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Quinta-feira, 31 de Maio de 2001 I Série — Número 88
VIII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2000-2001)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 30 DE MAIO DE 2001
Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos
Secretários: Ex. mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos Manuel Alves de Oliveira António João Rodeia Machado
S U M Á R I O
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 15 (Paulo Pedroso), os Srs. Deputados António Capucho (PSD), Fran-minutos. cisco de Assis (PS), Basílio Horta (CDS-PP), Durão Barroso (PSD),
Deu-se conta da entrada na Mesa das propostas de lei n.os 76 a Paulo Portas (CDS-PP), Heloísa Apolónia (Os Verdes), Fernando 79/VIII, das propostas de resolução n.os 58 e 59/VIII, dos projectos Rosas (BE), Manuel dos Santos (PS), Sílvio Rui Cervan (CDS-PP), de lei n.os 449 a 454/VIII e 456/VIII, do projecto de resolução n.º Eugénio Marinho (PSD), Agostinho Lopes (PCP), António Reis, 141/VIII, da apreciação parlamentar n.º 45/VIII e da moção de Strecht Ribeiro, Maria Celeste Correia, Manuel Alegre e José censura n.º 3/VIII. Barros Moura (PS).
Foi aprovado um parecer da Comissão de Ética, sobre as reto- No encerramento do debate, proferiram intervenções o Sr. Pri-mas de mandatos de dois Deputados do PS e as substituições de meiro-Ministro e o Sr. Deputado Luís Fazenda (BE). dois Deputados do PS. No final, a Câmara procedeu à votação da moção de censura,
A abrir o debate da moção de censura n.º 3/VIII, apresentada que foi rejeitada. pelo BE, intervieram o Sr. Deputado Luís Fazenda (BE) e o Sr. O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 40 minu-Primeiro-Ministro (António Guterres). tos.
Seguidamente, usaram da palavra, a diverso título, além daque-les oradores, e do Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade
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O Sr. Presidente: —Srs. Deputados, temos quórum, José Ernesto Figueira dos Reis pelo que declaro aberta a sessão. José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Pires Epifânio Eram 15 horas e 15 minutos. José Manuel Rosa do Egipto José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados: José Miguel Correia Noras Jovita de Fátima Romano Ladeira
Partido Socialista (PS): Laurentino José Monteiro Castro Dias
Agostinho Moreira Gonçalves Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Aires Manuel Jacinto de Carvalho Luís Manuel dos Santos Silva Patrão
Américo Jaime Afonso Pereira Luís Manuel Ferreira Parreirão Gonçalves
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes Luís Miguel Gomes Miranda Teixeira
António Alves Martinho Luísa Pinheiro Portugal
António Bento da Silva Galamba Luiz Manuel Fagundes Duarte
António de Almeida Santos Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho
António Fernandes da Silva Braga Manuel Alberto Barbosa de Oliveira
António Fernando Marques Ribeiro Reis Manuel Alegre de Melo Duarte
António José Gavino Paixão Manuel António dos Santos
António Manuel Dias Baptista Manuel Francisco dos Santos Valente
António Manuel do Carmo Saleiro Manuel Maria Diogo
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho Manuel Maria Ferreira Carrilho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos Margarida Maria Santos Soares da Rocha Gariso
Bruno Renato Sutil Moreira de Almeida Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Carla Maria Nunes Tavares Gaspar Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Carlos Alberto Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Carlos Alberto Dias dos Santos Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Carlos Manuel Luís Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira
Casimiro Francisco Ramos Maria do Céu da Cruz Vidal Lourenço
Cláudio Ramos Monteiro Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Emanuel Silva Martins Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa
Fernando Manuel de Jesus Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Fernando Manuel dos Santos Gomes Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Fernando Pereira Serrasqueiro Maria Luísa Silva Vasconcelos
Filipe Mesquita Vital Maria Teresa de Oliveira Ferreira Coimbra
Francisco José Pereira de Assis Miranda Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Francisco José Pinto Camilo Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres Nuno Fernando Teixeira Ferreira da Silva
Gil Tristão Cardoso de Freitas França Ofélia Maria Lapo Guerreiro
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Helena Maria Mesquita Ribeiro Paulo Alexandre de Carvalho Pisco
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco d’Almeida Paulo Alexandre Homem de Oliveira Fonseca
Isabel Maria dos Santos Barata Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge Tinoco de Faria Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Isabel Maria Soares Pinto Zacarias Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Jamila Barbara Madeira e Madeira Rosalina Maria Barbosa Martins
João Alberto Martins Sobral Rui do Nascimento Rabaça Vieira
João Cardona Gomes Cravinho Rui Manuel Leal Marqueiro
João Francisco Gomes Benavente Teresa Maria Neto Venda
João Pedro da Silva Correia Victor Brito de Moura
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira Victor Manuel Bento Baptista
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida Vítor Manuel Alves Peixoto
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Jorge Lacão Costa Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho Partido Social Democrata (PSD):
José Alberto Leal Fateixa Palmeiro Adão José Fonseca Silva José Alberto Rebelo dos Reis Lamego Álvaro dos Santos Amaro José Aurélio da Silva Barros Moura Ana Maria Martins Narciso José Carlos da Cruz Lavrador Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso José Carlos Pinto Basto Mota Torres António da Silva Pinto de Nazaré Pereira José da Conceição Saraiva António d’Orey Capucho
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António Edmundo Barbosa Montalvão Machado Pedro Miguel de Azeredo Duarte António Manuel da Cruz Silva Rui Fernando da Silva Rio António Manuel Santana Abelha Sérgio André da Costa Vieira António Paulo Martins Pereira Coelho Armando Manuel Dinis Vieira Partido Comunista Português (PCP): Arménio dos Santos Armindo Telmo Antunes Ferreira Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
Artur Ryder Torres Pereira Ana Margarida Lopes Botelho
Bruno Jorge Viegas Vitorino António Filipe Gaião Rodrigues
Carlos José das Neves Martins António João Rodeia Machado
Carlos Parente Antunes Bernardino José Torrão Soares
Domingos Duarte Lima Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares Joaquim Manuel da Fonseca Matias
Eugénio Fernando Sá Cerqueira Marinho Lino António Marques de Carvalho
Feliciano José Barreiras Duarte Maria Luísa Raimundo Mesquita
Fernando Jorge Loureiro de Reboredo Seara Maria Natália Gomes Filipe
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira Maria Odete dos Santos
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva Octávio Augusto Teixeira
Henrique José Monteiro Chaves Vicente José Rosado Merendas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa Partido Popular (CDS-PP):
João Bosco Soares Mota Amaral António Herculano Gonçalves João Eduardo Guimarães Moura de Sá António José Carlos Pinho João José da Silva Maçãs Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte Fernando Alves Moreno Joaquim Monteiro da Mota e Silva João Nuno Lacerda Teixeira de Melo Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa José Miguel Nunes Anacoreta Correia Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto Luís José de Mello e Castro Guedes José António de Sousa e Silva Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona José de Almeida Cesário Narana Sinai Coissoró José Eduardo Rêgo Mendes Martins Paulo Sacadura Cabral Portas José Frederico de Lemos Salter Cid Raúl Miguel de Oliveira Rosado Fernandes José Luís Campos Vieira de Castro Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan José Luís Fazenda Arnaut Duarte José Manuel de Matos Correia Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV): José Manuel Durão Barroso José Manuel Macedo Abrantes Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Lucília Maria Samoreno Ferra
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho Bloco de Esquerda (BE):
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes Fernando José Mendes Rosas Luís Manuel Machado Rodrigues Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes Luís Pedro Machado Sampaio de Sousa Pimentel O Sr. Presidente: —Srs. Deputados, o Sr. Secretário Manuel Alves de Oliveira vai proceder à leitura do expediente. Manuel Castro de Almeida Manuel Joaquim Barata Frexes O Sr. Secretário (Artur Penedos): — Sr. Presidente, Manuel Maria Moreira Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, deram Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida entrada na Mesa, e foram aceites as seguintes iniciativas Maria do Céu Baptista Ramos legislativas: propostas de lei n.os 76/VIII – Altera o Decre-Maria Manuela Aguiar Dias Moreira to-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro (Lei Orgânica Maria Manuela Dias Ferreira Leite da Polícia Judiciária), que baixou à 1.ª Comissão, 77/VIII Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes – Altera o Regime Penal do Tráfico e Detenção de Armas, Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro que baixou à 1.ª Comissão, 78/VIII – Altera a Lei n.º Mário da Silva Coutinho Albuquerque 144/99, de 31 de Agosto (Lei da Cooperação Judiciária Mário Patinha Antão Internacional em Matéria Penal), que baixou igualmente à Melchior Ribeiro Pereira Moreira 1.ª Comissão, e 79/VIII – Regime jurídico das acções Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva encobertas para fins de prevenção e investigação criminal, Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas que baixou também à 1.ª Comissão; propostas de resolução Nuno Miguel Marta de Oliveira da Silva Freitas n.os 58/VIII – Aprova, para ratificação, a Convenção rela-Nuno Miguel Sancho Cruz Ramos tiva ao auxílio judiciário mútuo em matéria penal entre os Pedro José da Vinha Rodrigues Costa Estados-membros da União Europeia, assinada em Bruxe-Pedro Manuel Cruz Roseta las a 29 de Maio de 2000, que baixou às 1.ª, 2.ª e 10.ª
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Comissões, e 59/VIII – Aprova, para ratificação, o Tratado mas de mandatos e as substituições em causa são de admi-de Nice que altera o Tratado da União Europeia, os Trata- tir, uma vez que se encontram verificados os requisitos dos que instituem as Comunidades Europeias e alguns legais. actos relativos a esses Tratados, assinado em Nice, em 26 de Fevereiro de 2001, que baixou às 1.ª, 2.ª e 10.ª Comis- O Sr. Presidente: —Srs. Deputados, está em discussão sões; projectos de lei n.os 449/VIII – Cria as autoridades o parecer da Comissão de Ética que acaba de ser lido. metropolitanas de transportes (BE), que baixou à 4.ª Como não há inscrições, vamos votar. Comissão, 450/VIII – Designação da freguesia de Grijó de Vale Benfeito (PS), que baixou à 4.ª Comissão, 451/VIII – Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade. Designação da freguesia de Lamas de Podence (PS), que baixou igualmente à 4.ª Comissão, 452/VIII – Reforça os Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, temos a as-poderes e meios de actuação das estruturas e funcionamen- sistir aos nosso trabalhos, na tribuna do Corpo Diplomáti-to das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto (Alteração à co, dois elementos do Grupo Parlamentar de Amizade Lei n.º 44/91, de 2 de Agosto) (PCP), que baixou à 4.ª Portugal-Cuba, acompanhados pelo Sr. Embaixador da Comissão, 453/VIII – Altera o artigo 6.º da Lei Eleitoral República de Cuba em Portugal e pelo Presidente do refe-para a Assembleia da República (Lei n.º 14/79, de 16 de rido Grupo de Amizade. Novembro, na sua redacção actual) (PS), que baixou à 1.ª Saudemo-los calorosamente. Comissão, 454/VIII – Alarga a possibilidade de recensea- mento no estrangeiro mediante apresentação do título de Aplausos do PS, do PSD, do PCP, de Os Verdes e do residência (PS), que baixou à 1.ª Comissão, e 456/VIII – BE, de pé. Alteração dos limites da freguesia de Pombalinho no con- celho de Santarém (PS), que baixou à 4.ª Comissão; pro- Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, a ordem do jecto de resolução n.º 141/VIII – Facilita e promove o dia para hoje é preenchida, em exclusividade, com a dis-acesso dos cidadãos portugueses emigrantes aos serviços cussão e posterior votação da moção de censura n.º 3/VIII da Administração Pública (PS); apreciação do Decreto-Lei – Ao XIV Governo Constitucional (BE). n.º 130-A/2001, de 23 de Abril (Estabelece a organização, Para introduzir o debate, no período de abertura, tem a o processo e o regime de funcionamento da Comissão para palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda, para o que dispõe de a Discussão da Toxicodependência, a que se refere o n.º 1 30 minutos. do artigo 5.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, e regula outras matérias complementares) [apreciação par- O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr. Pri-lamentar n.º 45/VIII (CDS-PP)]; moção de censura n.º meiro-Ministro, Sr.as e Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputa-3/VIII – Ao XIV Governo Constitucional (BE). dos: A questão que aqui nos traz é mesmo muito simples.
Sr. Presidente, temos, ainda, um relatório da Comissão É a inquietação, a preocupação e o descontentamento de de Ética, que importaria apreciar desde já, do seguinte grande parte do País com a governação e, crescentemente, teor: com a própria política.
Porque assim é – e nem seriam necessárias sondagens Em reunião da Comissão de Ética, realizada no dia 30 para o demonstrar –, colocamos a pergunta: o Governo que
de Maio de 2001, foram observadas as seguintes retomas temos merece censura? de mandatos e substituições de Deputados: A nosso ver, merece e estamos convencidos de que
a) Retomas de mandatos nos termos do artigo 6.º, n.os 1 muitos portugueses nos acompanham nesta opinião. E que e 2, do Estatuto dos Deputados: nos acompanham neste preciso momento, independente-
Grupo Parlamentar do Partido Socialista: mente das suas simpatias partidárias ou até da sua descon-José Carlos Tavares (círculo eleitoral de Viana do Cas- fiança na política que existe.
telo), cessando Nuno Fernando Teixeira Ferreira da Silva, O Governo merece censura por muitas razões, mas, em 31 de Maio corrente, inclusive; antes de mais, por cinco que determinam a moção que o
Maria José Campos (círculo eleitoral de Santarém), Bloco apresenta ao País e que submete à discussão deste cessando Paulo Fonseca, em 1 de Junho próximo, inclu- Parlamento. sive; Merece censura porque enganou o País, prometendo
b) Substituição nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea e), um Orçamento sério para o progresso económico, e esta-do Estatuto dos Deputados: mos perante uma crise que não ilude ninguém.
Grupo Parlamentar do Partido Socialista: Merece censura porque não teve a coragem das refor-Armando Vara (círculo eleitoral de Bragança), por mas para um novo modelo de desenvolvimento assente no
Américo Jaime Afonso Pereira, com início em 30 de Maio pleno emprego, na qualificação e na inovação, e preferiu corrente, inclusive; negociar um Orçamento à custa do acordo fácil de um
c) Substituição nos termos do artigo 20.º, n.º 1, alínea Deputado da direita. h), do Estatuto dos Deputados: Merece censura porque não resistiu a obras sem con-
Grupo Parlamentar do Partido Socialista: curso, a gastos sem controlo orçamental, não resistiu aos José Miguel Noras (círculo eleitoral de Santarém), por negócios.
Paulo Fonseca, com início em 1 de Junho próximo, inclu- Merece censura porque não responde às grandes ques-sive. tões que interessam aos portugueses e prefere o investi-
O parecer da Comissão vai no sentido de que as reto- mento de 90 milhões de contos anuais, durante 30 anos,
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num TGV desproporcionado ou prefere gastar mais de para criar emprego, para qualificar o emprego, para res-1000 milhões de contos, durante 35 anos, em submarinos e ponder aos abusos, o Sr. Primeiro-Ministro poderia res-outras armas, em vez de investir no sistema de saúde, no ponder-me a esta censura. Diria que se começaram a resol-ensino ou na qualidade de vida. ver estes problemas e que «Roma e Pavia não se fizeram
Merece censura, sobretudo e antes de mais, porque, num dia» – e de Roma percebe o Sr. Primeiro-Ministro! depois de prometer clarificação, deixa tudo na mesma e Mas não há nem estratégia nem resposta e todos esses conduz o Governo do País à degradação de um novo Orça- erros se têm agravado perante o silêncio e o desinteresse mento «Limiano». do Governo.
Sr. Primeiro-Ministro, o repto que lhe fazemos, na Por isso, o Governo parece não perceber o que todo o modéstia das nossas pretensões, é o de um debate sério País já sabe sobre os empregos, sobre os salários e sobre a sobre o fundamento de cada uma destas cinco razões. Uma economia. por uma. O Governo dirá das suas razões e o Bloco de Estamos, na opinião de muitos economistas idóneos, Esquerda das nossas. É isso que farei nesta intervenção. não apenas num abrandamento do crescimento mas com o
Sr. Primeiro-Ministro, o seu Governo merece censura espectro de caminharmos para uma recessão. porque se comprometeu, no fim do ano passado, com a O emprego e a produção industrial estão a cair. O em-manutenção do poder de compra dos trabalhadores e dos prego na indústria baixou, no último ano, 2,2% e a produ-pensionistas e não vai cumprir a sua palavra. É hoje im- ção industrial caiu 3,4%, só em Janeiro. possível manter o poder de compra das famílias sem um Estamos a atingir níveis de endividamento que são in-aumento intercalar de salários, porque a inflação já comeu, sustentáveis: o deficit comercial subiu 17,4%, em 2000, e em cinco meses, as actualizações salariais previstas para por cada 10 000$ que importamos 4000$ são a crédito. todo o ano. Devemos mais de metade do produto anual. Sr. Primeiro-
A verdade tem de ser dita: ou o Governo negociou os Ministro, ninguém nos vai pagar nem perdoar tal dívida. salários da função pública de má fé – porque sabia de E, Sr. Primeiro-Ministro, o problema do País passa a antemão que os referenciais de inflação estavam subava- ser este: nenhuma economia se sustenta quando os juros liados – ou, então, teria hoje de se obrigar ao ajustamento não têm nenhuma relação com a inflação e quando a taxa salarial em nome da sua boa fé. de câmbio não tem nenhuma relação com a competitivida-
Ao recusar um aumento intercalar de salários, o Go- de. Portugal está condenado, eventualmente, a um ajusta-verno merece censura, por razão de quebra da palavra dada mento recessivo se não mudar urgentemente de política. e pela sua consequência. Não devem ser os trabalhadores O que está errado é o modelo de desenvolvimento as-do público ou do privado a pagar projecções erradas para a sente em baixos salários e qualificações, que implica baixa inflação nem as ineficiências do Estado, cuja responsabili- produtividade e competitividade, que agrava a dependên-dade é do Governo. E não o podem ser os trabalhadores, os cia externa e que desvaloriza a capacidade de actuação pensionistas, no exacto momento em que os grupos finan- autónoma, ao perder nas políticas monetária, cambial e ceiros anunciam resultados record. orçamental.
Os salários, em Portugal, estão a divergir dos da média O Governo merece censura por uma política económica europeia e até dos países que mais próximos estavam da imprevidente, errada, sem orientação e que conduz à crise. média portuguesa. Isto não é bom para as famílias, isto Sr. Presidente, dizia, na semana passada, uma persona-lesa o orçamento familiar. E, principalmente, não é bom lidade da área socialista, Vasco Vieira de Almeida: «Tenho para o País que continua a especializar-se naquilo que a certeza de que se não agirmos neste momento ficamos deveria ser uma das suas maiores vergonhas: os baixos como aquele Presidente do Brasil que um dia disse: quan-salários. do tomei posse o país estava à beira do abismo; seis anos
E esta política dá o sinal para um ataque aos direitos do depois, deu um grande passo em frente». A nossa censura trabalho. é a de que o Governo não age, a não ser para dar passos
Sabe o Sr. Primeiro-Ministro – veja bem este exemplo em frente, em direcção a abismos. – que o supermercado Modelo, do Barreiro, retirou um dia O Governo merece também censura porque estamos a de salário aos trabalhadores para compensar a sua quebra andar para trás na saúde. É um lugar-comum, já hoje, dizer de vendas? E se a moda pega? que o Sistema Nacional de Saúde bateu no fundo.
Sabe o Sr. Primeiro-Ministro que, desde o congelamen- O Primeiro-Ministro mudou de Ministra e esta mudou to de vagas na função pública, já há 30 000 precários no de equipas. Seria de esperar resultados e, de facto, eles Estado? estão à vista. Estamos a andar para trás. Pelo menos nas
Sabe o Sr. Primeiro-Ministro que, perante a passivida- intenções, o Partido Socialista e o Governo já estiveram de das inspecções do trabalho, há subempreiteiros da cons- bem melhor neste domínio. E perguntam-nos se o Governo trução civil do Algarve, que agora visitou, que não pagam merece censura. Merece sim, senhor. salários durante dois, três e mais meses aos imigrantes que Diz-nos a Ministra da Saúde que «a situação do sec-empregam, muitas das vezes em situação ilegal? tor é uma vergonha». Nisso tem razão: temos das mais
Sabe o Sr. Primeiro-Ministro – e sabe-o, seguramente! elevadas taxas de alcoolismo e de toxicodependência de – que 25 000 professores ficaram fora dos quadros na toda a Europa, temos quatro vezes os casos de SIDA por primeira fase do concurso nacional de colocação, mas que habitante em relação à média europeia e duas vezes e há 678 vagas de Matemática que ficaram desertas, justa- meia os casos de tuberculose. Matéria para reflectir pro-mente um dos pontos mais fracos do nosso sistema de fundamente. ensino? No entanto, as famílias suportam 40% das despesas
Se houvesse uma estratégia económica do Governo com saúde, o que é o dobro de outros países europeus.
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Embora tenhamos dos menores investimentos públicos em poderemos ficar perto de um deficit da ordem de 42% do saúde da União, temos das medicinas e dos medicamentos orçamento inicial para 2001. mais caros da União. Em consequência, um sistema de Ora, esta situação é tanto mais grave quanto o actual saúde que agrava a desigualdade social. Ministério da Saúde dispôs da maior regularização da
Globalmente, gastamos de menos na saúde e o que gas- dívida jamais praticada, que foi de 277 milhões de contos tamos, gastamos mal – é por isso mesmo que uma lógica no final de 1999, através de um Orçamento rectificativo estritamente economicista ou contabilística da reforma do então explicado pela necessidade de proteger e reformar o sistema de saúde é inoperacional e errada e se não for Serviço Nacional de Saúde. norteada por uma política de qualidade dos cuidados de Por outras palavras, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Mem-saúde e de investimento em saúde não irá a lugar nenhum. bros do Governo, estamos em situação de pré-colapso.
Tome nota, Sr. Primeiro-Ministro, do diagnóstico dessa Esta inacção contrasta nitidamente com a promessa crise do sistema de saúde que foi apresentado pelo seu ex- apresentada pelo partido vencedor das últimas eleições Director-Geral da Saúde, o Professor Constantino Sakella- que, no seu Programa do Governo, garantia que: «Chegou rides: «O SNS é hoje um empreendimento que movimenta a hora de nos comprometermos solenemente com os por-cerca de 1000 milhões de contos por ano. Emprega direc- tugueses no que toca a uma melhoria do sistema de saúde. tamente mais de 100 000 pessoas. Movimenta importantís- É indispensável ao País um sistema de saúde mais eficien-simos sectores da sociedade e da economia portuguesa. E, te, que preste melhores serviços aos cidadãos e de qualida-no entanto, tem sido aparentemente pacífico que este con- de reconhecida. Na próxima legislatura caminharemos glomerado de grandes proporções e complexidade, finan- decididamente nesse sentido. (…) Chegou a hora da pro-ciado pelos contribuintes através do Estado, tenha crescido moção da saúde como grande prioridade.» consideravelmente durante anos sem as mínimas condições Censuramo-lo, Sr. Primeiro-Ministro, porque fracassou de racionalidade: sem uma estratégia de desenvolvimento – ou nem sequer quis fazer a reforma necessária – no que explícita; sem adopção de formas de remuneração do tra- era o seu apregoado objectivo programático: a hora da balho profissional em saúde que respeite as suas especifi- saúde como grande prioridade nunca chegou. cidades; sem uma política de promoção da qualidade; sem Chegou a hora de alguns negócios, isso sim, devemos uma política de recursos humanos que evitasse por anteci- dizê-lo sem peias. E que negócios: concessão de gestão de pação o excessivo envelhecimento das profissões de saúde hospital público a empresa privada (modelo Fernando da e as suas exigências específicas; sem qualquer planificação Fonseca, hospital Amadora/Sintra); «empresarialização» para a modernização da saúde pública portuguesa; sem a de hospital público, São Sebastião (Feira); «empresariali-concepção de um sistema de informação de saúde capaz de zação» de uma unidade local de saúde, a de Matosinhos, nos dar indicadores fiáveis.» incluindo o Hospital Pedro Hispano; a preparação, que se
É destas graves omissões, diz, em 1999, o Professor prevê, de concessões aos hospitais de Cascais, Sintra, Constantino Sakellarides, que sofre o sistema de saúde Loures e Vila Franca de Xira. E a nossa desconfiança é a português. de que idêntico processo se possa vir a seguir com outros
O diagnóstico não se alterou. Não se pode falar mais hospitais. claro. Para resolver os problemas é preciso conhecê-los e Censuramo-lo, Sr. Primeiro-Ministro, porque os resul-reconhecê-los. tados deste modelo de gestão privada de hospitais estão à
Ora, esta crise é agravada pelo descontrolo de gestão vista. do Serviço Nacional de Saúde, que tem crescido ao longo No caso do hospital Amadora/Sintra, o estudo compa-do tempo e pelas estratégias para o desarticular. rativo do Instituto Nacional de Administração prova que
Os órgãos do Serviço Nacional de Saúde – Conselho ficou garantida menos cobertura da população do que no Nacional de Saúde, Administração Central de Saúde – caso do hospital público de Almada, tanto nas urgências nunca foram constituídos, ao contrário do que prevê a lei. (diferença de 6%), como nas consultas (diferença de 18%), Pior ainda, não temos contas do SNS desde 1998. Em como nos internamentos (diferença de 19%), a favor da consequência, chegamos perto do descalabro. gestão pública. Este negócio, no modelo Fernando da
Ao longo dos seis anos do seu Governo, de 1995 a Fonseca, vale 10 milhões de contos por ano, mas tem 2000, os 287 milhões de contos de correcções de dotações como inevitáveis vítimas os cuidados de saúde a que a orçamentais, acrescidos dos 387 milhões de contos mobili- população deveria ter direito. zados para regularização da dívida, atingem 675 milhões No hospital da Feira, que foi entregue pelo Governo a de contos, ou seja, 16,3% do somatório das dotações ini- um regime de administração segundo regras empresariais ciais para o mesmo período. «Por outras palavras,… — privadas, foi sendo criada uma cultura de irresponsabilida-para citar, mais uma vez, um destacado socialista — … de social que leva, inclusivamente, a Administração a globalmente, para o conjunto dos anos que vão de 1995 a considerar que o poder de compra deve discriminar o tra-2000, admitindo que todos os recursos concedidos foram tamento aos doentes. bem geridos, a suborçamentação inicial do SNS ronda os Censuramos o seu Governo, Sr. Primeiro-Ministro, 16%», conclui Correia de Campos. porque poderia ter começado a resolver a crise da saúde e
Ao contrário dos objectivos proclamados, o deficit não o tem querido fazer. Receou os interesses económicos acumulado pode vir a ultrapassar os 400 milhões de con- do sector. Preferiu contemporizar. Deixou andar. Deixou tos, o dobro do que estava previsto, dado que o deficit de que o mercado, progressivamente, tome conta de um dos 2001 pode atingir cerca de 186 milhões de contos. Deste bens mais preciosos na democracia: a saúde pública, o modo, e ainda segundo os cálculos de Correia de Campos, respeito de todos por todos.
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Seria talvez aqui a maior exigência para o Sr. Primeiro- No processo de privatização da EDP, que incluiu o sa-Ministro poder comprovar que, de facto, não pretende neamento da CP, foram desviados para esta empresa uma apenas gerir a economia de mercado, como diz, mas, na mais-valia de «cerca de 28 milhões de contos, à custa dos realidade, lutar por uma sociedade onde os direitos possam melhores títulos da carteira de participações do Estado.» ser garantidos, com critérios, com regulamentação de mer- Por sua vez, «a operação de privatização da Soporcel já cado. Dizia o Sr. Primeiro-Ministro que não era pela soci- implicou para a Partest e seu accionista único um prejuízo edade de mercado, mas, olhando para a saúde, não parece, de cerca de 8 milhões de contos.» não temos essa contraprova. Quanto à companhia de seguros O Trabalho, a Partest
Sr. Primeiro-Ministro, merece censura, ainda, por outra injectou 9 milhões de contos no saneamento da empresa, razão: ao mesmo tempo que anuncia aos quatro ventos um originando um prejuízo de 3,2 milhões de contos. programa de redução de despesa pública, compromete o No caso do Hospital da Cruz Vermelha, o Governo de-País em investimentos megalómanos e de oportunidade cidiu, em 1998, que a Partest compraria 45% deste hospital mais que duvidosa. privado a um preço que decuplicava o seu valor de merca-
Se o tempo é de vacas magras, e a isso não será alheio do (as acções foram compradas a 10 400$, quando valiam o atraso, os impasses e algumas limitações da reforma 1006$), o que permitiu regularizar o passivo injectando fiscal e, agora, o previsível atraso da reforma dos impostos desta forma 2,3 milhões de contos na empresa. sobre o património, bem como as orientações seguidas em O Tribunal de Contas considerou que «não cabe ao privatizações e investimentos infra-estruturantes, se o Estado apoiar uma instituição privada com dinheiros pú-tempo é de vacas magras, repito, que sentido tem gastar blicos, para sanear passivos para os quais o Estado em centenas de milhões de contos em submarinos, helis e nada contribuiu, para mais desconhecendo-se a origem de aviões, tudo para «projecção de forças», ou seja, para tal situação». No entanto, foi isso mesmo que aconteceu. missões NATO, sem que exista sequer um conceito de E poderíamos falar de perdões fiscais encapotados, defesa nacional que explique para que queremos tais mate- como o do grupo Petrocontrol. riais de guerra? Sr. Primeiro-Ministro, estamos no domínio do descala-
Se o tempo é de vacas magras, que sentido tem lançar a bro das contas públicas, das regras públicas e dos princí-debate, ainda sem estudos de procura, sem critérios técni- pios públicos, e foi o seu Governo, Sr. Primeiro-Ministro, cos sérios, um projecto megalómano de TGV, que ultra- que escolheu este caminho. passa em muitas centenas de milhões de contos a necessi- Diversos ministros e dirigentes do Partido Socialista e, dade de adaptação das linhas férreas à bitola europeia? mesmo, o Primeiro-Ministro referiram-se, antes do Con-
Alguém acredita que o EURO 2004, por exemplo, não gresso do Partido Socialista, à necessidade de uma clarifi-vai ser, ainda, mais um saco sem fundo? Alguém acredita cação. Criou-se a expectativa de que o Governo faria esco-que vai ser no futebol que iremos corrigir essa persistente lhas, que anunciaria políticas, que definiria caminhos. Em moda nacional, que é a orçamentar por baixo e gastar por vez disso, ficou o mais pesado dos silêncios. cima? Que disse o Sr. Primeiro-Ministro nas suas interven-
Sr. Presidente, o momento de censurar o Governo é ções congressuais? Nada. Avalizou o passado e nem uma este. É agora que ele merece censura, e estamos seguros de palavra séria sobre o Orçamento. interpretar, com este gesto, o sentir dos cidadãos e das Diversos ministros e dirigentes do Partido Socialista cidadãs mais exigentes do País. É o momento. Pelo que preconizaram, até, pasme-se, uma viragem à esquerda. Que disse e pelo que aí vem. fez o Primeiro-Ministro? Desdobrou-se em desmentidos.
