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Quinta-feira, 20 de Setembro de 2001 I Série - Número 1

VIII LEGISLATURA .......3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2001-2002)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 19 DE SETEMBRO DE 2001

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex. mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
José de Almeida Cesário
António João Rodeia Machado
António José Carlos Pinho

S U M Á R I O

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 15 minutos, tendo saudado os Deputados na abertura do ano parlamentar.

Antes da ordem do dia.- Deu-se conta da entrada na Mesa da proposta de lei n.º 100/VIII, dos projectos de lei n.os 482 a 484/VIII, das propostas de resolução n.os 73 e 74/VIII, dos projec-tos de resolução n.os 149 e 150/VIII e da interpelação ao Governo n.º 14/VIII, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Foi aprovado um parecer da Comissão de Ética relativo à retoma de mandato de 5 Deputados, sendo 3 do PS, 1 do CDS-PP e 1 do BE, e à substituição de 5 Deputados, sendo 2 do PCP, 2 do PS e 1 do BE.
Procedeu-se à leitura de uma carta do Sr. Deputado do PCP Octávio Teixeira, sobre a sua renúncia ao mandato de Deputado, e da mensagem do Sr. Presidente da República, relativa aos recentes atentados terroristas em Nova Iorque e Washington.
Em declaração política, o Sr. Deputado Francisco Louçã (BE), a propósito do ataque terrorista ocorrido em Nova Iorque e Washington, criticou quem, entre a guerra e a paz, escolhe a guerra e disse que Portugal deve querer a paz e a justiça contra o terror e a violência.
O Sr. Deputado Durão Barroso (PSD), em declaração política, manifestou pesar e solidariedade às famílias, especialmente às portuguesas, de todos os que faleceram no atentado terrorista que teve lugar nos Estados Unidos da América e solidarizou-se com a participação de Portugal numa coligação internacional contra o terrorismo.
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado José Lamego (PS), a propósito dos acontecimentos ocorridos nos Estados Unidos da América, no passado dia 11 de Setembro, solidarizou-se com as mensagens de condolências comunicadas ao povo norte-americano e às suas autoridades, sugerindo que os nossos concidadãos vitimados viessem a ser distinguidos com a Ordem da Liberdade, e com a cooperação de Portugal numa coligação internacional para combater os criminosos e a violência terrorista. No fim, respondeu ao pedido de esclarecimento da Sr.ª Deputada Jamila Madeira (PS).
Por último, o Sr. Deputado Paulo Portas (CDS-PP), também em declaração política, ainda em relação ao ataque terrorista nos Estados Unidos da América, prestou homenagem a quem perdeu a vida ou a família, lembrando sobretudo os portugueses que morreram ou desapareceram, e recomendou que a resposta ao terrorismo e à violência fosse feita com os aliados, na forma de coligação internacional, o que suscitou um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Manuel Alegre (PS).
A Câmara discutiu e aprovou o voto n.º 152/VIII - De pesar pelo assassinato dos seis empresários portugueses no Estado do Ceará, no Brasil (PSD). Proferiram intervenções, além do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Maga-lhães), os Srs. Deputados Maria Ofélia Moleiro (PSD), Maria de Belém Roseira (PS), António Filipe (PCP), Sílvio Rui Cervan (CDS-PP), Francisco Louçã (BE) e Isabel Castro (Os Verdes).

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Foram discutidos conjuntamente os votos n.os 153/VIII - De pesar pelas vítimas dos ataques terroristas de 11 de Setembro nos Estados Unidos da América (PS, PSD e CDS-PP), que foi aprova-do, 154/VIII - De pesar pelas vítimas dos ataques terroristas de 11 de Setembro nos Estados Unidos da América (BE), 155/VIII - De pesar pelas vítimas do acto terrorista ocorrido a 11 de Setembro nos Estados Unidos da América (Os Verdes) e 156/VIII - De pesar pelas vítimas dos atentados terroristas cometidos nos Estados Unidos da América (PCP), que foram rejeitados. Pronunciaram-se, além do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, os Srs. Deputados Carlos Encarnação (PSD), Basílio Horta (CDS-PP), Isabel Castro (Os Verdes), Bernardino Soares (PCP),
Fernando Rosas (BE) e Francisco de Assis (PS). No final, a Câmara guardou 1 minuto de silêncio.

Ordem do dia.- Mereceram aprovação os n.os 72 a 81 do Diário, respeitantes à anterior sessão legislativa.
Foi também aprovado um parecer da Comissão de Ética relativo à retoma de mandato de um Deputado do PSD.
Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.os 91/VIII - Altera o regime jurídico dos crimes de tráfico de influência e de corrupção e 94/VIII - Estabelece medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira e das propostas de resolução n.os 73/VIII - Aprova, para ratificação, a Convenção Penal sobre a Corrupção do Conselho da Europa, assinada em Estrasburgo, a 30 de Abril de 1999, e 74/VIII - Aprova, para ratificação, a Convenção relativa à luta contra a corrupção em que estejam envolvidos funcionários das Comunidades Europeias ou de Estados-membros da União Europeia, assinada em Bruxelas, a 26 de Maio de 1997. Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro da Justiça (António Costa), os Srs. Deputados Guilherme Silva (PSD), Narana Coissoró (CDS-PP), Miguel Macedo (PSD), Odete Santos (PCP), Jorge Lacão (PS), António Filipe (PCP), Joaquim Sarmento (PS) e Fernando Rosas (BE).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 25 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 15 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Américo Jaime Afonso Pereira
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
António Alves Marques Júnior
António Alves Martinho
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António Fernando Menezes Rodrigues
António José Gavino Paixão
António Manuel Dias Baptista
António Manuel do Carmo Saleiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Bruno Renato Sutil Moreira de Almeida
Carlos Alberto
Carlos Manuel Carvalho Cunha
Carlos Manuel Luís
Casimiro Francisco Ramos
Cláudio Ramos Monteiro
Eduardo Ribeiro Pereira
Fernando Manuel de Jesus
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Serrasqueiro
Fernando Ribeiro Moniz
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres
Gil Tristão Cardoso de Freitas França
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho
Helena Maria Mesquita Ribeiro
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco d'Almeida
Isabel Maria dos Santos Barata
Jamila Barbara Madeira e Madeira
João Alberto Martins Sobral
João Cardona Gomes Cravinho
João Francisco Gomes Benavente
João Pedro da Silva Correia
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Alberto Leal Fateixa Palmeiro
José Aurélio da Silva Barros Moura
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Carlos da Cruz Lavrador
José Carlos Pinto Basto Mota Torres
José da Conceição Saraiva
José de Matos Leitão
José Ernesto Figueira dos Reis
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Rosa do Egipto
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Miguel Marques Boquinhas
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Júlio Francisco Miranda Calha
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Miguel Gomes Miranda Teixeira
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Francisco dos Santos Valente
Manuel Joaquim Barbosa Ribeiro
Manuel Maria Diogo
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Margarida Maria Santos Soares da Rocha Gariso
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custodia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira
Maria do Céu da Cruz Vidal Lourenço
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Luísa Silva Vasconcelos
Maria Teresa de Oliveira Ferreira Coimbra
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco
Paulo Alexandre Homem de Oliveira Fonseca
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui Manuel Leal Marqueiro
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Victor Brito de Moura
Victor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Alves Peixoto
Victor Manuel Caio Roque
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Álvaro dos Santos Amaro
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Martins Narciso
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Manuel da Cruz Silva
António Manuel Santana Abelha
Armando Manuel Dinis Vieira
Arménio dos Santos
Armindo Telmo Antunes Ferreira
Artur Ryder Torres Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos José das Neves Martins

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Carlos Manuel de Sousa Encarnação
Carlos Parente Antunes
David Jorge Mascarenhas dos Santos
Domingos Duarte Lima
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares
Eugénio Fernando Sá Cerqueira Marinho
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Jorge Loureiro de Reboredo Seara
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Santos Pereira
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Monteiro Chaves
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
João Bosco Soares Mota Amaral
João José da Silva Maçãs
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Martins Ferreira do Amaral
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José António de Sousa e Silva
José David Gomes Justino
José de Almeida Cesário
José Eduardo Rêgo Mendes Martins
José Frederico de Lemos Salter Cid
José Luís Campos Vieira de Castro
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel Durão Barroso
Lucília Maria Samoreno Ferra
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Pedro Machado Sampaio de Sousa Pimentel
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Castro de Almeida
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim Barata Frexes
Manuel Maria Moreira
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria do Céu Baptista Ramos
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa
Pedro Manuel Cruz Roseta
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
Ana Margarida Lopes Botelho
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
João António Gonçalves do Amaral
Joaquim Manuel da Fonseca Matias
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Natália Gomes Filipe
Vicente José Rosado Merendas

Partido Popular (CDS-PP):
António Herculano Gonçalves
António José Carlos Pinho
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
José Martins Pires da Silva
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Manuel Tomas Cortez Rodrigues Queiró
Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona
Narana Sinai Coissoró
Paulo Sacadura Cabral Portas
Raul Miguel de Oliveira Rosado Fernandes
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

Bloco de Esquerda (BE):
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de mais, desejo-vos um bom regresso à plenitude da actividade parlamentar.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: proposta de lei n.º 100/VIII - Autoriza o Governo a legislar sobre o regime jurídico da acção executiva e o Estatuto da Câmara dos Solicitadores; projectos de lei n.os 482/VIII - Cria a freguesia de Nossa Senhora de Fátima, no concelho do Entroncamento (CDS-PP), que baixou à 4.ª Comissão, 483/VIII - Criação, no concelho do Entroncamento, da freguesia de Nossa Senhora de Fátima (PSD), que baixou igualmente à 4.ª Comissão, e 484/VIII - Valorização, promoção e qualificação dos tapetes de Arraiolos (PS), que baixou às 5.ª e 7.ª Comissões; propostas de resolução n.os 73/VIII - Aprova, para ratificação, a Convenção Penal sobre a Corrupção do Conselho da Europa, assinado em Estrasburgo, a 30 de Abril de 1999, que baixou à 1.ª Comissão, e 74/VIII - Aprova, para ratificação, a Convenção relativa à luta contra a corrupção em que estejam envolvidos funcionários das Comunidades Europeias ou dos Estados-membros da União Europeia,

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assinada em Bruxelas, a 26 de Maio de 1997, que baixou às 1.ª e 10.ª Comissões; interpelação ao Governo n.º 14/VIII - Sobre «Política fiscal - reforma fiscal» (BE); projectos de resolução n.os 149/VIII - Estabelece medidas a favor da regulação dos fluxos internacionais de capitais e da «taxa Tobin» (BE), que baixou às 5.ª e 10.ª Comissões, e 150/VIII - Pronuncia-se sobre a utilização da barragem do Alqueva e a oportunidade para o desenvolvimento do Alentejo que ela representa (Deputado do BE Fernando Rosas).
Foram também apresentados na Mesa diversos requerimentos.
No dia 24 de Agosto - ao Ministério do Equipamento Social, formulado pela Sr.ª Deputada Lucília Ferra; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Guilherme Silva; ao Ministério da Economia, formulado pelo Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho; ao Ministério do Planeamento, formulado pelo Sr. Deputado António Nazaré Pereira; ao Ministério da Saúde, formulado pela Sr.ª Deputada Ana Manso; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Encarnação; ao Parque das Nações, formulado pelo Sr. Deputado José Eduardo Martins; ao Ministério do Trabalho e da Solidariedade, formulado pelo Sr. Deputado Vicente Merendas; aos Ministérios da Educação e da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Agostinho Lopes.
Na Comissão Permanente de 5 de Setembro - aos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Cultura e ao Sr. Primeiro-Ministro, formulados pela Sr.ª Deputada Maria Manuela Aguiar; aos Ministérios do Planeamento e do Ambiente e do Ordenamento do Território, formulados pelo Sr. Deputado José Eduardo Martins; ao Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, formulados pelas Sr.as Deputadas Lucília Ferra e Heloísa Apolónia; à Secretaria de Estado da Administração Educativa, formu-lado pela Sr.ª Deputada Maria Ofélia Moleiro; ao Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulado pelo Sr. Deputado António Nazaré Pereira; ao Ministério da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Pedro Duarte; ao Ministério do Equipamento Social, formulados pelos Srs. Deputados Luísa Mesquita e Vicente Merendas; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Bernardino Soares; ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado João Amaral; aos Ministérios da Saúde e do Trabalho e da Solidariedade, formulados pelo Sr. Deputado Paulo Portas; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Basílio Horta; aos Ministérios da Economia e do Ambiente e do Ordenamento do Território, formulados pela Sr.ª Deputada Isabel Castro.
No dia 11 de Setembro - a diversos Ministérios, formulados pela Sr.ª Deputada Luísa Mesquita; ao Ministério da Saúde, formulado pela Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia; aos Ministérios do Ambiente e do Ordenamento do Território e da Educação, formulados pelo Sr. Deputado Fernando Rosas.
Por sua vez, o Governo respondeu a requerimentos apresentados por vários Srs. Deputados.
No dia 5 de Setembro - Luís Cirilo, Helena Neves, Heloísa Apolónia, Hermínio Loureiro, José Cesário, António Filipe, Agostinho Lopes, Adão Silva, Basílio Horta, Manuel Oliveira, Joaquim Matias, Vicente Merendas, Rodeia Machado, Luís Patrão, Nuno Ferreira da Silva, Duarte Pacheco, Carlos Martins, Margarida Botelho, Victor Moura, Sónia Fertuzinhos, Paulo Pereira Coelho, Mota Amaral, Honório Novo, Artur Torres Pereira, Nuno Sancho Ramos, Isabel Castro, Feliciano Barreiras Duarte, Arménio Santos, Paulo Portas, Ana Manso, Miguel Miranda Relvas, António Pinho e Maria Manuela Aguiar.
No dia 6 de Julho - Isabel Castro, Lucília Ferra, Heloísa Apolónia, António Filipe, Luís Pedro Pimentel e Mota Amaral.
Nos dias 7 e 11 de Setembro - Manuel Moreira, Agostinho Lopes, Machado Rodrigues, Helena Neves, Nuno Teixeira de Melo, João Rebelo, Honório Novo, Nuno Sancho Ramos, Joaquim Matias, Vicente Merendas, Gonçalo Almeida Velho, Carlos Martins, Hermínio Loureiro, Margarida Botelho, Arménio Santos e Luís Fazenda.
Nos dias 13 e 14 de Setembro - Isabel Castro, Alves Pereira, Agostinho Lopes, Telmo Antunes, Luís Miguel Teixeira, Bernardino Soares, Honório Novo, Joaquim Matias, Lino de Carvalho, Natália Filipe, Carlos Martins, António Filipe, Luís Fazenda, Fernando Moreno, Mário Albuquerque, Honório Novo, Gonçalo Almeida Velho e Arménio Santos.
Foram ainda respondidos, nos dias 5 e 11 de Setembro, os requerimentos apresentados pelos Srs. Deputados Heloísa Apolónia e Sílvio Rui Cervan.
Em matéria de expediente é tudo, Sr. Presidente.
No entanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, temos um relatório da Comissão de Ética que importa desde já apreciar, porquanto se refere a Srs. Deputados que vão ser substituídos hoje mesmo, e que vou passar a ler.
1 - Em reunião da Comissão de Ética, realizada no dia 19 de Setembro de 2001, pelas 15 horas, foram observadas as seguintes retomas de mandatos e substituições de Deputados:
a) Retomas de mandatos nos termos do artigo 6.º, n.os 1 e 2, do Estatuto dos Deputados (Lei n.º 7/93, de 1 de Março):
Grupo Parlamentar do Partido Socialista (PS) - Fernando Moniz (Círculo Eleitoral de Braga), cessando Isabel Tinoco de Faria, em 13 de Setembro corrente, inclusive; José de Sampaio Lopes (Círculo Eleitoral de Castelo Branco), cessando Carlos Lavrador, em 13 de Setembro corrente, inclusive; Carlos Cunha (Círculo Eleitoral de Santarém), cessando Paulo Fonseca, em 13 de Setembro corrente, inclusive;
Grupo Parlamentar do Partido Popular (CDS-PP) - António Pinho (Círculo Eleitoral de Aveiro), cessando Raúl Almeida, em 11 de Setembro corrente, inclusive;
Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda (BE) - Francisco Louçã (Círculo Eleitoral de Lisboa), cessando Fernando Rosas, em 11 de Setembro corrente, inclusive.
b) Substituição nos termos do artigo 7.º (Renúncia ao Mandato) do Estatuto dos Deputados (Lei n.º 7/93, de 1 de Março):
Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português (PCP) - Octávio Teixeira (Círculo Eleitoral de Setúbal) por Manuel António Duran dos Santos Clemente, com início em 15 de Setembro corrente, inclusive.
c) Substituições nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea c), do Estatuto dos Deputados (Lei n.º 7/93, de 1 de Março), por um período não inferior a 45 (quarenta e cinco) dias:
Grupo Parlamentar do Partido Socialista (PS) - José de Sampaio Lopes (Círculo Eleitoral de Castelo Branco) por Carlos Lavrador, com início em 13 de Setembro corrente, inclusive;
Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português (PCP) - Manuel António Duran dos Santos Clemente

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(Círculo Eleitoral de Setúbal) por Bruno Ramos Dias, com início em 15 de Setembro corrente, inclusive;
Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda (BE) - Luís Fazenda (Círculo Eleitoral de Lisboa), por Fernando Rosas, com início em 19 de Setembro corrente, inclusive.
d) Substituição nos termos do artigo 20.º, n.º 1, alínea g), do Estatuto dos Deputados (Lei n.º 7/93, de 1 de Março):
Grupo Parlamentar do Partido Socialista (PS) - Nelson Baltazar (Círculo Eleitoral de Santarém), por Paulo Fonseca, com início em 13 de Setembro corrente, inclusive.
2 - Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelos aludidos partidos nos concernentes círculos eleitorais.
3 - Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
4 - Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
As retomas de mandatos e as substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura da carta de renúncia do Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a carta de renúncia do Sr. Deputado Octávio Teixeira é do seguinte teor: «Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia da República
Nos termos dos artigos n.os 160.º da Constituição da República, 3.º do Regimento da Assembleia da República e 7.º do Estatuto dos Deputados, declaro renunciar ao mandato de Deputado, para cujo exercício fui eleito nas eleições legislativas de 1999 pelo Círculo Eleitoral de Setúbal.
A minha renúncia ao mandato de Deputado tem efeitos a partir de 15 de Setembro de 2001, inclusive.
Com os meus respeitosos cumprimentos».

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como já transmitimos ao Sr. Deputado Octávio Teixeira a pena que temos em vê-lo partir, vou passar à leitura da mensagem enviada pelo Sr. Presidente da República à Assembleia, da qual já dei conhecimento a todos os grupos parlamentares, e que é do seguinte teor: «Os recentes atentados terroristas em Nova Iorque e em Washington marcam uma viragem histórica na vida da comunidade internacional. Ficou provado que um grupo criminoso agindo numa sociedade democrática tem uma capacidade de destruição que, até então, julgávamos exclusivo apanágio de actos de guerra.
No dia 11, em Nova Iorque e Washington, foram destruídos vidas e símbolos norte-americanos. O Estado português manifestou de imediato a solidariedade com os Estados Unidos da América. Portugal é um país amigo, tanto nas horas de alegria como nas de luto.
Nesse dia, em Nova Iorque e Washington, não foram apenas destruídos vidas e símbolos dos Estados Unidos da América. Foram assassinados muitos cidadãos de numerosos Estados, entre os quais Portugal. Curvo-me perante a memória de todos os mortos e em particular perante a dos nossos concidadãos, vítimas inocentes da barbárie sem rosto.
Nesse dia, há que reconhecê-lo, foram igualmente atacados os fundamentos - que são os nossos - de uma sociedade aberta, livre e democrática.
Perante a dimensão dos atentados terroristas, a ameaça aos nossos valores e às nossas vidas, importa que se proceda a uma reflexão colectiva sobre a resposta a dar a esta nova dimensão do terrorismo. Por isso, decidi enviar a presente mensagem à Assembleia da República.
Faço-o porque a Assembleia é sede da representação de todos os cidadãos portugueses e, por isso, constitui o local privilegiado para se desenvolver uma discussão nacional, séria e ponderada sobre uma das mais graves ameaças à segurança e paz internacionais e sobre as orientações e decisões que o Estado português deve tomar sobre o problema.
A Resolução n.º 1368 do Conselho de Segurança das Nações Unidas condenou com invulgar dureza os atentados, reconhecendo, pela primeira vez, o exercício do direito de legítima defesa contra o terrorismo internacional. A Organização do Tratado do Atlântico Norte abriu a possibilidade de recurso ao artigo 5.º do Tratado, uma decisão nunca antes tomada na sua história. Portugal revê-se nessas interpretações dos factos. O País, pela voz do seu Executivo, manifestou-se já disponível para estudar as formas mais adequadas à participação nacional no esforço necessário ao combate ao terrorismo. O Governo tomou de imediato as medidas necessárias para fazer face ao agravamento dos problemas da segurança internacional e às potenciais ameaças à segurança interna.
Num contexto desta gravidade - cuja extensão, aliás, está ainda por apurar -, congratulo-me com a convergência das posições públicas assumidas por todos os responsáveis políticos. Apelo aqui a que os partidos mantenham total disponibilidade para um diálogo que nem sempre será fácil. Julgo importante defender o princípio da procura de um amplo diálogo e consenso políticos, porque temos perante nós delicadas e difíceis decisões a tomar, seja quanto à consolidação dos princípios que devem orientar permanentemente a participação de Portugal em iniciativas multilaterais, seja no domínio do reforço da segurança do País e da paz internacional, seja, ainda, na salvaguarda do primado da dignidade da pessoa humana constitucionalmente consagrado.
Em todas estas matérias, tem a Assembleia da República uma palavra fundamental. Incito-vos a debatê-las, por antecipação à pressão de conjunturas e por forma a melhor assumir o nosso papel no plano internacional e a definir a sua legislação no domínio da segurança interna e da reestruturação das Forças Armadas.
A ameaça do terrorismo é séria e atingiu uma nova dimensão. Seria irresponsável supor que dela estamos excluídos. O inimigo é real e poderoso. A ameaça terrorista exige respostas novas e eficazes. Essas respostas têm de

