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Sexta-feira, 9 de Março de 2001 I Série - Número 57
DIÁRIO da Assembleia da República
VIII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2000-2001)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 8 DE MARÇO DE 2001
Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos
Secretários: Ex. mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
José Ernesto Figueira dos Reis
António José Carlos Pinho
S U M Á R I O
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 20 minutos.
Deu-se conta da apresentação da proposta de lei n.º 103/VIII, dos projectos de lei n.os 390 a 393/VIII, da apreciação parlamentar n.º 38/VIII e dos projectos de resolução n.os 119 a 121/VIII.
Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 123/VIII - Institui o programa nacional de prevenção e combate ao branqueamento de capitais e cria a respectiva comissão nacional (PCP) e 124/VIII - Aperfeiçoa as disposições legais destinadas a prevenir e punir o branqueamento de capitais provenientes de actividades criminosas (PCP), tendo o primeiro baixado à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sem votação, a requerimento do PCP, e o segundo sido aprovado. Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro da Justiça (António Costa), os Srs. Deputados António Filipe (PCP), Maria Celeste Cardona (CDS-PP), Patinha Antão (PSD), Basílio Horta (CDS-PP), Joaquim Sarmento (PS), Isabel Castro (Os Verdes), Helena Neves (BE) e Menezes Rodrigues (PS).
Foi ainda discutida, na generalidade, a proposta de lei n.º 63/VIII - Simplifica os mecanismos de adjudicação e de fiscalização prévia dos contratos relativos às obras de reparação, construção e reconstrução da rede viária, pontes, viadutos e aquedutos nacionais e municipais dos concelhos de Castelo de Paiva e de Penafiel, que foi aprovada na generalidade, na especialidade e em votação final global. Intervieram, além do Sr. Ministro da Presidência (Guilherme d'Oliveira Martins), os Srs. Deputados João Amaral (PCP), Castro de Almeida (PSD, Basílio Horta (CDS-PP), Helena Neves (BE), Isabel Castro (Os Verdes), Agostinho Gonçalves (PS), Luís Marques Guedes (PSD) e Manuel dos Santos (PS).
A Câmara aprovou um parecer da Comissão de Ética autorizando um Deputado do PS a prestar depoimento, por escrito, como testemunha, em tribunal.
Foram ainda rejeitados, na generalidade, os projectos de lei n.os 280/VIII - Cria o empréstimo escolar (CDS-PP), 345/VIII - Altera a Lei n.º 112/99, de 3 de Agosto (PCP) e 378/VIII - Altera a Lei n.º 112/99, de 3 de Agosto (Aprova o regime disciplinar das federações desportivas) (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 25 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 20 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
António Alves Marques Júnior
António Alves Martinho
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António Fernando Marques Ribeiro Reis
António Fernando Menezes Rodrigues
António José Gavino Paixão
António José Santinho Pacheco
António Manuel Dias Baptista
António Manuel do Carmo Saleiro
Armando António Martins Vara
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Bruno Renato Sutil Moreira de Almeida
Carla Maria Nunes Tavares Gaspar
Carlos Alberto
Casimiro Francisco Ramos
Eduardo Ribeiro Pereira
Emanuel Silva Martins
Fernando Alberto Pereira Marques
Fernando Manuel de Jesus
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Serrasqueiro
Filipe Mesquita Vital
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Francisco José Pinto Camilo
Gil Tristão Cardoso de Freitas França
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho
Helena Maria Mesquita Ribeiro
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco d'Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge Tinoco de Faria
Isabel Maria Soares Pinto Zacarias
Jamila Barbara Madeira e Madeira
João Alberto Martins Sobral
João Cardona Gomes Cravinho
João Francisco Gomes Benavente
João Pedro da Silva Correia
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Aurélio da Silva Barros Moura
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Carlos da Cruz Lavrador
José Carlos Lourenço Tavares Pereira
José Carlos Pinto Basto Mota Torres
José da Conceição Saraiva
José de Matos Leitão
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Ernesto Figueira dos Reis
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Rosa do Egipto
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão
Luís Miguel Gomes Miranda Teixeira
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira
Manuel António dos Santos
Manuel Maria Diogo
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Margarida Maria Santos Soares da Rocha Gariso
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira
Maria do Céu da Cruz Vidal Lourenço
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria José Vidal do Rosário Campos
Maria Teresa de Oliveira Ferreira Coimbra
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco
Paulo Alexandre Homem de Oliveira Fonseca
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Rui Manuel Leal Marqueiro
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Vítor Manuel Alves Peixoto
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo
Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Álvaro dos Santos Amaro
Ana Maria Martins Narciso
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António d'Orey Capucho
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Manuel da Cruz Silva
António Manuel Santana Abelha
António Paulo Martins Pereira Coelho
Armando Manuel Dinis Vieira
Armindo Telmo Antunes Ferreira
Artur Ryder Torres Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
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Carlos José das Neves Martins
Carlos Manuel de Sousa Encarnação
Carlos Parente Antunes
Eugénio Fernando Sá Cerqueira Marinho
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Jorge Loureiro de Reboredo Seara
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José da Silva Maçãs
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Martins Ferreira do Amaral
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José António de Sousa e Silva
José Frederico de Lemos Salter Cid
José Luís Campos Vieira de Castro
José Manuel Durão Barroso
José Miguel Gonçalves Miranda
Lucília Maria Samoreno Ferra
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Pedro Machado Sampaio de Sousa Pimentel
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Castro de Almeida
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim Barata Frexes
Manuel Maria Moreira
Maria do Céu Baptista Ramos
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Nuno Miguel Sancho Cruz Ramos
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Pedro Miguel de Santana Lopes
Rui Fernando da Silva Rio
Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
Ana Margarida Lopes Botelho
António Filipe Gaião Rodrigues
Bernardino José Torrão Soares
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
João António Gonçalves do Amaral
Joaquim Manuel da Fonseca Matias
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Octávio Augusto Teixeira
Vicente José Rosado Merendas
Partido Popular (CDS-PP):
António Herculano Gonçalves
António José Carlos Pinho
António Manuel Alves Pereira
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró
Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona
Narana Sinai Coissoró
Paulo Sacadura Cabral Portas
Raúl Miguel de Oliveira Rosado Fernandes
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro
Bloco de Esquerda (BE):
Maria Helena Augusto das Neves Gorjão
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a ordem do dia da sessão de hoje consta da discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 123/VIII - Institui o Programa Nacional de Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais e cria a respectiva comissão nacional (PCP) e 124/VIII - Aperfeiçoa as disposições legais destinadas a prevenir e punir o branqueamento de capitais provenientes de actividades criminosas (PCP).
A seguir, proceder-se-á ainda à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 63/VIII, que entrou na Mesa à última hora, mas obteve o consenso de todos os grupos parlamentares no sentido de ser discutida nesta sessão.
Entretanto, o Sr. Secretário vai ler o expediente.
O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram aceites, as seguintes iniciativas legislativas: proposta de lei n.º 63/VIII - Simplifica os mecanismos de adjudicação e de fiscalização prévia dos contratos relativos às obras de reparação, construção e reconstrução da rede viária, pontes, viadutos e aquedutos nacionais e municipais dos concelhos de Castelo de Paiva e de Penafiel, que baixou às 4.ª e 6.ª Comissões; projectos de lei n.os 390/VIII - Estabelece a obrigatoriedade de um seguro por morte e incapacidade absoluta permanente dos motoristas de transportes rodoviários públicos colectivos de passageiros (PS), que baixou à 9.ª Comissão, 391/VIII - Elevação da freguesia de Campo, no concelho de Valongo, à categoria de vila (PCP), que baixou à 4.ª Comissão, 392/VIII - Criação da freguesia de Caxias, no concelho de Oeiras (PS), que baixou igualmente à 4.ª Comissão, e 393/VIII - Estabelece o estatuto legal do mediador sócio-cultural (PS), que baixou às 9.ª e 13.ª Comissões.
Deram ainda entrada na Mesa a apreciação parlamentar n.º 38/VIII, que solicita a apreciação, pela Assembleia da República, do Decreto-lei n.º 56/2001, de 19 de Fevereiro, que estabelece o novo sistema de incentivos do Estado à comunicação social (PCP) e os projectos de resolução n.os 119/VIII - Avaliação dos danos causados ao comércio do Porto pelas obras de requalificação urbana (PS), 120/VIII - Assunção de poderes de revisão constitucional extraordinária pela Assembleia da República (PS), que bai
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xou à 1.ª Comissão, e 121/VIII - Tendente ao reforço da segurança rodoviária e combate à sinistralidade (PS).
O Sr. Presidente: - Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, estamos em condições de dar início ao período da ordem do dia, cujos diplomas a discutir já foram anunciados.
Para iniciar o debate dos dois projectos de lei originários do seu grupo parlamentar, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: Antes de iniciar propriamente a minha intervenção, permitam-me que saúde toda a Câmara, e muito em especial todas as Sr.as Deputadas, assinalando desta forma o dia de hoje, dia 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, data com particular significado na luta de todas as mulheres pela igualdade.
Aplausos do PCP e de alguns Deputados do PS.
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: O PCP submete hoje à apreciação da Assembleia da República dois projectos de lei que assumem o objectivo essencial de criar condições legais para que, em Portugal, seja dado um salto qualitativo na prevenção e no combate ao branqueamento de capitais provenientes de actividades criminosas.
No programa com que o PCP se apresentou às eleições para a Assembleia da República foi assumido o compromisso de propor a criação de um Programa Nacional de Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais, com os objectivos de alargar a aplicação das normas sobre a prevenção, criminalização e repressão do branqueamento de capitais e reforçar a cooperação internacional; de adoptar mecanismos de regulamentação, controlo, transparência e fiscalização das entidades financeiras, de aperfeiçoar a legislação para prevenir e combater a acções das associações criminosas e para uma mais fácil confiscação dos patrimónios de origem criminosa, de eliminar o obstáculo do segredo bancário e de aprofundar a acção e a coordenação das entidades que intervêm na prevenção e repressão do branqueamento de capitais.
Os projectos de lei do PCP hoje em debate honram esse compromisso, e a iniciativa do PCP de promover o seu agendamento potestativo traduz o nosso inconformismo perante os fraquíssimos resultados que, até à data, têm sido obtidos no combate ao branqueamento de capitais, e traduz a nossa convicção de que a possibilidade de se dar um salto em frente nesta matéria é, acima de tudo, uma questão de vontade política.
O diagnóstico quanto à enorme dimensão e gravidade do branqueamento de dinheiro proveniente do crime organizado, quanto à insuficiência prática dos meios de combate que contra ele têm sido mobilizados e quanto à necessidade de intensificar esse combate, suscitam a unanimidade, no plano nacional e na generalidade das instâncias internacionais.
Nas conclusões do relatório sobre a situação da toxicodependência e do tráfico de drogas que uma comissão eventual desta Assembleia aprovou, por unanimidade, em 1998, pode ler-se: «Não obstante o esforço e a dedicação das polícias nacionais e internacionais, constata-se que apenas uma pequena parte da droga traficada é apreendida e que, regra geral, são detidos apenas os traficantes menores, sem que se consiga atingir o coração e o cérebro das grandes redes internacionais e dos chamados barões da droga. Este negócio, que movimenta em todo o mundo verbas fabulosas, utiliza hoje sofisticados meios de actuação e está associado a outros, numa cadeia de conexões complexas que se articulam entre si e em redor de fenómenos como a criminalidade organizada, o tráfico de armas, a prostituição, o branqueamento de capitais, o desvio de precursores, etc.».
Este relatório conclui adiante que «Quanto à investigação e controlo das situações de tráfico de drogas, continuam a subsistir indefinições, designadamente em matéria de coordenação» e que «a investigação e penalização do branqueamento de capitais, bem como do desvio ilícito de precursores - tal como acontece na maioria dos países - , tem revelado fracos resultados, sendo insignificante o número de casos levados a julgamento».
Esta situação seria, aliás, reconhecida pelo próprio governo, em 1999, na sua Estratégia Nacional de Combate à Droga, onde se reconhece que «a dimensão do fenómeno do branqueamento de capitais à escala internacional constitui, hoje, uma reconhecida ameaça para a integridade, confiança e estabilidade dos próprios sistemas financeiros e comerciais, quando não do próprio sistema constitucional e democrático dos Estados»; e onde se assume a «opção estratégica de reforçar o combate ao branqueamento de capitais oriundos do tráfico ilícito de drogas».
No entanto, os fracos resultados obtidos no combate ao branqueamento de capitais são particularmente impressivos. A observação das estatísticas que vão sendo divulgadas revelam um progresso tão lento e uma expressão tão reduzida que não podemos, todos nós, deixar de questionar as causas reais deste estado de coisas.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Não basta repetir até à exaustão que o branqueamento de capitais é extraordinariamente difícil de controlar. É preciso reflectir sobre o que permite que o branqueamento seja tão fácil e faz com que o seu controlo seja tão difícil.
A nossa profunda preocupação com o combate ao branqueamento de capitais resulta da convicção de que o insucesso neste combate compromete irremediavelmente o alcance dos esforços que são feitos a outros níveis, no combate à droga e ao crime organizado, em geral.
Por detrás das fortunas que são introduzidas na economia legal, estão muitos milhares de pessoas física e psiquicamente destruídas, estão muitos milhares de famílias destroçadas, estão centenas de mortes anuais por overdose, está um número incalculável de crimes e de ameaças contra a segurança de pessoas e bens.
Mas a nossa preocupação reside ainda no facto de existir uma associação directa entre o branqueamento de capitais e a criminalidade altamente organizada. Este crime desenvolveu-se a partir da necessidade de esconder a origem real de verbas que, de tão avultadas, se tornam naturalmente suspeitas. Pressupõe uma estrutura organizada, com real poder económico, capaz de influenciar, pelas mais diversas e ínvias formas, o exercício do poder político, minando seriamente os fundamentos da própria democracia.
Os autores e beneficiários do branqueamento de capitais são os «parentes ricos» do tráfico de drogas. São os que retiram os maiores lucros com os menores riscos. Ao invés, o combate ao branqueamento de capitais é o «pa
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rente pobre» das políticas contra a droga, o de que menos se fala, aquele em que menos se acredita e, seguramente, o que piores resultados obtém.
E, no entanto, todos reconhecerão que a eficácia no combate ao branqueamento de capitais tem uma importância decisiva no sucesso de qualquer estratégia de combate à droga que se pretenda minimamente coerente.
Os circuitos do branqueamento são uma parte essencial do «aparelho circulatório» das redes criminosas. Daí que lesar seriamente as actividades de branqueamento provocaria ferimentos no próprio «coração» do negócio e abalaria os seus próprios fundamentos. Será porventura um dos objectivos mais difíceis da luta contra a droga, mas é seguramente dos mais decisivos.
A ineficácia do sistema judiciário perante este tipo de criminalidade coloca-nos perante a evidência de uma justiça normalmente implacável em relação aos mais fracos e ineficiente em relação aos mais poderosos.
A complacência perante o branqueamento de capitais é, porventura, uma das expressões mais evidentes da real submissão da política de muitos Estados a interesses inconfessáveis do poder económico. Esta complacência reflecte-se, com clareza, na enorme e crescente contradição entre, por um lado, as resoluções e recomendações e a reprovação verbal das práticas criminosas e, por outro, a adopção de orientações globais de desregulamentação, que a facilitam. Não é possível defender com seriedade uma política de combate ao branqueamento de capitais que tenha um mínimo de eficácia e defender ao mesmo tempo a intocabilidade dos paraísos fiscais ou do segredo bancário que protegem objectivamente essa prática.
Importa, por isso, do nosso ponto de vista, encontrar soluções legais que, no respeito pela democracia e pelos direitos fundamentais dos cidadãos, respondam mais adequada e prontamente às exigências do combate ao crime organizado. E uma dessas exigências diz respeito à necessidade imperiosa de lesar o património dos traficantes. Porque, como afirmou há tempos o eurodeputado italiano Leoluca Orlando, que aliás foi eleito presidente da Câmara de Palermo à frente de numa coligação anti-máfia, um chefe mafioso preso, mas que mantém o seu património, é mais perigoso que um chefe mafioso em liberdade que já não detenha o seu património, porque um chefe mafioso preso que mantém o seu património tem todos os instrumentos para continuar a controlar o sistema de poder.
O PCP propõe assim, em primeiro lugar, que sejam aperfeiçoados os mecanismos legais existentes em Portugal para o combate ao branqueamento de capitais, nomeadamente com o alargamento da criminalização do crime de branqueamento a formas graves de criminalidade que ainda não estão abrangidas por ela; com a agilização da quebra do segredo bancário quando esteja em causa o inquérito, instrução ou julgamento de processo relativos a branqueamento de capitais; com o alargamento do prazo de suspensão de operações bancárias suspeitas; com o alargamento dos deveres de comunicação e notificação que impendem sobre as entidades que intervenham na contabilidade, auditoria financeira, transporte de bens e valores ou como intermediárias de negócios que envolvam montantes financeiros elevados e com a obrigação de identificação e conservação por um período de 10 anos dos registos das transacções à distância.
É evidente que estas medidas não são invenções nossas. A sua aplicação tem vindo a ser debatida em várias instâncias internacionais e, designadamente, no âmbito da União Europeia, no quadro da revisão da directiva de 1991 sobre a prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais. Mas entendemos que Portugal não deve limitar-se à discussão dessas medidas no plano internacional. Deve, quanto antes, adoptar medidas legislativas para a sua urgente aplicação no plano interno.
E é também natural que, desde a apresentação destes projectos de lei do PCP, em Março do ano passado, até hoje, a reflexão sobe estas matérias tenha evoluído e outras soluções se afigurem mais adequadas. Estamos por isso inteiramente disponíveis - e não apenas disponíveis, mas empenhados - na procura de soluções que, designadamente em matéria de quebra do segredo bancário e de possibilidades de confiscação de bens provenientes do crime, possam ir mais além do que aquelas que já constam dos nossos projectos.
Uma outra área de preocupação, que finalmente passo a referir, a qual se reflecte no outro projecto hoje em debate, diz respeito à coordenação das várias entidades que têm o dever de assumir responsabilidades legais no combate ao branqueamento. Muito especialmente neste domínio, a situação em Portugal é verdadeiramente confrangedora. Várias entidades têm, em Portugal, responsabilidades legalmente atribuídas em matéria de prevenção e combate ao branqueamento de capitais, algumas no domínio da investigação e acção penal, outras no domínio da prevenção. No entanto, vivem de «costas absolutamente voltadas». Encontrar um meio desburocratizado de coordenação institucional entre representantes de entidades como a Procuradoria-Geral da República, a Polícia Judiciária, as entidades de supervisão do sistema financeiro e várias entidades fiscalizadoras, com competências neste domínio, sem alteração ou interferência nas competências legais de cada uma, mas havendo troca de informação e coordenação de actividades contra o branqueamento de capitais, é, do nosso posto de vista, uma exigência urgente para uma melhor intervenção neste domínio. É precisamente isto que propomos.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: Com a apresentação destas propostas, fazemos votos para que, ainda nesta Legislatura, se possam reunir, nesta Assembleia, as vontades necessárias para que Portugal dê um passo significativo em frente na luta contra a criminalidade organizada, sendo este o nosso objectivo.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona.
A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, quero agradecer a menção que fez às mulheres e agradecer a todos os colegas Deputados as saudações que, em consequência disso, tiveram ocasião de fazer às mulheres Deputadas neste Parlamento.
Sr. Deputado António Filipe, como deve imaginar, analisei e ouvi atentamente a sua intervenção sobre esta matéria e o meu pedido de esclarecimento reporta-se ao projecto de lei n.º 124/VIII.
Tanto quanto apreendi do teor do projecto de lei, bem como da sua intervenção, o diploma procura abranger um conjunto de crimes que dão origem ao branqueamento, e introduz, neste contexto e com este objectivo, o crime de fraude fiscal. Julgo que isto resulta do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-lei n.º 325/95, de 2 de Dezembro.
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Em matéria de segredo - à qual o Sr. Deputado teve oportunidade de se referir - , propõem no vosso projecto um aditamento ao artigo 2.º, o artigo 2.º-A, do mesmo diploma legal, ou seja, o Decreto-lei n.º 325/95, de 2 de Dezembro. Nos termos deste artigo, propõem VV Ex.as que, nas fases de inquérito, instrução e julgamento de processos relativos ao branqueamento - onde se inclui, de acordo com a vossa proposta, a fraude fiscal - o segredo dos funcionários, bem como o dos órgãos sociais das instituições financeiras, só cede e só pode ser quebrado por autorização ou ordem do juiz, em despacho fundamentado. É este o conteúdo essencial da vossa proposta.
Sr. Deputado António Filipe, ao discutir este tópico, não posso deixar de introduzir um outro diploma que foi recentemente aprovado na Assembleia da República com os votos do seu grupo parlamentar. Reporto-me, como deve imaginar, àquilo que se tem vindo a designar de «reforma fiscal», nos termos de cujo artigo 63.º-B - que é, apesar de tudo, mais ténue do que as propostas apresentadas pelo vosso grupo parlamentar - , o acesso a este tipo de informação é directo, nos casos das alíneas a) e b) do n.º 1, não tendo o recurso, nos restantes casos, efeito suspensivo, mesmo naqueles em que há crime doloso, ou seja, em que há crime de fraude, bem como de abuso de confiança fiscal.
Sr. Deputado António Filipe, só gostaria que me esclarecesse - e não tenho dúvidas de que o fará - esta minha perplexidade profunda relativamente àquilo que considero serem dois pesos e duas medidas.
O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!
A Oradora: - Para os contribuintes, a administração pode aceder directamente às informações protegidas pelo segredo bancário; para os traficantes, para todos aqueles que cometem crimes, a maior parte das vezes de grande complexidade e sendo susceptíveis de grande penalização, na vossa opinião, o tal acesso à informação só pode ser obtido, só pode ser satisfeito mediante despacho fundamentado do juiz.
Sr. Deputado António Filipe, queira fazer o favor de me esclarecer e julgo que também a todos os colegas Deputados desta Câmara.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona, respondo com todo o gosto.
Gostaria de dizer, em primeiro lugar, que me referi à matéria da quebra do segredo bancário como sendo uma das matérias cuja discussão tem evoluído, desde a apresentação do nosso projecto de lei, em Março do ano passado, faz agora 1 ano.
A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Já percebi!
O Orador: - Nós próprios, neste projecto de lei que apresentámos, propomos uma alteração ao sistema ainda vigente, que mantém a necessidade de autorização judicial, mas cremos tratar-se de uma matéria que deve ser seriamente discutida.
Assim, em nossa opinião, perante um crime de branqueamento de capitais, em que a quebra do segredo bancário dos autores ou dos suspeitos desse crime seja decisiva para a descoberta da verdade, entendemos que deve ser discutida com toda a seriedade qual a melhor forma, garantindo direitos fundamentais, que permita às autoridades judiciárias aceder prontamente às contas bancárias desses suspeitos.
Trata-se, portanto, de uma questão que, pensamos, está em discussão. Por nossa parte, estamos inteiramente disponíveis para encontrar soluções, inclusivamente mais ágeis do que aquelas que propomos neste projecto de lei - quero que esta ideia fique muito clara. Não nos fixamos, pois, rigorosamente, na formulação que aqui propusemos há um ano atrás.
Mas quero também esclarecê-la de que, em rigor, estamos a falar de coisas distintas. É que, em matéria de branqueamento de capitais, estamos perante a investigação de crimes com uma extraordinária gravidade e que implicam penas de muitos anos de prisão.
Entendemos que há que salvaguardar, rigorosamente, direitos dos cidadãos que são fundamentais, mas que, para nós, têm de ser conciliados com a necessidade de garantir condições para que as autoridades judiciárias possam, de facto, investigar esses crimes. Estamos a falar de questões muito sérias, estamos a falar de crimes extraordinariamente graves e, portanto, entendemos que o sigilo bancário não deve ser oposto quando estão em causa valores com esta natureza. Portanto, esta é, fundamentalmente, a nossa posição nesta matéria.
Vozes do PCP: - Muito bem!
Vozes do CDS-PP: - Mas foram os senhores que propuseram isso!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Ministro da Justiça (António Costa): - Sr. Presidente, Sr.as Deputadas, relativamente às quais também gostaria de me associar às palavras que foram dirigidas a VV. Ex.as pelo Sr. Deputado António Filipe, Srs.Deputados: As estimativas sobre o dinheiro movimentado pelo crime a nível mundial são aterradoras: 500 a 800 biliões de dólares. Cerca de 15% do comércio mundial; mais do que o valor combinado do comércio internacional do petróleo, do aço, dos produtos farmacêuticos, de alimentos, de trigo e açúcar; 1 bilião de dólares injectados diariamente nos mercados financeiros!
Estes números dão-nos a noção clara de que a detecção e punição de actividades de branqueamento de capitais são um momento fundamental numa estratégia de combate ao crime organizado e à criminalidade económica-financeira. Fundamental, na medida em que impedir o criminoso de usufruir das vantagens económicas do crime tem um importante efeito preventivo muito importante; fundamental, ainda, porque a detecção de fundos de origem ilícita pode ser um meio de identificar os responsáveis pelo crime subjacente; fundamental, finalmente, porque a utilização do sistema financeiro, como veículo dos lucros do crime compromete a integridade desse sistema financeiro e mina o funcionamento da economia.
O Sr. José Barros Moura (PS): - Muito bem!
O Orador: - Por isso, quando, em Janeiro passado, anunciei à Assembleia da República o conjunto de inicia
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tivas legislativas que, este ano, a Governo apresentaria a esta Câmara, afirmei, e cito: «Aapresentaremos à Assembleia da República um pacote de medidas que visam reforçar as condições de combate à criminalidade económica e financeira, designadamente na agilização do acesso à informação bancária e na prevenção e repressão do branqueamento de capitais.
Trata-se não só de reforçar a operacionalidade do combate à criminalidade económica e financeira, trata-se também de um sinal político muito claro de que o Governo e a Assembleia da República não se conformam com a ideia de que há um certo tipo de criminalidade que se pode considerar impune em Portugal».
Na era da globalização, este é um combate que exige a globalização dos instrumentos de acção, que não podem ser confinados ao espaço limitado das fronteiras estaduais.
Aqui se vê com particular nitidez a importância da construção de um espaço europeu de liberdade, segurança e justiça.
A presidência portuguesa da União Europeia dotou a União de uma estratégia para a prevenção e controlo da criminalidade organizada para o período de 2000 a 2004 que contém um total de 39 medidas devidamente calendarizadas, com particular incidência nas medidas que visam a detecção, congelamento, apreensão e perda do produto do crime.
Esta estratégia já encontrou tradução, designadamente na aprovação, pelo Conselho, da iniciativa portuguesa do alargamento das competências da investigação da EUROPOL a todos os crimes de branqueamento de capitais, independentemente da natureza do crime subjacente. E terá um marco decisivo com a muito próxima aprovação da directiva pelo Conselho ECOFIN e da decisão-quadro do Conselho JAI sobre branqueamento de capitais.
Assim sendo, o Governo regista positivamente a iniciativa do PCP hoje em discussão. No essencial, estamos de acordo quanto aos objectivos e quanto às medidas que são propostas. Essas medidas constam, aliás, destas iniciativas comunitárias, em fase final de aprovação. Porém, o projecto de lei peca por ficar aquém das alterações que teremos de introduzir na nossa legislação por força daquelas directiva e decisão-quadro, designadamente quanto ao alargamento do âmbito do crime de branqueamento de capitais e quanto aos deveres de identificar clientes e denunciar operações suspeitas.
Por isso, as medidas que temos em preparação aguardam a consolidação final dos textos comunitários, que deverá ocorrer ainda durante a presidência sueca, pelo que veríamos com vantagem que os projectos pudessem aguardar, em comissão, a apresentação das iniciativas legislativas do Governo, que, o mais tardar em Junho, poderemos apresentar.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!
O Orador: - Há dois domínios, em particular, onde é necessário melhorar ou inovar a nossa legislação. Por um lado, a possibilidade de aceder aos dados bancários e fiscais das pessoas sob investigação que são elemento imprescindível para a investigação criminal, não só no domínio do branqueamento de capitais, mas também directamente quanto ao crime subjacente. É imprescindível que esse acesso seja simples e célere, não podendo ser impedido ou atrasado pela invocação do sigilo bancário.
Os regimes mais expeditos de acesso aos dados bancários hoje existentes na nossa lei para a investigação do tráfico de estupefacientes, corrupção e criminalidade económico-financeira não estão disponíveis para a investigação do branqueamento de capitais. É evidente que se justifica o seu alargamento, como propõe o PCP.
No entanto, é possível e, mais, é necessário ir mais longe. Mesmo o procedimento legal mais célere de acesso a dados bancários hoje existente, que é o aplicável ao tráfico de estupefacientes, não serve convenientemente as necessidades da investigação criminal. O pedido tem origem na Polícia Judiciária, passa para o Ministério Público, depois para o juiz de instrução criminal, que oficia ao Banco de Portugal, que oficia aos bancos, que respondem ao Banco de Portugal, e este responderá, ou directamente à Polícia Judiciária, ou ao juiz de instrução que oficia ao Ministério Público que, finalmente, remete à Polícia Judiciária. Com tudo isto perdem-se meses que são preciosos.
Acreditamos que é possível desenhar um procedimento que, mantendo a intervenção do juiz,…
A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Ora bem!
O Orador: - … permita uma investigação criminal eficaz.
O sigilo deve ser levantado, genericamente, por um certo período, em relação a um indivíduo que esteja sob investigação pela prática de um desses crimes; o levantamento deve ser autorizado por um juiz, em despacho fundamentado, confirmando a existência de indícios e a necessidade de aceder aos dados bancários. A partir daqui, a Polícia Judiciária ou o Ministério Público poderão dirigir-se directamente a qualquer banco e aceder a quaisquer dados de quaisquer contas e operações do sujeito, sem mais necessidade de intervenção judicial.
Por outro lado, no âmbito da estratégia de impedir que o criminoso usufrua das vantagens do crime, importa inverter o ónus da prova quanto à origem dos bens.
Por vezes, acontece (muito frequentemente acontece!) que num processo criminal de que resulte a condenação, por exemplo, por tráfico de estupefacientes, se apure a existência de um património do arguido que manifestamente não é congruente com os rendimentos da sua actividade ilícita, sem se conseguir provar, no entanto, a origem ilícita desse património. Neste caso, o referido património, provavelmente resultante do tráfico, ficará na posse do arguido, que conservará, assim, os lucros da actividade criminosa. É inaceitável!
Trata-se, portanto, de, havendo condenação do arguido por um crime grave - como o tráfico de droga -, impor a esse arguido o ónus de provar a origem lícita dos seus rendimentos e dos seus bens e, na falta dessa prova, que esses rendimentos e esses bens devam ser considerados como de origem criminosa e, como tal, perdidos em favor do Estado.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Da concretização e da eficácia destas medidas, depende, em muito, a própria legitimidade da justiça penal, que não se pode limitar a uma mera igualdade formal, não se pode limitar, como dizia Anatole France, a proibir tanto os ricos como os pobres de dormirem debaixo das pontes, mendigarem nas ruas ou roubarem o pão.
Aplausos do PS.
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O Sr. Presidente: - Informo a Câmara que se inscreveram para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro da Justiça os Srs. Deputado Patinha Antão e António Filipe.
Tem a palavra o Sr. Deputado Patinha Antão.
O Sr. Patinha Antão (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, a minha primeira palavra é de associação à homenagem, mais do que devida, às mulheres, particularmente às mulheres portuguesas, neste Dia Internacional da Mulher.
Sr. Ministro da Justiça, creio que, neste debate, V. Ex.ª está numa situação desconfortável.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Olhe que não!
O Orador: - Ouvi-o com atenção, Sr. Ministro, e ouvi com atenção a exposição de motivos do Sr. Deputado António Filipe.
De facto, a primeira observação é que há uma troca de lugares, obviamente, e V. Ex.ª sentiu-o, até porque não se pronunciou sobre um dos projectos em discussão: o projecto de lei e a sugestão do PCP no sentido de que V. Ex.ª passe a dispor de um programa, que ainda não fez, e de uma comissão nacional, que não sabemos se entende precisar dela ou não.
Portanto, Sr. Ministro da Justiça, a minha primeira pergunta vai neste sentido: V. Ex.ª entende que precisa do programa que o PCP está disponível para lhe oferecer? Entende que precisa da comissão nacional para fazer a coordenação das entidades judiciárias que estão envolvidas no processo de detecção e averiguação do crime de branqueamento de capitais? Sim ou não? V. Ex.ª precisa ou não?
O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Não devia precisar!
O Orador: - É óbvio que não devia precisar, porque fazer-se chegar à Câmara um projecto de um partido relativamente a matéria que é do cerne da actividade executiva significa um «cartão amarelo», uma chamada de atenção ao demissionismo, ao laxismo do Governo nesta matéria.
A Sr.ª Maria Celeste Cardona (PSD): - Nesta matéria?!
O Orador: - E noutras, Sr.ª Deputada!
Vozes do CDS-PP: - Ah, bem!
O Orador: - Srs. Deputados, por decoro, não quis referir as demais!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Já vai ver a resposta, Sr. Deputado!
O Orador: - Mas V. Ex.ª, Sr. Ministro, evitou cautelosamente pronunciar-se sobre este primeiro projecto de diploma. De modo que a questão é muito simples: queremos saber se V. Ex.ª precisa ou não e qual é, de facto, o seu pensamento sobre isso.
Quanto ao outro projecto de diploma, V. Ex.ª referiu, em primeiro lugar, preocupação com o tema, tendo começado por enunciar os valores enormes que atinge o branqueamento de capitais. Citou até um número que, de acordo com relatórios internacionais (que eu conheço e V. Ex.ª também conhece), até é maior. Trata-se de um valor à volta de 1,5 triliões de dólares, qualquer coisa como 15 vezes o Produto Interno Bruto português.
Mas, Sr. Ministro, depois desta apresentação, cabe perguntar: V. Ex.ª, como principal responsável pela política executiva, tem alguma informação sobre qual é o montante desse tráfego que, eventualmente, se dirige, ou passa, no sistema português? Essa é uma resposta que os órgãos executivos têm que dar.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Queira concluir.
O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente, com uma breve frase, se me permite: gostaria que o Sr. Ministro nos informasse sobre isso, porque há muitas outras questões candentes sobre as quais gostaríamos de ouvir a opinião do Governo.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para responder, Sr. Ministro, caso o deseje fazer desde já.
O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Patinha Antão, a resposta é necessariamente curta, visto que V. Ex.ª, quanto à substância do debate, nada disse. Procurou ir para as margens, para «a espuma dos dias» do debate.
Mas era bom se o PSD se pronunciasse sobre o fundo da questão, pois é o que interessa.
O Sr. Patinha Antão (PSD): - Já lá chegaremos!
O Orador: - Quanto à comissão, como o Sr. Deputado Patinha Antão não acompanha estas matérias da área da justiça, não se terá dado conta de que, no ano passado, quando esta Assembleia da República aprovou uma nova lei de organização da investigação criminal, criou um conselho coordenador, que tem uma composição permanente, relativo aos órgãos de polícia criminal de competência genérica - Polícia Judiciária, PSP e GNR -, presidido por mim próprio e pelo Sr. Ministro da Administração Interna.
Mas essa lei que a Assembleia da República aprovou (creio que, aliás, sem o seu voto contra) prevê também que o conselho tenha uma composição variável, sempre que se aí entenda dever discuti matérias de criminalidade específica, objecto da competência dos outros órgãos de polícia criminal de competência específica. Aliás, nesse contexto, está previsto que, em breve, esse conselho coordenador se reúna também com a participação Sr. Ministro das Finanças e dos órgãos de polícia criminal dependentes do Ministério das Finanças, que, designadamente, têm competência nesta matéria de combate à criminalidade económica e financeira.
Portanto, no que diz respeito à investigação criminal, creio que este projecto de lei do PCP nada acrescenta de novo. O diploma não se limita a promover a reunião de organismos com competência de investigação criminal, alarga-a a outros organismos de competência administrativa e esses, efectivamente, não têm assento, não estão cobertos pela lei de organização da investigação criminal.
Não creio que seja necessário existir uma lei para que o Governo, sempre que entenda conveniente proceder à reunião desses organismos de natureza administrativa, promova a sua reunião, como é natural sob a co-presidência dos
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ministros que tutelam esses diferentes organismos. Portanto, não considero esse diploma essencial. Também não vejo que pela existência desse diploma venha mal ao mundo.
Protestos do Deputado do PSD Luís Marques Guedes.
Portanto, quanto a esse diploma, VV. Ex.as pronunciar-se-ão com total liberdade e relativamente a ele não levanto questão alguma.
O fundo da questão, Sr. Deputado Patinha Antão, tem a ver com a posição clara que assumimos aqui e que assumimos, sobretudo, no quadro da União Europeia, porque temos a noção, que esta é daquelas matérias que dificilmente se combate com eficácia no quadro das fronteiras estritas do Estado-Nação, pela simples razão de que ainda que conseguíssemos criar, num só Estado, um regime totalmente blindado ao branqueamento de capitais, a volatilidade do capital, hoje, retirar-lhe-ia qualquer eficácia. E é nesse sentido, aliás, que vejo, com satisfação, o PCP juntar-se ao grande consenso europeu nesta matéria.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Bem lembrado!
O Sr. Presidente: - Para formular o seu pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, começaria por fazer um reparo à parte final da sua resposta ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Patinha Antão, na medida em que o Sr. Ministro está a discutir uma iniciativa do PCP sobre uma matéria relativamente à qual o Governo ainda não apresentou iniciativa nenhuma e vem dizer que é o PCP que se junta. Creio que se há aqui alguém que se junta a alguma coisa é, de facto, o Governo,…
Risos do PCP.
… que decidiu, e muito bem, juntar-se a este debate para discutir as iniciativas do PCP.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - A ideia é da Europa!
O Orador: - Sr. Ministro, gostaria de registar positivamente a sua intervenção, no que diz respeito ao seu conteúdo, e de dizer que as duas questões que colocou, o problema do segredo bancário e o da chamada inversão do ónus da prova, são da maior pertinência neste debate.
Parece-nos que faz, de facto, todo o sentido discutir, com toda a seriedade, a forma de agilizar a quebra do segredo bancário, em ordem a permitir a investigação de crimes com esta complexidade e gravidade, assim como faz todo o sentido encontrar uma forma de, sem pôr em causa o princípio da presunção de inocência dos arguidos em processo penal, lesar o património de quem tenha sido condenado por um crime como, por exemplo, o de tráfico de droga e que, de facto, exteriorize sinais de riqueza que são, evidentemente, imputáveis a essa actividade criminosa.
A discussão que se está a realizar em vários países para encontrar uma solução para isso, com recurso à justiça cível, é uma discussão que, do nosso ponto de vista, faz todo o sentido e, por isso, estamos empenhados em que essa matéria se discuta, na especialidade, com toda a seriedade. Os votos que fazemos vão no sentido de que, de facto, se concretize o compromisso aqui assumido pelo Governo, de apresentar, ainda nesta sessão legislativa, uma iniciativa que possa, quanto antes, recolher os vários contributos que venham a ser dados nesta Câmara sobre essa matéria, e possamos aprovar uma boa lei. São esses os votos que fazemos e estamos inteiramente disponíveis e empenhados em dar esse contributo.
Mas há ainda uma questão que quero colocar ao Sr. Ministro, a qual tem a ver com a coordenação.
