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Quinta-feira, 7 de Dezembro de 2000 I Série - Número 27

DIÁRIO da Assembleia da República

VIII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2000-2001)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 6 DE DEZEMBRO DE 2000

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex. mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Manuel Alves de Oliveira
António João Rodeia Machado
António José Carlos Pinho

S U M Á R I O

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia.- Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de lei n.os 334 e 335/VIII e do projecto de resolução n.º 85/VIII, bem como de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Foi aprovado um parecer da Comissão de Ética relativo à substituição de um Deputado do PS, de um outro do PSD e, ainda, de um outro do CDS-PP.
Em declaração política, o Sr. Deputado Carlos Encarnação (PSD) condenou o Governo pelo modo como se comportou em relação, nomeadamente, às declarações do Presidente da Administração Regional de Saúde do Norte, à constituição e funcionamento da Fundação para a Prevenção e Segurança, em que estão envolvidos dois membros do Governo, e à demissão do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Ricardo Sá Fernandes. Respondeu, depois, aos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados José Barros Moura (PS) e João Amaral (PCP) e deu explicações ao Sr. Deputado José Saraiva (PS), que exerceu o direito de defesa da honra.
Também em declaração política, o Sr. Deputado Telmo Correia (CDS-PP) pronunciou-se sobre o mesmo assunto, tendo, depois, dado explicações ao Sr. Ministro da Presidência (Guilherme d'Oliveira Martins), que exerceu o direito de defesa de honra do Governo, e respondido aos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Osvaldo Castro (PS), Guilherme Silva (PSD) e António Filipe (PCP).
Procedeu-se a um debate sobre a construção europeia e reforma dos tratados, tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro da Presidência, os Srs. Deputados Paulo Portas (CDS-PP), Honório Novo (PCP), Helena Neves (BE), Maria Eduarda Azevedo (PSD), José Barros Moura (PS), Isabel Castro (Os Verdes) e Manuel dos Santos (PS).
Ao abrigo do n.º 2 do artigo 83.º do Regimento o Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade (Ferro Rodrigues) apresentou o Programa ESCOLHAS - Programa de Prevenção da Criminalidade e Inserção dos Jovens, aprovado pelo Governo. Usaram também da palavra os Srs. Deputados Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), David Justino e Pedro Duarte (PSD), Ana Catarina Mendonça (PS) e Odete Santos (PCP).

Ordem do dia.- A Câmara aprovou os n.os 1 a 10 do Diário.
Foram discutidos conjuntamente, na generalidade, a proposta de lei n.º 50/VIII - Autoriza o Governo a alterar o Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, que estabelece o regime jurídico da urbanização e da edificação, e o projecto de lei n.º 331/VIII - Estabelece o regime jurídico dos loteamentos e construções (PCP), tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza (Manuel Silva Pereira), os Srs. Deputados Cláudio Monteiro (PS), Manuel Oliveira (PSD), Joaquim Matias (PCP), Isabel Castro (Os Verdes), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), Helena Neves (BE) e Agostinho Gonçalves e Casimiro Ramos (PS).
O projecto de lei n.º 206/VIII - Cria o cheque-medicamento (CDS-PP) foi também debatido, na generalidade, tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado da Saúde (José Miguel Boquinhas), os Srs. Deputados Pedro Mota Soares (CDS-PP), João Pedro Correia e Joaquim Ponte (PS), Bernardino Soares (PCP), Paulo Pisco (PS), Helena Neves (BE), Patinha Antão (PSD) e Luísa Portugal e Ana Catarina Mendonça (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 21 horas e 20 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 15 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
António Alves Marques Júnior
António Alves Martinho
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António Fernando Marques Ribeiro Reis
António José Gavino Paixão
António Manuel Dias Baptista
António Manuel do Carmo Saleiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Bruno Renato Sutil Moreira de Almeida
Carla Maria Nunes Tavares Gaspar
Carlos Alberto
Carlos Alberto Dias dos Santos
Carlos José Gonçalves Vieira de Matos
Casimiro Francisco Ramos
Cláudio Ramos Monteiro
Dinis Manuel Prata Costa
Fernando Manuel de Jesus
Fernando Pereira Serrasqueiro
Filipe Mesquita Vital
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Francisco José Pinto Camilo
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres
Gil Tristão Cardoso de Freitas França
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho
Helena Maria Mesquita Ribeiro
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco d'Almeida
Isabel Maria dos Santos Barata
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge Tinoco de Faria
Isabel Maria Soares Pinto Zacarias
Jamila Barbara Madeira e Madeira
João Alberto Martins Sobral
João Cardona Gomes Cravinho
João Francisco Gomes Benavente
João Pedro da Silva Correia
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
João Rui Gaspar de Almeida
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão
José Alberto Leal Fateixa Palmeiro
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Aurélio da Silva Barros Moura
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Carlos da Cruz Lavrador
José Carlos Lourenço Tavares Pereira
José Carlos Pinto Basto Mota Torres
José da Conceição Saraiva
José de Matos Leitão
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Ernesto Figueira dos Reis
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Rosa do Egipto
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Rodrigues Pereira dos Penedos
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Miguel Gomes Miranda Teixeira
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira
Manuel António dos Santos
Manuel Joaquim Barbosa Ribeiro
Manuel Maria Diogo
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Margarida Maria Santos Soares da Rocha Gariso
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira
Maria do Céu da Cruz Vidal Lourenço
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria José Vidal do Rosário Campos
Maria Teresa de Oliveira Ferreira Coimbra
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco
Paulo Alexandre Homem de Oliveira Fonseca
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Rui Manuel Leal Marqueiro
Teresa Maria Neto Venda
Victor Brito de Moura
Vítor Manuel Alves Peixoto
Vítor Manuel Lontrão Carola
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Álvaro dos Santos Amaro
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António de Carvalho Martins
António Manuel da Cruz Silva
António Manuel Santana Abelha
Armando Manuel Dinis Vieira
Arménio dos Santos
Artur Ryder Torres Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos José das Neves Martins
Carlos Manuel de Sousa Encarnação
Carlos Manuel Marta Gonçalves
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares
Eugénio Fernando Sá Cerqueira Marinho
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Jorge Loureiro de Reboredo Seara

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Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Santos Pereira
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
Jaime Carlos Marta Soares
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José da Silva Maçãs
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José António de Sousa e Silva
José David Gomes Justino
José Eduardo Rêgo Mendes Martins
José Luís Campos Vieira de Castro
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel de Matos Correia
Lucília Maria Samoreno Ferra
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Pedro Machado Sampaio de Sousa Pimentel
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Castro de Almeida
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim Barata Frexes
Manuel Maria Moreira
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria do Céu Baptista Ramos
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Nuno Miguel Sancho Cruz Ramos
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rui Fernando da Silva Rio
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Comunista Português (PCP):
Ana Margarida Lopes Botelho
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Cândido Capela Dias
João António Gonçalves do Amaral
Joaquim Manuel da Fonseca Matias
José Honório Faria Gonçalves Novo
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Natália Gomes Filipe
Maria Odete dos Santos
Octávio Augusto Teixeira
Vicente José Rosado Merendas

Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello Branco
António de Magalhães Pires de Lima
António José Carlos Pinho
António Manuel Alves Pereira
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Luís Pedro Mota Soares
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

Bloco de Esquerda (BE):
Maria Helena Augusto das Neves Gorjão

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (José Cesário): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram aceites, as seguintes iniciativas legislativas: projectos de lei n.os 334/VIII - Estabelece medidas de prevenção e combate a práticas laborais violadoras da dignidade e integridade física e psíquica dos trabalhadores (PCP), que baixa às 1.ª e 9.ª Comissões, e 335/VIII - Ofensa à integridade física no âmbito da intervenção policial: crime público (Deputada do BE Helena Neves), que baixa à 1.ª Comissão; e projecto de resolução n.º 85/VIII - Sobre a instalação de aterros sanitários (PCP).
Foram apresentados na Mesa vários requerimentos. Nos dias 15 e 16 de Novembro de 2000: ao Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, formulado pelo Sr. Deputado Bernardino Soares; ao Sr. Primeiro-Ministro e ao Ministro da Presidência, formulados pela Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona; ao Ministério da Cultura e à Câmara Municipal de Alpiarça, formulados pela Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros e à Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, formulados pela Sr.ª Deputada Helena Neves; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Luís Fazenda; a diversos Ministérios, formulados pela Sr.ª Deputada Luísa Mesquita; ao Sr. Primeiro Ministro, formulado pelo Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan.
Nos dias 17, 20 e 21 de Novembro de 2000: ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Vicente Merendas; ao Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, formulado pelo Sr. Deputado Miguel Coelho; aos Ministérios da Justiça e do Equipamento Social, formulados pela Sr.ª Deputada Helena Ribeiro; aos Ministérios da Administração Interna e do Equipamento Social e à Câmara Municipal do Porto, formulados pelo Sr. Deputado António Montalvão Machado; ao Secretário de Estado Adjunto e Obras Públicas, formulado pelo Sr. Deputado Artur Torres Pereira; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Guilherme Silva; a diversos Ministérios, formulado pelo Sr. Deputado José Eduardo Martins; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Rosado Fernandes; à Secretaria de Estado das Comunidades Portugueses e à Câmara Municipal do Porto, formulados pelo Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan; aos Ministérios do Equipamento Social e do Trabalho e da Solidariedade, formulados pelo Sr. Deputado Telmo

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Correia; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Bernardino Soares; ao Ministério do Planeamento, formulado pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; ao Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, formulados pelos Srs. Deputados Joaquim Matias e Heloísa Apolónia; à Câmara Municipal de Aljustrel, formulado pelo Sr. Deputado João Rebelo.
Nos dias 22 e 23 de Novembro de 2000: a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Miguel Ginestal; ao Ministério do Equipamento Social, formulado pela Sr.ª Deputada Luísa Mesquita; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado António Martinho; ao IPPAR, formulado pelo Sr. Deputado Ricardo Castanheira; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Machado Rodrigues; à Federação Nacional de Motociclismo, formulado pelo Sr. Deputado Mário Albuquerque.
Por sua vez, o Governo respondeu a requerimentos apresentados por vários Srs. Deputados. No dia 28 de Novembro de 2000: Honório Novo, na sessão de 10 de Março; Fátima Amaral, na sessão de 7 de Junho; Isabel Castro, nas sessões de 19 de Julho e 4 de Outubro; Agostinho Lopes, na sessão de 26 de Julho; Luísa Mesquita, no dia 30 de Agosto; Luís Fazenda, nas sessões de 3 e 17 de Outubro; Álvaro Castello Branco, na sessão de 4 de Outubro; Vicente Merendas, na sessão de 25 de Outubro; Heloísa Apolónia, na sessão de 8 de Novembro.
No dia 29 de Novembro de 2000: João Amaral, na sessão de 30 de Junho; Agostinho Lopes e Miguel Anacoreta Correia, na sessão de 26 de Julho; Sílvio Rui Cervan, no dia 30 de Agosto; José Cesário, na sessão de 28 de Setembro; Honório Novo, na sessão de 29 de Setembro; João Rebelo, na sessão de 11 de Outubro; Luís Miguel Teixeira, na sessão de 12 de Outubro; Barbosa de Oliveira, na sessão de 13 de Outubro; Hermínio Loureiro, na sessão de 18 de Outubro; Heloísa Apolónia, Isabel Castro e Luís Fazenda, na sessão de 18 de Outubro; Ana Narciso, na sessão de 25 de Outubro; Lucília Ferra, no dia 13 de Novembro.
Foram, ainda, respondidos os requerimentos apresentados por vários Srs. Deputados. Nos dias 30 e 31 de Outubro e 27, 28 e 29 de Novembro de 2000: José Cesário, na sessão de 4 de Outubro; Paulo Fonseca, na sessão de 26 de Outubro.
Sr. Presidente, temos, também, um relatório e parecer da Comissão de Ética, que se refere às substituições, nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea c), do Estatuto dos Deputados, da Sr.ª Deputada Maria Luísa Vasconcelos, do PS (Círculo Eleitoral do Porto), por Fernando Jesus, com início em 4 de Dezembro próximo, inclusive, e, nos termos do artigo 20.º, n.º 1, alínea h), do Estatuto dos Deputados, dos Srs. Deputados Francisco Augusto Caimoto Amaral, do PSD (Círculo Eleitoral de Faro), por Nuno Miguel Sancho Cruz Ramos, com início em 4 de Dezembro próximo, inclusive, e José Campelo, Deputado independente (Círculo Eleitoral de Viana do Castelo), por António Manuel Alves Pereira, com início em 6 de Dezembro próximo, inclusive.
O parecer da Comissão de Ética é no sentido de que as substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão o parecer.
Dado que não há inscrições, vamos proceder à votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há alguns meses atrás, poucos, o Sr. Primeiro-Ministro admitia que tinha errado. Porquê? Porque falhara a coordenação do Governo. Segundo ele, tentara uma experiência dividindo-a por sectores e foi o desastre. A explicação foi esta, simples e sem mais rodeios. Como se o País fosse um laboratório experimental e o Ministério um tubo de ensaio. Podia o Sr. Primeiro-Ministro dizer outra coisa? Não! Todo o País percebia que tudo andava sem Rei nem Roque! A justificação para o alheamento do Sr. Primeiro-Ministro foi a vertigem da Presidência da União Europeia. Para estar na Europa e cuidar da União, o Sr. Primeiro-Ministro deixava Portugal e desunia o Governo. O mais grave é que, no balanço do acontecido até então, nenhum lucro havia a registar. Toda a gente perdeu. O Sr. Primeiro Ministro tinha apanhado a Europa. O País ficou para trás.
Nesse mesmo momento de balanço e contas, o Sr. Primeiro-Ministro renovou as suas juras: um novo ciclo - prometia! O fim do distanciamento; o trabalho empenhado; a atenção recuperada! Não durou muito tempo o efeito desta promessa. De um momento para o outro o Governo entrou em obras. Sabia-se que a coordenação era inexistente, mas percebia-se também que o mal não se limitava isso. Havia incompetência nos Ministérios, havia gente a mais e resultados a menos. O processo que conduziu à remodelação foi um doloroso acto de resistência àquilo que se impunha como necessidade evidente.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A economia e as finanças trocavam os olhos, os indicadores começavam a ser preocupantes, o País entrava em descontrole, a segurança perdia-se em cenas de desacato e terror. O Sr. Primeiro-Ministro remodelou tarde e a medo. Não terminou com focos de tensão e razões de insatisfação. Como poderia isto, que foi um puro acto falhado, corresponder a um novo alento?
Nem por isso o País conseguiu ver terminadas as guerras entre os socialistas. O País continuou um local de manobras e o Governo o centro do conflito. Com cada um para seu lado, fervilharam os ataques mútuos, as campanhas de comunicação social, as recriminações. Alguns Ministros, que saíram, sentiram-se traídos - não se calaram. Outros, que ficaram, mantiveram-se em equilíbrio instável.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Pouco depois desta remodelação, mais um Secretário de Estado ficou pelo caminho.
Era cada vez mais claro que a Europa tinha costas largas e não servia como justificação. A questão residia numa incomparável falta de autoridade. Os Ministros e os Secretários de Estado continuaram a tratar de si e ninguém de todos. O único recurso para tentar conferir aparente unidade ao socialismo governativo foi, então, o recurso à ideia da crise, a configuração do inimigo externo, o medo de perder o poder.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Dramatizar, foi a palavra de ordem. Os portugueses foram confrontados com o caos iminente, a

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suspensão dos aumentos, a paralisação do Estado. O Primeiro-Ministro, mais fraco, ameaçava mais.
Entretanto, um acordo estranho, uma proposta indecente foi ganhando peso e oportunidade. De um dia para o outro, estava encontrada a chave da felicidade. Num golpe de ilusionismo, um Governo sem maioria cresceu em apoiantes, adquiriu um voto, forjou um alibi para se manter. Ingratos, os portugueses nem por isso demonstraram o seu contentamento. Afinal o Governo continuava... Mal!
Estava para chegar o momento em que se instalou, de novo, a confusão. Três exemplos simples nos basta recordar, acontecidos que foram num tempo próximo. Em primeiro lugar, saltou aos olhos dos portugueses como a usura do poder é capaz de transformar as pessoas e de as carimbar com o sinal de ignomínia. Repetidamente se chamou a atenção para o estado socialista que se instalou. Nem mais. O Presidente da Administração Regional de Saúde do Norte declarou que todos os portugueses são iguais mas que uns são mais iguais que outros.

Vozes do PSD: - Uma vergonha!

O Orador: - Arrogou-se o direito de escolher entre eles pela sua cor partidária. Olha para os cidadãos em iguais condições e circunstâncias, dotados de igual mérito e opta, de entre eles, pelo socialista. É a confusão entre a meritocracia e a partidocracia. É a degradação completa!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Como acreditar nesta fantochada dos concursos com fotografia em que a prova da entrevista serve para anular as vantagens curriculares e o conhecimento específico? O episódio Catarino não é senão a configuração da regra. O mais impressionante, nele, foi o silêncio do Governo, a distracção da Ministra, o mutismo do Primeiro-Ministro.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - De quinta-feira à terça-feira seguinte, só depois do escândalo se transmitir às páginas da comunicação social, a Sr.ª. Ministra chama o (ir)responsável e demite-o. Tarde e mal.
Mais ou menos pela mesma altura, é conhecido um outro episódio tanto ou mais grave quanto representa a normalidade assumida de um comportamento inadmissível. Um Secretário de Estado resolveu falsificar o funcionamento do Estado lançando mão de um expediente grosseiro: os seus assessores, colaboradores ou adjuntos constituíram entre si uma Fundação. Para quê? Para a prevenção e segurança, como cobertura. Para autopromover campanhas publicitárias, como fim objectivo. Numa palavra, para tornear a lei.

O Sr. Fernando Seara (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Com que dinheiro e outros bens? A constituição, com 10 mil contos provenientes do Estado, aos quais acresceram mais 400 000 contos de subsídios e dois edifícios públicos como prémio. Tudo muito linear e muito simples. Sem dinheiro nem bens dos seus fundadores, a Fundação recebeu-os dos contribuintes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É uma vergonha!

O Orador: - É mais fácil e mais compensador criar uma fundação do que uma direcção-geral e dá menos nas vistas do que criar um novo instituto público. Se a moda pega, mil fundações florescerão em todos os Ministérios. O Governo será a mãe de todas as Fundações. Sobre isto, admitido pelos intervenientes com um grau de descaramento inusitado, o Sr. Primeiro-Ministro evita falar. Só que quem cala consente!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Apercebendo-se disso, o Sr. Secretário de Estado, agora Ministro, lança a notícia da sua iniciativa de colocar o lugar à disposição - o Sr. Primeiro Ministro mantém-no em funções. Ao mesmo tempo, sabe-se que o anterior Ministro da Administração Interna tinha suspendido as operações da dita Fundação. Ao mesmo tempo, o actual Ministro da Administração Interna duvida da legalidade e consulta a Procuradoria-Geral da República. Estão todos estes no mesmo Governo! Encontram-se todos às quintas-feiras!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Nem todos!

O Orador: - Será preciso explicar como este Governo não tem jeito, nem conserto possível, nem Primeiro Ministro? Será difícil que o Primeiro Ministro perceba que o expediente utilizado é absolutamente inaceitável?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A impunidade é do tudo «quero, posso e mando»!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Quero, posso e fundo!

O Orador: - A Fundação Patrão-Vara não é mais do que a Fundação da vergonha. Um Primeiro-Ministro que não compreende a censura que este facto merece, faz do acto de governar um exercício de displicência cúmplice e irresponsável.

Aplausos do PSD.

Mas o paradoxo maior aconteceu, também, desde meados daquela desgraçada última semana. O Dr. Ricardo Sá Fernandes entendeu dever escrever ao Sr. Primeiro Ministro pedindo-lhe que demonstrasse o seu interesse pela reabertura do caso Camarate. Limitou-se a pedir o que muitos portugueses sempre pediram: o esclarecimento da verdade na base de novas provas. Pelos vistos, uma singular maldição mandaria que nenhum caso dos últimos tempos do assassinato de várias figuras públicas em Portugal conseguisse ser levado a conclusões. Mas, a nós, que convivemos com ele, custa-nos admitir a insuficiência da investigação, o temor em acusar, a ineficácia da justiça. Ninguém tem razões para estar satisfeito, esta é a verdade. O Dr. Sá Fernandes acabou de escrever um novo «J'accuse». Limitou-se a pedir justiça.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Perante a incomodidade de alguns sectores, consta que o Sr. Ministro da Justiça levou o assunto a Conselho de Ministros. Os seus colegas de Governo

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não o levaram a sério. Foi preciso, de novo, esperar desde quinta a terça para o Ministro da Justiça se dar conta da necessidade de recorrer à pressão pública para confrontar o Primeiro-Ministro. No comunicado escrito pelo Sr. Ministro da Justiça lia-se a demissão do Primeiro-Ministro e a eliminação do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. O Sr. Ministro da Justiça disse ao Sr. Primeiro-Ministro que o Sr. Primeiro-Ministro não existia. E tanto assim foi que o Sr. Ministro da Justiça de auto-demitido passou a continuar a integrar o Governo e o Dr. Sá Fernandes foi borda fora. Tudo leva a crer que o Sr. Ministro da Justiça assumiu a direcção do Executivo e que o Sr. Eng.º António Guterres o segue.
O Sr. Ministro da Justiça disse ao Sr. Ministro das Finanças que a sua saída está na calha. Mas como é que isto é possível? Qualquer dia, o Sr. Presidente da República - que, sobre isto, tem conservado o maior mutismo - dá-se conta e fala. Quero acreditar que ainda haverá Presidente da República!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Barros Moura.

O Sr. José Barros Moura (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, acabámos de ouvir um discurso esforçado. Algo maoista na sua formulação - o que, de resto, não me surpreende! Mas vazio, essencialmente vazio!

Protestos do PSD.

O Sr. Deputado Carlos Encarnação tinha de cumprir a agenda e nós compreendemos que, no momento em que o Governo atravessa publicamente algumas dificuldades políticas,…

Vozes do PSD: - Algumas?!

O Orador: - … o vosso papel seja precisamente este, o de procurar pôr em causa a coesão, o funcionamento e a realização do programa do Governo.
O essencial neste assunto é precisamente isso: é que este Governo, mostrando capacidade de corrigir…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Corrigir?!

O Orador: - … os problemas, as falhas que detecta, seja capaz de manter o seu rumo, a que o País o incita e a que nós próprios, nesta bancada, o apoiamos para realizar completamente o seu programa, com base no qual foi eleito, com base no qual continua a beneficiar da expectativa e do apoio da opinião pública portuguesa. Os senhores apresentaram alguns factos; os senhores apresentaram algumas dificuldades. Lamentavelmente, não disseram (porque não querem dizer!, porque não é esse o vosso papel!) que as dificuldades são corrigíveis, que a capacidade de liderar o Governo se mantém intacta…

Risos do PSD.

… e que o único facto grave apresentado à opinião pública está em condições de ser esclarecido - e, de resto, começa a ser esclarecido com as competentes audições na Comissão Parlamentar - e que o facto relativo às afirmações inaceitáveis do Director da Administração Regional de Saúde do Norte foi resolvido da única maneira que um governo como o do PS pode resolver uma questão destas…

Aplausos do PS.

Esse senhor está demitido e isso deveria levá-lo a compreender que já está fora de tempo o que aqui veio dizer!
Mas digo-lhe mais, Sr. Deputado: o País seguramente não o acompanha nos seus esforços difíceis, nos seus esforços…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não?!

O Orador: - … penosos de fazer análise política. A realidade da vida política portuguesa não se resume a esses pobres esforços de análise política. Os portugueses confiam no Governo e nós desejamos que, para merecer essa confiança, o Governo leve a cabo o seu programa, nomeadamente no aspecto fundamental, que vos inquieta, da reforma fiscal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há Deputados aqui que julgam que têm o dever ou o direito de interpretar os apartes em sistema de moto-contínuo. Um aparte tem de ser excepcional, porque, se não o for, não tem significado; se for de moto-contínuo, é nitidamente sabotar um discurso ou uma intervenção. Peço-lhes que façam essa distinção elementar.
Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, nada me dará mais prazer do que responder ao Sr. Deputado José Barros Moura.
Primeiro, porque o Sr. Deputado admitiu - e ainda bem que o entende assim - que o Governo atravessa algumas dificuldades políticas. V. Ex.ª é modesto: não são algumas dificuldades políticas, são muitas! E a primeira dessas dificuldades políticas é não entender qual é a função do Primeiro-Ministro.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A primeira dessas dificuldades políticas é não entender como o Ministro da Justiça acabou de demitir o Primeiro-Ministro. A primeira dessas dificuldades políticas é não admitir como o Ministro da Justiça acaba de indicar o caminho da saída para o Sr. Ministro das Finanças.
Se V. Ex.ª não compreende isto, então, tem poucas dificuldades políticas. Mas se compreende - e sei que V. Ex.ª compreende, porque é um homem inteligente («IBM» como o designavam no meu tempo) -,…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Inteligente Barros Moura!

O Orador: - … se assim é, então, V. Ex.ª está a fingir, está a brincar comigo e isso não posso admitir-lhe.
Agora, gostaria de apontar-lhe outras duas dificuldades extraordinárias que V. Ex.ª tem. A primeira é esta: aquilo que o Sr. Dr. Jorge Catarino disse - e V. Ex.ª talvez

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não tenha percebido, mas eu explico - dividiu o País entre socialistas e não socialistas,…

Protestos do PS.

… iniciou um Estado socialista…

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, façam favor de fazer silêncio.

O Orador: - … e fez deste Estado um Estado absolutamente clientelar.
Aliás, está ali o Sr. Deputado José Saraiva, que, como líder da federação socialista do Porto, veio dizer - e muito bem, dentro da sua perspectiva - que este homem não devia ser demitido. Pois com certeza que não devia ser demitido!… Então ele está a fazer o jeito aos socialistas! Era só o que faltava, para a federação socialista do Porto, que ele fosse demitido!

Risos do PSD.

Vozes do PS: - Não é verdade!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É verdade, é!

O Orador: - As outras dificuldades políticas que V. Ex.ª terá, Sr. Deputado Barros Moura - se me quiser acompanhar e estar com um pouco de atenção -,…

O Sr. José Barros Moura (PS): - Estou sempre atento!

O Orador: - … são estas: V. Ex.ª entende que esta história de criar uma fundação com assessores do Governo e com dinheiros públicos, sobre a qual são estes assessores do Governo que se pronunciam e que dão pareceres, que a gerem, é um assunto de somenos, é uma coisa de pouca importância?!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É um caso de polícia!

O Orador: - Ó Sr. Deputado Barros Moura, isto é uma coisa de uma gravidade extrema! Gravidade extrema que implica responsabilidade disciplinar, prevista na lei, e responsabilidade política.
Portanto, se V. Ex.ª acha que isto são pequenas dificuldades políticas,…

O Sr. José Barros Moura (PS): - São dificuldades que se resolvem!

O Orador: - … então, Sr. Deputado Barros Moura, tenho de lhe fazer compreender que a situação é muito mais grave do que o senhor pensa. E não julgue que a história se resolve apenas com a eliminação da fundação. Não! É que nós vamos querer saber: com quem foram feitos os contratos? Em que data? Que campanhas publicitárias foram feitas?

O Sr. José Barros Moura (PS): - Vão saber tudo!

O Orador: - E quem foi o ministro responsável por tudo isto?

Aplausos do PSD.

O Sr. José Saraiva (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. José Saraiva (PS): - Para exercer o direito de defesa da honra pessoal, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Dar-lha-ei no fim do debate, Sr. Deputado.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Encarnação, creio que não é possível iludir que, nos últimos dias, o conjunto de acontecimentos que ocorreram e se centraram na vida e na actividade do Governo correspondem a uma grave situação de crise, que não pode ser iludida e tem de ser clarificada e condenada nos seus conteúdos mais relevantes.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O caso da Fundação não pode ser tratado à vol d'oiseau, não é um caso menor. É um caso com um significado profundo, porque não se trata só de ela ser, ou poder ser, no seu conteúdo e na sua forma, ilegal; trata-se do espírito de impunidade com que todo o processo foi conduzido…

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - … e a forma, o desplante e o descaramento com que ela foi posta no terreno.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Também no que toca às afirmações do Sr. Dr. Jorge Catarino, o que impressiona não é que ele pense que o mundo se divide entre socialistas e não socialistas - como, aliás, também pensa o Eng.º Ferreira do Amaral -,…

Risos do PS.

… o problema não é esse. O problema é que ele, mesmo depois de demitido, à saída da entrevista com a Ministra da Saúde, continua a achar natural, normal, que um agente da Administração Pública decida a nomeação de funcionários em função de critérios partidários.

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - Este é que é o cerne da questão e isto é absolutamente inaceitável. E não se pode tratar disto como se isto não existisse ou como se fosse um fait divers, porque isso corresponde a uma cultura que atinge uma larga faixa dos responsáveis da Administração Pública e ele é a expressão pública desse tipo de cultura.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

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O Orador: - Finalmente, uma terceira questão é a dos conflitos internos dentro do Governo.
Srs. Deputados, a questão é muito simples e quase que nos apetece perguntar: afinal, quem manda? Isto é: há um Primeiro-Ministro? Ou, acima do Primeiro-Ministro, há um Ministro da Justiça? Ou há um Primeiro-Ministro que não é capaz de dirimir os conflitos dentro do seu Governo? Afinal, em que condições é que o País está a ser governado, se o Primeiro-Ministro não consegue governar o próprio Governo?

Vozes do PCP: - Exactamente!

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Encarnação, o que pergunto - e acho que faltou na sua intervenção - é isto: como é possível, perante toda esta situação, que não tenhamos aqui, em vez do Sr. Dr. José Magalhães (que está muito bem ao telefone, como é costume),…

Risos do PSD e do CDS-PP.

… o Sr. Primeiro-Ministro, a explicar ao País o que se passa com o seu Governo?!
E, mais, até pergunto ao Sr. Deputado Carlos Encarnação se não acha legítimo que, vindo aqui hoje o Sr. Dr. Ferro Rodrigues fazer uma comunicação,…

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado.

O Orador: - … lhe peçamos que explique qual é a sua posição sobre estes acontecimentos que atingem o Governo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, quero agradecer a sua pergunta e dizer ao Sr. Deputado Barros Moura, que, afinal, parece que eu tinha razão, isto é, afinal, parece que mais alguém compreendeu a substância daquilo que eu tinha dito, parece que mais alguém compreendeu a gravidade das acusações que fiz…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Os senhores é que continuam a não perceber nada!

O Orador: - … e que V. Ex.ª tentou aí «passar como cão por vinha vindimada».
E quero dizer ao Sr. Deputado João Amaral o seguinte: é claro que o que mais me preocupa em tudo isto é a ideia de Estado que se criou, do Estado da impunidade, do Estado socialista, do Estado dos empregos, do Estado em que é normal o clientelismo.
O problema, Sr. Deputado João Amaral, não é que haja divisão entre socialistas e não socialistas mas, sim, que os socialistas tenham os lugares e os outros deles sejam arredados devido à sua militância partidária, à sua cor partidária. Isto é que é uma forma de racismo inadmissível! Isto é que é uma forma de exclusão inadmissível! E é nisto que estamos transformados.
E é porque tudo isto existe e porque, como também V. Ex.ª disse, e bem, a fundação é qualquer coisa de exemplar, do ponto de vista negativo e também do da consciência da impunidade, que nós estamos neste «embrulho», Sr. Deputado João Amaral.
Por isso causa-me uma enorme estranheza que o Primeiro-Ministro, em relação a tudo isto, deixe resvalar estas situações, deixe acumular estas situações, deixe tudo «em roda livre», deixe que os ministros «façam dele gato-sapato», deixe que os ministros façam troça dele na via pública, se deixe dominar pelos ministros, se deixe ir atrás dos ministros, em vez de ser ele, Primeiro-Ministro, a conduzir os ministérios e o Governo.
É esta situação paradoxal, de termos um Primeiro-Ministro que é o último ministro, de termos um Primeiro-Ministro que não é Primeiro-Ministro, que nos causa a maior estranheza.
Claro, Sr. Deputado João Amaral, que V. Ex.ª, como um Deputado experiente, tem toda a razão: certamente, devia estar ali alguém, na bancada do Governo, que nos viesse dar explicações sobre isto. Vejo a cara de contentamento do Sr. Secretário de Estado, mas de preocupação do Sr. Ministro, que agora chegou. Está, pois, reforçado o Governo, mas o que gostava era que o Sr. Ministro ou o Sr. Secretário de Estado, ou ambos, ou mais alguém, viesse dizer aquilo que pensa sobre as acusações que fiz. É que fiz acusações e, com toda a certeza, terão direito a responder, a contra-argumentar. Aliás, até já deviam ter tomado a iniciativa de vir aqui, ao Plenário ou às comissões, explicar, antes de eu ter falado ou antes de nós pedirmos. É que está montado um escândalo público e, sobre este escândalo público, o Governo perdeu a palavra.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Agora, sim, tem a palavra o Sr. Deputado José Saraiva, para exercer o direito de defesa da sua honra.

O Sr. José Saraiva (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Carlos Encarnação teve a gentileza de me nomear, a propósito de declarações minhas sobre a exoneração do ex-Presidente da Administração Regional de Saúde do Norte.
Gostaria de lembrar ao Sr. Presidente, à Câmara e, particularmente, ao Sr. Deputado Carlos Encarnação que me recordo perfeitamente que, durante anos e anos, toda a estrutura de saúde na Administração Regional de Saúde não teve, em postos de destaque, qualquer militante do Partido Socialista.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E desafio V. Ex.ª, Sr. Deputado, a dizer à Câmara, de entre as 20 designações que fizemos - e que o, então, Presidente da Administração Regional de Saúde propôs à Sr.ª Ministra -, quais aquelas que são de socialistas e quais não o são.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Cerca de 40%!

O Orador: - Recordo a V. Ex.ª que o Director do Hospital de Santo António do Porto não é do PS, o do

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Hospital de S. João não é do PS, o do Hospital Maria Pia não é do PS e, de entre os directores dos 300 centros de saúde, dir-me-á quais são do PS. Portanto, Sr. Deputado, toda a sua argumentação cai pela base. Em 20 nomeações, apenas seis nomeados são do PS. Mas, pelo contrário, do PSD são alguns - e podia nomeá-los, mas, se quiser e para não estar a maçar a Câmara, dar-lhe-ei um papel com os nomes deles -, atendendo, por vezes, a critérios que são altamente discutíveis. Portanto, V. Ex.ª não tem moral para invocar o nome ou a responsabilidade dele.
Devo até dizer que fiquei chocado com uma das afirmações do Sr. Deputado João Amaral, porque um dos mais destacados contestatários do processo que envolve, neste momento, o Partido Comunista Português, o Dr. João Semedo, até há pouco membro do Comité Central,…

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É verdade!

O Orador: - … foi nomeado para director do Hospital Joaquim Urbano (hospital de doenças infecto-contagiosas) -, ele é, aliás, um reputado médico, muito qualificado. E, mais, Sr. Deputado João Amaral, em Viana do Castelo, um socialista foi substituído por um comunista.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Julguei que era pelo Campelo!

O Orador: - É evidente que, nas declarações que prestei, não me associo à afirmação do ex-presidente, quando ele disse que foi para o Brasil passear à custa de uma empresa qualquer.
Agora, o que critiquei foi a honorabilidade de quem criticou. De facto, que moralidade tem o presidente da comissão política do PSD do Porto, quando a dois Deputados que aqui estavam - e refiro-me ao Eng.º Carlos Duarte e ao professor de ginástica João Mota - lhes arranjou dois «tachos» - e peço desculpa pelo termo - na Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia?

Aplausos do PS.

O que é que eles estão lá a fazer?! Que passado autárquico é que eles têm? O que é que eles sabiam? Estiveram aqui como Deputados e, quando deixaram de ser Deputados, foram para a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Saraiva, é tal a amizade que tenho por V. Ex.ª que sou sempre levado a ser compreensivo para consigo.

Risos do PS.

E, uma vez mais, queria sê-lo. Mas, antes disso, talvez seja bom explicar-lhe aquilo que penso em relação a este assunto para ficarmos esclarecidos.
Em primeiro lugar, não tenho essa visão dos lugares públicos. A única visão que tenho dos lugares públicos e a única admissível é esta: os lugares públicos são desempenhados por quem tenha competência e mérito para o fazer e, no meu passado, gostaria que V. Ex.ª me apontasse um caso em que eu tivesse feito o contrário.

Risos do PS.

V. Ex.ª está a falar comigo e eu estou a falar consigo; eu estou a falar do meu conceito e V. Ex.ª está a falar do seu!
A única coisa que considerei grave no meio de toda a sua intervenção foi que V. Ex.ª deveria ter dito isto muito simples: de facto, se calhar, equivoquei-me quando falei! Eu não queria dizer aquilo que disse! Eu não queria defender o homem por ele ser socialista e só nomear socialistas! Eu não queria defender o Dr. Jorge Catarino de acordo com a sua especial predilecção por escolher socialistas em relação aos outros! Eu não queria defender o Dr. Jorge Catarino por ele defender que o mundo se divide entre os maus e os bons, sendo os maus os outros e os bons os socialistas! O senhor devia ter dito isto! Eu até aceitava, eu até considerava normal que o senhor dissesse isto. Mas V. Ex.ª não disse, esqueceu-se dessa parte!
Quanto ao que o seu camarada fez lá com a ida ao Brasil… Isso não está em causa! O problema que coloco, nesta altura, é fundamental em relação à visão daquilo que é a política de acesso aos lugares públicos.
V. Ex.ª não quer, porventura, que, de hoje para amanhã, as pessoas que forem ao médico sejam classificadas entre aquelas que vão ao médico socialista e aquelas que vão ao médico não socialista!

O Sr. José Saraiva (PS): - Está a brincar!

O Orador: - V. Ex.ª não quer que isto desça por aí adiante até que a um cidadão que está doente seja perguntado, quando chega ao hospital, qual é a sua cor partidária! Porque isso, na verdade, Sr. Deputado, seria o ridículo absoluto!
V. Ex.ª, nesta altura, já não está bem. O Sr. Dr. Jorge Catarino ainda está pior, porque foi demitido, e bem.
O único problema para o qual chamei à atenção foi este, Sr. Deputado: é que um homem que está na presidência de uma administração regional de saúde, quando diz isto, deve ser demitido no minuto seguinte e não uma semana depois! Não ficam todos calados!

O Sr. José Saraiva (PS): - E o Dr. Menezes, como é? E a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia?

O Orador: - Não ficam todos calados! O Primeiro-Ministro e a Sr.ª Ministra da Saúde têm de intervir no minuto seguinte! Este homem ia logo para a rua, porque tem uma concepção da democracia que é viciada e viciadora!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, estão a acompanhar os nossos trabalhos um grupo de 94 alunos da Escola n.º 1 do 1.º ciclo do ensino básico do Cartaxo, um grupo de 70 alunos da Escola n.º 4 de Belas e um grupo de 40 agricultores do concelho de Lagos.
Para todos eles, peço a vossa saudação calorosa.

Aplausos gerais, de pé.

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Também para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência, Srs. Deputados: O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares já não está presente. Espero que isso não traduza uma nova divergência neste Governo!

Vozes do PS: - Não!

O Orador: - Na última semana, o País percebeu que o Primeiro-Ministro perdeu toda e qualquer autoridade, que a maioria está dividida por ataques entre ministros que foram despedidos e ministros que foram promovidos e que o Conselho de Ministros é palco de lutas de facção, críticas a colegas e contestação de políticas.
Enquanto tudo isto sucede, no topo, na base, os socialistas vão dando cada vez mais exemplos de um absolutismo do tipo «o Estado sou eu». Desta vez, à maneira rosa, o «Estado é nosso», usando a Administração Pública como fonte de colocação e promoção do aparelho do PS, com desrespeito pela lei, ignorância do que é o bom senso e falta do mais elementar sentido de Estado.

Aplausos do Deputado do CDS-PP Paulo Portas.

Sr. Presidente, Srs. Deputados do Partido Socialista, mesmo que custe vamos aos factos, retirando deles, mais uma vez, as conclusões devidas.
Vamos a dez factos concretos.
Primeiro facto: o Sr. Primeiro-Ministro convidou para o Governo o Dr. Ricardo Sá Fernandes, cujo empenhamento cívico na procura da verdade sobre Camarate era mais do que conhecido. Dois meses depois de ter entrado para o Governo, o Dr. Ricardo Sá Fernandes acabou demitido, de jure, pelo Primeiro-Ministro, mas, de facto, pelo Ministro da Justiça.
Conclusão: o Primeiro-Ministro tem convicções variáveis, consoante alguém seja, ou não, capaz de lhe levantar a voz!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Segundo facto: o Primeiro-Ministro esteve solidário com o Dr. Ricardo Sá Fernandes até ao dia em que lhe fizeram um ultimato.
Tanto quando se sabe, e não foi desmentido, o Primeiro-Ministro até considerou positivo que no Governo existisse alguém que defendesse o julgamento de Camarate; tanto quanto se sabe, e não foi desmentido, o Primeiro-Ministro incentivou mesmo o Dr. Ricardo Sá Fernandes a prosseguir a sua luta, e foi solidário com ele!
Na segunda-feira, poucos dias depois da participação do Dr. Sá Fernandes nas Noites da Oposição e da estreia do filme Camarate, o Primeiro-Ministro deixou-o cair, porque o Ministro da Justiça exigiu que ele caísse.
Conclusão: o Primeiro-Ministro não é solidário com convicções, mas é refém de ultimatos.
Numa palavra, não se pode confiar no Eng.º Guterres e se ele disser que confia em alguém, Sr. Presidente e Srs. Deputados, desconfiem, é porque, certamente, essa pessoa está prestes a cair!

Aplausos do CDS-PP.

Terceiro facto: o Dr. Sá Fernandes era um independente no Governo do PS. Ao seu lado estão a maioria dos portugueses que querem o julgamento de Camarate, para saber a verdade sem abusos nem sectarismos; contra si, movimentou-se uma facção do PS, aquela que é mais à esquerda e, simultaneamente, a mais protegida por Belém.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Conclusão: o Eng.º António Guterres, entre a verdade sobre Camarate, que é um objectivo nacional, e a defesa do mero interesse do PS, escolheu (pior, foi forçado a escolher) o que é pequeno, o que é menor e o que é mesquinho.
Quarto facto: o Dr. António Costa, Ministro da Justiça, que até tem merecido o nosso elogio em várias matérias, demitiu-se na segunda-feira de manhã, aparentemente sem ter falado com o Primeiro-Ministro. Invocou para tal a separação de poderes, a ética republicana e a dignidade da justiça, mas segunda-feira à tarde quem se demitia passou a demitir, quem se estribava na integridade prestou-se a jogos de influência, quem saía, afinal ficou, mas não sem antes garantir a saída de outrem.
Conclusão: o Dr. António Costa colocou o Primeiro-Ministro entre a espada e a parede e o Eng.º António Guterres escolheu a parede.

Aplausos do CDS-PP.

Ficou todo o País a saber que ele nomeia, mas não demite; fala, mas sujeita-se a ultimatos; faz de conta que governa, mas é governado! Numa palavra, não tem autoridade!
Quinto facto: o Sr. Ministro das Finanças, na segunda-feira de manhã, estava solidário na forma e na substância com o Dr. Sá Fernandes. Na segunda-feira à tarde, terá percebido, como todo o País percebeu, que o Primeiro-Ministro estava a tirar o tapete ao seu Secretário de Estado.
Até hoje, não se sabe em que fica a solidariedade do Ministro das Finanças com o Dr. Sá Fernandes. Aparentemente, cessou, de facto, acabou.
Conclusão: no País do Eng.º Guterres os ministros não tiram consequência do que dizem.
Sexto facto: o Ministro Armando Vara, ligado a uma fundação sem qualquer sentido que não seja o desperdício, terá confessado o seu estado de alma: ir embora, pôr o lugar à disposição, porventura porque o novo Ministro da Administração Interna mandou averiguar o que ele só considerava ser averiguável por «mentes reles».
Conclusão: o Ministro Armando Vara diz e desdiz-se; ameaça, mas não sai; diz aos jornalistas o que não diz ao Primeiro-Ministro; ou, mais grave ainda, diz ao Primeiro-Ministro o contrário do que pensa. Aí temos um ambiente salutar.
Sétimo facto: a legião de assessores e consultores do PS no Ministério da Administração Interna faz uma fundação que é privada, mas que só tem financiamento público, que é para fazer propaganda do Estado, mas que não segue concursos públicos e que não serve para nada que um qualquer departamento do Estado ou instituição civil não pudesse fazer eventualmente melhor. O anterior Ministro da Administração Interna desconfiou; o actual Ministro da Administração Interna não sabia da existência da Fundação.

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Conclusão: neste Governo, é o PS que faz o que quer, mesmo que os ministros não governem ou não saibam. Aliás, para ser exacto, neste Governo os ministros parecem nunca saber o que se passa.
Oitavo facto: o Ministro da Administração Interna não sabia da Fundação para a Prevenção e Segurança, quando soube mandou pedir pareceres à Procuradoria-Geral da República e, perante perguntas que não têm qualquer resposta lógica ou consistente, prepara-se para encerrar a dita Fundação.
Conclusão: o novo Ministro da Administração Interna tem um Secretário de Estado que não lhe diz tudo, ou tem opiniões que contradizem as do seu próprio Secretário de Estado, e vai da ignorância à dúvida, até chegar ao óbvio, que é fechar uma fundação inútil, incomportável e inaceitável.
Como o Dr. Severiano Teixeira não é do PS, e o PS queria a fundação, como o Dr. Severiano Teixeira é independente, e os independentes parecem não se aguentar muito tempo neste Governo, o Dr. Severiano Teixeira corre o risco de cair mais mês menos mês. Está mesmo a ver-se que corre o risco de não durar muito no meio de tanta confusão.
Nono facto: a favor da Fundação para a Prevenção e Segurança e, envolvidos com ela, estavam o anterior chefe de gabinete do Primeiro-Ministro e actual Secretário de Estado da Administração Interna e um antigo secretário de Estado, o qual é, actualmente, Ministro da Juventude e do Desporto e tido como muito próximo do Primeiro-Ministro.
Contra, tendo levantado a suspeição, estavam o anterior Ministro da Administração Interna, hoje a caminho de um cargo em Paris, e, ao que também nos temos vindo a aperceber, como foi dito, o actual Ministro da Administração Interna.
Conclusão: entre o PS e um independente o novo Ministro da Administração Interna que se cuide, pois poderá correr o risco de ter de seguir o seu antecessor e partir também ele para uma qualquer instituição ou embaixada no estrangeiro!
Ficamos com uma certeza: o Primeiro-Ministro nunca escolherá o que está certo, escolherá sempre o que é mais PS ou o que lhe é mais próximo.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Décimo facto: a propósito de PS, como aqui foi dito, um director da Administração Regional de Saúde do Norte veio a público dizer que entre dois candidatos em igualdade de circunstâncias, admitindo que tal é possível, escolheria sempre o do PS. O mesmo director acabou, e bem, afastado do seu posto.
Mas a conclusão a extrair é muito simples: para os socialistas, em matéria de jobs for the boy, no estado de despudor a que chegou a Administração Pública, convém não revelar a verdade, convém nunca «dar com a língua nos dentes» nem fazer a confissão, porque a verdade é more and more jobs for the boys!

Aplausos do CDS-PP.

Lembramos que no Orçamento do Estado o Governo introduziu no sistema político o vírus do localismo e, consequentemente, a ingovernabilidade. Apesar de tudo, o Sr. Primeiro-Ministro disse, aqui, que o fazia para evitar uma crise política.

O Sr. José Barros Moura (PS): - Isso é desonesto!

O Orador: - Quinze dias depois, só quinze dias depois, o cenário é de decomposição do Governo, de descoordenação e de crise da autoridade!

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente João Amaral.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Telmo Correia, esgotou o seu tempo.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Por este caminho, como chegaremos a 2003, Srs. Deputados?

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - A Mesa tem a inscrição do Sr. Ministro da Presidência, para defesa da honra do Governo, e dos Srs. Deputados Osvaldo Castro, Guilherme Silva e António Filipe, para pedirem esclarecimentos.
Para defesa da honra do Governo, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.

O Sr. Ministro da Presidência (Guilherme d'Oliveira Martins): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Telmo Correia, não pode aceitar o Governo as considerações que acaba de produzir.
Ouvi todas a intervenção e não pode o Governo ficar sem reagir, uma vez que não deve e não teme! E, quando o Governo não deve e não teme, está disposto a esclarecer tudo aquilo que for de esclarecer, aqui, no Parlamento!

Aplausos do PS.

Essa é a atitude do Governo: não entrar em jogos de palavras, não entrar em acusações sub-reptícias, quando o fundamental é, a propósito de cada uma das acusações, esclarecer o que realmente está em causa! Nesse ponto, o Governo está totalmente disponível para esclarecer o que for para esclarecer!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E não podem o prestígio e a honra do Primeiro-Ministro de Portugal e do Governo de Portugal ser postos em causa com meros jogos de palavras, com meras supostas análises políticas, quando o que está em causa é a governação de Portugal, é o valor fundamental da cidadania, é o valor fundamental da ética republicana, que defenderemos até ás últimas consequências!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Governo não deve e não teme. Por isso, queremos que tudo se esclareça!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, confesso que não percebi em que circunstâncias é que o Sr.

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Ministro da Presidência interveio, se para defesa da honra, se para me fazer uma pergunta.

O Sr. Ministro da Presidência: - Foi em defesa da honra do Governo!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, foi em defesa da honra, como anunciei.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente. Não me tinha apercebido e isso também não ficou muito claro pelo conteúdo da intervenção, porque se há honra a defender nesta matéria,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É a do Estado!

O Orador: - … não basta, para a defender, que Sr. Ministro ponha um tom mais irado e mais enervado daquele que habitualmente usa, simpático e cordato.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Não é levantando a voz que o Sr. Ministro, que é uma pessoa reconhecidamente cordata, fará uma melhor defesa da honra.
Ao contrário daquilo que o Sr. Ministro disse, tudo o que eu aqui expus são factos (e citei-os um a um), que não inventei, que o CDS-PP não criou, que o CDS-PP se limitou a acompanhar!
A Fundação existe! O pedido de parecer à Procuradoria-Geral da República e o anúncio da cessação da função foram feitos pelo seu colega Nuno Severiano Teixeira! As declarações do Dr. Ricardo Sá Fernandes existem! O apoio do Primeiro-Ministro e a retirada desse apoio existem e são públicos!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - O anúncio da demissão do Ministro António Costa foi tornado público ao País! A saída do Dr. Ricardo Sá Fernandes é pública e conhecida! O apoio do Dr. Pina Moura é público e conhecido! A retirada desse apoio do Dr. Pina Moura é a consequência óbvia! As declarações do responsável da Administração Regional de Saúde do Norte são conhecidas, elas foram difundidas por toda a comunicação social, e a sua demissão e afastamento são igualmente públicos!
Tudo isto são factos, Sr. Ministro, e, perante factos, não se pode responder com exaltação e com meros argumentos!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Ministro disse que o Governo não deve e não teme. Pois não! Mas o Sr. Primeiro-Ministro também não governa, o que é pena!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Telmo Correia, tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Telmo Correia, hesitei bastante sobre se devia pôr-lhe alguma questão, não apenas porque o Governo já lhe respondeu…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Vai buscar lenha para se queimar!

O Orador: - … mas porque se limitou a fazer uma duplicata, para pior, do que já tinha sido dito pelo Sr. Deputado Carlos Encarnação. E, Sr. Deputado Telmo Correia, quanto a essa coisa do tom de voz - eu também tenho um tom de voz elevado -, vire-se sempre para a sua bancada!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Não esteja a olhar para a minha bancada com esse tom de voz!

O Orador: - O Sr. Deputado invocou 10 factos de uma forma especificada, tal qual um jurista, e eu não vou contestar todos especificadamente porque não disponho de 10 minutos, mas há coisas que gostava de deixar claro.
Ainda há dois ou três dias, em 4 de Dezembro, o Presidente da Assembleia da República, não por acaso o Presidente do Partido Socialista, disse o que os socialistas pensam há muito tempo sobre Camarate. Não venha, pois, tentar lançar dúvidas ou injúrias. Nós estivemos sempre, e continuaremos a estar, dispostos e disponíveis para apurar a verdade nessa matéria…

O Sr. José Barros Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - … e não é a circunstância de um advogado, que foi Secretário de Estado, se ter empenhado nisso que retira aos socialistas o seu passado e a sua história nessa matéria.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Deixe-me também dizer-lhe, Sr. Deputado Telmo Correia, que, relativamente a algumas das questões que aqui levantou sobre a vida do Governo, faria bem melhor olhar para dentro do seu partido, onde houve um candidato presidencial, que já não o é, e onde, ainda recentemente, houve um Deputado que saiu do grupo parlamentar.
Sr. Deputado Telmo Correia, os senhores é que têm problemas, aí é que parece haver quem não mande! Não é no Governo! Esta é que é a grande realidade.
Sr. Deputado Telmo Correia, para terminar, deixe-me dizer que o PSD e o CDS-PP, ontem mesmo, pediram à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias, onde eu sou o coordenador do grupo socialista, a audição, com urgência, do Sr. Ministro da Administração Interna e de outros membros do Governo sobre matéria da Fundação. Pergunto, Sr. Deputado Telmo Correia, em nome da sua honorabilidade,…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Como?!…

O Orador: - … se acha que é altura para dar sentenças sem ouvir as pessoas. Porquê a urgência? Às 17 horas e 30 minutos, o senhor vai ter aqui o Ministro da Administração Interna e, na próxima segunda-feira, vai ter outras pessoas. Porquê estar a julgar as pessoas sem as ter ouvido? É pura demagogia, Sr. Deputado Telmo Correia! Às 17 horas e 30 minutos, vá à Comissão e faça perguntas ao Ministro.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado Telmo Correia, tem mais dois pedidos de esclarecimento. Responde já ou no fim?

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Respondo já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Então, tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Osvaldo Castro, faça as perguntas em nome da sua honorabilidade e da da sua bancada, porque a nossa está tranquila. Mais: não faço, por hábito, referências a tons de voz, porque cada um tem o seu estilo. Acontece que conheço o Dr. Guilherme d' Oliveira Martins há muitos anos - fui aluno dele - e sei que tem normalmente um estilo mais ponderado e mais cordato. Só por isso o assinalei.
Em relação às suas perguntas, folgo em saber que os socialistas, como disse, querem conhecer a verdade sobre Camarate, mas a minha dúvida é só esta: se pensam todos o mesmo, se só têm uma opinião sobre o assunto e se, como nós, querem e desejam que haja julgamento sobre esta matéria para que o País conheça a verdade a que tem direito, então, por que é que saiu o Dr. Sá Fernandes?

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - O senhor é jurista e sabe que uma coisa não tem a ver com a outra!

O Orador: - E, já agora, o que é que o Sr. Primeiro-Ministro pensa sobre esta matéria?
Em relação à segunda parte da sua pergunta, lamento que nela tenham entrado da maneira que vos é habitual, ou seja, com chicana político-partidária. Falaram do problema das divisões da bancada do PSD, falaram dos nossos problemas, enfim, reinou a confusão. Os senhores respondem aos problemas de governação do País com problemas internos dos partidos da oposição e, sobre isso, quero dizer-lhe o seguinte: é verdade que o CDS-PP teve um Deputado que foi aliciado pelo Governo, que virou costas ao seu partido e viabilizou um Orçamento do Estado, é verdade que o meu partido teve um candidato presidencial que, em nome de um projecto para o País, retirou a sua candidatura, …

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Foi obrigado a retirar!

O Orador: - … o que o meu partido não tem, nem teve, é uma fundação privada para usar dinheiros públicos e boys nomeados em jobs!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Telmo Correia, antes de lhe colocar a questão, quero fazer uma pequena observação.
A intervenção do Sr. Deputado Carlos Encarnação e a sua foram muito semelhantes e acontece esta coisa interessante: nós já sabemos que o Governo está todo dividido, que nele cada um tem a sua opinião sobre cada assunto, mas a sensibilidade do Governo representada aqui pelo Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, José Magalhães, é completamente diferente da sensibilidade do Governo representada pelo Sr. Ministro Oliveira Martins,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!

O Orador: - … porque o Sr. Secretário de Estado ouviu as mesmas coisas e só por via dos ouvidos do Sr. Ministro Guilherme d'Oliveira Martins houve o sentido de que o Governo tinha sido ofendido. Ou, então, o Sr. Secretário de Estado teve a noção de que esta figura da defesa da honra dá direito a resposta e, com a experiência parlamentar que tem, entendeu não ir por aí!
Sr. Deputado Telmo Correia, está efectivamente marcada para esta tarde, na 1.ª Comissão, uma audição do Sr. Ministro da Administração Interna, mas há uma coisa que me parece de todo irrefutável: há uma escritura pública de constituição de uma fundação, esta fundação é composta por assessores ministeriais na área da Administração Interna, esses assessores constituem esta fundação com dinheiros públicos e a fundação tem, entre as suas finalidades - já se está a ver para quê -, o património constituído por receitas provenientes de protocolos a celebrar com instituições ou entidades decorrentes da respectiva prestação de serviços. Já estava na calha ao que é que ela se destinava.
A questão que coloco é esta: com as envolvências que neste processo têm assessores e membros do Governo desta área, com as envolvências que tiveram os próprios membros do Governo na homologação da própria fundação, que é uma competência da Administração Interna, na transferência de dinheiro para esta Fundação, com pareceres dos mesmos assessores que integram a Fundação, perante tudo isto, não acha, Sr. Deputado Telmo Correia, que toda essa gente, todos esses ministros e secretários de Estado, já deviam estar na rua por iniciativa própria ou por demissão do Primeiro-Ministro? Não acha também que o Sr. Primeiro-Ministro já devia ter vindo a esta Assembleia explicar, «tim-tim por tim-tim», toda esta situação?

Aplausos do PSD.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - O Sr. Ministro vem cá logo!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Telmo Correia, de facto, esta semana tem sido fértil em factos e acontecimentos que não abonam rigorosamente nada a saúde deste Governo. Particularmente a última segunda-feira foi, podemos dizê-lo, uma verdadeira segunda-feira negra para o Governo do Partido Socialista. De facto, num só dia, ao meio dia e meia um Ministro apresenta a demissão, passado umas horas sabe-se que, afinal, também se demite um Secretário de Estado, passadas mais umas horas sabe-se que o Primeiro-Ministro está empenhado em demover o Ministro da sua intenção de se demitir e, ao fim da tarde, sabe-se que o Ministro aceitou reconsiderar e que, afinal, já não sai. E há ainda quem diga que, pelos vistos, só não saiu nesse dia mais um Ministro, o Ministro Armando Vara, agastado com a posição do Ministro da Administração Interna sobre a fundação que ele havia criado, porque a agenda dos media já estava de

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tal modo preenchida que o Governo, nesse dia, já tinha a sua dose em matéria de demissões e de reconsiderações!

Risos do PCP, do PSD e do CDS-PP.

Mas vamos ver como é que este processo irá encerrar-se.
É verdade que já não é a primeira vez que os ministros se contradizem relativamente à mesma matéria - conhecemos outros casos, envolvendo outros ministros e outras situações -, mas, de facto, estamos perante uma concentração verdadeiramente anormal de contradições entre vários membros do Governo. E assistimos a uma situação curiosa: depois do tabu do Verão passado sobre a remodelação, que estaria no segredo do Sr. Primeiro-Ministro, aquilo a que assistimos agora é a uma remodelação quase que permanente mas forçada, isto é, o Sr. Primeiro-Ministro a procurar compor o seu Governo, perante os ministros membros do Governo que o vão abandonando. Com outra particularidade, a de que a primeira coisa que faz cada membro do Governo que entra é procurar deitar pela borda fora heranças incómodas que recebeu de ministros anteriores!
Sr. Deputado Telmo Correia, há pouco tivemos já a oportunidade de ouvir várias reacções a estas considerações da parte, designadamente, do Sr. Ministro da Presidência e dos Srs. Deputados do Partido Socialista. Disse-nos o Sr. Ministro da Presidência que o Governo não deve e como não deve não teme. Gostaria de dizer que nós achamos que o Governo deve, pelo menos, uma explicação relativamente a esta questão da Fundação, que ainda não está devidamente esclarecida.
Dir-me-ão que vamos ter audições, às 17 horas e 30 minutos, na 1.ª Comissão, que vamos continuar essas audições na próxima segunda-feira, mas, de facto, não é verdade que o Governo não deva uma explicação - e uma explicação rigorosa - sobre todos os meandros que envolveram a criação desta Fundação, sobre os negócios que foram feitos à sua sombra e sobre quem beneficiou com eles.
Portanto, o Governo deve essa explicação ao País e ela não pode deixar de ser dada.
Uma outra explicação que o Sr. Deputado José Saraiva há pouco aqui nos deu é também, no mínimo, curiosa, quando conjugada com as afirmações que foram feitas pelo Director da ARS do Norte, o qual afirmou peremptoriamente que, em igualdade de circunstâncias, entre socialistas e outros cidadãos, nomearia os socialistas. E veio aqui dizer o Sr. Deputado José Saraiva: «Mas ele não nomeou socialistas!»

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Almeida Santos.

O Sr. Presidente: - Esgotou o tempo, Sr. Deputado. Faça favor de terminar.

O Orador: - Termino de imediato, Sr. Presidente.
Somos forçados a concluir que se ele não nomeou socialistas foi, pura e simplesmente, porque não conseguiu encontrar socialistas em igualdade de circunstâncias com os outros cidadãos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Risos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimentos dos Srs. Deputados Guilherme Silva e António Filipe, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, quero, em primeiro lugar, agradecer aos Srs. Deputados as questões colocadas e dizer, designadamente ao Sr. Deputado Guilherme Silva, que nesta matéria estamos basicamente de acordo.
Com efeito - e com isto retomo o tema do Sr. Deputado Osvaldo Castro, com quem também estou de acordo -, vamos ter de esclarecer esta história da Fundação até às últimas consequências. Agora, independentemente de saber o que é que temos ainda por esclarecer, há já muita coisa por onde começar e o Governo tinha a obrigação de vir aqui esclarecer tudo o que já foi dito até este momento,…

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - … porque já temos a criação de uma fundação, temos transferência de dinheiros para uma fundação privada antes da sua constituição,…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - … temos dinheiros públicos para uma fundação privada, temos membros e adjuntos do Governo a exercer cargos no Governo e nessa mesma fundação privada, temos uma fundação de dinheiros públicos que faz contratos sem concurso público…

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - É um regabofe!

O Orador: - … para substituir aquilo que devia ser feito pela Prevenção Rodoviária Portuguesa. Já temos matéria suficiente.
Eu compreendo que qualquer membro do Governo e, até, o Sr. Dr. José Magalhães, que normalmente é tão prolixo nas suas intervenções, não queira falar agora, porque tudo pode dar um problema, tudo pode dar uma nova demissão. Eu compreendo que haja quase que uma regra de ouro de silêncio neste momento. Compreendo perfeitamente que haja prudência nessa matéria! Mas agora, como já temos matéria suficiente, vamos até ao fim, e veremos se não há muito mais matéria.
Sr. Deputado António Filipe, quero cumprimentá-lo pelo seu humor. De facto, reconheço-o, esta foi aquilo a que podemos chamar uma verdadeira semana louca. Acho, Sr. Deputado António Filipe, que só há uma coisa igual ou comparável ao que está a acontecer neste Governo: a situação dos últimos dias, designadamente a de ontem, no mundo do futebol!

Risos do CDS-PP.

Não encontro mais nada que seja comparável ao que está a acontecer neste Governo!

Aplausos do CDS-PP.

E o que é grave, Sr. Deputado António Filipe, referindo-me à resposta do Deputado José Saraiva, é sabermos se esta confissão, se este «dar com a língua nos dentes», não é mais do que a expressão do estado de espírito exis

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tente no PS, porque estamos a falar de uma fundação e de um director, mas quantos directores e quantas fundações, quantas situações, quantas administrações, quantas histórias, que, por prudência, não vieram ainda a lume, não virão ainda!?
Srs. Deputados, termino, dizendo que corremos o risco de estar a assistir, depois de o Governo ter vindo aqui fazer o discurso da estabilidade, à instabilidade total. É uma espécie, com o devido respeito por si, Sr. Deputado António Filipe, de novo PREC, neste caso uma espécie de «Processo de Remodelação Sistematicamente em Curso».

Aplausos de CDS-PP.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa sobre a condução dos trabalhos.

O Sr. Presidente: - Agradeço que diga qual é a matéria, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, fui, por duas vezes, mencionado na Sala como não tendo pedido para usar da palavra sobre esta questão…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Mas isso é verdade!

O Orador: - … e V. Ex.ª, que conduz os trabalhos, sabe bem que não o fiz.
O que V. Ex.ª , porventura, não sabe (e era isso que gostaria de deixar na acta) é que não o fiz porque «o silêncio seja de ouro» - seria, aliás, de chumbo! -, mas porque, ao mais alto nível, o Sr. Ministro da Presidência disse, em nome do Governo, tudo o que era preciso dizer.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Antes disso! Antes disso!

O Orador: - Só gostaria de dizer, Sr. Presidente, nesta sessão, e porque fui mencionado duas vezes, que quem condena sumariamente e sem provas faz mal, não é sensato.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar no debate sobre a Construção Europeia e a Reforma dos Tratados.
Tem a palavra, para iniciar o debate, em nome do Governo, o Sr. Ministro da Presidência.

O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Regressemos à governação, regressemos ao princípio fundamental da estabilidade.
O caminho da União Europeia, para significar um reforço da legitimidade democrática e cívica, exige determinação e gradualismo seguro.
A resolução dos problemas dos europeus deve fazer-se, assim, o mais próximo possível das pessoas, de modo que a legitimidade da democracia se vá construindo, desde a dimensão local até às instituições supranacionais. Eis porque, nas vésperas do Conselho Europeu de Nice, devemos aliar a prudência e a audácia. Prudência, na medida em que precisamos de obter um consenso nacional suficientemente amplo que permita aos cidadãos compreenderem quais os passos que estão a ser dados; audácia, uma vez que, em lugar de um qualquer super Estado europeu, do que precisamos é de um quadro institucional que permita salvaguardar o respeito pela legitimidade nacional e pela legitimidade cívica, numa palavra, que permita fazer da União Europeia uma realidade solidamente ancorada nas identidades dos Estados e na autonomia individual dos cidadãos.
Depois de 1989, somos responsáveis pelo velho continente, daquém e além fronteiras da outra Europa. A comunidade plural de destinos e valores, que somos chamados a construir, exige que saibamos o que queremos e para onde vamos. Para tanto, é indispensável que saibamos ser fiéis aos pais fundadores da Comunidade Europeia, ligando os pequenos passos e a capacidade de sonhar um espaço concreto de paz e de solidariedade, apesar da história e de milhares de anos de guerras civis.
Quando, em 1945, um jovem, saído de um campo de concentração alemão, foi capaz de substituir uma reacção de rancor para com o povo vencido que o tinha oprimido por um apelo à reconciliação e à paz, disse quase tudo sobre a força do testemunho e do exemplo para a construção europeia.
O Governo tem informado em pormenor a Assembleia da República sobre o ponto da situação do complexo debate institucional e da Conferência Intergovernamental. O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus tem prestado à Comissão de Assuntos Europeus todos os esclarecimentos solicitados.
A negociação teve início, como bem sabemos, em 14 de Fevereiro, sob a presidência portuguesa, no uso do mandato recebido no Conselho Europeu de Helsínquia, envolvendo composição e dimensão da Comissão, ponderação de votos do Conselho e possível extensão da maioria qualificada, além das alterações derivadas das consequências do alargamento noutras instituições e órgãos.
Era uma agenda limitada, que procurámos alargar a outros temas. Infelizmente, não foi possível ir muito longe, por falta de vontade de alguns parceiros. Porém, Portugal propôs incluir a questão das cooperações reforçadas, uma vez que se tratava de tentar flexibilizar, de forma controlada, o modelo instituído em Amsterdão para facilitar a integração diferenciada numa União muito mais heterogénea e diversa, como aquela que resultará do alargamento. Além disso, pretendia-se evitar que alguns pudessem utilizar a alegada rigidez do actual modelo para poder actuar em grupos separados fora do Tratado, com os riscos que daí decorreriam da falta do papel arbitral da Comissão, da tutela do Tribunal de Justiça e do controlo parlamentar europeu.
A nossa presidência desenvolveu trabalho muito completo, que deu origem ao Relatório apresentado ao Conselho Europeu da Feira e que aí mereceu, como bem sabemos, amplo acolhimento positivo. Nele procurámos fazer uma abordagem exaustiva de todos os temas, recolhendo, de forma equilibrada, as diversas opções e alternativas.
A presidência francesa representa um outro tempo no debate. Assumimos que frequentemente discordámos da metodologia seguida e que por vezes a pusemos em causa, por se situar numa perspectiva que nos parecia mais próxima dos interesses dos países mais populosos da União. Fizemo-lo sempre com grande franqueza, como se procede entre amigos.
Qual a perspectiva seguida por Portugal nesta negociação? Em primeiro lugar, dispusemo-nos a cumprir o protocolo anexo ao Tratado de Amsterdão, ganhando, pela primeira vez na história da União, a igualdade absoluta de

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todos os Estados membros na Comissão, dando em compensação atribuir aos países que perdessem o seu segundo comissário uma «compensação» ao nível do Conselho.
Em segundo lugar, manifestámo-nos abertos a encarar o tratamento por maioria qualificada de um conjunto de decisões hoje tomadas por unanimidade, único caminho decisório responsável na perspectiva do alargamento.
Em terceiro lugar, manifestámo-nos disponíveis para trabalhar na flexibilização das cooperações reforçadas, pelas razões já apontadas.
Em linha geral, procurámos garantir que a União Europeia se poderá dotar dos mecanismos necessários a enfrentar institucionalmente o desafio do alargamento, numa lógica de apoio ao projecto estratégico de «reunificação do continente» que o alargamento configura, e que Portugal estava aberto a uma reforma do modelo institucional que pudesse garantir maior eficácia e legitimidade às instituições, com mútuas e equilibradas concessões, na defesa do reforço do aprofundamento do projecto europeu, que é a linha fundamental orientadora, e que, nesse quadro, procuraríamos preservar o máximo de capacidade de intervenção nacional dos mecanismos decisórios, na defesa da autonomia da decisão portuguesa no contexto da União, para preservação dos nossos interesses específicos.
Não estávamos, no entanto, disponíveis - nunca estivemos - para aceitar quaisquer reformas que pudessem significar um papel de futura menor relevância de Portugal no quadro de poderes da Europa do futuro. Foi assim significativo o papel de Portugal nesta negociação, em defesa do futuro dos pequenos e médios países no processo decisório.
O que se espera de Nice? Todos os europeus desejam que sejam dados passos seguros no sentido de um futuro de coesão e de paz. Independentemente de outras considerações, o que está em causa, neste momento, é a definição clara de uma posição que preserve os fundamentos da democracia supranacional europeia, superando egoísmos e evitando soluções frágeis porque artificiais.
Impõe-se, assim, garantir a manutenção das virtualidades do modelo integrador que esteve na base de 50 anos de vida e do sucesso do projecto Europeu, assente num quadro institucional único e no papel central da Comissão Europeia, como única instituição com direito de iniciativa na esfera comunitária.
Urge aplicar as decisões adoptadas no protocolo sobre as instituições, no que diz respeito à futura composição da Comissão Europeia, adoptando relativamente a esta as mudanças funcionais necessárias, com vista ao reforço da sua representatividade, legitimidade, autoridade e eficácia, com respeito do princípio da igualdade entre os Estados e da manutenção do seu quadro de poderes, com reforço do papel do presidente, sem afectação do princípio da colegialidade.
Deve ainda definir-se com clareza uma evolução equilibrada do processo de decisão, que compatibilize o duplo carácter de uma união de Estados e de povos nos modelos decisórios e que, nessa base, preserve a conjugação entre a representação diversa das entidades nacionais e a respectiva projecção demográfica, em condições que garantam uma plena legitimidade do processo de integração.
Torna-se ainda indispensável adaptar as instituições ao quadro de exigências que decorrem dos futuros alargamentos, nomeadamente através da previsão de votações por maioria qualificada de um conjunto de decisões actualmente adaptadas por unanimidade e da extensão do campo de aplicação do procedimento de co-decisão com o Parlamento Europeu, como condição essencial à preservação da funcionalidade e da legitimidade de uma união de Direito.
Revela-se, por fim, essencial rever, de modo equilibrado, os mecanismos de integração diferenciada que constituem os modelos de cooperações reforçadas, a fim de permitir à União alcançar o aprofundamento através de políticas que, sem afectarem a coerência e a integridade do acervo comunitário, possam congregar um grupo significativo de Estados membros, num quadro de transparência, de abertura e de não exclusão, no respeito da democracia supranacional.
Numa palavra, apenas seremos fiéis ao espírito originário da Comunidade se mantivermos a nossa determinação em saber ligar os passos seguros e graduais à audácia de conceber instituições aptas a corresponderem à incerteza e à complexidade que o futuro nos reserva.
Desejavelmente, o tratado de Nice deveria ainda incluir a Carta Europeia dos Direitos Fundamentais, como importante instrumento de afirmação de princípios capaz de vincular as instituições e os actuais e futuros membros da União Europeia.
Sejamos claros: a definição do interesse europeu constitui parte integrante e extensão do interesse nacional português, concebido de forma aberta e não redutora. Desejamos, assim, que em Nice possam ser dados passos no sentido de uma melhor representação da vontade comum dos Estados, dos povos da Europa e dos seus cidadãos. A União Europeia deverá, assim, definir-se como espaço adequado para a concretizarão dos projectos comuns de desenvolvimento e de bem-estar, assim como enquanto factor activo de estabilidade e de paz, baseados num património comum de valores e princípios.
É nesta base que o Governo procurará assentar a sua posição negocial. Esperamos que esta perspectiva possa merecer um alargado apoio da Câmara, nomeadamente com vista à manutenção da expressão maioritária de vontades que possibilitou, no passado, a aprovação do Tratado de Adesão e a ratificação dos Tratados de Maastricht e de Amesterdão.
Aqui viremos, depois de Nice, para apresentar o resultado das negociações, nestes exactos termos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Vou falar baixinho para a bancada do Partido Socialista não se incomodar.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Ah! Era para si?

O Orador: - Sei que era para mim!
Para uma pessoa que fala baixinho poder ser ouvida é preciso que as que estão a ouvir não falem um bocadinho mais alto do que a que fala baixinho.

Risos do CDS-PP.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Olhe os 20 segundos da mensagem!

O Orador: - Gostava de começar por dizer que em boa hora o CDS pediu um debate em Plenário, politicamente

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relevante, antes da Cimeira de Nice, porquanto seria, a nosso ver, caso único que a negociação precedesse, em termos de debate com dignidade institucional, no Plenário da Câmara, a discussão política sobre o que está em causa nessa negociação.
É certo que há uma tendência preocupante, que temos de contrariar sempre, para fazer a construção europeia através de factos consumados: primeiro negoceia-se, depois comunica-se. Ora, se o que está em causa em Nice é, de algum modo, o futuro da nossa soberania, primeiro debate-se na fonte da soberania, que é a Assembleia da República, aí se obtém um mandato e, então, negoceia-se. É este que é o curso democrático, institucional e saudável das coisas.
Finalmente, porque temos de saber distinguir sempre entre o que é conjuntural e o que é importante. Alguns dizem, e não estamos em desacordo, que de Nice não sairá uma revisão significativa. Mas a discussão de Nice é importante, porque, não sendo uma discussão sobre a natureza da União, é uma discussão sobre o poder dentro da União, e o poder dentro da União, primeiro, exerce-se muitas vezes sobre nós e representa o nosso poder no quadro da Comunidade.
Deste modo, saudamos a existência deste debate como forma de verificar se existe - e desejavelmente deve existir - um consenso vasto, alargado e exigente nas forças políticas, em Portugal, que facilite e reforce uma negociação satisfatória para os interesses de Portugal, no próximo fim-de-semana.
Gostaria, a seguir, de recordar ao Governo - que me parece, às vezes, esquecido desse facto - que, de acordo com o acervo do Tratado de Amsterdão, o arco europeu, em Portugal, é composto por três partidos que votaram a favor de Amsterdão: o PS, o PSD e o CDS. O arco europeu é, portanto, mais vasto e, necessariamente, mais plural do que o bloco central de europeísmo confidencial, que é uma tentação permanente nas questões europeias.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - É mais vasto porque inclui o CDS; é mais plural porque o CDS, em matéria europeia, tem, de facto, uma posição diferente dentro do arco europeu, mas mais política e menos tecnocrática, mais nacional e, certamente, menos federal, mais exigente e menos seguidista. O que significa que, bem vistas as coisas, essa nossa posição, que é específica e diferente, que é prudente e rigorosa e que é, de facto, mais nacional, pode reforçar o mandato do Governo que, em nome de Portugal e de todos, negociará no próximo fim-de-semana.
Queria, a esse título, portanto, dar ao Governo e à Câmara a noção do que é a nossa posição relativamente às matérias que estão em causa em Nice, questões que, no essencial, são questão de poder mais do que de natureza.
Se Amsterdão não resolveu um conjunto de problemas, Nice deixará outros tantos, e diria mesmo alguns ainda mais importantes, por resolver. Matérias que um dia têm de ser abordadas e legitimadas escapam a esta discussão, mas, em todo o caso, o que está em causa é relevante para definirmos o poder que um Estado médio como Portugal tem no quadro da União Europeia.
Em primeiro lugar, a questão do número de comissários. Defendemos que o Governo português deve bater-se até ao fim pela preservação do princípio de que cada Estado tem um comissário, pelo menos, na União Europeia. Não entendemos, até hoje, a lógica ou a consistência, com que obsessivamente alguns, na União Europeia, se opõem a uma Comissão que possa ter mais cinco ou mais dez membros. Vemos a Comissão essencialmente como administração e, ainda assim, os membros da Comissão são menos de metade, para toda a União, do que os membros do Governo de Portugal. Portanto, a obsessão com o número não é uma obsessão politicamente sustentável, mas, se prevalecer, defendemos o princípio de que cada Estado tem um comissário e se algum dia houver perdas, a médio prazo, a rotação das perdas tem de ser paritária.
Em segundo lugar, a questão da ponderação, onde parece que a maioria das atenções se centra. É evidente que há uma tenção importante, quase inescapável, por parte do núcleo dos grandes Estados para corrigirem o défice de representação que têm na ponderação respectiva de votos. Mas também é evidente que o sistema de ponderação de votos é o sistema vital para os pequenos e médios Estados terem uma força verdadeiramente «constituinte» dentro da União e não serem «filhos de um Deus menor».
Por isso mesmo, e sem entrar em detalhes que não facilitam uma negociação, o que defendemos é que, se houver nova ponderação, ela reproduza o mais proximamente possível o actual sistema de repartição de votos, que se aproxime o mais possível do actual equilíbrio e que, em suma, os grandes Estados não possam fazer lei sozinhos.
O que significa que, como base também de raciocínio para o futuro, entendemos que, assim como alguns podem ter razão ao pedir uma ponderação mais correcta do ponto de vista das populações, o critério de uma ponderação por Estados interessa a Estados como Portugal, o que pode apontar para um sistema de duplas maiorias.
Em terceiro lugar, quanto às questões que podem ou devem evoluir de um sistema de unanimidade para um outro de maioria qualificada. É evidente que há questões de operacionalidade na União que têm de ser atendidas, mas também é importante perceber que, para proteger a sua posição, Estados como Portugal precisam de poder invocar o seu interesse em questões que possam não interessar a muitos mais. E há inúmeros casos, na política europeia, que demonstram como é que um Estado como Portugal precisa de instrumentos de poder que possa usar, ou ameaçar usar, em determinadas circunstâncias.
Ora, isto leva-me a solicitar ao Governo que tenha o maior cuidado na análise das matérias que podem transitar da unanimidade para a maioria qualificada e darei apenas três exemplos.
Quanto às normas «constitucionais», nem estão em causa. Quanto às normas relativas à coesão económica e social e aos fundos estruturais, não podem transitar para a maioria qualificada, embora a questão nunca venha a ser fácil, porque alguém pode utilizá-las para bloquear a nova distribuição de fundos depois de 2006. Mas há uma questão que, para nós, é decisiva, e já o disse ao Sr. Primeiro-Ministro: nós não aceitamos um alargamento na área da fiscalidade que prejudique o poder nacional de utilizar a política fiscal a favor da nossa economia, do nosso crescimento, da nossa competitividade e da nossa produtividade.
Neste momento, a política fiscal é o único instrumento decisivo, no domínio da política económica, que é competência nacional, primado essencialmente nacional. Prescindir desse poder é perder a possibilidade, de que Portugal precisa como de «pão para a boca», de ter uma nova política fiscal a favor do crescimento, da produtividade e da competitividade da nossa economia.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

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O Orador: - Por fim, relativamente às cooperações reforçadas - que me perdoem os mais federalistas! -, nós tínhamos razão quando as defendemos na altura do Tratado de Amsterdão.
Numa União que vai alargar-se, e da forma como vai alargar-se, não é possível pôr toda a gente de acordo a menos que se possibilite que uns avancem mais do que outros, sem o impor, e que quem não quer avançar não seja obstrutivo.
Portanto, desde que haja condições de acesso e que as cooperações reforçadas sejam vistas como a institucionalização de uma certa liberdade e não como a institucionalização da exclusão de certos países, somos favoráveis. De igual modo somos favoráveis à Carta Europeia dos Direitos Fundamentais, como carta de princípios, mas não entendemos nem defendemos o seu valor constitucional nem preambular. Constituições, essas, são nacionais. No dia em que outro for o entendimento, o processo europeu de legitimação tem de ser completamente diferente.
É, pois, este o nosso entendimento. Desejamos ao Governo boa sorte, que negoceie bem em defesa de Portugal, desejando também que, nesta Câmara, se faça o mais vasto, alargado, exigente e forte consenso em defesa dos interesses nacionais.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: São alterações institucionais muito significativas e profundas aquelas que podem vir a ser assinadas pelo Governo português, em nome de Portugal, em Nice, na cimeira que encerra a presidência francesa da União Europeia. Pode vir a ser, ao contrário do que se diz e já se disse nesta Câmara ou do que se faz crer, uma reformulação sensível do actual Tratado da União Europeia.
São alterações que, de uma forma mais ou menos acentuada, poderão afectar negativamente a capacidade de intervenção de Portugal nos processos de decisão comunitária, poderão limitar ainda mais as possibilidades de o País defender eficazmente interesses próprios e específicos.
São alterações que, pelo contrário, visam reforçar o poder e a influência política, económica e, agora, também militar dos países mais poderosos da União Europeia.
São alterações que, pelo significado e pela importância que revestem, deveriam ser bem conhecidas e amplamente discutidas no País. Infelizmente, lamentavelmente, não o foram; infelizmente, lamentavelmente, continuam a não o ser.

O Sr. António Filipe (PCP): - Exactamente!

O Orador: - A Conferência Intergovernamental (CIG) chega ao seu termo sem que, ao longo de meses e meses de negociação, a opinião pública tenha sido informada sobre o que se ia discutindo, sobre o seu significado e sobre as suas consequências para Portugal.
À parte os protagonistas parlamentares, à parte este debate, o País real foi, mais uma vez, arredado da discussão ocorrida ao longo desta CIG.
A esmagadora maioria dos portugueses não sabe o que está em jogo e o que se discute e discutiu nesta CIG, a esmagadora maioria dos portugueses não vislumbra sequer as consequências que as decisões de Nice podem provocar para Portugal.
A discussão das questões comunitárias que revestem importância decisiva para o País continua a ser feita em circuito fechado. A promoção, em larga escala, da informação e da discussão sobre a CIG - que, no essencial, deveria competir ao Governo - não ocorreu, mais uma vez.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Pela primeira vez na história da integração europeia, o argumento do alargamento é utilizado para forçar alterações profundas na arquitectura institucional.
Até parece que os alargamentos não poderiam ser feitos sem essas alterações radicais. Até parece que não foi possível passar da anterior composição de seis para os actuais 15 Estados membros sem que idêntico argumento tivesse sido alguma vez utilizado. Até parece que quase 80% das decisões comunitárias não são já hoje tomadas por maioria qualificada. Até parece ser absolutamente impossível e inoperacional que a Comissão Europeia só possa ter 20 ou 22 comissários, quando é absolutamente certo e incontornável que os futuros Conselhos Europeus vão ter 25 ou mais representantes de Estados membros, sem que alguém ouse dizer, sequer - pelo menos por agora -, que serão inoperacionais ou ineficazes.
O alargamento, mais do que uma razão - e sê-lo-á, em certa medida - é certamente um pretexto que tem sido utilizado, e bem, até à exaustão, para justificar alterações profundas no Tratado.

O Sr. António Filipe (PCP): - Exactamente!

O Orador: - O alargamento constitui um pretexto - diria mesmo que constitui um artifício bem montado - que tem servido para esconder as ambições inconfessáveis dos países mais poderosos e mais populosos para alterar em seu proveito o actual quadro institucional, fazendo com que a União se afaste cada vez mais do contexto intergovernamental e adquira contornos federais cada vez mais acentuados, aprofundando, neste contexto, o domínio dos países mais fortes sobre os destinos colectivos da União e sobre os interesses dos países mais fracos, mais pequenos e menos populosos.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quais são, então, as profundas alterações institucionais que estão em discussão final em Nice e que o Governo português se prepara, de forma mais ou menos entusiástica, para assinar?
Em primeiro lugar, pretende-se que as decisões sobre a quase totalidade das questões comunitárias passem a ser tomadas por maioria qualificada.
Como sempre acentuou, o PCP considera que não são apenas questões institucionais ou as relativas ao alargamento as que devem ser adoptadas por unanimidade. Deverá, também, manter-se a possibilidade de exercício do direito de veto sobre todas as questões consideradas estruturantes e fundamentais para os interesses específicos do País.
São alienações de soberania nestas questões que fazem com que os governos, quando lhes convém, façam de conta que têm as mãos limpas quando afirmam ser Bruxelas que limita quotas de leite ou que impõe reduções da nossa capacidade produtiva, seja em que sector for. Não é Bruxelas que impõe nada. São os governos que aceitam previamente que outros decidam por nós em matéria de interesse nacional.

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

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O Orador: - Pretende-se, em segundo lugar, alterar a actual relação de votos no Conselho, concretizando uma reponderação que pode desvirtuar a natureza intergovernamental da União Europeia, que pode acentuar a sua componente meramente demográfica e populacional e que visa promover a recuperação de algum poder perdido por certos países mais fortes.
O PCP considera não ser admissível que Portugal possa vir a perder, por esta via, capacidade de intervenção no processo decisório da União Europeia.
Pretende-se, em terceiro lugar, que todas as matérias legislativas decididas por maioria qualificada passem a ser objecto de co-decisão parlamentar, promovendo-se, assim, não apenas uma reponderação acentuada de votos no Conselho como também uma dupla reponderação de votos, através do Parlamento Europeu onde, para compor o ramalhete final, parece que a representação parlamentar portuguesa poderá vir a ser significativamente diminuída dos actuais 25 lugares, num universo de 626. Há quem advogue e aceite a passagem para 16 lugares, num Hemiciclo de 700 assentos, sendo certo que, neste contexto, a Alemanha, por exemplo, passaria para 104 lugares.
Em quarto lugar, deseja-se limitar o número de membros no Colégio de Comissários que, de uma forma imediata ou a prazo, não assegure o princípio fundamental da existência de um comissário por cada Estado membro. Pode, assim, provocar-se que, na única instituição comunitária dotada de iniciativa legislativa, possam não estar representados todos os países, culturas e interesses nacionais que constituem a União Europeia. Simplesmente inaceitável, seja qual for a camuflagem com que, em Nice, se esteja a pensar adoçar uma tal decisão.
Por último, pretende-se viabilizar a criação das chamadas «cooperações reforçadas» com a participação de apenas um número limitado de membros da União Europeia.
As cooperações reforçadas visam a criação de uma Europa a várias velocidades, de onde ficará para sempre arredado o velho princípio fundacional do Tratado de Roma de aprofundamento da integração através do estabelecimento de consensos.
As cooperações reforçadas poderão dar origem a grupos diversificados, funcionando ao sabor e a reboque dos mais poderosos. Mas o seu objectivo imediato e substancial é, incontornavelmente, através deste expediente, gerar as bases para permitir, em torno das questões da defesa e da segurança, a criação de um corpo militar comum que se arrogue o direito de actuar e agir em nome de todos e da União Europeia.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Importaria que, no quadro da CIG e do Conselho Europeu de Nice, o Governo assumisse de forma clara a recusa das alterações institucionais que mais negativamente possam atingir Portugal.
Dentro de dias, poderemos avaliar os resultados de Nice e confrontar novamente o Governo com as consequências, para Portugal, do conteúdo concreto dos acordos que entender subscrever no próximo fim-de-semana.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Neves, para uma intervenção.

A Sr.ª Helena Neves (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Europa que os Chefes de Estado da União Europeia começam a discutir amanhã, em Nice, está transformada num puzzle onde se põem e repõem jogos e estratégias de poder dos grandes países na procura de acordos institucionais imediatos e reducionistas, sem definir estratégias de construção europeia. A União está em crise, Sr.as e Srs. Deputados.
É necessária a reformulação institucional de uma União que está em colapso de credibilidade e que tem sido paralisada na sua decisão. É mais do que nunca necessário o relançamento democrático de uma União que se rege pelo abstencionismo da maioria da população. E é por aí que a reforma deve começar e é por isso que tem fracassado ao longo dos últimos anos.
Ora, em contrapartida, o que tem vindo a predominar recentemente, em particular com a presidência francesa, é a escolha dos caminhos mais fáceis, nomeadamente a escolha de um autoritarismo ignorante dos problemas sociais e de um autismo político institucionalizado.
Com a preparação conduzida por Chirac e Jospin, a Cimeira de Nice pode não chegar a nenhuma conclusão para encerrar a Conferência Intergovernamental, mas dará certamente novos passos na constituição de um corpo europeu de ataque, de um embrião de exército.
Privilegiando as armas logo depois da moeda e antes da cidadania, os governantes europeus mostram, assim, por que é que uma maioria socialista e uma minoria de direita se entendem tão facilmente: os estados-maiores, no exército como na banca, são irredutíveis, secretos e incontroláveis, e são os motores de uma União que desconfia do voto, do debate, da prioridade da acção social.
Esta União que se reúne em Nice é uma Europa pequena e mesquinha, não é um projecto de casa comum, de um continente solidário e aberto num mundo em mudança.
Na Europa de hoje intensificam-se as assimetrias e as tensões sociais e, em particular, o desemprego, que atinge já 9% da população europeia - mais de 20 milhões de pessoas, Sr.as e Srs. Deputados! -, enquanto que a pobreza extrema abrange 18% dos europeus, mais de 40 milhões. Este é o problema da Europa, mesmo que Chirac pense que tudo se resume a uns mísseis e a umas paradas.
Por isso, esta Cimeira fica presa, nas suas contradições, entre a inevitabilidade do alargamento e a reponderação de votos, tentando uma coesão política que a concorrência e a disputa de poder fragiliza. O que está em discussão nesta Cimeira não é somente um desequilíbrio de poderes, no qual os pequenos países são potencialmente perdedores. Está, também, em evidência a representação que os chefes de Estado têm das cidadãs e dos cidadãos, representação bem patente no projecto de uma Carta dos Direitos que se fica pelas declarações de intenções, ficando atrás dos direitos sociais consagrados em vários países e mesmo no direito internacional.
A Cimeira de Nice discutirá igualmente, com algum formalismo e pouca coragem, o alargamento da União Europeia. Este alargamento é necessário e confronta os Estados membros com a própria crise de legitimidade da União. Poderia, por isso, constituir motivo para a reflexão urgente do projecto europeu como um território cuja identidade, ou identidades, multinacional, multicultural, multi-étnica e multireligiosa impõe uma refundação da democracia, um processo de democratização da democracia. Mas é esse mesmo alargamento que exige opções de fundo sobre o modelo de Europa.
Por isso, as cidadãs e os cidadãos europeus passam ao lado da Cimeira. Mas estão também à beira de Cimeira, a esta mesma hora em que aqui nos reunimos para esta discussão: os movimentos sociais de desempregados, os

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sindicatos, os movimentos ecologistas e feministas estão mobilizados, como antes estiveram em Lisboa e no Porto, aquando das cimeiras durante a presidência portuguesa, discutindo, eles sim, uma Europa de direitos sociais e um programa contra a exclusão e pela justiça social. Uma Europa que reencontre a sua identidade através, não somente de um comum passado e de uma cultura, aliás, cada vez mais devassada pelo predomínio dos EUA, mas também de uma identidade fundamentada em políticas comuns sobre direitos sociais, reforma fiscal, defesa ambiental, liberdade de circulação das pessoas e o reconhecimento dos direitos dos imigrantes.
Essa manifestação dá um recado ao nosso Governo. Deve o Governo repudiar todos os acordos que diminuam o poder de intervenção e de negociação dos pequenos Estados e recusar as possibilidades de políticas sociais concertadas para uma convergência real. Mas deve, sobretudo, afirmar a urgência de pensar um projecto para a Europa, debatendo os seus fundamentos essenciais, revendo o papel do Parlamento Europeu. Essa é a responsabilidade que temos a partir deste debate.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo.

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro: Hoje, a escassos dias do termo da presidência francesa, a Europa está de novo suspensa dos resultados de mais um Conselho Europeu e do desfecho de mais uma Conferência Intergovernamental.
Por isso, não podemos deixar de lamentar que o debate parlamentar sobre o facto político CIG 2000 e as perspectivas do Conselho Europeu de Nice só tenha lugar hoje, exactamente 24 horas antes de iniciar a ronda europeia. Este atraso é bem espelho da falta de empenho do Governo para informar a opinião pública portuguesa em geral. Recentemente, o Partido Social Democrata tomou a iniciativa de discutir publicamente o futuro da Europa e deu, assim, o seu contributo, esperando que não se cave mais o distanciamento entre os cidadãos portugueses e a construção da Europa.
Em Nice, o que está em causa é a aprovação de um novo tratado que responda aos exigentes desafios colocados pelo binómio aprofundamento-alargamento. Um duplo desafio que, fazendo da reforma das instituições o nó górdio do processo negocial, não só vai pôr à prova a determinação e o empenho dos Estados membros na construção dos indispensáveis consensos, como vai também experimentar o carácter fidedigno da equidade no relacionamento entre os parceiros europeus.
Umbilicalmente associada ao próximo alargamento aos países da Europa Central e Oriental, a reforma das instituições fez naturalmente aumentar a parada e elevou a fasquia das expectativas de praticamente toda a Europa quanto ao resultado final do Conselho Europeu de Nice.
Em matéria de reforma das instituições, é um facto que o modelo institucional europeu, já hoje desajustado para a União Europeia de Quinze, verá essa desadequação acentuar-se num cenário de alargamento com a futura duplicação dos países membros.
No entanto, trata-se de uma reforma funcional que, para alguns países, parece restringir-se à problemática da redução do número de comissários. Assim, para lá do que há de falacioso na estrita conexão entre a redução do número de comissários e os eventuais ganhos de eficácia, a verdade é que esta pretensa medida de racionalidade não pode nem colidir com o princípio vital e originário de igualdade dos Estados membros na indicação dos membros do Colégio de Comissários, nem ser fonte de atribuição discriminatória de pelouros.
Naturalmente, a aceitação da redução do elenco de comissários e das formas que essa redução poderá revestir não tem a ver com o maior ou menor espírito europeu de cada Estado membro mas, antes, com o necessário equilíbrio de poderes entre grandes, médios e pequenos países. Obviamente que a dimensão não pode constituir uma base para qualquer critério de exclusão.
Consciente de que a figura do comissário não representa o respectivo Estado, mas que, inegavelmente, constitui uma voz activa na instituição em que reside o poder de iniciativa a nível europeu, Portugal não pode abdicar do seu único comissário. Tanto mais que, por erros de negociação deste Governo, o País está hoje privado de representação nacional ao mais alto nível na estrutura de serviços da Comissão Europeia.
Em sede de reponderação dos votos no Conselho de Ministros, constata-se que, também neste ponto, invocando o protocolo anexo ao Tratado de Amsterdão, os trabalhos da CIG 2000 mostraram à saciedade que se trata de um expediente para compensar os grandes da perda do segundo comissário. Este facto, sustentado pelo tom do Conselho informal de Biarritz, evidenciou que a CIG se transformou perfidamente numa arena em que se discutiu, sobretudo, a estratégia de fortalecimento dos grandes.
Ora, trata-se de uma campo em que a credibilização do projecto europeu requer que de Nice saia uma solução equilibrada que, compatibilizando a dupla legitimidade de uma União de Estados e de povos no plano dos modelos decisórios, salvaguarde a capacidade de representação dos interesses de Portugal.
Do Conselho Europeu de Nice deve, também, resultar que a União acorde na extensão da votação por maioria qualificada. Só que não deve tratar-se de uma mera e generalizada substituição da regra da unanimidade pela da maioria qualificada, devendo, antes, envolver uma criteriosa análise casuística, ditada pela salvaguarda dos reais interesses nacionais.
Por fim, no tocante à possibilidade de flexibilização das consagradas cooperações reforçadas, os modelos aceitáveis são os que devem permitir à União aprofundar políticas sem afectar a coerência e a integridade do acervo comunitário, congregar um grupo significativo de países num quadro transparente, aberto, tutelado pela Comissão e assegurar o respeito pela matriz institucional única. Nesta linha, qualquer critério que possa impedir ou impelir a uma participação de Portugal por desejo expresso ou contra a sua manifesta vontade será, naturalmente, intolerável.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Desde a sua fundação que a matriz doutrinária do Partido Social Democrata tem sido sempre e consistentemente europeia. Num primeiro tempo, propugnando pela adesão à Comunidade Europeia e, num segundo momento, participando, através dos vários governos, na construção de subsequentes patamares da arquitectura europeia.
Hoje, Portugal é membro de pleno direito da Comunidade Europeia e fundador da União Económica e Monetária, uma realidade que deve ser reconhecida e aceite pelos demais Estados membros e onde não cabe questionar a convicção europeia de Portugal.
A prossecução do interesse nacional encontra-se hoje intrinsecamente ligado aos valores europeus e à constru

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ção europeia no quadro de uma soberania partilhada no seio de uma união de países.
Portugal não pode abdicar de prosseguir o interesse nacional nem de não comungar do espírito europeu. O continuado consenso europeu entre o Partido Social Democrata e o Partido Socialista reflecte não só esta exigência nacional como traduz o sentimento europeu da maioria do povo português, convergência política que em matéria europeia tem sido um factor de identificação do posicionamento dos dois partidos e é um ingrediente vital da presença e da afirmação de Portugal no processo de construção da Europa, convergência que deu expressão à maioria política que possibilitou a assinatura do Tratado de Adesão e assegurou a ratificação dos Tratados de Maastricht e de Amesterdão. Um bloco europeu que serve mais uma vez de sustentáculo às importantes negociações que hão-de decorrer em Nice.
Mas o facto de partilharmos dos mesmos princípios e finalidades não implica, nem significa, que o Partido Social Democrata aceite acriticamente o resultado de uma negociação que vai decorrer e cujo resultado final é ainda uma incógnita. Por isso, com a convicção europeia que nos caracteriza, exige-se hoje e aqui ao Governo firmeza na defesa do interesse nacional no quadro da construção europeia.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Habituada a desbaratar energia e tempo em debates mais ou menos inconclusivos sobre as questões institucionais em detrimento de amplos e profícuos debates políticos e reflexões sobre o devir europeu, a Europa aguarda expectante os resultados do Conselho Europeu de Nice. Deste Conselho deseja-se que surjam as reformas institucionais que abram caminho ao futuro alargamento da União Europeia.
Neste contexto, torna-se importante que Portugal reitere o seu pleno empenhamento na construção do projecto europeu e que para tal fim seja possível continuar a fazer convergir uma alargada vontade política dentro do País.
E porque o interesse europeu constitui já hoje parte integrante do próprio interesse nacional português, espera-se que do Conselho Europeu de Nice possam resultar passos importantes no sentido de uma União Europeia que, cada vez mais, seja capaz de representar a vontade comum dos Estados e dos povos, uma União que represente de forma inequívoca um espaço de consolidação do projecto comum de desenvolvimento e bem-estar, num quadro de estabilidade e paz, alicerçado num património próprio de valores e de princípios. A nossa herança!
Os portugueses aspiram a uma Europa em permanente aperfeiçoamento e aprofundamento, mediante realizações concretas assentes em sólidas solidariedades efectivas em que Portugal seja um parceiro entre iguais. Os portugueses jamais poderão admitir uma Europa estratificada por clubes de países e baseada em solidariedades voláteis de geometria variável.
Sr. Ministro, na hora do levantamento do pano, desejo que o Governo tenha sorte e, sobretudo, muito talento na condução das próximas negociações.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Barros Moura.

O Sr. José Barros Moura (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Conferência Intergovernamental que agora poderá concluir refere-se, por sua vez, à conclusão dos pontos sucessivamente deixados em aberto nos Tratados de Maastricht e de Amsterdão. A revisão surge vinculada ao alargamento e ela é apresentada apenas para garantir a eficácia das instituições e acautelar a posição relativa dos Estados de maior dimensão. Aqui está a limitação da mensagem que pode tornar a Conferência Intergovernamental incompreensível e hostil para a opinião pública.
Discordo completamente dos que dizem que não houve informação. Houve mais informação do que nunca. A nós, incluindo os partidos políticos, cabe a responsabilidade de promover o debate.
Esta Conferência Intergovernamental, com estas características, parece feita contra os países candidatos, suscita o perigo do directório, deixa de fora questões fundamentais. Desde logo, no momento em que se discute a defesa, é necessário que o Tratado inclua disposições que facilitem um pilar europeu de defesa.
Deixa de fora a questão do governo económico, ou da coordenação vinculativa das políticas económicas, que acompanhe a política monetária definida pelo Banco Central Europeu; deixa de fora o orçamento para a coesão económica e social; deixa de fora, incompreensivelmente, aliás, a Carta dos Direitos Fundamentais; deixa de fora a questão decisiva de saber quem faz o quê na União Europeia, isto é, a simplificação dos tratados e a questão da constituição europeia em aplicação do princípio da subsidariedade.
Mais tarde ou mais cedo, não nos enganemos, numa União Europeia alargada será necessária uma nova revisão aprofundada.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Digo isto para salientar quão difícil é a posição negocial de que partimos para esta Conferência Intergovernamental.
Graças aos esforços da presidência portuguesa, a agenda da CIG foi alargada às cooperações reforçadas, que visam permitir avanços na integração sem fragmentar a União, no respeito pelo método comunitário e pela coesão económica e social. No essencial, este ponto parece estar já garantido.
As questões fundamentais da Conferência são, em nosso entender: as relações do poder decisório no Conselho, sendo necessária e legítima uma reposição de peso relativo dos Estados de maior dimensão que perderam poder com os sucessivos alargamentos. Ora, esse não pode ser o pretexto para um directório dos grandes e também não para um directório intergovernamental, que significaria a perda das vantagens do método comunitário.
A segunda questão fundamental diz respeito à composição da Comissão. Foi estabelecida, no debate desta Conferência, uma relação espúria entre o número de comissários por país e o peso de votos no Conselho. Diz, é certo, o Protocolo de Amesterdão que a perda do segundo comissário dos cinco maiores Estados actuais deve ser compensada em votos no Conselho. Mas a Comissão é um órgão comunitário que deve ser independente dos Estados. A manutenção de um Comissário por país é uma garantia de que não serão subalternizados interesses de nenhum país e uma segurança para a opinião pública do carácter comunitário da Comissão.
O fundamental, quanto à Comissão, além da manutenção do comissário - um por país, pelo menos -, é garantir que a sua estrutura interna e funcionamento não sejam dominados, como está a acontecer, por interesses nacionais dos Estados mais poderosos.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Um italiano!

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O Orador: - Isso não tem a ver com a nacionalidade do Presidente, tem a ver com a organização interna e com a nacionalidade dos directores-gerais.
A manutenção do Comissário não pode ser considerada uma contrapartida da perda do poder de voto no Conselho. Quanto a este ponto, entendo que a melhor solução seria manter o quadro vigente, actualizando-o - 71% de votos para uma decisão, 58% da população representada numa decisão por maioria qualificada, mas acrescentando a isto a exigência de que votem a favor, pelo menos, metade mais um dos Estados. Isto é, o sistema de voto e de ponderação e de repartição de votos e tomada de decisões deve ser compatível com a dupla natureza da União Europeia, uma união de povos que não pode deixar de ser uma união de Estados regida pelo princípio da igualdade internacional entre os Estados.
As restantes questões em debate, extensão de voto por maioria qualificada - e aqui concordo com todos os que dizem que há questões fundamentais em que temos de manter o voto por unanimidade -, alargamento da co-decisão, redistribuição de mandatos do Parlamento Europeu (que ficará com o máximo de 700), devem ser, e só podem ser, decididas tendo em conta os equilíbrios globais a que a negociação conduzir nas questões fundamentais de que depende o poder decisório da União Europeia.
Os maiores Estados não podem obter reponderações favoráveis em todos os domínios dos votos no Conselho, dos Deputados no Parlamento: acrescidos ainda dos processos de co-decisão automaticamente acoplados a todos os processos em que se decida por maioria qualificada.
Ao contrário do que a presidência francesa tentou, sem êxito, conseguir, a grande diferença não é entre grandes e pequenos Estados; abriram-se, aliás, fissuras entre os grandes, Alemanha e Espanha não aceitando a paridade actual entre os quatro grandes. Caçador, caçado, poderíamos dizer, ou, para falar em francês, épingleur, épinglé.
O método argumentativo assente na demografia também diferencia o poder de voto entre os grandes. É a lição da CIG até este momento.
A questão decisiva é, assim, entre o prosseguimento e o reforço da União com o método comunitário ou o retrocesso a uma organização intergovernamental dominada pelos Estados mais poderosos, o tal directório.
O primeiro quadro é o que melhor garante, além do acervo comunitário, a salvaguarda dos interesses próprios de Portugal. Mais Europa, portanto, é o que a situação exige, também do estrito ponto de vista do interesse nacional. Mas é isso que ainda não está garantido.
Portugal tem desempenhado um papel importante. A presidência portuguers clarificou e desmistificou a agenda e condicionou a sequência da CIG. O Governo assumiu a defesa do método comunitário contra a tentativa, protagonizada pela própria presidência francesa, de promover uma inversão das relações de poder decisório a favor dos Estados de maior dimensão, e liderou mesmo, como é reconhecido, um conjunto de países que se podem opor eficazmente a tais modificações.
Por outro lado, o Governo português demonstrou uma postura de grande firmeza estratégica, associada a uma ágil flexibilidade táctica e a uma assinalável capacidade argumentativa dentro da lógica do acervo comunitário.
Esta postura cria condições para que, se existir um acordo em Nice, ele salvaguarde os interesses fundamentais da União e de cada um dos seus Estados membros, logo de Portugal.
Um forte e alargado consenso das forças políticas e sociais portuguesas sobre a Europa e sobre os interesses fundamentais de Portugal na União Europeia é determinante.
A este propósito, gostaria de saudar o esforço do CDS-PP para aprofundar o sentido da sua decisão acerca de Amsterdão e para se juntar ao clube europeu, de que tanto necessitamos para conduzir uma negociação com força, em defesa dos interesses próprios de Portugal e, também, em defesa do ideal europeu.
Este consenso - e eu saúdo as posições do PSD neste sentido - reforça a posição negocial do Estado português e indica aos parceiros o que Portugal quer incluir no Tratado a favor da União e o que não pode, nem deve, aceitar, em nome dos interesses fundamentais do povo português e da identidade nacional.
O Governo conta assim com o firme apoio da Assembleia da República, que tem a competência para aprovar, ou não, a ratificação do futuro tratado.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo português prepara-se para amanhã iniciar, em Nice, um debate sobre o futuro da Europa e sobre a revisão dos tratados.
Parece-nos que é importante falar do futuro da Europa porque a revisão dos tratados não é uma questão cirúrgica, não é uma questão asséptica, não é uma questão que possa ser divorciada do próprio futuro da Europa.
Nesse sentido, gostaria de dizer que, para nós, independentemente do louvável esforço feito pelo Governo - concretamente pelo Secretário de Estado, que deu sucessivamente informação à Comissão -, Portugal vai estar e vai caminhar para essa revisão e para esse futuro nos mesmos termos em que sempre o fez, isto é, divorciado da opinião pública.
Aliás, nesta matéria, não é uma acusação que seja singular, nem tem originalidade, porque, de facto, esta é a característica e essa é a marca política da forma como o projecto de construção europeu tem sido feito.
Provavelmente, aquilo que é inovador nessa forma de construção é a capacidade, à escala europeia, de resposta dos cidadãos europeus a essas reformas e ao modo como ela tinha sido feita.
Em Lisboa, se se recordam, em Março, realizou-se uma cimeira alternativa sobre o emprego, que apontou caminhos diferentes para a Europa. Em Nice também estarão na rua ecologistas, consumidores, pacifistas, ou seja, todos aqueles que, não desistindo de que é possível haver um projecto para a Europa, não partilham os caminhos que esta Europa continua teimosamente a preconizar.
Já foi referido - e, porventura, não são fáceis - que são várias as questões que estão em discussão nesta revisão do Tratado, como a passagem à maioria qualificada, a cooperação reforçada, a questão dos comissários. Mas estes aspectos, sendo formais e tendo uma leitura e um significado político, não vêm questionar aquilo que é essencial nesta Europa, aquilo que ao longo de anos, sucessivamente, quer em Maastricht, quer em Amsterdão, foi um sinal de descontentamento dos cidadãos desta Europa.
Para nós, Os Verdes, não há seguramente nenhum projecto europeu que resista enquanto os cidadãos dessa mesma Europa não forem parceiros, não forem envolvidos

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e se mantiverem à margem de uma construção que politicamente lhes escapa, que não controlam e da qual não participam.
Nesse sentido, esta é, pois, uma revisão que não tem em conta a exclusão social, que não tem em conta a pobreza, que não tem em conta o desenvolvimento, um desenvolvimento diferentemente pensado e no qual, do nosso ponto de vista, a Europa podia dar um contributo, neste tempo de globalização, para diferentemente dar respostas, e dá-las com sustentabilidade, numa perspectiva de justiça social, numa perspectiva de desenvolvimento.
A «receita», a lógica que uma vez mais é retomada, agora com o excelente alibi do alargamento, é a resposta dos mercados, mesmo quando ela se traduz na expressão militar. No fundo, a aclaração da militarização da Europa não tem a ver com uma visão alternativa, independente e autónoma de a Europa pensar os seus próprios sistemas de segurança mas, sim, com a apetência de uma indústria armamentista que quer expandir-se e aguarda por esta militarização para encontrar de novo os seus mercados.
Para nós, não é compreensível nem partilhamos da opinião de que possa organizar-se uma Europa capaz de promover a paz através da sua militarização. Não vemos que seja esta a forma de agir para contrariar o carácter neo-liberal do planeta e conseguir uma genuína cooperação entre regiões. Não vemos, deste modo, que os europeus possam agir para influenciar mudanças radicais do ponto de vista da organização mundial do comércio e das estruturas internacionais, cuja reforma importaria influenciar, e a Europa, seguramente, como grande região, poderia fazê-lo. Não vemos que esta seja a forma de a União Europeia se organizar e duvidamos que este seja um caminho que conduza a uma Europa de equilíbrio, uma Europa de paz.
Deixar de fora as questões sociais, deixar de fora a sustentabilidade do desenvolvimento e as questões que são fulcrais para os imigrantes e impor uma Europa que padroniza, que anula a diversidade, que não tem um projecto cultural iminentemente social, que continua a dar prioridade aos mercados e, portanto, a pensar a sua arquitectura institucional de molde a ajustar-se tão-só a essa via, não permite criar algo que é para nós fundamental: uma Europa com sustentabilidade, uma Europa que fosse capaz de um projecto solidário, ou seja, no fundo, aquele que esteve na origem dos que a pensaram.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Presidência: Tentando alinhar na regra «falar baixo» que o Sr. Deputado Paulo Portas pretendeu aqui introduzir hoje (e desde que seja para manter!), começaria por saudar o Sr. Deputado Paulo Portas pela intervenção que fez. Diria que, não sendo ainda muito, é já suficiente, porque V. Ex.ª se quis situar - e citou esse ponto de uma forma muito enfática - naquilo a que chamou «o arco europeu». Não sei se foi o Juiz José Luís Vilaça que o influenciou, ou se foi V. Ex.ª que influenciou o Juiz José Luís Vilaça. De todo o modo, bem-vindo ao clube, como, aliás, já disse o meu camarada e amigo José Barros Moura.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - O Sr. Deputado não se inscreveu só para dizer isso, pois não?!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, sou capaz de concordar com a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo quando aqui referiu que este debate, em Plenário, poderia ter sido realizado há mais tempo. Mas, um pouco como na história do copo meio cheio ou meio vazio, também sou capaz de afirmar - e, provavelmente, a Sr.ª Deputada também concordará comigo - que este debate se devia travar exactamente no último momento possível.
Como foi dito por vários Srs. Deputados, e todos estamos de acordo, este não é um debate fácil e, sobretudo, não é um debate fechado. Aliás, na Comissão de Assuntos Europeus, que é a comissão encarregue de fazer o acompanhamento deste processo - e está a fazê-lo desde Janeiro deste ano, com a participação activa da Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo e de outros Srs. Deputados -, recebemos todos os dias, praticamente, novas versões das sínteses sobre aquela que é a posição negocial da presidência francesa, ou melhor, sobre a posição que a presidência francesa quer que seja oficial e que, naturalmente, levará à cimeira extraordinária de Nice.
Nesse sentido, talvez estejamos a travar um debate numa altura em que ainda há muito para discutir e para modificar e, nesse sentido, o ideal dos ideais seria que este debate tivesse lugar, exactamente, nos segundos que antecedessem a decisão final de Nice.
É por isso que, com franqueza, não me preocupa muito a questão de saber se o debate devia ter sido feito há mais tempo ou só agora. De resto, já hoje aqui se traçaram alguma dicotomias entre socialistas e não socialistas e eu não queria que ficasse identificada mais uma, entre o trabalho que se faz em sede de comissão e o realizado no grupo parlamentar. E, insisto: a Comissão de Assuntos Europeus, desde Janeiro a esta parte, ouviu várias entidades, designadamente Eurodeputados, Comissários, e, desde logo, o Comissário encarregado desta matéria no seio da Comissão Europeia, o Comissário Michel Barnier, bem como o Sr. Pierre Moscovici, que é o actual Ministro Adjunto dos Assuntos Europeus francês e, nessa qualidade, preside ao actual Conselho Europeu, na parte relativa aos assuntos europeus.
Portanto, este foi um debate longo e muito profícuo, desenvolvido pela Comissão de Assuntos Europeus no seu conjunto, nomeadamente - quero prestar-lhes esta homenagem - com a colaboração dos Srs. Deputados José Barros Moura e Honório Novo (e não falo no CDS-PP, porque pouco participou nestes debates ao nível da Comissão; praticamente, esteve sempre ausente).
Quero ainda saudar a posição sempre muito construtiva da Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo e do Sr. Deputado Nazaré Pereira, porque os contributos que trouxeram a essa comissão, na decorrência de várias reuniões em que participaram na comissão dos assuntos constitucionais do Parlamento Europeu, também ajudaram a constituir um espírito mais completo e singular relativamente a esta matéria.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não tenhamos ilusões, sobretudo não tenhamos todas as ilusões! O já citado Comissário Michel Barnier deu hoje uma entrevista a um jornal muito lido, pelo menos pela classe política em Portugal, e, curiosamente, essa entrevista tem o seguinte título: «Não pode haver perdedores em Nice». Mas dizer que não pode haver perdedores em Nice é o mesmo que dizer que não pode haver vencedores em Nice, porque dada a complexidade desta matéria, ninguém pode perder tudo nem ninguém pode ganhar tudo!
Tem, pois, de haver uma tarefa de harmonização entre os vários interesses e, aí, obviamente, relevam as posições que cada um de nós tem sobre o futuro europeu e, natu

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ralmente, a crença que cada um de nós tem de uma Europa do futuro. Ou seja, neste caso, não pode haver, de forma alguma, a solução da quadratura do círculo.
Aliás, a delegação socialista que se encontrou com o Sr. Primeiro-Ministro teve oportunidade de saber, por exemplo, quais são, neste momento, as posições dos chamados quatro países grandes - e do quinto, que o quer ser, a Espanha - e verificámos que as posições individuais desses quatro países são completamente antagónicas e, portanto, satisfazer os interesses de um desses países era, manifestamente, não satisfazer os interesses dos três países que não estavam de acordo, e assim sucessivamente.
Esta é, portanto, uma questão que deve estar permanentemente nas nossas preocupações e no nosso pensamento. E o registo que aqui deve ser feito é que a Assembleia da República, neste caso, como, aliás, no caso da Carta dos Direitos Fundamentais, teve um papel destacado e construtivo, talvez não muito mediático - talvez o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa não se tenha apercebido dele -,…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Pensei que era eu!

O Orador: - … mas extremamente importante na definição das linhas de comportamento da própria Assembleia e, naturalmente, nos conselhos e nas deliberações que tomou e foram transmitidos, pelas vias adequadas, ao Executivo.
Sr. Presidente, termino com as palavras da Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo: para o interesse de Portugal e, no futuro - segundo a minha visão -, também para o interesse da Europa, espero que a cimeira de Nice possa ser um êxito, e sê-lo-á, seguramente, se isso depender do Governo português e do Primeiro-Ministro de Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.

O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Termino este debate, agradecendo todos os contributos dos diferentes grupos parlamentares, que são relevantes, mesmo os mais críticos, mas saudando muito especialmente os mais construtivos.
Por outro lado, quero salientar que falar do futuro da Europa tem de ser, cada vez mais, falar da cidadania europeia, do envolvimento, do empenhamento dos cidadãos nesta construção, uma vez que o interesse comum é o interesse nacional e, também, o resultante do empenhamento dos cidadãos.
Deixo três ou quatro notas para pontuar as preocupações fundamentais que foram expressas nesta Câmara e que já o haviam sido na Comissão de Assuntos Europeus.
Antes de mais, a necessidade de garantir que o tratado que saia de Nice mantenha as virtualidades do modelo que esteve na base da construção europeia desde os seus primórdios.
Por outro lado, que se aplique o protocolo sobre as instituições, anexo ao Tratado de Amsterdão, no que toca à futura composição da Comissão Europeia e aos mecanismos de voto no Conselho, sem, no entanto, nos limitarmos apenas aos «restos» de Amsterdão. E este aspecto, naturalmente, não pode deixar de ser referido nas várias implicações que aqui foram suscitadas.
É importante ainda que saia da Conferência Intergovernamental a introdução do princípio da absoluta igualdade dos Estados, designadamente na indicação dos membros do colégio de comissários. Este princípio da igualdade é essencial, do qual não podemos, naturalmente, prescindir.
Deverá haver uma evolução equilibrada, justificada no quadro do futuro alargamento, devendo, em qualquer caso, ser garantida uma adequada capacidade de representação dos interesses dos países de pequena e média dimensão no contexto da União; tal deverá ser feito através da compatibilização do duplo carácter de uma união de Estados e de povos, reflectida, naturalmente, nos modelos decisórios. Por outro lado, haverá também a necessidade de promover uma maior utilização das votações de maioria qualificada, nos termos cautelosos que aqui foram referenciados, para que seja essencial a defesa dos interesses comuns, estando estes interesses comuns claramente definidos e correspondendo eles àquilo que é o denominador comum dos diferentes membros da União. Deverá garantir ainda a possibilidade de manter o aprofundamento da União Europeia no cenário de uma maior diversidade e heterogeneidade que o futuro alargamento vai introduzir, nomeadamente através de uma adequada flexibilização dos modelos de cooperação reforçada. Por fim, deverá salientar a importância dos compromissos sociais, designadamente os assumidos no Conselho Europeu de Lisboa, em Março. A sequência do acordado em Lisboa é algo que está bem presente na vida da União e que, naturalmente, não poderá deixar de ter o nosso empenhamento e envolvimento.
Agradeço assim, Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, os votos de boa sorte e podem estar certos de que o empenhamento do Governo de Portugal será máximo no sentido da defesa dos interesses de Portugal e dos portugueses.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dou por encerrado o debate de actualidade sobre a construção europeia e a reforma dos tratados.
Ao abrigo do n.º 2 do artigo 83.º do Regimento, o Governo solicitou o direito de intervir no período de antes da ordem do dia, através do Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade.
Tem a palavra, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade (Ferro Rodrigues): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo, no cumprimento do seu programa, deu hoje mais um passo na luta pela melhoria da coesão social nas nossas grandes cidades, designadamente Lisboa, Porto e Setúbal, ao aprovar o Programa ESCOLHAS - Programa de Prevenção da Criminalidade e Inserção dos Jovens dos bairros mais vulneráveis destes distritos. Este programa vem, assim, complementar as medidas universais de combate à exclusão tomadas pelo Governo e assume-se como um programa selectivo, destinado às crianças e jovens do nosso país, que habitam os bairros mais vulneráveis das grandes cidades.
Ao reforçarmos deste modo os instrumentos de coesão social nas grandes cidades, estamos também a reforçar a sua segurança e a diminuir substancialmente o sentimento de insegurança dos cidadãos que, por vezes, alastra em alguns sectores da nossa sociedade.
O reforço da segurança dos cidadãos não se faz com discursos demagógicos e populistas ou apenas com medidas securitárias e repressivas.

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O Governo tem vindo, desde Dezembro de 1995, a desenvolver um conjunto de medidas que tem especialmente em atenção as crianças e jovens em risco e, designadamente, aquelas que se encontram num processo de início ou de desenvolvimento de uma carreira de prática de factos que a lei penal qualifica como crime.
No desenvolvimento destas medidas, o Governo, através da Resolução do Conselho de Ministros de 19 de Agosto, criou, para entrar em vigor no dia 1 de Janeiro de 2001, o Programa de Acção para a Entrada em Vigor da Reforma do Direito de Menores, que separa as crianças vítimas, que passam a estar a cargo da segurança social, das crianças que praticam crimes, que ficam sob a alçada da lei tutelar educativa e, se necessário, das instituições do Ministério da Justiça.
Ora, é este trabalho de coordenação do Governo entre os diversos Ministérios, designadamente entre o Ministério do Trabalho e da Solidariedade, o Ministério da Justiça e o Ministério da Educação, que tem permitido consolidar uma política coerente para as crianças e jovens em perigo, incluindo aquelas que, vivendo nas grandes cidades, em bairros vulneráveis, construindo uma má relação com a escola, o seu bairro e muitas vezes com a sua família, estão prestes a entrar ou a consolidar uma carreira criminosa.
Ora, o Governo não abandona estes jovens e pensa que a solução para eles não é sempre a sua detenção mas, sim, dar-lhes os instrumentos para que, em conjunto com os outros jovens, a sua família e vizinhos melhorem os bairros onde vivem, se qualifiquem escolar e profissionalmente e ocupem os seus tempos livres de modo a diminuir o risco de virem a ingressar no mundo do crime.
O Estado dá, assim, perante este problema social, uma dupla resposta: por um lado, uma resposta reactiva, de oferecer à sociedade segurança e aplicar aos jovens que praticam crimes medidas tutelares, se necessário detentivas; por outro lado, uma resposta activa, de prevenção da delinquência juvenil e inserção dos jovens que potencialmente se encontram a caminho da marginalidade e exclusão.
Assim, o Programa ESCOLHAS pretende que a polícia, a justiça, a segurança social, a saúde, a educação, as autarquias e as entidades da sociedade civil consigam chegar a estes jovens e oferecer-lhes as respostas escolares, de formação pessoal e profissional e lúdicas, de modo a evitar que eles venham a dedicar-se à prática de crimes.
Mas esta intervenção implica um desenvolvimento de parcerias que responsabilizem e sustentem o envolvimento e o comprometimento real e efectivo de todos os intervenientes, eventualmente formalizadas em contrato escrito entre as diversas organizações aderentes onde se estabeleça as estruturas que vão desenvolver as acções, a coordenação e a direcção, os diversos papéis e as responsabilidades de cada actor/instituição, a formação, o financiamento e os recursos e, finalmente, o acompanhamento e a avaliação.
Nestas parcerias terão, assim, um especial papel as autarquias e as associações locais, que conhecem como ninguém os problemas dos jovens dos seus bairros.
A prevenção da criminalidade visa a intervenção junto das crianças e dos jovens e das suas famílias, os quais, vivendo em contextos socioeconómicos desfavoráveis associados a características pessoais negativas, resultantes de um processo de crescimento desajustado, são identificados como potenciais marginais.
As crianças e jovens expostos, durante um período longo, a riscos múltiplos, são mais susceptíveis e estão mais vulneráveis a entrar ou a aprofundar processos de exclusão. Estes processos, com frequência, são prévios a percursos de marginalidade e delinquência juvenil.
Trata-se de crianças e jovens que, em virtude de encontrarem poucas afinidades com aquilo que o sistema escolar formal lhes oferece e na ausência de uma intervenção firme e pedagogicamente adequada dos pais, vão construindo identidades próprias na busca de alguma forma de valorização social, particularmente entre o seu grupo de pares. No contexto da construção de tais identidades, afastam-se da escola e estabelecem com esta relações de recusa e mesmo de abandono.
Assim, é necessário compensar os referidos riscos sociais não só com a assumpção de políticas universais mas também com políticas selectivas inclusivas, que qualifiquem a nível pessoal, escolar e profissional e reforcem a capacidade destas crianças e jovens de resistirem ao apelo dos percursos associais e criminais.
Trata-se de, em articulação com as medidas de política social global e as medidas universais (como, por exemplo, o rendimento mínimo garantido), formular medidas políticas selectivas para jovens que vivem em bairros vulneráveis dos distritos de Lisboa, Porto e Setúbal, de modo a aproximá-los de medidas de formação pessoal, escolar e profissional, que evitem a sua entrada no mundo da prática de crimes.
Na concepção deste Programa ESCOLHAS efectuou-se um levantamento das dezenas de projectos e acções em curso e das entidades que trabalham na inserção de crianças e jovens. Do cruzamento desta informação resultou a opção por 50 bairros onde se pretende que o Programa ESCOLHAS gradualmente tenha projectos experimentais de prevenção da criminalidade e inserção de jovens.
Este programa de prevenção da criminalidade juvenil assenta na realização de actividades que estimulam o desenvolvimento pessoal dos jovens e o desenvolvimento na comunidade onde se inserem e pretende desenvolver uma intervenção imediata, selectiva (jovens com mais de 12 anos e bairros urbanos mais vulneráveis), integrada (interinstitucional e interdisciplinar) e em parceria, através da qual, para além de promover novas intervenções, se procurará fazer convergir para o mesmo plano o conjunto de iniciativas, intervenções e recursos já existentes, por forma a contribuir para a sua optimização e rentabilização.
A opção pelos cerca de 50 bairros que constam da Resolução de Conselho de Ministros foi a de seleccionar aqueles onde existem mais factores de risco e onde a intervenção é a mais urgente, como os da Quinta do Mocho, Cova da Moura e Pedreira dos Húngaros, em Lisboa, o Lagarteiro, no Porto, ou os bairros do Pica-Pau Amarelo ou da Belavista, no distrito de Setúbal.
Este programa de prevenção da criminalidade e inserção dos jovens visa a formação social e pessoal, a formação escolar e profissional e a formação parental. Através da equipa técnica de cada projecto nos bairros e através dos mediadores jovens urbanos promover-se-á a reconstrução da relação dos jovens com respostas educativas, formativas, desportivas e de lazer e dinamizar-se-á a criação nestes bairros-escolas de grupos informais ou formais de jovens que participem na construção das referidas respostas, criando, entre os jovens, dinâmicas de inserção e de auto-regulação dos seus comportamentos.
Os mediadores jovens urbanos e as equipas de projecto devem levar aos bairros e aos jovens as respostas já existentes e devem criar, quando necessário, novas respostas de educação, de formação, desportivas e de lazer, em articulação com os serviços da educação, do emprego e

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formação profissional, de segurança social, de reinserção social, de saúde e de juventude.
Uma inovação deste programa será o recrutamento, como mediadores jovens urbanos, em cada bairro, de jovens do próprio bairro, que, após formação, efectuarão junto dos seus colegas um trabalho de mediação social e de inserção nas estruturas comunitárias e da sociedade.
Na execução deste programa, em articulação com as associações locais e os municípios, participam serviços e organismos de diversos ministérios relacionados com a área da infância e da juventude.
O Governo assegura, desde já, o seu funcionamento afectando-lhe entre 1 milhão e 1,5 milhões de contos/ano, sendo certo que são as parcerias locais que vão delinear, em concreto, o projecto para cada bairro.
Conforme as necessidades, as actividades do projecto de cada bairro serão acolhidas no planeamento dos serviços públicos ou darão origem à formulação de candidaturas aos respectivos programas operacionais ou ao futuro Programa Europeu de Prevenção da Criminalidade Juvenil, aprovado na reunião de Ministros da Administração Interna e da Justiça, em Albufeira.
A articulação entre o Governo, as autarquias e as associações locais permitirá, assim, tornar o futuro dos nossos jovens mais esperançoso, com menos crime, e as nossas cidades socialmente mais coesas e mais seguras.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Inscrevi-me não para uma intervenção mas para pedir esclarecimentos, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade, ouvi-o com muita atenção e louvo-o pela iniciativa que anunciou, a qual, apesar de tudo, me suscitou uma dúvida que gostaria de ver esclarecida pelo Sr. Ministro, caso se sinta em condições de o fazer, e que tem a ver com as comissões de protecção de crianças e de jovens.
Parece-me que um programa como aquele que o Sr. Ministro acaba de anunciar faz todo o sentido se integrado ou, pelo menos, em coordenação com as comissões de protecção de crianças e de jovens a que se refere a Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro, já publicada, mas que ainda não entrou em vigor. Sucede que estas comissões de protecção de crianças e de jovens são, nos termos da lei, integralmente asseguradas pelos municípios.
Ontem, eu tive ocasião de ouvir representantes da Associação Nacional de Municípios Portugueses, que me manifestaram a sua revolta pelo facto de, pela via legislativa, se ter consagrado mais uma competência para os municípios sem que o Estado tenha, por outro lado, assegurado as verbas necessárias à execução dessas novas competências.
Assim, pergunto, Sr. Ministro: de que forma considera possível articular este programa com o que está estabelecido no âmbito das comissões de protecção de crianças e de jovens e como será isto possível se esses municípios não tiverem efectivamente verbas para porem em funcionamento estas comissões, quando ele próprios ameaçam, como ainda ontem fizeram perante mim e outros Deputados, caso a lei não seja alterada, de não a porem em prática, ao contrário do que seria de supor, o que acarreta prejuízos para todos os jovens e todas as crianças, particularmente para os que estão em risco, como V. Ex.ª referiu?

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, tendo em conta que se encontram inscritos, para pedir esclarecimentos, ainda mais dois Srs. Deputados e que já não dispõe de muito tempo, talvez o melhor seja responder a tudo no fim.

O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade: - Concordo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sendo assim, tem a palavra o Sr. Deputado David Justino para pedir esclarecimentos.

O Sr. David Justino (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade, foi com muita atenção que ouvi não a totalidade mas parte significativa da sua intervenção. Contudo, permita que manifeste alguma surpresa relativamente à inserção e à metodologia que foi utilizada para estruturar este programa de intervenção, que, nos seus aspectos globais, é até, aparentemente, interessante e poderá, de certa forma, contribuir para atenuar alguns dos problemas que se manifestam em zonas carenciadas e com fortes problemas sociais.
Refiro-me concretamente ao caso da integração do bairro da Pedreira dos Húngaros no programa previsto. No entanto, quero informar o Sr. Ministro, porque, pelos vistos, não sabe, que o bairro da Pedreira dos Húngaros praticamente não existe. Ou seja, este era um bairro que, em 1993, tinha cerca de 580 famílias, que, neste momento, estão em realojamento cerca de 130 a 140 famílias e que, em meados do próximo ano, desaparecerá. Um programa com este calendário e esta extensão vai intervir sobre o quê? Sobre o que não existe, Sr. Ministro?!

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Pedro Duarte para pedir esclarecimento, informo-o de que o Grupo Parlamentar do PS cedeu ao Governo 4 minutos, que é o que lhe irá restar após o pedido de esclarecimento da Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça.
Tem a palavra, Sr. Deputado Pedro Duarte.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade, o meu pedido de esclarecimento é relativamente básico.
Perdoe-me que lho diga, mas, ao ouvi-lo, tive a sensação de estar perante algo já algumas vezes visto no passado, quer do ponto de vista governamental, quer até do ponto de vista de algumas autarquias locais.
Ouvi-o referir-se, por exemplo, ao bairro do Lagarteiro, na cidade do Porto, e fiquei estupefacto por verificar que, no Porto, o problema se resume a este bairro, o que não corresponde à realidade. No toca à cidade do Porto, lembro que foi implementado um programa muito similar, que tinha a ver mais especificamente com os arrumadores da cidade, e que, manifestamente, teve um resultado nulo, como sabe quem conhece a cidade do Porto. Aliás, a este respeito, a postura da própria Câmara Municipal do Porto, que mereceu críticas, justas, da Sr.ª Secretária de Estado da Habitação, é emblemática, por exemplo, quanto à

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erradicação de barracas, porque, infelizmente, resultou em nada.
Portanto, a minha primeira palavra é de alguma desconfiança ou, pelo menos, de cepticismo ao ouvir anunciar este programa, que visa implementar - perdoe-me, mais uma vez, a expressão - remendos para uma realidade quase dramática que se vive no nosso país.
De facto, estou convencido de que são remendos, porque não ataca as causas do problema. O diagnóstico, nem precisamos de o fazer; o remédio apresentado é, na minha opinião, no mínimo insuficiente. Contudo, penso que, ao estarmos a fugir àquilo que são as causas do problema, não iremos ter grande sucesso. E digo isto porque o Sr. Ministro referiu-se, de passagem, ao divórcio manifesto entre a escola e as realidades e ambiências sociais dos adolescentes e dos jovens, mas, estranhamente, não se referiu à extraordinária dificuldade que os jovens têm, hoje em dia, em ligar a escola às saídas profissionais e ao mercado de trabalho. Verifiquei isto com estranheza, porque o Sr. Ministro é responsável pela área do emprego, pelo que tem responsabilidades acrescidas nesta matéria.
Além disso, penso que todos deveremos perceber que há muitas outras razões para os problemas existentes. Ao nível do trabalho infantil, temos números gritantes e alarmantes; temos a mais alta taxa de abandono e de insucesso escolar da Europa, sendo que 50% dos nossos jovens que entram no ensino superior não concluem os seus cursos; temos problemas brutais ao nível da toxicodependência, da gravidez na adolescência, etc. Infelizmente, não vemos medidas específicas para estes problemas.
Este é um programa redutor, limitado. É óbvio que estamos todos empenhados em que não tenha os resultados que, infelizmente, conhecemos de outros programas similares, mas, em minha opinião, seria importante haver outra ambição para resolver os gravíssimos problemas sociais que vão afectando a sociedade portuguesa em geral e, muito particularmente, os seus adolescentes e os seus jovens.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade, em primeiro lugar, gostaria de saudar, em nome da bancada do Partido Socialista, a excelente iniciativa hoje aqui apresentada pelo Sr. Ministro Ferro Rodrigues, porquanto esta é, como o próprio Sr. Ministro referiu, uma nova forma de abordar a problemática da criminalidade juvenil, numa altura em que alguns sectores da sociedade e da própria oposição teimam em reclamar medidas duras de penalização para a criminalidade juvenil.
Esta é uma experiência-piloto que envolve vários ministérios, com uma acção particular na área da infância e da juventude. Tem como principal objectivo a prevenção da criminalidade juvenil, actuando o mais precocemente possível junto de crianças e jovens que vivem inseridos em contextos socioeconómicos e familiares particularmente adversos.
É nossa convicção que a perspectiva interdisciplinar e local pode oferecer a estes jovens respostas escolares de formação pessoal e profissional adequadas a evitar que estes mesmos jovens possam lançar-se nas teias da criminalidade.
Por último, sendo este um programa experimental, a implementar em 50 bairros seleccionados nos distritos de Lisboa, Porto e Setúbal, gostaria de saber se o Governo espera, após a avaliação deste projecto, que, obviamente, será no prazo dos três anos, estendê-lo ao todo nacional.
Para terminar, volto a felicitá-lo, a si, como representante do Governo, pelo excelente trabalho e saudar, mais uma vez, o Programa ESCOLHAS, que aqui é apresentado.

Vozes do PS: - Muito bem!.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos, que converteu a sua inscrição para uma intervenção numa para pedir esclarecimentos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - É verdade, Sr. Presidente, pois, tratando-se de um programa experimental e não de medidas de fundo, penso que a figura regimental do pedido de esclarecimento estará mais adequada do que a da intervenção.
Sr. Presidente, Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade, de facto, admiro-me, pois ainda vamos ter mais três anos, mas a verdade é que a Assembleia da República já aprovou a lei de protecção de menores em risco há um ano e meio - foi publicada em Setembro de 1999. O Governo, para fazer mais umas «flores», em Agosto deste ano, aprovou uma resolução estabelecendo uns marcos, dizendo que até ao dia tal farão isto e que, depois, farão aquilo, etc. E agora temos mais esta operação de charme, que parece não ser hoje muito bem sucedida, porque, neste momento, há outros locais que concitam a atenção da comunicação social.
De qualquer modo, vou fazer o meu pedido de esclarecimento, pese embora eu considere que algumas destas medidas têm efectivamente de ser tomadas, mas não são elas que vão resolver o problema.
V. Ex.ª falou no bairro da Belavista, em Setúbal, e lembro-me que ele já existe há longos anos e que, já em 1989, um presidente de câmara do Partido Socialista anunciou medidas revolucionárias para este bairro, que incluíam medidas deste género e com este cariz, mas, entretanto, nada foi feito. Nessa altura, ouvimos, na televisão, habitantes do bairro da Belavista extremamente revoltados com o que se dizia do bairro e diziam que aquilo que era preciso era as pessoas terem condições socioeconómicas, terem trabalho, não terem privações e não terem um bairro degradado, como está.
Gostaria de perguntar a V. Ex.ª se considera que o sistema escolar de que falou, que leva os estudantes para a rua a manifestarem-se, como, aliás, hoje acontece outra vez - talvez por ser, de facto, educativo e atractivo… -, vai ser revisto ou se fica na mesma, um sistema escolar que afasta e contribuiu para o abandono escolar, e se é com este sistema escolar que pensa contribuir para a prevenção.
A respeito da formação parental, de que V. Ex.ª falou, gostaria de saber se vão passar a dar lições aos pais e às mães ou se os graves problemas com que as famílias portuguesas se defrontam, nomeadamente nesses bairros degradados, irão ser enfrentados seriamente. Ou se, com estas respostas, que não ponho de parte, mas que considero insuficientes, VV. Ex.as se bastam?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder a todos os pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade.

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O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade: - Sr. Presidente, começo por responder ao Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, a quem agradeço as questões, aliás pertinentes, que colocou.
A articulação com as comissões de protecção de crianças e jovens é indispensável para o bom resultado do programa referido e, como o Sr. Deputado também deve saber, estas comissões estão em fase de criação nos concelhos de Lisboa, Porto e Setúbal, o que significa que temos já grande parte do País coberto por estas comissões, mas este passo vai ser dado em paralelo.
Há, efectivamente, algumas divergências com a Associação Nacional de Municípios Portugueses em relação a uma lei que teve, aliás, o apoio consensual da Assembleia da República, mas estamos a trabalhar em conjunto com a ANMP para superar essas dificuldades e divergências, compreendendo que, efectivamente, é necessário, de forma responsável e proporcional, encontrar mecanismos que permitam a existência de um esforço financeiro partilhado. Mas estamos, portanto, a trabalhar neste sentido.
Sr. Deputado David Justino, para quem conhece tão bem o concelho de Oeiras dizer que não vale a pena fazer nada no bairro da Pedreira dos Húngaros parece-me qualquer coisa de extraordinário. Este bairro foi citado a título de exemplo, como outra meia dúzia de bairros, porque vamos ter uma intervenção em praticamente 50 bairros à escala nacional. E, como o Sr. Deputado sabe, no bairro da Pedreira dos Húngaros, apesar de haver todo um processo de realojamentos, que é positivo, há ainda problemas e merece que, numa fase intermédia, não se deixe ao abandono uma zona com muitos adolescentes e crianças. E é nesta perspectiva que o programa terá a sua acção neste bairro. Porém, logo que deixar de fazer-se esta acção neste local, os recursos poderão ser transferidos para outros bairros. Portanto, trata-se de uma perspectiva alargada, como o Sr. Deputado acabou por referir.
O Sr. Deputado Pedro Duarte tem uma atitude de cepticismo, e compara este programa com outras questões que nada têm a ver com ele. Esta é uma acção da responsabilidade do Governo, onde o Governo é politicamente responsável pelo seu êxito ou inêxito, embora conte com parcerias e com a participação activa de entidades da sociedade civil e também com as autarquias, enquanto que, alguns programas que o Sr. Deputado referiu, têm a ver com as acções desta ou daquela câmara municipal, sobre as quais o Governo não tem de pronunciar-se.
Porém, gostaria de dizer-lhe que, para um jovem, não me parece que uma atitude de cepticismo seja a melhor conselheira.
Temos um problema, que se pretende resolver com este programa, que é o da criminalidade juvenil. Ora, este programa pretende colocar-se exactamente nesta óptica, nesta dimensão. O combate à criminalidade juvenil não deve colocar-se apenas do lado repressivo, tomando um conjunto de medidas nesse sentido, mas também do lado preventivo e mais humanista, se quiser. E é, obviamente, nesta perspectiva que nos parece que há muito para fazer nesses bairros. Até porque, muitas vezes, muitos dos programas que existem não chegam a estes bairros, não entram neles; é necessário ter uma atitude voluntarista e pró-activa para que alguns dos programas que já existem possam ser concretizados nesses bairros, com uma participação conjugada de partes da Administração Pública às vezes tão diferentes do ponto de vista da sua maneira de estar na administração, como é o caso da segurança social ou da polícia. Mas um entendimento comum para o tratamento destes temas é absolutamente indispensável em articulação com as associações locais e as respectivas autarquias.
Portanto, não tenho uma atitude cepticista mas, sim, optimista, embora nunca pense que um programa resolve todos os problemas de um país e arredores, não é esta a sua ambição.
É evidente que há problemas com um certo tipo de ensino que leva a que as famílias e os alunos sintam como pouco suas as escolas, e sabemos que este problema tem de ser atacado através de algumas alternativas que justamente este programa pode colocar em experiência no terreno, o que é muito importante e o Ministério da Educação está também envolvido no êxito deste programa, que é interministerial.
Portanto, repito, não compartilho do seu cepticismo e penso que este programa pode ter resultados concretos extremamente positivos, no sentido de não termos apenas «uma das faces da moeda» quanto à questão concreta que o programa pretende prevenir, que é a criminalidade juvenil.
Sr.ª Deputada Odete Santos, às vezes, o facto de as coisas não terem um grande aparato na comunicação social…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Até têm!

O Orador: - … não é o mais significativo, porque, como sabe, há coisas que acontecem a uma segunda-feira e que daí a meia dúzia de segundas-feiras já ninguém se lembra e há coisas que acontecem numa quinta-feira e que possivelmente muitas pessoas se irão lembrar delas por vários anos. Por consequência, a Sr.ª Deputada pode ficar tão descansada quanto eu, porque o protagonismo e a comunicação social não me preocupam.
Quanto ao resto, já há pouco procurei equacionar a questão e devo dizer que não se trata de fazer qualquer operação de charme nem de «flores»; trata-se, como a Sr.ª Deputada se recorda, do cumprimento de compromissos que foram assumidos e que cumprimos gostosamente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto não haver mais inscrições, volto a dar a palavra ao Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade para, caso queira, usar da palavra, durante 5 minutos, tempo a que tem direito, para encerrar o debate.

O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade: - Prescindo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sendo assim, Srs. Deputados, terminamos o período de antes da ordem do dia.

Eram 18 horas e 10 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em aprovação os n.os 1 a 10 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias de 20, 21, 22, 27, 28 e 29 de Setembro e 3, 4, 11 e 12 de Outubro.
Se não houver objecções, vamos votar.

Submetidos à votação, foram aprovados por unanimidade.

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Srs. Deputados, vamos dar início à discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 50/VIII - Autoriza o Governo a alterar o Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, que estabelece o regime jurídico da urbanização e da edificação, e do projecto de lei n.º 331/VIII - Estabelece o regime jurídico dos loteamentos e construções (PCP).
Para introduzir o debate da proposta de lei, em representação do Governo, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza.

O Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza (Manuel Silva Pereira): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo apresentou à Assembleia da República uma proposta de lei que visa obter uma autorização legislativa para alterar algumas das disposições do Decreto-lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, o qual fixa o regime jurídico da urbanização e da edificação.
Como todos se recordam, esta Assembleia aprovou a Lei n.º 13/2000, de 20 de Julho, que suspendeu a aplicação do Decreto-lei n.º 555/99, e as razões da suspensão dessa aplicação, de resto também ela decorrente de uma iniciativa legislativa do Governo, foram esclarecidas no debate que aqui travámos em Maio deste ano.
Por um lado, era necessário dar mais tempo às autarquias locais e a outros destinatários do diploma para se adaptarem ao novo regime jurídico da urbanização e da edificação; e, por outro, a poucas semanas da entrada em vigor do Decreto-lei n.º 555/99, tendo sido formulada uma recomendação pelo Sr. Provedor de Justiça no sentido da suspensão da aplicação do diploma, invocando, entre outros, alguns argumentos de inconstitucionalidade e sendo conhecidas também as observações da Associação Nacional de Municípios Portugueses, umas antigas, outras decorrentes do processo de preparação da aplicação do diploma, o Governo entendeu que se deveria aproveitar este período de suspensão da aplicação do Decreto-lei n.º 555/99 justamente para apreciar essas observações. Foi este o trabalho que foi feito, em diálogo com os diversos parceiros interessados, e o Governo concluiu que seria conveniente introduzir algumas alterações ao Decreto-lei n.º 555/99.
Assim, uma das alterações destina-se a minorar ou a desfazer as dúvidas sobre algumas alegadas inconstitucionalidades, que se materializam apenas em reproduzir disposições já existentes no Decreto-lei n.º 555/99 ao abrigo de uma autorização legislativa mais explícita; outras destinam-se a clarificar algumas das disposições do diploma e a introduzir algumas alterações mais substanciais, como as que são indicadas na exposição de motivos que acompanha a proposta de lei apresentada pelo Governo, particularmente as relativas à adopção de um regime procedimental simplificado, o de autorização apenas naquelas circunstâncias em que a existência de um instrumento de gestão territorial prévio fornece, de facto, garantias que justifiquem esse regime procedimental mais simplificado e que corresponde à figura da autorização administrativa. Por último, as alterações que se destinam a clarificar as condições em que é possível a dispensa de prévia discussão pública das operações de loteamento e ainda a introduzir alguns aperfeiçoamentos no regime respeitante ao indeferimento do pedido de licenciamento.
São estas, grosso modo, as grandes alterações que decorrem do diploma, a que se juntam apenas algumas correcções materiais destinadas a superar algumas gralhas que existem ao longo do diploma e que dificultam a sua leitura. Portanto, não se trata de produzir um diploma novo mas apenas de introduzir algumas alterações e aperfeiçoamentos no clausulado.
Como é sabido, o que está hoje em causa é uma proposta de lei de autorização legislativa.
O Governo sabe que a Associação Nacional de Municípios Portugueses mantém duas ou três sugestões relativamente ao decreto-lei autorizado e que, pelo debate que travámos em comissão, algumas dessas sugestões são partilhadas por alguns dos Srs. Deputados. E aquilo que está em causa é, sobretudo, o prazo para a entrada em vigor do decreto-lei autorizado e a questão da possibilidade de delegação nos dirigentes dos serviços do pedido de parecer a entidades exteriores ao município, questões que, para o Governo, não serão de difícil resolução em sede de decreto-lei autorizado e que não prejudicam a apreciação da lei de autorização legislativa.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, gostaria ainda de dar uma nota final para dizer que o Governo apresentou esta iniciativa legislativa na Assembleia há algum tempo, mas o calendário parlamentar relacionado com a aprovação do Orçamento do Estado não permitiu que o diploma fosse apreciado mais cedo e, por isso, tendo em conta o calendário e o período que nos separa da entrada em vigor de Decreto-lei n.º 555/99, ou seja no dia 1 de Janeiro do ano 2001, o Governo solicita a apreciação e a aprovação, com votação final global, desta proposta de lei de autorização legislativa, por forma a que possa entrar em vigor, prorrogando a suspensão da aplicação do Decreto-lei n.º 555/99, de modo a garantir a estabilidade do ordenamento jurídico nesta matéria, que, naturalmente, todos desejam e os destinatários certamente esperam do legislador.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente João Amaral.

O Sr. Presidente: - Informo a Câmara que se encontram inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Cláudio Monteiro, Manuel Oliveira e Joaquim Matias.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza, apesar de tudo, penso que não é novidade para ninguém nesta Câmara que eu, contra todos os restantes Deputados, fui o único Deputado a votar contra a suspensão do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro. Portanto, estou à vontade para falar na qualidade de quem divergiu no momento de suspender o diploma que agora vamos rever para repor em vigor.
E devo dizer que, apesar de tudo, os meus receios, à data, eram bastante maiores do que são hoje, com o diploma que o Governo aqui traz hoje, porque, no essencial, devo confessar que fiquei satisfeito por ver que a estrutura fundamental do diploma não foi alterada.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Isso é que é grave!

O Orador: - Há, de facto, alterações, algumas relevantes, outras de correcção formal ou de menor monta, algumas, inclusive, para atender a objecções que haviam sido suscitadas pelo Sr. Provedor da Justiça e que tinham pertinência, designadamente, certas questões formais menos relevantes quanto ao conteúdo. No entanto, penso que há dois ou três pontos do diploma que podem, eventual

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mente, merecer aprofundamento naquilo que há-de ser o trabalho que se seguirá à intervenção da Assembleia da República, uma vez que o que está aqui em causa é uma mera proposta de lei de autorização legislativa e não, ainda, o diploma que há-de resultar, um decreto-lei aprovado pelo Conselho de Ministros.
Por minha parte, não tenho qualquer reparo a fazer à proposta de lei de autorização legislativa, as questões que quero suscitar têm muito mais a ver com o decreto-lei autorizado, e, portanto, nesta matéria, penso que seria importante que elas fossem levantadas nesta fase, para permitir uma discussão mais profunda sobre o seu significado. Elas têm a ver fundamentalmente com o âmbito do procedimento de autorização, como procedimento alternativo ao procedimento de comunicação prévia ou ao procedimento de licenciamento propriamente dito, e com alguns aspectos desse regime.
Embora não tenha feito intervenções públicas no Plenário da Assembleia da República, eu disse, na altura, que o meu grande receio em relação à suspensão era o de que se viesse de alguma forma esvaziar de conteúdo essa figura inovadora introduzida pelo Decreto-Lei n.º 555/99, que é a figura da autorização, porque ela era o grande ganho em matéria de simplificação administrativa, mas sem perda de controlo público sobre a edificação. E sem perda de controlo público porque a figura da autorização e a filosofia subjacente à sua introdução assentava na transferência do controlo da fase preventiva para a fase de execução da obra.
As alterações que o Governo, agora, sugere, nomeadamente quanto à delimitação do âmbito do procedimento de autorização, só me suscitam algumas dúvidas quanto à possibilidade de as câmaras municipais verificarem se os planos de pormenor cumprem ou não os requisitos estabelecidos no regime dos instrumentos de gestão territorial, porque isso poderia introduzir um elemento de liberdade ou de livre apreciação que, de alguma forma, alteraria os dados do processo de autorização.
Por outro lado, também tenho algumas dúvidas, mas penso que elas poderão ser aprofundadas no debate do decreto-lei que há-de seguir-se, quanto ao âmbito de apreciação, porque a lógica de autorização é a de uma menor apreciação ou a de uma ausência de apreciação do projecto propriamente dito, razão pela qual os respectivos fundamentos de indeferimento não deveriam ser idênticos aos do licenciamento.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Secretário de Estado, há ainda outros pedidos de esclarecimento.
Pretende responder já ou no fim?

O Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do território e da Conservação da Natureza: - Prefiro responder no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sendo assim, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Oliveira.

O Sr. Manuel Oliveira (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza veio aqui pedir-nos rapidez na aprovação desta proposta de lei, mas eu gostaria de fazer-lhe uma pergunta.
Como V. Ex.ª sabe, a Lei n.º 13/2000, que suspendeu a vigência do Decreto-Lei n.º 555/99, foi aprovada em 8 de Junho, foi publicada em 20 de Julho e entrou em vigor no dia imediato, ou seja, a 21 de Julho de 2000. Portanto, o Decreto-Lei n.º 555/99 acabou por ficar suspenso, não tendo entrado em vigor.
Acontece, Sr. Secretário de Estado, que tenho aqui a Portaria n.º 1101/2000, de 20 de Novembro, do Ministério do Equipamento Social, que regulamenta o artigo 123.º do decreto-lei, cuja suspensão da vigência se encontra efectivamente concretizada. Esta portaria foi subscrita pelo Sr. Secretário de Estado Adjunto e das Obras Públicas em 16 de Outubro e foi publicada em 20 de Novembro de 2000. Em minha opinião, esta portaria não tem norma habilitante, daí que deva ser considerada uma portaria ilegal, inútil e inaplicável. E agora vem o Sr. Secretário de Estado pedir-nos urgência na aprovação desta proposta de lei!
Sobre o projecto de decreto-lei que acompanha a proposta de lei e relativamente ao mesmo artigo 123.º, parece-me ser o único dispositivo estabelecido para regulamentar, em intervenção conjunta do Ministério do Equipamento Social e do Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território. Assim, pergunto: qual é o entendimento do Sr. Secretário de Estado quanto à intervenção do Ministério do Equipamento Social nesta matéria?
Para terminar, gostaria de questionar o Sr. Secretário de Estado sobre se está disponível, como, aliás, o fez na comissão especializada, na passada segunda-feira, para aceitar a introdução de alterações, embora pontuais - e aproveito para dizer que, da nossa parte, há toda a disponibilidade para essas alterações serem introduzidas com a rapidez que o processo legislativo impõe -, de forma a que, de uma vez por todas, acabemos com esta problemática e com o andarmos aqui a pedir autorizações legislativas no sentido de rever esta lei.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Matias.

O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza, este decreto-lei que se pretende publicar é, de facto, de grande importância. Basta dizer que ele vai regulamentar as actuações entre a administração pública, representada pelas câmaras municipais, e os promotores de loteamentos e construções. E, neste campo, a primeira grande questão que se coloca é a importância de ouvir-se várias pessoas interessadas, tais como autarquias, promotores, população em geral, sobre os problemas suscitados no dia-a-dia relativamente a estes licenciamentos.
Ora, face a esta importância e porque já tínhamos «não aprovado» o anterior pedido de autorização legislativa, que, como depois se veio a verificar, deu lugar a um decreto-lei que acabou por ser suspenso, a primeira grande questão que coloco é: está ou não o Governo disposto a trabalhar com a Assembleia da República - e devo dizer que nós, pela nossa parte, já nos adiantamos, apresentando um projecto de lei, mas haverá certamente contributos de Deputados de outras bancadas que poderão enriquecer esta lei -, de forma acelerada, por forma a obter-se uma lei consensual?
Por outro lado, Sr. Secretário de Estado, porque não podemos ignorar, o pedido de autorização legislativa já traz anexo o projecto de decreto-lei. E aqui, Sr. Secretário de Estado, vou fazer-lhe algumas perguntas, de entre muitas outras que, naturalmente, irei fazer aquando da minha intervenção.
A primeira pergunta tem a ver com a qualidade que tanto falta nas construções, o que leva a custos sociais e

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económicos enormes porque duram metade do tempo da vida útil que deveriam ter e exigem grandes obras de reparações muito antes do tempo que seria razoável admitir.
Ora bem, no nosso projecto de lei propomos algumas medidas para a qualidade que, naturalmente, passam por uma maior fiscalização, quer qualitativa, quer quantitativa, da Administração Pública, mas têm de passar também por um empenhamento e uma responsabilização dos técnicos intervenientes, quer na fase de projecto, quer na fase de obra.
Posto isto, Sr. Secretário de Estado, pergunto: não seria desejável que um decreto-lei destes, ou uma lei destas, favorecesse também a melhoria da qualidade?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza.

O Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza: - Sr. Presidente, começo por responder ao Sr. Deputado Cláudio Monteiro, para, por um lado, registar as suas próprias palavras ao sublinhar que a proposta de lei de autorização legislativa que o Governo hoje submete à consideração da Assembleia não lhe suscita reparos e, por outro, manifestar a disponibilidade do Governo para analisar as sugestões que acaba de fazer quanto ao decreto-lei autorizado.
Porém, chamo desde já a atenção para o facto de o Governo, relativamente à proposta de lei que apresentou à Assembleia, no decreto-lei autorizado que a acompanha, ter feito a opção de não esvaziar a figura da autorização administrativa exactamente por reconhecer que este é um dos grandes méritos do Decreto-Lei n.º 555/99, na medida em que viabiliza uma simplificação de procedimentos que, nesta área, é muito necessário. Mas o Governo também teve consciência de que é necessário que essa simplificação de procedimentos não contribua para o desenvolvimento de processos urbanísticos que não estejam ao serviço da qualidade da nossa paisagem urbana, inclusivamente, da própria qualidade da construção. E é este equilíbrio que o Governo procura atingir com o pedido de autorização legislativa que agora vem propor.
No que diz respeito às questões colocadas pelo Sr. Deputado Manuel Oliveira, que também têm a ver com a que foi colocada pelo Sr. Deputado Joaquim Matias, direi o seguinte: o calendário que o Governo propõe tem em conta um facto que decorreu da Lei n.º 13/2000, que é o de o Decreto-Lei n.º 555/99 entrar em vigor no dia 1 de Janeiro de 2001. E a opção que o Governo faz é no sentido de solicitar uma autorização legislativa.
O Governo entende que existem todas as condições para que esta proposta de lei de autorização legislativa possa vir a ser aprovada por esta Assembleia e está disponível, como já disse, para, em matéria do decreto-lei autorizado, fazer o trabalho solicitado pelo Sr. Deputado Joaquim Matias, sem prejuízo, naturalmente, das regras gerais, que permitem a esta Assembleia da República chamar à apreciação parlamentar o diploma que o Governo venha a fazer.
Porém, já não me parece viável vir a optar-se por uma via alternativa que consiste em fazer um decreto-lei material sobre o regime jurídico da urbanização e da edificação nestas três semanas que nos separam da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 555/99 e na surpresa, certamente, dos destinatários a quem este diploma se dirige. Esclareço o Sr. Deputado Joaquim Matias que, durante este período, o Governo teve o cuidado de preparar esta proposta de lei de autorização legislativa por via de um processo negocial e participado, no qual tiveram ocasião de intervir diferentes associações. Coisa diferente seria se nós, aqui, nos concertássemos para um diploma de intervenção substantiva que não fosse um mero pedido de autorização legislativa e ainda para mais solicitando ao Presidente da República que prescindisse de uma apreciação cuidada do seu conteúdo, atenta a importância que ele certamente tem, de modo a poder intervir sem prejuízo dos calendários que estão aqui em causa.
Por isso, Sr. Deputado, esta é a resposta que tenho para lhe dar. O Governo optou pela via do pedido de autorização legislativa; considera que há condições para esse pedido de autorização legislativa ser aprovada, que há terreno para aperfeiçoar o decreto-lei autorizado que acompanha esta proposta de lei de autorização legislativa, e não crê que existam condições para fazer uma alteração quanto à estratégia legislativa que aqui está em causa.
O Sr. Deputado Manuel Oliveira suscita um problema da peritagem jurídica quanto à validade da portaria publicada e eu sobre isto tenho a minha opinião, entendo que a suspensão do Decreto-Lei n.º 555/99 também afecta as suas normas, enquanto normas habilitantes de portarias, e isto também poderá ser corrigido ao abrigo de uma intervenção legislativa mais global, onde, através de uma proposta de lei de autorização legislativa, o Governo produza um decreto-lei autorizado que forneça normas habilitantes e ao abrigo do qual possa então ser produzida a regulamentação que é necessária neste domínio.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Matias.

O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: O regime jurídico dos loteamentos e construções estabelece as relações entre as câmaras municipais e a actividade privada da construção, pelo que deve assumir um importante papel no incentivo à melhoria da qualidade de vida urbana.
No quadro da nova lei de bases do ordenamento do território, aprovada por esta Assembleia há cerca de dois anos e meio, e do novo regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial, aprovado há cerca de um ano, este diploma completa um edifício legislativo que deverá, do ponto de vista do PCP, definir e orientar as linhas programáticas do desenvolvimento sustentável do nosso país, orientado para a melhoria da qualidade de vida da nossa população.
Sendo matéria da competência da Assembleia da República, o Governo requer uma autorização legislativa para alterar o Decreto-Lei n.º 555/99, publicado há cerca de um ano e suspenso cerca de dois meses após a sua entrada em vigor.
Este Decreto-Lei n.º 555/99 mereceu justas críticas do Provedor de Justiça e da Associação Nacional de Municípios Portugueses, como já a autorização legislativa para a sua publicação tinha merecido a oposição do PCP, pelos motivos na altura devidamente justificados.
A importância da matéria em debate justifica, por sua vez, a procura do maior consenso possível em torno da elaboração de uma lei da República, que não é possível consubstanciar numa autorização legislativa.
O PCP apresentou, assim, o projecto de lei n.º 331/VIII, que estabelece o regime jurídico dos loteamentos e cons

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truções. Subjacente ao articulado deste projecto de lei está a defesa de três princípios que consideramos essenciais e que o Decreto-Lei n.º 555/99, incluindo as alterações agora propostas pelo Governo, não garante na totalidade.
Em primeiro lugar, o respeito integral pelos instrumentos de planeamento e gestão territorial, elaborados e aprovados pelos órgãos de administração competentes, após discussão pública, em que todos os interessados podem participar. São estes instrumentos, de facto, que contribuirão para disciplinar a utilização do uso do solo, para promover a renovação e reestruturação de núcleos envelhecidos e degradados, para preservar o nosso património colectivo e para salvaguardar e reabilitar os recursos ambientais e naturais, pelo que todas as operações de uso e transformação de solo os devem respeitar.
Em segundo lugar, as relações entre a administração pública, através das câmaras municipais, e os promotores dos loteamentos e construções devem ser clarificadas, simplificadas, desburocratizadas e expeditas. Deve ser garantido o direito à informação e discussão pública, num quadro de transparência, com salvaguarda do respeito pela legalidade.
A administração pública e os seus agentes, no exercício da sua actividade licenciadora, não podem ficar à margem da lei e devem ser responsabilizados pelos eventuais prejuízos que possam causar a terceiros, designadamente pelo incumprimento de prazos, salvaguardados pelo mecanismo de deferimento tácito. Contudo, tal mecanismo nunca pode subverter os instrumentos de gestão territorial, o que se traduziria na transferência para a colectividade da penalização devida à administração e aos agentes prevaricadores.
Em terceiro lugar, deve existir o objectivo de melhorar a qualidade da construção no nosso país, que regista, actualmente, índices preocupantes neste capítulo, com graves custos económicos e sociais pela redução do tempo de vida útil das construções e pelo aumento das reparações precoces necessárias. O aumento de qualidade deve ser obtido não apenas pelo reforço quantitativo e qualitativo da fiscalização por parte da administração mas igualmente resultar da responsabilização dos construtores e dos técnicos envolvidos no projecto e na construção.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Gostaríamos de sublinhar 11 traços característicos do nosso projecto de lei, alguns dos quais consubstanciam diferenças significativas em relação ao Decreto-Lei n.º 555/99 e à sua alteração.
As competências para as diferentes operações de licenciamento são, no essencial, remetidas para os presidentes das câmaras municipais, com possibilidade de subdelegação nos vereadores e destes nos dirigentes de serviços, reservando para a câmara as competências relativas a operações de loteamento e obras de urbanização em áreas em que não existam planos de pormenor. Tendo praticamente o mesmo resultado prático da proposta do Governo, atribui a competência de acordo com o grau de definição dos instrumentos de gestão territorial em vigor e não pela separação entre licença e autorização, como faz a proposta do Governo. Esta diferenciação, mais do ponto de vista da administração pública do que dos particulares, provocaria uma maior complexidade no estabelecimento de taxas pelas assembleias municipais e poderia introduzir aparente discricionariedade nos actos administrativos.
O nosso projecto de lei prevê a possibilidade de dispensa de licença municipal num amplo leque de situações, por via da isenção às entidades públicas, mas não estende essa isenção a todos os serviços, de acordo, aliás, com a Associação Nacional de Municípios Portugueses, ao contrário da proposta do Governo. Nestes casos a isenção de licença, isentando simultaneamente, sem qualquer justificação, a aplicação de taxas municipais, prejudicaria o controlo do espaço urbano pelos municípios na coordenação das diferentes obras de superfície ou de subsolo, na ocupação do espaço aéreo e na indispensável actualização cadastral que os municípios devem possuir.
São criadas as figuras inovadoras de director de projecto e director de obra, estendendo as competências e responsabilidades dos actuais projectistas e técnicos responsáveis pela obra. Estas figuras, que dispõem de capacidade técnica adequada, terão uma significativa intervenção, com reflexos positivos na qualidade do produto final, e também serão considerados agentes processuais, que permitirão - aqui, sim - desburocratizar formalidades do processo administrativo, conferindo mais celeridade às tomadas de decisão.
No que se refere às entidades públicas, para além dos municípios, com intervenção no processo de licenciamento, como telefones, electricidade, gás, etc., permite-se a intervenção directa destas perante os requerentes, aliviando, desta forma, os processos administrativos de formalidades burocráticas que, inevitavelmente, os atrasam, ao mesmo tempo que se clarificam todos os procedimentos e responsabilidades das entidades que intervêm no processo.
Cria, de modo claro e sistemático, a forma de procedimento administrativo adequada à realidade concreta das acções que requerem licenciamento.
Evita alguns procedimentos não justificados para o tipo de construção em causa, que podem ir até à dispensa de projectos de arquitectura ou de especialidades.
Define o direito dos particulares na decisão relativa ao direito de lotear ou de construir, que adquire eficácia com o cumprimento das formalidades necessárias para completar os elementos técnicos nas condições regulamentares, baseada na responsabilidade própria dos técnicos envolvidos no processo.
Garante os direitos dos promotores e também dos consumidores, protegendo os primeiros dos eventuais atrasos da administração, não permitindo, contudo, o não cumprimento das normas legais em matéria de edificação, e assegurando aos segundos que o produto urbano só após licença para utilização do fim a que se destina é passível de registo comercial, sendo garantidas e asseguradas as responsabilidades inerentes aos sectores de produção e comercialização.
Aligeira os processos, possibilitando as obras de urbanização e edificação simultâneas quando executadas pelo mesmo agente.
Permite a intervenção municipal expedita do embargo total ou parcial da execução das obras, para acabar com a prática do facto consumado, hoje muito em moda, mas, simultaneamente, confere ao construtor o direito de adaptação e correcção, com o objectivo de dar cumprimento a todas as obrigações relacionadas quer com o projecto, quer com as normas legais e regulamentares.
Garante uma caução eficaz a favor dos consumidores para reposição de eventuais incumprimentos de projecto ou defeitos de má execução.
Assegura o direito à informação, garante o respeito por todas as deliberações e decisões das entidades extramunicipais intervenientes na elaboração dos instrumentos de planeamento e gestão territorial, incluindo, naturalmente, o respeito pelas audições públicas.

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Finalmente, permite que, após decorrido os períodos de tempo considerados razoáveis sobre a recepção das obras de urbanização, possa haver alteração dos parâmetros previstos no loteamento, a pedido de, pelo menos, dois terços dos titulares dos lotes ou por iniciativa municipal, clarificando um complexo problema actual de revisão de alvarás cuja execução se tornou desajustada face à evolução dos aglomerados urbanos.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Com a apresentação deste projecto de lei, o PCP pretende dar uma contribuição, pela positiva, para a elaboração de uma lei que garanta a aplicação dos princípios que todos defendemos, com vista à qualificação e requalificação tão necessárias dos nossos meios urbanos.
Não nos resta muito tempo e espaço para salvaguardar o nosso património e garantir a defesa do meio ambiente e da qualidade de vida das nossas populações.
Esta contribuição é o resultados de um amplo trabalho de estudo e reflexão da nossa realidade, da auscultação atenta dos anseios das populações, mas também das autarquias e dos agentes promotores de loteamentos e construções. Não é, contudo, uma iniciativa fechada, está, naturalmente, aberta à compatibilização com todas as opiniões que contribuam para um melhor e maior aprofundamento deste complexo problema.
Sabemos que a suspensão do Decreto-Lei n.º 555/99 termina a 31 de Dezembro próximo; de qualquer forma, os 30 dias preconizados para a entrada em vigor da proposta do Governo, prazo, aliás, contestado pela Associação Nacional de Municípios Portugueses, que reivindica 90 dias como tempo mínimo indispensável à preparação da regulamentação específica pelas autarquias, ultrapassará, inevitavelmente, essa data.
Há urgência na elaboração da lei, urgência justificada, mas que não deverá ser impeditiva da necessária e enriquecedora discussão na especialidade.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Pela nossa parte estamos disponíveis para trabalhar intensamente, de forma a encurtar a data de votação na especialidade, e apelamos aos outros partidos, em particular ao Partido Socialista, que apoia o Governo, para não impedir que essa necessária discussão se faça, porque a complexidade e a gravidade do problema assim o exigem.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, eu gostaria de ter-me pronunciado sobre a intervenção do Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza, mas não tive oportunidade de a ouvir, por não me encontrar na Sala. No entanto, em relação ao projecto de lei apresentado pelo PCP, há aspectos que eu gostaria de sublinhar.
Em primeiro lugar, gostaria de dizer que é necessário ter atenção quando estamos a introduzir mudanças profundas no regime jurídico da urbanização e da edificação, não só no sentido da simplificação de processos mas também do melhoramento de disposições legais, independentemente da celeridade - e esta é muito evocada pelo Governo, que, agora, de repente, ficou apressado -, porque estamos a mexer em aspectos de enorme delicadeza.
Em relação ao projecto de lei do PCP, que me parece que inova de uma forma extremamente importante em alguns aspectos, gostaria de sublinhar as questões que têm a ver com a criação explícita de duas novas figuras, a de director de projecto e a de director de obra, porque, a meu ver, este aspecto não só permite responsabilizar e ter um interlocutor mas também pode vir a permitir um salto qualitativo em termos da qualidade dos projectos.
Mas há uma coisa em relação à qual eu gostaria que o Sr. Deputado Joaquim Matias esclarecesse que é a de saber se, independentemente da flexibilidade e da simplificação processual e de, porventura, Os Verdes terem nesta matéria uma concepção diferente quanto à administração central estar isenta de licenciamentos, a ter um tratamento diferenciado dos sectores privados em matéria de obras, existe ou não abertura do PCP para, em sede de especialidade, pontualmente, considerar uma questão que tem a ver com o facto de, na alínea d) do artigo 7.º do projecto de lei do PCP, estarem isentas de licença nas operações urbanísticas promovidas pela administração pública «As obras de edificação ou demolição promovidas por entidades públicas que tenham atribuições específicas a administração das áreas portuárias (…)».
A prática no nosso país, do nosso ponto de vista, tem sido suficientemente pouco cuidada por parte destas entidades portuárias, que não só interferem, construindo, por exemplo, marinas, mas são promotoras imobiliárias, extrapolando, de algum modo, aquelas que são as suas competências. A este respeito, pergunto se, perante esta prática desastrosa que tem sido consentida pelo Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, o Sr. Deputado não considera que, eventualmente, esta isenção pode ser negativa.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Matias.

O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, muito obrigado pelas perguntas que me colocou.
Em primeiro lugar, V. Ex.ª falou na questão da celeridade. Devo dizer-lhe que a celeridade é uma questão crucial, a nosso ver, nos dois sistemas em paralelo. Por um lado, a celeridade é indispensável, como forma de desburocratizar, mas deve ter os seus limites. A celeridade não pode entrar por um processo de deferimento tácito que ultrapasse, designadamente, normas legais e instrumentos de gestão do território em vigor, deve ter os seus limites e deve, isso sim, penalizar a administração pública quando esta não cumpre.
Relativamente às figuras, que são, de facto, inovadoras, de director de projecto e de director de obra, estas, sim, inserem-se num processo de celeridade processual e de desburocratização, uma vez que poderão assumir-se como interlocutoras privilegiadas entre problemas de licenciamento e problemas técnicos de construção ao mesmo tempo que garantem uma coisa que consideramos essencial, que é a qualidade do produto final colocado no mercado, para a qual é indispensável haver legislação no sentido de a favorecer.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, coloca-me a questão da isenção de licenças por parte de alguns organismos da administração central, para a qual, como referiu, estaremos abertos em sede de discussão na especialidade.

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No entanto, é necessário ter em conta que este não é um diploma isolado, constitui um conjunto com a lei de bases do ordenamento do território e com o regime jurídico dos instrumentos de gestão e planeamento do território.
Naturalmente que esta isenção que fazemos, diferentemente da proposta do Governo, é pessoalizada, isto é, dirige-se só às entidades públicas, mas o facto de dispensar de licença e, consequentemente, de aplicação de taxa a administração pública não dispensa a administração pública de ficar subordinada aos instrumentos de gestão territorial, designadamente aos planos de pormenor, aos planos de urbanização, e estes são submetidos a discussão pública.
Nós não isentamos, todavia, outras entidades privadas que prestam alguns serviços e que fazem a ocupação do solo e do subsolo não apenas pela gravidade ou não gravidade da discussão entre autarcas e poder central, se se devem taxar as infra-estruturas do subsolo ou aéreas, não é apenas por isto, mas pela confusão que é gerada pelas intervenções sistemáticas, particularmente as do subsolo, tais como as da electricidade e gás, e todos nós sentimos isto nas nossas cidades.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Peço-lhe que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Se isto for dispensado de licença municipal, agrava-se a situação e os municípios perdem o controlo do uso do território, o que é extremamente grave.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: A proposta de lei em apreço, que visa autorizar o Governo a alterar o Decreto-Lei n.º 555/99, tem, necessariamente, uma leitura política, à qual o Governo não se pode furtar: a de que o Governo errou, enganou-se, não tinha razão.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Mas, infelizmente, a constatação desta leitura política não permite reparar as graves consequências que a entrada em vigor deste Decreto-Lei n.º 555/99 acabou por provocar a autarquias e a particulares e, por estas consequências, vai já sendo tempo, em minha opinião, de exigir do Governo e da maioria socialista a respectiva responsabilização.
Na verdade, aquando da discussão e votação, que teve lugar nesta Assembleia a 24 de Junho de 1999, da proposta de lei n.º 279/VII, que autorizou o Governo a legislar nos termos em que acabou por fazê-lo, através do Decreto-Lei n.º 555/99, todos os principais defeitos do diploma foram, desde logo, adiantados pela generalidade dos partidos da oposição, e vê-se, hoje, com que propriedade.
Já então, Sr. Secretário de Estado, foi referido pela oposição: que o Governo estava a querer legislar apressadamente, requerendo uma autorização legislativa em fim de mandato; que as associações de municípios deveriam ser ouvidas; que o diploma tenderia a consagrar prazos que não poderiam ser cumpridos pela Administração Pública; que o prazo de suspensão de procedimentos de informação prévia era excessivo; que se dificultava a existência das empresas de pequena dimensão, e muito, muito mais.
A verdade é que a maioria socialista e o Governo, com aquela costumada sobranceria a que já nos habituou, não deram ouvidos à oposição, não deram ouvidos a nenhuma das advertências que lhes foram feitas; antes, persistiram na elaboração e permitiram a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 555/99, confundindo, com os respectivos efeitos, particulares, autarquias e construtores, que nuns casos, ao bel-prazer das autarquias, viram ser aplicado o diploma e noutros não.
É certo, em todo o caso, que, numa primeira demonstração de arrependimento, o Governo e a maioria socialista tentaram emendar a mão, quando apresentaram uma proposta de suspensão da eficácia deste diploma até 31 de Dezembro de 2000. É certo! No entanto, Sr. Secretário de Estado (e é a si que me dirijo agora, directamente), infelizmente, vê-se agora, da análise da proposta de lei n.º 50/VIII, em apreciação, que o Governo não é capaz de aprender, sequer, com os seus próprios erros. E isso é já muito mais grave!
É que, mais uma vez, Sr. Secretário de Estado, são inúmeras as deficiências que esta nova proposta de lei nos revela, como, de resto, o pré-projecto, em anexo.
Vou assinalar, a título de exemplo, alguns casos: a consagração, numa desproporção intolerável entre a posição da Administração, como entidade licenciadora, em detrimento das demais entidades intervenientes no processo de licenciamento; a consagração de um regime jurídico, que se manterá muito aquém das expectativas que o Governo e a maioria socialista geraram, quer em sede de consagração de medidas de celeridade, quer em sede de simplificação de procedimentos e desburocratização administrativa; a falta de compatibilização do regime jurídico do licenciamento com as várias legislações específicas actualmente em vigor, relativas a projectos da especialidade; o alargamento do prazo para a deliberação sobre o pedido de informação prévia e circunscrito o valor da informação prévia favorável face a subsequentes pedidos formulados; a possibilidade de violação de direitos adquiridos dos cidadãos; a falta de elaboração de regras particulares e específicas, mais céleres e simplificadas, no âmbito do licenciamento para reabilitação do património construído, que constitui uma preocupação primordial dos tempos modernos. E muitas, muitas outras deficiências que, desde já, nos suscitam quer a proposta de lei quer o pré-projecto.
Em todo o caso, Sr. Secretário de Estado, verdade é também que, apesar de todas estas deficiências, da reprovação desta proposta de lei, poderá resultar um mal maior evidente, ou seja, a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 555/99 já em Janeiro de 2001, nos termos em que foi lamentavelmente elaborado pelo Governo (e não vamos cansar-nos mais a referi-los), contra tudo e contra todos. Obviamente que a decisão final do meu partido terá de sopesar, de entre dois males, aquele que seja menos gravoso.
Posto isto, cumpre agora fazer uma análise, no âmbito desta discussão conjunta, do projecto de lei n.º 331/VIII, da iniciativa do PCP, que, se em alguns aspectos nos parece bem mais avisado, do nosso ponto de vista, consagra ainda assim deficiências, que não queremos deixar de salientar, muito embora também salientemos as razões de mérito deste projecto.
Assim: vantajosa, parece-nos, desde logo, a eliminação da dicotomia entre licença e autorização, que é a construção subjacente a todo o Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de

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Dezembro. Este texto legislativo resulta muito mais escorreito, dispensando as constantes remissões para outros preceitos do mesmo diploma que, passo a passo, vamos encontrando no referido Decreto-Lei.
Beneficiado resulta, obviamente, o trabalho do intérprete - e não só do intérprete jurista, pois importa ter em conta, como bem salientou o Sr. Provedor de Justiça na recomendação n.º 10/B/2000, de 10 de Março, «(…) o facto de o regime em apreciação constituir um elemento de trabalho corrente entre profissões não jurídicas.»
Também as inovações constantes dos artigos 38.º a 40.º são absolutamente de aplaudir, demonstrando potencialidades para constituir a garantia de efectivação da responsabilidade dos promotores de edificações, em caso de defeito de construção, que os tribunais não conseguem assegurar com o mesmo grau de actualidade.
No entanto, outros exemplos há que merecem a nossa crítica.
Assim: crítica merece, desde logo, a multiplicação de entidades com competência para embargarem a obra. Se não podemos discordar com a faculdade que é dada aos directores de projecto e aos directores de obra de promoverem o embargo de obra que esteja a ser executada em desconformidade com o projecto ou com as condições do licenciamento, bem como de ordenar a suspensão de quaisquer trabalhos nestas circunstâncias, já não podemos concordar com a atribuição da mesma competência aos funcionários, agentes ou entidades encarregues da fiscalização. Isto porque, por um lado, a competência destes claramente se sobrepõe à daqueles e, por outro, porque a competência do fiscal é uma competência executiva, embora sujeita a ratificação do presidente da câmara), ao passo que a competência do director de obra ou de projecto é meramente propositiva.
Consideramos que o poder de promover o embargo, que é conferido ao director de projecto e ao director de obra, é um poder funcional, que não só pode mas deve ser actuado quando se verifique essa situação de desconformidade com o projecto ou as condições de licenciamento. Mas consideramos igualmente que se destina a facultar-lhes uma salvaguarda quanto à sua eventual responsabilidade pelas consequências negativas que, no futuro, a execução da obra em desconformidade com o projecto ou as condições de licenciamento possa acarretar.
Já no que respeita aos fiscais municipais, nenhuma responsabilidade têm estes a salvaguardar.
Obviamente que, do exposto neste considerando, decorrerá que não concordamos com a solução que consiste em o presidente da câmara só intervir no embargo realizado por fiscal municipal em sede da sua ratificação ou não ratificação. Pensamos que se deveria optar aqui pela solução do Decreto-Lei n.º 555/99, que consiste em conferir a competência para o decretamento do embargo directamente aos presidentes da câmara.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Ainda quanto aos directores de projecto e de obra, não se consegue descortinar a justificação para a exigência de procuração do interessado a favor destes, uma vez que as competências dos mesmos estão claramente definidas no diploma.
Uma referência, ainda, ao estatuído no artigo 57.º (fraccionamento de prédios rústicos) para dizer que o regime ali previsto pode causar dificuldades quando interpretado em conjugação com o disposto no artigo 54.º, n.º 1, da Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro. De facto, esta disposição comina com a nulidade os actos de fraccionamento que vêm agora previstos na disposição em apreço, podendo esta contribuir para a confusão interpretativa, com todas as consequências que tal pode acarretar ao nível da prática notarial e registral.
Em jeito de reparo final, dir-se-á que a sistematização proposta na iniciativa legislativa em apreço pode não ser a mais adequada. Apenas a título de exemplo, a primeira referência à informação prévia consta do artigo 27.º, n.º 1, alínea c), mas o respectivo regime só vem regulado posteriormente, nos artigos 89.º e seguintes, quando, salvo melhor opinião, deveria suceder precisamente o contrário.
Seja como for, e termino, a posição a tomar pelo Partido Popular relativamente à proposta do Governo e ao projecto de lei da responsabilidade do PCP terá em conta, obviamente, as respectivas virtualidades e os respectivos defeitos.
Bom seria, em todo o caso, que a maioria socialista - e a ela agora me dirijo expressamente - possibilitasse o necessário consenso para que fosse encontrada uma solução correctiva que suprisse, em sede de comissão, as reais deficiências do regime jurídico da urbanização e da edificação, que, essas sim, nos preocupam sobremaneira.
Julgo que estão criadas as condições para que esse consenso em sede de comissão seja alcançado - obviamente que dependerá do Governo, em certa medida, mas da maioria socialista principalmente.
Aprenda a maioria socialista com os erros do passado, saiba hoje emendar a mão e não permita que aconteça, hoje, aquilo que permitiu que acontecesse no passado e que levou à aprovação do Decreto-Lei n.º 555/99 nos termos em que foi feita.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Oliveira.

O Sr. Manuel Oliveira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Debatemos, hoje, um pedido de autorização legislativa apresentado pelo Governo para dar nova redacção a 60 artigos de um decreto-lei cuja aplicação esta Assembleia suspendeu por manifestas incorrecções e inadequações aos objectivos pretendidos.
De igual modo, temos em análise um projecto de lei apresentado pelo Grupo Parlamentar do PCP, que propõe um novo regime jurídico para os loteamentos e construções.
Não podemos deixar em claro o facto de a autorização legislativa através da qual o Governo produziu o Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, ter sido discutida em sessão plenária da Assembleia da República de 24 de Junho de 1999.
Praticamente um ano depois, em 25 de Maio do corrente ano, voltava a discutir-se esta matéria, novamente a pedido do Governo, mas agora para suspender a aplicação daquele diploma legal, face às suas evidentes insuficiências.
Na discussão de 24 de Junho de 1999, o membro do Governo que, em representação deste, apresentou a iniciativa legislativa considerava que era necessário rever os regimes jurídicos do licenciamento municipal de loteamentos urbanos, de obras de urbanização e de obras particulares, porque a legislação que se encontrava em vigor não con

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ciliava as exigências de salvaguarda do interesse público com a celeridade e simplificação administrativas.
Em menos de um ano, veio a confirmar-se que os preceitos acolhidos no novo diploma não conciliavam aqueles desideratos.
Foi grande a inabilidade do Governo, ao utilizar a autorização legislativa de modo desastrado, de tal forma que o próprio veio a aceitar que não se podiam aplicar as normas aprovadas neste domínio.
Daí que, após alguns meses, concluísse pela suspensão da vigência do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, o que ficou legalmente consagrado pela Lei n.º 13/2000, de 20 de Julho.
Com esta trapalhada governamental, perdeu-se já um ano e meio.
Na altura, defendemos que mais eficaz seria a revogação daquele diploma. De facto, com estes disparates legislativos, o que se verificou foi que quem teve de aplicar a lei, especialmente as autarquias e os particulares que a ela tinham de se submeter, viu-se confrontado com questões de hermenêutica e fundamentalmente ficou sem saber que lei aplicar a cada processo de urbanização e edificação. Os próprios serviços da Administração Pública legitimamente questionavam que lei aplicar.
Por fim, o Provedor de Justiça, através de recomendação, suscitou questões importantes de inconstitucionalidade, acabando o Governo por reconhecer que a sua acção legislativa se tinha revelado um fracasso.
Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados: Aquilo que a Assembleia da República é agora chamada a fazer, perdido que foi, repito, um ano e meio, é remendar esta trapalhada criada pelo Governo.
Sobre matéria de urbanização e edificação, o PSD defende, como defendeu, que devem ser consagrados princípios como: o reconhecimento de um nível adequado de controlo público, que garanta o respeito inabalável dos interesses públicos urbanísticos e ambientais; a defesa e preservação da estética das povoações, da adequada inserção urbana e do aspecto exterior das edificações, sujeitando-se a licenciamento municipal e não a mera autorização as obras de construção, quando não estejam explicitados os condicionalismos específicos referentes à forma e conteúdo arquitectónico, cores e materiais; a amenização dos casos em que os procedimentos de licenciamento e autorização têm de ser obrigatoriamente suspensos, aquando da elaboração ou revisão dos planos; a redução dos prazos a que as operações de loteamento ficam sujeitas para discussão pública, sem pôr em crise o direito de participação plena das populações; a responsabilização de quem executa as peças processuais e faz o acompanhamento das obras.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Sabemos que o Governo, por sua exclusiva culpa, está pressionado pela data de 31 de Dezembro de 2000, aquela que, em Junho passado, entendeu como razoável para ter um novo diploma que definisse o regime jurídico da urbanização e da edificação.
Mais uma vez, deixou tudo para a última hora e agora vê-se atrapalhado pela sua própria incapacidade.
Consideramos que o regime jurídico da urbanização e da edificação toca, num ou noutro momento, a generalidade dos cidadãos. Não gostaríamos de ver, nos próximos meses, como aconteceu, o Governo a concluir que não conseguiu um diploma aceite pela maioria dos seus executores e destinatários.
Encontramos por parte da Associação Nacional de Municípios Portugueses alguns reparos ao articulado do projecto de decreto-lei.
Também não serão de desprezar aspectos importantes carreados pelo projecto de lei, do PCP, como sejam as delegações e subdelegações de competências previstas no próprio projecto, a simplificação de procedimentos, as garantias dos cidadãos promotores e cidadãos consumidores, entre outros.
Neste quadro, Sr. Presidente e Srs. Deputados, tratando-se de matéria que obrigará a posterior regulamentação por parte do Governo, tratando-se de matéria que exigirá a necessária adequação dos regulamentos municipais à lei, e tratando-se de matéria que, do ponto de vista do PSD, deve ser o mais consensual possível, em benefício da certeza e estabilidade jurídicas, parece-nos avisado que as propostas em discussão baixem à comissão especializada, mesmo que por um período curto, onde possam ser acolhidas alterações mais técnicas e, agora sim, conciliadas as exigências de salvaguarda do interesse público com a celeridade e simplificação administrativa que, justificadamente, os cidadãos ambicionam e merecem.
A pressa, como se provou já neste processo, é normalmente má conselheira.
O PSD está aberto a introduzir correcções e benfeitorias necessárias à aprovação de uma lei que não reincida nos erros e inconstitucionalidades da anterior iniciativa do Governo.
É este o sentido com que encaramos este debate.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Neves.

A Sr. Helena Neves (BE): - Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr. as e Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 50/VIII vem introduzir um conjunto de alterações significantes, relativamente ao articulado inicialmente constante do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro. Essas alterações respondem, em grande medida, às inúmeras observações expressas no parecer da Provedoria de Justiça e no trabalho da Associação Nacional de Municípios Portugueses.
Inúmeras dessas propostas, visando, entre outros, eliminar aspectos contraditórios com outros instrumentos legislativos em vigor, foram acolhidas pelo Governo, o que comprova a necessidade de auscultação de várias entidades e organismos, em ordem a uma boa reflexão sobre as práticas legislativas a introduzir.
A proposta de lei tem com objectivo genérico a definição de um conjunto de procedimentos legislativos que torne o regime de autorização referente a licenciamento de loteamentos, obras de urbanização ou obras particulares mais claro e mais simples, compatibilizando-o, ao mesmo tempo, com os instrumentos de gestão territorial em vigor.
Trata-se de um objectivo genérico, com que concordamos, percebendo-se, a esta luz, a razão da introdução dos regimes de licenciamento e de autorização administrativa.
Ora, é relativamente às condições de aplicabilidade destes dois regimes que importará determo-nos um pouco mais.
Em primeiro lugar, porque a simplificação, com a introdução da figura de autorização administrativa, bem como para o regime de licenciamentos em geral, deveria estar garantida pela aprovação, em simultâneo, de um regime de verificação da qualidade e da responsabilidade na elaboração de projectos e na execução das obras públicas e particulares. Esse regime não existe, apesar de estar sugerido

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no final do Decreto-Lei n.º 555/99 (artigo 128.º, n.º 4), e sobre ele nada se diz sobre quando é que o Governo o irá apresentar.
Para o Bloco de Esquerda, a adopção de procedimentos simplificados só deve acontecer com a introdução de garantias de qualidade, nas suas várias vertentes, a qual não está assegurada, precisamente em resultado da ausência de definição de um tal regime, sem o qual a assumpção e a definição de responsabilidades, bem como a sua avaliação e controlo, poderão facilmente ser contraditos pela prática urbanística.
Por outro lado, no caso das licenças para loteamento ou urbanização, define-se, na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º, a obrigatoriedade dessas licenças, nas áreas abrangidos por plano de pormenor que «(…) não contenha as menções constantes da alíneas a), c), d), e) e f) do n.º 1 do artigo 91.º do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro».
Ora, esta disposição põe em causa os planos de pormenor simplificados, na medida em que esses planos simplificados não exigem o cumprimento do disposto no citado artigo 91.º, designadamente nas alíneas a), c), d), e) e f).
Em segundo lugar, do ponto de vista dos poderes de autorização deste regime, bem como das obrigações dele decorrentes, o diploma isenta, na prática, a esmagadora maioria das intervenções urbanísticas, quer das autarquias locais, quer dos organismos da administração central.
Este regime de isenção, com uma aplicação quase irrestrita, é, do nosso ponto de vista, inaceitável. Não só as autarquias locais (câmaras e assembleias municipais) devem manter as prerrogativas relacionadas com a autorização de licenciamento ou obras de urbanização em geral, qualquer que seja a entidade promotora, como essas intervenções, em determinadas condições, devem suscitar a participação e opinião pública.
As administrações central e local não devem eximir-se a cumprir os vários deveres (por exemplo, de informação e publicidade), bem como diversos procedimentos de execução das suas intervenções, por forma a cumprir-se o respeito do princípio das boas práticas urbanísticas do Estado, nas matérias que se pretendem agora legislar.
Aliás, segundo a própria Ordem dos Arquitectos e de acordo com o Relatório Mathurin, «Portugal é o único país da União Europeia em que as construções públicas estão isentas de qualquer espécie de licenciamento.»
Em terceiro lugar, o diploma incorpora um regime de participação pública, previsto em grande medida no Decreto-Lei n.º 380/99, mas introduz excepções que, para nós, são também inaceitáveis. São, sobretudo, as do n.º 2 do artigo 22.º, onde se dispensa de discussão pública as operações de loteamento que não ultrapassem 4 ha, 100 fogos ou 10% da população do aglomerado urbano em que se insere.
Trata-se de um evidente exagero, contradizendo mesmo normas já em vigor (por exemplo, a Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto - Direito de participação procedimental e de acção popular). Aí, obriga-se a uma audição das populações, sempre que as operações em causa ultrapassem um custo superior a 1 milhão de contos ou influenciem significativamente as suas condições de vida.
Isto parece, assim, de conciliação muito duvidosa com o agora proposto, até porque 4 ha é uma área de dimensão relevante (equivalente, grosso modo, ao Terreiro do Paço) e 100 fogos será, seguramente, uma obra superior a 1 milhão de contos.
Por este conjunto de razões, iremos votar contra a proposta de lei n.º 50/VIII. Mas considerando uma certa maioria de consenso nesta Assembleia, há aspectos pontuais para cuja melhoria poderemos contribuir.
Quanto à proposta de lei do PCP, embora adiante um conjunto de propostas positivas, como sejam, a salvaguarda de competências técnicas e profissionais na elaboração de estudos e projectos, a manutenção das competências das comissões de coordenação regional em matéria de emissão de pareceres sobre a conformidade das operações de urbanização com os planos e instrumentos legais em vigor (incluídas, aliás, na versão inicial do Decreto-Lei n.º 555/99) e um articulado mais rigoroso em alguns aspectos já referidos anteriormente ou que visam a garantia para uma boa execução dos projectos, é, mesmo assim, um projecto que, quanto a nós, padece de várias das insuficiências da proposta de lei do Governo.
Acresce a isto o facto de o projecto de lei do PCP não simplificar, de facto, os procedimentos administrativos em matéria de autorização,…

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr.ª Deputada, peço-lhe que conclua.

A Oradora: - … a não ser para o caso da dispensa dos projectos de arquitectura em áreas de implantação.
Deste modo, embora numa perspectiva crítica, reconhecemos a utilidade da discussão do projecto de lei do PCP em sede de comissão, na especialidade, e, por isso mesmo, iremos votar a favor do mesmo.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Gonçalves.

O Sr. Agostinho Gonçalves (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: O Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 Dezembro, publicado no Diário da República - I Série-A - n.º 291, visa os regimes jurídicos do licenciamento municipal de loteamentos urbanos, de obras de urbanização e de obras particulares. A entrada em vigor deste diploma ocorreria 120 dias após a data da sua publicação.
Está, hoje, a Câmara reunida para apreciar as alterações que o Governo pretende introduzir no decreto-lei acima referido.
Permitam-me, porém, que, antes de proceder a uma análise exaustiva das propostas a introduzir naquele diploma, releve a sua importância na renovação dos regimes jurídicos da urbanização e das edificações.
Os regimes que este diploma vem revogar demonstraram, na sua aplicação prática, ser insuficientes para compatibilizarem as exigências da salvaguarda do interesse público com a necessária eficácia administrativa que os cidadãos cada vez mais exigem da Administração. Desde logo porque os regimes ainda em vigor se encontram dispersos por dois diplomas, cuja coerência é deficiente, apresentando como principal óbice o facto de imporem um procedimento de licenciamento moroso, originando períodos de espera incompatíveis com a razoabilidade e susceptíveis de porem em causa as legítimas expectativas dos particulares. Por isso, o legislador optou por escolher o princípio de que a revisão a operar deveria privilegiar a simplificação do sistema, não desarmando, contudo, o adequado controlo da Administração como forma de garantir a prossecução do interesse público da salvaguarda de uma correcta gestão urbanística e ambiental.
Aliás, este desenho menos pesado conferido pelo legislador não pode ser dissociado do facto de praticamen

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te todo o território nacional estar abrangido por planos de ordenamento do território, pelo que será lógico atribuir, prima facie, a responsabilidade do cumprimento desses instrumentos aos cidadãos, o que se traduz no tipo de procedimentos administrativos a que estão sujeitas as operações a levar a cabo.
Para as áreas abrangidas por plano de pormenor, o legislador entendeu ser suficiente a autorização administrativa, já para outras áreas, que não são abrangidas por este, o procedimento terá de ser o da licença administrativa. O desenvolvimento do procedimento da licença, no essencial, é semelhante ao modelo consagrado na legislação ainda em vigor, mas agora mais agilizado.
Como inovação mais significativa é de salientar o princípio da sujeição a prévia discussão pública dos procedimentos para a obtenção da licença de operações de loteamento urbano.
Assinale-se que a discussão pública é alterada na proposta de lei de forma mais objectiva. Assim, mediante regulamento municipal podem ser dispensadas de discussão pública as operações de loteamento que não excedam os 4 ha, os 100 fogos e 10% da população do agregado urbano em que se insere a pretensão.
O procedimento de autorização caracteriza-se pela dispensa de consultas a entidades estranhas ao município, o que envolve necessariamente uma maior responsabilidade do requerente e dos autores dos projectos, existindo um regime mais apertado de fiscalização.
Importa, aqui, dar nota da competência do presidente da câmara para a concessão da autorização poder ser, em alguns casos, subdelegada nos dirigentes dos serviços municipais, o que liberta os eleitos de actos administrativos, que, como sabemos, são muitos e complexos, devendo assim, progressivamente, os quadros técnicos superiores municipais assumir mais responsabilidades administrativas.
Acontece, porém, que as alterações introduzidas no regime jurídico em apreciação causaram a apreensão dos seus destinatários, nomeadamente das câmaras municipais, que manifestaram a vontade de observar um período mais dilatado até à entrada em vigor do regime jurídico da urbanização e da edificação, de forma a que os serviços pudessem compaginar-se com as exigências contidas no novo articulado legal.
Acresce a estes factos a recomendação do Sr. Provedor de Justiça, que suscitou algumas questões de inconstitucionalidade, tendo recomendado ainda a suspensão da vigência do novo regime jurídico da urbanização e da edificação. Daí que a Assembleia tenha votado pela suspensão da vigência daquele diploma até 31 de Dezembro do corrente ano civil.
Em consequência, a Assembleia da República debate agora a proposta de lei n.º 50/VIII, que visa autorizar o Governo a alterar o diploma vigente no sentido que passo a referir.
O regime procedimental simplificado de autorização administrativa deve estar sujeito à existência de instrumentos de gestão territorial, já com um suficiente grau de concretização e, nos casos em que é possível, dispensar a intervenção de entidades exteriores ao município.
Deve, ainda, o Governo legislar no sentido de clarificar as condições em que é possível a dispensa da prévia discussão pública das operações de loteamento.
É autorizado o Governo a aperfeiçoar o regime respeitante ao indeferimento de pedido de licenciamento e de autorização e a aperfeiçoar o regime do desvalor dos actos administrativos contrários à lei.
É, ainda, o Governo autorizado a tipificar como crime de falsificação de documentos as falsas declarações ou informações prestadas no termo de responsabilidade pelos técnicos que substituam os directores técnicos da obra, uma vez que estes já se encontram sujeitos a idêntica tipificação.
No instrumento de autorização legislativa a conceder ao Governo, fica definido que a suspensão de vigência do Decreto-Lei n.º 555/99 é prorrogada até à entrada em vigor do decreto-lei de execução desta autorização.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei apresentada a esta Assembleia cumpre todos os propósitos que acima enunciámos, os quais se converterão em letra de lei com a sua inclusão no corpo do diploma a alterar.
Procede o Governo, com a presente proposta, à correcção de algumas disposições, com a introdução de ajustamentos à sua redacção, limando incorrecções formais, nomeadamente em matéria de remissões. Porém, as alterações visam consagrar ponto por ponto a autorização legislativa, não afectando a estrutura original do diploma, bem como as suas opções de fundo que se mantêm, reafirmando-se como propósito a profunda inovação do regime de urbanização e de edificação.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Socialista tem consciência da importância do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, que considera ter unificado a legislação nesta matéria e, ao mesmo tempo, procedido à simplificação dos procedimentos inerentes a estas operações, acompanha o empenho do Governo e espero que esta Assembleia, assumindo as suas responsabilidades e a bem do rigor na aplicação da lei, viabilize a proposta de lei n.º 50/VIII, ora em discussão.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Casimiro Ramos.

O Sr. Casimiro Ramos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na discussão que estamos a ter, também está sobre a mesa o projecto de lei n.º 331/VIII, apresentado pelo PCP, e a explanação do Deputado Joaquim Matias deu a conhecer o que é que caracteriza este diploma.
Neste momento, eu poderia afirmar que se trata de um contributo positivo, uma vez que contribui para um melhor aprofundamento das normas que regem esta temática, mas também devemos verificar que se trata de um projecto complexo, todo novo. Como tal, e tratando-se de um contributo positivo, exige uma discussão bastante aprofundada.
Logicamente, analisámos profundamente o projecto de lei apresentado pelo PCP e temos também as nossas opiniões sobre ele.
O projecto de lei do PCP encerra, do nosso ponto de vista, um conjunto de deficiências técnico-jurídicas, já apontadas também pelo Deputado Nuno Teixeira de Melo, mas também temos, em relação a questões de fundo, um conjunto de discordâncias que, em termos de especialidade, teriam de ser bem discutidas e bem analisadas, e poderia referir três, quatro, cinco, vários exemplos de questões sobre as quais deveria ser feita uma discussão aprofundada.
Contudo, o Decreto-Lei n.º 555/99 esteve em discussão pública e o PCP não pediu a sua apreciação parlamentar. Ninguém diga, por favor, que o Governo vem à pressa,

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porque à pressa, isso sim, foi apresentado o projecto de lei do PCP, ou seja, há cerca de duas semanas, com o prazo limite de 31 de Dezembro, porque o referido Decreto-Lei entra em vigor no próximo dia 1 de Janeiro.
Pois bem, à pressa, isso sim, seria discutido um texto complexo, um texto que, podemos afirmar, não segue a marcha do procedimento administrativo e cuja sistematização é totalmente anárquica.
Há tempo, há 24 horas por dia até ao final do ano para que, no dia 1 de Janeiro, não entre em vigor o Decreto-Lei n.º 555/99 tal qual está elaborado.
Para além disso, gostaria de chamar a atenção da Câmara para aquilo que está em questão: é que a discussão, na especialidade, de uma autorização legislativa e de um projecto de lei é inconciliável. Todos os Deputados sabem isso. Como a autorização legislativa não tem articulado sobre esta matéria, não poderíamos «casar», aquando da discussão na especialidade, um projecto de lei com a autorização legislativa.
Por isso, se o PCP não propusesse a discussão apressada do projecto de lei mas, sim, a discussão atempada e madura do mesmo, seria impossível termos uma nova lei no dia 1 de Janeiro e aquilo com que todos concordámos, que foi a suspensão da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 555/99, acabaria por não se verificar.
Lembramos também que o PCP concordou com a suspensão do Decreto-Lei n.º 555/99, mas agora estaria a admitir que este Decreto-Lei entrasse em vigor no dia 1 de Janeiro tal como está elaborado.
Era esta reflexão, se assim quisermos entender, ou então, esta chamada de atenção a toda a Câmara, que eu queria fazer.
Aquilo que tem sido dito sobre a forma de discussão e de votação dos diplomas que estamos a analisar tem este conjunto de consequências. Como tal, queremos que todos os partidos tenham presente que, da parte do Governo, não houve qualquer pressa no cumprimento da lei.
A suspensão da entrada em vigor do Decreto-Lei era até 31 de Dezembro, o pedido de autorização legislativa já entrou nesta Assembleia há algum tempo, mas o calendário do Orçamento não permitiu que esta discussão fosse feita antes. Por isso, não se está a fazer nada à pressa mas, sim, a cumprir aquilo que está na lei e que permite que o Decreto-Lei n.º 555/99, tal como está elaborado, não entre em vigor.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Matias.

O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Casimiro Ramos, o senhor começa por dizer que o PCP dá uma contribuição positiva mas depois diz que não aceita esta contribuição. Isto é que é um facto! Quer parecer-me que o PS está a persistir numa situação autista que nada justifica, muito menos esta execução.
Se um decreto-lei está suspenso, pode prorrogar-se o prazo da sua suspensão. Naturalmente, a entrada em vigor de um diploma com esta responsabilidade não é imediata. A Associação Nacional de Municípios Portugueses prevê que, pelo menos, serão necessários 90 dias para alterar a sua legislação.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, teremos de ver o que é que o PS pretende.
A questão de fundo que aqui está, Sr. Deputado Casimiro Ramos, a que o senhor tem de responder, é esta: independentemente da técnica legislativa, da abertura que há para discussão, quer o PS aceitar a contribuição de todas as bancadas e a que é dada pelo PCP para a elaboração de uma lei consensual, e de facto necessária, que garanta os princípios do urbanismo e da gestão do território ou não quer, preferindo permanecer na sua posição autista?

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado Casimiro Ramos, pretende responder já?

O Sr. Casimiro Ramos (PS): - Pretendo sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Então, tem a palavra.

O Sr. Casimiro Ramos (PS): - Sr. Presidente, foi com agrado que ouvi a pergunta do Deputado Joaquim Matias, porque me vai permitir clarificar dúvidas ainda em suspenso sobre o que tem sido dito.
Primeira questão: o prazo que a Associação Nacional de Municípios Portugueses sugeriu ao Governo - e isso já foi dito pelo Sr. Secretário de Estado na reunião que tivemos da Comissão - será por este acolhido no decreto regulamentar. Mas isso não tem directamente a ver com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 555/99, porque só com a aprovação da autorização legislativa este Decreto-Lei não entra em vigor tal qual está. O prazo refere-se à entrada em vigor do novo decreto regulamentar, a partir da promulgação da autorização legislativa. É uma coisa totalmente distinta.
Ainda sobre a pergunta do Deputado Joaquim Matias, eu já disse há pouco que poderia, em alguns minutos, enunciar várias questões, que o contributo é positivo, que há um trabalho profundo do PCP. Isso é inquestionável. Agora, nós podemos discordar de um conjunto de normas que esse projecto engloba. E sendo um projecto complexo, logicamente não pode ser discutido de uma forma tão rápida que passemos por cima das normas. Teríamos de discuti-las, já que temos divergências, embora algumas haja em que chegaríamos a consenso. Agora, seria impossível discutir com essa profundidade e que, ao mesmo tempo, não entrasse em vigor o Decreto-Lei n.º 555/99.
Portanto, a resposta à sua pergunta é também uma pergunta: por que razão, então, o PCP não acompanha o Partido Socialista e o Governo, que apresenta a sua proposta com o decreto regulamentar, tendo o Partido Comunista a oportunidade de, logicamente dentro do procedimento legislativo, também dar o seu contributo para o edifício jurídico proposto pelo Governo?
Gostaríamos de saber se haveria disponibilidade por parte do PCP.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Prorroga-se a suspensão!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

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O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Deputado, quero colocar-lhe apenas uma questão muito simples, começando pela prorrogação da suspensão da eficácia do Decreto-Lei n.º 555/99.
Como reparará, do artigo 4.º da proposta de lei consta a possibilidade da prorrogação da eficácia desse diploma até que o novo seja elaborado. Mas se a questão é de celeridade, se a sua preocupação é essa, também não desconhecerá que o diploma, tal como tudo aponta, irá ser elaborado, e que, obviamente, tudo indica que deverá haver um pedido de apreciação parlamentar. Então, também a eficácia e a celeridade não serão aquelas que V. Ex.ª pretende. Pergunto-lhe, então: se for suscitada essa apreciação parlamentar, o Partido Socialista estará na disposição, baixando o diploma à Comissão, de aceitar as alterações que agora são sugeridas?

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Casimiro Ramos.

O Sr. Casimiro Ramos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, quero dizer-lhe que o Partido Socialista contribuirá para a discussão desta matéria, mas a resposta concreta à sua pergunta será dada pelo Governo - com certeza, o Sr. Secretário de Estado poderá dar-lha. Porém, penso que se esse for o caminho escolhido pelos partidos com assento nesta Câmara, seguramente a discussão será realizada.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para intervenções, a Sr.ª Deputada Isabel Castro, o Sr. Deputado Jaime Soares e o Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e Conservação da Natureza.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Não gostaria de deixar de fazer um comentário sobre esta questão, por me parecer que a posição do Partido Socialista tem gravidade suficiente para isso.
O Partido Socialista entra neste debate com uma história de erros sucessivos e, perante esses erros sucessivos, não assume a necessidade de encontrar um diploma consensual, entrincheirando-se, para acelerar o processo, no facto de a suspensão cessar no final do ano. Se a suspensão é a razão, o Partido Socialista tem mecanismos para a prorrogar.
Em segundo lugar, parece-me que é politicamente pouco sério estar a dizer que a Assembleia da República tem outros mecanismos de apreciação do diploma. É evidente que a apreciação parlamentar pode existir, mas é evidente - e toda a gente o sabe nesta Câmara - que essa apreciação parlamentar «chumba».
Portanto, a leitura política é a de que nós estamos a mexer com matérias extremamente importantes, estamos a falar de procedimentos que têm reflexos directos no ordenamento do território e no ambiente e o Partido Socialista tem uma atitude de autoritarismo e de autismo. E é esse o significado que, julgo eu, amanhã, cada um tem de reter, quando a autorização legislativa do Governo for votada.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Soares.

O Sr. Jaime Soares (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Creio que não estou muito de acordo com a intervenção do Sr. Deputado do CDS-PP, porque se esta questão tivesse aqui uma discussão mais alargada nunca mais saíamos disto e todos nós sabemos que no dia 31 de Dezembro, impreterivelmente, acaba a suspensão que foi solicitada.
Gostaria de saber se há alguma ilegalidade pelo facto de, havendo um projecto do Partido Comunista, esta autorização legislativa ser aqui votada e aprovada ou se ela tem de ir obrigatoriamente à Comissão para se tornar legal. Repito, gostava de saber se há alguma ilegalidade nesse processo.
É que, se não há, gostaria de dizer-lhes que é gravíssimo, não para os municípios mas para os cidadãos portugueses, demorarmos mais algum tempo na aprovação desta legislação, como já o disse várias vezes.
Gosto de ser aqui um Deputado «fantasma», como já fui apelidado por ser autarca e membro da Associação Nacional de Municípios Portugueses, função em que não estou aqui, obviamente, mas tenho conhecimento de todo este decreto-lei desde o seu início: ele foi discutido e analisado, foi pedida a suspensão, que foi aceite, foi ouvido o Provedor de Justiça, foi ouvida a Associação Nacional de Municípios Portugueses e houve a audição, na Comissão, do Sr. Secretário de Estado, por todos os Srs. Deputados que quiseram lá estar.
Não sei qual será o sentido de voto da minha bancada, mas sou até capaz de apelar à minha bancada para que deixe passar a proposta do PS, porque ela é importantíssima para que não haja um autêntico caos em relação a tudo o que diz respeito às edificações urbanas, que é o que acontece neste momento
Tenho experiência de causa e os Srs. Deputados do Partido Comunista e do CDS-PP têm de ver que, para eu tomar esta atitude, que pode ferir a intenção e as decisões do meu partido, para que eu tenha a coragem de vir aqui dizer isto - e não me quero intitular de corajoso -, é porque urge e é importante que, amanhã, a proposta seja votada.
Se houver alguma ilegalidade, que se faça o necessário para que não haja; mas, se não houver ilegalidade, é preciso que esta autorização legislativa passe aqui, neste Parlamento.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e Conservação da Natureza.

O Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e Conservação da Natureza: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, começo por dizer que me vejo forçado, em função do debate, a fazer um particular apelo ao bom senso da Câmara na apreciação deste processo legislativo.
Temos sobre a mesa duas propostas que apontam para soluções diferentes de intervenção legislativa, as quais não são apenas diferentes no conteúdo, são-no também pela sua natureza. Uma é uma proposta de lei de autorização legislativa, outra é um projecto de lei que pretende constituir, ele próprio, uma intervenção jurídica, material, sobre o regime jurídico da urbanização e da edificação. A discussão em sede de especialidade, procurando «casar» disposições de autorização com disposições regulamentadoras, é uma discussão totalmente absurda.
Srs. Deputados, devo confessar que me impressiona que a iniciativa legislativa do Governo, ao procurar corrigir

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disposições do Decreto-Lei n.º 555/99, tenha merecido, aqui, algumas observações críticas e que tenham passado em claro os erros que constam do projecto de lei aqui apresentado pelo Partido Comunista sobre o regime jurídico da urbanização e da edificação, apesar de concordar com o Sr. Deputado Casimiro Ramos, no sentido de que representa um esforço de contribuição para uma discussão, imaginando-se que da discussão em torno desse projecto alguma coisa podia resultar de particularmente frutuoso no que diz respeito à discussão que temos para travar.
Gostava de dizer que só está em discussão, nesta Assembleia, um projecto que prevê a prorrogação da suspensão da aplicação do Decreto-Lei n.º 555/99 - não são dois, é só um! -, que é a proposta de lei submetida pelo Governo à apreciação da Assembleia. Aquilo que consta do projecto de lei do Partido Comunista é outra coisa muito diferente, é uma proposta de regulação do regime jurídico da urbanização e da edificação que, de acordo com o artigo 114.º, entraria em vigor no dia 1 de Janeiro de 2001.
Portanto, se a ideia é promover um debate aprofundado e a participação dos diferentes interessados, devo dizer aos Srs. Deputados que não é, com certeza, com um projecto de lei composto por 114 artigos, que entra em vigor no dia 1 de Janeiro de 2001, como aquele que o Partido Comunista nos propôs, que isso se consegue.
Mas há mais, Srs. Deputados. O projecto de lei que o Partido Comunista aqui nos propôs exigiria, da parte do Sr. Presidente da República, como já disse, uma particular celeridade para que essa disposição de entrada em vigor no dia 1 de Janeiro fosse possível. O Sr. Presidente da República teria de dispensar, por exemplo, a possibilidade de exercer qualquer fiscalização preventiva da constitucionalidade do projecto que está aqui em causa. Ora, existem, pelo menos, duas disposições inconstitucionais no projecto apresentado pelo Partido Comunista: a primeira quando restringe a responsabilidade civil dos órgãos autárquicos, em violação do artigo 22.º da Constituição, e a segunda quando elimina o direito de reversão em determinadas circunstâncias, o que consta do projecto.
Penso que podemos ter em conta as preocupações de calendário, que seriam salvaguardadas com uma lei de autorização legislativa, já que uma iniciativa legislativa material sobre o regime jurídico da urbanização e da edificação como esta apresentada pelo Partido Comunista implica pedir ao Sr. Presidente da República que ignore a necessidade de um debate em torno da problemática do regime jurídico da edificação e que ignore as questões de duvidosa constitucionalidade que se encontram neste projecto de lei.
Mas digo mais: o projecto de lei do Partido Comunista prevê que o próprio particular recolha os pareceres das diferentes entidades que têm de pronunciar-se sobre o licenciamento, e que recolha, inclusivamente, os pareceres das diferentes entidades que se têm de pronunciar sobre o projecto de especialidade. E descobre-se esta realidade num artigo do projecto de lei do Partido Comunista que prevê a contagem dos prazos. Isto ilustra como este projecto de lei não regula, sequer, a marcha do procedimento administrativo de uma forma coerente, que, ao contrário daquilo que ouvi dizer nesta Câmara, permita ao intérprete compreender facilmente qual é a marcha do procedimento legislativo. Pelo contrário, o leitor encontra constantemente no projecto do Partido Comunista disposições surpreendentes, que não vêm a propósito da sequência do procedimento administrativo.
É por isso que, do ponto de vista substancial, vejo muita dificuldade em reconhecer no projecto do Partido Comunista apenas os méritos de procurar contribuir para um debate parlamentar sobre uma matéria que é complexa, sem se lhe reconhecer este e outros enormes defeitos que nele se encontram.
Todo o capítulo sobre as garantias dos particulares desapareceu. O Grupo Parlamentar do CDS-PP talvez não se tenha dado conta desta particularidade do projecto do Partido Comunista.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Eu disse isso!

O Orador: - Se o Sr. Deputado reparou, ainda bem, porque essa é uma matéria que parece particularmente gravosa no projecto de lei apresentado pelo Partido Comunista.
Mas queria dizer ainda que, do ponto de vista técnico-jurídico, o artigo 40.º do projecto de lei é composto por 21 números e a informação prévia, que toda a gente percebe que tem a ver com o início do procedimento, aparece no fim do projecto.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Isso é irrelevante!

O Orador: - Ao contrário daquilo que o Sr. Deputado possa pensar, isto é muito relevante, porque tem a ver com a possibilidade de o diploma ter uma boa aplicação prática e de ser apreensível pelos seus destinatários, a começar pelas câmaras municipais.
Devo dizer ainda mais: o projecto prevê o alargamento de prazos para decisões, que eram de 45 dias no Decreto-Lei n.º 555/99, para nove meses - para nove meses, Srs. Deputados! - e permite, ainda, que qualquer particular, fazendo suspender esses prazos, possa obstar ao desenvolvimento de qualquer processo administrativo.
Anuncia-se como um projecto para aumentar as competências dos presidentes das câmaras municipais, mas proíbe, mesmo para simples obras de urbanização, que os presidentes de câmaras municipais possam obter delegação da parte dos executivos camarários. Todas as obras de urbanização, quando não exista plano de pormenor, como é muito frequente, teriam que ser deliberadas pelo próprio executivo camarário.
Portanto, Srs. Deputados, o que nos distancia em relação ao projecto do Partido Comunista não é apenas aquilo que diz respeito à opção de uma intervenção legislativa precipitada (essa sim) e material sobre o regime jurídico da urbanização e da edificação, é também uma divergência em relação a várias das opções de conteúdo, que me parecem particularmente graves, incluindo as que dizem respeito à inconstitucionalidade.
Assim sendo, Srs. Deputados, os caminhos são divergentes: ou aprovamos uma lei de autorização legislativa, que envolve a prorrogação da suspensão do Decreto-Lei n.º 555/99, ou aprovamos uma intervenção legislativa sobre esta matéria. Não vejo que esta segunda alternativa tenha alguma viabilidade, designadamente do ponto de vista prático, tendo em conta o calendário, nem que o projecto em concreto apresentado pelo Partido Comunista possa, de acordo com aquilo que conheço do pensamento das diferentes bancadas sobre esta matéria, recolher um consenso alargado nesta Câmara. E outra coisa não seria possível.
A Sr.ª Deputada Isabel Castro teve ocasião de nos recordar que existe a possibilidade de uma apreciação parlamentar dos decretos-leis autorizados,…

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A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Costuma ser!

O Orador: - … mas também é verdade - disse a Sr.ª Deputada - que a possibilidade de um projecto dessa natureza ser aprovado é muito escassa. Atendendo ao quadro parlamentar, era certamente nisso que estava a pensar.
Queria recordar à Sr.ª Deputada que não vejo nenhuma diferença entre a possibilidade matemática de ver aprovado um projecto de lei como o do Partido Comunista sobre esta matéria e a possibilidade de ver aprovada uma apreciação parlamentar exactamente com a mesma origem. Quer dizer, a probabilidade política desse consenso na Assembleia parece-me claramente idêntica.
Portanto, queria renovar aos Srs. Deputados que, para começar, não foram aqui identificadas nenhumas alterações na proposta de lei da autorização legislativa que pudessem, especificamente, contribuir para a aperfeiçoar. E esse seria aquele argumento que poderíamos aqui ouvir para perceber a utilidade, ainda, de uma discussão na especialidade, alargada, sobre a proposta de lei de autorização legislativa.

A Sr.ª Helena Neves (BE):- Não quis entender!

O Orador: - Não ouvimos! Em todo o caso, houve oportunidade de serem apresentadas propostas. Aliás, devo dizer, também não conheço propostas de alteração ao Decreto-Lei n.º 555/99, como, no passado, não houve nenhuma iniciativa de apreciação parlamentar deste mesmo decreto-lei.
Portanto, não vejo qual o objecto de uma discussão, na especialidade, sobre a proposta de lei de autorização legislativa e não creio que tenham sido apresentados, neste debate, argumentos que pudessem justificar o pôr em risco um calendário que, como sabem os Srs. Deputados, é apertado não apenas para o Governo mas também para os destinatários deste diploma. Nesse quadro, faço um apelo ao bom senso desta Câmara no sentido de que, a pensar nos destinatários deste diploma, haja condições políticas para se reunir, neste Parlamento, um consenso em torno da proposta de lei que o Governo apresentou.
A concluir, renovo a disposição que o Governo manifesta de, a propósito do decreto-lei autorizado e, nesse sentido, naturalmente, dentro dos limites da lei da autorização legislativa, introduzir os aperfeiçoamentos que possam decorrer do debate parlamentar e do diálogo que o Governo possa manter com os diferentes partidos nesta Câmara. Pela minha parte, disponibilizo-me imediatamente para estar presente nas reuniões das comissões parlamentares que, para esse efeito, forem consideradas úteis e necessárias. Julgo que esse é o caminho que nos poderia conduzir a uma intervenção legislativa razoável, que é aquela que - volto a dizer -, certamente, os cidadãos esperam de nós, neste momento. E é este bom senso que peço à Câmara sobre esta matéria.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Matias, que dispõe de 1 minuto que lhe foi cedido pelo PSD e de 55 segundos que lhe foram cedidos por Os Verdes.

O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Sr. Presidente, permita-me que comece por agradecer a generosidade das bancadas que me cederam tempo.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, uso da palavra para registar uma questão: é que estamos perante um Governo que há um ano e meio nos pediu uma autorização legislativa; há um ano publicou um decreto-lei; 120 dias após a respectiva publicação, já com o decreto-lei em vigor, pediu à Assembleia a respectiva suspensão até ao fim do presente ano e, 15 dias antes de terminada a suspensão, aparece, então, com a proposta de lei definitiva e vem dizer que o projecto de lei do PCP é «bonzinho» mas não serve. Sr. Presidente, isto é, de facto, exemplar!
Por outro lado, quero frisar, ainda, que esta é matéria da competência da Assembleia da República. Se não o fosse, o Governo não precisava de apresentar-nos uma autorização legislativa, como se depreende. Além disso, existe um decreto-lei e a proposta de alteração.
Ora, o Sr. Secretário de Estado tentou confundir-nos ao dizer que estávamos a fazer confusão entre uma proposta de lei de autorização legislativa e uma lei material. Não! É que, a menos que estejamos perante um fantasma, já temos, de facto, o Decreto-Lei n.º 555/99 e a alteração consubstanciada, e é isso que pode ser comparado com o projecto de lei que apresentámos.
Se isto não é verdade e se o Governo ainda vai fazer alterações, então, de facto, é um trabalho de super-homem. Então, após ter passado ano e meio sem ter conseguido fazer um decreto-lei que seja viável, vai agora, no tempo que falta até 31 de Dezembro, fazer de novo?! Então, existe ou não a alteração concreta que o Governo quer propor? Ela existe, de facto, e tanto o Governo como o Partido Socialista estão a adoptar uma posição autista.
Repito que esta matéria é da competência da Assembleia da República. O Governo já «meteu muita água» nesta matéria e recusa-se a aceitar discutir com quem tem competência para o efeito, os Deputados, a matéria de facto que está em causa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território.

O Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e Conservação da Natureza: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Intervenho novamente neste debate apenas para dar uma resposta à última intervenção do Sr. Deputado Joaquim Matias, o qual, certamente não de propósito, estabeleceu uma confusão entre dois planos distintos, quando disse que o Governo recusava discutir com o Parlamento.
Ora, terminei a minha intervenção de há pouco dizendo que estava na disposição de discutir com o Parlamento. Acresce que estive nesta Casa, na segunda-feira passada, numa reunião da comissão - à qual, de resto, o Partido Comunista não compareceu -, reunião essa em que renovei a minha disposição para vir ao Parlamento as vezes que forem necessárias para discutir esta matéria. Portanto, julgo que não há qualquer motivo para o Sr. Deputado fazer tal acusação ao Governo.
Em segundo lugar, o Sr. Deputado introduziu uma outra confusão que tem que ver com o procedimento legislativo da Assembleia e que diz respeito ao que, efectivamente, está à consideração desta Câmara.
O que está à consideração desta Assembleia é uma proposta de lei de autorização legislativa, bem como o projecto de lei que foi apresentado pelo Partido Comunista. O decreto-lei que o Governo apresentou em anexo à proposta de lei de autorização legislativa destina-se apenas, como todos os Srs. Deputados sabem, a ilustrar o objecto, o sentido e a extensão da autorização, para que a mesma melhor se compreenda à luz do decreto-lei autori

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zado. Portanto, não é este último que será objecto de votação nesta Assembleia…

O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Mas é isso que, objectivamente, está em discussão!

O Orador: - Como tal, não vejo que o trabalho desta Assembleia seja o de combinar um decreto-lei já autorizado, que não é objecto de votação neste Parlamento, com o teor do projecto de lei que o Partido Comunista apresentou. Os planos são totalmente distintos e, do ponto de vista da sequência legislativa, não vejo que estes dois caminhos possam ser confundidos.
No entanto, é verdade - e esse é que é o terreno próprio para estas questões serem resolvidas - que se, no uso da autorização legislativa que agora é solicitada, o Governo introduzir disposições que não sejam do agrado de alguns dos grupos parlamentares aqui representados, a Constituição prevê que se recorra ao mecanismo da apreciação parlamentar. Mas repito que, no domínio da discussão na especialidade da proposta de lei de autorização legislativa, não me parece que seja possível fazer uma combinação entre um projecto de lei de um determinado partido e o decreto-lei sobre o qual recai o pedido de autorização legislativa, que não é o que é objecto imediato da discussão neste Parlamento.
Creio, pois, que há aqui uma confusão entre dois planos e é preciso que fique muito claro o que é que está submetido à consideração desta Assembleia.
A este propósito, recordaria, ainda, um outro aspecto. Como, aliás, foi referido pela bancada do CDS-PP e por outras, a consequência da rejeição da proposta de lei de autorização legislativa é apenas uma: o Decreto-Lei n.º 555/99 não entrará em vigor no dia 31 de Janeiro de 2001…

O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Pode-se prorrogar a suspensão!

O Orador: - Julgo ter percebido que aquele é um denominador comum nesta Assembleia, ou seja, que é exactamente aquilo que todos os grupos parlamentares não querem que aconteça. Ora, se não querem que aconteça, temos de entender-nos sobre a forma de evitá-lo…

O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Prorrogando a suspensão!

O Orador: - Temos dois projectos de diploma sobre a mesa, insisto, um que estabelece que o projecto de lei do PCP entra em vigor no dia 1 de Janeiro de 2001 e um outro que prorroga a suspensão do Decreto-Lei n.º 555/99, que terminaria no mesmo dia 1 de Janeiro de 2001. São duas formas de resolver este problema.
De resto, não vejo que existam condições nesta Câmara para se estabelecer um consenso em torno do projecto de lei apresentado pelo Partido Comunista. Julgo que esta é uma conclusão do debate que facilmente se retira.
Renovo, portanto, o meu apelo ao bom senso do Parlamento no sentido de acolher favoravelmente a proposta de lei de autorização legislativa que o Governo aqui apresenta.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para esta intervenção, o Sr. Secretário de Estado utilizou 3 minutos que lhe foram cedidos pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que está encerrado o debate conjunto, na generalidade, da proposta de lei n.º 50/VIII e do projecto de lei n.º 331/VIII (PCP), os quais serão objecto de votação na sessão de amanhã, no horário regimental para votações.
Passamos ao último ponto da ordem de trabalhos para hoje, a discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 206/VIII - Cria o cheque-medicamento (CDS-PP).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: O CDS-PP, ao apresentar aqui, hoje, o projecto de lei n.º 206/VIII, que cria o cheque medicamento, visa, acima de tudo, corrigir uma enorme injustiça e uma desigualdade social de que os pensionistas portugueses com rendimentos inferiores ao salário mínimo nacional são alvo.
Como partido da doutrina democrata-cristã e do princípio do personalismo, temos de, na acção, privilegiar e estar mais perto dos que sofrem, dos que são mais esquecidos, dos que são mais injustiçados.
Para nós, a consciência social do Estado devia estar alerta e dar respostas e soluções aos que, de entre todos os portugueses, são os mais excluídos.
É isso que nos ensina a voz da democracia-cristã, a estar com os mais pobres dos pobres, a estar com aqueles que são, tantas vezes, os esquecidos do socialismo.
O que queremos fazer é uma redistribuição dos gastos do Estado, cortando o que é supérfluo e dando a quem mais precisa. Neste Portugal do socialismo de diálogo estéril, continuam a existir portugueses que são mais iguais do que outros; neste Portugal do socialismo despesista, crescem os gastos acessórios e não se investe no que é essencial; neste Portugal do socialismo da terceira via, os reformados, e, de entre estes, os reformados com pensões mais degradadas, continuam a ser a terceira aposta, continuam a ser tratados como cidadãos do terceiro mundo. Para nós, não são.
Há muito tempo a esta parte, estas pessoas são aquelas que ocupam o lugar cimeiro das nossas preocupações, por um único motivo. É que esta gente é, de facto, quem mais precisa.
Que justiça há para quem, tendo trabalhado toda a vida, tendo efectivados descontos para a segurança social durante anos, recebe hoje pensões de 20 000$, 30 000$ ou mesmo 40 000$?.
Estes portugueses, diante de todos os de parcos recursos económicos, são, sem dúvida, os mais injustiçados. Apoiá-los é um dever de consciência do Estado, mas, antes de mais e acima de tudo, é um dever de consciência de todos e de cada um de nós.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com a criação do cheque-medicamento o que o CDS-PP visa é ajudar quem mais precisa, onde mais precisa.
O que queremos criar é um apoio objectivo e directo consignado à compra de medicamentos por parte dos pensionistas que auferem pensões de reforma abaixo do salário mínimo nacional.
Como bem sabemos, muitas vezes, o orçamento limitado destes pensionistas é consumido na íntegra pela compra de medicamentos, nada sobrando para pagar rendas de casa, a água, a luz, a comida ou o vestuário. Estas pessoas, se não fossem as suas famílias, dificilmente poderiam subsistir.
A verdade é que hoje, de acordo com o regime de comparticipação em vigor e inclusivamente com as alterações que lhe foram feitas em Setembro, pelo Decreto-Lei n.º 205/2000, um medicamento comparticipado pelo Estado, em certas categorias, é mais barato para um trabalhador activo que recebe um vencimento e que tem capacidade

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contributiva do que para um pensionista abaixo do salário mínimo nacional.
Dos três escalões de comparticipação que existiam antigamente, o escalão A, comparticipação a 100%, o escalão B, comparticipação a 60% e o escalão C, comparticipação a 40%, este último é o que representa a maior percentagem de vendas de medicamentos em Portugal. Já falaremos do novo escalão que foi introduzido em Setembro.
Neste último escalão, no escalão C, repito, que é o mais utilizado, a comparticipação é de 40%, existindo um regime especial de 15% para os pensionistas com pensões abaixo do salário mínimo nacional.
De facto, reconhece-se que essas pessoas devem ser ajudadas, só que o que se passa na prática não é isto. Um trabalhador activo, que tem uma comparticipação de 40%, e um reformado, nestas condições, com a comparticipação de 55%, entre os dois, o trabalhador activo, por via da dedução à colecta, pode abater ainda 30% dos remanescentes 60%, sem qualquer espécie de limite. Isto é, na prática um trabalhador activo vai abater 58% do preço do medicamento enquanto que um pensionista com pensão degradada abate apenas 55% do que o medicamento realmente lhe custou.
Vejamos um exemplo concreto e real: um medicamento que tenha o preço de venda ao público de 1500$ custará para um pensionista 675$, o mesmo medicamento, no mesmo escalão, que custe os mesmos 1500$ custa a um trabalhador activo 900$. Ora, se a isto retirarmos o que um trabalhador, em sede de IRS, vai deduzir à colecta, neste caso específico e concreto 270$, o peso final efectivo para ele é de 630$, enquanto que para o pensionista abaixo do salário mínimo nacional esse mesmo preço é de 675$. Esta diferença existe hoje e é real para muitos pensionistas. Esta diferença é, para quem mais precisa, uma profunda injustiça.
Mas não se pense que as alterações introduzidas ao regime da comparticipação vêm minorar essas injustiças, antes pelo contrário, vêm agravá-las e vêm reforçar a injustiça desta nova solução. O novo escalão D, com a comparticipação de 20%, poderá, pela sua natureza e objectivo, nomeadamente na relação que existe com os novos fármacos, ser extremamente importante em relação aos mais idosos e de entre estes, obviamente, aos pensionistas com pensões abaixo do salário mínimo nacional.
Neste escalão, um medicamento que custe os mesmos 1500$, que falávamos atrás, no escalão D, custará a um pensionista 1125$, enquanto que pelos mesmos cálculos, com a dedução que há em sede de IRS, custará a um trabalhador apenas 840$. Aqui a injustiça agrava-se e é ainda mais gritante.
Sr. Presidente, Srs. Mmbros do Governo, Srs. Deputados: Foi com o conhecimento concreto desta situação que apresentámos esta solução. O cheque-medicamento é um completo de pensão atribuído àqueles que estão abaixo do limite do salário mínimo nacional, visando, exclusivamente, a compra de medicamentos mediante receita médica prescrita no âmbito do Serviço Nacional de Saúde.
O cheque-medicamento é anual, atribuído em Janeiro, e será de valor equivalente a 50% do salário mínimo nacional mais elevado. Trata-se de atribuir, em valores de 2001, 33 500$ por ano, 2791$ por mês, a quem recebe 20 ou 30 contos de pensão.
Não é muito, se calhar nem sequer é o suficiente, mas é uma primeira ajuda efectiva a quem realmente precisa.
Note-se que este complemento de reforço - ou quase - pelo Ministério do Trabalho e da Solidariedade, sob a forma de um vale, é pessoal, com utilização exclusiva para a compra de medicamentos e que, por isso mesmo, o valor não utilizado num ano transitará para o ano seguinte.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Estado já reconhece hoje que os pensionistas que auferiram pensões de valor inferior ao salário mínimo nacional devem ser apoiados e devem ter um tratamento diferenciado.
O CDS-Partido Popular provou aqui hoje, nesta Câmara, que ainda assim eles são prejudicados e continuam a pagar os medicamentos mais caros que um trabalhador activo.
Apresentámos a solução para este problema, o cheque-medicamento. O que nós queremos fazer é repor a justiça social, o que nós queremos fazer é apoiar quem mais precisa onde é mais preciso.
Veremos, hoje, quais são os partidos que querem corrigir as injustiças e ajudar os mais desfavorecidos; veremos, hoje, o valor que os diferentes partidos dão à consciência social do Estado e, se calhar, até ao estado das nossas consciências.

Aplausos do CDS-PP:

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João Pedro Correia.

O Sr. João Pedro Correia (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Pedro da Mota Soares falou em salário mínimo nacional, em pensões mais degradadas, teve uma intervenção como se fosse, de facto, o arauto da consciência social.
Efectivamente, começo por perguntar-lhe o seguinte: quando o artigo 2.º do projecto de lei remete para o artigo 51.º, n.º 1, do Código do IRS, assumindo a possibilidade de acumulação de rendimento até ao montante de 103 000$, gostaria de saber se agora é este o montante do salário mínimo nacional. Portanto, se são estes 103 000$ o valor de fronteira do universo dos pensionistas a abranger com o cheque em questão.
Assim, gostava de saber se V. Ex.ª pensa que não está a cometer uma injustiça social para com a Maria e com o José, casal que tem dois filhos, que são trabalhadores activos e são contribuintes líquidos, ficando, portanto, de fora deste novo sistema que o Sr. Deputado aqui apresentou.
Na verdade, se eu tinha algumas dúvidas em relação às suas certezas deste projecto de lei, deixe-me dizer-lhe, ainda fiquei com mais, porque não entendi se o cheque-medicamento é um cheque pensão, se é um cheque fiscal ou, pela possibilidade que tem de transitar para o ano seguinte, se é um cheque-poupança. É que me parece que tem essa possibilidade.
Por outro lado ainda, parece-me também que se o Sr. Deputado ler atentamente o seu projecto de lei verá que, de facto, este cheque é efectivamente um cheque em branco e é um cheque para o aumento do défice. E porquê? Começa por ser um cheque de comparticipação total, porque todos os escalões A, B, C e D, com a introdução deste cheque, passam a ser comparticipados a 100%.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - O escalão A já é!

O Orador: - Não, são todos! Faça as contas! O escalão A já é, mas prevê-se no projecto de lei que os escalões B, C e D passem a ser todos comparticipados a 100%. E acontece que, neste caso, os medicamentos são distribuídos gratuitamente a estes pensionistas, nomeadamente àqueles que recebem até 103 000$, quase o dobro do salário mínimo nacional.
Por outro lado, este projecto de lei tem uma inovação, que é o 15.º mês de pensão. Repito, é uma inovação! Há o

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13.º mês, há o 14.º mês, em Dezembro, e, como seria pago em Janeiro, na íntegra, este seria o 15.º mês! É que, em boa verdade, não estamos a falar aqui de um valor complementar, estamos a falar, efectivamente, de um valor integrado no valor da pensão e, por isso, seria um 15.º mês. Agora, se o Sr. Deputado está disponível para introduzir no sistema de pensões um 15.º mês, então não deve ser este o projecto de lei mas, sim, outro.
Deixe-me ainda dizer-lhe que o valor que o senhor propõe é 2791$ mensalmente para cada pensionista. Ora, acontece que o valor que cada pensionista, em média, gasta em medicamentos é 1650$. Ou seja, temos aqui um valor de 1040$ que é para a poupança. Não sei se é uma poupança que pode durar no tempo, mas repito é para a poupança.
Agora, o que é que isto vai introduzir no mercado? Vai introduzir no mercado que os medicamentos que não são comparticipados passam a sê-lo.
Sr. Deputado Pedro Mota Soares, eram estas questões que gostaria de ver respondidas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Pedro Correia, em relação à questão do arauto da consciência, quero dizer-lhe que cada um de nós tem a sua consciência e eu não sou arauto da consciência de ninguém. Porém, creio que nós, como Deputados, temos de alertar e temos de saber o que é a consciência social do Estado, onde é que devemos gastar e onde é que achamos que os gastos são supérfluos.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado tem de decidir-se e das duas uma: ou este cheque-medicamento é um cheque em branco que vai aumentar desmesuradamente a despesa ou custa 2791$ por mês ao Estado, em cada pensionista. Repito, o senhor tem de decidir-se por uma das duas; as duas é que são, de facto, incompatíveis.
Segunda questão: o Sr. Deputado fez mal a conta dos 103 000$ por mês, porque, mesmo a valores de 2001, se dividir a verba que está no Código do IRS por 12 meses verifica que não lhe dá esse valor mas, sim, um valor significativamente inferior.

O Sr. João Pedro Correia (PS): - Não é verdade!

O Orador: - Sr. Deputado, dá-lhe um valor que não chega aos 80 contos por mês! Vamos ser sérios nas contas, a não ser que o Partido Socialista não queira ser sério a considerar os números, o que é uma discussão diferente.
Porém, Sr. Deputado, a discussão mais importante é a da Maria e do José, que o senhor referiu; só que o senhor esqueceu-se que são a Maria e o José que têm, tantas e tantas vezes, de apoiar os pais já idosos, que auferem estas pensões degradadas, e é quanto a estes que, muitas vezes, falha a consciência social do Estado e, deixe-me dizer-lhe, a consciência social do Governo e do Partido Socialista, porque estas pessoas são aquelas que o Partido Socialista sistematicamente esquece, são aquelas pelas quais o Partido Socialista não se interessa, pois nem sequer lhes dá esta ajuda que é necessária e fundamental.
Terceira questão: quanto a perceber se isto é um cheque, se é um cheque-medicamento, se é um 15.º mês, de facto, V. Ex.ª tem um raciocínio tão elaborado que descobre coisas que não estão aqui. Se ler o projecto de lei vai descobrir que isto é um complemento de pensão dado sob a forma de um vale que só pode ser utilizado, única e exclusivamente, para comprar medicamentos prescritos dentro do Serviço Nacional de Saúde.
Onde está a perversão de que V. Ex.ª tanto falava? E onde estão as complicações de que V. Ex.ª tanto falava? Este projecto visa um e só um objectivo: apoiar quem, de facto, precisa; apoiar quem, em Portugal, não consegue subsistir por si próprio e apoiar essas pessoas naquilo que necessitam, isto é, na compra de medicamentos que são essenciais para a sua saúde e para a sua qualidade de vida.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Ponte.

O Sr. Joaquim Ponte (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Tudo quanto se possa fazer para minorar o sofrimento de quem vive com pensões de montante inferior ao salário mínimo nacional merece a concordância do PSD.
Não é preciso ser profissional de saúde para perceber quanto sofre quem se quer tratar e não pode fazê-lo por insuficiência de meios financeiros. Infelizmente, muitos são ainda no nosso país aqueles que, retirando à sua pequena pensão o que necessitam para comer, o que resta não dá para satisfazer os custos da terapêutica que devem observar. Em alguns casos, e não são tão poucos quanto se possa pensar, o valor total da pensão não chega mesmo para pagar a medicação de que as pessoas necessitam. É um verdadeiro drama da nossa sociedade a que ninguém pode ficar indiferente.
Parece-nos, por isso, positiva a iniciativa do CDS-PP de complementar as pensões mais degradadas com um cheque-medicamento, que não resolvendo por inteiro o problema de quem menos pode na nossa sociedade, pelo menos vem aliviar a sua actual situação. Sabe-se que muitos pensionistas necessitam de medicação continuada imprescindível à qualidade de vida mínima a que têm direito e que essa medicação é cara e não pode ser interrompida.
Ora, a existência de um crédito em medicamentos facilitaria a realização da terapêutica adequada, impedindo mesmo que as pessoas possam destinar esses recursos a outro fim que não o de cuidarem da sua saúde.
A proposta do CDS-PP introduz também uma inovação que nos parece interessante e que consiste na co-responsabilização da segurança social no que respeita ao suporte dos gastos com a saúde, nomeadamente em medicamentos dos pensionistas com pensões mais baixas.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Achamos justo que assim seja, já que a segurança social apenas suporta custos com a doença dos seus beneficiários activos, não tendo qualquer responsabilidade, a este nível, com os que deixam de contribuir por não poderem continuar a trabalhar.
Fique claro, todavia, que esta medida não dispensa nem colide com a política do medicamento que gostaríamos de ver implementada em Portugal e que, julgamos, viria resolver com maior justiça e com menor despesa o problema do acesso ao medicamento, em especial por parte daqueles que menos podem e que dele mais necessitam.
A verdade, porém, é que, nesta como noutras matérias, o Governo fica-se pelas intenções e estamos mesmo em crer que não será ainda na presente legislatura que se

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aprovará uma verdadeira política do medicamento para vigorar no nosso país, à semelhança do que já acontece com os nossos pares da União Europeia.
Vamos, assim, continuar a desperdiçar recursos, a acumular défices, a alimentar um sistema desumanizado e despesista, onde não se fazem contas, nem existem critérios de eficiência e de qualidade pelos quais se possam responsabilizar e avaliar os técnicos e os gestores dos serviços públicos.
Com efeito, Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, apetece hoje perguntar onde estão as medidas que, há mais de um ano, a Sr.ª Ministra da Saúde veio anunciar a esta Casa como fazendo parte da sua política para a área do medicamento e que, de acordo com os prazos então propostos, já deviam estar em vigor.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - O que é feito, por exemplo, da prescrição pela DCI e da dinamização do mercado de genéricos no nosso país? Sobre esta matéria, diga-se de resto, que o Governo se permitiu mesmo legislar em sentido diverso daquele que foi aprovado por esta Assembleia, adoptando normas que não promovem a prescrição pela DCI, retiram direitos ao utente que consignámos na Lei n.º 14/2000, de 8 de Agosto, como seja o de o doente poder optar por um dos medicamentos genéricos existentes no mercado quando o médico prescrever pelo princípio activo, sem indicação da marca ou do titular da autorização de introdução no mercado, e, irresponsavelmente, inviabiliza assim, mais uma vez, a existência de um verdadeiro mercado de genéricos em Portugal.
O PSD já pediu, por isso, a apreciação parlamentar do Decreto-Lei n.º 242/2000, de 26 de Setembro, que a seu tempo pensamos poder discutir nesta Câmara. Mas convirá também perguntar o que é feito do novo sistema de comparticipações, que visava permitir melhor acessibilidade ao medicamento dentro do grupo social específico dos pensionistas e que, de acordo com as promessas então feitas pelo Governo, já devia estar em vigor neste momento. Como também, o que é feito do redimensionamento das embalagens,…

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - … medida a concretizar, de acordo com as promessas do Governo, no segundo semestre de 2001, e que previa a adequação das embalagens a tratamentos prolongados, nomeadamente em doenças crónicas, com ganhos para os cidadãos, em especial os pensionistas, e para o sistema.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: São estas e muitas outras promessas não cumpridas que nos levam a descrer de que, com este Governo do Partido Socialista, a saúde possa conhecer alguma melhoria no nosso país e, consequentemente, aqueles que menos podem, os pensionistas que auferem pensões de valor mais baixo, sintam que o futuro lhes reserva dias melhores do que os actuais.
É também por esta razão que damos por bem-vinda a proposta do CDS-PP, que vamos viabilizar com o nosso voto, conscientes de que se trata de um complemento de pensão, pago em espécie, no caso presente em medicamentos, na medida em que ela pode proporcionar algum conforto àqueles que dele mais necessitam e por quem este Governo, teimosamente, pouco ou nada faz.
Bom seria, porém, que se encarasse com seriedade e com coragem uma nova política do medicamento, como temos defendido, da qual sairiam, aí sim, verdadeiramente beneficiados os pensionistas que vimos tratando e o nosso sistema de saúde. É, todavia, tarefa que nos parece - cada vez com maior convicção - que vai, infelizmente, ficar adiada para o dia em que o PSD voltar a ser governo de Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É preciso dizer, em primeiro lugar, que o fundamento político e ideológico que está por trás desta proposta do CDS - e isto tem de ser dito aqui - aposta não num direito à saúde, igual e geral, mas numa lógica de assistencialismo algo residual que acaba por não beneficiar nem aqueles que mais precisam, mesmo quando são os principais destinatários das supostas medidas que aqui são propostas. É uma aposta não em serviços públicos que garantam a igualdade de todos no acesso aos diferentes cuidados de saúde, incluindo os cuidados medicamentosos, mas numa certa postura de caridade que, no fundo, acaba por manter a desigualdade que se verifica na sociedade. É uma proposta que não aposta na dignidade das pessoas que são mais desfavorecidas, antes contribui - e este pormenor não é de somenos importância - para alguma estigmatização que existe na forma como pretendem resolver este problema.
De resto, o CDS-PP aproveita a «boleia» da questão dos medicamentos para imputar à segurança social e a outros sistemas custos adicionais que não são - pelo menos no projecto - compensados pelo Orçamento do Estado e que, portanto, penalizariam a segurança social. E esta não é uma questão de pormenor que não seja preciso resolver neste projecto de lei.
Outra questão que também está bem presente no projecto de lei do CDS-PP tem a ver com o dogma neoliberal da separação do papel de pagador do de prestador, no que diz respeito ao Estado, que se destina - todos o sabemos e está presente nas «cartilhas» de privatização dos serviços públicos de saúde - a fazer com que o Estado seja reduzido, cada vez mais, ao papel de pagador e, cada vez menos, ao de prestador, com tudo o que isso implica em termos de desigualdade no acesso aos cuidados de saúde, de favorecimento e de aumento do lucro do sector privado.
A realidade concreta, contudo - é preciso dizê-lo -, dá espaço a este tipo de propostas, como a do CDS-PP, a puxar ao sentimento nesta matéria, porque existe, de facto, uma grande carestia dos medicamentos e do acesso aos medicamentos, especialmente para as classes mais desfavorecidas, os mais idosos e aqueles que auferem pensões de miséria.
A realidade diz-nos que, no nosso país, a despesa privada com medicamentos é superior a 40%; isto é, os portugueses pagam directamente do seu bolso 40% das suas despesas com saúde, para além do que já pagam através dos impostos. A realidade diz-nos, também, que a área dos medicamentos e da saúde, de uma forma mais geral, é de extrema fragilidade para as pessoas mais idosas. Esta é, pois, a realidade concreta, que dá espaço a este tipo de propostas e intervenções.
A política que tem sido seguida pelo Governo nesta matéria, como em outras, abre espaço a esta iniciativa e à forma como ela é justificada junto dos mais idosos, dos mais desfavorecidos. Esta política proporciona, aliás, uma

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gestão do Orçamento do Estado em derrapagem, eu diria, conivente com alguns interesses da área dos medicamentos e que se insere, como já aqui referimos, numa estratégia de degradação das condições de financiamento e de sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde, com vista a abrir caminho e a justificar uma privatização, o mais breve possível, porque privilegia o aumento dos lucros das empresas nesta área e não a diminuição sensata das enormes margens de lucros existentes, a fim de reverter essa poupança para o necessário aumento das comparticipações, especialmente junto dos mais idosos.
O Governo continua a não aplicar medidas eficazes e, inclusive, debatidas até à exaustão nesta Assembleia, algumas delas - vejam bem! - propostas pelo CDS-PP, que abandonou agora a linha de reformar a política do medicamento para voltar às propostas mais simplistas, como seja a de propor cheques para resolver todas as questões.
De resto, o Governo provou bem qual é a orientação da sua política com os últimos actos legislativos, designadamente com a criação do escalão D, de 20%, ou com a consagração da negociação directa entre as autoridades de saúde e as empresas produtoras de medicamentos, ao arrepio dos critérios científicos e objectivos para a avaliação de cada medicamento.
Em bom rigor, é preciso dizer ao CDS-PP, aos proponentes deste projecto de lei que hoje aqui avaliamos que, se esta realidade existe e se ela é agravada pela política do Governo, o caminho para a enfrentar é outro: é o do aumento das comparticipações, através de uma política sensata que não pactue com os interesses privados na área dos medicamentos, especialmente para aqueles que mais necessitam; é aquele que permita também, no plano da segurança social, um aumento das reformas, como o PCP tem vindo a exigir há muito tempo; é aquele que adopte medidas de tão clara racionalidade como seja a possibilidade de se poderem dispensar gratuitamente nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde aqueles medicamentos que, sendo receitados na urgência ou na consulta externa, saem mais baratos ao Estado se for o próprio hospital a comprá-los e a dá-los gratuitamente aos utentes do que pagando as comparticipações que, depois, são devidas pela sua aquisição nas farmácias comerciais.
Na verdade, do que os pensionistas precisam, designadamente os que têm pensões mais degradadas, é de um melhor Serviço Nacional de Saúde e de uma melhor assistência na saúde, em condições de igualdade e de dignidade para todos. Precisam, portanto, que se defenda e melhore o funcionamento do Serviço Nacional de Saúde como a única e a melhor garantia para que os seus direitos à saúde sejam verdadeiramente assegurados. Este não é um cheque em branco, ao contrário do que há pouco aqui se disse; é um cheque que traz, no espaço do portador, gravado em letras garrafais «privatização do Serviço Nacional de Saúde». É um cheque cujo avalista é a política do Governo! É um cheque que vai ser descontado na sustentabilidade e na viabilidade do Serviço Nacional de Saúde e, portanto, no direito à saúde de todos os portugueses!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados João Pedro Correia e Pedro Mota Soares.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Pedro Correia.

O Sr. João Pedro Correia (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, segundo percebi, considera que esta discussão não é para este projecto de lei. Ou seja, deu a entender que não é neste projecto de lei que se deve integrar a política de justiça social em relação aos pensionistas, sobretudo no que se refere à questão da equidade social.
No tocante a este projecto de lei, parece-me que há duas dúvidas. A primeira é a de que todos os pensionistas, recebam eles 31 000$ ou 100 000$, têm o mesmo valor efectivo. Gostaria de saber se partilha deste meu entendimento.
Por outro lado, gostaria de saber se viu, neste projecto de lei, os pensionistas da Caixa Geral de Aposentações, considerando que o que é referido tem só a ver com a segurança social. Pergunto porque não vi no projecto de lei mencionada a Caixa Geral de Aposentações. Assim, gostaria de saber se considera que há equidade e justiça social, também em relação a este ponto.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Pedro Correia, de facto, penso que não é com este projecto de lei que se resolve o problema, mas não deixo de acentuar o cuidado com que o Partido Socialista repetidamente deixou de utilizar a palavra «igualdade» para passar a utilizar a «equidade». Ora, isto, na vossa interpretação, que, de resto, é generalizada por outras bancadas, quer dizer, e traz atrás uma ideia, que não dever existir, pelo menos em toda a extensão em que hoje, felizmente, ainda existem, serviços públicos com acesso igual para todos mas, sim, serviços públicos com acessos diferenciados para as diferentes situações socioeconómicas.
A verdade é que isto, que parece, à partida, muito avisado e muito justo, não é mais do que uma alavanca para destruir e diminuir as capacidades dos serviços públicos. Penso que há uma referência à segurança social e a outros sistemas, como, aliás, também na minha intervenção me referi a isso, mas a isto o CDS-PP saberá, certamente, responder melhor do que eu.
Para terminar, quero dizer ao Sr. Deputado João Pedro Correia que o Partido Socialista deve ter a noção e a consciência de que a política que tem levado a cabo, nesta área dos medicamentos, contribui para o espaço que se abre para propostas como estas.
Portanto, se hoje estão aqui - e bem! - a combatê-la e a rejeitá-la, devem também ser responsabilizados por existir um espaço político de descontentamento das pessoas mais desfavorecidas, que não é senão o resultado das políticas sociais e na área da saúde e dos medicamentos que as prejudicam que têm sido seguidas pelo Governo do Partido Socialista.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP) - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, sei que, depois de amanhã, começa o vosso congresso, no Pavilhão da Utopia…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Do Futuro!

O Orador: - A utopia e do Futuro permite a cada um de nós sonhar e ter os maiores sonhos possíveis! Mas daí a considerar, como V. Ex.ª dizia, que este projecto de lei visa a privatização sem regras, apoiar os grandes laboratórios, excluir, eventualmente, algumas das pessoas mais necessitadas do Serviço Nacional de Saúde, parece-me que ainda vai um sonho e uma utopia muito grandes!

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Sr. Deputado, a verdade é que nós pusemos hoje em cima da mesa uma questão e provámo-la com números, que é a de que sai mais caro a um pensionista que aufira rendimentos abaixo do salário mínimo nacional comprar um medicamento do que a qualquer outro contribuinte.
Esta é, de facto, uma injustiça gritante na sociedade portuguesa, nomeadamente porque todos conhecemos as condições de vida destas pessoas que têm pensões abaixo do salário mínimo nacional. Conhecemos as condições em que vivem estas pessoas e penso que nenhum Deputado, nesta Assembleia, as desconhece.
A verdade é que esta situação é de uma injustiça gritante e que não se resolve, Sr. Deputado, com o aumento das comparticipações. Como mostrei com os números que há pouco citei, neste caso, mais Estado é pior Estado!
V. Ex.ª fala das medidas eficazes, dizendo que o CDS-PP abdicou de medidas eficazes em torno do cheque-medicamento. V. Ex.ª lembra-se também certamente de que quando tivemos aqui, este ano ou no ano passado, se não me falha a memória, a discussão dos genéricos, que foi introduzida pelo Partido Popular, dissemos que essa discussão era englobada num grande pacote, que incluía a discussão dos genéricos, do cheque-medicamento, da regularização das comparticipações. Era, pois, um grande pacote. Na altura, o Partido Socialista entendeu «chumbar» a medida respeitante aos genéricos; vamos ver o que é que o Partido Socialista fará nesta discussão.
Agora, uma coisa é certa: hoje ficou aqui provado que é mais oneroso para um pensionista que aufira uma pensão de reforma abaixo do salário mínimo nacional comprar um medicamento no escalão C do que para qualquer outro contribuinte. E isto precisa de uma resposta!
Sinceramente, esperava uma maior abertura por parte do PCP para tentar solucionar este problema. Infelizmente, parece que não há. A questão mantém-se, assim, muito directamente em relação ao Partido Socialista e em saber o que é o Governo está disponível para fazer nesta matéria. Mas esta é uma injustiça gritante e eu gostaria de saber o que é que o PCP pode fazer no sentido de a colmatar.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Mota Soares, devo dizer que, em relação às propostas que o CDS-PP aqui apresentou, em várias discussões que aqui fizemos… E não quero aqui invocar qualquer tipo de paternidade anterior, mas, já na anterior Legislatura,…

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Mas eu estou a falar desta Legislatura!

O Orador: - … o PCP tinha apresentado propostas no que toca aos genéricos, mas isto agora não interessa. O CDS-PP também já fez algumas propostas, que foram bastante discutidas em Plenário e em Comissão. Mas o que eu digo, Sr. Deputado, é que não é compatível com a postura de apresentar propostas concretas para racionalizar os gastos com medicamentos a de apresentar um projecto de lei que torpedeie completamente este tipo de esforço, que é o que acontece aqui hoje.
O PCP preocupa-se com os pensionistas e com os seus gastos com medicamentos quando propõe aumentos justos e dignos de reformas, quando propõe medidas na área dos medicamentos que consagrem maior justiça social, que se obtém não só tendo em conta as situações concretas de cada um mas também com um quadro geral de política do medicamento que não desperdice o dinheiro público, que não o empurre directamente para os bolsos dos que já lucram muito nesta área, de forma a que esse dinheiro possa ser utilizado na melhoria do acesso aos medicamentos e de um modo mais justo.
O Sr. Deputado referiu-se ao Pavilhão do Futuro, onde decorrerá o Congresso do PCP, mas aqui, Sr. Deputado, também estamos a tratar de um futuro, que é o futuro do Serviço Nacional de Saúde, que não pode ser posto em causa por medidas avulsas, demagógicas e que, orientadas numa perspectiva de, supostamente, resolver os problemas dos mais desfavorecidos, mais não pretendem do que deitar abaixo o edifício do Serviço Nacional de Saúde e pôr em causa a sua capacidade de garantir o direito à saúde de todos os portugueses, especialmente dos mais desfavorecidos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Pisco.

O Sr. Paulo Pisco (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei do CDS-PP que preconiza a criação do cheque-medicamento tem como principal objectivo, segundo a justificação dada no preâmbulo, corrigir uma suposta injustiça que afectaria essencialmente os pensionistas que consomem medicamentos comparticipados no escalão C, porque são em maior quantidade do que no escalão B. Decorrente deste pressuposto, é elaborado um projecto que entra confusamente por dois caminhos distintos: um, o da segurança social; o outro, o da saúde.
Para corrigir a referida injustiça, o CDS-PP propõe uma distribuição maciça de cerca de 2 100 000 cheques/ano, no valor de 33 400$ (dados do Centro Nacional de Pensões), aos pensionistas com reformas abaixo do salário mínimo nacional. O CDS-PP pode assim dar ares de uma generosidade sem limites em socorro dos mais desfavorecidos, o seu mercado eleitoral preferido.
O assunto aqui em discussão é sério e merece um tratamento sério, já que o seu alcance vai para além de questões de natureza meramente social, económica ou de saúde. Esta iniciativa é apresentada com um propósito político, mas acaba prejudicada por assentar num projecto elaborado de forma defeituosa e tecnicamente pouco reflectida e que até gera injustiça ao permitir que beneficiassem do cheque os pensionistas cujos rendimentos acumulados fossem até aos 103 000$/mês, como decorre do seu artigo 2.º. Então, e aqueles que têm uma pensão acima do salário mínimo, mesmo que seja só de mais 100$, mas sem outros rendimentos?
Importa, por isso, em primeiro lugar, esclarecer alguns pontos e relembrar alguns factos e medidas tomadas recentemente, quer no âmbito da segurança social, quer no da política de medicamentos.
O CDS-PP começa logo por partir de pressupostos errados para a elaboração do seu projecto. Diz haver uma injustiça no escalão C de comparticipações, mas não reparou em duas coisas: primeiro, que os números que utiliza são de unidades de medicamentos comparticipados e não de encargos financeiros; segundo, que os medicamentos de que os idosos mais precisam não estão no escalão C mas no B, que, embora tenha menor número de unidades comparticipadas, representa os maiores encargos.
É também no escalão B que estão os grupos de medicamentos de que os idosos mais precisam, designadamente os que são para o aparelho cardiovascular, os anti-

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reumatismais, os etiotrópicos e imunoterápicos, onde se incluem os antibióticos, entre outros. Aqui, os encargos do SNS são de 64% do total, o que corresponde a 59 milhões de contos em medicamentos comparticipados para pensionistas, enquanto o escalão C representa apenas 26%, o que corresponde a 23 milhões de contos. O CDS-PP, que gosta tanto de impressionar com os seus malabarismos contabilísticos, desta vez descuidou-se, e bastante!
Relativamente à segurança social, nem sequer é preciso ir muito longe, basta recordar a recente aprovação da Lei de Bases da Segurança Social, que o CDS-PP torpedeou, entre outras coisas, com algumas posições que iam no sentido do seu enfraquecimento, um domínio que certamente seria atingido com a necessidade de disponibilizar os perto de 72 milhões de contos que esta medida implicaria para fazer a sua generosa distribuição de cheques. Trata-se, por isso, apenas de mais uma das contradições que fazem parte do universo de propostas do CDS-PP.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Frenesim! Frenesim!

O Orador: - Falha também, redondamente, quando refere que esta medida se justifica devido à «desarticulação endémica da política social com a política fiscal». A verdade é que, com a aprovação do Orçamento do Estado para 2001, nunca houve, em Portugal, uma articulação tão expressiva entre reforma fiscal e justiça redistributiva. E também nestes domínios, o CDS-PP recusou votar favoravelmente aquilo que, em nosso entender, é um excelente conjunto de medidas de reforma fiscal realmente promotoras de mais justiça social.
Neste contexto, não podemos deixar de referir a isenção de IRS para mais de 1 milhão de portugueses, os aumentos extraordinários das pensões mais degradadas e agora, também, a consagração de um complemento de reforma de 5000$ para os pensionistas com mais de 70 anos e de 2500$ para os que têm menos de 70 anos. Em média, este valor é superior ao que o CDS-PP prevê para o seu cheque.
No entanto, enunciar estes factos não constitui para nós um motivo de auto-satisfação; pelo contrário, este é um domínio em que haverá sempre muito a melhorar. Mas não podemos é «dar passos maiores do que a perna», o que o CDS-PP está constantemente a querer fazer. E com isto pretendemos apenas dizer que os pensionistas nos merecem, Partido Socialista, o maior respeito, porque os consideramos pessoas na sua dimensão social e humana e não um instrumento de ambições de poder.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Se nos afastarmos agora do caminho dos cheques e entrarmos no dos medicamentos, verificamos que as consequências da adopção de uma medida com estas características teria igualmente alguns efeitos perversos. É por demais sabido que um dos problemas da saúde e do orçamento do Serviço Nacional de Saúde é o consumo descontrolado e o desperdício irracional de medicamentos. Ora, aquilo que o CDS-PP propõe é algo que agrava precisamente estes dois males, induzindo o aumento da aquisição e do consumo e, por arrastamento, também o desperdício, já que passaria a haver, inevitavelmente, uma sensação de acesso mais fácil. Esta tendência para o desperdício seria tanto maior quanto o cheque seria distribuído universalmente, independentemente de precisarem ou não, introduzindo no sistema elementos de descontrolo e de injustiça, pois, ao serem utilizados por quem não precisa, estar-se-ia a prejudicar quem precisa.
A este propósito, é bem esclarecedora a intervenção de uma antropóloga do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, que recentemente participou numas jornadas organizadas pelo INFARMED subordinadas ao tema «Consumo e informação sobre medicamentos», que cito: «Entrando pelas casas e pela intimidade das famílias para as entrevistar, uma coisa me chamava recorrentemente a atenção. Invariavelmente, nestes lares semidegradados dos subúrbios de Lisboa empilhavam-se sobre um móvel da cozinha pilhas de embalagens com um corte de x-acto no espaço correspondente ao preço de comparticipação no custo. Comprimidos, ampolas, cápsulas, maiores e menores, em caixas, em frascos, todos com ar de estarem a uso. Olhamos para a pilha de remédios e para o lugar em que é posta, para os significados que comporta para quem os pôs ali, para as motivações e comportamentos associados. Nisso decifrámos elementos que pouco têm a ver com a eficácia de cada fármaco, mas que nos abrem a porta para melhor compreender as inumeráveis irracionalidades que rodeiam a circulação e toma de medicamentos. Estamos perante um sistema pesadamente medicalizado, em que a sua própria racionalidade se dá conta dos excessos e irracionalidades por entre as quais se move e que inclui gastos desmesurados, repetições inúteis, uso inadequado dos medicamentos, distorções na transmissão de informação e comportamentos não éticos. A identificação dos processos e variáveis intervenientes permite-nos actuar nalguns pontos, tal como já o fez a própria indústria farmacêutica, cujos estudos de marketing são bastante sofisticados e utilizam os conhecimentos da antropologia. Se a antropologia ainda não se interessou muito pela farmácia, esta interessou-se pela antropologia e com isso, por vezes, fez a base do seu marketing».

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Também no domínio da política dos medicamentos, o Governo do Partido Socialista tem trabalho feito e com dimensão social. Devemos referir, desde logo, que, entre 1994 e 1998, o valor dos medicamentos comparticipados aumentou em cerca de 70%, a par, aliás, de um crescimento do consumo per capita da ordem dos 50%. Portugal, de acordo com dados da OCDE, é, hoje, o país da União Europeia com maior comparticipação do PIB em medicamentos. Isto leva-nos a dados porventura surpreendentes: o valor da comparticipação anual suportado pelo SNS para os pensionistas já é de 60 748$, ou seja, perto do dobro do previsto pelo «cheque-PP».
Mas devemos referir ainda a recente aprovação do conjunto de medidas sobre política de medicamentos, que visa precisamente garantir um acesso em condições de equidade aos medicamentos, promover a sua utilização racional e, ao mesmo tempo, combater o consumo excessivo e os desperdícios. A revisão do sistema de comparticipações, as campanhas de informação dirigidas aos utentes e o redimensionamento das embalagens são algumas das medidas que têm esses objectivos. Foi ainda adoptado um conjunto de incentivos para promover a prescrição de genéricos, o que traz, igualmente, consequências a nível da redução dos preços, favorecendo assim os utentes.
Na realidade, ao contrário do que quer aparentar este projecto de lei, não se pode dizer que exista genuinamente uma preocupação de justiça social com os pensionistas. Em vez disso, mais parece estarmos perante uma utilização abusiva das expectativas das pessoas com mais dificuldades, assim postas ao serviço de uma estratégia populista, que está a ficar cada vez mais descontrolada.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - Quanto a nós, nunca tivemos ilusões sobre o valor que para VV. Ex.as têm aqueles que vivem com mais dificuldades.
A insustentabilidade económica deste projecto de lei destrói o seu alcance social, a demagogia mata a sua suposta generosidade e o irrealismo deita por terra a coerência. Nunca poderíamos, por todas estas razões, votar favoravelmente este projecto de lei.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Pisco, permita-me que dê uma nota muito breve.
O Partido Socialista tem a liberdade de apresentar todas as propostas, que posso considerar boas ou más, correctas ou incorrectas, que vão no bom ou no mau caminho. Esta liberdade também pertence totalmente ao Partido Popular. Eu posso gostar mais ou menos das vossas propostas, mas nunca descerei ao nível de acusar-vos de uma estratégia populista ou demagógica.

Aplausos do CDS-PP.

V. Ex.ª falará para quem entender, de que forma entender e colocará nesta Assembleia qualquer problema e a solução para o mesmo. Poderei entender que é uma boa ou uma má solução, mas nunca cometerei consigo a deselegância que o Sr. Deputado cometeu na sua informação. A este nível, terminei.
Vou dar duas notas muito breves acerca do conteúdo - porque também houve uma parte de conteúdo no seu discurso, Sr. Deputado!
O Sr. Deputado falou numa questão que é, de facto, preocupante, que é o consumo descontrolado e o desperdício que muitas vezes existe dentro do Serviço Nacional de Saúde. É, de facto, preocupante! Temos vindo a alertar, muitas vezes, o Governo para isso. Mas há um aspecto a que o Sr. Deputado não pode fugir: este cheque-medicamento destina-se a medicamentos prescritos em receita médica no âmbito do Serviço Nacional de Saúde. Ora, o desperdício de que V. Ex.ª falou será, eventualmente, o das receitas passadas por médicos. É uma crítica aos médicos?! Eu não a faço! Não a faço e, neste projecto de lei, essa crítica não é feita! Este projecto de lei visa, acima de tudo, dar um complemento de pensão de reforma a quem precisa de facto e onde as pessoas precisam, que é nos medicamentos.
Na sua intervenção, há outro dado muito curioso. O Sr. Deputado disse que este projecto de lei, se fosse aplicado, custaria 72 milhões de contos. É muito fácil fazer uma conta. Se dividir estes 72 milhões de contos por 33 500$/ano, que é o que dava, resulta 2,12 milhões de pensionistas abaixo do salário mínimo nacional - repito, 2 milhões -, mais as pessoas que recebem o salário mínimo nacional, mais as pessoas que recebem o rendimento mínimo garantido.
De facto, há uma pobreza em Portugal muito maior do que aquela que o próprio Partido Socialista reconhece.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Pisco.

O Sr. Paulo Pisco (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Mota Soares, as coisas são como são. Da mesma forma que VV. Ex.as têm toda a liberdade de apresentar os projectos de lei que entenderem, nós temos toda a liberdade de os considerar da maneira que entendermos melhor.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Não temos a liberdade de ofender!

O Orador: - E, neste caso, consideramos claramente que se trata de um projecto de lei de tal forma exorbitante, demagógico e populista que não tem condições. Aliás, basta ver um pouco do historial das iniciativas do CDS-PP; penso que nem o Orçamento dos Estados Unidos daria para pagar todas as vossas iniciativas.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - A introdução do mercado de genéricos paga esta proposta.

O Orador: - Portanto, há neste diploma coisas que nós também temos o direito de considerar erradas. Além disso, podem não querer reconhecer, mas o Governo do Partido socialista tem um conjunto de medidas de grande alcance social, que só não o reconhece quem não quer. Só não o reconhecem VV. Ex.as, porque têm outras perspectivas e outras ambições, que respeitamos. Mas essas são as vossas; nós temos as nossas!
Quanto ao consumo descontrolado, é óbvio que se trata de um problema em relação ao qual o Governo também tem tomado medidas e procurado combater este desperdício. É uma evidência! Sempre foi assim, mas queremos mudar este estado de coisas e é por isso que temos trabalhado neste sentido.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Neves.

A Sr.ª Helena Neves (BE): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei do PP fundamenta, na sua exposição de motivos, a situação gravosa em que vivem milhares de pensionistas com pensões inferiores ao salário mínimo nacional. Sendo que, a maioria dos pensionistas são pessoas idosas (mais de 1,5 milhões), com problemas de saúde acrescidos, poder-se-ia pensar que este projecto de lei do PP seria a resposta adequada às muitas situações com que esses pensionistas se vêem confrontados: gastos medicamentosos muito elevados, tendo em consideração os níveis de pensão recebidos. Porém, na nossa opinião, o projecto de lei do PP representa uma panaceia caridosa relativamente a uma questão social na qual urgem mais do que remendos.
Para nós, a intervenção na problemática da saúde, tanto em relação aos idosos, como à população em geral, coloca-se em termos mais amplos de articulação da produção conceptual dos cuidados de saúde com a análise da realidade social. Isto pressupõe uma adequação da despesa pública às necessidades reais da população, o que implica uma dotação orçamental mais elevada e racionalmente distribuída, em função da igualdade social, o que, manifestamente, não ocorreu com o Orçamento do Estado para 2001. Na realidade, as carências dos pensionistas em termos de saúde não se colocam apenas a nível do medicamento. Direi mesmo que esta não será a questão fundamental a colocar mas, sim, o tipo de cuidados de saúde,

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as solidões vividas sem qualquer tipo de apoio, os problemas de desnutrição dos idosos e a falta de cuidados continuados. Em suma, a dignificação de uma vida que passa, em primeiro lugar, pela dignificação das pensões de reforma.
O projecto de lei do CDS-PP canaliza uma verba que poderia ser acrescida à própria pensão e utilizada noutros cuidados essenciais, mesmo na área da saúde, e que não passam, como já disse, pela área do medicamento. Muitos dos problemas dos idosos situam-se na subnutrição relacionada com a qualidade da alimentação, na falta de cuidados continuados, no isolamento, problemas que não se resolvem na farmácia.
O projecto de lei do CDS-PP ao atribuir um cheque-medicamento como complemento da pensão assenta numa base assistencialista, de estigmatizarão de certos sectores da população à boa maneira do sistema de saúde americano.
O projecto de lei do CDS-PP, ao basear esse complemento de cariz assistencialista no medicamento em si, constitui realmente um bom acréscimo nas receitas do sector farmacêutico.
Uma questão fundamental na problemática em debate é a criação de farmácias públicas nos centros de saúde que, sob a responsabilidade do Ministério da Saúde, vendam ou dispensem, mesmo gratuitamente, aos utentes do Serviço Nacional de Saúde a medicação prescrita nas consultas e nos serviços de urgência e cujo acesso seja alargado aos utentes do Serviço Nacional de Saúde, abrangidos pelo rendimento mínimo garantido ou que tenham pensões de reforma abaixo do salário mínimo nacional. Aqui, enquadra-se, ainda, a urgência não só da revisão do sistema de comparticipação mas ainda mais a de que os medicamentos comparticipados no âmbito do Serviço Nacional de Saúde sejam prescritos sob a sua forma activa ou nome genérico.
Neste sentido, o Bloco de Esquerda apresentou uma iniciativa legislativa, mas a actual legislação não contempla a criação das farmácias públicas nos centros de saúde e a questão dos genéricos marca passo ou retrocesso, como, aliás, salientou muito bem o Sr. Deputado do PSD, dada a benevolência do poder, face às reservas das multinacionais farmacêuticas que dominam o sector da saúde.
Por outro lado, e a concluir, a questão de fundo mantém-se: a aguda inadequação não só de toda a produção conceptual dos cuidados de saúde como ainda a do montante das pensões de reforma às necessidades de uma vivência digna da velhice, constituindo questão tanto mais grave e urgente quanto o envelhecimento demográfico parece irreversível.
Na nossa opinião, é fundamentalmente neste domínio que a Assembleia da República deve insistir e persistir.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Patinha Antão.

O Sr. Patinha Antão (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A iniciativa do cheque-medicamento inscreve-se numa orientação geral de política social que é tão mais importante quanto o Governo dela se tem esquecido por completo.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Refiro-me à articulação de políticas entre os Ministérios do Trabalho e da Solidariedade e o da Saúde orientadas para os mais desfavorecidos e esquecidos dos portugueses, os cidadãos que, por razões de saúde, precisam de recorrer, duradouramente, ao consumo de medicamentos e não têm recursos económicos para suportar os respectivos encargos, ainda que tais medicamentos beneficiem de algum dos regimes de comparticipação que estão em vigor.
O Sr. Ministro Ferro Rodrigues tem andado tão entusiasmado com a sua pomposa política de discriminação positiva em favor dos pensionistas mais desfavorecidos - que mais não é do que uma forma de ir administrando justiça social a «conta-gotas» pelo filtro, esse, sim, ultraliberal, do equilíbrio entre proveitos eleitoralistas e encargos marginalistas - que ainda não teve tempo para se debruçar sobre esta, sim, verdadeira discriminação estrutural que existe entre trabalhadores no activo e trabalhadores na reforma, no que respeita ao acesso ao preço da medicamentação duradoura. E, pelo seu lado, a Sr.ª Ministra da Saúde, Manuela Arcanjo, também ainda não teve tempo para pensar em iniciativas de articulação com o seu colega Ferro Rodrigues, tão absorvida que tem andado em impor, por decreto, o racionamento dos custos do Serviço Nacional de Saúde, ainda que isso redunde na deterioração dos cuidados de saúde e no aumento galopante da dívida oculta junto dos seus fornecedores.
Srs. Deputados, tem razão o Partido Popular em sublinhar, na exposição de motivos do seu diploma, que um trabalhador no activo e com salário maior ou igual à média nacional acaba por receber, pela dedução à colecta de que beneficia em IRS, uma comparticipação efectiva maior no preço dos medicamentos que consome do que a que receberá um pensionista, cuja pensão seja inferior ao salário mínimo nacional.
Tem razão! São os números, Sr. Deputado!
Mas sendo tão flagrante esta injustiça por que é que o Governo ainda não actuou para a corrigir? Em primeiro lugar, porque o Governo faz da lentidão uma arma política - é grupo de trabalho para aqui, grupo de missão para acolá, o tempo vai passando e nada acontece! Em segundo lugar, porque o Governo tem uma verdadeira aversão a implementar qualquer ideia que tenha sido originada por um qualquer partido da oposição, a não ser que possa fazer com que, mediaticamente, a ideia pareça, afinal, sua! Mas, para isso, tem de torcer a ideia original até a desfigurar. Foi, aliás, o que fez com o programa de combate às listas de espera em cirurgia e em consulta hospitalar que o PSD apresentou nesta Câmara, vai para dois anos, e só depois de o desfigurar por completo é que veio para o terreno, com um programa tão mal concebido que já não é possível continuar a esconder o fiasco.
Assim, esta iniciativa do cheque-medicamento do Partido Popular será, por certo, «chumbada» pelo Grupo Parlamentar do PS! É que ela já padece, à partida, de um defeito de paternidade e, depois, nos seus aspectos processuais, fornece um pretexto fácil para esse «chumbo». É que, enquanto perdurar o primarismo dos mecanismos de controlo da despesa em saúde, qualquer novo benefício que venha a ser lançado dará inevitavelmente origem a abusos na sua utilização e no descontrolo da despesa orçamentada. E foi por isso que o Sr. Deputado Paulo Pisco fez aquele «número» de facto impressionante, demonstrando que os senhores pensionistas com pensões inferiores ao salário mínimo nacional se dedicam a um comércio fantástico de coleccionar medicamentos em casa para conseguirem aumentar o seu pecúlio.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E o senhor parece indignado com a circunstância de estes mesmos portugueses terem algum

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benefício adicional, que, repito, é obrigação estrita da segurança social - sublinho, Sr. Deputado Bernardino Soares, é obrigação estrita, porque a segurança social não tem, apenas, a ver com os activos que hoje existem, porque os pensionistas são reformados e foram activos anteriormente. E foram espoliados na dinâmica do processo de eliminação dos seus direitos adquiridos e em formação para pensões, como sabe muito bem, pela circunstância de o processo de inflação, alto, nunca ter sido corrigido nessas pensões miseráveis que estes senhores hoje têm.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Essa responsabilidade existe e os Ministérios têm a obrigação de…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - De quem é?

O Orador: - Essa responsabilidade existe…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - De quem é?

O Orador: - De quem é?!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sim, de quem é?

O Orador: - Quer que lho diga?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Quero.

O Orador: - É de quem governou entre 1976 e 1983. Está satisfeito?

Risos do PSD e do CDS-PP.

Ora, o que acontece é que é muito fácil ao Governo justificar a sua reprovação desta iniciativa, bastará, por exemplo, dizer que o regime de emissão do cheque-medicamento, previsto no artigo 3.º, dará automaticamente origem a uma despesa adicional, mesmo que os beneficiários não necessitem, realmente, da medicação prescrita, podendo esta, afinal, destinar-se a familiares ou amigos.
É verdade! Se os sistemas de controlo não permitem, é verdade que poderá existir abusos! Mas a possibilidade de haver abusos não pode ser pretexto para os senhores recusarem medidas de natureza social que são das mais importantes, das mais graves e das mais necessárias, neste País, para os portugueses de idade, que são os que têm sido mais sacrificados pela ausência de políticas sociais.
Dito isto, termino, dizendo que este tipo de objecção obriga o Governo a confrontar-se com a questão de fundo que o PSD já levantou nesta Câmara e que continuará, energicamente, a levantar sempre que, como agora, seja oportuno fazê-lo. Refiro-me à criação de «cartões inteligentes» e personalizados, por cada tipo de utente,…

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Claro!

O Orador: - … e não ao cartão de saúde, meramente de identificação burocrática…

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - … e igual para todos, que o Governo ainda nem sequer acabou de lançar completamente. É que nos países desenvolvidos a que, infelizmente, na área da saúde, ainda não pertencemos é comum a existência, Sr. Secretário de Estado da Saúde, destes «cartões inteligentes».

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Claro!

O Orador: - Com ele o utente, como V. Ex.ª sabe, por exemplo, se for doente crónico e necessitar de medicação duradoura, poderá abastecer-se em qualquer farmácia do País, havendo controlo rigoroso do utente e esgotamento automático do acesso que lhe tiver sido prescrito pelo médico, logo que este consuma o plafond a que tem direito.
É simples, é claro, é rigoroso, é orientado para as necessidades exactas dos doentes!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - É, portanto, um sistema simples, cómodo e tremendamente eficaz, na liquidação do desperdício. Além disso, Sr. Secretário de Estado, permite poupar milhares e milhares de consultas médicas que apenas servem, como V. Ex.ª sabe, para renovar medicação rotineira, mas que o Estado paga como se fossem verdadeiras consultas!
Srs. Deputados, o PSD continuará a insistir e a tomar iniciativas que venham a possibilitar a implementação destes sistemas inteligentes na área do medicamento, para melhorar a qualidade do atendimento dos utentes, para minorar o desperdício na despesa e majorar a utilidade dos procedimentos de controlo e, sobretudo, para atenuar a injustiça social que faz com que os que mais necessitam de medicação permanente e têm rendimentos débeis tenham de suportar um esforço financeiro relativamente maior do que aqueles que têm rendimentos altos ou necessitam de medicação intermitentemente.
Ora, os portugueses e os parceiros sociais sabem já que, infelizmente, a nova política do medicamento do Governo demonstra tudo menos paixão. Não passa, afinal, de uma amálgama de indecisões, atrapalhações e omissões cujo benefício real para o utente é praticamente nulo.
Porém, quando o PSD, há pouco tempo, anunciou que ia tomar uma iniciativa parlamentar na política do medicamento, logo a Sr.ª Ministra reagiu, desdobrando-se em promessas e decisões por decreto tão desconexas que se revelaram contraditórias com as que o próprio Grupo Parlamentar do PS tinha feito aprovar nesta Assembleia, como o meu colega Deputado Joaquim Ponte teve ensejo de sublinhar.
Hoje, os portugueses exigem, com impaciência e legitimidade acrescidas, uma nova política do medicamento que este Governo se mostra incapaz de desenvolver. O PSD saberá interpretar estes sinais de crispação que se generalizam entre os portugueses e saberá, também, assumir as responsabilidades que lhe cabem, como partido líder da oposição.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Portugal.

A Sr.ª Luísa Portugal (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Patinha Antão, tenho de confessar que, apesar de ser nova em termos parlamentares, fiquei profundamente desiludida com a sua intervenção. Estava habituada a ouvi-lo, nomeadamente em comissão, a ter intervenções muito mais rigorosas e, eventualmente, a jogar com os números de uma maneira séria, o que, penso, também deveria ter acontecido neste debate. Isto porque, Sr. Deputado,

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estamos a falar de 72 milhões de contos. Não é um número pequeno, são 72 milhões de contos.

A Sr.ª Celeste Correia (PS): - É fácil fazer as contas!

A Oradora: - Depois desta apreciação pessoal, vou passar à questão que quero colocar-lhe. O Sr. Deputado apontou várias soluções, eventualmente vários caminhos, para a resolução deste problema dos pensionistas, porque não estamos a falar de reformados - penso que o Sr. Deputado esteve menos atento para este pormenor -, e eu gostava de lhe perguntar por que razão o PSD não passa a escrito, em termos de projecto, todas essas «propostas» que nos apresentou agora. Traga-as, Sr. Deputado, e nós iremos discuti-las.

A Sr.ª Celeste Correia (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral) - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Patinha Antão.

O Sr. Patinha Antão (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, começo por agradecer os encómios que me dirigiu.
Quanto à matéria de números, noto que ficou impressionada com a verba de 70 milhões de contos, como se isso fosse desperdício.

A Sr.ª Luísa Portugal (PS): - Não, Sr. Deputado!

O Orador: - A Sr.ª Deputada tem alguma ideia de qual é o montante do desperdício que existe na área da saúde?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr.ª Deputada, o PS, em relação a esta matéria, falou em números e fez-me recordar o que dizia um grande professor que eu tive acerca de pessoas que coleccionavam números, estatísticas e até transcrições de grandes peritos em antropologia, ou outros, que pareciam que impressionavam com a erudição. Esse professor dizia que eram pessoas que mastigavam, mastigavam, mastigavam, mas o resultado, que era a proposta, a acção concreta, a solução, nunca vinha. Desculpe responder-lhe desta maneira, mas a sua intervenção suscitou-me, efectivamente, este comentário.
Por último, a propósito das nossas propostas, gostava de lhe sublinhar o seguinte: o PS adora que a oposição colabore com o Governo, suprindo os seus erros, as suas deficiências, as suas omissões, e adoraria que os partidos da oposição, perante as suas propostas ou a ausência delas, colaborasse mais. O que o PS não suporta nem consegue interiorizar nem perceber é que os partidos da oposição devem fazer oposição, devem criticar rigorosamente. Sr.ª Deputada, quando o momento chegar, hão fazer as suas propostas, mas só depois de feita a demonstração de que o Governo é incapaz de governar!
É isso que está a acontecer com a saúde e, dentro de algum tempo, falaremos a propósito daquilo que nos solicitou.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Saúde.

O Sr. Secretário de Estado da Saúde (José Miguel Boquinhas): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não sei muito bem como hei-de classificar este projecto de lei do PP, tenho alguma dificuldade. Provavelmente não é demagógico, provavelmente não é populista! Aceito que não! Será desajeitado? Será talvez até um pouco irresponsável? É que, de facto, o que me preocupa é que os senhores, e mais ainda o PSD, que tanta vontade têm de ser governo, achem que 73 milhões de contos são trocos! E, ainda por cima, não explicam onde é que vão buscá-los! São 73 milhões de contos, uns pequenos trocados sem importância, que se vão buscar debaixo do colchão… Faz-se um passe de mágica, e já está!

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Faz-se uma fundação!

O Orador: - Confundem a questão da segurança social com a da saúde, pretendem introduzir um mecanismo de segurança social através da saúde e também não explicam como é que isso se faz nas farmácias, não explicam qual é o mecanismo regulamentador. Depois, confundem vendas do escalão C com vendas do escalão B, não percebem a diferença entre unidades vendidas e quantidade de vendas por escalão. Enfim, muito sinceramente, é uma proposta muito baralhada. Também não discriminam positivamente nada, dão igual a toda agente, ou seja, não dão a quem precisa e dão mesmo a quem não precisa, o que é espantoso.
Como foi dito pela bancada do Partido Socialista, cada pensionista, em Portugal, despende do seu bolso 1650$/mês e os senhores dão-lhes 2780$. Acho isso espantoso!
Mas ainda mais espantoso é que os senhores não percebam - talvez só vos interessem os números da OCDE quando vos dá jeito - que Portugal é, neste momento, o país da União Europeia que maior percentagem de despesa pública tem, em relação ao seu PIB, em despesas com medicamentos, e é significativa essa diferença, ao ponto de sermos fortemente criticados pela OCDE. Mas aos senhores isso não interessa! Ou seja: os senhores só lêem os relatórios da OCDE quando vos dá jeito!
Vejamos o seguinte: foi aqui dito - e com razão! - pela Sr.ª Deputada do Bloco de Esquerda que, de facto, os pensionistas e os idosos têm muitas necessidades, e o Partido Socialista está muito empenhado em resolvê-las, mas, provavelmente, a área do medicamento…

A Sr.ª Helena Neves (BE): - Não deve ter lido o meu discurso!

O Orador: - A Sr.ª Deputada disse - e bem! - que a comparticipação não era a principal necessidade. Aliás, se olharmos para o que se passa nos outros países europeus, sendo Portugal o país que mais comparticipa, não podemos dizer que essa é a principal necessidade em matéria de políticas sociais. De facto, comparticipamos bastante! Basta ver que a média de 1650$/mês despendida pelos pensionistas corresponde a um preço de venda ao público de 5050$/mês, que o Estado comparticipa, para se ver que, de facto, não me parece ser a principal prioridade, embora seja importante para quem tem pouco.
Quanto à política do medicamento, ou os senhores do PSD andam distraídos ou, então, não lêem o que escrevemos nem o que publicamos no Diário da República! Não tenho qualquer dúvida em afirmar que, em matéria de política do medicamento, talvez estejamos a fazer, Srs. Deputados, a maior reforma dos últimos 25 anos. E digo isto sem qualquer ponta de exagero! Basta ver os diplomas que saíram: reorganização da farmácia hospital; redimensionamento das embalagens; política de genéricos - e já lá

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vamos a esta questão; uso racional do medicamento, que irá ser implementado em breve, através de aplicações informáticas. Isto não é nada para os senhores?!

O Sr. Joaquim Ponte (PSD): - Onde é que isso está?!

O Orador: - Está tudo publicado! Naturalmente que os senhores não querem que se publiquem os diplomas e, no dia seguinte, isto esteja feito!
O redimensionamento das embalagens, para que os Srs. Deputados tenham uma noção da sua importância, não pode ser feito de um dia para o outro, tem de ser feito com a indústria, que tem de se adaptar a este redimensionamento. Está combinado com a indústria que, ao longo do ano 2001, isso será feito e, em Janeiro de 2002, os senhores terão todo o redimensionamento das embalagens feito.
Quanto à questão das comparticipações, o próprio Sr. Deputado disse que era no final do 2.º semestre de 2001. Ora, ainda estamos em Dezembro de 2000 e o senhor já está a dizer que não cumprimos!

O Sr. Joaquim Ponte (PSD): - Em 2000!

O Orador: - Não, não! É 2001. É no 2.º semestre de 2001, tal como está no projecto.
Ainda em relação à questão dos genéricos, devo confessar que faz-me uma certa confusão que tanto os senhores do PSD como os senhores do PCP não queiram que na farmácia seja dispensado o genérico mais barato, quando se sabe que os genéricos são todos iguais! Essa lógica eu não consigo perceber. Portanto, os senhores querem que o genérico a dispensar na farmácia seja o mais caro, que é para o Estado pagar mais! Para o doente é rigorosamente igual, porque o genérico…

O Sr. Patinha Antão (PSD): - Isso deve ser para o PCP!

O Orador: - Não, não! Foi dito aqui também pelos senhores da bancada do PSD, embora seja uma luta do PCP que, confesso, não entendo! No fundo, os senhores querem que o genérico a dispensar na farmácia seja o mais caro para o Estado gastar mais e assim o doente também vai gastar mais, porque a percentagem também é relativa e a parte que cabe ao doente também será maior. Essa lógica, muito sinceramente, não entendo! Sendo os genéricos todos iguais, é lógico que se dispense o mais barato.
Quanto ao que o Sr. Deputado Patinha Antão referiu relativamente ao cartão do utente, devo dizer que anda distraído nesta matéria! Não tem lido…

O Sr. David Justino (PSD): - Andamos todos!

O Orador: - Anda, anda! Anda distraído, Sr. Deputado! É que o cartão do utente, neste momento, já tem o código da diabetes e nós iremos inserir mais códigos. Quando decidimos que o cartão do utente iria ser obrigatório, esta lógica tinha uma fundamentação que era precisamente a de podermos introduzir aspectos de doenças crónicas no cartão do utente. Estou de acordo consigo, mas já estamos a fazê-lo.

O Sr. Patinha Antão (PSD): - Daqui a 20 anos, talvez lá cheguemos!

O Orador: - Já estamos a fazê-lo, Sr. Deputado!
Em suma, gostaria de terminar reafirmando este princípio elementar: é que a política de comparticipações do Governo, que está a ser elaborada com rigor, tecnicamente de uma forma adequada, não pode ir ao arrepio de propostas que são desajeitadas, no mínimo, que não têm nenhum fundamento, que são iníquas, que não discriminam positivamente quem necessita e, ainda por cima, provocam desigualdades sociais, porque pretendem, através de um mecanismo da saúde, levar a segurança social a gastar 73 milhões de contos numa área que, como sabem, é a da saúde e medicamentos, verba esta que é necessária para outras situações.
Creio que, da parte do Governo, não há qualquer hipótese de estarmos de acordo com esta proposta apresentada pelo CDS-PP.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado, ouvi-o com toda a atenção, nomeadamente quanto se referiu à política do medicamento, e deixe-me que lhe faça uma pergunta muito breve: o Sr. Secretário de Estado sabe há quanto tempo é que o Partido Socialista está no Governo? O Sr. Secretário de Estado fala em tudo o que vai ser feito daqui para a frente, mas sabe desde quando é que o Partido Socialista está no Governo? Tenha atenção, Sr. Secretário de Estado, porque, se calhar, nem eu faço uma crítica tão contundente ao período de gestão na área da saúde de 1995 até às últimas eleições! Tenha cuidado, Sr. Secretário de Estado! Não sou eu nem a bancada a que pertenço mas, se calhar, há quem o acuse de, ao fazer essa crítica, estar a ser desajeitado e irresponsável. Mas isso, Sr. Secretário de Estado, fica consigo.
Segunda questão, que me parece muito importante: não foi à toa, Sr. Secretário de Estado, que eu introduzi uma questão doutrinária neste debate, que é a de sabermos quem é que tem de ser apoiado e onde é que tem de ser apoiado. Não foi à toa que introduzi a questão da democracia cristã neste debate, porque se prende com uma e só com uma coisa: sabermos onde é que o Estado, com a sua consciência social, tem de investir, onde é que o Estado tem de gastar dinheiro e onde é que o Estado tem de poupar dinheiro. Esta proposta não custa os 73 milhões de contos que V. Ex.ª dizia ou os 72 milhões de contos que a bancada do PS dizia. Mal era que custasse isso, porque significava que nós tínhamos em Portugal 2,12 milhões de pensionistas a receberem menos do que o salário mínimo nacional!
A grande questão de que estou a falar não é essa. A grande questão é percebermos que custa certamente o mesmo, senão menos, que fazer uma reformulação do Serviço Nacional de Saúde e pô-lo a gastar de uma forma racional. Custa, se calhar, o mesmo que introduzir em Portugal, a sério, o mercado de genéricos. É curioso, Sr. Secretário de Estado, que, quando debatemos, nesta Câmara, a proposta do Partido Popular acerca do mercado de genéricos, não ouvi o Governo - Governo de que V. Ex.ª já fazia parte! - falar dos dados da OCDE e dos 2,1% do PIB que é gasto em Portugal com medicamentos. Nem ouvi o Governo nem ouvi V. Ex.ª!
Terceira e última questão, o que temos de fazer é saber gastar e saber gastar bem. Faça a reformulação nacional do Serviço Nacional de Saúde, introduza o mercado de genéricos. Não faça obras públicas desnecessárias, eventualmente como o aeroporto da Ota, ou, se quiser, não faça as fundações que o Governo anda a fazer a monte e a eito e vai ver que tem dinheiro para financiar esta proposta!

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O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Saúde.

O Sr. Secretário de Estado da Saúde: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Mota Soares, o senhor tem muita graça com essa tentativa de pôr na minha boca coisas que eu não disse! Não vá por aí, que não vale a pena.
O Governo do Partido Socialista tem vindo a executar uma política do medicamento muito séria desde há vários anos, não é só de agora. Agora, de facto, houve um reforço de políticas que é notório e que não se pode negar. Existem, estão publicadas.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Tudo o que o Sr. Secretário de Estado anunciou já foi feito!

O Orador: - Sr. Deputado, não vá por aí que não vale a pena! Isso é um fait divers. Não vale a pena!
Quanto à questão dos 73 milhões, custa mesmo os 73 milhões de contos. Não tenha dúvida! Isto só prova que os senhores não fizeram contas! O senhor nem sequer sabe quanto é que custa a sua proposta, o que é espantoso!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Custa 35 milhões de contos!

O Orador: - Sr. Deputado, há-de dizer-me onde é que foi buscar os números, porque nós fomos buscá-los ao sítio certo…

Vozes do PSD: - Aonde?!

O Orador: - O senhor deve ter ido buscá-los a outro planeta! É espantoso que apresentem aqui uma proposta que não fazem a mínima ideia de quanto é que custa! Desculpar-me-á, Sr. Deputado, mas isto é de uma irresponsabilidade total!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Sabe quantas pessoas estão nessas condições, Sr. Secretário de Estado?

O Orador: - Sei!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Então, diga!

O Orador: - Basta ir ao Centro Nacional de Pensões para verificar que são 2,15 milhões que estão abaixo do rendimento mínimo nacional. São dados do Centro Nacional de Pensões! Se o Sr. Deputado quiser pôr em causa esse Centro, isso é consigo! O que é espantoso, de facto, é que os senhores tragam ao Parlamento uma proposta que nem sequer fazem ideia de quanto é que custa!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Sabe o que é grave, Sr. Secretário de Estado? É que o senhor nem sequer saiba distinguir entre rendimento mínimo garantido e salário mínimo nacional!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Esperemos que, daqui a uns anos, alguém consiga perceber esta resposta, dado o facto de ela se inserir num conjunto de apartes que muito dificilmente os serviços serão capazes de registar.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): - Sr. Presidente, preferia usar da palavra apenas no fim do debate porque têm sido postos em causa os números que a bancada do Partido Socialista aqui apresentou durante o debate e eu gostaria de deixar à Mesa, para distribuir a todas as bancadas, um documento onde se referem os encargos financeiros do SNS pelos escalões de comparticipação no ano de 1999, justificando assim que o Partido Socialista não tem mentido e tem números reais para dar a esta Câmara.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Neves.

A Sr.ª Helena Neves (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado, a perspectiva crítica, radicalmente crítica, que aqui enunciei relativamente ao projecto do PP não permite que haja uma apropriação dessa crítica, uma apropriação que seja interpretada como algum aval à política de saúde do Governo. De facto, nas palavras do Sr. Secretário de Estado, ficou uma apropriação da minha crítica como se ela significasse um aval à política do Governo.
Sobre a política de saúde, não apenas deste Governo, porque, se fizermos a genealogia dos males da saúde, teremos de ir muito atrás, temos a ideia de que ela está doente, está gravemente doente. Não há uma articulação da produção conceptual dos cuidados de saúde com as necessidades da população, não há, sequer, uma análise realista da realidade social.
Por isso, que fique muito claro que uma coisa é a perspectiva crítica e outra coisa é a crítica igualmente radical e demolidora e num âmbito muito mais largo e, portanto, muito mais vasto do que é a política de saúde deste Governo.

O Sr. Secretário de Estado da Saúde: - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para que efeito, Sr. Secretário de Estado?

O Sr. Secretário de Estado da Saúde: - Para esclarecer a Sr.ª Deputada, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (João Amaral): - É natural que o Sr. Secretário de Estado ache que consegue esclarecer a Sr.ª Deputada, mas pode fazê-lo lá fora. É que, fazendo-o aqui, tem de me dizer qual é a figura regimental que vai usar.

O Sr. Secretário de Estado da Saúde: - É uma esclarecimento à Sr.ª Deputada, Sr. Presidente.

Pausa.

Posso pedir esclarecimentos, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Então, tem a palavra para pedir esclarecimentos, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado da Saúde: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Neves, naturalmente que não interpretei dessa maneira que a Sr.ª Deputada referiu. Apenas mencionei que o único ponto em que estávamos de acordo - e só nesse - era que a prioridade máxima, em termos de políticas sociais, na área da saúde, não seria provavelmente a área da comparticipação do medicamento, porque já somos o país que mais comparticipa. Foi só nessa questão que eu disse que a Sr.ª Deputada estava, de algum modo, em consonância com a minha posição. Se não está, interpretei mal.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Como a figura usada pelo Sr. Secretário de Estado foi a do pedido de escla

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recimentos, pergunto à Sr.ª Deputada Helena Neves se pretende responder.

A Sr.ª Helena Neves (BE): - Não vale a pena, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Assim sendo e não havendo mais inscrições, está encerrado o debate, na generalidade, do projecto de lei n.º 206/VIII - Cria o cheque-medicamento (CDS-PP), que será votado amanhã.
Srs. Deputados, resta-me informar que a próxima sessão plenária se realiza amanhã, a partir das 15 horas, tendo um período de antes da ordem do dia e, como ordem do dia, a discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 252/VIII - Protecção laboral contra o terrorismo psicológico ou assédio moral (PS) e 334/VIII - Estabelece medidas de prevenção e combate a práticas laborais violadoras da dignidade e integridade física e psíquica dos trabalhadores (PCP), a discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 136/VIII - Reforça os mecanismos de fiscalização e punição de práticas laborais discriminatórias em função do sexo (PCP) e a discussão do projecto de resolução n.º 50/VIII - Recomenda ao Governo que reforce um programa específico sério de combate à tuberculose (PSD).
Haverá ainda votações, à hora regimental, incluindo a do Orçamento da Assembleia da República para 2001.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 21 horas e 20 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos

Partido Social Democrata (PSD):
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Mário Patinha Antão

Partido Popular (CDS-PP):
Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró
Paulo Sacadura Cabral Portas
Raúl Miguel de Oliveira Rosado Fernandes

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
António Fernando Menezes Rodrigues
Carlos Manuel Luís
Eduardo Ribeiro Pereira
Emanuel Silva Martins
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Francisco dos Santos Valente
Victor Manuel Caio Roque

Partido Social Democrata (PSD):
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
António d'Orey Capucho
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Paulo Martins Pereira Coelho
Domingos Duarte Lima
Fernando José da Costa
Henrique José Monteiro Chaves
João Bosco Soares Mota Amaral
Joaquim Martins Ferreira do Amaral
José de Almeida Cesário
José Frederico de Lemos Salter Cid
José Manuel Durão Barroso
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Nuno Miguel Marta de Oliveira da Silva Freitas
Pedro Manuel Cruz Roseta
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva

Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
Lino António Marques de Carvalho

Partido Popular (CDS-PP):
Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona
Narana Sinai Coissoró

Bloco de Esquerda (BE):
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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