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Sexta-feira, 2 de Fevereiro de 2001 I Série - Número 44
DIÁRIO da Assembleia da República
VIII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2000-2001)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 1 DE FEVEREIRO DE 2001
Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos
Secretários: Ex. mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
José de Almeida Cesário
António João Rodeia Machado
António José Carlos Pinho
S U M Á R I O
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia.- Deu-se conta da entrada na Mesa das propostas de lei n.os 56 e 57/VIII, do projecto de lei n.º 363/VIII e da resposta a alguns requerimentos.
Foi aprovado um parecer da Comissão de Ética relativo à retoma de mandato de um Deputados do PS.
Em declaração política, o Sr. Deputado Basílio Horta (CDS-PP), após ter saudado o Sr. Presidente e a Câmara na primeira intervenção depois da sua eleição para Presidente do Grupo Parlamentar do CDS-PP, criticou os projectos de lei apresentados pelo PS e PSD de alteração à lei eleitoral para as autarquias. No fim, respondeu às saudações e aos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados António Capucho (PSD), Francisco de Assis (PS) e João Amaral (PCP).
Também em declaração política, a Sr.ª Deputada Odete Santos (PCP) chamou a atenção para as más condições de trabalho e para os níveis de sinistralidade no País, tendo criticado a actual legislação sobre acidentes de trabalho e doenças profissionais. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Barbosa de Oliveira (PS) e Narana Coissoró (CDS-PP).
O Sr. Deputado Jaime Soares (PSD) criticou o Governo pelas condições de conservação em que se encontra a denominada estrada da Beira, que impede o desenvolvimento e causa perturbações no acesso a diversos municípios.
A Câmara aprovou os votos n.os 114/VIII - De pesar pelas consequências do sismo ocorrido nas Repúblicas da Índia e do Paquistão (CDS-PP) e 119/VIII - De pesar pelas vítimas do sismo ocorrido nas Repúblicas da Índia e do Paquistão (PS), aos quais se associaram, além do Sr. Presidente e do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães), os Srs. Deputados Ana Catarina Mendonça (PS), Lino de Carvalho (PCP), Teresa Patrício Gouveia (PSD), Francisco Louçã (BE), Heloísa Apolónia (Os Verdes) e Narana Coissoró (CDS-PP), tendo, no final, sido guardado um minuto de silêncio.
De seguida, foram igualmente aprovados os votos n.os 116/VIII - De pesar pelo assassínio do agente da Polícia Judiciária João Melo e pela agressão de um militar da GNR (CDS-PP) e 120/VIII - De pesar pelo assassínio do agente da Polícia Judiciária João Melo (PS), tendo-se pronunciado, além do Sr. Presidente e do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães), os Srs. Deputados Guilherme Silva (PSD), Joaquim Sarmento (PS), António Filipe (PCP), Francisco Louçã (BE), Basílio Horta (CDS-PP) e Heloísa Apolónia (Os Verdes). No final, guardou-se um minuto de silêncio.
Foi ainda aprovado o voto n.º 121/VIII - De pesar pela morte do poeta e tradutor Egito Gonçalves (PCP), a propósito do qual intervieram, além do Sr. Presidente e do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães), os Srs. Deputados Honório Novo (PCP), Manuel dos Santos (PS), Helena Neves (BE) e Rosado Fernandes (CDS-PP), tendo, no final, a Câmara guardado um minuto de silêncio.
Ordem do dia - Foram discutidos conjuntamente os projectos de resolução n.os 92/VIII - Sobre a suspensão do envio de forças militares portuguesas para os Balcãs e adopção de medidas em relação às forças que aí se encontram (PCP), 93/VIII - Sobre o uso de armas com urânio empobrecido pelas Forças Armadas Portuguesas e sobre a presença militar na Bósnia e no Kosovo (Deputado do BE Francisco Louçã) e 98/VIII - Sobre a presença das forças militarizadas e de se
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gurança nos territórios da ex-Jugoslávia e o uso de munições com urânio empobrecido (Os Verdes). Intervieram no debate, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães), os Srs. Deputados João Amaral (PCP), António Reis (PS), Francisco Louçã (BE), Basílio Horta (CDS-PP), Isabel Castro (Os Verdes), Carlos Encarnação (PSD), Medeiros Ferreira, Marques Júnior e Agostinho Gonçalves (PS).
Entretanto, na generalidade, a Câmara aprovou a proposta de lei n.º 53/VIII - Reforça as garantias do contribuinte e a simplificação processual, reformula a organização judiciária tributária e estabelece um novo regime geral para as infracções tributárias.
Foi rejeitado, na generalidade, o projecto de lei n.º 98/VIII - Criação do Dia Nacional sem Carro (Os Verdes).
Em votação global, a Câmara aprovou a proposta de resolução n.º 39/VIII - Aprova, para ratificação, o Protocolo que consolida a Convenção Internacional de Cooperação Para a Segurança da Navegação Aérea (EUROCONTROL), de 13 de Dezembro de 1960, na sequência de diversas modificações introduzidas, e adoptado em Conferência Diplomática reunida em Bruxelas em 27 de Junho de 1997, e respectivo Protocolo Adicional, referente à substituição do Acordo Multilateral relativo a taxas de rota, de 12 de Fevereiro de 1981, ratificado por Portugal, em 2 de Maio de 1983.
Ainda na generalidade, a Câmara aprovou a proposta de lei n.º 55/VIII - Altera o Estatuto da Ordem dos Advogados.
Os projectos de lei n.os 203/VIII - Medidas de redução de riscos para toxicodependentes: criação de salas de injecção assistida (BE) e 351/VIII - Altera a Lei n.º 170/99, de 18 de Setembro (Adopta medidas de combate à propagação de doenças
infecto-contagiosas em meio prisional) (Os Verdes) foram rejeitados, na generalidade.
Foram, ainda, aprovados oito pareceres da Comissão de Ética, denegando autorização para suspensão do mandato a dois Deputados (1 do PSD e 1 do CDS-PP) para serem presentes a tribunal, autorizando cinco Deputados (2 do PS, 2 do CDS-PP e 1 do PSD) a deporem em tribunal, por escrito, como testemunhas, e um dando assentimento a que o Presidente da AR preste depoimento, por escrito, como testemunha.
A Câmara apreciou o inquérito parlamentar n.º 6/VIII - Sobre as condições de participação de Portugal nas intervenções militares nos Balcãs (CDS-PP), que foi rejeitado, após se ter verificado um empate em duas votações sucessivas, conforme o artigo 107.º do Regimento. Usaram da palavra, além do Sr. Ministro da Presidência (Guilherme d'Oliveira Martins), os Sr. Deputados Paulo Portas (CDS-PP), Henrique Rocha de Freitas (PSD), Helena Neves (BE), Fernando Pereira Marques (PS) e João Amaral (PCP).
Finalmente, foi discutida, na generalidade, a proposta de lei n.º 57/VIII - Simplifica os mecanismos de adjudicação e de fiscalização prévia dos contratos relativos às obras de reparação, construção e reconstrução de edifícios, equipamentos e infra-estruturas municipais e das habitações de particulares que ficaram total ou parcialmente destruídos, em virtude das condições climatéricas desfavoráveis ocorridas no presente Inverno, e exclui dos limites de endividamento municipal os empréstimos a celebrar ao abrigo da linha de crédito bonificado para a realização das respectivas obras. Após terem usado da palavra, a diverso título, além daquele membro do Governo, os Srs. Deputados Manuel Queiró (CDS-PP), Luís Marques Guedes (PSD), Honório Novo (PCP), Margarida Rocha Gariso (PS), Francisco Louçã (BE) e Heloísa Apolónia (Os Verdes), a proposta de lei foi aprovada na generalidade, na especialidade e em votação final global, com as alterações propostas pelo PSD.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 21 horas e 10 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 15 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
António Alves Marques Júnior
António Alves Martinho
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António Fernando Marques Ribeiro Reis
António Fernando Menezes Rodrigues
António José Gavino Paixão
António Manuel Dias Baptista
Armando António Martins Vara
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Bruno Renato Sutil Moreira de Almeida
Carlos Alberto
Carlos Alberto Dias dos Santos
Carlos Manuel Luís
Casimiro Francisco Ramos
Fernando Alberto Pereira Marques
Fernando Manuel de Jesus
Fernando Pereira Serrasqueiro
Filipe Mesquita Vital
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Francisco José Pinto Camilo
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres
Gil Tristão Cardoso de Freitas França
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho
Helena Maria Mesquita Ribeiro
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco d'Almeida
Isabel Maria dos Santos Barata
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge Tinoco de Faria
Isabel Maria Soares Pinto Zacarias
João Alberto Martins Sobral
João Cardona Gomes Cravinho
João Francisco Gomes Benavente
João Pedro da Silva Correia
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão
José Alberto Leal Fateixa Palmeiro
José Aurélio da Silva Barros Moura
José Carlos da Cruz Lavrador
José Carlos Pinto Basto Mota Torres
José da Conceição Saraiva
José de Matos Leitão
José Ernesto Figueira dos Reis
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Rosa do Egipto
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão
Luís Miguel Gomes Miranda Teixeira
Luísa Pinheiro Portugal
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António dos Santos
Manuel Francisco dos Santos Valente
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Margarida Maria Santos Soares da Rocha Gariso
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira
Maria do Céu da Cruz Vidal Lourenço
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria José Vidal do Rosário Campos
Maria Teresa de Oliveira Ferreira Coimbra
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco
Paulo Alexandre Homem de Oliveira Fonseca
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Rui Manuel Leal Marqueiro
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Victor Brito de Moura
Vítor Manuel Alves Peixoto
Vítor Manuel Caio Roque
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo
Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Álvaro dos Santos Amaro
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Martins Narciso
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António d'Orey Capucho
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Manuel da Cruz Silva
António Manuel Santana Abelha
António Paulo Martins Pereira Coelho
Armando Manuel Dinis Vieira
Arménio dos Santos
Armindo Telmo Antunes Ferreira
Artur Ryder Torres Pereira
Carlos José das Neves Martins
Carlos Manuel de Sousa Encarnação
Domingos Duarte Lima
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares
Eugénio Fernando Sá Cerqueira Marinho
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Jorge Loureiro de Reboredo Seara
Francisco Baptista Tavares
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Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Monteiro Chaves
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
Jaime Carlos Marta Soares
João Bosco Soares Mota Amaral
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José da Silva Maçãs
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Martins Ferreira do Amaral
Joaquim Monteiro da Mota e Silva
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José António de Sousa e Silva
José David Gomes Justino
José de Almeida Cesário
José Eduardo Rêgo Mendes Martins
José Frederico de Lemos Salter Cid
José Luís Campos Vieira de Castro
José Manuel de Matos Correia
José Manuel Durão Barroso
Lucília Maria Samoreno Ferra
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Castro de Almeida
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim Barata Frexes
Manuel Maria Moreira
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria do Céu Baptista Ramos
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Maria Natália Guterres Viegas C. da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Nuno Miguel Sancho Cruz Ramos
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rui Fernando da Silva Rio
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Sérgio André da Costa Vieira
Partido Comunista Português (PCP):
Alexandrino Augusto Saldanha
Ana Margarida Lopes Botelho
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
João António Gonçalves do Amaral
Joaquim Manuel da Fonseca Matias
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos
Octávio Augusto Teixeira
Vicente José Rosado Merendas
Partido Popular (CDS-PP):
António Herculano Gonçalves
António José Carlos Pinho
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Luís Pedro Mota Soares
Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró
Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona
Narana Sinai Coissoró
Paulo Sacadura Cabral Portas
Raul Miguel de Oliveira Rosado Fernandes
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro
Bloco de Esquerda (BE):
Francisco Anacleto Louçã
Maria Helena Augusto das Neves Gorjão
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os diplomas e as respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: propostas de lei n.os 56/VIII - Define o Estatuto das Associações Juvenis e Grupos de Jovens, que baixou à 12.ª Comissão, e 57/VIII - Simplifica os mecanismos de adjudicação e de fiscalização prévia dos contratos relativos às obras de reparação, construção e reconstrução de edifícios, equipamentos e infra-estruturas municipais e das habitações de particulares que ficaram total ou parcialmente destruídos, em virtude das condições climatéricas desfavoráveis ocorridas no presente Inverno, e exclui dos limites de endividamento municipal os empréstimos a celebrar ao abrigo da linha de crédito bonificado para a realização das respectivas obras, que baixou à 4.ª e 5.ª Comissões, e projecto de lei n.º 363/VIII - Lei-Quadro do Associativismo Juvenil (PCP), que baixou à 12.ª Comissão.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: no dia 29 de Janeiro de 2001, Mota Amaral, na sessão de 5 de Maio; Miguel Miranda Relvas, na sessão de 1 de Junho; Miguel Anacoreta Correia, na sessão de 15 de Junho; Honório Novo, na sessão de 5 de Julho; Nuno de Freitas, no dia 13 de Setembro; João Rui de Almeida, na sessão de 28 de Setembro; Afonso Lobão, na sessão de 19 de Outubro; Isabel Castro, na sessão de 17 de Janeiro.
No dia 30 de Janeiro de 2001: Barbosa de Oliveira, nas sessões de 16 de Junho e 13 de Outubro; Bernardino Soares, no dia 17 de Outubro, nas sessões de 27 de Novembro e l4 de Dezembro; Natália Filipe, na sessão de 26 de Outubro; José Cesário, na sessão de 7 de Novembro; Machado Rodrigues, no dia 13 de Novembro; Rosado
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Fernandes, no dia 21 de Novembro e na sessão de 20 de Dezembro; Heloísa Apolónia, na sessão de 29 de Novembro.
No dia 31 de Janeiro de 2001: Honório Novo, na sessão de 17 de Dezembro; Carlos Martins, na sessão de 6 de Julho; Heloísa Apolónia, no dia 30 de Agosto; Aires de Carvalho, na Comissão Permanente de 5 de Setembro; Bernardino Soares, no dia 15 de Novembro; Pedro Mota Soares, na sessão de 2 de Novembro.
Foram ainda respondidos os requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: no dia 30 de Janeiro de 2001, Honório Novo, na sessão de 26 de Outubro; no dia 31 de Janeiro de 2001, Honório Novo, na sessão de 3 de Janeiro.
O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário vai dar conta de um relatório e parecer da Comissão de Ética, que deu também entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o relatório e parecer refere-se à retoma de mandato do Sr. Deputado Armando Vara (PS), a partir de 1 de Fevereiro, inclusive, cessando o Sr. Deputado Dinis Costa.
O parecer da Comissão é no sentido de que a retoma de mandato é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o parecer está em discussão.
Não havendo inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Inscreveram-se, para declarações políticas, os Srs. Deputados Basílio Horta e Odete Santos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.
O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sendo esta a minha primeira intervenção depois da honra que tive em ser eleito presidente da minha bancada, gostaria de saudar V. Ex.ª, enquanto Presidente desta Assembleia e enquanto homem de letras e ilustríssimo jurista, por quem tenho tanta consideração e estima.
O Sr. Presidente: - Pago em espécie, Sr. Deputado, como sabe.
O Orador: - Igualmente saúdo a Mesa e todas as bancadas, sem excepção, desejando que, em conjunto, possamos ter um trabalho útil em benefício dos nossos partidos e do povo português.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O poder local democrático foi, sem dúvida, uma conquista do 25 de Abril. Os dois princípios fundamentais que então enformaram o estatuto do poder local e que obtiveram consagração na Constituição da República Portuguesa foram, em primeiro lugar, o da proporcionalidade, aliás, extensivo às eleições para os órgãos de soberania, e, em segundo lugar, a divisão na eleição autárquica, havendo eleições separadas para as câmaras municipais e para as assembleias municipais.
Podemos dizer que estes são dois princípios estruturantes do nosso poder local. A verdade é que o País não se tem dado mal com o estatuto do poder local, pois este tem prestado relevantíssimos serviços às populações e tem funcionado regularmente. Não se nos afigura, por isso, que seja de uma extrema urgência - há coisas muito mais urgentes em benefício do País - mudar a lei eleitoral para as autarquias locais.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Porém, consideramos que há uma experiência que deve ser acolhida e que há reformas que devem ser feitas. Nessa matéria, não defendemos o imobilismo mas, sim, uma reforma, não se justificando - pelo contrário, é altamente prejudicial - uma revolução.
Por isso, apresentámos os nossos projectos, que não cabe hoje aqui discutir - para a semana teremos hipótese e oportunidade de o fazer -, em que são acolhidos os princípios da proporcionalidade, respeitando a Constituição, da governabilidade, da estabilidade, da proximidade e da renovação automática dos quadros locais, contribuindo, assim, para o dinamismo de poder local.
Em suma, trata-se de princípios que vemos com gosto serem defendidos e acolhidos por pessoas com uma categoria intelectual, inclusive nesse domínio tão específico, como o Professor Marcelo Rebelo de Sousa.
O Professor Marcelo Rebelo de Sousa, hoje, em declarações publicadas no Jornal de Notícias, faz um exame da legislação do poder local em tudo coincidente com a filosofia subjacente aos nossos projectos, excepto num ponto (e aí, em nosso entender, sem razão): a admissibilidade de cidadãos eleitores poderem candidatar-se. Entendemos que o devem fazer e o Professor Marcelo Rebelo de Sousa tem dúvidas se o devem fazer.
Quanto ao resto, contra a bipolarização, contra o monolitismo, em defesa da maior transparência, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, com a autoridade política e académica que se lhe reconhece, sufraga inteiramente as nossas propostas.
Hoje, Sr. Presidente e Srs. Deputados, trago dois problemas, nesta sede, que vão, e devem, condicionar toda a discussão que iremos fazer para a semana, porque são problemas de regime, de ética democrática e, por consequência, podem ser objecto de análise separada, independentemente até das análises dos textos sujeitos a debate parlamentar.
O primeiro desses problemas é o de saber se é legítimo e conforme às regras da democracia que os dois maiores partidos nacionais queiram ou tentem fazer a bipolarização forçada por via legislativa. Esta é a primeira questão.
Os dois projectos que se encontram em debate - mais o do PS que o do PSD, convenhamos -, a serem aprovados, significariam a bipolarização, não por força dos votos mas, sim, por força de uma estratégia partidária e visando interesses de parte puramente egoístas.
Com efeito, o PS, no seu projecto, defende uma única eleição para a câmara municipal, uma única eleição, fundamentalmente, para o presidente da câmara, que, depois, pode escolher com inteira liberdade os seus vereadores, mesmo de entre membros que não são da assembleia municipal.
Vozes do PS: - Não, não!
O Orador: - É o que consta do projecto!
Em seguida, prevê que a assembleia municipal possa aprovar uma moção de desconfiança, ou de censura, ou
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recusar uma moção de confiança por dois terços, nesse caso «caindo» os vereadores mas não o presidente. É realmente espantoso! É algo nunca visto!
O PSD, de uma forma mais «envergonhada», ainda admite a proporcionalidade nos «restos». Obviamente, não tem a mesma intensidade, mas o fim acaba por ser o mesmo.
O segundo problema, esse de uma gravidade muito grande, tem a ver com a data de entrada em vigor das alterações.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!
Orador: - Nenhum do dois projectos diz, como deveria dizer, em nosso ver, que estas alterações só devem entrar em vigor nas eleições de 2005. É assim que a doutrina, a ética e a tradição portuguesa exigiriam que se fizesse, mas não o fazem. O PS até abre a porta - aliás, parece-me que é uma porta muito claramente aberta - para a entrada em vigor do diploma nas próximas eleições, quando diz que só o artigo 15.º é agendado para as eleições seguintes, pelo que, a contrario sensu, presume-se que os restantes artigos entrariam já em vigor.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Com certeza!
O Orador: - O PSD nada diz sobre esta matéria, o que também não deixa de ter alguma ambiguidade.
Entendemos que este tema é da maior seriedade política e que, se fossem aprovadas estas alterações para entrarem em vigor nas próximas eleições, estaríamos perante a primeira ruptura na ordem constitucional verificada depois do 25 de Abril.
Aplausos do CDS-PP e do Deputado do PSD Jaime Marta Soares.
Era a primeira ruptura na ordem constitucional verificada desde o 25 de Abril! Se o PS pensa o contrário está profundamente enganado nesta matéria, e não é só nesse domínio! Na tradição democrática portuguesa não há memória de um Presidente da República ter promulgado uma lei de alteração eleitoral no ano das próprias eleições!
Aplausos do CDS-PP e do Deputado do PSD Jaime Marta Soares.
Permito-me citar, neste domínio, o Dr. Mário Soares, que, em mensagem dirigida à Assembleia da República sobre a eficácia do artigo 3.º da Lei n.º 10/95, de 7 de Abril, diz o seguinte: «Constitui para mim um verdadeiro imperativo democrático impedir que o direito eleitoral esteja sujeito às pressões políticas conjunturais, aos meros jogos de estratégias partidárias…
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - … e às maiorias parlamentares de ocasião».
Aplausos do CDS-PP e do Deputado do PSD Jaime Marta Soares.
Por uma vez, nós não diríamos melhor!
Diz a seguir, analisando o respectivo debate parlamentar que se travou a propósito deste artigo: «Não concebo, nem aceito, que num Estado de Direito democrático se possa suspender a eficácia de normas que visam estabelecer garantias mínimas do exercício do sufrágio pelo próprio eleitor, nos termos em que as mesmas estavam elaboradas». Não poderíamos dizer melhor!
Noutra mensagem dirigida à Assembleia da República, de 26 de Janeiro de 1989, o Dr. Mário Soares é ainda mais claro, dizendo o seguinte: «Em toda a parte, a alteração das leis em matéria eleitoral reveste-se sempre de um especial cuidado, importância e significado. A legislação eleitoral deve, assim, exigir um especial esforço de diálogo que permita uma autêntica confluência de vontades».
O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - E acrescenta: «Cabe ao Presidente da República, como garante do regular funcionamento das instituições democráticas, contribuir para que o regime eleitoral seja um factor de unidade e não de divisão, por forma a que se fortaleça, e não possa nunca ser posta em causa, a legitimidade democrática».
Ainda relacionado com esta afirmação, acrescenta o seguinte: «A modificação da lei eleitoral aplicar-se a eleições que terão lugar a curtos meses de vista, quando a doutrina e a ética democrática consideram contra-indicado introduzir alterações em leis eleitorais em vésperas de eleições, não é, nem nunca será, por mim admitida». Não poderíamos dizer melhor!
Aplausos do CDS-PP.
Esta é a tradição do Partido Socialista! Esta é a vossa tradição! Esta é a tradição do vosso líder histórico! É inconcebível que, no vosso projecto, a desrespeitem de uma forma tão veemente, tão clara e, diria mesmo, tão grosseira!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - A proposta do Governo está no Parlamento desde Junho do ano passado!
O Orador: - Sr. Deputado, se quiser, interrogue-me a seguir, mas não me interrompa!
Respeite a minha indignação. Não é nada contra o Sr. Deputado, mas está a interromper-me! A seguir, terei o maior gosto em responder-lhe, como sabe, Dr. Osvaldo Castro!
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Querem ganhar na secretaria!
O Orador: - O CDS-PP entende que esta é uma matéria de Estado, de regime, pelo que, desde já, vai tomar algumas decisões: pedirá uma reunião urgente com o Sr. Primeiro-Ministro, pois estamos perante um projecto do Governo, e pedirá uma reunião urgente com o Sr. Presidente da República.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que conclua, pois já esgotou o tempo de que dispunha.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
O Sr. Dr. Jorge Sampaio, se estes projectos forem para a frente, vai ter oportunidade de contrariar aqueles que diziam que ele era um homem do Partido Socialista. É que se o Sr. Presidente da República promulgasse esta lei, dessa forma, não haveria dúvida alguma que, por uma vez, perderia completamente a isenção do seu mandato.
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Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados António Capucho, Francisco de Assis e João Amaral.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Basílio Horta, acho curioso que V. Ex.ª, na primeira intervenção política que resolve produzir após a sua eleição para a liderança da bancada do CDS-PP, escolha antecipar por oito dias um debate que está agendado, em que todos os grupos parlamentares terão tempos bastantes para discutir esta matéria, trazendo hoje, aqui, à colação críticas, que eu não considero pertinentes, a uma proposta de lei, que é merecedora de discussão, evidentemente, e a outros projectos de lei de vários partidos que estarão aqui em amplo debate na próxima quarta-feira.
Nessa altura, a minha bancada terá a oportunidade de tentar demonstrar a V. Ex.ª e à Câmara as razões que a levam a considerar pertinente o nosso projecto e a discordar das posições de V. Ex.ª. Por isso, permitir-me-á que, hoje, não conteste, no essencial nem no detalhe, o que referiu daquele púlpito, tanto mais que não tenho tempo para fazê-lo.
No entanto, deixe-me dizer-lhe que, por paradoxal que pareça, a minha bancada até concorda com os princípios fundamentais que V. Ex.ª enunciou, nomeadamente o da proporcionalidade. A verdade é que, quer a proposta do Governo - e não sou eu o advogado do Governo, por enquanto e pelo menos deste, Sr. Deputado -, …
Risos do CDS-PP e do PS.
…quer o projecto do PSD, não ferem o princípio da proporcionalidade, já que mantêm intacta a proporcionalidade no órgão que a deve ter e que é a assembleia, o órgão deliberativo.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É evidente!
O Orador: - Permita-me que seja eu agora a explicar, Sr. Deputado; a seguir, V. Ex.ª manifestará a sua posição.
Quanto ao que se passa no executivo, entendemos que, tal como no Governo da República não faz sentido haver proporcionalidade - ministros do PSD, do CDS-PP, do PCP, etc. -, nas câmaras municipais o modelo actual prejudica a governabilidade, a estabilidade e a transparência da acção executiva.
Permita-me, portanto, que, neste ensejo, saia rapidamente da questão das autárquicas, à qual voltaremos demoradamente dentro de oito dias, e me dirija pessoalmente a V. Ex.ª, a propósito da sua eleição para a presidência do Grupo Parlamentar do CDS-PP, para, em nome do Grupo Parlamentar do PSD e em meu nome pessoal, desejar a V. Ex.ª todas as felicidades, todos os sucessos.
E, mais: de acordo com as deliberações do congresso do Partido Social Democrata, quero fazer votos de que as relações institucionais entre a minha bancada e a bancada de V. Ex.ª, sem prejuízo das relações institucionais entre todas as bancadas, mas muito especialmente as relações bilaterais entre as bancadas deste lado do Hemiciclo, mantenham o aprofundamento que têm conhecido nos últimos tempos e que isso concorra para uma maior articulação entre os dois partidos, em benefício da instituição parlamentar e dos nossos objectivos.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.
O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, respondendo com muito gosto ao Sr. Deputado António Capucho, quero dizer que, apesar de saber que vamos ter o debate na próxima semana, quis levantar duas questões prévias e não entrei no debate das nossas posições. Trata-se de questões que entendemos serem de Estado, de regime, e que condicionam, obviamente, as soluções concretas e casuísticas que, em relação aos vários problemas, se adoptem e aí há uma margem grande de acordo com V. Ex.ª.
Havendo pequenas alterações no sentido de dizer que a disposição não entra agora em vigor, como é óbvio e natural, e garantindo-se o sentido da proporcionalidade e as duas listas, o Sr. Deputado verá que os desejos do Sr. Dr. Mário Soares, de grande confluência em matéria de leis eleitorais, seguramente, entre os nossos dois partidos, serão muito facilitados.
Em relação ao problema da duração dos mandatos - e V. Ex.ª falou nos executivos -, entendemos que a limitação dos mandatos deve ser feita em relação a órgãos de Estado com mandato certo, com funções técnico-administrativas e, maxime, de natureza unipessoal ou singular. Por isso, o fizemos em relação ao presidente da câmara e a vereadores com pelouro. Mas na altura própria discutiremos amplamente essa matéria.
Finalmente, o mais importante: quero agradecer-lhe, muito sensibilizado, as suas palavras e dizer-lhe que do nosso lado terá uma colaboração clara e aberta e uma grande capacidade de trabalho conjunta, em benefício de um projecto sério e consistente que seja um motivo de esperança para Portugal. Aí, V. Ex.ª conta inteiramente comigo e com a minha bancada.
Como o Dr. Paulo Portas sempre disse - e muito bem - é muito melhor duas oposições que se entendem e que trabalham do que duas oposições que se guerreiam.
Deste lado, V. Ex.ª não terá seguramente guerra.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco de Assis.
O Sr. Francisco de Assis (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Basílio Horta, quero começar por cumprimentá-lo pela sua eleição para a liderança da bancada do CDS-PP e manifestar a nossa total disponibilidade para mantermos com o PP, na sequência do que temos feito até aqui, um diálogo institucional e político frutuoso para o País.
Sendo, de resto, V. Ex.ª um democrata-cristão de méritos indiscutíveis, neste momento cabe-me também lembrar que, do ponto de vista doutrinário, há algumas convergências entre um socialista democrático e um democrata-cristão, que, depois, se vão manifestando consoante as contingências da história política. Por isso, estamos à vontade nessa matéria, neste quadro parlamentar. Aliás, nesta Assembleia da República, sempre estivemos disponíveis para dialogar com todos os grupos parlamentares, tendo em vista a obtenção das melhores soluções para a resolução dos problemas com que o País se defronta, não abdican
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do, naturalmente, dos nossos princípios e das nossas orientações programáticas.
Quero também, neste momento, saudar o Sr. Deputado Paulo Portas, que cessa funções como líder parlamentar do CDS-PP e salienta o brilho que muitas vezes trouxe a este Plenário através das intervenções que fez nessa qualidade. Isso continuará a ocorrer enquanto líder do partido e enquanto Deputado, mas quero, muito justamente, salientar isso mesmo.
Aplausos do CDS-PP.
Sr. Deputado Basílio Horta, V. Ex.ª hoje, porque tinha de fazer um discurso de apresentação à Câmara, optou por antecipar uma discussão que verdadeiramente aqui vamos travar dentro de oito dias.
Também não vou entrar no pormenor dessa discussão, sendo certo que também eu - e creio que, no essencial, toda a Assembleia - aderi a alguns princípios fundamentais que V. Ex.ª explicitou e considerou fundamentais, aliás, consagrados na Constituição, como seja o princípio da proporcionalidade, da estabilidade e da governabilidade.
Devo dizer-lhe que foi precisamente em ordem ao aprofundamento desses princípios que o Governo apresentou a proposta de lei que dentro de oito dias aqui será discutida. De facto, a proporcionalidade não está posta em causa, já que ela está assegurada, como já aqui foi dito, e muito bem, no órgão em que o deve estar, ou seja, no órgão deliberativo e de fiscalização democrática que é a assembleia municipal. Portanto, não há que pôr em causa a governabilidade ou a estabilidade, pois elas, pelo contrário, provavelmente, sairão reforçadas com o novo modelo de organização do executivo que resultará da proposta de lei que aqui será discutida dentro de alguns dias.
Porém, o que lhe quero dizer é que a proposta do Governo assenta não apenas no objectivo de contribuir para reforçar a estabilidade e a governabilidade, ela visa também aumentar a capacidade de fiscalização democrática das assembleias municipais e reforçar a nitidez do combate político entre o poder e a oposição, que, a nosso ver, não está suficientemente consagrado a nível das nossas estruturas políticas autárquicas. Entendemos que é necessário aprofundar o debate democrático nas autarquias e estamos certos que este é o caminho para lá chegar.
A segunda questão que V. Ex.ª colocou foi a do tempo, a de saber quando deverá entrar em vigor uma nova lei que venha a resultar dos nossos trabalhos.
O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
A única coisa que se me oferece dizer é que o Governo apresentou já esta proposta na Assembleia em Junho passado e estivemos à espera que o PSD apresentasse a sua própria proposta. Mas, sobre questões de tempo, o que lhe devo dizer é que o tempo não pode constituir um dogma…
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Não é um dogma, é uma regra!
O Orador: - … na discussão que aqui procuraremos travar com o intuito de alcançar o máximo consenso parlamentar possível.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.
O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito rapidamente, quero agradecer ao Sr. Deputado Francisco de Assis as palavras que me dirigiu e frisar um aspecto muito interessante que referiu, ou seja, as aproximações existentes entre o socialismo democrático e a democracia-cristã, aliás, muito visíveis no Secretário-Geral do seu partido, o Eng.º António Guterres, que, por vezes, creio ter mais de social-cristão do que de socialista.
Risos do CDS-PP.
Mas isso é outra história!
Sr. Deputado, vemos o pouco à-vontade que V. Ex.ª tem quando defende esta lei, porque diz estar de acordo com os nossos princípios. Então, este projecto não é do Governo, é de outro governo que VV. Ex.as não apoiam, porque estes princípios não estão consignados no projecto! Estivessem eles e nós não estávamos a fazer esta intervenção!
Em relação ao problema, até mais importante, da entrada em vigor, V. Ex.ª, que é um teórico e um académico, não pode tratar com tanta ligeireza esta matéria! O Sr. Dr. Mário Soares, que pode ser ligeiro em muita coisa mas em política não é, seguramente, disse o que disse, ou seja, é uma questão de regime, é uma questão de Estado, e V. Ex.ª, hoje, aqui, felizmente não disse que era para entrar em vigor já nas próximas eleições!
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Ele sabe o que não diz!
O Orador: - Portanto, nós entendemos que o vosso silêncio e o do Partido Social Democrata significam a linha justa, a linha correcta, respeitadora dos princípios, da doutrina e da ética republicana, como VV. Ex.as gostam tanto de dizer.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Basílio Horta: O Sr. Deputado trouxe aqui, na sua primeira declaração após ter sido eleito líder da sua bancada - e aproveito para, em nome da bancada do PCP, cumprimentá-lo pela sua eleição -, um tema político que é seguramente, neste momento, o mais importante da actualidade política.
O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - É evidente!
O Orador: - E é o tema mais importante porque configura a ameaça de um processo de profunda ruptura no modo de eleição dos órgãos de poder local em condições que são inaceitáveis, por aquilo que o Sr. Deputado disse, isto é, por pretender ou por poder pretender ter efeitos para as eleições que decorrem este ano, mas ainda por uma razão mais importante, que me permito assinar: por ser um processo que pretende romper um sistema eleitoral que tem
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provas dadas, que funcionou bem e que levou o poder local, em Portugal, a ser um reconhecido êxito em toda a sua actividade.
É costume dizer-se que é muito bom mudar e eu diria que é preciso mudar o que está mal e não aquilo que está bem!
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Orador: - No caso concreto, em causa está não só o princípio da proporcionalidade como também o da governabilidade, porque a realidade é esta, Sr. Deputado Basílio Horta: é ou não é verdade que este sistema tem assegurado a governabilidade das autarquias locais e das câmaras? É ou não é verdade que, nos últimos quatro anos deste mandato, só caiu uma única câmara e apenas porque VV. Ex.as, do Partido Socialista, fizeram uma guerra interna e, à custa dessa guerra, «deitaram a câmara abaixo»? É ou não é verdade que isso se deu por terem uma maioria absoluta? Provavelmente, se a não tivessem, isso não teria sucedido, se houvesse um controlo dentro da própria câmara não se teria chegado a essa situação! É ou não é verdade que o sistema actual assegura governabilidade e eficiência?
Aplausos do PCP e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.
O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero agradecer ao Sr. Deputado João Amaral as palavras que me dirigiu e manifestar-lhe a minha consideração e respeito, extensivos a toda a sua bancada, nomeadamente ao seu presidente, por quem tenho particular consideração e estima.
Quero também dizer ao Sr. Deputado que concordo com o que disse, porque também eu considero que aquilo que tem de ser mudado é o que está errado. Obviamente, não podemos pôr-nos completamente numa posição imobilista, pois há coisas que necessitam de ser aprofundadas, há qualidades que precisam de ser ainda mais exploradas, há pequenos defeitos que precisam de ser corrigidos e há experiências que necessitam de ser vertidas em sede jurídica, mas há que saber - e nisso V. Ex.ª tem razão, esta é a grande questão de momento - se nós abrimos a porta a que partidos possam ganhar na secretaria aquilo que o povo não lhes dá através do voto. Essa é que é a grande questão.
Aplausos do CDS-PP
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Acidentes de trabalho brutais irrompem com frequência nas notícias, não sendo possível esconder, com o malabarismo dos números, as más condições de trabalho de que dispõem os trabalhadores portugueses, sobretudo no Norte, na Região de Lisboa e Vale do Tejo, nos distritos do Porto, Lisboa e Aveiro, e o próprio Governo se vê obrigado a reconhecer que as coisas vão mal, em matéria de prevenção.