O Sr. Ministro referiu-se ao órgão criado no âmbito da lei de investigação criminal, como referiu que o que o PCP propõe não é só isso ou não é sobretudo isso. O que o PCP propõe é que se encontre uma forma de haver troca de informação entre entidades que devem dispor de informação relevante, desde logo para a prevenção do branqueamento de capitais, mas também como um auxiliar precioso para a investigação, porque o que verificamos é que os poucos casos de branqueamento que são detectados são-no em consequência da investigação de outro tipo de crimes que ficam a montante, não havendo resultados absolutamente nenhuns quanto à investigação do branqueamento, ele próprio, como crime. Para isso é necessário, de facto, uma troca de informação que, neste momento, não há e uma coordenação que não tem existido. É esta a nossa preocupação e também gostava de ouvir o ponto de vista do Governo sobre esta matéria, bem como sobre as medidas que entende que devem ser tomadas neste domínio.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, quanto ao fundo da questão, parece-me que estamos entendidos.
Vozes do CDS-PP: - Claro!
O Orador: - Creio que os documentos da União Europeia são claros, o Programa de Prevenção e Combate à Criminalidade Organizada, aprovado sob a presidência portuguesa, é muito claro quanto às medidas, e todas estas medidas lá estão, mas vão um pouco mais além. Pela minha parte, considero que, de facto, temos de trabalhar nesse sentido. E a questão da inversão do ónus da prova, em particular, é um caso gritante, porque, por exemplo, há uma situação que é claramente injusta, que é aquela em que uma pessoa é condenada por tráfico de droga, por mera detenção de uma grande quantidade de droga, mas, como se verifica a mera detenção e, portanto, não houve comércio relativamente a essa quantidade apreendida, não se tendo produzido, propriamente, uma receita, todos os bens que excedam manifestamente os rendimentos lícitos conhecidos ficarão, digamos, na posse e na disponibilidade dos arguidos.
Quanto à questão da coordenação, considero que é sempre possível ao Governo, desde que o entenda necessário - e é necessário -, melhorar os mecanismos de coordenação entre as diversas entidades, embora não seja justo dizer que eles inexistem totalmente. No âmbito da UCLEFA, por exemplo, que depende do Ministério das Finanças, há, de facto, um trabalho concreto e organizado, por parte de diferentes organismos, relativamente à coor
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denação da sua actividade, e não só dos órgãos de polícia criminal. Portanto, esses mecanismos de coordenação existem! Que podem ser melhorados, podem! Não creio que seja fundamental a aprovação de um projecto de lei nesse sentido, mas também não vejo que venha mal ao mundo se isso acontecer, desde que, naturalmente, sofra ajustes, designadamente evitando a deselegância de um ministro de um ministério, no caso, eu próprio, presidir exclusivamente a um órgão onde estão representados organismos dependentes de colegas de outros ministérios.
O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Tem toda a razão!
O Orador: - Compreenderá, Sr. Deputado, que não considere que isso seja muito elegante, mas também não creio que seja, para o PCP, uma questão decisiva.
Assim sendo, entendo que, se o PCP tiver disponibilidade para, em sede de comissão, aguardar pela aprovação, que creio estar para muito breve, quer da directiva, quer da decisão-quadro da União Europeia sobre branqueamento de capitais, todos teremos a ganhar com isso, para que, relativamente a este projecto de lei não se constate, daqui a dois meses, que é muito recuado para aquilo que a União Europeia exige que Portugal faça no combate ao branqueamento de capitais…
Risos do PCP.
… e, por outro lado, para que não tenhamos, mais uma vez, de alterar a lei muito brevemente.
Os Srs. Deputados riem-se, e admito que possam estar satisfeitos com a ironia, mas parece-me que é um bom caminho, quando a União Europeia, nestas matérias, já vai à frente do PCP.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - O Sr. Ministro vai rir-se no fim!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Basílio Horta, que é o orador que se seguirá, informo que, mais uma vez, não estamos sozinhos. Encontram-se a assistir a esta sessão plenária um grupo de 50 alunos da Associação de Estudantes da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa do Porto, um grupo de 26 alunos da Escola Secundária «Moinho de Maré», de Corroios, um grupo de 150 alunos da Escola EB 2, 3 Dr. Manuel Pinto de Vasconcelos, de Freamunde, Paços de Ferreira, um grupo de 25 alunos da Escola Secundária IBN MUCANA, de Alcabideche, um grupo de 30 pessoas da Associação de Reformados, Pensionistas e Idosos da Reboleira e um grupo de 41 alunos da Escola Secundária de Ermesinde, Valongo. Estará ainda presente, cerca das 17 horas, um grupo de 80 alunos da Escola Secundária de Vila Verde.
É um gosto termos connosco a juventude e a terceira idade deste País. Uma saudação carinhosa para todos eles.
Aplausos gerais, de pé.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.
O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: A luta contra o branqueamento de capitais ou contra o dinheiro «sujo», como lhe preferimos chamar, assume enormes dificuldades bem expressas na actual situação portuguesa no combate a esta criminosa actividade. De 67 crimes investigados, resultaram 11 acusações e 0 detenções. Esta situação, em nosso entender, resulta fundamentalmente dos seguintes factores: a natureza internacional do fenómeno, que exige uma cooperação de esforços transnacionais e um apuro da legislação preventiva e condenatória de tais actividades; a liberdade de transação de capitais no espaço de uma economia mundial que cada vez mais desconhece as fronteiras nacionais; o poder financeiro e a enorme liquidez de que dispõem os agentes criminosos, que lhes permitem controlar segmentos ou mesmo sectores integrais da economia; a dificuldade em identificar e em separar as condutas ilícitas das condutas lícitas, uma vez que os respectivos agentes, normalmente, desempenham papéis idênticos nos mercados financeiros; finalmente, em ordem que não em importância, a cultura do sucesso a qualquer preço, originária em bitolas valorativas que premeiam a riqueza sem curar de saber da respectiva proveniência.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Nesta infeliz realidade assenta, em larga medida, a chamada cultura de corrupção que mina a autoridade dos Estados e a dignidade das instituições.
Os chamados segredos profissionais, entre os quais avultam o segredo bancário, o segredo fiscal e o segredo profissional de advogados, este último abrangido pela revisão da directiva comunitária de 1991, proposta pela Comissão europeia, são também elementos decisivos na dificuldade do combate a esta actividade criminosa.
Dois apontamentos sobre este tema, o primeiro dos quais já suscitado pela Sr.ª Deputada Celeste Cardona e que demonstra uma grande incongruência, como foi aqui dito: para os contribuintes, segredo fiscal praticamente inexistente; para os criminosos, a prudência que a legislação normal devia aconselhar, ou seja, a intervenção judicial.
Quanto ao segredo profissional dos advogados, os advogados são livres de aceitar ou recusar os seus processos e, neste caso, devem recusá-los. O que não pode ser exigido é que os advogados sejam delatores dos seus clientes.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Impossível!
O Orador: - E bem reagiram a Ordem dos Advogados e a classe a uma imposição que destruía completamente a natureza do mandato que deve existir entre o advogado e o seu cliente.
Mas, para além destas dificuldades, o tratamento sério desta temática aconselha a que não nos deixemos contagiar pela tentação fácil de a utilizar como arma de arremesso contra as instituições financeiras. Em Portugal, as instituições financeiras integram o único sector a crescer a uma média superior à média europeia, pelo que a indispensável supervisão não pode ser um entrave quer à confiança do mercado quer à produtividade das instituições.
Por outro lado, é ponto assente, na doutrina e na legislação comparada, que as medidas penais entendidas como o único ou predominante meio para combater esta actividade é uma forma de ver a árvore e esquecer a floresta.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!
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O Orador: - O fenómeno do dinheiro «sujo» tem de ser combatido, simultaneamente, a montante, nas actividades criminosas que o geram, e a jusante, por vias essencialmente administrativas, no aproveitamento ilícito que dele fazem instituições sem escrúpulos.
Os projectos em presença, embora bem intencionados nos seus objectivos, são, a nosso ver, ineficazes nas soluções que preconizam.
Desde logo, a criação da chamada comissão nacional de prevenção e combate ao branqueamento de capitais é, pelas entidades que a compõem e pelas vagas competências que lhe são atribuídas, um organismo burocrático que muito pouco ou nada vai adiantar ao combate contra o dinheiro «sujo». Admite-se que, a nível internacional, uma comissão desta natureza se encontre prevista, e está prevista na directiva de 1991, para coordenar os esforços de diversos países, mas já dificilmente se entende que em Portugal ela tenha um mínimo de utilidade.
A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Exactamente!
O Orador: - Melhor seria, a nosso ver, proceder à urgente reavaliação dos institutos a quem compete a supervisão do mercado financeiro.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - E, aqui, duas soluções seriam possíveis: uma seria a de integrar num único instituto, à semelhança do que acontece em Inglaterra, a supervisão das bolsas de valores, das instituições de crédito e das entidades seguradoras; outra, que perfilhamos, seria a de criar, ao lado da comissão que superintende na Bolsa de Valores Mobiliários, um instituto que superintendesse no crédito e nos seguros e que deveria resultar da fusão do Instituto de Seguros de Portugal com o serviço de supervisão bancária do Banco de Portugal.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Desde a extinção da Inspecção-Geral de Créditos Seguros que, se a supervisão bancária, em Portugal, for ver bem os resultados, verá o risco enorme que o País corre. Não são só as pontes que se abatem, quando há deficiências na Administração Pública. Há outros institutos, que, igualmente, zelam pela segurança das pessoas, que carecem de uma supervisão e de um acompanhamento que, em nosso entender, não estão a ser completamente eficazes.
Quanto ao outro diploma, que altera vários preceitos da legislação em vigor, é mais um remendo num sistema já por si suficientemente disperso para ser desprovido da lógica do conjunto que lhe garantiria um mínimo de eficácia. Por isso, a nosso ver, seria mais útil proceder à reavaliação dos cinco diplomas legais que, simultaneamente, vigoram em Portugal e que regulam a matéria…
O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - … e, à semelhança do que fez a Alemanha com a célebre lei de 25 de Outubro de 1993, fundi-los numa única lei que desse coerência jurídica ao sistema penal aplicável e eficácia na respectiva utilização.
Obviamente, para além das medidas de natureza legislativa que se deixam sugeridas, não são dispensáveis os esforços internacionais no sentido de prevenir e combater esta actividade que transforma em lixo um instrumento essencial da riqueza dos povos, o dinheiro.
O CDS-PP, se estas duas iniciativas do Partido Comunista Português não forem aprovadas, o que, sinceramente, não desejamos, apresentará os seus próprios projectos. Se as mesmas forem aprovadas, apresentaremos, em sede de comissão, as alterações indispensáveis a que estes projectos ganhem em eficácia o que têm na bondade dos seus fins.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Basílio Horta, não vou responder às questões que suscitou e que já tinham sido suscitadas pela Sr.ª Deputada Celeste Cardona,…
A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Mas não respondidas!
O Orador: - … mas gostaria de o questionar sobre um aspecto em concreto.
O Sr. Deputado desejou que estes projectos de lei fossem aprovados, para poder contribuir, em sede de comissão, com propostas de alteração, que serão, naturalmente, bem-vindas - embora creia que, evidentemente, não seria preciso eu dizê-lo - para o debate desta matéria, mas criticou um dos projectos de lei que apresentámos, que é aquele que diz respeito à coordenação entre várias instituições, considerando que esta não seria a solução adequada.
Ora, há pouco mais de dois anos, aqui, nesta Assembleia, no âmbito de uma comissão parlamentar eventual que existiu na última Legislatura, procedemos a uma audição, precisamente sobre este problema do branqueamento de capitais, na qual tivemos oportunidade de ouvir várias entidades fiscalizadoras, para além de o Banco de Portugal ter recusado qualquer colaboração com essa comissão, sobre esta matéria, o que, na altura, foi considerado, pela própria comissão parlamentar, como altamente significativo e deplorável. Mas, pelas entidades que colaboraram connosco, através dos seus directores-gerais - entidades, todas elas, com competências legalmente atribuídas -, fomos confrontados com situações em que nem sequer os directores-gerais se conheciam pessoalmente. Essas entidades deveriam ter uma colaboração normal, no âmbito desta matéria! Tratou-se de uma coisa espantosa, porque essa audição parlamentar serviu para apresentar, pessoalmente, o Inspector-Geral das Actividades Económicas ao Director-Geral das Alfândegas! Se a audição outra utilidade não tivesse tido, teve, pelo menos, essa!
A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Façam-se mais!
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Eram de facções diferentes!
O Orador: - Pelo menos, se outra utilidade não tivesse tido, teve essa!
Portanto, Sr. Deputado, vimo-nos confrontados com a situação dramática em que se encontrava a coordenação
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das várias entidades administrativas que têm de intervir nesta matéria. Por isso, procurámos chegar a uma solução que permitisse que, pelo menos, essas pessoas se sentassem à mesa e discutissem o que é que cada um pode ou está a fazer em matéria de combate ao branqueamento de capitais para que não vivam de costas voltadas uns para os outros ou sem se conhecerem pessoalmente.
Gostava, portanto, de perguntar ao Sr. Deputado se não crê que há um problema muito grave a resolver…
A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Há, há!
O Orador: - … em matéria de coordenação das várias entidades administrativas que intervêm em matéria de prevenção da utilização do sistema financeiro para branqueamento de capitais.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.
O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, antes de mais, quero prestar um esclarecimento ao Sr. Deputado António Filipe, dizendo que a bancada do CDS-PP vai abster-se na votação destes diplomas, razão pela qual dissemos que vamos viabilizar a sua passagem na generalidade.
Em relação à coordenação de que o Sr. Deputado fala, é evidente que ela é indispensável, mas peço-lhe que não a faça através de organismos autónomos, porque essa coordenação faz-se por protocolo do Governo. O grande problema é a grande dispersão que existe neste momento.
A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Exactamente!
O Orador: - Se o Sr. Deputado tiver um instituto que fiscalize o sistema de crédito dos bancos e as entidades seguradoras, com competência investigatória de polícia judiciária e independência em relação a determinados órgãos, que supervisione não só o dinheiro «sujo» como o dinheiro «limpo», porque há regras da banca que têm de ser cumpridas e fiscalizadas, e que, depois, remeta para os tribunais aquilo que detectar escusa de fazer coordenações exteriores. Isto porque, com as coordenações exteriores, a única coisa que vai conseguir é aumentar a desresponsabilização, que é, aliás, o que está a acontecer em muitos casos na Administração Pública. Esta é uma situação que já vem de trás e que consiste no seguinte: criam-se novas entidades para as quais se transferem as competências, mas não o pessoal nem as responsabilidades, pelo que ficam as outras desprovidas de competências e com pessoal. Por isso peço-lhe que não faça isso, Sr. Deputado, porque acaba por haver zonas «mortas» onde ninguém é responsável e onde ninguém actua!
O que é necessário nesta altura não é dispersar nem coordenar mas, sim, concentrar esforços. É necessário dar responsabilidade a institutos autónomos que fiscalizem as entidades seguradoras e bancárias. Se o não quer fazer à inglesa, através de um único instituto, faça-o através de dois. Veja a experiência da Inspecção-Geral de Créditos e Seguros e, como não estamos na mesma altura, veja o que se pode fazer nesse domínio e adapte-a, porque é aí que a coordenação se faz. A coordenação faz-se entre entidades do Ministério Público, entre entidades da Administração Pública, entre entidades governamentais. Aí, a coordenação e a prática são feitas ao mesmo tempo; uma coordenação vaga e consultiva não vai a lado algum.
Sr. Deputado, digo-lhe com sinceridade que, compreendendo a vossa boa intenção, em minha opinião, esta Comissão Nacional de Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais não adianta e até pode prejudicar, porque desresponsabiliza. O que dizem logo é: «Isso não é connosco, é com a Comissão!» ou «Isso já não é connosco!».
Assim, criar-se-ão zonas que ainda pioram o que, em meu entender, já é mau, Sr. Deputado. E tenho de confessar-lhe que tenho dúvidas sobre a supervisão bancária que há em Portugal neste momento. O serviço e o tipo de supervisão que existe implica um equilíbrio entre a respeitabilidade e a confiança do mercado e, ao mesmo tempo, a solvabilidade das instituições. É necessário ter muito cuidado com este equilíbrio e ele deveria ser objecto de uma reavaliação dos institutos que operam nesta área. Esta seria uma proposta, e, aliás, fá-la-emos de forma completa em comissão.
A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Sarmento.
O Sr. Joaquim Sarmento (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: Antes de dar início à minha intervenção, quero, na esteira de outros colegas, saudar as mulheres do meu país e as Sr. as Deputadas, em particular, pela data comemorativa do Dia Internacional da Mulher.
Aplausos do PS.
Com permissão de V. Ex.ª, Sr. Presidente da Assembleia da República, entendendo que esta data não pode ser meramente formal mas, sim, libertadora, permitir-me-ei citar António Ramos Rosa, dedicando este pequeno poema às Sr.as Deputadas: «(…) não posso adiar para outro século a minha vida/nem o meu amor/nem o meu grito de libertação/Não posso adiar o coração».
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!
O Orador: - Refere-nos o historiador Paul Veyne que o «conhecimento histórico só tem consequências meramente culturais: desprovincianiza, ensina-nos que em matéria humana tudo o que existe podia não existir». Este ponto de vista é um apelo à contingência e pode levar-nos, por isso mesmo, ao conformismo perante acontecimentos reais de puro horror, o qual só pode vencer-se com uma visão que não rasure mas, pelo contrário, robusteça a capacidade do Homem em travar e transformar o sentido trágico da História. Este horror, que teve o seu zénite na barbárie nazi, prolonga-se neste século, com uma dimensão mais subterrânea, mas igualmente assassina, a destruição pela droga. E são a droga e o tráfico desta os principais suportes do branqueamento de capitais, objecto primordial das iniciativas legislativas que aqui se discutem, branqueamento que urge combater sem tréguas.
Branqueamento de capitais que é a perpetuação fetichista desse horror, e, por isso, os seus padrinhos tentam re
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duzir o passado, como diria Eduardo Lourenço, «a um único signo, a um gesto, a um rosto, a Einstein com a língua de fora, às saias de Marylin Monroe abertas sobre o (in)consciente do século». O branqueamento do passado é o sustento do branqueamento de capitais. As recentes revelações contidas em IBM e o Holocausto, da autoria do Sr. Edwin Black, são poderosas informações, mais do que do anti-semitismo, de uma maquiavélica lavagem de dinheiro. O combate a este problema é, pois, tarefa hercúlea que ainda por cima esbarra numa enorme hipocrisia da comunidade internacional, como diria o nosso Presidente, Dr. Almeida Santos, e de que a exclusão do crime organizado (incluindo o narcotráfico) dos crimes a poderem ser objecto da jurisdição do Tribunal Penal Internacional é um exemplo paradigmático.
Deste modo, os projectos de lei do PCP são iniciativas positivas. O branqueamento de capitais é uma das grandes ameaças à democracia e à soberania e independência dos Estados e as associações criminosas que o consubstanciam vão fragilizando o poder político, cada vez mais condicionado pelo poder económico, por sua vez minado pelo peso crescente no circuito legal de negócios de somas fabulosas engendradas pelo narcotráfico e outras actividades criminosas. Observadores referem que na Federação Russa o peso da mafia atinge já os 70% da economia.
Por isso, a Comissão Europeia prepara a alteração da Directiva 91/308/CEE, que está na base da legislação portuguesa sobre a matéria em causa, de forma a apertar as malhas do mundo ligado ao branqueamento de capitais, na esteira, aliás, das preocupações da ONU, a qual, através do programa mundial contra o branqueamento de capitais, preconiza diversas medidas no cerco a este flagelo. Efectivamente, tanto o Conselho da União Europeia como o Parlamento Europeu têm apelado para a adopção de medidas adicionais destinadas a redobrar os esforços da União Europeia em matéria de combate ao branqueamento de capitais. Desde a adopção da Directiva, em 1991, tanto o risco de branqueamento de capitais como a resposta a esse risco têm vindo a evoluir. A Comissão considera, tal como o Parlamento Europeu e os Estados-membros, que a resposta da União Europeia deve igualmente, na fase actual, registar um novo impulso.
As principais alterações à Directiva de 1991 consistem no alargamento da proibição de branqueamento de capitais, por forma a abranger não só o tráfico de estupefacientes como também o crime organizado no seu conjunto, bem como na extensão das obrigações consignadas na Directiva a determinadas actividades e profissões não financeiras. É também necessária uma cooperação entre as autoridades nacionais e a Comissão na eventualidade de actividades ilegais que prejudiquem os interesses financeiros das Comunidades Europeias. Por último, tirar-se-á partido desta oportunidade para clarificar determinados aspectos da versão de 1991.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Entre as medidas subjacentes ao projecto de lei n.º 124/VIII destacaria as que se articulam com as limitações ao segredo bancário, nomeadamente o aditamento ao Decreto-Lei n.º 325/95, de 2 de Dezembro, uma disposição que afasta o segredo bancário e fiscal quando esteja em causa o inquérito, instrução ou julgamento do processo relativo ao branqueamento de capitais, dependendo esse afastamento unicamente de autorização ou ordem do juiz.
Uma decisão com importância para o tema subjacente decorre do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/98. Na questão sub judice, respeitante à relação entre o dever de segredo comercial estatuído no artigo 43.º do Código Comercial e o artigo 519.º do Código de Processo Civil, que regula em termos mais exaustivos a relação segredo profissional/dever de colaboração com a justiça, afirma-se, no entanto, que se deverá sempre compatibilizar os interesses «à luz do princípio da prevalência do interesse preponderante».
Numa época de assumida globalização a evolução de ilícitos económicos, criminais ou não, dotados de características de extrema organização, tecnologicamente evoluídos e altamente premeditados, tornam a sua descoberta e análise extremamente difíceis, reforçando o dever geral de colaboração ou de informação perante as autoridades competentes para administrar justiça e dos órgãos de polícia criminal.
Princípios constitucionais de tutela efectiva, como sejam o dever de colaboração com a justiça, arquivo aberto, controlo jurisdicional da actividade da Administração ou igualdade perante os encargos públicos, deverão redundar numa clara derrogação aos deveres de sigilo que excepcionalmente venham a ser impostos e numa clara delimitação do que deve ser considerado confidencial.
Em termos globais, somos, por conseguinte, favoráveis à alteração que se pretende consagrar a nível do segredo bancário, de todas as suas vertentes e sequelas, porquanto, se se alargam, a nível nacional e internacional, os casos de colaboração ou de cooperação sobre matéria sigilosa entre entes públicos e mesmo privados, o dever constitucional de cooperação de todas as autoridades com os tribunais deve resultar num dever reforçado, que mal se compagina com a criação de uma vasta plêiade de situações em que seria lícito negar a colaboração com a Justiça.
Pensamos, contudo, que o legislador nacional só deverá legislar sobre este assunto após aprovação da directiva, que se prevê que o seja a breve trecho, e depois da decisão-quadro sobre branqueamento de capitais ter os seus contornos clarificados, sob pena das alterações propostas poderem ficar desfasadas ou aquém do que a União Europeia pretende implementar.
Relativamente ao projecto de lei n.º 123/VIII, o qual cria uma Comissão Nacional de Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais, independentemente do mérito que esta Comissão possa ter e do plano de acção delineado no projecto de articulado, julgamos que a criação da mesma se enquadra melhor numa resolução do Conselho de Ministros, dado que este tipo de opções se coaduna melhor com as competências de organização de cada ministério e respectivas políticas de actuação, concordando inteiramente com os argumentos a esse título já aduzidos pelo Sr. Ministro da Justiça.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quaisquer que sejam as medidas legislativas a tomar no campo da ilicitude que aqui discutimos e por mais profícua que seja a sua eficácia, trata-se de uma causa de dimensão planetária, cujas raízes são o espelho de uma crise civilizacional para cuja ultrapassagem não basta a bengala legislativa. Daí o relevo que concedi nesta intervenção à componente ideológica, atenta a fragmentação do sistema e a consequente fragmentação do sujeito, sistema que não apaga cumplicidades com as temáticas que hoje abordamos e sujeito que anda à deriva na resistência às mesmas. Se não concedermos a esta causa uma amplitude civilizacional, as medidas, aliás, positivas, sublinhe-se mais uma vez, constantes dos
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diplomas em apreço não passarão de um ecstasy de efeitos anestesiantes limitados.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joaquim Sarmento, ouvi atentamente a sua intervenção e creio que proferiu algumas observações pertinentes relativamente ao problema do segredo bancário e ao da jurisprudência existente sobre esta matéria. Creio que tal será algo que nos ocupará na comissão e, pelas intervenções já aqui ouvidas hoje, creio que teremos oportunidade de ter um interessantíssimo debate, e esperamos que saiam daí soluções adequadas e que representem um progresso no ordenamento jurídico português. Estamos convencidos de que assim será.
Há, no entanto, um aspecto da sua intervenção que eu não gostaria de deixar passar em claro, refiro-me à ideia de esperarmos pela directiva comunitária. O Sr. Deputado poderá dizer, como disse o Sr. Ministro da Justiça, que a directiva está em ultimação, que vai ser aprovada muito em breve e que, portanto, poderemos confrontar as soluções que propomos com aquilo que constar da directiva, por forma a proceder à sua transposição quando aprovarmos a lei. Porém, esta directiva está em discussão há vários anos, e o Sr. Deputado também não ignora que a directiva de 1991, que é a última que existe a nível da União Europeia sobre esta matéria, também demorou muitos anos a discutir.
Para além disto, nesta matéria não é a União Europeia a única organização internacional que se pronuncia. Há resoluções das Nações Unidas adoptadas sobre esta matéria, que apontam para algumas destas medidas que aqui preconizamos. Há um texto aprovado precisamente na assembleia geral extraordinária das Nações Unidas que foi realizada em 1998 e na qual o Governo português teve até uma participação muito interessante de coordenação dos trabalhos, pelo que não podemos ficar exclusivamente à espera de decisões da União Europeia, deitando pela borda fora toda a outra reflexão e todo o restante conjunto de medidas que, no plano de várias organizações internacionais, têm vindo a ser discutidas. Agora dizem-nos que a directiva está, de facto, em fase de ultimação, mas creio que não podemos condicionar a actividade legislativa desta Assembleia exclusivamente a pensar nisso, quando se sabe, por exemplo, que algumas das disposições da directiva de 1991 nunca foram transpostas para Portugal. Fazemos aqui propostas relativamente a matérias que têm vindo a ser discutidas no âmbito da revisão da directiva, mas também propomos a transposição de algumas matérias que já deviam ter sido transpostas para a ordem jurídica portuguesa há muitos anos e não foram. Como tal, esta ideia de que só legislaremos aquilo que a União Europeia nos determinar é uma ideia que não podemos de maneira alguma aceitar.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Sarmento.
O Sr. Joaquim Sarmento (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, de forma alguma nós queremos limitar as iniciativas legislativas ao que se passa na ordem jurídica comunitária. No entanto, os dados que temos (e foi nesta óptica que condensei a minha intervenção), dizem que o projecto de revogação da actual directiva, a Directiva 91/308/CEE, está numa fase terminal e indicam que o legislador comunitário pode dimensionar, nos termos já aflorados na minha intervenção e na intervenção do Sr. Ministro da Justiça, a directiva que revoga a directiva de 1991, aqui já referida.
Portanto, pretendi apenas alertar para a eventual falta de compaginação entre o texto da iniciativa legislativa apresentada pelo Partido Comunista Português e o conteúdo que possa vir a ser vertido na futura directiva emanada das instituições comunitárias. No entanto, estamos disponíveis para viabilizar a vossa iniciativa, não é isto que está em causa. Possivelmente, teremos de aguardar pela discussão em sede de especialidade para sabermos se não haverá hiatos ou até contradições entre a ordem jurídica comunitária e o vosso projecto de lei.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Patinha Antão.
O Sr. Patinha Antão (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Qualquer iniciativa legislativa, venha ela donde vier, que vise aperfeiçoar a prevenção, detecção e punição do crime de branqueamento de capitais deve beneficiar, à partida, de acolhimento favorável nesta Câmara. Recomenda-o: a especial gravidade deste crime e dos que lhe são conexos e a sofisticação crescente das associações criminosas que os comandam; a diversificação das suas actividades criminosas subjacentes, para além do tráfico de droga, a sua matriz dominante inicial; o desmesurado valor económico que representam, que se estima ser, hoje em dia, à volta de 1,5 triliões de dólares, isto é, cerca de 15 vezes o Produto Interno Bruto do nosso país; o crescente poder de corrupção que concentram e a proliferação de portas semiabertas, em alguns casos até escancaradas, que encontram em certas zonas do mundo, acrescidas recentemente pela Europa de Leste que, em alguns países, se encontra minada por poderosas mafias criminosas, que nem sequer são clandestinas.
A profundidade dos danos que causam ao interesse público é, pois, de tal ordem e a corrosão das reservas morais das sociedades que promovem, sob o disfarce de certos comportamentos hedonistas pós-modernos, tão perigosamente eficaz que não nos doam as mãos de todo e qualquer esforço que permita prevenir, combater ou punir melhor todo este tipo de actividade criminosa especialmente grave.
Mas, reconhecida a bondade da intenção, há que analisar a utilidade, a eficácia e a adequação do esforço.
Por isso, cabe perguntar: visam estas duas iniciativas do PCP objectivos apropriados? Foram, para o efeito, escolhidas as medidas mais adequadas? Constituem as novas redacções ora propostas à lei vigente avanços úteis? Preservam elas, ao mesmo tempo, os princípios ordenadores e de proporcionalidade dos regimes legais em vigor? E como se inscrevem estas iniciativas na dinâmica de alteração da legislação comunitária que está em curso, representada, nomeadamente, pela Posição Comum, aprovada em Dezembro de 1998 pelo Conselho Europeu de Chefes de Estado, e pelas 40 Recomendações propostas e actualiza
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das, em Julho de 1999, pelo Grupo de Acção Financeira Internacional (GAFI) (Branqueamento de Capitais) de que Portugal faz farte?
Ora, a resposta serena e objectiva a estas questões, Srs. Deputados, separa, desde logo, radicalmente, nos méritos e deméritos, as duas iniciativas do PCP em apreço.
A primeira, a criação de um programa e de uma comissão nacional, mostra não ser apenas redundante, é, em simultâneo, «cartão amarelo» e a muleta do Governo, o que, de resto, é óbvio no debate nesta Câmara. Mas, pior ainda, confunde um princípio essencial de separação de poderes, uma vez que à Câmara não cabe substituir o Governo no exercício das suas responsabilidades executivas, porque, se o fizesse, não só se autolimitaria na sua missão de fiscalização do Governo como forneceria a este um alibi para o momento e um precedente para o futuro.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, cabe, pois, perguntar: fará sentido criar uma comissão nacional, como propõe o projecto de lei, para coordenar a intervenção das entidades de supervisão e controlo em matéria de prevenção e combate ao branqueamento de capitais? Só faz sentido se o Governo se mostrar, de facto, incapaz de coordenar. E nisto acompanhamos o PCP, porque, de facto, o Governo demitiu-se de coordenar, como, de resto, é patente, pela intervenção do Sr. Ministro há pouco. Demitiu-se de tomar a iniciativa legislativa em matérias estritamente operacionais e executivas, como é o caso.
Este demissionismo é, aliás, um princípio geral da governação que temos ou, melhor dito, uma das suas marcas, como prefere o Engenheiro António Guterres apelidar a originalidade do seu modo de governar. Mas legitima ele a muleta do PCP?! Srs. Deputados do PCP, cria-se uma comissão porque o Governo não é capaz de coordenar? E oferece-se um programa porque o Governo não é capaz de o formular?
Se o Governo entende que, para agir, precisa de mais uma comissão e, para pensar, de mais uma tecno-estrutura de programa, acima ou ao lado dos competentes serviços públicos - como, muito bem, sublinhou o Sr. Deputado Basílio Horta -, que o diga, que o proponha directamente à Câmara, bem como os meios que os contribuintes terão de pagar, fundamentando à Câmara não haver melhor uso público para tais recursos, que são sempre escassos.
Proponha, pois, Sr. Ministro da Justiça - neste momento o Sr. Ministro não se encontra presente, mas o recado fica dado ao Sr. Secretário de Estado José Magalhães -, o que entender sobre esta matéria. Proponha! Não se esconda, nem se deixe substituir por terceiros.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: já quanto ao segundo projecto de lei há que lhe reconhecer utilidade real ab initio, porque ele é, em alguns pontos, bom ponto de partida para o aperfeiçoamento legislativo que a matéria exige que seja continuado e inserido no reforço da harmonização e cooperação internacional. Noutros pontos, porém, apresenta soluções inaceitáveis ou inconsistentes no plano dos princípios. Noutros, ainda, enferma de inadequações nos conteúdos normativos, em princípio supríveis por redacção melhorada.
Antes de me referir a estes temas, caberá perguntar: em que ponto estamos e para onde queremos ir? Tomando o pulso à análise comparada das boas práticas, como tal internacionalmente reconhecidas, no quadro dos países do primeiro mundo a que pertencemos, que nos mostra essa análise? A legislação portuguesa e os seus procedimentos de detecção deste tipo de crimes foram objecto de recente avaliação multilateral pelos 28 outros países que integram o GAFI, no quadro dos critérios objectivos para o efeito existentes.
Ouçamos, pois, o que foi dito nesse exame realizado em 1998.
Primeiro: «Após as modificações legislativas de 1995, o regime legal de prevenção e combate ao branqueamento de capitais, em Portugal, é um dos de mais largo âmbito do mundo quer na tipificação dos crimes, quer na abrangência das instituições financeiras e não financeiras sujeitas ao dever de comunicação de suspeita de actos de branqueamento de capitais às autoridades judiciais competentes».
Segundo: «O tráfico de droga é considerado ser a principal fonte de branqueamento de capitais, em linha com a extensão da costa e a situação geopolítica do País».
Terceiro: «A escala em que ocorre o branqueamento de capitais afigura-se ser inferior ao esperável face à dimensão do País. Porém, o número de comunicações de transacções suspeitas afigura-se ser excessivamente magro, embora a eficácia das mesmas seja das mais elevadas» - elementos objectivos.
Quarto: «A coordenação das entidades policiais e judiciárias envolvidas no processamento da informação, investigação policial e procedimento criminal necessita de ser melhorada e clarificada».
Sr. Deputado António Filipe, não posso estar mais de acordo com esta observação, e espero que o Sr. Ministro tenha tomado boa nota dela, porque este é um dos pontos decisivos para a eficácia do sistema, e isto, obviamente, é responsabilidade do Governo. Inteirinha!
Cabe agora perguntar: o projecto de lei do PCP acolhe, no essencial, a orientação destas recomendações? Apenas em parte, bem em alguns pontos, afastando-se noutros, mal e de forma inaceitável.
Acolhe bem, por exemplo, na alteração que propõe para o artigo 28.º (Associações criminosas) do Decreto-Lei n.º 15/93, porque passa a criminalizar também, com pena de prisão de 10 a 25 anos, a conivência, sabendo que os bens ilícitos que lhes estão associados têm por origem a actividade destas associações criminosas, e não actos isolados, sublinho bem.
De igual modo, acolhe bem na primeira parte da nova redacção que propõe para o n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 325/95, onde há um alargamento do crime de conivência com associações criminosas a novos crimes graves conexos com o branqueamento de capitais, como o tráfico de produtos nucleares ou o repugnante crime de pornografia envolvendo menores. Estamos inteiramente de acordo, Srs. Deputados. Mas propõe mal, e muito mal, sublinho, que se insira, ainda, na moldura do regime legal e penal especial previsto para este tipo de crimes, os crimes genéricos de fraude fiscal e ainda - pasme-se! - os demais crimes punidos com prisão igual ou superior a 5 anos. Cabe tudo neste cesto, Sr. Deputado!
A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Não cabe nada!
O Orador: - Não é com certeza propósito dos proponentes atulhar de tal forma as entidades competentes com a recepção e processamento de denúncias por suspeitas previstas na lei, com comunicações sobre eventuais fraudes fiscais e a miríade de crimes genéricos naquela moldura penal. Porquê? O que é que aconteceria? O que aconte
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ceria é que lhes seria completamente impossível ter tempo para detectar e instruir os verdadeiramente graves e genuínos casos de branqueamento de capitais.
Repudiamos, pois, liminarmente a descaracterização de qualquer regime especial no plano legal e penal, através da previsão do seu alargamento a crimes genéricos. Isto é particularmente grave, Sr. Deputado, porque, a nosso ver, é não só indispensável no plano dos princípios do ordenamento jurídico como ainda é condição de preservação de eficácia deste regime, que, como sublinhámos, precisa de ver incrementada a sua eficácia.
No caso vertente, este alargamento genérico previsto pelos proponentes seria a via mais rápida para demolir, de um só golpe, a eficácia relativa do nosso sistema de prevenção e o combate ao branqueamento de capitais. E o Sr. Deputado sabe muito bem que a França, por exemplo, se opôs exactamente a esta orientação nas discussões que estão em curso no âmbito da União Europeia.
Por último, não podemos deixar de salientar uma inconsistência de fundo, aliás, paradoxalmente, de bom augúrio, o que já foi aventado. Defende o PCP, no artigo 2.º-A, que se propõe aditar, a derrogação do segredo profissional e bancário, respeitando ipsis verbis a moldura conceptual e até a redacção da norma em vigor.
O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Exactamente!
O Orador: - Ora, a adição deste artigo é pois suscitada, apenas, pelo alargamento da tipologia dos crimes atrás referida. Mas o interessante é verificar que o PCP aceitou aqui o princípio fundamental que rejeitou em sede da, recente e impropriamente chamada, reforma fiscal dos impostos sobre o rendimento. Aqui, aceitou - e bem! - que a derrogação do sigilo só possa existir mediante autorização ou ordem do juiz, em despacho fundamentado; ali, aceitou a leviandade governamental, e a derrogação do sigilo passou a ser possível por decisão da entidade administrativa - um director-geral -, parte interessada no resultado do acto. Aqui vale efectivamente a dicotomia: os contribuintes são tratados de uma maneira, e os possíveis infractores em branqueamento de capitais de outra. É preciso resolver este dilema!
Cabe perguntar, a título de exercício académico: como é que o PCP resolve o problema da fraude fiscal, visto que agora também quer criminalizá-la como crime conexo do branqueamento de capitais? Afinal, qual dos dois regimes de sigilo é que vigora para os contribuinte? Este ou o outro? A fraude fiscal não é diferente num caso e no outro.
Obviamente que a contradição é apenas a ponta do iceberg; o devir desta leviandade não tardará a impor o retorno - estamos certos - ao princípio fundamental da decisão pelo juiz em toda e qualquer derrogação ao sigilo profissional e bancário, que o PCP agora voltou a acolher momentaneamente.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, parafraseando, já não é tempo de termos «um País, e dois regimes». Se o hábito nem sempre faz o monge, ao menos que os monges o não dispam!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Patinha Antão, começo por dar as boas-vindas ao PSD pela sua aceitação em participar num debate, substancial, nesta Câmara, sobre matéria de branqueamento de capitais, porquanto os decretos-leis que estão em vigor no nosso país foram aprovados por governos do PSD, mediante autorização legislativa desta Câmara.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Ora essa!
O Orador: - Portanto, o PSD nunca aceitou ou apresentou uma proposta de lei material relativamente ao branqueamento de capitais, para podermos discutir, como estamos a discutir hoje, soluções substantivas. O PSD limitou-se a usar a maioria absoluta de que dispunha na altura para obter autorizações legislativas, que o governo utilizou para fazer decretos sobre a matéria, que, aliás, são os que vigoram.
