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Quinta-feira, 21 de Dezembro de 2000 I Série - Número 32

DIÁRIO da Assembleia da República

VIII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2000-2001)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 20 DE DEZEMBRO DE 2000

Presidente: Ex.mo Sr. Manuel Alegre de Melo Duarte

Secretários: Ex. mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
José de Almeida Cesário

S U M Á R I O

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 10 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa da proposta de resolução n.º 50/VIII.
Foi aprovado um parecer da Comissão de Ética relativo à retoma de mandato de dois Deputados, um do PS e outro do BE, à substituição de três Deputados, um do PSD, outro do BE e outro do PS, e, ainda, ao facto de um Deputado do PS ter transitado da situação de suspensão nos termos do artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto dos Deputados para a situação de suspensão nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea e), do mesmo Estatuto.
Procedeu-se ao debate da interpelação n.º 7/VIII - Sobre política económica - preços dos combustíveis (BE), tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Deputado Francisco Louçã (BE), do Sr. Ministro da Economia (Mário Cristina de Sousa), que também proferiram intervenções na fase de abertura, e do Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento (Fernando Pacheco), os Srs. Deputados José Penedos e Manuel dos Santos (PS), Jorge Neto (PSD), Lino de Carvalho (PCP), Isabel Castro (Os Verdes), Basílio Horta (CDS-PP), Francisco Torres (PS), Pedro Mota Soares e Manuel Queiró (CDS-PP), Helena Neves (BE) e Menezes Rodrigues (PS).
No encerramento do debate, intervieram, de novo, o Sr. Deputado Francisco Louçã (BE) e o Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 40 minutos.

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O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 10 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
António Alves Martinho
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António Fernando Marques Ribeiro Reis
António Fernando Menezes Rodrigues
António José Gavino Paixão
António Manuel Dias Baptista
António Manuel do Carmo Saleiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Bruno Renato Sutil Moreira de Almeida
Carla Maria Nunes Tavares Gaspar
Carlos Alberto
Carlos Alberto Dias dos Santos
Carlos José Gonçalves Vieira de Matos
Carlos Manuel Luís
Casimiro Francisco Ramos
Cláudio Ramos Monteiro
Dinis Manuel Prata Costa
Eduardo Ribeiro Pereira
Emanuel Silva Martins
Fernando Manuel de Jesus
Fernando Pereira Serrasqueiro
Filipe Mesquita Vital
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Francisco José Pinto Camilo
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres
Gil Tristão Cardoso de Freitas França
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho
Helena Maria Mesquita Ribeiro
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco d'Almeida
Isabel Maria dos Santos Barata
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge Tinoco de Faria
Isabel Maria Soares Pinto Zacarias
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
João Alberto Martins Sobral
João Cardona Gomes Cravinho
João Francisco Gomes Benavente
João Pedro da Silva Correia
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
João Rui Gaspar de Almeida
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão
José Alberto Leal Fateixa Palmeiro
José Aurélio da Silva Barros Moura
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Carlos da Cruz Lavrador
José Carlos Pinto Basto Mota Torres
José da Conceição Saraiva
José de Matos Leitão
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Ernesto Figueira dos Reis
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Rosa do Egipto
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Rodrigues Pereira dos Penedos
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Luís Miguel Gomes Miranda Teixeira
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António dos Santos
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Margarida Maria Santos Soares da Rocha Gariso
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira
Maria do Céu da Cruz Vidal Lourenço
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria José Vidal do Rosário Campos
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco
Paulo Alexandre Homem de Oliveira Fonseca
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Rui Manuel Leal Marqueiro
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Victor Brito de Moura
Vítor Manuel Alves Peixoto
Vítor Manuel Caio Roque
Vítor Manuel Lontrão Carola
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Álvaro dos Santos Amaro
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António de Carvalho Martins
António d'Orey Capucho
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Manuel da Cruz Silva
António Manuel Santana Abelha
António Paulo Martins Pereira Coelho
Armando Manuel Dinis Vieira
Arménio dos Santos
Artur Ryder Torres Pereira

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Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos José das Neves Martins
Carlos Manuel de Sousa Encarnação
Carlos Manuel Marta Gonçalves
Domingos Duarte Lima
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares
Eugénio Fernando Sá Cerqueira Marinho
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Jorge Loureiro de Reboredo Seara
Fernando José da Costa
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Santos Pereira
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Monteiro Chaves
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
Jaime Carlos Marta Soares
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José da Silva Maçãs
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José António de Sousa e Silva
José David Gomes Justino
José de Almeida Cesário
José Eduardo Rêgo Mendes Martins
José Frederico de Lemos Salter Cid
José Luís Campos Vieira de Castro
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel de Matos Correia
José Manuel Durão Barroso
Lucília Maria Samoreno Ferra
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Pedro Machado Sampaio de Sousa Pimentel
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Castro de Almeida
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim Barata Frexes
Manuel Maria Moreira
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria do Céu Baptista Ramos
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Nuno Miguel Sancho Cruz Ramos
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa
Pedro Manuel Cruz Roseta
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rui Fernando da Silva Rio
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Comunista Português (PCP):
Alexandrino Augusto Saldanha
Ana Margarida Lopes Botelho
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Cândido Capela Dias
João António Gonçalves do Amaral
Joaquim Manuel da Fonseca Matias
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Octávio Augusto Teixeira
Vicente José Rosado Merendas

Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello Branco
António José Carlos Pinho
António Manuel Alves Pereira
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
Luís Pedro Mota Soares
Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona
Narana Sinai Coissoró
Raúl Miguel de Oliveira Rosado Fernandes
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

Bloco de Esquerda (BE):
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Maria Helena Augusto das Neves Gorjão

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta do diploma que deu entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, e foi aceite, a proposta de resolução n.º 50/VIII - Aprova, para ratificação, a Carta Social Europeia revista, aberta à assinatura dos Estados-membros do Conselho da Europa em Estrasburgo, a 3 de Maio de 1996, e assinada pela República Portuguesa nessa data, que baixou às 2.ª e 9.ª Comissões.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai ainda dar conta de um relatório e parecer da Comissão de Ética sobre substituição, retoma de mandatos e alteração da situação de suspensão de Deputados.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o relatório e parecer refere-se à retoma de mandatos dos Srs. Deputados Luís Patrão (PS), em 18 de Dezembro, cessando o Sr. Deputado Carlos Matos, e Francisco Louçã (BE), em 20 de Dezembro, cessando a Sr.ª Deputada Helena Neves.
Por outro lado, refere-se ainda o relatório à substituição dos Srs. Deputados Carvalho Martins (PSD), a partir do dia 4 de Janeiro, Luís Fazenda (BE), a partir do dia 20 de Dezembro, e João Rui de Almeida (PS), desde o dia 18

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de Dezembro, respectivamente, pelos Srs. Deputados Carlos Antunes, Helena Neves e Fernando Pereira Marques.
Finalmente, o relatório dá ainda conta do facto de o Sr. Deputado Armando Vara (PS) ter transitado da situação de suspensão nos termos do artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto dos Deputados, para a situação de suspensão nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea e) do mesmo Estatuto, por um período não inferior a 45 dias, a partir do dia 18 de Dezembro de 2000.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos dar início ao debate da interpelação ao Governo n.º 7/VIII - Sobre a política económica - preços dos combustíveis (BE).
Para iniciar o debate em representação do partido interpelante, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Na madrugada de 3 para 4 de Janeiro de 2001, os preços dos combustíveis vão ser aumentados, como o Governo já anunciou. No entanto, como é bem público, ontem, os preços dos combustíveis baixaram em Espanha e hoje baixaram em França, na Bélgica e na Holanda.
O que nos confronta nesta interpelação é o facto de, ao longo do ano de 2000 e, a não haver correcção fundamental, seguramente, ao longo do ano de 2001, se terem mantido e se manterem soluções e medidas avulsas, numa trapalhada que não substitui uma política. É por isso que esta interpelação cumpre o objectivo de responder ao Governo, de debater com o Governo e de debater com o País as políticas de reforma fiscal e de opções democráticas fundamentais que permitam, em todas as matérias que aqui estão em causa, definir soluções com continuidade e com coerência. É, portanto, um debate de urgência e é também, o que é raro nestes casos, um debate de longo prazo, de opções estratégicas de longo prazo para o futuro. Por isso, este debate é, seguramente, um teste ao Governo, como é, naturalmente, um teste às oposições. O que aqui se trata de discutir é, no balanço da política de combustíveis, de energia e de transportes, que alternativas praticáveis e concretas é que cada força política está capaz de apresentar. Deste ponto de vista, é preciso fazer uma precaução fundamental: a demagogia mente sempre, o facilitismo engana sempre e a abdicação da reflexão e da decisão sobre estratégias sustentadas e coerentes para a energia, para os combustíveis e para os transportes não pode continuar.
Esta interpelação, como outras que o Bloco de Esquerda, a seu tempo, promoveu, procura abrir caminho para um debate sereno, urgente e intransigente sobre estas dificuldades com as quais nos confrontamos. É indispensável que daqui comece a surgir o caminho que permita uma reorganização tributária de fundo e que, no campo da opção entre transporte privado e transporte público, no campo da opção sobre a tributação ecológica e no campo da definição dos critérios que presidem à fixação dos preços dos combustíveis, permita chegar a conclusões num prazo muito curto. Se amanhã for votada, como se espera, uma reforma fiscal no domínio da tributação directa sobre as pessoas singulares e colectivas, isso significa que está aberta a possibilidade de, no primeiro trimestre do próximo ano, se considerarem, e é imperioso que assim aconteça, estes novos instrumentos de tributação e de modernização do sistema fiscal que correspondem à sua justiça.
O ponto de partida desta interpelação é, na opinião do Bloco de Esquerda, a constatação de que o Governo cometeu quatro erros ao longo do ano de 2000.
Em primeiro lugar, o aumento de Março de 2000 acentuou, justificadamente, a desconfiança dos cidadãos quanto à inexistência de uma política coerente sobre os combustíveis. A falta de projecto, a falta de perspectivas e a falta de propostas veio a desvanecer-se numa confusão em que o Governo não tinha qualquer alternativa que não fosse a mera gestão conjuntural, política e, portanto, facilitista deste domínio dos transportes e dos combustíveis. Em contrapartida, a manutenção dessa política veio a ser suportada por uma demagogia política com um preço fiscal extremamente elevado. Os portugueses pagaram durante o ano 2000 cerca de 110 milhões de contos para suportar uma promessa que o Governo não estava capaz de aguentar.
O segundo erro fundamental do Governo foi o facto de ter optado por esta política de preços e de transportes que deu sinais errados à economia. Tentou garantir aos agentes económicos que o preço era estável, quando ele triplicava nos mercados internacionais, e tentou garantir aos agentes económicos que a estrutura de preços era a mais adequada em Portugal. Continuámos a ter, como tínhamos então, o gasóleo mais barato da Europa, quando, em contrapartida, se deveria ter promovido o uso relativamente mais intensivo dos combustíveis menos poluentes. Ora, esta política de preços continuou a favorecer uma situação que leva a que o gasóleo continue a ser generalizado nos automóveis de transporte privado, ao contrário do que deveria acontecer. Temos o gasóleo a 125$ em Portugal, quando, no Reino Unido, custa 265$. Temos um diferencial que foi pago pelo contribuinte.
Terceiro erro: com uma política inconsistente, o Governo permitiu o desenvolvimento da dívida às petrolíferas, que, nos últimos quatro meses, passou de 15 para quase 40 milhões de contos.
A contrapartida destes três erros foi o quarto e o mais grave de todos - uma política social que penaliza as famílias mais pobres. Pelo facto de não se ter mexido no preço da gasolina e do gasóleo, foi agravado o preço do gás natural, do gás propano e do gás butano em ordens de valor entre os 10% e os 20% ao longo do ano 2000. Esta política penalizou aqueles que deviam ser protegidos por um regime de preços dos combustíveis essenciais e aqueles que deviam ser protegidos por sinais claros sobre o desenvolvimento futuro da economia.
Porque estes quatro erros fundamentais foram cometidos, este debate deve procurar corrigi-los e chamar a atenção do País para a sensibilidade e para a importância das questões sociais, ambientais e de transportes que aqui estamos a discutir, de tal modo que no ano 2001 não se prolongue esta trapalhada que substituiu

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uma política. Deste ponto de vista, este debate é a segunda ronda do debate orçamental. Neste, o Governo deveria ter começado, por uma questão de clarificação e de rigor, por resolver as políticas de preços de combustíveis. Assim não aconteceu, como se sabe, tendo este tema sido um dos tabus desse debate. Na sua falta, compete-nos, agora, esclarecer a coerência ou incoerência da política do Governo e verificar que alternativas lhe podem ser apresentadas.
O nosso ponto de partida, neste contexto, é o de não estarmos dispostos a manter e a suportar uma política que penaliza os mais pobres, nem a manter e a suportar uma política de preços dos combustíveis que foi, e continua a ser, errada. Sobretudo, não podemos aceitar esta demagogia que esconde a verdade da injustiça fiscal marcada por estas opções que o Governo tomou ao longo do tempo. Ao longo deste ano, os que não andam de automóvel pagaram pelos muitos que andam e os muitos que andam pouco pagaram muito pelos poucos que andam muito. Durante este período, 110 milhões de contos foram deduzidos das receitas fiscais, o que quer dizer que cada português contribuinte pagou cerca de 25 contos para suportar uma política absolutamente insustentável.
É a este respeito que vos apresento duas grandes ordens de alternativas.
Em primeiro lugar, a que está relacionada com políticas sociais. A razão pela qual no momento da discussão do Orçamento se deveria ter discutido a política de preços de combustíveis é a de que, naturalmente, ela afecta a determinação dos rendimentos no País. Ora, não é depois de se fecharem as negociações com a função pública, que são um sinal para todas as negociações contratuais no País, que se pode, como se não houvesse qualquer influência desta alteração dos preços, vir declarar que agora esta política se aplicará com os aumentos entretanto anunciados. De todos os pontos de vista, e, em primeiro lugar, do ponto de vista da clareza negocial, teria sido indispensável que este aumento estivesse na mesa do debate político do Parlamento e na mesa do debate contratual com os sindicatos.
Mas o problema essencial que esta política levanta é, mais uma vez, o facto de se abdicar de uma estratégia coerente. Porque este facto acresce ao agravamento dos aumentos dos preços de outros combustíveis, que não estiveram limitados por políticas demagogicamente facilitistas, temos uma situação que é fundamentalmente prejudicial aos rendimentos dos sectores populares mais pobres neste país.
Por isso, queria, no verdadeiro sentido da expressão, interpelar o Sr. Primeiro-Ministro e o Sr. Ministro da Economia sobre a sequência e a continuidade dos aumentos que agora nos anunciam. Queria, em particular, saber que política é que o Governo vai desencadear em consequência destes aumentos quanto aos passes sociais ou quanto aos preços de outros combustíveis, que são tão importantes na formação do rendimento disponível das famílias.
O que o Bloco de Esquerda propõe é que, como medida de contenção e como resposta elementar a este aumento agora anunciado, a Assembleia da República delibere, através de uma resolução - que hoje depositámos na Mesa e que será apreciada tão brevemente quanto possível -, que os aumentos dos passes sociais não possam ultrapassar o limiar de 2,5% e que a correcção dos preços do gás propano, do gás butano e do gás natural seja feita de modo a permitir imediatamente a sua redução em 12,5%. Devo, aliás, lembrar que o gás de cidade aumentou 12,5% em Outubro, depois de sequencialmente ter aumentado ao longo do ano, e que a média do aumento do gás natural para todo o ano já ultrapassa os 17,5%.
Entendo que a limitação do aumento dos passes sociais e a determinação da correcção dos preços do gás de consumo doméstico são medidas essenciais que devem ser recomendadas por esta Assembleia da República para uma política coerente sobre os preços dos combustíveis.
Há razões fundamentais para uma orientação deste tipo: a primeira é a de que é preciso responder e minorar os impactos gravosos do aumento dos combustíveis; a segunda é a de que é preciso que a política de preços seja coerente e que tenha uma estratégia.
Por isso, deve obter-se na política de preços dos combustíveis aqueles recursos que permitem combater a injustiça fiscal e, ao mesmo tempo, obter ganhos de eficiência no sistema de transportes públicos, com qualidade, com acessibilidade e com outras regras de mobilidade, de tal modo que o desenvolvimento do sistema público de transportes seja dissuasor, alternativo, e permita abrir outras vias, que não as do uso intensivo do transporte privado.
Enquanto o nosso regime de preços favorecer o gásoleo e estimular o uso intensivo dos combustíveis mais poluentes, enquanto o nosso sistema de preços mentir sobre o que será o seu futuro, enquanto tudo isto consolidar um padrão de consumo e de mobilidade assente no transporte privado, não há alternativa energética e ambiental que se possa conjugar com uma política social séria em relação a estes problemas.
Por isso mesmo é que este conjunto de medidas que o Bloco de Esquerda propõe neste debate e na resolução que submete à Assembleia da República devem igualmente atalhar contra a demagogia.
O Governo tolerou, permitiu ou incentivou que, recentemente, se estabelecesse um bilhete diário intermodal entre a Carris e o Metro em Lisboa. Cito este caso, porque há poucos meses tivemos na Área Metropolitana de Lisboa uma experiência única, que foi a do «Dia sem carros», a 22 de Setembro. Nesse dia, como é sabido, instituiu-se um bilhete multimodal, que custava 300$, que permitia a utilização pela CP, pela Fertagus, pela Carris e pelo Metro, ou seja, no essencial dos fornecedores de transporte colectivo na área da Grande Lisboa, instituiu-se um regime de comunicação estimulado desta forma. Dois meses depois, a Carris e o Metro instituíram um bilhete intermodal a 500$, que não tem sequer vantagens comparativas do ponto de vista económico quanto à utilização rotineira dos preços comuns destes meios de transporte.
Em contrapartida, o que este exemplo trágico mostra é o limite da demagogia, porque, se se quiser ter uma política consistente na interpenetração e na comunicação entre todos os modos de transporte nas áreas metropolitanas da Grande Lisboa e do Grande Porto, tem de se corrigir esta deficiência, que é a de haver mais de 100 títulos de transporte na área da Grande Lisboa e algumas dezenas de títulos na área do Grande Porto. Tem que se fazer essa interpenetração através de uma política de transportes coerente, o que significa um passe multimodal acessível e alternativo.

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É desta forma que se pode orientar uma política de preços, isto é, uma política de tarifas e de custos que diz a verdade, que responde a prioridades, que se orienta para respostas fundamentais e que, deste ponto de vista, evita que o Governo continue a ser um mero agente das transacções das grandes companhias petrolíferas cujos interesses são protegidos, quando, em contrapartida, os interesses dos sectores sociais mais pobres são duplamente prejudicados, porque não há transporte colectivo de qualidade com uma cobertura suficiente e porque os preços são sempre as primeiras vítimas.
A segunda grande área em que esta orientação deve ocorrer - e com isto termino - diz respeito ao planeamento dos recursos.
É preciso responder a uma civilização que assentou na economia e no consumo do automóvel privado e, mantendo a liberdade da sua utilização, é preciso projectar alternativas suficientes. Ora, deste ponto de vista, o Governo favorece alternativas críticas: o TGV custará 800 milhões de contos, mas na Grande Lisboa não se constrói uma rede de eléctricos rápidos, que custaria 250 milhões de contos e que, no essencial, resolveria os seus grandes problemas de acessibilidade.
Por esta razão, acrescentámos uma proposta, e nela insistimos, nos termos da qual a instituição de um imposto ecológico diferenciado segundo a capacidade de emissão em dióxido de carbono dos vários combustíveis é uma medida indispensável. É uma medida que responde a este privilégio do transporte privado, é uma medida que dá sinais de preços verdadeiros e é uma medida socialmente justa, porque não só é paga pelo contribuinte utilizador de automóvel mas também deve ser paga, em sede de IRC, pelas empresas petrolíferas e pela Brisa, que, como é bem sabido, beneficia de uma taxa de lucro absolutamente excepcional e garantida em oligopólio em Portugal, porque é da ordem dos 50%.
O uso destes recursos fiscais com efeitos multiplicadores e não na despesa pública global, ou seja, melhorando a rede de transportes públicos, respondendo à melhoria da qualidade dessa rede, é a forma de respondermos ao futuro, é a forma de reflectirmos sobre as medidas que têm de ser tomadas, porque no século XXI os preços dos combustíveis fósseis vão necessariamente aumentar. Qualquer que seja a flutuação entre este mês e o mês passado, no próximo ano e nos anos seguintes, estes preços aumentam sempre no mercado internacional.
Por isso, a sua racionalização - não a racionalização mercantil, mas a racionalização de um projecto de transportes, de um projecto democratizado sobre o acesso e a vida nas cidades e no País - é indispensável e deve começar com um regime fiscal mais justo, com uma política de preços mais verdadeira e com uma política social mais consistente e mais corajosa, que comece por dizer a verdade e por ter a coragem de tomar as decisões que não foram tomadas em 2000 e que, a não resultar deste debate, não seriam também tomadas no ano 2001.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Economia.

