráulica sustentada, no segundo caso.
O problema é grave, Sr.as e Srs. Deputados, mas não se trata tanto do Plano Hidrológico Nacional de Espanha como do desnorte político e da fragilidade das nossas estruturas neste domínio.
O nosso país espera um plano hidrológico nacional desde 1995. Demoraria três anos, dizia-se. O actual Governo comprometeu-se a apresentá-lo, inclusive internacionalmente, em Outubro passado. Agora, adiou para Janeiro de 2001. Cá estaremos para ver, Sr. Ministro José Sócrates.
O planeamento é insuficiente e, segundo nos fizeram saber especialistas competentes, a nossa gestão de recursos hídricos é arcaica, fragmentada e sem coordenação nacional. Mantemos um sistema de gestão assente numa unidade de base administrativa, ao arrepio de qualquer modelo moderno, eficaz, em que a unidade de base é a bacia hidrográfica, aliás, segundo directriz comunitária.
São praticamente nulas as medidas de racionalização de recursos hídricos. O governo de Cavaco Silva instituiu, em 1995, o princípio genérico de utilizador-poluidor-pagador, mas esqueceu-se, oportunamente, de aplicar qualquer taxa e o actual Governo persiste na mesma actuação demagógica, a que acresce a escassez de participação dos utilizadores no sistema de planeamento e de gestão dos recursos hídricos. É verdade que, a nível de cada bacia hidrográfica, existe um conselho de bacia, mas com funções meramente consultivas.
É indubitável que o planeamento de recursos hídricos tem de processar-se à escala nacional e à escala internacional, mas o Governo português erigiu o telhado sem ter alicerces para a casa.
Em síntese, o grande problema que enfrentamos é a ausência de um plano hidrológico nacional, fundamentado no planeamento e gestão, tomando como unidade de base a bacia hidrográfica e assegurando a descentralização e a participação, em termos consultivos e de intervenção, de representantes das autarquias, de utilizadores, da comunidade científica e das organizações não governamentais, um plano urgente e que, necessariamente, terá de ser submetido a discussão pública.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Até há pouco tempo, havia, em Portugal, um motivo de preocupação acerca do plano hidrológico espanhol. Aparentemente, como já foi referido, esse motivo de preocupação foi afastado. Portanto, é necessário que não o transformemos numa extensão despropositada das

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nossas preocupações, acabando por transformar o debate desta matéria numa espécie de «tiro no próprio pé», no que se refere à posição de Portugal.
Os 400 000 ha de nova área de regadio, em Espanha, parece que já não vão ser regados com águas provenientes da bacia do Douro. Sendo assim, há que convir no seguinte: nesta matéria, Portugal e Espanha têm posições bastante desiguais. Já aqui foi referido que somos um país de jusante, ou seja, em Portugal, não há águas que corram para Espanha, mas, em Espanha, há águas que correm para Portugal.
Por outro lado, os espanhóis, na gestão dos seus recursos hídricos, podem tomar atitudes que afectem os interesses portugueses, mas nós nada podemos fazer, em matéria de gestão dos nossos recursos hídricos, que afecte directamente os interesses espanhóis.
Portanto, é do interesse português manter para com Espanha uma atitude negocial realista…

A Sr.ª Maria Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - … e que, a nosso ver, deve passar por alguns vectores fundamentais, o primeiro dos quais é a gestão conjunta das bacias comuns.
É necessário deixar claro aos nossos vizinhos espanhóis que os caudais de rios internacionais oriundos da precipitação em Espanha serão aproveitados sem desperdício, através da gestão adequada dos nossos recursos hídricos, assegurando, simultaneamente, os objectivos do abastecimento público das áreas urbanas, a utilização económica na agricultura e na indústria e a manutenção dos caudais mínimos exigidos para a preservação da natureza e da saúde pública. É isto que deve preocupar-nos, fundamentalmente, na relação com os nossos vizinhos em termos de gestão de recursos hídricos.
Defender que a retenção, em Espanha, dos caudais dos rios internacionais não ultrapasse os quantitativos compatíveis com os objectivos que apontei é, evidentemente, uma preocupação que deve ser salvaguardada nos convénios a celebrar com Espanha.
Neste contexto, há duas perguntas que se impõem. Será que a evolução do planeamento dos recursos por parte dos espanhóis é de molde a preocupar os portugueses neste momento? A resposta é não! Existe, do lado espanhol, a recusa em manter uma atitude negocial com a parte portuguesa? A resposta é, também, não! Sendo assim, a prioridade portuguesa, a nosso ver, deve ser a de se centrar numa preocupação interna de gestão dos nossos próprios recursos: coordenar o aproveitamento dos recursos hídricos na sua totalidade, os de superfície com os subterrâneos, e saber quais são os caudais mínimos a manter nos rios nacionais e nos rios internacionais que correm no nosso país.
Para o CDS-PP, é essencial concentrar a política portuguesa sobre os recursos nacionais, sobre a água que há em Portugal, porque há muitos cientistas que afirmam que a mesma é suficiente para as nossas necessidades actuais e futuras.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Santos para uma intervenção.

A Sr.ª Maria Santos (PS): - Muito obrigada, Sr. Presidente. Ouvindo o meu nome parlamentar já me sinto mais confortável!
Sr. Presidente, Caros Colegas: A Convenção sobre a Cooperação para a Protecção e o Aproveitamento Sustentável das Bacias Hidrográficas Luso-Espanholas constitui uma peça fundamental nas relações de amizade e de boa vizinhança entre Portugal e Espanha.
A Convenção não faz, como se disse anteriormente, uma mera transposição do direito internacional e comunitário, mas desenvolve-o, tendo em conta as especificidades geográficas, socio-económicas e administrativas que enquadram as bacias hidrográficas luso-espanholas.
A Convenção estabelece, pois, as bases para um relacionamento dinâmico, com destaque para a permuta de informação sobre o estado dessas águas, a avaliação dos impactos transfronteiriços de novos projectos e a coordenação da gestão das águas, particularmente em situações de cheia, de secas e de incidentes de poluição acidental.
É neste quadro de referência político-constitucional que deve ser enquadrado o debate que hoje travamos.
Mas se os mecanismos institucionais estabelecidos entre governos e Parlamentos estão accionados, torna-se também evidente, para o Grupo Parlamentar Socialista, que não devemos esquecer o contributo da democracia de opinião, incentivando a participação pública e o aprofundamento da cooperação entre organizações não governamentais de ambiente e consumidores, associações de agricultores e universidades ibéricas, na consolidação de uma política da água sustentável.
Por isso, acompanhámos com grande interesse as conclusões do II Congresso Ibérico sobre Planeamento e Gestão da Água que centrou o respectivo debate na apreciação da Directiva-Quadro da Água, tendo, naturalmente, abordado, quer a Convenção Luso-Espanhola quer o PHNE (Plano Hidrológico Nacional de Espanha).
Permitam-me uma breve referência à directiva-quadro que, por sua vez, vem coordenar as normas de qualidade das águas e os diferentes programas de medidas e incentivar a participação pública na política europeia da água.
A directiva adopta - e é preciso lembrá-lo - a coordenação das medidas de gestão das bacias hidrográficas numa perspectiva de não se considerarem como unidades definidas por limites administrativos ou políticos.
A principal inovação da directiva é, por outro lado, o estabelecimento de uma gestão integrada das águas com objectivos exigentes e adequados às condições específicas das regiões da União Europeia.
A directiva é, desde já, uma rede de protecção extremamente importante!
Sr. Presidente, Caros Colegas: O Plano Hidrológico Nacional de Espanha, como é do conhecimento público, não prevê transvases a partir das bacias hidrográficas internacionais, dado que a solução preconizada pelo governo espanhol passa pelo recurso a um transvase na bacia hidrográfica do rio Ebro.
Não vamos, portanto, participar numa crítica fácil. Esta é uma questão de Estado que não devemos menorizar. Neste sentido, o Grupo Parlamentar Socialista pensa que, efectivamente, terá de fazer-se, futuramente, um debate sereno e aprofundado.
Certamente que outros aspectos do plano deverão merecer a nossa continuada atenção e aprofundamento, nomeadamente os que se prendem com o desenvolvimento dos regadios, com os consumos de água e com as construções de barragens, por exemplo. Daí que nos pareça fundamental aguardar, nesta fase, os pareceres do INAG

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(Instituto Nacional da Água), do Conselho Nacional da Água e do Conselho Nacional de Ambiente e Desenvolvimento Sustentado, entre outros.
A comissão para aplicação e desenvolvimento da Convenção, que detém um papel determinante na sua consolidação e zela pelos interesses dos dois países e pela sustentabilidade das respectivas políticas da água, procede, neste momento, à apreciação do Plano Hidrológico Nacional de Espanha e dos planos de bacias internacionais de Portugal.
É, portanto, no espírito da Convenção, ou seja, no espírito de uma cooperação efectiva, que o Grupo Parlamentar Socialista apreciará o PHNE, tendo sempre como objectivo primordial os interesses de Portugal.
Num domínio de grande sensibilidade social e ambiental, em que a gestão dos recursos hídricos tem uma dimensão estratégica da maior relevância, a tónica política deverá ser posta no aprofundamento da cooperação a todos os níveis.
A avaliação sistemática das políticas públicas e o debate permanente e contraditório são, a nosso ver, fundamentais. Não temos disso qualquer dúvida, pois, se existissem soluções perfeitas, viveríamos, certamente, no melhor dos mundos, dormiríamos no berçário dos mitos fundadores. Mas, infelizmente, já não nos é permitido o regresso às origens!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Eduardo Martins.

O Sr. José Eduardo Martins (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Propõe-nos, hoje, o Partido Ecologista Os Verdes uma reflexão de urgência sobre o Plano Hidrológico Nacional de Espanha. Por parte do PSD, entendemos mais urgente discutir a ausência de um plano nacional da água em Portugal.
Enquanto, em Espanha, se concluía mais um plano hidrológico, em Portugal, nessa data, ainda estávamos a discutir os planos de bacia hidrográfica dos nossos rios internacionais, cuja discussão pública se prolongará por Janeiro dentro, não se vê horizonte para a conclusão dos restantes planos de bacia e nem sequer a do plano nacional de água. Trata-se de instrumentos que, tal como a estratégia nacional de conservação da natureza, o Governo vem sucessivamente prometendo, sem nunca chegar a concretizar. Mas já lá iremos…
Caros Colegas: Quis o destino, que não a força, a habilidade negocial ou sequer a intervenção do nosso Governo, que o Plano Hidrológico Nacional de Espanha, apresentado em Setembro deste ano, não traga em si consequências mais graves para Portugal do que as preocupações que o PSD já assinalou nesta Câmara, em 1998, aquando da assinatura da Convenção de Albufeira.
Assim, abandonados, por enquanto - e sublinho «por enquanto» -, os projectos de transvases no Douro e no Tejo, e reduzindo esta política ao Ebro, resta a Portugal aprender com os erros e virtudes do Plano Hidrológico Nacional de Espanha (sim, porque há algumas virtudes, nomeadamente o investimento de 1/3 dos fundos na estratégia de poupança de água no regadio, coisa que em Portugal pura e simplesmente não existe), há, dizia eu, que aprender com os erros e virtudes do Plano Hidrológico Espanhol já sobejamente dissecados no II Congresso Ibérico da Água, realizado no Porto há poucas semanas, e onde apesar do alívio de suspiro do nosso Governo ter levado à hipérbole demagógica do elogio do trabalho espanhol, se apontaram criticas ao plano, à cabeça das quais sobressaem as dirigidas à política maciça de construção de transvases e barragens, que não dá, assim, a necessária prioridade política às questões da gestão da procura e da conservação da qualidade de água, pegando de cernelha a nova directiva quadro aprovada durante a presidência portuguesa.
A congratulação do Governo português é ainda mais despropositada se se considerar que surge no dia seguinte à entrevista do Ministro Espanhol do Ambiente que reconhece e cito: «se construirmos uma barragem num rio partilhado com Portugal isso pode sempre alterar as suas condições e o respectivo caudal».
É que, Sr. Presidente e Caros Colegas, é sabido que o socialismo demagógico que nos governa só vem perorar sobre a florestação depois do incêndio e, por isso, só falará de água depois da seca, mas já no ano passado constatámos a razão de ser das críticas que, em 1998, o meu colega Artur Torres Pereira aqui dirigiu à Convenção, nomeadamente, são críticas no que diz respeito ao regime dos caudais e à qualidade da água que nos chega de Espanha.
Aliás, falar em caudais relativamente à citada Convenção é um erro, conforme explica o Prof. Agostinho Alves Ribeiro, um dos nossos maiores especialistas de hidráulica, que diz que se um aluno lhe falasse de caudais médios anuais o chumbava logo, pela simples razão de que um caudal médio anual pode implicar uma grande abundância de água no rio durante um mês por ano e nos outros 11 meses deixar esse rio completamente seco.

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - À data do convénio, também já a posição do PSD ia no sentido de assinalar essas dúvidas e a prática dos últimos dois anos tem demonstrado que elas tinham pertinência.
O PSD criticou, na altura, o volume dos caudais mínimos. Recorde-se, a título de exemplo, a secção de Crestuma-Lever, onde começa o estuário do Douro e onde se prevê na Convenção um caudal mínimo de 5km3 de água, que é uma situação tão baixa que nos últimos 65 anos só se verificou três vezes. Ora, a verdade é que, em 1999, os caudais do Douro diminuíram 53%.
O PSD alertou, ainda, para a debilidade e, nalguns casos, para a completa ausência de mecanismos de fiscalização da qualidade da água, no que diz respeito à radioactividade e a verdade é que têm sido sucessivas as notícias sobre a eutrofização das águas, quer do Douro, quer do Guadiana.
Mas, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, em Portugal, o Governo Socialista, avesso a pensar os problemas na globalidade mas, como sempre, sedento de impor o centralismo, decidiu fazer crer que se debruçou sobre o problema e, pondo de lado qualquer política integrada de gestão de recursos hídricos, decidiu começar a casa pelo telhado. E já que temos hoje aqui o Sr. Ministro vamos então falar da única coisa que em água temos até à data, além do resumo dos planos de bacia, que é o PEAASAR.
Esta iniciativa do Governo, o chamado Plano Estratégico de Abastecimento de Água e de Saneamento de Águas

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Residuais (PEAASAR), para o período compreendido entre 2000 e 2006, encontra-se eivada de vícios que vão, desde logo, da própria designação, à concepção do plano, passando pela sua filosofia financeira e organizacional, bem como pelos métodos políticos e operativos escolhidos, e, por isso, constitui um logro em toda a linha.
Se não vejamos: a designação correcta do plano deveria acrescentar no final o qualificativo de «Urbanas», porque é só de águas urbanas que se trata.
Em relação às águas agrícolas e industriais, que representam 90% do consumo português, o plano nada diz e, portanto, fica-se sem saber qual é, afinal, o papel reservado para o Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território no tocante à gestão de águas agrícolas e industriais.
Quanto à metodologia seguida, é, no mínimo, estranho que se avance com o plano, com critérios a aplicar na captação, tratamento, transporte e distribuição de águas, bem como no tratamento das águas residuais, sem que estejam aprovados quer o plano nacional da água quer os planos de bacias nacionais completos.
Nos termos do disposto no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 45/94, há muito que o plano nacional da água e os planos de bacia deveriam estar concluídos; no entanto, quase 5 anos após a entrada em funções do Governo socialista, nada está feito.
Por outro lado, toda a orientação que é actualmente adoptada, quer a nível dos instrumentos jurídicos de Direito internacional público, quer a nível dos comunitários, vai no sentido de privilegiar as captações de águas subterrâneas para o consumo humano. No nosso País, está a passar-se exactamente o inverso, já que estas águas, que estão sujeitas ao regime do direito privado, são, afinal, captadas pela indústria a custo zero, mais uma vez fintando a directiva da água.
Em contrapartida, para o abastecimento público, promove-se a construção de albufeiras em série, as quais, entre muitos outros riscos, comportam os já referidos relativamente à eutrofização e, a prazo, o envenenamento das próprias águas pela proliferação de elementos biologicamente patogénicos. Para além disso, esta política só aproveita aos grandes construtores civis de barragens, pois estas obras são, como se sabe, custeadas a partir do erário público.
Acresce que é também orientação universal, aos níveis da energia e do ambiente, a adopção de políticas de preços que reflictam, cada vez mais, nos utilizadores/consumidores os custos reais da utilização dos recursos naturais, pelo que, face às políticas previstas no PEAASAR, os cidadãos nacionais serão duplamente penalizados: primeiro, enquanto contribuintes fiscais, para financiar as obras, e, posteriormente, na qualidade de consumidores.
Do ponto de vista político, a imposição unilateral, pelo Governo, de um sistema «de cima para baixo», mediante a anunciada inclusão da EDP no capital da Águas de Portugal, acaba, para além de excluir de vez qualquer participação da iniciativa privada - o que só por si já constitui um atropelo às tendências gerais seguidas pela União Europeia -, por confrontar as autarquias com a apelidada «ditadura do cheque», a que elas muito bem reagiram, em 7 de Novembro, no Conselho Geral da Associação Nacional dos Municípios Portugueses, condenando veementemente a política seguida pelo Governo em relação ao PEAASAR. Ou seja, perde-se toda a tradição nacional municipalista de gestão, pelo menos em baixa, dos sistemas de saneamento básico e condenam-se à extinção quer as empresas municipais, quer as associações de municípios. Questiona-se: qual o óbice do Governo em atribuir às autarquias a titularidade destas concessões?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por que vem o Partido Socialista «chumbando», sucessivamente, na Assembleia da República, os projectos de lei do PSD que visam proporcionar às autarquias a possibilidade de uma participação maioritária nos sistemas multimunicipais que gerem os sistemas de tratamento de água e de resíduos?

O Sr. Casimiro Ramos (PS): - Não é verdade!

Vozes do PSD: - É verdade!

O Orador: - Ainda na última sessão legislativa chumbaram um projecto de lei e já voltaram a dizer que fariam o mesmo.
O verdadeiro problema, Sr. Deputado, é que, de facto, o que interessa ao Governo socialista é a ambição da fidelização forçada de 10 milhões de consumidores, no negócio monopolista da água, que se estima em algo como 2000 milhões de contos. Tudo isto, obviamente e mais uma vez, em orientação extremamente adversa aos princípios de direito comunitário.
No que toca, finalmente, aos aspectos financeiros, o PEAASAR envolverá, logo à partida, investimentos na ordem do 1,2 milhões de contos, em que se inscrevem quer financiamentos do Fundo de Coesão, quer do FEDER e, alegadamente, da iniciativa privada.
Todavia, esta última contribuição é muito duvidosa, desde logo porque, como já se referiu, este sector da economia foi liminarmente afastado pelo Governo do negócio da água. Será, então, afinal, a EDP, o novo parceiro da Águas de Portugal, a suportar essa fatia? Ou - o que será muito mais que provável - são, afinal, as autarquias obrigadas a entrar no negócio com o valor das infra-estruturas que já detêm mas que são, na sua maior parte, para «refazer» obras no âmbito do PEAASAR, como estações de tratamento de águas residuais, estações de tratamento de águas, tubagens, redes, etc.?

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, o seu tempo terminou, pelo que faça o favor de concluir.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Srs. Deputados, tudo somado, a triste conclusão é que, nesta matéria, o nosso Governo está apenas preocupado em criar um monopólio fantástico para eventual privatização.

O Sr. António Capucho (PSD): - Ora, nem mais!

O Orador: - Resta o consolo de, em cada dia que passa, estarmos mais perto do governo que vai, em Portugal, retomar uma política integrada de gestão de recursos hídricos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para encerrar o debate, tem a palavra o Sr. Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território.

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O Sr. Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território (José Sócrates): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tenho o maior gosto em intervir no debate sobre o Plano Hidrológico de Espanha e as suas repercussões em Portugal e gostaria, desde já, de dizer o seguinte: a apresentação da nova proposta do Plano Hidrológico de Espanha, feita pelo governo espanhol, é uma boa notícia para Portugal. E é uma boa notícia, fundamentalmente, porque tem três novidades relativamente ao anterior projecto de plano que foi apresentado em 1993.
Em primeiro lugar, este projecto abandona a proposta de 1993 de fazer transvases maciços do norte para o sul e, em particular, abandona a proposta de fazer transvases das bacias excedentárias para as bacias deficitárias e abandona, por consequência, os transvases previstos no Tejo e no Douro. Ora, isto é uma boa notícia para Portugal.
Em segundo lugar, também é uma boa notícia para Portugal o abandono da estratégia subjacente ao plano de 1993, que consistia, no fundamental, em financiar com obras hidráulicas de grande vulto transferências maciças de água do norte para o sul, das bacias excedentárias para as bacias deficitárias, em ordem a aumentar o regadio no sul e aumentar, portanto, a produção agrícola espanhola, baseando-a e alargando-a no sul do País, onde, como se sabe, isso é incompatível com os recursos hídricos ali existentes. O abandono dessa estratégia, claramente assumido nesta nova proposta, é também uma boa notícia para o País.
Finalmente, é uma boa notícia o facto de este plano hidrológico dar um novo enfoque, uma nova prioridade, aos investimentos na despoluição, considerando as questões da qualidade da água ao mesmo nível que considera as questões da quantidade.
Ora, isso não acontecia em 1993. O plano de 1993 era fortemente dirigido e orientado para as questões da quantidade da água e este novo anteprojecto de plano é, sem dúvida, um projecto mais arejado, mais moderno, que considera de igual forma as questões da qualidade e da quantidade, propondo-se realizar grandes investimentos na qualidade da água dos rios internacionais, sendo isso, também, uma boa notícia para Portugal.
Srs. Deputados, em segundo lugar, gostaria de vos dizer sobre este plano que a nova proposta de Plano Hidrológico de Espanha é, sem dúvida, uma vitória do País, uma vitória de Portugal.
Em 1993, o que tínhamos em cima da mesa, o que era proposto em Espanha, era um plano que claramente ofendia alguns interesses estratégicos de Portugal; desde 1993, o País consciente das suas debilidades neste domínio, e assumindo-as, mobilizou a sua comunidade técnica e científica e a sua diplomacia e atingiu este resultado 7 anos depois.
Assim, pode dizer-se que as teses portuguesas venceram em toda a linha e gostava de recordar, tal como já fez o Sr. Deputado do CDS-PP, que o Sr. Ministro do Ambiente espanhol, quando apresentou, em conferência de imprensa, o Plano Hidrológico de Espanha disse que esse plano abandonava os transvases no Douro e no Tejo pelas seguintes razões: em primeiro lugar, porque são transvases de grande dificuldade técnica; em segundo lugar, porque são transvases que não têm viabilidade económica, isto é, como era visível, o preço da água, assim transportada do norte para o sul era de tal forma que inviabilizava a sua utilização para a agricultura, e, finalmente, que esses transvases não se devem fazer porque têm impactos ambientais significativos que, nomeadamente - e isto também é referido no Plano Hidrológico Espanhol -, teriam de ser avaliados por Espanha e também por Portugal, no quadro da nova Convenção.
Estes três argumentos foram sempre os argumentos da parte portuguesa nas negociações com Espanha, e gostaria também de vos chamar a atenção para outras razões, que não são políticas mas, sim, técnicas: o abandono dos transvases no Tejo e no Douro é assumido no Plano Hidrológico Espanhol não por razões de vontade, de voluntarismo político - o que também poderia acontecer -, mas por razões eminentemente técnicas, dando total razão àquela que foi uma das batalhas mais duras da comunidade técnica e científica portuguesa e da diplomacia portuguesa.
Este é o resultado do Plano Hidrológico de Espanha, que representa em toda a extensão, e qualquer que seja o ponto de vista, uma vitória das teses portuguesas na discussão com Espanha.
Mas, Srs. Deputados, esta nova proposta de plano é uma consequência directa daquilo que foi a assinatura da convenção luso espanhola sobre gestão de rios partilhados e de bacias hidrográficas comuns. Tal como sempre dissemos, era do interesse português fazermos aquela assinatura naquele momento, porque foi aquela convenção que limitou e empurrou muito os espanhóis para o abandono do plano hidrológico de 1993 e para a apresentação deste novo plano.
O plano de 1993 não tinha possibilidade de ser passado à prática no quadro desta nova convenção e, ao contrário do que muitos disseram - e ainda dizem -, este é o seu primeiro resultado positivo. Mas não é apenas resultado daquela convenção, é também o resultado de um novo quadro jurídico que regula as relações hidrográficas entre os dois países, ou seja, é resultado da convenção mas é resultado também das novas convenções internacionais e dos novos princípios que orientam o Direito no sentido da gestão hidrográfica de rios comuns a vários países, bem como da nova Directiva-Quadro da Água.
Ao ser apresentada esta nova proposta, não há dúvida que o Governo português tinha razão quando considerou a Directiva-Quadro da Água como uma prioridade política da presidência portuguesa, porque essa nova directiva-quadro veio dar uma nova força à convenção luso-espanhola e, certamente, levou os responsáveis espanhóis a perceber que o plano de 1993 não tinha qualquer possibilidade de tornar-se exequível com o novo quadro jurídico que regula hoje a relação entre os dois países.
Portugal e Espanha encontram-se hoje num momento de grande maturidade ao nível do planeamento hidrológico. E já que falamos no passado, o que distingue a situação de hoje da do passado? Os Srs. Deputados desculpar-me-ão que relembre que, em 1993, a situação era a seguinte: Espanha apresentou o seu plano hidrológico baseado em grandes transvases do norte para o sul, inclusive no Tejo e no Douro, colocando em causa interesses significativos e estratégicos de Portugal. Nessa altura, Portugal não tinha qualquer plano hidrológico.
Por outro lado, as relações entre os dois países eram reguladas por convénios anacrónicos, datados, que já não serviam os modernos princípios que devem regular uma utilização razoável e racional de recursos hidrológicos comuns, o que criava uma situação de grande debilidade a Portugal. Foi o que aconteceu em 1993.

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Convoco agora a vossa tenção para que vejam qual é a situação actual. Hoje, em 2000, a Espanha abdicou desses transvases, desistindo de afectar interesses estratégicos de Portugal. E é no momento em que Espanha apresenta o seu plano hidrológico que Portugal aprova, também para discussão pública - tal como acontece com o Plano Hidrológico de Espanha -, os cinco planos de bacia hidrográficos, fazendo um documento síntese.
É muito importante fazer notar que, um mês após Espanha nos ter apresentado o seu plano hidrológico, também nós apresentámos aos espanhóis a nossa proposta de planeamento nas cinco bacias internacionais comuns, que, como se sabe, são o esqueleto da nossa situação hidrográfica.
Em 1993, Espanha apresentou um plano hidrográfico e Portugal nada tinha; hoje, também Portugal tem um plano para as suas bacias internacionais, o que altera radicalmente a negociação entre os dois países. Por outro lado, Portugal tem hoje não apenas uma nova convenção, negociada e assinada há bem pouco tempo, mas uma comissão a trabalhar, e é no quadro dessa comissão que hoje as negociações estão a ser feitas.
O documento síntese do plano português para as cinco bacias internacionais dá já um sinal claro sobre quais vão ser as orientações políticas para o plano nacional, em Portugal. Noto que há uma diferença entre o nosso planeamento e o planeamento espanhol: enquanto nós começámos pelo planeamento de bacias e dele partiremos para o plano nacional, Espanha começou pelo seu plano nacional. Mas esse documento síntese revela-nos três pontos essenciais: primeiro, que o País tem água suficiente para fazer face às necessidades do seu desenvolvimento; segundo, que não necessita de fazer novos transvases, ao contrário do que aqui foi dito (nos papéis está assumido que Portugal não fará qualquer novo transvase, porque não é necessário fazê-lo), e manter a integridade física das bacias hidrográficas parece-nos um bom princípio; terceiro, que os esforços devem ser concentrados na promoção da produtividade da água e de um uso mais racional.
Foi no quadro deste novo planeamento hidrológico, que é uma absoluta novidade no nosso país, que Portugal apresentou já os seus caudais ecológicos.
Gostaria muito de saber que leitura fazem os diferentes grupos parlamentares do plano nacional espanhol, porque constato que alguns, em vez de se pronunciarem sobre esta matéria, invocam que o Governo apenas teve sorte… E quem invoca que o Governo tem sorte quando o plano hidrológico espanhol abandona os transvases no Douro e no Tejo confia demasiado na sorte ou no acaso!
Nada acontece por acaso. Este plano hidrológico espanhol é resultado de um novo quadro jurídico e de uma vitória indiscutível da diplomacia portuguesa. Aliás, estou mesmo a ver que, se a Espanha mantivesse a sua opção pelos transvases, esses mesmos grupos parlamentares diriam que era por culpa do Governo. Mas como a Espanha abandona esses transvases, parece-lhes que tudo isso é fruto da sorte e de nenhum mérito da diplomacia ou da actividade política.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Ministro, esgotou o tempo de que dispunha para intervir, bem como o tempo cedido pelo PS. Peço-lhe, por isso, o favor de concluir.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
O Governo português faz do Plano Hidrológico de Espanha um balanço muito positivo e a metodologia que escolhemos para transmitir essa posição ao governo espanhol é a adequada: iremos basear-nos numa posição do INAG e discuti-la no Conselho Nacional da Água, ainda durante o mês de Dezembro, e, brevemente, também viremos à comissão parlamentar competente para discutir a questão com os Srs. Deputados. Depois disso, o Governo português assumirá a sua posição, posição que será transmitida à delegação portuguesa no quadro da comissão que aplica a convenção luso-espanhola.
Em todo o caso, repito, como ponto de partida na avaliação deste plano, estamos satisfeitos com as novas opções hidrológicas espanholas e, com isso, reconhecemos que há um contributo de Espanha, tal como houve de Portugal, para que a gestão adequada dos recursos partilhados possa ser feita em benefício dos dois povos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - O Sr. Deputado José Eduardo Martins pediu a palavra para que efeito?

O Sr. José Eduardo Martins (PSD): - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Não vou dar-lhe a palavra, porque nem o Sr. Deputado nem o Sr. Ministro dispõem de tempo para intervir. Tenho pena, mas não faltarão ocasiões para continuarmos esta discussão, aliás, interessantíssima.
Dou, assim, por concluído o debate de urgência sobre o Plano Hidrológico de Espanha e as suas implicações para Portugal, requerido pelo Grupo Parlamentar de Os Verdes.
Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 35 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 51/VIII - Altera o regime de acesso ao direito e aos tribunais, atribuindo aos serviços de segurança social a apreciação dos pedidos de concessão de apoio judiciário.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (António Costa): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Antes de mais, quero agradecer à 1.ª Comissão, na pessoa do seu presidente, bem como a todos os grupos parlamentares o grande esforço feito para promover tão rápida tramitação desta proposta de lei e o trabalho, no essencial, consensual que foi possível desenvolver relativamente a esta matéria do apoio judiciário.
Vou tentar corresponder à celeridade do trabalho da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias com brevidade na minha exposição inicial, procurando sublinhar os dois aspectos essenciais e inovadores que resultam desta proposta de lei.
Em primeiro lugar, cumpre-se um objectivo, não só do Governo como de todas as bancadas, quanto à qualifi

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cação do apoio judiciário. Todos estávamos - e estamos - incomodados com a consciência de que a defesa oficiosa é, em regra, uma defesa de segunda qualidade, uma defesa em que as regras de competência dos advogados, advogados estagiários e solicitares, não eram idênticas às que tinham para praticar os actos no mercado. Designadamente, os advogados estagiários tinham uma competência irrestrita no que diz respeito ao apoio judiciário.
Ora, o apoio judiciário tem de ser, acima de tudo, um instrumento para o reforço da igualdade de oportunidades no acesso ao direito e à justiça e, portanto, não é compatível com uma diminuição da exigência de qualidade relativamente ao serviço que é prestado.
Com esta proposta de lei, a primeira alteração fundamental que se faz é estabelecer uma paridade da competência dos advogados, advogados estagiários e solicitadores, no patrocínio oficioso com a que têm no mandato forense: quem não tem competência para o mandato, não tem competência para o patrocínio oficioso; quem tem competência para o mandato, tem competência para o patrocínio oficioso. A regra é esta e é decisiva.
Esta regra é, sobretudo, decisiva no processo penal, uma vez que no Código de Processo Penal se admitia mesmo que o patrocínio oficioso pudesse ser desempenhado por alguém que não fosse sequer advogado estagiário e nem mesmo licenciado em direito, visto que o Código de Processo Penal se bastava com a recomendação de que, de preferência, fosse licenciado em direito. Ora, esta proposta de lei acaba com esta possibilidade e também no processo penal só o advogado estagiário ou o advogado poderão exercer o patrocínio de acordo com as regras próprias da sua competência estatutária.
A segunda alteração fundamental está relacionada com o processo de atribuição do apoio judiciário. O apoio judiciário destina-se a quem se encontra em situação de carência económica e constitui uma prestação social do Estado idêntica às suas outras prestações sociais. Não deve, por isso, ser tramitada em tribunal, como é actualmente, mas, sim, nos serviços da segurança social, como acontece com as demais prestações sociais. Esta é a segunda alteração fundamental que se introduz.
O pedido de apoio judiciário deixa de ser apresentado, apreciado e decidido no tribunal e passa a ser instruído, apreciado e decidido pelos serviços da segurança social. Tem a vantagem, desde logo, de libertar os tribunais de uma carga administrativa imensa que onerava o funcionamento dos tribunais e que não tem natureza jurisdicional. Tem uma segunda vantagem que é a de colocar a tramitação do processo junto de um serviço que dispõe de melhor informação sobre a situação económica do requerente, dispensando o tribunal de recorrer, como hoje recorre, à PSP ou à GNR para, deslocando-se a casa dos requerentes, investigar a sua situação económica. Esta diligência não é adequada ao tribunal nem às forças de segurança, visto que às forças de segurança compete zelar pela segurança dos cidadãos e não propriamente fazer inquéritos sobre as necessidades económicas dos requerentes de apoio judiciário.
Para termos uma noção, hoje, um pedido de apoio judiciário leva, num tribunal, entre 6 e 9 meses a ser tramitado. O que resulta da proposta de lei é que haverá deferimento tácito, em 30 dias, do processo a ser decidido na segurança social, o que significa que ou a segurança social aprecia o processo em tempo útil ou o requerente não será prejudicado, porque em 30 dias se formará acto tácito que lhe permitirá requerer e exercer o direito de apoio judiciário.
É evidente que, sendo uma prestação social, não é uma prestação social idêntica às outras. Por isso, era necessário encontrar alguns mecanismos que, sem prejudicar a sua tramitação essencialmente administrativa, não excluíssem a possibilidade de intervenção atempada do tribunal, seja porque estava em causa o direito de defesa, seja porque estava ou poderia estar em causa a igualdade entre as partes. Deste modo, ao contrário do que é normal nas decisões administrativas sobre prestações sociais, é possível que o requerente, caso lhe seja negado, interponha recurso para o tribunal judicial que esteja em melhores condições para tomar a decisão, assim como é possível à parte contrária, conhecendo algum facto de que os serviços da segurança social não tiveram conhecimento e que a ser conhecido inviabilizaria a concessão do apoio judiciário, a possa suscitar de forma a que seja assegurada, também aqui, a igualdade entre as partes.
É evidente que esta lei cria as condições para uma qualificação acentuada do apoio judiciário e só é possível porque no trabalho conjunto realizado ao longo deste ano com a Ordem dos Advogados e a Câmara dos Solicitadores se encontrou a predisposição de ambas para esta alteração de fundo do funcionamento do apoio judiciário. Encontrou-se também da parte do Ministério da Justiça a disponibilidade para uma melhoria das actuais condições remuneratórias, matéria que foi objecto de acordo com a Ordem dos Advogados e com a Câmara dos Solicitadores e que implicará, necessariamente, um aumento daquela que era a remuneração até hoje praticada.
Quanto a isto, creio que todos temos a convicção que, mais do que gastar menos, importa, sobretudo, gastar melhor. O que não se pode aceitar é que, no ano de 1999, já se tenha gasto 3,5 milhões de contos em remunerações de honorários em apoio judiciário, quando o apoio judiciário era prestado nas condições que conhecemos. Ora, isto não é aceitável e, portanto, vale a pena gastar mais e, sobretudo, termos a convicção de que o gastamos melhor, criando efectivas condições para uma maior igualdade de oportunidades no acesso ao direito e à justiça.
Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, como intervenção inicial, era isto que me cumpria dizer, não podendo deixar de sublinhar e de agradecer, desde já, toda a colaboração que tivemos do Ministério do Trabalho e da Solidariedade que assumiu o penoso encargo de, a partir do próximo dia 1 de Janeiro, através dos seus serviços, tramitar estes pedidos. Faço igual atenção de devido reconhecimento aos Governos Regionais da Madeira e dos Açores, tendo em conta que os serviços da segurança social são serviços regionalizados, pela total disponibilidade demonstrada para que os respectivos serviços da segurança social tramitem estes processos.
O «trabalho de casa», quer com o Ministério do Trabalho e da Solidariedade quer com os governos regionais, está feito; obtida a aprovação parlamentar estaremos em condições, no dia 1 de Janeiro, para que entre em vigor este novo regime do apoio judiciário.
Mais uma vez - agora que vejo o Sr. Presidente da 1.ª Comissão devidamente sentado -, quero agradecer, na pessoa do Sr. Presidente, todo o trabalho intenso desenvolvido pela 1.ª Comissão em torno desta proposta de lei.

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Aplausos do PS.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Manuel Alegre.

O Sr. Presidente: - Informo a Câmara que se inscreveram, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Nuno Teixeira de Melo e Odete Santos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, vou fazer apenas duas perguntas muito rápidas.
Em primeiro lugar, o que é que o Governo tem previsto para dotar os serviços da segurança social, muitas vezes pouco céleres e descoordenados, da necessária eficácia que, depois, lhes permita fiscalizar e instruir os pedidos de apoio judiciário? Em segundo lugar, gostaria de saber se tenciona, pelo menos uma vez, aprovar tabelas de honorários condizentes com a dignidade do exercício da advocacia para que motivem os advogados ao cumprimento do regime do apoio judiciário no exercício de um mandato, que deve também ser empenhado e que em grande parte não o é,…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Eles é que ficam empenhados!

O Orador: - … na medida em que as tabelas que, em regra, têm vindo a ser aprovadas em nada os motivam.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, relativamente aos serviços da segurança social, o que está estabelecido no protocolo com o Ministério do Trabalho e da Solidariedade, e já está ajustado - falta assinar -, e com os governos regionais é que o Ministério da Justiça transferirá do seu orçamento para o orçamento do Ministério do Trabalho e da Solidariedade e para as regiões autónomas a verba necessária para o recrutamento e formação do pessoal que vai tramitar este processo.
A acção de formação já está marcada, iniciar-se-á no próximo dia 14 e contará com os funcionários quer do Ministério do Trabalho e da Solidariedade quer das regiões autónomas.
No que diz respeito ao montante do Ministério do Trabalho e da Solidariedade, são 300 000 contos, como consta, aliás, de um protocolo assinado já publicamente.
Segunda questão, a tabela de honorários foi ajustada com a Ordem dos Advogados e vai sofrer um conjunto de alterações importantes. Como se recorda, a tabela actualmente em vigor foi fixada em 1999 - há um ano, portanto - e fixava, para cada categoria de processo, um mínimo e um máximo a fixar pelo juiz. A nova tabela deixa de ter um mínimo e um máximo e deixa de ser fixada pelo juiz.
Os honorários do advogados estarão prefixados com um valor fixo na tabela, variando em função do tipo de processo. Como é que foi feita a actualização? O critério para a actualização, que foi aceite pela Ordem dos Advogados, baseia-se num valor médio entre os valores mínimo e máximo que actualmente existem; ou seja, aos 35% do mínimo acresce uma actualização de 20%. Qual é, então, o resultado prático da tabela? É o actual mínimo mais 35% mais 20% sobre o resultado da base com a actualização dos 35%. É este o valor da nova tabela.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, o Sr. Ministro da Justiça já respondeu a uma das perguntas que eu pretendia fazer-lhe e que tinha a ver com o número de pessoas que seriam precisas para este sistema.
Todavia, parece-me que não seria preciso gastar mais, bastava deixar como está nos tribunais e aplicar os 30 dias do deferimento tácito ou arranjar outras soluções que na minha intervenção direi. Não era preciso gastar mais nada! Continuo a não perceber por que é que isto vai para a segurança social, porque há formas de impedir o arrastamento dos processos para se decidir isso, bastava que se dissesse que a acção continuaria paralelamente com as averiguações. Portanto, para mim, esta é uma opção que não está correcta, nem encontro uma explicação razoável e tem alguns perigos; vou referir um, que não é o único, e na minha intervenção referirei um outro que me parece ser o mais importante.
Sr. Ministro, eu gostaria de saber se de facto não receia que, agora, no início da vigência do diploma, aconteça algo como, por exemplo, os juízes dos tribunais judiciais considerarem-se incompetentes em razão da matéria para conhecer da impugnação e, posteriormente, os tribunais demorarem ainda mais tempo do que já demoram para decidir as impugnações. Receio bastante isto e parece-me que esta não foi a opção correcta para resolver o problema.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, a razão fundamental por que se optou por esta solução foi a de termos partido de um princípio fundamental, que é o seguinte: nos tribunais só devem estar as questões que têm natureza jurisdicional. As questões que têm natureza administrativa devem sair dos tribunais e devem ser tramitadas pela administração. Ora, a atribuição de uma prestação social de apoio judiciário é o mesmo que a atribuição de uma prestação social de subsídio de desemprego, de rendimento mínimo garantido, de qualquer outra prestação social relativamente às quais não se vai requerer ao tribunal a sua concessão, requer-se no serviço da segurança social. Precisamente por esta ter características próprias é que se introduziram mecanismos de impugnação judicial que não a atire para a tramitação, necessariamente mais lenta, do contencioso administrativo mas para uma decisão do tribunal judicial, inclusive do próprio tribunal da causa, se o requerimento de apoio judiciário já surgir na pendência da causa.
Sr.ª Deputada Odete Santos, não há qualquer estudo sobre o problema dos tribunais em Portugal, desde os

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estudos do Observatório da Justiça Portuguesa aos estudos feitos pelo Conselho Superior da Magistratura, pelas estruturas sindicais, por toda a gente, que não diga esta coisa fundamental: temos de retirar dos tribunais o que não lhes compete, e não absorver nem os juízes nem funcionários judiciais com a tramitação de matérias que não têm natureza jurisdicional! O que é que acontece quando uma pessoa vai a tribunal recorrer à concessão de apoio judiciário? O tribunal não sabe, nem tem forma de saber, se a pessoa está ou não em situação de carência económica.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Nem a segurança social!

O Orador: - Portanto, o que o tribunal vai fazer é requerer aos serviços, designadamente da segurança social, que o informem sobre o nível de rendimento e o estado de carência das pessoas; depois, como os serviços levam tempo a responder, vai enviar um polícia, da PSP ou da GNR, a casa das pessoas para fazer um inquérito social.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Por que é que não estabeleceu um protocolo com a segurança social?

O Orador: - São centenas de milhares de diligências que a PSP e a GNR fazem de inquérito social! E eu pergunto-lhe se compete à PSP e à GNR andar a saber se uma pessoa tem ou não posses para custear um processo!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas tinha maneiras de resolver isso!

O Orador: - Portanto, Sr.ª Deputada Odete Santos, a razão fundamental desta mudança é a de «dar o seu a seu dono» e não continuarmos a consumir recursos e tempo do tribunal com matérias que não lhe dizem respeito. É um processo administrativo, pelo deve ser administrativamente tramitado. Aliás, é isto que teremos de fazer com várias outras tarefas que ainda hoje estão atribuídas aos tribunais, mas que não têm efectiva natureza jurisdicional.

Protestos da Deputada do PCP Odete Santos.

É por isso que tenho insistido em que temos de obter ganhos de capacidade de produtividade dos tribunais, aliviando-os, designadamente, de tarefas que podem ser desempenhadas, com vantagens, por outras entidades.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, recordo que está a decorrer uma votação na mesa dos serviços de apoio ao Plenário e peço aos Srs. Deputados que ainda não votaram o favor de o fazerem.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Montalvão Machado.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: O assunto que hoje aqui estamos a discutir - a alteração das normas relativas ao apoio judiciário - é de extrema importância para a justiça portuguesa.
Tal justiça, além de má e tardia, é cara. Todos o sabem: juízes, advogados e demais operadores judiciários. Mas quem melhor o sabe são os portugueses que, por esta ou aquela razão, têm necessidade de recorrer aos tribunais para fazer valer os seus direitos. E eu não me cansarei de o referir que o governo do Partido Socialista que antecedeu o actual nada fez, rigorosamente nada, durante quatro anos, para melhorar o degradado e desprestigiado estado da justiça em Portugal.

Vozes do PSD: - Pelo contrário!

O Orador: - É mesmo seguro que esse governo do Partido Socialista tenha sido, em matéria de justiça, o pior dos piores governos de Portugal desde a década de 60.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Vozes do PS: - O quê?!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Isso também é um pouco exagerado!

O Orador: - Infelizmente, o actual Ministério parece ir pelo mesmo caminho.
A prová-lo está o Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto, cuja apreciação parlamentar, requerida pelo Partido Social Democrata, ainda hoje haveremos de votar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Todos os mais reputados especialistas na matéria e, sobretudo, todos os operadores judiciários - registe-se, todos! - já se manifestaram contra esse diploma. Ele vai permitir a violação de direitos fundamentais e constituir um aumento imenso das tarefas administrativas, burocráticas e processuais dos escritórios dos advogados portugueses, implicando, assim, um custo acrescido das acções, que as partes vão ter de suportar.
Mas o Partido Social Democrata faz uma política séria e responsável.
O Governo aceitou, no caso concreto que agora estamos a discutir, introduzir variadíssimas alterações na proposta de lei n.º 51/VIII, umas formalmente apresentadas pelo Partido Social Democrata, outras pelo Partido Popular. As alterações foram tantas e de tal monta que, objectivamente, o Governo retirou a sua proposta, tendo-se refeito o diploma, quase por completo, em sede da 1.ª Comissão. A propósito, realce-se o espírito de cooperação dos Deputados que, nessa Comissão, produziram, afinal, o diploma que agora estamos a discutir. Bem sei que foi um trabalho árduo, até de madrugada, mas perfeitamente justificado, pois é exactamente para isto que somos eleitos.
Ora, ninguém tem dúvidas de que o procedimento conducente à concessão ou denegação do apoio judiciário aos cidadãos prejudica e atrapalha a tramitação das acções. Sendo, aliás, tratado na lei como um verdadeiro incidente da instância, fácil é, pois, concluir que se trata de uma ocorrência que perturba o andamento normal da causa e que implica uma tarefa e uma preocupação judiciárias acrescidas.
Como bem se apontou num estudo levado a cabo pela Associação Sindical de Juízes Portugueses (estudo a que se alude, de resto, no relatório aprovado por unanimidade

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na 1.ª Comissão desta Assembleia), o incidente do apoio judiciário tem grande reflexo na demora dos processos nos casos de recurso da decisão de indeferimento e naqueles em que a sua dedução implica demorada suspensão dos termos do processo. Mesmo quando é concedido, dizia-se em tal estudo, obriga quase sempre a obter informações demoradas.
Ora, o que agora se propõe é, como já foi dito, que a instrução, apreciação e decisão dos pedidos de apoio judiciário venham a ser acolhidas na esfera das competências cometidas ao Ministério do Trabalho e da Solidariedade, passando, assim, a competir ao dirigente máximo dos serviços de segurança social da área da residência do requerente (e não ao juiz da causa) o proferimento da decisão sobre a concessão do apoio judiciário solicitado e, como também já foi dito, que o patrocínio oficioso respeite as regras gerais sobre a competência dos advogados, advogados estagiários e solicitadores, isto é, e por exemplo, que não possam os advogados estagiários exercer o mandato oficioso nas causas em que, por lei, o patrocínio judiciário deve ser, obrigatoriamente, exercido por advogado.
Ambos os objectivos são de acolher.
O apoio judiciário radica, claramente, no princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei e no princípio de que a justiça não pode ser denegada por carência ou insuficiência de meios económicos (ambos, aliás, constitucionalmente consagrados, como se sabe). E, como é unanimemente reconhecido, tal instituto visa proteger não apenas os mais débeis economicamente mas também todos aqueles que, mercê de circunstâncias ocasionais ou de conjuntura, se encontram em situação de desigualdade no tocante ao recurso aos tribunais.
É, portanto, indiscutível que o apoio judiciário deve ser, sempre, protegido, salvaguardado, respeitado e, de preferência, beneficiado.
Restava saber - e era esta a opção que se tinha - se o ou os procedimentos que ele envolvia, conducentes à sua concessão ou denegação, podiam ser apenas judicialmente aligeirados ou até mesmo puramente desjudicializados. Foi por esta segunda hipótese que se optou, retirando das mãos do juiz do processo a instrução e a decisão sobre o apoio judiciário solicitado e remetendo-as, a ambas, para os serviços de segurança social respectivos.
Ora, parece não ser difícil reconhecer que o procedimento referente à averiguação sobre o estado de insuficiência económica de determinado requerente constitui, de facto, uma tarefa essencialmente técnica e administrativa. E o mesmo se pode dizer, embora de forma não tão clara, relativamente à decisão propriamente dita, proferida sobre o apoio judiciário solicitado.
Por isso, devemos aceitar, em tese, a solução preconizada, sendo ainda certo que ela tem a vantagem de libertar os juízes do exercício de uma função que não é verdadeiramente jurisdicional.
Quanto ao respeito do patrocínio oficioso pelas regras gerais sobre a competência dos advogados, advogados estagiários e solicitadores, também ele encontra justificação, pois que o mesmo também assenta no princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, o qual engloba ainda a chamada igualdade de meios utilizáveis.
Ora, de acordo com a lei actual, essa igualdade não se mostra assegurada sempre que é nomeado oficiosamente um advogado estagiário para patrocinar uma das partes e a outra está devidamente representada por advogado, por ser obrigatória esta representação e, também, por uma das partes ter dinheiro e a outra não ter para contratar os seus serviços.
Sem qualquer desrespeito ou desmerecimento, creio ser de presumir que o advogado tem maior experiência profissional do que o advogado estagiário e que, por isso, também, por via de regra, maior competência.
O que acontece é que a proposta apresentada padecia de inúmeras lacunas e de diversas imprecisões, sendo que as primeiras tiveram de ser preenchidas e as segundas tiveram de ser corrigidas. E foi assim que múltiplas propostas apresentadas pelo Partido Social Democrata foram acolhidas, de entre as quais há a realçar, o que não estava previsto e o Sr. Ministro já referiu, a consagração de a parte contrária àquela a quem foi concedido o apoio judiciário poder recorrer dessa decisão de deferimento. Assim se respeitará, minimamente, o contraditório, como princípio estruturante, que é o de um direito processual civil límpido e democrático, que se deseja.
Outra questão por nós suscitada e acolhida é o aumento do prazo concedido à parte para recorrer da decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário. Com efeito, o prazo que, inicialmente, estava previsto era demasiadamente curto, podendo, por isso, ser restringidor do exercício de um direito extraordinariamente saudável: o direito de recorrer.
Outro aspecto por nós sugerido é a consagração do respeito, em sede de recurso, pelas regras de competência dos tribunais de competência especializada e de competência específica, quando estes existam na área do serviço de segurança social respectivo.
Mais: propusemos a correcção do artigo 38.º da lei, beneficiando-se, dessa forma, o procedimento conducente à extensão do apoio judiciário concedido, em caso de falecimento de pessoa singular ou de extinção ou dissolução de pessoa colectiva.
Estas e tantas outras sugestões, muitas delas correctoras de uma linguagem técnico-jurídica deficiente, foram, creio eu, bem recebidas por todos. E só assim se pôde fazer, de facto, uma lei nova.
Ao colaborar como colaborou, o Partido Social Democrata demonstrou, mais uma vez, o seu altíssimo sentido de responsabilidade política e, sobretudo, o seu empenho pela causa da justiça.
Resta apenas lamentar que o Governo não manifeste sempre, em quaisquer outras situações, estas humildade e tolerância!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, estamos na hora regimental das votações, o que vamos fazer de imediato.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Faça favor, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, no que toca às votações, gostaria de deixar claro que, por compromisso entre o Governo e todos os partidos que compõem a Câmara, o diploma que

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estamos agora a discutir e cuja discussão não se concluiu deverá ser votado ainda hoje, na generalidade, na especialidade e em votação final global.
Assim Sr. Presidente, creio que esta fase de votações deverá seguida de uma outra, antes do encerramento dos trabalhos, na qual será possível votar este diploma.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Secretário de Estado, desde que haja consenso, como parece haver, não há problema algum a que se proceda assim.

O Sr. Daniel Campelo (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Daniel Campelo (Indep.): - Sr. Presidente, dada a minha condição de Deputado independente, peço autorização para colocar uma pequena questão ao Grupo Parlamentar do Partido Socialista que é o promotor…

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Lamento, Sr. Deputado, não poder dar-lhe a palavra, mas, neste momento, estamos em fase de votações regimentais, pelo que não haverá mais discussão.

O Sr. Daniel Campelo (Indep.): - Nem para defender a honra, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Não, Sr. Deputado. Neste momento, não posso dar-lhe a palavra.
Srs. Deputados, vamos votar, em votação final global, o texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo às propostas de alteração ao Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto, que altera o Código de Processo Civil, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, e pelo Decreto-Lei n.º 375-A/99, de 20 de Setembro, e o Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 383/99, de 23 de Setembro [apreciação parlamentar n.º 25/VIII (PSD)].

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, votos contra do PSD, do PCP, do CDS-PP, de Os Verdes e do Deputado independente Daniel Campelo e a abstenção do BE.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, é para fazer uma declaração de voto.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente ao pedido de apreciação parlamentar do Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto, os Deputados do Grupo Parlamentar do PSD votaram contra as alterações propostas ao Código do Processo Civil, pelas razões que passo a enunciar.
O decreto-lei acima referido viola os mais elementares e estruturantes princípios do direito processual civil português, para além de conter normas absolutamente inadmissíveis e padecer de erros e imprecisões intoleráveis.
Tal diploma, que foi feito à pressa e deriva de uma injustificada febre de mostrar serviço, mereceu a reprovação pública de todos os processualistas portugueses e, sobretudo, da própria Ordem dos Advogados. A pressa foi tanta que houve já necessidade, por duas vezes, de publicar rectificações à lei.
Além do mais, os Deputados do Partido Social Democrata estão contra o novo regime proposto para a citação, por via postal simples, por o mesmo desrespeitar frontalmente o contraditório e permitir, assim, a violação de direitos fundamentais.
Estão contra o novo sistema de notificação das testemunhas, também por via postal simples, dado que o mesmo põe em causa a vitória do fundo sobre a forma, permitindo que a testemunha passe a ser um verdadeiro mercenário ao serviço da parte e não ao serviço da verdade, como se impõe.
Estão contra as notificações entre mandatários, pois estas significam a dita sobrecarga imensa das tarefas administrativas, burocráticas e processuais dos escritórios dos advogados, implicando pois, um custo acrescido, que as partes vão ter de suportar.
Tudo isto porque este Governo quer onerar os portugueses com grande parte dos custos do serviço público da justiça!
Tais circunstâncias levaram a que o PSD pedisse, em boa hora, a referida apreciação parlamentar do diploma, supondo que o Governo e o partido que o sustenta fossem sensíveis à generalizada crítica que todos, mas todos, os operadores judiciários vêm fazendo ao mesmo.
Mas o Governo, neste como em outros casos, apesar de pregar a tolerância e o diálogo, pratica o autismo e a arrogância. Nada de fundamental, aceitou corrigir, tendo-se limitado apenas a beneficiar a técnica terminológica utilizada.
Face à constatada impossibilidade de corrigir os erros acima descritos e perante a realidade inevitável de verificar que o Decreto-Lei n.º 183/2000 vai, mesmo assim, entrar em vigor, o Partido Social Democrata não pode deixar de estar contra o desfecho legislativo a que se chegou. Daí o sentido da nossa votação, e fazemo-lo, acima de tudo, em nome da coerência, da seriedade e da responsabilidade!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, cometi um erro, de que me penitencio, aliás, que foi o de permitir que o Sr. Deputado António Montalvão Machado produzisse a sua declaração de voto agora, porque as declarações de voto só poderão ser produzidas no fim das votações. Peço desculpa pelo meu erro.
As declarações de voto ficam, pois, para depois das votações - de resto, já só temos mais uma votação.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para…

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O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, peço a vossa colaboração neste sentido.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, obviamente, o Partido Popular colaborará, mas também apelo à colaboração de V. Ex.ª, principalmente…

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, só falta uma votação, pelo que agradeço que aguarde uns minutos.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo ao projecto de lei n.º 226/VIII - Aprova a quinta revisão do Estatuto dos Deputados (PS).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS e do CDS-PP, votos contra do Deputado independente Daniel Campelo e abstenções do PSD, do PCP, de Os Verdes, do BE e de 7 Deputados do PS.

O Sr. Jaime Marta Soares (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para que efeito?

O Sr. Jaime Marta Soares (PSD): - Sr. Presidente, é apenas para informar a Câmara de que vou entregar na Mesa uma declaração de voto.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Fica registado, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de dois pareceres da Comissão de Ética.

O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a solicitação do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, processo n.º 3673/00.OTDLSD, 4.º Juízo, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Rui Rio (PSD) a prestar depoimento, por escrito, como testemunha, no âmbito dos autos em referência.
A Comissão de Ética decidiu ainda emitir parecer, a solicitação do 1.º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, processo n.º 126/00/PMLSB, no sentido de autorizar o Sr. Deputado José Reis (PS), a prestar depoimento, como testemunha, no âmbito dos autos em referência, em audiência marcada para o próximo dia 12 de Fevereiro de 2001, pelas 10 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, estão em apreciação.

Pausa.

Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetidos à votação, foram aprovados por unanimidade.

Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Com a aprovação das alterações ao Decreto-lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto, e com a posição adoptada em sede de apreciação parlamentar, a maioria socialista, que nos vem desgovernando nos últimos anos, demonstra, uma vez mais, não possuir qualquer ideia global e estruturada para a reforma do sector da justiça que se impõe em Portugal.
Por esta via, o Governo e a maioria socialista impõem outra reforma processual apressada à mais completa revelia dos seus destinatários e alheia às repetidas denúncias dos graves defeitos do diploma apontados por magistrados, advogados, professores e docentes universitários, entre outros.
Pela via da imposição e da falta de senso, o Governo e a maioria socialista consagram: erros de redacção inaceitáveis no texto legal; um novo regime de pagamento de preparos, que consagra uma incompreensível desigualdade entre as partes, mais favorável aos réus do que aos autores; uma exigência de suporte digital, que será insuportável a muitos advogados que não têm escritórios informatizados ou que não têm sistemas uniformizados; alterações propostas em sede de prova testemunhal susceptíveis de violar o direito constitucional e o acesso à justiça;…

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - … um novo regime de citações e notificações que pode comprometer o direito constitucional de defesa e que não tem paralelo em qualquer outro país civilizado da Europa;…

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - … uma inaceitável posição de menoridade dos advogados, impondo-lhes parte das tarefas administrativas que sempre competiram aos funcionários judiciais - certamente por resultarem mais económicos ao Estado - com encargos financeiros e de pessoal, que poderão mesmo comprometer o funcionamento dos respectivos escritórios.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Em causa estão, Sr. Ministro, como é evidente, as novas regras relativas a notificações com intervenção dos mandatários judiciais, só por si incompreensíveis, mas ainda mais incompreensíveis por serem promovidas por quem, sendo Ministro, até já foi advogado.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Pelo disposto, o voto contra dos Deputados do Partido Popular impõe-se nesta sede, não só por razões de bom senso mas também, e principalmente, por razões de boa técnica legislativa.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Inscreveram-se vários Srs. Deputados que, suponho, é para anunciar que irão entregar na Mesa declarações voto.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Faça favor.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, é apenas para informar que farei chegar à Mesa uma declaração de voto.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Fica registado, Sr. Deputado.

O Sr. Jaime Marta Soares (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra não só para dizer que também vou entregar na Mesa uma declaração de voto, como há pouco já anunciei, mas também para exercer o direito regimental da defesa da honra.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, não vejo em que é que a sua honra possa ter sido ofendida.

O Sr. Jaime Marta Soares (PSD): - Sr. Presidente, foi ofendida com esta votação por parte do Partido Socialista…

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado Jaime Soares, peço desculpa, mas por esse motivo não posso dar-lhe a palavra.
Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Coelho.

O Sr. Miguel Coelho (PS): - Sr. Presidente, é para comunicar que, em meu nome e em nome dos Srs. Deputados Custódia Fernandes, Rui Vieira, Emanuel Martins, Carla Gaspar, João Benavente e Vítor Carola, farei entregar na Mesa a declaração de voto respeitante ao projecto de lei que aprova a quinta revisão do Estatuto dos Deputados.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Mendes.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, é também com o objectivo de informar a Câmara de que entregarei na Mesa uma declaração de voto.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra o Sr. Deputado Artur Torres Pereira, que, suponho, é também para anunciar…

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Sim, Sr. Presidente. É para informar que farei chegar à Mesa uma declaração de voto em meu nome e em nome do Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa.

O Sr. Daniel Campelo (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para que efeito?

O Sr. Daniel Campelo (Indep.): - Para proceder à leitura da minha declaração de voto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Não pode fazê-lo, Sr. Deputado, porque só há apenas uma declaração de voto por cada grupo parlamentar.

O Sr. Daniel Campelo (Indep.): - Sr. Presidente, atendendo à minha situação de independente, penso que posso…

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Daniel Campelo (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar de ser a favor da revisão da actual lei, o meu voto contra o projecto de lei apresentado pelo Partido Socialista referente à revisão do Estatuto dos Deputados fundamenta-se no seguinte:
Primeiro, o debate na especialidade foi conduzido no «segredo dos deuses» para que poucos pudessem participar na definição de um melhor documento, que aumentasse o prestígio do cargo e das funções de Deputado e da própria Assembleia da República.
Segundo, alguns partidos e Deputados, interessados directamente na revisão de tal Estatuto, fizeram passar para a opinião pública a ideia de que tal revisão se destinava a acabar com os Deputados autarcas, ocultando, assim, as verdadeiras motivações da revisão, as quais têm a ver com a situação de incompatibilidade em que se encontram muitos Deputados.
Terceiro, o novo Estatuto impedirá, de futuro, que autarcas eleitos Deputados possam vir aqui defender os interesses dos eleitores que os elegeram. Esses interesses, por mais pequenos, comezinhos e localizados que sejam, são, apesar de tudo, interesses colectivos das populações.
Quarto, será que o novo Estatuto também impede que venham à Assembleia da República Deputados defender os seus interesses privados ou de grupos económicos ou financeiros a que eventualmente pertençam?
Quinto, este Estatuto legaliza a possibilidade de haver Deputados com múltiplas funções…

O Sr. Jaime Marta Soares (PSD): - Muito bem!

O Orador: - … e interesses fora e dentro da Assembleia da República…

O Sr. Jaime Marta Soares (PSD): - Muito bem!

O Orador: - e, eventualmente, com várias remunerações.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sexto, este Estatuto prevê a possibilidade de os Deputados suspenderem as funções por motivo de doença e que, durante a sua substituição, continuem a usufruir das remunerações e regalias sem qualquer limite de tempo, o que, na minha óptica, é inaceitável e eticamente condenável.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A falta de verdade na política contribui para a sua degradação e para reduzir a força do sistema democrático.
Esta iniciativa parlamentar, apesar de legal, constitui mais um rude golpe na credibilidade da Assembleia da República e dos seus Deputados face ao País real,…

O Sr. Jaime Marta Soares (PSD): - Muito bem!

O Orador: - … respondendo aos interesses do directório e, eventualmente, dos aparelhos partidários, ignoran

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do que a política deve ser feita para servir as populações e não para que dela se sirvam os partidos e os seus agentes.

Aplausos de alguns Deputados do PSD.

Neste momento, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Mota Amaral.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, aproveito para lembrar, mais uma vez, para exercerem o vosso direito de voto para a votação de um assunto relacionado com prerrogativas de um dos nossos colegas que está a decorrer, através do voto secreto, na mesa de apoio à direita da Mesa presidencial.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Para exercer o direito regimental da defesa da honra da Assembleia da República.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, não me parece, felizmente, que a honra da Assembleia da República tenha sido agravada…

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Foi, sim, Sr. Presidente. Mas se preferir, pode ser para defender a honra da minha bancada.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Nesse caso, Sr. Deputado, é diferente.
De qualquer modo, gostaria que o Sr. Deputado me dissesse motivo do agravo que invoca para saber se posso dar-lhe a palavra.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, o meu grupo parlamentar sente-se ofendido com uma afirmação feita pelo último orador.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sendo assim, tem a palavra, dispondo, para o efeito, de 3 minutos.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, não preciso de 3 minutos, basta-me 1 minuto.
Ouvi dizer aqui que, nesta Assembleia da República, há um grande número de Deputados - bastavam ser apenas dois ou três, não era preciso ser um número grande - em situação de incompatibilidade. Ora, isto é uma grave injúria aos Deputados que estão aqui a exercer as suas funções com dignidade.
Porém, antes de condenar esta torpe injúria, gostaria que o Deputado que a bolsou nomeasse os Deputados que estão nesta Sala a exercer lugares incompatíveis com as suas funções. No entanto, posso garantir que no meu grupo parlamentar não existe nenhum, porque então teríamos adoptado as devidas providências para acabar com essa situação ilegal.
Em segundo lugar, existindo uma Comissão de Ética, pergunto se o orador que invocou esta situação de incompatibilidade alguma vez deu conhecimento a esta Comissão da existência dessa situação ou se se tratou apenas de um labéu para, mais uma vez, aparecer, logo à noite, no telejornal.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Daniel Campelo.

O Sr. Daniel Campelo (CDS-PP): - Sr. Presidente, quero apenas dizer ao Sr. Deputado Narana Coissoró que é público que há muitos Deputados que tiveram de suspender as suas funções por elas serem incompatíveis com os cargos que desempenham fora da Assembleia da República. Foi exactamente a isto que aqui me referi quando disse que eles não puderam tomar assento nesta Assembleia.
Se, eventualmente, há outros Deputados que estejam numa situação de incompatibilidade e exerçam o mandato, penso que esta será uma questão da Comissão de Ética e não, como é óbvio, minha ou do Sr. Deputado.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Inscreveram-se, para fazer declarações de voto, em nome dos respectivos partidos, os Srs. Deputados António Filipe e Osvaldo Castro.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome do Grupo Parlamentar do PCP, quero dar conta a esta Câmara das razões que motivaram a nossa abstenção na votação final global do projecto de lei relativo à quinta revisão do Estatuto dos Deputados.
De facto, na revisão do Estatuto dos Deputados estão contempladas diversas matérias, algumas delas com escassa relação umas com as outras e de natureza completamente diversa.
Houve disposições constantes do texto agora aprovado relativamente às quais votámos contra na Comissão respectiva, assumindo, aliás, uma posição de coerência com atitudes que o Grupo Parlamentar do PCP tem vindo a adoptar aquando das alterações ao Estatuto dos Deputados. Designadamente, consideramos que o mandato de Deputado deve ser exercido em exclusividade e, neste sentido, votámos contra a disposição que passa a considerar a existência de um Estatuto único de Deputado, fazendo cessar qualquer diferenciação entre os Deputados que estão em regime de dedicação exclusiva e os que o exercem o mandato em regime de acumulação. Considerámos, e consideramos desde há muito tempo, que o exercício do mandato de Deputado não deve ser feito em situação de acumulação.
De igual forma, em Comissão, votámos contra disposições que alteram artigos relativos a incompatibilidades e impedimentos e que fazem cessar situações de incompatibilidade que foram aprovadas aquando da revisão de 1985. Curiosamente, os próprios partidos que, na altura, propuseram incompatibilidades e impedimentos são os mesmos que agora vieram propor e votar a sua eliminação. Portanto, votámos contra disposições desta natureza.
No entanto, votámos favoravelmente a disposição, de que muito se tem falado ultimamente, que obriga os titulares de órgãos das autarquias locais exercidos em regime de tempo inteiro ou de meio tempo, que são os presidentes de câmara e os vereadores que estejam em regime de tempo inteiro ou de meio tempo, a optarem entre o exercí

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cio desse mandato e o exercício do mandato de Deputado à Assembleia da República.

O Sr. Daniel Campelo (Indep.): - É o «bode expiatório»!

O Orador: - Entendemos que é legítimo um autarca candidatar-se a Deputado da Assembleia da República mas é exigível que, uma vez eleito, opte entre continuar a exercer o seu mandato de autarca, e servir as populações por esta forma, e preferir exercer o seu mandato de Deputado, servindo o País através do exercício deste mesmo mandato.
De igual forma, pensamos que um Deputado, que tenha sido eleito autarca, também deve optar entre as duas funções, por aquela que quer exercer, não devendo criar uma situação em que exista uma espécie de reserva de lugar na Assembleia da República, em relação à qual o autarca pode vir, um dia que queira cessar as suas funções autárquicas, exercer esse direito de preferência que criou na Assembleia da República aquando da sua eleição.
Portanto, pensamos que essa situação não dignifica de facto a democracia portuguesa, não dignifica o exercício da função parlamentar e, neste sentido, votámos favoravelmente, na Comissão, esta disposição.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, esgotou-se o seu tempo, queira terminar.

O Orador: - Termino de imediato, Sr. Presidente, dizendo que o nosso voto de abstenção resulta do facto de terem sido aprovadas posições com que concordamos e disposições de que discordamos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista votou favoravelmente e honrou os compromissos que, desde há longos meses, vinha mantendo na Comissão, no sentido de procurar obter a consensualidade máxima.
Aliás, apesar de tudo, afinal, de todos os Deputados presentes, só um Deputado votou contra,…

O Sr. Daniel Campelo (Indep.): - E outros votaram contra a consciência!

O Orador: -… mais nenhum Deputado votou contra, tendo esta bancada e a bancada do CDS-PP votado a favor.
O Partido Socialista considera que, hoje, foi dado um passo muito importante com esta votação…

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - … em defesa da dignificação do Parlamento, do prestígio da actividade parlamentar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Aquilo que aqui foi aprovado não é contra ninguém,…

Vozes do PSD: - É, é!

O Orador: - … contra sector algum,…

Vozes do PSD: - Olhe que é!

O Orador: - … não é contra os autarcas.

Vozes do PSD: - É!

O Orador: - É apenas o represtigiar e o redignificar a actividade parlamentar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Agora, clarificaram-se, por exemplo, em matéria de imunidades algumas regras.
Corrigiram-se os excessos da noite das «facas longas» de 1995 e os excessos de populismo e honramo-nos disto, Sr. Presidente e Srs. Deputados.

Vozes do PSD: - Já estão enjoados de queijo!

O Orador: - O Partido Socialista votou de «cara aberta» sem exigir disciplina de voto aos seus Deputados, e tenho a noção de que este é, de facto, o primeiro passo para a modernização do Parlamento e do processo político no nosso País.
A seguir, também nos empenharemos, igualmente, em relação às transformações do Regimento. Esperamos que também nesta sede haja o máximo consenso.

Aplausos do PS.

Protestos do Deputado do PSD Jaime Marta Soares.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para produzir a declaração de voto em nome do Partido Social Democrata, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aprovámos um texto que foi objecto de longo trabalho na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, e também teve a cooperação da Comissão de Ética, e penso que prestámos um bom serviço ao País e ao Parlamento com vista à dignificação de um mandato de Deputado e da Assembleia da República.
Nem sempre estes diplomas são tratados nas épocas e nos períodos mais serenos e mais adequados. E foi isto que efectivamente aconteceu, em 1995, com responsabilidades de muitos de nós, e eu próprio não rejeito a responsabilidade do meu grupo parlamentar nesse período e nesses diplomas, embora, pessoalmente, tivesse tido algumas discordâncias, mas respeitei a disciplina de voto, apesar de ter expressado a minha posição em declaração de voto que então apresentei.
Contudo, parece-me que todos nos dignificamos quando «damos a mão à palmatória» e corrigimos os erros cometidos, e tratou-se, em larga medida, de corrigir erros, de corrigir excessos, de corrigir inconstitucionalidades, e não nos esqueçamos de que, neste momento, está no Tribunal Constitucional a apreciação destes diplomas. Portanto, quando a Assembleia reconhece ter tido essas falhas e corrige-as, conformando os diplomas à

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Constituição, dá, naturalmente, um bom exemplo e um bom passo.
Como aqui já foi dito, clarificámos matéria delicada como é a das imunidades e o relacionamento da Assembleia com os tribunais em matéria de intervenção destes relativamente a Deputados. Não ficam quaisquer dúvidas de que da parte da Assembleia não pode haver, em momento algum e em circunstância alguma, qualquer posição que possa ter influência na prescrição criminal, porque ela é suspensa imediatamente à data da entrada de um pedido de levantamento da imunidade na Assembleia da República. Portanto, isto fica claro, de uma forma que não permitirá mais especulações à volta desta questão, que é importante. Houve um consenso muito largo, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre esta matéria.
Pelo menos três partidos trouxeram hoje propostas diferentes relativamente a três pontos, e foi aqui que surgiu alguma diferença, pois um dos pontos tem a ver com os Deputados que também são autarcas. A solução que propusemos e que não foi aceite conciliava, em nosso entender, os objectivos que a proposta aprovada consegue, mas sem preterir algo que nos parecia ser de respeitar relativamente ao mandato recebido do sufrágio popular -…

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Guilherme Silva, peço-lhe que conclua, pois o seu tempo esgotou-se.

O Orador: - … termino já, Sr. Presidente -, que é evitar exactamente o vaivém dos Deputados à Assembleia da República, as suspensões frequentes do mandato, mas permitir que, uma vez cessado o mandato autárquico, possam assumir a sua função na Assembleia da República.
Não fez vencimento esta posição, infelizmente, mas de qualquer forma não foi por isso que deixámos de votar, apesar da relevância que isto tinha para nós, na votação final global, abstendo-nos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD) : - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró, para apresentar a declaração de voto em nome do CDS-PP.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Popular votou a favor deste Estatuto dos Deputados. Em boa hora o fez, exactamente porque é um partido que, desde 1975, tem sabido colocar as questões do Estado como questões de regime, distinguindo-as das questões partidárias como questões partidárias.
O Estatuto dos Deputados, na sua parte material e substantiva, é certamente uma lei paraconstitucional, seja pela dignidade dos seus titulares, seja porque diz respeito à própria instituição em que estes Deputados exercem a sua actividade, seja porque todos os seus deveres e direitos são escrutinados pela opinião pública e pela comunicação social. Foi com esta responsabilidade que introduzimos 81 modificações no Estatuto dos Deputados.
Como já aqui foi dito, as clarificações vieram exactamente para aperfeiçoar o texto e adaptá-lo às novas necessidades. Tomámos em consideração todas as críticas que ao longo dos anos têm sido feitas à actuação dos Deputados, principalmente quanto à substituição de titulares de mandatos, por figuras que, situando-se em lugares secundários, aparecem depois a exercer quase a tempo inteiro, em substituição das primeiras figuras das listas, dos que fizeram a campanha eleitoral e deram a cara - tudo isto, agora, foi modificado.
Mas destas 82 modificações, a comunicação social, por causa do lobby dos autarcas, fixou-se numa, exactamente naquela que dizia respeito aos autarcas, porque efectivamente nós «separámos as águas».

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E fizemo-lo para honrar os autarcas. Os autarcas têm um cargo nobilitante para exercer o seu múnus, o seu mandato, junto das populações que legitimamente representam e defendem nas assembleias municipais, bem como junto dos ministérios e do País. As populações também têm os seus Deputados, eleitos pelos círculos eleitorais, e para eles falarem sobre essas câmaras, não é preciso os autarcas virem ao Parlamento, porque aqui, na Assembleia, serão os Deputados eleitos por esses círculos eleitorais de que os municípios fazem parte.
Em segundo lugar, entendemos que não há qualquer similitude, como o PSD estabeleceu, entre o autarca e o ministro ou os membros do governo que suspendem as suas funções por causa do exercício delas. O governo é uma emanação do Parlamento! O governo é retirado do Parlamento para exercer as funções em nome do povo e em nome do Parlamento! Chega-se ao ponto, como em Inglaterra, de obrigar os ministros que não são Deputados a sujeitarem-se ao mandato popular dentro de um determinado prazo. O Parlamento tem sobre eles o direito de vida e morte, pois pode destituir o governo.
Portanto, os ministros que estão no governo são Deputados escolhidos pelo Primeiro-Ministro - também ele Deputado - para funções ministeriais, é uma emanação da Câmara, e nós fiscalizamos os ministros dia-a-dia, o que não sucede com os autarcas e podemos negar-lhes a confiança, afastando-os.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, peço-lhe para concluir.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Além do mais, os ministros são nomeados e podem ser demitidos. Os autarcas não são nomeados nem são demitidos, só podem sair por vontade própria, mas mesmo quando são julgados por corrupção não saem do lugar.

Risos do PS.

Há autarcas com 18, 19, 22 processos de corrupção e continuam lá, «agarrados como lapa», como se a opinião pública e os órgãos de soberania nada representassem.
Por último, tivemos um péssimo exemplo de como um mandato de presidente de câmara municipal pode, efectivamente, desvirtuar toda a actuação do grupo parlamentar a que ele pertencia, traindo o partido, como vimos há poucos dias.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Luís Fazenda, é para fazer uma declaração de voto em nome do seu grupo parlamentar?

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Seguramente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda absteve-se na votação da reforma do Estatuto do Deputado.
Entendemos que há aperfeiçoamentos positivos, desde logo, terminar com o vaivém dos autarcas Deputados, já que têm fontes de legitimidade no exercício das suas funções, que são diversas e que, por esta via, são ora corrigidas, mas também outros dispositivos havia a aperfeiçoar, como impedimentos absurdos e até vários erros técnicos no Estatuto dos Deputados.
Em todo o caso, não pudemos votar favoravelmente, porque contestamos o facto de limitar a rotatividade dos Deputados, o que, para nós, é um princípio de praxis política que o Bloco de Esquerda tem vindo a trabalhar, e por esta via ficaria severamente amputado.

O Sr. Daniel Campelo (Indep.): - É o lobby da incoerência!

O Orador: - Por outro lado, discordamos, por uma questão de doutrina e de princípio, da subsistência de normativos que garantem o subsídio vitalício ou o subsídio de reintegração. É algo que o nosso espírito republicano não comporta e que é mantido neste Estatuto dos Deputados.

Protestos do Deputado independente Daniel Campelo.

Finalmente, pensamos que há aspectos que vão levar a que a diminuição das incompatibilidades venha também a minorar aquilo que é a dedicação exclusiva ao Parlamento, aspecto que, a nosso ver, também ensombra este Estatuto dos Deputados.
Ficaremos, assim, com uma espécie mais alargada de Deputados de uma condição e de Deputados de várias outras condições de acumulação entre o Parlamento e um conjunto de outras actividades, muito mais genéricas.

Protestos do Deputado do PSD Jaime Marta Soares.

A nosso ver - e não vejam isto com qualquer fundamentalismo -, isto também pune a nossa visão republicana desta missão.

O Sr. Daniel Campelo (Indep.): - É o lobby da incoerência!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Ainda para uma declaração de voto, em nome do Partido Ecologista «Os Verdes», tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Abstivemo-nos em relação a este projecto de lei por diversas razões.
Entendemos que é benéfico para a Câmara e para o Parlamento que se tenham eliminado os chamados «Deputados fantasma», pois não nos parece correcta a forma como, neste momento, a sua vinda cíclica ao Parlamento se faz. Há, em nossa opinião, duas legitimidades, duas opções e a opção tem de ser tomada, livremente, pelos próprios.
Julgamos positivas outras melhorias introduzidas neste diploma, mas lamentamos que algumas questões pontuais venham, de algum modo, limitar aquilo que poderia ser o âmbito destas melhorias.
O regime de incompatibilidades, a possibilidade de rotação e o registo de interesses ficam, nesta fase, submetidos a uma maior arbitrariedade, o que não nos parece positivo. Essa é seguramente uma das medidas que, aliada à manutenção de um conjunto de privilégios, não é favorável a que se tenha um Estatuto como, do nosso ponto de vista, seria desejável.
Por último, gostaria de dizer que este projecto de lei, independentemente de ter eliminado um artigo particularmente negativo, que era, do nosso ponto de vista, política e eticamente, inaceitável porque iria traduzir-se num aumento dos vencimentos, introduz, seguramente, mais-valias, mas perdeu-se a oportunidade de fazer uma grande reforma num sentido mais positivo.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, estão concluídas as declarações de voto ao projecto de lei relativo ao Estatuto dos Deputados.

O Sr. Jaime Marta Soares (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para que efeito?

O Sr. Jaime Marta Soares (PSD): - Sr. Presidente, para exercer o direito regimental de defesa da honra pessoal e dos autarcas deste país, em relação às intervenções dos Srs. Deputados António Filipe, Narana Coissoró e Isabel Castro.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, apenas posso conceder-lhe o uso da palavra para exercer o direito regimental de defesa da honra pessoal, já que o Sr. Deputado não tem qualquer legitimidade para falar em nome dos autarcas.

O Sr. Jaime Marta Soares (PSD): - Com certeza, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sendo assim, tem a palavra, Sr. Deputado, dispondo para o efeito de 3 minutos.

O Sr. Jaime Marta Soares (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado António Filipe, que até conheço há muitos anos nesta Assembleia e que considero um excelente Deputado, deve ter feito alguma confusão na sua intervenção, porque disse que os autarcas devem ser eleitos para defender as suas autarquias e que os Deputados à Assembleia da República devem defender o País.
Pergunto-lhe, Sr. Deputado: entende que os autarcas também não defendem o País? São só os Deputados à Assembleia da República que o fazem? Se pensa desta maneira, Sr. Deputado, ofende em muito a honra dos autarcas deste país.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - O Sr. Deputado Narana Coissoró ofendeu o Estado de direito democrático deste país ao dizer que «há corrupção aos montes» nas autarquias. Portanto, num país onde há tribunais e onde os autarcas estão sujeitos a inspecções, a sindicâncias e a inquéritos todos os dias, dizer isto é, efectivamente, uma ofensa aos autarcas.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Não se disse isso!

O Orador: - Mas também há muitas pessoas com «corrupção», pelo menos, mental.
Sr.ª Deputada Isabel Castro, eu sei qual é a sua grande mágoa. A sua grande mágoa é não poder ver um autarca do seu partido, só se for um «fantasma», porque de outro modo não os pode ver!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - De acordo com o Regimento, terei de dar a palavra, para darem explicações, aos Srs. Deputados mencionados pelo Sr. Deputado Jaime Marta Soares.
Assim, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, creio que o Sr. Deputado Jaime Marta Soares terá incorrido em alguma confusão, porque nunca me passou pela cabeça dizer que os autarcas não defendem o País.
Os Deputados defendem o País, os autarcas defendem o País e há também outros titulares de cargos políticos que defendem o País. Não há é necessidade de todos defenderem o País no mesmo local e ao mesmo tempo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, é muito simples: o que eu disse constará da Acta desta sessão.
Eu não disse que havia «montes de Deputados corruptos ou com corrupção mental», mas que há corrupção, há! É como as bruxas! E os casos são noticiados pelos jornais, pois são! E que há também corrupção para efeitos de votos, há. E ainda há dias vimos isto aqui!

O Sr. Jaime Marta Soares (PSD): - Essa é a escola do CDS!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jaime Marta Soares, devo dizer-lhe que - porventura, este momento não terá coincidido com uma passagem do Sr. Deputado pelo Parlamento -uma das Deputadas de Os Verdes foi eleita para uma autarquia, mas, tendo suspendido as suas funções nesta Assembleia, findou a sua rotatividade para retomar as suas funções.
Quanto ao resto da sua intervenção, dispenso-me de a comentar.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Ele não sabe, vem cá pouco!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, encerrado este ponto, vamos retomar os nossos trabalhos.

O Sr. Fernando Costa (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Fernando Costa (PSD): - Sr. Presidente, desejo fazer uma comunicação à Mesa e exercer o direito regimental de defesa da honra pessoal. E, Sr. Presidente, devo dizer que me inscrevi quando presidia à sessão o Sr. Vice-Presidente Manuel Alegre.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para concluirmos em paz, vou dar-lhe a palavra por 3 minutos.
Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Fernando Costa (PSD): - Sr. Presidente, permita-me que o cumprimente e, naturalmente, também gostaria muito de cumprimentar o Sr. Vice-Presidente Manuel Alegre, o grande poeta do mar da Foz do Arelho e o grande defensor da Lagoa de Óbidos, a quem, não tendo sido eleito pelo círculo eleitoral de Leiria, a população de Leiria deve muito pela sua acção em prol daquele distrito e, em particular, daquele local.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Transmitir-lhe-ei as suas palavras, Sr. Deputado, as quais também subscrevo.

O Orador: - Sr. Presidente, informo a Mesa que irei apresentar uma declaração de voto, que é um veemente protesto àquilo que acabou de ser votado e que não vou reproduzir. No entanto, em defesa da honra pessoal - fui durante 15 anos autarca, 10 anos Deputado e já por duas vezes eleito presidente de câmara municipal e Deputado nesta Casa -, não posso deixar de fazer um veemente protesto às declarações, claras, da Sr.ª Deputada Isabel Castro e a algumas declarações, menos claras, que estão nos pressupostos daquilo que se votou aqui hoje a respeito dos «Deputados fantasmas».
Sr.ª Deputada Isabel Castro, aceito esse epíteto, aceito o seu repto, e respondo-lhe dizendo que, das duas vezes em que fui eleito Deputado, já sendo presidente de câmara, vim cá sempre cumprir os 45 dias como estabelece a lei.
Há um ano, neste Plenário, na presença da Sr.ª Ministra da Saúde e do Sr. Primeiro-Ministro, fiz uma intervenção sobre o caso escandaloso do Hospital Termal das Caldas da Rainha; há oito dias vim agradecer à Sr.ª Ministra da Saúde os cuidados que teve em relação ao hospital e a matéria que desenvolveu para o assunto ser tratado.
Portanto, o «Deputado fantasma» Fernando Costa veio aqui os 45 dias, aquando do Orçamento do Estado, Sr.ª Deputada! Esteve em quatro reuniões da Comissão de Economia, Finanças e Plano com quatro Srs. Ministros, quando nem sequer faz parte desta Comissão.
O Deputado Fernando Costa fez uma intervenção, pediu esclarecimentos e apresentou propostas de alteração na área da educação.

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O «Deputado fantasma» Fernando Costa fez propostas de alteração na área da saúde, tendo interpelado a Sr.ª Ministra da Saúde sobre o hospital distrital.
O «Deputado fantasma» Fernando Costa veio aqui, num debate com o Sr. Ministro da Administração Interna - estavam cá muitos outros Srs. Deputados, mas a Sr.ª Deputada não estava! -, levantar a questão do quartel dos bombeiros das Caldas da Rainha e da sua piscina, que é um escândalo; veio também levantar o escândalo de uma esquadra da PSP nas Caldas da Rainha, que está a cair; veio levantar o problema do centro de hemodiálise em Gaeiras, no concelho de Óbidos.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado, peço-lhe que conclua.

O Orador: - Fico a saber que sou «Deputado fantasma»! Porém, não serão fantasmas mas Deputados reais aqueles que há mais de um ano ou há mais de cinco anos foram eleitos e nunca puseram os pés no meu concelho! Não foi o caso de V. Ex.ª, que se deslocou lá para tratar do grave problema da Lagoa de Óbidos.
Há poucos dias, dizia com graça um colega meu de bancada: Fernando Costa, em 15 dias, já fez mais intervenções e já apresentou mais propostas de alteração ao Orçamento do Estado do que alguns Deputados durante um ano. Sou o «fantasma», mas…

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Fernando Costa, peço-lhe que conclua, se não vai obrigar-me a retirar-lhe a palavra.

O Orador: - Sr. Presidente, quero apenas dizer que protesto vivamente quanto a este tipo de acções, porque nada me move para vir aqui estes 45 dias. Não tenho qualquer vantagem económica! Só tenho trabalho na Assembleia e na minha autarquia. Venho aqui porque a população confiou em mim; venho aqui para tentar resolver os problemas da minha terra.
Hoje, a Assembleia, contra a opinião dos autarcas,…

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Fernando Costa, se não termina, tenho de retirar-lhe a palavra.

O Orador: - Termino, Sr. Presidente, dizendo que foi uma má votação, nomeadamente por parte do Partido Socialista para branquear o caso Campelo…

Protestos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Peço desculpa, Sr. Deputado, mas não pode continuar.
Para dar explicações, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Costa, eu gostaria que a Câmara entendesse e o Sr. Deputado em particular, porque me visou, que quando se votam princípios e se partilha uma opinião e uma solução, neste caso através da aprovação de um diploma, não se está a fazer guerras pessoais em relação a ninguém.
Com certeza que o Sr. Deputado não tem de provar à Câmara o que fez, nem julgo que tenha de o provar ao seu grupo parlamentar. Não é disto que se trata, Sr. Deputado! Ninguém põe em causa o seu trabalho, que é, aliás, o cumprimento de um dever seu e de cada um de nós nesta Câmara.
A questão que se coloca e o que discutimos e votámos são princípios. E digo-lhe, muito francamente, Sr. Deputado, que para mim não é um bom princípio haver presidentes de câmara que concorrem às eleições, que se apresentam ao eleitorado, para cumprir um mandato e que estão nessas listas porque são conhecidos, porventura porque aglutinam votos, mas a maior parte deles não vêm cumprir aqui o seu mandato. É esse o princípio que está em causa e é esse o princípio que nós, Os Verdes, contrariamos e, através da nossa abstenção, procuramos modificar.

O Sr. Fernando Costa (PSD): - Paga o justo pelo pecador!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, vamos retomar a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 51/VIII.
Para uma intervenção, tem a palavra Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: O regime jurídico do apoio judiciário vem padecendo de algumas deficiências que afectam a sua eficácia, dificultam a fiscalização dos pressupostos da sua aplicação e oneram os tribunais.
Uma das principais inovações do texto de substituição em análise, consiste na atribuição aos serviços de segurança social da competência para a instrução e decisão do processo, competência esta que, antes, era atribuída aos tribunais.
É certo que, actualmente, os serviços de segurança social não primam pela coordenação, celeridade e eficácia, mas não nos choca particularmente que lhes sejam atribuídas estas competências, desde que dotados dos meios que lhes garantam a necessária capacidade.
Acresce que, desta forma, também se desoneram os tribunais de um excesso de serviços que, na devida proporção, estas tarefas acentuam.
Uma segunda grande inovação surge precisamente para defesa dos direitos de todos os cidadãos que requeiram a concessão do benefício do apoio judiciário, nas suas diversas modalidades.
Os cidadãos não podem ser prejudicados no direito que lhes assiste a uma capaz e competente administração e aplicação da justiça pelo simples facto de serem pobres. Não é aceitável que quem não tem recursos, frequentemente perante causas de extraordinária complexidade, não possa beneficiar, para defesa dos seus interesses, de mais do que de um advogado estagiário, pouco experiente e em fase de aprendizagem, enquanto que a contraparte pode ser patrocinada pelos melhores advogados, que maiores recursos permitem suportar.
Para mais, tal parece significar uma flagrante violação do direito constitucional de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa. Daí a justeza da consagração da necessidade de nomeação de advogado, advogado estagiário ou solicitador, de acordo com a sua competência estatutária.

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Importante, senão determinante, todavia, é que o Ministério da Justiça venha a fixar, de uma vez por todas, tabelas de honorários condizentes com a dignidade de uma profissão, que não tem conseguido merecer o devido respeito de sucessivos governos.
Normalmente a nomeação para patrocínio constitui um acréscimo de trabalho com que os advogados não contam e, muitas vezes, não desejam, mas que aceitam e desempenham no interesse dos cidadão carecidos.
Que os advogados sejam, ao menos, remunerados pelo Estado, de acordo com uma tabela de honorários que espelhe a enorme responsabilidade da tarefa e não desmotive o empenho devido à importância que toda e qualquer causa deve merecer é também uma imposição.
Finalmente, releva o facto deste texto de substituição ter acolhido numerosas sugestões da responsabilidade, nomeadamente, do Partido Popular, que, certamente, contribuirão, em muito, para o aperfeiçoamento de um sistema carecido de urgentes reformas, mas, ao mesmo tempo, Sr. Ministro, o facto de se terem acolhido todas estas sugestões não deixa de relevar as manifestas deficiências que a proposta de lei inicial, da responsabilidade do Governo, obviamente, também não poderia deixar de demonstrar.
Em todo o caso, e atenta a razoabilidade da posição socialista, ao menos nesta matéria, que não soube ter naquela outra que consistiu na reforma do sistema processual civil, o Partido Popular não se oporá a este texto de substituição.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Ribeiro.

A Sr.ª Helena Ribeiro (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Temos hoje em discussão na Câmara o texto de substituição, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo à proposta de lei n.º 51/VIII, que altera o Regime Jurídico de Acesso ao Direito e aos Tribunais, atribuindo aos serviços da segurança social a apreciação dos pedidos de concessão de apoio judiciário.
Não quero deixar de aproveitar este momento para dirigir a todos os Deputados da 1.ª Comissão que participaram activamente na discussão deste texto uma saudação especial pela elevação, talento e sentido de colaboração institucional com que contribuíram para o aperfeiçoamento de um corpo normativo que reputamos de grande importância para a administração da justiça no nosso país e de manifestar o nosso apreço ao Governo português, na pessoa do Ex.mo Sr. Ministro da Justiça e do Sr. Secretário de Estado, pela atitude dialogante e de abertura que demonstraram no tratamento das questões que foram colocadas pela Comissão ao longo das várias reuniões havidas.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Constitui objectivo desta reforma reforçar as condições de acesso ao direito e aos tribunais por parte dos cidadãos economicamente carenciados, garantindo-lhes uma melhor defesa dos seus direitos e uma justiça mais eficaz, como condição de afirmação da democracia e de realização da cidadania.
A garantia de uma justiça acessível a todos é uma incumbência fundamental do Estado de direito.
Exigir da colectividade o dever de proporcionar a todas as pessoas, independentemente da sua condição económica, o «direito ao direito», o direito à afirmação do valor da pessoa humana na sua interacção social, é uma decorrência do princípio material da igualdade e do próprio princípio democrático.
Permitir a todos aceder à justiça e dela fruir em condições de igualdade de meios exige da colectividade que sejam eliminadas todas as barreiras de carácter económico, social e cultural que impeçam o homem ou a mulher de recorrer à justiça.
O respeito pelos direitos e liberdades fundamentais do homem, emanação do valor absoluto reconhecido à dignidade da pessoa humana, não se esgota com a simples enunciação formal de princípios ou de direitos.
Já os obreiros da Revolução Francesa de 1789, conscientes de que a simples proclamação do princípio segundo o qual todos os cidadãos nascem livres e são iguais perante a lei não era por si só bastante para assegurar o direito de todos a uma justiça igual, incluíram no seu credo revolucionário o princípio da gratuitidade da justiça para os mais desfavorecidos, constituindo este um dos princípios imortais legados à humanidade.
Entre nós, a primeira lei sobre assistência judiciária foi publicada em 31 de Julho de 1899 e toda a legislação que se lhe seguiu até à Lei n.º 7/70, de 9 de Junho, assentava em concepções que encaravam o acesso ao direito e aos tribunais como um acto de caridade para com os mais pobres.
Com a Constituição de 1976 e, sobretudo, com as alterações introduzidas ao seu artigo 20.º pela revisão constitucional de 1982, a protecção jurídica passou a ser configurada como um direito fundamental dos cidadãos a que corresponde uma obrigação da comunidade, no seu conjunto, de propiciar as condições de viabilização efectiva desse direito. Este preceito constitucional veio a ter tradução ordinária no Decreto-Lei n.º 387-B/87, de 29 de Dezembro, diploma que regula o acesso ao direito e aos tribunais.
Este regime legal confiou aos tribunais a competência para a apreciação da situação de insuficiência económica do requerente, pressuposto essencial para a concessão do direito ao apoio judiciário, ora surgindo o processado como incidente prévio à instauração da acção, caso de benefício do apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono para instauração de uma acção, ora como incidente da instância a tramitar nos próprios autos do processo principal, caso de pedido de concessão de patrocínio judiciário em acção já instaurada ou de apoio judiciário na modalidade de dispensa total ou parcial de preparos ou de pagamento de custas.
Numa sociedade em que muitos cidadãos se debatem com carências económicas, tendo, por isso, necessidade de recorrer à protecção jurídica, facilmente se compreende que o sistema em apreço tenha originado consequências práticas consideráveis na vida dos tribunais, que afectam negativamente a eficácia na administração da justiça.
Com o regime estatuído pelo Decreto-Lei n.º 387-B/87, de 29 de Dezembro, muito do labor dos operadores judiciais, designadamente os magistrados judiciais, passou a ser despendido na apreciação dos milhares de pedidos de protecção jurídica dirigidos aos tribunais, retirando-lhes o tempo e os meios necessários para cumprirem as suas tarefas mais complexas, as de natureza jurisdicional.

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A prática quotidiana dos tribunais confirma-nos que a natureza incidental deste instituto face ao processo principal tem redundado em atrasos processuais consideráveis. Resulta da lei que o processo não pode prosseguir os seus legais termos, terminadas certas fases processuais, enquanto o incidente não estiver decidido.
É assim no processo cível, onde, formulado o incidente do apoio judiciário, na fase dos articulados, não há lugar à prolacção do despacho saneador enquanto o incidente não for decidido, impondo-se ao juiz, antes demais, a resolução da questão das custas do processo, situação que origina, nos casos de maior complexidade, paragens processuais, muitas vezes, de vários meses.
É assim também nas situações de recurso em processo penal e também em processo cível, sempre que o pedido seja formulado junto do tribunal recorrido, casos em que o recurso não sobe ao tribunal superior enquanto o incidente do apoio judiciário não estiver decidido.
Acresce que, não obstante o artigo 19.º do citado Decreto-Lei estatuir que a demonstração da insuficiência económica dos requerentes pode ser feita por qualquer meio de prova idóneo, na prática os requerentes cingem-se à apresentação de atestados emitidos pelas juntas de freguesia. Nesses atestados as juntas de freguesia certificam a situação de insuficiência económica dos requerentes, embora ninguém ignore que estas entidades não têm nem os meios humanos nem os meios técnicos necessários para, com realismo, avaliar da situação de efectiva insuficiência económica dos peticionantes, quedando-se pela emissão de um documento, a maior parte das vezes, com base em declarações que lhe são prestadas pelos próprios requerentes ou então, embora menos frequentemente, nos factos percepcionados pela própria certificante, que obviamente não dispõe de toda a informação ou da melhor informação para avaliar da verdadeira situação económica do requerente.
Outro meio de prova que os requerentes habitualmente apresentam aos tribunais são as declarações de rendimentos para efeitos fiscais, que, como se sabe, dado o fenómeno da evasão fiscal, em muitos casos, não traduzem a situação económica real do cidadão.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não é assim! Pedem recibos dos vencimentos!

A Oradora: - A contingência e inconsistência dos meios de prova habitualmente apresentados aos tribunais pelos requerentes do apoio judiciário tem levado a que os mesmos se vejam forçados a solicitar às entidades policiais, em grande número dos incidentes de apoio judiciário, a realização de inquérito sobre a situação económica, patrimonial e familiar dos requerentes.
Tal prática, além de sobrecarregar a polícia com uma actividade de natureza social, afastando-a das actividades eminentemente policiais para que está especialmente vocacionada, como a garantia da segurança dos cidadãos, não assegura que a prestação desenvolvida neste domínio pelas forças policiais tenha o grau de certeza que todos concordamos dever preceder à prolacção da decisão judicial.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

A Oradora: - A mais das vezes, os inquéritos policiais traduzem-se numa mera reprodução das declarações prestadas pelos próprios requerentes à polícia, circunstância que resulta directa e expressamente do teor dos próprios inquéritos policiais, que, uma vez remetidos aos tribunais, frequentemente começam pela expressão: «Segundo declarações prestadas pelo requerente (…)».

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É verdade!

A Oradora: - Reconhecendo esta realidade, designadamente, no que tange aos atrasos processuais propiciados pelo incidente em apreço, o legislador de 1996 veio introduzir alguns ajustamentos ao procedimento processual do instituto do apoio judiciário instituído pelo Decreto-Lei n.º 387-B/87, de 29 de Dezembro, de que se destaca o regime de recurso da decisão que denegue o apoio judiciário.
Limitou-se, então, a possibilidade de recurso, independentemente do valor, a uma instância e fixou-se a sua subida em separado, quando até então subia nos próprios autos e admitia em função do valor, a possibilidade de recurso em mais de um grau.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O XIV Governo Constitucional, reconhecendo que o sistema preconizado pelo Decreto-Lei n.º 387-B/87, de 29 de Dezembro, não obstante os melhoramentos introduzidos pela Lei n.º 46/96, tem congestionado a actividade dos tribunais, mantendo os operadores judiciais ocupados com decisões sobre matérias de cariz eminentemente social em prejuízo do exercício das suas funções jurisdicionais; reconhecendo que a tramitação processual do incidente do apoio judiciário tem contabilizado contra si atrasos processuais consideráveis; reconhecendo que as limitações probatórias com que se deparam os tribunais determinam o recurso frequente às forças policiais para apurar da real situação económica dos requerentes, desviando-as do cumprimento das suas funções nucleares sem que estas entidades sejam as mais habilitadas, do ponto de vista funcional, para informarem sobre a situação económica dos requerentes; reconhecendo que as decisões proferidas sobre o apoio judiciário têm como sustentáculo elementos probatórios que, as mais das vezes, não reflectem a real situação do cidadão requerente do apoio; reconhecendo que o direito e a justiça são questões da maior importância para a vida dos cidadãos e que a eficácia na administração da justiça constitui uma das principais exigências do Estado de direito, entendeu apresentar um conjunto de alterações ao status quo legal vigente que, garantindo um sistema jurídico plenamente respeitador dos direitos dos cidadãos, traz ao sistema maior eficácia, mais e melhor justiça.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Com as alterações apresentadas, pretende-se uma reforma do sistema do acesso ao direito e aos tribunais que passa pela concretização de dois grandes objectivos: por um lado, a alteração do processo conducente à concessão ou denegação do apoio judiciário, nas suas diversas modalidades; por outro, a requalificação do patrocínio oficioso para que seja propiciada uma mais real e positiva igualdade de meios na lide judicial a todos aqueles que não possuem meios económicos para contratarem um advogado no mercado forense.