O Sr. António Capucho (PSD): - E na próxima maioria absoluta, nem queira saber!
O Orador: - Eu estava curioso para conhecer as propostas do PSD nesta matéria, dadas as críticas que formulou às propostas que apresentámos, mas não vi. Não vi, da parte do PSD, a apresentação de uma solução alternativa para este assunto, tendo-se limitado a criticar algumas soluções que aqui propusemos.
Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que aceitamos discutir as críticas que faz, uma a uma, em sede de especialidade, porque, como é evidente, a discussão em sede de especialidade é precisamente para isso. Portanto, vamos discutir o bem fundado das soluções que apresentamos, e aguardamos que o PSD nos diga o que propõe de facto para resolver um problema com que Portugal - como, aliás, outros países - está confrontado, que é o da reduzidíssima eficácia dos mecanismos de combate ao branqueamento de capitais, porque esta é a questão de fundo. E a intervenção que o Sr. Deputado fez em nome do PSD acaba por não se assumir como uma parte da solução mas mais como uma parte do problema, pois problematiza as várias soluções aqui propostas, mas não apresenta nada que possa contribuir construtivamente para a sua solução.
O Sr. Deputado fala também na avaliação feita pelo GAFI, dizendo que não é má, e que a nossa legislação até tem aspectos positivos, uma vez que tem uma eficácia considerável. Mas nós vamos ver que eficácia é essa.
Sr. Deputado, vamos às estatísticas da justiça relativas a 1999 e verificamos que a Polícia Judiciária averiguou 34 processos, dos quais resultaram dois julgamentos findos, uma condenação e zero detidos. Nos dados relativos a 2000, que constam do relatório aprovado em sede da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre estes projectos de lei do PCP, o que é que vemos? Vemos 67 processos investigados, 11 acusados e zero detidos.
O Sr. Deputado acha que há eficácia no combate ao branqueamento de capitais quando verificamos que não há rigorosamente ninguém que esteja detido em prisões portuguesas por este crime e quando todos concordamos com a enorme dimensão que este crime assume em Portugal, como em outros países?! Sr. Deputado, há um problema. E o que propomos é que se encontrem soluções para o problema. Porém, o Sr. Deputado limitou-se a vir aqui colocar
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objecções às soluções que são propostas, mas sem nada adiantar da parte do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Patinha Antão.
O Sr. Patinha Antão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, de facto, na sua intervenção V. Ex.ª demonstra que não quer discutir objectivamente as questões que foram colocadas, e convoca-me para outro debate, que não é, inclusive, correcto.
Pergunta-me o Sr. Deputado se estou satisfeito com a eficácia?! Claro que não estou, Sr. Deputado! Julga que não conheço as estatísticas que apresentou? Claro que sim!
Comecei por dizer que as iniciativas tomadas, no sentido de reforçar a eficácia, são absolutamente indispensáveis. E até estive de acordo consigo quando o Sr. Deputado salienta, e bem, tal como o GAFI de que fiz a citação, que o problema maior não está na tipificação legal. O problema maior, como o Sr. Deputado sublinhou, está na eficácia dos mecanismos de detecção e de inquirição. Se quer falar em história, vamos falar na circunstância de as polícias indigitadas para tratar deste problema estarem de costas voltadas.
Sr. Deputado, não fui eu quem disse isto, foi o senhor na sua interpelação ao Governo. O Sr. Deputado deve dirigir essas questões ao Sr. Ministro…
A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Não está cá!
O Orador: - Chegou agora!
Deve dirigir estas questões ao Sr. Ministro, porque é ele quem tem de dizer por que é que as polícias estão de costas voltadas.
O Sr. Ministro queixou-se de que os processos levam muito tempo a ser instruídos. Mas, Sr. Deputado, a culpa é de quem? É da Assembleia?! Não! É do órgão Executivo!
O Sr. Joaquim Sarmento (PS): - E a separação dos poderes?
O Orador: - Essa responsabilidade é dele! Que tome medidas! Esta é a questão fundamental. O Executivo deve tomar efectivamente as medidas necessárias, porque aqui «o dedo está na ferida»! E não é só o Sr. Deputado, ou eu, quem o diz, são os organismos internacionais.
Sr. Deputado, invoquei a avaliação multilateral feita por 28 países, por organismo que é reputado e conhecido - ninguém o nega - como sendo o que tem a maior capacidade pericial para analisar e propor recomendações. As recomendações existem, o Sr. Ministro é que tem de as executar.
Pergunta-me se não temos opiniões sobre isto. Temos! Estamos tão preocupados quanto o Sr. Deputado em relação à ineficácia da actuação do Governo e ao demissionismo do Governo, como dissemos.
Evidentemente que, do ponto de vista legal, como Sr. Ministro referiu, existe um trabalho de actualização da directiva. Pois existe!
Mas, já agora, a propósito, Sr. Ministro - porque as coisas devem ser dirigidas ao Sr. Ministro, e peço-lhe por favor que responda, visto que tem mais elementos do que nós -, está satisfeito com a detecção dos casos? Acha que há muito branqueamento de capitais? Qual é a extensão que passa pelo sistema português? Em quanto o avalia? Que medidas está disponível para introduzir? E por que é que o não fez antes?
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A proliferação do crime organizado constitui uma ameaça à escala planetária, uma ameaça à integridade e à estabilidade das sociedades. Uma ameaça que corresponde a um fenómeno extremamente complexo que, como um polvo, se move em torno de actividades tão diversificadas como são o tráfico de armas, o terrorismo, o tráfico de órgãos e tecidos humanos, o tráfico de drogas, mais recentemente o tráfico de mulheres, jovens e crianças, o tráfico de resíduos tóxicos e perigosos, o tráfico de espécies protegidas, o tráfico de emigrantes.
Estamos perante o poder crescente de uma nova criminalidade organizada que corresponde à globalização de novas formas de escravatura e destruição, que permitem a obtenção ilícita de lucros exorbitantes. Lucros exorbitantes que, após sofisticadas operações de branqueamento ou de lavagem de dinheiro, permitem, nessa pérfida aliança, a sua penetração no território da economia legal, para nela alastrar de modo subterrâneo e conseguir corromper e manipular o poder económico, ganhar visibilidade e respeitabilidade, influenciando o poder político e condicionando a sociedade, que, vulnerabilizada desta forma, vai sendo lentamente minada nos seus alicerces.
Esta é uma nova criminalidade, totalmente distinta da de delito comum, na qual se inclui o grande tráfico de droga, que requer um combate integrado, global e actuante, sem tréguas, e que reclama meios humanos adequados, técnicas mais sofisticadas e o reforço, com o respeito, embora, pelos direitos humanos, de formas mais estreitas de cooperação ao nível internacional, regional e bilateral. Mas estas medidas só são úteis se lhe corresponder igual eficácia de coordenação e agilidade de intervenção, e respectivo suporte legal, ao nível de cada Estado.
A intervenção contra um processo de branqueamento de capitais, proveniente do tráfico ilícito de drogas, nas suas diferentes fases - colocação, aplicação diversificada e integração - é, na opinião de Os Verdes, em qualquer estratégia de combate à toxicodependência, um dos alicerces fundamentais, aliado à aposta na prevenção, que, manifestamente, no nosso país, continua a ser, na nossa opinião, insuficiente.
Tal intervenção é necessária para pôr fim aos crimes de «colarinho branco», cuja invisibilidade de condenação em Portugal é óbvia e é fundamental contrariar totalmente, para que não se continue a enraizar a sensação instalada na opinião pública de que só os pequenos traficantes são julgados, passando os grandes incólumes pelas malhas da lei e da justiça.
É, pois, neste sentido que se nos afigura importante o aperfeiçoamento dos mecanismos legais, hoje proposto pelo PCP, neste combate, que é também ele um combate contra as drogas, para criar mecanismos mais eficazes e tipificação de novos crimes, medidas que a ONU tem preconizado como elemento de prevenção deste crime, fazendo uso, aliás, da experiência do Grupo de Acção Financeira Internacional, que têm vindo a ser preconizadas em múltiplas orientações da União Europeia, designadamente as deci
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sões do Conselho de Ministros de 1998 e que, gostaria de sublinhar, também constam da Estratégia Nacional de Luta contra a Droga, elaborada em 1998, que, não obstante identificar alguns avanços positivos, reconhece que «o funcionamento do sistema…» - em Portugal - «… está bem longe de ter atingido um grau mínimo de eficácia».
Estas medidas, entre muitas outras, apontavam para o reforço de meios, de cooperação, de organização e, designadamente, ao nível da inversão do ónus da prova.
É, pois, neste sentido, Sr.as e Srs. Deputados, que manifestamos a nossa concordância com os diplomas apresentados, independentemente de, na discussão na especialidade, se poder aperfeiçoar algumas propostas, concretamente no que toca à tipificação de crimes, que nos parece que não devem só incluir o tráfico de resíduos nucleares mas também o dos resíduos tóxicos, na convicção de que estes diplomas, aliados a muitos outros e conjugados com outras medidas no domínio do aperfeiçoamento da política de cooperação internacional e judiciária e da aplicação de regras de maior transparência nos concursos e obras públicas, nos cargos políticos e públicos, nas empresas imobiliárias, nos paraísos fiscais, no sigilo bancário e no mundo do desporto de alta competição, poderão, um dia, conjugadas entre si, minimizar estes crimes e este comércio.
Estas medidas permitirão, um dia - e essa é ainda a nossa utopia - , que a própria legalização do comércio das drogas venha, finalmente, pôr fim aos horrendos crimes que, em seu torno, se continuam hoje a desenvolver.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Neves.
A Sr.ª Helena Neves (BE): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Merece uma palavra de saudação o dia que hoje se comemora. O dia internacional das mulheres, data simbólica, deve ser sempre um momento de reflexão sobre esse combate às desigualdades, que é necessário em todos os dias do ano.
Por isso, Sr.as e Srs. Deputados, lamento que a Assembleia da República não tenha encontrado espaço na sua agenda para uma tomada de posição sobre o Dia da Mulher. Fica feito o reparo.
Discutem-se, agora, dois projectos de lei sobre o combate ao branqueamento de capitais.
Há poucas semanas, a Assembleia Nacional Francesa publicou um relatório sobre branqueamento de capitais, no qual declara que «a luta da Suíça contra o branqueamento de capitais não passa de uma farsa». O relatório, que é um texto muito violento, considera a Suíça como «um predador do comércio financeiro internacional» e afirma que «a Suíça optou deliberadamente por tornar-se uma potência financeira mundial, não olhando a meios para atingir esse fim», classificando de «brincadeira» o facto de os 372 bancos suíços terem apresentado apenas 303 participações de práticas suspeitas de branqueamento de capitais no período de 1999 a 2000.
O Ministro das Finanças suíço reagiu com idêntica violência, indicando que 65% das referidas 303 participações foram objecto de investigação judicial, enquanto que, em França, somente 7% dos 1655 processos, ou seja, 129 processos, não foram arquivados.
É caso para se dizer que, quando «se zangam as comadres, se descobrem as verdades». Aqui temos dois dos países europeus mais poderosos em matéria financeira a acusarem-se mutuamente de permissividade perante o branqueamento de capitais. Provavelmente, ambos têm razão, porque em nenhum destes países, e, naturalmente, em nenhum dos outros países europeus, existe, actualmente, um combate à altura do perigo do branqueamento.
A Suíça e a França, somadas, registaram, portanto, 432 participações de práticas suspeitas de branqueamento. Em toda a Europa os números envergonham tantos como os destes dois países.
E, no entanto, a ONU declara que cerca de 40% do produto mundial é «produto criminal bruto», o que significa que uma parte importante da circulação de capitais à escala internacional é derivada do narcotráfico e de outros crimes.
Assim se pode compreender como se desarmaram os sistemas judiciais e os sistemas tributários com a imposição do dogma da liberdade de circulação de capitais desde os anos 80, com Thatcher e Reagan. Os offshore são o paraíso do crime, e grande parte do sistema bancário obtém a sua liquidez a partir da colaboração com operações de branqueamento. As acusações recentes a alguns dos mais importantes bancos internacionais, nomeadamente no que diz respeito às suas operações nos Estados Unidos, ilustram bem o risco de degenerescência criminal que estes grandes movimentos financeiros representam.
É por isso que o combate ao branqueamento de capitais exige, como a OCDE tem vindo a alertar, o controlo dos offshore e o fim das sua inviolabilidade e o controlo dos movimentos de capitais e o fim do sigilo bancário.
O Bloco de Esquerda insiste nesse processo indispensável de concertação internacional, que é o único caminho para atacar os fundamentos do crime do narcotráfico. A harmonização fiscal europeia e o debate na OCDE sobre as praças offshore são oportunidades imediatas para esse avanço responsável. Porque se a comunidade internacional hesitar nessa matéria estará a proteger os interesses da «narcobanca».
No mesmo sentido, o Bloco de Esquerda apoiará todas as iniciativas, como as que estão hoje agendadas, para melhorar, desde já, a capacidade do sistema judicial e penal nacional para atacar o branqueamento. Assim, votaremos favoravelmente. Não podemos aceitar qualquer desculpa para mais atrasos nesta via do combate ao narcotráfico.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Menezes Rodrigues.
O Sr. Menezes Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Deve, antes de mais, reconhecer-se que o projecto de lei n.º 123/VIII, do PCP, sobre a instituição de um programa nacional de prevenção e combate ao branqueamento de capitais e a criação de uma comissão nacional que controle a sua execução, revela grande seriedade e, por isso, merecerá toda a atenção desta Câmara.
O tráfico de droga é considerado o meio mais importante para a lavagem de dinheiro em Portugal.
A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Que lavagem tão suja!
O Orador: - É evidente que a situação geopolítica do nosso país, enquadrando as rotas da América do Sul e de África, e também agora com a situação dos países de Les
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te, com uma longa costa marítima, é mais que justificação para que Portugal seja porta de entrada para narcóticos e substâncias psicotrópicas.
Contudo, a lavagem de dinheiro que tem sido detectada até agora não se tem processado em larga escala, conforme refere o relatório anual do Grupo de Acção Financeira Internacional sobre a lavagem de capitais. As formas mais utilizadas para a lavagem foram as transferências de companhias sediadas em centros offshore para contas bancárias parqueadas também em tais centros e a canalização de dinheiro através de casas de câmbios.
A ordem jurídica nacional acomodou, desde 1993, os acordos internacionais de lavagem de capitais, através do Decreto-Lei n.º 15/93. O Decreto-Lei n.º 313/93, que transpõe a Directiva 91/308/CEE, do Conselho, de 10 de Junho de 1991, para o sistema legal português, posteriormente alterado pelo Decreto-Lei n.º 325/95, de 2 de Dezembro, e pela Lei n.º 65/98, fez elevar o número de tipos de ilícitos e introduziu medidas de controlo para instituições não financeiras.
Portugal também ratificou a Convenção sobre Lavagem de Dinheiro, do Conselho da Europa, de 1990. A Lei n.º 36/94, relativa ao papel da Direcção Central de Combate à Criminalidade Económica e Financeira, responsável pelo combate ao branqueamento de capitais, alterada pela Lei n.º 90/99, de 10 de Julho, é um marco importante de combate a tão abomináveis práticas.
Seguidamente a uma necessária fase legislativa, constituída pela adopção de medidas específicas para prevenir a lavagem de dinheiro originado nas drogas e outros tipos de crimes conexos, entrou-se na fase de incorporar as prescrições da Convenção de Estrasburgo no sistema legal português e de obviar a determinadas insuficiências, a fim de facilitar a cooperação judicial internacional sobre crimes, como o previsto no Decreto-Lei n.º 43/91, de 22 de Janeiro.
No seguimento das alterações legislativas em 1995, o sistema português antilavagem de capitais veio a revelar-se um dos de mais largo espectro no que respeita aos tipos de comportamento criminal e na cobertura das actividades financeiras e não financeiras. As autoridades portuguesas revelaram, pois, um grande compromisso para, coerentemente, combaterem o fenómeno da lavagem de dinheiro, mostrando-se pioneiras em algumas áreas.
Contudo, a sua real efectividade do sistema português, apesar de estar em linha com as recomendações internacionais, é difícil de determinar. É evidente a existência de uma forte vontade política para combater as práticas criminais da lavagem, mas os resultados práticos têm sido escassos, especialmente em termos do número de indícios de transacções suspeitas. O mesmo se aplica ao montante de fundos, a final, confiscados em tribunal, tendo em conta os presumíveis activos e fundos envolvidos.
O sector financeiro, como um todo, joga uma parte decisiva na prevenção, particularmente através de estritas e abrangentes medidas de identificação dos clientes. É, porém, possível que, numa aproximação informal de implementação do sistema para indiciar transacções suspeitas, se possa subverter a eficácia da detecção.
Alguns agentes do sector financeiro, particularmente companhias de seguros e casas de câmbios, e todo o sector não financeiro, lamentavelmente, não têm dado mais do que um marginal contributo para reportar transacções suspeitas.
Tendo em atenção o início do curso da moeda única e a circulação de um muito mais importante número de novas notas de banco; que os centros de offshore financeiros de países ou territórios não aderentes à luta contra a lavagem de capitais persistem; que os pagamentos por novas tecnologias, como os «cartões inteligentes», a banca em tempo real, o dinheiro electrónico, e o uso potencial do mercado do ouro serão novos meios que, podendo promover a lavagem de dinheiro, encontrarão, contudo, resposta no quadro legal existente, resta acrescentar que a legislação em vigor parece ser a necessária, mas não a suficiente, para obviar à lavagem de capitais. Certamente que, para já, faltará a consciencialização de todos os agentes para a observância de todos os comandos jurídicos e regras disponíveis.
O facto de Portugal ter aderido ao Grupo de Acção Financeira Internacional fez com que se organizasse uma estrutura no País com uma composição de membros quase equivalente à da comissão ora proposta, pelo há que ponderar a oportunidade da sua criação.
Por fim, muito importante será que órgãos de supervisão, de controlo e de regulação das diferentes actividades, veículo do branqueamento de capitais, assumam as suas responsabilidades nesta área, com elevado espírito de serviço e de missão cívica.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Patinha Antão.
O Sr. Patinha Antão (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dei comigo a pensar, se estivessem, como estão, nesta Sala, observadores imparciais e não muito informados sobre este problema, que conclusões fundamentais retirariam deste debate. Julgo que retirariam claramente três ou quatro.
A primeira é que a matéria é extraordinariamente importante e grave.
A segunda - com pena o digo, Sr. Ministro - é que o Governo parece distraído…
O Sr. Joaquim Sarmento (PS): - Olhe que não! Olhe que não!
O Orador: - … das suas responsabilidades de resolver os problemas que, em relação a esta situação que aqui é configurada de muito grave, parecem ser os essenciais.
Houve uma comunhão de preocupações, nomeadamente no que respeita aos aspectos de detecção e de instrução e prosseguimento da investigação criminal. E foi acentuado - e bem! - não só pelos Srs. Deputados que intervieram como também pelas recomendações de organismos internacionais que um dos problemas sérios em Portugal está na lentidão, na ineficácia e na incapacidade de trabalhar em coordenação verificada, e amplamente demonstrada, por todos os intervenientes, inclusive pelo Sr. Ministro, quando, na sua intervenção, se referiu a esta matéria.
Portanto, conhece-se um dos pontos essenciais, e a recomendação é esta: que se resolva este ponto essencial com a clareza, com o rigor, com a determinação que estas coisas têm de ter e sem transigências com simplismos, que, em vez de resolver, mais prejudicam. Não é possível ter uma posição populista e exigente, do ponto de vista de tudo em cima, na matéria da coordenação das polícias e na matéria da eficácia do trabalho executivo, mas é bom,
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necessário e indispensável ter uma exigência, porque o problema existe, é conhecido, é vivido e as estatísticas que foram apresentadas são perfeitamente decepcionantes.
