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Quinta-feira, 5 de Abril de 2001 I Série - Número 68

DIÁRIO da Assembleia da República

VIII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2000-2001)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 4 DE ABRIL DE 2001

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex. mos Srs. José Ernesto Figueira dos Reis
José de Almeida Cesário
António João Rodeia Machado
António José Carlos Pinho

S U M Á R I O

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação dos projectos de lei n.os 412 a 418/VIII e 420/VIII e da resposta a alguns outros.
Foi aprovado um parecer da Comissão de Ética relativo à retoma e substituição de um Deputado do PS e outro do PCP.
Em declaração política, o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP) criticou o Governador Civil de Braga por ter usado os serviços do Governo Civil em prol da promoção da sua candidatura ao cargo de presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, tendo anunciado a entrada na Mesa de um projecto de lei consagrando a obrigação de os titulares de cargos políticos por nomeação e de os titulares, funcionários e agentes de entidades públicas actuarem, no exercício das suas funções, mesmo fora do período de campanha eleitoral ou para referendo, com respeito pelos princípios constitucionais. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Virgílio Costa (PSD) e Ricardo Gonçalves (PS).
A Câmara deu ainda assentimento às viagem de carácter oficial do Sr. Presidente da República a França e ao Canadá, respectivamente, entre os dias 9 e 10 de Maio e 24 de Maio e 2 de Junho p.f.
O Sr. Deputado Eugénio Marinho (PSD) referiu-se às dificuldades de circulação rodoviária na região de Fafe, tendo criticado o Governo por não ter lançado as obras que são necessárias. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Miguel Teixeira (PS) e Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP).
Foram aprovados os votos n.os 142/VIII - De protesto pelo sequestro de sete cidadãos portugueses, em Cabinda, desde há vários meses, e de congratulação pela libertação de um outro (PS) e 143/VIII - De homenagem a todos quantos participaram na Revolta da Madeira, em 4 de Abril de 1931 (PS). Usaram da palavra, além do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães), os Srs. Deputados Mota Torres (PS), Guilherme Silva (PSD), Basílio Horta (CDS-PP), Fernando Rosas (BE), Isabel Castro (Os Verdes), Vítor Ramalho (PS), Carlos Encarnação (PSD), Luís Fazenda (BE) e Octávio Teixeira (PCP).
Ao abrigo do n.º 2 do artigo 83.º do Regimento, o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros (Vitalino Canas) deu conta à Câmara do Plano de Acção Nacional contra a Droga, tendo-se também pronunciado os Srs. Deputados Pedro Mota Soares (CDS-PP), Patinha Antão (PSD), Luís Fazenda (BE), Isabel Castro (Os Verdes), João Sobral (PS) e António Filipe (PCP).

Ordem do dia.- Procedeu-se à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 147/VIII - Assegura os direitos dos trabalhadores no caso de cedência ou transferência de empresa ou estabelecimento (PCP). Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado do Trabalho e Formação (António Dornelas Cysneiros), os Srs. Deputados Odete Santos (PCP), Eugénio Marinho (PSD), Strecht Ribeiro (PS), Telmo Correia (CDS-PP) e Barbosa de Oliveira (PS).
Por fim, procedeu-se à discussão conjunta dos projectos de resolução n.os 110/VIII - Em defesa do ensino e divulgação da língua e da cultura portuguesas no estrangeiro (PSD) e 128/VIII - Por uma verdadeira política de defesa e promoção do ensino da língua e cultura portuguesas no estrangeiro (PCP), tendo usado da
palavra, a diverso título, além da Sr.ª Secretária de Estado da Administração Educativa (Maria José Rau Vieira), os Srs. Deputados José Cesário (PSD), Carlos Luís (PS), Rodeia Machado (PCP), António Braga (PS), Fernando Rosas (BE) e Narana Coissoró (CDS-PP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 10 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 10 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António Fernando Marques Ribeiro Reis
António Fernando Menezes Rodrigues
António José Gavino Paixão
António José Santinho Pacheco
António Manuel Dias Baptista
António Manuel do Carmo Saleiro
Armando António Martins Vara
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Bruno Renato Sutil Moreira de Almeida
Carla Maria Nunes Tavares Gaspar
Carlos Alberto
Carlos Alberto Dias dos Santos
Carlos Manuel Luís
Casimiro Francisco Ramos
Eduardo Ribeiro Pereira
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Serrasqueiro
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Francisco José Pinto Camilo
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres
Gil Tristão Cardoso de Freitas França
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho
Helena Maria Mesquita Ribeiro
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco d'Almeida
Isabel Maria dos Santos Barata
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge Tinoco de Faria
Isabel Maria Soares Pinto Zacarias
João Alberto Martins Sobral
João Francisco Gomes Benavente
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão
José Alberto Leal Fateixa Palmeiro
José Aurélio da Silva Barros Moura
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Carlos da Cruz Lavrador
José Carlos Pinto Basto Mota Torres
José da Conceição Saraiva
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Ernesto Figueira dos Reis
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Rosa do Egipto
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão
Luís Manuel Ferreira Parreirão Gonçalves
Luís Miguel Gomes Miranda Teixeira
Luísa Pinheiro Portugal
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António dos Santos
Manuel Maria Diogo
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Margarida Maria Santos Soares da Rocha Gariso
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira
Maria do Céu da Cruz Vidal Lourenço
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria José Vidal do Rosário Campos
Maria Luísa Silva Vasconcelos
Maria Teresa de Oliveira Ferreira Coimbra
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco
Paulo Alexandre Homem de Oliveira Fonseca
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Victor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Alves Peixoto
Victor Manuel Caio Roque
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Ana Maria Martins Narciso
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António d'Orey Capucho
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Manuel da Cruz Silva
António Manuel Santana Abelha
António Paulo Martins Pereira Coelho
Armando Manuel Dinis Vieira
Arménio dos Santos
Armindo Telmo Antunes Ferreira
Artur Ryder Torres Pereira
Carlos José das Neves Martins
Carlos Manuel de Sousa Encarnação
Carlos Parente Antunes
Eugénio Fernando Sá Cerqueira Marinho
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Jorge Loureiro de Reboredo Seara
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Monteiro Chaves
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa

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João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José da Silva Maçãs
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José António de Sousa e Silva
José David Gomes Justino
José de Almeida Cesário
José Frederico de Lemos Salter Cid
José Luís Campos Vieira de Castro
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel de Matos Correia
José Miguel Gonçalves Miranda
Lucília Maria Samoreno Ferra
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Pedro Machado Sampaio de Sousa Pimentel
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Joaquim Barata Frexes
Manuel Maria Moreira
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Nuno Miguel Marta de Oliveira da Silva Freitas
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
João António Gonçalves do Amaral
Joaquim Manuel da Fonseca Matias
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Odete dos Santos
Octávio Augusto Teixeira
Vicente José Rosado Merendas

Partido Popular (CDS-PP):
António Herculano Gonçalves
António José Carlos Pinho
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca
Fernando Alves Moreno
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Luís Pedro Mota Soares
Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona
Narana Sinai Coissoró
Paulo Sacadura Cabral Portas
Raúl Miguel de Oliveira Rosado Fernandes
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

Bloco de Esquerda (BE):
Fernando José Mendes Rosas
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário da Mesa vai dar conta do expediente.

O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram aceites, as seguintes iniciativas legislativas: projectos de lei n.os 412/VIII - Altera o Decreto-Lei n.º 199/88, de 31 de Maio, que estabelece normas relativas a indemnização sobre reforma agrária, que baixou à 11.ª Comissão (CDS-PP); 413/VIII - Criação da freguesia de Banho, no concelho de Marco de Canavezes (PS), que baixou à 4.ª Comissão; 414/VIII - Reforço da reorientação na aplicação das verbas do Fundo de Garantia Automóvel, que baixou à 1.ª Comissão (PSD); 415/VIII - Altera o Código da Estrada e o Regime de Habilitação Legal para Conduzir (PSD), que baixou à 1.ª Comissão; 416/VIII - Colocação de guardas de segurança nas vias de comunicação pública integradas ou não na Rede Rodoviária Nacional, contemplando a perspectiva da segurança dos veículos de duas rodas (PSD), que baixou à 6.ª Comissão; 417/VIII - Aprova o estatuto do cooperante (PCP), que baixou à 2.ª Comissão; 418/VIII - Consagra a obrigação dos titulares de cargos políticos por nomeação e dos titulares, funcionários e agentes de entidades públicas actuarem com respeito pelos princípios da neutralidade, isenção e imparcialidade no exercício das suas funções e define o regime sancionatório pela violação destes princípios (CDS-PP), que baixou à 1.ª Comissão; e 420/VIII - Estabelece a organização do trabalho em regime nocturno, de turnos e em folgas rotativas, bem como a redução da idade de reforma, com bonificação nos anos de contribuição para a segurança social (BE), que baixou à 9.ª Comissão.
Deu também entrada na Mesa uma carta do Sr. Deputado João Geraldes, do seguinte teor: «Ao abrigo e nos termos do artigo 7.º da Lei n.º 7/93, de 1 de Março, comunico a Vossa Excelência que, para todos os efeitos legais, renuncio ao mandato de Deputado, com efeitos a partir de 2 de Abril de 2001».
Entretanto, o Governo respondeu a requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: no dia 29 de Março de 2001, António Nazaré Pereira, na sessão de 8 de Fevereiro, e Herculano Gonçalves, na sessão de 13 Março.
Deu ainda entrada na Mesa um relatório e parecer da Comissão de Ética, que se refere à retoma de mandato dos Srs. Deputados Luísa Vasconcelos, cessando Fernando Jesus, em 4 de Abril corrente, inclusive, e João Geraldes, cessando Alexandrino Saldanha, em 3 de Abril corrente, inclusive. Refere-se ainda à substituição, nos termos do artigo 7.º (Renúncia ao Mandato) do Estatuto dos Deputados, do Sr. Deputado João Geraldes por Alexandrino Saldanha, com início em 3 de Abril corrente, inclusive.
O parecer da Comissão vai no sentido de que as retomas de mandato e a substituição em causa são de ad

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mitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
Em termos de expediente é tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados: Nos termos da Constituição e da lei, os órgãos e agentes administrativos, nomeadamente os titulares de cargos políticos, estão obrigados a actuar com respeito pelos princípios da igualdade, da isenção, da neutralidade, da imparcialidade e da boa fé.
Significa tal que os órgãos e agentes administrativos, nomeadamente os titulares de cargos políticos, estão proibidos de, no exercício das suas funções, actuarem por forma a beneficiar ou prejudicar partidos políticos, candidatos, candidaturas, titulares de cargos políticos ou cidadãos em função das suas convicções políticas ou ideológicas.
Pois bem, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, actualmente, no distrito de Braga, vive-se um dos mais apurados e refinados casos de abuso do poder político, de falta de ética no exercício do poder político e de cacique institucionalizado de que há memória.
Como é sabido, o actual Governador Civil de Braga anunciou, há alguns meses, com pompa e circunstância, a sua candidatura pelo PS ao cargo de Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, no distrito de Braga.
Em princípio, tal não representaria sequer novidade. Porém, desde então, o Governador Civil de Braga tem vindo a violar repetidamente os mencionados princípios constitucionais e a lei, instrumentalizando de forma ilegal e inaceitável o Governo Civil para promoção exclusiva da sua candidatura a Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - E falamos aqui, como demonstraremos, da utilização do estatuto, do cargo, do tempo de que dispõe para o seu exercício e até dos meios e das verbas do Governo Civil.
Na verdade, desde que anunciou a sua candidatura ao cargo de Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, o Governador Civil do distrito de Braga, no exercício das suas funções, critica repetidamente o presidente da câmara ainda em exercício, isto apesar de estar legalmente obrigado à colaboração institucional com as autarquias.
Apresenta-se em inaugurações, cerimónias e acontecimentos públicos, desdobra-se diariamente em entrevistas e artigos na comunicação social e dedica o seu tempo a promover e apoiar estruturas políticas de juventude, associações e outras entidades, sempre no concelho de Vila Nova de Famalicão e com vista, exclusivamente, a promover a sua candidatura ao cargo de presidente de câmara municipal.
Para não ser fastidioso, Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados, vou dar um exemplo; vou apenas dar-vos conta da actividade e da agenda do Sr. Governador Civil de Braga durante a semana que findou.
No dia 26 de Março, segunda-feira, o Sr. Governador Civil de Braga comparece nesta qualidade na sessão de encerramento do 1.º Congresso Internacional do Futebol Clube de Famalicão.
Pois bem, ao contrário do que seria suposto, e como veio relatado na imprensa, aproveitou logo o Sr. Governador Civil a ocasião para fazer campanha eleitoral, propagandeando os termos da sua futura colaboração com o Futebol Clube de Famalicão caso venha a ser eleito presidente da câmara.
No dia seguinte, terça-feira, 27 de Março, o Sr. Governador Civil faz distribuir em algumas freguesias do concelho de Vila Nova de Famalicão um desdobrável - que tenho aqui comigo - com a sua bonita fotografia, patrocinado pelo Governo Civil de Braga e tendo por epígrafe Civitas, Governo Civil de Braga,…

Vozes do CDS-PP: - Uma vergonha!

O Orador: - … no qual se refere, nomeadamente, à sua nova proposta para o dispositivo territorial de segurança no concelho de Vila Nova de Famalicão e ao seu «papel decisivo» para a concretização do sonho da população de Nine, deste concelho, na realização de obras com uma extensão do centro de saúde.
Refere-se ainda à visita do motard famalicense Paulo Marques - bem de todos conhecido e usado normalmente em época de campanha eleitoral - ao Governo Civil, bem como à visita que fez à freguesia de Requião, também no concelho de Vila Nova de Famalicão, para assistir ao auto de consignação de uma obra, que, por acaso, é apenas um muro, sabendo-se bem, ou, pelo menos, sabendo nós bem, que, pelo que nos consta, a competência do Governador Civil em sede de promoção e adjudicação de obras públicas é, obviamente, nenhuma.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - No dia seguinte, quarta-feira, 28 de Março, mais uma vez o Sr. Governador Civil de Braga vai a Vila Nova de Famalicão, desta feita à Rádio Digital, onde, na qualidade de Governador Civil e de candidato a presidente da câmara, vai anunciando as suas futuras obras caso seja eleito presidente de câmara.
No dia seguinte, quinta-feira, o Sr. Governador Civil efectua nova visita a Famalicão, desta feita às freguesias de Outiz e de Gondifelos, onde responde, mais uma vez, a numerosas perguntas de jornalistas, apesar da sua qualidade de Governador Civil, mas novamente quanto à sua actuação caso ganhe as eleições para a Câmara Municipal de Famalicão. Pior ainda: desta feita vai munido de um cheque de 500 000$, do Governo Civil de Braga, que - pasme-se - entrega a uma associação do concelho de Vila Nova de Famalicão.
Na sexta-feira, mais uma vez - aliás, não seria de esperar outra coisa! -, o Sr. Governador Civil dirige-se a Vila Nova de Famalicão, desta vez numa iniciativa de campanha eleitoral, tendo como motivo as medidas de combate à droga e à toxicodependência.

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Ou seja, Sr. as e Srs. Deputados, o Governador Civil de todo o distrito de Braga e, por isso, de 14 concelhos, dedicou todos os dias de uma única semana a acções de campanha num único concelho, que - vá lá perceber-se porquê e por que coincidência - é exactamente aquele onde é candidato à presidência da câmara municipal, ou seja, o concelho de Vila Nova de Famalicão.

Vozes do CDS-PP: - São só coincidências!

O Orador: - É só uma coincidência!
E assim vem o Sr. Governador Civil de Braga utilizando o cargo, o estatuto, os meios e o dinheiro do Governo Civil, há já vários meses, em acções de campanha!…

Vozes do CDS-PP: - É uma vergonha!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados: Isto é efectivamente uma vergonha, é inaceitável, é o mais actual e despudorado exemplo da falta de ética no exercício do poder político!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - É certo que o Governador Civil de Braga é um homem do aparelho do Partido Socialista, que há já muitos anos vive exclusivamente do exercício do poder político e que, na eminência de o perder, como tudo aponta, se poderá sentir particularmente desesperado; só que o Governador Civil de Braga também tem que compreender que na política ainda não vale tudo.
Principalmente, o Governador Civil de Braga deve compreender que tem de respeitar a Constituição da República Portuguesa e a lei, actuando com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé, bem como com respeito por todas as regras de natureza ética e moral que regem o exercício desse cargo e dos demais cargos políticos, de cujo cumprimento depende, em última instância, a credibilidade do próprio Estado de Direito.
É que ninguém está acima da Constituição e da lei, nem mesmo - por muito que lhe custe - o Sr. Governador Civil de Braga! Por muito menos, como todos os Srs. Deputados sabem, houve, ainda há bem pouco tempo, quem se tivesse demitido e até quem tivesse sido exonerado.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Para terminar, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, aproveito para informar que o meu partido tomou uma iniciativa determinante para que condutas como a que vem sendo descrita não voltem a suceder com tanta leviandade.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - É que o que motiva alguns titulares de cargos políticos, bem como funcionários e agentes de algumas entidades públicas, a agirem, no exercício das suas funções, em favor ou prejuízo de candidatos ou de candidaturas, próprias ou alheias, de partidos políticos ou de pessoas, em razão da sua filiação ou ideologia, é o facto de saberem que essa conduta só é sancionada em período de campanha eleitoral ou para referendo, caso em que constitui um crime semi-público, punido com pena de prisão ou multa. Fora destes períodos, embora os actos praticados sejam igualmente ilícitos, não são, todavia, objecto de qualquer sanção que não, eventualmente, a política.
Por essa razão, o CDS-PP deu entrada, no Parlamento, de um projecto de lei que visa consagrar a obrigação de os titulares de cargos políticos por nomeação e de os titulares, funcionários e agentes de entidades públicas actuarem, no exercício das suas funções, mesmo fora do período de campanha eleitoral ou para referendo, com respeito pelos mencionados princípios constitucionais, sob pena de também incorrerem na prática de um crime punido em termos equivalentes.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Depois veremos, obviamente, o merecimento que esta iniciativa obterá de cada bancada e até que ponto cada uma delas estará disponível para contribuir, de forma decisiva, para a moralização da vida política e pública em Portugal.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Virgílio Costa e Ricardo Gonçalves.
Tem a palavra o Sr. Deputado Virgílio Costa.

O Sr. Virgílio Costa (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo: Quero, antes de tudo, cumprimentá-lo pela forma clara e sincera como colocou este problema, que, penso eu, neste momento não dirá respeito só ao distrito de Braga, mas que, se calhar, é uma estratégia que começa a enraizar-se em Portugal e que nós, em tempo oportuno - e creio que é este o tempo oportuno -, devemos denunciar com toda a coragem e com toda a verdade.
No que concerne ao que V. Ex.ª disse, que, aliás, subscrevo na íntegra, gostava de acrescentar a circunstância de, no Natal passado, de uma forma absolutamente imprevisível e inovadora, o Sr. Governador Civil do Distrito de Braga ter feito distribuir…

O Sr. Presidente: - Desculpe interrompê-lo, Sr. Deputado, mas há um Sr. Deputado que, mais uma vez, usa o telemóvel na sala, contra todas as recomendações que faço.
A cada passo, os serviços que controlam o sistema sonoro da Assembleia chamam a minha atenção para o facto de terem problemas por causa dos telemóveis. Ora, é frequentíssimo eu ver daqui alguns Srs. Deputados a usarem o telemóvel. Por vezes, faço-lhes um gesto para que suspendam a chamada, mas hoje não posso deixar de fazer mais uma recomendação, a de que levem a sério a necessidade de não telefonarem e até mesmo de desligarem os telemóveis ao entrarem na Sala, porque o simples facto de estarem ligados perturba o sistema sonoro.
É uma recomendação que, uma vez mais, lhes peço que levem muito a sério, porque podemos, de repente, ficar sem sistema de som.
Desculpe a interrupção, Sr. Deputado Virgílio Costa, mas vai ser compensado do tempo que gastei a fazer este aviso.

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O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente. De facto o uso dos telemóveis, além de perturbar o que V. Ex.ª disse, também perturbou o curso do meu raciocínio, que vou ver se consigo retomar.

Risos gerais.

Ao que me lembro, dizia que, pelo Natal, o Sr. Governador Civil de Braga distribuiu profusamente pelo distrito mensagens de boas-festas, o que até é simpático e agradável. Só que em Famalicão essa mensagem trazia a fotografia do Sr. Governador Civil e foi distribuída às toneladas. Foram aos milhares os panfletos entregues em Famalicão, com as cordiais saudações do Sr. Governador Civil!
E mais recentemente, no documento que o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo aqui referiu e que é paradigmático da postura que, se calhar, iremos ter daqui para a frente nos delegados políticos do PS nos diversos distritos de Portugal, há um pormenor que é significativo: em Famalicão, mais do que em qualquer outro concelho, foram distribuídas centenas de milhar de panfletos, que, para além do que V. Ex.ª disse - e bem -, tinham cinco fotografias do Sr. Governador Civil e uma fotografia do posto de Nine, que é uma das apostas que o Sr. Governador Civil anda a fazer no concelho de Vila Nova de Famalicão.
De facto, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, é lamentável que estes expedientes sejam usados, a mal, digamos, da dignidade e da credibilidade dos representantes políticos em cada distrito de Portugal.
A pergunta concreta que quero fazer-lhe, Sr. Deputado, é a seguinte: V. Ex.ª, perante o que aqui expôs e perante o conhecimento que todos temos desta prática, acha que o Sr. Governador Civil não faz isto de conta própria, que, outrossim, o faz a coberto de uma estratégia delineada pelo próprio pelo próprio Governo e suportada pelo Partido Socialista?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Agradeço que diga qual é a matéria, Sr. Deputado.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, é para lhe pedir que informe esta Assembleia se o Governo se inscreveu para fazer perguntas ou prestar esclarecimentos. Uma vez que esta matéria tem a ver directamente com um representante do Governo, gostaríamos de saber se o Sr. Secretário de Estado está inscrito ou não, porque, se não estiver, isso tem um significado político claro e teremos, obviamente, de extrair daí as necessárias ilações.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Que vergonha!…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o representante do Governo acaba de levantar o braço. Espero que isso signifique um pedido de inscrição.
Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, pede a palavra para que efeito?

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães): - Sr. Presidente, só para relembrar que a presença do Governo aqui tem um significado institucional, de respeito pelos trabalhos da Assembleia, e que o presente Regimento não prevê, na sua redacção, a intervenção do Governo no período antes da ordem do dia, excepto nos termos em que ela ocorrerá dentro de momentos, através de uma declaração política do Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Vitalino Canas, ou para defesa da honra.
Ora, V. Ex.ª, Sr. Deputado, não ofende quem quer.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, pretendo de facto responder.
Sr. Deputado Virgílio Costa, muito obrigado pela sua questão, pertinente como sempre. De resto - nem por coincidência, veja lá! -, vasculhava na minha pasta a muita papelada que o Governo Civil me manda para casa e até descobri o estimado cartão de boas-festas com a fotografia do Sr. Governador Civil, mais uma, muito embora numa pose diferente. Ele tirou várias e quem deve ter tratado disso foi a tal empresa de marketing que assessoria o Governo Civil, concomitantemente o PS, nomeadamente em Famalicão, e que vai dando uma ajudinha!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Mas parece manifesto, Sr. Deputado, que isso terá de significar uma estratégia concertada. E vou dizer-lhe porquê. É que há mais de três meses, quando começámos a ter os primeiros indícios desta prática do Sr. Governador Civil, dirigi dois requerimentos ao Governo, um ao Sr. Primeiro-Ministro e outro ao Sr. Ministro da Administração Interna, que instruí com provas documentais - fotografias de jornais, fotografias destes cartões de boas-festas e tudo o mais -, e onde fiz referência inequívoca também aos dispositivos legais e constitucionais que eram violados.
A verdade é que, até à presente data, mais de três meses volvidos, como lhe disse, não só não recebi qualquer resposta do Sr. Primeiro-Ministro ou do Sr. Ministro da Administração Interna, o que só por si significa que eles sabiam destes factos, até porque lhes foram comprovados, como o Sr. Governador Civil não foi exonerado nem se demitiu, pelo que, no mínimo, que ele tem de ter um impulso e uma motivação vinda mais de cima para que continue a agir em representação do Governo, porque é nessa qualidade que ele age também no distrito de Braga.
Portanto, termino dizendo que, obviamente, o Governo terá de saber o que se passa e por isso, nem que seja por omissão, está a potenciar e a motivar esta prática por parte do Sr. Governador Civil, primeiro em benefício dele, ou seja, em benefício próprio.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Gonçalves.

O Sr. Ricardo Gonçalves (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Deputado Nuno Teixeira de Melo, como está em Lisboa não sabe muitas vezes o que se passa no distrito.

Risos gerais.

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O Governador Civil de Braga visita todos os concelhos do distrito. Aliás, é quase só o Deputado Nuno Teixeira de Melo a levantar esta questão. Nenhum autarca de qualquer outro partido que não o Partido Socialista levanta este problema, porque ele trata os concelhos de uma forma igual.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Há uns que são mais iguais do que outros!…

O Orador: - O Sr. Deputado referiu-se a uma semana que o Governador Civil de Braga dedicou a Famalicão, porque o Governador Civil de Braga funciona um pouco como o nosso Presidente da República, ou seja, faz semanas específicas para cada concelho e essa foi uma semana dedicada ao concelho de Famalicão.

Risos do PSD, do PCP e do CDS-PP.

Sr. Deputado, fale também das outras semanas, das que ele costuma dedicar a outros concelhos, porque efectivamente há uma certa equidade nas suas atitudes.
Em relação a Famalicão, é preciso também realçar que o Governador Civil é presidente da concelhia do PS…

Risos do PSD, do PCP e do CDS-PP.