Tanto assim é que os jornais noticiaram, no início do ano, que o Governo assumira o compromisso, com os parceiros sociais, de diminuir o número de acidentes de trabalho e de doenças profissionais. Mas chega tarde o Ministério do Trabalho. É que a situação da vitimação resultante do infortúnio laboral arrasta-se há longos anos e o PCP denunciou-a, por diversas vezes.
Perante a própria Agência Europeia para as questões de Saúde e Segurança no Trabalho, o Governo reconheceu que a situação, em Portugal, necessitava de ser melhorada. E apesar de tudo isto, apesar das reivindicações dos trabalhadores sobre as condições de trabalho, como acontece com os trabalhadores da Somincor, muito pouco se fez para debelar o flagelo e muito se tem feito, objectivamente, para criar as condições que levam ao aumento da sinistralidade laboral.
Referimo-nos, como a mencionada Agência Europeia diz, ao trabalho precário, ao aumento alucinante dos ritmos de trabalhado exigido em nome da competitividade sem respeito pelo ser humano, aos períodos longos de duração de trabalho, entre os quais a referida Agência situa os períodos de 40 horas de trabalho semanal. Referimo-nos ao trabalho clandestino, de que são vítimas os imigrantes. Referimo-nos ao trabalho sem direitos, que grassa em Portugal, que, claro, não destoa nesta matéria da União Europeia.
Tudo isto, com a inexistência de uma verdadeira política de prevenção, com a ineficácia da Inspecção de Trabalho e com o facto de ainda ser mais barato reparar do que prevenir, agrava a situação da sinistralidade laboral.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!
A Oradora: - Depois de longos anos de protestos contra a iniquidade resultante da legislação laboral da década de 60, depois de lutas dos trabalhadores a que o PCP deu voz com os vários projectos de lei para alteração das leis em vigor, a Assembleia da República aprovou, finalmente em 1997, uma nova lei, com alguns aspectos positivos, é certo, mas com algumas injustiças, que logo, na altura, denunciámos, porque tais injustiças visavam, claramente, proteger os interesses das seguradoras.
Sendo sintomático que o tratamento desta questão das leis sobre acidentes de trabalho se situe sempre no Ministério das Finanças, sem que o Ministério do Trabalho assuma o protagonismo que deveria ter nesta matéria, já que, para mais, também da solidariedade traz o nome, é certo que, na regulamentação, o Governo acabou por aceitar uma ou outra solução que nós logo quisemos exarar, por via das dúvidas, na lei em debate.
Estou a falar da questão dos subsídios de Natal e dos subsídios de férias aos trabalhadores, em que se verificou uma recusa do Partido Socialista, com voto contra, em incluir tais subsídios na legislação, para depois, na regulamentação, ele vir a ser consagrado. O Diário da Assembleia aí está para rezar como era injusto o voto contra do Partido Socialista!
Mas é verdade que muitas das soluções tiveram, assim, por horizonte os interesses das seguradoras, que não os dramas dos trabalhadores e das suas famílias.
As pensões das vítimas do trabalho continuam baixas.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!
A Oradora: - Em primeiro lugar, porque os salários dos trabalhadores portugueses são baixos - são os mais baixos da Europa da União - e o Governo parece apostado
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em manter a situação de degradação salarial, bastando-lhe, em certas situações, ser abstencionista e alhear-se da sorte da contratação colectiva.
É o que se passa, por exemplo, no sector têxtil. O impasse a que se chegou no processo de negociação colectiva recomendaria medidas urgentes, ainda que no quadro de uma lei de contratação colectiva já desfigurada, para garantir uma digna sobrevivência dos trabalhadores,...
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!
A Oradora: - ... para lhes garantir direitos humanos radicados na dignidade do ser humano.
Aplausos do PCP.
Percebe-se em que redundam algumas das disposições da nova legislação sobre a reparação do infortúnio laboral. Percebe-se que as seguradoras conseguiram segurar o ramo acidentes de trabalho nas suas mãos. Segundo elas, foi uma atitude benfazeja e benemérita, porque afirmaram, em audição que a Comissão de Trabalho realizou na Assembleia, que o ramo acidentes de trabalho lhes dava prejuízos.
Eis senão quando, em finais do ano passado, conforme noticiado pela comunicação social, a Associação Portuguesa de Seguradores divulgou que o melhor desempenho a nível do ramo segurador se registou no segmento dos acidentes de trabalho, que passou de uma produção de 81,4 milhões de contos, nos primeiros 10 meses de 1999, para uma produção de 108 milhões de contos, em período homólogo do ano 2000. Afinal, havia lucros!
É claro que as seguradoras contaram, entretanto, com o adiamento da entrada em vigor da legislação, tendo o Governo aprovado um diploma - pasme-se! -, o Decreto-Lei n.º 382-A/99, para que lei de 1997 só entrasse em vigor em 1 de Janeiro de 2000, mais de um ano depois do que vinha consagrado na lei. Quer dizer que foi muito mais tarde que os trabalhadores puderam contar com a melhoria das pensões que a lei, de facto, consagra.
E as seguradoras também contaram com uma sombra benfazeja, quando viram garantida a obrigatoriedade de remição da maior parte das pensões: as relativas a desvalorizações até 30%.
Os trabalhadores são, assim, mercadoria descartável, e por baixo preço. É que, para cálculo da remição, construíram-se umas bases técnicas, com base numa tábua de mortalidade de 88/90, considerando-se uma taxa técnica de juro baixíssima, de 5,25%.
Como agora é maior a esperança de vida, porque as reservas matemáticas são calculadas visando o ramo vida, a tabela, agora, é mais baixa do que o era a tabela que esteve em vigor desde 1971 até 1985.
Mas usar uma tabela destas é uma filosofia totalmente incorrecta para o ramo acidentes de trabalho, porque a remição obrigatória vai dar-se quando os trabalhadores têm agora mais anos de vida do que tinham na vigência da tabela de 1971. Assim, se a remição não fosse obrigatória, as seguradoras estariam a pagar aos trabalhadores durante muito mais anos do que durante a vigência da tabela de 1971, e, portanto, o montante da remição devia ser - e era, já naquela altura - muito superior.
Por exemplo: um trabalhador de 44 anos, com uma desvalorização de 30% e uma pensão anual de 121 800$, segundo a tabela de 1971 receberia 2 243 385$. Hoje, a tabela publicada pelo Governo dá-lhe 1 808 851$. Trinta anos depois, o trabalhador recebe muito menos do que recebia em 1971! E com isto as seguradoras amealham milhares e milhares de contos.
Há ainda uma outra iniquidade que não foi reparada, apesar do que foi proposto pelo PCP. Há pensões baixíssimas, que durante larguíssimos anos nunca foram aumentadas e que só agora tiveram um aumento - baixo, como é óbvio!
Citando os dados do Instituto de Seguros, a média de pensões pagas em 1998, para incapacidades até 30%, foi de 6113$ por mês.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Péssimo!
A Oradora: - Esta situação deve ser reparada, urgindo que se proceda à revalorização destas pensões.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!
A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com o tempo a terminar e já um tanto cansada pela pressa, quero, no entanto, anunciar que o PCP irá apresentar um projecto de lei para reparar as situações iníquas que se passam com os trabalhadores vítimas do trabalho.
Não será ainda o regime que defendemos para defesa da dignidade do trabalhador enquanto ser humano social e não apenas uma mera máquina de ganho que se descarta, e é assim que ainda a lei o encara.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, terminou o seu tempo.
A Oradora: - Vou terminar, Sr. Presidente, dizendo que a perda da saúde e da integridade física dos trabalhadores não pode gerar lucros. Os direitos dos trabalhadores não estão em leilão e, recordem-se, Portugal é uma república baseada na dignidade do ser humano.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos à Sr.ª Deputada Odete Santos, os Srs. Deputados Barbosa de Oliveira e Narana Coissoró.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Oliveira.
O Sr. Barbosa de Oliveira (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, gostaria de começar por lhe dizer que concordo com várias das questões que colocou e com vários dos problemas que elencou.
No entanto, o facto de estar de acordo com alguns aspectos não me inibe de lhe dizer que o PCP não vai pelo melhor caminho quando faz - ou se o fizer - do Governo do Partido Socialista o «inimigo público número um».
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!
O Orador: - Isto porquê? Porque a Sr.ª Deputada, do alto daquela tribuna, reconheceu que, apesar de tudo, a lei que aprovámos aqui, na legislatura anterior, introduziu, no quadro legal que a antecedeu, enormes melhorias. Tem vários dos defeitos que apontou mas, em boa verdade, introduziu várias melhorias e isso significou um largo avanço em relação àquilo que, durante variadíssimos e longos anos, vigorou no que diz respeito a esta questão.
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Queira também dizer-lhe que, tendo anunciado aqui um projecto que o PCP irá apresentar, estamos naturalmente abertos à discussão e à apreciação do seu conteúdo. Veremos que novidades nos traz, veremos se poderemos ou não pôr-nos de acordo. E não estamos fechados em relação a essa discussão, como à discussão de outros temas, desde que isso signifique consagrar mais e melhores direitos para os trabalhadores e garantir-lhes a prossecução dos objectivos e dos direitos que devem presidir às relações de trabalho.
Mas, apesar de tudo, gostaria de lhe perguntar o seguinte: não lhe parece que, para além de encontrarmos um quadro legal mais prefeito do que aquele que existe, devemos, sobretudo, preocupar-nos, a montante, com a prevenção dos próprios acidentes? A esse respeito, julgo que há muito para fazer, naturalmente, ainda por parte do Governo mas também por parte de todos nós, das organizações sindicais, das organizações patronais e dos próprios trabalhadores, ou seja, dos parceiros sociais. É preciso uma nova cultura em que ao trabalhador não repugne o capacete e a protecção, e, nesse domínio, temos muito, muito a fazer.
Não lhe parece, Sr.ª Deputada, que, a este respeito, temos de fazer ainda um longo caminho, que está por percorrer?
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra à Sr.ª Deputada Odete Santos, e porque parece que alguns estudantes se vão retirar em seguida, informo que temos connosco um grupo de 100 alunos da Escola Secundária de Santo António dos Cavaleiros, um grupo de 36 alunos da Escola Secundária Aquilino Ribeiro, de Porto Salvo, um grupo de 30 alunos da Escola Secundária de Avelar Brotero, de Coimbra, um grupo de 50 alunos da Escola Secundária Matias Aires, do Cacém, um grupo de 96 alunos dos Cursos de Alfabetização e 1.º Ciclo do concelho de Cantanhede, e um numeroso grupo de pessoas da Associação para o Estudo e Integração Psicossocial, de Lisboa.
Um cumprimento e uma saudação para todos. É bom ter a vossa companhia.
Aplausos gerais, de pé.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de acumular as duas perguntas e responder no final.
O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. João Amaral (PCP): - Ó Narana, não estrague o compromisso!
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado João Amaral fez um aparte a dizer que eu vinha em defesa das seguradoras. Mas não venho, Sr. Vice-Presidente, venho aplaudir a intervenção da Sr.ª Deputada Odete Santos, porque não há outro partido nesta Assembleia que sofra tanto como um partido democrata cristão com os infortúnios provocados por acidentes de trabalho, por causa do seu humanismo. Foi sempre nosso timbre, como partido democrata cristão, através de toda a história do CDS, nunca tratar os problemas de acidentes de trabalho e doenças profissionais como um fortim partidário.
O Sr. Barbosa de Oliveira (PS): - E esta?!
O Orador: - Desafio aqui toda a Câmara para que mostrem um único texto, desde 1975 até hoje, em que nós não tenhamos estado de acordo no sentido de que a legislação de acidentes de trabalho seja sempre, sempre melhorada.
Contudo, há uma coisa que a Sr.ª Deputada Odete Santos não referiu e que quero salientar, porque talvez complemente a sua intervenção. Diz respeito ao baixo índice das pensões que é fixado nos acidentes de trabalho e que é mais fruto do corporativismo dos médicos que avaliam estas incapacidades, a maior parte das vezes não objectivamente mas segundo a pressão das seguradoras, do que propriamente da verdade real das incapacidades.
Efectivamente, temos de elaborar aqui uma reforma legislativa para que a fixação do próprio índice de incapacidade seja objectiva e não esteja dependente do corporativismo dos médicos, porque tanto o médico do trabalhador como o médico da entidade patronal se entendem sobre o baixo nível do índice e o baixo nível da fixação da incapacidade.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder em conjunto aos dois pedidos de esclarecimento, a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, gostaria, até, de me alongar um bocadinho mais nesta matéria, mas não quero gastar todo o tempo de que o meu grupo parlamentar dispõe, de forma a que os meus camaradas possam também intervir.
Sr. Deputado Barbosa de Oliveira, devo dizer que não utilizamos a expressão «inimigo público número um». Jamais, em tempo algum! Pelo contrário, nós é que temos sido o «inimigo público número um», através dos tempos, e vocês sabem muito bem que é verdade.
O Sr. Barbosa de Oliveira (PS): - Não é verdade!
A Oradora: - Não é verdade? Está bem, discutimos isso lá fora.
O que criticamos é uma política do Governo, e podia até ter falado da política do PSD nesta matéria e da tabela de 1985, que era inferior à que está agora fixada, etc., etc. Podíamos estar aqui a fazer o percurso da saga dos trabalhadores que são vítimas de acidentes de trabalho, mas aquelas críticas que fiz são justas.
Aliás, muito me apraz que o Sr. Deputado Barbosa de Oliveira esteja de acordo em que é necessário fazer alterações e, efectivamente, espero que possa chegar-se a um consenso quanto às mesmas. Disse que o que iríamos propor era o mínimo, já que o sistema que proporemos não será aquele que defendemos, que é o de esta matéria ser tratada em sede da segurança social, já que não pode dar lucros. Portanto, estando sob o âmbito das seguradoras, está mal! Mas não vamos propor isso, para não causar rejeições do projecto de lei, já que o que queremos é melhorar a situação.
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Por outro lado, dissemos que havia alguns aspectos positivos na lei, mas também apontámos as áreas negativas em que a lei não conseguia separar-se dos interesses das seguradoras.
Na verdade, em matéria de prevenção há muito a fazer mas, enquanto for mais barato reparar do que prevenir, nada se conseguirá fazer.
Para além disto, em que se situação se encontram as comissões de higiene, saúde e segurança no trabalho, nas empresas? A quem se deve o facto de não estarem implementadas?
Passando a responder ao Sr. Deputado Narana Coissoró, devo dizer-lhe que não me referi ao PP na minha intervenção. Mas, de facto, o PP até votou a favor da lei que temos e defendeu-a aqui «com unhas e dentes».
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Fez bem!
A Oradora: - Continuando, queria dizer-lhe que há uma tabela nacional de incapacidades, à qual não me referi mas que deveria ser revista.
Por outro lado, não concordo consigo, pois acho que não se trata de um problema de corporativismo dos médicos. O que se tem passado é que, muitas vezes, nos tribunais de trabalho, é nomeado, por parte do trabalhador, um médico de uma seguradora que já lá se encontrava para outro exame. Ora, depois, isto «dá bota», como é óbvio!
De facto, tudo isto tem de ser alterado.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para tratamento de assunto de interesse político relevante, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Marta Soares.
O Sr. Jaime Marta Soares (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, dirijo-me a V. Ex.ª, Sr. Presidente, porque vou focar um assunto, que certamente também lhe é muito caro, relacionado com a estrada da Beira, onde V. Ex.ª com certeza já muitas vezes estragou o seu automóvel, pelo que seria tempo de pôr cobro a este problema.
Assim, já porque o Governo e as estruturas públicas, que têm obrigação de o fazer, não o fazem, peço a V. Ex.ª que se junte a mim para ver se, de uma vez por todas, resolvemos o problema da estrada da Beira. Pode crer que, se assim for, o povo daquela região ficar-lhe-á muito agradecido.
O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado. Já estou a seu lado!
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Eu também quero entrar nisso, porque também sou da Guarda!
O Orador: - Sr. Presidente, vou socorrer-me de alguns excertos de um documento que, quanto a mim, já deveria estar arquivado na Torre do Tombo, pois é fruto de uma reunião havida entre muitos presidentes de câmara daquela região, efectuada em 1977, cerca de quinze dias depois de terem sido eleitos os primeiros presidentes de câmara deste país, por voto universal e secreto, depois da Revolução do 25 de Abril.
Dizia eu naquela altura que, «apesar do seu difícil traçado, do seu deficiente perfil transversal e do lastimoso estado de conservação, é facto incontroverso que a estrada da Beira tem desempenhado um papel de espinha dorsal na vida de grande parte dos distritos de Coimbra, da Guarda e de distritos limítrofes. A sua decadência, variando constantemente na razão inversa da sua utilização, designadamente por camiões de grande tonelagem e de longo curso internacional, tem feito desta rodovia uma fonte de acidentes que tornam hoje extremamente perigosa a sua utilização.
A relação tempo/distância tem, por este facto, aumentado consideravelmente, situando-se, hoje, em termos desajustados à vida moderna dos vários municípios desta região. E só para dar um pequeno exemplo, basta dizer que, para se ir de Arganil a Coimbra, demora-se mais de hora e meia.
As populações, coarctadas na facilidade de comunicação com os grandes centros, psicologicamente afastadas deles, dia a dia foram limitando a sua acção ao horizonte local ou optaram pela emigração. A comunicação entre as gentes de diversas regiões, fonte de troca de experiências, de iniciativas e de alargamento de novos horizontes, encontra hoje, na estrada da Beira, o seu óbice fundamental. Com efeito, de algumas iniciativas de considerável valor económico, temos notícias de que se não realizaram porque esta estrada da Beira lhes anulou a viabilidade.
O desenvolvimento económico dos nossos concelhos não pode concretizar-se sem que disponhamos de uma via de comunicação rodoviária que torne possível o transporte rápido e a bom preço das mercadorias que destes concelhos são enviadas, sem a ideia de que são condenados a um degredo, que ofereça ao turista estrangeiro - e muitos milhares são! - que entra por Vilar Formoso uma via de penetração fácil e convidativa a atentar melhor na região que atravessa.
Parece-nos evidente que as vias de comunicação rodoviária são motores de desenvolvimento, não podendo, portanto, o seu projecto de execução aparecer como uma sua sequência».
Sr. Presidente e Srs. Deputados, isto dizia eu em 1977! Hoje, podia citar-vos mais excertos do que dizíamos naquela altura.
«Sendo talvez a via principal de penetração internacional, constituindo um eixo natural de toda uma vasta região multifacetada, com os mais vários aspectos socio-económicos, deveria esta rodovia apresentar, já hoje, características consentâneas com exigências do nosso tempo e constituir factor de progresso e de desenvolvimento capaz de vir a suportar a fixação dos jovens e das centenas de milhar de emigrantes daqui partidos e que, mais ano menos ano, terão de regressar».
Tudo isto, Sr. Presidente, já foi dito há cerca de 24 anos! E, repito, poderia citar-vos muitos mais excertos desse tempo.
Mas não vale a pena recordar mais o passado da estrada da Beira, porque é dramático. Pensaríamos nós que, passado este tempo, o problema da estrada da Beira poderia não ter sido ouvido por orelhas moucas e que lhe teria sido dado algum desenvolvimento.
Passemos, pois, à actualidade. E que encontramos na actualidade? Pouco mais do que o que encontrávamos naquele tempo, apesar de, em 1994, o Sr. Eng.º Ferreira do Amaral, à época Ministro das Obras Públicas, ter dado ordens para que, de imediato, se realizasse um estudo para pôr cobro à situação dramática da estrada da Beira. Efectivamente, assim se fez naquela altura. No entanto, como é sabido, passado pouco tempo, houve eleições legislativas e o PSD deixou de ser governo de Portugal.
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O que se fez desde aí até agora? Nada, absolutamente nada!
Protestos do Deputado do PS José Manuel Epifânio.
Sr. Deputado, não pense que me atemoriza com a sua voz grossa mas simpática, porque quem fala verdade não tem medo de nada nem de ninguém! Com certeza que a V. Ex.ª desagrada isto que digo porque demonstra a ineficiência, a ineficácia e a incapacidade do seu Governo em resolver os problemas deste país. Mas deixe-me continuar a falar da estrada da Beira, porque, se vai por esse caminho, V. Ex.ª não se achará bem comigo, obviamente!
Dizia eu que se mandaram fazer estudos e projectos e, então, ficou devidamente decidido que, em 1996, deveria estar lançado o projecto da estrada da Beira, entre o alto da serra de S. Pedro Dias e a ponte de Mucela. Ora, basta dizer-vos, Srs. Deputados, meus queridos amigos, que, em 2001, ainda não está devidamente concluído o projecto do trajecto alto da serra de S. Pedro Dias/ponte de Mucela.
Acresce que, tinha sido decidido, no tempo do governo do Professor Cavaco Silva, que, em 1998, deveria estar concluída a ligação ponte de Mucela/Catraia dos Poços, mas, até este momento, ainda nada começou, ainda não se viu qualquer estudo relativo a um metro sequer desta via!
Basta isto que vos digo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, para vos pôr ao corrente da situação em que vivem as gentes do interior do distrito de Coimbra.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Mas há mais, Sr. Presidente e Srs. Deputados.
Relativamente ao troço que foi construído, que ainda não está acabado mas já deveria ter sido concluído há sete anos, foram feitos acordos com os municípios, nomeadamente com o de Vila Nova de Poiares, mas tudo se passou ao contrário do que tinha ficado acordado, embora a palavra dada deva ser respeitada, tudo não passou além do papel. Assim, a via existente, que deveria ter sido construída para o futuro, é uma via «para ontem», uma via ultrapassada que, efectivamente, já não serve ninguém.
A este propósito, quero aqui prestar homenagem ao ex-ministro João Cravinho, que deu ordens aos serviços competentes no sentido de serem feitos os estudos e os projectos; mas esses serviços, dependentes do Governo deste país, fizeram orelhas moucas e, até hoje, não foi feito qualquer estudo. Digo isto para mostrar não só a degradação da estrada da Beira como também a das estruturas governativas deste país, que mais parecem as de uma «república das bananas» do que um governo que tem de assumir a responsabilidade de tratar todos os portugueses como cidadãos de primeira e não tratar alguns como se fossem de quinta, sexta ou sétima qualidade.
Passemos ao momento actual. Neste momento, a estrada da Beira está completamente destruída. Neste momento, há locais ao longo do seu percurso onde ninguém pode passar. A estrada da Beira está completamente abandonada. Assim, aquilo que era um hinterland de desenvolvimento, estabelecido ao longo da estrada da Beira e a partir dela, é, hoje, uma fonte de miséria para as populações, é uma fonte de subdesenvolvimento e de abandono que faz emigrar as populações daquela região.
Temos vindo a reivindicar a construção de terceiras vias e de vias para veículos lentos ao longo da estrada da Beira, entre a Catraia dos Poços e Coimbra; temos vindo a reivindicar o alargamento da ponte da Portela; temos vindo a reivindicar um conjunto de obras que são tecnicamente viáveis e economicamente realizáveis, assim houvesse interesse em atender às solicitações de todos os presidentes de câmara e das populações daquela região, assim houvesse interesse em ouvir os portugueses do interior deste país, os quais, no fim de contas, vendo que estão a ser postos de parte, migram e emigram, verificando-se a desertificação do interior.
Após tantas promessas de diálogo, de interesse pelas populações mais desfavorecidas, de descentralização de competências, de desconcentração de poderes, neste momento, as autarquias vêem-se incapazes de levar por diante qualquer realização. Mas mesmo assim, com a recente situação de calamidade que se abateu sobre o País, com as cheias de há poucos dias, se não tivessem sido os municípios limítrofes da estrada da Beira, esta teria ficado totalmente abandonada e ninguém lá poderia circular, fruto da incapacidade do ICR e da Junta Autónoma das Estradas, que mais não fazem do que complicar a vida das autarquias em vez de se preocuparem em efectuar levantamentos e estudos sérios, projectos honestos com vista à resolução dos graves problemas que afligem as populações do interior.
Sr. Presidente, termino como iniciei, apelando a V. Ex.ª, cuja voz estou convencido que chegará aos locais de decisão porque a nossa própria já não chega a parte nenhuma, pois estamos completamente abandonados pela inércia deste Governo que abandonou a estrada da Beira a um destino de destruição e de desaparecimento da rede rodoviária nacional.
Srs. Deputados, a vós deixo também o nosso pedido de apoio a esta situação extremamente complicada.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa nada mais nada menos do que cinco votos de pesar. Temos de entender-nos quanto ao tempo que vamos despender com a discussão de todos estes votos, sob pena de o período de antes da ordem do dia ser gasto integralmente na lamentação, que, necessariamente, é justificada mas nem sempre tanto quanto isso. Neste caso, justificam-se os votos de pesar que foram apresentados, mas tenho uma proposta a fazer-vos.
Assim, em primeiro lugar, proponho-vos que, uma vez que os votos foram distribuídos, não se proceda à respectiva leitura. Em segundo lugar, proponho que seja distribuído o tempo de 6 minutos a cada grupo parlamentar para usar da palavra. Os grupos parlamentares gerirão aqueles 6 minutos como entenderem, isto é, pode haver uma ou mais intervenções, mas não poderão gastar mais do que esse tempo. Aliás, já há vários Deputados inscritos.
Começaremos pela discussão conjunta dos votos n.os 114/VII - De pesar pelas consequências do sismo ocorrido nas Repúblicas da Índia e do Paquistão (CDS-PP) e 119/VIII - De pesar pelas vítimas do sismo ocorrido nas Repúblicas da Índia e do Paquistão (PS).
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça.
A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A força da natureza, por vezes, tem coisas tão belas como medonhas. É por isso mesmo que a ira da natureza nos confronta com fenómenos como o sis
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mo que ocorreu no dia 26 de Janeiro na India, que, desde essa altura, tem vivido momentos de profunda dor e de luto.
O sismo que abalou o noroeste da India não pode deixar ninguém indiferente: foram várias as vítimas mortais, as pessoas desalojadas e muitas as lágrimas que se derramam pela tragédia que assolou aquele país.
A consternação a que o Partido Socialista e o povo português assistiram nos últimos tempos não deve deixar esta Câmara indiferente. É por isso mesmo que a Assembleia da República portuguesa transmite às autoridades, aos povos da India e do Paquistão, aos familiares das vítimas e às comunidades indianas e paquistanesa em Portugal, nesta hora de dor e luto, a sua consternação e o seu mais profundo voto de pesar e de solidariedade.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP quer associar-se aos dois votos de pesar pela enorme catástrofe que se abateu sobre a India e o Paquistão e respectivas populações, em particular as populações mais desfavorecidas e que viviam em condições que foram mais afectadas pela violência dos sismos.
Ao associarmo-nos à solidariedade com as populações também estamos a olhar para o Deputado Narana Coissoró, que, mais do que todos nós, sofre pessoalmente com o que aconteceu nestes territórios.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, foi dito - e bem - que na natureza há coisas belas e, por vezes, também catástrofes extremamente violentas, mas gostava de dizer que, infelizmente, essa violência que decorre da própria natureza, neste caso do sismo, acaba por ter consequências mais trágicas quando se abate sobre os mais pobres dos povos.
Para com eles vai, neste momento, o nosso voto de pesar e de solidariedade.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Patrício Gouveia.
A Sr.ª Teresa Patrício Gouveia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também gostava de associar-me, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, aos votos de pesar pela terrível tragédia que se abateu sobre a India e na qual pereceram mais de uma centena de milhar de pessoas, para além da perda de património de valor universal. Mas não há nada com mais valor universal do que as vidas humanas.
A verdade queirosiana de que o que se passa em regiões geograficamente distantes nos interpela menos do que o que se passa nas mais próximas deixou de fazer sentido em virtude das imagens que nos chegam e através das quais assistimos, em directo, a tudo o que se passa no mundo e devido à convivência directa que temos hoje, nas sociedades modernas, com as comunidades oriundas de povos distantes, como é o caso de Portugal, onde existem comunidades importantes da India e do Paquistão.
Por tudo isso, e para além das relações históricas que nos unem àquela região do mundo, gostaríamos de dirigir as nossas palavras a essas comunidades e às Nações indiana e paquistanesa e transmitir-lhes o nosso sentimento de pesar e de simpatia.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda associa-se ao voto apresentado, tendo como primeiro subscritor o Sr. Deputado Narana Coissoró, bem como ao outro que se lhe seguiu no mesmo sentido, com consternação pela imensidão dos danos sociais e humanos que ocorreram em função desta catástrofe.
E, numa palavra, talvez também seja este o momento, no meio de tanta dor, de perguntarmos o que há de natural nestas catástrofes naturais.
Aquando do sismo na cidade do México, foram os edifícios municipais, construídos com a corrupção da construção civil, que abateram em primeiro lugar. Agora, temos também de nos perguntar se é natural que caiam casas de barro, onde famílias, pela sua pobreza, são obrigadas a viver sem o mínimo das condições de garantia, que os modernos princípios da edificação poderiam garantir para pôr a vida das pessoas ao abrigo de alguns destes acidentes, porque não há nada de natural na imensidão desta desgraça imposta por estas catástrofes naturais.
Talvez seja questão de interrogar a responsabilidade humana. Mas, sobre isso, sobreleva a dimensão da solidariedade que aqui manifestaremos com o voto unânime da Câmara.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome do Grupo Parlamentar de Os Verdes, também queria associar-me aos votos de pesar aqui apresentados pelas vítimas dos sismos nas Repúblicas da India e do Paquistão.
Na verdade, esta foi uma catástrofe ocorrida fundamentalmente no noroeste da India, que fez milhares de vítimas, e a cada dia que passa aumenta de forma significativa o conhecimento desse número de vítimas.
Também me parece oportuno referir, tal como fez o Sr. Deputado Francisco Louçã, que estas catástrofes naturais não nos devem levar apenas a lamentar o número de vítimas, mas a permitir uma reflexão séria sobre o tipo de ordenamento do território e de construções que se fazem no mundo e sobre as implicações de tais factos num agravamento feroz dos efeitos destes fenómenos e catástrofes naturais.
Queria manifestar votos para que a comunidade internacional seja efectivamente solidária, prestando todo o apoio e ajuda a estas populações e, naturalmente, dirigir o nosso sentimento de pesar também às comunidades destes países que residem em Portugal.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Fui o primeiro subscritor do voto n.º 114/VIII porque, sendo originário da India, sinto particularmente a dor daqueles que estão a viver este drama nos últimos dias.
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Ontem, o Sr. Presidente disse, e bem, que parece que Deus está zangado connosco. E talvez Deus tenha razão para estar zangado connosco, porque apesar de termos vivido milhares de anos e de sabermos que aquela zona do subcontinente indiano está mais sujeita a sismos, não só não tomámos precauções no sentido de atenuar os efeitos deste tipo de desastres como temos adoptado comportamentos inadequados e tudo temos feito para que a natureza se revolte contra nós.
Sucede que aquela zona do subcontinente indiano é a chamada locomotiva da India porque, tirando a pequena zona desértica, é a parte mais industrial e mais comercial, pelo que à desgraça do terramoto junta-se a desgraça de ter desabado sobre a parte mais importante economicamente para a India-
Para nós, particularmente nesta Câmara, e para os portugueses, é um momento doloroso, porque ali se situam duas das nossas presenças históricas. Damão e Diu ficam no estado do Gujarat. E é por causa de Damão e Diu fazerem parte de Gujarat que aqui estão fixadas as comunidades que vieram depois da independência de Moçambique ou depois da transferência do Estado da India portuguesa para a soberania da União Indiana e quiseram reatar aqui as suas vidas.
Portugal deve sentir - e sente! - este drama por, historicamente, estar ligado a esta zona do subcontinente indiano. Por outro lado, vivem em Lisboa e noutras partes do mundo famílias que perderam alguns dos seus entes próximos.
Naturalmente, não há palavras de dor, de solidariedade que dêem consolo àqueles que perderam tudo.
A India é pobre mas é rica de tradições, de cultura e de História. Ao menos Deus queira que, depois deste desastre, tenha um pouco de melhor vida para centenas de milhões dos seus cidadãos.
O Sr. Presidente: - Tem ainda a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A dimensão brutal da catástrofe que assolou a região do mundo que estamos agora a referir é de tal forma intensa que ninguém pode deixar de se comover. O Sr. Deputado Narana Coissoró acabou de o fazer de maneira que dispensa qualquer reforço.
O Governo já exprimiu aos Estados afectados e às comunidades directamente enlutadas o seu pesar e a sua solidariedade.
O Sr. Presidente da Assembleia da República lembrou-nos ontem, a todos, que há uma reflexão urgente a fazer à escala internacional, e entre nós, sobre as causas profundas de fenómenos deste tipo que não são indiferentes à acção humana por mais naturais que possamos julgar que são. Essa reflexão pode e deve ser feita. O Governo está empenhado em contribuir para ela e, nestas circunstâncias, gostaria apenas de dizer que nos associamos de corpo inteiro ao espírito e à letra destes votos que, nesta hora infausta, a Assembleia da República deliberou - e bem - aprovar.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, de facto, quando 100 000 pessoas morrem em resultado de um fenómeno natural, no mínimo temos a obrigação de reflectir sobre isso, e nem sempre cumprimos essa obrigação.
Srs. Deputados, vamos votar, conjuntamente, os votos n.os 114/VIII - De pesar pelas consequências do sismo ocorrido nas Repúblicas da India e do Paquistão (CDS-PP) e 119/VIII - De pesar pelas vítimas do sismo ocorrido nas Repúblicas da India e do Paquistão (PS).
Submetidos à votação, foram aprovados por unanimidade.
São os seguintes:
Voto n.º 114/VIII
De pesar pelas consequências do sismo ocorrido nas
Repúblicas da India e do Paquistão
No passado dia 26 de Janeiro, as comemorações do Dia da República da India ficaram marcadas pela tragédia, luto e dor.
Um abalo sísmico - o maior dos últimos 100 anos da história do subcontinente indiano - fez desabar inúmeros edifícios em várias cidades indianas e paquistanesas, tendo feito sentir particularmente a sua violência destruidora no Estado de Gujarat, no nordeste da República da India, que, pelo seu desenvolvimento industrial e comercial, é justamente considerado a locomotiva daquele país.
O número de mortos sobe a cada dia que passa, e estima-se já em cerca de 100 000 mortos, segundo as últimas estatísticas oficiais provisórias.
As relações históricas privilegiadas que Portugal sempre manteve com estes dois países justificam plenamente que nos associemos à dor de quem chora os familiares falecidos e à ansiedade de quem espera ainda encontrar familiares com vida.
Como a dor e o sofrimento não conhecem fronteiras, queremos igualmente transmitir às numerosas comunidades indiana - a maior parte dela com raízes precisamente no Estado de Gujarat - e paquistanesa, residentes em Portugal, a nossa solidariedade nesta hora difícil.
Nestes termos, a Assembleia da República transmite a Sua Ex.ª o Presidente da República da India e a Sua Ex.ª o Presidente da República do Paquistão, neste momento trágico de dor e luto que atravessam os povos dos respectivos países e suas famílias em Portugal e noutras partes do mundo, originados pelo violento sismo de 26 de Janeiro de 2001, a solidariedade do povo português.
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Voto n.º 119/VIII
De pesar pelas vítimas do sismo ocorrido nas Repúblicas da India e do Paquistão
0 51.º aniversário da República da India ficou marcado pela perda de milhares de pessoas, vítimas de um sismo sem precedentes nos últimos cinquenta anos na India. O que era um dia de glória para o povo indiano fica, agora, um dia de lágrimas e luto.
Mais uma vez, a ira da natureza deixa o ser humano sem capacidade de resposta, quando a terra treme, se abre e engole vidas humanas. O povo indiano acordou, no dia 26 de Janeiro último, impotente para reagir a essa força da natureza.
A cada dia que passa somos confrontados com o aumento do número de vítimas mortais, que se estima em cerca de 100 000, mas também com verdadeiros milagres,
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como o da criança que sobreviveu depois de 96 horas de desespero nos braços gelados e já mortos de sua mãe, o que nos dá a esperança de que mais vidas possam ainda ser salvas.
A onda de solidariedade para com as vítimas desta catástrofe natural envolveu o mundo nas ajudas possíveis a minimizar a dor das famílias enlutadas. Portugal associa-se ao luto e à dor deste povo que enfrenta, agora, o drama da sua reconstrução e o medo que a natureza de novo se revolte.
A República do Paquistão foi também afectada com a dimensão deste trágico acontecimento que vitimou, neste país, quatro pessoas.
Assim, a Assembleia da República portuguesa transmite às autoridades e aos povos da India e do Paquistão, aos familiares das vítimas e às comunidades indiana e paquistanesa em Portugal, nesta hora de dor e luto, a sua consternação e o seu mais profundo voto de pesar e solidariedade.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, farei chegar aos Srs. Embaixadores da India e do Paquistão creditados em Lisboa o resultado desta nossa votação.
Vamos guardar um minuto de silêncio.
Entretanto, a Câmara guardou, de pé, um minuto de silêncio.
Srs. Deputados, passamos agora à apreciação conjunta dos votos n.os 116/VIII - De pesar pelo assassínio do agente da Polícia Judiciária João Melo e pela agressão de um militar da GNR (CDS-PP) e 120/VIII - De pesar pelo assassínio do agente da Polícia Judiciária João Melo (PS).
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o PSD não apresentou nenhum voto próprio sobre esta matéria por concordar plenamente com o teor dos dois votos de pesar apresentados.
Estes incidentes graves que se passaram com um agente da Polícia Judiciária e com um soldado da GNR devem levar-nos a reflectir sobre as condições de segurança do nosso país.
Constata-se, pelos índices de criminalidade, que há um aumento preocupante dos crimes contra os próprios agentes de autoridade. Se os agentes das forças de segurança têm cada vez menos condições de segurança para operarem na defesa da segurança de todos nós, algo de muito grave e de muito mau se está a passar no nosso país, relativamente ao que não há marketing político que deva ser compreendido e aceite, que nos sossegue e nos tranquilize.
É preciso ir ao fundo das questões, é preciso aprofundar as causas do crescimento - ainda que a verdade oficial seja outra - do crime violento em Portugal. Há cidades no País, e não apenas as grandes cidades como Lisboa e Porto, onde as pessoas há uns anos podiam, a horas normais da sua vida, sair tranquilamente. Hoje não o podem fazer. Hoje os pais estão em casa ansiosamente à espera que os filhos cheguem, sempre na incerteza de saber se houve mais um assalto ou outra situação.
Estes homens, que perdem a vida na defesa de todos nós, na defesa da colectividade, merecem uma atenção particular das instituições, e o Parlamento não podia ser indiferente a essa situação.
O Grupo Parlamentar do PSD associa-se, pois, aos subscritores dos votos e a toda a Câmara nesse pesar e nessa solidariedade para com as famílias do falecido e do ofendido.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Sarmento.
O Sr. Joaquim Sarmento (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, no dia 25 de Janeiro, em Marco de Canaveses foi assassinado o agente da Polícia Judiciária João Melo. Tratou-se de um acto ignóbil e repugnante e tanto mais perverso quando sabemos que ocorreu na sequência do exercício das suas funções profissionais, que ele desempenhava com zelo e dedicação, ao serviço de uma instituição prestigiada, como é a Polícia Judiciária.
O voto de pesar subscrito por Deputados do Partido Socialista tem também uma componente de solidariedade para com todos quantos, no exercício das suas funções de segurança, exercem a sua actividade com riscos, mas com competência e dedicação, em defesa dos cidadãos e da plenitude do exercício da cidadania.
Este acto ignóbil preocupa-nos. Estamos preocupados responsavelmente, mas estamos convictos de que, felizmente, este é um acto despudorado que não corresponde ao pulsar colectivo da sociedade portuguesa, por natureza pacífica e tolerante.
No entanto, é necessário pensar o mal, para melhor o atacarmos, não lhe concedendo tréguas nem lhe fazendo cedências ou concessões. É preciso também reflectir e pensar o mal sem alarmismos, na convicção de que a abordagem da segurança exige de todos nós, de todos os grupos parlamentares, um sentido de profunda elevação atreito a qualquer tipo de chicana.
Nesta perspectiva, enviamos os nossos votos de condolências e de pêsames à família do agente João Melo e, também por alargamento, pelo facto de pertencer à Polícia Judiciária, aos seus superiores hierárquicos, colegas e amigos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, umas breves palavras para exprimir, em primeiro lugar, o nosso vivo repúdio por este crime execrável que vitimou mortalmente o agente João Melo.
Também queremos exprimir a nossa homenagem ao agente João Melo, que foi vítima deste crime no cumprimento do seu dever em condições de grande perigosidade.
Exprimimos igualmente o nosso reconhecimento a todos os profissionais das forças de segurança que, como se vê, muitas vezes com o risco da própria vida e a trabalharem em condições de grande precaridade, estão na primeira linha do combate ao crime e na defesa dos direitos dos cidadãos.
Finalmente, endereçamos as nossas condolências aos familiares e amigos do agente João Melo e também à Polícia Judiciária e a todos os que aí trabalham.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, a bancada do Bloco de Esquerda associa-se a estes dois votos
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de pesar pela morte, em condições bárbaras, do agente João Melo, transmitindo à família enlutada as nossas condolências, bem como à instituição que ele serviu com honra durante a sua vida.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.
O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o CDS-PP apresenta o voto n.º 116/VIII e aproveita esta oportunidade para, mais uma vez, manifestar, sem alarmismos, a sua profunda preocupação em relação à situação da segurança em Portugal.
A verdade é que o meu partido, pela voz do seu presidente, uma e outra vez, levantou esta problemática. Apresentámos aqui várias iniciativas - que foram rejeitadas pelo PS, pelo Partido Comunista e pelo Bloco de Esquerda - e vimos, com alegria, que algumas delas tiveram forma na resolução que o PSD apresentou sobre violência escolar, que foi aprovada por unanimidade, do que já resulta algum avanço nesta matéria. Aproveitamos, por isso, este voto para fazer esta reflexão.
Por outro lado, não pareceria bem ao CDS-PP que, cada vez que alguém é maltratado numa esquadra ou num posto de polícia, se apresente aqui um voto. Se tal acontecer de forma ilegítima, associar-nos-emos, como temos feito, mas pareceria muito mal que quando guardas da Guarda Nacional Republicana são gravemente feridos no exercício da suas funções ou quando agentes da Polícia Judiciária morrem nesse mesmo exercício não tivéssemos imediatamente a necessidade de aqui, através de um voto, não apenas lamentarmos o que aconteceu mas louvarmos as forças de segurança sem ambiguidades: louvar a Polícia de Segurança Pública, a Guarda Nacional Republicana e a Polícia Judiciária, porque delas depende, em grande medida, a nossa segurança. Não devemos ter dúvidas em fazê-lo!
Em segundo lugar, queremos dizer que este louvor e este prestígio das forças de segurança são tanto mais necessários quando vemos, como ainda ontem tivemos ocasião de ver, um jovem do Instituto Superior Técnico praticamente degolado à porta de casa de um amigo.
Entretanto, preocupa-nos que o Sr. Primeiro-Ministro, numa entrevista que hoje tivemos ocasião de ler, diga que não há problemas de segurança e que até sai sozinho à noite, sem guarda-costas! Já ouvimos isto noutros tempos e não gostámos. Agora o País também não pode gostar, porque está preocupado! Os pais estão preocupados quando mandam os filhos para a escola, pois há um clima de insegurança que necessita de ser analisado, sem alarmismos, mas com cuidado e com competência.
O CDS não desistirá de, nesta Assembleia, e com os meios ao seu alcance, tomar medidas e de propor aquelas que entender adequadas para que este clima possa ser ultrapassado.
Às famílias das vítimas, nomeadamente do agente João Melo, as nossas mais sinceras condolências.
A terminar, mais uma vez reiteramos o nosso louvor às forças de segurança, que necessitam de prestígio, dizendo que, da parte da nossa bancada, terão sempre essa palavra de conforto e de ânimo, obviamente quando no exercício das suas funções no cumprimento estrito da legalidade democrática.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o Grupo Parlamentar de Os Verdes associa-se aos votos de pesar pelo crime terrível que vitimou o agente João Melo no exercício das suas funções de combate ao crime.
Apresentamos, por isso, as nossas condolências à família enlutada e também à Polícia Judiciária.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, vimos, provavelmente todos, com uma indignação enorme, quase em directo, as imagens do abate a sangue frio do agente João Melo. Ele estava onde era preciso, cumpria com brio uma missão de que foi encarregado por nós, pela lei da Assembleia da República, e em nome de interesses colectivos.
Aquilo que se exige está a ser feito e será feito, resumindo-se numa expressão: seriedade firme! Ou, se quiserem, firmeza serena! Uma coisa e a outra, e as duas juntas na altura própria. E não ficarão, certamente, impunes estes crimes.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Esta é a garantia que todos queremos dar e aquela que aqui também assumo na sede própria.
A preocupação que aqui vi exprimir é exactamente a nossa. Ninguém com assento nesta Câmara ou do Governo, e seguramente não o Sr. Primeiro-Ministro, subestima a importância da segurança. Bem ao contrário, atribuímos-lhe uma alta prioridade e estamos empenhados na adopção de medidas.
E, Srs. Deputados, nada mais terrível do que, na hora da morte, a demagogia do sangue!
O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - A quem o diz!
O Orador: - Nenhuma das medidas que aqui pudéssemos ter aprovado poderia permitir o troar de uma kalashnikov nas condições brutais em que tal aconteceu naquela madrugada. Mas é nosso dever adoptar as medidas necessárias para que isso aconteça o mínimo ou, se possível, nunca aconteça.
Nesta hora, portanto, a minha palavra, em nome do Governo, é apenas esta: de pesar à família enlutada, manifestação de tributo de honra à Polícia Judiciária e a garantia de que essa política de serenidade firme será continuada até às últimas consequências.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quase não precisava de vos dizer que acompanho as vossas preocupações. Ressinto os vossos sentimentos e tenho, tal como vós, uma profunda pena daquilo que todos, neste momento, lamentamos.
Vamos, então, votar os votos n.os 116/VIII - De pesar pelo assassínio do agente da Polícia Judiciária João Melo e pela agressão de um militar da GNR (CDS-PP) e 120/VIII - De pesar pelo assassínio do agente da Polícia Judiciária João Melo (PS)
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Submetidos à votação, foram aprovados por unanimidade.
São os seguintes:
Voto n.º 116/VIII
De pesar pelo assassínio do agente da Polícia Judiciária João Melo e pela agressão de um militar da GNR.
No passado dia 25 de Janeiro morreu em Marco de Canaveses, barbaramente assassinado, um agente da Polícia Judiciária no estrito cumprimento da sua função.
Numa altura em que tantas críticas, dúvidas e acusações, quantas vezes injustas, são feitas aos polícias e outros agentes da autoridade e ao cumprimento do seu dever, não pode o CDS-PP deixar de enviar as mais sentidas condolências à família do agente João Melo bem como à Polícia Judiciária nas pessoas dos seus colegas e amigos.
Ontem à noite um militar da GNR foi agredido à navalhada em Arraiolos, estando internado no Hospital de Évora.
Cada vez com mais frequência se assiste a ataques brutais àqueles que arriscam a vida pela nossa segurança, pelo cumprimento da lei, pela construção de uma sociedade mais justa e mais segura.
A todos, a Assembleia da República manifesta o seu respeito e admiração.
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Voto n.º 120/VIII
De pesar pelo assassínio do agente da Polícia Judiciária João Melo
O direito à vida, a defesa e segurança desta constituem a essência humanista da matriz civilizacional das sociedades democráticas contemporâneas e dos Estados de direito que as suportam.
O assassinato do agente da Policia Judiciária João Melo, no pretérito dia 25 de Janeiro, em Marco de Canaveses, constitui um acto perverso e consubstancia um crime repugnante e intolerável, a merecer o nosso mais vivo repúdio.
O agente João Melo é assassinado no momento em que cumpria os seus deveres profissionais com zelo e dedicação e pugnava pela descoberta da verdade, constituindo, também, este voto de pesar um acto de solidariedade para todos quantos, em condições difíceis, defendem e salvaguardam a segurança dos cidadãos, propiciando o exercício pleno da cidadania.
Embora responsavelmente preocupados, estamos convictos de que este é um acto despudorado, o qual não corresponde ao pulsar colectivo da sociedade portuguesa, sociedade pacífica e tolerante por natureza.
Mas vale a pena pensar o mal para melhor o atacarmos, não lhe concedendo tréguas nem lhe fazendo cedências.
A Assembleia da República envia as mais sentidas condolências à família do agente João Melo e extensíveis à instituição que o mesmo serviu com zelo e dedicação, a Policia Judiciária, nas pessoas dos seus superiores hierárquicos, colegas e amigos.
O Sr. Presidente: - Vamos guardar um minuto de silêncio pela morte do agente da Polícia Judiciária João Melo.
A Câmara guardou, de pé, um minuto de silêncio.
Vamos, por fim, discutir o voto n.º 121/VIII - De pesar pela morte do poeta e tradutor Egito Gonçalves (PCP).
Tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.
O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, há um pouco mais de 50 anos, Egito Gonçalves publicava aquele que foi o seu primeiro livro: Poema para os Companheiros da Ilha. Há pouco mais de um ano publicava a sua Ferida Amável, a última obra que editou.
Durante estes mais de 50 anos de vida literária, Egito Gonçalves desenvolveu também uma profunda e rigorosa actividade como tradutor. Traduziu vultos da literatura mundial e, por isso, foi largamente premiado.
Durante estes 50 anos, Egito Gonçalves desenvolveu também uma longa actividade literária no ensaio, no teatro - quem não se lembra, por exemplo, do Teatro Experimental do Porto e da sua Nau Catrineta? -, mas, sobretudo, na poesia. É, sobretudo, como poeta que Egito Gonçalves será recordado.
Permitam-me, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, que recorde a sua antologia de poemas políticos, feita em parceria com Papiniano Carlos, Luís Veiga Leitão e Daniel Filipe. Mas permitam-me, sobretudo, que invoque aqui o seu poema, que porventura todos conhecerão, Notícias do Bloqueio, que constituiu e constitui, hoje ainda, certamente, um símbolo da luta contra o regime salazarista.
Egito Gonçalves deixou-nos esta semana, mas não deixará por isso de ser uma das vozes mais relevantes da poesia contemporânea portuguesa. Será certamente recordado como um agitador de consciências, como um defensor de pequenas e de grandes causas, como o animador e dirigente que foi de associações de cultura e de arte, como o Teatro Experimental do Porto, a Cooperativa Árvore, o Cineclube do Porto, a Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto e a Sociedade Portuguesa de Autores.
Mas, Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, creio que a melhor forma de homenagear a sua memória é continuando a ler a sua obra.
O PCP associa-se a este voto, homenageando a sua memória e, naturalmente, endereça sentidas condolências à sua mulher e a toda a sua família.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É mais fácil celebrar a vida do que lastimar a morte, e eu sinto-me muito pouco à vontade quando se trata de falar sobre votos de pesar.
Não vou referir-me a Egito Gonçalves enquanto intelectual, poeta, embora o tenha conhecido em três dos destinos que aqui foram referidos - no Teatro Experimental do Porto, nos tempos de António Pedro e João Guedes, entre outros, no Cineclube do Porto e na Cooperativa Árvore. Diz a voz popular, e bem, que, quando têm qualidade, os poetas e os prosadores nunca morrem. Portanto, Egito Gonçalves não morrerá, pois a sua obra aí fica, para continuarmos a lê-la quando desejarmos.
Sucede que, independentemente destes contactos, convivi com Egito Gonçalves numa pequena tertúlia, que eu próprio ainda frequento, num café no centro do Porto, onde, entre outros, Manuel António Pina, Maria da Glória Padrão, Lemos Pires, Germano Silva, o jornalista José Saraiva, hoje nosso colega, Deputado desta bancada, eu pró
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prio e outros políticos, passávamos e passamos, agora já sem Egito Gonçalves (aliás, sem ele já desde há alguns anos), alguns momentos de são convívio e de profunda fraternidade.
Seria bom que a tradição das tertúlias pudesse permanecer em Portugal, pois são espaços de convivência verdadeiramente aceitáveis e que devem ser desenvolvidos.
É, pois, essa figura de um homem interessado, conhecedor e, sobretudo, altruísta, no sentido de que partilhava o seu saber com todos os outros, que hoje recordamos. É que, ao contrário de outros intelectuais mais egoístas, que se voltam para dentro de si próprios, ele não se importava de explicar as coisas do mundo como as via e compreendia, partilhando essa visão connosco. É essa imagem que quero guardar de Egito Gonçalves e é a solidariedade do Grupo Parlamentar do Partido Socialista que, através de mim, aqui apresento.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Neves.
A Sr.ª Helena Neves (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os poetas devolvem-nos um olhar, um outro olhar sobre a realidade e, nessa devolução, fazem-nos ver o mundo e a nossa vivência nele de outro modo.
Egito Gonçalves concedeu-nos um olhar empenhado. A sua palavra poética foi sempre comprometida com os homens presentes, com o tempo presente, por um outro futuro. Este empenhamento jamais vulnerabilizou a qualidade estética da sua obra. E se esta obra é, em si mesma, um apelo ao combate social, a vida quotidiana de Egito Gonçalves foi combate social. Envolveu-se em pequenas e grandes causas: pela libertação do povo, durante o regime fascista; pelo direito à cidadania; e, sempre, pela cultura como território transversal e fundamental em todo o processo de democratização.
Promoveu e participou num movimento associativo e cultural, sendo o Teatro Experimental do Porto, a Cooperativa Árvore, o Cineclube, a Associação de Jornalistas e Homens de Letras e a Sociedade Portuguesa de Autores exemplos desta plena participação. Não buscava visibilidade nem louros. Procurava apenas este imenso ainda por alcançar: um país em que seja possível toda a felicidade para todos.
O Bloco de Esquerda associa-se plenamente a esta homenagem, certo de que o Porto, que ele tanto amava, o assinalará na cidade como referência patrimonial para o futuro que ele tanto se empenhou a construir.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao longo de uma extensa vida, Egito Gonçalves pôde testemunhar grandes acontecimentos do século XX e mesmo provar o sabor do mel e do fel do século XXI.
Ao longo de toda a sua actividade, tanto no plano intelectual como no do empenhamento político directo, deu notáveis exemplos de capacidade de intervenção e de solidariedade humanista na dimensão em que ele se reconhecia como militante assumido do Partido Comunista Português.
Conheci-o na minha infância, primeiro como tradutor e, mais tarde, como um poeta de enorme ambição e discrição, mas presente nos actos fundamentais, insistente até aos últimos momentos.
Em nome do Governo, gostaria de me associar a este voto de pesar, transmitindo à família enlutada e ao PCP sentidos pêsames.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rosado Fernandes.
O Sr. Rosado Fernandes (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero recordar aqui a forma como conheci a obra de Egito Gonçalves - foi exactamente depois do último exame de latim que fiz para entrar para a Faculdade de Letras. Tinha como colega um rapaz chamado José Fernandes da Silva, poeticamente mais conhecido por José Terra, muito ligado a uma cooperativa, que naquela altura era uma novidade, chamada Árvore e situada no Porto. Nessa altura, comecei a receber publicações da Árvore e as poesias de Egito Gonçalves - o nome «Egito» dificilmente se esquece!
Sabendo eu que se tratava de uma poesia engajada, como diziam os brasileiros (eu diria «comprometida», para evitar o francesismo), e sendo eu também um partidário da literatura e da arte pela arte - é verdade, sou um reaccionário confessado! -, faço minhas as palavras de Henry Miller. Quando George Orwell lhe disse que ia para as brigadas internacionais, Henry Miller disse-lhe que não fosse parvo, que não fosse, pois a sua função era fazer literatura. Mas Orwell lá foi e escreveu um magnífico livro, Homenagem à Catalunha, em que se refere à destruição do Partido Obrero de Unificación Marxista (POUM) por forças que não interessa referir aqui, pois todos conhecem a história de Espanha.
De qualquer maneira, para mim, Egito Gonçalves era um bom poeta. Conheci as publicações da Árvore e sei que ele estava ligado a esse meu querido amigo José Terra, que, como disse, foi também meu colega na Faculdade de Letras. Pertence, portanto, à «república das letras», mesmo que cometa o pecado de ser muito engajado. Contudo, engajado ou não, era um poeta, um bom poeta, pelo que lhe prestamos aqui a nossa homenagem, pois arte é arte, mesmo se comprometida, mesmo que não seja alegórica. Todos sabemos que Jonathan Swift escreveu contra a Inglaterra com As Viagens de Gulliver, só que é preciso ter o «diabo» da chave para encontrar a alegoria e onde é que está a crítica às forças inglesas.
Em nome da minha bancada, peço ao meu amigo portuense Honório Novo, que esteve comigo na Assembleia de Estrasburgo, que enderece as nossas condolências à família de Egito Gonçalves. Acreditem que é sempre com tristeza que vejo desaparecer um poeta, sobretudo um bom cultor da boa literatura, porque literatura de pacotilha há por aí muita e a dele não o era!
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, também eu penso que a poesia portuguesa perdeu um poeta sensível, mas não perdeu a sua poesia. Não é que a poesia nunca morra, mas, quando é boa, custa muito mais a morrer do que os poetas.
Recordo Egito Gonçalves como um homem da resistência, portanto os resistentes acabam de perder um compa
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nheiro, que é como eu também o considero. Lembro-me que aquele que é talvez o seu poema mais notável, ou seja, Notícias do Bloqueio, deu o nome a uma colecção de opúsculos da resistência ultramarina ao regime colonial, que teve curta vida exactamente porque tinha muito mérito. De qualquer modo, as Notícias do Bloqueio ainda andam por aí, nos escaparates, a lembrar os tempos em que se resistia contra o regime colonial em África.
Tenho muita pena por termos perdido um companheiro, um grande poeta, mas, repito, não perdemos a sua poesia.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto n.º 121/VIII - De pesar pela morte do poeta e tradutor Egito Gonçalves (PCP).
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
É o seguinte:
Voto n.º 121/VIII
De pesar pela morte do poeta e tradutor Egito Gonçalves
Com quase 79 anos, morreu esta semana Egito Gonçalves, poeta e tradutor, uma das mais importantes e premiadas vozes portuguesas contemporâneas.
Egito Gonçalves nasceu em Matosinhos, estudou electrotecnia, interrompeu estudos para prestar serviço militar nos Açores em plena guerra mundial, regressou ao continente e ao Porto onde, entre empregos diversos, conciliou a sua vocação poética com a intervenção política.
Em 1950, Egito Gonçalves publica o seu primeiro livro (Poema para os Companheiros da Ilha). Ao cabo de quase cinquenta anos de carreira literária, deixa-nos uma vasta e premiada obra poética, a par de uma profunda e rigorosa actividade como tradutor.
Egito Gonçalves manteve sempre fortes ligações com o PCP e o seu poema Notícias do Bloqueio, escrito em 1952, constitui um verdadeiro símbolo da oposição ao regime salazarista e traduz a empenhada intervenção política e cívica do poeta, bem notória quer antes quer depois do 25 de Abril.
Egito Gonçalves foi um homem de cultura que, para além da poesia, intervinha nas pequenas e grandes causas, sempre ligado ao movimento associativo e cultural da cidade e do País, sempre disponível para dirigir e animar instituições como o Teatro Experimental do Porto, a Cooperativa Árvore, o Cineclube do Porto, a Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto, a Sociedade Portuguesa de Autores.
Por isso, a Assembleia da República presta sentida homenagem à figura de Egito Gonçalves e exprime a sua profunda mágoa pelo seu desaparecimento e endereça a toda a família as sentidas condolências pela irreparável perda.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos guardar, como é próprio, um respeitoso minuto de silêncio.
A Câmara guardou, de pé, um minuto de silêncio.
Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.
Eram 17 horas e 5 minutos.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados , vamos iniciar discussão conjunta dos projectos de resolução n.os 92/VIII - Sobre a suspensão do envio de forças militares portuguesas para os Balcãs e adopção de medidas em relação às forças que aí se encontram (PCP), 93/VIII - Sobre o uso de armas com urânio empobrecido pelas Forças Armadas Portuguesas e sobre a presença militar na Bósnia e no Kosovo (Deputado do BE Francisco Louçã) e 98/VIII - Sobre a presença das forças militarizadas e de segurança nos territórios da ex-Jugoslávia e o uso de munições com urânio empobrecido (Os Verdes).
Para introduzir o debate do projecto de resolução originário do seu grupo parlamentar, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Face aos dados agora conhecidos sobre as condições em que se encontram as forças portuguesas nos Balcãs, e particularmente após o conhecimento público do uso de munições com urânio, e face ao evoluir da situação político-militar nessa zona, o PCP considera que se impunha que a Assembleia da República assumisse o papel político que a Constituição lhe atribui, debatendo e pronunciando-se sobre a participação de Portugal nas operações militares em curso na Bósnia-Herzegovina e na República Federal da Jugoslávia, na província sérvia do Kosovo.
Nesse sentido, o PCP apresentou, em 9 de Janeiro, o projecto de resolução n.º 92/VIII e requereu o seu agendamento imediato, nomeadamente para antes da partida de um contingente de militares portugueses para os Balcãs, que se verificou no decurso dos últimos dias, isto é, na parte final do mês de Janeiro.
Só que o Partido Socialista opôs-se a esse agendamento rápido, sem nenhum argumento válido, mas, pelo contrário, no claro propósito de que o debate fosse feito já depois da partida dos militares portugueses. Esse tipo de truques e de golpismo é de certeza muito conveniente aos interesses político-partidários do Partido Socialista e do seu Governo, mas, na prática, põem a Assembleia da República num papel subordinado, perante factos consumados e a reboque do Governo. Fica aqui a denúncia do truque e o vivo protesto por esta subversão do modelo constitucional de funcionamento das instituições.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O debate que agora travamos levanta quatro questões e confronta o Governo com as pesadas responsabilidades que nelas tem.
O Governo é responsável pela sonegação, ao País, à Assembleia da República, ao Presidente da República e aos militares que fez avançar para o Kosovo, de informações sobre as condições em que se encontrava a zona após os bombardeamentos com munições com urânio empobrecido e sobre os perigos que representa para a saúde pública esse material utilizado em munições.
Em segundo lugar, o Governo é responsável por se ter oposto a uma moratória (apontando para a proibição) do uso desse tipo de munições, que contêm, como está demonstrado, um perigo real de contaminação e envenenamento, resultantes da inalação e ingestão das micropartículas de um metal pesado como é o urânio empobrecido,
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projectando os seus efeitos danosos, e eventualmente letais, para além do período das operações militares, inclusivamente sobre civis.
Em terceiro lugar, o Governo é responsável pela manutenção das forças portuguesas em operações militares nos Balcãs, que, como hoje está demonstrado, não concretizam um qualquer objectivo político de solução de problemas existentes, antes visam consolidar a presença da NATO na zona, alargar a sua área de influência e prepará-las para um novo tipo de missões de intervenção e domínio.
Em quarto lugar, o Governo é responsável por manter, com a permanência do actual Ministro da Defesa Nacional, um clima de confronto com as instituições (particularmente com o Presidente da República) e de desprestígio das Forças Armadas, de todo inaceitáveis face aos interesses nacionais e face ao respeito devido ao modelo constitucional e legal de definição das questões de defesa nacional e de relacionamento com as Forças Armadas.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Um debate como este, na Assembleia da República, exigiria que o Governo e a bancada do PS interviessem com verdade, com sentido das responsabilidades e com vontade de assumirem os erros cometidos, para os corrigirem. Temos todas as razões para temer que isso não suceda. O caminho até agora traçado pelo Governo foi o da demagogia, de que é exemplo caricato o passeio aos Balcãs de um trio ministerial. Foi o caminho do «passa culpas», falando da NATO e das suas decisões, como se o Governo não integrasse as suas estruturas dirigentes. Foi o caminho dos remédios aplicados tarde e à pressa, com comissões e rastreios, em vez da extirpação das causas desta situação. Foi o caminho do destrambelhamento do discurso e das atitudes em vez da resposta serena e eficaz. E quando já não consegue inventar nada para dizer face aos problemas postos, o Governo ataca tudo e todos, o Presidente da República, as Forças Armadas, o deposto Milosevic, e até, em delírio completo, a oposição, porque não fez o que o Governo devia fazer, isto é, governar.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Exactamente!
O Orador: - Não é esse tipo de barragem de fogo, que o PS e o Governo têm feito, que é o debate necessário para abordar esta matéria, e podem estar certos que não será nem nesse sistema nem nesse cumprimento de onda que faremos o debate que agora iniciamos.
A primeira explicação que, de uma vez por todas, o Governo tem de dar é a razão pela qual, sabedor como foi de que, no Kosovo (incluindo na zona onde se iam localizar as forças portuguesas), foram usadas munições com urânio empobrecido, não informou disso a Assembleia da República, nem o Presidente da República, nem o País, nem os militares mandados para o Kosovo, nem (como confessou o Sr. Primeiro Ministro) o Conselho Superior de Defesa Nacional.
O Governo alega que não informou por lhe terem dito que o uso do urânio empobrecido era negligenciável. Nunca se viu. O Governo argumenta que não informou porque é ingénuo, lorpa, ignorante e desatento.
Risos do PCP.
Eis os méritos que o Governo invoca: lê os papéis em diagonal, não conhece nem pede os estudos relativos a um material, que só pelo nome merecia atenção máxima, ignora completamente os estudos e as fundadas suspeitas que se levantaram no caso da chamada «síndrome do Golfo» e dispensa-se da sua obrigação de informar, incluindo o Presidente da República e a Assembleia da República, acerca de todas essas questões.
O problema, Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado e Srs. Deputados, é que o Governo tinha de saber que o uso do urânio empobrecido era potencialmente perigoso. O Governo, que até dispõe, no armamento nacional, de armas desse tipo, tinha de saber que havia instruções para o seu manuseamento. Tinha de saber das prevenções quanto à sua inalação no local do impacto. Tinha de saber das públicas acusações que organizações internacionais e países fizeram em várias instâncias da ONU, onde o Governo está representado, quanto às consequências do urânio empobrecido na população do Iraque e também nos veteranos de guerra dos Estados Unidos. Tinha de saber das públicas denúncias e dos estudos feitos por organizações de veteranos americanos na Guerra do Golfo. Tinha de saber dos manuais preparados pelas Forças Armadas Americanas, incluindo por cientistas das Forças Armadas, por exemplo do Departamento de Guerra Química. Tinha de saber das medidas tomadas, com retirada e armazenamento de camadas de terreno, em zonas de experimentação dessas munições, nos Estados Unidos. Tinha de saber do caso do acidente de aviação perto de Amesterdão, onde houve combustão de uma significativa quantidade de urânio empobrecido e, em consequência, sérias medidas ambientais, incluindo remoção de solos. Tinha de saber que o subproduto urânio empobrecido, em certas circunstâncias, vem associado ao plutónio, material altamente cancerígeno, mesmo em ínfimas quantidades. Tinha de saber que o principal problema de saúde pública, resultante do urânio empobrecido, não está na sua baixa radiação, mas no processo da sua explosão e fragmentação em micropartículas inaláveis, ingeríveis através da cadeia alimentar, não solúveis e não eliminadas pelo organismo, causadoras, assim, de patologias várias, como metais pesados que são, incluindo de natureza cancerígena.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Tinha de saber tudo isto e sabia. Se não, por é que deu uma mini-formação NBQ aos soldados que enviou para o Kosovo?! Porque é que levaram instrumentos de medição de radiações?! Porque é que se entendeu que não deveriam tomar alimentos e bebidas locais?! Aliás, se não soubesse, para que é que servia um Governo? Para que é que servia este Governo?
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Para nada!
O Orador: - Que espécie de Governo tínhamos - um Governo cego, surdo e mudo?!
O problema é que o Governo, como os dos outros países da NATO, considerou que a relação custos/benefícios era favorável ao uso destas armas, na lógica da guerra aérea e da aplicação da famosa teoria «zero baixas», que presidiu à guerra contra a Jugoslávia; «zero baixas» na guerra compensa algumas baixas, mesmo que bastantes, no pós-guerra, em termos mediáticos.
O Sr. Octávo Teixeira (PCP): - Exactamente!
O Orador: - E compensa porque «zero baixas» garante que a guerra era levada até ao fim.
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É por isto - pela perigosidade da munição e pela má-fé do processo - que o Governo é politicamente responsável perante esta Assembleia, perante o Presidente da República, perante o País, pela sonegação da informação.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Como também é responsável pela oposição a uma moratória, e consequente proibição do uso destas munições, que, por exemplo, o Parlamento Europeu e a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa já reclamaram.
O Governo diz que não foi feita a prova positiva da relação entre as situações detectadas no Golfo e nos Balcãs e o urânio empobrecido. Também todos sabemos que ninguém fez a prova positiva da ligação entre a BSE (encefalopatia espongiforme dos bovinos) e a nova variante da doença de Creutzfeldt-Jacob, a variante humana dessa doença. Ninguém fez a prova positiva dessa relação!
A afirmação do Governo, na linha das declarações de Solana e Robertson, é um raciocínio mistificatório. Hoje, o que é preciso fazer não é a prova de que existe a ligação, o que é preciso fazer é a prova positiva de que as síndromes do Golfo e dos Balcãs não têm origem no urânio empobrecido mas, sim, noutra causa identificada.
Aplausos do PCP.
Trata-se exactamente do mesmo raciocínio que é feito quanto à BSE, em nome do princípio da precaução, que atingiu milhares e milhares de produtores pecuários para defesa dos cidadãos. Nesta área, qual é o imenso poder da indústria armamentista e dos senhores da NATO (incluindo os representantes portugueses na direcção da NATO) para imporem a defesa dos produtores de armamento à custa da segurança dos cidadãos?
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!
O Orador: - A terceira responsabilidade do Governo refere-se à questão essencial da manutenção da participação portuguesa nas operações militares nos Balcãs.
Todos aqui se recordam que, depois de o Governo do PSD tomar a decisão de participação na Bósnia-Herzegovina, foi feita uma reunião na Assembleia, com o Ministro António Vitorino, em finais de 1995. Nessa reunião, o prazo previsto de participação de Portugal era de 1 ano, mas já vamos no sexto ano de presença portuguesa nos Balcãs!
Quando se pergunta, hoje, qual é, afinal, o objectivo político dessa participação e qual o seu calendário, as respostas são titubeantes e evasivas, tanto para a Bósnia como para o Kosovo. Na verdade, não há qualquer resposta para esta questão. Pelo contrário, há só uma reiterada afirmação, a de que sem a presença das forças que lá estão haveria caos e guerra e dão-se os exemplos, como o que agora ocorreu em Mitrovica, que até parece que são desenhados, para se fazer a prova. Estão lá porque têm de estar! Para quê? Não se sabe. Estão lá!
Vou fazer quatro notas sobre a questão.
Em primeiro lugar, não vale dizer que quem provocou a guerra foi o ex-Presidente Milosevic, ficando tudo resolvido. Não! Quem provocou a guerra foram muito mais pessoas, foi, por exemplo, também a Alemanha quando, em 1992, fez o reconhecimento unilateral, contra a vontade da União Europeia, da Croácia e da Eslovénia. Foram, por exemplo, também os Estados Unidos quando, em 1999, boicotaram os acordos que estavam desenhados em Rambouillet, tentando impor à Jugoslávia condições inaceitáveis, de ocupação de todo o território da Sérvia, incluindo o controlo das comunicações em Belgrado, condições que, depois de metralharem severamente a Jugoslávia, afinal acabaram por não aplicar no terreno.
A segunda observação é para lembrar aqui - e apenas para lembrar, porque todos sabem e por isso não vou dar uma resposta - quem alimentou a guerrilha albanesa, quem a alimenta agora e quem permite que ela actue, apesar das afirmações claras do Presidente Kostunica, não só sobre a responsabilidade da KFOR, mas também - e quero sublinhar esta questão de uma forma muito especial - sobre a capacidade de intervenção das próprias forças jugoslavas para resolver o problema de segurança interna, tal como se configura no quadro interior da Jugoslávia, problema para o qual uma força militar como a KFOR seguramente não foi constituída nem tem vocação. É que os militares não são forças de polícia.
A terceira observação é uma simples comparação. Na Irlanda, há 30 anos, ocorreu uma guerra civil não declarada, com ocupação de território pelas tropas inglesas invasoras. Passou pela cabeça da NATO, ou do Governo português, fosse ele qual fosse na altura e seja ele qual for actualmente, que a resolução estabelecesse a ocupação da zona com forças da NATO? Ou pô-las no País Basco ou na Córsega? Como todas as pessoas sabem, esses problemas só se resolverão se e quando as partes se entenderem. Não é pela força que se resolvem as questões, não é pela força que se conquista a paz.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - A quarta observação tem a ver com a actual situação política nos Balcãs, tratando-se de uma questão intrigante. Depois das mudanças políticas na Croácia e na Sérvia, o que é que impede a negociação urgente de solução para os problemas? Ou será que, afinal, ainda não são os actuais presidentes jugoslavo e sérvio e os actuais parlamentos jugoslavo e sérvio aqueles que satisfazem as ambições da NATO?