O fenómeno está avaliado em termos de movimentos esmagadores e arrasadores do ponto de vista da circulação financeira, e o seu valor é qualquer coisa entre 600 biliões de dólares e 1,5 triliões de dólares, qualquer coisa como 6, 10 ou 15 vezes o produto interno bruto português. Cabe, na sequência disso, perguntar - e a pergunta deve ser devolvida ao Governo, porque tem responsabilidade essencial do ponto de vista executivo: uma vez que isso existe, que acontece todos os dias, qual é a parcela que nos cabe? Repito: qual é a parcela que nos cabe? Qual é a parcela que estimamos que nos cabe? Porque é a partir daí que as medidas têm que ser estruturadas e não é sério procurar fazer confusões nesta matéria.
Volto a outra questão complexa, que é a de que não se pode utilizar, como foi aflorado, uma ligeireza de conceitos sobre coisas essenciais. Não se pode falar, em Portugal, numa «narcobanca»! Não existe em Portugal qualquer «narcobanca»! Esse tema, se tem importância, não é em Portugal. Isto deve ficar absolutamente claro.
Portugal tem dos sistemas financeiros com maior qualidade, com maior rigor, com maior capacidade para servir os interesses dos seus clientes, mas também com capacidade, seriedade e provas dadas na exigência de detecção do branqueamento de capitais e de todos os crimes conexos.
Portanto, não é aí, como alguns querem fazer crer, que está o problema. E também não é na confusão que se faz relativamente à matéria de fraude e evasão fiscal e na associação deste problema com os offshore. Os offshore, as praças de fiscalidade reduzida, prejudicial, são matérias em sede de fiscalidade. A fiscalidade, a fraude e evasão fiscal devem ter - e têm, e muito bem, na maior parte dos países e também em Portugal - um regime legal e penal próprio.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - É uma maneira absolutamente errada, perigosa e de inviabilização da eficácia do sistema que temos confundir e arrolar tudo no mesmo saco, ou seja, falar em fraude e evasão fiscal, falar em offshore e sugerir que esta é matéria dominante do problema do branqueamento de capitais. Não é! Ou, pelo menos, não o é em Portugal!
Como disse o Sr. Deputado António Filipe, sublinhando todos os estudos que existem, em Portugal, o problema é a associação com o tráfico de droga. Sr. Ministro, é ou não é verdade isso? Porque, se é, V. Ex.ª tem um dever imperativo de (perdoe-me a expressão) «caçar» mais rapidamente os traficantes de droga que penetram no País e que são o problema fundamental que temos. Não podemos estar a «meter no mesmo saco» coisas que são distintas.
Vem isto a propósito da última ideia que me parece fundamental: a fraude fiscal é um crime grave, punível com pena de prisão elevada - oito anos! Mas, como pretende o PCP (e é sobre isto que convocamos seriamente a Câmara para pensar, bem como o Governo, porque a responsabilidade, em primeiro lugar, insisto, é do Governo), aceitar que, relativamente à modificação da legislação, se possa fazer a conexão livre de crimes de fraude fiscal com crimes de branqueamento de capitais é confundir a Betesga e o Rossio, é entulhar todos os regimes de detecção e de eficácia na detecção do branqueamento de capitais e é, como sublinhava, criar uma situação de incongruência, que ficou aqui também bem patente. A fraude fiscal, em matéria de sigilo bancário, tem afinal que regime? Dois regimes? Isso não é possível!
O Sr. Presidente: - Terminou o tempo de que dispunha, Sr. Deputado.
O Sr. Patinha Antão (PSD): - Terminei, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma segunda intervenção, o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, apenas umas breves palavras no final deste debate, em primeiro lugar, para valorizar o próprio facto de se ter feito o debate. Enquanto, em representação do partido que apresentou estas iniciativas e promoveu este agendamento, consideramos positivamente este debate, desde logo porque é a primeira vez que a Assembleia da República debate substantivamente o problema do branqueamento de capitais, mas também pelo próprio conteúdo do debate, quer na concordância manifestada relativamente aos projectos apresentados, quer nas divergências que, naturalmente, também enriqueceram o debate e dão motivo para a discussão na especialidade. Parece-nos que existem condições para que, ainda nesta Legislatura, a Assembleia da República possa fazer uma lei substantiva em matéria de branqueamento de capitais e possa ter um impacto positivo no combate que é necessário travar em Portugal relativamente a esta actividade criminosa.
Esperamos, portanto, que, deste processo legislativo, saiam decisões, e, do nosso ponto de vista, têm de ser decisões corajosas. Isto é, perante uma questão com esta gravidade, com esta magnitude, é evidente que não é possível defender maior eficácia no combate ao branqueamento de capitais e, ao mesmo tempo, recusar decisões que têm de ser tomadas para que essa eficácia possa existir. Entendemos que, designadamente em matéria de ónus da prova, que aqui foi referido, bem como em matéria de segredo bancário, é preciso tomar decisões, ainda que elas possam contrariar interesses que estejam estabelecidos.
Relativamente a esta matéria, queremos manifestar a nossa inteira disponibilidade e o nosso empenho em encontrar soluções corajosas, que possam ter um impacto real na superação desta situação de ineficácia que se tem verificado na repressão do crime de branqueamento de capitais. Vamos aguardar a apresentação da proposta de lei para que a discussão na especialidade possa ser conjunta. É evidente, para nós, que é assim que se deve proceder.
Relativamente à proposta de lei n.º 123/VIII, que propõe a criação de uma comissão nacional no âmbito da realização de um programa de combate ao branqueamento de capitais, estamos convencidos de que é uma boa solução em matéria de coordenação e, do nosso ponto de vista, é necessária. Entendemos, pois, que esta solução proposta merece ponderação. Ouvimos a incomodidade manifestada pelo Sr. Ministro da Justiça, de ter de presidir a uma comissão que inclua representantes de outros ministérios e entendemos que a questão pode ter a sua pertinência, pelo que vale a pena discutir isso.
Entendemos também pertinentes reparos que foram feitos acerca da existência de outras comissões. Vamos ver
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que comissões existem e vamos discutir em comissão calmamente o que é necessário fazer nesta matéria.
Relativamente a este projecto de lei, nós próprios admitimos a possibilidade - e fá-lo-emos - de apresentar um requerimento para que ele baixe à comissão sem votação, naturalmente não prejudicando a necessária discussão na especialidade do projecto de lei n.º 124/VIII quando for oportuno fazê-lo, na sequência da apresentação pelo Governo da prometida iniciativa legislativa.
Reafirmo os votos que formulei aquando da intervenção que fiz da tribuna, de que aproveitemos esta oportunidade para melhorar o ordenamento jurídico português em matéria de combate ao branqueamento de capitais.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Também para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Gostaria de, nesta intervenção, sobretudo, esclarecer alguns equívocos que, creio, manifestamente, existem por parte do Sr. Deputado Patinha Antão relativamente a esta matéria.
Há um dado indiscutível: o número de comunicações às autoridades policiais e judiciárias sobre suspeitas de branqueamento de capitais tem vindo a diminuir em Portugal; o número de comunicações feitas pela banca, sobretudo, tem diminuído bastante em Portugal. Quer isto dizer que as entidades que estão obrigadas a comunicar movimentos suspeitos têm tido uma maior negligência no cumprimento deste seu dever? Ou quer dizer que tem havido menos situações suspeitas de branqueamento de capitais? O Sr. Deputado, muito provavelmente, não saberá responder e eu, infelizmente, também não sei. Mas há uma coisa que eu sei: acho duvidoso que isto traduza um cumprimento efectivo das obrigações legais. Diz o Sr. Deputado que, em Portugal, branqueamento de capitais é só o proveniente do tráfico de drogas. Não creio que alguém possa dizê-lo.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Claro que não!
O Orador: - É evidente que, em Portugal, só há branqueamento de capitais associado a um número bastante limitado de crimes subjacentes, dos quais se destaca, efectivamente, o tráfico de droga. Esta tendência, como sabe, está condenada, visto que, quer a directiva ECOFIN, quer a decisão-quadro JAI, vão impor a prática eliminação do sistema de catálogo para o branqueamento de capitais, visto que impõem que haja crime de branqueamento de capitais para todos os crimes que tenham uma sanção penal superior a um ano de prisão.
O Sr. Patinha Antão (PSD): - Exactamente!
O Orador: - Ora, com menos de um ano de prisão, praticamente fica de fora do branqueamento de capitais quase todo o crime. É por isso que o sistema proposto pelo PCP, de semicatálogo, semiclaúsula aberta, com um referencial de cinco anos, é muito recuado, por exemplo, para aquilo que a União Europeia nos vai exigir, visto que esta vai exigir que criminalizemos como branqueamento de capitais todas as situações que tenham um crime subjacente punível com mais de um ano de prisão.
O Sr. Patinha Antão (PSD): - Mas como associação criminal!
O Orador: - É para responder precisamente a este tipo de preocupações que a União Europeia, na sua directiva, vem alargar muito as entidades que estão obrigadas ao dever de comunicação.
O Sr. Patinha Antão (PSD): - E bem!
O Orador: - Para além das entidades financeiras, já obrigadas, abrange também notários, conservadores e outras profissões jurídicas independentes. Essa, aliás, tem sido a dificuldade da conclusão da directiva, visto que Portugal e a Alemanha conseguiram introduzir já uma restrição decisiva, que é não sujeitar ao dever de comunicação os advogados que obtenham a informação no quadro de um mandato judiciário, mas também no quadro de uma consulta jurídica para a definição da posição jurídica do cliente. Ou seja, está já salvaguardado o advogado quanto aos actos típicos da profissão - a consulta jurídica e o patrocínio judiciário. Contudo, o Parlamento Europeu aprovou, em Janeiro o relatório Lehne, um Deputado alemão do Partido Popular Europeu, considerando que, ainda assim, o texto da directiva devia ser aperfeiçoado para uma maior protecção do sigilo profissional dos advogados. Está neste momento a decorrer o processo de concertação entre o Conselho, o Parlamento Europeu e a Comissão, para aprovação da directiva.
Pergunta o Sr. Deputado porque é que o Governo, se entende que há problemas legislativos, não legislou ainda. E eu respondo: por uma questão de bom senso. Porque não faz sentido legislarmos hoje, quando está em vias de conclusão a directiva e a decisão-quadro, que, necessariamente, nos vão forçar, muito provavelmente, a alterar aquilo que legislássemos hoje. Por exemplo, se hoje fosse aprovado o projecto de lei apresentado pelo PCP, a lei teria de ser novamente alterada quando, daqui a dois meses, for aprovada a directiva ou for aprovada a decisão-quadro.
O Sr. Patinha Antão (PSD): - Concorda comigo então, Sr. Ministro!
O Orador: - Diz-me que o problema não é da lei. Está enganado!
O Sr. Patinha Antão (PSD): - Eu não disse isso!
O Orador: - Está enganado! O problema é da lei. E em que domínios? Por exemplo, no domínio do acesso à informação bancária. Quando o Sr. Deputado me diz que o branqueamento de capitais está muito dependente do tráfico de droga, é induzido em erro. Com base em quê? Com base numa questão que o Sr. Deputado António Filipe percebeu bem e referiu-o na intervenção. Não há um único caso, em Portugal, de condenação exclusivamente pelo crime de branqueamento. Tem havido condenações pelo crime de branqueamento decorrentes de condenações pelo crime de tráfico de droga. Ou seja, depois de ser detectado e punido o tráfico de droga é que, na investigação do tráfico de droga, se detectam situações de branqueamento de capitais. Ora, o crime de branqueamento de capitais é um instrumento precioso para descobrir e punir o crime subjacente.
O Sr. Patinha Antão (PSD): - Isso é óbvio!
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O Orador: - Mas, para que isso aconteça, é necessário que as condições, nos termos das quais o juiz de instrução pode dar mandato à polícia ou ao Ministério Público para irem obter informação bancária, não sejam as dos casos hoje previstos, porque esse levantamento só pode ser concedido no quadro da investigação do inquérito relativamente a um crime que tem de estar sob investigação.
Ora, precisamente, o que se pretende e se tem de obter é a possibilidade de a investigação se iniciar relativamente ao crime de branqueamento, mesmo sem se conhecer qual é o crime subjacente e, a partir daí, punir severamente quem cometeu o crime subjacente.
O Sr. Patinha Antão (PSD): - Legisle, Sr. Ministro?
O Orador: - Sr. Deputado, não se legisla, primeiro, porque há um pequeno pormenor técnico, que admito que não seja totalmente compreensível no mundo das finanças, que é o facto de a ordem jurídica ter uma hierarquia e, no topo dessa hierarquia, estar algo de que já terá ouvido falar e que se chama Constituição. Essa Constituição dispõe, designadamente, que, em matéria criminal, há uma competência exclusiva que é a da Assembleia da República.
O Sr. Patinha Antão (PSD): - Sr. Ministro, o projecto é do PCP!
O Orador: - Assim, convidei o PCP, que percebeu isto perfeitamente, sendo o autor do projecto de lei, a fazer baixar à Comissão, sem votação, o diploma e a aguardar os dois meses que faltam para a aprovação da directiva e da decisão-quadro, por forma a que a lei que esta Assembleia aprove seja uma lei actualizada com as obrigações decorrentes da directiva e da decisão-quadro e não uma lei em que, necessariamente, daqui a dois meses, tenhamos de estar a mexer outra vez.
O Sr. Patinha Antão (PSD): - Não fomos nós que apresentámos um projecto hoje!
O Orador: - Sr. Deputado Patinha Antão, vejo-o muito sensibilizado e preocupado em que a fraude fiscal seja crime subjacente ao crime de branqueamento. É uma preocupação com que ficará, porque, nos termos da decisão-quadro da União Europeia, assim vai ser. Claro que o Sr. Deputado poderá defender que Portugal saia da União Europeia, mas, para que Portugal seja membro da União Europeia, a posição do Sr. Deputado não poderá ser acolhida por esta Câmara.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!
O Orador: - É esta, aliás, uma das grandes vantagens da estratégia que perfilhámos, de apostar na aprovação dos instrumentos comunitários, para que nenhum dos Srs. Deputados possa vir cá dizer que não é possível fazer isto - é que depois vamos ser obrigados a fazer isto! E, sobretudo, com uma outra vantagem: é que, desta vez, como a legislação vai ser idêntica nos 15 Estados da União Europeia, não haverá o «choradinho» de que o capital vai fugir da banca portuguesa para a dos outros Estados da União Europeia, não vai.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem observado!
O Orador: - E isso é fundamental.
Como, aliás, é fundamental, ao nível da União Europeia, ter já sido definido - foi aprovado sob a nossa presidência - , na estratégia de combate ao crime organizado, que, em todos os territórios sob a administração da União Europeia, as regras sobre os offshore vão necessariamente ter de mudar.
O Sr. Patinha Antão (PSD): - É evidente!
O Orador: - É que, se as regras sobre os offshore não mudarem, todo este nosso discurso será sempre uma enorme hipocrisia.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - E convinha que os Srs. Deputados do PSD se informassem - como, aliás, o PCP fez, esta semana, aquando da sua visita à Polícia Judiciária - do que efectivamente acontece nas investigações criminais. Isto para que os Srs. Deputado saibam como é que, relativamente a alguns desses processos, de que se lê nos jornais que estão parados, se aguarda há dois anos que um Estado-membro da União Europeia - ou, noutro caso, um território sob a administração de um ou dois Estados-membros da União Europeia - responda a uma carta rogatória para obter a identificação do titular de algumas sociedades.
Era importante que os Srs. Deputados do PSD soubessem,…
O Sr. Patinha Antão (PSD): - Mas por que é que pensa que nós não sabemos?!
O Orador: - … quando o Sr. Deputado falou, por exemplo, acerca da informação bancária, como é que se espera seis meses…
O Sr. Patinha Antão (PSD): - É incorrecto o que o senhor está a dizer!
O Orador: - Ó Sr. Deputado, já todos o ouvimos. Agora, tenha a humildade de ouvir os outros.
O Sr. Patinha Antão (PSD): - É inaceitável, personalizado e incorrecto! Eu não disse isso!
O Orador: - É que, se me ouvir, ouvirá uma coisa que talvez o incomode - a mim, pelo menos, incomoda-me - , que é saber que há bancos, em Portugal, que levam mais de seis meses a identificar o número de uma conta,…
O Sr. Patinha Antão (PSD): - Estou de acordo consigo!
O Orador: - … há bancos, em Portugal, que, quando lhes é pedida a informação sobre um extracto bancário entre Junho e Novembro, entregam o de Junho e o de Novembro, invocando que não perceberam que era para dar o continuado dos seis meses.
O Sr. Patinha Antão (PSD): - Mas o senhor queixa-se disso a nós?!
O Orador: - Estas são as realidades relativamente às quais a lei finge dar resposta, mas, efectivamente, não dá.
Ora, o essencial é que o poder político, solidariamente, Governo e Assembleia da República, dê um sinal muito
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claro ao mercado, aos Srs. Magistrados e às polícias de que entendeu que o combate à criminalidade económica e financeira é uma prioridade, que não pode meter medo a quem quer que seja e que, em Portugal, não há qualquer tipo de criminalidade - e, sobretudo, este tipo de criminalidade - que possa continuar a considerar-se impune.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos a discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 123 e 124/VIII, ambos do PCP.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa sobre a sequência dos trabalhos.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, a minha interpelação é no seguinte sentido: tratando-se de um agendamento potestativo do PCP, temos o direito e o poder de exigir a votação, de imediato, dos diplomas acabados de discutir.
Sucede que, dentro de cerca de 30 minutos, às 18 horas, vão realizar-se as votações regimentais. Por conseguinte, não havendo objecções por parte de quem quer que seja em relação a isso, em vez de fazermos de imediato a votação dos nossos diplomas, podíamos fazê-la às 18 horas.
O Sr. Presidente: - Isso dá-me jeito, porque, como temos ainda de discutir a proposta de lei n.º 63/VIII, para a apreciação da qual vou dar 5 minutos ao Governo e a cada grupo parlamentar (e espero que não os gastem todos), faríamos as votações dos projectos de lei agora discutidos e da proposta de lei a discutir, no fim do debate desta última.
Srs. Deputados, como, hoje, vários Srs. Deputados se referiram à passagem do Dia Internacional da Mulher, que era para ser celebrado hoje, com intervenções de vários Srs. Deputados, o que não foi possível por termos transferido para outro dia a ordem de trabalhos de hoje, quero também associar-me às vossas referências, dizendo o seguinte: acho que todos os dias são dias da mulher, na medida em que a mulher pesa e significa o que significa na vida de todos nós. Mas, já que há um Dia Internacional da Mulher, associo-me a essa festividade, felicitando as Sr.as Deputadas desta Assembleia e, através delas, as mulheres portuguesas e, através destas, as mulheres de todo o mundo pela passagem do dia de hoje e esperando que continuem a afirmar-se cada vez mais nas profissões - e fora delas - em que têm vindo a credibilizar-se com uma capacidade que, durante muitos séculos, foi julgada impossível. Hoje, é evidente que essa capacidade existe e já não se compreende que se façam as distinções que, até hoje, foram sendo feitas e que, em certa medida, ainda subsistem.
As minhas felicitações às Sr.as Deputadas, a todas as mulheres portuguesas e a todas as mulheres do mundo.
Aplausos gerais.
Srs. Deputados, vamos, então, passar à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 63/VIII - Simplifica os mecanismos de adjudicação e de fiscalização prévia dos contratos relativos às obras de reparação, construção e reconstrução da rede viária, pontes, viadutos e aquedutos nacionais e municipais dos concelhos de Castelo de Paiva e de Penafiel.
Trata-se de um caso raro de urgência, mas a urgência é justificada pela situação a que se refere, ou seja, ao problema criado pelo acidente verificado em Entre-os-Rios.
Para introduzir o debate, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.
O Sr. Ministro da Presidência (Guilherme d'Oliveira Martins): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Dentro do meu tempo, começo por saudar também muito especialmente as Sr.as Deputadas, no Dia Internacional da Mulher.
A iniciativa legislativa que aqui apresento justifica-se por si e gostaria, em nome do Governo, de agradecer o consenso dos diferentes grupos parlamentares, que permitiu o seu agendamento com carácter de urgência.
Trata-se, em primeiro lugar, de simplificar os mecanismos de fiscalização prévia dos actos e contratos relativos às obras de reparação, construção e reconstrução de equipamentos e infra-estruturas nos concelhos de Castelo de Paiva e de Penafiel, que ficaram total ou parcialmente destruídos, em consequência não só das condições climatéricas desfavoráveis mas também da tragédia ocorrida, no domingo passado, em Castelo de Paiva e Entre-os-Rios.
Depois, prevê-se a dispensa de fiscalização prévia quanto aos actos e contratos a celebrar pelo Estado ou pelas autarquias locais nos concelhos de Castelo de Paiva e de Penafiel, relativos a obras referidas ao que está previsto no objecto do diploma.
Por outro lado, prevê-se também a não aplicabilidade a empréstimos celebrados ao abrigo da linha de crédito já oportunamente criada dos limites previstos na lei.
Gostaria apenas de exprimir, desde já, a abertura do Governo no sentido de introduzir algumas alterações de redacção, que visam adequar este diploma àquilo que foi aqui aprovado oportunamente a propósito das intempéries e, por outro lado, de tornar claro que a simplificação, designadamente em termos de fiscalização pelo Tribunal de Contas, deve ocorrer relativamente a autarquias locais e também à reconstrução da ponte.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, basicamente é esta a apresentação que queria fazer. Estou agora à vossa disposição para os esclarecimentos que queiram pedir ou para as alterações que devam ser introduzidas.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência, não tive oportunidade de saudar a bancada do Governo, porque, hoje, não há nenhuma mulher na bancada do Governo, nem é fácil haver…
Passando directamente ao assunto, Sr. Ministro da Presidência, o meu primeiro pedido de esclarecimento tem a ver com uma referência que acabou de fazer. Há também obras a realizar pela administração central e, se as há, o texto, tal como está, não as cobre, visto que só se refere às obras a efectuar pela administração local. Por isso, a minha primeira pergunta, Sr. Ministro, é se, então, não é preciso alterar o objecto do diploma, no sentido de incluir as obras da administração central.
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A minha segunda pergunta tem a ver com a forma como são qualificadas as obras que vão ser objecto destas medidas excepcionais. Que obras são estas? São, segundo o diploma, obras de reparação, construção ou reconstrução de equipamentos e infra-estruturas municipais dos concelhos de Castelo de Paiva e de Penafiel, relativas à ponte, que ficaram total ou parcialmente destruídos.
Porém, pode suceder, admitamo-lo, que, neste momento, uma certa estrada, que está em muito mau estado, mas não devido a algo que tenha ocorrido neste Inverno, tenha passado a ser muito necessária por não haver aquela ligação. Assim, pergunto se não será mais adequado àquilo que se pretende uma fórmula como esta: «A presente lei visa simplificar os mecanismos de fiscalização prévia dos contratos relativos às obras de reparação, construção ou reconstrução de equipamentos e infra-estruturas municipais dos concelhos de Castelo de Paiva e de Penafiel, obras tornadas necessárias pelo desabamento da ponte de Hintze Ribeiro». Isto é, o que qualifica a urgência e, portanto, esta necessidade de uma medida excepcional é que há certas obras que se tornaram urgentes na decorrência do desabamento da ponte.
Eram estes os esclarecimentos que pretendia do Sr. Ministro.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.
O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, quanto à sua primeira pergunta, gostaria de dizer-lhe que, na minha intervenção, como ouviu bem, tive oportunidade de precisar que era indispensável clarificar as coisas, para que não sejam só obras de âmbito municipal mas também da administração central. A bancada do Grupo Parlamentar do Partido Socialista irá elaborar a proposta de alteração para fazer essa clarificação.
Relativamente à sua segunda pergunta, que é uma sugestão, certamente que a fórmula sustentada pelo Sr. Deputado é a mais adequada, tendo em conta que o que se pretende é, exactamente, reforçar as intervenções que tenham de ser necessárias. Até porque, designadamente nos concelhos de Castelo de Paiva e de Penafiel, haverá estradas municipais que vão ter uma utilização nacional, em virtude desta circunstância. Por isso, quero apenas dizer-lhe que o Governo está inteiramente de acordo com a sugestão do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português.
Por outro lado, devo referir que o decreto-lei que hoje aprovámos, criando um regime excepcional para a execução em regime de empreitada de obras necessárias à construção, reparação e reconstrução de infra-estruturas, reporta-se justamente ao âmbito que foi aqui referenciado pelo Sr. Deputado João Amaral.
Portanto, aceito a sugestão do Partido Comunista e vou criar condições para a sua introdução no diploma.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Castro de Almeida.
O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PSD está de acordo com a proposta do Governo. Há circunstâncias excepcionais que justificam sempre respostas e soluções excepcionais.
Assim, estamos de acordo em que sejam dispensados do visto prévio do Tribunal de Contas os actos e os contratos que seja necessário levar a cabo na sequência da queda da ponte e estamos também de acordo com a parte em que o Governo propõe que os empréstimos que venham a ser contraídos pelos municípios sejam dispensados da consideração para efeitos do plafond de endividamento municipal.
Porém, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o maior problema dos municípios não é o plafond de endividamento, mas a sua própria capacidade financeira. Por isso, pensamos que é absolutamente justificado um apoio financeiro extraordinário a estes municípios. E passo a referir-me ao município talvez mais afectado, que é o de Castelo de Paiva.
O acesso a Castelo de Paiva, até agora, era feito através de duas vias e, com a queda da ponte, ficou limitado a uma só via, o que quer dizer que as estradas municipais de Castelo de Paiva vão sofrer uma sobrecarga de circulação de veículos ligeiros e pesados, para a qual não estão obviamente preparadas.
Se não houver uma intervenção urgente, da parte do município, no sentido de dotar esta estrada do mínimo de condições, ela, que neste momento é a única via de acesso ao litoral, vai ficar intransitável dentro de pouco tempo, devido à sobrecarga que terá de circulação de veículos ligeiros e pesados. Ela já está em más condições e ficará intransitável dentro de dias, sendo que o único acesso de Castelo de Paiva ao litoral ficará impossibilitado, não podendo o concelho de Castelo de Paiva aceder ao litoral.
Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo: Creio que há uma perfeita justificação para que exista um apoio financeiro excepcional do Governo aos municípios, particularmente ao de Castelo de Paiva, para fazer face a esta sobrecarga extraordinária de despesas que vai recair sobre os municípios. Por conseguinte, não é suficiente considerar a questão do limite de endividamento municipal.
Há ainda uma outra questão, a questão central deste processo, que é a da construção da nova ponte. Na proposta de lei, há uma referência a esta questão em termos que penso não serem correctos e teremos, necessariamente, de alterar essa referência, na especialidade. Assim, considero, e faço esse apelo ao Governo, que é preciso que o Governo tome todas as iniciativas necessárias para garantir que as fundações da nova ponte comecem a ser construídas antes do próximo Verão. No final do próximo Verão, as fundações terão de estar feitas, sob pena de, segundo dizem todos os especialistas, ser necessário esperar mais um ano pelo lançamento da ponte.
Essa obra talvez não passe apenas pela dispensa de visto prévio do Tribunal de Contas, podendo também passar por um procedimento mais ligeiro, no que respeita ao concurso, dispensando eventualmente as formalidades associadas ao concurso internacional, o que pode precisar de uma autorização excepcional das autoridades comunitárias. O que quero dizer ao Governo é que contará com todo o apoio do PSD para proceder às diligências que se justificam fazer junto das autoridades comunitárias.
Sr. Ministro, é muito importante que as fundações da próxima ponte fiquem prontas no Verão, sob pena de perdermos mais um ano!
A outra questão é relativa ao único acesso ao litoral actualmente existente.
O troço Pedorido/Cruz da Carreira está para ser lançado. O Governo tem dito, sucessivamente, que o vai lan
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çar - disse que o lançaria em 1997, em 1998, em 1999 - , mas ele está pronto para ser lançado, desde que haja vontade política. Ora, Sr. Ministro, o que nós pretendemos é que este troço seja lançado imediatamente e penso que nem há que justificar mais esta pretensão.
Tudo isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, deve integrar um verdadeiro plano de emergência para Castelo de Paiva e para Penafiel, mas particularmente para Castelo de Paiva. Aliás, retiro esta expressão do que disse o Sr. Presidente da República, foi ele que a lançou em Castelo de Paiva: é necessário um plano de emergência para Castelo de Paiva.
É necessário um plano de emergência que dê resposta aos especiais e injustificados sacrifícios que se abatem sobre a população de Castelo de Paiva. Para grandes males grandes remédios! Igualdade é tratar igualmente o que é igual e desigualmente o que é desigual, e o sacrifício que está a impender sobre a população de Castelo de Piava não tem paralelo nem nenhum tipo de justificação.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A solidariedade do País tem de manifestar-se por palavras, mas também por actos! Castelo de Paiva merece uma reparação do País, que até agora esqueceu esta localidade, e é por isso que é necessário que o País se redima deste atraso e do incumprimento da sua obrigação.
O Sr. Cruz Silva (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, concordamos com a proposta do Governo, estamos disponíveis para a votar imediatamente, com alguns ajustamentos, que penso serem necessários e que serão muito fáceis de articular, para que, a partir de agora, se possa avançar rapidamente com as obras, de acordo com a proposta do Governo e com as propostas que acabei de formular.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para intervir, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.
O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Intervenho, muito rapidamente, para dizer que CDS-PP concorda com a proposta de lei agora apresentada. Logo que solicitaram o seu agendamento urgente para a presente ordem do dia imediatamente o aceitámos, como aceitaremos todas as propostas que visem minorar a tragédia que se abateu sobre esta zona do País.
Entendemos esta proposta de lei não como um plano de emergência mas como um primeiro passo essencial para desburocratizar iniciativas que devem ser imediatamente tomadas.
A presente proposta de lei não esgota o apoio a Castelo de Paiva; não entendemos que o que nela está previsto seja tudo, mas é um passo essencial; é assim que a encaramos.
Em relação ao plano de emergência, tal como o Sr. Deputado do PSD afirmou, também nós nos colocamos inteiramente ao dispor da administração e do Governo para estudar as melhores medidas, porque, efectivamente, aquela região merece a solidariedade nacional, não apenas em palavras mas também em atitudes. Com essa solidariedade poderá o Governo contar da parte da minha bancada.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para intervir, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Neves.
A Sr.ª Helena Neves (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Para o Bloco de Esquerda, é indispensável assegurar o princípio geral de fiscalização da segurança rodoviária, em particular relativamente aos concursos públicos neste âmbito.
Porém, as populações atingidas precisam de apoio específico e as comunidades precisam de respostas imediatas. Admitimos, pois, o carácter excepcional da proposta de lei e aceitamos, neste caso, o aligeiramento dos mecanismos de fiscalização prévia.
O Sr. Presidente: - Para intervir, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Intervenho, muito brevemente, para dizer que estamos perante uma medida excepcional, um apelo que nos é lançado por uma região, um problema que exige medidas de carácter excepcional.
É nesse sentido que apoiamos a proposta do Governo para desburocratizar procedimentos, ou seja, para garantir os primeiros passos que darão resposta às necessidades das comunidades que foram afectadas, o que não invalida, naturalmente, a necessidade de ponderar os passos seguintes, de uma forma cuidada, para que não mais tenhamos de repetir erros, que não são só da natureza, uma vez que esta despertou, na sua fúria, devido à conjugação de um conjunto factores em que a actividade humana esteve presente.
O Sr. Presidente: - Para intervir, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Gonçalves.
O Sr. Agostinho Gonçalves (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A tragédia aconteceu. A tragédia nunca se anuncia. Porém, o Vale do Sousa, em geral, tinha pugnado pela construção de uma nova ponte, o projecto estava a ser elaborado e esta Assembleia da República, aquando da discussão do Orçamento do Estado para 2000, inscreveu uma verba de 50 000 contos, para avançar com a construção da nova ponte. Mais tarde, para 2001 e anos seguintes, foi inscrita uma verba de 3 milhões de contos, para a construção da nova ponte.
Importa desde já salientar a abertura que o então Ministro Jorge Coelho teve para a realização desta obra, a qual é necessária para ligar Castelo de Paiva a Penafiel e para o desenvolvimento do Vale do Sousa.
Hoje, estamos a falar numa desburocratização de concursos e numa agilização dos processos para que a ponte seja construída mais rapidamente. De facto, quero salientar a prontidão com que o Governo e a Assembleia da República estão a encarar esta situação.
A construção da nova ponte é importantíssima para o «desencravamento» económico e social do Vale do Sousa. Há uma Acção Integrada de Base Territorial (AIBT) em que está prevista a construção desta infra-estrutura e da variante à EN 106, que liga Penafiel a Entre-os-Rios e que tem um tráfego muito intensíssimo. Importa também fazer uma referência à necessidade desta ligação porque, muito
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em breve, vai ser aberto o centro hospitalar do Vale do Sousa e a população de Castelo de Paiva usa as instalações de saúde do Vale do Sousa, e vai continuar a usá-las.
Portanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, penso que é de salientar, pela positiva, esta acção imediata do Governo no interesse das populações do Vale do Sousa.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para intervir, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.
O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou fazer uma intervenção muito breve, apenas frisar que as medidas que são propostas, como bem foi entendido por todas as bancadas, são apenas medidas imediatas.
É evidente, Sr. Deputado Castro de Almeida, que para situações excepcionais são necessárias medidas excepcionais, e, naturalmente, elas estão a ser ponderadas pelo Governo. Tem razão ao salientar, como salientou, a necessidade de percebermos que há alterações de circunstâncias suscitadas por esta tragédia que não podem deixar de ser atendidas.
Sr. Deputado Agostinho Gonçalves, aquilo que referiu corresponde exactamente à intenção do Governo, tendo em conta aquilo de que os concelhos de Castelo de Paiva e de Penafiel estão a ser vítimas, neste momento. É necessário que o País compreenda a situação e responda com um dever de solidariedade, que, naturalmente, não deixará de ser assumido integralmente.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, chegámos ao fim do debate sobre a proposta de lei n.º 63/VIII.
Faltam apenas cinco minutos para a hora das votações.
Talvez valha a pena, para os Deputados que contam que as votações terão lugar à hora regimental, irmos tomando consciência das alterações que foram propostas à proposta de lei n.º 63/VIII.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de um parecer da Comissão de Ética e depois veremos as propostas.
O Sr. Secretário (António Reis): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo 2.º juízo do Tribunal Judicial da Nazaré, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Alberto Costa a depor, por escrito, como testemunha, no processo n.º 165/99 que se encontra pendente naquele tribunal.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Srs. Deputados, vamos então tomar consciência do conteúdo das propostas, que, em todo o caso, já foram distribuídas. Na altura própria, darei a palavra a quem a solicitar, para poder pronunciar-se sobre elas.
O Governo apresentou duas propostas de alteração à proposta de lei n.º 63/VIII: uma, de eliminação do inciso «municipais» entre «infra-estruturas» e «dos concelhos», no artigo 1.º; outra, de aditamento do inciso «pela administração central», entre «celebrar» e «pelas autarquias locais», no artigo 2.º.
Posteriormente, foi apresentada uma proposta de substituição do artigo 1.º, subscrita pelo Sr. Deputado João Amaral, que já foi distribuída, à qual ele se referiu na sua intervenção, que é do seguinte teor: «A presente lei visa simplificar os mecanismos de fiscalização prévia dos actos e contratos (…)» - devo dizer que esta incisão de «actos» antes de contratos já foi sugerida pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes - «(…) relativos às obras de reparação, construção ou reconstrução de equipamentos e infra-estruturas dos concelhos de Castelo de Paiva e de Penafiel tornados necessários pelo desabamento da ponte de Hintze Ribeiro, bem como …».
Portanto, estas são as alterações propostas. Creio que estamos todos conscientes delas; quando chegar o momento, retomaremos a sua redacção.
Creio que já estamos na hora regimental das votações, pelo que vamos, então, votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 280/VIII - Cria o empréstimo escolar (CDS-PP).
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PCP, de Os Verdes e do BE, votos a favor do CDS-PP e a abstenção do PSD.
Srs. Deputados, passamos, agora, à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 345/VIII - Altera a Lei n.º 112/99, de 3 de Agosto (PCP).
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS e do BE, votos a favor do PSD, do PCP e de Os Verdes e a abstenção do CDS-PP.
Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 378/VIII - Altera a Lei n.º 112/99, de 3 de Agosto (Aprova o regime disciplinar das federações desportivas) (PS).
Submetido à votação, verificou-se um empate, tendo votado a favor o PS e contra o PSD, o PCP, o CDS-PP, Os Verdes e o BE.
Srs. Deputados, dada a situação de empate, vamos repetir a votação.
Submetido à votação, verificou-se novo empate, tendo votado a favor o PS e contra o PSD, o PCP, o CDS-PP, Os Verdes e o BE.
Srs. Deputados, tendo-se registado novo empate, ao abrigo do artigo 107.º do Regimento, o projecto de lei foi rejeitado.
Passamos, agora, aos dois diplomas do PCP há pouco discutidos, começando pelo projecto de lei n.º 123/VIII - Institui o Programa Nacional de Prevenção e Combate ao Branqueamento de capitais e cria a respectiva comissão nacional.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, quero lembrar que foi distribuído um requerimento solicitando a baixa à comissão, sem votação, deste diploma.
O Sr. Presidente: - Tem toda a razão, Sr. Deputado. De facto, deu entrada na Mesa um requerimento do seguinte teor: «Nos termos regimentais, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP abaixo assinados requerem a baixa à Comissão, sem votação, do projecto de lei n.º 123/VIII».
Srs. Deputados, vamos, então, proceder à votação do requerimento.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Srs. Deputados, vamos, agora, votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 124/VIII - Aperfeiçoa as disposições legais destinadas a prevenir e punir o branqueamento de capitais provenientes de actividades criminosas (PCP).
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes e do BE e abstenções do PSD e do CDS-PP.
Srs. Deputados, o projecto de lei n.º 124/VIII baixa à 1.ª Comissão.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, V. Ex.ª anunciou que o projecto de lei n.º 124/VIII baixa à 1.º Comissão, mas não se referiu a que comissão baixa o projecto de lei n.º 123/VIII.
O Sr. Presidente: - Tem toda a razão, Sr. Deputado.
Sr. Deputado António Filipe, este diploma baixa também à 1.ª Comissão?
O Sr. António Filipe (PCP): - Baixa sim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então, Sr. Deputado, o projecto de lei n.º 123/VIII baixa também à 1.ª Comissão, sem votação.
Srs. Deputados, passamos à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 63/VIII - Simplifica os mecanismos de adjudicação e de fiscalização prévia dos contratos relativos às obras de reparação, construção e reconstrução da rede viária, pontes, viadutos e aquedutos nacionais e municipais dos concelhos de Castelo de Paiva e de Penafiel.
Como este diploma já foi discutido na generalidade, vamos proceder de imediato à sua votação.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Srs. Deputados, vamos, agora, passar à votação, na especialidade, desta proposta de lei, composta apenas por quatro artigos, o último dos quais sobre a entrada em vigor e que, por isso, não levantará quaisquer objecções.
Pergunto se algum dos Srs. Deputados pretende usar da palavra.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, o meu grupo parlamentar vai querer usar da palavra quanto ao artigo 3.º.
O Sr. Presidente: - Muito bem, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, começamos pelo artigo 1.º, relativamente ao qual deram entrada na Mesa duas propostas, uma apresentada pelo Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, quero só clarificar que a proposta de substituição consome, absorve, a proposta do Grupo Parlamentar do PS.