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se situar nos quadros da comunidade internacional e da sua ordem jurídica e deverão ser utilizadas com firmeza, adequação, proporcionalidade e bom senso.
Todos somos igualmente vulneráveis perante o ódio e a capacidade de acção da criminalidade organizada que é o terrorismo. O nosso objectivo deve ser claro: obter a punição para os responsáveis e, sobretudo, prevenir a repetição desses terríveis atentados e dissuadir os que se envolvem ou dão cobertura a este tipo de actividades. É este objectivo que importa alcançar e preservar.
Importa igualmente, sobretudo num momento em que a razão deve prevalecer sobre as emoções, evitar a tentação de confundir o terrorismo internacional e o seu ódio fanático com uma região, com uma cultura ou com uma religião. Não é preciso ter uma memória histórica muito longa para reconhecer que o fanatismo e o fundamentalismo não são exclusivos de nenhuma região, de nenhuma cultura, de nenhuma religião. A tolerância, o respeito pelas minorias e pela diferença devem continuar a ser apanágio das nossas sociedades abertas. Quero deixar aqui o apelo veemente a que esses princípios sejam respeitados.
O que está em causa é a luta contra o terrorismo internacional, é a luta pela segurança e pelo direito, na qual devem ser chamados a cooperar todos os Estados responsáveis, decididos a defender a sua autonomia e os seus interesses contra a chantagem permanente das organizações criminosas do terrorismo.
Os terroristas têm de ser castigados. É preciso desenvolver acções políticas, diplomáticas e, se necessário, militares, para que os culpados sejam trazidos perante a justiça. Não basta porém identificar os terroristas e aplicarlhes um castigo. Temos também de rever os métodos e os planos em que a cooperação internacional para a paz e a segurança devem decorrer.
Os Estados Unidos não estão sozinhos. Desde logo, receberam, na primeira hora, a solidariedade plena dos seus aliados da Organização do Tratado do Atlântico Norte e da União Europeia, bem como as expressões do apoio de inúmeros outros Estados. De entre elas, é importante sublinhar, pelas repercussões internacionais que acarretam, as manifestações de solidariedade da Rússia e da Índia, bem como a condenação dos atentados pela China. Um número importante de países do Médio Oriente, bem como os responsáveis da Autoridade Palestina, não hesitaram em repudiar os atentados contra os Estados Unidos.
Há que transformar essas posições iniciais num quadro efectivo de cooperação internacional entre todas as potências responsáveis, indispensável para isolar as redes terroristas e destruir a sua capacidade de acção criminosa. Importará, pois, reforçar imediatamente a cooperação internacional no combate ao terrorismo.
Num outro plano, já não nos é lícito ignorar que a conflitualidade internacional tem de ser resolvida essencialmente por meios políticos. Herdamos do período da Guerra Fria um conjunto de conflitos e tensões regionais. Alguns duram já há décadas. Muitos, há que reconhecê-lo, foram estimulados pela lógica das grandes potências no contexto dessa guerra. É necessário desenvolver uma política de cooperação internacional que promova a paz e a solução duradoura desses conflitos. Ela é indispensável para que possamos combater eficazmente o subdesenvolvimento, a ausência de Estados de direito e de práticas democráticas. São estes os contextos em que germinam e se desenvolvem fanatismos de toda a ordem e muitas lógicas terroristas capazes de atingirem os níveis de desumanidade agora demonstrados.
Pela nossa parte, não deixaremos de nos empenhar, com consciência plena da prioridade da luta contra o terrorismo internacional, dos nossos deveres como membros da comunidade das democracias europeias e ocidentais e dos interesses da segurança nacional.
Creio ser decisivo inscrever essa campanha e os nossos próprios esforços num quadro de articulação crescente entre os sistemas de segurança internacionais em que estamos integrados e, paralelamente, no reforço do processo de integração europeia. Os princípios orientadores do direito internacional têm de ser respeitados e as Nações Unidas têm de continuar a desempenhar um papel essencial no espírito da sua Carta fundadora.
Existem agora condições acrescidas e razões imperativas para fortalecer o trabalho conjunto dos Estados-membros da União Europeia nos domínios da justiça, do controlo das fronteiras e dos espaços aéreos, da concertação entre os aparelhos de segurança interna e externa. Do mesmo modo, podemos esperar que a luta antiterrorista represente um motivo adicional para aprofundar uma política externa, de segurança e de defesa comum da União Europeia, permitindo que esta aja de forma concertada e se exprima de forma clara e a uma só voz.
Por todos os motivos, parece razoável sublinhar a relevância do interesse comum dos Estados-membros da União Europeia na campanha contra o terrorismo internacional, em todas as dimensões, desde a intensificação do trabalho coordenado dos sistemas de segurança, ao desenvolvimento de capacidades próprias no domínio dos serviços de informação, até à sua intervenção política e diplomática nas relações internacionais, incluindo a resolução de conflitos.
A nova situação vai pôr à prova não só a nossa vontade e a nossa determinação como a nossa capacidade para fazer evoluir as instituições multilaterais regionais e internacionais, designadamente no domínio, tão sensível e delicado, da justiça, do direito e da segurança.
As autoridades competentes devem desenvolver e promover, na justa medida, uma cultura democrática sobre a segurança, adequada ao combate ao terrorismo, de forma a que a legalidade democrática seja rigorosamente respeitada e não fique à mercê de assassinos.
A resposta à ameaça terrorista não será dada num dia. A luta contra o terrorismo é um combate justo, pela democracia, pelos valores da dignidade, da segurança e do direito. É um combate pelos princípios em que não há lugar para falsas neutralidades. É um combate que será travado, durante um período prolongado, com dificuldades, com perdas e com riscos. Será o trabalho talvez de uma geração. Por isso, devemos começá-lo hoje mesmo. Ninguém poderá duvidar que combateremos com determinação e justiça.
Estamos confrontados, ultrapassado o assombro inicial, com a necessidade de uma reflexão muito séria e delicada sobre o justo equilíbrio de princípios fundamentais do Estado de direito. Entre a eficácia do combate a este tipo de criminalidade internacional e as liberdades e garantias fundamentais há uma relação de tensão sobre cujo sentido talvez nem sempre estejamos todos de acordo. Essa discus-são é crucial. Ela questionará, por longos anos, o património cultural e jurídico das nossas sociedades e dos nossos Estados de direito, e as nossas convicções pessoais, tidas como definitivamente adquiridas. Isso pode

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afectar os factores de inclusão e integração em que assentam as nossas sociedades.
Devemos, portanto, procurar obter acordos sociais e políticos alargados e, para tal, o local privilegiado de debate e resolução será sempre a Assembleia, representativa de todos os cidadãos portugueses. Aqui deixo, pois, um apelo a que a Assembleia da República tenha em todo este debate um papel central e seja uma referência de serenidade, de análise e de ponderação de medidas.
Entendo, da minha parte, que, numa situação tão crítica, tenho uma responsabilidade particular neste esforço e daí a razão de ser desta mensagem que dirijo à Assembleia da República. Entendo ser meu inalienável dever perante os portugueses tudo fazer para que desta conjuntura o País possa tirar as necessárias e efectivas consequências. Empenhar-me-ei nos esforços diplomáticos do Estado português. Empenhar-me-ei, no plano interno, em contribuir para uma reflexão séria e profunda sobre as consequências e ilações a tirar nos domínio da segurança e da defesa dos direitos fundamentais. Tal como, à luz destes acontecimentos, será minha preocupação reforçada conferir um carácter de urgência à racionalização e reestruturação das Forças Armadas e à adequação da Lei de Programação Militar, bem como à avaliação detalhada das condições de exercício dos nossos serviços de segurança. Por tudo isso, entendi convocar o Conselho de Estado e o Conselho Superior de Defesa Nacional.
Esta é uma época em que os órgãos de soberania têm, com acrescida razão, de utilizar toda a informação indispensável a uma análise aprofundada desta conjuntura e de articular um conjunto de medidas que incutam nos portugueses a convicção de que a segurança democrática do Estado foi reforçada neste novo quadro criado pelos dramáticos acontecimentos do dia 11 de Setembro.
Hoje, mais do que nunca, é, enfim, preciso que as instituições sociais mantenham a sua coesão e que a economia mantenha a sua capacidade de resposta aos problemas do desenvolvimento. A nossa vida de todos os dias mudou devido à nova ameaça terrorista, mas continua a exigir que eduquemos os nossos filhos, aumentemos a produtividade da nossa empresa ou serviço, estudemos ou ensinemos com mais proveito. Confio que os portugueses encontrarão as respostas para vencerem os desafios do passado e as ameaças do futuro.».
Srs. Deputados, inscreveram-se, para proferir declarações políticas, os Srs. Deputados Francisco Louçã, Durão Barroso, José Lamego e Paulo Portas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã. Dispõe de 10 minutos, como sabe.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O horror do ataque bárbaro a Nova Iorque e a Washington, que vitimou milhares de cidadãos, convocou a memória, nestas trágicas coincidências, de um outro acontecimento de 28 anos antes, quando Pinochet tinha lançado as suas hordas contra o palácio de Allende. Num caso como noutro, ouvimos esse grito distante do «viva la muerte» que justificou todas as barbáries, todos os genocídios e todas as intolerâncias. Por isso, é preciso dizer que o terrorismo, que agora actuou nos Estados Unidos, não representa as razões dos oprimidos. O representante dos pobres não é certamente um milionário, com uma fortuna feita à custa dos contratos viciados na Arábia Saudita; os representantes dos oprimidos não são certamente esses taliban que proíbem as mulheres de irem ao médico, de estarem na rua sozinhas ou de terem trabalho. Na crueza da imensa cobardia de quem nem sequer reivindica aquilo que fez, se pode perceber que o terrorismo tem de ser combatido em nome dos pobres e dos humilhados, em nome de quem não tem esperança, em nome de quem é descriminado e em nome de quem é perseguido.
É por isso que a resposta exige uma acção concertada. Mas essa acção determina-se numa escolha, e essa é a escolha, também, da política portuguesa. E é a nossa, no Parlamento português: é a escolha entre o partido da guerra ou o partido da paz, entre aqueles que dizem «para a guerra, todos e em força» e aqueles que percebem que há uma diferença entre a devastação e a força da lei, ou entre a barbárie, por um lado, e a justiça, por outro.
Faltam medidas para combater o terrorismo! É certo que faltam, e é urgente tomá-las. É preciso controlar a compra e venda de armas. É preciso uma justiça internacional credível, com procedimentos de extradição que permitam combater os crimes contra a Humanidade a partir das provas produzidas. É preciso um diálogo Norte/Sul. É preciso combater o fanatismo religioso. E, mais do que tudo, é preciso cortar os financiamentos, perseguir os criminosos, perseguir quem os apoia e, acima de tudo, garantir a paz no Médio Oriente, porque essa é a mais difícil das tarefas da Humanidade e aquela que a comunidade internacional não conseguiu cumprir. E nenhuma hipocrisia é permitida neste combate.
Dizia Colin Powel que se deve combater não só os que são terroristas, mas também os que ajudam os terroristas - antes fosse assim em todos os casos, porque vivemos num mundo que se habituou a ouvir dos poderosos que se deve punir o crime daquele que é meu inimigo mas aceitar o crime daquele que é meu amigo. É por isso que é preciso inteligência e não o terror; é por isso que não podemos aceitar a ideia da guerra global prolongada, aquilo que Eduardo Lourenço anuncia, dizendo-nos que estamos à beira de uma nova Guerra dos 100 anos.
Quando, de um lado, temos uma liderança de George Bush, aquele loving guy que, durante 10 horas se passeia…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Se passeia?!

O Orador: - … entre a Louisiana e o Nebrasca, entre o Nebrasca e a Flórida, para só três dias depois visitar as vítimas do terror, percebe-se que não há aí uma direcção política capaz de ter escolhas. Se a espiral da retaliação é a escolha, ela é errada e os factos provam que é errada. No Líbano, foi isto que aconteceu no passado - um soldado israelita era morto; uma aldeia era bombardeada; mísseis eram enviados de um lado ao outro da fronteira, e, no final, foi o Hezbollah que acabou por ganhar e Israel saiu do Líbano. Este é o paradoxo dos dias de hoje.
A modernidade, face ao acontecimento, tem sempre uma resposta intuitiva, mas paradoxal e perturbada: nunca reconhece o que é novo e responde sempre com as ideias velhas. E aí temos a retórica da «guerra fria»! Vasco Pulido Valente, cuja bravura, como se sabe, fez render o Parlamento quando aqui esteve pelas mãos do PSD; Pacheco Pereira a clamar que essa «5.ª coluna» gigantesca, desde as crianças que usam o lenço de fedahin até à velha guarda de Maria de Lurdes Pintasilgo, Freitas do Amaral ou Mário Soares, que tem de ser denunciada e combatida; um outro que diz que os vai pondo na sua listinha à

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medida que eles forem falando. Mas a «guerra fria» é o vazio das alternativas, convoca-nos para um combate que não é tolerável, em nome de quem inventa que George Bush é um Dom Sebastião que aterra aqui, na Costa do Estoril, numa manhã de nevoeiro, para defender o mundo livre.
Mas que «mundo livre» é este? O «mundo livre» da Inglaterra e da França que fizeram a guerra contra a China, em nome da liberdade de vender o ópio, no final do século?! Ou o «mundo livre» que apoiou Saddam Hussein quando ele dizimava a esquerda iraquiana, ou que apoiou o Videla, o Pinochet, o Noriega ou o Papa Doc, o Sukarno?! O «mundo livre» que aceita que os ditadores turcos dizimem os curdos?! O «mundo livre» que recebeu o ex-imperador, mon ami Bokassa, que comia os órgãos das suas vítimas, recebido com honras de Estado num palácio de França para o seu exílio «dourado»?! De que lado é que estava o «mundo livre», quando o secretário de Estado americano apoiou a tomada de Cabul pelos taliban e continuou a apoiar os taliban até 1997?! O «mundo livre» era um antes de 1997 e outro depois?!
O «mundo livre» incluía o UÇK quando os armou, e já não os inclui quando eles dizimam a Macedónia, agentes do «mundo livre» apoiados pelos Estados Unidos?! O «mundo livre» é Richard Armitage que, no alto da Casa Branca, decide da guerra e da paz, quando esteve envolvido com Oliver North na troca de drogas por armas, no Caso Contra? Ou é o de Benjamim Ben-Eliezer, ministro trabalhista, da Internacional Socialista, dirigido pelo nosso Primeiro-Ministro, que, orgulhoso, diz em Israel: «matámos 14 palestinianos», e o mundo não se queixou?!
O «mundo livre» inclui Ariel Sharon, mas inclui-o antes ou depois de Sabra e Chatila? Inclui-o antes ou depois desses massacres vergonhosos? Inclui-o antes ou depois de recusar o encontro com Arafat e de continuar a guerra?
O que pensarão deste mundo as mulheres sauditas? Ou os tchetchenos? Ou o povo do Tibete, ou todos os povos que são vítimas desta espiral, em que não há justiça e não há paz?
Não, Sr.as e Srs. Deputados, o mundo livre, o mundo que precisa de ser livre, não reconhece a ideia da cruzada. Quem quer guerra tem a responsabilidade de assumir aquilo a que a Constituição nos obriga: vir a esta Assembleia e pedir a declaração de guerra.
Por isso são sensatas, e por isso apoiamos, todas as declarações que reconhecem, e insistem em que Portugal não está em guerra, e, acrescentamos, por isso mesmo Portugal deve querer a paz e a justiça contra o terror e a violência. Neste contexto, não deixaremos passar os que querem mudar a Constituição, permitindo até a extradição para países onde há pena de morte ou pena de prisão perpétua. Quando o constitucionalista assim o quis, não foi porque previsse que, no futuro, deixasse de haver crimes horrendos, mas por pensar que a lei e a justiça combatem o crime com princípios e não se devem tornar criminosos para combater o crime. Tinha razão Benjamim Franklin, «aqueles que desistem da liberdade essencial para obterem um pouco de segurança temporária, não merecem nem a liberdade nem a segurança».
Não aceitamos que se vá atingir a inviolabilidade dos domicílios, muito menos por aqueles que não querem aceitar a violabilidade das contas bancárias. Vejam os factos! Bin Laden ganhou 250 milhões de dólares, na Bolsa, ontem de manhã e a tragédia tem aqui a sua hipocrisia.
Não aceitamos os políticos tablóides, que nos fazem correr atrás da guerra, da prisão perpétua, da ignorância, do fanatismo ou do medo. Por isso defendemos e defenderemos a liberdade no mundo contra a guerra, porque defendemos a liberdade que falta no mundo. Por isso, escolhemos entre o partido da guerra e o partido da paz.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos num momento difícil em que as escolhas são difíceis. Mas estamos profundamente convencidos de que é preciso muito mais coragem, de que é preciso muito mais sentido de Estado, sentido da cooperação internacional, e o dever da justiça assim nos impõe, para tomar a responsabilidade de fazer a paz e não de fazer a guerra. Essa é a opção que temos de tomar. Portugal, na guerra, nada conta! Talvez um ou outro político tablóide entenda que se se mascarar de sargento ou de cabo de guerra de George Bush ganhará alguns votos.
Ora, na guerra, Portugal, não conta; mas Portugal pode contar na paz. Essa é a nossa escolha, a escolha pelo partido da paz, o partido que há-de ganhar, que pode ganhar e que tem de ganhar.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Como não há pedidos de esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Durão Barroso para uma declaração política.

O Sr. Durão Barroso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na semana passada, assistimos horrorizados a um crime abominável, um crime contra cidadãos indefesos, cometido por fanáticos, ao serviço de um poder que não se confessa, que se esconde, que se dissimula.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - A nossa consciência não pode aceitar, sob que pretexto for, actos deste tipo. Estes actos bárbaros foram cometidos em território americano, mas não afectaram apenas os Estados Unidos da América, revoltaram e revoltam todas as pessoas bem formadas, afectaram e afectam toda a nossa civilização.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Foi um crime global, como tragicamente o demonstra o elevado número de países, em que Portugal se inclui, que contam nacionais seus entre as vítimas. Quero, aliás, manifestar aqui o meu profundo pesar e a minha solidariedade às famílias de todos aqueles que faleceram, especialmente às famílias dos nossos compatriotas que ali pereceram, e àquelas que ainda sofrem à espera de notícias dos seus entes queridos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos perante um novo tipo de guerra. Não se trata apenas de terrorismo clássico como actividade criminosa ao serviço de fins políticos, trata-se de um verdadeiro acto bélico dirigido contra uma determinada potência, uma democracia e contra os valores da nossa civilização.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Perante esta ameaça, temos de responder com firmeza e sem ambiguidades.

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O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Para além da legítima defesa individual do Estado directamente atingido, existe também um direito de legítima defesa colectiva da própria comunidade internacional, face a um acto que viola os princípios básicos em que assenta essa mesma comunidade.
Impõe-se uma acção decidida contra o terrorismo internacional: identificar os responsáveis, aniquilar as suas redes e os seus apoios, agir contra os Estados cúmplices desse terrorismo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Portugal também foi atingido! Morreram compatriotas nossos, foram postos em causa princípios e valores que definem a civilização e o espírito das sociedades livres e democráticas de que hoje fazemos parte. Foi atingido um nosso aliado e, não o esqueçamos, o ataque contra um é um ataque contra todos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Temos, pois, um dever de solidariedade. Não podemos, em circunstâncias desta gravidade, enveredar pela posição ilusória ou calculista de considerar que estas acções não nos afectam. Não podemos voltar ao período cínico da nossa História em que o regime se gabava da neutralidade perante os ditadores e os fanatismos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Enquanto membro da União Europeia e da NATO, Portugal deve defender que a Europa esteja na primeira linha do combate ao terrorismo internacional.
Sempre que a Europa precisou, sempre que a nossa liberdade, na Europa, esteve ameaçada pelo totalitarismo, os Estados Unidos estiveram do nosso lado. Agora, é a nossa vez de estarmos do lado dos Estados Unidos.
Impõe-se, por isso, a formação de uma coligação internacional contra o terrorismo, tão ampla quanto possível, procurando, especialmente, a participação dos Estados islâmicos que a ela se queiram associar. Não podemos cair no erro de considerar que se trata de crime cometido por um povo, por uma religião ou por uma cultura. Devemos isolar e punir com rigor os que cometeram o crime e os que apoiaram e apoiam o crime. Assim o exigem princípios universais de justiça.
A nossa reacção deve ser enérgica, decidida, sem tibiezas. Temos de procurar o máximo consenso mas não ficar presos na busca, a todo o custo, desse consenso.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em circunstância alguma cederemos à chantagem! Se é verdade que não podemos construir um mundo justo com base no ódio ou na vingança, não é, com certeza, com base no medo que poderemos fazê-lo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Recuso, pois, uma posição oportunista, que seria a de prometermos solidariedade verbal, mas não correspondermos positivamente aos esforços que nos sejam solicitados. Recuso, pois, também, o pacifismo falso, que nos remete, de facto, para os tempos em que queriam que Portugal ficasse cómoda e cinicamente numa posição de neutralidade, quando o totalitarismo tomou conta da Europa.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Este combate pela justiça, pela liberdade e pela segurança será longo e difícil e exige de nós uma atitude de coragem. Mas a verdadeira coragem não está em qualquer acto espectacular, a verdadeira coragem estará na paciência, na firmeza e na perseverança de que formos capazes.
Se a comunidade internacional e, em particular, os Estados Unidos da América e a Europa não sucumbirem ao medo, o mal do terrorismo será vencido, tal como outros, aparentemente mais poderosos, também o foram.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, na realidade, a pergunta a que temos de responder é a seguinte: até onde estamos dispostos a ir para defender a nossa liberdade, porque é de liberdade que se trata? Até onde estamos dispostos a ir para defender a nossa maneira de viver, a nossa civilização, os nossos valores? A nossa resposta tem de ser de tal modo firme que não mais seja compensador para alguém utilizar as armas do terror e da barbárie. A nossa resposta tem de ser de tal modo firme que todos entendam que, pela liberdade, vale a pena darmos o máximo. Acredito que venceremos!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como, mais uma vez, não há pedidos de esclarecimento, dou a palavra, também para uma declaração política, ao Sr. Deputado José Lamego.

O Sr. José Lamego (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Provavelmente, ao longo da nossa vida política, não fomos, nunca, aturdidos de forma tão brutal como pelos acontecimentos do passado dia 11 de Setembro. Não foi uma nação que foi atingida, foram as bases civilizacionais da coexistência em comum de povos, nações, credos políticos e crenças religiosas. E isso foi dramaticamente documentado pelo número de nacionalidades das pessoas que foram atingidas. E não foi por acaso que um dos alvos foi Nova Iorque. Não foi pelo facto de ser a sede do poder financeiro mundial, foi também pelo facto de ser a imagem viva do cosmopolitismo, da coexistência entre culturas, porque é essa ideia de cosmopolitismo, de convívio pacífico entre culturas que os fanáticos religiosos visam atacar, muito mais do que as estruturas da finança mundial.
Muito já foi dito e, naturalmente, solidarizamo-nos com as mensagens de condolências que foram comunicadas ao povo norte-americano e às suas autoridades legítimas pelo Sr. Presidente da República, pelo Governo e pelos representantes dos partidos políticos. E, naturalmente, também fazemos nosso o pesar e evocamos, como razão desta nossa luta comum pela preservação dos valores da Humanidade, as mais de 5000 vítimas. Aliás, a este respeito, e sem me arrogar competências que não são minhas, atrever-me-ia a sugerir que os nossos concidadãos que foram vitimados no dia 11 de Setembro viessem a ser distinguidos, pela República, com a Ordem da Liberdade,

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porque eles são, verdadeiramente, vítimas da luta pela liberdade à escala universal.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já exprimimos a nossa dor, a nossa estupefacção. O Parlamento é o coração da nossa vida democrática. Trata-se, neste momento, de traçar linhas gerais de orientação.
O Governo virá aqui, conforme foi afirmado pelo Sr. Primeiro-Ministro, depois da reunião do Conselho Europeu Extraordinário de sexta-feira, para discutir com esta Assembleia todas as perspectivas e toda a multiplicidade deste ataque terrorista, bem como as suas consequências, em termos de vida política internacional e de vida política interna. Saudamos essa disponibilidade, que é útil para que todos assumamos as nossas responsabilidades e não porque seja exigida em termos jurídicos ou constitucionais. De qualquer modo, é muito importante que aqui tracemos um quadro claro de assunção de responsabilidades.
Por outro lado, também é muito importante a reunião do Conselho de «Assuntos Gerais», no Conselho Europeu Extraordinário, de sexta-feira, e do Conselho de «Justiça e Assuntos Internos». Está no momento de Portugal e os diversos países da União Europeia assumirem, em conjunto, as suas responsabilidades. Portugal é membro da União Europeia e da NATO. Portugal não pauta a sua acção de política externa por qualquer tipo de isolacionismo. As características da política externa do Portugal democrático são a sua integração plena na comunidade internacional e a assunção plena das responsabilidades das alianças e das uniões em que está inserido. Portanto, é importante que assumamos todas as responsabilidades decorrentes dos nossos compromissos internacionais, quer ao nível da União Europeia, respeitando a invocação do princípio da legítima defesa colectiva, quer ao nível da Carta das Nações Unidas, quer respeitando a invocação desse mesmo princípio no artigo 5.º do Tratado do Atlântico Norte, disponibilizando-nos, naturalmente, para a prestação de assistência a uma acção retaliatória relativamente aos criminosos e aos seus mandantes.
Trata-se de legítima defesa e é importante não apagar, com qualquer tipo de difusão de culpas, a fronteira entre os criminosos e as suas vítimas. Nós sabemos que as democracias são regimes imperfeitos, nós sabemos que temos divergências sobre a orientação política externa, mas há hoje, de uma maneira excessivamente gritante, uma ideia muito nítida de quem é o agressor e de quem é o agredido. Por conseguinte, dentro das ideias de legalidade internacional, dentro do respeito pela legalidade internacional, reafirmado, de uma forma inequívoca, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, temos, naturalmente, de prestar solidariedade às vítimas e de nos opor e combater os criminosos e a violência terrorista.
O Sr. Presidente da República, numa mensagem que considero exemplar, interpelou-nos aqui para que reflictamos sobre um conjunto de questões, nomeadamente as implicações, em termos não só de construção de um espaço europeu de justiça e segurança mas também de concertação no combate internacional ao terrorismo, que, em consciência, com coragem e com o respeito dos nossos valores fundamentais, temos de assumir aqui. O que desejo é que a mesma solidariedade e a mesma veemência com que condenamos a barbárie terrorista se mantenha quando tratarmos de construir os meios para o combate prático a essa barbárie. É que, de facto, o que está aqui em causa não é um choque entre civilizações. Isso foi visível, quer pelos meios de violência inaudita que os terroristas empregaram, quer, felizmente, pelo leque o mais alargado possível de reacções subsequentes ao ataque de dia 11 de Setembro. Portanto, do que se trata aqui é de construir uma cooperação internacional alargada de combate ao terrorismo. E todos nós temos de ter consciência e responsabilidade em matéria, nomeadamente, de construção de segurança e justiça. Sem querer trazer aqui qualquer pretexto a despropósito, a verdade é que temos de ter consciência de qual o desafio que nos está lançado e de qual o tipo de resposta que esse desafio exige.
Claro que numa acção de legítima defesa há sempre um princípio fundamental: o princípio da proporcionalidade dos meios. Como tal, o que se visa aqui é defender a civilização com os valores da civilização, não levando a cabo qualquer reacção emocional, qualquer desejo de afirmação ou qualquer exibição mediática perante opiniões públicas. Do que se trata aqui é da defesa dos valores comuns da nossa civilização e por isso temos de tomar medidas numa base de firmeza e, simultaneamente, de serenidade. De firmeza, identificando claramente quem está na origem destes ataques e determinando-nos a dar um combate resoluto e não invocando qualquer sofisma para diluir a fronteira entre atacantes e vítimas. De serenidade, utilizando os meios de racionalidade política necessários para isolar o inimigo e alargar a frente daqueles que lhe dão combate, evitando qualquer tipo de acção à revelia da legalidade internacional e da comunidade internacional.
É isto que os acontecimentos exigem de nós, já que, eventualmente, teremos tido no dia 11 de Setembro uma mudança civilizacional de cuja amplitude ainda não nos demos conta. Todavia, é a pouco e pouco que vamos construindo este combate. Todos aqueles que estão habituados a lutar pela democracia e pela liberdade são hoje desafiados, a uma escala eventualmente menos dramática mas exigindo a assunção de responsabilidades, a continuar esse combate comum pela democracia, pela liberdade e pelos nossos valores comuns de civilização.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Jamila Madeira.

A Sr.ª Jamila Madeira (PS): - Sr. Presidente, Caro Deputado José Lamego, depois desta última semana passada sobre o drama desumano do terrorismo que afectou o coração do sistema financeiro e político dos Estados Unidos da América, não podemos ficar indiferentes e temos que, colectivamente, assumir a responsabilidade de combater sem tréguas esta forma desumana de fazer valer ideais. O respeito pelos milhares de vítimas e a dor que se espalhou por todo o mundo exige de todos nós isso mesmo. Mas é esse mesmo respeito e essa mesma dor que nos obriga a ter reacções racionais. As nossas responsabilidades na defesa dos direitos do Homem, na persecução de justiça, mas definitivamente também na defesa da paz no mundo obrigam-nos a reagir mais sustentadamente do que apenas pelo simples impulso de vingança. Vingar os mortos não significa fazer justiça com as próprias mãos, parar o terrorismo não significa fazer sofrer inocentes e considerá-los apenas como danos colaterais.
Enquanto líder da maior organização política de juventude em Portugal,...

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Vozes do PSD e do CDS-PP: - A maior?!

A Oradora: - ... tenho responsabilidades em defender o futuro e a consciência democrática para todos.

Aplausos de Deputados do PS.

Caro Deputado José Lamego, depois de ter ouvido atentamente a sua intervenção e de ter concordado com a esmagadora maioria do seu conteúdo, não consegui, no entanto, retirar directamente e de forma explícita estas conclusões da sua intervenção. Gostaria, por isso, que me esclarecesse se o Partido Socialista está ou não disponível para apurar as responsabilidades e descobrir os culpados. Está ou não o PS empenhado em levar estes responsáveis às instâncias de Direito Internacional, de modo a que estes sejam julgados e condenados pelos crimes cometidos?

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - O PS?! Mas o que é que o PS sabe disso?!

A Oradora: - Se os Srs. Deputados se sentem incomodados com este pedido de esclarecimento, terão de se pronunciar de outra forma! Por agora, gostaria de continuar!

Vozes de Deputados do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Está ou não o PS inteiramente empenhado em que, depois de todos estes momentos de dor, se evitem mais vítimas? Está ou não o PS disponível para evitar que esta noção de justiça seja transformada na primeira guerra das nações do Século XXI?

Aplausos de Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Lamego.

O Sr. José Lamego (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Jamila Madeira, minha cara colega de bancada, agradeço-lhe imenso as questões que me coloca até porque me permitem clarificar aquilo que é um entendimento comum do partido e da bancada a que ambos pertencemos.
Claro que o pior que poderia acontecer era pensarmos que nesta batalha está em causa um choque entre civilizações ou a defesa dos valores da civilização ocidental. Países como a Argélia, por exemplo, são vítimas da barbárie e da violência islamista, para não falar de outros países que são nossos vizinhos. Trata-se, portanto, de defender o consenso civilizacional comum de uma agressão bárbara.
Como lhe disse, a legítima defesa colectiva, invocável nos termos quer do artigo 51.º da Carta das Nações Unidas quer do artigo 5.º do Tratado do Atlântico Norte, exige sempre o princípio da proporcionalidade dos meios na reacção ao ataque que, como tal, é um princípio balizador da legalidade internacional. Mas dir-lhe-ei mais: tanto a doutrina do partido a que ambos pertencemos como a política externa do Portugal democrático pós-25 de Abril pauta-se claramente pela defesa do multilateralismo nas relações internacionais. Eu próprio, quando, nesta Assembleia, condenei a recusa do Presidente Bush em ratificar o Tratado de Quioto, fiz um veemente ataque ao unilateralismo norte-americano.
Todavia, não é isto que está hoje em causa. Não quero hoje, porque tal não está em causa, entrar em questões relativas à condução da política externa norte-americana; num dia próprio o farei e fá-lo-ei criticamente, como todos sabem. Contudo, o importante hoje é não diluir a linha divisória entre vítima e criminoso.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Dito isto, não temos, naturalmente, de atenuar a nossa capacidade de reacção, sabendo nós, defensores da legalidade a nível interno e internacional, que a legítima defesa, a desenvolver num quadro que ainda não sabemos qual é - a haver uma acção de retaliação não sabemos qual será o seu quadro institucional -, terá de se pautar pelos princípios da proporcionalidade. Assim sendo, estamos naturalmente em sintonia completa com o que é o nosso património comum e a nossa filosofia de política externa.
Por fim, e já que me fez esta interpelação, gostava de realçar nesta minha mensagem alguma serenidade. Os cenários não estão definidos, não há qualquer acção bélica em curso e o Sr. Primeiro-Ministro, a disponibilizar-se para vir a este Parlamento, não vem aqui para pedir qualquer tipo de autorização mas, sim, para discutir todas as envolventes políticas e geoestratégicas dos acontecimentos de 11 de Setembro.

Aplausos de Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para a última declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O que aconteceu em Nova Iorque aconteceu ao Ocidente! O nosso sofrimento é o sofrimento deles, e a vulnerabilidade que eles revelaram é a nossa vulnerabilidade!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - É por isso que o primeiro dever desta Câmara - e certamente o faremos dentro de momentos - é o de inclinar os nossos corações perante a tragédia, de prestar a mais solidária homenagem a quem perdeu a vida ou a família, sobretudo o de lembrarmos os portugueses que morreram ou estão desaparecidos, e, cumprido este dever, o de ter, politicamente, a reacção que se justifica e que é necessária. E é por isto que quero começar por dizer, em nome do CDS, a esta Câmara que nós não hesitamos nas palavras, não temos ambiguidade nos conceitos e não recomendamos tibieza na acção.
A condenação do terrorismo e da violência cega deve ser feita em todas e quaisquer circunstâncias. A perseguição dos responsáveis e a responsabilização dos seus cúmplices estaduais ou institucionais é um direito que assiste aos Estados Unidos da América e um dever que assiste ao Ocidente e ao mundo livre de que Portugal faz parte.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Não esperem de nós participação nessa tendência muito portuguesa de culpar as vítimas e de desculpar os autores; esperem de nós a clareza na

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identificação das responsabilidades já possíveis de apurar, ou seja, quem tem culpa são os culpados e a vítima é inocente. Por isto mesmo entendemos que Portugal, como país que pertence à União Europeia, cuja civilização é ocidental, e aliado dos Estados Unidos da América no conselho estratégico, não pode pretender os direitos da paz querendo exonerar-se dos riscos para a defender.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Como tal, recomendamos, como é evidente, que a resposta, que é necessária, merecida e mesmo incontornável, seja feita com os aliados na forma de coligação internacional, mas sem cair no erro de querer uma coligação tão vasta que se torne contraditória nos seus propósitos.
É evidente que consideramos que o mundo livre (conceito que consideramos ser necessário recuperar) e o Ocidente têm direito à justiça e à paz, e, neste caso, a condição da paz é fazer justiça.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Dito isto, gostava de partilhar com a Assembleia no seu todo algumas reflexões que um módico de honestidade intelectual, a meu ver, obriga a que façamos.
Primeiro: pode o mundo livre oferecer aos inimigos da liberdade a tolerância e a liberdade? É uma antiga e difícil questão, mas não creio que seja possível continuarmos a oferecer um excesso de tolerância a quem quer destruir a essência da nossa civilização.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Segundo: verifica-se ou não que a sociedade liberal ou, para alguns como nós, exageradamente liberal acabou por oferecer a sua lista de oportunidades aos seus próprios adversários? Não escapou a ninguém que os terroristas se aproveitaram da desregulamentação, porventura excessiva, do espaço aéreo; não escapou a ninguém que os terroristas se aproveitaram da flexibilização ou do abatimento da política de controlo de fronteiras, porventura excessiva; não escapou a ninguém que - e até nos surpreende que haja nisto uma ironia trágica - aos terroristas terá sido dada a habilidade de especular nos mercados de capitais do Ocidente. Ou seja, essa sociedade de oportunidades que muitas vezes exageradamente desvirtua a sociedade liberal acabou por se virar contra o nosso próprio mundo e a nossa própria cultura.
Depois, também penso que temos o dever de fazer algumas perguntas sobre a própria política externa que o Ocidente - o espaço europeu e o espaço atlântico - seguiram nos últimos anos, porque, como já identificou o Sr. Prof. Adriano Moreira, e muito bem, também não terá escapado a nenhum observador atento a circunstância de o Ocidente se ter mobilizado sucessiva e sistematicamente a favor daqueles que, com razão ou sem ela, ostentavam a bandeira islâmica, fazendo recuar aqueles que, com razão ou sem ela, ostentavam bandeiras cristãs no nosso próprio continente europeu.
Acho que é nosso dever fazer perguntas e partilhar consequências de tudo o que aconteceu, desde logo sobre a definição das ameaças. Creio que é já um dado consensual que o tempo da «guerra fria», sendo perigoso, era previsível e que o tempo que se seguiu à «guerra fria» se tornou estratégica e politicamente imprevisível. Portanto, penso que o Ocidente não tem sido capaz de identificar as ameaças, que parecem cada vez mais fundadas no fanatismo religioso ou no fundamentalismo político, ameaças essas que, em todo o caso, têm um carácter que é novo e que as torna extremamente difíceis de enfrentar, porque o adversário ou a ameaça existe, mas não têm rosto; tem poder, mas não tem geografia certa; tem militância, mas não está sequer estadualmente organizado de forma directa. Creio, por isso, que o Ocidente não pode gastar mais tempo sem definir com clareza a identificação do adversário.
Por outro lado, acho que as sociedades ocidentais precisam, para a sua própria sobrevivência, de estabelecer o seu rearmamento moral.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - E quem é que define o que é «moral»!?

O Orador: - Não creio que um Ocidente em profunda crise de valores seja capaz de vencer ou garantir duradouramente as suas liberdades e as suas democracias, perante uma ameaça que se baseia numa caricatura cega da fé. Vejo um Ocidente em crise de valores, ameaçado por grupos e às vezes Estados que, directa ou indirectamente, baseiam a sua legitimação política no fanatismo religioso, ou seja, numa caricatura da fé.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - Portanto, entendo que o Ocidente tem de tomar cuidado com o seu próprio rearmamento moral.
Por último, acho, e achamos nós, que o Ocidente, e Portugal como um País do mundo livre, tem de ter atenção ao seu sistema de defesa, ao prestígio da sua comunidade de informações, ao modelo global de segurança externa e interna e ao controlo de uma política de imigração.
Entendemos, também, que o Ocidente deixou durante demasiado tempo evoluir um processo de globalização económica que não teve contrapartida no reforço das instituições políticas internacionais, e, como não teve contrapartida nessas instituições, o Ocidente não tem capacidade de resposta, nem o próprio mundo está organizado para responder politicamente aos problemas que derivam da globalização económica.

O Sr. Presidente: - Peço-lhe que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Finalmente, se há globalização económica e globalização dos problemas políticos, é evidente que o empenhamento das nações e das instâncias internacionais no processo de paz tem de ser muito maior.
Dito isto, Sr. Presidente, termino citando o que hoje li: «Parece que neste mundo, face aos que morrem, matando, nós temos que viver lutando».

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Portas, a sua intervenção merece-me algumas observações.

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Em primeiro lugar, quero sublinhar que os atentados cometidos em Nova Iorque e em Washington não são apenas um crime contra o Ocidente mas, sim, contra a Humanidade, como o têm sublinhado, aliás, os próprios dirigentes norte-americanos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, quero sublinhar que a intolerância e o fanatismo não se podem combater pondo nós próprios em causa a tolerância, que é um valor fundamental da nossa civilização.
Em terceiro lugar, os inimigos da liberdade não podem combater-se nem vencer-se pondo nós em causa as liberdades, que são um valor e um dado fundamental da nossa civilização democrática.
Em quarto lugar, os inimigos daquilo a que chamam a nossa civilização não se podem combater nem vencer pondo nós em causa os nossos próprios valores. É uma grande contradição da democracia defender-se sem pôr em causa os seus dados e os seus valores fundamentais, mas no dia em que os valores da segurança se sobrepuserem aos valores da democracia e a intolerância se sobrepuser aos valores da tolerância temos dado ao terrorismo internacional a vitória, que até agora não conseguiu alcançar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Prescindo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos para apreciar e votar cinco votos de pesar.
Assim, se estiverem de acordo, sugiro, para a apreciação dos mesmos, os seguintes tempos: para o voto n.º 152/VIII (PSD), que é relativo ao assassinato dos seis empresários portugueses no Estado do Ceará, no Brasil, 3 minutos a cada grupo parlamentar, e, para os votos n.os 153/VIII (PS, PSD e CDS-PP), 154/VIII (BE), 155/VIII (Os Verdes) e 156/VIII (PCP), referentes à tragédia de 11 de Setembro ocorrida em Nova Iorque e em Washington, 5 minutos a cada grupo parlamentar para a discussão conjunta.

Pausa.

Visto não haver objecções, vamos apreciar o voto n.º 152/VIII - De pesar pelo assassinato dos seis empresários portugueses no Estado do Ceará, no Brasil (PSD).
Tem a palavra o Sr. Secretário para proceder à respectiva leitura.

O Sr. Secretário (José Reis): - O voto é do seguinte teor:

O País, ainda mal refeito do luto nacional vivido com a tragédia de Castelo de Paiva, assistiu, através da comunicação social, ao relato de um crime hediondo, sem precedentes na história da criminologia portuguesa, perpetrado sobre seis empresários nacionais no Estado de Ceará, no Brasil.
Os povos de Portugal e do Brasil ficaram emocionados pelo perfil do mandante do massacre de Fortaleza, pelo móbil de reduzido montante, pela frieza das confissões e pela violência e crueldade de enterrar as vítimas com vida.
As famílias, antes mesmo de serem avisadas pelas autoridades, foram confrontadas com as imagens brutais, grotescas e aterradoras das televisões e expostas a um sofrimento cruel.
A Assembleia da República manifesta o seu profundo pesar e consternação pela morte dos empresários barbaramente assassinados na Praia do Futuro, cidade de Fortaleza, Brasil, apresentando as mais sentidas condolências às famílias enlutadas pela perda irreparável dos seus entes queridos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Ofélia Moleiro.

A Sr.ª Maria Ofélia Moleiro (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em Agosto passado, tão pouco tempo depois de Castelo de Paiva, mais um luto na consciência colectiva nacional.
Seis portugueses, gente simples, saídos de Portugal à procura de férias descontraídas, aliciados pelas descrições de um amigo de um deles a viver no Brasil, não sabiam que tinham comprado a viagem para a morte. Não foi uma morte acidental ou por doença, foi o resultado de um plano de extorsão previamente traçado pelo amigo.
O crime teve um móbil de reduzidas dimensões, questionando o valor da vida humana. Foi executado por vários homens brasileiros a mando de um português, amigo e protegido de uma das vítimas, a quem ele, aliás, devia favores.
As televisões desvendaram em directo as investigações, as confissões e o resgate dos mortos, enterrados ainda com vida. Foram imagens brutais e violentas que nos entraram pela casa dentro, mas o que é de lamentar ainda mais é que entraram em casa das famílias antes mesmo de serem avisadas pelas autoridades.
Poderemos alguma vez imaginar o choque das famílias pela falta de informação oficial, pela exposição mediática dos seus mortos e pela violação da sua dignidade?
Quatro das vítimas eram do meu concelho, da freguesia de Abiul; dois tinham casa em Almesinha e outro em Parcerias, a 5 km; e outro tinha partido em jovem.
Estive nas casas de Manuel Joaquim Barros e de Joaquim da Silva Mendes, em Almesinha. Conheço o seu trabalho de uma vida inteira e é gente simples e poupada, filhos de agricultores de uma terra pobre - Abiul. Tornaram-se empresários, tinham edificado o seu património numa vida de sacrifícios.
Caíram na cilada montada pelo amigo do amigo e foram protagonistas de uma tragédia macabra.
O PSD manifesta a sua solidariedade e o seu profundo pesar pela morte dos empresários barbaramente assassinados na Praia do Futuro, em Fortaleza, Brasil.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira.

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero apenas exprimir, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, o profundo pesar por estes acontecimentos funestos que aqui invocamos, uma

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profundíssima preocupação pelas causas que, no mundo de hoje, originam violência, tantas vezes gratuita, uma enorme preocupação pela forma como, hoje em dia, através da oportunidade de acompanhar estes acontecimentos em termos reais e em tempo real, pomos em causa muitos dos princípios e dos direitos fundamentais das pessoas, designadamente das famílias das vítimas, e, sobretudo, dizer que este não é um crime que nos envergonhe em termos de consciência colectiva, este é um crime hediondo, localizado e que, efectivamente, merece a nossa total condenação.
O PS deixa aqui um voto de enorme solidariedade para com as famílias das vítimas, que viram a sua intimidade devassada, e um acompanhamento profundo da sua dor.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero também, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, a propósito deste hediondo crime que foi cometido em Fortaleza, expressar as nossas condolências às famílias das vítimas e também referir que a forma como estes acontecimentos foram acompanhados em Portugal através da comunicação social deve constituir também um motivo de reflexão quanto à tutela, que é necessário assegurar, da intimidade das pessoas e, designadamente, do respeito pelo sofrimento das famílias num momento de grande angústia e aflição, como aquele que, seguramente, viveram.
É um motivo de reflexão para todos nós, mas aquilo que, neste momento, importa, acima de tudo, expressar é o nosso choque por esse acontecimento e a expressão das nossas condolências a todos os familiares.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome do Partido Popular, também nós queremos associar-nos a este voto de pesar pelo assassinato brutal de seis portugueses. O móbil deste crime nunca o justificaria, este muito menos; a morte é sempre ou quase sempre injusta, esta muito mais.
Estes seis portugueses que iam sossegadamente de férias viram os horrores da morte de forma indescritível. Primitiva, bárbara e inqualificável foi a forma como estes portugueses morreram.
Num momento como este, cumpre-nos essencialmente associarmo-nos às famílias e aos amigos das vítimas e a todos eles enviar as nossas sentidas condolências, esperando, neste início de Legislatura, que votos como este nunca mais se repitam, porque são os momentos de que todos os Deputados menos gostam e em que menos querem intervir.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda acompanha as condolências expressas pelas intervenções em nome das outras bancadas a respeito deste crime hediondo.
Parece-nos que se justifica, neste contexto, acrescentar duas reflexões: primeiro, a realidade mostra-nos, desta forma mesquinha, trágica, que, na nossa civilização ocidental, também se mata desta forma; e, segundo, nenhuma civilização pode permitir, nenhuma humanidade pode aceitar que este princípio da violência se imponha ao direito da vida. Além disto, provam-nos estes acontecimentos que há um alerta que tem ficado por fazer: a voracidade de alguma comunicação social, que, em nome do comércio, de um anúncio, de uma pequena parte do mercado, de um átomo de audiências, se permite transmitir a imagem dos corpos dos assassinados a serem transportados em caixão aberto para a morgue, se permite perguntar à esposa do acusado do assassinato se se vai divorciar dele e se permite perguntar, em directo, ao pai do presumível assassino em que pena o filho deveria incorrer. Tudo é possível quando a negociação, o lucro, o negócio é a única lei! E se há algo de aterrador, além deste crime aterrador, é termos percebido este Verão que tudo já é possível na comunicação social em Portugal!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Brevemente, quero associar-me às demais bancadas na manifestação do nosso pesar às famílias enlutadas, cujos familiares foram barbaramente assassinados no Brasil, e aditar a essa manifestação de pesar dois comentários que, a meu ver, este crime suscita.
Em primeiro lugar, a ideia clara - e, para nós, ela já existia - de que o crime não conhece fronteiras, de que a violência não tem fronteiras; é um problema com o qual todos, qualquer que seja a latitude, nos defrontamos.
Em segundo lugar, chamar a atenção para algo que, do nosso ponto de vista, é ético e politicamente inaceitável, que é o facto de se continuar, em nome das audiências, do lucro, a permitir que o crime e a exposição pública dos sentimentos das pessoas possam ser tratados e devassados da forma como o são. Por isso, mais do que exprimir boas intenções para que haja códigos de conduta, é importante encontrar vias eficazes para que aqueles que agem exclusivamente em nome dos mercados encontrem barreiras a essa forma de agir e pautem diferentemente a forma como fazem comunicação social.

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares solicitou a palavra para uma intervenção sobre esta matéria.
Embora sem cobertura regimental, tem a palavra, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O massacre da Praia do Futuro, como decorre das intervenções feitas, tem componentes várias que são ainda inexplicáveis. Tratou-se de um crime brutal e o Governo acompanhou, com angústia e tomando as medidas práticas adequadas, o processo que permitiu devolver a Portugal os corpos daqueles que foram vitimados pelo bárbaro assassinato.
Nos dias seguintes à descoberta do crime, tive ocasião de testemunhar directamente a indignação profundíssima que, em vários pontos do Brasil, esse crime provocou e a solidariedade que os cidadãos brasileiros prestavam aos

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portugueses nessa circunstância dramática para todos nós. Há muito a debater, certamente, sobre o eco mediático dos acontecimentos - não é, porventura, este o momento para o fazer, mas o Governo está disponível para, na circunstância e na moldura própria, tomar parte nessa discussão. Agora é hora, sem dúvida, de renovar o pesar profundo, que manifestámos já às famílias das vítimas, e exprimir a nossa solidariedade plena com a posição que a Assembleia da República vai, certamente, por unanimidade, assumir.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto n.º 152/VIII.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos guardar um muito sentido minuto de silêncio.

A Câmara guardou, de pé, 1 minuto de silêncio.

Srs. Deputados, o voto vai ser transmitido às famílias enlutadas.
Vamos passar à apreciação dos votos n.os 153/VIII (PS, PSD e CDS-PP), 154/VIII (BE), 155/VIII (Os Verdes) e 156/VIII (PCP), relativos à tragédia de 11 de Setembro ocorrida em Nova Iorque e em Washington.
Para proceder à leitura dos votos, tem a palavra o Sr. Secretário.

O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, os votos são do seguinte teor:

Voto n.º 153/VIII
De pesar pelas vítimas dos ataques terroristas de 11 de Setembro nos Estados Unidos da América

No passado dia 11 de Setembro o Mundo assistiu, horrorizado e atónito, ao mais inimaginável, brutal e arrasador ataque terrorista de que há memória.
A televisão encarregou-se de universalizar essa visão apocalíptica, que provocou a destruição de edifícios, que eram autênticos ex-libris do orgulho nacional do povo americano, e o desaparecimento - que, em cada dia que passa, mais equivale à sua morte - de milhares de civis, entre os quais seis portugueses já identificados, com o risco de este número poder ainda crescer.
O ataque foi perpetrado através do desvio de aviões civis americanos, transportando centenas de passageiros, por terroristas e pilotos suicidas, com o propósito, pouco depois consumado, de os fazer colidir com os referidos edifícios.
Um quarto avião, igualmente desviado, que viria a despenhar-se no solo, visava decerto outro objectivo, igualmente simbólico, da capital política americana.
Os terroristas planearam assim, e em parte o conseguiram, a humilhação, pela destruição e pela dor, dos símbolos do poder dos EUA.
Este ataque inqualificável provocou um forte abalo emocional na consciência universal, traduzido em ondas de indignação e de solidariedade para com as vítimas e suas famílias, com o povo americano e com o mundo livre e democrático, cujos sistemas defensivos, princípios e valores, foram irremissivelmente postos em causa.
Exige-se agora a identificação dos responsáveis, quaisquer que sejam, e a sua punição exemplar. As cadeias de cooperação e solidariedade, para o efeito necessárias, irromperam espontaneamente e espera-se que possam em breve produzir resultados. Confia-se em que o sismo emocional que varreu o Mundo dê lugar à serenidade na decisão e à eficácia na acção, para que não sejam também atingidos os alicerces da civilização que se quis pôr em causa. Isto sem prejuízo da reflexão que se impõe, sem tibiezas e sem demoras, sobre a validade de respostas defensivas que têm permitido e de modelos organizativos que têm coexistido com tanto fanatismo, tanta crueldade e tanto ódio.
Sacrificados, não foram só prédios míticos e milhares de vidas humanas. Toda uma ordem mundial foi abalada nos seus alicerces; não construiremos outra incoesos e desgarrados.
A Assembleia da República de Portugal, após ter de imediato assumido a sua indignação, a sua dor e a sua solidariedade através do seu Presidente, em contacto directo com os seus homólogos americanos, através dos líderes dos partidos e dos Grupos Parlamentares nela representados e da sua Comissão de Negócios Estrangeiros, para o efeito expressamente convocada pelo seu Presidente, na sua primeira reunião plenária após o trágico acontecimento, aprovou um voto de sentido e profundo pesar pelas vidas perdidas, pelos ferimentos provocados, pelo sofrimento dos familiares de mortos e feridos e do povo americano; solidariza-se com a sua indignação e a sua amargura e declara-se, mais do que nunca, empenhada na defesa dos princípios e valores do mundo democrático e livre.

Voto n.º 154/VIII
De pesar pelas vítimas dos ataques terroristas de 11 de Setembro nos Estados Unidos da América

A Assembleia da República:
1. Condena inequivocamente o atentado terrorista de 11 de Setembro, que vitimou milhares de cidadãos em Nova Iorque e Washington, considerando que tal acção não tem nenhuma justificação possível e constitui um gravíssimo crime contra a Humanidade.
2. Apela à punição dos responsáveis deste crime no quadro do respeito pela lei e pela justiça, travando a espiral do terror e da guerra e evitando escrupulosamente qualquer restrição às garantias, liberdades e direitos fundamentais.
3. Manifesta o seu luto e solidariedade com as famílias e as comunidades das vítimas e em particular com as famílias das vítimas de nacionalidade portuguesa que sucumbiram no horror da tragédia.

Voto n.º 155/VIII
De pesar pelas vítimas do acto terrorista ocorrido a 11 de Setembro nos Estados Unidos da América

A comunidade internacional foi, no passado dia 11 de Setembro, surpreendida por uma acção terrorista sem precedentes que, ao atingir Nova Iorque, provocou milhares e milhares de vítimas. Face a esses terríveis acontecimentos e na sequência de posições anteriormente tomadas, a Assembleia da República, reunida na sua primeira sessão plenária, delibera:
Condenar veemente o acto de terrorismo que sacrificou a vida de milhares e milhares de pessoas inocentes, cidadãos norte-americanos a esmagadora maioria deles.

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Exprimir a mais profunda solidariedade para com as famílias e os amigos das vítimas deste brutal atentado, cidadãos americanos a maioria, mas também cidadãos de outras partes do mundo, concretamente cidadãos portugueses, pessoas de diferentes credos, raças e religiões brutalmente atingidas por uma tragédia sem paralelo que escolheu o coração de Nova Iorque como cenário.
Manifestar a esperança de que a comunidade internacional saiba encontrar, dentro de si e das estruturas por si já criadas ou a criar, os mecanismos apropriados de cooperação para localizar os responsáveis deste bárbaro atentado, para proceder à sua detenção, julgamento e exemplar condenação, preservando os direitos humanos, a liberdade, a democracia e a paz no mundo, desta forma tão brutalmente ameaçados.
Por último, exprimir o desejo de que não sejam empreendidas quaisquer intervenções militares que, a acontecer, acabariam por gerar uma nova escalada de violência de proporções hoje inimagináveis e, atingir inevitavelmente civis e cidadãos indefesos, à semelhança deste acto bárbaro por todos condenado.

Voto n.º 156/VIII
De pesar pelas vítimas dos atentados terroristas cometidos nos Estados Unidos da América

Os atentados terroristas verificados nos EUA, que vitimaram milhares de pessoas e semearam a destruição, são merecedores da mais frontal condenação e de total e inequívoco repúdio, exigindo uma reacção pronta para identificação e aplicação da justiça, nos termos do Direito Internacional, sobre os responsáveis. Motivam igualmente a expressão do respeito pela dor do povo americano e luto dos familiares das vítimas, em especial das famílias portuguesas.
Tais acontecimentos confirmam inequivocamente não apenas a necessidade de identificação e da punição dos responsáveis por estes atentados mas também a de reforçar a cooperação internacional na luta contra todas as formas de terrorismo e no «enfrentamento» dos factores, problemas e conflitos que o alimentam. Mas põem também em evidência a necessidade de uma política internacional orientada para a resolução dos problemas que afectam a paz mundial, respeitando o Direito Internacional e a Carta das Nações Unidas, os direitos dos povos e a soberania dos países.
A gravidade e dramatismo desta situação exigem serenidade e racionalidade nas medidas a tomar, excluindo acções arbitrárias que sobreponham a vingança à justiça contribuindo para uma espiral de violência de efeitos imprevisíveis. É este também o momento de relembrar o papel decisivo das Nações Unidas neste processo e na regulação das relações internacionais.
Assim, a Assembleia da República:
Manifesta a sua indignação, condenação e repúdio perante os atentados terroristas cometidos nos Estados Unidos da América, apresentando ao povo americano e aos familiares das vítimas, particularmente das portuguesas, os seus sentidos votos de pesar.
Apela a todos os países, Estados, governos e instituições internacionais para que, nesta hora dramática, contribuam empenhadamente para poupar o mundo a uma escalada de violência e guerra e para lhe assegurar um caminho da justiça, paz e solidariedade.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação, que disporá de 5 minutos.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, este assunto já foi objecto de uma declaração política feita pelo Presidente do PSD. Não obstante, gostaria de me pronunciar, em nome da minha bancada parlamentar, principalmente em relação ao conteúdo deste voto.
Neste voto, a que emprestei a minha assinatura, verifico três palavras fundamentais: uma primeira é «indignação». Ora, não consigo descobrir quem não partilhe desta indignação; não consigo descobrir, nesta Assembleia nem em qualquer lugar do mundo quem não se sinta verdadeiramente indignado com o acto bárbaro que foi praticado! Portanto, é uma palavra que, naturalmente, sai do espírito de um democrata em relação àquilo que acontece e que ofende a liberdade, a democracia e os direitos humanos, que ofende a Humanidade no seu conjunto.
A segunda palavra é «solidariedade». Não conheço ninguém, não consigo divisar ninguém que não se sinta solidário com as vítimas deste ataque, com os inocentes que injustamente morreram, com tudo aquilo de trágico que aconteceu à Nação americana e a todos os cidadãos de outros países do mundo que se viram envolvidos neste acto de terror.
Em terceiro lugar, a última palavra ou expressão que suscita a minha profunda adesão a este voto é aquela que fala na defesa dos princípios e valores do mundo democrático e livre. Eu não consigo perceber o que é que nos impede, se alguma coisa poderia impedir-nos, de participar na condenação deste acto justamente em nome destes princípios e destes valores.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Eu partilho da opinião de que não foi apenas uma Nação que foi atacada, foi a comunidade internacional no seu todo.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - A Humanidade!

O Orador: - E é por isso que não admito nem compreendo que haja alguém que consiga pôr algumas objecções em fazer a condenação deste acto e em fazer a reflexão, que se impõe, relativamente ao que aconteceu com este acto. Ele foi um acto de guerra, um acto praticado por um novo tipo de organização, por uma organização sem Estado, por uma organização difusa, por uma organização que instala o terror onde quer que se encontre e que pode estar em qualquer sítio do mundo, que pode actuar em qualquer sítio do mundo, tal como actuou em Nova Iorque ou em Washington, pode actuar em qualquer outro ponto e pode colocar em risco nacionais de todos os países.
Assim sendo, coloca-se também neste voto um problema que importa dirimir: quereremos nós abdicar da nossa sociedade de tolerância? Quereremos nós abdicar da nossa sociedade democrática? Quereremos nós abdicar dos princípios que instituímos como fundadores da nossa vida? Com certeza que não.
Agora, as dúvidas que é legítimo que coloquemos é sobre se os nossos meios de defesa estão a ser levados dentro dos limites a que nos propusemos

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obedecer, até onde as populações indefesas entendem que devemos levar.
A reflexão que é necessário fazer é sobre se não podemos fazer mais e melhor, se não podemos prevenir mais e melhor, para que estas coisas não aconteçam, se não podemos aumentar a nossa capacidade de luta contra organizações terroristas.
E a questão subsequente é esta: como identificar e como punir? Recorrendo a todos os meios - é a resposta. Recorrendo, desde logo, à condenação internacional por parte dos países desenvolvidos, dos aliados dos países desenvolvidos, das Nações Unidas, para que a comunidade dos Estados se encontre na forma de reagir a este acontecimento e esteja habilitada a dar os golpes que forem necessários na organização e nas localizações de onde partem estes ataques terroristas. E, se for preciso actos de guerra, que sejam praticados actos de guerra, em retaliação, com a mesma normalidade com que o direito à legítima defesa nos permite apelar a esta atitude.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS associou-se a este voto de pesar e posso dizer que o fez de alma e coração, pois ele reflecte maneiras de proceder com as quais estamos inteiramente de acordo.
Estamos perante o desenvolvimento de uma acção cuidadosamente planeada e programada ao longo de anos. E a verdade é que essa programação aponta não para um ataque cobarde mas para um ataque cruel e para uma forma de organização que não tem ideologia, é apenas ligada pelo fanatismo e é, claramente, contra a Humanidade. Por isso, não é uma questão de semântica dizermos que o ataque a Nova Iorque e Washington não é apenas ao povo americano mas a todos nós - e não apenas no Ocidente mas onde quer que esteja um homem ou uma mulher que preze a Humanidade, a liberdade e o respeito pelos valores humanos. E não é sério, nem correcto, dizer-se que há uma divisão entre aqueles que querem a paz e aqueles que querem a guerra - isso é errado. Hoje, querer a paz a qualquer custo é querer a guerra amanhã - e uma guerra crudelíssima, como já tivemos ocasião de ver. Querer, hoje, firmeza e, eventualmente, a guerra, se for necessário tê-la, é garantir a paz, a curto e a médio prazo. E isto nada tem a ver com a guerra de civilizações, que rejeitamos liminarmente, nada tem a ver com a guerra da Cristandade contra o Islão, que não queremos nem podemos defender, porque isso era arrastar o mundo para um conflito universal de dimensões insuspeitáveis. Trata-se, sim, de uma luta da liberdade, uma luta de uma civilização e de uma cultura, contra uma cultura de morte, uma cultura de violência, uma cultura de crueldade de dimensões verdadeiramente incalculáveis.
Ninguém pode estar fora desta luta, ninguém pode ter tibiezas e não saber se está ou não está; ninguém pode desculpar-se com as causas, porque as causas são importantes para perceber o que está a acontecer, mas não para responder ao que está a acontecer. E a resposta ao que está a acontecer exige mais solidariedade, mais unidade e mais discernimento.
Ninguém quer pôr em causa conceitos fundamentais da democracia e da liberdade. Sabemos que a democracia, quando deixa de ser tolerante, deixa de ser democrática; quando a democracia ofende com as suas próprias armas a liberdade, nega-se a si própria. Não temos quaisquer dúvidas sobre isso.
Agora, também não temos quaisquer dúvidas em dizer que a democracia que não se defende não é digna de proteger os seus cidadãos e que a liberdade que não se acautela não é digna de ser utilizada por aqueles que não a acautelam.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - É para isso que temos de chamar aqui a atenção.
Há excessos securitários que são condenáveis, mas há deficiências de segurança que são talvez ainda mais condenáveis, porque põem em risco vidas inocentes, porque há pessoas que se sentem protegidas pelo Estado e que acabam por ser as primeiras vítimas do laxismo e da impunidade desses mesmos Estados.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Já o Sr. Presidente da República, ainda antes desta desgraça ter acontecido, tinha chamado aqui a atenção, num discurso importante, para um clima de laxismo e de impunidade, que grassa pela nossa sociedade. É verdade! Temos de abrir os olhos para esta realidade e compreender que a resposta é global, que os serviços de informação têm de ser reforçados e que há uma resposta que não é apenas a da força bruta mas também a da inteligência, por forma a impedir que casos destes voltem a repetirse, sendo que há isolamentos que não se compreendem - aliás, esperamos sinceramente que, depois de tudo isto, os Estados Unidos da América possam abrir-se mais ao mundo e ser mais solidários e mais interessados com aquilo que se passa fora das suas fronteiras.
Esta é uma enorme desgraça, de consequências eventualmente ainda hoje imprevisíveis. Sinceramente, creio que nos espera uma guerra longa e dura. Não as guerras tradicionais, em que conhecemos os inimigos e mobilizamos, não as guerras dos grandes heroísmos e das grandes medalhas (mas, eventualmente, dos heroísmos silenciosos, das organizações capazes de responder a esta forma extremamente sofisticada de agressão), mas uma guerra longa e dolorosa, com riscos. Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não correr, hoje, os riscos necessários - todos os riscos necessários - é sacrificar a paz; não correr, hoje, todos os riscos necessários é dar uma vitória antecipada a quem não a merece; não correr, hoje, todos os riscos necessários, seja por que motivo for, é criar uma situação descontrolada, uma situação em que não conseguiremos sobreviver com a dignidade a que estamos habituados.
Por isso, vamos votar favoravelmente, de alma e coração, o voto n.º 153/VIII e, dizemo-lo com tristeza, vamos votar contra os outros votos. E vamos votar contra, porque a questão não é de semântica, mas de princípio. É bom que isto fique claro: fosse ela de semântica e, com gosto, votaríamos a favor; mas não é.

O Sr. Presidente: - Agradeço-lhe que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino, Sr. Presidente.

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A questão não é de semântica, há concepções diferentes. E nós estamos claramente de um lado, não estamos a meio. Estamos do lado dos defensores da liberdade, da democracia e da civilização, não apenas da civilização ocidental mas da civilização de dignidade, que queremos para o mundo inteiro e não apenas para nós.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os Verdes entenderam apresentar um voto e entendem dever explicar à Câmara e ao País as razões de ser desse voto.
Em primeiro lugar, há - e sobre isso há unanimidade nesta Câmara e não há diferenças semânticas, nem de opinião - uma condenação expressa e veemente do atentado terrorista que ocorreu em Nova Iorque, que matou cidadãos, cidadãos inocentes, de todas as latitudes e de todo o mundo. Esta é uma questão clara, esta é uma razão por que este atentado mereceu o nosso repúdio inequívoco.
Em segundo lugar, para além da condenação deste acto terrorista, exprimimos a nossa solidariedade para com todas as pessoas vítimas deste atentado, um atentado que vitimou norte-americanos e, acima de tudo, cidadãos de todo o mundo. Esses cidadãos e as suas famílias merecem o nosso apoio inequívoco. Mas, do ponto de vista de Os Verdes, merecem e exigem mais do que isso: aquilo que este atentado terrorista significou é uma ameaça à paz, à segurança, à liberdade, ao respeito pelo próximo. E é a partir do momento em que tudo isto é posto em causa que nos parece haver um problema não de um país mas da comunidade internacional, a qual foi atingida nos seus valores e que, do nosso ponto de vista, deve, em defesa desses mesmos valores e pautando por esses valores a sua intervenção, encontrar respostas. E trata-se de respostas para um problema novo.
Já foi referido que estamos a falar de uma guerra cujos responsáveis não têm rosto, de uma guerra que, hoje, permite utilizar formas ilimitadas de destruir. Ora, é perante a compreensão que nos parece ser fundamental fazer-se, hoje e agora, desse novo fenómeno que temos de saber encontrar respostas, que, para além da condenação, permitam identificar os responsáveis, localizá-los e, utilizando os mecanismos do direito internacional, levá-los a julgamento e condená-los.
Ora, é aqui que reside a nossa total discordância e a nossa reserva em relação ao voto apresentado. Pensamos que há fenómenos novos e capacidades ilimitadas de destruir. Aquilo que aconteceu é, porventura, o sinal das muitas hipóteses de destruição que podem acontecer, desde o recurso ao nuclear, à guerra química e à guerra bacteriológica. E é perante este fenómeno novo que, pensamos, não pode recorrer-se às formas tradicionais da força. Aquilo que se exige, do nosso ponto de vista, para além de medidas que seguramente têm de se encontrar numa perspectiva de médio e longo prazo, aquilo que exigimos, dizia, não desculpando e não justificando o que, a nosso ver, é totalmente injustificável, é que a resposta seja encontrada no plano dos direitos, seja uma resposta política e não militar.
É nossa convicção profunda que é pelo encontro de mecanismos suplementares de cooperação entre os diferentes povos, é recusando posições unilaterais, as quais, lamentavelmente, têm caracterizado a atitude dos Estados Unidos da América e que não nos parece serem passíveis de resolver um problema tão grave como o do terrorismo internacional, que, pensamos, devem ser encontradas respostas (mais cooperação, mais vigilância, maior segurança).
Assim sendo, do nosso ponto de vista, a resposta a esta terrível tragédia ocorrida nos Estados Unidos da América é o recurso ao direito, às instâncias internacionais, ao Conselho de Segurança das Nações Unidas e à Carta das Nações Unidas. Em nossa opinião, não é a resposta das armas que vai resolver este problema. O recurso às armas é a abertura de um capítulo que pode começar aqui, mas cujo fim desconhecemos, sendo que, para nós, não há vítimas inocentes que o justifiquem, num ou no outro lado - as vítimas são sempre algo que não aceitamos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP reafirma aqui a sua frontal e inequívoca condenação dos brutais atentados terroristas ocorridos, na semana passada, nos Estados Unidos da América, que foram actos bárbaros, de violência extrema, e para os quais não existe qualquer justificação.
São actos que configuram um crime não contra o Ocidente mas contra a Humanidade. É, pois, inteiramente justificado o largo consenso que a condenação destes atentados terroristas motivou em Portugal, na própria Assembleia da República, o que foi, aliás, assinalado pelo Sr. Presidente da República na mensagem, há pouco, lida.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É evidente que, neste momento, não é possível deixar de olhar com preocupação para os desenvolvimentos a que a situação internacional poderá estar sujeita, a partir daqui.
A identificação e a aplicação da justiça aos responsáveis por estes actos, nos termos do direito internacional, uma grande serenidade e racionalidade nas medidas a tomar, excluindo acções arbitrárias que abram caminho a uma escalada de violência e guerra, e também o respeito pelo papel das Nações Unidas são algumas das preocupações que optámos por deixar expressas no voto que apresentámos na Mesa.
Pelas mesmas razões, consideramos que algumas formulações do voto aqui apresentado pelo PS, PSD e CDS-PP, numa certa dicotomia entre bem e mal, podem não contribuir para a serenidade e ponderação que a situação exige bem como para a necessidade de evitar qualquer aprofundamento da clivagem entre povos ou civilizações, que encerra graves riscos para um caminho de justiça, de paz e de solidariedade no mundo. Por isso, entendemos que o nosso voto se adequa mais às necessidades da actual situação internacional.
Reafirmamos os nossos sinceros votos de pesar ao povo americano, às famílias das vítimas, em especial às famílias dos portugueses, que, infelizmente, pereceram em consequência de tais atentados.

Aplausos do PCP.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de voto que apresentámos condena inequivocamente o terrorismo fundamentalista, manifesta uma solidariedade profunda e genuína com o povo americano e as vítimas do ataque e pede a punição do crime, nos termos da justiça e do Direito Internacional!
Mas penso que é de bom senso chamar a atenção para o que divide o nosso voto do que foi proposto pelo partido do Governo, neste caso até pouco dele, e pelos partidos de direita parlamentar.
Entendemos que é necessário evitar três perversões que surgem no horizonte. Primeira, entender que a escalada da guerra, a escalada do contraterror à margem do Direito Internacional como gesto de vingança imperial não pode resolver o quer que seja deste tipo de problemas, mas só pode constituir, isso sim, mais um passo no ciclo interminável da escalada da guerra e do terror. E nisto sentimo-nos bem acompanhados pelas declarações recentes do Bispo D. Januário Torgal, de Maria de Lurdes Pintasilgo ou de Mário Soares.
Segunda perversão: a de com esta primeira perversão perder a oportunidade de iniciar um verdadeiro debate acerca das causas da desordem internacional, da injustiça, do desespero e da desigualdade, não contribuindo para esclarecer coisa alguma mas, sim, para permanecer os mesmos equívocos geradores da desordem internacional!
Terceira perversão, e talvez aquela que venha a ser, a meu ver, a principal: a da escalada securitária, comandada por uma lógica simplista e texana de certos «novos taliban» da «guerra fria», que já andam aí, de caderninho de notas na mão, a tomar nota de quem tem dúvidas e que pretendem obrigar-nos, e obrigar a opinião pública, maniqueísticamente e à laia de uma nova «guerra fria», a escolher entre o bem e o mal, que eles próprios definem! Maniqueísmo que conduzirá, necessariamente, ao abuso das liberdades, das garantias dos cidadãos, em nome de um conceito de segurança que eles próprios também definem ao sabor das maiorias políticas, ocasionalmente verificadas nos contextos dos governos que vão definir essas políticas!
Portanto, entendemos que o problema não está em saber, como se diz agora, até onde se pode ir na violação das liberdades mas, sim, em saber de onde não se pode passar na defesa das liberdades!
À luz destas três perversões, que é preciso evitar, entendemos que podemos acompanhar neste voto as propostas apresentadas por Os Verdes e PCP, mas não podemos acompanhar, pelo que votaremos contra, o voto n.º 153/VIII que o partido do Governo, neste caso muito pouco do Governo, e a direita parlamentar apresentam! Não por uma questão semântica - não! - mas por princípios!
Nós pertencemos a uma esquerda que entende que tem o direito de não ser obrigada a escolher entre a «mundivisão» do Sr. Bush e a «mundivisão» dos taliban, que pode querer um mundo diferente desse e, calcule, que tem o direito de não ser presa e perseguida por pensar que pode ter uma alternativa diferente!

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Para intervir, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco de Assis.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O hediondo atentado ocorrido na semana passada, pela sua dimensão e pelo seu significado, obriga-nos a reflectir, mas também nos obriga a agir! E se estamos contra qualquer acção irreflectida, também queremos aqui manifestar quanto deploramos a tentativa de alguns para cairmos numa reflexão pantanosa que tenha como efeito o «demissionismo» das democracias face às ameaças com que estão hoje confrontadas!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E é por isto que começamos claramente por rejeitar a retórica pacifista de tão má memória no século XX,...

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - ... que tende a impor uma dicotomia entre o partido da paz e o partido da guerra, porque essa dicotomia é absolutamente inaceitável! Se há aqui alguma dicotomia é a dicotomia entre o partido da liberdade, da democracia e das sociedades abertas e aqueles que estão, hoje, claramente, a constituir uma grave ameaça a essas mesmas democracias, a essas mesmas liberdades, a esse modelo que tem prevalecido em algumas partes do globo, e que tem um valor verdadeiramente universal!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, basta olhar para o século XX!
O Sr. Deputado Fernando Rosas, que é um notável historiador, melhor do que ninguém está em condições de avaliar isso, para saber quanto essa dicotomia é errada! Porque, se a aplicássemos aos anos 30, poderíamos ser levados a concluir que o Sr. Churchil estava do lado do partido da guerra e o Prof. Oliveira Salazar, com o seu neutralismo cínico, estava do lado do partido da paz!

Aplausos do PS.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Não é assim!

O Orador: - Precisamente quando alguns compreenderam a necessidade de travar uma guerra, soube encontrar o caminho para a liberdade!

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Não macaqueie a História!

O Orador: - Por isso, nós não queremos que este debate seja reconduzido para qualquer tipo de maniqueísmo simplista!
Por esta razão não aceitamos de forma alguma que, neste caso, se possa falar de um choque de civilizações, porque todas as civilizações na História deram origem a perversões fundamentalistas e porque também sabemos que o espaço civilizacional em que nos integramos, em muitos momentos, deu origem a perversões fundamentalistas! Mais: temos consciência de que esse risco continua sempre a pairar no horizonte das nossas civilizações!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Talvez a essência da História, como alguns historiadores também admitiram ao longo do século XX,

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do tão trágico século XX, até seja mesmo a tragédia! Mas isto não deve levar-nos à demissão, não deve levar-nos à abdicação! Pelo contrário, deve transformar-nos, a cada um de nós, cidadãos, em defensores de causas que nos sobrelevam: a causa da democracia, a causa dos direitos humanos, a causa da liberdade! E estas são verdadeiramente causas de civilização!
Se, na nossa óptica, não devemos aceitar a ideia de um confronto de civilizações, não devemos também cair num relativismo absoluto e pantanoso que tenta tudo identificar! Entre a democracia americana, por mais negativa que ela apareça aos olhos de alguns, e o regime dos taliban, entre outros, há, certamente, grandes e profundas diferenças!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E é inaceitável que neste momento se procure, aqui, de forma capciosa, estabelecer qualquer tipo de relativismo absoluto!

Aplausos do PS.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Muito bem!

O Sr. Fernando Rosas (BE): - E não temos o direito de fazer uma escolha ou outra?!

O Orador: - Sr. Deputado, é precisamente porque tem esse direito e para que continue a usufruir dele que nós entendemos que as democracias se devem defender!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Porque, se as democracias se demitirem, também o Sr. Deputado, em algum momento, será obrigado a prescindir de defender os seus direitos! É em nome desses mesmos direitos que nós aqui estamos! Por isso, a nossa posição nesta matéria é muito clara e não pode oferecer a mais pequena dúvida!
Entendemos que Portugal, enquanto Estado, não deve, naturalmente, contribuir para qualquer acção que, irreflectidamente e apenas sobre a óptica de qualquer princípio de vingança, em nada concorra para resolver os problemas com que estamos confrontados! Esta é uma boa ocasião para reflectirmos!
O sistema de relações internacionais é, hoje, um sistema muito desorganizado, há diversíssimas reflexões e variadíssimos contributos que devem ser tidos em consideração! Certamente que os Estados Unidos da América serão os primeiros a aprender acerca da necessidade de eles próprios abandonarem uma linha mais unilateralista, que caracterizava ultimamente a sua política externa! Temos consciência de que é a ocasião para reflectir, e todos os contributos são bem-vindos, mas esta também é uma ocasião para agir! E é precisamente por isso e por vislumbrarmos divergências claras e profundas entre o conteúdo do voto que nós próprios subscrevemos e o conteúdo dos outros votos, apresentados por outros grupos parlamentares situados à nossa esquerda, que vamos votar contra esses votos…

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - ... e apenas contribuir para a viabilização do único voto que, do nosso ponto de vista, verdadeiramente contribui para afirmar os valores essenciais, que são a razão de ser da nossa intervenção política todos os dias: a democracia, a liberdade e o respeito pelos direitos humanos !

Aplausos do PS.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Julgo que todos temos consciência de que a esta hora milhares de voluntários continuam ainda a buscar, nos escombros de Nova Iorque, os que pereceram há uma semana. Foi há uma semana, mas verdadeiramente todos temos consciência, julgo, de que foi num outro mundo e num outro quadro.
Entre ruínas choram-se os mortos, as vítimas, e não aqueles que mataram criminosamente, morrendo nesse acto. Mas revela-se também uma vontade, que não deve ser equivocamente interpretada, porque é firme, de afirmar a vida e sobretudo de evitar novas tragédias devidas às mesmas exactas causas, aos mesmos exactos autores e àqueles que a eles estão associados.
Temos o dever de prestar solidariedade, somos parte desse esforço e também foi nosso o sangue ali derramado, e devemos cumpri-lo com determinação em nome de princípios de um mundo livre e democrático, que na era do fim da «guerra fria» tem um alcance largo, generoso e universal e perdeu as conotações de outras dicotomias já enterradas pela História.
Também julgo que não nos cabe reeditar, hoje e aqui, debates como o que foi sintetizado nos anos 30 pela famosa frase de ordem «nem Siegfried, nem Maginot», que imaginavam formas de alheamento, de conflitos e de escolhas, que foram feitas e pagas duramente pelas democracias, com resultados positivos que hoje ainda fruímos.
Podemos fazer mais e melhor, como aqui foi dito - julgo que é uma verdade de enorme bom senso -, mas não da mesma maneira, porque a realidade mudou de forma gritante e estamos ainda a perceber até que ponto é que mudou, como assinala muito bem o voto lapidarmente redigido pelo Sr. Presidente da Assembleia da República e subscrito por diversas bancadas, nesta Câmara.
Uma última palavra sobre a questão das redes terroristas, que são a ameaça que as nossas democracias enfrentam hoje.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Elas foram concebidas para serem difíceis de penetrar, invisíveis, imunes a formas clássicas de intervenção. Ao contrário dos exércitos do século XX, elas não têm Estado-maior, nem sede à qual se possa dirigir uma convocatória em citação simples para comparecerem a tribunal! É preciso identificá-las, notificá-las, derrotá-las, extirpá-las e extirpar também as suas causas, o que é um esforço prolongado e que exige um conjunto de medidas, que só mentes muito simples poderiam julgar que se reduzem a uma forma, a uma arma! Há-de ser um conjunto de medidas articulado, precisamente usado, com uma frente alargada, que deve ter a preocupação de unir e não a de ceder em princípios vitais!
O Sr. Primeiro-Ministro, na próxima terça-feira, terá ocasião - ele assim o propôs e os grupos parlamentares

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acederam e consensualizaram essa presença - de discutir estas e todas as demais questões que envolvem as responsabilidades de Portugal nesta circunstância histórica!
Não era, pois, este o momento de aprofundar a posição que o Governo tem vindo a assumir: medidas de segurança imediatas; participação nas discussões em curso; participação, na próxima sexta-feira, na cimeira extraordinária; comparência, aqui, no Parlamento; contacto com a Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação; contacto com a Comissão de Defesa Nacional; abertura e contacto permanente com o Parlamento, sede central de decisões a que o Governo não apenas é sensível como obediente!
É hora apenas de nos inclinarmos perante os mortos, de não os esquecer na hora em que estamos a discutir o futuro, para evitarmos novos mortos e uma espiral de violência e de morte que seria o preço da nossa inacção, que não teremos!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação dos votos que acabam de ser discutidos em conjunto, começando pelo voto n.º 153/VIII - De pesar pelas vítimas dos ataques terroristas de 11 de Setembro nos Estados Unidos da América (PS, PSD e CDS-PP).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP, votos contra do BE e abstenções do PCP e de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos passar à votação do voto n.º 154/VIII - De pesar pelas vítimas dos ataques terroristas de 11 de Setembro nos Estados Unidos da América (BE).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP, votos a favor do PCP, de Os Verdes e do BE e a abstenção de 1 Deputada do PS.

Srs. Deputados, vamos agora proceder à votação do voto n.º 155/VIII - De pesar pelas vítimas do acto terrorista ocorrido a 11 de Setembro nos Estados Unidos da América (Os Verdes).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP, votos a favor do PCP, de Os Verdes e do BE e abstenções de 2 Deputadas do PS.

Srs. Deputados, vamos, por fim, votar o voto n.º 156/VIII - De pesar pelas vítimas dos atentados terroristas cometidos nos Estados Unidos da América (PCP).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP, votos a favor do PCP, de Os Verdes e do BE e abstenções de 2 Deputadas do PS.

Srs. Deputados, o voto que fez vencimento será levado ao conhecimento das famílias das vítimas portuguesas e do Sr. Embaixador dos Estados Unidos da América acreditado em Lisboa.

A Sr.ª Jamila Madeira (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Jamila Madeira (PS): - Sr. Presidente, quero informar a Mesa que apresentarei, por escrito, uma declaração de voto relativamente ao voto n.º 153/VIII.

O Sr. Presidente: - Fica registada a informação, Sr.ª Deputada.
Srs. Deputados, vamos guardar, respeitosamente, um sentido minuto de silêncio.

A Câmara guardou, de pé, 1 minuto de silêncio.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário da Mesa vai ler um relatório e parecer da Comissão de Ética.

O Sr. Secretário (José Reis): - Srs. Deputados, em reunião da Comissão de Ética, realizada no dia 19 de Setembro de 2001, pelas 16 horas e 30 minutos, foi observada a retoma de mandato do Sr. Deputado David Justino (PSD), cessando Duarte Pacheco, em 16 de Setembro corrente, inclusive.
O parecer é do seguinte teor: «A retoma de mandato em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais».

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o parecer está em apreciação.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 30 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em aprovação os n.os 72 a 81 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias dos dias 19, 20, 25, 26 e 27 de Abril e dos dias 2, 3, 9, 10 e 11 de Maio de 2001.
Não havendo objecções, consideram-se aprovados.
Srs. Deputados, vamos passar à discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.os 91/VIII - Altera o regime jurídico dos crimes de tráfico de influência e de corrupção e 94/VIII - Estabelece medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira e das propostas de resolução n.os 73/VIII - Aprova, para ratificação, a Convenção Penal sobre a Corrupção do Conselho da Europa, assinada em Estrasburgo, a 30 de Abril de 1999, e 74/VIII - Aprova, para ratificação, a Convenção relativa à luta contra a corrupção em que estejam envolvidos funcionários das Comunidades Europeias ou de Estados-membros da União Europeia, assinada em Bruxelas, a 26 de Maio de 1997.
Em representação do Governo, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça para introduzir o debate.

O Sr. Ministro da Justiça (António Costa): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O agendamento, pela Assembleia da República, destas duas propostas de lei e duas propostas de resolução para a primeira reunião da nova sessão legislativa tem um significado político da maior importância. Constitui um sinal muito claro para o conjunto da sociedade portuguesa, os agentes económicos, a

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Administração Pública, as magistraturas e a polícia de que o poder político democrático entende ser prioritário o combate à criminalidade organizada e à criminalidade económica e financeira.
Como escrevia, no passado sábado, Mário Soares, «vivemos num mundo desregulado, onde a criminalidade internacional organizada tem poderosíssimos recursos, onde o chamado 'dinheiro sujo' se insere nos circuitos internacionais e procura influenciar os meios mediáticos e políticos e onde a avidez do lucro fácil e especulativo facilita a corrosão dos valores éticos que deveriam orientar as sociedades abertas».
Trata-se de uma criminalidade globalizada porque transnacional, mas trata-se também de uma criminalidade global, assente na articulação de redes criminosas, que se financia nos tráficos de droga, de armas e de seres humanos, que rentabiliza os proventos através do branqueamento de capitais e que reinveste o capital, financiando o tráfico de influência, a corrupção e o terrorismo. É, por isso, um combate que tem de assentar também numa base transnacional, como o espaço de liberdade, segurança e justiça da União Europeia e o conjunto de convenções internacionais que vimos celebrando no âmbito do Conselho da Europa, da OCDE e das Nações Unidas. Mas é um combate que requer também, internamente, um conjunto de medidas especiais que respondam às necessidades específicas deste tipo de criminalidade.
A primeira proposta de lei que temos em debate estabelece um regime especial de recolha de provas e perda de bens a favor do Estado aplicável aos crimes de tráfico de droga, terrorismo, tráfico de armas, corrupção, branqueamento de capitais, associações criminosas e ainda, quando praticados sob forma organizada, ao contrabando, tráfico de veículos, lenocínio, tráfico de menores e contrafacção de moeda.
A segunda proposta de lei visa, em especial, os crimes de tráfico de influências e de corrupção, pretendendo sobretudo eliminar as causas que têm obstado a uma eficaz punição destas condutas criminais.
Os fabulosos valores movimentados por este tipo de criminalidade levam a que, sistematicamente, a investigação do crime seja conduzida para a investigação de movimentos financeiros. O regime proposto pretende agilizar e tornar operativo um regime de derrogação do sigilo bancário e fiscal para aquela criminalidade, em que esses meios de investigação são mais necessários.
A primeira das alterações propostas refere-se à competência da autoridade judiciária titular da direcção do processo para solicitar as informações. Esta alteração é relevante para a fase de inquérito, na qual o magistrado do Ministério Público que dirige a investigação passa a poder solicitar informações às entidades financeiras e à administração fiscal.
Desta alteração decorre ainda que passará a existir um contacto directo entre as autoridades que, na fase de inquérito, conduzem a investigação (o Ministério Público ou, por sua delegação, a Polícia Judiciária) e as entidades financeiras. Esta imediação permitirá evitar um fenómeno hoje corrente, no qual as respostas aos pedidos de informação são incompletas, levando a novo despacho da autoridade judiciária, novo pedido e consequente novo atraso.
Em segundo lugar, esclarece-se o que se entende por «forma genérica» no despacho que ordena o levantamento do sigilo bancário. Quando o despacho assume esta forma, ele abrange todas as informações necessárias à investigação, prescindindo-se, assim, da necessidade de novo despacho para cada conta do mesmo titular ou para cada transacção da mesma conta.
Em terceiro lugar, clarifica-se o procedimento dos pedidos de informação, nomeadamente quanto ao comportamento a adoptar pelas entidades financeiras. Estas deverão, nomeadamente, indicar órgãos centralizados para responder aos referidos pedidos, sendo ainda estabelecido um prazo para o respectivo cumprimento.
Finalmente, introduz-se na ordem jurídica portuguesa um novo mecanismo de investigação, o controlo de contas bancárias, que, aliás, está também previsto no Protocolo Adicional à Convenção de Cooperação Judiciária em Matéria Penal entre os Estados-membros da União Europeia. Este mecanismo, que só pode ser ordenado ou autorizado por juiz, permite às autoridades que procedem à investigação acompanhar as operações efectuadas sobre uma conta bancária à medida que estas são efectuadas.
Por outro lado, a eficácia dos mecanismos repressivos será insuficiente se, havendo uma condenação criminal por um destes crimes, o condenado puder, ainda assim, conservar, no todo ou em parte, os proventos acumulados no decurso de uma carreira criminosa.
É certo que o Código Penal já prevê que são perdidos em favor do Estado os bens que constituam a vantagem da prática de crimes. Essa perda acontece, portanto, quando se prove, no processo, a conexão entre a prática do facto ilícito e o correspondente proveito.
Ora, o que pode acontecer é que, tratando-se de uma actividade continuada, não se prove no processo a conexão entre os factos criminosos objecto do processo e a totalidade dos proventos do arguido, criando-se, assim, uma situação em que as fortunas de origem ilícita continuam nas mãos dos criminosos, não sendo estes atingidos naquilo que constituiu, por um lado, o móbil do crime, mas que pode constituir, por outro lado, o meio de retomar essa actividade criminosa. É o que se passa tipicamente no tráfico de droga, quando esta é apreendida antes da comercialização, ou seja, antes de gerar receita para o traficante. Neste caso, o traficante vai condenado por tráfico, mas conservará a fortuna acumulada ao longo da sua carreira criminosa.
A presente proposta estabelece que, em caso de condenação por um dos crimes aqui previstos, se aprecie a congruência entre o património do arguido e os seus rendimentos lícitos. O valor do património do arguido que seja excessivo em relação aos rendimentos cuja licitude fique provada no processo são declarados perdidos em favor do Estado. Prevê-se ainda que no decurso do processo, e para garantia do pagamento do valor cuja perda venha a ser decretada, sejam arrestados preventivamente os bens do arguido.
A possibilidade de introdução deste tipo de regime está prevista na Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, de 1988, e é comum no Direito Comparado, designadamente para citar países que nos são próximos, em França, em Itália ou no Reino Unido.
O regime que ora se propõe não vai sequer tão longe como o previsto em alguns destes países, desde logo porque só há perda de bens em favor do Estado desde que exista condenação prévia do arguido transitada em julgado. Quanto à questão principal, a da culpabilidade em

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processo-crime, o arguido, nos termos desta proposta, mantém todos os direitos de defesa.
O regime ora proposto não viola, assim, o princípio constitucional da presunção da inocência, pelo contrário a condenação do arguido, transitada em julgado, é o próprio pressuposto da aplicação destas normas. Não é excessivo, por isso, até tendo em conta o tipo de crimes aos quais se aplica este diploma, impor à pessoa condenada o ónus de provar a licitude do seu património.
A segunda proposta de lei aplica-se em especial aos crimes de tráfico de influência e de corrupção.
As alterações relativas ao tráfico de influência decorrem essencialmente da necessidade de adaptação do direito interno à Convenção Penal sobre a Corrupção, do Conselho da Europa, também presente para aprovação.
No domínio da corrupção, as alterações já se justificam não só pelo imperativo de respeito pelas obrigações internacionais a que devemos também vincular-nos, mas sobretudo pela necessidade de aumentar a eficácia da repressão criminal destas condutas, bem como pelo imperativo de harmonizar o regime previsto no Código Penal para os funcionários e aquele outro constante da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, relativo à responsabilidade dos titulares de cargos políticos.
Um dos principais obstáculos à punição efectiva pela prática de crimes de corrupção prende-se com a necessidade, construída pela jurisprudência, da prova do nexo de causalidade entre a entrega por parte do agente da corrupção activa e a prática, ou omissão, do acto, lícito ou ilícito, por parte do agente da corrupção passiva, como se de um sinalagma verdadeiramente se tratasse.
Ora, defende-se já na doutrina que este não é verdadeiro sinalagma, na medida em que devem ser considerados crimes de corrupção, e punidos como tal, aqueles casos em que, à luz dos critérios de expectativa comum, a simples dádiva, tendo em conta, cumulativamente, o seu exagerado valor e as circunstâncias em que ocorreu ou a pessoa de quem proveio, não se mostre justificável de outro modo. Opta-se, em consonância com este entendimento, por clarificá-lo, esclarecendo que a simples solicitação ou o simples recebimento de dádivas por um agente público devem ser punidos como crime de corrupção passiva. Não sendo possível a prova do elemento agravante que representa a prática ou a intenção de praticar um acto ilícito, o agente deve, neste caso, ser punido por corrupção passiva para acto lícito.
No mesmo sentido, e no que respeita à corrupção passiva para acto ilícito, abandona-se na descrição da conduta típica a referência à contrapartida entre a vantagem e o acto, por se entender ter sido este conceito alvo de uma errónea interpretação, que assim expressamente se pretende afastar.
Clarifica-se, por outro lado, a punição, quer da corrupção antecedente, quer da corrupção subsequente, em que a atribuição ou promessa da vantagem ocorre depois do acto que se pretende remunerar.
Elimina-se ainda o exagerado regime de favor que se traduzia na muito sensível diminuição da moldura penal quando o agente, tendo recebido a peita, não executava o facto, com o que também se pretende clarificar que o crime se consuma com a solicitação ou recebimento da vantagem indevida, independentemente de a contrapartida vir ou não a ser satisfeita.
Procede-se, por outro lado, a uma harmonização do regime previsto para os titulares de cargos políticos com aquele vigente para os funcionários. Com efeito, a revisão do Código Penal em 1995 teve como consequência uma agravação da pena da corrupção passiva para acto lícito, passando ainda a punir-se a corrupção activa para a prática do mesmo acto. Como não se procedeu à respectiva alteração do regime da corrupção dos titulares de cargos políticos, passou a registar-se uma situação, completamente contrária ao espírito deste regime, assegurando uma menor responsabilidade e punição dos titulares de cargos políticos relativamente aos funcionários.
Ainda por força do disposto na Convenção relativa à luta contra a corrupção em que estejam envolvidos funcionários das Comunidades Europeias ou dos Estados-membros da União Europeia, adoptada pelo Conselho em 26 de Maio de 1997, e que hoje também aqui apresentamos para aprovação, amplia-se o conceito de funcionários, de modo a que passe a abranger todos os funcionários da União Europeia, os magistrados do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Contas da União e, ainda, os funcionários dos outros Estados-membros quando o crime apresenta alguma conexão com o Direito Penal português, por ter sido cometido total ou parcialmente no território português. Procede-se a idêntica ampliação relativamente ao conceito de titular de cargo político.
Finalmente, como decorre do normativo, quer da Convenção Penal sobre a Corrupção, do Conselho da Europa, quer da Acção Comum, do Conselho, de 22 de Dezembro de 1998, criminaliza-se a corrupção no sector privado.
Como o bem jurídico protegido com estas incriminações não é o Estado mas, sim, a economia, na medida em que tais condutas originem uma distorção da concorrência, entende-se que a sede adequada para a intervenção legislativa é o Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, relativo às infracções económicas, seguindo, aliás, a solução já adoptada aquando da aprovação da convenção da OCDE sobre a corrupção de agentes públicos estrangeiros.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estas são, em resumo, as principais alterações que propomos, visando dotar o Estado de instrumentos legislativos mais eficazes para combater este tipo de criminalidade organizada e económico-financeira.
Uma maior eficácia deste combate é essencial para o reforço da nossa segurança colectiva, mas é também condição para uma maior igualdade efectiva na aplicação da lei, para que o Estado não se limite a punir a pequena criminalidade de rua e fique impotente perante a grande criminalidade organizada, que trafica, branqueia, corrompe e financia o terrorismo.
A nossa coesão social, a credibilidade das nossas instituições e a defesa dos valores da justiça exigem-nos determinação e firmeza para eliminar da sociedade portuguesa um sentimento generalizado de existência de uma lei para os poderosos e de uma outra para os fracos. Estas medidas visam também pôr termo a este sentimento intolerável.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Guilherme Silva, Narana Coissoró, Miguel Macedo, Odete Santos e Jorge Lacão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

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O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, espero que V. Ex.ª não aproveite esta minha intervenção para dizer, mais uma vez, que tem ciclos de apoio e de não apoio da minha parte às suas iniciativas. A nossa posição, em princípio, é de apoio a estas iniciativas.

O Sr. Ministro da Justiça: - Mantemo-nos no mesmo ciclo!

O Orador: - Sr. Ministro, trouxe-nos, V. Ex.ª, há algum tempo, numa intervenção ao Parlamento, números assustadores da economia do crime a nível mundial: 500 a 800 milhões de dólares, cerca de 15% do comércio mundial, mais do que o valor combinado do comércio internacional de petróleo, aço, produtos farmacêuticos, alimentos, trigo e açúcar; 1 milhão de dólares injectados diariamente nos mercados financeiros.
Sr. Ministro, quero colocar uma questão muito concreta. Podemos fazer os maiores esforços em termos de aperfeiçoamento legislativo, podemos fazer os maiores esforços em termos de convenções internacionais de forma a que haja uma cooperação alargada além-fronteiras no combate a estes flagelos, mas a questão que quero colocar-lhe é a seguinte: não há aqui um problema prévio de postura ética dos responsáveis políticos e, em particular, de quem exerce o poder em cada momento nestas matérias?
Porque lhe coloco esta questão? Porque tivemos, há pouco, no Parlamento, uma comissão de inquérito relativa à Fundação para a Prevenção e Segurança, que tratava do apuramento do destino de dinheiros públicos, tendo havido da parte do seu partido uma obstaculização sistemática às diligências de apuramento e de indagação e à transparência que essa matéria impunha e necessitava.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - A comissão de inquérito trabalhou seis meses!

O Orador: - Lembro, por exemplo, que no inquérito (atropelado) da IGAI há um inspector que recusou continuar a instrução, por entender não ter condições para o fazer, que propôs um procedimento disciplinar em relação ao director do GEPI, sendo desautorizado pela subdirectora-geral... Tudo isto devia ser esclarecido em sede de comissão, porque estavam e estão em causa dinheiros públicos, mas o seu partido, mais uma vez, inviabilizou a vinda do Ministro, do inspector-geral e desses funcionários à comissão de inquérito.
Portanto, Sr Ministro, receio que V. Ex.ª esteja sozinho a «pregar no deserto» e que não tenha os seus pares, o seu Governo e o seu partido abertos para este combate, começando por dar o exemplo de transparência na abertura, no deixar investigar até ao fim as situações que são nublosas, como foi esta.
Portanto, a pergunta concreta que quero colocarlhe é a seguinte: é ou não é uma questão prévia de eficácia destas medidas uma postura de ética na política por parte dos responsáveis, particularmente daqueles que, a cada momento, exercem o poder?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente e Sr. Deputado Guilherme Silva, congratulo-me por verificar que o Verão não nos afastou de uma coincidência de pontos de vista e gostaria de dizer-lhe - e não falo de questões que desconheço, da vida interna da Assembleia,…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares pode ajudá-lo!

O Orador: - ... pois essas funções de assuntos parlamentares são agora bem exercidas (finalmente bem exercidas) pelo Sr. Secretário de Estado José Magalhães - que, quanto à questão de fundo, é evidente que, antes da lei, tudo depende da postura dos agentes políticos! Mas depende também da atitude do legislador. Penso que o importante é que esse sinal, que hoje aqui é pedido ao legislador que dê, seja dado, porque tenho sentido muitas vezes que, quer as magistraturas, quer a polícia, quer as entidades inspectivas sentem que não têm o apoio do poder político no combate à criminalidade económica e à corrupção e eu penso que é preciso deixar muito claro para toda a gente que o poder político democrático considera prioritário este combate, mas considera também prioritário que ele seja desenvolvido. Naquilo que está na nossa mão, que é fornecer instrumental legislativo, estamos disponíveis. Força nesse combate, que é essencial.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, em primeiro lugar quero felicitá-lo por esta iniciativa que, face às ocorrências que hoje estão na agenda política mundial, já tardava em Portugal. É uma boa coincidência que, exactamente na semana em que pensamos nos crimes de terrorismo organizado e os lamentamos, venha aqui esta legislação para «apertar as malhas» de combate e de investigação de todas as formas desta luta que as sociedades democráticas travam contra os seus adversários internos e externos.
Efectivamente, as duas propostas de lei hoje em debate são, digamos, «malhas do mesmo tecido», na medida em que a corrupção favorece o tráfico de armas e o tráfico de droga favorece, através do tráfico de capitais, os crimes de colarinho branco ou os crimes económicos e financeiros. Portanto, estamos a tratar de crimes que têm uma raiz comum, já que a corrupção vive de dinheiro sujo e o dinheiro sujo vive de corrupção.
Por isso mesmo, o conglomerado de legislação que hoje aparece perante a Câmara é uma boa oportunidade para combater a grande criminalidade e, naturalmente, merecerá o nosso total apoio.
Se isto assim é em tese geral, sob o ponto de vista de tecnicismo os textos apresentados merecem-nos alguns reparos - aliás, já hoje os referi num relatório que apresentei na 1.ª Comissão e que teremos bastante tempo para discutir na especialidade -, que são os seguintes: em primeiro lugar, quanto ao património do arguido…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Do condenado.

O Orador: - Arguido, porque tem um arresto!
Como dizia, quanto ao património do arguido, a definição apresentada parece-nos um pouco vaga. Faz três distinções,

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sendo uma delas a do património adquirido cinco anos antes da notificação inicial, o que me parece uma comparação com a chamada prescrição fiscal. A explicação que se dá é a de que a pessoa pode ter-se esquecido do modo como, cinco anos antes, «amealhou», de como arranjou o seu património. Bem, acho que cinco anos é um espaço de tempo muito curto para que alguém, para mais suspeito de crime, não se lembre se a apropriação foi lícita ou ilícita!… Mas, vá lá, formalmente diz-se que em cinco anos o arguido já caiu na amnésia, não se lembra de onde lhe veio o dinheiro...
No entanto, o problema que se suscita é que não se afasta do património o que ele herdou, a não ser que o próprio de cujus tivesse incorrido num dinheiro sujo!

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado.

O Orador: - Em segundo lugar, coloca-se o problema de saber da boa fé dos terceiros na cadeia de transmissão e, portanto, a prevalência do registo predial dos terceiros adquirentes de boa fé, não no elo imediato, mas a seguir, aqueles que foram transmitindo, também não está devidamente solucionada.
Em terceiro lugar, considero existir um problema no que diz respeito à corrupção passiva, do que falarei mais tarde, em intervenção que irei proferir.
Finalmente, uma outra questão: a corrupção dos privados. Sr. Ministro, não acha que a corrupção dos privados deveria aguardar uma queixa em vez de ser considerada um crime público?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, creio que a questão essencial quanto ao objecto deste diploma é a que sublinhou. Hoje, na articulação entre as redes criminosas, deixou de haver uma separação efectiva entre o crime de colarinho branco e os crimes de sangue. Hoje, o homem do colarinho branco tem as mãos sujas de sangue.
De facto, trata-se de uma cadeia contínua: o dinheiro é gerado no tráfico, é branqueado e é reinvestido. Aliás, nos últimos dias, tivemos a oportunidade de ler na comunicação social a grande diferença que existe entre o terrorismo dos dias de hoje e o terrorismo dos anos 60 e 70. Nessa altura, o terrorismo punha bombas na Bolsa; hoje, o terrorista investe na Bolsa e obtém nela o dinheiro para a sua acção terrorista.
Portanto, isto implica que mudemos, muito claramente, o nosso paradigma relativamente ao tipo de criminalidade com que estamos a lidar e quanto aos mecanismos que temos de utilizar para combater esta criminalidade. Creio que isso ajudará muito ao debate sobre a relevação dos sigilos fiscal e bancário, para percebermos que esse é hoje um instrumento fundamental para o combate a esta criminalidade. Em vez do velho brocardo «cherchez la femme», agora é necessário dizer «cherchez l'argent» para descobrir o criminoso.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Se disser «cherchez l'homme», também não está mal.

O Orador: - Estamos totalmente abertos, como é evidente, para, em sede de especialidade, trabalharmos as questões técnicas.
O facto de termos relevado o património com mais de cinco anos tem a ver com o seguinte: ao condenado é imposto o ónus de provar a licitude e, portanto, limitámo-nos aos cinco anos porque esse é o prazo hoje vigente na ordem jurídica portuguesa para conservar a documentação para efeitos fiscais. Receámos que alargar esse prazo fosse, no fundo, prejudicar pessoas que, não tendo de conservar a documentação, poderiam ter dificuldades em provar.
Quanto ao património herdado, esse está relevado, porque a herança é, à partida, uma forma totalmente lícita de aquisição do património, salvo se, de alguma forma, o condenado tiver contribuído para que o detentor anterior do património se tivesse convertido em de cujus. Mas esta é uma das situações relativamente fáceis de provar a origem lícita do património.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr. Ministro, a questão que quero colocar tem a ver, sobretudo, mas não apenas, com a proposta de lei n.º 94/VIII, que estabelece medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira, justamente para chamar à colação deste debate uma questão que tivemos oportunidade de discutir não há muito tempo, em Março de 2001, a propósito de uma iniciativa do Partido Comunista Português, sobre a qual o Sr. Ministro, nesse debate, se pronunciou.
Quero recordar ao Sr. Ministro uma passagem da intervenção que então aqui fez, onde disse, designadamente, entre outras coisas: «Acreditamos que é possível desenhar um procedimento que, mantendo a intervenção do juiz, permita uma investigação criminal eficaz». E explicou depois como, dizendo, designadamente, que o sigilo devia e podia ser levantado, genericamente, por um certo período, como forma de contornar as dificuldades e as morosidades que se criam num procedimento que pode obstaculizar e obstar a uma eficiente investigação, que todos desejamos, em relação a esta matéria. No entanto, o que verificamos é que nesta proposta de lei se prescinde, em muitas circunstâncias, da intervenção necessária do juiz para o levantamento do sigilo, designadamente do sigilo bancário.
Sr. Ministro, nós não somos contra o levantamento do sigilo bancário, mas julgamos que estamos numa área que faz parte e integra, até nos termos da Constituição, um conjunto de direitos dos cidadãos, quaisquer que eles sejam, que têm de ser acautelados e respeitados. E não vemos, como não via o Sr. Ministro em Março deste ano, que a intervenção necessária de um juiz, sobretudo em processos especiais como este, possa obstar e possa obstaculizar a essa eficiência da investigação, acrescentando, por um lado, uma coisa que nos parece muito significativa e que é uma especial garantia ao cidadão - a qualquer cidadão -, sobretudo nestas fases do processo, de que há uma avaliação imparcial e isenta, que é própria da magistratura judicial, em relação ao pedido que é feito pelas entidades que investigam. Não vemos por que é que o Ministério Público estará melhor colocado para proceder da forma que aqui vem prevista e vem proposta

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do que um juiz e não vemos que com isto se ganhe mais em termos de apreciação isenta e independente.
Nós temos esta enorme reserva em relação a esta matéria, até porque nesta proposta de lei se permite uma delegação de competências das autoridades judiciárias nas próprias polícias e com esta delegação de competências poderem as próprias polícias proceder directamente ao levantamento do sigilo bancário, sem intervenção de qualquer juiz - é aquilo que eu leio da proposta de lei -, guardando-se para o juiz só a responsabilidade para avaliar e decidir sobre recusa de acatamento do levantamento do sigilo bancário feito nestes termos.
Nesta matéria, Sr. Presidente e Sr. Ministro, temos, de facto, como já dissemos em outras ocasiões, algumas dificuldades. Não queremos obstar a coisa alguma, mas queremos que nos fundamentem melhor, porque não o vemos suficientemente fundamentado, este afastamento do juiz nesta fase do processo.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente e Sr. Deputado Miguel Macedo, nesta proposta de lei procuramos assegurar a intervenção do juiz quando estavam em causa direitos fundamentais dos cidadãos. Corrigimos, aliás, um erro que tínhamos cometido anteriormente - que, aliás, o Sr. Deputado Miguel Macedo nos ajudou a detectar - quanto à utilização de imagens e de sons gravados sem autorização e sem conhecimento do visado, já que aí, estando efectivamente em causa um direito fundamental dos cidadãos, requer a intervenção de juiz.
Ora, não é isso o que se passa relativamente à obtenção de informação sobre transacções bancárias, onde não há nenhum direito fundamental do cidadão que esteja em causa. Está em causa um direito do cidadão, mas não é nenhum direito fundamental, já que não tem dignidade constitucional, nem formal, nem material; é um direito do cidadão, que, obviamente, deve ser salvaguardado.
Portanto, não nos pareceu que, nessa fase, fosse fundamental a intervenção do juiz de autorizar o levantamento. Há sempre uma intervenção do juiz, porque há sempre a função, que necessariamente o juiz de instrução tem, de controlo do resultado do próprio inquérito na fase da pronúncia.
Porque é que deve ser o magistrado do Ministério Público? Deve ser ele porque, primeiro, há uma coisa que, creio eu, temos de resolver, que é a seguinte: na nossa ordem constitucional, mal ou bem, temos duas magistraturas, com iguais requisitos, com igual grau de imparcialidade, com igual grau de independência e exactamente com o mesmo tipo de formação. Portanto, o que não faz sentido, do meu ponto de vista, é que, tendo nós construído um sistema de duas magistraturas paralelas e idênticas, que se distinguem exclusivamente pelas suas competências funcionais, não admitamos que uma delas tem o grau de isenção e de imparcialidade necessário para praticar actos desta natureza.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - O problema é que não tem!

O Orador: - Tem, constitucionalmente tem, e legalmente também tem.
Portanto, foi esse o modelo que entendemos correcto, mas, como sempre, em sede de especialidade, estamos disponíveis para trabalhar essa questão. Parece-nos adequado que o juiz intervenha quando estão em causa direitos fundamentais do cidadão, que é o caso do registo de imagens e do registo de som. Também para o mecanismo novo que introduzimos…

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Mudaram de opinião!

O Orador: - Não! A intervenção do juiz mantém-se, só que é na fase de pronúncia e não para o levantamento antecipado.
Entendemos, aliás, que, para o mecanismo novo da monitorização das contas - que implica, efectivamente, uma intromissão mais prolongada e indeterminada na vida das pessoas -, ainda aí, deve ser o juiz a ter de autorizar. Agora, para os outros casos, parece-nos não ser necessário.
Nunca delegamos, aqui, a possibilidade de a polícia levantar o sigilo bancário.

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Ministro.

O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente.
O que está estabelecido neste diploma é que, uma vez levantado o sigilo bancário, o contacto no dia-a-dia com a instituição pode ser feito pela polícia, como hoje, aliás, já pode.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Quanto a isso, estamos de acordo!

O Orador: - Ainda bem. Então, afinal, estamos de acordo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Em relação ao levantamento do sigilo é que não!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, de uma maneira geral, estamos de acordo com as propostas de lei n.os 91/VIII e 94/VIII - e, é evidente, com as outras -, no sentido de melhor se reforçar o combate a esta espécie de criminalidade que foge, com grande facilidade, à perseguição penal.
Quero, no entanto, colocar uma questão, que penso não ser de especialidade. Haverá outras que, depois, trataremos nessa área.
Tenho muitas dúvidas sobre o que o Sr. Ministro afirmou no sentido de que, segundo o que propõe, não havia uma inversão do ónus da prova, pelo que não se violava a presunção de inocência. Devo dizer que coloco esta questão, porque já vi outros países começarem por inverter o ónus da prova nesta espécie de crimes - que até cai muito bem no público - e, depois, avançarem com a inversão do ónus da prova noutros crimes, como a Inglaterra, por exemplo, que até em processos-crime que envolvam menores avançou com a inversão do ónus da prova. E conheço também a lei grega que tem uma disposição semelhante a esta, que diz que é apenas para efeito da perda do produto do crime, mas chama-lhe a lei, claramente, inversão do ónus da prova.

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O Sr. Ministro falou que só depois do trânsito em julgado é que havia a perda - sim, senhor -, mas o que é certo é que é na acusação ou até 30 dias antes do julgamento que, de facto, o Ministério Público tem de fazer a liquidação. Assim, apresenta a sua conta: na actividade lícita receberia «isto», mas tem «isto»... Tenho muitas dúvidas, Sr. Ministro da Justiça, funcionando o nosso sistema processual penal na convicção criada pelo tribunal com base, até, em presunções de evidências, que daqui não se chegue à conclusão de que «isto», em muitos casos, será uma inversão do ónus da prova, nomeadamente naqueles casos em que é preciso provar concretamente a operação que fez o branqueamento. Nos outros casos, como, por exemplo, no tráfico de menores, em que se pode provar que havia uma actividade lucrativa e não se vai à exigência de provar o quanto, não será uma inversão do ónus da prova. Mas tenho, efectivamente, muitas dúvidas, pelo que gostava de ver isto esclarecido.

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, creio que estamos de acordo quanto ao essencial. Para o combate a este tipo de criminalidade é essencial fazer o criminoso perder os proventos do crime. São crimes que visam o lucro, pelo que a melhor forma de os prevenir e de os combater é ir ao lucro.
Sr.ª Deputada Odete Santos, ainda há cerca de uma ano, uma pessoa que se dedicava ao tráfico de droga foi finalmente apanhada numa operação de tráfico de droga. Foi-lhe apreendida a droga e foram-lhe arrestados bens no valor de 2 milhões de contos. Não lhe era conhecido qualquer tipo de rendimento lícito: nem herdou, nem trabalhou, nem lhe saiu a sorte grande..., nada! Mas tinha 2 milhões de contos!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas não é isso que está em causa!

O Orador: - Foi condenado, Sr.ª Deputada Odete Santos, a 12 anos de cadeia por tráfico de droga. Mas a droga tinha-lhe sido apreendida, visto que ele estava com ela, não a tinha comercializado. Daquela droga que era objecto do processo, ele não tinha ganho um tostão. Nem um tostão daqueles 2 milhões de contos provinha daquela operação de tráfico de droga. Resultado: 12 anos de cadeia e foi ordenado ao Estado a devolução dos 2 milhões de contos que estavam arrestados, através de depósito na conta bancária do senhor. Cumprirá 12 anos de cadeia e virá cá para fora com os 2 milhões de contos.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Com juros!

O Orador: - Com os 2 milhões de contos, não! Com as receitas que pode multiplicar dos 2 milhões de contos que tem. Quanto mais não seja, põe a render com juros. Mas pode aplicar, pode ter comprado as acções que foram agora vendidas daquelas seguradoras…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não está a responder à pergunta que fiz!

O Orador: - Sr.ª Deputada Odete Santos, se é uma inversão do ónus da prova é uma inversão do ónus da prova.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Ah! Mas o Sr. Ministro disse ao contrário na sua intervenção.

O Orador: - Não, Sr.ª Deputada.
Mas não é uma inversão do ónus da prova para a condenação, porque este mecanismo só é aplicado a quem é condenado. O que dizemos é que quem é condenado por um conjunto de crimes, designadamente por tráfico de droga (para manter este exemplo), havendo uma grande incongruência entre o seu património e o rendimento lícito que prova que tem, tem de provar a licitude desse património. Se tem uma discrepância de 200 ou 300 contos… Está bem, todos nós teremos, com certeza, dificuldade em explicar como é que 200 ou 300 contos...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas está disponível para que a liquidação seja feita depois da condenação?

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Odete Santos, não pode continuar a falar ao mesmo tempo que o orador que está no uso da palavra. Não é possível. Se lhe fizerem isso a si, também impeço que o façam. Tenha paciência. Tem de deixar falar quem está no uso da palavra.

O Orador: - Agora, tivemos precisamente o cuidado de construir um mecanismo, que não é fácil... Se for ver o que acontece em França, o que acontece no Reino Unido, o que acontece em Itália, o que acontece na Irlanda, o que acontece na Austrália, o que acontece em todos esses países,...

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Ministro.

O Orador: - Sr. Presidente, vou já terminar, mas o meu tempo foi algo perturbado.
Como estava a dizer, todos esses países prescindiram da garantia da proibição da inversão do ónus da prova, mesmo na componente criminal. Nós respeitámos integralmente a componente criminal e temos uma sequela cível que tem os efeitos da perda de bens, cujo pressuposto é, precisamente, a prévia condenação em processo penal.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão..

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, ao observar esta continuação de diálogo da Sr.ª Deputada Odete Santos com o Sr. Ministro, não posso deixar de considerar que a tradição já não é o que era. Por alguma razão...
O Sr. Ministro chamou-nos aqui a atenção para um ponto que também reputo de importante: o de que os responsáveis pelo poder político dêem um sinal claro do seu empenhamento em mobilizar os mecanismos lícitos no Estado de direito no combate aos crimes de corrupção, de tráfico de influências, dos tráficos vários e, designadamente, também, da criminalidade organizada e de natureza económica e social.
Quero, naturalmente, juntar o apelo do Sr. Ministro à nossa disponibilidade e permitir-me recordar aqui a forma

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metódica como - aliás, por impulso do seu Ministério - temos vindo a dar contributos nesse sentido. Permita-se-me salientar outros instrumentos jurídicos já aprovados, desde a lei da coordenação de investigação criminal, que permite uma melhor congregação do esforço das várias polícias no domínio do combate ao crime, à actualização orgânica e funcional da lei da Polícia Judiciária, à adequação dos mecanismos processuais penais na actividade da Política Judiciária, a utilização de um instrumento sempre necessariamente sensível, como o da figura do agente encoberto, que permite uma maior eficácia na prevenção e na investigação da criminalidade mais sofisticada, e agora, naturalmente, estas propostas que aqui estão presentes, relativamente à criminalidade organizada económico-financeira de crimes de corrupção e de tráfico de influências.
Tudo isto é um plano metódico de actualização legislativa, de reforço dos instrumentos de combate à criminalidade, não apenas na perspectiva nacional, mas igualmente na consciência da natureza transfronteiriça da criminalidade de que estamos a falar e da necessidade de a enquadrar num combate ao crime, que tem de ter também um mecanismo de solidariedade e uma perspectiva de cooperação numa escala internacional e particularmente numa escala europeia.
Ontem, na reunião da 1.ª Comissão, tivemos ocasião de, com o Sr. Ministro da Justiça, reflectir sobre essa questão. Sabemos como, por exemplo, no domínio da cooperação judiciária internacional em matéria penal é já hoje possível pôr no terreno brigadas conjuntas de polícias de vários Estados-membros da União. É sabido o trabalho que está a ser feito, no sentido da estruturação da EUROPOL e também dos mecanismos de garantia dos direitos processuais no contexto europeu.

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado.

O Orador: - É igualmente sabido que tudo isto deverá passar por integrar este esforço num plano conjugado do esforço que também está em marcha nesse plano da construção do espaço de liberdade, segurança e justiça europeia.
Como o meu tempo terminou, Sr. Ministro da Justiça, o meu contributo final, neste momento, é o de juntar a minha disponibilidade ao seu apelo e convidá-lo a que possamos continuar a trabalhar construtivamente juntos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, o tempo terminou antes da formulação da pergunta, mas creio que a entendi.

Risos.

Em meu entender, podemos dizer que se tem feito um bom trabalho, de acordo com uma estratégia que tem vindo a ser executada e com um programa comum que tem unido, no essencial, toda a Assembleia e o Governo, relativamente a este tipo de combate. Graças também, evidentemente, às oposições, que têm tido uma posição necessariamente construtiva.
Na documentação que deixei ontem na 1.ª Comissão, relativa ao Conselho de Justiça e Assuntos Internos que se vai realizar amanhã, o Sr. Presidente e os Srs. Deputados poderão ver como os acontecimentos da semana passada tiveram a virtualidade de, mesmo para os países que habitualmente são menos sensíveis à necessidade do controlo dos movimentos financeiros, dar sinais claros da urgência na conclusão dos instrumentos, que estão, como todos sabemos, há vários meses em aberto sobre o branqueamento de capitais, sobre o congelamento de bens, sendo, designadamente para este, já fixado o prazo de 6 e 7 de Dezembro para aprovação dos mecanismos de congelamento internacional dos bens para este tipo de investigações. E, efectivamente, são instrumentos essenciais. O que responde, também, à angústia expressada ontem pelo Sr. Deputado Fernando Rosas de que o espaço de liberdade, segurança e justiça não fosse só a polícia carregando nas ruas de Génova, mas também a busca e a apreensão dos bens dos grandes traficantes internacionais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Terminaram os pedidos de esclarecimento e respectivas respostas.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Não deixa de ser interessante e significativo que discutamos hoje, e tenham sido agendadas, duas propostas de lei, uma que altera o regime jurídico dos crimes de tráfico de influência e de corrupção e outra que estabelece medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira e, ao mesmo tempo, duas propostas de resolução, uma que aprova, para ratificação, a Convenção relativa à luta contra a corrupção em que estejam envolvidos funcionários das Comunidades Europeias ou dos Estados-membros da União Europeia, assinada em Bruxelas, a 26 de Maio de 1997, e outra que aprova, para ratificação, a Convenção Penal sobre a Corrupção do Conselho da Europa, assinada, em Estrasburgo, a 30 de Abril de 1999.
Isto revela que este tipo de criminalidade, como outra tão ou mais grave, ultrapassa as fronteiras dos Estados, sendo, pois, indispensável, para que se assegure um combate cada vez mais eficaz a este flagelo, o recurso a instrumentos internacionais e, designadamente, à cooperação judiciária penal internacional.
Dir-se-á mesmo que a globalização do crime e da economia que lhe está associada antecedeu a própria globalização económica em que o mundo está envolvido, a qual, ironicamente, e num revelador sinal dos tempos, é bem mais contestada, pelo menos em termos mediáticos, do que a globalização do crime.
Diga-se, ainda, que algumas das medidas e alterações que as propostas de lei em discussão veiculam têm exactamente a ver com a adaptação da nossa legislação interna a decorrências normativas emergentes das convenções agora também em discussão, que Portugal assinou e este Parlamento, estou certo disso, vai agora aprovar, para ratificação.
A gigantesca máquina administrativa e burocrática que integra as estruturas da União Europeia e os serviços que funcionam à volta das suas instituições, o volume dos

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interesses que dependem das suas intervenções e decisões, numa época em que se atingiu uma preocupante crise de valores, constitui, infelizmente, um campo propício à proliferação do crime de corrupção.
O entrosamento das administrações nacionais e dos seus funcionários com as estruturas comunitárias impunha que esta matéria, que exige certeza e segurança jurídica, fosse objecto de instrumento multilateral adequado, e daí a Convenção relativa à Luta Contra a Corrupção, de 26 de Maio de 1997, cujo clausulado não nos merece reparo, consagrando e definindo conceitos que era necessário precisar, prevendo as medidas que cabe aos Estados adoptar, definindo competências e assegurando a intervenção do Tribunal de Justiça das Comunidades para suprir dúvidas e diferendos na sua interpretação e aplicação.
De âmbito mais vasto temos a Convenção Penal sobre a Corrupção, do Conselho da Europa.
Trata-se, de certo modo, do culminar de todo um longo e empenhado trabalho do Conselho da Europa sobre o combate à corrupção, salientando, pela sua importância, alguns dos seus antecedentes, em que Portugal participou de forma activa, a saber: Programa de Acção Contra a Corrupção adoptado pelo Comité dos Ministros do Conselho da Europa, em Novembro de 1996, em conformidade com as recomendações da 19.ª Conferência dos Ministros Europeus da Justiça, em 1994, em La Valette; Resolução adoptada pelos Ministros Europeus da Justiça, na 21.ª Conferência, em Praga, em 1997; a Segunda Cimeira de Chefes de Estado e de Governo do Conselho da Europa, em Outubro de 1997, em Estrasburgo, de que saiu a recomendação ao Comité dos Ministros para elaborar um Programa de Acção Contra a Corrupção; a Resolução n.º 24, sobre os Princípios Directores para a Luta Contra a Corrupção no âmbito da 101.ª Sessão, em 6 de Novembro de 1997; a Resolução n.º 96, de 4 de Maio de 1998, que cria o Grupo dos Estados Contra a Corrupção - GRECO.
Importante e de certo modo inovatório, e que será acolhido pela legislação interna agora em discussão, é a figura da corrupção no sector privado.
Importa lembrar que ainda há poucos meses transpusemos para o direito interno português a Convenção sobre a Luta Contra a Corrupção dos Agentes Políticos Estrangeiros nas transacções comerciais internacionais, aprovada em Paris, a 17 de Dezembro de 1997, sob a égide da OCDE.
A proposta de lei n.º 91/VIII, que altera o regime jurídico dos crimes de tráfico de influência e de corrupção, em bom rigor visa acolher no direito interno as alterações impostas pela ratificação das referidas convenções.
E basta assim ser para que tais alterações, em termos de fundo, não nos mereçam reparo, designadamente a eliminação da atenuação do actual n.º 2 do artigo 372.º do Código Penal, bem como o alargamento do âmbito do crime.
Importa, sim, em sede de especialidade, melhorar e clarificar a sua redacção, tendo em consideração algumas das sugestões constantes do Relatório e Parecer do Sr. Deputado Narana Coissoró, aprovado esta manhã, na 1.ª Comissão.
Já quanto à proposta de lei n.º 94/VIII, que estabelece medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira, estamos de acordo com uma maior eficácia, e até alargamento, da derrogação do sigilo bancário, na sequência, aliás, de legislação anterior. Não aceitamos, porém, que tal medida possa ser decretada sem intervenção do juiz.
Não é a circunstância de, mesmo na fase em que a direcção do processo pertence ao Ministério Público, a derrogação do sigilo bancário dever ser submetida a decisão do juiz que vai comprometer a sua eficácia e prontidão.
Na linha do que tem sido a nossa orientação e certos de que o grande desafio que hoje está colocado às sociedades democráticas é o de combater esta e outra criminalidade, tão ou mais grave, com maior eficácia, mas sem quebra dos valores, princípios e garantias próprias do Estado de direito, não abdicamos da exigência da intervenção jurisdicional, tanto mais que se alarga, através do despacho genérico, o âmbito da derrogação do sigilo. Trata-se de questão sobre a qual temos de debruçar-nos na especialidade, e para o que adianto desde já, sem hesitação, a posição do PSD.
Cabe aqui lembrar a intervenção do Sr. Ministro da Justiça, em Março deste ano, no Parlamento: «(...) acreditamos que é possível desenhar um procedimento que, mantendo a intervenção do juiz, permita uma investigação criminal eficaz. (...) O sigilo deve ser levantado genericamente por um certo período em relação a um indivíduo que seja arguido pela prática de um desses crimes. O levantamento deve ser autorizado pelo juiz, em despacho fundamentado, confirmando a existência de indícios e a necessidade de aceder aos dados bancários. A partir daqui, a Polícia Judiciária ou o Ministério Público poderão dirigir-se a qualquer banco e aceder a quaisquer dados de contas e operações bancárias do arguido sem mais necessidade de intervenção judicial (…)». Sr. Ministro, ou V. Ex.ª mudou de opinião ou a leitura que faço da sua intervenção não corresponde àquilo que seria o seu pensamento.
Igualmente, a perda do património dos arguidos decorrente da actividade criminosa, com o que estamos de acordo, tem de acautelar os direitos de terceiros de boa fé, estranhos a tal actividade.
Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Deputados: Saudamos, pois, estas iniciativas com o à-vontade de quem, nestas matérias, em que estão em causa princípios, valores, a segurança e o interesse colectivos, tem sempre a mesma postura, tanto no Governo, como na oposição.
Não seguimos o exemplo de quem, sendo agora Governo, tinha outro posicionamento, numa sistemática política de «bota abaixo, quando oposição».
Lembro-lhe, Sr. Ministro, que quando discutimos nesta Assembleia, a proposta que veio a dar lugar à Lei n.º 36/94, de 29 de Setembro, Lei do Combate à Corrupção e à Alta Criminalidade Económica e Financeira, o PS (e V. Ex.ª) votaram contra.
Permita-me que lhe recorde algumas passagens do que então disse nesse debate, dirigindo-me aos Deputados do seu partido, e que mantêm alguma actualidade: «Se querem continuar a fomentar o desrespeito pela presunção de inocência de indiciados em qualquer crime até ao trânsito em julgado das respectivas sentenças, o que, aliás, neste âmbito, se tem colocado mais no vosso próprio campo, não contem connosco!
Se querem continuar a pactuar com as constantes violações do segredo de justiça, a colaborar e a fomentar o pré-julgamento pela comunicação social, sem o menor respeito pela honra e o bom nome dos cidadãos, sejam eles quem forem, não contem connosco! (…) Ainda que

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tenhamos de prosseguir esta caminhada (aparentemente sós), não desistiremos do escrupuloso respeito pelos princípios nem abdicaremos da exigência de que todos e cada um exercitem os seus afectivos poderes no estrito âmbito das suas competências legais e constitucionais, com a firmeza que impõe um combate que queremos implacável e exemplar.(...) Se querem, a todo o custo, manter uma colagem às reivindicações corporativas, cada vez mais politizadas, de sectores com responsabilidades na justiça, que se desejam politicamente não envolvidos e equidistantes, por indispensável à garantia da sua isenção, independência ou autonomia e imparcialidade, não contem connosco!(…) Já sabemos que, nesta postura de recusa à sistemática pugna político-partidária nesta matéria, e da sua colocação no patamar próprio das questões de Estado, não podemos contar convosco, mas, apesar disso, e até estimulados por isso, continuaremos a combater sem tréguas a corrupção, na certeza de que na realidade não iremos sós, porque vamos com o povo português (...).»
Sr. Ministro da Justiça, se recordei estas minhas afirmações, de quando o PSD era governo, foi só para deixar claro que nestas questões a nossa postura de responsabilidade é a mesma quando estamos no poder, como quando estamos na oposição.
E, por isso, ao contrário do que aconteceu em 1993 com uma lei importante para combater a corrupção e a criminalidade económica e financeira, por parte do então maior partido da oposição, V. Ex.ª, agora, terá o nosso apoio quanto a estes diplomas.
Sabemos distinguir o interesse do País e os combates em que devemos dar as mãos da mera luta político-partidária.
Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: É preciso que fique claro perante o País, sob pena de estimularmos um clima de injustificada suspeição que corrói a democracia e as instituições, que este é um combate de todos nós, do Governo e da oposição, da Assembleia da República e de todos os órgãos de soberania, dos Deputados e de todos os partidos. Este combate não pode ser comprometido por divergências ou reivindicações corporativas, por discussão de espaços ou de competências em que se desgastam energias tão necessárias a uma convergência de acções e de esforços.
Não tenhamos, porém, a ilusão de que o combate à corrupção se esgota nos instrumentos legislativos e jurídicos ou mesmo nos meios humanos e materiais afectos aos órgãos de investigação e de instrução criminal.
Este problema, hoje mais do que nunca, assume natureza cultural e tem a ver com os valores que, em cada momento, informam as colectividades e que cada um de nós facilmente descobre em si.
Uma sociedade em que os valores do poder e do prestígio são ajuizados em termos monetários, patrimoniais e materiais, superando os valores da honestidade, da lealdade e da competência, é uma sociedade geradora de corrupção.
Significa isto que também aqui as nossas preocupações têm de se centrar na escola e nas famílias, que devem ser depositárias e transmissoras desses valores personalistas, de modo a que continuem a prevalecer sobre toda a espécie de materialismos sem alma.
Terminaria, citando William Shakespeare quando, em O Mercador de Veneza, lapidarmente refere: «Ninguém deve enganar a fortuna ou recolher as honras sem que tenha o cunho do mérito. Ninguém sonhe com dignidades que não mereça. Quanto seria para desejar que riqueza, postos e empregos não fossem devidos à corrupção, que todas as honras fossem justificadas pelo merecimento daquele que as recebe!»

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - «Serem ou não serem», eis a questão!

Risos.

Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As iniciativas legislativas que hoje temos para apreciação dizem respeito a uma questão de grande importância que é o combate à criminalidade organizada e, em especial, à chamada criminalidade de colarinho branco. Trata-se de uma matéria a que atribuímos a maior importância.
Entendemos que o combate à criminalidade não pode dirigir-se apenas à pequena criminalidade, embora sendo esta última responsável pela insegurança e a intranquilidade que afectam grande número de cidadãos, e o combate seja de grande importância e não possa ser descurado. Entendemos, pois, que o esforço de repressão penal não pode dirigir-se apenas àquele tipo de criminalidade, descurando o combate à criminalidade organizada, de colarinho branco, até porque, muito justamente, o sentimento actual da generalidade dos cidadãos é o de que os grandes criminosos, no fundo os responsáveis pela alta criminalidade, escapam sempre às malhas da justiça e que os mecanismos destinados a combater este tipo de criminalidade, designadamente a económico-financeira, acabam sempre por ficar impunes. Este é um sentimento generalizado da população e não é infundado.
De facto, verifica-se que todas as estatísticas criminais apontam para a existência de uma muito maior repressão da pequena criminalidade e para uma ausência de condenações e de consequências penais relativamente à alta criminalidade.
Congratulamo-nos, ainda, com este agendamento, na medida em que, deste modo, vai ser desbloqueada a apreciação do projecto de lei apresentado pelo PCP e relativo ao branqueamento de capitais, aqui aprovado na generalidade, em Março, e cuja discussão na especialidade tem estado a aguardar a apresentação de iniciativas por parte do Governo, as quais tinham sido prometidas e agora nos são presentes.
Portanto, é importante que, com a baixa à comissão destas iniciativas legislativas, tal discussão possa ser feita, por forma a que, dentro de pouco tempo, tenhamos mecanismos legais aperfeiçoados relativamente ao combate à alta criminalidade, como agora é proposto, e, em especial, relativamente a um outro tipo de criminalidade igualmente muito preocupante que é a que diz respeito ao branqueamento de capitais provenientes das actividades criminosas.
Repito que este agendamento é também importante porque permitirá desbloquear a discussão na especialidade daquele projecto de lei que aguarda desde Março.

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A questão fundamental que aqui está em discussão tem a ver com o problema da perda dos proveitos obtidos através de uma actividade criminosa, que se prende com duas situações contempladas na proposta de lei n.º 94/VIII, sobre o que me pronunciarei em particular.
Refiro-me, em primeiro lugar, à quebra do sigilo bancário que aqui é proposta e, em segundo lugar, à questão, já aqui abordada, da inversão do ónus da prova no que diz respeito à licitude da proveniência de determinados rendimentos ou de determinado património. Devo dizer que entendemos que estes problemas devem ser resolvidos e têm de ser encarados de frente.
Quanto à primeira questão, a da quebra do sigilo bancário, já estava contemplada na nossa própria iniciativa legislativa. No entanto, somos os próprios a admitir que a mesma, já quando a discutimos, em Março, era susceptível de uma actualização em face da reflexão que tem vindo a ser feita relativamente a esta matéria. Portanto, concordamos com as soluções que hoje são propostas relativamente à quebra do sigilo bancário.
De facto, entendemos que, para o combate à criminalidade económico-financeira, não é concebível uma situação em que temos de aguardar longos meses até ser dirimido o problema de saber se o sigilo bancário pode ou não ser quebrado em determinada situação.
Não se pode continuar a pactuar com uma situação que possibilita que, através de meios legais, se vá protelando a aplicação da justiça e a única forma de investigação possível relativamente à criminalidade económico-financeira. Não é possível conceber um combate eficaz a este tipo de criminalidade e, ao mesmo tempo, continuar a dizer que é possível defender a integridade do sigilo bancário.
Assim, pensamos que é preciso tomar-se uma opção entre o direito do cidadão ao sigilo bancário e a importância da repressão da criminalidade económico-financeira e entendemos claramente que deve prevalecer este último valor, pelo que o sigilo bancário deve ser quebrado para esse efeito, concordando, pois, genericamente, com as soluções propostas pelo Governo.
Um segundo ponto tem a ver com o problema do ónus da prova - e creio que devemos fazer a reflexão, não para dizermos que não deve ser consagrada uma medida deste tipo, pois, quanto a nós, deve sê-lo. Esta é uma questão que nos tem preocupado e que também tem suscitado uma grande reflexão noutros países. Entendemos que a solução a encontrar deve ser boa também do ponto de vista constitucional. É, pois, este o nosso espírito.
Entretanto, já aqui foi colocada pela minha camarada Odete Santos alguma dúvida relativamente à solução que foi encontrada.
Ora, do nosso ponto de vista, a questão que pode colocar-se é a de saber se não nos defenderia mais, do ponto de vista constitucional, uma solução em que o estabelecimento do património que se presume ilícito fosse feito após a condenação e se não será mais conforme ao texto constitucional fazer depender a perda dos bens a favor do Estado de uma acção cível subsequente. Aliás, esta é uma solução que era preconizada de alguma forma na estratégia nacional de luta contra a droga, que foi aprovada pelo Governo em Abril de 1999.
No citado documento abordava-se a questão da inversão do ónus da prova no que diz respeito aos crimes relacionados com a droga e dizia-se que a adopção de um tal mecanismo iria forçosamente contrariar o princípio constitucional da presunção de inocência e, mais adiante, que seria útil analisar a constitucionalidade e a pertinência de mecanismos utilizados noutros países, não para estabelecer, mesmo como questão prejudicial de natureza civil, a culpabilidade ou a inocência de uma pessoa para efeitos criminais, mas para, no quadro de um processo cível especial, estabelecer a origem lícita ou ilícita de um determinado bem. Há pouco, pareceu-me que o Sr. Ministro disse que o que se propunha era uma acção cível, mas não é isso que está na proposta. De facto, o que está previsto é no próprio processo-crime.
Para nós, é claro que deve ser encontrada uma solução.
De facto, se alguém é condenado por um determinado crime e tem um património desproporcionado relativamente ao que deveria ser normal se exercesse a profissão que declara, entendemos que deve ser encontrada uma solução que faça com que, de uma vez por todas, tal pessoa perca esse património. Esta é, claramente, a nossa disposição.
Pensamos que, na especialidade, teremos oportunidade de encontrar a solução que seja mais conforme aos princípios consagrados na Constituição da República. É esse o espírito com que encaramos esta questão.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Igualmente para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Sarmento.

O Sr. Joaquim Sarmento (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: O conjunto das quatro iniciativas aprovadas no Conselho de Ministros de 21 de Junho de 2001 inscreve-se no âmbito do combate jurídico-penal à corrupção e à criminalidade económico-financeira organizada.
O Deputado Jorge Lacão já falou em nome do Partido Socialista, mas quero associar-me às suas palavras felicitando igualmente o Sr. Ministro por mais estas iniciativas legislativas que comprovam a sua determinação e que, no caso concreto, são também sinónimo de competência, sendo que, para além da competência, lhe assiste uma enorme abertura, sendo capaz de criar consensos parlamentares que solidificam a força das suas iniciativas.
As alterações vertentes justificam-se não só pelo imperativo de respeito por obrigações internacionais a que devemos também vincular-nos, mas sobretudo pela necessidade de aumentar a eficácia da repressão criminal destas condutas.
As grandes opções normativas contidas na importante iniciativa legislativa que emana da força da proposta de lei n.º 91/VIII podem reconduzir-se sumariamente aos aspectos que passarei a referir e com os quais concordamos.
Quanto ao tráfico de influências, passa a considerar-se típica não só a conduta de quem vende uma influência, mas também a de quem a compra. Opta-se pelo abandono da enumeração exemplificativa dos actos para cuja obtenção se movem as influências, na medida em que ela insinuava uma restrição aos casos de decisões ilegais relativas ao universo das encomendas.
Quanto à corrupção, faço apenas uma referência genérica, para dizer que se esclarece que a simples solicitação ou recebimento de dádivas por um agente público devem ser punidos como crime de corrupção passiva, solução esta que tem, para além do mais, tradição no Direito Penal português; não sendo possível a prova

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do elemento agravante que representa a prática ou a intenção de praticar um acto ilícito, o agente deve ser punido por corrupção passiva imprópria.
Parece-nos também positiva a ampliação do conceito de funcionário, de modo a que abranja também os magistrados do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Contas, todos os funcionários da União Europeia e ainda outros funcionários de outros Estados-membros, quando o crime apresente alguma conexão com o Direito Penal português, como o facto de ter sido cometido total ou parcialmente no território português.
Em relação à proposta de lei n.º 94/VIII, gostaria de salientar que os crimes aos quais este regime especial se aplica são os identificados no artigo 1.º, que não vou aqui enumerar e escalpelizar, pois já foram abundantemente referidos. Trata-se de crimes que se caracterizam pela sua susceptibilidade de gerar grandes proventos e fortunas pessoais. Parte deles são incluídos apenas se forem praticados de forma organizada, dado que só assim eles são abrangidos pela ratio desta proposta, que não visa a pequena criminalidade.
Aquele diploma estabelece ainda um regime especial de recolha de prova, quebra do segredo profissional e perda de bens a favor do Estado, relativamente a esses crimes.
Regozijamo-nos com as alterações mais significativas, que passo a referir, em traços largos. O magistrado do Ministério Público que dirige a investigação passa a poder solicitar directamente, por despacho directo, informações às entidades financeiras e à administração fiscal, prescindindo-se de novo despacho para cada conta e para cada transação relativamente às quais se pretendam informações. Não nos restam dúvidas quanto a esta evolução legislativa, pelo que discordamos das perplexidades manifestadas pelo Sr. Deputado Miguel Macedo, às quais, de resto, já foi dada resposta positiva e clara pelo Sr. Ministro.
Passará, pois, a existir contacto directo entre as autoridades que conduzem a investigação na fase de inquérito (Ministério Público ou, por sua delegação, a Polícia Judiciária) e as entidades financeiras, agilizando-se a descoberta da verdade material dos factos.
À luz do disposto no artigo 167.º, n.º 1, do Código do Processo Penal, conjugado com o artigo 199.º do Código Penal, as reproduções mecânicas de voz e imagem não podem hoje em dia valer como prova, se não forem autorizadas pelo visado.
Entende o Governo, e de forma bastante lúcida, em nosso entender, que, sem prejuízo de se poder considerar que este regime é excessivamente limitativo da investigação criminal em geral, é clara, no âmbito dos crimes abrangidos por este diploma, a superioridade, no caso concreto, do bem jurídico «administração da justiça» no combate à criminalidade grave em relação à violação dos direitos fundamentais à imagem e à palavra.
Por força deste diploma, passa a ser lícita a utilização deste tipo de meios probatórios no âmbito da investigação dos crimes referidos no artigo 1.º do diploma, desde que tal seja previamente autorizado por um juiz.
A proposta de lei em apreciação estabelece que, em caso de condenação por um dos crimes previstos no seu artigo 1.º, se aprecia a congruência entre o património do arguido e os seus rendimentos lícitos. Como já foi aqui referido pelo Sr. Ministro da Justiça, o valor do património do arguido que seja excessivo em relação ao dos seus rendimentos cuja licitude fique provada no processo é declarado perdido a favor do Estado.
Prevê-se ainda que, no decurso do processo, e para garantia do pagamento do valor cuja perda venha a ser decretada, sejam arrestados preventivamente bens do arguido.
Não compreendemos as perplexidades manifestadas pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista em relação a esta matéria da perda dos bens a favor do Estado, surpreendendo-me alguma «comichão» relativamente ao destino dos bens do arguido.
Portugal estabeleceu reservas no âmbito da competência, declarando que, quando o agente da infracção for cidadão português, mas não funcionário ou titular de cargo político do Estado português, só aplicará a regra da competência, no âmbito da proposta de resolução n.º 73/VIII, se, nomeadamente, o agente do crime for encontrado em Portugal ou os factos cometidos forem puníveis também pela legislação do lugar em que tiverem sido praticados, salvo se nesse lugar não se exercer poder punitivo.
Através da proposta de resolução n.º 74/VIII, o Governo apresenta à Assembleia da República a aprovação, para ratificação, da Convenção relativa à luta contra a corrupção em que estejam implicados funcionários das comunidades europeias ou dos Estados-membros da União Europeia, assinada em Bruxelas, em 26 de Maio de 1997.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Tais iniciativas legislativas, que se encontram em discussão e que inauguram a 3.ª Sessão Legislativa da VIII Legislatura , são o exemplo vivo de que a reforma da justiça continua pujante de dinamismo e força, estando o Governo determinado a combater em todas as frentes o fenómeno da criminalidade organizada.
Transversal a todos os projectos de diploma hoje em apreciação nesta Câmara, encontra-se o fenómeno da corrupção, o qual constitui uma ameaça para o Estado de direito, a democracia e os direitos do homem. Este fenómeno mina os princípios da boa administração, da equidade e da justiça social, falseia a concorrência, entrava o desenvolvimento económico e faz perigar a estabilidade das instituições democráticas e os fundamentos morais da sociedade.
Porque o combate a este tipo de criminalidade se tem de efectuar a um nível multilateral, Portugal tem vindo a ratificar, no âmbito da União Europeia e do Conselho da Europa, convenções que poderão debelar com mais eficácia esse tipo de crime organizado.
A quebra de sigilo fiscal, a recolha de prova através do registo de voz e imagem e a regulação da perda das vantagens do crime a favor do Estado equacionam de forma equilibrada os princípios constitucionais da reserva da vida privada e da presunção de inocência do arguido, tendo em conta que o superior bem jurídico «administração da justiça» prevalece sobre outros direitos fundamentais.
Princípios constitucionais de tutela judicial efectiva, dever de colaboração com a justiça, arquivo aberto, controlo jurisdicional da actividade da Administração, igualdade perante os encargos públicos deverão redundar numa clara derrogação aos deveres de sigilo que excepcionalmente venham a ser impostos, numa clara delimitação do que deve ser considerado confidencial.
Numa época de globalização, a evolução de ilícitos económicos, criminais ou não, dotados de características de extrema organização, tecnologicamente evoluídos e altamente premeditados, tornam a sua descoberta e análise extremamente difíceis, reforçando o dever geral de colaboração ou de informação perante as autoridades

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competentes para administrar a justiça e dos seus órgãos de política criminal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, em primeiro lugar, quero dizer que estamos perante duas propostas: uma, visando a alteração e agilização, a operacionalização no domínio do sigilo bancário e fiscal, utilização sobre controlo judicial dos registos de som e imagem como prova, perda de vantagens do crime em favor do Estado, de uma forma que se torna mais ampla e expedita; outra, de uma alteração extensiva do regime jurídico do crime de tráfico de influências e de corrupção. São, Sr. Ministro, dois passos muito importantes, talvez os mais importantes que demos até hoje, no combate à criminalidade organizada. Sem tomar medidas para saber e poder apurar a verdade, mesmo mexendo em interesses instalados, o combate a este crime, a este tipo de nova criminalidade, não passa de um puro folclore.
Não deixo de registar - perdoem-me os Srs. Deputados do PSD a alusão - e fico sensibilizado com o cuidado com que se defende o sigilo bancário em comparação com a facilidade que se deixa cair a inviolabilidade do domicílio à noite. Utilizando a metodologia das atitudes comparadas, penso que há aqui qualquer coisa a aprender em termos da valoração dos interesses a defender.
De qualquer forma, queria manifestar o inteiro acordo do Bloco de Esquerda relativamente à legislação aqui apresentada e dizer que há alguns detalhes de carácter mais técnico que gostariamos ver discutidos na especialidade.
Desejaria acreditar que esta legislação não deriva de uma mera pressão externa para tratarmos deste assunto ao abrigo de ventos da conjuntura que agora nos abanam, mas que corresponde a uma atitude genuína do Estado democrático de assumir um combate sério e de fundo contra esta problemática, não só a do tráfico de droga, que sabemos dominar largamente a lista da criminalidade ou do terrorismo, mas também outro tipo de criminalidade deste género, já com grande desenvolvimento no nosso País e até agora com muito poucos instrumentos de combate: a corrupção e o peculato na Administração Pública e no sector privado; o branqueamento de capitais - como é que vamos combater o branqueamento de capitais sem mexer no off-shore da Madeira?; a fuga ao fisco; o tráfico de mulheres, de menores e de imigrantes.
Portanto, estamos numa situação em que deixa de haver pretextos jurídicos para não agir e em que se abre o campo para politicamente se poder passar a agir. É um passo importante. Nós estamos com ele.
Também gostava de dizer, para terminar, e sem intuitos polémicos, que, no campo da cooperação internacional no combate à criminalidade, este é um caminho que me agrada.
As angústias que tenho acerca das polícias do Sr. Berlousconi, Sr. Ministro, devem-se a que, essas, eu sei como é que funcionam. Agora, quanto a este tipo de combate ao grande crime internacional organizado é que, por enquanto, nada vi - estamos a dar um primeiro passo. Portanto, falo do que sei e do que vejo. E inquieto-me e angustio-me com aquilo que posso materializar como objecto à minha frente.
Penso que este é um caminho de cooperação internacional para o combate à grande criminalidade, que é um caminho que está ao nosso alcance, por parte da colaboração dos Parlamentos da União Europeia, e que, permito-me dizer, diverge em alguma coisa de uma tendência, que vejo como inquietante, de homogeneização de actividades policiais, que não são fiscalizadas ou fiscalizáveis por ninguém. É esse universo securitário, que começa por ser «a-democrático» antes de se transformar em anti-democrático, que penso deveriamos evitar e que deveriamos, pelo contrário, explorar a via da cooperação internacional, na definição de instrumentos jurídicos comuns que permitam, como estes, dar avanços significativos no combate ao crime organizado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva para pedir esclarecimentos.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Rosas, uso da palavra talvez mais para o esclarecer do que para lhe formular um pedido de esclarecimento.
V. Ex.ª confundiu, com certeza, a minha intervenção e confundiu também a minha intervenção em sede de revisão constitucional. A nossa posição, em sede de revisão constitucional, relativamente à questão da possibilidade de mandados, em termos de, excepcionalmente, entrada nas residências à noite, passa por uma exigência, que é um despacho de um juiz para esse efeito, com a excepcionalidade e a gravidade dos crimes que estejam em causa.
E a questão aqui é a mesma: nós nada temos contra a extensão com que se delimita o âmbito do levantamento do sigilo bancário nesta proposta de lei; a única questão que colocamos é que essa decisão caiba a um juiz. São aqueles direitos pelos quais V. Ex.ª, ainda esta manhã, se batia, e bem, na sua intervenção no Fórum da TSF, como fez, aliás, ontem à tarde na 1.ª Comissão, mas que esqueceu agora, momentaneamente, na sua intervenção em Plenário.
Em relação ao off-shore da Madeira, V. Ex.as diabolizam-no, mas quero dizer-lhe que há uma listagem, feita por uma entidade isenta como a OCDE, relativamente aos off-shore em que há elementos confirmados de práticas de branqueamento de capitais e, felizmente, essa lista não inclui o off-shore da Madeira.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, antes de mais, agradeço a sua chamada de atenção.
Não tenho qualquer dúvida de que V. Ex.as têm a preocupação de tentar jurisdicionalizar quer a queda da garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio, quer a da facilitação do sigilo bancário. O que me parece é que isto se pode comparar, pelo seguinte: é que, a partir de agora e a partir do consenso que se vai formar no Parlamento, a inviolabilidade do domicílio à noite, como princípio constitucional, desaparece, se bem que rodeada de um certo número de garantias, mas desaparece. Aí, facilita-se! Aqui, quando se pretende, em nome da eficácia da investigação, entregar ao investigador do Ministério Público, com dispensa da intervenção do juiz, a investigação, sabendo-se que ela depara com obstáculos

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reais, tal como está prevista, uma vez que já prevê a intervenção de um juiz, dificulta-se! É uma diferença de critério, mais nada!
Quanto ao off-shore da Madeira, quero apenas lembrar-lhe o seguinte: diz a imprensa que este terrorista do Afeganistão, o Bin Laden, ganhou milhões de contos na Bolsa de Londres, vendendo as acções que detinha nas companhias de seguros antecipadamente à queda das companhias de seguros, porque, naturalmente, sabia que elas iam cair. E ganhou milhões de contos com esta operação, absolutamente lícita na Bolsa de Londres, através de instituições de branqueamento de capitais! Se calhar, aplicou estes milhões de contos na compra de acções das companhias americanas que vendem armas, cujas acções, aliás, se valorizaram grandemente com a conjuntura.
Ora, o que entendo é que a própria lógica do off-shore, e não é só o da Madeira, como sabe, é uma lógica que permite…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já gastou o tempo de que dispunha e mais 1 minuto de tolerância, pelo que lhe agradeço que termine.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Sr. Deputado Guilherme Silva, a lógica do off-shore, o próprio off-shore, pela forma como funciona, permite o branqueamento de capitais. Não é nada contra a Madeira, Sr. Deputado, como calcula, mas a favor destas medidas contra o branqueamento de capitais, que não serão muito eficazes se não se for ao off-shore, talvez não para o fechar mas para o regulamentar de modo diferente.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Deputados: Estamos hoje aqui a debater um problema que, conforme já referi, está na agenda mundial. Trata-se, efectivamente, não apenas da criminalidade organizada mas da criminalidade global, mundial, internacional, a qual é objecto da atenção não só de quase todos os países do mundo, que, efectivamente, têm preocupações com os problemas do branqueamento de capitais, do dinheiro sujo e da corrupção, mas das próprias organizações internacionais que fazem recomendações para que todos os países harmonizem as suas legislações, com vista a que o combate a este crime seja também global. Efectivamente, a preocupação de cada país organizar o seu próprio aparelho de política criminal em relação a este caso já acabou, porque o que hoje se verifica é que o dinheiro circula com uma facilidade tal que é quase impensável um país poder pôr cobro, sozinho, com os seus tribunais, a sua polícia, as suas autoridades de segurança, a essa forma de fazer, vender e movimentar dinheiro. Além disso, a corrupção, o tráfico de influências, o crime de colarinho branco, o crime económico-financeiro e outros semelhantes são crimes contra a democracia! Corroem a democracia, corroem os agentes políticos, corroem o bom nome, corroem a segurança das pessoas, corroem as liberdades dos cidadãos, sendo, efectivamente, a defesa da democracia que está em causa e não apenas a defesa das vítimas desta criminalidade.
Por isso mesmo, num Estado de direito democrático, a luta contra a corrupção e este tipo de crimes deve constituir o objectivo central de qualquer Ministério da Justiça.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - É sobejamente conhecido que a corrupção e outras formas de criminalidade económica e financeira, animada em resultado da liberalização dos mercados, da abolição das fronteiras e da livre circulação de pessoas, bens e capitais, seja por força do desenvolvimento acelerado das novas tecnologias, atingiram níveis de sofisticação elevados que colocam novos desafios e exigem novas respostas aos sistemas criminais.
Tais desafios enfrentam-se através do reforço da eficácia do sistema penal, como estamos a fazer, seja pelo reforço em meios operacionais de polícias e do Ministério Público, mas, diria aqui, sem esquecer o verdadeiro papel do juiz que deve intervir e não apenas facilitar muito às polícias a dispensa deste magistrado, seja pelo aperfeiçoamento, a nível legislativo, da eficácia dos mecanismos de prevenção, das formas de organização das instâncias de controlo da criminalidade, das medidas de investigação e dos meios de prova.
As propostas de lei em discussão visam exactamente este desiderato que aqui deixo em resumo.
No Programa do Governo a opção estratégica no âmbito do combate ao tráfico de droga e ao branqueamento de capitais passava, entre outras, pela medida de consagração legislativa da possibilidade do uso de registos mecânicos - fotografia ou material audiovisual - utilizados na investigação de processos por tráfico de droga, pela medida de aperfeiçoamento e optimização dos dispositivos de cooperação judiciária, nomeadamente a extradição, o auxílio judiciário mútuo, transmissão de processos penais, entregas controladas em tráficos por mar, e pela medida de aperfeiçoamento dos sistemas de controlo e dos mecanismos de cooperação internacional.
Recentemente, algumas medidas legislativas foram adoptadas nesta âmbito. Não farei uma listagem exaustiva, mas saliento a Resolução da Assembleia da República n.º 41/2001, de 25 de Junho, a Lei n.º 13/2001, de 4 de Junho, e as leis n.os 103/2001, 104/2001 e 105/2001, todas de 25 de Agosto, que mostram, efectivamente, o empenho deste Governo e deste Ministério da Justiça em atacar este tipo de criminalidade. Também não é de omitir a alteração do artigo 35.º da Constituição da República, levada a cabo no âmbito da revisão constitucional de 1997, pela qual se passou a permitir em termos mais amplos mas com certos limites a extradição - em certas condições, até mesmo de portugueses -, relativamente a casos de terrorismo e de criminalidade internacional organizada, matéria esta que foi transposta para lei ordinária e que rege a cooperação judiciária internacional em matéria penal. De todo o modo, como V. Ex.ª disse ontem, Sr. Ministro, não podemos de um momento para o outro abrir a extradição para os criminosos que estejam sujeitos à aplicação de pena de prisão perpétua. Este é, portanto, um caso a ver e a ponderar pelo nosso grupo parlamentar, tendo em atenção que não podemos correr cegamente atrás das emoções.
No entanto, o combate ao branqueamento de capitais não tem produzido resultados visíveis, como comprova a movimentação de processos relativos a este tipo de crimes na Polícia Judiciária no ano 2000. Pelos dados que tenho, no que toca ao crime de branqueamento de capitais os casos investigados foram 67, os acusados foram 11 e os detidos foram 0! Quanto ao crime de tráfico de estupefacientes foram investigados 2295 casos, tendo havido 693 acusados e 271 detidos. Realço que não tenho

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aqui o número dos condenados, mas a verdade é que em 2295 casos investigados fizeram-se 693 acusações e apenas 271 detenções, o que mostra que o tema do combate à corrupção terá de voltar à ribalta da discussão sobre política criminal aqui na Assembleia da República para ver por que é que esta política, até agora, não deu os resultados que o Ministério pretende. Isto apesar de esta Casa e de todas estas bancadas - entre as quais a nossa - estarem dispostas a facilitar a vida ao Governo, esperando que este faça tudo o que é possível para que este tipo de criminalidade seja um objecto principal da acção das forças de segurança. Na verdade, não percebemos por que é que não há ainda condenações! V. Ex.ª contou aqui um caso, falando de 2 milhões de contos, mas esse é apenas um caso e, ainda por cima, lamentável! Mais valia que V. Ex.ª nos tivesse dito que tinham «caçado» 5 criminosos, apreendido algumas fortunas e encontrado o rasto! Mas não! V. Ex.ª teve de pensar muito para encontrar um caso de uma pessoa que amealhou 2 milhões de contos e que, graças à nossa política penal, estando condenado a 12 anos de cadeia, sairá em liberdade ao fim de 6 ou 7 e irá gozar os proventos dos 2 milhões de contos!

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Pode mesmo sair ao fim de 4 anos!

O Orador: - Este problema é tão fundamental que o Sr. Presidente da República, tanto na sua mensagem hoje recebida, como no seu discurso nos Açores, lhe faz menção. Neste discurso, o Presidente da República diz o seguinte: «A democracia é o regime da transparência, da liberdade de expressão e de opinião, do controlo do poder pelos cidadãos. Ao contrário dos regimes ditatoriais, não deve temer a divulgação de casos reais de abuso ou corrupção.». Ora bem, este é um sector que o Partido Socialista tem tapado com o seu manto opaco de protecção partidária! O Partido Socialista tem medo de que os seus filiados, os seus dirigentes ou os seus ministros sejam expostos no pelourinho público nos casos em que possa haver dúvidas de corrupção, como verificámos ainda hoje de manhã. O lamentável fim do inquérito à «Fundação-Vara» mostra exactamente como o Partido Socialista não se sente à vontade nestes casos em que há prenúncios ou «fumos» de mau aproveitamento de dinheiros públicos. Por isso mesmo estamos com o Sr. Presidente da República quando ele diz que o poder político e que - acrescento eu - o partido do Governo não podem deixar este tema suspenso sem relatório, quando há suspeitas e acusações, mesmo que infundadas.
Para terminar, gostava de dizer ao Sr. Ministro da Justiça que pode contar connosco para o debate destas propostas na especialidade e para a prossecução e perseguição destes crimes, sendo certo que é sempre necessária alguma dose de prudência. Faço esta ressalva porque é necessário proteger a boa fé dos terceiros, definindo exactamente o que é o património e, no caso do arresto, por exemplo, protegendo os adquirentes de boa fé, dando-lhes a oportunidade de, a exemplo do que acontece com o arguido, provar a licitude do património adquirido.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Lacão pediu a palavra para formular um pedido de esclarecimento. Sucede, contudo, que o Sr. Deputado Narana Coissoró não tem tempo para responder, pelo que lhe pergunto, Sr. Deputado Jorge Lacão, se está na disposição de ceder o tempo necessário para esse efeito.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, regimentalmente, pode tratar-se de um pedido de esclarecimento, mas, não deixando de agradecer a sua disponibilidade para encontrar tempo para o efeito, a substância da minha intervenção tem de cingir-se a um veemente protesto por aquilo que disse o Sr. Deputado Narana Coissoró, criando um incidente que considero absolutamente desnecessário no clima perfeitamente distendido em que este debate decorreu.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra para um protesto, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Narana Coissoró tem de reconhecer que houve um excesso da sua parte ao sugerir, da maneira como sugeriu, que haveria qualquer espécie de conluio entre Deputados desta bancada, membros do Governo e outros membros do Partido Socialista relativamente à ocultação de presumíveis ou eventuais actos de corrupção por parte de membros envolvendo estas várias entidades. Nada disso, Sr. Deputado Narana Coissoró! Eu até quero acreditar que, independentemente da formulação crítica do caso que referiu, V. Ex.ª não quereria colocar este sentido extensivo na sua acusação.
Houve hoje, numa votação democrática inteiramente legítima, no quadro da 1.ª Comissão, um voto negativo do Partido Socialista a uma proposta apresentada pelo Sr. Deputado Guilherme Silva relativamente, de alguma forma, à recuperação de actos que, melhor ou pior - não me compete a mim pronunciar-me, porque não fui parte dessa comissão de inquérito -, foram objecto de uma comissão de inquérito que chegou ao fim, a propósito apenas de uma inquirição de um inspector no quadro de um departamento institucional e para uma coisa concreta.
Sr. Deputado Narana Coissoró, peço-lhe, e peço-lhe com espírito de boa fé, como compreenderá do sentido das minhas palavras, que não procure generalizar qualquer tentativa inexistente de eu fazer qualquer tipo de encobrimento que fosse quer a dirigentes do PS, quer a membros do Governo, quer a membros desta bancada, relativamente a suspeições de corrupção que não existem, porque, se existissem, o Sr. Deputado Narana Coissoró, seguramente, as denunciaria.

O Sr. Presidente: - Para um contraprotesto, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró. Dispõe de 2 minutos, que lhe foram concedidos pelo Grupo Parlamentar do PSD.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, não vou fazer qualquer contraprotesto, vou apenas dar uma explicação ao Sr. Deputado Jorge Lacão.
É evidente que, quando se trata de suspeição, mesmo que infundada, o caso não é concreto, torna-se imediatamente um caso geral. Se apanho, amanhã, um político corrupto, não posso dizer que aquele é o caso único e que não há outros, porque «quem faz um cesto faz um cento». Portanto, ou o regime abre tudo e deixa tudo com total transparência ou faz tudo para que não haja transparência.

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Ora, em relação à forma como foi tratado o relatório, elaborado pelo Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, no Inquérito aos Actos do Governo e da Administração no Processo da Fundação para a Prevenção e Segurança, posso dizer 10 vezes que não houve transparência, não houve respeito pela legalidade e não houve respeito pela democracia.

Vozes do CDS-PP: - Foi uma vergonha! Foi uma vergonha!

O Orador: - E este é um caso exemplar!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Hoje de manhã, o Sr. Deputado Guilherme Silva pediu ao Presidente da 1.ª Comissão para chamar à Comissão o Sr. Ministro José Sócrates, porque mandou arquivar uma informação de um inspector superior. Este inspector superior nega continuar o trabalho que lhe estava atribuído e a subdirectora-geral ou a subinspec-tora que foi nomeada tem problemas e também se vê atrapalhada, e, então, o Sr. Ministro acaba, jugula e asfixia o problema com um despacho de arquivamento.
Ora, se esta Assembleia, que tem o dever funcional de fiscalizar os actos do Governo, tratando-se de alta administração - não é um porteiro, é um inspector superior e uma subdirectora-geral que estão metidos nisso -...

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - E o caso da Partex!

O Orador: - E o caso da Partex e outros!

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - É melhor não dizer nada!

O Orador: - Como estava a dizer, se esta Assembleia tem o dever funcional de fiscalizar os actos do Governo, é lícito a um Deputado da oposição dizer: «Por favor, não dêem lugar a suspeições!».
Eu estou convosco. Qualquer prova de que um socialista - dirigente, ministro - é corrupto faz cair «lama» sobre todos nós políticos, do Governo ou da oposição, e eu quero evitar esta «lama».

O Sr. Presidente: - Peço-lhe que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Não há políticos de 1.ª, que são os do Governo ou seus apoiantes, e políticos de 2.ª, que seriam os da oposição! Qualquer caso de corrupção, seja da oposição, seja do Governo e da maioria, é «lama» que cai sobre todos nós. É isto que quero evitar!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero congratular-me com o consenso quanto à essência, que me pareceu total, de dotarmos as autoridades judiciárias, que gozam de imparcialidade, de isenção e de independência, de meios para poderem tratar das questões da corrupção, distanciadas do fervor com que o tratamento político destas matérias naturalmente se faz.
Gostaria de dizer que, ao contrário do que me pareceu entender na intervenção do Sr. Deputado Fernando Rosas, estas propostas não surgem de acordo ou em consonância com as emoções da conjuntura,…

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Eu disse que queria acreditar que não!

O Orador: - ... estas propostas foram anunciadas por mim aqui em Janeiro último, deram entrada na Assembleia da República em Julho último e posso assegurar-lhe que o Governo desconhecia que o debate se faria hoje e ainda mais desconhecia que se faria hoje nas circunstâncias dos acontecimentos da semana passada. Não temos nem inside information nem a premonição do que é que iria acontecer na semana passada.
Portanto, trata-se de um conjunto de propostas que decorrem de uma estratégia, uma estratégia que, logo na apresentação do Programa do Governo, aqui explicitámos. Era nosso entendimento que é fundamental, para que Portugal possa adoptar este conjunto de medidas sem pagar um preço grande na competitividade internacional dos países, que estas medidas fossem sendo adoptadas de acordo com o calendário de adopção de um conjunto de medidas internacionais, em particular na União Europeia, mas também com as convenções da OCDE, ou com as convenções do Conselho da Europa, ou com a Convenção das Nações Unidas sobre o Crime Organizado que, dentro de meses, virá à Assembleia da República.
Isto é importante, designadamente para nos prevenirmos quanto àquele discurso corrente que, a propósito de um outro diploma de natureza fiscal, já aqui suscitou, sobre as desvantagens competitivas em que ficamos em matéria de acesso à informação bancária. O Conselho de Justiça e Assuntos Internos de amanhã vai fixar como prazo limite para a aprovação dos diplomas sobre o branqueamento de capitais e sobre o protocolo adicional daquela convenção que aprovámos aqui em Julho, que permite este conjunto de mecanismos que hoje aqui propomos de acesso à informação bancária, como sendo aplicável a todo o espaço da União Europeia. Isto é importante, não só para a competitividade das nossas próprias instituições financeiras, mas é também importante para a eficácia da própria investigação criminal, porque, de facto, a nossa investigação fica muito limitada se pudermos ter todo o acesso à informação bancária das instituições portuguesas mas se continuarmos a não ter acesso à informação bancária dos capitais que se deslocalizam daqui para o Luxemburgo. E nós não podemos segmentar esta cooperação internacional entre as medidas boas e as medidas más.
Senti, aliás, ainda neste debate, uma velha reminiscência daquela velha ideia de que há um crime de esquerda e um crime de direita…

Risos do CDS-PP.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Olhe que não!

O Orador: - Já estava muito atenuada, mas ainda houve alguma reminiscência! O Sr. Deputado Fernando Rosas sente incomodidade com a polícia! O Sr. Deputado Guilherme Silva diz que o sigilo bancário «sim, mas também...»! Temos de perceber hoje que…

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O Sr. Fernando Rosas (BE): - Há é políticas boas e más!

O Orador: - Que há políticas boas e más, com certeza! E haverá, graças à pluralidade que será eterna!
Mas o crime, hoje, está misturado, já não há fronteira, já não se distingue! Há um mês, foram presos na Colômbia dois operacionais do IRA que estavam naquele país negociando o que é necessário negociar para financiar o terrorismo na Irlanda.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Não conheço o resultado do inquérito.

O Orador: - O que é que deram em troca? Não sabemos!
Mas há uma coisa - e este é um caso concreto, público - que hoje é sabido: é que hoje estas redes estão entrecruzadas. Aliás, o Sr. Deputado deu aqui o exemplo de como hoje o terrorismo se financia no mercado de capitais para prosseguir a sua actividade terrorista. Isto é uma realidade nova, que nós temos de conhecer para perceber com que tipo de criminalidade é que estamos a lidar e quais são os instrumentos que temos de ter para combater este tipo de criminalidade.
Não há uma policialização do combate pela justiça na Europa. A cooperação prevista para a criação do espaço de liberdade, de segurança e de justiça é a todos os níveis: é ao nível político, é ao nível policial, mas é também ao nível do controlo judicial da actividade policial. Foi montada a Rede Judiciária Europeia em matéria penal, que está a funcionar. Temos acarinhado muito essa Rede, somos o país anfitrião da reunião anual dos coordenadores nacionais da Rede Judiciária Europeia. Ainda na semana passada estiveram uma semana em Portugal, e todos os anos aqui virão, porque entendemos que é fundamental acarinhar este contacto directo entre os juízes dos diferentes Estados-membros na articulação da Rede Judiciária Europeia. Foi possível, durante a nossa Presidência, criar condições para que, no período da Presidência francesa, fosse instituída a unidade provisória do Eurojust, que é a rede de magistrados do Ministério Público ou equiparados que têm uma função de controlo e de acompanhamento do exercício da actividade policial nestas investigações transnacionais.
A unidade Eurojust está já a funcionar em Bruxelas e temo-nos empenhado para que, rapidamente, passe da fase de instalação à fase definitiva da sua existência, porque todos temos consciência de que não pode haver uma mera cooperação policial sem que ela seja acompanhada do controlo judiciário da actividade policial.
É este trabalho da polícia que é essencial. E uma distinção muito clara que temos de fazer é entre aquilo que é a função da polícia de investigação e o que é a função da polícia de manutenção da ordem pública, e, mesmo quanto a esta, entre aquilo que é o exercício errado ou até abusivo, em algumas circunstâncias, das competências que lhe estão atribuídas e aquilo que é a função essencial que têm na garantia da segurança de todos nós.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Estamos no nível em que estamos de acordo.

O Orador: - Então é nesse nível que devemos manter-nos.
Estou convencido de que com o aprofundamento do debate na especialidade será possível ultrapassar as dificuldades que, aqui e ali, foram encontradas.
A última nota que queria deixar tem a ver com a questão da inversão do ónus da prova, suscitada pelo PCP. Sr. Deputado António Filipe, se ler bem o que diz o Prof. Faria Costa verá que ele diz que é um mecanismo que não pode ser utilizado para apurar da culpabilidade ou inocência na prática do acto criminal. E nós tivemos muito cuidado em que, em circunstância alguma, possa ser invertido o ónus da prova para a questão criminal. Tem de ser o Estado a provar que «Manuel» traficou droga. Mas dizemos também o seguinte: uma vez provado e condenado «Manuel» pelo tráfico de droga, se tem um património que é manifestamente incongruente com o rendimento que lhe é conhecido, ele tem de provar que o património que tem é de origem lícita e aquele que não provar que tem origem lícita é declarado perdido. Mas esta perda do património não é anterior à condenação, não é fundamento da condenação; pelo contrário, é a condenação pelo tráfico de droga que constitui pressuposto para a perda de bens.
Podíamos ter um processo à parte, de natureza cível, como têm os ingleses - poderíamos, mas creio que seria uma «deseconomia». Poderíamos ter um processo cível após o processo crime - poderíamos, mas constituiria uma perda de tempo. O que, no fundo, nós temos é um incidente, que corre quase como por apenso ao processo crime, se entenderem essencial que corra por apenso. Pode correr por apenso ao próprio processo-crime, desde que seja proferida a decisão final só depois da condenação, para garantir, efectivamente, que não há inversão do ónus da prova quanto à responsabilidade criminal; agora, quanto ao resto, tem de haver. Isto, porque, como costuma dizer o Sr. Secretário de Estado, temos de estabelecer uma diferença muito clara entre o que é o Estado de Direito e o que é o «Estado palerma».

Risos do PS.

E «Estado palerma» nós não podemos ser! Não podemos continuar a achar que nos satisfazemos com a realização da justiça condenando um traficante de droga a 12 anos de cadeia e, depois, como ele ainda foi apanhado com a droga na mão - portanto, ele ainda não a vendeu, ainda não teve qualquer provento daquela droga, não havendo obviamente qualquer conexão entre aquela droga que lhe foi apreendida e os 2 milhões de contos que ele tem no banco -, ele ficará com os 2 milhões de contos no banco e vai 12 anos para a cadeia. Isto não é ficção! É um acórdão que transitou em julgado, proferido no ano passado, em que o Estado foi condenado a devolver os 2 milhões de contos, porque não provou, nem podia provar, que aquele dinheiro provinha do tráfico de droga.
Portanto, isto é que não pode ser! É que se nós queremos ter, de facto, um efeito dissuasor no exercício da acção penal, temos de atingir onde dói. E onde dói, efectivamente, é ir ao dinheiro! É que não estamos a falar de um tipo de crime que seja praticado pela emoção - não é um crime passional -, mas de um crime frio, racional e que visa o lucro, pelo que o efeito preventivo obtém-se indo ao lucro e impedindo o proveito desse lucro. É isso que temos de fazer.
Mas estou de acordo que é necessário eliminar qualquer dúvida sobre a constitucionalidade desta

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proposta de lei. Nós fizemos aquilo a que nos comprometemos na estratégia nacional, que foi estudar a constitucionalidade desta solução - estudámos, concluímos que era constitucional e propusemo-la. Se há dúvidas, aprofundemos o estudo; agora, temos é de tomar uma decisão e…

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Ministro.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Como dizia, temos é de tomar uma decisão e não desperdiçar aquilo que foi considerado como essencial, como disse o Sr. Deputado António Filipe, que é o facto de termos de ir lá ao dinheiro. Vamos encontrar a boa forma de todos ficarmos de consciência tranquila, à luz da Constituição, mas vamos ao que é essencial, que é ir buscar o dinheiro do criminoso.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim dos nossos trabalhos. As duas propostas que foram discutidas e as outras duas que não precisaram de sê-lo serão votadas amanhã, à hora regimental.
Srs. Deputados, a próxima reunião plenária realizar-se-á amanhã, pelas 15 horas, dela constando um período de antes da ordem do dia e tendo como ordem do dia a discussão do projecto de resolução n.º 147/VIII (PSD) e dos projectos de lei n.os 444/VIII e 276/VIII (CDS-PP). À hora regimental, realizar-se-ão votações.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 25 minutos.

Declaração de voto enviada à Mesa para publicação,
relativa ao voto n.º 153/VIII

Depois desta semana, passada sobre o drama desumano do terrorismo que afectou o coração do sistema financeiro e político dos EUA, não podemos ficar indiferentes. Temos de colectivamente assumir a responsabilidade de combater sem tréguas esta forma desumana de fazer valer ideais. O respeito pelos milhares de vítimas, a dor que se espalhou por todo o mundo exige de nós isso mesmo. Por isso me associo, sem hesitações, a este voto de pesar.
No entanto, as nossas responsabilidades na defesa dos direitos do homem, na prossecução de justiça, mas definitivamente, também, de paz no mundo, obriga-nos a reagir sustentadamente e não apenas pelo simples impulso da vingança. Vingar os mortos, não significa fazer justiça com as próprias mãos, parar o terrorismo não significa fazer sofrer inocentes e considerá-los apenas como danos colaterais.
Para mim e para a Juventude Socialista é claro que temos de pôr mãos à obra, apurando as responsabilidades, descobrindo os culpados. Para mim e para a Juventude Socialista é evidente que temos de levar estes responsáveis às instâncias de Direito Internacional de modo a que estes sejam julgados e condenados pelos crimes cometidos.
Para mim e para a Juventude Socialista é fundamental que, depois de todos estes momentos de dor, se evitem mais vítimas inocentes.
Para mim e para a Juventude Socialista é pertinente pensar que pode estar nas nossas mãos evitar que esta noção de justiça seja transformada na primeira guerra das nações do século XXI.
É partindo destes pressupostos que os Deputados abaixo assinados votam favoravelmente este voto de pesar.

A Deputada do PS, Jamila Madeira.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
António Fernando Marques Ribeiro Reis
Filipe Mesquita Vital
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Manuel de Medeiros Ferreira
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão
Luís Manuel Ferreira Parreirão Gonçalves
Rui do Nascimento Rabaça Vieira

Partido Social Democrata (PSD):
António Paulo Martins Pereira Coelho
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
José Manuel de Matos Correia
Nuno Miguel Marta de Oliveira da Silva Freitas
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Comunista Português (PCP):
Maria Odete dos Santos

Partido Popular (CDS-PP):
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Carlos Alberto Dias dos Santos
José Carlos Lourenço Tavares Pereira
José Eduardo Vera Cruz Jardim
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge

Partido Social Democrata (PSD):
António d'Orey Capucho
José Manuel Macedo Abrantes
Rui Fernando da Silva Rio

Partido Popular (CDS-PP):
Luís José de Mello e Castro Guedes

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

Página 40

0040 | I Série - Número 01 | 20 de Setembro de 2001

 

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