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Quinta-feira, 3 de Maio de 2001 I Série - Número 77

DIÁRIO da Assembleia da República

VIII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2000-2001)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 2 DE MAIO DE 2001

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex. mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Manuel Alves de Oliveira
António João Rodeia Machado

S U M Á R I O

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa da proposta de lei n.º 72/VIII, do projectos de lei n.º 431/VIII, do projecto de revisão constitucional n.º 3/VIII, do projecto de resolução n.º 136/VIII, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado Rosado Fernandes (CDS-PP) congratulou-se pela edição do Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da iniciativa da Academia das Ciências de Lisboa, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento da Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira (PS).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Lino de Carvalho (PCP) referiu a importância da construção da barragem do Alqueva e criticou os diversos ataques de que tem sido alvo. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Gavino Paixão (PS), Rosado Fernandes (CDS-PP) e Maria do Céu Ramos (PSD).
O Sr. Deputado Arménio Santos (PSD), a propósito das comemorações do Dia Mundial do Trabalhador, criticou a política laboral do Governo, tendo, depois, respondido a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Barbosa de Oliveira (PS).
Foram apreciados os votos n.os 144/VIII - De protesto pela escalada militar israelita (BE) - que foi rejeitado -, 145/VIII - De protesto pelas violações dos direitos humanos nas prisões da Turquia (BE) - que foi aprovado -, 146/VIII - De homenagem às vítimas do terrorismo em Portugal e de indignação pelas absolvições no processo das FP-25 de Abril (PSD) - que foi rejeitado -, 147/VIII - De protesto pela violação dos direitos das crianças (PS) e 149/VIII - De pesar pelo falecimento do Dr. Joaquim Rocha e Silva (PS) - que foram aprovados. Pronunciaram-se os Srs. Deputados Fernando Rosas (BE), Carlos Encarnação (PSD), José Miguel Medeiros (PS), João Amaral (PCP), Basílio Horta (CDS-PP), Jorge Lacão (PS) e Heloísa Apolónia (Os Verdes), tendo sido guardado 1 minuto de silêncio pelo falecimento do Dr. Joaquim Rocha e Silva.

Ordem do dia.- Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 69/VIII - Altera os artigos 69.º, 101.º, 291.º, 292.º e 294.º do Código Penal, dos projectos de lei n.os 415/VIII - Altera o Código da Estrada e o regime de habilitação legal para conduzir (PSD) e 416/VIII - Colocação de guardas de segurança nas vias de comunicação públicas, integradas ou não na rede rodoviária nacional, contemplando a perspectiva da segurança dos veículos de duas rodas (PSD) e do projecto de resolução n.º 135/VIII - Visa adoptar uma estratégia de prevenção e promoção da segurança rodoviária (Os Verdes). Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado da Administração Interna (Rui Pereira), os Srs. Deputados Guilherme Silva (PSD), Isabel Castro (Os Verdes), Joaquim Matias (PCP), Miguel Anacoreta Correia (CDS-PP), José Barros Moura (PS), Miguel Macedo e Castro de Almeida (PSD), José Manuel Epifânio e Francisco Torres (PS).
Foi ainda aprovado um parecer da Comissão de Ética relativo à retoma de mandato de um Deputado do PSD e à substituição de uma Deputada de Os Verdes.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 5 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 15 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
António Alves Marques Júnior
António Alves Martinho
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António Fernando Marques Ribeiro Reis
António Fernando Menezes Rodrigues
António José Gavino Paixão
António Manuel Dias Baptista
António Manuel do Carmo Saleiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Bruno Renato Sutil Moreira de Almeida
Carla Maria Nunes Tavares Gaspar
Carlos Alberto
Carlos Alberto Dias dos Santos
Carlos Manuel Luís
Casimiro Francisco Ramos
Eduardo Ribeiro Pereira
Emanuel Silva Martins
Fernando Manuel de Jesus
Fernando Pereira Serrasqueiro
Filipe Mesquita Vital
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Francisco José Pinto Camilo
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres
Gil Tristão Cardoso de Freitas França
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho
Helena Maria Mesquita Ribeiro
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco d'Almeida
Isabel Maria dos Santos Barata
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge Tinoco de Faria
Isabel Maria Soares Pinto Zacarias
Jamila Barbara Madeira e Madeira
João Cardona Gomes Cravinho
João Francisco Gomes Benavente
João Pedro da Silva Correia
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Aurélio da Silva Barros Moura
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Carlos da Cruz Lavrador
José Carlos Pinto Basto Mota Torres
José da Conceição Saraiva
José Ernesto Figueira dos Reis
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Rosa do Egipto
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Miguel Correia Noras
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão
Luís Miguel Gomes Miranda Teixeira
Luísa Pinheiro Portugal
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira
Manuel António dos Santos
Manuel Francisco dos Santos Valente
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Margarida Maria Santos Soares da Rocha Gariso
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira
Maria do Céu da Cruz Vidal Lourenço
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Teresa de Oliveira Ferreira Coimbra
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura
Nuno Fernando Teixeira Ferreira da Silva
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo Alexandre Homem de Oliveira Fonseca
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Rui Manuel Leal Marqueiro
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Victor Brito de Moura
Victor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Alves Peixoto
Victor Manuel Caio Roque
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Álvaro dos Santos Amaro
Ana Maria Martins Narciso
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António d'Orey Capucho
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Manuel da Cruz Silva
António Manuel Santana Abelha
António Paulo Martins Pereira Coelho
Arménio dos Santos
Armindo Telmo Antunes Ferreira
Artur Ryder Torres Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos José das Neves Martins
Carlos Manuel de Sousa Encarnação
Carlos Parente Antunes
Domingos Duarte Lima
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco

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Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares
Eugénio Fernando Sá Cerqueira Marinho
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Jorge Loureiro de Reboredo Seara
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
João Bosco Soares Mota Amaral
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José da Silva Maçãs
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Martins Ferreira do Amaral
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José António de Sousa e Silva
José David Gomes Justino
José Eduardo Rêgo Mendes Martins
José Frederico de Lemos Salter Cid
José Luís Campos Vieira de Castro
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel de Matos Correia
José Manuel Durão Barroso
José Manuel Macedo Abrantes
Lucília Maria Samoreno Ferra
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Pedro Machado Sampaio de Sousa Pimentel
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Castro de Almeida
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim Barata Frexes
Manuel Maria Moreira
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria do Céu Baptista Ramos
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Nuno Miguel Marta de Oliveira da Silva Freitas
Nuno Miguel Sancho Cruz Ramos
Pedro Augusto Cunha Pinto
Rui Fernando da Silva Rio

Partido Comunista Português (PCP):
Ana Margarida Lopes Botelho
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
João António Gonçalves do Amaral
Joaquim Manuel da Fonseca Matias
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Natália Gomes Filipe
Maria Odete dos Santos
Octávio Augusto Teixeira
Vicente José Rosado Merendas

Partido Popular (CDS-PP):
António Herculano Gonçalves
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca
Fernando Alves Moreno
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Luís Pedro Mota Soares
Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró
Narana Sinai Coissoró
Paulo Sacadura Cabral Portas
Raúl Miguel de Oliveira Rosado Fernandes
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV:
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

Bloco de Esquerda (BE):
Fernando José Mendes Rosas
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário da Mesa vai dar conta do expediente.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: proposta de lei n.º 72/VIII - Terceira alteração à Lei n.º 108/91, de 17 de Agosto (Conselho Económico e Social) com a redacção dada pelas Leis n.os 80/98 e 128/99, de 24 de Novembro e 20 de Agosto, respectivamente, que baixou à 1.ª e 4.ª Comissões; projecto de lei n.º 431/VIII - Cria o sistema de vigilância e controlo do exercício da actividade de dragagens e extracção de inertes (PS), que baixou à 4.ª Comissão; projecto de revisão constitucional n.º 3/VIII (CDS-PP), que baixou à 1.ª Comissão, e projecto de resolução n.º 136/VIII - Reposição de um sistema de fiscalização e de uma base de dados batimétrica para acompanhar a evolução dos leitos dos principais cursos de água (CDS-PP).
Sr. Presidente, Srs. Deputados, foram apresentados na Mesa vários requerimentos. No dia 17 de Abril de 2001: à Secretaria de Estado do Turismo, formulado pelo Sr. Deputado Ricardo Castanheira; ao Governo e ao Ministério do Equipamento Social, formulados pelo Sr. Deputado Caio Roque; ao mesmo Ministério, formulados pelos Srs. Deputados Bruno Vitorino, Lucília Ferra e Paulo Portas; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Nuno Freitas; ao Ministério da Defesa Nacional, formulado pelo Sr. Deputado Rui Gomes da Silva; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Agostinho Lopes; ao Alto Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas, formulado pela Sr.a Deputada Margarida Botelho; ao Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Economia, formulado pelo Sr. Deputado Basílio Horta; a diversos Ministérios, formulados pela Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

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Na reunião plenária de 18 de Abril de 2001: ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Carlos Luís e Margarida Botelho; ao Ministério do Equipamento Social, formulados pelos Srs. Deputados Hermínio Loureiro e Manuel Oliveira; ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Castro de Almeida; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Moreira; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado José Cesário; ao Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, formulados pelos Srs. Deputados José Eduardo Martins e Manuel Queiró; a diversos Ministérios e à Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, formulados pela Sr.ª Deputada Maria Manuela Aguiar; ao Ministério do Trabalho e da Solidariedade, formulados pelos Srs. Deputados Lino de Carvalho, Vicente Merendas e Pedro Mota Soares; a diversos Ministérios, formulados pela Sr.ª Deputada Luísa Mesquita; ao Ministério da Reforma do Estado e da Administração Pública, formulado pelo Sr. Deputado Telmo Correia; ao Governo e ao Ministério do Equipamento Social, formulado pela Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
Nas reuniões plenárias de 19 e 20 de Abril de 2001: ao Ministério das Finanças, formulados pelos Srs. Deputados Maria Santos, Casimiro Ramos, Fernando Serrasqueiro, Joel Hasse Ferreira, Jorge Lacão, Manuel dos Santos, Osvaldo Castro, Manuela Ferreira Leite e Manuel Moreira; aos Ministérios da Economia e da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulado pelo Sr. Deputado Victor Moura; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Adão Silva; ao Ministério da Economia, formulado pela Sr.ª Deputada Ana Manso; ao Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, formulados pelos Srs. Deputados Bruno Vitorino e João Moura de Sá; ao Ministério da Educação, formulado pela Sr.ª Deputada Maria Manuela Aguiar; ao Ministério da Administração Interna e à Secretaria de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, formulados pelo Sr. Deputado Armindo Telmo Ferreira; a diversos Ministérios e à Secretaria de Estado dos Assuntos Parlamentares, formulados pelo Sr. Deputado Agostinho Lopes; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Bernardino Soares; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Honório Novo; ao Ministério do Trabalho e da Solidariedade, formulados pelos Srs. Deputados Vicente Merendas e Pedro Mota Soares; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Paulo Portas.
Por sua vez, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados:
No dia 20 de Abril de 2001: Ricardo Fonseca de Almeida, no dia 30 de Novembro; Luís Fazenda, na sessão de 31 de Maio; Luís Cirilo, no dia 26 de Julho; Agostinho Lopes e Luiz Fagundes Duarte, no dia 30 de Agosto e na sessão de 15 de Fevereiro; Cândido Capela, no dia 26 de Setembro; Altino Bessa, na sessão de 4 de Outubro; Carvalho Martins, na sessão de 11 de Outubro; Ana Narciso, na sessão de 25 de Outubro; Natália Filipe, na sessão de 26 de Outubro; Paulo Pereira Coelho, na sessão de 27 de Outubro; Margarida Botelho, Vicente Merendas, João Rebelo, Maria do Céu Lourenço, Rosado Fernandes, Joaquim Matias, Manuel Moreira, Isabel Castro e Bernardino Soares, nas sessões de 2 e 28 de Novembro, 21 de Dezembro, 3, 5, 17, 19, 25 e 31 de Janeiro, 21 de Fevereiro, 2 e 14 de Março; Pedro Mota Soares, Heloísa Apolónia, Joaquim Mota e Silva, Armindo Telmo Ferreira e Carlos Carvalhas, nas sessões de 29 de Novembro, 22 de Fevereiro e 15 de Março; Carlos Martins, Honório Novo, Lino de Carvalho, António Nazaré Pereira, Machado Rodrigues, Octávio Teixeira, Luísa Mesquita e Rui Gomes da Silva, nas sessões de 30 de Novembro, 20 de Dezembro, no dia 16 de Janeiro, nas sessões de 7 e 8 de Fevereiro e 1 de Março; Paulo Portas, na sessão de 6 de Dezembro; Alexandrino Saldanha, nas sessões de 4 de Janeiro e 1 de Fevereiro; Maria Manuela Aguiar e Francisco Louçã, nas sessões de 18 e 24 de Janeiro; Mota Amaral, na sessão de 26 de Janeiro; Eugénio Marinho, na sessão de 9 de Fevereiro; Basílio Horta, na sessão de 14 de Fevereiro; Ana Manso e António Pinho, na sessão de 8 de Março; Lucília Ferra, no dia 13 de Março; Feliciano Barreiras Duarte, na sessão de 22 de Março; Osvaldo Castro, na sessão de 6 de Abril.
No dia 24 de Abril de 2001: Margarida Botelho, nas sessões de 29 de Março, 28 de Abril, 3 e 4 de Janeiro; Cândido Capela, na sessão de 20 de Dezembro; Rosado Fernandes, na sessão de 25 de Janeiro; Henrique Rocha de Freitas, na sessão de 14 de Fevereiro; Agostinho Lopes, na sessão de 15 de Fevereiro; Durão Barroso, na sessão de 22 de Março; Isabel Castro, na sessão de 28 de Março; José Barros Moura, Casimiro Ramos, Manuel dos Santos e Joel Hasse Ferreira, na sessão de 6 de Abril.
Foram ainda respondidos os requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados:
Nos dias 19 e 20 de Abril de 2001: Alves Pereira, na sessão de 15 de Fevereiro; Helena Neves, no dia 6 de Março; António Nazaré Pereira, na sessão de 23 de Março.
No dia 24 de Abril de 2001: Nuno Teixeira de Melo, na sessão de 7 de Fevereiro.
Em matéria de expediente é tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se, para declarações políticas, os Srs. Deputados Rosado Fernandes e Lino de Carvalho.
Tem a palavra o Sr. Deputado Rosado Fernandes.

O Sr. Rosado Fernandes (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, já tropecei, indignado com o vazio da minha bancada!

Risos.

Porque eles também levam, se for preciso! Não são apenas VV. Ex.as!
Sr. Presidente e Srs. Deputados: São dois grossos volumes, encadernados a azul, cheirando a livro novo, com papel branco e acariciador de quem o compulsa. Os dois tomos, no seu conjunto, têm 3809 páginas. Saíram há poucos dias e tiveram publicidade que me surpreendeu pelo interesse demonstrado por uma publicação especializada, em contraste com a reacção geralmente amorfa da opinião pública a tudo o que foge ao visual, ao que pode ser visto de um sofá, de uma cadeira ou de uma cama, dentro de um complicado processo de apagar beatas no cinzeiro, rodeado pelo silêncio sepulcral das salas de família, onde se assiste ao santo sacrifício da televisão.

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Posso, pois, anunciar que o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, finalmente dado a lume neste ano da graça de 2001 pela Academia das Ciências de Lisboa, vai chegar às nossas estantes e, esperamos, às estantes de todas as escolas do País e de todos os níveis de instrução e vai permitir, assim os deuses nos sejam propícios, que todos nós sem excepção possamos dispor de um repositório lexical em que apoiar a nossa escrita e mesmo a nossa expressão oral.
Fundada em 1779 pelo Duque de Lafões e Abade Correia da Serra, colaborador de Benjamin Franklin, publicou a Academia logo em 1793 o primeiro volume, com a letra A, de um dicionário de português, obra excelente de Pedro José da Fonseca e sujeita posteriormente a vários remoques, porque a última palavra - não se assustem, porque isto às vezes acontece - é a palavra «azurrar». Ficou-se pela letra A, certamente, devido à incapacidade portuguesa de compreender que um só filólogo dificilmente poderia levar a cabo, com recolha de textos dos mais diversos autores das mais diversas épocas, um dicionário da língua portuguesa.

Pausa.

Srs. Deputados, peço-vos que me dêem atenção para ver se aprendem alguma coisa! Às vezes, também vos faz bem!…
Isso, contudo, não obstou a que Rafael Bluteau, nos princípios do Século XVIII, tivesse publicado os seus 10 volumes e que o dicionário de Morais tivesse vindo a público no fim do mesmo século. O primeiro teve de ser reeditado pelos alemães, tal é a sua importância internacional e a indiferença portuguesa; o segundo já foi objecto de 10 edições e ainda é o repositório do português anterior ao português contemporâneo.
Para nosso embaraço, outro dicionário de igual valor, publicado no Século XIX, o de Caldas Aulete, só se pode encontrar em edição brasileira, porque os nossos irmãos sempre deram e dão maior importância aos estudos gramaticais e lexicais da língua portuguesa do que nós próprios.

Pausa.

Ali, aquele companheiro que me vira a traseira, certamente compreenderá isso!

Risos.

Peço desculpa, Sr. Deputado, mas, como não vi a dianteira, limitei-me a falar da parte que via!

Risos.

Dizia que os nossos irmãos brasileiros sempre deram e dão maior importância aos estudos gramaticais e lexicais da língua portuguesa do que nós próprios. E porquê? Porque têm mais orgulho nela e maior auto-estima.
Um pequeno texto para ilustrar quem era Caldas Aulete, uma farpa das doces de Ramalho Ortigão: «Deu-se à pedagogia, aos estudos dos métodos do ensino primário (…), trazia entre mãos a obra de um dicionário da língua portuguesa (…), chegou a fazer imprimir um prólogo (…)» - Ramalho não soube que ele tinha feito o dicionário completo -, «(…) libelo contra os dicionaristas (…) cujos erros ele cita com uma pachorra beneditina reforçada de grande veia cómica (…), ninguém mais próprio do que Caldas Aulete (…) para iniciar em português as lições de coisas, para fundar em Lisboa os jardins de infância. Quando Froebel montou a sua primeira escola para as criancinhas de 2 anos de idade, tiveram-no geralmente por um doido. Isto não obstou a que os risonhos jardins de crianças sejam hoje as primeiras das glórias da educação alemã. Se Caldas tivesse tido em Portugal a mesma ideia, tomá-lo-iam igualmente por um orate. Somente julgá-lo-iam nocivo, e acabariam decerto por amarrá-lo».
Não sei que milagre aconteceu para que José Pina Martins e João Malaca Casteleiro - o primeiro, meu colega de sempre, o segundo, meu colega e antigo aluno de latim - tivessem conseguido, mediante a boa vontade de instituições do Estado e privadas, como a Fundação Calouste Gulbenkian, reunir um grupo de 60 especialistas que, num trabalho interdisciplinar, conseguiram recolher 33 000 entradas e 70 000 vocábulos de autores portugueses contemporâneos e coligir o emaranhado lexical de neologismos e termos técnicos que só é possível deslindar num trabalho permanente, aturado, competente e, sobretudo, beneditinamente paciente.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - De hoje em diante já sabemos que ranking já é usado, como vimos na sessão em que discutimos a publicação ou não das avaliações das escolas. Só que, discretamente, os dicionaristas nos aconselham o termo classificação. Pelos vistos, é melhor!
De hoje em diante também sabemos que o plural de social democrata - atenção aí na bancada! - é sociais democratas e não, como apregoava a bela, loira e socialista Estrela, minha colega de filologia clássica, hélas (permitam-me o galicismo), da Faculdade de Letras.
De hoje em diante também já sabemos que estamos diante de um universo colonizado pelos descendentes da Rainha Vitória, que o Professor Etiamble, professor de literatura comparada na Sorbonne, denunciava nos anos 60 no seu livro Parlez-vous franglais?.
Resta-nos uma consolação: é este o nosso arrimo, é este o dicionário que nos pode tirar dúvidas, só que por pouco tempo, porque a língua, todos os dias, todos os anos, evolui e é necessário que, atento a esta evolução, haja permanente na Academia das Ciências um grupo que a estude e siga. Esse grupo só pode existir se o Portugal político e o Portugal económico por ele se interessarem. E aqui tem esta Câmara a responsabilidade de, ao estudar o Orçamento, pensar nas dezenas de pessoas que, sem que ele tivesse esboçado um único gesto significativo, lhe puseram à disposição dois magníficos volumes que só nos podem orgulhar e que criaram para a língua portuguesa uma referência científica e internacional. Só falta um CD-ROM! É verdade, falta um CD-ROM e falta, de igual modo, que, aproveitando o trabalho lexicológico feito durante séculos este dicionário, cresça para o passado e abranja os autores que sucederam desde os inícios da nossa língua e literatura e vocábulos.

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Ficarei, ficaremos, então, descansados com pelo menos uma missão cumprida, útil para todos, que será o legado, pelo menos legível, da época em que vivemos.

Aplausos do CDS-PP, do PS, do PSD e do BE.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Rosado Fernandes, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira.

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): - Sr. Presidente, queria apenas cumprimentar esta saudação que o Sr. Deputado Rosado Fernandes fez ao novo dicionário.
Permita-me, uma vez que a sua intervenção foi eivada de bastante graça e sentido de oportunidade, dizer, em primeiro lugar, que este dicionário e as novas palavras que ele contém já foram, por certo, objecto de sessão de estudo na vossa bancada, uma vez que o vosso líder, noutro dia, já usou uma dessas expressões quando se dirigiu ao Primeiro-Ministro, por ocasião do debate que ocorreu aqui, na Assembleia da República. No entanto, esse episódio causou-nos alguma perplexidade, que resulta do facto de essas expressões ainda não estarem muito introduzidas no nosso habitual conjunto de palavras. Como tal, aquilo que foi dito terá vários significados, que talvez não sejam aqueles que poderiam inferir-se de uma intervenção eventualmente crítica.
De qualquer modo, não queria deixar de fazer este reparo.
Farei um segundo reparo, dizendo que foi com muito interesse que esta bancada ouviu a intervenção do Sr. Deputado, que aprendeu com ela e que não se distraiu, como Deputados de outras bancadas. Saúdo especialmente, se me permite também, com toda a boa disposição, o facto de ter felicitado o vanguardismo de quem introduziu o ensino pré-escolar numa época em que foi apelidado de atrevido, de visionário e de louco.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - E usando estes exemplos que a história, por vezes, nos mostra e que nos dizem que quem é apelidado de vanguardista mais não é do que alguém que reflecte, estuda e pretende o melhor para as pessoas objecto das medidas que toma, desejaria que também a bancada onde se integra o Sr. Deputado não apelidasse a nossa de visionária quando, através de medidas vanguardistas,…

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Vanguardistas?

A Oradora: - … pretende efectivamente antecipar a modernidade.

Aplausos do PS.

O Sr Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rosado Fernandes.

O Sr. Rosado Fernandes (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira, é difícil responder-lhe, porque, da parte feminina (desculpe eu referir-me ao seu género, visto que agora já não há sexo)…

Risos do CDS-PP.

… dizia eu que da parte feminina vem aqui uma «seta» à minha bancada.

Risos do CDS-PP.

Mas, querida colega, a minha bancada não sou eu! Eu sou muito mais vaidoso do que a minha bancada, de maneira que tenho todos os defeitos que a minha bancada não tem e, naturalmente, não sou bué. Penso que é fundamental que, neste momento, se comece já a usar a gíria que a minha filha usa lá em casa, para que a gente se instrua e saiba compreender as crianças.
Por outro lado, é fundamental que a bancada dos jornalistas comece a aprender também algumas coisas, para escrever um português mais escorreito,…

Risos.

… porque, de facto, não têm tido até agora manuais suficientes para poderem tirar dúvidas, sei lá,… no que diz respeito a regência de verbos, a regência de adjectivos, a regência de substantivos… Temos de ir aos brasileiros, ao Francisco Fernandes que é quem tem os dois volumes que estão ali à venda (eu não recebo comissão!), na Calçada do Combro, na livraria brasileira.
A verdade é que desprezámos a nossa língua e falamo-la patrioticamente mal. Como Eça dizia que a tia dele falava patrioticamente estrangeiro, nós temos essa particularidade de falarmos particularmente mal a nossa própria língua. É estranho!… Não todos nós, graças a Deus, mas há muitos que falam e era conveniente que, de facto, tivessem uma obra a que se pudessem referir.
De qualquer maneira, gostei das suas «setas». Vêm de uma «amazona» e, naturalmente, isso não pode deixar de levar-me a pensar na velha mitologia.

Risos.

«Amazona», agradeço-lhas! Eu, que não sou um sátiro, não pretendo responder-lhe.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para proferir a sua declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Alqueva é um instrumento de interesse e utilidade pública estratégicos para o Alentejo e para todo o País.
Empreendimento de fins múltiplos, Alqueva deve constituir uma alavanca de desenvolvimento para uma região que corresponde a um terço do território nacional e que tem vindo a perder recursos humanos, num acelerado processo de desertificação social, à média de 10 habitantes por dia. Ao constituir-se como instrumento estratégico de desenvolvimento e de criação de emprego, Alqueva reúne todas as condições para dar corpo a uma nova coesão e a um novo reequilíbrio no ordenamento territorial do País, para fazer diminuir os processos migratórios, internos e externos, e,

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com isto, inclusivamente, para fazer diminuir a pressão demográfica sobre as grandes áreas metropolitanas.
Reserva estratégica de água, garantia de abastecimento regular das populações, rega agrícola de 110 000 hectares, produção de energia não poluente, promoção de um novo impulso nas actividades turísticas e de lazer, espelho de água com uma superfície de 250 km2, Alqueva pode e deve contribuir para retirar o Alentejo de uma situação de progressiva desvitalização e envelhecimento.
Se o Alentejo e os alentejanos necessitam de Alqueva, também o País beneficiará do incremento de crescimento, desenvolvimento e contribuição para a produção de riqueza nacional que se deverá gerar num terço do País.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - É por isso que são cada vez menos compreensíveis as sucessivas campanhas que têm tentado travar o passo ao empreendimento.
Já não falo das campanhas geradas nos anos 50, quando delegações dos grandes proprietários alentejanos, lideradas pelas respectivos governadores civis, vieram a Lisboa falar com o ditador e alertá-lo para os «graves e incontroláveis perigos» que decorreriam de um empreendimento desta natureza, ou da suspensão, indefinições e paralisações que, por razões políticas, a obra sofreu desde a histórica decisão governamental de 1975 de dar corpo ao empreendimento e do início dos trabalhos em 1976. Se Alqueva não tivesse sofrido os atrasos e as paralisações que sofreu já hoje seria uma realidade e, obviamente, com políticas adequadas, o País já estaria a beneficiar da sua construção e os alentejanos já teriam tido oportunidade de encontrar na sua região as condições de emprego que evitariam a sua permanente migração.
Falo, hoje, das múltiplas campanhas que certas organizações têm vindo, agora, num último esforço, a desenvolver para impedir que Alqueva se faça. Sucessivos argumentos têm sido agitados. Primeiro, o de que bastaria uma rede de pequenas e médias albufeiras. Segundo, o de que não haveria água suficiente para encher a barragem. Terceiro, o da qualidade da água. Quarto, o da crítica pelo desaparecimento de certas espécies da fauna e da flora alentejanas, omitindo que qualquer intervenção do Homem sobre a natureza tem sempre consequências desse tipo e que o que interessa aí avaliar é o balanço global dos impactes ambientais - que, de acordo com o respectivo estudo, é positivo tanto ao nível das espécies vegetais e animais como ao nível da redução das amplitudes térmicas -, da melhoria dos factores que têm levado à desertificação e erosão dos solos, à melhoria dos lençóis de água subterrâneos devido ao seu recarregamento, à garantia de caudais ecológicos, etc.
Depois, veio a campanha contra o corte de árvores na zona do regolfo, esquecendo que a limpeza do terreno é condição necessária para defender a qualidade da água e que o que aqui se impõe é a assumpção de uma efectiva política de reflorestação.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Temos agora a questão da cota. De cota em cota, fixaram-se certas organizações na defesa de uma cota ao nível 139, o que seria suficiente para inviabilizar o empreendimento como instrumento estratégico de desenvolvimento de fins múltiplos e como reserva estratégica de água. É que, ao contrário do que alguns pretendem fazer crer, reduzir a obra da cota 152 para a cota 139, não é só reduzir em 13 metros a altura da parede da barragem, é fazer diminuir em mais de 45% a capacidade de armazenagem de água, a metade a área de rega e em 25% a diminuição da valia eléctrica. Isto é, o Alqueva transformar-se-ia num «Alquevinha» e perdia-se a sua função estratégica. Seria quase mais uma albufeira a juntar às já existentes.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, as gravuras rupestres do período neolítico recentemente descobertas do lado português. Embora os únicos especialistas nesta matéria, os arqueólogos, tenham reagido de forma extremamente equilibrada e prudente, defendendo (como nós defendemos) a importância do achado mas reconhecendo que não têm a importância das figuras do paleolítico em Foz Côa, tal como o Empreendimento de Alqueva tem uma valia estratégica incomparável, logo as mesmas organizações vieram a terreiro, aproveitando o pretexto para de novo reclamar a suspensão das obras ou, até, o fim do projecto.
Para nós, PCP, o caminho é claro: tendo sempre presente a importância estratégica de Alqueva para o desenvolvimento do Alentejo e do País, e tendo igualmente presente que os impactes positivos compensam os negativos, defendemos, em todo o caso, que se continue a trabalhar para reduzir ao mínimo os impactes negativos (a forma, aliás, como se tem avançado, por exemplo, na nova Aldeia da Luz, é, seguramente, digna de registo) e que prossiga o importante trabalho já realizado de levantamento, identificação e recuperação do património arqueológico. Quanto às gravuras rupestres, há que fazer rapidamente o seu levantamento e deverão encontrar-se as soluções técnicas que permitam a sua salvaguarda - como o decalque e respectiva musealização -, mas sem suspender, travar ou, por maioria de razão, impedir o empreendimento.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Mas, permitam-me que o confesse, Srs. Deputados, em toda esta polémica há algo que me choca. É que, nos argumentos aduzidos, nunca se fala nos homens e nas mulheres, no homem e na mulher alentejanos, no seu direito ao desenvolvimento e ao emprego que é suposto Alqueva vir a proporcionar e que, no fundo, deve ser o centro e o objecto de qualquer política ambiental.
Deixar o Alentejo como está, como já ouvi reclamar, é deixar o Alentejo como um eco-museu. Mas os alentejanos não querem, seguramente, ser reduzidos à condição de figuras de museu ou de reserva ecológica. E para isso é necessário que Alqueva se construa!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Mas não basta, contudo, que Alqueva se construa sem mais atrasos. É necessário que o Governo abandone a postura de

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falta de empenhamento, de vontade e de coordenação, para que o empreendimento, em todas as suas valias, corresponda às expectativas que o País nele deposita e ao investimento público de mais de 350 milhões de contos que representa.
É incompreensível o atraso em que se encontram a elaboração do Plano Regional de Ordenamento da Zona Envolvente da Albufeira (PROZEA) e do Plano de Ordenamento da Albufeira (POA), instrumentos decisivos para se saber o que se pode e onde se pode construir, designadamente para fins turísticos. Quanto mais se atrasa a elaboração e aprovação dos planos de ordenamento, maiores são as pressões para que a valia turística, em especial, os projectos de campos de golfe e outros assumam uma importância no conjunto das valias que seguramente desvirtuariam os fins do empreendimento. Temos, aliás, razões para temer que seja exactamente por isso que os planos estão atrasados, no segredo dos deuses e sem debate público, e que cedências aos interesses agro-turísticos estejam a ser negociados. Como é inaceitável, aliás, que a Comissão de Acompanhamento não reuna regularmente.
Também nos interrogamos sobre as razões por que o Ministro José Sócrates, unilateralmente, decidiu adiar por um ano a desmatagem acima da cota 139. Mesmo que tecnicamente esta decisão não tenha, eventualmente, consequências de maior, a pergunta a que o Governo deve responder é quanto custa aos cofres públicos este adiamento, que implica suspender a sequência dos trabalhos de desflorestação encomendados e programados e qual é o valor da indemnização que o Estado vai ter de pagar.
É incompreensível o atraso e a indefinição quanto ao futuro da nova fábrica da Portucel em Mourão e o futuro e garantia dos salários dos trabalhadores.
É inaceitável que a sete meses do início do encerramento das comportas (se não houver mais atrasos) a estratégica valia agrícola continue mergulhada num mar de indefinições. Que solução para a magna questão fundiária? Ou o Governo prepara-se para entregar as mais-valias deste vultuoso investimento público nas mãos dos proprietários, que, por sorte e sem terem investido um tostão de seu, vêem o valor das suas terras multiplicado por 10? A anunciada venda, já realizada, de 10% da área a beneficiar a interesses agro-alimentares espanhóis é já um dado de facto que o Governo não pode ignorar e que demonstra que a questão não pode ser deixada exclusivamente nas mãos do mercado e da tributação das mais-valias.

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado. Tem de concluir.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
De que forma se vão mobilizar novos recursos humanos para a região ligados ou a ligar à actividade agrícola? Qual vai ser o novo ordenamento agrícola? Que negociações estão em curso com a União Europeia? O que está a ser feito em matéria de escoamento das produções? Que investigação está a ser feita? Qual o preço da água? Que formação e que medidas para a instalação de agro-indústrias?
Tudo isto está ou em regime de confidencialidade, ou indefinido, ou atrasado, ou pura e simplesmente parado.

O Sr. Presidente: - Já ultrapassou o seu tempo, Sr. Deputado. Tem de concluir.

O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Agradeço, Sr. Deputado.

O Orador: - A passividade, a falta de articulação e de um decidido empenhamento global do Governo num processo dos mais complexos, senão o mais complexo, da história da construção de um empreendimento desta natureza em toda a Europa é mais que evidente e pode pôr em causa o pleno aproveitamento dos frutos de Alqueva. Isto não vai, Srs. Deputados, com o acenar de velhos fantasmas ou boutades fundamentalistas cheias de preconceitos do Ministro da Agricultura e de certos dirigentes socialistas. Isto vai com seriedade e profissionalismo, Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já ultrapassou o seu tempo em mais de um minuto.

O Orador: - Da nossa parte, PCP, estamos a dar um relevantíssimo contributo fundamental para a solução de algumas destas questões, não só com o projecto de lei que entregámos como pelo movimento que estamos a animar.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço desculpa, mas tem de me ajudar a cumprir as regras definidas.

O Orador: - Termino, Sr. Presidente, dizendo que o PCP foi, é e será favorável ao empreendimento, mas somos críticos quanto à forma como o Governo está a conduzir o projecto. Não se pode confundir uma questão e outra. Alqueva é a um sonho secular, necessário ao Alentejo e necessário ao País.

O Sr. Presidente: - Tem de ser favorável também ao respeito dos tempos, Sr. Deputado.

Aplausos do PCP.

Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Lino de Carvalho, os Srs. Deputados Gavino Paixão, Rosado Fernandes e Maria do Céu Ramos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Gavino Paixão.

O Sr. Gavino Paixão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr. Deputado Lino de Carvalho, gostaria de saudar quase a 100% o conteúdo da sua intervenção, que revela um realismo e uma preocupação que, creio, devemos reconhecer que o Sr. Deputado e o seu partido têm tido em relação àquela obra.
É verdade que Alqueva foi durante muitos anos o sonho dos alentejanos do Baixo-Alentejo e também daqueles que se preocupam com a problemática do interior e com o encontrar de algumas soluções. Alqueva é decisivo para aquela região, não só como empreendimento mas sobretudo como ligação a uma série de infra-estruturas que estão a ser desenvolvidas naquela região.
Alqueva foi projectado e em boa hora o Governo do Partido Socialista, definitivamente, a partir de 1995, teve a

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coragem política de assumir Alqueva como um empreendimento não só do Alentejo mas também do País.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E, na altura, o Ministro teve a oportunidade de dizer que, se não viesse dinheiro da União Europeia, Alqueva se faria com os dinheiros do Orçamento. Portanto, de uma vez por todas, isso ficou claro e avançou-se com a obra.
No entanto, aquilo que estranho nas muitas dúvidas que o Sr. Deputado coloca, e que de resto têm sido colocadas por alguns sectores ambientalistas, é onde é que está a novidade das questões levantadas por esses sectores ambientalistas.
Todos aqueles que têm seguido mais de perto aquele empreendimento sabem que a cota 152 surge porque o empreendimento de fins múltiplos do Alqueva, como o Sr. Deputado teve a oportunidade de referir, tem várias valências, sendo o conjunto dessas várias valências que faz com que a cota tenha de ser a determinado nível e não a outro. Efectivamente, se reduzirmos a cota e a passarmos para 139, que é o que tem sido defendido ultimamente, não teremos o empreendimento que foi projectado para aquela região mas outro empreendimento qualquer.
As preocupações ambientalistas também me têm causado alguma estranheza, porque, porventura, nenhum empreendimento em Portugal tem sido tão acompanhado em termos de preocupações ambientais, quer pela própria população portuguesa, quer também pela própria União Europeia. E esta nova consciência ambiental tem feito com que a empresa que tem a responsabilidade de construir Alqueva esteja a fazer vários estudos de impacte ambiental, gastando cerca de 800 000 contos em estudos para a fauna e a flora, espaços de reequilíbrio, nomeadamente em termos de reflorestação, e de compra de novas herdades para fazer com que haja um reequilíbrio ambiental.
Portanto, aquilo que devemos dizer hoje é que os ambientalistas não trazem nada de novo. Tudo isto já estava previsto há muitos anos.

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado, tem de concluir.

O Orador: - Concluo, Sr. Presidente, lembrando as palavras de conforto deixadas na sexta-feira passada pelo Sr. Primeiro Ministro, quando assumiu, aqui, que a barragem de Alqueva não ia parar devido às questões ambientais.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rosado Fernandes.

O Sr. Rosado Fernandes (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, depois de tantos anos, eu, um indígena de Alqueva, um nativo ali da zona, mal ficaria se não corroborasse aquilo que acabou de dizer e se não fizesse a todos uma pergunta: se vivessem no deserto, como nós, o que é que desejavam em primeiro lugar? Era água!
Gostaria muito que abetardas acasalassem, e também acho que elas devem ter imenso prazer nisso!…

Risos do CDS-PP.

Gostava muito que a nidificação das garças continuasse. Não tenho dúvida nenhuma que as mães garças ficam certamente contentes quando podem ter os seus «filhinhos» na bacia do Alqueva. Gostava muito também que certas gravuras do neolítico pudessem continuar, e podem, porque podem ser retiradas. Mas é engraçado que a luta política chegou a tal cúmulo de surrealismo que me lembro de ter perguntado ao meu colega Alarcão, de Coimbra, especialista em arqueologia romana, o que é que ele pensava do castelo da Lousa, que é um castelo lindíssimo romano - ninguém sabe porquê -, que está a olhar para o Guadiana, e ele disse-me: «Isso não tem interesse nenhum, tira-se uma maqueta, fazem-se fotografias!» «E quanto a Foz Côa?», perguntei eu. «Ah não, isso é uma coisa completamente diferente, é património mundial!», respondeu-me ele. Eu não acredito nem numa coisa nem noutra. Esse tal património mundial continua vazio e se quiserem, de facto, dar com a pele - e não digo outra coisa! - lá no sítio, vão lá experimentar e vão ver como é bom andar ali aos tombos a ver aquelas gravuras que, certamente, não são as de Altamira.
De qualquer maneira, a verdade é que tem havido cota para cima cota para baixo... «Ó Rosa arredonda a saia», para cima, para baixo, com aquele ridículo que é próprio desta sociedade portuguesa, que, de facto, não tem vergonha de ser tão ridícula. Em primeiro lugar, porque não sabe Botânica nem Zoologia para, muitas vezes, se pronunciar sobre os aspectos que se pronuncia; em segundo lugar, uma cota de 139 iria, naturalmente, invalidar o projecto, sendo que a cota de 152 é a normal. Aliás, também a desarborização é normal que se faça, mas já não é normal não saber o que se vai fazer com a madeira.
No outro dia, perguntei aqui ao Sr. Secretário de Estado se ele sabia o que era a biomassa e fiquei com dúvidas sobre se ele sabia o que era, porque a verdade é que há uma central de biomassa que muitas vezes não tem massa para funcionar, tem só bio, e, de facto, ali havia bio e massa para a fazer funcionar.
Além disso, há outro aspecto sentimental. Desculpem-me dizer, mas, enfim, todos sabem que sou filho de latifundiário, é uma chatice, mas não posso apagar essa nódoa no meu passado,…

Vozes do PCP: - Só filho?!

O Orador: - … e a terra para a fábrica das celuloses do Guadiana foi dada pelo meu tio à CUF. Portanto, meus queridos amigos, ver desaparecer aquela fábrica que resolveu problemas cíclicos de trabalho naquela zona é, para mim, um crime, e aquela fábrica, se agora desaparece, tem de ser reconstruída.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria do Céu Ramos.

A Sr.ª Maria do Céu Ramos (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, V. Ex.ª terminou como eu gostaria de começar esta questão que lhe vou colocar.

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O empreendimento de fins múltiplos do Alqueva é fundamental para o desenvolvimento do Alentejo. O PSD está, obviamente, empenhado na construção da barragem do Alqueva, mas não pode estar mais em desacordo com o conjunto de indefinições, de incertezas e de segredos que existem em torno da construção da barragem.
De segredo em segredo, de incógnita em incógnita, sempre com a mesma indefinição, o projecto, apesar de tudo, vai avançando. O que queremos é que, daqui para a frente, ele possa avançar sem essa indefinição e sem esse secretismo, que nos deixa ciclicamente no «fio da navalha» sem sabermos, de facto, o que é que, como disse - e bem! -, os homens e as mulheres daquela terra, em que me incluo, podem esperar do empreendimento de fins múltiplos do Alqueva.
Em primeiro lugar, foi a falha que atrasou a construção da barragem; depois, foi a questão da cota a que a barragem deve ser cheia, a questão do desflorestamento e a questão da fábrica da Portucel; e agora, por fim, é a questão das gravuras que ali foram encontradas. Têm sido múltiplas as questões, como múltiplos se espera que sejam os fins do Alqueva.
O certo é que as decisões são tomadas sem se saber exactamente por quem nem como, porque o Sr. Primeiro-Ministro disse aqui, neste Hemiciclo, que a importância económica do Alqueva era muito superior à da barragem de Foz Côa - disso sabemos nós há muito tempo -, mas que a importância das gravuras do Alqueva era muito menor do que a das gravuras de Foz Côa, e disso nós já não temos a certeza, pelo menos porque o Sr. Primeiro-Ministro não é pessoa autorizada para validar e justificar tal coisa e mais ninguém, até hoje, estudou ou se pronunciou sobre as gravuras do Alqueva. É certo que, segundo se diz, houve 1 milhão de contos gastos em estudos arqueológicos, mas, espantosamente, os responsáveis da EDIA, S.A. por esses estudos souberam da existência das gravuras por um telefonema de um dirigente do Instituto Português de Arqueologia.
É assim que é conduzido um processo relativo a um dos mais importantes e determinantes empreendimentos para o desenvolvimento da região e do País: de vicissitude em vicissitude, de ignorância em ignorância. Creio que não possível que o estado de coisas continue assim e também creio que não é possível que, por decreto ministerial, se certifiquem e validem as decisões, sem que haja estudos prévios, sem que haja rigor e sem que haja decisão fundamentada.
Um dos múltiplos fins do empreendimento do Alqueva é o turismo. Sem dúvida que não ouvirá uma voz contra essa finalidade, mas há questões prévias anteriores: os fins prioritários de natureza agrícola, sobre os quais ainda há muita incerteza,…

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - … e, designadamente, sobre a qualidade da água. Ainda ninguém se pronunciou sobre a qualidade da água que vai ser fornecida aos agricultores e para abastecimento público.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder em conjunto aos três pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Agradeço os três pedidos de esclarecimento e a forma como eles foram colocados e vou tentar, por uma questão de tempo, responder em conjunto, referindo duas ou três questões que para nós são fundamentais e que importa realçar neste momento.
A primeira é que é preciso distinguir, neste debate que está em cima da mesa sobre Alqueva, entre o projecto e a sua importância estratégica e as dúvidas, que são legítimas em muitos casos, e as críticas em relação às indefinições e aos atrasos do Governo, que temos lançado.
Nós não confundimos uma questão com a outra. O que dizemos é que o projecto, sendo um instrumento e uma alavanca estratégica de desenvolvimento, pode, eventualmente, vir a ver frustrados os seus objectivos se se prolongarem os atrasos, as indefinições e até, como disse na minha intervenção, o secretismo do Governo em muitas matérias.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Estamos com o empreendimento, que é, sem dúvida, dos mais complexos da Europa ao nível da gestão. Isto implicaria uma coordenação e uma articulação entre os vários ministros e uma intervenção do Governo no terreno longe daquela que nós temos visto.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E, nesse sentido, há, naturalmente, dúvidas, que todos nós temos, umas legítimas e outras, porventura, que têm servido como pretexto para as campanhas contra o empreendimento.
Quanto ao problema da desflorestação, é evidente para qualquer leigo que a desflorestação daquela área tem de ser feita, até por razões de garantia da qualidade da água. O problema está, como o Sr. Deputado disse - e bem! -, na forma como se aproveitam os produtos dessa desflorestação. E aqui está uma oportunidade para empreender uma iniciativa forte no capítulo de energias alternativas e também num programa de reflorestação, onde ela possa ter lugar.
No que se refere ao problema das gravuras, elas já eram conhecidas há mais tempo - aliás, do lado espanhol são conhecidas desde Novembro de 1999. De facto, tem sido feito, devemos reconhecê-lo, um importante trabalho de levantamento e de recuperação arqueológica. Agora, o que é preciso é fazer o levantamento imediato das gravuras, da sua importância - os arqueólogos, aliás, já se pronunciaram, a partir da delegação que lá foi ontem - e fazer a sua salvaguarda, mas de modo a compatibilizá-las com a construção do empreendimento e com a manutenção dos prazos e dos calendários para que o empreendimento vá para a frente.
Sr.ª Deputada Maria do Céu Ramos, a questão é esta, para nós: todos estamos de acordo em que o empreendimento é necessário, mas todos também estaremos de acordo em que ainda há muita coisa para discutir, há muita

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coisa para clarificar e há muito atraso e indefinição da parte do Governo.
Da nossa parte, Srs. Deputados, especialmente Srs. Deputados do Partido Socialista, estamos a dar um contributo relevante a este processo: entregámos na Mesa um projecto de lei, animámos e estamos a animar debates sobre esta matéria e estamos a animar a necessidade de se fazer uma reflexão global sobre isto.
Poderá haver desacordos em relação a algumas das soluções que propomos, admitimos isso, mas pedimos que sejam apresentadas soluções alternativas e que particularmente o PS e o Governo connosco intervenham neste debate, nesta reflexão e na apresentação de soluções, de modo a fazer do empreendimento um grande instrumento de desenvolvimento da região e um grande contributo para o País, não fazer dele uma obra que possa, eventualmente, vir a frustar as expectativas e a dar razões àqueles que se opõem ao empreendimento.
Este é o nosso desafio ao Governo, este é o nosso desafio ao Partido Socialista. Esperemos que nos respondam não com boutades, não com preconceitos, não com fundamentalismos, não com fantasmas mas, sim, com debate concreto, com a apresentação de alternativas, juntando-se a nós neste debate, nesta reflexão necessária, para fazer de Alqueva o instrumento de desenvolvimento pelo qual, desde sempre, os alentejanos, em particular, e o PCP se têm batido.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para tratamento de assunto de interesse político relevante, tem a palavra o Sr. Deputado Arménio Santos.