Não pode continuar tudo como está. Se os negócios Que disse o Sr. Primeiro-Ministro? Que não excluía a florescem, é tempo de os parar, é tempo de olhar para os direita do seu diálogo. E prontamente o fez, negociando factos. com o CDS uma lei de bases da família e uma lei de pro-
Dou-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, um dos mais recentes gramação militar. Sabe-se lá a que preço…, por aquilo desses factos, um escândalo atrás de outro escândalo: de que, hoje, é anunciado nos jornais da manhã. acordo com a auditoria do Tribunal de Contas, o Governo socialista perdeu cerca de 50 milhões de contos em benes- O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): — Família? Que ses a grupos privados, através de operações da Partest. São escândalo! cinco os casos analisados pelo Tribunal de Contas: com a Lisnave, perdeu 11 milhões de contos; com a EDP, perdeu O Orador: —De cada vez que o Partido Socialista 28 milhões de contos; com a seguradora O Trabalho, per- aprova uma ou outra medida à esquerda, o que não chega deu 3,2 milhões de contos; com o Hospital da Cruz Verme- para fazer uma nova política como facilmente se reconhe-lha, perdeu 2,3 milhões de contos; com a Soporcel, perdeu ce, António Guterres logo pede desculpa ao poder econó-8 milhões de contos. mico e a outros poderes fácticos. Sempre que aprova com a
Não me vai dizer, Sr. Primeiro-Ministro, que tudo isto direita, simplesmente «segue em frente». é incompetência ou distracção. Um por um, são casos de O congresso socialista apenas prometeu mais do mes-delapidação do património. mo.
Diz o Tribunal (e não será uma força de bloqueio), da E, no entanto, a maioria dos portugueses já percebeu operação Lisnave, decidida no tempo de Sousa Franco, em que a situação vai piorar. Muitos dos que votaram PS já 1997: «Em termos práticos, [este financiamento] revestiu a entenderam que o Governo não tem rumo claro, não tem natureza de fundo perdido». Por isso, «questiona-se se coragem para rupturas nem para reformas e gere à vista. E foram devidamente salvaguardados os interesses patrimo- isto é tanto mais incompreensível, Sr.as e Srs. Deputados niais do Estado.» do Partido Socialista, quanto se percebe que a direita por-
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tuguesa se arrasta, consumida em divisões e sem qualquer fizesse quanto antes. projecto que a relance. Teria sido tempo de o Governo se confrontar com as
Escusa o Sr. Primeiro-Ministro de culpar terceiros. suas responsabilidades e propostas ante os eleitores e de as várias oposições também o fazerem. O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): — Ó diabo! Sr. Presidente, o Bloco de Esquerda censura o Gover-no, porque este nem quer provocar, por via de um acordo O Orador: —São ex-ministros seus alguns dos princi- parlamentar à esquerda ou à direita, um fôlego pelo menos
pais críticos deste Governo. São Deputados do seu partido clarificador, nem tem coragem para apresentar uma moção alguns dos principais críticos da política governamental. de confiança.
Vejam-se, mais uma vez, as reflexões interessantíssi- É inútil, Sr.as e Srs. Deputados, enredar este debate em mas de Vasco Vieira de Almeida… politiquice ou reduzir o Parlamento a um salão de estilos.
Lá fora, todos o sabemos, a abstenção cresce, e ninguém se O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Aí está um operário! entusiasmará com floreados de palavras ou jogos de salão. O Governo merece censura? Merece, e por isso o Blo-O Orador: —… quando diz que «o centro ou traduz a co de Esquerda, independentemente das posições dos
ausência de ideias ou as piores ideias» e que «É absoluta- outros partidos, tomou esta iniciativa e dela assume a plena mente necessário que os partidos se distingam claramente responsabilidade. porque a indiferenciação enfraquece». E diremos, até, que Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, a censura vale já estivemos mais longe de assistir a ministros no activo pelas suas razões. Não nos movem hostilidades pessoais. que sustentam a sua política às segundas, quartas e sextas e Para isso chega o Partido Socialista. a criticam às terças, quintas e sábados, sobrando, talvez, o O Bloco expõe-se? Expõe. Avança com a censura sem domingo para reflexões mais íntimas. previamente cuidar de quem a possa apoiar? Avança. Por-
que estamos convencidos de que quem está cada vez mais O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — É o dia do Senhor! só é o Governo e não aqueles que têm a frontalidade de dizer «acabou o tempo», «é tempo de virar a página», mais O Orador: —O País tem o direito de saber o que vem do mesmo é que não.
aí, tem o direito de saber se um novo Orçamento do género Sr. Presidente, o Bloco expõe-se. Tão legitimamente do queijo «Limiano» está ou não a ser negociado… como procura, nesta Sala, e procurará sempre, aprovar leis
que melhorem e transformem a vida dos portugueses. Por O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Deve estar! isso tomou a responsabilidade de censurar o Governo. Pomos o dedo na ferida, o problema do País, entenda-O Orador: —… e que esse negócio é desprestigiante mo-nos, começa no próprio Governo.
para a democracia, é degradante para a política, e que é o Negue o Governo, se puder, as razões da nossa censu-sinal de que tudo fica na mesma. Não tinha sido isso que ra. nos tinham prometido.
Ferro Rodrigues pedira eleições se estas fossem a alter- Aplausos do BE. nativa a uma situação de degradação: «Embora sendo mau do ponto de vista de fundo, [as eleições] do ponto de vista O Sr. Presidente: —Para pedir esclarecimentos ao Sr. prático, podem ser melhores que uma solução de arrasta- Deputado Luís Fazenda, inscreveram-se os Srs. Deputados mento.» António Capucho, Francisco de Assis e Basílio Horta.
Jorge Coelho indignava-se em 19 de Abril contra a hi- Antes de dar a palavra ao Sr. Primeiro-Ministro para pótese de um novo queijo «Limiano», dizendo que o PS intervir no período de abertura do debate, informo que não pode «abdicar de valores e princípios para viabilizar o temos a assistir aos trabalhos, continuando a dar-nos a Orçamento» e que nesse caso, «então, não teria nada con- alegria correspondente, mais um numeroso grupo de estu-tra eleições antecipadas que fizessem uma clarificação.» dantes das nossas escolas. Dizia dias depois, a 4 de Maio, que «[a solução limiana] Assim, temos presente um grupo de 63 alunos da Esco-não é uma boa solução. Não é esta a forma normal de la Tecnológica, Artística e Profissional de Pombal, um funcionamento do sistema político.» grupo de 76 alunos da EB 2,3 de Pedrouços e um grupo de
Ora aqui está. Medimos as políticas pelas palavras e 26 alunos da Escola Profissional da Serra da Estrela. pelas acções. O Governo merece a maior das censuras: não Para todos peço a habitual saudação. aprendeu nada com a entorse buraco antidemocrática que o Orçamento para 2001 representou. Porque consagrou polí- Aplausos gerais, de pé. ticas incompetentes. Porque se escusou às reformas. Por- que ficar a meio caminho é não ir a lugar nenhum. Para uma intervenção, no período de abertura do debate
O momento da censura é este, porque é claro que o da moção de censura, tem a palavra o Sr. Primeiro-Governo não tenciona arrepiar caminho e que nada mais Ministro. há a esperar senão revisões da matéria dada. E não é disto que o País precisa. O Sr. Primeiro-Ministro (António Guterres): — Sr.
À progressão inexorável da desconfiança no Estado, Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A moção de censura que nos serviços públicos e na própria política, preferiríamos hoje nos é apresentada baseia-se numa contradição e num que a palavra fosse devolvida aos portugueses e que tal se equívoco.
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É contraditória porque tem dois fundamentos antagóni- solidariedade e da justiça social. Para o Bloco isso não cos no texto da moção e nas sucessivas declarações dos conta, tudo isso é assimilável à direita. Indo até ao fundo dirigentes do partido proponente: ora quer, ora não quer do raciocínio, é mesmo a pior das direitas. derrubar o Governo. Mas aprofundemos primeiro a contradição que a censu-
E baseia-se num equívoco, porque parte do princípio ra encerra. Esta moção não é uma, são duas: uma, para dogmático de que o socialismo democrático, projecto re- derrubar o Governo; outra, para o não derrubar. E vai formador que criou e consolidou o Estado-Providência ou variando de natureza ao sabor dos textos e dos discursos o Estado de Bem-estar nas sociedades europeias, não se dos seus dirigentes. É como se no Bloco de Esquerda hou-distingue da direita e, por isso, não tem verdadeiramente o vesse também uma linha vermelha e uma linha negra, a direito de governar em vez dela. primeira pela pureza revolucionária, a segunda com algu-
A direita tem uma enorme dificuldade em ser oposição mas fraquezas desta vida. por, no fundo, estar convencida de que deveria governar por direito divino. O Bloco de Esquerda entende também Aplausos do PS. que, sendo de direita tudo o que lhe é exterior…
Para facilitar as coisas comecemos por analisar a ver-Protestos do PSD e do CDS-PP. são mais inocente da moção. Segundo um alto dirigente do Bloco de Esquerda, falando em 27 de Maio, a moção está Srs. Deputados, dão licença que continue? cheia de boas intenções. Não é para derrubar o Governo, mas para provocar uma clarificação política e renovar a O Sr. Presidente: —Srs. Deputados, agradeço que fa- esperança à esquerda.
çam silêncio. Estamos aqui para ouvir quem está no uso da É uma moção do tipo «censuro logo existo». palavra.
Risos do CDS-PP. O Orador: —Nunca pensei ter acertado tão certeira-
mente no alvo!… Não preciso sequer de utilizar argumentos meus para a combater. Basta relembrar-me o que os elementos do Blo-Aplausos do PS. co de Esquerda referiram sobre as moções de censura dos outros partidos. O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): — Onde é que está Escrevia, a propósito da moção de censura apresentada
o alvo? pelo PSD, o Deputado Luís Fazenda: «A dita cuja ‘moção de censura’, sem eficácia na Assembleia da República, O Orador: —Repito, o Bloco de Esquerda entende devido à composição parlamentar, que assegura ao PS
também que, sendo de direita tudo o que lhe é exterior, é a metade dos assentos, faz lembrar as aventuras e desventu-verdadeira direita que deve governar, ainda que por direito ras daqueles briosos gauleses, que, cercados de romanos profano, na ausência de um projecto radical que virasse o por todos os lados, tinham o patrocínio dos deuses e o mundo às avessas. energético auxílio de uma poção mágica, que lhes duplica-
va a força.» Risos do PS. Aplausos do PS. São, aliás, bem conhecidos os desastres a que conduzi-
ram experiências deste tipo. Recordo também a interessante teorização do Deputado Francisco Louçã para demonstrar a inconsequência da Vozes do PS: —Muito bem! moção de censura do PSD, ou as palavras irónicas do Deputado Luís Fazenda: «A moção de censura do PSD O Orador: —Esta moção de censura faz assim recor- apresentada ao Governo Constitucional, neste Parlamento,
dar, embora com o polimento de mais de duas décadas de denota indisfarçável desejo de competição entre partidos e democracia, a concepção bem enraizada em alguns prota- líderes partidários de direita». E mais à frente: «Vamos gonistas do PREC. Tudo o que não fosse revolucionário pela seriedade. Não nos norteia o jogo parlamentar mas, era da reacção e os piores de todos os reaccionários eram sim, o exercício da cidadania e a clareza das escolhas.» os socialistas porque pareciam não o ser. Na análise do próprio Bloco de Esquerda, parece estar
Hoje, para o Bloco de Esquerda, tudo o que não é da assim, nesta versão da moção de censura, «um indisfarçá-esquerda radical é da direita e o socialismo democrático é vel desejo de competição que só pode ser com o PCP», no a pior das direitas, porque no seu entender não parece sê- quadro do chamado jogo parlamentar. lo. Este é o equívoco que está na base desta moção. Pior do que um equívoco, uma mistificação. O Sr. Luís Fazenda (BE): — Era o que faltava!
O Bloco de Esquerda não se assume assim como que- rendo ser componente de uma esquerda plural, disponível A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): — Só para contribuir para a governabilidade do País e para a pode! estabilidade política, mas como pretenso detentor de uma espécie de monopólio da esquerda, olhando com desdém o O Orador: —Mas, como já sublinhei, há uma segun-contributo que, durante mais de um século, se ficou a de- da moção de censura entregue na Mesa da Assembleia da ver ao socialismo democrático na defesa da liberdade, da República, e essa visa inequivocamente derrubar o
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Governo. Desde logo, pela fundamentação do texto no seu ponto O Orador: —Srs. Deputados do Bloco de Esquerda,
7, onde se lê o seguinte: «Para este tipo de situações, a os senhores não são o Alfa e o Omega dos valores da democracia prevê uma alternativa: interromper a activida- esquerda. de deste Governo e convocar eleições gerais». Tese enfati- zada por Miguel Portas, em entrevista à Focus. Respigo Aplausos do PS. apenas três frases: «a superação do agravamento desta crise aconselha a nova consulta popular». Para quando? Esta já existia antes de vós e não se extinguirá convos-«Quanto mais cedo melhor». «O Bloco é favorável à reali- co. Assume diversas formas que devem respeitar-se nas zação de eleições antecipadas.» suas diferenças, se nenhuma delas se quiser transformar
Mas como conseguir este objectivo? Os relatos da em aliada objectiva da direita, como dia a dia cada vez Convenção do Bloco Esquerda desvendam este enigma. mais parece acontecer convosco.
Quer queiram quer não queiram, quer gostem quer não O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Só havia quatro ope- gostem, há para além de vós formas distintas de governar,
rários! projectos alternativos, princípios e valores diversos em relação aos quais a escolha não é indiferente. A experiên-O Orador: —No encerramento da Convenção, ficou cia recente da democracia portuguesa chega para o de-
expressa a vontade de fazer da Assembleia da República a monstrar de forma cabal. voz do descontentamento contra o executivo socialista. Já houve tempo em que as políticas económicas des-Não sendo intenção do Bloco de Esquerda fazê-lo sozinho, prezavam o emprego e o desemprego era escondido, mi-todos notaram uma piscadela de olho à oposição e mesmo nimizado e não combatido. Ao contrário do que aqui foi a alguns Deputados socialistas entendidos como mais à dito, nestes últimos anos o emprego está com êxito no esquerda a quem se exprimiu «solidariedade». O objectivo: centro das preocupações da política económica. Para vós, derrubar o Governo; a táctica: tentar unir a oposição e, se pelos vistos, é a mesma coisa. Para nós, não é, e pensamos possível, fraccionar o PS. que para os trabalhadores também não.
Deve ser rejeitada, a começar pelo seu próprio eleitora- do, esta atitude do Bloco de Esquerda ao querer derrubar O Sr. António Reis (PS): — Muito bem! um Governo do PS. É evidente que o Bloco de Esquerda tem hoje um objectivo, diria mesmo, uma obsessão: enfra- O Orador: —Já houve tempo em que a pobreza era quecer o PS. escondida, um rendimento mínimo de dignidade e cidada-
O critério de selecção da maioria das iniciativas do nia negado às famílias portuguesas. Hoje, passa-se o con-Bloco de Esquerda parece ter como principal objectivo trário e a intensidade da pobreza reduziu-se a metade em tentar fraccionar o eleitorado do PS. Ora, o PS só é útil à Portugal. Para vós, pelos vistos, é tudo a mesma coisa, é esquerda como grande partido do socialismo democrático, tudo de direita. Para nós, não é. Nem para nós, nem para as de vocação necessariamente interclassista e vasta represen- vítimas da exclusão social. tação de camadas sociais diversas, unidas embora por um Há quem seja a favor do papel nuclear e estratégico do mesmo objectivo geral de progresso e solidariedade. sistema de segurança social público e trabalhe para o re-
forçar e há quem tenha a opinião contrária. Será que isso Vozes do PS: —Muito bem! também é indiferente? Que corresponde a algum pormenor irrelevante? Para nós, não. É uma alternativa central na O Orador: —Aliando a firmeza dos princípios à mo- política social.
deração de quem tem uma visão reformista das transfor- mações sociais, única possível num quadro democrático. Vozes do PS: —Muito bem!
E vale a pena perguntar aos autores da moção: a quem julgam que aproveitaria o enfraquecimento do PS? Ao O Orador: —Houve tempos em que não existia preo-Bloco de Esquerda? Estão muito enganados. A resposta é cupação política com a garantia dos direitos de cidadania óbvia: só poderia aproveitar às forças de direita. dos agentes da polícia nem com o respeito da cidadania
Que alternativa pensam que poderia mais facilmente dos portugueses pelas forças de segurança. Hoje, estas substituir um Governo do PS? A do Bloco de Esquerda? duas cidadanias são valorizadas. Isto para vós não conta? Estão muito enganados. A resposta é óbvia: provavelmen- Isto não vos preocupa? Para nós, conta e soubemos agir te, uma alternativa das forças de direita. em conformidade.
Percebo que isso não vos preocupe. Aberta uma crise, Já houve tempo em que os alinhamentos dos telejornais o Bloco poderia tentar, em benefício próprio, obter algu- eram feitos nos gabinetes governativos. mas migalhas eleitorais. Aparentemente, é-lhe indiferente quem governe. Pior ainda, admitindo que o socialismo Protestos do PSD e do CDS-PP. democrático é a pior das direitas, mais valeria que gover- nasse a verdadeira direita. O Sr. Presidente: —Srs. Deputados, já chega de pro-
Quero aqui exprimir com veemência o meu repúdio por testos! Façam favor de ouvir em silêncio. esta concepção e pela prática política que a concretiza.
O Orador: —Hoje, o Governo respeita a liberdade Vozes do PS: —Muito bem! de expressão dos órgãos de comunicação social do Esta-
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do. Para vós, pelos vistos, é tudo a mesma coisa. Para de perda de poder de compra da população portuguesa. nós, não é. Sempre recusámos as profecias da desgraça em relação
A percentagem dos rendimentos do trabalho no rendi- à economia com o objectivo de justificar o desmantela-mento nacional foi sempre descendo até 1995, altura em mento do Estado-Providência ou Estado de Bem-estar, a que, finalmente, esta tendência se inverteu. Será uma ques- desregulação do mercado de trabalho ou a redução de tão de somenos? Para nós, não é. direitos sociais.
Em 1995, só 45% dos candidatos tinham vaga no ensi- Mas é nosso dever dar resposta à necessidade de uma no superior público, hoje mais de 80% conseguem-no. maior consolidação das finanças públicas e à redução do Será o papel do Estado ao serviço da democratização do défice externo. Se abranda o ritmo de crescimento da eco-ensino uma questão irrelevante? Para nós, não é. nomia mundial e portuguesa, ainda que longe de qualquer
Gastar, como no passado, apenas 46% dos dinheiros crise ou recessão, abrandará necessariamente o ritmo de públicos em finalidades sociais será a mesma coisa do que crescimento das receitas fiscais e por isso temos de conter destinar como agora, para tal fim, 57% do mesmo total? mais o aumento da despesa pública, mesmo quando tal não Não percebem a alteração qualitativa que isto significou é fácil nem popular. com o Governo do PS? As distintas fundamentações ideo- Queremos fazê-lo hoje no respeito pelas finalidades so-lógicas que isto implica? Mesmo no enfrentar de dificul- ciais e reguladoras do Estado, para impedir que outros dades, no superar de desequilíbrios económicos, não vêem amanhã aproveitem o pretexto para as desmantelar. a diferença entre o radicalismo do pensamento único neo- Agora, o que não se pode é simultaneamente querer liberal… baixar impostos, propor sempre mais e mais aumentos
concretos de despesa, embora criticando o despesismo, e, Vozes do PS: —Muito bem! ainda por cima, pensar que com isso se reduzem os défices público e externo. O Orador: —… e a actuação daqueles que, como nós, Agora, o que se não pode é clamar ao mesmo tempo
até em momentos de dificuldade, não esquecem a cons- contra o défice externo e a inflação e exigir aumentos ciência social, mesmo ao tomar medidas mais difíceis? intercalares de salários.
Ninguém está isento de erros, mas até nisso quão Da mesma forma quero tornar claro que não temos diferentes podem ser as atitudes dos que erram. Vivemos complexos em relação aos velhos tabus do então autode-num mundo politicamente desestruturado com uma única nominado socialismo real, mesmo quando expressos com a potência hegemónica. Vivemos uma globalização eco- aparência de um perfume pós-moderno. O papel do Estado nómica desregulada, geradora, é verdade, de riqueza, de na perspectiva do socialismo democrático não é o de asse-maior produtividade e de maior comércio internacional, gurar a propriedade pública dos meios de produção mas mas também criadora de novas injustiças, muitas delas garantir a regulação da economia de mercado e fazer com dramáticas. que a sociedade não seja uma sociedade de mercado mas
Sabemos por experiência própria quão limitada é a uma sociedade solidária. margem de manobra dos governos, mas nunca nos resig- námos. Nem abdicamos de defender uma agenda de refor- Vozes do PS: —Muito bem! mas a nível europeu e global ao serviço da solidariedade e da justiça nem de aproveitar ao máximo a margem de O Orador: —Queremos um Estado regulador, correc-manobra que temos, para que em Portugal se viva melhor, tor de injustiças e promotor da cidadania contra a exclusão. com mais igualdade e com mais equidade, por muito forte que seja a condenação de que somos vítimas por parte do Vozes do PS: —Muito bem! pensamento único.
Não oferecemos miragens, não prometemos um mundo O Orador: —O que está em causa é a forma como as novo, nem o homem novo dos totalitarismos fracassados. pessoas são servidas, não o grau de satisfação dos apare-Mas não abdicamos de continuar a lutar para mudar o que lhos burocráticos que é suposto servi-las. existe e não está bem, em nome dos nossos princípios e O que está em causa é a qualidade dos bens públicos dos nossos valores, mesmo quando temos de enfrentar postos à disposição da população, não a natureza jurídica interesses poderosos ou corporativismos arcaicos e parali- de quem os produz. zantes, como, por exemplo, nas medidas de combate à A privatização e a liberalização regulada são em muitos evasão fiscal ou na liberalização dos actos notariais. domínios factores favoráveis ao desenvolvimento da eco-
Mas creio ser também chegado o momento de clarificar nomia e aos interesses dos consumidores. Mas cada caso é alguns conceitos. um caso e tem de ser visto em função das vantagens e dos
Nós, socialistas, rejeitámos a ortodoxia neoliberal, o inconvenientes para o interesse público. conceito de Estado mínimo, a diabolização póstuma de Por isso tenho defendido, por exemplo, que a Caixa Keynes, a ideia de que toda a despesa é um pecado e que Geral de Depósitos continue nas mãos do Estado,… todo o défice é um crime.
Vozes do PS: —Muito bem! O Sr. José Barros Moura (PS): — Muito bem! O Orador: —… o que nada tem de incompatível com O Orador: —Não só por isso, mas também por isso se a privatização das celuloses.
conseguiu que a entrada de Portugal na moeda única não confirmasse as previsões de depressão, de desemprego e Aplausos do PS.
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Percebo perfeitamente que outros à nossa esquerda O Orador: —A economia do País precisa, aliás, de pensem diferente e queiram diferente. Governar é lidar
grupos empresariais fortes, competitivos e internacionali- com a realidade, é muitas vezes aceitar os compromissos zados, desde que o poder político não se deixe subordinar possíveis, desde que valores fundamentais não sejam pos-em nenhuma circunstância ao poder económico. tos em causa.
Da mesma forma que reconhecer o papel que os secto- Por isso, sempre entendi útil ouvir e meditar sobre o res privado ou social podem ter em áreas como a saúde e a que dizem as consciências críticas, tanto mais quanto mais segurança social não retira o carácter estratégico e nuclear as sinta exigentes e rigorosas. que o Estado deve manter, mesmo como prestador de ser- O Bloco de Esquerda teria aqui uma enorme oportuni-viços, no Serviço Nacional de Saúde e no sistema público dade de afirmação política, como consciência crítica exi-de segurança social. gente e rigorosa, apresentadora de alternativas, mas contri-
buindo em simultâneo para a estabilidade. Não foi esse o Aplausos do PS. caminho que escolheu. De tanto ver a direita onde a direita não está, acabou por entrar paradoxalmente no jogo da Neste quadro reconheço que uma das condições fun- própria direita.
damentais de êxito para o projecto do socialismo democrá- tico está na reforma da própria Administração Pública. Vozes do PS: —Muito bem! Esta é hoje a questão central da acção governativa.
Depois de amanhã, será aprovada em Conselho de Mi- O Orador: —Quero aqui reafirmar, uma vez mais nistros a proposta de lei disciplinadora da criação e do com solenidade, perante o Parlamento e o País, que o Go-funcionamento dos institutos públicos, questão decisiva verno e o PS querem estabilidade e consideram que a aber-para a modernidade e rigor no funcionamento do Estado. tura de uma crise política e eleições antecipadas seriam Não fomos nós que iniciámos a sua criação nem fomos gravemente inconvenientes para o bem-estar das pessoas, nós, sequer, que mais criámos, mas somos nós que toma- para a economia nacional e para o emprego. Por isso, mos a iniciativa de os disciplinar. entendemos, que esta moção de censura deve ser rejeitada.
Queremos cumprir o nosso mandato até ao fim sem enjei-Aplausos do PS. tar responsabilidades, para que os portugueses possam exercer o seu julgamento em inteira normalidade democrá-Também sexta-feira o Governo aprovará um conjunto tica.
de medidas de desconcentração territorial da Administra- ção Pública ao nível dos distritos e das regiões correspon- Aplausos do PS, de pé. dentes às actuais comissões de coordenação regional. Se- rão criadas novas formas de coordenação a esses níveis O Sr. Presidente: —Para pedir esclarecimentos ao Sr. dos serviços desconcentrados que dependem do Governo Primeiro-Ministro, inscreveram-se os Srs. Deputados Du-central. Por isso, serão atribuídas novas funções, respecti- rão Barroso, Paulo Portas, Heloísa Apolónia, Fernando vamente, aos governadores civis e aos presidentes das Rosas e Manuel dos Santos, que vão dispor, cada um, de 5 comissões de coordenação regional, passando a depender minutos, e os Srs. Deputados Basílio Horta e Sílvio Rui estes, para esse objectivo coordenador, do próprio Primei- Cervan, que vão dispor, cada um, de 3 minutos. ro-Ministro. Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Luís Fa-
zenda, tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho. O Sr. António Capucho (PSD): — E os comissários
regionais? O Sr. António Capucho (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, depois de ter ouvido V. Ex.ª e a O Orador: —Assim se respeita integralmente a von- resposta do Sr. Primeiro-Ministro, ficamos com a convic-
tade popular, que rejeitou a criação das regiões administra- ção de ter assistido a uma encenação entre duas partes que tivas, mas se criam condições para que os serviços públi- vivem objectivamente em «união de facto» (de um lado, o cos que dependem do Governo central tenham uma mais Bloco de Esquerda, e do outro, o Governo e o partido que efectiva coordenação no terreno, em benefício das popula- o apoia) e que, numa espécie de reality show, tentam ultra-ções, sem criação de novos cargos públicos, ao mesmo passar-se publicamente pela esquerda um ao outro. Cada tempo que prossegue o processo de descentralização para um quer mostrar ao outro que está mais à esquerda. É nisso os municípios. que se resume a oportunidade e, mesmo, o conteúdo desta
moção de censura, na sua apresentação. Aplausos do PS. Fica, no entanto, um aspecto positivo na intervenção do Sr. Primeiro-Ministro, que é o facto de ele ter, por omis-Economia de mercado, sociedade solidária, Estado re- são, anunciado que o Governo deixou cair, estrondosamen-
gulador, corrector de injustiças e fornecedor ou garante de te, aquela ideia peregrina contra a qual nos batemos sem-bens públicos de qualidade, eis a síntese – difícil de alcan- pre nesta Câmara: a ideia dos comissários regionais. Vi çar, com certeza – em torno das quais se articulam as polí- olhares e posturas muito tristes por parte de alguns putati-ticas económicas e sociais do Governo. É um projecto de vos destinatários desses lugares. equilíbrio e moderação, mas de firmeza e de fidelidade aos valores de sempre do socialismo democrático. Aplausos do PSD.
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perante esta «união de facto» objectiva entre o Bloco de De qualquer maneira, Sr. Deputado Luís Fazenda, que Esquerda, por um lado, e o Governo e o Partido Socialista
fique claro que VV. Ex.as têm, obviamente, toda a legiti- que o apoia, por outro, não considera V. Ex.ª que esta midade para apresentar moções de censura quando enten- moção, para além de um acto falhado, é uma clamorosa dem que é pertinente e oportuno – isso está fora de causa – injustiça face à «colagem» recíproca entre VV. Ex.as e o , mas é bom não nos esquecermos que há menos de oito Governo do Sr. Eng.º António Guterres? meses, perante igual iniciativa do PSD, VV. Ex.as utiliza- ram argumentos diametralmente opostos comparativamen- Aplausos do PSD. te com aqueles com que agora querem justificar a censura ao Governo. O Sr. Presidente: —Para responder, tem a palavra o
Permito-me também recordar hoje – e é fundamental Sr. Deputado Luís Fazenda. fazê-lo aqui, nomeadamente perante as notícias que envol- veram a apresentação desta moção de censura – que, ao O Sr. Luís Fazenda (BE) — Sr. Presidente, Sr. Depu-contrário do que se insinua, este Governo não cai com uma tado António Capucho, agradeço as questões que colocou. moção de censura, mesmo que todos os partidos da oposi- No entanto, creio que teve uma enorme dificuldade em ção a votem favoravelmente. colocar o cenário que aqui nos quis apresentar.
É preciso que fique claro também em que condições é De facto, o Bloco de Esquerda sente que, para o Parti-que este Governo pode cair. Em duas condições: em pri- do Social Democrata, e até para o CDS-PP, é difícil que meiro lugar, por iniciativa própria e, em segundo lugar, por um partido à esquerda censure o Governo. É até bastante iniciativa do Sr. Presidente da República. Mas sejamos insuportável a ideia de que partidos à direita entendam que claros, não por uma moção de censura, não na sequência outros, à esquerda, possam censurar o Governo! E isso de uma moção de censura. tanto mais quando o saldo de serviço do PSD é baixo,
Sr. Deputado, é evidente que este Governo merece ser quando se percebe que a direita não tem projecto, que a censurado, que este Governo é censurado diariamente pela direita se arrasta, que AD apenas quer dizer «alta divisão» generalidade dos portugueses pelos seus erros, pelas suas e que um ano depois do acto de maior apelo ao povo por-omissões, pela sua inoperância, pela sua incapacidade de tuguês feito pelo Sr. Deputado Durão Barroso – uma carta coordenação, enfim, por todas as diversas razões que co- aberta para um referendo sobre a descriminalização das nhecemos e que, da esquerda à direita, são reconhecidas no drogas – ainda nem sequer entrou na Assembleia da Repú-País. blica uma única assinatura. Como tal, creio que está paten-
Até concordamos com grande parte da fundamentação te o desnorte e a incapacidade política da direita, nesta com que o Bloco de Esquerda avança nesta moção de matéria. censura. Estamos, no entanto, nos «antípodas» das medi- Do ponto de vista do Bloco de Esquerda, não há ne-das alternativas, das políticas, que o Bloco de Esquerda nhuma união de facto com o Governo do Partido Socialis-anuncia em alternativa a este Governo. ta. Rejeitámos o Programa do Governo logo na sua apre-
De resto, a propósito da censura ao Governo, como al- sentação e temos fiscalizado, acompanhado e criticado, guém recentemente dizia, depois de vários Ministros e ex- quando entendemos, a política do Governo. O que se veri-Ministros terem criticado de uma forma aberta e violenta fica é que, nas orientações fundamentais, ou seja, nas que este Executivo, já só falta o Sr. Primeiro-Ministro criticar o têm a ver com o Orçamento, com a política de privatiza-seu Governo. ções, com a política europeia, com a política externa, com
a política militar, tem havido um entendimento entre o O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem! Partido Socialista e partidos à sua direita, alternando-se, ora um, ora outro, mas estando sempre presentes e garan-O Orador: —Porém, o que não compreendemos, Sr. tindo, desse ponto de vista, aquilo a que se chama o grande
Deputado Luís Fazenda, é a ingratidão subjacente a esta consenso de Estado. moção de censura. Em boa verdade, seria de esperar do Não venham, pois, hoje, tentar modificar aquela que é Bloco de Esquerda não a censura, porventura também não a visão que os portugueses têm dos entendimentos do a glorificação deste Governo, mas ao menos a vossa sim- Partido Socialista com a direita, porque não é essa a reali-patia em relação a um Governo e ao partido que o apoia e dade! com o qual em tantas e tão desvairadas ocasiões estiveram Não nos demitimos, nem nos demitiremos, de procurar em convergência. Não sei se o Bloco de Esquerda é pobre, lutar por leis que melhorem a vida dos portugueses, que mas, neste caso e hoje, está a ser muito mal agradecido. melhorem o exercício da cidadania, mas não são essas leis
que fazem nem que alteram a política que, justamente, Vozes do PSD: —Muito bem! temos criticado. A oportunidade desta moção de censura, que, como saberá, não tem condições para ser aprovada O Orador: —Vejam-se casos de convergência objec- nesta Câmara, está nisso, está na clareza de que preferiría-
tiva: a pílula do dia seguinte, as uniões de facto, a liberali- mos eleições antecipadas. Se o Governo não apresentou zação da droga, a paridade – iniciativas fundamentais do aqui uma moção de confiança, se o Governo não nos escla-Governo que foram viabilizadas pelo Bloco de Esquerda rece sobre o próximo Orçamento do Estado, responsabili-nesta Casa –, a Lei de Bases da Segurança Social, a pseudo zamo-lo frontalmente e utilizamos este instrumento demo-reforma fiscal, a lei da organização do ensino superior, o crático de debate que é a moção de censura. programa Polis, na forma como foi aprovado. Aliás, o Sr. Primeiro-Ministro não tem razão quando,
Enfim, Sr. Deputado, a pergunta que lhe deixo é esta: fazendo alguma diatribe à volta de artigos e de títulos de
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jornais para melhor escapar às perguntas concretas que lhe esteve sempre, sem hesitações, do lado justo, nas grandes foram feitas nesta moção censura, diz que apelámos à batalhas que travamos pela dignificação da pessoa huma-dissidência de Deputados do Partido Socialista. na, pela protecção efectiva dos direitos dos trabalhadores,
Isto pareceu-me particularmente grave, pelo que deixo pelo combate às desigualdades, pela promoção de uma aqui o testemunho da solidariedade que a Convenção do sociedade mais justa, mais igualitária e mais próspera. Bloco de Esquerda manifestou, isso sim, para com os De- Hoje, olhando para esse combate, em que uns estive-putados socialistas que defenderam a despenalização da ram de um lado e outros de outro, temos razões para ter interrupção voluntária da gravidez e pediram ao Congresso orgulho e para afirmar aqui que, felizmente, estivemos do do Partido Socialista que essa matéria fosse «arrumada», lado certo nesse combate fundamental, que também sepa-em nome da modernização dos direitos civis e dos direitos rou as esquerdas. das mulheres, em próxima oportunidade. Foi esta a expres- são de solidariedade que manifestámos a Deputados do Vozes do PS: —Muito bem! Partido Socialista, não fizemos apelos a dissidências!
Sr. Deputado António Capucho, união de facto, não O Orador: —Contudo, não me parece que hoje seja temos; entendemos é que o Partido Socialista, se bem que essa a questão essencial. Hoje, a questão essencial é outra, não nos termos do Sr. Primeiro-Ministro, tem um casamen- é a de saber como é que vamos trilhar os novos caminhos to de conveniência com a direita, embora seja um casa- do futuro. Sr. Deputado Luís Fazenda, não é procurando mento moderno, em casas separadas, e o seu partido não constituir-se serodiamente numa espécie de grande educa-está fora disso! dor da esquerda portuguesa que o Bloco de Esquerda vai
dar algum contributo útil para a renovação da esquerda! O Sr. Fernando Rosas (BE): — Muito bem! Pelo contrário, quero saudar o Sr. Primeiro-Ministro pela intervenção que aqui acabou de proferir. O Sr. Presidente: —Para pedir esclarecimentos, tem a
palavra o Sr. Deputado Francisco de Assis. Vozes do CDS-PP: —Que novidade! O Sr. Francisco de Assis (PS): — Sr. Presidente, Sr. O Orador: —Trata-se de uma intervenção em que foi
Deputado Luís Fazenda, esta moção de censura hoje aqui capaz de enunciar, de forma magistral, aquele que é hoje o trazida pelo Bloco de Esquerda corresponde, no fundo, a caminho de uma esquerda que, na fidelidade aos seus valo-uma certidão de óbito que o Bloco de Esquerda passa a res fundamentais, herdados, no essencial, de um patrimó-uma certa imagem que quis projectar de si próprio neste nio iniciado com a Revolução Francesa, procura corres-Parlamento e no País. ponder aos anseios e às expectativas das pessoas, procura
Muito recentemente, na Convenção que realizaram, há ir ao encontro daquelas que são hoje as necessidades da uns fins-de-semana atrás, o Bloco de Esquerda descobriu, sociedade portuguesa. de súbito, estar esgotado o portfolio de iniciativas supos- Esta é uma esquerda que aposta no reforço da competi-tamente fracturantes que procurava trazer a este Parlamen- tividade da nossa economia mas que não quer sacrificar a to. Estando esgotada essa agenda política, que o Bloco de equidade no altar da competitividade; uma esquerda que Esquerda queria que fosse integralmente a agenda política aposta na modernização do País mas que não quer que essa do País, o BE permite que venha de novo ao de cima a modernização suscite mais desigualdades e mais injustiças insuportável arrogância de uma certa esquerda que enten- sociais; uma esquerda que quer criar todas as condições deu sempre, historicamente, que não existe esquerda para para que o País se desenvolva, para que haja mais iniciati-além dela. vas da parte dos indivíduos, para que as pessoas possam
ter acesso a um melhor nível de vida, mas que tem noção, Aplausos do PS. permanentemente, de que estes devem ser direitos univer- sais e assegurados a todos os portugueses; uma esquerda Esta moção de censura é, antes de mais, uma manifes- que não desiste de lutar contra as injustiças, contra as difi-
tação inaceitável de arrogância política, intelectual e cultu- culdades, contra as desigualdades, mas que o faz com ral de uma esquerda que tinha a obrigação de aprender as realismo, com o sentido do compromisso, com uma vonta-lições da história e de ter mais modéstia no seu relaciona- de efectiva de contribuir realmente para a modificação das mento com a restante esquerda. condições de vida das pessoas, particularmente dos mais
Sr. Deputado Luís Fazenda, há mais esquerda para desfavorecidos; uma esquerda que, em vez do recurso a além daquela que o senhor aqui representa. Entre a esquer- uma retórica proclamatória completamente vazia, procura, da radical, que o Bloco de Esquerda aqui representa, e a dia a dia, optar pela utilização dos instrumentos fundamen-direita há, felizmente, uma outra esquerda, que é mesmo tais para que o País progrida, para que as pessoas vivam maioritária e que hoje representa, para o País, esperança e melhor, para que se vençam as clivagens que, infelizmente, confiança numa sociedade mais moderna e mais justa! ainda subsistem na sociedade portuguesa.
Ouvindo o Sr. Primeiro-Ministro, pensei: ao longo do Vozes do PS: —Muito bem! século XX, em quantos parlamentos da Europa, quantas vezes, quantos primeiros-ministros socialistas ou sociais O Orador: —E essa outra esquerda, de que somos democratas não tiveram, justamente, de responder às mes-
aqui representantes, pode olhar para o passado com orgu- mas acusações, de ouvir as mesmas invectivas daqueles lho, porque, nos grandes instantes, nos grandes momentos, que julgavam falar apenas e unicamente em nome da
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esquerda? Foi porque resistiram, porque continuaram, Deputado Francisco de Assis, é que, com essa forma como porque sabiam que havia uma outra esquerda entre essa fala para um partido à sua esquerda, reproduzindo argu-esquerda minoritária que os senhores representam e esta mentos de autoridade e não de razão, de materialidade, de direita que aqui está representada… intencionalidade prática (não fala nos salários, na precarie-
dade, no Serviço Nacional de Saúde, nos serviços públi-O Sr. Presidente: —Terminou o seu tempo, Sr. Depu- cos, nas questões que aqui evocámos, e, aliás, ficou satis-
tado. feitíssimo com o discurso do Sr. Primeiro-Ministro, que é um discurso de mera auto-satisfação e que poderia ser O Orador: —Vou já concluir, Sr. Presidente. igual ao que fez na última campanha eleitoral), o Sr. Depu-Sr. Deputado Luís Fazenda, o Bloco de Esquerda tem tado não entenda, não perceba, não se dê conta de que está
aqui um papel completamente simétrico ao da direita: a reproduzir exactamente os mesmos argumentos de auto-enquanto a direita considera que estamos sempre a usurpar ridade que o PSD usou sobre o Partido Socialista, nos o poder, quando o exercemos pela simples circunstância de tempos dos governos do Professor Cavaco Silva! É o exercermos, VV. Ex.as consideram sempre que o uso do extraordinário que o Partido Socialista não reconheça que poder por parte da esquerda é trair a esquerda. Não é trair a está a caminhar na mesma direcção e a usar os mesmos esquerda, é cumprir, de facto, os valores da esquerda! tiques, a ter os mesmos exercícios de argumentos por auto-
ridade. Aplausos do PS. Sr. Deputado Francisco de Assis, não fiquei satisfeito com a retórica ideológica, se assim podemos dizer, do Sr. O Sr. Presidente: —Para responder, tem a palavra o Primeiro-Ministro, porque uma coisa é o apregoado valor
Sr. Deputado Luís Fazenda. do socialismo democrático – já o ouvimos aqui falar do socialismo democrático, do social-liberalismo, de vários O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr. Depu- padrões –, mas o Sr. Deputado, que é um homem que repu-
tado Francisco de Assis, não o sabia médico legista! Isso to de entendido, uma pessoa muito interessada nas ques-de proclamar e assinar a certidão de óbito de uma força tões ideológicas, nas grandes correntes do pensamento, política é absolutamente espantoso! repare que, inclusivamente na transição da social-
democracia e do socialismo para novos padrões de socie-O Sr. Francisco de Assis (PS): — Não disse isso! dade, de intervenção política, hoje, a política do Governo está à direita daquilo que Anthony Giddens define como a O Orador: —E fala o Sr. Deputado em nome daqueles terceira via e que fez a modernidade de muita gente da
que combatem a arrogância, situando-se na falsa modéstia, bancada do Partido Socialista. na baixa modéstia, na média modéstia... As declarações contra o neoliberalismo são postiças e a
razão concreta desse facto foi aqui denunciada pelo pró-O Sr. Fernando Rosas (BE): — Muito bem! prio Primeiro-Ministro: a de que o Governo não tem espa- ço de manobra. Não, o Governo não quer ter um maior O Orador: —Aparece aqui a proclamar, a destempo, espaço de manobra para aprofundar a sua luta, fazer re-
sem qualquer fundamento, uma certidão de óbito para o formas e ter a coragem que deveria ter para romper com as Bloco de Esquerda. Está profundamente enganado, pois o imposições do sistema neoliberal! É essa falta de coragem Bloco de Esquerda não está em situação de diminuição da do Partido Socialista que reprovamos, porque as promessas sua vitalidade, muito pelo contrário! de viragem à esquerda não ocorreram, havendo, pelo con-
É curioso que, ao dizer que se esgotou a agenda de trário, um encaminhamento à direita. questões fracturantes, isso queira dizer, na sua linguagem, É uma pura mistificação dizer-se que o Bloco de Es-que adiaram sine die a questão do aborto. Essa é verdadei- querda preferiria governos da direita. Exactamente ao ramente a questão que incomoda os Srs. Deputados do contrário, o centro é que não é coisa nenhuma, e isso não Partido Socialista! quer dizer que não haja várias posições à esquerda, que
não possa haver pluralidade à esquerda. O Sr. Fernando Rosas (BE): — Muito bem! Hoje, a clarificação, a assunção de responsabilidades, sem necessidade de qualquer tipo de moção de censura O Orador: —Apesar do elogio, que seria natural, ao construtiva, porque não é isso que consta da nossa Consti-
discurso do Sr. Primeiro-Ministro, é estranho que o Sr. tuição (o PS tentou, em certa revisão constitucional, intro-Deputado, para esconder a má consciência de muitos De- duzir esse aspecto, mas fazendo também uma certa chanta-putados do Partido Socialista em relação a verdadeiros gem à sua volta), permitem-me dizer-lhe qual é a alternati-valores da esquerda, dos quais nós não somos demiurgos va. Seguramente, a alternativa teria de ser dada pelo casti-nem temos qualquer monopólio, venha procurar acusar o go do PS em eleições, pelo reforço das esquerdas, que, Bloco de Esquerda de querer ser o grande educador de neste caso, não estão em competição mas, sim, a procurar alguma coisa. Não temos tal pretensão, mas é curioso que lutar por direitos sociais, a procurar levar adiante… isso esteja em contradição com o que o Sr. Primeiro- Ministro acabou de dizer, ou seja, que gostaria que o Blo- O Sr. Presidente: —Sr. Deputado, terminou o seu co de Esquerda fosse a consciência crítica do Partido tempo. Socialista. É espantosa a contradição nos termos que aqui se encontra! O Orador: —Vou já concluir, Sr. Presidente.
O que também é verdadeiramente extraordinário, Sr. Sr. Deputado Francisco de Assis, não nos venha com
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códigos de conduta, não nos venha com exercícios de O Orador: —Portanto, consideramos isto estranho. autoridade pela autoridade! Ainda esperámos que o Sr. Deputado Luís Fazenda nos
dissesse mais alguma coisa. Mas, não, falou da Partest, da O Sr. Fernando Rosas (BE): — Muito bem! Petrocontrol, tendo sido todos temas primeiramente abor- dados por nós. Falou do queijo Limiano, tema, como sabe, O Sr. Francisco de Assis (PS): — Sr. Presidente, peço criticado por nós. Portanto, não falou em nada de original.
a palavra. Assim, podemos concluir que o Bloco de Esquerda quer eleições antecipadas. O Sr. Presidente: —Para que efeito, Sr. Deputado? Agora, vamos àquilo que interessa: agradeço que o Sr. Deputado dê uma resposta concreta, não à nossa bancada O Sr. Francisco de Assis (PS): — Sr. Presidente, para mas ao país, para que este tipo de iniciativas tenham credi-
defesa da honra da bancada. bilidade. Se quer a queda do Governo, qual é a forma go- vernativa concreta que o Bloco de Esquerda propõe? É um O Sr. Presidente: —Sr. Deputado, peço-lhe que carac- governo Bloco de Esquerda/PCP/PS? É um governo Bloco
terize a matéria que considera ofensiva. de Esquerda/PS? É um governo do PS sozinho, com o apoio parlamentar do Bloco de Esquerda? Qual é, destas O Sr. Francisco de Assis (PS): — Sr. Presidente, fo- três soluções, aquela que o Sr. Deputado defende? É que
ram-me atribuídas pelo Sr. Deputado Luís Fazenda afirma- não acredito que defenda um Governo PCP/PS. ções que não proferi, quando disse que proclamei aqui a certidão de óbito do Bloco de Esquerda enquanto força O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sabe-se lá! política parlamentar. Isso não é verdade e considero-o um insulto à dignidade da bancada do PS. O Orador: —Em qualquer destas três soluções – e
isto é que é muito importante —, quem é que os senhores O Sr. Presidente: —Pode dizer-me o que é que o Sr. defendem para Primeiro-Ministro? Qual é a pessoa que os
Deputado disse, rigorosamente, a esse respeito? senhores defendem para Primeiro-Ministro? Apoiariam o Primeiro-Ministro António Guterres, ou outro? Se é outro, O Sr. Francisco de Assis (PS): — Sr. Presidente, a quem é? Diga, porque era isso que os portugueses gosta-
esse respeito, disse que esta moção de censura, nos termos riam seguramente de ouvir. exactos em que foi apresentada, configura efectivamente uma certidão de óbito que o Bloco de Esquerda passa em Aplausos do CDS-PP. relação a uma imagem que dele próprio quis projectar, no País, numa primeira fase… O Sr. Presidente: —Para responder, tem a palavra o
Sr. Deputado Luís Fazenda. O Sr. Presidente: —E parecer-lhe haver uma diferen-
ça assim tão grande, de modo a que a sua versão não seja O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr. Depu-ofensiva e a dele seja? tado Basílio Horta, embora, até ver, não goste de queijo
Sr. Deputado, peço desculpa, mas não lhe posso dar a Limiano, de acordo com a acepção popular, o Sr. Deputa-palavra. do «deve comer bastante queijo», porque tem má memória.
Tem má memória porque conto muitas iniciativas, e impor-O Sr. Francisco de Assis (PS): — Mas que fique claro, tantíssimas, que foram aprovadas entre o Partido Socialis-
Sr. Presidente… ta, o Governo e o CDS-PP. O Sr. Presidente: —Sr. Deputado, não lhe dei a pala- O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): — Foram três!
vra e, portanto, não pode usar dela. Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Depu- O Orador: —As leis de emigração, a alteração da lei
tado Basílio Horta. orgânica do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, a Lei da Programação Militar — sabe-se lá a que preço, ainda está O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. por desvendar! —, a lei de bases da família, que veremos
Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, quando como acaba, e muito mais. Fora o primeiro Orçamento do tomámos conhecimento de que o Bloco de Esquerda ia Estado aprovado nesta Legislatura, e outros orçamentos de apresentar esta moção de censura, não deixámos de ficar Estado noutras legislaturas... surpreendidos. Diz o povo que «não se deve morder a mão Portanto, manifestamente, há uma fraquíssima memória que dá o pão» e a verdade é que o Bloco de Esquerda tem da parte do CDS-PP. condicionado — e isso é claríssimo! — a agenda política No entanto, as questões que coloca são claras. Defen-parlamentar do Partido Socialista. Em 31 iniciativas que demos as eleições antecipadas, já que seria o momento de apresentaram a esta Câmara, 24 foram aprovadas pelo o fazer. Hoje, a maioria das pessoas pensa que a situação Partido Socialista. vai piorar e, por isso, era este o momento oportuno para
que o Governo apresentasse o balanço que faz da governa-O Sr. Fernando Rosas (BE): — É preciso ter lata! ção, apresentasse propostas claras, para que se clarificasse
Quem é que aprovou o Orçamento? o cenário político e para que as diversas oposições também apresentassem as propostas que têm para fazer. Nós, obvi-
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amente, não temos proposta de governo nem de candidato Primeiro-Ministro, na justificação que deu, procurando a Primeiro-Ministro, o que, aliás, não é extraordinário, afirmar uma política de esquerda — e nesse aspecto já foi porque o CDS-PP também não tem. útil a moção de censura do Bloco de Esquerda —, tenha
querido dizer não que tem uma política de esquerda, por-Vozes do CDS-PP: —Tem, tem! que nisso ninguém acredita, mas que tenha querido sugerir que tem uma política. Qual é a política do Primeiro-O Orador: —Não tem! E por mais que nos tentem Ministro?! Qual é a política de saúde?! É a política da ex-
iludir, não tem, porque nem se quer se conseguem aliar ao ministra Maria de Belém Roseira ou é a política da actual Partido Social Democrata, não conseguem sequer encon- Ministra, que vem agora, com a pretensa lei de bases, su-trar um ponto comum de encontro nas vossas aventuras e gerir que é por causa dela que não toma as medidas que se desventuras da chamada AD. impõem para pôr a saúde a funcionar no nosso país?!
Portanto, Sr. Deputado, como vê, essa pergunta, faz de boomerang, não tem qualquer sentido e não o vi aqui, nem Vozes do PSD: —Muito bem! pode invocar isso, quando apresentou uma moção de cen- sura, depois de ter feito o Orçamento com o Partido Socia- O Orador: —Qual é a política do Sr. Primeiro-lista, invocar uma alternativa de Governo, não o vi aqui Ministro em matéria de educação?! É a política do ex-propor qualquer candidato a Primeiro-Ministro. Aliás, não ministro Marçal Grilo, que critica a actual orientação esta-se trata disso. Trata-se de, através das eleições antecipadas, tista e centralizadora, ou é a política de um ministro como poder clarificar os campos, poder apresentar as propostas e o actual, que é incapaz de reconhecer aquilo que é o mais dar a palavra aos portugueses. importante, que é a liberdade de apreender e de ensinar e a
Não temos uma versão de «pronto a apresentar ao elei- competição entre os diversos sistemas de ensino?! torado», temos propostas. Sempre dissemos que somos candidatos à oposição e que queremos fazer uma oposição Vozes do PSD: —Muito bem! responsável, construtiva, lutadora e exigente, dentro da esquerda plural que nos compete e na qual estamos inte- O Orador: —Qual é a política do Sr. Primeiro-grados. Ministro em matéria de obras públicas e transportes?! É o
Sr. Deputado, efectivamente, não podíamos estar mais TGV do ex-Ministro Jorge Coelho ou é o TGV do Minis-nos antípodas. Lamento é que seja em consequência das tro Ferro Rodrigues, que sempre vai custando mais 1000 questões que me coloca, porque qualquer delas cai como milhões de contos?! Mas o que é que são 1000 milhões de um boomerang e com maiores razões, com todas as razões, contos para este Governo socialista?! sobre o CDS-PP.
Vozes do PSD: —Muito bem! O Sr. Fernando Rosas (BE): — Muito bem! O Orador: —Qual é a política do Sr. Primeiro-O Sr. Presidente: —Para pedir esclarecimentos, tem a Ministro nas finanças? É a política do actual Ministro, que
palavra o Sr. Deputado Durão Barroso. responsabiliza o ex-ministro pelo despesismo descontrola- do, ou é a política do ex-Ministro Sousa Franco, que con-O Sr. Durão Barroso (PSD): — Sr. Presidente, Srs. sidera este um Governo sem política económica e sem
Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, os portugueses que qualquer coerência em relação aos objectivos que se pro-estão a seguir este debate, esta cena doméstica dentro da põe para o País? esquerda, devem perguntar-se: esquerda, mais à esquerda, Não temos, hoje, política! Não temos linha de rumo, mais à direita? Para que é que serve esta disputa dentro da não temos objectivos, não temos estratégia! Ao fim e ao chamada esquerda? Seja de esquerda ou não, há um aspec- cabo, não temos Primeiro-Ministro. to que os portugueses sabem: este Governo não serve os interesses da maioria dos portugueses. Aplausos do PSD.
Vozes do PSD: —Muito bem! Estas contradições entre os diversos ministros dos dois governos ou do mesmo Governo do Eng.º Guterres são, de O Orador: —Mas, de qualquer forma, é significativo facto, surrealistas! É a palavra de que me lembro. E, deixe-
que mesmo o partido que tem vivido em união de facto me dizer-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, que está patente no com o Governo queira demarcar-se dele. Permita-me que Museu do Chiado, desde a semana passada, uma magnífica lhe diga, Sr. Deputado Luís Fazenda, que esta moção de exposição dedicada ao surrealismo português e só lá falta censura é quase uma pílula do dia seguinte. É o Bloco de um quadro, que é o quadro dos seus sucessivos governos, Esquerda que, um pouco tarde, quer evitar as consequên- chamado «governo sem primeiro-ministro, contribuição do cias da relação íntima que tem mantido com o Governo, Eng.º Guterres para o surrealismo português». até agora.
Aplausos do PSD. Aplausos do PSD. Sr. Primeiro-Ministro, quando é que, atrás das diferen-Mas, Sr. Primeiro-Ministro, é mais significativo ainda tes políticas dos seus diferentes ministros, V. Ex.ª assume
que, mesmo na esquerda, já ninguém queira aparecer ao as responsabilidades? Quando é que V. Ex.ª demite um seu lado na fotografia. E não deixa de ser curioso que o Sr. ministro das finanças em que ninguém acredita e assume
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objectivos para o País? Quando é que dá uma explicação ples: é a aquela que não deixa 65% dos estudantes do ensi-em relação à tal prometida reforma da despesa pública, ou no superior sem vaga no ensino superior público,… justifica por que razão é que, mais uma vez, adiou a pro- metida reforma da tributação do património? Quando é que Aplausos do PS. fixa objectivos credíveis para a inflação e para o cresci- mento económico? Quando é que tem a coragem de se … que investiu no ensino superior público e na acção comprometer pessoalmente e de assumir essa responsabili- social escolar, em vez de ter como paradigma e como dade perante o País? modelo a resolução do problema do ensino superior com
Sr. Primeiro-Ministro, não tire qualquer consequência cursos de papel e lápis feitos pelo sector privado à custa do optimista em relação a este debate. Se não há, hoje, um sacrifício das família, sobretudo das que, em Portugal, têm acordo em relação à moção de censura, não quer dizer que menos recursos. Esta é a nossa política. É a política que faz haja acordo em relação ao seu Governo. E se V. Ex.ª tem exames, ao contrário dos senhores, que acabaram com eles, dúvidas quanto a isso, tem uma forma de o clarificar. Sr. e que põe rigor nas escolas e na avaliação, ao contrário dos Primeiro-Ministro, se quer clarificar a sério, apresente uma senhores, que acabaram com ela. moção de confiança nesta Assembleia da República! As- suma essa responsabilidade! Aplausos do PS.
Devo dizer que o PSD não tem confiança na sua políti- ca nem no seu Governo e está preparado para, quando os Devo dizer-lhe, ainda, Sr. Deputado, em matéria de portugueses quiserem, oferecer uma alternativa, por um pintura, que gosto muito de pintura surrealista, sou um Portugal melhor. grande apreciador do surrealismo. Só que a nossa acção
governativa não tem a ver com o surrealismo. Mas a vossa Aplausos do PSD. acção de oposição tem a vantagem de ser claramente não figurativa, é arte abstracta pura, nunca se consegue perce-O Sr. Presidente: —Para responder, tem a palavra o ber o que é que os senhores querem!
Sr. Primeiro-Ministro, dispondo de 5 minutos para o efei- to. Aplausos do PS.
O Sr. Primeiro-Ministro: —Sr. Presidente, Srs. O Sr. Presidente: —Para pedir esclarecimentos, tem a
Deputados, Sr. Deputado Durão Barroso, devo dizer que palavra o Sr. Deputado Paulo Portas. esperava tudo menos ver o Sr. Deputado Durão Barroso apanhar esta «boleia» do Bloco de Esquerda para mostrar O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. que faz oposição e para recuperar algum atraso que no Primeiro-Ministro, gostaria de reservar para amanhã, último mês ganhou, ou perdeu, em relação ao Prof. Cavaco quando cá voltar, algumas questões estruturantes e vou Silva. contribuir para que o debate de hoje saia da política virtual
e regresse, como se diz agora, à vida real. Portanto, as Vozes do PS: —Muito bem! perguntas que tenho para lhe fazer têm a ver com a vida real. O Orador: —Aliás, devo dizer-lhe que o que há de
mais interessante nestas intervenções é ouvir o Bloco de Vozes do PS: —São os reallity shows! Esquerda dizer que temos um casamento com o PSD, em- bora vivendo em casas separadas, e ouvir o PSD dizer que O Orador: —E a primeira pergunta que lhe quero fa-estamos em união de facto com o Bloco de Esquerda, o zer diz respeito à preocupação, que, em vós, é recente, que me leva a perguntar se isto é um debate político ou sobre a situação das televisões. Não vou discutir se certos uma cena de ciúmes entre o PSD e o Bloco de Esquerda. programas são a causa ou o reflexo, porque, para mim, são
o reflexo de uma sociedade sem valores e sem heróis. Aplausos do PS. Vozes do CDS-PP: —Exactamente! É muito simples: nós temos políticas, e esse é o grande
problema do PSD. É que o PSD não tem políticas, diz mal O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem! daquilo que lhe convém em cada momento, mas não tem políticas nem tem estratégia. O Orador: —Não vou ter qualquer espécie de opti-
A nossa política de saúde, neste momento, está plas- mismo nem relativamente à regulação dos próprios, num mada numa lei de bases da saúde, que queremos saber se o mercado distorcido, nem em relação a uma tal Alta Autori-PSD vota a favor ou contra e quais as emendas tem em dade, que não é alta nem tem autoridade, como provam relação a essa proposta, ou se, como já foi dito pelo pró- largos anos de ineficiência. Já fui membro dela, por pouco prio Sr. Deputado Durão Barroso, no mesmo discurso, o tempo, e devo dizer-lhe que, desde esse momento, não PSD é simultaneamente a favor de um sector privado, que acredito naquela instituição. é complementar e concorrencial do sector público em Vou referir-me, com certeza, à circunstância de viver-matéria de Serviço Nacional de Saúde. Ou seja, é favor de mos num país onde, consabida e reconhecidamente, a Lei uma política e da sua contrária? Nós só temos uma! da Televisão não é aplicada ou, melhor, todos os dias, sob
Em matéria de educação, a nossa política é muito sim- a cumplicidade, conivência, inépcia e omissão do Estado, a
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lei é violada. dissemos aqui, houve a suspeita de que nem era melhor, Sr. Primeiro-Ministro, agora, que VV. Ex.as se decla- nem ficava mais barato. Sabe-se hoje que houve 22 000
ram enojados, agora, que VV. Ex.as se declaram horroriza- reclamações e que houve dezenas de milhar de fugas de dos com um processo que foi uma «escada» e que come- gás que tiveram de ser reparadas. A DECO fez um inquéri-çou há muito tempo, vou pedir-lhe um acto de humildade, to e prova que apenas 11% das instalações de gás na casa que tem a ver com o seguinte: não discuto o direito de os de cada família desta cidade estão em segurança. Pergunto-adultos verem o que entenderem – cada um deles verá a lhe, Sr. Primeiro-Ministro: em quanto tempo é que o Go-televisão que quer – mas há crianças e há direitos de sobe- verno, em nome do vosso conceito alargado de segurança, rania educativa dos pais sobre a educação dessas crianças. pode tranquilizar as famílias relativamente àquilo que
Há dois anos, o nosso partido trouxe a esta Assembleia aconteceu? o pedido de que o Estado estudasse e facilitasse a aplica- ção em Portugal de um instrumento tecnológico, um Aplausos do CDS-PP. pequeno comando, um chip, que permite aos pais bloquea- rem certos programas, a certas horas, em certos canais, no O Sr. Presidente: —Para responder, tem a palavra o exercício da sua soberania educativa. Sr. Primeiro-Ministro.
Aplausos do CDS-PP. O Sr. Primeiro-Ministro: —Sr. Presidente, Sr. Depu- tado Paulo Portas, em relação à primeira questão que colo-Vozes do PS: —Ninguém o via a si! cou, que é uma questão complexa nas sociedades moder- nas, quero dizer-lhe que a minha atitude é uma atitude de O Orador: —Chamaram-nos todos os nomes, Sr. Pri- abertura…
meiro-Ministro! Há dias, um Ministro do seu Governo declarou-se, pela A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): — Já não é
primeira vez, disponível para pensar no assunto, porque as mau! coisas chegaram onde chegaram.
Trata-se de um equipamento que já existe nos Estados O Orador: —… em relação àquilo que este Parlamen-Unidos e no Canadá e que vai ser introduzido noutros to, numa lógica de consenso, deva fazer, apreciando a países, pelo que lhe pergunto, com toda a franqueza e legislação actual e encontrando formas que de modo algum frontalidade, Sr. Primeiro-Ministro: está ou não disposto a violem a questão da censura mas que possam contribuir passar da indignação à acção? E, no caso concreto, está para minorar problemas reais que todos sentimos. disposto a facilitar a entrada em vigor, em Portugal, a Há várias soluções e aquela que o Sr. Deputado referiu favor das famílias, de um mecanismo tecnológico, um tem vantagens e inconvenientes, nomeadamente o incon-pequeno comando, um chip, que resolve o problema e que veniente de uma desresponsabilização; mas há várias solu-permite aos pais um direito absolutamente natural, que é o ções, pelo que estamos disponíveis… de bloquearem certos programas de certos canais, a certas horas, nomeadamente por causa do exercício banal da A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): — Bem-violência a todas as horas nesses programas, contra a lei vindo! que esta Câmara aprovou?
O Orador: —… para, em diálogo, nesta Câmara, en-O Sr. Emanuel Martins (PS): — É um chip anti-Paulo contrar formas de regulação que sejam mais eficazes do
Portas! que aquelas que até agora tem sido possível aplicar. Isto, com uma condição: a de que de forma nenhuma esteja em O Orador: —Em segundo lugar, quero colocar-lhe causa a censura em matéria de televisão.
outra questão igualmente concreta. O Sr. Primeiro- Ministro vai aumentar as portagens no início do próximo O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Mas não há censura! ano e, por isso, faço-lhe uma pergunta muito simples: vai São os pais! pedir ao Sr. Deputado Armando Vara que vá fazer viagens Lisboa/Almada, Almada/Lisboa, buzinando e favorecendo O Orador: —Quanto à questão da ponte, quero dizer-um «buzinão»? Sim ou não, Sr. Primeiro-Ministro? lhe três coisas.
Em terceiro lugar, V. Ex.ª, da última vez que aqui veio, Em primeiro lugar, sempre dissemos que era um erro, e trouxe um programa abrangente sobre o conceito de segu- mantemos essa opinião, ligar a portagem da ponte 25 de rança. Segurança, disse-me, então, o Sr. Primeiro-Ministro, Abril à outra. Por isso, as separámos e fizemos acordos – e não é apenas prevenir a criminalidade. Nesse sentido, fomos muito criticados por isso –, no sentido de os contri-quero colocar-lhe uma questão que tem a ver com o dia de buintes pagarem, em matéria de compensação, à Lusopon-hoje e com o gás natural. te.
A empresa encarregue do gás natural foi a 215 000 fo- gos,… O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): — Excessivamente!
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): — Foi a 225 000! O Orador: —Em segundo lugar, também dissemos sempre que admitíamos que, existindo o comboio na pon-O Orador: —… na cidade de Lisboa, reparar as insta- te, pudesse haver um ajustamento da portagem. Neste
lações de gás e substitui-las. Desde o início, e nós já o momento, já existe comboio na ponte e entendeu-se que o
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melhor momento para fazer esse ajustamento seria o da — e já há provas concretas do seu cumprimento —, vai troca das moedas. também actuar nesse domínio e com redobrada eficácia.
A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): — Depois, di- O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): — E por que é que é
zem que a culpa é do euro! mais caro, Sr. Primeiro-Ministro? O Orador: —Mesmo assim, em relação à questão de O Orador: —Não! Não é mais caro do que o outro
que estamos a falar, e é bom não esquecer que não há gás! qualquer mudança desde 1994, este aumento nada tem a ver com os aumentos que haviam sido decretados pelo Vozes do CDS-PP: —É, é! governo anterior. E mais: mantêm-se todas as medidas minimizadoras, nomeadamente em relação aos clientes O Orador: —É necessário ter consciência de que há frequentes, no sentido de evitar, nesse caso, um impacto uma evolução do preço do petróleo e do gás e, se não hou-extremamente negativo. vesse gás natural, o outro gás seria, com certeza, muitíssi-
Ou seja, agimos com moderação, não entrámos em mo mais caro. Esta forma é mais barata do que a alternati-contradição com nada do que dissemos e fizemo-lo no va, é mais limpa do que a alternativa, o que não é imune ao sentido de encontrar um justo equilíbrio entre o interesse que foi a evolução do mercado do petróleo e do gás duran-do contribuinte e o interesse das populações da margem te este tempo. sul do Tejo, que não têm qualquer culpa de ter sido segui- da uma determinada política rodoviária num dado momen- Aplausos do PS. to, sem ter em conta as suas preocupações.
Quanto à questão da segurança, devo dizer-lhe que vem O Sr. Presidente: —Para pedir esclarecimentos, tem a exactamente na linha daquilo em que estamos a agir com palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia. maior incidência. E estamos a fazê-lo a todos os níveis: desde a segurança alimentar, com inspecções redobradas a A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presiden-nível de estabelecimentos… te, Sr. Primeiro-Ministro, sobre a iniciativa da moção de
censura e, fundamentalmente, sobre a sua oportunidade, O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — E em relação ao gás, falarei no decurso da intervenção que farei posteriormente,
Sr. Primeiro-Ministro? porque, neste momento, importa confrontar o Sr. Primeiro- Ministro com algumas questões e com algumas considera-O Orador: —Já lá vamos, Sr. Deputado! ções. Como estava a dizer, estamos a fazê-lo a todos os ní- Começo por referir, Sr. Primeiro-Ministro, que, com as
veis, desde a segurança alimentar até às questões que têm a eleições legislativas de 1995, criaram-se muitas expectati-ver com as diversas infra-estruturas, nomeadamente em vas em torno do Governo do Partido Socialista. Era o Go-relação ao gás, pois o nosso departamento de defesa dos verno do diálogo, era a paixão da educação, depois, a pai-consumidores está, neste momento, a preparar uma inicia- xão da saúde, a toxicodependência era o primeiro inimigo tiva imediata de intervenção nessa matéria, para garantir… e o ambiente diversas vezes foi anunciado como uma prio-
ridade política. Seis anos depois, Sr. Primeiro-Ministro, A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): — Qual? estas expectativas estão completamente frustradas e vou exemplificá-lo apenas com as áreas a que me referi. O Orador: —Dá-me licença? Neste momento, estamos perante o seguinte: temos um O nosso departamento de defesa dos consumidores está Governo completamente avesso ao diálogo; temos um
a preparar uma iniciativa imediata de intervenção nessa Governo que faz de conta que as consultas públicas não matéria, para garantir uma capacidade de verificação que existem; temos um Ministro do Ambiente que chama agi-seja tecnicamente rigorosa. Ou seja, essa é exactamente a tadores políticos e até ignorantes às pessoas que, legitima-área em que estamos a trabalhar com mais intensidade. mente, contestam as suas decisões; temos uma educação Veja o que aconteceu com as pontes, veja o que aconteceu que promove o ensino elitista e uma colocação de profes-com as barragens, veja o que está a acontecer com os me- sores que prejudica, em muito, estes profissionais; em dicamentos, veja o que está a acontecer com os bens ali- matéria de saúde, regista-se o fomento da privatização dos mentares! Estamos, de facto, a agir com extremo empe- serviços e a consequente fragilização do Serviço Nacional nhamento nesse domínio, pois trata-se de uma preocupa- de Saúde; em matéria de ambiente, há uma política clara ção comum, e em matéria de gás agiremos com a mesma de desresponsabilização do Estado; em relação à toxicode-determinação. pendência, por exemplo, só para evidenciar um aspecto, o
programa de reinserção de ex-toxicodependentes está sem O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — As queixas têm dois dinheiro e temos uma resposta clara, por parte do Sr. Se-
anos, Sr. Primeiro-Ministro! cretário de Estado, quando diz que as finanças não são elásticas e o dinheiro não se multiplica. O Orador: —Dá-me licença? É óbvio que, perante estas questões graves, na nossa Há queixas sobre muitas coisas. O que lhe estou a dizer perspectiva, o desperdício de dinheiros públicos é uma
é que esta política de segurança, que foi por mim anuncia- evidência. Por isso, os projectos megalómanos, como o da nesta Câmara e que está, neste momento, a ser cumprida TGV, o Euro 2004 ou as grandes despesas militares, são a
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prioridade do Governo. era, em 1995, de 72 000$ e, hoje, é de 132 000$. A substi-Em face desta realidade, que resposta é que o Governo tuição com metadona aumentou nove vezes. O número de
tem dado aos portugueses? Em vez de redefinir políticas e estabelecimentos prisionais a apoiar o tratamento de toxi-prioridades, este Governo, depois do estado de graça, foi codependentes era de apenas 2 e hoje há 12. promovendo as sucessivas remodelações governamentais, Portanto, Sr.ª Deputada, se em algum domínio se está a que, como é evidente, não deram em nada, porque, na assistir a uma verdadeira revolução, a um aumento enorme verdade, a mudança de caras não teve como consequência do volume de meios, a uma enorme preocupação com as a alteração de políticas. A política do Governo é a mesma pessoas e os seus problemas, é neste domínio. Por isso, e, nessa perspectiva, mantém-se linear. não adianta pegar numa dificuldade ocasional de um
Outra questão também sucessivamente aduzida pelo determinado programa, num dado momento, porque teve Partido Socialista é a desculpa com o facto de que o Parti- um êxito que superou as expectativas, para dizer que, neste do Social Democrata, quando esteve no governo, não fez, campo, não se faz nada, porque, pelo contrário, está a como se o facto de o Partido Social Democrata não ter fazer-se aquilo que, porventura, nunca os senhores pensa-feito fosse um justificativo para que o Partido Socialista, ram que se fizesse. nos mesmos moldes, não faça e não resolva as questões Na educação, também poderíamos ir aos mais diversos concretas. aspectos, tal como nos outros sectores, mas há uma coisa
Sr. Primeiro-Ministro, aquilo que os portugueses que- que, para si, Sr.ª Deputada, deve ficar clara: temos um riam era uma mudança de política e não políticas idênticas critério de prioridades nas nossas políticas e esse critério àquelas que, nomeadamente, o PSD realizou, na altura em está demonstrado e provado através de seis anos de suces-que foi governo. sivos Orçamentos do Estado. E a nossa prioridade, na
Sr. Primeiro-Ministro, a generalidade das famílias por- intervenção do Estado, são as despesas sociais. tuguesas, permita-me a expressão, esticam o dinheiro até Em matéria de diálogo, se de alguma coisa o Ministro ao fim do mês, a generalidade das famílias portuguesas do Ambiente tem dado provas, ao longo de todo este pro-está endividadas «até aos cabelos». Em face disto, o Sr. cesso, é de uma enorme capacidade de diálogo. Primeiro-Ministro tem consciência de que as suas opções políticas servem mais para o seu prestígio internacional, de Vozes do PS: —Muito bem! acordo com a sua noção de prestígio internacional, do que para os portugueses? É que, Sr. Primeiro-Ministro, quando O Sr. Presidente: —Para pedir esclarecimentos, tem a tiver consciência disso, altera, de facto, as suas políticas e palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas. vira-as à esquerda. Aliás, é a única forma de deixar de ter um Orçamento do Estado aprovado pela direita. O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, Sr.
Primeiro-Ministro, com estas referências à linha vermelha, O Sr. Presidente: —Para responder, tem a palavra o à linha negra e ao grande educador, V. Ex.ª seguramente
Sr. Primeiro-Ministro. há-de ter pedido ajuda para elaborar o seu discurso ao meu ex-camarada José Lamego ou ao Dr. Durão Barroso! O Sr. Primeiro-Ministro: —Sr. Presidente, Sr.ª Depu- A sua intervenção, que acompanhei com muita atenção,
tada Heloísa Apolónia, pensava que essa questão do pres- tem três partes: uma doutrinal, a que me refiro brevemente, tígio internacional já estava ultrapassada, mas, pelos vis- uma de pura chicana política, que não vou levar muito a tos, ainda é recorrente. sério, e outra retórica e de ocasião, que o Sr. Primeiro-
Vou pegar apenas num dos sectores que referiu; pode- Ministro deve repetir em todas estas circunstâncias e que ria pegar em todos mas vou pegar num, que corresponde a também não vale a pena estar a apreciar muito. uma preocupação fundamental das pessoas, que é o da Penso que o Sr. Primeiro-Ministro representa aqui, nes-toxicodependência. te debate, a força política que neste momento, a nível
Em primeiro lugar, o Programa Vida-Emprego não está europeu, está mais seriamente em crise de doutrina, que é sem dinheiro, teve foi um sucesso tal que utilizou rapida- o campo do socialismo democrático. O socialismo demo-mente todo o seu orçamento, o que é completamente dife- crático, nesta época de globalização, vive um intenso deba-rente. te doutrinal entre a evolução de um socialismo reformista e
de correcção do capitalismo que existiu no pós-guerra e A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Melhor seria um socialismo de pura gestão dos aspectos mais gravosos
que não o tivesse utilizado! da globalização, ainda que mantenha nos lábios uma vaga retórica social. Aliás, é isso que é a terceira via. Ora, esse é O Orador: —Mas, concretamente em relação à toxi- um debate que atravessa o socialismo democrático em toda
codependência, sabe quantos CAT havia em 1995? Havia a Europa, que atravessa o vosso partido, que atravessa a 32. Sabe quantos CAT há hoje? Há 50. Sabe quantas con- governação socialista e que a divide. sultas houve em 1995? Houve 133 000. Sabe quantas con- Não nos venha, portanto, acusar de pensarmos que te-sultas houve em 2000? Houve 311 000 consultas. mos o monopólio da esquerda! Olhe para dentro do seu
Sabe quantos profissionais existiam, na rede pública, partido, porque está lá a esquerda a protestar contra as em 1999? Havia 662 profissionais e, em 2000, havia 1520, políticas do seu Governo, a protestar contra esta política de o que significa que mais do que duplicaram. liquidação dos sectores estratégicos e de privatizações, a
Quanto aos recursos financeiros afectos a esta área, em protestar contra o facto se ter adiado a re-discussão da 1995, havia 3,3 milhões de contos e, em 2000, havia 8,3 questão da interrupção voluntária da gravidez e a protestar milhões de contos. O apoio mensal aos toxicodependentes contra o facto de os senhores terem novamente adiado o
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imposto sobre o património, sob pressão dos lobbies eco- O Orador: —Não «corremos» ninguém a apupos na nómicos! Está lá a esquerda! Não somos o monopólio, nossa convenção, ao contrário do que se passou recente-somos uma pequena e modesta parte da esquerda,… mente com outros partidos, ditos amplamente democráti-
cos, pelo que temos muito à-vontade para tratar este pro-O Sr. Emanuel Martins (PS): — Muito pequena! blema. Está, portanto, respondida a questão da competição O Orador: —… inteiramente disposta a dialogar com com o Partido Comunista. O Partido Comunista é um par-
todas as outras componentes da esquerda, incluindo aquela tido, nós somos outro movimento político, cada um com a que dentro do Partido Socialista critica severamente as sua cultura e com o seu espaço e não venham lançar con-políticas que o Governo tem tomado. Não temos, portanto, fusões a esse respeito, porque até quanto aos fundamentos o monopólio do esquerda. desta moção estamos bastante de acordo.
Terminando, Sr. Presidente, queria dizer que quem en-O Sr. José Barros Moura (PS): — Não têm, não! fraquece o Partido Socialista e quem faz o jogo da direita são as políticas de direita do PS e não a esquerda. O Orador: —Temos, sim, a vontade de cooperar com
as várias esquerdas numa política alternativa e por isso O Sr. Presidente: —Para responder, tem a palavra o censuramos este Governo. Sr. Primeiro-Ministro.
Os senhores dizem que nós assimilamos da direita tudo o que nos é exterior. Não! Há exactamente uma corrente O Sr. Primeiro-Ministro: —Sr. Presidente, quero na social democracia europeia que, pela virtude de fazer agradecer ao Sr. Deputado Fernando Rosas por ter tornado em nome da esquerda as políticas da direita, está a entregar claro que a minha intervenção bateu exactamente no ponto o poder aos partidos da direita «dura», porque, naturalmen- certo. Aliás, não é para espantar, porque ela foi inspirada te, eles acabam por ser mais competentes para fazer essa em grande parte por um artigo escrito por si, Sr. Deputado, política. Penso que o caso italiano deve dar que falar. A que tem a vantagem de revelar o fundo, senão do pensa-Coligação Oliveira entregou de mão-cheia o governo ita- mento do Bloco de Esquerda no seu conjunto, pelo menos liano à coligação berlusconiana, exactamente porque fez as do seu. políticas que o Partido Socialista está a fazer em Portugal e No fundo, pensam VV. Ex.as que neste mundo em que com a mesma responsabilidade. Não se trata, portanto, de hoje vivemos, que tem um conjunto de realidades que assimilar, porque nós conhecemos as diferenças, já que podemos combater – e remeto-o, por exemplo, para a somos gente séria e atenta. Sabemos que há diferenças, Internacional Socialista, a que presido, e para o seu pro-mas sabemos também que há um processo de passagem e grama de reforma da ordem económica internacional, que de ponte que tende a seguir-se desta maneira, tornando foi elaborado sob minha orientação, reforma que não está cada vez mais indiferenciadas as várias sensibilidades feita e contra a qual se levantam enormíssimas e podero-dentro do socialismo. Felizmente, dentro do Partido Socia- síssimas forças em todo o mundo –, é neste momento lista há muita gente que repara nisto e que o discute. impossível governar à esquerda. E como a vossa ideia é a
Não nos venham é dizer agora, em nome do monopólio de que é impossível governar à esquerda, precisamente da esquerda, que não podemos ter opiniões sobre a esquer- porque existe uma globalização que tem efeitos dramáti-da! Nós somos uma opinião e os senhores poderão ser cos, que não recusamos, e precisamente porque existe um outra, mas não nos venham dizer que, em nome do mono- conjunto de circunstâncias ao nível do que disse há pouco, pólio da esquerda, não podemos falar, que não podemos ou seja, de um mundo politicamente desestruturado e de discutir, que não podemos criticar e que não temos direito uma globalização desregulada, a vossa tese é a de que este à opinião. Temos! Temos e expressá-la-emos! combate está perdido e a de que o reformismo não vale a
Noutra parte da sua intervenção, o Sr. Primeiro- pena. Como tal, ou há uma opção radical que destrói esta Ministro introduziu uma referência um pouco policial, ou globalização e esta arquitectura mundial – e, nesse caso, seja, referiu-se ao mistério de saber se queríamos ou não vale a pena uma alternativa política –, ou então todos, de derrubar o Governo. Sr. Primeiro-Ministro, se pudéssemos, alguma forma, estarão a trair um ideal político em nome do queríamos, mas não podemos, pelo que nos limitamos a socialismo democrático. Ora, aí penso que o Bloco de agitar politicamente a situação. Limitamo-nos a colocar Esquerda está totalmente errado, porque há diferenças. perante a opinião pública o problema de ser necessário É evidente que este mundo não é o mundo justo que eu mudar esta política. Portanto, não há mistério algum, nem quero. É evidente que eu não gosto de um mundo com uma há, sequer, qualquer espécie de diferenças de opinião. potência única e hegemónica. É evidente que não gosto de
Aliás, dentro do Bloco de Esquerda, Sr. Primeiro- um mundo em o sistema de Bretton Woods tem a doutrina Ministro, há muitas diferenças de opinião. Nós pensamos que tem e aplica a doutrina que aplica. É evidente que há que as diferenças de opinião são salutares e não temos mesmo aspectos no seio da União Europeia com os quais problema algum com isso. Não foi na nossa convenção que não estou de acordo em termos de orientação, e tenho-o um membro do nosso partido foi apupado durante a sua dito. Isso é uma coisa. Outra é eu abdicar de exercer o intervenção! Governo com esses condicionalismos e abdicar de agir
dentro da margem de manobra que, apesar de tudo, existe O Sr. Emanuel Martins (PS): — Também são tão para que haja mais emprego em vez de menos emprego,
poucos! para que haja mais igualdade em vez de menos igualdade e para que haja mais soluções para problemas sociais dramá-
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ticos em vez de menos soluções para problemas sociais O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, sucede dramáticos. que em momento nenhum nós dissemos que a Coligação
Isto porque há aqui uma diferença fundamental. É que Social Democrata Oliveira era pior do que a Casa da Li-a si só lhe serve uma solução para toda a humanidade; a berdade berlusconiana, que ganhou as eleições. mim basta-me uma solução que toque a alguns dos homens e das mulheres em concreto, para que estes possam ser O Sr. Presidente: —Sr. Deputado, isso são tudo maté-beneficiados pela nossa presença efectiva na acção gover- rias de opinião, mas não são ofensivas da honra de nin-nativa. guém! Não lhe posso dar a palavra.
Vozes do PS: —Muito bem! O Sr. Fernando Rosas (BE): — Mas as pessoas ouvem e eu não posso responder, pelo que isto fica no ar! O Orador: —E essa é uma questão decisiva perante a
qual o Bloco de Esquerda tem de fazer uma opção, dizen- O Sr. Presidente: —Mas o Sr. Deputado terá mais do o que quer no sistema político português. Pode «cris- oportunidades! Se algum dia tem tempo para esclarecer o mar» todos como sendo o inimigo, dizendo até que uns são que quer dizer, é hoje. Exactamente pela figura a que piores do que os outros, como acaba de fazer ao dizer que recorreram terá muitas oportunidades. pior do que Berlusconi é a esquerda italiana, é a Oliveira!
O Sr. Fernando Rosas (BE): — Lá voltaremos, Sr. O Sr. Fernando Rosas (BE): — Eu não disse isso! Presidente. O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): — Pior é a Emma O Sr. Presidente: —Para pedir esclarecimentos, tem a
Bonino! palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos. O Orador: — A Oliveira pode ter cometido muitos er- O Sr. Manuel dos Santos (PS): — Sr. Presidente, Srs.
ros, mas sejamos claros: não há qualquer comparação entre Deputados, Srs. Membros do Governo, julgo que não a Oliveira e aquilo que se lhe seguiu na vida política italia- podíamos nunca pôr em causa, do ponto de vista regimen-na. E não é sequer justo, sabendo o que é hoje o complexo tal e do ponto de vista político, a iniciativa do Bloco de poder económico, mediático e político, responsabilizar Esquerda. Todavia, pelo menos do ponto de político, apenas os erros da Oliveira por aquilo que aconteceu em devíamos ser um pouco mais exigentes em relação a esta Itália. iniciativa, porque ela está mal fundamentada, está errada-
mente fundamentada. Vozes do PS: —Muito bem! Esperei com alguma expectativa o discurso inicial do Sr. Deputado Luís Fazenda, mas confesso que esse discur-O Orador: —Não é sequer justo dizê-lo de uma forma so me desiludiu profundamente. O Sr. Deputado Luís Fa-
tão simplista, porque, em Itália, foram feitas muitas coisas zenda, se o Sr. Primeiro-Ministro bem se recorda, citou positivas pela Oliveira que também devem ser reconheci- basicamente cinco pontos que depois desenvolveu, embora das, independentemente dos seus erros, tal como nós aqui pouco, para justificar a apresentação da moção de censura. também cometemos muitos erros. O primeiro ponto referiu-se à apresentação daquilo a que
Mas esta questão é central e, em relação a ela, os se- chamou um orçamento não sério. Julgo que o Sr. Deputado nhores têm de escolher posicionar-se, porque com o vosso Luís Fazenda se estava a referir a uma política orçamental actual posicionamento aquilo que fazem é limitar ainda que se caracterizou e definiu à partida como uma política mais a nossa margem de manobra e é ajudar ainda mais de desagravamento fiscal com consciência social. Foi a aqueles que entendem que, de facto, neste mundo concre- isso que V. Ex.ª chamou um orçamento não sério. to, que existe, embora com a vontade reformista de o trans- formar, a esquerda não tem o direito de governar. A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): — Exactamente!
Aplausos do PS. O Orador: —Depois, falou nas reformas, que não ti- nham em conta o pleno emprego, a qualificação e a forma-O Sr. Fernando Rosas (BE): — Peço a palavra, Sr. ção. Bem, a verdade é que, a não ser que o Sr. Primeiro-
Presidente. Ministro tenha uma natureza aqui e outra lá fora, se algu- ma coisa foi por ele lançada no debate europeu – e sou O Sr. Presidente: —Para que efeito, Sr. Deputado? testemunha disso, porque ainda há uma semana vim de um fórum internacional onde isso foi citado e comprovado de O Sr. Fernando Rosas (BE): — Para, sem recorrer a forma muito clara – foi exactamente a discussão em volta
uma habilidade excessiva do ponto de vista regimental, de uma nova qualificação do emprego e de um novo mode-defender a honra ou o ponto de vista legítimo desta banca- lo de desenvolvimento para a Europa. Não acredito, por-da, que foi deturpado pela intervenção do Sr. Primeiro- tanto, que o Sr. Primeiro-Ministro defenda soluções euro-Ministro. peias que, obviamente, não procure implementar em Por-
tugal. E nós sabemos que as tem aplicado. O Sr. Presidente: —Mas agradecia que me dissesse O Sr. Deputado falou ainda nas obras sem concurso, e
qual foi a expressão que ofendeu a honra da sua bancada. aqui há algo de grave. O Sr. Primeiro-Ministro foi objecto de uma acusação, porque, se há obras concurso, digo eu, é
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porque não resistiu aos negócios. Era bom que isso ficasse Não posso citá-lo totalmente, mas dir-lhe-ei o seguinte: esclarecido e que o Sr. Primeiro-Ministro nos dissesse se, ele afirmou de forma clara, há menos de um mês, com base efectivamente, há obras públicas sem concursos e se este em dados reunidos até Março, que o crescimento económi-Governo não resistiu aos negócios. co foi revisto e é superior àquilo que tinha sido previsto;
que a alteração da estrutura da procura interna é mais favo-O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): — Vejam lá que rável àquilo que tinha sido previsto; que, consequentemen-
escândalo! te, o défice da balança de transações está a melhorar, sobretudo se forem eliminados os efeitos de transferências O Orador: —Falou, depois, no TGV, e essa é uma menores que se verificaram no primeiro ano do III Quadro
discussão recorrente, porque já vamos na quinta ou sexta Comunitário de Apoio; que (veja lá, foi um dos pontos que versão da discussão sobre o TGV. Era bom que essa dis- o Sr. Deputado salientou!) o rendimento disponível das cussão se fizesse na opinião pública, onde está lançada, famílias cresceu 7%, nos dois últimos anos. porque já fizemos aqui, na Assembleia da República, qua- Sr. Primeiro-Ministro, queremos, em nome da bancada tro ou cinco discussões sobre o TGV. Mas faremos quantas do Partido Socialista, salientar a qualidade excepcional do mais VV. Ex.as quiserem, não é verdade, Sr. Ministro Ferro seu discurso. Rodrigues?
E, depois disso, ficou tudo na mesma e essa não enten- Risos do PSD e do CDS-PP. di. Não entendi como é que a quinta razão para se apresen- tar uma moção de censura é a de que ficou tudo na mesma! Mas, mais do que a qualidade excepcional do seu dis-
Bem, ouvindo agora o Sr. Deputado Fernando Rosas, curso, queremos salientar o verdadeiro programa político compreendi melhor a sua asserção sobre as duas linhas, que aqui apresentou. porque há, de facto, duas linhas claras e inequívocas.
O Sr. Presidente: —Terminou o seu tempo, Sr. Depu-O Sr. Fernando Rosas (BE): — Há mais! tado. Tem de concluir. O Orador: —Só que a intervenção do Sr. Deputado O Orador: —Termino imediatamente, Sr. Presidente.
Fernando Rosas, com o devido respeito, devia ser proferi- Queremos salientar, Sr. Primeiro-Ministro, o verdadei-da na Sala do Senado, durante um colóquio sobre o futuro ro programa político que aqui apresentou, em continuidade da esquerda e as ideologias envolventes da esquerda e não do que tem sido a sua acção, nos últimos anos, ao serviço num debate sobre uma moção de censura. de Portugal e dos portugueses.
O que está aqui em causa, Srs. Deputados do Bloco de É exactamente ao serviço dos portugueses e não pelo Esquerda, é saber se valeu a pena VV. Ex.as abdicarem de país real, que é uma concepção de extrema-direita, que V. um agendamento potestativo, que era caracterizado pela Ex.ª deve governar. É para os portugueses que V. Ex.ª apresentação de um conjunto vastíssimo de alterações à deve governar! legislação laboral, para fazerem este «número» ou esta prova de vida que aqui acabaram por fazer. Aplausos do PS.
Mas boa parte da vossa fundamentação está relaciona- da com questões económicas. Também aqui é preciso que O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): — O Sr. Primeiro-nos preparemos, sobretudo quando se apresenta um docu- Ministro até já está envergonhado! mento que sustenta uma moção de censura. E o que é dito sobre política económica no documento que justifica a O Sr. Presidente: —Apesar de o Sr. Deputado Manuel vossa moção de censura é completamente errado e desqua- dos Santos ter interpelado mais o Sr. Deputado Fernando lificado, do ponto de vista técnico, naturalmente, não do Rosas do que o Sr. Primeiro-Ministro, tenho de dar a pala-ponto de vista político. vra ao Sr. Primeiro-Ministro. Não posso dá-la ao Sr. Depu-
Bastava, aliás, que V. Ex.ª tivesse lido – leu tanta coisa, tado Fernando Rosas. e não leu o que devia ler! – e, já agora, ouvido o que o Tem a palavra, Sr. Primeiro-Ministro. Governador do Banco de Portugal, que é, obviamente, uma autoridade tecnicamente qualificada e independente em O Sr. Primeiro-Ministro: —Sr. Presidente e Srs. De-relação ao Governo, tem dito sobre… putados, gostaria de agradecer a prova de confiança do Sr.
Deputado Manuel dos Santos e do Grupo Parlamentar do O Sr. Fernando Rosas (BE): — Independente?! Partido Socialista,… O Orador: —Exactamente! O Sr. Deputado está a Risos do PSD e do CDS-PP.
ofender o Sr. Governador do Banco de Portugal! O Sr. António Capucho (PSD): — Foi inesperada! Risos do Deputado do BE Fernando Rosas. O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Uma verdadei-O Orador: —E não se devia rir! ra surpresa! Dizia eu que V. Ex.ª devia ter ouvido o que essa enti-
dade independente em relação ao Governo tem dito relati- O Orador: —… que, aliás, permite aos Srs. Deputa-vamente à situação económica. dos um momento de boa disposição, o que é sempre bom!
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Há, no entanto, uma expressão que foi referida pelo Sr. comissão de inquérito, e aguardaremos calmamente a posi-Deputado Fernando Rosas da qual não posso deixar de ção do Partido Socialista, confiantes de que esta frase tem falar. O Bloco de Esquerda refere uma série de aspectos na eco não só no Governo, como também no partido. fundamentação da sua moção, que são perfeitamente dis- O segundo ponto, Sr. Primeiro-Ministro, tem a ver com cutíveis, poderíamos analisá-los um por um, mas há um a redução de despesas, designadamente com a redução de que me parece inaceitável, pelo tom com que é feito. Trata- despesas do défice público. Em relação a esta questão há se da expressão «negócios», que foi utilizada por si. Este um acordo que vai desde o Sr. Deputado Luís Fazenda até Governo não faz negócios nem cede a interesses. ao Sr. Professor Cavaco Silva. Todos dizem e todos temos
a noção de que é necessário cortar o défice público. Vozes do PS: —Muito bem! Concretamente, Sr. Primeiro-Ministro, uma vez que essa matéria parece não vir à Assembleia, diga aos portu-O Orador: —Pode errar em opções, e por vezes, mui- gueses onde é que V. Ex.ª vai cortar. Quais as rubricas
tas vezes, errará, mas não faz negócios e sobretudo não faz orçamentais que vão ser objecto de corte? e nunca fará – e se alguma vez houver alguma indicação Não diga coisas vagas, usando da sua magnífica prepa-de que isso possa ter acontecido serei eu o primeiro a agir ração parlamentar. Responda-nos: onde é que vamos cor-com total radicalidade – negócios em interesse próprio. tar? É na função pública? É no desperdício? É naquilo que
Esta é uma matéria que gostaria de deixar muito clara é a ostentação, em alguns casos excessiva, de alguns gabi-neste debate. netes ministeriais? Não seria de começar por aí, dando o
exemplo? E não me diga que é demagogia, porque não é! Aplausos do PS. Não é demagogia dar o exemplo de austeridade ao País,… O Sr. Presidente: —Srs. Deputados, vamos passar a O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Muito bem!
uma segunda ronda de pedidos de esclarecimentos. Tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta. O Orador: —…começando por cortar em despesas eventualmente sumptuárias, reduzindo nos automóveis, nas O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. secretárias, nos assessores, enfim, em toda aquela panóplia
Primeiro-Ministro, Srs. Deputados, gostaria de colocar que os portugueses bem conhecem. duas questões, uma das quais tem a ver com a última frase Está V. Ex. disposto a dar esse sinal? Sim ou não? E, que o Sr. Primeiro-Ministro acabou de dizer, isto é, que em caso afirmativo, onde é que os cortes, concretamente, este Governo «não faz negócios nem cede a interesses». vão ser feitos? Diga-nos! Informe o País, porque isso é que
Sr. Primeiro-Ministro, a primeira questão tem a ver é importante para nós aquilatarmos das suas opções. com um conjunto de perguntas que dirigimos ao Governo em relação à Lusoponte. Vai haver uma subida grande nas Vozes do CDS-PP: —Muito bem! portagens da ponte – V. Ex.ª justificou essa subida –, con- tudo gostaria de saber se V. Ex.ª conhece o relatório do O Sr. Presidente: —Tem a palavra o Sr. Primeiro-Tribunal de Contas e da Inspecção-Geral de Finanças onde Ministro. se diz, expressamente, que a primeira fixação de preço à Lusoponte foi feita acima daquilo que era exigível, uma O Sr. Primeiro-Ministro: —Sr. Presidente, Sr. Depu-vez que não teve em conta o volume de tráfego que passa- tado, em relação à Lusoponte – e, como sabe, houve um va pela ponte, que foi calculado de maneira muito inferior primeiro acordo que nem sequer foi celebrado por este ao real. Governo, mas por um governo anterior – a informação que
tenho é a de que a renegociação que foi feita teve em conta O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Muito bem! todos os aspectos que referiu. No entanto, «quem não deve não teme», existe toda a nossa disponibilidade para que o O Orador: —Daí retirámos um conjunto de conclu- assunto seja observado por esta Câmara com total abertura.
sões que são objecto de um conjunto de perguntas, até Em relação à redução de despesa, a nossa posição é agora não respondidas pelo Governo, em relação às quais muito simples: há, evidentemente, um abrandamento da aguardaremos calmamente a respectiva resposta. economia mundial, esse abrandamento reflecte-se na eco-
nomia portuguesa, pelo que é provável que haja, pelo me-O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Muito bem! nos em algumas rubricas, abrandamento de receita, e isso deverá coincidir com redução na despesa para manter o O Orador: —Mas este é um ponto importante, para se défice.
saber se este é o aumento justo ou se, pelo contrário, re- Os nossos critérios são: poupar o mais possível, isto é, flecte a injustiça inicial da primeira fixação. não fazer cortes em tudo o que tenha que ver com investi-
mento e com a despesa social, e sobretudo eliminar todas Vozes do CDS-PP: —Muito bem! as formas de desperdício ou de ostentação que eventual- mente sejam detectadas. Mas, em relação a este aspecto, O Orador: —Esta é uma matéria importante, porque está neste momento a ser elaborado um programa. Esse
tem a ver com os relatórios do Tribunal de Contas, alguns programa verter-se-á, seguramente, em documentos, al-deles muito importantes – já aqui foi referida a guns dos quais poderão ter de vir a esta Assembleia, e, em PARTEST/PARPÚBLICA –, por isso esperaremos pelo relação a isso, teremos ocasião de analisar, em detalhe, dia 7, data em que vamos apresentar uma proposta de nesta Assembleia, nomeadamente em grande detalhe no
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Orçamento do Estado para 2002, todos os aspectos de pela voz do Deputado Luís Fazenda, disse nesta Câmara o corte que são significativos. seguinte: «(…) o Bloco de Esquerda quer deixar claro que
as suas razões de crítica ao Governo não são as da direita. O Sr. Presidente: —Para pedir esclarecimentos, tem a Não tendo qualquer eficácia prática uma moção de cen-
palavra o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan. sura no actual quadro parlamentar, ela reduz-se ao debate político e ao esclarecimento de posições que os cidadãos e O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): — Sr. Presidente, as cidadãs possam verificar».
Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Sr. Primeiro- E mais adiante diz o seguinte: «(…)vamos pela serie-Ministro, em 1995, V. Ex.ª teve oportunidade de, aquando dade. Não nos norteia o jogo parlamentar mas, sim, o da discussão daquilo que foi chamado o pacote da transpa- exercício da cidadania e a clareza das escolhas». rência, mas que se chamava o regime jurídico de incompa- Saliente-se que o Bloco de Esquerda foi o único parti-tibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos do da oposição a votar contra a moção de censura então e altos cargos públicos, tecer vários considerandos com os apresentada pelo PSD, tendo já tido igual comportamento quais estamos inteiramente de acordo. aquando da votação da moção de censura apresentada pelo
Pergunto-lhe: considera saudável e correcto que hoje, CDS-PP. seis anos volvidos, um membro do seu Governo, titular da Mudou, pois, o Bloco de Esquerda a sua visão acerca pasta do desporto, o Ministro Armando Vara, possa ou das moções de censura. deva assumir um lugar numa sociedade desportiva? Isto Se, antes, para o Bloco de Esquerda, as moções de cen-quando passaram menos de 8 meses após ter largado, da sura, no actual quadro parlamentar, se reduziam ao debate forma como o fez, a pasta ministerial que ocupou ? político e ao esclarecimento de posições, hoje, pelos vis-
Qual é o seu juízo valorativo, o seu juízo ético sobre tos, também servem para «a clarificação política do país». aquele seu colega de Governo, mas ainda seu colega de Se, antes, para o Bloco de Esquerda, as moções de cen-partido? sura não passavam de «jogo parlamentar», hoje já servem
«para interromper a actividade deste Governo e convocar Aplausos do CDS-PP. eleições gerais. A que se deve, então, esta mudança de posição por par-O Sr. Presidente: —Para responder, tem a palavra o te do Bloco de Esquerda, que, por diversas vezes, apoiou
Sr. Primeiro-Ministro. as políticas propostas pelo Governo, como sejam a reforma da segurança social, o Programa Polis, a liberalização do O Sr. Primeiro-Ministro: —Sr. Presidente, Sr. Depu- consumo de estupefacientes, as salas de injecção assistida,
tado, a minha resposta é muito simples. Para mim, a ética a pílula do dia seguinte, as uniões de facto e a reforma republicana é a lei. E há uma lei de incompatibilidades que fiscal, que agora também contesta?! deve ser respeitada. Existe, aliás, nesta Assembleia, uma Antes de mais, temos de afirmar, sem ondas nem ro-Comissão de Ética que se destina a averiguar precisamente deios, que a responsabilidade por esta súbita atitude do situações dessa natureza. Bloco de Esquerda cabe por inteiro ao Primeiro-Ministro e
A minha convicção é a de que a lei foi cumprida e de ao Governo. que não há qualquer violação. Nesse sentido, não creio que Um Primeiro-Ministro e um Governo que, ao invés de haja uma violação de natureza ética. procurarem, como lhes compete, formar, no actual quadro
De qualquer forma, repito: a ética republicana, para parlamentar, uma maioria estável que os sustente; um mim, é a lei. Primeiro-Ministro e um Governo que, ao invés de traçarem
A pior coisa que podemos fazer é legislar em matéria uma linha de rumo e uma estratégia sustentada de desen-de incompatibilidades e depois criar permanentemente volvimento, assentes numa visão política e ideológica novos regimes de incompatibilidades. Do meu ponto de coerente, ora se apoiam à direita, ora à esquerda, ou, na vista, fazermos isso é criar uma atitude de apreciação em falta destes apoios, em quem se disponibilize, em nome de relação ao comportamento uns dos outros que não tem pseudointeresses regionais ou locais ou outros, para dar qualquer espécie de saída. A ética republicana é a lei! cobertura às suas posições. Tudo serve para este Primeiro-Devo dizer que não conheço o caso suficientemente, mas a Ministro e para este Governo. O importante é manter o minha convicção é a de que a lei é cumprida, havendo poder. O fundamental é continuar a «alimentar» a clientela nesta Câmara quem esteja em condições de o averiguar socialista, cada dia mais ávida e voraz. inteiramente. A governação de Portugal entrou em roda livre. A de-
gradação da situação política nacional é, cada dia que O Sr. Presidente: —Srs. Membros do Governo e Srs. passa, mais evidente. São os próprios aliados do Governo
Deputados, vamos entrar na fase das intervenções. que agora assumem as evidências, para as quais há muito o Para uma primeira intervenção, tem a palavra o Sr. PSD vem alertando.
Deputado Eugénio Marinho. Contudo, o Bloco de Esquerda não pretende a queda do Governo. Antes quer «trazer» o Governo e o Partido Soci-O Sr. Eugénio Marinho (PSD): — Sr. Presidente, Sr. alista para o seu espaço político de intervenção. Quer que
Primeiro-Ministro, Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados: o Governo se apoie nele. Daí que a censura se pode con-Há oito meses atrás, mais concretamente no dia 20 de verter em confiança. Ao invés de proporcionar a clarifica-Setembro de 2000, aquando do debate da moção de censu- ção política do país, como refere, o Bloco de Esquerda ra n.º 2/VIII, apresentada pelo PSD, o Bloco de Esquerda, pode contribuir para dar um novo fôlego ao «pântano polí-
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tico» em que Portugal está mergulhado. magistrados, aos advogados e aos funcionários judiciais, É certo que pretendem ampliar a crescente tendência do mantém um estado de letargia e de inconsequência sem
Partido Socialista e do Governo para confluir no sentido de paralelo em toda a Europa. se aproximarem da esquerda radical, que melhor represen- Mas o mais grave é a notória incapacidade do Governo tam. Querem chamar a si os necessários apoios para pôr para atacar de frente os problemas estruturais da nossa em prática as políticas que preconizam e que querem ver economia tendentes a combater a fraca produtividade que concretizadas. se verifica, com o consequente aumento do défice da ba-
lança comercial, com a inerente diminuição do crescimento O Sr. Manuel Moreira (PSD): — Muito bem! do produto, com o aumento da dívida externa e com a tendência que se verifica para divergirmos do objectivo de O Orador: —É, pois, esta moção de censura, «um atingirmos o nível dos nossos parceiros europeus, são as
aviso à navegação». Pode, porém, transformar-se, oportu- razões mais fortes para que este Governo mereça censura e namente, numa autêntica factura. censura real.
Ora, que o Bloco de Esquerda deseje, ardentemente, ter No entanto, para se inflectir o rumo ao abismo que este no Partido Socialista e no Governo, interlocutores válidos Governo persegue, é óbvio que as soluções que os bloquis-para darem corpo às suas visões estatizantes dos sistemas tas defendem estão nos antípodas daquelas que nós defen-públicos de saúde e de educação, para dar corpo às suas demos. políticas radicais quanto à toxicodependência, às uniões de Ao invés das posições do Bloco de Esquerda, que vê facto, ao aborto, à inflexibilidade no emprego e para impo- no Estado a única entidade capaz de gerir em exclusivo rem ao país uma política fiscal penalizante para quem gera os sistemas de segurança social, de saúde, de educação e riqueza e emprego não admira. outros, nós queremos «menos Estado e melhor Estado».
O que sinceramente nos surpreende é que este Governo Um Estado que intervenha mais como entidade regulado-e este Partido Socialista, cada dia que passa, demonstrem ra e fiscalizadora, do que como monopolista; um Estado cada vez mais apetência para se submeterem à esquerda que saiba conviver e competir com as entidades privadas radical existente no nosso país, para cederem às suas exi- em domínios tão importantes como o da saúde ou o da gências e para com eles se entenderem, com vista a educação. empreender as reformas de que o país necessita. E aqui é de realçar a importância de que se reveste a
Tal atitude, irresponsável, incoerente e historicamente urgente e sempre adiada reforma da Administração Públi-impensável, decorre da cedência que o Primeiro-Ministro ca. É fundamental uma Administração Pública próxima do tem vindo a fazer àqueles que, no seio do Partido Socialis- cidadão, célere e eficaz; uma Administração Pública que ta, em número crescente, vêm advogando a necessidade de actue para servir a população e que não olhe para esta com se entenderem com os partidos posicionados à sua esquer- enfado e reprovação; uma Administração Pública aberta e da. E essa aproximação é cada dia mais evidente. transparente.
E os perigos de tão inédito e contra-naturo entendimen- Mas isso o Governo não quer. Não podemos esquecer to são preocupantes, tanto mais que a resolução dos pro- que foi o Partido Socialista que impediu a aprovação da lei blemas do país passa pela procura de «menos Estado e de enquadramento orçamental que o PSD apresentou nesta melhor Estado», quando a verdade é que os partidos à Assembleia. E foi esse mesmo Partido Socialista que se esquerda do Partido Socialista ambicionam a estatização aliou à esquerda radical para viabilizar a lei da liberaliza-completa dos sistemas públicos e a ruptura com as concep- ção do consumo de estupefacientes, que apenas contribui ções de mercado, limitando o mais possível a iniciativa para a facilitação do consumo e para a desresponsabiliza-privada. ção do Estado face a tão gravíssimo problema.
É com este Governo e com este Partido Socialista que O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem! se assiste a uma crescente tendência para afrontar as confederações patronais e para privilegiar as centrais O Orador: —Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É sindicais, que, dessa forma, procuram inebriar. Veja-se a
facto que este Governo merece ser censurado – já o fize- proposta apresentada a propósito da cobrança das quoti-mos em devido tempo –, dada a inexistência de um rumo zações sindicais. para Portugal, a falta de autoridade, cada dia mais eviden- Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Como se referiu, ciada nas atitudes do Primeiro-Ministro, que nem capaz é o Governo merece ser censurado. Mas as razões da censura de pôr cobro à política económica desastrosa, demitindo, ora proposta são diversas das nossas. como lhe competia, o Ministro das Finanças; a derrapagem Acresce que a súbita mudança de atitude de quem tem contínua do orçamento do Serviço Nacional de Saúde, que concertado posições com o poder instalado em matérias de já ultrapassou o montante previsto em mais de 300 milhões índole ideológico-programáticas bem vincadas suscita de contos e que acumula dívidas às farmácias superiores a reservas. Não quanto à vontade sincera de censurar o Go-150 milhões de contos; a constante degradação do sistema verno, mas quanto aos reais propósitos que levaram o educativo, donde se pode destacar o ensino das ciências e Bloco de Esquerda a apresentar a moção em apreciação. das matemáticas, as quais se encontram em estado tal, que A ver vamos, mas tudo indicia que o futuro nos trará o Governo decidiu retirá-las do sistema comparativo inter- sinais óbvios de um crescente entendimento do Governo e nacional, ao invés de tomar as medidas adequadas a inver- do Partido Socialista com os partidos à sua esquerda no ter a triste tendência que se verifica; o nunca resolvido Parlamento. problema da justiça, que apesar dos esforços, cada dia A verificar-se tal atitude por parte do Governo e do maiores, que são pedidos pelo Ministro da Justiça aos Partido Socialista, ampliar-se-á a crise política e económi-
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ca que se vive actualmente, com uma crescente retracção daram as expectativas dos eleitores portugueses. Uma dos investidores, de consequências desastrosas para Portu- maioria de cidadãos portugueses manifestou a vontade gal. maioritária de uma ruptura com as políticas de direita, de
uma mudança efectiva de política, mas o PS e os gover-Aplausos do PSD. nos PS mantiveram a identidade essencial dessas políti- cas, os seus eixos estratégicos, as suas opções centrais e O Sr. Presidente: —Para uma intervenção, tem a pa- até acabou por macaquear a prática política dos governos
lavra o Sr. Deputado Agostinho Lopes. de Cavaco Silva. O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Vozes do PCP: —Muito bem!
Primeiro-Ministro e Srs. Ministros, Srs. Deputados: Mani- festamos fortes e claríssimas reservas quanto à oportunida- O Orador: —O Governo devia responder aos défices de, utilidade e previsíveis resultados desta moção de cen- estruturais do País, mas, em grande parte, agravou-os. sura apresentada pelo Bloco de Esquerda. O Governo devia corrigir a herança cavaquista de uma
Pensamos que, independentemente dos objectivos pro- brutal desigualdade na distribuição do rendimento nacional clamados por quem a apresenta, é compreensível que o – a maior da União Europeia –, mas conservou-a. Mantêm-Governo a encare com toda a tranquilidade e que a agrade- se os mais baixos salários, as mais baixas pensões, os me-ça, por lhe propiciar, ao menos durante uns dias, uma ima- nores apoios às pequenas e médias empresas e rendimentos gem de solidez parlamentar. baixos, crescentemente comidos pela subida do custo dos
Acresce que a apresentação desta moção, em nome de bens essenciais. uma mitificada «clarificação», que, aliás, se sabe não se O Governo devia assegurar serviços públicos de quali-poder produzir, parece não ter em conta que, daqui por seis dade, em condições de acesso e tarifas iguais para todos os meses, ocorrerá um momento, ele, sim, portador de uma cidadãos e empresas, mas degradou-os com uma política inegável possibilidade de clarificação, a saber: a votação de privatizações e liberalizações «sem rei nem roque», do Orçamento do Estado. acentuando assimetrias sociais e regionais, privatizações
E é neste quadro que, pela sua parte, o PCP investe os que o PCP critica e condena pela questão essencial, pela seus esforços e procura contribuir para um real processo de opção política e ideológica que o Governo fez e faz de clarificação e de mudança, não apenas prosseguindo a sua tudo privatizar porque é público, e não só, pela forma acção política geral contra a política do Governo mas tam- como o processo de privatizações tem decorrido. bém apoiando e estimulando a luta dos trabalhadores e das populações — que conhecerá, seguramente, uma importan- Aplausos do PCP. te expressão na jornada da CGTP-IN do próximo dia 7 de Junho —,… O Governo devia assegurar a isenção e a neutralidade
da administração central, inclusive dos seus órgãos des-Aplausos do PCP. concentrados, e recuperar para o Estado um comportamen- to democrático exemplar, mas tudo tem transformado em
… o que pode receber menos atenções do sistema mediáti- instrumentos e agências de propaganda eleitoral. co e oferecer menos protagonismos que uma moção de O Governo devia sanear o aparelho do Estado de vícios censura, mas acabará por pesar muitíssimo mais na evolu- centralistas, da burocracia, do nepotismo e favoritismo, ção dos acontecimentos. mas faz exactamente o contrário, acentua o centralismo da
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nunca andámos em sui- direcção e comando político-administrativo, cultiva a tes de hotéis com o Governo; não casámos com o Gover- burocracia e, objectivamente, cria uma anafada rede clien-no, vivendo ou não em casas separadas; não temos nenhu- telar de amigos do partido no poder. ma união de facto, nem as nossas disputas se centram no O Governo devia recuperar margens de manobra perdi-surrealismo ou no pedido, dia sim dia não, da demissão do das na União Europeia, com a defesa intransigente do Ministro das Finanças. interesse nacional e da soberania nacional, mas prosseguiu
Desde 1995, ainda o quadro das forças parlamentares e prossegue uma política de cedência após cedência, CIG não era o que resultou das eleições de 1999, que condena- após CIG, retirando ao Estado português capacidade de mos de forma inequívoca e combatemos de forma sistemá- decisão e de intervenção, no apoio a um desenho federalis-tica a política de direita dos governos PS. Uma condenação ta da União Europeia. que usou, usa e continuará a usar todos os meios constitu- O Governo devia olhar para os trabalhadores, mas de-cionais para se manifestar; uma condenação sem quaisquer fende o muito grande capital; acentua a precarização das pressupostos politiqueiros de ganhos de poder; uma con- relações laborais, mesmo na função pública, onde disse denação que não precisa de inventar grandes temas nacio- que ia acabar; crescem os acidentes de trabalho; prossegue nais ou mediáticos para uma abordagem séria, persistente e a política de baixos salários – ao que parece a única variá-coerente dos principais problemas dos portugueses; uma vel da economia portuguesa e estratégia económica única condenação que se faz não por se ser oposição, mas porque do Governo. a política de direita fere os interesses dos portugueses, fere Gostaria, aliás, de saber como o Governo vai justificar, os interesses nacionais, abre portas à direita e põe em cau- a partir dos dados recentemente conhecidos do Observató-sa o futuro do País. rio Têxtil do Centro de Estudos Têxteis Aplicados, a ma-
Condenação porque o PS e os seus governos defrau- nutenção da política de baixos salários no sector têxtil,
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uma vez que, em 2000, o valor das remunerações nominais exposição de motivos e nos lembramos do comportamento no sector têxtil aumentou 1,6% e no vestuário diminuiu do Bloco de Esquerda durante os últimos dois anos. 1,1% enquanto que a produtividade aumentou, respectiva- Esta moção é uma moção de confiança, como foi dito, mente, 8,3% e 3,2%. de um «Bloco de Esquerda que vive em união de facto
O Governo devia olhar para as pequenas e médias em- com o Partido Socialista há dois anos» e que, depois de lhe presas e, em particular, para o sector produtivo e para o gastar o dote, se mostra, agora, menos interessado. Por comércio tradicional, mas não, o Governo defende os nós, Partido Popular, queremos dizer que o PS assim está grandes grupos nacionais – os que o Sr. Primeiro-Ministro, tão feio que nem para casar, nem sequer para dançar serve. um dia destes, nesta Assembleia, disse querer que ganhem dimensão –, o grande capital internacional e, em particular, A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): — Eh! o capital financeiro.
Um dia, o Sr. Primeiro-Ministro, o Sr. Ministro da O Orador: —Com efeito, o Bloco de Esquerda viu Economia ou alguém por eles, certamente explicarão a esta discutidos 31 projectos em Plenário e, desses, o Partido Assembleia da República e aos portugueses como é que, Socialista aprovou ou absteve-se em 24 dessas iniciativas, num país onde a evolução do PIB e os salários rastejam viabilizando-as, e em alguns dos 7 que votou contra justi-pouco acima de zero, há pelo menos três sectores econó- ficou tal atitude por ter iniciativas idênticas. micos cujos lucros crescem anualmente pela casa das Vamos analisar rapidamente três dos principais pro-dezenas de pontos percentuais: a banca (das mais rentáveis blemas do País: a saúde, a reforma fiscal e a segurança da Europa), a grande distribuição (as margens de lucro dos social. hipermercados portugueses são duas a três vezes superio- Foi com o voto do Bloco de Esquerda e com o Partido res às dos seus congéneres europeus) e as privatizadas Socialista que se alterou o regime geral das instituições de empresas públicas. crédito e sociedades financeiras; foi com o Bloco de Es-
Alguém se queixou de portagens especulativas? É que, querda e com o Partido Socialista que se alterou o regime por cada 100$ de portagens pagas pelos utentes, 50$ são do sigilo bancário; foi com o voto do Bloco de Esquerda e lucros para os accionistas! com o Partido Socialista que se mexeu, para pior, no IRC;
foi com Bloco de Esquerda e com o Partido Socialista que O Sr. Octávio Teixeira (PCP): — Exactamente! se alterou o estatuto dos benefícios fiscais; foi com o Blo- co de Esquerda e com o Partido Socialista que se mexeu, O Orador: —O Governo devia governar à esquerda, para pior, no IRS; foi com o Bloco de Esquerda e com o
mas governou, governa e pretende continuar a governar à Partido Socialista que se mexeu, para pior, e se redefiniu o direita. Se houvesse falta de argumentos, aí está a novíssi- sistema de organização do ensino superior; foi com o Blo-ma promessa privatizadora do Serviço Nacional de Saúde. co de Esquerda e com o Partido Socialista que se aprovou
O Governo devia, de forma séria e responsável, res- a contracepção de emergência, vulgo «pílula do dia ponder aos problemas dos portugueses, mas o Primeiro- seguinte»; foi com Bloco de Esquerda e com o Partido Ministro resolveu culpá-los de falta de profissionalismo e Socialista que se adoptaram medidas erradas sobre as tira da cartola o projecto megalómano do TGV/RAVE para uniões de facto; foi com o Bloco de Esquerda e com o esconder a ausência de uma política ferroviária e o escân- Partido Socialista que se fizeram quase todas as más alte-dalo da renovação da Linha do Norte. rações legislativas na presente Legislatura.
A nossa censura às orientações de direita do Governo As únicas reformas que o Partido Socialista fingiu está feita, estrutura e continuará a estruturar parte essencial fazer foram aquelas que lhe foram impostas pelo Bloco de da nossa luta e intervenção. Esquerda.
É assim que, reafirmando com clareza a nossa qualida- de de oposição de esquerda ao Governo do PS e de desta- Risos do PCP e do BE. cados protagonistas da luta por uma alternativa de esquer- da, confirmados nesta Assembleia da República e na nossa O Bloco de Esquerda decide e o Partido Socialista intervenção na sociedade portuguesa, nos demarcamos da adopta. oportunidade e da utilidade da moção de censura apresen- tada. O Sr. Fernando Rosas (BE): — Eh!
Mas fica claro que, com o nosso voto, apenas confir- mamos a nossa firme censura política à política do Gover- O Sr. Lino de Carvalho (PCP): — Apesar de tudo, há no e nada mais. um certo exagero...!
Aplausos do PCP. O Orador: —Talvez, Sr. Deputado. Concedo. Hoje, o Bloco de Esquerda está apenas a censurar as O Sr. Presidente: —Para uma intervenção, tem a pa- suas próprias decisões estratégicas.
lavra o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan. Diz o Bloco de Esquerda que o Governo anda à deriva, mas lembramos hoje aqui que, enquanto for o Bloco de O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): — Sr. Presidente, Esquerda que governa o Partido Socialista e o Partido
Srs. Deputados: Tivesse esta moção de censura apenas e só Socialista a governar o País, quem anda à deriva é o País. o parágrafo final e poderia até o CDS-PP dar a sua aquies- Esta moção de censura é uma operação de maquilha-cência, e também censuraria o Governo. gem política, é um acto de contrição tardio, é um mea
O problema nasce quando somos forçados a ler toda a culpa evidente.
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Portugal já não tolera mais este Governo do Partido Socialista, do que Portugal precisa é de políticas alternati- Risos do PS. vas como as do CDS-PP.
Chega de fazer o debate do virar à esquerda, está na O Sr. Manuel dos Santos (PS): — Exactamente! hora de virar ao centro-direita.
O Orador: —Desta vez foi-se até ao ponto de se as-Aplausos do CDS-PP. sumir, com alguma falta de pudor — reconheça-se —, as dores dos pobres socialistas, pretensamente trucidados no O Sr. Octávio Teixeira (PCP): — Ainda mais?! seu Congresso, para além, é claro, de se insistir nos habi- tuais apelos para que as nossas bases adiram às progressis-O Sr. Presidente: —Para uma intervenção, tem a pa- tas causas do Bloco. Pelos vistos, Srs. Deputados do Bloco
lavra o Sr. Deputado António Reis. de Esquerda, nada aprendestes com as malogradas expe- riências do passado, como também, afinal, nada esqueces-O Sr. António Reis (PS): — Sr. Presidente, Sr. Primei- tes das vossas vetustas cartilhas ideológicas...
ro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Depu- tados: O que fez correr os Deputados do BE atrás da pere- Risos do PS. grina ideia desta moção de censura? Porque optaram por uma arma tão pesada — a «bomba atómica» parlamentar Mas se a gota de água precipitou em vós esta irreprimí-—, quando tinham à sua disposição outras formas de afir- vel tentação de influenciar internamente o PS, o copo, esse mação crítica, provavelmente mais eficazes e sobretudo estava já cheio, segundo outras declarações, de uma ava-mais adequadas à sua capacidade de influência nos rumos liação global da governação do PS que, no mínimo, não da governação? prima pela originalidade.
Será que o Bloco de Esquerda, ao fim de quase dois Fomos, assim, acusados de «governar à direita com anos de actividade parlamentar — pontuada aqui e acolá palavras de esquerda» ou «em nome da esquerda», coisa por iniciativas com algum eco e repercussão na opinião que «a velha direita poderia fazer de modo mais competen-pública —, se deslumbrou com os seus êxitos reais ou te» e fomos até — pasme-se — acusados de governar com virtuais e começou a sonhar alto com a possibilidade de se «fúria cavaquista»,… converter no eixo de uma alternativa de poder?
Risos do PS. O Sr. Fernando Rosas (BE): — Olhe que não, Sr. De-
putado! Olhe que não! … o que, aliás, não se coaduna lá muito bem com a ideia de «crise de governação por esgotamento», lançada no O Orador: —Este seria, em rigor, o objectivo natural texto da moção. Fúria e esgotamento são psicologicamente
de um instrumento como a moção de censura. No presente estados de alma contraditórios. caso, porém, salta aos olhos a sua flagrante contradição Este tipo de linguagem não era, até aqui, habitual na com a genética aversão ao poder de um partido que procu- boca dos dirigentes do Bloco de Esquerda, mas, pelos rou afirmar a sua diferença pela paixão de ser oposição e vistos, deixaram-se agora contaminar pelos velhos clichés nunca querer ser mais do que oposição. do PCP, quando a este último lhe dá para zurzir no Gover-
Temos, pois, de ir buscar a outro lado a motivação im- no do PS. pulsionadora desta moção de censura. A crer nas declara- ções dos principais dirigentes do Bloco de Esquerda, a Risos do PS. moção teria sido antes o resultado da gota de água que para eles foi o Congresso do PS, acusado de não ter passa- O Sr. Octávio Teixeira (PCP): — Alto lá!. do de um simples momento de «caça interna às bruxas» e de criação de bodes expiatórios para «ocultar a mudança O Orador: —Estou sempre a ouvir o vosso secretário-de natureza de um partido socialista num partido de gestão geral acusar-nos de governarmos à direita! do capitalismo selvagem»! A haver, pois, crise, esta é afinal uma crise de imagina-
ção do Bloco, o que não deixa de surpreender em quem Risos do PS. tinha até agora feito tanta gala no culto desta faculdade psicológica... Confesso que, ao ouvir e ler estas últimas palavras, tive Bem pode o Bloco esfalfar-se em arranjar provas para a
de esfregar bem os olhos, não fosse dar-se o caso de estar a tal governação de direita com mais ou menos fúria cava-evocar em sonho episódios e expressões de há dezenas de quista. Não é acenando-nos com a Lei da Programação anos atrás! Militar ou com a Lei de Bases da Saúde que nos conven-
É que não esqueço que, já antes do 25 de Abril, a ex- cem de semelhante pecado,… trema-esquerda acusava os socialistas exactamente desta mesma tremenda patifaria e com os mesmíssimos termos! O Sr. Fernando Rosas (BE): — Então, é com quê? Como não esqueço que em pleno PREC se sucediam tam- bém as tentativas de influenciar por dentro o PS — e logo O Orador: —… até porque, em matéria de defesa na-no seu I Congresso na legalidade — para o transformar no cional, o Bloco continua preso ao velho e primário senti-chamado «partido verdadeiramente socialista». mento anti-NATO dos anos 60 e, quanto à Lei de Bases da
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Saúde, dá em ver fantasmas privatizadores onde eles não hoje o caso —, de qualquer forma ficaria, a partir de agora, existem. esclarecido. Isto a crer que no vosso congresso, de facto, a
linha vermelha tenha levado de vencida a linha negra! O Sr. José Barros Moura (PS): — Muito bem! Risos do PS. O Orador: —E, quanto à questão do aumento interca-
lar de salários, não podíeis ser mais irresponsáveis. Era de Tenho, aliás, a sensação de que o ambiente de que se novo a espiral inflacionista em acção, dando cabo do plano revestiu o vosso Congresso, com as pulsões emocionais de estabilidade, condição para a nossa manutenção no das bases em eufórica expressão, muito terá pesado na euro. vossa decisão de apresentar esta moção de censura, não
prevista inicialmente. Como se, de repente, tivesse regres-Vozes do PS: —Muito bem! sado a galope o longínquo clima das assembleias revolu- cionárias dos sovietes do povo, prontas para a conquista de O Orador: —Infelizmente, parece que os dirigentes e míticos Palácios de Inverno!
as bases do Bloco de Esquerda já perderam a memória do Mas cabe, então, perguntar-vos: é assim que quereis ser que é uma governação verdadeiramente de direita, de efec- a consciência crítica de uma esquerda moderna? É este, tivo furor cavaquista, e, por isso, não receiam dar o seu então, o vosso contributo para uma esquerda plural ou para contributo para que ela regresse um dia em força. A inge- a «casa comum da esquerda» de que falava, no seu discur-nuidade e o radicalismo purista de alguma esquerda sem- so de 25 de Abril, o Deputado Fernando Rosas? pre foram os melhores aliados da direita, como os recentes Com velhas receitas não se fabricam nem novas políti-resultados das eleições legislativas italianas acabam de cas nem as novas alianças que o futuro, porventura, recla-confirmar uma vez mais. mará.
Sr. Deputado Fernando Rosas, não foram os erros de Sob o manto diáfano da fantasia da panóplia de projec-governação da esquerda italiana, e alguns existiram, os tos fracturantes ou até de contributos para uma maior coe-principais responsáveis por aqueles resultados,… rência à esquerda do PS, na perspectiva de uma esquerda
plural moderna, não se esconderá, afinal, a nudez crua da O Sr. Fernando Rosas (BE): — Então, quem foi? verdade dos clichés dos velhos partidos de extrema- esquerda, cativos das pulsões revolucionárias de militantes O Orador: —… foi a divisão da esquerda, o que, num à conquista dos amanhãs que teimam em não cantar?
sistema eleitoral como o italiano, é fatal. Será que, afinal, o PCP, com todas as suas contradições e tensões internas,… Vozes do PS: —Muito bem! O Sr. Octávio Teixeira (PCP): — Outra vez?! O Orador: —Por isso vos aviso: se um dia a direita
regressar ao poder, ainda tereis saudades do PS no gover- O Orador: —… está bem mais próximo das exigên-no,… cias de uma esquerda plural moderna que o Bloco de Es-
querda pós-Convenção Nacional? Risos do PS. Eis as reflexões e interrogações que modestamente deixo à vossa meditação, Srs. Deputados do Bloco de
… apesar de todas as nossas insuficiências, que somos os Esquerda. primeiros a reconhecer, numa atitude de humildade demo- crática e nada cavaquista. Aplausos do PS.
Mas confesso-vos que, mais ainda do que as palavras dos dirigentes do BE, me irritaram as reacções entusiásti- O Sr. Presidente: —Para pedir esclarecimentos, tem a cas com que as bases os acicataram a irem mais longe no palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas. radicalismo da linguagem.
O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, meu Risos do PS. querido amigo e colega António Reis, já contava também com a sua contribuição para este debate, que agradeço. Houve até quem gritasse a propósito da decisão de Não vou falar do Congresso do Partido Socialista por
apresentar esta moção: «Que se desligue a máquina!» — uma razão bastante mais prática do que aquela que o levou não sei se por generoso impulso eutanásico ou se por per- a falar da Convenção do Bloco de Esquerda, porque, na verso desejo da pena máxima. realidade, no vosso congresso nada se passou. As bases
não explodiram. E a única coisa que lá ouvi explodir, du-Risos do PS. rante a noite, perante uma plateia vazia, foi o Tino, de Rãs, a dizer umas coisas…, que não lhe tinham posto plateia Como se a alternativa a este Governo pudesse ser de para ele brilhar... Portanto, o problema que se passou no
imediato qualquer «casa comum da esquerda» liderada vosso congresso é que nada houve do ponto de vista da espiritualmente pelo poderoso Bloco. Quem tivesse dúvi- positividade das coisas, e o que houve foi mau. das de que o Bloco de Esquerda estaria disposto a juntar os seus votos a toda a restante oposição, mesmo que daí A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): — Olhe que não! resultasse a imediata queda do Governo — o que não é
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O Orador: —Também não vou falar da linguagem e dessas coisas do passado, Sr. Deputado António Reis, pelo Risos do PS. seguinte: já passou de moda utilizar o respeitável passado político das pessoas como argumento político do presente. O Sr. Presidente: —O «decálogo» dos valores do an-O último partido de quem esperava ouvir dizer isso era o tigo regime. vosso. Primeiro, porque é reversível, e ali naquela bancada Tem a palavra, Sr. Deputado. há, pelo menos, três ministros que só descobriram que a União Soviética era o que era depois da queda do Muro de O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Berlim,… Deputado Fernando Rosas, em relação a isso, respondo-lhe
com uma história. Uma história de que o Sr. Deputado Risos do PSD e do CDS-PP. António Reis, que, como eu, foi Constituinte, se lembra. Uma vez, estávamos nós aqui, nesta bancada, na As-
… e isto já para não contar os que se encontram na vossa sembleia Constituinte, e um Deputado, que, mais ou me-bancada e noutras que se estão a rir, onde também os há… nos, se sentava onde o senhor agora se senta, dizia o mes-
Portanto, essa coisa do passado político como argu- mo que o senhor. Dizia que éramos do antigo regime, que mento é algo que não dá e, do ponto de vista da dignidade éramos uns fascistas, etc. E um Deputado da minha banca-política das coisas, até não é muito bonito de se fazer. da, por sinal um homem que tinha feito Abril, o General
Aqui, nesta bancada, todos temos muito orgulho do Galvão de Melo, voltou-se para ele e disse-lhe assim: nosso passado político, todos temos um orgulho crítico, «olhe, eu lembro-me de ter feito a extinção da PIDE e, não todos sabemos muito bem o que é que fizemos e não fize- sei porquê, havia lá um nome semelhante ao seu!». Disse-mos e estamos muito bem com isso! Esta não é, decidida- lhe isso e, a partir desse momento, esse Deputado nunca mente, a bancada dos arrependidos e, portanto, não vale a mais se sentou nessa bancada! pena vir com questões de linguagem e de passado para Portanto, V. Ex.ª veja bem os ataques que faz e como é aqui. que os faz.
Para terminar, também lhe quero dizer que não gostava de ficar no abstracto. É que, com a elegância e a inteligên- O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, peço a cia que o caracterizam, o Deputado António Reis acabou palavra. por não dizer coisa alguma.
Gostava, pois, de lhe perguntar o seguinte: adiar a dis- O Orador: —Não estou a dizer que foi o senhor! Es-cussão da interrupção voluntária da gravidez para as ca- tou a dizer o que se passou! Penso que é preciso ter alguma lendas gregas é de esquerda ou é de direita? moderação e alguma seriedade quando se fazem afirma-
Aprovar a Lei de Bases da Família apresentada pelo ções dessa natureza. Não cuspa para o ar não vá cair-lhe CDS-PP, que é uma espécie de decálogo dos valores tradi- em cima aquilo que o senhor cuspiu! cionais do antigo regime, é de esquerda ou é de direita?
Aprovar a Lei da Liberdade Religiosa imposta pela hie- O Sr. Presidente: —Para dar explicações, se assim o rarquia da Igreja Católica é de esquerda ou é de direita? desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.
Adiar a tributação das grandes fortunas é de esquerda ou é de direita? O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, escuso
Não querer atacar o sigilo bancário é de esquerda ou é de referir que considero absolutamente provocatória e de direita? insultuosa a declaração do líder da bancada do CDS-PP.
Adiar o imposto sobre o património, sob pressão dos Em primeiro lugar, pela insinuação que contém, ainda por lobbies de interesses, é de esquerda ou é de direita? cima relativamente a um antigo preso político, a uma anti-
Votar contra a moção que aqui apresentámos, de soli- ga vítima de uma polícia política, a qual, enquanto existiu, dariedade com o povo palestiniano contra os ataques do nunca ouvi o Sr. Deputado Basílio Horta condenar em governo israelita, é de esquerda ou é de direita? circunstância nenhuma, no tempo em que era maior, vaci-
A isto é que eu gostava que me respondesse! O resto é nado e tinha consciência cívica. retórica, obviamente inteligente e interessante, mas não é Não lhe admito, pois, as insinuações que fez relativa-mais do que isso. mente à minha pessoa, relativamente à ligação da minha
pessoa com outra pessoa que não sei quem é, mas que teria O Sr. Presidente: —Sr. Deputado Basílio Horta, pede ocupado esta bancada e que teria eventualmente sido pre-
a palavra para que efeito? judicada ou estaria preocupada com o facto de alegadas insinuações que teriam sido feitas de uma ligação sua à O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): — Sr. Presidente, para polícia política.
defesa da honra da bancada. Entendo isso como absolutamente insultuoso, ainda por cima vindo da parte de quem vem, de pessoas que nunca se O Sr. Presidente: —Sr. Deputado, o que é que consi- levantaram contra o antigo regime nem, designadamente,
dera que possa ter constituído ofensa? contra a polícia política, quando ela existia. Repito que não admito as insinuações que foram feitas. O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): — Sr. Presidente, en- Não reconheço dignidade, não reconheço estatuto, não
tendemos que a nossa bancada é ofendida quando se diz reconheço passado político ao Sr. Dr. Basílio Horta para que representamos aqui os valores do antigo regime. me fazer esse tipo de insinuação, a menos que ele não
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tenha consciência da insinuação que fez! momento oportuno, a discussão dessa matéria – nada mais Quanto ao conteúdo propriamente dito daquilo que eu do que isto! O Congresso não definiu uma linha que obri-
disse, é muito simples, e a questão já foi discutida quando gasse o PS a ter, eternamente, uma posição imobilista nesta foi aqui levantada. O que eu disse, e repito!, é que a Lei de matéria. Portanto, vamos distinguir as coisas, não seja tão Bases da Família apresentada pelo CDS-PP, e que o PS catastrofista nem nos acuse de posições que não são, de aprovou, é uma lei de bases cujos valores ideológicos são facto, aquelas que foram tomadas pelo nosso congresso. decalcados dos valores tradicionais dominantes durante o Tenha esperança, Sr. Deputado Fernando Rosas, em rela-período do Estado Novo. ção a essa matéria!
Os senhores podem dar as cambalhotas que quiserem Quanto à Lei de Bases da Família, a sua crítica não que, do meu ponto de vista, isso é verdade e que, do meu podia ser mais errada. Durante a discussão, na generalida-ponto de vista, isso é inteiramente defensável numa discus- de, desse diploma, dissemos claramente que, ao viabili-são civilizada política e ideológica sobre a natureza das zarmos essa lei, estávamos longe de concordar com todas leis. Portanto, não respondam com provocações àquilo que as suas bases e que, na especialidade, iríamos alterar subs-são alegações sérias do campo da política e do campo da tancialmente muitos dos seus pressupostos. Esteja descan-ideologia. Não vos admito! sado, ela será expurgada de todos os valores reaccionários!
O Sr. Presidente: —Para responder ao pedido de es- Aplausos do PS.
clarecimento do Sr. Deputado Fernando Rosas, tem a pala- vra o Sr. Deputado António Reis. O Sr. Presidente: —Para uma intervenção, tem a pa-
lavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia. O Sr. António Reis (PS): — Sr. Presidente, é com mui-
to gosto que o faço. A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presiden-O Sr. Deputado Fernando Rosas começou por afirmar te, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Uma mo-
que, no nosso congresso, não se tinha passado nada. Per- ção de censura deve ter como objectivo derrubar o Gover-gunto como é que, afinal, um congresso em que nada se no. E esta moção de censura apresentada pelo BE, num passou foi a tal gota de água que serviu para que o BE quadro parlamentar de 115 Deputados do PS e de 115 tivesse aqui apresentado a sua moção!? Deputados da oposição, levaria sempre a que o Governo
Francamente, há nisso uma visível contradição. conseguisse, mais uma vez, sobreviver a outra moção de censura. Portanto, ela estava condenada, à partida. Este Aplausos do PS. tipo de iniciativas podem, assim, dar algum ar de vitalida- de ao Governo, que a não tem, ainda por cima quando vêm Mas o Sr. Deputado Fernando Rosas afirmou também aí outras provas que o Governo tem de prestar como, por
que eu pus aqui em causa o passado político das pessoas exemplo, o próximo Orçamento do Estado – ainda está por ou que procurei evocar, a todo o custo, esse passado políti- saber a forma como o Governo o vai negociar! co. Não é verdade, Sr. Deputado Fernando Rosas. A minha Mas, tomada a iniciativa (ela está tomada), há que intervenção limitou-se apenas a lamentar, afinal de contas, olhar os seus fundamentos, e com os seus fundamentos nós que os Sr. Deputados do BE e alguns dirigentes do BE concordamos. tivessem ressuscitado, na Convenção Nacional do Bloco Às vezes, Sr. Primeiro-Ministro, quando o oiço falar de Esquerda, uma linguagem do passado. Não estou a pôr num país onde se praticam as políticas do seu Governo, em causa o vosso passado político, mas não sou responsá- penso que não vivemos no mesmo país. É que, Sr. Primei-vel pelo facto de vocês próprios, na vossa convenção ro-Ministro, vivemos num país onde as pessoas se levan-nacional, terem feito ressuscitar uma linguagem do passa- tam de madrugada, mas muito de madrugada, para marcar do! Esse foi o vosso problema! consultas num centro de saúde! Vivemos num país, Sr.
Eu limitei-me a aproveitar uma óbvia, objectiva, clara Primeiro-Ministro, onde 46% dos jovens abandonam a situação de ressuscitar essa mesma linguagem do passado. escola sem a escolaridade obrigatória, a maior parte deles Deram-me um bom pretexto, obviamente através desse no interior – temos a taxa mais baixa da Europa no que a acesso de nostalgia que, de repente, vos subiu à cabeça, este abandono escolar diz respeito! E era até interessante para pôr em causa a pertinência das vossas posições e a que o Sr. Primeiro-Ministro tivesse participado num debate sua adequação aos tempos de hoje. escolar que ontem teve lugar nos Olivais, onde uma jovem
perguntava aos Deputados e dirigentes partidários presen-Vozes do PS: —Muito bem! tes porque é que os jovens abandonam as escolas. Por outro lado, também teria sido muito interessante que o Sr. O Orador: —Quanto às questões concretas que o Sr. Primeiro-Ministro tivesse ouvido com atenção as questões
Deputado Fernando Rosas me colocou, sobre se são de colocadas no Parlamento dos Jovens, que decorreu esta direita ou são de esquerda..., há aqui vários equívocos. semana. Não tenho tempo para analisar todos, mas queria, pelo Por outro lado, vivemos num país onde apenas 35% menos, referir dois ou três. dos jovens concluem o 12.º ano, quando a média europeia
A posição que o Congresso do PS tomou sobre a inter- é de mais de 70%! Vivemos num país, Sr. Primeiro-rupção voluntária da gravidez não foi a de mudança de Ministro, onde o Governo promove as assimetrias regio-uma linha política do PS nesta matéria; essa posição limi- nais – a política de transportes é disso um claro exemplo! tou-se a exprimir a inoportunidade de ser o Congresso do Vivemos num país onde a prevenção da toxicodependência PS a mandatar o grupo parlamentar para agendar aqui, em não é definitivamente uma realidade, onde se enganam nas
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contas relativamente aos programas existentes para a toxi- mesmo com os seus assessores, com os seus ministérios, codependência, onde o combate ao branqueamento de com a sua maioria parlamentar, com o seu poder — de capitais não é eficaz! Vivemos num país, Sr. Primeiro- responder com uma única ideia original, com uma única Ministro, onde os interesses económicos valem mais do explicação clara e inequívoca, às questões com que, mo-que a valorização e a promoção da qualidade de vida dos destamente, dois Deputados do Bloco de Esquerda censu-cidadãos! Vivemos num país, Sr. Primeiro-Ministro, onde raram o Governo. É que não há defesa para o indefensável, muitas famílias não têm dinheiro para gozar férias, nem Srs. Deputados. mesmo, às vezes, para comer decentemente até ao final do Como é possível, à esquerda, defender uma Lei de Pro-mês! gramação Militar (LPM) que endivida o País e a Adminis-
Neste quadro, Sr. Primeiro-Ministro, a culpa não pode tração Pública, nos próximos 35 anos, em mais de 1000 ser sempre atribuída a uma globalização sem rosto, sempre milhões de contos — números, aliás, obviamente, subesti-tida como inevitável. A culpa destas situações, Sr. Primei- mados —, para a compra de submarinos, um navio logísti-ro-Ministro, é das opções políticas do Governo, com con- co, helicópteros, aviões de combate, tudo para concretizar sequências que afectam fortemente os portugueses. um conceito estratégico de defesa — e é bom tornar isto
É isto que censuramos, Sr. Primeiro-Ministro, e por claro! — que não foi discutido, nem no Parlamento nem isso votaremos favoravelmente esta iniciativa. no País, que não corresponde, do nosso ponto de vista, a
qualquer necessidade de segurança ou de defesa de Portu-O Sr. Presidente: —Também para uma intervenção, gal, mas, sim, às prioridades estratégicas definidas e im-
tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas. postas pela NATO e pelos EUA? Como não é possível defendê-la à esquerda, o PS fez o negócio da LPM à direita O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e, mais uma vez, com o Partido Popular.
Deputadas e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Como explicar a deriva privatista e liquidadora do Ser-Gostava de começar por esclarecer, a título de resposta, viço Nacional de Saúde (SNS), consagrada na política do que o que está em causa neste debate não é a divisão do actual Ministério da Saúde, que agrava o perfil de um mundo político entre um partido socialista que quer fazer sistema de saúde discriminador dos mais pobres e dos mais reformas e uma esquerda obnóxia que é contra as refor- necessitados, que agrava a promiscuidade e a submissão mas. O que divide o mundo político é o sentido político do serviço público aos lobbies da medicina privada e que das reformas que se querem fazer. acaba de deixar cair — ouvimo-lo todos, há pouco, na
O que o Bloco de Esquerda tem feito neste Parlamento rádio — a última e única questão a que se opunha a Ordem não é senão apresentar projectos de lei de reformas. E dos Médicos e o sindicato de direita dos médicos, a timora-muitas das reformas que, à esquerda, foi possível aprovar ta e tímida autorização prévia da tutela para os médicos do neste Parlamento, foram-no com uma intervenção, por SNS exercerem a medicina privada? vezes marcante, do Bloco de Esquerda. Portanto, não Como justificar a desvalorização continuada dos salá-venham tentar «vestir-nos» o labéu de um partido que é rios reais, levados por uma inflação que, em quatro meses, contra as reformas ou que acha que é impossível governar já alcançou, e aparentemente ultrapassou, a previsão anun-através das reformas. Nós achamos que é possível gover- ciada pelo Governo para a inflação anual? Como aceitar, nar através das reformas; o que discutimos exactamente é a nestas condições, a recusa governamental a um aumento natureza, o conceito e a orientação da política de reformas intercalar dos salários da função pública? Como aceitar, que se quer fazer. Não nos coloquem, pois, onde não que- mais grave, a campanha em curso no sentido de impor remos ser colocados. negociações bianuais dos salários e aumentos da idade de
Aliás, devo dizer que, por sobre tudo isto, por sobre os reforma? Como se não bastasse, como aceitar ainda o processos de intenção, os jogos florais, as habilidades, etc., crescimento ininterrupto da precarização e desregulamen-estão as dolorosas realidades do País, isto é, aquilo que tação do trabalho, que leva a que nos serviços do Estado já verdadeiramente leva à urgência desta censura, interpre- haja 30 000 trabalhadores precários? tando, digam os senhores o que disserem, o estado de can- Como aceitar a liquidação privatista dos sectores estra-saço, de desilusão e de descontentamento da opinião públi- tégicos da economia — os transportes, as telecomunica-ca deste país, em particular da opinião pública que acredi- ções, a energia, a siderurgia e a metalomecânica —, no tou no Partido e no Governo Socialistas. cumprimento de uma lógica de privatizações (e esta lógica
O Governo e o PS seguem, também neste debate, aque- das privatizações é o que é, económica e politicamente, la máxima magnífica que os anarquistas pintavam nas significativo, porque pode haver várias) destinada a finan-paredes de Lisboa, há alguns anos: «Tranquilizai-vos, a ciar o défice para cumprir os critérios de Maastricht, aban-realidade é que se engana!». Nós não nos tranquilizamos, donando qualquer preocupação estratégica de criar e man-achamos que a realidade não se engana e falamos, para ter centros económicos de decisão? A última notícia in-além de quaisquer considerações tácticas, em nome dessa fausta neste domínio — acabámos também de o saber — é realidade que não se engana. que o Estado vai abdicar da goldenshare da Brisa, ao
E em nome da inquietação e da perplexidade de todas e vender, na 4.ª fase da privatização, a participação directa de todos os que não se identificam com a deriva da gover- que ainda detém na empresa. E sabe-se agora do preço nação do PS em favor de interesses oligárquicos, em favor deste privatismo sem regras: a DECO acabou de denunciar dos poderosos, em favor dos lobbies, que têm conduzido a a Lisboagás pelo facto de metade das instalações de gás na mão do actual ministério. cidade colocarem os seus utentes em perigo de vida!
O facto é que o Governo e o PS foram incapazes — Como ficar indiferente perante o facto de quase metade
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dos jovens portugueses abandonarem definitivamente os ticas! estudos sem concluírem a escolaridade obrigatória, o que O que seria fazer um favor à direita, Sr. Primeiro-coloca Portugal como o país com mais baixo nível de qua- Ministro, era deixar livre campo aos lobbies — os da cons-lificação em toda a União Europeia? trução civil, os da indústria militar, os dos despesismos
Como entender, quando se anunciam medidas de auste- faraónicos que para aí vêm. Fazer um favor à direita era ridade, a serem pagas pelo poder de compra de quem tra- calarmo-nos sobre todos os orçamentos dos governos ante-balha, a aposta em projectos sumptuários e megalómanos, riores, que foram todos aprovados com o apoio da direita e como o de um TGV, como rede interna (não é como liga- que conduziram a estas políticas, que, hoje, agravam a ção internacional, mas como rede interna!), que custará 90 crise económica e social no País. milhões de contos por ano, durante 30 anos, em alternativa Fazer um favor ao governo era fingir que não sabemos à modernização da via e dos equipamentos (pode já ter de nada. Era deixar andar. Era fingir que há aqui uma sido muito discutido, mas, por muito discutido que tenha oposição única, quando há uma oposição de direita, que sido, é um escândalo, sobretudo quando significa a substi- favorece a LPM e o despesismo delirante, e há oposição de tuição da aposta em relação à rede interna da CP), ou de esquerda, que quer reformas, quer políticas sociais coeren-um EURO 2004, que já vai deslizando dos 16 milhões de tes, quer novas ideias e novas políticas para a saúde, para a contos iniciais para mais de 33 milhões de contos, ainda educação e para o interesse das pessoas. É nas pessoas que, antes de começarem as obras, e que começou logo com a à esquerda, aqui no Bloco, continuamos a pensar. isenção de concursos públicos para os projectos de arqui- tectura? O que se irá seguir? Vozes do BE: — Muito bem!
Como aceitar estes projectos megalómanos e estes er- ros, quando era indispensável um investimento público O Sr. Presidente: —Inscreveram-se, para pedir escla-para preparar o futuro do País, com melhores serviços de recimentos, os Srs. Deputados Strecht Ribeiro, Maria Ce-saúde ou de educação e melhor qualificação do trabalho? leste Correia e Manuel Alegre.
Mas o Governo e os Deputados do Partido Socialista Tem a palavra o Sr. Deputado Strecht Ribeiro. não só foram incapazes de explicar as políticas do passa- do como não dão quaisquer garantias relativamente às O Sr. Strecht Ribeiro (PS): — Sr. Presidente, Sr. De-legítimas inquietações dos cidadãos quanto às políticas putado Fernando Rosas, depois de tudo o que ouvi, antes e de futuro. agora, continuo a achar que o senhor não resolve a contra-
Pergunto: é ou não verdade que estamos perante uma dição em que o Bloco de Esquerda incorreu com esta mo-situação de impasse económico, que, do ponto de vista de ção de censura. vários economistas qualificados, vai a caminho de uma Ora, vamos lá ver: diz o senhor que a sua esquerda é recessão, tal como reconheceu, de algum modo, o Governo uma esquerda reformista, que a sua esquerda é uma es-ao rever em baixa as suas previsões de crescimento eco- querda que aceita o quadro democrático como o quadro nómico de 3,3% para 2,6% e o que mais se verá? mínimo, onde a política se faz, a luta social se exprime e os
É ou não verdade que o emprego e a produção indus- conflitos de dirimem. Se é assim — e vamos admitir que é trial já estão a cair, tendo o emprego na indústria baixado, assim —, gostaria de perguntar-lhe por que é que omitiu, em Janeiro, de 2,1%, descendo 2,2%, no último ano, e que deliberadamente, tudo quanto, nesse quadro, este e o ante-a produção industrial caiu 3,4% só no mês de Janeiro? rior Governos já fizeram. É, no mínimo, estranho.
É ou não verdade que estamos a atingir níveis de endi- Não vou discutir consigo os números, porque o senhor vidamento que são absolutamente insustentáveis? O défice era capaz de me citar outros tantos números e não é tanto comercial subiu 17%, em 2000, como resultado — e penso isso que me interessa, nem, aliás, esta é a questão de fundo que isto é o essencial — de um modelo de desenvolvimen- que nos traz aqui hoje (para isso, há debates sectoriais). to económico que continua a assentar nos baixos salários e Mas, deixe-me dizer-lho, é, no mínimo, estranho que o qualificações e, portanto, na deficiente competitividade, senhor não tenha reconhecido que o número de pessoas modelo que naturalmente está a chegar ao seu esgotamen- que acedem ao ensino universitário é, agora, muito supe-to. rior; é, no mínimo, estranho que o senhor não reconheça
É ou não verdade que, com este modelo de desenvol- que a situação do nível de emprego é, apesar de tudo, vimento, Portugal está absolutamente impreparado para o notável e que o avanço que fez durante a governação fim dos fundos estruturais e a abertura do mercado inter- socialista é marcante; é, no mínimo, estranho que o senhor nacional do têxtil, o que está para breve? não reconheça que se alterou profundamente a direcção da
Face a isto, a perda de autonomia da política monetária, formação profissional, da qualificação profissional, em cambial e orçamental assume toda a gravidade que, desde relação à década do consulado cavaquista. E é bom não Maastricht, temos vindo a criticar e a evidenciar: para o esquecer que, e apesar do que o senhor disse, há uma efec-Governo, com a sua política actual, não vai haver forma de tiva subida real do rendimento das famílias durante a resolver esta dificuldade senão através da austeridade governação socialista. É, pois, bom que o Sr. Deputado recessiva e do corte nas despesas e no consumo. reconheça que há uma maior equidade na redistribuição
Face a isto, o Governo não remodela, não muda de po- dos rendimentos durante a governação socialista. líticas, não clarifica o que quer que seja, negoceia o pró- Não vou discutir consigo o valor da inflação; fá-lo-ximo «orçamento limiano», adopta políticas sem política. emos, no final do ano, quando soubermos, ao certo, qual é
A nossa resposta é clara: sim, são preferíveis eleições, a efectiva taxa de inflação. De qualquer modo, o próprio é preferível que os portugueses digam o que querem e que Governador do Banco de Portugal reconhece, como o se renove o contrato político para um novo fôlego de polí- senhor sabe, que, no final deste ano, haverá, na mesma,
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uma subida real dos rendimentos e dos salários dos traba- os do PS! lhadores, em Portugal. Aliás — lembro-lho —, com o desagravamento fiscal, há também um acréscimo no ren- Risos do BE, do PSD e do CDS-PP. dimento das famílias.
Esqueceu-se também, estranhamente, que a universali- A Oradora: — Mas, agora, quero dizer-lhe aqui, olhos zação dos ensinos pré-escolar e infantil se traduz numa nos olhos, o seguinte: o seu discurso foi arrogante, preten-política activa em relação à família. Por isso, lembro-lhe sioso e, no que respeita ao meu partido, o senhor quis ser também que nós temos políticas para a família e que a Lei insultuoso. E esse tom insultuoso e agressivo, permita-me de Bases que aprovámos, nos termos em que o fizemos, é que lho diga, admirou-me. Admirou-me, por não estar à para conduzir àquilo que defendemos e não àquilo que o sua altura, por não estar à altura da sua formação e do seu senhor insinuou que nós aceitaríamos, porque não aceita- estatuto de professor e historiador. Sinceramente, quero remos. crer que alguns dos seus camaradas do Bloco de Esquerda
Mais: o senhor fala aí, estranhamente, da segurança devem ter ficado incomodados e admirados com a natureza social… e o radicalismo do seu discurso.
Ora, deixe-me dizer-lhe, Sr. Deputado, que, ao contrá-O Sr. Presidente: —Terminou o seu tempo, Sr. Depu- rio da sua tese, é esse radicalismo que amedronta as pes-
tado. soas e que facilita o acesso da direita ao poder. O Orador: —Então, só para acabar esta questão da Vozes do PS: —Muito bem!
segurança social… A Oradora: — E, contribuindo para isso, os senhores O Sr. Presidente: —Tem mesmo de acabar. não se livram dessa responsabilidade histórica. Só que, contra isso, os senhores vão encontrar-nos, a nós, socialis-O Orador: —Vou acabar, Sr. Presidente. tas, unidos, sem uma única brecha. Não se esqueça, Sr. Deputado, de que estamos a regu- Mas, como tudo na vida pode ser encarado de várias
lamentar uma Lei de Bases que os senhores ajudaram a perspectivas, quero dizer-lhe, Sr. Deputado Fernando Ro-aprovar. Por isso, é, no mínimo, estranho que se tenha sas, que esse seu radicalismo está a abrir os olhos a muitas referido à reforma da segurança social nos termos em que pessoas, muitos deles simpatizantes socialistas, que acha-o fez. ram que as anteriores eleições legislativas estavam ganhas
e que, por isso, o País estava em condições de dar uma Aplausos de Deputados do PS. oportunidade ao Bloco de Esquerda. Hoje, estão arrepen- didos, querem, como dizem na minha terra, «desvotar» do O Sr. Presidente: —Sr. Deputado Fernando Rosas, há Bloco de Esquerda e contam, de novo, com quem sempre
mais dois oradores inscritos para pedir esclarecimentos e o os defendeu, que é o PS. seu grupo parlamentar só dispõe de 5 minutos. Quer res- É por isto que quero agradecer-lhe, Sr. Deputado Fer-ponder já, ou no fim? nando Rosas.
O Sr. Fernando Rosas (BE): — No fim, Sr. Presidente. Aplausos do PS. O Sr. Presidente: —Então, tem a palavra a Sr.ª Depu- O Sr. Presidente: —Para pedir esclarecimentos, tem a
tada Maria Celeste Correia. palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre. A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): — Sr. Presidente, O Sr. Manuel Alegre (PS): — Sr. Presidente, Sr. De-
Sr. Deputado Fernando Rosas, confesso que não vou colo- putado Fernando Rosas, com toda a consideração, quero car-lhe qualquer questão, mas tão-só fazer-lhe um agrade- dizer-lhe que compreenderia o seu discurso no quadro de cimento. Este agradecimento tem a ver com o seguinte: uma interpelação política, mas não o compreendo no con-tive o privilégio de assistir ao seu discurso de encerramen- texto de uma moção de censura. Os senhores têm obvia-to da II Convenção Nacional do Bloco de Esquerda e, por mente o direito constitucional de apresentá-la, mas não faz outro lado, tive a oportunidade de assistir à intervenção de sentido que um partido de esquerda queira derrubar este encerramento da última Mesa conduzida pelo Dr. Miguel Governo, por muito que dele discorde, sabendo que não há Portas. Foram dois discursos completamente diferentes, no para ele qualquer alternativa à esquerda. tom e no conteúdo: um, radical e, permita-me que lho diga, desbragado, que foi o seu, e outro, crítico, mas, digamos, Vozes do PS: —Muito bem! dentro da boa educação política, que foi o do Dr. Miguel Portas. O que não me admira, porque o Bloco de Esquerda O Orador: —Não ponho em dúvida que o senhor seja tem uma direcção quadricéfala, com pessoas que têm per- favorável a que se governe por reformas, e também lhe cursos de vida e opções ideológicas muito diferentes: são reconheço o direito de discordar e de querer discutir o trotskystas, maoístas, comunistas desiludidos, socialistas sentido das reformas do Governo; simplesmente, há uma zangados, por aí fora… pequena diferença, uma pequena diferença que, apesar de
pequena, é muito grande: com o Governo do Partido O Sr. Fernando Rosas (BE): — Mais ou menos como Socialista, por muito que o senhor discorde das reformas e
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do seu sentido, poderá sempre discuti-lo; com um governo da direita nesta matéria — insisto —, não somos nós; são da direita o senhor já não tem reformas cujo sentido possa as políticas erradas, aquelas que abandonam os eleitores do discutir e já não tem possibilidade de discutir o sentido das Partido Socialista! São as políticas que abandonam as reformas. pessoas que confiaram no Partido Socialista! As pessoas
que tiveram esperança na esquerda e que estão a ser aban-O Sr. Manuel dos Santos (PS): — Muito bem! donadas por estas políticas! Estas pessoas, de hoje para amanhã, vão votar na política da direita pelo facto de o O Orador: —É uma pequena diferença, mas uma pe- actual Governo não ter conseguido dar-lhes respostas,
quena diferença que um partido da esquerda não deveria satisfazer as suas ansiedades e as suas pretensões! esquecer, porque quando a esquece repete os pecados que O papel da esquerda é alertar para esta situação, e não uma parte da esquerda sempre cometeu com a outra parte e o de calar-se! Esta censura tem este significado! Sabemos que sempre levaram às derrotas de toda a esquerda! distinguir o que é uma coisa e o que é a outra, e é em nome
disto que entendemos dever intervir neste debate da forma Aplausos do PS. como o fazemos. O Sr. Presidente: —Para responder, tem a palavra o O Sr. Presidente: —Para uma intervenção, tem a pa-
Sr. Deputado Fernando Rosas, dispondo, para o efeito, de lavra o Sr. Deputado José Barros Moura. 5 minutos.
O Sr. José Barros Moura (PS): — Sr. Presidente, Sr.as O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, em re- e Srs. Deputados: Como alguém disse no já longínquo
lação às questões colocadas pelo Sr. Deputado Strecht século XIX, a política portuguesa já foi uma coisa traduzi-Ribeiro, não sei o que hei-de dizer, porque ele também não da do francês em calão. Muito tempo volvido, pretende perguntou nada. Portanto, não há nada para responder! agora o Bloco de Esquerda transformá-la num remake da Disse que o Governo tinha governado bem, que está tudo política à italiana, não já em calão mas, sim, em linguagem bem na educação, na família… mais politicamente correcta, se não mesmo «radical-
chique», por vezes. O Sr. Strecht Ribeiro (PS): — Está enganado! Risos do PS. O Orador: —Quanto à segurança social, aprovámos a
Lei de Bases da Segurança Social, o problema está exac- O Bloco de Esquerda associou explicitamente a sua tamente na regulamentação. Portanto, aprovámos as bases iniciativa ao recente desfecho das eleições italianas, dizen-desta lei e, agora, vamos discutir a regulamentação, e é aí do pretender extrair delas uma moralidade para a política há que há, de facto, diferentes pontos de vistas! O facto de portuguesa: o governo do PS — Nova Maioria, seria o aprovarmos a Lei de Bases da Segurança Social não signi- governo de centro-esquerda, e o Bloco de Esquerda pre-fica que não discutamos arduamente a sua regulamentação! tenderia desempenhar o papel da Refundação Comunista. Tenha paciência, mas vai ter de ser assim! Tal como em Itália aconteceu, beneficiária da operação
À Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia menos ainda seria a direita, mais ou menos «berlusconizada», e só neste tenho para dizer. A senhora não gostou do meu discurso, o ponto há semelhanças: o jogo do radicalismo pseudo-que hei-de fazer? Olhe, são gostos…! Não tenho a preten- esquerdista serve sempre a direita! são de poder agradar-lhe…! Paciência! Não há nada a fazer! A senhora não gostou… para a próxima come me- Vozes do PS: —Muito bem! nos, e acabou-se. Não há problema nenhum!
O Orador: —Que alternativa propõe o Bloco de Es-Protestos do PS. querda quando rompe publicamente as pontes com a parte da esquerda à qual foi buscar a maior parte dos seus votos? Sr. Deputado Manuel Alegre, a questão colocada é a Propõe ele alguma fórmula que assegure a governabilida-
esta: com este Governo pode discutir-se; com um governo de? Não propõe nenhuma, apenas diz ser necessário inter-da direita não pode discutir-se. romper a actividade deste Governo e convocar eleições
gerais; propõe a instabilidade não criadora! O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): — Você acha isso O seu objectivo não é manifestamente promover uma
bem?! política alternativa à que diz ser a do Governo, mais con- forme com a explícita identificação deste com os interesses O Orador: —O problema, do nosso ponto de vista, é dos trabalhadores e das classes médias mas, sim, desgastar
que a política que este Governo está a seguir conduz à politicamente, rarefazer ou, de qualquer modo, enfraquecer entrega do poder à direita. Do ponto de vista da esquerda, a sua base social e o seu eleitorado. Foi, assim, retirando o se não houver a correcção, o combate político e de ideias apoio ao governo Prodi, numa atitude condenada por todo para se obviar a essa deriva, naturalmente o nosso silêncio o movimento sindical italiano, que a Refundação Comu-e a nossa abstenção é que contribuirão para que suceda nista começou o seu trabalho de desgaste, o qual ajudou a aqui o mesmo que sucedeu em Itália. abrir caminho à direita.
Portanto, queremos intervir neste processo em nome Em contraste, quando este papel divisionista não se dos valores da esquerda, em nome da recomposição e da manifestou, como ainda no passado domingo, nas eleições renovação da esquerda, e não contra ela! Quem faz o jogo municipais das principais cidades italianas, as candidaturas
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de centro-esquerda venceram claramente os candidatos da pelas políticas reformistas. É a esta hostilidade da direita direita. que o Bloco de Esquerda quer acrescentar pseudo-razões
O paralelo com a política italiana termina aqui, desde de esquerda quando avança com a sua moção de censura, logo porque o Bloco de Esquerda não quis correr o risco exclusivamente motivada por razões tácticas que são muito de se traduzir em Refundação «Comunista», porque o difíceis de ocultar: o Bloco de Esquerda quer fazer de nomezinho é a doer! Preferiu suavizar-se a coberto da conta que não apoiou com os seus votos ou que não viabi-fraseologia politicamente correcta, por isso já alguns fala- lizou pela abstenção a maior parte das medidas pelas quais ram de linguagem «lux-frágil»! o Governo é contestado — pela direita!
E este partido, que diz querer falar em nome dos traba- A justificação da moção de censura, no estilo «quanto lhadores e defender os seus interesses, mas que só conta pior, melhor», mostra um partido sem uma alternativa com quatro (quatro!) operários na totalidade dos delegados consistente de esquerda, como exemplarmente se sintetiza ou dos membros da sua magna reunião nacional,… na passagem em que o Bloco de Esquerda critica o euro
por ter retirado ao Governo aquilo a que o mesmo partido O Sr. Fernando Rosas (BE): — Olhe que não! eufemisticamente chama «margens de manobra para políti- cas cambiais autónomas», isto é, desvalorizações competi-O Orador: —… aparece agora com uma arrogância tivas.
intolerável (se não fosse um pouco ridícula) a querer dar lições de esquerda às outras componentes da esquerda. O Sr. Manuel dos Santos (PS): — Exactamente!
Vozes do PS: —Muito bem! O Orador: —Como é que essa política de degradação real dos salários, que inevitavelmente resulta das desvalo-O Orador: —Para isso, o Bloco de Esquerda não tem rizações competitivas, é compatível com a necessidade,
qualquer autoridade. reconhecida por todas as pessoas sensatas, de superar um O Bloco de Esquerda conquistou legitimamente a sua modelo de desenvolvimento baseado nos salários baixos,
representação parlamentar num momento em que uma em deficientes condições de trabalho, nas baixas qualifica-parte do eleitorado urbano do Partido Socialista julgou ções, em espiral, que bloqueia a nossa capacidade de mais desnecessária a concentração do voto útil e resolveu dar-se rápida convergência real com a União Europeia?! ao requinte de possibilitar a emergência de uma espécie de consciência crítica no Parlamento, para incitar o Governo Vozes do PS: —Muito bem! do PS a assumir certas causas sociais e culturais e medidas de modernidade e a concretizar mais clara e rapidamente O Orador: —Muito mais sensata, realista e melhor algumas das reformas prometidas. Mas o papel do «grili- fundamentada é a posição da CGTP — Intersindical Naci-nho falante» não dura sempre e a paciência para o ouvir onal, que pretendo saudar, ao lutar por uma participação também se esgota! maior dos trabalhadores nos ganhos efectivos de produti-
Para realizar um programa de governabilidade à es- vidade, tornando-os, assim, directamente interessados no querda é preferível ter em conta os diferenciados segmen- aumento da produtividade nacional. tos da esquerda em função da implantação real que eles tenham na sociedade e no mundo do trabalho. De modo Vozes do PS: —Muito bem! que o Bloco de Esquerda, no futuro, vai ter de escolher entre ser uma parte útil do sistema, enriquecendo-o na sua O Orador: —É para isto que é urgente mobilizar o diversidade, ou ficar de fora com o seu radicalismo pseu- mundo do trabalho, os empresários e todos os sectores domodernista. Sobrar-lhe-á em folclore o que ficará a dinâmicos da nossa sociedade, prosseguindo uma política faltar-lhe em eficácia política, mas isto é com o Bloco de que recuse dissociar o crescimento económico do progres-Esquerda! so social, política que temos vindo a promover em Portu-
Pelo nosso lado, continuaremos a realizar a política gal desde 1995 — e por isso somos criticados pela direita constante do programa que o eleitorado sufragou e, como social e política! não temos maioria absoluta, a negociar os apoios parla- mentares coerentes com o conteúdo das medidas para cuja Vozes do PS: —Muito bem! realização os eleitores nos deram a sua confiança — é disto que se trata! —, como Guterres hoje aqui explicitou, O Orador: —É para isto que é necessário reformar a com sólidos e claros fundamentos ético-políticos e ideoló- Administração Pública, para combater o despesismo inútil gicos. e para a transformar, com o acordo dos próprios trabalha-
É preciso notar aqui que as principais dessas medidas dores, num instrumento efectivo de promoção do progres-(as reformas fiscal e da segurança social) foram aprovadas so económico e da regulação social. com o apoio do Bloco de Esquerda. Aliás, são estas medi- Com estes objectivos estamos disponíveis para dialogar das a principal causa da hostilidade que o Governo enfren- e concertar posições com todos os partidos representados ta, conduzida pelos sectores minoritários, mas muito pode- na Assembleia da República, mas especialmente com os rosos no plano económico, social e mediático — e espero que partilham connosco os ideais históricos de luta pela que o Bloco de Esquerda não tenha esquecido as conse- justiça social, de democracia plena e de transformação da quências do fenómeno da concentração do poder nos sociedade. media —, cujos interesses ilegítimos estão a ser afectados Há um último ponto em que a má tradução do italiano
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que o Bloco de Esquerda aqui veio apresentar não coincide Sr. Deputado, como estamos aqui, há muito tempo, a com a realidade portuguesa. É que, apesar de não estarmos ouvir a esquerda a psicanalisar-se… no melhor dos mundos, apesar dos nossos próprios erros e das dificuldades objectivas da conjuntura económica inter- Risos do CDS-PP e do PSD. nacional, não estamos de saída para dar lugar à direita.
… e a definir-se permanentemente pela negativa, a pergun-O Sr. Luís Fazenda (BE): — Ninguém disse isso! ta que faço, com toda a amizade, é a seguinte: não teria sido mais útil terem promovido um colóquio, no auditório, O Orador: —O empurrão do Bloco de Esquerda, sobre a psicanálise da esquerda, onde nós, naturalmente,
aqui, não vai funcionar! não iríamos? Vozes do PS: —Muito bem! Aplausos do CDS-PP. O Orador: —Realizando a nossa própria política para O Sr. Presidente: —Para responder, tem a palavra o
as pessoas e ao serviço da modernização do País, o PS e o Sr. Deputado José Barros Moura. Governo por ele apoiado têm, e merecem, a confiança dos portugueses. Estamos para ficar, e até podemos agradecer O Sr. José Barros Moura (PS): — Sr. Presidente, ao Bloco de Esquerda o ir fazendo, de vez em quando, o começo por esta última tomada de posição. simpático papel do «grilinho». Sr. Deputado Basílio Horta, penso que deveria ter diri-
gido essa sua inquietação ao Bloco de Esquerda, mas, de Aplausos do PS. facto, não é irrelevante para a opinião pública e para a política portuguesas esta discussão, porque a discussão que O Sr. Presidente: —Para pedir esclarecimentos, tem a fomos capazes de fazer aqui, hoje, nomeadamente com a
palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas. intervenção do Primeiro-Ministro, António Guterres, é a demonstração de que na margem estreita de que dispõem O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, Sr. hoje os poderes de regulação dos governos nacionais — e
Deputado José Barros Moura, quero só fazer uma «grila- não só os governos nacionais — nós queremos, e temos da»,… feito, uma política para transformar uma realidade injusta,
para eliminar as desigualdades sociais, para melhorar a Risos. igualdade de oportunidades no nosso país, através do aper- feiçoamento do sistema educativo, para realizar uma polí-
… ou melhor, dar-lhe uma informação em nota de rodapé. tica de progresso económico com consciência social e para Não sei se o Sr. Deputado José Barros Moura sabe — contribuir, como o Primeiro-Ministro também salientou e
sabe, com certeza, porque o Sr. Deputado conhece muito melhor será explicitado no debate de amanhã sobre a bem a realidade italiana — que foi o Partido Socialista Europa, para a criação de instâncias de regulação suprana-italiano quem entregou as redes de televisão ao Berlusconi. cional que permitam, a nível europeu e intervindo nas Não sei se sabe que foi o Betino Craxi, líder do Partido instituições de Bretton Woods, do Fundo Monetário Inter-Socialista italiano que votou e apoiou Berlusconi. E não nacional e na Organização Mundial de Comércio, lutar por sei se sabe que foi o Partido Socialista italiano que, agora, aquilo a que os da minha geração chamaram, e eu continuo apoiou a Casa das Liberdades e faz parte das suas listas. a chamar, uma ordem económica internacional mais justa,
menos desequilibrada, menos afrontosa dos direitos fun-Protestos da Deputada do PS Rosa Maria Albernaz. damentais dos povos do que aquela que existe actualmente, e contra a qual nós lutamos e lutaremos. Era bom, de vez em quando, não nos esquecermos de
um certo rigor da História, só para podermos enquadrar A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): — Muito bem! devidamente o debate.
O Orador: —Portanto, este é um debate que, em si Protestos do PS. próprio, interessa e é bom que se realize numa Câmara política. Mais: é um debate que podemos realizar com Quanto ao resto, nós, que não somos um partido arro- inteira legitimidade, porque — e quero recordá-lo a VV.
gante, não temos a pretensão de ter dado à luz qualquer Ex.as — a esquerda está em maioria neste Parlamento,… outro partido ou sequer de o poder dirigir. Somos o que somos, representamos a nossa parte da opinião pública e O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): — Mas não está estamos aqui para lutar pela confiança e pela representação no país! daqueles que nos deram o voto; é só isto, e mais nada!
O Orador: —… a esquerda tem ganho, pelos seus O Sr. Presidente: —Também para pedir esclarecimen- méritos, sucessivas eleições no nosso país.
tos, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta. Aplausos do PS. O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): — Sr. Presidente, que-
remos fazer uma pequena pergunta ao Sr. Deputado José Barros Moura.
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Quanto ao Sr. Deputado Fernando Rosas, que é um Discutia-se então se era possível atingir esse objectivo. ilustre historiador, julgo que ele sabe menos da História O Rendimento Mínimo Garantido, lançado depois de italiana que da História portuguesa. uma polémica sobre a sua exequibilidade no terreno, que o
Quanto ao partido que terá liberalizado as televisões de tempo e a prática provaram não fazer sentido, é o primeiro Berlusconi, ele não pertence à Internacional Socialista. e talvez o melhor exemplo de como tal se revelou possível.
No total, já mais de 680 000 pessoas dele beneficiaram e, O Sr. Fernando Rosas (BE): — Agora! destas, cerca de 300 000 deixaram já de o receber. Há um dado que aqui importa sublinhar: há quase um ano que, O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): — Foram todos mês após mês, são mais as pessoas que saem do Rendi-
presos! mento Mínimo Garantido do que as que nele entram, o que já permitiu reduzir os seus beneficiários de cerca de O Orador: —É um esclarecimento que convinha ser 450 000 para cerca de 370 000.
dado, porque mostra que a Internacional Socialista sabe Mas o aperfeiçoamento da protecção social passou por retirar, ao contrário de outros, lições dos seus próprios outra grande prioridade: a melhoria das condições de vida erros. E não foi por acaso que houve em Itália todo um dos idosos. Todos sabemos que elas são difíceis; logo, processo de refundação, se calhar do próprio Estado italia- duas ideias fundamentais nos norteiam desde a primeira no e se calhar de toda a esquerda! Foi disto que se tratou, é hora: diferenciámos positivamente as pensões dos traba-por isto que, hoje, na Internacional Socialista está o Parti- lhadores que contribuíram mais anos para a segurança do Democrático da Esquerda e é por isto que a Refundação social e diferenciámos positivamente as pensões daqueles Comunista, que lá assume o «nomezinho», faz o que faz e que têm mais baixos rendimentos. que não tem sido muito interessante para a democracia Entre 1995 e 2001, a pensão mínima do regime geral italiana. Não digo que esta tenha sido a causa exclusiva, dos pensionistas com 40 anos de contribuições aumentou, porque não foi, pois sabemos tirar ilações das políticas que em termos reais, 84%. O valor da pensão social para quem por vezes são conduzidas contra a nossa própria base tem mais de 70 anos cresce, com o aumento de Julho, em social, sabemos tirar as conclusões da História e dos fac- termos reais, 52,5% neste período. tos, e, portanto, também compreendemos que não foi ape- A nossa preocupação com os pensionistas nem é recen-nas a divisão da esquerda que facilitou o acesso da direita te nem é táctica. Seguimos uma política sistemática, sus-ao poder. No entanto, as últimas eleições municipais em tentada e realista de aumento das pensões: beneficiar quem Itália comprovam que quando a esquerda não está desuni- mais descontou e quem mais precisa. Mas é também ver-da, graças à dita Refundação, continua maioritária… dade que todos os regimes foram objecto de melhorias
significativas. O Sr. Octávio Teixeira (PCP): — A alteração da lei Fechámos ainda centenas de lares de idosos que não
eleitoral não teve qualquer efeito! obedeciam a níveis mínimos de qualidade, encontrando sempre alternativas para os idosos que aí se encontravam, O Orador: —A lei eleitoral não é idêntica à nossa, e expandimos os equipamentos de apoios a idosos a um
porque, em Portugal, o projecto de lei eleitoral, com círcu- ritmo sem paralelo: em 1995, havia 94 000 utentes de los uninominais, tem uma forma de manter a proporciona- equipamentos para idosos e no final de 2000 ultrapassa-lidade, e os estudos feitos demonstram que o PCP e o vam já os 175 000. O apoio domiciliário duplicou de CDS-PP, os partidos mais pequenos, até beneficiariam, 20 000 para 40 000 beneficiários entre 1995 e 1999 e vol-com as mesmas votações, da nova lei eleitoral. tará a duplicar até 2003. As despesas sociais consagradas à
terceira idade subiram 130% entre 1995 e 2001. Aplausos do PS. Mas também, face ao presente e à incorporação na vida profissional das novas gerações, estes foram anos de gran-O Sr. Presidente: —Para uma intervenção, tem a pa- des transformações. Em termos reais, importa sublinhá-lo
lavra o Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade. aqui, entre 1995 e 2000, o salário mínimo subiu 8,6%; em termos reais, os salários convencionais negociados na O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade (Pau- negociação colectiva subiram 6,3%; ainda em termos reais,
lo Pedroso): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A os ganhos médios da indústria cresceram 12,9%. E o aposta na coesão e nas políticas sociais como pilar essen- emprego foi uma das grandes prioridades políticas, mere-cial de uma sociedade desenvolvida é prioridade do cendo, creio, o Plano Nacional do Emprego destaque Governo desde 1995. Contrariámos então frontalmente a enquanto instrumento de sistematização e de inovação no secundarização, quando não negligência, a que tais ques- quadro desse esforço. tões haviam sido votadas na década anterior. Hoje — e para citar só um exemplo —, todos os des-
Seis anos volvidos, o balanço sério e isento que se empregados têm a garantia de lhes serem proporcionadas pode fazer do percurso até agora percorrido é apenas um: oportunidades concretas de empregabilidade num prazo até há, em Portugal, novas condições sociais; e há, em Portu- 12 meses após a inscrição no Centro de Emprego. gal, uma nova geração de políticas sociais. Os dados, neste campo, falam por si. Há 52 meses con-
Houve, desde logo, uma primeira grande prioridade, a secutivos que o desemprego registado do IEFP desce. da eliminação das formas mais graves, extremas e intole- Globalmente isto significa 130 000 pessoas, o que repre-ráveis de pobreza — centenas de milhares de pessoas en- senta cerca de 30% do total das pessoas então inscritas, contravam-se, até aí, abandonados à sua própria sorte. mas significa uma diminuição em 40% dos desempregados
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de longa duração e mais de 50% no que diz respeito aos subscritos, já este ano, por todos os parceiros sociais. jovens. Todos sabemos que a taxa de desemprego está hoje Estamos perante uma mudança de fundo no diálogo social nos 4,2%, quanto chegou a estar acima dos 7%. em Portugal, que, creio, terá profundos efeitos estruturais
Mas não foi só o desemprego que diminuiu. O tempo no nosso mercado de trabalho, de que destacaria aqui dois: semanal de trabalho foi reduzido de 44 para 40 horas, a a consagração, pela primeira vez, do direito dos trabalha-maior redução do tempo de trabalho desde a fixação, pela I dores a uma formação mínima garantida anual de 20 horas, República, das 48 horas semanais, beneficiando assim já em 2003, e que aumentará até às 35 horas em 2006; já mais de 1 milhão de trabalhadores. em Setembro, a obrigatoriedade da formação profissional
Por outro lado, e com grande empenhamento do Go- para todos os jovens trabalhadores que não tenham a esco-verno, foram já encerradas todas as dúvidas em torno da laridade obrigatória ou que, tendo-a, não tenham qualifica-aplicação desta nova legislação. Foram, de facto, criadas ção profissional prévia à sua entrada no mercado de traba-centenas de milhares de postos de trabalho ao longo destes lho, ocupando essa formação pelo menos 40% do tempo de seis anos. A taxa de emprego que temos hoje é uma das trabalho, por forma a que as oportunidades de trabalho de mais altas da Europa e aproxima-se já da meta europeia hoje não sejam inimigas da qualificação. para 2010. Desde 1997, o combate aos falsos recibos ver- Estas medidas inscrevem-se, aliás, numa grande priori-des produziu efeitos, o emprego cresce nos trabalhadores dade do Governo com o futuro: a prioridade à qualificação por conta de outrem e, dentro destes, cresce também nos e à formação dos portugueses. contratos sem termo — forma contratual, aliás, que defen- Se o exemplo da expansão da rede nacional da educa-demos e estimulamos da mesma maneira que combatemos ção pré-escolar é uma medida emblemática, o esforço de o uso abusivo da contratação a termo. aumento da formação profissional de jovens e adultos
Atingimos níveis de fiscalização sem precedentes. Em desenvolvido ao longo dos últimos anos é igualmente Outubro do ano passado, a Inspecção-Geral de Trabalho relevante. lançou uma grande operação de combate à ilegalidade em Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os portugueses matéria de contratação e apenas nos primeiros seis meses sabem que há seis anos os mais desfavorecidos estavam desta operação, para além da regularização da situação de entregues a si mesmo e que hoje dispõem de dispositivos e milhares de trabalhadores em situação irregular, foram de redes de solidariedade ao nível dos idosos e das crian-aplicadas coimas às empresas prevaricadoras que ascende- ças que não existiriam sem o Governo da «Nova Maioria». ram a cerca de 700 000 contos.
Outra frente bem conhecida da melhoria da nossa capa- A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): — Muito bem! cidade de regulação do mercado de trabalho é o modo como o país aborda hoje o trabalho infantil, cuja evolução O Orador: —Os portugueses sabem que há seis anos espelha o nosso empenho. A Inspecção-Geral do Trabalho assumimos o compromisso do Rendimento Mínimo Garan-quase quadruplicou, em 2000, as visitas relâmpago que tido contra todas as críticas e dúvidas e que ele não existi-apenas se iniciaram em 1997, e todos os dados apontam ria — há-de o Bloco de Esquerda reconhecê-lo — sem este para uma diminuição drásticas do trabalho infantil entre Governo. nós. Podemos, hoje, dizer, com propriedade, que cami- Os portugueses sabem que há seis anos chegava a falar-nhamos para a erradicação do trabalho infantil na socieda- se da falência da segurança social e que hoje se debatem as de portuguesa. modalidades mais adequadas para o seu aperfeiçoamento.
Sabem que as pensões conheceram aumentos sustentados e Vozes do PS: —Muito bem! significativos ao longo dos últimos seis anos e que o sis- tema público de segurança social tem hoje garantias de O Orador: —Já este ano, foi ainda aprovada a nova sustentabilidade para as próximas décadas, o que o Bloco
lei de permanência de estrangeiros e desencadeada uma de Esquerda também há-de reconhecer. profunda operação de legalização de trabalhadores estran- Os portugueses sabem que, há seis anos, o desemprego geiros que se encontravam no nosso país sem direitos subia, o emprego descia e o crescimento da precariedade e reconhecidos. Em apenas quatro meses, mais de 80 000 dos falsos recibos verdes parecia interminável. Hoje temos cidadãos imigrantes tiveram parecer favorável para os seus mais e melhor emprego para mais gente e os salários subi-contratos de trabalho por parte da Inspecção-Geral do ram significativamente em termos reais —… Trabalho, e entrámos agora, através do Programa «Portu- gal Acolhe», numa 2.ª fase da inclusão destes trabalhado- O Sr. Lino de Carvalho (PCP): — Também não exa-res, centrada nas condições para o seu acolhimento, quer gere! pelo acesso à língua portuguesa quer pela difusão do co- nhecimento dos seus direitos. O Orador: —… e o próprio Bloco de Esquerda há-de
reconhecê-lo. A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): — Muito bem! Os portugueses sabem que há seis anos Portugal era apontado internacionalmente como um exemplo de com-O Orador: —Mas em matéria de regulação foram da- placência face ao trabalho infantil e que hoje é um exem-
dos passos ainda num amplo conjunto de domínios. Por plo internacional de boas práticas e de empenhamento na exemplo, no diálogo social, como o demonstram, primeiro, luta contra este flagelo — e o Bloco de Esquerda também o Acordo de Concertação Estratégica e, depois, os recentes há-de reconhecê-lo. acordos temáticos de concertação social que incidem sobre Os portugueses sabem que há seis anos muitos esta-matérias fundamentais para os trabalhadores, acordos vam à margem da recuperação do défice de qualificações
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e do potencial de inclusão da qualificação profissional. A partir de agora, a formação é um direito inalienável de O Orador: —O actual Governo não tem uma linha, todos os trabalhadores e, para os mais jovens, a oportu- não tem uma estratégia, não tem um projecto e não tem um nidade de trabalho de hoje não será inimiga das oportu- programa; o actual Governo não tem uma linha e o Primei-nidades sociais de amanhã — e o Bloco de Esquerda há- ro-Ministro não tem qualquer convicção. de reconhecê-lo.
Mas, Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, que nin- Vozes do PSD: —Muito bem! guém confunda este breve balanço das prioridades em matéria de política social com uma contemplação auto- O Orador: —É precisamente por isto que temos, em satisfeita do caminho já percorrido. Portugal, um problema; é precisamente por isto que se fala,
Subsistem na sociedade portuguesa problemas que co- no nosso país, numa sensação de pântano; é precisamente nhecemos bem, nomeadamente ao nível das desigualdades por isto que muitos portugueses estão desiludidos e tristes sociais. Temos a consciência, todavia, de que há seis anos com a política e que muitos jovens já não acreditam na havia problemas bem mais graves do que aqueles que política. Foi precisamente por isto que este debate mostrou temos hoje. Para a afirmação do novo modelo social por- hoje que a alternativa a este Governo, a esta política, não tuguês, com mais modernidade e mais coesão, este traba- virá da esquerda, virá de uma alternativa verdadeiramente lho precisa de ser continuado. reformadora, a bem de Portugal.
O nosso esforço não vai, por isso, abrandar. Já este mês foram aperfeiçoadas as prestações familiares, abrangendo Aplausos do PSD. centenas de milhar de crianças de famílias que, vivendo um pouco acima da pobreza, enfrentam significativas ca- O Sr. Manuel dos Santos (PS): — Isso foi um desaba-rências de rendimentos, e também se procedeu a uma subs- fo? tancial actualização dos valores desta prestação.
Para o futuro deixo aqui apenas um novo exemplo: es- O Sr. Presidente: —Srs. Deputados, visto não haver tamos a concluir, num processo que tem sido, aliás, am- mais inscrições, dou por encerrado o debate. plamente participado, um plano nacional de acção para a Assim, para produzir a intervenção de encerramento, inclusão que vai coordenar e sistematizar toda a nossa tem a palavra, em representação do Governo, o Sr. Primei-actuação em matéria de promoção da inclusão. Assumi- ro-Ministro, que dispõe, para o efeito, de 10 minutos. mos, aqui, uma nova meta ambiciosa de redução da pobre- za, a de que a pobreza, cuja taxa era, em Portugal, pelos O Sr. Primeiro-Ministro: —Sr. Presidente, Srs. termos europeus, de 23% em 1995, seja reduzida para a Deputados: Tinha pensado mesmo não usar da palavra, na média europeia de 17% até 2005. medida em que me parece que o debate foi inteiramente
Nós sabemos e os portugueses sabem que este trabalho esclarecedor. Mas, como essa atitude poderia ser interpre-precisa de ser continuado por um governo de esquerda, por tada como de menos respeito para com o Bloco de Esquer-um governo do PS. da, entendi dizer algumas palavras finais.
Em primeiro lugar, devo dizer-vos que esta última in-Aplausos do PS. tervenção do Deputado Durão Barroso revela que há uma afinidade de radicalismo verbal entre o PSD e o Bloco de O Sr. Presidente: —Também para uma intervenção, Esquerda que não pode deixar de nos causar o maior inte-
tem a palavra o Sr. Deputado Durão Barroso. resse e que é, porventura, um facto novo na vida política portuguesa. O Sr. Durão Barroso (PSD): — Sr. Presidente, Srs.
Deputados: A concluir este debate, entre o Bloco de Es- Aplausos do PS. querda, o Partido Socialista e o Governo, que terá deixado algumas dúvidas em alguns portugueses que o terão segui- Penso que, quer no PSD quer no Bloco de Esquerda, do, sobretudo quem é de esquerda, quero mostrar grande definitivamente, triunfou a linha vermelha,… generosidade. Por isso, contrariamente ao que é normal num debate político, darei razão a ambos; dou razão ao Risos do PS. Bloco de Esquerda e dou razão ao Governo e ao Partido Socialista. O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Laranja!
O Bloco de Esquerda diz que o Governo não é real- mente de esquerda, e tem razão; o Governo defende-se e O Orador: —… o que não deixa de ser extremamente diz que não é de direita, e tem razão. Este é precisamente o interessante para o debate político em Portugal. problema!… Não gostaria de deixar sem uma resposta, breve, aquilo
que me parece a manobra mistificadora do Bloco de Es-Vozes do PSD: —Muito bem! querda, caricaturando uma situação inexistente para con- denar o Governo do Partido Socialista. O Orador: —É que o actual Governo não é nem de Aparentemente, este seria um país em que o desempre-
esquerda, nem de direita, nem de coisa nenhuma. go e a precariedade do emprego estariam a aumentar e o poder de compra a baixar. Não é verdade! Todos os indi-Vozes do PSD: —Muito bem! cadores são no sentido de que, clarissimamente, nos últi-
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mos cinco anos e mesmo agora, há um crescimento do coisa ficou claro nas intervenções que aqui foram tidas, emprego — não há apenas uma diminuição do desempre- na lógica do Bloco de Esquerda, o projecto do socialismo go, há um crescimento do emprego —, e há um crescimen- democrático é inviável nas sociedades modernas. Quero to do emprego com contrato permanente, com contrato aqui dizer que o projecto do socialismo democrático é a sem termo certo, o que é o melhor indicador de que não há melhor resposta que as sociedades modernas podem dar aumento da precariedade do emprego. E, até, se alguma aos problemas das pessoas. coisa se fez na função pública foi uma enorme operação de combate a esta mesma precariedade. Aplausos do PS.
A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): — Muito bem! Devo dizer-vos que — e permitam-me esta profissão de fé —, quando ainda hoje olho para os países do mundo, O Orador: —Por outro lado, é bom não esquecer que quando ainda hoje olho para o que foi a experiência ao
as pessoas não recebem apenas a tabela salarial, recebem a longo de décadas de várias ideologias e de várias práticas, massa salarial. E isto, se formos ver quer na função pública não posso deixar de notar que a mais realizada das aspira-quer nos contratos privados, faz com que, mesmo com ções do género humano, em termos de uma sociedade mais erros na previsão da inflação, o poder de compra geral dos democrática e mais justa, é a que foi concretizada pelo trabalhadores portugueses tem vindo, sustentadamente, a socialismo democrático e pela social-democracia europeia. crescer, e crescerá de novo este ano.
Portanto, quanto à primeira mistificação, o que é dito Aplausos do PS. não corresponde à verdade. Como não corresponde à ver- dade dizer que, neste momento, temos um défice externo Revejo-me muito mais na Suécia de Olof Palme do que em crescimento. Os primeiros meses deste ano revelam já em qualquer projecto revolucionário que tenha tentado um défice externo em decrescimento, graças à política de nascer em qualquer parte do mundo. «aterragem» suave que estamos a tentar aplicar. E até no domínio da produção industrial há um indicador, que — Aplausos do PS. espero — se venha a confirmar nos próximos meses, de recuperação da produção industrial, embora seja cedo, e E quero dizer, com inteira clareza, que o PS se assume não quero fazer demagogia nem propaganda, para confiar como um partido que pretende governar por uma via re-inteiramente nesse domínio. formista, que não tem medo de dizer que não é radical, que
é moderado, porque é com moderação que os problemas se O Sr. António Capucho (PSD): — Já fez! resolvem. O radicalismo leva, normalmente, a soluções nocivas para a coesão dos países e para a solução dos pró-O Orador: —Só que, como todos sabem, o crescimen- prios problemas. Assumimo-nos nesta moderação, mas ao
to das economias modernas, das economias e do emprego, serviço de valores que, esses sim, têm uma grande radica-faz-se hoje, sobretudo, nos serviços e muito menos nos lidade, esses sim, têm algo em que se não pode ceder, sectores industriais — este é o grande ajustamento estrutu- porque são os valores de sempre, de uma tradição e de uma ral a que as economias modernas estão a dar lugar. herança a que somos fiéis. E, muitas vezes, a questão da
Como é completamente falso que a Lei de Bases da herança é uma questão decisiva, quer na vida das famílias Saúde seja uma lei de privatização; e vir com o «espanta- quer na vida das forças políticas. Nós temos uma herança lho da privatização da saúde» é algo que não tem qualquer do socialismo democrático de que nos orgulhamos e que-correspondência, qualquer adesão à realidade. remos concretizar, para que essa herança fortifique em
Portugal como, melhor do que qualquer outra experiência, A Sr.ª Natália Filipe (PCP): — Nada!… tem fortificado no mundo civilizado. O Orador: —Como é absurdo dizer que é por causa Aplausos do PS, de pé.
das empresas estarem privatizadas que há problemas no gás. Ora, a Lisboagás, por acaso, ainda é uma empresa O Sr. Presidente: —Para produzir a intervenção de que, directa e indirectamente, tem uma maioria de capital encerramento, em nome do BE, tem a palavra o Sr. Depu-do Estado. Portanto, não é por causa disso. Pode haver tado Luís Fazenda, dispondo também de 10 minutos. falhas por outras razões — espero que não —, mas, se as houver, actuaremos. Mas não é por causa disso. O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr. Pri-
meiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. O Sr. Lino de Carvalho (PCP): — É por causa da ace- Deputados: Também com bastante generosidade poderia
leração do processo de privatização! dizer que o Sr. Deputado Durão Barroso é ainda algo mais do que um fuso nas suas referências doutrinárias do que o O Orador: —Ou seja, vale a pena ser rigoroso. E Sr. Primeiro-Ministro, porquanto, ainda no passado dia 1
esta falta de rigor revela que o objectivo do Bloco de de Maio, disse que o Partido Social Democrata não era um Esquerda não é criticar o Governo pelas suas políticas. partido de direita. Enfim, cada um fica com as noções que Sejamos claros: o objectivo do Bloco de Esquerda foi, cada um tem. claramente, o de contribuir para a instabilidade política, Quero frisar e afirmar, com toda a clareza, que o Bloco o de desgastar o Governo e, se fosse possível, levar à de Esquerda não se demite, nem se demitirá, de fazer queda do próprio Governo. E isto porque, se alguma maiorias nesta Câmara para aquilo que sejam leis que
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melhorem a qualidade de vida dos portugueses, que au- Sr. Primeiro-Ministro nada quis dizer. O próximo Orça-mentem os seus direitos cívicos, que desenvolvam condi- mento do Estado tem procedimento à «Limiano»? Não ções de cidadania. Temos todo o orgulho de termos aqui tem? Qual é a predisposição do Governo? O Governo ajudado a aprovar um conjunto de diplomas, desde a Lei estará disposto a tudo, mais uma vez? Muitos Ministros de Bases da Segurança Social, à pílula do dia seguinte, à disseram que «queijo» nunca mais… O que é que se vai criminalização da violência doméstica, entre outros. Não é passar? Será que se vai repetir aquilo que foi anormal, do esta a questão que está em debate, mas, sim, o rumo fun- ponto de vista democrático, na discussão e na votação do damental da política do Governo. último Orçamento do Estado? Este é o maior silêncio, o
O debate desta moção de censura foi aqui apresentado silêncio mais pesado do Governo, no debate desta moção pelo Bloco de Esquerda de uma forma concreta, objectiva, de censura. O que clarificaria a consciência dos portugue-directa, um inventário sobre aquilo que pensamos serem ses seriam as escolhas do Governo. alguns dos principais problemas do País. Propusemos, O Governo prefere a sobrevivência à clarificação, o exigimos, quisemos o debate de medidas concretas; apre- situacionismo à escolha de novas políticas. Anuncia, com sentámos razões sobre o modelo de desenvolvimento, apoios à direita, investimentos absurdos em armas, redução sobre a política social, sobre o endividamento, sobre a de gastos sociais. saúde, sobre a educação. Justifica-se a censura, a nosso A censura, Sr. Primeiro-Ministro, justifica-se — e este ver, porque estamos perante uma crise que o País conhece, debate mostrou-o —, porque a população sabe que se se mas o Governo ignora-a porque não tem projectos nem usar os milhares de milhões de contos em criação de em-propostas que alterem o rumo. É a nossa percepção da prego, em saúde e em educação o País estará melhor den-situação. tro de alguns anos, mas se se gastar essas verbas em armas
Em contrapartida, o debate permitiu concluir que An- e em investimentos duvidosos tudo estará pior dentro de tónio Guterres, o Sr. Primeiro-Ministro, preferiu — tam- alguns anos. bém é a nossa maneira de ver — uma apresentação sim- Com este Governo, ao fim de seis anos, a cedência a plista da terceira via, mais ou menos encostada a uma interesses está à solta e os casos concretos, identificados visão do socialismo democrático; preferiu este debate pelo Tribunal de Contas, são motivo suficiente para levan-doutrinário, esta conversa entre a esquerda, que não diz tarmos a nossa indignação. muito ao País real, ao debate fundamental das políticas. Sr. Presidente, o Sr. Primeiro-Ministro, ao escolher fu-
O Sr. Primeiro-Ministro andou, sem muita graça, à gir a temas de política, ao escolher a teoria do «oásis cor-procura de contradições, entre títulos de jornais, para aqui- de-rosa», na nossa modestíssima opinião, faltou a este lo que é claríssimo: o Bloco de Esquerda preferiria elei- debate. Poderá elaborar um fascículo sobre o socialismo ções antecipadas. Chamam a isto instabilidade; nós cha- democrático; sobre os problemas dos portugueses, disse, mamos a isto virtualidade democrática, nós chamamos a rigorosamente, nada. isto renovação do contrato político, nós chamamos a isto procurar alternativas. Nós chamamos a isto o voto dos O Sr. Fernando Rosas (BE): — Muito bem! portugueses.
Sr. Presidente, o Sr. Primeiro-Ministro recuperou a tese O Orador: —O Bloco de Esquerda considera, por do «oásis», vinda do tempo de Cavaco Silva, só que agora isso, que se justificou plenamente a apresentação desta «rosa»: tudo está bem, desde a educação ao investimento moção de censura. Os portugueses ficam a saber que há público, nada o preocupa. vigilância, que há debate, que há oposição por parte das
esquerdas e que a censura se justifica, plena e amplamente, O Sr. Manuel dos Santos (PS): — Ninguém disse como este debate comprovou. Os portugueses também
isso! ficarão a saber que, depois desta moção de censura, o Go- verno do Partido Socialista está mais só. E o Partido Socia-O Orador: —Tudo vai continuar na mesma, sem re- lista deveria meditar sobre isso.
modelações, sem reformas. E, se lermos o Programa do Governo e as suas principais prioridades, verificamos uma Aplausos do BE. enorme distância entre aquilo que foram os objectivos e aquilo que são, realmente, as concretizações. O Sr. Presidente: —Srs. Deputados, vamos proceder à
Na saúde, Sr. Primeiro-Ministro — lamento que a Sr.ª votação da moção de censura n.º 3/VIII — Ao XIV Go-Ministra da Saúde não se tenha feito ouvir —, tudo parece verno Constitucional (BE). lógico, do ponto de vista do Governo. As peças encaixam- se. No entanto, é o ponto mais fraco e é aquele que nos Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra causa ainda a maior preocupação. Tal como na regionali- do PS, votos a favor do PCP, de Os Verdes e do BE e zação, tudo parecia lógico e tudo parecia encaixar-se, mas abstenções do PSD e do CDS-PP. foi totalmente conduzido ao desastre.
Olhe com atenção para a situação da saúde; olhe para o Srs. Deputados, a próxima sessão plenária realiza-se que está a acontecer neste Ministério; olhe para a gestão do amanhã, com início às 15 horas, e terá como ordem do dia o Serviço Nacional de Saúde. O caso é realmente bastante debate mensal de S. Ex.ª o Primeiro-Ministro com a Assem-sério. bleia da República, a discussão, na generalidade, da proposta
Mas o debate permitiu demonstrar, igualmente, que de lei n.º 73/VIII e a discussão conjunta, na generalidade, existe um gigantesco tabu que se mantém, sobre o qual o dos projectos de lei n.os 139/VIII (PCP) e 454/VIII (PS).
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Está encerrada a sessão. Partido Social Democrata (PSD): Eram 19 horas e 40 minutos. Carlos Manuel de Sousa Encarnação
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados: Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Joaquim Martins Ferreira do Amaral
Partido Social Democrata (PSD): José David Gomes Justino Manuel Filipe Correia de Jesus Pedro Augusto Cunha Pinto Maria Eduarda de Almeida Azevedo Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Partido Popular (CDS-PP): Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró
Partido Comunista Português (PCP):
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados: João António Gonçalves do Amaral José Honório Faria Gonçalves Novo
Partido Socialista (PS):
Alberto Bernardes Costa Partido Popular (CDS-PP):
António Alves Marques Júnior João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo António Fernando Menezes Rodrigues Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia Eduardo Ribeiro Pereira José Carlos Correia Mota de Andrade Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV): José Eduardo Vera Cruz Jardim Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro José Luís Teixeira Ferreira
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL