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Sexta-feira, 27 de Abril de 2001 I Série - Número 75

DIÁRIO da Assembleia da República

VIII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2000-2001)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 26 DE ABRIL DE 2001

Presidente: Ex.mo Sr. Manuel Alegre de Melo Duarte

Secretários: Ex. mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Manuel Alves de Oliveira
António João Rodeia Machado
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz

S U M Á R I O

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 10 minutos.
Deu-se conta da apresentação dos projectos de lei n.os 425 e 426/VIII e 428 a 430/VIII, das propostas de lei n.os 70 e 71/VIII, dos projectos de resolução n.os 132 a 135/VIII e das apreciações parlamentares n.os 42 e 43/VIII.
Foi aprovado um parecer da Comissão de Ética relativo à retoma de mandato de um Deputado do PS e à substituição de um Deputado daquele partido e de um outro do PSD.
Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 421 - Lei-Quadro para a Avaliação e Qualidade dos Ensinos Básico e Secundário (PSD) e 422/VIII - Obriga à divulgação, por escola e por disciplina, dos resultados dos exames do 12.º ano de escolaridade, bem como de outra informação complementar que possibilite o conhecimento geral sobre o sucesso e insucesso escolares no ensino secundário (PSD), que foram rejeitados. Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro da Educação (Augusto Santos Silva), os Srs. Deputados David Justino (PSD), Margarida Botelho (PCP), Ana Catarina Mendonça (PS), Luís Fazenda (BE), José Alberto Fateixa (PS), Carlos Antunes (PSD), Isabel Pires de Lima (PS), Ana Narciso e Pedro Duarte (PSD), Rosado Fernandes (CDS-PP), Fernando Rosas (BE), Isabel Castro (Os Verdes), Narana Coissoró (CDS-PP), João Cravinho e Rosalina Martins (PS).
Mereceram aprovação, em votação final global, as propostas de alteração, aprovadas na especialidade em sede da Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, relativas ao Decreto-Lei n.º 110/2000, de 30 de Junho (Estabelece as condições de acesso e de exercício das profissões de técnico superior de segurança e higiene do trabalho e de técnico de segurança e higiene do trabalho) [apreciação parlamentar n.º 29/VIII (PCP)] e o texto final, elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo à proposta de lei n.º 64/VIII - Transpõe para o direito interno a Convenção sobre a luta contra a corrupção de agentes públicos estrangeiros nas transações comerciais internacionais, aprovada em Paris, a 17 de Dezembro de 1997, sob a égide da OCDE.
Após ter sido aprovado um requerimento de avocação pelo Plenário, apresentado pelo PS, do artigo 58.º do texto final, elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo ao projecto de lei n.º 27/VIII - Lei da liberdade religiosa (PS), procedeu-se à discussão do referido artigo, tendo sido rejeitada uma proposta de alteração, apresentada pelos Deputados do PS Jorge Lacão e António Reis. Usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Jorge Lacão (PS), João Amaral (PCP), Narana Coissoró (CDS-PP), Isabel Castro (Os Verdes), Fernando Rosas (BE), José Vera Jardim (PS) e Pedro Roseta (PSD). Por fim, o referido texto final foi aprovado em votação final global, tendo proferido declaração de voto os Srs. Deputados Pedro Roseta (PSD), José Vera Jardim (PS) e Basílio Horta (CDS-PP).
Foi ainda aprovado um parecer da Comissão de Ética, autorizando um Deputado do PSD a depor em tribunal, por escrito, como testemunha.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 55 minutos.

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O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 10 minutos.

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
António Alves Marques Júnior
António Alves Martinho
António Fernando Marques Ribeiro Reis
António Fernando Menezes Rodrigues
António José Gavino Paixão
António Manuel do Carmo Saleiro
Armando António Martins Vara
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Bruno Renato Sutil Moreira de Almeida
Carla Maria Nunes Tavares Gaspar
Carlos Alberto
Carlos Alberto Dias dos Santos
Carlos Manuel Luís
Casimiro Francisco Ramos
Cláudio Ramos Monteiro
Eduardo Ribeiro Pereira
Emanuel Silva Martins
Fernando Manuel de Jesus
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Serrasqueiro
Filipe Mesquita Vital
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Francisco José Pinto Camilo
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres
Gil Tristão Cardoso de Freitas França
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho
Helena Maria Mesquita Ribeiro
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco d'Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge Tinoco de Faria
Isabel Maria Soares Pinto Zacarias
Jamila Barbara Madeira e Madeira
João Alberto Martins Sobral
João Cardona Gomes Cravinho
João Francisco Gomes Benavente
João Pedro da Silva Correia
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Alberto Leal Fateixa Palmeiro
José Aurélio da Silva Barros Moura
José Carlos Pinto Basto Mota Torres
José da Conceição Saraiva
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Ernesto Figueira dos Reis
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Rosa do Egipto
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Miguel Correia Noras
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão
Luísa Pinheiro Portugal
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António dos Santos
Manuel Maria Diogo
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Margarida Maria Santos Soares da Rocha Gariso
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira
Maria do Céu da Cruz Vidal Lourenço
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Luísa Silva Vasconcelos
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura
Nuno Fernando Teixeira Ferreira da Silva
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco
Paulo Alexandre Homem de Oliveira Fonseca
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Teresa Maria Neto Venda
Victor Brito de Moura
Victor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Alves Peixoto
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Álvaro dos Santos Amaro
Ana Maria Martins Narciso
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António d'Orey Capucho
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Manuel da Cruz Silva
António Paulo Martins Pereira Coelho
Armando Manuel Dinis Vieira
Arménio dos Santos
Armindo Telmo Antunes Ferreira
Artur Ryder Torres Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos Manuel de Sousa Encarnação

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Carlos Parente Antunes
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares
Eugénio Fernando Sá Cerqueira Marinho
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Jorge Loureiro de Reboredo Seara
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
João Bosco Soares Mota Amaral
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José da Silva Maçãs
Joaquim Martins Ferreira do Amaral
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José António de Sousa e Silva
José David Gomes Justino
José Eduardo Rêgo Mendes Martins
José Frederico de Lemos Salter Cid
José Manuel de Matos Correia
José Manuel Durão Barroso
José Miguel Gonçalves Miranda
Lucília Maria Samoreno Ferra
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Pedro Machado Sampaio de Sousa Pimentel
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Castro de Almeida
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Maria Moreira
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria do Céu Baptista Ramos
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Nuno Miguel Marta de Oliveira da Silva Freitas
Nuno Miguel Sancho Cruz Ramos
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro Manuel Cruz Roseta
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rui Fernando da Silva Rio

Partido Comunista Português (PCP):
Ana Margarida Lopes Botelho
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
João António Gonçalves do Amaral
Joaquim Manuel da Fonseca Matias
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Natália Gomes Filipe
Maria Odete dos Santos
Octávio Augusto Teixeira

Partido Popular (CDS-PP):
António Herculano Gonçalves
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca
Fernando Alves Moreno
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró
Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona
Narana Sinai Coissoró
Raúl Miguel de Oliveira Rosado Fernandes
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV:
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

Bloco de Esquerda (BE):
Fernando José Mendes Rosas
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário da Mesa vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram aceites, as seguintes iniciativas legislativas: projectos de lei n.os 425/VIII - Elevação da povoação de Raiva, no concelho de Castelo de Paiva, à categoria de vila (Deputada do PS Rosa Maria Albernaz), que baixou à 4.ª Comissão, 426/VIII - Regime jurídico aplicável aos trabalhadores das residências do ensino básico e secundário (PCP), que baixou à 9.ª Comissão, 428/VIII - Capacidade eleitoral dos militares e agentes militarizados dos quadros permanentes em efectividade de serviço e exercício dos cargos políticos para que sejam eleitos (PSD), que baixou às 1.ª e 3.ª Comissões, 429/VIII - Alterações ao artigo 31.º da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas (PSD), que baixou às 1.ª e 3.ª Comissões, e 430/VIII - Associativismo militar (PSD), que baixou às 1.ª e 3.ª Comissões; propostas de lei n.os 70/VIII - Aprova a Lei de Programação Militar, que baixou à 3.ª Comissão, e 71/VIII - Altera o artigo 31.º e adita os artigos 31.º-A a 31.º-F da Lei n.º 29/82, de 11 de Dezembro (Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas), que baixou às 1.ª e 3.ª Comissões; projectos de resolução n.os 132/VIII - Criação, integração, fusão e extinção de institutos públicos (CDS-PP), 133/VIII - Novo regime fiscal aplicável às deduções pessoalizantes por ascendente que viva em comunhão de habitação (CDS-PP), 134/VIII - Cumprimento da Lei do Serviço Militar (PSD) e 135/VIII - Visa adoptar uma estratégia de prevenção e promoção da segurança rodoviária (Os Verdes); apreciações parlamentares n.os 42/VIII, que solicita a apreciação, pela Assembleia da República, do Decreto-Lei n.º 88/2001, de 23 de Março - Aprova as adaptações necessárias à integração do ensino superior militar no sistema nacional de avaliação e acom

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panhamento do ensino superior (CDS-PP) e 43/VIII, que solicita a apreciação, pela Assembleia da República, do Decreto-Lei n.º 99/2001, de 28 de Março - Coloca as escolas superiores de enfermagem e de tecnologia da saúde pública sob a tutela exclusiva do Ministério da Educação e procede à reorganização da sua rede, bem como cria os Institutos Politécnicos da Saúde de Coimbra, de Lisboa e do Porto (PSD).
Sr. Presidente e Srs. Deputados, há ainda um relatório e parecer da Comissão de Ética, que importa, desde já, aprovar.
O relatório e parecer refere-se à retoma de mandato, nos termos do artigo 6.º, n.os 1 e 2, do Estatuto dos Deputados, do Sr. Deputado José Lemos, do PS (círculo eleitoral do Porto), cessando o Sr. Deputado Fernando Jesus, em 18 de Abril corrente, inclusive.
Refere-se ainda o relatório e parecer às seguintes substituições: nos termos do artigo 7.º (renúncia do mandato) do Estatuto dos Deputados, do Sr. Deputado José Lemos, do PS (círculo eleitoral do Porto), pelo Sr. Deputado Fernando Jesus, com início em 18 de Abril corrente, inclusive, e nos termos do artigo 20.º, n.º 1, alínea h), do Estatuto dos Deputados, do Sr. Deputado Pedro Santana Lopes, do PSD (círculo eleitoral de Coimbra), pelo Sr. Deputado José Macedo Abrantes, com início em 22 de Abril corrente, inclusive.
O parecer da Comissão de Ética vai no sentido de que a retoma de mandato e as substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos passar à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 421/VIII - Lei-Quadro para a Avaliação e Qualidade dos Ensinos Básico e Secundário (PSD) e 422/VIII - Obriga à divulgação, por escola e por disciplina, dos resultados dos exames do 12.º ano de escolaridade, bem como de outra informação complementar que possibilite o conhecimento geral sobre o sucesso e insucesso escolares no ensino secundário (PSD). Trata-se de um agendamento potestativo do PSD.
É provável que o debate destes diplomas termine antes das 18 horas. Se assim for, sugiro que as votações regimentais tenham lugar imediatamente a seguir à discussão que vamos agora iniciar.
Para iniciar o debate, tem a palavra o Sr. Deputado David Justino.

O Sr. David Justino (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não será por demais dizê-lo: o grande desafio que se coloca à educação em Portugal é o da qualidade. Di-lo o Governo e reafirmamo-lo nós como maior partido da oposição.
Qualidade, pedem-na os alunos, concordam os professores, exigem-na os cidadãos.
Encerrado que foi o ciclo do crescimento rápido da população e do parque escolar, inverteram-se as tendências, reorientaram-se as políticas educativas. O meado da década de 90 terá sido o ponto de viragem.
O problema que vos colocamos é bem simples de formular, mas talvez mais difícil de resolver. De então para cá poderemos afirmar, de consciência tranquila e na seriedade de propósitos, que a qualidade do ensino praticado nas nossas escolas do ensino básico e secundário aumentou? Será melhor o ensino de hoje do que o de há cinco anos atrás? Os alunos das nossas escolas saem melhor preparados para o mercado de trabalho? Revelam melhores competências e mais altos desempenhos na leitura, no cálculo e no conhecimento do mundo que os rodeia e da cultura que sustenta a nossa identidade? Resolvem de forma mais eficaz os problemas que o dia-a-dia nos coloca e os desafios que este mundo tão mudado e tão célere nos faz enfrentar? Estão melhor preparados para o turbilhão da mudança? Nada, mas nada, nos permite dizer com segurança e rigor que sim.
Poderão VV. Ex.as argumentar que, com a mesma segurança e rigor, dificilmente poderemos dizer que não. Aceitamos o argumento, porque reconhecemos que não existem indicadores credíveis para avaliar, de forma sistemática e fundamentada, como tem evoluído a qualidade do ensino em Portugal.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas reconheçam também a realidade que se traduz numa crescente insatisfação dos cidadãos; reconheçam que o abandono escolar se mantém a níveis preocupantes; reconheçam que os patamares de desempenho em disciplinas fundamentais, como é o caso da Matemática, da Física e da Química, são cada vez mais baixos; reconheçam que as carências sentidas de há muito nas condições de ensino se agravaram, que a indisciplina e a insegurança invadiram as nossas escolas e que o Desporto Escolar foi completamente esquecido por este Governo.
Nunca se falou tanto de qualidade no ensino. Mas é esta a qualidade que queremos?
O Sr. Ministro fala incansavelmente dos TEIP, da gestão flexível dos curricula, da revisão curricular, do aumento da despesa, das escolas completas... Sim, Sr. Ministro! Mas os resultados?
Ao fim de seis anos de política educativa socialista, quais são os resultados? Temos um ensino melhor? Temos mais qualidade?
Se queremos mais qualidade, teremos de ter melhor política, mais avaliação e, acima de tudo, mais responsabilidade.
«Mas nós já temos avaliação», dirá o Sr. Ministro. Sim, Sr. Ministro! Mas os resultados?
Quais são as consequências da avaliação?

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A educação em Portugal cada vez mais me faz lembrar o tempo das derrotas copiosas que se transformavam sempre em vitórias morais. Sr. Ministro, nós, no PSD, e a maioria dos portugueses já não nos conformamos com vitórias morais.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Queremos resultados em que todos nos possamos rever.
Por isso, submetemos à apreciação da Assembleia dois diplomas, que visam regulamentar e sistematizar os instrumentos de avaliação da qualidade no ensino básico e secundário.
O primeiro diploma define os objectivos, os parâmetros e a responsabilização pelos resultados da avaliação, remete para uma entidade independente da administração educativa a competência para, de forma participada, promover essa avaliação e assenta no princípio da complementaridade entre auto-avaliação e avaliação externa.
O segundo diploma concretiza para o ensino secundário um dos princípios subjacentes ao primeiro: os resultados terão de ser conhecidos na sua totalidade pela opinião pública.
Esses resultados existem e não podem continuar no segredo do Ministério da Educação. É inadmissível a recusa sistemática da publicação desses resultados por escola e por disciplina.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mais importante do que a discussão sobre os rankings é a violação de um direito de cidadania. Todos temos o direito a conhecer quais são as boas e as más escolas e todos temos a liberdade de fazer as leituras que entendermos, concorde ou não com elas o Sr. Ministro.
Há ou não há escolas que inflacionam as notas para favorecer os alunos no acesso ao ensino superior?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - São as privadas!

O Orador: - Não o preocupa, Sr. Ministro? Não o preocupa o facto de um aluno ver negada a entrada num curso do ensino superior só porque frequentou uma escola onde os professores são mais exigentes?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Há ou não há escolas em que os alunos são brilhantes numas disciplinas e ignorantes profundos noutras, sem explicação aparente? Há ou não há escolas em que os professores têm feito um esforço meritório na melhoria do desempenho dos seus alunos, com resultados visíveis? Não merecem essas escolas e esses professores uma distinção, o reconhecimento público, uma maior atenção do Ministério para com os seus problemas e as suas carências?
Afinal, Sr. Ministro, de que tem medo ou quem quer proteger, ao recusar a publicação, escola a escola, disciplina a disciplina, dos resultados obtidos em provas nacionais? É da competição entre escolas que tem medo? É o modelo de escola pública, pretensamente igualitária, que quer proteger? Porque não protege com a mesma veemência a liberdade de ensino? Porque teima em acentuar o centralismo e a concepção estatista da escola, ao arrepio de todas as tendências mais recentes? Ou é a si mesmo, à sua equipa e aos seus antecessores que quer proteger? A sua recusa não é mais do que o reconhecimento do total insucesso de seis anos de política educativa socialista.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Compreendo-o, Sr. Ministro. Compreendi-o logo no primeiro debate que tivemos nesta Sala, quando reafirmou a continuidade da sua política, que nunca chegou a mudar o essencial do sistema educativo. Não o lamento por si, lamento-o pelo País.
Para finalizar, uma citação: «Avaliar às claras, periodicamente, garantindo o direito de recurso e de resposta, a independência dos avaliadores, o realismo e a pertinência dos critérios e a sua comparabilidade nacional e internacional. Não basta saber avaliar e fazê-lo aqui e ali, às vezes, é preciso fazê-lo sempre e em todo o lado. E é indispensável que se conheçam e se expliquem claramente os resultados e as consequências das avaliações efectuadas. Precisa-se de uma cultura da avaliação e da qualidade, actualizada em permanência, baseada na probidade e na solidariedade e assente no saber.» - José Mariano Gago, Ministro da Ciência, em artigo publicado no jornal Público, de 17 de Abril de 2001.
Sem mais comentários, tenho dito.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Margarida Botelho, Ana Catarina Mendonça e Luís Fazenda.
Para o efeito, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Botelho.

A Sr.ª Margarida Botelho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado David Justino, o PCP considera sintomático que para o PSD sejam estes dois projectos de lei as medidas fundamentais na área da educação, como se dizia hoje num órgão de comunicação social.
E a questão que lhe quero colocar é muito simples: como tenciona o PSD evitar que estas medidas tornem as escolas ainda mais elitistas do que já são hoje? Acontece uma coisa muito simples, nomeadamente no Reino Unido, que é um dos exemplos que gosta de citar: é que as piores escolas continuam piores, tal como se prova no ranking do Reino Unido.
Por outro lado, também acontece uma coisa muito curiosa, que, inclusivamente, hoje um jornal citava: nos bairros onde se localizam as escolas supostamente melhores a procura de casas e o seu preço disparam, porque todos os pais querem que os seus filhos frequentem aquelas escolas. Tal gera um fenómeno muito simples: é que a procura para a oferta daquelas escolas é grande demais, e

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as escolas escolhem os melhores alunos, ao mesmo tempo que os professores também concorrem em maior número, ficando lá colocados os melhores. Ou seja, assim as melhores escolas continuarão a ter os melhores alunos e os melhores professores, numa elitização que, para nós, é inaceitável. Tanto mais que os Srs. Deputados do PSD, no seu projecto de lei, propõem ainda incentivos para as melhores escolas, o que arrasta a institucionalização da discriminação, que, para nós, não é aceitável.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado David Justino.

O Sr. David Justino (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Margarida Botelho, sei que o Partido Comunista é muito sensível ao problema das escolas dos pobres e das escolas dos ricos ou, se quiser, das escolas elitistas. Mas tem melhor retrato que o actual sistema de ensino, que se divide em escolas de pobres e escolas de ricos, sem nunca se falar nisso? Nunca a diferenciação, em termos de diferenciação social, ao nível das várias escolas, se fez sentir tanto como na actualidade! Nunca os mecanismos de exclusão social se fizeram sentir tanto como na actualidade! E quer a Sr.ª Deputada dizer-me que é melhor não olharmos para isso e partirmos do princípio de que são todas iguais?!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Nós não partimos desse princípio!

O Orador: - Eu não acredito. Prefiro aceitar a realidade do que propriamente estar a mascará-la.
O caso do Reino Unido é um caso igual a tantos outros. Não é preciso ir ao Reino Unido, basta olhar para a Área Metropolitana de Lisboa para ver que, sem haver rankings, os pais com melhores posses já escolhem as escolas em função da sua qualidade para não estarem sujeitos à má qualidade de outras escolas do ensino público. A diferenciação já existe!
Aquilo que considero importante é que o Ministério assuma que tem de ter uma política de discriminação positiva não só em relação às boas escolas mas também em relação às más, porque as más escolas, se o são, então precisam de um apoio reforçado do Ministério em termos de meios, em termos de incentivos à colocação de professores, para que possam tornar-se melhores. Não defendo a discriminação total entre «vamos só apoiar as boas, as que estão no topo do ranking» ou «vamos apoiar as más, que estão na base do ranking». É precisamente por isso que é importante dizer se são más, para então tentarmos investir mais e melhor para que elas se tornem melhores. Assim, não sei qual é o critério de distribuição quer de financiamentos, quer de apoios, quer de acções e programas especiais para recuperar essas mesmas escolas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado David Justino, o PSD traz hoje a esta Câmara o debate sobre a avaliação das escolas, mas eu quero dizer-lhe que traz a este debate uma visão redutora, simplista, muito catastrófica e, sobretudo, inadequada face ao sistema de educação que temos em Portugal. A avaliação da qualidade do ensino não pode ficar-se apenas por avaliar os exames nacionais ou as classificações do sucesso ou insucesso dos estudantes.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Isso é verdade, mas não tem nada a ver com o debate!

A Oradora: - Por isso mesmo, Sr. Deputado David Justino, o que está em causa são duas visões distintas sobre avaliação e qualidade do ensino em Portugal. Enquanto que, para o PSD, a massificação, a democratização das escolas é sinónimo de insucesso e de mediocridade, para o PS e para o Governo a convicção democrática da escola aberta é significativa de que este é um factor essencial à promoção da qualidade mas que também atribui melhores desempenhos escolares. Enquanto que o PSD tem uma dimensão da avaliação restrita aos exames e às provas nacionais, a dimensão do PS e do Governo quanto à avaliação é uma dimensão muito mais ampla, que considera as classificações, mas também o clima e ambiente educativos, o enquadramento socio-familiar, a organização e a gestão das escolas. Enquanto que o PSD defende um ranking oficial nacional, o PS e o Governo assumem a ponderação deste ranking, um ranking que possa contextualizar os resultados em função das condições envolventes ao desempenho das escolas, bem como ainda a diferenciação para promover a qualidade das escolas, competindo aos agentes educativos avaliar o resultado das suas avaliações em cada momento e caso concreto.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Isso não tem nada a ver com o debate!

A Oradora: - Enquanto que o PSD tem uma visão unidimensional da avaliação, nós temos uma visão pluridimensional da qualidade, valorizando a avaliação integrada. É precisamente por isso que o PS apresentou o programa de avaliação integrada das escolas, que decorreu no ano lectivo de 1999/2000, e cujo resultado, Sr. Deputado David Justino, é público, podendo ser lido por todos e inclusivamente por si. Este programa incluiu 348 estabelecimentos, com um desempenho globalmente positivo.
Mas deixemo-nos dessas questões e passemos ao concreto. Pergunto-lhe, Sr. Deputado: com vista à apresentação destes projectos de lei, quem consultou? Quem ouviu? Ouviu os estudantes, os professores, os sindicatos, a comunidade internacional? Ou foi o PSD pressionado pela comunicação social?
Em segundo lugar, pergunto-lhe: está o PSD interessado em criar escolas de primeira e escolas de segunda? Ou seja, o PSD é capaz de assumir que os projectos de lei em análise são contra a convicção democrática da escola aberta para todos, assumindo também o PSD o seu preconceito quanto à escola …

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O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Terminou o seu tempo. Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Por último, Sr. Deputado, pergunto-lhe se assume, perante esta Câmara, que, ao propor este novo organismo, este será um projecto despesista, o que tanto o PSD costuma criticar.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Despesista?!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Os serviços pedem-me que apele aos Srs. Deputados para que façam o favor de desligar os telemóveis, porque interferem com os meios técnicos de apoio aos trabalhos e impedem a contagem dos tempos de intervenção. Peço, pois, aos Srs. Deputados não só para não utilizarem os telemóveis na Sala, como para os desligarem.
Tem a palavra o Sr. Deputado David Justino para responder.

O Sr. David Justino (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça, o comentário que fez acerca da visão redutora e simplista tocou-me, porque, geralmente, tenho o cuidado de não ter visões redutoras nem simplistas. E sabe porque é que me tocou? Porque, depois, ao ouvir o resto da sua intervenção, cheguei à conclusão de que a Sr.ª Deputada nem sequer leu os dois projectos de lei!

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): - Isso não é verdade!

O Orador: - Não leu! Não leu que, para além dos resultados, consideramos outras variáveis, que são todas aquelas que a Sr.ª Deputada citou - todas!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Está lá tudo escrito!

O Orador: - Todas as que citou, estão lá! Basta ler! Sr.ª Deputada, venha para a Sala bem preparada!

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Não fez o trabalho de casa!

O Orador: - Não me diga, pois, a mim, que eu é que tenho visão redutora e simplista. As visões redutoras e simplistas são de quem não estuda e de quem não faz o trabalho de casa!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Fez o trabalho de casa muito mal feito!

O Orador: - Portanto, se ler com atenção os projectos de lei que apresentamos, verá que não nós temos uma visão dita unidimensional - isso é um chavão que o Sr. Ministro teve o cuidado e o êxito de lançar num artigo. As diferentes variáveis estão presentes nos nossos diplomas! Não nos baseamos só nos resultados para elaborar listas ordenadas das escolas, há outras variáveis que consideramos.
Portanto, a única coisa em que parece que não chegamos a acordo (e agora já estou um pouco baralhado!) é que a Sr.ª Deputada e o PS defendem a existência de rankings, desde que sejam consideradas essas variáveis! Então, ponha-os cá fora!
Aquilo que eu quero é que a avaliação tenha consequências, ou seja, que não fique nem na gaveta nem no bolso só de algumas pessoas. Quero que seja conhecida e que haja um controlo social sobre isso - o controlo da opinião pública é um direito básico que temos, o de conhecer toda essa informação. E quando digo toda, é toda, na integridade, não é o somatório das várias informações mandadas para as escolas. Esse é um sofisma que eu não aceito!
Quanto a quem consultámos e ouvimos, o PSD defende - e já constava do programa de governo que apresentámos em Setembro de 1999 - a consulta de sindicatos e de escolas. Mas não é pelo facto de consultarmos que temos de nos dispersar pelas várias posições que existem! Nós ouvimos para percebermos quais eram os argumentos contra e a favor, e chegámos à conclusão de que esta era a melhor fórmula para apresentar. Continuamos a pensar, independentemente do futuro que possam ter estes dois diplomas, que esta é a melhor fórmula. E pode ter a certeza de que, mais tarde ou mais cedo, ela vai ser aplicada.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado David Justino, disse, na sua intervenção, que era necessário melhorar os desempenhos na instrução de algumas disciplinas no ensino secundário, que era necessário melhorar as condições nas escolas, que era necessário corrigir situações de indisciplina nas escolas, mas não se percebe em que é que os projectos de diploma que o PSD aqui apresenta têm a ver com estas realidades insofismáveis que hoje existem no ensino secundário português. Uma coisa não tem relação directa com a outra. Não se entende como é que a publicitação de resultados de avaliação e a criação de um ranking oficial vem agir sobre essas realidades, que são débeis, do nosso sistema educativo. A causa invocada não parece, pois, ter relação com o efeito proposto.
Quanto à avaliação interna na comunidade educativa ou às avaliações externas promovidas pelo poder público, não lhe parece que deva ser a própria comunidade educativa a auto-regular a melhoria da qualidade do ensino, a melhoria da prestação desse serviço público? Ou será que é o mercado, externamente, que vai induzir a comunidade educativa a alterar formas de avaliação e formas de funcionamento do sistema escolar?
O que parece existir nestes diplomas é uma ideia de despersonalização do sistema educativo para que seja o mercado e entidades exteriores a vir regulá-lo. Esse não é

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um caminho que ajude à resolução dos problemas educativos e será, quanto muito, em minha opinião, e sem acinte, uma ajuda a uma política urbanística, a promotores imobiliários, porquanto vai seleccionar uma escola que já hoje é selectiva e vai ter um impacto determinante naquilo que é a vivência urbanística.
Pode o Sr. Deputado dizer que já hoje há escolas de primeira e escolas de segunda, no entanto não parece que a eternização e a criação de «condomínios fechados» para escolas de excelência e de ghettos abertos para escolas que não são de excelência venha a ser a melhor solução. Aliás, lamento que o PSD - desculpe que lhe diga, Sr. Deputado! -, no dia 25 de Abril, tenha feito a apologia do humanismo e que, no dia 26 de Abril, nos traga aqui uma espécie de darwinismo em relação ao sistema educativo - a lei do mais forte e da selecção natural! Não me parece que esse seja, efectivamente, um propósito de humanismo. Qualquer que seja o autor considerado, ainda não descobrimos qual é a fonte e a matriz do PSD!
Ultrapassando isso, e para terminar, Sr. Deputado David Justino, queria perguntar-lhe se o PSD não pensa que o que propõe não induz em nenhuma das realidades débeis do nosso sistema educativo e se, por detrás disto e a longo prazo, não está uma perspectiva de privatização de parte do ensino secundário, que é para aí que caminhamos.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, tem de concluir.

