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Quinta-feira, 14 de Dezembro de 2000 I Série - Número 29

DIÁRIO da Assembleia da República

VIII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2000-2001)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 13 DE DEZEMBRO DE 2000

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex. mos Srs. José Ernesto Figueira dos Reis
Manuel Alves de Oliveira
António João Rodeia Machado

S U M Á R I O

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia.- Deu-se conta da entrada na Mesa das propostas de lei n.os 53 e 54/VIII, das propostas de resolução n.os 48 e 49/VIII e de respostas a requerimentos.
O Sr. Deputado António Martinho (PS) interpelou a Mesa solicitando a retirada do aparato policial em frente da Assembleia da República pelo facto de haver uma manifestação de agricultores durienses, no que foi secundado pelos Srs. Deputados António Capucho (PSD) e Octávio Teixeira (PCP).
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia (Os Verdes) referiu-se às conclusões do relatório produzido pelo grupo médico que fez a análise dos reflexos na saúde pública dos processos de queima de resíduos industriais perigosos e criticou afirmações do Sr. Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território a propósito do mesmo, após o que respondeu a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Casimiro Ramos (PS).
Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado Bernardino Soares (PCP) deu conta das conclusões do XVI Congresso do PCP, tendo criticado o Governo pela situação social e económica a que as suas políticas conduzem. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Maria de Belém Roseira (PS) e António Capucho (PSD).
Foram apreciados conjuntamente os votos n.os 100/VIII - De protesto contra o terrorismo e a violência política da ETA (CDS-PP), 102/VIII - De protesto pelos actos de violência perpetrados pela ETA (PSD), 103/VIII - De protesto pelas actividades terroristas da ETA e de pesar pelas vítimas desses actos (PS), que foram aprovados, e 105/VIII - De protesto contra a violência política da ETA (BE), que foi rejeitado, tendo-se pronunciado os Srs. Deputados Luís Fazenda (BE), Paulo Portas (CDS-PP), José Barros Moura (PS) e António Filipe (PCP).
Os votos n.os 101/VIII - De protesto pela forma como morreram 83 pessoas detidas na cadeia de Montepuez, em Moçambique, e pela violação dos direitos humanos que isso configura (CDS-PP) e 104/VIII - De pesar pelo assassinato do jornalista moçambicano Carlos Cardoso (BE) foram também aprovados, tendo usado da palavra, além do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães), os Srs. Deputados Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), Vítor Ramalho (PS), Bernardino Soares (PCP), Teresa Patrício Gouveia (PSD), Heloísa Apolónia (Os Verdes) e Helena Neves (BE).
A Câmara aprovou ainda o voto n.º 106/VIII - De saudação pela organização em Portugal, em 2003, do Campeonato do Mundo de Andebol (PS, PSD, CDS-PP, PCP, BE e Os Verdes), sobre o qual intervieram os Srs. Deputados Laurentino Dias (PS), Hermínio Loureiro (PSD) e Bernardino Soares (PCP).
O Sr. Deputado Miguel Ginestal (PS) salientou as vitórias significativas para a agricultura nacional alcançadas pelo Governo na Cimeira de Nice, nomeadamente em relação às quotas leiteiras dos Açores, e respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Fernando Penha (PSD), Medeiros Ferreira (PS) e Lino de Carvalho (PCP).
O Sr. Deputado Carvalho Martins (PSD) acusou o Governo de não ter cumprido as promessas que fez às populações de Viana do Castelo, no sentido de dotar aquele distrito de melhores infra-estruturas, tendo respondido a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Marques Júnior (PS).
Procedeu-se a um debate de urgência, requerido pelo PSD, sobre os problemas que afectam a Casa do Douro e a vitivi

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nicultura duriense, tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas (Capoulas Santos), os Srs. Deputados Durão Barroso (PSD), Lino de Carvalho (PCP), Vítor Ramalho e António Martinho (PS), Melchior Moreira (PSD), Rosado Fernandes (CDS-PP), Manuela Ferreira Leite (PSD), Manuel dos Santos (PS), e Basílio Horta (CDS-PP).

Ordem do dia.- Procedeu-se à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 312/VIII - Estabelece medidas de protecção das edificações realizadas com recurso à pedra (PS). Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães), os Srs. Deputados Victor Moura (PS), David Justino (PSD), António Pinho (CDS-PP) e Joaquim Matias (PCP).
Foi aprovado um parecer da Comissão de Ética relativo à substituição de um Deputado do PCP.
Foram, ainda, discutidos, na generalidade, os projectos de lei n.os 277/VIII - Confere a natureza de crime público ao crime contra a integridade física, quando praticado contra agentes das forças e dos serviços de segurança (CDS-PP) e 335/VIII - Ofensa à integridade física no âmbito da intervenção policial: crime público (BE). Usaram da palavra, além do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães), os Srs. Deputados Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), Ricardo Castanheira (PS), Luís Fazenda (BE), António Montalvão Machado (PSD) e António Filipe (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 15 minutos

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 15 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
António Alves Marques Júnior
António Alves Martinho
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António Fernando Marques Ribeiro Reis
António Fernando Menezes Rodrigues
António José Gavino Paixão
António Manuel Dias Baptista
António Manuel do Carmo Saleiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Bruno Renato Sutil Moreira de Almeida
Carla Maria Nunes Tavares Gaspar
Carlos Alberto
Carlos José Gonçalves Vieira de Matos
Carlos Manuel Luís
Casimiro Francisco Ramos
Cláudio Ramos Monteiro
Eduardo Ribeiro Pereira
Emanuel Silva Martins
Fernando Manuel de Jesus
Fernando Pereira Serrasqueiro
Filipe Mesquita Vital
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Francisco José Pinto Camilo
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres
Gil Tristão Cardoso de Freitas França
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho
Helena Maria Mesquita Ribeiro
Isabel Maria dos Santos Barata
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge Tinoco de Faria
Isabel Maria Soares Pinto Zacarias
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
João Alberto Martins Sobral
João Cardona Gomes Cravinho
João Francisco Gomes Benavente
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
João Rui Gaspar de Almeida
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão
José Aurélio da Silva Barros Moura
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Carlos da Cruz Lavrador
José Carlos Lourenço Tavares Pereira
José Carlos Pinto Basto Mota Torres
José da Conceição Saraiva
José de Matos Leitão
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Ernesto Figueira dos Reis
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Rosa do Egipto
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Rodrigues Pereira dos Penedos
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Miguel Gomes Miranda Teixeira
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira
Manuel António dos Santos
Manuel Joaquim Barbosa Ribeiro
Manuel Maria Diogo
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Margarida Maria Santos Soares da Rocha Gariso
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira
Maria do Céu da Cruz Vidal Lourenço
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria José Vidal do Rosário Campos
Maria Teresa de Oliveira Ferreira Coimbra
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco
Paulo Alexandre Homem de Oliveira Fonseca
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Rui Manuel Leal Marqueiro
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Victor Brito de Moura
Vítor Manuel Caio Roque
Vítor Manuel Lontrão Carola
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António de Carvalho Martins
António d'Orey Capucho
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Manuel da Cruz Silva
António Manuel Santana Abelha
António Paulo Martins Pereira Coelho
Armando Manuel Dinis Vieira
Arménio dos Santos
Artur Ryder Torres Pereira

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Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos José das Neves Martins
Carlos Manuel Marta Gonçalves
Domingos Duarte Lima
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares
Eugénio Fernando Sá Cerqueira Marinho
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Jorge Loureiro de Reboredo Seara
Fernando José da Costa
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Santos Pereira
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Monteiro Chaves
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
Jaime Carlos Marta Soares
João Bosco Soares Mota Amaral
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José da Silva Maçãs
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
José António de Sousa e Silva
José David Gomes Justino
José Eduardo Rêgo Mendes Martins
José Frederico de Lemos Salter Cid
José Luís Campos Vieira de Castro
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel de Matos Correia
José Manuel Durão Barroso
Lucília Maria Samoreno Ferra
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Pedro Machado Sampaio de Sousa Pimentel
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Castro de Almeida
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim Barata Frexes
Manuel Maria Moreira
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria do Céu Baptista Ramos
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Nuno Miguel Marta de Oliveira da Silva Freitas
Nuno Miguel Sancho Cruz Ramos
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rui Fernando da Silva Rio
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Comunista Português (PCP):
Alexandrino Augusto Saldanha
Ana Margarida Lopes Botelho
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Cândido Capela Dias
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
João António Gonçalves do Amaral
Joaquim Manuel da Fonseca Matias
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Octávio Augusto Teixeira
Vicente José Rosado Merendas

Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello Branco
António de Magalhães Pires de Lima
António José Carlos Pinho
António Manuel Alves Pereira
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Luís Pedro Mota Soares
Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró
Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona
Narana Sinai Coissoró
Paulo Sacadura Cabral Portas
Raúl Miguel de Oliveira Rosado Fernandes
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

Bloco de Esquerda (BE):
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Maria Helena Augusto das Neves Gorjão

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas, dos requerimentos e das respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: propostas de lei n.os 53/VIII - Reforça as garantias do contribuinte e a simplificação processual, reformula a organização judiciária tributária e estabelece um novo regime geral para as infracções tributárias, que baixou à 1.ª e 5.ª Comissões, e 54/VIII - Altera a Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto, que aprova a Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas, que baixou à 1.ª Comissão; propostas de resolução n.os 48/VIII - Aprova, para ratificação, a Convenção entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil destinada a evitar a dupla tributação e a prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento e Protocolo Anexo, assinado em Brasília, a 16 de Maio de 2000, que baixou à 2.ª e 5.ª Comissões, e 49/VIII - Aprova, para assinatura, o Acordo entre o Governo da Repú

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blica Portuguesa e a Organização Europeia para a Investigação Astronómica no Hemisfério Sul (ESO), assinado em Garching, a 27 de Junho de 2000, que baixou à 2.ª Comissão.
O Governo respondeu, no dia 6 de Dezembro, aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Fernando Pésinho, na sessão de 27 de Abril; Agostinho Lopes, na sessão de 9 de Junho; Carlos Martins, no dia 20 e na sessão de 21 de Junho; Paulo Portas, na sessão de 29 de Junho; Honório Novo, na sessão de 26 de Julho; Artur Torres Pereira, na sessão de 28 de Julho; Vicente Merendas e Bernardino Soares, no dia 31 de Julho; Heloísa Apolónia e Luís Fazenda, no dia 30 de Agosto; Maria Celeste Cardona, no dia 19 de Setembro; Jovita Ladeira, na sessão de 29 de Setembro; Maria Santos, na sessão de 3 de Outubro; António Pinho, na sessão de 19 de Outubro; Maria Celeste Correia, na sessão de 25 de Outubro: Francisco Amaral, na sessão de 6 de Novembro.
No dia 6 de Dezembro, foi respondido o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado José Cesário, na sessão de 4 de Outubro.
Em termos de expediente, é tudo, Sr. Presidente.

O Sr. António Martinho (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. António Martinho (PS): - Para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor de dizer qual a matéria em causa, Sr. Deputado.

O Sr. António Martinho (PS): - Sr. Presidente, quero solicitar que seja retirado o aparato policial que está em frente à Assembleia da República pelo facto de haver hoje uma manifestação de agricultores durienses.

O Sr. António Capucho (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, quero apoiar entusiasticamente esta solicitação, porque parece-me, de facto, desproporcionado o aparato policial. Penso que V. Ex.ª poderia mandar averiguar o que se passa, já que pode ser intimidatório do carácter público que o debate vai ter - e que, aliás, todos os debates da Assembleia têm -, podendo, inclusivamente, ter efeitos perversos em relação aos objectivos dos responsáveis.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, apenas para reforçar a solicitação feita pelo Sr. Deputado António Martinho.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, devo dizer-lhes que não tinha conhecimento desta situação - também não comando as forças de segurança -, mas vou chamar o chefe de gabinete para que sejam tomadas as providências necessárias.
Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foram já anunciadas publicamente as conclusões do relatório produzido pelo grupo médico que tinha por função a análise dos impactes sobre a saúde pública dos processos de queima de resíduos industriais perigosos.
Não tendo, ainda, a Assembleia da República tido acesso a este relatório, não vou por isso, naturalmente, pronunciar-me sobre o seu conteúdo.
De qualquer forma e daquilo que foi tornado público, a primeira ideia que realço das conclusões é que este grupo de trabalho médico vem deitar por terra aquilo que muitos expressaram como verdades absolutas, isto é, que a queima de resíduos industriais perigosos é inócua e que daí não advém qualquer perigo acrescido para a saúde pública. Estas conclusões põem termo às certezas irredutíveis sobre a segurança total do processo de co-incineração.
Por isso, o grupo médico, aceitando o processo de queima de resíduos industriais perigosos em unidades cimenteiras, condicionou a sua implementação à prévia caracterização detalhada das condições ambientais e populacionais, dado o facto de se admitir uma eventualidade de riscos não normais mas acrescidos, para as populações que vivem nas localidades onde estão instaladas unidades cimenteiras, nas quais o Governo quer proceder à co-incineração. Ou seja, conclui o grupo médico que é preciso ter certezas sobre o estado de saúde de uma população que há anos e anos sofre as consequências directas da actividade da indústria cimenteira, de modo a conhecer com rigor da existência ou não de riscos acrescidos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputada, deixe-me interrompê-la para pedir aos Srs. Deputados, e também aos Srs. Assistentes, o favor de guardarem silêncio para podermos ouvi-la em condições normais.
Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Este rastreio, prévio a qualquer acção de queima, é fundamental para perceber da fragilidade das populações e das localidades onde se pretende proceder à co-incineração - Souselas e Setúbal.
O grupo médico acaba, assim, por estabelecer dúvidas quanto às localizações definidas, condicionando essa localização a novos estudos e contrariando, desta forma, todo o estudo de impacte ambiental já realizado na óptica da definição dos locais.
Por outro lado, é de realçar que o relatório do grupo médico não obteve unanimidade, tendo-se registado um voto contra do Professor Massano Cardoso, fundamentado nas incertezas sobre os efeitos da co-incineração e atendendo aos perigos que daí podem resultar e às dúvidas quanto a conseguir travar os riscos acrescidos desse processo.
A comunidade científica, e concretamente os médicos, em Portugal, está dividida quanto a esta questão. E as

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dúvidas entre a comunidade científica não se restringem às manifestadas no seio do grupo médico. Na verdade, também a Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública se pronunciou sobre os riscos inerentes aos processos de queima de resíduos industriais perigosos e considerou que não é possível dizer que aquela solução é a de menor risco para a saúde pública, avançando argumentos que apontam para riscos sérios não controlados.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, com base nestes factos, e fundamentalmente nas incertezas agora manifestadas sobre os efeitos da co-incineração em relação às populações que vivem próximas das cimenteiras em causa, Os Verdes consideram que prudente e garante da saúde das populações seria abdicar deste processo. O princípio da precaução é aquele que salvaguarda a saúde pública e o ambiente.
Isto, até, porque o processo de queima não vem resolver o problema dos resíduos industriais em Portugal, como, aliás, afirmou a Comissão Científica Independente de Controlo e Fiscalização Ambiental da Co-incineração, no documento que produziu, a co-incineração visaria apenas queimar cerca de 10% dos resíduos industriais perigosos, ou seja, menos de 1% da totalidade dos resíduos industriais.
Estamos, então, legitimados para considerar que quando o Sr. Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território afirma que a co-incineração vem resolver o problema dos resíduos industriais em Portugal, é porque pretende fazer desta pseudo-solução uma porta aberta para tudo queimar, preterindo todas as outras formas de tratamento de resíduos industriais, violando as próprias orientações definidas na lei que assume como prioridade a redução, reutilização e reciclagem de resíduos. Em relação a estas, nada se avançou!
E não nos esqueçamos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que a Lei n.º 20/99, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 22/2000, aprovada pela Assembleia da República, continua por cumprir: o Governo ainda tem de adoptar medidas urgentes para uma adequada deposição ou armazenamento controlado de resíduos industriais; até 31 de Dezembro a Comissão Científica Independente tem de elaborar um relatório sobre as várias modalidades de tratamento de resíduos industriais perigosos, do qual deverá constar o melhor tipo de tratamento para cada tipo de resíduo; o Governo tem de apresentar o inventário dos resíduos industriais produzidos e armazenados, por distrito e por actividade económica, a sua caracterização físico-química e o tipo de tratamento previsto; o Governo tem de apresentar a listagem dos locais contaminados com resíduos industriais, bem como as medidas de emergência para a sua identificação, vedação e descontaminação; o Governo tem de proceder à reabilitação de todas as povoações onde estão localizadas unidades cimenteiras.
É que, ao contrário daquilo que o Governo e o PS sempre deram a entender, procurando que assim fosse, a Assembleia da República não produziu uma lei sobre a co-incineração. A Assembleia da República produziu uma lei sobre o tratamento de resíduos industriais, sobre o destino de todos os resíduos industriais que por aí andam a monte e não apenas sobre uma pequena percentagem deles.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, perante tudo isto, qual é a atitude do Governo?
O Sr. Ministro Sócrates, criticando todos os que não tendo o relatório logo se pronunciaram sobre ele, decidiu realizar uma conferência de imprensa onde sem o relatório se pronunciou sobre ele! E pronunciando-se sobre as conclusões do parecer médico, o Sr. Ministro omitiu uma parte das mesmas, conforme anuncia hoje o jornal o Público, parte essa que põe precisamente em dúvida as localizações apontadas para se proceder à co-incineração, aceitando a queima sob reservas, isto é, exigindo a realização de estudos epidemiológicos às populações das localidades apontadas.
Perante um relatório não conclusivo, o Sr. Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território, precipitadamente e na ânsia de cumprir os acordos já assumidos com o sector cimenteiro, vem afirmar peremptoriamente que a co-incineração avança já em Abril.
Mas onde, Sr. Ministro? Em Souselas e em Setúbal? E o resultado dos estudos epidemiológicos exigidos pelo grupo médico?
De facto, o Governo anda de tal modo obcecado com a co-incineração, esquecendo todas as outras formas de tratamento, que até nas Grandes Opções do Plano ainda não conhecia o resultado de qualquer relatório e já concluía do avanço da co-incineração. Já estava tudo decidido há muito!
Por isso também me parece líquido concluir que não fora a lei aprovada pela Assembleia da República, da iniciativa de Os Verdes, e a co-incineração já estava a avançar de qualquer maneira, sem olhar a quê, sem preocupações e precauções em relação à saúde das pessoas, o que seria de todo inadmissível.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, Os Verdes estão solidários com as populações que, ávidas de qualidade de vida e de bem estar, já tão penalizadas ao longo dos anos pela actividade poluidora das cimenteiras, se debatem firmemente pela recusa absoluta de mais factores de risco para a degradação da sua saúde.
O Governo não pode encontrar nestas vozes e nestas lutas a contestação sem razão, o Governo tem de perceber que o exercício pleno da democracia faz-se com as populações e na defesa dos seus interesses.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Casimiro Ramos.

O Sr. Casimiro Ramos (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, gostaria de colocar-lhe uma questão, muito breve e sucinta, na sequência da sua intervenção.
De facto, como acabou de referir na sua intervenção, ainda não temos conhecimento do relatório, a Sr. Deputada fez um conjunto de considerações com base naquilo que veio a público sobre o relatório e é bom referir, também com base nisso que veio a público, que nessas informações há de facto uma conclusão: é que a co-incineração não traz riscos acrescidos à saúde pública. Esta conclusão resulta do parecer elaborado pelo grupo médico, que, aliás, foi constituído com base numa proposta de lei apresentada por Os Verdes.
Neste momento, parece-nos importante que tenhamos a resposta, esclarecendo também que, caso a Lei n.º 22/2000 não fosse aprovada, a co-incineração não teria avançado a todo o custo, de modo algum - aliás, a proposta do PS

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ia no sentido de um conjunto de medidas faseadas a serem cumpridas até implementar todo o processo.
Como sabe, Sr.ª Deputada, a co-incineração faz parte de um processo global da actuação do Governo. Mas, ultrapassando essas partes da sua intervenção, a questão que temos para colocar é a seguinte: em resposta àquilo que foi a Lei n.º 22/2000, que teve por base o projecto de lei apresentado por Os Verdes, nos termos do qual seria necessário um estudo feito por um grupo médico e sendo o resultado deste estudo que a co-incineração não traz riscos acrescidos à saúde publica, gostaríamos de saber se Os Verdes, perante esta conclusão, acatam o parecer desse grupo médico.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Esta é a questão que gostaríamos de ver resolvida e respondida por Os Verdes, porque é aí que se centra a dignidade da Assembleia da República, em respeito por aquilo que é o cumprimento da lei que ela própria produz.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Casimiro Ramos, agradeço a questão que colocou e começo precisamente por referir que Os Verdes exigem o cumprimento da lei. E mais uma vez refiro que esta não é a lei da co-incineração, tal como os senhores tentam fazer crer, mas é uma lei que estipula todo um conjunto de metodologias para o tratamento dos resíduos industriais.
Em relação à obsessão do Governo e do Partido Socialista, que, de facto, anda pura e simplesmente em torno da co-incineração, o Governo não tomou quaisquer medidas no sentido de avançar, nomeadamente, com uma prioridade estabelecida na lei, que é a implementação da redução, da reciclagem e da reutilização. Inclusivamente, em relação a um dito plano de prevenção de resíduos, que, como o Sr. Deputado sabe, deveria já estar em aplicação para o ano que vem, o acordo com os industriais ainda nem sequer foi estabelecido.
Portanto, Sr. Deputado, aquilo que me é permitido ver em todo este processo é que o Governo anda, na verdade, obcecado com a co-incineração, pura e simplesmente, porque tem um acordo prévio, já assumido, com as cimenteiras, ao qual não quer falhar, sendo que a garantia da saúde pública neste ponto está perfeitamente secundarizada.

Protestos do PS.

De outra forma, gostaria que me respondesse por que é que não existem medidas para a implementação de um plano de redução, de reciclagem e reutilização.
Gostaria ainda que ficasse perfeitamente claro que Os Verdes exigem o cumprimento da lei aprovada pela Assembleia da República, e que não restem dúvidas sobre isso!
Inclusivamente, gostaria de referir que mencionei na minha intervenção o conjunto de elementos que falta cumprir desta lei, nomeadamente uma questão fundamental que é a inventariação dos resíduos produzidos em Portugal, por distrito, a sua caracterização e a sua quantificação, o que é fundamental para, depois, aferir do tratamento mais adequado a cada tipo de resíduo. Isso o Governo esqueceu completamente!

Protestos do PS.

O Sr. Casimiro Ramos (PS): - Para quê?

A Oradora: - É a lei que o prevê, Sr. Deputado! Mas há uma parte da lei que o Partido Socialista insiste em esquecer e, desta maneira, de facto, não é possível avançar com uma política séria de resíduos industriais em Portugal.
Por outro lado, gostaria que o Sr. Deputado também me referisse - aliás, gostaria de ouvir essa resposta também por parte do Partido Socialista - se vai acatar, de facto, segundo aquilo que foi tornado público, a conclusão do parecer do grupo médico no sentido da realização de um rastreio à população das localidades onde se pretende implementar a co-incineração,...

Protestos do PS.

nomeadamente, no sentido de se saber concretamente sobre as influências directas do processo de co-incineração sobre as populações que vivem junto a essas cimenteiras. Isto porque estranhei profundamente as declarações veementes e peremptórias do Sr. Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território, que, não atendendo a essa determinação do grupo médico, afirmou que a co-incineração vai começar em Abril.
Afinal, em que é que ficamos?!

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Decorreu no passado fim-de-semana o XVI Congresso do PCP, um importante momento da vida deste partido onde discutimos e definimos a nossa orientação política para os próximos quatro anos.
Foi um congresso onde o PCP se confirmou como um partido profundamente ligado aos trabalhadores e ao povo, aos seus anseios e às suas dificuldades, um partido que, com seriedade, procura soluções para os problemas da sociedade onde vivemos.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O XVI Congresso do PCP reafirmou o empenhamento deste partido na luta constante por uma democracia política, económica, social e cultural, pela defesa da soberania nacional e pela construção de uma sociedade mais justa, um partido que se confirma como necessário e insubstituível para os trabalhadores e para o povo português.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Partido Comunista Português sai do seu XVI Congresso com energias renovadas para a iniciativa e para a intervenção política.

Aplausos do PCP.

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A análise da situação política actual exige, aliás, o nosso empenhamento vigoroso. Afinal, o novo ciclo do Governo do PS e de António Guterres revelou-se ainda pior do que o velho ciclo. Sistematicamente as crises sucedem-se, numa agitadíssima novela da vida real do Governo socialista, em que cada vez que o Primeiro-Ministro consegue, a custo, puxar a manta para tapar um problema, logo ela falta para tapar outro igual ou pior.
Nem sequer é preciso lembrar questões que parecem estar já relativamente afastadas na cronologia recente da vida do Governo, como as atribuladas demissões na Cultura ou na Administração Interna. A turbulência das últimas semanas é suficiente para demonstrar o estado em que está o Governo.
Tivemos o esticar de corda do Ministro da Justiça, a pretexto das declarações do então Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais sobre o caso Camarate; tivemos, depois, com a saída deste, o Ministro Pina Moura a voltar a secretário de Estado, por falta de candidatos disponíveis para o cargo. Dir-se-á até que qualquer incauto cidadão que cruzasse o Terreiro do Paço com o Código do IRS debaixo do braço se arriscava a ser convidado para o Governo.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exactamente!

O Orador: - E há também o Ministro Armando Vara, protagonista de recentes e sucessivos casos. Foi, em primeiro lugar, a descoberta da Fundação para a Prevenção e Segurança e dos seus financiamentos públicos e promíscuas ligações à tutela. Em consequência disso o ministro anunciou um pedido de demissão, que acabou por desmentir, a pés juntos, pouco depois, não fosse o diabo tecê-las e o pedido ser aceite.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Finalmente, soube-se ainda que o Governador Civil de Bragança, círculo de eleição do Ministro Vara, teria andado à caça de votos para o Orçamento do Estado, alegadamente a mando do governante.
Houve ainda as desassombradas declarações do já demitido presidente da Administração Regional de Saúde do Norte, a confessar aquilo que todos sabíamos: que privilegiava os membros do PS nas nomeações onde interferia, aliás, como aconteceu certamente com a sua própria nomeação, em que, à semelhança de tantas outras no Ministério da Saúde, o critério predominante foi certamente o da sua filiação partidária.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Todos estes episódios se seguiram, aliás, à aprovação de um Orçamento mau para o País, mas garantido por uma maioria parlamentar resultante de um truque de última hora mas que parecia estar já na manga há algum tempo.
Dito tudo isto, é preciso lembrar que estamos perante um Governo que resultou de eleições que decorreram há pouco mais de um ano e que dispõe de uma maioria de 115 Deputados na Assembleia da República.
O PS e o Governo estão cada vez mais presos no seu próprio labirinto de contradições internas e jogos de poder, de interesses antagónicos e guerras de sucessão, sem conseguir disfarçar as consequências desastrosas da sua política para o País.
À degradação interna do Governo junta-se, assim, a degradação da situação social a que as suas políticas nos conduzem. É o caso das negociações com os trabalhadores da função pública, onde o Governo mantém uma posição de recusa sistemática de aumentos salariais justos. O Governo nega aos trabalhadores da função pública quer a existência de um aumento real em 2001, quer a reposição do próprio aumento assumido em 2000, limitando-se a compensar a diferença entre a inflação prevista e a verificada.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A política de rendimentos deste Governo tem sido, aliás, uma das políticas que mais contribui para o alargamento do fosso das desigualdades sociais do nosso país. Portugal é, assim, o país da União Europeia com os mais baixos salários, mínimo e médio, com as mais baixas reformas, com a mais alta taxa de pobreza e com o maior fosso entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres.
Portugal é um país onde, pela acção ou omissão do Governo, se degrada intencionalmente o Serviço Nacional de Saúde, de olhos postos na privatização. No nosso país, as privatizações, pela mão do PS, foram mais longe do que nunca, colocando nas mãos do capital privado, designadamente estrangeiro, o controlo de sectores fundamentais da economia.
As recentes operações de privatização da GALP, EDP, TAP e Portugal Telecom assumem contornos escandalosos para o interesse público e são, em alguns casos, muito pouco transparentes.
Mas qualquer balanço da política do PS no Governo não pode deixar de referir o assalto dos socialistas ao aparelho do Estado e a cada vez maior confusão entre este, os grupos económicos e de interesse e o partido do Governo. A política do clientelismo e da submissão do poder político ao poder económico tem sido uma constante da governação do PS e uma causa real da degradação da democracia portuguesa.
Todo este conjunto de situações e a situação política em geral terão do PCP a resposta necessária.
Cá estaremos para dar voz ao crescente descontentamento social e popular, para que ele se faça ouvir com nitidez na Assembleia da República. E cá estaremos também, de acordo com os nossos compromissos eleitorais e orientações políticas, para propor e intervir no sentido da concretização de medidas positivas para o País, a afirmar soluções de esquerda para o País, a combater a política de direita e as suas consequências para os trabalhadores e para o povo português e a lutar por uma viragem à esquerda na política nacional.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Maria de Belém Roseira e António Capucho.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira.

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, ouvi com muita atenção a sua intervenção e devo dizer que, em primeiro

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lugar, gostaria de saudar, no âmbito do Congresso do PCP ocorrido durante este fim-de-semana, a rápida ascensão de V. Ex.ª, até porque, ao longo de vários anos, tive oportunidade de consigo trabalhar e de apreciar as suas qualidades e, portanto, posso deduzir que esse meu apreço também foi reconhecido pelos órgãos do seu partido, o que determinou uma promoção, que, neste momento, saúdo.

O Sr. João Amaral (PCP): - Agora, aplique isso ao seu caso!

A Oradora: - Mas deixe que lhe diga também que fiquei um pouco perplexa com o conteúdo da sua intervenção, porque pensei que ela nos viria trazer alguma explicação sintetizada das principais mudanças, das principais afirmações, ocorridas do ponto de vista político-ideológico no âmbito deste mesmo Congresso, que tive ocasião de acompanhar pela televisão e que, com certeza, não pude acompanhar na sua integralidade.
Perante este discurso, que foi mais um discurso de oposição ao actual Governo do que uma afirmação pela positiva do conjunto de políticas que consideram que devem ser empreendidas, pergunto se a minha bancada pode esperar deste PCP ressurgido do último congresso uma afirmação de disponibilidade para, em função daquilo que é o exercício de uma oposição crítica e responsável, mas também pela positiva, ajudar, com aquilo que numa democracia é o papel da oposição, o Governo apoiado por este partido a cumprir o seu Programa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira, agradeço os cumprimentos que endereçou a esta bancada e quero dizer-lhe, em relação à sua perplexidade sobre a discussão no Congresso do PCP e o seu não relato aqui, que a verdade é que a discussão se fez exactamente no Congresso do PCP.
Portanto, do que se tratou aqui foi também de exteriorizar uma das conclusões mais importantes deste Congresso, que é a necessidade de o PCP reforçar o seu combate à política do Governo, às políticas erradas que este Governo tem seguido em prejuízo dos trabalhadores e do povo português. Essa é uma das questões fundamentais que sai deste XVI Congresso do PCP.
Aliás, julgo que é importante, nesta fase também, podermos devolver a pergunta ao Partido Socialista e perguntar-lhe: quando é que o Partido Socialista, que, segundo a Sr.ª Deputada, precisa de uma oposição crítica para ajudar o Governo a cumprir o seu Programa, vai, de facto, inverter as políticas que tem seguido até aqui? Quando é que o Partido Socialista vai inverter o leilão infame que está a fazer com as privatizações de empresas públicas fundamentais? Quando é que o Partido Socialista vai alterar uma política salarial restritiva para os trabalhadores portugueses, que continua a tentar impor à função pública, dando, assim, um sinal negativo para todos os outros trabalhadores de todas as outras empresas? Quando é que o Partido Socialista se decide a pôr fim ao ataque aos direitos dos trabalhadores, de que tem sido protagonista nos últimos tempos? Quando é que o Partido Socialista se decide, ao fim e ao cabo, a inverter a cada vez maior submissão do poder político ao poder económico, que tem sido apanágio da gestão política dos últimos anos e que tem criado graves dificuldades e graves prejuízos à democracia portuguesa?
Estas questões que trazemos do Congresso do PCP são as questões que já pusemos no passado e que - tenha a certeza disso - continuaremos a pôr no futuro ao Partido Socialista e ao seu Governo, confrontando-os com aquilo que deve ser uma verdadeira política ao serviço dos interesses do povo português e do País.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, não vou comentar os acontecimentos relacionados com o Congresso do Partido Comunista Português, vou apenas dirigir-me, frontalmente, aos novos órgãos eleitos do Partido Comunista Português e cumprimentá-los, fazendo votos de que o nosso relacionamento correcto partido a partido e, institucionalmente, grupo parlamentar a grupo parlamentar se mantenha, a bem da democracia e do prestígio da instituição parlamentar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Capucho, quero apenas agradecer-lhe a simpatia das suas palavras e dizer-lhe que, pela nossa parte, continuaremos a relacionar-nos institucionalmente com a cordialidade com que o temos feito até agora.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa no seguinte sentido: reparei que os tempos de resposta do meu camarada Bernardino Soares foram descontados no tempo que o meu grupo parlamentar tinha, quando, dos 10 minutos da declaração política, tinham sobrado cerca de 3 minutos. Nesse sentido, gostaria que esse tempo que foi descontado fosse reposto, porque os 10 minutos são para a declaração política propriamente dita e também para as respostas, se for caso disso.

O Sr. Presidente: - Não tem sido esse o entendimento, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - O tempo, neste caso, não é para a intervenção, necessariamente, é também para a resposta.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não tem sido esse o entendimento. Quem não utiliza os 10 minutos na declaração política não pode transferi-los para o tempo do partido.

O Orador: - Sr. Presidente, o meu camarada Bernardino Soares utilizou os 10 minutos da declaração política para

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fazer a intervenção e responder aos pedidos de esclarecimento que lhe foram feitos.

O Sr. Presidente: - Mas não tem sido esse o entendimento, Sr. Deputado. Vamos discutir isto na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares.
De qualquer modo, neste momento, não vejo qualquer obstáculo a que se creditem os 3 minutos que quer que se creditem, mas não tem sido esse o entendimento. Quem não gasta o tempo todo da declaração política não o transfere para o tempo do seu próprio partido, até porque esse tempo não conta, como sabe, é um tempo gratuito, digamos assim.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra também para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, agradeço que identifique a matéria da ordem de trabalhos que está em causa.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, tem a ver com a interpelação que fiz há pouco, quando chamei a atenção da Mesa para o facto de me parecer que havia em frente do palácio um aparato policial desproporcionado, que poderia impedir o acesso dos durienses a esta sessão. Sou agora informado, como muita mágoa - aliás, constata-se que as galerias estão vazias -, que há dificuldades no acesso às galerias, o que penso que é absolutamente desajustado e contraproducente.
Portanto, peço a V. Ex.ª que…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já dei instruções no sentido de facilitarem a entrada para as galerias; não posso impedir, no entanto, que se cumpram as formalidades que estão previstas. Mas creio que isso vai ser resolvido em breve.
Inscreveram-se, para tratamento de assuntos de interesse político relevante, os Srs. Deputados António Carvalho Martins e Miguel Ginestal.
Peço o vosso consentimento para vos dar a palavra para esse efeito amanhã, e não hoje, pela simples razão de que ainda temos um debate de urgência e sete votos, já com bastante atraso, para discutir e votar, e não se compreende que continuemos a adiar a sua discussão apenas para que os Srs. Deputados usem hoje da palavra, quando o podem fazer amanhã.
Portanto, como não vejo que haja oposição da vossa parte, vamos passar à discussão dos votos, pedindo-vos que sejam concisos nas vossas intervenções.
Em primeiro lugar, vamos passar à discussão dos quatro votos de condenação da actividade da ETA, que já foram distribuídos, pedindo-vos, por isso, que dispensem a sua leitura. Estes votos serão discutidos em conjunto, dispondo cada grupo parlamentar de 3 minutos para o efeito.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda apresenta um desses votos, tendo dispensado a introdução e entrado logo na parte resolutiva, em que quer a condenação categórica e sem ambiguidades do terrorismo da ETA.
Manifestamos aí a nossa solidariedade com todas as vítimas do terrorismo e com todas as forças democráticas que, no Estado espanhol, procuram restaurar os direitos democráticos fundamentais e o exercício dos direitos das nacionalidades históricas, o exercício dos direitos de cidadania.
Irei pronunciar-me rapidamente sobre o conjunto dos votos. A nosso ver, os votos apresentados pelo Partido Social Democrata e pelo Partido Popular estão demasiado presos de uma certa visão de pensamento único sobre a questão interna do Estado espanhol.
O voto apresentado pelo Partido Socialista é um voto positivo e merecerá o nosso voto favorável. Apesar de não concordarmos inteiramente com os seus pressupostos, ele tem um ponto notável que, de certa forma, desafia a lógica do pensamento único sobre a questão do Estado espanhol, que é o reconhecimento, na parte resolutiva do mesmo, de que há um problema político basco. A existência, a confirmação e o reconhecimento de um problema político basco é, já em si, um acto extremamente positivo, que se desvia das teses oficiais de Madrid e que, a nosso ver, merece todo o sublinhado.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, queremos, com isto, vincar, e vincar muito bem, não mais do que aquilo que o Dr. Mário Soares tem dito sobre esta matéria, ou seja, condenação intransigente do terrorismo da ETA. No entanto, há que reconhecer a existência de um problema político numa nacionalidade histórica, interna ao Estado espanhol, e que esse problema político terá de ter, inevitavelmente, a bem do consenso e da convergência democrática, uma solução política.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado, o CDS tomou a iniciativa de apresentar um voto relativamente ao terrorismo da ETA, desde logo sabendo que a existência de um problema basco - sobre o qual estamos conversados porque ele existe! - não é competência da Assembleia da República e seria uma intolerável ingerência da Assembleia da República nos assuntos internos do Estado espanhol virmos para aqui trazer essa discussão. Recordamos apenas que o Estado espanhol é um Estado democrático, com uma Constituição sufragada pelo povo e uma monarquia, por essa via, referendada, e uma democracia de autonomias que leva, aliás, Sua Majestade, o Rei de Espanha, a definir a Espanha de hoje como uma nação de nações.
Em todo o caso, se o problema basco é uma questão interna do Estado espanhol, o terrorismo no País Basco é uma questão de civilização que transcende as fronteiras estaduais e políticas.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - O terrorismo não é uma questão interna do País Basco - o terrorismo é um problema de civilização e de direitos humanos. De um lado, a defesa da liberdade e da paz; do outro - e essa é a fronteira traçada a negro pelo terror, pela ETA - a defesa de uma sociedade que é refém da violência e do medo. Ora, a ETA tem a mãos cheias de sangue! E, sobre isso, não pode haver nenhuma dúvida e nenhum equívoco: a ETA, desde a sua fundação, matou mais de 800 pessoas, feriu mais de 1000, pratica a extorsão sistemática aos empresários, nomeadamente - ou pagam o imposto revolucionário ou morrem -,

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e está a degenerar, mesmo no seu braço político, para um discurso de puro racismo contra quem não é nascido no País Basco!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Por isso mesmo, do nosso ponto de vista, o terrorismo, numa Europa de valores, é sempre inaceitável, é sempre condenável, e nós entendemos que o Parlamento português deve seguir o passo do Parlamento Europeu - que, aliás, no ano passado entregou o prémio a Xanana Gusmão e este ano vai entregar a uma organização de cidadãos contra a ETA, chamado Basta ya! - e deve ser solidário com o Estado e com o governo espanhol.
Nesta matéria, Srs. Deputados, queremos deixar uma coisa muito clara: não há qualquer equivalência entre o terror da ETA e a alegada violência de Estado - o Estado espanhol é detentor da legalidade democrática, da legalidade constitucional e é nesse quadro que exerce, com muito sacrifício, a luta contra o banditismo e o terrorismo de uma organização violenta chamada ETA.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Barros Moura.

O Sr. José Barros Moura (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PS apresentou um voto de protesto e pesar sobre as actividades terroristas da ETA. Fundamentamo-nos, ao apresentar este voto, na ideia de que, na actual situação de Estado de direito e de Estado de autonomias, baseado na Constituição que marcou o fim da transição política espanhola depois da ditadura franquista, nada justifica o recurso à violência, nada justifica o recurso ao terrorismo para fazer resolver de uma certa maneira um problema político que existe, que é histórico, no País Basco. Por outro lado, nada justifica a solidariedade com os terroristas da ETA, visto que o Estado espanhol, baseado na garantia, na lei e na prática dos direitos e liberdades fundamentais, respeita os direitos e liberdades fundamentais dos próprios autores dos actos terroristas e dos seus cúmplices.
Julgamos, Sr. Presidente, que a Assembleia da República Portuguesa se dignifica, neste momento e depois dos últimos atentados repugnantes desse bando terrorista da ETA, ao proclamar os princípios do Estado de direito e das liberdades fundamentais e a condenação inequívoca do terrorismo, que nós encontramos nos votos apresentados, além do PS, pelo PSD e pelo CDS-PP, que vamos apoiar. Saudamos o passo que o BE quis dar no sentido da condenação da violência política da ETA, mas não achamos o voto do BE suficientemente claro, explícito e inequívoco na condenação do terrorismo da ETA para que o possamos aprovar.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, face à atitude política da ETA, que é objecto do repúdio massivo dos cidadãos de Espanha e do próprio País Basco em eleições sucessivamente verificadas e nas ruas, protestando contra os assassínios que se repetem, entendemos que a orientação política desse movimento não se diferencia hoje, pela violência, pelo carácter racista, pelo carácter xenófobo, de um mero projecto fascista. Nesse sentido, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, entendemos que a Assembleia da República se dignifica, repito, e ao mesmo tempo faz um gesto de solidariedade que, seguramente, será apreciado por todos os democratas de Espanha.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O conjunto de actos perpetrados pela ETA contra muitos cidadãos espanhóis dos mais diversos quadrantes de pensamento político e ideológico, incluindo sobre cidadãos que defendem a causa do povo basco e o seu legítimo direito à autonomia no quadro do Estado democrático espanhol, merecem a mais severa crítica e condenação por parte do PCP.
As acções da ETA não se inscrevem numa legítima luta por soluções políticas que respeitem e valorizem a diversidade dos povos, culturas e nações de Espanha. E não se inscrevem porque, independentemente do acordo ou desacordo com quem, conjunturalmente, é responsável pelo governo de Espanha, o Estado democrático tem mecanismos de luta e reivindicação que não justificam o recurso aos actos extremos de violência como os que têm sido utilizados pela ETA. Neste contexto, é também necessário que o Estado espanhol e, em particular, o governo de Espanha não fechem as portas a uma via que estimule o diálogo e uma solução política que assegurem a efectivação da autonomia e dos direitos do povo basco.
Não acompanhamos algumas das formulações que estão expressas em alguns dos votos que foram apresentados, designadamente a exposição de motivos do voto do PS, que contém considerações e comparações que entendemos que são despropositadas e que não vão no sentido de ser encontrada uma solução política e negociada para um problema real, que exige uma solução política.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Também o voto apresentado pelo CDS-PP, na parte em que manifesta a solidariedade ao governo espanhol, nos suscita um reparo, que é o de que a solidariedade da Assembleia da República deve ser manifestada não em relação a um qualquer governo que se encontre conjunturalmente em funções mas para com as vítimas e para com todos os cidadãos e forças democráticas que, em Espanha, condenam a violência política.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas o essencial, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que está posto à apreciação desta Assembleia, é a expressão da condenação dos actos perpetrados pela ETA, na solidariedade com as vítimas dos atentados e com os povos e as forças democráticas de Espanha, no reconhecimento de que existe um problema político que deve ser resolvido pela via política, pela via da negociação, pela via do diálogo, no respeito pelos valores de um Estado democrático. Neste sentido, iremos dar o nosso voto favorável a todos os votos apresentados.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições nem pedidos de palavra, pelo que vamos passar à

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votação, um a um, destes quatro votos sobre as actividades da ETA, pela ordem de entrada na Mesa. Assim, Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto n.º 100/VIII - De protesto contra o terrorismo e a violência política da ETA, apresentado pelo CDS-PP.

Submetido à votação, foi aprovado com os votos a favor do PS, do PSD, do PCP, do CDS-PP e de Os Verdes e os votos contra do BE.

É o seguinte:

Considerando que o terrorismo e a violência política são indesculpáveis e não constituem um processo reivindicativo aceitável nem um meio para a resolução de problemas ou para a defesa de pontos de vista, quaisquer que sejam;
Considerando que, através de sucessivos atentados, a ETA vem sujeitando o Estado espanhol a um longo período de terror e de medo;
Considerando que, desde o fim do cessar fogo, os atentados da ETA redobravam de intensidade, fazendo várias vítimas mortais, a última das quais o académico socialista Ernest Lluch, assassinado em Barcelona há cerca de uma semana;
Considerando que os actos terroristas da ETA atingem indiscriminadamente políticos, militares, magistrados, juristas, funcionários públicos e a população em geral, enlutando repetida e dolorosamente os espanhóis, dentro e fora do País Basco;
Considerando que a esmagadora maioria dos espanhóis, a começar pelo povo basco, se tem manifestado, em eleições democráticas, a favor de processos políticos democráticos e pacíficos, pelo fim da violência e a favor da paz;
Considerando que se impõe uma reacção por parte da comunidade internacional de forte condenação e veemente repúdio contra o uso da violência imposto pela ETA;
Considerando que, a esse propósito, o Secretário-Geral da ONU já declarou que «condena categoricamente o terrorismo e a violência política em qualquer parte do mundo», e levando ainda em conta a condenação expressa da ETA em diversas resoluções do Parlamento Europeu;
Os Deputados abaixo assinados propõem:
1 - Um voto de protesto contra o terrorismo e a violência política da ETA;
2 - A expressão da solidariedade da Assembleia da República de Portugal para com as vítimas dos atentados;
3 - A expressão da solidariedade da Assembleia da República de Portugal para com o Governo espanhol e as forças democráticas que, em toda a Espanha, estão a travar um difícil mas decisivo combate pela prevalência dos princípios da civilização, da paz e da liberdade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto n.º 102/VIII - De protesto pelos actos de violência perpetrados pela ETA, apresentado pelo PSD.

Submetido à votação, foi aprovado com os votos a favor do PS, do PSD, do PCP, do CDS-PP e de Os Verdes, e os votos contra do BE.

É o seguinte:

O terrorismo, em Espanha, multiplica as suas vítimas e continua a criar um estado de permanente angústia. São indiscriminadas as suas acções. Atingem os vários sectores da sociedade e assassinam cidadãos integrados nas várias forças políticas. Espalhou por todo o território espanhol a linguagem do terror. Não respeita a democracia, nem os seus resultados. É contra ela. Quer impor uma solução de força. Não ouve os protestos da imensa maioria da população que sai às ruas e as transforma em locais de manifestação colectiva de doloroso repúdio.
O terrorismo significa, sempre, o regresso à barbárie, a opção pela violência como argumento. É, ele mesmo, um atentado à normalidade dos processos políticos que se baseiam na vontade do povo. A ser admitido, sem condenação, representaria a admissibilidade de uma opção que contraria o respeito pelos princípios que a comunidade internacional tem laboriosamente construído.
Num Estado que na liberdade se ancora e em que a escolha é, por isso mesmo, livre, o terrorismo é um insulto à inteligência.
Num Estado que se revê na modernidade e na tolerância, o terrorismo é uma ofensa ao caminho da História. Ninguém pode ficar indiferente ao drama que ele provoca. Resulta de uma exigência moral a manifestação do apoio ao povo que o sofre.
É preciso que uma palavra de solidariedade seja acrescentada e dirigida a todos aqueles que persistem na resistência cívica ao seu império.
É urgente pôr um ponto final à violência e impedir a instalação do medo.
Ao exprimir esta exigência estamos a reafirmar os princípios em que a comunidade internacional se molda, a sublinhar valores, a exaltar a paz. Ao fazê-lo, estamos a dizer à ETA que o seu caminho é errado e que chegou o momento de lhe pôr fim.
Nestes termos, os Deputados abaixo assinados propõem:
1 - A condenação, sem reservas, dos actos de violência perpetrados pela ETA;
2 - A reafirmação da solidariedade a todas as instituições representativas do Estado espanhol, empenhadas na defesa dos princípios e na resistência à intimidação e ao terror;
3 - A expressão da mais profunda consternação pelo crescente número de vítimas e pelo sofrimento do povo espanhol.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar agora ao voto n.º 103/VIII - De protesto pelos actos terroristas da ETA e de pesar pelas vítimas desses actos, apresentado pelo PS.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

É o seguinte:

Contra a vontade e os sentimentos da sociedade espanhola, no seu conjunto, e da grande maioria dos cidadãos do próprio País Basco - expressa em sucessivas eleições livres e democráticas desde o fim da ditadura franquista e da restauração da democracia pluralista em Espanha, com a aprovação da Constituição em vigor, e reafirmada nas

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ruas e praças de todo o país -, a ETA continua a sua actividade terrorista e assassina.
As suas vítimas são quaisquer cidadãos livres, ou representantes, pelo facto de o serem, de forças políticas que se oponham ao terrorismo, membros das forças armadas e de segurança, quando não alvos arbitrários de acções indiscriminadas de violência e terror.
Nada pode justificar, nas condições actuais da sociedade espanhola e do próprio País Basco - num regime constitucional de liberdade e democracia, de Estado de direito e de respeito pelos direitos e liberdades fundamentais, com uma organização do Estado na base do reconhecimento muito amplo das autonomias e identidades regionais -, o prosseguimento das actividades criminosas da ETA, que, além da violência, se baseiam cada vez mais numa ideologia racista e totalitária que não se distingue do fascismo. O problema da ETA, que não aceita o veredicto do voto popular, está em que a maioria da população, no próprio País Basco, recusa as suas reivindicações.
Acresce que são garantidas, na lei e na prática, os direitos e liberdades fundamentais aos próprios autores dos actos terroristas e seus cúmplices, nenhuma solidariedade para com eles, sendo, por isso, legítima.
Depois das últimas e repugnantes acções assassinas da ETA, a Assembleia da República:
1 - Exprime a sua solidariedade para com as vitimas e suas famílias e saúda a coragem de todos quantos fazem frente ao arbítrio e ao terror;
2 - Condena firmemente o terrorismo da ETA e qualquer forma de cumplicidade para com ele ou os seus autores, exprimindo a sua solidariedade para com o povo e as autoridades legítimas de Espanha;
3 - Confia em que o Estado democrático e de autonomias de Espanha será capaz de irradicar o terrorismo e de resolver o problema político basco, no respeito da democracia e do Estado de direito.

O Sr. Presidente: - Finalmente, temos o voto n.º 105/VIII - De protesto contra a violência política da ETA, apresentado pelo BE. Srs. Deputados, vamos proceder à votação.

Submetido à votação, foi rejeitado, com os votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e os votos a favor do PCP, de Os Verdes e do BE.

Era o seguinte:

Os Deputados abaixo assinados propõem:
1 - Um voto de protesto contra a violência política da ETA;
2 - A expressão da solidariedade da Assembleia da República para com as vítimas da violência política no Estado espanhol;
3 - A expressão da solidariedade com todas as iniciativas, cidadãs ou institucionais, de defesa da dignidade da vida e do direito dos povos à liberdade e à paz.

O Sr. Presidente: - Os votos aprovados serão levados ao conhecimento do Sr. Embaixador de Espanha.
Srs. Deputados, vamos entrar agora na discussão do voto 101/VIII - De protesto pela forma como morreram 83 pessoas detidas na cadeia de Montepuez, em Moçambique, e pela violação dos direitos humanos que isso configura (CDS-PP) e também do voto 104/VIII - De pesar pelo assassinato do jornalista moçambicano Carlos Cardoso (BE).
Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um recente relatório preliminar da Liga dos Direitos Humanos de Moçambique veio demonstrar que a tragédia descrita no voto de protesto que justificou esta intervenção pecou por defeito, porquanto a dimensão real da tragédia, infelizmente, terá sido bem maior.
De acordo com este relatório, o número de reclusos mortos na cadeia de Montepuez, em Moçambique, não terá de apenas 83 mas, possivelmente, de mais de 150. Descrita no relatório é ainda a perseguição e a morte nas suas machambas de mais de 130 camponeses. Seja qual for a real dimensão da tragédia, a verdade é que estes factos constituem o mais violento golpe no já de si frágil processo de transição para a democracia neste país, em que todos temos esperança.
O conflito armado entre a Renamo e a Frelimo começou em 1975 e as eleições de Dezembro foram apenas as segundas desde o suposto fim da guerra em 1992. Todavia, infelizmente, são cada vez mais os sinais de retrocesso neste processo de paz: manifestações, acusações, provocações mútuas, ameaças, agressões mortes e detenções arbitrárias vão-se sucedendo com demasiada frequência.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Apenas alguns exemplos: no início de Novembro e na sequência das referidas manifestações promovidas pela Renamo, pelo menos 29 pessoas, entre manifestantes e polícias, são mortas e 113 foram feridas; a 22 de Novembro, o jornalista Carlos Cardoso foi assassinado; a 23 de Novembro, o jornalista Custódio Rafael foi agredido; na noite de 21 para 22 de Novembro, na cadeia da polícia de Montepuez, 83 pessoas, de acordo com o relatório oficial, ou 150, de acordo com o relatório da Liga dos Direitos Humanos, detidas na sequência das manifestações da Renamo, morreram por asfixia em resultado da manifesta incúria dolosa das autoridades moçambicanas. Com total desrespeito pelos direitos humanos, tinham sido amontoadas numa cela blindada com sete metros de comprimento por três de largura, arejada apenas por duas janelas, uma das quais fechada, que se encontrava como tal à data dos factos.
E enquanto o povo sofre e a igreja católica reclama a paz, governantes africanos que, muitas vezes, vivem num fausto que choca, vão mendigando uma dívida que o ocidente lá vai perdoando, mesmo a quem, muitas vezes, pela opressão e sofrimento que causa, pouco faz para o merecer.
Curiosamente, o Sr. Eng. António Guterres, que à data da repressão das manifestações promovidas pela Renamo se encontrava em Moçambique em representação da Internacional Socialista, nada disse, nada censurou, nada condenou.

Aplausos do CDS-PP.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, 25 anos já é tempo de sofrimento bastante para o povo moçambicano. Por

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isso, que todos nos sintamos no direito de protestar pela violência e de exigir a paz. O nosso voto mais não faz do que reforçar uma preocupação que esta Câmara sempre demonstrou na defesa dos direitos humanos.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Ramalho.

O Sr. Vítor Ramalho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputado: A nossa posição relativamente a estas matérias, quando se trata de relações de pessoas que, mais do que falar em português, pensam em português, como dizia, e bem, Amílcar Cabral, é uma relação de profunda solidariedade, sempre que, por razões de acções ou omissões, sejam elas voluntariamente causadas pelos homens ou conjunturalmente determinadas pela natureza, determinam consequências negativas para as pessoas, para um grupo de pessoas ou para um conjunto vasto populacional.
Por essa razão, não podemos, por dever de solidariedade, deixar de emprestar todo o contributo solidário, em primeiro lugar, às famílias das vítimas, e, em segundo lugar, à família concreta do jornalista que foi assassinado. Este é um dever indeclinável da solidariedade de todos os que pensam em português, porque a relação entre os nossos povos é isso mesmo: uma relação entre os povos, independentemente das relações entre os Estados. E o testemunho mais vibrante de que é assim é o caso paradigmático de Timor, em que a solidariedade lusófona, no seu conjunto e a nossa própria, fez alterar a posição da comunidade internacional e recriar um novo conceito de autonomia, de liberdade e de desenvolvimento perspectivável no futuro.
É essa mesma postura que levou o Eng.º António Guterres, enquanto Primeiro-Ministro, a dissociar as relações entre os Estados, naturalmente, para a colocar no plano das relações entre os povos. Essa solidariedade foi clara. E quero lembrar aqui a quem a avocou que não foi o Partido Socialista, quando esteve no governo, que negou a um homem que, hoje, é Presidente da República de São Tomé a solidariedade quando ele era simples cidadão. É que a solidariedade coloca-se, de facto, a outro nível, ao nível entre os povos, independentemente de outras questões conjunturais.
A nossa solidariedade com as vítimas que morreram na prisão e com o jornalista, que prosseguia a defesa da liberdade com denodo, homenageia tudo aquilo que é liberdade e o trabalho determinante que o jornalista, então, desenvolvia, homenagem essa que também é devida a todos os jornalistas.
Por isso mesmo, a nossa solidariedade é total nesta hora e será sempre total em relação a qualquer grupo de pessoas ou a qualquer pessoa que, como nós, pensa em português.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os acontecimentos a que o voto apresentado pelo CDS-PP se refere, ocorridos numa prisão em Moçambique, são obviamente acontecimentos inaceitáveis e que merecem a nossa consternação e preocupação.
Mas o que também é inaceitável neste voto e na sucessão de votos, que, a propósito e a despropósito, têm sido apresentados nesta Câmara pelo CDS-PP sobre acontecimentos registados nos países africanos da CPLP, é, para além da visível opção ideológica que todos comportam, a nostalgia do Império e da tutela neocolonial, que transparece em todos eles.

Risos do CDS-PP.

O CDS-PP chega, inclusivamente, ao ponto de recomendar ao Governo português que seja vigilante na consolidação do processo democrático em Moçambique.

Protestos do CDS-PP.

Pergunta-se: com que autoridade e legitimidade o Governo português faria tal vigilância, ou, ainda, se Moçambique não tem as suas instituições democráticas partidos e activos movimentos de cidadãos que cumpram essa função?
Acresce que o voto do CDS-PP nem sequer tem em conta as declarações do governo e do próprio Presidente de Moçambique, que tomaram, desde logo, a decisão de instaurar um inquérito ao que aconteceu em prisões moçambicanas.
Não se pode, obviamente, proibir o CDS-PP de, repetidamente, continuar a apresentar votos desta natureza. Mas tem de ficar claro, para bem das relações entre Portugal e Moçambique e com todos os países africanos da CPLP, para bem das relações de amizade entre os povos e as instituições dos países, que a Assembleia da República não se associa e repudia esta permanente tentativa de ingerência e de tutela neocolonial em países que conquistaram a independência e seguem o seu caminho.

Protestos do CDS-PP.

É legítima a profunda preocupação com as mortes sucedidas na prisão moçambicana e com os cidadãos atingidos, mas o que o CDS-PP quer não é isso. O que o CDS-PP quer é aproveitar um facto, que merece a nossa reprovação, para a pequena política, para o ataque aos países africanos da CPLP e às suas instituições, para pôr em causa a sua independência.

Protestos do CDS-PP.

Quanto ao voto relativo ao jornalista Carlos Cardoso, associamo-nos também à consternação generalizada que a sua morte causou e ao pesar que ela também nos merece nesta bancada.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Risos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Patrício Gouveia.

A Sr.ª Teresa Patrício Gouveia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também o PSD quer associar-se à enérgica condenação dos acontecimentos que tiveram lugar em

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Moçambique e que constituíram uma bárbara violação dos direitos humanos naquele país.
Nas últimas semanas, temos vindo a ser informados de uma sucessão de factos, como os que foram aqui denunciados, sobre manifestações da oposição e prisões de jornalistas por usarem do seu direito de informar. Ora, esta sucessão de acontecimentos indicia que não estão a ser garantidos, em Moçambique, direitos essenciais dos cidadãos - o direito à vida, em primeiro lugar, e também o direito e a liberdade de expressão e associação, indispensáveis ao funcionamento da democracia.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - É nossa convicção que a qualidade do desenvolvimento não pode deixar de ser aferida também por critérios que contemplam o exercício efectivo dos direitos humanos e dos direitos políticos fundamentais.
É nossa convicção, ainda, que estes direitos não podem ter interpretações específicas, segundo a região, o estádio de desenvolvimento e as circunstâncias históricas de cada Estado.
Não perfilhamos leituras flexíveis nem utilitárias quanto ao respeito de direitos que continuadamente afirmamos serem de vocação universal e a que, ainda recentemente, este Parlamento solenemente proclamou fidelidade, ao adoptar a Carta Europeia dos Direitos Fundamentais.
Por isso, entendemos que a violação destes direitos deve ser denunciada onde quer que ela tenha lugar. E, nesse sentido, Sr. Deputado Bernardino Soares, essa denúncia nunca é a despropósito. As relações entre Estados não podem fundar-se no silêncio sobre o desrespeito dos direitos humanos, porque a dignidade do Homem está acima do valor do Estado.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

Protestos do Deputado do PCP Bernardino Soares.

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entendemos, por tudo isto, que este Parlamento não pode alhear-se de factos como os que tiveram lugar, recentemente, em Moçambique e lamentamos que um processo de paz e desenvolvimento, que, nos últimos 10 anos, deu passos tão decisivos, possa eventualmente estar a ser posto em causa.
Por isso, instamos o Governo a que, através da sua acção diplomática, contribua para a valorização dos direitos humanos, como uma componente indissociável de um desenvolvimento que desejamos continuar a apoiar também em Moçambique.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os Verdes querem associar-se ao voto de pesar pelo assassinato de Carlos Cardoso. Este jornalista foi, sem dúvida, uma referência em Moçambique e fora dele, foi alguém que, na sua vida profissional, se empenhou e não prescindiu da busca de verdades, da denúncia de factos e que não se vendeu pelo silêncio.
O assassinato deste jornalista deixa seguramente margem para reflectir sobre a negação de um dos mais elementares direitos humanos: a liberdade de expressão. A liberdade de expressão é a base da liberdade de um país e, por isso, é justo apelar, em Moçambique, a um futuro de paz e de segurança e, nesse sentido, apelar ao governo moçambicano que se empenhe no apuramento das responsabilidades deste acto criminoso que tem por trás, decerto, muito mais do que o termo horrível de uma vida humana.
Relativamente ao voto n.º 101/VIII, apresentado pelo CDS-PP, Os Verdes concordam inteiramente com aquilo que vem expresso no seu n.º 1, de repúdio relativamente às mortes ocorridas numa cadeia em Moçambique, que constituem, de facto, uma preocupante violação dos direitos humanos. Os Verdes entendem que, de facto, o Governo português e Portugal, em concreto, não devem alhear-se deste facto. De qualquer modo, parece-nos profundamente abusivo aquilo que vem expresso no n.º 2. É que aquilo que aí vem expresso não é que o Governo tome qualquer atitude ou recomende algo perante o governo de Moçambique, é algo, na nossa perspectiva, um pouco mais sem sentido e um pouco mais abusivo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Neves.

A Sr.ª Helena Neves (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Carlos Cardoso, um dos jornalistas mais destacados de Moçambique, foi assassinado à bala nas ruas de Maputo. Militante independentista, activista contra o apartheid e director do Metical, jornal incómodo e corajoso, Carlos Cardoso era uma referência da luta pela liberdade de informação e pelos direitos de cidadania, tão barbaramente ofendidos com as perseguições e mortes em Montepuez.
Candidato da lista «Juntos pela Cidade», nas eleições municipais, foi eleito com 30% dos votos. Carlos Cardoso estava actualmente a investigar o roubo de 10 milhões de libras esterlinas dos cofres do Banco Comercial de Moçambique, nas vésperas da sua privatização, bem como outros escândalos públicos e privados.
Dele disse Mia Couto, no discurso fúnebre: «Em tudo o que fazia deixou a marca da originalidade. Por isso, Carlos Cardoso não foi apenas um profissional da informação, ele descobriu um outro modo de comunicar. Para ele, o jornalismo era apenas um instrumento para criar e divulgar pensamentos.
Nos últimos anos, confessou sentir-se solitário. Era, sobretudo, a saudade de uma utopia, em que nos sonhávamos donos de nós mesmos, sem ter de mendigar ao mundo a migalha da nossa sobrevivência. Foi este patriota, este pai, este companheiro e amigo que nos roubaram. Liquidaram um defensor da fronteira que nos separa do crime, dos que vendem a pátria e a consciência. Ele era um vigilante de uma coragem e inteligência raras. Cardoso era um dos melhores de nós.».
Esta é a razão pela qual a Assembleia da República homenageia um dos melhores de nós, e é também a razão pela qual retomamos aqui o apelo do Prof. Boaventura Sousa Santos, num dos números da revista Visão: que a Carlos Cardoso seja atribuído um grande prémio internacional de jornalismo de investigação.
Retomamos este apelo e precisamos: que a Assembleia da República surja como proponente da candidatura póstuma de Carlos Cardoso a este prémio.

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O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, gostaria, tão-só, a propósito destes votos, de fazer quatro observações.
A primeira é que a bancada governamental se associa à condenação generalizada da violência, em Moçambique, e ao pesar unânime pelo assassinato do jornalista Carlos Cardoso.
Em segundo lugar, gostaria de sublinhar que a política e as diligências que o Governo tem desenvolvido no plano político e diplomático têm sido, e serão, no sentido da luta pela continuação e consolidação do processo de paz em Moçambique.
Em terceiro lugar, tudo isto será feito, incluindo a expressão daquilo que seja a opção da Assembleia da República, no respeito pelas regras do direito internacional moderno, que, como sabem, é, hoje, eminentemente sensível à questão dos direitos humanos.
Por fim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, gostaria de dizer que a menção feita ao Sr. Primeiro-Ministro é particularmente inapropriada e injustificada, neste contexto, porque, estando o Sr. Primeiro-Ministro presente em Maputo num momento absolutamente crucial, a sua intervenção, como está politicamente demonstrado, debatido e comprovado em Portugal - e terei o gosto de juntar documentação à Assembleia da República, entregando-a na Mesa, dentro de segundos, para o comprovar inequivocamente e para o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo ter ocasião de tomar consciência destes factos -, a intervenção do Sr. Primeiro-Ministro, dizia, traduziu-se, como era adequado, em, por um lado, condenar inequivocamente a violência, vinda de onde vier, e, por outro, apelar, o que julgamos que contribuiu positivamente, na circunstância em que foi produzido, para colmatar factos negativos, apelar, dizia, à paz, ao não-uso da violência e ao empenhamento de todos na continuação do processo de paz, de que Moçambique tanto precisa.
Foi isto, e só isto, que aconteceu e julgamos que isto é importante para Portugal, para os portugueses e para os moçambicanos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação do voto n.º 101/VIII - De protesto pela forma como morreram 83 pessoas detidas na cadeia de Montepuez, em Moçambique, e pela violação dos direitos humanos que isso configura (CDS-PP).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do CDS-PP e do BE, votos contra do PCP e a abstenção de Os Verdes.

É o seguinte:

Considerando que 83 pessoas, detidas na sequência de uma manifestação da RENAMO, morreram durante a noite do passado dia 21 para 22 de Novembro na cadeia da Polícia de Montepuez, em Moçambique;
Considerando que, de acordo com a informação prestada pela equipa de especialistas encarregada de investigar as circunstâncias do incidente - constituída por três médicos moçambicanos e por peritos estrangeiros, incluindo quatro sul africanos -, os reclusos morreram por asfixia, em resultado da manifesta incúria e negligência das autoridades moçambicanas;
Considerando que os peritos referem, ainda, que a cela em que os reclusos se encontravam apenas tinha sete metros de comprimento por três de largura;
Considerando que alguns dos cadáveres apresentavam mesmo escoriações, indicadoras da existência de confrontos entre os reclusos para acederem à única entrada de ar na cela;
Considerando que factos como os descritos, violadores dos mais elementares direitos humanos, são inadmissíveis em qualquer sociedade, e não consolidam o processo de transição para a democracia;
Considerando que estas mortes enlutaram e encheram de dor o povo moçambicano;
Considerando a necessidade de que seja garantido o respeito pelo exercício das liberdades fundamentais em Moçambique;
Considerando que a diplomacia portuguesa deve ser uma diplomacia influente e de paz;
Os Deputados abaixo assinados propõem:
1 - Um voto de protesto pela preocupante violação dos direitos humanos que as mortes na cadeia de Montepuez, em Moçambique, revelam;
2 - A expressão de vontade da Assembleia da República de Portugal no sentido de recomendar ao Governo português que seja vigilante na defesa dos direitos humanos e da consolidação do processo democrático em Moçambique.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora votar o voto n.º 104/VIII - De pesar pelo assassinato do jornalista moçambicano Carlos Cardoso (BE).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

É o seguinte:

O assassinato, em plena avenida principal da cidade de Maputo, de um dos mais prestigiados jornalistas moçambicanos é um acto de barbárie que coloca as instituições e os cidadãos perante a estrita responsabilidade da indignação. O jornalismo profissional, empenhado na independência face aos poderes, tinha nele um expoente em Moçambique.
Este assassinato representa a mais séria restrição das condições de exercício das liberdades de expressão e de informação da história recente de Moçambique. Carlos Cardoso granjeara, com os seus inquéritos sobre diferentes tráficos e corrupção, «inúmeros e poderosos inimigos», como refere o director-geral da UNESCO, Koichiro Matsuura, na sua nota de pesar pelo homicídio. O preço da sua vida, o da dignidade humana, é pago pela liberdade neste país.
O respeito pelos direitos humanos fundamentais, incluindo o direito à livre expressão, é o eixo do pluralismo político e da actividade dos meios de comunicação social independentes. No momento actual, há lugar para a interrogação deixada aos moçambicanos por Mia Couto no funeral de Carlos Cardoso: «Que país queremos deixar aos

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nossos filhos? Um país inviável, uma nação governada pelo medo? Ou queremos uma nação de paz, em que vale a pena ser-se justo e honesto?»
A Assembleia da República manifesta o seu pesar - e apela ao governo moçambicano para que apure as respectivas responsabilidades - pelo assassinato do jornalista Carlos Cardoso.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à discussão e votação do voto n.º 106/VIII - De saudação pela organização em Portugal, em 2003, do Campeonato do Mundo de Andebol (PS, PSD, CDS-PP, PCP, BE e Os Verdes).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Laurentino Dias.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este voto é essencialmente uma saudação. Uma saudação pela vitória de Portugal, na atribuição ao nosso país da organização do Campeonato do Mundo de Andebol de 2003, protagonizada na candidatura que a Federação Portuguesa de Andebol apresentou ao Congresso Internacional.
É uma saudação que, em nome do PS, quero fazer directamente à Federação Portuguesa de Andebol na pessoa do seu presidente, Luís Santos, e alargar a todos aqueles que, como atletas ou dirigentes, quer de clubes quer federativos, ao longo de muitos anos, vêm fazendo com que esta modalidade seja uma das mais importantes no panorama desportivo nacional e com melhor e maior expressão de nível internacional por atletas portugueses e como modalidade praticada por muitos milhares de portugueses.
É uma saudação que quero fazer, permitindo-me, com isso, reafirmar, nesta Câmara, que é com orgulho que vemos Portugal a afirmar-se, cada vez mais, como um País palco privilegiado de grandes eventos desportivos internacionais. E isso é possível mercê do trabalho de muitos e muitos homens e mulheres que, com a sua boa vontade e generosidade, se dedicam, de forma gratuita e permanente, à causa do desporto, neste caso a Federação Portuguesa de Andebol, os clubes, os atletas e os dirigentes dos clubes, de uma ponta à outra do País.
Termino, deixando também uma saudação àqueles que, no Governo, em nome do Estado, foram capazes de sentir que esta era uma excelente oportunidade para, uma vez mais, afirmar o desporto português e Portugal no contexto internacional.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hermínio Loureiro.

O Sr. Hermínio Loureiro (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por fazer uma saudação muito especial à Federação Portuguesa de Andebol, aos dirigentes dos clubes, aos atletas, aos técnicos e a todos quantos se têm envolvido no fenómeno desportivo português e, em particular, no andebol.
Faço também uma referência muito especial, porque é justa, ao Presidente da Federação Portuguesa de Andebol, o Sr. Luís Santos, porque só com o seu empenho, a sua dedicação, a sua determinação, o seu carisma e a sua credibilidade foi possível a Portugal alcançar a realização do Campeonato do Mundo de Andebol em 2003.
Isto é de grande importância não só para a modalidade, o andebol, mas também para o desporto português, porque estes eventos, estas realizações, no nosso país, ajudam a construir uma verdadeira política desportiva que incentive cada vez mais os nossos jovens à prática do desporto.
Também é importante conseguirmos que os portugueses pratiquem cada vez mais desporto, e Portugal, nos últimos tempos, transformou-se num centro privilegiado de realização de eventos desportivos de grande dimensão e de grande projecção.
E hoje, que estamos a falar de andebol, não queria perder também a oportunidade de falar de duas outras modalidades, que têm, neste momento, eventos desportivos de organização mundial, que são o atletismo e a esgrima.
Julgamos que isto é importante para a projecção do nosso país e deve ser aproveitado para que, cada vez mais, em Portugal, se pratique melhor desporto.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Intervenho apenas para dizer que foi com gosto que subscrevemos este voto e para apresentar as nossas saudações e congratulações à Federação Portuguesa de Andebol e ao seu Presidente, o Dr. Luís Santos, pela vitória da candidatura portuguesa à organização do Campeonato do Mundo de Andebol em 2003.
Isto é tanto mais importante porque se trata de uma modalidade, integrada no conjunto das modalidades amadoras, que nem sempre tem o apoio que mereceria ter da parte da política desportiva do nosso País e que, mesmo assim conseguiu obter este sucesso, a que se alia uma prestação cada vez mais positiva da própria selecção nacional. Se é assim, Sr. Presidente, com tão poucos apoios, imagine-se o que seria se os apoios fossem os justos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto n.º 106/VIII - De saudação pela organização em Portugal, em 2003, do Campeonato do Mundo de Andebol (PS, PSD, CDS-PP, PCP, BE e Os Verdes).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O voto vai ser levado ao conhecimento da Federação Portuguesa de Andebol.
Chamaram-me a atenção para o facto de, há pouco, ter prometido aos Srs. Deputados Carvalho Martins e Miguel Ginestal, os quais se inscreveram, hoje, para tratamento de assuntos de interesse político relevante, que lhes daria a palavra amanhã, mas não o posso fazer, porque na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares acordou-se que o período de antes da ordem do dia só será preenchido com o debate de actualidade com o Primeiro-Ministro sobre a Cimeira de Nice.

Pausa

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Entretanto, lembram-me que não haverá mais nenhum período de antes da ordem do dia até ao fim do ano, pelo que como já fizemos o deslize de ultrapassar o tempo limite para a primeira parte do período de antes da ordem dia, darei a palavra aos Srs. Deputados, para tratamento de assuntos de interesse político relevante, se estiverem todos de acordo.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, para não atrasar o debate sobre a Casa do Douro, a intervenção da nossa bancada pode ser adiada para o dia 21 de Dezembro, dia em que a sessão tem período de antes da ordem do dia segundo deliberação da Conferência dos Representantes do Grupos Parlamentares.

O Sr. Presidente: - A intervenção do Sr. Deputado Miguel Ginestal também poderá ser adiada para esse dia?

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, seguramente, a discussão que vamos ter em torno da Casa do Douro é da maior importância, mas julgo que a intervenção que queremos fazer só tem sentido se for feita hoje, não demorando mais de 5 a 6 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, tem de haver consenso.
Estão todos de acordo?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, quero fazer uma interpelação à Mesa, na sequência, aliás, da que foi feita, há pouco, pelo Sr. Deputado António Capucho. É que continua a haver dificuldades excessivas na entrada dos durienses que querem vir assistir ao debate.
Sr. Presidente, com respeito, naturalmente, pelas normas de segurança, a verdade é que as galerias ainda têm muitos lugares e a forma como se está a permitir a entrada parece ser excessivamente lenta, mais do que o habitual.
Peço ao Sr. Presidente que tome as diligências necessárias (naturalmente, no respeito pelas normas) para facilitar e acelerar este processo, uma vez que o debate vai começar dentro em pouco. E é pena, é mau, que havendo durienses que querem assistir o não possam fazer por razões burocráticas, estando as galerias ainda muito vazias.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, acabei de repetir, há cerca de 5 minutos, a ordem que já havia dado para se abrirem as galerias de cima. A resposta que acabaram de me dar é que estão a ser cumpridas as formalidades do costume.
Não estou lá para ver, como calcula, mas já dei ordens no sentido de que o acesso às galerias fosse o mais possível abreviado. Volto a repetir as ordens, esperando que estejam a ouvir- me.
O Sr. Deputado Manuel dos Santos não se resigna com o adiamento da intervenção do Sr. Deputado Miguel Ginestal para o dia 21 de Dezembro?

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Não, Sr. Presidente, gostava que a intervenção fosse feita hoje.
Aliás, também não nos opomos a que a intervenção do Deputado Carvalho Martins seja feita hoje.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, o Sr. Deputado António Capucho tem toda a razão em querer que o Deputado do seu grupo parlamentar também intervenha, pelo que vou dar a palavra aos dois.
Tem, pois, a palavra, para tratamento de assunto de interesse político relevante, o Sr. Deputado Miguel Ginestal.

O Sr. Miguel Ginestal (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Enquanto uns têm falado, de forma fatalista e demagógica, de vários dossiers agrícolas, o Governo, com o sentido de responsabilidade necessário, averbou vitórias significativas importantes em diversos dossiers essenciais à garantia e reforço da competitividade de sectores-chave da agricultura nacional, como são os da pecuária extensiva de carne e leite e a renegociação da Organização Comum de Mercado (COM) das frutas e legumes.
Como é sabido, Portugal ultrapassou, na campanha anterior, a sua quota em cerca de 70 000 toneladas, grande parte na Região Autónoma dos Açores, o que implicava, ao abrigo dos regulamentos comunitários, uma multa de 4,1 milhões de contos, dos quais 3,5 milhões diziam respeito aos Açores.
O Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas definiu, desde a primeira hora, uma estratégia que defendeu junto da Comissão e que consistia na criação de um regime de excepção idêntico ao precedente francês, argumentando com a especificidade das regiões ultraperiféricas.
Independentemente do resultado final dessa pretensão, o Governo afirmou sempre que os produtores nunca pagariam essa multa, que se fosse preciso suportaria tal encargo, mesmo sabendo que ia contra os regulamentos comunitários.
Nessa altura, quando à oposição se exigia o sentido de Estado necessário para apoiar a posição nacional, o que o País viu foi um ataque cerrado ao Governo, motivado por interesses de agenda política, alguns até defendendo o fim do regime de quotas, o que só se compreende por desconhecimento da realidade do sector leiteiro português, no quadro de um mercado europeu e mundial cada vez mais competitivo onde o fim do regime de quotas significaria a ruína dos produtores nacionais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Governo manteve a sua tese com firmeza, mesmo quando a Comissão fez novas propostas e, na noite de sexta-feira, na Cimeira de Nice, com a acção do Ministro dos Negócios Estrangeiros e a intervenção directa do Sr. Primeiro-Ministro, foi possível assegurar o compromisso de os 15 perdoarem a dívida aos produtores nacionais, criando-se um regime de excepção até 2003, aumentando a quota nacional no valor das necessidades de auto-abastecimento dos Açores.

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Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - No sábado, por insistência do Primeiro-Ministro, junto do Presidente em exercício do Conselho e do Presidente da Comissão Europeia, encontrou-se uma nova fórmula que adopta, na totalidade, as pretensões portuguesas, isentando o País do pagamento da multa, antecipando para 1999 o início do período em que a quantidade de leite consumida nos Açores deixa de contar para a quota nacional, tornando dessa forma sem sentido o pagamento de qualquer multa, pela simples razão de que o País cumpriu a sua quota nacional.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Trata-se de uma vitória dos produtores de leite dos Açores, mas também do continente, não só porque não vai haver um resgate adicional de quotas para ajustar o sector, como a Comissão tinha proposto na semana anterior, mas sobretudo porque os interesses do sector, um dos mais competitivos e lucrativos da agricultura portuguesa, estão agora devidamente acautelados para as próximas três campanhas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A criação deste quadro de referência de médio prazo deve permitir uma necessária reorientação da produção de leite para a produção de carne, assegurando uma política de estabilidade dos rendimentos agrícolas.
Tudo isto constitui uma vitória do Governo português, particularmente do Sr. Primeiro-Ministro, que pela sua determinação e inegável capacidade negocial conseguiu o que alguns pensavam ser impossível. Esses até podem vir dizer, na hora do fracasso das suas teses fatalistas, que isto foi o mínimo que o Governo poderia ter conquistado! O mínimo a que agora se referem era algo em que não acreditavam, algo em que apenas o Governo português acreditou e conquistou para o País!

Aplausos do PS.

Ainda em Nice, é importante realçar que o Governo assegurou a manutenção dos subsídios aos pescadores portugueses, pelo facto de a sua actividade estar paralisada devido à ausência do acordo de pesca da União Europeia com Marrocos, caso este não seja renovado até ao final do ano.
Trata-se de uma vitória importante do Governo português, uma estratégia consolidada, afirmada positivamente pelo Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, e conseguida numa Cimeira onde o Governo português colocou a agricultura, que a oposição diz estar esquecida, na primeira linha das suas preocupações e das do País!

Aplausos do PS.

Há ainda que referir duas outras importantes decisões que, há pouco tempo, foram assumidas em Conselho de Ministros sobre a agricultura.
A primeira diz respeito ao compromisso assumido pela Comissão de apresentar ao Comité Veterinário Permanente da União Europeia, durante o corrente mês, um plano para o levantamento do embargo à exportação de carne de bovino portuguesa.

O José Barros Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - Trata-se, do nosso ponto de vista, do reconhecimento do acerto da estratégia nacional, que o Governo vem implementando no quadro do Plano Nacional de Combate e Erradicação da BSE.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Governo fez bem quando retirou da cadeia alimentar animal todas as farinhas de carne e ossos bem como os materiais de risco, medida que agora é assumida pela Comissão para todos os Estados-Membros!
O Governo tinha razão quando decidiu antecipar o processo de rotulagem da carne para Janeiro de 2001, quando só estava obrigado a fazê-lo em 2002!

O Sr. José Penedos (PS): - Muito bem!

O Orador: - O Governo fez bem ao antecipar-se à União Europeia criando a Agência para a Qualidade e Segurança Alimentar!
São exemplos de algumas medidas que justificam o anúncio da Comissão Europeia de levantamento do embargo à carne de bovino portuguesa; embargo que, há muito, o Governo e os produtores consideravam injusto, porque, como agora se provou, o Governo fez o seu trabalho de casa a tempo e horas!
Finalmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a nova OCM das frutas e legumes, que suscitou, da parte da oposição, uma audição parlamentar para o debate desta questão.
Para Portugal era um dos dossiers mais importantes, devido ao peso específico que o sector ocupa no produto agrícola nacional, nomeadamente no que respeita aos citrinos e ao tomate.
Sabíamos que era um dossier difícil, de negociação difícil, e o que se conquistou é importante para reforçar este sector importante e lucrativo da agricultura nacional.
A Portugal interessava ter, até ao fim do ano, uma nova OCM para o tomate, porque o regime de quotas móveis em vigor prejudicava o interesse português.
Por isso, passaremos a ter quotas fixas, sendo o limiar nacional de um 1,05 milhões de toneladas, o qual era de apenas 837 000 toneladas, ou seja, houve um aumento de 25%.
O nível de ajuda, por tonelada, aumentou de seis contos para cerca sete contos, passando as ajudas a ser pagas directamente aos produtores.
Quanto às frutas também houve vitórias significativas. Por exemplo, a quota nacional da pêra teve um aumento de 66% e também a dos citrinos teve um aumento de cerca de 28%.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Continuamos a considerar, como no passado, que a Política Agrícola Comum é injusta para a agricultura portuguesa. Naturalmente, gostaríamos de ter conseguido mais, mas é inegável que hoje estamos melhor, bem melhor, do que com a anterior OCM das frutas e legumes!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em suma, são dossiers importantes para o reforço da melhoria das condições de vida dos nos

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sos agricultores, em sectores onde já hoje somos competitivos ao nível do preço e da qualidade, como seja a pecuária extensiva de carne e leite e o sector da hortofruticultura.
Com estas medidas, deram-se alguns passos para ajustar a PAC à especificidade da agricultura portuguesa! São passos importantes que nos permitem afirmar que os agricultores portugueses estão hoje em melhores condições para prosseguir o seu trabalho, tão importante para o País!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontram-se a assistir aos nossos trabalhos um grupo de 36 formandos da Actual-Gest, de Gondomar, um grupo de 36 alunos do Instituto Profissional de Transportes de Lisboa, um grupo de 13 alunos da Escola Internacional do Algarve, um grupo de 40 pessoas dos órgãos directivos da Casa do Douro e autarcas da região, um grupo de 20 confrades da Confraria dos Enófilos da Região Demarcada do Douro e um numeroso grupo de cidadãos.
Para todos eles, peço a vossa saudação.

Aplausos gerais, de pé.

Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Penha.

O Sr. Fernando Penha (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Ginestal, finalmente conseguiu-se o que é menos do que seria justo, que são as 70 000 toneladas de leite para os Açores.
Pode dizer-se que isto foi conseguido na «segunda chamada do exame de segunda época», porquanto tal não se alcançou na Conferência de Berlim e durante a presidência portuguesa. Conseguiu-se aquilo que acabou por ser o aumento da quota nacional para 2,5%. Em comparação com os 6% de Itália, os 9,9% da Espanha e os 11,1% da Grécia... Estão muito satisfeitos com o pouquinho que veio! Não conseguiram melhor, tudo bem!
Mas, reparem, continua por concretizar o aumento do financiamento especial do programa de desenvolvimento rural, sobre o qual foi introduzido um parágrafo na Cimeira de Berlim, tal como não foram concretizados aumentos das produtividades de referência e considerados aumentos para as quotas de carne, por exemplo.
Ora bem, Portugal continua abaixo daquilo que é minimamente indispensável para a sua agricultura poder competir e aproximar-se da agricultura europeia. Porquê, pergunto eu? Por que é que não fizeram este esforço também?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Miguel Ginestal, há mais um Deputado inscrito para lhe pedir esclarecimentos.
Pode acumular os pedidos de esclarecimento, penso que é mais prático.

O Sr. Miguel Ginestal (PS): - Com certeza, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, o meu pedido de esclarecimento é para, em primeiro lugar, felicitar o Sr. Deputado Miguel Ginestal pela sua intervenção e também o Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas pela vitória alcançada no que diz respeito ao problema das quotas leiteiras dos Açores.
Em segundo lugar, quero perguntar se toda a Câmara, e em particular o Sr. Deputado Miguel Ginestal, tem a consciência plena do que representou, em termos de confiança económica e política, nos Açores, esta vitória do Governo português e das autoridades regionais de resolução do problema da quota leiteira, quer em perspectivas de futuro quer relativamente à resolução do problema de se ter excedido a quota que estava prevista para o ano agrícola de 1999/2000.
O que pude presenciar neste fim-de-semana, nos Açores, Sr. Presidente, é que esta vitória da agricultura açoriana é extremamente importante para o futuro da produção agrícola no arquipélago e introduziu um elemento de confiança na República, porque qualquer vitória dos Açores é também uma vitória de Portugal.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho, dispondo de 1 minuto que lhe foi concedido pelo PSD.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, antes de mais, quero agradecer ao PSD o tempo concedido.
Sr. Presidente, ouvindo o Sr. Deputado Miguel Ginestal poderia parecer que a agricultura portuguesa vive num oásis, num país cor-de-rosa.

Protestos do PS.

Gostaríamos todos que assim fosse, mas infelizmente não é!
Como é natural, todos estamos satisfeitos por ter sido possível travar uma solução injusta da parte da Comunidade Europeia, a qual resultava numa política agrícola irracional que penalizava os agricultores portugueses, em particular os açorianos, por produzirem, depois de os mesmos terem sido mobilizados para investir nas suas explorações. Esta é a questão de fundo!
A política agrícola comum, a que o Governo português se tem associado, apela ao investimento, mobiliza os agricultores para investir, apela a que modernizem e aumentem a produtividade das suas explorações, penalizando-os, depois, exactamente por corresponderem a esses apelos. Enquanto esta questão de fundo não for alterada, é óbvio que, periodicamente, vamos ter estes problemas!
De qualquer modo, embora reconhecendo como positiva - não temos qualquer dificuldade em usar esta expressão - a resolução deste problema no imediato, o Sr. Deputado Miguel Ginestal concordará comigo que a substituição, no futuro, de gado de leite por gado de carne não vai resolver o problema, pois em muitas zonas do País, designadamente na Beira Interior, não há alternativa ao gado de leite, não há alternativa à produção leiteira, que constitui um salário, um «pinga-pinga» mensal para o rendimento dos agricultores, o que não se consegue com o gado de carne.

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que termine, pois já esgotou o tempo que lhe foi concedido.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Ao contrário do que o Sr. Deputado Miguel Ginestal disse, o subsídio referente ao tomate não aumentou de 6 para 7 contos por tonelada, antes baixou de 8 para 7 contos por tonelada, que é o valor médio actual.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento formulados, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Ginestal, dispondo de 5 minutos.

O Sr. Miguel Ginestal (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Penha, em primeiro lugar, V. Ex.ª revelou aqui que o PSD não sabe sequer reconhecer aquilo que, mais do que uma vitória do Governo português, constitui uma grande vitória dos produtores leiteiros portugueses, tanto dos Açores como do Continente.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Teria ficado bem ao Grupo Parlamentar do PSD registar, tal como registou o Grupo Parlamentar do PCP, que, de facto, o Governo fez o que tinha a fazer, conquistou uma grande vitória e salvaguardou os interesses de um sector importante para a agricultura portuguesa.

Aplausos do PS.

O Sr. Fernando Penha (PSD): - Pouco, tarde e a más horas!

O Orador: - Em segundo lugar, fica-lhe mal esconder uma realidade que não pode ser escondida: foi com o Governo do PS que, pela primeira vez, a União Europeia reconheceu, no Acordo de Berlim, a especificidade da agricultura portuguesa e aprovou um programa específico para o nosso mundo rural,…

O Sr. Fernando Penha (PSD): - Onde está?

O Orador: - … significando as verbas que lhe estão destinadas só no III Quadro Comunitário de Apoio mais 114% do valor constante daquele que vocês negociaram quando o PSD foi governo!

Aplausos do PS.

Queria também agradecer ao Sr. Deputado Medeiros Ferreira as afirmações que trouxe a esta Câmara, as quais demonstram que, quando o Governo e os políticos definem um caminho com tenacidade e firmeza, a sua palavra é cumprida quando as cimeiras acontecem! Aliás, é por esse facto que os agricultores açorianos tiveram um ganho indesmentível!
Provou-se que a estratégia do Governo e do Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas era exequível, estando o ganho ao dispor de todos os agricultores dos Açores e do Continente!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, não dizemos que a agricultura portuguesa é um oásis mas, ao contrário da oposição, não perdemos o nosso tempo com demagogias fáceis e populismos baratos; tratamos da realidade da agricultura portuguesa, tentamos encontrar as soluções. Por isso, com firmeza e clarividência, o Governo colocou na mesa das negociações a nossa posição contra a filosofia da PAC, que estamos a combater e pela qual temos ajustado claramente os padrões da agricultura portuguesa. É assim que lá vamos, naturalmente, com muita dificuldade, mas também com vitórias que importa sublinhar nesta Câmara.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para tratamento de assunto de interesse político relevante, tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Carvalho Martins.

O Sr. Carvalho Martins (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta intervenção estava preparada desde finais de Setembro mas, embora só tenha sido possível falar hoje, decidi mantê-la sem nenhuma alteração, acrescentando de forma sintética dois aspectos.
O primeiro deles é que o Orçamento do Estado foi aprovado e, mais uma vez, o distrito de Viana do Castelo, desde que o Governo socialista gere o País, saiu prejudicado, mantendo os últimos lugares no investimento do Governo.
O investimento por pessoa, em Viana do Castelo, é de 50 contos e, em Vila Real, é de 63 contos. Números são números, e Viana do Castelo continua a ser prejudicada!
O segundo aspecto tem a ver com as intempéries que aconteceram na semana passada, em particular em Arcos de Valdevez, tendo nós, Deputados do PSD, já feito um requerimento ao Governo. Não estamos preocupados que a resposta ao requerimento seja dada em 24 horas, o que queremos é que as promessas feitas sejam materializadas em 24 horas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ontem eram promessas, promessas, promessas… Hoje, entrando no sexto ano consecutivo de Governo socialista com o mesmo Sr. Primeiro-Ministro, o Engenheiro António Guterres, as promessas continuam a ser, na generalidade dos casos, promessas. Por isso, vale a pena, no início de cada ano parlamentar, recordar as promessas, nomeadamente as que foram feitas na campanha eleitoral de 1995, e também as afirmações do Sr. Eng.º António Guterres na sua primeira visita ao Alto Minho como Primeiro-Ministro.
Vamos, então, recordar. Cinco anos depois, já no sexto ano de governação socialista, como está a agricultura no Alto Minho? Ninguém dirá que está melhor! Com tantos milhões para a agricultura e para os agricultores tudo era facilidades.
Os problemas da agricultura do Alto Minho, apesar das promessas dos milhões, agravaram-se nestes últimos cinco anos. A população afecta à agricultura envelheceu, o seu rendimento disponível está a diminuir todos os anos e muitos agricultores já deixaram de descontar para a segurança social. Exige-se apoios efectivos aos agricultores e medidas que visem captar jovens para investirem no sector agrícola.

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É necessário também a prorrogação do prazo previsto para o licenciamento dos lagares de azeite pois, se for aplicada a legislação no imediato, a generalidade dos lagares de azeite do Alto Minho terão de fechar as portas, com consequências negativas para os agricultores.
E as promessas feitas em relação às infra-estruturas ferro-rodoviárias? Onde está a ligação Viana/Vila Praia de Âncora e posterior ligação a Valença? No papel! Era uma obra com total prioridade para o Governo socialista, continuando a ser fundamental para o desenvolvimento dos alto-minhotos e dos vianenses em particular.
Onde está a ligação Viana do Castelo/Ponte de Lima a Arcos de Valdevez e a continuação para Espanha? Exactamente como estava, excepto 6,5 km de estrada na ligação Viana do Castelo/Nogueira, que se encontram em construção. No sexto ano de gestão socialista, 6,5 km de estrada em construção é um feito histórico! Tão pouco para tanta promessa!
E a situação das estradas nacionais? Hoje, um é verdadeiro desastre! Buracos, mais buracos, só buracos!
E em relação à aposta estratégica no caminho-de-ferro, de que o distrito de Viana do Castelo também ia beneficiar? Foram promessas na campanha eleitoral de 1995, depois, no Programa do Governo para 95/99. Tudo eram apostas fortes na ferrovia! Pensávamos nós que esta aposta forte na ferrovia nacional também poderia chegar a Viana; aguardámos pacientemente e nada, só promessas.
No sexto ano de Governo socialista, os melhoramentos na linha do Minho são «zero». Os habitantes do Alto Minho continuam a demorar o mesmo tempo que demoravam há cinco anos para chegar de Viana do Castelo a Braga ou ao Porto ou de Viana do Castelo a Valença. Prometeram tudo, mas não fizeram nada, como já é hábito.
E o estado de degradação das estradas, como há pouco referi? Gasta-se dinheiro para fazer manutenção mas as estradas continuam muito pior do que estavam. Veja-se a enorme degradação da EN13, Viana/Valença e Ponte de Lima/Barcelos.
E o plano de investimentos da Administração Central para o Alto Minho, ou seja, os investimentos do Governo no distrito? Em campanha eleitoral de 1995, tudo foram promessas, na primeira visita do Sr. Primeiro-Ministro continuaram as promessas, mas o que aconteceu? Os investimentos do Governo no distrito sempre a descerem: em 1996 menos do que em 1995; em 1997 menos do que em 1996; em 1998 menos do que em 1997; em 1999 menos do que em 1998; em 2000 menos do que em 1999! Prometeram o contrário, mais dinheiro para mais investimento e, afinal, promessas, promessas, promessas…
E a promessa da criação de um conjunto de medidas de discriminação fiscal positiva para o Alto Minho? Continuam promessas, apesar de os Deputados do PSD terem já apresentado um projecto de lei, discutido em sede de Comissão de Economia, Finanças e Plano, para poder materializar as promessas, criando um conjunto de medidas específicas de incentivos fiscais e financeiros para atrair e manter investimentos e empresas de forma a promover uma mais rápida convergência económica e social com o restante território. Esperamos a discussão urgente deste diploma.
E as ligações ferro-rodoviárias ao porto de Viana? Vale a pena recordar as afirmações que proferi, em 1996, nesta Assembleia, quando disse que daria os parabéns ao Partido Socialista, ao seu Governo e aos Deputados eleitos se conseguissem materializar as promessas feitas. Apesar de terem passado cinco anos, o fundamental é realizarem o que prometeram, embora, em vez de vos dar os parabéns, como deveria ser, em 1999, dar-vos-ei em 2003, bastante atrasados. Porém, o mais importante é fazer, porque o que nos une é o desenvolvimento do Alto Minho e a melhoria das condições de vida das suas populações.
E o portinho de Vila Praia de Âncora? As obras iam começar em 1996, mas estamos a entrar em 2001 e ainda não começaram...
Em relação ao portinho de Castelo de Neiva reconheço que a promessa feita foi cumprida. Não há regra sem excepção.
E as promessas de mais apoio para o Parque Nacional Peneda/Gerês? Só promessas, apesar da exigência de cada vez mais dinheiro para manter uma «jóia da coroa», quer da região, quer do País. Realce-se os esforços feitos pelas autarquias abrangidas.
E a promessa de melhor saúde? Será que estamos melhor? Não estamos!
E a promessa de melhor justiça? Será que estamos melhor? Não estamos!
E a promessa de melhor segurança? Será que estamos melhor? Não estamos!
Por último, Sr. Presidente e Srs. Deputados, uma palavra para os habitantes de Lanhelas e de algumas freguesias de Arcos de Valdevez, em especial a população da freguesia de Portela-Arcos. Não se entende que no caso de Arcos, já lá vai mais de um ano, e no caso de Lanhelas, já lá vão mais de quatro meses, situações que exigiam acção imediata do Governo, tudo esteja na mesma. Exigimos medidas urgentes; ontem já era tarde. Não é esta a política em que as pessoas estão primeiro!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carvalho Martins, que o senhor, que é um distinto Deputado eleito pelo círculo eleitoral de Viana do Castelo, traga à Assembleia da República problemas desse distrito e queira vê-los resolvidos, estamos de acordo! Que o Sr. Deputado queira, se assim entender, envolver-se com os Deputados do PS e de outros partidos para encontrar as soluções mais adequadas e mais rápidas para o distrito de Viana do Castelo, estamos de acordo! Que o Sr. Deputado queira contribuir para o desenvolvimento do distrito de Viana do Castelo, estamos de acordo! Mas vamos ver se nos entendemos.
Recentemente - não gostaria de falar neste assunto, mas vou fazê-lo, já que o Sr. Deputado abordou este aspecto -, a propósito do Orçamento do Estado, Viana do Castelo esteve, durante muito tempo, nas primeiras páginas dos jornais. O Sr. Deputado Carvalho Martins sabe tão bem como eu que o requerimento feito para serem introduzidas grandes e significativas alterações ao Orçamento do Estado para que o distrito de Viana do Castelo se desenvolvesse de uma forma mais acelerada implicou, praticamente - digo «praticamente» porque não tenho a certeza se houve, de facto, alguma alteração orçamental -, «zero» de alteração orçamental.

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Vozes do PSD: - Não houve nenhuma alteração orçamental!

O Orador: - Ora, isto significa que o Governo e os Deputados do PS, ao longo destes anos, têm-se mobilizado para carrear para um instrumento fundamental como o Orçamento do Estado as medidas necessárias ao desenvolvimento do distrito.
Se o Sr. Deputado Carvalho Martins considera que ainda há muita coisa a fazer relativamente ao distrito de Viana do Castelo, estamos de acordo e subscrevemos essa ideia, porque é desejo de todos nós fazer muito mais por esse distrito.
O Sr. Deputado Carvalho Martins fez uma enumeração de coisas que estão menos bem, que estão mal, que estão feitas, que não estão feitas, etc. Sr. Deputado, porque sou seu amigo e gosto de si,…

Risos.

… vou apelar para a sua honestidade intelectual e perguntar-lhe se, sinceramente, não considera que o distrito de Viana do Castelo, com o Governo do PS, tem dado um salto significativo. Sei que, para si, é difícil responder a esta pergunta, por isso apelei à sua honestidade intelectual.

O Sr. Durão Barroso (PSD): - Tem dado um salto para trás!

O Orador: - Já lá vai o tempo em que o Sr. Prof. Cavaco Silva, candidato à presidência da República, num comício que realizou em Viana do Castelo, pedia desculpa pelo atraso em que tinha deixado o distrito.

Protestos do PSD.

Reconheço, Sr. Deputado Carvalho Martins, que o esforço do Governo tem de ser muito grande para recuperar o atraso em que o PSD deixou o distrito de Viana do Castelo, mas é um facto inegável que o PS está no bom caminho, contando, indiscutivelmente, os Deputados do PS com o apoio dos Srs. Deputados, quer do PSD, quer do CDS-PP, para ajudar a desenvolver este distrito.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carvalho Martins.

O Sr. Carvalho Martins (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Marques Júnior, obviamente, não está em causa a dedicação dos Deputados do PS em relação às causas que nos unem, porém, permito-me salientar, desde já, uma vez que os senhores têm a mania de trazer para a discussão o Professor Cavaco Silva, que se ele pediu desculpa, VV. Ex.as têm de ir a pé de Lisboa a Viana do Castelo e regressar, porque não chega pedir desculpa. É que os senhores não fizeram rigorosamente nada! Esta é a questão nuclear!

Aplausos do PSD.

Creio que o Professor Cavaco Silva era um homem sério, que percebia que o distrito de Viana do Castelo precisava de mais, embora ele lhe tenha dado muito.
Como lhe disse há pouco, Sr. Deputado Marques Júnior, vale a pena recordar o número de centros de saúde construídos no tempo do Professor Cavaco Silva: mais de 15! Quantos fizeram VV. Ex.as em seis anos?
Quantos quilómetros de estradas nacionais VV. Ex.as construíram? Zero! Estão a construir 6,5 km e vão fazer foguetório no fim, o tal de que discordavam no tempo do Professor Cavaco Silva, mas que ele fazia realizando obra!
E quanto aos tribunais? E no que se refere ao instituto politécnico, com um investimento superior a 10 milhões de contos?
O Sr. Deputado Marques Júnior sabe que, hoje, as estradas nacionais estão impossíveis de transitar: se vai de Viana do Castelo para Valença, são só buracos; se vai de Viana do Castelo para Ponte de Lima, são só buracos; se vai de Arcos para Monção, são só buracos!
O Professor Cavaco Silva herdou tudo isso, mas pôs as estradas como um tapete, andávamos nelas à vontade! Com VV. Ex.as o que aconteceu? Foram para o Governo e só deixaram buracos! De facto, se não fizerem obras rapidamente a situação das estradas continuará deplorável.
Sr. Deputado Marques Júnior, tenho a certeza que não está satisfeito com o que o PS fez no distrito! Espero que o PS, nos próximos dois anos, acelere, e muito, as obras no distrito, porque, para todos os alto-minhotos, o que fez nos últimos cinco anos é para esquecer!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, chegámos, finalmente, ao momento de iniciar o debate de urgência, requerido pelo Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata, sobre os problemas que afectam a Casa do Douro e a vitivinicultura duriense.
Para introduzir o debate, tem a palavra o Sr. Deputado Durão Barroso.

O Sr. Durão Barroso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A requerimento do PSD, a Assembleia da República debate hoje a preocupante situação na Região do Douro. Uma iniciativa que vem na sequência de um encontro que eu próprio mantive, na cidade de Peso da Régua, com a direcção da Casa do Douro, e da acção desenvolvida pelos Deputados do meu partido por aquela região, que se estende, como se sabe, pelos distritos de Vila Real, Viseu, Bragança e Guarda.
A Região do Douro, hoje justamente considerada como património mundial, foi a primeira demarcação do mundo de uma denominação de origem controlada. E nela se produz um dos ex libris de Portugal: o vinho generoso do Douro, que ficou conhecido como vinho do Porto.
É uma região extremamente bela, mas essa beleza engana por vezes, porque nada ali se consegue sem esforço. E foi o homem duriense que teve, com o seu trabalho, de modificar a própria natureza, de modo a extrair dela o melhor que ela podia dar.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, a Casa do Douro, criada em 1932, ultrapassou, com algumas adaptações, as vicissitudes do tempo, sempre pugnando pela defesa dos direitos das gentes ligadas à produção do vinho do Porto.
O profundo enraizamento da Casa do Douro na realidade duriense está, aliás, bem patente no facto de ter sido o único organismo da organização corporativa do vinho que

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sobreviveu, em 1974, à extinção das estruturas corporativas.
Desde essa data, sucederam-se tentativas ou propostas de reforma da Casa do Douro, em que estiveram em confronto duas teses: a tese da estatização da região e o seu controlo pelo Governo e a tese da manutenção do autogoverno institucional do sector.
O PSD sempre se opôs ao controlo estatal da Casa do Douro. Repudiamos os modelos que, por qualquer meio, pretenderam - e pretendem - governamentalizar o Douro e controlar os agricultores.
Em 1995, o Governo introduziu uma estrutura para auto-regulação interprofissional. A reforma então realizada encerrou o ciclo institucional estabelecido nos anos 30 e implicou uma reformulação no peso e nas atribuições de cada uma das profissões intervenientes na economia do vinho produzido na região.
Essa reformulação era indispensável face aos novos desafios económicos e à plena integração de Portugal no espaço económico europeu. Mas essa reformulação devia ter sido acompanhada com sensibilidade, sensatez e sentido de responsabilidade pelo Governo do País. Mas, infelizmente, sensibilidade, sensatez e sentido de responsabilidade não são qualidades dos Governos socialistas.

Aplausos do PSD.

Nos últimos cinco anos, o Governo agravou a situação da Casa do Douro e da agricultura duriense. Primeiro, adiou as obrigações que a reforma institucional impunha e não cumpriu as promessas eleitorais do Partido Socialista. Depois, tomou medidas que ameaçam provocar desequilíbrios entre grandes e pequenos produtores. A ousadia chegou ao ponto de tentar retirar à Casa do Douro, através de despacho governamental, um dos maiores patrimónios da região: o cadastro dos viticultores da Casa do Douro.
Com a instituição do regime interprofissional, a Casa do Douro viu alteradas as funções que justificaram historicamente a sua criação. A sensibilidade desta medida, necessária no contexto institucional do sector dos vinhos em Portugal e na Europa, está, aliás, plenamente reconhecida no Decreto-Lei n.º 76/95, tendo-se acautelado a vigência de um período transitório, que já terminou, em que seriam transferidas para a Comissão Interprofissional atribuições e competências que a Casa do Douro desempenhou durante anos e garantidas as condições para a sua plena reestruturação no âmbito do novo contexto interprofissional.
Ao longo de cinco anos e meio, o Governo do Partido Socialista revelou-se incompetente para resolver os problemas dos trabalhadores da Casa do Douro, aparecendo agora, à última hora, a prometer solucionar a questão.
É a conhecida teoria do diálogo, que tudo adia, escondendo a incapacidade para tomar decisões. O resultado está bem à vista: a Casa do Douro vê-se a cargo com pensões e obrigações salariais com funcionários que deixaram de ter ocupação porque o Estado atribuiu tais competências a outras entidades.
A Casa do Douro, assumindo durante mais de 60 anos atribuições públicas, adquiriu equipamentos e propriedades, interveio, regulou preços no mercado de vinhos e organizou-se internamente para tarefas que agora já não lhe compete desempenhar. O Estado, como pessoa de bem - todos devemos querer que o Estado se comporte como pessoa de bem -, deve, assim, indemnizações à Casa do Douro por ter decidido cessar tais obrigações.
E o que é que fizeram os Governos socialistas? Apressaram-se a retirar à Casa do Douro competências, assim executando parcialmente a legislação do regime interprofissional, mas nunca cumprindo a correlativa promessa de assumir os correspondentes encargos.
Temos pois, em Portugal, hoje, um Governo que não hesita em recorrer à criação de fundações de direito privado, canalizando para elas recursos públicos que são, depois, administrados a seu bel-prazer por adjuntos e assessores do poder socialista. Mas quando está em causa a obrigação do Estado perante trabalhadores e uma instituição que representa toda uma região o Governo já não encontra os meios necessários. Ou seja: para a clientela socialista, tudo; para a lavoura duriense, nada.

Aplausos do PSD.

A insensibilidade do Partido Socialista aos problemas da viticultura duriense atingiu, porém, os limites quando legislou sobre a vinha e direitos de plantação.
Assim, manda publicar, em 28 de Julho deste ano (e depois emenda, fazendo republicar, com outro número mas com o mesmo conteúdo, em 3.º Suplemento do Diário da República), uma portaria para legalização de vinha que, por força da legislação comunitária, só pode vigorar 1 dia.
Passou a existir, pois, um novo exemplo para os exames nas Faculdades de Direito: «ora diga lá, Sr. Aluno, que portaria em Portugal vigorou por um único dia?»
Criaram-se no Douro, desta forma, as condições para que fossem favorecidas pessoas e empresas com conhecimentos privilegiados. Ora, os durienses não podem aceitar isso, os durienses reclamam - e bem - por justiça.

O Sr. António Martinho (PS): - Isso é mentira!

O Orador: - Chegou ao fim a paciência dos agricultores durienses para com este Governo, um Governo incapaz de resolver os problemas, insensível às especificidades das regiões e especialista em tentar virar agricultores contra agricultores.
O pouco que nos últimos anos se fez em termos de modernização da nossa agricultura foi conseguido à custa da destruição das estruturas produtivas. O Partido Socialista falhou rotundamente na adopção de medidas estruturais, mesmo nos sectores potencialmente mais prometedores como este, o da vitivinicultura.
A convulsão social que se vive actualmente na região demarcada é um triste exemplo de uma política agrícola fundamentalmente errada.
Os agricultores merecem respeito e querem justiça. O PSD exige que se proceda às alterações legislativas adequadas para dotar a Casa do Douro de fontes de financiamento próprias e estáveis, de forma a que, no seio da estrutura interprofissional, seja garantida a efectiva representação dos produtores em pé de igualdade com o comércio.
O PSD exige aquilo a que o Governo já se obrigou através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 24/97: «(...) apoiar a viabilização da Casa do Douro (…)» e (outorgar) «(…) um protocolo de viabilização da Casa do Douro e os instrumentos de execução necessários.»

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O PSD exige que seja garantido aos produtores e seus representantes, no seio dos organismos interprofissionais, acesso a toda a informação, incluindo à evolução e perspectivas de mercados.
O PSD exige que o Governo se abstenha de desequilibrar as estruturas interprofissionais do sector vitivinícola, nomeadamente da Região Demarcada do Douro e assuma, como lhe compete, uma acção independente e equidistante e que respeite as estruturas representativas, não procurando introduzir no contacto com essas estruturas qualquer relação de natureza partidária ou qualquer discriminação por razões unicamente partidárias.
Se o Governo não quiser ou não for capaz de tomar, com urgência, as medidas que se impõem, o PSD assumirá nesta Câmara as iniciativas legislativas necessárias, tendo em vista a viabilização da Casa do Douro e o futuro da região demarcada. Fazêmo-lo por um elementar dever de justiça, fazêmo-lo a bem da Região do Douro, a bem da agricultura portuguesa, como sempre a bem de Portugal.

Aplausos do PSD, de pé.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Durão Barroso, os Srs. Deputados Lino de Carvalho e Vítor Ramalho.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Durão Barroso, o Partido Comunista Português acompanha, não só agora mas desde sempre, com profunda preocupação, as vicissitudes por que tem passado a Casa do Douro, com o perigo que isso representa para os cerca de 30 000 produtores durienses, que têm na Casa do Douro o seu representante e o seu defensor.
Nos últimos tempos, agravaram-se as condições financeiras da Casa do Douro, cujos desenvolvimentos recentes se devem ao Governo do Partido Socialista, como aprofundarei quando intervir.
O que quero, neste momento, é sublinhar a surpresa com que vejo V. Ex.ª analisar e criticar a situação difícil que vive hoje a Casa do Douro com base nas consequências resultantes da nova organização institucional da região, que deu poderes à Comissão Interprofissional e que retirou poderes e receitas à Casa do Douro, quando o pecado original dessa situação resulta exactamente do último Governo do PSD, de que V. Ex.ª era membro.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Nessa altura, Sr. Deputado Durão Barroso, o PCP criticou, sublinhou aquilo que, hoje, VV. Ex.as vêm dizer. É que essa criação, essa nova arquitectura institucional, o que ia fazer não era «desestatizar» a Casa do Douro, era despojá-la de muitos dos seus poderes e receitas, transferindo-os, em parte, para o grande comércio, que passaria a ter mais poderes do que aqueles que tinha até então.
O PSD, na altura, criticou-nos, não aceitou nenhuma das nossas propostas de alteração e hoje a situação é a que é. Aliás, é bom que o PSD e o Sr. Deputado se tenham arrependido - o arrependimento é tardio mas é sempre bem-vindo -, mas, Sr. Deputado, as preocupações que hoje VV. Ex.as têm, e que nós acompanhamos, como irão verificar, só têm sustentação e credibilidade se o PSD, aqui e agora, afirmar que errou em 1994/1995 ao não aceitar, nessa altura, as propostas do PCP, designadamente aquelas que mantinham na Casa do Douro o cadastro, que mantinham na Casa do Douro os poderes públicos do controlo e gestão da produção e que na vossa proposta original é que passou para a Comissão Interprofissional.
Se, hoje, o PSD fizer aqui esta demarcação e disser que isso não voltará a acontecer no futuro, nós acreditamos sinceramente nesta reflexão crítica que, embora tardiamente, o PSD hoje aqui traz. E nesse sentido, Sr. Deputado, iremos apresentar um projecto de resolução no qual, entre outras coisas, proporemos que seja refeita toda a legislação da Região Demarcada do Douro, no sentido de voltar a transferir para a Casa do Douro os poderes originários que ela detinha e que lhe foram retirados com a nova arquitectura institucional.
Vai o PSD acompanhar-nos? Vai o PSD acompanhar o PCP…

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado.

O Orador: - … nas propostas que irá apresentar fazer para repor na Casa do Douro os poderes que lhe foram tirados? Ficamos à espera.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de ajudar-me a cumprir os tempos que estão previstos.
Sr. Deputado Durão Barroso, há mais um orador inscrito para pedir esclarecimentos, mas V.Ex.ª não dispõe de tempo para responder nem ao que já lhe foi feito nem ao que falta fazer. Não sei como iremos resolver este problema.
Quem formula a pergunta cede tempo ao Sr. Deputado Durão Barroso para responder?

Pausa.

Ninguém dá.
Como ninguém lhe cede tempo, Sr. Deputado, a Mesa dar-lhe-á, no fim, um mínimo de tempo para poder responder.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Ramalho.

O Sr. Vítor Ramalho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Durão Barroso, o meu pedido de esclarecimento é fundamentado na memória, tendo a consciência de que essa memória, à data em que o XIII Governo Constitucional tomou posse, exemplificativamente estava traduzida na falência real da Casa do Douro - real, Sr. Presidente! -, na falência real da Lisnave, na falência real de 57 empresas, que posso citar uma a uma, para não haver dúvidas. Posso referir, na Marinha Grande, a M. Pereira Roldão, a Invima, toda a corda da serra e por aí fora. E nenhuma destas empresas, Sr. Presidente, deixou de sobreviver.
É útil a memória, porque eu sou daqueles que entende que o meu próprio partido deveria ter feito, na altura, uma clarificação total sobre o que encontrou, nomeadamente do ponto de vista social. Mas é também de memória, de

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quem está ao lado daqueles homens que têm memória e, por isso mesmo, têm o nosso símbolo mais vivo que o vinho do Porto… E foi por memória a esses homens que, ao contrário do que o Sr. Presidente do PSD - e aqui ilustre Deputado - invocou, nós, quando encontrámos a empresa falida, tivemos sensibilidade. E vou dizer-lhe aquilo que, infelizmente, o Sr. Presidente do PSD não sabe: não havia lugar a pagamento da Caixa Geral de Aposentações a cerca de 200 pessoas e foi no acordo que nós, Governo, fizemos, que essas 200 pessoas passaram a ter acesso à Caixa Geral de Aposentações. Foi pela circunstância de não haver a regularização ao fisco e à segurança social que entrou em vigor um acordo que possibilitou isso mesmo.
E se na altura da falência, Sr. Presidente do PSD, os 12 bancos credores tivessem executado o penhor mercantil sobre o vinho (em edulçação estavam 30 milhões de litros de vinho) hoje uma garrafa de litro de vinho do Porto valia quase tanto como uma garrafa de litro de água.
E o que é que foi feito? Foi feito um acordo que reestruturou a dívida a 20 anos, obrigando o Estado a suportar, por aval em primeiro lugar, o cumprimento das obrigações caso a Casa do Douro, eventualmente, deixasse de cumprir. Portanto, o risco é rigorosamente zero - não sei se já pensou nisso. Mas é bom que o faça, porque a Casa do Douro não tem risco rigorosamente nenhum em termos de falência, porque o Estado avalizou aquilo que anteriormente não estava, de facto, seguro.
Lamento sinceramente que o Sr. Presidente do PSD, em termos das grandes questões nacionais, tivesse aqui partidarizado uma questão que é um desígnio nacional. Lamento-o profundamente, devo dizê-lo com toda a objectividade!

Aplausos do PS.

Esta é uma questão de desígnio nacional e não uma questão partidarizada.

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado.

O Orador: - Direi, a terminar, que só lhe cito isto pela coincidência de pessoas que eu respeito, nomeadamente o presidente das Casa do Douro, que não é pela circunstância de ser do PSD que, coincidentemente, tem aqui lugar este debate salutar de desígnio nacional e esta manifestação de respeito pelos…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem mesmo de terminar.

O Orador: - Terminei, Sr. Presidente.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda concede 2 minutos ao Sr. Deputado Durão Barroso, concedendo-lhe também a Mesa mais 1 minuto. Dispõe, portanto, de 3 minutos e 29 segundos para responder.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Durão Barroso (PSD): - Muito obrigado, Sr. Presidente. Penso que o Douro merece esses minutos.
Quanto à questão colocada agora pelo Sr. Deputado Vítor Ramalho, ele próprio deu a resposta quando, no final, procurou lançar a suspeição de que o que está aqui em causa é o interesse partidário, por causa de o presidente da Casa do Douro ter uma determinada posição partidária. A verdade é que os outros dois vogais da direcção da Casa do Douro são do Partido Socialista e não é por causa da questão partidária que devemos tomar esta ou aquela posição.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Nós trouxemos aqui, com carácter de debate de urgência, uma questão que achamos que é regional mas nacional, porque, de facto, é de património nacional que se trata. E por isso também recuso em absoluto a ideia expressa pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho de que a dificuldade esteve na medida tomada pelo PSD.
O Sr. Deputado Lino de Carvalho sabe perfeitamente que a legislação comunitária impunha, nesta matéria do vinho, um determinado regime, o regime interprofisisonal. O Sr. Deputado sabe perfeitamente que aquela opção era a indispensável naquele momento.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Mas não nessas condições!

O Orador: - O problema não está na opção tomada em 1994/1995, o problema está na falta de acompanhamento, que, depois, foi apanágio do Governo socialista. E é por isso que eu não me importo de discutir - e posso discuti-las - as responsabilidades do passado, sempre que elas existam, deste ou daquele Governo. Mas, francamente, Srs. Deputados do Partido Socialista, já vão no sexto ano de Governo e sempre que há um problema os senhores ainda têm a coragem e a pouca vergonha de atirar a culpa para o anterior Governo?!

Aplausos do PSD.

Ao fim de cinco anos e meio de Governo - já estamos no sexto ano -, quando a Casa do Douro está asfixiada, quando temos hoje em Lisboa a presença de milhares de agricultores durienses, que vieram aqui não para fazer turismo mas porque, como sentem um problema, quiseram dizer ao órgão de soberania Assembleia da República que o seu problema não está a ser resolvido, que o Governo não está a cumprir aquilo que prometeu, isto é uma invenção do PSD, isto foi uma criação do PSD? E o que é que os senhores fizeram ao longo destes cinco anos e meio? O que é feito das vossas promessas, quando criticaram o regime que foi, na altura, instituído?
É por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que a forma de resolver este assunto construtivamente não é fazendo-se um pinguepongue de acusações.
Temos aqui, à nossa frente, o Governo, que, com certeza, depois de ouvir as bancadas do Partido Socialista e do Partido Comunista, tem o acordo no sentido de, em vez de criar mais fundações para pôr lá os seus assessores e adjuntos, fazer um esforço financeiro para ajudar os trabalhadores que vivem do seu trabalho.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Martinho.

O Sr. António Martinho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: «O Douro, rio e região, é a realidade mais séria que temos», diz Torga. Se assim é, quanto a mim, porque assim é, é bem-vindo este debate. Mas as razões que motivaram o PSD a requerê-lo não são assim tão claras: «os problemas que afectam a Casa do Douro e a vitivinicultura duriense».
Que problemas, Sr. Deputado Durão Barroso? Qual a sua génese? Como foram encarados, no passado, pelo seu governo? Como têm sido encarados, mais recentemente, pelo Governo do PS?

Protestos do PSD.

O líder do PSD tem andado distraído…

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradeço que oiçam em silêncio.

O Orador: - … e os seus conselheiros não têm memória. Só assim se podem compreender afirmações como esta, proferida na Régua, no passado dia 20 de Novembro, pelo líder do PSD: «A situação é revoltante, o Estado porta-se como um mau 'pai'. Em vez de ajudar a Casa do Douro, quando esta perdeu competências públicas e também receitas, aliviou a carga e disse: arranjem-se!»
Estas palavras traduziam a situação do Douro nos primeiros anos da década de 90. Elas ajustam-se perfeitamente a esse tempo, quando o PSD era governo,…

Vozes do PSD: - Outra vez?!

O Orador: - … quando o seu actual líder era ministro e o seu actual «ministro-sombra» para a agricultura era o responsável pelo sector e pelas alterações ao quadro jurídico-institucional que agora criticam.

Vozes do PSD: - Outra vez?!

O Orador: - Nesses anos, sim, havia crise no Douro.
Em 1991, praticamente, as firmas exportadoras não foram à lavoura, nem comprar uvas nem vinho; os agricultores viviam sufocados por dívidas à banca, os juros eram elevadíssimos…

O Sr. José Luís Arnaut (PSD): - E agora?

O Orador: - Sr. Deputado, V. Ex.ª, se não sabe, aprenda. Mas tudo o que estou a dizer está documentado.

Aplausos do PS.

Como estava a dizer, os juros eram elevadíssimos e a insolvência, por parte de alguns, levou a situações em que os bancos correram o risco de se tornarem os grandes proprietários do Douro; os prejuízos com as intempéries nunca puderam contar com um seguro agrícola minimamente protector.
O PSD, único detentor de responsabilidades governativas nessa altura, foi sempre parte do problema, nunca foi parte da solução.
Hoje, a situação é diferente. O Douro produz mais e melhor vinho fino, mas produz, também, melhor vinho de mesa, seja VQPRD ou vinho regional terras durienses.
Mas o Douro é hoje, felizmente, mais que vinho de excepcional qualidade. O Douro, rio, é uma via de navegação, por onde navegam turistas e riquezas da região. O Douro vinhateiro é hoje paisagem candidata a património da humanidade, com o empenhamento deste Governo. O Douro, região, é também as gravuras de Foz Côa, que o Governo de António Guterres não deixou afogar.

Aplausos do PS.

Vozes do PSD: - O que é que isso tem a ver com o Douro?

O Orador: - O Douro vai ter o seu museu, também como instrumento dinâmico de preservação e promoção cultural. O Douro vê hoje modernizar a sua linha de caminho de ferro.

Protestos do PSD.

O Sr. José Luís Arnaut (PSD): - E a Casa do Douro?

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos de nos respeitar uns aos outros, senão os senhores também não se conseguem fazer ouvir quando estiverem no uso da palavra.
É do vosso próprio interesse ouvir em silêncio. Um aparte é uma coisa, bloquear ou impedir que se possa ouvir quem está no uso da palavra é outra.
Faça o favor de continuar, Sr. Deputado António Martinho.

O Orador: - O Douro, região demarcada, tem hoje oportunidades excepcionais para reestruturar as suas vinhas e melhorar ainda mais a qualidade dos seus vinhos, fruto de uma boa negociação da Agenda 2000, levada a bom termo pelo Governo do PS.
O Douro tem, também hoje, uma acção integrada de desenvolvimento para potenciar esse mesmo desenvolvimento.
Como se vê, o PSD não tem autoridade para criticar seja quem for sobre o Douro. O PSD foi sempre parte do problema, parte da agitação. O PS é sempre parte da solução.

Vozes do PSD: - Vê-se!

O Orador: - Com este debate, o Grupo Parlamentar do PSD pretende fazer passar a ideia de que se vive no Douro uma grave crise. Deslocou-se ali, ao mais alto nível, numa operação relâmpago. Foi lá criar confusão nas pessoas, ofender membros do Governo, precisamente num dia em que, em Bruxelas, se arrancavam mais umas quantas medidas benéficas para a agricultura portuguesa. Foi ao Douro tentar incendiar os espíritos, normalmente calmos e pacíficos, dos durienses, num aproveitamento despudorado de alguma desinformação e de alguns receios, agudizados por vivências passadas, quantas vezes dolorosas para os homens e as mulheres do Douro.

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O PSD foi ao Douro armar-se em herói. Mas se há heróis no Douro, Srs. Deputados, esses são os agricultores,…

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - … os trabalhadores agrícolas que «transformaram a montanha deserta em jardim suspenso», e são também os trabalhadores da Casa do Douro, quantas vezes incompreendidos e aos quais o PSD criou uma situação insustentável em 1995.
Mas que problemas se colocam hoje à Região Demarcada do Douro?
O PSD fala de «decisões governamentais lesivas dos interesses dos vitivinicultores». Ora, o Governo pôs termo, finalmente, a um processo de legalização de vinhas que se arrastava desde 1985. O PSD teve 10 anos - 10 anos, Srs. Deputados! - para o fazer e não o fez. O Governo possibilitou a legalização de outras vinhas, plantadas até 1990 e, num outro processo, as plantadas entre 1991 e 1998.
Como se vê, no tempo do governo do PSD os problemas avolumaram-se e no tempo do Governo do PS os problemas resolvem-se.

Protestos do PSD.

E, no Verão passado, o Governo desencadeou o processo de atribuição de novos direitos de plantação, no quadro da nova OCM do vinho. Mas não só: criou também novos mecanismos de apoio à reestruturação da vinha e atribuiu majorações, respeitando as especificidades desta região demarcada.

O Sr. João Maçãs (PSD): - Os agricultores vieram agradecer!

O Orador: - Quanto à possibilidade de novas transferências da vinha, também respeitou claramente a vontade dos órgãos da vitivinicultura duriense.
No que respeita à questão do crédito de litragem para 2000, ficou bem claro, na audição que a Comissão de Agricultura realizou na semana passada, que os representantes da produção não souberam, talvez, salvaguardar o que afirmaram mais tarde serem os seus interesses. E dirigentes de cooperativas constatam agora, e afirmam-no publicamente,…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, deixe-me interrompê-lo para lhe dizer que, a partir de agora, beneficia de 2 minutos cedidos pelo Bloco de Esquerda e de 1 minuto cedido por Os Verdes. São 3 minutos, no total.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente. E agradeço também aos grupos parlamentares que me cederam tempo.
Como estava a dizer, dirigentes de cooperativas constatam agora, e afirmam-no publicamente, que a quebra na produção não foi assim tanta que tornasse imprescindível a opção por essa medida excepcional.
Finalmente, um ponto que reputo de muito importante: o problema da situação financeira da Casa do Douro.
Onde está a sua génese, Srs. Deputados?
Antes de mais, numa má opção estratégica de dirigentes da Casa do Douro, em 1990, a compra, por 9,5 milhões e meio de contos, de uma parte de uma empresa exportadora, a Real Companhia Velha.
Crise também originada por uma desregulação na atribuição do «beneficio», em alguns anos da segunda metade da década de 80, o que provocou excedentes de vinho na produção face às necessidades do comércio. Os empréstimos bancários que a instituição teve de contrair foram-se acumulando. E os avales do Estado, bem como as sucessivas renegociações com a banca, não se mostraram eficazes.
Todos estes problemas aconteceram e se agudizaram no tempo em que o PSD era governo. Por isso, a Casa do Douro chegou a 1996 com um elevado passivo, sem crédito junto da banca, incapaz de cumprir os seus compromissos financeiros e com os seus bens sob ameaça de execuções judiciais eminentes.
O estado em que a Casa do Douro se encontrava nessa altura pode ser bem caracterizado, então, pelas palavras do líder do PSD.
Mas o Governo presidido por António Guterres, alertado por Deputados eleitos na região, analisou a situação, propôs soluções, aprofundou-as com os representantes da instituição e criou um quadro de soluções.
O PSD foi, mais uma vez, parte do problema, parte da agitação. O PS é sempre parte da solução.
E a verdade é que os problemas começaram a resolver-se.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A minha primeira intervenção nesta Assembleia, em 1992, começou assim: «Arquejando, dobrados sobre o chão, praguejando e gemendo, lacerando as mãos e os membros contra as lascas das ardósias, banhando a terra em suor e sangue, arrancaram do xisto novas 'veias' que ampararam com novos 'socalcos'». Citei Jaime Cortesão.
Esses, apesar de o PSD não querer deixar ouvir esta mensagem, vieram hoje ao Terreiro do Paço, para que a «montanha deserta» que transformaram em «jardim suspenso», o Douro,…

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado.
Peço desculpa, mas não há tolerância possível. Não houve para os outros, não há para si.

O Orador:- … possa ainda dar mais riqueza ao País. Vieram lembrar que o Douro, região demarcada,…

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, a região do Douro tem especificidades como nenhuma outra e os diplomas legais podem perfeitamente ter presente essa realidade. Vieram dizer que o quadro jurídico-institucional pode ser melhorado,…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de terminar. Não pode limitar-se a anunciar que o vai fazer. Desculpe, mas é igual para todos.
Remate a última frase, se faz favor.

O Orador: - Os durienses que vieram ao Terreiro do Paço esperam ser ouvidos, merecem ser ouvidos, podem ser ouvidos.

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Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Melchior Moreira inscreveu-se para formular um pedido de esclarecimento, mas dispõe apenas de 34 segundos, o que não é muito. Acontece que o Sr. Deputado António Martinho também não tem tempo para lhe responder.
Dá-me a impressão de que estamos perante um embaraço inultrapassável.

O Sr. Melchior Moreira (PSD): - Sr. Presidente, o pedido de esclarecimento é muito curto.

O Sr. Presidente: - É sempre curto, Sr. Deputado, mas o tempo global que temos também é curto.
Faça favor de usar os seus 34 segundos e eu dou 30 segundos ao Sr. Deputado António Martinho para lhe responder.
Tem a palavra, Sr. Deputado Melchior Moreira.

O Sr. Melchior Moreira (PSD): - Sr. Presidente, uso, pois, da palavra muito rapidamente, dado só dispor de 34 segundos.
A imagem do Sr. Deputado António Martinho é a imagem do Grupo Parlamentar do Partido Socialista e a própria imagem do PS.
Esses agricultores vieram aqui para ouvir respostas concretas dos partidos políticos em relação aos seus problemas. Este senhor veio contar histórias. É isso que ele sabe fazer, é isso que têm feito em relação aos agricultores do Douro. É assim que há-de continuar.

Protestos do PS.

Gostava que o seu partido assumisse aqui responsabilidades e não enganasse os agricultores, como vem enganando ao longo deste tempo.
Nós temos propostas válidas. A conversa do meu amigo é, efectivamente, «conversa da treta», e nós não vamos nisso.
Lamento muito que seja assim com os agricultores.
E quero dizer-lhe que o PSD não foi ao Douro; o PSD está no Douro!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, por 30 segundos, se desejar responder, o Sr. Deputado António Martinho..

O Sr. António Martinho (PS): - Sr. Presidente, vou responder, porque este Deputado que falou em nome do PS não assina na Comissão de Agricultura e vai-se embora sem tratar dos assuntos.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, este Deputado que falou em nome do PS intermediou - e encontram-se, nas galerias, algumas pessoas que o testemunham - conversas da direcção da Casa do Douro com o Governo, naturalmente cumprindo a sua missão para que eles pudessem ser ouvidos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Fazer este debate a partir dos argumentos produzidos pelo PSD implica relembrar alguns factos históricos.
É que quando ouvimos o Dr. Durão Barroso criticar, numa conferência de imprensa, a criação da Comissão Interprofissional da Região Demarcada do Douro (CIRDD), pelo que significou de retirada de poderes públicos e receitas à Casa do Douro, importa recordar que a CIRDD é, precisamente, uma criação, em 1995, do último governo do PSD, e que quando, à época, com o apoio de toda a região duriense, o PCP criticou a nova organização institucional, exactamente pelos desequilíbrios que iria gerar e pelos poderes que iria retirar à Casa do Douro em prejuízo da produção e dos produtores, o PSD, então, do alto da sua maioria absoluta, com o apoio do CDS, ignorou olimpicamente as preocupações do PCP e acusou-nos mesmo de estarmos «agarrados a fantasmas passadistas que não servem a região do Douro e os seus vitivinivultores». Tal como voltou a ignorar as críticas e propostas do PCP, quando chamámos à apreciação parlamentar os novos estatutos da Casa do Douro e da CIRDD. E isto sem esquecer propostas mais antigas do PSD, no já longínquo ano de 1986, quando propôs, pura e simplesmente, a extinção da Casa do Douro.
Vê-se agora quem tinha e quem tem razão, Sr. Deputado Durão Barroso!

Aplausos do PCP.

Vê-se agora quem é o responsável pelo «pecado original»!
Entretanto, o Partido Socialista, que, à época, acompanhou algumas das nossas preocupações, comprometeu-se a promover a alteração da nova arquitectura institucional da Região Demarcada do Douro. Mas, chegado ao Governo, o Partido Socialista rapidamente passou uma esponja por cima dos seus compromissos, arrastou até ao limite a assinatura do protocolo de saneamento financeiro, com pressões intoleráveis sobre a então direcção da Casa do Douro e os durienses, contribuindo, de forma decisiva, para o agravamento da sua já debilitada situação financeira.

Vozes do PCP: - É verdade!

O Orador: - E, por isto tudo, a Casa do Douro tem vivido, ao longo dos últimos anos, um processo de indefinição e de dificuldades financeiras, momentos de séria perturbação na sua vida institucional, que só se têm traduzido em prejuízo da região e, em particular, em prejuízo da lavoura duriense.
Ninguém pode ignorar que os sectores do grande comércio exportador e que os maiores produtores de vinho fino sempre aspiraram a terminar com as regras vigentes para a produção do generoso, que têm constituído elemento decisivo na valorização e defesa da sua qualidade e na garantia de um rendimento mínimo dos pequenos e médios produtores. Ninguém pode ignorar que esses sectores, ou alguns deles, gostariam de acabar com a lei do beneficio. Ninguém pode ignorar a campanha lançada contra a Casa do Douro, quando esta se «atreveu» a querer intervir no comércio e escoamento dos vinhos com o mal conduzido negócio da Real Companhia Velha.

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Aplausos do PCP.

E, finalmente, ninguém pode ignorar que esses mesmos sectores nunca esconderam o desejo de reduzir substancialmente os poderes da Casa do Douro enquanto instituição representativa da lavoura duriense que concentra a responsabilidade de defesa da produção e dos produtores e sem a qual a balança da relação de forças se desequilibraria, em absoluto, a favor dos mais fortes.
Estas são questões centrais que estiveram e estão em cima da Mesa. Estas são questões centrais que exigem posição e intervenção claras. O pior que poderia acontecer aos agricultores do Douro é que, em vez de se garantir o futuro da sua organização, a Casa do Douro se transformasse, como aparentemente alguns estão a querer transformá-la, em palco de partidarização e de luta pelo poder entre o PS e o PSD.

Aplausos do PCP.

O que se exige, Srs. Deputados, é menos guerra de palavras entre o PS e o PSD e mais soluções que defendam o Douro e os durienses.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O PCP não vai por aí e alerta solenemente os vitivinicultores durienses para a necessidade de estarem vigilantes, não se deixarem instrumentalizar e lutarem por uma Casa do Douro que continue a assegurar a defesa dos seus interesses e a garantir, pela sua intervenção e poderes, a defesa da qualidade de um produto de altíssimo prestígio da região e do País, com significativos contributos para as receitas do comércio externo, como é o vinho do Porto.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Para isso, Srs. Deputados, o PCP, que sempre se tem pautado por uma posição séria e coerente em todo o processo da Casa do Douro, vai apresentar na Mesa um projecto de resolução com cinco propostas: primeiro, alteração dos estatutos da CIRDD e da Casa do Douro, de modo a ficar instituído na lei o regresso à Casa do Douro dos poderes públicos de controlo da disciplina e regulação de produção do vinho do Porto, em especial quanto às atribuições que detinha a título originário, designadamente o controlo das contas-correntes e da conta-produtores, as declarações de produção, a repartição do benefício, bem como quanto à gestão e escoamento dos stocks e o cadastro dos produtores, com as correspondentes receitas; segundo, intervenção do Estado, de modo a resolver-se, de forma sustentada, a actual crise financeira, o que passa, inevitavelmente, pelo pagamento à Casa do Douro das dívidas do Estado, que permita à instituição duriense o cumprimento do Protocolo de Saneamento Financeiro, celebrado com o Governo em 1998;…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador:- … terceiro, garantir-se, para a próxima campanha, o crédito de litragem, na proporção do volume de benefício não utilizado este ano; quarto, assegurar-se que a transferência de novos direitos de plantação para a região só seja concretizada após parecer vinculativo da Casa do Douro e em favor dos pequenos e médios vitivinicultores; quinto, ampliação dos apoios financeiros à região ao abrigo do III Quadro Comunitário de Apoio, com alargamento das condições de acesso dos pequenos e médios produtores.

Aplausos do PCP.

Estas são, Sr. Presidente, as propostas concretas do PCP em defesa da lavoura duriense.
Estas são propostas face às quais cada uma das bancadas parlamentares desta Assembleia se tem de definir.
Este é o debate que tem de ser feito, de modo a garantir-se, de maneira definitiva e sem permanentes sobressaltos, a viabilidade e o futuro da Casa do Douro, instituição garante da unidade e da representação da lavoura duriense, dos seus 30 000 produtores, 85% dos quais produzem menos de 10 pipas e cuja presença, aqui, hoje, saudamos.
Este é o debate que pode garantir, com o reforço do futuro da Casa do Douro, a qualidade do vinho generoso, «esse sol engarrafado que embebeda os quatro cantos do mundo» como lhe chamou Torga.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não o interrompi no fim do tempo de que dispunha, porque o Bloco de Esquerda lhe cedeu mais 1 minuto.
Tem a palavra, também para uma intervenção, o Sr. Deputado Rosado Fernandes.

O Sr. Rosado Fernandes (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Nunca pensei que um vinho generoso pudesse azedar. A verdade é que azedou.
Foi uma discussão azeda entre as várias facções em confronto, todos «atirando garrafas à cabeça», não sei por que razão. Não vale a pena discutirem tanto, façam qualquer coisa!

Aplausos do CDS-PP.

A verdade é que a Casa do Douro espera uma solução, e todos sabemos que a solução não pode ser só dada pelo Governo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Tem de ser dada pelo Governo, tem de ser dada pelos agricultores, tem de ser dada por nós, tem de ser dada pela sociedade envolvente da Casa do Douro, que beneficia dos 90 milhões de contos de vinho do Porto que agora andamos a exportar, numa situação única de mercado, como há muitos anos não acontecia.
Portanto, se há mercado, não devia haver crise. E porque é que há crise? Às vezes, é má governação.

Aplausos do CDS-PP.

Mas a verdade é que a má governação é crónica. E eu não pretendo «atirar garrafas» a ninguém, visto que de vinho se trata.

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Gostava de dizer que, efectivamente, já há uns anos, o partido que hoje requereu este debate de urgência permitiu que algumas coisas se passassem, como seja, pelo menos, ter aconselhado a que não se tivesse comprado a Real Companhia Velha.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - É evidente que o problema não é o de comprar a Real Companhia Velha, mas, sim, a quem se compra! Desculpem-me esta pequena referência, mas, quando se faz um negócio, é sempre bom ver quem é que vende e é sempre bom contar-se o dinheiro que se tem para fazer a compra. Portanto, esse é um dos problemas.
Vejamos um outro problema.
Não estarei de acordo com o Deputado Lino de Carvalho, embora respeite a sua opinião, pois acho que a Comissão Interprofissional da Região Demarcada do Douro (CIRDD) podia funcionar bem e podia não prejudicar os interesses da Casa do Douro, caso houvesse um enquadramento. Ora, está aqui presente o Sr. Ministro da Agricultura, pelo que quero dizer que gostava que fossem tomadas medidas para que houvesse enquadramento de poderes: de poderes para o IVV (Instituto da Vinha e do Vinho), para o IVP (Instituto do Vinho do Porto), para a Casa do Douro, para os exportadores e para a Comissão Interprofissional da Região Demarcada do Douro.
Claro que, perante uma terra de ninguém, todos mandam, todos se atropelam e, muitas vezes, há decisões que se anulam umas às outras. Este é um dos grandes problemas de um país que, tradicionalmente, legifera mas não executa.

Aplausos do CDS-PP.

Portanto, legiferem menos e executem mais! É um conselho que vos dou, com os meus mais de 60 anos…!
Por outro lado, a situação da Casa de Douro seria de falência, não fosse o aval de que falou o Deputado Vítor Ramalho. É uma situação que não dá tranquilidade a ninguém.
Na verdade, nenhum de nós gostaria de ter a casa toda empenhada, ainda que tivesse o aval de um banco. Mas quem é que gosta disso? Toda a gente sabe que, um dia, o banco nos vai comer os nossos haveres.
Igualmente, quando se muda de funções e as centenas de funcionários que temos ficam sem nada para fazer ou com poucas funções e, entretanto, somos nós que temos de pagar-lhes, o que devia ter sido feito? Devia ter sido assegurado o futuro dessa gente que trabalhava na Casa do Douro, devia ter sido encontrada uma solução que aproveitasse o seu saber fazer, o que ainda não foi feito. Espero que o Sr. Ministro nos dê uma resposta - e certamente vai dá-la! - sobre o futuro dessa gente.
Interessa-me é resolver o problema desta gente, não me interessa arranjar problemas entre nós. Acho que é muito mais difícil resolver o problema real que afecta 40 000 agricultores do que resolver um problema que afecta apenas um ou dois.
Ora, uma das coisas que considero necessárias é apostar-se cada vez mais na qualidade das castas, na disposição da vinha, na forma dos bardos, no tipo de colheita. Quanto a pensar ou não em regadio, não sei, não me atrevo a propor, até porque tal é praticamente uma blasfémia. A verdade é que os agricultores poderão produzir mais.
Quanto ao problema da nova transferência de direitos, direi que tal não pode fazer-se contra a vontade da Casa do Douro.
Portanto, há coisas a fazer, há que unir as pequenas explorações. Há que tentar fazê-lo, embora haja quem diga que é impossível. Não acredito que os agricultores do Douro não consigam estabelecer agrupamentos de produtores para conseguirem produzir mais barato e com maior eficácia.
Com isto, deixo a minha mensagem: estou é interessado em que se resolva o problema e gostaria de ouvir a resposta do Sr. Ministro.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas.

O Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas (Capoulas Santos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por saudar todos, e permitam-me uma saudação muito especial à gente séria e laboriosa do Douro…

Aplausos do PS.

… que, preocupadamente, se dirigiu a Lisboa.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Muito bem! Lembrou-se do povo!

O Orador: - No entanto, antes de passar à minha intervenção propriamente dita, gostaria de chamar a atenção para o facto de que, mais do que um debate de urgência - e lamento profundamente que o Dr. Durão Barroso tenha cometido a indelicadeza de, após ter produzido um discurso, ter «batido em retirada»…

Vozes do PSD: - Não é verdade!

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Não há direito! Sabe o que é que aconteceu?

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos manter a serenidade!
Faça favor de continuar, Sr. Ministro.

O Orador: - Como dizia, mais do que um debate de urgência, este é o acto mais acabado de masoquismo político a que assisti em toda a minha vida política, que já vai longa.
Este não é um debate de urgência requerido pelo PSD, esta é uma interpelação do PSD a si próprio.
Agradeço sinceramente ao PSD, cujo sentido de importância relativamente a este debate está bem exemplificado pelo número de presenças na vossa bancada…

Protestos do PSD.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Sr. Presidente, isto não são argumentos!

Protestos do PS.

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não pode pôr-se aos berros!
Também os Srs. Deputados do PS têm de guardar silêncio!
Desculpem, mas não pode ser! Estão a dar uma má imagem aos cidadãos que estão a assistir ao nosso debate.
Faça favor de continuar, Sr. Ministro.

O Orador: - Agradeço sinceramente ao PSD o agendamento deste debate, pela oportunidade que vai dar-me de confrontar-vos com as vossas próprias contradições.
Os problemas actuais da Casa do Douro são conhecidos e, de acordo com as declarações dos seus próprios dirigentes, assentam, essencialmente, num passivo que decorre da não actualização de taxas entre 1985 e 1995, os 10 anos em que o Dr. Durão Barroso esteve no governo, durante o tempo em que o responsável político pelo Ministério da Agricultura foi aquele que hoje é o ministro-sombra da agricultura do PSD.
A retirada das competências à Casa do Douro ocorreu em 1995, após um processo laboriosamente tratado pela então maioria do PSD e posto em execução naquela data.
Em contrapartida, o Governo do Partido Socialista avalizou, em 1997, 17 milhões de contos de dívida, que o Governo assumirá se a Casa do Douro não pagar.
O Governo do PS contribuiu, ainda no ano passado, para intermediar um problema aparentemente sem solução, o do conflito que opunha a Casa do Douro à COFIPSA, que foi possível concluir com êxito, através da intervenção do Ministério da Agricultura e devido à postura responsável dos dirigentes da Casa do Douro.
Se não tivesse havido o aval do Estado em 1997, a Casa do Douro teria fechado as portas naquela altura. Se no ano passado não tivesse sido feito negócio com a COFIPSA, através da intermediação do Governo, a Casa do Douro teria visto penhorada a maior parte do seu património, inclusivamente o edifício simbólico da sua sede.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Para além disso, o Governo tem criado condições para que, nos últimos anos, o preço do vinho pago aos produtores tenha conhecido sucessivos aumentos - 6% em 1997; mais 12% em 1998; mais 17% em 1999.
O Governo do Partido Socialista criou condições para que o escoamento da produção tenha ocorrido sem quaisquer problemas.
O Governo do Partido Socialista criou condições para que as exportações tenham crescido sustentadamente nos últimos anos.

O Sr. António Martinho (PS): - Muito bem!

O Orador: - Pela primeira vez, o Governo do PS atribuiu à região do Douro novos direitos de plantação que nunca antes lhe tinham sido concedidos.
O Governo já manifestou que aceita condicionar ao acordo prévio das organizações durienses da lavoura a transferência de direitos de e para fora da região. Apenas entrará ou sairá da região um hectare que seja se as organizações representativas dos agricultores assim o quiserem.

Aplausos do PS.

O Governo legalizou 7400 ha de vinha, correspondentes a 12 500 agricultores que, há 10, 11, 12, e 13 anos, aguardavam pela legalização e que, durante todo aquele período, não puderam beneficiar de ajudas comunitárias, o que vai acontecer a partir de agora.
O Governo tem em execução o mais ambicioso programa de apoio à vitivinicultura que alguma vez existiu em Portugal. Para a reestruturação da vinha, vão ser concedidos apoios de 75% a fundo perdido, pagos à cabeça, e a região mais beneficiada vai ser o Douro.
Pela primeira vez, no Quadro Comunitário de Apoio existem medidas destinadas aos pequenos agricultores. Estes, que foram esquecidos pelos sucessivos governos do PSD, desde a adesão do País à União Europeia, podem beneficiar, a partir de agora, de ajudas de 50% a fundo perdido para fazerem investimentos nas suas explorações.
O Governo aumentou significativamente o leque das indemnizações compensatórias, passou a atribuí-las aos agricultores reformados - para o ano, serão atribuídas pela primeira vez -, implementando um conjunto de medidas que, quanto aos montantes financeiros, não têm paralelo com o que se passava anteriormente.
O Governo, como já deu sobejas provas no passado, mantém-se permanente e totalmente aberto a dialogar com a Casa do Douro, com as organizações agrícolas durienses, para, no quadro legal em que tal seja possível, ajudar a encontrar soluções para os seus problemas.
Aliás, se nos sentarmos à mesa, como já sucedeu no passado, certamente encontraremos as soluções, já que, hoje, o que o Dr. Durão Barroso aqui trouxe sobre essa matéria foi nada. O Dr. Durão Barroso fez um discurso impróprio para um dirigente de um partido - e digo-o com o respeito que o PSD nos merece -, um discurso recheado de falsidades…

Protestos do PSD.

… que podem ser demonstradas.

Vozes do PSD: - Então, demonstre!

O Orador: - Estou certo que os lavradores do Douro lhe darão a mesma resposta que lhe deram os produtores de leite dos Açores quando se deslocou àquela região autónoma, para tentar «incendiá-la», para tirar efémeros resultados políticos.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

Os agricultores portugueses sabem que o Governo está empenhado em resolver os seus problemas e os durienses, em particular, não se deixarão instrumentalizar, saberão lutar pelos seus direitos, hoje e no futuro, como lutaram no passado, mas, seguramente, não se deixarão manipular por quem, a expensas deles, apenas quer tirar efémeros resultados políticos.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Não é verdade!

O Orador: - Repito que o Governo está disponível para, com as organizações da lavoura duriense, encontrar

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soluções para os seus problemas, no momento em que se lhes oferece uma janela de oportunidade política,…

O Sr. João Maçãs (PSD): - É uma janela fechada!

O Orador: - … porque o sector da vinha e do vinho é altamente competitivo, com resultados visíveis, em especial nos últimos três anos, e com uma enorme potencialidade que todos nós, portugueses, temos de saber aproveitar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, pediu a palavra para que efeito?

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, é para defesa da honra da bancada.

O Sr. Presidente: - Agradecia que anunciasse a matéria ofensiva, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Ministro fez várias observações muito críticas à ausência de Deputados da minha bancada. Ora, não só em defesa da minha própria bancada como, provavelmente, até do prestígio da Assembleia, penso que é necessário dar uma explicação ao Sr. Ministro, se é que ele gostará de conhecê-la.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, a menção da ausência por si só não me parece que ofenda a honra de ninguém. No entanto, como estou convencido de que, no conjunto da intervenção do Sr. Ministro, pode ter havido melhor justificação do que essa para a defesa da honra, dou-lhe a palavra.
Faça favor.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, em nome do prestígio da Assembleia, quero explicar, se é que é necessário, por que razão há um tão grande número de Deputados da minha bancada ausentes.
Em primeiro lugar, o Sr. Ministro não desconhece o escândalo da Fundação para a Prevenção e Segurança nem desconhece que a esta hora está a decorrer uma reunião da comissão para audição de vários membros dessa Fundação, motivo por que muitos dos Deputados do PSD não estão no Plenário. É natural, Sr. Ministro, que nessa comissão estejam mais Deputados do PSD do que do PS. E o Sr. Ministro percebe porquê.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Em segundo lugar, não foi por culpa da Assembleia da República mas, sim, do Governo que entrou nesta Assembleia uma hipotética proposta de reforma fiscal com um prazo muito reduzido. Ora, para respondermos aos anseios do Governo estamos, num prazo record, a tentar fazer um trabalho que o Governo não fez em tempo útil e a tentar conclui-lo até ao dia 21. Este é um outro motivo pelo qual muitos dos Deputados da minha bancada não estão aqui; e também é natural que estejam lá mais Deputados do PSD do que do PS.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Em terceiro lugar, se por acaso estou aqui é, pura e simplesmente, porque o seu Governo não apresentou, como devia, todas as rectificações ao Orçamento. Neste momento, eu deveria estar na Comissão de Economia, Finanças e Plano a fazer a versão final do Orçamento, mas por vossa causa, porque não mandaram o que deviam, estou aqui. Não sei bem quando o irei fazer, mas, provavelmente, a desoras, visto os senhores não terem feito o vosso trabalho a horas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Estes são os motivos que justificam a ausência dos Deputados da minha bancada.
Todavia, em quarto lugar, o Sr. Ministro disse várias vezes que o PSD andou a «incendiar» várias regiões do País ou a «incendiar» vários grupos. Isto quer dizer que o Sr. Ministro está a chamar de inteligência menor as pessoas que estão nestas galerias, porque pensa que eles estão todos bem e que o PSD chegou lá e enganou-os. Em seu entender, eles estão a sentir-se mal só por aquilo que dissemos.
Portanto, o Sr. Ministro está convencido de que as pessoas foram enganadas, que estão óptimas, que o Governo tem-lhes dado tudo o que eles querem e que tem-lhes resolvido todos os problemas; e que o que acontece é que o PSD foi lá, enganou-os e trouxe-os até Lisboa para se manifestarem, para mostrarem o repúdio por este Governo!
Sr. Ministro, quando o seu Governo já não percebe as vaias a que está a ser permanentemente sujeito está realmente não só surdo como absolutamente alheado de tudo o que se passa no País.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas.

O Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas: - Sr. Presidente, esperava que a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite respondesse às acusações duras e à confrontação com as vossas próprias responsabilidades em que vos coloquei na minha intervenção.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Foram insultos!

O Orador: - Gostaria que a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite tivesse enumerado as propostas de solução para o problema da Casa do Douro que o Dr. Durão Barroso não foi capaz de apresentar. Gostaria que a Sr.ª Dr.ª Manuela Ferreira Leite refutasse, ponto por ponto, todas as acusações que lhe fiz, todas as responsabilidades, que são suas, porque também pertenceu ao governo que criou a situação com a qual hoje está confrontada a Casa do Douro.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

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E nunca lhe ouvi a mais leve preocupação para com os agricultores durienses e a lavoura do Douro quando foi co-responsável pela situação que estamos a tentar resolver e de que a senhora não pode isentar-se.

Aplausos do PS.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, agradeço que identifique a matéria da ordem de trabalhos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, se é uma interpelação, é naturalmente relativa à orientação dos trabalhos e…

O Sr. Presidente: - Mas nem sempre assim é, Sr. Deputado, como sabe.
Mas tem a palavra.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, eu não utilizo os métodos da Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite para fazer uma intervenção completamente marginal à discussão que aqui está a ser feita, até porque V. Ex.ª, a mim, não mo permitiria. E, portanto, eu, respeitosamente, não utilizarei esse método.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Manuel dos Santos, se está a fazer ao Presidente e seu amigo uma acusação de discriminação negativa, é profundamente injusto!

O Orador: - Não, Sr. Presidente! É discriminação positiva. É a amizade que V. Ex.ª tem por mim e que sabe que tenho por si…

O Sr. Presidente: - Faça favor de prosseguir, Sr. Deputado.

O Orador (PS): - Sr. Presidente, há pouco, o Sr. Ministro afirmou aqui que o Sr. Deputado Durão Barroso tinha iniciado este debate e que, depois, teria fugido a ouvir a resposta que o Sr. Ministro lhe tinha para dar.

O Sr. José Barros Moura (PS): - E é verdade!

O Orador: - Isso provocou uma reacção violenta, aliás, nunca vista. Eu nunca tinha visto Deputados aos saltos numa bancada e agora vi dois Deputados, um deles era até, por acaso, a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, aos saltos na bancada do PSD!

Protestos do PSD.

Mas quero confirmar a V. Ex.ª que o Sr. Deputado Durão Barroso entrou aqui depois do Sr. Ministro da Agricultura ter falado e não esteve nem na 1.ª Comissão, nem na reforma fiscal, nem na Comissão de Economia, Finanças e Plano. O Sr. Deputado Durão Barroso esteve nos corredores a «incendiar» os cidadãos deste País.

Aplausos do PS.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Isso não é verdade!

O Sr. Durão Barroso (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito regimental da defesa da honra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Durão Barroso (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel dos Santos…

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Basílio Horta, a defesa da honra tem prioridade sobre a interpelação.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço desculpa mas se o Sr. Deputado Durão Barroso pediu a palavra para exercer o direito regimental da defesa da honra pessoal, este será exercido no fim do debate, se foi para o da defesa da honra da bancada, este já foi feito.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Durão Barroso está a fazer defesa da honra em relação a afirmações que foram feitas agora.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, é para exercer o direito regimental da defesa da honra pessoal,…

O Sr. Presidente: - É pessoal, com certeza.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - … porque a defesa da honra da bancada acabou de ser feita.
Sr. Presidente, já é tempo de falar do Douro, de falar dos problemas das pessoas! Estamos aqui para isso e não para nos embrulhados em assuntos pessoais! É uma vergonha para as pessoas que estão nas galerias e para o País!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, ainda não lhe dei a palavra.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Por amor de Deus! Se é para isso vamos embora!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, ainda não lhe dei a palavra.
Sr. Deputado Basílio Horta, devo dizer-lhe que também eu não gostaria - e falo contra o meu próprio partido - de ouvir dizer que andava nos corredores a «incendiar» a opinião pública. Por isso, dei a palavra ao Sr. Deputado Durão Barroso, para se defender dessa acusação, que considero da maior gravidade.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

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O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - O Sr. Presidente tem toda a razão, pois é da maior gravidade e o Sr. Deputado Durão Barroso tem toda a solidariedade. Mas ou há Regimento da Assembleia da República ou não há! Se há Regimento, o que se pretende fazer é exercer o direito regimental da defesa da honra pessoal e este é feito no fim do debate; se V. Ex.ª entende de outra maneira, fará como entender, mas, assim, não é regimental.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Basílio Horta, é verdade que, segundo a tradição da Casa, não há defesa da honra contra respostas à defesa da honra, mas, em consciência, tenho de admitir que em determinados casos a resposta pode ser muito mais ofensiva do que foi a primeira acusação. Pode acontecer isto! E eu considero que neste caso houve uma afirmação que justifica que dê a palavra ao Sr. Deputado Durão Barroso. Peço desculpa, mas é o meu critério. Será excepcional, mas sempre que entender que a resposta contém matéria suficientemente ofensiva para uma reacção imediata darei a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, dá-me licença?

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, é apenas para fazer duas referências.
O Regimento não dá a V. Ex.ª esses poderes; por conseguinte V. Ex.ª não tem esses poderes, mas por respeito para com V. Ex.ª, que é um respeito antigo, e amizade não recorro da sua decisão para o Plenário.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Basílio Horta, até acontece que o Regimento me dá essa faculdade. Peço-lhe que leia o n.º 3 do artigo 92.º do Regimento, o qual me dá a faculdade de fazer isso mesmo. Até tenho esse poder, mas, por acaso, não foi isso que me determinou. No entanto, peço-lhe o favor de reconhecer que errou na crítica que acaba de me fazer.
Assim, para exercer o direito regimental da defesa da honra pessoal, tem a palavra o Sr. Deputado Durão Barroso.

O Sr. Durão Barroso (PSD): - Sr. Presidente, hoje, estamos aqui a discutir o Douro e, de facto, no Douro a honra passa primeiro. Tenho a certeza de que as pessoas do Douro compreenderiam que, mesmo que não estivesse no Regimento essa prioridade, ela deveria ser dada quando há uma ofensa à honra de uma pessoa.
O Sr. Deputado Manuel dos Santos pronunciou um verbo que nunca conjuguei na primeira pessoa: fugir. Nunca fugi, Sr. Deputado! Por isso, devo dizer-lhe que foi uma acusação absolutamente infundada que quero atribuir ao «calor» do debate e, por essa razão, dar-lhe a hipótese de retirar essa acusação. Não fugi, coisa alguma! Acontece que também tenho o direito que outros Srs. Deputados têm e exerceram, que é o de contactar com as pessoas que vieram do Douro para, aqui, exporem um problema.
E esta é a segunda ofensa que é feita pela bancada do Partido Socialista a estas pessoas. Mais uma vez, e como muito bem salientou a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, é insinuado que há aqui a criação de um problema, o tal «incendiário» PSD. Não é verdade! Em primeiro lugar, o PSD não foi ao Douro, porque o PSD é do Douro e sempre esteve no Douro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não houve qualquer acção artificial. O PSD é um partido com raízes profundas nesta região e muitos de nós, incluindo eu, tem aí raízes familiares e pessoais.
O que acontece, hoje, é que as pessoas do Douro vêm aqui expor um problema ao Governo e a verdade é que, em vez de haver uma resposta, o Partido Socialista e o Governo, este, sim - vou dizê-lo em sentido figurado, mas verdadeiro -, é que fogem da solução dos problemas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Governo e o Partido Socialista fogem da solução dos problemas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Durão Barroso, apreciei muito a sua intervenção! Já agora quero dizer-lhe que a honra passa no Douro, mas também passa no nordeste transmontano. Prezo muito as questões da honra, pelo que para tudo aquilo que o Sr. Deputado Durão Barroso ou os Srs. Deputados retirarem das minhas palavras que possa atingir a respectiva honra pessoal fica desde já feito um pedido de desculpa generalizado, para o passado, o presente e o futuro. Não o pretendi, como é óbvio, ofender pessoalmente V. Ex.ª, mas V. Ex.ª saiu daqui no momento decisivo deste debate, que era aquele em que o Governo ia apresentar o seu ponto de vista. Isto é irrefutável e condenável do ponto de vista político!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - V. Ex.ª não quer que eu utilize a expressão «fugir», porque nunca fugiu. Eu também nunca fugi de nada! Estive sempre contra os medos, não mudei de adversários! Estive sempre do mesmo lado, desde o dia 11 de Setembro de 1973. Também nunca fugi de nada, Sr. Deputado Durão Barroso! Respeito o seu passado e também aceito que não tenha fugido de nada, mas, hoje, o senhor fugiu de ouvir o Sr. Ministro da Agricultura apresentar a sua perspectiva e a sua opinião.

Protestos do PSD.

E o senhor acaba de dizer aqui uma coisa que convalida completamente o meu juízo e a minha apreciação. O senhor disse que foi lá fora - eu já sabia e por isso é que

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fiz a afirmação que fiz - falar com cidadãos do Douro sobre o tema que estava aqui em discussão. Não podia V. Ex.ª esperar mais 15 minutos para ouvir o Sr. Ministro e, depois, ir falar-lhes?!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O senhor quer respostas do Governo ou quer, pura e simplesmente, vender a sua verdade, que, como já se viu hoje aqui, desde o PCP ao CDS, passando pelo PS, é uma verdade que o deixa ficar muito mal, porque os senhores são os profundos responsáveis da situação que actualmente se vive na Casa do Douro?

O Sr. José Barros Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - Portanto, quanto à honra pessoal, se o ofendi, Sr. Deputado, peço-lhe desculpa, mas a minha intervenção foi de natureza política. E, em relação a isso, Sr. Presidente, e é também para V. Ex.ª, não retiro uma vírgula, nem uma palavra.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Durão Barroso, antes de mais perdoe-me por ter insistido em fazer esta pergunta, mas esta problemática que V. Ex.ª, em boa hora, trouxe a esta Câmara toca-me de perto.
Recordo-me a Casa do Douro dos tempos do Governo da Aliança Democrática, como a Casa do Douro próspera, respeitada, um organismo de referência da lavoura duriense,…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - … e o que foi, em 1982, a negociação do primeiro Estatuto da Casa do Douro.
Ora, quando hoje olhamos para esta instituição e vemos o estado em que ela se encontra não podemos deixar de nos sentir invadidos por um sentimento, simultaneamente, de tristeza e de desafio.
A questão é esta: nesta altura e nesta sede, em vez de degladiarmo-nos, porque responsabilidades temos todos, uns mais do que outros, devemos dar as mãos para conseguirmos deste Governo respostas concretas para aquilo que é urgente fazer. E o que é urgente fazer é decidir uma de duas coisas: ou a Casa do Douro é para ficar e continuar ou é para fechar. Não podemos iludir as questões!
Se a Casa do Douro continuar na situação em que está, com o passivo e as receitas que tem, é inviável. Em meu entender, o Governo tem de responder com clareza se está disponível para encarar sequer a hipótese de acabar com a Casa do Douro, enquanto instrumento fundamental de defesa da lavoura duriense, da lavoura fundamental dos pequenos e médios agricultores, da comercialização e, mais do que isso, do prestígio do próprio vinho generoso, aquém e além fronteiras. Esta é a questão! Se a resposta for negativa, como pensamos que é, tem de fazer-se uma outra pergunta de uma maneira decisiva. Está o Governo disposto a pôr um ponto final na actual situação da Casa do Douro e a começar do zero? Está disponível a isto? Está disponível para ver quanto custa começar do zero? Vamos ver quanto custa, para sabermos se vamos ou não pagar! Se vamos pagar, com quem e como vamos fazer. É isto que queremos ouvir aqui, porque a questão é esta! E não é por estarem aqui as pessoas que devemos encarar a questão desta forma, é porque é assim mesmo que ela deve ser encarada! Se estamos disponíveis para começar do zero e para dar novamente à Casa do Douro o prestígio que ela teve…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, esgotou o seu tempo, peço-lhe que termine.

O Orador: - Sr. Presidente, peço-lhe alguma generosidade, pois preciso só de 1 minuto.

O Sr. Presidente: - Não posso dar-lhe 1 minuto, Sr. Deputado.

O Orador: - É só mais 1 segundo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Se é só 1 segundo, faça favor de concluir.

O Orador: - Sr. Ministro, a questão é a saber se o Estado está disponível (não só para pagar, mas também para, depois, rever o Estatuto) para dar, desconcentrar e, neste caso, até descentralizar poderes de autoridade. É óbvio que não pode privatizar-se completamente a Casa do Douro - isso seria um irrealismo! E tudo o que tem a ver com a qualidade, com a comercialização, com a moralização, porque vender benefícios à porta, sem ter…

O Sr. Presidente: - Tem de terminar, Sr. Deputado!