Digam - experimentem, pelo menos - com verdade e de uma vez por todas: ainda não é o Presidente Kostunica o vosso homem em Belgrado?
Risos do PCP e de Os Verdes.
A posição do PCP é clara. Impõe-se uma imediata alteração do rumo político nos Balcãs. Impõe-se o caminho de soluções políticas locais (incluindo no Kosovo, parte da Sérvia), sem a tutela expansionista e ingerente da NATO, e Portugal deve dar o sinal claro da vontade política de que isso suceda.
Ninguém fala em sair em debandada. Fala-se e propõe-se uma posição política clara - a intenção de sair - para defesa de uma orientação política clara, que é a urgente via da negociação local para a solução que o quadro de mudanças torna mais possível e impõe.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Mas, Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr. Secretário de Estado, para executar uma política clara,
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determinada e coerente na área da defesa nacional é antes de tudo necessário que quem é por ela politicamente responsável compreenda a alta missão que partilha com outros órgãos de Estado, compreenda e respeite as Forças Armadas e se paute por critérios de rigor e de contenção.
O Sr. Ministro da Defesa Nacional cometeu, durante este processo, erros crassos que comprometem a sua posição. Afrontou o Presidente da República. Sonegou informação à Assembleia e à Presidência. Apoucou as Forças Armadas com uma frase assassina, a de que a guerra é demasiado séria para ser confiada aos militares, dita à frente, e de forma chocante, do chefe militar máximo.
Afirmou, em Dezembro, que não havia quaisquer riscos para os nossos soldados, quando esses riscos já eram do conhecimento público e já alarmavam vários países europeus.
Foi desautorizado pelo Primeiro-Ministro, que resolveu o problema que o seu Governo tinha com o Presidente da República, dizendo à comunicação social precisamente o contrário daquilo que o Ministro tinha dito na Comissão de Defesa Nacional.
O que se pergunta ao Primeiro-Ministro é se, nestas condições, entende que o Ministro da Defesa Nacional deve permanecer nas funções que exerce.
O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!
O Orador: - O Primeiro-Ministro, naquele estilo típico, que usa muitas vezes, em que a forma de resolver o problema é ignorá-lo, deixa tudo na mesma. Quem paga, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é a política de defesa nacional, são as Forças Armadas, é o interesse nacional.
O sector da defesa está em crise; leis essenciais estão atrasadíssimas, como as da programação militar e da justiça militar, a revisão do artigo 31.º está congelada, não foi feito o debate público que o Presidente da República pediu há um ano e meio através de um artigo no Diário de Notícias - numa situação que foi absolutamente inédita -sobre as grandes opções estratégicas de defesa. Também a revisão da lei de mobilização, por exemplo, que é uma lei essencial, nem sequer está esboçada!
O País sabe quanto se gasta no orçamento de defesa, confia nas suas Forças Armadas, mas quer respostas para os problemas, à luz do interesse nacional. Assim, Srs. Deputados, não vamos lá!
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.
O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado João Amaral fez, aqui, um exercício fácil, demagógico, de responsabilização do Governo de Portugal, mas também, indirecta e necessariamente, de responsabilização das Forças Armadas portuguesas por situações que, a serem verdade, seriam gravíssimas!
Vozes do PCP: - Que grande lata!
O Orador: - De facto, o Governo e as Forças Armadas portuguesas, a crer naquilo que o Sr. Deputado João Amaral acabou aqui de afirmar, seriam responsáveis pelo crime de sonegação de informações e de negligência na tomada de medidas preventivas.
O Sr. João Amaral (PCP): - Tem dúvidas?!
O Orador: - As suas afirmações, de tão fáceis e tão demagógicas, tornaram-se mesmo caricaturais! E de tão caricaturais creio que se autodestroem, até por uma razão muito simples: se fosse verdade aquilo que o Sr. Deputado está a dizer, também seria verdade não só em relação ao comportamento do Governo de Portugal como em relação ao comportamento de todos os governos com tropas empenhadas no Kosovo e na Bósnia!
O Sr. António Filipe (PCP): - São todos bons rapazes!
O Orador: - Ora, o Sr. Deputado acredita verdadeiramente que todos estes governos, que incluem governos tão diversos como os dos países da União Europeia e não apenas estes - o próprio governo da Rússia enviou tropas para o Kosovo! -, cometessem o tal duplo crime de sonegação de informações, de negligência na tomada de medidas preventivas?! Porque todos eles reagiram, na mesma altura ou posteriormente ao Governo português e, exactamente, da mesma maneira! A situação que colocou aqui em relação ao Governo português aplica-se a todos os outros governos com tropas empenhadas no Kosovo. Um observador de sírios que aqui nos estivesse a ouvir hoje, Sr. Deputado, deduziria, da sua intervenção, que, afinal, o Governo de Portugal e as Forças Armadas portuguesas não passariam de uma associação de malfeitores! Tão graves são os crimes de que o Sr. Deputado agora os vem acusar!
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Maus leitores! Não são malfeitores!
O Orador: - De tão caricatural foi aquilo que o Sr. Deputado aqui disse, que evidentemente, ninguém pode acreditar que possa ser verdade!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Reis, Sr. Ministro da Defesa Nacional, Sr. Secretário de Estado…
Risos do PCP, do PSD e do CDS-PP.
Sr. Presidente, dirijo-me ao Sr. Ministro da Defesa Nacional, mas nada tem de ofensivo, porque, realmente, ele é irrelevante neste debate e por isso não compareceu e eu posso tratá-lo…
Protestos do PS.
Penso que o Sr. Deputado António Reis se esqueceu, nessa observação de sírios, do Partido Socialista. Esqueceu-se de referir que também o Partido Socialista seria um bando de qualquer coisa que já não me recordo bem o que é… Mas venho lembrar-lhe essa omissão, que é significativa.
Vou responder-lhe muito directamente à questão. A fórmula mais simples de resolver este problema do presente debate é dizer alguns adjectivos, como «caricatural» - tal
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vez quisesse dizer «caricato» - e outros. Não! Este problema não se resolve assim! Este problema resolve-se olhando para o problema! Essa é a técnica do Sr. Engenheiro António Guterres para resolver os problemas, que é ignorá-los!
A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Olhe que não!
O Orador: - Este problema resolve-se olhando para ele. E qual é o problema? O problema está em que, de facto, foi usada uma omissão - não disse isto na minha intervenção, mas isto está dito em relatórios das Nações Unidas, no âmbito da Comissão dos Direitos do Homem - que está alinhada com um conjunto de armas químicas. E essas armas têm, por definição, um efeito que é indiscriminado, isto é, não podem ser localizadas no seu efeito letal, e um efeito que se prolonga para além do período da guerra.
Estas duas situações qualificam estas armas como armas criminosas e, por isso, um conjunto de acordos internacionais têm vindo a proibir este conjunto de armas. Muitas! E estas também deviam ser proibidas. A recomendação que existe é no sentido de proibi-las.
Ora, quando o Governo soube que estas armas estavam a ser usadas e não informou o País, fê-lo seguramente por uma razão, que é essencial: queria que elas fossem usadas e não queria que houvesse uma reacção no País, no conjunto da opinião pública, contra esta situação. Isto é uma situação de má fé!
O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!
O Orador: - Os senhores podem não ser…
Vozes do PS: - Não somos criminosos!
O Orador: - … um bando de criminosos! Muito bem! Excelente! Estamos todos de acordo! Mas actuaram neste processo de má fé, sonegaram propositadamente esta informação para poderem conduzir uma guerra com uma arma que, reconhecidamente, produz efeitos que são nocivos dos pontos de vista da saúde e ambiental. Creio que esta é a questão central!
E agora, pergunto: os Srs. Deputados e o Governo mantêm as forças portuguesas naquela zona a que título? Por que é que sobre essa questão o Sr. Deputado António Reis não disse uma palavra?! Não quer discutir essa questão? Qual é o horizonte para esse tema?
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para apresentar o projecto de resolução 93/VIII, originário do BE, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O debate que temos hoje, como, aliás, já se começou a ver, é um dos debates mais importantes desta Assembleia da República. Ele interroga os princípios fundamentais das faculdades constitucionais desta Assembleia da República, que é discutir a guerra e a paz e o comportamento do País e do Governo, que deve responsabilizar-se, perante esta Câmara, em questões tão essenciais como estas. E, no entanto, o Parlamento foi sempre um actor secundário.
Portugal, para vergonha do País, participou numa guerra que não foi declarada! Aceitou não declarar essa guerra e agora arrasta-se num lamaçal de consequências que interrogam e confrontam o nosso País com responsabilidades profundas, no âmbito dos direitos humanos e das suas responsabilidades internacionais.
Por isso, merece este debate toda a atenção, toda a clarificação, e é, pelo menos, de lamentar, que não esteja aqui, ao contrário de toda a prática que nesta Sessão Legislativa iniciou, o Governo, além da ilustre representação do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, na representação que se esperaria, do Ministro da Defesa Nacional, do Ministro dos Negócios Estrangeiros, do Ministro da Ciência e Tecnologia ou do Ministro da Administração Interna, já que todos eles intervieram nesta matéria e tão rapidamente foram ao Kosovo, como rapidamente regressaram, mas, pelos vistos, nada disso lhes deixou tempo para tomarem a palavra no debate que aqui interessa.
Este debate é importante porque hoje todos os portugueses sabem que vivemos na mentira, na mentira acerca dos danos colaterais - as armas que eram precisas e que se elogiavam nos briefings quotidianos dos porta-vozes da NATO, cuja precisão era milimetricamente demonstrada, em cada telejornal, nos vídeos fornecidos sob censura militar. De tudo isso sabemos que os danos colaterais não são só as armas enganadas; não são só as bombas que, por acaso, caíram na embaixada de um país terceiro, em Belgrado; não são só as armas que mataram transeuntes, pacientes em hospitais ou pessoas que, por ali, passavam. Os danos colaterais aqui estão, tantos anos depois, a continuar a matar devido ao tipo de instrumentos bélicos então escolhidos. E isso interroga-nos sobre a mentira, sobre a natureza humanitária, assim proclamada, destas missões e interroga-nos mesmo - e o orador anterior já o fez - acerca deste paradoxo, em que um governo, para dizer que não mentiu, afirma a sua total incompetência nesta matéria, dá-nos como penhor da sua verdade a sua incompetência, como antes aconteceu em outras matérias, levada ao ponto de um conflito institucional, gerido e «cozinhado em lume brando», em que depois de feitas as tréguas e garantido que nada se passou, a não ser mal entendidos, ainda continuam a chegar às redacções documentos, informações e infirmações, desmentidos, confirmações, para irem assassinando a palavra do Presidente da República. Nisto, precisamos e merecemos a verdade!
Há pelo menos uma matéria em que a verdade já é suficientemente ilustrada: é justamente aquela em que o Governo quis calar a opinião pública, é a matéria da ciência. A ciência nunca sabe tudo,…
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Tomara que soubesse!
O Orador: - … mas sabe onde tem dúvidas e onde essas dúvidas são legítimas e pertinentes. E o Governo tem de saber - porque tinha que saber! - que, há muitos anos atrás, havia alertas, insistentes, sobre o uso destas munições.
Em 1991, a comissão da energia atómica britânica tinha, a pedido do exército britânico, feito um estudo sobre as operações no Iraque, onde disse que se fossem utilizadas 70 t no decurso dessas operações, que, então, estavam ainda decorrer, se poderia prever, ao longo das duas gerações seguintes, cerca de 0,5 milhão de mortos. Não sei se estes cálculos dos efeitos radiológicos provenientes da utilização destas armas no teatro de operações eram exagerados, ou não; sei que não se gastaram 70 t mas várias
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centenas de toneladas! E os relatórios da mesma agência britânica dizem que se chegou a mais de 500 t.
Sabemos que, ainda no Verão passado, uma revista pública, o New Scientist, incluiu um artigo dizendo, justamente, do inventário dos perigos para a saúde que decorrem da utilização destas armas.
Sabemos que o exército americano, num excelente livro, o Medical Battle Book, com um prefácio do General Schwarzkopf, que foi quem comandou as operações, no terreno, do Iraque, vem, justamente, alertar para este perigo da inalação e da contaminação generalizada dos soldados e das populações em função do uso destas armas.
Mas, nós sabemos mais. Nós sabemos por que é que estas armas são utilizadas e por que é que as alternativas disponíveis, essas, são recusadas. Sabe-se que o tungsténio tem a mesma densidade e as mesmas propriedades mecânicas, nomeadamente, de penetração e de fusão das munições revestidas de urânio empobrecido; no entanto, não são munições revestidas de tungsténio as que são generalizadamente utilizadas neste contexto, pelo contrário. Esta disponibilidade existia até porque o tungsténio é muito barato, é tão barato que as minas portuguesas que produziam volfrâmio, do qual decorre a produção de tungsténio, foram sendo fechadas ao longo do tempo - as minas da Borralha, por exemplo. É tão barato no mercado internacional que há minas que não têm rentabilidade para o produzir. É claro que têm um pequeno problema: a China é o principal produtor mundial!
Mas o certo é que elas estavam disponíveis e a razão pela qual foram substituídas é outra: é a da vantagem para o complexo militar e industrial que recicla assim o subproduto da utilização da energia nuclear nas centrais nucleares civis ou em outras operações e que, desta forma, obtém um produto muito barato, presumivelmente eficiente, mesmo que ao custo - esse trágico! - da capacidade de sobrevivência das populações.
Com o que nós estamos confrontados - e dessa mentira, para nossa vergonha, o Governo português fez parte - não é com os efeitos de uma guerra convencional. Estamos confrontados, ao arrepio da Convenção de Genebra e contra as resoluções das Nações Unidas, com uma guerra química e radiológica de longa duração, por estrita vantagem do complexo industrial e militar, porque se sabe que, se bem que as radiações sejam de muito pouca relevância e potencialmente pouco perigosas quando o urânio empobrecido se encontra na sua configuração metálica normal, quando o urânio empobrecido é vaporizado tem o máximo das possibilidades de contaminação, em particular de contaminação química, pela inalação de metais pesados que são, desse modo, expulsos para a atmosfera.
O Sr. Ministro da Defesa, que, hoje, aqui não veio, entregou-nos um relatório onde se referia que só em urânio empobrecido vaporizado e em função das bombas identificadas pela NATO e de que a NATO forneceu informação teríamos pelo menos 3500 kg, dos quais cerca de 400 kg eram vaporizados na atmosfera e, depois, depositados nos solos e nos cursos de água. Ora, disto sabe-se e sobre isto a ciência tem hoje conhecimento suficientemente concreto. A vaporização produz um poderoso agente químico e um poderoso agente radiológico e todas estas micropartículas podem ser, as que são solúveis, absorvidas pelo sangue, afectando, portanto, os rins, e as que não são solúveis, depositadas nos pulmões. Existe, pois, aqui, um perigo radioactivo, visto que, como se sabe também, estas partículas alfa e gama não têm um limiar mínimo a partir do qual se tornam perigosas, vão-se desenvolvendo cumulativamente e depositando no organismo humano e a partir de qualquer momento podem tornar-se rapidamente cancerígenas.
Deste ponto de vista, o Governo cometeu, perante o País, a sua maior irresponsabilidade, que se traduziu na visita dos três ministros ao Kosovo.
O Sr. Ministro da Ciência e Tecnologia, ele próprio um cientista de reconhecidos méritos e que, hoje, aqui não está, tem vindo a repetir sistematicamente que a sua visita fulgurante ao Kosovo, com dois colegas, visava dar um novo impulso a uma investigação que, então, se colocava no terreno e a que ele tem vindo a chamar «missão científica independente». Percebo que o Ministro Sócrates vá fazendo escola, mas não consigo perceber que independência é que há numa missão científica do Instituto de Tecnologia Nuclear (ITN), que é nomeada pelo Governo, designada pelo Governo, formada pelo Governo e que responde perante o Governo. Não sei, sem duvidar dos méritos científicos de quem foi escolhido para essa missão, o que é que ela tem de independente, o que sei é que as afirmações que foram produzidas, em termos de relatórios preliminares desta expedição científica ou do próprio Ministro, para vergonha deste Governo, são absolutamente chocantes. Disse o Governo que não havia qualquer prova, pelos rastreios até agora efectuados, de uma incidência significativamente diferente, do ponto de vista estatístico, de leucemia entre os nossos soldados e a população portuguesa em geral; ou seja, a presença no Kosovo não teria aumentado o risco de incidência de leucemia. Isto é extraordinário! É extraordinário por duas razões que passo a explicar.
Em primeiro lugar, o Governo não dispõe actualmente de qualquer teste significativo - repito, de qualquer teste significativo - que permita saber da condição de saúde dos soldados que estão presentes. O teste que é preciso fazer, que é a espectroscopia de massa, não foi feito e, devido ao carácter ínfimo das partículas de que se está a tratar, demora, pelo menos, vários meses até se poder saber da existência ou não dessas partículas no organismo desses soldados. Demora vários meses e em laboratórios altamente especializados, em Portugal ou no estrangeiro, dos quais não temos até agora a mais ínfima informação científica.
Em segundo lugar, que eu saiba, os soldados portugueses não são homens e mulheres de 1 a 77 ou 80 anos de idade, os soldados portugueses, a contrario, não são uma amostra da população portuguesa, são, maioritariamente, homens de 18 a 22 anos de idade, com boas condições de saúde, que passaram por testes médicos, que estão altamente motivados, que têm grande experiência e capacidade física, o que não corresponde a uma amostra da população. Para se poder tirar qualquer consequência estatística sobre a comparação entre esses soldados e o que se passa no conjunto do País é preciso ter uma amostra de controlo maioritariamente de homens de 18 a 22 anos de idade, altamente motivados, muito bem preparados do ponto de vista físico e que tenham passado preliminarmente por testes de condição física, ou seja, que pudessem ser soldados. E isso não existe!
Portanto, estatisticamente, a afirmação de que não há perigo, quando se não tem sequer qualquer informação científica ou médica dos exames químicos pertinentes, é extraordinária e envergonha um Ministro da Ciência e Tecnologia que tem um historial, que tem, ele próprio, crédi
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tos científicos firmados e que tem de saber do que está a falar. No entanto, é um Ministro que nunca nos mentiu e que nunca nos disse a verdade.
Por isso mesmo, temos de saber como estão a ser feitos estes testes, como é que os problemas são detectados.
Assim, termino dizendo que, se a História faz alguma justiça e se a história deste drama faz alguma justiça é talvez àquele que, de todos, merece menos justiça. Pelo menos numa coisa, o General Martins Barrento tinha razão e tenho de o reconhecer: há uma «inventona» em toda esta história, só que a «inventona» não é do pai do Cabo Paulino, como dizia, aliás, o Professor Salcedo num artigo que escreveu recentemente, a «inventona» não é do «código genético da comunicação social e dos jornalistas», a «inventona» é da NATO e de quem utilizou estas armas por rasteiras vantagens económicas e prejudiciais vantagens e desvantagens militares. Essa «inventona» é o que nós, hoje, aqui, estamos a discutir e dela foi cúmplice, parte activa, parte integrante, parte empenhada e parte satisfeita o nosso Governo, para nossa vergonha. Então, é responsabilidade da Assembleia da República discutir este assunto e sobre ele tomar a iniciativa pertinente, que se traduz neste conjunto de projectos de resolução que aqui nos apelam a que defendamos a moratória que foi votada no Parlamento Europeu, pro memoriam, por pessoas como Mário Soares, vários Deputados da esquerda e vários Deputados do Parlamento Europeu, e que nos apela a que sobre ela nos pronunciemos, com o voto que, a seu tempo, tomaremos. Também será sobre essa matéria, sobre a pertinência ou não desta moratória e de uma política assente na verdade que nos vamos pronunciar.
Vozes do BE: - Muito bem!
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, agradeço-lhe que identifique a matéria da ordem de trabalhos que está em causa.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, trata-se de deixar clara, perante a Câmara, a razão pela qual o Sr. Ministro da Defesa não se encontra entre nós, uma vez que essa matéria tem sido objecto de algumas alusões.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ouvi e procurei, de resto, na altura própria, sinalizar que não seria pertinente a reedição de algumas alusões que aqui foram feitas pelos Srs. Deputados à composição da bancada governamental, não tanto por causa da questão protocolar de que o Governo se faz representar segundo os seus próprios critérios e assume a responsabilidade política pelas suas escolhas, o que estaria, obviamente, fora de questão, mas porque o Sr. Ministro da Defesa Nacional está, neste momento, no Conselho Superior de Defesa Nacional, o que se reveste de um significado político simétrico deste acto e, no sentido exactamente contrário, por convocação do Sr. Presidente da República que foi feita no dia 22 de Janeiro, com plena legitimidade. Creio que ninguém, na Câmara, contestará ou disputará a legitimidade de tal acto e a sua utilidade, por mais discordância que isso mereça, enquanto houver, e haverá sempre, separação e interdependência entre órgãos de soberania. Pela nossa parte, o Governo defenderá empenhadamente essa separação, a não imiscuição e o respeito mútuo entre órgãos de soberania.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, qual é a matéria que está em causa?
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, tem a ver com a representação do Governo, nos termos em que o Sr. Presidente está a conduzir aos trabalhos.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, em relação a esta matéria, gostava de solicitar a V. Ex.ª a informação sobre se não é constitucional ou não está previsto no quadro constitucional que o Sr. Ministro da Defesa Nacional possa ser representado, na Assembleia da República ou no Conselho Superior de Defesa Nacional, pelo Sr. Secretário de Estado Miranda Calha, por exemplo, homem bem informado acerca destas questões e que teríamos muito gosto em ter aqui ou em ver no Conselho Superior de Defesa Nacional. Mais: pergunto ao Sr. Presidente se admitiria essa substituição.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é evidente que é assim, e o Sr. Deputado sabe. Em todo o caso, como também sabe, não sou o leitor oficial da Constituição na Assembleia da República.
O Orador: - Sr. Presidente, admite, então, que a presença do Sr. Secretário de Estado Miranda Calha pudesse ser contestada pela bancada do Partido Socialista.
O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado! Com certeza que não seria contestada, mas também devo dizer-lhe que, quando está no Parlamento, o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares representa o Governo, todo ele, e, portanto, também os Srs. Ministros.
Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Francisco Louçã, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.
O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, muito rapidamente, porque teremos ocasião de nos pronunciar brevemente sobre estes projectos de resolução, gostaria de fazer uma pergunta ao Sr. Deputado Francisco Louçã, se quiser ter a gentileza de me responder.
Sr. Deputado Francisco Louçã, no ponto 1 do seu projecto de resolução, o Sr. Deputado refere o seguinte: «A retirada de todos os projécteis revestidos de urânio empobrecido do arsenal nacional, nomeadamente os projécteis da Marinha portuguesa;». Pergunto, Sr. Deputado: se esta resolução fosse aprovada, o Sr. Deputado teria a certeza de que todos os outros países que podem defrontar Portugal, num cenário de conflito externo, fariam o mesmo? O que aconteceria, num cenário de conflito externo com Forças Armadas portuguesas, logo portugueses, a combater, se essas forças fossem atacadas com armas com urânio
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empobrecido? Como é que se defenderiam? Como é que vê este problema, Sr. Deputado?
O Sr. João Amaral (PCP): - E se fosse com armas nucleares? Também teríamos de ter armas nucleares?!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Basílio Horta, creio que colocou uma questão totalmente pertinente, mas, a título de resposta, deixe-me lembrar-lhe duas informações.
Em primeiro lugar, quando surgiu o debate sobre a possibilidade de as Forças Armadas, no âmbito nacional e no âmbito próprio da sua decisão, abdicarem de conter, nos seus arsenais, munições revestidas a urânio empobrecido, a NATO veio esclarecer, aliás, o ex-Secretário-Geral da NATO, o Sr. Solana, que tem, em toda esta história, um papel extraordinário, veio lembrar que a decisão de os arsenais serem compostos de uma forma ou de outra era estritamente nacional e que, portanto, poderia ser tomada, tanto que um país, a Grécia, já assim tinha decidido. Portanto, Portugal poderia excluir, se assim o entendesse, estas armas. Certo é que as Forças Armadas Portuguesas têm outras munições, nomeadamente revestidas a tungsténio, as quais têm exactamente as mesmas capacidades de penetração, ou seja, as mesmas propriedades militares imediatas que têm aquelas outras munições. Não têm, no entanto, uma propriedade, que é precisamente aquela que leva a rejeitar que elas sejam usadas ou que estejam em reserva militar, que é a de durar ao longo do tempo, nos seus efeitos radiológicos ou químicos. Esta é a grande diferença!
Num cenário de guerra ou de defesa, um país deve ter a sua capacidade de defesa, é obrigado a defender-se e deve defender-se. Coisa diferente é actuar no sentido de agir sobre alvos militares - e, certamente, estamos a falar de actuações no terreno externo, que foi o que aconteceu neste caso -, mantendo também, como sucedeu com as munições da NATO, efeitos de longa duração que penalizam os mais inocentes dos inocentes, que são as populações civis do Kosovo. Eles estão a morrer, vão continuar a morrer e não têm qualquer protecção, como sucede, pouco ou muito, com os nossos soldados, ao longo deste tempo. Esses, os inocentes dos inocentes, são os vitimados por esta escolha e Portugal não o deveria aceitar, deveria contestá-lo e deveria contribuir para aprovar esta moratória. Esta parece-nos ser a mais sensata das medidas que devia tomar.
O Sr. Presidente: - Para apresentar o projecto de resolução n.º 98/VIII, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Gostaria de começar por dizer que nos parece que, independentemente de respeitarmos o direito de o Governo se fazer representar como entende, e está representado pelo Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, que é sempre uma presença agradável, isso não deixa de ter uma leitura política. O Parlamento está a realizar um dos debates mais importantes desta Câmara, e poucos ousarão contestá-lo, o Governo tem sublinhado e tem feito questão em trazer aqui os membros do Governo relacionados com as matérias em apreço, mesmo que sobre elas tenham pouco a dizer. Ora, o facto de nenhum dos três ministros envolvidos nesta matéria se ter dignado a participar neste debate político merece, seguramente, alguma leitura.
Começo por afirmar que esta é uma das questões mais complexas e delicadas que se coloca ao País, independentemente de nós, Os Verdes, não partilharmos a ideia de que é na força das armas que reside a paz. Aos que, ao contrário de nós, acreditam na força das armas devo dizer que toda a situação que se tem vindo a desenvolver ao longo destes últimos anos torna evidente que a guerra e a paz não se fazem hoje como se faziam no passado, pelo que importa, em lei, clarificar o sentido do texto constitucional no que respeita ao envolvimento do Parlamento. O Parlamento tem sido informado à distância sobre estas matérias, mas temos de nos situar no conflito concreto a partir do qual nasce esta discussão e que motivou a apresentação de três projectos de resolução. Temos, portanto, de falar de uma intervenção militar, que, depois da II Guerra Mundial, foi a primeira a ter lugar no coração da Europa, em relação à qual, apesar de os partidos políticos terem sido ouvidos, o Parlamento não debateu com a profundidade que uma decisão tão grave quanto esta requeria, ou seja, não debateu as consequências e o cenário em que esta operação iria acontecer.
Não cabe aqui discutir se a existência de blocos militares e se a participação portuguesa nesses blocos é um contributo para o desenvolvimento da paz no planeta ou, tão-pouco, se tal facto é importante para Portugal, mas, para nós, esta seria matéria para um outro debate, que, na nossa opinião, seria muito pertinente. No entanto, há algo que não podemos deixar de abordar quando falamos da intervenção militar no Kosovo e dos termos em que ela ocorreu. Esta intervenção militar aconteceu sem qualquer decisão do Conselho de Segurança das Nações Unidas…
Pausa.
Sr. Presidente, admito que a questão da guerra e da paz não suscite, porventura, o interesse de toda a Câmara, mas penso que a Câmara tem direito ao silêncio! Como tal, agradecia que V. Ex.ª…
O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada tem esse direito e eu também tenho o direito de ouvir o que V. Ex.ª diz!
Assim, peço aos Srs. Deputados que não estejam interessados em ouvir a Sr.ª Deputada Isabel Castro e que tenham necessidade de trocar impressões com qualquer outro Deputado que o façam em voz baixa ou, então, lá fora!
A Oradora: - Sr. Presidente, não reclamo o direito a ser ouvida. Reclamo, sim, o direito ao silêncio!
O Sr. Presidente: - É a mesma coisa, Sr.ª Deputada!
A Oradora: - Não é exactamente, Sr. Presidente!
O Sr. Presidente: - Sem silêncio não será ouvida!
A Oradora: - Sr. Presidente, estava eu a dizer que não podemos estar a discutir a questão do Kosovo e o tipo de armamento que foi utilizado nesta intervenção belicista sem situar o próprio contexto em que ocorreu a participa
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ção de Portugal. Ora, essa participação aconteceu no quadro da NATO, à margem das Nações Unidas, sem qualquer mandato do seu Conselho de Segurança e, portanto, numa clara violação do Direito Internacional. Parece-nos que esta não é uma questão menor e que este foi um precedente de enorme gravidade. Eventualmente, o facto de, pela primeira vez, estar em causa na opinião pública uma reflexão sobre o modo como Portugal participa militarmente no exterior pode ter tido a vantagem de tornar os cidadãos portugueses mais críticos e conscientes para estas questões.
Parece-nos, por outro lado, que a discussão não pode ser feita sem focar um determinado aspecto, já que, não tendo para nós que alguma guerra possa ser justa, a verdade é que estamos a falar de uma intervenção militar que utilizou armas químicas, ou seja, que deixou atrás de si toda uma herança de catástrofe ecológica e toda uma herança de destruição. É importante dizer isto porque estamos a falar de efeitos que são irreversíveis, cumulativos e que, durante meses, anos e mesmo gerações vão marcar a vida das pessoas que ali estão, vão contaminar o ar que elas respiram, a água que bebem, os alimentos que produzem e os filhos que quererão um dia ter. Julgo que esta reflexão, que pode, porventura, ser politicamente pouco interessante para alguns mas que, do nosso ponto de vista, é importante e tem uma dimensão ética, responsabiliza este Parlamento, responsabiliza todos os partidos e também cada um dos Deputados e, como tal, não é uma reflexão dispensável, sobretudo se nos lembrarmos que o que aparentemente justificou a intervenção militar foi precisamente a defesa dos direitos humanos dessas pessoas.
Gostaríamos de dizer que nesta intervenção militar se recorreu a munições que continham urânio - e, portanto, cujo historial já tinha o registo abundante da intervenção no Golfo - e a bombas de grafite, o que, para nós, é grave. Para mais, é seguramente um equívoco, um enigma ou uma história mal contada o desconhecimento que o Governo alega ter nesta matéria. Se não se trata aqui de conseguir apurar quem, em Portugal, negligenciou informação, quem decidiu dispensar o fornecimento da informação a quem de direito, quem «brincou ao jogo do faz-de-conta», quem «brincou ao jogo do gato e do rato» e quem tentou sacudir a «água do capote», a verdade é que não é aceitável, tolerável ou politicamente compreensível que um Governo tenha vindo no mês passado à Câmara e à Comissão de Defesa Nacional dar o tipo de explicações que deu.
No que diz respeito a esta discussão, gostaria de chamar a atenção para o facto também grave de o partido que suporta o Governo ter utilizado mecanismos de obstaculização para não dar um sentido útil imediato ao que esta Câmara podia ou não decidir, o que se traduz no facto de esta discussão estar a ser feita depois de um contingente português ter partido para o Kosovo. Todavia, a verdade é que há questões que estão em aberto e que, para nós, merecem reflexão.
Em primeiro lugar, há que referir o papel do Parlamento, o seu envolvimento e o acesso à informação, que, naturalmente, não é sinónimo de acesso à Internet mas, sim, de acesso a documentos que deveriam ser dados a todos os Deputados, e não aceitamos que assim não seja.
Em segundo lugar, parece-nos gravíssimo que depois de todos os disparates feitos, de toda a responsabilidade e depois de toda a opacidade o Governo teime em «brincar ao faz-de-conta» e em tentar fazer jogos de imagem, enganando a opinião pública com conferências de imprensa como as que foram realizadas após a deslocação de três ministros do actual Governo ao Kosovo. Não é sério e não é, seguramente, a maneira de garantir transparência e a verdade que, por demais, tem escasseado em todo este processo.
Por outro lado, preocupa-nos o tipo de exames que está a ser feito. Toda a gente sabe, e o Governo, por razões acrescidas, tem a obrigação de saber, que o problema do urânio empobrecido não é tanto um problema de radiações mas, sim, de química, ou seja, é um problema do tipo de fusão química que acontece com a explosão, do tipo de dioxinas que são libertadas, da quantidade de metais pesados e da sua inter-relação com o aparecimento, em alguns dos casos rápido, de doenças graves. Não é, portanto, com este tipo de exames que a opinião pública e as famílias dos militares, das forças de segurança ou dos civis que ainda se encontram no terreno podem ficar satisfeitas.
Parece-nos ainda que a questão suscita algo grave que deveria merecer reflexão da Câmara. Refiro-me à questão do segredo de Estado. O segredo de Estado continua a ser uma regra e não uma excepção e esse é, incontornavelmente, um problema político que também aqui está colocado. Contudo, há outros aspectos que exigem resposta e sobre os quais também teima existir um muro de silêncio. Para nós, não é politicamente aceitável que o Governo, tendo feito tudo o que fez - com a irresponsabilidade com que agiu neste processo e com a forma indecorosa como tentou empurrar para outros órgãos de soberania responsabilidades que eram suas -, persista em não dizer a verdade. É sobre esta matéria que nos parece que continua a haver questões em aberto e sobre as quais nos pronunciaremos depois de ouvir o Governo e o Partido Socialista, já que estas são questões e interrogações relacionadas com esta discussão e com este debate e que continuam sem resposta.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!
O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, tendo em conta que são neste momento 18 horas, a hora regimental das votações, vamos primeiro proceder à votação dos diplomas agendadas para hoje, e só depois darei a palavra, para uma intervenção, ao Sr. Deputado Carlos Encarnação.
Assim, Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 53/VIII - Reforça as garantias do contribuinte e a simplificação processual, reformula a organização judiciária tributária e estabelece um novo regime geral para as infracções tributárias.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes e do BE e abstenções do PSD e do CDS-PP.
Srs. Deputados, a proposta de lei n.º 53/VIII baixa à 1.ª Comissão.
Vamos agora votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 98/VIII - Criação do Dia Nacional sem carro (Os Verdes).
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP, de Os Verdes e do BE.
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Srs. Deputados, vamos votar, em votação global, a proposta de resolução n.º 39/VIII - Aprova, para ratificação, o Protocolo que consolida a Convenção Internacional de Cooperação Para a Segurança da Navegação Aérea (EUROCONTROL), de 13 de Dezembro de 1960, na sequência de diversas modificações introduzidas, e adoptado em Conferência Diplomática reunida em Bruxelas em 27 de Junho de 1997, e respectivo Protocolo Adicional, referente à substituição do Acordo Multilateral relativo a taxas de rota, de 12 de Fevereiro de 1981, ratificado por Portugal, em 2 de Maio de 1983.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.
Vamos proceder à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 55/VIII - Altera o Estatuto da Ordem dos Advogados.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.
Srs. Deputados, a proposta de lei n.º 55/VIII baixa à 1.ª Comissão.
Srs. Deputados, vamos passar à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 203/VIII - Medidas de redução de riscos para toxicodependentes: criação de salas de injecção assistida (BE).
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP, votos a favor do BE, de Os Verdes e de 11 Deputados do PS e abstenções do PCP e de 1 Deputado do PS.
A Sr.ª Jamila Madeira (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr.ª Deputada?
A Sr.ª Jamila Madeira (PS): - Só para informar a Mesa, Sr. Presidente, que apresentaremos uma declaração de voto.
O Sr. Presidente: - Fica registado, Sr.ª Deputada.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, apenas para anunciar que a direcção do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, em nome dos Deputados que a quiserem subscrever e que votaram contra este diploma, apresentará uma declaração de voto.
O Sr. Presidente: - Fica registado, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 351/VIII - Altera a Lei n.º 170/99, de 18 de Setembro (Adopta medidas de combate à propagação de doenças infecto-contagiosas em meio prisional) (Os Verdes).