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Das alterações propostas, ressalta, pela relevância em termos de eficácia na administração da justiça e de racionalidade na utilização dos meios, que a instrução, apreciação e decisão dos pedidos de apoio judiciário passam a ser da esfera de competência dos serviços dependentes do Ministério do Trabalho e da Solidariedade. É da natureza do apoio judiciário que o mesmo se traduza na atribuição de uma prestação de cariz social que, por tal razão, pode melhor ser decidido pelos serviços afectos ao Ministério do Trabalho e da Solidariedade do que, certamente, pelos tribunais.
Soma-se ao ganho resultante da melhor e mais criteriosa avaliação da situação económica do requerente que subjaz à concessão ou denegação do apoio judiciário, a libertação de tempo e de meios nos tribunais, até então congestionados por um avultadíssimo número de incidentes de apoio judiciário, agora mais disponíveis para a realização de tarefas de natureza jurisdicional.
O requerimento de apoio judiciário pode ser apresentado em qualquer serviço de atendimento ao público da segurança social, pessoalmente, por telecópia, por via postal ou por transmissão electrónica e é formulado através de modelo a aprovar por portaria conjunta dos Ministérios da Justiça e da Segurança Social que é facultado gratuitamente ao requerente.
Merece especial referência, pelo efeito positivo na celeridade processual, a consagração da tramitação autónoma do procedimento de apoio judiciário relativamente à causa a que respeite, deixando assim de constituir um incidente com repercussão sobre a marcha do processo.
O dirigente máximo do serviço de segurança social da área de residência do requerente tem o prazo de 30 dias para decidir o benefício do apoio judiciário, findo o qual o mesmo se presume tacitamente deferido.
A decisão de indeferimento do apoio judiciário é precedida de audiência prévia do requerente, nos termos do artigo 103.º do Código de Procedimento Administrativo, e não admite reclamação, nem recurso hierárquico ou tutelar, sendo apenas susceptível de impugnação judicial, em última instância, para o tribunal da comarca em que está sediado o serviço de segurança social que indeferiu o pedido de apoio judiciário ou, se formulado na pendência de um processo judicial, o tribunal por onde corre o processo.
O requerimento de recurso não está sujeito a qualquer formalidade especial, apenas pode compreender meios de prova documentais e deve ser apresentado no serviço de segurança social que indeferiu o pedido, que dispõe, para o efeito, do prazo de 10 dias para revogar ou manter a decisão, após o que deve remeter cópia integral do processo administrativo e o requerimento de interposição de recurso para o tribunal competente.
Concluso o processo ao juiz, este decide o recurso por meio de despacho concisamente fundamentado.
Garante-se sempre à parte contrária o direito ao exercício do contraditório sobre a decisão que apreciou o pedido de apoio judiciário.
Outra vertente da reforma em discussão passa pela requalificação do patrocínio oficioso.
Assegurar aos cidadãos carenciados o direito à colaboração de uma pessoa qualificada para lhes prestar a necessária assistência jurídica e, sempre que os requerentes o pretendam, a possibilidade de serem os mesmos a escolher livremente esse profissional, constitui um corolário essencial da dignidade da pessoa e do seu direito à cidadania democrática.
No artigo 32.º do diploma em discussão, estatui-se que compete à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores a escolha e nomeação do mandatário forense, devendo tal nomeação respeitar a competência estatutária de cada um desses profissionais tendo sempre em conta a natureza da causa submetida a apreciação. Assim, apenas poderá, doravante, ser nomeado para patrono oficioso um advogado estagiário quando, nos termos da lei, a defesa do requerente ou o exercício do direito que o mesmo pretende ver apreciado pelos tribunais não exijam a sua prática por um advogado.
Trata-se de assegurar aos cidadãos mais pobres, que procuram obter o respeito pelos seus direitos junto dos tribunais, uma igualdade de meios como condição essencial para o acesso efectivo ao direito e à justiça.
Permitir que o patrocínio oficioso, independentemente da natureza da lide submetida à apreciação do tribunal, possa sempre ser assegurado por um advogado estagiário, profissional necessariamente em início de carreira, não garante, em muitas situações, uma efectiva igualdade de meios ao cidadão assistido que depara, não raras vezes, com uma parte contrária acompanhada de um profissional com largos anos de experiência, traquejado nas lides judiciais e melhor preparado para influenciar tecnicamente o desenvolvimento do processo a seu favor.
As alterações propostas, resultantes, na sua génese, de uma vontade expressa e assumida pelo XIV Governo Constitucional, não podem deixar de merecer o apoio inequívoco do Grupo Parlamentar do PS. Com elas, garante-se uma maior eficácia na administração da justiça e consagram-se soluções inspiradas no que deve ser uma atitude correcta de solidariedade para com os mais desfavorecidos, aqueles cuja defesa constitui para nós, socialistas, a razão de ser da nossa acção política.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Secretários de Estado: Este é mais um marco no caminho que tem sido muito longo nesta questão do apoio judiciário e qual o melhor sistema que serviria.
Vou encurtar razões, mas não prescindo de dizer que ainda sou do tempo em que a concessão do apoio judiciário se fazia por processo administrativo: havia uma comissão que se reunia, ouvia testemunhas, etc. Isso foi alterado, e bem, em minha opinião, porque se entendia que tal provocava uma delonga no momento de apresentar a acção no tribunal - e, obviamente, aí já criava discriminação entre os cidadãos porque os que tinham poder económico propunham a acção mais depressa. Então, foi-se para um sistema, que viria a desembocar neste, segundo o qual era na própria acção que se pedia o apoio judiciário.
Em 1987, fizemos aqui um debate e, então, justificava-se uma maior atenção ao apoio judiciário porque tinha havido há pouco tempo, nesse ano de 1987, um aumento brutal - brutal! - das custas judiciais que determinou que maior número de pessoas pedissem apoio judiciário. Nessa altura, o diploma foi apresentado como uma revolução -

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acho que até houve pessoas de boa fé que acreditaram nisso, mas eu olhei para o diploma e não vi que a revolução fosse assim tão grande como isso, pelo menos quanto à questão contenciosa.
Quanto à informação e à consulta jurídicas, não fora a existência de várias instituições que têm actividades nesta área, e mesmo de operadores jurídicos que, ao abrigo do diploma de 1987, têm vindo, com abnegado esforço, aliás, a dedicar-se à informação e à consulta jurídicas, não atingiria o mínimo que é indispensável nessas matérias. O sistema, aí, funciona muito deficientemente.
Ora, agora, vem propor-se o retorno, embora com novas características, àquele momento já muito antigo, quando comecei a advogar, da tal administrativização do processo de apreciação dos pedidos de apoio judiciário, argumentando-se, como se ouviu, que os processos se arrastam nos tribunais - e, de facto, é verdade que o sistema está feito para um processo onde se pagava, primeiro, o preparo inicial, depois, o preparo subsequente e, depois, o preparo para julgamento e para despesas, mas, hoje, já não tem estes marcos.
É claro que os tribunais demoram a julgar, porque, por exemplo, nunca puderam contar com a solução legal do deferimento tácito, com que, agora, conta a segurança social.
Mas há uma questão de fundo subjacente ao novo enquadramento do apoio judiciário, que, aliás, embora não completamente, o Sr. Ministro da Justiça referiu - mas que não ouvi ser referida por mais ninguém, porque se repisou que esta era uma prestação de carácter social -, ao dizer que essa prestação de carácter social tinha características diferentes. Ora, direi mesmo que o apoio judiciário não é uma prestação de carácter social.
O apoio judiciário, que decorre necessariamente do artigo 20.º da Constituição, onde se refere que a justiça não pode ser denegada por motivos económicos, é uma garantia de um direito fundamental dos cidadãos: o direito de acesso ao Direito e aos tribunais, o direito de acesso à justiça. Não é, pois, de modo algum, uma prestação de carácter social.
E, como garantia que é, o Grupo Parlamentar do PCP entende que é no poder judicial, que é independente do Executivo - e isto não tem quaisquer conotações negativas para o chefe do Governo ou para outro qualquer, é uma questão de filosofia -, que deve estar a decisão sobre a garantia de um direito fundamental. Não é num ministério que pode estar a determinação de critérios para concessão do apoio judiciário, ou não, conforme haja mais ou menos verbas no orçamento para concessão desse apoio. E isto, para além das presunções - é claro que há presunções, mas há gente que necessita de apoio judiciário e não está abrangida pelas presunções.
Assim, a solução que regride para a administrativização do processo de concessão do apoio define uma arquitectura jurídica, quanto a nós, inadequada ao figurino constitucional de um direito fundamental, podendo até vir a pôr em risco esse mesmo direito. Ao sabor de ventos e marés, afinal, fica aberta a porta por onde pode entrar, por motivos puramente orçamentais, a irrealização do direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais.
Sabe-se, aliás, e tal consta de um relatório, já do corrente ano, da Comissão Europeia sobre a ajuda judiciária em vários países, que, na Europa, alguns, como o Reino Unido e a Alemanha, começaram a «fechar a torneira» de financiamento ao apoio judiciário, alegando que o sistema resultava muito caro, e a estudar outras soluções, como o seguro jurídico e outras do género. Este é um mau caminho e não queremos um sistema que venha a permitir este mau caminho.
Aliás, e sem alterar o que está hoje consagrado na lei de 1987, sem ir para outras soluções alternativas, que, aliás, são as que o PCP defende no seu programa eleitoral, podia obviar-se ao arrastamento dos processos causado pela necessidade de averiguar da veracidade das alegações do requerente, se, por exemplo, se estabelecesse que o processo continuava a correr, independentemente das averiguações que, paralelamente, seriam feitas, até ser proferida a decisão. E nessa altura, sim, com certeza, até já estariam lá os resultados das averiguações. Assim, a garantia do direito fundamental continuaria nos tribunais.
E estou de acordo que não deve ser a polícia nem a GNR a fazer as investigações, mas isto também se resolveria muito facilmente - e na área da segurança social. Penso que um protocolo entre o Ministério da Justiça e o Ministério do Trabalho e da Solidariedade poderia conduzir a que as averiguações fossem feitas por funcionários da segurança social, sendo, depois, remetidas para os tribunais - e a garantia do direito fundamental continuaria nos tribunais.
Aliás, apesar de, hoje, já se ter dito aqui que a decisão disto não era uma decisão jurisdicional, creio que, neste momento, há decisões (e esta seria outra) atribuídas à segurança social que dela deviam ser retiradas, porque só têm provado que não correspondem aos interesses em presença. Estou a referir-me concretamente à adopção. A passagem para a segurança social desse período prévio da confiança administrativa não veio melhorar o sistema, bem pelo contrário. Se ouvirmos pessoas que se candidatam e se vêem preteridas por outras, muitas vezes, não se sabe quanto…
Antes de terminar, quero fazer um parêntesis para dizer à Sr.ª Deputada Helena Ribeiro que as juntas de freguesia não passam os atestados dessa forma ligeira. As juntas de freguesia exigem um recibo do vencimento, um recibo da pensão de reforma…

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr.ª Deputada, o seu tempo esgotou-se. Peço-lhe que conclua.

A Oradora: - Vou concluir, Sr. Presidente.
Como dizia, as juntas de freguesia exigem um recibo do vencimento, um recibo da pensão de reforma, pelo que lhe peço, Sr.ª Deputada, que se informe melhor acerca disso. As juntas de freguesia também são entidades honestas; não são só os cidadãos, como, muito bem, o Sr. Ministro da Justiça queria referir.
Termino dizendo que, por estes motivos, não vamos votar a favor do texto para o qual também contribuímos, porque, para além do mais, a nossa solução é outra e alternativa - é a da defesa pública. Temos tanto medo da defesa pública… Ela existe no Brasil, que visitámos, por causa dos juizados especiais…

O Sr. Ministro da Justiça: - Nos Estados Unidos da América!

A Oradora: - Já nem falo dos Estados Unidos da América, porque podem dizer-me que a filosofia aí é outra!

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Mas existe na Irlanda, onde há centros jurídicos de apoio judiciário. Aí, perderam-se os preconceitos e os advogados não perderam a independência. Ora, penso que era tempo de nos despirmos desses preconceitos, porque os cidadãos exigem-no.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Trabalho e da Solidariedade.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Trabalho e da Solidariedade (Rui Cunha): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ao Estado cumpre garantir, nos termos constitucionais, para além dos direitos civis, também os direitos sociais, económicos e culturais.
Neste sentido, o XIII e o XIV Governos têm desenvolvido um conjunto de políticas sociais, que vão desde medidas universais de combate à extrema pobreza, como o rendimento mínimo garantido, hoje já constitutivo do património consensual da cidadania da nossa sociedade, às medidas de apoio à família, de desenvolvimento de creches ou de apoio aos idosos, de que, a título de mero exemplo, refiro o Plano Avô, que, ainda anteontem, deu mais um passo no caminho da certificação da qualidade dos lares de idosos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Ó Sr. Secretário de Estado, agora, não estamos a discutir o Avô!

O Orador: - Ora, esta primeira fase da reforma legislativa do apoio judiciário aos que têm insuficiência de recursos económicos para aceder ao direito e à justiça, constante da proposta de lei em análise nesta Câmara, não deve ser só entendida como uma mera desjudicialização do apoio judiciário, que terá consequências positivas na melhoria do desempenho dos tribunais, mas deve, também e sobretudo, ser entendida como um reforço da protecção social dos cidadãos que dela precisam, já que serão os serviços da segurança social, que melhor conhecem a pobreza e as carências em Portugal, que passarão a decidir a quem deve ser atribuída esta verdadeira prestação social.
A decisão será assim necessariamente mais informada e mais justa, dado que a segurança social é a entidade que está melhor apetrechada para decidir a atribuição desta prestação social a quem verdadeiramente precisa dela.
Acresce que a segurança social colocará toda a sua rede de atendimento ao cidadão ao serviço desta medida. Assim, em qualquer ponto do País, mesmo onde não exista um tribunal, o interessado pode dar entrada do seu requerimento, aí entregar os seus documentos e ser ouvido quando necessário.
Deste modo, a alteração legislativa em apreço torna o Estado, a administração, os direitos e a justiça mais próximos dos cidadãos, mesmo em termos físicos.
Estamos certos de que só assim os cidadãos podem vencer a resignação e as barreiras económicas, culturais e sociais que, em certos casos, os impedem de defender os seus direitos e de aceder à justiça.
Para concluir, gostaria ainda de deixar a garantia de que os serviços de segurança social distritais, no âmbito da reorganização em curso, que entrará em vigor no dia 1 de Janeiro de 2001, estarão preparados para decidir os requerimentos de apoio judiciário com celeridade, nos termos da lei que esta Câmara irá, com certeza, aprovar.
A Assembleia da República, ao aprovar esta proposta de lei, estará a dar um contributo significativo para que uma das prioridades do XIV Governo, e consequentemente também do Ministério do Trabalho e da Solidariedade, se cumpra, ou seja, o alargamento, em Portugal, da cobertura do sistema de protecção social na situação em apreço, por via da sua articulação com o acesso ao direito e à justiça.
Dizendo de outro modo, as Sr.as e os Srs. Deputados, ao aprovarem esta proposta de lei, estarão a contribuir para que todos os portugueses, incluindo os que têm menos recursos económicos, também sejam mais cidadãos por terem mais acesso ao direito e à justiça.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, não há mais inscrições. Portanto, declaro encerrado o debate da proposta de lei n.º 51/VIII.
Julgo que ficou entendido, na altura em que fizemos as votações, que ainda hoje, após o debate, procederíamos à votação do texto de substituição integral relativo a esta proposta de lei, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Estamos em condições de fazer a votação na generalidade, na especialidade e final global, pelo que o diploma ficará, hoje, com o seu processo legislativo concluído no Parlamento.
Assim sendo, Srs. Deputados, vou colocar à votação, na generalidade, o texto de substituição integral da proposta de lei n.º 51/VIII - Altera o regime de acesso ao direito e aos tribunais, atribuindo aos serviços da segurança social a apreciação dos pedidos de concessão de apoio judiciário.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do CDS-PP e do BE e a abstenção do PCP.

Vamos, agora, proceder à votação, na especialidade, do texto de substituição integral da proposta de lei, que acabou de ser aprovado na generalidade.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do CDS-PP e do BE e a abstenção do PCP.

Vamos passar à votação final global do texto de substituição integral da proposta de lei.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do CDS-PP e do BE e a abstenção do PCP.

Felicito o Sr. Ministro da Justiça e os seus colaboradores por terem obtido uma aprovação tão rápida deste diploma e também a 1.ª Comissão, que se lhe dedicou tão esforçadamente.
Srs. Deputados, vamos iniciar a apreciação das petições, começando pela petição n.º 53/VII (1.ª) - Apresentada por José Dinis Correia de Morais e outros, pretendendo a promulgação de legislação objectiva e actual

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sobre a selecção dos locais de instalação de aterros sanitários.
Combinámos, na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, que cada grupo parlamentar teria 5 minutos para intervir, e também o Governo, se porventura se quiser pronunciar.
Respeitando a ordem de inscrições que a Mesa possui, dou a palavra, para uma intervenção, ao Sr. Deputado José Eduardo Martins.

O Sr. José Eduardo Martins (PSD): - Sr. Presidente, vou tentar ser breve, dado o adiantado da hora, mas não tão breve que passe ao lado da importância da petição que somos solicitados a apreciar.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os velhos adágios populares segundo os quais «depressa e bem não há quem» e «as aparências iludem» podem, hoje em dia, ser adoptados, sem reservas, como as divisas dos comportamentos relativamente aos resíduos sólidos urbanos (RSU) que têm vindo a ser sistematicamente seguidos pelos governos do Partido Socialista e, em especial, pelo Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território.
A temática subjacente à presente petição é a da localização dos aterros sanitários de RSU. Ora, o ordenamento territorial deveria ser o primeiro dos imperativos da política de ambiente. Deveria, porque, infelizmente, no caso português, não é! Isto é, não faz sentido algum abordar qualquer componente ambiental sem a existência da caracterização global e da gestão sustentável do território que lhe está subjacente.
A Lei de Bases do Ambiente estabelece os princípios da precaução, da participação, da defesa e da valorização do solo.
O regime jurídico da participação procedimental e de acção popular estatui a obrigatoriedade de audição dos cidadãos interessados nos procedimentos conducentes à tomada de decisões sobre a localização e a realização de obras ou investimentos públicos.
Por último, a legislação sobre a avaliação de impacte ambiental sujeita a este procedimento todos os projectos de aterros sanitários onde se preveja uma deposição superior às 150 000 t/ano.
Não obstante, a política seguida pelo Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território tem sido a de desrespeitar, pura e simplesmente, os procedimentos democráticos elementares, bem como os princípios mínimos de uma adequada gestão do território e dos resíduos sólidos urbanos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Vamos por partes. Quando ainda era secretário de Estado, o actual Ministro, José Sócrates, elegeu como uma das suas bandeiras de acção política a implementação de uma correcta gestão dos resíduos sólidos urbanos no País. Por isso, em Março de 1997, em entrevista ao Diário de Notícias, afirmou que encerraria, até ao final do ano de 1999, as cerca de 300 lixeiras existentes no País.
De permeio, a imperativa implementação de uma adequada política dos 3R (redução, reutilização e reciclagem), que deveria vir tendo, tal como a lei expressamente o prescreve, um natural acompanhamento, aliado à construção e entrada em funcionamento dos aterros sanitários e demais infra-estruturas (em que, recorde-se, foram gastos de 150 milhões de contos entre 1995 e 1999), foi-se tornando um «parente pobre», mesmo muito pobre, da estratégia de gestão dos resíduos sólidos. A tal ponto que, em finais do último ano, um relatório interno do Instituto dos Resíduos atestava que os níveis globais de reciclagem, incluindo embalagens e outros materiais, como jornais e papel, apenas haviam atingido 52 000 t nesse ano, ou seja, 1,4% do total dos resíduos produzidos.
Isto quando as metas do famoso Plano Estratégico para os Resíduos Sólidos Urbanos (PERSU), aprovado em 1997, apontavam para níveis de reciclagem de 15%, no final do ano 2000, e a legislação comunitária nos impõe, para o ano 2005, níveis de reciclagem de embalagens da ordem dos 25%.
O então já Ministro José Sócrates, logo após o início de funções do actual Governo, anunciou que estava a preparar um plano operacional para os resíduos em geral, que estaria pronto até ao final do ano. Esqueceu-se foi de dizer qual era o ano, porque até à data não vimos plano rigorosamente nenhum. Acrescentou ainda, nessa ocasião, que, inclusivamente, em termos de resíduos sólidos urbanos, se devia caminhar no sentido de que quem não separasse os resíduos devia pagar mais, confessando-se ainda insatisfeito com a reutilização e dizendo que por esse facto iam ser reforçados os mecanismos de inspecção do seu Ministério. Passado quase um ano sobre essa entrevista é caso para dizer famous last words!...
Com o decurso do tempo, a única coisa que cresceu foi o autismo e a arrogância do Governo. Na verdade, não obstante os anúncios de investimento de mais 100 milhões de contos até 2006, no quadro dos resíduos, os exemplos começam a multiplicar-se.
No tocante ao PERSU, para além da falha que referi de a reciclagem estar 10 vezes abaixo do previsto, e, por isso, a capacidade dos aterros está a esgotar-se, no capítulo da erradicação total das 328 lixeiras, em Fevereiro deste ano, apenas tinham sido encerradas 133, estando 112 em obras e 82 ainda em funcionamento. Dos 38 aterros sanitários previstos faltavam concluir 13 e das 6 centrais de compostagem apenas 4 se encontravam em laboração, estando as da Cova da Beira e a da Amadora bastante atrasadas.
O aterro sanitário de Trajouce esgotou a sua capacidade após três anos e meio de actividade, e é, aliás, o horizonte que se prevê para boa parte dos que foram construídos.
Em Lisboa, 50 toneladas de pilhas recolhidas nos ecopontos continuavam, em Agosto deste ano, sem destino visível.
Aventada inicialmente pelo Governo a hipótese da sua incineração, as 97 900 t de resíduos da BSE - farinhas e gorduras - continuavam, ainda no mês passado, a amontoar-se em armazéns do País.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.

O Orador: - Para terminar e a propósito da matéria da petição, queria dizer que o PSD compreende, obviamente, a necessidade de construção dos aterros sanitários e rejeita os fenómenos inqualificáveis de bairrismos que, sob a falsa capa de defesa dos interesses ambientais, apenas visam empurrar para o campo do vizinho as soluções que têm de ser assumidas colectivamente.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O que o PSD não aceita e não pactua é com a chã demagogia e com o lamentável show político de abusos e prepotências a que se tem vindo a assistir, nesta matéria, por parte do Ministério do Ambiente.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O caso do aterro do Oeste e, em especial,…

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Peço-lhe que conclua.

O Orador: - Fico por aqui, Sr. Presidente.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Vozes do PS e do PCP: - Não falou da petição!

O Sr. José Eduardo Martins (PSD): - Falei, sim!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Tinoco de Faria.

A Sr.ª Isabel Tinoco de Faria (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta petição, subscrita por 5734 peticionantes, visa «a promulgação de legislação objectiva e actual sobre a selecção dos locais de instalação dos aterros sanitários». Na sequência da petição, foi elaborado o respectivo relatório na 4.ª Comissão.
Com a presente petição pretendem os moradores das localidades afectadas pelos aterros sanitários do Vale do Minho (S. Pedro da Torre, em Valença), do Vale do Lima e Baixo Cavado (Vila Fria, em Viana do Castelo), Vila Nova de Gaia (Sermonde) e da zona centro (Taveiro, em Coimbra), mostrar o seu desacordo pela escolha das localizações dos referidos aterros, que consideram afectar a qualidade de vida das populações locais, solicitando, ainda, que esta Assembleia legisle sobre a localização e instalação dos aterros sanitários.
Cumpre-nos, aqui e agora, trazer à colação os Decretos-Leis n.os 89/96, 113/96, 114/96, 117/96 e 166/96 que criaram as empresas multimunicipais, cometendo às mesmas a responsabilização, quer pela construção quer pela exploração.
Às empresas compete não só a implementação do sistema de recolha selectiva, mas ainda a construção de centros de triagem e valorização dos resíduos sólidos urbanos, assim como a selagem das lixeiras existentes a céu aberto. Às mesmas empresas cumpre ainda criar qualquer outro tipo de equipamento e infra-estruturas consideradas necessárias para o fim proposto.
Todos estes projectos teriam de ser obrigatoriamente aprovados pelo Ministério do Ambiente, com dispensa de qualquer outro licenciamento.
O Decreto-Lei n.º 310/95, que revogou o Decreto-Lei n.º 488/85 e transpôs para o Direito interno as Directivas n.os 91/156/CE, de 18 de Março e 91/689/CE, de 12 de Dezembro, estabelece as regras a que ficaria sujeita a gestão dos resíduos, nomeadamente a recolha, a armazenagem, o transporte, o tratamento, a valorização e a eliminação, visando irradiar os prejuízos para a saúde pública com o enquadramento no edifício legislativo da Lei n.º 11/87, de 7 de Abril.
Com a publicação deste diploma, o Decreto-Lei n.º 310/95, pretendia-se salvaguardar os meios de execução, transferência, triagem e compostagem, com vista à valorização e/ou eliminação de resíduos urbanos. Igualmente se encontrava salvaguardada a compatibilização das mesmas instalações com os PDM, sendo que, nas situações pontuais em que tais planos não existissem ou não estivessem ainda aprovados, os pareceres favoráveis à localização deveriam observar as regras de instalação impostas pela Comissão de Coordenação Regional da respectiva área, assim como pelas entidades responsáveis pela gestão da Reserva Agrícola Nacional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Contudo, e pela experiência colhida, em breve se tomou necessário proceder a nova alteração legislativa.
Com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 239/97, que mais não pretende do que introduzir novos e melhores aperfeiçoamentos na defesa do ambiente e dos recursos naturais, a localização das instalações dos resíduos sólidos urbanos, vulgarmente designados por aterros sanitários, passou a harmonizar-se com o respectivo PDM, mediante parecer favorável da câmara municipal competente e da Direcção Regional do Ambiente, no que concerne à afectação dos recursos hídricos, sendo que na falta desse plano de ordenamento tal parecer será da competência da respectiva comissão regional, sob pena de serem nulas as autorizações concedidas que violem estas disposições.
Assim, o Ministério do Ambiente, neste momento, apenas detém o poder de dizer «não».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Face à objectividade e rigor do actual tecido normativo em vigor, não se nos afigura questionar a sua aplicabilidade, tanto mais que outra leitura seria violentar a lei das autarquias.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Matias.

O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com a presente petição, 5734 cidadãos manifestam a esta Câmara a sua discordância relativamente à forma como foram seleccionados os locais para a instalação de quatro aterros sanitários a saber: Vale do Minho, em São Pedro da Torre, Vale do Lima e Baixo Cávado, em Vila Fria, Vila Nova de Gaia, em Sermonde, e zona centro, em Taveiro.
Os peticionantes, moradores nas localidades referidas, consideram ter sido directamente afectados pela localização dos aterros, determinada pelo Governo sem ter em conta a salvaguarda da saúde e bem-estar das populações.
É pertinente, neste momento, referir que, para além destas populações residentes em locais com aterros já construídos, outras há que contestam a localização de projectos, como são os casos do aterro da Resioeste, que tem a oposição da Assembleia Municipal do Cadaval, e o aterro de Bigorne, que conta com a oposição das Juntas de Freguesia de Bigorne e Lazarim, em defesa da qualidade da água com usos diversos, entre os quais o consumo humano.
Tal contestação merece uma reflexão da parte desta Assembleia, tendo em conta que as preocupações popula

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res são legítimas na medida em que têm direito a uma informação cabal sobre os processos de decisão que poderão ter influência na sua qualidade de vida.
Aprovado o relatório da Comissão, no passado mês de Junho, foi o mesmo enviado ao Governo para, eventualmente, dar conhecimento a esta Assembleia e aos peticionantes da sua posição sobre a matéria, preferindo, contudo, o Governo manter, significativamente, silêncio sobre o assunto.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A classificação de uso do solo feita pelos planos directores municipais é sempre o resultado de um processo que inclui a obrigatória consulta pública. E a localização destas infra-estruturas, cuja necessidade não se põe de modo nenhum em causa, tem sido sistematicamente feita em zonas em que esses planos classificavam o solo para outros fins, designadamente como reserva agrícola, reserva ecológica ou mesmo Rede Natura 2000, donde resulta que a mudança de utilização de uso do solo implica uma alteração dos planos de ordenamento em vigor e uma discussão pública. Só que esta não se faz.
A legislação existente sobre esta matéria atribui a responsabilidade de decisão ao Ministro do Ambiente, no caso dos sistemas multimunicipais, dando parecer vinculativo sobre projectos que lhe sejam submetidos pelos municípios, os quais devem ser elaborados de acordo com critérios de protecção da saúde pública e do ambiente. Por outro lado, a recomendação expressa na lei para que a instalação seja efectuada em locais para tal definidos no plano director municipal respectivo, regra geral, não é seguida e, nos termos da lei, são ouvidas as Comissões Coordenadoras Regionais e as entidades com competência para fazer a gestão da REN ou da RAN afectadas.
Há, pois, uma lacuna no edifício legislativo elaborado pelo Governo, de que resulta um défice na informação e participação das populações em assuntos que lhes dizem directamente respeito. Impõe-se, assim, que esta omissão legislativa seja suprimida, obrigando a que a decisão da localização de aterros sanitários seja precedida de pré-selecção e avaliação dos impactes ambientais, com indispensável audição das populações.
Nesta conformidade, hoje mesmo, entregámos na Mesa da Assembleia da República um projecto de resolução que recomenda ao Governo que, em curto prazo, tome as medidas necessárias, designadamente no plano normativo, com o objectivo de, em qualquer circunstância, ser exigida uma avaliação do impacte ambiental, com audição das populações, sobre as localizações propostas para a construção de aterros sanitários.
Esperamos que os outros grupos parlamentares nos acompanhem nesse projecto de resolução, que pretende clarificar os métodos utilizados na decisão de localização de aterros e garantir a defesa dos direitos das populações.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostava, em primeiro lugar, de referir que Os Verdes foram aqui, na Assembleia da República, porta-voz de muitos protestos e de muitas contestações sobre projectos de localização de aterros. Cremos que essa é, também, uma das funções dos Deputados, isto é, trazerem aqui à discussão e ao conhecimento do Governo manifestações de interesses e necessidades das populações.
Creio que sempre que aqui trouxemos exemplos de contestação quanto à localização de aterros - e, de facto, foram inúmeros, de norte a sul do País, e continuam a verificar-se -, fizemo-lo de forma sempre responsável. Isto porque nunca referimos qualquer exemplo de contestação sem que, primeiro, tivéssemos ido ao local e sem que, primeiro, tivéssemos feito uma avaliação séria dos processos de decisão quanto à localização desses aterros.
Assim aconteceu, precisamente, no que respeita aos aterros que, hoje, aqui estão em discussão por via da apresentação desta petição, os aterros sanitários do Vale do Minho, do Vale do Lima e do Baixo Cávado, de Vila Nova de Gaia e de Taveiro.
Os Verdes querem reafirmar, na discussão desta petição, que as populações têm toda a razão relativamente à contestação quanto à localização destes aterros sanitários e têm toda a legitimidade para protestar relativamente às decisões que foram tomadas.
Perante atitudes destas, o Governo costuma referir imediatamente que os contestários são uns agitadores, que não servem os interesses das populações, etc., assim pretendendo retirar legitimidade às contestações. Esta é, permanentemente, a conversa do Sr. Ministro do Ambiente. Mas o que confere legitimidade à contestação destas populações é a forma como surgem as decisões relativamente à localização dos aterros.
De entre os processos relativos aos aterros em questão, o que melhor conheci foi o do Vale do Minho e começo por dizer que me desloquei pessoalmente ao local e avaliei em concreto o respectivo estudo de impacte ambiental. Ora, esse estudo de impacte ambiental era claramente feito à medida de uma decisão já tomada e de um local já previamente escolhido. Aliás, nesse estudo, fazia-se uma afirmação muito interessante, que era a da inexistência, na zona, de qualquer água à superfície. No entanto, quem se deslocasse ao local, verificaria, curiosamente, que a água brotava mesmo daquele solo.
A este propósito, vou referir um episódio curioso. O presidente da junta de freguesia, que, aliás, teve a amabilidade de acompanhar-nos ao local, teve a infelicidade de escorregar, tendo ficado imediatamente encharcado devido à água que brotava do solo. Portanto, não era preciso muita perspicácia para perceber com o que estávamos a lidar.
Mais tarde, quando se iniciaram as obras do aterro, as próprias máquinas ficaram atoladas devido à água e à lama no local, pelo que os trabalhos tiveram de ser suspensos e, inclusivamente, houve que fazer desvios de nascentes, tal era a quantidade de água à superfície naquele local.
Tudo isto parece uma anedota, mas facto é que estamos a lidar com interesses das populações, com preservação da saúde pública e do ambiente. Trata-se, pois, de coisas sérias e de pretendermos ou não ter resultados sérios em consequência das decisões que são tomadas.
Ora, pela nossa parte, parece-nos que a aceitação e a aprovação de inúmeras localizações de aterros sanitários feitas nestes termos por parte do Governo não conduzem

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à implementação de uma política séria relativamente à localização dos aterros e à erradicação das lixeiras
Sr. Presidente, Srs. Deputados: São exemplos destes que criam desconfiança nas populações e lhes conferem legitimidade para, à partida, desconfiarem destes processos.
Gostava de referir, ainda, o processo de tratamento de resíduos sólidos urbanos.
O Governo andou obcecado com a questão dos aterros e da erradicação das lixeiras, mas deixou completamente de parte uma política séria e adequada em termos de redução, de reciclagem e até de compostagem, o que nos parece desadequado, já que unicamente foram tidas em atenção as soluções de final de linha e não uma estratégia séria para o tratamento dos resíduos sólidos urbanos.
Termino, dizendo que, apesar de já estarem construídos os aterros em questão nesta petição, Os Verdes estão perfeitamente disponíveis para dar resposta às restantes pretensões apresentadas na mesma.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Neves.

A Sr.ª Helena Neves (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nos últimos anos, assistimos à emergência de fortes movimentos sociais, contestando a selecção de locais para instalação de aterros sanitários. Um dos mais recentes casos, ainda em desenvolvimento, é o da movimentação das populações afectadas relativamente à concepção e à construção do aterro sanitário do Oeste, sobre o qual o Bloco de Esquerda apresentou um requerimento aos Ministérios do Ambiente e do Ordenamento do Território, solicitando informação sobre aspectos muito pouco claros. Um outro caso paradigmático é o que estamos hoje a analisar, com um notável atraso de mais de quatro anos.
Foi em Outubro de 1996 que 5734 habitantes das localidades afectadas pelos aterros sanitários do Vale do Minho, do Vale do Lima, do Baixo Cávado, de Vila Nova de Gaia e de Taveiro, na zona centro, interpelaram a Assembleia da República, solicitando o debate apenas hoje em curso.
A actualidade do problema evidencia, só por si, que o Governo continua, olimpicamente, a desprezar a questão de fundo, ou seja, a adequação da legislação, em termos objectivos e actuais, sobre a selecção de locais de instalação dos aterros sanitários.
A legislação existente é claramente desadequada e explicita o pendor autocrático e, portanto, inerentemente autista do Governo. Saliente-se que a legislação existente atribui ao Ministério do Ambiente plenos poderes de decisão e não inclui mecanismos de consulta interveniente.
O beneplácito governamental é sempre garantido, quer por parte da legislação que cria as empresas municipais para construção e exploração dos aterros, em que os planos directores municipais, os planos de urbanização ou outros planos especiais de áreas protegidas são praticamente ignorados, quer por parte da legislação relativa ao regime jurídico de concessões de exploração e gestão de sistemas multimunicipais de tratamento.
São raros os casos em que o mesmo beneplácito, aplicando critérios que ele próprio define como de necessidade e de bom senso, permite alguma informação e discussão por parte das populações quanto às localizações e mesmo verificada esta apenas relativamente às localizações já previstas no plano director municipal.
Estamos perante um défice legislativo que se fundamenta e expressa um conceito altamente deficitário sobre a promoção do exercício de cidadania pelas populações.
O Bloco de Esquerda considera que a Assembleia da República deve chamar insistentemente a atenção do Governo para as omissões verificadas na legislação, quer relativamente a eventuais impactes ambientais que devem ser acautelados através de estudos prévios, quer contemplando a participação das populações na discussão pública sobre algo que radica profundamente nos seus modos de vida económica e social.
As populações não constituem sujeitos passivos a instrumentalizar pela política governamental, mesmo que esta fosse adequada e, manifestamente, não o é.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uso da palavra neste debate em nome da bancada governamental, por um lado, por respeito para com a Câmara e, por outro lado, porque se trata de uma petição de cidadãos e porque, dado o deslizar da hora do debate, a equipa directamente responsável por este tema está inteiramente impossibilitada de comparecer perante a Câmara, mas não a causa que defendemos nem as ideias que sustentamos neste domínio e que, de resto, são do conhecimento dos Srs. Deputados e foram tornadas públicas ao longo do processo, tanto pelo Sr. Ministro como pelos Srs. Secretários de Estado.
Nesta matéria, tratando-se de apreciar, hoje, uma petição que desde há meses tramita na Assembleia da República, julgo que a primeira lição a tirar, Sr. Presidente, Srs. Deputados, incide sobre o regime de apreciação de petições desta natureza. Elas resultam, normalmente, do calor de um determinado momento; depois, o seu processo de apreciação conduz a uma desrazoável distância entre o momento da apresentação e o momento em que são apreciadas pelo Plenário.
O Sr. Presidente da Assembleia da República tem-se batido, julgamos que correctamente, por uma apreciação precoce, deu sugestões e apelou às comissões no sentido da aceleração processual. Porventura, é em resultado desse esforço, partilhado pelas bancadas e pelo Governo, que é solidário com essa atitude, que estamos, hoje, a apreciar a petição.
Mas compreendo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que, da parte dos peticionantes, haja, porventura, alguma surpresa pelo resultado da petição que apresentaram.
Em primeiro lugar, porque há um quadro legal, ou seja, as decisões nesta matéria não são tomadas - como de resto, todos os Srs. Deputados sublinharam - no vazio legal, são resultantes de um quadro, estão sujeitas a controlo jurisdicional dos tribunais, portanto, e, num ou noutro caso, pode acontecer que estejam sujeitas ao controlo político desta Câmara, que, de resto, o está a exercer ao apresentar um relatório como aquele que aqui tem estado a ser debatido.
Mas esse relatório, Sr. Presidente, Srs. Deputados, e aquilo que aqui foi dito suscita-me uma perplexidade, que transmitirei, certamente, à equipa específica e que fica re

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gistada em acta. É que a Assembleia da República não está sujeita nem limitada a dizer apenas aquilo que consta do relatório que aqui ouvi citar e recitar, nem os Srs. Deputados estão sujeitos a opinar que o Governo deve clarificar omissões legislativas.
É um dos mais nobres direitos dos Srs. Deputados o direito de apresentarem soluções legislativas, projectos de lei - e tantos há! -, para colmatarem aquilo que julgam ser opções a tomar ou omissões existentes no quadro legal.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Claro! Muito bem!

O Orador: - Ora, não deixa de ser fascinante que o Sr. Deputado Joaquim Matias tenha anunciado a apresentação de um projecto de resolução - que, como sabem, não tem carácter legislativo - recomendando ao Governo aquilo que nós gostaríamos de ouvir directamente, sob forma material de propostas de correcção, pois que não vemos materialmente onde é que residem essas omissões em concreto e gostaríamos de ver as soluções alternativas.
Uma coisa é certa, Srs. Deputados: as populações têm direito pleno a participar e, seguramente, a serem informadas sobre o andamento dos processos. É, desde logo, um direito constitucional, é um direito legalmente consagrado, é um direito cuja gestão concreta tem sido preocupação do Governo.
Portanto, são descabidas as observações aqui feitas que imputavam ao Sr. Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território uma atitude de subestimação dessa atitude e desse direito, que é incontestável, e que o Governo inteiramente respeita.
Mas há que tomar decisões e não deixa de ser significativo que o Sr. Deputado José Eduardo Martins, depois de uma longa lista sobre resíduos - que ele tem, por dever de ofício, de recitar sempre, e eu diria que fez um discurso sobre resíduos, que vai sempre sendo repetido e que, de resto, podia estar «em pescadinha de rabo na boca», em contínuo, em projecção na sua página na Internet ou num sítio qualquer -, em relação a esta petição, tenha dito que o PSD é contra os bairrismos e localismos, onde eu vejo um sinal de que, em relação à questão desta petição, não há uma discordância. O resto é, naturalmente, divergência, digamos, um pouco de propaganda, que é compreensível por parte do PSD e é aceitável, pois faz parte do seu estatuto e da sua natureza.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é propaganda, é crítica política!

O Orador: - Portanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, em relação à questão central, as alegadas omissões não impedem os Srs. Deputados conscientes delas de apresentarem verdadeiras propostas; eu transmitirei, naturalmente, ao Governo, a preocupação aqui expressa e, neste sentido, esta petição constitui um momento útil de reflexão.
Assim, ficamos à espera de iniciativas concretas onde se plasmem ideias alternativas sobre como melhorar este regime e este sistema; agora, observações genéricas, colagem a movimentações e a discordâncias pontuais, a tentativa de «cavalgar» ou fazer surfing sobre movimentações populares em nome da ideia de que aderir à discordância é fazer oposição, são formas não especialmente justificadas de ligar com a questão sensível que todos temos entre mãos.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Secretário de Estado, o seu tempo esgotou-se. Peço-lhe que conclua.

O Orador: - Sr. Presidente, já terminei. Eram apenas estas três observações que não gostaria de deixar de exarar em acta, nesta circunstância.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Joaquim Matias, pediu uma palavra para uma segunda intervenção mas dispõe apenas de 26 segundos.

O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Sr. Presidente, de facto, o Sr. Secretário de Estado deve ter estado um pouco distraído durante a discussão, porque, em primeiro lugar, a Comissão, em Junho, mandou o relatório que elaborou para o Governo e este não se dignou informar a Comissão de quais os motivos porque tinha localizado o aterro sanitário naquele espaço e qual a justificação a dar às populações.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Bem lembrado!

O Orador: - Em segundo lugar, a própria Deputada do Partido Socialista que interveio referiu que se tratava de legislação que eram transposições de directivas europeias e que o quadro legislativo estava completo. Só que a legislação que existe relativamente aos sistemas multimunicipais ignora a questão relativamente aos planos directores municipais, os quais são obrigados a discussão pública, e faz autênticas alterações pelas câmaras municipais.
Portanto, o que o se recomenda ao Governo é que reveja essa legislação, que é da sua autoria - e é muito mais elegante dizer ao Governo para a rever do que estar a emendar parcelarmente uma série de decretos -, de forma a que haja uma clarificação de procedimentos e, sobretudo, a garantia de que as populações são ouvidas nas questões que lhes dizem respeito e acerca das quais têm direito a ser ouvidas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma nova intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Neves.

A Sr.ª Helena Neves (BE): - Sr. Secretário de Estado, o Sr. Deputado que interveio anteriormente já esclareceu alguns aspectos que me escuso de repetir; no entanto, o Bloco de Esquerda não deixará de ter intervenção legislativa neste campo.
Simplesmente, acontece que temos em cima da mesa um caso para apreciar e adiá-lo, perante o facto de ainda não termos essa intervenção completada, seria fazer o jogo daqueles que demoram anos e, neste caso, provavelmente, a quatros anos e meio somar-se-iam mais quatro anos e meio. Portanto, de facto, não é esse o sentido e a responsabilidade com que nos encontramos nesta Assembleia.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares pretende pedir uma informação. Como o PS lhe cede um minuto do seu tempo, tem a palavra, Sr. Secretário de Estado.

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O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, trata-se só de transmitir à Câmara duas certezas: a primeira é que se os Srs. Deputados consideram insuficientes as razões em concreto e as explicações já transmitidas por várias formas - desde respostas a perguntas, a requerimentos e outras tornadas públicas, que os Srs. Deputados, de resto, revelam bem conhecer, pela forma como aludiram ao caso e pela forma como criticaram o Governo -, se consideram que elas não chegam, então, farei as diligências necessárias para que haja informação adicional, que, de resto, importa transmitir aos cidadãos peticionários.
Em segundo lugar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, espero que as alusões, que considero de grande cortesia, à capacidade legislativa do Governo não impeçam os Srs. Deputados, crentes de que há alguma omissão, de formalizarem verdadeiros e próprios projectos de lei para que toda a Câmara possa apreciá-los e tomar opções devidamente fundadas sobre as questões melindrosas e importantes que estão em causa.
É assim que agirei, Sr. Presidente, e penso que agirei cumprindo o mandato da Câmara.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Secretário de Estado, como estava há muito tempo calado, lembrou-se agora, às 8 horas da noite, de intervir sobre matéria que, de facto, não conhece.
Porém, pretendia só pedir à Mesa que lembrasse ao Sr. Secretário de Estado o Regimento e os poderes dos grupos parlamentares. Nós assumimos as nossas responsabilidades e assumimos as iniciativas legislativas que entendermos, sob a forma que entendermos e no momento que entendermos e não é o Sr. Secretário de Estado que vem dizer a cada grupo parlamentar o que é que ele deve fazer e como deve fazer!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Lino de Carvalho, é evidente que a Mesa não pode servir de núncio aos Srs. Secretários de Estado, mas temo que, apesar de já passadas as 8 horas da noite, o Sr. Secretário de Estado queira tecer alguma observação ao seu comentário.
Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, não gostaria de entrar em qualquer picardia, mas, reparem, Sr. Presidente e Srs. Deputados, como me abstive de me dirigir às bancadas e como o Sr. Deputado se dirigiu ao Governo.
Tenho aqui o relatório do Sr. Deputado Joaquim Matias. Disseram que há omissões legislativas, que o Governo não apresenta nenhuma iniciativa, e eu, tal como o Sr. Deputado, se usasse da mesma soberba, poderia responder que o Governo escolhe o momento e a forma de intervir. Porém, mas não o fiz e apelei a que os Deputados que genuinamente acham que há uma lacuna que apresentem, quando entenderem e da forma que entenderem, naturalmente, uma iniciativa, para que todos possamos apreciá-la e não discutir sombras, não discutir fantasmas, não discutir supostas omissões. Julgo que este tom agradará até ao Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, não há mais oradores inscritos para intervir sobre este tema da ordem do dia, pelo que a discussão está encerrada, A petição foi discutida e será dado cumprimento ao disposto no n.º 4 do artigo 20.º da Lei das Petições, ou seja, será dado conhecimento aos peticionários do teor deste debate.
Srs. Deputados, antes de passarmos à próxima petição, vou dar a palavra ao Sr. Secretário da Mesa para fazer a leitura da acta relativa à votação que decorreu durante esta tarde e que é subscrita pelos Srs. Deputados escrutinadores José Reis (PS) e José Cesário (PSD).

O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, é do seguinte teor: «Aos trinta dias do mês de Novembro de dois mil, a Assembleia da República delibera em reunião plenária, por voto secreto, autorizar o Sr. Deputado Manuel Alegre de Melo Duarte a ser ouvido como assistente nos autos do Processo de Inquérito n.º 593/00, do Tribunal Criminal de Coimbra, nos termos do Parecer aprovado na reunião plenária da Comissão de Ética, em 2 de Novembro de 2000.
Votantes - 126
Votos 'sim' - 107
Votos 'não' - 13
Abstenções - 5
Votos brancos - 1
Para se constar se lavrou a presente acta, que vai ser devidamente assinada.»

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, vamos passar à apreciação da petição n.º 20/VIII (1.ª), apresentada pela Junta de Freguesia da Ajuda, protestando contra a anunciada intenção da Administração da Carris em desactivar a carreira de eléctricos n.º 18 - Ajuda.
Cada um dos grupos parlamentares disporá de 5 minutos para intervir, tal como o Governo.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Dias Baptista.

O Sr. Dias Baptista (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Caros Colegas: Começo por registar uma nota que é motivo de dupla satisfação. E porquê dupla satisfação? Primeiro, porque estamos a analisar hoje uma petição que deu entrada na Assembleia da República no dia 28 de Fevereiro do corrente ano, o que é muito interessante e não é normal. Tal significa que, ao fim de alguns anos, em que, por norma, vimos discutindo petições com quatro, cinco e seis anos de atraso, finalmente, estamos a discutir, na hora, uma petição. Penso que a Assembleia da República deve registar este facto importantíssimo,…

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - … porque quando registamos - e bem - os nossos atrasos, também devemos registar um bom facto. E aqui, obviamente, uma primeira palavra é para a Comissão de Equipamento Social que desenvolveu o seu trabalho em devido tempo.

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Uma segunda nota de satisfação, manifestamente, prende-se com a população da freguesia da Ajuda e, gostava de acrescentar, da freguesia de Alcântara e, mais, do concelho de Lisboa, porque muitos dos peticionários não são apenas eleitores ou habitantes das freguesias da Ajuda e de Alcântara, são de outras zonas e também autarcas de todo o concelho de Lisboa. Por isso, quero registar aqui o facto de ter havido um motivo que conseguiu agregar tantos cidadãos eleitores numa problemática importante.
Passadas estas duas congratulações, devo dizer que me sinto particularmente satisfeito por estar hoje a debater esta petição. E porquê? Porque, enquanto Deputado da Assembleia Municipal de Lisboa, fui o primeiro subscritor de uma moção de defesa dos eléctricos na cidade de Lisboa, designadamente da carreira n.º 18. Foi uma moção que apresentei juntamente com mais quatro camaradas do Partido Socialista e que foi aprovada por unanimidade na Assembleia Municipal de Lisboa. Tenho, portanto, repito, uma acrescida satisfação em estar aqui hoje a tratar esta problemática.
Poderia acrescentar que consegui fazer exactamente o mesmo na Assembleia de Freguesia da Ajuda, da qual faço parte e onde também tive o grato prazer de subscrever uma outra moção. Aliás, aproveito para saudar os autarcas da freguesia da Ajuda que estão presentes, designadamente o Sr. Presidente da Junta de Freguesia e o vogal Vítor Pereira.
Posto isto, devo dizer que, para nós, Partido Socialista, é evidente que esta petição tem razão de ser, embora devamos colocar as coisas no seu devido lugar. Ou seja, há um primeiro pressuposto em que todos estamos de acordo: os eléctricos são um património da cidade de Lisboa. Mas, quando falo nos eléctricos, importa distinguir os eléctricos históricos dos modernos, pois são duas realidades completamente diferentes e que, por isso, devem ser tratadas de modo diferente.
Portanto, entendemos que é necessário defender a existência dos eléctricos históricos na freguesia da Ajuda, até porque, como todos sabemos, em termos ambientais, o eléctrico histórico é um «amigo do ambiente» e, sendo assim, também é um «amigo do cidadão»! Esta é, para nós, uma questão indubitável; e penso que sobre ela há um enormíssimo acordo em toda a Câmara.
Todavia, há outras questões que importa ter em consideração e que gostava de trazer à liça. Desde logo, para nós, é muito importante a defesa da existência de mais transportes públicos na freguesia da Ajuda, eu diria mesmo no concelho de Lisboa, mas neste momento estamos a falar da carreira do eléctrico n.º 18 que serve as freguesias da Ajuda e de Alcântara. Mas, desde 28 de Fevereiro, algo evoluiu, e algo evoluiu porque foi possível travar um diálogo interessante com a Carris e também com a Câmara Municipal de Lisboa. E é justo dizer aqui que a Câmara Municipal de Lisboa assumiu, também ela, a preocupação pela defesa dos eléctricos históricos na cidade de Lisboa, e fê-lo de uma forma importante, que foi contribuindo. Contribuindo como? Contribuindo financeiramente para minorar os prejuízos da Carris. Esta é outra matéria que, como é evidente, tem de ser sempre trazida à colação quando se discute esta problemática, porque os transportes são, por essência, deficitários, mas mais deficitários são ainda os eléctricos da cidade de Lisboa.
Portanto, quando defendemos, e fazemo-lo acerrimamente, o eléctrico histórico na cidade de Lisboa, temos de criar condições para que seja possível a sua manutenção. É nesta luta que queremos envolver-nos; é nesta luta que queremos participar e é nesta luta que a bancada do Partido Socialista estará com os cidadãos das freguesias da Ajuda e de Alcântara, bem como com todo o concelho de Lisboa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Estamos perante uma matéria de relevante interesse, quer pela sua manifesta importância no quotidiano de todos aqueles que usufruem da carreira de eléctricos n.º 18, designadamente os residentes na freguesia da Ajuda, quer pelo significado e pelo simbolismo que esta carreira assume no património histórico dos transportes públicos da cidade de Lisboa.
É de enaltecer e de saudar que esta petição, datada de Março passado, como já foi referido, tenha sido objecto de tão célere agendamento para apreciação nesta Câmara.
É convicção, legítima, que a supracitada carreira deverá ser não só mantida como também reforçada - de resto, isto é afirmado pelos peticionários -, sobretudo, no que concerne ao alargamento da linha, à reformulação dos horários nocturnos e de fim-de-semana, bem como à melhoria substancial da comodidade de tão carismático e popular meio de transporte.
A petição em discussão reveste-se de extrema importância, porque catapulta para o seio do debate político a análise premente do crescimento exponencial das cidades e de toda a complexidade inerente.
A reestruturação e modernização da rede de transportes públicos, com o intuito de melhorar qualitativamente as acessibilidades, diminuindo, cada vez mais, as distâncias que separam as áreas habitacionais dos locais de trabalho, o conforto, a rapidez, a pontualidade e, sobretudo, a humanização dos transportes públicos são vectores cruciais que jamais deverão ser negligenciados na abordagem desta temática, sob pena de, num futuro próximo, hipotecarmos a qualidade de vida das nossas cidades e o bem-estar dos cidadãos que nelas habitam ou trabalham.
Assim sendo, Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, O CDS-PP lança aqui o mote para uma profunda discussão futura sobre este tema e exprime a sua plena concordância com as legítimas pretensões dos habitantes da freguesia da Ajuda, que disporão do convicto apoio e inequívoco empenhamento dos Deputados do CDS-PP, nomeadamente os eleitos pelo círculo eleitoral de Lisboa.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Virgílio Costa.

O Sr. Virgílio Costa (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Sr.as e Srs. Deputados: A petição n.º 20/VIII (1.ª), da iniciativas dos habitantes da freguesia da Ajuda, da cidade de Lisboa, dirige-se, em oposição, à intenção da Administração da Carris de desactivar

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a carreira de eléctricos que serve aquela referida população.
Pensam os subscritores que os serviços de transportes públicos que têm garantidos nesta data não são ainda compatíveis com a sua necessidade, a sua comodidade e os seus interesses; pensam também que a alteração proposta, a concretizar-se, lhes trará maior despesa, maior incomodidade e pior serviço.
Pensam, ao invés do proposto, que devem ser reforçados os meios existentes e estudado o seu eventual alargamento; pensam, finalmente, que têm o direito de ser ouvidos, sempre que qualquer decisão ponha em causa, altere ou condicione a sua qualidade de vida e os seus legítimos interesses.
Assumem-se, portanto, como primeiros destinatários das consequências, sobretudo das más, da alteração anunciada.
O Partido Social Democrata compreende estas preocupações e acompanha os peticionários na sua reivindicação. Compreende e apoia, porque, além de outras boas razões, esta população pretende, no essencial, ver mantido e melhorado um serviço público que existe e que desejam melhorado no sentido de melhor satisfazer as suas necessidades e porque pensa que a boa gestão dos serviços públicos e a sua racionalização, que é desejável, não pode nem deve ser feita à custa de interesses legítimos, que são já direitos adquiridos pelas populações a que se destinam.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Partido Social Democrata defende a manutenção dos eléctricos históricos como meio de transporte que, para além da defesa do ambiente, da ligação ao lazer e à cidade, da recordação histórica e cultural, presta também adequado serviço às populações, como manifestamente se nos afigura ser o caso em apreço.
Talvez despertada por esta contestação, a Carris, ao que consta, mandou suspender esta decisão. Deixou assim aberto caminho para o estudo de um plano global e coerente, que promova a adequação que se deseja, harmonize interesses e compatibilize expectativas que leve em conta a opinião e os interesses das pessoas mais directamente ligadas a cada opção.
É, aliás, dever dos agentes da administração pública, quando estão em causa direitos preexistentes das populações, ouvir previamente à sua decisão os representantes legítimos e respeitar, na medida do possível, as suas opiniões.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não se trata, obviamente, de desconhecer que existe, em crescimento, um conjunto de serviços de transportes alternativos. O desenvolvimento e ampliação das redes de autocarros e do metropolitano são, por natureza, opções que se destinam a prestar um serviço mais barato, mais cómodo e mais eficaz. Tal desenvolvimento há-de implicar sempre opções que poderão condicionar o interesse, a eficácia e a utilização dos chamados eléctricos históricos.
Não é o caso a que se refere a citada petição, como se vê pela total ausência de critérios objectivos a acompanharem o anúncio da decisão da Carris. A orientação de um serviço público não pode ser feita só por razões de natureza económica e muito menos contra as pessoas a que se destina.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Esta petição, para além do seu mérito, é exemplo da força de uma sociedade atenta e disponível na defesa dos seus direitos, que contribui para uma mais cuidada cultura da cidadania e também para o desejado fortalecimento da democracia que saudamos e apoiamos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Neves.

A Sr.ª Helena Neves (BE): - Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados: Em Setembro de 2001, passam 100 anos sobre o momento em que em Lisboa, segundo a notícia do Século, «(…) as pessoas se admiravam de ver seguir um carro, sem auxilio de muares ou de vapor (…)». Desde então os eléctricos inscreveram-se na identidade da cidade, acompanhando a sua transformação e transformando-se com ela.
Hoje, estamos confrontados com uma petição dos habitantes da freguesia da Ajuda e demais utentes da carreira do eléctrico n.º 18, pronunciando-se contra a anunciada intenção da Administração da Carris de desactivar a carreira, e, pelo que acabámos de saber, esta intenção permanece firme.
A questão em debate ultrapassa largamente o âmbito local. No exercício de um direito de cidadania, ofendido por uma decisão em que não foram previamente consultados, os habitantes da Ajuda e demais utentes da carreira do eléctrico n.º 18 interpelam as configurações políticas desta Assembleia e o Governo acerca das políticas sobre património, ambiente, transportes e, em sentido lato, da filosofia do poder e dos poderes sobre as cidades.
Relativamente ao primeiro aspecto, o Bloco de Esquerda perspectiva o património como algo a ser reinterpretado pelo presente que, se resulta dele, nem por isso deixa de o apropriar crítica e criativamente. Muitas estruturas e equipamentos patrimoniais desapareceram do espaço urbano, porque o processo de mudança social os tornou obsoletos e transformaram-se em objectos museológicos perante o nosso olhar mais curioso do que nostálgico.
Ora, os eléctricos históricos constituem património vivo, utilizado no dia-a-dia de todos os dias da cidade, e a sua rede é potencializadora de mais-valia para a cidade ambientalmente e como promoção turística.
Daí a recente remodelação na rede histórica de eléctricos que implicou um investimento de 3 milhões de contos em infra-estruturas e de 70 000 contos por veículo.
No domínio das políticas ambiental, de transportes e de qualidade de vida urbana, umbilicalmente ligadas, os eléctricos apresentam bom nível de segurança e de comodidade, dada a grande percentagem de lugares sentados, proporcionam um impacte ambiental positivo, com um grau zero de poluição atmosférica e baixo ruído. Acresce que, pelo traçado das vias, oferecem uma mobilidade razoável e favorecem a fluidez do trânsito; e mais poderiam favorecer se, como propôs a Quercus em 1999, circulassem em zonas de estacionamento proibido, devidamente fiscalizadas, ou em vias expressamente dedicadas.
O Bloco de Esquerda apresentou, recentemente, um contrato social e ecológico para o País no qual se conjugam propostas de modernização tributária sobre energia e

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eficiência ecológica. As medidas apresentadas implicam uma política de investimento nos modos de deslocação não poluentes e de prioridade às pessoas e aos transportes urbanos.
Actualmente, a densidade de circulação de automóvel é extremamente agressiva em Lisboa e os efeitos do tráfego são atentatórios de saúde pública. Em termos físicos, basta referir que o tráfego rodoviário é responsável por elevadas percentagens de agentes poluentes. Quanto à saúde mental, o cinema, como écran das tensões sociais, coloca-nos perante «um dia de raiva», o descontrolo psicológico quando a cidade se imobiliza no engarrafamento dos automóveis e da própria vida, porque as cidades já não permitem o humor e a liberdade protagonizada por Jacques Tati quando Paris pára.
O que, em síntese, a petição dos habitantes da freguesia da Ajuda e demais utentes da carreira do eléctrico n.º 18 nos interpela é a política de um Governo incapaz de formular um quadro institucional e um modelo de financiamento para os transportes; Governo que, na lógica neoliberal, que lhe é cara, favorece a privatização e a desregulamentação do sector, mal dissimuladas com medidas do tipo da aprovação da lei de bases dos transportes terrestres, que não foi regulamentada.
Acresce que os eléctricos históricos que servem as zonas envelhecidas da cidade no domínio urbanístico e humano constituem também lugares de sociabilidades, redes de solidariedade primárias, de «cumplicidades» como dizia Cardoso Pires. Em certos momentos do dia, no «pôr da manhã» ou «no nascer da tarde», a carreira do eléctrico n.º 18 é um local de encontro, de conversas; sucede à hora morna em que os reformados passeiam o tempo e tocam a cidade com os olhos ávidos de quem sabe a vida breve. São velhas mulheres e homens velhos que atravessam Lisboa à hora consentida pelos passes da terceira idade e que falam de tudo; fazem a crónica dos casamentos, dos nascimentos e das mortes dos bairros; falam de gatos tocados pelo feitiço da lua e de vasos de flores com nostalgia de espaços largos, e falam sempre do tempo com a mesma constância com que traçam o diagnóstico sombrio dos males da política de saúde e contam doenças, panaceias, reumatismos e vontades indomáveis de viver.
Ora, a política das cidades passa também pela preservação das dimensões afectivas dos espaços sem a qual seremos cada vez mais uma multidão solitária.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Botelho.

A Sr.ª Margarida Botelho (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A petição que discutimos hoje coloca-nos uma série de questões muito mais amplas do que apenas a do título que lhe foi atribuído. De facto, os peticionários exigem a manutenção da carreira do eléctrico n.º 18, mas reclamam também a melhoria dos transportes públicos na freguesia da Ajuda e que as alterações à rede de transportes sejam discutidas com as associações de utentes e com as juntas de freguesia.
Para o PCP, há aqui questões de fundo ambientais, de conceito de rede de transportes públicos e dos critérios economicistas impostos pelo Governo do PS às empresas públicas, nomeadamente à Carris.
De facto, num momento em que na Europa se investe nos eléctricos, é incompreensível que, em Portugal, a Carris venha, sistemática e consecutivamente, desactivando as linhas dos eléctricos de Lisboa. Não só se encerra um dos emblemas turísticos da cidade como se desinveste num transporte público que não é poluente, que está bem adaptado às colinas da cidade e que é mais seguro para todos os que têm dificuldades de locomoção. Só critérios economicistas justificam esta opção.
Da mesma forma, outros motivos existem para que bairros inteiros, que dependem exclusivamente da Carris, fiquem completamente isolados a partir das 21 horas e 30 minutos. É o caso da Ajuda, mas também de Carnide, da Charneca ou do Beato, só para referir os casos mais gritantes.
A carreira do eléctrico n.º 18, ao ligar directamente a baixa lisboeta à Ajuda, é uma carreira essencial na vida daquela freguesia. Por isso, o anúncio do encerramento desta linha gerou uma onda de protestos na população absolutamente justificada. Também neste aspecto esta petição tem perfeita actualidade.
A luta da população e da Junta de Freguesia da Ajuda conseguiu suspender o fim desta carreira; mas, como a Carris refere num ofício a que tivemos acesso - não desmente e parece confirmar neste documento que agora nos foi distribuído -, não está excluída a hipótese de substituir a carreira do eléctrico n.º 18 pela carreira do autocarro n.º 60.
A redução do número de veículos a circular no percurso da carreira do eléctrico n.º 18 é já um primeiro passo para ir reduzindo a qualidade do serviço prestado e tornar mais aceitável, num futuro, o desaparecimento desta linha. Ao atacar a carreira do eléctrico n.º 18, o que se ataca, no fundo, é a própria rede de transportes públicos.
Não podemos aceitar que se fechem e reduzam carreiras, que se retirem veículos e se restrinja o horário dos transportes da Carris, como tem vindo a ser feito numa série de carreiras, sem se ter em conta um conceito de rede, essencial a uma boa política de transportes públicos, que, de facto, permita e estimule a sua utilização por todos e promova a integração social.
Os eléctricos, os autocarros e o metropolitano são transportes complementares e não concorrentes. Cada um tem uma função determinada e adequada ao serviço que presta. Reduzir ou eliminar qualquer deles destrói a coerência da rede e gera perda de passageiros do transporte público para o individual.
A Carris e o Governo não podem ficar autistas à opinião das cerca de 2000 pessoas que assinam esta petição, nem às inúmeras iniciativas e tomadas de posição da população, nem as cartas que instituições como a Liga Portuguesa de Deficientes Motores, o Conselho Directivo, a Comissão de Gestão e a Associação de Estudantes da Faculdade de Medicina Veterinária enviaram à Carris a exigir uma melhor cobertura de transportes.
Da mesma forma, o Governo não pode impor a esta empresa pública, com um conselho de administração por ele nomeado, com responsabilidades de prestação de serviço público essencial à população, critérios economicistas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Torres, que beneficia de 2 minutos de tempo cedido pelo CDS-PP.

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O Sr. Francisco Torres (PS): - Sr. Presidente, começo por agradecer ao PP, nomeadamente ao Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, o facto de ter cedido 2 minutos do seu tempo.
Sem repetir o que já disse o Sr. Deputado Dias Baptista, gostaria de dizer que levámos muito a sério esta preocupação dos utentes da carreira do eléctrico n.º 18. Aliás, fomos mesmo andar nesse eléctrico juntamente com outros Deputados, se bem me lembro também do PCP e de Os Verdes, no dia em que isso teve lugar, porque essas manifestações, embora possam, enfim, motivar alguns sorrisos, têm algum sentido como exercício de cidadania.
No entanto, gostaria de fazer algumas considerações complementares àquilo que os Srs. Deputados disseram e que me parece, de um modo geral, bastante justo.
O eléctrico não é apenas uma questão de património ou o seu encerramento é apenas uma questão economicista. A meu ver, há hoje bons motivos económicos e de transporte público para não só motivar a manutenção das linhas de eléctrico existentes como até retroceder, montando as linhas de eléctrico que desapareceram por essa Lisboa fora. E posso dar exemplos de cidades que o estão a fazer. Por exemplo, em Berlim, onde estive com o presidente da Câmara Municipal de Lisboa - e tomámos nota deste facto -, estão a ser montados carris de antes da guerra por se pensar ser esse o transporte mais eficiente para os percursos em causa.
Lembro-me do percurso Av. da República/Lumiar, que eu fazia de eléctrico quando tinha 10 ou 11 anos e que custava 10 tostões, e que pode ser feito agora que estamos a pensar no metropolitano de superfície e em todas essas outras coisas. Porquê? Porque o eléctrico traz coesão social à cidade. As pessoas não andam debaixo da terra, andam à superfície, fazem pequenos percursos, entram e saem nas suas paragens e, como diz a Sr.ª Deputada Helena Neves, falam umas com as outras. Logo, é fundamental para a coesão das novas cidades.
Assim, não basta traduzir-se isto em atitudes neoliberais ou economicistas, porque há cidades modernas que estão a recorrer ao eléctrico por este ser um modo moderno de locomoção, e não me refiro apenas ao eléctrico histórico - quero deixar isto muito claro.
Por último, quero ainda dizer que, tal como já referiu o Sr. Deputado Dias Baptista, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista está empenhado na manutenção da carreira do eléctrico n.º 18 e na sua não substituição por autocarro, matéria sobre a qual iremos falar à Carris. Mas, obviamente, sendo esta carreira deficitária, terá de haver uma ajuda pública à estratégia de implementação deste tipo de transportes.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uso da palavra para, por um lado, saudar o facto de a Assembleia da República ter podido imprimir à apreciação desta petição a celeridade consensualmente considerada desejável. Julgo que o fez bem e que o vai, aliás, continuar a fazer através de outros meios regimentais. Mas creio também que o Governo cumpriu e cumprirá a função que lhe cabe.
Acabei de receber - motivo pelo qual só agora o distribuí - um memorando da Carris sobre este tema, que, obviamente, não lerei, mas peço ao Sr. Presidente que seja junto à Acta deste debate para que assim figure e possa ser lido juntamente com as intervenções produzidas no debate muito interessante que aqui está a ter lugar. E colocá-lo-ei à leitura pública através dos meios de que hoje dispomos, nomeadamente na Secretaria de Estado dos Assuntos Parlamentares, ao nível da rede digital.
Saliento só dois pontos: primeiro, neste memorando refere-se o facto de ter sido garantido à Carris, cuja situação é conhecida de todos os Srs. Deputados, através do Sr. Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, um apoio financeiro, um subsídio, a definir, aos chamados «eléctricos históricos», que são populares e não o são por acaso.
Em segundo lugar, constatou-se o grande interesse que a Câmara Municipal de Lisboa está a atribuir ao transporte público, designadamente através do empenho e do profissionalismo que colocou na realização da iniciativa, que os Srs. Deputados conhecem, do Dia Europeu Sem Carros e em outras que podem ter lugar. Estão também em preparação medidas de reestruturação inseridas na preocupação de melhorar a qualidade e a quantidade dos serviços, o que exige um grande esforço de reinvenção.
O debate vai, pois, continuar através de outros meios. Mas uma coisa é certa, para mim: as medidas aqui anunciadas pelo Sr. Ministro Jorge Coelho, em matéria de renovação do transporte urbano, são para valer e apelam ao uso da imaginação e da capacidade de planeamento estratégico para combinar a audácia com os recursos existentes. A isto não se chama economicismo mas, sim, gestão económica, que tem em conta aquilo que os sindicatos da empresa tiveram ainda recentemente, quando todos celebraram um acordo, o primeiro ao fim de 18 anos, para defender e proteger a empresa em condições adequadas às circunstâncias actuais.
E penso que a última frase do memorando que entreguei na Mesa para ser distribuído é a forma adequada de terminar esta intervenção, porque nela se diz o que passo a citar e que se aplica, mutatis mutandis ou em aditamento, ao Governo: «A Carris está disponível para prestar sobre os temas que são abordados nesta carta todos os esclarecimentos que sejam solicitados…» - pelos Srs. Deputados, naturalmente - «… No quadro, aliás, da afirmação dos seus responsáveis desde há um tempo a esta parte: 'A Carris é uma empresa com paredes de vidro'. Paredes transparentes mas frágeis.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Vê-se é pouco lá para dentro!

O Orador: - E por isso se torna necessário que aqueles que teoricamente apoiam as empresas públicas não sejam, na prática, os seus (…)» adversários.
Neste sentido, Sr. Presidente e Srs. Deputados, apelo a que este debate continue, a que os Srs. Autarcas intensifiquem a sua participação nele e que iniciativas como estas possam desembocar no acrescer da massa crítica para defendermos o nosso património e, simultaneamente, termos empresas eficazes de que os cidadãos gostem verdadeiramente.

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Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, visto não haver mais inscrições, dou por encerrada a discussão da petição n.º 20/VIII (1.ª), apresentada pela Junta de Freguesia da Ajuda.
Conforme dispõe a Lei do Regime do Exercício do Direito de Petição, será dado conhecimento deste debate aos subscritores da petição.
Sr.as e Srs. Deputados, chegámos ao fim dos nossos trabalhos. Recordo que haverá, na segunda-feira, na Sala do Senado, uma sessão evocativa da memória do Dr. Francisco Sá Carneiro e do Engenheiro Adelino Amaro da Costa.
A próxima reunião plenária terá lugar na próxima quarta-feira, dia 6 de Dezembro, pelas 15 horas, tendo, para além do período de antes da ordem do dia, como ordem de trabalhos, no período de ordem do dia, a discussão da proposta de lei n.º 50/VIII e do projecto de lei n.º 206/VIII (CDS-PP).

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, quero só muito rapidamente informar a Mesa de que, apesar de na agenda distribuída a ordem de trabalhos para a próxima sessão plenária ser constituída pelos diplomas enunciados por V. Ex.ª, ontem deu entrada na Mesa o projecto de lei n.º 331/VIII (PCP), sobre a mesma matéria constante da proposta de lei n.º 50/VIII, que deverá ser agendado para discussão conjunta com a citada proposta de lei.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, esse procedimento foi acordado na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Muito bem, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, terminados os nossos trabalhos aproveito para desejar a todos um bom fim-de-semana, a que, ainda por cima, se junta um feriado cívico tão significativo.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 35 minutos.

Declarações de voto enviadas à Mesa, para publicação, relativas à votação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo ao projecto de lei n.º 226/VIII - Aprova a quinta revisão do Estatuto dos Deputados (PS)

Os Deputados abaixo-assinados respeitaram o sentido de voto do seu Partido no Parlamento, por disciplina partidária e por concordarem com alguns aspectos do projecto de lei.
Porém, os signatários, eleitos presidentes de câmara, não podem deixar as maiores reservas ao dispositivo que altera o Estatuto dos Deputados que por indicação dos partidos e aceitação da vontade popular também foram eleitos presidentes de câmara.
De facto, a proposta de texto elaborada em sede de comissão representa uma clara distorção dos mais elementares princípios do exercício do mandato de representação política. Na verdade, nada impede que um presidente de câmara se candidate e seja eleito. Porém, é-lhe imposto que assuma essas funções no prazo de 6 meses sob pena de perder o mandato, ou seja, no caso de não renunciar ao cargo de presidente de câmara para que foi eleito perde por esse facto o mandato de Deputado. Nada de mais absurdo. A aceitar-se tal princípio é aceitar que existe uma frontal incompatibilidade, não no exercício simultâneo dos dois mandatos, o que é normalmente aceite e justificável, mas na titularidade pela mesma pessoa de dois mandatos diferentes. Não se encontra no direito constitucional qualquer regra ou principio que possa legitimar esta medida, que mais não será que uma violação aos direitos dos que legitimamente foram eleitos.
A proposta do PSD seria mais razoável já que a perda da titularidade do mandato não está sujeita a um prazo, mas a um facto a praticar pelo titular dos dois mandatos, na medida em que só o exercício do segundo mandato implicava o fim ou a renúncia ao mandato autárquico ou, de outro modo, diremos, que só com o terminus do mandato autárquico se podia assumir o exercício do mandato parlamentar.
Apesar de ser mais razoável no campo dos princípios e no âmbito do exercício dos direitos de que cada um é titular, mesmo assim não vêem os signatários razões de fundo para alterar o actual quadro legislativo, pelo que, em sua opinião, a proposta da comissão devia ser rejeitada com um voto contrário e não com a abstenção.
Pela nossa parte, estas alterações só deviam ser apreciadas num quadro mais vasto das necessárias reformas a introduzir não apenas no Estatuto dos que exercem cargos políticos mas também nas reformas do regime eleitoral autárquico e parlamentar.
Estas alterações não deviam ser discutidas numa altura em que ainda está quente o «caso Campelo».
Estas alterações, no que respeita aos autarcas-Deputados, não deixarão de ser entendidas como uma afronta à sua dignidade de pessoas e de autarcas face ao momento e aos pressupostos que parecem ter determinado a alteração.
A proposta elaborada em comissão não tem outra leitura do que a retaliação sobre o autarca-Deputado Engenheiro Daniel Campelo, fazendo recair sobre os restantes autarcas-Deputados o mesmo tipo de «anátemas» que ultimamente foram atribuídos àquele Sr. Deputado.
A proposta hoje aqui votada mais não é do que uma tentativa falhada do Partido Socialista e do Governo em limparem-se das graves responsabilidades no «caso Campelo», querendo com esta proposta, pretensamente moralizadora, justificarem-se perante a opinião pública.
Esta proposta, face à actualidade do «caso Campelo» e a sua inerente mediatização é ainda uma forma ardilosa de desviar as atenções da opinião pública das outras alterações do Estatuto dos Deputados aprovadas pelo PS e outros partidos que nalguns aspectos teriam a clara oposição pública.
O Partido Socialista serve-se agora do «caso Campelo» para atingir fins inconfessáveis no âmbito de outras incompatibilidades. O Partido Socialista serve-se do «caso Cam

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pelo» para tapar o sol com a peneira, lançando sobre todos os autarcas-Deputados uma grave desconfiança, o que é da maior indignidade.
Nestas circunstâncias, entendíamos que se deveria votar contra o projecto lei.

Os Deputados do PSD, Fernando Costa - Jaime Marta Soares - Francisco Amaral.

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1. As alterações ao Estatuto dos Deputados que acabamos de votar não constituem nenhuma reforma de fundo. Consistem basicamente na eliminação de alguns disparates que, de forma insensata, nele foram introduzidos em 1995. Pretendeu-se, nessa altura, transmitir ao povo português, em período pré-eleitoral que «os 'políticos' não eram gente séria, mas que a partir daí iam passar a ser».
Foi uma atitude lamentável que ajudou a descredibilizar um pouco mais o Parlamento e os seus membros.
2. No que concerne à eliminação da possibilidade dos autarcas «andarem dentro e fora», ou seja a possibilidade de serem Deputados de vez em quando ao longo da legislatura, identifico-me mais com a solução defendida pelo PSD do que com aquela que acabou por ser aprovada. De qualquer forma, o problema ficou resolvido.
3. Discordo da nova norma que estipula diferentes vencimentos para os diversos Deputados. Distingui-los, porque, no âmbito das suas funções, exercem adicionalmente outros cargos parlamentares, parece-me justo. Distingui-los em função da sua vida extraparlamentar parece-me injusto e mesmo desaconselhável.
No fundo, confunde-se uma espécie de novo conceito, o de «vencimento exclusivo», com disponibilidade, qualidade e dedicação aos trabalhos parlamentares que é o que é verdadeiramente importante em termos do bom e sério desempenho da função. Acresce que se o Deputado tiver outros rendimentos que não os provenientes do produto do seu trabalho, então a nova lei entende que ele já poderá ser contemplado com uma retribuição ligeiramente superior.
O medo e a cobardia levam a que se aprovem estas normas que, com alta probabilidade, poderão ser declaradas inconstitucionais. Não pode haver Deputados de primeira e Deputados de segunda, muito menos por razões extraparlamentares.
4. Apesar destas duas discordâncias, entendo que as alterações deveriam merecer globalmente um voto favorável. Respeito, no entanto, a deliberação que hoje, democraticamente, o meu grupo parlamentar tomou e, por isso, abstive-me em obediência ao princípio da disciplina partidária que também, nesta matéria, deve ser aplicado.

O Deputado do PSD, Rui Rio.

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Os Deputados abaixo-assinados declaram que se abstiveram na votação referente ao projecto de lei que define o Estatuto dos Deputados, porque, não obstante concordarem com a generalidade do seu conteúdo, não subscrevem o ponto n.º 2 do artigo 4.º do seu articulado.
Entendem estes Deputados que a questão suscitada neste ponto específico deveria ser objecto de uma maior ponderação e debate no sentido de se obter um maior consenso nacional.

Os Deputados do PS, Miguel Coelho - Custódia Fernandes - Rui Vieira - Emanuel Martins - Carla Gaspar - João Benavente - Vítor Carola.

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1 - Votei em consonância com a posição democraticamente assumida pelo grupo parlamentar do meu partido, embora discorde da decisão tomada, como tive o ensejo de expressar no local próprio.
2 - De há vários anos a esta parte que tenho vindo a sustentar a urgência de reformar o nosso sistema político. O sistema actual está caduco, obsoleto e desprestigiado. Pode interessar a um ou outro directório partidário. Mas já nada diz ao País. Ou pior, cada vez agrava mais a opinião que o País tem da política, dos políticos e, em particular, do Parlamento e dos Deputados.
Não perceber isto é não perceber nada. E fazer de conta que se percebe - admitindo tudo isto no discurso mas recusando na prática qualquer alteração - é ainda mais grave. Porque é fingimento. E fingimento é hipocrisia.
3 - No início desta Legislatura - embora já poucos se recordem - ocorreu, aqui, nesta Câmara, uma inédita sessão solene, com a presença do próprio Presidente da República. Todos os intervenientes sublinharam, de forma unânime, a necessidade da reforma do sistema político e assumiram o compromisso de o fazer, tão rapidamente quanto possível.
O País ficou nessa expectativa. Infelizmente a expectativa continuou gorada. E por este andar ficará por muitos e bons anos. Basta ver os comentários já produzidos, na sequência do chamado «caso Campelo», à necessidade de repensar a vantagem dos círculos uninominais. Ou seja, à necessidade de nada mudar e tudo continuar como dantes.
4 - É minha convicção que esta reforma é mais que prioritária. A vida política todos os dias se degrada; os políticos, cada dia que passa, estão mais desacreditados. A imagem do Parlamento está pelas ruas da amargura.
Há duas formas de encarar e enfrentar esta realidade: uma, é a de reacção corporativa, ou seja, a de os políticos continuarem a funcionar em circuito fechado, lamentando as incompreensões, recriminando as censuras e dando muitas explicações mas recusando tomar atitudes e decisões de mudança; outra - aquela que eu prefiro - que aponta para reconhecer o que está mal, fazer pedagogia sobre o exercício da política e traçar um caminho de mudança e de diferença. O caminho da valorização da política, por contraponto ao caminho demagógico do discurso antipolítica ou ao caminho autista de querer, com muitas explicações defensivas, perpetuar o actual estado de coisas.
5 - No quadro da reforma do sistema político tem de haver estratégia e prioridades.
A estratégia aponta para ter uma linha de rumo clara e coerente, às quais se subordinam as várias alterações e mudanças.
As prioridades são, na minha opinião, a reforma do sistema eleitoral (criando, designadamente, círculos uninominais que acentuem a responsabilização e a personalização da vida política) e a reforma do Parlamento, dando-lhe a vida que hoje não tem e a capacidade, que perdeu ou

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nunca teve, de funcionar em tempo real e de agir com eficácia e rentabilidade política. Sem esquecer - em terceiro lugar - a tão prometida e sempre adiada reforma no poder local.
6 - A decisão hoje tomada mostra que não há nem uma coisa nem outra. Estratégia não existe - quando muito alguns afloramentos tácticos; e as prioridades, se existem, estão invertidas. As incompatibilidades dos Deputados devem ser o fim da linha, designadamente devem vir depois de se definir o regime de eleição e de responsabilização dos Deputados, nunca no início de um processo ou desgarrado de uma mudança global.
Agir da forma como se agiu pode ter - ainda que injustamente - uma conclusão: a de que os Deputados se unem para se autogovernarem, mas não se entendem para resolverem o que realmente mais importante e útil é ao País.
E o facto de, em momentos anteriores, se terem cometido erros, e cometeram, não desculpa nada. Pelo contrário, só agrava a situação: os erros cometidos devem servir de lição, nunca de orientação para perseverar no erro.
7 - A minha discordância, portanto, é de fundo, de falta de estratégia e de prioridades invertidas. Com esta agravante: a decisão de hoje prova - e os tempos dirão se não estou certo - que a reforma do sistema político, prometida por todos, começa e acaba aqui, na mudança do regime de incompatibilidades dos Deputados.
Em vez de credibilizar a política, os políticos, o Parlamento e os Deputados, acaba a fazer o oposto, vai agravar a situação já hoje existente.
8 - Quanto à lei em si direi, apenas, o seguinte: esta é daquelas matérias em que o Parlamento ganharia muito em, sem prescindir da sua competência de decisão, encomendar um estudo prévio sobre o regime de incompatibilidade dos seus membros a um grupo de personalidades de prestígio reconhecido e exterior ao Parlamento, o qual analisaria a situação com frieza, serenidade, distanciamento, de forma geral e abstracta.
Noutras matérias a Assembleia fez isso; numa matéria em que os Deputados têm de decidir sobre si próprios - e, portanto, estão mais vulneráveis - omitiu-se esta possibilidade.
Não se trataria de aligeirar o ónus de decidir, porque a decisão sempre caberia ao Parlamento. Tratava-se, apenas, de decidir de forma mais desapaixonada e fundamentada.
9 - Só mais duas palavras:
A primeira, acerca do caso mais falado dos Deputados-autarcas. A minha divergência, em termos de conteúdo da lei, nunca esteve aí. A solução que o PSD propõe é boa. Nesta matéria dos chamados Deputados virtuais se há falha é não se ir mais longe e ao fundo das questões. Os Deputados virtuais - elegem-se uns e depois surgem outros - não são só os autarcas. E a virtualidade ou intermitência do exercício da função, está em muitas outras situações e todas elas são más e desprestigiantes.
A última palavra é sobre o contraste flagrante entre a metodologia usada no caso desta lei e no que respeita a «outras» que se enquadram no mesmo objectivo.
A Assembleia da República discutiu, já, publicamente, projectos sobre a revisão da Lei Eleitoral, sobre a reforma autárquica, sobre as candidaturas independentes às autarquias locais, sobre a mudança de regras no funcionamento do Parlamento.
Todas foram discutidas, de forma aberta clara e pública. Em vários casos, baixaram às comissões e ficaram adiadas para as calendas.
Aqui, neste caso, nenhum projecto foi apresentado ou discutido na generalidade. Tudo nasceu no seio de um grupo de trabalho, sem debate político claro, sem exposição pública, dando a sensação, ainda que injusta e inverídica, de que tudo se pretendeu fazer, de repente, às escondidas e na quietude dos gabinetes.
Por mais difíceis que as coisas sejam, é sempre preferível assumir posições, com coragem, de forma pública, sem receios e sem complexos.
Por todas estas razões este exemplo não é um bom exemplo. Em consciência, não posso deixar de o dizer.

O Deputado do PSD, Luís Marques Mendes.

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Declaração da Carris enviada à Mesa pelo Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, para publicação, relativa à intenção da Administração da Carris em desactivar a carreira de eléctricos n.º 18

A propósito do assunto em epígrafe permito-me transmitir a Vossa Excelência as seguintes informações:

1. A Carris registou em 1999 um deficit global de cerca de 16 milhões de contos antes de indemnizações compensatórias e de resultados extraordinários;
2. Do referido deficit e de acordo com os dados da contabilidade analítica da empresa cerca de 13,6 milhões são atribuíveis à exploração de autocarros e cerca de 2,4 milhões resultam da exploração dos eléctricos (históricos e modernos) (85% versus 15%);
3. Dos cerca de 355 milhões de passageiros que se registaram no ano, 329 milhões foram transportados nos autocarros e 22 milhões transportaram-se nos eléctricos, sendo os restantes 4 milhões referentes a elevadores e ascensores (92,7% versus 6,2%);
4. Ainda de acordo com a mesma contabilidade cada passageiro transportado nos autocarros custou à empresa, em média, 59$86 e cada passageiro transportado nos eléctricos custou à Carris, em média 139$98. A receita média por passageiro transportado em autocarros e eléctricos foi, respectivamente, de 37$72 e 36$2;
5. A tendência para o agravamento do deficit anual da Carris deve-se, fundamentalmente:

Ao decréscimo do número de passageiros transportados (devido, em particular, ao decréscimo de população que vive na cidade e à transferência para o transporte individual e, no último ano, para o Metro, que passou a usufruir de uma lógica de rede);
Ao acréscimo significativo dos encargos com o pessoal.

6. A fim de atenuar a tendência para o agravamento do deficit que se refere têm os responsáveis pela empresa levado a cabo um conjunto vasto de acções das quais se destacam:

A tentativa de manter dentro dos limites aceitáveis o acréscimo de encargos com o pessoal (acréscimo resultante do aumento real do poder de compra dos seus trabalhadores, designadamente, nos últimos cinco anos);

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A redução, através de medidas conduzidas com sensibilidade social, do número dos seus trabalhadores;
A redução dos encargos gerais da empresa através de medidas de racionalização sistemática;
A contenção dos encargos com a energia através da celebração de contratos vantajosos com as produtoras, da aquisição de veículos com motorização mais eficiente e da formação dos seus motoristas no âmbito da condução económica e defensiva;
O ajustamento sistemático da oferta de serviço à procura registada de modo a manter a taxa de ocupação dos veículos em valores que signifiquem simultaneamente, conforto adequado para os passageiros e custos razoáveis para a empresa (taxa de ocupação actual cerca de 26,8%).

7. Os esforços que estão a ser feitos no sentido de delimitar o agravamento dos deficits antes de indemnizações compensatórias têm a ver com:

As regras de gestão das empresas, mesmo empresas públicas, que apontam para a necessidade de se prestar um cada vez melhor serviço ao menor custo possível;
A evidência de serem cada vez maiores as dificuldades orçamentais ligadas à necessidade de conformação com os princípios estabelecidos no Pacto de Estabilidade;
A necessidade de preparar a empresa, em termos de competitividade, para a entrada em vigor dos novos regulamentos europeus no domínio do sector de transportes urbanos de passageiros. Estes regulamentos vão impor, a relativamente curto prazo, níveis adequados de eficiência económica e financeira e grande transparência e particular exigência na forma de transferir verbas do Orçamento do Estado (maioritariamente pagas pelos contribuintes) para as empresas públicas. Anote-se que, actualmente, os proveitos da Carris dependem em mais de 50% do Orçamento do Estado português pagando os passageiros, qualquer que seja o seu nível de rendimento, um valor inferior aos mesmos 50%;
A importância de tornar tal deficit compatível com o grande esforço de investimento que está a ser feito no sentido de dotar a empresa com modernos autocarros com piso rebaixado, ar condicionado e baixas emissões poluentes, reformular todos os sistemas e plataformas informáticas da Companhia, concretizar um novo Sistema de Ajuda à Exploração que vai permitir gerir mais racionalmente toda a frota de eléctricos e autocarros, dar informação em várias paragens em tempo real aos nossos passageiros e melhorar as condições de segurança a bordo, lançar um novo sistema de bilhética (a bilhética electrónica) que pode melhorar, substancialmente, a qualidade do serviço prestado e os mecanismos internos de controlo, e, ainda, relançar a rede de eléctricos articulados;

8. Foi no quadro das medidas de racionalização em curso que afectam todos os sectores da Carris que foi ponderada, também, a racionalização da rede de eléctricos nos termos que são equacionados no comunicado do Conselho de Administração de 4 de Fevereiro p.p. Recorda-se as conclusões desse comunicado (ver anexo);

«Para quem tenha de lidar com a gestão de empresas é evidente que os meios financeiros disponíveis são sempre limitados e têm normalmente usos alternativos. No caso vertente e face à carência de meios financeiros que possam satisfazer os custos com meios cujo objecto é de natureza eminentemente cultural e turística, o Conselho de Administração estudou hipóteses que passam:

Pelo eventual encerramento da carreira 18 e afectação dos meios libertados por esse encerramento às restantes linhas permitindo, simultaneamente, oferecer um melhor serviço nessas linhas e reduzir os custos globais de investimento e de exploração. O serviço prestado pelo eléctrico será, neste caso, substituído pelo serviço de autocarro;
Solicitar à comunidade, à sociedade civil, uma maior contribuição financeira para que esta se empenhe na prática na defesa do que considera um património colectivo de indiscutível valor histórico, cultural e artístico. Cabe neste âmbito a proposta de cada passageiro dos transportes públicos da cidade contribuir com mais um escudo por viagem para apoio à manutenção da rede de eléctricos históricos;
Acelerar na cidade um conjunto de medidas que atribuam uma clara prioridade ao transporte público e que permitam, através de aumento da velocidade comercial dos meios da Carris, reduzir os encargos de exploração da empresa. Calcula-se que cada quilómetro/hora de velocidade comercial adicional conseguida pelos veículos da Carris se traduz numa economia de cerca de 1 milhão de contos nos custos anuais da Empresa».

9. Até ao momento pode dizer-se que nenhum dos promotores das manifestações em favor da manutenção do eléctrico 18 respondeu concretamente às propostas que lhes colocámos. Pode até dizer-se que alguns desses promotores têm feito propostas impossíveis de satisfazer pela empresa e, julgamos, pelos próprios contribuintes, traduzidas em mais e melhores serviços, redução de tarifas e acréscimos salariais incomportáveis (felizmente que, neste caso, os nossos sindicatos se revelaram extremamente realistas e equilibrados e celebraram, todos, pela primeira vez ao fim de 18 anos, um acordo razoável com a empresa no domínio salarial);
10. Face à inexistência de qualquer resposta concreta, a empresa não pode, parar nas medidas a tomar sob pena de pôr em causa o seu futuro e o dos seus trabalhadores. Assim a Carris:

Garantiu através do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, um subsídio (em termos a definir) de apoio aos eléctricos históricos;
Constatou o grande interesse que a mesma Câmara está a atribuir ao transporte público, designadamente, através do empenho e do profissionalismo que está a colocar na realização, em 22 de Setembro, da iniciativa «Um dia na cidade sem o meu automóvel», iniciativa que, esperamos, poderá vir a modificar positivamente a visão e o comportamento do cidadão relativamente aos transportes públicos;
Decidiu reduzir dentro de um prazo razoável a frequência dos eléctricos na carreira 18, a fim de, simultaneamente, adiar a realização de importantes investimentos na linha e disponibilizar alguns dos veículos para a reabertura da linha 24 (Largo do Carmo/Campolide) em condições que estão a ser negociadas com a Câmara Municipal de Lisboa;
Antecipando a referida redução de frequência, introduziu algumas alterações na carreira 60 de autocarros, a

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fim de esta servir os passageiros da carreira 18 de eléctricos (antes destas alterações a carreira 60 apenas servia parcialmente a carreira 18 entre a Rua 1.º de Maio e o Cemitério da Ajuda).

O Conselho de Administração da Carris e, particularmente, o seu presidente entendem, como é referido no comunicado de 4 de Fevereiro p.p., que a sociedade civil não deveria apenas reivindicar a continuidade do eléctrico. Deveria também contribuir, activa e especificamente, para a sua defesa promovendo para tanto, propostas que permitam um ligeiro acréscimo do tarifário do transporte público destinado a financiar parcialmente o deficit do eléctrico que, até ao momento, tem sido exclusivamente suportado pelo Orçamento do Estado e, ainda, tomando iniciativas para que o transporte público à superfície possa ocupar o lugar decisivo que lhe compete em defesa da coesão social, da acessibilidade do espaço urbano e do ambiente. Anote-se aqui, em particular, a importância de evitar a ocupação abusiva do espaço destinado ao movimento de peões e veículos pelo estacionamento selvagem de outros veículos.
A Carris está disponível para prestar sobre os temas que são abordados nesta carta todos os esclarecimentos que lhe sejam solicitados. No quadro, aliás, da afirmação dos seus responsáveis desde há um tempo a esta parte: «A Carris é uma empresa com paredes de vidro». Paredes transparentes mas frágeis. E por isso se toma necessário que aqueles que teoricamente apoiam as empresas públicas, não sejam, na prática, os seus piores inimigos.
Apresento a Vossa Excelência os meus melhores cumprimentos e a expressão da minha consideração pessoal.

O Presidente do Conselho de Administração, Helder de Oliveira.

Anexo: Comunicado de 2000.02.04 do Conselho de Administração da Carris

Assunto: Eventual encerramento do eléctrico 18

1. Lisboa dispõe desde 1901 de uma rede de eléctricos que hoje apelidamos de eléctricos históricos. Esta rede expandiu-se de forma consistente durante décadas. A partir de 1944 iniciou-se, com a aquisição dos primeiros seis autocarros por ocasião da Exposição do Centenário, a formação da rede de autocarros. Em 1959 arrancou em Lisboa a rede do Metropolitano.
2. As exigências de uma cidade moderna conduziram necessariamente a que o sistema de transportes públicos se desenvolvesse de uma forma que, no essencial, não se desviou, do que foi acontecendo na Europa. Assim, assistiu-se ao desenvolvimento da rede de autocarros e do metropolitano e ao decréscimo da rede de eléctricos históricos.
3. As razões deste decréscimo são várias mas as principais têm a ver, simultaneamente, com o aparecimento de transportes alternativos mais eficientes como são, inquestionavelmente, o autocarro, o metropolitano e o eléctrico articulado e com a própria mutação da configuração da vida económica e social da cidade. Esta exige, cada vez mais, transportes rápidos, com capacidades adequadas aos fluxos de passageiros que se torna necessário transportar, que assegurem uma regularidade razoável e sejam responsáveis por níveis de poluição aceitáveis.
4. Pode dizer-se, no que respeita aos requisitos que ficam enunciados, que os eléctricos históricos asseguram, ao nível do local, a adequada defesa do ambiente. Para além disso satisfazem plenamente os que buscam a calma e o lazer na sua relação com a cidade e transportam consigo a recordação da história e um pouco da cultura profunda da cidade que tem a ver com as diversas formas que a vida urbana foi assumindo ao longo do último século. A velocidade comercial e a capacidade de transporte de cada veículo tornam este meio mais problemático, quer como forma de deslocação sistemática para a solução dos problemas da mobilidade diária, quer como veículo economicamente viável uma vez que o custo por passageiro transportado é muito superior ao custo que se consegue com os outros meios, designadamente, o autocarro ou o eléctrico articulado.
5. É neste contexto, julgamos, que a exploração, na perspectiva da sobrevivência dos eléctricos históricos, deverá ser encarada, ou seja, como defesa de um elemento portador da história e da emoção da cidade para a qual contribui mais como elemento de cultura e de lazer do que como forma eficiente de assegurar o transporte dos cidadãos que procuram, no dia-a-dia, resolver os problemas da deslocação e da acessibilidade. Se for possível ligar os aspectos de caracter cultural e turístico aos aspectos da acessibilidade, fazendo do eléctrico histórico um meio de transporte aberto à generalidade dos cidadãos, estamos a conseguir realizar algo que é incomum a nível europeu onde, face aos custos de exploração envolvidos e aos proveitos diminutos conseguidos, as redes de eléctrico histórico só permanecem como atracção turística exigindo que os respectivos utilizadores paguem tarifas que nada têm a ver com as que são pagas pelos normais utilizadores das redes de transporte público urbano.
6. Porque esta problemática foi, ao longo dos últimos anos, compreendida pelos sucessivos responsáveis pela empresa (mas também pelo Governo e pela câmara municipal) é que é hoje possível contar com uma frota de eléctricos históricos que não tem comparação, na sua dimensão e nas suas funções, com o que sucede em qualquer capital de qualquer país europeu ou da América do Norte onde, como se disse, o eléctrico histórico só permanece, e mesmo assim em muito poucos casos, como mera atracção turística, cujos custos totais são, em larga medida ou na totalidade, pagos pelos seus utilizadores.
7. Com efeito, tendo compreendido que, devido às suas características de velocidade e capacidade o eléctrico histórico se tomaria, do ponto de vista meramente económico, como um meio de transporte inviável, os referidos responsáveis tentaram, em diversos momentos, encontrar formas organizativas que preservassem o essencial da rede de eléctricos e permitissem que eles fossem, simultaneamente, um meio de transporte onde um número significativo de lisboetas pudesse fazer muitas das viagens que necessitam realizar para responder a exigências da sua vida pessoal e profissional e uma forma de assegurar a sobrevivência de um activo que acrescenta valor cultural e turístico à cidade onde se insere. Anotam-se algumas dessas medidas:

Reduzir a rede para dimensões que sejam compatíveis com encargos razoáveis de exploração e privilegiando, como área de intervenção, o centro histórico da cidade;
Lançar circuitos turísticos, realizados por eléctricos mais antigos na sua concepção e construção, nos quais os uti

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lizadores paguem preços capazes de gerar algum (ainda que pequeno) excedente de exploração;
Iniciar com base na experiência centenária da empresa com o eléctrico histórico um novo ciclo de exploração do eléctrico (o eléctrico moderno, também chamado de articulado ou metropolitano ligeiro), o qual, pelas suas características, se apresenta como adequado à exploração de trajectos onde os fluxos de passageiros oscilam entre os 3000 e os 12 000 por hora.

8. Para assegurar que as condições de exploração do eléctrico articulado sejam minimamente aceitáveis torna-se, entretanto, necessário, como acontece na maioria das cidade europeias onde este eléctrico e não o eléctrico histórico está a ser desenvolvido, que a maioria dos percursos sejam desenhados em sítio próprio ou aliviados de outro tipo de tráfego, designadamente o transporte individual. Infelizmente no caso da carreira 15 não foi possível, até ao momento, conseguir, por um lado, a boa ocupação do espaço de modo a assegurar velocidades comerciais adequadas e exigidas pela natureza e viabilização deste meio de transporte e, por outro, estender o actual percurso do eléctrico articulado de modo a encontrar a dimensão tecnicamente viável e economicamente rentável adequadas à sua sobrevivência.
9. De facto, na carreira 15, entre Algés e a Praça da Figueira, única em que é possível ter eléctricos articulados, só numa parte menor do seu percurso dispõe de sítio próprio misturando-se na maior parte do trajecto com o restante trânsito. As restantes propostas elaboradas pela Carris para a extensão do eléctrico articulado ou foram afastadas em benefício do metro convencional ou aguardam melhor oportunidade para serem avaliadas. Anota-se que a Carris tem elaborado um anteprojecto onde consta uma rede de eléctricos articulados a ser implantada na cidade de Lisboa e municípios vizinhos.
10. Recentemente quando se colocou em discussão o futuro da carreira 18 de eléctricos vieram a público informações contraditórias que de algum modo desfocaram o quadro em que este assunto deve ser discutido. Estão neste caso a forma, deliberada ou não, como alguns confundiram eléctricos históricos com eléctricos articulados e, os exemplos que, em sequência, foram apresentados e que nada têm a ver com o caso de Lisboa. Citam-se a propósito:

Caso de S. Francisco, onde as linhas de eléctrico histórico são meramente turísticas e onde os seus utilizadores pagam valores que nada tem a ver com o que se passa com os utilizadores habituais do transporte público (na rede de eléctricos da Carris cada utilizador, incluindo os possuidores de passe, paga em média 37$ por viagem a qual custa à empresa, em média, 139$);
As redes de eléctricos que estão a ser construídas nas cidades europeias referem-se a eléctricos modernos e não a eléctricos históricos.

11. Como resulta da informação que anteriormente é apresentada, a rede de eléctricos históricos da Carris é responsável por um agravamento substancial do deficit da empresa. Poderá calcular-se aproximadamente que, se esta rede não existisse, o deficit anual da empresa poderia ser inferior ao actual em cerca de 2 milhões de contos. A empresa tem suportado, com o apoio do Governo e, em alguma medida, com o apoio da Câmara Municipal de Lisboa este deficit. A gestão da empresa é hoje confrontada com a dimensão deste deficit e com a forma de o suportar, particularmente, em um momento em que se torna necessário levar por diante investimentos significativos na linha para garantir a necessária segurança de pessoas e material.
12. Para quem tenha de lidar com a gestão de empresas é evidente que os meios financeiros, disponíveis são sempre limitados e têm normalmente usos alternativos. No caso vertente e face à carência de meios financeiros que possam satisfazer os custos com meios cujo objecto é de natureza eminentemente cultural e turística, o Conselho de Administração estudou hipóteses alternativas que passam:

Pelo eventual encerramento da carreira 18 e afectação dos meios libertados por esse encerramento às restantes linhas, permitindo, simultaneamente, oferecer um melhor serviço nessas linhas e reduzir os custos globais de investimento e de exploração. O serviço prestado pelo eléctrico será, neste caso, substituído pelo serviço de autocarro;
Solicitar à comunidade, à sociedade civil, uma maior contribuição financeira para que esta se empenhe na prática na defesa do que considera um património colectivo de indiscutível valor histórico, cultural e artístico. Cabe neste âmbito a proposta de cada passageiro dos transportes públicos da cidade contribuir com mais um escudo por viagem para apoio à manutenção da rede de eléctricos históricos;
Acelerar na cidade um conjunto de medidas que atribuam uma clara prioridade ao transporte público e que permitam, através de aumento da velocidade comercial dos meios da Carris, reduzir os encargos de exploração da empresa. Calcula-se que cada quilómetro/hora de velocidade comercial adicional conseguido pelos veículos da Carris se traduz numa economia de cerca de 1 milhão de contos nos custos anuais da empresa.

13. A defesa do eléctrico, enquanto património histórico da cidade e do país, exige daqueles que verdadeiramente se empenham nessa defesa a opção por soluções arrojadas que não se limitem a endossar a terceiros o ónus que tais soluções acarretam. A empresa está atenta a essas soluções e quando tiver de decidir fá-lo-á com equilíbrio e bom senso na consideração adequada dos diversos interesses que de forma explícita ou implícita enquadram a questão da sobrevivência do eléctrico histórico na cidade de Lisboa.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social Democrata (PSD):
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares
Henrique José Monteiro Chaves
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Mário Patinha Antão
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva

Partido Popular (CDS-PP):
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

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Bloco de Esquerda (BE):
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
António de Almeida Santos
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Francisco José Pinto Camilo
Isabel Maria dos Santos Barata
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Manuel Francisco dos Santos Valente
Manuel Maria Diogo

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Carlos José das Neves Martins
Joaquim Martins Ferreira do Amaral
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Pedro Manuel Cruz Roseta

Partido Comunista Português (PCP):
Bernardino José Torrão Soares
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
João António Gonçalves do Amaral
Maria Natália Gomes Filipe

Partido Popular (CDS-PP):
António de Magalhães Pires de Lima
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan

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