O Orador: - Concluo de imediato, Sr. Presidente, dizendo que se estamos mal no sistema educativo - e o Partido Socialista faz o mal - me parece que o PSD quer fazer a caramunha!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Antes de dar a palavra ao próximo orador, anuncio que assistem à nossa reunião plenária um grupo de 35 alunos da Escola Secundária do 3.º Ciclo Maria Lamas, de Torres Vedras, um grupo de 40 alunos da Escola do Ensino Básico do 2.º e 3.º Ciclos Dr. Joaquim R. Peixoto de Magalhães, de Faro, um grupo de 41 alunos da Escola do Ensino Básico do 2.º e 3.º Ciclos com Ensino Secundário Pedro da Fonseca, de Proença-a-Nova, um grupo de 40 alunos da Escola Secundária da Lousã, um grupo de 13 alunos da Escola Secundária Nuno Álvares, de Castelo Branco, um grupo de 45 alunos da Escola Secundária Felismina Alcântara, de Mangualde, e um grupo de 12 alunos do Real Colégio de Portugal, de Lisboa.
Para todos eles peço a tradicional saudação do Plenário.

Aplausos gerais de pé.

Para responder às questões colocadas pelo Sr. Deputado Luís Fazenda, tem a palavra o Sr. Deputado David Justino.

O Sr. David Justino (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, sei que o Bloco de Esquerda não gosta do mercado! Reconheço isso e, pelo menos, saúdo a vossa coerência. Mas o mercado somos nós! Ele existe! E, das duas, uma: ou se ignora e somos vítimas dele, ou então tenta-se regular e impor regras. Porque não há mercado, na verdadeira acepção da palavra, sem duas coisas: regras e informação. E aquilo que querem, com a recusa destes projectos, é ignorar o mercado e privar os cidadãos de terem informação para poderem actuar de acordo com a sua liberdade de escolha, que é algo a que o BE também não dá muita importância. Nós damos! É por isso que o Sr. Deputado está desse lado e eu estou deste! É tão simples quanto isso. Mas isso não lhe permite concluir relativamente a qualquer tendência de dito darwinismo social. Não há darwinismo social!
O que há é uma clara aceitação de que a competição também é um meio de poder promover, de poder incentivar melhores desempenhos e melhores resultados - isso, sim, defendemos.
Já foi aqui dito que tudo o que seja competição não! Mas, Sr. Deputado, nós competimos criminosamente na estrada, competimos na nossa carreira profissional, competimos na política, competimos em tudo o que é vida social... E não querem que as escolas possam competir saudavelmente umas com as outras?! Eu não aceito isso! Penso que a competição pode ser saudável, pode ser positiva e pode ter bons resultados, saibamos nós precaver as habituais distorções ou perversões que isso possa ter - para isso, estamos cá! É por isso que eu digo que o mercado somos nós. E tem de ter duas coisas: informação e regulamentação. Tão-só isto! Não há mercado sem regras! Mercado sem regras é a selva, e nunca ouviu, da parte do PSD, defender uma concepção dessas. Nesse sentido, aquilo que dizemos é que também não queremos competição sem regras, queremos visibilidade, transparência e que a política educativa não esteja hipotecada a interesses corporativos. Isso não aceitamos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Ainda para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Alberto Fateixa.

O Sr. José Alberto Fateixa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado David Justino, gostaria de começar por afirmar que o PSD chegou tarde ao combate pela qualidade. Chegou tarde e apresenta uma lei-quadro cujo primeiro exemplo de aplicação ignora um trabalho de avaliação que está, neste momento, a ser feito pelo Ministério da Educação através da Inspecção-Geral da Educação. É bom frisar isso: é que, neste momento, já é feita avaliação às escolas - é feita auto-avaliação e avaliação exterior. E é feita e comunicada às escolas numa perspectiva de repensar a sua prática e de dar conhecimento à comunidade, às autarquias, às associações de pais, às associações de estudantes e aos conselhos pedagógicos de documentos de trabalho para eles próprios caminharem na conquista da qualidade. Portanto, já é feita a avaliação.
Sr. Deputado David Justino, gostaria de lhe expor algumas preocupações com que fiquei após a leitura deste mesmo diploma.

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Em primeiro lugar, não estará aqui em causa a alteração de todo o edifício legislativo, na área da educação? Isto é, não estará aqui em causa, de facto, o estabelecimento de novas regras para a contratação dos professores, para a colocação dos professores? Não estará isso aqui subjacente? Ou seja, vamos estimular o ranking e a competição entre as escolas, mas não estará aqui subjacente que todo o processo de contratação vai ser distinto? Não estará aqui em causa uma nova forma de avaliar os professores? Não estará aqui subjacente, de facto, que o desempenho das escolas também depende muito dos professores? Não estará aqui em causa a criação de um sistema de «listas de espera»? Não quererá o Sr. Deputado criar listas de espera nas nossas escolas? É que, ao indicar as escolas de excelência, não estará a estimular, de facto, a transferência e a preferência dos pais e das famílias por certas escolas, que são as escolas de excelência? Isto é, está o PSD interessado em criar listas de espera neste domínio?
Está, ou não, aqui subjacente a rejeição do modelo de escola inclusiva, que tem apoios para os deficientes, para aqueles que têm carências, e a criação de um outro modelo, o de uma escola puramente competitiva?
É evidente que é importante preparar todos para a competição, mas não estará também aqui em causa a rejeição desse primeiro modelo?
São estas, grosso modo, as questões que queria colocar.
Por último, gostaria de sublinhar o seguinte: o Governo e o Partido Socialista são, naturalmente, favoráveis a uma avaliação das escolas. Mas numa altura em que está a ser implantado um processo de revisão curricular, numa altura em que são feitos grandes investimentos nas escolas, será este o momento, pergunto, para aplicar um modelo em que o primeiro exemplo que dão é, no fundo, a avaliação a partir de médias de notas da classificação e a feitura de um ranking de escolas? Pergunto, no fundo, se é responsável, neste momento, apresentar uma medida deste tipo.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado David Justino.

O Sr. David Justino (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Alberto Fateixa, ainda bem que formulou essas questões, pois elas revelam bem quais são os seus receios.
Nesse sentido, é óbvio que, subjacentes a estes dois projectos de lei, estão concepções diferentes de política educativa - não tenhamos dúvidas! Portanto, é bom que se diga que são duas concepções diferentes do que deve ser a educação em Portugal.
Agora, quanto ao problema de se poderem criar listas de espera na educação, não me tinha lembrado dessa!… Mas tenho a esperança de que, talvez depois desta reunião plenária, o PS, que é especialista em listas de espera, nomeadamente na área da saúde, me possa informar de como combatê-las na educação. É que nós não percebemos de listas de espera; só sabemos combatê-las, não criá-las.

A Sr.ª Isabel Pires de Lima (PS): - Mas é o que estão a fazer!

O Orador: - Agora, os senhores, que sabem criá-las, se puderem dizer-me como é que isso se faz, para eu, depois, não o fazer, agradeço-lhes.
Relativamente às novas regras de contratação de professores, não há novas regras, Sr. Deputado, não há necessidade de alterar, no fundamental, as regras de contratação de professores, porque a publicação do ranking não leva necessariamente a isso.
Quanto à avaliação que se faz, o documento a que está a referir-se e que tenho aqui, da autoria da Inspecção-Geral da Educação, é tecnicamente excelente, de grande qualidade, mas o cidadão comum não percebe o que nele está escrito - eu percebo, porque tenho alguma formação e alguma especialização nesta matéria - e, como não percebe, não pode escolher, nem tirar as conclusões.
O grande problema da avaliação, da avaliação feita pelos senhores, é este: os senhores dizem «nós fizemos a avaliação»; só que, depois, em relação às consequências, pensam «isso fica para o futuro…». E nunca ninguém sabe quais elas são.
Ora, o que quero é que haja mecanismos de transparência e de acessibilidade à informação, de forma a que as pessoas possam fazer escolhas e, acima de tudo, o Ministério da Educação possa reorientar as políticas de apoio às escolas, não se limitando à velha e tradicional política de transferências automáticas, que praticamente domina os princípios do financiamento do Ministério às escolas - isso é que não pode ser.
Além disso, tem de haver, em minha opinião, políticas de discriminação positiva para as escolas, quer daquelas que são boas quer daquelas que não o são, mas que podem vir a sê-lo - isto é o fundamental.
Se não querem que haja políticas de discriminação positiva, então, deixem andar, tal como está, porque o destino deste tipo de políticas está mais do que traçado - já não acredito nele!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Botelho.

A Sr.ª Margarida Botelho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A Lei de Bases do Sistema Educativo aponta objectivos para todos os níveis de ensino. Tal como em relação a qualquer actividade, é lógico que o Estado, a sociedade, em geral, e os parceiros educativos, em particular, avaliem se os objectivos estão ou não a ser cumpridos.
Dos três modelos de avaliação existentes - diagnóstica, formativa e sumativa - só faz para o PCP sentido que existam as duas primeiras no sistema educativo. A avaliação sumativa só existe se desejarmos colocar os avaliados, por comparação, numa escala. Acontece que as escolas são projectos em curso - ter, num determinado ano lectivo, obtido bons resultados em certo aspecto, não significa que a melhoria esteja assegurada. Muitos factores, exteriores à escola, concorrem para estas alterações: o nível de estabilidade e de profissionalização do corpo docente não são suficientes; os meios sociais, económicos e culturais de

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onde são oriundos os estudantes condicionam - e isto é reconhecido por todos os técnicos e teóricos da educação - as possibilidades de sucesso de cada aluno.
O ranking, se existisse, não daria qualquer novidade se chegasse à conclusão de que as escolas dos grandes centros urbanos teriam potencialmente estudantes com melhores notas do que os das escolas do interior e do meio rural. Todos os estudos, incluindo um da Sr.ª Secretária de Estado e mesmo os resultados das provas aferidas do 1.º ciclo, apontam para que o perfil do estudante que abandona a escola seja do meio rural, tenha fracas posses e baixos estímulos culturais. As origens sociais condicionam brutalmente as possibilidades de sucesso educativo das crianças e dos jovens: queiramos ou não, a linguagem da escola continua a ser demasiado erudita para milhares de estudantes do nosso país, que têm, primeiro, de ultrapassar a barreira desta linguagem, que não é a sua, e só depois a dos conhecimentos curriculares. A nossa escola ainda não é a escola integradora e diversificada de que o País precisa.
Democraticamente, é insustentável que duas crianças não tenham as mesmas possibilidades de sucesso. A bitola que o PSD propõe é, por isso mesmo, profundamente injusta, elitista e conservadora. Nem o facto de o artigo 7.º do projecto de lei n.º 421/VIII enunciar timidamente mais parâmetros para além do das notas quantitativas disfarça a ausência da ponderação das condições sociais, económicas e culturais como factores de sucesso educativo.
Parece óbvio que as primeiras escolas do ranking teriam uma longa lista de candidatos, quer de professores, quer de alunos. Os profissionais melhor classificados procurariam as supostas melhores escolas. Aos estudantes, sucederia o que já hoje acontece no Reino Unido. Naturalmente que as escolas escolheriam de entre os seus candidatos os já de si melhores alunos. Aparentemente, só a direita não compreende que esta é uma espiral de elitização inaceitável. Melhor dizendo: só a direita, compreendendo perfeitamente, deseja esta espiral de elitização.
Na Irlanda, já existiu este método e desistiram, por considerarem que tem efeitos perversos na motivação dos professores e na confiança social no sistema escolar básico na sua globalidade.
Ao propor ainda mais provas, o PSD parece querer enterrar a avaliação contínua e centrar definitivamente o sistema educativo nos resultados destas novas provas, dos exames e das globais. Talvez os Srs. Deputados que propõem estes projectos de lei não saibam que hoje, no nosso país, já existem à venda livros de treino para os alunos do 1.º ciclo terem bons resultados nas provas aferidas, o que é vergonhoso. É uma pressão de que nem a escola, nem os estudantes, nem os pais precisam. Perde-se o quadro de referência do que é necessário aprender para se passar a treinar mecanicamente algumas habilidades. O Ministério da Educação tem, aliás, a responsabilidade de fazer parar este verdadeiro filão de lucro que as livreiras rapidamente descobriram e de impedir que se repita o clima de exame final global que se viveu antes e durante as provas.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - A proposta do PSD parece ainda esquecer que, hoje, já se sabem as médias de todas as provas do secundário e das aferidas do básico, a nível nacional. Cada escola tem acesso à sua própria média e tem os elementos suficientes para saber qual é a sua posição face à média nacional e corrigir as debilidades. As pautas são públicas e também permitem retirar daí conclusões. Os instrumentos existem. O que politicamente não tem sido feito é, pegando nestes instrumentos, transformá-los em medidas activas de promoção de cada escola.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - E, para isso, não precisamos de ranking algum; precisamos, sim, de vontade e capacidade políticas, que não têm existido.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É óbvio, até pela forma como começámos hoje a nossa intervenção, que, para o PCP, é fundamental que haja uma avaliação dos objectivos. Identificar quais são as escolas que não os cumpriram, perceber porquê, traçar, em conjunto com o Ministério da Educação, o corpo docente, os pais e os próprios estudantes as medidas necessárias para ajudar as escolas a ultrapassar as suas dificuldades. O ranking seria um factor de distorção grave neste processo.
É necessário combater com clareza - e o PCP não considera que o Governo do PS o venha fazendo - os problemas mais frequentes do sistema de ensino: os orçamentos, que restringem as possibilidades de diversificação das actividades das escolas e a sua real autonomia; a existência e as condições dos espaços físicos adequados às diversas actividades; a estabilidade do corpo docente e não docente.
O ranking institucionaliza e alimenta a ideia do melhor e do pior, quando isso não pode estar em causa. Todas as escolas têm de ser primeiras nas prioridades. A educação é um serviço público e um direito que tem de ser assegurado com qualidade a todos. Os resultados do processo educativo são sempre de longo prazo. «Carimbar» escolas, professores e estudantes com o ferrete do «bom» ou do «mau» em nada contribui para a melhoria do sistema educativo.

Aplausos do PCP.

O Sr. David Justino (PSD): - Têm medo da opinião pública!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Antunes.

O Sr. Carlos Antunes (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Margarida Botelho, o PSD assume, de forma consciente e responsável, que nenhuma reforma ou alteração pode ser concretizada à margem dos professores. Mas também temos plena consciência de que as condições oferecidas aos alunos são decisivas em termos de aprendizagem. Não chega dizer ou escrever que todos os alunos têm as mesmas oportunidades, porque efectivamente isso, hoje, não acontece. Hoje, temos assumidamente escolas de 1.ª,

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de 2.ª e de 3.ª classes. Isto é a realidade portuguesa, é um sistema que discrimina pela negativa.
O que é importante e urgente é que os políticos resolvam a actual situação. Há escolas do ensino particular e cooperativo boas e há escolas oficiais boas. O importante é que a oferta seja de qualidade e ofereça as melhores condições educativas, sejam as escolas públicas ou privadas. Agora, a actual situação é que não pode ser animada nem fomentada.
Em nosso entender, ao poder cabe fundamentalmente estimular, compete-lhe motivar. E, daquilo que compreendi da sua intervenção, penso que a Sr.ª Deputada se inclina mais para a co-responsabilização. Ora, o acto educativo, em si, exige essa co-responsabilização, mas, fundamentalmente, deve ser exigido ao Estado, ao Governo, que estimule. E o estimular exige necessariamente um processo de avaliação da classificação.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Botelho.

A Sr.ª Margarida Botelho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Antunes, tendo o Sr. Deputado referido a questão fundamental de que nenhuma reforma se pode fazer contra os professores, tenho a dizer-lhe que a FENPROF está inteiramente contra esta proposta, o que me parece bastante elucidativo.

Protestos do PSD.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O Governo ficou logo quieto quando a FENPROF disse que estava contra!

A Oradora: - Por outro lado, Sr. Deputado, não chega, de facto, dizer que os estudantes não têm as mesmas oportunidades. Acontece que nós não dizemos que os estudantes têm as mesmas oportunidades, pelo contrário. O que dizemos é que os vossos projectos de lei pioram este problema da igualdade de oportunidades.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - É que da mesma forma que, hoje, não existe, de facto, liberdade para escolher entre uma escola pública e uma escola privada se não se tiver dinheiro para ir para a escola privada, a verdade é que, com os vossos projectos de lei, o que sucederia era que não se teria possibilidades de ir para a melhor escola, porque a melhor escola já estaria ocupada com os melhores estudantes das escolas classificadas no vosso ranking.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Recordo aos Srs. Deputados e, em particular, às direcções dos grupos parlamentares que, sendo muito provável que o debate termine antes das 18 horas, as votações regimentais terão lugar logo a seguir ao final do debate.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Pires de Lima.

A Sr.ª Isabel Pires de Lima (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Começo por lembrar que, se o PSD tivesse compreendido, como o Sr. Deputado David Justino pretendeu, o relatório nacional do Programa de Avaliação Integrada das Escolas, publicado pela Inspecção-Geral da Educação, não teria certamente apresentado os projectos de lei hoje em discussão.

O Sr. José Alberto Fateixa (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Os níveis básico e secundário do sistema educativo português conheceram uma significativa expansão e complexificação, no quadro do desenvolvimento geral do País, no último quartel do Século XX. Tal expansão passou, e continuará a passar, por um crescente investimento da sociedade portuguesa no seu sistema educativo, quer do ponto de vista da afectação de recursos quer do ponto de vista das naturais expectativas que tal investimento suscita.
Consolidada a escolaridade básica obrigatória para toda a população, expandida a consequente formação secundária de três anos lectivos e fixado o quadro legal que define a autonomia e o modo de gestão dos estabelecimentos de ensino básico e secundário, há que monitorar estes dois subsistemas educativos de modo a permitir a recolha de dados que possibilite conhecer, nomeadamente, os desempenhos das escolas, abordadas como entidades organizadas, no quadro de contextos locais e regionais específicos, e portadoras de uma identidade em construção, fruto, por um lado, das suas opções em termos de projecto educativo e, por outro, dos condicionalismos de variadíssima ordem, desde os materiais e financeiros até aos socioculturais e simbólicos. Ultrapassada a fase da quantidade há que promover e controlar a qualidade, e não através da quantidade.
Tal sistema de observação e avaliação foi, em 1998/99, ensaiado em regime de voluntariado em duas dezenas de escolas e tem vindo a ser desenvolvido e aplicado no terreno desde 1999/2000 - envolvendo já 329 escolas - pela Inspecção-Geral da Educação, sob a designação, já aqui referida, de Avaliação Integrada das Escolas Portuguesas, numa atitude de inovação e não conformismo da parte do Ministério da Educação que o PSD não notou, e por isso chega tarde a este âmbito de questões.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!

A Oradora: - A avaliação do desempenho das escolas, enquanto unidades-base de execução da função educativa pública, deve contemplar a complexidade organizacional, funcional e social que este serviço público encerra e respeitar os desígnios educativos, sociais e culturais que persegue numa sociedade livre, fraterna, solidária e democrática, como se pretende que seja a sociedade portuguesa. Educar numa sociedade democrática e moderna é muito mais do que transmitir conhecimentos; é transmitir

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competências para o desenvolvimento pessoal e social dos alunos, no respeito pela igualdade de direitos no acesso e no sucesso educativos e no respeito pelo direito à diferença e à afirmação pessoal.
A formação e a educação que os jovens portugueses esperam, e que a escola e a sociedade portuguesas têm a obrigação de lhes facultar, implica o acesso à informação factual, cientificamente correcta e actualizada, mas implica também o desenvolvimento do saber-fazer, tecnicamente correcto e contextualizado, capaz de suportar a inevitável caducidade dos saberes teóricos científicos; implica igualmente a promoção de atitudes e valores humanistas e solidários, vividos e assimilados no quadro complexo, mas autêntico, da vivência democrática, capazes de manter a coerência cívica dos sujeitos, quer enquanto seres individuais quer enquanto cidadãos.
Sr. Presidente, Srs. Membros Governo, Srs. Deputados: Conhecer a forma como as escolas portuguesas assumem e exploram os grandes desideratos da Lei de Bases do Sistema Educativo implica uma estratégia que não se compadece - e quero aqui acentuá-lo - com soluções simplistas e primárias, do ponto de vista científico…

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

A Oradora: - … tecnicamente artificiais, enviesadas e tradicionais e principalmente eticamente intoleráveis e socialmente discriminantes, como é o caso dos projectos de lei do PSD que agora se discutem.
Pretender reduzir o sucesso/insucesso educativo a uma qualquer expressão quantitativa, por mais sofisticada que se possa antever a sua elaboração, só é compreensível numa visão positivista, tecnocrática e passadista da função educativa.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Num quadro civilizacional e social como aquele em que Portugal se insere - no qual os principais organismos internacionais, como a UNESCO ou a Comissão Europeia, traçaram, através de documentos seus, como o Relatório Delors, de 1966, e o Livro Branco da Educação e Formação, de 1995, as grandes orientações estratégicas para a educação dos próximos anos, onde reconhecem e valorizam a função social da educação e sublinham a necessidade de promover o desenvolvimento de competências pessoais, profissionais e sociais e não de objectivos, de desempenhos e não de provas escritas, de avaliação formativa e não sumativa -, os projectos de lei do PSD avançam com uma proposta, alheia a estas recomendações, de traduzir o sucesso/insucesso das escolas por uma expressão quantitativa, de seriá-las com base nesta quantidade, obtida a partir das classificações dos alunos nos exames nacionais do 12.º ano.
Em que investigações, estudos, ou asserções científicas se baseia o projecto de lei para estabelecer uma relação causal directa entre a publicação seriada dos resultados dos exames nacionais do 12.º ano e uma «(…) dinâmica positiva de aperfeiçoamento de práticas e estratégias (…)» por parte das escolas? Que parceiros e entidades ouviram a este respeito? Não foram, com certeza, os professores e demais agentes educativos!
Que concepção da função educativa e de escola é esta que pensa poder conhecer o sucesso/insucesso de uma escola, de cada escola, pelas notas que os seus alunos obtêm nos exames nacionais de 12.º ano? Não há outros resultados escolares tão importantes como estes a avaliar?
Que concepção da função educativa é esta que reduz os resultados escolares obtidos no ensino secundário às notas obtidas pelos alunos nos exames nacionais do 12.º ano?

O Sr. David Justino (PSD): - Não só! Não leu o projecto de lei!

A Oradora: - Que crédito merece uma concepção de avaliação do trabalho educativo que confunde avaliação com classificação e que desconhece que a avaliação só por si não resolve nenhum problema, apenas o detecta?!
Que acolhimento deve ter uma proposta que ignora a mais-valia educativa do trabalho escolar, a qual excede, em muito, os resultados - imponderáveis, no limite - obtidos em exames tradicionais de papel e lápis?!
Que destino deve ter uma proposta que se propõe resolver com um complicado algoritmo o significado dos resultados obtidos nos exames nacionais do 12.º ano pelos alunos de estabelecimentos de ensino frequentados pelas elites sociais e os obtidos pelos alunos de outros estabelecimentos frequentados por alunos oriundos de meios sociais tão desfavorecidos que, muitas vezes, a simples frequência da escola é já a maior prova do seu sucesso?!
Que destino deve ter uma proposta de avaliação das escolas e de publicação dos resultados que, no afã de sancionar e punir, não percebe os desastrosos efeitos pedagógicos, formativos e sociais que tal sistema, dito de avaliação, provocaria, como provocou em sítios onde foi ensaiado, como na Irlanda, que, ao contrário do que se afirma no preâmbulo do projecto de lei do PSD, já deixou de publicar os rankings das escolas? E esses efeitos foram, nomeadamente: primeiro, o desequilíbrio brutal da relação oferta/procura, no quadro da rede escolar local/regional, com consequências sociais imprevisíveis e incontroláveis, algumas das quais já aqui referidas;…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Leram isso num jornal!

A Oradora: - … segundo, efeitos perversos no informe jogo das recompensas/castigos - as escolas consideradas «boas» assim se manteriam,…

Protestos dos Deputados do PSD Luís Marques Guedes e David Justino.

A Oradora: - … na melhor das hipóteses, e as «más» piores ficariam; terceiro, a estigmatização das escolas pelo mediatizado juízo público, pesem embora os supostos apoios administrativos à recuperação; quarto, o reforço da desmotivação e do mal-estar dos agentes educativos estigmatizados na praça pública.

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Que destino se deve dar a uma proposta que, para identificar o mérito e o sucesso, tem obrigatoriamente de identificar o demérito e o fracasso, fazendo disso o processo de contraste, de discriminação, de penalização moral e social?!
O destino desta proposta só pode ser, numa linguagem que os proponentes devem entender bem, o «chumbo»! Esta proposta não contará com os votos favoráveis desta Assembleia.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A melhoria dos ensinos básico e secundário, corporizados nos respectivos estabelecimentos de ensino e seus agentes educativos, não necessita de competição, de punição, de estigmatização; necessita, como ontem aqui frisou o Sr. Presidente da República, de cooperação entre os diferentes intervenientes, dos mais directos aos mais afastados, de investimento de recursos materiais e afectivos, de estratégia organizacional, de cultura «avaliativa», de apoio institucional e de respeito pela superior e decisiva tarefa de instruir, formar e educar os actuais e futuros cidadãos de Portugal.

Aplausos do PS.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedirem esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Ana Narciso e Pedro Duarte.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Narciso.

A Sr.ª Ana Narciso (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Pires de Lima, caríssima colega, somos as duas dedicadas à educação; portanto, como tal, como avaliadoras, não temos medo da avaliação.
Penso que «quem não deve não teme», mas o Ministério da Educação deve e teme. Deve aos professores a estabilidade profissional e melhores condições de trabalho; deve aos alunos expectativas que não são respeitadas; deve aos pais e encarregados de educação o direito à informação.
Num Estado de Direito temos direito à informação, e, curiosamente, sempre que fazem uma avaliação ela não é divulgada: avaliam os manuais escolares, não divulgam os resultados; avaliaram as escolas, não divulgaram os resultados. Curiosamente, tudo fica no secretismo do Ministério da Educação! Estando nós no Século XXI, faz-me impressão não ter acesso à informação!
É evidente que, com esta falta de informação e todos estes débitos, há temor: temem a contestação dos pais e dos professores na rua! É isto que temem! Porquê? Porque faltam os apoios socioeducativos, sempre prometidos e nunca cumpridos; porque faltam às escolas todos os meios que lhes permitam fazer um trabalho diferenciado!
Eu até diria que a Sr.ª Deputada Isabel Pires de Lima quase se revê nos nossos projectos de lei, porque - e penso que não leu tudo - eles prevêem os outros indicadores que faltam, aos quais chamou de simplistas e redutores.
Pergunto: onde é que os nossos indicadores são redutores? Queremos uma avaliação concreta, credível, divulgada, para que não haja temor quanto à avaliação das escolas! Divulguem os dados, cruzem-nos! Se, de facto, pensam que os nossos indicadores são redutores, o vosso compromisso e a vossa responsabilidade é ampliá-los e torná-los credíveis; é este o vosso compromisso para com os eleitores!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr.ª Deputada Isabel Pires de Lima, há ainda outro pedido de esclarecimentos. Deseja responder já, ou no fim?

A Sr.ª Isabel Pires de Lima (PS): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sendo assim, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Duarte.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): - Sr. Presidente, a Sr.ª Deputada Isabel Pires de Lima sabe, como eu sei, que o nosso ensino viveu, sensivelmente até 1985, variadíssimos problemas, em que o mais claro e inequívoco era o seu carácter limitado e redutor, era um ensino só para alguns privilegiados.
V. Ex.ª sabe também, com eu sei, que depois de 1985 todo o País assumiu a necessidade de apostar claramente na democratização do ensino, alargando os seus horizontes, digamos assim, a toda a sociedade portuguesa.
V. Ex.ª sabe também, como eu sei, que, em 1995, depois de conquistada esta batalha em prol da democratização do ensino, o País todo assumiu que ao lado da aposta na quantidade tinha também de se fazer claramente uma aposta na qualidade do ensino.
O problema é que desde 1995 até hoje já passaram seis anos e actualmente todos os índices internacionais, todos os tais rankings internacionais, nos colocam no último lugar, pelo menos ao nível da União Europeia, para não dizer de mais - vejamos os relatórios da OCDE, do FMI, da Comissão Europeia, etc. Portanto, hoje em dia a aposta na qualidade já não é uma opção estratégica mas, sim, uma necessidade estrutural deste País, que nomeadamente as novas gerações sentem no seu dia-a-dia.

O Sr. David Justino (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Por isso, tenho de começar por dizer que lamento profundamente que o Partido Socialista, em termos de matérias de ensino e de educação, tenha esta tentação de se «colar» à extrema esquerda do nosso espectro político.
Lamento que o Partido Socialista prefira manter a actual mediocridade e nivelar por baixo o nosso sistema de ensino.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Deixe-me dizer-lhe que estou convencido de que o Partido Socialista, em matéria de educação, ainda não percebeu que o Muro de Berlim caiu; ainda está atrás

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do Muro de Berlim! E isto é mau, porque a nossa competitividade, nomeadamente a internacional, é posta em causa todos os dias!
Sr.ª Deputada, nós vivemos na sociedade da informação - e penso que V. Ex.ª o deve saber -, e, portanto não percebo como é que o Partido Socialista e o Governo preferem continuar a sonegar, a controlar e quiçá a manipular os dados que recolhe, nomeadamente, quanto à avaliação das nossas escolas. Confesso que não entendo! É que em matéria de educação temos, de facto, uma ruptura ideológica clara: o Partido Socialista quer os portugueses ao serviço do Estado, enquanto o Partido Social Democrata quer o Estado ao serviço dos portugueses; o Partido Socialista quer os alunos ao serviço do Ministério da Educação, enquanto nós queremos o Ministério da Educação ao serviço dos alunos, dos estudantes portugueses!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O que aqui temos é uma ruptura ideológica!
Pelo exposto, deixe-me dizer-lhe que o Partido Socialista está a ir contra a história; e espero que resolva rapidamente esse seu problema, esse seu conflito interno, porque o País precisa que isso aconteça.
Deixe-me fazer-lhe algumas perguntas muito concretas.
Primeiro: de que é que é o Partido Socialista tem medo? De que tem medo ao trazer a público a informação que colhe e as avaliações que faz? Tem medo do quê?
Segundo: quem paga o ensino público neste país? Quem paga a avaliação que está a ser feita nas escolas? Não são os portugueses?!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Eles não têm direito a ser informados dos resultados desta avaliação?!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Terceiro: já agora, como é que qualifica a política educativa do vosso irmão doutrinário e ideológico Toni Blair, do partido trabalhista, em Inglaterra?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, se assim o entender, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Pires de Lima.

A Sr.ª Isabel Pires de Lima (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Narciso, a questão não pode obviamente ser colocada em termos de «dever» e de «temer». Naturalmente que o Ministério da Educação tem múltiplos deveres para com os jovens que frequentam as escolas portuguesas e para com os pais desses jovens, e um desses deveres é exactamente o de avaliar as escolas. É exactamente porque avalia e porque pretende avaliar a qualidade das escolas que lançou - como aqui já referi, e, de resto, já foi várias vezes referido - um programa de avaliação integrada das escolas. Este programa foi da iniciativa do Ministério da Educação exactamente porque entendeu que se havia chegado a um momento em que se deveria passar de exigências de tipo quantitativo para exigências de tipo qualitativo.
Os resultados da avaliação são comunicados à comunidade educativa envolvida, incluindo os pais se assim o quiserem. Uma coisa é informar a comunidade educativa da escola avaliada e outra é publicar o ranking das escolas; são coisas distintas, com consequências distintas.
A primeira tem certamente consequências positivas, sobretudo para as escolas que são avaliadas negativamente, porque detecta os problemas e pode, obviamente, facultar meios para os solucionar.
A segunda, que é criar um ranking de escolas, originará naturalmente outro tipo de problemas que já aqui foram referidos, como seja a criação, inevitável, de «listas de espera à porta das escolas».
Mais precisamente no que se refere às questões colocadas pela minha colega Ana Maria Narciso, gostaria de dizer que, de facto, no sistema de avaliação e no tal algoritmo proposto pelo projecto de lei do PSD, há uma sobrevalorização da nota do exame do 12.º ano, reduzindo o resultado final do ensino secundário a este exame,…

O Sr. David Justino (PSD): - Só lhe perdoo porque é da área de Letras!

A Oradora: - …quando, por exemplo, a nota para acesso à universidade passa por uma valorização de 70% dos resultados obtidos no ensino secundário!
Gostava ainda de precisar dois aspectos ao Sr. Deputado Pedro Duarte. Em primeiro lugar, não foi desde 1985 que se procedeu a uma democratização do ensino em Portugal, mas, sim, desde 1974, aliás, um dos desideratos da revolução de 1974 foi exactamente o de levar a cabo a democratização do ensino em Portugal.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - No papel!

A Oradora: - Em segundo lugar, gostava também de dizer que há, de facto, uma rotura ideológica entre o PSD e o PS - diria entre esquerda e direita - em matéria de educação e em matérias sociais; é exactamente por aí que nos distinguimos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rosado Fernandes.

O Sr. Rosado Fernandes (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, Sr.as e Srs. Deputados: Espero que a palavra ranking não apareça no Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, do meu antigo aluno Malaca Casteleiro, que, infelizmente, hoje não pude ir cumprimentar na Academia das Ciências, uma vez que há as palavras seriação, ordenação, classificação e uma série de sinónimos que, não fora a míngua de vocabulário portu

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guês que se nota nesta Casa, por vezes, poderiam servir para que, pelo menos, aquelas «vítimas» que estão a assistir aos nossos trabalhos soubessem do que falamos. De pé, ó vítimas do ensino! Enfim, não continuo…
De qualquer maneira, nunca conheci avaliação que não fosse quantificada. Foi-me até oferecido fazer uma prova documental para catedrático, em 1974. Gentilmente, recusei o que a boa alma me propunha, mencionando «Depois, o que vão dizer de mim?». Porque ali eu aparecia fulanizado com a minha cara, e a verdade é que sempre considerei as provas públicas fundamentais para avaliar fosse quem fosse.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - A verdade é que não pode haver vergonha, desde que não haja má vontade, nem espírito persecutório, em que os resultados possam ser dados a conhecer, contando que a análise seja feita com boa vontade e seja dito que vamos arranjar meios para alterar a situação em que a escola continua.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Por que falou aqui o Sr. Deputado Luís Fazenda de «darwinismo», uma vez que, se há escola em que, de facto, é o mais forte que domina, é bem na escola portuguesa actual? Porque se um aluno não tiver músculos e não conseguir, nas zonas das grandes cidades, resistir a alguns gangs que o ameaçam, certamente não vai muito longe. Muitas vezes, se não conseguir vencer a ignorância dos professores que o ensinam, e contra os quais tem medo de protestar porque, depois, é vítima de retaliação, também não consegue chegar muito longe!

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Na avaliação, quem está em causa? Não são os alunos (os alunos, coitados, são as personagens mudas da comédia antiga), mas, sim, os professores! Os professores não querem ser avaliados, de forma nenhuma - aliás, nunca quiseram ser avaliados, têm medo de ser avaliados! Mas nem todos! O Sr. Deputado Fernando Rosas foi avaliado, com certeza. Não será avaliado na sua boa vontade quanto ao assunto que trata, mas, pelo menos, foi avaliado quanto à sua competência histórica, não tenho dúvida nenhuma!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - É preciso saber quem foi o avaliador!

O Orador: - É evidente que se a técnica empregue na avaliação for a da patada e da cacetada, não há avaliação que resista. Porque a verdade é esta: há aqui uma ideia mirífica de que as escolas privadas são boas. Não são! Há umas que são uma porcaria, e caríssimas! Aliás, já paguei para uma ou outra!
Portanto, não me venham com tretas. A verdade é que a mediocridade lusitana tem penetrado até no edifício privado. Não me venham com coisas!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - A verdade é que há escolas e universidades privadas que são más e também há universidades do Estado que são péssimas! E a verdade é que nunca há coragem de dar a conhecer as avaliações. Depois, vêm personagens sonantes da nossa política dizer que há umas universidades privadas que não correspondem aos mínimos requisitos. Entretanto, todas as pessoas sabem que há algumas universidades públicas que são de envergonhar qualquer reitor, se estes não estivessem agora, quanto a eleições, na dependência de 40% dos alunos que querem a vida fácil e canudo assegurado. Esta é a verdade!

Vozes do CDS-PP: - É verdade, é!

O Orador: - Queridos amigos, eu nunca aprendi grego sem suar, nem nunca aprendi latim sem marrar (desculpem o termo, espero que não venha no dicionário senão como calão)! A verdade é que tudo aquilo que é difícil exige esforço.
Quando o Sr. Presidente da República ontem referiu que era necessário haver mais produtividade, ao despedir-me dele, eu disse «Mas que palavra complicada o senhor foi aqui utilizar! Isso é influência maléfica do Ferreira do Amaral!». Falar de produtividade!… Mas por quem são!… Isso é a coisa pior que há! Produtividade é uma chatice, faz suar à brava, e, de facto, as pessoas sofrem imenso!
A verdade é que as escolas têm que ser avaliadas, e, de facto, passar um atestado de grosseria, de boçalidade ao meu colega David Justino, ele também não merece!
Quando peguei na publicação da Inspecção-Geral da Educação, lembrei-me da velha fábula de Fedro e de A Raposa e a Máscara, de teatro. Todos aqueles que estudaram Letras ainda se lembram que ela vê a máscara e diz «O quanta species sed cerebrum non habet!».
De facto, esta publicação tem imenso cerebrum, não tem é animam! Isto não tem alma, não se sabe o que é, é uma análise de um tecnocrata, é uma coisa que ninguém entende, muito menos as vítimas do ensino que estão nas galerias a assistir aos nossos trabalhos e os seus pais.
É evidente que é um estudo belíssimo, temos imensos doutores em Boston e em ciências da educação, mas a verdade é que não entendo metade das coisas nele constantes, deve ser por estudar grego e latim. Talvez com algum esforço…
À terceira tentativa vou dizer «Com os títulos que tenho e com as provas que fiz, se não entendo é porque quem escreveu isto é burro»! De facto, não há direito de fazer uma coisa tão complicada.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Pelo menos, hoje, na Academia das Ciências, alguma coisa se está a passar: um dicionário, que tinha ficado na palavra «azurrar», hoje, é levado ao seu fim. O meu antigo aluno Malaca Casteleiro conseguiu elaborar dois volumes, penso que são 8000 páginas.

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Peço, Srs. Deputados, caros colegas, amigos, companheiros de armas e não de armas, inimigos, que consultem o diabo do Dicionário para ver se se consegue falar um pouco melhor português nas escolas, na Câmara, em toda a parte! É fundamental que se fale a nossa língua! Nunca fui um nacionalista - vejam lá! -, tive até sempre um respeito muito moderado pela nação em que nasci, mas as minhas raízes irracionais estão aqui, portanto, sofro quando ouço calinadas de «três em pipa», que é uma coisa que me impressiona mesmo.
Começo a fazer o ranking e outro dia consegui até reescrever o texto de um Deputado, o que o colega levou a mal, que conseguia falar um terço em latim, um terço em inglês e um terço em português. Fiz um pequeno pastiche do discurso nas três línguas e consegui um crioulo magnífico entre inglês, latim e português.
Há uma outra coisa que se está a passar: qualquer criança portuguesa está convencida de que não tem capacidade para a Matemática. É uma coisa que considero absolutamente inadmissível! Passou-se a palavra de que a Matemática não entra no crânio dos portugueses. É falso! A verdade é que os professores de Matemática não são bons!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Nunca consegui ter um professor bom, a não ser no 5.º ano, quando tive um excelente professor de Matemática, e aprendi. Já me considerava completamente burro - se calhar, até sou, mas não o digam demasiado alto para não me comprometerem -, mas a verdade é que quando tive alguém que me abriu as «luzes da Matemática», consegui compreender, como acontecia na Química e na Física, porque eu era um votado ao ostracismo das Letras. De facto, lá fui para Letras, mas fez-me falta não ter continuado a estudar Matemática para além do 5.º ano - muitos países mantiveram Matemática nesta área.
No que diz respeito à Irlanda, estive, durante cinco anos, com os homens do Fianna Fail e sei que a Irlanda continua a publicar as suas avaliações. Doutora Isabel Pires de Lima, é a Irlanda do Norte, com o seu amigo Blair, que não publica.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Mas os irlandeses da República Irlandesa, como não brincam em serviço e precisam de se bater com a concorrência movida pelos seus antigos dominadores, como têm ainda esse acicate, publicam. Aliás, já lhes disse que, no dia em que conseguirem resolver os problemas com os ingleses, abandalham-se como nós. Enfim, espero que não acreditem, não sigam e não aceitem isso!
A verdade é que na Irlanda ainda se publica, mas é uma forma de publicar. O que se discute é como publicar sem se fazer aquilo a que agora se chama «discriminação negativa». Quando aprendi português, «discriminação» era sempre uma coisa negativa.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Os juristas, que gostam sempre de jogar com a ambiguidade, é que trouxeram a discriminação negativa e positiva, porque também já sabem pouco de português.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não foram os juristas!

O Orador: - Para mim, ou há valorização ou sobrevalorização, ou há discriminação.
Penso que seria muito bom existirem elementos concretos fulanizados, mas não insultuosos, realizados de um ponto de vista profissional por uma instituição independente. Podia estudar-se a maneira de fazer isso de forma a não ter efeitos negativos na sociedade portuguesa, uma avaliação que estivesse ao alcance de todos, tanto no 12.º ano como no ensino básico, tanto nas escolas privadas como no ensino particular e cooperativo, porque tem havido universidades perseguidas.
Sr. Ministro, tenho visto, por exemplo, universidades que têm boas condições mas em que há chumbos porque não têm um doutor, não têm isto, não têm aquilo, e há outras que são privilegiadas mas cujo nível… Como já lhe disse, enquanto não se resolver o problema do decreto da carreira docente, continuará absolutamente inadmissível o que lá se passa.
Mas agora estamos a tratar dos ensinos secundário e básico. Julgo que seria importante «chamar-se os bois pelos nomes».

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Rosado Fernandes, com a sua sempre brilhante verve parlamentar, tem o condão de nos lembrar sempre, em questão de matéria de ensino, o ensino de que ele se lembra, o de antes do 25 de Abril, e o ensino em que estamos, o depois da Revolução e da democratização do ensino.
Provavelmente, os pais e avós das «vítimas do ensino» que estavam nas galerias a assistir aos nossos trabalhos não tinham possibilidade sequer de entrar no sistema de ensino. Hoje, estão a assistir a esta sessão do Parlamento, coisa que os pais e avós não podiam.
Sobretudo, quero lembrar-lhe que, neste momento, estamos a gerir os problemas resultantes da democratização do ensino, os problemas resultantes do facto de entrarem no sistema formal de ensino centenas de milhar de jovens que não tiveram, geracionalmente, no passado, nenhuma actividade. Estamos a procurar a forma de gerir a quantidade com a qualidade sem criar processos discriminatórios que reproduzam, no contexto da democratização, novas desigualdades. Esse é o grande desafio de todas as políticas de educação a partir do 25 de Abril!
Considero que a esta questão do ranking, o que lhe falta, Sr. Deputado, é exactamente a anima, porque o problema é saber para que se quer avaliar: se para fazer um

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ranking que abra a porta à mercantilização do ensino ou se para corrigir o ensino.
E já que os senhores falam tanto de sociedade de informação - o seu jovem colega, há pouco, até falou em igualar por baixo e em mediocrização -, se o problema é tanta informação, convido-os para o seguinte: por que não seguem o mesmo critério no sigilo bancário? Por que não democratizam os senhores o acesso à informação bancária?

Vozes do CDS-PP: - E a violação da correspondência?

O Orador: - Por que só se importam os senhores em fazer a informação para criar um ranking de escolas que permita a introdução de relações mercantis e de competitividade que vão prejudicar ainda mais o sistema de ensino?
Para terminar, quero felicitar a Sr.ª Deputada Isabel Pires de Lima, que, a meu ver, colocou os problemas de uma forma muito correcta e com a qual me identifico.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rosado Fernandes.

O Sr. Rosado Fernandes (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Rosas, apesar de ter alguma míngua de tempo, quero dizer-lhe que, quanto ao sigilo bancário, o problema é que eu não tenho confiança em si.

Risos.

Eu tenho é medo que o senhor me persiga! Portanto, o problema é simples: tenho medo de si, e pronto. Senão admitia-o perfeitamente, desde que houvesse tribunais a decidir a questão. Mas, repito, tenho medo de si.
No que diz respeito ao «antes do 25 de Abril», a esse tal exílio, quero assinalar que quando fiz a minha prova de grego fui, logo a seguir, tirar os pontos, porque naquela altura tiravam-se os pontos. É que os pontos não eram preparados pelos rapazes, feitinhos à vontade deles, os pontos eram tirados e eram feitos à vontade de quem mandava.
Nessa altura, o meu catedrático, que era um grande admirador de Afonso Costa, disse-me: «Olha, Rosado Fernandes, hoje, quando você fez a prova de grego, o catedrático deixou-o falar, mas comigo não vai ser assim. Comigo vai ser um interrogatório» - era um grande democrata, admirava Afonso Costa. «E, mais, se alguém quiser dar-lhe 19, você não tem direito a isso, eu vou evitá-lo.»
Como vê, mesmo durante a ditadura, havia quem fosse mais ditador que «O Botas». Muitos deles vinham da esquerda e com um letreiro de repressão que era qualquer coisa de admirável. O que se viu depois…
Terminei, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Partido Social Democrata traz hoje à discussão pública uma questão que, seguramente, tem a sua importância, ou seja, como é que, porventura, o sistema de ensino é ou não capaz de melhorar a forma como se avalia.
Dito de outro modo, a intenção é a de saber como é que o sistema de ensino é capaz de avaliar com que saberes saem da escola os nossos alunos, que capacidades de aprendizagem obtiveram para enfrentar um mundo em transformação, onde, necessariamente, os diferentes saberes, na sua flexibilidade, têm de ser ponderados.
Se, aparentemente, esta é uma questão em torno da qual a necessidade de avaliar é consensual, o mesmo já não se pode dizer relativamente ao caminho que se propõe.
Independentemente de considerarmos que essa avaliação não pode ser divorciada, de uma forma administrativa, do espaço onde acontece, dos processos pedagógicos que se desenvolvem em cada um dos locais, dos diferentes pontos de partida em cada uma das comunidades onde a escola está instalada, da forma de funcionamento, dos percursos quer dos alunos quer daqueles que estão na escola, não podendo, do nosso ponto de vista, estes aspectos ser, de uma forma segmentada, colocados à margem da avaliação, embora essa avaliação tenha de ser feita, a questão que se coloca é a de saber se o modo como se pretende dar-lhe visibilidade é uma forma de garantir igualdade de oportunidades ou se é, antes, de modo perverso, um instrumento utilizado para reproduzir desigualdades, para gerar apartheid, para, no fundo, reproduzir situações de «guetização» social.
Julgo que, nesta matéria, não faz sentido estarmos a caminhar para uma discussão destas não considerando, em primeiro lugar, aqueles que deviam ser parceiros privilegiados desta hipotética mudança e que são, designadamente, os agentes educativos e os professores, que não manifestam concordância com esta questão. E a nós, Os Verdes, parece que o problema de não manifestar concordância não é o de uma atitude de quem tem medo de ser questionado, de quem tem medo de ser avaliado, de quem tem medo de que olhares exteriores recaiam sobre si próprio, é, seguramente, uma postura de quem conhece a realidade e de quem não é indiferente ao conhecimento adquirido por outros países onde esta experiência foi feita.
Por isso, entendemos que os projectos de lei em debate não fazem sentido e que apenas iriam desencadear a acentuação das desigualdades sociais que já existem entre estudantes, entre escolas, entre comunidades. Do nosso ponto de vista, essa não é, manifestamente, uma ideia capaz de ser um elemento transformador de uma realidade sobre a qual há, seguramente, muitas críticas a fazer, sobre a qual há necessidade de avaliar, sobre a qual há que ter um olhar atento, crítico e desapaixonado. Mas esse olhar terá de ser a escola a lançar sobre si própria e terão de ser os outros agentes, terá de ser a comunidade, terão de ser os pais, terão de ser os alunos os parceiros desse olhar e dessa avaliação crítica. Ela não pode, de maneira alguma, ser feita de forma administrativa ou de forma exterior, sob pena de termos exacerbado as já hoje existentes situações de enorme violência, de enorme competitivida

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de, de, no fundo, criação de instrumentos não de integração mas de acentuação, de reprodução e, porventura, de agravamento das desigualdades e da exclusão.
Nessa perspectiva, este não é, seguramente, um projecto de lei que tenha sentido e que atinja os objectivos que se propõe.
Quanto aos demais problemas do ensino que o Sr. Deputado David Justino equacionou, eles são velhos, de anos, e, seguramente, estão, e continuariam a estar, à margem deste processo de avaliação, processo que não irá resolver coisa nenhuma.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação.

O Sr. Ministro da Educação (Augusto Santos Silva): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ao apresentar a proposta de lei-quadro para a avaliação e a qualidade dos ensinos básico e secundário nos termos ora em debate, o PSD parece querer ignorar o muito que se fez, nos últimos anos, para a construção de um sistema coerente de avaliação.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!

O Orador: - Este sistema inclui a avaliação do desempenho do pessoal docente nas condições definidas no respectivo Estatuto, a avaliação das aprendizagens dos alunos, a avaliação do desenvolvimento do currículo nacional e a avaliação integrada das escolas.
Este sistema tem vindo a ser concretizado pelos governos do Partido Socialista. Entre os meios de concretização, permito-me destacar a institucionalização dos exames finais do ensino secundário, a aplicação das provas de aferição no fim de cada ciclo e o Programa de Avaliação Integrada das escolas básicas e secundárias, lançado pela Inspecção-Geral da Educação.
Foi, aliás, na sequência da apresentação pública, no passado mês de Março, dos resultados nacionais da primeira etapa do programa que o PSD parece ter acordado, subitamente, para a temática, procedendo como se nada estivesse feito. Esse é, do nosso ponto de vista, o primeiro grande erro do seu projecto, já que o leva a propor mais uma estrutura central, que duplicaria em grande parte a actividade que a Inspeção-Geral da Educação já realiza no cumprimento da Lei de Bases e em linha com o padrão internacional de actuação das Inspecções. Fará, certamente, sentido discutir a médio prazo, quando estiverem minimamente consolidados os programas em curso, um quadro legal de referência para a avaliação da educação não superior. O que não faz qualquer sentido é ignorar ostensivamente o que está montado e no terreno, propor mais um organismo para duplicar funções já exercidas pelos organismos existentes e apresentar um modelo de avaliação que significaria, na prática, deitar fora o esforço já empreendido pelas escolas e pela Administração.
Não confundamos, pois, as coisas. A difusão de uma cultura de qualidade e avaliação, junto de todos os agentes educativos, não é uma descoberta súbita e tardia do PSD. É uma tarefa em que o Ministério da Educação e as escolas estão envolvidos, criando e aplicando sistemas práticos de realização.
No que respeita, em particular, à avaliação do funcionamento e do desempenho das escolas, o modelo que seguimos tem uma filosofia comum ao que foi testado, com êxito, no ensino superior: participação activa dos diversos actores educativos, combinação da auto-avaliação com a avaliação externa, centragem na identificação de resultados e problemas, recomendações para a acção.
A Inspecção-Geral experimentou este modelo, em 1998, junto de 20 escolas secundárias - o PSD dormia; a Inspecção-Geral aplicou-o, em 1999-2000, a 329 escolas não superiores - o PSD dormia; aplica-o agora a outras 400 - o PSD acorda e quer começar do nada.
A avaliação integrada considera várias dimensões: os resultados escolares, certamente, a organização do ensino e da aprendizagem, a organização e gestão dos estabelecimentos, o clima e o ambiente educativo, porque é tudo isso que faz, no sentido mais nobre e pleno da palavra, a educação. Os resultados escolares são relacionados com o enquadramento social e familiar, de modo a torná-los comparáveis e a pôr em relevo o «valor acrescentado» pelo desempenho específico de cada escola. O processo de avaliação envolve cada escola e uma equipa de inspectores, que identifica pontos fortes e pontos fracos do desempenho, propõe recomendações para a acção futura. A versão definitiva do relatório de avaliação de cada escola ou agrupamento de escolas é-lhes devolvida - é delas e, portanto, pertence-lhes -, com exemplares em número suficiente para que a respectiva direcção os distribua, designadamente pela associação de pais, pela associação de estudantes, quando exista, pela autarquia local e pelos professores e titulares de cargos de coordenação curricular e pedagógica, porque a avaliação faz-se com as escolas, para fortalecer as escolas e as comunidades educativas que organizam as escolas e definem os seus projectos educativos.
A escola é livre de difundir o relatório por qualquer outro meio, desde que o faça integralmente. Entretanto, os resultados relativos ao conjunto de escolas em cada ano avaliadas são apurados e publicados, permitindo que todos compreendam o panorama nacional. Procurar-se-á, ainda, estudar em profundidade as condições e os factores de excelência verificados nas escolas que evidenciaram melhor desempenho, nas diversas dimensões retidas, para construir um padrão de referência.
Que queremos nós com este processo? Queremos enraizar nas nossas escolas a cultura da qualidade e da avaliação da qualidade, como o pilar indispensável da autonomia; queremos induzi-las à prestação de contas do seu funcionamento e dos seus resultados à comunidade educativa com que trabalha e que, no sentido mais nobre do termo, serve; queremos habilitar as escolas a usar, elas próprias, métodos e técnicas adequados à auto-avaliação regular; queremos apoiá-las com a análise e a informação técnica de equipas de especialistas; queremos habituá-las a comparar-se, podendo fazê-lo de três maneiras complementares, ou seja, analisando a sua evolução de avalia

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ção para avaliação, confrontando-se com os resultados nacionais e confrontando-se com a referência constituída pelas escolas de melhor desempenho; queremos convidar as escolas a divulgar publicamente os seus desempenhos. E queremos, por outro lado, dar conta à sociedade portuguesa do estado e da dinâmica do seu sistema de educação.
Ora, isto faz-se com tempo, faz-se com as escolas, faz-se conquistando os agentes educativos e não com imposições administrativas, como aquela que resultaria da obsessão do PSD na divulgação obrigatória, por iniciativa central, dos resultados escola a escola. Faz-se, sim, com o trabalho persistente de todos quantos confiam nas escolas e nos seus profissionais e sabem que, à medida em que for verificando, na prática, a seriedade e a utilidade da avaliação, serão as escolas, os respectivos profissionais e as respectivas comunidades educativas a desenvolver os seus próprios instrumentos de avaliação e a divulgar maciçamente os seus desempenhos.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É por referência a este quadro de avaliação integrada que faz sentido analisar os resultados das aprendizagens, seja no ensino básico seja no ensino secundário. Eles são, como disse, uma das dimensões essenciais da actividade e do serviço prestado pelas escolas. Contextualizando esses resultados no âmbito definido pelas restantes dimensões e através dos indicadores de enquadramento social e familiar, percebemos melhor o seu significado e o «valor acrescentado» de cada escola. Ora, nada disto se conseguiria, se acaso fosse aprovado o segundo projecto de lei apresentado pelo PSD, que pretende que o Ministério da Educação estabeleça uma ordenação oficial de escolas secundárias, a partir dos resultados dos exames do 12.º ano, como se pode ler, claramente, do título do projecto de lei.
Como explicará com mais detalhe, na sua intervenção, a Sr.ª Secretária de Estado da Educação, tal proposta é inaceitável. Porque não faz qualquer sentido um ranking oficial de escolas. Porque os efeitos sobre a imagem e o projecto das escolas que ficassem colocadas nas piores posições, na primeira classificação, assim oficialmente estigmatizadas, seriam devastadores e muito dificilmente superáveis.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Exactamente!

O Orador: - Porque as expectativas criadas junto das famílias perante as escolas melhor classificadas não poderiam ser integralmente satisfeitas nas escolas públicas, visto que estas se organizam, e bem - porque é da lógica do serviço público que prestam -, por referência a áreas geográficas precisas. Porque uma ordenação oficial não é coerente com os traços que organizam a escola pública, e que o PSD não propõe, aliás, alterar, como a impossibilidade de as escolas seleccionarem livremente os seus alunos ou escolherem os seus professores. Porque, além do mais, os indicadores retidos pelo projecto do PSD nem sequer têm em conta qualquer ponderação por características sociais dos alunos ou dos meios ambientes, que permitisse relativizar a informação e sondar o valor acrescentado pela escola.
Os resultados escolares são um elemento decisivo para a compreensão da qualidade do nosso sistema educativo e a sua análise cuidada, a nível nacional, constitui uma preocupação dos governos, desde a implantação plena dos exames nacionais. Por isso mesmo, são tratadas e apresentadas publicamente as classificações, comparando-se as médias obtidas por disciplinas, os resultados dos alunos internos e os dos autopropostos, os resultados da avaliação contínua e os dos exames e os resultados dos estabelecimentos públicos e os dos privados. Haverá ainda muito mais trabalho de análise a fazer - estamos empenhados nesse trabalho -, mas para que isso se faça é preciso saber resistir às pressões demagógicas para ordenações sumárias.
Srs. Deputados, para o Governo, o caminho certo é a avaliação das escolas, conduzida com a participação das escolas, para que elas e as suas comunidades educativas possam conhecer melhor o seu desempenho e as estratégias para melhorá-lo. À medida que o processo de avaliação for decorrendo, com seriedade e com tempo, cada vez será maior a abertura das escolas à comparação exigente do seu desempenho com os melhores padrões e a divulgação pública sem restrições dos seus resultados e projectos. As classificações escolares são uma das dimensões essenciais destes resultados e é por referência à avaliação global de cada escola que ganham todo o seu alcance.
É isto que estamos a fazer, é isto que a aprovação dos projectos do PSD, obsessivamente centrados no ranking sumário e estranhamente desconhecedores do que está já no terreno, impediria de prosseguir. São, portanto, para nós, inaceitáveis esses projectos - e aqui há, de facto, uma diferença natural entre políticas educativas -, porque ou bem que se trabalha com as escolas e os respectivos profissionais, com propósitos claros, ou bem que se cede a demagogias fáceis.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro da Educação, os Srs. Deputados David Justino, Margarida Botelho e Narana Coissoró, que, apesar de não dispor de tempo, vai usar da palavra por 1 minuto cedido generosamente pelo Governo.
Tem a palavra o Sr. Deputado David Justino.

O Sr. David Justino (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, penso que há alturas em que temos de invocar o estatuto de seriedade relativamente à abordagem de determinado tipo de problemas.
Não cedo a demagogias fáceis, porque a demagogia mais fácil que existe é deturpar o conteúdo das propostas apresentadas pelo PSD. Aquilo que o Sr. Ministro veio aqui fazer foi deturpar o conteúdo e a extensão das propostas apresentadas pelo PSD.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não quero acreditar que tenha de o criticar pelas mesmas razões que critiquei a Sr.ª Deputada Ana

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Catarina Mendonça. Se não é assim, reconheça que não são só os resultados dos exames nacionais do 12.º ano que são considerados. Há outras variáveis que estão expostas no artigo 1.º do projecto de lei n.º 422/VIII, que se o Sr. Ministro não leu é porque não quis. Portanto, não aceito deturpação. Essa é que é a pior das demagogias.
Em segundo lugar, o PSD não «dormia», visto que foi já apresentada uma primeira versão da proposta de lei-quadro - caso o Sr. Ministro não saiba - na legislatura anterior, há dois anos e meio, que foi agora complementada com mais alguns artigos. O fundamental da proposta foi apresentado há dois anos e meio. Andamos a trabalhar nisso há mais de dois anos. Portanto, não venha dizer que o PSD «dormia».
Uma coisa lhe asseguro: o PSD não dorme, porque o senhor não deixa. São tantas as asneiras que tem feito que não me deixa dormir, nem mim nem ao PSD. E pode, também, ter a certeza de que, ao continuar este tipo de política educativa, com as preocupações, os resultados e as consequências que gera, nem o PS nem o Sr. Ministro vão deixar dormir alguém que seja minimamente responsável. Nesse sentido, não posso aceitar essa figura de que o «PSD dormia», porque não dormíamos.
Por último, sei que há uma filosofia comum entre a vossa concepção de avaliação e aquela que já implementaram no ensino superior. No entanto, depois de a terem implementado na avaliação do ensino superior, qual é a consequência? É nula, Sr. Ministro. As consequências da avaliação do ensino superior são nulas. Não servem para nada. Não há qualquer modificação, qualquer processo de mudança que se registe no ensino superior decorrente da avaliação que fizeram. Foi uma avaliação para «meter na gaveta». É isto que quero evitar!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra, para responder, o Sr. Ministro da Educação.

O Sr. Ministro da Educação: - Sr. Presidente, Sr. Deputado David Justino, agradeço a sua intervenção, embora não tenha colocado nenhuma questão.
Gostaria de chamar a atenção, em primeiro lugar, para que a importância que a sua bancada concede aos projectos de lei agora em discussão se vê pelo número de Deputados presentes.

O Sr. David Justino (PSD): - Cá está a demagogia fácil!

O Orador: - Em segundo lugar, gostaria de dizer que não fiz nenhuma deturpação. Quando falei do projecto de lei n.º 422/VIII referi-me a um projecto que «obriga à divulgação, por escola e por disciplina, dos resultados dos exames do 12.º de escolaridade, bem como de outra informação complementar». Está muito bem explícito no título do vosso projecto qual é o centro das vossas preocupações. O centro das vossas preocupações não é a avaliação das escolas, o centro das vossas preocupações é a publicação apressada de relatórios de avaliação, escola a escola. O centro das vossas preocupações não é a análise da evolução das classificações escolares, designadamente das obtidas por exames nacionais, é a publicação oficial de uma ordenação, escola a escola, em função, exclusivamente, desses resultados, e é isso que considero ser inaceitável.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!

O Sr. David Justino (PSD): - É falso!

O Orador: - Quando falei nas questões de sensibilidade e de atenção por parte do PSD referia-me ao projecto de avaliação que está em curso, está no terreno, foi experimentado, foi apresentado e foi aplicado. Foi em função da apresentação pública dos resultados que o PSD decidiu acelerar ou apresentar publicamente, em sede parlamentar, este projecto. E a prova disso é que não ouviu parceiros educativos, não tendo dirigentes do movimento associativo dos pais, do movimento associativo dos estudantes, nem das organizações representativas dos profissionais da educação a subscreverem esta proposta, porque sabem que ela é precipitada e perigosa, visto que é conduzida pela obsessão de seriar escolas e de «encurralar» professores. Ora, o que precisamos é de apoiar as escolas, informar as escolas, valorizar e acarinhar os profissionais.
Aliás, o projecto de avaliação integrada da Inspecção-Geral da Educação não é o único projecto de avaliação que está a decorrer no nosso sistema educativo. Há projectos, também interessantes, desenvolvidos por fundações e sociedades da sociedade civil, alguns dos quais são dirigidos cientificamente por personalidades ilustres da área do PSD, designadamente pelo secretário de Estado do ensino básico e secundário do último governo do Prof. Cavaco Silva e pelo director-geral do ensino secundário da mesma altura. Ora, este projecto a que me estou a referir, o Programa de Avaliação de Escolas Secundárias (Programa Aves) estabelece que a participação das escolas é voluntária, que cada escola recebe os seus resultados em comparação com a média dos resultados nacionais…

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Ministro, tem de concluir, porque terminou o seu tempo.

O Orador: - … e que a informação é confidencial e interpretada pela escola e pelos professores.
Nós temos uma concepção mais avançada, pela simples razão que cada escola pertence à sua comunidade educativa e esta deve participar na discussão.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra, para formular um pedido de esclarecimento, a Sr.ª Deputada Margarida Botelho.

A Sr.ª Margarida Botelho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, quero fazer-lhe quatro pergun

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tas muito concretas relacionadas com as provas de aferição do 4.º ano do ensino básico, porque o PCP considera que estas provas têm muito interesse e são um instrumento muito útil para a avaliação das escolas mas têm de ser retiradas as consequências dos resultados.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Ora, as questões que queremos colocar prendem-se exactamente com o retirar destas consequências.
Quanto à formação inicial e contínua dos professores, tendo em conta que em Setembro entrará já em vigor a reorganização do ensino básico e tendo em conta, também, os resultados das provas do ano passado, quais são as alterações introduzidas?
Uma outra questão que o Ministério terá de resolver tem a ver com o empolamento e com o clima que se gerou nas escolas, nos pais e nos alunos, de receio destas provas, tanto mais que, quando o Ministério as «empurra» para o final do ano lectivo, faz com que pareçam o exame final da antiga 4.ª classe, o que não corresponde de todo ao objectivo que, para o PCP, nos parece que estas provas deveriam ter.
Gostaria, ainda, de saber qual o motivo que levou a que as escolas privadas não tenham sido obrigadas, como as públicas, a fazer estas provas, sendo apenas voluntário para elas.
Para terminar, que consequências se retiraram do nível do material escolar e dos materiais? Dou o exemplo muito breve das aptidões em relação à geometria, onde se chegou à conclusão que os alunos eram muito fracos. É necessário que as escolas sejam dotadas quer de meios materiais quer de meios humanos para corrigir esta falha.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, agradecia que assistissem à sessão sentados.
Tem a palavra, para responder, o Sr. Ministro da Educação.

O Sr. Ministro da Educação: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Margarida Botelho, agradeço as questões que colocou, porque mostram, justamente, que o sistema de avaliação é um sistema coerente e integrado de múltiplas avaliações, quer do desenvolvimento do currículo nacional, através das provas de aferição, quer das dimensões das escolas, do seu funcionamento e do seu desempenho, quer das aprendizagens.
Em relação à formação contínua de professores, o Ministério da Educação já retirou consequências e redireccionou-a, em articulação com a preparação da reorganização curricular, que se iniciará, para os próximos seis anos de escolaridade, no próximo mês de Setembro, insistindo e valorizando as dimensões da formação contínua de professores que respondem a alguns dos problemas detectados e diagnosticados pelas provas de aferição. Estou certo que as instituições de ensino superior que asseguram a formação inicial dos professores, no âmbito da sua autonomia, saberão também tirar as consequências, mas temos preparadas reuniões, quer com o Conselho de Reitores quer com o conselho de coordenadores de institutos politécnicos, no sentido de incentivar a essa retirada.
A Sr.ª Deputada falou ainda no receio destas provas por parte dos pais, dos professores e dos alunos, mas ele não existe, é empolado. A aplicação das provas ao 4.º ano de escolaridade, no ano passado, foi um sucesso, do ponto de vista da normalidade e naturalidade com que foram aplicadas, e estou certo que, este ano, a sua aplicação nos 4.º e 6.º anos consolidará esse importante instrumento de avaliação do desenvolvimento do currículo nacional.
Por isso mesmo, o processo de participação das escolas particulares será gradual, fundado na sua participação voluntária, mas estou certo que será crescente.
Quanto aos meios humanos e materiais, tem sido desenvolvido um esforço muito importante de dotação das escolas do 1.º ciclo com professores qualificados e com materiais pedagógicos e didácticos. Aliás, a próprias editoras de manuais escolares já estão a fazer uso, e bem, dos resultados das provas nacionais de aferição para a organização dos conteúdos das suas ofertas educativas.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró, para formular um pedido de esclarecimento, para o que dispõe de 1 minuto que lhe foi cedido pelo Governo.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, começo por lhe agradecer o tempo que me cedeu.
Quero fazer-lhe uma pergunta simples. Não há dúvida nenhuma, e temos de reconhecê-lo, que foi este Governo que deu importância e trouxe para a agenda política o problema da avaliação das escolas, embora este não seja um problema novo do ponto de vista administrativo, tendo sido abordado politicamente pelo então Ministro Marçal Grilo.
Em segundo lugar, há que dizer que o Governo investiu, e bem, na resolução deste problema da avaliação, mas, agora, surgem duas teses. Por um lado, a de saber se estas avaliações se destinam à gestão interna das escolas e do próprio Ministério ou, por outro, se as mesmas devem ter um impacto nacional, de modo que o País e a sociedade portuguesa saibam que escolas têm e quais as que são boas. Não se trata de apontar o dedo a ninguém…

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, já excedeu o tempo de que dispunha.

O Orador: - Sr. Presidente, o Governo faz-me sinal de que me cede mais 1 minuto.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Então, a Mesa também lhe concede 1 minuto.
Faça favor de prosseguir.

O Orador: - Muito obrigado.
Como dizia, o problema é o de saber se o País lucra ou não com o conhecimento destas avaliações que são efectuadas.

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Há factores a favor e outros contra esse conhecimento do resultado das avaliações. Ou seja, há escolas que ficam desencorajadas, há professores que saem, há dedos que apontam, há pais que não querem que se saiba que os seus filhos frequentam tal ou tal escola cuja avaliação não foi boa, mas há o lado bom da questão, o do conhecimento de quais são as boas escolas e por que o são, o do fomento da competição entre escolas que permitirá que, no futuro, as escolas que hoje são consideradas más, amanhã possam vir a ser pelo menos razoáveis ou mesmo boas.
Em terceiro lugar, há um outro problema, que é artificial. V. Ex.ª, Sr. Ministro, recebeu algum requerimento de algum Deputado, seja de que bancada for, no sentido de lhe ser facultado o documento administrativo existente no Ministério onde consta o resultado das avaliações?
Faço esta pergunta porque a Lei de Acesso aos Documentos Administrativos é claríssima quanto ao facto V. Ex.ª não poder recusar o fornecimento de tal documento a qualquer cidadão que o solicite e muito menos um Deputado.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Acresce que o Dr. José Magalhães, que é um dos pais da Lei de Acesso aos Documentos Administrativos, sendo, ainda, um dos grandes especialistas sobre a matéria entre os Membros do Governo, deve dizer-lhe que V. Ex.ª não pode impedir o conhecimento público desse documento. Aliás, qualquer dos Srs. Jornalistas que estão sentados na tribuna da comunicação social pode fazer um simples requerimento solicitando que V. Ex.ª lhe forneça o documento,…

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, já excedeu os 3 minutos de que dispunha. Vou ter de cortar-lhe a palavra.

O Orador: - … portanto, não sei onde é que está o segredo. Se V. Ex.ª é obrigado a fornecer o documento, qual é a razão do problema que foi criado por V. Ex.ª quanto ao fornecimento, ou não, de tal documento?

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação.

O Sr. Ministro da Educação: - Sr. Presidente, Sr. Deputado, agradeço as suas questões e também a precisão com que estabeleceu a diferença. É que a questão da avaliação faz parte da agenda política dos governos do Partido Socialista pois, de facto, foram estes que colocaram a educação na agenda política, mas deixe-me responder-lhe de uma forma simples.
Na avaliação integrada do 1.º ciclo, que foi realizada no ano lectivo 1999/2000, foram avaliadas 23 escolas secundárias de entre as 400 existentes. Ora, não podemos tomar aquelas 23 escolas como constituindo o conjunto das escolas secundárias nem poderíamos estabelecer qualquer lista ou ordenação das mesmas. O que é que isso significaria em relação ao conjunto de escolas do ensino secundário?
O programa a que me refiro será executado ao longo de seis anos, ao fim dos quais teremos avaliado todas as escolas básicas e secundárias. O nosso propósito é o de, a cada quatro anos, proceder a uma nova avaliação das escolas dos 2.º e 3.º ciclos e secundárias. Significa isto que estamos a construir um programa, para o que são muito úteis as opiniões expendidas nesta Câmara, e o que devemos acompanhar é esse processo de construção do programa.
Por isso mesmo, julgo que o melhor passo que podemos dar é o de, numa reunião convocada para o efeito, o Governo fornecer todas as informações relevantes, em sede da Comissão de Educação, Ciência e Cultura, sobre os propósitos, os objectivos, o modelo, as condições acordadas com as escolas que participaram na avaliação e os resultados obtidos neste primeiro ciclo de avaliação.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, ouvi com toda a atenção o seu discurso e devo dizer-lhe que produziu para a Câmara afirmações notáveis que correspondem ao excelente trabalho que vem desenvolvendo nesta matéria. Tem todo o meu apoio.
Congratulo-me, também, com a intervenção da Sr.ª Deputada Isabel Pires de Lima, cuja doutrina tenho por certa.
Dito isto, queria colocar uma questão ao Sr. Ministro. A avaliação do ensino não superior é absolutamente decisiva para a reformulação e o bom acerto do nosso sistema de educação. Neste sentido, julgo que esta Câmara não pode ficar alheada dos esforços necessários para que a orientação desse facto tão decisivo para o nosso futuro seja feita por lei da República.
Assim, Sr. Ministro, compreendo que o projecto de lei do PSD relativamente à seriação tenha de ser chumbado em nome da lógica e do bom senso, porque, de facto, neste momento, não estão reunidas as condições necessárias e suficientes para se proceder à seriação - já quanto à informação, é outra coisa. No entanto, não posso compreender que não seja apresentada, a muito breve prazo, uma proposta de lei de orientação da avaliação do ensino não superior.
Sei que o Sr. Ministro tem dispositivos instalados no terreno, tem doutrina e obra feita que, em muito pouco tempo, lhe permitiriam traduzir sob a forma de proposta de lei precisamente o que vem fazendo para que, então, pudéssemos confrontar o bom dessa orientação com a iniciativa do PSD, bem intencionada mas, porventura, não a melhor.
Pergunto, pois, ao Sr. Ministro: estará o Governo em condições de, a muito breve prazo, ou seja, ainda este ano, apresentar a esta Assembleia uma proposta de lei sobre a orientação da avaliação do ensino não superior? Considera o Governo dispensável fazê-lo? Considera o Governo que dispensa a Câmara de se preocupar com o assunto, dado esta ser matéria que já está bem orientada?

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação.

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O Sr. Ministro da Educação: - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Cravinho, agradeço a sua questão e esclarecê-lo-ei com toda a clareza.
O que aqui está em causa não é a existência de uma lei-quadro da avaliação da educação não superior mas, sim, a substância do projecto de lei apresentado e os termos em que o mesmo é apresentado pelo PSD. É isso que motiva a oposição por parte do Governo.
O Governo tem em implantação no terreno vários dispositivos de avaliação. O programa de avaliação integrada das escolas está, hoje, no seu segundo ano de realização.
As provas de aferição foram realizadas, no ano passado, no 4.º ano do ensino básico; este ano, serão realizadas nos 4.º e 6.º anos e, para o ano, nos 4.º, 6.º e 9.º anos, assim se conseguindo atingir o objectivo de avaliar o desenvolvimento do curriculum nacional a partir de provas de aferição realizadas no fim de cada ciclo de ensino.
Os exames nacionais de ensino secundário estão no terreno, estão em «velocidade de cruzeiro», estão adquiridos.
Já foram apreciados por esta Câmara os decretos de orientação, que estão aprovados e dizem respeito à reorganização do ensino básico e à revisão curricular do ensino secundário, os quais dão um novo realce quer às provas de aferição quer à avaliação das aprendizagens, incluindo a realização de exames nacionais.
O desenvolvimento de todos estes processos habilitar-nos-á, a breve prazo, com os elementos necessários para proceder a uma discussão profunda e sistemática nesta Câmara sobre um quadro de referência para avaliação da educação não superior.
Portanto, o que combatemos é a ilusão de que seria possível começar tudo de novo, ignorando o que já está feito e o que está a ser feito. O que combatemos é a obsessão de pensar apenas uma das dimensões da avaliação, a menos relevante, que é a identificação individual, nominativa, de cada escola. Porém, um quadro legal de referência para o sistema de avaliação, sim, é bem-vindo, para sustentar e desenvolver os dispositivos que já estão no terreno e que estão a aperfeiçoar-se através da sua própria realização.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Rosalina Martins.

A Sr.ª Rosalina Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: A Lei de Bases do Sistema Educativo prevê, no seu artigo 49.º, que «o sistema educativo deve ser objecto de avaliação continuada, que deve ter em conta os aspectos educativos e pedagógicos, psicológicos e sociológicos, organizacionais, económicos e financeiros e, ainda, os de natureza político-administrativa e cultural».
À luz deste princípio e de acordo com o previsto no artigo 53.º da mesma lei de bases, a Inspecção Geral de Ensino introduziu, em 1997, um novo programa no seu plano de actividades, intitulado «Auditoria Pedagógica», que pretendia introduzir um processo estruturado de avaliação do desempenho educativo. Esta avaliação integrada corporiza várias dimensões, que podemos agrupar em quatro grandes domínios -resultados escolares; organização do ensino e da aprendizagem; organização e gestão do estabelecimento de ensino; ambiente e clima educativos -, sempre relacionados com o contexto social e familiar de cada comunidade educativa.
Assim, o projecto de lei n.º 422/VIII, que «Obriga à divulgação, por escola e por disciplina, dos resultados dos exames do 12.º ano de escolaridade, bem como de outra informação complementar que possibilite o conhecimento geral sobre o sucesso e insucesso escolares no ensino secundário», é, do nosso ponto de vista, o primeiro grande equívoco do presente projecto de lei, porque reduz a medida do sucesso escolar às classificações obtidas pelos jovens nos exames nacionais, quando a classificação final do 12.º ano tem uma ponderação de 30% para os exames nacionais e de 70% para a classificação interna.
O relativo peso da classificação interna reflecte uma valorização de competências e não de objectivos, de desempenhos e não de provas escritas, de avaliação formativa e não apenas somativa.
O exemplo do sistema inglês enunciado no preâmbulo também não é elucidativo. Tivemos conhecimento - e hoje mesmo isto é citado num jornal - de que são os próprios inspectores de educação que reconhecem que as últimas escolas da tabela têm sucessivamente as piores classificações do ranking, facto só por si demonstrativo da ineficácia da medida, já que os piores continuam asfixiados sem revelarem melhorias significativas.
Pelos exemplos apontados, concluímos que a divulgação do ranking nacional em nada contribuiria para a excelência do sistema, já que as escolas, tendencialmente, passariam a concentrar o seu trabalho no domínio cognitivo, relegando para um segundo plano a perspectiva da educação/formação.
A publicitação de rankings conduziria também a um quadro de pressão, em algumas escolas, uma vez que o processo de admissão de alunos obedece a uma série de normas nunca contestadas por VV. Ex.as.
Como se trata de um rede de ensino público, como VV. Ex.as sabem, a admissão dos alunos nas escolas tem a ver com critérios, sendo o primeiro o da residência, portanto, tem a ver com a distribuição por áreas geográficas.
Gostaria ainda de referir o seguinte exemplo: devido à obsessão do ranking manifestada neste projecto de lei, este vem pôr a nu aquilo que são as diferenças do País real, porque para mim, vivendo num concelho do interior do País onde só tenho uma escola secundária, não é tão importante saber se a escola está no princípio ou no fim do ranking mas, sim, saber que o Ministério da Educação faz o acompanhamento dessa escola, que o seu desempenho é avaliado e que essa escola tem ao seu dispor os meios necessários para poder reformular as suas estratégias e o seu trabalho.
Portanto, um encarregado de educação que vive no interior e que só tem uma escola, não tem qualquer possibilidade de deslocar o seu filho em função de um determinado ranking.
Por último, esta visão do sistema nega os pressupostos da escola inclusiva, da escola aberta a todos alunos, aos alunos com necessidades educativas especiais, à es

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cola multicultural e à promoção da igualdade de oportunidades.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ainda ontem, no seu discurso do 25 de Abril, o Sr. Presidente da República referiu a questão educativa como elemento central da nossa sociedade, considerando a escola como factor de integração social, como espaço de aprendizagem do civismo, da vivência em liberdade, do aprofundamento da democracia e da cidadania.
Ao instituir rankings, ao fomentar a competição desenfreada, não estará o PSD a incentivar valores individualistas, refutados nesse mesmo discurso?
Por todas as razões enunciadas, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista votará contra este projecto de lei.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado David Justino, que beneficia de 1,5 minutos concedidos pelo Grupo Parlamentar do PCP.

O Sr. David Justino (PSD): - Sr. Presidente, antes de mais, agradeço ao Grupo Parlamentar do Partido Comunista o tempo que me cedeu, precisamente para tentar esclarecer e, acima de tudo, marcar duas ou três ideias que julgamos importantes.
Tivemos o cuidado de apresentar dois projectos de lei, um específico sobre o problema da publicação dos resultados e de outras variáveis para além dos resultados, e um segundo, o mais importante, que é uma lei-quadro da avaliação do ensino não superior.
Tacticamente, o Partido Socialista e o Governo quiseram centrar a discussão sobre os rankings e esqueceram-se que havia um contributo decisivo da lei-quadro para a avaliação, que era um contributo de boa-fé e para se poder reflectir, discutir e encontrar um quadro sistematizado de normas e regulamentações para a avaliação do ensino não superior.
A posição do Partido Socialista, à semelhança do que fez com tantos outros diplomas, quer na anterior legislatura, quer na actual, foi a de rejeitar liminarmente os contributos que vêm do Partido Social Democrata.
Nesse sentido, recrimino não só o autismo que estão a revelar mas, acima de tudo, o não ter havido cuidado. É que, independentemente dos rankings, há um problema fundamental, que é o seguinte: não há avaliação se dela não resultarem consequências, não há avaliação se se ignorarem os resultados, não há avaliação se, por acaso, as políticas educativas, também elas, não forem avaliadas.
Ora, é precisamente o silêncio sobre as políticas e sobre os resultados que querem instalar e manter.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, faça favor de terminar.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
O Partido Social Democrata não vai desarmar relativamente a estes princípios e, nesse sentido, a discussão está apenas aberta, pelo que mais tarde ou mais cedo voltaremos a ela.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação.

O Sr. Ministro da Educação: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para a causa do desenvolvimento da educação todos os contributos são importantes e por isso mesmo é que, recentemente, a Assembleia aprovou, por unanimidade, uma proposta de resolução, apresentada pelo PSD com o assentimento do Governo, no que respeita às questões da segurança e da prevenção da violência no meio escolar.

O Sr. David Justino (PSD): - A única!

O Orador: - Sabemos distinguir qual é o nosso objectivo comum, sabemos clarificar quais são as nossas divergências e não chumbamos por chumbar, ou não nos opomos apenas pelo gosto de nos opormos.
Neste caso, as diferenças de filosofia são substanciais. Não está em causa, insisto, a avaliação; pelo contrário, a avaliação fomos nós que a trouxemos para a agenda política, não está em causa um quadro legal de referência comum para a avaliação e a sugestão do Sr. Deputado João Cravinho é bem vinda, pelo que ainda neste ano civil tentaremos propor um quadro de referência comum para a avaliação da educação não superior, provavelmente discutindo também na altura o quadro de referência que existe agora para avaliação do ensino superior.
O que está aqui em causa é o conteúdo dos projectos que apresentaram e a filosofia que lhes subjaz, pois não é por acaso que fizemos uma discussão conjunta.
Portanto, é falso que a avaliação não tenha consequências. Está a tê-las, quer ao nível superior, quer ao nível não superior, para informar, para armar as escolas, os profissionais e as comunidades educativas para melhorarem os seus desempenhos. É isso que se está a fazer!
Muitas das instituições de ensino superior têm hoje o seu próprio sistema de auto-avaliação de qualidade instalado e o mesmo está a suceder com escolas não superiores, e sucederá cada vez mais. Não se ignoram os resultados, bem pelo contrário, pois desde que há exames nacionais do ensino secundário que todos os anos se publicam as informações relativas às médias nacionais por disciplinas, por exames, considerando as diversas componentes que enriquecem e informam a opinião pública sobre o estado e a dinâmica da educação em Portugal e o mesmo será feito este ano com a avaliação integrada das escolas ou com os resultados das provas de aferição.
Evidentemente, as políticas educativas estão avaliadas, desde logo por esta Câmara, que tem toda a legitimidade para fazê-lo, pela opinião pública, pelos parceiros educativos, etc. O ponto essencial que nos divide é o seguinte: queremos avaliar para punir ou queremos avaliar para qualificar? Nós queremos avaliar para qualificar!

Vozes do PSD: - Nós também!

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O Orador: - Queremos avaliar para informar ou queremos avaliar apenas para lançar à opinião pública, sem qualquer outro esclarecimento, listas sumárias de ordenação de escolas? Nós queremos avaliar para informar! Queremos avaliar com as escolas e com os profissionais ou contra as escolas e os profissionais? Nós queremos avaliar com as escolas e os profissionais! Queremos avaliar coerente e articuladamente as várias dimensões que fazem a educação, portanto, o serviço público prestado pelas escolas, ou queremos reduzir, valorizar ou centrar obsessivamente a nossa atenção apenas sobre um segmento desse trabalho das escolas? Nós preferimos a primeira hipótese. É isso que nos distingue, o que é muito, ou seja, temos uma concepção completamente diferente do que é a política educativa, do que é trabalhar com as escolas e com os profissionais.

Aplausos do PS.

O Sr. David Justino (PSD): - Tirou-me as palavras da boca!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, chegámos ao fim do debate. Uma vez que é regimental, é da tradição e o PSD está de acordo, vamos passar à votação dos projectos de lei que foram discutidos por marcação potestativa do PSD.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 421/VIII - Lei-Quadro para a Avaliação e Qualidade dos Ensinos Básico e Secundário (PSD).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PCP, de Os Verdes e do BE e votos a favor do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado João Cravinho, pede a palavra para que efeito?

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, é para informar que farei chegar à Mesa uma declaração de voto.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, vamos passar agora à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 422/VIII - Obriga à divulgação, por escola e por disciplina, dos resultados dos exames do 12.º ano de escolaridade, bem como de outra informação complementar que possibilite o conhecimento geral sobre o sucesso e insucesso escolares no ensino secundário (PSD).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PCP, de Os Verdes e do BE e votos a favor do PSD e do CDS-PP.

Srs. Deputados, vamos proceder às votações regimentais.
Em primeiro lugar, vamos proceder à votação final global das propostas de alteração, aprovadas na especialidade em sede da Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, relativas ao Decreto-Lei 110/2000, de 30 de Junho (Estabelece as condições de acesso e de exercício das profissões de técnico superior de segurança e higiene do trabalho e de técnico de segurança e higiene do trabalho) [apreciação parlamentar n.º 29/VIII (PCP)]

Submetidas à votação, foram aprovadas por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos agora proceder à votação final global do texto final, elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo à proposta de lei n.º 64/VIII - Transpõe para o direito interno a Convenção sobre a luta contra a corrupção de agentes públicos estrangeiros nas transações comerciais internacionais, aprovada em Paris, a 17 de Dezembro de 1997, sobre a égide da OCDE.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação de um requerimento de avocação pelo Plenário, apresentado pelo PS, do artigo 58.º do texto final, elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo ao projecto de lei n.º 27/VIII - Lei da liberdade religiosa (PS)
Informo ainda que o requerimento está de acordo com o artigo 163.º do Regimento e, como não tem discussão, passamos desde já à sua votação.
Vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do PCP, de Os Verdes e do BE e a abstenção do CDS-PP.

Srs. Deputados, vamos passar à discussão do artigo 58.º e, como há consenso em que seja aplicada a grelha G, os tempos disponíveis serão distribuídos da seguinte forma: PS, 10 minutos; PSD, 9 minutos; PCP, 7 minutos; CDS-PP, 7 minutos; Os Verdes, 6 minutos e BE, 6 minutos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A versão proposta pelo Sr. Deputado António Reis e por mim próprio para o artigo 58.º da Lei de Liberdade Religiosa não põe em causa a Concordata e respeita plenamente o seu primado de aplicação.
Pela minha parte, como muitos outros, tenho sustentado que todos os problemas teriam sido evitados se há muito a Concordata tivesse sido revista. Daí teria sido fácil definir com harmonia uma lei geral da liberdade religiosa. Porém, não têm razão os que dizem que o Parlamento não é a sede legítima para definir as relações do Estado com a Igreja Católica. Só assim seria se a Igreja tivesse, perante o Estado, o direito constitucional à Concordata. Esse foi o regime de privilégio da Constituição de 1933 mas não é mais o regime da Constituição democrática de 1976.
O regime constitucional de hoje, assenta, nomeadamente, em dois princípios fundamentais, a saber: artigo 9.º (Tarefas fundamentais do Estado), alínea b), «Garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos

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princípios do Estado de direito democrático», e artigo 13.º, (Princípio da igualdade), n.º 2, «Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, (...).
O que daqui resulta não é que não possa continuar a existir uma relação concordatária do Estado com a Igreja Católica. O que resulta é que esta relação não pode ser pretexto para, na ordem jurídica interna, o legislador ou deixar um espaço vazio de regulação, ou discriminar soluções que aplica a uns e não aplica a outros.
Não vale justificar que essa discriminação é irrelevante, porque uma próxima revisão da Concordata poderá adoptar o mesmo conteúdo da lei presente. Não se põe em causa a boa intenção do argumento, só que nem é garantido que assim seja, nem - e isto é o principal - os tratados internacionais, mesmo quando vigoram plenamente na ordem interna, são fonte de direito interno.
O que está em causa é, pois, o seguinte: o estatuto jurídico das liberdades pode aceitar reforço de garantias com origem na ordem externa, mas não pode deixar-se ao aleatório das fontes internacionais o que é prioritário dever constitucional fazer - garantir a harmonia interna da ordem jurídica, particularmente onde ela é mais exigível, no estatuto e no exercício das liberdades.
É por isso que não apenas algumas, mas o conjunto das normas de natureza universal e de relação comum entre o Estado e as confissões religiosas, salvaguardando amplamente o regime concordatário e os seus efeitos, teriam de ser aplicadas com carácter de generalidade.
Diz-se ainda que daí poderia resultar alguma insegurança jurídica quanto à qualificação das normas desconformes. Mas, pergunto: qual é a maior insegurança jurídica? A de fazer interpretações das leis ordinárias conformes à Constituição, assegurando a prevalência desta, ou a de aceitar interpretações da Constituição conformes ao pragmatismo, neutralizando então o valor e o primado da Constituição segundo critérios de conveniência ou de oportunidade?
A resposta é a que vamos dar com a votação do artigo 58.º.
Se uma lei geral da República, aprovada ao abrigo da competência reservada do regime dos direitos, liberdades e garantias, declarar que se desaplica, em face de direito anterior e avulso, nas relações do Estado com uma instituição em especial, essa lei legaliza a desigualdade e gera discriminação.
Ao contrário, se a lei ressalvar o que deve ressalvar - no caso, o primado de um regime concordatário e os seus efeitos -, essa lei regula, na ordem interna, o estatuto não discriminatório dos direitos fundamentais de liberdade religiosa. E é assim que assegura, com total escrúpulo do Estado laico, as diferenças de manifestação de fé, de culto, do direito a professar ou a não professar religião.
Por causa destas ideias, aparentemente óbvias, alguns de nós têm sido…

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, a direcção do Grupo Parlamentar do Partido Socialista pediu à Mesa para dividir o tempo de que dispõe em duas intervenções, o que dá 5 minutos para si e 5 minutos para o Sr. Deputado Vera Jardim, competindo aos Srs. Deputados administrar esse tempo. No entanto, devo avisá-lo de que já esgotou 5 minutos.

O Orador: - Sr. Presidente, respeitarei escrupulosamente. Permita-me apenas que conclua.
Temos sido levianamente criticados. Estas ideias são as que decorrem do primado da Constituição. Afinal, Srs. Deputados, se não formos nós a dar o exemplo do respeito devido aos valores constitucionais e democráticos, a quem, com autoridade própria, deveremos exigir essa coerência?

Aplausos de Deputados do PS e do BE.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O tema que subjaz ao artigo 58.º, que foi avocado, já teve um início de discussão nesta Assembleia quando, no debate, na generalidade, do projecto de lei, alguns Srs. Deputados se pronunciaram no sentido de, antes da aprovação da lei, dever ser encetado e concluído o processo de revisão da Concordata.
Na altura, o PCP pronunciou-se pela aprovação da lei da liberdade religiosa antes da revisão da Concordata; argumentámos que o Estado português devia definir livremente e no pleno uso dos seus poderes, como regula a liberdade religiosa e os problemas conexos. Dissemos mais: não pode ser assumido à partida que vai ser um Estado estrangeiro - o Estado do Vaticano - a definir, na negociação com o Estado português, o conteúdo de uma lei da República da competência desta Assembleia.
Como é evidente, isto não contende com o facto de a aplicação da lei vir sempre a ser limitada pela vigência da Concordata como instrumento de direito internacional, aceite, como tem sido, a situação de uma religião beneficiar do estatuto da mais temporal das instituições, isto é, do estatuto de Estado.
Quanto à revisão da Concordata, a lei aprovada definiria a posição do Estado português.
Foi este mesmo argumento que, hoje, o Sr. Deputado José Vera Jardim expôs num artigo de opinião, onde escreve que, concebida a lei da liberdade religiosa como lei de vocação de regulamentação de todas - sublinho «de todas» - as questões do direito das religiões e do seu relacionamento com o Estado, é claro que, nas negociações com o Vaticano, terá de ser o guião e a matriz da Concordata e que esta só poderá pretender consagrar regime diverso para as questões em que haja razões especiais que justifiquem esse regime especial, sem ofensa do princípio da igualdade, sendo dados exemplos muito limitados, como é o caso dos feriados e pouco mais.
Este princípio da igualdade decorre e faz parte do conteúdo de princípios de progresso, considerados «conquistas irreversíveis da modernidade». São os princípios da laicidade do Estado e da separação do Estado e das religiões, princípios que são condição sine qua non da liberdade religiosa nas suas diferentes expressões: liberdade de

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opção religiosa, liberdade de não ter religião, liberdade de organização, de culto e de expressão religiosa.
A especial presença da Igreja Católica não é, nem pode ser, decreto de um qualquer poder do Estado, por meio de lei ou por outra qualquer forma. Essa especial presença decorre da sua condição maioritária, das suas raízes históricas e da sua acção como religião ou da sua acção social. Ou decorre disso tudo, ou deixaria de ser uma igreja livre.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O mesmo se diga do Estado: ou o Estado respeita e é respeitado como Estado de laicidade, separado das religiões e capaz de fazer e aplicar a lei sem discriminações, ou o Estado deixa de ser livre. E a liberdade do Estado é também um valor a defender!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - No Estado de direito democrático que caracteriza a República Portuguesa todos gozam de cidadania e não há cidadania acima da lei. Aqui, Srs. Deputados, não há uma questão religiosa, há uma questão de direito.
A lei da liberdade religiosa não impõe nenhuma moral, nem sequer tem, ou pode ter, a pretensão de fazer qualquer juízo moral. Como lei, deve fazer só o que lhe compete, isto é, direito, e nada mais.
Não podemos acompanhar uma forma de realizar o direito que ponha seja quem for acima do direito.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A Assembleia da República é o órgão competente para regular os direitos, liberdades e garantias constantes da Constituição - todos os direitos, liberdades e garantias, sem excepção.
Diz o Sr. Deputado Vera Jardim, no artigo de opinião já citado, que a aplicação da lei da liberdade religiosa, como ela deve ser feita - isto é, com respeito dos princípios da universalidade e igualdade, ressalvada a Concordata no seu estrito campo de aplicação e, portanto, também saneada das suas inconstitucionalidades -, levaria a dificuldades, que resume assim: não é fácil nem de resultado claro distinguir de entre a muita e variada legislação que cobre toda a actividade da Igreja Católica aquela que deriva da Concordata da que não tem essa característica.
O argumento de que a aplicação do Estado de direito é, neste ou naquele caso, difícil, não é, nem pode ser, razão para suspender a aplicação do Estado de direito. Se é difícil, aqui ou ali, aplicar uma lei, resolva-se o problema com bom senso e capacidade de diálogo. Isto, como é óbvio, sem a vontade arrogante de querer levar tudo à frente, aplicando a lei como um bulldozer; mas também sem aceitar a vontade arrogante de alguém querer impedir a Assembleia de exercer livremente as suas competências.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Uma lei para as religiões minoritárias não é a lei que o Estado de direito deve fazer. Mesmo que, para essas religiões, essa lei possa ser mais que o vazio legal e a discriminação que hoje vivem, não é certamente a lei da melhor dignidade a que essas instituições têm direito face ao Estado português e aos princípios por que ele se rege em matéria de liberdade religiosa, incluindo o princípio da igualdade.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, em sede de declaração de voto, faremos uma apreciação completa do texto da lei. Mas, nesta questão do artigo 58.º, agora avocado, e a não ser alterada a posição assumida pela bancada do PS, estará a razão de ser essencial para determinar o nosso voto final na lei da liberdade religiosa.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Agradeço ao Presidente do meu partido e ao do meu grupo parlamentar o facto de me terem dado a honra de ser porta-voz nesta contenda sobre o artigo 58.º da nova lei da liberdade religiosa.
Agradeço, porque, não estando eu filiado ou de qualquer modo ligado à Igreja Católica, não podem dizer que o CDS-PP veio aqui defender posições ultramontanas de confundir a Igreja com o Estado, de confundir a moral do Estado com a moral religiosa ou de vir aqui defender posições que não digam unicamente respeito ao direito e à República Portuguesa.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Faço-o com prazer e faço-o porque sou um servidor do Estado, da República e do direito português.
Como disse o Sr. Deputado João Amaral, o que está em causa no artigo 58.º é um problema de direito, e não mais do que isso! Trata-se de saber se a lei da liberdade religiosa, que é uma lei interna, ordinária, da República, pode, de algum modo, bulir com a Concordata actualmente vigente.
A Concordata que está em vigor não é só a que foi assinada em 7 de Maio de 1940; ela foi reafirmada, em Maio de 1975, pelo poder revolucionário, legitimado, aqui, em Portugal! Portanto, aquela que temos é a Concordata, não de Salazar, mas, se quiserem nomes, do Ministro da Justiça Salgado Zenha!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, há que saber se o problema das fontes de direito, várias vezes referido pelo Dr. Jorge Lacão, tem algo que ver com o artigo 58.º. As fontes de direito, em Portugal, tanto quanto sei, são duas imediatas e duas mediatas; a lei é-o, em primeiro lugar, porque o costume deixou de o ser, mas o costume internacional é ainda fonte do direito português!
Assim, quanto ao direito internacional, há que ter em conta que há duas fontes: a lei e o costume internacional. Quanto à lei, Sr. Deputado Jorge Lacão, que é docente

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universitário nestas matérias da Constituição, ela engloba a lei interna e os tratados internacionais livremente aceites pela República Portuguesa.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - A Concordata é um tratado internacional livremente aceite pelo poder da República Portuguesa saído da Revolução de 1974. Deixem Salazar descansar em paz!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, é fonte de direito superior à lei interna, isto é, um tratado internacional só pode ser modificado por outro tratado internacional. E é por causa disso que vai ser revista a Concordata, porque não falta, como V. Ex.ª disse ontem, na Comissão, aos seus pares de partido, que eram os indigentes mentais - creio que o Dr. Jaime Gama, Ministro de Estado e Ministro dos Negócios Estrangeiros não é um «indigente mental», como V. Ex.ª o classificou…

Aplausos do CDS-PP.

Protestos de Deputados do PS.

V. Ex.ª não diria tal da oposição, porque ninguém lhe permite isso! Se V. Ex.ª quisesse chamar «indigentes mentais» aos Deputados só poderia ser aos do seu partido, porque ninguém lhe dá o direito, e muito menos admite a veleidade, de chamar «indigentes mentais» aos Deputados dos outros partidos.

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, se o Ministro Jaime Gama, antes de ser votada esta lei na Assembleia da República, entendeu que devia abrir o processo da revisão da Concordata foi por ser de direito que a Igreja Católica veja o seu estatuto corrigido, modificado, ampliado ou restringido pela revisão da Concordata.
Em terceiro lugar, em Portugal, a Igreja Católica tem um regime especial, em que as normas especiais prevalecem sobre as normas gerais.

O Sr. Fernando Seara (PSD): - Muito bem!

O Orador: - V. Ex.ª pode modificar normas gerais mas, se fizer uma tal modificação, isso, automaticamente, pela teoria elementar de direito, não altera as normas especiais. Para alterar normas especiais V. Ex.ª tem de alterar normas gerais e também normas especiais!

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - V. Ex.ª não cessa regimes especiais de direito, e muito menos derivados do direito internacional, alterando uma lei geral, porque a lei geral mantém-se geral!
Finalmente, para terminar, direi que este projecto de lei não é um diploma saído da cabeça do Sr. Deputado Vera Jardim, embora ele tenha tido a coragem de o trazer à Assembleia, fazendo com que fosse discutido e fazendo com que hoje fosse votado. Este é um projecto que andou a ser negociado durante mais de quatro anos, pelo Conselheiro José Inácio de Sousa Brito, que presidiu ao grupo de trabalho…

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - … e que andou «de Herodes para Pilatos» a ouvir todas as confissões, por uma, duas, três vezes: andou a ouvir a Igreja Católica, andou a ouvir todos, um a um! E fez um anteprojecto que, depois, foi melhorado em alguns artigos pelo Deputado Vera Jardim.
V. Ex.ª chegou tarde a este debate! V. Ex.ª chegou muito tarde a este debate!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - E o Sr. Deputado já ultrapassou o tempo de que dispunha.

O Orador: - Este debate leva quatro anos e as soluções contempladas neste diploma estão «consensualizadas», porque o foram com outras confissões religiosas e com a Igreja Católica! V. Ex.ª não queira que um discurso de quatro minutos destrua o que foi um esforço de quatro anos!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para que efeito?

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Como o Sr. Presidente imaginará, para exercer o direito de defesa da honra, quando o Sr. Presidente mo consentir.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - No final do debate, Sr. Deputado. Mas não sou eu quem o estabelece, é o Regimento.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, com a avocação pedida do artigo 58.º da Lei da liberdade religiosa, o Parlamento, para além da discussão que teve lugar na Comissão, é remetido para um debate que, de algum modo, já foi feito nesta Câmara. E o debate que foi feito não é, tanto e só, o debate sobre a necessidade de dar ou não dar corpo ao texto e ao preceito constitucionais da liberdade religiosa, não é a necessidade constatada por todos de separar e definir na lei a separação entre Estado e igrejas e afirmar e corporizar a laicidade do Estado e da República democrática em que vivemos. A questão que divide esta Câmara e que fez com que muitos de nós se questionassem tem a ver com a metodologia que deveria ser adoptada para a discussão e a definição de uma nova lei enquadradora da liberdade

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religiosa, sabido que há um regime de excepção que a revisão da Concordata ainda não modificou.
Esta é, pois, a razão pela qual entendemos que a decisão resultante do texto da lei não vai permitir a igualdade de direito para todos os cidadãos portugueses face à religião, sejam eles adeptos ou crentes da religião maioritária - a religião católica -, sejam eles seguidores de uma das igrejas minoritárias, sejam eles cidadãos que livremente exerçam o direito de não seguir alguma das religiões, devendo, portanto, usufruir também da liberdade de encontrar, na sua legislação nacional, igualdade de tratamento, igualdade no plano fiscal, igualdade de regimes para todas as religiões.
Não está, portanto, colocada a questão do debate do estigma em relação a alguma das igrejas, está colocada uma situação de desigualdade que a metodologia encontrada acaba por gerar e por condicionar.
O texto que vamos votar é um texto limitado e condicionado por uma discussão, por uma revisão da Concordata, por uma negociação entre dois Estados que deveria ter ocorrido e que, não o tendo sido, vai, manifestamente, do nosso ponto de vista, em prejuízo da lei que sair desta Câmara.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, esta não é uma questão religiosa,…

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - … ao contrário do que certos ideólogos de um certo catolicismo conservador vêm aqui apresentar. Esta questão não é, também, uma questão somente jurídica, como por vezes tenho ouvido em certos debates. Este é um problema político que respeita à separação do Estado e das igrejas, ao funcionamento da democracia e à dignidade da República.
Neste sentido, gostaria de falar tão claro quanto as minhas parcas faculdades me permitem. A votação de hoje, se a favor da «versão Vera Jardim» do artigo 58.º do projecto de lei, viria consagrar o carácter discriminatório do futuro diploma, violando as promessas do Partido Socialista aquando da apresentação do projecto e defraudando as justas expectativas das confissões religiosas minoritárias.
Na realidade, a votação da referida versão do artigo 58.º, em primeiro lugar, consagraria a existência de dois regimes distintos para a regulação das relações do Estado com as confissões religiosas: um regime para a Igreja Católica, que mantém os seus privilégios ao abrigo do presente e do futuro regime concordatário, e outro, o regime da presente lei, para as religiões minoritárias, estabelecendo um estatuto de absoluta excepção para a Igreja Católica.
Consagraria a pretensão, anunciada pelo Patriarca de Lisboa na passada homilia pascal, da Igreja Católica de, ao abrigo da Concordata, se auto-situar acima da lei ordinária e das deliberações do Parlamento, constituindo isto uma grave derrogação do princípio republicano e democrático do Estado laico, em favor de um certo neo-confessionalismo que procura legitimar o privilégio de uma confissão, seja qual for o seu impacto real na sociedade, o que, para este efeito, é totalmente irrelevante.
Consagraria a manutenção de regimes legais de excepção para a Igreja Católica que nem sequer decorrem da Concordata e que são manifestamente inconstitucionais, designadamente as capelanias militares e hospitalares e algumas isenções fiscais.
E fá-lo-ia, não obstante conferir à Igreja Católica, no quadro de uma lei que ela própria não aceita para si, faculdades extraordinárias, como a de ter uma representação desigual e maioritária relativamente às demais confissões religiosas na prevista comissão de liberdade religiosa, detentora de relevantes poderes de consulta relativamente à actividade do conjunto das confissões e à aplicação da lei.
O Bloco de Esquerda lamenta que o Partido Socialista possa vir - não acredita que o faça! -, mais uma vez, a aceitar recuar no seu projecto inicial de fazer aprovar uma lei-quadro para o conjunto das confissões religiosas que articularia, subordinando-os, os acordos bilaterais a estabelecer entre o Estado e cada uma das confissões quanto à matéria que lhe fosse específica.
O Bloco de Esquerda manifesta a sua preocupação pelo que pode vir a ser o processo de negociação da futura Concordata. Não só por essa extraordinária «delegação genuflexória» que vimos aparecer na televisão, mas pelos resultados que possam, por causa desta votação, vir a condicionar decisivamente o futuro do futuro instrumento de acordo entre o Estado e a Igreja Católica. Cabe, portanto, colocar a questão e a interrogação aos Srs. Deputados de saber se vamos perder a oportunidade democrática de começar a corrigir o regime iníquo de desigualdade que foi estabelecido durante a ditadura e na ausência das liberdades entre a Igreja Católica e o Estado Novo.
Nestes termos, o Bloco de Esquerda entende que, a ser aprovado este projecto de lei e esta versão do artigo 58.º, se violará o princípio constitucional da universalidade das leis, da igualdade de tratamento legal das confissões religiosas e da liberdade religiosa em si mesma, pelo que votará contra essas versões e se dispõe a combater, em sede própria, pela arguição da inconstitucionalidade deste diploma.

Aplausos do BE e do Deputado do PS António Reis.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, atingimos hoje o fim de um já longo - eu diria demasiado longo - processo legislativo. Com ele, colocamos uma pedra fundamental no regime das liberdades e garantias constitucionais: 25 anos passados sobre a Constituição democrática de Abril, reconhece-se, finalmente, em toda a sua plenitude, o direito da liberdade religiosa.
Não há um problema religioso em Portugal, como já alguém disse. Mas existe grave discriminação em relação às religiões e confissões minoritárias. O objectivo primeiro do projecto é a conformação deste aspecto - o estatuto jurídico das religiões - com os princípios da Constituição da

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República. Mas a resolução desta grave lacuna no sistema de direitos fundamentais não nos pode fazer esquecer a existência de um acordo internacional com a Santa Sé - não com o Vaticano - celebrado em 1940 e apenas retocado - sabe-se lá porquê! - em 1975 no que respeita aos efeitos do casamento canónico, a necessitar ele, acordo, também de revisão.
É muito vasta, vastíssima, a legislação que cobre a actividade da Igreja Católica em Portugal, muita dela, e nem sempre da melhor,…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - … publicada já depois do 25 de Abril.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - E não compilada!

O Orador: - Distinguir, de entre essa legislação, a concordatária da que está para além do texto concordatário é tarefa difícil, de resultados pouco claros e a abrir para intermináveis polémicas jurídico-constitucionais, no mínimo pouco oportunas numa altura em que se inicia o processo de negociação de um novo acordo entre a Santa Sé e o Estado português.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - É isso que eles querem! É manietar o Estado!

O Orador: - Aliás, e permitam-me um breve comentário ao chamado projecto alternativo dos meus colegas de bancada que, perdoem-me o termo, com alguma temeridade, salvaguardaram o conjunto da legislação fiscal aplicável à Igreja Católica, na qual se contam manifestas inconstitucionalidades, algumas das quais foram ditadas por circular interna do Ministério das Finanças. É o caso da isenção de IRS dos eclesiásticos.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Isto vem salvaguardado no projecto dos Srs. Deputados Jorge Lacão e António Reis!

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Verdade!

O Orador: - Não vem no meu projecto, e não é por acaso. E é por isto que não adiro à proposta para o artigo 58.º, subscrita pelos meus camaradas de bancada.
Mas, quem ler bem o artigo 58.º do projecto inicial - e o projecto inicial não sofreu quaisquer alterações, Sr. Deputado Fernando Rosas -, lá verá que o Estado português não perdeu o direito de legislar sobre matéria que diga respeito à Igreja Católica.
Estabelecido que seja um articulado que cobre todas as matérias de importância para as religiões e para a actividade religiosa e, por isso, para a sociedade, este texto terá forçosamente de estar presente nas negociações, como matriz e guia fundamental e para cumprimento do princípio constitucional da igualdade. Daí a opção por esta lei de liberdade religiosa, por alguns criticada, críticas vindas, aliás, de vários quadrantes, sendo que a primeira pessoa a falar nisso foi o Professor Antunes Varela, que pretendia, primeiro, a concordata e, depois, a liberdade religiosa - sabe-se lá porquê!… -,…

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - É para não manietar o Estado!

O Orador: - … para, em seguida e necessariamente com base nela, na lei da liberdade religiosa, estabelecer o texto concordatário que há-de reger as relações entre a Igreja Católica e o Estado democrático, bem diversos, um e outro, dos que existiam em 1940.
Não perde o Estado português, na concepção que enforma o artigo 58.º do projecto que subscrevi, o poder de legislar em matérias que interessam à Igreja Católica. Já o fez várias vezes! Já o fez várias vezes, quando estava em causa uma norma constitucional que era violada pela Concordata! Ou estarão esquecidos de que está escrito na Concordata que a religião e moral católica é obrigatória, a não ser que se peça a isenção, e de que hoje o regime é completamente diferente?

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Por causa do acórdão do Tribunal Constitucional!

O Orador: - Não é intocável tudo o que está na Concordata! Não é intocável! Não é intocável para mim, como não é intocável para qualquer jurista que saiba minimamente aqueles que são os princípios constitucionais na matéria.
Mas, como dizia há pouco, o Estado já o fez, já legislou em matérias que interessam à Igreja Católica e poderá e deverá fazê-lo, sempre que se trate de conformar textos e práticas com os princípios da Constituição da República.
Alguns têm suscitado problemas de constitucionalidade do diploma, que também suscito porventura com mais acuidade em relação ao projecto alternativo.
É certo que, durante 25 anos, não vi exprimir preocupação com a clara inconstitucionalidade por omissão em que vivemos até hoje, nem sequer com algumas manifestas inconstitucionalidades do texto concordatário. Por mim, não tenho dúvidas sobre a tarefa de dignidade constitucional que estamos agora a realizar mas, em matéria de tal sensibilidade e dignidade, seria até desejável que o guardião da Constituição, Sr. Deputado Fernando Rosas, pudesse ser chamado a pronunciar-se sobre essa questão,…

Risos de alguns Deputados do PS e do CDS-PP.

… pelos meios disponibilizados pela nossa Constituição. Por mim, nenhuma oposição!
O debate sobre o texto da lei que votaremos dentro de momentos foi enriquecedor e demonstrativo de que a matéria que parecia esquecida está, aliás, bem presente em vários sectores da sociedade portuguesa. É certo que, por vezes, faltou rigor a esse debate, onde sobrou ideologia e - permita-me que me volte para si, Sr. Deputado Fernando Rosas, mas não só para si -…

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Bem me parecia!

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O Orador: - … uma apreciação mais emocional do que racional do que está em causa. Laicidade do Estado e conquista da modernidade não significam desinteresse pela presença das religiões nas sociedades modernas. Mas isso não foi ainda, infelizmente, devidamente assimilado por muitos.
Não está completa a tarefa da fundação de um verdadeiro direito das religiões, mas estamos - disso estou profundamente convicto - no bom caminho. Assim todos, repito, todos assumamos as responsabilidades de cada um e tenhamos presentes os princípios constitucionais com todas as suas consequências, fundamento último da nossa democracia e da nossa vida colectiva e que ultrapassa, de longe, os estaticismos de cada momento histórico.

Aplausos de alguns Deputados do PS e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD é contrário a esta proposta relativa ao artigo 58.º, porque a considera politicamente insensata, arrogante e inaceitável.
Em primeiro lugar, toda a longa preparação deste diploma foi feita afirmando que o seu objectivo era o reconhecimento dos direitos das confissões religiosas minoritárias que não a Igreja Católica. O resultado foi um texto que mereceu amplo consenso quer das igrejas, quer de outras entidades, quer dos partidos políticos. O PSD votou favoravelmente, na generalidade, tal texto, não pensando que alguém viesse querer acrescentar objectivos radicalmente novos. Entendemos que é urgente pôr cobro à situação actual das confissões minoritárias e também das pessoas que praticam essas confissões, porque tal situação viola flagrantemente os direitos humanos. E aquilo que nos interessa é contemplar e resolver o mais rapidamente possível a situação dessas pessoas e confissões.
Em segundo lugar, o bom senso exige que não se vote uma disposição que é fonte evidente de incerteza e, eventualmente, de conflito. Na verdade, como já foi dito pelo Sr. Deputado José Vera Jardim e por outros, ninguém poderia distinguir com precisão os regimes especiais que decorreriam da Concordata de 1940-1975 dos que dela não decorreriam.
Ora, a ética da responsabilidade, que tem de completar a ética da convicção e que exige a atenção ao real concreto, obriga a que se evitem pretensas soluções que, em vez de resolverem problemas, criem novos problemas. A missão essencial dos políticos é, como todos sabem, resolver problemas e não criar problemas.

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Em terceiro lugar, o bom senso e a coerência exigem que, estando aberto o processo de revisão da Concordata, não se antecipem soluções que nela podem e devem ter o seu lugar, não só para não invadir a competência exclusiva do Governo mas também e sobretudo para evitar a violação do princípio da boa fé, do velho princípio clássico da bona fide nas negociações, vigente no direito internacional. O novo acordo terá de ser feito entre dois sujeitos de direito internacional, livres, soberanos e autónomos. Tentar condicioná-los, à partida, tentar antecipar soluções, por outra via, não nos parece, portanto, desejável nem possível.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Deixando a insensatez, vejamos agora a arrogância política, sempre política, porque a minha crítica nada tem de pessoal, que subjaz a esta proposta.
O positivismo jurídico transpersonalista e estatista que aqui vemos, mais uma vez, em todo o seu esplendor, considera, um pouco como o marxismo, que as suas opiniões são as únicas científicas e certas. Não é, obviamente, assim! Há outras opiniões igualmente válidas! Por exemplo, o PSD não confunde igualdade com igualitarismo! Sabemos que há, em todas as democracias, e também em Portugal, nesta e em muitas outras matérias que não tenho agora tempo de elencar, discriminações positivas que estabelecem regimes jurídicos especiais e diferenciados, à sombra de princípios gerais que a todos se aplicam. Mas não reconhecemos, certamente, a ninguém o direito de nos vir determinar, arrogando-se um privilégio que ninguém lhe atribuiu - não gostam de privilégios mas, aqui, parecem querer para si um privilégio -, quais são as disposições ou as discriminações positivas que violam ou não o princípio da igualdade.
Curiosamente, a própria lei que vamos agora votar já consagra estatutos jurídicos muito diferenciados para as confissões religiosas minoritárias. Vejam os Srs. Deputados a diferença entre o regime que se estabelece, por um lado, para as confissões inscritas e o regime que se estabelece, por outro, para as confissões radicadas em Portugal.

O Sr. Fernando Seara (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas, mais - pasmem os Srs. Deputados! -, a própria proposta em debate, dos Srs. Deputados Jorge Lacão e António Reis, contém, ela própria, um estatuto diferente e desigual para a Igreja Católica. Verificados estes factos, cumpre agora perguntar: se já há três estatutos diferentes, as desigualdades só são boas e constitucionais quando são aceites e determinadas por quem? Quem é que se julga dono da Constituição?

O Sr. Fernando Rosas (BE): - A Igreja Católica!

O Sr. João Amaral (PCP): - O Sr. Deputado Pedro Roseta!

O Orador: - Quero lembrar, embora de passagem, um velho princípio da sabedoria romana - summum jus, summa injuria - e ainda as modernas teorias da justiça, que admitem as desigualdades jurídicas desde que sejam organizadas por forma a que toda a comunidade ou a maior parte beneficie delas. A injustiça só é constituída pelas desigualdades que não beneficiem a maioria.
Ora, esta proposta é politicamente inaceitável, porque pode pôr em causa uma instituição, a Igreja Católica, que

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não é só aquela em que os portugueses mais confiam mas é também, o que é ainda mais importante, aquela que mais se dedica às pessoas, indo onde quase ninguém vai, onde o aparelho de Estado muitas vezes chega muito pouco, para ajudar os excluídos, os mais pobres, os imigrantes recém-chegados, que em muitos casos não sabem falar português, para tratar os deficientes profundos, educar crianças abandonadas, apoiar comunidades de países lusófonos, desde Timor-Leste até Angola ou Moçambique, e até, eventualmente, para dar uma ajuda quando o Estado português necessita de libertar, por exemplo, prisioneiros que estão reféns em algumas matas.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Como políticos, não aceitamos propostas que sobrepõem opiniões ou construções ideológicas mais ou menos abstractas ao primado da pessoa humana, consagrado no artigo 1.º da Constituição. Como personalistas, entendemos que a pessoa está acima de tudo. Ela é o nosso objectivo e a nossa meta, como disse Francisco Sá Carneiro, grande defensor da liberdade religiosa.
Uma palavra de direito comparado. Também é arrogante esquecer que, em quase todas as democracias europeias, não existe a igualdade entre os estatutos das igrejas que os autores desta proposta querem estabelecer em Portugal. Há países democráticos nos quais há igrejas estabelecidas com privilégios especialíssimos, como, por exemplo, o Reino Unido, a Grécia, a Noruega, a Dinamarca e outros países escandinavos, inquestionavelmente democráticos. Não se assustem, porque não é para aí que vamos! Consideremos antes os casos da Alemanha, da Itália e de Espanha, onde certas confissões, pelo seu papel histórico, social e cultural, têm estatutos especiais, consubstanciados em concordatas ou acordos. Pensamos que esta é a melhor solução! Não é preciso inventar nenhuma solução nova! Não queremos repetir aquele nosso revolucionário, que queria dar lições de democracia à Suécia, há 25 anos atrás!
Quero sublinhar que nem a França é imune a essa dicotomia. Nem a França manteve essa tal pureza dos princípios que alguns reclamam e mantém, na Alsácia e em Lorena, a velhíssima e incrível Concordata de Napoleão que, certamente, ninguém aqui defende. Mas já é tempo de deixar de traduzir a França em calão, como já o grande Eça nos desafiava a fazer!

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. João Amaral (PCP): - Tanta arrogância!

O Orador: - A Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa aprovou, já há algum tempo, por larga maioria, uma recomendação com base num relatório de um Deputado socialista espanhol, no sentido de alargar e reforçar a cooperação com as comunidades e organizações religiosas, muito em especial com as que tenham profundas tradições culturais e éticas entre as populações locais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para concluir, direi que a História tem mostrado que as comunidades que não favorecem os que são capazes de contribuir mais e melhor para a sua continuação e para a transmissão dos seus valores às novas gerações, acabam por estiolar ou mesmo por perecer.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não vale a pena produzir, entretanto, como se vê entre nós, a propósito de tudo e de nada, discursos ou escritos catastrofistas sobre a realidade e a ausência de valores, prevendo, todos os dias, futuros cada vez mais negros, fazendo, de algum modo, o mal e a caramunha. Essas jeremiadas, ao contrário das originais, há quase 3000 anos, nada adiantam e nada resolvem! Quem não atribuir estatutos especiais aos que assumem maiores responsabilidades e mostram maior capacidade de doação, sobretudo aos mais pobres e aos mais desfavorecidos, está, de facto, a estimular o triunfo, tornado inevitável, dos que pensam sobretudo em si próprios e dos que querem aniquilar os valores e substituí-los pelo sucesso individual a todo o custo.
Esperamos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que não queiram que isso suceda entre nós.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Inscreveram-se para exercerem o direito regimental da defesa da honra pessoal os Srs. Deputados Jorge Lacão, relativamente a afirmações feitas pelo Sr. Deputado Narana Coissoró, e José Vera Jardim, relativamente a afirmações feitas pelo Sr. Deputado Fernando Rosas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, antes de mais, gostaria de fazer uma clarificação à Mesa.
Eu fiz, daqui e por várias vezes, sinal à Mesa no sentido de também me inscrever para exercer o direito regimental da defesa da honra pessoal em relação a uma acusação proferida pelo Sr. Deputado Pedro Roseta, de que estava em causa uma proposta por mim assinada, acusando-a de arrogante…

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Lamento, Sr. Deputado Jorge Lacão, mas apenas pode exercer o direito regimental da defesa da honra pessoal uma vez.

O Orador: - Sr. Presidente, peço desculpa, mas são duas intervenções autónomas, relativamente às quais requeiro o exercício do direito regimental da defesa da minha honra pessoal.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, peço-lhe que use o Regimento tal como ele está!
Dei-lhe a palavra para exercer o direito regimental da defesa da sua honra pessoal, mas nos termos em que enquadrei esta figura regimental!

O Orador: - Sr. Presidente, peço-lhe desculpa mais uma vez, mas se um Sr. Deputado, numa intervenção autóno

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ma, proferir alguma afirmação que, em minha consciência, viole a minha honra, não posso, relativamente a ela, exercer o direito da defesa da honra?

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, o Regimento é claro e explícito nesta matéria. Um Sr. Deputado apenas pode exercer o direito regimental da defesa da honra uma vez.

O Orador: - Lamento, Sr. Presidente!
O Sr. Deputado Narana Coissoró invocou a circunstância de eu ter referido num debate em comissão uma crítica àquilo que considerei a indigência mental. O Sr. Deputado Narana Coissoró - perdoe-me que lho diga -, malevolamente, sugeriu nesta Câmara que eu o teria referido em relação às posições, mesmo que divergentes, de camaradas meus.
Não, Sr. Deputado Narana Coissoró! Referi-me, é um facto, à indigência mental, mas à daqueles que levianamente desacreditaram, criticaram ou combateram iniciativas totalmente legítimas e que, para o fazer, se permitiram dizer com títulos de primeira página nos jornais que aqui estaria a ser aprovada legislação que impedia a assistência religiosa nos hospitais, o que era falso. Referi-me àqueles que, para criar um ambiente dramático, aqui disseram que seria proibida a presença de representantes da Igreja Católica em actos públicos do Estado, o que era falso. Referi-me àqueles que, para criarem um ambiente dramático, afirmaram que teria sido aprovado um princípio que proibiria os professores que ensinassem religião e moral de ensinar outras disciplinas nas escolas públicas, o que era falso. Isto tudo, Sr. Deputado Narana Coissoró, relevou da mais pura indigência mental!
Mas o Sr. Deputado, procurando arrogar aqui a legitimidade das suas posições, quis lembrar que continua a existir na ordem jurídica internacional um costume internacional que é fonte de Direito e que vigora na ordem interna. O que o Sr. Deputado Narana Coissoró não disse foi que o direito a que se referia é o das normas e dos princípios de Direito Internacional geral ou comum, aquilo a que se chama jus cogens. Ora, como o Sr. Deputado sabe, a Concordata não deriva do jus cogens mas, sim, do direito convencional, o que implica uma relação compromissória entre dois sujeitos internacionais que estabeleçam relação contratual entre si na ordem jurídica.
Falou, portanto, o Sr. Deputado de uma coisa que não se aplica ao caso, e, ao falar de uma coisa que não se aplica ao caso, não teve razão em tudo o que mais disse a seguir, porque o que mais disse a seguir foi que as relações entre a Igreja Católica e o Estado português se regulavam necessariamente por normas especiais. O Sr. Deputado Narana Coissoró não tem nenhuma razão para sustentar que, à luz do primado a que devemos respeito, e este é o da Constituição da República democrática, as normas de natureza universal devam ter âmbito de aplicação geral.

Aplausos do PS e do BE.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, meu querido amigo e jurista, de modo algum me parece que, a propósito de questões de Direito, o tenha ofendido.
O costume internacional que é fonte de Direito ou a questão de saber o que é ou não o jus cogens pode espantar ignorantes, os tais ignorantes, mas penso que não vale a pena fazer uma defesa de Direito usando a figura regimental da defesa da honra.
É ou não verdade que perpassou na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias a ideia de afastar cerimónias religiosas concomitantes com cerimónias do Estado? É ou não verdade que, durante muito tempo, se falou nessa Comissão sobre a possibilidade de os professores de determinadas disciplinas não poderem ao mesmo tempo acumular o ensino dessas disciplinas com o ensino de religião e moral? É ou não verdade que houve claras posições de alguns partidos e de alguns Deputados, que não vale a pena mencionar, sobre estes problemas? Há algum mal no facto de os jornais e de os demais órgãos de comunicação social divulgarem o que se discute numa comissão privilegiada, como é a 1.ª Comissão, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, de que V. Ex.ª em bom tempo foi eleito presidente e que todos respeitamos? Não é este órgão a sede da democracia? Ou será que há conversas clandestinas na Comissão que não devem ser repetidas cá fora?
Sr. Presidente da 1.ª Comissão, onde é que foi ferida a sua honra? Onde é que está a indigência mental? Será que V. Ex.ª perdeu definitivamente o «pé» nesta discussão?

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para exercer o direito regimental da defesa da honra pessoal, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, não se trata propriamente da defesa da minha honra pessoal mas, sim, a da honra da minha bancada!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Nesse caso, o direito da defesa da honra tem de ser exercido por um membro da direcção do seu grupo parlamentar, pois só ele o pode fazer.

O Orador: - Então, defendo a minha honra, porque também pertenço ao grupo parlamentar!

Risos.

Há pouco, na minha curta intervenção, falei na falta de rigor de que, durante este debate, alguns intervenientes tinham dado provas. Infelizmente, neste próprio debate, aqui, o Sr. Deputado Fernando Rosas deu provas de pouco rigor. Foi estranho que essa intervenção tenha vindo de V. Ex.ª, Sr. Deputado.
Especificarei aquilo a que me refiro.
V. Ex.ª disse que bom seria que o Partido Socialista voltasse à sua primitiva concepção. Ora, o Partido Socialista, desde o princípio, só teve uma concepção sobre o

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artigo que está em discussão. Todavia, lembro-lhe que quem teve várias concepções foi o Bloco de Esquerda, começando com uma que, pura e simplesmente, revogava a Concordata até, indo por aí fora, terminarem com algumas infelizes intervenções, a vários títulos, durante este debate.
Sr. Deputado, o facto de V. Ex.ª não ter estado presente em todos os trabalhos é, obviamente, uma circunstância atenuante para a sua falta de rigor.

Risos do Deputado do CDS-PP Paulo Portas.

No entanto, não poderia deixar passar em claro que o Partido Socialista, nesta matéria, desde a apresentação deste projecto de lei, teve uma e a mesma posição. O mesmo não podemos dizer de outras bancadas, designadamente da sua!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, quero que fique claro que não ofendi a honra de ninguém. Não é meu hábito fazê-lo nem é esse o meu estilo de intervenção nesta Câmara, ao contrário do que aconteceu com as insinuações pouco elegantes que fez o Deputado José Vera Jardim. Também nos distinguimos quanto ao estilo de intervir.
Falta de rigor não tive. O Partido Socialista apresentou o projecto de lei de liberdade religiosa, indicando que esta lei se destinaria a enquadrar o conjunto das confissões religiosas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Não! A lei destinava-se a regular as confissões religiosas minoritárias!

O Orador: - Era este o propósito inicial do Partido Socialista, mas recuou nesse objectivo, passando a aceitar que esta lei, em vez de contemplar o conjunto das confissões religiosas, passasse só a contemplar as religiões minoritárias. É V. Ex.ª quem tem falta de memória ou de rigor ao analisar a evolução da posição do Partido Socialista quanto a esta matéria e não eu!
O facto de não ter sido sempre Deputado nesta Assembleia, ao abrigo de uma política de rotação dos Deputados que o meu partido tem seguido, não significa que não tenha acompanhado cuidadosamente os debates. Não venha confundir a opinião pública acerca desta questão!
O Bloco de Esquerda nunca apresentou qualquer projecto de lei que pretendesse revogar a Concordata! O Bloco de Esquerda apresentou um projecto de lei que foi rejeitado pelo Plenário da Assembleia, ao qual se mantém fiel do ponto de vista dos princípios. Entendemos, no entanto, que o recuo do Partido Socialista, passando de uma lei geral de enquadramento das confissões religiosas para uma lei de excepção para as confissões religiosas, é, este sim, um recuo lamentável do ponto de vista dos princípios e do ponto de vista da orientação que deveria presidir a este problema.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Não é verdade!

O Orador: - Os senhores tiveram falta de rigor e, mais do que isso, tiveram falta de princípios! Como tal, a nossa maneira de apresentar esta questão e a vossa maneira de o fazer é também algo que nos distingue!

O Sr. António Capucho (PSD): - Essa já uma questão que a esquerda resolve lá fora!

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, como o meu grupo parlamentar ainda dispõe de 18 segundos, peço a palavra para uma intervenção.

Risos do PSD, do PCP e do CDS-PP.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, como o meu grupo parlamentar ainda dispõe de 53 segundos, também peço a palavra para uma intervenção.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Peço desculpa, mas não concederei a palavra a nenhum dos Srs. Deputados, por considerar que, como já tínhamos terminado o debate, não seria correcto.
Srs. Deputados, vamos, então, proceder à votação da proposta de alteração do artigo 58.º do texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo ao projecto de lei n.º 27/VIII - Lei da liberdade religiosa (PS), que é subscrita pelos Srs. Deputados do PS Jorge Lacão e António Reis.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP, de Os Verdes, do BE e de 24 Deputados do PS.

Era a seguinte:

Artigo 58.º
(Condições de aplicação da lei)

1 - A presente lei ressalva o primado da Concordata e seu protocolo Adicional, celebrados entre a República Portuguesa e a Santa Sé, bem como os regimes especiais daí decorrentes na legislação aplicável à Igreja Católica.
2 - Não são ainda aplicáveis à Igreja Católica as disposições desta lei relativas ao regime dos benefícios fiscais e ao estatuto das igrejas e comunidades religiosas inscritas ou radicadas no País, sem prejuízo da possibilidade da adopção dessas disposições mediante acordo entre o Estado e a Igreja Católica ou por disposição legal remissiva.

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O Sr. António Reis (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, pretendo apenas comunicar a V. Ex.ª que farei chegar à Mesa uma declaração de voto subscrita por mim, pelo Sr. Deputado Jorge Lacão e por mais 21 Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Socialista.

O Sr. João Cravinho (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, pretendo também informar a Mesa de que entregarei na Mesa uma declaração de voto subscrita por mim.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, peço também a palavra para informar a Mesa que o Bloco de Esquerda vai entregar uma declaração de voto acerca do mesmo assunto.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra o Sr. Deputado José Barros Moura.

O Sr. José Barros Moura (PS): - Sr. Presidente, pretendo apenas anunciar que farei chegar à Mesa uma declaração de voto escrita.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Já agora, informo o Plenário que também eu apresentarei uma declaração de voto.

Risos.

Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): - Sr. Presidente, pretendo apenas anunciar que farei chegar à Mesa uma declaração de voto.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Roseta.

A Sr.ª Helena Roseta (PS): - Sr. Presidente, pretendo apenas anunciar que também farei chegar à Mesa uma declaração de voto.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, é também para informar que entregarei na Mesa uma declaração de voto.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, rejeitada que está a proposta de alteração, apresentada pelos Deputados do PS Jorge Lacão e António Reis, do artigo 58.º do projecto de lei n.º 27/VIII, vamos proceder à votação final global do texto final, elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo ao projecto de lei n.º 27/VIII - Lei da liberdade religiosa (PS).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP, votos contra do PCP, de Os Verdes e do BE e abstenções de 24 Deputados do PS.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, é para dizer que o Sr. Deputado Pedro Roseta vai fazer uma declaração de voto oral em nome da bancada.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Com certeza.
Tem a palavra, Sr. Deputado, para uma declaração de voto.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com a brevidade que o Regimento impõe, farei uma declaração de voto em nome de toda a bancada do PSD.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O PSD votou favoravelmente este projecto de lei, porque o mesmo vem pôr cobro a uma situação insustentável de violação dos direitos das pessoas e das confissões religiosas minoritárias.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Entendemos que aqueles que querem protelar ainda mais, para além do que já conseguiram, a aprovação deste projecto de lei são responsáveis exclusivos pelo facto de muitos cidadãos portugueses não terem ainda consagrados os seus direitos fundamentais nos termos da Declaração Universal dos Direitos do Homem e dos pactos internacionais que a completam, bem como da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Por outro lado, apesar de haver alguns artigos, que foram aprovados, de que o PSD discorda, os quais não votou na especialidade, mas que agora não vou elencar - será feito em texto escrito, que será entregue amanhã -,…

Vozes do PCP: - Não, não!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, agradecia que fizessem silêncio.

O Orador: - … o PSD considera que, para além deste ponto fundamental, é muito importante ter-se verificado a

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consagração do princípio da cooperação entre o Estado e as confissões religiosas radicadas em Portugal.

O Sr. João Amaral (PCP): - Ou faz uma declaração de voto oral ou faz uma declaração de voto escrita!

O Orador: - Desculpe, mas posso fazer uma declaração, individualmente, por escrito.

O Sr. João Amaral (PCP): - Até pode fazê-lo junto do Vaticano!

O Orador: - A consagração do princípio da cooperação parece-nos extraordinariamente importante, porque é um marco de viragem naquela que tem sido a tradição da liberdade religiosa, em Portugal.
Vamos estabelecer, pela primeira vez, um sistema que é semelhante aos praticados nas democracias mais avançadas da Europa. É um sistema baseado nos fundamentos personalistas em que sempre nos reconhecemos e em que passamos a atribuir, tendo em atenção a sua representatividade, um direito à cooperação do Estado.
Conseguimos também alterar o artigo 8.º, artigo que estava mal redigido e que tinha uma articulação altamente discutível da liberdade religiosa, mesmo do ponto de vista individual. Esse artigo 8.º colocava - vejam lá! - a liberdade dos actos de culto privado e público em último ou penúltimo lugar. Felizmente, foi-lhe agora dado o lugar que lhe pertence.
Conseguimos também diminuir o estatismo de que estava viciado o projecto de lei original - não leve a mal, Sr. Deputado Vera Jardim, por referir isto claramente. Na verdade, o projecto de lei original era estatista, na medida em que atribuía demasiado peso ao Estado,…

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado. Queira concluir.

O Orador: - … designadamente na composição da Comissão da Liberdade Religiosa. Ora, tal composição foi modificada no sentido que o PSD defendeu.

Aplausos do PSD.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, para anunciar que os Deputados que se abstiveram na votação que foi feita há momentos irão apresentar uma declaração de voto, recordando a posição aqui expressa de que éramos a favor, primeiro, da revisão da Concordata e, depois, da aprovação de uma lei da liberdade religiosa que englobasse todas as religiões, inclusive no que diz respeito ao IRS de que, creio, ninguém aqui falou.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Francisco Torres (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Francisco Torres (PS): - Sr. Presidente, é para anunciar que apresentarei uma declaração de voto.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, uma vez que, nos termos do Regimento, só é possível uma única declaração de voto, que pode ser oral ou escrita, pedi a palavra para anunciar que o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português optou por apresentar uma declaração de voto escrita, que fará chegar à Mesa.
Espero também que seja aplicado este princípio de uma única declaração de voto a todas as bancadas e a todos os Srs. Deputados, para que não suceda estar a fazer-se uma declaração de voto oral e depois complementá-la com uma declaração de voto escrita.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Com certeza, Sr. Deputado.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Uma brevíssima declaração de voto…

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Oral?!

O Orador: - Oral, e só oral!
O PS congratula-se com o fim deste processo legislativo. Como já tive ocasião de dizer, trata-se de um marco fundamental na história dos direitos, liberdades e garantias constitucionais.
Aproveita também para agradecer o elogio expresso pelo Sr. Deputado Pedro Roseta ao projecto de lei do PS.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não é muito usual da parte do PSD esse tipo de elogios. O reconhecimento…

O Sr. António Capucho (PSD): - Também não é habitual vocês aceitarem!

O Orador: - Eu não interrompi ninguém da sua bancada, Sr. Deputado. Embora V. Ex.ª seja presidente, penso que não tem direitos especiais, nessa matéria.

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O Sr. António Capucho (PSD): - Eu não interrompi. Fiz só um pequeno aparte!

O Orador: - Agradeço o elogio do Sr. Deputado Pedro Roseta e agradeço também o contributo que não só o Sr. Deputado mas também muitos Deputados da sua bancada deram ao projecto de lei do PS. Que isto fique bem claro, porque o Sr. Deputado Pedro Roseta, ao referir três ou quatro intervenções na especialidade, parece quase reivindicar para si este projecto.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Eu não disse isso! Isso é um processo de intenção!

O Orador: - Ora, Sr. Deputado, agradeço os elogios feitos e congratulo-me com a adesão, tardia, do PSD e do PP para a resolução desta lacuna grave da arquitectura constitucional portuguesa. E por aqui me fico!

Aplausos do PS.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, vou fazer uma brevíssima declaração de voto, também oral, em nome do Grupo Parlamentar do CDS.
Sr. Presidente, o Grupo Parlamentar do CDS começa por se congratular com o consenso alargado que se verificou nesta Assembleia sobre esta matéria.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Penso que todas as pessoas que, na senda do Concílio Vaticano II, se sentem atraídas pela transcendência souberam bem o que estava a ser discutido e souberam bem o que estava a ser votado.
Em segundo lugar, é importante…

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Veja lá, não lhe caia o Espírito Santo na cabeça!

O Orador: - Sr. Deputado, assuma com clareza a sua posição e não se esconda atrás de um humanismo falso!
Dizia eu que, em segundo lugar, é para nós importante pôr as coisas nos seus devidos lugares, ou seja, não era justo que por querer dar direitos até agora não garantidos a confissões minoritárias, essa porta servisse para desestabilizar relações de séculos entre Portugal e a Igreja Católica.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Não era certo criar um conflito onde ele não existe. Não era certo criar uma questão que divide, quando há tanta coisa que nos pode unir em benefício dos portugueses.
Só aqueles que querem destruir a família, que querem destruir as Forças Armadas, que querem destruir tudo aquilo que é o alicerce de toda uma civilização,…

Vozes do PCP: - E comer crianças ao pequeno almoço!…

O Orador: - … só esses é que queriam aproveitar esta lei para criar mais divisões, para criar mais querelas estéreis.

Vozes do PCP e do BE: - Eh!

O Orador: - Para isso, não contaram connosco!
Quero, ainda, congratular-me por o Partido Socialista ter entendido bem este facto e por ter apresentado uma lei que pudemos votar com gosto e com a convicção de que estamos a alargar direitos e a pôr cimento naquilo que nos une e não a dividir e a pôr em causa aquilo que não deve, nem pode, porque nenhuma justiça teria, ser posto em causa, que é uma relação de séculos que assim se cimenta, alargando, e não restringindo, direitos.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, porque há pouco não ouvi parte da intervenção do Sr. Deputado Pedro Roseta, que fez uma declaração de voto oral em nome da sua bancada, quero esclarecer que a Mesa não aceitará uma declaração de voto por escrito.

O Sr. Fernando Seara (PSD): - Não aceita? Eu vou apresentar uma declaração de voto escrita.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Qualquer Deputado, individualmente, pode fazê-la, mas quem a fez oralmente, em nome da bancada, não poderá apresentá-la por escrito.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de um parecer da Comissão de Ética.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa - processo n.º 417/98.9 -, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Guilherme Silva (PSD) a prestar depoimento, por escrito, na qualidade de testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, está em discussão.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, nada mais havendo a tratar, resta-me informar que a próxima sessão plenária se realiza amanhã, a partir das 10 horas, com o debate mensal com o Primeiro-Ministro.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 55 minutos.

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Declarações de voto enviadas à Mesa, para publicação, relativas à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 421/VIII, à votação da proposta de alteração, apresentada pelos Srs. Deputados do PS Jorge Lacão e António Reis, do artigo 58.º do texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sobre o projecto de lei n.º 27/VIII e à votação final global do referido texto final

Relativa à votação, na generalidade, do projecto de lei
n.º 421/VIII

Para que Portugal vença, no horizonte de uma geração, o atraso estrutural que nos separa dos países europeus avançados a educação tem de superar o seu próprio atraso estrutural muito mais cedo. Essa é condição sine qua non de construção das capacidades necessárias para a obtenção do objectivo de geração que serve de referência à estratégia nacional.
Neste entendimento, tudo devemos fazer para que o nosso sistema de educação, pública e privada, possa alcançar padrões europeus de qualidade na presente década.
Uma lei quadro de avaliação do ensino não superior é um instrumento indispensável para esse efeito.
O projecto do PSD visa esse objectivo mediante disposições que nem sempre se mostram adequadas face à ambição acima assinalada. Ainda assim, poderia justificar-se o seu voto favorável na generalidade, caso não houvesse a garantia dada pelo Governo durante o debate no sentido de submeter à Assembleia da República, ainda este ano, uma proposta de lei bastante mais amadurecida e fundamentada.
Regozijo-me com essa disponibilidade, esperando ver na proposta do Governo normas alargando o objecto da Lei, precisando de modo mais coerente os objectivos da avaliação e assegurando o enquadramento das conclusões da avaliação em programas e dispositivos tendentes a corrigir as deficiências detectadas.
Quanto ao objecto e objectivos, a lei não deverá excluir a própria consequência da avaliação como parte integrante de um processo de avaliação evolutivo ao longo do tempo. Assim, uma lei quadro para a avaliação e qualidade do ensino não poderá excluir a organização do próprio processo correctivo directamente fundado nos resultados das sucessivas avaliações.
Quanto ao processo e parâmetros da avaliação, a lei também não deverá excluir a ponderação dos factores socioeconómicos que afectam a comunidade escolar, quer internamente quer através de processos envolventes. Não chega fazer referência genérica a tais factores. Será necessário avançar na definição da sua estrutura e da sua articulação com os objectivos do projecto escolar, caso a caso.
Finalmente, as soluções organizativas necessárias e suficientes para a concretização das finalidades acima apontadas não podem ter um carácter mecânico ou recorrer a figuras burocráticas por simples analogia com a Lei de Avaliação do Ensino Superior. As condições são diferentes e exigem, provavelmente, soluções próprias, distintas daquelas que vigoram no superior.
Por estas razões, voto contra o projecto do PSD, destacando que outro seria o meu voto se não tivesse a garantia de apresentação de uma iniciativa legislativa mais densa e melhor orientada.

O Deputado do PS, João Cravinho.

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Relativa à votação da proposta de alteração, apresentada pelos Srs. Deputados do PS Jorge Lacão e António Reis, do artigo 58.º do texto final, apresentado pela Comissão
de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e
Garantias, sobre o projecto de lei n.º 27/VIII

1 - A redacção do artigo 58.º, que visa estabelecer o âmbito de aplicação da lei da liberdade religiosa, circunscrevendo-o às confissões minoritárias, suscita um sério problema de conformidade à Constituição. É que muitas das normas da referida lei têm natureza universal, quer quando densificam princípios e estabelecem disposições típicas do regime constitucional dos direitos, liberdades e garantias, quer quando, em coerência, desenvolvem formas de regulação comum nas relações entre o Estado e as confissões religiosas.
Ao limitar às confissões minoritárias a aplicação de tais normas, torna-se evidente o confronto com o artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa. Nele se estabelece o princípio da igualdade e da não discriminação das pessoas (físicas ou morais) perante a lei - «ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever» em razão, designadamente, «de religião».
Em face do que precede, não colhe a justificação da exclusão de aplicação de normas de natureza universal à Igreja Católica com fundamento na existência de uma relação concordatária. É que uma coisa é o reconhecimento da faculdade de o Estado poder articular com a Santa Sé (dada a personalidade internacional da Igreja Católica) formas de relação ao abrigo do direito internacional convencional, outra, bem diferente, é a tese de que o Estado só pode estabelecer formas de regulação jurídica aplicáveis à Igreja Católica por via concordatária e, nessa medida, com uma espécie de confisco da lei geral.
Esta tese não tem fundamento, pelas seguintes razões:
Em contraste com o expressamente disposto na Constituição de 33, o legislador democrático não está vinculado a só poder regular as relações Estado-Igreja por instrumento jurídico internacional firmado com a Santa Sé;
Em contraste, o que caracteriza a ordem constitucional democrática é a sua natureza não confessional e, consequentemente, não discriminatória, em matéria religiosa;
Sendo importante ter em conta que fontes de direito internacional e fontes de direito interno exprimem esferas diferentes da ordem jurídica e que, se em caso de desconformidade de normas ordinárias de direito interno com normas de direito internacional são estas que prevalecem - na condição de não serem inconstitucionais -, o que se

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impõe ao legislador ordinário é o respeito devido às orientações da Constituição e, de entre estas, como tarefa fundamental do Estado, «os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático» - o que implica uma ordem jurídica interna sem espaços vazios de regulação, à mercê de serem preenchidos por fontes aleatórias de direito.
Por tudo isto, importa compreender que a tese de, com fundamento na Concordata, isentar a Igreja Católica da aplicabilidade das normas universais da lei da liberdade religiosa, por mais aliciante que seja na lógica do pragmatismo, é uma tese sem legitimidade. Tal atitude só seria admissível se a Concordata fosse - como na Constituição de 33 - fonte obrigatória de regulação das relações entre o Estado e a Igreja.
Para que tudo se compreenda melhor, a prevalência de um direito supra-estadual com dispensa de direito interno verifica-se, em planos e com objectivos diferentes, no domínio do direito da União Europeia (no caso dos regulamentos) ou, amanhã, no caso do Tribunal Penal Internacional. Acontece é que, para ser assim, tem de haver previsão constitucional expressa. Esse, hoje, não é o caso da Concordata entre o Estado português e a Santa Sé que, podendo regular relações na base de um vínculo internacional entre partes, todavia não pode substituir-se à necessidade constitucionalmente exigível de um regime não discriminatório em matéria de liberdade religiosa.
Não deixa de admitir-se como fundado o juízo de oportunidade sobre a importância de há muito se ter procedido à revisão e actualização do obsoleto regime concordatário vigente. O que - como em Itália ou em Espanha - teria podido favorecer tanto o bom clima dialogal com a Igreja Católica como a aprovação de uma lei geral da liberdade religiosa num quadro jurídico globalmente harmonioso. Mas esse é, em qualquer caso, um juízo de natureza política e não jurídica.
Persiste, pois, acima dos pontos de vista políticos, a seguinte questão incontornável: se o legislador voluntariamente se vinculou a legislar no domínio da liberdade religiosa; se o regime concordatário já não é exigência constitucional específica quanto ao modo de regulação das relações entre o Estado e a Igreja Católica; se a Concordata, como instrumento de direito internacional tem primado sobre o direito interno ordinário mas não é fonte de direito interno; se a Constituição não permite discriminações com fundamento na religião - com que justificação pode o legislador, no direito interno, pretender reconhecer direitos e estabelecer formas de relacionamento entre o Estado e as confissões religiosas com discriminação do âmbito de aplicação subjectiva e objectiva de normas de natureza universal?
A resposta só pode ser uma: se o legislador optar por tal caminho, ofende o princípio constitucional da igualdade e da não discriminação.
2 - Visando contrariar tal ilação, têm alguns referido que o principio constitucional da igualdade se concretiza tratando o igual igualmente e o desigual desigualmente. Sendo que, no caso concreto, o peso histórico, social e cultural da Igreja Católica seria pressuposto fáctico bastante para justificar as diferenças de tratamento.
Nunca se contestou que a natureza e o significado social e cultural da Igreja Católica, em Portugal, possa justificar uma relação especial com natureza de direito internacional, sem embargo de se constatar que muitos países de evidente tradição católica dispensaram relações de tal tipo.
Só que uma coisa são os processos especiais de formalização de uma certa relação estabilizada na ordem jurídica e outra, obviamente diferente, são as soluções materiais vigentes nessa ordem jurídica inerentes à realização de um princípio comum de justiça. No domínio das liberdades, o que a Constituição faz prevalecer é o respeito pela autonomia da personalidade como consequência do reconhecimento da dignidade da pessoa. As diferenças que devem ser respeitadas advêm do exercício dessa autonomia e do modo como se exprime, não do impulso de lei discriminatória. Assim, aonde se verifique tratamento diferenciado - as chamadas discriminações positivas - tal só pode ocorrer por razões de promoção da igualdade de oportunidades e nunca para estratificar ou consolidar desigualdades de situação.
Aliás, é a má compreensão do chamado direito à igualdade e à diferença que tem servido, infelizmente, em muitos tempos e lugares, para legitimar situações de homens livres em face de homens sem liberdade, inclusões e exclusões rácicas, religiosas, doutrinárias, económicas ou políticas.
Assentemos, pois, no rigor dos conceitos: a expressão e a realização das diferenças é inteiramente legítima mas na condição de ser suportada numa ordem pública democrática de garantia e de promoção jurídicas da igualdade de tratamento e de oportunidades, particularmente ao nível do exercício dos direitos fundamentais que integram o estatuto das liberdades. É legítimo regular estas com critérios distintos? Obviamente que não. O que é legítimo é regulá-las por forma a que do seu exercício em condições de igualdade efectiva venham a emergir, sem exclusões ou favorecimentos, as naturais diferenças - de crença, de fé, de convicção, sejam lá as que forem que, ditadas pela liberdade de consciência, se integrem na civilização da tolerância que é suposto querermos continuar a desenvolver.
3 - O âmbito de aplicação do artigo 58.º levanta ainda outro problema de grande melindre.
Ao aprovar disposições jurídicas em matéria de liberdade religiosa, que se integram no regime dos direitos, liberdades e garantias, a Assembleia da República exerce uma competência do seu domínio de reserva legislativa. Todavia, ao declarar que a lei geral da República será desaplicada não apenas face ao primado da Concordata ou dos regimes especiais dela derivados mas, também, nas relações com a Igreja Católica, a benefício de quaisquer normas do direito pretérito e avulso, não necessariamente aprovado sob o regime dos direitos, liberdades e garantias, o que a Assembleia da República faz é retirar eficácia relativa a normas suas, aprovadas com inteira validade, não em benefício de um direito de valor hierarquicamente superior mas de outro susceptível até de ter sido aprovado sem cumprimento das próprias regras orgânicas de competência e com violação da separação de poderes.
Se o princípio geral de direito é o de que lei nova derroga lei velha, o que aqui temos, em contraste absoluto, é

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o de que lei velha derroga lei nova. Lei do regime dos direitos, liberdades e garantias! Lei geral da República!
Torna-se, pois, patente, o quanto estamos perante uma crise do próprio princípio da justiça que, em todos os casos, deveria orientar a opção do legislador. Se o legislador aprova leis revelando manifesta insegurança quanto à pertinência material das suas normas, ao ponto de as desaplicar a um largo espectro do caso concreto (da vida, evidentemente), que consciência revela da natureza justa do direito que aprova?
Tudo o que vem de salientar-se se afigura de uma meridiana clareza à luz dos princípios reitores da ordem constitucional democrática. É, pois, com evidente perplexidade que se testemunha uma orientação legislativa que, no momento em que revoga a anterior lei da liberdade religiosa - Lei n.º 4/71 - aprovada ao abrigo da Constituição autoritária e antiliberal de 33, em todo o caso opta por definir um âmbito de aplicação com critérios claudicantes que, singularmente, nem a lei velha perfilhou.
Em síntese, o que decisivamente está em causa na redacção do artigo 58.º é saber se a lei da liberdade religiosa, com salvaguarda do primado da Concordata e dos seus regimes especiais, cumpre a Constituição e é aplicável sem reservas de privilégio.
Na Lei n.º 4/71, base XVIII, n.º 2, dispõe-se o seguinte: «São aplicáveis às pessoas colectivas católicas as disposições desta lei que não contrariem os preceitos concordatariamente estabelecidos.»
A moral da história é, pois, bem simples: em vista até do grau de coerência do legislador da ditadura, pretender, em democracia, que a lei da liberdade religiosa, com respeito pelo primado da Concordata, seja eficazmente aplicável nos seus preceitos de natureza universal, tornou-se um combate pela justiça, elementar mas infelizmente em vias de não ser superado. Irónico sinal dos tempos. Triste prova para os valores democráticos. Rude teste para a autoridade do Estado constitucional.

Os Deputados do PS, Jorge Lacão - António Reis - Nuno Ferreira da Silva - Maria Santos - Gavino Paixão - Ricardo Castanheira - Luísa Portugal - Medeiros Ferreira - Fernando Jesus - Victor Moura - Jorge Strecht - Isabel Pires de Lima - Carlos Luís - João Sequeira - Marques Júnior - Manuel dos Santos - Eduardo Pereira - José Miguel Noras - Jamila Madeira - Gonçalo Almeida Velho - Carlos Santos - Carla Tavares - Maria Teresa Coimbra.

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Relativas à votação final global do texto final,
elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sobre o projecto de lei
n.º 27/VIII

1 - Como afirma o Professor Antunes Varela, citado por José Vera Jardim no preâmbulo do projecto de lei de liberdade religiosa, «a Concordata é um instrumento jurídico-político que necessita de urgente revisão por assentar em pressupostos históricos ultrapassados pelas circunstâncias», razão pela qual, antes de legislar, «o primeiro passo deveria consistir nessa revisão». Por esse mesmo motivo, em 1970, Francisco Sá Carneiro perguntava ao Governo que diligências tinham sido efectuadas no sentido de se iniciarem negociações com a Santa Sé com vista à revisão da Concordata. E o Bispo do Porto, no seu exílio, chamou à Concordata de então uma Concordata clerical e ao regime salazarista uma ditadura católica. Nenhum dos portugueses atrás citados pode ser considerado jacobino.
2 - A Itália e a Espanha seguiram caminho inverso ao nosso: fizeram primeiro a revisão e substituíram as respectivas Concordatas por acordos com a Igreja Católica. Ora, o quadro legislativo que regula em Portugal as relações entre o Estado e as igrejas, designadamente a Igreja Católica, está claramente desactualizado e em contradição não só com a Constituição como com os princípios orientadores de uma sociedade livre, democrática e pluralista. Por isso, uma nova legislação sobre a matéria não podia deixar de passar por uma revisão da Concordata. Só assim seria possível adaptar a nova legislação aos preceitos constitucionais - sem, pelo menos, os pôr ostensivamente em causa, mesmo interpretando-os à luz das necessidades de estabilidade nas relações entre o Estado e a Igreja Católica.
3 - Não confundo laicidade do Estado com laicidade da sociedade. Nem ignoro o papel das religiões, nomeadamente o da Igreja Católica. Neutralidade e equidade do Estado não significam indiferença perante a esfera do sagrado na vida da sociedade e das pessoas. Mas essa atenção do Estado não deve ser confundida com qualquer tendência para a sua confessionalidade ou para a sua instrumentalização por uma ou várias confissões. A laicidade do Estado é condição da liberdade religiosa e de todas as outras liberdades.
4 - A Concordata é um tratado. A sua validade é supralegislativa e infraconstitucional. Está abaixo da Constituição, mas acima da Lei. O que significa que, sem revisão, a futura lei não se aplicará à matéria constante da Concordata. Por isso, em devido tempo, propus a revisão prévia da Concordata. E afirmei que, em nenhum caso, deveria fazer-se uma votação final global da lei antes de concluídas as negociações com a Santa Sé. A disponibilidade manifestada então pelo Episcopado português criou condições para que tal fosse possível sem dramatismos nem crispações desnecessárias. Outra qualquer solução enfraqueceria, em meu entender, a posição do Estado democrático e a sua natureza laica e tolerante.
5 - Com o PS republicano e laico dirigido por Mário Soares, nunca houve atritos com a Igreja Católica. Foram os socialistas republicanos e laicos, liderados por Edmundo Pedro, que defenderam a sede do Patriarcado quando esta foi atacada no Verão de 75. Foi o 1.º Governo socialista que indemnizou, por meu intermédio, a Rádio Renascença. E subsidiou, então, a Universidade Católica. O pior erro que o PS poderia agora fazer seria inventar um conflito com a Igreja Católica. Mas isso não significa que possa abdicar da defesa da autonomia do Estado e da sua própria natureza como partido republicano e laico.

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Porque sou fiel a estas razões e porque o laicismo liberal é fonte de liberdade e tolerância política e religiosa, declaro que me abstenho na votação final global deste projecto de lei.

O Presidente em exercício, Manuel Alegre.

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Votei a favor da lei da liberdade religiosa e da igualdade entre as religiões e, nomeadamente, do artigo 58.º do projecto aprovado em comissão especializada, por considerar que ela supera, finalmente, a situação de discriminação que favorecia a Igreja Católica e desfavorecia todas as outras, historicamente lesadas pela intolerância religiosa, pela Inquisição e pelo regime fascista. Ao contrário do que tem sido dito, o artigo 58.º não viola o princípio constitucional da igualdade, que obriga a tratar por igual o que é igual e a tratar diferentemente o que é diferente. Por outro lado, a própria lei torna, transitoriamente, extensivos às religiões ditas «minoritárias» os principais privilégios da Igreja Católica, nomeadamente no plano fiscal.
Os regimes especiais, além dos concordatários, que se aplicam à Igreja Católica, deverão ser revistos em conformidade com a nova Concordata, cujo conteúdo não poderá deixar de respeitar a Constituição e os parâmetros fundamentais de liberdade e de igualdade religiosa consagrados na lei agora aprovada.
Finalmente, quero deixar expresso que as soluções encontradas para a Igreja Católica, respeitando a sua implantação real e histórica na sociedade portuguesa, correspondem a um modelo de actuação pragmática seguido pelos fundadores do regime democrático emergente da Revolução do 25 de Abril, com destaque para Mário Soares. Foi essa conduta responsável que, apesar da cumplicidade da Igreja Católica com o regime fascista, evitou aos portugueses a exacerbação inútil de uma querela religiosa idêntica à que marcou a revolução republicana de 1910.
Uma tal atitude do Estado democrático exige, ainda com maior razão, da parte da Igreja o respeito pelo carácter laico daquele e do princípio da igualdade e não discriminação entre religiões.

O Deputado do PS, José Barros Moura.

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Quer nas discussões no interior do Grupo socialista que precederam a apresentação do projecto de lei n.º 27/VIII, sobre liberdade religiosa, quer por ocasião da votação na generalidade dessa iniciativa legislativa a 6 de Abril de 2000, um conjunto de Deputados do PS manifestou-se a favor da revisão prévia da Concordata de 1940 como condição indispensável à existência de um diploma legal sobre liberdade religiosa em Portugal. Os factos só vieram dar razão aos que defenderam tal posição em declaração de voto assinada por Manuel Alegre, Medeiros Ferreira, Jorge Lacão, Eduardo Pereira, Strecht Ribeiro, Maria Santos, Ricardo Castanheira, Maria Teresa Coimbra, José Penedos, Luísa Portugal, Isabel Barata, Nelson Baltazar, Isabel Pires de Lima e João Rui de Almeida.
Também sempre se estranhou que o Governo tivesse abandonado, sem explicações, a sua iniciativa legislativa sob a forma de proposta de lei e que esta se tivesse transformado, sem alterações, em projecto de lei assinado pelos Deputados Vera Jardim e Francisco Assis, atribuindo-se assim aos Deputados uma acrescida responsabilidade, embora a autoria fosse a anterior.
Ainda então o projecto de lei foi apresentado não só tendo por objecto a liberdade religiosa - matéria que neste regime democrático é pacífica - mas como pretendendo alcançar um tratamento mais igualitário entre os diferentes credos religiosos, e aí sim residiria o maior mérito do diploma, dadas as dificuldades inerentes a tal desiderato.
Foi, aliás, esse objectivo um dos mais proclamados pelo Deputado Vera Jardim na apresentação que fez do projecto de lei que já fora proposta de lei. Disse Vera Jardim, a 30 de Março de 2000, nesta Assembleia da República: «O projecto pretende ir ao encontro das justas reivindicações de um estatuto mais igualitário, e por isso mais conforme com a Constituição, de todas as confissões religiosas existentes no país, que continuam a confrontar-se com situações várias de desigualdade a merecer urgente correcção.» Essa urgente correcção não se verificou.
Era esse, verdade se diga, um elevado propósito ainda reforçado pelo nosso colega quando este explicitou que «[se] torna necessário, em nosso entender, a aprovação de uma lei de liberdade religiosa em conformidade com a Constituição, como também a revisão concordatária, que deve, no cumprimento do princípio da igualdade, não ir além do que ali fica estabelecido, salvo no que em especial possa ser aplicável à Igreja Católica pela relevância desta na nossa sociedade (casamento canónico, feriados, património).»
Ora, no fim do processo legislativo transfigurou-se esse nobre propósito numa lei destinada às confissões minoritárias em Portugal, sobretudo depois das declarações de um representante da Conferência Episcopal da Igreja Católica, na reunião da 1.ª Comissão desta Assembleia da República, em 10 de Abril último.
E dificilmente agora deixará de assim ser antes que um novo diploma de direito internacional venha a regular as situações derivadas das interpretações históricas e jurídicas a que a Concordata entre a República Portuguesa e a Santa Sé, datada de Maio de 1940, deu origem. Dá-se, neste particular, por virtuosas as reservas já feitas ao actual artigo 58.º desta lei em declaração de voto especial.
Porém, mesmo esta nova versão da lei de liberdade religiosa como uma lei destinada às confissões minoritárias na sociedade portuguesa esconde outra das medidas mais polémicas deste diploma, sobretudo se vigorar antes do apuramento dos privilégios fiscais de que a Igreja Católica ainda beneficia em Portugal. Trata-se do conteúdo do artigo 31.º sobre benefícios fiscais, nomeadamente o seu ponto 3, no qual se prevê que «uma quota equivalente a 0,5% do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, liquidado com base nas declarações anuais, pode ser destinada pelo contribuinte, para fins religiosos ou de

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beneficência, a uma igreja ou comunidade religiosa radicada no País, que indicará na declaração de rendimentos, desde que essa igreja ou comunidade religiosa tenha requerido o benefício fiscal.»
Como e quando se aplicará essa norma de inspiração protestante à Igreja Católica em Portugal? Antes ou depois da revisão da Concordata?
Embora sem qualquer relevância do ponto de vista da objectividade histórica, não se pode deixar de referir a imprudência política do preâmbulo que acompanhou essa iniciativa legislativa quando se pretendeu justificar a Concordata de 1940, assinada no tempo da ditadura salazarista, afirmando «que foi ela que selou a pacificação das relações entre a Igreja Católica e a República Portuguesa, antes iniciada pelos Decretos n.º 3856, de 22 de Fevereiro de 1918, e n.º 11887, de 6 de Julho de 1926, depois da guerra aberta do Estado contra a Igreja Católica, que culminou com a Lei da Separação (Decreto de 20 de Abril de 1911).»
Esta versão da história das relações entre o Estado e a Igreja Católica é tão abusiva que nem os esforços de reconciliação de António José de Almeida, em 1922, aparecem mencionados entre as leis de Sidónio Pais e as da ditadura inaugurada a 28 de Maio de 1926! Nem a Monarquia Constitucional é absolvida!
Felizmente, já não estamos na época dos conflitos entre o Estado e a Igreja Católica em Portugal e por isso os fundamentalismos de qualquer natureza não terão consequências políticas, dada a maturidade do povo português.
Não se nega que este projecto de lei agora aprovado em votação final global traga alguns aspectos positivos para outras confissões religiosas em Portugal, num momento em que o fenómeno da imigração traz até nós gentes de variada proveniência religiosa.
Tudo indica assim que estamos perante uma lei de carácter transitório que espera pela conclusão das negociações entre a República Portuguesa e a Santa Sé sobre o futuro da Concordata para ser objecto de uma nova versão que tenha verdadeiramente em conta a Constituição democrática em vigor.
A abstenção está, pois, mais do que justificada perante uma urgência política arbitrária que não permitiu mais cuidado em questões da maior importância para a organização futura da sociedade portuguesa.

Os Deputados do PS, Medeiros Ferreira - Jorge Lacão - Ricardo Castanheira - Luísa Portugal - Fernando Jesus - Isabel Pires de Lima - Maria Teresa Coimbra - Carla Tavares - Jorge Strecht - Victor Moura - Carlos Luís - Eduardo Pereira - Maria Santos.

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1 - Há pouco mais de um ano, abstive-me na votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 27/VIII (PS), por razões então explicitadas em declaração de voto.
2 - A Concordata de 1940 entre Portugal e a Santa Sé está em manifesta contradição, quer com a Constituição da República Portuguesa, de 1976, quer com a Declaração sobre a Liberdade Religiosa, de 1965. Muitas foram as vozes insuspeitas que nos últimos 30 anos se levantaram contra o texto concordatário. Recordo apenas as posições, anteriores ao 25 de Abril, de Francisco Sá Carneiro e do Bispo do Porto, então no exílio, D. António Ferreira Gomes.
3 - A revisão da Concordata de 1940 devia ter precedido a aprovação de uma lei de liberdade religiosa, por forma a que esta pudesse consagrar o reconhecimento do direito à igualdade entre todas as confissões religiosas.
4 - Mantém-se a minha discordância quanto ao artigo 58.º do projecto de lei, bem como quanto ao capítulo VI (Comissão de Liberdade Religiosa). Ambos me parecem incompatíveis com o princípio de igualdade entre todos as confissões e comunidades religiosas.
5 - Por isso, e porque o processo de revisão da Concordata só agora se iniciou, voto contra o artigo 58.º na redacção proposta pela Comissão e abstenho-me na votação final global do projecto de lei n.º 27/VIII (PS).

A Deputada do PS, Helena Roseta.

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Tendo hoje votado favoravelmente a lei da liberdade religiosa, nomeadamente o artigo 58.º do projecto aprovado em comissão especializada, esclareço que entendo que ela constitui um avanço significativo no que concerne à alteração da anterior situação de discriminação da Igreja Católica em desfavor das outras religiões minoritárias no nosso país. Estenderam-se a estas os principais privilégios da Igreja Católica, nomeadamente em sede fiscal. A lei agora aprovada implica ainda, em meu entender, que os regimes especiais que se aplicam à Igreja Católica sejam revistos em conformidade com a nova Concordata, que deverá respeitar a Constituição da República e os princípios fundamentais da liberdade religiosa nela consagrados.
Como salientei em declaração de voto de 6 de Abril de 2000 sobre a votação na generalidade, deve existir uma clara separação de poderes entre o Estado e a Igreja, nomeadamente a Igreja Católica, e o Estado não pode violar a consciência religiosa de ninguém nem impor qualquer simbologia religiosa a quem não a partilhe. Isso não significa que o Estado tenha que banir esses símbolos ou impor uma neutralidade absoluta (e militante) das suas instituições face às crenças e às tradições religiosas do seu povo. O Estado deve, antes, garantir a liberdade religiosa e a igualdade de tratamento de cada um. Julgo que a lei agora aprovada constitui um avanço nesse sentido.

O Deputado do PS, Francisco Torres.

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A nota justificativa do projecto de lei n.º 27/VIII - Lei da Liberdade Religiosa, defende a necessidade da reforma do direito das religiões em Portugal nos seguintes termos: «A reforma do direito das religiões em Portugal em conformidade com a Constituição é um passo fundamental na construção legislativa do Estado de direito.

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A reforma é necessária porque os dois diplomas jurídicos fundamentais sobre a matéria, de nível infraconstitucional, a Concordata de 7 de Maio de 1940 e a Lei n.º 4/71, de 21 de Agosto, por vezes designada de liberdade religiosa, concebida no quadro constitucional de um regime antidemocrático, articulam um entendimento de liberdade religiosa e da separação entre o Estado e as religiões não conciliáveis quer com a Constituição, quer com a doutrina católica formada no Concílio Vaticano II, as quais são entre si coincidentes.»
Tão coincidentes que só por vontade expressa de criação de conflitos artificiais poderá ser ressuscitada uma qualquer «questão religiosa» em volta da reforma harmonizada da Concordata de 1940 e da lei da liberdade religiosa. Só nessas condições poderá desenvolver-se à volta desse tema um clima de suspeição ou conflitualidade, latente ou aberta, por parte seja de quem for.
Estando já abertas as negociações com a Santa Sé para a revisão da Concordata, o bom senso e o rigor lógico aconselhariam finalizar a lei da liberdade religiosa depois da conclusão das referidas negociações. Como fez a Espanha, com evidente benefício para o povo espanhol, o Estado e a Igreja Católica.
Uma vez assegurada a plena conformidade da nova Concordata com a nossa Constituição, tarefa muito facilitada pela já assinalada convergência dos princípios constitucionais com a doutrina formada no Concílio Vaticano II, não haveria qualquer dificuldade em reconhecer e fazer jus à especial importância da Igreja Católica na sociedade portuguesa no âmbito de uma lei de liberdade religiosa com a natureza inalienável de lei universal da República Portuguesa, com integral observância das novas normas concordatárias garantidas à Igreja Católica.
A preparação do ora projecto de lei n.º 27/VIII foi iniciada no âmbito do XIII Governo. Essa iniciativa tinha então plena justificação, dado que nessa altura a revisão da Concordata se encontrava totalmente afastada do horizonte previsível. Nesse contexto, a iniciativa era oportuna e útil, sobretudo tendo em atenção a discriminação que atingia as outras confissões que não a Católica, mau grado as limitações e dificuldades decorrentes da não revisão prévia da Concordata.
Mas, recentemente, o sentido da sua oportunidade sofreu uma inversão total face à abertura de negociações, já efectivada, com a Santa Sé. Esse desenvolvimento justificaria, por si só, que todas as actuações se conjugassem neste preciso momento para efeitos de reforço da serenidade e objectividade necessárias à boa ponderação e resolução das matérias em causa de acordo com os princípios constitucionais. A inversão da ordem lógica da revisão da Concordata e da aprovação da lei da liberdade religiosa já teve efeitos nefastos.
Tivesse prevalecido o bom senso e o País teria sido poupado a uma polémica perfeitamente dispensável que, voluntária ou involuntariamente, falseou a informação pública sobre o conteúdo e o alcance real das propostas oferecidas em alternativa. Hoje, essa distorção já é perturbadora de um clima de total serenidade e objectividade essencial ao tratamento da matéria com tal carga de potencial melindre. Amanhã, se continuar a projecção pública desse abuso, haverá que recear eventuais reflexos indesejáveis sobre a boa e rápida condução das negociações através da criação de algumas dificuldades aos negociadores, quer do lado do Estado português, quer da Santa Sé, para rapidamente acordarem soluções que não pressuponham a existência definitiva de dois regimes jurídicos diferentes, um para a Igreja Católica, outro para todas as restantes confissões.
A proposta alternativa ao artigo 58.º ressalva a Concordata. Vai até bem mais longe, ressalvando, no n.º 1, «o primado da Concordata e o seu Protocolo Adicional (...), bem como os regimes especiais daí decorrentes na legislação aplicável à Igreja Católica» e estabelecendo, no n.º 2, que «não são ainda aplicáveis à Igreja Católica as disposições desta lei relativas ao regime dos benefícios fiscais e ao estatuto das igrejas e comunidades religiosas inscritas ou radicadas no País, sem prejuízo da possibilidade de adopção dessas disposições mediante acordo entre o Estado e a Igreja Católica ou por disposição legal remissiva.»
O artigo 58.º do projecto ressalva não só a Concordata mas também toda a legislação passada aplicável à Igreja Católica, declarando expressamente também que não são aplicáveis à Igreja Católica as disposições da nova lei de liberdade religiosa relativa às igrejas ou comunidades religiosas inscritas ou radicadas no País, sem prejuízo da adopção de quaisquer disposições por acordo entre o Estado e a Igreja Católica ou por remissão da lei.
Esta última redacção aponta claramente para a existência de dois regimes jurídicos de liberdade religiosa, um para as confissões minoritárias, outro para a Igreja Católica. A melhor prova desta indicação é o facto de fazer a ressalva de toda a legislação existente aplicável à Igreja Católica conjugada com a expressa interdição da aplicação da nova lei.
Dirão mesmo alguns que, neste contexto, a alusão da lei remissiva afigura-se de tal maneira excepcional que esta referência seria mais útil para consolidar, nomeadamente no plano constitucional, um regime exclusivo da vontade da Igreja Católica para o alterar no sentido da universalidade via intervenção do Estado, sem acordo prévio da Igreja.
José Vera Jardim, autor do projecto, faz justiça no sentido da proposta alternativa. Mas opõe-lhe uma dificuldade prática, a dificuldade de «distinguir no conjunto da legislação aplicável à Igreja Católica aquela que derivasse da Concordata e a que não tivesse essa característica.»
Todavia, esse é um argumento poderoso a favor da revisão prévia da Concordata. Não é, de modo algum, um argumento contra a aplicação futura de normas do tipo da proposta de substituição.
De facto, é em sede de revisão da Concordata que se pode e deve fazer tudo quanto é juridicamente possível para estabelecer a destruição entre o que é e o que não é de natureza concordatária. Por enumeração ou por fixação de adequadas normas que dêem segurança à distinção.
A aplicação universal da lei de liberdade religiosa, sem prejuízo da Concordata e legislação derivada, é desejável. Esta aplicação inclui necessariamente a possibilidade de celebração de acordos destinados a salvaguardar a boa aplicação dos princípios constitucionais a casos específi

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cos, nomeadamente aqueles que resultam da especial presença da Igreja Católica na sociedade portuguesa. Não deve haver dois regimes jurídicos diferentes.
Aliás, essa orientação estava já consagrada na base XVIII, n.º 2, da Lei da ditadura: «São aplicáveis às pessoas colectivas católicas as disposições desta lei que não contrariem os preceitos concordatariamente estabelecidos.»
Consequentemente, nesta matéria, o artigo 58.º do projecto de lei consagra um enorme retrocesso que não colhe o meu voto favorável.
Não obstante o que acima expus, entendo que não devo votar contra o projecto em votação final global, porque ainda existe a possibilidade de concluir a reforma do nosso direito religioso, evitando a consagração definitiva de dois regimes jurídicos distintos, ao arrepio do que é o espírito da Constituição.
De facto, muitos dos apoiantes do projecto concebem a lei de liberdade religiosa como lei universal. É isso que o próprio autor do projecto afirma muito claramente na sua recente entrevista ao Público. Designadamente, manifestando-se contra a possibilidade de dar à Igreja Católica «um estatuto jurídico diferente e superior ao das restantes igrejas», desenvolve o seu pensamento do seguinte modo:
«Na verdade, concebida a lei de liberdade religiosa como lei com vocação de regulamentação de todas as questões do direito das religiões, e do seu relacionamento com o Estado, é para mim claro que nas negociações com o Vaticano terá de ser este o guião e matriz da Concordata. Esta só poderá pretender consagrar o regime diverso para as questões em que haja razões especiais que justifiquem esse regime especial sem ofensa do princípio da igualdade e que são, a meu ver, muito poucos (festas católicas, consideradas feriados nacionais pelo Estado, casamento canónico).
Isto mesmo foi afirmado recentemente pelo Presidente da Conferência Episcopal ao declarar que conteúdo da futura Concordata seria precisamente (...) o da lei da liberdade religiosa.
Aliás a lei pretende precisamente atribuir a todas as igrejas e comunidades religiosas radicadas no país um estatuto idêntico ao da Igreja Católica.»
A sua objecção contra a proposta alternativa do artigo 58.º, a dificuldade de distinção entre o concordatário e o não concordatário, deverá ser removida, tanto quanto é humanamente possível, pela nova versão da Concordata. Isto é, a sua objecção valerá enquanto não for revista a Concordata, assumindo, assim, uma natureza conjuntural e transitória.
Conjugando a natureza transitória da objecção com a fortíssima afirmação da vocação universal do projecto, deveria seguir-se logicamente a consideração da exclusão da Igreja Católica da lei de liberdade religiosa através do artigo 58.º, como norma transitória a rever depois do fecho das negociações com a Santa Sé, sempre no total respeito dos textos concordatários.
Nestes termos, entendo que o voto contra o projecto em votação final global não é a melhor opção face à necessidade de propiciar a serena conclusão da reforma harmónica da Concordata e da Lei n.º 4/71.

O Deputado do PS, João Cravinho.

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1 - Congratulamo-nos com a aprovação por larga maioria do projecto de lei da liberdade religiosa. Ele vem pôr cobro a uma situação que impedia que parte dos portugueses usufruísse do pleno exercício do seu direito à liberdade religiosa, um dos direitos fundamentais da pessoa humana consagrado na Declaração Universal dos Direitos do Homem e na Convenção Europeia.
Na verdade, faltava um estatuto jurídico que permitisse às igrejas e confissões religiosas não católicas e aos seus membros a plena realização dos seus objectivos. A nova regulamentação da assistência religiosa, do ensino religioso nas escolas publicas, do casamento por forma religiosa, o reconhecimento dos direitos dos ministros dos cultos, os benefícios fiscais, a possibilidade de celebração de acordos entre o Estado e as igrejas ou comunidades religiosas radicadas em Portugal são aspectos muito positivos que vão permitir alterar a situação anterior.
2 - Várias propostas do PSD foram aprovadas na votação na especialidade, introduzindo significativas melhorias no texto original do projecto.
Em primeiro lugar, o aditamento de um novo princípio fundamental (artigo 5.º), o princípio da cooperação. O facto de o Estado dever cooperar com as igrejas e comunidades religiosas radicadas em Portugal tendo em consideração a sua representatividade pode vir a constituir uma viragem muito importante.
Como já acontece em diversos países europeus, designadamente na Alemanha, na Itália e na Espanha, ainda que por formas diversas, a referida cooperação será certamente muito benéfica, especialmente no que respeita à promoção dos direitos humanos, desenvolvimento integral de cada pessoa e dos valores da paz, da liberdade, da solidariedade e da tolerância.
Tal cooperação tem sido recomendada por diversas organizações internacionais, como o Conselho da Europa.
Não é possível ao poder político ignorar quer a dimensão espiritual da pessoa humana quer a importância das igrejas na transmissão de valores, na formação dos jovens e na promoção da pessoa humana em geral.
A alteração aprovada na redacção do artigo 8.º (Conteúdo da liberdade de consciência, de religião e de culto) permitiu clarificar e reordenar uma disposição importante. Acrescentou-se que as acções desenvolvidas têm de respeitar os direitos humanos e a lei, assim se salvaguardando o primado da pessoa humana, consagrado no artigo 1.º da Constituição.
Por outro lado, foi possível reduzir o peso do Estado na Comissão de Liberdade Religiosa (artigos 52.º e seguintes). Entendíamos que deveria ser um órgão de consulta da Assembleia da República e do Governo, e não apenas do Ministério da Justiça. Os representantes dos vários Ministérios não terão direito a voto e apenas terão assento quando a Comissão o entender necessário.
Foi também aprovada a criação de um capítulo novo relativo à Igreja Católica, retirando a disposição que ressalva a Concordata e a legislação que lhe é aplicável do último capítulo (Disposições complementares e transitórias) por razões de justiça e bom senso evidente.

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3 - Não aprovámos algumas modificações introduzidas na especialidade e temos reservas sobre algumas normas constantes do texto final.
Assim, o novo número do artigo 4.º, que obriga a respeitar o princípio de não confessionalidade nos actos oficiais e no Protocolo de Estado a existir, deveria salvaguardar certas tradições locais que fossem exigidas pelas populações, devendo, ainda, ter em consideração a autonomia política das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, bem como, embora noutro plano, a capacidade de decisão dos órgãos de poder local democrático, em especial dos munícipes.
Não concordamos com as modificações relativas ao ensino religioso nas escolas públicas (artigo 24.º).
O carácter opcional ou alternativa da educação moral e religiosa relativamente a outras disciplinas é discutível. Não deveria constar de uma lei mas, sim, dos diplomas que regulam as alterações curriculares de acordo com as circunstâncias. Também nos parece dispensável a norma que impede os professores de leccionar cumulativamente os mesmos alunos nesta e noutras áreas, embora se tenham ressalvado as situações em que tal regra não possa ser aplicável.
Merecem-nos, ainda, reservas o artigo 21.º quando considera fins diversos dos religiosos os de assistência, beneficência e educação. Diversas religiões, especialmente o cristianismo, consideram tais fins tão religiosos como os outros.
O artigo 30.º deveria exigir sempre e não só quando possível a audição da comunidade religiosa nos casos de expropriação, requisição e demolição de bens.
4 - Esperamos que a prática proporcione levar para uma futura revisão que melhore estes e outros aspectos do diploma. Aguardamos a celebração dos acordos entre o Estado e as confissões religiosas radicadas em Portugal, que poderão assim melhor contribuir para a transmissão de valores essenciais.
Congratulamo-nos, finalmente, com o reconhecimento de papel único e fundamental desempenhado pela Igreja Católica. Esperamos que a revisão da Concordata permita dar um novo enquadramento à sua acção, que salvaguarde o essencial, designadamente o seu trabalho na transmissão de valores fundamentais, para o bem-estar espiritual da maioria dos portugueses, na promoção cultural e educativa, bem como na assistência às crianças abandonadas e aos doentes, aos excluídos e aos mais pobres, sem esquecer o seu trabalho a nível mundial pela paz, solidariedade e desenvolvimento, do qual tanto têm beneficiado os povos dos países lusófonos.

O Deputado do PSD, Fernando Seara.

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Em votação final global, o Grupo Parlamentar do PCP votou contra o projecto de lei n.º 27/VIII, do PS, sobre liberdade religiosa. Para esta decisão, foi determinante a opção tomada no artigo 58.º, de isentar a Igreja Católica da aplicação da lei aprovada.
Para o PCP, não está em causa o respeito pela Concordata e pelos regimes especiais que dela decorrem. É reconhecido que, sendo a Concordata um tratado internacional celebrado entre Portugal e a Santa Sé, a sua revogação ou alteração não pode ser feita por lei da República, mas mediante novo tratado entre os Estados signatários, cuja ratificação dependerá sempre, porém, da aprovação da Assembleia da República. É certo que algumas disposições da Concordata estão hoje ultrapassadas por contrariarem preceitos constitucionais. Mas nem é isso que está em causa na lei da liberdade religiosa, na medida em que a Constituição prevalece directa e imediatamente sobre quaisquer instrumentos de direito interno ou de direito internacional que a contrariem.
Ressalvada, porém, a Concordata e os regimes especiais dela decorrentes, entende o PCP que não há nenhuma razão que deva isentar a Igreja Católica da aplicação da lei da liberdade religiosa. É uma evidência que a Igreja Católica tem em Portugal uma história, uma tradição e uma representatividade que a distingue das demais igrejas. Mas isso não a deve isentar da aplicação, por parte do Estado, do princípio da igualdade. A aplicabilidade deste princípio, que manda tratar como igual o que é igual e como diferente o que é diferente, não implica a negação da representatividade e da importância da Igreja Católica, e é um imperativo do Estado de direito democrático.
O PCP discorda, assim, da aprovação de uma lei que, visando regular a liberdade religiosa, apenas se aplica às religiões minoritárias. É certo que a lei aprovada representa um passo em frente para estas religiões, pondo, finalmente, termo a uma situação de ausência de regulação de aspectos concretos do exercício da liberdade religiosa. Este facto, em si, é motivo de congratulação, para o PCP. Surge, no entanto, ensombrado pela solução adoptada no artigo 58.º, na medida em que o facto de a lei ser aplicável apenas às religiões minoritárias coloca-as objectivamente numa situação de subalternidade de todo injustificada.
Não obstante ter votado favoravelmente, na especialidade, a maioria das disposições da lei aprovada, o PCP manifestou a sua discordância em relação a alguns aspectos pontuais relevantes, que se enumeram:
a) A introdução de um critério de representatividade das igrejas na aplicação do princípio da cooperação do Estado com estas em matéria de promoção dos direitos humanos, do desenvolvimento integral de cada pessoa e dos valores da paz, da liberdade, da solidariedade e da tolerância. Entende o PCP que o apoio à promoção destes valores depende do mérito dos seus propósitos e não da representatividade de quem os promove;
b) A possibilidade dada aos contribuintes de poderem destinar parte do montante liquidado do seu IRS a fins religiosos ou de beneficência, sendo tais verbas entregues pelo Estado à Igreja respectiva. O PCP entende que as actividades religiosas não devem ser tributadas, mas também não devem se financiadas pelo Estado. Ou seja, a actividade religiosa não deve gerar receitas para o Estado, mas este também não deve perder receitas em benefício dessa actividade;
c) O facto de se fazer depender a inscrição de uma igreja ou comunidade religiosa no registo das pessoas colecti

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vas religiosas da decisão de uma autoridade administrativa. O PCP entende que a inscrição deve ser aceite, sendo, no entanto, susceptível de impugnação judicial caso existisse fundamento para tal;
d) A distinção feita entre confissões religiosas radicadas e não radicadas no País, assente na sua existência em Portugal por um período de 30 anos. Esta distinção introduz discriminações sem fundamento plausível;
e) Também a Comissão da Liberdade Religiosa motivou reservas da parte do PCP, traduzidas na posição de abstenção na especialidade. É, no mínimo discutível que esta entidade, com funções de emissão de pareceres, designadamente, sobre acordos entre igrejas e o Estado, sobre a radicação de igrejas ou sobre a inscrição de igrejas no registo das pessoas colectivas religiosas, seja integrado por elementos pertencentes a confissões religiosas. É muito discutível a admissão de que sejam determinadas confissões religiosas a emitir juízos juridicamente relevantes sobre outras.
Neste processo legislativo, o PCP apresentou ainda, na especialidade, propostas, contendo os seus pontos de vista sobre algumas matérias, visando, designadamente:
a) A não sujeição dos serviços de assistência religiosa nas Forças Armadas ao regime da condição militar e à respectiva inserção hierárquica;
b) A regulamentação das aulas de ensino religioso nas escolas públicas, salvaguardando o seu carácter opcional e extracurricular, mas assegurando a sua continuidade em relação ao horário escolar;
c) A consagração expressa da recorribilidade judicial dos actos relativos à aquisição da personalidade jurídica das confissões religiosas;
d) O reconhecimento expresso da caducidade do Acordo Missionário;
e) A inscrição no Orçamento do Estado das verbas do IRS que os contribuintes decidam destinar a igrejas ou comunidades religiosas, que foi aprovada por unanimidade.
Tudo ponderado, e salientando a congratulação para com eventuais efeitos positivos que possam decorrer da aprovação da presente lei para as religiões minoritárias, o PCP entende que, em face da opção tomada por maioria quanto ao artigo 58.º, não pode, em votação final global, deixar de votar contra a lei de liberdade religiosa.

Pelo Grupo Parlamentar do PCP, António Filipe.

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1 - Não obstante ter votado a favor do projecto de lei n.º 27/VIII - Lei da liberdade religiosa, na generalidade e em votação final global, sempre fui de opinião, manifestada, aliás, no Plenário da Assembleia da República, que este diploma deveria ser aprovado depois da revisão da Concordata, porque o novo texto que vai ser negociado será, em certos casos, estruturante para a chamada Constituição Religiosa do País.
Não me admira que a lei da liberdade religiosa venha a ser modificada depois da entrada em vigor do novo texto da Concordata.
Haveria, por outro lado, maior empenho do Estado português em abreviar as negociações com a Santa Sé, se da Concordata ficasse dependente a nova legislação para as outras confissões.
2 - Ainda, a lei da liberdade religiosa deveria ser um texto curto e incisivo, tal como é a lei espanhola (Lei Orgânica n.º 7/1980, de 5 de Julho), que apenas enuncia os princípios basilares, deixando para leis próprias várias matérias diferenciadas para cada confissão (ensino, assistência religiosa nos hospitais, nas prisões, nas Forças Armadas, protecção do património próprio, etc.).
Serão estes os grandes temas da nova Concordata que poderia iluminar o relacionamento do Estado com as diversas religiões que coexistem no seu interior.
3 - Finalmente, apesar de todo o esforço do CDS-PP e do PPD/PSD durante o debate na especialidade, o texto final deixa, embora em pequeno grau, numa ou noutra disposição (ensino, cerimónias religiosas, por exemplo) alguma sequela - o laicismo e anticlericalismo da esquerda jacobina, de todo injustificável em Portugal.

O Deputado do CDS-PP, Narana Coissoró.

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O Bloco de Esquerda apresentou na Assembleia da República um projecto de lei de defesa da liberdade religiosa e da laicidade do Estado, que foi rejeitado pelos votos dos partidos da direita parlamentar e de parte do PS.
No debate acerca do projecto do PS, teve vencimento um articulado da lei que, salvo casos muito pontuais, consagra um texto legal em flagrante contradição com os princípios da laicidade do Estado, da liberdade religiosa e da igualdade de tratamento das diferentes confissões, o qual, em vários artigos, é flagrantemente anticonstitucional.
A aprovação, com os votos do PS, da «versão Vera Jardim» do artigo 58.º do projecto de lei vem consagrar o carácter discriminatório do futuro diploma, violando as promessas do PS aquando da apresentação do projecto e defraudando as justas expectativas das confissões religiosas minoritárias.
Na realidade, a votação da referida versão do artigo 58.º:
a) consagra a existência de dois regimes distintos para a regulação das relações do Estado com as confissões religiosas: um regime para a Igreja Católica, que mantém os seus privilégios ao abrigo do presente e do futuro regime concordatário; e outro, o regime da presente lei, para as religiões minoritárias, estabelecendo um estatuto de excepção para a Igreja Católica;
b) consagra a pretensão, anunciada pelo Patriarca de Lisboa na passada homilia pascal, de a Igreja Católica, ao abrigo da Concordata, se auto-situar acima da lei ordinária e das deliberações do Parlamento;
c) consagra a manutenção de regimes legais de excepção para a Igreja Católica, que nem sequer decorrem da Concordata e que são manifestamente inconstitucionais, designadamente as capelanias militares e hospitalares e várias isenções fiscais;
d) e fá-lo, não obstante conferir à Igreja Católica, no quadro de uma lei que ela própria não aceita para si, fa

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culdades extraordinárias, como a de ter uma representação desigual e maioritária relativamente às demais confissões religiosas na prevista Comissão de Liberdade Religiosa, detentora de importantes poderes de consulta relativamente à actividade do conjunto das comissões e à aplicação da lei.
O Bloco de Esquerda lamenta que o PS tenha, mais uma vez, aceitado recuar no seu projecto inicial de fazer aprovar uma lei quadro para o conjunto das confissões religiosas que articularia, subordinando-os, os acordos bilaterais a estabelecer entre o Estado e cada uma das confissões quanto à matéria que lhes fosse específica.
Nestes termos, o Bloco de Esquerda entende que o projecto de lei aprovado viola o princípio constitucional da universalidade das leis, da igualdade de tratamento legal das confissões religiosas e da liberdade religiosa, pelo que votou contra ele e se dispõe a arguir a inconstitucionalidade do presente diploma.

O Deputados do Bloco de Esquerda, Fernando Rosas - Luís Fazenda.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
António Bento da Silva Galamba
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Carlos da Cruz Lavrador
Luís Miguel Gomes Miranda Teixeira
Maria Teresa de Oliveira Ferreira Coimbra
Rui Manuel Leal Marqueiro
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos

Partido Social Democrata (PSD):
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Monteiro da Mota e Silva
José Luís Campos Vieira de Castro
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel Macedo Abrantes
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes

Partido Popular (CDS-PP):
Paulo Sacadura Cabral Portas

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Alberto Bernardes Costa
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António Manuel Dias Baptista
Isabel Maria dos Santos Barata
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Carlos Correia Mota de Andrade
Luís Manuel Ferreira Parreirão Gonçalves
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Francisco dos Santos Valente
Victor Manuel Caio Roque

Partido Social Democrata (PSD):
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António Manuel Santana Abelha
Carlos José das Neves Martins
Domingos Duarte Lima
Henrique José Monteiro Chaves
José de Almeida Cesário
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Manuel Joaquim Barata Frexes
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Vicente José Rosado Merendas

Partido Popular (CDS-PP):
António José Carlos Pinho
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Luís Pedro Mota Soares

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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