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP, votos a favor de Os Verdes e do BE e abstenções do PCP e de 4 Deputados do PSD.
Srs. Deputados, terminamos as votações dos diplomas agendados para hoje, mas, informo desde já que, no final de cada debate, ainda teremos de votar o inquérito parlamentar n.º 6/VIII (CDS-PP) e, na generalidade, na especialidade e em votação final global, a proposta de lei n.º 57/VIII, uma vez que houve consenso em que assim se procedesse, o que faremos na altura apropriada.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de pareceres da Comissão de Ética.
O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de não autorizar o Sr. Deputado José António Silva (PSD) a ser ouvido e constituído como arguido no âmbito do processo n.º 135/00 JIC pendente naquele tribunal.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Pausa.
Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do PCP, do CDS-PP e de Os Verdes e a abstenção do BE.
O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Srs. Deputados, a solicitação do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de não autorizar o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan (CDS-PP) a ser ouvido como arguido, no âmbito do processo comum singular, que sob o n.º 395/99, corre os seus termos no juízo criminal daquele tribunal.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o parecer está em apreciação.
Pausa.
Visto não haver objecções, vamos votá-lo.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do PCP, do CDS-PP e de Os Verdes e a abstenção do BE.
O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Srs. Deputados, a solicitação do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, 6.ª Secção do DIAP, processo n.º 508/00.8TD.LSB - Inquérito, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira (PS) a depor, como testemunha, no âmbito dos autos em referência.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Pausa.
Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal Judicial da Comarca de Gouveia, processo n.º 82/00, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de dar assentimento a que
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Sua Excelência o Presidente da Assembleia da República, Dr. Almeida Santos, preste depoimento, por escrito, como testemunha, no âmbito dos autos em referência.
Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o parecer está em apreciação.
Pausa.
Visto não haver inscrições, vamos votá-lo.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Srs. Deputados, a solicitação do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, processo n.º 623/00 - 4.º Juízo Criminal, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado António Braga (PS) a depor, como testemunha, por escrito, no âmbito dos autos em referência.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Pausa.
Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal Judicial da Comarca de Oeiras, processo n.º 943/96.4 TAOER (1) - 3.º Juízo Criminal, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Pedro Mota Soares (CDS-PP) a prestar depoimento, por escrito, como testemunha, no âmbito dos autos em referência.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o parecer está em apreciação.
Pausa.
Visto não haver inscrições, vamos votá-lo.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Srs. Deputados, a solicitação do Tribunal Judicial da Comarca de Oeiras, processo n.º 943/96.4 TAOER (1) - 3.º Juízo Criminal, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Telmo Correia (CDS-PP) a prestar depoimento, por escrito, como testemunha, no âmbito dos autos em referência.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o parecer está em apreciação.
Pausa.
Não havendo objecções, vamos votá-lo.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal Judicial da Figueira da Foz - 1.º Juízo -, processo n.º 179/00 - Comum Singular, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Henrique Chaves (PSD) a prestar depoimento, por escrito, como testemunha, no âmbito dos autos em referência, em audiência marcada para o próximo dia 3 de Abril de 2001, pelas 10 horas.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o parecer está em apreciação.
Pausa.
Visto não haver objecções, vamos votá-lo.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Agora, sim, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Srs. Deputados: Tenho uma grande honra em ver o Sr. Secretário de Estado José Magalhães a representar o Governo e particularmente na área da defesa. Nunca imaginei que tal fosse acontecer!
Risos do PSD.
Vozes do PS: - Porquê?!
O Orador: - Há poucos casos que conduzam a uma situação destas.
Uma larga maioria dos portugueses, cerca de 66% - lê-se hoje nos jornais -, não percebe o Governo. O conjunto dos comentadores políticos formula uma conclusão quase unânime quanto ao comportamento do Governo em relação ao processo de intervenção no Kosovo. Podem variar os termos e a intensidade da crítica, mas ou salientam a inabilidade, ou a fuga à responsabilidade, ou a trapalhada, ou a contradição. A ideia que resulta é a de que o Governo, se pudesse, fazia de conta que não existia.
Não começou agora este comportamento. Vem desde o início e foi-se agravando. Que justificação para isto? Sacudir a incomodidade, actuar pela sondagem, ser a direita com a voz da esquerda e ser a esquerda com a máscara da direita. Ou, então, ser Governo ligeiramente a favor e internacional socialista ligeiramente contra.
Reconheçamos que o Kosovo oferecia especiais contornos.
Era uma intervenção praticada em moldes discutíveis? Com certeza!
Era uma intervenção levada a efeito de acordo com uma forma nova de conduzir a guerra, sujeitando-a à pressão da opinião pública e exigindo o grau «zero» de baixas imediatas às forças atacantes? Era.
Era uma intervenção justificada pela tentativa de evitar uma limpeza étnica e provocar o derrube de um ditador? Sem qualquer dúvida!
Em relação a todos estes elementos fez-se quase o pleno das opiniões.
A divisão entre os portugueses estabelecia-se em torno de outras questões mais específicas: entre aqueles que defendem a NATO e os que a contestam; entre aqueles que entendiam cumpridas as condições exigidas pelo Direito Internacional e aqueles que entendiam realizada a sua violação; entre aqueles que concluíam pelo desrespeito da
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Constituição e das obrigações perante a Assembleia da República e os que pactuavam com o comportamento do Governo.
Era, todavia, claro para todos que ao Governo competia a decisão da participação nas operações no Kosovo. Ninguém, em qualquer momento, sustentou o contrário.
Mas o Governo, desde o início, enredou-se em silêncios e em evasivas.
À época, o que mais nos espantou foi a demora do Sr. Primeiro-Ministro em vir dar explicações ao Parlamento. Só duas semanas depois da intervenção do contingente militar português, o Sr. Primeiro-Ministro aqui veio e, mesmo assim, recusou-se a responder a perguntas óbvias.
Lembra, e bem, José Manuel Fernandes, director de Público, que «Nem António Guterres nem Jorge Sampaio tiveram a coragem de defender com frontalidade a intervenção a que, como responsáveis políticos, tinham dado luz verde. Tentaram evitar a desconfiança da opinião pública calando-se.»
Curiosamente, quem não teve hesitações em declarar que «(...) se levantam dúvidas sobre a legalidade desta acção, porque não terão sido respeitadas, no processo da correspondente tomada de decisão, as disposições da Constituição Portuguesa.» foi, nessa ocasião, o jurista contestatário Castro Caldas que não é outro senão o actual Ministro Castro Caldas e que estranhamente se mantém como partícula em suspensão.
Risos do PSD, do PCP e do BE.
É, portanto, entre aqueles que são acusados de se calar e o outro que falou em sentido contrário que os últimos acontecimentos se desenrolaram.
Não é de estranhar o resultado.
Ninguém o sintetizaria melhor do que o Deputado Medeiros Ferreira: «A discussão doméstica sobre os circuitos de passagem da informação da NATO entre dois órgãos de soberania distintos, como são o Governo e o Presidente da República, foi patética, confrangedora, deprimente. Um pouco mais de sentido de Estado não teria ficado mal a ninguém.»
Não queremos prolongar esta discussão. Não participámos nela, assistimos incrédulos.
O País ficou a perceber perfeitamente que todos tentaram empurrar entre si a responsabilidade e que o Primeiro-Ministro preferiu calar uma divergência com o Sr. Presidente da República, que já tocava a honorabilidade pessoal, tentando explicar o inexplicável e deixando os seus ministros, sem honra nem glória, pelas ruas da amargura.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Preferimos apreciar as questões substanciais que se levantam.
Do nosso ponto de vista, o Governo insistiu, quer antes, quer durante a intervenção no Kosovo, no secretismo e na negligência. O Governo recebeu informações que não transmitiu. O Governo não esclareceu os perigos a que os militares portugueses estariam sujeitos.
É aqui que a Assembleia da República pode e deve fundamentar o seu capital de queixa, muito especialmente as forças políticas que genericamente apoiaram, apesar de tudo e no quadro do que oficialmente se sabia, a intervenção.
A censura da referência ao perigo, mesmo negligenciável, foi qualquer coisa de incompreensível e de inadmissível. Aqui deve funcionar a regra da transparência. A confiança entre órgãos de soberania exige-o; a boa fé pressupõe-no. E o certo é que a informação tinha sido prestada e em tempo oportuno.
No meio de uma longa entrevista, sobre os erros e os desejos, o Sr. Primeiro-Ministro vem agora reconhecê-lo e assumir culpas: «Há um conjunto de regras e procedimentos em matéria de informação, em relação aos quais estaremos mais atentos. Quando digo mais atentos, isso implica outro critério de rigor e exigência». Exactamente o que não existiu.
Outros países, designadamente a Alemanha, tomaram iniciativas, efectuaram medições de níveis de radiação nos locais sob suspeita ainda em 1999; o Governo português andou à deriva, exibiu a maior desorientação, e só à última hora decidiu remediar os estragos, mais do que evidentes, provocados na opinião pública.
O Sr. Presidente da República, alegadamente desconhecedor dos factos, resolve reunir um Conselho Superior de Defesa Nacional apenas a 8 de Janeiro de 2001.
O Sr. António Capucho (PSD): - Veio tarde!
O Orador: - E só no parecer desse Conselho se encontram referências às cautelas a ter no futuro, designadamente, treino do pessoal, aquisição de equipamentos especiais de protecção e condicionamento da continuidade da missão a estas garantias.
Para corrigir o passado ficou apenas a decisão possível, a única decisão possível, e que decorre de uma obrigação verdadeiramente nacional: a realização de exames médicos a todos os cidadãos portugueses envolvidos e o seu acompanhamento ao longo do tempo.
O Estado é responsável por todas as consequências; o Estado, em nome de quem os cidadãos actuaram, deve responder sem evasivas.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Permanecem na opinião pública as maiores interrogações. Deve a ciência ocupar-se do esclarecimento de todas elas. Qual é a origem das mortes e das enfermidades? É o urânio? É o plutónio? São as radiações? São as partículas? É a ingestão de produtos contaminados? Não se sabe ainda ao certo, mas é urgente o esclarecimento.
A NATO não pode ser diminuída com a permanência destas dúvidas. A força da Aliança reside na sua superioridade moral, na indispensabilidade da obediência a regras de confiança. A NATO que não é um corpo estranho ao qual os governos aliados não têm ligação. A NATO, cujo Conselho Político decide as intervenções e no qual têm assento os Ministros dos Negócios Estrangeiros de cada país-membro ou os seus representantes.
Por isso, a decisão da NATO é a decisão de todos eles. Ninguém fica de longe a ver, participa nela. Por essa mesma razão, não deixa de ser absurdo que um Primeiro-Ministro pergunte ao Secretário-Geral aquilo que o seu Ministro dos Negócios Estrangeiros devia saber responder.
Mais: nestes termos, desconfiar da NATO é desconfiar das posições do seu Ministro dos Negócios Estrangeiros.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
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O Orador: - Pode fazer-se disto um passe de mágica, não pode aceitar-se como um exemplo de cultura da responsabilidade.
Este caso do Kosovo conseguiu, aliás, que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros visse nascer no seu quintal cinco gravíssimos conflitos.
O primeiro corresponde, precisamente, à declaração de desconfiança que o Primeiro-Ministro fez em relação à NATO. Obrigou-o a uma diligência especial junto do Secretário-Geral e a um conjunto de declarações que conseguem, por prodígio da linguagem diplomática, significar, ao mesmo tempo, a desconfiança nas munições de urânio empobrecido e a sua aceitação. Isto é: o Sr. Ministro defende o veto à sua utilização em missões de paz (de paz?) e a não adesão à moratória. Não se ouviu sobre estes pormenores o Sr. Primeiro-Ministro.
O segundo verifica-se através das declarações do Dr. Mário Soares, ilustre parlamentar socialista europeu. O Dr. Mário Soares acusa, expressis verbis, o Governo português de hipocrisia e acusa-o de prosseguir uma política de direitos humanos de geometria variável ou, em termos mais simples, de nuns casos defender e de noutros não se preocupar em ofender os direitos humanos.
Vindo de quem vem, com o alcance com que foi dito, é uma perfeita machadada no prestígio externo de Portugal. Não se ouviu, neste bombardeamento da política externa que a reduz a cinzas, qualquer murmúrio do Sr. Primeiro-Ministro.
O terceiro decorreu do confronto com próprio Presidente da República e põe em causa o mecanismo de transferência de informações entre o Ministério dos Negócios Estrangeiros e a Presidência. Quanto a isto, o Sr. Primeiro-Ministro acha que sim.
O quarto decorreu da natural crispação entre si próprio e o Ministro Castro Caldas, quando este último referiu aqui, nesta Assembleia: «Uma das razões por que sempre me revoltei, para além do carácter jurídico que me levou à crítica da operação Joint Guardian no Kosovo, foi precisamente porque as decisões que foram tomadas sobre a utilização dos meios tácticos não terem sido nem atempadas nem suficientemente comunicadas aos responsáveis militares que participaram nessas operações.»
Consta que o Sr. Primeiro-Ministro se reuniu com ambos no recato dos biombos. Como se consegue calar, até aqui, esta divergência é um autêntico mistério.
O quinto resulta da falta de cumprimento dos deveres para com a Assembleia da República. O Sr. Primeiro-Ministro procurou sempre fugir a esta incomodidade. E é precisamente por causa daquela falta que o PSD apresentou um diploma que a visava corrigir.
Se daqui resulta uma clara obrigação para o Governo, compreendia-se que lhe houvesse pertencido a iniciativa. Tal não aconteceu. Este facto, aliado ao incumprimento do Governo do dever de informar em tempo oportuno e com a densidade devida, leva-nos a oferecer à discussão o nosso texto.
Altera poderes? Não! Limita-se a propor duas condições essenciais: a primeira é a da apreciação prévia e obrigatória da decisão do Governo de enviar os contingentes solicitados pelas organizações internacionais de que o Estado português faça parte; a segunda é a da definição rigorosa dos termos em que se procede ao acompanhamento. O restante deverá ser previsto no Regimento da Assembleia da República.
Não pode o nosso projecto ser discutido hoje.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não quiseram!
O Orador: - O Partido Socialista, ao que soube, opôs-se. O Sr. Presidente da Assembleia elaborou um douto despacho.
O Sr. António Reis (PS): - Doutíssimo!
O Orador: - O Governo atrasou-se. Esta é a verdade! O Governo não tinha projecto. Esta é a verdade! Podíamos estar aqui hoje a discutir questões essenciais em relação à produção legislativa que a esta Assembleia cabe, mas não estamos, e não estamos porque o PS e o Governo entenderam que a Assembleia não deveria conhecer hoje o nosso projecto de lei.
Vários partidos entenderam dever apresentar resoluções na linha do seu posicionamento quanto à NATO e dos seus argumentos habituais. Estamos conscientes do que está em jogo, neste momento. E é exactamente por essa razão que não defendemos nem abandonos nem debandadas. Aquilo que nunca podemos permitir é que os nossos soldados não sejam senão tratados em condições de igualdade.
Qualquer guerra - sabemo-lo - tem consequências e riscos. A única exigência que fazemos é a de que nos não escondam uns e outros. De resto, estaremos sempre prontos a assumir responsabilidades.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Isabel Castro, António Reis e Medeiros Ferreira.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Encarnação, ouvi com natural atenção e interesse a sua intervenção. Aliás, na Comissão de Defesa Nacional, já tinha tido oportunidade de o ouvir e algumas das questões hoje suscitadas já tinham sido, de algum modo, reflectidas nessa sua discussão com o Sr. Ministro da Defesa Nacional.
Devo dizer que partilho muitos dos pontos de vista que explicitou na sua intervenção, concretamente em relação à questão da hipocrisia do Governo e àquilo a que, citando o Dr. Mário Soares, chamou «geometria variável», no que respeita à interpretação dos direitos, em relação à posição do Governo português no tocante à moratória, para a qual quer o Parlamento Europeu quer a última reunião do Conselho da Europa apelam.
Naturalmente que há uma questão que o preocupa, mas que não preocupa Os Verdes, porque também, como bem disse, os territórios estão diferenciados na opinião pública portuguesa entre os que são a favor da NATO e os que são contra. Nós não somos partidários dessa aliança e o Sr. Deputado assume que tem preocupações também pela descredibilização que todo este incidente pode vir a provocar na opinião pública em relação a essa aliança militar.
Mas há duas questões que eu gostaria que pudesse esclarecer.
A primeira, cuja resposta deduzo, mas gostaria que confirmasse, é a de saber qual é a posição do PSD no tocante à moratória. Entende ou não o Sr. Deputado que o Governo português devia defender uma moratória sobre a utilização deste tipo de armamento?
A segunda questão, que também gostaria de ver esclarecida, prende-se com aquilo que diz ser abandono ou
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debandada. Como bem disse, houve partidos que defenderam esta intervenção militar, mas suponho que o PSD faz parte do grupo dos partidos que, tendo defendido aquela posição, desconhecia os exactos termos em que se ia efectuar essa operação militar, desconhecia o tipo de armamento, desconhecia que havia um grau de risco NBQ e que as forças militares e de segurança portuguesas não tinham treino nem equipamento para esse tipo de operação.
A pergunto que lhe quero fazer em concreto, porque para nós o não envio de militares ou a saída dos que estão não é uma questão de debandada ou abandono, é uma questão de aplicação do princípio da precaução,…
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, terminou o tempo de que dispunha. Agradeço que remate.
A Oradora: - … é a de saber qual é a posição do PSD, porque ouvi duas posições por parte do Dr. Durão Barroso e gostaria de saber qual delas se mantém válida.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.
O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Encarnação, V. Ex.ª presenteou-nos aqui com uma intervenção verdadeiramente surpreendente, porque, quando estava em causa a discussão de projectos de resolução que propõem a retirada das tropas portuguesas do Kosovo e o não envio de mais contingentes militares para o Kosovo, passa ao lado, com toda a displicência, e concentra a sua intervenção num exercício verdadeiramente lúdico de tiro ao alvo no Governo, procurando entrar em espírito de concorrência com a intervenção de há pouco do Sr. Deputado João Amaral, esquecendo-se, aliás, que não houve qualquer diferença substancial entre o comportamento do Governo do Partido Socialista em Portugal e o comportamento do Governo do Partido Popular em Espanha, membro do Partido Popular Europeu, família política europeia em que o PSD também se integra.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Agora o PSD está contra a NATO!
O Orador: - O que eu gostava de saber verdadeiramente, na sequência, aliás, da questão final aqui colocada pela Sr.ª Deputada Isabel Castro, é qual é, afinal, a posição do PSD em relação à questão substantiva que está em debate. Defende «Nem mais um soldado para o Kosovo», como o seu líder Durão Barroso sugeriu no início desta crise?
O Sr. António Capucho (PSD): - Não é verdade!
O Orador: - Acha que não deve ir mais nenhum soldado, mas os que lá estão devem permanecer lá? Ou, pelo contrário, o PSD entretanto evoluiu para a posição sensata, revelando sentido de Estado, do Sr. Deputado Ferreira do Amaral na reunião do Conselho Superior de Defesa Nacional que analisou esta questão?
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Pergunto também, Sr. Deputado Carlos Encarnação, já que há pouco citou o Sr. Deputado Medeiros Ferreira, se está de acordo com esta afirmação do Sr. Eurodeputado Pacheco Pereira, num artigo sobre estas questões: «Lamento dizê-lo, com excepção do Engenheiro Ferreira da Amaral, que foi o único na oposição a resistir à facilidade, o PSD também não esteve à altura de servir como reserva de uma atitude de Estado, por muito impopular que isso fosse na altura.»
Aplausos do PS.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - O Pacheco está a fazer aqui muita falta! Já estou a ver!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Encarnação, parte do pedido de esclarecimento que lhe queria fazer já foi feito pelo meu colega de bancada António Reis, mas eu não gostaria de deixar de, no que diz respeito à sua intervenção, ficar sensibilizado pela forma atenta como lê os meus artigos e, sobretudo, acentuar que, nesse mesmo artigo, refiro dois aspectos sobre os quais, já agora, gostaria de saber a sua opinião.
Em primeiro lugar, referi uma intervenção minha feita nesta Assembleia, na qualidade de Deputado, aquando de uma reunião conjunta das Comissões dos Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação e de Defesa Nacional, sobre a proveniência das informações que chegavam à República Portuguesa acerca da situação no Kosovo. Penso que este é um dos aspectos mais relevantes de toda esta situação e gostaria que o Sr. Deputado Carlos Encarnação se pudesse pronunciar sobre isso e me dissesse porque é que o seu partido, nessas reuniões, não teve a precaução de, pelo menos, fazer a pergunta.
Em segundo lugar, e por último, gostaria de acentuar que, nesse artigo aqui referido, louvo como uma iniciativa extremamente importante e até original no concerto dos países da Aliança Atlântica que estão envolvidos nas operações militares do Kosovo o facto de o Governo português ter enviado de forma célere uma comissão de cientistas para que, por meios próprios e directos, pudéssemos avaliar a situação decorrente de uma possível contaminação atmosférica ou de outra natureza, resultante das operações militares e que, como sabem, trouxe resultados bastante apaziguadores nesta matéria.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, com muito gosto, responderei aos três pedidos de esclarecimento, dizendo desde já o seguinte: o Sr. Deputado António Reis - e começaria por ele - colocou um problema que é central naquilo que vai ser a minha resposta e do que seria o conteúdo da sua pergunta.
O problema central é este: qual é o assunto mais importante que estamos aqui a discutir hoje? O assunto mais importante que estamos a discutir hoje é o comportamento do Governo! Repito, é o comportamento do Governo! O problema que se põe aos nossos olhos é este! Por isso é que o Sr. Deputado João Amaral falou nisso, por isso é
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que todos os Srs. Deputados que se pronunciaram até agora falaram nisso. Não é por qualquer birra contra si! Nem contra o Governo! Nem porque este Ministro ainda não se demitiu, insiste e teima em ficar! Não é nada disso, Sr. Deputado! O problema é outro!
Há dois comportamentos possíveis num governo: ou responsabilidade ou irresponsabilidade e este Governo optou pelo segundo! E, como optou pelo segundo, deixou que, na opinião pública, houvesse uma confusão extraordinária que outros governos já resolveram internamente. Por isso é que, nesta debilidade, deixou grassar na opinião pública qualquer coisa que não podia nunca ter existido e das duas, uma: ou assumia logo a responsabilidade e dizia «Sim senhor, é verdade! Eu tinha tido essas informações mas não quis saber delas, não as dei ao Parlamento, não as dei ao Presidente da República, fiquei com elas para mim, achei que não valiam a pena e, portanto, sou responsável por tudo aquilo que se passou até hoje». Mas não foi isso o que o Governo fez.
O Sr. Marques Júnior (PS): - Claro que não!
O Orador: - O Governo português andou para trás e para a frente, andou a admitir e a não admitir, andou a fazer e a não fazer investigações e quando, por último dos últimos, chegou à conclusão de que tinha de fazer alguma coisa mandou os três Ministros fazerem uma investigação ao local, depois de ter mandado um instituto fazer aquilo que a ONU já tinha feito em 1999 e que os alemães já tinham feito antes!
Isto é, quando o Governo diz que foi o primeiro, o «camisola amarela», na investigação, é mentira! Isso não é verdade, Sr. Deputado António Reis! E justamente por causa disso é que actuou em último lugar em relação àqueles que tinham dúvidas, porque houve outros que não tiveram! Mas, em relação àqueles que tinham dúvidas, actuou em último lugar e montou, do ponto de vista das relações internacionais, um cenário de conflito inexplicável.
Eu posso estar aqui a discutir se sou contra ou a favor do abandono ou da permanência dos nossos militares, mas eu já disse a minha opinião acerca disso, Sr. Deputado António Reis. Admito que, por qualquer razão que me escapa, não a tivesse ouvido bem, mas o meu problema é que acho que devo dar primazia a esta questão fundamental. E a uma outra, que decorre das nossas atribuições aqui, na Assembleia, que é o mecanismo de relação entre a Assembleia e o Governo, o mecanismo de fiscalização da Assembleia ao Governo, que é dizer se o Governo procedeu ou não para com a Assembleia como devia ter procedido e, mais, fazer, pela positiva, aquilo que os senhores não fizeram, que é dizer «Como o Governo não fez isto, que era uma obrigação constitucional, então, nós damos uma possibilidade apresentando uma iniciativa legislativa para que as coisas sejam feitas como deve ser. Já que o Governo não quer saber da Assembleia, já que o Governo não entende estas participações militares de portugueses no estrangeiro com a gravidade que devia e com a responsabilidade que devia, então, nós apresentamos uma iniciativa legislativa, que queremos discutir convosco para que as coisas sejam feitas como deve ser!».
Peço muita desculpa, Sr. Deputado António Reis, mas eu não estou ainda imbuído de poderes para fiscalizar a acção dos outros governos, dos socialistas e dos não socialista. Não estou! Interessa-me este, porque é aquele que nos calhou em sorte! Portanto, eu não posso fazer senão o meu exercício de fiscalização de responsabilidade deste Governo!
É claro que o Sr. Deputado António Reis tem outras dúvidas, mas eu não tenho possibilidade de estar a satisfazer todas as suas dúvidas.
Ao Sr. Deputado Medeiros Ferreira, gostaria de lhe dizer que a sua intervenção sobre o serviço de informações foi particularmente útil e gratificante. Sabe qual foi o Governo que destruiu o Serviço de Informações Estratégicas de Defesa e Militares?
O Sr. António Capucho (PSD): - Sabe, sabe!
O Orador: - V. Ex.ª sabe, Sr. Deputado Medeiros Ferreira. Tem opinião sobre isso. É um homem que não pode deixar de ter opinião sobre isso! Foi o seu Governo! O anterior!
Portanto, Sr. Deputado Medeiros Ferreira, se me está a perguntar de onde é que vem esse problema, eu digo que esse problema vem do Ministro que os senhores lá puseram, que fez qualquer coisa de extraordinário, que nunca passou pela cabeça de ninguém e que destruiu, pura e simplesmente, o Serviço de Informações Estratégicas de Defesa e Militares.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, terminou o seu tempo.
O Orador: - Peço perdão, Sr. Presidente. Vou concluir.
V. Ex.ª, Sr. Deputado, tem de pedir responsabilidades é ao seu anterior Ministro e ao seu anterior Primeiro-Ministro! Não é a mim!
Aplausos do PSD.
O Sr. João Amaral (PCP): - Essa é verdade!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: A polémica que ultimamente nos tem ocupado tem, na sua origem, invocadas razões que nos preocupam e nos devem mobilizar para apurarmos que relação existe (se é que existe!) entre a utilização do urânio empobrecido e alguns dos sintomas que afectam alguns militares que cumpriram missões de serviço nos Balcãs. A questão é em si mesma de enorme importância, a justificar o conjunto de iniciativas que o Governo oportunamente tomou, tendo sido inclusive, ao contrário do que diz o Sr. Deputado Carlos Encarnação, de entre os governos com militares nos Balcãs, dos primeiros (ou mesmo o primeiro em certas medidas) que assumiu medidas tendentes a esclarecer a situação.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Este conjunto de medidas, bem como outras que eventualmente se venham a considerar necessárias, devem só por si mobilizar todos os portugueses, incluindo, naturalmente, os actores políticos, independentemente de serem da oposição ou não, porque é meu entendimento que nada deve ficar por fazer desde que isso possa contribuir para apurar as causas (se é que as há) que estão na origem das dúvidas que foram levantadas, quer tenham origem ou não no uso de urânio empobrecido.
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Todos sabemos que não é possível, até agora, encontrar cientificamente qualquer nexo de causalidade entre a utilização do urânio empobrecido nos bombardeamentos na Bósnia e no Kosovo e os sintomas invocados, sem prejuízo de se saber que este metal pesado, à semelhança de muitos outros, se entrar na cadeia alimentar ou atingir, através de estilhaços, qualquer pessoa, pode afectar a sua saúde, na proporção da sua própria quantidade.
Por outro lado, é importante ter presente o princípio de que o efeito da utilização das armas não deve perdurar para além dos objectivos que se pretendem atingir. O que significa que, em acções como as que afirmadamente se pretendiam para os Balcãs, os efeitos produzidos pelos bombardeamentos não devem afectar as populações além do estritamente necessário aos objectivos propostos e nunca devem permanecer para além destes. Quero sinceramente acreditar que este princípio esteve presente, até porque só ele se enquadra nos princípios humanitários invocados para justificar as acções militares levadas a cabo.
Neste sentido, penso que questionar a utilização do urânio empobrecido, ou de quaisquer outros elementos, suas eventuais consequências e o fomento das investigações que permitam estabelecer ou não um nexo de causalidade é uma obrigação de todos aqueles que têm funções de responsabilidade. Mas, Srs. Deputados, foi neste quadro e com esta preocupação que a intervenção política teve lugar? Receio bem que não. E, desde logo, porque há supostamente diferentes visões das várias oposições, embora juntos na sua acção táctica contra o Governo. O princípio de que a oposição (toda a oposição!) parte de que, desde que seja para atacar o Governo, tudo se justifica e todos os meios são válidos creio que perturbou o discernimento desejável para lidar com um complexo problema como este.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Isso é verdade!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - A propósito, permito-me recordar a forma brilhante como os militares e as forças de segurança se têm comportado no cumprimento das suas missões e sublinhar a forma como, quer os militares que estão nos Balcãs, quer aqueles que os têm rendido, quer também aqueles que os enquadram, têm conseguido superar o clima de alarmismo que tem sido criado à sua volta, ao mesmo tempo que manifesto o mais profundo respeito e compreensão pela preocupação com que os familiares dos militares acompanham o evoluir da situação.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Os portugueses em geral e os militares em particular mereciam que os políticos se tivessem comportado de uma maneira mais correcta relativamente a este problema.
Quando é que nós, políticos, aprendemos que há regras mínimas de convivência e que há questões de Estado que exigem de nós outro tipo de comportamento? Quando é que nós, políticos, nos convencemos que, independentemente dos títulos dos jornais, que são importantes e não devem, obviamente, ser ignorados, as agendas políticas não devem andar sempre ao sabor da comunicação social? Há princípios e valores que nem sempre são compatíveis com o princípio da oportunidade que, na maioria de casos, mascaram o simples oportunismo político, um dos grandes responsáveis pelo descrédito da política.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não pretendo dar lições a ninguém.
O Sr. António Capucho (PSD): - Mas parece!
O Orador: - Quem sou eu para isso?
Em nenhum momento me coloco fora dos males que invoco. Tenho simplesmente a ideia de que ou nós todos, no cumprimento do nosso dever, quer no Governo, quer na oposição, temos presente que o interesse nacional prevalece sobre o interesse partidário ou corremos o risco de que os portugueses acreditem cada vez menos em nós, enfraquecendo dessa forma o nosso regime democrático.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - E, neste aspecto, não há partidos isentos de crítica. Mas há, em todos os partidos e fora deles, felizmente, cidadãos com um grande sentido do dever e da cidadania, e eu acredito que somos capazes de superar os momentos mais difíceis.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As iniciativas que estamos hoje a analisar procuram responder, na prática, às preocupações que os diferentes partidos têm manifestado a propósito da utilização do urânio empobrecido. Penso mesmo que elas materializam de forma bem mais adequada do que aquela que tem resultado da sua própria intervenção política, que em muitos aspectos, e em meu entender, teve doses de demagogia, de alarmismo e de oportunismo que afectaram a credibilidade do discurso político.
Todos os partidos da oposição entenderam oportuno apresentar iniciativas legislativas, pese embora o destino da proposta do PSD. Estão no seu direito. São iniciativas que, como tal, merecem a nossa melhor atenção,…
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Tem de dizer isso ao Sr. Secretário de Estado!
O Orador: - … embora sobre elas tenhamos opiniões diferentes da dos seus proponentes.
No que respeita à comissão de inquérito, proposta pelo CDS-PP, penso que os objectivos propostos estão em contradição com alguns considerandos e a audição parlamentar, em sede de Comissão de Defesa Nacional, aliás, já iniciada, dá garantias suficientes para a recolha de toda a informação que ainda seja necessária, assim como garante, de forma mais adequada, o acompanhamento da situação e das medidas que se forem justificando.
Quanto às propostas de resolução do PCP, do BE e de Os Verdes, elas correspondem, no fundo, à possibilidade de concretizar, na actual conjuntura, o objectivo claramente afirmado em tempo próprio - é justo reconhecer - de que as forças militares portuguesas e da NATO não deviam ter participado nas operações nos Balcãs.
O entendimento do Grupo Parlamentar do Partido Socialista é no sentido de que, não estando ainda cumpridos os objectivos que conduziram à decisão política de enviar militares portugueses e outros elementos para as operações humanitárias na Bósnia e no Kosovo e não havendo elementos de análise política e informações que justifiquem uma acção unilateral de Portugal no âmbito dessas operações, a retirada das forças militares portuguesas, neste momento e nestas condições, não se justifica.
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Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Outra atitude, para além do mais, anularia todo o esforço feito ao longo dos últimos anos no âmbito da política externa, com consequências importantes para o prestígio de Portugal quer no âmbito da União Europeia quer no âmbito da nossa relação transatlântica.
Esta atitude impõe, por outro lado, um cada vez maior grau de exigência no apuramento de toda a verdade relativa à polémica que tem envolvido a utilização do urânio empobrecido e o resultado dessas investigações será importante - determinante, diria eu - para permitir tomar a decisão política mais adequada.
Este é o sentido da nossa análise política às propostas em discussão. Seguir-se-ão intervenções de outros camaradas, justificando mais profundamente a nossa posição.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Marques Júnior, ouvi-o com atenção e queria dizer-lhe o seguinte: esta Câmara, esta Assembleia, este Parlamento não é um «lá vamos cantando e rindo»! É uma Câmara política! Não há aqui ninguém que seja dono da interpretação do que é o interesse nacional. E é bom que fique claro que o papel da Assembleia da República não é, suprapartidariamente, concordar com o Governo e assim defender o interesse nacional.
O que está em questão, num debate político como este, é saber qual é o interesse nacional (e há posições diferentes dos vários partidos) e é posicionar-se, em relação às questões que estão em debate, de acordo com os seus conhecimentos, com as suas perspectivas e com as suas propostas.
No caso concreto, no que toca à participação de Portugal nos Balcãs e à interpretação do que é o interesse nacional, a posição que exprimi, em nome do PCP, no dia 1 de Fevereiro de 2001 foi igual à que, em 1995 e 1999, exprimi quando Portugal foi para a Bósnia e quando foi para o Kosovo. Eu considerei, em nome do PCP (e essa é a posição que o PCP tem) que não corresponde à defesa do interesse nacional a participação de Portugal nessas operações militares e que - isto disse-o agora, confirmando aquilo que prevenimos na altura - estas operações eram conduzidas mais pela lógica de transformação da NATO, de alargamento da NATO e de redefinição da sua missão do que de responder aos problemas daquela zona.
Quanto ao uso do urânio empobrecido, não sejamos ingénuos: quando foi usada pela primeira vez a bomba nuclear em Hiroxima, provavelmente o Sr. Deputado Marques Júnior, se estivesse na Assembleia, diria que isso era irrelevante. Mas não é! Não é, como se provou!
O Sr. Deputado Marques Júnior, como eu, pertence a uma geração que foi capaz de ter posto DDT na cabeça para matar os piolhos. Hoje, com certeza que o Sr. Deputado Marques Júnior já não põe DDT na cabeça para matar os piolhos, porque já sabe que o DDT é um veneno e é extremamente perigoso para a saúde humana.
Hoje, o que se sabe sobre o urânio empobrecido é suficiente para dizer com clareza que as suas consequências no plano químico são suficientemente graves para ele poder ser equiparado a uma ogiva química. Foi assim que foi definido por um cientista português que é reitor de uma universidade! Foi definido nesses termos: uma ogiva química! É assim que é definido por numerosos cientistas, que demonstram que o efeito de explosão e a fragmentação em micropartículas corresponde a um grave problema de saúde pública. Isto é, tem exactamente aquele efeito que o Sr. Deputado condenou: é uma arma que se projecta para além do objectivo que tem!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, terminou o seu tempo.
O Orador: - Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é uma arma que deve ser condenada e que deve ser proibida.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, não tenho muito tempo para responder, mas, ainda assim, direi o seguinte: relativamente à primeira observação que fez, acerca do interesse nacional, da Câmara política, do consenso, etc., eu não ponho isso em dúvida. Concordo em absoluto com aquilo que disse. O discurso político é que não correspondeu ao que o Sr. Deputado está a dizer.
O Sr. João Amaral (PCP): - É o que o senhor diz!
O Orador: - Na minha leitura, o discurso político não correspondeu a isso.
O Sr. João Amaral (PCP): - É o que o senhor diz! O senhor é juiz?!
O Orador: - Relativamente ao aspecto conceptual do que é uma Câmara política e do que é o interesse nacional…
O Sr. João Amaral (PCP): - O senhor é do PS! Exprime a opinião do PS!
O Orador: - Sr. Deputado João Amaral, eu sou daqueles que entende, como sempre entendi, que a voz da oposição, criticando o Governo, é tão importante como a do Governo, para defender o interesse nacional. Defendo isso hoje, como sempre o defendi! Isso não está em causa na minha intervenção. Portanto, que esse aspecto fique completamente claro: não é isso que está em causa.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. João Amaral (PCP): - Não é isso que está em causa, mas parecia!
O Orador: - Não é isso que está em causa!
O senhor é suficientemente inteligente - e sublinho esse aspecto - para perceber perfeitamente aquilo que eu disse e para não ter de jogar com as palavras e dizer aquilo que eu não quis dizer.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Faz-se desentendido!
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O Orador: - Relativamente à intervenção no Kosovo, eu fiz-lhe uma justa homenagem. Não tenho quaisquer dúvidas de que o Sr. Deputado, quando se manifestou contra a intervenção no Kosovo, entendia que essa era a defesa do interesse nacional. Olhe, vou contar-lhe uma confidência, que o Sr. Deputado, se calhar, não sabe: sabe que eu também tive muitas dúvidas sobre a intervenção no Kosovo? Só que, neste momento, estamos a discutir coisas diferentes.
Relativamente ao urânio empobrecido, Sr. Deputado João Amaral, creio que toda a Câmara e toda a gente que nos ouve saberá que, quando o senhor diz, invocando um qualquer cientista,…
O Sr. João Amaral (PCP): - Um qualquer?!
O Orador: - … que não ponho em causa (não ponho em causa esse cientista, não sei quem é, mas não ponho em causa)… Mas eu também não quero invocar contra esse cientista algumas dezenas ou centenas de cientistas que dizem o contrário. Então, a utilização do urânio empobrecido é igual a uma ogiva química?!
O Sr. João Amaral (PCP): - Isso é falso!
O Orador: - Sr. Deputado João Amaral! Sabe uma coisa, Sr. Deputado? Essa sua afirmação devia merecer - mas não lhe faço essa injustiça - a mesma credibilidade que aquela que merece a sua intervenção quando invoca que se o Sr. Deputado Marques Júnior estivesse nesta Câmara tinha defendido a bomba de Hiroxima.
Aplausos do PS.
Protestos do Deputado do PCP João Amaral.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.
O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sem querer tomar muito tempo à Câmara, gostaria de dizer o seguinte: penso que a posição do CDS-PP nesta matéria é suficientemente clara. No entanto, convirá referir e sublinhar alguns aspectos da nossa posição neste domínio.
Em primeiro lugar, não temos dúvidas de que a intervenção de Portugal no Kosovo suscitou dúvidas sérias - e dúvidas sérias a pessoas sérias. Primeiro, no campo do direito internacional. Não há dúvida de que, no campo do Direito Internacional Público, não havia mandato das Nações Unidas. Depois, no campo da prática constitucional, também não temos dúvidas de que esta Assembleia só foi avisada mais de 15 dias depois da decisão tomada, o que também não é compatível com uma prática constitucional saudável neste domínio.
Dito isto, temos, no entanto, de sublinhar que este não é o momento para estarmos a discutir uma decisão que foi tomada em tempo oportuno. E, a verdade também seja dita com total sinceridade, o CDS-PP é um partido solidário com a Aliança Atlântica e não dará os seus votos àqueles que querem aproveitar pretextos para danificar seriamente a defesa ocidental da Europa…
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - … e que estão mais interessados no desmembramento da NATO do que eventualmente noutros objectivos.
Para nós, a intervenção no Kosovo é vista, só e apenas, do ponto de vista humanitário. O que se estava a passar era um genocídio: sérvios que poderiam destruir, e destruiriam, albaneses. E, agora, se a NATO se for embora, vai acontecer o contrário: albaneses matarão sérvios. Ora, esta é, em nosso entender, trágica e justifica, para além do mais, a presença de forças armadas nesse cenário de guerra.
Um outro problema tem a ver com a polémica do urânio empobrecido. Em nosso entender - e já o dissemos uma e outra vez -, é necessário não ter dúvidas sobre essa matéria. E a verdade é que há posições que não são coincidentes: entre as Nações Unidas, a OMS e outros peritos, temos visto de tudo.
Entendemos que, nesta matéria tão delicada, não devem ser tomadas decisões precipitadas sem haver elementos sérios. E a decisão de retirar as nossas tropas dos teatros em questão tem consequências gravíssimas para, primeiro, o prestígio das Forças Armadas. Não creio que as Forças Armadas fiquem prestigiadas se as mandarem retirar de um cenário onde estão a cumprir uma tarefa importante, humanitária, mantendo-se nesse mesmo cenário os seus companheiros de guerra. Como é que eles saem desse cenário? Com que prestígio? Com que dignidade o fazem? Não podemos consentir nisso.
Depois, não podemos ser a favor da Europa, da construção europeia, e, ao mesmo tempo, criticar compromissos que Portugal tem de cumprir nessa conformidade e nessa óptica. Se nós defendemos um exército europeu, não é, com certeza, para paradas, não é para intervir apenas em África, é para estar nos teatros onde são necessários. Obviamente, «não podemos comer o bolo e, ao mesmo tempo, tê-lo na mão».
Consequentemente, há compromissos que temos de tomar. E se amanhã for provado que há, de uma maneira inequívoca, qualquer nexo de causalidade entre as doenças e a natureza do armamento, seremos os primeiros a vir aqui e a dizer «não deve ir ninguém e devem retirar-se imediatamente os que lá estão».
Agora, Sr. Presidente e Srs. Deputados, para tomar decisões precipitadas, com base em elementos que não são claros e que podem prestar-se às mais variadas especulações, não contarão com o voto da nossa bancada.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Em relação às iniciativas a tomar, o CDS-PP entende que o envolvimento da Assembleia da República nestes temas deve ser objecto de legislação específica e, por isso, está a prepará-la e vai apresentá-la. Depois da última revisão constitucional, é importante considerar o papel da Assembleia, que, obviamente, não deve ser um papel executivo, mas ela deve ser informada, deve estar ao corrente do que se está a passar. Portanto, vamos apresentar legislação nesse domínio.
A seguir, o Sr. Deputado Paulo Portas irá intervir, em detalhe, sobre a nossa proposta de constituição de uma comissão parlamentar de inquérito acerca das condições de participação de Portugal nas intervenções militares nos Balcãs, mas não quero deixar de dizer que a nossa intenção, nessa matéria, é não considerar apenas a «espuma» das coisas. Depois de tudo o que se passou, gostaríamos de ver apurar procedimentos (o que é se passou efectivamente) e responsabilidades (se elas existem). É que nós somos solidários com a Aliança Atlântica, mas a Aliança Atlântica também é Portugal.
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O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Portugal não pode menorizar-se no seio da Aliança Atlântica!
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Portugal tem de dar a sua opinião e não pode entender questões maiores como questões menores, como se elas não existissem, dando, depois, um espectáculo mau, de descoordenação completa entre membros do Governo e Assembleia da República, o que é obviamente - e aí com toda a razão - um espectáculo deplorável, como, aliás, o Sr. Deputado Medeiros Ferreira já notou, uma e outra vez, em artigos extremamente úteis e contundentes, nesse domínio.
Portanto, em relação à comissão de inquérito, é esta a explicação.
Para além disso, entendemos - e aí estamos de acordo consigo, Sr. Deputado Marques Júnior - que esta é uma questão de Estado. Mas, como dizia o Sr. Deputado João Amaral, o interesse público somos todos nós que o entendemos. E, na divergência de opiniões, não quer dizer que uns sejam mais patriotas que outros ou que uns sejam melhores que outros.
Esta é a nossa posição, mas respeitaremos obviamente quem pense o contrário. No entanto, esta é a posição que o partido vai assumir na votação dos diplomas apresentados.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, a Mesa tinha-me dado conta de uma outra ordem de inscrições, mas, com certeza, terei muito gosto em fazer a minha intervenção agora.
O Sr. Presidente: - Não sou responsável por nenhuma outra informação que não esta, Sr. Deputado.
O Orador: - Com certeza, Sr. Presidente.
Começo por me referir à intervenção do Sr. Deputado Marques Júnior. Registei as suas palavras e reconheço a sua preocupação em fazer ouvir aqui a voz do Governo e das oposições num debate que é muito importante para este Parlamento no seu todo - registo essa preocupação. Creio, no entanto, que parte de um ponto de vista errado na sua crítica a projectos de resolução que condenou.
Assim, o ponto de partida do projecto de resolução do Bloco de Esquerda não é certamente a consideração acerca de se Portugal deveria ou não ter participado. O Sr. Deputado sabe que o Bloco de Esquerda foi da opinião de que Portugal não deveria ter participado. E foi da opinião de que deveria ter havido uma força de interposição militar, com o acordo das forças da área e com as forças que estavam envolvidas no conflito, de tal modo que se evitasse o recurso à guerra, que nunca é um caminho para a paz.
Porém, não é isso o que, realmente, está aqui em discussão. O que está em discussão é se, hoje, se justifica ou não com informações que o Governo diz serem novas - e até diz serem surpreendentes, até diz serem preocupantes e alarmantes -, esta presença militar.
Está, além disso e ainda por cima, em discussão saber se Portugal deve ou não contribuir, colaborando, com o seu silêncio ou com a sua intervenção activa, para uma escolha de operações militares que recorreram a um determinado tipo de armas sobre as quais a ciência nos disse o suficiente para termos de desconfiar.
Percebo, por isso, as suas dúvidas. Percebo que nos diga, na sua intervenção, que «é importante ter presente o princípio de que o efeito da utilização de armas não deve perdurar para além dos objectivos que se pretendem atingir.»
Ora, Sr. Deputado, muito do que não se sabe sobre o urânio empobrecido não nos pode fazer ocultar o muito que já se sabe. E sabe-se que a disseminação por vaporização em função dos impactos das munições guarnecidas com urânio empobrecido é um risco tal para a saúde que aconselhou organizações internacionais ou outros exércitos a recomendarem protecções absolutamente excepcionais, que, paradoxalmente, nunca se estendem às populações das áreas vizinhas e que, hoje, na sequência das investigações que vieram a ser necessárias, acentuam este carácter de risco.
Disse o Sr. Deputado: os cientistas dividem-se. Não há, porém, que se saiba, um único cientista que diga que não há perigosidade. Há políticos - que foram, muitas vezes, cientistas - que dizem que, não se sabendo tudo, não se faz nada, mas a ciência não diz isso.
Independentemente da paixão política e das opiniões que temos uns e outros, Sr.as e Srs. Deputados, no fundo de cada um de nós, todos sabemos que, perante circunstâncias destas, a ciência actua sempre pelo princípio da precaução. A ciência não precisa de saber todas as provas científicas sobre a bondade de um produto; precisa de saber que, enquanto houver uma indicação da maldade desse produto, a precaução implica que ele não é utilizado. A ciência é prudente. Só não o é quando, aliada a uma necessidade estratégica militar, abandona os seus princípios e se coloca ao serviço de outros objectivos. Porque merece a verdade que se diga que foram cientistas que inventaram o revestimento com urânio empobrecido nas munições da NATO. Foi também a ciência que fez a guerra e foi também a ciência que inventou esta guerra. Mas inventou contra si própria e contra o princípio da precaução, que é recolhido nos documentos oficiais e até nos tratados de referência e de fundação da União Europeia, os quais nos impedem de utilizar qualquer tipo de instrumento, sempre que é posta em risco a vida humana. Esse princípio da precaução não pode ser posto em causa. É por isso que é indignativa esta ideia geral de que «de noite todos os gatos são pardos», de que «enquanto não soubermos, continua a utilizar-se», de que «enquanto não se tiver a certeza, está tudo bem». Não é assim! Não é assim! A ciência impede que se utilizem estas munições, porque a ciência já sabe que, por pequeno que seja o risco da inalação das partículas dos metais pesados, ele é tão grave que perturba a vida, a sequência do ciclo de vida, e, potencialmente, conduz à morte. Não sabemos em que grau de incidência estatística isso actua, mas sabemos que actua e, por isso, a ciência implica essa prudência.
Por isso, coloco-lhe um desafio. O Sr. Deputado e o Sr. Deputado Basílio Horta, que aqui intervieram sobre esta matéria, insistem que é preciso rejeitar estes projectos de resolução, porque eles têm uma consideração política que enfraquece a NATO.
Proponho-lhe, então, que separemos, na votação, as várias propostas em causa, que distingamos uma delas e
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que votemos em separado uma única. E, se todo o projecto de resolução do Bloco de Esquerda tiver de cair, porque não tem maioria na Assembleia, ficarei contente se, sobre esta última cláusula, houver uma votação clara. Essa cláusula é a moratória. A moratória é-nos exigida por princípios de direitos humanos, por prudência, por precaução e por respeito. E vale a pena que esta Câmara saiba se um voto coerente de Deputados socialistas, e outros, no Parlamento Europeu é ou não acompanhado perante o País onde pesam as responsabilidades.
O Dr. Mário Soares votou, e bem: pronunciou-se claramente por uma moratória, por estas razões ou por outras, mas certamente não foi por ser um adversário da NATO, da qual ele é um defensor intransigente, como todos sabem. Votou por uma prudência acerca da qual fomos, aqui, convocados.
Proponho-lhes que aceitem essa separação de voto e que sobre isso se forme uma maioria, para que o Governo, no âmbito dos poderes do Parlamento, receba uma recomendação de actuação nos fóruns internacionais, segundo aquilo que nos exige este princípio da precaução e esta prudência.
Estou, aliás, convencido de que se o Governo tivesse actuado imediatamente, isto é, se os três ministros que tão rapidamente foram ao Kosovo (no dia de 10 de Janeiro, se não estou enganado; desde então passaram duas semanas de debates parlamentares) nos tivessem dado conta daquilo que tão apressadamente puderam comunicar à comunicação social e ao País e tivessem sido submetidos à discussão, ao contraditório, talvez estes procedimentos e outros se tivessem imposto como regra de bom senso.
Terminaria, dizendo o seguinte: dizem-nos que os nossos soldados não correm riscos. Quero saber do Governo e da bancada que o apoia se há ou não disponibilidade para fazer tudo o que é preciso para ter a certeza sobre os riscos. E tudo o que é preciso são, pelo menos, dois tipos de testes: a espectroscopia de massa e a activação por neutrões que o Instituto Tecnológico e Nuclear tem capacidade tecnológica para fazer. Se esse dois procedimentos forem desenvolvidos, então, teremos alguma segurança sobre a situação de saúde destes soldados.
Mas, sobretudo, quero saber se o Governo está disposto a propor que se faça uma análise aos cadáveres de quem já morreu com leucemia, em função da síndrome dos Balcãs, para analisar os linfócitos, os gânglios, com o objectivo de saber se existe ou não deposição de partículas nestes casos.
Se isto for feito - e o Governo tem a obrigação humanitária de fazer tudo aquilo que promete e tudo aquilo que promete é tudo o que é necessário para se saber a verdade -, poderemos estar mais tranquilos.
O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado.
O Orador: - Mas, até agora, isto não foi feito e queremos saber se vai ser feito.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, devo dizer que tenho seguido o critério de dar a palavra para segundas intervenções pela mesma ordem que dei para as primeiras.
Sempre assim se procedeu e é por isso que dei a palavra ao Sr. Deputado Francisco Louçã e, a seguir, darei à Sr.ª Deputada Isabel Castro, apesar de o Sr. Deputado Agostinho Gonçalves já se ter inscrito há bastante tempo.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tendo este debate avançado bastante, gostaria de colocar algumas questões.
O debate está a ser feito, mas não no mesmo sentido do projecto de resolução de Os Verdes e parece que o Sr. Deputado do Bloco de Esquerda pensa o mesmo em relação ao seu projecto.
Presumo que os três projectos de resolução em discussão são claros: o que está em discussão não é saber se há partidos dentro desta Câmara que são a favor ou contra uma intervenção militar, que ocorreu num determinado âmbito e em determinadas condições, a qual o próprio CDS-Partido Popular, pela voz do Sr. Deputado Basílio Horta, assumiu ter sido feita à revelia do Direito Internacional Público. Naturalmente, não é disso que se trata.
Não se trata tão-só de discutir se o Parlamento foi ou não, com base numa interpretação restritiva da Constituição da República Portuguesa, alheado do processo de consulta prévia sobre uma decisão tão grave quanto aquela que foi tomada.
Do que se trata, se admitirmos, porventura com um excessivo grau de tolerância, que alguns, incluindo o Governo, desconheciam todos os dados da operação militar em que Portugal se envolveu, é de tomar uma posição perante novos dados - os quais, hoje, ninguém ousa dizer que ignora, porque todos os ouviram, os leram e não são do cientista A, B ou C, mas estão comprovados - que provam a existência de uma inter-relação entre um determinado tipo de armamento e determinadas consequências no plano do ambiente e da saúde.
E se a posição a tomar já não pode ser a de não enviar forças militares, porque elas já lá estão, esta Câmara tem, pelo menos, o dever de tomar uma posição, do ponto de vista político e ético, a qual não pode ser atribuída aos Srs. Deputados A, B ou C, que integram a delegação parlamentar do Conselho da Europa, os quais, nessa qualidade, do ponto de vista individual, assumiram posições perante um determinado documento.
Também não podemos ficar eternamente a citar as posições dos nossos colegas Eurodeputados, designadamente a do Dr. Mário Soares, na qualidade de Eurodeputado do Grupo Socialista.
A questão que coloquei, à qual o Sr. Deputado Carlos Encarnação se esqueceu de responder e em relação à qual o Partido Socialista mantém silêncio e o Partido Popular também não se pronunciou, é a seguinte: perante o recurso a uma arma química, que tem efeitos cumulativos, irreversíveis e que, usando a expressão de que gosta tanto o Sr. Deputado do Partido Socialista Marques Júnior, deixa marcas para além do fim da guerra, ou seja, não mata só o estritamente necessário, esta Câmara entende ou não que deve assumir uma posição, dizendo que é contra o uso dela.
É sobre essa questão que vos interpelo, que convoco a vossa consciência e, sobretudo, que exige a vossa tomada de decisão política.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.
O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, o que eu disse é que a ques
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tão do Direito Internacional Público se colocava em relação ao Kosovo, mas eu não disse qual era a minha opinião sobre isso.
Realmente, essa questão coloca-se. Há quem entenda isso, mas há também quem entenda que, depois das Conferências de Helsínquia e de Belgrado, não era necessária essa intervenção e, até, há quem defenda as duas coisas.
O que eu gostava de perguntar à Sr.ª Deputada é se considera que neste momento ainda vamos a tempo de estar a discutir isso e se considera correcto que as nossas tropas saiam dos Balcãs ficando lá as outras. Qual é a sua opinião sobre isso?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Basílio Horta, vou responder à sua pergunta e peço-lhe que responda à questão que coloquei.
Muito sinceramente, do ponto de vista de Os Verdes, as nossas tropas não deveriam ficar nos Balcãs, porque o Governo português assume que não teve o mesmo grau de conhecimento, que, aparentemente, outros tiveram.
Admitindo que o Governo fala verdade, eu direi que ele assumiu uma responsabilidade não tendo conhecimento dos dados. Hoje, tem conhecimento dos mesmos e, portanto tem o direito de não estar nessa força militar, uma vez que lhe foi sonegada informação pela NATO.
Isso, para nós, não significa culpa mas, sim, sentido de responsabilidade e a não submissão dos portugueses a um risco que, do nosso ponto de vista, é socialmente injusto perante as dúvidas que estão colocadas, porque a única certeza existente neste momento é a certeza das dúvidas.
Gostaria que a pergunta que lancei fosse respondida, aliás, lancei-a a todas as bancadas e devolvo-a ao Sr. Deputado do CDS-Partido Popular: qual é a posição do CDS-Popular relativamente à moratória? Entende que o conhecimento que hoje existe não é suficientemente grave para justificar uma tomada de posição, em nome da saúde e da vida?
O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Essa é outra questão! Verá qual é a nossa posição!
O Sr. Presidente: - Agora, sim, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Gonçalves para uma intervenção.
O Sr. Agostinho Gonçalves (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário, Sr.as e Srs. Deputados: Na última década do século XX, assistimos a transformações da cena internacional marcadas pelo fim do antagonismo bipolar, no plano político, e pela evolução do processo de globalização da economia, que geraram um novo ambiente geoestratégico com profundas repercussões na formulação das políticas de defesa e de segurança de todos os países.
O novo modelo de inserção internacional de Portugal projectou-se de forma muito relevante na definição da política de defesa nacional, bem como na sua adaptação a factores de incerteza a novas ameaças e à transformação acelerada das organizações internacionais vocacionadas para as temáticas da segurança e da defesa de que fazemos parte.
Esta nova realidade internacional conheceu, nos passados 10 anos, situações que inspiram assinalável preocupação ao próprio continente europeu, a que a comunidade internacional procurou dar resposta com o contributo de Portugal, enquanto parceiro com responsabilidade, as quais obrigaram a uma redefinição das orientações estratégicas a imprimir à política de defesa nacional e à organização, estruturação e empenho das nossas Forças Armadas.
A política de defesa de cada Estado tem que responder, hoje em dia, a três vectores de preocupações: a resposta aos novos riscos e ameaças; a redefinição da base de sustentação da política de defesa; a adequação da estrutura das Forças Armadas às missões que constitucionalmente lhes estão confiadas.
Daí a relevância central da cooperação internacional, bem como a projecção de forças no quadro de missões de gestão de crises humanitárias e de paz, como é o caso dos Balcãs, o que veio a exigir uma profunda reformulação, quer da preparação e treino quer dos quadros de empenhamento de forças militares, tanto no plano nacional como no contexto das alianças internacionais de que fazemos parte.
As novas condições internacionais continuarão a conferir à dimensão externa da política de defesa uma relevância muito especial, seja no plano do nosso envolvimento na Aliança Atlântica e na denominada «parceria para a paz», seja na continuidade da assunção de um protagonismo activo na construção de políticas europeias comuns, em matéria de relações externas e de defesa, designadamente no âmbito da União Europeia, apoiando a construção de uma identidade europeia de segurança e defesa compatível com os nossos compromissos transatlânticos.
O compromisso de Portugal com o sistema das Nações Unidas, com a Aliança Atlântica e com os nossos parceiros europeus no domínio da segurança e da defesa foi sempre prosseguido em paralelo com o desenvolvimento, a consolidação e a ampliação das relações de cooperação militar com os países de língua oficial portuguesa, seja no plano bilateral, seja mesmo no quadro possível de uma componente de defesa da própria Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
O valor acrescentado desta cooperação militar, com a especificidade da nossa tradição histórica e cultural, representa um importante potencial estratégico, que importará aprofundar no interesse de todos os países participantes e na perspectiva de contribuição do mundo lusófono para a paz e a segurança internacionais, a exemplo das participações da CPLP na crise da Guiné-Bissau e da presença de Portugal em Timor-Leste.
É neste contexto que Portugal tem participado com reconhecida visibilidade na região Euro-Atlântica, com destaque para a sua participação na Bósnia, desde 1996, no Kosovo, desde 1999, e também em operações de paz no âmbito da ONU.
Para além de haver militares em Timor, há-os na Croácia, na Albânia e no Sara Ocidental, havendo cooperação militar em Angola, Moçambique e São Tomé e Príncipe.
Portugal tem honrado os seus compromissos para com a comunidade internacional, através de uma participação activa e prestigiante. É da mais elementar justiça referir o grau de empenhamento, de disciplina e de rigor dos homens e mulheres que integram as nossas Forças Armadas.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Porém, recentemente, surgiu na opinião pública dos diversos países europeus envolvidos em operações militares nos Balcãs preocupação pelo aparecimento de casos de patologias eventualmente derivadas de radiações e da inalação de poeiras tóxicas. Estes casos despertaram nos políticos, cientistas, médicos e militares uma justificada preocupação na constatação das referidas doenças.
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A questão central que deve colocar-se é a de saber com exactidão se existe uma relação entre a utilização de munições com urânio empobrecido e as doenças surgidas nos militares ou civis que estiveram em serviço nos Balcãs ou se, pelo contrário, as doenças não diferem das que se conhecem nos militares destacados noutras regiões.
Tem de haver um esclarecimento da verdade, baseado em factos e não em suposições. Para isso, é necessário o acesso a toda a informação existente.
Deverá o assunto ser tratado com transparência e rigor, de maneira a que os resultados obtidos inspirem confiança nos portugueses e demonstrem se Portugal deve ou não abandonar as munições em cuja composição entra o urânio empobrecido, que é uma substância que alia características radioactivas com as de metal pesado, como o chumbo.
Quando usada em elementos bélicos, os efeitos são graves. A explosão das munições cria milhares de pequenas partículas, das quais entre 50% a 96% são inaláveis e entre 17% a 48% são solúveis na água. Cerca de 90% ficam nas imediações da explosão e o restante é sobretudo transportado pelas águas da chuva.
Assim, torna-se imperioso encontrar uma explicação para o esclarecimento absoluto da questão.
Para isso, o Ministério da Defesa Nacional iniciou os contactos para promover a reunião do comité médico da NATO, sendo Portugal pioneiro no esforço de investigação na zona de teatro de operações nos Balcãs, criando, assim, um movimento de pesquisa científica sobre a matéria, envolvendo governos, forças armadas, organizações internacionais e organismos científicos privados.
Portugal iniciou de imediato o rastreio a todo o pessoal militar e civil que esteve nos Balcãs.
É de salientar, também, a deslocação ao Kosovo e à Bósnia de uma equipa de investigadores/cientistas independentes do Instituto Tecnológico e Nuclear.
Estes peritos, além das medições efectuadas no âmbito da emissão radiológica, procederam à recolha de materiais (alimentos de origem animal e vegetal, amostras do solo, águas, poeiras e artefactos) para análise da toxicidade, procurando também detectar se há ou não indícios de metais pesados e de radioactividade para além do normal. O prazo previsto para a apresentação de resultados é de dois meses. Também as Nações Unidas estão a analisar mais amostras, estando previsto um relatório no próximo mês de Março.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Termino na convicção de que logo que sejam conhecidos os resultados, o Ministério da Defesa Nacional fará a sua divulgação pública e, ao mesmo tempo, informará o País das medidas a tomar, nomeadamente a possibilidade de suspender ou não a utilização de munições com urânio empobrecido em parceria com os aliados, tendo necessariamente sempre presente a defesa dos nossos militares e civis e a protecção do meio ambiente.
Quanto à presença de Portugal na Bósnia e no Kosovo, qualquer decisão política que venha a ser tomada deverá ter em devida conta o ressurgimento do conflito inicial, de perseguições, de ataques e de mortes entre diferentes etnias, bem como os compromissos assumidos e as relações de concertação com os países que estão igualmente envolvidos nas operações humanitárias nos Balcãs.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A posição do Governo quanto à decisão concreta proposta pelos Grupos Parlamentares do PCP, do Bloco de Esquerda e de Os Verdes à Assembleia da República é conhecida e hiperfundamentada politicamente: é não!
A posição em que o Governo se reconhece é a que flui da deliberação unânime do Conselho Superior de Defesa Nacional, sobre a qual também há fundamentações públicas e assumidas, nas quais nos reconhecemos por inteiro.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, tive o privilégio de assistir a este debate, desde o princípio até este momento.
O Sr. João Amaral (PCP): - Ao telefone!
O Orador: - Em simultâneo com os contactos que é sempre necessário adoptar, Sr. Deputado João Amaral, para dar resposta às situações que V. Ex.ª gera e que os grupos parlamentares legitimamente induzem no funcionamento da Câmara, tive ocasião de acompanhar todas as intervenções proferidas.
Julgo que quem o tenha feito, aqui ou lá fora, poderá suscitar, de forma muito legítima, a seguinte interrogação: qual é a questão central em apreço? É que houve Deputados e Deputadas que colocaram 1000 questões mas, curiosamente, não fundamentaram a questão que traziam à Assembleia da República. É precisamente esse o caso do Srs. Deputados João Amaral e Isabel Castro, já para não falar no Sr. Deputado Francisco Louçã.
É possível falar infindavelmente, discretear brilhantemente, em termos que podem ser subscritos, ou não, por cada um de nós, sobre os sistema actual e os circuitos de transmissão de informação no âmbito da OTAN.
É possível discutir a própria OTAN e o quadro das suas missões, neste mundo em que já não há Pacto de Varsóvia, desintegrado pela queda do mundo a que pertencia. Também é possível discutir infindavelmente quem sabia o quê, quando, o que o Deputado A sabia sobre a matéria e o que fez, ou não, na sequência do que sabia ou sabe agora e tem lucidez retrospectiva galopante. Pode discutir-se isto infinitamente, tal como pode discutir-se a articulação das instituições portuguesas, a sua articulação com a OTAN, o seu funcionamento à escala global, os meios usados para destruir a ditadura de Milosevic, que foi destruída - já lá vai! -, substituída por uma transição para a democracia. É possível discutir todos estes aspectos, mas o que está em debate não é isso!
Compreendo que fosse conveniente a alguns dos Srs. Deputados - e é esta a questão política gerada por este debate - sugerir ao País que há um coro de 115 vozes profundamente descontentes e críticas, dizendo em uníssono a mesma coisa, mas não é verdade, Sr. Presidente e Srs. Deputados!
O Sr. João Amaral (PCP): - É verdade!
O Orador: - E também não é verdade que, nesse coro uníssono, pudéssemos encontrar, de braço dado, florida e garridamente, o Sr. Deputado Carlos Encarnação e a Sr.ª Deputada Isabel Castro dizendo as mesmíssimas coisas! Para que tal acontecesse, o mundo teria de ter muda
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do muito quanto aos dois e à nossa volta, mas não mudou, felizmente!
Sr. Presidente e Srs. Deputados, a questão é esta: não só essa mudança não ocorreu como, pelo contrário, este debate é a demonstração disso mesmo. Nesse sentido, é um debate útil, saudando-o o Governo - de resto, não se opôs, nem poderia fazê-lo, ao seu agendamento, realizado, em altura própria, na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares - por ser clarificador, curiosamente, à rebours, ao contrário do que os proponentes talvez quisessem.
Este debate é clarificador, Sr. Presidente e Srs. Deputados, no sentido em que mais de 9/10 dos Deputados com assento na Assembleia da República são contra esta atitude e esta proposta: não subscrevem a ideia de uma retirada precipitada e fundamentada nos termos em que, putativamente, foi fundamentada pelos Srs. Deputados proponentes.
É evidente, poderão dizer-me, que menos de 1/10 desses Deputados consideram que a sua leitura do interesse nacional releva e devia prevalecer sobre as outras, mas numa Câmara democrática não é assim. Essa leitura é de quem a faz, e, nesse sentido, será legítima, mas representa apenas aqueles que se reconhecem nela e 9/10 da Câmara não só não se reconhece nela como explicou cabalmente a razão disso acontecer e não quer desintegrar, de uma penada, todo o trabalho da política externa portuguesa, da intervenção externa das Forças Armadas, construído ao longo de anos com resultados positivos, nos quais a maioria dos portugueses se reconhecem. É certo que há quem não se reconheça neles, mas isso é a lei da nossa democracia e plenamente a aceitamos. Não transformemos, porém, a minoria em maioria!
Não há nenhuma alquimia, não há nenhuma magia, não há nenhum golpe mediático, não há nenhum erguer de voz, que não nos impressiona, que faça uma metamorfose dessa posição, que é a de um bloco radical «abandonista», contra a posição sufragada por 9/10 da Assembleia da República. Neste sentido, é na hora da votação que essa clarificação se fará.
Dirão os Srs. Deputados que há outras questões mais importantes. Estou de acordo! O projecto que o PSD apresentou é uma iniciativa importante e o Governo tomará as medidas adequadas para lhe corresponder, a qual, aliás, aproxima com a sua própria visão, que será filha do mesmo texto normativo, ou seja, da Constituição da República, que, em 1997, foi revista pelo voto conjunto do PS, do PSD e, neste ponto, da generalidade dos partidos.
Portanto, Sr. Presidente, não inventemos fracturas onde elas não existem. A questão do acompanhamento parlamentar daquilo que as Forças Armadas portuguesas façam em qualquer ponto do globo é uma questão que une, não divide.
A norma constitucional que dá origem a este diploma futuro é uma norma excelente, inspirada da melhor filosofia de articulação institucional entre o Parlamento e o Governo, sendo a disposição deste honrar esse compromisso plenamente, apresentando a sua própria proposta, levando-a a Plenário e discutindo-a simultaneamente com as visões de todos os partidos sobre a mesma matéria.
Srs. Deputados, a matéria colocada assim não tem frisson e é mediaticamente pobre. É que há consenso sobre esta matéria, do qual nos orgulhamos, seja mediaticamente sexy ou não. Isso é-nos totalmente indiferente, porque é justo, constitucional e adequado, e assim nos comportaremos.
Portanto, Sr. Presidente, essa questão será encarada no seu tempo, pois é relevante institucionalmente, como serão encaradas no seu tempo outras questões relevantes. Não tenham qualquer dúvida, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o Sr. Ministro da Defesa Nacional, que hoje esteve em momento simultâneo com o correr desta sessão na reunião do Conselho Superior de Defesa Nacional, onde o Sr. Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas prestou informação sobre as missões das Forças Armadas portuguesas, tanto nos Balcãs como em Timor Lorosae, virá ao Parlamento - como, de resto, veio à Comissão de Defesa Nacional e tal como o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros esteve na Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portugueses e Cooperação a discutir a política externa nos Balcãs. Aliás, o Sr. Ministro começou por estar aqui no Plenário, por iniciativa própria do Governo, não convocado por ninguém, para discutir a situação e a maneira como encarava resolvê-la.
O Sr. Ministro e outros membros do Governo virão à Assembleia da República discutir coisas que o Governo se comprometeu a apresentar perante vós, Sr.as e Srs. Deputados. Por exemplo, julgo que o relatório da Comissão Científica Independente merece respeito, em relação à missão que realizaram e cujas conclusões científicas têm de ser avaliadas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nessa matéria, é preciso ter isenção, sentido institucional e olhos postos no futuro, para que ninguém se arrependa do que diz sobre certos cientistas em detrimento de outros. Aguardemos todos os relatórios para todos nos podermos pronunciar, e isso acontecerá na altura própria.
Não trago à colação, Sr. Presidente e Srs. Deputados, outras questões que o Sr. Ministro da Defesa Nacional terá todo o gosto em discutir, salvo uma, porventura. Quanto ao cumprimento dos calendários legislativos, devo dizer que tive ocasião de anunciar na conferência - e por isso redigo aqui o que, então, disse - que, por exemplo, em relação a importantes questões como a do artigo 31.º da lei da defesa nacional (que não está aqui, nem de perto nem de longe, em debate), o Sr. Ministro da Defesa Nacional conduzirá consultas com os partidos da oposição, porque a isso obriga, e bem, o estatuto da oposição, sobre a revisão desse importante artigo, que, entre outras coisas, regula os direitos associativos dos elementos das forças armadas. É uma questão importante, mas por favor não misturemos essa questão com a que hoje esteve e está aqui em debate.
Quanto a essa questão, Sr. Presidente e Srs. Deputados, renovo o sentido de congratulação que não posso deixar de sentir ao ver que, além do esgrimir normal de divergências, quanto à questão essencial, ou seja, se as resoluções apresentadas pelo bloco favorável ao abandono devem ser aprovadas ou não, a resposta e a argumentação da esmagadora maioria da Câmara é, inequivocamente, não! E julgo que esse não, que, em certo sentido, corrobora o grande sim expresso no Conselho Superior de Defesa Nacional, é um não que nos fortalece para fazermos o que é preciso.