… e muitas das suas actividades são desenvolvidas à noite e aos fins-de-semana.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Sr. Secretário de Estado, defenda a honra do Governo depois desta intervenção!

O Orador: - Não queiram «ostracizar» os partidos, que são a base da democracia. Ninguém pode ser arredado de presidir à concelhia de um partido por fazer política nas horas vagas.
Aliás, é natural que ele faça muitas visitas a Famalicão, até porque vive lá, tem lá a mulher e os filhos e, que eu saiba, ele vai todos os dias dormir a casa.

Risos do PSD, do PCP e do CDS-PP.

Portanto, precisa de visitar muitas vezes o concelho de Famalicão.
Em relação aos postais, eles foram enviados para todos os concelhos do distrito, eram todos iguais e inserem-se numa estratégia de reforço da imagem do Governo Civil e da defesa da descentralização, que nós andamos sempre a defender. E lembro que a descentralização faz-se também através de uma empatia e de uma ligação pessoal entre o Governador Civil e o povo do distrito. Essa é uma luta do PS e do Governo do PS e não abdicamos de defender a figura do Governador Civil, a descentralização e a «distritalização».
Em relação ao facto de o Deputado Nuno Teixeira de Melo insistir demasiado com isto e tentar apresentar agora um projecto de lei, quero assinalar que este projecto de lei é um disfarce, é um embuste, é uma fuga à verdadeira realidade e ao problema grave que se vive em Famalicão,…

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Há 20 anos que é um problema grave!

O Orador: - … com a candidatura da AD. O Sr. Armindo Costa deu uma entrevista ao jornal Independente onde, entre outras tristezas, disse, referindo-se a uma miúda que foi violada na freguesia de Joane,…

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - O que é que isso tem a ver?!…

O Orador: - … que isso era considerado violação só porque a miúda não aguentou ser violada por cinco rapazes, senão não seria violação.
Esta foi uma entrevista que ele deu ao Independente, que foi reproduzida em quase todos os jornais e que ele não foi capaz de desmentir.
E eu quero perguntar aos Deputados Sílvio Rui Cervan e Durão Barroso, que estiveram no lançamento da candidatura desse senhor, num jantar com 2000 pessoas, onde ninguém falou,…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, terminou o seu tempo.

O Orador: - … se continuam a apoiar esse senhor. Isso é que eu quero saber e essa é a pergunta que faço ao Deputado Nuno Teixeira de Melo.

Aplausos do PS.

Risos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Está mais calmo, Sr. Deputado?

O Sr. Ricardo Gonçalves (PS): - Não estou nervoso!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eu temo pelas Terras de Bouro. É que sendo o Sr. Deputado Ricardo Gonçalves por lá candidato e estando aqui, em Lisboa, não sei como é que mantém a sua candidatura!…

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, antes de mais, deixe-me dizer-lhe que bem simpático é este seu novo conceito de igualdade no tratamento do distrito. Vejo que é o conceito de igualdade do Partido Socialista e vejo até que Famalicão foi beneficiada a semana passada com a semana de Famalicão. E referi a última semana e não o último mês porque não quis ser exaustivo, mas por acaso, por coincidência, trago aqui um comunicado do Governo Civil, dirigido a toda a imprensa de Vila Nova de Famalicão, que diz: «O Governador Civil do distrito de Braga, Fernando Moniz, manterá contactos, na próxima quarta-feira, dia 4, com instituições particulares de solidariedade social do concelho de Vila Nova de Famalicão.(…)»

Risos do PSD, do PCP e do CDS-PP.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Todos os dias são semanas de Famalicão!

O Orador: - «(…) Assim, o representante visitará o Centro Comunitário de Requião, o Centro Comunitário de

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Seide (São Miguel), no concelho de Famalicão, e a Casa de Povo de Lousado, no concelho de Famalicão.»
Vemos que, em Braga, a semana não tem sete dias. Este é um conceito amplo de semana, que entra pelo mês dentro e, com jeitinho, lá para o mês de Junho ainda estamos na semana de Famalicão, porque será essa a altura, mais ou menos, em que ele deverá demitir-se do cargo.
Quanto ao mais, deixe-me dizer-lhe, Sr. Deputado, que considero de profundo mau gosto uma questão lateral que o senhor aqui veio trazer e que não tem nada que ver com isto,…

O Sr. Ricardo Gonçalves (PS): - Para vocês é colateral, mas para nós é fundamental!

O Orador: - … principalmente perante a impossibilidade de defesa do próprio, que aqui não está, enquanto o Sr. Governador Civil tem aqui um representante do Governo para falar por ele.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Mas não fala!

Protestos do Sr. Deputado Ricardo Gonçalves.

O Orador: - Não esteja nervoso, Sr. Deputado. Está nervoso porquê?!… Contra factos não há argumentos, Sr. Deputado. Aceite-os com alguma tranquilidade!

Protestos do PS.

Mas, para terminar, deixe que lhe diga algumas das disposições que o Sr. Governador Civil de Braga vem violando, com a sua atitude. São elas o artigo 226.º da Constituição, que consagra a obrigatoriedade de os agentes administrativos do Estado e dos órgãos de Estado agirem com obediência pelos princípios que lhe referi, nomeadamente a imparcialidade e a isenção e, do Código de Procedimento Administrativo, o artigo 3.º - Princípio da legalidade, o artigo 5.º - Princípio da igualdade e proporcionalidade e o artigo 6.º - Princípio da justiça e da imparcialidade.
Quer outro, Sr. Deputado? Vou referir-lhe um diploma a que deve achar muita graça, a Lei n.º 56/98, ou seja a Lei de Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais.

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino, Sr. Presidente, referindo que, segundo essa lei, todos os candidatos têm de fazer face às suas despesas, nos termos na lei.
Ora, que me conste, as verbas do Governo Civil, com as quais ele paga a campanha, estes panfletos e tudo o mais que manda para o concelho de Famalicão, não estão incluídos na Lei de Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Deputados, a Comissão de Negócios Estrangeiro, Comunidades Portuguesas e Cooperação da Assembleia da República, tendo apreciado a mensagem de S. Ex.ª o Presidente da República, em que solicita, nos termos dos artigos 129.º, n.º 1, e 163.º, alínea b), da Constituição, o assentimento para se deslocar, em viagem de carácter oficial, a França, entre os dias 9 e 10 do próximo mês de Maio, para participar, em Bordéus, a convite da respectiva organização, no «Carrefour des Littératures», apresenta ao Plenário a seguinte proposta de resolução:
A Assembleia da República, de acordo com as disposições constitucionais aplicáveis, dá o assentimento nos termos que é requerido.
Srs. Deputados, vamos votar a proposta de resolução.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Deputados, temos mais uma proposta de resolução da Comissão de Negócios Estrangeiro, Comunidades Portuguesas e Cooperação da Assembleia da República, a qual, tendo apreciado a mensagem de Sua Excelência o Presidente da República, em que solicita, nos termos dos artigos 129.º, n.º 1, e 163.º, alínea b), da Constituição, o assentimento para se deslocarem viagem de carácter oficial, ao Canadá, entre os dias 24 de Maio e 2 de Junho, apresenta ao Plenário a seguinte proposta de resolução:
A Assembleia da República, de acordo com as disposições constitucionais aplicáveis, dá o assentimento nos termos que é requerido.
Srs. Deputados, vamos votar a proposta de resolução.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Para tratamento de assunto de interesse político relevante, tem a palavra o Sr. Deputado Eugénio Marinho.

O Sr. Eugénio Marinho (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O maior anseio da população fafense é ver concretizada, no mais curto espaço de tempo possível, a ligação rodoviária a Guimarães.
O antigo IC5, como anteriormente era conhecido, tarda em iniciar-se e as sistemáticas falsas promessas fazem desesperar aquela população. E têm os fafenses toda a razão para se sentirem enganados e para estarem indignados.
Com efeito, para chegarem à cidade do Porto, os fafenses levam cerca de uma hora, uma hora e um quarto; são cerca de 70 km que têm de percorrer e, no entanto, cerca de metade desse tempo despendem-no a percorrer, apenas, 5 km.
São esses 5 km apenas que obstam a que, na actualidade, Fafe não tenha uma ligação digna a Guimarães e, em consequência, ao Porto.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O antigo IC5, que previa a ligação da Póvoa de Varzim a Murça, tem hoje características absolutamente diferentes, uma vez que, em sua substituição, apareceu a auto-estrada Guimarães-Chaves.
No entanto, ao tempo do último governo do PSD, foi iniciada a construção de um troço dessa via, hoje conhecida como variante à cidade de Fafe, com cerca de 8 km, e que vai desde a Zona Industrial do Socorro, neste concelho, até ao seu limite com o concelho de Guimarães.
Tendo sido insuficiente para os objectivos do concelho de Fafe, este troço de estrada foi, no entanto, importante para o seu futuro. Esse foi, sem dúvida alguma, um contributo importante que se deve ao último governo do Partido Social Democrata.
E qual foi, até ao momento, o contributo dos governos socialistas para darem continuidade ao projecto e para avançarem com a construção dos restantes 5 km em falta?

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Quase seis anos de governos socialistas impunham que o meu relato fosse absolutamente diferente daquele que vou apresentar. Diria mais, se não fosse verdade e não conhecesse a realidade, eu próprio não acreditaria na exposição que de seguida vou fazer.
Como referi, a primeira fase da obra foi lançada e iniciada pelo último governo do PSD.
Posteriormente, já no ano de 1998, mais concretamente no mês de Fevereiro, o então Ministro do Equipamento Social, Eng.º João Cravinho, foi a Fafe visitar parte da obra que, entretanto, havia sido aberta ao tráfego e que terminava no lugar da Estrada, freguesia de Estorãos.
Na ocasião, instado pela comunicação social em relação à segunda fase da obra, João Cravinho prometeu que iria acelerar o processo de adjudicação da obra Guimarães-Fafe, considerando-a urgente, e afirmou que «já lá vão o tempo das promessas…».
A presença e as palavras do ministro foram motivo de satisfação para os fafenses, que erradamente se convenceram que em breve iriam ter concluída a ligação a Guimarães.
No dia 31 de Julho de 1998, o mesmo Ministro João Cravinho deslocou-se novamente a Fafe para inaugurar a segunda fase da obra, que termina no limite do concelho de Fafe com o de Guimarães.
À data, instado pelo Sr. Presidente da Câmara Municipal de Guimarães acerca da razão pela qual não tinham sido também adjudicados os restantes 5 km em falta até àquele concelho, o Ministro João Cravinho respondeu: «são pecados velhos que agora deverão ser sanados». Mais informou que o estudo prévio estava já em fase de execução e que este deveria estar pronto em 1999, data que apontou também para o início da obra. Mais falsas esperanças e atoardas lançadas pelo então ministro para a opinião pública.
No dia 11 de Setembro já do ano de 1999, o então Ministro Cravinho reuniu em Lisboa com o Presidente da Câmara Municipal de Fafe, à data também a presidir à Associação de Municípios do Vale do Ave, e prometeu que, até final desse ano, sairia o aviso do concurso público para concepção e construção da obra, a qual estaria concluída, pelo menos, até ao último trimestre do corrente ano de 2001.
Verdade seja dita, no dia 4 de Outubro de 1999 foi publicado no Jornal de Notícias o aviso do concurso público para a concepção/construção do troço rodoviário denominado «variante às EN 101 e 206 - ligação da circular de Guimarães à variante de Fafe», com a extensão aproximada de 5 km, tendo por base o estudo prévio do empreendimento destinado a ligar a circular de Guimarães à variante de Fafe. O prazo previsto para a entrega de candidaturas terminava no dia 13 de Março de 2000 e o prazo previsto para a sua execução era de 975 dias.
Imediatamente nos insurgimos contra tão dilatado prazo - recorde-se que se trata apenas de 5 km de via -, o que fizemos por via de requerimento que apresentámos nesta Assembleia, no dia 18 de Novembro de 1999.
Para além disso, tal prazo de execução «atirava» a conclusão da obra para fins de 2003, princípios de 2004, quando o prometido era fins de 2001, princípios de 2002.
Mas o pior estava para vir. É que, entretanto, o Governo tinha concessionado a auto-estrada Guimarães-Chaves à «Brisinha» Aenor, que imediatamente se insurgiu contra o facto de a ligação da variante de Fafe à circular de Guimarães ter previsto um traçado de duas vias para cada um dos lados, o que, no entender desta concessionária, era um traçado concorrencial com o da auto-estrada cuja construção e exploração estava seu cargo. Em consequência, exigiu ou a redução para uma faixa de cada lado naquela via ou então que lhe fosse paga uma indemnização. Isto, como é evidente, só aconteceu porque o Governo socialista não preveniu o problema por forma a evitar o conflito, o que, aliás, é típico de um Governo que desconhece completamente a palavra responsabilidade.
Na senda deste sinuoso e infindável processo para a construção de uns míseros 5 km, aquele que entretanto já era mas que, actualmente, já não é Ministro do Equipamento Social, o Dr. Jorge Coelho, foi, no dia 13 de Outubro de 2000, a Paço Vieira, concelho de Guimarães, presidir à cerimónia de adjudicação da ligação da circular de Guimarães à variante de Fafe.
Anteriormente, os membros dos governos do PSD eram acusados de passarem o tempo a fazer inaugurações, o que significava inaugurar obras concluídas, prontas a utilizar pelas populações. Os socialistas, que antes criticavam as sistemáticas inaugurações, como não tinham nem têm obras para inaugurar, passam a utilizar a táctica de presidir às cerimónias de adjudicação de obras. Brilhante! Magnífico!
Acontece, no caso em análise, que aquela cerimónia foi uma autêntica vergonha para o Sr. ex-Ministro, que ainda hoje deve corar cada vez que pensa no assunto.
Primeiro e nunca até aqui visto, atento o conflito latente com a Aenor, o Governo, para remediar o problema, apresentou o seguinte perfil transversal da via: uma faixa de rodagem direita constituída por duas vias de tráfego com 3,75 m de largura pavimentadas; duas bermas exteriores com 3,25 m cada, sendo 2,50 m pavimentados com estrutura semelhante à das vias de tráfego; concordância da berma com o talude de aterro com 0,60 m de largura; via adicional para veículos lentos, quando se justificar, com 3,50 m de largura, reduzindo-se a berma para 1,50 m, sendo 0,75 m pavimentado; faixa de rodagem esquerda não pavimentada, revestida com uma camada de terra vegetal com 0,20 m de espessura.
Penso que perceberam. Deve ser a única via que vai ter duas faixas mas uma com terra vegetal, provavelmente não para circular mas para agricultar. Uma vergonha!
Mas o mais grave ainda é que, afinal, a obra não pode arrancar. E porquê? É que agora descobriram que não existe estudo ambiental e que o mesmo é, face à lei, obrigatório.
Mas que raio?!... Que gente é esta?! Que governo é este?! Que ministros são estes que não se coíbem de «atirar pedras» àqueles que tantas e tantas obras fizeram e que são incapazes de organizar correctamente o processo para a execução de uma obra de apenas 5 km?!
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Fafe é um concelho adiado, ao passo que os concelhos vizinhos de Felgueiras e Póvoa de Lanhoso, que antigamente viam em Fafe um exemplo a seguir, hoje possuem um maior dinamismo empresarial e um maior desenvolvimento económico.
Fafe que, fruto da crise do Vale do Ave, viu as suas principais empresas desaparecerem e que tudo apostou na ligação a Guimarães, como forma de atrair para o concelho novas e importantes empresas, não sai do marasmo e parou no tempo.
A Póvoa de Lanhoso tem hoje uma óptima via rodoviária que a liga a Braga e a Felgueiras está a chegar o IC 14, que se encontra na sua fase final. Antigamente, os soci

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alistas de Fafe ainda atiravam com as culpas para o governo do PSD. E agora como é? Nem o facto de a Câmara e o Governo serem ambos socialistas foram suficientes para alterar o estado actual das coisas.
Argumentavam os socialistas que seria bom para o concelho ter uma câmara e um governo da mesma cor política. Mas afinal para quê? Tudo serviu para enganar a população, para lhe «arrancar» o voto, porque a conclusão é óbvia: ambos, câmara e governo, são impotentes e incapazes para imprimir uma dinâmica nova, quer a Fafe quer a Portugal.
Da nossa parte, já há muito que percebemos que a ligação a Guimarães só será concretizada quando o governo mudar e quando aquele em quem muito confiamos subir ao poder, como é nosso desejo, de seu nome Durão Barroso.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Eugénio Marinho, os Srs. Deputado Luís Miguel Teixeira e Nuno Teixeira de Melo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Miguel Teixeira.

O Sr. Luís Miguel Teixeira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Eugénio Marinho, estive a pensar seriamente se deveria responder à intervenção que V. Ex.ª acabou de produzir. Isto porque, pessoalmente, considero absolutamente demagógico o que V. Ex.ª disse, num tom e com termos absolutamente inaceitáveis.
Começo por recordar alguns aspectos da sua intervenção. V. Ex.ª veio aqui falar-nos de obras. Falou na ligação de Guimarães a Fafe e falou, também, na A7. Devo recordar ao Sr. Deputado que não veio aqui, a este Parlamento, trazer nada de novo. O senhor falou de obras que, efectivamente, são estruturais para a nossa região e para o distrito de Braga, mas não referiu que essas obras já estão todas lançadas, quer o IC5, quer esse troço de ligação da variante de Fafe a Guimarães, quer a A7, que, como V. Ex.ª sabe, é uma via estruturante e fundamental que vai ligar Guimarães e Fafe a Vila Pouca de Aguiar, entroncando aí com o IP3, em direcção à fronteira de Chaves com Espanha, que é uma via que nos vai ligar - a minha região, a sua região - ao centro da Europa e vai-nos pôr em contacto com o litoral.
No entanto, deixe-me recordar-lhe, Sr. Deputado, um aspecto que consideramos essencial: o senhor falou na variante de Fafe, que foi lançada, como V. Ex.ª sabe, no tempo do seu governo, do governo do Partido Social Democrata. Só que no tempo do vosso governo as coisas eram feitas sem planeamento absolutamente nenhum. Essa é que é a realidade!

Risos do PSD.

O que acontece, na realidade, é que nós saímos, por exemplo, de Cabeceiras de Basto, chegamos a Fafe, encontramos uma pequena variante e, depois, temos de andar uma série de quilómetros e gastar um tempo infindável até chegarmos à auto-estrada de Guimarães.
Ora, foi o Governo do PS, o Sr. Ministro Jorge Coelho, que lançou essa obra e o senhor esteve no seu auto de consignação. Ela está consignada, mas, em Maio, a União Europeia exigiu estudos de impacte ambiental rigorosos e o que sucedeu - como está a acontecer com várias obras no País - foi que, por força dessa imposição da União Europeia, a obra tem de ser reformulada, e o senhor veio aqui com uma postura demagógica e inaceitável referir aspectos e obras que já estão lançadas pelo Governo do PS.

Protestos do PSD.

Fomos nós que tivemos a coragem política de lançar essas obras, relativamente a situações que o PSD e os seus governos nunca conseguiram resolver.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Eugénio Marinho.

O Sr. Eugénio Marinho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Miguel Teixeira, muito obrigado pela sua questão. Penso que ela só contribuirá para acentuar ainda mais aquilo que é a realidade do que se passa relativamente à via que aqui referi.
Referi-me concretamente a uma via, mas o Sr. Deputado misturou as vias todas. De qualquer forma, digo-lhe que, de todas as vias que o senhor falou, em seis anos de Governo socialista não temos 1 m de estrada que seja no que ao concelho de Fafe respeita.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Essa é que é a realidade, Sr. Deputado! O senhor parece o Sr. Ministro João Cravinho, que nos falava dos 500 km de auto-estradas virtuais que nunca encontrámos em lado nenhum.

O Sr. Ricardo Gonçalves (PS): - Vai encontrar!

O Orador: - No meu concelho, no nosso distrito, Sr. Deputado, não conheço essas estradas a que se refere.
O senhor referiu-se aqui, concretamente, à questão da ligação a Guimarães e, nomeadamente, ao acto de adjudicação, em que estive presente, obviamente que estive presente. Aliás, como já referi, considero curioso por que é que os Srs. Ministros do Partido Socialista vão aos actos de adjudicação das obras. Antigamente, VV. Ex.as criticavam os ministros do PSD por inaugurarem obra, mas quando lá iam a obra estava feita, estava completa! As pessoas podiam utilizá-la, Sr. Deputado!

O Sr. Luís Miguel Teixeira (PS): - Sem planeamento!

O Orador: - Hoje, Sr. Deputado, navegamos nas vias virtuais, na Internet, na vossa Internet, naquela que o vosso Primeiro-Ministro vos tenta passar.

Protestos do PS.

São essas vias virtuais que, no nosso distrito e, particularmente, no meu concelho, conheço.
Sr. Deputado, gostava de saber o que é que tem dificultado tanto a acção do seu Governo para que apenas 5 km de via demorem tantos anos a realizar. Estamos a falar de 5 km! Está tudo na mesma, Sr. Deputado, e não sou eu que o digo, mas o Sr. Presidente do Instituto das Es

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tradas de Portugal, que vocês já demitiram. Foi esse presidente que disse ao vosso Presidente da Câmara de Fafe, José Ribeiro, que, por sua vez, o confirmou em reunião de câmara, que o processo, eventualmente, teria todo de voltar à estaca zero.
Esta é uma realidade insofismável. O senhor pode gritar e argumentar como quiser, mas a realidade é esta. Vá perguntar aos fafenses o que é que eles pensam do seu Governo e garanto-lhe que, nesta matéria, não há ninguém, mas ninguém mesmo, nem o Sr. Deputado, tenho a certeza, que considere possível que um Governo responsável, um Governo competente, passe tantos e tantos anos sem conseguir concluir ou concretizar uma pequena via de 5 km.
Sr. Deputado, permita-me que lhe diga, com todo o respeito e com toda a amizade que tenho por si, que V. Ex.ª tinha, obviamente, prestado um maior serviço às suas e às minhas populações se tivesse tido a coragem de confirmar aquilo que eu disse e que é a realidade.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, informo que temos a assistir aos nosso trabalhos um grupo de 55 alunos da Escola Prática da GNR e um grupo de 40 pessoas da Orientação Concelhia de Gondomar. Uma saudação para todos.

Aplausos gerais, de pé.

Tem a palavra, para formular o seu pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Eugénio Marinho, já reparou como os Srs. Deputados do nosso distrito, hoje, andam nervosos? Eles ficam vermelhos, com os olhos esbugalhados, gritam…

Risos do PS, do PSD e do CDS-PP.

Tenham calma, Srs. Deputados! Não levem assim as coisas tanto a peito! Isto é só um debate político. A coisa, por esses lados, está muito mais grave do que eu pensava...
Sr. Deputado, telegraficamente, coloco-lhe a seguinte questão: V. Ex.ª considera normal que se tenha estado seis anos à espera de uma construção de uns míseros 5 km de estrada - para quem diz que faz tantas auto-estradas e tantas vias por esse País fora - e que, no final, depois de as populações tanto ansiarem estes 5 ou 6 km de estrada, a obra tenha sido adjudicada sem que quem a adjudica se tivesse lembrado do essencial, ou seja, de ter feito o estudo de impacte ambiental, tendo, por isso mesmo, comprometido novamente a adjudicação da obra e, se calhar, temos de esperar, uma vez mais, seis ou sete anos até que ela seja concluída? Pergunto-lhe, apenas, se considera que isto é normal. Para mim não é! Sinceramente, considero inconcebível. Se assim vão as obras públicas neste país, muito mal vamos.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Eugénio Marinho.

O Sr. Eugénio Marinho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, obrigado pela questão que me colocou.
Sr. Deputado, sei bem que, tal como eu próprio e também o Sr. Deputado Agostinho Lopes, que, por acaso, não está aqui presente, V. Ex.ª tem tido este tipo de preocupações, porque somos responsáveis e conscientes.
Assim, porque não temos de estar aqui a sustentar um Governo incapaz e incompetente,…

Protestos do PS.

… viemos dizer o que é a realidade. Ora, a realidade é nua e crua e está à vista de toda a gente.
Apesar de não ser de Fafe, sei que Sr. Deputado costuma lá ir, pois já tive o prazer de encontrá-lo diversas vezes, e V. Ex.ª já percebeu a dificuldade que é para os fafenses o facto de, ao fazerem aquele pequeno trajecto, demorarem quase o tempo correspondente a uma deslocação à cidade do Porto. É inacreditável!
Aliás, tal como eu já disse, inacreditável é também o facto de este Governo, incapaz e incompetente, continuar a alimentar a expectativa e a esperança das pessoas de que a obra estará pronta em 2002 quando em 2001, ano em que estamos, ainda não há estudo de impacte ambiental.
Sr. Deputado, perante isto, que quer que lhe diga? Terei de acabar da mesma forma que comecei: com este Governo incompetente e incapaz não vamos lá. Mas quando o Governo mudar e quando o Primeiro-Ministro de Portugal for Durão Barroso,…

Risos do PS.

… é provável que seja concluída a ligação a Fafe.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa dois votos, ambos apresentados pelo PS. Ora, um membro do Governo ainda irá usar da palavra, o que implica um dispêndio de cerca de 40 minutos, e o tempo destinado ao período da ordem do dia é limitado, pelo que sugiro à Câmara que seja dispensada a leitura dos votos referidos, uma vez que já foram distribuídos, passando-se de imediato à discussão conjunta de ambos, para o que cada grupo parlamentar disporá de 3 minutos.
Em primeiro lugar, temos o voto n.º 142/VIII - De protesto pelo sequestro de sete cidadãos portugueses, em Cabinda, desde há vários meses e de congratulação pela libertação de um outro (PS), a que se segue o voto n.º 143/VIII - De homenagem a todos quantos participaram na Revolta da Madeira, em 4 de Abril de 1931 (PS).
Tem a palavra o Sr. Deputado Mota Torres.

O Sr. Mota Torres (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Socialista apresentou na Mesa da Assembleia da República um voto que evoca o 4 de Abril de 1931 como uma data em que os militares, os cidadãos e alguns deportados políticos, muitos, procuraram imprimir um novo rumo à História de Portugal e da República.
Vivia-se, então, um período em que estavam prestes a concluir-se cinco anos sobre o 28 de Maio, um período que decorria da Grande Depressão de 1929. A crise económica era profunda. Como se isso não bastasse, surgiu, na Madeira, um diploma, aprovado pelo governo de Lisboa, que garantia o monopólio do comércio da farinha,

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levando ao aumento do preço do pão e que, a 6 de Fevereiro desse mesmo ano de 1931, provocou aquilo a que se chama a «Revolta da Farinha», muito confundida com a Revolta da Madeira, a qual procurava tão-só recuperar a República e restabelecer a ordem constitucional.
Esses nossos compatriotas prestaram um grande serviço à democracia e à liberdade e, hoje, dia 4 de Abril de 2001, 70 anos volvidos, é prestigiante para a República e para a democracia que esta Assembleia evoque aquela data e vote este voto apresentado pelo Partido Socialista.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em boa hora foi presente à Câmara este voto relativo à Revolta da Madeira, faz hoje 70 anos.
É interessante que a História registe este facto como o movimento mais consistente da época relativamente à ditadura estabelecida. Isto demonstra bem as raízes democráticas da população da Região Autónoma da Madeira, que tem de orgulhar-se do seu passado.
É que, sendo certo que esta revolta foi liderada particularmente por um grupo de oficiais a quem tinha sido fixada residência na Madeira, também é verdade que este movimento registou uma grande adesão popular e a região recusou-se a obedecer ao Governo da República durante cerca de 30 dias.
A este propósito, e associando-me a esta homenagem prestada aos revoltosos daquela época, aproveito para lembrar que se comemoram agora 25 anos de autonomia regional constitucionalmente confirmada.
Assim, dirijo um apelo ao Sr. Presidente da Assembleia da República no sentido de esta Câmara pôr a hipótese de, porventura, organizar uma sessão solene comemorativa dos 25 anos da autonomia regional.
Tenho conhecimento de que, a nível das regiões autónomas, está prevista a realização de alguns acontecimentos comemorativos desta efeméride, mas penso que a Assembleia da República, que aprovou a Constituição que consagrou os órgãos de governo próprio das regiões autónomas, não pode alhear-se do facto.
É grande o significado desta evocação em termos de passos que foram sendo dados ao longo do tempo e que culminaram, de forma feliz, no movimento do 25 de Abril que derrubou a ditadura. Assim, naturalmente, todos os que deram esses passos merecem que os evoquemos da mesma forma que o fazemos agora, aqui, relativamente à Revolta da Madeira.
Por isso, o meu grupo parlamentar votará favoravelmente este voto de homenagem.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, na próxima reunião da conferência de líderes, debruçar-nos-emos sobre essa proposta do seu partido. Tenho a certeza de que algum programa será aprovado para comemorar essa data e o significado de que se reveste.
Tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS vai votar favoravelmente os dois votos apresentados.
Em relação ao voto respeitante a Cabinda, quero deixar duas reflexões.
Creio que na mente de todos, independentemente da bancada em que se situem, o primeiro e primordial interesse é sempre o dos portugueses que estão reféns e nada deverá ser feito que possa prejudicar minimamente a sua integridade física nem a perspectiva da sua libertação. Por isso, eventualmente, este voto apresentado pelo Partido Socialista peca um pouco por tardio.
O Partido Socialista já há algum tempo deveria ter visto que, em Angola, não há liberdade, que a democracia não é respeitada, que a comunicação social não é respeitada em toda a plenitude da sua capacidade de informação. Assim, é óbvio que temos de votar favoravelmente, agora que está a ser posta em causa a comunicação social portuguesa.
Por outro lado e no que toca à libertação de um português, temos de congratular-nos. Mas falta o resto. E o resto exige prudência mas também firmeza, exige que os interesses de Portugal e dos portugueses não sejam subordinados a nenhum interesse, seja de que natureza for.
Quanto ao voto que propõe uma homenagem à Revolta de 1931, claro que estamos de acordo. Onde estão a democracia e a liberdade temos de estar todos. Neste caso, trata-se uma altura particularmente difícil, pois o 28 de Maio tinha ocorrido há bem pouco tempo e, consequentemente, foi necessário coragem e um grande espírito de rebelião, no melhor sentido do termo, para impedir o curso dessa ditadura que durante tantos anos nos subjugou.
Fazemos votos para que esse elemento libertador se mantenha sempre no povo da Madeira e que, tal como aconteceu em 1931, não aceite nenhuma ditadura, seja das antigas seja, eventualmente, das modernas.

Vozes do CDS-PP e do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por associar-me ao voto sobre a revolta de 4 de Abril de 1931, na Madeira, um grande gesto de resistência republicana contra a ditadura, num momento em que a própria resistência republicana estava a chegar ao seu ocaso e o Estado Novo preparava-se para chegar.
De igual modo, quero congratular-me por ter ouvido o Sr. Deputado Guilherme Silva admitir que o 4 de Abril é um património da República, do movimento democrático português e não uma expressão do «jardinismo», como era tese oficial corrente há um ano, quando estive na Madeira, tese essa que defendia que o governo «jardinista» era uma espécie de exclusivo herdeiro da tradição do 4 de Abril.
Ainda bem que, nesta Assembleia, ouvimos lembrar que o 4 de Abril é tradição da República, é tradição do povo da Madeira, é tradição de todos nós, faz parte do património histórico de luta contra a ditadura.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero deixar duas notas, começando por saudar a Revolta da Madeira, um acto de insubmissão, de

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amor à liberdade contra a ditadura e que, como tal, é importante assinalar.
Em segundo lugar, saúdo o voto de protesto que também está em discussão, porque foi libertado um dos oito portugueses de entre os que estavam reféns em Cabinda.
Há uma preocupação comummente assumida pela situação destes portugueses. Desejamos vivamente que este primeiro acto seja um sinal de que a liberdade vai ser devolvida aos outros portugueses, sobre cujo futuro há preocupação, tal como a reiterada limitação à liberdade de informação em Angola.
Por estes motivos, subscrevemos o espírito deste voto e votá-lo-emos favoravelmente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Ramalho.

O Sr. Vítor Ramalho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista apresentou na Mesa um voto relativamente à libertação de um cidadão português, no caso, Sérgio Fidalgo, e, naturalmente, não pode deixar de registar-se o facto como extremamente positivo, antes de mais e sobretudo porque sempre encarámos a relação entre os povos lusófonos como de profunda solidariedade e entreajuda. Neste quadro, qualquer acção que vise membros desta comunidade como instrumentos de natureza política para a prossecução de objectivos, independentemente do juízo que possamos fazer sobre eles, é um acto que ofende essa mesma solidariedade que, ao longo da História, os povos lusófonos sempre manifestaram.
Por isso, registamos com grande satisfação a libertação deste cidadão, convictos de que, brevemente, as FLEC libertarão os demais cidadãos, no seguimento desta lógica de encarar os povos lusófonos e respectivos membros como cidadãos solidários que não podem nem devem ser instrumento de luta política, quaisquer que sejam os objectivos, por mais legítimos.
Aliás, é nesta perspectiva que o povo português acolhe e protege os cidadãos lusófonos e, por essa mesma razão, a liberdade de imprensa deve ser salvaguardada também, naturalmente, no território de Angola.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito rapidamente, quero dizer que também nós nos congratulamos com a libertação deste refém português e que consideramos a tomada de reféns como um crime absolutamente inadmissível em qualquer circunstância. Portanto, a única coisa que esperamos, e com muita veemência, é que todos os outros reféns sejam rapidamente libertados e que a FLEC-FAC perceba que não é por esta via que conseguirá atingir qualquer objectivo político.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, gostaria de dizer que nos associamos ao voto sobre o rapto de portugueses em Cabinda, não só pela exigência da libertação dos sete reféns que ainda se encontram em cativeiro, mas também na crítica que é feita às restrições ao exercício da liberdade de informação, na crítica ao governo angolano que, como se sabe, nunca se deu bem com a liberdade de informação e que tem um litígio permanente com o exercício desse direito.
Contudo, gostaria de dizer aos seus proponentes que cremos haver insuficiências neste voto, designadamente na consideração que deveria ficar clara neste órgão de soberania: a de que Portugal não é parte deste eventual conflito entre Cabinda e Angola. Portugal fechou a colonização e a descolonização, portanto não é parte neste conflito.
Independentemente dos juízos políticos ou morais que se possam tecer acerca da utilização de reféns como instrumento de luta política, há uma questão mais estruturante: do ponto de vista do direito internacional, do respeito pela história de Portugal e do respeito pela nossa projecção internacional, deverá afirmar-se, categoricamente, que Portugal não é parte deste conflito - fechámos a página da descolonização.
Por outro lado, exigir-se-á aqui uma condenação vigorosa dos movimentos que, intencionalmente e de forma ínvia, estão a envolver Portugal num conflito no qual directamente ele não é assistente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, gostaria de começar por referir que o Grupo Parlamentar do PCP se associa ao voto n.º 143/VIII, que recorda o 70.º aniversário da Revolta da Madeira, na medida em que esta constituiu um bom exemplo daquilo que foi a luta permanente do povo português contra a ditadura.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Em relação ao voto n.º 142/VIII, de protesto, iremos também votá-lo favoravelmente. Desde logo, porque nos congratulamos com a libertação de Sérgio Fidalgo, mas também porque sempre defendemos - e continuaremos a defender - a liberdade de imprensa.
Porém, gostaria de referir que, por um lado, temos reservas e dúvidas sobre a oportunidade do voto apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista e, por outro lado, sobre a sua fundamentação.
Em relação à oportunidade, para nós, neste momento, a questão central consiste em conseguir-se a libertação dos portugueses que continuam reféns da FLEC, qualquer que seja a FLEC. E temos dúvidas sobre se este voto vai beneficiar uma mais rápida libertação desses reféns.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Temos também dúvidas sobre a fundamentação do voto, designadamente a que está expressa no terceiro considerando.
Diríamos mais: possivelmente, ao fazerem estes sequestros, o grande objectivo da FLEC, ou das FLEC, é o de terem tempo de antena. E enquanto tiverem tempo de antena certamente que a libertação dos reféns não será favorecida.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A nossa última grande reserva em relação a este voto é a seguinte: registamos que o Partido Socia

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lista nem sequer vai tão longe como foi num voto de condenação, que aprovámos aqui no dia 14 de Março, pela manutenção dos reféns portugueses pelas FLEC.
Sr. Presidente, a finalizar, repito que é neste contexto que votaremos favoravelmente este voto, mas com reservas e muitas dúvidas sobre alguns dos seus aspectos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. João Amaral (PCP): - Então, agora já pode falar?

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, solicitei a palavra tão-só para afirmar que, celebrando hoje a Assembleia da República a resistência contra a ditadura e, por outro lado, manifestando-se, de maneira equívoca, a favor da solidariedade para com portugueses sequestrados e a favor da liberdade de expressão, o Governo não pode deixar de se associar tanto a uma iniciativa como a outra.
Este, Sr. Deputado João Amaral, tem sido considerado, pacificamente, um direito legítimo do Governo, que o tem exercido com geral satisfação, mas na manifesta distracção do Sr. Deputado, que, aliás, é Vice-Presidente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, julgo também que, nesta matéria, merece uma palavra de apreço o facto de ter lugar sobre o acontecimento - isto é, a libertação de um português longamente sequestrado - a apresentação de uma tomada de posição da Assembleia da República, que o faz dentro dos limites da sua competência. Julgo ser de saudar tudo aquilo que contribua para reforçar a solidariedade e o movimento de exigência do fim de um sequestro, que, à luz do direito internacional e dos princípios da civilização, nada pode justificar, seja qual for o motivo invocado. E, como sabem, o Governo está empenhado em esgotar todos os meios que ponham termo a essa situação abominável no mais curto prazo.
Esta iniciativa insere-se nessa filosofia e, nesse sentido, não pode deixar de merecer uma nota de apreço por parte da bancada do Governo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Basílio Horta, pede a palavra para que efeito?

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, é para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, gostaria de pedir a V.ª Ex.ª que tivesse a gentileza de me informar ao abrigo de que disposição regimental o Sr. Secretário de Estado acaba de usar da palavra, dado há pouco ter dito que não o poderia fazer uma vez que o Governo não podia intervir no período de antes da ordem do dia.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem toda a razão. Simplesmente, na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, sempre se tem entendido que, em matéria de votos - e essa tem sido a prática -, se pode abrir uma excepção para o Governo.
É verdade que não tem cobertura regimental, mas tem cobertura numa prática contra a qual ninguém protestou até hoje. Se houver resistência a isso, com certeza que poderemos reexaminar a situação, mas tem sido uma excepção aberta muitas vezes. Portanto, ou revemos essa prática ou continuaremos a segui-la.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto n.º 142/VIII - De protesto pelo sequestro de sete cidadãos portugueses em Cabinda, desde há vários meses, e de congratulação pela libertação de um outro (PS).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

É o seguinte:

Voto n.º 142/VIII
De protesto pelo sequestro de sete cidadãos portugueses em Cabinda, desde há vários meses, e de congratulação pela libertação de um outro

Considerando que foi ontem libertado, após longos meses de sequestro em Cabinda, o cidadão português Sérgio Fidalgo, continuando no entanto como reféns, no mesmo território, sete outras pessoas;
Considerando que, invocando embora motivos de segurança, as autoridades de Angola forçaram os enviados de órgãos de comunicação social portugueses, presentes em Cabinda para acompanharem os acontecimentos relacionados com a situação dos reféns portugueses e com as diligências tendentes à sua libertação, a abandonar o território;
Considerando que, mais do que o cumprimento da missão de informar, a presença e atenção da comunicação social pode contribuir positivamente para um desfecho favorável à rápida libertação dos reféns, porque, além de dar a conhecer a situação real do território, permite mobilizar a opinião pública internacional contra a injustiça intolerável da tomada de reféns por motivos políticos a que são alheios;
Considerando que o Governo português já manifestou às autoridades angolanas «o mais vivo desagrado»;
A Assembleia da República,
1 - Regista a libertação de Sérgio Fidalgo, pondo termo ao seu longo cativeiro, mas reafirma a imperiosa necessidade de serem imediatamente libertados todos os outros reféns;
2 - Manifesta o seu protesto e exprime a sua solidariedade para com os profissionais da comunicação social impedidos de exercer a sua actividade em Cabinda;
3 - Considera indispensável o levantamento do impedimento criado pelas autoridades de Angola ao exercício do direito de informar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o voto será transmitido à família dos portugueses ainda sequestrados e também ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Vamos agora votar o voto n.º 143/VIII - De homenagem a todos quantos participaram na Revolta da Madeira, em 4 de Abril de 1931 (PS).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

É o seguinte:

Voto n.º 143/VIII
De homenagem a todos quantos participaram na Revolta da Madeira, em 4 de Abril de 1931

A 4 de Abril de 1931, uma revolta comandada pelo General Sousa Dias foi desencadeada na Madeira, com o

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objectivo de criar condições à formação de um governo republicano que restaurasse as liberdades públicas e permitisse o regresso à normalidade constitucional.
Ficou conhecida como a «Revolta da Madeira» e foi o último grande obstáculo à consolidação da ditadura.
Mobilizou e estimulou os pronunciamentos em Angra do Heroísmo, Ponta Delgada, Praia da Vitória e Graciosa, uma tentativa frustrada em São Tomé e uma outra bem sucedida na Guiné.
A 2 de Maio, a Junta Revolucionária rende-se sem condições às forças da ditadura e, com a prisão dos seus chefes, acaba, por muito tempo, o gratificante sonho de dar uma contribuição decisiva para a recuperação da República, da democracia e da liberdade.
Militares, cidadãos e deportados deram força a um movimento e a uma revolta que não chegou a durar um mês, mas que, pela convicção que a inspirou e pela determinação dos seus agentes, não pode deixar de marcar a história da República. Ficou o exemplo da coragem e da abnegação de muitos, em nome da vontade de todo um povo, de pôr fim à ditadura.
A Revolta da Madeira foi já há 70 anos.
A Assembleia da República evoca hoje o 4 de Abril de 1931, no respeito pela memória de todos quantos nela participaram.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o voto vai ser transmitido aos órgãos do Governo da Região Autónoma da Madeira e ao Sr. Ministro da República para a Madeira.
Srs. Deputados, ao abrigo do n.º 2 do artigo 83.º do Regimento da Assembleia da República, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.

O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros (Vitalino Canas): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Conselho de Ministros aprovou, na sua sessão da semana passada, o Plano Nacional de Acção contra a Droga e a Toxicodependência - horizonte 2004.
Com este documento, encerramos o conjunto de documentos de referência nesta área, passaremos a ter a estratégia nacional aprovada em 1999, passaremos a ter um conjunto de 30 objectivos prioritários, já aprovados em Conselho de Ministros, em Fevereiro, e teremos agora o Plano de Acção - horizonte 2004
A estes documentos acresce o próprio Plano de Acção Europeu 2000/2004, aprovado no Conselho Europeu de Santa Maria da Feira, em Junho de 2000, plano esse a que estamos vinculados no que toca aos resultados a nível europeu.
O Plano de Acção concretiza, agora, as orientações gerais da estratégia, particularmente no que toca ao desenvolvimento articulado de iniciativas em todas as frentes e pilares e de todos os sectores da sociedade: Governo, autarquias, sociedade civil e respectivas entidades particulares e suas organizações.
Por isso, o Plano de Acção é, de facto, um verdadeiro plano nacional e não, em nosso entender, um simples Plano do Governo, elaborado não simplesmente pelo Governo, mas com a colaboração de muitas entidades não públicas, embora, naturalmente, o Governo não renegue o papel primacial que lhe compete no desenvolvimento e execução desse Plano de Acção.
É um plano que pretendemos mobilizador e, por isso, estabelecemos metas quantificadas, algumas de grande risco e dificuldade ao nível da sua execução, requerendo uma grande capacidade de mobilização e realização. Por isso, definimos um programa preciso de acções e medidas concretas, muitas delas calendarizadas.
Não é por acaso que começamos o Plano de Acção Nacional pela prevenção primária. Com isso queremos dar alta visibilidade a essa prioridade entre as prioridades.
O nosso objectivo genérico é tornar sistemáticas as acções de prevenção primária especificamente dirigidas à prevenção de consumos de drogas (também das drogas lícitas) em todos os sectores, complementando toda a política social que o Governo tem desenvolvido de combate à exclusão e aos aspectos que indirectamente poderão propiciar o início de consumos.
Levaremos, de modo sistemático, a prevenção primária à comunidade em geral, promovendo planos concelhios em todo o País e abandonando o actual carácter casuístico e esporádico dos planos e dos programas de acção ao nível concelhio.
As acções e programas de prevenção devem assumir, em nosso entender, um carácter de médio/longo prazo e não incidir apenas em alguns pontos do País, como hoje sucede, consoante a iniciativa, mais ou menos imprevisível, que houver ao nível da iniciativa particular ou privada, ainda que encorajada pelo Governo e pelas entidades públicas.
Para isso, encorajaremos e estimularemos as autarquias, se possível, e as entidades da sociedade civil. Lançaremos, ainda este ano, no termo dos projectos financiados pelo Programa Quadro Prevenir (PQP), actualmente em vigor, um novo Programa Prevenir, acessível mediante concurso e estruturado de modo a garantir a sustentabilidade das acções por um período razoável e sustentável.
No meio escolar, pretendemos reforçar a nossa intervenção ao nível da prevenção primária. Desde logo, reactivando a prevenção ao nível mais precoce, nas crianças do pré-escolar e nas crianças do primeiro ciclo do ensino básico.
Pretendemos intensificar a inclusão de matérias referentes à droga e à toxicodependência nos projectos educativos e respectivos programas curriculares das escolas do ensino básico e do ensino secundário. Começaremos pelas 1300 escolas que compõem, actualmente, a Rede de Escolas Promotoras da Saúde, até 2002, e continuaremos com todas as escolas até 2004.
No ensino superior, acentuaremos a procura de parcerias com a universidade e os politécnicos, mobilizando associações de estudantes e juvenis e outras entidades com intervenção a esse nível.
A prevenção primária deve assumir um carácter cada vez mais específico, mais direccionado e com mensagem mais adaptada aos destinatários (jovens não escolarizados, grupos de risco, meio laboral, família), envolvendo crescentemente entidades que não são vulgarmente solicitadas a desempenhar tarefas nesta área, como são, por exemplo, as próprias forças de segurança.
Também não é por acaso que a redução de riscos vem logo após a prevenção primária. Isso deve-se a exigências do momento em que nos encontramos, a prioridades deste momento, que gostaríamos e iremos alterar logo que um certo paradoxo que temos ao nível dos consumos desapareça: o paradoxo de termos, hoje, consumos indicadores relativamente baixos no contexto europeu, embora preocupantes no que respeita a certas drogas, nomeadamente cannabis, cocaína e sintéticas, mas consumos relativamente altos ao nível dos chamados consumos problemáticos

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das drogas, sobretudo de heroína por via endovenosa, com comportamentos de risco.
Iremos, desde logo, fazer duas redes a nível nacional. Uma rede primária, que terá algumas respostas de redução de riscos, nomeadamente a troca de seringas, que será melhorada a partir de agora, metadona de baixo limiar, equipas de rua para redução de riscos, com alta mobilidade e de forma a poderem chegar a todos os toxicodependentes, a todos os distritos onde quer que eles se encontrem, informação e sensibilização. Esta rede primária terá uma base distrital.
Iremos também fazer uma rede secundária de redução de riscos, esta mais concentrada ao nível concelhio, sobretudo naqueles concelhos que tenham padrões de consumo mais críticos. Esta rede terá postos móveis, gabinetes de apoio a toxicodependentes excluídos e centros de acolhimento e de abrigo. Terá, como referi, base concelhia.
Nas prisões, programamos tornar acessíveis políticas de redução de riscos a todos os toxicodependentes.
A seguir a estas duas áreas, neste momento de grande prioridade, há mais três áreas igualmente prioritárias: o tratamento, a reabilitação e o combate ao tráfico e ao branqueamento de capitais.
Quanto ao tratamento, finalizar-se-á, até 2002, a rede pública de tratamento, passando depois a concentrar esforços na intervenção das instituições do Serviço Nacional de Saúde, também, nesta área, aumentando a percentagem daquelas entidades que já o fazem.
Entretanto, irão ser resolvidos os problemas relacionados com as listas de espera ao nível do tratamento e com a necessidade de superar o défice, que ainda temos, ao nível dos serviços e estruturas de desintoxicação.
Para além de ser importante melhorar o aproveitamento dos programas indiferenciados que existem já para reabilitação de forma a que possam ser utilizados como instrumentos de reinserção de toxicodependentes, iremos, para além disso, investir fortemente, e cada vez mais, no Programa «Vida-Emprego». Após dois anos de funcionamento, este Programa já pode ser avaliado e sabemos que é necessário reformular os mecanismos de gestão, de reavaliar várias medidas, mas, sobretudo, de intensificar e reforçar a sua capacidade financeira, o que, aliás, já estamos a fazer neste momento.
Relativamente à repressão ao tráfico, iremos ter como objectivo o aumento das quantidades de substâncias ilícitas apreendidas, para além de se procurar diminuir a pequena criminalidade associada ao consumo de drogas. Quanto a isto temos também objectivos quantificados, até porque sabemos que essa criminalidade é aquela que mais parece estar, neste momento, a contribuir para o acréscimo do sentimento de insegurança nos cidadãos.
Para isso, iremos reforçar as condições tecnológicas em que as polícias podem agir e os meios de vigilância à distância, sobretudo das costas marítimas, pois sabemos que os traficantes têm cada vez mais ao seu dispor meios tecnológicos impressionantes e de grande dimensão, para além de recursos financeiros e às vezes, até, da cumplicidade de certas estruturas de outros Estados.
Iremos reforçar os meios de articulação entre as polícias e delas com outras entidades, nomeadamente com as autarquias; iremos reforçar o policiamento de proximidade, consolidando as brigadas anti-crime, prevenindo consumos em grupos de risco e na população escolar; iremos intensificar o combate àquilo que será, seguramente, a grande ameaça do futuro, as drogas sintéticas, criando novas capacidades de detecção de laboratórios ilegais e clandestinos, de desvio de percursores e de tráfico em espaços nocturnos; iremos estreitar a cooperação internacional com as autoridades dos países produtores e também com Espanha.
Há ainda que melhorar as condições de investigação, informação estatística e avaliação das políticas. O sucesso, nesta área, como noutras, não se consegue apenas com mais dinheiro, mais recursos e mais ideias, consegue-se também e, porventura, sobretudo, com a detecção e a generalização de boas práticas e de acções com sucesso.

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, terminou o seu tempo.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Para isso, iremos progredir em cerca de 10% anualmente, no que toca aos recursos da luta contra a droga. Em 2004, estaremos a gastar 32 milhões de contos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para usar da palavra, os Srs. Deputados Pedro Mota Soares, Patinha Antão, Isabel Castro, João Sobral e António Filipe.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, ouvi-o atentamente e li também com atenção o Plano que acabou de apresentar. E penso que há uma coisa assombrosa que não podemos deixar passar em claro: V.Ex.ª traz aqui 30 objectivos, mas medidas concretas traz zero!
É, de facto, impossível, sem medidas concretas, atingir alguns dos objectivos a que V.Ex.ª se propõe. E como disponho de muito pouco tempo, queria, única e exclusivamente, falar-lhe hoje, aqui, da questão do tráfico, para a qual V. Ex.ª tem três objectivos, que parecem uns objectivos simpáticos... Mas, acima de tudo, temos de perceber uma coisa: com as leis e com os meios que hoje temos é impossível, é totalmente impossível, atingi-los.
Por isso, queria colocar-lhe seis questões muito práticas, ou, melhor, lançar-lhe o desafio de seis medidas práticas, e gostaria de saber se V. Ex.ª está na disposição, ou não, de as concretizar.
Está V. Ex.ª na disposição de combater o tráfico nos bairros onde está à vista de todos nós, como vimos, por exemplo, muito recentemente, na televisão, nas avenidas de droga, e como certamente V. Ex.ª vê da varanda do seu gabinete?

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Isso é que é uma medida?!

O Orador: - Está V. Ex.ª disponível para mudar as leis constitucionais e as leis de processo penal, de forma a que se permitam as buscas nocturnas com mandato judicial em caso de tráfico de droga?
Está V. Ex.ª disposto a mudar a regra da atribuição automática da liberdade condicional a traficantes de droga?

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Está V. Ex.ª disposto a não dar uma segunda oportunidade automática a quem tira sistematicamente a primeira oportunidade às vítimas?

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O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Está V. Ex.ª disposto a aumentar o número de efectivos policiais da Direcção Central de Investigação de Tráfico de Estupefacientes, que tem cerca de 100 agentes?
Está V. Ex.ª disposto a aumentar o número de agentes infiltrados e de lhes dar condições de trabalho e de sucesso, quer na sua investigação quer na aplicação das conclusões da sua investigação em tribunal?
Está V. Ex.ª disposto a fazer uma coordenação central das forças de segurança para se conseguir atingir um combate ao tráfico?
Por último, está V. Ex.ª disposto a ter uma base de dados única de acesso a todas as forças de segurança como medida de combate ao tráfico?
Sr. Secretário de Estado, é muito bonito vê-lo chegar aqui com um conjunto de objectivos, com muitos dos quais concordamos. Mas se não disser aqui, nesta Câmara, concretamente, quais são as medidas que tem e quais são as medidas que quer para, de facto, atingir esses objectivos, então, peço imensa desculpa de lhe dizer, esses objectivos são em vão.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Patinha Antão.

O Sr. Patinha Antão (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, V. Ex.ª está confortado e confortável com este Plano de Acção Nacional Contra a Droga e a Toxicodependência? Sente-se bem? É que qualquer plano tem diagnóstico, tem objectivos, tem medidas, tem resultados, tem recursos e tem avaliação!
Sr. Secretário de Estado, li o Plano com toda a atenção, e quanto à matéria de diagnóstico fiquei siderado! V. Ex.ª diz, na página 50, a propósito do diagnóstico da situação actual da redução de riscos: «Cumpre proceder, em 2001, à identificação e caracterização de toxicodependentes passíveis de serem integrados em programas de redução de riscos.». Quer, então, dizer que, depois de seis anos de governação, o diagnóstico que VV. Ex.as têm da situação é pensar em identificar as situações que querem diagnosticar?! É extraordinário! Quanto a diagnóstico estamos conversados.
No que respeita aos recursos, V.Ex.ª nada diz!

Protestos do PS.

Quanto a medidas emblemáticas, V. Ex.ª recua. Lembro-me de, na Subcomissão de Toxicodependência, termos visto V. Ex.ª empolgado a defender as experiências inovadoras das salas de injecção assistida, mas depois, surpreendentemente, ouvimos o Sr. Padre José Maia, Presidente da União das Instituições Particulares de Solidariedade Social, dizer que a sua proposta era completamente errada e desfasada, e que, em seu lugar, deveria antes fazer o que ele chamou de enfermarias sociais, tendo V Ex.ª recuado e dito: «Não, quanto muito vamos fazer uma experiência piloto». Mas o seu programa, Sr. Secretário de Estado, diz que a experiência piloto não é do Estado, será, quanto muito, de uma IPSS ou de uma autarquia! V. Ex.ª, sobre essa matéria, «lava as mãos» como Pôncio Pilatos! É este o vosso Plano? Sente-se confortável com este Plano?
Passando às questões fundamentais, começo por me referir à prevenção do tráfico, tal como sublinhou o orador que me antecedeu. V. Ex.ª não ignora - foi dito pelo Sr. Ministro António Costa - que em Portugal ainda não foi preso nenhum grande traficante de droga! Que medidas vão ser postas em prática? Que recursos vão ser disponibilizados? E, sobretudo, que mensagem é que se está a passar, Sr. Secretário de Estado, quando VV. Ex.as, numa matéria muito mais complicada, complexa e definidora de uma estratégia, como foi a da descriminalização do consumo, sem qualquer espécie de dúvida, permitiram claramente o consumo das chamadas drogas lícitas?
Sr. Secretário de Estado, queria ainda perguntar-lhe o seguinte: que prevenção vai fazer relativamente aos novos consumidores de idade inferior a 18 anos?
A sua segunda medida, na prevenção primária, é «reduzir o número de novos consumidores de substâncias…». Reparem na figura de estilo: «substâncias»!

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - É o nome técnico!

O Orador: - Mas que substâncias?! Drogas duras? Drogas leves? E para maiores de 18 anos, qual é a fronteira? Sr. Secretário de Estado, diga-nos qual é a orientação do seu programa de prevenção.
Sobre as questões que interessam fundamentalmente às famílias, V. Ex.ª não ignora que há três conexões absolutamente decisivas. O tráfico de droga significa roubo e crime de morte, significa prisões e uma circularidade com doenças sexualmente transmissíveis e com custos, inaceitáveis e impossíveis de assumir, de ressocialização. Tomemos como paradigmáticas estas duas questões. No seu Plano o que é que existe para reduzir esta conexão da toxicodependência e do crime, e da toxicodependência, das pensões e das doenças sexualmente transmissíveis? Zero!
Por último, tem conhecimento de quantos consumidores se transformam em traficantes e depois em criminosos? Qual é a avaliação que faz desta dinâmica, que é imparável e que, como V. Ex.ª sabe, está estigmatizada nos programas europeus, sobre os quais V. Ex.ª «fecha os olhos» candidamente?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa sobre a forma de condução dos trabalhos.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, inscrevi-me para um pedido de esclarecimentos ao Sr. Secretário de Estado…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, quem é que lhe parece que tomou nota da sua inscrição? Eu não fui, porque não vi.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Foi o Sr. Secretário da Mesa, Sr. Presidente. Na altura que me inscrevi só estava inscrito o Sr. Deputado Pedro Mota Soares. Entretanto, tive

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ocasião de corrigir essa situação com a Mesa, não lavrei qualquer protesto…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não posso aceitar correcções. Inscrevi-o no momento em que tive conhecimento que desejava inscrever-se. Lamento se foi tarde demais, mas nada posso fazer.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, não me leve a chegar à conclusão de que se pode madrugar nas inscrições e ter a palavra pelas vésperas!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, essa situação não é tão fácil como julga, porque, às vezes, os senhores fazem um gesto equívoco e julgam que se inscreveram quando não o fizeram. Também há, evidentemente, esquecimentos da parte dos Srs. Secretários e, excepcionalmente, pode haver esquecimentos meus. Mas creia que, em regra, se respeita o princípio da ordem das inscrições e que há essa preocupação de rigor. Agora, falhas pode haver sempre, mas acredite que o inscrevi quando tive conhecimento da sua inscrição. Disso não pode duvidar, se faz favor!
Tm a palavra, Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, gostaria que clarificasse algumas questões deste Plano. Para que trate um problema tão importante ele não pode ser vago, pois corre o risco de ser uma boa carta de intenções e, manifestamente, não é com boas intenções que se muda a realidade.
Há um aspecto que gostaria de ver clarificado. Prevenção é para nós uma questão clara, é um princípio que deve ser orientador do combate à toxicodependência; tratamento e ressocialização são para nós e para a comissão, que, em 1998, fez um excelente relatório, duas questões que têm de estar intimamente ligadas e associadas. Não são compartimentos fechados, e não há tratamento com o mínimo de eficácia e com a mínima possibilidade de ter êxito se não houver, em paralelo, um programa de ressocialização. Ora, nesta matéria e neste programa as coisas aparecem como compartimentos estanques, o que, manifestamente, é negativo.
O Sr. Secretário de Estado falou no Programa Vida Emprego. Aquilo que vemos na imprensa é que as verbas que supostamente deveriam estar a ser gastas este ano estão a ser utilizadas para pagar programas ainda do ano passado.
Pergunto, pois: em concreto, qual é o pensamento claro do Governo e quais são as suas medidas concretas nesta matéria?
A segunda questão tem a ver com a redução de riscos. A grande novidade anunciada tem a ver com o meio prisional, mas essa novidade tem muito pouco conteúdo. Concluimos que o Governo a anuncia perante o silêncio do Sr. Ministro da Justiça, cuja oposição a esta medida é evidente. Ouvimos na comissão que a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais e a Comissão Nacional de Luta Contra a Sida tinham um desconhecimento absoluto acerca desta matéria - naturalmente, uma experiência destas não seria feita se não estivessem envolvidos. Em concreto, Sr. Secretário de Estado, que medida é esta, para além de uma intenção até 2004?
Em último lugar (questão que não é de somenos importância), gostaria de dizer que a redução de riscos passa por se levar a sério a questão de saúde pública dentro das nossas prisões. Todos os que acompanhámos a situação das prisões no passado temos noção da gravidade da situação que existia dentro do meio prisional português e todos temos também consciência de que, independentemente do «jogo do empurra», de haver um estudo a ser feito pelo ISCTE e do conflito interno que exista no Governo acerca desta matéria, há assumidamente uma situação que é assustadora, pois há uma incidência brutal de doenças infecto-contagiosas, há problemas de saúde, e a redução de risco (prevista numa lei da Assembleia da República de 1999), pelo que hoje ouvimos dos guardas prisionais, que lidam quotidianamente com esta realidade, também nos deixa as maiores preocupações.
Do nosso ponto de vista, não há, seguramente, medidas de redução de risco se a saúde não for levada a sério, se a vacinação não estiver a ser cumprida, se não existir rastreio e se todos os estabelecimentos prisionais não tiverem médico e enfermeiro. Gostaríamos, portanto, que clarificasse o que significa a injecção assistida em meio prisional.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Sobral.

O Sr. João Sobral (PS): - Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: O fenómeno da droga e da toxicodependência interessa a Portugal e a uma generalidade de nações, como aliás é reconhecido pela Organização das Nações Unidas.
Este facto exige, como é determinado por diversos organismos internacionais, um «partenariado» na luta contra este flagelo. Um «partenariado» envolvendo um conjunto de países que devem definir políticas globais e articuladas de combate ao fenómeno da droga e da toxicodependência.
Portugal tem, nesta área, como é aliás reconhecido, desenvolvido e desempenhado um papel fundamental e referenciado. Este «partenariado» a que me referi faz parte e fundamenta-se num conceito mais vasto de responsabilidade partilhada.
É, pois, evidente que a luta contra este flagelo, tendo de integrar um conjunto de países, uns sobretudo produtores, mas também consumidores, outros sobretudo consumidores, mas também produtores - faço notar que a Europa passou também a produzir as novas drogas sintéticas -, tem de fundamentar a sua actuação tanto na redução da oferta como na redução da procura, e que estas são, portanto, complementares.
Na área da redução da oferta, também em Portugal se têm obtido avanços significativos, sendo pública a capacidade e determinação das nossas polícias.
No que diz respeito à redução da procura, a estratégia fundamenta-se, tal como é definido também por diversos organismos internacionais, em políticas de prevenção primária, de redução de riscos e danos, no tratamento e na reinserção social.
Reconhecidamente que em Portugal o fenómeno da droga e da toxicodependência é, se não a principal, uma das questões sociais mais relevantes. Por isso importa referir que o Governo português, negando posições derrotistas daqueles que pensam que nada há a fazer e ultrapassando posições inconsequentes daqueles que, procurando apenas criar o pânico, esquecem que têm o fenómeno dentro de portas e que diz respeito às fraquezas e debilidades dos

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seres humanos, tem assumido uma posição determinada e firme que importa realçar.
Em 1999, foi definida uma estratégia nacional, houve capacidade e determinação política para criar uma rede de apoio e tratamento, que cobre já praticamente todo o território nacional, aumentando-se as consultas e o número de doentes tratados. Esta política baseia-se numa aproximação ao toxicodependente como um doente e tem sido implementada a políticas de reinserção que, na nossa opinião, são fundamentais. A isto chama-se política integrada, e à participação da sociedade civil no combate a este fenómeno chama-se «partenariado» e partilha de responsabilidade.
O Governo apresentou hoje um plano nacional com definição de objectivos, recursos e metas, sem que isso signifique que em algum momento não venha a ser necessário adequar políticas, instrumentos e meios a novas realidades e preocupações.
Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Portugal tenciona desenvolver uma política articulada de combate à droga e à toxicodependência cujos resultados, tanto ao nível dos recursos disponíveis, como do aumento do número de consultas e tratamentos, são reconhecidos. No entanto, e como, aliás, é reconhecido no Plano, é necessário conhecer de forma mais concreta e fidedigna o fenómeno.
Se Portugal, ao contrário do que alguns pretendem fazer crer, apresenta uma das mais baixas taxas globais de consumo de drogas na Europa, também apresenta, reconhecidamente, consumos problemáticos e altas taxas de incidência de doenças infecciosas entre a população toxicodependente. O conhecimento desta realidade é fundamental, tanto para a caracterização do fenómeno, como para a adopção de políticas e adequação das mesmas. Assim, pergunto ao Sr. Secretário de Estado se está determinada a data de conclusão dos estudos mandados fazer a entidades autónomas e externas, dada a sua urgência e premente necessidade.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: Quando tomei conhecimento de que o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros iria usar da palavra no período de antes da ordem do dia de hoje, pensei que viesse apresentar o relatório anual sobre a situação do País em matéria de droga e toxicodependência, que, tal como a lei prevê, deve ser feito até 31 de Março.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Bem lembrado!

O Orador: - Refiro-me a uma alteração à lei da droga aprovada em 1996, já com o Governo do Partido Socialista em funções.
De facto, era isso que esperávamos, isto é, que, embora com alguns dias de atraso, esse relatório desse entrada. Efectivamente, não foi isso que aconteceu, mas tal não isenta o Governo de cumprir a lei neste aspecto, até porque a lei orgânica do Instituto Português da Droga e da Toxicodependência (IPDT) incumbe-o especialmente de participar na elaboração desse relatório a apresentar à Assembleia da República. Cá ficaremos a aguardar por esse relatório, embora fora de prazo.
Uma questão para a qual também esperávamos alguns esclarecimentos diz respeito às medidas que estarão a ser tomadas para preparar a entrada em vigor, em Julho próximo, da lei aqui aprovada sobre a descriminalização do consumo de drogas, que é uma lei exigente, do ponto de vista da estrutura orgânica necessária. É preciso criar as condições necessárias para acompanhar os toxicodependentes e gostaríamos muito de saber o que é que está a ser feito para criar essas condições, por forma a não chegarmos à situação, que ninguém deseja, de em Julho não haver condições nenhumas para a efectiva e eficaz aplicação da lei.
Sr. Secretário de Estado, a estratégia nacional de combate à droga é de 1999. Na altura, o Governo apresentou-a em final de mandato, isto é, podemos dizer que o anterior Governo apresentou o seu programa praticamente no fim da Legislatura. Acontece que, entretanto, passaram praticamente dois anos sobre a definição dessa estratégia, e o que é que nós vemos, da parte do Governo? Vemos que, normalmente, os grupos parlamentares da oposição apresentam iniciativas legislativas e ficam à espera que o Governo apresente a suas, para serem discutidas - aconteceu isso com a lei sobre a descriminalização do consumo, que acabou por ser aprovada; foram aqui discutidos projectos de lei relativos ao branqueamento de capitais e estamos à espera que o Governo apresente as suas propostas sobre esta matéria.
Entretanto, o Governo apresentou os seus 30 objectivos para o combate à droga, publicados na I Série-B do Diário da República. Para além dos objectivos, que são do Governo, mas para serem executados por outros (como é o caso da transferência para as autarquias de uma série de competências fundamentais em matéria de prevenção primária, em que é o Governo que faz o plano, mas determina que são as autarquias que o vão executar), há objectivos assumidos pelo Governo, como sejam o de reduzir em 50% o número de mortos relacionados com o consumo, o de reduzir em um terço o consumo da heroína, o de reduzir em 25% a criminalidade associada à droga, que, como é evidente, Sr. Secretário de Estado, todos compartilhamos. Aliás, se o Governo definisse metas mais ambiciosas, ainda mais concordaríamos. Agora, se o Governo não nos diz como é que vai fazer isto…

O Sr. Presidente: - Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente.
Como dizia, se o Governo não nos diz como é que vai fazer isto, se o Governo não apresenta medida nenhuma, que credibilidade é que o Governo espera que atribuamos àquele conjunto de objectivos?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Presidência, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo anunciou uma série de medidas de combate à toxicodependência, que já estão em discussão pública, como sejam a prevenção, as salas de injecção, os gabinetes de apoio aos toxicodependentes sem enquadramento sociofamiliar, os centros de acolhimento e de abrigo, os pontos fixos e móveis de informação e rastreio de doenças infec

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ciosas, os programas de substituição com opiáceos, a troca de seringas e as equipas de rua.
Tudo isto vem ao encontro da necessidade básica de obter novas respostas que permitam enfrentar e controlar o fenómeno da toxicodependência e a subida constante da incidência do HIV na comunidade toxicodependente portuguesa. O alarde que a direita parlamentar faz em redor destas propostas exprime, acima de tudo, a má consciência de quem só tem a propor que tudo fique na mesma e é o ruído de fundo de um debate.
Concentremo-nos, então, nestas medidas, muitas delas já enunciadas no relatório de Quintanilha, de 1997, cuja implementação está hoje a começar. Vê-se que se começa tarde, mas é um caminho de mudança, que encara o toxicodependente como um doente e não como um criminoso, pelo que nos situamos no terreno deste debate.
Há um ano, o Bloco de Esquerda apresentou um projecto de alteração da lei da droga e, no mesmo dia, o Governo agendou a proposta de descriminalização do consumo, aprovada aqui pelas forças de esquerda na Assembleia da República, que permite enquadrar o toxicodependente em medidas de prevenção de danos sem o estigma da repressão. Há dois meses, o Bloco de Esquerda agendou aqui a discussão sobre salas de injecção assistida, uma das medidas indispensáveis para se avançar na estratégia definida em 1997, proposta que o PS chumbou por razões de aparência, digamos no mínimo! O Governo vem agora propor este Plano, onde o Bloco de Esquerda encontra muito do que tem defendido nesta Casa; trata-se, pois, de novas políticas para cuja aplicação se pode contar com esta bancada.
Em relação à troca de seringas em espaço prisional - questão já aqui levantada por Os Verdes -, fala-se em promover o estudo para a possível instalação, a título experimental, de um programa de troca de seringas. Que prazos para o estudo e, caso o mesmo avance, que prazos de instalação prevê o Governo aplicar? Qual o lugar dos privados nas salas de injecção assistida? Não é claro o sinal de responsabilização do Estado nessa rede.

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou já concluir, Sr. Presidente.
Sr. Secretário de Estado, como tenciona o Governo avaliar o cumprimento do objectivo de reduzir a um terço o número de consumidores de heroína, se não temos nenhum instrumento estatístico fiável da sua contabilidade? Como poderemos ver o real alcance deste consumo? Como levar a sério este compromisso?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, dispondo dos 5 minutos finais do Governo.

O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Procurarei responder à maior parte das questões, de acordo com o tempo de que disponho.
Começando pelo Sr. Deputado Pedro Mota Soares, devo dizer que, aparentemente, não teve acesso a toda a documentação que foi enviada à Assembleia da República a tempo de poder ser objecto deste debate. Ou então, se teve acesso a essa documentação, eu diria, com todo o respeito que lhe devo, que a sua intervenção é menos aceitável, uma vez que, quando diz que o Governo não propõe medidas concretas, está a ignorar 40 páginas cheias de medidas concretas para os tempos que aí vêm.
Fico ainda mais impressionado pelo facto de o Sr. Deputado, usando, aliás, o discurso normal do CDS-PP, continuar a insistir em que a questão da droga se resolve com o combate ao tráfico. Algumas das medidas que apresentou (as seis, ou sete, ou oito medidas que apresentou - falou em seis, mas depois disse mais algumas), já o Governo está a concretizar, pelo que merecem o nosso acordo. Mas a «receita» que aqui apresentou é a da repressão ao tráfico, dizendo que vamos resolver o problema da droga dessa forma. Ora, essa «receita» já falhou em muitos países, Sr. Deputado, e também está a falhar em Portugal.
Por isso, temos uma política multidisciplinar, que se preocupa naturalmente com a repressão ao tráfico e ao branqueamento de capitais, tendo também objectivos e ideias nessa área - se vir com atenção o nosso plano de acção, é isso que verificará -, mas não podemos ficar por aí, Sr. Deputado! Obviamente, não é isso que vai resolver o problema dos toxicodependentes que temos, e que devemos encarar.
Sr. Deputado Patinha Antão, fez algumas perguntas, a que procurarei responder, e, pelo que disse, constato que, pelo menos, leu o Plano. Quero dizer-lhe que estou muito satisfeito com este Plano de acção, pois é a primeira vez que temos condições e recursos no terreno para podermos fazer um Plano tão concreto como este, com metas quantificadas e calendarizadas. Por isso, estou muito satisfeito, até porque ele foi feito, não pelo Governo, mas pelas entidades que vão ter a responsabilidade mais directa de o executar.
Quanto a recursos, nada digo, Sr. Deputado, pois estão perfeitamente identificados, mais do que alguma vez estiveram. Até 2004, iremos subir 10%, todos os anos, no nosso orçamento, de forma que estaremos a gastar 32 milhões de contos em 2004. Mais claro do que isto não é possível!
Quanto às experiências emblemáticas, devo dizer-lhe que estou muito surpreso, Sr. Deputado. Peço desculpa por lho dizer, mas julgo que esteve perfeitamente distraído! Aquando da discussão do projecto do Bloco de Esquerda sobre as salas de injecção assistida, o Governo apontou claramente as razões por que não aprovava esse projecto, sendo uma delas, justamente, o facto de o Governo não querer ter iniciativa ao nível das salas de injecção assistida. Esta foi uma das razões que apontámos, e continuamos a apontar (consta do nosso projecto), e fico muito surpreendido por só agora ter dado conta dessa nossa estratégia.
Em relação à questão das medidas do Programa «Vida-Emprego», devo dizer que ele foi criado em 1998 e começou a funcionar em 1999; tem quase dois anos de funcionamento e está prestes a ser avaliado. A primeira avaliação que fazemos desse programa é a de que ele tem imenso sucesso, tanto que os fundos que inicialmente previa despender-se com o mesmo se estão a revelar insuficientes. Tinha-se pensado gastar 750 000 contos por ano nesse programa e este ano já fomos forçados - e ainda bem! - a reforçar o programa, primeiro, para 1 milhão de contos, e agora, há poucas semanas, para 1,2 milhões de contos. Como tal, as notícias que viu na comunicação social não correspondem à verdade.
No tocante à questão das prisões, e quanto ao ISCTE, peço ao Sr. Deputado que não acredite em tudo o que lê,

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pois não há qualquer conflito institucional relativamente ao estudo que vai ser realizado. Estamos apenas na fase prévia da definição de quem o realizará, o que implica alguns procedimentos, como reconhecerá. No que diz respeito às prisões, quero dizer que esse estudo vai ser feito, estando eu e o Sr. Ministro da Justiça a preparar algumas iniciativas nesse campo.
Estou absolutamente de acordo com a visão do Sr. Deputado João Sobral sobre uma perspectiva multidisciplinar. Aliás, recusamos totalmente uma perspectiva que não seja multidisciplinar, pois julgamos que não tem qualquer realidade.
Quanto aos estudos que mandámos fazer a entidades externas sobre a prevalência, ao nível nacional, dos consumos de drogas e sobre os consumos problemáticos, começaremos a ter dados no final deste ano, porventura no final do terceiro trimestre, para os podermos fornecer ao Observatório Europeu.
Sr. Deputado António Filipe, em relação ao relatório anual, creio que foi recebida na Assembleia da República uma missiva da minha parte em que sugeria que prorrogássemos o momento de apresentação desse relatório. Aliás, não fizemos ainda a discussão dessa minha proposta, porque nem sequer foi ainda debatido…

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, tem de terminar.

O Orador: - Sr. Presidente, quero só dizer que entendo que deveríamos procurar prorrogar esse prazo por forma a fazê-lo coincidir com os números do Observatório Europeu das Drogas e da Toxicodependência.

O Sr. Presidente: - Terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 5 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 147/VIII - Assegura os direitos dos trabalhadores no caso de cedência ou transferência de empresa ou estabelecimento, apresentado pelo PCP.
Para introduzir o debate, em representação do seu grupo parlamentar, tenho a inscrição da Sr.ª Deputada Odete Santos, que ainda não se encontra presente.

Pausa.

Vou, entretanto, dar a palavra ao Sr. Deputado Eugénio Marinho, que também está inscrito.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, peço desculpa, mas como a iniciativa é do PCP e sei que a Sr.ª Deputada Odete Santos já vem a caminho, peço ao Sr. Presidente que aguardemos mais 30 segundos para podermos ser nós a introduzir o debate do nosso projecto de lei.

O Sr. Presidente: - Pensa que serão só 30 segundos, quando o trânsito se interpõe entre um Deputado e a Assembleia?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, a Sr.ª Deputada já se encontra na Assembleia.

O Sr. Presidente: - Sendo assim, aguardemos 30 segundos.

Pausa.

Para introduzir o debate, tem, pois, a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente , Srs. Deputados: Até 17 de Julho do corrente ano, tal como consta da Directiva 98/50/CE, de 17 de Julho, deverá Portugal harmonizar a sua legislação sobre manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferências de empresas ou de estabelecimentos ou de partes de empresas, de acordo com a mesma.
Em bom rigor, Portugal já deveria ter feito a aproximação da sua legislação, que é o artigo 37.º do Decreto-lei n.º 49 408, de 24 de Outubro de 1969, face à directiva 77/187/CEE, já que este artigo, na diversificada interpretação jurisprudencial dos tribunais portugueses, não corresponde sequer à Directiva de 1977, segundo a interpretação do Tribunal de Justiça Europeu.
Dado que o projecto de lei que hoje discutimos tem propostas naquela matéria, esta é uma boa altura de adequarmos à directiva de 1998 a nossa legislação naquilo que, de facto, é mais favorável aos trabalhadores.
A questão da transferência de empresas, sendo uma forma de mobilidade externa dos trabalhadores, que pode pôr em causa o direito à estabilidade no emprego, tem constituído um dos mais graves problemas que afectam o mundo do trabalho. E não apenas cá. A copiosa jurisprudência do Tribunal de Justiça Europeu, a que trabalhadores e tribunais de outros países têm recorrido, mostra como, sob formas encapotadas, se tem procedido à transmissão de empresas ou de estabelecimentos, sob outras designações, para privar os trabalhadores do direito à manutenção do vínculo laboral.
E foi assim que o Tribunal de Justiça Europeu decidiu, por exemplo, e passando ao lado de muitos outros exemplos, que a ausência de relações contratuais directas entre duas empresas que sucedem no mesmo estabelecimento não impede que possa ter havido a transferência de empresa, nos termos da Directiva de 1977. Isto segundo o acórdão de 22 de Janeiro do corrente ano.
O Tribunal de Justiça Europeu decidiu também que a Directiva de 1977 pode aplicar-se a uma transferência entre duas sociedades de um mesmo grupo que têm os mesmos proprietários, a mesma direcção, as mesmas instalações e que trabalham na mesma obra. Esta questão estabelece-se no acórdão Allen, de 2 de Dezembro de 1999. Ainda é invocada a directiva de 1977 e não a de 1998, o que prova que a morosidade da justiça também anda lá por aquelas «bandas»…
Por cá, o atropelo aos direitos dos trabalhadores no caso de verdadeiras transmissões de empresas constituiu um verdadeiro escândalo.
Tal aconteceu, por exemplo, no sector da banca e dos seguros, na EDP e na Cimpor. Fizeram-se cisões de empre

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sas, cedências ocasionais de trabalhadores, cedências definitivas - pasme-se! - de trabalhadores. Lado a lado, no mesmo local de trabalho, estão trabalhadores com regimes diferentes, eles que antes pertenciam à mesma empresa e que tinham os mesmos direitos.
Assim, já em 1998, aquando do anterior debate, se justificava a aprovação do projecto de lei, que representámos nesta Legislatura, nem que fosse para permitir o cumprimento do estabelecido pela Directiva de 1998 - aliás, nessa altura já a directiva tinha sido publicada, já que o debate foi em Setembro e a directiva é de Julho. O Governo, apesar disso, está a deixar correr o prazo, que está a esgotar-se, para adaptar a legislação, o que traz prejuízos para os trabalhadores, que são vítimas de fraude à lei.
Uma, ainda que incompleta, resenha comparativa do projecto de lei do PCP e da directiva da União Europeia mostra como a iniciativa legislativa pode ser uma razoável base de trabalho, sujeita, no entanto, como é óbvio, a melhoramentos para os quais estamos disponíveis.
O artigo 18.º do projecto de lei corresponde, no essencial, ao artigo 1º da Directiva de 1977, na redacção que lhe foi dada pela Directiva 98/50/CE.
Parece-nos, até, a este respeito, que a proposta do PCP é mais clara do que o regime constante do referido artigo 1.º da directiva. Com efeito, a alínea b) do artigo 1.º, com a qual se pretende incluir no conceito de transferência os múltiplos casos que a alínea a) não inclui expressamente, presta-se, ainda assim, apesar da larga jurisprudência do Tribunal de Justiça Europeu, a querelas jurisprudenciais, que seguramente também não ficarão ausentes daquele tribunal. Receia-se que, por via disso, os trabalhadores continuem a ser vítimas de formas encapotadas de transferências de empresas, sem que possam usar da garantia de transmissão dos contratos de trabalho. Ou seja: a redacção da alínea b) do artigo 1.º da Directiva, continua a ter uma malha larga, tornando possível a fraude à lei, pela dificuldade que muitas vezes há de provar que a entidade económica surgida da transmissão mantém a identidade.
Ao ler-se a directiva, não pode deixar de questionar-se se a transferência dos serviços de segurança (sendo este um exemplo), a cargo de uma empresa, para outra, através não de uma cedência convencional, ou fusão, mas através da rescisão de contrato com a empresa transmitente, e a celebração de novo contrato com a empresa transmissária, pode considerar-se abrangida, atenta a jurisprudência do Tribunal de Justiça Europeu, pela referida alínea b).
O artigo 20.º do projecto de lei corresponde, no sentido mais favorável para o trabalhador permitido pela Directiva, ao n.º3 do artigo 3.º desta.
Com efeito, prevê-se no projecto de lei que, no caso de as relações de trabalho da empresa transmissária não estarem abrangidas por qualquer instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, continua a aplicar-se o instrumento de regulamentação colectiva de trabalho em vigor na empresa transmitente até à entrada em vigor de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável.
No caso inverso, isto é, quando exista regulamentação colectiva na empresa transmissária, esta, segundo o nosso projecto, é imediatamente aplicada, não podendo nunca, em caso algum, haver redução nos direitos adquiridos pelo trabalhador.
O n.º3 do artigo 3º da Directiva permite, ou pelo menos parece permitir, ao contrário do que acontece com o projecto de lei do PCP, que possa haver redução de direitos dos trabalhadores.
O artigo 20.º do projecto de lei do PCP, sobre o direito à informação acerca da transferência por parte dos trabalhadores e dos organismos representativos dos trabalhadores, corresponde, no essencial, ao artigo 6.º da directiva, com a seguinte particularidade, que é de assinalar: a informação aos trabalhadores abrangidos pela transmissão é sempre obrigatória, ao contrário do que sucede na directiva.
O artigo 22.º do projecto de lei do PCP tem uma afinidade, ainda que leve, com o artigo 4.º, n.º 2, da directiva. Com efeito, o direito de oposição à transferência está concebido em termos mais amplos no nosso projecto de lei, prevendo-se, aliás, que, nos casos de transferência parcial, o trabalhador tem direito à reintegração na empresa transmitente.
O artigo 20.º do projecto, que estabelece o direito à reintegração na empresa transmitente, nas condições ali referidas, é inovatório, sendo expressão do direito à segurança no emprego.
O artigo 3.º, n.º 1, 2.º parágrafo, da directiva, corresponde, ainda que só parcialmente, ao artigo 24.º do projecto de lei.
Na verdade, neste último diploma, a responsabilidade solidária de transmitente e transmissário é alargada para os cinco anos após a transferência.
Este é, em traços gerais, o regime previsto no projecto de lei, que se destina a pôr cobro à violação do direito à estabilidade no emprego, resultante de formas camufladas de transmissão de empresas ou de estabelecimentos.
Mas o projecto de lei apresenta ainda propostas para alteração do regime de cedência ocasional de trabalhadores.
Com efeito, o Decreto-lei n.º 358/89, ainda que alterado pela Lei n.º 146/99 (e esta correcção deve ser feita no projecto de lei, que foi feito ainda sem estar em vigor a referida lei), não acautela devidamente os direitos dos trabalhadores numa situação que deve ser, que tem de ser, verdadeiramente excepcional. E é para reforçar o seu carácter excepcional que propomos que, para além dos requisitos já constantes da lei, só possa haver cedência quando decorrer do acréscimo temporário e excepcional da actividade na empresa cessionária, e apenas por períodos de um ano, até ao máximo de cinco anos.
Sendo o trabalhador afectado pela cedência, parece-nos, e acreditamos que assim deve ser, que deve intervir também no contrato de cedência. É que o trabalhador é titular de direitos, e não basta, para estes lhe serem garantidos, a simples junção ao contrato entre cedente e cessionária da declaração de concordância. O trabalhador também é parte, e não um simples objecto, como resulta da actual legislação.
Da cedência, e também na óptica da defesa dos direitos dos trabalhadores, deve ser dado conhecimento aos organismos representativos dos mesmos.
Confere-se ao trabalhador, porque é parte no contrato - se não der o seu acordo não há cedência -, o direito a rescindir o contrato de cedência nas mesmas circunstâncias que fundamentam o despedimento com justa causa por parte do trabalhador.
Prevê-se ainda a possibilidade, em certas condições - a alteração das condições de trabalho na empresa cessionária -, da existência da denúncia, com pré- aviso, do contrato de cedência.
Estabelece-se a responsabilidade solidária de cedente e cessionária, em relação às obrigações contraídas por esta

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perante o trabalhador. A entidade patronal que cede um trabalhador, que empresta a força de trabalho deste, deve ser também garante de que a cessionária oferece garantias de cumprimento. Desta forma também se reforça o carácter verdadeiramente excepcional do contrato de cedência ocasional.
O projecto de lei garante, em todos os casos, o gozo efectivo das férias, ao contrário do que acontece no actual regime, que admite, em certas circunstâncias, o pagamento das mesmas, o que é inadmissível!
Clarifica-se ainda o regime, no caso do exercício do poder disciplinar, da responsabilidade pela segurança social e pelo seguro do trabalho, e garante-se, nos casos de ilicitude da cedência, e da opção do trabalhador pelo ingresso nos quadros da cessionária, a antiguidade que tinha na empresa cedente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Podem VV. Ex.as argumentar - e argumentos na área do direito sempre se encontram - para tentar encontrar motivos de forma a rejeitarem o projecto de lei. Teremos, seguramente, o já muito sabido e consabido: a competitividade das empresas. Mas a verdade é que a vida prova que a flexibilidade do mercado de trabalho e a desregulamentação do trabalho produzem efeitos contrários. Produzem desemprego, instabilidade, afectam sobretudo a juventude, acentuam a sensibilidade do emprego às evoluções conjunturais e produzem efeitos negativos sobre o rendimento das famílias.
A vida põe a claro a falência da flexibilização. Por isso, os argumentos que nos acostumámos a ouvir são não-argumentos. E não há, de facto, argumentos quando estão em causa direitos elementares.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Eugénio Marinho.

O Sr. Eugénio Marinho (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Efectivamente, o momento ajustado da minha intervenção é este e não antes da intervenção da Sr.ª Deputada Odete Santos.
A senda do PCP na busca de mecanismos que contribuam para a inflexibilidade do emprego, de medidas de proteccionismo radical, e sem sentido, dos trabalhadores, em detrimento da flexibilidade, da empregabilidade e do desenvolvimento económico e empresarial, prolifera a olhos vistos e, infelizmente, parece começar a colher frutos no seio do Partido Socialista, por força daqueles que defendem uma aproximação entre os dois partidos.
São, pois, tempos de preocupação, sobretudo para quem defende políticas e medidas legislativas bem diversas das propugnadas pelo PCP.
O proteccionismo exacerbado só contribui para o aumento do desemprego, para a instabilidade social e para a retracção dos agentes económicos. Não é, pois, o caminho que o PCP preconiza que os partidos políticos responsáveis têm de trilhar.
Exemplo da irresponsabilidade comunista e do seu radicalismo político-social é o projecto de lei que hoje temos em apreciação.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Antes de mais, importa salientar que a matéria do presente projecto de lei, que poderia merecer a nossa concordância, já se encontra, cabal e expressamente, regulada no Decreto-lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969, que regula o contrato de trabalho, e no Decreto-lei n.º 358/89, de 17 de Outubro, que regula o trabalho temporário. Aliás, neste projecto de lei encontram-se diversas remissões para estes diplomas legais.
Daí que nada do que dele consta, e que de novidade se trate, merece a nossa concordância, e o contrário seria absolutamente impensável. Importa, feitas estas referências, fazer uma análise, tão minuciosa quanto possível, do projecto de lei em apreciação.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei do PCP, cujo âmbito visa assegurar os direitos dos trabalhadores no caso de cedência ocasional a empresa terceira e no caso de transferência de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos, divide-se em duas partes completamente distintas: uma respeita à cedência ocasional de trabalhadores e a outra refere-se à transferência de empresas, de estabelecimentos ou de partes de estabelecimento.
Quanto à primeira, que se encontra já regulada no Decreto-Lei n.º 358/89, de 17 de Outubro, o presente projecto de lei apresenta determinadas inovações.
Em primeiro lugar, revoga tacitamente a alínea d), do n.º 2, do artigo 26.º do retro referido diploma legal, a qual refere que é permitida a cedência ocasional de trabalhadores, desde que a mesma se encontre regulada em instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho ou, na falta destes, nos termos dos artigos seguintes.
Em segundo lugar, altera o artigo 27.º do dito diploma legal, acrescentando às condições actualmente exigíveis e de verificação cumulativa para a cedência ocasional de trabalhadores - de o trabalhador cedido estar vinculado por contrato de trabalho sem termo, de a cedência verificar-se no quadro da colaboração entre empresas jurídica ou financeiramente associadas ou economicamente interdependentes e de a existência do acordo do trabalhador a ceder, exarado nos termos do n.º 2 do artigo 28.º - duas outras condições que são seguintes: as de a cedência decorrer do acréscimo, temporário e excepcional, de actividade na empresa cessionária e de a cedência ser feita pelo prazo de um ano, renovável por iguais períodos, até ao limite máximo de cinco anos.
Em terceiro lugar, acrescenta ao artigo 28.º a necessidade do documento que titula a cedência incluir a fundamentação detalhada da sua necessidade, de a concordância passar a ter de ser expressa (aliás, não se percebe como é que actualmente ela ocorre senão de forma expressa), e ainda a menção de que da cedência foi dado conhecimento aos organismos representativos do trabalhador, actualmente, por remissão, previsto no n.º 2, do artigo 13.º.
Em quarto lugar, prevê a resolução do contrato de cedência nos termos aplicáveis à rescisão do contrato de trabalho com justa causa e quando a cessionária modifique as condições de trabalho sem o acordo do trabalhador, o que, aliás, por analogia, actualmente já se aplica, tanto mais que tal já consta expressamente do artigo 23.º do Decreto-lei n.º 358/89.
Em quinto lugar, prevê ainda que a cessação, suspensão ou extinção da empresa cessionária implique o reingresso imediato do trabalhador na empresa cedente e que ambas sejam solidariamente responsáveis pelas obrigações contraídas pela cessionária relativamente ao trabalhador, o que também resulta quer do próprio diploma legal, onde se encontra regulada a cedência ocasional de trabalhadores, quer da lei do contrato de trabalho, como também se alcança da vasta jurisprudência existente sobre a matéria.

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Em sexto lugar, quanto ao regime de prestação do trabalho, o presente projecto de lei limita-se a reproduzir o constante dos n.os 1 e 2 do artigo 20.º do Decreto-lei n.º 358/89, que já se aplica por remissão, conforme resulta expressamente do artigo 29.º.
Em sétimo lugar, quanto às retribuições salariais devidas, às garantias dos trabalhadores, à segurança social, ao seguro de trabalho, às consequências da ilicitude do contrato e regime contra-ordenacional, o projecto de lei do PCP remete para a actual legislação ou, quando o não faz, reprodu-la (vejam-se os artigos 21.º, 22.º, 30.º e 31.º do Decreto-lei n.º 358/89).
Por fim, em oitavo lugar, possui uma norma para a modificação dos contratos existentes, a qual prevê a aplicabilidade da presente lei com efeitos retroactivos, o que viola os mais básicos princípios gerais de direito.
Da exposição detalhada, que se procurou fazer do projecto de lei em apreciação, resulta claro que o mesmo surge na linha da actuação no sector laboral que o PCP vem fazendo, como atrás se referiu, e que visa dificultar cada vez mais o recurso a formas expeditas de contratação, in casu o recurso à cedência ocasional de trabalhadores.
Com efeito, e como se pode verificar pelo conteúdo de tal projecto de lei, ou o mesmo se limita a reproduzir preceitos já existentes na legislação actualmente aplicável, o que sucede na sua grande parte com pequenas alterações de pormenor e sem qualquer relevância prática, ou então introduz normas inovadoras e redutoras deste tipo de intervenção no mundo laboral.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No que respeita à parte que se dedica à transferência de empresas, de estabelecimentos ou de partes de estabelecimento, o projecto de lei em apreciação é substancialmente diferente, para pior, e inclui normas que, no mínimo, têm de se considerar aberrantes.
Face à minha afirmação, dura, mas verdadeira, impõe-se que apresente desde já um exemplo elucidativo dos equívocos, ou talvez não, que o PCP possui nesta matéria.
Vejamos: se o indivíduo A, dono e legítimo possuidor de um estabelecimento comercial de café, o qual gere em nome individual, decidir a dado momento da sua vida proceder ao trespasse do mesmo ao indivíduo B ou à firma C, cessando a sua actividade, e se, nos 10 anos seguintes à data da transmissão do contrato de trabalho, este indivíduo ou esta firma extinguir, cessar ou suspender a sua actividade, for declarado insolvente ou em processo de recuperação judicial de empresa, o A, que já não exerce qualquer actividade, é obrigado a reintegrar os trabalhadores…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não é verdade!

O Orador: - Não é verdade?! Sr.ª Deputada, analise bem o seu projecto de lei; a referência que tem em contrário não se aplica ao caso concreto, mas poderemos discutir isso a seguir.
Então, o trespasse de um estabelecimento não é a transmissão onerosa de um complexo jurídico que vai desde o arrendamento, às licenças, aos trabalhadores e a todos os demais bens móveis que o compõem?! Será que o que se pretende é acabar com a segurança jurídica, em nome de um proteccionismo ao trabalhador que só tem cabimento em mentes confusas e obtusas?!
Em Portugal fazem-se anualmente dezenas de milhar de trespasses, os quais ocorrem de boa fé, e decorrem da normalidade do exercício do comércio empresarial.
O que se pretende, por certo, é acabar com as transmissões tout court, impedindo o comércio e o desenvolvimento empresarial. Felizmente que ainda há quem possua bom senso e impeça tais disparates.
Mas, mais, este diploma não se reduz, em aspectos negativos, ao exemplo que referenciei. Com efeito, mais normas singulares e inacreditáveis possui.
Consagra este projecto de lei dois novos direitos aos trabalhadores que, no mínimo, são surpreendentes: são eles o direito à informação e o direito à oposição. Com o primeiro pretende-se que, cada vez que ocorra uma transferência da empresa, do estabelecimento ou de parte do estabelecimento, até 30 dias antes, o transmissário e o transmitente…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Também está contra a Directiva!

O Orador: - … comuniquem a transferência, por escrito, aos trabalhadores cujos contratos de trabalho se transmitam…

Protestos da Deputada do PCP Odete Santos.

… e aos organismos representativos dos trabalhadores, devendo tal comunicação conter:…

Protestos da Deputada do PCP Odete Santos.

Sr.ª Deputada, devo dizer-lhe que a senhora não deve generalizar. Há casos particulares em que, se calhar, tem razão; porém, o que os senhores neste projecto de lei fazem é uma generalização completa.
Mas, como eu estava a dizer, tal comunicação, por escrito, aos trabalhadores cujos contratos de trabalho se transmitam e aos organismos representativos dos trabalhadores deverá conter: os motivos da eventual transferência e as consequências jurídicas, económicas e sociais que da transferência decorrerem para os trabalhadores.
Mas, afinal, quem é o proprietário? O dono da empresa, do estabelecimento ou de parte do estabelecimento é o seu proprietário ou são os trabalhadores?! Não se compreende!
Mais, quanto ao direito de oposição, reza o artigo 22.º do projecto de lei: «1 - O trabalhador goza do direito de oposição à transmissão do contrato de trabalho quando entenda que a transmissária não oferece garantias de cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de trabalho, designadamente por motivos económicos e financeiros.
2 - A oposição será comunicada por escrito, até ao 2.º dia útil posterior á efectiva transmissão, à transmitente e transmissária.
3 - A oposição confere ao trabalhador direito a indemnização calculada segundo as regras de indemnização por despedimento sem justa causa.
4 - Quando se trate de transferência de parte da empresa, de estabelecimento ou de parte de estabelecimento, o trabalhador poderá optar pela manutenção do vínculo laboral relativamente à transmitente, em substituição da indemnização.
5 - Nos casos referidos no número anterior a transmitente não pode invocar a caducidade do contrato de trabalho, aplicando-se o regime do despedimento colectivo ou do despedimento por extinção do posto de trabalho, se se

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verificarem os respectivos pressupostos, ou quando se verificar, nos termos legais, a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de a transmitente receber a prestação de trabalho do trabalhador».
Penso que era a esta norma a que a Sr.ª Deputada se referia, mas não está correctamente aplicada.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Agora é que a descobriu!

O Orador: - Não, não! Já a tinha descoberto! Tanto assim é que a tinha transposto para a minha intervenção, Sr.ª Deputada. Está equivocada!
Mas isto, Sr.ª Deputada, seria um verdadeiro luxo! O trabalhador, sempre que entendesse, opunha-se à transmissão, bastando para tanto dizer que a transmissária não oferecia garantias de cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de trabalho, tendo em consequência uma série de prerrogativas inaceitáveis.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Hoje já é assim! Não sabe?!

O Orador: - É, Sr.ª Deputada? Então, deixe continuar ser assim, porque, pelos vistos, não está tão mau!
Isto, só visto!
Acresce, para somar a tudo isto, que, se a transmissária infringir gravemente as obrigações emergentes do contrato de trabalho, o trabalhador, nos cinco anos posteriores à transmissão, tem o direito à reintegração na empresa transmitente.
Mais, a transmissária que hoje responde solidariamente com a transmitente pelas obrigações emergentes do contrato de trabalho vencidas nos seis meses anteriores ao momento da transmissão passaria a responder nos mesmos termos, mas sem limite de tempo, e a transmitente passaria a responder solidariamente com a transmissária pelas obrigações que se vencerem nos cinco anos após a transmissão.
Direitos, direitos e mais direitos sempre a favor dos trabalhadores, é o que preconiza o PCP! Quanto às empresas e aos empresários, este partido entende que direitos, são deveres, deveres e deveres! É inacreditável que se possa pensar assim! É inconcebível que alguém ainda pense assim!
Mais uma vez, o PSD, com sentido de responsabilidade, entende que, para que se contribua para o aumento da empregabilidade, a sustentação do emprego estável, a redução da precaridade no emprego e a erradicação da mão-de-obra barata no nosso País, o caminho a seguir não é o do radicalismo exacerbado nem o da inflexibilidade no emprego mas, antes, o da flexibilidade com controlo e o do acentuar da fiscalização e consequente penalização dos prevaricadores.
Por isso, rejeita liminarmente o presente projecto de lei.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Jornalistas a proibição de manter ligado o telemóvel no espaço do Hemiciclo também abrange os senhores, porque a razão de ser são as anomalias que provoca no sistema sonoro.
A Sr.ª Jornalista que está ao telemóvel nem me ouve, só ouve a chamada, e está a causar danos ao sistema sonoro que também é para ela, pois também beneficia dele.
Srs. Jornalistas, tenham paciência, façam-me o favor de respeitar, tal como os Srs. Deputados, esta regra, que é de facto muito séria, não direi que é sagrada, pois o «sagrado» acabou… Mas a verdade é que temos de levar a sério esta regra.
Peço-lhe que desligue o telemóvel. Faça-me esse favor, e não leve a mal o reparo.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Eugénio Marinho, eu não vou usar a sua linguagem, até porque já percebi, por uma intervenção que o Sr. Deputado fez no período de antes da ordem do dia, que tem uma linguagem muito própria. E nós também estamos habituados a ler em Camilo Castelo Branco e em Eça de Queirós linguagem desse género.
Portanto, não vou usar a sua linguagem.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - É um queirosiano!

A Oradora: - Não, não é um queirosiano. É uma das figuras retratadas pelo Eça de Queirós, o que é diferente.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Isso é outra coisa!

A Oradora: - É.
Mas eu não discuto os assuntos assim. Não discuto dizendo «que raio, não o disse aqui, disse-o em outra altura…»… Não discuto dizendo «aberrante…, isto só ouvido…», etc., porque esta é uma discussão séria.
O Sr. Deputado talvez tenha experiência deste género de coisas, mas vê só por uma óptica, não vê só pela óptica dos trabalhadores que foram muito afectados por coisas que se passaram por aí, na CIMPOR e na EDP, etc., com fusões, cisões, etc., e perda de direitos.
Mas eu gostaria de saber se conhece ou desconhece (e citei dali, da tribuna, alguma) a jurisprudência do Tribunal de Justiça europeu, que alarga a questão da transferência de empresas muito para além do conceito acanhado e estreito que o Sr. Deputado tem! E segue alguma da jurisprudência dos nossos tribunais, que não é toda a jurisprudência.
Por isso, pergunto-lhe: o Sr. Deputado não está de acordo com a Directiva 98/50/CE, que eu dali, da tribuna, demonstrei haver um paralelismo entre o projecto de lei que o PCP apresentou, e foi antes, aliás, da aprovação da directiva de 1998, e as soluções…

Protestos do Deputado do PSD Eugénio Marinho.

Ai, o Sr. Deputado está contra o direito de informação dos trabalhadores?! Pois, olhe que está na directiva! E pensa que quem manda nos destinos da União Europeia são comunistas?! Acha?!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - São federalistas, o que ainda é pior!

A Oradora: - Ó Sr. Deputado, de facto, eu julgava que o senhor tinha mais largueza de espírito! Prove-me que foi com as restrições aos direitos dos trabalhadores que aumentou o emprego e a competitividade das empresas. Isto nunca mais provará, até porque se passou em outros países a mesma coisa. E lembro-me, por exemplo, do relatório do conselho de trabalho francês, uma instituição oficial, que diz quais foram os resultados da flexibilização.

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Eu vim para aqui fazer um debate sério; não vim fazer um debate nos termos em que o Sr. Deputado o faz.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Eugénio Marinho.

O Sr. Eugénio Marinho (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, para começar, gostava de dizer que este tipo de lições não aceito, nem de si nem de ninguém.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não aprende!

O Orador: - A Sr.ª Deputada pode não gostar dos termos que eu utilizo…

Protestos da Deputada do PCP Odete Santos.

Sr.ª Deputada, deixe-me falar por favor…

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Odete Santos, foi ouvida em silêncio, agradeço que ouça também.

O Orador: - Sr.ª Deputada, o exemplo da sua boa educação é que eu estive calado a ouvi-la, a ouvir aquilo que a senhora dizia, algumas barbaridades, e a senhora não consegue estar calada durante a minha intervenção.
Olhe, por aqui, Sr.ª Deputada, está tudo dito. Afinal de contas, não sei quem é que tem a aprender com as figuras queirosianas que a senhora quis aqui apresentar.
Sr.ª Deputada, o meu estilo pode não ser agradado, mas malcriado não é.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não fui mal educada!

O Orador: - Pode ser acintoso, pode ser duro, mas, às vezes, tem de se ser duro. Queira ou não queira, Sr.ª Deputada!
Agora, também gostava de lembrar, Sr.ª Deputada, que, em matéria de posições radicais, o Partido Comunista Português não é exemplo para ninguém. Não venha o Partido Comunista Português dar o exemplo a esta bancada, ou a outras bancadas, porque não pode dar.

Protestos da Deputada do PCP Odete Santos.

A Sr.ª Deputada sabe muito bem o que significa para muita gente, e é a realidade, a identificação do vosso partido com outros valores, que até para lá das nossas fronteiras já foram derrubados, mas que vocês ainda os querem sustentar.

Protestos do PCP.

Isto é que eu gostava…

O Sr. João Amaral (PCP): - Não é queirosiano, é «cavernícula»!

O Orador: - … que VV. Ex.as traduzissem quando…

Protestos do PCP.

Srs. Deputados, dão-me licença que eu continue? Eu estive calado, VV. Ex.as, pelos vistos, gostam de falar!

Vozes do PCP: - É melhor continuar calado!

O Orador: - Mas eu não estou calado, Srs. Deputados. E não são os senhores que me mandam calar. Poderá ser o Sr. Presidente…

Protestos do PCP.

Quero dizer que nessa matéria, Sr.ª Deputada, nós não recebemos lições. Somos pelos direitos dos trabalhadores, mas não é de qualquer forma. Aliás, V. Ex.ª refere a directiva; V. Ex.ª passou toda a sua intervenção a dizer que o seu projecto de lei ia muito para além da directiva. V. Ex.ª referiu-o insistentemente. V. Ex.ª disse, uma dúzia de vezes, que o projecto de lei do Partido Comunista Português ia para lá da directiva.
V. Ex.ª tem consciência de que, efectivamente, este projecto de lei vai muito para lá daquilo que é o desejável. Sabe bem disto.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Eu só quero saber se está contra a directiva!

O Orador: - Ó Sr.ª Deputada, eu já lhe dei a minha posição. V. Ex.ª, goste ou não goste…

Protestos da Deputada do PCP Odete Santos.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, peço-lhe que deixe ouvir o Sr. Deputado que está no uso da palavra.
Faça favor de prosseguir, Sr. Deputado Eugénio Marinho.

O Orador: - V. Ex.ª, goste ou não goste, é a nossa posição. V. Ex.ª mantém sistematicamente posições…

Protestos da Deputada do PCP Odete Santos.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, tenha paciência. Foi ouvida em silêncio, tem de fazer o mesmo.

O Orador: - É uma questão de educação, Sr. Presidente. Eu, pelos vistos, não a tenho…

O Sr. Presidente: - Não é, Sr. Deputado! Não é!

O Orador: - Eu não a tenho… O que a Sr.ª Deputada quis dizer é que eu não tinha educação, por isso…
Portanto, só para terminar, quero dizer que a Sr.ª Deputada defende sistematicamente os trabalhadores, mas não se preocupa em sustentar o emprego, para que os postos de trabalho se possam conservar e os trabalhadores possam ter efectivamente o direito…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já não dispõe de tempo, queira terminar.

O Orador: - Infelizmente, Sr. Presidente, roubaram-me para aí metade.
Mas, como eu estava a dizer, a Sr.ª Deputada não se preocupa em sustentar o emprego que todos preconizamos e todos queremos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

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O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, para uma defesa da honra pessoal.

O Sr. Presidente: - Visto ser para uma defesa da honra pessoal, no fim do debate, dou-lhe a palavra, Sr.ª Deputada.
Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Strecht Ribeiro.

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Odete Santos, o projecto de lei que o PCP apresenta é igual ao da anterior Sessão Legislativa. Assim, a argumentação que, na altura, a minha bancada avançou mantém-se.
Em suma, e para não maçar seja quem for desnecessariamente, uma vez que todas as questões que aqui têm de ser objecto de discussão sê-lo-ão seguramente, de uma forma precisa, na especialidade, direi que estamos, como é evidente, a favor da garantia, ou somos garantísticos, a minha bancada é garantística. Também sabemos que nas transferências e, nomeadamente, nas modernas fusões e «cissiparidades» de empresas, etc., há, como é evidente, situações de precarização atrabiliária do contrato de trabalho dos trabalhadores que não podem ser toleradas.
Portanto, há aqui um acordo de princípio, como bem sabe, em relação à necessidade de aperfeiçoar aquilo que já está estatuído no ordenamento jurídico laboral actual. Há também, como sabe, algumas discordâncias pontuais quanto à melhor forma de consagrar essa garantia dos trabalhadores. Mas, enfim, certamente que, na especialidade, nos encontraremos para resolver estas pequenas diferenças.
No entanto, a isto acresce o facto de o Governo, dentro do prazo legal, vir a transpor a respectiva directiva comunitária, o que fará com que, na especialidade, nos encontremos com a transposição da directiva, com o vosso projecto, e estou certo de que chegaremos a bom porto.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já tivemos aqui um prenúncio de discussão entre duas posições estremadas, a da Sr.ª Deputada Odete Santos e, a seguir, a do Sr. Deputado Eugénio Marinho, com algumas trocas de «mimos», até simpáticas; acabamos de ouvimos a disponibilidade da bancada do PS; portanto, creio que vamos tentar centrar este debate tanto quanto possível, e ter, nesta matéria, uma posição que nos parece razoável. E passo a indicar a posição que nos parece razoável nesta matéria.
Em primeiro lugar, reconhecemos que faz sentido, não deixou de fazer sentido, que, em alguma medida, a legislação laboral seja, por princípio, garantista. Faz sentido que assim seja! Esta é, de resto, uma especificidade do Direito do Trabalho face a outros ramos do direito. O Direito do Trabalho, por princípio, guia-se pela ideia de garantia, designadamente, de garantir mínimos aos trabalhadores.
Por outro lado, o problema que o PCP pretende resolver com a apresentação deste projecto de lei é, em nossa opinião, um problema real nas economias europeias, resultante, designadamente, das novas economias, da globalização, enfim, de uma série de fenómenos que conhecemos, de novas cisões, de fusões, de criação de novas empresas, de criação de novas realidades e de consequentes cedências de trabalhadores, e é um problema que nós próprios pudemos confirmar e detectar quando falámos com trabalhadores de variadas empresas portuguesas, nomeadamente de algumas que vêm referidas no projecto de lei do PCP, em termos preambulares, como sejam os casos da Portugal Telecom, da TAP e de outras empresas.
Portanto, a primeira nota que quero deixar é a de que não consideramos que não exista um problema, nem consideramos que não haja necessidade de regulamentação desse mesmo problema. O problema existe e é necessário regulamentá-lo.
Já quanto à posição que o PCP defende, pela leitura que fiz do projecto de lei, há algumas matérias que não compreendo e outras com as quais, eventualmente, não concordo. Indo aos termos concretos do diploma, colocam-se-nos várias dúvidas. E várias dúvidas que têm a ver, eventualmente - e aqui já está em causa a nossa sensibilidade em relação ao outro lado da argumentação -, com aquilo de que o PCP poderá enfermar neste debate e que me parece ser, efectivamente, em alguns pontos, um excesso de garantismo, o embarcar na consagração de determinadas garantias, onde, seguindo aquilo que, na velha discussão da doutrina laboral, se chamava a opção entre o cúmulo ou a conglobação, o PCP parece quase sempre optar pelo cúmulo. O PCP faz quase sempre um cúmulo em relação aos direitos e às garantias dos trabalhadores e tem exigências excessivas que nos merecem as maiores dúvidas. Vou dar apenas um ou outro exemplo.
A questão do reconhecimento notarial, prevista no artigo 4.º do projecto de lei, parece-me, em alguma medida, excessiva. Ora, sendo a regra, para os contratos onde é necessário reforçar uma garantia dos trabalhadores, designadamente para os próprios contratos a termo, a da redução a escrito e, para o contrato normal de trabalho, a da liberdade de forma, pergunta-se: porquê ir tão longe neste caso, com um reconhecimento notarial, processo que se poderá tornar moroso e, em nossa opinião, desnecessário?
Em relação à resolução do contrato, para nós, não são claros os termos da mesma, e refiro-me ao artigo 6.º do projecto de lei. Quanto ao regime de resolução, no que se refere à rescisão com justa causa, não percebo exactamente quais são as suas consequências. Há indemnização? Não há indemnização? Há pura reintegração na empresa cedente? Ficam-me algumas dúvidas sobre o alcance e a aplicação deste mesmo artigo.
Por outro lado, coloca-se-me também uma dúvida, tendo em conta o que conheço do Direito do Trabalho - se não for assim os Srs. Deputados que digam -, em relação ao artigo 10.º, designadamente ao fazer uma distinção entre a entidade que dispõe do poder directivo e a entidade que dispõe do poder disciplinar. Porque, tanto quanto sei, o poder disciplinar é uma consequência normal do poder directivo; ou seja, quem tem o poder de dar ordens, o poder de direcção, o poder de dizer onde é que se faz o trabalho, como é que se faz o trabalho, quando é que se faz o trabalho, tem, em consequência desse poder directivo, o poder disciplinar, o mesmo é dizer o poder de sancionar os trabalhadores quando, num conceito de subordinação jurídica, eles não acatem as instruções da entidade patronal. Ora, esta distinção parece-me confusa e, em alguns casos, pode redundar até em situações muito confusas. Nós sabemos que há situações atípicas, e a Sr.ª Deputada Odete

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Santos referiu-se a isso, em que há cedências, inclusivamente sucessivas. A Sr.ª Deputada falou das empresas de segurança, mas ainda agora me lembrei de um outro caso, o das empresas de limpeza, onde a assunção de várias empresas implica a cedência e a transferência obrigatória dos trabalhadores. Então, nestes casos, depois de duas ou três cedências, quem detém o poder disciplinar? A empresa originária? A que cedeu de forma imediatamente anterior? Esta questão parece-me também algo confusa.
O cúmulo das garantias que o PCP propõe atinge-se, do meu ponto de vista, no artigo 22.º, onde, efectivamente, não é claro o resultado de toda a conjugação destes mecanismos. E isto, porque se estabelece, inclusivamente, no n.º 4 do referido artigo que «Quando se trate de transferência de parte da empresa, (…) ou de (…) estabelecimento, o trabalhador poderá optar pela manutenção do vínculo laboral relativamente à transmitente, em substituição da indemnização». Neste caso, o trabalhador pode optar pelo vínculo em substituição de indemnização, e nos restantes casos? Nos outros casos, a que é que tem direito? À indemnização? À manutenção do vínculo? Às duas coisas? Isto, para mim, não resulta claro e parece-me que, também aqui, poderemos estar a consagrar um regime que, sendo favorável aos trabalhadores, funcione, de alguma forma, contra a economia.
Da mesma forma, também as garantias dadas aos trabalhadores me parecem claramente excessivas - não vou, enfim, continuar a citar artigos, vou apenas referi-las de cor.
Por exemplo, o que é isto da avaliação económica e social das consequências? É um relatório detalhado sobre tudo o que pode acontecer, sobre todos os problemas que poderão daí advir? Quem é que o faz? Quem é que o fiscaliza? As comissões de trabalhadores seriam o organismo normal, mas será que são as comissões de trabalhadores? Bom! Parece-me que há aqui, de facto, uma série de soluções que, no mínimo, precisariam de algum detalhe, de alguma discussão e de algum aprofundamento.
Mas, para que não se digam só coisas negativas sobre este mesmo projecto, diria que há certos casos em que se poderia ir mais longe, a favor do trabalhador, contrariando um pouco aquilo que tenho dito até agora. É, designadamente, o caso de o trabalhador regressar à empresa cedente. Para este caso deveria estar especificado no projecto de lei - não está especificado no diploma, e deveria estar - que o trabalhador mantém todos os direitos que possa ter adquirido na cessionária.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - É o Partido Democrata Cristão!…

O Orador: - É um princípio geral de Direito do Trabalho, que decorre de vários princípios, e neste caso, por exemplo, a favor do trabalhador, poder-se-ia ir mais longe, estabelecendo que, se o trabalhador regressar à empresa cedente e tiver, entretanto, adquirido direitos na empresa cessionária, esses direitos deverão ser mantidos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Está no artigo 13.º, Sr. Deputado!

O Orador: - A Sr.ª Deputada diz que é o artigo 13.º… Confirmo já, Sr.ª Deputada…

Pausa.

Sim! Para efeitos de antiguidade, etc., está, em alguma medida, consagrado. Tem razão, Sr.ª Deputada! Mas não sei se estão consagrados todos os direitos, designadamente a possibilidade de progressão, de evolução na carreira, de remuneração, etc. Daí eu ter esta ideia e esta nota. Efectivamente, nessa norma estão consagrados alguns direitos, mas fica a dúvida se estarão todos consagrados. No entanto, trata-se de uma coisa que poderemos discutir depois, em sede de especialidade.
Enfim, deixo uma quantidade de observações e de dúvidas em relação a este projecto de lei, dizendo, unicamente, para terminar, que não estamos fechados a discutir esta matéria. Estamos dispostos a discuti-la, com o seguinte pressuposto: é preciso que sejam dadas garantias aos trabalhadores, e garantias justas, de que deste novo regime, desta nova realidade de cedências, não resulta um prejuízo sério para os trabalhadores. Porém, é necessário que essas garantias não sejam de tal forma excessivas que se virem contra as empresas, contra a economia e, por consequência, contra os próprios trabalhadores.
Continuamos a pensar, ao contrário de outros, que o que é crime não é dar lucro, o que é crime é dar prejuízo. Portanto, mantemos esta ideia e esta convicção: é importante garantir os trabalhadores, mas o maior crime não é o lucro nem a mais-valia, o maior crime é o prejuízo.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Apesar de tudo, é uma posição mais cristã do que a do PSD!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - É a democracia-cristã!

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Mais centrista!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Deputado Telmo Correia, é uma posição mais cristã do que a do PSD!

O Sr. Presidente: - Acabou a sua intervenção, Sr. Deputado Lino de Carvalho?! É que esgotou o tempo de que dispunha!…

Risos.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Trabalho e Formação.

O Sr. Secretário de Estado do Trabalho e Formação (António Dornelas Cysneiros): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Está hoje em discussão, nesta Câmara, o projecto de lei n.º 147/VIII, apresentado pelo Partido Comunista Português, que vem propor algumas alterações em matéria de regulação tanto da cedência ocasional de trabalhadores como da situação destes em caso de transferência de empresa, de estabelecimento ou de partes de estabelecimento.
Quero, antes de mais, deixar bem claro que a matéria hoje trazida a discussão tem tanto de importante como de delicada, visto que tem como objecto os direitos sociais dos trabalhadores e a questão, com ela directamente relacionada, da regulação da margem de flexibilidade de que devem dispor as empresas.
Uma e outra questões estão, como os Srs. Deputados bem sabem, no centro dos debates em curso, dentro e fora

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do País, sobre as políticas de regulação do mercado de trabalho.
Quanto à iniciativa do PCP, que agora nos ocupa, gostaria de deixar aqui duas breves notas.
Em primeiro lugar, saúdo a iniciativa do PCP em voltar a trazer a esta Câmara um contributo sobre uma matéria tão importante e actual como a que hoje aqui discutimos. Um contributo que, concordemos ou não com o seu espírito e com a sua letra, não pode deixar de ser analisado com todo o cuidado que a complexidade das questões em apreço merece.
É bem claro que a questão da cedência de trabalhadores ganha uma actualidade crescente, num momento em que assistimos à complexificação das estruturas organizacionais dos grandes grupos económicos, tendência que, aliás, se enquadra no movimento mais geral de transformação das relações interempresariais e, por consequência, também de transformação das relações laborais.
Tais motivos bastariam, por si sós, para que se reconhecesse todo o interesse em avançar para uma regulação mais eficaz dos direitos dos trabalhadores nos casos em apreço.
A segunda nota que, em nome da transparência, quero aqui deixar dirige-se, naturalmente, a toda a Câmara, mas, em particular, aos Deputados da bancada proponente.
O Governo não subscreve nem apoia tentativas de minar os direitos dos trabalhadores à custa da hiperflexibilização das regras de funcionamento do mercado de trabalho mas também não subscreve nem apoia iniciativas que prejudiquem a existência de níveis de flexibilidade razoáveis, de que as empresas carecem e de que, em função dos modos de concretização, os trabalhadores podem também beneficiar.
Srs. Deputados, o nosso caminho é bem conhecido e não vamos abdicar dele. A política do Governo tem sido, e continuará a ser, a da procura da renovação actualizada do compromisso entre os interesses legítimos dos trabalhadores e das empresas. É, sem dúvida, um caminho difícil e muito exigente, mas é também, no nosso entender, o melhor e o mais justo dos caminhos possíveis, como bem o demonstram os dois acordos de concertação social que o Governo negociou e celebrou recentemente com a totalidade - sublinho, a totalidade - dos parceiros sociais com assento na concertação social.
Não aceitamos a visão maniqueísta do mundo do trabalho que demoniza, sempre e em quaisquer formas, a flexibilidade das relações do trabalho, assente, como está, no equívoco de que é possível defender os interesses dos trabalhadores, independentemente das condições de competitividade das empresas.
Tenho, por isso, dúvidas, que julgo fundamentadas, em relação a alguns aspectos específicos do projecto de lei, que podem prejudicar o desejável equilíbrio da legislação nesta matéria.
De facto, o projecto de lei do PCP, que aqui está a ser debatido, parece esquecer, ou, pelo menos, assim o entendemos, que a cedência ocasional de trabalhadores e a transferência de empresas, de estabelecimentos ou de partes de estabelecimento representa, muitas vezes, uma oportunidade para os próprios trabalhadores e que, por isso mesmo, não constitui necessariamente um ataque ao direito à segurança no emprego.
Permitam-me, pois, que cite exemplos do que consideramos serem algumas características do projecto de lei do PCP que levam a que tenhamos uma posição fundamentadamente crítica.
Em primeiro lugar, o agravamento da limitação da possibilidade de cedência, por exemplo, ao impor o acréscimo temporário e excepcional da actividade da empresa cessionária como condição sine qua non, o que constitui uma forte limitação à efectiva praticabilidade deste tipo de processos, como, certamente, os Srs. Deputados não deixarão de reconhecer.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, o direito à reintegração no transmitente, que, em alguns casos, como na extinção, na cessação ou suspensão de actividade ou na declaração de insolvência, pode ir até 10 anos após a data da transferência ou até 5 anos, no caso de infracção grave às condições de trabalho.
Em terceiro lugar, os limites a que deve passar a obedecer o regime de responsabilidade solidária das entidades empregadoras envolvidas na cedência ou na transmissão, matéria em que, na nossa opinião, merece ser reponderada a extensão dos seis meses, que a lei actual prevê, para os cinco anos previstos no projecto de lei em debate.
Tal lógica de intervenção legislativa, que, aliás, corresponde ao melhor estilo daquilo a que VV. Ex.as nos habituaram, faz com que o projecto de lei do PCP, em alguns aspectos, limite severamente as possibilidades práticas de cedência de trabalhadores ou de transferência de empresa ou de estabelecimento, o que, em muitos casos, pode constituir a melhor alternativa possível para os trabalhadores.
São propostas medidas que teriam, com grande probabilidade, efeitos perversos e redundariam, inevitavelmente, no contrário daquilo que pretendem.
Não posso, no País moderno que já é o nosso, no Portugal cuja modernização solidária queremos aprofundar, partilhar de uma visão simplista e redutora da regulação social.
Não posso, por isso, manifestar a concordância do Governo com algumas das propostas em apreço.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Estado português, todos os órgãos do Estado e não apenas o Governo, encontra-se, como bem sabem, vinculado a uma directiva europeia - a Directiva n.º 98/50/CE, do Conselho, de 29 de Junho de 1998 - que tem de transpor para a legislação nacional até Julho de 2001, «relativa à aproximação das legislações dos Estados-membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos ou de partes de estabelecimento».
Ora, sucede que as preocupações do presente projecto de lei do PCP são parcialmente sobrepostas com as orientações da Directiva, sendo, em alguns pontos, porém, mais limitadoras do que aquilo que está previsto na Directiva, pelo que há todo um trabalho de articulação com as orientações europeias a que todos estamos obrigados.
Esta é, pois, uma oportunidade excelente para trabalharmos a nossa legislação, melhorando-a onde é necessário, mas com um espírito de equilíbrio de que responsavelmente ninguém pode ou quererá - penso eu!… - abdicar. É este, no nosso entender, o momento certo para reformular alguns aspectos da lei actual, já em interacção com as disposições emanadas do Conselho da União Europeia.
O Governo vai avançar, a brevíssimo prazo, com uma proposta de lei que pretende precisamente proceder à transposição daquela Directiva.

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Na opinião do Governo, seria de toda a utilidade que o presente projecto de lei do PCP pudesse ser discutido e articulado com este outro processo, que todos temos de levar a cabo até Julho.
Na transposição da Directiva europeia serão necessariamente tratados alguns aspectos que aqui gostaria de focar. A título meramente exemplificativo, cito alguns: o próprio conceito de transferência, em relação ao qual, aliás, o projecto de lei do PCP vai além da Directiva, ao abranger casos cuja inclusão deverá, em meu entender, ser mais bem ponderada; os direitos relativos aos complementos de prestações de velhice, invalidez e sobrevivência, que em princípio, mas apenas em princípio, não se transmitem ao adquirente, mas cuja protecção tem, evidentemente, de ser assegurada; a articulação com a legislação sobre falências, para o caso de a transmissão da empresa ocorrer num processo desta natureza; a questão da representação (transitória) dos trabalhadores transferidos; e as questões da informação e consulta sobre todo o processo.
Termino esta minha intervenção sublinhando perante esta Câmara que o Governo vai ouvir a este respeito todos os parceiros sociais. Vamos recolher e estudar os contributos que não deixarão de ser dados e incorporar na nossa própria posição as sugestões que nos pareçam adequadas; vamos, numa palavra, tentar contribuir para o enriquecimento deste processo legislativo.
Levamos a sério o diálogo social e temo-lo demonstrado em inúmeras ocasiões. Mais do que uma bandeira do Governo, o diálogo social é uma metodologia que praticamos, e praticamos com resultados bem visíveis que falam por nós. A revisão da legislação nesta matéria, nomeadamente no que diz respeito à transposição da Directiva europeia para o Direito português, não será seguramente uma excepção.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado do Trabalho e Formação, registei as observações de V. Ex.ª com a devida atenção, como fiz, aliás, em relação às de outras bancadas. Todavia, não disponho de tempo para intervir mais no debate, apesar de bem gostar de o fazer.
Pela nossa parte, estamos sempre disponíveis para melhorar o que tiver de ser melhorado. É claro que há algumas barreiras em relação a algumas coisas sobre as quais, à primeira vista, podemos não estar de acordo. No entanto, registo a atenção que o Sr. Secretário de Estado deu ao projecto de lei do PCP e o facto de ter sublinhado muitas vezes que discordava de alguns aspectos, mas não de todos.
No entanto, devo dizer que em relação à solidariedade, concretamente às obrigações, não percebi muito bem. Isto porque, nos termos do artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de Novembro de 1969, estas obrigações vencem-se nos seis meses anteriores à transmissão, mas parece-me que a Directiva n.º 98/50/CE do Conselho, de 29 de Junho, aponta para que este período possa ser superior aos seis meses. Pelo menos, o segundo parágrafo do n.º 1 do artigo 3.º da já referida Directiva diz que «Os Estados-membros podem prever que, após a data da transferência, o cedente e o cessionário sejam solidariamente responsáveis pelas obrigações resultantes do contrato de trabalho ou de uma relação de trabalho existentes antes da data da transferência».
Não sei se o Governo já tem alguma ideia nesta matéria, no que toca ao tempo; ou seja, não sei se o Governo já determinou quando é que se vencerão estas obrigações, mas, há pouco, pareceu-me que V. Ex.ª terá dito que é preciso ponderar sobre se este prazo deveria ser de seis meses ou mesmo de cinco anos. Como tal, gostava de obter este esclarecimento, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Trabalho e Formação.

O Sr. Secretário de Estado do Trabalho e Formação: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, o Governo tem os trabalhos de preparação da transposição da Directiva em fase muito adiantada e reconhece que é razoável alargar o prazo previsto na lei actual. De todo o modo, não gostava de me comprometer com um prazo concreto, porque, como disse à Câmara, vamos proceder a consultas, o que significa que gostaríamos de ouvir primeiro as opiniões dos parceiros sociais, antes de definir uma posição final sobre o assunto.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, creio que chegámos ao fim deste debate, razão pela qual é chegado o momento de dar a palavra à Sr.ª Deputada Odete Santos para defesa da sua honra pessoal. Porém, antes, peço-lhe, Sr.ª Deputada, que identifique a matéria ofensiva, e tenho a certeza de que, com a sua memória, ainda se lembra…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Com certeza, Sr. Presidente. O Sr. Deputado Eugénio Marinho, por mais do que uma vez, deu a entender que eu era mal-educada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Eugénio Marinho, creio que o debate correu até bastante bem. Anotei muitas das dúvidas, das críticas, das sugestões e algumas das concordâncias e por isso, chegada esta altura do debate, estou manifestamente bem-disposta. Ora, como estou manifestamente bem-disposta e percebo que o Sr. Deputado Eugénio Marinho quis «ultrapassar pela direita» o CDS-PP - foi esse o seu objectivo -, desculpo-o!

Risos do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Eugénio Marinho, apesar de já estar desculpado, pode querer recusar o benefício. Como tal, para dar explicações, tem a palavra.

O Sr. Eugénio Marinho (PSD): - Sr. Presidente, tendo em conta a boa disposição da Sr.ª Deputada, também quero manifestar a minha.
Quero dizer à Sr.ª Deputada que nunca, em momento algum, insinuei que ela era uma pessoa mal-educada. O que eu disse foi que a senhora, pela forma como orientou a sua intervenção relativamente àquilo que eu disse, deu a entender precisamente o inverso, ou seja, que eu era a pessoa mal-educada. Mas, Sr.ª Deputada, tenho muito respeito e consideração por si, como penso que sabe, e, portanto, se entendeu assim, peço-lhe que não entenda, porque nunca por nunca assumiria uma posição dessas.
Já agora, também aproveito para dizer que o debate, tirando este pormenor, correu bem, e gostei de saber que o

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Sr. Secretário de Estado, ao fim e ao cabo, vai muito por aquilo que eu disse, já que engrenou em muitas das posições que aqui assumi.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Tanto amor já é suspeito!

O Orador: - Se calhar, foi o CDS-PP que se deslocou mais para a esquerda do que é habitual!

Risos do PCP.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sobre que ponto da ordem dos trabalhos, Sr. Deputado?

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, depois últimas declarações, tanto da Sr.ª Deputada Odete Santos como do Sr. Deputado Eugénio Marinho, gostaria que ficasse claro que…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço desculpa mas não posso dar-lhe a palavra.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, só quero que fique claro uma coisa muito simples…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o que invocou nada tem a ver com a ordem de trabalhos nem com decisões da Mesa.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, então peço a palavra para uma intervenção.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, já lhe posso dar a palavra, porque o CDS-PP ainda dispõe de tempo.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Então, peço a palavra para uma pequena intervenção, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, quero unicamente dizer que encontrámos alguma concordância nesta matéria com aquilo que o Sr. Secretário de Estado disse. Como tal, espero que o Sr. Secretário de Estado introduza, como disse, algumas reservas e algumas cautelas neste domínio, designadamente em termos de prazos e das regras relativas à cedência que referiu.
Não foi para dizer isto que pedi a palavra, mas apenas para deixar claro que aquilo que a Sr.ª Deputada Odete Santos disse, em relação à ultrapassagem do Sr. Deputado Eugénio Marinho pela direita, nada tem a ver com as considerações anteriores de educação. Nós, por princípio, somos bem-educados!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Oliveira.

O Sr. Barbosa de Oliveira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A bancada do Partido Socialista congratula-se com a forma como decorreu este debate, apesar destas picardias saudáveis, porque sempre estivemos disponíveis para viabilizar este projecto de lei, e fá-lo-emos - e gostaria de reafirmar esta posição - em conjunto com a discussão da proposta de lei que aqui vier a ser apresentada pelo Governo para a transposição da Directiva, cujo objecto é o mesmo. Por isso, estaremos, repito, na disposição de viabilizar este projecto com o objectivo de o discutir em conjunto, na especialidade, e de, assim, enriquecer o debate e, porventura, a própria lei que vier a sair desse trabalho.
Aproveito também para saudar a intervenção do Sr. Secretário de Estado do Trabalho e Formação e desejar-lhe um bom trabalho, na justa medida em que foi a sua primeira intervenção no Plenário depois de ter sido empossado nas suas novas funções.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - Tenho a segura certeza de que domina estes temas, dado que o conheço de outros trabalhos há longo tempo, há longa data, trabalhos, aliás, profícuos, designadamente no âmbito da concertação social.
São estas as minhas saudações e desejos de um bom trabalho para o Sr. Secretário de Estado.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, é evidente que dei a palavra à Sr.ª Deputada Odete Santos para defesa da sua honra pessoal no momento em que julguei que já tínhamos terminado o debate deste projecto de lei. Afinal, não foi assim, razão que explica o facto de agora ter dado a palavra ao Sr. Deputado Barbosa de Oliveira.
Srs. Deputados, vamos dar início à discussão conjunta dos projectos de resolução n.os 110/VIII - Em defesa do ensino e divulgação da língua e da cultura portuguesas no estrangeiro (PSD) e 128/VIII - Por uma verdadeira política de defesa e promoção do ensino da língua e cultura portuguesas no estrangeiro (PCP).
Para introduzir o debate do projecto de lei do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado José Cesário.

O Sr. José Cesário (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Do que se trata hoje é de saber se a Assembleia da República quer dar à opinião pública e, muito em particular, ao Governo um sinal de preocupação face à actual situação do ensino da língua portuguesa no estrangeiro. Mais do que isso: é saber se o Grupo Parlamentar do Partido Socialista quer partilhar connosco esse sinal. É um desafio ao PS que daqui lançamos, para dar as mãos a todos os grupos parlamentares desta Casa e, assim, podermos dizer ao Governo que é preciso mudar muita coisa em relação àquilo que se tem passado.
A actual situação é quase dramática, ou, como alguém diria, caótica. Há falta de materiais didácticos; há professores sem qualificação; as comunidades queixam-se de falta de apoio; nunca se construíram gramáticas, dicionários, materiais de aprendizagem; nunca se formaram a sério e nunca se valorizaram os professores; nunca se criaram

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verdadeiros centros culturais que promovessem a língua como um universo cultural - estas palavras não são minhas, Srs. Deputados, mas, sim, de um Deputado do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, que hoje aqui não se encontra.
Trata-se de saber exactamente se é possível ir mais longe, e nós acreditamos, sinceramente, que é possível ir muito mais longe. A situação é difícil e, face a isto, o que é que faz o Governo? O Governo refugia-se na defesa do paradigma - e o termo «paradigma» é do próprio ex-Ministro Guilherme d'Oliveira Martins - do ensino integrado. O Governo está em busca de um paradigma porventura perdido, esquecendo muitas vezes o apoio que nos parece indispensável para outras realidades, também conseguidas em alguns pontos, realidades concretas do ensino associativo ou do ensino paralelo. No terreno - e é bom que não nos esqueçamos do terreno, da realidade - há situações dramáticas. De uma forma muito breve, vou dar alguns exemplos.
Na Suíça, bem recentemente fomos confrontados com a segregação sistemática de crianças portuguesas, atiradas para classes especiais e para o ensino especial de uma forma perfeitamente inadmissível, sem haver acompanhamento efectivo e preciso por parte dos responsáveis portugueses, sobretudo a nível da coordenação do ensino. Também aqui o clientelismo nos destacamentos, sobretudo a nível da coordenação, é por demais evidente.
Na Holanda, somos confrontados com o facto de não se encontrarem sequer meios para arranjar um contínuo para abrir uma escola a uma sexta-feira, quando os pais e as autoridades locais desbloqueiam tudo, instalações… Também aqui, bem recentemente, a Comissão de Educação, Ciência e Cultura foi confrontada com queixas de 30 professores de português, pagos pelo Estado holandês, que nos dizem: «nós não temos acesso, não nos permitem que acompanhemos as acções de formação promovidas pelo Estado português».
Em França, a degradação das instalações da coordenação é por demais evidente, reconhecida pela sua própria responsável, com absoluta incúria e paralisia por parte do Estado português. A própria dimensão da administração educativa neste país é por demais evidente, colocando quase duas dezenas de pessoas na coordenação sem lhes darem meios para que possam actuar como um efectivo serviço de coordenação, sobretudo a nível do apoio pedagógico.
Em Inglaterra, uma comunidade que está em crescimento evidente, permanente e diário, a falta de acompanhamento e o isolamento dos nossos jovens é por demais evidente.
No Canadá, nos Estados Unidos da América, na África do Sul, faltam meios, faltam livros… O ensino é promovido quase exclusivamente por associações, por entidades privadas, as quais nos pedem livros, porque não há sequer livros. Não há livros e as responsabilidades de todo o ensino são atiradas para as mãos dessa gente carola, gente que ama a sua Pátria, que ama a sua Língua, e que faz mais por ela do que muitas vezes as próprias entidades públicas em Portugal.
Por outro lado, é por demais evidente a desarticulação entre organismos. Os serviços de ensino, os consulados, o Instituto Camões, vivem sistematicamente de «costas voltadas». A formação de professores é absolutamente inadequada para este tipo de ensino; não se formam os professores para trabalhar com grupos heterogéneos, para realidades multiculturais, realidades diferentes daquelas em que eles foram criados, daquelas em que eles vivem normalmente.
A programação da RTPi, como serviço público que é, deveria ser perfeitamente articulada com as políticas, com as prioridades do ensino, do Ministério da Educação, do Instituto Camões; é uma programação sem nível cultural, sectária, do ponto de vista informativo, e que se recusa sistematicamente a cobrir a própria realidade sociocultural das nossas comunidades.
As comissões de pais, tão importantes no meio associativo das nossas comunidades, são, do mesmo modo, sistematicamente esquecidas.
Por tudo isto, a Assembleia da República tem de fazer algo. Por tudo isto, nós propomos que a Assembleia da República recomende ao Governo uma alternativa; uma alternativa que passe por encontrar um programa para a promoção e ensino da língua portuguesa no estrangeiro, programa esse que implica um maior investimento em realidades de ensino que resultem, que tenham sucesso, sejam elas de tipo integrado, de tipo associativo, de tipo paralelo.
Propomos uma formação de professores dirigida especificamente a estas realidades.
Propomos a criação de manuais escolares. Há apenas uma experiência - repito, uma experiência - e muito recente, em Espanha. É preciso ir muito mais longe!
Propomos apoio pedagógico concreto que permita que os professores de português não se sintam isolados nas suas escolas.
Propomos igualmente a criação de escolas portuguesas em áreas de grande concentração da nossa comunidade.
Por outro lado, defendemos uma maior articulação entre organismos - como já referi. Os consulados, os serviços de ensino e o Instituto Camões não podem continuar de «costas voltadas», tem de se proceder a uma articulação perfeita na sua acção! Os cônsules são entidades que, localmente, são reconhecidos como privilegiados no contacto com as autoridades locais. É indispensável a sua colaboração neste esforço.
Por outro lado, é fundamental concluir a regulamentação do regime jurídico do Decreto-Lei n.º 13/98, de 24 de Janeiro, sobretudo no que concerne ao regime de protecção social e ao suplemento de residência dos professores colocados no estrangeiro pelo Estado português.
Finalmente, é preciso proceder a uma audição anual e permanente dos principais quadros associativos no exterior, sem esquecer os membros do Conselho das Comunidades Portuguesas, mas igualmente de todos aqueles que nas associações e nas comissões de pais dedicam a sua atenção a esta tarefa notável.
É pela língua portuguesa, é pela imagem de Portugal no estrangeiro, que avançámos com esta iniciativa. É exactamente por isso que esperamos ter o apoio de todas as bancadas desta Casa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Luís.

O Sr. Carlos Luís (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Cesário, depois de ouvir a sua intervenção daquela tribuna e de ler o segundo parágrafo do projecto de resolução apresentado pelo PSD, verifico que V. Ex.ª cita com

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frequência o abandono, o caos, a «desertificação» de alunos, a falta de material pedagógico, a falta de professores.
V. Ex.ª é parlamentar nesta Casa há cerca de 15 ou 16 anos,…

O Sr. José Cesário (PSD): - Há 18 anos!

O Orador: - … há 18 anos, e, no passado, nunca o ouvi citar ou preocupar-se com o ensino do português no estrangeiro ou com a cultura portuguesa. Durante 16 ou 17 anos, se a memória não me falha, teve ministros do seu partido à frente da educação…

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Já cá faltava!

O Orador: - Sr.ª Deputada, o aparte é legítimo!
E V. Ex.ª, ao falar do ensino e do Instituto Camões, o mínimo que poderia fazer do alto daquela tribuna era pedir desculpa, em nome do PSD, às comunidades portuguesas pelo abandono e pelo caos em que o governo do PSD as lançou, e, por vezes, numa autêntica vergonha. E vou dizer-lhe porquê, Sr. Deputado.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Ó Sr. Deputado, não! Já são 18 horas e 30 minutos!

O Orador: - Numa conferência de imprensa, a 28 de Abril de 1993, o então presidente do Instituto Camões, Professor Adão da Fonseca, dizia que ia criar 30 centros culturais no estrangeiro e um megacentro em Nova Iorque. E quando, em 1995, VV. Ex.as terminaram a governação não havia uma única delegação do Instituto Camões criada no estrangeiro!

O Sr. António Braga (PS): - Esta é a verdade!

O Orador: - Hoje, Sr. Deputado, sobre esta matéria, posso dizer-lhe que não prometemos aquilo que não podemos, mas vou relembrá-lo dos centros que já criámos. Já criámos o centro cultural português, em Bissau e em Brasília, o pólo, em São Paulo, a delegação em Bruxelas, centros culturais em Díli, em Luanda, no Luxemburgo e em Maputo, o pólo na Beira, o centro cultural português em Nova Deli,…

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Afinal, não há problema!

O Orador: - … em Paris e na Praia, o pólo no Mindelo, o centro cultural português em Rabat, o pólo em São Tomé e Príncipe.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Afinal, está tudo bem! Enganámo-nos!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, se no Instituto Camões foi o que foi ao nível da educação, são os dados quantitativos e não a retórica…

Protestos da Deputada do PSD Manuela Ferreira Leite.

Sr.ª Deputada, tenha calma! V. Ex.ª também teve responsabilidade nesta matéria!

Protestos da Deputada do PSD Manuela Ferreira Leite.

Sr.ª Deputada, vou relembrar alguns números que falam por si, que deixo à vossa consideração.
Em 1993, 1994 e 1995, na África do Sul, tínhamos 1565 alunos…

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado. Peço desculpa, mas não pode continuar!

O Orador: - Com certeza, Sr. Presidente.
Concluo, dizendo ao Sr. Deputado José Cesário que, apesar de ter chegado tarde a estes problemas do ensino da língua e da cultura portuguesas no estrangeiro, a bancada do Partido Socialista estará disponível para, em conjunto com todas as bancadas, encontrar uma plataforma de entendimento sobre esta matéria.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Cesário.

O Sr. José Cesário (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Luís, o Sr. Deputado disse que eu cheguei tarde à discussão destas matérias. Reconheço que só acompanho estas matérias há cerca de um ano. Mas V. Ex.ª, que, neste domínio, tem muito mais experiência do que eu, é há tantos anos Deputado pela emigração, é há tantos anos Deputado representante das comunidades portuguesas, o seu partido está no poder há seis anos, do que é que esteve a falar? Do passado. V. Ex.ª parou no século passado! Ficou em 1993! Ó Sr. Deputado, fale-me do futuro!

O Sr. Carlos Luís (PS): - Eu falo do presente!

O Orador: - O que as pessoas que estão lá fora querem é ouvi-lo falar do futuro, ou seja, daquilo que os senhores se propõem fazer amanhã. Aquilo que os senhores querem fazer, já deviam ter feito. É disso que se trata hoje. Por isso, tomámos a iniciativa de apresentar o projecto de resolução.
Srs. Deputados socialistas, aprendam a ser poder! É isso que os senhores não sabem!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para apresentar o projecto de resolução n.º 128/VIII, tem a palavra o Sr. Deputado Rodeia Machado.

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Secretária de Estado da Administração Educativa, Sr.as e Srs. Deputados: Os portugueses na diáspora esperam, desde há muito, um sinal positivo dos governos do Partido Socialista no que ao ensino da língua portuguesa diz respeito, para só falar desta matéria que ocupa hoje o Plenário da Assembleia da República.
Com efeito, as inúmeras organizações, associações e comissões de pais que, no estrangeiro, ou seja, nos países de acolhimento, desde há muito, vêm alertando para a degradação do ensino da língua portuguesa, em vários países, e para a falta de resposta do Governo do Partido Socialista continuam preocupadas com a ausência de políticas concretas sobre estas matérias.

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Também as organizações de professores, através das suas estruturas representativas, vêm elencando os inúmeros problemas sentidos e a falta de resposta atempada sobre estas questões que a todos preocupam.
Confrontada com esta plêiade de problemas, a Comissão de Educação, Ciência e Cultura da Assembleia da República resolveu, em boa hora, constituir um grupo de trabalho que se deslocasse a vários países e aí, no contacto com a realidade e com as várias entidades interessadas, quer das comunidades portuguesas quer de acolhimento, procedesse à avaliação da situação.
O trabalho só se iniciou. No entanto, é possível afirmar, sem sombra de dúvida, que a situação é deveras preocupante.
Das muitas reuniões efectuadas na França, na Suíça, na Alemanha e na Holanda, e perante as inúmeras necessidades e insuficiências com as quais os Deputados foram confrontados, deu para fazer uma análise da verdadeira dimensão dos problemas que existem no seio das comunidades portuguesas ali residentes.
À guisa de exemplo, apenas algumas situações: em França, foram reduzidos 9 horários com 22 horas cada; na Holanda, a grande maioria dos professores portugueses que lecciona a língua portuguesa é paga pelo governo holandês e não tem acesso às poucas acções de formação pedagógica dadas pelo governo português; na Suíça, foi extinto o ensino recorrente, apesar da discordância da comunidade portuguesa ali residente; na Alemanha, há centenas de alunos sem aulas de língua portuguesa, há professores estrangeiros a leccionar a língua portuguesa à comunidade ali residente; há alunos que têm de percorrer 30 a 40 km para poder frequentar um curso de língua portuguesa.
Contudo, o mais importante é o instrumento legislativo, o Decreto-Lei n.º 13/98, relativo ao exercício da função docente no estrangeiro, que não é cumprido pelo Governo. A justificação encontrada para todos estes factos é sempre a mesma: razões de ordem financeira.
Por isso mesmo, não se compreende que o Governo e o Grupo Parlamentar do Partido Socialista tenham recusado sistematicamente as propostas que o PCP fez em sede de Orçamentos do Estado, quer para 2000 quer para 2001.
O PCP propôs que a verba destinada ao ensino e divulgação da língua portuguesa tivesse um aumento de 1,5 milhões de contos, devidamente fundamentada e direccionada para a contratação de professores e para meios de divulgação da cultura portuguesa no estrangeiro. A recusa e votos contra do PS a tal proposta agravaram os problemas já existentes.
Não basta o Governo e o PS afirmarem que a língua portuguesa é uma das mais faladas no mundo. Não basta o Governo e o PS afirmarem que o Instituto Camões tem como objectivo promover a cultura e a língua portuguesas no mundo. É preciso, é necessário, é fundamental dar conteúdo prático a essas afirmações.
Os portugueses na diáspora, que são cerca de 4,5 milhões de pessoas, entre portugueses de primeira geração e luso-descendentes, merecem melhor sorte na protecção da sua língua materna.
O PCP considera que apostar no ensino da língua e cultura portuguesas nas comunidades lusas não é uma despesa, é um investimento necessário para o presente e para o futuro da relação de Portugal com a diáspora e também para o próprio desenvolvimento do País.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É nesse sentido que apresentámos o presente projecto de resolução, que recomenda ao Governo a criação de um programa de expansão e qualificação do ensino da língua e da cultura portuguesas no estrangeiro, assente nos seguintes vectores:
Por um investimento financeiro maior para vencer a grave situação de carência existente, apontando nomeadamente para a expansão da rede do ensino, o aumento de professores e em mais e melhores meios pedagógicos;
Pela divulgação na RTPi e RDPi, enquanto serviço público de televisão e rádio, de programas de qualidade que contribuam e sejam um estímulo para a aprendizagem da língua e cultura portuguesas;
Pela utilização da RTPi e RDPi para a divulgação e programação de cursos de língua e cultura portuguesas;
Pelo apoio e incentivo às várias formas de cursos existentes no estrangeiro, que entretanto já deram provas positivas, quer seja nos regimes integrados ou paralelos, quer seja por entidades privadas ou de iniciativa do movimento associativo, que é muito;
Por uma intervenção persistente junto dos governos onde existam importantes comunidades portuguesas, de forma a conseguir a efectiva integração do ensino da língua portuguesa no ensino oficial desses países;
Pela elaboração de manuais escolares e outro material pedagógico-didáctico que tenham em conta a especificidade deste ensino;
Pela elaboração de programas de acções de formação de professores que tenham em conta a especificidade deste ensino;
Pelo reconhecimento oficial da existência das comissões/conselhos de pais, que desempenham um papel relevante e fundamental na organização dos cursos de língua portuguesa;
Pela colocação por concurso dos coordenadores do ensino do português no estrangeiro;
Por uma verdadeira articulação entre os vários ministérios nesta área (Ministério da Educação, Ministério dos Negócios Estrangeiros e Ministério da Cultura), de forma a rentabilizar os meios materiais e humanos em benefício da promoção da língua e cultura portuguesas;
Pela regulamentação imediata do regime jurídico que está previsto no Decreto-Lei n.º 13/98, de 24 de Janeiro, que, relembro, é um diploma de 1998 e que continua por regulamentar;
Pela elaboração de um Livro Branco sobre o ensino da língua e cultura portuguesas no estrangeiro e que, para o efeito, sejam ouvidos os vários intervenientes, como o Conselho das Comunidades, que tão caro é ao Sr. Deputado Carlos Luís e de que o seu Governo não faz caso, as estruturas sindicais dos professores, as comissões/conselhos de pais e encarregados de educação e o movimento associativo das comunidades portuguesas.
Quanto ao projecto de resolução do Grupo Parlamentar do PSD, quero dizer que, no essencial, estamos de acordo, pelo que o votaremos favoravelmente.
No entanto, afirmamos aqui que cabe ao Governo e ao Grupo Parlamentar do PS viabilizar a aprovação dos projectos de resolução e levá-los à prática, contribuindo, decisivamente, para a melhoria e qualificação do ensino da língua e cultura portuguesas e indo ao encontro às justas aspirações das comunidades portuguesas no estrangeiro.

Aplausos do PCP.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Braga.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Secretária de Estado da Administração Educativa, Srs. Deputados: O ano de 1996 foi o momento de viragem no reforço das políticas para o ensino do português no estrangeiro e de defesa da cultura.
A afirmação além fronteiras da língua e da cultura portuguesas resulta para os socialistas de uma opção política essencial. Pretende-se, antes de mais nada, superar a perspectiva da língua e cultura portuguesas, vista apenas enquanto factor de ligação às origens portuguesas e como instrumento para uma eventual situação de regresso ao País, conferindo-lhe, antes, uma dimensão mais alargada, que, sem negar a primeira, a valorize como elemento de comunicação internacional e da expressão cultural da lusofonia. Deste modo, confere-se-lhe uma acrescida atracção junto das comunidades portuguesas no estrangeiro e permite criar dinâmicas mais ajustadas às realidades e às necessidades.
Por isso, a articulação de acções de complementaridade em vários domínios, como a regularização e a resposta adequada às necessidades, nomeadamente no âmbito da rede «oficial» de cursos de língua e cultura portuguesas e de outras iniciativas que as promovam, permitem significativas melhorias na qualidade da oferta deste tipo de ensino. São os casos de apoio e clarificação do enquadramento da rede particular e cooperativa de cursos, do desenvolvimento de projectos de acompanhamento e integração das crianças e jovens portugueses nas sociedades de acolhimento, da integração progressiva do português nos curricula dos diversos sistemas educativos como língua estrangeira de opção e também dos apoios ao movimento associativo. Sendo respostas variadas, favorecem a melhoria da qualidade do ensino da língua portuguesa aos vários níveis.
A difusão do português como língua estrangeira de opção nos curricula dos diferentes países, a par da possibilidade de crianças e jovens de outros países poderem aprender o português, tem também o efeito de contribuir para um maior sucesso educativo dos jovens luso-descendentes e de valorizar o estatuto social da língua portuguesa e dos seus falantes.
Por isso, a promoção do ensino do português no estrangeiro conduz à necessidade de medidas articuladas em diferentes níveis, capazes de se desenvolverem também em dinâmicas locais ou regionais mobilizadoras dos vários parceiros. Essa é a principal orientação que se tem evidenciado e que deve ter permanência e premência no futuro próximo, conforme consta no Programa do actual Governo.
A expansão do ensino do português como língua estrangeira, por outro lado, tornou pertinente a criação de um sistema que certifique internacionalmente esta aprendizagem. Ora, os projectos de resolução, quer do PSD quer do PCP, quanto a estas opções políticas, que sustentam quer as iniciativas em curso quer as metodologias, são, sinceramente, confrangedoramente omissos.
Recomendar a criação do programa de promoção da língua portuguesa é, relativamente ao actual enquadramento, uma redundância, porquanto, para além de existir, ele já abarca as diferentes componentes de intervenção. Contudo, o PS está disponível para se associar às recomendações, com contributos objectivos, no sentido de construir um conjunto de referentes que consagrem o esforço realizado no terreno e permitam consolidar as principais linhas de intervenção que vêm a ser prosseguidas pelo Governo.
Temos para nós que é decisivo para a consolidação de uma estruturada acção por parte do Estado saber se há uma significativa maioria nesta Câmara que valorize a principal linha de acção, que consiste na integração do ensino do português nos sistemas educativos formais dos países de acolhimento.
Srs. Deputados, esta é a questão decisiva que se nos coloca perante este tema, muito presente na sociedade portuguesa e que possui, como sabemos, milhões dos seus cidadãos espalhados pelos quatro cantos do mundo.
Definir a situação do português no estrangeiro como um momento caótico ou como uma construção errática de uma política é, sinceramente, muito pouco para construir nesta Câmara um consenso.
Tenho que, desta tribuna, vos referir alguns números - não é que seja a nossa especialidade, os socialistas gostam pouco de os referir -, dando-os apenas como nota fundamental de políticas.
Na África do Sul, de 1994/1995 a 1999/2000, passámos de 1500 alunos para 4500 alunos, em números redondos, e professores eram 21 e, hoje, são 45, ou seja, em alunos aumentámos 185% e em professores 114%.
Dou-lhe outro exemplo que aqui foi referido: na Suíça, em 1994/1995, tínhamos 8900 alunos e, hoje, temos 12 269 alunos, o que significa um aumento de 38%, e professores eram 68 e, hoje, temos 132, isto é, um aumento de 94%.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - E quantos saíram?!

O Orador: - Eu sei, Srs. Deputados, que, provavelmente, não é hora de falarmos assim nestes números! Não é, porque queremos construir um programa e uma política que tenha um consenso nesta Câmara. Mas não podem vir aqui e dizer, de forma leviana, que a situação é de absoluto caos e que não houve investimento. Houve, Srs. Deputados! Temos a consciência de que a situação era de tal modo vazia e de que ainda há muito para fazer e, por isso, estamos disponíveis para colaborar numa recomendação ao Governo de reforço destas políticas, mas, Srs. Deputados, não vamos enganar-nos, há um trabalho, há um esforço, e os números fundamentam esta nossa posição.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tenho acompanhado, desde há muitos anos, este problema da língua e devo dizer que, embora o meu grupo parlamentar vá apoiar ambos os projectos de resolução, porque são um contributo, penso que eles ficam aquém da formulação que deveríamos fazer em relação a este problema.
O que se coloca ao nosso país é ter uma política de defesa não só do ensino do português no estrangeiro mas também de defesa da língua como instrumento de multiculturalidade, e esse é um problema que vejo insuficientemente expresso nos dois projectos de resolução.
Ora, é nesta vertente da língua como instrumento de multiculturalidade, que passa, também por isso, pelo ensi

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no do português no estrangeiro, que, penso, a política do Governo faliu e que o Instituto Camões tem ficado muitíssimo aquém do que devia ter feito, não por demérito de muitos dos seus técnicos, que são gente de alta qualidade, com os quais, desde há muitos anos, tenho colaborado como docente universitário, mas, sobretudo, por falta de verba, por falta de política, por falta de estratégia, por falta de escolhas e, até, por virtude da concepção que preside ao próprio Instituto Camões, pendurado nos adidos culturais das embaixadas ou nos leitores adrede espalhados pelo País e não constituindo, ele próprio, uma autoridade coordenadora da política de defesa da língua portuguesa.
Portanto, penso que precisamos de uma estratégia de defesa e de difusão da língua como instrumento de multiculturalidade e não unicamente como elemento de educação na língua das comunidades portuguesas no estrangeiro, que é um alvo importante, mas não é só, pois há muito para fazer além disso.
Penso, por isso, que precisamos, antes de mais, de uma estratégia, uma estratégia com alvos, que, seguramente, devem ser as comunidades lusas no estrangeiro, mas também os milhões de falantes do português nos PALOP e na Galiza. Portanto, uma estratégia que permita à língua portuguesa funcionar como um instrumento de difusão para efeitos económicos e de influência cultural, não só naquelas comunidades de falantes do português no estrangeiro mas também em relação aos milhões de pessoas que falam português e, inclusivamente, em relação aos falantes de português na Galiza, com a norma galega próxima do português, relativamente à qual, com a preocupação de não incomodar o Governo de Madrid, tem havido os maiores e os mais lamentáveis lapsos, a meu ver.
Portanto, precisamos de uma estratégia com alvos e precisamos de uma estratégia com uma verdadeira autoridade coordenadora da língua, que devia ser o Instituto Camões, e não é. O Instituto Camões devia ter meios e orçamento para funcionar enquanto autoridade coordenadora da difusão da língua portuguesa.
Ponham os olhos no Instituto Cervantes! Ponham os olhos no Goëthe Institut! Ponham os olhos no British Council! Ponham os olhos nos institutos que funcionam pelo mundo fora!

O Sr. António Braga (PS): - Ponham os olhos também nos orçamentos desses países!

O Orador: - Não temos as possibilidades deles, mas, sobretudo, não temos uma política para a língua portuguesa. Esse é que é o problema! Não temos uma estratégia de defesa da língua portuguesa. Esse é que é o problema!
Feito isso, definidos os alvos, os objectivos e uma autoridade coordenadora, ver-se-á o orçamento possível e podemos começar a fazer alguma coisa. Neste momento, o que há são coisas de improvisação, e, normalmente, para satisfazer resultados eleitorais nas eleições que vêm a seguir!
Em segundo lugar, além de uma estratégia, precisamos urgentemente - e ninguém fala nisso - de rever o Acordo Ortográfico. Precisamos de um acordo ortográfico que permita estabelecer pontes de ligação com os falantes do brasileiro, com os falantes do galego, com os falantes africanos do português, relativamente aos quais se estão a criar condições de separação linguística, mesmo em termos de mercado, condições de completa separação, e isso tem de se resolver através da abordagem corajosa e inteligente de uma revisão do Acordo Ortográfico, que não está feita, não está encarada e que aqui também não é falada.
Finalmente, Srs. Deputados, permitam-me dizer que, além de uma estratégia com alvos, com uma autoridade e com um orçamento, e para além da urgente necessidade de se rever o Acordo Ortográfico, porque senão dentro de pouco tempo há várias maneiras de falar o português, a concorrerem entre si, temos de encarar a língua como elemento não tanto de fechamento mas de integração das comunidades portuguesas no estrangeiro nas comunidades onde eles vivem. A língua tem se ser não um factor de exclusão mas um factor de integração das comunidades.
Não deixo de constatar, com alguma preocupação, os resultados tão preocupantemente baixos da participação dos cidadãos portugueses nas recentes eleições autárquicas em França. Há alguma coisa em relação a isso que não funciona bem. Os nossos emigrantes participam pouco na vida política autárquica de um país onde tinham o maior interesse e, provavelmente, a maior capacidade de influência em relação à defesa dos seus interesses. Isso, naturalmente, tem a ver com uma política em que a língua portuguesa passa por aí, uma política de ensino do português, uma política de ensino e de defesa da cultura, numa óptica multicultural, que não os separe mas que os integre.
E estas são vertentes que não vejo contempladas completamente nos projectos de resolução. Penso que eles contêm medidas muito interessantes e que são necessárias, apoio-os, mas há uma reflexão estratégica que não passa só pelo ensino do português no estrangeiro mas que passa pela defesa da língua como instrumento de multiculturalidade no mundo. Devíamos ter a coragem de reflectir acerca deste assunto.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estão em discussão dois projectos de resolução, um do PSD e outro do PCP. Julgamos que estes dois textos são meros pontos de partida, porque o problema da língua portuguesa no mundo é muitíssimo mais vasto do que aquilo que vem nos dois textos, isto é, é muito mais do que providenciar sobre o material, sobre os professores, sobre os leitores, sobre o ensino, etc.
Foi aqui dita muita coisa, que agora é preciso analisar e que mostra que esta Câmara tem a consciência da enorme importância deste problema da língua portuguesa no mundo mas que não encontra um texto que talvez, na senda daquilo que o Partido Socialista propôs na Comissão, possa ser obtido.
Em primeiro lugar, quero dar inteira razão ao Deputado Fernando Rosas, quando diz que todos os males que os projectos de resolução apontam vêm de algo simples: a falta de estratégia por parte de Portugal para dominar a sua língua no mundo. O que é que isto quer dizer? A língua no mundo tem de ser um veículo de irradiação civilizacional.
Em segundo lugar, é preciso saber o que queremos fazer com a língua portuguesa nas diferentes partes do mundo. Porque aquilo que nós queremos na América do Norte não é a mesma coisa que queremos na Ásia; o que queremos na América do Sul não é o mesmo que queremos em Timor; o que queremos em Macau não é diferente do que queremos em África. Portanto, em relação a cada parte do mundo, temos de ter uma estratégia: uma estratégia regio

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nal, uma estratégia continental, além de uma estratégia global.
Em terceiro lugar, temos de partir do princípio simples de que a nossa língua não é, hoje, a língua da globalização. Há uma globalização linguística que é dominada pelo inglês; isto é, a língua global do mundo é o inglês. Apesar disso, os países não deixam de cultivar outras línguas. Veja-se o que se passa nos Estados Unidos da América: os EUA cultivam hoje, ao lado do inglês, as outras línguas, principalmente o espanhol, o português, o chinês e o japonês como línguas complementares que lhes são absolutamente necessárias para a sua própria presença através do mundo.
Então, se as próprias grandes potências a quem bastaria a sua própria língua, como é o caso dos EUA, procuram incentivar línguas complementares dentro do seu território, é porque estas línguas lhes fazem falta. E, naturalmente, se a terceira língua mundial, que é o português, já hoje, na Internet, também é a terceira língua mundial - só em Portugal há 700 cibernautas que usam o português - isto mostra que a língua portuguesa é, efectivamente, uma língua do futuro, uma língua que tem de ser prezada e tem de ter uma estratégia.
Um outro ponto, muitíssimo importante, foi aqui trazido pelo Sr. Deputado António Braga quando disse que não podemos tratar da língua portuguesa para os meninos, para os filhos dos portugueses, como se eles se bastassem a si próprios nas comunidades. Na América, na Ásia, na Europa ou em África, é necessário ensinar aos filhos dos portugueses ler, contar e pensar em português, mas ter sempre presente que estas crianças ou estes jovens têm de ser cidadãos do país de acolhimento. Nós não podemos tribalizá-los, não podemos juntá-los em minorias, não podemos dizer: olhem para Portugal como a terra dos vossos antepassados, com saudade, com fado, a ver a RTP e o Pátio das Cantigas!
Tudo isso é muito bonito, mas o que temos de fazer é ajudar os portugueses a integrarem-se nos países de acolhimento como cidadãos de corpo inteiro e, para isso, temos de lhes dar o português como segunda língua, um português como veículo para eles aprenderem melhor a língua da cidadania que pretendem, isto é, através do português, pô-los a aprender melhor a língua de acolhimento. Temos de ter programas próprios, que não temos; professores como ensinantes de segunda língua; materiais, gramáticas para ensino do português como segunda língua - que só agora começam a aparecer.
E vemos essa dificuldade em Macau. A escola portuguesa em Macau tem imensas dificuldades em ensinar às crianças chinesas o português. E se, em Macau, não se fala o português, depois de 400 anos da nossa presença lá, é porque nós nunca soubemos ensinar o português aos chineses! Tentamos ensinar pelos nossos livros aos chineses! Eu aprendi na instrução primária as estações de caminho-de-ferro de Lisboa até Monção.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Eu também!

O Orador: - Eu sabia todos os rios de Portugal, aos meus 6 ou 7 anos! Mas não sabia os rios de Goa! Isto mostra que nós tribalizamos ou queremos tribalizar - tratamos os outros como se portugueses de raiz fossem! E eles não são já portugueses de raiz. Temos de encontrar um ensino do português, como o Sr. Deputado António Braga disse, para aqueles que queremos formar como cidadãos nos respectivos países de acolhimento, como bons cidadãos.
Por outro lado, temos que ver que há países onde não há comunidades portuguesas mas a língua portuguesa está viva - é o caso de Macau, é o caso de Goa, é o caso da Malásia, é o caso do Sudeste Asiático, onde existe uma presença da alma portuguesa, onde há vontade de aprender português mas não há terreno, não há suporte físico para essa língua. Aí, nós temos de criar condições para que outras comunidades - os indianos, os chineses, os malaios, os indonésios, os japoneses, etc. - tenham apetência para aprender o português e que esta seja para eles uma língua civilizacional, uma nova língua, uma nova cultura que se lhes abre para a sua vida.
Caso diferente, por exemplo, é o Brasil. No Brasil, todos os diplomatas aprendem a falar o português ou, então, os países enviam para o Brasil diplomatas que saibam já falar o português, o que não sucede aqui, em Portugal! Aqui, nós falamos a língua deles. Quando aqui vem um embaixador, nós arranjamos um intérprete e falamos com ele na língua dele! Mas no Brasil, não! No Brasil, eles são obrigados a falar o português e todos se esforçam para falar o português. Isto mostra o quê? Mostra que, efectivamente, o Brasil tem uma língua portuguesa e faz da língua o seu esteio, o que nós não fazemos!
Por isso, mesmo, Sr. Presidente…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, terminou o tempo de que dispunha. Faça favor de concluir.

O Orador: - Sr. Presidente, vou concluir, dizendo apenas que este problema não é unicitário e muito menos unitário. Há várias soluções para a difusão e a defesa da língua portuguesa, segundo as zonas do mundo e aquilo que nós queremos fazer.
Para isso, só há duas formas: uma estratégia e uma política de defesa do português como língua de irradiação civilizacional.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Braga.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, como se viu, esta discussão em torno destes projectos de resolução foi rica, trouxe contributos que consideramos não só importantes mas que, fundamentalmente, podem construir um texto comum em sede de comissão, que leve à estabilização de uma política consolidada num suporte político que dê uma estabilidade e uma tranquilidade no tempo, de uma política que faça a defesa da língua e da cultura portuguesas no mundo, nas perspectivas diferentes que todos aqui defendemos, com modelos diferentes em cada zona, em cada país e, naturalmente, defendendo também a inserção das comunidades portuguesas nas comunidades de acolhimento. Esse é o nosso ponto de partida também, Sr. Presidente.
Queria aproveitar os segundos que me restam…

O Sr. Presidente: - Já aproveitou, Sr. Deputado!

O Orador: - … para fundamentar - como sabe, Sr. Presidente, não posso fazê-lo à luz do Regimento - o requerimento que o PS apresentou de baixa à respectiva

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comissão dos dois projectos de resolução, porque o PS também tem propostas de alteração no sentido de se construir um texto melhor.

O Sr. Presidente: - O requerimento será votado amanhã, Sr. Deputado, à hora regimental.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado da Administração Educativa.

A Sr.ª Secretária de Estado da Administração Educativa (Maria José Rau Vieira): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Reconhece-se a importância e dificuldade do tema em que se centram os dois projectos de resolução, bem como a consequente prioridade que ele tem constituído para o Governo.
Para se clarificar o tipo de acções desenvolvidas é importante distinguir quatro diferentes conceitos e contextos em que o tema se insere. Aliás, nas intervenções que me antecederam, foi extremamente enriquecida esta questão da diversidade das questões que se colocam e da forma como elas se colocam relativamente a este problema, questões que nem sempre são coincidentes nas estratégias e nas medidas que sugerem.
Primeiro, o ensino do português como língua materna num contexto de um país estrangeiro, como já aqui foi referido (as comunidade de emigrantes da primeira geração, muitas delas em situação de extinção);
Segundo, o ensino do português como segunda língua para luso-descendentes (o caso especial e essencial do ensino do português no contexto do ensino em França ou na Alemanha);
Terceiro, o ensino do português como língua estrangeira (esta, talvez, a maior prioridade nacional, pela presença da língua portuguesa no mundo e a sua importância estratégica na União Europeia);
Quarto, o ensino do português como língua oficial ou veicular nos países de expressão portuguesa. Esta será a última vertente deste problema.
Quanto a mim, o Governo tem sabido identificar estes vários conceitos e contextos e tem, para todos eles, procurado as melhores respostas que, reconhece-se, nem sempre são fáceis e pacíficas até pelo enquadramento social em que se possam encontrar os portugueses no estrangeiro, muitas vezes com afirmações linguísticas e culturais contraditórias de geração para geração. É indispensável que nunca se ponha em causa nem a auto-estima desses portugueses nem o reconhecimento da importância da língua portuguesa no enquadramento internacional. É indispensável ouvir os representantes locais das comunidades portuguesas, mas também é importante ouvir as autoridades locais dos países de acolhimento.
Para poder responder às várias questões suscitadas pelos projectos de resolução apresentados pelo PSD e pelo PCP, gostaria de identificar cinco vertentes de actuação que têm sido desenvolvidas e, para cada uma delas, referir algumas questões fundamentais do que está a ser feito e do que poderá ainda vir a ser feito.
Primeiro, a resposta às necessidades de cursos e iniciativas de promoção da língua portuguesa nas comunidades de emigrantes portugueses.
Que medidas foram tomadas nesta área?
O aumento expressivo da rede oficial de cursos que, de 1994/1995 a 2000/2001, para não contradizer os dados que o Sr. Deputado António Braga referiu, registou, no seu global, com enormes diferenças de país para país, um crescimento de cerca de 50% - há países onde foi 100% e 80% -, passando de 433 para 664 professores e de 42 334 alunos para 63 686 alunos;
A publicação, em 1998, do Regime Jurídico dos Docentes do Ensino do Português no Estrangeiro e o actual prosseguimento de negociações com os sindicatos de professores para regulamentação dos pontos em aberto, nomeadamente o subsídio de residência e o regime de protecção social (está na mesa de negociações em aberto com os sindicatos);
O efectivo aumento do vencimento destes docentes, que, com variações nos diferentes países, dado o subsídio de residência, ronda, entre 1994 e 2000, cerca de 15%;
A publicação, em 1999, do enquadramento jurídico das coordenações do ensino português no estrangeiro;
O alargamento que, neste momento, é muito claro e evidente, a outros países, como, por exemplo, a Namíbia, a África do Sul, a Argentina.
Segundo, o incentivo e o apoio à utilização dos planos curriculares portugueses, em especial nos países de expressão portuguesa. Este é outro sector, quanto a mim, de investimento fundamental, mais como afirmação da cultura e da qualidade do ensino em Portugal.
Como é que isso tem sido feito?
Com o apoio ao funcionamento de escolas privadas e a creditação dos currículos portugueses que ali se aplicam;
Com a criação de escolas portuguesas em Macau, em Moçambique e, a curto prazo, em Angola;
Com a revisão, em curso, do enquadramento legal do processo de reconhecimento e creditação dos cursos e das escolas, no caso da iniciativa privada.
Terceiro, a integração progressiva do português nos currículos dos sistemas educativos de outros países (a tal vertente, em minha opinião, como já referi no início, prioritária de intervenção).
Com o reinício das conversações bilaterais, bloqueadas a partir dos anos 90 e que se passaram a realizar regularmente, tem sido a forma principal de encontro. Delas têm resultado importantes compromissos que contribuem para a progressiva integração do português nos curricula desses países, nomeadamente, como também já aqui foi referido, em Espanha, em França, na Holanda, em vários Estados alemães e, mesmo, nos Estados Unidos da América. Ainda esta semana, foi acordado com a Vice-Governadora do Estado americano do Massachusetts a integração do ensino do português nos currículos das escolas secundárias desse Estado com a colocação, já no próximo ano lectivo, de seis professores de português.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Quarto, articulação de medidas do ensino básico - e julgo que isto foi referido de forma veemente nas anteriores intervenções - ao ensino superior e incluindo situações extra-escolares.
Com a instituição - e queria chamar especial atenção para isto - de um sistema de certificação internacional da aprendizagem da língua portuguesa, envolvendo como parceiros em Portugal o Ministério da Educação, o Ministério dos Negócios Estrangeiros e a Universidade de Lisboa, no âmbito da associação europeia ALTE (Association of Language Testers in Europe), que é uma associação de creditação do ensino das línguas;
Com a crescente articulação entre as iniciativas promovidas pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros e pelo

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Ministério da Educação, nomeadamente através do Instituto Camões.
Quinto e último, a melhoria da qualidade do ensino da língua portuguesa.
Com as acções de formação de professores, que, ao contrário do que aqui foi dito, aumentaram e que, de 1997 a 2000, envolveram cerca de 1400 professores e 180 000 contos, essencialmente através do financiamento do FOCO;
Com a produção de materiais de ensino pelo próprio Ministério mas, sobretudo, em parceria com outros ministérios de outros países, no caso da França e no caso da Espanha, e com diversas editoras portuguesas e estrangeiras;
Com o início da criação de um Observatório de Qualidade para o Ensino Português no Estrangeiro, ainda em fase de construção e concepção;
Finalmente, com a intervenção sistemática da Inspecção-Geral da Educação, auditando as diversas formas como o sistema está a funcionar.
Muito há ainda por fazer, reconhece-se, maior controlo, maior rigor e maior qualidade têm de ser assegurados, mas o investimento feito e a confirmação dos resultados obtidos é reveladora de que não se cruzaram os braços e de que, a partir de uma política pouco clara e pouco afirmativa, se começaram a criar e a solidificar estruturas, se legislou sobre os aspectos essenciais que asseguram o suporte e a transparência do sistema e se canalizaram financiamentos que, de 1994 a 2000, corresponderam a um aumento de 80%, ou seja, de cerca de 3,3 milhões de contos passou-se para 6,6 milhões de contos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Cesário.

O Sr. José Cesário (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Secretária de Estado da Administração Educativa, de uma forma muito breve, gostaria de referir que ficámos extremamente satisfeitos pelo facto de o Partido Socialista ter correspondido ao desafio que aqui lançámos e de podermos partir para um trabalho de conjunto.
Sabemos bem que há questões de estratégia para definir, mas também sabemos que as questões de estratégia têm de ser acompanhadas por um trabalho muito sério e muito profundo, relativamente aos problemas concretos do dia-a-dia. A saber: as questões do estatuto, as questões das associações ou os problemas dos professores, que todos os dias são confrontados, no terreno, com questões sérias.
A questão muito concreta que coloco à Sr.ª Secretária de Estado é esta: está o Governo disposto a abandonar, neste domínio, a postura de isolamento que tem sido sua característica, a sentar-se connosco aqui, na Assembleia - com os sindicatos lá fora, o que não tem feito da forma mais adequada - e a proceder a uma reflexão séria,…

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado.

O Orador: - … no sentido de resolvermos ou de, pelo menos, encontrarmos algumas pistas que possam apontar para a resolução dos principais problemas com que estamos confrontados?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado da Administração Educativa.

A Sr.ª Secretária de Estado da Administração Educativa: - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Cesário, não estou totalmente de acordo com o quadro que o Sr. Deputado fez desta matéria, mas é natural, é o meu papel.
Quanto à questão que me colocou, Sr. Deputado, naturalmente que, se for convidada para o efeito, penso que o Governo estará interessado em arregaçar as mangas e discutir este assunto, que, como julgo ter dado a entender, é um problema de todos nós e um problema muito difícil, com vertentes muito diversas e contraditórias.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminada a discussão conjunta dos projectos de resolução n.os 110 e 128/VIII, resta-me informar que a próxima sessão plenária se realiza amanhã, com início às 15 horas, constando de um período de antes da ordem do dia, tendo como ordem do dia a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 64/VIII e a discussão, também na generalidade, do projecto de lei n.º 402/VIII (CDS-PP), havendo ainda votações regimentais.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 10 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Emanuel Silva Martins
João Pedro da Silva Correia
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Carlos Lourenço Tavares Pereira
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Maria Amélia do Carmo Mota Santos

Partido Social Democrata (PSD):
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares
Joaquim Monteiro da Mota e Silva
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Manuel Castro de Almeida
Maria do Céu Baptista Ramos
Pedro Manuel Cruz Roseta
Pedro Miguel de Santana Lopes

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Alberto Bernardes Costa
António Alves Martinho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Cláudio Ramos Monteiro
Filipe Mesquita Vital
Jamila Barbara Madeira e Madeira
João Cardona Gomes Cravinho
José Manuel de Medeiros Ferreira
Luiz Manuel Fagundes Duarte

Página 2698

2698 | I Série - Número 68 | 05 De Abril De 2001

Manuel Francisco dos Santos Valente
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rui Manuel Leal Marqueiro

Partido Social Democrata (PSD):
Álvaro dos Santos Amaro
Domingos Duarte Lima
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
João Bosco Soares Mota Amaral
Joaquim Martins Ferreira do Amaral
José Eduardo Rêgo Mendes Martins
José Manuel Durão Barroso
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Manuel Filipe Correia de Jesus
Nuno Miguel Sancho Cruz Ramos
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rui Fernando da Silva Rio
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
Alexandrino Augusto Saldanha
Ana Margarida Lopes Botelho
Maria Luísa Raimundo Mesquita

Partido Popular (CDS-PP):
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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