O Sr. Ministro da Economia (Mário Cristina de Sousa): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de responder às questões que venham a ser postas por esta Câmara sobre o tema em agenda e no sentido de situar correctamente este debate, gostaria de aproveitar o ensejo para, ainda que de forma breve, apresentar o quadro de referência da política energética do Governo.
A política de preços dos combustíveis constitui naturalmente um instrumento daquela política, mas não o único, nem sequer o mais importante, apesar da sua evidente visibilidade mediática.
A energia constitui um factor vital na sociedade moderna, sendo indispensável que o Governo prossiga uma política energética que promova uma qualidade de vida acrescida dos cidadãos e uma economia mais competitiva, procurando em simultâneo minimizar o impacte sobre o ambiente.
Para Portugal, as questões energéticas revestem-se de uma particular importância. O País não dispõe de recursos energéticos endógenos em volume significativo, daí resultando uma forte dependência externa com impacte negativo no saldo da balança de transacções correntes. Naturalmente, esta limitação determina a escolha e a importância relativa dos objectivos, bem como dos instrumentos para a sua consecução.
São três os objectivos estratégicos fundamentais prosseguidos nesta política energética. Trata-se de objectivos claros e simples, relativamente aos quais existe um amplo consenso, quer a nível nacional quer a nível internacional.
Em primeiro lugar, a segurança do abastecimento energético, designadamente através de uma limitação da dependência e de uma maior diversificação das fontes e origens do aprovisionamento, isto é, dos produtos energéticos e dos fornecedores.
Em segundo lugar, a competitividade da economia, induzindo maior eficiência tanto do lado da procura como do lado da oferta.
Em terceiro lugar, a protecção do ambiente, elemento indispensável no quadro de valores das sociedades modernas.
Para cada um destes três objectivos estratégicos foram definidos dois vectores de intervenção política.
Para o reforço da segurança do abastecimento, estamos a actuar na diversificação energética e no lançamento de novos investimentos em infra-estruturas.
Para o reforço da competitividade da economia, estamos a acompanhar e a antecipar o processo de liberalização dos mercados e a estimular a eficiência na utilização da energia.
Para promover a salvaguarda ambiental, estamos a introduzir metas mais ambiciosas quanto a emissões e a apoiar a produção de energia através de formas menos penalizadoras para o meio ambiente.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Enunciados estes princípios orientadores da política energética, gostaria, agora, de descrever as intervenções mais significativas dela decorrentes.
A introdução do gás natural constituiu uma das medidas mais significativas da política energética, permitindo uma contribuição positiva para a satisfação dos três objectivos: ao diversificar as fontes de energia, promove-se a segurança do abastecimento; sendo o gás natural menos poluente que o petróleo e o carvão, promove-se a qualidade ambiental; e ao disponibilizar uma forma de energia competitiva e de utilização mais flexível, dinamiza-se a competitividade global da economia portuguesa.

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Tem sido preocupação deste Governo dar continuidade e levar tão longe quanto possível o projecto do gás natural.
Há cerca de um mês, foi lançada a primeira pedra para a construção de um terminal de gás natural liquefeito em Sines, o qual irá permitir o reforço do abastecimento de Portugal e uma diversificação no aprovisionamento.
Actualmente, este aprovisionamento é feito sobretudo a partir da Argélia, através do gasoduto do Magrebe e de dois troços de gasoduto em Espanha, sendo complementado com a recepção de gás natural liquefeito no terminal de Huelva.
Com o novo terminal, será possível receber gás natural liquefeito em Sines, proveniente de diferentes origens, que será regaseificado e injectado na rede através de um gasoduto que ligará o terminal à rede, em Setúbal.
Esta diversificação de fornecimentos será complementada com a criação de infra-estruturas de armazenagem subterrânea de gás natural na Região Centro do País, podendo garantir o equivalente a 20 dias de consumo nacional de gás.
Ainda no âmbito do gás natural, foram tomadas medidas no sentido de o tornar acessível a um maior número de agentes económicos e consumidores domésticos, independentemente da sua localização geográfica. Refira-se, a este propósito, a criação de duas novas concessionárias e a constituição de redes autónomas de gás alimentadas a partir de gás natural liquefeito, transportado por via terrestre e posteriormente regaseificado. São iniciativas que, para além dos objectivos já referidos de política energética, contribuem para uma redução das assimetrias entre o litoral e o interior.
Tendo presente os grandes investimentos necessários à concretização destes objectivos, o Governo criou, no âmbito do Programa Operacional da Economia, uma medida específica de apoio à modernização e desenvolvimento das infra-estruturas energéticas destinada a apoiar as infra-estruturas públicas de transporte e distribuição de gás natural e electricidade.
Na vertente gás natural, esta medida visa apoiar, para além dos projectos já referidos, os seguintes: extensão do gasoduto em superfície, nomeadamente através da nova ligação à rede europeia; construção e expansão em superfície das redes de distribuição nas áreas concessionadas ou a concessionar; e aquisição de recipientes e equipamentos auxiliares para transporte rodoviário de gás natural liquefeito.
No sector eléctrico, continuam a ser dados passos significativos no sentido de uma liberalização acrescida, garantido-se a existência de um sector eléctrico competitivo.
O enquadramento legal e regulamentar separou claramente as actividades de produção, transporte, distribuição e comercialização, permitindo a existência de concorrência ao nível da produção e da comercialização. A produção foi liberalizada e os clientes elegíveis podem escolher livremente o seu fornecedor. Por outro lado, os titulares das redes de transporte e distribuição estão obrigados a permitir o acesso às respectivas redes pelos produtores e clientes do sistema competitivo.
A regulação económica do sector está cometida a uma entidade reguladora independente. Trata-se de uma experiência que, em breve, será estendida a outros sectores energéticos, designadamente ao gás natural.
Já no decorrer do presente ano, procedeu-se a uma fusão das quatro empresas de distribuição de energia eléctrica integradas no Grupo EDP. Espera-se que os ganhos de eficiência decorrentes desta medida permitam uma redução de custos e maior qualidade, contribuindo para um acréscimo da competitividade da economia portuguesa e do bem-estar do público em geral.
Recentemente, procedeu-se a uma alienação de cerca de 20% do capital social da EDP, passando o Estado a deter uma posição minoritária, mas ainda significativa, correspondente a cerca de 30%. Por outro lado, tendo em conta as funções desempenhadas pela empresa concessionária da rede de transporte, o Estado adquiriu 70% do capital desta empresa, pretendendo manter uma posição maioritária.
No sector dos combustíveis líquidos e gasosos, procedeu-se a uma integração dos negócios do petróleo e do gás, tendo sido criada para o efeito a GALP Energia. Visou-se, deste forma, dotar o País de um operador energético com dimensão capaz de competir num mercado internacional progressivamente mais aberto e concorrencial, designadamente e em particular no mercado ibérico.
Os mercados energéticos, particularmente os mercados petrolíferos, são, hoje em dia, mercados globais, a cuja lógica os operadores, mesmo regionais, não podem escapar. Consciente desta realidade, o Governo criou condições para que se corporizasse uma estratégia de parceria com um operador global. Pretendeu-se o estabelecimento de um grupo, com centro de decisão em Portugal, que, embora com características predominantemente regionais, esteja em condições de operar numa lógica global e de participar activamente nas mudanças e oportunidades que estão a ocorrer a nível mundial.
Uma outra área de intervenção que, em nosso entender, consegue o pleno dos objectivos de política energética é a aposta, assumida e sustentada, na promoção da eficiência energética e do aproveitamento dos recursos endógenos renováveis.
Os ganhos de eficiência de todo o sistema energético e o aproveitamento dos recursos renováveis são os nossos maiores recursos energéticos e, tanto quanto sabemos, os únicos, pelo que devemos congregar esforços e vontades no sentido de optimizarmos o seu aproveitamento.
Pela parte do Governo, estamos seguramente a dar passos relevantes nessa matéria.
Criámos recentemente a Agência para a Energia (AGEN), que será uma instituição catalizadora e agregadora de vontades neste domínio. Esta instituição trabalhará em parceria com o Estado, com os agentes económicas, com as autarquias e com todos os interessados para a promoção da utilização racional de energia em todos os sectores de actividades.
No campo regulamentar, temos hoje disponível uma panóplia de instrumentos verdadeiramente incentivadores da eficiência energética e do aproveitamento de recursos endógenos. Refiro-me, entre outros, à «tarifa verde», que, por força de lei, fomenta a produção de energia eléctrica por via de recursos renováveis, com a introdução de um prémio ambiental, que vem majorar a tarifa de compra dessa energia ao produtores independentes, e ao quadro regulamentar para a cogeração, premiando a eficiência na utilização do combustível primário, de tal modo que hoje somos já um dos países da União com maior componente de energia eléctrica de cogeração no sistema.
Simultaneamente, dando coerência e substância ao edifício da política para a eficiência energética e para as ener

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gias renováveis, foram previstos três vectores de apoio financeiro a estas áreas no Programa Operacional de Economia: um vector que apoia a modernização das empresas por via dos seus investimentos em eficiência energética; um segundo que apoia financeiramente a produção independente de energia; e um terceiro que apoia a concretização e modernização de infra-estruturas energéticas no País.
Nesta matéria, temos, pois, disponíveis três instrumentos que permitirão sustentar uma política de eficiência energética e de energias renováveis: uma instituição dedicada, um quadro regulamentar incentivador e um sistema de apoio financeiro eficaz.
Aproveito este momento para saudar os Srs. Deputados pela alteração à Lei do Orçamento do Estado para 2001 introduzida por proposta desta Câmara, que consistiu em aumentar as deduções à colecta, em sede de IRS, no que se refere às importâncias despendidas com a aquisição de equipamentos para a utilização de energias renováveis. Esta medida, de grande alcance e elevada carga simbólica, está em linha com as preocupações da política que acabo de enunciar.
Refiro ainda que Portugal apoiou activamente a posição comum do Conselho e do Parlamento Europeu sobre a «Produção de electricidade a partir de fontes de energia renováveis no mercado interno da electricidade», no qual ficou estabelecido o objectivo indicativo de que, pelo menos, 39% da energia eléctrica consumida em 2010 seja de origem renovável. Face às taxas de crescimento dos consumos de electricidade, corresponde a um objectivo ambicioso que constitui um desafio que não enjeitamos.
Tenho a convicção plena de que estamos no caminho certo para dotar o País de um sistema energético europeu, moderno, eficiente e eficaz.
Reconheço, no entanto, que temos grandes desafios pela frente para os quais apelo, desde já, à colaboração de todos, em particular desta Câmara. São eles: terminar, durante a vigência do QCA III, o grande projecto de gás natural, de modo que esta forma de energia esteja disponível na generalidade do território continental português, e alargar significativamente a gama de utilizações do gás natural, nomeadamente com a sua extensão mais generalizada ao sector dos transportes; consolidar e aprofundar a regulação no sector eléctrico e estendê-la a outros sectores, nomeadamente ao gás natural; consolidar os operadores do sector, por forma a que venham a ser competitivos no espaço ibérico e no espaço europeu; e inverter, em definitivo, a nossa condição de país muito vulnerável e ainda não muito eficiente em matéria energética, para um país que garante a sua segurança pela diversificação e que assume uma cultura de eficiência em todos os sectores de actividade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Depois desta breve descrição do quadro de referência da política energética portuguesa, passo agora a estabelecer algumas considerações sobre a política de preços.
Os preços correspondentes aos vários produtos energéticos são estabelecidos de acordo com diferentes regimes, traduzindo estádios de liberalização mais ou menos avançados.
No gás natural, os preços são regulados e decorrem do estabelecido nos contratos de concessão e basicamente são determinados por fórmulas de indexação contidas nos contratos de aquisição a longo prazo.
Na electricidade, os preços dos consumidores do sistema público e do uso das redes pelo sistema competitivo são estabelecidos por uma entidade reguladora independente; os preços correspondentes a relações entre os agentes do sistema competitivo são estabelecidos livremente.
Nos combustíveis líquidos e gasosos derivados do petróleo, os preços são livres, como é o caso do propano e do butano, com excepção dos preços relativos à gasolina sem chumbo 95, ao gasóleo rodoviário e ao gasóleo colorido e marcado, que se encontram submetidos a um regime de preços máximos.
Relativamente aos combustíveis com regime de preço máximo, este é estabelecido com base nos preços de mercado, aos quais acresce o ISP e o IVA.
O Preço Europeu, obtido a partir de uma média de preços praticados por um cabaz de países da União Europeia, definido por portaria, fornece o preço de mercado indicativo para cada tipo de combustível.
A estabilidade de preços nestes combustíveis com regime de preço máximo de venda tem sido um dos objectivos do Governo, tendo em vista uma minimização do impacte junto dos agentes económicas decorrente de uma eventual subida de preços e assegurando, deste modo, a manutenção da competitividade dos diferentes sectores económicos.
Esta preocupação com a estabilidade continua presente, mas terá de ser complementada com a satisfação de outros objectivos, designadamente a consecussão dos objectivos orçamentais já aprovados. Neste sentido, o Governo procederá, no início do próximo ano, a um aumento, já anunciado, dos preços dos combustíveis sujeitos a preço máximo.
Posso hoje afirmar que, se o preço do petróleo bruto se mantiver a níveis não superiores aos verificados nos últimos dias, este ajustamento deverá ser suficiente para repor as condições de equilíbrio no sistema de preços dos combustíveis até ao fim de 2001.

Aplausos do PS.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente, Almeida Santos.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Francisco Louçã, a quem desejo um bom regresso, os Srs. Deputados José Penedos e Manuel dos Santos.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Penedos.

O Sr. José Penedos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, a interpelação sobre política económica - preços dos combustíveis, promovida pelo Bloco de Esquerda, não se pode considerar inteiramente feliz no momento em que é agendada para este Plenário, porque o Governo anunciou, entretanto, uma alta de preços abaixo dos preços que o Sr. Deputado Francisco Louçã tinha proposto há umas semanas atrás. Isto é, o Bloco de Esquerda fez uma proposta de aumento de preços para o início do ano de 2001 que tem um desvio para cima de cerca de 10$ em relação àquele que o Governo agora fixa.
A conversa que hoje aqui tivemos sobre política de preços é uma conversa que tem uma incidência fiscal, que estimo muito naquilo que foi o discurso do Deputado Fran

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cisco Louçã, isto é, há uma parte do seu discurso, a que se refere a matéria fiscal futura sobre produtos energéticos, que, julgo, deve ser retida para uma próxima oportunidade de debate nesta Câmara.
Agora, o que não faz sentido é, tendo o Governo feito, e cumprido, o compromisso, através do Sr. Primeiro-Ministro - que já não está presente -, aqui, nesta Câmara, de que não aumentaria os preços durante o ano de 2000 e tendo anunciado um aumento mínimo - é assim que ele está configurado - para o princípio do ano 2001, o Bloco de Esquerda fazer uma interpelação, que, no essencial, é uma interpelação descontente pelo nível de aumento de preços, que, na lógica do Bloco de Esquerda, não é suficiente. É esta a interpretação possível do discurso do Sr. Deputado Francisco Louçã?

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Penedos, eu estava à espera de alguma pergunta sobre a interpretação, mas não que o interpretador fosse V. Ex.ª, que, aliás, me surpreende um pouco nessa função de perguntador que teve agora.
Disse V. Ex.ª que esta interpelação não é feliz, porque, entretanto, o Governo disse o que iria fazer em 2001. Não, Sr. Deputado! Esta interpelação é necessária, é urgentíssima e é até a única ocasião que o Parlamento tem de discutir aquela que foi a política de preços de combustíveis em 2000 e aquela que vai ser essa mesma política no princípio de 2001.
Se esta interpelação não tivesse ocorrido, o Parlamento passaria «como cão por vinha vindimada»…

O Sr. José Penedos (PS): - Salvo seja!

O Orador: - … quanto a uma questão tão importante como a política de combustíveis e a política energética.
Mas ela tem ainda uma outra função, tão actual como a primeira: é que obriga a que comecemos, ou continuemos, uma discussão sobre política de transportes, sobre política social, que tem a ver com os preços dos combustíveis líquidos, com o preço do gás, com os preços dos passes sociais, com políticas sociais no seu conjunto. Por isso, é indispensável.
Se ela tiver a mesma função que outras interpelações tiveram sobre a reforma fiscal, talvez se abra algum caminho para que se tomem medidas sensatas e necessárias.
Fala-me, depois, sobre os preços. O Sr. Deputado leu mal a nossa proposta, porque o Bloco de Esquerda fez uma proposta consistente tecnicamente, que dizia, ao contrário de todas as outras bancadas, que sobre isso fizeram silêncio, incluindo a própria bancada do Partido Socialista, e do próprio Governo, que tinha de ter mais responsabilidades neste contexto, que deveria haver uma correcção de preços e que ela era inevitável.
Acho que há mais ou menos alguma unanimidade nesta Câmara de que, em algum momento, ela se tornou inevitável. Penso que é preciso ter a coragem de assumir a consequência, e a nossa consequência foi a de dizer que essa correcção de preços tinha de ter duas componentes, justamente por causa da flutuação cíclica e conjuntural do preço do petróleo: uma componente conjuntural, que, entre margens máximas e margens mínimas, fosse corrigindo o preço em função do mercado internacional, o que significava que, há dois meses, o preço nessa componente deveria ser aumentado e que agora deveria ser diminuído, face a esta evolução se ela tivesse ocorrido entretanto; e uma segunda componente, que era o imposto ecológico, com uma intensidade diferenciada, conforme o grau de emissão em dióxido de carbono. Isto foi o que propusemos.
Em relação à primeira componente, propusemos, na altura, uma diferenciação - e esta é outra distinção em relação ao Governo. O Governo propõe um aumento de 5$ para o gasóleo e para a gasolina. Está errado, Sr. Deputado! Está totalmente errado! Não tem qualquer sentido que se mantenha uma política em que a diferença entre a gasolina e o gasóleo é de 17% em Espanha e de 34% em Portugal. Não tem qualquer sentido que, em termos de tributação, estivéssemos a pagar no gasóleo, por cada litro, 28$ às gasolineiras. Se a verdade fosse aplicada, segundo os bons critérios, teríamos o combustível a um nível de preços diferentes, que o Governo não teve coragem de aplicar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, a minha pergunta vem muito na linha do que foi já dito pelo Sr. Deputado José Penedos.
Não ponho em causa a intenção e a importância da interpelação que o Bloco de Esquerda, e V. Ex.ª muito em particular, aqui traz, mas o que é um facto, como, aliás, se está a ver e se verá, ainda mais acentuadamente, no debate que se seguirá, sobretudo quando falarem os Deputados da bancada à minha esquerda, geometricamente falando, naturalmente,…

Vozes do PSD: - Nunca se sabe!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Isso não é geometria, é posição!

O Orador: - … é que isto acaba por ser um debate sobre os combustíveis. E sobre esta questão dos combustíveis, estamos entendidos. O Sr. Primeiro-Ministro fez uma declaração política, em nome próprio e em nome do Governo, a bancada do Partido Socialista apoiou claramente essa declaração e ela está cumprida.
Há um patamar de estabilidade do preço dos combustíveis que será cumprido até ao dia 31 de Dezembro e, a partir daí, abre-se uma nova era, com cuidado, com modelação, com gradualismo, que, obviamente, está integrada naquilo que o Sr. Ministro da Economia aqui nos trouxe, e que é verdadeiramente importante, que é uma política da energia para Portugal e, que, naturalmente, nós e V. Ex.ª acompanharemos com total interesse.
Agora, o que não pode deixar de reconhecer é que esta interpelação feita neste exacto momento… Aliás, cheguei a pensar (digo isto sinceramente, não estou a fazer qualquer truque de natureza parlamentar) que V. Ex.ª iria desistir da interpelação. Devo dizer, pois trocámos impressões, que o Sr. Deputado Lino de Carvalho chegou a pensar o mesmo. Isto porque V. Ex.ª, como irá verificar à medida que se forem produzindo intervenções, vai ouvir aqui coisas

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verdadeiramente notáveis, não tendo sido esse o seu objectivo.
Portanto, para além das explicações que já deu ao meu camarada José Penedos e que eu assumo como resposta a questões que eu próprio lhe poderia colocar, pergunto-lhe em qual destas posições é que V. Ex.ª se revê, uma vez que não podemos fugir à inevitabilidade de discutir a questão do preço dos combustíveis.
V. Ex.ª concorda com o Sr. Deputado Durão Barroso, quando ele diz que, no que diz respeito aos combustíveis, é, pelo menos, estranho que, quando o preço do petróleo baixa nos mercados mundiais, em Portugal aumente o preço da gasolina e do gasóleo ou, pelo contrário, concorda com o que, no mesmo dia, disse o candidato presidencial apoiado pelo PSD, Ferreira do Amaral, ou seja, que, se calhar, era capaz de ser insuficiente ainda, mas isso tinha uma consequência no Orçamento do Estado que, em sua opinião, tinha nascido torto e acabaria por ter estas consequências? Com qual destas posições V. Ex.ª se identifica? A resposta a esta pergunta também me parece ser muito importante para a economia deste debate.
Quanto às questões de maior seriedade, com certeza que, nas intervenções que esta bancada produzirá no tempo próprio do debate, essas questões virão ao de cima e teremos possibilidade de dialogar sobre elas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel dos Santos, duas respostas às suas questões.
Em primeiro lugar, o Primeiro-Ministro fez uma promessa e cumpriu-a. O senhor pode estar contente com isso, mas o País perdeu 110 milhões de contos por uma promessa política inábil, desadequada e, permita-me a franqueza, incompetente do ponto de vista económico e, pior do que isso, errada do ponto de vista social! A política de combustíveis no ano 2000 foi uma política inconsistente e absolutamente errada do ponto de vista social e económico. Os senhores podem defendê-lo com esse último argumento da autoridade, que é o de que o Primeiro-Ministro prometeu, mas eu lembraria que, na mesma ocasião, o Primeiro-Ministro chegou a esboçar a promessa de que, na legislatura inteira, não houvesse aumentos de combustíveis. Isto é verdade e consta nas actas. O argumento da autoridade não colhe, portanto.
O que temos de discutir - e só isso merecia a interpelação - é se se justificou o compromisso do Primeiro-Ministro, que hoje se traduz numa perda de receita fiscal em 110 milhões de contos. A minha resposta é «não», a sua resposta é «sim». Aí temos a diferença que merece esta discussão!
Diz-me, depois, que deveríamos ter desistido porque nos arriscamos a ouvir coisas notáveis. Sr. Deputado, eu venho a todos estes debates disposto a ouvir coisas notáveis e a ouvir, com toda a tolerância, toda a diferença, incluindo a diferença notável. Não me peça é que diga coisas notáveis! A mim, não me compete dirimir eventuais divergências subtis de opinião entre o Deputado Durão Barroso, que falará por si, e o Deputado Ferreira do Amaral, que falará por si também. Isso, a mim, não me compete!
O que me compete é fazer uma proposta que chame a atenção desta Câmara e do País para a necessidade de ter uma resposta coerente sobre políticas sociais, ambientais e de transportes. E, diga-se o que se disser neste debate, esses três temas fundamentais são incontornáveis, deles não podemos abdicar. E é aí que penso que o Governo está questionado. O Governo conduziu esta política como uma trapalhada! Não sabia o que devia fazer! Tomou a deliberação sobre o preço dos combustíveis por razões meramente políticas! Não acompanhou nenhuma política europeia a este respeito, não projectou nada para o futuro. Pode apresentar-nos relatórios de exercício, de inauguração, de iniciativas, de unidades industriais, mas, no fundo, sobre as grandes políticas sociais, tem de nos responder pelo que aconteceu em 2000.
Mas, ainda assim, apesar de tudo isso, haveria mais uma razão para esta interpelação se justificar, Sr. Deputado: é que hoje é ocasião para discutirmos o que é que vai acontecer em consequência da política de aumento dos combustíveis, o que é que aumenta nos passes sociais, o que é que o Governo quer fazer na determinação do rendimento salarial e do rendimento das classes mais populares. Isso é decisivo!

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro da Economia, os Srs. Deputados Jorge Neto, Lino de Carvalho, Manuel dos Santos, Isabel Castro, Francisco Louçã, Basílio Horta, Adão e Silva, Francisco Torres e Pedro Mota Soares.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Neto.

O Sr. Jorge Neto (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Economia, duas questões muito concretas.
Primeira, face ao diferencial de preço do gasóleo, preço anunciado a partir de 4 de Janeiro de 2001, face a essa décalage entre o preço real e o preço efectivo praticado no mercado, pergunto-lhe se o Governo vai continuar a subsidiar as petrolíferas, como tem feito até aqui.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - E, se vai fazê-lo, pergunto-lhe ainda se essa rubrica está ou não plasmada no Orçamento do Estado para 2001.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Segunda questão, o Governo vai perseverar na política de subsídio às empresas espanholas da raia fronteiriça que se abastecem de gasóleo aos milhares e milhares de litros nos postos de combustíveis situados junto à fronteira portuguesa?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Tem o Governo algum estudo, alguma estimativa de em quanto importou esse desperdício concreto em sede de imposto sobre produtos petrolíferos e de dívida às petrolíferas? Se tem, gostava que avançasse com esses números.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Economia.

O Sr. Ministro da Economia: - Sr. Presidente, antes de mais, refuto o conceito de subsidiar as petrolíferas. O Estado não está a subsidiar as petrolíferas.

O Sr. Durão Barroso (PSD): - Que ideia!

O Orador: - Portanto, posso dizer-lhe que, tal como disse no encerramento da minha exposição, após o próximo aumento e se o preço do petróleo bruto se mantiver no nível em que está neste momento, a situação de desequilíbrio que existe hoje em dia relativamente às petrolíferas ficará resolvida até ao fim do ano que vem.
Quanto à questão da fronteira, essa é uma situação inevitável no âmbito da União Europeia quando há diferenças de preços, e este caso não será o único. Neste momento, não tenho nenhuma estimativa para lhe dar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro, hoje é um dia feliz para o Governo! É um dia feliz para o Governo, porque estamos numa interpelação em que o partido interpelante pede aumentos do preço dos combustíveis, com tudo o que daí decorre noutros aumentos dos bens essenciais, e, apesar de tudo, o Governo define uma política de aumentos que ainda fica abaixo do que pede o BE.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Até parece combinado!

O Orador: - Acho que é, de facto, um dia feliz para o Governo, porventura não tão feliz para os portugueses, mas é um dia que ficará sublinhado na história do Parlamento.

O Sr. José Penedos (PS): - Muito bem!

O Orador: - Só que, Sr. Ministro, este dia feliz não pode esconder nesta matéria aquilo que é a ausência, apesar da intervenção do Sr. Ministro, de uma política integrada para os combustíveis em Portugal e, sobretudo, de uma política que se centre em matéria de diversificação das fontes energéticas, com o que daí decorre para o País e para os consumidores.
De qualquer modo, neste momento, quero dizer o seguinte: o Governo tem gerido a sua política de preços de combustíveis - porque é sobre isso que se centra a interpelação - de acordo com medidas avulsas, de acordo com medidas casuísticas, em função de critérios de oportunidade política ou eleitoral. O Governo decidiu agora - já o Sr. Ministro confirmou - promover um novo aumento a partir de Janeiro, apesar de tudo (é verdade!), como disse a bancada do PS, inferior àquele que era solicitado pelo partido interpelante, mas o Sr. Ministro, que teve o cuidado de, na sua intervenção, referir que iriam ser tomadas algumas medidas de compensação para os agentes económicos de modo a não diminuir a sua competitividade, nada disse sobre «a competitividade» dos cidadãos, das pessoas.
Pergunto: que medidas pensa o Governo adoptar para, no quadro do aumento de preços dos combustíveis, que decidiu, a partir de Janeiro, travar os aumentos de preços em cadeia que decorrem, obviamente, do aumento de preço dos combustíveis? Designadamente, que medidas pensa tomar, em termos de travagem do aumento de preço dos transportes, ao nível dos passes sociais em particular? Ou do aumento do preço do gás, entre outros bens de consumo essenciais?
A segunda questão decorre da pergunta que foi aqui feita anteriormente. O Sr. Ministro não gosta que se fale de subsidiação às petrolíferas. Porventura, tem razão, porque o Governo não tem pago, ao que parece, ao que vem a público! De qualquer modo, faço, então, outra pergunta: face a esta política casuística do Governo, de acordo com interesses de oportunidade, quantos milhões de contos é que já foram transferidos para as petrolíferas ao longo dos anos de 1999 e de 2000? Qual é a dívida actual que o Governo tem para ainda pagar às petrolíferas, decorrente dessas medidas que tomou ao longo desse tempo?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Economia.

O Sr. Ministro da Economia: - Sr. Presidente, sobre esse ponto e sendo matéria orçamental, eu pedia que o Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento respondesse, se houver acordo.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, a regra é a de que a pergunta deve ser respondida pela entidade do Governo que fez o discurso e que provocou a pergunta. A menos que os Srs. Deputados estejam de acordo que seja o Sr. Secretário de Estado a responder, por mim não haverá qualquer problema.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, como diz, a pergunta é dirigida ao Ministro, que representa o Governo. Se o Sr. Ministro não está em condições de responder,…

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Regista-se!

O Orador: - … registamos! Pode delegar no Sr. Secretário de Estado, mas, enfim…

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro pode dar a indicação de que o Sr. Secretário de Estado responderá numa intervenção que faça, logo a seguir.

O Orador: - De qualquer modo, Sr. Presidente, eu não fiz só uma pergunta quanto às dívidas às petrolíferas. Fiz também perguntas quanto às medidas que o Governo iria tomar para conter o aumento dos preços dos bens essenciais, dos passes, etc. Foram várias perguntas, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário de Estado pode, se quiser, responder depois numa intervenção que faça. O Sr. Ministro pode anunciar isso mesmo.

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Tem a palavra, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro da Economia: - Sr. Presidente, vou, então, começar pelo tema da competitividade para esclarecer que aquilo que eu disse no meu discurso foi que a própria política de preços dos combustíveis, em si mesma, traduzia uma preocupação com a competitividade dos agentes económicos portugueses. Exactamente para não estarem expostos, como podiam ter estado, a flutuações brutais de preços, foi possível até agora manter uma certa regularidade de preços e será possível, como disse há pouco, se não houver uma nova subida drástica dos preços do petróleo bruto, conseguir viver o ano 2001 sem mais nenhuma alteração. Este é o sentido da questão da competitividade. Os outros temas da competitividade, como já tive oportunidade de dizer em várias ocasiões, têm mais a ver com programas estruturais que o Ministério da Economia está preparado para apoiar no quadro do Programa Operacional da Economia.
Quanto à questão da repercussão sobre os passes, penso que ela será devidamente equacionada pelo Governo naquilo em que é de sua responsabilidade fixar preços máximos.
Finalmente, quanto à questão das petrolíferas, convém esclarecer que o Governo não está a fazer qualquer subsidiação directa às petrolíferas. O que se tem passado, até agora, passa-se no âmbito e dentro do mecanismo de preços dos combustíveis. Por consequência, o que vai passar-se ao longo do próximo ano é que, com esta subida, essa situação de normalidade será reposta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, eu convocava o Sr. Ministro para responder um pouco na linha da última observação que me fez o Sr. Deputado Francisco Louçã e que me parece extremamente importante que aqui não possa passar sem resposta.
Basicamente, é isto: o Sr. Deputado Francisco Louçã tentou criar comigo uma dicotomia do género «o senhor utilizou um argumento de autoridade, o Sr. Primeiro-Ministro prometeu, muito bem, tem o mérito que tem o cumprimento desta promessa, mas essa não é a questão essencial».
Ora bem, eu acho que essa é que é a questão essencial, porque o Sr. Primeiro-Ministro não chegou aqui e, como quem não quer a coisa, lembrou-se dessa! Seguramente que isto correspondia a uma afirmação política, a uma estratégia política questionável. Eu próprio me interrogo muitas vezes sobre a bondade absoluta desta proclamação, mas o que é um facto é que isto correspondeu a uma medida de política clara. Havia duas alternativas naquela altura: uma delas era acomodar, através da receita pública, o aumento dos combustíveis; outra, a mais fácil, provavelmente, era repercutir para os consumidores, para as famílias e para as empresas, esse aumento. Bem, o Governo decidiu de determinada maneira e decidiu de determinada maneira, repito, segundo uma estratégia e não porque se lembrou ou quis que fosse assim!
A mensagem, Sr. Ministro (dirigindo-me agora a si), que V. Ex.ª aqui traz é a de que esta afirmação, esta estratégia não parou no tempo. Temos um problema mais vasto, que é o problema da estratégia da política energética em Portugal, e o problema dos combustíveis é, obviamente, um subsector desta estratégia mais vasta.
Ora bem, por exemplo, Sr. Deputado Francisco Louçã, e peço ao Sr. Ministro que confirme isto, a questão da estabilidade dos preços dos combustíveis teve efeitos altamente positivos ao nível macroeconómico. Provavelmente, terá tido alguns efeitos negativos ao nível da reafectação dos recursos, mas, como V. Ex.ª sabe, e muito bem, não é também pela via dos combustíveis que se faz a reafectação dos recursos. Estamos a discutir hoje uma política essencial e estrutural, que é a política fiscal, para a qual V. Ex.ª vai, com toda a certeza, concorrer com o seu voto positivo, que, aí sim, é o campo político adequado para essa reafectação se fazer.
Portanto, Sr. Ministro, a minha pergunta é esta: até que ponto é que V. Ex.ª valora aquilo que foi uma estratégia política aqui apresentada pelo Sr. Primeiro-Ministro e pelo Governo em relação ao ano 2000, que foi a criação de um patamar de estabilidade que teve influência, seguramente positiva, e peço que o confirme, ao nível da competitividade das empresas e a outros níveis, sobretudo ao nível da estabilidade e também, porque não, da inflação, porque a estabilização do nível de preços também era um objectivo do Governo em termos da sua responsabilidade perante as obrigações da União Europeia. Portanto, é esse tipo de confirmação que peço a V. Ex.ª.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Economia.

O Sr. Ministro da Economia: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel dos Santos, a minha intervenção foi, desde o início, nesse sentido. Aliás, acentuei, desde logo, que se tratou de uma política deliberada no sentido de garantir a competitividade dos agentes económicos e igualmente o bem-estar das famílias. Mas talvez devesse ter acrescentado - e penalizo-me por isso - que outro factor foi tido em conta, a saber, o tipo de perturbações sociais graves que poderiam resultar de um ajustamento brutal e rápido às subidas muito grandes ocorridas, há cerca de dois meses, no petróleo bruto, tendo nós e outros países da Europa verificado o que isso significou.
Ora, pergunto-me se, quando falamos de prejuízos ou de perdas, não devemos equacionar as perdas não sofridas por ausência de perturbações graves da actividade económica, que podem traduzir-se, muito simplesmente, em bloqueios de estradas e significar prejuízos de milhões e milhões de contos, como aconteceu em outros países da Europa.
Essa é, pois, a razão pela qual posso dizer-lhe que, a meu ver, foi uma política perfeitamente deliberada e não uma decisão casuística. E estamos a prossegui-la, decidindo exactamente o momento em que é necessário proceder a um ajustamento e esperando, como é óbvio, que não tenhamos de fazê-lo de novo rapidamente.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Economia, o Sr. Ministro entendeu fazer uma abordagem retrospectiva do Orçamento do Estado e

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daquilo que, em seu entendimento, são mais-valias que o Orçamento acolheu, numa perspectiva, que citou, de conservação da energia, portanto, em relação a equipamentos. Foi uma medida pontual acolhida e poderia lembrar-lhe muitas outras que o não foram, mas essa é uma discussão passada.
Agora, há uma pergunta concreta que quero fazer e que tem a ver com a Lei do Orçamento aprovada pela Assembleia da República e com uma proposta por nós apresentada, a única acolhida, que defendia que o preço dos combustíveis devia reflectir os diferentes impactes ambientais de cada um deles. Não vamos discutir custos de combustíveis, porque nos parece inútil e, porventura, esta pode ser a pior forma de fazê-lo, mas queremos saber por que é que a proposta anunciada pelo Governo não reflecte já - e não dá sinais de o fazer para o próximo ano - aquilo que a Assembleia da República aprovou e como é que, no futuro - e não é num futuro longínquo, mas na sequência -, essa decisão vai ser acolhida.

Vozes de Os Verdes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Economia.

O Sr. Ministro da Economia: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, mantenho a posição que assumi no discurso, relativamente à prioridade que o Governo dá aos temas do ambiente. Só que, neste caso, o que estamos a discutir é um problema de muito curto prazo e de enorme urgência, relativamente à gestão do preço dos combustíveis, face aos comportamentos anómalos do preço do petróleo bruto no mercado mundial, nos últimos meses.
Diria, por consequência, que essa preocupação poderá ser tida em conta num contexto que esperamos surja em breve, de estabilidade dos preços, e que nos permita entrar em conta com esses aspectos.
Adicionalmente, e como referi no discurso, estamos a prosseguir esses objectivos em várias frentes, designadamente no tema das energias renováveis, onde, como mencionei, assumimos objectivos extremamente ambiciosos, relativamente à produção de energia de origem renovável em 2010.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Economia, hoje é um dia feliz para o Governo, parafraseando o que um colega meu ainda agora referiu. E é um dia feliz para o Governo, porque um certo partido, que, antes, defendia a consigna «Proletários de todo o mundo uni-vos!», parece que passou a defender a ideia «Automobilistas de todo o país circulai!», o que é um pouco diferente.

Risos do PSD e do CDS-PP.

Defendemos um aumento dos combustíveis, nos meses de Outubro e Novembro, em que o preço do crude esteve sempre acima de US$ 30.99 e de US$ 32.56 no mercado internacional, e fomos os únicos a fazê-lo.
Agora, o desafio que coloco às bancadas da oposição é este: ser oposição e ser governo não é fácil. Mas, em particular, a responsabilidade que, como oposição, tínhamos e temos para enfrentar uma política desastrada do Governo, de perda de receitas fiscais, é só esta: estamos de acordo nós, cada partido por si, ou não, no princípio da perda das receitas fiscais? Eu não estou! Eu não aceito a ideia, que, aliás, o Sr. Deputado Manuel dos Santos agora exprimiu, de que isto não se está a repercutir nas famílias. Está, sim, da forma mais indirecta e mais insidiosa. Não são os automobilistas que pagam a utilização intensiva dos automóveis, mas todas as famílias, independentemente da sua utilização do automóvel. Todos nós contribuintes pagámos este desastre público. E, como força da oposição, não está o Bloco de Esquerda disposto a aceitar esta perda de receita fiscal.
Não é verdade que o efeito macroeconómico tenha sido bom. Quaisquer 100 milhões de contos de aumento do investimento público, com a utilização das receitas que, então, foram perdidas, tinham mais efeito macroeconómico do que aquele que ocorreu na sequência de um aumento diferenciado, de uma valorização diferenciada, dos custos indirectos de transporte de alguns agentes económicos.
Promoveu-se a injustiça e promoveu-se a mentira. Quem estiver disponível para dar apoio ao Governo sobre a mentira que foi a perda de receita fiscal que se levante - e é um dia feliz para o Governo. Quem estiver disposto a aceitar a responsabilidade de dizer que, quando os preços descem, o preço, no nosso mercado, tem de descer, e que, quando os preços sobem, ele deve ser corrigido, então, sim, fará uma oposição capaz de ter alternativas concretas de Governo.
Mas a cobardia política de nada dizer, quando se está a roubar a todos os portugueses um imposto que chega a 25 000$ por cada contribuinte para financiar a utilização intensiva de um automóvel privado mais por uns do que por outros, não tem qualquer justificação política e nunca na vida terá qualquer justificação de esquerda.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Economia.

O Sr. Ministro da Economia: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, em primeiro lugar, não sei se será legítimo separar os automobilistas dos outros, porque suspeito que a maior parte dos cidadãos que pagam impostos também têm automóvel.
Em todo o caso, há aqui uma questão elementar, que é a seguinte: se há uma perda de receitas fiscais, não se traduz necessariamente por mais impostos pagos por outrem, pode traduzir-se por menos despesa.
Em segundo lugar, o que houve aqui, repito, foi uma política deliberada de estabilidade de preços, com os objectivos que já descrevi, de garantir competitividade às empresas e evitar perturbações profundas no tecido económico português, e esse é um objectivo que tem uma valia intrínseca e que justificará parcialmente ou, a meu ver, mesmo inteiramente o esforço feito.
É esta a lógica que está por detrás desta política e não uma decisão ad hoc, tomada sem qualquer consideração.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

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O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Economia, a minha primeira questão, que já foi aqui referida várias vezes no Hemiciclo - e parece-me que com toda a razão -, é a de saber se o Governo concorda com a manutenção desse sistema, que é profundamente anacrónico e injusto. É um sistema que permite, em Março de 1999, quando nós comprámos petróleo abaixo dos US$ 10, ter a gasolina a 161$, com 77% de imposto - e aí eram obviamente os contribuintes que estavam a ser gravemente lesados -, e que permite, em contrapartida, quando o petróleo sobe acima dos US$ 30 (mais precisamente, quando está a US$ 32.56), manter artificialmente o preço do petróleo, com fundamentação profundamente errada. Não se diga que isso ajudou a economia, porque não ajudou. Não foi por isso que nós crescemos mais, continuamos a ser o país que cresceu menos, em termos da comunidade europeia; continuamos a ter uma balança de pagamentos, extrema e perigosamente, desequilibrada; continuamos a não ser competitivos. Não é por aí, desarticulando o mercado, que V. Ex.ª e o Governo conseguirão pôr a economia a funcionar e o mercado com maior transparência.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Por isso, a grande questão é, realmente, a de saber se o Governo vai manter este sistema profundamente injusto ou se, pelo contrário, vai corrigi-lo, e, se vai corrigi-lo, em que sentido vai fazê-lo. É isso que temos o direito de perguntar a V. Ex.ª.
A segunda questão - e aproveito a sua presença nesta Câmara para colocá-la, porque é um assunto que nos preocupa - tem a ver com a Galp. V. Ex.ª continua para lá dos Alpes, como estava o seu antecessor, ou vem para cá do Marão,…

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - … como até alguns colegas da sua bancada desejam? Vai V. Ex.ª remediar o erro gravíssimo que foi a possibilidade de mudança de centros de decisão estratégica na economia dos combustíveis ou vai manter esse erro, que, em nosso entender, é um erro de lesa economia e de lesa país?

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Economia.

O Sr. Ministro da Economia: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Basílio Horta, em primeiro lugar, o Sr. Deputado referiu questões relativas a ritmos de crescimento e essas são de natureza estrutural. São questões que têm muito a ver com a situação a que Portugal chegou, de pleno emprego, com a encruzilhada em que se encontra e a necessidade de sair dela e de sair por formas que ataquem problemas estruturais. Para isso, são necessárias políticas estruturais e não é por causa dos combustíveis…

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Então, e o subsídio do pão, o subsídio do milho?...

O Orador: - Sr. Deputado, dá-me licença que continue?
E, como dizia, não foi por causa do preço dos combustíveis que Portugal cresceu mais ou cresceu menos. Aliás, presumo que, se tivéssemos aceite uma situação de livre flutuação de preços, teríamos, provavelmente, enfrentado situações que teriam, essas sim, provocado alguma quebra de crescimento adicional e, provavelmente, algum disparo da inflação. Portanto, continuo a dizer que, desse ponto de vista, foi a política certa.
É, todavia, uma política de curto prazo para responder a uma situação excepcional. Por consequência, respondo-lhe o seguinte: logo que seja possível entrarmos numa situação estabilizada, é evidente que o Governo vai reflectir sobre o tema e repensar como será, a médio prazo, o modelo de fixação do preço dos combustíveis. Simplesmente, nesta situação e do nosso ponto de vista, não é pensável fazê-lo.
Quanto à Galp, diria que estou dos dois lados.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - É difícil!

O Orador: - Ou seja, não tenho nada contra o «além Alpes», mas obviamente penso que será importante desenvolver também o papel dos accionistas portugueses, o que já referi publicamente. E julgo que, nesse caminho, não vamos correr qualquer risco de que o centro de decisão da empresa saia de Portugal, mesmo sem expulsar as pessoas de «além Alpes».

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Torres.

O Sr. Francisco Torres (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Economia, o Sr. Ministro falou, e bem, sobre a necessidade de se utilizar o Programa Operacional da Economia para avançarem infra-estruturas para as energias renováveis, tal como se fez para o gás. E fez mesmo um desafio ao Parlamento a que essa utilização do gás natural fosse estendida aos transportes, por um lado, e que, por outro, a implementássemos durante o valimento do QCA III.
Ora, pergunto-lhe se o Ministério da Economia, através do Programa Operacional da Economia e também da função accionista do Estado, não pode ir mais longe e, complementando as medidas fiscais, algumas das quais já enunciadas no próprio Orçamento, levar mais longe esta necessidade de substituir a nossa dependência energética e de reduzir as emissões, através da produção de energia renovável.
Penso em projectos-piloto. Por exemplo, no edifício da Assembleia da República, mas esta intervenção já vem tarde para isso… Porém, as frotas dos correios podiam utilizar veículos movidos a energias renováveis ou, pelo menos, eléctricos ou híbridos. Ora, aí, o Programa Operacional da Economia e a função accionista do Estado, nomeadamente as empresas tuteladas pelo Estado, não poderiam ajudar a dar resposta a este tipo de problemas, diminuindo a nossa dependência energética?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Economia.

O Sr. Ministro da Economia: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Torres, evidentemente que a minha resposta

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é «sim» e com ênfase, porque, ao nível do Programa Operacional da Economia, dispomos de meios financeiros para um fomento intenso dessa reconversão. E tendo algumas das grandes empresas de transporte na órbita do Estado, é evidente que se procurará fazer essa reconversão, que, de resto, está a começar a ser feita.
Quanto a isso, confio também bastante, devo dizê-lo, na iniciativa empresarial e no esforço que a gestão da empresa responsável pela introdução do gás natural, em Portugal, está a fazer e vai certamente continuar a fazer, no sentido de persuadir os seus clientes a mudar. Porém, o Estado, na sua função accionista, estará naturalmente disponível para apoiar esse esforço.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Economia, aproveito para o cumprimentar, já que é a primeira vez que tenho o prazer de falar consigo no Parlamento, e quero focar um ponto que me parece fundamental, o qual penso ser o cerne de toda esta discussão.
A verdade é que considero que o aumento do preço dos combustíveis, anunciado para Janeiro, é, acima de tudo, o reconhecimento, pela vossa parte, de que a política de combustíveis do Governo é um erro, é antieconómica e socialmente muito injusta.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - E por que é que digo isto? Na verdade, nomeadamente entre 1997 e o início do ano de 1999, o preço do crude esteve muito baixo (aliás, em Março de 1999 chegou a estar perto dos 9, dólares, entre os 9 e os 10 dólares) e, em Portugal, tínhamos uma gasolina muito cara. Durante esse tempo, o Governo deixou que os portugueses que consumiam gasolina pagassem um preço do qual 77% era para impostos, que iam para o Estado.
O Governo tentou encher os seus cofres à custa dos automobilistas portugueses, acima de tudo por uma razão: porque Governo, na altura (e hoje, infelizmente, é a mesma coisa), continuava sem conseguir controlar a dívida e a despesa pública. Por isso mesmo, nessa altura, a política do Governo era um erro e estava com o passo errado em relação a toda a Europa.
Os factos são factos, não há que negá-los, e a verdade é que, por um lado, o euro desvalorizou e, por outro lado, o crude aumentou. A verdade é que o Governo, em vez de voltar atrás com a sua política e de reconhecer o seu erro, persistiu nele, fazendo o contrário: para financiar o que perdeu de receitas de ISP, neste caso 140 milhões de contos, pôs os contribuintes portugueses, quer os particulares quer as empresas, a pagar aquilo que o Governo perdeu em matéria de ISP e, como é óbvio, não conseguiu aliviar a carga do IRS e do IRC.
Ora, isto é uma coisa socialmente muito injusta, …

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Claro! Muito bem!

O Orador: - … porque um contribuinte de Vila Real que não tenha carro está a pagar o carro de um contribuinte automobilista que circule, por exemplo, em Faro ou em Lisboa.
Isto é uma política socialmente injusta e, acima de tudo, antieconómica, porque a verdade é que Portugal, nestes anos, não teve um disparo económico; a verdade é que Portugal, neste tempo, não teve uma apoio concreto e maciço às suas empresas.
Mais ainda: há um facto que é inegável, é que são os contribuintes portugueses, com este modelo, que, muitas vezes, estão a pagar o gasóleo dos camiões espanhóis.
Mas, como o mundo e os factos são evolutivos, hoje, o crude já voltou a descer, estabilizando perto dos 26 dólares por barril. E, pasme-se: quando a crude desce de novo o que é que o Governo faz? Aumenta o preço da gasolina!
Isto é compreensível para alguém, Sr. Ministro? Este modelo é defensável por alguém? Quando é que o Governo vai mudar este modelo e em que moldes? Como é que vai ser o novo modelo?

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Economia.

O Sr. Ministro da Economia: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Mota Soares, suponho que já respondi à maior parte das questões que colocou.
Continuo surpreendido por chamar o modelo de socialmente injusto, quando, na realidade, neste momento, os portugueses, em geral, estão a pagar os preços de combustíveis mais baixos da Europa …

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Pagaram muito caro desde 1997 até 1999!

O Orador: - … e, os transportes públicos, que muitos portugueses utilizam, em particular, estão a beneficiar, nas suas tarifas, de preços de gasóleo que são, esses sim, extremamente baixos.
Portanto, não vejo onde é que está a injustiça social. Pelo contrário, diria que houve não só a preocupação, como eu há pouco disse, de garantir a manutenção da competitividade dos agentes económicos mas também de proteger os cidadãos - e os automobilistas também são cidadãos, para começar.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Mas os proprietários dos camiões espanhóis não são cidadãos portugueses.

O Orador: - Para além dos cidadãos que são automobilistas, há cidadãos que usam os transportes públicos, que também consomem gasóleo.
Obviamente, não vai esperar que as tarifas dos transportes públicos sejam baixas se o gasóleo tiver um preço elevado.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Não é por aí!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminaram os pedidos de esclarecimento. Vamos entrar na fase do debate.
Tem a palavra, para intervir, o Sr. Deputado Jorge Neto.

O Sr. Jorge Neto (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sem pompa e sem circunstância, mas desta feita com pré-aviso, o Governo anunciou o aumento de combustíveis

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para o próximo dia 4 de Janeiro de 2001 - concretamente, uma subida de 5$ para a gasolina e para o gasóleo -, um anúncio feito exactamente um dia depois de o crude ter chegado aos 25 dólares, a sua cotação mais baixa de sempre nos últimos oito meses.
Um anúncio feito na mesma altura em que a vizinha Espanha baixava o preço dos combustíveis em duas pesetas.
Um anúncio feito em contraciclo, quando a conjuntura internacional é de baixa sustentada do crude e com reflexos iniludíveis em matéria de inflação, também aqui em contraciclo, pois que enquanto ali se vislumbra uma descida aqui intui-se uma subida.
Um anúncio feito na esteira de uma política medieva de preços administrativos para os combustíveis, com laivos nostálgicos de dirigismo económico, hoje em dia singular no contexto europeu.

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Um anúncio feito em rota de colisão com a convicção manifestada há tempos pelo Sr. Primeiro-Ministro, nesta Câmara, de que não haveria novas subidas de combustíveis até ao final da legislatura, em 2003.
Em suma, tudo visto e ponderado, um irrefragável despautério.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Manda a verdade dizer que a política de combustíveis que tem vindo a ser implementada por este Governo é uma política totalmente irracional, baseada em preços administrativos que não reflectem a realidade do mercado. E nem se diga que essa política é uma política de estabilidade, porque a suposta estabilidade é incompatível com preços artificiais geridos segundo conveniências políticas de ocasião e de mera arrecadação de receitas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Foi isso, aliás, que ocorreu quando, em 1997 e 1998, o preço do custo do petróleo na origem baixou mais de 50% e, em Portugal, os socialistas apenas baixaram o preço da gasolina em 1,2%, mandando às urtigas as regras do mercado e até mesmo o mais elementar bom senso.
Foi isso que ocorreu também quando o Governo não aumentou oportunamente os preços, em 1999, sob o desiderato oculto e não revelado de não interferir negativamente com o seu calendário político pré e pós-eleitoral.
Foi em nome dessa proto-estabilidade que se criaram as maiores distorções no mercado, criando a iniquidade e a incoerência de congelar alguns combustíveis, ao passo que outros, como o caso da nafta, sofriam as contingências do mercado, com as inevitáveis sequelas a jusante no mecanismo de fixação de preços.
Foi ainda em nome dessa proto-estabilidade que se fomentou o expediente do subsídio e da dívida recorrente às petrolíferas, da perda de receitas fiscais em sede de ISP e dos desvios de margens de flutuação da gasolina para o gasóleo.
O inêxito lapidar desta malfadada política é ainda espelhado pela galopante dívida do Estado às petrolíferas - aliás, não orçamentada -, superior a 40 milhões de contos, e pela perda de receita fiscal em matéria de ISP de cerca de 120 milhões de contos.
A propósito: será que este aumento é uma reacção açodada da tutela às pressões das petrolíferas? E já agora: como é que o Estado vai manter, para o ano, esta política de compensação às petrolíferas se o aumento decretado para o gasóleo é insuficiente para cobrir o seu custo real? Recorrendo, como sempre, à desorçamentação?
Em jeito de fecho de abóbada, direi que, para cúmulo do desconchavo desta política dita de estabilidade, ou, melhor, de instabilidade, quem «paga as favas» é o contribuinte e, em particular, o contribuinte não beneficiário directo dos combustíveis, numa clara afronta à equidade social e ao princípio da igualdade vivificado em sede constitucional.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O que se impõe é uma radical mudança de rumo na política de combustíveis que dê suporte aos inexoráveis ventos da história e que aponte para uma liberalização progressiva e gradual dos combustíveis. Uma política de verdade, em que os preços dos combustíveis reflictam a evolução dos mercados internacionais.
Na linha de orientação sabiamente traçada pelo Eng.º Mira Amaral, que lançou a semente de uma nova política, mas que o Governo dos socialistas, logo que chegou ao poder, em 1996, tratou de desbaratar na sua saga atrabiliária de espezinhar e de esquartejar tudo o que de bom fosse imputável ao PSD, o preço dos combustíveis deve subir quando subir na origem a matéria-prima e deve descer quando esta também baixar

O Sr. António Capucho (PSD): - Exactamente!

O Orador: - O Governo deve ficar confinado ao papel de regulador da concorrência no mercado, competindo-lhe ainda a fixação do valor do imposto sobre produtos petrolíferos e, eventualmente, a fixação, com regras claras e com o beneplácito das instâncias europeias, de preços diferenciados para transportadores profissionais. Nada mais!
Só assim se porá termo a esta anacrónica política de combustíveis. Só assim a factura será paga pelo consumidor final e não pelo cidadão anónimo contribuinte.
Só assim deixaremos de ser zurzidos por alguns organismos internacionais, que acusam Portugal de ingerir abusivamente na taxa de imposto sobre produtos petrolíferos para evitar a variação de preços de combustíveis - uma espécie de manipulação a la carte.
Só assim poderemos partir para a implementação de novos critérios para o imposto sobre produtos petrolíferos, que tenham primacialmente por escopo evitar distorções de concorrência e evidenciar preocupações de índole ambiental.
Só assim será possível rasgar novos horizontes numa política energética nacional, que assente na diversificação das fontes de energia; que privilegie a redução do consumo energético, quer por via da informação quer por via de iniciativas fiscais conducentes ao uso racional da energia, que se traduza por uma verdadeira política energética integrada, que tenha por desígnio mor a eficiência energética,

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que aposte na dimensão competitiva dos nossos operadores energéticos, sem descurar nunca a salvaguarda do interesse nacional, mantendo entre nós os centros estratégicos de decisão.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O País reclama uma nova política energética, para bem dos cidadãos, para bem das empresas, para bem do País. É tempo de falar verdade, é tempo de dar voz à razão, é tempo de mudar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Não havendo inscrições para pedidos de esclarecimento, para intervir, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Interpelar o Governo para questionar as orientações do executivo em matéria de política de combustíveis é, obviamente, uma decisão sempre oportuna, não obstante sobre esta matéria já termos travado, nesta Assembleia e nesta sessão, vários debates em que o tema foi centro das atenções do hemiciclo.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Bem lembrado!

O Orador: - Mas interpelar o Governo para reclamar deste que aumente os preços dos combustíveis, com tudo o que isso representa para os bolsos dos portugueses, é algo que convoca a nossa perplexidade.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O Bloco de Esquerda reclama um aumento de 10$ para o gasóleo e de 4$ para a gasolina sem chumbo, tudo conjugado com a proposta de lançamento de um novo imposto sobre os portugueses, um imposto ecológico, que iria de 5$ a 10$/litro, nos casos, respectivamente, da gasolina e do gasóleo.
O Governo, entretanto, já respondeu, nesta matéria, e de forma favorável ao partido interpelante, num valor, aliás, mais baixo do que aquele que reclamava o Bloco de Esquerda. A partir de Janeiro, teremos assim, de acordo com as notícias vindas a público, um aumento de 5$/litro nos combustíveis.
O Bloco de Esquerda pode, assim, sair desta interpelação dizendo aos portugueses que foi ele que conseguiu obter do PS um novo aumento do preço dos combustíveis e, por acréscimo, do preço geral dos transportes, do gás e de outros bens de consumo de primeira necessidade, cujo preço normalmente anda associado aos combustíveis. E o Governo pode, apesar de tudo, afirmar que conseguiu aumentar menos do que reclamava uma parte da oposição.
Tudo bem! Só que, com isto, não estamos a apelar a que os automobilistas de todo o mundo circulem, Sr. Deputado Francisco Louçã, mas também não ignoramos que entre os automobilistas que utilizam viaturas há milhares e milhares de cidadãos, e cidadãos trabalhadores, que as utilizam como instrumento de trabalho, nem ignoramos que um debate sobre a política de combustíveis centrada no aumento dos preços é errada. E mais errada é quando se esquece que tal aumento dos preços não diz respeito unicamente aos automobilistas mas a todos os cidadãos portugueses, designadamente os mais desfavorecidos, que vão sofrer as consequências dos aumentos de preços em cadeia noutros bens de consumo essenciais.

Aplausos do PCP.

Por isso, correcto é centrar o debate numa política global energética e não no preço dos combustíveis, apesar de reconhecer que, na intervenção inicial, o Sr. Deputado Francisco Louçã procurou corrigir o tema da interpelação, abrindo-o para esta reflexão mais geral.
Como disse, e estamos de acordo, uma política de combustíveis não se esgota, nem mais, nem muito, nem pouco, nas decisões sobre os preços.
Mas já lá vamos! É que, ainda em matéria de preço dos combustíveis, o Governo tem andado permanentemente numa política de contraciclo.
Entre 1997 e meados de 1999, o preço do crude baixou, mas o Governo entendeu, então, manter o preço dos combustíveis, porque isso lhe interessava em matéria de receitas fiscais. De 87$/litro de ISP sobre a gasolina sem chumbo 95, que o Governo arrecadava no início de 1996, chegou aos 100$/litro, no primeiro trimestre de 1999.
Entretanto, a partir de Abril de 1999, os preços das ramas começaram a subir de forma acentuada nos mercados internacionais, mas o Partido Socialista, com as eleições de Outubro à porta, sacrificou a lógica económica à lógica eleitoralista, a qual prolongou por mais três meses, para poder, enganando então os trabalhadores da Administração Pública, negociar os aumentos salariais de então com base em referenciais de inflação, que sabia não ir cumprir, para os poder conter num patamar mais baixo. Chamou-se a isto, na altura, e bem, má fé!
Confrontado pelo PCP, no debate do Orçamento do Estado para 2000, com este comportamento inaceitável, o Eng.º António Guterres, numa voluntarista fuga para a frente, comprometeu-se a não aumentar o preço dos combustíveis até ao final deste ano.
Eis que, agora, chegados a Dezembro, o Governo, liberto da promessa, à contre coeur, do Primeiro-Ministro, vai aumentar os combustíveis em Janeiro próximo. Agora, como já disse, apoiado também no pedido do Bloco de Esquerda.
Mas, azar: este aumento é decidido exactamente no momento em que o crude começa de novo a baixar de preço nos mercados petrolíferos. De 33 dólares/barril em Setembro passado estamos agora abaixo dos 26 dólares, menos 23 %.
Isto é, o Governo não tem nenhuma estratégia económica…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso é uma verdade!

O Orador: - … nem nenhuma política integrada para as suas decisões em matéria de preços dos combustíveis!

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

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O Orador: - Pelo contrário, as decisões do Governo são avulsas, casuísticas e têm-se pautado exclusivamente por critérios de oportunidade política e eleitoralista, com sérios prejuízos para o País e para a expectativa dos portugueses!
O que o PCP defende nesta matéria de preço dos combustíveis é claro. Para nós, o preço dos combustíveis deve repercutir, de forma gradual, para mais e para menos, a oscilação do preço do crude. Isto é, o preço dos combustíveis não deve só aumentar quando o preço das ramas aumenta, deve também baixar quando o preço do crude baixa na origem.
Mas, como já dissemos, uma política de combustíveis não se esgota na política de preços.
Em primeiro lugar, uma política de combustíveis deve ser inserida numa estratégia que estimule a procura e o consumo de energias alternativas menos poluentes, ou não poluentes, num quadro de diversificação das fontes energéticas.
Em segundo lugar, as políticas fiscais para os veículos automóveis devem ser definidas de modo a penalizar os que consomem mais combustíveis e contribuem mais para os níveis de poluição, com base, por exemplo, na cilindrada e nos «cavalos fiscais».
Em terceiro lugar, há que proceder ao desenvolvimento de redes de transportes públicos colectivos que desincentivem o uso do transporte individual.
Em quarto lugar, entendemos ser necessário adoptar medidas integradas de acompanhamento dos aumentos dos preços dos combustíveis, designadamente em matéria de contenção dos aumentos dos passes sociais nos transportes colectivos - como, aliás, o PCP propõe com o desenvolvimento do passe social intermodal, que iremos, aqui, debater, no próximo dia 4 de Janeiro -, para evitar, ou pelo menos atenuar, a repercussão em cadeia das decisões sobre os preços dos combustíveis noutros preços de bens de consumo essenciais para os portugueses, bem como encontrar soluções compensatórias para os sectores mais vulneráveis da economia, como a agricultura e as pescas.
Em quinto lugar, deve haver investimento no transporte ferroviário de passageiros e mercadorias.
Em sexto lugar, é necessário aplicar o princípio do poluidor/pagador.
Em sétimo lugar, há que não considerar o imposto sobre produtos petrolíferos exclusivamente como uma variável em matéria de receitas fiscais. Hoje, em Portugal, o ISP e o IVA são responsáveis por cerca de 80% do preço final dos combustíveis.
Em oitavo lugar, há que dizer não à liberalização do preço dos combustíveis, que deixaria a política de combustíveis exclusivamente nas mãos do mercado e dos interesse das companhias petrolíferas, sem qualquer consideração pela inserção das decisões sobre preços numa estratégia integrada em matéria de políticas energéticas e ambientais.
Estas oito medidas não são seguramente as únicas, outras haverá. Mas o que não pode continuar é uma política de combustíveis baseada quase exclusivamente em critérios de oportunidade política, que se traduzem na necessidade de financiamento permanente das petrolíferas em dezenas de milhões de contos, pagos pelo erário público, isto é, pagos por todos os portugueses.
O que não pode continuar é a ausência de uma estratégia integrada em matéria de políticas energéticas. É isso que o PCP propõe que seja reflectido e alterado nas orientações do Governo, por mais que o Partido Socialista não queira perturbar interesses instalados.
Mas governar, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro e Sr. Ministro da Economia, é também, forçosamente, optar e assumir essas opções com justiça social, porque, como se sabe, não é possível enganar-se toda a gente todo o tempo! É a vida!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, ouvi com atenção os seus remoques curiosos, que creio fazerem parte de uma secção de curiosidades num jornal chamado Avante, o «tiro ao Bloco», mas que não têm grande interesse para este debate. Penso que o Sr. Deputado merece muito mais e que a seriedade deste debate exige mais do que leituras parciais, localizadas e ocasionais de pontos de vista políticos, pelo que me concentrarei só sobre a segunda parte da sua intervenção.
Quando o Bloco de Esquerda, há dois meses, propôs uma correcção dos preços, tendo sido o único partido a fazê-lo, apresentou um texto que o Sr. Deputado provou conhecer muito bem e que, aliás, citou com rigor. Contudo, o Sr. Deputado não citou o conjunto das 20 medidas que acompanhavam essa política de preços, incluindo novas regras de preços sobre todos os tipos de combustíveis, a redução do nível de preços dos passes sociais, o imposto ecológico, o bilhete intermodal, a redução absoluta do preço do gás, a tributação da Brisa e das petrolíferas, o regime de edificações urbanas e novas regras sobre o imposto automóvel. Relativamente a todas estas medidas, o Sr. Deputado, nas suas referências, provou haver convergência de opiniões entre as nossas bancadas.
A razão de ter sido feita essa proposta nessa altura, relativamente à qual nos confrontámos com o silêncio do Governo e de outras bancadas, foi justamente não podermos propor a diminuição dos preços dos combustíveis quando o preço das ramas internacionais diminui, em nome de um critério de flutuação liberal dos preços, tendo de responder a todas estas pressões que se traduzem na injustiça fiscal.
Como o tomo a sério, o que não podia deixar de fazer, e como o Sr. Deputado disse que se deve aumentar e diminuir os preços para responder a aumentos e a diminuições nas ramas internacionais, tenho de perceber por que essa proposta não foi feita quando era difícil fazê-la mas apenas quando é fácil. Creio que quando nos confrontamos com uma política demagógica, irrealista e irresponsável, a força da oposição, e da esquerda, em particular, é ser realista, concreta e alternativa.
Não creio que ganhemos com a facilidade, mas, sobretudo, Sr. Deputado, não creio que ganhemos com a ideia de que há uma esquerda que tem de preocupar-se com problemas sociais e que é alheia à durabilidade e à sustentabilidade das suas políticas.
A esquerda que quero ver forte neste país é aquela capaz de não abdicar de qualquer combate social, compreendendo que entre esses combates sociais, todos tão fundamentais, está o da constituição de uma política alternativa

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sobre o uso e o abuso desta civilização baseada na efectividade do consumo de energias fósseis não renováveis e que, portanto, tem de encontrar alternativas. É isso o que estamos a discutir!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, fez bem em dar atenção às oito propostas que apresentei em nome do meu grupo parlamentar.
Já agora, Sr. Deputado, quero dizer-lhe que pode ficar descansado porque não andamos «ao tiro ao Bloco», embora, sejamos francos, o Bloco de Esquerda não possa reivindicar o direito de viver numa redoma de vidro, acima de quaisquer críticas e, portanto, está sujeito, como qualquer cidadão e qualquer força política, às críticas, quando elas são oportunas e justas.
Porém, não andamos ao tiro nem aos automobilistas nem aos cidadãos mais carenciados, que sofrem as consequências de uma política casuística e avulsa de aumento dos preços, não integrada numa política energética e social global. Foi essa a questão que procurámos trazer aqui, recentrando o debate de uma interpelação que tem como tema o preço dos combustíveis, o qual, aliás, foi o centro do vosso documento que divulgaram em Julho e do resumo que distribuíram à comunicação social e à opinião pública.
Sr. Deputado, não ignoramos que há uma componente de preços, como é óbvio, pelo que, nesse contexto, entendemos que os preços devem oscilar gradualmente em função da variação do preço do crude até se encontrar uma fórmula melhor.
Em primeiro lugar, não vimos propor aumentos de preços quando o preço das ramas estão a subir porque o Governo também não os baixa quando o preço das ramas estão a descer.
Em segundo lugar, Sr. Deputado, quando referimos as políticas de preços, integramo-las numa política energética global, numa política de procura e diversificação das fontes energéticas, numa política que se propõe, simultaneamente, compensar as consequências sociais da política dos combustíveis, sobretudo em matéria de transportes e de condições de vida para os mais idosos, com as consequências que isso tem para as pensões de reforma. É que os aumentos dos preços dos combustíveis geram aumento dos preços do gás, dos transportes e do custo de vida, repercutindo-se nos cidadãos mais carenciados e, em particular, nos mais idosos.
Isso, sim, Sr. Deputado, é uma política de esquerda! É a visão global de uma política, que não pode ser sectorizada, embora isso seja importante, obviamente, mas, sim, integrada numa visão social e no modelo social que queremos para a sociedade, centrada, sobretudo, em objectivos de justiça social e de apoio aos mais carenciados. É este o nosso sentir, é este o sentido da nossa intervenção e das nossas críticas ao partido interpelante e ao Governo!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento (Fernando Pacheco): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como já aqui foi dito, de facto, este é um dia infeliz para o Governo, não só pela razão apontada…

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Ai que desgraça!

O Orador: - Não, não é desgraça, Sr. Deputado, porque, como ficou patente, depois desta discussão e como o Sr. Deputado Lino de Carvalho muito bem disse, há consequências delicadas para o conjunto da população portuguesa quando os combustíveis aumentam!
Sr. Deputado Lino de Carvalho, este também é um dia infeliz porque, como referiu, neste momento, o Governo nem sequer poderia reduzir o ISP, ou seja, não poderia fazer mais por aqueles objectivos que o senhor apontou, porque, como é sabido, as taxas de ISP, tanto no gasóleo como na gasolina, estão aos níveis menores permitidos pela directiva comunitária. Portanto, neste momento, com o aumento dos preços dos combustíveis a partir de Janeiro, o que o Governo está a fazer é manter, no País, esses preços aos níveis mais baixos possível.
Quanto à política de estabilidade dos preços dos combustíveis, cuja vantagem já ficou clara - aliás, melhor advogado não poderia haver para o Governo que a posição que o Sr. Deputado Lino de Carvalho acabou de defender -, permito-me fazer uma observação relativamente ao que disse o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Deputado Francisco Louçã disse que os movimentos dos preços dos combustíveis deveriam ter em conta dois custos: um custo conjuntural e um custo ambiental. Ora, Sr. Deputado, se estamos de acordo no que toca ao custo ambiental, em relação ao custo conjuntural não podemos estar de acordo, por uma razão muito simples: o senhor deveria ter mencionado custo estrutural.
Se há algo que sabemos das políticas fiscais - e este é um caso concreto, pois trata-se de um imposto - é que são tratadas na teoria económica como políticas de estabilização. Ora, estabilização significa estabilidade, amortecer os choques sobre a economia, até porque isso tem a vantagem de, ao reduzir os níveis de incerteza na economia, permitir dar outras condições para o investimento das empresas.
O problema que se coloca, que é delicado de gerir, como acontece sempre em política económica, é o de saber se houve uma alteração de condições estruturais e se, portanto, deve procurar-se o novo patamar de estabilidade. É isso o que o Governo está a fazer agora, ou seja, é a preocupação que o Sr. Deputado enunciou que estamos a ter em conta ao elevar esse patamar de estabilidade para trazê-lo em linha com os preços actuais dos combustíveis.
Outro erro colocado neste debate, se me permite esta observação, foi o de dizer que, em Março, o Governo aumentou o preço dos combustíveis a contraciclo, porque o preço do crude diminuiu nos mercados. Isso é verdade, de facto, o preço do crude diminuiu, mas o que é relevante para a fixação dos preços dos combustíveis, de acordo até com um diploma legal que data de 1994, é o preço Europa.
Ora, Srs. Deputados, o preço Europa não diminui em Março, aliás, continuou a subir, até porque há outros efeitos que influem sobre o preço dos combustíveis que não apenas o preço do crude. Por exemplo, há que ver o que acontece quanto à taxa de câmbio euro/dólar, a qual, por

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esta altura, andava por valores de depreciação de cerca de 25%. Portanto, isto significa que houve uma redução do preço do crude nos mercados internacionais que foi cancelada, devido a um efeito que contra ela jogou, o da desvalorização do euro.
Perguntava o Sr. Deputado Jorge Neto - que, neste momento, não está presente - como se admite que estejamos a subsidiar os agentes económicos e os camionistas espanhóis ao permitir que, na fronteira, comprem gasóleo mais barato, preço que é suportado pelos contribuintes portugueses.
Srs. Deputados, durante os três anos em que pude acompanhar esta experiência de perto, o preço do gasóleo em Espanha era mais de 20% abaixo do praticado em Portugal. Nessa altura, eram os camionistas portugueses que iam abastecer-se em Espanha e ninguém referia que tínhamos de devolver ao Governo espanhol o que ele perdia em taxas por vender combustíveis aos camionistas portugueses.
Portanto, há um efeito de equilíbrio que tem a ver com as boas regras comunitárias. Quando entramos numa união económica é para o bom e para o mau, ou seja, para beneficiar nuns casos, havendo situações no outro sentido, noutros casos, noutros momentos.
Uma ideia também defendida pelos Srs. Deputados Lino de Carvalho e Isabel Castro, e muito bem, aliás, o Sr. Ministro disse-o na sua intervenção, é que a política de combustíveis não está isolada, devendo olhar-se para uma política energética no seu conjunto.
Mais uma vez tocando nas intervenções dos Srs. Deputados Francisco Louçã e Isabel Castro, quero dizer que é no conjunto da política energética que a componente ambiental é mais evidente. Salientarei apenas, para ser breve, os casos específicos de medidas tomadas para a promoção das energias renováveis e da co-geração. Não se trata de medidas avulsas, porque só as intenções de co-geração delas resultantes representam intenções de investimento, os quais, em parte, já estão em concretização, de 700 MW, o que é 10% da capacidade instalada pela EDP no País.
Sr. Deputado Lino de Carvalho, deixe-me chamar-lhe a atenção para um ponto. O senhor falou no princípio do poluidor/pagador, que corresponde à internalização de um custo. Ora, sempre que possível, é preferível, em vez de internalizar um custo, internalizar um benefício, o que está a ser feito precisamente nos casos das energias renováveis e da co-geração. Ou seja, nestes dois casos, a energia eléctrica é comprada por um preço que representa o custo evitado por estar a produzir energia eléctrica numa instalação como a da EDP mais o valor económico do benefício ambiental. Isto é benéfico porque não há o efeito negativo sobre a competitividade no conjunto da actividade económica, havendo um estímulo directo à investigação e desenvolvimento no ganho de eficiência energética porque o benefício ambiental é mais elevado.
Já agora, gostaria de referir-me à questão dos automobilistas, em resposta ao Sr. Deputado Francisco Louçã, que quanto a este aspecto penso ter errado duplamente, dizendo que estamos a subsidiar quem circula de automóvel e que não compreendia a diferenciação que fazemos, maior do que em Espanha, entre o preço do gasóleo e o preço da gasolina.
Este aspecto tem uma justificação clara: foi identificado nesta Câmara, aliás, os Srs. Deputados Pedro Mota Soares e António Pires de Lima tocaram nesse ponto aquando da discussão orçamental, tendo sido uma observação generalizada do conjunto das bancadas, inclusive da do PS, que temos um problema muito concreto de competitividade. Esse é um problema real da economia portuguesa!
Ora, Sr. Deputado, a competitividade não se mede na gasolina, não é esta que explica a competitividade, mas, sim, no gasóleo, porque a única actividade económica que depende da gasolina para os seus resultados é a venda da mesma, da qual não estamos a tratar quando falamos de competitividade. Ao permitir ter um preço do gasóleo mais baixo do que aconteceria numa situação normal o que estamos a fazer é melhorar a competitividade e a ter um benefício social muito claro, em termos dos empregos que assim podem ser criados, por isso se explicando também a diferenciação que existe.
O Sr. Deputado Lino de Carvalho mencionou também a questão da competitividade dos cidadãos. Sr. Deputado, não considero que haja um prejuízo neste aspecto, por uma razão muito simples: temos a terceira gasolina mais barata da Europa e o gasóleo mais barato. Assim sendo, penso que não se pode falar de perda de competitividade em termos dos cidadãos portugueses face a outros cidadãos da União Europeia.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento, os Srs. Deputados Lino de Carvalho, Francisco Louçã e Pedro Mota Soares.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, o Sr. Secretário Adjunto e do Estado do Orçamento decidiu, porque lhe convinha, ignorar, em matéria de preços dos combustíveis, o centro da crítica do PCP ao Governo - falo nos preços dos combustíveis e não no resto da política energética que há pouco referi.
A crítica que fazemos é que o Governo tem tido uma política de preços de combustíveis avulsa, casuística, em função de critérios de oportunidade política eleitoral.
Sr. Secretário de Estado, não venha dizer que as decisões que tomou visaram evitar penalizações aos portugueses quando o crude aumentou. Como o Sr. Secretário de Estado sabe, entre 1997 e meados de 1999, o preço do crude baixou para valores históricos, mas o Governo aumentou o imposto sobre os produtos petrolíferos, passando a arrecadar, na gasolina sem chumbo 95, de cerca de 87$ para cerca de 100$, conseguindo, assim, milhões de contos de receitas fiscais. Nessa altura, o Governo não se preocupou com as repercussões que teria sobre os cidadãos aquilo que deveria ter feito mas não fez, ou seja, reduzir o preço dos combustíveis.
Posteriormente, como estávamos em ano de eleições, naturalmente procurou estabilizar o preço, não respondendo ao aumento normal que decorreria do preço do crude no mercado internacional e agora vêm fazê-lo, exactamente no momento em que o crude começa a baixar. Se é de forma sustentada ou não, veremos - os analistas dizem que, provavelmente, se fixará à volta do valor que está -, mas na verdade, Sr. Secretário de Estado, isto significa que o Governo tem uma política casuística, uma política em função de critérios de oportunidade, com o que isso traduz em instabilidade para a actividade económica e em repercussão para o bolso dos consumidores, porque logo que

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o crude aumenta o Governo procura também, quando não está em ano eleitoral, aumentar os preços dos combustíveis no custo final, quando isto poderia ser feito de uma forma mais gradual.
Segunda questão: o Sr. Ministro disse, há pouco, que o Sr. Secretário ia responder - mas o Sr. Secretário de Estado não o fez, tal como o Sr. Ministro - à pergunta sobre quantos milhões de contos foram transferidos para as petrolíferas ao longo deste período chamado de estabilidade de preços, em resultado desta política casuística. Qual é a dívida actual do Governo em relação às companhias petrolíferas?
Terceira questão: gostaria que o Sr. Secretário de Estado desse uma resposta mais concreta que a do Sr. Ministro quanto às medidas de política que o Governo vai adoptar, por exemplo, em matéria de preços dos transportes, para não penalizar as populações mais desfavorecidas, sobretudo em matéria de preços dos passes sociais.
São estas as questões que queria colocar ao Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Presidente: - Para responder, se quiser fazê-lo desde já, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento Sr. Presidente, responderei desde já.
Sr. Deputado Lino de Carvalho, como é que pode dizer que uma política é casuística, é inconstante e é decidida ao momento quando, como o senhor acabou de dizer, ela é mantida há quatro anos?! O que me parece é que, precisamente, esse não é o caso!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É em função de cada caso concreto.

O Orador: - O Sr. Deputado não pode dizer que uma política é decidida no momento quando essa política é seguida há quatro anos e exactamente nos mesmos critérios.
Mais: o senhor, de facto, tem toda a razão quando diz que entre Abril de 1997 e Julho de 1999 não houve aumento. Realmente, houve uma estabilidade, que, aliás, depois, se alongou até um pouco mais do que isso.
Mas, Sr. Deputado, também não esqueça o que aconteceu antes de Abril. É que aí houve ganhos importantes em termos de receitas fiscais, que não foram até Junho de 1999 mas foram até uns meses antes de Junho de 1999. E o Sr. Deputado está a esquecer o que aconteceu nos meses que antecederam Abril de 1997 e o que se seguiu ao período de Maio de 1999. Por isso é que se chamava política de estabilidade, porque aquilo que foi ganho nuns anos compensou aquilo que foi perdido nos outros! E tanto assim é que, até Julho de 1999, o saldo era zero, ou seja, em termos de receita fiscal, a receita fiscal ganha não antecipada nuns anos compensou a perdida não antecipada nos outros.
Por isso, mais uma vez, é uma política de estabilidade, que, até no seguimento da linha de discussão aqui tida há pouco, não prejudicou os portugueses, pelo contrário, com certeza, até os beneficiou.
Disse depois o Sr. Deputado que não compreende como é que o crude baixa e nós não baixamos os preços. Sr. Deputado, isso é confundir o nível com a primeira derivada!
O que interessa, numa política de estabilidade, não é saber se está a descer ou se está a subir, é saber se o preço que é praticado no momento compensa ou não compensa com aquilo que deveria ser o valor de equilíbrio.
É que, depois, o Sr. Deputado perguntou: e quanto é que foi transferido para as petrolíferas? E quanto é que se deve às petrolíferas? Em primeiro lugar, se se deve não foi transferido e, em segundo lugar, se pergunta quanto é que se deve às petrolíferas, não se percebe como é que diz que ainda é preciso descer mais! Se alguma dívida existe é por o preço ser mais baixo do que o preço de equilíbrio, como, penso eu, ressalta aos olhos de toda a gente desta Câmara.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Em função da política errada que fizeram.

O Orador: - Portanto, Sr. Deputado, o que isto significa é que o aumento de 5$, que é aquele que irá acontecer no dia 1 de Janeiro, é precisamente para repor a situação de equilíbrio do mercado, porque, como disse aqui o Sr. Ministro - e muito bem -, sendo esse preço para as condições actuais, isso significa que no primeiro trimestre desse ano haverá um balanço de zero, ou seja, o preço é aquele que equilibra, é um preço que será estável, que permite as melhores decisões de investimento, as mais correctas e que reflecte as situações de mercado.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado: Agradecendo-lhe a delicadeza de não me ter condecorado como o melhor advogado do Governo neste debate - é sempre uma alegria ter essa distinção -, e quero responder a um detalhe da sua intervenção e, sobretudo, levantar uma questão, porque me parece, aliás, que estão relacionados.
Com certeza que tem razão: não é pela conjuntura que devem ser delimitadas as evoluções do preço. A conjuntura tem uma influência significativa, mas é uma política estrutural entre dois limiares, máximo e mínimo, o que deve orientar estas oscilações.
No entanto, as questões que levantámos foram as seguintes: uma política consistente de evolução de preços deve abranger o conjunto dos combustíveis e não faz sentido ter uma política diferenciada que permite uma tal penalização, como aconteceu com o gás natural e, enfim, no gás de utilização doméstica em geral, ao longo do ano 2000, e ter, simultaneamente, esta política de estabilização que o Governo veio a praticar, com os resultados fiscais terríveis desta perda de 110 milhões de contos. E a razão pela qual não deve ser uma política conjuntural é, naturalmente, a mesma que nos leva a opor-nos a uma liberalização pura e simples destes mercados. Mas, em contrapartida, a delimitação desta política conjugada parece-me ser absolutamente essencial.
Deste ponto de vista, no entanto, a política que o Governo agora sugere não tem uma estabilidade garantida, porque ela depende de uma evolução no mercado internacional à volta de 24 dólares e depende, sobretudo, de uma aproximação da paridade entre o dólar e o euro, ou seja, tanto num caso como noutro não pode haver mui

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tas flutuações e, portanto, não há garantias a este respeito.
A justificação deste debate é justamente perceber, primeiro, que medidas sociais podem ser tomadas e, segundo, como é que se pode corrigir esta política de preços, que teve tal resultado no ano 2000.
Mas a questão central tem a ver com a estrutura. O Sr. Ministro Cristina de Sousa argumentou aqui, valorizando positivamente, que Portugal tem o combustível mais barato da Europa e o Sr. Secretário de Estado disse que a justificação para o gasóleo ser mais barato era uma justificação de competitividade económica. E é sobre isto que nós nos confrontamos, Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado.
A situação é essa e essa situação é uma tragédia para a economia portuguesa. É uma tragédia ambiental por promover a eficiência económica de alguns agentes à custa da utilização intensiva do combustível mais poluente; pode ser vantajoso, no curto prazo porque não são internalizados todos os custos ambientais desse procedimento e dessa regra social, mas é seguramente muito desvantajoso a longo prazo e de certeza que não constrói vantagens competitivas para a economia portuguesa.
As fragilidades da economia têm a ver com isso, ou seja, com uma vantagem competitiva construída na base de salários baixos, na base de custos artificialmente baixos, nomeadamente do transporte e da utilização da energia.
É claro que a resposta a isto não pode ser dada de um dia para o outra, mas enquanto não houver uma estratégia que desenvolva a produtividade, o design, a competitividade, a inovação, o desenvolvimento tecnológico que permita evitar este dano tremendo que é o impacto ambiental destas políticas baseadas no gasóleo, não teremos uma verdadeira política económica.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento: - Sr. Deputado Francisco Louçã, não querendo ser advogado do Bloco de Esquerda, deixe-me dizer-lhe que, com a intervenção que acabou de fazer, deu um contributo essencial para a seriedade da discussão que se está a ter sobre este tema.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - É uma testemunha abonatória.

O Orador: - Exactamente!
Já agora, Sr. Deputado, se me permite e no seguimento do que acabei de referir, deixe-me dizer-lhe que eu não posso dar-lhe, com honestidade intelectual, uma certeza de que esta política de estabilidade é melhor do que o modelo alternativo de liberalização e flutuação dos preços.
A única coisa que posso dizer-lhe é o seguinte: num mercado onde os preços flutuam à volta de um valor médio, uma política de estabilidade é melhor, seguramente; num mercado onde haja drifts, ou seja, variações de tendência que não são antecipadas e que não percebidas completamente, uma política de liberalização será, porventura, se as flutuações conjunturais forem menores, a melhor solução.
O problema é que nós estamos num mercado «cartelizado» e é muito difícil distinguir se estamos num caso ou no outro. Penso que a decisão que o Governo tomou foi uma opção validada, na prática, pelas situações complicadas que vivemos - e retomo a intervenção do Sr. Deputado Lino de Carvalho, que foi muito ilustrativa neste ponto -, bastando olhar para o que aconteceu em outros países da Europa. Creio que não haveria maneira de compensar a situação social complicada, com prejuízos económicos delicados, que se viveu noutros países da Europa e que, felizmente, conseguimos evitar no nosso país.
Agora, voltando à questão colocada, a da competitividade, e na linha de discussão do fundo desta questão, relativamente ao gás doméstico, por exemplo, quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que a opção pela competitividade é a mais crítica que podemos fazer neste momento, porque esse é o principal problema que a economia portuguesa tem e com manifestação ao nível de algo que nós identificámos e discutimos nesta Câmara como muito delicado: a situação de défice externo em que o País está neste momento.
Portanto, a opção de competitividade é muito importante e, a meu ver, perfeitamente justificada. Isto significa que até os consumidores são beneficiados se, em lugar de se olhar para a competitividade no sentido social, como disse o Sr. Deputado Lino de Carvalho, e olhando para o gás doméstico, olharmos para a competitividade do sistema económico, porque isso garante, depois, também o emprego, ou seja, permite-nos também atingir o objectivo da manutenção de um nível elevado de emprego, com benefícios social.
Ainda por cima, Sr. Deputado - e permita-me fazer também esta observação - não estamos a falar de um momento em que os rendimentos reais das famílias, segundo a informação estatística disponível, estejam a diminuir, pelo contrário.
Portanto, isto significa que há a capacidade de amortecer este choque sobre o gás doméstico, quer pelo que se ganha em termos de volume de emprego mais elevado quer pelo que se ganha pelo volume de rendimentos, que tem estado a crescer também significativamente acima daquilo que aconteceu noutros países da Europa. Por conseguinte, penso que aí há uma razão para isso.

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, terminou o tempo de que dispunha.

O Orador: - Sr. Presidente, então, inscrevo-me já para uma intervenção, porque penso que esta questão é muito importante.

O Sr. Presidente: - Fica inscrito, Sr. Secretário de Estado.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Na sua intervenção, o Sr. Secretário de Estado falou num tema que é muito caro à minha bancada: a competitividade e até a produtividade da economia portuguesa.
Por isso mesmo dizemos que a política seguida pelo Governo, em matéria de combustíveis, é antieconómica

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É que, em nossa opinião, para aumentar e ajudar a competitividade do País e até a sua produtividade, há que descer as taxas quer do IRC quer do IRS e introduzir bónus e incentivos à produtividade. Ora, isso poderia ter já sido feito no ano que está a correr. Porém, isso é impossível fazer quando a diferença entre o que é orçamentado e o que é cobrado em ISP são 140 milhões de contos. Como é óbvio, este dinheiro vai ter de vir de algum lado e, infelizmente, veio de um sítio de onde mais podíamos ajudar a competitividade e a produtividade da economia portuguesa. E é por isso que esta política seguida pelo Governo é, a nosso ver, antieconómica.
Como eu penso que o Sr. Secretário de Estado, com honestidade intelectual - utilizando um termo que há pouco usou -, reconhece isto em parte (aliás, foi por isso mesmo que questionou até um modelo que o Governo tem vindo a seguir), quero colocar-lhe uma questão muito concreta: na sua resposta ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado do Partido Comunista disse que este vai ser o preço para o primeiro trimestre de 2001 e, depois disso, na resposta que deu ao Deputado Francisco Louçã, disse que eventualmente vão ter de reponderar esta lógica e o modelo que têm vindo a seguir, que é, como lhe expliquei, um modelo que prejudica a nossa economia. Será que essa mudança do modelo vai ser feita depois do primeiro trimestre de 2001? O que é que irá passar-se depois do primeiro trimestre de 2001? Será que o Governo está já a anunciar que, depois do primeiro trimestre de 2001, vai de novo aumentar o preço dos combustíveis?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Mota Soares, a nossa política é, neste momento, a mais correcta, até mesmo para promover a competitividade, por uma razão que vou já dizer qual é.
O senhor perguntou por que é que nós não temos estímulos à produtividade. Com certeza que é importante que a produtividade exista na economia portuguesa e esse é um dos nossos problemas mais críticos. Só que esta medida dos combustíveis permite, precisamente, analisar a economia pela produtividade total dos factores, ou seja, melhora a produtividade quer do capital quer do trabalho. Portanto, ataca o problema pela fonte, porque diminui os custos de produção de uma maneira horizontal, atingindo todos os sectores da economia.
Se não, podíamos até criar situações difíceis, porventura sectores em que se está a construir competitividade neste momento, como, por exemplo, o da cristalaria - está ali o Deputado Lino de Carvalho e penso que esta é uma questão que ele acompanha, pelo menos já interveio sobre este assunto -, que em 1994 necessitou de um plano de reestruturação e está, neste momento, a aumentar as suas exportações para mercados como o americano e suíço, a taxas de 20% ao ano. Portanto, é um sector que está agora a construir a sua posição competitiva, que está a ter aumentos de produtividade mas que ainda não está no nível de produtividade de outros sectores, como, por exemplo, o dos moldes, onde já somos muito competitivos, o qual, neste momento, nem sequer precisa de estímulos especiais para continuar a afirmar-se.
Creio que podíamos criar uma problema social complicado, sendo uma preocupação também desta Câmara, e esta medida, ao ser uma medida de banda larga, permite atingir todos os sectores da economia. Por isso, permito-me fazer notar que é muito mais apropriada do que medidas orientadas para sectores que, no fundo, já não dependem desta medida para terem mais capacidade competitiva. Poderia, sim, fazer uma coisa que era aumentar a taxa de lucro nestes sectores. Mas não é compromisso do Governo aumentar as taxas de lucro artificialmente em certos sectores. A política fiscal deve ser usada para promover o conjunto da economia e o emprego.
Por isso, esta é, para nós, a medida de longe mais indicada e mais apropriada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Neto para pedir esclarecimentos.

O Sr. Jorge Neto (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, há pouco, fez uma referência à minha intervenção inicial no tocante à questão que tive oportunidade de formular ao Sr. Ministro da Economia e que se reportava ao facto anómalo de esta política de combustíveis estar a traduzir-se, à outrance, no fomento e, de alguma forma, num «subsídio» às empresas espanholas de gasóleo, com o abastecimento destas últimas na fronteira portuguesa. O Sr. Secretário de Estado replicou, dizendo que situação idêntica ter-se-ia passado anteriormente, beneficiando as empresas portuguesas.
Gostava, pois, que o Sr. Secretário de Estado esclarecesse esta Câmara e a mim próprio quanto a saber se, naquele tempo, o Estado espanhol também teve de suportar os custos atinentes à dívida às petrolíferas e, ainda, se, em matéria de imposto sobre os produtos petrolíferos, suportou algum ónus por força desse «subsídio» às empresas portuguesas. É que, eventualmente, estaremos a falar em duas coisas diferentes.
Poderá ocorrer que, na situação invocada pelo Sr. Secretário de Estado, tenha funcionado o mercado, a política espanhola de liberalização do preço dos combustíveis, não tendo havido qualquer lesão do erário público, por não ter havido qualquer benefício para as petrolíferas, nem qualquer perda fiscal, enquanto, no que diz respeito à situação portuguesa, sabemos que é substancialmente diversa posto que, existindo uma política dita «de estabilidade», mas que eu apodo «de instabilidade», o que se verifica é que sempre que o combustível, particularmente o gasóleo, é vendido a preço subsidiado, naturalmente que há lesão do erário público, quer em termos de perda de ISP quer em termos de dívida às petrolíferas. Portanto, poderemos estar aqui a falar em duas situações não compagináveis entre si.
Gostaria, pois, que o Sr. Secretário de Estado se pronunciasse sobre a matéria.
Em segundo lugar, Sr. Secretário de Estado, ouvi-o perorar, com grande à-vontade e com relativa ênfase, sobre a bondade desta política dita «de estabilidade», que continuo a apodar «de instabilidade».
Pergunto se, nesta matéria, o Sr. Secretário de Estado está em rota de colisão com o ex-ministro Sousa Franco, que, de uma forma desabrida, clara e inequívoca, disse, urbi et orbi, que a política de combustíveis prosseguida em Portugal pelo Governo socialista é uma política irracional,

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que reflecte um dirigismo económico démodé e ultrapassado, que distorce a concorrência e está absolutamente nos antípodas do que é a política energética no contexto europeu, isto é, que temos uma posição absolutamente singular, peregrina, em comparação ao que é a política seguida pelos países europeus.
Pergunto-lhe se, nesta matéria, o Sr. Secretário de Estado mantém o que disse e está, efectivamente, em rota de colisão, que me parece óbvia, com o ex-ministro Sousa Franco. E não só.
Já agora, deixe-me dizer-lhe, à guisa de remate, que também a Agência Internacional de Energia tem vociferado reiteradamente contra esta política irracional de Portugal, considerando que a mesma distorce os preços e as regras do mercado.
Pergunto-lhe, assim, se também está em desacordo com esta posição da Agência Internacional de Energia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Neto, não sei se estou ou não em rota de colisão com o antigo ministro Sousa Franco.
No entanto, há pouco respondi - e muito bem - ao Sr. Deputado Louçã dizendo que ainda bem que tinha feito aquela intervenção, pois estava a colocar neste debate seriedade sob o ponto de vista técnico e das opções de política e, agora, mantenho o que disse, o Sr. Deputado é que não estava na Sala naquela altura. Referi, na altura, quais eram as circunstâncias em que um modelo era preferível e aquelas em que era preferível um outro.
Ora, Sr. Deputado, tanto quanto me parece, não está a tentar rebater aquela afirmação com argumentos de natureza técnica, mas, sim, citando uma pessoa que foi membro do anterior governo, com a qual ainda não discuti esta questão na perspectiva em que estamos a discuti-la aqui, nesta Câmara.
Portanto, acho que esta política tem as virtudes que apontei e se quiser discuti-la sob o ponto de vista técnico, poderemos continuar a fazê-lo - aliás, era o que estávamos a fazer antes de o Sr. Deputado ter entrado na Sala -, pois estou à vontade para discutir isso consigo.
Mas há mais, Sr. Deputado. Vejamos o caso de Espanha, que citou.
O que está a passar-se agora, na fronteira com Espanha, é que o mercado está a funcionar. Ou seja, o Sr. Deputado disse que anteriormente funcionava o mercado, mas, agora, o mercado está a funcionar. Isto é, não são as empresas espanholas que vêm abastecer-se a Portugal, são camionistas espanhóis que habitam a zona fronteiriça e que vão abastecer-se nos postos portugueses. Além disso, Sr. Deputado, custos de oportunidade em termos económicos há-os em ambas as situações. Portanto, perda de rendimento fiscal verifica-se tanto por parte dos portugueses, porque os camionistas portugueses iam abastecer-se a Espanha, como vice-versa, pois os dois casos são semelhantes.
Quanto à questão que colocou acerca da Agência Internacional de Energia, deixe-me dizer-lhe que a Comissão Europeia também criticou e recomendou aos governos da União Europeia que elevassem a tributação sobre os combustíveis. Ora, o Sr. Deputado sabe qual foi a resposta que os governos dos Estados membros deram àquela indicação.
É que, tal como os outros, o Governo português tem outras preocupações para além da da mera racionalidade económica quando toma decisões desta natureza que têm a ver com critérios de justiça social e de política social, a fim de não fazer incidir sobre a generalidade da população um custo que está nas mãos do Governo evitar, devido à sua política económica.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Numa sociedade como a nossa, que se organiza do ponto de vista económico e cujo estilo de vida depende de modo excessivo do petróleo, justifica-se, quanto a nós, que se faça um debate sobre o petróleo.
No entanto, consideramos que um tal debate não deve decorrer de razões conjunturais nem nos parece que seja vantajoso que se trate de um debate isolado sobre o preço dos combustíveis numa óptica que não coloque estes últimos como parte integrante de uma política energética.
Aliás, neste debate já se provou que não será bom discutir-se apenas o preço dos combustíveis e dizer-se se deve ser alto quando está alto o preço das ramas ou que deverá ser mais baixo precisamente quando estas descem.
Pela nossa parte, parece-nos que o que deveria colocar-se à discussão, com vantagem, seria a política energética como uma questão-chave da política de ambiente e da sustentabilidade do desenvolvimento. Significa isto considerar que não é indiferente a existência ou não de políticas energéticas, não só do ponto de vista ambiental, mas também do ponto de vista de saúde pública, do da mudança climática, do da competitividade das empresas, no fundo, do ponto de vista de um desenvolvimento que seja capaz de garantir justiça social e equilíbrio ecológico.
Ora, quanto a nós, é essa política energética que continua em falta no nosso país e é essa discussão que consideramos que carece de ser feita por este Parlamento. Mas mais do que uma discussão, porque já ocorreu muitas vezes, mais do que declarações de intenção e mais do que medidas avulsas ditadas pela pressão da União Europeia, julgamos que aquilo de que o País precisa e que o Governo tarda em aceitar são medidas concretas. Isto num país como o nosso que, como já foi referido, tem uma dependência energética do exterior extremamente elevada, que gasta diariamente cerca de 1 milhão de contos a importar crude, que, independentemente do optimista e risonho quadro traçado pelo Sr. Ministro da Economia, tem um desperdício energético extremamente elevado, em que a conservação da energia é incipiente, em que a intensidade energética sobe em vez de descer, ao contrário dos demais países da OCDE, e em que as energias renováveis são incipientes, independentemente de medidas pontuais que estão a ser tomadas e que decorrem de compromissos no quadro da União Europeia. Aliás, tomando o exemplo da energia solar, verifica-se que a utilização da mesma tem menos expres

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são no nosso país do que em qualquer Estado do norte da Europa.
É perante este quadro, que, seguramente, não é animador, que nos parece que a discussão deve ser feita e as medidas adoptadas.
Foram referidas medidas pontuais que foram adoptadas em sede de Orçamento do Estado, mas recordo - e é bom sublinhar - outras medidas que foram recusadas pelo Governo e pela maioria que viabilizou o actual Orçamento.
Vejamos a sustentabilidade da mobilidade - e a mobilidade sustentável é, hoje, uma questão-chave em função da mudança climática, mas também o é do ponto de vista da saúde pública e da capacidade de gerir este imenso caos - que é uma política de «faz de conta».
A este propósito, recordo que, na Conferência de Quioto, a posição de Portugal, transmitida através do respectivo relatório, ignorava, pura e simplesmente, uma questão fundamental que é a dos transportes. O investimento na promoção do transporte público continua a ser uma questão que o Governo coloca como um tabu.
Aliás, recordo que, em 29 de Setembro último, este Parlamento recusou uma proposta de Os Verdes que pretendia lançar o debate em torno de um investimento suplementar no transporte público e de um outro conjunto de medidas para cuja implementação defendíamos, e continuamos a defender, que deveria servir o aumento do preço dos combustíveis.
Estas são questões isoladas, porque se verificarmos qual é o nível da investigação e da aposta nos bio-carburantes no nosso país, se considerarmos que a ferrovia é a última opção, não só para as pessoas como para as mercadorias, parece-nos que este debate fará sentido mas enquanto parte integrante de um debate mais vasto sobre energia e, acima de tudo, sobre um plano de medidas concretas e calendarizadas a serem tomadas com vista a uma política de energia que, do nosso ponto de vista, é o que falta no nosso país.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O já anunciado aumento dos combustíveis, em Janeiro, não é mais do que o reconhecimento, por parte do Sr. Ministro, de um erro grosseiro que o Governo cometeu. A política de preços dos combustíveis tem sido, ao longo de todo o consulado socialista, uma soma de erros sucessivos.
Quando toda a Europa tinha a gasolina barata, tínhamos a gasolina cara; quando o preço do petróleo baixava, aumentámos os combustíveis. A verdade é que andamos sempre a contraciclo. Pagávamos caro o que, para os outros, era barato; aumentávamos quando os outros desciam.
Este absurdo atingiu o auge ao longo do último ano. A opção política do Governo foi irrealista e antieconómica.
O Governo reconhece agora o erro, mas, em vez de o corrigir, vai agravá-lo ainda mais ao aumentar os combustíveis. Adaptando a máxima de Rei Lear, penso que podemos dizer que «do erro só sai erro!»
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A verdade é que, durante muito tempo, nomeadamente entre 1997 e o início de 1999, o preço do petróleo era baixo, mesmo muito baixo, e o preço da gasolina e do gasóleo, em Portugal, era escandalosamente alto.
Uma boa governação, exigente e rigorosa, exigiria que se tivesse baixado os preços dos combustíveis, não penalizando os portugueses. Só que, nessa altura, o Governo, incapaz de contrair a dívida pública, preferiu expandir o que cobrava de impostos.
Em Março de 1999, altura em que o imposto estava no máximo, 77% do preço pago pelos automobilistas era imposto. Quer isto dizer que cada vez que um automobilista ia à bomba encher o depósito, por cada 5000$ pagos, 4000$ iam para o Estado. Em vez de gasolina, «atestávamos» impostos! Em Março de 1999, sempre que um português punha gasolina, não estava a pagar esta, estava a pagar o socialismo.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Quando o petróleo estava baixo, nós tínhamos a gasolina alta; quando o socialismo devia ter feito as reformas do Estado, que pudessem cortar os gastos excessivos e acessórios, preferiu taxar e esbulhar os portugueses automobilistas.
Mas, como é de todos conhecido, a conjuntura internacional alterou-se a partir desta data, com a subida do crude e a desvalorização do euro. A única coisa que não se alterou foi o autismo do Governo socialista e a sua capacidade de persistir no erro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este ano a cobrança do ISP cifrou-se em 140 milhões de contos abaixo do que estava orçamentado. Estes 140 milhões de contos que não entraram nos cofres do Estado - aos quais, eventualmente, até teremos de somar a dívida do Estado relativamente às petrolíferas - significam uma sobrecarga sobre as receitas do IRS e do IRC.
O que o Governo do Partido Socialista fez traduz-se numa medida economicamente perniciosa e socialmente injusta; o que o Governo do Partido Socialista fez foi pôr todos os contribuintes, particulares e empresas, a pagar o défice que surgiu na cobrança do ISP. Ajudar e aumentar a competitividade seria baixar as taxas do IRC e do IRS, só que isso, obviamente, não foi possível, porque tinha de pagar-se o défice do ISP. É aqui, Sr. Ministro, que esta é uma política anti-económica. E, Sr. Secretário de Estado, de uma vez por todas, entendamo-nos: baixar as taxas do IRC não significa aumentar os lucros de um ou de outro sector!
Mais ainda: devido a uma falta de fiscalização, os camiões espanhóis vinham - e vêm - atestar a Portugal, estando os contribuintes portugueses a pagar o gasóleo aos camiões espanhóis. É aqui, Sr. Ministro, que está a injustiça social.
A verdade é que quem pagou o socialismo ao longo de todos estes anos foram os portugueses.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Hoje, a situação já é diferente do quadro de que falávamos. Se é verdade que, em meados de Novembro, o crude atingiu os valores de 32,56 dólares, hoje, o preço do barril está perto dos 26 dólares, o que significa uma redução superior a 20%. E hoje, que o preço está a descer, o que é que o Governo se prepara para fazer? Aumentar o preço.
Nesta matéria, o Governo é de uma previsibilidade enervante: quando o preço do crude desce, sobe o preço da gasolina. Este fenómeno, aliás, deve ser único no

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mundo - nem numa economia comunista, de total intervenção do Estado, o preço subia quando a matéria-prima descia! Nesta matéria, o Governo do Partido Socialista consegue estar à esquerda de alguns dos renovadores do Partido Comunista…
Penso que este aumento significa, muito claramente, uma viragem à esquerda na política do Partido Socialista.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Este Governo ficará para a história como o único Governo que, quando o preço do crude baixava, aumentava o preço da gasolina. Foi assim em Março de 2000, vai ser assim em Janeiro de 2001.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - O contraciclo em que Portugal está é, em relação à Europa, demasiado gritante. O Governo do Partido Socialista faz lembrar, aliás, aqueles soldados que, quando não conseguem acertar o passo de marcha com o resto do batalhão, se põem a clamar que os outros é que estão a marchar mal.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em todos os governos da Europa os preços dos combustíveis vão baixar. Em todos? Sim, excepto num pequeno Governo de irredutíveis socialistas, que vai aumentar em 5$ a gasolina e o gasóleo.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Este aumento de 5$ faz-me lembrar um outro aumento, de 50$, na portagem de uma determinada ponte… Nessa altura, os portugueses acharam que era demais. Este aumento de 5$ também vai ser demais. E,então, o Governo só vai poder queixar-se de si próprio. Uma má política gera sempre uma factura alta, e isso vai ser a perdição deste Governo.
Aliás, adaptando um soneto de Camões, penso que, muito em breve, o Eng.º António Guterres ainda vai clamar: «Erros meus, maus amigos, aumento da gasolina/Que em minha perdição se conjugaram...»
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por quanto tempo mais vão os portugueses contribuintes e/ou automobilistas ter de pagar os erros da política de combustíveis deste Governo?

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Por quanto tempo mais vão os portugueses, contribuintes ou automobilistas, ter de pagar os erros deste socialismo?
Nesta matéria, o Governo está tão a contraciclo, tão a contraciclo, tão a contraciclo, que vem dizer aqui, à Assembleia da República, que este é um dia feliz para o Governo, quando, infelizmente, é um dia infeliz para todos os portugueses.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Torres.

O Sr. Francisco Torres (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, permitam-me que comece por constatar a importância deste debate, porque estamos a discutir, hoje, uma série de questões fundamentais para o futuro da política energética em Portugal.
A Constituição da República estabelece, no seu artigo 66.º, que o Estado deve «assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com protecção do ambiente e qualidade de vida».
Por outro lado, é fácil perceber quais serão as futuras orientações estratégicas da União Europeia em matéria de política energética. Desde 1993, existem recomendações europeias para compatibilizar emprego e ambiente, através de um sistema tributário que penalize a utilização dos recursos não renováveis e/ou poluentes e diminua os impostos sobre o trabalho. Acresce que há muito que foi reconhecida a necessidade de se diminuir a dependência energética da Europa, nomeadamente em termos de combustíveis, e, mais recentemente, a urgência de se reduzirem as emissões de CO2.
Temos, por isso, de apostar senão em andar à frente pelo menos em andar a par dos outros países da União Europeia: em vez de pedir derrogações, não implementar directivas ou protelar decisões, como foi timbre no passado, Portugal deve adoptar políticas que vão mais além em matéria de política energética. Devemos mostrar a mesma vontade política que caracterizou a última presidência portuguesa da União Europeia quanto a outras matérias.
Ora, é precisamente em Portugal que, desde há muito, a ineficiência energética é mais gritante, nomeadamente no que concerne à utilização de combustíveis derivados do petróleo: Portugal gasta cerca de 130 kg por cada 1000 dólares do PIB, mais 9% do que em 1990; só a Grécia gasta mais, embora tenha aumentado menos (4%) o seu consumo nos últimos 10 anos; só a Espanha aumentou mais o seu consumo, embora gaste menos que Portugal. Nenhum outro país da OCDE aumentou a sua ineficiência energética (houve mesmo reduções significativas); em nenhum país da OCDE as previsões de emissões de CO2 estão tão longe, para pior, das metas acordadas em Quioto.
É preciso actuar com determinação. É, em primeiro lugar, necessário actuar ao nível dos incentivos: não através da mera redução dos custos energéticos (o que determinaria um tipo de desenvolvimento insustentável), mas através de uma fiscalidade incentivadora da poupança e uso eficiente de energia e da redução da nossa dependência em relação aos combustíveis - devido não só à sua escassez e à volatilidade do seu preço no mercado internacional mas também, e sobretudo, à poluição e emissões por eles causadas. Mas devemos, também, investir com maior determinação na criação de infra-estruturas - aspecto que já foi, aliás, salientado no discurso do Sr. Ministro - e incentivos para a produção e utilização de energias renováveis, tal como aconteceu com o gás natural (ainda exemplo único).
Por outro lado, é necessário investir em redes ferroviárias que absorvam o transporte de carga e de passageiros.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Não podemos ficar dependentes, ou mesmo reféns, do transporte rodoviário, como já acontece na maioria dos países europeus.
O que se tem passado na Europa é absolutamente intolerável para os cidadãos europeus: os vários governos nacionais acabam por ceder à chantagem e aos bloqueios de meia dúzia de empresas de transportes rodoviários que,

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de qualquer modo, repercutem sempre os seus custos no preço final para os consumidores. Vão acumulando benesses, sob a forma de subsídios extorquidos aos orçamentos nacionais, que apenas vão fazendo expandir cada vez mais o sector, dado constituírem um incentivo claro para a actividade. O congestionamento, os acidentes e a poluição aumentam, agravando a factura a pagar pelos cidadãos.
Este é um problema europeu, de todos os países europeus.
Ainda muito recentemente, os empresários espanhóis encetaram um bloqueio. Os seus congéneres portugueses queixaram-se, pedindo ajuda às autoridades para pressionarem o governo espanhol, mas logo foram avisando que chegaria o dia em que poderiam ser eles a proceder do mesmo modo. O mesmo se passou com as empresas alemãs, que não podiam exibir nenhum capital de queixa só porque tinha aumentado o preço do crude no mercado internacional. Queixavam-se então de quê? Dos privilégios concedidos por alguns governos a concorrentes que operam no mercado interno. De qualquer modo - registe-se -, o governo alemão irá implementar, já em Janeiro, como previsto, a segunda fase do imposto ecológico (sobre os combustíveis).
O único modo de resolver esta situação, estejamos conscientes, verdadeiramente escandalosa é harmonizar os impostos sobre os combustíveis (em toda a União Europeia) e proibir todo o dumping resultante de auxílios estatais escandalosos, tenham o nome que tiverem, àquelas empresas.
Entretanto, Portugal, que optou em 2000 por não dar azo a quaisquer manifestações daquele tipo, pagando também por isso um preço elevado em termos orçamentais - já aqui salientado pelos membros do Governo -, não pode agora, em caso algum, optar por «compensações» à espanhola. Isso seria duplamente injustificado.
Mas é necessário fazer mais. A implementação do Programa Auto-oil, debatido nesta assembleia ainda na passada legislatura, que consagra a proibição do uso de combustível com chumbo e com altos teores de enxofre, e outros aditivos, deveria ser combinada com campanhas de sensibilização dos consumidores, com uma tributação claramente diferenciada entre os vários tipos de combustíveis.
É necessário, porém, pôr fim à diferenciação, totalmente artificial, hoje sem qualquer sentido, entre o gasóleo e a gasolina. Urge pôr fim a uma distorção absurda que praticamente só se verifica ainda em Portugal.
Por outro lado, é indispensável «acelerar» o processo de reconversão produtiva da indústria petrolífera nacional e promover um conjunto de políticas de incidência ambiental, em particular uma política de transportes, incentivadora da utilização de transportes públicos e alternativos aos rodoviários, e uma política fiscal assente em incentivos e impostos ambientalmente diferenciados,…

A Sr.ª Maria Santos ( PS): - Muito bem!

O Orador: - … de que a alteração da fiscalidade automóvel, conforme as normas atinentes à poluição provocada, pode vir a ser um exemplo. Como sabem, já está criado um grupo de trabalho para a revisão de todo o imposto automóvel.
Esse sinal já foi dado no Orçamento do Estado, mas o Governo, em especial o Ministério da Economia - tal como já foi dito pelo Sr. Ministro -, pode fazer mais, nomeadamente através do POE e da própria função accionista do Estado.
A par do investimento na educação e no esforço de inovação tecnológica, preocupações cujo enunciado é sempre mais consensual, é necessário, já a curto prazo, tributar mais os recursos naturais e menos o trabalho, por forma a garantir a sustentabilidade do emprego de qualidade e a competitividade da economia.
Falemos claro: os impostos sobre os combustíveis são demasiado baixos face aos impostos dos nossos parceiros no mercado interno, o que agrava a nossa dependência externa e cristaliza a nossa economia em sectores obsoletos, pondo em causa a sustentabilidade do crescimento e do emprego (já não falo no agravar das assimetrias sociais e na degradação da qualidade de vida e do emprego). O efeito de uma política de impostos mais baixos sobre os combustíveis é semelhante ao efeito das desvalorizações cambiais dos anos 70 e 80: só aparentemente aumenta a competitividade da economia, mesmo no curto prazo. Os efeitos são desastrosos no médio e longo prazos.
Portanto, não entendemos as críticas que alguma oposição faz de aproveitar para baixar, para melhorar a competitividade da economia nacional. Não é por essa via que ela aumenta.
Infelizmente, estas matérias não têm sido abordadas no palco mediático das reuniões plenárias do Parlamento e, por isso, o debate de hoje é uma excepção. Ora, agora que já acabaram as desvalorizações cambiais - estamos no euro - e, necessariamente, o dumping energético será em breve proibido (disso podemos estar certos!), é urgente discutir, no âmbito desta reforma fiscal, a entrada em vigor do imposto sobre o CO2 e das eco-taxas, na procura das condições necessárias ao desenvolvimento equilibrado.

O Sr. José Penedos (PS): - Muito bem!

O Orador: - O Estado tem a obrigação de dar o exemplo com os incentivos certos, tanto mais que existem limitações quanto ao que o contribuinte, português e europeu, está disposto a pagar.
A proposta de Orçamento do Estado para 2001 veio ao encontro de algumas destas preocupações. As alterações introduzidas na discussão, na especialidade, do OE - que ultrapassaram as várias propostas das oposições - são indicações claras das preocupações do Grupo Parlamentar do Partido Socialista e do Governo.
É agora necessário, no espírito destas alterações, executar as várias autorizações legislativas aprovadas e ir mais longe, avançando com uma sequência de medidas fiscais com que o Governo se comprometeu e em que está empenhado (até pela criação anunciada de vários grupos de trabalho), mas também económicas. A intervenção do Sr. Ministro da Economia sobre política energética enunciou já alguns passos nesse sentido.
O Grupo Parlamentar do PS estará sempre empenhado em todos os avanços que possam contribuir para uma maior eficiência energética e para uma maior justiça fiscal ao serviço do desenvolvimento sustentável, ao serviço de uma sociedade competitiva, solidária e com qualidade de vida.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Francisco Torres, inscreveram-se os Srs. Deputados Manuel Queiró e Jorge Neto.
Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Torres, é curioso que, enquanto observamos no Governo uma certa deriva para a esquerda, no Grupo Parlamentar do Partido Socialista assistimos a uma certa deriva para a oposição. O Sr. Deputado fez aqui uma intervenção bastante interessante, mas como não estamos num «clube de debates» mas, sim, num Parlamento político, com Deputados da oposição e Deputados apoiantes do Governo, ela não pôde deixar de causar alguma perplexidade.
A minha questão prende-se com o seguinte: o Sr. Deputado Francisco Torres referiu os dramas do transporte rodoviário ligados aos preços dos combustíveis e afirmou que há países, cidadãos que são reféns do transporte rodoviário, de meia dúzia de empresas do transporte rodoviário. E é verdade! Todavia, o Sr. Deputado esqueceu-se de dizer que existe aqui uma certa diferença nos países europeus: há sociedades que estão reféns do transporte rodoviário e há sociedades que não têm esse problema imediatamente, porque são os Governos que estão reféns dessas empresas de transporte rodoviário! Pergunto, então, qual é a apreciação que o Sr. Deputado faz da situação em Portugal: é a sociedade que está refém do transporte rodoviário ou é o Governo que está refém das empresas de transporte rodoviário?

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, queria colocar-lhe uma questão ainda mais prática. É muito difícil ter um discurso politicamente correcto nesta matéria, isto é, batermo-nos pelos três modos de transporte alternativos - ferroviários e outros - ao transporte rodoviário para que as sociedades e os governos não fiquem reféns das grandes empresas de transporte rodoviário, precisamente porque esses meios alternativos não estão implementados no terreno. E, se não existem alternativas de transporte, como tratar a questão do transporte rodoviário através da alta dos combustíveis? Qual é o resultado prático? São as classes médias, os cidadãos individualmente considerados que, para além de estarem reféns do transporte rodoviário, estão reféns de uma política fiscal e de uma política de preços que os penaliza escusada e injustamente.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Pergunto qual é a apreciação que o Sr. Deputado faz da situação concreta e da actuação do Governo de Portugal nessa matéria. É que, na linha do seu discurso, o Sr. Deputado está a derivar para a oposição.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Torres.

O Sr. Francisco Torres (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Queiró, muito obrigado pelas suas questões. Deixe-me salientar que não se trata de «derivas» para a oposição mas, sim, de falarmos livremente de um problema que é grave e afecta toda a União Europeia e todo o mundo e com o qual o Governo está, em primeiro lugar, preocupado. Foi esse, aliás, o timbre da intervenção do Sr. Ministro da Economia, ao falar sobre política energética para o futuro e não sobre o passado.
No fim do seu discurso, o Sr. Ministro também caracterizou a política energética no ano 2000 - também o Sr. Secretário de Estado já elaborou sobre isso -, dizendo que o Governo preferiu a estabilidade nesse domínio. E nenhum de nós está certo se haveria um modelo alternativo melhor. A posteriori, talvez! Mas a priori era difícil saber.
O certo é que muitas das questões aqui abordadas pelo Sr. Ministro são muito pertinentes, questões essas que, aliás, foram abordadas por outros Srs. Deputados - este debate teve isso de útil! Alguém já se referiu à inoportunidade do debate neste momento concreto, mas isso fez com que não estivéssemos a intervir tão pressionados com a conjuntura política e, portanto, pudéssemos falar mais livremente sobre o que é necessário fazer em termos de energia energética para Portugal.
Sr. Deputado Manuel Queiró, não sei se é a sociedade ou o Governo que está refém das empresas rodoviárias, porque isso depende de país para país - na minha intervenção, até me referi mais a outros países europeus. Como sabe, o que aconteceu ao longo deste ano 2000 foi que muitos governos anunciavam uma coisa, mas recuavam; outros não recuavam, mas havia queixas porque havia uma espécie de dumping energético por parte das empresas localizadas em países vizinhos, e estou a pensar, por exemplo, na Holanda face à Alemanha, na Espanha ou em Inglaterra.
Ora bem, talvez tenha de existir uma abordagem comum na União Europeia. Portugal tem uma vantagem: ainda não estamos tão adiantados no desenvolvimento destas infra-estruturas e, portanto, podemos agora - é o que o Governo está a fazer - implementar estruturas alternativas. As ferrovias em primeiro lugar, seguidas das grandes infra-estruturas para as energias renováveis.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, o Sr. Ministro foi muito claro na resposta que deu, há pouco, a um pedido de esclarecimento. É, pois, neste domínio que o Governo tem de actuar. Para além do Orçamento, dos incentivos fiscais e do preço, também existe o Programa Operacional para a Economia, o QCA III e o Governo quer aproveitar a oportunidade para dotar o País dessas infra-estruturas para ficarmos, como sociedade e como Governo, menos reféns da conjuntura.
Em segundo lugar, que meios alternativos, Sr. Deputado? É difícil, pois temos de fazer tudo ao mesmo tempo. Perdoe-me, mas nem eu nem o Governo temos soluções miraculosas. Mas temos de o fazer, temos de começar por algum lado. Temos de respeitar os equilíbrios orçamentais, temos de respeitar a evolução da conjuntura, que nem sempre vem em nosso favor, mas temos de tomar as medidas necessárias para que, em termos estruturais, sejam evitados estes problemas que estão a acontecer um pouco por todo o mundo, em especial na Europa. Penso que este debate está a dar uma contribuição em termos de ideias e que o Governo está a contribuir em termos das medidas que hoje, aqui, foram enunciadas.

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Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Neto.

O Sr. Jorge Neto (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Torres, ouvi atentamente a sua intervenção, por sinal deveras interessante, mas enxerguei algures um certo sentimento agreste relativamente aos transportes rodoviários, designadamente pela caterva de catilinárias que sobre a matéria teve oportunidade de referir. Isso leva-me a questionar e a cogitar algo que se afigura particularmente actual no debate político em matéria de política de combustíveis, que é a questão da existência ou não de um instrumento de diferenciação positiva em matéria de combustíveis, criando o chamado gasóleo profissional para os transportadores rodoviários.
Pergunto se o Sr. Deputado Francisco Torres é também favorável, à semelhança do que defende este Governo, à criação desse gasóleo profissional, desse instrumento de diferenciação positiva balizado pelas regras europeias, maxime pelo crivo da Comissão Europeia, ou se, a contrario, também nesta matéria V. Ex.ª, relativamente ao Governo, está em divergência profunda porque não sustenta, não defende, não postula a existência de um gasóleo profissional para os transportadores rodoviários.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra Sr. Deputado Francisco Torres.

O Sr. Francisco Torres (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Neto, agradeço os comentários e a questão colocada, embora não partilhe, tendo lido a biografia, ou até várias, da personagem Catilina. Não sei se a palavra «catilinárias» será bem aplicada, se fará jus à dimensão histórica do personagem. Mas isso é uma discussão que poderemos continuar fora do Plenário.
Julgo que, nesta matéria - fui muito explícito -, temos de ter o cuidado de chegar a um equilíbrio. O Governo não é insensível - e o Sr. Ministro já o referiu - aos problemas sociais que podem ser causados por determinadas políticas, sobretudo à alteração de políticas, à liberalização imediata, que tem de ser feita no momento adequado, até à resposta à conjuntura.
Foi essa preocupação com a estabilidade social que, em primeiro lugar, em 2000, levou o Governo a prosseguir uma política de estabilidade. Tem também a preocupação da estabilidade com os sectores: dado que, como vimos, toda a Europa está em convulsão em matéria de transportes rodoviários, dado que há uma concorrência feroz entre os vários transportadores, obviamente que os transportadores portugueses podem ver-se, de um momento para o outro, em desvantagem. O Governo tem de jogar com esses factores.
Compete ao Governo ser o árbitro e o intérprete desse equilíbrio. Não quero substituir-me ao Governo, porque é ele que detém toda a informação necessária, até sobre a concorrência, mas devo dizer-lhe, como princípio, que em toda a Europa se foi um pouco longe demais na atribuição de algumas benesses a estes sectores que eram compensação de coisa nenhuma. No fundo, muitos desses sectores repercutiam no consumidor o aumento do preço do crude e, portanto, estavam a pedir outro tipo de subsídios, outro tipo de benesses que não tinham rigorosamente nada a ver com isto.
O facto é «que las hay, hay». Elas existem e todos os concorrentes as pediram. Ora, compete ao Governo arbitrar esse interesses e decidir sempre no respeito pelos dinheiros dos contribuintes. E aí o Governo é um intérprete fiel desta maioria e do povo português, que nele votou, na defesa dos interesses dos contribuintes e de todos os eleitores, mas também de alguns interesses específicos que podem sofrer no curto prazo e serem devastados com a concorrência. Há, portanto, que ter isso em atenção.
Não lhe posso responder, Sr. Deputado, mas o Governo, com certeza, vai interpretar isso a cada momento e chegar ao melhor equilíbrio possível.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Neves.

A Sr.ª Helena Neves (BE): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Legislar sobre o aumento de combustíveis sem perspectivar uma articulação, mínima que fosse, entre política energética, política fiscal, política de transportes e política ambiental é uma irresponsabilidade. E o Governo conduz-se irresponsavelmente se insistir em limitar este debate a uma questão de preços.
Legislar sobre o aumento de combustíveis deveria exigir, exige e insere-se necessariamente numa nova resposta, um novo contrato social e ecológico.
Foi essa resposta para um novo contrato social e ecológico que o Bloco de Esquerda iniciou, ao apresentar aqui medidas a esta Câmara no passado dia 10 de Outubro. Poderíamos concluir pela intervenção do Sr. Deputado Lino de Carvalho que o Grupo Parlamentar do PCP não leu, leu mal ou não soube interpretar as propostas do Bloco de Esquerda então apresentadas. Mas leu e leu bem, como se verificou pelas medidas de ordem social que o Sr. Deputado Lino de Carvalho inseriu na sua intervenção. Só que o PCP prefere ser acusado de iliteracia, desde que surja como único defensor dos interesses dos sectores mais desfavorecidos. Onde o Sr. Deputado Lino de Carvalho introduz critérios de competitividade e de «monopolitismo», o Bloco de Esquerda coloca a necessidade e até a urgência da unidade de forças e de esforços para uma política de justiça social.
A expressão contrato social e ecológico para o País fere, à partida, a política governamental que incide sobre medidas avulsas, descurando a globalização das questões que se nos colocam.
Em termos sociais, impunha-se que o Governo acautelasse o efeito do aumento dos combustíveis nos transportes, de modo a que os que menos podem não paguem ainda mais, enquanto os que mais podem permanecem privilegiados. É imprescindível que se proteja e se incentive o recurso ao passe social, medida não só de justiça social mas também de alcance numa política de transportes que beneficie o transporte público.
Nesse sentido, o Bloco de Esquerda considera fundamental, e expressou-o nas propostas aqui apresentadas, a 10 de Outubro, que o aumento dos passes sociais não ultrapasse os 2,5%, em 2001, e que se introduza, de imediato, o bilhete único diário Carris-Metro e modalidades equivalentes nas outras cidades com a opção park-ride (bilhete incluindo parque de estacionamento) e se fixem,

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claramente, os prazos para a introdução de bilhetes multimodais nas áreas metropolitanas.
No mesmo contexto, medidas de fundo em matéria de combustíveis e energéticas, o Bloco de Esquerda propõe igualmente, como medida de equidade social, a redução em 12,5% do preço do gás butano e do gás natural para consumo doméstico.
Legislar sobre o aumento dos combustíveis deveria colocar inerentemente a questão ecológica. Em termos ambientais, o Governo parece ignorar que a política de ambiente atravessa transversalmente todo o tecido social e coloca-se não só no âmbito nacional, mas também, e necessariamente, mundial.
Face ao problema maior entre os maiores, que é a crise ambiental e social geral, países como Portugal desenvolvem uma estratégia comum predadora e suicida do ambiente. As Conferências sobre alterações climáticas, de Quioto, em 1997, e de Haia, este ano, constituíram encontros de faz-de-conta, pacificadores de sectores de opinião pública mais conscientes e empenhados ecologicamente.
O acordo de Quioto ainda nem sequer foi assinado pelos 15 e, realmente, duvidamos da utilidade de assinar um acordo já violado antes de ser ratificado. Senão, repare-se: na conferência de Haia os países assumiram que não só não reduziram as emissões de gases, como ultrapassaram em muito o estabelecido em Quioto. Segundo previsões da Agência Internacional de Energia, em 2010, a Europa Ocidental terá ultrapassado os compromissos assumidos em Quioto em 18%, a América do Norte em 42% e os países desenvolvidos da zona do Pacífico em 29%. As consequências no domínio da saúde pública foram evidenciadas pela Organização Mundial de Saúde que, em Haia, alertou para a necessidade de se executarem políticas estratégicas sobre o clima, visando o melhoramento da qualidade do ar, de forma a evitar a morte de 8 milhões de pessoas, até 2020 e em todo o mundo, nomeadamente a morte provocada por doenças do aparelho respiratório. Ora, isto tem muito a ver com a política de transportes.
Se tudo continuar na mesma, prevê-se a possibilidade de um crescimento de 60% de emissões de dióxido de carbono, entre 1997 e 2020. Isto, quando estudos das Nações Unidas concluem que a redução das emissões de gases teriam de atingir entre 60% a 70% do total para se alcançar algum resultado visível sobre o efeito de estufa. Mais: a Conferência de Haia, que reuniu 180 países, por pressão dos EUA e do Japão e com a complacência da Europa foi palco de um debate em que o governo americano se propõe comprar «permissão para poluir» aos países menos poluidores. Faz-se assim do ambiente comércio e instalam-se novas formas de dependência. Acresce que esta compra de quotas não tem qualquer consequência positiva a nível planetário.
Portugal, que, aliás, se alheou olimpicamente da Conferência de Haia, age em conformidade com este espírito cartesiano-capitalista, de instrumentalização da natureza do planeta, exactamente o mesmo espírito que instrumentaliza e explora emigrantes e trabalhadores cada vez mais despojados do direito ao trabalho e cidadãos cada vez mais ofendidos no direito de cidadania e no seu exercício.
Apesar de tanta gente ter feito o diagnóstico teórico, a verdade é que não só não existe qualquer programa nacional de luta contra as alterações climáticas, como medidas avulsas, de que a política de preços dos combustíveis é exemplo, aceleram um trilho suicidário.
O aumento dos combustíveis apela, de imediato, à interpelação: que política energética? Que enquadramento em termos ecológicos no sistema fiscal?
O aumento da utilização de combustíveis tem sido perspectivado como um índice de evolução tecnológica, de crescimento económico, de desenvolvimento, até. Mas de que desenvolvimento podemos falar quando a ciência e a técnica se tornam ideologia justificativa de utilização, leia-se esgotamento, dos recursos naturais e humanos?
A esta lógica predadora opõe o Bloco de Esquerda um desenvolvimento sustentável, uma ecologia social que se traduza, entre outras medidas, pelo princípio de eco-taxas sobre consumos de recursos energéticos esgotáveis; por medidas fiscais e outras dissuasoras do desperdício energético; pela limitação drástica da produção e importação de resíduos tóxicos; por uma política global de desenvolvimento de energias alternativas, incentivando fiscalmente os seus utilizadores empresariais; e, finalmente, por uma política de transportes que privilegie qualidade no transporte público, nomeadamente a instalação de eléctricos rápidos e de metro ligeiro de superfície e condicione o trânsito automóvel privado e industrial no território urbano.
Insistimos: a transversalidade da questão ambiental a todo o tecido social exige, com carácter de urgência, políticas articuladas que, aos diversos níveis, permitam a possibilidade de regeneração da natureza e da atmosfera, permitam testar a reversibilidade dos danos, quantificar inconvenientes, prever as consequências.
Prever, prevenir, agir prudentemente é a única forma de respeitar a cidadania na origem mesmo, não só da qualidade de vida, mas da própria vida num planeta que deixou de ser, como Éluard dizia: «Azul como uma laranja», para se tornar cada vez mais sombrio.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Menezes Rodrigues.

O Sr. Menezes Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O profundo choque ocorrido nos mercados do crude há cerca de ano e meio veio provocar no nosso universo político as mais estranhas e perturbantes atitudes por parte de muitos agentes. Não fora a serenidade e a grande capacidade de discernimento político revelada pelo Governo e pelo Primeiro-Ministro, as consequências para o País teriam sido bem mais prejudiciais.
Na verdade, Sr. Presidente, assistimos, no decurso dos últimos 12 meses, a críticas sobre a decisão do Governo de manutenção do preço dos combustíveis em níveis que afectaram o menos possível a estabilidade dos preços.
Essas críticas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, esquecendo os juízos sobre a necessidade de se assumirem as opções e de se hierarquizarem, as políticas enformaram-se em armas de arremesso para a exploração do descontentamento dos cidadãos em geral, numa atitude que seria de grande irresponsabilidade, não fora o carácter quase hilariante dos argumentos invocados.

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Porque o tema dos combustíveis diz respeito, no que toca aos preços, aos agentes económicos de forma intensa, por afectar os custos de exploração das empresas com o óbvio impacto na sua competitividade, e a generalidade dos cidadãos, pelo que influi na sua qualidade de vida ao contribuir para a redução do seu poder de compra, deverá aplaudir-se a decisão do Governo quanto à revisão dos preços dos combustíveis no início do 2.º trimestre do corrente ano para os níveis que ainda hoje persistem.
Para o País, a relação custo-benefício daquela decisão no quadro macroeconómico foi altamente positiva e foi também muito conveniente para os cidadãos. As projecções da inflação para final deste ano, influenciada pelo aumentos de Abril passado, revelaram-se, em geral, em linha com o acréscimo calculado e fixado pelo Governo.
De resto, é extraordinário como algumas vozes da oposição produzem afirmações como se fosse o Governo português que controlasse os mercados do crude ou definisse as políticas monetárias que suportam o euro.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, as políticas energéticas, e dentro destas as políticas dos combustíveis, terão de ser definidas e construídas com serenidade, tendo em conta as situações das políticas integradas e sectoriais de natureza sócio-económica. Numa altura em que urge não perder o comboio da competitividade, o Governo não poderá introduzir medidas de ruptura com os sistemas implantados, antes deverá evoluir no sentido do aperfeiçoamento no quadro das comunidades envolventes. Numa situação de quase pleno emprego, a estabilidade dos preços deverá continuar a ser objectivo primário, pelo que o Governo deverá aceitar o risco de, no curto prazo, ajustar os preços dos combustíveis nos limites da capacidade do suporte orçamental possível.
De resto, as políticas de preços, agora mesmos informadas pelo Sr. Ministro da Economia, afiguram-se-me perfeitamente correctas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Neto.

O Sr. Jorge Neto (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Menezes Rodrigues, quero colocar-lhe uma questão muito concreta. Gostaria de saber como é que o Sr. Deputado Menezes Rodrigues quadra a invocada grande capacidade de discernimento político do Primeiro-Ministro com a afirmação, feita nesta Câmara, de que era sua convicção (sua, dele, Primeiro-Ministro) que os combustíveis não iriam sofrer qualquer aumento até ao final da Legislatura, em 2003.
Já agora, acrescento o seguinte: a convicção do Sr. Primeiro-Ministro é algo que já foi debatido pelos filósofos da era moderna, dos quais vou citar apenas um. Nietzsche dizia que a convicção é mais inimiga de verdade do que a própria mentira, algures em Humano Demasiado Humano.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Menezes Rodrigues.

O Sr. Menezes Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Neto, gostaria de ter um perfeito estilo barroco para poder responder-lhe, em termos de retórica!
Mas quero dizer-lhe que não me recordo de o Sr. Primeiro-Ministro ter prometido que iria manter os preços dos combustíveis até ao fim da Legislatura. Não tenho!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não se trata de ter prometido, mas de ter afirmado a convicção!

O Orador: - Mas temos de reconhecer que o Primeiro-Ministro acertou quando decidiu afirmar que mantinha o preço dos combustíveis até ao final deste ano!

Vozes do PSD: - Acertou?!

O Orador: - Acertou e cumpriu!

Risos do PSD e do CDS-PP.

Efectivamente, se nos sair o jackpot, é porque tivemos o talento suficiente… Foi o que aconteceu ao Sr. Primeiro-Ministro: teve talento para tomar a decisão! E foi uma decisão absolutamente correcta!
Mas devo dizer que tenho alguma dificuldade em compreender como é que é possível pedir simultaneamente o abaixamento dos preços dos combustíveis e o seu aumento! Não é possível entender!
A verdade é que estamos a falar de algo muito sério e, aliás, penso que será uma perda de tempo continuarmos a debater sobre as virtudes ou os riscos e os problemas ligados a este tema do aumento dos combustíveis, particularmente no que se refere ao respectivo impacto sobre as classes mais desfavorecidas, do qual nenhum de nós tem dúvidas. É, de facto, um assunto sério, pelo que penso que toda a oposição deve dar um contributo positivo no sentido de uma solução tranquila e clara para o problema.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar ao período de encerramento do debate, dispondo o BE e a bancada do Governo de 10 minutos cada.
Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, no princípio deste debate, alguns oradores, em nome das bancadas do Governo e do partido que o apoia, questionaram a utilidade, a necessidade ou o interesse desta discussão. Curiosamente, parece que terminaram, no entanto, dizendo que ela era importante! Sobre isso, creio que mantemos divergências, Srs. Deputados.
«O Governo agiu com serenidade e discernimento», tranquiliza-nos o Sr. Deputado Menezes Rodrigues. Depois, com a mesma serenidade e discernimento, compara a pontaria da decisão do Governo com um jackpot! Não sei, exactamente, em que é que podemos ficar.
Na minha opinião, Sr. Deputado, o erro da política do Governo é o de que ela somou medidas meramente avulsas e, desse ponto de vista, escolheu sempre o mais fácil. É mais fácil abdicar de receita tributária do que cobrar um imposto - com certeza que sim! É mais fácil perder receitas do que regularizar as despesas - com certeza que sim!
O Governo, que rejeitou, num duro debate negocial, um aumento mínimo de cinco contos para a função pública, que se discutiu no ano passado e que significaria, em re

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lação ao que foi concedido pelo Governo, um aumento de cerca de 14 milhões de contos, não tinha hesitação alguma em gastar 10 vezes isso em perda de receita fiscal, com uma condição: que ela fosse invisível! É que não se nota - é toda a diferença entre um salário ou um imposto directo e um IVA ou um imposto indirecto - uma tributação como esta, que ocorria por reforço ou por esforço fiscal de todos os contribuintes para IRS e para IRC através da isenção a alguns deles em função de categorias e de comportamentos específicos.
Esta é a crítica que tenho a fazer à política do Governo. É a crítica que faço agora, é a crítica que o Bloco de Esquerda fez em Março, quando se opôs a estes aumentos de combustíveis e à política que os suportava, e é a crítica que fez em Outubro, quando defendeu uma política alternativa sobre preços, incluindo o seu aumento e as contrapartidas sociais que nos pareciam ser condicionantes para que assim ocorresse.
Essa trapalhada de medidas avulsas agravou-se com o Orçamento do Estado para 2001. É certo que o Governo retomou medidas até sensatas, de que posso dar exemplos. Devem as motos de águas pagar imposto automóvel? Pois claro que sim! Devem as frotas de empresas que substituem carros consumidores de gasolina e de gasóleo ser incentivadas, em termos de IRC, a utilizar a energia eléctrica e a energia a gás? Com certeza que sim! Mas a trapalhada está em, depois, reduzir o imposto automóvel para os carros de luxo de maior cilindrada, em dar este tipo de sinais contraditórios e este tipo de evolução.
É claro que compreendo que as várias bancadas têm aqui uma dificuldade: a do Governo, porque tem de suportar, custe o que custar, esta política, que não teve horizonte, nem coerência, nem rigor; outras, como a do PSD, porque este partido foi o autor da portaria que determinou este regime de oscilação e de evolução dos preços, valendo a pena lembrar nesta Casa que, durante grande parte do tempo do governo de Cavaco Silva, o ISP era em montante absoluto superior ao que se recebia em receita tributária do IRC. Ou seja, recebia-se mais porque se tributava mais, em termos do consumo de combustíveis, e, naturalmente, recebia-se menos por os graus de ineficiência fiscal e de fraude fiscal, ao nível do IRC, serem tão grandes nessa altura, e continuam a sê-lo, ainda agora.
Portugal tem vários núcleos de ineficiência, deste ponto de vista. Por exemplo, compramos o petróleo mais caro - é extraordinário, mas, em Espanha, o custo efectivo, sem taxas, do petróleo para a composição do preço da gasolina é de 55$, sendo, em Portugal, de 79$6. Compramos o petróleo mais caro de toda a Europa - é a primeira ineficiência.
A segunda é a de que temos o imposto mais baixo, sendo um imposto discriminatório, porque promove a utilização dos combustíveis mais poluentes (ponto a que voltarei). Assim, em Espanha, o imposto é de 95$, um pouco mais do que em Portugal, onde é de 81$4. Dizia, com alguma graça, o Deputado Pedro Mota Soares, que temos vindo a pagar o socialismo. Bom, na realidade, o socialismo é mais pago em tributos em Espanha e em toda a Europa, onde a média do imposto sobre os combustíveis é de 127$3, sendo, em Portugal, de quase metade desse valor.
A terceira ineficiência é o congestionamento urbano. A quarta é a falta de qualidade dos transportes públicos. A quinta é o modelo de desenvolvimento desarticulado, o que me leva à discussão de ainda há pouco com o Sr. Secretário de Estado.
Assentar um regime de desenvolvimento da competitividade sobre o recurso intensivo e distorcido sobre os combustíveis em que incide é errado. Mas, se queremos corrigi-lo, podemos ter uma de duas atitudes: uma meramente expectante, ou seja, a de esperar que ocorra ou que possa emergir um novo modelo económico de desenvolvimento, de tal modo que a capacidade competitiva seja adquirida noutros instrumentos, ou podemos, pelo contrário, dar agora sinais consistentes.
Dou um exemplo: a razão pela qual é preciso aproximar o preço do gasóleo do da gasolina e diferenciá-lo quanto à utilização social desse combustível é a de que hoje, utilizando o facto de termos o gasóleo mais barato da Europa, se tem vindo a promover, ano após ano, a substituição de automóveis de utilização privada que usam um combustível normal, como a gasolina de 95 ou de 98 octanas, por automóveis de utilização privada a gasóleo, que são, mesmo hoje, extremamente sofisticados. Criou-se em Portugal um mercado específico, uma distorção gravíssima do mercado, em que se promove a utilização de automóveis de luxo para fins privados estritamente utilitários, na base do gasóleo. É isso que não pode continuar, pois esse sinal é errado, constituindo uma distorção grave, assente na promoção do gasóleo devido ao seu preço.
Se, pelo contrário, o gasóleo for aproximado do preço da gasolina, porque esta é menos poluente, isso tem uma justificação económica e ambiental racional. Pode fazer-se uma diferenciação entre preços de um gasóleo de consumo para automóveis individuais e um gasóleo profissional, por exemplo através de uma ligeira redução do ISP que permita compensar o efeito deste aumento, de modo a não transmitir efeitos inflacionários à economia, nomeadamente por via dos transportes.
É deste ponto de vista que as propostas que aqui fizemos se concentravam em algumas ideias fundamentais, que passo a referir. Em primeiro lugar, tal como fizemos em Outubro, continuamos a insistir que a contrapartida obrigatória, sem a qual é incoerente, injustificável, errado e necessariamente recusável qualquer ajustamento dos preços, é a de que o ajustamento dos passes sociais seja limitado (por isso propusemos na altura, em Outubro, como agora, 2,5%) e que os preços do gás sejam corrigidos porque funcionaram como uma almofada de amortecimento financeiro à política de preços dos outros combustíveis.
Em segundo lugar, parece-nos decisivo que se abra agora o debate sobre o imposto ecológico, tanto na sua componente que incide sobre os consumidores como na sua componente que incide sobre a Brisa e as empresas petrolíferas em Portugal. Neste aspecto, nada estamos a inventar - nem nós, nem ninguém que tenha evocado esse princípio -, porque essa ideia fundamental está apresentada em reformas fiscais em muitos outros países europeus e foi protagonizada por um movimento de Os Verdes, no princípio da década de 80.
Em terceiro lugar, propomos uma revisão do imposto automóvel. É necessário considerar mais uma vez uma proposta que não é original porque há mais de 15 anos surge no debate fiscal europeu: trata-se da promoção dos automóveis utilitários individuais que tenham menor cilindrada e uma melhor relação entre cilindrada e consumo médio, para, dessa forma, determinar os escalões do imposto, e

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não com o princípio que tem vindo a ser adoptado e, muito menos, com a permissividade instituída pelo último Orçamento.
Em quarto lugar, as nossas propostas incidem sobre o regime de edificações urbanas e de promoção de energias alternativas, que é essencial.
Sobre essas matérias, e na sequência desta interpelação, o Bloco de Esquerda apresentará, no primeiro trimestre do próximo ano, um conjunto de iniciativas legislativas, esperando que todos os partidos presentes nesta Assembleia estejam capazes de fazer as suas propostas para que decisões sejam tomadas nesta matéria. O País precisa delas e a democracia talvez as exija agora mais do que nunca.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tivemos aqui um debate sobre política de combustíveis que foi recentrado por algum dos Srs. Deputados, e muito bem, porque a questão assim o merece, no contexto mais geral do preço dos produtos energéticos, dadas as possibilidades de substituição que existem entre os vários produtos.
Sobre este debate foram referenciados muitos aspectos positivos - os quais já vou referir -, mas ele também enfermou de uma série de erros e de mal-entendidos, permitindo-me salientar apenas alguns, que surgiram já numa fase muito adiantada do debate, que têm particularmente a ver com a intervenção do Deputado Pedro Mota Soares, a qual começo por comentar. É que se persistimos nalguns destes erros, corremos o risco de ter uma percepção errada do problema.
Primeiro, o Sr. Deputado Pedro Mota Soares referia-se à perda de receita fiscal, mas o número que deu está errado porque falou de 140 milhões de contos e a perda em ISP não será 140 milhões de contos mas, sim, seguramente inferior a 120 milhões de contos, sendo da ordem dos 115 milhões de contos, estando talvez ligeiramente acima.
À parte desse problema, o Sr. Deputado dizia que não se tinha pago esse montante e que se ia agora pagar. Sr. Deputado, pagar por não pagar é um conceito que, no mínimo, é um pouco complicado de perceber, como alguns conceitos que por vezes havia de nós pensarmos que outras pessoas pensavam que se pensavam outras coisas porventura também sobre esse imposto.
Tal como dizia o Sr. Deputado, baixar a taxa de IRC não é aumentar os lucros das empresas. Sr. Deputado, que eu saiba só pagam IRC empresas que têm lucro! As que não têm lucro não pagam imposto e o resultado é aumentar o lucro depois do imposto. Portanto, parece-me que uma medida de banda larga em horizontal, que se aplica a todos os sectores da economia, tem a vantagem até de criar, porventura, algumas situações de competitividade em relação a empresas nascentes que não existiriam se estivéssemos a premiar aquelas empresas que já são competitivas, tanto o são que produzem lucros.
O Sr. Deputado Pedro Mota Soares disse também que temos uma política que age a contraciclo. Ora, como ficou claro do debate, há um espaço para uma política de estabilidade, que corresponde a uma política fiscal de estabilização - e a política fiscal é uma política de estabilização na terminologia económica - que é, precisamente, a de agir a contraciclo.
Perguntava ainda o Sr. Deputado se não iríamos baixar o preço dos combustíveis uma vez que ele está a baixar internacionalmente. Sr. Deputado, se, neste momento, estamos com os níveis de imposto mais baixos permitidos pela directiva comunitária que a esta matéria se aplica, como é que poderemos agora vir descer os preços dos combustíveis?!
Portanto, Sr. Deputado, não há espaço de manobra para aquilo que o Sr. Deputado propôs.
Fiquei sem saber qual é a opinião do Sr. Deputado Jorge Neto, porque referiu as opiniões de ex-membros, de actuais membros do Governo, tendo até citado um filósofo alemão, mas o problema dos combustíveis é um problema de metas físicas, fiscais e outras, não é um problema de metafísica.

Risos do PS.

Portanto, passaria por cima dessa questão, referindo-me a outro aspecto que foi levantado, e muito bem: o de saber, em primeiro lugar, se esta é ou não a política correcta - já abordei a questão mas vou agora particularizar - e, em segundo lugar, saber o que é que nos pode esperar no futuro e qual é o espaço para uma política de energia e não apenas de combustíveis.
Devo dizer que, pelo menos da minha parte, fica a convicção de que há um espaço para uma política de estabilidade, nos limites de que já falámos, porque ela combate a incerteza e, como elemento redutor da incerteza, aliada a ciclos conjunturais, enquanto os movimentos forem conjunturais, é um factor importante, ao impedir estas flutuações, para diminuir o risco na actividade económica e, portanto, para promover o investimento. Promove também a competitividade porque o gasóleo, como citei, é um elemento essencial para a competitividade, atendendo, ainda por cima, a uma situação, que é a de o nosso país ter, proporcionalmente, nas actividades económicas, um consumo de produtos petrolíferos mais elevado do que outros países da Europa. Isto significa que esta matéria tem de ser tratada com mais cuidado, enquanto, como dizia o Sr. Deputado Francisco Louçã, criemos o espaço para que outras políticas e outras alternativas, que reduzam a nossa dependência do petróleo, se constituam, como aliás foi uma preocupação patente na intervenção do Sr. Ministro da Economia. Portanto, há que ter este cuidado.
Aliás, penso que a situação na Europa - e respondo à questão levantada pelo Sr. Deputado Manuel Queiró, que dizia que estamos reféns do transporte rodoviário - mostrou que houve um conjunto de países que estiveram reféns do transporte rodoviário e que essa situação foi evitada em Portugal porque houve uma atitude de responsabilidade do Governo que tentou, com essas empresas, eliminar factores que poderiam ser negativos para essa actividade económica, com repercussão em todos os sectores sociais e económicos do nosso país. Portanto, penso que essa situação de refém não tem qualquer aplicação no nosso país, tendo, sim, noutros países da Europa.
Para terminar, em relação à questão colocada, em termos latos, pelo Sr. Deputado Francisco Louçã, sobre o facto de esta política distorcer, devo dizer que qualquer medida de política económica distorce. No entanto, as distorções podem ou não ser justificadas. A nossa opinião é a de que esta distorção foi justificada por razões de

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natureza económica e social. O único custo relevante que o Governo tem de ponderar em relação à política que está a seguir é o custo político de tentar suportar uma medida, ainda que globalmente positiva nos limites que foquei, pela qual está a ser penalizado politicamente. E se o Sr. Deputado me permite a observação, penso que até poderia haver uma atitude de maior responsabilidade por parte de todas as pessoas que, no País, formam opinião nesta matéria para, com mais seriedade, se analisar esta questão.
O Sr. Deputado também colocou outra questão importante, a da substituição da gasolina por gasóleo, que se deve ao seguinte factor, que não pode ser contrariado: penso que, como o Sr. Deputado sabe, há talvez duas dezenas de anos, mas seguramente há uma dezena de anos, a evolução técnica nos motores a gasóleo não teve paralelo na evolução técnica dos motores a gasolina. Estes estão estagnados e houve aumentos muito fortes de rendimento de motores a gasóleo que explicam por que é que há a «dieselização». Ela não é resultado da política de combustíveis do Governo porque estamos a aproximarmo-nos do ratio gasóleo/gasolina que existe noutros países da Europa, pelo que se trata de um movimento mais global e que, por esta via, podíamos tentar retardar, e nesse caso, sim, tratar-se-ia de uma distorção.
Portanto, a nosso ver, é ainda de manter alguma diferenciação, embora a questão que colocou relativa ao nível seja discutível, no sentido de haver um custo adicional na gasolina em termos de permitir aliviar o gasóleo, particularmente no momento em que é importante reforçar a competitividade da economia.
Sobre as questões de fundo, não é pela via de aumentar a fiscalidade sobre os combustíveis, gasolina e gasóleo, que resolvemos a questão que o Sr. Deputado Francisco Louçã colocou, por uma razão muito simples: isso é criar um beco sem saída, ou seja, podemos tornar esses produtos mais caros e há um conjunto de actividades económicas que sofrem um custo adicional, não havendo, para elas, uma solução possível a desenvolver a curto prazo. Portanto, a melhor maneira de atacar o problema, exactamente na linha que seguiu - e penso que esta questão poderia ser estudada, havendo acções concretas que estão a ser realizadas neste domínio -, é através de três vias: pela via da eficiência energética, pela via da promoção das energias renováveis e pela via da investigação e desenvolvimento.
Quanto à eficiência energética, devo dizer que a produção combinada de calor e de electricidade permite ter uma eficiência energética três vezes superior à que é obtida na melhor central a carvão. Isto significa que, para a mesma energia produzida, consome-se três vezes menos energia primária e, portanto, polui-se três vezes menos. Portanto, a eficiência energética é uma medida da maior importância, o que é conseguido com a cogeração. E, como eu disse ao Sr. Deputado, em função da legislação sobre a cogeração produzida há cerca de um ano, temos, neste momento, entre o que está a ser construído e o que está no papel a ser licenciado, um valor da ordem dos 700 MW, que representa, grosso modo, 10% da capacidade da EDP instalada neste momento. Se isto se concretizar, penso que são boas notícias em relação àquilo que dizia.
As energias renováveis também estão a ter um empurrão importante porque a política de compra da energia renovável estava desenhada para um ciclo em que os preços da energia eléctrica eram caros, já que eram feitos em função do preço de venda ao consumidor final. Quando esses preços caíram tivemos o estancamento da produção da energia renovável. Neste momento, mudando-se o tarifário, e pagando em função do custo evitado, que é o custo da EDP, mais o benefício ambiental por ser produzido numa fonte renovável em vez de ser produzido numa instalação a carvão ou a gás natural, estamos a conseguir, finalmente, ter intenções e investimentos de dezenas de megawatts, que já estão a ser feitos no País, o que é importante porque estamos a falar à escala mais pequena. E aqui, mais uma vez, ganhamos algum espaço, com mais uma vantagem. Vou dar mais um exemplo só para verificarmos o que isto pode representar: um dos sítios onde é bom produzir, por causa dos ciclos de vento, é no Algarve, sobretudo no Verão, que é quando há mais procura. Joga a contraciclo e evita investimento nas redes de distribuição.
A terminar, direi que, em termos de investigação, temos, neste momento, no Algarve, uma empresa alemã a fazer um investimento com a Universidade do Algarve para «stockar» energia eólica, que é uma novidade. Ou seja, temos a capacidade de «stockar» energia hídrica nas albufeiras; «stockar» energia eólica é produzir metano a partir de energia eólica (apanhada no momento, guardando o metano) e quando se quer transforma-se o metano em hidrogénio, queima-se e lança-se na rede nos períodos em que há mais procura, o que garante a segurança do abastecimento, questão referida pelo Sr. Ministro.
Estas são medidas importantes, que às vezes não têm o necessário relevo, e é por esta linha que pensamos ser mais correcto avançar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminado este debate, informo que a próxima reunião plenária realiza-se amanhã, às 15 horas, com um período de antes da ordem do dia e constando da ordem do dia a discussão do projecto de lei n.º 303/VIII e a discussão conjunta dos projectos de lei n.os 135 e 262/VIII. Será ainda apreciado um relatório da Comissão de Assuntos Europeus.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 40 minutos.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Carlos Lourenço Tavares Pereira
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Manuel Maria Diogo
Teresa Maria Neto Venda

Partido Social Democrata (PSD):
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Nuno Miguel Marta de Oliveira da Silva Freitas

Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas

Página 1283

1283 | I Série - Número 32 | 21 de Dezembro de 2000

 

Partido Popular (CDS-PP):
Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
António Alves Marques Júnior
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho
Manuel Francisco dos Santos Valente
Manuel Joaquim Barbosa Ribeiro
Maria Teresa de Oliveira Ferreira Coimbra

Partido Social Democrata (PSD):
João Bosco Soares Mota Amaral
Joaquim Martins Ferreira do Amaral

Partido Comunista Português (PCP):
Maria Odete dos Santos

Partido Popular (CDS-PP):
António de Magalhães Pires de Lima
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Paulo Sacadura Cabral Portas

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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