E, quanto ao que é preciso, a minha última palavra é muito simples. Sr. Presidente e Srs. Deputados, a questão central sempre foi, para nós, a da vida e da segurança dos homens e mulheres que, em nome de Portugal, estão nos Balcãs. Essa questão preocupa-nos, adoptámos as medidas que são do vosso conhecimento, tiraremos todas as conclusões - não duvidem, Srs. Deputados! - e compareceremos perante a Assembleia da República para as de
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fender, pela voz de quem entendermos, naturalmente, na altura e no momento exacto escolhido por nós.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral, para um pedido de esclarecimento.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, creio que a situação de ver o Sr. Deputado Carlos Encarnação e a Sr.ª Deputada Isabel Castro de braço dado causaria um espanto semelhante a ver V. Ex.ª defender a NATO.
Risos.
Creio que V. Ex.ª falou em nome do bloco do «Non ou a vã glória de mandar», eu vou falar em nome daqueles 10% de que agora se fala muito por aí…
Risos.
… para lhe fazer uma pergunta. O que é que V. Ex.ª pensa da proposta que foi aqui formulada quanto à moratória, isto é, de ser isolada a votação da moratória? Tem alguma razão para que o Governo português não se empenhe na defesa de uma moratória?
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Srs. Deputados,…
O Sr. João Amaral (PCP): - Faltam os 10%!
O Orador: - Não, Sr. Deputado, essa é a confusão básica. É preciso falar para todos. Estamos perante um auditório muito vasto, é preciso falar para muitos portugueses e muitas portuguesas e é isso que devemos fazer, em nome de certos princípios.
A pergunta, Sr. Deputado João Amaral, está quase, eu diria, pré-respondida. Aliás, há quem diga que só se fazem as perguntas para as quais a resposta é conhecida.
Mas o Sr. Deputado conhece muito bem essa pergunta e a resposta que lhe corresponde porque a fez várias vezes e obteve várias respostas. Tem o hábito de a fazer, tipo inquérito, a várias personalidades e depois fazer a galeria das respostas.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sobre a moratória, não!
O Orador: - Devo dizer, Sr. Deputado, que, se alguém queria colocar essa questão, e só essa, à Assembleia da República, escolheu a pior via imaginável,...
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É óbvio!
O Orador: - ... porque a amalgamou de uma forma completamente imprópria e durante debate, em vez de desamalgamar, ainda amalgamou mais. Só em desespero,…
Protestos do PCP.
… na última fase do debate, já sem nenhum recuo e tendo perdido tudo, é que resolveu cortar, cortar, cortar as folhas, até a árvore já só ter uma orgulhosa folha, que pode ser discutida à parte - e que, de resto, está a ser discutida à parte, em vários órgãos e em Portugal também -, sendo a nossa resposta, neste momento, a que o Sr. Deputado muito bem conhece, porque lhe foi dada pelo Sr. Ministro da Defesa Nacional, quando o questionou, na Comissão de Defesa Nacional. É público e notório, não me cabe exercer uma função de mera repetição, nesta sede.
Mas permita-me, Sr. Presidente, uma última observação, já que o Sr. Deputado João Amaral aludiu a uma certa percentagem no intróito da sua pergunta.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Julgo que, nesta matéria, uma das coisas úteis que a Assembleia da República pode fazer é aprofundar, em Portugal, o debate da política de defesa nacional, para que certos fantasmas e, até, uma metalinguagem herdada de guerra fria não continuem a perpassar pelo Plenário, como se algures ainda houvesse Pacto de Varsóvia, como se o Sr. Putin não estivesse interessado em excelentes relações com a OTAN e a OTAN, ela própria, não estivesse em profunda restruturação.
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - A NATO, a NATO!
O Orador: - Portanto, Sr. Deputado, não é por V. Ex.ª simular que se mantém no mesmo sítio que o chão sob si deixou de se abater e o contexto, profundamente, deixou de mudar. V. Ex.ª não pode ser o mesmo, ainda que queira ter a mesma face, ainda que queira ter o mesmo discurso! Os links para esse discurso e o mundo a que ele dizia respeito desapareceram, pulverizaram-se, desintegraram-se. É isso que deixa órfãs algumas mentes e é a discussão com essa orfandade que é preciso fazer, a bem da sua integração e plena participação no funcionamento das instituições democráticas. Esse debate interessa-nos muito, mas também julgo que não é hoje o dia aqui de o fazer.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado João Amaral pede a palavra para que efeito?
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, é para interpelar a Mesa. Queria saber se era possível traduzir a intervenção do Sr. Secretário de Estado.
Risos.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não está proibido no Regimento que a interpelação sirva para fazer humor, mas também não está consentido. Não está prevista essa hipótese!
Tem a palavra, para uma nova intervenção, a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não resisto a utilizar o meu tempo final para comentar a brilhante intervenção do Sr. Secretário de Estado, que supúnhamos que estava a representar o Sr. Ministro da Defesa mas que, afinal, nos surpreendeu, não conseguindo dizer nada em relação a uma matéria muito concreta, a da a moratória, independentemente da sua enorme capacidade para lateralizar, para ziguezaguear, tendo, curiosamente, remetido a questão para o Sr. Ministro da Defesa, que aqui está a representar.
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Portanto, não deixa de ser estranho como é que o Governo e o Partido Socialista - aliás, como o Partido Popular e o PSD - conseguem utilizar a sua larga grelha e passar todo um debate sem dizer o que é que entendem sobre uma questão tão importante, em nosso entendimento, como é a questão da moratória. É uma pena que, tendo lateralizado, não tenha dito nada.
Mas já que entendeu colocar outras questões que não têm directamente a ver com o debate, pergunto quando é que o Governo responde, já que não o fez na sessão de perguntas nem o fez por escrito, ao nosso requerimento, sobre aqueles que são hoje os importadores de urânio das nossas minas da Urgeiriça e sobre qual é o destino que está a ser dado a esse urânio, se é civil ou militar. Tínhamos o direito de saber, temos muita curiosidade e temos pena que a «via verde» do Governo não esteja a funcionar.
O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário de Estado voltou a inscrever-se para uma intervenção. Tem a palavra.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Mais Flashback?
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Portas, peço-lhe imensa desculpa. Sei que V. Ex.ª tem uma intervenção preparada e certamente será interessante ouvi-la, mas a Sr.ª Deputada Isabel Castro merece-me igualmente respeito e suscitou algumas questões que gostaria de comentar. Estando eu aqui, não posso deixar de o fazer, como compreenderão.
A Sr.ª Deputada acaba este debate em Urgeiriça.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - No urânio!
O Orador: - Não consigo imaginar, exactamente, qual a conexão com o urânio, mas o Sr. Deputado Francisco Louçã já se propunha terminar em tungsténio. Ou seja, começamos em navegação de metais pesados e não sei, verdadeiramente, onde é que esta sessão irá parar.
Suponho que seria melhor mantê-la no ponto onde começou, ou seja, quanto à retirada, sim ou não? A resposta é não!
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Moratória: sim ou não?
O Orador: - Se os Srs. Deputados querem colocar outras questões e obter respostas adicionais em relação às que intensamente obtiveram na Comissão de Negócios Estrangeiros face a novos factos, vão ter a gentileza de organizar o acto parlamentar em que essa questão seja contemplada a se, isto é, autonomamente, e para onde carreiem argumentário adequado sobre essa matéria.
Quanto à questão das respostas aos requerimentos e à «via verde» para a sua resposta, a Sr.ª Deputada deve ser das poucas pessoas nesta Câmara que não pode queixar-se da «via verde», porque se ela funcionar em relação a alguém é em relação a V. Ex.ª.
Quanto às respostas às questões do urânio e da Urgeiriça, tê-las-á V. Ex.ª na sede própria, e muito depressa, esteja V. Ex.ª descansada.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, chegámos ao fim do debate, pelo qual já estávamos ansiosos porque, por lapso dos serviços, o mesmo teve uma duração superior à que tinha sido fixada em sede da conferência de líderes. Na verdade, tínhamos acordado uma grelha F, mas o que passou para o painel foi uma grelha E e, portanto, houve um aumento de 6 minutos nos tempos para os grandes partidos. No conjunto, demorámos mais cerca de meia hora devido a um lapso dos serviços.
Srs. Deputados, vamos passar à discussão do inquérito parlamentar n.º 6/VIII - Sobre as condições de participação de Portugal nas intervenções militares nos Balcãs (CDS-PP).
Como sabem, num debate deste tipo intervêm um dos proponentes, como é o caso do Sr. Deputado Paulo Portas que já se inscreveu, o Primeiro-Ministro ou outro membro do Governo, se assim o entender, e um representante de cada grupo parlamentar.
Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, Sr. Ministro da Defesa e Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, que, apesar da sua simpatia, é o único cujo conteúdo funcional é inteiramente estranho às matérias em apreço…
Risos do Deputado do PCP João Amaral.
A crise do urânio empobrecido provocou, em Portugal, do nosso ponto de vista, quatro tipos de reacções políticas.
Em primeiro lugar, há o «partido anti-NATO». As pessoas que, toda a vida, foram contra a Aliança Atlântica, que se recusam a reconhecer que à Aliança Atlântica devemos 50 anos de paz na Europa, que não lhe perdoam a defesa do Ocidente, evidentemente, quiseram aproveitar a oportunidade, porque esta ocorria sobre dificuldades que são sérias.
É evidente que nunca vi o «partido anti-NATO» pedir a retirada das tropas soviéticas fosse de onde fosse e suponho até que o objectivo era o de conseguir uma espécie de insurreição naquela parte do contingente português que ia partir, mas que resistiu.
O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Ora, em qualquer caso, sobre o «partido anti-NATO», só posso dizer o seguinte: aproveitaram a oportunidade; ela ocorre sobre uma dificuldade da Aliança, e muito séria, mas é uma posição coerente, uma posição legítima da qual discordo absolutamente.
Em segundo lugar, há aquilo a que chamaria o «partido do pânico».
O Sr. Honório Novo (PCP): - Esse é o PP!
O Orador: - Aqueles que, nos primeiros dias da crise, sem informação médica credível, sem informação técnica reconhecida, perante a pressão das televisões, que entraram numa espécie de concurso entre todas para ver quem apresentava mais casos potenciais de doença, quem era capaz de apresentar mais sintomas similares ao de doença, não resistiram a essa pressão, cederam e pediram a suspensão da partida das tropas portuguesas para o Kosovo.
Se essa atitude tem sido seguida, Portugal seria hoje o único país da NATO que, unilateralmente, teria suspendi
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do a sua participação na operação e teria, hoje, nas suas Forças Armadas, uma enorme crise de prestígio e credibilidade.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Em terceiro lugar, há o «partido do desgoverno», que, aliás, está inteiramente ausente da Câmara, já que até o Secretário de Estado se ausentou da Sala, pelo que peço ao Sr. Presidente que lhe transmita as críticas que farei…
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - O Secretário de Estado está atrás da porta de entrada!
O Orador: - Sr. Presidente, verifico que está a chegar o Sr. Ministro da Presidência, acompanhado do Sr. Secretário de Estado, pelo que aguardarei um pouco.
Pausa.
Estando agora presentes ambos os Membros do Governo, vou prosseguir.
Dizia eu que, além do «partido anti-NATO» e do «partido do pânico», surgiu em toda esta questão um «partido do desgoverno».
Deixem-me dizer-vos, Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado, que nem o Governo nem o Sr. Presidente da República souberam lidar com esta crise do urânio empobrecido com a serenidade e a contenção institucionais que o povo português e as Forças Armadas esperariam de uns e de outro.
Recordo a súmula dos erros, das asneiras:
a) O Chefe de Estado-Maior do Exército não tratou com o devido respeito a família de um seu soldado;
b) O Sr. Ministro da Defesa escolheu a pior ocasião para dizer que a guerra não era um assunto para militares;
c) O Sr. Presidente da República decidiu tratar os chefes dos ramos como meros cabos-de-guerra;
d) O Ministro da Defesa replicou que só o Sr. Presidente da República pode, se quiser, demitir os chefes militares;
e) O Sr. Presidente da República corrigiu o Sr. Ministro, dizendo que o Governo, se quiser, é que pode propor a demissão dos chefes;
f) Como se não bastasse, o Sr. Primeiro-Ministro declara que já não se pode confiar na NATO - por que haverão os outros de confiar?
g) O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros decide dar o seu contributo à serenidade institucional e informar o País de que o Sr. Presidente da República foi informado;
h) O Sr. Presidente da República, aliás, em campanha eleitoral, desmente o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros e confirma que nada sabia e que, portanto, tudo ignorava;
i) Não se sabe porquê, o Sr. Ministro da Defesa decide reincidir na insinuação ou no julgamento de que o Sr. Presidente da República conhecia as informações da NATO;
j) O Sr. Presidente da República interrompe as suas férias, chama o Sr. Primeiro-Ministro, dá o sinal de lhe dar um «puxão de orelhas» e confirma «Não fui informado!»;
l) Como sempre terminam estas histórias: fontes anónimas, presumivelmente do Governo, informam que o Sr. Presidente da República terá recebido telegramas diplomáticos onde a informação, que ele nega ter recebido, constava em detalhe.
Só falta publicarem em edital os telegramas diplomáticos confidenciais do Ministério dos Negócios Estrangeiros…!
Risos do CDS-PP.
Ficamos à beira do «grau z» da falta de serenidade e da falta de credibilidade política e institucional para lidar com esta questão. Isto digo sobre o Governo mas também digo sobre o Sr. Presidente da República.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Em quarto lugar, se me permitem, há o «partido da linha justa», que, nesta matéria, é o de exigir o esclarecimento da verdade e manter a serenidade institucional.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Decisões de política externa que envolvem a nossa política de defesa não se tomam sob a pressão da agenda dos media, tomam-se em função de informações credíveis, reconhecidas, informações sobre as quais possamos tirar conclusões, o que não é, manifestamente, o caso.
Foi sempre esta a posição do CDS, desde o primeiro dia, nesta crise. Hoje, vemos com agrado que o povo português, no essencial, pensa como nós pensamos.
Segundo um inquérito hoje publicado, 67% dos portugueses consideram que o Governo não deu explicações suficientes - e não deu! Atrapalhou-se e baralhou tudo aquilo que veio dizer; 64% entendem que Portugal só deve sair desta missão no momento em que se provar, e se se provar, que há uma relação provável e não apenas possível entre certo tipo de armas e certo tipo de doenças; por fim, 70% dos portugueses, como sempre, defendem a lealdade de Portugal em relação à Aliança Atlântica.
Graças a Deus, o povo português tem mais bom senso do que muitos dos seus governantes!
Vozes do CDS-PP: - Exactamente!
O Orador: - Neste quadro, entendemos que se justifica um inquérito parlamentar mais do que nunca, porque manter a serenidade institucional não significa ser cúmplice de desinformação ou de omissão quanto a questões fundamentais, porque a questão é séria, como disse desde o início.
O inquérito parlamentar é o meio adequado para que os portugueses possam saber o que soube, quando soube, e que importância deu o Governo àquilo que soube, nomeadamente, quanto ao uso daqueles projécteis e quanto ao cruzamento dos mapas dos bombardeamentos com a colocação dos efectivos no terreno, designadamente o contingente português.
Democraticamente, o inquérito parlamentar é a sede ideal e apropriada para se saber porque é que houve países que tomaram precauções mais razoáveis do que aquelas que Portugal tomou, nomeadamente a Alemanha, que mandou fazer exames médicos a partir de 1999. E porque é que Portugal, apesar de tudo, tomou precauções mínimas, deu certas instruções para que não se consumissem água nem
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alimentos? Isso evidencia um grau de conhecimento que não lhe permite, em contrapartida, alegar desconhecimento do risco.
Vozes do CDS-PP: - Exactamente!
O Orador: - Também em sede de inquérito parlamentar, poderemos saber o que fizeram os serviços secretos portugueses em todo este processo, porque se há matérias para que eles existem são matérias como estas!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Nada!
O Orador: - Que instruções, em detalhe, foram dadas às Forças Armadas?
É também em sede de inquérito parlamentar que pode saber-se o que aconteceu entre o Governo e o Presidente da República para que o País tenha assistido ao espectáculo a que assistiu, que é irrepetível e lamentável!
Vozes do CDS-PP: - Exactamente!
O Orador: - Mas há mais: não há apenas uma dúvida sobre a confiança que os portugueses podem ter nas instituições políticas para lidar com crises como esta; há dúvidas sobre a questão da saúde, sobre a questão médica e clínica. E, sobre isso, para lhe dar apenas um exemplo, Sr. Ministro, na comissão de inquérito nós poderíamos saber algo que até hoje não foi dito: qual a taxa de leucemia na população portuguesa; qual a taxa de leucemia na população militar portuguesa…
O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - … e, portanto, qual o número de casos admissível de leucemia, visto o contingente de cerca de 10 000 homens que estiveram e estão nos Balcãs. Esta informação era básica para que os portugueses pudessem ajuizar se estamos no domínio do pânico ou no domínio do risco verdadeiro.
Informações como estas - saber mais, habilitar a opinião pública e defender a dignidade das instituições - justificam um inquérito parlamentar. Se não estão de acordo com os fundamentos, nós retiramo-los, mas não estejam contra saber-se mais, saber-se a verdade em clima de sossego institucional.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique de Freitas.
O Sr. Henrique de Freitas (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Presidência: Não vejo na bancada do Governo o Sr. Ministro da Defesa Nacional que, tanto quanto sabemos, esteve na reunião do Conselho Superior de Defesa Nacional, que se iniciou às 17 horas e durou 45 minutos - uma boa desculpa! Diria que o Sr. Ministro não gosta de «navegar em metais pesados», razão por que não está aqui presente.
Risos do CDS-PP.
Aí está mais um enigma socialista! Um enigma que está a atingir a definição da política de defesa nacional enquanto instrumento de política externa; um enigma que envolve a participação de militares portugueses em operações de paz fora do território nacional.
Portugal, respondendo aos «novos tempos» pós-1989, que definiram uma outra conceptualização das exigências da paz e da segurança na Europa, empreendeu um esforço de modernização das suas Forças Armadas no pressuposto de poderem vir a cumprir missões que iam além das clássicas acções de guerra e se situavam no domínio da gestão de crises e de conflitos. Daí o nosso envolvimento em África, nos Balcãs e em Timor Loro Sae.
O peso da História impunha, assim, uma nova cultura à instituição militar, o que implicava uma nova doutrina, outro equipamento, outra estrutura e outra organização. Enfrentámos esse desafio com o processo de profissionalização, pois só ele nos garantia forças de reacção rápida, de grande mobilidade e de alto nível técnico e operacional.
O envolvimento internacional de tropas portuguesas pressupõe, assim, um consenso nacional sobre os fins da missão, os meios a empregar, as modalidades do seu emprego e transparência quanto aos riscos e ameaças presumíveis. Só assim se assegura a legitimidade da acção militar e o apoio da opinião pública - condições, a nosso ver, essenciais ao sucesso de toda e qualquer missão.
Por tudo isto, não se percebe o actual enigma socialista em matéria de defesa nacional. Esta é a discussão que se pode consultar em vária e abundante literatura, em acetatos de utilização académica e militar ou mesmo na Internet. E, se está na Internet, seguramente é do conhecimento do Governo e do Ministro da Defesa Nacional.
Nada disto é enigmático e, apesar de tudo isto, estamos a discutir o enigma socialista em matéria de defesa nacional. Um enigma que radica na total incapacidade do Governo em assumir as suas responsabilidades institucionais no esclarecimento das condições de participação de tropas portuguesas nos Balcãs, onde foram utilizadas munições revestidas a urânio empobrecido.
E onde radica esta incapacidade de esclarecimento? No facto de o Governo só saber que nada sabe? Não! Era filosófico demais para se aplicar a este Governo. Esta incapacidade radica no facto de o Governo dizer que só sabe que nada sabe!
É assim que ficamos a saber que há algo que o Governo sabe e não quer dizer! Mas vamos, então, aos factos.
A 3 de Maio de 1999, o Major-General Chuck Wald, da Força Aérea dos Estados Unidos, confirma a utilização, pelos aviões A-10, de munições de urânio empobrecido. O Governo socialista soube desta declaração? Enigmático é não saber!
A 1 de Julho de 1999, o Quartel Supremo Aliado da Europa distribui um documento aos comandos nacionais sobre os riscos do urânio empobrecido nas operações a decorrer no Kosovo, pedindo expressamente a maior divulgação possível. O Governo socialista soube? É, pelo menos, enigmático que o Governo afirme só ter recebido este documento a 9 de Janeiro de 2001. Dezasseis meses depois!
Em Julho de 1999, o Estado-Maior do Exército referiu ter tido conhecimento da existência de bombardeamentos com munições de urânio empobrecido na zona que iria ficar sob responsabilidade dos militares portugueses, por informação prestada pelo General Mauro del Vechio ao Tenente-coronel José Calçada, durante uma missão de reconhecimento ao terreno e que levou mesmo a uma altera
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ção do destacamento orgânico português. O Governo socialista soube desta informação? Enigmático é não saber!
Em Setembro de 1999, o Major de Artilharia Leandro, em artigo publicado no Jornal do Exército, escreve: «De facto, a OTAN utilizou, especialmente nas aeronaves A-10, munições fabricadas com urânio enfraquecido (…)». O Sr. Major sabia. É enigmático o Governo não saber!
O General Espírito Santo, ex-CEMGFA, afirmou existirem, desde finais de 1999, indicações de contaminação radioactiva nas áreas de responsabilidade portuguesa. Se sabia o CEMGFA é pelo menos enigmático que o Governo não soubesse.
Durante o ano 2000 os nossos aliados na NATO - Bélgica, Alemanha, Holanda, por exemplo - lançavam inquéritos, determinavam exames médicos, tomavam medidas preventivas. É enigmático que, no quadro da NATO e da União Europeia, o Governo nada soubesse!
Em Setembro de 2000 era publicado no Diário de Notícias um mapa, em que a fonte citada era a NATO e Estado-Maior do Exército, identificando as zonas de bombardeamento com urânio empobrecido e a área de responsabilidade das forças nacionais destacadas no Kosovo, resultando clara a sobreposição na região de Klina. É enigmático que o Governo desconhecesse, até porque o endereço electrónico é fácil de decorar: www.dn.pt!
Mas o que é verdadeiramente enigmático, Srs. Deputados, é que o Governo não tenha, em momento algum, dado conhecimento a esta Câmara de, pelo menos, um dos factos acima descritos, factos que habilitariam esta Assembleia a pronunciar-se sobre os efeitos e consequências dos riscos a que estavam submetidos os militares portugueses no Kosovo.
Como é verdadeiramente enigmático, Srs. Deputados, que o Ministro da Defesa, no início deste ano e perante o Parlamento, se tivesse recusado a admitir que o Governo sabia de tudo desde 1999, e que faça depender o seu conhecimento - pasme-se! - de relatórios que as Nações Unidas produziram e difundiram pela Internet no final do ano passado!
Mas o enigma não acaba aqui!
Sabendo-se, pela Internet e não só, dos riscos para a saúde do urânio empobrecido, quer em termos de radiação quer em termos do seu efeito químico e tóxico, o Governo desorienta-se. Tanto nos diz que a contaminação por urânio empobrecido não é considerado ameaça no teatro de operações no Kosovo, como adianta que a eventualidade de contaminação nunca foi menosprezada e pode constituir um grau de ameaça a tomar em consideração.
O Governo fala-nos da instrução geral de NBQ e nós sabemos que não havia filtros de água, não havia fatos de protecção química, não havia máscaras de NBQ em número suficiente e as que existiam estavam destruídas e nunca foram usadas - negligência tamanha para um risco negligenciável.
Só, de facto, a desorientação do Governo não tem carácter enigmático, compreende-se à luz dos últimos anos de poder socialista. Mas já é um enigma que o Governo tenha enviado para o Kosovo e Bósnia peritos de física nuclear e não epidemiologistas como sugere, e bem, o Comité Médico da NATO (COMEDS) e destacados especialistas portugueses na área da saúde pública e medicina nuclear.
É a verdade que temos para conhecer e não um Governo para reconfortar.
Tudo continua, portanto, obscuro, incompreensível, indecifrável, misterioso.
Os nosso militares foram para o Kosovo no desconhecimento total de uma situação de risco. A Assembleia da República não obteve do Governo as devidas informações e só a morte do Cabo Hugo Paulino, cujas causas estão ainda por esclarecer, a emoção de seu pai e a pressão da opinião pública despertaram o despreocupado Governo socialista.
O País perdeu a confiança no Governo e no Ministro da Defesa Nacional, tantas são as contradições, tantos são os embaraços. A prová-lo, o resultado do Barómetro DN/TSF/MARKTEST, publicado no dia de hoje.
A Assembleia da República pode, e deve, contribuir para o apuramento da verdade, accionando o regime jurídico dos inquéritos parlamentares. Pode estar aqui a chave para todo este enigma socialista. Porque só a verdade pode restabelecer a confiança e cimentar o indispensável consenso nacional à definição da política de defesa nacional enquanto instrumento de política externa.
Aplausos do PSD e do CDS-PP:
O Sr. Presidente: - Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Helena Neves.
A Sr.ª Helena Neves (BE): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos perante a banalização do mal. O mal que é a mentira; o mal que é a irresponsabilidade; o mal que é submeter vidas a riscos; o mal que é o poder quando se auto-afirma como autista ao próprio mal que ajuda a desencadear e no qual persiste; o mal acrescido que constitui a própria banalização do mal.
É essa banalização do mal que suscita os debates de hoje. Exactamente porque o Governo não somente se demitiu da transparência democrática, como até atentou contra ela, mentindo, dissimulando, falando a várias vozes contraditórias e enredadas em motivações de fuga à responsabilidade. Porque o Governo conhecia desde o início os riscos inerentes ao uso de armas com urânio empobrecido.
Se, contra toda a evidência, admitirmos como hipótese que o Governo não conhecia os riscos inerentes ao uso destas armas, o que ressalta, como já aqui foi salientado, é a incompetência! Como escreveu um cronista do Público: «Se não sabia, devia saber». O argumento do desconhecimento não constitui somente uma desculpa esfarrapada. Corresponde também, inequivocamente, ao assumir da irresponsabilidade. Ora, isto é feito com uma naturalidade que me deixa perplexa. Que Governo é este que fundamenta no desconhecimento uma atitude permissiva, de vulnerabilização, de ferida física e psicológica nos soldados portugueses e na vida das populações da Bósnia e do Kosovo ?!
Se não sabia, e devia saber, muitas foram as vozes e opiniões avalizadas do ponto de vista científico, nomeadamente médico, que surgiram provando os perigos do urânio empobrecido. Chamamos, em particular, a atenção para os artigos de José António Salcedo, professor catedrático da faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, que testemunham solidamente os perigos do DU em temos radiológicos e químicos interna e externamente para o corpo humano, fundamentando-se, aliás, em estudos internacionais todos insuspeitos, como é o caso, entre muitos outros, do Manual Técnico e Médico, publicado em Maio de 2000, pelo centro das Forças Armadas dos Estados Unidos da América para a promoção da saúde e medicina preventiva.
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Mas o poder político e militar persistiu no que objectivamente constitui um atentado em termos humanos e ambientais. Inventou inventonas pela voz desnorteada do General Martins Barrento, em ataque acelerado ao pai de um soldado vítima do Kosovo e à comunicação social. Na realidade, estamos perante uma inventona, como aliás transparece no artigo do Professor José António Salcedo: a inventona dos membros do Governo e de Forças Armadas.
O Governo persistiu - e persiste -, e mais jovens seguiram para o território de risco e de ameaça. Mais mães, pais e famílias ficaram com o coração apertado, impotentes perante o poder absoluto e absurdo, que joga com a vida dos nossos e dos povos em causa.
Argumenta-se que não existem provas científicas conclusivas acerca do modo como actua a contaminação por radioactividade ou por inalação de partículas. Mas existem provas que actuam. Mesmo que tal não estivesse totalmente provado, e está, impunha-se uma actuação baseada no princípio da precaução. O princípio da precaução está consagrado em Direito Internacional, desde 1992 (inicialmente apenas no âmbito do política ambiental e a partir de 1990 foi alargado). Foi reconhecido durante a Conferência da ONU sobre o ambiente e desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1982, e está também contemplado em comunicação da Comissão da União Europeia relativa ao principio da precaução, em Fevereiro de 2000, na qual se considera que: «A Comunidade tem o direito de fixar o nível de protecção, nomeadamente em matéria de ambiente, saúde das pessoas e dos animais e protecção vegetal que considere adequado. O recurso ao princípio da precaução constitui um elemento essencial da política comunitária (…) O recurso ao princípio da precaução pressupõe que se identificaram efeitos potencialmente perigosos decorrentes de um fenómeno de um produto ou de um processo, que a avaliação científica não permite a determinação do risco com suficiente segurança (…) As instâncias de decisão devem estar conscientes do grau de incerteza relativa aos resultados de avaliação dos dados científicos disponíveis.».
Independentemente desta consagração, na actualidade, o reconhecimento dos limites do conhecimento científico e das transformações tecnológicas por ele desencadeadas e que nele se repercutem, exige necessariamente, como o Professor Boaventura Sousa Santos salienta, que as consequências negativas duvidosas, mas possíveis, devam ser tidas como certas. O princípio da prudência é o princípio da responsabilidade, da responsabilidade pelo futuro. É pena que não esteja cá o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares porque esta é a questão fundamental que ele disse ignorar.
Seja qual for a forma encontrada nesta Assembleia, inquérito ou qualquer outra, o que urge é o esclarecimento pleno da verdade no âmbito institucional e no âmbito da opinião pública. É algo que o processo democrático impõe, exige. É exactamente o que o Governo não tem feito, não faz e tem de ser chamado a fazer. Inequivocamente, e com carácter de emergência.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques.
O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados, irei proferir uma intervenção serena, desde já correspondendo ao apelo do Sr. Deputado Paulo Portas.
O Grupo Parlamentar do Partido Socialista tem por orientação geral viabilizar as comissões de inquérito, na medida em que estas contribuam para o desempenho com eficácia do papel fiscalizador desta Assembleia, sempre que haja questões que, pela sua natureza ou gravidade, justifiquem o recurso a esse instrumento parlamentar.
No caso em debate, consideramos, no entanto, que os objectivos com que o CDS-PP fundamenta e justifica o seu pedido de inquérito, objectivos veementemente reafirmados pelo Sr. Deputado Paulo Portas, inserem-se na actividade normal, que deve ser serena, como também várias vezes sublinhou o Sr. Deputado, da Comissão de Defesa Nacional.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - De outro modo, esta seria esvaziada de funções ou dar-se-ia uma contraproducente duplicação de tarefas. Há reuniões já convocadas para segunda e terça-feira em torno desta temática.
Cabe à Comissão de Defesa Nacional fazer o acompanhamento da evolução dos assuntos enunciados pelo CDS-PP, e aqui abordados, e outros que sejam com eles correlacionados e que tenham a ver com o envolvimento de Portugal nos Balcãs. Aliás, este acompanhamento prolongado no tempo não se compadece com o estabelecimento de um horizonte temporal preciso a que estão sujeitas as comissões de inquérito, de acordo com o artigo 11.º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares.
Como já tivemos oportunidade de afirmar na Comissão de Defesa Nacional, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista está aberto e disponível para que se realizem todas as audições e se tomem todas as iniciativas consideradas necessárias para esclarecer tudo o que houver a esclarecer e debater.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Este Grupo Parlamentar e o Governo não temem a transparência nem deixam de assumir as responsabilidades que, eventualmente, lhes caibam.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - É evidentemente consensual e partilhada a preocupação pelas condições de segurança em que actuam as nossas forças, tanto as militares como as policiais ou civis, e que se estabeleça uma relação de confiança entre as instâncias de decisão política e militar, os familiares e a opinião pública.
Importará que, no quadro desta Assembleia da República e no quadro da Comissão de Defesa Nacional, possamos inserir as diversas questões controvertidas, tão apaixonadamente, nas últimas semanas, no seu contexto mais geral. Donde, me permito realçar os seguintes aspectos, que, aliás, há pouco, o Sr. Deputado Basílio Horta referiu.
Em primeiro lugar, a estabilidade da instituição militar; depois, a questão da participação de Portugal na construção de uma política europeia externa e de segurança comum, concretizando o que foi decidido na cimeira de Colónia; e, finalmente, entre os aspectos que realçarei, está a atitude de Portugal face aos seus compromissos internacio
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nais no âmbito da ONU e da OTAN, de forma a contribuir para a paz e a segurança colectiva.
Em relação ao primeiro aspecto, permitam-me realçar que as Forças Armadas atravessam uma fase complexa de reestruturação e de adaptação às novas realidades em consequência da decisão política, de que todos somos responsáveis, de, num processo gradual, se acabar com o serviço militar obrigatório.
Estas são as novas realidades. As Forças Armadas deparam-se com as missões de paz internacionais em que estão envolvidas, assim como também com as acções de cooperação, nomeadamente em África. Neste sentido, o enfraquecimento da necessária relação de confiança entre o País e as suas Forças Armadas poderá ter consequências - não quero exagerar nos adjectivos - que direi perniciosas no que se refere ao prosseguimento da referida reestruturação e sobre a estabilidade das instituições democráticas.
Os nossos jovens, que já não são constrangidos por aquilo a que, no século XIX, se chamava «imposto de sangue», mas que são chamados a, voluntariamente, dar o seu esforço e o seu contributo para a defesa nacional, precisam de ser motivados para contribuírem para o prestígio das Forças Armadas, sobretudo quando estas são chamadas a intervir em teatros de operações no estrangeiro.
Quanto ao segundo aspecto, o da política de segurança comum na Europa, gostaria de dizer muito rapidamente que convirá reflectir sobre o papel do nosso país e dos contributos que lhe deverão caber para a criação de uma capacidade militar europeia de reacção às crises, com todas as implicações daí decorrentes, das quais afloro algumas, como sejam a procura do máximo de interoperacionalidade e do caminhar para a estandardização dos sistemas de armas e da própria instrução de base e até do caminhar para uma unidade de comando.
Isto na medida em que - e este é o terceiro aspecto que afloro - uma maior capacidade autónoma da Europa nos domínios da defesa e da segurança contribuirá, seguramente, para o reforço da capacidade interventiva da ONU e para relações mais equilibradas no seio da OTAN. Este equilíbrio, se não é condição sine qua non, é, pelo menos, um factor que ajudará a melhorar as regras existentes ou, se necessário, a estabelecer novas regras, inclusive no que concerne à circulação de informação e à transparência de procedimentos entre os aliados atlânticos, o que, aliás, deverá ser o timbre entre aliados e convém ao funcionamento de uma sólida e sã aliança.
Concluindo e sintetizando, a Comissão de Defesa Nacional poderá ajudar a esclarecer o que houver a esclarecer no que se refere aos assuntos mencionados no pedido de inquérito em debate, mas também contribuir para que se reforcem os factores de coesão em torno dos grandes objectivos da defesa nacional.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votaremos favoravelmente o inquérito proposto pela bancada do CDS-PP, além do mais por uma questão de princípio. Consideramos que, a menos que tivéssemos uma objecção de fundo em relação ao inquérito, o deveríamos sempre viabilizar.
Quero tranquilizar o Sr. Deputado Paulo Portas, dizendo-lhe que isto não faz parte da estratégia subversiva do partido anti-NATO!
Risos.
Consideramos que o inquérito pode ter utilidade, nomeadamente porque há questões que têm de ser bem clarificadas.
Quando o Sr. Ministro da Defesa aqui esteve, a 3 de Janeiro, se não estou em erro, a certa altura disse o seguinte: «Comigo, no desempenho do cargo de Ministro, não haverá participação de Portugal em organizações de forças militares onde os dispositivos de comando e de estado-maior não possam dizer quais serão os meios e a estratégia utilizados numa determinada operação.» E acrescentou: «Uma das razões por que sempre me revoltei contra a operação Joint Guardian no Kosovo foi precisamente por as decisões que foram tomadas sobre a utilização dos meios tácticos não terem sido nem atempadas nem suficientemente comunicadas aos responsáveis militares que participaram nessas operações.»
Estas duas frases são gravíssimas! E, das duas, uma: ou são ditas com o sentido da responsabilidade e correspondem ao que se passa, o que é gravíssimo, ou isso não se passa, o que também é gravíssimo, embora por razões diferentes.
É bom que o inquérito esclareça o que se quer dizer com isto, bem como o que se quer dizer em relação ao sentido da responsabilidade dos Ministros Jaime Gama e António Vitorino (creio que eram estes os titulares da pasta da defesa nacional quando as decisões relativas à participação na Bósnia-Herzegovina e no Kosovo foram tomadas), e ainda o que é que isto quer dizer no que respeita ao significado da participação de Portugal na NATO. Então, Portugal está nos órgãos directivos da NATO ou há um «andar de baixo» e um «andar de cima»? É capaz de haver mesmo um «andar de cima»!
É tudo isto que o inquérito há-de apurar, pois temos de saber quais são as condições em que um país como Portugal participa neste tipo de operações militares.
Creio que há ainda uma outra questão importante que o inquérito pode apurar, e que constituiu grande parte do objecto da intervenção do Sr. Deputado Henrique Freitas, no que toca às condições concretas, que me dispenso de referir.
Uma terceira questão referida no objecto do inquérito tem a ver com o conhecimento técnico dos riscos do urânio. A Sr.ª Deputada Helena Neves já mencionou algumas referências que têm aparecido na imprensa, referindo-se, por exemplo, ao artigo do Professor José António Salcedo, que cita vários documentos, curiosamente todos provenientes de departamentos oficiais das forças armadas americanas. O último dos documentos citados - a que não sei se a Sr.ª Deputada Helena Neves se referiu - foi feito pelo departamento de urânio empobrecido do Instituto de Pesquisa Radiobiológica das Forças Armadas Americanas e contém umas conclusões sobre o efeito do urânio empobrecido, nomeadamente no que toca a tecidos mamários, onde é afirmado que, com o tempo, o urânio empobrecido redistribui-se através de vários tecidos, especialmente ossos e rins, induzindo oncogenes e instabilidade genética. Um outro estudo feito por este mesmo instituto cita mais de 100 relatórios e estudos sobre este tema.
Aliás, a questão dos perigos deste material está contida na informação básica que há acerca do mesmo! Então,
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se se diz que é perigoso estar junto a um tanque que tenha sido atingido por um projéctil com urânio empobrecido, o que é que isso significa? Que ele é inócuo?! Ou significa, justamente, que se reconhece que ele é perigoso? Quanto muito, está em discussão saber qual é exactamente o conteúdo concreto de cada um desses perigos e o seu prolongamento no tempo! Vale a pena continuar a aprofundar essa discussão, com uma certeza.
Na imprensa estrangeira que costumamos consultar, como, por exemplo, o El Pais, o Le Monde, Le Figaro (uns um bocadinho mais para a esquerda, outros um bocadinho mais para a direita…), e na imprensa portuguesa de todas as cores não houve um único artigo que defendesse a inocuidade. Essa é a realidade, ninguém defendeu a inocuidade do produto.
Creio que devemos dar confiança às Forças Armadas, a confiança que o País tem nelas, e também à juventude no que diz respeito aos princípios enformadores do funcionamento das Forças Armadas. A nossa juventude, às vezes, tem mais má fama do que proveito. Por exemplo, num inquérito que hoje foi publicado refere que, em relação à pergunta se os gastos com a defesa são exagerados, adequados ou insuficientes, a generalidade dos cidadãos, 37%, diz que são exagerados, enquanto que só 29% dos jovens entre os 18 e os 34 anos diz que são exagerados. Curiosamente, 17% da generalidade dos portugueses e 24% dos jovens dizem que são insuficientes, o que significa que a juventude portuguesa tem sensibilidade para as questões de defesa ou mostra um indício dessa sensibilidade.
Termino, Sr. Presidente, fazendo outra referência à juventude.
Neste mesmo inquérito, acerca das explicações do Governo sobre o que se passou, 66% dos portugueses consideraram-nas insuficientes; mas 78% dos jovens entre os 18 e os 34 anos, que são os prestam serviço militar, consideraram-nas insuficientes. Sr. Ministro da Presidência, pense se isto não justifica que o Governo dê o seu aval à realização deste inquérito.
Vozes do PCP e do CDS-PP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.
O Sr. Ministro da Presidência (Guilherme d'Oliveira Martins): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, ouvi, como sempre, com toda a atenção, as diferentes intervenções sobre a proposta do Partido Popular e gostaria, sobretudo, de enfatizar o ponto referido pelo Sr. Deputado Paulo Portas: a necessidade da serenidade institucional. E a serenidade institucional significa a assunção por parte do Parlamento das competências próprias das comissões, em particular da Comissão de Defesa Nacional, que acompanha, como tem acompanhado, estas questões.
O Governo está disponível, como sempre esteve, para dar todas as informações e corresponder a todas as solicitações em termos de normalidade institucional. Naturalmente, caberá a esta Câmara pronunciar-se sobre a proposta, sobre a qual nada irei dizer. Devo apenas exprimir a disponibilidade do Governo, na lógica da serenidade institucional, para prestar todos os esclarecimentos a esta Câmara e à Comissão de Defesa Nacional.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim do debate do inquérito parlamentar n.º 6/VIII e confesso que já estava a ficar intoxicado pelo urânio, não no sangue, espero, mas nos ouvidos.
Todavia, temos de votá-lo imediatamente, há acordo neste sentido e temos de cumprir honradamente os acordos feitos.
Assim, vamos votar o inquérito parlamentar n.º 6/VIII - Sobre as condições de participação de Portugal nas intervenções militares nos Balcãs (CDS-PP).
Submetido à votação, verificou-se um empate, tendo votado a favor o PSD, o PCP, o CDS-PP, Os Verdes e o BE e contra o PS.
Srs. Deputados, dada a situação empate, tem de haver uma segunda votação, que vamos fazer de imediato.
Submetido à votação, verificou-se um novo empate, tendo votado a favor o PSD, o PCP, o CDS-PP, Os Verdes e o BE e contra o PS.
Srs. Deputados, tendo-se registado novo empate, ao abrigo do artigo 107.º do Regimento, o inquérito parlamentar foi rejeitado.
Srs. Deputados, temos ainda para discutir e votar, na generalidade, na especialidade e em votação final global, tal como foi acordado por todos os grupos parlamentares, a proposta de lei n.º 57/VIII - Simplifica os mecanismos de adjudicação e de fiscalização prévia dos contratos relativos às obras de reparação, construção e reconstrução de edifícios, equipamentos e infra-estruturas municipais e das habitações de particulares que ficaram total ou parcialmente destruídos, em virtude das condições climatéricas desfavoráveis ocorridas no presente Inverno, e exclui dos limites de endividamento municipal os empréstimos a celebrar ao abrigo da linha de crédito bonificado para a realização das respectivas obras.
Para apresentar a proposta de lei, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.
O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quase que poderia oferecer o merecimento dos autos e, devido ao adiantado da hora, não irei, obviamente, fazer uma longa intervenção.
Gostaria, no entanto, antes de mais, de realçar o apreço do Governo pela disponibilidade de todos os grupos parlamentares em permitirem o agendamento desta proposta de lei, com carácter de urgência e, nesse sentido, naturalmente, corresponde-se àquilo que ontem mesmo todos os grupos parlamentares afirmaram sobre a necessidade de uma verdadeira e autêntica solidariedade institucional em torno de um tema que exige medidas urgentes.
Ao apresentar o conteúdo da proposta de lei, o Sr. Presidente referiu o aquilo que está em causa. Antes de mais, a simplificação dos mecanismos de fiscalização prévia dos contratos, no que se refere à utilização por estruturas municipais de mecanismos inerentes à resposta às consequências das intempéries e, em segundo lugar, a exclusão dos limites de endividamento municipal nos empréstimos celebrados ao abrigo da linha de crédito bonificado, especialmente criada para a realização das obras referidas no diploma.
Gostaria desde já de esclarecer um ponto. A Associação Nacional de Municípios Portugueses, tendo sido ou
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vida, hoje mesmo, sobre o teor da proposta de lei, manifestou concordância sobre ela e veio referir a possibilidade de nela incluir um regime especial de ajuste directo, quer aplicável à execução e regime de empreitada das obras, quer para a aquisição de bens ou serviços necessários ao processo de reconstrução.
Permito-me dizer que o Governo, hoje mesmo, em Conselho de Ministros, aprovou um decreto, no âmbito das suas competências, que consagra exactamente esta possibilidade.
Sr. Presidente, estou disponível para os esclarecimentos ou questões que os diferentes grupos parlamentares tenham a colocar.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró, dispondo de mais 1 minuto, que foi concedido pelo Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes».
O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vamos votar favoravelmente a proposta de lei n.º 57/VIII. Ainda outro dia o Sr. Deputado Paulo Portas dizia que estávamos receptivos até para um orçamento suplementar, se fosse necessário, e, por maioria de razão, votamos mais estas facilidades conseguidas para que se possa obviar, a posteriori, às dificuldades surgidas junto das pessoas pelos efeitos produzidos pelas cheias.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - E com isto julgamos que se encerra um período de consternação e de unanimidade em torno do que é preciso fazer com urgência e na emergência. Findo este período, entendemos que já não é mais possível calar algumas coisas que é preciso dizer sobre o que não funcionou, infelizmente, nos dispositivos que os Estados normalmente têm à sua disposição. É que, Srs. Deputados, nas recentes cheias do rio Mondego houve uma falha grave no sistema que o Estado montou para minimizar os efeitos destas situações e que é a estrutura do Planeamento Civil de Emergência. Como em qualquer Estado civilizado, existem, em Portugal, mecanismos e procedimentos previstos na lei para situações de emergência, que são previamente planeados para serem obrigatoriamente aplicados, de forma a que os cidadãos apenas sofram os efeitos negativos provocados por essas situações, que não sejam de todo possível evitar.
As cheias são sempre provocadas pela precipitação e, neste sentido, são catástrofes naturais, mas há algumas que só o são indirectamente, e estas são as que ocorrem por esgotamento do sistema de retenção das águas construído pelos homens. É o caso das descargas das barragens quando as albufeiras atingem o seu limite de segurança. Estas cheias são mais violentas, são mais rápidas, mas têm sobre as outras uma pequeníssima vantagem, que é a possibilidade de se conhecer com uma antecedência suficiente o momento exacto em que vão ocorrer. Portanto, nestas cheias é possível proceder a tempo a medidas de protecção de modo a salvaguardar a segurança de muitas pessoas e muitos bens. Facilmente se percebe a enorme importância que tem, nestes casos, o mecanismo que permite emitir atempadamente os avisos e accionar as acções de salvaguarda. De resto, na maior parte das situações, as que são relativas às pessoas e aos bens privados, é praticamente suficiente o aviso emitido com uma antecedência mínima, porque é o próprio interesse dessas pessoas e proprietários que vai geralmente provocar essas acções de salvaguarda.
O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - O grave é que foi precisamente esse mecanismo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que falhou, nas recentes cheias do rio Mondego. Todos os testemunhos recolhidos através da intensa cobertura mediática que as rodeou vão no mesmo sentido: não houve qualquer aviso! Os doentes não foram recolhidos de forma apropriada,…
O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Grave!
O Orador: - … os animais continuaram nos campos, as viaturas nas garagens, os electrodomésticos e o restante mobiliário no rés-do-chão das moradias, as embarcações fluviais nos cais do Instituto Nacional do Desporto e o património móvel que poderia ter sido retirado a tempo de todo o tipo de instalações não o foi!
Nada disto tinha de ser assim! Não era uma fatalidade! Ao invés, o que tinha de acontecer era justamente o contrário. Há que lembrar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que foi a primeira vez que este sistema foi posto à prova com esta intensidade, neste tipo de situação; ou seja, nunca houve em Portugal uma grande cheia, antecedida de descargas numa barragem portuguesa. Era precisamente agora que o sistema montado tinha de mostrar a sua utilidade e eficiência. Infelizmente, o que se verificou foi a sua ineficiência e, pelo menos na perspectiva dos que sofreram prejuízos evitáveis, a sua inutilidade.
Já existiram, no passado, cheias no rio Tejo com origem em descargas de barragens espanholas. Nessa altura não faltaram vozes a protestar contra aquilo que alguns disseram que existiu e que teria sido a falta de aviso atempado da parte espanhola. Não posso asseverar que esse aviso não tenha existido, mas, agora, é inegável que ele não existiu, e trata-se de um rio inteiramente português.
O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Houve, não há dúvida, algo de fundamental que falhou. É indispensável, a nosso ver, saber o que foi. É imprescindível que o Governo diga, urgentemente, o que se passou, que as responsabilidades sejam assumidas e que sejam tomadas as medidas necessárias para pôr a funcionar o que manifestamente não funcionou.
O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Mas para quem é um observador externo - e nesta Assembleia somo-lo todos, até ao necessário esclarecimento por parte do Governo - é possível, no entanto, fazer algumas constatações. É possível constatar, por exemplo, que existiu, no mínimo, uma falha total de comunicação entre as três entidades que, por força de lei, têm de estar em contacto quando é tomada a decisão de abrir as comportas: a EDP, ou melhor, a Companhia Portuguesa de Produção de Electricidade, que é a sua empresa que detém as barragens e que é quem faz o controlo do nível de segurança da albufeira, em permanência; o Instituto da Água que desse controlo é advertido e que toma a decisão da descarga em contacto permanente com a ter
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ceira entidade, que é o Conselho Nacional do Planeamento Civil de Emergência.
Esta última entidade, que detém a responsabilidade última da decisão, como facilmente se percebe, é uma estrutura interministerial que agrupa representantes do Ministério da Administração Interna, do Ministério da Defesa Nacional, do Ministério da Saúde e do Ministério da Economia, do Ministério do Ambiente e outras entidades e está legalmente colocada na dependência directa do Primeiro-Ministro, que normalmente delega no Ministro da Presidência. É a ela que cabe a responsabilidade de transmitir ao nível seguinte, o Serviço Nacional de Protecção Civil, a informação necessária para que possam ter sido accionados todos os mecanismos de evacuação e aviso às populações que se impõem.
Para quem conhece o sistema de retenção de águas do rio Mondego sabe que entre a descarga da barragem da Aguieira e o enchimento do açude de Coimbra medeiam, pelo menos 3 a 4 horas…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que termine.
O Orador: - Sr. Presidente, vou terminar em 30 segundos, que foi tempo cedido por Os Verdes.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, esse tempo já foi somado àquele que dispunha, pelo que agradeço que termine.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, o PSD cede 1 minuto do seu tempo ao CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Sendo assim, ainda dispõe de 1 minuto.
O Orador: - Como eu dizia, para quem conhece o sistema de retenção de águas do rio Mondego sabe que entre a descarga da barragem da Aguieira e o enchimento do açude de Coimbra medeiam, pelo menos 3 a 4 horas, com a passagem pelo caminho do moderador, constituído pelo açude da Raiva, que serve, inclusivamente, na circunstância, de alarme e medida para o aumento de caudais, e que, depois da descarga, em Coimbra, leva 1 hora até à sobrecarga dos diques que protegem as margens a jusante, os que cederam. Ou seja, e este é que o ponto essencial, decorreram, pelo menos, 4 a 5 horas entre a descarga na barragem da Aguieira (de que o Serviço Nacional de Protecção Civil deveria ter sido avisado) e as primeiras inundações que afectaram populações, casas e terrenos.
O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Certo!
O Orador: - Não há notícia de um qualquer aviso durante todo este período de tempo!
Como os Srs. Deputados calcularão, é difícil de conceber e aceitar que o Serviço Nacional de Protecção Civil tenha sido avisado e nada tenha feito. O mesmo se deve dizer sobre um conhecimento não transmitido a este pelo Conselho Nacional de Planeamento Civil de Emergência. É por isso que nos inclinamos para uma falha de comunicação na fase anterior, entre as três entidades relacionadas com a abertura das comportas, e é sobre isto que levantamos a interrogação.
O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Mas é, no mínimo, o que pode ter acontecido.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, esgotou o seu tempo, tem mesmo de terminar.
O Orador: - Onde terá existido a falha, Sr. Presidente? Não ousamos afirmá-lo. Mas é obvio que a pergunta se impõe! Ficamos naturalmente a aguardar o esclarecimento desta grave matéria.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes. Dispõe, para o efeito, de 4 minutos.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero não só concordar vivamente com tudo aquilo que foi dito pelo Sr. Deputado Manuel Queiró como acrescentar um dado que me parece relevante. Eu próprio, na noite de sexta-feira para sábado, em que ocorreram estas chuvadas, estava, por coincidência, na estrada e a ouvir, pelo rádio do automóvel, os noticiários, mais em concreto, a Rádio Renascença, e ouvi quer no noticiário das 24 horas quer no da 1 hora da manhã ligações directas ao centro permanente do Serviço Nacional de Protecção Civil, em que o comunicado, que era dado, via rádio, às populações, em directo, era: «não há razões para alarme, as pessoas podem dormir descansadas». No dia seguinte, os portugueses acordaram com o espectáculo que todos conhecemos.
Quanto ao diploma, em concreto, Sr. Ministro da Presidência, quero dizer-lhe o seguinte: o PSD, ao longo da tarde, teve já oportunidade, na sequência da reunião do poder local, de, dada a celeridade desta matéria, colocar ao Governo fundamentalmente três questões que nos parecem dever ser objecto de melhoramento no diploma.
A primeira destas questões tem a ver com aquilo que quer o Sr. Presidente disse, quando anunciou o diploma em discussão, quer o Sr. Ministro se referiu e que o próprio título do diploma aponta, que é para a necessidade de simplificar os procedimentos para a reparação e reconstrução quer de bens e equipamentos públicos quer de residências de particulares que foram gravemente afectadas por estas intempéries. A verdade é que depois, no articulado do diploma, todo ele está exclusivamente virado para os bens públicos e nada se diz relativamente aos bens particulares.
É evidente que, do meu ponto de vista, não pode tratar-se senão de um mero lapso, devido à rapidez com que este diploma foi elaborado, mas é uma correcção que necessita ser feita. Já apresentámos uma proposta ao Governo para que essa alteração seja feita no artigo 2.º, porque, evidentemente, não é aceitável que todos esses mecanismos de celeridade sejam postos já no terreno para os bens públicos e não o sejam para os bens de particulares, principalmente, daqueles que, por manifesta escassez de recursos, não têm capacidade de reconstruir as suas habitações e que, como é evidente, devem merecer o auxílio das autarquias, beneficiando exactamente do mesmo esquema simplificado.
A segunda proposta que fizemos, Sr. Ministro, prende-se com o âmbito de aplicação subjectiva do diploma. O diploma está todo ele, aparentemente, virado para equi
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pamentos municipais, o que nos parece redutor, no sentido de também as juntas de freguesia, nomeadamente em termos de caminhos vicinais e outros, terem uma palavra a dizer, terem respostas no terreno que podem ser agilizadas. Portanto, a nossa proposta é que, ao longo dos quatro artigos, onde se lê «municipais», se leia sempre «autárquico» ou «das autarquias locais», dando assim a margem de manobra necessária quer para os municípios quer para as freguesias. Como o Sr. Ministro sabe, pela lei das finanças locais actualmente em vigor, as freguesias também têm capacidade de endividamento, embora numa capacidade menor, para determinado tipo de actos e o que está aqui em causa são actos da mais variada dimensão.
Uma outra proposta, Sr. Ministro, tem a ver com uma questão mais especiosa em termos jurídicos, mas que, a meu ver, deve ter a cobertura também desta lei. A lei fala apenas na simplificação e na isenção de mecanismos de fiscalização prévia dos contratos, quando é certo que, face à lei de organização e funcionamento do Tribunal de Contas, também há determinados actos das autarquias que são passíveis de fiscalização prévia, actos esses que dizem respeito, por exemplo, a autorizações administrativas para os próprios serviços camarários ou municipalizados avançarem, relativamente a determinado tipo de obras, com determinada dimensão de custos.
O Sr. Presidente: - Terminou o tempo de que dispunha, Sr. Deputado.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Portanto, fazemos também a proposta de que seja feita essa correcção.
Com estas alterações, obviamente, o Partido Social Democrata está totalmente aberto a votar favoravelmente a proposta de lei, mas gostávamos que o Governo nos desse a indicação de que as aceita.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.
O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo pretende colher o acordo da Assembleia da República para uma iniciativa legislativa que procura dar resposta à necessidade de, com eficácia e com celeridade, reparar e reconstruir equipamentos e infra-estruturas municipais, fundamentalmente municipais, destruídas com as violentas intempéries que atingiram o território continental a partir da parte final do ano 2000.
Com esta proposta de lei, o Governo pretende que a Assembleia da República dê luz verde à criação de um regime excepcional que dispense de visto prévio do Tribunal de Contas os contratos a estabelecer pelos municípios para a reparação e reconstrução de equipamentos e infra-estruturas total ou parcialmente afectadas pelas recentes intempéries.
Visa também o Governo, com a sua proposta de lei, que a Assembleia da República aceite que esta legislação excepcional venha a permitir estabelecer que os empréstimos celebrados ao abrigo da linha de crédito bonificado, entretanto criada para o efeito, não venham a contar para os limites do endividamento municipal.
Tendo em conta que este é um enquadramento legislativo excepcional e transitório e que, por isso mesmo, se vai manter apenas e enquanto não forem reparadas ou reconstruídas as instalações e infra-estruturas municipais afectadas por estas intempéries; tendo em conta que visa exclusivamente dotar de maior operacionalidade e eficácia a intervenção do poder local na reparação dos estragos e na reconstrução do património; tendo em conta que, apesar da agilidade de processos que prevê, não vai, porém, dispensar a fiscalização sucessiva das despesas efectuadas; tendo em conta que procura dar apenas satisfação às necessidades que, fundamentalmente, o poder local municipal manifestou, logo que os eleitos locais constataram a profundidade e a gravidade das destruições provocadas pelas intempéries; e tendo em conta que existe um acordo substantivo, pelo menos assim o esperamos, para que o conteúdo da proposta de lei se estenda a todo o tipo de autarquias locais, que não apenas os municípios, o PCP, em total sintonia e coerência com as posições que manifestou de solidariedade para com as vítimas, de urgência em minorar os efeitos negativos da catástrofe, de celeridade na reconstrução dos equipamentos e das infra-estruturas afectadas pelas intempéries, vai votar favoravelmente a proposta de lei apresentada, hoje, pelo Governo.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Rocha Gariso.
A Sr.ª Margarida Rocha Gariso (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência, Sr.as e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Socialista não pode deixar de manifestar o seu agrado pela forma célere como o Governo está a intervir, no sentido de ajudar as pessoas vítimas das intempéries que têm assolado o nosso País desde Novembro do ano 2000, para que superem, de facto, as dificuldades excepcionais por que estão a passar.
A presente proposta de lei visa criar mecanismos de carácter excepcional, no sentido de simplificar procedimentos, permitindo às câmaras municipais, que são quem está mais próximo dos cidadãos, no mais curto espaço de tempo, realizar as obras necessárias com vista à reposição da operacionalidade dos equipamentos e infra-estruturas que foram danificados pelo mau tempo.
A proposta de lei ora em apreciação tem por objecto suprimir ou dispensar o visto prévio do Tribunal de Contas, sem, naturalmente, dispensar a fiscalização concomitante e sucessiva, relativamente a todas as obras de reparação, construção e reconstrução de edifícios, equipamentos e infra-estruturas que foram destruídas em consequência das condições climatéricas desfavoráveis ocorridas desde Novembro de 2000, assim como também pretende excluir dos limites de endividamento municipal os empréstimos celebrados ao abrigo da linha de crédito bonificada e criada expressamente pelo Governo para o efeito, para fazer face aos encargos resultantes das obras mencionadas.
Deste modo, não podemos deixar de considerar de grande importância que a proposta de lei que está, neste momento, a ser apreciada seja aprovada com a urgência de que carece, no sentido de prestar, o mais rapidamente possível, o auxílio às populações atingidas por estas intempéries.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
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O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já ontem, no debate que aqui realizámos, tive ocasião de me manifestar tanto sobre a dimensão desta calamidade como sobre problemas graves de falta de coordenação que exigem uma atenção para o futuro.
Estamos agora, por acordo de todas as bancadas, a discutir, em regime bastante urgente, uma proposta de lei do Governo que, sem prejuízo de melhorias que possam ser feitas e do recurso paralelo a outros meios, como, por exemplo, a conta de emergência do Ministério da Administração Interna, os recursos do IAPMEI ou muitos outros, permite acudir a estas dificuldades.
Por isso mesmo, em consideração e em consonância com a intervenção anterior, considerando esta proposta, votá-la-emos favoravelmente.
O Sr. Presidente: - Ainda para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência, Srs. Deputados: O Partido Ecologista «Os Verdes» votará favoravelmente a proposta de lei que está a ser discutida, porque concordamos, naturalmente, com os mecanismos de excepção e de simplificação nela apresentados, os quais consistem, basicamente, no facto de as obras serem financiadas com recurso à linha de crédito bonificada, que é criada para reparação dos danos causados pelas últimas intempéries, e a empréstimos que não sejam considerados para o endividamento dos municípios e também na dispensa do visto prévio do Tribunal de Contas relativamente aos contratos a celebrar pelas autarquias locais para a realização das ditas obras de reparação e de reconstrução.
Porém, o Partido Ecologista «Os Verdes» não concorda com o facto de estas medidas se tomarem de forma isolada e, depois, se cruzarem os braços e se continuarem a intensificar formas de agravamento das próximas intempéries, com os consequentes prejuízos que daí advirão para mais pessoas.
Portanto, Sr. Ministro da Presidência, aquilo que o Partido Ecologista «Os Verdes» considera é que é tempo de reordenarem Portugal, é tempo de repensar novas formas de construir, é tempo de repensar certas obras e é fundamental aprender com os erros já cometidos. É que, Sr. Ministro, se não se tivesse betonado parte do rio Mondego, tentando «domá-lo», não adviriam daí as consequências destas últimas intempéries. A única coisa que se conseguiu fazer ao rio Mondego foi dar-lhe mais força.
Por outro lado, se não se tivessem ocupado zonas de risco, Sr. Ministro, provavelmente, os efeitos destas intempéries, para muitas pessoas, não teriam sido tão perversos.
Sr. Ministro, a mensagem que quero aqui deixar é aquela que já deixei algumas vezes: prevenir tem sempre muito menores custos do que tentar, depois, remediar.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.
O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Agradeço a expressão de apoio de todas as bancadas relativamente a esta iniciativa.
Gostaria de começar por me referir às três propostas de alteração apresentadas pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes, para dizer que o Governo está de acordo com elas. A primeira, porque a consideração da iniciativa privada é correcta e adequada; a segunda, porque torna claro que não é só o município que é abrangido mas também as freguesias, uma vez que, como o Sr. Deputado recordou, agora é possível, ainda que limitadamente, o endividamento por parte das freguesias; e a terceira, porque clarifica e, ainda que ligeiramente, leva a uma extensão da dispensa de visto prévio do Tribunal de Contas nos exactos termos que aqui o Sr. Deputado apresentou.
O mesmo se passa em relação à sugestão apresentada pelo PCP e que merece, naturalmente, a nossa concordância.
Por fim, Sr. Deputado Manuel Queiró, queria dizer-lhe que não houve descoordenação na estrutura do planeamento civil. Não tenho tempo nem é este o lugar oportuno para esclarecer com cabal clareza o que se passou. O Sr. Ministro da Administração Interna teve ontem oportunidade de recordar que se tratou de uma cheia milenar, mas, Srs. Deputados, farei chegar rapidamente a esta Assembleia a informação sobre como funcionou, designadamente na noite deste último sábado para domingo, o Sistema de Planeamento Civil de Emergência.
O Sr. Osvaldo de Castro (PS): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há acordo no sentido de que se passe desde já às votações na generalidade, na especialidade e final global. Pergunto apenas se podemos, quando procedermos à votação na especialidade, introduzir as alterações propostas pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes, uma vez que estas acabam de ser aceites pelo Sr. Ministro da Presidência.
Pausa.
Como não há oposição, assim se fará.
Se bem percebo a letra do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, essas alterações são as seguintes: no artigo 1.º, onde se diz «fiscalização prévia dos contratos», dir-se-á «fiscalização prévia dos actos e contratos». Depois, na 5.ª linha, onde se lê «endividamento municipal», deve ler-se «endividamento das autarquias locais.»
No artigo 2.º, onde se diz «infra-estruturas municipais», dir-se-á «infra-estruturas das autarquias locais» e, a seguir, acrescentar-se-á «e para grandes reparações de habitações próprias de particulares, nos casos de manifesta carência de recursos dos lesados.»
No artigo 3.º, onde se diz «os contratos», dir-se-ia, de novo, «os actos e contratos.»
No artigo 4.º, mudar-se-ia a epígrafe e onde se diz «Endividamento municipal», dir-se-ia «Endividamento das autarquias locais». Depois, onde se diz «o disposto no n.º 3 do artigo 24.º da Lei 42/98, de 6 de Agosto», dir-se-ia apenas «o disposto na Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto», acrescentando-se, a seguir a isto, «relativo ao limite de endividamento das autarquias locais». São estas, portanto, as alterações que votaremos na especialidade.
Vamos, então, proceder à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 57/VIII - Simplifica os mecanismos de adjudicação e de fiscalização prévia dos contratos relativos às obras de reparação, construção e reconstrução de edifícios, equipamentos e infra-estruturas municipais e das habitações de particulares que ficaram total ou parcialmente destruídos, em virtude das condições climatéricas desfavoráveis ocorridas no presente Inverno, e exclui dos limi
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tes de endividamento municipal os empréstimos a celebrar ao abrigo da linha de crédito bonificado para a realização das respectivas obras.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.
Srs. Deputados, vamos, agora, proceder à votação, na especialidade, da proposta de lei n.º 57/VIII, com as alterações propostas pelo PSD.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.
Srs. Deputados, vamos, então, proceder à votação final global.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.
Sr. Ministro, Srs. Deputados, a próxima reunião plenária realiza-se amanhã, com início às 10 horas, e terá como ordem do dia a apreciação conjunta dos Decretos-Leis n.os 109/2000, de 30 de Junho, e 118/99, de 11 de Agosto [apreciação parlamentar n.º 28/VIII (PCP)] e 110/2000, de 30 de Junho [apreciação parlamentar n.º 29/VIII (PCP)] e a apreciação do Decreto-Lei n.º 242/2000, de 26 de Setembro [apreciações parlamentares n.os 31/VIII (PSD) e 32/VIII (PCP)].
Está encerrada a sessão.
Eram 21 horas e 10 minutos.
Declarações de voto enviadas à Mesa, para publicação, relativas à votação, na generalidade, do projecto de lei n.os 203/VIII (BE).
O Grupo Parlamentar do PS votou contra o projecto de lei n.º 203/VIII, do Bloco de Esquerda, sobre a criação de salas de injecção assistida, por razões fundamentadas que decorrem da exposição sistematizada da política de luta à toxicodependência feita ontem, em nome do Governo, pelo Secretário de Estado Vitalino Canas e que constituíram objecto das intervenções feitas no debate pelos Deputados do PS.
Com efeito, o Grupo Parlamentar do PS não pode avalizar com o seu voto uma simples proclamação de apoio ao princípio da criação das «salas de chuto» que, por falta de ideias próprias, deixa a respectiva regulamentação e concretização a cargo do Governo. Isto porque o Governo tem uma política estruturada e integrada de redução de riscos de que as salas de injecção assistida poderão vir a ser uma parte, enquanto o Bloco de Esquerda tem apenas um slogan referente, portanto, a uma limitada parte daquela política de redução de riscos.
Nestes termos, é perfeitamente legítimo que o Governo não queira ver-se remetido ao papel de regulamentar e concretizar o princípio de uma medida parcelar definida pelo BE.
O Grupo Parlamentar do PS insiste em que uma política coerente e integrada de redução de riscos não pode reduzir-se às salas de injecção assistida e que comporta, nomeadamente:
a) Programas de substituição em baixo limiar de exigência;
b) Programas de troca de seringas;
c) Programas para consumo asséptico;
d) Gabinetes de apoio a toxicodependentes excluídos;
e) Centros de acolhimento;
f) Centros de abrigo;
g) Pontos de escuta e de informação;
h) Espaços móveis de prevenção de doenças infecciosas;
i) Equipas de rua para projectos específicos.
Acresce que entendemos, como o Governo, que este conjunto de medidas deverá ser submetido ao debate público, e das organizações e entidades interessadas, antes de qualquer decisão legislativa ser tomada, o que a aprovação do projecto do BE frustraria.
Aliás, o PS, como o Governo, entendem que decisões sobre temas tão melindrosos que facilmente podem ser desvirtuados nos seus propósitos, devem ser precedidas de um grande esclarecimento e sensibilização da opinião pública de modo a vencer os preconceitos e resistências psicológicas ainda existentes a uma corajosa política inovadora de redução dos riscos centrada no tratamento dos toxicodependentes.
Por último, o Grupo Parlamentar do PS não pode acompanhar o BE no seu propósito declarado de fazer das salas de injecção assistida um tema de clivagem entre a esquerda e a direita. Pelo contrário, pretendemos que a política de redução de riscos em todas as suas componentes seja suportada por um consenso nacional o mais largo possível, o que a aprovação do projecto de BE impediria.
Os Deputados do PS, Francisco de Assis - Manuel dos Santos - José Barros Moura - Osvaldo Castro - António Reis - Ana Catarina Mendonça - José Saraiva - Fernando Serrasqueiro - João Sobral - Paulo Pisco - Luísa Portugal - Rosa Maria Albernaz.
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Jamila Madeira, Afonso Candal, Bruno Almeida, Carla Tavares, Filipe Vital, Gonçalo Velho, João Sequeira, Luís Miguel Teixeira, Mafalda Troncho, Ricardo Castanheira e Sónia Fertuzinhos, indicados pela Juventude Socialista e eleitos nas listas do Partido Socialista, vêm, nos termos do estatuído pelos n.os 1 e 5 do artigo 95.º do Regimento da Assembleia da República, apresentar a presente declaração de voto relativa ao projecto de lei n.º 203/VIII, oriundo do Bloco de Esquerda, que cria medidas de redução de riscos para toxicodependentes: criação de salas de injecção assistida.
O voto favorável dos Deputados signatários encontra a justificação nos seguintes considerandos que já foram alvo de declaração de voto idêntica em 6 de Julho de 2000: «Sempre considerámos a questão da toxicodependência como um drama social que urge combater energicamente;
Sempre considerámos como imprescindível a necessidade de ouvir e reflectir sobre todos os contributos sérios que se apresentem acerca desta matéria;
Sempre considerámos que a razão nesta matéria muito em particular não é património exclusivo de ninguém;
Sempre defendemos a implementação de medidas concretas de redução de riscos e de minimização de danos.
A Assembleia da República tem o dever de, no cumprimento das suas atribuições, legislar nesse sentido, sem se refugiar em expedientes demitindo-se das suas responsabilidades constitucionais.»
Consideramos que, apesar de ser uma medida isolada, a proposta apresentada pelo Bloco de Esquerda cumpre estes pressupostos.
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1808 | I Série - Número 44 | 02 de Fevereiro de 2001
Consideramos, ainda, que a proposta apresentada publicamente pelo Governo responde de forma cabal ao problema da redução de danos em toxicodependentes e que a proposta do BE se dilui neste plano mais lato e integrado que o Governo apresentou.
De acordo com a nossa consciência e de acordo com as nossas convicções, não poderíamos senão votar favoravelmente um projecto que cumpre uma parte do caminho que entendemos ter de ser trilhado no capítulo da redução de danos e do combate à droga e à toxicodependência. Reafirmamos a nossa discordância com aspectos de especialidade presentes neste diploma, nomeadamente com questões relativas à tutela e ao papel do Estado na criação destes equipamentos.
A nossa coerência fica patente com a posição da Juventude Socialista em relação ao projecto de lei n.º 113/VIII, do BE, que mereceu o voto favorável da JS e que já previa a introdução em Portugal de salas de injecção assistida.
Temos consciência das problemáticas inerentes, temos consciência dos tabus sociais que lhe estão associados, mas temos sobretudo consciência da nossa responsabilidade. Move-nos o desejo de erradicar o flagelo social que é a toxicodependência com todos os efeitos perversos que lhe estão associados. Por tudo isto, associamo-nos a todas as iniciativas que vão ao encontro do anteriormente exposto.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
António Manuel do Carmo Saleiro
Carla Maria Nunes Tavares Gaspar
Cláudio Ramos Monteiro
Jamila Barbara Madeira e Madeira
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel de Medeiros Ferreira
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Partido Social Democrata (PSD):
Carlos Parente Antunes
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Nuno Miguel Marta de Oliveira da Silva Freitas
Pedro Manuel Cruz Roseta
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Eduardo Ribeiro Pereira
Emanuel Silva Martins
Fernando Manuel dos Santos Gomes
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Carlos Lourenço Tavares Pereira
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Maria Diogo
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Rosalina Maria Barbosa Martins
Partido Social Democrata (PSD):
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
Partido Popular (CDS-PP):
António Manuel Alves Pereira
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan
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