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Quinta-feira, 27 de Setembro de 2001 I Série - Número 5
VIII LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2001-2002)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 26 DE SETEMBRO DE 2001
Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos
Secretários: Ex. mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Manuel Alves de Oliveira
António João Rodeia Machado
António José Carlos Pinho
S U M Á R I O
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 15 minutos.
Procedeu-se ao debate da interpelação n.º 14/VIII - Sobre «Política fiscal - reforma fiscal» (BE), tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Deputado Francisco Louçã (BE) e do Sr. Ministro das Finanças (Guilherme d'Oliveira Martins), que também proferiram intervenções na fase de abertura, os Srs. Deputados Maria Celeste Cardona (CDS-PP), Lino de Carvalho (PCP), Hugo Velosa e Machado Rodrigues (PSD), Fernando Serrasqueiro (PS), Agostinho Lopes (PCP), Fernando Rosas (BE), Heloísa Apolónia (Os Verdes).
No encerramento do debate, intervieram, de novo, o Sr. Deputado Francisco Louçã (BE) e o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 25 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 15 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Américo Jaime Afonso Pereira
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António Fernando Marques Ribeiro Reis
António Fernando Menezes Rodrigues
António Manuel Dias Baptista
António Manuel do Carmo Saleiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Bruno Renato Sutil Moreira de Almeida
Carlos Alberto
Carlos Alberto Dias dos Santos
Carlos Manuel Carvalho Cunha
Carlos Manuel Luís
Casimiro Francisco Ramos
Eduardo Ribeiro Pereira
Fernando Manuel de Jesus
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Serrasqueiro
Filipe Mesquita Vital
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres
Gil Tristão Cardoso de Freitas França
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho
Helena Maria Mesquita Ribeiro
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco d'Almeida
Isabel Maria dos Santos Barata
Jamila Barbara Madeira e Madeira
João Francisco Gomes Benavente
João Pedro da Silva Correia
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Alberto Leal Fateixa Palmeiro
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Aurélio da Silva Barros Moura
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Carlos da Cruz Lavrador
José Carlos Pinto Basto Mota Torres
José da Conceição Saraiva
José de Matos Leitão
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Ernesto Figueira dos Reis
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Rosa do Egipto
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Miguel Marques Boquinhas
Júlio Francisco Miranda Calha
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Manuel Ferreira Parreirão Gonçalves
Luís Miguel Gomes Miranda Teixeira
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira
Manuel Francisco dos Santos Valente
Manuel Joaquim Barbosa Ribeiro
Manuel Maria Diogo
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Margarida Maria Santos Soares da Rocha Gariso
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custodia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira
Maria do Céu da Cruz Vidal Lourenço
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Luísa Silva Vasconcelos
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco
Paulo Alexandre Homem de Oliveira Fonseca
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Rui Manuel Leal Marqueiro
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Victor Brito de Moura
Victor Manuel Bento Baptista
Victor Manuel Caio Roque
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo
Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Álvaro dos Santos Amaro
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Martins Narciso
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Manuel da Cruz Silva
António Manuel Santana Abelha
António Paulo Martins Pereira Coelho
Armando Manuel Dinis Vieira
Arménio dos Santos
Armindo Telmo Antunes Ferreira
Artur Ryder Torres Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos José das Neves Martins
Carlos Manuel de Sousa Encarnação
Carlos Parente Antunes
David Jorge Mascarenhas dos Santos
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Domingos Duarte Lima
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Jorge Loureiro de Reboredo Seara
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Monteiro Chaves
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José da Silva Maçãs
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José António de Sousa e Silva
José David Gomes Justino
José Eduardo Rêgo Mendes Martins
José Frederico de Lemos Salter Cid
José Luís Campos Vieira de Castro
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel de Matos Correia
Lucília Maria Samoreno Ferra
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Pedro Machado Sampaio de Sousa Pimentel
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Castro de Almeida
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Maria Moreira
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria do Céu Baptista Ramos
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Nuno Miguel Marta de Oliveira da Silva Freitas
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa
Rui Fernando da Silva Rio
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Sérgio André da Costa Vieira
Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
Ana Margarida Lopes Botelho
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
João António Gonçalves do Amaral
Joaquim Manuel da Fonseca Matias
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Natália Gomes Filipe
Maria Odete dos Santos
Vicente José Rosado Merendas
Partido Popular (CDS-PP):
António Herculano Gonçalves
António José Carlos Pinho
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
José Martins Pires da Silva
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Manuel Tomas Cortez Rodrigues Queiró
Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona
Narana Sinai Coissoró
Paulo Sacadura Cabral Portas
Raul Miguel de Oliveira Rosado Fernandes
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro
Bloco de Esquerda (BE):
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a ordem do dia de hoje será preenchida, em exclusivo, pela interpelação ao Governo n.º 14/VIII - Sobre «Política fiscal - reforma fiscal», apresentada pelo Bloco de Esquerda.
Para uma intervenção inicial, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Ministro das Finanças, Srs. Secretários de Estado: Como o Governo sabe e o Parlamento também, esta é a terceira oportunidade, sob a forma de interpelação, que temos para discutir perante o País a política fiscal que é necessária.
Considera o Bloco de Esquerda ao convocar este debate que esta era, é e vai continuar a ser a questão política nacional mais importante de entre todas. Por isso, pretendemos, nesta oportunidade, a discussão séria e detalhada que permita ao País saber qual vai ser o futuro da reforma fiscal, que foi iniciada há quase um ano atrás.
Pois se é verdade que, como no mote da revolução americana, não pode haver impostos sem representação, também é certo que a representação tem, como obrigação democrática, de concentrar-se sobre os impostos e as responsabilidades, deveres e direitos dos cidadãos em matéria tributária.
Após nove meses da aprovação pela força de uma maioria de esquerda do primeiro passo na reforma fiscal necessária para este país, vivemos agora um duplo impasse: não se sabe o que o Governo quer, e sabe-se o que o Governo não quer. O Governo não quer concluir, aplicar e concretizar a promessa da reforma do património imobiliário, que estava prometida para o princípio do ano que está a terminar e que foi reprometida para meados do ano que está a findar. E não se sabe o que o Governo quer, porque, a respeito das leis que foram aprovadas nesta Assembleia, faltam todos os instrumentos essenciais que permitam concretizar o seu potencial reformador.
O abandono das etapas seguintes para as calendas gregas - a ecofiscalidade e o imposto automóvel, o imposto imobiliário, apesar do trabalho técnico que, durante tanto tempo, permitiu consultar opiniões e chegar a conclusões - e a inexistência de instrumentos que concretizem
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a reforma que aqui foi começada representam um grave impasse neste processo.
Houve avanços significativos, até hoje, no IRS e no IRC (apesar de algumas oportunidades perdidas a que me vou referir adiante), houve um segundo grande avanço em relação às infracções tributárias, mas agora estamos perante o paradoxo de um socialismo que, tendo entrado na «gaveta», parece disponível para colocar na «gaveta» as políticas sociais que são necessárias.
É, pois, o momento de esclarecer e de não permitir a continuação de um silêncio quanto à «tragédia fiscal» que se vive em Portugal com o regabofe da fraude e da fuga aos impostos.
Até agora, Sr. Ministro das Finanças, o Ministério tem gerido, desde que o tomou posse, um cuidadoso e perturbante silêncio. Temos em Portugal um ministro dos Negócios Estrangeiros que fala das mais-valias, um primeiro-ministro que sobre isso se pronuncia, mas um ministro das Finanças que só é citado por fontes indirectas e não identificadas ou cujo Ministério só faz ouvir a sua voz através de anónimos.
Ora, na nossa opinião, há todas as razões para que a reforma fiscal continue a ser a prioridade para a política reformadora em Portugal. É que Portugal é ainda um paraíso da evasão fiscal: cálculos da OCDE dizem-nos que, pelo menos, um quarto da economia nacional, 6000 milhões de contos, não pagam impostos; 85 000 empresas declaram resultados nulos ou negativos e muitas delas são meros entrepostos para o desconto do IVA. Temos uma confusão no nosso sistema: quatro amnistias votadas por esta Assembleia desde 1980; cinco planos de regularização das dívidas - nunca se sabe o que começa e o que acaba! Porque o IRC tem vindo a baixar, como uma resposta preventiva em relação a uma reforma fiscal, mesmo que ainda não aplicada ao ano a que as declarações se reportam; porque três empresas pagam um terço do total do IRC em Portugal; e porque a banca, que tem 2 milhões de contos de lucro/dia em Portugal, paga um terço daquilo que devia no IRC.
Por qualquer critério que seja, Sr. Primeiro-Ministro, a reforma fiscal é uma questão constituinte da democracia, porque o patrão paga menos do que o seu empregado, porque é uma espécie de «síndroma de bibi» na sociedade portuguesa, em que grandes empresários, um atrás do outro, se permitem fazer contas de milhões de contos, grandes operações e concursos de milhões de contos e sem se darem ao trabalho de declarar o seu IRS, quanto mais pagar o que quer que seja, porque um quarto dos profissionais liberais, patrões isolados, não declaram mais do que o salário mínimo nacional.
Ora, esta reforma fiscal, começada neste Parlamento há um ano atrás, começou a responder a uma urgência política. E, de todos os pontos de vista, o Bloco de Esquerda aprecia que avançou-se no sentido certo: reduziram-se as taxas do IRS e do IRC; introduziram-se novas regras de sigilo; introduziu-se e reforçou-se a inversão do ónus da prova em casos que são, indiscutível e clamorosamente, abrangidos por uma necessidade de clarificação; introduziu-se a necessidade do englobamento das mais-valias mobiliárias, embora ainda a taxas diferenciadas; introduziu-se o englobamento dos dividendos para terminar com as taxas liberatórias, que enxameavam até agora e ainda continuam presentes na legislação portuguesa; introduziu-se um regime simplificado para determinar o lucro tributável; introduziram-se novas regras, já consensuais há tanto tempo na comunidade internacional, como, por exemplo, na OCDE, sobre os preços de transferência entre filiais e a casa-mãe de organizações transnacionais.
Tudo isto começou há um ano atrás. Desde então, no entanto, sofreu esta reforma fiscal um ataque profundo. Este ataque concentrou-se na questão das mais-valias e da sua declaração em IRS e em IRC. Ora, apesar do «bombardeamento» mediático, apesar do debate público, apesar da movimentação de interesses, o facto mantém-se, de que é incontornável a necessidade deste englobamento e desta tributação no IRS, pois claro, no saldo entre as mais-valias e as menos-valias. Em Espanha é assim que acontece: este saldo é, necessária e forçosamente, tributado. Em quase todos os países europeus assim acontece, pela simples razão de que é um incremento patrimonial e qualquer modificação patrimonial deve ser tributada.
Mas o debate concentrou-se mais do que no IRS e no IRC, e foi sobretudo movido pelas sociedades gestoras de participações sociais. Argumentava-se a propósito da reforma fiscal - e bem, na nossa opinião! - que, como qualquer outro activo das empresas, se deve impor para os benefícios em vendas e compras de acções uma igualdade de circunstâncias entre as sociedades gestoras e todas as outras empresas. O erro está na assimetria, o erro está no privilégio, o erro está na desigualdade; o erro não está na transparência e na igualdade de circunstâncias entre todas as empresas.
É, aliás, espantoso que um porta-voz do PSD, o Dr. João César das Neves - que foi conselheiro de economia do Prof. Cavaco Silva quando ele foi primeiro-ministro -, tenha escrito no Semanário Económico, em 27 de Julho, este argumento extraordinário contra a tributação das mais-valias: «É uma medida desastrosa, porque se implementou um imposto igual…» - igual! - «… ao dos parceiros da Europa num mercado como o português substancialmente diferente». Termos uma regra tributária que nos aproxima dos países mais modernizados no controlo fiscal, mais eficientes no controlo fiscal e onde a evasão e a fraude não atinge nada que se pareça com Portugal, é uma perversão, é um erro. Numa palavra, o argumento contra esta medida depende exclusivamente de um raciocínio que é este: Portugal precisa de um regime de benefício fiscal; Portugal precisa de ser um paraíso fiscal; Portugal precisa das benesses para os seus investidores, precisa das mordomias para o seu capital; Portugal só pode ser moderno se contra os modernos for desigual, for diferenciado de empresas, umas em relação às outras, e de cidadãos, uns em relação aos outros.
Não podemos aceitar este argumento. Pelo contrário, o que, em nosso entender, o Governo deveria ter respondido às sociedades gestoras de participações sociais que anunciaram, com grande estrondo, que deslocariam as suas sedes para a Holanda - como a PT e a SONAE - era que de nenhuma forma poderia transigir com qualquer alteração das regras fiscais e que, praticando-se em Portugal o princípio da tributação segundo a direcção efectiva, estas empresas em nada seriam beneficiadas dessa mudança. Mas em contrapartida o Governo podia, devia, tinha de ter agido sobre as benesses de que estas empresas, e outras, vão gozando - os monopólios, os negócios, o acesso aos concursos -, até ao momento em que o Eng.º Belmiro de Azevedo e outros tivessem de nos vir dizer (e nunca o fariam) que se deslocavam para o Principado do Mónaco.
No entanto, o Governo cedeu, no silêncio e na acção, por palavras e por actos. E, quando o Ministro Jaime Gama,
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assim que se faz a remodelação do Governo, anuncia a possibilidade de se abandonarem estes princípios sobre as mais-valias - logo confirmado por uma declaração do Primeiro-Ministro que estendeu este princípio abandonatório a algumas outras regras da reforma fiscal não explicitadas -, percebemos que estávamos numa situação de grande delicadeza política.
O Governo anunciou-nos, Sr. Primeiro-Ministro, que iria fazer não sabia o quê, por causa do que os espanhóis não sabiam que iam fazer. Porque, como rapidamente se constatou, em Espanha não havia nenhuma iniciativa legislativa, nenhuma proposta, para alterar o regime espanhol sobre as mais-valias. Corrijo: havia um debate no Parlamento espanhol,…
A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Ah!… Sempre havia!
O Orador: - … curiosamente suscitado pelo partido socialista espanhol, para tornar mais intransigente o imposto sobre as grandes fortunas que vigora em Espanha. Mas, enfim, de Espanha, pelo menos, bom vento e boas ideias não parecem bafejar os socialistas dos dois lados da fronteira, e esse imposto não tem viabilidade em Portugal.
Ora, o emaranhado de contradições permitiu a leitura política de que esta reforma se tinha esgotado. Surge da primeira reunião do novo Governo, surge depois das declarações do Primeiro-Ministro no Congresso do Partido Socialista, reafirmando a reforma fiscal como a grande prioridade do Governo; desde então, temos o silêncio absoluto. E a escolha com que estamos confrontados, na opinião do Bloco de Esquerda, é combater para viabilizar a reforma fiscal, ou ceder.
A competitividade deve ser valorizada pela reforma fiscal. Pois claro! Mas nada de melhor para beneficiar a competitividade do que regras claras e universais, do que taxas de referência únicas e não taxas liberatórias ou taxas especiais, que são sempre formas de distribuir privilégio.
O Governo fica, então, confrontado - e o Ministro das Finanças certamente deverá responder a esta questão - com a necessidade e a obrigação democrática de nos esclarecer sobre o destino do princípio da tributação e do englobamento das mais-valias.
Fica o Governo também convocado, Sr. Ministro das Finanças, para nos responder quanto ao que falta aplicar na reforma fiscal, que começou, foi prometida e não se concretizou.
A reforma fiscal tem instrumentos poderosos, precisa de muitos mais, e estava previsto no articulado da lei um conjunto de normas, de regulamentos e de portarias que, nove meses depois, pecam pela ausência: primeiro, a regulamentação sobre a comunicação dos movimentos transfronteiriços de operações não comerciais, para se saber a verdade sobre quem, como, quando e quanto nas operações de capital; segundo, a portaria que define a imputação de custos às sucursais financeiras exteriores, que é a única forma de tributar o sistema bancário em Portugal; terceiro, a determinação das regras para a venda do produto das execuções fiscais, nomeadamente proibindo empresas sediadas em off-shore de concorrerem nesse contexto; quarto, a determinação das regras para os preços de transferências; quinto, a determinação das regras para o cruzamento de informações sobre a segurança social, os cartões de crédito, sobre todo o sistema tributário e o sistema económico; sexto, a determinação das regras para aceder ao controlo da subcapitalização das empresas. Em nenhum destes seis casos o Governo tomou as medidas com as quais se comprometeu, perante a Assembleia e o País, há nove meses atrás.
Quero concentrar-me em duas destas medidas para argumentar da sua importância.
Em primeiro lugar, a banca. Em 1995, a banca, em vez de 35% de imposto, pagava uma taxa efectiva de 21%. No ano passado, pagou 12,6%.
Em Espanha e na Irlanda, países cujas taxas de imposto são utilizadas como argumento para o favorecimento da competitividade em Portugal, se fossem estendidas a Portugal, paga-se 15% a 20%, muito mais do que a taxa de imposto paga pela banca portuguesa.
Mas algumas empresas em particular merecem atenção.
Há uma empresa sediada no off-shore da Madeira, a CETLEM, que não tem qualquer funcionário - zero funcionários -, nem sequer um terminal de computador, é um endereço virtual, é um «@ flutuante», que gera 5 milhões de contos de lucro, sobre os quais o Estado perde 1,5 milhões de contos de imposto, porque se trata da ponta do iceberg de uma rede de crédito ao consumo, ou seja, o disfarce de operações que não são tributadas em Portugal.
Passo ao segundo exemplo, o Banco Madesant. Uma empresa que não tem agências, apenas sete funcionários, que gera metade do lucro líquido gerado pelos 19 000 funcionários de um dos maiores bancos portugueses, o BCP - 46,4 milhões de contos, o que equivale a 15 milhões de contos de imposto perdido pelo Estado -, e que é, exclusivamente, uma frente do Banco Santander Central Hispano para gerir as suas carteiras de acções. Tem mais lucro do que o BPI, do que o Totta, do que o Montepio Geral, mas não paga um tostão de imposto!
A existência do off-shore da Madeira, que em nada contribuiu para a tributação portuguesa, como é natural, porque paga 0% de IRC, e que em quase nada contribui para a criação de emprego, ao ponto de sermos ridicularizados, como país, no relatório da OCDE, é a fonte para um sistema que permite aos bancos deixarem de pagar os seus impostos e terem mesmo o atrevimento de disputar em tribunal situações extremas como aquela que o BPI recentemente veio ganhar no Tribunal Administrativo. Em 1991, o BPI registava 19% das suas operações financeiras na Madeira; em 1992, passou para 92%, ou seja, deixou de pagar impostos, e isto é aceite pelo tribunal português face à legislação!
Finalmente, quero chamar a atenção para a importância desta política e da alteração neste contexto.
Dizia a Dr.ª Maria José Morgado, Directora-Adjunta da PJ, que os off-shore são fortalezas do crime organizado. Alguns deles, como, por exemplo, os de Gibraltar ou do Luxemburgo - Gibraltar é inglês e Luxemburgo é um parceiro da União Europeia -, nem sequer respondem aos pedidos judiciais de investigação. Os Estados Unidos da América, que agora começam a tomar atitudes em relação aos off-shore, rejeitaram recentemente um acordo com vista ao seu controlo.
Deste ponto de vista, Portugal tem uma responsabilidade, que é a de fazer tudo o que puder contra estes paraísos do crime. É também por esta razão que se deve avançar na reforma fiscal no que diz respeito à matéria em falta, que é completar as regras de intervenção da administração tributária quanto ao sigilo bancário.
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Termino, Sr. Primeiro-Ministro e Sr. Ministro das Finanças, dizendo que, como há dois anos atrás, o Bloco de Esquerda está disponível, empenha-se e bate-se por um pacto de justiça fiscal que concretize esta reforma fiscal, e esperamos que nos dê, hoje, as garantias de que a mesma seja aplicada onde fracassou, onde foi abandonada e esquecida, que concretize a reforma da administração tributária e que avance no grande terreno que falta, que é o da reforma do imobiliário.
A justiça, a coragem política das reformas e a democracia assim o exigem.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: - Informo que se inscreveu, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Francisco Louçã, a Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Ministro das Finanças (Guilherme d'Oliveira Martins): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: É com todo o gosto que dou conta a esta Assembleia, e nesta oportunidade, do modo como prosseguimos, com empenhamento, segurança e espírito de serviço público, o Programa do Governo em matéria tributária.
As mudanças fiscais em curso consagram os princípios da equidade e da justiça fiscais, como está patente nas medidas que já foram objecto de concretização legislativa - quer a tributação do rendimento quer no tocante à justiça tributária -, assumindo particular relevância, na tributação sobre o rendimento, a consagração de um sistema fiscal mais justo através da redução global de todas as taxas do IRS e do IRC para níveis nunca antes verificados.
A simplificação constitui um dos elementos-chave que queremos continuar a concretizar, designadamente na criação dos regimes simplificados de tributação em IRS e em IRC com carácter opcional - e cujas vantagens decorrem da maior certeza e segurança nas relações entre a administração fiscal e os contribuintes -, já que os contribuintes abrangidos, em regra, não dispõem de estruturas adequadas às exigências do regime geral. Acresce, ainda, a tributação moderada que lhes está associada, sendo que, no IRC, a taxa estabelecida para o regime simplificado é de 20%, enquanto a do regime geral é de 32% e de 30%, para os exercícios de 2001 e 2002, respectivamente.
Queremos, afinal, colocar o contribuinte no centro das políticas respeitantes ao sistema fiscal, preocupando-nos em apoiar quem cumpre os seus deveres para com a comunidade, em utilizar melhor os recursos públicos, em prestar contas e em penalizar quem não cumpre, violando obrigações cívicas elementares.
Combater o planeamento fiscal abusivo e a evasão e a fraude fiscais constitui, assim, um dos objectivos essenciais da mudança com a adopção de normas antiabuso, de que se destacam as que prosseguimos - novas regras sobre preços de transferência e subcapitalização, o recurso a métodos indirectos, a inversão do ónus da prova e a derrogação do sigilo bancário, em circunstâncias de particular gravidade -, tipificadas na lei, com clara salvaguarda das garantias dos contribuintes.
Na mesma linha de orientação deve destacar-se o regime de justiça tributária que introduziu rigor e simplicidade no sistema, reforçando as garantias dos contribuintes no sentido da consagração de um sistema rigoroso, equilibrado e de garantia.
Refira-se, ainda, a fusão num único diploma do Regime Geral das Infracções Tributárias, a transferência em curso da organização administrativa dos tribunais tributários do Ministério das Finanças para o Ministério da Justiça, com a consequente sujeição dos respectivos funcionários ao Estatuto dos Funcionários de Justiça, bem como a introdução de medidas direccionadas à simplificação processual e ao reforço das garantias dos contribuintes.
Os exemplos de melhoria de eficácia e de mais garantias para quem cumpre são claros na flexibilização da apresentação de declarações de substituição; na fixação de prazos peremptórios para os actos do Ministério Público e do representante da Fazenda Pública; na fixação de prazos para as decisões de impugnação judicial na 1.ª instância e para as reclamações graciosas de, respectivamente, dois anos e um ano que, ultrapassados, determinam a caducidade das garantias prestadas pelos contribuintes; na determinação de uma nova causa de caducidade do direito à liquidação dos tributos, que se verificará nos casos em que o procedimento de inspecção tributária não se encontre concluído no prazo de seis meses após o termo fixado para a sua conclusão.
Contra factos não há argumentos. Merece, pois, especial elogio o trabalho realizado, quer, na anterior Legislatura, pela equipa do Professor Sousa Franco quer na actual Legislatura, pela equipa dirigida pelo Dr. Joaquim Pina Moura, aqui presente e que saúdo.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - As mudanças já concretizadas não configuram, porém, processos estáticos mas dinâmicos, exigindo a introdução de medidas, umas de continuidade, outras complementares de aperfeiçoamento, as quais devem reafirmar os princípios que lhes estiveram subjacentes, visando introduzir maior clarificação, dissipando dúvidas que têm vindo a ser suscitadas, corrigir alguns aspectos que se mostraram estar desajustados e estimular a economia e a competitividade em face da actual conjuntura de desaceleração.
Assim, pretende-se dar continuidade ao desagravamento e à simplificação da tributação, particularmente quanto aos rendimentos do trabalho por conta de outrem, eliminando o limite de dedução específica desta categoria na parte penalizadora dos trabalhadores com menores rendimentos, passando a indexá-lo genericamente ao salário mínimo nacional.
Ainda na tributação sobre o rendimento, refira-se a necessidade de introduzir ajustamentos nos regimes simplificados de tributação em IRS e em IRC, com a determinação de um período mínimo de permanência no regime, o tratamento dos subsídios destinados à exploração que visem compensar reduções nos preços de venda, a tributação diferida dos subsídios não destinados à exploração, assim como a harmonização das regras de tributação autónoma em IRS e em IRC e o aperfeiçoamento do regime que, nesta matéria, é aplicável às sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal, para além da simplificação, mantendo a tributação por englobamento - repito, Sr. Deputado Francisco Louçã, mantendo a tributação por englobamento - do sistema de tributação das mais-valias auferidas por pessoas singulares. Os princípios serão,
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assim, reafirmados à luz do interesse nacional e do apoio às iniciativas criadoras de riqueza.
Reforçar-se-á a introdução de medidas de combate à evasão e à fraude fiscais, à especulação, penalizando a realização de operações por intermédio dos denominados «paraísos fiscais» - até considerando o actual combate ao terrorismo que, neste momento, tem de estar na primeira linha da nossa acção.
Não posso, porém, Sr. Deputado Francisco Louçã, concordar com as considerações genéricas que fez relativamente ao sistema da Região Autónoma da Madeira, o qual não é subsumível ao regime geral das off-shore que aqui está em causa, até porque, na Madeira, existe a supervisão do Banco de Portugal e existem mecanismos de integração legal que estão em vigor e que se aplicam.
O sucesso das mudanças no sistema fiscal não depende apenas, contudo, das soluções técnicas já concretizadas e a prosseguir em sede legislativa. Os objectivos estabelecidos exigem estruturas adequadas ao seu prosseguimento e execução.
Neste sentido, o Ministério das Finanças tem vindo a desenvolver um vasto conjunto de acções, das quais se destaca a forte aposta na informatização dos serviços que conheceu um desenvolvimento notável nos últimos anos, numa acção em que me empenho pessoalmente.
Em 1996, o nível de informatização dos serviços situava-se em 3%; em 2001, atinge cerca de 74%. No mesmo período, foram remodelados 72 serviços de finanças, tendo ainda sido reforçada a presença nas Lojas do Cidadão e nos centros de formalidades de empresas.
O esforço realizado nos procedimentos de inspecção tributária merece destaque. Na inspecção, o número de acções aumentou de 97 000, em 1995, para 134 000, em 2000. As correcções à matéria colectável, que decorreram das acções inspectivas, verificaram um crescimento de 118% entre 1995 e 2000; as mesmas acções contribuíram, aliás, para a detecção de 117 milhões de contos de impostos em falta, em 1995, contra 155 milhões de contos, em 2000, e o valor previsto para 2001 ainda é superior. O aumento da eficiência da justiça tributária traduziu-se num crescimento de 231%, no referido período, na arrecadação de dívidas tributárias decorrentes de cobranças coercivas, que passaram de 41 milhões de contos, em 1995, para 137 milhões de contos, em 2000.
Insisto, porém, na orientação clara do Governo e do Ministério das Finanças no sentido do combate sem tréguas à fraude e à evasão fiscais, tendo para o efeito sido reactivado o funcionamento da Unidade de Cooperação de Luta contra a Fraude e Evasão Fiscais (UCLEFA), presidida pelo Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: A consolidação das finanças públicas realiza-se no médio prazo e não com medidas imediatas ou avulsas. Devemos, por isso, ligar sempre as políticas da despesa e as da receita pública - eis porque as mudanças no sistema fiscal devem ser seguras, estabilizadoras, partindo de consensos alargados nas instituições democráticas e na sociedade portuguesa.
A execução de medidas sérias a pensar no futuro precisa sempre de tempo. Não podemos estar sempre a alterar os regimes e devemos apostar na simplicidade para que os contribuintes cumpram, tendo confiança na estabilidade do sistema. Eis a regra que temos de cumprir e à qual temos de ser fiéis.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O espírito reformista obriga a compreender que o povo bem nos ensina ao dizer «devagar que tenho pressa». Gestos precipitados apenas podem afectar a confiança e colocar em causa a saúde e a competitividade da economia.
No actual cenário internacional de incerteza, devemos, por isso, ter cautelas redobradas e fazer um esforço redobrado no sentido da formação de consensos neste Parlamento.
Aplausos do PS.
Devemos todos fazer o «trabalho de casa», apoiando a economia e os cidadãos, promovendo o emprego e a competitividade, alargando a base da tributação e criando condições seguras para desagravar a tributação dos trabalhadores por conta de outrem. É necessário garantir um cumprimento fiscal mais uniforme, assente na certeza e na estabilidade.
Eis porque, relativamente à tributação sobre o património, devo reafirmar o Programa do Governo, no sentido da racionalidade, da eficiência e da justiça. Os estudos estão realizados, dão-nos um leque alargado de soluções, mas não se espere de nós a adopção de providências precipitadas. A redução inusitada de uma centena de milhões de contos de receitas das autarquias locais não está no nosso horizonte imediato; a ausência de articulação entre a política fiscal sobre o património e a política de habitação exige o lançamento de um processo de reavaliações que não salvaguarde a existência de instrumentos prudenciais que distingam as situações claramente iníquas e os casos dos contribuintes de mais fracos rendimentos, e não pode deixar de ter a nossa atenção.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O calendário defini-lo-emos em conjunto, Governo e Parlamento, no momento próprio, com urgência. Não é este o momento e, sobretudo, desejo que este processo se faça com uma ampla reflexão parlamentar para que a caracterização desta mudança não seja afectada pela evolução política, social e económica.
O mesmo se diga da tributação sobre o automóvel, já em fase muito adiantada de elaboração e sobre a qual esta Assembleia se pronunciará em breve.
Não quero, porém, influenciar negativamente o mercado com anúncios extemporâneos, sobretudo porque deve ficar claro que não haverá redução de receitas públicas, não haverá desagravamentos fiscais que justifiquem adiamentos nas decisões de compra por parte dos consumidores; haverá, sim, maior exigência na fiscalização e no controlo e uma fortíssima componente ambiental, que me permito aqui realçar, na linha, aliás, das propostas que temos sobre a mesa.
A consolidação das finanças públicas, o rigor e a coesão social têm de estar presentes na nossa acção. Por isso, insistimos no cumprimento rigoroso de medidas de disciplina na despesa pública e de equidade, justiça e eficiência na receita.
Insistimos, pois: para nós, não há dogmas económicos, há pessoas. O rigor e a disciplina são essenciais para a boa saúde da economia, ideia que tem de estar presente quando cuidamos do sistema fiscal. Esta é a linha que
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prosseguimos, procurando reunir vontades e estar atentos aos interesses dos cidadãos portugueses e de Portugal.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Informo a Câmara que se inscreveram, para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro das Finanças, os Srs. Deputados Maria Celeste Cardona, Lino de Carvalho, Hugo Velosa, Francisco Louçã e Machado Rodrigues.
Para formular o seu pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Francisco Louçã, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona.
A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, quando comecei a ouvir a sua intervenção, pensei que tinha recuado um ano, pensei que estava no ano passado. Mas depois olhei para mim e pensei: «Não, Maria Celeste, já envelheceste um ano; não é possível estarmos no ano passado. Estamos mesmo neste ano».
O Sr. David Justino (PSD): - Não se nota!
A Oradora: - Muito obrigada!
Depois continuei a ouvi-lo com atenção e pensei: «Será que o Bloco de Esquerda quer proporcionar ao Governo uma listagem de medidas que têm vindo a ser tomadas, um conjunto de diligências que têm vindo a ser efectuado, o reforço dos 10 milhões de contos que o sindicato dos trabalhadores dos impostos reclama ainda não ter recebido e que o Sr. Ministro Pina Moura prometeu?! Será que é isto que o Bloco de Esquerda pretende com esta interpelação?!» Mas, depois, voltei a falar para mim e disse: «Maria Celeste, não sejas tão cínica, não creias que seja isso!».
Risos.
Mas, como o Sr. Deputado deve imaginar, continuei a pensar, e pensei: «Será que o Sr. Deputado Francisco Louçã não ouviu as informações do Sr. Ministro Guilherme d'Oliveira Martins quando anunciou, há bem pouco tempo, que tinha cobrado 347 milhões de contos em processos de execução fiscal? Será que não ouviu?! Será que não tem paciência para esperar que o Governo publique as portarias para a definição dos índices objectivos de base técnico-científica para aplicação dos métodos indirectos, previstos em 1988, Sr. Ministro das Finanças?!
O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!
A Oradora: - Será que o Bloco de Esquerda não tem paciência?!».
Pensei um pouco mais: «Será que o Bloco de Esquerda não tem paciência para esperar as acções de fiscalização a realizar junto das empresas instaladas na Madeira?!».
É que, o Sr. Deputado Francisco Louçã sabe, como eu, que é um problema de execução da lei, não é um problema da lei. A lei diz que só podem ser feitas operações com não residentes. Será que fazem com residentes?! Será que os tais 10 milhões de contos para a informatização dos serviços estão a fazer falta para esse cruzamento de informações?! Esta é uma questão que eu não sei se o Sr. Deputado ponderou.
Cheguei ao fim desta reflexão e interroguei-me, mas agora permito-me interrogá-lo: para quê esta interpelação?! O senhor quer outra reforma?! Mas esta é a sua! Esta é a boa! Ou não será?!
É que, como todos sabem, para o CDS-Partido Popular esta não é a reforma fiscal que o País precisa e merece.
O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!
A Oradora: - Agora, esta é a vossa reforma fiscal.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, faça favor de terminar, pois já esgotou o tempo regimental.
A Oradora: - Termino já, Sr. Presidente!
Sr. Deputado Francisco Louçã, diga-nos: quer outra reforma fiscal? É que esta ainda não está testada.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona, creio que a retórica, por vezes, leva a fazer perguntas acerca das quais se sabe bem a resposta.
Fazemos esta interpelação e fá-la-íamos muito mais frequentemente, fá-la-íamos mensalmente se houvesse força regimental para isso, porque esta é a função do Parlamento, é a de discutir uma questão de democracia e combater a assimetria e a injustiça fiscal que existe em Portugal.
Deram-se a este respeito passos muito importantes, que resumi ao apresentar o que foi feito, o que falta fazer, sem a qual não passamos das palavras aos actos.
Não, Sr.ª Deputada, não quero outra reforma fiscal. Quero a reforma fiscal de que o País precisa, da qual houve um primeiro impulso e da qual não houve concretização bastante.
Dizia o Sr. Ministro das Finanças, na sua intervenção, que se tomaram grandes medidas, métodos indirectos, preços de transferência e muitas outras. Ora, argumentei que sobre essas e muitas outras nada foi feito. Nada foi feito, repito. Da declaração da lei até à concretização dos instrumentos de aplicação operacional vai o regulamento, a portaria e até a vontade política.
Percebo que nos digam que é preciso ir devagar se se quer ir a algum lado. Aceito que é preciso consensos, mas sei que consensos alargados quer dizer esperar que o PSD se junte a uma determinada carruagem. Mas o Governo nem uma coisa nem outra; o que o Governo faz, numa espécie de perturbação teológica, é aceitar, de um momento para o outro, aquele princípio do budismo zen, que é «sentado, nada fazendo».
Aprova-se uma reforma e, a partir daí, não se faz nada. Preços de transferência aterrorizam as empresas transnacionais? Com certeza que não, não há preços de transferência aplicados ou calculados. Métodos indiciários? Com certeza que não! Quanto ao sigilo bancário o que é que se faz? Nada! O que se faz em relação ao registo de movimentos transfronteiriços de capitais? Nada!
O que estamos a discutir, Sr. Ministro das Finanças, é como é que o Governo aplica aquilo a que se comprometeu connosco e com o País. Esta é uma exigência de transparência, porque o senhor veio dizer-nos aqui que não
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haveria recuo no englobamento das mais-valias em IRS. Esqueceu-se de referir aquilo que o País discutiu durante meses, que são as mais-valias das sociedades gestoras de participações sociais, e, ao não dizer nada, continua a alimentar toda a dúvida, ou seja, a certeza de que o Governo nada fará. Este é que é o grande problema. É claro que, aqui, o CDS tem grandes dificuldades, porque há poucos dias atrás votou um processo de levantamento do sigilo, justificadíssimo, que vai mais longe do que aquele que conseguimos alcançar anteriormente, e justificadamente. No entanto, o CDS, já não teve a capacidade de invocar aqueles princípios de fundo, constitucionais, de grandes reservas, que foram o seu argumento anterior.
Por isso, como é natural, Sr.ª Deputada, compreendo a sua dificuldade e essa sua perturbação.
O Sr. Presidente: - Passando agora aos pedidos de esclarecimento ao Sr. Ministro das Finanças, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona. Assim, pode voltar a reflectir.
A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Agora não, Sr. Presidente.
Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, estive a ouvi-lo com muita atenção, como deve imaginar - é meu dever, aliás, fazê-lo -, e não resisti a achar, como bem recentemente um analista da nossa praça achou, que o Sr. Ministro das Finanças é exímio na política da pregação. Ou seja, o Sr. Ministro das Finanças prega, diz, enuncia objectivos, prioridades, medidas que, julgo, muito dificilmente as iremos encontrar. E justamente por isso, Sr. Ministro das Finanças, tenho aqui um pequenino rol de duas ou três perguntas que gostaria de colocar-lhe. Não sei se o Sr. Presidente da Assembleia da República vai deixar, mas, pela minha parte, dou-lhe os meus minutos para poder responder a todas as perguntas que vou fazer-lhe.
Em primeiro lugar, o senhor disse - e escreveu - num recente artigo, que urge incentivar as decisões da poupança. Sr. Ministro das Finanças, vai ou não revogar a reforma fiscal na parte das mais-valias, quer em IRS, quer em IRC, justamente para as sociedades gestoras de participações sociais? Sr. Ministro das Finanças, sem tibiezas, sem pregações, «sim» ou «não» a esta questão que aqui lhe deixo formulada.
Em segundo lugar, devo reconhecer que o senhor, tal como o seu antecessor, herdou uma reforma do património. O seu antecessor guardou-a na gaveta! Não sei se esta que o senhor herdou a guardou na gaveta ou no baú! Veremos o tempo que vai demorar. Isto porque já ouvi um seu antecessor dizer que a reavaliação das matrizes demorava 10 anos, ao senhor já o ouvi falar em dois, três anos.
Como sabe, sou técnica fiscalista e garanto-lhe que o senhor em dois, três anos, não faz a reavaliação quer dos prédios urbanos quer dos prédios rústicos.
O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Claro que não!
A Oradora: - Depois há outra mistificação, Sr. Ministro das Finanças. Diz-nos o senhor, em relação ao tal imposto mais estúpido do mundo, a sisa, que o seu Primeiro-Ministro e o seu Governo prometeram abolir, que agora não se pode pensar nisso, porque isso está dependente da tal reavaliação das matrizes. Sabe o senhor, sei eu, sabemos todos, que isso é uma mistificação, Sr. Ministro das Finanças. A sisa incide sobre a transmissão de um bem; a contribuição autárquica incide sobre a posse e a detenção do bem. O senhor sabe, mas não me custa dar uma lição desta natureza.
Portanto, é uma mistificação confundir a extinção da sisa com a revisão da contribuição autárquica. Ou será, Sr. Ministro das Finanças, que o senhor, tal como eu, partilha inteiramente aquela afirmação que lhe é imputada, e não desmentida, de que não podemos aprovar legislação contrária ao Direito Comunitário? Isto é, o senhor considera que não podemos ser levianos ao ponto de estar internamente a estabelecer legislação que, porventura, pode não vir a ser aprovada pela Comissão Europeia, justamente porque o nosso país, o governo da altura, não fez as reservas que lhe competiam fazer quanto à taxa reduzida de IVA para as primeiras transmissões de imóveis.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
A Oradora: - Já agora, Sr. Ministro das Finanças, e só para terminar, afinal os tais 10 milhões de contos de dotação para a informatização dos serviços, vai ser realizada, ou não? Este é um aspecto importante da gestão de uma política fiscal, que, naturalmente, tem de ser levada a efeito sob pena de a política da pregação, de facto, substituir uma política corajosa de decisão quanto à reforma fiscal.
Aplausos do CDS-PP.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente João Amaral.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona, como sabe, é sempre um gosto ouvi-la e é também com gosto que respondo a todas as questões que me colocou.
Quanto à tributação das mais-valias, a Sr.ª Deputada pede-me uma resposta de «sim» ou «não», como se, porventura, estas questões se resolvessem desta maneira - e a Sr.ª Deputada sabe que não se resolvem.
Os princípios fundamentais que levaram à aprovação na Assembleia do englobamento, relativamente à tributação de mais-valias, é um princípio válido. É um princípio que não sofre contestação. Aliás, se virmos o direito comparado, que a Sr.ª Deputada conhece bem,…
A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Conheço, sim!
O Orador: - … verifica que o regime que temos entre nós não é muito diferente daquele que têm os nossos parceiros europeus.
Do que se trata, neste momento, e será o Parlamento o primeiro a conhecer a nossa proposta e o nosso pensamento, é encontrar os mecanismos que nos permitam, sem pôr em causa o princípio fundamental da tributação dos rendimentos onde eles se geram, salvaguardar o princípio da competitividade. A Assembleia conhecê-los-á em primeiro lugar, uma vez que a proposta de lei do Orçamento do Estado conterá, nesta matéria, armas neste sentido, que
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teremos oportunidade de debater. Sr.ª Deputada, este é o sítio próprio, e, portanto, não terá oportunidade de conhecer isto através de jornais ou de fontes indirectas. Repito, o Parlamento será o primeiro a conhecer o nosso pensamento, até porque será ele a decidir nesta matéria.
Sr.ª Deputada, relativamente à reforma do património, já afirmei, mas repito, que não a vamos guardar na gaveta, nem fazer mais estudos.
A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Nem no baú!
O Orador: - Nem na gaveta, nem no baú! Vamos trabalhar e começar, de uma vez por todas, a concretizar aquilo que é indispensável, mas salvaguardando que com o tempo alargado de execução, que a Sr.ª Deputada é a primeira a reconhecer, tenhamos de formar os consensos indispensáveis para que o cidadão comum, o contribuinte, tenha confiança ao concretizar, ao aplicar, estas novas medidas para saber que elas são estáveis, duráveis e aceites como medidas do regime.
A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Pena que não tenha dito isso anteriormente no seu próprio governo.
O Orador: - Estou a afirmá-lo, Sr.ª Deputada.
Protestos da Deputada do CDS-PP Maria Celeste Cardona.
A Sr.ª Deputada tem toda a razão, estou inteiramente de acordo consigo, quando diz que uma coisa é a sisa e outra é a contribuição autárquica. São questões diferentes, ainda que a tributação sobre o património seja um conjunto, e certamente conhece, designadamente, as conclusões da ECORFI onde esta ligação se faz por uma razão: a quebra de receita.
Protestos da Deputada do CDS-PP Maria Celeste Cardona.
Sr.ª Deputada, como está a ver, a falar é que nos entendemos!
Ainda em relação a esta matéria, gostaria de dizer que se torna indispensável tomar medidas, principalmente no que respeita à sisa, sem quebra de receita - e há mecanismos que o permitem. Eis porque, para evitar o bloqueio dos mercados, que, como sabe, se verificou durante este ano, tive de dizer às pessoas (e, felizmente, o mercado compreendeu) para não adiarem as suas decisões de compra ou venda de imóveis para o dia 1 de Janeiro. Felizmente, o mercado voltou a funcionar. No entanto, volto a dizer às pessoas para não adiarem as suas decisões para o dia 1 de Janeiro, porque isto não tem a ver com a abolição, ou não, da sisa mas, sim, com o desagravamento dos impostos.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Ministro, peço-lhe que abrevie, pois já esgotou o tempo regimental.
O Orador: - Sr.ª Deputada, visto já não ter tempo, irei responder às duas questões que ficaram por esclarecer, já a seguir, quando responder a um outro pedido de esclarecimento.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, como V. Ex.ª e o Governo sabem, o PCP considerou (e empenhou-se na altura), e continua a considerar, que a reforma fiscal que aqui debatemos e aprovámos em matéria de impostos sobre o rendimento, embora não correspondendo àquelas que eram as nossas propostas iniciais, constituiu um passo na direcção certa.
Contudo, Sr. Ministro, de então para cá, o Governo parece querer insistir não nesse passo mas em dois passos atrás; não na consolidação desse passo mas para se meter na «casca», como o caracol, sempre que encontra algum obstáculo, cedendo aos protestos dos grandes interesses económicos, que, desde logo, naturalmente, levantaram a sua voz contra a reforma fiscal que aqui foi aprovada. E, nesta matéria, Sr. Ministro, aquilo que hoje aqui nos trouxe não nos dá grande descanso.
Comecemos pelas mais-valias sobre as operações em bolsa.
Aparentemente, o Sr. Ministro já foi um pouco mais além do que o «nim», que o caracterizou a seguir à aprovação da reforma fiscal, nas primeiras intervenções públicas que fez sobre esta matéria. Hoje, na resposta que deu à Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona, o Sr. Ministro foi além do «nim», pois já nos veio dizer que, muito provavelmente, entre a correcção dos aspectos desajustados que referiu no seu discurso está uma alteração ao princípio das mais-valias e menos-valias aqui definido, particularmente no domínio das sociedades gestoras de participações sociais.
A minha pergunta é muito clara, Sr. Ministro: vai o Governo manter ou não o princípio da tributação das mais-valias também para as sociedades gestoras de participações sociais? Este é um elemento fundamental na coerência do Governo. E, Sr. Ministro, não venha com o argumento da competitividade, porque, se a competitividade vinha de Espanha, já verificámos que foi uma saída em falso do Governo - mas não falemos mais nisso, porque esse foi um momento menos feliz do Governo.
Prossigamos na reforma fiscal, passemos a um imposto sobre o património e à chamada «reforma fiscal ecológica».
Agora, o Governo vem dizer que é preciso pensar, que é preciso ponderar, que não podemos ser precipitados… Então, esclareça-me: o Sr. Ministro está a criticar o seu antecessor, o agora Deputado Pina Moura? O seu antecessor dizia aqui, nesta Assembleia, em 12 de Outubro de 2000, que «(…) o terceiro pilar diz respeito à reforma da tributação do património imobiliário, a submeter à aprovação e discussão desta Assembleia até ao final do ano 2000 (…)» e, em relação ao imposto automóvel, à «reforma fiscal ecológica», adiantava: «cujas propostas (…) traremos a esta Assembleia no 1.º trimestre de 2001». Portanto, o que o Sr. Ministro está a dar a entender é que os compromissos assumidos pelo seu Governo e pelo seu antecessor na pasta eram precipitados e não estavam suficientemente amadurecidos. É este o sentido daquilo que o Sr. Ministro quer dizer? Gostávamos de o ouvir sobre este ponto.
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A terceira questão prende-se com o combate à fraude e à evasão fiscais. Sr. Ministro, não é verdade que a ilha da Madeira não se possa englobar naquela que é hoje a grande discussão sobre a fuga e a evasão fiscais no regime dos off-shore. Basta ter presente os estudos emitidos recentemente pela própria Associação Portuguesa de Bancos em relação à tributação do sistema financeiro -, e não é só o Banco Madesant, todos os outros bancos, exceptuando a Caixa Geral de Depósitos, pagam pouco mais de 10% exactamente por causa do funcionamento das suas sucursais.
Sr. Ministro, parece que hoje toda a gente está a reflectir sobre os off-shore: a OCDE fala em eliminá-los; a Administração Bush também já fala nessa hipótese, e, naturalmente, na sequência de tudo isto, o Sr. Secretário de Estado Vitalino Canas também veio dizer que era preciso eliminar os off-shore. Pergunto: qual é a posição do Governo nesta matéria?
Por isso mesmo, o PCP vai apresentar hoje, aqui, na Mesa da Assembleia da República, um projecto de resolução visando prosseguir o que ficou estabelecido na legislação sobre a reforma fiscal, que aqui aprovámos, quanto à concretização dos aspectos de controlo e disciplina do off-shore da Madeira e à necessidade de o Governo, no plano internacional - e com isto termino, Sr. Presidente -, desencadear as iniciativas necessárias a que se controle e discipline os off-shore até ao seu objectivo final, ou seja, a sua erradicação.
Qual é a posição do Governo nesta matéria?
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, quanto à última questão que colocou, passou-lhe certamente despercebido a oportunidade que tivemos, na primeira semana de Setembro - ainda antes dos acontecimentos de Nova Iorque e de Washington, através do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais -, de anunciar uma grande ofensiva no que se refere às questões dos off-shore, quer em relação às transmissões de bens imóveis, quer em termos de fiscalização e acompanhamento de movimentos de instituições de crédito, de instituições financeiras nessa área. Neste ponto, a sua preocupação é a que temos, e assumimos, há muito tempo.
Os factos são claros, e, portanto, foi público e notório.
Relativamente à Região Autónoma da Madeira e ao regime especial que aí vigora, entendamo-nos de uma vez por todas: uma coisa é a necessidade do cumprimento da lei quanto à situação que referiu na Região Autónoma da Madeira; outra coisa é confundir o que ocorre na Madeira e o regime geral dos off-shore a que aqui fez referência. São situações diferentes, como sabe, e tratadas, designadamente à luz do Direito Comunitário, de forma diferente. E não confundamos o que é diferente.
Sobre as alterações ou ajustamentos no que diz respeito às medidas que adoptámos há um ano atrás, Sr. Deputado Lino de Carvalho, pode estar descansado, porque os princípios fundamentais - reafirmo-o aqui - não serão violados, não serão postos em causa. Verá que a proposta ou o conjunto de propostas, quando forem apresentadas, visam, fundamentalmente, ir ao encontro de uma situação real e concreta, que é a evolução da nossa economia e, designadamente, a evolução na aplicação destas medidas.
Sr. Deputado, quanto à questão que colocou sobre as medidas anunciadas, o terceiro pilar da reforma fiscal, devo dizer que, quando refiro a necessidade de prudência, a necessidade de consensos alargados, não quero dizer que não estamos a trabalhar, e a trabalhar afanosamente, nem que não vamos ter necessidade, no caso do património, de fazer mais estudos; vamos ter necessidade, isso sim, de concretizar, de dar os passos indispensáveis e de constatar, por um lado, o que tem de ser feito relativamente à sisa e, por outro, o que tem de ser feito em matéria de tributação autárquica. É isto que vamos fazer, com um calendário prático e preciso. E o ano de 2001 vai ser uma primeira oportunidade para esse efeito.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - O seu antecessor não o tinha feito?
O Orador: - Muito bem! Mas eu tomei posse, como sabe, Sr. Deputado, depois ou já esgotados esses prazos.
Relativamente à tributação sobre o automóvel, o Sr. Deputado sabe muito bem que esse processo está extraordinariamente adiantado. Mais: já estamos na fase dos acertos finais. E é nesta fase dos acertos finais que temos de ter a maior das cautelas para evitar que tal tenha repercussões negativas no mercado de compra e venda de automóveis.
Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona, uma das perguntas que ficou por responder prende-se com os 10 milhões de contos, os famigerados 10 milhões de contos! Sr.ª Deputada, o investimento na informatização da administração fiscal está, felizmente, a continuar, e tem o meu empenhamento pessoal. Mais, posso dizer-lhe que o então Ministro das Finanças, Dr. Joaquim Pina Moura - não sei se se recorda - não disse que o investimento de 10 milhões de contos terminaria num determinado período! Não, ele falou de um investimento de 10 milhões de contos, que está em curso. E posso adiantar-lhe que 100% da informatização da administração fiscal, como, aliás, já estava previsto pelo então Ministro Joaquim Pina Moura, irá ser plenamente concretizada no ano de 2002, tal como estava previsto desde o início.
Portanto, não haverá aqui qualquer quebra de investimento. E, mais, verificará na proposta de lei do Orçamento do Estado para 2002 que esta é uma das nossas prioridades, uma das nossas preocupações.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Velosa.
O Sr. Hugo Velosa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista Português continuam a insistir - o que tem sido recorrente - na questão do off-shore da Madeira, do Centro Internacional de Negócios da Madeira. Mas esta insistência assume agora contornos efectivamente mais graves; mais graves porque há um aproveitamento destes últimos acontecimentos em relação ao que acontece com a situação dos off-shore. E o Partido Comunista Português e o Bloco de Esquerda entendem que o Centro Internacional de Negócios da Madeira há-de ser o bode expiatório de toda esta situação…
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O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Também o Presidente Bush e o Secretário de Estado Vitalino Canas! Todos o acham!
O Orador: - … quando, como V. Ex.ª muito bem disse, o Centro Internacional de Negócios da Madeira obedece a regras diferentes das que obedecem, por exemplo, as ilhas de Man, de Guernsey, de Gibraltar, Turks and Caicos e centenas de outras praças off-shore, mesmo as situadas nos Estados Unidos da América. Aí, sim, efectivamente, as regras são diferentes. Ora, esta obsessão do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista Português, em relação ao Centro Internacional de Negócios da Madeira, só pode ser vista como uma questão política e não como uma questão de fundo.
Portanto, o Partido Social Democrata e eu próprio congratulamo-nos com o facto de V. Ex.ª ter afirmado na sua intervenção - e ouvi muito bem - que esta era uma questão diferente, que iria ter um tratamento diferente em relação àquilo que, e muito bem - e o PSD também concorda -, se deve fazer no que toca às off-shore a nível mundial, nomeadamente às sediadas fora da União Europeia. E, portanto, fiquei descansado.
Em todo o caso, Sr. Ministro, gostaria de colocar-lhe uma questão relacionada com esta matéria e que tem a ver com o seguinte: li algumas notícias sobre o off-shore da Madeira, nomeadamente umas declarações do Secretário de Estado Vitalino Canas, que não confirmam o que o Sr. Ministro aqui veio dizer.
Vozes do PCP e do BE: - Exactamente!
O Orador: - Para o PSD (e para mim, como Deputado eleito pelo círculo eleitoral da Região Autónoma da Madeira), seria fundamental clarificar qual é, efectivamente, a posição do Governo em relação a estas matérias. Espero que essa seja uma posição clara e de confirmação de que o Centro Internacional de Negócios da Madeira tem de ter um tratamento diferente em relação ao que vai ser determinado pelas instâncias internacionais e pelos vários países quanto aos problemas que os off-shore levantam, porque, como disse, o Centro Internacional de Negócios da Madeira não pode ser o bode expiatório, e muito menos partindo essa ideia do nosso país, do partido do Governo e do Governo.
Além do mais, quero lembrar aqui algo muito simples, até porque se prende com as declarações feitas pelo Secretário de Estado Vitalino Canas, que li nos jornais, mas nunca as vi confirmadas pelo próprio. Foi encomendado um relatório pelo Governo português, pelo Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, já lá vão quase dois anos, um relatório da União Europeia, que é extremamente positivo em relação ao Centro Internacional de Negócios da Madeira e ao que este pode representar para a economia da região. E, no fundo, aquilo que ele representa para a economia da região, representa para a economia do País, independentemente das situações que têm de ser clarificadas, através dos tribunais, da forma inspectiva do Banco de Portugal e de outras formas, para prevenir um ou outro abuso, que pode não ter acontecido no Centro Internacional de Negócios da Madeira. Mas que fique claro que o Centro Internacional de Negócios da Madeira é fundamental para o desenvolvimento da região.
A pergunta concreta que lhe formulo é esta, Sr. Ministro: o Governo aceita claramente que as restrições que possam existir em relação ao Centro Internacional de Negócios da Madeira decorram exclusivamente daquelas que advierem das decisões internacionais, nomeadamente no âmbito da União Europeia, sobre essa matéria ou ele próprio tomará alguma iniciativa para impor restrições e revogar aquilo que neste momento está em vigor?
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Hugo Velosa compreendeu bem o que aqui afirmei e as considerações que estão subjacentes à sua questão facilitam, de algum modo, a resposta.
Em primeiro lugar, o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Dr. Vitalino Canas, é bem conhecedor do regime e do pensamento do Governo nesta matéria, que é aquele que aqui exprimi.
O que acontece é que nestas circunstâncias, e como o Sr. Deputado Velosa agora disse, é indispensável que tenhamos um particular cuidado não apenas em relação ao Centro Internacional de Negócios da Madeira mas a todo o sistema financeiro português. Posso dizer-lhe e anunciar a esta Câmara que hoje mesmo determinei o levantamento rigoroso das contas bancárias para verificar se há contas bancárias da lista correspondente às pessoas que constam das listas divulgadas recentemente pelos governo dos Estados Unidos da América relativamente à preparação de actos de terrorismo. É isto, e não são regras especiais para o Centro Internacional de Negócios da Madeira.
Por outro lado, gostaria de dizer e explicar à Câmara, não ao Sr. Deputado Hugo Velosa, o seguinte: tecnicamente, o regime que funciona na Madeira é um regime inshore e não off-shore. Ou seja, é um regime autorizado pela Comunidade Europeia, que corresponde à região ultraperiférica da União Europeia, que é a Região Autónoma da Madeira. Portanto, tecnicamente, não é um off-shore mas, sim, um inshore, e como tal tem de ser tratado. Não quer dizer, porém, que não tenhamos preocupações redobradas quanto à supervisão, designadamente à supervisão do Banco de Portugal e à do Instituto de Seguros de Portugal, que é o que se está a passar - como o Sr. Deputado Hugo Velosa teve oportunidade de aqui reconhecer.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, quero colocar-lhe duas questões.
A primeira diz respeito à ideia, que aqui transmitiu, de que o Governo está empenhado em exprimir e em fazer sentir uma situação de confiança ao cidadão. Qualquer política fiscal só tem sentido se construir confiança. Mas, repare, depois, em relação ao grande debate político em Portugal, acerca das mais-valias das sociedades gestoras de participações sociais, que foi tomado e percebido - e bem! - como um sinal, uma percepção pública da vontade do Governo no que diz respeito à reforma fiscal, com a qual se tinha efectivamente comprometido, o Sr. Ministro tomou a única posição que cria desconfiança, que é a de não dizer «sim», nem «não».
Mas o Sr. Ministro não diz «sim» nem «não» perante um compromisso que o Governo estabeleceu; o Sr. Ministro não está a fazer estudos sobre hipóteses futuras; não está a discutir o que é que deverá acontecer e que
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alternativas de políticas a este respeito são vantajosas para o País. O Sr. Ministro não nos diz se quer continuar aquilo com o que, sete meses antes de tomar posse, se comprometeu. E aí temos a palavra de Estado, que é a palavra do Governo, e a votação de Estado, que é a votação da Assembleia da República.
Ora, desta forma, o que o Governo pretende mostrar - outra leitura não é possível - é que, não sabendo o que quer, não quer o que está. O Governo tem a obrigação de dizer que alteração faz. Diz-nos que este é o sítio próprio, com certeza que sim, mas este é o momento próprio.
O Sr. Ministro deveria responder-nos sobre que política tem a este respeito. Não o fazendo, dá, naturalmente, guarida à campanha dessas empresas, que querem beneficiar de uma assimetria em relação ao universo empresarial português, de uma vantagem injusta e de uma desigualdade constitutiva, na base da qual se têm vindo a desenvolver ao longo do tempo e que querem manter, preservar e continuar.
Quanto ao off-shore da Madeira, não é verdade, Sr. Ministro das Finanças, que o off-shore da Madeira não suscite problemas internacionais. A União Europeia, como se sabe, tem um longo dissídio com o Governo português a respeito da acusação de ajudas ilegítimas e a OCDE inscreve no último relatório, como o fez anteriormente, que é preciso rever o estatuto da zona da Madeira, sob a acusação de práticas danosas à concorrência. Esta é a posição da OCDE.
O Sr. Ministro diz-nos, a este respeito, que podemos estar tranquilos. Não podemos, e por duas razões: primeiro, a lei portuguesa actual não é aplicada. O Sr. Ministro garante-nos que o Banco de Portugal vigia a aplicação da lei. Ora, não só o Banco de Portugal tem como regra extraordinária não comunicar ao fisco as infracções fiscais de que toma conhecimento como efectivamente não vigia a aplicação da lei portuguesa no off-shore da Madeira. Se assim fosse, Sr. Ministro, como seria possível que haver sociedades financeiras com operações, com 5 milhões de contos de lucro e sem qualquer agência aberta, quando esta é a condição mais elementar estabelecida pela lei portuguesa?
Sr. Ministro, se eu tenho a lista das sociedades financeiras com off-shore sem agência, incumprindo a lei, como é que o Sr. Ministro não a tem? Como é que o Governador do Banco de Portugal também não tem essa lista para comunicar? Como é que todos sabem, menos as instituições de controlo e de supervisão? Como é que é possível uma situação destas? Não há controlo efectivo onde tinha de haver.
Mas há uma segunda razão para desconfiarmos da bondade desta vontade, anunciada, do Governo: nove meses depois, o Governo não concretizou a medida inscrita na reforma fiscal e identificada muito tempo antes desta reforma fiscal, que é a portaria que impõe os critérios da imputação de custos e benefício às sociedades financeiras exteriores. Não o fez por uma razão que todos conhecemos: não consegue negociar com a Associação de Bancos a este respeito e não consegue fazer impor a lei contra a vontade do privilégio que esta associação aqui representa. E é por isto que, muito mais em 2001 do que em 2000, muito mais em 2000 do que em 1999, os bancos vão continuar a usar extensivamente este privilégio, de imputar todos os custos ao continente e todos os benefícios à Madeira, ou seja, não pagar impostos. Mas o Governo, a este respeito, nada faz e, pelo que nos disse o Sr. Ministro, nada quer fazer.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, relativamente à questão que coloca, mais uma vez - pelos vistos é só uma preocupação, é a única preocupação que tem, já tem uma resposta clara e inequívoca, mas volta a insistir no tema -, quanto à tributação das mais-valias, reafirmo-lhe o que já aqui disse, e com todo o gosto: o princípio de que não pode haver rendimentos com privilégio tem de existir, Sr. Deputado.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - O princípio, mas não a aplicação!
O Orador: - Não, Sr. Deputado. Os princípios têm de existir se forem aplicados, só assim é que têm sentido. Esta é a nossa interpretação.
Esteja, pois, Sr. Deputado, plenamente ciente de que o princípio da tributação das mais-valias e do englobamento das mais-valias é, para nós, sagrado.
Em segundo lugar, quanto à questão do estatuto do Centro Internacional de Negócios da Madeira, temos conhecimento das diferentes situações, e pode estar certo de duas coisas: primeiro, perante as dificuldades que aqui referiu, não cabe, certamente, ao Governo português criar dificuldades ao Centro Internacional de Negócios da Madeira mas, sim, criar as melhores condições para o funcionamento desse Centro Internacional de Negócios da Madeira. É isto que temos de fazer, é este o interesse nacional; segundo, esse interesse nacional passa, obviamente, pela transparência, passa por reforçarmos os mecanismos de igualdade relativamente à fiscalização, ao acompanhamento, para que não haja actos ilegais que passem por este centro.
É este o nosso princípio, e é isto que estamos a fazer. Ou seja, por um lado, garantir que este regime possa ser mantido nas melhores condições e, por outro, garantir a fiscalização e o cumprimento da lei de uma forma clara no Centro Internacional de Negócios da Madeira.
No que diz respeito à portaria de imputação de custos e proveitos, tenho o gosto de dizer-lhe, Sr. Deputado, que essa portaria está praticamente pronta, envolve dificuldades, mas não teremos qualquer dificuldade em aprová-la e em publicá-la.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado machado Rodrigues.
O Sr. Machado Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, é também sobre a matéria da tributação das mais-valias que quero questionar V. Ex.ª.
Todavia, gostava de enquadrar a questão no âmbito dos esforços e medidas que em vários países são equacionados no sentido de tentar limitar os riscos de recessão ou de limitar os insuficientes crescimentos económicos.
Ora, se esta é uma matéria importante em toda a parte, em Portugal é mais, porque já antes dos acontecimentos
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de 11 de Setembro, que determinaram uma alteração de circunstâncias, o crescimento em Portugal era inferior ao da média europeia e era muito inferior ao da Espanha, com quem temos sempre que nos cotejar.
É evidente que o aumento do investimento público é sempre adequado nestas circunstâncias, e será, com certeza, tão bem-vindo quanto mais corresponder a um controlo forte das despesas correntes e à eliminação do desperdício. No entanto, o investimento público não vai chegar. É necessário que esse investimento público seja acompanhado fortemente pelo investimento privado, nas empresas e pelas empresas, no sentido de estas se tornarem mais competitivas, porque - e não tenhamos ilusões - em época de «fome» a competição vai ser muito mais aguda. Ora, se as nossas empresas não forem competitivas, vamos passar ainda um pior bocado.
Porém, o que está em causa nestes momentos de incertezas, em que há que tomar decisões sobre a avaliação do risco para investir, o que é posto no outro lado da balança é saber qual é a perspectiva razoável da dimensão dos ganhos que se podem esperar se tudo correr bem - repito, se tudo correr bem! E, aqui, a questão fiscal é decisiva.
Perante isto, pergunto, Sr. Ministro: no seguimento de alguma indicação, que eu quis ler de forma positiva, não considera que a alteração de circunstâncias que se verificou e a necessidade de uma luta forte contra os abrandamentos de crescimento e até a recessão vão no sentido de uma alteração profunda daquilo que foram as modificações mais gravosas introduzidas na reforma fiscal, nomeadamente no que diz respeito à tributação das mais-valias?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro.
O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Machado Rodrigues, muitas das preocupações que aqui nos exprimiu são justas e legítimas.
Na verdade, em primeiro lugar, é indispensável que tenhamos uma estratégia adequada para contrariar a conjuntura de abrandamento e para complementar aquilo que é o investimento público necessário e o investimento privado indispensável. O princípio da competitividade é um bom princípio e está bem presente.
Peço-lhe, Sr. Deputado, que não se centre exclusivamente na questão das mais-valias. Sabe que a questão das mais-valias, este ano, por acaso, se traduz, na prática, em menos-valias.
O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Exactamente!
O Orador: - Neste sentido, a competitividade vai obrigar-nos a tomar medida, certamente. Essas medidas não podem deixar de ser adoptadas, uma vez que, se o investimento tem de ser sustentado pelo lado público - e não queremos sacrificar o investimento público… Tive oportunidade de dizer, e reafirmo-o aqui com muito gosto, que, para mim, o défice não é um dogma; para mim, o fundamental é não sacrificar o investimento, seja ele público ou privado. O princípio fundamental é o do rigor e o da disciplina. E, neste sentido, quanto à despesa pública, não podemos deixar de fazer a distinção entre o que é a despesa corrente, que tem de ser claramente controlada, claramente disciplinada, e a despesa de investimento, que não pode deixar de ser apoiada quer do lado público quer do lado privado.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Velosa.
O Sr. Hugo Velosa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado e Sr.as e Srs. Deputados, aquilo que se pode dizer da política fiscal dos governos do Partido Socialista é que chegámos a uma situação de consenso: ninguém está satisfeito!
Não estão satisfeitos o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista Português, porque, tendo votado a chamada «reforma fiscal» de Dezembro de 2000, receiam que o Governo ponha agora em causa aquilo que com o Governo aprovaram nessa altura.
Não estão satisfeitos os trabalhadores por conta de outrem, porque sabem que continuam a contribuir em praticamente 90% para as receitas do IRS, ou seja, para cerca de um quarto das receitas fiscais.
Não estão satisfeitos os empresários e as empresas, porque os métodos indirectos, as presunções, as taxas em vigor de IRC, a tributação de mais-valias nas operações de capitais e das sociedades não contribuem para a modernização e competitividade das empresas e, por via delas, da economia.
Não estão satisfeitos os cidadãos em geral, porque continuam a pagar sisa, imposto sobre sucessões e doações e imposto automóvel, claramente gravoso para esses mesmos consumidores.
Mais: a insatisfação geral é notória quando se conclui, após seis anos de Governo do Partido Socialista, que praticamente nada aconteceu, em concreto, no tocante ao combate à fraude e evasão fiscais, sendo voz corrente que os titulares de grandes rendimentos nada pagam de imposto, gozando de total impunidade quando declaram o salário mínimo nacional.
A relação dos insatisfeitos é já muito maior, até porque inclui também o ex-Secretário de Estado Ricardo Sá Fernandes, o ex-Ministro Sousa Franco, o Dr. Medina Carreira e, quem sabe, talvez o ex-Ministro Pina Moura.
Esta situação corresponde àquilo a que se chama um «consenso negativo». Mas, Sr. Ministro, pior do que a insatisfação é a falta de confiança na política fiscal, que é notória.
Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: É certo que entendemos que Portugal deve cumprir o pacto de estabilidade e, por consequência, deve reduzir o défice. Para este efeito, o Governo tem seguido uma política fiscal que pretende obter o aumento significativo da receita fiscal, com essa preocupação exclusiva, optando pelo agravamento da carga fiscal.
Ora, para o PSD, este não deve ser o caminho, como temos afirmado sucessivamente.
O que é necessário é que se implemente uma política de melhoria qualitativa da administração fiscal. Esta questão ainda não foi aqui falada, mas consideramos fundamental que haja uma melhoria qualitativa da administração fiscal, em detrimento de outras medidas fáceis nos impostos baseadas em métodos indirectos, presunções e colectas mínimas.
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O PSD também entende que o Governo deve ser interpelado em matéria fiscal, mas não, obviamente, pelas razões aqui aduzidas pelo BE.
Recentemente surgiu uma denúncia pública que é preocupante: o Governo não tomou medidas concretas para pôr em prática um maior combate à fraude e evasão fiscais, o que se confirmará em 2002, segundo a mesma denúncia, quando forem conhecidos todos os resultados da tributação de 2001 (só conhecemos os dados até Agosto de 2001).
O Governo, na sequência da chamada «reforma fiscal dos impostos sobre o rendimento», não concretizou medidas regulamentares, nem um programa de acções de fiscalização, que estavam previstas - a tal regulamentação que não foi aprovada e não entrou em vigor.
A informatização, tanto quanto se sabe, embora o Sr. Ministro já aqui tenha, de certa forma, dito o contrário, não tem tido a evolução e o andamento que seria exigível.
Perante tudo isto, temos de concluir que é o Governo e a sua política fiscal, e não razões externas, embora estas também tenham alguma coisa a ver com isso, que contribuem para a diminuição das receitas em relação às previstas no Orçamento do Estado de 2001, ao não combater a fraude e evasão fiscais e ao não concretizar mais e uma melhor acção inspectiva. Assim, não são obtidas as receitas fiscais que são geradas por essa melhor fiscalização e pelo combate à evasão fiscal.
Vou também citar algo, a que o Deputado Francisco Louçã já se referiu, porque é importante que nos recordemos disto, que é um relatório da OCDE sobre a situação fiscal em Portugal, de Janeiro de 2001, o qual se mantém actual e até, se calhar, muito mais actual.
Segundo este relatório, a economia paralela, em Portugal, oscila entre 24% e 30% do PIB, ou seja, ficam de fora da tributação mais de 6000 milhões de contos - isto em 2000, pois agora, face à inexistência de combate à fraude e evasão fiscais, estará, natural e infelizmente, a aumentar. Dos rendimentos declarados, apenas 60% são tributados, o que tem a ver com uma clara responsabilidade política do Governo, pois, como se conclui naquele insuspeito relatório, «a administração fiscal é ineficiente, falta em Portugal um registo moderno de propriedade e há relutância para desenvolver informação cruzada entre as diferentes autoridades fiscais e da segurança social».
O mesmo relatório conclui ainda: cerca de 26% dos trabalhadores por conta própria, profissionais liberais ou empresários apresentam declarações de impostos como auferindo o salário mínimo nacional e representam somente 6,5% das contribuições para a segurança social; num universo de mais de 200 000 empresas, metade da receita total do IRC foi paga, em 1998, por apenas 50 empresas e, em 2000, 3 empresas pagaram um terço dessa receita total anual; 15% das empresas não têm lucros e apenas 4,5% declararam lucros acima dos 500 000 contos.
Face a esta situação, que se está certamente a agravar, que confiança podem ter os cidadãos cumpridores na sua administração fiscal? Mais: como podem ter confiança na administração fiscal, se ela é notoriamente lenta e relapsa no pagamento de créditos e nos reembolsos do IVA, como consta de um relatório do Tribunal de Contas?
Neste quadro, é evidente que a dimensão da receita fiscal em IRS e, sobretudo, em IRC se devem principalmente à evasão fiscal e à inexistência de medidas eficazes para a combater. E os números não mentem: o desvio na receita, em Agosto, de 5,7% significa que faltam cerca de 350 milhões de contos de receita fiscal para cumprimento do que ficou previsto no recente Orçamento rectificativo, aprovado nesta Assembleia.
Esta situação, cada vez mais preocupante, tem razões internas evidentes: os governos do PS não conseguem assegurar «mais justiça fiscal»; o IRC ainda não atingiu, e já deveria ter atingido, níveis inferiores de tributação para a generalidade das empresas; já deveria estar criado o sistema de avaliação e de reavaliação de imóveis para a concretização da reforma da contribuição autárquica e para a abolição da sisa, e, que se saiba, nada foi feito nesta matéria; o imposto sobre sucessões e doações já deveria ter sido abolido; o imposto de selo, em vez de ser, como é agora, o imposto que mais cresce em receitas, em termos proporcionais, não deveria tributar muitas das operações, nomeadamente as bancárias (e apostar num imposto de selo para o aumento da receita fiscal é algo com que o PSD não está de acordo, como não esteve quando aqui foi aprovado o actual Código do Imposto de Selo); a administração fiscal deveria ter mais poderes e melhores meios para combater eficazmente a fraude e a evasão; e - e esta é uma questão fundamental - essa mesma administração fiscal já deveria ter sido objecto de uma auditoria externa e independente que determinasse as razões da sua ineficácia, como o PSD, há vários anos, vem reclamando.
Há medidas imediatas para inverter esta situação, mas o PSD não acredita que o Governo tenha condições de as pôr em prática, nem isso parece resultar da intervenção do Sr. Ministro das Finanças.
Há que voltar ao anterior sistema de tributação dos rendimentos de capitais; há que alterar o modo gravoso e excessivo como são utilizados os métodos presuntivos e indirectos; há que revogar o regime de mais-valias no mercado de capitais. É necessário alterar o sistema introduzido na tributação das SGPS.
No Programa de Estabilidade e Crescimento para o período de 2001/2004, o Governo afirma que uma das suas metas mais importantes é - e esta afirmação é clara - a de combate à fraude e evasão fiscais. Para além do facto de tal programa conter, em matéria de política fiscal, algumas afirmações não concretizadas, estabelece um calendário de reforma fiscal do qual consta que, na primeira metade de 2001, seriam propostas novas medidas legislativas de alteração dos impostos sobre o património, cuja previsão de entrada em vigor seria em 1 de Janeiro de 2002.
Nesta matéria, como em outras, o Governo não acerta nas suas próprias previsões e não cumpre o que promete, como, aliás, o Sr. Ministro hoje aqui confirmou.
Notícias recentes citam o Sr. Ministro das Finanças como tendo afirmado que a sisa iria continuar em 2002 e que não teria desagravamento; o mesmo foi afirmado em relação ao imposto automóvel, e também, de certa forma, aqui confirmado pelo Sr. Ministro na sua intervenção e nas respostas às perguntas dos Deputados.
Em conclusão, o Sr. Ministro das Finanças afirmou que, em 2002, procuraria avançar no sentido da eliminação da sisa e que procederia à reforma da tributação automóvel.
Quanto ao fim da sisa, disse, e hoje confirmou, que o processo será mais longo, porque requer a reavaliação do valor dos imóveis (ou, pelo menos, espera-se essa confirmação) - cito afirmações que li como tendo sido proferidas por V. Ex.ª -, a qual implicará um prazo não inferior a dois ou três anos.
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Mas o Governo já não sabia que era necessário definir um sistema coerente e justo para avaliação e reavaliação de imóveis, há vários anos?! Há quantos anos se fala nesta questão?! Todos os cidadãos sabem que um dos «cancros» - é mesmo este o termo que terá de se usar - é, efectivamente, o do valor do património dos imóveis, sejam eles urbanos ou rústicos. Estes adiamentos e alterações só demonstram que o Governo já não tem condições para concretizar as reformas prometidas, já não tem rumo.
Mas, Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, o que pensará disto o Sr. Primeiro-Ministro, que uma vez afirmou que a sisa era o imposto mais estúpido do mundo? Quando é que ele vai acabar?
Uma coisa é certa: os portugueses já não acreditam em quem tudo adia e nada cumpre!
Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: No entender do PSD, o Governo cometeu um erro estratégico gravíssimo ao fazer aprovar, com a esquerda parlamentar, as medidas legislativas que alteraram os regimes de IRS e de IRC, principalmente na parte em que alteraram a tributação das operações do mercado de capitais. Mas pior do que o erro estratégico é o efeito prático de tais medidas e de outras que não foram concretizadas, principalmente, repito, no combate à fraude e evasão fiscais.
Nos dados mais recentes referentes à execução do Orçamento do Estado (período de Janeiro a Agosto de 2001), verifica-se que a receita fiscal aumentou 75,3 milhões de contos em relação ao período homólogo de 2000, tendo a despesa aumentado 386 milhões de contos em relação a igual período. Os únicos aumentos com algum significado na receita fiscal ocorreram no IVA (cerca de 5%) e no imposto de selo (cerca de 9%). No IRC, a receita diminuiu, até Agosto, em 3,4%, o que, tendo em atenção a inflação, é um resultado preocupante.
É bom lembrar que, antes das férias parlamentares, o Sr. Ministro das Finanças manifestou publicamente abertura para a revisão da tributação das mais-valias e das operações praticadas pelas SGPS ou grupos de sociedades, o que, no entender do ex-Secretário de Estado Ricardo Sá Fernandes constituiria a derrota da chamada «reforma fiscal».
Nós e os portugueses estamos, como julgo que concordará, muito baralhados com toda esta situação. Depois das declarações do Ministro Jaime Gama, do Primeiro-Ministro e do Ministro das Finanças, todos perguntamos o que vai acontecer à autodenominada «reforma fiscal», no que diz respeito à tributação das mais-valias em IRS e IRC e à tributação das SGPS. Perante esta indefinição, as contradições, o não acertar nas previsões e as promessas não cumpridas, em dia de interpelação sobre política fiscal, só podemos concluir que o Partido Socialista não teve, desde 1995, uma política fiscal concreta, com rumo certo, mas, sim, uma política de ziguezagues, sem rumo, sem objectivos e, pior que tudo, sem resultados positivos.
Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Perante isto, temos de perguntar ao Governo se ainda está de acordo com a reforma fiscal que aprovou com a esquerda parlamentar em 2000, no que respeita às mais-valias, ou se, pelo contrário, se dispõe a alterar a situação.
Recentemente, nesta matéria, o Governo tem alterado o discurso: já fala de competitividade da economia, a qual passaria pela diminuição significativa da fiscalidade sobre as empresas. Mas são só palavras, pois nada de concreto foi feito para, por via fiscal, haver mais competitividade na economia.
A situação das receitas fiscais em queda livre, a ineficácia das políticas do Governo no combate à fraude e evasão fiscais, uma política fiscal, como disse, sem rumo e aos ziguezagues, ao sabor de cada Ministro das Finanças e das alianças em cada momento, e a indefinição em aspectos essenciais como a tributação das mais-valias e dos impostos sobre o património e da reforma do sistema de funcionamento da administração fiscal leva-nos a concluir que, também na política fiscal, este Governo já não tem cura!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Informo a Câmara que, para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Francisco Louçã e Fernando Serrasqueiro.
Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Hugo Velosa, quando se referiu ao consenso negativo, tendi a reagir, porque nem na negação me parece que haja consenso entre as nossas bancadas. Os senhores opuseram-se por razões distintas das que invocámos para apoiar e desenvolver e, em alguns casos, para apresentar alternativas; os senhores escolheram não fazer propostas no debate da reforma fiscal, e, portanto, manter uma atitude de protesto e de vigilância, que é talvez a mais importante.
O PSD, em particular o Sr. Deputado Hugo Velosa, cumpriu, com o brilho que seria de esperar, a função de anjo da guarda do Governo na matéria mais sensível de todas, que é o off-shore da Madeira.
É preciso lembrar que esta reforma fiscal foi feita em dois momentos: com uma maioria à esquerda para reformar o IRS e o IRC, incidindo, nomeadamente, em pequenas alterações, no sigilo bancário e em algumas outras matérias; mas foi concomitantemente com uma maioria à direita - com o PSD e o PP, naturalmente - para reforçar, proteger e blindar o regime do off-shore da Madeira. De pouco serviu, porque se manteve a pressão e o debate internacional a esse respeito; mas serve, no entanto, para registar as divergências na apreciação da situação actual.
O Sr. Deputado leu o último relatório da OCDE, mas citou-o parcialmente. Seria talvez de bom tom que, ao citar, e bem, o registo da crise fiscal em Portugal, pudesse também encontrar nesse relatório argumentos para ultrapassar a tímida medida inicial no levantamento do sigilo bancário introduzida nessa reforma, a qual o relatório da OCDE saúda, mas recomenda que seja desenvolvida. O Sr. Deputado poderia ter encontrado nesse relatório, por exemplo, uma forma de contrariar o seu argumento de que a carga fiscal tem aumentado, em Portugal; encontraria, por exemplo, o registo de que a carga fiscal, em Portugal, é de 34%, o que é equivalente, ou menor, à da maior parte dos países europeus com os quais nos podemos comparar, em termos de mercados concorrenciais. Mas perceberia, sobretudo, nessa apreciação, que o que é diferente nessa distribuição da carga fiscal é que, em Portugal, ela é totalmente injusta, é totalmente obscura, é totalmente opaca, é totalmente desigual, e é por isto que esta reforma foi um passo importante.
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esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro.
O Sr. Fernando Serrasqueiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Hugo Velosa, em primeiro lugar, quero sublinhar que verifico ser seu pensamento estarmos no centro do debate que estamos aqui a realizar.
Quando V. Ex.ª diz que somos criticados à esquerda e à direita, o que o Sr. Deputado quer dizer é que há um conjunto de Deputados que entendem que devia ser intensificada a evolução da reforma fiscal e há outros, como o Sr. Deputado, que entendem que ela não deveria avançar. E mais: hoje, vi-o até, aqui, aderir às teses do CDS-PP no sentido de que, porventura, a melhor solução seria a «contra-reforma fiscal», que era ficar como estávamos. Mas também quanto a essa posição estamos no centro, no que se refere ao processo evolutivo que devemos seguir, entre os que consideram que devemos ir muito rápido e aqueles, como o Sr. Deputado Hugo Velosa, que entendem que estamos a ir rápido demais. Aliás, isso já foi feito aquando da reforma fiscal, em que fomos acusados, exactamente pelo PSD, por irmos muito rápido, mas, depois, estranhamente, também nos acusaram de não irmos tão rápido nos outros tipos de reforma.
Como o Sr. Deputado citou por várias vezes o relatório da OCDE, que porventura não terá lido com suficiente atenção, porque grande parte dos aspectos que são referidos nesse relatório até são no sentido da defesa do caminho que levou a recente reforma fiscal, e no que respeita à carga fiscal isso é expresso, devo dizer que o próprio relatório da OCDE, que aqui tenho, diz que a carga fiscal global, em Portugal, não é elevada, contrariamente ao que o Sr. Deputado aí afirmou.
Também gostaria de o confrontar com uma questão que o Sr. Deputado veio trazer aqui e que estranhei, ou seja, que a receita fiscal só tem que ver com problemas internos. Mas o Sr. Deputado não sabe o que é que se passou nos Estados Unidos da América, recentemente? Não sabe as implicações que isso teve em todas as economias? Não sabe que todos os países, neste momento, estão a sofrer quebras de receita ao nível da cobrança fiscal?! Conhece algum país em que, após essa data, tenha aumentado a receita fiscal?
Mas se o quero contradizer é exactamente no caso do IVA, pois, se bem conhece os dados, que já são públicos, verificará que tivemos um mês de Agosto excepcional em termos de cobrança de IVA, acima do previsto -
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foi talvez o melhor ano de sempre em termos de cobrança de IVA, o que contradiz alguns dos aspectos que aqui referiu.
Mas a minha pergunta essencial, porque o ouvi com alguma atenção, vai no sentido de saber qual é a solução do PSD. Quanto ao Sr. Deputado, já sabemos qual é sua a posição relativamente ao imposto sobre o rendimento; agora, relativamente ao imposto do património, pergunto-lhe o que é que vamos fazer com o imposto da sisa. O Sr. Deputado diz que ele deve acabar, mas pergunto: acabamos sem alternativa? O Sr. Deputado fala no imposto sobre as doações e sucessões e pergunto-lhe: esse imposto é, pura e simplesmente, abolido? E quanto ao imposto automóvel, pergunto: qual é a alternativa do PSD?
Pensava que a sua intervenção viria esclarecer estas questões, neste debate. Como o Sr. Deputado também referiu ser defensor do cumprimento do Pacto de Estabilidade e Crescimento, gostaria que compatibilizasse o cumprimento desse Pacto com a cessação do IVA, pura e simplesmente e tão-só, e dos outros impostos que citou. Portanto, gostaríamos que o Sr. Deputado nos esclarecesse sobre qual é, verdadeiramente, a posição do PSD em relação ao imposto automóvel e ao imposto sobre o património.
A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Velosa.
O Sr. Hugo Velosa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro, em relação às questões que me coloca quero dizer-lhe o seguinte: o PSD tem dito, tem-no afirmado sempre, nomeadamente nesta Câmara, que não houve uma reforma fiscal em Dezembro de 2000.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Então, houve o quê?!
O Orador: - Existiram algumas alterações, com as quais não está de acordo, e sempre o manifestou, através de mim próprio, por exemplo, nos trabalhos do grupo de trabalho da reforma fiscal. E disse também que ela realmente tinha sido rápida demais. E foi rápida demais!
V. Ex.ª, Sr. Deputado, deverá recordar-se que a reforma fiscal foi feita em cima da hora, porque tinha de ser feita, porque tinha de ser aprovada antes de 31 de Dezembro para ser publicada e entrar em vigor em 2001. Portanto, a reforma fiscal, efectivamente, não foi feita como o foi noutros países, após muitos estudos, muitos trabalhos, muitas consultas, e em relação às alterações que foram introduzidas, como lhe disse na altura, usando uma linguagem popular, foi feita a «mata-cavalos», foi realmente rápida demais, não foi feita com a serenidade e o cuidado suficiente.
Aliás, penso que é também por essa razão que, neste momento, está a acontecer o que se está a ver, ou seja, são os próprios partidos, ou grupos parlamentares, que apoiaram a reforma fiscal que, efectivamente, põem dúvidas em relação à sua implementação…
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - À vontade do Governo em a prosseguir!
O Orador: - ... e até o Bloco de Esquerda veio suscitar esta interpelação.
Queria dizer-lhe, quanto à receita fiscal e em relação à questão dos problemas externos e internos, que, na verdade, estava admirado por isso ainda não ter surgido hoje, aqui, nesta Câmara. É evidente, eu disse-o na minha intervenção e já o referi na resposta à pergunta anterior que dei, que todos nós temos consciência de que, internacionalmente, há alterações a nível económico e financeiro que poderão ter efeitos, como têm, na economia portuguesa e, nomeadamente, na situação fiscal. Porém, o Governo não pode - e foi isso o que eu disse na minha intervenção - vir dizer que foi por isso! É preciso que se diga que é pela política fiscal que tem seguido, e foi só isso que eu disse e que, obviamente, mantenho.
Em relação àquilo que o PSD pensa destes impostos, Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro, não tenha dúvidas de que o PSD é o maior partido da oposição e tem no seu seio os meios para dizer qual é a política fiscal que seguirá quando for governo.
Protestos do Deputado do PS Fernando Serrasqueiro.
Não tenha dúvidas! Ao contrário do que se diz, em várias situações, o PSD tem manifestado a sua opinião em relação a todas essas matérias.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro.
O Sr. Fernando Serrasqueiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Somos hoje, mais uma vez, convocados para debater uma das políticas estruturantes do sistema económico-social português que é a política fiscal.
O tempo decorrido desde 1989, data em que se produziu uma «mexida» significativa no sistema fiscal, justificava já por si a necessidade de actualização de conceitos e medidas que necessitavam de reformas urgentes.
Com os governos liderados pelo Sr. Eng.º António Guterres foram tomadas medidas, primeiramente, destinadas a melhorar a administração fiscal e, posteriormente, a lei da reforma fiscal de 2000, que introduziu profundas alterações ao sistema até então vigente.
Começou-se o processo de actualização com o Plano Mateus, para recuperação de dívidas fiscais em mora; depois, a criação de um cadastro único para os impostos directos e o IVA; em 1996, a introdução de uma base de dados informatizada sobre os contribuintes. Outras medidas se seguiram, visando a melhoria dos serviços prestados ao contribuinte, nomeadamente a Repartição Virtual, via Internet.
No final de 1999, foi criada, dentro da administração fiscal, a Administração Geral Tributária, para coordenar as acções inspectivas e a formação do pessoal, bem como o planeamento estratégico de várias direcções-gerais. Posteriormente, procedeu-se a alterações na organização interna da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos e na Direcção-Geral das Alfândegas e Impostos Especiais de Consumo, transformando a sua estrutura orientada por impostos para outra de características funcionais.
O Instituto de Formação Tributária começou a funcionar após a admissão de 2000 efectivos e hoje os seus resultados são visíveis.
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Este impulso reformador partiu da necessidade de dar prioridade à alteração orgânica e administrativa para depois se centrar na reforma da justiça tributária e, de seguida, avançar com a reforma do sistema fiscal.
A necessidade de mudança foi encarada por este Governo como prioritária e desde logo marcou caminho começando, após vários pareceres, pela reforma da tributação do rendimento e pondo em marcha estudos sobre a do património imobiliário e a nova fiscalidade.
A reforma da tributação do rendimento era urgente, já que as desigualdades que produzia eram notórias, injustas e tendiam a agravar-se. Impunha-se baixar os impostos de quem já paga por contrapartida do acréscimo de novos contribuintes que, através da fraude e evasão fiscal, se colocavam fora do sistema; reforçar a administração fiscal para actuar de uma forma mais justa e atingir os objectivos de melhoria das relações com os contribuintes e melhor analisar as novas situações que as mudanças na economia produziram.
As distorções tinham de ser corrigidas por forma a tornar a tributação dos trabalhadores dependentes mais equitativa e mais aligeirada, relativamente aos independentes e pequenas empresas. Cerca de 90% do IRS é originário dos trabalhadores por conta de outrem e pensionistas.
Em contraponto com o resto da Europa, a tributação sobre o consumo, em Portugal, tem um peso bastante superior ao do rendimento, que era necessário remediar, a par da evasão, aqui existente, reconhecida e valorizada em cerca de 25% da actividade económica, o que provoca redução de receita e prejudica a livre concorrência.
A carga fiscal do IRS era muito desigualmente repartida: segundo dados de 1996, o rendimento anual médio declarado pelos comerciantes e industriais era de 500 contos; o dos agricultores era de 400; o dos profissionais liberais 800 e - pasme-se! - o dos trabalhadores por contra de outrem 2200 contos.
Em face desta constatação, havia que introduzir alterações que contrariassem esta tendência e foi o que se fez com a Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, já elogiada pela OCDE, no seu relatório sobre a economia portuguesa, que a considera como um primeiro passo no necessário impulso reformista. Na sua concretização, esta reforma procurou atingir os seguintes objectivos: desagravar o IRS, através da redução de taxas e aumento de escalões, visando beneficiar os trabalhadores e classe média e assim reduzir a tributação do trabalho face à do capital; estimular a poupança e a protecção à família, através de novas deduções e incentivos ao aforro a longo prazo; moralizar a tributação das mais-valias, que estavam fora da ideia subjacente a imposto único; tributar as manifestações de fortuna não justificada; flexibilizar com prudência o sigilo bancário; contrariar o planeamento fiscal abusivo e alargar a base tributária; dar competitividade à economia através de novas medidas sobre o crédito fiscal ao investimento; reforçar o apoio ao desenvolvimento de tecnologias; combate à interioridade e eliminação da dupla tributação, a par, e sobretudo, do plano já em marcha de redução das taxas de IRC, que irá até 25% em 2005; simplificar a tributação através de um regime simplificado e de utilização da Internet e do aliviar da burocracia; reforçar as garantias dos contribuintes, simplificando processos e reforçar o sigilo fiscal; modernizar a máquina fiscal através do recurso a tecnologias avançadas.
Foi todo um conjunto articulado e coerente de medidas na base de uma filosofia que se pretendia amplamente aceite, porque enraizada em critérios de justiça, equidade, unicidade fiscal, alargamento de base tributária, progressividade e personalização das deduções. É esta filosofia que queremos preservar por nos parecer a mais ajustada.
Tal não invalida que, dentro destes pressupostos e sempre que a conjuntura o reclame, não possamos ajustar a legislação para impulsionar a actividade económica, estimular o investimento e a poupança e favorecer a competitividade da economia, no sentido de aprofundar os princípios que estão subjacentes à reforma empreendida.
Não está em causa o sentido geral das medidas, porque até entendemos que alguns aspectos devem ser reforçados, designadamente as medidas de combate à fraude e evasão para alargar o número de contribuintes e podermos assim reduzir as taxas, definir as restrições às transacções com origem em «paraísos fiscais» e melhorar a recuperação das receitas fiscais. Simultaneamente, urge regulamentar as medidas inovadoras que o Decreto-Lei n.º 30-G/2000 introduziu.
Importa, agora, avançar noutra linha de reforma de tributação, no que se refere ao património urbano e automóvel, conforme tinha sido definido e escalonado por este Governo.
Os estudos existentes sobre estas matérias estão num estado avançado de desenvolvimento, o que permite vislumbrar, a curto prazo, decisão política sobre a forma de tributação proposta.
A reforma da tributação do património é algo muito requerido, face à situação existente, mas também é algo complexo, porque exige uma actualização de matrizes, a fazer segundo critérios consensualmente aceites, principalmente por esta Câmara.
Pelas implicações que esta receita tem nas autarquias locais, importa analisar com Associação Nacional de Municípios Portugueses a compensação resultante da abolição de sisa e contribuição autárquica, trabalho que ainda tem de ser aprofundado.
Por outro lado e de acordo com as recomendações do ECORFI (Estrutura de Coordenação da Reforma Fiscal), a introdução do IVA reduzido nas transmissões de terrenos para construção de imóveis novos (imposto de selo para as antigas) tem de assentar numa base segura em termos legislativos e numa adequada taxa neutra.
Ora, a Comunidade só se pronunciou de uma forma genérica relativamente à questão, também genérica, sobre a possibilidade de usar uma taxa reduzida nos casos enquadráveis na política social de habitação.
A resposta em definitivo da União ficou assim condicionada à definição em concreto do que se considerou política social de habitação, sabendo nós que a taxa reduzida tem sido considerada excepcional pela Comunidade e a perspectiva futura é a sua eliminação.
O processo de reavaliação dos prédios é longo e por isso é necessário aceitar um regime transitório, equilibrado, que conduza a uma redução da taxa por contrapartida das actualizações matriciais por forma a ser neutro na receita cobrada.
Quanto ao imposto automóvel, que se decompõe no de vendas e circulação, apresenta, em Portugal, um desequilíbrio relativamente ao que se passa na Europa. Temos um imposto de venda com um peso imensamente superior ao de circulação e este ainda é atenuado com a antiguidade do veículo, quando tudo aconselharia o contrário.
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A sua concretização é mais rápida que a do património, na sua versão final, mas os critérios têm de ter em conta o impacto ambiental, servir para atenuar as emissões de CO2 e ser acordados com os municípios.
Estamos empenhados para que este movimento reformador se aprofunde e alargue, contrariando aqueles que exigem ritmos mais rápidos mas talvez menos seguros e, sobretudo, que produzem consequências nefastas no mercado em que as transações se inserem. Mas também nos mantemos firmes na defesa dos princípios, que alguns, a pretexto de situações pontuais de conjuntura negativa, procuram erradamente encontrar explicação numa reforma fiscal que a OCDE considera ir no bom caminho e, numa análise comparativa com outros países europeus, não a considerando mais gravosa nos efeitos sobre a competitividade da economia.
A certeza de que os passos dados não percorreram todo o caminho e de que o sentido de marcha é orientado para atingir maior justiça fiscal fazem em nós a convicção de que vamos atingir o objectivo a que nos propusemos porque há vontade política para avançar.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro, estamos numa situação curiosa: a Deputada Maria Celeste Cardona teve disponibilidade para fazer duas perguntas; o PSD veio reafirmar - o que, certamente, não surpreende ninguém - que tem uma grande riqueza de quadros que lhe permitirá, a seu tempo, quando estiver no governo,…
Protestos do Deputado do PS Fernando Serrasqueiro.
Vozes do PSD: - Não tenha dúvidas!
O Orador: - … apresentar propostas de programa - pensava eu que os programas eram apresentados aos eleitores antes de se submeterem à votação -,…
Vozes do PSD: - Não se preocupe!
O Orador: - … perante o que ficámos um pouco naquela do «Segurem-me, se não eu digo as minhas propostas». E o Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro veio agora acrescentar uma reflexão que, curiosamente, é contraditória com a pergunta que fez ao Deputado Hugo Velosa. O Sr. Deputado perguntou-lhe, e bem, que consequências tem o 11 de Setembro e aquilo que ocorre na regulação dos mercados internacionais e que decorre da preocupação com a criminalidade e a guarida que é dada à criminalidade, por determinadas regras bancárias, como o sigilo, os off-shore, etc. Como já disse, perguntou bem!
No entanto, Sr. Deputado, na sua intervenção, não há 11 de Setembro…
O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - O problema não é o 11 de Setembro, o problema é o 11 de Março!…
O Orador: - … e não há qualquer reflexão sobre os novos sinais que vêm de trás e que hoje nos exigem respostas, particularmente no que se refere a uma questão: estamos nós satisfeitos, à luz do que acontece hoje e das exigências de política fiscal, com as medidas tomadas em relação ao sigilo bancário? A nossa opinião é a de que não estamos! Mas se reflectirmos um minuto sobre a história do próprio sigilo bancário, pode perceber-se facilmente por que é preciso reconsiderar a questão.
O Sr. Deputado saberá, certamente, que a primeira lei que se refere ao sigilo bancário é a Lei de Bancos suíça de 1934, que, no artigo 47.º, introduz o sigilo bancário. E fá-lo em resposta à prisão de alguns dirigentes de um banco suíço - o Banco Comercial de Bale -, em Paris, em 1932. Um célebre Comissário Bhartelet, de boa memória, invadiu, com um mandato judiciário, a sede deste Banco nos Campos Elíseos. Teve uma surpresa: encontrou um senador a fazer um depósito e verificou que se tratava de evasão fiscal. Por mandato judiciário, foi investigar quem eram os clientes desse Banco, que organizava uma rede de fuga de capitais para a Suíça, e encontrou três senadores, um dos quais ex-ministro da administração interna, dois bispos,…
Risos da Deputada do PS Maria de Belém Roseira.
… o bispo de Orleães e o reitor da Universidade Católica de Paris, e dois directores de jornais, entre muitas outras insignes figuras. A resposta do sistema bancário foi a seguinte: a lista dos clientes, mesmo dos clientes que, como nesse caso, organizem fuga aos impostos e fuga de capitais, não pode ser conhecida pela administração fiscal.
Bom, a história é relevante para os dias de hoje! É que hoje pode extraditar-se o Bin Laden - assim possa a justiça e a lei! - mas não se pode apreender a sua fortuna,...
O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - É preciso ressocializá-la!
O Orador: - ... e há muito tempo que se sabe como a sua fortuna é utilizada ao nível da circulação internacional! Ou seja, hoje, a regra da transparência deveria continuar a ser, como em 1932, a de vencermos o sigilo bancário, que é inventado para impedir que se saiba quem tem o quê, como e de que modo é que o utiliza, legal ou ilegalmente, no contexto dos bancos. Por outras palavras, hoje temos exactamente o mesmo problema e somos convocados para o resolver de uma forma muito mais urgente, porque é a única medida que permite enfrentar esta situação.
Portanto, Sr. Deputado, gostava de saber se, neste contexto, o 11 de Setembro lhe diz também alguma coisa.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro.
O Sr. Fernando Serrasqueiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, devolvo-lhe a pergunta. É que estive ontem, aqui, num debate onde pareceu que o Bloco de Esquerda e o Sr. Deputado Francisco Louçã não se aperceberam de que tinha havido um 11 de Setembro, e hoje, quando eu disse que, relativamente à reforma fiscal, havia que reflectir em função disso e que, porventura, estaríamos dispostos a aceitar, mantendo os princípios que defendemos, os incentivos ao investimento, à poupança e um conjunto de outras medidas que seriam úteis numa fase depressiva como aquela que estamos a atravessar, o Sr. Deputado vem sugerir que aprofundemos a reforma
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fiscal e dizer que o discurso que teve quando aprovámos esta reforma era já no mesmo sentido.
Portanto, parece-me que, neste caso, quem estará, porventura, fora da realidade, permita-me que lhe diga, não devo ser eu mas o Sr. Deputado, que, ontem e hoje, ainda não percebeu que existiu um 11 de Setembro.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Fernando Rosas (BE): - Os senhores é que mudam de posição todos os meses!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Lopes.
O Sr. Agostinho Lopes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro das Finanças, Sr. Secretário de Estado: Faz no próximo mês um ano que se iniciava, por proposta do PCP, o debate parlamentar sobre a reforma dos impostos sobre o rendimento.
Tendo apresentado o seu projecto de lei em Janeiro de 2000, o seu agendamento levou o Governo a apresentar uma proposta de lei material, substituindo o seu pedido de autorização legislativa, conduzindo os restantes grupos parlamentares a apresentarem os seus próprios projectos.
Em Dezembro de 2000, esta Assembleia aprovou as Leis n.os 30-F/2000 e 30-G/2000, que reformavam a tributação do rendimento e adoptavam medidas tendentes a combater a evasão e fraude fiscais.
Em alguns aspectos, a lei ficou muito aquém daquilo que o PCP considerava desejável e tinha proposto no seu projecto, designadamente no âmbito do englobamento dos rendimentos, da tributação das mais-valias, do sigilo bancário, do off-shore da Madeira e dos benefícios fiscais.
Mas, como então afirmámos, apesar da timidez, a nova lei era muito melhor do que a anterior. Com a nova lei estavam criadas as condições para maior justiça e equidade fiscais e melhores condições para combater a fraude e a evasão fiscais. Restava que a administração fiscal pudesse estar à altura de concretizar a reforma aprovada.
Sobre o Governo, e exclusivamente sobre o Governo, recaiu a responsabilidade de dotar a administração fiscal das condições necessárias e suficientes para aplicar a nova lei.
Igualmente, com a aprovação dos impostos sobre o rendimento, abria-se caminho para uma verdadeira e global reforma fiscal, que deveria, no imediato, ser prosseguida pela reforma dos impostos sobre o património. Infelizmente, como sabemos, não foi isto que aconteceu e essa responsabilidade política cabe, necessária e exclusivamente, ao Governo do PS.
Sujeita a um enorme bombardeamento mediático pelos porta-vozes institucionais e corporativos do grande capital financeiro, dos grandes e poderosos senhores do dinheiro, a reforma realizada foi responsabilizada por todos os problemas presentes e futuros do País, pouco faltando para se incluir no rol mesmo alguns dos problemas do passado. Como alguém referiu em artigo de um jornal diário, sob o ajustado título Os impérios contra-atacam, seria difícil imaginar «Tanto bufar e rufar, tanta ameaça velada, tanto desastre anunciado». A direita e os seus partidos falam da fuga de capitais, do ataque às pequenas poupanças e dos riscos para a competitividade das empresas portuguesas e desenvolvem-se criadoras «triangulações internacionais», para evitar as tímidas medidas destinadas ao off-shore da Madeira.
Sucedem-se as cartas e pressões de grandes grupos económicos e as ameaças, mais ou menos explicitadas,…
O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Já não há grandes golpes! Já acabaram!
O Orador: - … de deslocalização das suas sedes para outras zonas mais compreensivas com as necessidades «económicas» dos senhores do grande capital. Mais compreensivas, sim, com os privilégios ilegítimos e imorais que alguns vinham usufruindo e que pretendiam e pretendem continuar a usufruir.
Certamente, algumas reflexões políticas seriam necessárias sobre todo este contravapor anti-reforma fiscal e os seus falaciosos argumentos.
Uma das reflexões é sobre a penalização da poupança e a fuga dos capitais, como se a penalização dos negócios de acções, com a tributação das mais-valias decorrentes da sua venda, estivesse a prejudicar investimentos destinados a criar actividades produtivas e riqueza para o País - mais-valias que significam, como também alguém referiu, «estarmos em presença de ganhos de raiz essencialmente especulativa».
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente! Muito bem!
O Orador: - Uma outra reflexão incide sobre a competitividade das empresas. Em primeiro lugar, subentende-se que, com o genérico e abrangente substantivo «empresas» e a sua competitividade, se pretende falar dos lucros dos grandes grupos económicos e das grandes empresas financeiras.
Em segundo lugar, a estranha redução da competitividade das empresas à competitividade fiscal, como se a competitividade não tivesse, necessariamente, de ser abordada numa perspectiva global de um complexo conjunto de factores (eficácia dos serviços de saúde e de educação e formação, a qualidade das infra-estruturas públicas, etc.) ou como se o País, e outros países da União Europeia e não só, em nome da competitividade, devesse entrar numa corrida sem fim de um efectivo dumping económico, social e político, baixando os seus padrões e exigências de cidadania e civilizacionais
Tudo isto, se aceitarmos que, em nome de uma alegada ausência de competitividade fiscal, o País se transforme não só num off-shore fiscal mas num off-shore laboral, ambiental, enfim, num off-shore total!
Infelizmente, o PS cedeu, e continua a ceder, à chantagem desses interesses poderosos instalados na sociedade portuguesa, o que não é para admirar, dado o «carinho» com que os ajudou a nascer e os tem ajudado a crescer e medrar.
O PS, como diz o nosso povo, «agachou-se» frente aos interesses da oligarquia financeira portuguesa,…
O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Já não há disso!
O Orador: - … o que não é de admirar em quem atrasou cinco anos a reforma fiscal necessária.
São inadmissíveis os atrasos na regulamentação da lei, aprovada faz em Dezembro um ano, em particular, das regras de informação à administração fiscal dos movimentos
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transfronteiriços de transacções não comerciais, a definição dos critérios de imputação de custos e proveitos às sucursais financeiras exteriores.
São inaceitáveis as sucessivas declarações ambíguas de responsáveis do Ministério das Finanças, a começar pelo Sr. Ministro, sobre a admissibilidade do Governo em «flexibilizar» a disponibilidade para «adoptar medidas para aperfeiçoar a competitividade do sistema fiscal» ou de que o Governo «quer ter um sistema fiscal competitivo».
Gostaria de dizer, neste momento, que também o PCP, como o Sr. ex-Secretário de Estado, avaliará «a derrota da reforma fiscal» se se recuar nas mais-valias, nas SGPS, se não se fizerem aquelas portarias regulamentadoras.
São incompreensíveis os atrasos no estabelecimento dos indicadores objectivos de base técnico-científica para os diferentes sectores de actividade económica, «para efeitos da aplicação do regime simplificado», e os erros e falhas noutras vertentes de concretização deste regime, facilitando as manobras dos que procuram atirar os micro e pequenos empresários contra a reforma fiscal.
É inaceitável que o Governo continue sem dotar a administração fiscal dos recursos humanos e técnicos necessários para lutar, de facto, contra a ineficiência e evasão fiscais - alguém avaliou, em meados do ano, as dívidas fiscais em 10% do PIB.
O Governo tem pretendido atribuir a evolução negativa das receitas fiscais apenas à desaceleração económica, mas tudo indica que estamos perante a manutenção ou mesmo o aumento da evasão fiscal.
É inadmissível que o Governo insista nas dádivas ao grande capital, por via dos benefícios fiscais. Não só no âmbito da reforma fiscal se recusou a reduzir esses benefícios, como os aumentou mesmo este ano, aquando do Orçamento rectificativo, a tal ponto que é a insuspeita OCDE que, no seu último relatório sobre Portugal, já aqui referido, diz, e cito, «a generosidade das isenções fiscais deveria ser reconsiderada».
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!
O Orador: - É inadmissível, inaceitável e incompreensível que o Governo PS, apesar de todas as promessas, de todos os calendários e datas referidos nesta Assembleia, continue sem apresentar uma proposta de reforma dos impostos sobre o património. Consideramos inadiável a indicação de um calendário imperativo dessa apresentação, visando a reforma dos impostos sobre o património. Estes impostos devem, necessariamente, incidir sobre o património líquido, imobiliário e mobiliário.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os atentados terroristas verificados, há 15 dias, nos Estados Unidos vieram trazer nova actualidade ao problema dos off-shore e justificam ainda mais as preocupações e exigências de quantos vêem nestas «zonas fiscais» centros de especulação financeira, criminalidade económica e não só.
Do que tem vindo a ser dito sobre o tema, sublinho as teses que referem as redes terroristas como sendo dos maiores beneficiários dos off-shore fiscais, o seu papel central para as redes de tráfico de droga e de armas e para as múltiplas mafias que pululam pelo mundo, e, certamente, também por Portugal, e ainda as dificuldades na investigação da rota dos recursos financeiros do terrorismo decorrentes do sigilo bancário.
É na compreensão das consequências económicas, sociais e políticas dos «paraísos fiscais» que o Grupo Parlamentar do PCP entregou hoje, na Mesa da Assembleia da República, o projecto de resolução que o meu camarada Lino de Carvalho já referiu.
Em plena época estival, pôde o País tomar conhecimento, através de um artigo de um jornal diário, da escandalosa, chocante e autêntica blasfémia para todos os que pagam os seus impostos, da situação da banca portuguesa em matéria de impostos. Nada que os sucessivos relatórios do Banco de Portugal não viessem a verificar! Nada que o PCP não venha, de há muito, a alertar e denunciar!
A banca portuguesa não só demonstrava, via o exponencial crescimento dos seus lucros, os resultados da efectiva predação económica feita sobre o tecido produtivo e as pequenas e médias empresas portuguesas, sobre os cidadãos seus clientes, sobre os seus trabalhadores - trabalho precário, horas extraordinárias não pagas, descaracterização das carreiras -, como tornava visível, aos olhos dos portugueses, a sua liderança do campeonato nacional da fuga ao fisco.
O resultado da enorme centralização e concentração de capitais postos em jogo pelos mecanismos bancários, permitidos pela privatização dos principais bancos portugueses levada a cabo pela política de direita do PS, PSD e CDS-PP, está hoje claro. Um estudo, citado por um Professor da Universidade Católica, refere que, em Portugal, as 10 famílias mais poderosas mandam em cerca de 25% do PIB nacional. Um record europeu!
A reforma fiscal não basta, certamente, para responder ao fundo desta questão central do País, mas pode ser, se na direcção e sentido correctos, um importante contributo para travar a desmesurada e inaceitável concentração de riqueza e poder nas mãos de alguns.
A democracia e a justiça social exigem que, com urgência, se ponha fim a este escândalo e se prossiga uma reforma fiscal com o sentido da equidade e da justiça.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Para seguir esse caminho, podem, certamente, contar com o PCP.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.
O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não sou um técnico de fiscalidade, sou um modesto historiador das coisas económicas e gostava de pedir a vossa clemência para me deixarem abordar este problema sobretudo sob esta perspectiva, para, dessa forma, tentar situar, um pouco, a história da questão que aqui estamos a discutir e até, provavelmente, a natureza daquilo que separa as águas, do ponto de vista doutrinário, acerca desta questão.
É um facto que toda a gente conhece que, desde o advento do Estado moderno, desde a sua consolidação, no século XIX, o problema das relações entre o Estado e a política de rendimentos, no quadro da economia de mercado, coloca-se, de uma forma simplista, do seguinte modo: devem os agentes económicos privados poder aforrar livremente, para poderem livremente investir naquilo que se considera o desenvolvimento da economia, ou deve o Estado intervir, designadamente por via fiscal, para, por um lado, corrigir a desigualdade espontânea e inevitável
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originada pelo mercado livre e, por outro, orientar esses rendimentos de acordo com a visão que tem do interesse geral e não de acordo com o critério do lucro privado que orienta o investimento particular?
Nesta perspectiva, a poupança privada entregue a si própria não é nem patriótica, nem socialmente generosa. Ou foge do investimento arriscado, nas conjunturas de crise, como agora, em que a economia, pelo contrário, exigiria o reforço do investimento, ou investe de acordo com critérios de acumulação que, frequentemente, não coincidem com o interesse colectivo. E assim surgem duas visões acerca da política fiscal: para uns, onde nós estamos, a política fiscal tornou-se um instrumento central de justiça social e de fomento do desenvolvimento económico; para outros, tornou-se uma maldição a evitar. Os partidários do Estado mínimo legitimam a fuga ao fisco, a defesa da tributação indirecta, sobretudo, a oposição à progressividade do imposto sobre o rendimento ou, simplesmente, a oposição à tributação directa do rendimento.
Criaram-se, portanto, historicamente, duas culturas de fiscalidade com pressupostos distintos, nesta base.
É certo que, desde os finais do século XIX, com a industrialização, a proletarização, a urbanização, a complexificação social e, sobretudo, com a ameaça da revolução social, o espectro da revolução russa e a necessidade de o Estado intervir na Grande Guerra, se inicia um longo ciclo de legitimação da intervenção económica do Estado na economia, a tendência para a intervenção correctora a nível dos rendimentos, das políticas assistenciais e até do fomento económico directo ou indirecto. Esse ciclo acentuou-se drasticamente na grande depressão de 1929 e, novamente, no segundo pós-guerra, agora em face das ameaças da «guerra fria», com o arranque e o avanço de grande base de intervenção do Estado, das políticas do Estado providência no Ocidente.
Também toda a gente sabe que este longo ciclo de legitimação teórica e prática do intervencionismo estatal na economia, e da sua consequente política de tributação, viria a ser contestado, viria a ser reduzido por aquilo a que se pode chamar a ofensiva neo-liberal dos anos 80, que teve as suas expressões político-governamentais emblemáticas na política «Thatcheriana» e, nos Estados Unidos, na política «Reaganiana», que, em grande parte, foram coincidentes com os fenómenos de globalização capitalista da economia. Também é sabido que as agudas contradições geradas por esse tipo de globalização, segundo modelos neo-liberais que desarmaram económica e socialmente o Estado, originaram problemas sociais muito graves e, no quadro do recente contraciclo da economia, estão hoje a fazer renascer a consciência da necessidade política, económica e financeira do regresso a políticas de intervenção e correctoras não só ao nível da política fiscal e dos rendimentos mas também ao nível da regulação dos sectores estratégicos da economia e, seguramente, dos fluxos de capital.
Como tal, o debate acerca da tributação tem toda a actualidade e está novamente no centro da questão, já que acabou um ciclo e estamos em pleno debate doutrinário e político acerca do neo-intervencionismo do Estado na economia e do seu principal argumento, que são as políticas fiscais. É muito natural, portanto, que esta questão se revista de uma grande actualidade doutrinária, política e económica.
Estas linhas gerais que procurei apresentar aqui muito grosseiramente não são, no entanto, aplicáveis a Portugal. Portugal foi, ao longo deste período, uma excepção, o que nos ajuda a perceber algumas das reacções à política fiscal com que deparamos. É certo, Srs. Deputados, que no meu entender a reforma fiscal é uma desagradável surpresa histórica para os ricos e para os poderosos deste país, que, ao longo do século XX, sempre se tinham oposto com êxito a qualquer simulacro de tributação séria dos seus rendimentos.
Quem conhece a História sabe que são questões fiscais que estão na origem do derrube daqueles governos que marcam o biénio radical republicano. O governo do Álvaro de Castro e o governo do José Domingos dos Santos caiem por questões fiscais, ou seja, caiem porque tentam impor fiscalidade elementar sobre os rendimentos e tentam designar - imagine-se! - delegados da Administração nos conselhos de administração da banca privada! Ora, no quadro dessa reacção contra a política fiscal dos governos radicais republicanos surge a União dos Interesses Económicos e surge uma das mais poderosas associações patronais, conjugando-se na conspiração que vai dar lugar ao 28 de Maio de 1926.
É um facto que, desde a viragem proteccionista do início do século, com as leis de protecção cerealífera, de 1889, com a pauta do Oliveira Martins, de 1891 - e está ali o Sr. Deputado David Justino que sabe mais disto do que eu -, ou com a legislação cerealífera posterior, aquilo a que podemos chamar modelo de livre câmbio, do século XIX, tinha acabado e entrou-se, em Portugal, num ciclo de proteccionismo que vai seguramente até à entrada de Portugal no mercado comum, já nos 80 deste século. Ora, este ciclo de proteccionismo escorou a riqueza, em Portugal, em três grandes colunas que são abaladas por uma política fiscal moderna. A primeira, aquilo a que o Engenheiro Ferreira Dias chamava a «sombra ombrosa da pauta aduaneira» - a pauta de Oliveira Martins, de 1891, a pauta do António Maria da Silva, de 1923 e a pauta do Salazar de 1929. A pauta aduaneira, a grande «sombra ombrosa» que protegia a nossa economia! A segunda coluna foi o regime corporativo na sua dupla manifestação, a cartelização corporativa e o célebre condicionamento industrial, à sombra dos quais se protegiam sobretudo os interesses estabelecidos, e a terceira coluna essencial, obviamente, tem de ser a polícia e a legislação sindical corporativa, que proibia o direito à greve e a liberdade de associação e que, portanto, criava um elemento de grande comodidade para a exploração das empresas da época.
Tudo isto, Srs. Deputados, criou um tipo especial de elite económica em Portugal, uma elite de «chapéu na mão» face ao Estado, habituada ao lucro fácil, à desnecessidade de inovação tecnológica, à sobrexploração do trabalho, à ausência da aposta na formação profissional e dependente em tudo do Estado. Dependente do Estado para se defender da concorrência externa e interna, dependente do Estado para regular administrativamente a oferta, dependente do Estado para a financiar e dependente do Estado para manter a ordem social. Uma elite económica cuja tributação, durante dezenas e dezenas de anos, se baseava numa vaga e assumidamente subestimada presunção dos rendimentos, o que criou uma cultura sólida de privilégio fiscal que assentava, na sua essência, no direito a ter uma baixa tributação sobretudo nos altos rendimentos, ao abrigo da teoria de que os altos rendimentos deviam ter uma dispensa fiscal para poderem ser livremente investidos na economia.
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Daí se compreendem os dois grandes momentos de escândalo do século XX português. O primeiro, quando o Presidente Sidónio Pais tenta lançar um imposto extraordinário sobre os lucros de guerra durante a I Guerra Mundial, o que foi um escândalo de tal ordem junto das associações de comércio e de outras que o levou a recuar e a meter o imposto na «gaveta», e o segundo, que motivou a mesma reacção, quando o Salazar tentou, em 1943, lançar um imposto extraordinário sobre os lucros de guerra, que teve de ir minorando e - porque o Salazar nestas coisas não era de meter fosse o que fosse no «bolso» - que o levou a ir recuando progressivamente até praticamente anular o imposto.
É por isso, Srs. Deputados, que 26 longos anos depois do 25 de Abril - só 26 anos depois do 25 de Abril! -, em Março de 2000, se chega à aprovação no Parlamento português de uma reforma tributária. A demora fala por si e tem raízes históricas! O princípio da reforma fiscal mereceu o nosso apoio e a nossa participação e, pessoalmente, continuo a considerar que foi um gesto de justiça histórica em termos de política económica. Infelizmente, no tema da reforma fiscal, o Governo habituou esta Assembleia a anunciar grandes propostas de reformas que os factos vão progressivamente erodindo e que vão desaparecendo, como se se tratasse de uma onda que surge e que se vai abatendo e esfumando na bruma.
Há cerca de um ano, neste Plenário, ouvimos o Sr. Ministro das Finanças da época garantir um faseamento de aplicação da reforma, que estaria agora a concluir-se. Não era verdade! O Governo, na prática, parou em Outubro em 2000 com a reforma fiscal, talvez mais assustado do que o grande Álvaro de Castro e o José Domingos dos Santos, já que eles afrontaram o coro de protestos e foram derrubados por causa disso. De qualquer modo, o Governo, assustado com o coro de protestos que a direita social e política imediatamente desencadeou contra algumas intenções da reforma, e apesar do meritório trabalho desenvolvido pela equipa que trabalhou com o ex-Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, fez com que grande parte dos anteprojectos fossem parar a esse sítio mítico onde o Partido Socialista, há muitos anos, costuma guardar as ideias incómodas: a «gaveta»!
Pela voz de Pina Moura, como se lê na Acta da sessão plenária de 21 de Setembro de 2000, o Governo declarava solenemente: «apontamos para o biénio 2002 e 2003 as acções essenciais no domínio da tributação do património imobiliário urbano, por um lado, e da tributação energética, por outro». Como todos nós percebemos, não será com certeza nos anos 2002 e 2003 da era de Cristo! E, no entanto, quer a tributação energética, quer a tributação do património, em especial do património imobiliário urbano, são duas grandes urgências. A primeira, para ter incidência concreta em matéria de revisão dos impostos sobre o sector automóvel e sobre os combustíveis, por forma a utilizar a fiscalidade como um instrumento regulador das melhores escolhas nos transportes, escolhas que sejam amigas do ambiente e das pessoas. A segunda matéria, a tributação sobre o património imobiliário, é urgente e inadiável porque o Governo não pode continuar a ignorar as exigências de equidade e de justiça fiscal por parte da esmagadora maioria da população, cedendo aos interesses ligados aos negócios do património em geral, do imobiliário e da construção.
A este propósito, gostava de dizer que o Bloco de Esquerda apresentou nesta Câmara há poucos dias um conjunto de propostas sobre o património imobiliário que visavam a eliminação daquilo a que o Engenheiro Guterres, noutros tempos, chamava o «imposto mais estúpido do mundo» e que visavam também a supressão da contribuição autárquica, que, tal como está legislada e como é aplicada, se poderia bem classificar como o «segundo imposto mais estúpido do mundo».
O Bloco de Esquerda continua a considerar que a reforma da tributação sobre o património e, em particular, sobre o património imobiliário, justifica um debate urgente que conduza esta Assembleia a uma decisão sobre esta matéria. Continuam perfeitamente actuais as propostas que aqui apresentámos há mais de um ano e que em breve reforçaremos através de um conjunto de propostas de alteração à legislação em vigor relativa à fiscalidade, ao licenciamento urbano, ao planeamento e ao ordenamento do território.
Em época de eleições autárquicas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a fiscalidade urbana é matéria sobre a qual importa ter atenção. A proposta de introdução do IVA na construção e nas transacções imobiliárias, que, aliás, não é sequer uma proposta exclusiva do Bloco de Esquerda e em relação à qual ainda recentemente, num colóquio que organizámos, o Dr. Ricardo Sá Fernandes afirmava não haver qualquer impedimento legal a nível comunitário, podendo-se, assim, introduzir uma taxa de IVA reduzida no sector da construção do imobiliário, é essencialmente uma questão de vontade política, que tem a ver com a determinação e a capacidade de Portugal fazer as suas escolhas nesta como noutras matérias e de se bater por uma política fiscal que favoreça a correcção da injustiça.
Um dos males de que padece toda a fiscalidade deste sector tem a ver - toda a gente sabe - com o autêntico escândalo que constitui o Código de Avaliações dos Prédios Urbanos e a respectiva actualização das matrizes prediais que lhe deverão servir de base. Desde a aprovação do Decreto-Lei n.º 442-C/88, de 30 de Novembro, ou seja, há 13 anos, que uma proposta de revisão daquele código e de alteração das matrizes continua perdida nas «gavetas» do governo! E por isso, se esta Câmara não aprovar nenhuma alteração à contribuição autárquica do tipo da que o Bloco de Esquerda irá apresentar brevemente, continuaremos todos a ver, todos os anos, cidadãos possuindo habitações situadas na Av. de Roma, em Lisboa, a pagar 5 ou 10 contos por ano, e outros cidadãos, aparentemente iguais em termos sociais e com os mesmos direitos e deveres, possuidores de casas adquiridas há mais de 10 anos, a ter de pagar 10 ou 20 vezes mais, podendo em breve, neste segmento de habitações, vir-se a assistir a valores 100 vezes superiores a outros. Note-se que o termo de comparação são prédios edificados há 40 ou 50 anos. Naturalmente, quanto mais recuarmos na idade dos prédios edificados, maior tenderá a ser a desigualdade e iniquidade social deste imposto.
Acresce a esta uma outra injustiça flagrante originada pelo actual enquadramento legislativo: a multiplicação de casas e terrenos devolutos, estimando-se em cerca de 60 000 o total de fogos abandonados só em Lisboa e no Porto, valor este que se compara necessariamente com a realidade comummente reconhecida de que faltam casas para quem delas precisa nas principais cidades do País.
O Estado e, em especial, os municípios devem poder recorrer à expropriação com base numa justa indemnização e, quando não for essa a decisão, devem poder aplicar uma sobretaxa progressiva sobre todos os prédios e fogos
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devolutos que não estejam em utilização ao fim de um determinado período de tempo considerado razoável. É esta a alteração que, em breve, submeteremos a esta Câmara e que, julgamos, poderá pelo menos constituir-se como um sinal claro aos especuladores imobiliários de que, se optarem por esse caminho, terão de ser penalizados pelas suas próprias escolhas.
Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, Srs. Deputados: A reforma tributária constituiu um acto de coragem e uma viragem histórica na cultura da fiscalidade portuguesa. É de lamentar que o Governo, que disse que a ia implementar, a esteja a deixar cair aos pedaços, como tudo o que de mais positivo conseguiu fazer, sempre com a interferência e o apoio dos partidos de esquerda desta Assembleia.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Muito bem!
O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Antes fosse verdade!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Com este Governo, as promessas e as intenções, nas mais diversas matérias, têm sido uma constante. Concretizar muitas delas, porém, é que não tem sido atributo deste Executivo do PS.
Assim aconteceu com a prometida reforma fiscal no primeiro governo do PS. Foi preciso que um grupo parlamentar da oposição, neste caso o do PCP, agendasse potestativamente o seu projecto de lei sobre a matéria, no ano passado, para que legalmente se procedesse à reforma fiscal dos impostos sobre o rendimento, com o objectivo, designadamente, de alargar as bases de tributação a ganhos até então não tributáveis de altos rendimentos, de combater a fraude e a evasão dos impostos, em suma, de criar mais justiça fiscal, contribuindo, assim, para uma maior justiça social. A verdade é que cada um deve pagar impostos de acordo com a sua capacidade contributiva real. Esse deve ser o princípio base a aplicar para conseguir mais justiça.
Preocupa-nos, por isso, que o Governo deixe cair, de alguma forma, a reforma fiscal aprovada por maioria nesta Casa, cedendo às pressões dos grandes grupos económicos e dos grandes interesses financeiros, esquecendo, desde logo, o ditame da Constituição da República Portuguesa, que, inequivocamente, determina a subordinação do poder económico ao poder político democrático, negando, dessa forma, a prossecução de mais justiça social e de concretização dos interesses colectivos.
É que o sistema fiscal é uma peça fundamental na garantia da justiça social, como já referi. Ao contrário do que o Governo pretendeu fazer crer, a justiça social não se promove, por exemplo, como já está plenamente provado, pela imposição da propina no ensino superior público, obrigando as famílias a suportar mais custos, onde eles já são tão significativos, e desonerando o Estado no aumento de investimento neste sector de ensino, desresponsabilizando-o de incumbências das quais não poderia abdicar, transferindo para as famílias uma responsabilidade que muitas não podem assegurar, como é conhecido, e invocando justiça no princípio de que quem quer educação que a pague. Isto quando, simultaneamente, a fraude, a fuga aos impostos e os paraísos fiscais são o «pão nosso de cada dia». Isto é escandaloso!
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Voltando à questão da reforma fiscal, foi com algum despudor que o Governo procurou, no ano passado, que aquela servisse como moeda de troca para uma eventual viabilização do Orçamento de Estado para 2001, como se um documento estruturante e definidor de políticas nos mais diversos sectores aí se resumisse.
E foi com mais despudor, «pondo na gaveta» os mais elementares princípios democráticos, que o Governo acabou por negociar o Orçamento do Estado, como é sabido, com um Deputado, em troca de alguns investimentos, que resultaram no já conhecido orçamento do queijo limiano.
Agora, em vésperas do Orçamento do Estado para 2002, o Governo já voltou a falar das suas, eventualmente virtuais, reformas sobre os impostos.
No ano passado, o Governo, referindo-o nomeadamente num discurso do então Sr Ministro das Finanças, apresentou vários pilares da reforma da tributação, como aqui já hoje foi referido, sendo o primeiro sobre o rendimento e culminando num quarto pilar que designava de reforma fiscal ecológica, prometendo-a para a discussão no 1.º trimestre de 2001, prazo já clara e longamente ultrapassado.
Mas hoje o Sr. Ministro foi muito cauteloso com a concretização do já prometido e mais uma vez não realizado. Portanto, a pergunta que se impõe ver respondida é, afinal, quanto tempo vamos esperar mais pela apresentação dessas propostas tributárias em sede de matéria ambiental, designadamente ao nível da tributação energética. O Governo prometeu e não apresentou. Porquê? É preciso saber do que está dependente para apresentar, e quando se prevê apresentar. Ou será que o atraso se deve ao facto do próprio Governo não saber o que quer nesta matéria?
A Constituição da República Portuguesa é clara. Dita que a política fiscal tem de compatibilizar desenvolvimento com protecção do ambiente e da qualidade de vida.
Pela parte de Os Verdes, que fique claro, desde já, que a tributação ecológica, se é assim que lhe querem chamar, sendo um instrumento importante, não vale por si só para a necessária mudança de comportamentos, adequando-os à preservação do ambiente e à promoção de qualidade de vida. Na verdade, essas propostas fiscais só terão sentido integradas em políticas adequadas à protecção do ambiente, em políticas que incentivem a adopção de comportamentos adequados ao respeito pelo ambiente.
Por exemplo, o desincentivo à utilização diária e sistemática do transporte rodoviário particular é uma medida urgente, a qual não se resolve pelo aumento de combustíveis de forma isolada. Aliás, vista assim, isoladamente, esta medida poderia ser geradora de desigualdades, no sentido de que quem pode paga os combustíveis a qualquer preço e quem não pode sujeita-se aos transportes públicos que temos, que ficam muito aquém, como é evidente, das necessidades a diversos níveis, como sejam a sua regularidade, a sua interligação, enfim, um conjunto de problemas que já por diversas vezes Os Verdes trouxeram a esta Casa.
Esse aumento de combustíveis só faz sentido, como medida virada para o ambiente, se tiver por base uma política de promoção do transporte público e alternativo, que, conjugada, desincentivasse a utilização do transporte
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rodoviário individual, por direito de opção, sublinho, por direito de opção, que é, na nossa perspectiva, uma questão fundamental.
Pensando numa empresa poluidora, o que quer que se lhe imponha para pagar em função da poluição que provoca, qualquer internalização de custos, vai reflectir-se no preço do produto que se produz. Quem vai pagar é o consumidor e paga duas vezes: paga os custos dos efeitos da degradação ambiental e paga os custos da acção de despoluição da empresa. O mercado, por si só, não resolve isto nem faz selecção de empresas. E aqui quaisquer medidas fiscais terão necessariamente de se compatibilizar com acções de prevenção e de acção sobre os modos de produção.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Se essa chamada reforma fiscal ecológica tarda em chegar, muito atrasada está também a necessária inversão na política ambiental deste Governo, que não tem vontade para reformar políticas que ferem o modo e a qualidade de vida dos cidadãos.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: É preciso entender a política fiscal como um instrumento fundamental para mais justiça social, onde se inclui, evidentemente, a preservação do meio ambiente em variados sectores, e é preciso entender a reforma fiscal com seriedade e com empenho na sua concretização, de modo a que os objectivos de interesse colectivo sejam prosseguidos, retirando, de vez, ao poder político democrático uma posição de submissão em relação ao poder económico.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, visto não haver mais inscrições, dou por encerrado o debate da interpelação e vamos dar início às intervenções de encerramento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Perguntar-se-á o que é que aprendemos com este debate. Creio que ficámos a conhecer, em primeiro lugar, o que o Governo não quer fazer, em segundo lugar, a oportunidade que nos arriscamos a perder e, em terceiro lugar, o futuro da reforma dos impostos imobiliários. São três matérias de importância relevante que justificam esta interpelação e o debate que aqui ocorreu.
Não tivesse ela sido feita e chegaríamos ao Orçamento do Estado com a nebulosa das afirmações anónimas a respeito das mais-valias das sociedades gestoras de participações; não clarificaríamos as alternativas e as opções dos vários partidos em matérias tão importantes como a concretização ou o abandono da política de reforma fiscal aprovada em Dezembro de 2000; não clarificaríamos as posições dos vários partidos sobre as alternativas quanto ao off-shore da Madeira; e não discutiríamos as posições dos vários partidos sobre as matérias que estão por completar de uma reforma que começou e que ainda não ganhou a dimensão global que precisa para assegurar a confiança dos portugueses.
Sabemos o que o Governo não quer fazer. Disse-nos o Sr. Ministro, com alguma ênfase, que não abdica - nem ele nem o Governo - do princípio da igualdade das condições das empresas. Mas, Sr. Ministro, o princípio está votado, só que também foi votada a norma legal sobre as sociedades gestoras de participações. O Sr. Ministro reconhecerá que o silêncio continuado, contraditado pelo próprio Ministério das Finanças através de fontes publicadas, tem dado o sinal de que o próximo Orçamento do Estado mudaria essa política. Temos experiência suficiente de «princípios» que, depois, são declarados inoperacionais, sendo que o Governo, nesta matéria, tinha a delicadíssima responsabilidade de manter ou não manter aquilo que fez aprovar. E é isso que, realmente, está em causa.
Toda a gente compreende - os partidos sentados nesta Assembleia seguramente que sim, mas, porventura, o País melhor ainda do que nós - o que significa um ministro das finanças, à saída de uma audiência com partidos de esquerda, fazer uma declaração favorável à justiça fiscal e, à saída de uma audiência com partidos de direita, fazer outra declaração favorável à competitividade económica, ambas sobre a mesma matéria, que só se pode resolver de uma forma ou de outra: ou se mantém e se operacionaliza a igualdade fiscal de todas as empresas, incluindo as holdings de empresas, ou, pelo contrário, se abdica desse princípio, qualquer que seja a justificação para o fazer. O Governo tem dado a entender que escolherá a rejeição deste princípio. As afirmações aqui feitas no decurso da intervenção e, seguramente, no encerramento, confortarão esta constatação de que o Governo não quis e não quer continuar a reforma fiscal nesta matéria.
Diz-nos, agora, o Sr. Ministro que, pelo menos em relação a uma área, a da imputação de custos e benefícios nas sociedades externas, está quase pronta uma portaria. Muito bem! Assim seja! Mas nada nos disse sobre outras - e elas são tão cruciais com esta -, como sejam a do controlo, registo e declaração dos movimentos transfronteiriços das operações não comerciais; identificação das identidades e verificação de quem pode aceder ou não aos leilões ou às operações de venda dos bens obtidos em execuções fiscais; determinação dos preços de transferência; cruzamento de informação, no respeito pela lei, entre a segurança social e os sistemas tributários. Sobre tudo isto não sabemos nada, o que é o mesmo que saber que nada se passa.
Diz-nos também o Governo que há um princípio de competitividade. Com certeza! Percebo a perturbação do Governo, porque Portugal viveu, até agora, sete anos seguidos de expansão económica, até entrar agora em recessão. Os sucessivos governos do Eng.º Guterres, os sucessivos ministros das finanças e os sucessivos ministros da economia nunca conheceram outra situação que não fosse de expansão económica. Mas, face a isto, diz-nos o Sr. Ministro que constata que é preciso ajustamentos, que o défice não é um dogma e, portanto, que o Pacto de Estabilidade deve ser lido com inteligência. Mais uma vez não pode encontrar apoio mais conclusivo do que o nosso. Mas, então, Sr. Ministro, se não é um dogma, porque é que está num tratado? Se não é um dogma, porque é que está num tratado em tais condições que é preciso um processo de correcção, que envolve todos os parlamentos, em relação ao Tratado de Amsterdão ou ao Tratado de Maastricht? E, se não é um dogma, porque é que se sobrepôs a este tratado um acordo de governos ainda mais extremista e que foi depois negociado em programas, como os do Pacto de Estabilidade?
Ora, para combater a recessão, para promover a competitividade, para promover o investimento, para
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promover a distribuição da riqueza é precisa esta reforma fiscal, é preciso um princípio de transparência, de clareza e de redistribuição. E é por isso que, quando o Governo nos diz hoje que não sabe que a Madeira é um entreposto para ilhas Cayman, que não sabe que há bancos que fazem operações fora da lei, sendo quase todas ou mesmo todas atribuídas à Zona Franca da Madeira, apesar de não terem aí qualquer agência, que não sabe que a banca paga 12,5% de IRC, que não sabe que esta grande união dos interesses económicos a que o Sr. Deputado Fernando Rosas se referia continua a actuar e a mandar neste país, que não sabe de nada, percebe-se como é que esta oportunidade pode ser perdida.
Pese a vontade do PS de fugir ao debate com uma piada, é certo que esta conjuntura, pela recessão que não cria mas que agrava e pela oportunidade de discussão da regulamentação internacional dos fluxos de capitais, não pode ser perdida. Não será, certamente, muitas vezes que encontrará no Bloco de Esquerda alguma simpatia por iniciativas do Presidente Bush - é certo que aqui encontrará sempre alguma reserva em relação a esse grande estadista que nos declara que o futuro século XXI será marcado pela coexistência pacífica entre a espécie humana e os peixes -, mas neste caso, pelo menos, compreendemos a urgência e insistimos na credibilidade política de medidas de controlo e de regulação.
Não podemos perder esta oportunidade, não podemos perder a oportunidade de um acordo internacional sobre a regulação no combate ao narcotráfico, às redes terroristas ou à evasão fiscal, que é, evidentemente, uma forma de criminalidade altamente gravosa para qualquer país.
É por isso que hoje é o momento de se avançar nos terrenos do sigilo bancário, da identificação das identidades dos clientes e da natureza das suas operações e com todos os critérios que permitem uma base universal, democrática, transparente, acessível e controlável para se verificar os seus registos de interesses e das suas declarações tributárias. De nenhuma outra forma se combaterá jamais o narcotráfico, e suspeito até que nenhum dos Srs. Deputados que se opõe tão terminantemente a estas medidas saberá argumentar que há uma alternativa que não esta para políticas eficientes.
Finalmente, o Sr. Ministro disse-nos que ficamos por aqui e que nada mais avança na reforma fiscal. Estão feitos os estudos sobre o imobiliário. O Governo até tem um conjunto de projectos de lei, com os quais nos identificamos nas matérias constitutivas que foram o fundamento da nossa proposta de lei há um ano atrás.
Há uma diferença entre a sisa e a contribuição autárquica ou a abolição do imposto sucessório. Com certeza que sim! Mas a transparência e a intervenção política do Governo e desta Assembleia só pode ganhar com uma política coerente que actue nesta conjugação da remodelação das matrizes, com critérios transparentes, da abolição da sisa e da sua substituição por um imposto eficiente, como é o IVA, e da substituição da contribuição autárquica por um novo imposto imobiliário que seja também universal nos critérios aplicáveis a todos os casos, acabando com os três milhões de isenções dos prédios urbanos em relação ao imposto.
Tudo isso pode e deve ser feito neste contexto e não há nenhum pretexto porque, pelo contrário, a União Europeia favorece estas opções - a 6.ª Directiva reconhece que, neste âmbito, é a soberania nacional que impera e Portugal nada mais deve fazer do que seguir os métodos como aqueles que são aplicados em Espanha ou em Itália, e, deste ponto de vista, mostrar hoje que há força política e que há coerência para uma reforma fiscal capaz de abolir essa gigantesca e quase semi-perpétua estupidez destes impostos. Era isso que faltava mas, para isso, é preciso uma coragem, uma determinação e uma eficiência que o silêncio do Governo mostra que não mora em S. Bento.
O Sr. Fernando Rosas (BE): - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para encerrar o debate, em nome do Governo, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Apenas duas palavras, em primeiro lugar, para reafirmar que o calendário das mudanças fiscais, designadamente no que toca à tributação sobre o património imobiliário e sobre os automóveis, vai estar no controle do Governo e deste Parlamento, e muito em breve teremos oportunidade, de modo gradual mas buscando os consensos indispensáveis, de proceder aqui ao seu debate e aprovação - bem mais cedo do que muitos poderão supor.
O trabalho está feito; porém, ele exige uma articulação estreita necessária e responsável com a Associação Nacional dos Municípios Portugueses, pela circunstância simples de que as receitas que estão previstas na legislação em vigor e que correspondem a parte significativa destes tributos são receitas das autarquias…
O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, peço desculpa mas gostava de inquirir se é costume nesta Casa, quando fala um Ministro da República, os Deputados estarem de costas voltadas.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, o que não é seguramente costume é um Deputado usar da palavra sem pedir e usar da palavra sentado. Há dois costumes que foram violados!
Peço aos Srs. Deputados que estão de pé que façam o favor de se sentar.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Queixinhas!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Bem, eu creio que, realmente, merecem as queixinhas! Com esse barulho, merecem!...
Sr. Deputado Fernando Rosas, não vai repetir, com certeza, essa situação, não vai falar outra vez sentado, de forma nenhuma! Aliás, Sr. Deputado, não vai falar porque não lhe dei a palavra!
Sr. Ministro, tem a palavra para prosseguir a sua intervenção.
O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, regressemos ao tema.
Neste sentido, gostaria de reafirmar aqui o que acabei de dizer: a Lei das Finanças Locais será cumprida, será respeitada e, naturalmente, nesse contexto, as mudanças indispensáveis, designadamente essas competências, serão articuladas com os municípios.
Comecemos por clarificar algumas coisas: primeiro, relativamente aos dois tipos de instrumentos fundamentais,
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que são as medidas da tributação sobre o rendimento, as Leis n.os 30-G/2000 e 30-F/2000 e as normas constantes da Lei n.º 15/2001, sobre a justiça tributária.
Estas leis constituem peças essenciais, âncoras da mudança fiscal que prosseguimos e vamos continuar com determinação; elas são as âncoras, não vamos reformular aquilo que consta aqui, designadamente em relação aos bons princípios de não existência de medidas discriminatórias no que respeita aos rendimentos, em particular relativamente às mais-valias, incluindo para as sociedades gestoras de participações sociais. Isto que fique muito claro: não há nem haverá medidas discriminatórias relativamente, em particular, às sociedades gestoras de participações sociais.
Relativamente ao imposto automóvel, temos a afirmação de que a tributação ecológica e a consideração da componente ambiental nestes impostos vai constituir a peça-chave, eu diria a peça inovadora fundamental, que irá certamente constituir pedra de toque no trabalho que vamos aqui desenvolver muito em breve.
Não haja, pois, dúvidas: torna-se indispensável prosseguir nesta agenda reformadora, prosseguir garantindo condições de estabilidade para o próprio contribuinte, para a própria economia e para a sociedade.
O Sr. Deputado Fernando Rosas, na sua intervenção, teve ocasião de nos invocar aqui a história económica e financeira do País e muito bons exemplos, talvez não exactamente na tónica que aqui procurou salientar mas em especial sobre as cautelas que é indispensável adoptar para que os fins que pretendemos atingir, designadamente os fins de uma maior justiça fiscal, os fins de um Estado regulador que possa garantir que a fuga e a evasão fiscais não sejam uma regra e, simultaneamente, que não haja essa elite de «chapéu na mão» perante o Estado.
Certamente que não regressaremos ao Estado proteccionista, ao Estado produtor. Estamos noutro contexto, noutras circunstâncias mas, naturalmente, temos de receber essas boas lições para que não tenhamos derrotas, para que tenhamos vitórias, isto é, para que não seja o Estado mínimo a prevalecer, para que não seja o Estado da injustiça e da fraude a prevalecer, mas que seja um Estado que possa ser factor de justiça, de redistribuição e de desenvolvimento. Esta é, naturalmente, a questão fundamental que importa salientar.
Incidentalmente, foi suscitada a questão relativa aos off-shores, aos verdadeiros off-shores, e gostaria de anunciar em primeira mão à Câmara as medidas que o Governo entendeu adoptar nesta matéria. Em primeiro lugar, o Governo aplicará, como não pode deixar de ser, os regulamentos do Conselho da União Europeia 467/2001, de 6 de Março, com as alterações do regulamento 1354, de 4 de Julho, ambos relativos a sanções aplicáveis aos taliban do Afeganistão, traduzindo-se, naturalmente, em congelamento dos fundos, de todos os fundos e outros recursos financeiros pertencentes às pessoas e entidades constantes nas listas neles incluídas.
O Ministério das Finanças e o Governo acompanham igualmente a iniciativa desencadeada pela União Europeia no sentido de divulgar pelos respectivos sistemas bancários as listas de pessoas e entidades suspeitas de ligação aos recentes atentados ocorridos em 11 de Setembro nos Estados Unidos da América, tendo em vista a obtenção de informações relevantes para a investigação e sua comunicação às entidades de investigação competentes, no âmbito da legislação que disciplina o branqueamento de capitais.
Por fim, quero salientar que o Governo apresentará em breve a este Parlamento uma iniciativa preparada conjuntamente pelos Ministérios das Finanças e da Economia, pelo Banco de Portugal e pelo Instituto de Seguros de Portugal sobre regime sancionatório das violações financeiras internacionais. Torna-se indispensável, no momento próprio, adoptar as medidas certas e foi por isso que, em primeira mão, dei conhecimento a esta Câmara daquilo que imediatamente será posto em prática.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, o debate da interpelação está encerrado. A próxima reunião plenária terá lugar amanhã, às 15 horas, com um agendamento potestativo do PCP relativo ao projecto de lei n.º 383/VIII - Medidas de reestruturação fundiária na área de intervenção do empreendimento de fins múltiplos de Alqueva.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 25 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
António Alves Martinho
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão
Partido Social Democrata (PSD):
António d'Orey Capucho
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
António José Gavino Paixão
Cláudio Ramos Monteiro
Fernando Ribeiro Moniz
João Alberto Martins Sobral
João Cardona Gomes Cravinho
José Carlos Lourenço Tavares Pereira
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho
Manuel Alegre de Melo Duarte
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Teresa de Oliveira Ferreira Coimbra
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Vítor Manuel Alves Peixoto
Partido Social Democrata (PSD):
Eugénio Fernando Sá Cerqueira Marinho
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Santos Pereira
João Bosco Soares Mota Amaral
Joaquim Martins Ferreira do Amaral
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
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0153 | I Série - Número 05 | 27 de Setembro de 2001
José de Almeida Cesário
José Manuel Durão Barroso
José Manuel Macedo Abrantes
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Manuel Joaquim Barata Frexes
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro Manuel Cruz Roseta
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
Partido Popular (CDS-PP):
Luís José de Mello e Castro Guedes
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL
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