O Sr. Arménio Santos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi ontem assinalado mais um Dia Mundial do Trabalhador, que devia ser de festa e de alegria. Porém, foi sobretudo uma jornada de protesto e de reflexão, porque os motivos para festejar são poucos e o caminho que o País leva suscita muitas preocupações.
O pessimismo começa a invadir cada vez mais a vida diária das famílias portuguesas, porque as suas condições de vida, ao contrário do discurso cor de rosa do Governo, são marcadas por crescentes dificuldades.
Não se vislumbram políticas capazes de romper com o marasmo e com a apatia que dominam a economia nacional, mola vital e impulsionadora para melhores níveis de produtividade, de emprego, de salários e de qualidade de vida.
Esta situação é agravada pela enorme falta de confiança e de credibilidade que se sente face ao Governo para definir objectivos e apontar um rumo capazes de mobilizarem os portugueses.
Na verdade, quando o Governo se vangloria de Portugal ter uma das mais baixas taxas de desemprego da União Europeia e procura transformar esses números na prova do sucesso da sua política de emprego, isso é sintomático e impõe-se desmistificar o que esses números escondem.
O emprego que se tem criado é essencialmente um emprego precário e temporário, um emprego indiferenciado, sem direitos sociais, quando o que o País precisa é de uma verdadeira política de qualificação de emprego.
Para dar emprego ao clientelismo e aos boys do aparelho socialista, foram criados 50 000 postos de trabalho na Administração Pública, nas empresas públicas e nos institutos públicos, mas sem qualquer critério nem racionalidade económica.
E, neste ponto, permita-me, Sr. Presidente, que corrija o Sr. Ministro da Economia, quando recentemente disse que a função pública gasta muito e faz pouco. Obviamente que não partilhamos do insulto do Sr. Ministro às centenas de milhares de bons profissionais da Administração Pública, os quais aproveitamos para saudar, e censuramo-lo mesmo pela sua indignidade. Mas julgamos que a sua crítica «assenta que nem uma luva» naqueles 50 000 boys que o PS meteu na Administração Pública, porque, de facto, esses, provavelmente, ganham bem e pouco fazem.
Por outro lado, Portugal é o País europeu onde a sinistralidade no trabalho atinge níveis que representam um verdadeiro flagelo nacional, com uma média de duas mortes por dia e milhares de pessoas incapacitadas por ano.
Se olharmos para a política social e de contratação colectiva adoptada para 2001, verificamos que está a revelar-se uma verdadeira armadilha para os trabalhadores e para os pensionistas.
O Governo avançou com uma inflação irrealista, que, de antemão, sabia que não era fiável e que ia ser simplesmente pulverizada, como já está hoje demonstrado. Essa previsão do Governo de baixa inflação foi uma fraude para negociar e impor salários e pensões que não acautelam minimamente o poder de compra das famílias portuguesas. Ou seja, o Governo enganou deliberadamente os trabalhadores, os reformados, as famílias, e isso tem de ser denunciado aqui, porque o Governo socialista tem o social no discurso mas, depois, a sua política concreta é neoliberal e anti-social.

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Portugal tem os salários mais baixos da União Europeia, e nós, sociais democratas, queremos - porque entendemos que podemos - caminhar para a convergência económica e social, mas o que a política deste Governo está a fazer é a afastar-nos cada vez mais desses níveis de desenvolvimento. O Partido Social Democrata rejeita claramente esta política, porque é uma política de retrocesso.
Nós sabemos que não se pode distribuir a riqueza que não é produzida. Mas que fazem as autoridades governativas para alterar este estado de coisas? Nada! A agricultura e a indústria perdem competitividade face à nossa vizinha Espanha e aos restantes países europeus da Comunidade e o comércio acaba por se ressentir da redução do poder aquisitivo das famílias.
Projectos nacionais ou estrangeiros que constituem impulsos para aumentar a produtividade e gerar mais riqueza nacional não surgem nem o Governo é capaz de desenvolver uma estratégia captadora desses projectos.
A economia portuguesa está parada. Portugal está a crescer menos do que a média dos outros países parceiros da União Europeia, apesar de estarmos a receber, em média, apoios comunitários de 2,1 milhões de contos por dia.
Perante isto, o Governo e o PS fazem «queixinhas» e ocupam a agenda política com questões de minorias, que,

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apesar de serem assuntos que merecem o nosso respeito, não são nem podem ser as questões centrais da vida nacional. Ou seja, o País está sem rumo e o Governo está autista para os reais problemas que se colocam às empresas, às famílias e aos trabalhadores portugueses.
É neste sentido, Sr. Presidente, que aqui expressamos a nossa maior inquietação quanto ao caminho que o País está a trilhar, já que está a atrasar o progresso e a comprometer o futuro dos portugueses, em especial das novas gerações.
É também por estas razões que juntamos aqui a nossa voz às reclamações dos portugueses que ontem, hoje e sempre aspiram, muito legitimamente, por um futuro com mais progresso e bem estar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Oliveira.

O Sr. Barbosa de Oliveira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Sr. Deputado Arménio Santos, começo por dizer: viva o 1.º de Maio! Vivam os trabalhadores portugueses e a sua capacidade de discernimento e de luta, a capacidade de distinguir o essencial do secundário, aquilo que é a necessária estabilidade política da reivindicação por melhores e justas condições salariais e de vida e a defesa dos seus direitos.
É isto que celebra a jornada do 1.º de Maio, foi isto que ontem os trabalhadores portugueses, independentemente do quadrante político em que se filiam, independentemente do partido em que votam, celebraram. Foi esta jornada de entendimento e de discernimento que os trabalhadores portugueses ontem celebraram. É isto o 1.º de Maio, que, a nível internacional, mostrou a consciencialização dos trabalhadores em relação aos impactos da globalização e a sua capacidade de luta pela introdução de cláusulas sociais nos acordos de comércio e outros.
O seu discurso, Sr. Deputado, foi um discurso recorrente de pessimismo e de cegueira política. Pergunto-lhe, Sr. Deputado: quando falou daquela tribuna acerca dos parcos aumentos salariais da Administração Pública, como dizia o Sr. Deputado, quando fez ali vários e demagógicos queixumes, teve presente as recomendações dos experts do seu partido, que dizem que os salariais na função pública foram um desmando do Governo, que o Governo gastou muito, que o Governo foi perdulário? Tem presente isso? Não me obrigue, Sr. Deputado, a recordar-lhe, quando ambos éramos dirigentes do mesmo sindicato, as recomendações que então fez pelo boicote de uma greve geral, e o governo não era do PS nessa altura! E a central sindical em que o sindicato ainda hoje está filiado aderiu à greve e fez a greve geral! Repito: o governo não era do PS!
Quando, daquela tribuna, se fazem discursos como aquele que o senhor fez, esquecendo determinadas realidades e esquecendo o partido de que é militante e Deputado, demonstra apenas cegueira política!
São estas as questões que lhe deixo, terminando como comecei: viva o 1.º de Maio! Vivam os trabalhadores portugueses!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Arménio Santos.

O Sr. Arménio Santos (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Barbosa de Oliveira, agradeço as suas palavras e quero dizer-lhe que a questão que o senhor traz aqui, já lá vão decorridos, provavelmente, 14 anos, revela como os senhores estão agarrados ao passado. Talvez fosse bom o senhor perguntar-se se as causas que estiveram na base dessa greve não existem hoje ainda com maior violência, reflectindo-se sobre os direitos e as expectativas dos trabalhadores e justificando, mais do que na altura, exactamente essas acções de luta avançada.
Penso que talvez por termos hoje o Governo que temos é que não estamos em presença de manifestações de protesto como aquela que o senhor trouxe aqui à memória. Mas é importante constatarmos que, para a bancada do PS, o facto de os trabalhadores portugueses quererem aproximar-se de padrões de bem estar como aqueles de que já usufruem os trabalhadores dos restantes países da União Europeia é cegueira política. Constatamos que, pelos vistos, o PS e o Sr. Deputado Barbosa de Oliveira se sentem felizes e contentes com «o país das maravilhas» em que vivemos, em que todos têm uma profissão em que se realizam plenamente, em que todos têm um salário com o qual podem viver com dignidade, em que as famílias não têm necessidade de «apertar o cinto», em que as famílias não estão cada vez mais endividadas!
Meu caro Sr. Deputado, creio que o PS, pelas perguntas que me colocou, revela uma coisa muito concreta: é que anda muito longe da realidade do português comum! Os problemas que hoje afligem as pessoas, pelos vistos, não estão presentes no conteúdo das suas preocupações. E quando digo no conteúdo das suas preocupações refiro-me também às preocupações do PS. Por isso é que hoje, cada vez mais, ouvimos muitos trabalhadores, muitas pessoas que votaram no PS e que, nos contactos que temos com elas nas empresas, nos locais de trabalho, no dia-a-dia da nossa actividade, nos comunicam a sua decepção, a sua profunda tristeza pelo voto que confiaram no partido do Sr. Deputado, porque agora estão a ver defraudadas todas as suas expectativas.
É por isso mesmo, Sr. Deputado, que o PS cada vez se distancia mais das reais necessidades e preocupações dos cidadãos e das famílias portuguesas, e estes cada vez lhe voltam mais as costas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos seis votos para serem apreciados, mas como dois deles deram hoje entrada na Mesa e só há consenso para que se discuta um deles, vamos apenas discutir cinco votos.
Proponho que, depois de o Sr. Secretário da Mesa proceder à leitura dos votos, sejam discutidos em conjunto, atribuindo 5 minutos a cada grupo parlamentar.
Antes disso, anuncio que se encontram a assistir aos nossos trabalhos um grupo de 55 alunos da Escola do Ensino Básico do 2.º e 3.º Ciclos de Taveiro, Coimbra, um grupo de 62 alunos da Escola do Ensino Básico do 2.º e 3.º Ciclos João de Deus, de S. Bartolomeu de Messines, um grupo de 40 alunos da Escola do Ensino Básico do 2.º

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e 3.º Ciclos de Guifões, de Matosinhos, um grupo de 80 alunos da Escola Edmundo Ferreira - EPROMAT, de Matosinhos, um grupo de 30 alunos do Colégio de Albergaria, de Albergaria-a-Velha, um grupo de 28 alunos do Internato de Nossa Senhora da Purificação e aguardamos ainda um grupo de 170 jovens luso-descendentes e um grupo de 62 alunos da Escola do Ensino Básico do 2.º e 3.º Ciclos de Frazão, de Paços de Ferreira.
Uma saudação carinhosa para todos.

Aplausos gerais, de pé.

Sr. Deputado Manuel dos Santos, pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, é para interpelar a Mesa relativamente à condução dos trabalhos, apenas para propor que seja dispensada a leitura dos votos, uma vez que eles foram distribuídos e são conhecidos. Assim, dar-se-ia mais eficácia aos trabalhos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se estiverem de acordo, assim simplificar-se-ia o trabalho.
Como verifico que há consenso, darei a palavra de imediato a quem se inscrever.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, manifestando a nossa concordância com a proposta do Sr. Deputado Manuel dos Santos, solicito à Mesa a leitura do título de cada um dos votos.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.
São os seguintes: voto n.º 144/VIII - De protesto pela escalada militar israelita (BE), voto n.º 145/VIII - De protesto pelas violações dos direitos humanos nas prisões da Turquia (BE), voto n.º 146/VIII - De homenagem às vítimas do terrorismo em Portugal e de indignação pelas absolvições no processo das FP-25 de Abril (PSD), voto n.º 147/VIII - De protesto pela violação dos direitos das crianças (PS) e voto n.º 149/VIII - De pesar pelo falecimento do Dr. Joaquim Rocha e Silva (PS).
Inscreveram-se para intervir os seguintes Srs. Deputados: João Amaral, Carlos Encarnação, Basílio Horta, José Miguel Medeiros, Fernando Rosas e Pedro Mota Soares.
Dado que o primeiro voto apresentado é da autoria do BE, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o primeiro dos dois votos que o Bloco de Esquerda apresenta tem a ver comoo dramático agravamento da situação política e militar na Palestina, sobretudo após a tomada de posse do novo governo israelita, através de uma escalada militar que já originou, em poucos dias, várias dezenas de mortes, em respostas e contra-respostas, numa espécie de espiral de violência incontrolável que tem consistido no abandono, por parte do novo governo israelita, do que foram as bases do acordo de paz estabelecidas em Oslo. É uma reafirmação desses princípios como caminho para uma solução de paz e a defesa dos mais fracos neste conflito, que são a população palestiniana, que expressamos nesse voto.
O segundo voto que apresentamos refere-se à questão da Turquia, onde há, neste momento, 800 pessoas a fazer greve de fome contra um regime prisional assente na violência e na tortura. Pessoalmente, sou muito sensível a esta questão, porque eu também fiz greve de fome nas cadeias do antigo regime contra os abusos prisionais, contra a tortura e contra a violência. Entendo que, seja qual for a orientação política das pessoas envolvidas nessa greve da fome, é muito necessário que elas sintam do exterior a solidariedade contra um novo regime prisional de isolamento que visa facilitar a tortura e a violência sobre os presos.
Nesse sentido, apresentamos o nosso voto de alerta, juntando-nos à voz da Amnistia Internacional e de várias organizações humanitárias, que neste momento fazem pressão. Desde o momento em que elaborámos o nosso voto até hoje morreram mais oito pessoas em greve de fome. Entendemos, pois, que deveríamos apresentar aqui esta questão.
Quanto ao voto de pesar pelo falecimento do Sr. Dr. Joaquim Rocha e Silva, que foi um grande democrata, um grande republicano, naturalmente que merece todo o nosso apoio.
Relativamente aos votos apresentados referentes à questão das FP-25…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, apenas está em discussão o voto apresentado pelo PSD sobre esse assunto.

O Orador: - A versão apresentada pelo PSD não pode merecer qualquer apoio nosso. Além de outras considerações que, politicamente, nos mereceriam reservas, a Assembleia da República, a aprovar esta versão, violaria claramente o princípio da separação de poderes, nomeadamente porque se pronuncia sobre a competência dos tribunais e até sobre o mérito de uma sentença dos tribunais, coisa que, tanto do ponto de vista funcional, como do ponto de vista material,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Homessa! É um voto político!

O Orador: - Faço parte de uma cultura política que condenou inequivocamente o terrorismo da FP-25 de Abril, pelo que estou à vontade. Nunca manifestei a menor hesitação acerca deste assunto, até porque, já depois do 25 de Abril, o Major Otelo Saraiva de Carvalho fez parte de uma força militar que me prendeu, a mim e a outras pessoas que, nessa altura, estavam no partido onde eu estava. Portanto, estou muito à vontade para falar sobre isso.
Mas não podemos esquecer que o General Spínola foi o chefe do MDLP, autor moral do terrorismo, regressou ao País, não foi incomodado e, ainda por cima, foi agraciado com o título de Marechal e com a Chancelaria das Ordens.
Portanto, há necessidade de pôr um termo político a duas formas erradas de tratar o terrorismo. Nesse sentido, inclinamo-nos muito mais para a solução apresentada pelo Partido Socialista no seu voto do que para esta, que me

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parece unilateral e, sobretudo, violar o princípio da separação de poderes, pois a Assembleia não pode pronunciar-se sobre o mérito com que os tribunais apreciam as causas. Pode fazê-lo, mas não através desta forma de intervenção, a meu ver abusiva, como se pretende neste voto.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Fernando Rosas, suponho que também usou da palavra relativamente ao voto n.º 145/VIII - De protesto pelas violações dos direitos humanos nas prisões da Turquia (BE).

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O voto n.º 146/VIII, que apresentámos em 19 de Abril, só hoje está a ser discutido. Permita-me, pois, Sr. Presidente, que, em primeiro lugar, declare a minha profunda admiração por isto acontecer desta maneira.
É ele um voto de somenos importância? Não, é um voto essencial. E porque é que é um voto essencial, Sr. Presidente? Porque dificilmente descobriria quem pudesse estar em desacordo com ele, nos seus considerandos finais, nas suas conclusões.
Será que alguém, nesta Assembleia, quer deixar de prestar uma homenagem sentida às vítimas do terrorismo em Portugal e deixar de recordar ao Governo o dever de indemnizar com justiça as suas famílias? Alguém quer deixar de fazer isto?!
Alguém aqui, nesta Assembleia, quer deixar de repudiar todas as formas - todas as formas! - de terrorismo e o comportamento dos seus autores?
Alguém nesta Assembleia deixa de manifestar a sua indignação pela absolvição de autores morais de crimes de sangue?
Alguém nesta Assembleia deixa de reafirmar o primado da justiça sobre os interesses da conveniência política?
É por isso que este voto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, deve ser um voto que a Assembleia não pode ignorar, não pode deixar de ter em conta!
Pergunta V. Ex.ª, ou podem perguntar os Srs. Deputados: porque é que se propõe isto? Por uma razão simples, Sr. Presidente: porque nenhum português compreendeu aquilo que aconteceu, há pouco tempo, em relação às FP-25 de Abril; porque nenhum português percebeu porque é que se tinha chegado à absolvição daquilo que é completamente condenável; porque nenhum português percebeu como é que uma teia de interesses, uma teia de tal maneira urdida, é capaz de fazer com que uma amnistia aplicada, tempos atrás, a uma organização terrorista vai impedir que se condenem, tendo sido identificados, os autores morais de crimes de sangue.
Isto, Sr. Presidente, ninguém percebe, em Portugal. E, como nós temos, em relação a essa matéria, o dever de alertar o País para aquilo que aconteceu e temos também a consciência de que, no momento próprio, na altura indicada, nós dissemos o que iria acontecer, aqui estamos a denunciá-lo, Sr. Presidente.
O que aconteceu agora, o que aconteceu neste momento, foi qualquer coisa de injustificável.
Dizem alguns de vós que, nesta altura, estamos a invadir a esfera de competência do poder judicial. Mas o que é que a Assembleia fez nessa altura, Sr. Presidente?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Procurador-Geral da República, à época, veio aqui dizer que este problema tinha solução jurídica, não devia ter solução política. O Presidente e o Secretário-Geral da Associação Sindical de Magistrados Judiciais Portugueses vieram aqui dizer que a amnistia tinha prejudicado o desfecho deste caso, tinha debilitado as condições de apreciação da prova neste caso concreto. E se assim é, Sr. Presidente, a Assembleia está absolutamente à vontade para se pronunciar sobre esta matéria. Pois já não se pronunciou ela erradamente, conduzindo a justiça àquilo que é um erro clamoroso?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Pois não foi esta Assembleia que, com uma maioria que não é a nossa, isto é, na qual não nos incluímos objectivamente, deu condições para que isto que aconteceu, e que nenhum português conseguiu perceber, acontecesse? Pois não foi esta Assembleia que amnistiou uma organização terrorista, organização essa que praticou crimes contra a liberdade e contra a democracia, matou e mandou assassinar?
Sr. Presidente, nós estamos a falar em nome da liberdade e contra aqueles que actuaram contra a liberdade; nós estamos a falar a favor do País contra aqueles que, em qualquer momento, podem condenar este País ao terrorismo; nós estamos a falar, Sr. Presidente, em nome das vítimas desta associação das FP-25 de Abril.
Magoa-nos muito, dói-nos muito, que a morte da justiça tenha acontecido quando Portugal precisava mais da sua afirmação.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Miguel Medeiros.

O Sr. José Miguel Medeiros (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A minha intervenção está apenas associada ao voto n.º 149/VIII, de pesar pelo falecimento do Dr. Joaquim Rocha e Silva, de quem tive a felicidade de ser amigo e com ele conviver, ainda que 57 anos de idade nos separassem.
Quero dizer-lhes apenas que para nós, no distrito de Leiria, e, a partir de hoje, com este reconhecimento, certamente também para o País, o exemplo do cidadão, do republicano, do democrata e do lutador perdurará para sempre como um verdadeiro farol daquilo que são os deveres de um cidadão.
Para vos dar uma ideia da personalidade e da forma de estar na vida do Dr. Rocha e Silva, não resisto a contar-vos aqui um episódio que ilustra bem como um homem pode ser um verdadeiro lutador pelos direitos e, ao mesmo tempo, tão exigente consigo próprio no cumprimento dos deveres.
Certo dia, o Dr. Rocha e Silva, economista e revisor de contas, dirigiu-se à Repartição de Finanças de Leiria para

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interpelar os responsáveis por essa delegação das Finanças, porque se sentia mal tributado - e mal tributado não por estar muito tributado, mas por achar que estava tributado umas centenas de contos abaixo daquilo que era dever do Estado cobrar-lhe. Este é um exemplo de um cidadão que, infelizmente, talvez não tenha tido muitos seguidores, mas que não resisti a contar aqui, como uma grande homenagem que lhe queria prestar e que, julgo, todos lhe iremos prestar.
Penso que a comenda da Liberdade que lhe foi atribuída e também todo o percurso que lhe é reconhecido publicamente justificam plenamente este voto de pesar, que, de facto, é merecido e faz todo o sentido.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero manifestar o apoio do PCP ao voto de protesto pela escalada militar israelita, nomeadamente porque o que se está a passar, neste momento, naquela zona constitui um retrocesso inqualificável no processo de paz, que era necessário, a todos os níveis, para a estabilidade do Mediterrâneo, para a satisfação dos povos envolvidos e para o reconhecimento dos seus direitos. Quem o está a praticar, em nome do governo de Israel, é a mesma personalidade que sujou as mãos em Sabra e Shatila e que fez a campanha eleitoral na base de um acto provocatório praticado em Jerusalém, um acto que prenunciava exactamente este tipo de escalada, é quem não quer efectivamente a paz. A única forma, Srs. Deputados, de levar aquele governo a considerar que a paz é necessária e que é necessário respeitar as resoluções das Nações Unidas é, em situações como estas, em assembleias, e por todo o mundo, levantar-se uma voz forte e unânime, exigindo e reclamando que o governo de Israel faça aquilo que tem de fazer, que é reconhecer os direitos do povo palestiniano.
Quero também expressar o apoio do PCP ao voto apresentado relativamente à situação na Turquia, que é uma fonte permanente de violação dos direitos fundamentais. E, muito para além de tudo o que aqui está, importa sempre recordar o que se passa com o povo curdo.
Quanto ao voto sobre o julgamento dos membros das Forças Populares (FP) - e peço que me dispensem que lhes chame FP-25 de Abril, porque o 25 de Abril é um grande momento da nossa História que não deve ser manchado com a associação a actos de terrorismo -,…

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - … o que tenho a dizer resume-se em breves palavras. Os Srs. Deputados do PSD, que, no outro dia, com alguma graça, «passaram aqui uma receita» à Ministra da Saúde, hoje, sem graça nenhuma, querem espetar um copázio de 405-Forte ao sistema de separação de poderes e ao regime constitucional. Esta é a realidade deste voto e, por isso, este voto, à partida, nem deveria ter sido admitido.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Presidente admitiu-o, porque é uma pessoa aberta e normalmente não quer levantar problemas desse tipo em relação a questões que são levantadas aqui com conteúdo político.

Protestos do Deputado do CDS-PP Pedro Mota Soares.

Porém, esse voto não devia ter sido admitido, porque ele, no seu conteúdo e naquilo que é a parte dispositiva, viola uma regra básica de funcionamento da democracia. Talvez o Sr. Deputado possa explicar ao seu antigo correligionário como é que funciona a democracia, pois parece que houve quem ainda não tivesse tempo para aprender o princípio da separação de poderes, que já «tem barbas».

Protestos do PSD.

Mas também importa não fugir à questão. E a questão resolve-se com simplicidade: se se trata de condenar actos de terrorismo, eles têm de ser claramente condenados, mas estes e todos os outros actos de terrorismo -…

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Exactamente!

O Orador: - … e não só depois do 25 de Abril. Não podemos esquecer que o regime democrático foi muito generoso - até há quem diga que foi generoso demais! - para com os responsáveis do terrorismo de Estado que foi o fascismo, na aplicação prática do esmagamento das liberdades. Mas nós fomos tolerantes, fomos generosos. E muitos foram cúmplices, nomeadamente do silenciamento do terrorismo que, ao longo dos dois primeiros anos do regime democrático, manchou a nossa vida colectiva. Na exposição que está patente ao público nos Passos Perdidos, os Srs. Deputados poderão ler nos jornais que aí se encontram que, no dia da aprovação da Constituição, foi assassinado o Padre Max e posta uma bomba à porta do Centro Vitória, em Lisboa - isto, no mesmo dia, muito depois do 25 de Novembro e já com a Constituição aprovada!
Srs. Deputados, há poucos dias, um juiz, ao condenar um rapaz que tinha praticado o hediondo crime de homicídio dos pais, virou-se para a esposa desse rapaz e disse: «Não basta a convicção subjectiva, é necessário uma convicção objectiva». E absolveu-a. Este é um princípio sagrado do Direito, que os Srs. Deputados também têm de compreender. Não basta nem há o direito de fazer política de uma forma tão torpe e tão baixa como estão a fazer neste momento.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, já se encontra entre nós o grupo de 170 jovens luso-descendentes, que, pelo seu número e qualificação, merece também uma autónoma saudação, que peço para todos eles.

Aplausos gerais, de pé.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

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O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS-PP dá à matéria de luta e de repúdio do terrorismo uma extrema importância. E tanto assim é que, no dia 25 de Abril, o presidente do meu partido não fez aqui um discurso, fez mais do que isso; fez um acto simbólico, para alertar a Nação, o País, para a importância deste tema.
E nós sabemos como o terrorismo junta todos os povos na sua condenação. Olhamos para Espanha e vemos as manifestações com centenas de pessoas a condenarem os actos terrorismo; olhamos para todo o lado onde essa «praga» se manifesta e verificamos que aí não há partidos, não há esquerda nem direita, há a unidade do povo «ferido» na sua segurança a lutar contra aqueles que se encobrem e põem em risco vidas e fazenda.
Por isso, entendemos que Portugal não podia, nem pode, ficar indiferente aos actos que foram praticados. Por essa razão, o presidente do meu partido fez aqui um acto simbólico, sendo nessa medida que deve ser, e foi seguramente, entendido.
Vamos votar, obviamente, a favor do voto n.º 146/VIII, apresentado pelo PSD. E vamos fazê-lo, porque ele condena o terrorismo, porque ele se lembra das vítimas desse mesmo terrorismo e porque faz um acto de repúdio para com essa actividade onde só há «demónios».
Georges Bataille dizia que o homem é sempre um palco onde se movimentam anjos e demónios. Este é o palco dos demónios, e nós não podemos deixar de ter dúvidas sobre esse domínio, porque o terrorismo, é-o uma vez, outra e outra; não há terrorismo bom e terrorismo mau, há violência, há morte, há opressão sobre as pessoas. E mais ainda: quando esse terrorismo se verifica e o Estado de Direito está implantado e a Constituição está a ser aplicada. É, obviamente, impossível esquecer e atenuar a nossa indignação.
Nós entendemos também votar a favor deste voto, porque, sinceramente, somos de opinião que ele não tem nada que ver com a separação de poderes. Nada!
E quero desde já dizer o seguinte: não nos parece que o poder político esteja impedido de criticar sentenças judiciais. O poder político pode criticar sentenças judiciais, e isto não tem nada que ver com a separação de poderes, como os juizes podem, e devem, criticar o poder político. Não tem nada a ver com a separação de poderes! Era o que faltava que os políticos não pudessem criticar as decisões judiciais! Já basta que os advogados, por uma questão deontológica, não o possam fazer em certas circunstâncias! Claro que os políticos e os cidadãos o podem fazer! A Assembleia da República não pode nem o deve fazer! É uma questão diferente!
Este voto não critica decisões judiciais, não critica o tribunal. O que nele se diz, com clareza, é isto: «(…) manifeste a sua indignação pela absolvição dos autores morais de crimes de sangue (…)». Quem é que não manifesta esta indignação? A começar pela juíza, que a manifestou e disse: «tenho aqui, na minha frente, eventualmente, criminosos e não os posso condenar»! Porque nós sabemos que a convicção subjectiva não chega para fazer a condenação objectiva; essa só se pode fazer com a prova produzida em julgamento!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E a questão que se põe é porque é que a prova não foi produzida em julgamento! Esta é a questão! E é disso que um sector desta Câmara - tenho de o dizer - se devia arrepender e pedir desculpa ao País, porque é o grande responsável por esta sentença!

Aplausos do CDS-PP e de Deputados do PSD.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Que disparate!

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Não apoiado!

O Orador: - E não venham dizer, como disse aqui o Sr. Primeiro-Ministro, que uma coisa não tem a ver com a outra. Isso releva de uma grande ignorância jurídica - aliás, a um engenheiro não seria de pedir mais - e também de uma grande falta de seriedade política, como eu disse aqui. Porque é óbvio que, havendo uma lei de amnistia, o crime é amnistiado! Ou seja, todas as provas relacionadas com o crime não podem ser reapreciadas! Nenhuma delas pode ser reapreciada! Como é que o tribunal podia reapreciar provas cuja apreciação estava vedada?! Obviamente que não o podia fazer!
Portanto, as pessoas que, nessa altura, amnistiaram a participação em organizações terroristas são os grandes responsáveis por esta sentença; não é o juiz, não é o poder judicial, é uma injustiça. Foram os políticos que fizeram, com enorme falta de sensibilidade e de senso, esse enorme erro!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - E, em vez de chegarem aqui e pedirem desculpa ao País, o que só era dignificante, insistem no erro!

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Não. Não temos de pedir desculpa ao País!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Têm de pedir às famílias das vítimas!

O Orador: - Por isso, com total consciência, votamos solidariamente este voto, estando certos de que, no fundo, nesta Câmara, mesmo aqueles que erraram com a amnistia, saberão combater o terrorismo em todas as suas formas! Pela nossa bancada, estaremos na primeira linha desse combate!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em Fevereiro de 1996, não uma pessoa qualquer, mas precisamente o Presidente da República de Portugal, enviava uma mensagem à Assembleia da República que, entre o mais, dizia o seguinte: «Julgo ser de interesse nacional que se procure uma solução o mais consensual e rápida possível para os processos do chamado caso FP, que se arrastam indetermináveis enredados numa teia judicial

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complexa, contraditória, sem fim previsível e mesmo potencialmente perigosa nas suas consequências para a justiça».
Em Fevereiro de 1996, na justificação de motivos do que veio a ser uma amnistia então aprovada dizia-se o seguinte: «O acto de clemência que a amnistia representa é dirigido a actos controversos de natureza política e não a crimes de sangue,…

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Ora aí está!

O Orador: - … sob forma praticada ou tentada, tanto por parte dos seus autores materiais como morais. Neste sentido, são excluídos do projecto de amnistia os crimes de homicídio e de ofensa corporal grave.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD). - Vê-se!

O Orador: - Do que se trata, em síntese, é de operar uma clara distinção entre os actos de motivação e natureza políticas, por um lado, e, por outro, qualquer crime material contra a vida e a integridade física das pessoas,…

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Ainda bem que leu isso!

O Orador: - … cuja prossecução, designadamente em sede judicial, deverá ser objecto de apreciação autónoma, à luz do princípio constitucional da independência de poderes».
Sr. Presidente, o terrorismo sempre foi inteiramente criticado em todas as latitudes, e é claramente condenado, designadamente num voto apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista, que, por inconfessadas motivações, o PSD e outros não aceitaram discutir e votar neste momento! Porque aquilo que neste momento verdadeiramente temos para discutir não é a questão da condenação dos actos terroristas; o que neste momento temos para discutir é um projecto de voto que a própria associação dos magistrados judiciais veio dizer ao Parlamento, que, em caso de ser aprovado, representaria uma grave ingerência na autonomia do poder judicial!
É precisamente isso, Srs. Deputados, que está em causa! Ter a frontalidade política para reprovar os actos de terrorismo, mas ter a prudência de Estado para não instrumentalizar, de forma leviana ou primária, aquilo que deve ser, da parte de um democrata, uma atitude escrupulosa: respeito pela separação de poderes, respeito pela autonomia do poder judicial e, consequentemente, não aproveitamento de sentimentos que nos são muito respeitáveis, para com isso pôr em causa e em crise os princípios do Estado de Direito! É isso que pretende o voto apresentado pelo PSD! É contra isso, e só contra isso, que vamos votar!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar de Os Verdes associa-se ao voto de protesto pela escalada militar israelita, apresentado pelo BE, que significa, naturalmente, um recuo no processo de paz, um atentado à paz que aqueles povos merecem, e também de solidariedade para com o povo da palestina.
Subscrevemos igualmente o voto de protesto pelas condições desumanas em que se encontram os presos políticos nos estabelecimentos prisionais turcos. Identificamo-nos completamente com as exigências expressas no voto, nomeadamente com o apelo à abertura imediata do diálogo entre as autoridades governamentais e os presos e à presença de organizações humanitárias independentes no interior das prisões.
Relativamente ao caso das FP-25, gostaria de realçar, por um lado, que nesta Casa não houve nenhuma lei que amnistiasse crimes de sangue e actos de terrorismo…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Nota-se!

A Oradora: - … e que, por outro lado, Os Verdes respeitam integralmente o princípio da separação de poderes, princípio básico de qualquer regime democrático.
Relativamente ao voto n.º 147/VIII, também nos associamos à saudação à UNICEF pelo trabalho que tem desenvolvido de combate à violação dos direitos das crianças e consideramos fundamental que, para além do firme repúdio por toda e qualquer violação dos direitos das criança, esta Casa não esqueça as condições em que muitas crianças portuguesas vivem, nomeadamente aquilo que significa, no nosso país, o trabalho infantil.
Por último, quero, em nome do Grupo Parlamentar de Os verdes, associar-me ao voto de pesar pelo falecimento do Dr. Joaquim Rocha e Silva e apresentar as nossas sentidas condolências à sua família, agora enlutada.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação dos votos, começando pelo voto n.º 144/VIII - De protesto pela escalada militar israelita (BE).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP, de Os Verdes e do BE.

Era o seguinte:

Voto n.º 144/VIII

De protesto pela escalada militar israelita

Considerando a escalada de violência no Médio Oriente desencadeada pelo Governo israelita de Ariel Sharon que vitima, em primeiro lugar, as populações civis dos territórios árabes e de Israel;
Considerando os recentes desenvolvimentos em que as forças armadas israelitas atacaram posições militares em território sírio, provocando um agravar da tensão na região e a possibilidade de uma resposta militar síria;
Considerando a intensificação das incursões do exército israelita em território autónomo palestiniano, atacando populações, destruindo posições da polícia de fronteiras e bombardeando posições do corpo da guarda pessoal do Presidente da Autoridade Palestiniana, o que tem originado elevados danos materiais e um número elevado e crescente de vítimas;

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Considerando o preocupante impasse das negociações com vista ao estabelecimento de uma paz duradoura na região e à criação de um Estado palestiniano independente e soberano;
A Assembleia da República expressa o seu protesto pela escalada de violência que se vive na região e manifesta a sua solidariedade com o povo palestiniano e com os movimentos antiguerra que, de um lado e do outro deste conflito sangrento, exigem a paz e lutam por um Estado palestiniano livre e independente.

O Sr. Presidente: - Vamos agora proceder à votação do voto n.º 145/VIII - De protesto pelas violações dos direitos humanos nas prisões da Turquia (BE).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

É o seguinte:

Voto n.º 145/VIII

De protesto pelas violações dos direitos humanos
nas prisões da Turquia

Tomando conhecimento das denúncias efectuadas por diversas fontes independentes, nomeadamente pela Amnistia Internacional e pela Associação dos Direitos do Homem Turca (IHD) relativamente a um amplo movimento de protesto contra as condições desumanas e repressivas do regime prisional a que se encontram sujeitos os detidos políticos nas prisões turcas;
Considerando que este protesto originou já 10 mortos na sequência de greves de fome desde 21 de Março e que neste momento se encontram hospitalizados cerca de 120 presos, entre 300 a 400 que cumprem uma greve de fome «ate à morte» e que mais de 1650 participam numa greve de fome rotativa;
Considerando o conflito ocorrido em 19 de Dezembro último, em que forças militarizadas tomaram de assalto 20 prisões, onde centenas de presos levavam a cabo um protesto semelhante ao que ocorre agora, provocando 32 mortos;
Considerando o processo de adesão da Turquia à União Europeia e as responsabilidades particulares que, independentemente desse processo, deveria observar no que se refere ao respeito pelos direitos humanos;
A Assembleia da República manifesta o seu protesto pela continuada violação dos direitos humanos nos estabelecimentos prisionais da Turquia e apela à abertura imediata do diálogo entre as autoridades governamentais e os presos, assim como à presença de organizações humanitárias independentes no interior destes estabelecimentos prisionais.

O Sr. Presidente: - O voto vai ser comunicado ao Embaixador da Turquia acreditado em Lisboa.
Passamos à votação do voto n.º 146/VIII - De homenagem às vítimas do terrorismo em Portugal e de indignação pelas absolvições no processo das FP-25 de Abril (PSD).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PCP, de Os Verdes e do BE e votos a favor do PSD e do CDS-PP.

Era o seguinte:

Voto n.º 146/VIII

De homenagem às vítimas do terrorismo em Portugal e de indignação pelas absolvições no processo das FP-25 de Abril

O desfecho do julgamento dos crimes de sangue cometidos pelas FP-25 de Abril deixou o País perplexo.
Os portugueses perguntam-se como é possível chegar a uma situação destas.
Existiu a organização terrorista, cometeu crimes, fez vítimas indefesas.
Praticou a violência e cultivou o terror contra a democracia e as pessoas.
Foram condenados em anteriores julgamentos vários dos seus participantes.
Entretanto, gerou-se entre algumas forças políticas um sentimento de desculpabilização incompreensível, que levou a aprovar e publicar amnistias e dificultar a acção da justiça.
Mais: foi uma situação perseguida e conseguida de bloqueio da justiça.
A maioria dos cidadãos não se deu logo conta desta manobra, não antecipou as suas consequências.
Quando, num cúmulo de frustração, a juíza declara, no momento em que dá a conhecer a sentença, saber que tem à sua frente culpados e não os pode identificar, fica completo o quadro.
Tantos anos depois, à lentidão da justiça somam-se os obstáculos que a deitaram a perder.
De um momento para o outro, sentiu-se que foi minada a confiança, violado o princípio da retribuição penal, esquecido o respeito pelas vítimas, celebrada a impunidade.
Os demais, terroristas, assassinos, bombistas e, sobretudo, os seus mandantes saem livres e vitoriosos.
Não pode um acontecimento destes, pelos reflexos que tem na credibilidade das instituições, passar sem uma declaração de repúdio.
O que está em causa não é um problema trivial de dificuldade na obtenção da prova.
O que se procurou fazer foi evitar uma condenação, negar a justiça.
O povo tem razão para se sentir defraudado.
Aqueles que votaram contra a lei da amnistia aprovada em 23 de Março de 1996 fizeram-no porque, como dizia na ocasião Barbosa de Melo, «O Estado de direito impõe que o direito limite o arbítrio da política». Fizeram-no para que a política não matasse o direito.
Aqueles que assim procederam, então, anteviram o que iria suceder agora.
O voto que aqui apresentamos hoje é um protesto pelas consequências iníquas produzidas.
Nestes termos, propomos à Assembleia da República que:
Preste uma homenagem sentida às vítimas do terrorismo em Portugal e recorde ao Governo o dever de indemnizar com justiça as suas famílias;
Repudie todas as formas de terrorismo e o comportamento dos seus autores;
Manifeste a sua indignação pela absolvição dos autores morais de crimes de sangue;

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Reafirme o primado da justiça sobre os interesses da conveniência política.

O Sr. Presidente: - Vamos votar o voto n.º 147/VIII - De protesto pela violação dos direitos das crianças (PS).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

É o seguinte:

Voto n.º 147/VIII

De protesto pela violação dos direitos das crianças

As crianças continuam a ser as primeiras e mais indefesas vítimas de catástrofes, como a guerra, a violência, a fome ou a escravatura. A falta de condições de vida, a dificuldade de acesso à educação, a sua utilização como soldados, o seu crescente envolvimento em crimes de pedofilia, o trabalho infantil são fenómenos que confirmam que a criança é ainda relegada para um plano de inferioridade, para um submundo, para a exclusão assente no aproveitamento sem escrúpulos das suas especiais fragilidades.
As sociedades contemporâneas revelam fortes aspectos de desumanidade que se reflectem na violação dos direitos da criança. Numa altura em que o progresso é uma realidade para muitos, ainda persistem formas de exploração inaceitáveis para as crianças.
A UNICEF denunciou, esta semana, a existência de um navio nigeriano com cerca de 250 crianças, do Benin, a bordo para tráfico de mão-de-obra escrava. Embora não confirmada a notícia, não se sabe ao certo o que poderá ter acontecido a estas crianças. A UNICEF gritou bem alto: cerca de 550 000 crianças são vítimas do tráfico e das péssimas condições de trabalho nos Camarões, de acordo com um estudo da Organização Internacional do Trabalho.
A Assembleia da República portuguesa saúda o trabalho meritório que a UNICEF tem desenvolvido ao longo de anos no combate à violação dos direitos das crianças.
A Assembleia da República Portuguesa afirma o seu vivo repúdio por toda e qualquer violação dos direitos das crianças e associa-se à firme denúncia de todas as situações de violação dos direitos humanos, reafirmando o seu empenhamento no combate a todas as formas de discriminação, especialmente dos mais vulneráveis.

O Sr. Presidente: - Por fim, vamos proceder à votação do voto n.º 149/VIII - De pesar pelo falecimento do Dr. Joaquim Rocha e Silva (PS).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

É o seguinte:

Voto n.º 149/VIII

De pesar pelo falecimento do Dr. Joaquim Rocha e Silva

No dia 24 de Abril de 2001 faleceu, em Leiria, o Dr. Joaquim Rocha e Silva, com 97 anos.
Figura ímpar da democracia, cidadão exemplar e lutador pelas liberdades, foi perseguido pelo regime fascista, tendo, inclusive, sido destituído das funções docentes que exercia na Escola Comercial e Industrial de Leiria.
Primeiro Governador Civil do distrito de Leiria após a Revolução de Abril de 1974, Joaquim Rocha e Silva afirmou-se pela sua acção e exemplo como grande referência cívica e democrática da cidade e do distrito de Leiria.
Viu, por diversas vezes, reconhecida a sua actividade e o seu percurso de vida, tendo sido agraciado por S. Ex.ª o Presidente da República com o Grau de Comendador da Ordem da Liberdade em 1984.
A Assembleia da República manifesta o seu profundo pesar e consternação pelo desaparecimento deste ilustre cidadão, cuja memória perdurará para todos nós como exemplo de cidadania, apresentando as mais sentidas condolências a sua esposa e família, bem como ao Partido Socialista de que foi militante fundador.

O Sr. Presidente: - O voto vai ser enviado à viúva do Dr. Joaquim Rocha e Silva.
Srs. Deputados, vamos guardar um minuto de silêncio pelo passamento do Dr. Joaquim Rocha e Silva.

A Câmara guardou, de pé, um minuto de silêncio.

Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 55 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 69/VIII - Altera os artigos 69.º, 101.º, 291.º, 292.º e 294.º do Código Penal e dos projectos de lei n.os 415/VIII - Altera o Código da Estrada e o regime de habilitação legal para conduzir (PSD) e 416/VIII - Colocação de guardas de segurança nas vias de comunicação públicas, integradas ou não na rede rodoviária nacional, contemplando a perspectiva da segurança dos veículos de duas rodas (PSD); e do projecto de resolução n.º 135/VIII - Visa adoptar uma estratégia de prevenção e promoção da segurança rodoviária (Os Verdes).
Para introduzir o debate, em representação do Governo, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Interna.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Interna (Rui Pereira): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quando compareci, em 15 de Março de 2001, perante esta Assembleia, para participar no debate de quatro projectos de resolução sobre prevenção rodoviária, tive a oportunidade de sublinhar a preocupação do Governo relativamente ao fenómeno da sinistralidade. Apesar de o número de mortos e feridos graves ter diminuído, entre 1995 e 2000, respectivamente 21% e 9%, ao passo que o número de veículos motorizados e o investimento na prevenção, pelo contrário, aumentou em 32% e 36%, respectivamente, no mesmo período, afirmei que, na perspectiva do Governo, qualquer morto, qualquer ferido e qualquer acidente rodoviário são sempre um morto, um ferido e um acidente rodoviário a mais.

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Esse entendimento explica que hoje possamos discutir as medidas aprovadas e propostas a esta Assembleia pelo Governo, cuja execução, estou certo, contribuirá decisivamente para que Portugal continue a aproximar-se, também nesta matéria, dos países mais desenvolvidos da Europa comunitária, aprofundando um percurso iniciado em 1996.
A proposta de lei de alteração do Código Penal apresentada pelo Governo à Assembleia da República contempla, assim, quatro inovações essenciais, que seguidamente enuncio.
Em primeiro lugar, a pena acessória de inibição de conduzir passa a ser claramente aplicável aos casos de condução sob influência de álcool e de droga e ainda aos casos de desobediência pela recusa de submissão aos respectivos exames.
Por outro lado, esta medida é agravada, passando a ter a duração mínima de três meses e a duração máxima de três anos, para se garantir a sua maior gravidade relativamente à medida idêntica prevista no Código da Estrada para condutas menos perigosas.
Em segundo lugar, criminaliza-se a condução sob a influência de droga, nos casos em que esta cause uma diminuição da capacidade do condutor. Este crime passa a constituir um patamar intermédio entre a simples contra-ordenação, prevista no Código da Estrada, e o crime de condução perigosa, já contemplado no Código Penal.
Por seu turno, em terceiro lugar, o crime de condução perigosa, hoje previsto numa norma indeterminada, passa a ser descrito através de um elenco de manobras que podem constituir violações grosseiras de regras de condução, tais como prioridade, obrigação de parar, ultrapassagem, mudança de direcção, inversão do sentido de marcha, marcha atrás, limite de velocidade e obrigação de circular pela direita.
Esta nova técnica, similar à seguida no Código Penal alemão, permitirá uma mais fácil aplicação da lei pelas autoridades fiscalizadoras.
Em quarto lugar, determina-se por fim o agravamento da responsabilidade de certos condutores, a começar pelos transportes escolares e a acabar nos transportes públicos, passando pelos transportes pesados de mercadorias e de produtos perigosos.
Este agravamento, que implica um aumento dos limites mínimos e máximos das penas aplicáveis em um terço, vale para os crimes de condução sob influência de álcool e de droga e de condução perigosa; nos casos dos transportes de socorro e emergência, vale apenas para a condução sob a influência de álcool ou de droga, por razões óbvias.
Todavia, a reforma legislativa aprovada pelo Governo não se esgota nestas propostas de alteração do Código Penal, que formam um conjunto harmonioso com a reforma do Código da Estrada.
Na verdade, também o Código da Estrada foi alterado pelo Governo, em 12 de Abril de 2001, nos seguintes aspectos:
Em primeiro lugar, introduziu-se o conceito de velocidade média, através de uma norma que determina que «viola os limites máximos de velocidade instantânea o condutor que percorrer uma determinada distância a uma velocidade média incompatível com a observância daqueles limites».
Seria absurdo sustentar, como alguém já sugeriu, que esta norma é inconstitucional por violar direitos, liberdades e garantias. Trata-se, isso sim, de uma norma que permitirá introduzir um meio complementar de fiscalização do excesso de velocidade, a adicionar aos já existentes. E esse novo meio pode ser efectivado também com recurso aos radares, em quaisquer vias de circulação e não apenas, como equivocadamente se quis fazer crer, nas auto-estradas e mediante o recurso ao sistema de portagens.
Em segundo lugar, o limite de álcool permitido no exercício da condução é agora fixado em 0,2 g/l; acima desse limite foi criada uma contra-ordenação leve, que se junta à contra-ordenação grave prevista para quem circule com uma taxa compreendida entre 0,5 e 0,8 g/l, à contra-ordenação muito grave prevista para quem conduza com uma taxa compreendida entre 0,8 e 1,2 g/l e ao crime previsto para quem conduza com uma taxa superior a 1,2 g/l de álcool no sangue.
Esta medida constitui um sinal claro de firmeza do Governo no combate a uma das principais causas da sinistralidade, mas respeita o hábito, culturalmente aceite, de beber parcimoniosamente às refeições e elimina o perigo de erro que resultaria da consagração de uma taxa inferior, devido ao conhecido processo de fermentação de álcool dos alimentos.
Em terceiro lugar, generaliza-se a possibilidade de fiscalização da condução sob influência de droga, que até agora só era admissível em caso de acidente. Deste modo permite-se às autoridades fiscalizadoras que determinem a realização de exames nos casos em que o modo de condução indicie a ingestão de droga.
Em quarto lugar, para garantir o cumprimento das sanções, faz-se depender a inspecção obrigatória de veículos e a renovação do título de condução do cumprimento prévio das sanções aplicadas.
Em quinto lugar, tal como se propõe no âmbito do Código Penal, prevê-se o agravamento da responsabilidade dos condutores de transportes escolares, públicos, de pesados de mercadorias, de produtos perigosos e de socorro e emergência.
Em sexto lugar, no caso de suspensão da sanção de inibição de conduzir, aplicável a contra-ordenações graves e muito graves, prevê-se agora a imposição de deveres como a cooperação em campanhas de prevenção rodoviária e a execução de tarefas de apoio às autoridades fiscalizadoras de trânsito, para além da caução de boa conduta já anteriormente prevista.
Em sétimo lugar, em articulação com a figura do domicílio do condutor, que este tem o dever de manter actualizado, simplifica-se o regime das notificações, admitindo-se carta simples quando não for possível a notificação pessoal e não tiver sido recebida a carta registada e com aviso de recepção expedida previamente.
Em oitavo e último lugar, no caso de imobilização e remoção de veículos, determinadas, nomeadamente, por situações de estacionamento ilegal, simplifica-se o processo e revoga-se a exigência de notificação prévia para a remoção voluntária em 48 horas.
Não se pense, no entanto, que estas medidas legislativas esgotam o programa de prevenção rodoviária do Governo: a eliminação de zonas de acumulação de acidentes, o melhoramento da sinalização, o aperfeiçoamento da educação escolar e do ensino da condução e o reforço da fiscalização constituem orientações claras que estamos a prosseguir com firmeza.

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Relativamente às zonas de acumulação de acidentes, importa referir que já foram realizadas auditorias ao IP4 e à EN125 e que, até ao fim do corrente ano, serão concluídas novas auditorias a 2500 km de estradas, que importarão uma despesa de 150 milhões de escudos.
Para além disso, estão a ser celebrados protocolos entre a Direcção-Geral de Viação e as autarquias, que implicam uma transferência de 600 milhões de escudos, que acrescem aos 400 milhões de escudos transferidos no ano transacto, destinados a pequenas obras de sinalização, passadeiras, etc.
No que respeita ao melhoramento da sinalização, a Direcção-Geral de Viação está a concluir um novo regulamento, com a colaboração do Instituto de Estradas de Portugal, subordinado aos princípios da uniformização, visibilidade, inteligibilidade e dissuasão.
Quanto à educação escolar, cabe salientar que o Ministério da Educação já introduziu módulos de prevenção rodoviária na educação para a cidadania e está a promover acções articuladas com as autoridades fiscalizadoras do trânsito, no sentido de sensibilizar docentes e discentes para aquele problema.
Por seu lado, o rigor do ensino da condução será acentuado com a inauguração de mais de 21 centros de manobras ao longo do corrente ano e com a reforma do ensino teórico, no âmbito do qual se introduzirá uma componente de sensibilização para a segurança e a sinistralidade rodoviárias.
Por fim, no plano da fiscalização, devo referir que já foram distribuídos novos alcoolímetros e meios de detecção da condução sob influência de droga. A partir do Verão, as autoridades fiscalizadoras contarão, em permanência, com helicópteros.
Num outro âmbito, irá ser aprovada uma alteração à Lei Orgânica da Direcção-Geral de Viação, que permitirá valorizar as respectivas direcções regionais e reforçar a actividade fiscalizadora deste organismo.
Para terminar, direi que não existe, por parte do Governo, uma política de efeito fácil ou cosmético. Não se agravam sanções nem se criam novas infracções, o que constituiria o caminho mais fácil mas menos eficaz. Diferentemente, reforça-se a fiscalização do excesso de velocidade, da condução perigosa e da condução sob o efeito de álcool, que constituem, consabidamente, as principais causas de sinistralidade rodoviária.
Criam-se meios de efectivação das sanções, estando o Governo, ainda, a estudar um meio de garantir o pagamento imediato de coimas, que pode passar, por exemplo, pela prestação de uma «caução do condutor», que seria perdida no caso de incumprimento de sanções e obrigatoriamente reposta sob pena de caducidade do título de condução, mas que não pode passar, por exemplo, pela exigência de pagamento imediato sob pena de apreensão do veículo até à prolação de uma eventual sentença absolutória, sob pena de grosseiríssima violação dos artigos 20.º e 18.º da Constituição, isto é, do direito de acesso aos tribunais.
Dá-se, em suma, uma resposta à questão da sinistralidade rodoviária nos planos preventivo e repressivo, da educação e responsabilização dos condutores, apelando-se ao envolvimento das autoridades fiscalizadoras do trânsito e da sociedade civil num esforço que, afinal, é de todos nós.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Secretário de Estado da Administração Interna, os Srs. Deputados Guilherme Silva, Isabel Castro, Joaquim Matias, Miguel Macedo e Miguel Anacoreta Correia.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, em primeiro lugar, quero aqui registar com agrado a circunstância de, embora tardiamente, o Governo ter sido sensível ao apelo que o presidente do meu partido vem fazendo, de há uns meses a esta parte, relativamente à necessidade urgente de serem adoptadas medidas de combate à sinistralidade rodoviária. E o presidente do meu partido fê-lo de uma forma perfeitamente aberta, com o esclarecimento prévio, que nós mantemos, de que a gravidade desta matéria não se compadece da sua instrumentalização do ponto de vista político-partidário. Daí também que tenhamos apelado a todas as forças políticas no sentido de que déssemos as mãos neste combate.
Registo igualmente com agrado o facto de o Governo ter recolhido algumas das soluções que preconizamos num projecto de resolução que aqui apresentámos e aprovámos. Mas quero, em todo o caso, colocar-lhe algumas questões.
Estamos, efectivamente, perante uma verdadeira calamidade nacional, já que temos uma média de 1700 mortos por ano, numa sinistralidade rodoviária que custa ao País cerca de 700 milhões de contos. A par destas medidas, quero perguntar-lhe se o Governo está disponível para estudar e para ter presente as verbas que os automobilistas despendem a título das várias contribuições fiscais, que vão desde o imposto automóvel ao selo de circulação e ao imposto sobre os combustíveis, que representam - é isso que se arrecada - cerca de 1000 milhões de contos por ano. Não era tempo de tirar daqui uma fatia para fazer face a este flagelo, designadamente tendo presente que se gastam milhões de contos com uma televisão pública e com uma Transportadora Aérea Nacional que servem mal o País? Quando é que se dá prioridade a esta matéria?
VV. Ex.as fizeram este anúncio em plena Páscoa e o resultado que tiveram foi, infelizmente, o aumento da sinistralidade e das suas consequências nesse período comparativamente aos anos anteriores.
O que nós vimos até agora foi a afectação de meios a uma tal Fundação para a Prevenção e Segurança, ou seja, uma falta de rigor, uma falta de transparência numa matéria que exigia a máxima cautela, o máximo rigor e a melhor afectação de meios na prevenção rodoviária.
V. Ex.ª apresentou - não aqui, porque a esta Assembleia traz só as medidas que são da competência desta Câmara, as de carácter penal - uma medida que, segundo disse, o Governo ia implementar e que era a seguinte: aos automobilistas…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, terminou o seu tempo, tem de acabar.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
A medida era, pois, a seguinte: aos automobilistas que fossem autuados e não pagassem as multas seria recusa

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da a renovação das cartas e a inspecção dos seus automóveis até que as pagassem.
Sr. Secretário de Estado, não considera que esta é uma medida contra a prevenção rodoviária e contra o combate à sinistralidade, na medida em que esses automobilistas prevaricadores vão continuar a utilizar as cartas sem serem renovadas e sem que seja confirmado pela inspecção médica se estão em condições de conduzir?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, ultrapassou o tempo de que dispunha em mais de meio minuto. Têm de ajudar-me a cumprir as vossas regras!
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente e Sr. Secretário de Estado, entendemos, naturalmente, que a questão da prevenção e promoção da segurança é da maior importância e lamentamos que, dado o número de presenças, a Câmara não corresponda a essa importância.
Mas julgo que esta questão é demasiado complexa e linear para, pelo menos do nosso ponto de vista, poder ser circunscrita a estas medidas- foi assim que entendi -, independentemente de outras que o Governo venha a decidir que devem também ser consideradas.
Estamos a falar, fundamentalmente, do problema da sinistralidade, que tem custos humanos impossíveis de quantificar, mas que tem também custos sociais e económicos, como se ele, de uma forma que me parece simplista, resultasse só da condução e dos condutores. Parece-nos que, embora o problema passe naturalmente por aí, ele mas é mais complicado e não se circunscreve apenas aos condutores ou ao modo como se conduz. E parece-nos que, entre muitos aspectos que têm de ser considerados numa perspectiva mais global de intervenção - e tal como estas medidas estão agora definidas no papel também era importante que as outras tivessem, elas próprias, um calendário fixado, pois porventura teríamos uma muito maior capacidade de o executar ou de, pelo menos, nos interrogarmos sobre as razões pelas quais o não fizemos -, há que não esquecer que o carro é, na nossa sociedade, um instrumento de poder (enfim, tem a simbologia que tem) e que há uma cultura de agressividade instalada. É um problema complicado, que me parece não se resolver de forma administrativa; resolver-se-á discutindo, resolver-se-á com pedagogia.
Sr. Secretário de Estado, em que medida, neste combate e nesta transformação que, do nosso ponto de vista, envolve - e terá de envolver - muita gente e muitos meios, o Governo pondera ou não a utilização - mas a utilização a sério -da comunicação social paga com os dinheiros públicos para a discussão aberta do problema, para, de forma concreta, descodificar o que é o poder do automóvel e para levar as pessoas a pensar sobre o modo como agem.
Era esta a pergunta que queria fazer-lhe, mas gostava também de saber como é que essa medida se conjuga com outras e como é que as outras são ou não fixadas no tempo e nos meios que lhe devem dar suporte.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Matias.

O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Sr. Secretário de Estado, ouvimos com atenção a sua intervenção. Aliás, tínhamos discutido aqui estas questões há pouco mais de um mês e tínhamos concluído, quase por consenso, que a segurança rodoviária era um problema multidisciplinar e que são vários os factores que concorrem para a grave situação de sinistralidade que existe no nosso país.
Independentemente da justiça das soluções que o Governo apresenta, como a criminalização da condução sob o efeito de estupefacientes e a compatibilização das sanções no Código Penal e no Código da Estrada, agravando as sanções para infracções mais graves, a verdade é que, apesar de o Sr. Secretário de Estado ter referido a intenção de medidas noutro campo, não as apresentou nem concretizou.
No entanto, em 13 de Março de 1997, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 42/97 criou o Conselho Nacional para a Segurança Rodoviária, cuja composição foi definida, que seria presidido pelo Sr. Ministro da Administração Interna. Este Conselho Nacional teria um amplo leque de funções no levantamento das situações existentes, na articulação das medidas tomadas pelos diferentes ministérios, mas também lhe competiria aprovar um plano integrado de segurança rodoviária, devidamente orçamentado no âmbito de cada organismo, e acompanhar o desenvolvimento desse plano, elaborando relatórios semestrais de execução e solicitando a correcção de eventuais desvios.
Ora, dado que nem o Plano Integrado de Segurança Rodoviária nem os relatórios foram do conhecimento desta Assembleia, pergunto-lhe, Sr. Secretário de Estado: se as medidas agora tomadas resultam deste plano aprovado, qual tem sido a avaliação feita no acompanhamento do desenvolvimento deste plano integrado? Gostaria ainda de saber se as medidas que o Sr. Secretário de Estado anunciou como intenção poderiam concretizar-se em algo mais do que essa intenção e se se baseiam nesta análise que foi efectuada.

O Sr. Presidente: - Para responde, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Interna, dispondo, para o efeito, de 5 minutos.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Interna: - Sr. Presidente, em relação às questões colocadas pelo Sr. Deputado Guilherme Silva, quero dizer que, em primeiro lugar, o reforço de investimento em prevenção rodoviária foi de 36% entre 1995 e 2000, como tive oportunidade de dizer há pouco. Portanto, trata-se de um reforço significativo do Governo em matéria de segurança rodoviária.
Em segundo lugar, com toda a consideração que tenho por si - e o Sr. Deputado perdoar-me-á a expressão - considero um pouco leviano dizer que o êxito de uma campanha se afere pelo número de mortos. Dizer que a «Operação Páscoa» falhou por causa do número de mortos parece-me precipitado. Primeiro, tem de reconhecer que este ano houve uma deslocação de muito mais pessoas para fora de Lisboa e do Porto; segundo, houve 23 mortos em cinco dias da «Operação Páscoa», enquanto que, no ano passado, infelizmente, a média de mortos foi de cinco/dia. Portanto, é preciso estudar os números com um certo rigor e sem precipitações.

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Em terceiro e último lugar, a objecção que coloca quanto à renovação do título de condução e à inspecção periódica obrigatória do veículo dependerem do pagamento de coimas, é comum a todas as normas que estabelecem obrigações ou proibições e as respectivas sanções, que, se não forem cumpridas, naturalmente são más e se pactuarem com o incumprimento não são boas. Mas não é nesta perspectiva que devem ser avaliadas.
Em relação às questões colocadas pela Sr.ª Deputada Isabel Castro, devo dizer que está, com efeito, prevista uma campanha na comunicação social para sensibilizar os condutores em geral - e condutores somos todos ou quase todos nós - quanto ao problema da condução perigosa, da condução sob influência do álcool e do excesso de velocidade. Esta campanha está a ser delineada com toda a atenção, vai envolver vários órgãos de comunicação social e ainda não está concluída a programação. Por outro lado, um esforço que referi, e no qual se deposita muita esperança, é o melhoramento da qualidade do ensino. Não se trata só de medidas repressivas.
Por fim, quanto às questões colocadas pelo Sr. Deputado Joaquim Matias, diria que o Conselho Nacional de Segurança Rodoviária tem reunido efectivamente. A última reunião ocorreu no dia 18 de Abril, à qual o Sr. Ministro não pôde presidir, pelo que foi presidida por mim, e, nessa reunião, foi aprovado o Plano Integrado de Segurança Rodoviária e foram analisadas várias medidas que aqui referi. Entre essas medidas encontram-se as relativas à sinalização e ao ensino, que foram devidamente debatidas no âmbito do Conselho.
Sr. Deputado, para terminar, direi que as medidas que referi há pouco tempo dali, da tribuna, não foram referidas de forma muito vaga mas com um esforço de síntese resultante das minhas limitações de tempo; mas se há coisa que estas medidas não são é vagas.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Guilherme Silva pediu a palavra para defesa da honra da bancada. Agradecia que dissesse qual a matéria que considera ofensiva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Secretário de Estado da Administração Interna acusou a questão que formulei em nome da minha bancada como leviana, o que me parece que é manifestamente ofensivo.

O Sr. Presidente: - Fê-lo com tanta doçura que quase pareceu um elogio, Sr. Deputado.

Risos do PS.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas não foi, Sr. Presidente.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Com o devido respeito, Sr. Presidente, mas desconfio da «doçura» do Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Administração Interna, disse na minha intervenção que o entendimento da minha bancada vai no sentido de que esta matéria, pela sua gravidade, nos deve unir a todos num combate único e não ser, em nenhuma circunstância, motivo de instrumento político-partidário. Foi neste estrito sentido e com este espírito que coloquei uma questão ao Sr. Secretário de Estado.
Como V. Ex.ª terá visto, com certeza, relativamente à campanha «Operação Páscoa», houve uma unanimidade generalizada pela comunicação social quanto ao insucesso que essa campanha, infelizmente, teve. Naturalmente que V. Ex.ª pode discutir todos os critérios que possamos ter na avaliação do sucesso ou insucesso deste tipo de campanha, mas tanto eu como a minha bancada continuaremos a ter como critério importante a vida dos portugueses. V. Ex.ª continuará com outros critérios; nós continuaremos com este.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Interna.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Interna: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, justamente por ter muita consideração pela vida dos portugueses é que não concordo com a sua intervenção, com o assacar-se ao inêxito de uma campanha de prevenção rodoviária a morte de 23 pessoas. É óbvio que isto é uma redução do fenómeno da sinistralidade rodoviária para além de limites minimamente admissíveis em termos de simplismo. E é óbvio que representa também, se me permite, uma certa falta de consideração pelas autoridades fiscalizadoras que com abnegação, esforço e perseverança acompanharam essa campanha.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Anacoreta Correia.

O Sr. Miguel Anacoreta Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Administração Interna, ouvi com muita atenção a sua exposição, que vem, em boa parte, confirmar os dados que há cerca de um mês nos foram fornecidos, e devo dizer que não partilho do seu grau de satisfação pelo facto de as verbas destinadas à prevenção rodoviária terem aumentado 36% nos últimos cinco anos. Penso que o Sr. Secretário de Estado vai ter de se preparar, se se mantiver como Secretário de Estado, para, dentro de um ou dois anos, constatar que essas verbas aumentaram muito mais, porque o estado de insatisfação, o estado de perda de paciência dos portugueses perante esta situação vai exigir que se invista muito mais em prevenção rodoviária. É um óptimo investimento gastarmos 7 milhões num domínio em que os acidentes directamente contabilizados, sem os efeitos a longo prazo, trazem um custo de cerca de 700 milhões de contos, pois há poucos investimentos públicos neste país tão rentáveis como este.
Sr. Secretário de Estado, porque julgo que o Governo vai, com certeza, beneficiar da atmosfera de consenso que se está a estabelecer nesta Câmara, que mais não faz do que responder aos anseios generalizados da população portuguesa, no sentido de se encontrarem soluções para este caso, esperamos sinceramente que legisle, fiscalize e

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execute depressa. E, Sr. Secretário de Estado, esperamos que, quanto às medidas que foram sendo tomadas - e saúdo-o por isso, porque, apesar de serem controversas, têm, de uma maneira geral, o meu acordo, como irei dizer na minha intervenção de fundo -, se pense, realmente e desde já, numa sensibilização para todas estas medidas de forma a que elas apareçam aos portugueses como algo de positivo e não como algo repressivo ou, inclusivamente, como algo que sirva para compensar algumas deficiências de arrecadação de meios financeiros para o Estado, porque muita gente está a ver estas medidas apenas como uma «caça à multa».
Sr. Secretário de Estado, vou colocar-lhe apenas duas questões. Como é que estamos sobre o plano de sinalização rodoviária? É qualquer coisa que podemos esperar ainda este ano? Digo-lhe sinceramente que Portugal - e conduzo bastante na Europa - é o único país onde me perco nas estradas.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - E em Espanha também!

O Orador: - O mesmo acontece em Espanha, diz-me o meu colega Basílio Horta, o que, para mim, talvez seja uma novidade. Mas, em Portugal, é de facto por demais e a sinalização não tem qualquer tipo de fiabilidade.
Em segundo lugar, Sr. Secretário de Estado, gostaria muito de ser informado de como vamos de protocolos do Estado com as autarquias, porque me parece que o facto de termos a maioria dos acidentes em meio urbano exige…

O Sr. Presidente: - Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - … que prestemos uma grande atenção à responsabilização das autarquias neste aspecto.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Barros Moura.

O Sr. José Barros Moura (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Administração Interna, reservarei para a minha intervenção uma apreciação das medidas hoje aqui propostas pelo Governo, que quero saudar.
No entanto, quero assinalar que estas medidas correspondem ao grau assinalável de consenso que foi possível obter na Assembleia, na sequência de um debate anterior, e, depois, na Comissão do Equipamento Social, no sentido de prosseguir esta cooperação entre as diferentes forças partidárias e o Governo no estudo e na detecção das causas da sinistralidade e na definição, o mais consensual possível, de uma política sustentada na sociedade de combate à irresponsabilidade cívica e de promoção da segurança.
A questão que quero colocar, Sr. Secretário de Estado, relaciona-se também com a sinalização. Verifico com agrado - o Sr. Secretário de Estado anunciou isso - que dentro de cerca de um mês estará concluído o novo regulamento, que está a ser elaborado pela Direcção-Geral de Viação e pelo Instituto das Estradas de Portugal, relativo à sinalização. Creio que esta terá de ser uma grande prioridade e que o investimento que se fizer anualmente na melhoria da sinalização das nossas estradas é um investimento na segurança, que, a esse nível, tem compensação económica na diminuição da sinistralidade, se outras considerações não houvessem.
Vejo, também, que estão previstas verbas para a cooperação com as autarquias locais. Estas verbas deveriam destinar-se, numa medida muito considerável, ao reforço da sinalização, nomeadamente da sinalização das passadeiras, na medida em que os números revelam que 25% do total de mortos corresponde a peões. São peões, exactamente, os menos protegidos dos «protagonistas» do trânsito e da sinistralidade rodoviária. Portanto, que medidas, a esse nível, o Governo estará em condições de executar a curto prazo?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Administração Interna, em democracia é normal que as oposições fiscalizem o Governo. Como estamos a falar de sinistralidade rodoviária e de circulação, fazemos aqui, hoje, deste debate, um pouco o papel de Brigada de Trânsito, pois estamos a fiscalizar o Governo nas manobras perigosas que, eventualmente, faça na condução política desta matéria e também a forma como conduz e a velocidade a que o faz.
Em relação às manobras perigosas, comportamo-nos como uma brigada atenta, porque na «manobra perigosa» da Fundação para a Prevenção e Segurança tiveram, na devida altura, a sanção adequada.
Quanto à velocidade, devo a dizer que debatemo-nos com uma dificuldade: geralmente, somos chamados devido a excesso de velocidade, mas, no que toca ao Governo, confesso que temos um problema, pois a transgressão cometida é por não cumprir o mínimo de velocidade, o que, nos termos do Código, também põe em perigo a circulação rodoviária, designadamente na auto-estrada, onde é proibido circular a menos de 40 km/hora. Ora, este Governo comporta-se como um cidadão que circula bastante abaixo daquela velocidade, pondo, portanto, em perigo o resto da circulação.

Vozes do PS: - Que graça!

O Orador: - Passo à pergunta que quero fazer-lhe, Sr. Secretário de Estado, e que tem a ver com uma questão muito concreta.
No ano passado, VV. Ex.as apresentaram, com grande pompa e circunstância, o PISER (Programa Integrado de Segurança Rodoviária), que é um programa formado por um conjunto de componentes, que apareceu em todas as revistas e jornais, que tinha muitos programas, que previa um «road show», acções de formação específicas sobre esta matéria a serem desenvolvidas nas escolas - mas já sabemos que estas acções foram adiadas por mais um ano lectivo -, e que dispunha de um orçamento de 20 milhões de contos a serem gastos na eliminação de «pontos negros» das estradas, na sinalização e na rectificação de pisos e lanços de estradas particularmente perigosos.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Está tudo executado…!

O Orador: - Ora, na sua intervenção, o Sr. Secretário de Estado falou do PISER e, perante as verbas que elencou e que foram afectas a este programa, fiz a soma e cheguei a um total de 1,4 milhões de contos.
Assim, para quem apresentou, no ano passado, um orçamento de 20 milhões de contos para gastar num programa, o PISER, gostaria de saber o que os senhores têm feito, concretamente, em três domínios fundamentais, o primeiro dos quais diz respeito à eliminação dos «pontos negros» das estradas portuguesas. Aliás, a este propósito, aproveito para dizer que tenho comigo um recorte de jornal cujo texto é elucidativo sobre esta matéria. Trata-se de um artigo do jornal Público, de 24 de Agosto de 2000, cujo título é Asfalto, Velocidade e Álcool, sendo acompanhado por uma imagem do mapa de Portugal. E na legenda do mapa pode ler-se: «384 pontos negros no asfalto» - e, repito, este artigo é de 24 de Agosto de 2000. No texto do artigo diz-se que, apesar de o mapa em anexo ter sido elaborado em 1998, de acordo com os responsáveis da Direcção-Geral de Viação, ainda se mantém actualizado. Ou seja, dois anos depois, ainda continuava a existir o mesmo número de «pontos negros».
Dito isto, pergunto-lhe, Sr. Secretário de Estado: destes 384 «pontos negros» das estradas portuguesas, quantos foram eliminados e quanto foi gasto na modernização e na melhoria da sinalização destas estradas que são as que mais matam em Portugal?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Interna.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Interna: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Anacoreta Correia, quero exprimir a minha geral concordância com as questões que colocou e referir que as mesmas vão de encontro a preocupações do Governo.
Em primeiro lugar, há uma preocupação por parte do Governo relativamente ao melhoramento da sinalização, o qual vai concretizar-se, ainda este ano, na aprovação de um novo regulamento de sinais. Portanto, o compromisso do Governo é no sentido de que tal regulamento de sinais, que está a ser estudado pela Direcção-Geral de Viação em articulação com o Instituto das Estradas de Portugal, seja aprovado durante o ano de 2001.
O Governo também se preocupa em celebrar protocolos com as autarquias, o que acontecerá com mais de uma vintena de autarquias e envolverá uma transferência de 600 000 contos, o que significa haver realmente um esforço financeiro da ordem dos 50% em relação ao ano 2000.
Por outro lado, também estamos atentos à necessidade de sensibilizar os condutores, apresentando medidas não só como sendo repressivas mas como significando protecção de direitos. Isto porque não nos devemos esquecer de que, em todas estas normas sancionatórias, está em causa não só a privação de direitos dos prevaricadores mas, também, a liberdade para as potenciais vítimas daqueles.
Sr. Deputado José Barros Moura, o regulamento de sinais vai ser aprovado e pensamos que pode constituir o ponto de partida para um melhoramento muito efectivo da sinalização em Portugal, que tem, reconhecidamente, vários defeitos.
No que diz respeito à celebração de protocolos com as autarquias, quero dar-lhe uma ideia do que se passou no ano 2000. Tais protocolos envolveram financiamentos em escolas fixas de trânsito, em sinalização luminosa, indicativa, vertical, em passagens para peões, em barreiras metálicas, em redutores de velocidade, etc. Isto é, os financiamentos foram aplicados em várias áreas, que, apesar de poderem parecer de pormenor, podem permitir uma redução cirúrgica dos acidentes ocorridos em pontos de acumulação.
Sr. Deputado Miguel Macedo, aproveitaria, se mo permitir, a sua linguagem figurada, quanto aos limites mínimos de velocidade, para dar um esclarecimento em relação a uma questão que já foi colocada. O conceito de velocidade média, como é óbvio, não vai abranger o limite mínimo de velocidade - dou este esclarecimento para que fique dissipada qualquer dúvida que exista a este respeito.
Relativamente ao PISER, esclareço que o mesmo foi efectivamente aprovado na reunião do Conselho Superior de Segurança Rodoviária que referi.
Quero, ainda, aclarar uma confusão sobre números e verbas a qual resulta das suas palavras, Sr. Deputado Miguel Macedo.
A verba de aproximadamente 1,4 milhões de contos que contabilizou vai ser dispendida pela Direcção-Geral de Viação, e só, em transferências para autarquias, ao abrigo de protocolos. Não estamos, pois, a falar no conjunto de verbas que são contabilizadas no PISER nem, nomeadamente, em despesas que são contabilizadas por parte do Ministério do Equipamento Social.
Portanto, estabeleceu aqui uma confusão, pois não há qualquer mistificação por parte do Governo em relação a números.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Castro de Almeida.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Desde há vários meses que o Partido Social Democrata intensifica uma série de iniciativas com o objectivo de fazer com que a segurança rodoviária seja colocada no grupo das principais preocupações dos portugueses e, como tal, na agenda dos responsáveis políticos.
Promovemos, logo no início, um conjunto de reuniões e contactos com as principais organizações da sociedade civil que se dedicam à segurança rodoviária.
O Automóvel Clube de Portugal, a Associação de Cidadãos Automobilizados, a Associação dos Utentes do IP4, o Motoclube Virtual, a Associação de Apoio à Vítima, a Associação para a Promoção da Segurança Infantil, a Associação Portuguesa das Escolas de Condução, todas estas instituições nos deram informação qualificada e sugestões muito válidas que estiveram na base do projecto de resolução que aqui apresentámos no passado mês de Março.
O Presidente do PSD envolveu-se pessoalmente neste assunto, visitando alguns itinerários perigosos, debaten

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do com associações de utentes e formulando propostas públicas. Também o Instituto Francisco Sá Carneiro promoveu recentemente um Seminário sobre Segurança Rodoviária em que participaram diversos especialistas do sector.
Ainda na passada semana, o Dr. Durão Barroso participou na cerimónia de assinatura da Carta Comum de Organizações Promotoras de Segurança Rodoviária, traduzindo desta forma o apoio do PSD às iniciativas da sociedade que se organiza à margem dos partidos. Quero com tudo isto salientar que o PSD tem vindo a intervir sob as mais diversas formas e ao seu mais alto nível, combatendo este drama, que é a insegurança rodoviária em Portugal.
Com total sentido de responsabilidade e conscientes de que este tema, não devendo ser monopólio de ninguém, não pode passar à margem de um partido responsável.
Os três projectos de lei que hoje trazemos à discussão deste Parlamento são mais um contributo nesta batalha contra as mortes na estrada, mais um passo para colocar este problema em lugar destacado das prioridades nacionais.
Um dos projectos de lei destina-se a garantir que as guardas de segurança, conhecidas como rails de protecção, passem a servir também para proteger os condutores de veículos de duas rodas e não apenas os automóveis. Actualmente, os prumos dos rails de protecção acabam por funcionar como instrumentos de morte para os motociclistas. O que propomos é uma solução que defenda e proteja os veículos não só de quatro rodas mas também os de duas rodas.
Num outro projecto de lei propomos o reforço do fundo de garantia automóvel, não à custa dos contribuintes em geral, não sobrecarregando o Orçamento do Estado, mas, sim, à custa dos condutores que pratiquem infracções graves ou muito graves às regras da condução. Uma infracção muito grave ao Código da Estrada tem associado um risco elevado de acidente. Por isso a nossa proposta de criação de um adicional de 2% no prémio de seguro daqueles segurados que, no ano a que respeita o prémio, tenham praticado duas contra-ordenações graves ou uma muito grave. Este adicional reverte para o Fundo de Garantia Automóvel, assegurando a liquidez daquele fundo à custa dos principais infractores do Código da Estrada.
O terceiro projecto de lei visa alterar o Código da Estrada, introduzindo limites especiais de velocidade para condutores encartados há menos de dois anos, aperfeiçoando o regime de aplicação das coimas em caso de excesso de velocidade ou de condução sob influência de bebidas alcoólicas, incrementando o uso de painéis electrónicos de mensagem variável, aumentando a segurança do transporte escolar e de crianças e sancionando mais severamente a condução sem habilitação legal.
Em qualquer dos projectos sobressai o objectivo do PSD de conferir importância decisiva ao combate contra a sinistralidade rodoviária, apelando aos órgãos de soberania no sentido de organizarmos um combate nacional prioritário.
Portugal não tem conseguido vencer o combate contra a sinistralidade rodoviária. A nossa situação é 50% mais grave do que a média europeia. Os nossos números de sinistralidade são três vezes piores do que os do Reino Unido. É uma situação dramática já que estamos a falar de quase 2000 mortos por ano e de 70 000 feridos, para já não referir os cerca de 700 milhões de contos que custam estes acidentes.
Tem faltado em Portugal um discurso político claro e um programa mobilizador que contemple valores, princípios e metas a atingir.
Só muito recentemente é que o Governo, pressionado por uma opinião pública mais exigente e pelas iniciativas do Presidente do PSD, se resolveu a adoptar algumas medidas de combate à sinistralidade. Embora sejam contributos válidos, estas medidas surgem desinseridas de um programa verdadeiramente mobilizador, global e coerente de luta contra a morte nas estradas.
As medidas do Governo, mais uma vez, acentuam apenas um dos lados do problema que é a responsabilidade dos condutores. Criam-se novos tipos de crime, agravam-se penas, inventam-se novos ónus sobre os condutores. Mas não há, por outro lado, qualquer medida para conferir mais segurança às estradas, melhorar a sinalização, garantir um melhor ensino da condução, promover campanhas de formação e sensibilização ou de reforço dos meios de fiscalização. Nem uma medida, Sr. Secretário de Estado!

O Sr. José Barros Moura (PS): - Não é verdade!

O Orador: - Toda a responsabilidade é lançada para cima dos condutores sem que o Estado assuma a sua quota parte de responsabilidade.
O combate à morte nas estradas é complexo e multifacetado. Nós não damos crédito a soluções que contemplem apenas um dos lados do problema, sempre o mesmo lado do problema, e esqueçam as obrigações do próprio Estado.
Falta às medidas do Governo o respectivo enquadramento num programa consistente e duradouro de combate à sinistralidade. Um programa tem de ter objectivos, ou seja, metas a atingir, claramente definidas e com um calendário preciso. À falta de um programa verdadeiramente mobilizador, vai-se instalando o fatalismo, interioriza-se um sentimento de inevitabilidade e cresce a consciência de que o combate às mortes nas estradas não é uma prioridade do País.
Mas não tem de ser assim, Srs. Deputados. E não é assim em outros países. Na Suécia, o programa nacional designado «Visão Zero» foi um enorme sucesso. No Reino Unido, foi definido o objectivo de reduzir os indicadores da sinistralidade em um terço. Também em Portugal existiu um programa, entre 1992 e 1994, que visou fixar o número de mortos abaixo da barreira psicológica dos 2000/ano; e foi conseguido.
Precisamos de um novo programa de combate à sinistralidade rodoviária. Um programa a sério, ou seja, que não se destine apenas a tranquilizar algumas consciências e a cedências pontuais perante as preocupações da opinião pública.
Não resisto a citar um texto de Miguel Sousa Tavares intitulado A demagogia rodoviária. Escreveu ele: «As duas medidas agora anunciadas pelo Governo…» - e que o Sr. Secretário aqui referiu há pouco - «… não são apenas inúteis e demagógicas mas também pouco sérias, na medida em que se destinam a sacudir responsabilidades, fingindo que se ataca o problema.

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Tudo aquilo que verdadeiramente custa e dá trabalho vai continuar por fazer: investir na modernização da sinalização das estradas, que é em si mesma causa de acidente; corrigir os locais e traçados que constituem armadilhas mortais; reformular de alto a baixo o sistema de ensino rodoviário; fiscalizar a condução perigosa e tirar da estrada, definitivamente, os assassinos.

O Sr. Rosado Fernandes (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Em vez disso, optou-se, como sempre, por aquilo que não dá trabalho e que, por acréscimo, aumenta as receitas do Estado».

O Sr. António Capucho (PSD): - Isso é normal, vindo do PS!

O Orador: - Um programa a sério terá de articular o conjunto de medidas que têm vindo a ser anunciadas, quer pelo Governo quer pela oposição, num programa integrado e coerente que mobilize toda a sociedade.
O que está em causa é uma questão de cultura cívica. Mas não se utilize o argumento do nosso deficit cultural como desculpa para não tomar qualquer iniciativa. Porque há muito que fazer, é necessário começar já e em força, com objectivos claros e calendarizados.
O Presidente do meu partido teve já oportunidade de propor como meta uma redução anual de um décimo dos indicadores médios de sinistralidade, ou seja, uma redução de 10%/ano. Pode dizer-se que é muito ou que é pouco, mas é um objectivo concreto que certamente poderá ser melhorado na próxima legislatura. Até lá não se pode baixar os braços. O combate às mortes na estrada tem de ser uma causa absolutamente prioritária e como tal deve ser encarada por todos os partidos, mas, acima de tudo, pelo Governo.
É verdadeiramente uma questão de vida ou de morte que tem de ser encarada com a determinação das grandes causas, e merecer o empenhamento pessoal do Primeiro-Ministro.
Todos os esforços devem ser desenvolvidos, todas as boas vontades têm de ser mobilizadas, toda a prioridade deve ser dirigida para este combate.
As mortes na estrada não são uma fatalidade, são uma adversidade que tem de ser combatida e ultrapassada.
O PSD continuará a estar na primeira linha desse combate, correspondendo ao apelo lançado pelas associações promotoras de segurança rodoviária na carta comum assinada no passado dia 24 de Abril e que passo a citar: «Que se proceda a uma revolução da nossa mentalidade colectiva que a todos questione, a todos ponha em causa, a todos responsabilize, a todos chame a participar, a todos apele a mudar, a todos exija decisões:
De tal modo que todos vivamos em paz nas estradas e ruas de Portugal;
De tal modo que todos possamos passar a ter orgulho em todos nós;
De tal modo que todos possamos ter mais esperança no futuro dos nossos filhos, em memória de todos os filhos e de todo o futuro que já perdemos».

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados José Manuel Epifânio e Francisco Torres.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Epifânio.

O Sr. José Manuel Epifânio (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Castro de Almeida, penso que, com a intervenção que acabou de fazer e com a apresentação destes projectos de lei, incorreu em duas situações que me permito criticar.
Em primeiro lugar, como sabe, na Comissão de Equipamento Social, todos os partidos, em conjunto, chegaram a uma determinada fórmula para assumir este problema, e, de facto, o PSD, unilateralmente, apresenta aqui, em projecto de lei, boa parte das coisas que já tinha apresentado no projecto de resolução que está em discussão. Mas, enfim, penso que tanto o Sr. Deputado como o PSD têm uma necessidade enorme de, quando o Governo apresenta alguma iniciativa legislativa, vir imediatamente atrás,…

O Sr. António Capucho (PSD): - Essa é boa!

O Orador: - … a reboque, por forma a demonstrar que a iniciativa lhe pertence.
O que acontece neste momento é muito simples: sempre que há uma iniciativa política por parte do Governo, o Sr. Deputado vem informar que o presidente do seu partido já há uns dias tinha feito qualquer coisa semelhante.
Sr. Deputado, lá por ter pecadilhos passados no interior do seu partido, não vale a pena andar nesta lufa-lufa de apoio e desta colagem absoluta ao presidente do seu partido, pois certamente ele não lho agradecerá.
Sr. Deputado, também gostaria de lhe dizer que, em todas as intervenções que o PSD faz nesta Câmara, e as suas em particular, utiliza fotocópias ou citações daquilo que vem na comunicação social.
De facto, os senhores têm feito permanentemente oposição com aquilo que vem nos jornais, e talvez seja por causa disso que, entre vocês e os jornais, o povo português prefira ainda os jornais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Guilherme Silva (CDS-PP): - Assim já se percebe que os senhores governem para os jornais!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Castro de Almeida, tem ainda mais um pedido de esclarecimento, deseja responder já, ou no fim?

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, se me permitir, respondo de imediato, porque tenho esperança de que o próximo pedido de esclarecimento seja sobre segurança rodoviária, que é um assunto sério. Portanto, trataria já deste assunto, para, depois, passarmos a coisas sérias.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Manuel Epifânio, na minha intervenção,

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resisti à tentação de estar aqui a ver quem anda à frente, quem toma a iniciativa, quem vem atrás.
Efectivamente, poderia tê-lo feito, mas não o fiz. Fiz, isso sim, o apelo a um grande consenso interpartidário, a um programa mobilizador para todo o País, o que seria incompatível com o estar a puxar os «galões» de qual é o partido que toma a iniciativa ou a dianteira.
Agora, V. Ex.ª não cedeu à tentação de levantar o assunto e, mais, faltando à verdade, descaradamente, Sr. Deputado; mais valia ter ficado calado, porque os nossos diplomas entraram antes da proposta de lei.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Entraram antes!

O Orador: - Sr. Deputado, posso dizer-lhe que, na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, o PSD deu anuência, consentiu que o Governo usasse da palavra em primeiro lugar, apesar de termos sido nós a ter a iniciativa.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Bem lembrado!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Nesta estrada, o senhor despistou-se!

O Orador: - Por isso, Sr. Deputado, se alguém anda a reboque de alguém, é o Governo, como tem vindo a ficar claro. E, porque anda a reboque, anda sem convicção, como é próprio dos reboques que vão atrás, vão atrelados, vão sem convicção.

Risos da Deputada do PS Maria Celeste Correia.

E enquanto não tiverem a convicção de que este assunto é sério, de que este assunto merece ser tratado como uma causa importante, os senhores não vão arranjar boas soluções, e o País vai continuar entregue a um Governo que não procura resolver os problemas das pessoas, procura apenas, isso sim, estar preocupado com as tricas partidárias.
Sr. Deputado, eu estive a falar de segurança rodoviária, de mortes na estrada, e o senhor vem falar-me de politiquices partidárias internas, de apoios ou desapoios a líderes partidários?! Sr. Deputado, isso fica-lhe mal! Estamos a falar de coisas sérias, deixe esses assuntos lá para fora, não trate essas questões aqui dentro!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Quanto às citações da comunicação social, quero dizer-lhe o seguinte: venham muitas pessoas da comunicação social que nós lhes amplificaremos a voz. Esta é uma causa para os partidos, para o Parlamento, para o Governo e para toda a sociedade. O importante seria dinamizar mais iniciativas da sociedade civil para que toda a sociedade tome conta desta causa.
Por isso, é que tive o cuidado de aqui citar, expressamente, a carta assinada por um conjunto de associações cívicas e de promoção rodoviária, a fim de, com a minha humilde voz, procurar amplificar a voz daqueles que não têm acesso a esta tribuna, das pessoas que estão lá fora, à margem dos partidos, a tratar da causa da segurança rodoviária.
Sr. Deputado, para mim, ficou claro que nós queremos tratar este assunto com toda a seriedade, como uma causa de Estado de grande alcance nacional, e que VV. Ex.as continuam a olhar para este assunto no plano da trica partidária; mas não é nesse plano que nos queremos situar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Torres.

O Sr. Francisco Torres (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Castro de Almeida, ouvi-o com atenção e gostaria de pedir-lhe esclarecimentos sobre a natureza ou a filosofia, se quiser, dos dois projectos de lei do PSD.
O Sr. Deputado falou, sobretudo, na protecção aos automobilistas, aos automóveis, na protecção aos veículos de duas rodas e aos seus condutores.
Porém, parece-me que a tónica desta discussão, que é importante - daí a abertura da bancada do PS para que todos os diplomas sejam discutidos com a maior atenção, porque este é um fenómeno que nos preocupa a todos -, deve ser dada, como já foi sublinhado pelo meu colega de bancada, Deputado José Barros Moura, aos peões e às pessoas. Digo isto não por o PSD não se preocupar com os peões, com os quais, naturalmente, todos nos preocupamos, mas por, daquilo que conheço do vosso projecto de lei, a ênfase está dada, aliás com muita atenção, às associações representativas numa lógica de protecção ao próprio automóvel, como a sinalização nas estradas, melhores estradas, segurança nas estradas, painéis de sinalização, correcção de traçados, etc. Estas foram muitas das expressões que recolhi da intervenção de V. Ex.ª.
Ora, isto é importante, sem qualquer dúvida, pois ninguém vai dizer que não quer melhor sinalização, melhores estradas e tudo o mais, mas a tónica da intervenção nesta matéria - e o Sr. Deputado falou no Reino Unido e na gestão por objectivos - passa também por uma mudança de filosofia. Isto é, mais protecção aos peões, ruas ou estradas mais estreitas, mais condições para aqueles que se movem em transportes públicos, que são os peões. É uma nova filosofia com que se está a encarar este problema na Europa, e talvez uma das causas por estarmos na cauda da Europa, neste caso à frente, em matéria de sinistralidade, tem a ver com o facto de resolvermos este problema sempre com «uma fuga para a frente», aumentando as estradas, a velocidade dos automóveis. Portanto, este é um problema sem solução. E a pedagogia, Sr. Deputado, faz-se com muitas medidas. Olhe, faz-se com muitas medidas, desde já, com aquela iniciativa meritória do «Dia Sem Carros», que é, aliás, uma iniciativa europeia e que muitos autarcas do PSD e até dirigentes políticos contestaram. É uma acção pedagógica e muito meritória!
Faz-se também com medidas concretas de protecção aos peões e aos ciclistas. Há países onde já existe uma regra - e aproveito mesmo a presença do Sr. Secretário de Estado da Administração Interna para sabermos se não poderemos, de alguma forma, ir por esse caminho -, que é a de não se poder ultrapassar um ciclista a não ser a 1,5 m de distância, para o proteger, e o mesmo acontece no caso de um peão.

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Por exemplo, uma das preocupações da bancada do Partido Socialista tem a ver com aqueles objectos metálicos, absurdos, que se colocam à frente de determinados veículos, que, em nossa opinião, devem ser obrigatoriamente retirados para a segurança dos condutores dos outros veículos no caso de serem atingidos por esses veículos.
Hoje há a ideia de que, se tivermos mais meios, melhores estradas, mais sinalização, carros mais poderosos, estamos protegidos. Isto é falso! Há uma escalada de meios, que é muito paralela à escalada de meios das armas nos Estados Unidos da América. Ou seja, se eu andar de metralhadora ninguém me ataca, pois posso matar qualquer um que se aproxime, mas a sociedade está em perigo.
Se eu andar em veículos muitos poderosos, muito protegidos, em estradas e auto-estradas muito protegidas e largas, é óbvio que aumento a velocidade; logo, a sociedade está em perigo.
Faço esta crítica ao vosso projecto de lei para chamar a atenção para o facto de a gestão por objectivos também ter de ser complementada com uma mudança de tónica nas acções de protecção a peões.

Vozes do PS: - Muito bem!

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Narana Coissoró.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Castro de Almeida.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Torres, não resisto a pensar que V. Ex.ª estava morto de vontade - e para isso aproveitou o pretexto de me pedir esclarecimentos - de interpelar o representante do Governo aqui presente, porque estamos a debater diplomas do PSD e do Governo e não há uma linha, uma palavra, uma medida do Governo que dê resposta às preocupações que V. Ex.ª aqui manifestou.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, se as preocupações que V. Ex.ª referiu não são o cerne, o fulcro, das nossas preocupações é bem certo que estiveram completamente arredadas quer do discurso quer das medidas que o Governo aqui citou.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Pode ser um que dia destes as apresente!

O Orador: - Em todo o caso, Sr. Deputado, a matéria da sinistralidade rodoviária é de facto muito complexa, como muito bem disse, e não há uma medida que resolva o problema; é preciso um conjunto de medidas concertadas, um conjunto de boas vontades e um conjunto de soluções. Tudo isto fará um programa, se lhe puser metas, afectar recursos; se mobilizar o País terá um programa, e é isto que queremos. Portanto, gostávamos que o Governo fosse um protagonista essencial neste processo. O Governo, mais do que ninguém, tem os meios para propor ao País um programa nacional de combate à sinistralidade, para o qual conta com a nossa disponibilidade e onde as preocupações que o Sr. Deputado aqui expressou terão naturalmente o seu lugar.
Nós estamos na disposição de participar nisso e de apoiar todas as iniciativas que o Governo queira tomar nesta matéria. No entanto, vemos é o Governo muito pouco activo e muito pouco empenhado; sem projecto, sem programa, sem metas, sem objectivos, é um Governo que está, de facto, desmobilizado nesta matéria.
Nós bem procuramos dar impulsos, empurrar para a frente, mas sentimos que por parte do Governo não há vontade suficiente para nos acompanhar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A sinistralidade rodoviária é um grave problema nacional que coloca Portugal dramaticamente no topo das estatísticas internacionais: mais de 25 000 mortes nos últimos 10 anos, 20% dos quais, estima-se, peões.
Uma realidade que marca o quotidiano das nossas estradas e ruas, no País em que o automóvel se transformou, nos últimos 30 anos, na principal causa de morte não natural.
Números alarmantes que escondem, em cada ano, centenas e centenas de vidas perdidas, muitas das quais de peões, ciclistas ou motociclistas.
Mortes em acidentes, a que se soma um elevadíssimo número de pessoas feridas, jovens e crianças, muitas delas irreversivelmente lesionadas e obrigadas a carregar, como deficientes, uma pesada herança ao longo da sua vida.
Um drama que toca, directa ou indirectamente, a maioria das famílias portuguesas. O drama, que constitui simultaneamente um problema político com custos humanos de valor incalculável, a que se somam pesadíssimos custos sociais e económicos, que é responsabilidade individual e colectiva assumir como prioridade política e traduzir, em acção, no sentido da promoção da segurança rodoviária.
Objectivo político este que, na opinião de Os Verdes, não se compadece com leituras parcelares do problema, nem com medidas lineares ou pontuais assentes numa visão restrita ou estritamente punitiva do problema da sinistralidade; um problema que, em nosso entendimento, não incide de forma simplista só sobre o excesso de velocidade ou o consumo de álcool ou de outras drogas, responsabilizando de modo exclusivo os condutores e a condução, que, embora partilhem culpas e razões, estão longe de as esgotar e explicar em absoluto.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se é certo que há uma cultura de agressividade instalada na nossa sociedade, em que o carro, como símbolo de estatuto social, se transformou em absurdo instrumento de poder, de agressão e de afirmação - e este é, para nós, Os Verdes, um problema que é preciso ter em conta para agir e contrariar; se é certo também, que existe uma cultura instalada de impunidade, de desrespeito e de desresponsabilização generalizada para com os outros, aos mais diversos níveis, nomeadamente, quando ao volante - e, esta é também uma atitude que é

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forçoso contrariar; certo é também, que o problema da sinistralidade rodoviária não se esgota na constatação destes factores, radica em outras e múltiplas causas, cuja origem importa identificar para tentar uma verdadeira mudança, que é acima de tudo cultural, no sentido da prevenção e da promoção da segurança rodoviárias em Portugal.
Uma mudança que terá de passar necessariamente, assim o entendemos, pela mobilização da escola e de outros agentes de socialização, nomeadamente os agentes culturais e os media, para ultrapassar a chocante ausência de uma pedagogia cívica que afecta, indiferentemente, comportamentos de peões e condutores de diferentes gerações.
Uma mudança que terá de reflectir-se no próprio sistema de ensino da condução e de passar pela participação activa daqueles que a fazem actualmente no nosso país, os quais, aliás, já manifestaram total disponibilidade para serem agentes dessa mudança.
Uma mudança que terá inevitavelmente de traduzir-se também numa diferente forma de concepção, de construção e da avaliação do risco aquando da projecção do traçado de vias e de estradas nacionais, bem como na prioridade absoluta à sua conservação e segurança, hoje, manifestamente subalternizadas.
Uma mudança que terá forçosamente, ainda, de traduzir-se na revisão total de todos os sistemas de informação e sinalização rodoviários das nossas estradas, consensualmente tidos como pouco inteligíveis, pouco seguros e, caótica e perigosamente, ineficazes.
Uma mudança que também terá de ocorrer ao nível do rigor na inspecção do parque automóvel, cuja degradação tem reflexos na segurança e que carece de novas medidas de promoção, de facto, da sua renovação.
Mudanças, ainda, nas condições de segurança e circulação de veículos pesados, quer de passageiros quer de mercadorias, cujos horários, velocidade de circulação e ritmos de trabalho colidem, frontalmente, com as mais elementares normas de prevenção da segurança.
Mudança essa que também passará pelo actual sistema de transporte escolar, cuja frota e condições de circulação carecem de ser actualizadas, pondo fim a situações de permanente risco, a que, não raras vezes, estão sujeitas as nossas crianças e jovens.
Essa mudança terá ainda de passar pela criação de locais próprios, nomeadamente pistas, para os velocípedes, cuja circulação constitui um desafio permanente para quem os usa e uma causa de morte não negligenciável.
Uma mudança que terá de ser, obviamente, inconciliável com a manutenção do clima de impunidade instalado, só possível de contrariar com um sistema de vigilância de rotina das forças de segurança e não feito pontualmente por campanhas, com dia e hora marcados.
Em nosso entendimento, têm de ocorrer grandes mudanças, às quais se alia, naturalmente, a própria reflexão, que é tempo de fazer, sobre o papel que o automóvel deve ocupar no futuro como instrumento de apoio à organização da sociedade e não como o seu fim último e único, como o centro da vida em torno do qual, até agora, tudo se pensa, investe e gira em exclusivo.
É uma mudança que nos confronta com interrogações sobre a questão da mobilidade sustentável e da segurança no nosso país e sobre o papel que aos transportes públicos, nomeadamente aos ferroviários, deve caber, numa óptica da defesa do ambiente, da saúde pública, da sustentabilidade, da racionalidade energética, mas, sobretudo - e há que dizê-lo hoje e agora -, numa óptica da própria promoção e prevenção da segurança rodoviária.
Uma mudança que implica, forçosamente, repensar a importância do espaço público e dos direitos dos cidadãos enquanto peões, enquanto utilizadores de modos alternativos de mobilidade ou enquanto condutores, mas, acima de tudo, enquanto pessoas, cuja vida e segurança nos compete defender, promover e preservar.
É precisamente a promoção desta defesa da vida, desta segurança, que reclama, em nossa opinião, a mobilização dos diferentes aliados neste combate, que requer a adopção de medidas administrativas e penais e que, na óptica cultural implícita, reclama, de modo privilegiado, informação, debate e participação democrática de todos.
Terá de haver uma mobilização colectiva, assim o entendemos, para combater aquilo que alguns já chamam de «guerra civil nas estradas», que requer a convocação de múltiplas vontades, o debate e envolvimento de todos, colocando lado a lado as diversas entidades da Administração Pública, central e local, com as muitas associações que a gravidade e a dimensão do problema da sinistralidade fizeram surgir a nível nacional. Os Ministérios da Justiça, da Administração Interna, da Educação e do Equipamento Social, as escolas, a Direcção-Geral de Viação e a Direcção-Geral dos Transportes Terrestres devem estar lado a lado com a Associação do Comércio Automóvel, Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, Associação Portuguesa de Deficientes, Associação Portuguesa de Escolas de Condução, Associação para a Promoção da Segurança Infantil, associações promotoras da segurança rodoviária e muitas outras que querem ser parceiras na resolução deste problema. Terão de ser aliados de uma mesma causa, cujo contributo, enriquecedor, não é dispensável não só para fazer o diagnóstico como também para definir os contornos do plano de acção que deve seguir-lhe.
O plano de acção que propomos deverá ser amplamente discutido para permitir a tomada de consciência colectiva sobre o problema, por forma a que ele possa ser livremente assumido pela comunidade como um problema que a todos cabe resolver. Deverá ser um plano de acção projectado no tempo, que, a nosso ver, nunca deverá ser inferior a cinco anos, e sugere-se que seja regularmente - anualmente, assim o propomos - avaliado não só na evolução dos seus progressos mas também nas indefinições que a prática evidencie.
Deverá ser um plano preciso, com objectivos anuais e meios humanos, técnicos e financeiros disponíveis para lhe dar conteúdo, recursos decerto bem menores do que os desperdiçados em valores como o da vida - e este é, seguramente, um valor que não é passível de avaliação ou de troca.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em suma, propomos um plano na convicção de que há não soluções administrativas mágicas mas, decerto, soluções razoáveis, sobretudo se forem por todos discutidas, vividas e participadas.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Barros Moura.

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O Sr. José Barros Moura (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Reflexões recentes sobre a famosa agenda política pareciam indicar que este seria um tema de interesse muito generalizado. E devo lamentar do alto desta tribuna que as presenças durante este debate não correspondam a essa apreciação, que me parece óbvia, se a Assembleia quiser estar sintonizada com aquilo que em cada momento preocupa os portugueses.

O Sr. Armando Vieira (PSD): - Estamos cá nós!

O Orador: - As medidas agora apresentadas pelo Governo são uma proposta de lei de alteração do Código Penal e um decreto-lei, já aprovado em Conselho de Ministros e amplamente publicitado antes da Páscoa, de revisão do Código da Estrada. Precisamos de nos entender quanto a isto para se compreender o sentido deste debate.
Essas medidas inserem-se numa política já preparada desde os Estados Gerais, que foi incluída no Programa do Governo e que vem sendo aplicada desde 1995. Como política integrada, coerente e rigorosamente aplicada, ela dá frutos consistentes de que o Governo se orgulha: a redução de mortos e feridos graves, entre 1995 e 2000, apesar do aumento do exponencial do parque automóvel, tendo passado de 2085 para 1630 os mortos e de 65 827 para 59 728 os feridos graves.
A manter-se o ritmo de execução das medidas e a sua coerência intrínseca reduziremos os índices de sinistralidade para as médias europeias até final de 2003. Eis uma meta, Srs. Deputados do PSD, e uma meta muito importante, pois passamos, por cada 100 000 habitantes, de 19,39%, em 1997, para 16,3%, em 2000, no que diz respeito a mortos - a média europeia é de 13% e nós temos esta meta. Portanto, temos uma meta concreta, e desafiamos quem quer que se nos oponha a desmentir a importância destes objectivos quantificados.
Não estamos satisfeitos, porque cada morto ou ferido é um morto ou ferido a mais, mas orgulhamo-nos de uma política que produz resultados concretos e melhora os índices de segurança, apesar da impressão contrária deixada pela espectacularidade e gravidade de muitos acidentes e da demagogia que o PSD e o seu líder demonstram na tentativa de exploração partidária e eleitoralista do horror da sinistralidade rodoviária.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em contraposição a isto, apresentamos uma atitude séria e que se afere, desde logo, pela importância do compromisso proposto pelo actual Governo de que não haveria mais amnistias de ilícitos rodoviários. Aqui têm uma atitude concreta e que contraria qualquer tentativa de exploração partidária e eleitoralista de um tema sério que preocupa os portugueses.
Um dos resultados das políticas seguidas é o decréscimo da sinistralidade em veículos de duas rodas, é preciso dizê-lo. E isto relaciona-se com a execução de medidas concretas também no domínio da protecção dos motociclos, como, por exemplo, os rails de segurança de que falarei adiante.
Continua, infelizmente, a verificar-se um inaceitável número elevado de acidentes mortais que afectam os peões, já que 25% do total de mortos são os peões, os mais desprotegidos nas estradas e nas ruas. É, assim, necessário melhorar e reforçar a eficácia das medidas de protecção aos peões, nomeadamente nas passadeiras e através de uma sinalização mais eficaz.
É neste contexto e na coerência das políticas do Governo que, em nome do Grupo Parlamentar do PS, queremos defender uma política, mais eficaz, de sinalização das estradas através de um plano nacional de sinalização - verificamos, com agrado, que o Governo prevê, dentro de um mês, a conclusão de um novo regulamento na matéria. Entendemos que os investimentos neste domínio, que nem necessitam de ser muitos elevados, permitirão melhorar de forma radical a situação grave existente.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Apresentaremos propostas concretas no âmbito da preparação do livro branco ou da audição, oportunamente proposta pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP e, depois, pelo Partido Ecologista «Os Verdes», e que está em curso no âmbito da Comissão de Equipamento Social.
Entretanto, defendemos a consolidação e o aprofundamento das medidas tomadas desde 1995, o que implica: estabilizar as penalizações e sanções por violações às regras de trânsito - é necessário que os condutores saibam com o que contam, e isto é o contrário de uma constante tensão no sentido de modificar as coimas e as penas; aproximar o momento em que a coima é efectivamente paga do momento em que foi detectada e autuada a violação às regras de trânsito; melhorar os meios e reforçar a eficácia da fiscalização, que é decisiva, atendendo às principais causas dos acidentes (velocidade excessiva, manobras perigosas, condução sob o efeito do álcool ou de estupefacientes).
A propósito do elevado número de mortos nos acidentes ocorridos durante a «Operação Páscoa», é necessário ter em conta que a maior parte destes acidentes resultaram de colisões frontais ou laterais, o que nada tem a ver com a demagogia dos «pontos negros» das estradas, com a demagogia do mau estado das estradas, mas com a necessidade de se melhorar a condução, a responsabilização dos condutores e a fiscalização do cumprimento das regras de trânsito.

Aplausos do PS.

É necessário melhorar a educação cívica e o ensino da condução, domínio em que o investimento realizado na criação dos parques de manobras deverá ser seguido de medidas, que o Governo, de resto, já anunciou hoje, de maior fiscalização às entidades que intervêm no ensino e na avaliação.
As iniciativas recentes do Governo - refiro-me, mais uma vez, ao Código da Estrada e à proposta de lei que hoje aqui apreciamos - vão na linha de continuidade de uma política séria, de que nos orgulhamos. Apoiamos, como não poderia deixar de ser, a revisão do Código Penal com os objectivos já aqui hoje expostos pelo Governo e também as medidas de alteração ao Código da Estrada que o Governo recentemente aprovou e que aguardam publicação.

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À luz desta política, que é uma política concreta integrada e séria, apreciamos o projecto de lei n.º 415/VIII, apresentado pelo PSD, que altera o Código da Estrada e o regime de habilitação legal para conduzir. Este projecto de lei tem uma ou outra ideia razoável, como algumas propostas sobre os transportes de crianças, pelo que não vamos inviabilizá-lo, vamos abstermo-nos, porque temos objecções fundas que já referirei, mas não facilitaremos, com um voto contra, a partidarização, desejada pelo PSD, do tema da segurança rodoviária. Não facilitaremos!

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!

O Orador: - Como em outros casos, onde temos viabilizado projectos de lei com os quais não concordamos totalmente para não dar sinais errados à sociedade,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Certamente refere-se é a Lei de Bases da Família!

O Orador: - … também em relação a este projecto de lei não o inviabilizaremos.
Todavia, não podemos deixar de nos opor à demagogia e irresponsabilidade das propostas de agravamento das coimas, sem qualquer eficácia preventiva e com seguro descrédito se não for cumprido o sistema sancionatório. O facto de se aumentar constantemente as coimas é um remédio puramente demagógico que não tem eficácia preventiva.
Consideramos irracional a medida de limitação da velocidade a 90 km/hora para os condutores com carta recente, medida que já vigorou em Portugal e que foi abandonada, por alguma razão. Com efeito, os estudos revelam que os condutores mais recentes são os mais cautelosos e provocam menos acidentes, além de serem inconvenientes limites máximos diferenciados em auto-estrada, como resultaria do projecto de lei do PSD.
Opomo-nos à inconstitucionalidade da medida de apreensão do veículo em caso de não pagamento voluntário e imediato da coima, a que se refere a proposta da nova redacção da alínea a) do n.º 2 e do n.º 3 do artigo 153.º, porque viola o direito de recurso, o direito de acesso ao tribunal. Apoiamos, isso, sim, porque é diferente, todos os sistemas que incentivem o pagamento imediato, nomeadamente por Multibanco. Esta foi, aliás, uma ideia nossa, que o então Secretário de Estado Luís Patrão anunciou já nos idos de 2000.
A nossa política para melhorar a fiscalização e combater as causas dos acidentes (o abuso do álcool, o uso dos estupefacientes, etc.) recusa a facilidade e a demagogia, mas é a única que pode dar resultados. Aliás, causa-nos estranheza que o PSD pretenda levar a Assembleia da República a exercer neste domínio, ainda antes do novo diploma sobre o Código da Estrada ser publicado, uma competência legislativa concorrente com a do Governo.
Por último, gostaria de dizer duas palavras sobre a protecção de rails de segurança a que corresponde o projecto de lei n.º 416/VIII, do PSD, que vamos aprovar na generalidade, opondo-nos, no entanto, a tudo o que destrua ou desnature a política séria e concreta que o Governo está a aplicar desde o Despacho n.º 22428/2000, de 4 de Outubro, e até já antes disso. Tenho em meu poder dados que revelam que, em 1998, foi realizada uma campanha de protecção de prumos das guardas de segurança; foram aplicados um número indeterminado de pneus em vários itinerários, como o IP4, o IC22, o IC19, o IC1, a estrada nacional n.º 125;…

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Não se sabe se foram 20 ou se foram 30!

O Orador: - … foram adquiridos 16 600 dispositivos de protecção para motociclistas; foram instalados 11 700 dispositivos de protecção para motociclistas, e já referirei outros números.
Aliás, desde Outubro de 2000, passou a ser obrigatória a protecção de guardas de segurança, sendo assim que já estão a ser construídas as novas vias, como as recentemente abertas ao público em Oeiras e em Braga.
De resto, a execução das medidas resultantes daquele despacho anteciparão - quero dizê-lo com toda a clareza - em cerca de um ano a colocação de protecção nos locais mais perigosos. De facto, o PSD propõe até final de 2003, mas o Governo executará essas obras até final de 2001.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Não é verdade!

O Orador: - O total de dispositivos de protecção de viga metálica contínua a instalar em guardas, em 2001, será de 155 277 m; até final de 2002, serão construídos mais 103 km - um total de cerca de 900 000 contos de investimento. Não é verdade que o despacho não esteja a ser cumprido ou que não haja uma política.
Há outros pontos do projecto do PSD que não podemos subscrever. O objectivo de aumentar a colocação de rails de segurança em praticamente todas as estradas é contraditório, por razões óbvias, com o alegado propósito de proteger os motociclistas. A localização das guardas de segurança deve obedecer a regras cuja matriz consta da lei, mas a localização obedece a regras técnicas que, por natureza, são mutáveis, como mutável é a capacidade dos veículos, etc. Portanto, fixar em lei as regras sobre a localização é um absurdo, no plano técnico.
A publicação em Diário da República e em boletim municipal das listas dos pontos perigosos é um erro, porque não substitui uma adequada sinalização e quero dizer-lhes (e discuto isto em qualquer fórum) que tem por finalidade exclusiva pré-ordenar a responsabilidade do Estado pelos acidentes verificados nos ditos locais perigosos.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Isso é bom ou mau?

O Orador: - É mau!

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Ah é?!

O Orador: - É mau e já lhe digo porquê!
A norma sobre a responsabilidade constante do artigo 6.º é, se me permitem, uma completa irresponsabilidade que favorece a violação dos deveres cívicos dos condutores, porque passará a remeter para o Estado a responsabilidade pela verificação de quaisquer acidentes.
Por último, a obrigação de colocar a protecção em todas as estradas, em todos os rails existentes, no período

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de cinco anos, corresponde a um investimento de cerca de 23 milhões de contos para 7000 km de rails - tenho as contas feitas e posso exibi-las! A solidariedade nacional, Sr.as e Srs. Deputados, dita seguramente outras prioridades, nomeadamente quando ouvimos falar aqui da situação injusta dos pensionistas e dos idosos!
Por outro lado, o combate ao despesismo exige outra coerência, Srs. Deputados do PSD, do que esta demagogia que aqui nos exibiram e que não corresponde a nada, do ponto de vista da protecção dos utentes das estradas em geral, e que não corresponde a nada na melhoria concreta dos índices de combate à sinistralidade, do direito à liberdade e à segurança de todos os que têm de circular nas estradas.
Estamos, pois, dispostos a encarar, na especialidade, as soluções constantes destes diplomas, pelo que não os inviabilizaremos e até votaremos favoravelmente o diploma sobre as guardas de protecção, mas não aceitamos, nem neste nem noutros domínios, lições do PSD, porque nós temos uma política, porque a nossa política dá frutos e porque, tirando as campanhas demagógicas, explorando a espectacularidade e o horror dos mortos na estrada, o PSD tem, verdadeiramente, muito pouco para nos oferecer!

Aplausos do PS.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Foi a declaração de que vai ficar tudo na mesma!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Barros Moura, em primeiro lugar, quero lamentar que V. Ex.ª tenha feito dois exercícios absolutamente inadmissíveis nesta matéria.
Por um lado, fez o exercício da partidarização e da óptica político-partidária desta questão, quando, desde o primeiro momento, e ainda hoje - V. Ex.ª ouviu as nossas intervenções -, aqui colocámos a questão num «dar as mãos» num combate convergente a esta questão. Mais uma vez, é o próprio Governo que se marginaliza desta boa vontade convergente de várias forças políticas!
Por outro lado, fez o que é habitual neste Governo: a manipulação dos números. V. Ex.ª fez uma comparação dos mortos em virtude da sinistralidade rodoviária em Portugal com o resto da Europa, quando V. Ex.ª sabe que os critérios utilizados nos restantes países da Europa envolvem a inclusão dos mortos em consequência de acidentes; ou seja, incluem não apenas, como acontece em Portugal, aqueles que morrem no momento do acidente, mas também os que, transferidos para os hospitais, vêm a morrer depois, designadamente em dias seguintes. V. Ex.ª compara a estatística portuguesa com a europeia, quando sabe que os critérios são diferentes! Isto não é sério, não é honesto, mas é próprio da manipulação que este Governo faz, em todas as áreas, dos números, para efeitos de consumo mediático!
Estes são dois erros imperdoáveis, numa matéria que se quer tratada de uma forma séria e na qual quem deveria dar o exemplo é o Governo e a maioria que o sustenta! E vem V. Ex.ª fazer este exercício absolutamente inadmissível e inaceitável, aqui, na Assembleia da República!…

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Quero referir-lhe aqui o que diz o Dr. Paquete de Oliveira, que estuda estas matérias e que escreveu um artigo interessantíssimo sobre este assunto - desculpem a insistência em voltar a esta matéria. Diz ele que, se evitar a morte é o assunto mais sério da vida, este é o assunto mais grave da actual sociedade portuguesa e só não a leva a sério quem preza pouco a vida dos outros e a sua própria. Foi o que V. Ex.ª fez, na tribuna! Representando a maioria que sustenta o Governo, deu aos portugueses o recado de que está interessado em instrumentalizar uma matéria destas do ponto de vista político-partidário, mas não está interessado em dar as mãos a todos aqueles que, de boa vontade, querem combater esta praga, esta calamidade nacional que é a sinistralidade!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado José Barros Moura.

O Sr. José Barros Moura (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, isso queria o senhor! Ou seja, queria poder acusar-nos de partidarização num tema destes! É por isso que, apesar das críticas fundadas que temos a fazer aos seus dois projectozinhos - repito, projectozinhos! -, não os inviabilizaremos, e eles vão ser testados na discussão em Comissão e verão, em face dos seus deméritos ou dos seus méritos, aquilo que valem!
Quanto à acusação relativa às estatísticas, devo dizer que estão enganados, extremamente enganados! Trata-se de estatísticas europeias, as quais também confirmam uma redução acentuada de sinistralidade mortal, em Portugal, em consequência…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Mais 5000 acidentes em 2001!

O Orador: - Tenho aqui as estatísticas! Ouça, Sr. Deputado!
Da tribuna, eu disse que não estou satisfeito, tal como o Governo também não está, com estes resultados.

Vozes do PSD: - Parece que sim!

O Orador: - Disse que estes resultados não nos satisfazem, porque, desde que haja um morto ou um ferido na estrada, nós continuaremos preocupados. Agora, Sr. Deputado, a nós, não nos viu, e não nos verá, seguramente, ir aos «pontos negros» onde se verificam acidentes,…

O Sr. Castro de Almeida (PSD: - O mal é esse!

O Orador: - … «chorar lágrimas de crocodilo» depois de cada acidente, julgando que é isso que impressiona a opinião pública e dá votos!
Denuncio essa atitude e continuarei a denunciá-la, pois ela tem normalmente efeitos muito perversos. Quando fo

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ram fazer isso para o IP3, depois do acontecimento trágico que aí se verificou, os senhores tiveram um desmentido cabal do tipo de análise que andaram a fazer: o desmentido da noção de que só há acidentes nos chamados «pontos negros», quando aquele acidente gravíssimo, com um autocarro da Câmara Municipal de Viseu, se verificou num sítio onde normalmente não há acidentes.
Assim, convém que os senhores tenham uma atitude séria perante o problema da sinistralidade rodoviária e que, de uma vez por todas, façam aquilo que dizem querer fazer, esse tal «dar as mãos» para afrontar o problema, com soluções sérias, mobilizando a sociedade e dando-lhe mensagens certas: a mensagem da educação cívica e a da responsabilidade individual!
Quando procuram transformar esta situação numa responsabilidade do Governo, os senhores estão a tomar a atitude de quem quereria que o Governo almofadasse todas as estradas para que os senhores condutores de automóveis ou os senhores motociclistas pudessem transformá-las em pistas de velocidade, continuando a aumentar, dessa maneira, a sinistralidade e o número de acidentes! Nós opomo-nos a isso, opomo-nos consequentemente a isso, e temos uma política para isso!

Aplausos do PS.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Demagogia!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Anacoreta Correia, dispondo de 10 minutos e 47 segundos, sendo que 2 minutos foram cedidos pelo Grupo Parlamentar Os Verdes.

O Sr. Miguel Anacoreta Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, vou ver se termino antes dos 47 segundos!
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Gostaria de começar por salientar que os projectos de resolução discutidos no passado dia 15 de Março e o projecto de resolução hoje apresentado por Os Verdes visam, entre outros objectivos, a criação de um plano nacional de prevenção e segurança rodoviária.
Por outro lado, quero registar que as iniciativas legislativas hoje em discussão materializam preocupações e medidas em boa parte contidas nos projectos de resolução dos diferentes partidos.
Sobre estas iniciativas legislativas do Governo e do PSD, a bancada do CDS-PP gostaria, desde já, de dizer, em primeiro lugar, que o CDS-PP vai votá-las favoravelmente, deixando para a discussão na especialidade o encargo da sua melhoria, corrigindo ou suprimindo aspectos pontuais e propondo aditamentos que julgarmos convenientes - pela forma como o debate de hoje decorreu, antevemos que, em Comissão, há muitos assuntos que merecem ser aprofundados.
Em segundo lugar, o CDS-PP regista a convergência de posições que sobre esta matéria entretanto se conseguiu estabelecer, designadamente sobre os seguintes pontos: primeiro, a criminalização de quem conduza sob o efeito de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, a exemplo do que já sucede com o álcool; segundo, a necessidade de rever as condições do ensino da condução e atribuição de licenças de condução; terceiro, a consciência de que este é um problema causado, em boa medida, por atraso cívico e cultural, mas também pela insuficiente conservação das nossas estradas e pela deficiente sinalização e, em geral, a ausência de uma política que crie aquilo que normalmente se designa por um «ambiente rodoviário» adequado;…

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - … quarto, a necessidade de agravar os períodos de duração da cassação da licença de condução; quinto e último lugar, a vontade que, julgo, todos os partidos políticos têm de que este assunto seja tratado sob a perspectiva de um consenso.
O CDS-PP insiste na importância que a Assembleia da República deve dar à necessidade de responder de forma cabal e inequívoca às vozes que se lhe dirigem neste domínio, razão pela qual continuamos a considerar indispensável a criação de um grupo de trabalho que promova a audição exaustiva de todas as entidades públicas com competências e responsabilidades na matéria em causa e, igualmente, todas as pessoas privadas que se tenham debruçado sobre esta problemática e que, por isso, querem dar o seu contributo.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, continuamos a entender que o resultado deste grupo de trabalho deve dar lugar a um livro branco, através do qual se procurará transmitir ao Governo uma visão global dos partidos políticos e dos agentes sociais sobre esta matéria.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Assim se poderia favorecer, de forma activa, um amplo consenso quanto ao objectivo principal, que todos afirmam partilhar nesta autêntica batalha cívica que reclama a actuação concertada de todos - o Governo, a Assembleia da República, os partidos políticos, as associações cívicas e todos os cidadãos em geral.
A este respeito, ninguém duvida que, sobre o comportamento dos actuais condutores, não basta puni-los com mais severidade pelas manobras perigosas que possam cometer. Interessa, sobretudo, criar as condições para que estas não venham a ocorrer, através de uma reformulação do ensino da condução e da forma de atribuição do título e período de vigência das licenças de condução.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Toda esta problemática referente à formação dos condutores foi oportuna e recentemente salientada no congresso da Associação Nacional dos Industriais do Ensino de Condução Automóvel, cujos trabalhos, intervenções e conclusões merecem uma leitura e estudo atentos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Será necessário promover uma campanha de consciencialização dos actuais e futuros condutores, tornando evidente o perigo que uma condução irresponsável pode representar para a vida e para a integridade física ou material de pessoas e coisas, como também é indispensável introduzir no ensino disciplinas escolares que possam contribuir para desenvolver a edu

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cação cívica. É na educação cívica e na formação dos condutores que os investimentos se mostrarão mais reprodutivos a longo prazo - insistimos neste ponto.
É preocupante o atraso cívico e cultural que demonstramos nesta matéria.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Só para citar alguns exemplos: em Lisboa, 10% dos condutores que atropelam fogem; noutras zonas do País, a percentagem chega aos 20%; em Lisboa, 1/3 dos mortos em acidentes rodoviários são resultado de atropelamentos. É demais! É um número que nos envergonha!
No nosso país, a maior percentagem de acidentes ocorre dentro de centros urbanos, o que é uma má novidade portuguesa. Daí a razão de ser da minha pergunta formulada ao Sr. Secretário de Estado, sobre a importância que atribuímos aos protocolos do Governo central com as autarquias.
Também é preciso não esquecer o papel que o Estado e as demais entidades públicas com competências e responsabilidades nesta matéria devem desempenhar. Reduzir o problema à responsabilidade dos condutores é analisar a questão de modo reducionista.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Uma das áreas que reclama uma intervenção séria do Governo e organismos que estão sob a sua tutela é a da sinalização.
A sinalização existente nas nossas estradas e mesmo nas auto-estradas, repito, mesmo nas auto-estradas, é deficiente, é descontínua, é ambígua, não cria confiança nos condutores e, por isso, é ela própria geradora e potenciadora de acidentes.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - O Governo e as autarquias devem fiscalizar, por exemplo, o cumprimento pelos empreiteiros ou pelos donos de obras das regras de sinalização durante o período das obras. Este é um ponto importante.
Normalmente, conhece-se a sinalização do «antes», vem-se a conhecer a sinalização do «depois», mas esquece-se a sinalização durante o período da realização das obras. E esta, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é a altura em que os condutores estão mais carenciados de referências claras e precisas. Basta circular em Lisboa - mesmo no centro do centro - para nos apercebermos imediatamente do que ocorre neste momento e daquilo que estamos a falar, e poderia falar noutras câmaras municipais.
Gostaria, ainda, de saudar a inclusão nas iniciativas legislativas apresentadas da preocupação de identificação e correcção dos «pontos negros», merecendo o nosso inteiro aplauso a iniciativa do PSD, que visa que tais zonas de risco constem de uma lista, obrigatoriamente publicada e actualizada.
Gostaria também de salientar a necessidade de uma nova forma de actuar perante as obras já realizadas. É preciso retirar, com rigor, as devidas consequências das tragédias que ocorreram em Castelo de Paiva e no IP3.
Não basta fazer e inaugurar; é preciso manter e conservar. É uma opção técnica e de bom senso, mas também económica, prolongarmos os investimentos que já foram feitos.
Uma nova actuação nas obras a realizar é também importante. É preciso ter a coragem de mudar a forma da sua concepção. É preciso alterar normas técnicas em matéria de cruzamentos, de sinalização e de iluminação - já hoje foi referido o problema da iluminação das passagens de peões. É um ponto fulcral.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As estradas não podem ser projectadas e construídas apenas a pensar nos números de quilómetros de alcatrão alcançados para comparar com governos anteriores, não podem ser construídas apressadamente para sucumbirem à primeira calamidade ou invernia. Felizmente, tenho de o dizer, pelas notícias publicadas nos últimos dias, que, nesta matéria, começam, finalmente, a chegar alguns bons sinais.
Deve exigir-se deste Governo e de governos futuros uma nova cultura de responsabilidade e de competência que nos permita a todos exigir dos condutores uma responsabilidade correspondente.
Para terminar, gostaria de deixar claro, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que é convicção do CDS-PP que quer o Governo, quer os partidos políticos, quer a sociedade civil, estão bem conscientes da gravidade do problema que a sinistralidade rodoviária assume hoje no nosso país e do sofrimento que ela provoca. Esta calamidade pública reclama uma actuação concertada de todos, na busca do maior consenso possível, autêntico, que resultará do confronto e esbatimento das diferenças existentes - e isto não nos cansaremos de repetir.
É vulgar dizer-se que a política se encontra em crise. Citando um politólogo espanhol, direi que «(…) provavelmente sempre esteve, ainda que de formas diferentes (…)». A Assembleia da República tem aqui uma boa oportunidade para contrariar ou minorar esta ideia. Haja para tanto vontade política e haja dinâmica suficiente para levar a cabo o objectivo de que nos declarámos todos, no final de contas, militantemente devotos.

Aplausos do CDS-PP e de Deputados do PS e do PSD.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado José Barros Moura, mantém o seu pedido no sentido de formular esclarecimentos?

O Sr. José Barros Moura (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Anacoreta Correia apenas dispõe de 27 segundos para responder. Não sei se haverá alguma generosidade por parte de outros partidos para ceder mais tempo. Quanto a mim, no tempo que disponho, que é de 1 minutos e 18 segundos, direi o essencial, e creio que o Sr. Deputado poderá responder.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Barros Moura (PS): - Sr. Presidente, gostaria de saudar a postura aqui assumida, e também no debate anterior, pelo CDS-PP. É esta a maneira de abordar um problema nacional que a todos afecta e choca: é com medidas concretas e com a busca de consensos no mundo político e na sociedade para que as políticas sejam efica

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zes. É por isso mesmo que a atitude que foi possível ter na Comissão de Equipamento Social conduziu, através de um apoio unânime, à ideia que subscrevemos de criar um grupo de trabalho, do qual - e reafirmo este ponto - deverá resultar acerca deste ponto, sob a forma de livro branco, ou outra qualquer designação que entenda atribuir-se, um conjunto de recomendações ao Governo e um conjunto de alertas para a sociedade.
Neste momento, temos algumas divergências com os outros partidos, inclusive com o CDS-PP. Mas, concordamos que, para além da fiscalização, é preciso melhorar o ensino da condução nas suas componentes cívica e técnica, e julgamos que chegaremos ao resultado pretendido. Com a participação de todos os partidos, de todos as forças políticas e através de uma relação directa com as organizações que se empenham no combate à sinistralidade e que defendem a segurança rodoviária, creio que seremos capazes de sintonizar a política com as pessoas, como neste debate, felizmente, foi possível fazer.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Anacoreta Correia.

O Sr. Miguel Anacoreta Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, julgo que o Governo me concede 1 minuto, o que não é muito tradicional e por isso mesmo agradeço. Também quero agradecer o tempo que há pouco me foi concedido pelo Partido Ecologista «Os Verdes».
Sr. Deputado José Barros Moura, agradeço as referências que fez. É evidente que sobre esta matéria poderia ter dito muito mais. Poderíamos ter entrado na discussão de questões de pormenor. Não negaremos o contributo que se espera da minha bancada na discussão na especialidade. Dá-lo-emos, com a certeza de que quanto mais se avançar nesta matéria mais o País fica a ganhar.
Houve um aspecto que não tive ocasião de focar, mas as perguntas que dirigi ao Sr. Secretário de Estado tinham razão de ser. Referi-me à campanha de sensibilização e à forma de apresentar estas medidas de maneira positiva, porque acredito que temos de começar a pensar seriamente na formação contínua dos condutores. Não basta uma pessoa ter o título de condução há trinta ou quarenta anos, há necessidade de fazer uma formação. É importante que esta questão seja tida em conta e que os órgãos de comunicação social colaborem, e estão por certo a fazê-lo. Aliás, temos um grande matutino a colaborar no sentido de não se ver apenas a espectacularidade dos acidentes. É preciso transmitir que isto diz respeito a todos nós e todos temos a ganhar em aprender e por isso os condutores têm de ser formados de forma contínua.
Julgo que temos muito a ganhar, manifestando embora as nossas diferenças, esbatendo-as até ao limite, com a elaboração do livro branco onde as bases de consenso se alarguem, de maneira a que esta questão seja transmitida ao Governo indicando claramente até onde se pode ir sem perigo de se provocarem grandes debates, porque, julgo, nesta matéria, como noutras, há lugar para o acordo e para as divergências.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - A fronteira tem de ser a inteligência e a devoção ao serviço público, sendo, pois, esta a única fronteira, repito, que esta Câmara tem de aceitar como a única que nos pode dividir.

Aplausos do CDS-PP e de Deputados do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Matias.

O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Administração Interna, Srs. Deputados: No passado dia 15 de Março, discutimos neste Plenário quatro projectos de resolução sobre segurança rodoviária, um tema sempre oportuno tendo em conta a grave sinistralidade que se verifica no nosso país.
Na altura, fizemos uma intervenção de fundo que, obviamente, não vamos repetir nos mesmos termos mas que mantemos na íntegra. Como já foi dito, esses projectos baixaram à comissão competente, havendo agora um novo projecto que se juntará a esses, e a Comissão, através da constituição de um grupo de trabalho, vai propor a realização de uma ampla audição com vista ao levantamento das causas da sinistralidade.
É que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a gravidade deste problema impõe que se ouçam as mais diversas entidades, e até pessoas singulares, porque todas as contribuições serão certamente úteis para o objectivo que a todos anima.
Se é verdade que é necessário um trabalho de fundo e profícuo, que, aliás, o Governo deveria ter feito, porque tem, desde 1997, um Conselho Nacional de Prevenção Rodoviária, que deveria ter elaborado um programa de prevenção rodoviária, do qual não devia ser apenas o Sr. Secretário de Estado a ter conhecimento mas toda a população portuguesa, produzindo-se através dele um amplo debate e, sobretudo, encontrando-se nele um consenso alargado de participação cívica em relação a esta questão, é também verdade que os planos de médio prazo não devem impedir medidas imediatas, como é o caso dos diplomas que foram apresentados, os quais viabilizaremos para continuar a contribuir na especialidade não para a sua destruição mas com o objectivo de os enriquecer e melhorar.
O que o Governo nos propõe é uma alteração ao Código Penal, a qual visa a criminalização da condução sob influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, uma medida justificadíssima e urgente, e também a compatibilização entre as penas e as sanções.
Tamém não queremos deixar de referir os projectos de lei do PSD sobre a construção de rails, com os quais também concordamos e por isso viabilizá-los-emos, procurando enriquecê-los. Não queremos deixar de falar nesta questão, porque a construção de rails é uma medida que já deveria estar em aplicação no nosso país, já que outros países já estudaram a criação da uniformização de modelos que devem ser aplicados nas novas vias. Por outro lado, a Junta Autónoma de Estradas adquiriu material de protecção dos rails existentes em esferovite, que não foi barato, não tendo sido aplicado.
Quanto a esta questão, gostaria de dizer que os gastos com a segurança rodoviária não são gastos. Como já foi dito por outros Deputados que me antecederam, trata-se de investimentos altamente produtivos. Bastaria só o fac

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to de evitarem a perda de vidas humanas para se ter a noção da utilidade desses gastos. A jusante com os gastos sociais dos deficientes, com os gastos hospitalares, são, necessariamente - e outros países provaram-no -, investimentos altamente produtivos.
Naturalmente, aplicando estas medidas - e concordamos que elas vão sendo aplicadas, sendo que todas fazem falta -, não podemos deixar de reconhecer que a proposta de lei veio um pouco na sequência do projecto de resolução do PS, apresentado no dia 15 de Março, que, a nosso ver, continua a ser parcial, tentando imputar unicamente aos condutores a responsabilidade, o que não é verdade, Srs. Deputados!
Gostaríamos de enumerar, ainda que já o tivéssemos feito, um conjunto de questões, as quais não podemos esquecer de maneira alguma.
Em primeiro lugar, a formação cívica, naturalmente a começar nas escolas. Tem de haver um programa concreto com um número de horas lectivas e com os objectivos a atingir. Depois, o ensino da condução, e aqui não basta o show off de parques de manobras, é preciso ser feita uma actualização da condução, é preciso que se utilizem novos métodos de ensino e é preciso também uma responsabilização das escolas de condução quanto aos efeitos da sinistralidade.
Quanto à fiscalização, não quero deixar de dizer que possivelmente todos vós, como eu, sentimos alguma tristeza quando, durante a campanha sobre sinistralidade, que se realizou na Páscoa, verificámos que a fiscalização se limitava a uns agentes da autoridade escondidos atrás de umas moitas a fotografar. De facto, é necessário reprimir, mas este procedimento não é dissuasor e muito menos previne acidentes. Em nosso entender, deveria haver uma fiscalização mais preventiva e também formativa.
Por outro lado, continuam a ser importados veículos destinados ao transporte de passageiros e de crianças, veículos que já ultrapassaram o limite de vida nos países de origem. Ora, a inspecção de veículos não pode ser só um negócio! As recentes ligações que se estão a fazer entre os centros de inspecção e oficinas reparadoras com clientes próprios não é, certamente, um caminho que possa conduzir à melhor forma de inspeccionar com rigor os veículos, que, aliás, deveriam também ser inspeccionados diariamente pela fiscalização e não apenas nos períodos em que têm de dirigir-se aos centros de inspecções.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Também não podemos deixar de referir a inspecção do trabalho dos profissionais, sendo certo que há profissionais que trabalham ao quilómetro. Ora, nos acidentes, não é verificada a relação causa/efeito quanto às horas de trabalho que o motorista já tem, dos quilómetros que já fez e dos períodos de descanso. E isto também é fiscalização!
Finalmente, consideramos essencial e estamos empenhados em promover um grande debate nacional que faça apelo ao espírito cívico dos cidadãos portugueses, que respondem em todas as questões menos na do cumprimento do Código da Estrada, o que é pouco aceitável e dificilmente compreensível.
É necessário que os portugueses interiorizem as questões da segurança rodoviária, que tomem estas questões como um problema colectivo, mas um problema também individual, um problema de cada um, no sentido de considerarem a segurança e a prevenção rodoviárias como um acto cívico e responsável e não com aquele espírito da caça à multa, que é o que menos interessa.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Interna.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Interna: - Sr. Presidente, algumas breves palavras.
Começo por reafirmar a disponibilidade do Governo para, em conjunção de esforços com todos os grupos parlamentares, com todas as associações que têm interesse no sector, encontrar as melhores soluções para combater o fenómeno da sinistralidade rodoviária.
A propósito de uma afirmação do Sr. Deputado Castro de Almeida, gostaria de dizer que há cerca de três meses, na preparação de todas estas medidas, eu próprio recebi, por várias vezes, sozinhas e em conjunto, estas associações. Esqueci-me foi de chamar as televisões… Nunca fiz isso, porque o meu interesse não era aparecer na televisão, não era ganhar exposição, mas era conhecer os pontos de vista das associações sobre as soluções a aprovar.
Gostava de lhe dizer que o Governo não foi a reboque de nenhum grupo parlamentar, muito menos do Grupo Parlamentar do PSD, nesta matéria. Para o provar, gostava de lhe recordar que, em 12 de Abril de 2001, o Governo aprovou (não se trata de intenções) as alterações que referi ao Código da Estrada. O que é insólito, em termos políticos e de técnica legislativa, é propor alteração de um Código da Estrada, que acaba de ser alterado pelo Governo e cujo texto ainda nem sequer está fixado. Para além, repito, do insólito político, uma proposta destas seria vivamente desaconselhável no âmbito de qualquer ensino sobre o processo legislativo.
Gostaria também de lhe referir que, quanto aos números, o PSD, nesta matéria, segue uma lógica do desejo e o Governo uma lógica do resultado.
O Sr. Deputado Castro de Almeida disse que, em 1993, o PSD formulou, no governo, o voto piedoso de ultrapassar por defeito a barreira dos 2000 mortos. Será! Será! Mas quem a ultrapassou e quem a conseguiu fixar abaixo desse limite foi o Governo do Partido Socialista. Em 1995, o número de mortos foi de 2085.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - E em 1994?

O Orador: - Em 2000, foi de 1630.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - E em 1994?

O Orador: - Contra números, Sr. Deputado, não há argumentos!

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - E em 1994? Diga a verdade toda!

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O Orador: - Em relação aos mortos, gostaria ainda de o esclarecer sobre um aspecto, e isto a propósito da conversa recorrente sobre a forma de encontrar números.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Está a fugir à questão!

O Orador: - Os números - e isto também em resposta a uma questão colocada pelo Sr. Deputado Guilherme Silva - são formulados em relação a mortos após 48 horas sobre o acidente. É verdade que há países europeus que têm um prazo mais generoso que chega a atingir, em alguns casos, 30 dias. Mas é verdade, igualmente, que este critério nunca mudou. Portanto, a comparação que eu estou a fazer é correcta.

Protestos do PSD.

É verdade, também, que os números referidos pelo Sr Deputado Barros Moura são correctos, porque são números resultantes da Europa e que entram em linha de conta com o factor de correcção de 20%. Portanto, ninguém pode aqui acusar ninguém de manipulação de números.

Protestos do Deputado do PSD Castro de Almeida.

Em relação - e vou terminar - às medidas propostas pelos Srs. Deputados do PSD, sem querer repetir o que disse o Sr. Deputado Barros Moura, gostaria de perguntar o seguinte: relativamente aos limites especiais de velocidade na auto-estrada, baixando o limite de 120 km, acham que é uma medida que se imponha tecnicamente e que evite acidentes?

O Sr. Rosado Fernandes (CDS-PP): - Não!

O Orador: - Na realidade, não é.
Acham que a solução está no agravamento do montante das coimas? E tiveram a coragem de dizer que as medidas propostas pelo Governo eram pontuais e desgarradas?!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - E são!

O Orador: - Acham que a solução é a de exigir o pagamento imediato de coimas, sob pena de apreensão de veículos até ao trânsito em julgado de sentenças absolutórias? E não têm receio de um juízo de inconstitucionalidade flagrante?!

Protestos do PSD.

Enfim… Por caridade, escuso-me fazer mais considerações sobre as vossas medidas. No entanto, reafirmo a disponibilidade para encontrarmos caminhos comuns para combater a sinistralidade rodoviária.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, terminada a discussão conjunta da proposta de lei n.º 69/VIII, dos projectos de lei n.os 415 e 416/VIII e do projecto de resolução n.º 135/VIII, Sr.ª Secretária da Mesa, Rosa Maria Albernaz, vai proceder à leitura de um relatório e parecer da Comissão de Ética.

A Sr.ª Secretária (Rosa Maria Albernaz): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o relatório refere-se à retoma de mandato, nos termos do artigo 6.º, n.os 1 e 2, do Estatuto dos Deputados, do Sr. Deputado Machado Rodrigues, do PSD (círculo eleitoral de Bragança) cessando José Miguel Gonçalves Miranda, em 2 de Maio, inclusive, e à substituição, nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea d), do Estatuto dos Deputados, por um período não inferior a 45 dias, da Sr.ª Deputada Isabel Castro, Os Verdes (círculo eleitoral de Lisboa) por José Luís Teixeira Ferreira, com início em 7 de Maio corrente, inclusive.
O parecer da Comissão de Ética é no sentido de admitir a retoma de mandato e a substituição em causa, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, está em discussão.

Pausa.

Visto não haver pedidos de palavra, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, antes de dar por encerrados os trabalhos, informo que a próxima reunião plenária se realiza amanhã, quinta-feira, com início às 15 horas, e terá um período de antes da ordem do dia e, como ordem do dia, a discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 71/VIII e dos projectos de lei n.os 14/VIII (PCP), 394/VIII (CDS-PP) e 428 a 430/VIII (todos do PSD), bem como a discussão dos projectos de resolução n.os 126/VIII (Os Verdes) e 136/VIII (CDS-PP).
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 5 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Luís Manuel Ferreira Parreirão Gonçalves
Maria Luísa Silva Vasconcelos
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Social Democrata (PSD):
Armando Manuel Dinis Vieira
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa

Partido Popular (CDS-PP):
Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

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Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
António Fernandes da Silva Braga
Armando António Martins Vara
Cláudio Ramos Monteiro
Fernando Manuel dos Santos Gomes
João Alberto Martins Sobral
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida
José Alberto Leal Fateixa Palmeiro
José Eduardo Vera Cruz Jardim
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Maria Diogo
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco

Partido Social Democrata (PSD):
Henrique José Monteiro Chaves
Joaquim Monteiro da Mota e Silva
José de Almeida Cesário
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Mário Patinha Antão
Pedro Manuel Cruz Roseta
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
Maria Luísa Raimundo Mesquita

Partido Popular (CDS-PP):
António José Carlos Pinho

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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