O Orador: - É necessário começar do zero. Está V. Ex.ª disposto a isso? Quanto custa, quem paga e como vai fazer? É isto que queremos ouvir!

O Sr. Presidente. - Sr. Ministro, há ainda outro pedido de esclarecimento, deseja responder já ou no fim, visto dispor já de pouco tempo?

O Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas: - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sendo assim, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho para pedir esclarecimentos, dispondo, para o efeito, de 2 minutos, tempo cedido por Os Verdes.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, começo por apresentar os meus agradecimentos ao Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes».
Sr. Presidente, Sr. Ministro, nós queremos dar algum sentido útil a este debate, que consiste no objectivo de sair do mesmo algum contributo para a resolução dos problemas concretos que se vivem hoje na Casa do Douro e na lavoura duriense.

O Sr. Bernardino Soares (PS): - Muito bem!

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O Orador: - Para isso apresentámos um projecto de resolução com propostas concretas e por isso lançamos de novo um apelo a todas as bancadas, em particular às do PS e do PSD, para deixarem cair as acusações mútuas e se juntarem a nós no debate das questões de substância, designadamente das propostas que apresentámos no projecto de resolução.
Felizmente, hoje, toda a gente parece estar aqui a defender a Casa do Douro. Claro! Já ninguém se recorda de, em 1982, o Governo da AD ter querido acabar com a Casa do Douro, de o Deputado Basílio Horta, que na altura era Ministro, ter legalizado a portaria dos mortórios, de, em 1986, o PSD ter avançado com um projecto para acabar com a Casa do Douro, etc.!

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Felizmente, hoje, estamos aqui todos, pelo menos no discurso, com o desejo de defender a Casa do Douro e os durienses!
Neste sentido, gostaria de pedir ao Sr. Ministro duas respostas concretas a duas questões. A primeira questão é uma espécie de pecado originário deste processo mais recente que tem a ver com a nova arquitectura institucional.
Como o Sr. Ministro sabe, a nova arquitectura institucional transferiu poderes originários públicos da Casa do Douro para a CIRDD. Ora, o que defendemos é que, no quadro da arquitectura institucional, sem extinguir o que existe, se faça regressar à Casa do Douro, não por mero protocolo de delegações de competências mas por referência expressa na lei dos Estatutos da Casa do Douro, alguns dos poderes públicos que ela tinha anteriormente, como sejam o cadastro, o controlo e a gestão de produção, o benefício, a conta corrente de produtores, etc.
Está o Governo disponível para, com a Assembleia da República e connosco em particular, ponderar uma alteração desse quadro institucional de modo a fazer regressar à Casa do Douro os poderes que perdeu, como propomos no nosso projecto de resolução?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de concluir, pois já esgotou o seu tempo.

O Orador: - Finalmente, Sr. Presidente, pergunto se o Governo está disponível para voltar a analisar a situação financeira da Casa do Douro e as dívidas que resultaram…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não pode continuar! Peço desculpa, mas não posso ser um relógio de repetição para que o Sr. Deputado cumpra o Regimento!

O Orador: - … procurar criar as condições para a concretização do protocolo…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tenha paciência! Não pode continuar! Não sou um relógio de repetição!
Os senhores têm de me ajudar a cumprir o Regimento! Eu não posso ser um relógio de repetição, sempre a dizer: «Termine! Termine! Terminou o seu tempo, Sr. Deputado!», etc.! Tenham paciência, mas têm de me ajudar! Foram os senhores que ditaram estas regras, não fui eu!

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Para defesa da honra da bancada, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Qual é a matéria que considera ofensiva, Sr. Deputado?

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, o que considero ofensivo é dizer-se que o CDS-PP, no Governo da AD, porque eu era apenas um agente do Governo, fez legislação para acabar com os mortórios e com a Casa do Douro. Isto foi dito desta forma, o que é mentira!

O Sr. Presidente: - Está na fronteira da ofensa, mas tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, o que foi dito é mentira. Não é verdade! Aliás, em 1982, os Estatutos foram negociados com a Casa do Douro e com vários especialistas durienses que nem sequer eram do partido, como sejam o Dr. António Barreto, o Engenheiro Lopes Cardoso - que Deus o tenha! -, e tanta gente. Nós governávamos assim, ouvíamos as pessoas! De tal maneira que a Casa do Douro teve a generosidade de dar ao Ministério da altura a medalha de ouro da Casa do Douro, que não era dada impunemente.
Quanto aos mortórios, V. Ex.ª está enganado, foi exactamente ao contrário. Quem legalizou os primeiros mortórios fomos nós! Fui eu que tive a honra de legalizar os primeiros mortórios! Portanto, está equivocado.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Basílio Horta procurou, por um lado, reinterpretar a história…

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Não é a minha especialidade!

O Orador: - … e, por outro, no que toca à legalização dos mortórios, esqueceu-se de que o início das dificuldades da Casa do Douro foi devido ao alargamento desregrado das áreas de plantio, uma dos quais resultou exactamente da legalização da portaria dos mortórios, que, nessa época, deu lugar a mais 28 000 pipas de benefício, com as consequências financeiras que isso teve na Casa do Douro. Por isto, foi V. Ex.ª o responsável, enquanto Ministro!
Mas, Sr. Presidente, volto à minha pergunta de há pouco ao Sr. Ministro. Queremos dar um sentido útil a este debate e, portanto, para que este assunto seja resolvido, é necessário a resposta do Sr. Ministro às perguntas que fiz.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que não misture as questões!

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Para responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Ministro.

O Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas: - Sr. Presidente, permita-me que registe com satisfação a postura construtiva, quer da bancada do PP, quer da do PCP,…

Risos do PS.

… que, para além do mero discurso completamente vazio de conteúdo, apresentam algumas propostas concretas, que, naturalmente, são bem acolhidas pelo Governo.
O Sr. Deputado Basílio Horta perguntou se o Governo vai acabar com a Casa do Douro. As únicas pessoas que podem acabar com a Casa do Douro são os agricultores durienses! Assim, obviamente, o Governo não acabará com ela e tudo fará, como tem feito, demonstradamente e num muito curto prazo, para que a Casa do Douro possa ser autónoma e financeiramente sustentável. Porém, isto não depende do Governo! O Governo não pode gerir ou intervir numa entidade privada que tem um conjunto de atribuições, muitas das quais negociadas com o Governo. Como ainda recentemente disse a vários dirigentes, no Douro, há um conjunto de outras atribuições que podem ser negociadas e transferidas para esta região, sobretudo num momento em que vamos ter um gigantesco plano de reestruturação de vinha, para o que vai ser necessário dar apoio técnico aos agricultores. E penso que ninguém estará melhor apetrechado para dar esse apoio do que a Casa do Douro, sob pena de não utilizarmos verbas que, se não forem utilizadas anualmente, regressarão a Bruxelas. E o mesmo aplica-se às alterações institucionais. Aliás, o Sr. Deputado Lino de Carvalho anunciou um projecto de resolução com cinco pontos. Sr. Deputado, em relação a metade deles, já ganhou, pois está a propor coisas que o Governo já tem em execução! Não sei se o fez por desconhecimento ou por uma questão de oportunidade, mas no que toca às propostas relativas ao QCA III ou à transferência de direitos apenas com parecer das organizações já o Governo legislou e já está a executá-las! Portanto, a sua proposta está, antecipadamente, condenada ao sucesso parcial, porque o Sr. Deputado propõe aquilo que o Governo já está a executar!
Não tenho, pois, qualquer dificuldade em discutir consigo e com todos os grupos parlamentares, designadamente as alterações ao modelo institucional. Só me admira que o Sr. Deputado Lino de Carvalho só hoje se tenha lembrado disso! Se o modelo institucional está em vigor há cinco anos, não é necessário que seja o Governo a alterá-lo! O senhor já o podia ter alterado há cinco, quatro, três, dois, um ano!
Portanto, estamos, naturalmente, disponíveis para equacionar uma discussão à volta destas questões. Inclusivamente, já disse à Casa do Douro…

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, tem de terminar.

O Orador: - Sr. Presidente, peço desculpa, mas é só mais um segundo.
Como eu estava a dizer, eu já disse à Casa do Douro que o Governo está na disposição de retirar da Comissão Interprofissional da Região Demarcada do Douro o representante do Estado, ficando apenas os representantes da produção e do comércio, se esta for a vontade, como já foi manifestado, por parte dos representantes da produção.
Estamos, pois, abertos a dialogar, como sempre estivemos, Srs. Deputados, e assim continuaremos a proceder!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia, e já não era tempo!

Eram 18 horas e 30 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início a discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 312/VIII - Estabelece medidas de protecção das edificações realizadas com o recurso à pedra (PS).
Para introduzir o debate, tem a palavra o Sr. Deputado Victor Moura.

O Sr. Victor Moura (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A iniciativa legislativa que hoje discutimos teve a sua origem em apelos de agentes sociais que se vêem impotentes para impedir o que consideram ser a delapidação do nosso património.
Colocam-se aqui, em toda a sua essência, as razões que levam ao surgimento da função legislativa: gerir interesses, neste caso, de actividades que têm a ver com o ordenamento do território e com a conservação de marcas que se pretendem indeléveis da nossa cultura, naquilo que ela tem de mais primário, de mais essencial, que é a sua ligação à terra, ao solo e ao seu cultivo, em suma, às nossas origens.
Pretendemos com esta iniciativa colmatar o vazio legal existente que tem permitido a retirada de milhares de toneladas de pedra envelhecida nos muros, nas muralhas, nas habitações e em vários outros empreendimentos onde a acção dos nossos antepassados a colocou, descaracterizando e delapidando o nosso património histórico, ambiental e rural.
Pretendemos, pois, precaver a possibilidade de se esvaírem, nomeadamente, e sobretudo, para outros países, esses sinais de um passado de que nos orgulhamos. A comunicação social tem tratado deste assunto e denunciado a especulação e o frenesim dos intermediários. Junto da fronteira são, aliás, visíveis grandes depósitos destes materiais enobrecidos pelo tempo.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A nossa ruralidade deu-nos o ânimo e temperou-nos o carácter. Como escreve Silva Gaio: «São tristes as aldeias porque o granito beirão, mal desbastado e enegrecido, lhes dá a cor do luto».
Deixar desaparecer os seus sinais significaria que no seu lugar surgiriam angústias, resultados de um vazio, feito de cedência a valores materiais incompatíveis com os valores etéreos em que se alicerça uma comunidade.
As construções em pedra são em número finito, limitado, integradas já na nossa personalidade, como noutras regiões serão a madeira, o colmo, o adobe, a taipa e, até, o betão armado. Proteger essas construções e empreendimentos antigos, algumas delas, no dizer de Camilo, «de pedra tão em bruta e sem visos de esquadria que parecem

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ter ali ficado casualmente postas umas contra outras pelo revolucionar aquoso de algum dilúvio», é, assim, assegurar a subsistência de um testemunho insubstituível, para que as gerações futuras compreendam o seu e o nosso tempo; não o fazer é permitir a dissipação desse tesouro, acumulado ao longo de gerações.
Pretende-se, assim, através do presente projecto de lei, dotar as autarquias locais dos mecanismos legais adequados para impedir a destruição deste património cultural, histórico, ambiental e rural.
Alicerçamos este nosso projecto de lei nas novas perspectivas da noção de património, que evoluiu de uma perspectiva erudita para uma mais geral, através da integração progressiva de elementos da cultura popular, que possibilitou igualmente que se evoluísse de um património essencialmente urbano para o património rural e da articulação entre o património construído e o natural e humanizado.
Se, como já ouvi, e acompanho essa definição, o património construído é o rosto humano da paisagem e se a última coisa a perder-se em todos os sistemas é a estrutura, também na paisagem de muitas das regiões deste nosso país as construções em pedra, nomeadamente os muros de divisão das propriedades, são elementos essenciais. A pedra é, de facto, um dos materiais mais perduráveis do nosso património. Ela está presente nas habitações, nas construções agrícolas, nos socalcos, nos muros, em tudo o que, pela sua durabilidade, atesta a história dessas nossas regiões.
Estas construções têm, muitas delas, vários séculos, outras serão obra de tempos bem mais próximos. São, todas elas, símbolos de épocas diferentes, mas que atestam a divisão da propriedade, o exacerbado individualismo, a luta por um palmo dessa terra, até pela própria propriedade desse muro de demarcação. Quanto suor, mas também quanto sangue, escurece a pedra de tantos desses muros! Mais baixos ou mais altos, sejam da Casa de Romarigães ou dos muros dos Esteves que despertaram as ambições de tantos Manuéis da Bouça que emigraram na mira de os ter como seus, são testemunhas vivas de tantas e tantas disputas, mas também de tanto esforço de pessoas e animais a que só a força, mesmo que anímica, do homem deu forma e sentido.
Os muros de demarcação são depositários de séculos de história da divisão da propriedade em característicos minifúndios que fazem parte integrante da paisagem do interior norte e centro.
O projecto de lei, ao impor o prévio licenciamento municipal às demolições ou qualquer tipo de alterações nas construções em pedra em que se tenham utilizado técnicas ancestrais de construção, pretende, assim, dotar as câmaras municipais dos meios que lhes possibilitarão avaliar das razões dessa demolição.
Possibilita-se, assim, a estes órgãos autárquicos indeferirem tais actos com fundamento em interesses históricos, culturais e ambientais e a consideração de que essas construções e edificações são elementos essenciais a preservar na respectiva paisagem. Introduz-se, pois, um novo elemento valorativo e um conceito que tem a ver com a preservação da paisagem.
Acrescenta-se e pormenoriza-se o conceito de empreendimentos que se pretendem preservar, expressando-se a ressalva dos imóveis já classificados ou em vias de classificação, que, como é óbvio, são já objecto de medidas específicas e especiais de protecção.
O regime sancionatório procura evitar que se enverede pela via do facto consumado, tão frequente em termos de incumprimento dos regimes legais que enquadram os licenciamentos municipais, sancionando o proprietário infractor e obrigando-o a repor a situação preexistente. Atribui-se às câmaras municipais o direito de apreenderem os materiais retirados, mesmo que já em trânsito, que reverterão a seu favor, para ordenar que o dono da obra, às suas expensas, os reponha no local onde estavam, sob pena de, se este o não fizer, a câmara tomar posse administrativa da obra ou do terreno, procedendo à reconstituição da situação preexistente. Neste caso, o infractor reembolsará a câmara municipal pelos encargos decorrentes da execução dos trabalhos. Estas situações não afastam, como é óbvio, a aplicação de coimas a fixar, nos termos dos normativos legais em vigor, pelo presidente da câmara municipal.
Também aos autores materiais ou proprietários dos equipamentos utilizados nas obras em contravenção se impõe a obrigação de, antes de se proporem executar os actos abrangidos por este projecto de lei, se assegurarem de que os mesmos estão devidamente licenciados.
A não adopção dos normativos que protegem o património cultural em geral, para disciplinar os actos abrangidos por este projecto, prende-se tão-só com a necessidade de agilizar soluções legislativas adequadas à gestão e ordenamento deste património, as quais, no entanto, poderão ceder perante interesses como os da construção de edifícios ou de uma melhor exploração de prédios rústicos, agora na posse do mesmo proprietário, que torna desnecessários os muros de demarcação entre eles.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A terminar, quero manifestar a nossa total abertura para introduzir as alterações que tenham em vista melhorar a eficácia deste projecto de lei.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado David Justino.

O Sr. David Justino (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Depois de uma leitura atenta do projecto de lei n.º 312/VIII, que estabelece medidas de protecção das edificações realizadas com o recurso à pedra, e de alguma reflexão devo confessar que não resisti a lembrar-me do velho ditado popular, que nos diz que «de boas intenções está o inferno cheio»! E, na verdade, as «boas intenções» aqui manifestadas, quer no preâmbulo, quer em algumas das medidas preconizadas, não escondem alguma debilidade quanto à sua aplicação e até à técnica jurídica utilizada. E passo a enunciar algumas dessas medidas, não sem antes fazer referência ao facto de estar para agendamento, nesta Assembleia, a discussão da proposta de lei relativa ao património cultural, que deveria ser a sede adequada para se discutir este e outros problemas.
Não quero negar a premência da situação, que o Sr. Deputado Victor Moura teve, aliás, o cuidado de enunciar, mas também devo chamar a atenção, já que não compreendo muito bem o que se passa, para o facto de, continuando por agendar a discussão da lei do património cultural, apesar de haver uma grande urgência na sua discussão, se proceder à discussão de uma iniciativa pontual, casuística, que apenas abrange, relativamente ao patri

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mónio, uma pequena parte dos casos, quando se exige uma visão integrada no que toca ao património cultural enquanto património cultural edificado e também paisagístico. É por isto que pergunto: por que é que o PS, podendo integrar estas preocupações no texto da proposta de lei relativa ao património cultural, dá prioridade a uma intervenção casuística?
Trata-se também de uma iniciativa muito circunscrita e, como Deputado nacional, que somos todos, custa-me esquecer outras situações. Por isso, pergunto: qual é a resposta para as edificações feitas com bloco cerâmico, com tijolo, porque, ao contrário do que se diz no preâmbulo do diploma, o tijolo já vem dos romanos - não se esqueça disto, Sr. Deputado -, e que praticamente domina no sul de Portugal ou, se quiser, com o adobe, que domina no norte de Portugal, região de Aveiro e Beira Litoral.
Ora, tenho a sensação de que houve uma preocupação excessiva com uma situação localizada, e penso que, na verdade, a nossa preocupação, como Deputados, será encontrar soluções globais para, depois, se ter hipótese de se fazer aplicações mais localizadas, precisamente o contrário do que nos é aqui proposto.
Penso que o que há a valorizar relativamente aos problemas enunciados é o que poderemos designar de complexos patrimoniais e paisagísticos; ou seja, não é o problema da casa construída com pedra mas, sim, os complexos de aglomerados populacionais, que têm uma lógica própria e que devem ser entendidos dentro dessa lógica e não do ponto de vista pontual de uma ou outra casa, de um ou outro muro, de um socalco ou de qualquer muro de suporte. E, nesta perspectiva, penso que o papel conferido às autarquias reúne a minha concordância. No entanto, gostaria de perguntar quantas autarquias, neste país, têm um plano de salvaguarda do património cultural.
Ora bem, este plano de salvaguarda de património cultural, quer o edificado, quer o paisagístico, é uma condição básica para que a própria câmara municipal possa definir o que é ou não é um atentado ao próprio património. Porque esta lei, tal como é proposto, vai permitir a discricionariedade completa por parte da câmara municipal relativamente aos interesses particulares. Porquê? Porque não há suporte técnico de identificação e de definição cadastral do que é e não é de preservar. Assim, como cidadão, gostaria de saber se, no caso de decidir alterar a constituição de um muro de uma casa na zona rural, posso ou não alterá-lo e em que condições o posso fazer. Porém, parece-me que esta proposta de lei constitui uma espécie de presente envenenado para os próprios presidentes de câmaras, para as próprias autarquias. E é um presente envenenado precisamente porque confere à autarquia uma responsabilidade para a qual não têm suporte técnico por forma a poder fazer opções. E, neste sentido, penso que existe um conjunto de contradições sobre o qual valeria a pena reflectir.
Mas há uma contradição das contradições, se me permite, para terminar, que vou destacar. No preâmbulo do diploma vemos uma alusão aos muros de suporte, aos socalcos (e já aqui estivemos a falar do Douro) e aos muros de demarcação. No entanto, o artigo 1.º, que define o objecto deste diploma, estabelece no seu n.º 1 o seguinte: «A presente lei destina-se a preservar as edificações realizadas com o recurso à pedra, em que tenham utilizado…» - e, agora, destaco as palavras seguintes - «… técnicas ancestrais de construção».
Sr. Presidente e Srs. Deputados, os muros de suporte não são sujeitos a qualquer técnica ancestral de construção. Quer isto dizer que, se houver um atentado à demolição ou destruição de um muro de suporte ou de demarcação, esse acto não cabe na alçada da lei. Ou seja, o que se quer preservar está a ser perfeitamente excluído.
Neste sentido, penso que não é só um problema de, na especialidade, podermos introduzir alterações, incorporando contributos de outros Srs. Deputados, mas, sim, que esta discussão deveria ser realizada em sede de discussão da proposta de lei sobre o património cultural.
Dito isto, agradecia que o PS reflectisse sobre esta hipótese, de poder sacrificar este projecto de lei em favor de uma maior reflexão em sede da discussão da proposta de lei sobre o património cultural.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Victor Moura.

O Sr. Victor Moura (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado David Justino, agradeço as perguntas que fez na sua intervenção, porque vão dar oportunidade para clarificar as intenções deste projecto de lei.
Começo por dizer que confio no bom senso das autarquias e, portanto, no bom senso dos nossos autarcas. Não é só quando se discute, às vezes a propósito de estatutos, que se diz que os autarcas são bons gestores, devemos assumir, nesta Casa, que eles são de facto bons gestores, que gerem bem, nomeadamente, o seu território. E é por confiar nessa capacidade que eu remeto esta matéria para as câmaras municipais, porque são eles que conhecem a realidade, que podem pesar os interesses em jogo, que podem medir e viabilizar ou não a demolição que se pretende evitar.
Como eu disse, é óbvio que há casos em que, por motivos ligados à construção de habitação ou relacionados com a aquisição pelo mesmo proprietário de vários de prédios que antes estavam espalhados por alguns proprietários, como forma de, do ponto de vista agrícola, melhor rentabilizar esses prédios, nenhuma câmara municipal iria inviabilizar a demolição dos muros de demarcação.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, faça favor de concluir, pois já esgotou o tempo regimental.

O Orador: - Para concluir, porque, como eu já disse, confio no bom senso dos autarcas, pergunto se o PSD não confia neles e se não está disposto a colaborar na melhoria deste projecto de lei, em sede de discussão na especialidade.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado David Justino.

O Sr. David Justino (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Victor Moura, não se trata de um problema de confiar ou não no bom senso dos autarcas; eu também sou autarca e não iria negar o bom senso que tento defender como tal. É um problema de sistematização e de acção organizada por parte do Estado através da lei.
Sr. Deputado, utilizando uma analogia muito simples, o problema não pode decorrer do bom senso dos autarcas,

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porque, do outro lado, não está o mau senso dos cidadãos; caso contrário, teríamos também de confiar no bom senso dos cidadãos. Portanto, não vamos fazer um processo de intenção relativamente a toda esta questão.
Todos estes problemas devem ser regulados pela lei, é normal que assim seja! Porém, se há uma má lei, a regulação não existe.
O que agora proponho é que tentemos construir um «muro», mas o que o Sr. Deputado propõe com este projecto de lei é que tratemos deste problema à «pedrada». A diferença é esta!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Pinho.

O Sr. António Pinho (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto aqui trazido pelo Partido Socialista visa, nos seus principais objectivos, precaver a possibilidade de se esvaírem, nomeadamente para outros países, sinais de um passado que nos ajuda a melhor preparar o futuro. Para alcançar esse desiderato, pretende o presente projecto dotar as autarquias locais de mecanismos legais adequados para impedir a destruição e delapidação deste património cultural, histórico, ambiental e rural. Tendo retirado, de uma maneira geral, estas palavras da exposição de motivos apresentada pelos Deputados proponentes, tal intenção parece-nos louvável, pois todos os esforços e medidas que forem implementados no sentido de promover a preservação do nosso património cultural contam, à partida, com a simpatia desta bancada.
O CDS-PP bate-se, desde a sua fundação, pela defesa e divulgação do património cultural português, sem dúvida um dos mais importantes factores na transmissão dos nossos valores enquanto nação e da nossa história.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - O património cultural é uma forma viva e dinâmica de transmitir aos jovens e a todos aqueles que nos visitam a história do nosso país e a sua identidade nacional, valores tão caros a este partido e que, infelizmente, nem sempre merecem das entidades competentes a atenção necessária.
O património não pode, no entanto, ser estático e mudo, pois é este, sem dúvida, o primeiro grande passo para a sua degradação física e espiritual, se entendermos o património como algo mais do que um simples elemento arquitectónico ou um mero vestígio de um passado mais ou menos distante.
Numa época em que os valores da Internet, da globalização, da informatização ou, melhor dizendo, até da «formatação» que os nossos jovens vivem no seu dia-a-dia, afigura-se-nos absolutamente determinante a preservação do nosso património cultural como veículo transmissor da história de Portugal e dos valores do nosso país.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como referi anteriormente, o CDS-PP vê com bons olhos todas as iniciativas que vão no sentido de preservar e de divulgar o nosso património cultural, nomeadamente nos casos em que se verifica a sua saída no nosso país, o que é uma clara delapidação dos nossos valores.
Surgem-nos, no entanto, algumas dúvidas importantes quando analisamos a fundo o presente projecto de lei, nomeadamente na sua clara e redundante sobreposição em relação a vários pontos da actual Lei do Património Cultural Português, datada de 6 de Julho de 1985.
Os exemplos do que acabei de referir são inúmeros, conferindo inclusivamente a Lei n.º 13/85, de 6 de Julho, tal como faz o presente projecto de lei, várias competências às autarquias locais. Por exemplo, o seu artigo 3.º estabelece que «O levantamento, estudo, protecção, valorização e divulgação do património cultural incumbem especialmente ao Estado, às regiões autónomas, às autarquias locais (…)» - ora, nestes casos, podemos perfeitamente enquadrar este artigo - e os artigos 7.º e 8.º, que regulamentam a classificação do património cultural, deixam bem claro quais os requisitos a preencher para merecer tal distinção, podendo o caso das construções em pedra abrangido neste projecto de lei ser inserido na designação de «conjuntos» ou «sítios» a classificar. Se o «conjunto» tem valor patrimonial e cultural poderá ser pedida a sua classificação.
Mais claro não podia ser o artigo 9.º da referida lei, onde se estabelece, no n.º 1, que «O processo de classificação pode ser desencadeado pelo Estado, pelas regiões autónomas, pelas autarquias locais ou por qualquer pessoa singular ou colectiva» e, no n.º 2, que «Cabe, em especial, às autarquias locais o dever de promover a classificação de bens culturais nas respectivas áreas» - ora, parece-me que a matéria abrangida pelo projecto de lei também se enquadra aqui perfeitamente. Como estes muitos outros casos podiam ser aqui enumerados.
Parece-nos, pois, que o presente projecto de lei terá um âmbito muito pouco alargado, apesar da sua intenção, destinando-se a um caso específico, podendo constituir, no entanto, um importante contributo para a reforma da Lei do Património Cultural Português, que se aguarda. Neste sentido, também nos parece positivo para o próprio diploma a sua baixa à Comissão sem votação, a fim de enriquecer a nova lei do património.
Não podia, no entanto, concluir esta intervenção, apesar de fugir um pouco ao âmbito do assunto que estamos a discutir, sem deixar uma nota de grande preocupação pela morosidade dos processos de classificação levados a cabo pelo IPPAR, nomeadamente, no distrito de Aveiro, onde se arrastam desde há vários anos um elevado número de casos, sem terem merecido qualquer resposta até hoje.
O problema, como vemos, não está propriamente na actual Lei do Património Cultural Português mas, sim, na forma como esta não é aplicada. É urgente que o IPPAR dê resposta, em tempo útil, aos processos que tem em mãos, sendo para isso indispensável que, por um lado, passe dos gabinetes para o terreno e, por outro, haja uma clara modernização e desburocratização dos seus serviços e procedimentos.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Victor Moura, dispondo, para o efeito, de 1 minuto, tempo cedido pelo Partido Comunista Português.

O Sr. Victor Moura (PS): - Sr. Presidente, começo por agradecer ao PCP o tempo que cedeu ao PS para eu poder formular este pedido de esclarecimento.
Sr. Deputado António Pinho, a questão é que os actos que referi não se enquadram na actual lei do património;

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aliás, os autarcas são unânimes em dizer exactamente isto, e foi a pedido deles que surgiu esta iniciativa legislativa, no sentido de dizerem que a lei não se aplica, e não se pode aplicar.
Sr. Deputado, o artigo 8.º, que citou, refere-se sempre a poderem ser delimitados geograficamente, e não é este o caso - estes muros não podem ser delimitados geograficamente -, além do mais, esta lei do património obrigaria a um levantamento exaustivo de todos os muros. Ora, tal levantamento é de facto impensável, é materialmente impossível, isto para não dizer que iria tornar o sistema muito rígido.
Sr. Deputado, já reparou o que seria se fosse o Ministério da Cultura a fazer isso? Para cada demolição a fazer-se, o requerimento teria de vir a Lisboa, ao Ministério da Cultura, teria de constituir-se zonas de servidão…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se, faça favor de terminar.

O Orador: - Sr. Deputado, com a lei que invocou não vamos lá! E é exactamente por isso que apresentamos esta iniciativa legislativa.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Pinho.

O Sr. António Pinho (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Victor Moura, continuo a considerar que, se virmos nestes muros e no seu conjunto, o seu aspecto histórico, cultural e patrimonial, no âmbito do património cultural, da demarcação da propriedade, de serem um indício claro do tipo de propriedade, neste caso o seu valor será, essencialmente histórico e cultural. Assim, se se trata de um valor histórico e cultural, insere-se claramente no âmbito da Lei do Património Cultural Português - este é o nosso entendimento. Hoje em dia, há métodos que permitem catalogar perfeitamente este tipo de situação. Não podemos é fazer uma lei para muros de pedra e, depois, uma outra, como já aqui foi referido, para todos tipos de construção. Esta questão deve ser inserida numa lei mais global.
Acredito e reconheço que esta lei do património tenha de ser melhorada, mas é por isso mesmo que está em estudo e em preparação um nova lei do património, onde, naturalmente, estas questões deverão ser previstas.
Agora, se pretendemos defender o valor patrimonial e cultural de uma determinada construção, que é o que aqui está, com a tal técnica ancestral, o que também me parece ser um conceito vago, penso que a lei que temos, aprofundada e melhorada, cobre perfeitamente estes casos.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Matias.

O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 312/VIII visa, segundo afirmam os subscritores no seu preâmbulo, preservar e impedir a dissipação de construções de pedra que se integram na «personalidade» de certas regiões, dotando as autarquias locais dos mecanismos legais adequados para impedir a destruição do que consideram património cultural, histórico, ambiental e rural.
É um facto indesmentível e por demais evidente a degradação actual do nosso território, cuja causa não reside, porém, na falta de legislação avulsa com o fim de preservar cada um dos elementos caracterizadores da paisagem, de per si, antes radica na ausência de uma correcta política de ordenamento do território.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Não está de maneira alguma em causa a necessidade de preservar o nosso património e se os objectivos do presente projecto de lei são correctos, a nosso ver, já o articulado nos merece algumas reservas.
Em nossa opinião, não é legítimo generalizar a todo o País medidas que terão de ser necessariamente diversas de região para região,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - … nem faz sentido aplicar a todo e qualquer caso isolado as normas dos imóveis classificados ou as restrições das áreas que constituem património histórico devidamente identificado.
É que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a degradação do nosso meio rural tem, antes de mais, origem numa política que continua a implicar uma cada vez maior desertificação do interior e as populações que restam, que são sistematicamente esquecidas pelo Orçamento do Estado na construção dos equipamentos sociais, têm direito a melhorar as suas condições de vida, a começar pela melhoria do conforto das suas habitações, não sendo lícito impor-lhes restrições irrealistas, nem sujeitá-las a custos desproporcionados.
Uma coisa é vender a peso a matéria-prima de uma construção marcante e significativa; outra, bem diversa, é não poder adaptar a casa em ruínas dos avós para habitação própria ou não poder sequer construir nela uma casa de banho e, a poder fazê-lo, gastar mais neste anexo do que o custo da totalidade de qualquer das maisons de todos os seus vizinhos.

Risos do PSD.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: Este diploma, antes de ser aprovado, merece, no nosso entendimento, uma séria e profunda reflexão em sede de comissão.
Não podemos, Sr. Presidente, deixar de registar que, justamente há uma semana, esta Assembleia concedeu autorização legislativa ao Governo para legislar sobre o regime jurídico das construções e urbanizações, autorização cujo projecto de decreto-lei esteve anexo, sendo de realçar que este não inclui medidas com vista a melhorar a qualidade da construção, ao mesmo tempo que permite, através de um hábil mecanismo de deferimentos tácitos, ratificar factos consumados, mesmo que em contravenção com as disposições regulamentares em vigor.
Ora, é justamente no regime jurídico das construções e urbanizações e noutros diplomas regulamentadores da lei de bases do ordenamento do território que reside a questão central do problema em apreço. E o registo que aqui queremos deixar é o de que os subscritores deste projecto de lei são precisamente os mesmos que, através de autorizações legislativas, passaram para o Governo competência desta Assembleia referente a esta matéria; são ainda os mesmos que rejeitaram, há menos de um ano, um pro

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jecto de lei que possibilitava sujeitar as licenças de construção à compatibilidade com os instrumentos de gestão territorial. Sucede que é através dos instrumentos de planeamento e gestão territorial que, consequentemente, se defende o património cultural e ambiental e não com medidas avulsas, não contempladas nos diplomas gerais.
Passo o registo que não poderíamos deixar de fazer, é de facto essencial e necessário, melhorar este projecto de lei em sede de comissão.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães): - Sr. Presidente, uso da palavra brevissimamente, tão-só para dar uma explicação à Câmara.
O Sr. Presidente e os Srs. Deputados terão reparado que esteve sentado na bancada do Governo o Sr. Secretário de Estado da Cultura, por respeito para com a Câmara, naturalmente, e para, porventura, falar neste debate. Porém, a sua ausência, neste momento, resulta do facto de estar a representar o departamento, de que é membro, numa cerimónia a poucos passos daqui, na qual teremos o prazer de assinalar a criação de uma nova ala no Museu de Arte Antiga, corroborando, também, por essa forma, o ímpeto ou o empenhamento na defesa do património e de coisas que nos são caras a todos.
Em relação a este projecto de lei, Sr. Presidente e Srs. Deputados, tomei boa nota das observações feitas pelos Srs. Deputados e sublinharia a articulação que todos fizeram entre esta problemática e duas problemáticas conexas, ambas muito relevantes. A primeira é a que diz respeito ao regime jurídico do património cultural. Como sabem, a Câmara tem vindo a ter em braços propostas de revisão da velha lei de 1985, que é uma lei de bases, como todos sabemos. Há instrumentos que se foram adicionando a essa lei de bases, visando finalidades relevantes em defesa do património cultural; há novissimamente o Programa Operacional da Cultura, o qual visa, em parte, canalizar investimentos destinados à recuperação do património e à sua defesa, investimento-verba, não «verbo»; e há um esforço concatenado e filho de uma determinada visão estratégica, que é aquela que está aprovada nas GOP e que foi aprovada há poucos dias nesta mesma Câmara.
Portanto, a discussão da revisão da lei de bases do património será, não tenho qualquer dúvida, e, pelo que ouvi na Câmara, tenho a certeza, o momento excelente para trocar impressões e fazer convergir ideias que, neste ponto, julgo, nos permitirão um consenso significativo em torno de coisas que, não há muito tempo, geraram considerável dissenso.
Neste sentido, gostaria de anunciar que o Sr. Ministro e o Sr. Secretário de Estado terão ocasião de pedir à Comissão de Educação, Ciência e Cultura um ciclo de audiências, no início do mês de Janeiro, e que eu terei ocasião de, em nome do Governo, propor na Conferência de Representantes dos Grupos Parlamentares o agendamento da lei de bases do património, logo que esse ciclo de discussões esteja completado na Comissão de Educação, Ciência e Cultura, porque não gostaríamos que essa proposta viesse a Plenário sem que algumas questões que ensombraram momentos anteriores de debate tenham sido varridas para o sítio onde devem estar e tenhamos um consenso, à partida, mais satisfatório para todos os Srs. Deputados e, julgo, com grande vantagem para o património, que é aquilo que nos deve, naturalmente, unir.
Deixo de lado a segunda questão, que é a relacionada com os loteamentos urbanos.
O Sr. Deputado Joaquim Matias fez uma conexão entre este debate e o que aqui tivemos na passada semana e culminou com a viabilização, com as abstenções do PSD e do CDS-PP, de uma autorização legislativa que eu julgo que seria errado satanizar. As autorizações legislativas, quando são densificadas, quando são concretas, quando definem o seu sentido e a sua extensão, não merecem censura e são instrumentos de governação e de expressão política democrática perfeitamente aceitáveis e regulados pela Constituição.
Houve, de facto, uma divergência resultante de o PCP ter apresentado, no momento em que o entendeu, embora muito tarde, um projecto de lei sobre a matéria - um projecto longo, projecto largo, projecto filiado numa outra opção e envolvendo os problemas que o Sr. Secretário de Estado do Ambiente aqui exautorou na passada semana, e, portanto, não reunindo condições para ser votado -, mas o facto de a Câmara ter optado por outro caminho não significa que tenha enveredado pela «via da perdição» e que tenha comprometido, para sempre e de qualquer maneira e, ainda por cima por uma maioria tão alargada, a defesa do nosso património urbano e de um bom e honesto regime de loteamentos. É assim a democracia, não deve chocar absolutamente ninguém. Suponho, aliás, que, no limite, não choca o Sr. Deputado Joaquim Matias.
Fica em aberto a questão de saber como é que será revisto o regime geral das edificações urbanas, coisa diferente, coisa que merece, ela própria, também a atenção da Câmara e que evidentemente está aberto à oferta de iniciativa por parte das bancadas. Não conheço nenhuma, mas o Governo seguramente estará atento, se alguma aparecer e se for relevante.
Em relação a este projecto, e por último, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não vejo razão para se erguer o turíbulo da maldição, nem, porventura, para se fazer desta matéria o debate que não tem, neste momento, aqui a sua sede própria. Ou seja, não é satânico que qualquer Deputado apresente uma iniciativa para atacar uma questão pontual e particularmente quente, mas também é verdade que toda a gente reconhece que o lugar próprio de uma questão sectorial é, porventura, no todo e que, quando em breve discutirmos esta legislação, teremos, sem dúvida, ocasião de conjugar tudo: esta iniciativa, certamente meritória, e a iniciativa que visa agarrar toda a malha de questões, das quais depende, na sua boa solução, a defesa do nosso património de toda a natureza.
Julgo que vamos conseguir isso e é bom que o consigamos, e iniciativas deste tipo ajudam a aprofundar o debate sobre essa necessidade instante. O facto de podermos culminar com a garantia de que a Associação Nacional de Municípios Portugueses foi ouvida, de que a ANAFRE, se não foi ouvida, sê-lo-á e de que os Srs. Deputados poderão, e aqui gostaria de renovar a oferta que fiz no início, com a participação do Governo, ajustar soluções e encontrar, porventura, um articulado de consenso alargado, se conseguirmos isto, o que, penso, está perfeitamente ao nosso alcance, julgo que teremos agido bem e que o debate de hoje valeu, redobradamente, a pena.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim do debate deste projecto de lei.
Srs. Deputados, antes de entrarmos no último ponto da ordem de trabalhos, o Sr. Secretário vai dar conta de um relatório e parecer da Comissão de Ética.

O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o relatório e parecer refere-se à substituição, nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea b), do Estatuto dos Deputados, da Sr.ª Deputada Natália Filipe (PCP), a partir do dia 9 de Dezembro, pelo Sr. Deputado Alexandrino Saldanha.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos, agora, passar à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 277/VIII - Confere a natureza de crime público ao crime contra a integridade física, quando praticado contra agentes das forças e dos serviços de segurança (CDS-PP) e 335/VIII - Ofensa à integridade física no âmbito da intervenção policial: crime público (BE).
Para apresentar o projecto de lei n.º 277/VIII, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ao longo dos últimos anos temos vindo a assistir, de forma mais ou menos gradual, a um aumento sucessivo dos índices de criminalidade, com maior incidência em alguns casos de criminalidade violenta que raramente são susceptíveis de permitir, quando possível, uma actuação dos agentes das forças de segurança sem recurso ao contacto físico ou ao uso da força. A título meramente exemplificativo, refiram-se os casos de roubo na via pública, de roubo por esticão, da resistência e coacção sobre funcionários ou do rapto, sequestro ou tomada de reféns, todos eles referidos nos último relatório do Ministério da Administração Interna como tendo sofrido forte aumento durante o ano de 1999. Neste relatório, referem-se também novos tipos de criminalidade relacionados com a existência de gangs, juvenis ou outros.
Por seu lado, a constatação desta realidade tem dado lugar a uma outra: a de um grande aumento das agressões praticadas contra agentes das forças ou serviços de segurança no exercício das suas funções ou por causa delas. Em 1996, houve 181 agentes agredidos; em 1997, foram 252; em 1998, foram 347; em 1999, 386 e, em 2000, já vamos em 400 agentes agredidos.
Darei apenas alguns exemplos reais, revelados este ano pela comunicação social. No dia 22 de Julho, dois agentes foram agredidos à pedrada no Bairro do Cerco, em Lisboa, e, pedidos reforços, outro guarda do piquete foi também atingido, tendo todos recebido tratamento hospitalar. No dia 1 de Agosto, cerca de 30 pessoas agrediram à bofetada e pontapé dois agentes que se encontravam em patrulha. No dia 14 de Agosto, uma agente foi agredida a soco ao tentar capturar um indivíduo suspeito de tráfico de droga, no alto da Cova da Moura, na Amadora. No dia 10 de Outubro, dois agentes da PSP de Queluz foram até agredidos - pasme-se! - por uma juíza de um tribunal da relação. Muitos outros exemplos haveria, sem dúvida, mas estes já são elucidativos.
Em todo o caso, e para o que mais importa, condutas como as descritas traduzem a prática de um crime de ofensas à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º do Código Penal. Só que do n.º 3 deste dispositivo decorre actualmente ser este um crime semipúblico, cujo procedimento criminal, por essa via, depende de prévia queixa do agente. A verdade, todavia, é que com enorme frequência os agentes das forças ou serviços de segurança optam por não deduzir qualquer queixa, sendo várias as razões que têm justificado esta inércia. Em primeiro lugar, não raras vezes, por força da necessidade de deduzirem queixa os agentes das forças de segurança sentem-se obrigados a procurar apoio judiciário e a suportar as consequentes despesas que não desejam.
Em segundo lugar, da queixa que formulam decorre quase sempre que os agentes agredidos são, depois, obrigados a passar dias inteiros em tribunal para depor em processos de inquérito, instrução ou julgamento, que, em regra, são adiados vezes sem conta, em resultado de um deficiente funcionamento do aparelho judiciário, mas sempre com graves prejuízos para os seus desempenhos profissionais e para as suas vidas pessoais.
Em terceiro lugar, com demasiada frequência e ainda que tendo por base motivos justificadamente invocados pelos instrutores dos processos ou pelos julgadores, estes agentes têm como única compensação a chacota dos delinquentes que os agrediram. Estes, vendo as detenções não confirmadas, os processos arquivados ou sendo absolvidos em julgamentos, voltam à sua prática criminosa rotineira com uma acrescida motivação e sentimento de impunidade, que só tem contrapartida nos sentimentos de desânimo, desespero e revolta que provocam nos agentes policiais.
Consequentemente, na prática, são inúmeros os agentes que, apesar de agredidos no exercício das suas funções ou por causa delas, optam por não apresentar qualquer queixa que desencadeie o procedimento criminal. E fazem-no sentidos com um Estado que sentem não os proteger por não determinar uma actuação oficiosa do Ministério Público sempre que são vítimas de tais agressões.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Só que, se de um ponto de vista meramente individual se pode compreender a opção destes agentes, já de um ponto de vista dos interesses que importa acautelar não se pode aceitar que as descritas condutas delinquentes não sejam objecto de acção penal. É que, quando um ou mais agentes das forças ou dos serviços de segurança são agredidos, não são apenas os seus interesses particulares que importa acautelar, mas, principalmente, a imagem, o poder de autoridade e a qualidade de que estão investidos quando no exercício das suas funções ou por causa delas.
Consequentemente, no limite, mais do que os interesses particulares dos agentes, é a própria eficácia e capacidade dissuasória das forças policiais que pode ser irremediavelmente afectada, se a comunidade não poder sancionar a conduta dos delinquentes agressores através de um procedimento criminal, só porque aqueles optaram por não o desencadear. Conscientes desta realidade, são os próprios

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agentes quem agora, por si ou através de associações representativas, reclamam uma alteração da lei, por forma a que seja conferida natureza pública a todas as agressões de que sejam vítimas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - É uma preocupação que encontra justificação nas razões de ordem pública que mencionámos e é, por isso, uma preocupação a que queremos dar expressão legal através da apresentação do projecto de lei em apreço.

Aplausos do CDS-PP.

Quanto ao projecto de lei n.º 335/VIII, originário do Bloco de Esquerda, farei uma curta intervenção.
Do nosso ponto de vista, este projecto de lei reflecte uma profunda inversão de valores, de resto tão ao gosto de uma esquerda radical que aposta sempre e consecutivamente no insólito e na ruptura como forma de gestão de um protagonismo mediático sem o qual, sabem, não conseguem sobreviver.

Aplausos do CDS-PP.

Pena é que não tenham consciência da dimensão das consequências que resultariam da aprovação daquilo que propõem. Pretendem os bloquistas - para o que mais importa - que sejam considerados crimes públicos e que, por isso, não dependam de queixa do ofendido crimes resultantes de ofensa praticada por agentes das forças de segurança sobre cidadãos, no exercício das suas funções.
Não resisto a apresentar alguns exemplos para ilustrar o absurdo da proposta. Um agente detecta um furto. O delinquente foge, o agente persegue-o e, para o imobilizar, lança-o ao chão, daí resultando ferimentos para o delinquente. Objectivamente, sendo crime público, o Ministério Público teria de instaurar procedimento criminal sem dependência de prévia queixa do delinquente para averiguar se esses ferimentos justificariam a acusação pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples. A nossa visão acerca da acção policial não poderia ser mais oposta à do Bloco de Esquerda. Para o Partido Popular, o agente tinha cumprido o seu dever em benefício da comunidade. Para o Bloco de Esquerda, o agente tinha de ser obrigatoriamente objecto de um procedimento criminal para apuramento da existência de eventuais crimes.
Outro exemplo: no recente jogo de futebol entre o Benfica e o Sporting, no Estádio da Luz, na sequência dos graves distúrbios e de danos provocados por centenas de adeptos, as forças policiais foram obrigadas a intervir usando da força, utilizando, no exercício das suas funções, bastões de forma visível e televisionada e, por isso, perceptível aos olhos de milhões de telespectadores. Para o PP, os agentes cumpriram as suas funções, e bem, na defesa da ordem pública. Para o Bloco de Esquerda, tal como está elaborado o seu projecto de lei, o Ministério Público teria de identificar todos os agentes policiais e, sem prejuízo das regras processuais relativas à conexão, instaurar tantos processos-crime quantos cidadãos vítimas da acção policial!

Aplausos do CDS-PP.

Já sabíamos que a extrema esquerda pretendia que os polícias andassem desarmados, o que nunca julgámos possível é que quisessem evitar que os polícias pudessem agir ou que tivessem vontade de o fazer!
Na verdade, na prática, do projecto de lei do BE resultam, necessariamente, duas consequências imediatas: por um lado, os tribunais portugueses, já de si céleres - é bom dizê-lo! -, passariam a ser incapazes de dar seguimento à imensidão de procedimentos criminais, justificados diariamente pelo simples cumprimento das regras procedimentais respeitantes ao uso da força por parte das forças policiais; por outro, como é óbvio, as forças policiais deixariam de actuar, a fim de evitar os procedimentos criminais que necessariamente lhes seriam instaurados. Quem seriam os principais prejudicados? Precisamente os cidadãos e a comunidade que o Bloco de Esquerda demagogicamente afirma querer proteger.
Custa até crer que o Bloco de Esquerda não consiga sequer detectar o erro de base de que enferma o seu projecto de lei. É que este projecto de lei coloca em situação de paridade, quando vítima de agressão, um agente de uma força ou serviço de segurança e um mero cidadão. Ou seja, esquece que um agente, para além de cidadão, é também alguém a quem foi conferido um poder de autoridade soberano para defesa e em benefício de uma comunidade que deve proteger e servir, donde releva a defesa do interesse público que o Estado deve tutelar, independentemente da vontade do agente.
Esquece também que o cidadão é apenas isso, um cidadão, e esquece que um agente, além de objecto de um controlo interno, é também objecto de um controlo externo mais intenso do que aquele a que está sujeito o particular. Um agente, como cidadão, quando agride um particular, incorre num crime de ofensa à integridade física numa das modalidades previstas no Código Penal. No entanto, para além daquilo que acontece ao cidadão normal, incorre, em concurso de crime, num crime de abuso de poder, que já é um crime público, previsto e punido no artigo 382.ª do Código Penal, e numa infracção disciplinar, que pode culminar em pena disciplinar de aposentação compulsiva e demissão, nos termos do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública. Acresce, ainda, que, como regra, as forças de segurança nunca são abrangidas pelas leis de amnistia.
Finalmente, compreende-se esta posição do BE por uma outra razão: é que este projecto de lei traduz apenas mais um passo na lógica de uma esquerda radical que confunde lei com imposição e ordem com repressão e que, por essa via, comete normalmente duas enormes injustiças para com os agentes das forças e serviços de segurança. Por um lado, tende a acusá-los de incapacidade para combaterem a criminalidade e de serem, por isso, indirectamente responsáveis pelo seu aumento. Equivale isto, no fundo, a encontrar um bode expiatório. Por outro lado, afirma um princípio de presunção da violência policial sempre que, para combaterem essa mesma criminalidade ou para se defenderem, os agentes sejam obrigados a recorrer ao uso da força. Esta é uma injustiça que não cometemos. Não somos ingénuos ao ponto de pensar que não existem em Portugal casos de violência policial. Existem, certamente, e até em razoável número, mas o que também temos como certo é que estes casos constituem uma excepção e não traduzem a imagem das entidades da polícia que, pelo seu esforço, temos de reconhecer em abono da justiça, têm prestado quase sempre relevantes serviços à Pátria.

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Votaremos, por isso, contra este projecto apresentado pelo Bloco de Esquerda.

Aplausos do CDS-PP.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Mota Amaral.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Castanheira.

O Sr. Ricardo Castanheira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, deixe-me saudá-lo pela sua intervenção. No entanto, apesar de ter estado atento, surgiu-me um conjunto vasto de dúvidas.
Entre outras coisas, pergunto se o Sr. Deputado sabe o que pensa a Directoria Nacional da Polícia Judiciária sobre esta matéria, se sabe o que existe de produção jurisprudencial neste âmbito e se sabe o que é que os artigos 146.º e 132.º do Código Penal dizem sobre esta questão. Pergunto-lhe, enfim, se sabe qual foi o entendimento da última Comissão de Revisão do Código Penal sobre esta mesma questão. Tenho estas dúvidas e gostava de as ver esclarecidas, até porque também tenho algumas certezas.
A primeira certeza que tenho é a de que, se o Sr. Deputado e o Partido Popular tivessem tido em consideração todos os entendimentos que acabei de referenciar, seguramente, não teriam produzido este equívoco legislativo, que é, nem mais nem menos, o vosso projecto de lei. Aliás, apesar das críticas que o Sr. Deputado endereçou ao Bloco de Esquerda, devo dizer que V. Ex.ª acabou por ser responsável de um outro equívoco legislativo - esse, produto do vosso -, que é o projecto de lei do Bloco de Esquerda.
Gostaria, ainda, de saber se o Sr. Deputado falou com a sua colega, a Deputada Celeste Cardona,…

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Maria!

O Orador: - … pois, a propósito de um semelhante debate sobre um projecto de lei do Bloco de Esquerda relativo à atribuição de natureza pública às ofensas cometidas contra a mulher na família, a Sr.ª Deputada Celeste Cardona…

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Maria!

O Orador: - Peço desculpa! Referia-me à Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona!

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Muito obrigada!

O Orador: - Referia-me à Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona e dizia que ela, no debate do projecto de lei do Bloco de Esquerda que já mencionei, fez uma referência que me parece absolutamente contrária e contraditória ao princípio sustentado que o Sr. Deputado acabou de nos explanar como sendo a base do vosso projecto de lei.

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Leu mal!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - E já ouviu as referências contraditórias do ex-Ministro Fernando Gomes?!

O Orador: - Para não correr o risco de dizer algo pouco certo, passo a citar as palavras da Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona no já referido debate: «A nosso ver, trata-se de um projecto errado, (…)» - o projecto do Bloco de Esquerda, que, na altura, também pretendia atribuir natureza pública a um determinado crime - «(…) porque dispensa totalmente a vontade da vítima, não toma em linha de conta aquilo que, para nós, ainda é elemento fundamental, que é justamente a manifestação expressa da vontade da vítima.
Gostava de deixar bem claro que estou convicta de que o Estado deve proteger os indefesos. O que não deve é substituir-se totalmente a quem tem capacidade de decidir e de ter vontade.»
Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, perante esta contradição evidente entre a argumentação que apresentou para o seu projecto de lei e a argumentação que a Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona, na altura, apresentou sobre uma questão análoga, gostava que esclarecesse o Partido Socialista e esta Câmara.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, a quem a Mesa concede 1 minuto e 30 segundos.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Agradecendo, em primeiro lugar, a amabilidade do Sr. Presidente, queria ainda agradecer ao Sr. Deputado Ricardo Castanheira a questão que me colocou.
Para além disso, queria dizer-lhe que, obviamente, conheço todas aquelas referências que fez. Caso contrário, não teria apresentado o projecto de lei em causa. No entanto, aproveito também para lhe dizer qual é o nosso entendimento e qual é o entendimento de ilustres juristas e de professores de Direito sobre esta matéria. Entendemos que aquilo que o artigo 146.º do Código Penal consagra é uma mera circunstância agravante que não altera a natureza do crime e que, por isso, as ofensas à integridade física dos agentes de forças de segurança continuam a consagrar um crime semipúblico. A não ser assim, não seria admissível, como sucede frequentes vezes nos nossos tribunais, que processos-crime que decorrem de factos desta natureza terminassem com a desistência de queixa dos ofendidos, no caso, os agentes das forças de segurança, o que, como sabe, não sucederia se o crime fosse público, porque este não permite a desistência de queixa dos ofendidos.
Não me parece que o Sr. Deputado queira reconhecer a incapacidade do Ministério da Justiça para resolver os problemas que existem na justiça portuguesa, mas, se este é um crime público, sempre lhe pergunto onde é que estão os procedimentos criminais instaurados pelo Ministério Público em consequência dos crimes praticados contra agentes de segurança, que todos os dias são noticiados pela imprensa.
Finalmente, sendo este, como o Sr. Deputado diz, um crime público, pergunto-lhe como é que explica que as próprias associações de polícia venham reivindicar a sua conversão num crime com essa natureza.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

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O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para apresentar o projecto de lei n.º 335/VIII, do Bloco de Esquerda, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta matéria é de extrema sensibilidade e o Bloco de Esquerda encara-a com toda a seriedade. Por isso, Sr. Presidente, não iremos descambar na caracterização de quaisquer outras iniciativas de forma caricatural e, por vezes, grotesca.
O que queremos aqui fazer de uma forma muito vincada é considerar que, por razões que se prendem com a criação de ghettos, com fenómenos de delinquência juvenil, com a desertificação do centro das cidades e com uma política errada de combate à toxicodependência, têm vindo a crescer os elementos e um caldo de cultura que têm permitido que se multipliquem agressões a agentes de forças e serviços de segurança. Isso é absolutamente condenável e reprovável, o que, para nós, não oferece qualquer dúvida. Porque este fenómeno está a aumentar, como sempre dissemos às associações representativas da polícia, e porque não tem funcionado de forma correcta o mecanismo que, como crime semipúblico, pretende levar a uma punição e dissuasão deste fenómenos, entendemos - acompanhando até o Partido Popular - que este tipo de agressão deve ser classificado como crime público, não dependendo de queixa para ser prosseguida a acção penal.
Entendemos também - e isso não horroriza ninguém nem é qualquer inversão de valores, porque não se trata de desclassificar aquilo que pretendemos - que, num Estado de direito democrático, deve haver uma paridade entre a defesa dos direitos de um agente policial no exercício das suas funções e a defesa dos direitos de um cidadão, e não de um simples cidadão como há pouco aqui se ouviu dizer. O que é que vos custa a entender?! A paridade?! Com certeza que se trata de paridade!
Também sabemos - e há jurisprudência sobre isso - que, quando há excesso do uso da força no âmbito do exercício de funções por parte de agentes policiais, é crime semipúblico e que apenas quando há dolo específico é que configura abuso de poderes. Ora, quando há situações de ofensa à integridade física simples, não é crime público, e deveria passar a sê-lo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Ser «simples» não é pecado!

O Orador: - É pouco mais do que anedótico ouvir dizer, como eu ouvi hoje o Sr. Deputado Paulo Portas, que aquilo que o Bloco de Esquerda pretende, imagine-se!, é que, quando alguém (valha-nos Deus!…) presencia um assalto e um agente policial corre atrás do assaltante e o atira ao chão, tal acto seja considerado crime. Estamos no domínio da fábula, do grotesco, da anedota! Não é isso que se retira, evidentemente, do projecto de lei apresentado pelo Bloco de Esquerda,…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Então, o que é?

O Orador: - … porque já hoje, em tribunal, se pode avaliar o uso excessivo da força por parte de um agente policial no exercício das suas funções.

Protestos do CDS-PP.

O que pretendemos é que o procedimento criminal não dependa de queixa e que, portanto, a acção penal possa ser exercida sem a obrigatoriedade de o ofendido vir a iniciar esse processo.
Sr.as e Srs. Deputados, nós precisamos, na sociedade portuguesa, e também para bem da democratização da civilidade e do funcionamento da estrutura policial, que os agentes policiais sejam isentos de toda a suspeita em relação a um uso excessivo da força, em relação a agressões inoportunas, a espancamentos, a tudo aquilo que esteja para além do que foi rigorosamente a necessidade de intervenção que tiveram, aqui ou além, de operar.
Também não podemos desconhecer que Portugal, neste domínio da ofensa à integridade física simples, é um dos países citado nos relatórios da Amnistia Internacional. Não podemos alhear-nos disto e omitir ou, até, escamotear, fingindo que não é nada connosco.
Nós não entendemos as coisas desse modo. Continuamos a ver o uso excessivo da força num conjunto de situações e, portanto, não há como instituir paridade e deixar que o tribunal decida se as queixas vão até final, o que terá também um efeito dissuasor na prática de agentes policiais que se excedem no uso da força.
Entendemos que este projecto de lei pode ser melhor trabalhado na especialidade e, inclusivamente, aperfeiçoado do ponto de vista técnico-jurídico, pelo que estamos disponíveis para que isso aconteça.
O nosso intuito é muito claro e, por isso, é escusado fazer demagogia à volta de coisas que não têm uma configuração séria.
Poderíamos estar aqui a falar de diversas coisas, nomeadamente se o Bloco de Esquerda defende uma polícia desarmada e, a este respeito, devo dizer que, em determinadas circunstâncias e situações, defende, mas não defende desarmar a polícia. São aspectos bem diferentes! Recordo, aliás, que, na conservadora Velha Albion - e não me consta que seja tomada por esquerdismo e por essa retórica delirante que ainda há pouco ouvi da parte do Sr. Deputado do PP! -, os conservadores britânicos têm uma parte da sua polícia de patrulha e de giro absolutamente desarmada. Devem ser uns terríveis esquerdistas os conservadores britânicos!…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Não é por serem conservadores!

O Orador: - Portanto, recomendaria que regressássemos à normalidade do debate, e não a uma cruzada, que não entendo que seja politicamente correcta - e a expressão «politicamente correcta» é importante -, debate esse que tenha a ver com a defesa dos direitos humanos e de garantias para os cidadãos, de garantias para os agentes policiais.
Quanto às suas associações, estamos abertos, como sempre, ao diálogo, defendemos, até, os seus sindicatos e os seus meios de intervenção como cidadãos, no uso das suas funções.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Montalvão Machado.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, quero apenas perguntar ao Sr. Deputado Luís Fazenda o seguinte: se entende que já se pode avaliar, e pode, o

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excesso de força praticada pelo agente policial, qual é o objectivo deste projecto de lei do Bloco de Esquerda?

Vozes do CDS-PP: - Exactamente!

O Orador: - O que me parece, salvo devido respeito - e não me leve a mal -, é que o Bloco de Esquerda se apressou de tal maneira a copiar, em parte, o projecto de lei do CDS que, curiosamente, até cometeu o mesmo erro. Ou seja, copiou tanto que disseram ambos que estavam a alterar o Código Penal aprovado pelo Decreto-Lei n.º 45/95, quando a questão nada tem que ver com esse diploma mas com o Decreto-Lei n.º 48/95. Mas VV. Ex.as, só para copiar, copiaram um pequeno lapso de escrita do CDS-PP!

Risos do CDS-PP.

Quero ainda dizer outra coisa, Sr. Deputado: não há mesmo paridade entre a vítima ser um agente de autoridade ou ser um cidadão. Basta conhecer o artigo 132.º, que constitui uma circunstância agravante que qualifica os crimes. Portanto, não há mesmo paridade!
Outro aspecto que me faz alguma confusão e que gostaria que me esclarecesse tem que ver com o seguinte: se o que justifica a qualificação de um crime como crime público são as razões de ordem pública que se visam proteger, se hoje, na 1.ª Comissão, onde V. Ex.ª estava presente, aprovámos, por unanimidade, o relatório que punha isso em causa, pergunto como é que V. Ex.ª, hoje de manhã, aprovou um relatório em que se punha isso em causa e agora continua a defender o indefensável. Não lhe parece que há um perfeito antagonismo entre o seu voto desta manhã, na Comissão, e a sua intervenção feita agora?

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, gostaria de expender brevemente uma doutrina - que é curta, mas que tem alguma substância - quanto à produção de relatórios em sede de comissões.
Nós entendemos, em geral, que os relatórios obrigam aos relatores, valem enquanto peças nesse domínio e não significam aquiescência por opiniões políticas.
Portanto, aquilo que se viabilizou hoje foi um relatório que marca a posição do relator e o seu trabalho. Aliás, no final do relatório - é normal que tal se faça -, os partidos reservam para o Plenário as suas posições, e é exactamente isso que estamos a fazer aqui.
O Sr. Deputado Montalvão Machado, como jurista experimentado que é (eu não tenho sequer essa pretensão), elaborou um relatório, mas nós estamos a reportar-nos a alterações ao artigo 143.º do Código Penal e, que me conste, existe já jurisprudência, nomeadamente acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, que diz muito concretamente que, quando um agente de autoridade se excede, causando voluntariamente ferimentos ao ofendido, comete o crime previsto no artigo 143.º do Código Penal e que esse é um crime semipúblico.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - E daí?

O Orador: - Isso é, creio, inatacável e é fundamento da nossa iniciativa. Aliás, aquando da revisão do Código Penal, daquilo que pude observar, chegou a ser ponderada a hipótese de aquilo que é hoje o artigo 143.º vir a constituir crime público. Não se optou por essa solução. Entretanto, o tempo transcorreu e entendemos hoje, face à evolução dos fenómenos - e temos que estar abertos àquilo que a sociedade vai mostrando que a legislação deve corrigir para poder acompanhar e intervir sobre a realidade -, que, nas circunstâncias em que não há dolo específico mas que manifestamente pode existir uma situação de excesso do uso da força por parte das forças policiais no exercício de funções, em vez de crime semipúblico, seja um crime público.
Portanto, não me parece que haja qualquer tipo de plágio ou de obliteração em relação àquilo que é a filigrana jurídica do Código Penal.
Creio que haverá, talvez, da parte do Sr. Deputado uma má vontade em relação à ideia, mas discutamo-la politicamente e não nos envolvamos numa espécie de contenda sobre charneiras jurídicas, porque não é exactamente disso que se trata.
Aliás, com toda a abertura - e dirijo-me a todas as bancadas mas, em particular, ao Partido Socialista -, estamos absolutamente à vontade para, em sede de especialidade, melhorar o contexto técnico-jurídico desta disposição. O que interessa é o seu conteúdo e o seu valimento essencial.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, que dispõe de 1 minuto que lhe é cedido pelo PCP.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, VV. Ex.as copiaram mal o nosso projecto. Hão-de atentar que o que o nosso projecto consagra é que exista crime público quando a ofensa seja praticada por agentes das forças de segurança, no exercício das suas funções ou por causa delas. Ora, VV. Ex.as esqueceram-se do «por causa delas».
Vou dar-lhe um exemplo caricato desta situação: imagine um agente que, durante as horas de serviço, é agredido por um delinquente. Neste caso, seria crime público. Mas se o agente detivesse um delinquente e esse delinquente o apanhasse mais tarde, fora das horas de expediente, e, para se vingar, lhe desse um grande cocelo, já não era crime público, já dependia de queixa.

Risos do CDS-PP.

Como compreenderá, Sr. Deputado, não faz muito sentido.
Mas pergunto se V. Ex.ª não terá cometido um lapso quanto àquilo que quis prever.
Resulta da sua intervenção que V. Ex.ª entende que exige especial censurabilidade quando um cidadão é agredido por um polícia para além daquilo que é o uso legítimo da força. Ora, se assim é, pergunto: aquilo que VV. Ex.as quereriam não seria consagrar essas agressões como sendo um exemplo de especial censurabilidade e, como tal, integrá-las no artigo 132.º do Código Penal, para o qual remete o artigo 146.º, e dessa forma constituía uma circunstância agravante qualificativa?

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O Sr. Presidente (Mota Amaral ): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, já referi que estamos abertos a melhorar o projecto de lei em sede de especialidade. Não tenho o menor prurido em admitir que há uma disposição que está incompleta. O Sr. Deputado tem toda a razão. Queremos, de facto, referir quando é no exercício das funções e por causa delas. Não temos qualquer problema em alterar essa disposição, disse-o desde o início, o que só atesta a nossa vontade de enfrentar este problema com toda a seriedade.
Contudo, deixe-me que lhe diga que quanto ao resto, não tem já objectividade. O que tem é a tentativa de materializar e de traduzir aquilo que é uma opção política, isto é, os senhores não aceitam que exista qualquer tipo de ideia de paridade de deveres e de direitos de cidadania na relação entre o cidadão e o agente policial. Rigorosamente, é disso que se trata e de mais nada.
Se os senhores aplicassem a lógica que aplicaram ao vosso projecto a esta relação binária entre um cidadão e o agente policial, certamente chegariam à mesma conclusão. Mas os senhores não querem aplicar essa lógica!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria de pedir desculpa aos Srs. Deputados que já intervieram neste debate e dizer que eu não os pude ouvir, na medida em que estão a decorrer audições na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias das quais não me pude ausentar.
Contudo, gostaria de exprimir sinteticamente a nossa posição relativamente a estas duas iniciativas legislativas.
Começaria pela ordem de apresentação, isto é, pelo projecto de lei apresentado pelo Partido Popular, dizendo que, do nosso ponto de vista, este projecto não faz grande sentido. E não faz grande sentido, porque, como bem se escreve no relatório aprovado, hoje de manhã, na 1.ª Comissão, da autoria do Sr. Deputado Montalvão Machado, o crime de ofensas corporais, quando praticado sobre um agente de força do serviço de segurança, é um crime qualificado, portanto já tem uma especial agravação por esse facto.
Agora, a questão que o PP coloca é que, em vez de ser um crime semipúblico como hoje é, isto é, o processo criminal depende de queixa mas, formulada a queixa, não depende de acusação particular, ou seja, o Ministério Público deve prosseguir com o processo, deveria ser, desde logo, o Ministério Público, oficiosamente, independentemente de qualquer queixa, a avançar com o processo.
E quais são as razões que aduzem para isso? Aduzem razões de imagem das forças policiais e aduzem um facto que, creio, é espantoso, que é referirem que «é frequente que as vítimas deste tipo de comportamento não deduzam queixa, nomeadamente a fim de evitarem nalguns casos previsíveis incómodos decorrentes do seu estatuto funcional quando chamados a prestarem colaboração com a justiça.»
Ora bem, Srs. Deputados, entendemos que não é a razão do incómodo de o agente policial ter de apresentar queixa que nos deve levar a considerar que este deve ser um crime público e, quanto à imagem das forças policiais, creio que é pior que se diga que o crime de ofensas corporais cometido sobre um agente policial tem de ser um crime público, porque, por razões de incómodo, eles muitas vezes não deduzem queixa. Creio que é óbvio que um agente de uma força policial que sofra uma agressão física de alguém tem o dever de apresentar a respectiva queixa.
Portanto, entendemos que este crime, tal como está previsto, está bem, é um crime semipúblico, mas, naturalmente, qualificado pelo facto de ser praticado sobre alguém que está especialmente encarregado de fazer cumprir a lei e de garantir os direitos dos cidadãos.
Entendemos que razões de especial vulnerabilidade de certas vítimas justificam que o crime de ofensas corporais deva ser um crime público, inclusivamente, no que se refere à violência doméstica, considerámos aqui, na Assembleia, que, de facto, dada a especial vulnerabilidade e dificuldade de a mulher apresentar queixa, se justifica que seja crime público, mas não vimos analogia entre uma situação de violência doméstica e uma situação de agressão a um agente das forças policiais. Não vimos aqui qualquer similitude de situações.
Relativamente ao projecto de lei do Bloco de Esquerda, devo dizer que não o trato de igual modo, porque ele coloca uma questão relevante, que é o problema da violência policial. Designadamente, em determinados casos conhecidos de agressões perpetradas em instalações de forças policiais, deve ser discutida a natureza deste crime, porque aí coloca-se, de facto, um problema de vulnerabilidade das vítimas, na medida em que pode não ser fácil a um determinado cidadão que é agredido numa esquadra de polícia, sem outras testemunhas, para do próprio e dos agressores, deduzir queixa. Aí, de facto, pode haver uma situação que justifique que a questão, tal como a coloca, seja considerada.
O problema é que o projecto de lei do Bloco de Esquerda acaba por ter todos os defeitos do do PP ao aceitar na íntegra aquilo que o do PP propõe. Portanto, entendemos que faria sentido discutir este problema da violência policial autonomamente e desligado do projecto de lei que o PP aqui apresenta, porque, assim, o projecto de lei do Bloco de Esquerda acaba por ter todos os defeitos do do PP, embora tenha virtudes que o do PP não tem. Consideramos que valeria a pena discutir essas virtudes e, nesse sentido, não tratamos os dois projectos de lei em pé de igualdade, nem temos o mesmo posicionamento relativamente a eles.
Contudo, entendemos que não é boa política criminal legislar e alterar o Código de Processo Penal por esta forma avulsa, digamos assim. Valia a pena discutir uma iniciativa legislativa que pudesse prevenir e reprimir com maior eficácia casos de violência policial, mas entendemos que a mesma deveria ser feita desligada desta iniciativa legislativa, na medida em que pensamos que a que é proposta pelo PP, de facto, não faz minimamente sentido.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Castanheira.

O Sr. Ricardo Castanheira (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Tem o Plenário da Assembleia da República perante si e para apreciação duas iniciativas legisla

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tivas - os projectos de lei n.os 277 e 335/VIII - provenientes dos partidos políticos sentados nos extremos parlamentares, ou seja, o PP e o Bloco de Esquerda, curiosa e simultaneamente com fins idênticos e antagónicos, assim como com vícios semelhantes.
O objectivo comum de uma e de outra produção legislativa é o de introduzir uma qualificação de natureza pública ao tipo legal de crime previsto no artigo 143.º do Código Penal, que dispõe sobre as ofensas à integridade física, actualmente classificado como crime semipúblico, e daí que tenham, o Bloco de Esquerda e o PP, escopos idênticos. Porém, os fins são simplesmente antagónicos, porque partem de realidades diversas, resultando na dimensão pública daquele crime quando praticado contra agentes das forças e serviços de segurança, na versão do PP, e por estes mesmos agentes das forças e serviços de segurança, na opção do Bloco de Esquerda.
Para além desta curiosidade, devemos constatar que os diferentes fins foram, contudo, alcançados por motivações semelhantes: alterar o Código Penal em função de critérios de oportunidade e de oportunismo político.
Ora, a solidez, a dignidade e a força do nosso sistema normativo penal não se compadecem com mutações, como agora acabou de ser dito pelo Sr. Deputado António Filipe - e bem! -, mais ou menos avulsas, ao sabor de correntes momentâneas de opinião ou de factos com significativo impacto mediático.
Assim, o equívoco legislativo em que redundou o projecto do PP, conforme demonstrarei, estimulou o aparecimento de um seu produto, outro equívoco, desta feita com a assinatura dos deputados do Bloco de Esquerda.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta sede parece-nos a mais adequada para recordar as diferentes naturezas que os crimes podem assumir, porquanto, em ambas as iniciativas legislativas, a confusão é geradora de contradição e de redundância.
Destarte, quando os valores protegidos com a incriminação legal são fundamentais para a comunidade, a lei não deve exigir a queixa do ofendido, conferindo ao Ministério Público a legitimidade para o processo penal, exorbitando a disponibilidade do ofendido. Estamos, então, a falar dos crimes públicos.
Por seu turno, nos crimes semipúblicos, em que a lei faz depender a acção penal da queixa para que o Ministério Público possa desenvolver o processo é necessária a queixa dos ofendidos ou de outras pessoas legitimadas para tal.
Existem, ainda, para além destes dois, os crimes particulares, em que o procedimento criminal depende de acusação particular, isto é, o titular do direito de queixa deve também constituir-se assistente para que o Ministério Público dê início às fases do processo penal.
Se é verdade que o crime de ofensa à integridade física simples, quando praticado contra agentes das forças e serviços de segurança, no exercício das suas funções ou por causa delas, conforme é mencionado no preâmbulo do projecto de lei do PP, exigirá uma apreciação autonomizada, na medida em que o valor protegido com a incriminação é não apenas a integridade física do ofendido mas, igualmente, a dignidade da respectiva função e a qualidade funcional do agente e, por isso, deveria revestir natureza pública, também não é menos rigoroso e oportuno sublinhar, nesta sede, que o direito positivo já configura o crime de ofensas corporais simples a agentes das forças ou serviços de segurança, no exercício das suas funções, como crime público previsto e punido pelo artigo 146.º do Código Penal.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Isso não é verdade!

O Orador: - No citado artigo 146.º, e, por remissão, na alínea j) do n.º 2 do artigo 132.º, ao contrário dos artigos 143.º e 148.º, a lei não exige qualquer queixa para se dar início ao procedimento criminal, considera-se, assim, já a publicização de tal ofensa cometida contra agentes das forças de segurança.
A iniciativa legislativa do PP, decorrente sobretudo de critérios de oportunismo político, prejudica a estabilidade e a dignidade da arquitectura penal. Torna-se, assim, desnecessária, visto que o seu fim está já presente nas normas constantes do Código Penal.
De facto, a simples circunstância de uma agressão ser realizada contra agentes das forças de segurança, no pleno exercício dos seus poderes, é susceptível de revelar uma especial censurabilidade ou perversidade, condições necessárias para uma aplicação articulada dos artigos 146.º e 132.º, alínea j), n.º 2, classificando, então, esse acto como crime público, não obstante esse comportamento ofensivo da integridade física se encontrar hoje como crime semipúblico e, então, dependente de queixa.
Os autores do projecto em apreço não demonstram sequer uma leitura atenta do Código Penal, nem tão-pouco uma leve abordagem jurisprudencial, pois notariam que, por exemplo, do Acórdão n.º 436, da 4.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto consta que «o crime previsto no artigo 146.º do Código Penal constitui um tipo diferente e autónomo do previsto no artigo 143.º, revestindo natureza pública, razão pela qual o procedimento criminal não depende de queixa, nem a desistência da queixa é relevante para fazer cessar o processo.»
Concluindo, e compulsado o teor do projecto de lei n.º 277/VIII, do PP, esta iniciativa não traduz qualquer alteração material ao regime jurídico que presentemente já existe. Mais: torna-se evidente que a mutação proposta, caso fosse aprovada, não é clarificadora do actual regime, mas restritiva, pois obrigaria mesmo o interprete judicial a afastar a natureza pública dos outros crimes em que a vítima não detivesse a qualidade de agente das forças ou serviços de segurança.
Em suma, o projecto de lei do PP pretende transformar uma ofensa corporal simples, considerada a sua natureza bagatelar, cujo procedimento criminal depende de queixa, num crime público, que implicaria uma reacção comunitária desproporcionada face ao valor jurídico em causa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando, esta noite, produzia a presente intervenção, observei, mais uma vez, e infelizmente, num canal televisivo nacional, uma situação idêntica às muitas que são nomeadas pelo Bloco de Esquerda na sua «Exposição de motivos»: uma notícia do eventual excesso de violência e atitude desproporcionada das forças de segurança, neste caso no Alentejo, relativamente a um cidadão. Mas também aqui, como em muitas outras circunstâncias, o lesado apresentou queixa, dando, assim, cumprimento ao disposto no artigo 143.º, e deu início, então, ao respectivo processo penal, como, aliás, na esmagadora maioria dos casos.
Porventura, os excessos a que o Bloco de Esquerda alude, e que, infelizmente, todos nós temos consciência de existirem, não se superam com meras alterações ao Código

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Penal, a última ratio de intervenção, conforme sabemos, antes, com a formação humana e a preparação pedagógica das forças de segurança, facto que, aliás, se tem verificado crescentemente.
Mas, para o projecto de lei do Bloco de Esquerda, consideramos igualmente como válida a argumentação anteriormente aduzida para contraditar e demonstrar a desnecessidade e a perspectiva restritiva das alterações propostas pelo Partido Popular, nomeadamente naquilo que diz respeito a certo tipo de infracções que consubstanciam a qualificação de crimes particulares por não violarem bens jurídicos considerados fundamentais pela sociedade que obriguem esta a uma reacção imediata e automática contra o infractor.
O Bloco de Esquerda afasta completamente da disponibilidade da vítima a valoração do acto contra si cometido, dispensando a sua vontade e impondo a sua substituição, neste caso abusiva, pelo Estado, face à autonomia da própria decisão individual.
Importa, aliás, recordar, Sr. Deputado Luís Fazenda, que o sentido expresso pela última Comissão de Revisão do Código Penal, nesta mesma Câmara, considerou excessivo, neste mesmo domínio, uma acção penal do Ministério Público contrária à vontade da própria vítima.
Assim sendo, podemos até vislumbrar para os casos mais extremos, conforme há pouco deu notícia, o conteúdo dos artigos 243.º e 244.º e 245.º do Código Penal, cuja epígrafe é «Tortura e outros tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos», em que há uma preocupação clara do legislador para com essas situações e para com os actos definidos pelo Bloco de Esquerda como de violação dos direitos fundamentais dos cidadãos e da sua integridade física e psíquica, quando praticados por agentes das forças de segurança.
De tal forma o valor dos bens jurídicos em questão são aferidos pela comunidade que tal tipo legal de crime é classificado já como público, dispensando, então, a queixa e a acusação particulares, para que o Ministério Público possa determinar a acção penal.
Apesar das discordâncias substantivas - que espero que estejam devidamente esclarecidas - que o Grupo Parlamentar do PS tem em relação a ambos os projectos de lei, este debate serve também, felizmente, para demonstrar, com oportunidade, que o Governo do Partido Socialista tem levado a cabo, desde 1995 e de forma continuada, um conjunto de medidas que procuram dar maior eficácia à protecção e segurança dos cidadãos e melhores condições de participação cívica, nomeadamente: a melhoria significativa das condições e dos meios de trabalho dos profissionais de segurança, de modo a aumentar a eficácia de acção policial; o recrutamento de mais de 2000 novos agentes e intensificação da qualificação dos recursos humanos; a criação das polícias municipais; o alargamento à escala nacional da estratégia integrada de policiamento de proximidade e, sobretudo, a activação e a dignificação da Inspecção-Geral da Administração Interna, cuja acção se desenvolve também em termos dos excessos cometidos pelos agentes das forças de segurança.
Em suma, Srs. Deputados, na «sociedade de risco» em que vamos crescentemente vivendo, o PS e o Governo têm desenvolvido esforços conclusivos para diminuir a desconfiança na resposta pública e o sentimento de insegurança dos cidadãos, através de uma melhoria efectiva dos serviços de segurança a prestar aos portugueses, assente numa maior eficiência técnico-profissional e na observância estrita dos direitos, liberdades e garantias consagrados na Constituição da República Portuguesa.

Aplausos do PS.

O Sr. Nuno Teixeira da Melo (CDS-PP): - Não tem razão, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Montalvão Machado.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os dois projectos de lei que, hoje, aqui estamos a discutir mereceram do Partido Social Democrata uma análise serena e sensata, mas também suficientemente rigorosa.
São dois projectos de pequena extensão literal, mas com relevante importância ao nível da política criminal e do direito processual penal propriamente dito.
Têm ambos um traço comum, qual seja o de qualificar o crime de ofensa à integridade física simples, quando praticado contra agentes das forças ou serviços de segurança, num crime público, como já aqui hoje foi dito, isto é, num crime em que o Ministério Público promove oficiosamente, e por sua própria iniciativa, o respectivo processo penal, sem necessidade de qualquer queixa.
Desta forma, a serem aprovados estes projectos de lei, as ofensas corporais infringidas nos agentes policiais, aquando ou por causa do exercício das suas funções, passarão a despoletar o procedimento criminal, independentemente da queixa do ofendido e da vontade deste.
Dir-se-á que a solução proposta é discutível. É claro que é discutível. Mas o momento que o País atravessa justifica que tudo façamos nesta Casa, já que o Governo não o consegue fazer, no sentido de reforçarmos a autoridade do Estado.
É indesmentível que Portugal atravessa, de facto, uma grave crise de autoridade, uma crise de respeito pela autoridade do Estado. E, quando assim é, estamos sempre perante uma crise do próprio Estado de direito democrático.
Num momento em que todos vivemos inseguros, todas as nossas famílias vivem inseguras, num momento destes, eu, como Deputado, como jurista, como português e, sobretudo, como homem, não posso deixar de tentar fazer tudo para colaborar com a tentativa de recuperarmos da gravíssima crise de autoridade que varre o País fora.
É bom que, no âmbito deste debate, os Srs. Deputados não esqueçam que, só no ano de 1999, foram cometidos, em Portugal, mais de 20 000 furtos em residências; foram furtadas perto de 30 000 viaturas, o que dá uma média escandalosa de mais de 80 por dia; as ofensas à integridade física dos portugueses, simples e violentas, ascenderam a 40 000; houve 300 homicídios consumados; mais de 400 raptos e sequestros participados, perto de 400 violações, contando apenas as participadas; e quase 15 000 roubos por esticão ou na via pública, também apenas os participados.
É, pois, Sr. Presidente e Srs. Deputados, arrepiante o que se passa em Portugal, a propósito da segurança, ou melhor, da insegurança dos cidadãos.
Temos, de facto, a obrigação de não sermos alarmistas, mas também temos o dever de ser verdadeiros.
Estamos num tempo em que, verdadeiramente, o crime alastra dia a dia. E o Governo, perante isto, o que faz ?

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Rigorosamente nada! Limita-se a ir deixando cair, sucessivamente, ministros da Administração Interna, por incompetência e inépcia, sem jeito deles e sem categoria do próprio Governo, muito menos categoria para continuar a liderar os destinos da nação.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Um Governo que está em agonia, com ministros a demitirem-se uns aos outros ou a demitirem secretários de Estado, com actuações que, fundadamente, levantam graves suspeições públicas, um Governo destes não tem, nem nunca poderia ter, a mais pequena autoridade. E sem autoridade, Srs. Deputados, não há regra e, sem regra, não há democracia. A autoridade democrática é, num Estado de direito democrático, um valor absolutamente essencial.
Por isso, é bom que se dê um sinal legislativo de confiança aos agentes policiais portugueses; é bom que se reforce a ideia de que uma agressão a uma autoridade, quando esta está no exercício das suas funções, constitui um crime que deve ser punido com maior severidade, como já acontece, como aqui foi dito e está no relatório, e deve ser considerado como um crime público, dada a gravidade da infracção e a natureza do interesse ofendido.
O mesmo não se diga, porém, do projecto do Bloco de Esquerda, pois ele visa precisamente o inverso do anterior, isto é, qualificar igualmente como crime público a ofensa à integridade física cometida pelo agente policial no exercício das suas funções.
Como defendi no relatório hoje aprovado por unanimidade na 1.ª Comissão, não é mesmo nada fácil vislumbrar a mais pequena razão de natureza pública subjacente à ou justificativas da proposta. Para já, tal proposta é perfeitamente inconciliável - apenas a título de exemplo o digo - com os artigos da Lei de Organização e Funcionamento da Polícia de Segurança Pública e até da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana, para além de outros, que permitem o uso de meios coercivos por esses órgãos policiais em determinadas situações.
Mas isso até nem é o mais importante. O projecto de lei do Bloco de Esquerda representa, em nosso entender, uma clara e inaceitável inversão de valores. Colocar no mesmo artigo do Código Penal, no mesmo número do mesmo artigo do Código Penal, a actuação do criminoso e a actuação dos agentes de autoridade, como se as mesmas actuações fossem equivalentes, corresponde a pactuar com uma cultura contra a qual o Partido Social Democrata sempre esteve e está contra. É absolutamente inadmissível e intolerável a equiparação de um agente de autoridade a um criminoso.
Nesta Câmara, é importante também que se lembre que o Partido Socialista, por coerência com a postura inaceitável, que sempre vem assumindo, devia votar favoravelmente o projecto apresentado pelo Bloco de Esquerda. De facto, é a sua postura governativa, é a sua estratégia a propósito da segurança dos portugueses, que demonstram que o PS está completamente de acordo com esta inacreditável inversão de valores.
Desde o tempo em que um ministro da tutela disse que «esta polícia não era a sua polícia», até ao tempo em que um outro ministro da mesma tutela anunciou que iriam ser instaladas câmaras de vídeo no interior das esquadras para vigiar os agentes de autoridade, tudo, mas tudo, se pode esperar deste Governo e do partido que o sustenta.
A política que se tem desenvolvido tem desacreditado as forças da autoridade. Convido, pois, o Partido Socialista a continuar com essa postura e a votar favoravelmente o projecto de lei do Bloco de Esquerda, pondo, assim, de joelhos a autoridade do Estado.
O projecto de lei do Bloco de Esquerda, nessa componente, muito sinceramente e sem desprimor, não enobrece quem o apresenta e não dignifica o Parlamento, a que, honrosamente, pertenço.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, estando presente na Câmara e tendo acompanhado a revisão do Código Penal, não posso deixar de fazer muito singelas observações, sobretudo depois de ouvir aquilo que ouvi.
Em primeiro lugar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, esta iniciativa legislativa do Partido Popular é filha de uma determinada conjuntura e de um determinado mês, o mês de Agosto, no qual o Sr. Deputado Paulo Portas, no meio de actividades múltiplas e várias, anunciou diversos produtos da imaginação legislativa, de natureza distinta. Um deles já foi aqui apreciado e, aliás, rejeitado por consenso alargado, com votos contra de várias bancadas, que não apenas da bancada do Partido Socialista, porque se chegou à conclusão de que assentava num modelo errado de concentração policiária, que, filha talvez de uma síndrome securitária de que o PP não parece ter-se curado, não é aceitável face ao quadro constitucional, e, portanto, foi, sem qualquer dano para o País, pelo contrário, com geral alívio e sem qualquer choro de carácter mediático, que muito deve ter irritado alguns, rejeitado e jaz pacificamente, sem que o País com isso tenha ficado perturbado.
Pelo contrário, está a ser aplicada a legislação aprovada na Assembleia da República, legislação que prevê a coordenação das forças policiais. Já começaram a reunir as estruturas responsáveis por este processo de coordenação e, se os Srs. Deputados estão atentos aos sinais, sabem que, nessa matéria, não há sinais de desapreço por essa acção coordenadora, pelo contrário, há sinais de apreço. E notei que o Sr. Deputado António Montalvão Machado e os outros Srs. Deputados nem fizeram menção a tal aspecto, o que muito me faz sentir regozijado, porque, ainda que de forma de silêncio tímido, é uma forma de reconhecimento de uma realidade absolutamente inequívoca.
Esta peça, sendo filha desse ímpeto produzido numa determinada conjuntura, particularmente incendiária e incendiada, não é exactamente uma peça isenta de ligação a essas circunstâncias atribuladas e emocionadas e, portanto é, do ponto de vista legislativo, julgo - e este debate demonstrou-o bastante bem e por vários porta-vozes, enunciando argumentos de várias formas -, uma peça legislativa que assenta num equívoco.
É aqui que entra a questão da memória. E a memória é importante, Srs. Deputados! Não para convidar ao fixismo mas para convidar a que não se esqueça aquilo que se fez, e que se fez bem, e os Srs. Deputados do PSD, nesta matéria, têm uma grande responsabilidade, porque, como sabem, as revisões do Código Penal foram, até 1995, conduzidas e programadas por governos do PSD, embora com

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a maioria alargada nesta matéria, porque o Partido Socialista, em vários momentos, apoiou esse processo de reforma, por razões que também explicou.
Se há questão que tenha sido discutida com cuidado na Comissão de Reforma - lembro-me disso, mas fui refrescar a memória, e, como sabem, o Código Penal foi preparado cuidadosamente e a revisão teve uma Comissão, na qual estavam ínclitos representantes do nosso melhor pensamento jurídico, desde o Sr. Professor Figueiredo Dias até ao Dr. Costa Andrade e outros membros com grande gabarito na nossa cultura jurídica - foi esta questão, que foi ponderada cuidadosamente. Porquê? Porque teve de discutir a eliminação do crime de ofensa a funcionário, que existia autonomamente, e, como revelam as actas e o projecto da Comissão, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, 1993, pp. 407 a 408, a manutenção do artigo 347.º na sua redacção e aquilo que nas actas consta sobre o pensamento dos que prepararam a reforma vai no sentido não da abolição do crime público nestes casos mas da manutenção desse crime como público. E estamos a falar não de coisas pouco importantes mas de uma lista enorme de autoridades, que começa com os membros dos órgãos de soberania e que engloba os membros do Conselho de Estado, ministros da República, magistrados, membros de órgãos de governo próprio das regiões autónomas e do território de Macau, Provedor de Justiça, governador civil, membro de órgão das autarquias locais e de outro serviço ou organismo que exerça a autoridade pública, comandante de força pública, jurados, testemunha, advogado, agente das forças ou serviço de segurança, funcionário público… E a lista continua, Srs. Deputados, e está hoje contida no artigo 132.º, n.º 2, alínea j) do nosso Código Penal.
Ou seja, em relação a todas estas entidades, não há crime de ofensas corporais simples, esse crime é qualificado. E, como vem interpretando a nossa jurisprudência, uniformemente, o crime constitui um tipo diferente e autónomo do previsto no artigo 143.º, revestindo natureza pública, razão pela qual o procedimento criminal não depende de queixa, nem a desistência da queixa é relevante para fazer cessar o processo. Podia enumerar uma quantidade significativa de espécies jurisprudenciais onde esta interpretação é adoptada.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nesta matéria, só haveria duas soluções: ou legislar, não diria de forma regulamentar, para o aluno menos dotado da turma e o mais obnubilado - e, então, seria necessário repor esta lista toda ao lado dos agentes da autoridade que os Srs. Deputados do PP colocaram neste singelo artigo - ou, então, deixar estar em vigor o Código na redacção que está e que é uma redacção que não oferece especial dúvida, deste ponto de vista.
Portanto, julgo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que as reformas penais feitas a soluços e por ímpetos estivais não dão, normalmente, bons resultados, e creio que aqui confirmámos francamente essa regra.
Em relação ao outro projecto, julgo que ele é também sazonal. É um projecto de reacção política circunstancial ao facto de estar agendado um projecto do PP e é assente em algo cuja simetria é sugestiva até ao momento em que se começa, como aqui foi tão bem feito, a analisá-la, a decompor as consequências da opção e a verificar quais seriam as consequências da doutrina paritária ou paritarista aqui estabelecida.
O artigo 132.º do Código Penal é claro em relação à impossibilidade de tratar de forma igualitarista aquilo que é distinto - a protecção da autoridade do Estado. Dei os exemplos dos titulares dos órgãos de soberania, mas toda a lista do artigo 132.º corrobora esta visão. Essa orientação não aconselha uma solução desse tipo, que teria, aliás, como consequência que, mesmo em casos em que as pessoas não desejassem qualquer acção, essa acção teria lugar, quisessem ou não quisessem, porque é essa a natureza de um crime público, e o Ministério Público teria que agir, quisesse o que quisesse o cidadão interessado, fossem quais fossem as circunstâncias. Todos sabemos que assim é! Um crime público é isto mesmo ou, então, não é um crime público, é um tertium genus, é uma outra coisa qualquer. Portanto, é uma opção melindrosa e a sugestão de paritarismo não é uma sugestão que eu julgue que deva ser aceite.
Por último, Srs. Deputados, faço uma referência à questão que foi equacionada, e julgo que muito bem, pelo Sr. Deputado Ricardo Castanheira, no que diz respeito à violência policial e às medidas a adoptar nesse domínio.
Julgo que a doutrina que foi acolhida por esta Câmara, que, sobre essa matéria, teve ocasião de várias vezes reflectir, é uma doutrina equilibrada e justa. Ou seja, a lei, em Portugal, é alguma coisa de aplicação universal. Ninguém está acima ou fora da lei e quem quer que se coloque fora da lei deve ser sancionado. Mas há, para isso, meios próprios. Não é a linchagem electrónica! Não é o julgamento por primeira página de jornal! Não é o voto condenatório sem processo instrutório! Não é a comissão atrabiliária a julgar sem provas! Não é o juízo de supetão, feito a quente, porque que se leu num órgão de comunicação uma informação, por vezes, colocada sabe-se lá por quem e com que intenções para gerar um efeito perverso no funcionamento institucional! Quem se rege por esses meios de linchagem electrónica será algum dia, mais tarde ou mais cedo, electronicamente linchado. É uma lei cruel que a todos se aplica e de que ninguém está isento. Julgo, portanto, em relação aos excessos da violência policial, que é bom ter isto em conta, quando esta Câmara aprovou, sobre um acontecimento recente e lamentável, aliás, dois votos cuja comprovação pela história não ocorreu, infelizmente.
Há que ter cuidado na ponderação destas matérias, há que fazer um esforço de justiça e julgo que o esforço que está em curso, através da IGAI, através de medidas de carácter preventivo, através da educação e da formação intensa dos membros das forças de segurança para uma ética de responsabilidade - uma ética de responsabilidade sem limites, garantida também por uma adequada protecção - é a via certa. E julgo que nenhum partido tem razões para ter vergonha por estar de acordo com essa via, que é uma via de alargadíssimo consenso, que pode dar solidez e coesão às nossas forças de segurança e, simultaneamente, dar aos cidadãos a garantia de que as forças de segurança não excedem a sua autoridade e, quando excedam, sofrem, como todos os cidadãos, as suas consequências.
Julgo, por isso, que este debate, Sr. Presidente e Srs. Deputados, foi útil e faço votos de que a Câmara decida como deve ser.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que está terminada a dis

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cussão, na generalidade, dos projectos de lei n.os 277/VIII, apresentado pelo CDS-PP, e 335/VIII, apresentado pelo BE.
A próxima sessão realiza-se amanhã, a partir das 15 horas, com um debate de actualidade sobre a Cimeira de Nice, no período de antes da ordem do dia, e com a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 54/VIII, a discussão da proposta de resolução n.º 49/VIII e a discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 257/VIII, bem como com votações regimentais, no período da ordem do dia.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 15 minutos.

Documentos enviados à Mesa pelo Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, para publicação, relativos às posições assumidas pelos Secretário-Geral da Internacional Socialista, Luiz Ayala, e Presidente da Internacional Socialista, António Guterres, aquando das suas recentes deslocações a Moçambique, face a graves acontecimentos vividos naquele país.

«Maputo, 9 de Novembro (Lusa) - O secretário-geral da Internacional Socialista (IS), Luiz Ayala, condenou hoje a violência durante manifestações promovidas pela Renamo-UE em várias províncias moçambicanas, em que morreram pelo menos sete pessoas, e apelou para o diálogo e respeito pelas instituições democráticas.
Instado pela Agência Lusa em Maputo, o dirigente da IS disse que as manifestações são uma demonstração da democracia e que ficou preocupado porque a violência em Moçambique significa um retrocesso para todos.
'Todos perdemos com isso, pois em qualquer parte do mundo onde há violência não há ganhadores', disse o secretário-geral da IS, organização que congrega mais de cem partidos políticos de todo o mundo e se encontra em Moçambique para a realização do seu Conselho Nacional.
Ayala declarou que a organização 'defende o confronto de ideias', que considera 'saudável', mas nunca a «violência, porque não está escrita em nenhuma Constituição do mundo'.
O secretário-geral da IS recordou que em Moçambique 'se alcançou a paz e se conquistou a democracia, criaram-se instituições'.
'Estamos felizes porque verificamos que a paz arrancou', frisou Ayala, recordando que esteve como observador pela IS no país durante as primeiras eleições, em 1994, num quadro económico e social difícil.
Hoje, disse, 'vejo a economia em crescimento, gente a trabalhar e com perspectivas do futuro. Por isso, qualquer violência é um retrocesso'.
A IS mostrou-se 'muito atenta, orgulhosa e activa a todo o processo de reencontro, reconciliação e avanço da paz que o povo moçambicano desejou, pelo que foram os moçambicanos os autores da paz'.
'Sabemos por experiência que a paz é a condição fundamental para construir qualquer outra expectativa, de desenvolvimento económico, democrático ou humano', referiu.
Ayala recordou que Moçambique abraçou um processo democrático, organizando eleições, e que a comunidade internacional e a IS, enquanto família política, participaram ajudando esse processo.»

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«Maputo, 9 de Novembro (Lusa) - O presidente da Internacional Socialista (IS), António Guterres, exprimiu hoje o desejo de que o presidente Joaquim Chissano e o líder da Renamo, Afonso Dlhakama, se 'possam encontrar brevemente, porque esse seria o melhor sinal para o povo de Moçambique'.
António Guterres, que se encontra na capital moçambicana para presidir à reunião do Conselho da Internacional Socialista, falava à Agência Lusa, no final de um jantar com os dirigentes que integram o presidium da IS.
'Quero exprimir esperança, formular um apelo e um desejo: a esperança de que estes incidentes não ponham em causa o processo de consolidação da paz e da democracia em Moçambique', disse Guterres ao ser instado a comentar os incidentes ocorridos hoje durante as manifestações promovidas pela Renamo/União Eleitoral em vários pontos do país, de que resultaram 22 mortos, 113 feridos e dezenas de detenções.
'Apelo para que não se repitam quaisquer actos de violência, porque nenhuma forma de violência jamais resolveu um problema político' - afirmou o primeiro-ministro português.
A concluir, disse desejar que «o presidente Joaquim Chissano e o líder da Renamo se possam encontrar brevemente, porque esse seria o melhor sinal para o povo de Moçambique».

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego

Partido Social Democrata (PSD):
Álvaro dos Santos Amaro
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto

Partido Comunista Português (PCP):
José Honório Faria Gonçalves Novo

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Carlos Alberto Dias dos Santos
Dinis Manuel Prata Costa
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco d'Almeida
João Pedro da Silva Correia
José Alberto Leal Fateixa Palmeiro
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Francisco dos Santos Valente
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Vítor Manuel Alves Peixoto

Partido Social Democrata (PSD):
Carlos Manuel de Sousa Encarnação
Joaquim Martins Ferreira do Amaral
José de Almeida Cesário
Pedro Manuel Cruz Roseta

Partido Comunista Português (PCP):
Maria Odete dos Santos

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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