O Sr. Presidente: - Sim, Sr. Deputado, pois a proposta substitui, na íntegra, o artigo 1.º da proposta de lei. Assim sendo, vamos votar só a proposta de substituição do artigo 1.º.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, o que está consumido com a proposta de alteração do Sr. Deputado João Amaral é nossa proposta referente ao artigo 1.º e não, como foi dito, todas as propostas do Grupo Parlamentar do PS.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a proposta de substituição tem reticências no fim, mas estão sumidas.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, quero dizer a V. Ex.ª que concordamos com a interpretação feita, ou seja, realmente, a proposta do Sr. Deputado João Amaral é de substituição integral do artigo 1.º, embora não esteja integralmente redigida, pois tem reticências no fim. Desta forma, a proposta de eliminação apresentada pelo Grupo Parlamentar do PS, e não pelo Governo, como V. Ex.ª há pouco referiu, certamente, por engano, fica consumida.
O Sr. Presidente: - A título de informação, a concordância do Governo é importante para os Srs. Deputados. A proposta de lei é proveniente do Governo, pelo que se este puder concordar com as propostas de alteração é mais um elemento a tomar em conta na votação dos grupos parlamentares. Eu não disse nada que não devesse ter dito!
Srs. Deputados, vamos, então, votar a proposta de substituição subscrita pelo Sr. Deputado João Amaral.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.
É a seguinte:
Artigo 1.º
A presente lei visa simplificar os mecanismos de fiscalização prévia dos actos e contratos relativos às obras de reparação, construção ou reconstrução de equipamentos e infra-estruturas dos concelhos de Castelo de Paiva e de Penafiel tornados necessários pelo desabamento da ponte Hintze Ribeiro, bem como …
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, agora, votar a parte restante do artigo 1.º, ou seja, «(…)excluir dos
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limites do endividamento daquelas autarquias locais os empréstimos celebrados ao abrigo da linha de crédito bonificado especialmente criada para a realização das referidas obras».
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.
Estando aprovado, na sua totalidade, o artigo 1.º, por unanimidade, passamos ao artigo 2.º. Ora, quanto a este dispositivo, foi apresentada, pelo Grupo Parlamentar do PS, uma proposta de aditamento da expressão «pela Administração Central» entre as expressões «celebrar» e «pelas autarquias locais».
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, a proposta de substituição que votámos há pouco relativamente ao artigo 1.º, subscrita pelo Sr. Deputado João Amaral, além de subsumir a proposta do Grupo Parlamentar do PS, também subsumia a proposta do Grupo Parlamentar do PSD relativamente à questão dos «actos e contratos».
No artigo 2.º o problema volta a colocar-se, pelo que gostaria que o Sr. Presidente anunciasse que, quando votarmos esta disposição, também se acrescentará a palavra «actos» antes da palavra «contratos».
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, referi esse aspecto há pouco, mas só em relação ao artigo 1.º. De facto, verifica-se nos dois artigos essa situação, ou seja, a utilização da expressão «contratos» sem se fazer referência a «actos».
Assim sendo, o artigo 2.ºdeverá ficar com a seguinte redacção: «Sem prejuízo da fiscalização sucessiva e concomitante da respectiva despesa, os actos e contratos a celebrar pelas autarquias locais dos concelhos de Castelo de Paiva e de Penafiel relativos às obras referidas no artigo 1.º ficam dispensados de fiscalização prévia do Tribunal de Contas».
Srs. Deputados, vamos, então, proceder à sua votação.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Srs. Deputados, vamos, agora, votar a proposta de aditamento apresentada pelo Grupo Parlamentar do PS, que é do seguinte teor: «No artigo 2,º propõe-se o aditamento da expressão 'pela Administração Central' entre 'celebrar' e 'pelas autarquias locais'».
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.
Srs. Deputados, passamos para o artigo 3.º da proposta de lei.
Tem a palavra o Sr. Deputado Castro de Almeida.
O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, no artigo 1.º da proposta de lei, que acabámos de votar, é dito que há uma «linha de crédito bonificado especialmente criada para a realização das referidas obras». Porém, a avaliar pelo comunicado do Conselho de Ministros de hoje, não se conhece que o Governo tenha criado uma linha de crédito específica para este efeito. Talvez esta formulação tenha a ver com o facto de estar a fazer-se cópia de um diploma anterior, que previa uma linha de crédito especial.
Portanto, quero advertir o Governo para a necessidade de criar a linha de crédito especial para este efeito, mas o ponto principal da minha intervenção tem a ver com outra matéria.
Como eu disse aqui há pouco, penso que o problema maior das autarquias não é o do limite ou do plafond de endividamento, nem sequer o da bonificação da taxa de juro, pois de pouco vale ao município ir pedir dinheiro ao banco e pagar 3% a menos de taxa de juro; isto é uma ajuda insignificante em face do montante das necessidades em causa.
Aquilo de que os municípios precisam mesmo é de um apoio financeiro extraordinário para fazer face a despesas extraordinárias que vão ter e que não são de sua responsabilidade; são derivadas de um problema suscitado pela queda da ponte, que não é da responsabilidade das autarquias em causa.
Por isso, Sr. Presidente, creio que este diploma fica «coxo» se não contiver uma norma que permita ao Governo transferir para as autarquias de Castelo de Paiva e de Penafiel o tal apoio financeiro extraordinário.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Proponha isso, para verificar como é ilegal!
O Orador: - Falei há pouco disso e ouvi um assentimento de princípio por parte do Sr. Ministro da Presidência, mas creio, Sr. Presidente, que dever-se-ia consagrar nesta proposta de lei o texto respectivo, talvez pela via da autorização ao Governo.
Sendo certo que a Assembleia não pode tomar encargos durante o ano económico em curso, penso que poderíamos inscrever uma norma na proposta de lei autorizando o Governo a transferir para as autarquias em causa o apoio financeiro necessário. Aliás, Sr. Presidente, rabisquei já um texto de norma, que vai no seguinte sentido: «Fica o Governo autorizado a outorgar aos municípios de Castelo de Paiva e de Penafiel um apoio financeiro extraordinário para fazer face aos encargos adicionais que derivem da queda da ponte Hintze Ribeiro».
Creio que esta norma é constitucional e absolutamente necessária, pelo que, se o Sr. Presidente não vir inconveniente em receber a proposta, queríamos submetê-la, com esta redacção ou uma aproximada, à votação da Câmara.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, com certeza! Tem direito de apresentar todas as propostas que quiser, mas, antes disso, dou a palavra ao Sr. Ministro da Presidência, para a prestação de qualquer informação complementar que entenda justificar-se.
O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, a sugestão que o Sr. Deputado Castro de Almeida fez suscitar algumas dúvidas.
A Lei das Finanças Locais, como o Sr. Deputado sabe muito bem, já prevê que em situações excepcionais possa haver apoios de natureza excepcional. A sua proposta é parcialmente duvidosa no plano constitucional, uma vez que, como recordou, e muito bem, não cabe ao Parlamento conceder autorizações ao Governo, tem de ser este a solicitá-las.
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De qualquer modo, Sr. Presidente, de acordo com o que eu aqui disse, quero exprimir a disponibilidade do Governo para, nestas situações, em condições que ainda não sei nem o Governo ainda conhece, o que, aliás, resulta da intervenção proferida pelo Sr. Deputado Agostinho Gonçalves, introduzir mecanismos deste tipo. Ora, esses mecanismos já resultam da Lei das Finanças Locais e, por isso, não é o Governo que os rejeita, uma vez que tive oportunidade de dizer que a situações excepcionais têm de corresponder medidas excepcionais.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Castro de Almeida, é evidente que, do ponto de vista formal, trata-se sempre de uma autorização não solicitada e, nessa medida, inconstitucional. Porém, se quiserem que coloque a proposta em votação, terei muito gosto em fazê-lo.
O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, quero apenas perguntar se este impasse, que efectivamente tem razão de ser, pois, de facto, não cabe ao Governo ser autorizado pela Assembleia, a menos que o solicite, não poderia ser ultrapassado por projecto de resolução da Assembleia da República sobre este tema.
É esta a pergunta que quero deixar, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, os projectos de resolução não vinculam o Governo, de alguma forma, dão-lhe cobertura política.
O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, para superar o impasse, sugiro que se encontre uma fórmula - e estamos disponíveis para a aceitar - que não refira autorização ao Governo mas, sim, em termos semelhantes ao que consta já da Lei das Finanças Locais, a adopção de apoios excepcionais em casos excepcionais. É apenas isso.
Tive a oportunidade de dizer que é «deixar uma porta aberta», mas, naturalmente, estamos completamente disponíveis para isso e para não estar a suscitar aqui uma questão no sentido de duplicar iniciativas. Assim, há abertura da minha parte para se formular algo de semelhante ao que resulta já da Lei das Finanças Locais.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, e se deixássemos isso para a redacção final?
Pausa.
Uma vez que há consenso nesse sentido, remetemos esta questão para a redacção final, para não estarmos agora a aprovar à pressa uma redacção que poderá ser muito mais perfeita se for feita com calma e sossego. E certamente que o Sr. Deputado Castro de Almeida e todos os grupos parlamentares colaborarão nessa redacção. Quer dizer, vai ler-se o que diz a Lei das Finanças Locais e adopta-se uma referência semelhante.
Tem a palavra, Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, é evidente que em situações excepcionais tomam-se soluções também excepcionais e, portanto, nós estamos totalmente disponíveis para a solução excepcional que o Sr. Presidente coloca à Câmara relativamente a uma redacção que será final mas com alguma substância.
Independentemente disso, quero só clarificar um aspecto - e convém que fique aqui clarificado - , que, penso eu, ainda não está entendido de uma forma adequada por toda a Câmara, embora a minha bancada já tenha contactado o Governo, por várias vezes, sobre a matéria.
A questão é a seguinte: o artigo 1.º, de resto já votado e aprovado, por unanimidade, por esta Câmara, diz na sua parte final: «(…) bem como excluir dos limites de endividamento daquelas autarquias locais os empréstimos celebrados ao abrigo da linha de crédito bonificado especialmente criada para a realização das referidas obras.»
Ora, a indicação que a minha bancada tem é a de que, hoje, o Conselho de Ministros não criou nenhuma linha de crédito especialmente para os concelhos de Castelo de Paiva e de Penafiel. A indicação que temos é a de que o único dinheiro que até ao momento existe é aquele que já existia por causa das intempéries de Dezembro e de Janeiro. A Câmara já votou o conteúdo do artigo 1.º da proposta de lei, ou seja, já votou que tem de haver meios financeiros especialmente vocacionados para a catástrofe de Entre-os-Rios e Castelo de Paiva, e é relativamente a esta matéria que não temos ainda nenhuma indicação. Sabemos que existem os problemas da lei-travão, que todos conhecemos, e temos de pôr-nos de acordo com o Governo, através de um mecanismo de autorização que o PSD tentou, embora com as nuances que o Sr. Ministro, e bem, aqui colocou.
É que esta Câmara não tem muitos mais meios, face às informações que neste momento dispõe, e o importante é que, se vamos partir - e tem a disponibilidade total da bancada do PSD, Sr. Presidente - para um mecanismo excepcional de tentar, em conjunto, encontrar uma redacção final, estejamos cientes dos pressupostos de que partimos. Ora, do ponto de vista do PSD, um dos pressupostos é o de que deve haver o consenso da Câmara para o facto de esta tragédia não poder ser tratada à semelhança das situações anteriores - e muito menos com os mesmos meios ou com as sobras desses meios -, dos problemas criados pelas situações de catástrofe anteriores, tem de ter soluções extraordinárias e especificamente vocacionadas para esta tragédia.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, o meu pedido de palavra foi feito antes da parte final da intervenção do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, mas aproveito para responder à parte final da questão do Sr. Deputado.
É óbvio que estamos de acordo que para situações excepcionais terão de haver comportamentos excepcionais e
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por isso estamos a aprovar a proposta de lei desta forma. Agora, julgo que do debate, nomeadamente da intervenção do Sr. Ministro, ficou aqui muito claro que há um nítido compromisso político para, no quadro da legislação existente e com a flexibilidade adequada e possível, tratar excepcionalmente esta questão excepcional.
Portanto, de algum modo, a ideia do projecto de resolução, que, aliás, me pareceu uma boa ideia mas pela qual se passou rapidamente, sem a aprofundar, foi aqui assumida pelas intervenções dos Deputados e do Governo. Ora, eu acho que nós não falamos em vão!… Quando aqui nos comprometemos, sobretudo quando falamos em uníssono, mesmo que não aprovemos em concreto determinado articulado ou determinada formulação, estamos a assumir um compromisso político.
Também não entendo, Sr. Presidente, o que é isso de deixar isto para a redacção final. Hoje, temos de aprovar aqui o diploma, porque a redacção final não se compadece, obviamente, com uma adulteração ou com uma alteração substancial daquilo que for aqui aprovado.
Portanto, o quadro legal existente, ou seja, a flexibilidade que a Lei das Finanças Locais tem, permite solucionar excepcionalmente esta questão excepcional. O Governo já aqui declarou, de forma peremptória, que se compromete a resolver o problema dessa maneira e eu julgo que podemos aprovar o diploma tal qual está redigido e considerarmos que estão assumidos os compromissos suficientes e adequados.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.
O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, na sequência da intervenção do Sr. Deputado Manuel dos Santos, penso que temos de ser muito claros: se é para repetir a Lei das Finanças Locais, não vale a pena, já lá está, não interessa! O que nós queremos é inovar, dar um passo em frente, ao abrigo do quadro geral que existe.
Perante isso, sinceramente, não vejo outro caminho que não seja o de um projecto de resolução feito por acordo entre todas as bancadas, em que as matérias dirigidas ao apoio a Castelo de Paiva possam ser aprovadas pela Assembleia. Então, temos a lei e temos um começo de execução, através de um projecto de resolução da Assembleia em relação ao Governo, aprovado por todas as bancadas, ou melhor, desejavelmente, era bom que o fosse.
Essa é a solução em que insistimos, ou seja, hoje aprova-se a lei e amanhã, ou hoje mesmo, se for caso disso, aprova-se um projecto de resolução que identifica o tipo de apoio financeiro que as autarquias locais merecem, nomeadamente Castelo de Paiva.
É esta a nossa sugestão, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.
O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, a intervenção do Sr. Deputado Basílio Horta vai exactamente ao encontro da preocupação que existe, que é a de dar celeridade à aprovação desta iniciativa e, simultaneamente, tornar clara uma vontade unânime, de preferência, deste Parlamento relativamente a essas situações excepcionais.
Sr. Deputado Luís Marques Guedes, quero também esclarecê-lo que a linha de crédito que aqui se refere tem um limite de 15 milhões de contos, com um juro bonificado de 50% até 4%, relativo à taxa em vigor, que está longe de ser esgotado.
Naturalmente, julgo que a resolução deste Parlamento, na sequência da sugestão do Sr. Deputado Basílio Horta, poderá clarificar a preocupação de garantir que os meios adequados possam ser atribuídos aos concelhos de Penafiel e de Castelo de Paiva.
É este o entendimento do Governo sobre o melhor caminho a seguir, para não estarmos a atrasar a aprovação desta iniciativa.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, caso concordem, vamos votar os artigos 3.º e 4.º da proposta de lei e eu fico a aguardar o projecto ou os projectos de resolução que queiram entregar na Mesa.
Poderá ser assim, Srs. Deputado Luís Marques Guedes e Castro de Almeida?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, quero só reafirmar, depois de termos levantado o problema, a nossa total disponibilidade. Seja através de um artigo que conceda uma autorização ao Governo, seja através de uma resolução que recomende ao Governo, o importante é que haja aqui, politicamente, o assentimento de todas as bancadas no sentido de que a matéria não pode ser tratada como as intempéries de Dezembro ou de Janeiro, tem de ter um tratamento diferenciado. Essa é uma questão de honra para o PSD.
Em segundo lugar, é preciso que o Governo expresse a sua disponibilidade para assim proceder, na sequência deste nosso debate. Como o Sr. Ministro acabou de fazê-lo - e com isso nos congratulamos -, a nossa disponibilidade é total para redigir, com os contornos mais precisos possíveis, uma solução que o Governo depois possa acolher.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, então, aguardo o projecto ou os projectos de resolução, que serão votados na quarta-feira, com o vosso consenso.
Srs. Deputados, vamos votar, na especialidade, o artigo 3.º da proposta de lei.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
É o seguinte:
Artigo 3.º
Endividamento das autarquias locais
O disposto na Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto, relativo ao limite do endividamento das autarquias locais, não é aplicável a empréstimos celebrados ao abrigo da linha de crédito bonificado especialmente criada para o financiamento das obras a que se refere o artigo 1.º da presente lei.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar, na especialidade, o artigo 4.º da proposta de lei.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
É o seguinte:
Artigo 4.º
Entrada em vigor e produção de efeitos.
O presente diploma entra em vigor no dia imediato ao da publicação e produz efeitos a partir de 1 de Março de 2001.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputamos, passamos à votação final global da proposta de lei n.º 63/VIII.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Sobre que matéria, Sr. Deputado?
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - É sobre as votações, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, julgo que findou o guião e nele não encontro o texto de substituição, que, hoje de manhã, a Comissão de Saúde aprovou, sobre os projectos de lei n.os 101/VIII, 308/VIII e 214/VIII.
Como a intenção expressa por alguns Srs. Deputados foi a de que se pudesse aprovar esta matéria hoje, Dia Internacional da Mulher, já que incide sobre problemas relacionados com as mulheres, designadamente com as jovens mulheres, pergunto ao Sr. Presidente por que é que não foram votados.
O Sr. Presidente: - Por uma razão simples, Sr. Deputado: não houve consenso para que fossem votados hoje porque um grupo parlamentar alegou que não pôde, a tempo, dar conhecimento dos textos aos seus Deputados e que só os Deputados da Comissão tiveram deles conhecimento.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Posso pedir ao Sr. Presidente que informe a Câmara sobre qual foi esse grupo parlamentar?
O Sr. Presidente: - Foi o Grupo Parlamentar do PSD.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, V. Ex.ª ultrapassou a minha rapidez. Pedi a palavra para requerer a dispensa de votação final da proposta de lei, obviamente por razões que têm a ver com a celeridade do processo, acentuando, no entanto, que é preciso ter cuidado com a introdução das pequenas alterações que foram feitas.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, há urgências implícitas.
Também para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.
O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, é para, em relação à interpelação à Mesa do Sr. Deputado Bernardino Soares, dizer que também o CDS-PP não daria esse consentimento, uma vez que vai apresentar na Mesa um requerimento de avocação ao Plenário da discussão dessa matéria.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos os trabalhos agendados para hoje. A próxima reunião terá lugar amanhã, às 11 horas, para a sessão solene de tomada de posse de Sua Excelência o Presidente da República.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 25 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Carlos Manuel Luís
Cláudio Ramos Monteiro
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres
José Alberto Leal Fateixa Palmeiro
Manuel Francisco dos Santos Valente
Victor Manuel Caio Roque
Partido Social Democrata (PSD):
Henrique José Monteiro Chaves
Joaquim Monteiro da Mota e Silva
José Eduardo Rêgo Mendes Martins
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel de Matos Correia
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Nuno Miguel Marta de Oliveira da Silva Freitas
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Sérgio André da Costa Vieira
Partido Comunista Português (PCP):
Maria Odete dos Santos
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Carlos Alberto Dias dos Santos
Isabel Maria dos Santos Barata
Manuel Alegre de Melo Duarte
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Rosalina Maria Barbosa Martins
Partido Social Democrata (PSD):
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Arménio dos Santos
Domingos Duarte Lima
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares
João Bosco Soares Mota Amaral
José David Gomes Justino
José de Almeida Cesário
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Pedro Manuel Cruz Roseta
Partido Comunista Português (PCP):
Alexandrino Augusto Saldanha
António João Rodeia Machado
Partido Popular (CDS-PP):
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Luís Pedro Mota Soares
Bloco de Esquerda (BE):
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL