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Quinta-feira, 11 de Outubro de 2001 I Série - Número 10

VIII LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2001-2002)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 10 DE OUTUBRO DE 2001

Presidente: Ex.mo Sr. João Bosco Soares Mota Amaral

Secretários: Ex. mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Manuel Alves de Oliveira
António João Rodeia Machado
António José Carlos Pinho

S U M Á R I O

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia.- Deu-se conta da entrada na Mesa da proposta de lei n.º 102/VIII, dos projectos de resolução n.os 154 e 156/VIII e da apreciação parlamentar n.º 51/VIII, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado Fernando Rosas (BE) criticou a escalada de violência que as acções de retaliação no Afeganistão provocam, infligindo sofrimento à população civil, e condenou os EUA pelo seu apoio a regimes totalitários e a terroristas, como os da Aliança do Norte. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado José Barros Moura (PS).
O Sr. Miguel Coelho (PS) congratulou-se pela aprovação do relatório final aprovado na Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar Sobre as Causas, Consequências e Responsabilidades do Acidente Resultante do Desabamento da Ponte sobre o rio Douro, em Entre-os-Rios, tendo destacado algumas das suas conclusões e recomendações e louvado a atitude dos responsáveis políticos na altura. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados António Nazaré Pereira (PSD), Isabel Castro (Os Verdes), Honório Novo (PCP) e Basílio Horta (CDS-PP), tendo ainda dado explicações aos Srs. Deputados Manuel Moreira (PSD) e Basílio Horta, que usaram da palavra ao abrigo da figura regimental de defesa da honra.
O Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa (PSD) abordou a situação da autarquia de Felgueiras, que afecta o seu normal funcionamento, e criticou o PS pelo apoio político à recandidatura da presidente da câmara. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Agostinho Gonçalves (PS), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), Francisco Louçã (BE) e Honório Novo (PCP) e deu explicações ao Sr. Deputado António Braga (PS), que exerceu o direito de defesa da bancada e, por sua vez, deu ainda explicações ao Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

Ordem do dia.- Foi discutida, na generalidade, a proposta de lei n.º 97/VIII - Autoriza o Governo a legislar em matéria de institutos públicos integrantes da Administração Pública, tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública (Alberto Martins), os Srs. Deputados Guilherme Silva (PSD), Telmo Correia (CDS-PP), Isabel Castro (Os Verdes), António Filipe (PCP), Francisco Louçã (BE), Luís Marques Guedes (PSD), Maria de Belém Roseira e Jorge Lacão (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 15 minutos.

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O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 10 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Américo Jaime Afonso Pereira
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
António Alves Marques Júnior
António Alves Martinho
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António Fernando Menezes Rodrigues
António Manuel Dias Baptista
António Manuel do Carmo Saleiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Bruno Renato Sutil Moreira de Almeida
Carlos Alberto
Carlos Alberto Dias dos Santos
Carlos Manuel Carvalho Cunha
Carlos Manuel Luís
Casimiro Francisco Ramos
Eduardo Ribeiro Pereira
Fernando Manuel de Jesus
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Serrasqueiro
Filipe Mesquita Vital
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Gil Tristão Cardoso de Freitas França
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho
Helena Maria Mesquita Ribeiro
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco d'Almeida
Isabel Maria dos Santos Barata
Jamila Barbara Madeira e Madeira
João Alberto Martins Sobral
João Francisco Gomes Benavente
João Pedro da Silva Correia
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Alberto Leal Fateixa Palmeiro
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Carlos da Cruz Lavrador
José Carlos Pinto Basto Mota Torres
José de Matos Leitão
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Ernesto Figueira dos Reis
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Rosa do Egipto
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Miguel Marques Boquinhas
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Júlio Francisco Miranda Calha
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão
Luís Manuel Ferreira Parreirão Gonçalves
Luís Miguel Gomes Miranda Teixeira
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Francisco dos Santos Valente
Manuel Joaquim Barbosa Ribeiro
Manuel Maria Diogo
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Margarida Maria Santos Soares da Rocha Gariso
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custodia Barbosa Fernandes Costa
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira
Maria do Céu da Cruz Vidal Lourenço
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Luísa Silva Vasconcelos
Maria Teresa de Oliveira Ferreira Coimbra
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco
Paulo Alexandre Homem de Oliveira Fonseca
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui Manuel Leal Marqueiro
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Victor Brito de Moura
Victor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Alves Peixoto
Victor Manuel Caio Roque
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Álvaro dos Santos Amaro
Ana Maria Martins Narciso
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António d'Orey Capucho
António Manuel da Cruz Silva
António Manuel Santana Abelha
Armando Manuel Dinis Vieira
Armindo Telmo Antunes Ferreira
Artur Ryder Torres Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos José das Neves Martins
Carlos Parente Antunes
David Jorge Mascarenhas dos Santos
Domingos Duarte Lima
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares
Feliciano José Barreiras Duarte

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Fernando Jorge Loureiro de Reboredo Seara
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Santos Pereira
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Monteiro Chaves
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
João Bosco Soares Mota Amaral
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José da Silva Maçãs
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José António de Sousa e Silva
José David Gomes Justino
José Eduardo Rêgo Mendes Martins
José Frederico de Lemos Salter Cid
José Luís Campos Vieira de Castro
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel de Matos Correia
José Manuel Durão Barroso
Lucília Maria Samoreno Ferra
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Pedro Machado Sampaio de Sousa Pimentel
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Castro de Almeida
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim Barata Frexes
Manuel Maria Moreira
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Nuno Miguel Marta de Oliveira da Silva Freitas
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rui Fernando da Silva Rio
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
Ana Margarida Lopes Botelho
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
João António Gonçalves do Amaral
Joaquim Manuel da Fonseca Matias
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Natália Gomes Filipe
Maria Odete dos Santos
Vicente José Rosado Merendas

Partido Popular (CDS-PP):
António Herculano Gonçalves
António José Carlos Pinho
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
José Martins Pires da Silva
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró
Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona
Narana Sinai Coissoró
Paulo Sacadura Cabral Portas
Raúl Miguel de Oliveira Rosado Fernandes
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

Bloco de Esquerda (BE):
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas as seguintes iniciativas legislativas: proposta de lei n.º 102/VIII - Estabelece o regime sancionatório aplicável a situações de incumprimento das sanções impostas por regulamentos comunitários e estabelece procedimentos cautelares de extensão do âmbito material do diploma, que baixou às 1.ª e 10.ª Comissões; projectos de resolução n.os 154/VIII - Sobre a tomada de medidas legislativas e políticas que garantam a gratuitidade dos manuais escolares para a frequência da escolaridade obrigatória (PCP) e 156/VIII - Sobre a aplicação do Pacto de Estabilidade em 2001 e 2002 (BE); e apreciação parlamentar n.º 51/VIII (PSD) - Decreto-Lei n.º 265-A/2001, de 28 de Setembro (Altera os Decretos-Leis n.os 114/94, de 3 de Maio, e 2/98, de 3 de Janeiro, bem como o Código da Estrada, e revoga os Decretos-Leis n.os 162/2001, de 22 de Maio, e 178-A/2001, de 12 de Junho).
Foram também apresentados diversos requerimentos.
Na sessão plenária de 25 de Setembro: ao Ministério da Saúde, formulados pelos Srs. Deputados Fernando Jesus, Carlos Martins e Machado Rodrigues; aos Ministérios do Trabalho e da Solidariedade e da Defesa Nacional, formulados pelo Sr. Deputado Paulo Pisco; à Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, formulados pela Sr.ª Deputada Maria Manuela Aguiar; a diversos Ministérios, formulados pela Sr.ª Deputada Margarida Botelho; aos Ministérios da Educação e da Saúde, formulado pela Sr.ª Deputada Natália Filipe; à Secretaria de Estado da Habitação e ao Instituto de Gestão e Alienação

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do Património Habitacional do Estado e à Câmara Municipal de Lisboa, formulados pelo Sr. Deputado João Rebelo.
Nas sessões plenárias de 26, 27 e 28 de Setembro: ao Ministério do Equipamento Social, formulado pelo Sr. Deputado Bruno Vitorino; ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Manuel Oliveira, Bruno Vitorino e Rosado Fernandes; ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Honório Novo; aos Ministérios do Ambiente e do Ordenamento do Território e da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulados pelo Sr. Deputado Joaquim Matias; ao Ministério do Trabalho e da Solidariedade, formulado pelo Sr. Deputado Vicente Merendas; ao Ministério da Saúde, formulados pelos Srs. Deputados Basílio Horta e Natália Filipe; ao Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território e à Direcção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território de Lisboa e Vale do Tejo, formulado pelo Sr. Deputado João Rebelo; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Paulo Pereira Coelho e Mota Amaral; ao Ministério da Juventude e do Desporto, formulado pela Sr.ª Deputada Isabel Castro; à Secretaria de Estado do Turismo, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Alberto; ao Ministério da Administração Interna e ao Alto Comissário para a Imigração e as Minorias Étnicas, formulados pela Sr.ª Deputada Margarida Botelho; a diversos Ministérios, formulados pela Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia; ao Ministério da Administração Interna, formulados pelo Sr. Deputado Carlos Martins.
Por sua vez, o Governo respondeu a requerimentos apresentados por vários Srs. Deputados.
No dia 28 de Setembro: Natália Filipe, Luís Fazenda, Paulo Portas, Luísa Mesquita, José Cesário, Feliciano Barreiras Duarte, Miguel Miranda Relvas, Virgílio Costa, José Alberto Fateixa, Fernando Rosas, Margarida Botelho, Rodeia Machado, Vicente Merendas, Joaquim Matias, Eugénio Marinho, Honório Novo, Isabel Castro e António Nazaré Pereira.
No dia 1 de Outubro: Maria Eduarda Azevedo, Casimiro Ramos, Vicente Merendas, Heloísa Apolónia, Jovita Ladeira, António Filipe, Eugénio Martinho, Agostinho Lopes, Lucília Ferra e Bernardino Soares.
No dia 2 de Outubro: Agostinho Lopes, Bernardino Soares, Honório Novo e Rodeia Machado.
Foram ainda respondidos os requerimentos apresentados por vários Srs. Deputados. No dia 28 de Setembro: Heloísa Apolónia; no dia 2 de Outubro: Heloísa Apolónia e Isabel Castro.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ninguém parece saber, ninguém tem o direito de saber, o que se está a passar no Afeganistão depois do início da retaliação militar dos Estados Unidos da América.
Face às restrições dos taliban à circulação de jornalistas e à censura militar norte-americana, os grandes media internacionais aceitaram o princípio do silêncio: o monopólio dos briefings fardados sobre a liberdade de informação. Não se trata de guardar «segredo militar», nem de evitar uma «desmoralização» das hostes ocidentais: a política da morte é censurada porque a informação desperta a consciência antibelicista da cidadania. E por isso perdemos o direito a saber e a ver o que está a acontecer no Afeganistão, sem prejuízo de isso poder calar uma corrente crítica que se vem erguendo em amplos sectores. São vozes interrogativas, que cometem a heresia de, diante da máquina do consenso, colocar a escalada militar face aos seus efeitos.
O Bloco de Esquerda foi o primeiro partido português a condenar o repugnante massacre de milhares de pessoas no dia 11 de Setembro. Nenhuma justificação permite aceitar esse acto. As recentes declarações de Bin Laden confirmam a exigência de justiça, a urgência de uma acção que leve à punição dos criminosos, dos seus financiadores e dos seus dirigentes. Ora, o que temos, desde Domingo, é outra coisa.
O que temos, no Afeganistão, é uma guerra de retaliação insana e inútil. Os bombardeamentos ao Afeganistão são gasolina sobre a fogueira do fanatismo. São as próprias autoridades americanas que anunciam «com 100% de probabilidades» a ocorrência de novos atentados. A escalada é a opção daqueles que avançam para o Afeganistão, arrastando na sua coligação as ditaduras do Médio Oriente e de outros países de população maioritariamente muçulmana. E, no campo assim aberto, avançam as correntes fundamentalistas e germina o terrorismo que se afirma combater.
Consagrando a lógica terrorista «acção-reacção», a resposta militar dos Estados Unidos ajuda a transformar o mundo num labirinto de violência em que as vítimas se contam do lado dos inocentes. Bin Laden pode sorrir.
O que temos no Afeganistão é uma guerra que, sobretudo, atinge, também ela, as vítimas inocentes. Srs. Deputados, os bombardeamentos bombardeiam as vítimas dos taliban. Nesta guerra, que começou por se anunciar «infinita» para, agora, se definir como «prolongada» e onde o país mais rico bombardeia um dos países mais pobres do mundo, surgiu já um problema: a aviação americana praticamente esgotou os seus alvos potenciais. Nas montanhas do Afeganistão e por todo o mundo, o terrorismo está a salvo das bombas norte-americanas. São as populações civis que, nas cidades afegãs, sofrem directamente os seus efeitos.
Para os que tiveram até agora meios para fugir, não parece estar reservada melhor sorte. Segundo a insuspeita AMI, 3,5 milhões de pessoas estão em perigo nos campos de refugiados junto às fronteiras do Afeganistão, onde grassa a fome e a doença e onde se anuncia uma verdadeira catástrofe humanitária. A chamada componente humanitária da operação militar corresponde a uma refeição para cerca de 37 000 pessoas, 1% do número total de deslocados. E, num país onde estão os maiores campos de minas antipessoais do planeta, não podemos deixar de assinalar a «precisão cirúrgica» do bombardeamento de uma equipa de desminagem do território, constituída por civis, quatro dos quais morreram anteontem.
Srs. Deputados, na realidade, o que temos no Afeganistão não é, em rigor, uma guerra contra o terrorismo. É uma guerra contra o terrorismo que, hoje, se tornou inimigo dos Estados Unidos da América. É preciso dizer que foi com os americanos que surgiu a doutrina do «terrorismo bom» e do «terrorismo mau», do «terrorismo útil» e do «terrorismo hostil». Os Estados Unidos da América sempre tiveram ao serviço da sua estratégia internacional e regional, sempre armaram e treinaram sem o menor abalo de consciência, as organizações terroristas que lhe eram úteis e os ditadores que lhes pareceram

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convenientes: criaram, pagaram e treinaram os taliban e o Sr. Bin Laden; apoiam, sem reservas, regimes de opressão e obscurantismo, como na Arábia Saudita e nos Emiratos Árabes Unidos, que sustentam, por todo o mundo, o mais reaccionário e obscuro integrismo islâmico e, até há dias, o próprio regime dos taliban; apoiaram o regime dos torcionários de Pinochet; apoiaram o genocídio indonésio contra o povo de Timor; apoiam, hoje, a ditadura militar paquistanesa, a principal aliada externa do regime taliban; apoiam, desde há dias, a Aliança do Norte, um bando de criminosos e violadores, que, parece, vai ser o fulcro do novo regime afegão.
Não se pense que esta duplicidade está para acabar. Vejam-se as declarações do Sr. Brezinski, Conselheiro para a Segurança do Presidente Carter, ao Nouvel Observateur, de 15 de Janeiro de 1998, a propósito do papel dos EUA na criação dos taliban: «Lamentar o quê? Essa operação secreta era uma grande ideia. Teve como consequência atirar os russos para a armadilha afegã. E você quer que eu lamente? (...) O que é que é mais importante em relação à história do mundo? Os taliban ou a queda do império soviético?».
Hoje, os EUA têm nas mãos o Frankenstein que, ontem, criaram. Qual será o senhor que se segue?
O que está em causa, na guerra do Afeganistão, finalmente, Srs. Deputados, é o não dito, é o pretexto: o pretexto para policiar o pensamento crítico, divergente, ou até a dúvida, o pretexto para criminalizar o direito de associação e de manifestação dos que se opõem a esta ordem mundial injusta e absurda, o pretexto para reforçar o cerco securitário às liberdades públicas na Europa e que já se traduziu na lamentável revisão extraordinária da Constituição da República.
Por tudo isto, o Bloco de Esquerda entende que a luta contra o terrorismo islâmico é inseparável de uma nova ordem mundial, mesmo no tocante às medidas mais imediatas com que se pode, e deve, combatê-lo. Nós pensamos que o mundo está perante a questão de decidir se se opta pela guerra sem fim, aos sabor das prioridades da hiperpotência, pela desregulação crescente e pelo apartheid civilizacional e cruzadista em larga escala, como alguns propõem, ou se se aproveita a oportunidade para adoptar medidas corajosas e positivas.
Não falo de cor. Nós propomos, designadamente: primeiro, o reforço imediato das medidas de controlo da produção e do tráfico de armas, nomeadamente das minas antipessoais; segundo, o reforço imediato das medidas de controlo da produção e difusão das armas biológicas; terceiro, o reforço imediato das medidas de controlo da circulação de capitais, tendo, designadamente, em vista o encerramento dos off-shore; quarto, a criação de um Tribunal Penal Internacional, verdadeiramente universal, para julgar e punir sem excepções os crimes contra a humanidade; quinto, o reconhecimento dos direitos e da soberania do Estado palestiniano, como parceiro pacífico do Estado de Israel.
Porque será que os senhores da guerra de hoje respondem com o silêncio ou com a oposição a qualquer destas medidas?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também neste caso, perguntar é responder.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Barros Moura.

O Sr. José Barros Moura (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Rosas, o senhor não se surpreenderá se, ao iniciar o meu pedido de esclarecimento, eu lhe disser que estou em frontal desacordo com as conclusões que pretendeu aqui trazer da sua análise da situação internacional.
O Sr. Deputado lembrou-nos aqui os antecedentes do conflito afegão e também as responsabilidades, que não negamos, da administração norte-americana na criação de um «monstro».
O Sr. Deputado, no entanto, utilizou essa linha de argumentação para pôr em causa o esforço que, neste momento, está a ser feito por uma vasta coligação - liderada certamente pelos Estados Unidos, mas de que fazem parte Estados da NATO, Estados da União Europeia e um conjunto de Estados árabes - para conduzir operações militares contra o terrorismo, as quais fazem parte de um conjunto de acções que abrangem outros domínios, desde o combate através da política criminal às organizações terroristas e às organizações criminosas que lhe estão associadas, até ao combate ao branqueamento de capitais e às operações ilícitas em off-shore.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - E ao tráfico de droga!

O Orador: - Quando falei da grande criminalidade, quis precisamente acentuar que a grande criminalidade está associada ao terrorismo, a todas as formas de terrorismo.
Para nós, Sr. Deputado Fernando Rosas, não há «terrorismo bom» e «terrorismo mau», em função das finalidades. Condenamos o terrorismo da Al Qaeda, como condenamos - e fizemo-lo aqui, num momento em que VV. Ex.as tinham dúvidas - o terrorismo da ETA, assim como o terrorismo do IRA.

Aplausos do PS.

Sr. Deputado, somos daqueles que pensam que não devemos ignorar as causas, algumas de carácter económico e social, daquilo que aconteceu no dia 11 de Setembro. Porém, recusamo-nos a ficar a discutir as causas enquanto o terrorismo actua impunemente. Achamos que este é o momento de agir contra o terrorismo, o momento de escolher. E Portugal soube escolher, as forças políticas portuguesas, na sua maioria, e o Governo português souberam escolher o lado em que se colocam, recusaram uma falsa neutralidade e entenderam que a defesa dos valores da sociedade livre, da sociedade pluralista, e do nosso modelo social, do nosso modelo de Estado de direito, implicam - não podem deixar de implicar - que Portugal não seja neutral neste combate.
E o facto de Portugal, ao lado da União Europeia, ter tomado posição, sem dúvida alguma, está a contribuir - e poderá contribuir ainda mais, se a União Europeia se afirmar mais politicamente - para que a condução das operações não seja unilateral e para que essa nova ordem internacional seja construída pelos factos, através de uma intervenção multilateral em todos os domínios.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Peço-lhe que conclua.

O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
Sr. Deputado Fernando Rosas, faço-lhe só esta pergunta: como é que o senhor se permite afirmar que o Tribunal

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Penal Internacional deve ser a cúpula desta organização internacional de combate ao terrorismo se os senhores foram contra o Tribunal Penal Internacional,…

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Com certeza! Claro!

O Orador: - … quando era difícil ser contra, indo atrás de toda a demagogia populista que não sabe aquilo que é preciso fazer em cada momento para defender consequentemente as liberdades?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra, por 3 minutos, o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Barros Moura, agradeço-lhe as questões colocadas.
Sr. Deputado, a demagogia mata! Nós somos contra o Tribunal Penal Internacional por duas razões: primeiro, porque os Estados Unidos e a Rússia se excluiram dele e, consequentemente, toda a criminalidade associada a essas potências;…

O Sr. José Barros Moura (PS): - Essa é boa!

O Orador: - … segundo, porque o Tribunal Penal Internacional adopta a pena de prisão perpétua e nós somos contra. Portanto, nada de utilização de demagogia fácil nessa questão. Fica-lhe mal!...
Por outro lado, quem é a favor do «terrorismo bom» e do «terrorismo mau» não somos nós, que condenamos o terrorismo inequivocamente;…

O Sr. António Braga (PS): - O da ETA, não!

O Orador: - … são os senhores, que são a favor dessa teoria, porque se «colam» aos americanos. Os americanos têm um «terrorismo bom» e um «terrorismo mau»: os taliban, hoje, são «terrorismo mau», mas, ontem, foram «terrorismo bom»; a Aliança do Norte, que são uns bandidos iguais aos taliban, hoje são os bons, mas, amanhã, vão ser os maus. Quem tem «terrorismo bom» e «terrorismo mau» não somos nós, são os senhores! A questão está colocada exactamente ao contrário.
Quanto à operação militar em curso, Sr. Deputado, não podemos apoiar uma operação militar que é completamente destituída de finalidade. A operação militar vai atingir tudo menos os taliban, que tiveram todo o tempo de se refugiar nas montanhas, de evacuar as bases, de desaparecer do terreno. A operação militar não tem qualquer objectivo. O que é que vão atacar? Os 20 aviões ou as 14 barracas que lá estão? Não, o terrorismo não é aquilo! O terrorismo é a rede internacional dos capitais e os apoios internacionais que tem.
Nós propusemos aqui - fi-lo na minha intervenção - medidas concretas contra o terrorismo. Por que é que os senhores não dizem se estão de acordo com elas? Quanto a fechar os off-shores, estão de acordo? Em relação a controlar as armas biológicas, estão de acordo? E controlar o tráfico de armas e as minas anti-pessoais, estão de acordo?

O Sr. José Barros Moura (PS): - Claro!

O Orador: - É que os americanos não estão! Por isso, fiz a pergunta.
Portanto, quem quer combater a sério o terrorismo islâmico, do ponto de vista da mudança da ordem internacional, somos nós! Os senhores estão a combater o terrorismo que, neste momento, não convém aos Estados Unidos mas que, ontem, lhes foi conveniente. E é isso que nos separa, é esse tipo de contestação. Os senhores estão a favor de uma política que usa o terrorismo de acordo com as conveniências dos Estados Unidos; nós estamos a favor de uma nova ordem internacional que permita que o terrorismo desapareça para sempre.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Inscreveram-se, para tratar de assuntos de interesse político relevante, os Srs. Deputados Miguel Coelho, Pedro da Vinha Costa e Rosado Fernandes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Coelho.

O Sr. Miguel Coelho (PS): - Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados: Na passada segunda-feira foi aprovado, com duas abstenções, não tendo havido nenhum voto contra, o relatório da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar Sobre as Causas, Consequências e Responsabilidades do Acidente Resultante do Desabamento da Ponte Sobre o Rio Douro, em Entre-os-Rios. Tal facto é para todos nós, Deputados que pertencemos a esta Comissão, por si só, um motivo de congratulação, pois dignifica seguramente o papel das comissões parlamentares de inquérito.
Permitam-me que diga, Srs. Deputados, que se trata de um relatório justo e verdadeiro. Justo porque este relatório corresponde a uma profunda reflexão dos Deputados de todos os grupos parlamentares representados nesta Comissão de Inquérito, com base numa proposta de relatório apresentada pelo Sr. Deputado Dias Baptista, do Grupo Parlamentar do PS.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Muito bem!

O Orador: - E é um relatório verdadeiro porque efectivamente corresponde à realidade que conseguimos apurar na Comissão de Inquérito.
Das conclusões deste relatório, todas importantes, permitam-me, Srs. Deputados, que saliente algumas. A primeira, e talvez a mais importante, porque também tem que ver com a honra das pessoas, é que jamais (isto está escrito nas conclusões) alguém alguma vez pôs em causa ou levantou alguma questão sobre a segurança estrutural da ponte, nomeadamente ao nível dos pilares.
Se nos recordarmos da terrível noite daquela tragédia, em que, estando pessoas a morrer no rio, algumas individualidades e personagens se atreveram a apelidar de assassinos alguns dos responsáveis políticos da altura, é justo que neste momento preste a minha homenagem ao Sr. Deputado Luís Parreirão, na altura Secretário de Estado, e ao Sr. Ex-Ministro Jorge Coelho, cujo exemplo, ao assumir a responsabilidade política por um acontecimento ocorrido no âmbito do seu Ministério, deverá fazer doutrina para o futuro. Outros deveriam, talvez, ter assumido responsabilidades políticas em relação ao passado, mas houve uma pessoa que as assumiu, e espero que tal faça doutrina para o futuro.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Muito bem!

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O Orador: - Repito que jamais alguma vez foi posta em causa a segurança estrutural da ponte, nomeadamente ao nível dos pilares. Quem se recorda daquela noite deve, com certeza, considerar esta conclusão extraordinariamente importante.
A segunda conclusão que quero realçar, Sr.as e Srs. Deputados, é que talvez este acidente pudesse ter sido evitado, pois em 1986 fez-se uma inspecção, por acaso subaquática, na qual se podia apurar a percepção do perigo. Tal foi-nos transmitido pelo Sr. Presidente do LNEC, que, como sabem, presidiu à comissão técnica de inquérito a esta tragédia. Disse-nos o Sr. Presidente do LNEC que deveria, já nessa altura, ter havido a percepção do risco.
Esta é uma outra conclusão que devemos assumir como importante, porque talvez estas coisas pudessem ter sido evitadas se, na altura, os serviços tivessem funcionado como deveriam, nomeadamente ao nível da recomendação quanto ao enrocamento do pilar 4, que não foi feito. Tal como está dito nas conclusões do relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito, se se tivesse efectuado o enrocamento do pilar 4, como sugerido na altura, talvez a tragédia não tivesse ocorrido.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, passo a referir outras conclusões que, para nós, são relevantes e importantes.
As cassetes e o relatório da inspecção feita em 1986 desapareceram dos arquivos da JAE. Interessa perguntar por que desapareceram. Talvez aqui também, Sr.as e Srs. Deputados, haja um mito que cai por terra, o qual foi insinuado de princípio, que é o de esta ponte ter caído porque se extinguiu a JAE e se criaram os institutos. Já detectámos que o problema ocorreu em 1986, plena época de grande pujança da Junta Autónoma das Estradas. Foi em 1986 que se cometeu o erro de não se fazer avaliação correcta, sendo que as cassetes contendo os vídeos também desapareceram estando na responsabilidade da extinta Junta Autónoma das Estradas.

A Sr.ª Rosa Maria Albernaz (PS): - Muito bem!

O Orador: - Outra conclusão que a Comissão pôde apurar e que interessa relevar perante a Câmara e esta Assembleia é muito simples. Esta Comissão Parlamentar de Inquérito não pôs em causa o relatório da comissão técnica de inquérito, nomeadamente quando aponta que as causas para a queda da ponte se prendem com três factores: a extracção de inertes, de areias; o efeito das barragens; e as cheias que ocorreram, já apelidadas como as cheias do século passado (oxalá não sejam ultrapassadas por outras cheias neste século e que isso seja sinónimo de que já não ocorrerão mais cheias como aquelas). Houve cinco cheias sucessivas no rio Douro, cheias que ocorreram também no País inteiro, e que seguramente tiveram, em meu entender, um efeito determinante.
Sem demagogias, seguramente que as areias tiveram uma influência importante para que a tragédia pudesse ter ocorrido, mas não podemos desmentir os estudos. Há um estudo batimétrico - aliás, há vários estudos batimétricos, mas vou citar aquele aprovado no relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito - que demonstra o seguinte (é importante que os Srs. Deputados tenham estes dados em conta): desde que a ponte foi construída, em 1800 e tal, portanto, há dois séculos,…

O Sr. David Justino (PSD): - Só há dois séculos?! Foi no final do século XIX! Os senhores não sabem fazer contas!

O Orador: - Se foi construída em 1800 é do século XIX! Já estamos no século XXI, portanto, foi construída há dois séculos!
Como eu estava a dizer, desde que a ponte foi construída até Fevereiro de 2000, o leito do rio desceu 15 m, sendo que de Janeiro de 1986, o ano da inspecção subaquática, até Dezembro o leito do rio desceu 4 m, ou seja, destes 15 m, o leito desceu 4 m de Janeiro a Dezembro de 1986.
De 1986 a Fevereiro de 2000, o leito do rio desceu sensivelmente 2 m. De Fevereiro de 2000 a Março de 2001, o leito do rio desceu 5 m, Sr.as e Srs. Deputados! Evidentemente, está aqui demonstrada a influência extraordinária das cheias na ocorrência desta tragédia.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Para nós, foi esta, de facto, a causa próxima mais determinante destes acontecimentos.
Também descobrimos na Comissão de Inquérito - e isto está nas conclusões do relatório - dois factos relevantes, que não podemos ignorar porque também corresponderia a um erro de análise de muitos cidadãos. O primeiro deles é que nunca foi norma, nem no tempo da JAE nem no tempo dos institutos - aliás, até nos foi dito que não deveria ser assim, mas permito-me discordar -, realizar inspecções subaquática aos pilares da ponte, isto é, nunca, em tempo algum, se fizeram neste país inspecções subaquáticas aos pilares da ponte.
Nas recomendações do relatório, aprovadas por unanimidade, aconselhamos, como resultado desta Comissão Parlamentar de Inquérito, que a partir da presente data as pontes consideradas problemáticas passem a ter inspecções periódicas subaquáticas aos seus pilares.
Outra conclusão que também constatámos, ou melhor, que quase descobrimos, nos trabalhos desta Comissão Parlamentar de Inquérito, porque era uma informação escondida, é que o pilar 4, aquele que ruiu, foi construído em leito de rio seco e agora estava debaixo de água. Daí que, segundo alguns técnicos, houvesse com certeza urgência em proceder-se ao enrocamento do pilar quando o mesmo passou a estar submerso.
São estas as conclusões que eu queria salientar, porque me parecem ser importantes para que todos possamos ter uma compreensão correcta e concreta da situação.

Protestos do Deputado do PSD Manuel Moreira.

Vejo o Sr. Deputado Manuel Moreira a protestar, mas ele votou estas conclusões e, portanto, seguramente não poderá pô-las em causa agora.

A Sr.ª Rosa Maria Albernaz (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, também me revejo nas recomendações aprovadas por unanimidade naquela Comissão. Das recomendações que fazemos, precisamente uma daquelas que considero mais importantes é a que aconselha a existência, a partir de agora, de um novo sistema de gestão e monitorização das pontes e dos níveis dos leitos dos rios junto aos pilares, para que acidentes destes se possam prevenir.

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Seguramente outra conclusão tão importante, ou talvez mais importante, é termos decidido, como recomendação, enviar este relatório à Procuradoria-Geral da República para que apure as responsabilidades de dois factos que também pudemos constatar nos trabalhos da Comissão: em primeiro lugar, para explicar o mistério do desaparecimento das cassetes da extinta Junta Autónoma das Estradas, porque se trata, de facto, de uma situação inexplicável; em segundo lugar, para investigar o desaparecimento de processos de contra-ordenação referentes à extracção de areias de algumas delegações da Direcção Regional do Ambiente do Norte, os quais desapareceram ou foram arquivados quando o não deveriam ter sido.
Portanto, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, esta Comissão Parlamentar de Inquérito está a prestar um bom serviço ao País.
Gostava ainda de dizer, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, que não foi nem preocupação nem postura dos Deputados do PS nesta Comissão de Inquérito andar à procura de bodes expiatórios a quem culpabilizar pela morte de 59 pessoas. Foi nossa preocupação, antes pelo contrário, respeitar a memória das pessoas que infelizmente desapareceram nesta tragédia. E respeitar a memória das pessoas que infelizmente desapareceram nesta tragédia era contribuir para o apuramento da verdade e dos factos mas, mais do que isso, contribuir, através das recomendações e daquilo que pudemos apurar, para que possamos ter uma melhor Administração Pública e, assim, darmos a nossa quota-parte para que acidentes destes não voltem a repetir-se, não possam ocorrer no nosso país.

Aplausos do PS.

O Sr. Miguel Macedo (PS): - São palmas de alívio!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Antes de dar a palavra aos Srs. Deputados que a solicitaram para pedir esclarecimentos, devo alertar a Câmara para a existência de uma avaria no sistema sonoro, a qual impede a audição dos oradores a partir das bancadas da terceira fila.
Não sendo possível reparar esta avaria de imediato, embora estejam a ser feitas diligências nesse sentido, sugiro aos Srs. Deputados que se encontram sentados onde não é possível ouvir que se desloquem para lugares vagos das outras filas. De momento, é esta a única medida que a Mesa pode tomar para que as condições de audição sejam melhores. Por outro lado, também ajudará se houver menos ruído ambiente na Sala, a fim que os oradores possam ser ouvidos.
O Sr. Deputado Manuel Moreira pediu a palavra para defesa da honra da bancada. Sr. Deputado, peço-lhe que pormenorize a ofensa.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Miguel Coelho dirigiu-se-me a propósito de um aparte parlamentar que proferi e que é perfeitamente regimental. Por isso, queria dar uma explicação à Câmara e defender a honra, na medida em que ele me invectivou na sua intervenção.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Com certeza, Sr. Deputado. Dar-lhe-ei a palavra na altura própria, pois a defesa da honra da bancada não tem prioridade. Como já havia inscrições, dar-lhe-ei a palavra depois dos oradores que têm pedidos de esclarecimento.
Seguindo a ordem de inscrição, dou a palavra ao Sr. Deputado António Nazaré Pereira, para pedir esclarecimentos, dispondo de 3 minutos.

O Sr. António Nazaré Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Coelho, sinto que, neste momento, o senhor já estará certamente envergonhado da figura que aqui fez.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

Vozes do PS: - Ora essa!

O Orador: - O Sr. Deputado certamente tem conhecimento que o inquérito parlamentar terá um momento de discussão nesta Câmara. Trata-se de um relatório que deve subir obrigatoriamente a Plenário, sendo que, como sabe, por proposta do PSD, o Sr. Presidente da Assembleia da República assumiu o compromisso de imediatamente após ter conhecimento do relatório, talvez ainda antes do debate do Orçamento do Estado, agendar essa discussão na Câmara.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!

O Orador: - O Sr. Deputado sabe que esse será o momento regimental próprio para um debate sério dos acontecimentos que enlutaram o País.
Portanto, sinto que o Sr. Deputado está já envergonhado, neste momento, por ter tentado aqui fazer uma leitura capciosa, uma leitura ao seu jeito, ao jeito do PS, ...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - … uma leitura partidária das conclusões de um relatório aprovado quase que por unanimidade na Comissão de Inquérito.
O Sr. Deputado quis aqui fazer o «branqueamento» da posição do Partido Socialista nos trabalhos dessa Comissão e, ao fim e ao cabo, o que acabou por fazer foi a justificação do constante ziguezague do Partido Socialista nos trabalhos dessa Comissão, onde chegou quase a criar condições para obstruir os trabalhos e para impedir que a Comissão…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Obrigou o líder parlamentar a intervir!…

O Orador: - … levasse até ao fim um relatório que é de todos os seus membros.
Sr. Deputado Miguel Coelho, porque sinto que estará certamente envergonhado, nem sequer lhe pergunto se aquilo que aqui disse foi a mandato ou por sua iniciativa, porque o Sr. Deputado certamente não poderá deixar de reconhecer que muitas das conclusões que quis aqui fazer passar como sendo da Comissão de Inquérito foram deturpadas, não correspondem sequer àquilo que foi votado.
Portanto, Sr. Deputado, o que aqui teve foi uma atitude que não corresponde àquela que teve na Comissão de Inquérito.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Miguel Coelho, responde já ou no fim?

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O Sr. Miguel Coelho (PS): - Respondo já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Então, tem a palavra, Sr. Deputado. Dispõe de 3 minutos.

O Sr. Miguel Coelho (PS): - Sr. Deputado António Nazaré Pereira, só pode ter vergonha quem fala mentira ou quem omite os factos.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - É verdade!

O Orador: - Portanto, não tenho vergonha nenhuma daquilo que disse, porque o senhor votou aquilo que eu disse da tribuna. E, só para confirmar esse facto, leio-lhe a primeira conclusão que salientei, tendo dito que eram todas importantes: «A Comissão Parlamentar de Inquérito pode concluir que todas as insistentes e continuadas chamadas de atenção realizadas, designadamente pela Câmara Municipal de Castelo de Paiva, quanto à segurança da ponte Hintze Ribeiro, estavam relacionadas apenas com questões de segurança da ponte em matéria de circulação rodoviária, nunca tendo sido colocada em causa a segurança estrutural da ponte.»
Eu votei a favor, o senhor votou a favor. Não percebo onde está a deturpação!
E, para não perder mais tempo, leio-lhe mais esta conclusão, que também eu votei a favor e o senhor votou a favor: «A Comissão conclui que se tivessem sido realizadas as obras preconizadas pela inspecção subaquática realizada em 1986, designadamente o enrocamento do pilar P4, seria menos provável ter ocorrido o colapso da ponte.»
Sr. Deputado, há muito mais conclusões que eu votei e que o senhor também votou. E ainda bem que o senhor votou!
Quanto às considerações deselegantes, nem sequer me sinto ofendido na honra, porque só ofende quem pode.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr. Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Miguel Coelho entendeu, usando um direito regimental que não nos cabe comentar, porque esse direito existe, trazer hoje a Plenário uma primeira abordagem ao inquérito parlamentar há dias terminado e eu, independentemente de termos a oportunidade de proximamente o discutir, gostaria de, desde já, sublinhar alguns aspectos.
Gostaria de destacar que o Sr. Deputado, no seu entusiasmo, exactamente aos 9 minutos e 15 segundos da sua intervenção, independentemente de ter dito que o trabalho - e é verdade! -, numa dada fase, naquela em que o Partido Socialista tomou consciência que não podia continuar a obstaculizar o acesso ao apuramento dos factos e inverteu a sua posição, foi alvo de esforço de trabalho conjunto, o que é verdade, pois esse esforço existiu por parte de quem participou nos trabalhos, referiu que as recomendações foram aprovadas por unanimidade.
Quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que tão incorrecto quanto mentir é amputar a verdade e, para ser rigoroso devia ter dito que este documento, quer nas conclusões quer nas recomendações, foi aprovado com a abstenção de Os Verdes.
Mas como o Sr. Deputado optou por trazer algumas das conclusões a discussão - e essas conclusões, para nós, são inequívocas, elas constam do documento -, gostaria, porque também tenho esse direito, de chamar a atenção da Câmara para outros factos apurados pela Comissão nos seus trabalhos. E essas constatações são particularmente relevantes quando todos temos na memória que, a seguir aos trágicos acontecimentos, houve quem, no Governo, em relação a áreas que tutela, tivesse dito não ter nada a ver com nada.
Quero eu dizer com isto, Sr. Deputado, que é bem verdade que a Comissão apurou que a extracção de areias - esse foi um dos factores principais - esteve na origem do que ocorreu, tal como apurou que a extracção de areias se faz automaticamente desde 1994, sem atender aos procedimentos legais e sem que tivessem havido mudanças quando um diferente governo ganhou as eleições. A Comissão, entre muitos outros aspectos, apurou também que o Instituto da Navegabilidade do Douro, extravasando as suas competências, fez da extracção de areias uma forma de autofinanciamento.
Portanto, permito-me concluir que…

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr.ª Deputada, esgotou os 3 minutos de que dispunha, queira terminar.

A Oradora: - … o facto de hoje ter trazido esta questão a debate se deve à questão relevante de não ter sido aceite a inclusão nas recomendações da constatação de que o Instituto de Navegabilidade do Douro extravasou os seus propósitos e de hoje, precisamente, o Parlamento discutir os institutos públicos.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Coelho. Dispõe também de 3 minutos.

O Sr. Miguel Coelho (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, devo dizer que, como não ouviu bem o início da minha intervenção, não tem sentido a sua chamada de atenção.
Não vale a pena estar a mentir e eu tive o cuidado de, logo no início da minha intervenção - e está registado com certeza, há-de lê-lo na Acta desta sessão -, dizer que este relatório foi aprovado com duas abstenções, não tendo havido nenhum voto contra. Portanto, não faz sentido dizer que eu omiti ou que falei em unanimidade.
Aliás, manda a justiça dizê-lo, não foram só Os Verdes que se abstiveram, também o Bloco de Esquerda o fez. Portanto, gostava de esclarecê-la, porque, sobre esta matéria, a Sr.ª Deputada ouviu mal.
Quanto ao resto, penso que, na sua intervenção, a Sr.ª Deputada não pôs questão alguma.
Não rejeito nenhuma das conclusões nem das recomendações que votei e penso que estamos todos de acordo quanto àquilo que está escrito e não quanto àquilo que cada um, incluindo a Sr.ª Deputada, possa julgar que está escrito.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

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O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr. Presidente, a despeito deste debate ou de o debate sobre as conclusões do relatório ser remetido para a altura própria, creio que a justificação profunda da intervenção do Sr. Deputado Coelho, hoje, aqui, é um pouco emendar a mão e aliviar consciências, procurando um pouco fazer esquecer que, a determinada altura das mais de 120 horas de trabalho que conduziram a este relatório, o PS tentou obstaculizar, de uma forma clara, os trabalhos desta Comissão de Inquérito.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Emendou a mão, modificou comportamentos? Ainda bem! Como dissemos na altura própria, neste Plenário: ainda bem, sejam bem-vindos!
Mas, Sr. Deputado Miguel Coelho, isto não o autoriza a valorizar umas conclusões e a desvalorizar outras! E só cito uma porque não tenho muito tempo: entre ineficiências e atrasos incomportáveis na realização de obras, a extracção de areias, Sr. Deputado, financiava câmaras municipais; financiava, e financia, assembleias municipais; financiava, e financia, organismos públicos e o Instituto de Navegabilidade do Douro.
Isto não pode acontecer, isto não podia ter acontecido e isto não pode voltar a acontecer!
As conclusões do relatório são claras, Sr. Presidente, e deviam fazer corar certos responsáveis políticos e governamentais. Mas, Sr. Deputado, eu faço-lhe um apelo e lanço-lhe um repto: está disposto a aliar-se a nós para que todas as recomendações, sem excepção, sejam «observadas à lupa» e para que esta Assembleia, «à lupa», observe o respectivo cumprimento?
Se me disser aqui que sim e o cumprir, damo-nos por satisfeitos.

Vozes do PCP e do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Coelho.

O Sr. Miguel Coelho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Honório Novo: Quando vem aqui insinuar que estou a tentar emendar a mão e aliviar consciências está a falhar, com certeza, o alvo.
Em primeiro lugar, eu, tal como o senhor, participei desde o início nesta Comissão e, salvo erro, só falhei uma reunião. Ora, como o senhor se calhar ou não falhou nenhuma ou falhou também uma, porque esteve fora, verá com certeza, por tudo o que eu disse, que o teor deste relatório está em consonância com todas as declarações políticas que fiz na Comissão de Inquérito, nomeadamente quanto a estarmos interessados em que as conclusões desta Comissão de Inquérito tivessem utilidade e servissem o País.
Aliás, dei n vezes a minha garantia de que não estávamos ali numa posição de barrage, a defender o que quer que fosse, como, aliás, pôde constatar, tendo ficado agradavelmente surpreendido pela proposta de relatório que o Sr. Deputado Dias Baptista apresentou.
Quanto às recomendações, evidentemente que subscrevo todas. Como calcula, a maior parte delas foi proposta pelo meu grupo parlamentar e, com certeza, eu sou o primeiro interessado em que as mesmas sejam cumpridas. Aliás, o nosso papel é fiscalizador.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, muito brevemente, porque o relatório será discutido na altura própria, apenas dois apontamentos.
Creio que a Comissão de Inquérito prestou um bom serviço ao País e que a intervenção do Sr. Deputado Miguel Coelho prestou um mau serviço ao País.

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Miguel Coelho, quero dizer-lhe, em primeiro lugar, que o líder da sua bancada não merecia a sua intervenção,…

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - … porque foi ele que levou os responsáveis políticos à Comissão, para prestarem os esclarecimentos que os senhores não queriam que prestassem;…

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Não foi nada!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - … em segundo lugar, o relator não merecia a sua intervenção, porque tentou ser objectivo, tentou ser sério e a sua intervenção foi uma manobra propagandista sobre a desgraça das pessoas;…

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - … em terceiro lugar, o Sr. Eng.º Cravinho não merecia a sua intervenção, porque lutou por um relatório sério e houve aqui gente séria que confiou no Partido Socialista e lhe deu essa resposta.
Portanto, aquilo que o senhor aqui veio fazer foi propaganda, foi prestara um mau serviço ao País. E, mais: felizmente os trabalhos da Comissão foram abertos à comunicação social e essa, seguramente, há-de saber o estilo que o senhor aí usava, a pedir apoio para o seu relatório e para os seus pontos de vista,…

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Exactamente!

O Orador: - … e o estilo que o senhor agora aqui tem, de propaganda perfeitamente inaceitável.
É lamentável a sua intervenção!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Coelho.

O Sr. Miguel Coelho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Basílio Horta: Com o devido respeito, lamentável foi a sua intervenção agora,…

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Não diga isso!

O Orador: - … à semelhança do que ocorreu antes do Verão, quando fez aqui um «número» político, insinuando que o Partido Socialista não queria ouvir mais ninguém e

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queria impedir que os responsáveis políticos aqui viessem. Isso, sim, é que foi lamentável, Sr. Deputado.
O que o Sr. Deputado não disse agora foi que este relatório é produto não só de uma base séria, proposta pelo Partido Socialista, mas também de contributos sérios que o seu partido e o Sr. Deputado deram para a sua conclusão final. O que o Sr. Deputado não fez agora foi pôr em causa nenhuma das conclusões que eu apresentei.
Portanto, Sr. Deputado, não faz sentido a sua intervenção e, desculpe-me, só posso pensar que quando não somos a primeira figura do palco político ficamos todos muito preocupados. Há dois meses atrás, o Sr. Deputado fez aqui um «número» e não percebi porquê, visto que tínhamos dito que, se assim quisessem, ouvíamos as pessoas.
Por outro lado, quero dizer ao Sr. Deputado Basílio Horta que jamais aceitámos a vinda dos ministros à Comissão por qualquer pressão da direcção do grupo parlamentar. Pode crer, Sr. Deputado!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Basílio Horta, pede a palavra para que efeito?

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Para defesa da honra pessoal, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Dar-lhe-ei a palavra depois de dar a palavra, para o mesmo efeito, ao Sr. Deputado Manuel Moreira.
Tem a palavra, para defesa da sua honra, o Sr. Deputado Manuel Moreira, para o que dispõe de 3 minutos.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, como há pouco referi, na qualidade de Deputado, fiz um aparte em relação à intervenção do Sr. Deputado Miguel Coelho e agora já quase que me dispensava de usar da palavra, dado que os meus colegas dos diferentes partidos tiveram a oportunidade de verberar aquilo que consideramos inaceitável, que é vir um Sr. Deputado da Comissão de Inquérito às consequências e causas que levaram ao desabamento da ponte Hintze Ribeiro, em Entre-os-Rios (que levou a que se perdessem quase 60 vidas humanas), fazer um aproveitamento político-partidário, fazer uma leitura subjectiva dos trabalhos da comissão, das suas conclusões e das suas recomendações, as quais o Partido Social Democrata, bem como todos os outros partidos da oposição, tentaram que fossem responsáveis e sérias, desde o primeiro momento. O partido Socialista, como já aqui foi bem sublinhado pelos meus colegas, não quis que isso acontecesse.
Espanta-nos que hoje venha, perante esta Assembleia, um Sr. Deputado do PS, quando sabe que há um momento próprio de acordo com o Regimento da Assembleia da República e com a lei dos inquéritos parlamentares, apresentar as conclusões e as recomendações sob forma de relatório. O Sr. Deputado sabe que é nesse momento que todos os partidos têm o direito de intervir, fazendo também os seus comentários e a sua leitura do relatório da Comissão, por isso V. Ex.ª veio, a destempo, fazer um aproveitamento político-partidário. Isso é grave! Isso é irresponsável! Isso atenta contra aquilo que defendemos, que é a dignificação das instituições democráticas, das comissões de inquérito, deste Plenário, perante o País!
O Sr. Deputado Miguel Coelho não devia ter feito aquilo que fez, porque não prestou, realmente, um serviço digno a esta Assembleia e às pessoas que perderam a vida numa situação de uma gravidade extrema. Por isso, não podíamos calar a nossa voz.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Coelho, para dar explicações, querendo fazê-lo.

O Sr. Miguel Coelho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Moreira, ao ouvi-lo, a si e a outros Srs. Deputados, quase que me parece que houve um grande desapontamento por parte dos Deputados da oposição pelo facto de o Partido Socialista ter apresentado a proposta de relatório que apresentou. O que os Srs. Deputados queriam, afinal, era que não houvesse relatório para poderem fazer combate político, chicana política.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Nós não queríamos?! Vocês é que não queriam!

O Orador: - E ficaram surpreendidos quando viram que o relatório era isento e que procurava encontrar o consenso entre todos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Manuel Moreira, quando estava na tribuna a citar uma conclusão da Comissão de Inquérito, nomeadamente a que se refere à segurança estrutural da ponte, ouvi o senhor dizer, em jeito de aparte parlamentar (que tem todo o direito de o fazer): «isso não é verdade!».

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Eu não disse isso!

O Orador: - Em jeito de contra-aparte parlamentar, disse-lhe que tanto é verdade que o senhor votou a favor. Portanto, não percebo onde é que está a sua honra ofendida.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - O Sr. Deputado ouviu mal. O que eu disse foi que foi a destempo!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Também para defesa da sua honra, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Coelho, não discuto palcos com ninguém e muito menos os disputaria consigo. Em relação a «números», o grande «número» foi feito hoje, mas foi um mau «número», mal encenado, de uma má peça.
Sr. Deputado, aquilo que eu disse, e repito, foi que, quando foi necessário que os responsáveis políticos directamente relacionados com a matéria em causa fossem prestar esclarecimentos à Comissão, os Srs. Deputados do Partido Socialista não quiseram,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!

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O Orador: - … e só depois de muito esforço é que esses ministros lá foram. E audiência de um deles, do Eng.º João Cravinho, foi importante, porque ele foi fazer uma declaração séria, que teve uma resposta séria de um dos partidos da oposição, mas o senhor nem o reconheceu com uma única palavra. Aliás, já era normal, ninguém o pediu, porque o nosso trabalho foi discreto, foi eficaz, para prestígio das instituições e não para prestígio de seja que quem for.
Finalmente, como último apontamento, acho graça o Sr. Deputado, hoje, ter ido à tribuna da maneira como foi, fazendo propaganda de conclusões que não são suas mas de todos aqueles que as votaram consciente e seriamente. É engraçado e interessante que, quando foi a comissão de inquérito à Fundação da Prevenção e Segurança, não tenhamos ouvido nem o senhor nem o seu partido dizerem o mesmo. Aí, souberam calar-se.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Claro!

O Orador: - Esse é que foi um grande «número», Sr. Deputado!

Aplausos do CDS-PP.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Coelho.

O Sr. Miguel Coelho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Basílio Horta, na minha curta vida parlamentar, só fiz parte de duas comissões de inquérito parlamentar,…

Vozes do CDS-PP: - E viu-se!

O Orador: - … na da TAP e nesta, e em ambas tenho uma particular satisfação de ter participado e contribuído para que os respectivos relatórios tenham sido aprovados.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Na próxima não faça o que fez hoje!

O Orador: - Em segundo lugar, V. Ex.ª não está aqui a dizer como as coisas se passaram na realidade. A certa altura dos trabalhos da nossa Comissão Parlamentar de Inquérito, quando concluímos uma ronda de audições aprovadas e quando era necessário aprovar outras, foi colocada a questão de irem prestar declarações três responsáveis políticos do Governo. Nessa altura, o Partido Socialista disse, na Comissão de Inquérito, que não concordava sem primeiro ouvir o Sr. Deputado Relator, que não concordava sem que primeiro fosse apresentado um relatório prévio, e que só daria anuência a novas audições depois de estudar um relatório prévio e saber, da voz do Sr. Deputado Relator, quais as necessidades que ele tinha em ouvir as pessoas.

Vozes do PS: - Exactamente!

O Orador: - Portanto, isto não é exactamente a mesma coisa…

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Não é verdade!

O Orador: - … daquilo que o Sr. Deputado Basílio Horta escolheu como palco para fazer o «número» que fez, ou seja, dizer que o Partido Socialista não queria cá ninguém, que é antidemocrático e que quer esconder a verdade.
Como sabe, isso não foi assim. Ouvimos as pessoas, depois do Sr. Deputado Relator ter feito uma proposta, e, como sabe, não foram só essas pessoas, mas muitas mais, que foram ouvidas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra, para tratamento de assunto de interesse político relevante, o Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa.

O Sr. Pedro da Vinha Costa (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Subo a esta tribuna num momento em que a confiança dos cidadãos, de todos nós, nas instituições que nos governam é especialmente importante e decisiva.
De facto, se é certo que, em qualquer momento, é fundamental que os órgãos de poder sejam credíveis aos olhos dos governados, é igualmente verdade que tal se torna ainda mais premente quando o Mundo atravessa uma situação como a actual, em que a insegurança e a descrença se podem instalar com facilidade.
Ora, é justamente quando os portugueses mais necessitam de acreditar nas suas instituições que nos confrontamos com uma situação que, acima de tudo, mina e afecta a qualidade da democracia em Portugal.
Falo, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, da gravíssima situação de Felgueiras.
O que se passa em Felgueiras não é um problema meramente local. É uma questão de inegável relevância nacional. Mais ainda: é uma situação que desacredita gravemente o poder local e questiona o próprio Estado de direito democrático. Todo o País, e, por maioria de razão, esta Câmara, já conhece o que se passa com a autarquia de Felgueiras.
Vou recordar, apenas, os factos fundamentais.
Em primeiro lugar, depois de um inquérito realizado, a Inspecção Geral da Administração do Território constatou a existência de graves ilegalidades e propôs ao Governo a perda de mandato da Presidente da Câmara.
O que fez o Governo? Durante meses a fio, ignorou, adiou, fez veto de gaveta, para tentar beneficiar a autarca do seu partido.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É uma vergonha!

O Orador: - Nos últimos dias, contrafeito e em função das pressões reiteradas e prementes de vários quadrantes, lá deu o dito por não dito e acabou a propor, ainda que tardiamente, a perda de mandato da Presidente.
O segundo grande facto é que a Presidente da Câmara de Felgueiras é acusada de ter criado um «saco azul», do qual se terá aproveitado não só pessoalmente mas também para financiamento ilegal de actividades do seu partido.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - É uma vergonha!

O Orador: - Esta matéria está a ser investigada há mais de dois anos pela Procuradoria-Geral da República sem que se conheçam quaisquer resultados de tal acção de investigação.

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0321 | I Série - Número 10 | 11 de Outubro de 2001

 

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Essa é outra vergonha!

O Orador: - Esta situação é inaceitável. Dois anos para investigar é tempo de mais. Assim, a justiça não se credibiliza. Mais: pelo «andar da carruagem», ainda fica a suspeita - ainda que injusta - de que a justiça funciona ao sabor de interesses ou calendários eleitorais.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Isto não é bom para ninguém.
O que me leva a dizer daqui ao Sr. Procurador-Geral da República o seguinte: para que cessem as duvidas, para que não se arrastem as suspeições, para que a justiça funcione, torna-se absolutamente indispensável que o Sr. Procurador-Geral da República, que é uma pessoa séria e competente, chame a si a responsabilidade deste assunto e dê orientações claras e rigorosas para a rápida finalização desta investigação.

Aplausos do PSD.

É o mínimo que a verdade, a legalidade e a justiça reclamam.
O terceiro grande facto é o funcionamento irregular da Câmara Municipal de Felgueiras.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Irregularíssimo!

O Orador: - Esta é uma situação inédita e única em Portugal. A situação de uma Câmara que, por ausência de quorum, não reúne há cerca de 8 meses, com uma Presidente que chama a si, reiterada e sistematicamente, competências que a lei comete, somente, ao órgão camarário no seu conjunto.
O Governo, até já reconheceu esta irregularidade; só que, uma vez mais, nada fez para regularizar tal situação, isto é, não desencadeou, como a lei lhe impõe, a dissolução da Câmara Municipal de Felgueiras.

Vozes do PSD: - É o costume!

O Orador: - Já apelámos ao Governo. Em vão! Já apelámos ao Sr. Presidente da República, a quem a Constituição comete a responsabilidade de ser o garante do funcionamento das instituições democráticas. Ainda sem resultados!
Por isso, daqui renovo o pedido ao Chefe de Estado, ele próprio, um ex-autarca e conhecedor das regras do poder local. Sr. Presidente da República, há uma Câmara, em Portugal, que não funciona, não reúne, não delibera. O Governo - a quem cabe agir - não age. Resta, então, a bem do poder local e por respeito às regras democráticas, que o Sr. Presidente da República chame o Governo à razão e o obrigue a decidir.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Tudo isto, Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, são factos. Factos públicos e notórios. Factos de uma gravidade política sem precedentes. Factos que envergonham: envergonham a Presidente da Câmara, que é um exemplo de ilegalidade; envergonham o Governo, que pactua com tamanha imoralidade; envergonham, ao cabo e ao resto, todos quantos à direita, à esquerda ou ao centro acreditam na democracia e não toleram o desrespeito das mais elementares regras democráticas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - No entanto, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, surgiu agora um facto novo. Esse, tão ou mais surpreendente que todos os outros.
Para espanto de todos, o Partido Socialista decidiu ontem reafirmar o apoio político à candidatura da Dra. Fátima Felgueiras.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Um escândalo!

O Orador: - Ou seja, no espaço de poucos dias, surge esta situação surreal: o Governo do PS acha que a Presidente da Câmara prevaricou gravemente e merece, por isso, ser sancionada com a perda de mandato; o PS, ao contrário do Governo, acha que a Presidente da Câmara tem agido muito bem e, por isso, justifica não a sanção, mas antes o prémio do apoio político e da recandidatura.

Vozes do PSD: - Um escândalo!

O Orador: - Isto já não é apenas grave. Tudo isto é uma verdadeira farsa.
Um partido com princípios, com valores e com ética - desde logo, com a ética republicana de que tanto se reclamam - só teria uma solução: tirar todas as consequências da decisão tomada pelo Governo, ser coerente e consequente com o julgamento que o Governo fez e, naturalmente, retirar o seu apoio político à recandidatura da Presidente da Câmara de Felgueiras.

Aplausos do PSD.

Ao fazer o contrário, o PS trocou princípios e valores por uma lógica ilusória de votos, cedeu à mais mesquinha pressão partidária, em vez de assumir a coragem da verdade e da lisura de procedimentos, colocou o mais ridículo desígnio «aparelhístico» acima de uma cultura nacional de transparência, de convicções éticas e de sentido de responsabilidade!
É assim que em democracia se perde a razão. É assim que num Estado de direito se mina a qualidade da democracia. É assim que os cidadãos se desacreditam da política, dos políticos e das instituições que os representam.
Resta, neste plano político e ético, a sanção da soberania popular: por um lado, a censura firme dos portugueses em geral perante a vergonha deste comportamento socialista; por outro lado, o julgamento dos felgueirenses, que estão fartos de serem maltratados, que estão cansados de serem notícia pelas piores razões e que, naturalmente, se acham com direito à dignidade, à verdade e ao bom nome, próprios de um povo honrado e de um concelho exemplar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa, inscreveram-se os Srs. Deputados Agostinho Gonçalves, Nuno Teixeira de Melo, Francisco Louçã e Honório Novo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Gonçalves.

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0322 | I Série - Número 10 | 11 de Outubro de 2001

 

O Sr. Agostinho Gonçalves (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa, o assunto já não é novo entre nós, teve evoluções recentes e é verdade que os casos, parte deles por si elencados, são matéria do conhecimento público.
O Sr. Secretário de Estado desencadeou, ele próprio, um inquérito ao licenciamento de um loteamento, em virtude do qual a Presidente da Câmara de Felgueiras está numa situação de perda de mandato, porque, segundo esse mesmo relatório, poderá ter havido benefício indirecto do seu ex-marido.
Quanto ao dito «saco azul»,…

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Não é um «saco azul», é um saco sem fundo!

O Orador: - … como é do conhecimento geral está a ser investigado, pelo que também aqui o próprio Governo está a actuar.
Outra questão, Sr. Deputado, é a que diz respeito ao funcionamento da Câmara Municipal. É evidente que há um Sr. Vereador, que, por coincidência, é da lista do Partido Socialista, que tem usado artifícios…

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - É melhor não explicar!…

O Orador: - … para não estar presente nas reuniões da Câmara, do que resulta uma situação anómala do funcionamento da mesma.
No entanto, quero dizer ao Sr. Deputado que, depois da audição ao Sr. Secretário de Estado que tivemos na Comissão de Poder Local, o processo evoluiu a tal ponto que o relatório já está no Tribunal Administrativo para eventual perda de mandato da autarca. Portanto, há que dar tempo às instituições para funcionarem, há que não cometer precipitações apertadas pelo calendário eleitoral.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É uma vergonha!

O Orador: - Está a terminar o prazo para a entrega das listas para as eleições autárquicas…

Protestos do PSD.

… e vai daí que há uma certa pressão, naturalmente do PSD, para que…

Vozes do PSD: - Do PSD?!

O Orador: - Sim, do PSD!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, deixem ouvir o Sr. Deputado.

O Orador: - Neste momento, a pressão é do PSD.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A pressão é do Governo e não do PSD!

O Orador: - Não, Sr. Deputado. Faço as coisas como devo fazer e não aceito esse tipo de apartes.
Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa, a verdade é que as instituições funcionam; a verdade é que temos de dar tempo para que as situações fiquem esclarecidas. Naturalmente que elas, com o tempo, irão ficar esclarecidas, porque ninguém está interessado em encobrir situações de ilegalidade, de irregularidade,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não basta dizê-lo, é preciso fazê-lo!

O Orador: - … caso contrário perdíamos, de certa forma, a face para outras situações que irão também aparecer.Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa, para o que dispõe de 3 minutos.

O Sr. Pedro da Vinha Costa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Agostinho Gonçalves, começo por agradecer-lhe o seu sacrifício ao ter tentado defender o indefensável. É que apesar das suas inúmeras qualidades, Sr. Deputado, a sua posição é, de facto, completamente insustentável.

O Sr. Agostinho Gonçalves (PS): - Ora, ora…

O Orador: - Repare que, de repente, a meio do seu pedido de esclarecimento, teve um lapsus linguae e tornou claro qual é a vossa preocupação em todo este processo. Foi quando o senhor disse que «estamos a chegar ao momento de apresentação das listas»,…

Vozes do PS: - Essa é a vossa preocupação!

O Orador: - … isto é, os senhores estão a chegar à meta que definiram desde o primeiro momento.
Desde que são conhecidas as irregularidades, desde que há as denúncias sobre o comportamento ilegal, irregular, incorrecto, imoral dos autarcas socialistas em Felgueiras e, nomeadamente, da Sr.ª Presidente da Câmara de Felgueiras, o Partido Socialista tem tido uma única preocupação: aguentar, calar, esconder até ao dia em que já seja tarde demais para se conhecer a verdade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. António Braga (PS): - Isso não é verdade!

O Orador: - Isto ficou bem claro, porque V. Ex.ª não deixou de trazer aqui essa preocupação, quando afirmou que «estamos a chegar à data de apresentação das listas». Ora, Sr. Deputado, isso é que é grave.
O que é grave é que os senhores troquem a ilusão de uns votos pelos princípios e pela ética que apregoam defender.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Na sua bancada, há, seguramente, pessoas que estão muito envergonhadas com o vosso comportamento.

Vozes do PS: - Olhe que não!

O Orador: - E, Sr. Deputado, nem sequer vou dizer-lhe que olhe para o seu lado direito porque, aí, porventura, poderá obter alguns dos esclarecimentos sobre o que diz não conhecer.

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Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, espero sinceramente que haja nessa bancada muita gente envergonhada com o vosso comportamento. É que se não estão envergonhados, então, ainda é mais grave.

Aplausos do PSD.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da honra da minha bancada.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, agradeço que caracterize a natureza da ofensa.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, é uma ofensa gravíssima. O meu grupo parlamentar e o meu partido são acusados de querer silenciar situações de irregularidades graves.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, apenas quero ler à Câmara a declaração da minha camarada, Presidente da Câmara Municipal de Felgueiras.
É a seguinte: «Face ao julgamento na praça pública em que abusiva e publicamente me têm envolvido, declaro que estou inocente sobre todas as acusações que me vêm dirigindo. Declaro ainda que renunciarei à candidatura ou ao cargo que estiver a ocupar se for pronunciada por crime, por juízo de direito, ou, ainda, declarada a perda de mandato pelo tribunal competente».
Sr. Presidente, isto justifica que, do ponto de vista do meu grupo parlamentar e do meu partido, nada temos a esconder. Bem pelo contrário, pretendemos que o Estado de direito funcione e que todas as instituições, neste caso, fundamentalmente, os tribunais, funcionem sem pressões de ninguém.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral). - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa.

O Sr. Pedro da Vinha Costa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Braga, se, há pouco, dirigindo-me ao seu camarada e meu querido amigo Agostinho Gonçalves, dizia «olhe para o seu lado direito», a si digo-lhe que olhe para o seu lado esquerdo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado António Braga, o senhor diz que se sentiu ofendido por eu ter afirmado que o Partido Socialista tinha tentado esconder e calar a verdade.
Sr. Deputado, que nome dá aos factos que vou apresentar-lhe?
O relatório da IGAT, em 12 de Março, propõe a perda de mandato para a presidente da câmara, por causa da questão do loteamento, e comunicação ao Ministério Público. A lei estabelece o prazo de 60 dias para ser tomada uma decisão; o Secretário de Estado demora 102 dias para tomar uma decisão. E decide o quê? Decide nada decidir: não só a presidente da câmara não perde o mandato como não é feita qualquer comunicação ao Ministério Público; o relatório é devolvido à IGAT para obter novos esclarecimentos…

Protestos do Deputado do PS António Braga.

Calma, Sr. Deputado, calma!
Em 15 de Setembro, o Sr. Secretário de Estado comunica à Procuradoria-Geral da República, o que se tinha recusado fazer a 22 de Junho, para, depois, na semana passada, fazer cumprir a outra parte do relatório da IGAT que era datado de 12 de Março!
Que nome dá o senhor a isto?
A Sr.ª Presidente da Câmara de Felgueiras diz que está inocente. Sr. Deputado, está a dizer-me que há uma nova fonte de prova no Direito português que é a da negação por parte do acusado?!

O Sr. António Braga (PS): - Leia a declaração!

O Orador: - Isto é, agora, para que cada um de nós deixe de ser acusado seja do que for, basta fazer uma declaração por escrito dirigida aos senhores na qual se diz «estou inocente»?! É assim que o senhor afere as coisas?
Sr. Deputado, pressione, insista em que o seu Governo e o seu partido se comportem de forma diferente, em que busquem incessantemente a verdade no caso de Felgueiras! Essa é a única forma de os senhores tentarem compor o que, ontem, deitaram por terra por completo: a ética e a responsabilidade.

Aplausos do PSD.

O Sr. José Barros Moura (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. José Barros Moura (PS): - Para defesa da minha honra pessoal, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Assim sendo, dar-lhe-ei a palavra no fim.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa, telegraficamente, vou deixar um desejo, uma expectativa e, finalmente, uma pergunta.
O desejo é o de que a Procuradoria-Geral da República seja capaz de, rapidamente, antes das eleições e como tal em tempo útil, proferir uma decisão quanto a este caso e que divulgue rapidamente o relatório que já está produzido sobre esta matéria.

O Sr. António Braga (PS): - Mas sem pressões!

O Orador: - O desafio é o de que PS seja capaz de definir-se rapidamente quanto a quem é o seu candidato definitivo para a autarquia de Felgueiras.
A expectativa, como é óbvio, é a de que, ao menos no plano político, a realidade da mudança em Felgueiras possa chamar-se Manuel Queiró, um homem sério que certamente poderá personificar a desejada mudança em Felgueiras.

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O Sr. António Braga (PS): - Sr. Deputado, isso é que é propaganda eleitoral!

O Orador: - Finalmente, a pergunta.
Hoje, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista aprovou um requerimento apresentado pelo Partido Popular no sentido da audição, em sede de 4.ª Comissão, da Sr.ª Presidente da Câmara, Fátima Felgueiras, e do ex-Presidente da Assembleia Municipal, Sr. Dr. Barros Moura.
Pergunto-lhe, Sr. Deputado, se considera que tal poderá indiciar, ao menos, o fim da «postura de gaveta» que, no que toca à investigação dos actos incómodos para o Partido Socialista, tem sido corrente nos últimos tempos, nesta Assembleia da República.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa.

O Sr. Pedro da Vinha Costa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, também vou responder-lhe telegraficamente.
Perguntou-me se penso que essa aprovação por parte do Partido Socialista representa uma inversão da respectiva posição de querer esconder a verdade em Felgueiras.
Quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que eu próprio até poderia ter esse entendimento não fora o comportamento de ontem do PS, a atitude inqualificável de manter o apoio à Sr.ª Presidente da Câmara de Felgueiras.
Portanto, como não posso esquecer que o dia de ontem existiu e que o comportamento do PS foi aquele que é conhecido de todos, o que sou obrigado a reconhecer, Sr. Deputado, é que, uma vez mais, o PS, com a atitude de hoje, está a tentar esconder a vergonha da atitude de ontem. Lamento, pois, Sr. Deputado, mas é tudo quanto posso responder-lhe sobre isso.
Há algo que queria acrescentar relacionado com a Procuradoria-Geral da República.
Sr. Deputado, no meio de tudo isto, há declarações, imputadas pelos diferentes órgãos de comunicação social a destacados dirigentes do Partido Socialista, que vão no sentido de que antes de o PS, em Julho passado, ter enviado alguns dos seus melhores a Felgueiras para apoiarem a Dr.ª Fátima Felgueiras, estes questionaram os membros do Governo responsáveis pela tutela das autarquias e da justiça quanto à viabilidade desse apoio, tendo-lhes sido respondido que, em termos de justiça, não haveria nenhuma resposta até à data das eleições e que, portanto, eles podiam deslocar-se lá descansados. Foi isto que, ontem, vinha profusamente publicado na comunicação social e, até hoje, ainda não vi ninguém negar a veracidade de tais afirmações.
Ora, como o comportamento do PS indicia que, de facto, foi isso que motivou tudo isto, então, Sr. Deputado, acredito seriamente que as coisas se tenham passado como é apontado na comunicação social.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado, a bancada do Partido Socialista, ao intervir neste debate, fez uma escolha estranha. O seu Vice-Presidente invocou a defesa da honra da bancada, o que, evidentemente, tem o direito de fazer. Mas, ao utilizar essa figura regimental, escolheu ler um texto da Sr.ª Presidente da Câmara Fátima Felgueiras.
A confusão entre a defesa da honra da bancada e a leitura da declaração política da Sr.ª Presidente da Câmara é, em minha opinião - e permita-me que lho diga -, um erro extraordinário. Não se pode confundir as duas coisas, a não ser por uma escolha política consistente.
É que, realmente, o que estamos a discutir aqui não é a resposta da Sr.ª Presidente da Câmara às acusações acerca das quais o tribunal terá de decidir, pois, naturalmente, vigora a presunção de inocência. Em qualquer caso, no sistema judicial português - honra nos seja feita! -, vigora a presunção de inocência.
Não estamos a discutir questões jurídicas mas, sim, uma outra questão, o que torna inoportuna a leitura que fez. Estamos a discutir uma escolha política.
Repare…

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Francisco Louçã, permita-me que lhe faça notar que o seu pedido de esclarecimento deve dirigir-se ao Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa, que foi o orador que iniciou este debate.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Como dizia, estamos a discutir uma questão política. Possa, portanto, a Procuradoria-Geral da República investigar tão rapidamente que nos esclareça e traga luz sobre este assunto.
A questão política que hoje discutimos, face à intervenção inicial e ao debate que se desenvolveu a partir de então, é a de saber se há ou não confiança política por parte do partido proponente em relação a esta candidatura. Sobre isso pronunciaram-se dirigentes do Partido Socialista hoje já aqui citados e que, em função dessa falta de confiança política, tomaram atitudes que os dignificaram. Outros, e, neste caso, o partido no seu conjunto, fizeram outra escolha.
Compreendam, pois, Srs. Deputados, que a discussão tem todo sentido no forum político que é a Assembleia da República. Não substituímos um tribunal, mas o debate político que aqui ocorre é no sentido de saber se a Assembleia da República deve ou não contribuir para a valorização das autarquias e do próximo acto eleitoral, em 16 de Dezembro, dando um sinal de confiança política que cada partido interpreta, fazendo-se disso penhor perante os seus eleitores.
É por isso que o Partido Socialista escolheu mal ao reafirmar uma confiança política que alguns dos seus dirigentes, e bem, escolheram desconfirmar perante a opinião pública.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa, tem a palavra para responder, embora, formalmente, não lhe tenha sido dirigida qualquer pergunta.

O Sr. Pedro da Vinha Costa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, agradeço-lhe porque permite-me dizer uma coisa a propósito da leitura da carta da Sr.ª Presidente da Câmara.
É que discordo da apreciação que V. Ex.ª faz. Não penso que tenha sido um erro. Foi sincero, e a sinceridade nunca é um erro. Ao menos neste momento, o Partido Socialista foi sincero.
Isto é, ao ter lido a carta da Dr.ª Fátima Felgueiras, no momento e para os efeitos em que o fez, o que o Partido

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Socialista quer dizer é que é mais importante aquela carta da Dr.ª Fátima Felgueiras do que a ética republicana…

Protestos do PS.

… que o Partido Socialista há tantos anos afirma defender.
O que o PS quis dizer-nos foi que é mais importante a assinatura da Dr.ª Fátima Felgueiras naquela carta do que a assinatura do Dr. Barros Moura na respectiva carta de demissão de Presidente da Assembleia Municipal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O que o Partido Socialista quis dizer-nos é que é mais importante a assinatura da Dr.ª Fátima Felgueiras naquela carta do que a assinatura do Secretário de Estado da Administração Local no despacho que enviou para as entidades competentes, no sentido da perda de mandato da Sr.ª Presidente da Câmara.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O que o PS quis dizer-nos, ao ter lido aquela carta da Dr.ª Fátima Felgueiras, é que a assinatura dela é mais importante do que a assinatura do Secretário de Estado da Administração Local num parecer enviado ao então presidente da assembleia municipal de Felgueiras em que diz que a câmara está a funcionar de forma irregular. Isto é que é importante para o PS!
Sabe porquê, Sr. Deputado? É porque, como já todos nós e o País percebemos, o PS está convencido - do meu ponto de vista, erradamente - que só com a Dr.ª Fátima Felgueiras consegue obter mais uns «votinhos» do que qualquer outro partido. E, pelos vistos, por uns «votinhos», o Partido Socialista«atira às malvas» os princípios, a ética, a fidelidade aos ideais democráticos e republicanos.
Ficamos a saber que é assim!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa, V. Ex.ª ficou muito surpreendido com a decisão de ontem do Partido Socialista, mas eu confesso-lhe que não fiquei nada surpreendido. É que a decisão de ontem do Partido Socialista insere-se numa lógica: a lógica que manda os serviços do Ministério da Agricultura anunciar um passeio do candidato a Évora na Praça do Giraldo; a lógica que manda responsáveis, dirigentes e ministros, do Partido Socialista ameaçar os eleitores da Câmara Municipal do Barreiro de que se não votarem, em Dezembro, no candidato do PS não haverá investimento público no Barreiro; a lógica que manda um ex-governador civil, em vésperas de ser exonerado, editar uma revista única, na qual ele aparece em 40 das 80 fotografias, ainda por cima ao lado de uma rosa;…

Risos do PSD e do CDS-PP.

… a lógica que, em 1995, mandava o Secretário-Geral do PS demitir o seu candidato em Albufeira, em nome da ética, e que ontem mandou, em nome do poder a qualquer preço, suportar um candidato sobre o qual impendem fundadas suspeitas de irregularidades e ilegalidades.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O que o PS acaba de fazer é «atirar às malvas» a ética; é agarrar-se ao poder pelo poder; é desrespeitar a população de Felgueiras; é desresponsabilizar colegas que aqui estão e autorizar outros dirigentes socialistas distritais que levam «nas palminhas» a sua protegida, não se sabe nem porquê nem para quê!
Paralisaram durante meses o processo na Inspecção-Geral da Administração do Território e agora - só agora! -, à última hora, remeteram para tribunal uma proposta que, certamente, não vai produzir efeitos. E só por isso é que o fazem… Aliás, ela não só não vai produzir efeitos como vai permitir, no fundo, à sua protegida, à Sr.ª Presidente da Câmara de Felgueiras, continuar impunemente no poder a todo o preço.
Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa, não lhe parece que esta lógica do PS é a de manter o poder pelo poder? Não lhe parece que a lógica da decisão de ontem do Partido Socialista é aquela que ofende a população, que ofende uma das maiores conquistas do Portugal democrático, o poder local instituído com a Revolução de Abril?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa.

O Sr. Pedro da Vinha Costa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Honório Novo, estou inteiramente de acordo consigo quando diz que este comportamento do PS desrespeita o poder local, desrespeita a democracia e desrespeita os mais elementares princípios de vida democrática de um País que se quer que seja um Estado de direito democrático. Portanto, sobre essa matéria, estou completamente de acordo consigo.
Permita-me, no entanto, que lhe diga o seguinte: diz V. Ex.ª que não estranhou, por contraponto à estranheza que eu manifestei, o comportamento do PS. É natural que V. Ex.ª não tenha estranhado, dado que os conhece melhor… Estão coligados em Lisboa e, provavelmente por isso, têm acesso a algum tipo de conhecimento adicional sobre o comportamento do PS que nós não temos, evidentemente. Daí a estranheza que manifestei.
Mas estranhamos, acima de tudo, por outro motivo, Sr. Deputado: é que, apesar de tudo quanto o PS tem feito - V. Ex.ª citou algumas coisas, outras ficaram por citar -, até ontem eu acreditava que o Partido Socialista continuaria com uma réstia de fidelidade à ética republicana. Só que ontem demonstrou que já não a tem.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - O Sr. Deputado António Braga pediu a palavra para que efeito?

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, lamentavelmente, o Grupo Parlamentar do PS continua a ser insultado com declarações…

Risos do CDS-PP.

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Srs. Deputados, não é situação para rir! E o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo é o primeiro a não poder fazê-lo, porque não foi sério quando há pouco falou…

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Nesse caso, tem a palavra para defesa da honra da bancada, Sr. Deputado.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, o debate nesta Câmara deve travar-se no plano da ética republicana. E vamos entender-nos: a ética republicana, Sr. Presidente e Srs. Deputados, antes de mais nada, é o cumprimento da Constituição da República e da lei. Não é uma ética particular, nem a do Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa nem a do PSD! É a da lei e a da Constituição da República.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A vossa é que não é, com certeza!

O Orador: - E, Sr. Deputado Francisco Louçã, li aqui a declaração da Sr.ª Presidente da Câmara de Felgueiras para que os Srs. Deputados percebessem que está imanente à posição do PS a defesa da ética da República. Vou ler a parte mais importante da declaração, para que o Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa perceba, de uma vez por todas, o que aqui foi dito: «(…) renunciarei à candidatura ou ao cargo que estiver a ocupar se for pronunciada (…).». Reparem que não se fala em «julgada» nem em «transitado em julgado» mas, sim, em «pronunciada»!
Srs. Deputados, não é apenas a presunção de inocência que está em causa nesta declaração mas a afirmação da ética republicana. Ou seja, se houver pronuncia sobre eventuais ilegalidades ou irregularidades que decorram das investigações - basta a «pronúncia», Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa -, esta minha camarada renuncia à candidatura ou ao cargo que estiver a ocupar. Se esta atitude não se enquadra na Constituição da República e nas leis, não sei onde se enquadra a ética republicana que defendemos, Srs. Deputados!

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - A questão não é essa!

O Orador: - Os Srs. Deputados introduziram aqui esta discussão de forma enviesada, nomeadamente o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, a quem «fugiu o pé para a chinela errada» - perdoe-me a expressão e sem ofensa. Ou seja, o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo «escorregou» e foi dizer aquilo que interessa ou convém, que é a eventual candidatura deste ou daquele partido. Nós não nos queremos imiscuir aí!

Vozes do CDS-PP: - Essa agora!

O Orador: - Sr. Presidente, estamos a falar apenas no domínio da salvaguarda do que aqui afirmámos: antes de mais nada, a ética é o cumprimento da lei e da Constituição da República.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - O Sr. Deputado Francisco Louçã pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, bem sei que estamos em tempo de culpa colectiva, mas não ouvi referir contra quem é que se referia esta defesa da honra. Pelos vistos, ela abrangeu todos menos o Partido Socialista!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Francisco Louçã, julgo que o Sr. Deputado António Braga dirigiu a sua intervenção ao orador que deu origem a este debate, o Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa, a quem dou a palavra, para dar explicações.

O Sr. Pedro da Vinha Costa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Braga, quer V. Ex.ª discutir a questão da ética republicana? Então, vamos discuti-la, Sr. Deputado!
Ética republicana é um secretário de Estado assinar um despacho, no dia 15 de Setembro, dizendo…

O Sr. António Braga (PS): - Por que é que não fala da declaração?

O Orador: - Sr. Deputado, o primeiro aspecto da ética republicana é ouvir os outros!
Como dizia, ética republicana é um secretário de Estado assinar um despacho, no dia 15 de Setembro, dizendo que a Câmara de Felgueiras está a funcionar de forma irregular e, a 22 de Setembro, mandar a IGAT investigar se há funcionamento irregular dessa câmara? Ética republicana é um secretário de Estado recusar-se a mandar para a Procuradoria-Geral da República as informações que a IGAT, em 12 de Março, lhe propõe que sejam enviadas para, mais tarde, em 15 de Setembro, as enviar? O Sr. Deputado sabe o que se chama a isto? Não é ética republicana, é ganhar tempo! A isto chama-se ganhar tempo!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Sabe quando é que essa carta seria importante para a ética republicana, Sr. Deputado? Se em vez de ter a data de hoje ou de ontem, ou seja lá de quando for, a carta tivesse a data de 12 de Março, pois ainda permitiria aos órgãos judiciais tomar uma posição em tempo útil.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Hoje, essa declaração só vem dar razão às notícias dos jornais de anteontem, que afirmam que os senhores apenas apresentaram a Dr.ª Fátima Felgueiras como candidata em Julho porque tiveram a garantia de que o poder judicial não iria decidir em tempo útil.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - O Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Para defesa da honra pessoal, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Dar-lhe-ei a palavra no fim, depois do Sr. Deputado José Barros Moura, a quem não pergunto quais os motivos por que se sente agravado porque tantas vezes foi referido o seu nome que, com certeza, quer dar uma explicação à Câmara.
Tem a palavra.

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O Sr. José Barros Moura (PS): - Sr. Presidente, o meu nome foi, de facto, referido, por vezes indirectamente. Houve até um orador que identificou a minha localização através das coordenadas, utilizando a expressão «o Deputado que está à sua direita» ou «o Deputado que está à sua esquerda». Portanto, senti-me na necessidade de dizer duas palavras em defesa estrita da minha honra pessoal.
É público, e a opinião pública avaliou esse gesto, que não sou já Presidente da Assembleia Municipal de Felgueiras.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - E bem!

O Orador: - Apresentei, em Assembleia Municipal, a minha demissão…

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - E muito bem!

O Orador: - …por razões que são públicas e constam do documento que oportunamente ditei para a acta. Não tenho objecção alguma a esclarecer os termos desse documento, na reunião da Comissão Parlamentar de Administração e Ordenamento do Território, Poder Local e Ambiente que, como já aqui foi anunciado, está convocada para esse efeito. Repito, não tenho objecção alguma em explicitar os termos desse documento, mas não mais do que isso, Sr.as e Srs. Deputados.
A minha participação na vida política de Felgueiras não terá acrescentado muito à minha biografia política. Mas a minha participação e retirada da vida política de Felgueiras não retirou nada, mesmo nada, à minha honorabilidade pessoal e política.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Acrescentou!

O Orador: - É por essa razão, Sr.as e Srs. Deputados, que sobre este assunto não proferirei mais nenhum comentário.

Aplausos do CDS-PP e do Deputado do PSD Guilherme Silva.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa, desculpe, mas não vou dar-lhe a palavra para dar explicações porque, efectivamente, o Sr. Deputado José Barros Moura não se dirigiu minimamente a V. Ex.ª.
Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, pergunto qual o motivo por que se sente agravado, para saber se devo ou não dar-lhe a palavra.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, pretendo usar da palavra em virtude da afirmação feita pelo Sr. Deputado António Braga de que não sou sério. Para mim é ofensa bastante.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra, Sr. Deputado, mas peço-lhe que seja breve.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Braga, entendeu V. Ex.ª que não fui sério quando pedi uma decisão célere e em tempo útil da Procuradoria-Geral da República, como tal antes das eleições?

O Sr. António Braga (PS): - O Sr. Deputado bem sabe que não foi por esse motivo!

O Orador: - Entendeu V. Ex.ª que não fui sério quando pedi aqui a divulgação do relatório produzido igualmente em tempo útil e, por isso, antes das eleições? Entendeu V. Ex.ª que não fui sério quando salientei a séria postura dos Deputados socialistas adoptada hoje na 4.ª Comissão da Assembleia da República? Entendeu V. Ex.ª que não fui sério quando desejei a vitória de um homem sério para Felgueiras, como é o Engenheiro Manuel Queiró?

O Sr. António Braga (PS): - Aí não foi!

O Orador: - Entendeu que tudo isso foi menos sério do que a leitura aqui feita por V. Ex.ª de um comunicado da candidata que V. Ex.ª pretende vitoriosa, Fátima Felgueiras?
Sr. Deputado, termino dizendo que considerar que o que eu disse não é sério seria o mesmo que considerar que o Sr. Deputado José Barros Moura não foi sério quando, em sede própria e no momento oportuno, entendeu por bem defender aquela que foi a postura da tutela, na defesa da legalidade no seu município. E, nessa matéria, nós estamos com o Dr. Barros Moura e não com V. Ex.ª.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado António Braga.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, é evidente que não utilizei a palavra «sério» relativamente à pessoa e à figura do parlamentar - que estimo - Nuno Teixeira de Melo. Com certeza que não! O que referi, que vou renovar de uma forma muito sintética, foi que o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo descaiu e, ainda agora, reincidiu.
Quando estávamos a discutir uma matéria em termos que considero importantes, nomeadamente por referência à ética republicana, que, creio, todos subscrevemos, o Sr. Deputado Nuno Melo veio aqui apelar ao voto no seu candidato. Foi isso que referi, Sr. Deputado. Não é sério dizer que o seu candidato é melhor do que os outros! Certamente que o seu candidato é um candidato honorável, é um candidato que tem propostas, ninguém discutiu o contrário. O senhor é que não resistiu a fazer isso, e isso, Sr. Deputado, perdoe-me que insista, não é sério na discussão.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, vou considerar este debate encerrado.
Lamento não poder dar a palavra ao Sr. Deputado Rosado Fernandes, mas o Regimento não mo permite. O período de antes da ordem do dia é improrrogável e, havendo declarações políticas, não pode durar mais do que uma hora e meia, o mesmo é dizer terminou às 16 horas e 40 minutos. Lamento muito. Deixarei o Sr. Deputado Rosado Fernandes com a palavra reservada para usar dela amanhã no período de antes da ordem do dia.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, se me permite, peço a palavra para interpelar a Mesa a fim de fazer uma sugestão.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

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O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, há um conjunto de moções que foram apresentadas na semana passada sobre duas matérias que reúnem um consenso amplo desta Câmara: uma, diz respeito à solidariedade para com os trabalhadores da Mortensen e da Mandata, que estão em grave risco de emprego, e outra, diz respeito à situação de Vale de Judeus. Creio que, nestas circunstâncias, é possível proceder rapidamente à discussão e votação destas moções, se o Sr. Presidente assim concordar e se houver entendimento de todas as bancadas.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, temos conhecimento de que em circunstâncias anteriores houve prolongamento do período de antes da ordem do dia. Nada temos a obstar a esse prolongamento. Agora, a intervenção que o Sr. Deputado Rosado Fernandes tem para fazer é para nós considerada da maior importância, é prioritária e consta da agenda política.
Por esse motivo, a serem discutidas outras matérias, queremos também, obviamente, que esta intervenção seja produzida.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, há aqui um problema regimental que julgo insuperável.
Os votos são também discutidos e votados no período de antes da ordem do dia e o certo é que eles não constam no período de antes da ordem do dia de hoje. Ora, o que diz o Regimento, taxativamente, é que o período de antes da ordem do dia é improrrogável.
Nesse sentido, não posso dar a palavra para a discussão dos votos. Vamos ter de os incluir na sessão de amanhã e, conforme já referi, nessa sessão, manterei reservada a palavra, com prioridade, para o Sr. Deputado Rosado Fernandes.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, a verdade é que esta questão dos votos já se pôs em anteriores sessões. Ora, podemos estar aqui perante uma situação em que, pela inscrição de diversos Srs. Deputados para intervenções, nunca tenhamos tempo para discutir os votos. Tem havido alguma tolerância em relação à discussão destes votos, aliás, na última sessão plenária eles foram adiados, mas receio que, se adiarmos hoje mais uma vez, entremos numa desactualização da sua matéria.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, a sua argumentação é razoável, mas para alterar a ordem de trabalhos é preciso haver um consenso dos grupos parlamentares.
Podemos também - e isso até já foi ventilado em lugar próprio - entender que os votos devem ser incluídos como matéria da ordem do dia e nessa altura não ficam precluidos pelo exercício do uso da palavra por estes Srs. Deputados. No entanto, nesta fase não tenho condições para o fazer. Era preciso que houvesse acordo de todas as bancadas para que considerássemos que haveríamos de prorrogar o período de antes da ordem do dia. Creio que não haverá consenso sobre essa matéria.

O Sr. Rosado Fernandes (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Rosado Fernandes (CDS-PP): - Sr. Presidente, gostaria simplesmente de dizer que desorganizei a minha vida toda submetida à desorganização da sua Mesa. É extremamente desagradável faltar a um compromisso que tinha, pensando que havia organização nessa Mesa. Sr. Presidente, desculpe dizer-lhe mas a verdade é que todos se excederam no tempo e agora ninguém é capaz de permitir que alguém que se tinha preparado para hoje fazer uma intervenção o faça. Isto é «trabalhar para o boneco», é «trabalhar para aquecer», mas é uma das qualidades deste Parlamento, a qual me custa admitir e da qual me envergonho!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Rosado Fernandes, permita-me que lhe diga o seguinte: as suas obrigações como Deputado eleito pelo povo têm absoluta prioridade sobre quaisquer outros compromissos que o Sr. Deputado porventura tenha…

Aplausos de Deputados do PS.

… e é sua obrigação estrita assistir às sessões, independentemente de usar ou não da palavra. Nessas condições, considero a sua reclamação absolutamente improcedente e até imprópria, permita-me que lhe diga.
Quanto à ordem da Mesa, foi estritamente respeitada porque havia Deputados inscritos com prioridade sobre V. Ex.ª e eu dei-lhes a palavra, bem como aos dois Deputados que pediram esclarecimentos, também de acordo com o Regimento. Não posso, portanto, aceitar de maneira alguma a sua reclamação! Tenha paciência!

Aplausos de Deputados do PS.

Tal como tinha dito, e não havendo consenso, é indispensável que passemos à ordem do dia, pelo que dou por terminado o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 50 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, vamos dar início à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 97/VIII - Autoriza o Governo a legislar em matéria de institutos públicos integrantes da Administração Pública.
Para apresentar a proposta de lei, e com a saudação amiga, tem a palavra o Sr. Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública.

O Sr. Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública (Alberto Martins): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Estado social moderno aspira a uma nova agilidade gestionária que lhe permita desempenhar com eficiência as suas funções reguladoras e prestacionais.

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Desde há décadas que as soluções prevalecentes sobre a missão do Estado conduziram a um crescimento do universo institucional e humano das Administrações Públicas chamadas a intervir em novos domínios e a aprofundar e diversificar as suas áreas de actuação.
Esse crescimento súbito, alicerçado num novo conceito de Estado, nem sempre foi acompanhado das indispensáveis alterações no tipo de cultura e nos sistemas de gestão do serviço público que cedo revelaram dificuldade em dar resposta a muitos dos novos desafios sociais, económicos e tecnológicos. Dir-se-á, inclusive, que essa dificuldade de adaptação acabou por se reflectir quer na satisfação do interesse público, na sua eficiência e celeridade, quer na própria imagem do Estado, vítima da teia de constrangimentos de ordem estrutural.
A internacionalização dos problemas, a globalização da economia, a crescente competitividade inter e intra-organizacional, a mobilidade do mercado de emprego e a evolução tecnológica contribuíram para o agudizar da situação e conduziram a uma alteração significativa das concepções tradicionais sobre a vocação do Estado e a forma de a levar a cabo.
As repercussões dessa viragem do Estado democrático moderno não podiam deixar de reflectir-se nas Administrações Públicas e na sua procura identitária de uma cultura de gestão e acção que as torne mais eficazes, ágeis e céleres e mais próximas do cidadão. Ora, essa transformação tem assumido formas as mais diversas em função do tipo de cultura dominante em cada país, que vão desde soluções de privatização à criação de figuras organizativas intermédias, como os institutos públicos, até a modificações do sistema de gestão e funcionamento do serviço público.
Nem sempre tem sido possível, porém, harmonizar adequadamente os modelos organizacionais e as medidas adoptadas. E, nesse particular, constitui exemplo de ausência de modelo a diversidade de soluções avulsas encontradas no nosso país no tocante à natureza dos institutos públicos, uns dotados de elevado grau de autonomia - sujeitos a regras de gestão empresarial, dirigidos por gestores públicos e cujo pessoal está sujeito ao regime do contrato individual de trabalho - e outros próximos do comum das direcções-gerais, em termos de funcionamento e de estatuto de pessoal, ainda que dotados de autonomia administrativa, financeira e patrimonial.
Este vazio legal é tanto mais significativo quanto em vários países da Europa existem já leis enquadradoras dos institutos públicos e também porque, especialmente a partir de 1985, se assistiu, em Portugal, a um crescente recurso a esta figura institucional. Até à ditadura militar de 1926 apenas existiam em Portugal como institutos públicos os hospitais civis de Lisboa e as universidades. A data de referência da sua criação são os anos 30 - em pleno Estado Novo. Mais recentemente, passámos de cerca de 60 institutos, antes do 25 de Abril, para os actuais 330, dos quais 177 são estabelecimentos públicos, 22 fundações públicas e 131 serviços personalizados. Ora, este crescimento está indissoluvelmente ligado ao alargamento do espaço de socialidade da intervenção do Estado democrático, designadamente nos domínios públicos da saúde e da educação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os institutos públicos são um imprescindível e fundamental instrumento de modernização da Administração Pública. Para tanto, importa estabelecer consistentemente o enquadramento necessário à garantia de que a criação dos institutos respeite um princípio de necessidade e de subsidiariedade em relação à administração directa do Estado. A renovação do serviço público exige a eficiência e adequação das soluções organizacionais que o realizam.
É o que se pretende com esta proposta de lei, elaborada com base no anteprojecto apresentado pelo Professor Vital Moreira, no âmbito de um grupo de trabalho por ele presidido e composto por representantes dos ministérios com maior número de institutos.
O grupo de trabalho procedeu ao levantamento rigoroso e exaustivo do universo dos institutos públicos existentes em 31 de Dezembro de 2000, tendo sido criada uma base de dados com toda a informação relevante para a sua caracterização. A importância deste levantamento e diagnóstico é tanto maior quanto se constatou que, em Portugal, nem sequer existia uma listagem completa dos institutos públicos.
Este levantamento é de inestimável valia para o conhecimento da nossa Administração Pública, não somente pelos dados que disponibiliza mas também pela possibilidade de facilmente poderem ser permanentemente actualizados. A base de dados criada pelo grupo de trabalho veio confirmar a necessidade indiscutível de uma lei-quadro que racionalize, em termos materiais e procedimentais, a criação de institutos públicos e que estabeleça o respectivo regime jurídico.
É o que o Governo pretende com esta proposta de lei, cujos objectivos são muito claros: definir o conceito de instituto público, abrangendo todas as pessoas colectivas públicas da Administração do Estado, nomeadamente serviços personalizados, estabelecimentos e fundações públicas; estabelecer os princípios gerais e as regras aplicáveis aos institutos públicos, à excepção das entidades públicas empresariais; fixar os requisitos materiais, procedimentais e formais da criação, reestruturação e extinção dos institutos públicos; definir a competência dos Ministros da tutela, nomeadamente em matéria de tutela inspectiva e substitutiva e de superintendência; definir o esquema de órgãos dos institutos, sua composição e competência, bem como as regras aplicáveis à nomeação e exoneração dos respectivos membros; estabelecer um regime comum e, quando se justifique, prever regimes especiais, designadamente em matéria de órgãos dirigentes máximos, do regime de pessoal e do regime financeiro; permitir regimes especiais para determinadas categorias de institutos públicos, tais como os estabelecimentos de ensino superior, de segurança social e do Serviço Nacional de Saúde e as instituições públicas de investigação científica e desenvolvimento tecnológico; fornecer as condições de um maior acompanhamento parlamentar e fiscalização pelo Tribunal de Contas; criar, junto do Ministério da Reforma do Estado e da Administração Pública, uma base de dados informatizada sobre os institutos públicos, que será permanentemente actualizada e disponibilizada através da Internet.
Srs. Deputados, temos a oportunidade, Parlamento e Governo, de, finalmente, dotarmos o Estado democrático de uma lei geral de enquadramento fundacional sobre a administração indirecta do Estado (administração que abrange, hoje, cerca de 200 000 funcionários). Esta lei foi sempre adiada, desde sempre tida como necessária e agora, finalmente, está em cima da mesa para o debate e deliberação parlamentares.
Os «dados estão lançados». Não se diga que há imprecisões do regime financeiro, pois o regime financeiro dos «fundos e serviços autónomos», para o qual explicitamente se remete, está especificamente tratado na Lei da Assembleia da República n.º 8/90, de 20 de Fevereiro. Importa aplicá-lo e realizar a sua execução.

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Não se diga que se «abre a porta» ao contrato individual de trabalho. A porta está, há muito, necessariamente aberta. O que neste diploma se faz é precisar as exigências constitucionais de transparência, rigor e igualdade.
Não se diga que as derrogações de especialidade na criação de institutos seriam sempre possíveis. Pelo contrário, afirma-se um regime comum, estrito, cujo cumprimento é sempre passível do controle legal e desde logo pelo recurso ao mecanismo constitucional da apreciação parlamentar.
Não se diga que se não reforçam as condições de transparência, visibilidade e independência gestionária no exercício dos institutos, quer pelo acréscimo da fiscalização inspectiva, judicial ou parlamentar, quer pela limitação do mandato dos membros do conselho de direcção ou pela sua possível exoneração tutelar a todo o tempo.
Não se diga, finalmente, num exercício linguístico fácil, que se quer mudar tudo para que tudo fique na mesma.
Assumimos com coragem a necessidade de mudança, o que nenhum governo fez antes de nós nesta matéria. É por isso que aqui estamos a legislar para o futuro e a assumir, simultaneamente, a responsabilidade e o compromisso de analisar os actuais institutos públicos existentes, designadamente os serviços personalizados, à luz dos novos requisitos legais, para efeito da sua eventual reestruturação, transformação, fusão, cisão ou extinção. O que será efectuado, no prazo de um ano, por uma comissão especializada que funcionará na dependência da Presidência do Conselho de Ministros.
Srs. Deputados, a renovação do serviço público passa necessariamente por uma melhor capacidade, adequação e flexibilidade dos modelos organizacionais e gestionários no quadro da socialidade do Estado moderno. É este um desafio inultrapassável que gostosamente assumimos e para o qual convocamos firmemente o espírito e a vontade reformistas desta Câmara.

Aplausos do PS.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente João Amaral.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Guilherme Silva, Telmo Correia, Isabel Castro e António Filipe.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, quando se esperava que o Governo apresentasse na Assembleia uma proposta de lei de enquadramento dos institutos públicos que desse resposta às preocupações que esta figura vem criando, no que respeita ao rigor e à transparência da actuação da Administração Pública, vemos acontecer exactamente o contrário. Até parece que já se esqueceu que, entre as 37 medidas propostas pelo Ministro Pina Moura, estava a extinção dos institutos públicos inúteis! Ou seja, o Governo reconheceu, então, que tinha usado e abusado desta figura e que era preciso proceder à extinção de institutos,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Bem lembrado!

O Orador: - … e agora vemos que esta proposta de lei continua a consagrar as vias para se manterem as perversidades que VV. Ex.as vêm utilizando nos institutos públicos, designadamente remetendo para decretos-leis algumas soluções, de forma a que o Governo possa, à sua vontade, fazer e desfazer o que muito bem entender nesta matéria.
Até as regiões de turismo, que são uma entidade que passa por uma forma eleitoral na escolha dos seus dirigentes, VV. Ex.as querem transformar em institutos públicos para ser o Governo a fazer nomeações, a colocar boys à frente dessas entidades!
Sr. Ministro, quero dizer-lhe que ainda há pouco tempo, em 13 de Setembro deste ano, o Conselho Directivo do Instituto de Solidariedade e Segurança Social nomeou, sem concurso público, nada mais nada menos do que 39 dirigentes para os serviços daquele Instituto, no Porto. Por mera casualidade, destes 39, 37 são militantes socialistas! É isto que VV. Ex.as querem continuar a poder fazer com a proposta de lei que aqui nos apresentam!
V. Ex.ª não contará com o voto favorável do PSD para manter esta falta de rigor e transparência, naquilo em que se pretende justamente o contrário, com a apresentação e aprovação de uma lei desta natureza e com esta importância na Assembleia da República.
Mas digo-lhe mais: esta matéria justificaria que o Governo apresentasse uma proposta de lei material e não uma proposta de simples autorização legislativa, e nós não pactuamos com formas que permitam, encapotadamente, deixar ao Governo rédea livre para consagrar as perversidades que hoje mantém e prossegue!

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Narana Coissoró.

O Sr. Presidente: - Dado que o Sr. Ministro pretende responder desde já, tem a palavra.

O Sr. Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, vou começar por responder à última das questões que colocou.
O Governo não precisava de legislar sobre esta matéria sob a forma de lei de autorização legislativa. Como V. Ex.ª sabe, a única matéria que se inclui na reserva de lei é a que tem a ver com o regime geral das fundações públicas. O Governo apresenta uma proposta de lei de autorização legislativa já com o decreto-lei autorizando, está disponível para discutir sobre este último e só o faz por esta via por uma questão de celeridade. Quanto ao resto, a proposta é de total clareza.
Podíamos legislar sobre esta matéria por decreto-lei, mas não o fizemos; fazêmo-lo por proposta de lei de autorização legislativa, juntamos o decreto-lei autorizando e estamos disponíveis para o discutir na especialidade.
O Sr. Deputado colocou uma outra questão de uma forma que não considero correcta. O Sr. Deputado é um jurista qualificado, que merece toda a minha consideração e respeito e sabe que a questão das regiões de turismo é doutrinalmente complexa. O Professor Vital Moreira, no seu trabalho, tem dúvidas sobre a inclusão das regiões de turismo e devo dizer que, doutrinalmente, também tenho dúvidas sobre esta matéria. Há dúvidas na doutrina sobre esta matéria.
O nosso objectivo não é o de tentar fugir ao debate desta questão. Pelo contrário, da minha parte há disponibilidade total para se definir se as regiões de turismo são institutos públicos ou associações públicas. A opção tomada foi no sentido de considerarmos que, doutrinalmente, esta poderia

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ser a posição dominante, mas não há qualquer reserva em adoptar uma solução doutrinal distinta.
Por isso, Sr. Deputado, não faça juízos de intenção sobre uma solução legal complexa, discutível do ponto de vista doutrinal e em relação à qual estamos completamente disponíveis, porque temos o mesmo tipo de dúvidas que V. Ex.ª.
Quanto aos concursos públicos, devo dizer-lhe que é absolutamente imprescindível termos uma Administração Pública moderna. Recusamos, em absoluto, a diabolização dos institutos públicos, pois eles são um instrumento fundamental de uma Administração moderna.
Devo dizer-lhe que foram criados, de 6 de Novembro de 1985 a 28 de Outubro de 1995, sob a direcção do seu governo, 166 institutos públicos, sendo 37 serviços personalizados, 124 estabelecimentos públicos criados ou recriados e 4 fundações; pelo Governo de que eu faço parte foi criado, até 2000, um total de 79 institutos públicos.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Ministro, já acabou o seu tempo, pelo que agradeço que termine.

O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente.
Concluindo, desses 79 institutos públicos, 47 são serviços personalizados e 16 são estabelecimentos criados ou reestruturados. Isto significa…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - E fundações?

O Orador: - Fundações públicas são 3.
Como dizia, isto significa que houve uma criação natural, por parte de vários governos, de institutos públicos, sendo que o governo do seu partido até criou mais!
Assim, aquilo que pretendemos, com esta proposta de lei, é uma lei-quadro sobre os institutos públicos que defina igualmente a possibilidade e as regras de designação dos gestores públicos. Os dirigentes dos institutos públicos, tal como os dirigentes da Administração Pública…

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Ministro, desculpe, mas já ultrapassou o seu tempo.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, pareceu-me particularmente curioso que V. Ex.ª, em resposta ao Sr. Deputado Guilherme Silva, invocasse um qualquer argumento de celeridade. Parece-me extraordinário, considerando que, há oito meses, dissemos aqui, na conclusão do relatório, que era urgente trabalhar em relação aos institutos públicos e que, há sete meses, tomámos a iniciativa de lhe apresentar uma lista de sugestões de matérias onde considerámos haver duplicações, triplicações, institutos a mais para que se trabalhasse. E agora, oito meses depois, V. Ex.ª chega aqui e diz que o seu argumento é a celeridade!
V. Ex.ª diz também, recorrendo à figura de Lampedusa, que não quer mudar para que tudo fique na mesma. Sr. Ministro, quero apenas dizer-lhe, rapidamente, que, em termos de Lampedusa, V. Ex.ª e o seu Governo não me fazem, de todo, lembrar O Leopardo, mas muito mais o presidente de câmara, aquele que só estava preocupado em dar uma capa legal às inúmeras irregularidades que entretanto tinha cometido! É assim que o Governo está a agir nesta matéria dos institutos públicos.
Passando às perguntas, gostaria de saber, Sr. Ministro, quantos e quais dos institutos, destes que nasceram por aí como cogumelos (fenómeno que começou com o PSD e continuou convosco, constituindo um verdadeiro milagre da multiplicação dos institutos públicos), não teriam sido criados com esta lei que V. Ex.ª agora propõe.
Em segundo lugar, pergunto quais serão extintos. Se V. Ex.ª tanto elogia o trabalho da Comissão, por que é que não passou do relatório quantitativo da Comissão para um relatório qualitativo, não concluiu rapidamente onde é que estão as duplicações e triplicações e não assumiu que era preciso fazer a mudança, a ruptura e extinguir os institutos que estão a mais?
Por outro lado, se V. Ex.ª elogia tanto essa mesma Comissão, por que é que não segue as suas recomendações? A Comissão apontava para algo muito claro: para que o regime básico, fundamental fosse o da função pública. Podemos admitir que exista, como já existe hoje, o regime do contrato de trabalho, mas o regime de referência, o regime-base deveria, de facto, ser o regime da função pública.
Neste momento, o que temos, e esta é uma consequência importante e desmoralizante para o País, é um regime de função pública que em nada é prestigiado e, ao lado, um regime de contrato individual de trabalho que é, normalmente, como já aqui foi dito, um regime de cartão partidário e de emprego político. Por que é que V. Ex.ª não seguiu, neste aspecto, as pistas que a Comissão lhe deu e por que é que não foi por esse caminho?
Para terminar, quero ainda perguntar se V. Ex.ª não considera que seria preciso, primeiro, delimitar claramente o que deve ser administração directa do Estado e o que deve ser administração indirecta para depois então proceder a qualquer mudança e a esta mesma reforma. Deixar tudo como está, pedir-nos um cheque em branco em matéria de institutos públicos não pode ser, Sr. Ministro! Não damos esta autorização, porque, se há aspecto em que não confiamos no Partido Socialista e no seu Governo é em matéria de criação e de extinção de institutos públicos!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro.

O Sr. Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Telmo Correia, já sabia que V. Ex.ª era pouco sensível à mudança e às invocações de O Leopardo de Lampedusa e sei que V. Ex.ª está hoje, em termos ideológicos e de referência, condicionado por aquela grande consigna e palavra de ordem «Eu fico!».

Risos do Deputado do CDS-PP Basílio Horta.

Como tal, sei que V. Ex.ª não muda, que V. Ex.ª fica, porque tem de ficar! Como tal, vai ficar com a moldura existente!

O Sr. Osvaldo Castro ( PS): - Tem de ficar, até porque já passou a data das coligações!

O Orador: - Quanto a esta questão, devo dizer-lhe que não seguimos o trabalho da Comissão e, em alguns casos, eu estava à espera que o Sr. Deputado me felicitasse por isso. Uma das propostas do PP foi no sentido de reduzir o tempo da Comissão, e eu fi-lo. A Comissão presidida pelo Professor Vital Moreira propunha dois anos e da nossa iniciativa

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legislativa consta um ano, precisamente porque queremos celeridade, e a celeridade que queremos foi aquela que nos levou a fazer as coisas com rigor e não apressadamente.
Queremos uma avaliação precisa de todos os institutos e, como disse, a lei ora proposta é de grande exigência, uma vez cumprida com rigor. Devo dizer-lhe que ela, por um lado, exige a criação dos institutos expressamente por decreto-lei e, por outro, exige autonomia financeira dos institutos em dois terços, salvo razões políticas ponderáveis, que a Câmara pode apreciar, tal o Tribunal de Contas ou o Presidente da República, na promulgação. Além disso, com esta proposta de lei, a criação de institutos exige um estudo sobre a suas necessidades e implicações e exige parecer dos Ministros das Finanças e da Reforma do Estado e da Administração Pública. Ora, nenhuma destas exigências existe, hoje.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Nada disso é vinculativo!

O Orador: - Assim, Sr. Deputado, devo dizer-lhe que o que compete à administração directa está constitucionalmente definido e o que compete à administração indirecta vai ser aferido, em termos da sua eficiência e eficácia, por esta Comissão.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - V. Ex.ª extingue direcções-gerais para transferir para institutos!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, na sua intervenção, referiu que os institutos públicos podem ser um instrumento mais eficaz, mais ágil e mais célere para responder a determinadas funções políticas, sociais e económicas que o Estado social deve assumir. Independentemente de eu não contestar esta questão, não vale a pena iludir o facto de, como bem sabe, esta ser uma das razões que pode justificar. Aliás, o estudo é muito aprofundado e muito interessante, no sentido da conclusão de que não terá sido, porventura, a eficácia, a maior agilidade e a maior celeridade que justificaram a esmagadora maioria dos institutos criados mas, sim, outras razões.
Apesar de terem proliferado institutos ao longo dos anos - e não vale a pena «pôr a cabeça na areia» e fingir que assim não é -, já em 1985 se fazia alusão a isso, e de esses institutos terem, em regra, sido criados com a ausência de justificação plausível, apesar de haver falta de consistência, instabilidade, inconsistência institucional nas opções feitas, observa-se uma tendência de permanência para situações, ou seja, o facto consumado por norma não tem retorno, são situações cristalizadas.
A minha pergunta é esta: admitindo que esta proposta, se for aplicada integralmente, seguramente com nuances que terão de ser encontradas, pode servir para tentar balizar, admitindo que esta proposta pode servir para o futuro, acredita verdadeiramente que vai servir para as fusões e para as extinções que, em nossa opinião, manifestamente, importa fazer, porque não vemos que seja fácil que essa transformação se faça?

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública.

O Sr. Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, estou de acordo com a ideia de que é preciso dar consequências práticas às propostas apresentadas, e é esse o nosso objectivo. Os institutos são instrumentos e organismos essenciais da modernização do Estado social moderno e a comissão que queremos criar, em termos da proposta apresentada, tem como objectivo aferir a adequação, a eficiência, a eficácia e a razão de ser dos institutos públicos. Tenho para mim como seguro que esta comissão irá levar necessariamente à extinção de institutos públicos.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, esta proposta de lei foi aqui apresentada aparentemente com propósitos meritórios, referindo uma situação de proliferação indiscriminada de institutos públicos, ao longo dos anos, sem justificação, da responsabilidade de vários governos, provocando uma situação absolutamente caótica em matéria de Administração Pública com os mais de 300 institutos públicos que V. Ex.ª referiu.
O diploma, assente num estudo útil, do ponto de vista da realização desse levantamento, põe em evidência uma situação que, em matéria de Administração Pública no nosso país, não é rigorosamente nada saudável por todas as situações injustificadas que criou e por todas as disparidades e distorções que gera, designadamente, em matéria de regime do pessoal. Há, portanto, um pressuposto real para a apresentação de uma iniciativa legislativa desta natureza, que é apresentada com a ideia de acabar com a discricionariedade e com esta proliferação de institutos públicos, enfim, como se costuma dizer, «meter ordem na casa» nesta matéria.
A questão que se coloca é a de que, analisando o conteúdo concreto da proposta de lei que é apresentada, verificamos que esse objectivo acaba por não ser cumprido, acaba por sair frustrado, na medida em que esta proposta de lei, bem vistas as coisas, acaba por ser como que um «passador». Isto é, na aplicação desta proposta de lei, ou seja, se ela fosse transformada em lei da República, conseguir-se-ia sempre arranjar mais uma justificação para se criar mais um instituto público, na medida em que não há uma densificação do texto por forma a determinar concretamente em que condições é que será possível e justificado criar um instituto público.
Quanto à forma que se adopta, que é a de que não se criará um instituto público naquelas funções que constitucionalmente estejam reservadas à administração directa, deve dizer-se que é evidente que há funções que estão reservadas à administração directa. Não nos passa pela cabeça que as forças de segurança ou as Forças Armadas não fizessem parte da administração directa. Mas, para além disto, é possível encontrar uma enorme latitude de funções às quais o Governo poderá dizer: «Bom, aqui justifica-se criar mais um instituto». E, então, neste caso, estaremos perante uma vasta ementa de possibilidades de criação de institutos públicos por parte do Governo. Portanto, não se pode dizer que com esta proposta de lei o problema esteja resolvido; quando muito, ele seria legitimado por outras formas.
Uma outra questão que gostaria de colocar ao Sr. Ministro tem que ver com o facto de serem incluídas, embora consideradas como excepcionais, realidades que muito discutivelmente se poderão integrar na categoria dos institutos

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públicos como sejam as regiões de turismo, as quais, aliás, na proposta do grupo de trabalho, são apresentadas como gozando de um regime especial com derrogação do regime comum, dada a sua natureza duvidosa do ponto de vista conceptual. Bom, a formulação que o Governo adopta não é exactamente essa. O Governo adopta uma formulação que diz que o regime comum definido no presente diploma pode ser derrogado. Digamos que há aqui uma margem de apreciação que permitiria considerar que realidades como as regiões de turismo, que devem estar completamente fora deste regime, dada a sua específica natureza, pudessem ser incluídas e, depois, excepcionalmente, seria encontrado um regime diferente. Penso que valia muito a pena clarificar este aspecto relativo a entidades desta natureza.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, querendo, tem a palavra o Sr. Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública.

O Sr. Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, começo por responder à segunda questão dizendo que ela é, de facto, uma questão controversa, que suscitou dúvidas no grupo de trabalho e que estamos disponíveis em absoluto para a clarificar, afastando quaisquer dúvidas que sobre esta matéria possam surgir, porque o nosso objectivo nesta matéria era, naturalmente, e é, de transparência plena.
Quanto à primeira crítica que o Sr. Deputado fez, depois de considerar que a proposta poderia ser meritória e que assenta num trabalho útil, creio que a proposta é consistente e, contrariamente ao que disse, não é um «passador» quanto à criação de institutos públicos. Pelo contrário, a proposta é extremamente rigorosa, é extremamente precisa, contendo a ideia de que os institutos são um instrumento moderno da Administração Pública, mas que há que racionalizá-los. E, nesse sentido, estamos disponíveis, uma vez que o Sr. Deputado falou na necessidade de densificação da proposta, para recolhermos as propostas de densificação que sobre esta matéria queira apresentar.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - O nosso objectivo é o de criarmos uma norma fundacional sobre os institutos públicos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: Esta proposta aparece na sequência de grande expectativa. Expectativa quanto ao sentido reformador da criação de um Ministério da Reforma, que o Sr. Ministro tutela. A promessa de um novo fôlego na transformação da Administração Pública é, naturalmente, de grande importância.
Mas a proposta aparece também na sequência de debates sobre fundações, sobre os tais 330 institutos públicos e sobre uma espécie de generalização destes princípios privatizadores que vão de fundações a institutos, do Governo a câmaras municipais, que se têm vindo a transformar cada vez mais recorrentemente num método privilegiado de administração ou de mandato de administração. Por isso, tinha sentido, e era de grande importância, que este projecto disciplinasse este campo, resolvesse equívocos, impedisse faltas de transparência e resolvesse este grande imbróglio que é a reforma da Administração Pública.
No entanto, não é isso que temos aqui. Disse-nos o Sr. Ministro, e cito-o, «que se pretende com esta proposta de lei, elaborada com base no anteprojecto apresentado pelo Professor Vital Moreira, no âmbito do grupo de trabalho», responder ao princípio da necessidade, etc.
No entanto, começa aqui um dos problemas desta proposta. É que, pelo menos, em duas matérias, se não noutras, ela afasta-se de uma forma sensível do projecto apresentado pelo Professor Vital Moreira, e nisso tem concentrado, e bem, uma grande parte do debate público havido até agora. Diz o Professor Vital Moreira que o princípio da autonomia financeira não se deve aplicar quando não haja receitas próprias em volume suficiente e quando o predomínio do financiamento dos institutos derive do Orçamento do Estado, por uma questão óbvia de determinação do próprio conceito de autonomia e de controlo sobre as contas públicas.
O segundo princípio, este também não vertido para esta proposta de lei, que o Professor Vital Moreira propõe é o seguinte: defende, também bem, na minha opinião, a integração de todos os serviços e fundos autónomos no Orçamento do Estado com os mesmos princípios orçamentais, e foi isso que esteve em discussão na Lei do Enquadramento Orçamental. A proliferação deste tipo de serviços e de institutos favorece a desorçamentação e a falta de clareza sobre estas matérias.
Portanto, substancialmente, esta proposta de autorização legislativa afasta-se do documento de referência, e mal.
Em segundo lugar, há uma questão de rigor orçamental. O regime próprio proposto para os institutos públicos - e este parece ser o argumento fundamental para que funções importantes do Estado e da Administração Pública sejam remetidas para esta forma de gestão - é diferente, aproxima-se do dos gestores públicos e não do dos dirigentes da Administração Pública, criando, portanto, um incentivo, nomeadamente em termos de condições materiais, que é uma contrapartida desta privatização parcial de funções de Estado também financiada pelo Orçamento do Estado.
Acresce a tudo isto que, nestes casos, não temos concursos públicos para o provimento de cargos, que é a situação que decorre destes institutos públicos.
Opomo-nos por uma razão a que vou voltar a fazer referência, porque me parece ser a mais importante, mas, em termos práticos, opomo-nos, porque esta é uma condução da gestão da Administração Pública que parece claramente contraditória com o princípio do rigor orçamental, com o princípio do controlo das despesas orçamentais, visto que se cria uma zona em que uma parte do financiamento orçamental é investido em institutos que ganham autonomia própria e que, muito acima dos níveis remuneratórios da função pública, vão poder garantir condições que não são aquelas que vigoram em geral na Administração.
Ainda por cima, no próprio texto é-nos dito, como uma vantagem, «que se abre um espaço de inovação quanto à política de emprego público introduzindo o contrato individual privado, de direito de privado…» - o que é contraditório com a opinião do Professor Vital Moreira - «… como uma das formas que tutelam a relação jurídica de emprego da Administração Pública a par do regime de nomeação e do contrato administrativo (…)».
Passa, então, a haver um duplo sistema, que hoje já vigora em alguns institutos. Por exemplo, no Instituto de

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Solidariedade e Segurança Social temos dois regimes simultâneos, ou seja, há salários diferentes para o mesmo trabalho; no Instituto Nacional da Propriedade Industrial temos dois regimes diferentes, temos, para trabalhadores que cumprem as mesmas funções, subsídios de refeições que são ponderados de uma forma diferente.
Ora, se é verdade que o problema do rigor orçamental, o problema da infidelidade a propostas fundadoras do «relatório Vital Moreira» e da introdução de duplo regime laboral são, em si próprios, três obstáculos fundamentais a esta proposta, existe um outro, de outra ordem de grandeza que importa discutir, que é a ideia fundamental da função do Estado que está incluída neste texto. Diz a Constituição da República que a administração directa é a forma de exercício do poder pela administração do Estado. O que aqui nos é proposto é o alargamento do âmbito territorial de poder da administração indirecta, conduzindo entidades empresariais públicas, elas próprias dotadas da possibilidade de criar entidades privadas.
E se, hoje, olharmos para o percurso reformador noutras Administrações Públicas, vemos que os exemplos já nos indicam por onde pode ir este caminho: auto-estradas privadas, recolha do lixo privado, cemitérios, prisões privatizadas e, depois, outras funções na sequência sistemática desta delegação de poder financiado pelo Orçamento do Estado mas no âmbito desta autonomia.
O que realmente estamos a discutir é a grande ideia do Partido Socialista sobre economia de mercado e sociedade de mercado e o que realmente aqui está em causa é a impossibilidade dessa distinção, porque o que se vê é que, quando se reforma o Estado com a ideia da economia de mercado, nenhuma outra consequência resulta que não a sociedade de mercado, porque não pode haver uma sociedade em que a economia seja um domínio separado e que seja improcedente em relação ao desenvolvimento social que opera em termos conjuntos. É por isso que o que hoje o Governo propõe é a filosofia da economia de mercado aplicada ao poder de Estado e, portanto, aplicada à sociedade no seu conjunto. E esta é a razão pela qual recusamos esta proposta.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Quando, há mais de um ano, o Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública anunciou o propósito de o Governo rever, em profundidade, a situação dos institutos públicos na Administração do Estado, a sua ideia foi vista com bons olhos e, naturalmente, suscitou expectativas positivas. Não que a existência de institutos públicos seja um mal em si mesmo. Haverá tarefas que são da responsabilidade do Estado, às quais a Administração Pública clássica, com o seu regime e a sua estrutura tradicional pesada, difícil ou insuficientemente dá uma resposta adequada. É o caso dos estabelecimentos prestadores de serviços aos cidadãos, como, por exemplo, na área da saúde, os hospitais, os centros de saúde e as maternidades, ou, ainda, na área da educação, as escolas, os institutos politécnicos e as universidades.
Mas esses são casos especiais, são excepções dentro da Administração Pública, e o mal tem sido precisamente a terrível tentação de fazer da excepção regra, estendendo a figura dos institutos a situações que de todo em todo a justificam fundamentadamente.
É preciso usar-se de grande frontalidade na abordagem deste assunto, se, verdadeiramente, queremos e estamos empenhados em inverter a situação a que se chegou.
Vamos, então, falar claro, Sr. Ministro!
O abuso na utilização da figura do instituto público assenta, entre nós, basicamente, em três pecados essenciais. Em primeiro lugar, a tentação de arranjar regimes remuneratórios mais elevados do que os do topo da Administração Pública, que são, como sabe, o de director-geral, para o pessoal dirigente - regimes mais elevados e que, por vezes, são, verdadeiramente, regimes principescos, atendendo ao tipo e à natureza de funções efectivamente desempenhadas.
Em segundo lugar, a tentação de ladear as regras apertadas de concurso e os salários nem sempre tão competitivos quanto isso praticados nos quadros de pessoal da Administração Pública, optando-se pela latitude discricionária, e quantas vezes arbitrária, de regimes privativos de contrato de trabalho.
Em terceiro lugar, a tentação, já hoje aqui também frisada, de fugir aos mecanismos de controle financeiro apertado das despesas públicas, conquistando uma autonomia e uma liberdade na realização de despesas muito para além do que são as regras normais na Administração do Estado.
Haverá outros pecados, em alguns casos pontuais até bastante preocupantes, mas estes são, normalmente, o denominador comum que, de uma ou outra forma, encontramos, ainda que de modo não confessado, na génese de muitos dos institutos públicos existentes.
Ora, como está bom de ver, nada disto foi corajosamente atacado pelo Governo, antes, pelo contrário, tudo isto continua a beneficiar de uma complacente aceitação pela parte do Governo, na proposta que nos apresentou.
Entendamo-nos, Sr. Ministro!
A eventual aprovação desta proposta, por si mesma, não implicaria a erradicação de nenhum dos pecados primordiais atrás referidos, nem tão-pouco evitaria que os mesmos continuassem a ser impunemente praticados, com total arbitrariedade por parte do Executivo. Se quiser, Sr. Ministro, dito de outra maneira, não há nenhum instituto, dos muitos que, reconhecidamente, foram criados, nos últimos anos, de forma não sustentada nem justificável, não há nenhum desses, repito, que, à luz da nova lei - fosse ela aprovada -, passasse a não mais ser possível criar de nenhum jeito. E, quando é assim, Sr. Ministro, estamos conversados quanto à coragem ou falta dela e ao ânimo reformista que o Governo exibe com esta proposta: dar a ideia de que se muda, para que tudo fique na mesma. É isso mesmo, Sr. Ministro! Não é que isso me espante muito - confesso! Não é de agora que nos habituámos a assistir à «reformofobia» dos governos do Sr. Eng.º António Guterres.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas, se foram os senhores, e o Sr. Ministro em especial, que tem particulares responsabilidades nisso, que quiseram erigir esta matéria como uma área a moralizar, dentro do Estado, era de se exigir outra coragem e outra determinação em querer mudar o que está mal. Bem pode o Sr. Ministro desdobrar-se agora em promessas e ladainhas…

O Sr. Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública: - Ladainhas, não!

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O Orador: - … de que quer combater este estado de coisas, de que a desordem e mesmo algum regabofe a que hoje assistimos vai ter um fim decidido e de que o Governo quer pôr tudo nos eixos. É que, mais uma vez, Sr. Ministro, o vosso discurso não tem a mínima sustentação na vossa prática.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A vossa proposta, quanto ao estatuto dos dirigentes dos institutos públicos - um dos pecados a que me referi há pouco, que todos sabemos estar na base de muitos dos abusos -, guarda um envergonhado silêncio. Silêncio que, numa lei-quadro, significa permissividade.
A vossa proposta, quanto ao regime do pessoal dos institutos, faz lembrar um bordel.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães): - Um bordel?!

O Orador: - Não há regras, valem todos os regimes conhecidos e mais aqueles que a imaginação fértil dos criadores dos institutos, em cada momento, se lembrar de inventar.
A vossa proposta, no que respeita às exigências de condições financeiras próprias que sustentem a autonomia das despesas, é uma envergonhada mão-cheia de nada, Sr. Ministro.
Não se definem mínimos autónomos de receitas próprias e fala-se em pareceres que, por não serem vinculativos, têm o valor piedoso de uma mera opinião.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Perguntar-se-á: então, para que é que serve esta proposta do Governo? Ela diz tudo e o seu contrário! Para cada tentativa de definição de uma regra, logo aponta, no artigo seguinte, a abertura de uma excepção!
Não havendo uma verdadeira política reformista, uma corajosa vontade de definir regras exigentes e de provocar uma moralizadora redução drástica das situações de abuso a que se chegou, para quê esta iniciativa do Governo?!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É uma pergunta legítima que esta Câmara tem de formular a si própria.
Pela minha parte, como não posso aceitar e não acredito, pessoalmente, que esta iniciativa seja apenas para mostrar serviço, numa área em que algumas coisas acertadas têm sido ditas pelo Sr. Ministro mas onde pouco ou nada tem sido feito, a única conclusão racional que tenho de tirar é a de que o Governo procura, com esta proposta, a mera habilitação legal, por parte da Assembleia da República, e a cobertura política para continuar os desmandos que tem seguido na multiplicação de um Estado paralelo, de que os institutos públicos são um exemplo incontornável.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Não é verdade! É exactamente ao contrário!

O Orador: - O que o Governo procura é co-responsabilizar a Assembleia da República numa política que tem sido a sua e que sente que começa a ser dificilmente sustentável mas que, politicamente, não quer abandonar.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Para quem tem dúvidas disto mesmo, tivemos, nos últimos dias - na passada semana, para ser mais exacto -, o exemplo mais gritante e a demonstração mais flagrante das reais intenções governamentais. No Ministério da Reforma do Estado e da Administração Pública, o Ministério presidido pelo Sr. Ministro aqui presente, o mesmo que é autor político da proposta de lei que estamos hoje aqui a discutir presumivelmente reveladora de uma vontade de mudar e de travar o caminho até aqui seguido - era assim que vinha anunciada -, foi criado o novo Instituto para a Inovação na Administração do Estado. Não discuto agora nem aqui a oportunidade dessa criação.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - É pena!

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É melhor!

O Orador: - Não vem ao caso! Discutamos, sim, porque é isso que estamos aqui a debater, qual o regime que o Governo deu a esse Instituto.
O Sr. Ministro corrigir-me-á se não estiver correcto aquilo que vou referir.
O regime dos membros do Conselho de Direcção desse Instituto é o de gestores públicos; o estatuto do pessoal dirigente é aprovado em regulamento interno, repito, interno do próprio Instituto;…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - E estão todos conformados!

O Orador: - … o regime dos funcionários é misto, ou seja, pode ser de contrato de trabalho e pode ser de vínculo à função pública, dependendo do freguês; o regime orçamental e financeiro, esse, é o dos fundos autónomos do Estado,…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Uma vergonha!

O Orador: - … pese embora o Instituto não assegurar qualquer exigência de receitas próprias, vivendo exclusivamente, ou quase, das transferências de dinheiros dos contribuintes, através do Orçamento do Estado. É caso para dizer: «Em casa de ferreiro, espeto de pau»!
Sr. Ministro, face a isto, como quer o senhor convencer-nos de que é outra a sua política para os institutos públicos, de que agora é que é?!
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Está claro, em face de tudo o que fica dito, que o PSD votará contra este pedido de autorização legislativa por parte do Governo.

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Ora bem!

O Orador: - Conhecendo da vossa prática e das vossas reais intenções, não é, sequer, imaginável que fosse outra a nossa posição.

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Claro!

O Orador: - Já percebendo isso mesmo, o Governo viu-se obrigado a recuar nos seus propósitos e fala agora na não votação deste texto mas, antes, na abertura de um trabalho conjunto, em comissão, para se encontrarem formulações de especialidade que possam aproximar as posições das várias bancadas.

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O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Lançou o barro à parede!…

O Orador: - Quero aqui afirmar, Sr. Ministro, o que o PSD pensa sobre esta matéria.
Em primeiro lugar, a hipótese de aprovação de uma lei-quadro sobre os institutos públicos não pode, nunca, servir de pretexto para adiar a adopção de uma nova conduta - contrária ao exemplo que citei, por parte do próprio Ministério que o Sr. Ministro dirige - nem para não iniciar de imediato o trabalho de redução drástica do número de institutos, reconduzindo à forma clássica de serviços do Estado e aos regimes que lhe são próprios todas as situações abusivas que foram criadas nos últimos anos. De resto, era esse um dos propósitos das medidas pomposamente anunciadas pelo Governo, no início do Verão, para a contenção da despesa.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - Em segundo lugar, só faz sentido, Sr. Ministro, pensar-se numa lei-quadro se for para aí consagrar, com rigor, e sem a sistemática abertura de excepções, um regime específico, obrigatório, para os dirigentes e os funcionários, acabando com a arbitrariedade à la carte que o Governo continua a professar.
Em terceiro lugar, colocar como pressuposto vinculativo para a criação ou a manutenção de qualquer instituto a existência de um nível mínimo de receitas próprias e a capacidade para as obter através da prestação de serviços que as gerem.
Se o Partido Socialista não quiser entender que só assim é que se pode falar em pôr ordem na desordem, que só assim é que há uma efectiva moralização no recurso à figura dos institutos, que só assim é que tem algum sentido aprovar-se uma lei-quadro nesta matéria, então, é porque, verdadeiramente, as nossas suspeitas são fundadas e aquilo que os senhores pretendem é tão-só um alibi político e uma cobertura legal da Assembleia da República para prosseguirem no caminho de implosão da Administração Pública clássica e de criação de um Estado paralelo, sem limites, que melhor satisfaça os interesses e as clientelas partidárias de quem está, em cada momento, no Governo.

O Sr. Osvaldo Castro ( PS): - Não é verdade! Você sabe bem que não é verdade!

O Orador: - E, para isso, Sr. Ministro, continuará a contar com a nossa firme denúncia e a nossa oposição.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira.

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, fiquei um pouco surpreendida com a sua intervenção,…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Pois claro!

A Oradora: - … até porque a maioria das críticas que apresenta a esta proposta de lei não deixa de corresponder a características de muitos institutos públicos criados na altura em que o PSD foi governo. E não se assuste com o que vou dizer, pelo seguinte: no tempo do governo do PSD, e bem, em meu entender, os hospitais foram considerados…

Protestos da Deputada do PSD Manuela Ferreira Leite.

Sr.ª Deputada, por favor, deixe-me acabar, porque isto é importante para meu próprio esclarecimento.
Como eu estava a dizer, no tempo do governo do PSD, os hospitais, por exemplo, foram considerados instituições especiais, tendo inclusivamente sido fixado, para os membros do conselho de administração, um estatuto de remuneração equivalente ao dos gestores públicos, o que, aliás, na altura, foi muito criticado, embora na prática não tenha correspondido a nada de extraordinariamente diferente relativamente aos ordenados dos directores-gerais, ao contrário do que se afirmava. E isto porquê? Porque na área da saúde se cumpriu escrupulosamente a legislação relativa à remuneração dos gestores públicos. Portanto, não houve qualquer desvio.

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Exacto!

A Oradora: - Considero, pois, que o problema, às vezes, não está nos institutos. E não estou a referir-me agora aos institutos públicos mas à maneira como se faz a aplicação da figura adoptada em termos remuneratórios.
Da mesma forma, relativamente às regras de atribuição de autonomia administrativa e financeira, os hospitais e centros de saúde, recebendo fundamentalmente apenas receitas do Orçamento do Estado - até porque a saúde é, em termos constitucionais, tendencialmente gratuita -, estariam sempre impedidos de beneficiar de um instrumento de gestão, indispensável para responder em tempo às solicitações com vista ao cumprimento da sua missão.
Por outro lado, devo dizer-lhe que a questão da convivência entre os contratos individuais de trabalho e o estatuto da função pública também não é nova. Pode ser difícil e complexa, mas não é nova. É algo que já acontecia anteriormente.
Além disso, parece-me que a questão que se coloca é esta: como vamos nós modernizar a Administração Pública, de que este diploma é uma peça, sem fazer a modernização da Administração Pública em si.
Gostaria, pois, de poder contar com a colaboração do Sr. Deputado quanto à análise deste aspecto numa perspectiva mais directa. Ou seja, não apenas em relação ao que está definido relativamente aos princípios gerais, que me parecem de enorme bondade, mas, fundamentalmente, em relação à maneira como eles estão aplicados. E, quanto a esta matéria, penso que o Ministro Alberto Martins é, para nós, garante de que as suas intenções são no sentido da moralização e que competirá a quem a aplicar - à Assembleia, efectivamente - a avaliação de como é feita a aplicação destes novos instrumentos ao serviço da Administração Pública, para que esta melhor possa cumprir a sua missão.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira, agradeço as suas

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perguntas, mas devo dizer-lhe que acho preocupante que se tenha surpreendido, até porque a Sr.ª Deputada já me tinha ouvido falar sobre estas matérias em sede de Comissão, aquando da audição do Sr. Ministro, realizada na semana passada.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - E a proposta não foi mudada desde então!

O Orador: - De qualquer forma, quero dizer-lhe, com muita clareza, o seguinte: há uma confusão que a Sr.ª Deputada não pode fazer e eu, na intervenção que fiz, deixei essa separação bem clara. Ou seja, na intervenção que fiz, considerei a área da saúde, exemplo que a Sr.ª Deputada deu, e a área da educação, como são as universidades, os institutos politécnicos e as escolas, como áreas específicas da Administração - áreas que, como a Sr.ª Deputada bem sabe, mesmo ao nível da função pública, beneficiam do estatuto de corpos especiais - onde a categoria de estabelecimentos prestadores de serviços ao cidadão justifica a existência de um regime autónomo. E ele aí está!
E quando os senhores, de forma demagógica, muitas vezes, vêm dizer que os governos do PSD criaram mais institutos, digam a verdade! Como diz o Professor Vital Moreira, criaram mais institutos, porque criaram todos esses institutos que a Sr.ª Deputada, que foi ministra da Saúde, sabe que tinham de ser criados, com um estatuto autónomo, próprio, que eu não questiono.
O que está hoje em causa, Sr.ª Deputada - e a senhora sabe-o bem - , é a categoria de institutos que o estudo do Professor Vital Moreira cataloga como serviços personalizados do Estado. E nessa categoria nós «levamos uma tareia» dos senhores em termos de criação de institutos. Está bem de ver! Mas, independentemente disto, Sr.ª Deputada, eu assumo os erros que foram feitos no passado. Basta olhar para a situação presente. Só quem ponha uma venda à frente dos olhos é que não percebe que a situação actual é injustificável!
Mas deixe-me dizer-lhe o seguinte: a profissão de fé que fez, no final do seu pedido de esclarecimento, em relação ao Dr. Alberto Martins… O Dr. Alberto Martins, como pessoa, merece da minha parte a mesma profissão de fé que mereceu da sua parte. Como ministro…

Protestos da Deputada do PS Maria de Belém Roseira.

Ó Sr.ª Deputada, eu acabei de citar o que foi feito na semana passada pelo ministério do Sr. Ministro! Se a Sr.ª Deputada concorda com isso… Olhe que não se trata de um hospital! Olhe que não se trata de um serviço prestador de serviços aos cidadãos! Não é uma escola, uma universidade ou uma maternidade! É um instituto do Ministério da Reforma do Estado e da Administração Pública. Portanto, não me merece qualquer profissão de fé um governo que tem políticas destas e que actua nestes termos.
Quanto à questão do contrato individual de trabalho, direi que não sou contra ele. O que sou é contra um regime como o que consta desta proposta de lei do Governo, que permite contratos individuais de trabalho com regime privativo - e a Sr.ª Deputada sabe o que isto quer dizer, ou seja, são contratos com regras autónomas relativamente aos princípios gerais do contrato de trabalho -, que permite que existam em paralelo funcionários públicos e pessoas com contrato individual de trabalho com regimes privativos.

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): - Mas isso já existe!

O Orador: - Pois existe, Sr.ª Deputada! Mas, então, entendamo-nos: se a lei-quadro é para legalizar tudo o que de mal existe, não contem connosco, façam-na sozinhos; se é para moralizar a situação, então, tenhamos a coragem de dizer que isto está mal, como o Sr. Ministro já disse muitas vezes no seu discurso, assumamo-lo na prática e tentemos encontrar um regime obrigatório para pôr as coisas nos eixos!

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente, Almeida Santos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, começo pela última questão que colocou, referindo que a criação do Instituto para a Inovação na Administração do Estado levada a cabo no âmbito do meu Ministério foi, efectivamente, para reforçar e moralizar a eficácia e a eficiência da Administração Pública.
Em relação a este aspecto, devo dizer que não gasto um centil a mais do que aquilo que se gastava neste âmbito, dado que extingui o Instituto de Gestão da Base de Dados dos Recursos Humanos da Administração Pública, o Secretariado para a Modernização Administrativa, quatro departamentos da Direcção-Geral da Administração Pública e, com a concordância do Sr. Ministro das Finanças, duas direcções de serviços do Instituto Informático. Não há um só novo funcionário público no Instituto para a Inovação na Administração do Estado.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - É para isso que o senhor lá está!

O Orador: - A razão da criação deste Instituto é a de se conseguir maior eficiência e eficácia.
Devo, aliás, dizer-lhe que a situação dos dirigentes equiparados ao gestor público nos institutos públicos existe em 35 institutos. É uma questão preocupante! Temos de resolver em lei específica qual é a natureza, estatuto e dimensão remuneratória dos gestores públicos, das empresas públicas, dos dirigentes da administração central e dos dirigentes dos institutos públicos. É absolutamente imprescindível que este tertium genus seja resolvido em lei específica.
Nas referências que fez, o Sr. Deputado Marques Guedes começou com uma «ladainha» e terminou num «bordel». Devo dizer-lhe que não o acompanho nesse caminho. Vou deixá-lo com a sua «ladainha» e com o seu «bordel».
A questão que quero colocar-lhe é a seguinte: nós queremos moralizar, queremos racionalizar. Quais são as suas propostas? Apresente-as!

Vozes do PS: - Muito bem!

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Não podemos! Vocês já pediram pareceres a todo mundo!

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O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, vamos por partes.
Quando citei o caso do Instituto para a Inovação na Administração do Estado, comecei por dizer que não questionava a sua oportunidade. Eu sei que razões há sempre muitas, Sr. Ministro. Todas aquelas que quisermos inventar! Há sempre múltiplas razões! O que o Sr. Ministro aqui veio fazer, de forma defensiva, foi explicar que criou esse instituto extinguindo outros. Porém, a verdade é que o Sr. Ministro não desmentiu uma vírgula do que eu disse. E eu lancei-lhe um repto: pedi-lhe, na minha intervenção, para me corrigir se não fosse assim. E o Sr. Ministro não me corrigiu!
Quanto à questão do estatuto dos gestores públicos, o problema não é o da sua existência ou não, porque todos sabemos que ele existe. O problema é que é preciso encontrar razões que justifiquem a existência desse tipo de estatuto para órgãos da Administração Pública que não sejam prestadores de serviços. Esse é que é o problema!
A questão que coloco é a de saber como é que o Sr. Ministro justifica que o Instituto para a Inovação na Administração do Estado, criado no âmbito do Ministério da Reforma do Estado e da Administração Pública, tenha este tipo de estatutos para o seu conselho directivo. Como? Por que carga de água? A que título? Onde é que estão as receitas? Onde é que está a tecnicidade específica para isso? São estas as justificações que fazem falta! E, sobre isto, o Sr. Ministro nada disse!
Uma última questão: o PS tem sempre a atitude recorrente de vir dizer que as oposições criticam mas não apresentam contrapropostas. O Sr. Ministro, que foi um ilustre Deputado na oposição, sabe bem que o papel da oposição, em democracia, é esse e que esse papel é tão nobre como o papel que os senhores, quando estão aí sentados, executam. Portanto, não lhe fica bem pôr em causa o facto de as oposições apresentarem críticas fortes à forma como o Governo se conduz, quando vem ao Parlamento. Esse é o nosso papel!
De qualquer maneira, devo dizer-lhe, Sr. Ministro, que toda a parte final da minha intervenção (e não precisava de o ter feito) serviu para deixar claro ao Sr. Ministro quais são as regras que, do ponto de vista do PSD, são as únicas para base de discussão sobre o problema dos institutos públicos. Se o Sr. Ministro não as ouviu, terei muito gosto em facultar-lhe uma cópia do meu discurso. Não vou é repeti-lo!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Como referi há pouco, a proposta de lei hoje em discussão é apresentada na sequência de um estudo, que tem os seus méritos, e é apresentada, alegadamente, como um progresso em matéria de disciplina da Administração Pública.
Creio que vale a pena dizer, embora isso já não conste da proposta de lei, que no trabalho que foi apresentado na sequência da comissão nomeada pelo Governo se refere que, relativamente aos actuais institutos públicos, existe uma geral ausência de justificação para a criação de cada instituto público e a falta de consistência na adopção dessa figura, dando lugar a soluções institucionais diferentes perante situações aparentemente idênticas, dependendo isso de factores em grande medida conjunturais e aleatórios.
O mesmo documento refere também a notável instabilidade de soluções relativamente aos institutos públicos, considera que é indispensável refrear a sua proliferação e banalização, que considera que foi uma característica da criação de institutos públicos nos últimos anos, e que seria necessário estabelecer um quadro de referência quanto ao regime jurídico que limite a deriva para a singularidade de regimes sem justificação razoável. Creio que este diagnóstico é muito útil.
Acrescentaria, ainda, que, segundo este mesmo grupo de trabalho, deveriam ser objectivos de uma lei-quadro: estabelecer um padrão típico quanto ao regime jurídico da generalidade dos institutos; reduzir a multiplicidade e heterogeneidade dos regimes vigentes; tornar mais exigentes os requisitos de criação de novos institutos públicos; limitar a criação de institutos com regime jurídico atípico; articular mais coerentemente o conceito jurídico-administrativo de instituto público ou o conceito jurídico-financeiro de organismo autónomo e, entre outros aspectos, impor um reexame de todo o universo dos institutos públicos existentes.
Deste modo, uma vez que, creio, é consensual esta necessidade, a questão que se deve colocar é a de saber se esta proposta de lei corresponde a essa necessidade. E aí, do nosso ponto de vista, devemos dizer que não corresponde. Para além de se afastar em aspectos decisivos do próprio regime proposto por esse grupo de trabalho, entendemos que não corresponde minimamente aos objectivos que são aqui invocados.
Assim, por via desta proposta de lei, caso a mesma fosse aprovada, continuaria a legitimar-se um dos objectivos que tem presidido no fundamental à criação de institutos públicos, que é promover a fuga para o direito privado, fugir ao direito administrativo, fugir à aplicação das regras de gestão pública que o Estado definiu para si próprio, mas em relação às quais sucessivos governos têm sempre encontrado maneira de fugir, através dos mais diversos subterfúgios.
Em face do exposto, gostaria de colocar três questões que, a nosso ver, representam discordâncias fundamentais relativamente a este diploma.
Uma questão fundamental é, desde logo, a do estatuto do pessoal que consta desta proposta de lei. Lembro que, na proposta apresentada pelo grupo de trabalho, se refere expressamente, em anotação ao problema do regime do pessoal, que «fazendo parte da Administração Pública a título pleno, os institutos públicos de regime comum devem, em princípio, ter pessoal submetido ao regime da função pública, que é o regime comum da relação de emprego público». E diz depois que «poderia encarar-se a possibilidade de reformar este regime, o que implicaria para os proponentes uma alteração constitucional, visto que o regime da função pública constitui uma espécie de garantia institucional (Constituição da República, artigo 269.º), implicando salvaguarda constitucional dos seus traços essenciais, mas, com o actual quadro constitucional, não pode considerar-se admissível uma generalizada fuga do regime da função pública, nomeadamente por via da sistemática criação de institutos públicos com regime de direito laboral comum». Daí que, para os proponentes, deveria ser excepcional qualquer recurso ao regime de

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contrato individual de trabalho e, ainda assim, isso deveria ser feito com garantias relativamente à forma de admissão de pessoal, não devendo dispensar uma forma, embora um tanto mitigada, de concurso público.
Ora bem, aquilo que o Governo aqui propõe não é isso, não é qualquer regra de excepcionalidade para o recurso ao contrato individual de trabalho, o que o Governo aqui propõe, mesmo que esta proposta de lei seja discutível relativamente à possibilidade que abre de recurso a excepções para contornar o regime geral, é, pura e simplesmente, um regime de opção governamental em cada caso concreto entre recorrer ao regime da função pública ou ao regime do contrato individual de trabalho. É isto que expressamente consta do artigo 30.º desta proposta de lei, no qual o Governo até prevê a co-existência dos dois regimes no mesmo instituto, correspondendo a cada um dos regimes um quadro de pessoal próprio.
Portanto, isto para nós é absolutamente inaceitável, porque cria disparidades óbvias dentro de cada instituto; permite que, no mesmo instituto, estejam a desempenhar a mesma função dois trabalhadores com regimes absolutamente díspares, um sujeito ao regime da função pública e outro sujeito ao regime do contrato individual de trabalho; e legitima tudo, isto é, legitima uma fuga absoluta ao regime de emprego público para o exercício de funções que, evidentemente, são funções públicas.
Há uma segunda questão que, do nosso ponto de vista, é importante salientar, que é esta: o que é que este diploma permite em matéria de criação de institutos públicos? Permite quase tudo. Permite que, quando considere que as funções a desempenhar no âmbito da Administração Pública devam ser melhor desempenhas através do instituto público, o Governo tome essa opção e crie o instituto; que o próprio instituto possa criar uma entidade de direito privado, uma vez que o artigo 9.º desta proposta de lei permite ao próprio instituto participar na criação de uma entidade de direito privado para desempenhar as suas próprias funções; que o próprio instituto possa participar na criação de uma entidade privada, juntamente com outras entidades, para desempenhar as suas funções; que o Governo possa também adoptar um regime para um instituto público que seja equiparado ao das entidades empresariais públicas (artigo 43.º); que o instituto possa criar subinstitutos (artigo 47.º); e tem ainda uma insólita disposição, que é a do artigo 52.º, que diz que «as fundações de direito privado instituídas por entidades públicas, ainda que seja por instrumento próprio das fundações particulares, regem-se pela lei civil».

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - É para a FPS!

O Orador: - Este artigo 52.º da proposta de lei faz-nos lembrar uma célebre fundação, chamada Fundação para a Prevenção e Segurança, que, inclusivamente, foi aqui objecto de um inquérito parlamentar, porque, de facto, era disso que se tratava. Tratava-se de uma fundação de direito privado exactamente criada por um instrumento próprio das fundações particulares, instituída por entidades públicas. Com uma norma destas, o Governo consideraria que se regem pela lei civil este tipo de fundações e, portanto, ficaria legitimada uma actuação como aquela que foi aqui condenada.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Não é verdade! São realidades diferentes!

O Orador: - O Sr. Deputado Jorge Lacão está muito exaltado a dizer que são realidades diferentes, mas fico à espera que ele demonstre isso, porque, para nós, o que está aqui, preto no branco, é que se trata, de facto, de uma realidade que encaixa perfeitamente na moldura que o Governo procurou criar para a chamada Fundação para a Prevenção e Segurança.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Mas há ainda uma terceira questão, que é a da fuga para a regulamentação. O que é que quero dizer com isto? No artigo 6.º deste diploma, diz-se que os institutos são criados por decreto-lei. Simplesmente diz-se também que o decreto-lei apenas tem de definir a designação, as atribuições, a jurisdição territorial, o ministério da tutela e que tudo o mais pode ser definido através de decreto regulamentar.
Ora bem, o decreto regulamentar, como se sabe, não está sujeito a fiscalização parlamentar, apenas o decreto-lei está, e permite-se aqui que, inclusivamente, o regime de pessoal seja definido através de decreto regulamentar, quando o regime de emprego público, nos termos constitucionais, constitui uma reserva legislativa, razão pela qual, do nosso ponto de vista, como é evidente, nunca pode ser remetido para um diploma regulamentar.
Portanto, o que se visa permitir com esta disposição é que, no fundo, o Governo, através de decreto-lei, se possa limitar a algo muito simples, que é dizer: é criada uma fundação, com a seguinte designação, com a seguinte atribuição, de âmbito nacional e sob tutela do ministério x, e tudo o mais, tudo aquilo que é fundamental do ponto de vista estatutário, passa para decreto regulamentar, ficando aí o Governo absolutamente de mãos livres para fazer aquilo que muito bem entender.
Concluindo, este diploma, tal como está, é para nós absolutamente inaceitável, apresenta-se como um diploma que procuraria, no fundo, moralizar uma situação que todos consideramos inadmissível, porque aquilo que, no fundo, vem fazer é legitimar situações como aquelas que existem actualmente e que nós, manifestamente, condenamos.
O que é desejável, do nosso ponto de vista, é um diploma que corresponda, de facto, aos objectivos que são invocados e que, no seu conteúdo, não acabe por vir negar esses objectivos, que é aquilo que acontece com a proposta de lei.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Creio que, para além das próprias fronteiras do debate que agora travamos, todos nós temos o dever de não ignorar as profundas mutações do Estado em face das responsabilidades que ele tem sido sucessivamente chamado a desempenhar.
Há muito tempo que se ultrapassou o domínio do chamado Estado de administração autoritária, em que a concepção fundamental era uma concepção de unidade orgânica, com relações de hierarquia absolutamente estabilizadas, numa estrutura piramidal das relações

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administrativas entre um vértice no topo e, depois, uma espécie de cadeia de comando claramente identificada.
Não é assim que pode, adequadamente, funcionar o Estado prestador do nosso tempo, um Estado que, pelas suas tarefas fundamentais, é chamado a ter uma participação atenta, muitas vezes activa, muitas vezes de intervenção a títulos diversos ao nível da vida e da ordem social geral. Não é assim que se pode encarar um Estado que, para além de prestador, deve ser um Estado que tenha a noção de que não deve ser um Estado que se substitua à iniciativa da sociedade em geral, dos cidadãos, da actividade económica, da própria capacidade da mobilização para as tarefas sociais por iniciativa da sociedade civil.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - É um Estado que tem que saber adequar um princípio de Estado prestador, com uma lógica de subsidiariedade, em que esse Estado, para além de fazer, esteja sobretudo em condições de fazer fazer, mas de forma adequada. E, nesse sentido, tem de ser igualmente um Estado regulador.
Ora, para que um Estado possa conciliar funções que vão da administração autoritária à administração prestadora, à administração reguladora, este Estado tem que ter, inevitavelmente, graus de especialização técnica, capacidades de elaboração, modos de intervenção que não se coadunam com o grau de estrutura, tantas vezes relativamente homogénea e indiferenciada, da concepção clássica da Administração Pública. Estamos perante novos desafios, que implicam capacidades de respostas na base de um novo paradigma, em face das responsabilidades gerais do Estado e dos poderes públicos.
Nesse sentido, o princípio administrativo da unidade da acção administrativa deve ser compreendido não como uma unidade em sentido estritamente orgânica mas como uma unidade na ordem dos fins, na obtenção de uma coerência final relativamente às responsabilidades democráticas.
É por isso que o propósito evidente, que só não o entendeu quem, de facto, não o quis entender, apresentado por este Governo, de trazer ao debate público, desde logo - e é apenas uma parcela do conjunto das questões -, uma lei-quadro que integre o regime de criação e de funcionamento dos institutos públicos é, desde logo, também, por um lado, o reconhecer a evidência da importância dos institutos públicos no quadro da administração indirecta do Estado, e ninguém aqui pôs em causa essa evidência, e, por outro, admitir que há que introduzir factores de racionalidade, de compreensão e de transparência no modo como se criam e como funcionam esses mesmos institutos públicos no quadro dessa administração indirecta.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Ouvimos alguns Srs. Deputados dizer que, se esta lei-quadro, ou uma lei-quadro que resultar da elaboração que este Parlamento fizer, vier a disciplinar esta matéria, isso significaria como que legitimar a existência de uma área vasta de administração indirecta, e é contra isso que se está. Ora, isto não faz qualquer sentido, porque os institutos públicos actualmente existentes, criados por boas ou por menos boas razões, com suficiente ou com menor racionalidade, temos de convir que todos eles estão inteiramente legitimados, e, portanto, não é um problema de maior ou menor legitimação quanto à sua existência, é um problema de racionalização do modo como eles devem ser concebidos e como eles devem poder funcionar. E é este notável contributo, Srs. Deputados - devemos reconhecê-lo -, que o Governo aqui nos trouxe.
Porque, quando o Governo intentou, desde logo, fazer o recenseamento dos institutos públicos actualmente existentes, andou um bocado, qual Diógenes de candeia na mão, à procura da identificação destes mesmos institutos. É a demonstração eloquente da absoluta necessidade de uma lei de enquadramento, de uma lei que defina regras de transparência, regras de identificação e regras de publicidade quanto à existência e ao modo de funcionamento dos institutos públicos. Por isso, uma lei destas evidentemente que se impõe.
Dito isto e justificado o valor da iniciativa e, mesmo, a coragem de colocar um daqueles problemas de que toda a gente falava na sociedade portuguesa, nos comentários de opinião e nos nossos próprios debates políticos, mas que verdadeiramente ninguém tomava a iniciativa de lhe introduzir um instrumento jurídico de racionalidade para disciplinar esta matéria.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Essa é que é essa!

O Orador: - É, portanto, em função agora de um instrumento de racionalidade que nos está proposto que faz sentido e que é possível apreciar aquilo que de melhor, eventualmente, possa ser construído em torno da proposta apresentada.
Srs. Deputados, desde logo, temos de reconhecer o mérito de uma proposta como esta. Não faz sentido dizer-se que ela seria uma espécie de invólucro vazio, sem conteúdo significativo. Srs. Deputados, agarrem em tantos e tantos estatutos de vários institutos públicos que por aí estão disseminados e vejam quais são as regras verdadeiramente de conteúdo suficiente que identificam quais as relações de superintendência que devem existir entre a tutela e o funcionamento desses mesmos institutos e quais são verdadeiramente as normas tutelares que, ao nível da tutela integrativa, ao nível da tutela inspectiva, ao nível da tutela de substituição, ao nível da tutela revogatória, se for caso disso, ao nível da tutela sancionatória, encontram nos estatutos de tantos desses institutos.
Muitos deles são realmente carentes de uma verdadeira densificação jurídica das relações entre quem detém o poder de tutela e de quem é orientado ao nível das relações de superintendência e de dependência tutelar, coisa que não está minimamente alcançada e que, desde logo, o articulado desta proposta veio colocar de forma muito mais adequada e muito mais consistente.
É evidentemente importante que, para além destes aspectos, encaremos também o modo como as entidades administrativas da administração indirecta se integram na cadeia da responsabilidade democrática. E, desde logo, há algo que se torna patente numa proposta deste tipo: na cadeia da responsabilidade democrática, os institutos públicos dependem, e não podem deixar de depender, quanto à realização das suas finalidades, dos membros do Governo da área tutelar respectiva e, do mesmo passo, o Parlamento tem, e não pode deixar de ter, a capacidade de controlo dos actos do Governo, designadamente da maneira como assume as suas responsabilidades de superintendência e de tutela relativamente a essas mesmas entidades da administração indirecta.

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Há, no entanto - e valerá a pena ponderar isso -, algumas áreas novas, que precisam de reflexão. O Sr. Ministro, aliás, foi célere na identificação de outro tipo de entidades, não já aquelas que se integram no conceito da administração indirecta, mas aquelas que se integram no conceito de administração independente. Refiro-me, naturalmente, às entidades administrativas independentes, que são hoje também um outro núcleo relevante da actividade da administração e da actividade de regulação e que também elas devem ser devidamente enquadradas ao nível do controlo democrático. E naqueles casos em que, pela sua natureza, não respondem pelo modo como executam as suas responsabilidades perante o Governo, não podemos deixar de, também aqui, reflectir sobre o modo como onde responder por elas, designadamente perante o Parlamento ou perante outras instâncias de garantia dos direitos dos cidadãos, como, por exemplo, uma entidade de acompanhamento gracioso, como é o próprio Provedor de Justiça.
O Sr. Ministro anunciou-nos que também esta matéria está em fase de estudo e de preparação para uma regulação adequada e com isso congratulamo-nos, evidentemente.
Naturalmente que foram aqui colocadas questões às quais não deixo de reconhecer uma preocupação com sentido e, portanto, uma pertinência. Relativamente, por exemplo, a questões que têm a ver com os fundamentos da decisão da criação de um instituto público. Está previsto, e bem, que os estudos preparatórios que conduzam à decisão de criação de um instituto devam necessariamente existir, ter objectividade bastante e, portanto, ser o fundamento da própria decisão política de criação de uma nova entidade administrativa.
Pergunta-se, naturalmente, se esse tipo de fundamentação não deve, ele mesmo, ser incorporado por uma via formal adequada, quer ao nível do texto jurídico que venha a criar o instituto, quer ao nível de outras formas de publicitação formal que permitam que a justificação seja não só um elemento de ponderação por parte de quem decide mas igualmente um elemento de percepção objectiva por parte de quem queira conhecer e controlar democraticamente as razões da decisão. Há, portanto, aqui alguma ponderação que poderemos fazer.
Como também, ao nível dos requisitos estabelecidos para a criação de institutos, valerá, porventura, a pena aprofundar alguns desses requisitos, designadamente no que diz respeito, por exemplo, à inserção territorial desses institutos e às suas sedes. É que falemos com franqueza (aliás, isso consta do relatório que, de forma transparente, o Governo nos apresentou): a maior parte, a esmagadora maioria, destes entes da administração indirecta são centrados (permitam-me a hipérbole) nas avenidas novas de Lisboa. E quantos deles não poderiam, de acordo com uma adequada política de desconcentração territorial, ser sediados noutros pontos do País, promovendo outros factores de desenvolvimento mais equilibrados?

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Isso é autocrítica!

O Orador: - Cremos, por isso, que talvez seja possível, no conjunto das decisões fundamentantes da decisão de criação de uma nova entidade administrativa, que também por elas passe uma ponderação acerca da decisão da sua efectiva inserção e localização territorial.
Por outro lado, há aspectos que dizem respeito aos próprios modos formais de criação das entidades administrativas. Prevê-se que a sua criação seja necessariamente por decreto-lei; vale, porventura, a pena discutir, no que diz respeito à corporização mesma da entidade, ou seja, ao instrumento jurídico que dá lugar à aprovação dos respectivos estatutos, qual deva ser o instrumento jurídico necessário nesse processo. É que, designadamente no que diz respeito - e algum afloramento disso teve lugar neste debate - à criação de regimes que têm a ver com os institutos de regime especial, porventura, o instrumento do decreto-lei pode ser a forma adequada de permitir um controlo parlamentar adequado da decisão política de criar uma entidade desse tipo. Evidentemente, o decreto regulamentar é, do ponto de vista jurídico, um instrumento idóneo, mas também sabemos que há formas que permitem um controlo parlamentar e há outras que não o permitem com a mesma facilidade. Portanto, este é um outro domínio em que, talvez, faça sentido ponderarmos.
Também aqui foi levantada a questão dos regimes comuns e dos regimes especiais, no que diz respeito ao estatuto dos funcionários e dos trabalhadores. E porventura também aqui haverá algum trabalho mais minucioso a fazer, no sentido de que talvez não baste constatar a possibilidade da existência dos dois regimes, mas antes devam criar-se algumas regras orientadoras quanto à possibilidade de utilizar um ou outro, sendo certo que os institutos de regime comum devem preferencialmente adoptar o regime da função pública e que para os institutos de regime especial deve haver alguma fundamentação específica que justifique a possibilidade de adopção de outros regimes.
No entanto, Srs. Deputados, esta questão deve ser por nós, tranquila e serenamente, reflectida. É que, designadamente, a propósito dos estatutos do pessoal dirigente, é evidente que nenhum de nós se encontra suficientemente satisfeito perante a circunstância de se poder utilizar, às vezes de forma não inteiramente compreensível, seja o estatuto dos directores-gerais, seja o estatuto dos gestores públicos nas suas várias gradações possíveis, seja, às vezes, a junção do melhor de dois mundos, que é utilizar o estatuto remuneratório de um dos regimes com o estatuto de segurança social de outro dos regimes - e isto, naturalmente, não sendo suficientemente transparente quanto às motivações que levaram a este tipo de opções.
Por isso, só resta aplaudir, também aqui, a coragem do Governo,…

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - … quando, há pouco, o Sr. Ministro nos disse que estava disponível e empenhado em que venha a haver uma lei específica que justamente permita racionalizar o estatuto do pessoal dirigente. E direi mais: talvez não faça sentido ter uma lei que defina o estatuto do pessoal dirigente para as entidades colectivas da Administração Pública ou de alguma administração autónoma e não ponderar a mesma coisa relativamente aos próprios directores-gerais ao nível do pessoal dirigente na Administração clássica, digamos.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Todos devem ser ponderados, num princípio de equilíbrio e de tratamento igual, relativamente às responsabilidades dirigentes no domínio da Administração, seja qual for esse mesmo âmbito.

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O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Quanto mais melhor, porque o PSD nunca teve!

O Orador: - Por isso, Srs. Deputados, o que gostaria de retirar destas considerações é uma constatação: temos trabalho importante para fazer. Foi este Governo e este Ministério que tiveram a iniciativa e a coragem de fazer um rastreio total e completo da situação existente e de nos apresentar uma via de solução.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É verdade!

O Orador: - Seria absolutamente estranho que todos os que, ao longo do tempo, se têm queixado, não podendo, aliás, enjeitar as culpas próprias que tiveram, não só da má prática relativamente à criação de muitas destas entidades como à incapacidade de racionalizá-las em termos de compreensão geral, viessem agora a ter uma atitude de indisponibilidade para um trabalho construtivo e positivo.
Há que melhorar? Melhoremos! Há que aprofundar? Aprofundemos! Mas há que decidir; decidamos também, porque essa hora já tarda!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública, Srs. Deputados: Pegando na última afirmação do Sr. Deputado Jorge Lacão, quero dizer que considero curiosa e quase extraordinária a sua afirmação, de que este Governo teve a coragem de fazer o rastreio e o levantamento dos institutos públicos. Considero isto uma coisa fantástica! Aliás, se assim é, quero elogiar a coragem do Governo para fazer uma coisa destemida! Tentar o Governo saber quantos institutos públicos há no País, quando só ele criou 79, é, de facto, uma coisa de uma coragem inaudita!
Eu não iria tão longe. Penso que não é preciso tanta coragem assim para querer saber os institutos que existem e fazer o seu rastreio. Penso que seria preciso coragem para os não ter criado e mais coragem ainda para os extinguir, sobretudo aqueles que estão a mais, os que estão em duplicado ou em triplicado. Para isto, sim, seria preciso coragem.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Lá chegaremos!

O Orador: - Há pouco, o Sr. Ministro dizia-me que eu estava preso a um slogan do tipo «Eu fico!». Por acaso até sou candidato, e o meu slogan não é esse; o meu slogan é precisamente «Vamos mudar!». Portanto, o meu slogan até é mais adequado a esta discussão do que o do meu colega candidato autárquico e presidente do meu partido, Dr. Paulo Portas. Mas se quiser que o meu tema nesta matéria seja «Eu fico», eu também fico, e fico muito à vontade. Fico à vontade, porque eu que, há sete meses, aqui vim dizer: «Sr. Ministro, avance para a segunda fase. Tem o trabalho da comissão, tem o levantamento feito, avance para a segunda fase. Faça a avaliação qualitativa destes institutos!».
Somos um partido da oposição, nem sequer um dos maiores, somos um médio ou pequeno partido da oposição, e por isso não temos a pretensão…

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Somos um grande partido!

O Orador: - Somos um grande partido nos seus valores, nos seus ideais e nas suas causas, mas, como é óbvio, com menos meios do que outros partidos e certamente com muito menos meios do que aqueles que o Governo tem para estudar esta matéria, e, portanto, não temos a pretensão de que o estudo que lhe entreguei em mão seja uma realidade infalível e indiscutível. Foi realizado com dois ou três técnicos que temos, com as nossas capacidades e, obviamente, com meios de estudo limitados, mas era uma proposta construtiva, Sr. Ministro! Com ele queríamos dizer: «Está aqui uma lista, que nos parece óbvia, de duplicações e triplicações de institutos existentes…». E elencava-se mais de 40 institutos (44 ou 46) que poderiam estar duplicados ou triplicados! No entanto, nestes oito meses, o Sr. Ministro não foi capaz de nos dar uma resposta conclusiva em relação a isso, e agora vem dizer-nos: «Está bem, mas estou a encurtar o prazo e vou fazer… agora já não são 2 mas só 1 ano». Mas é só um ano para fazer não se sabe muito bem o quê! Efectivamente, nesta matéria o que faria a diferença era o Sr. Ministro dizer-nos que vai agir, e que vai agir com rigor!
Ou seja, nesta matéria, separa logo quem à partida? Separa quem considera que existe um problema, sério, de multiplicação de institutos públicos de quem pensa que basta dizer umas coisas mais ou menos certas do ponto de vista jurídico, mais ou menos palavrosas do ponto de vista político, para, depois, «logo se vê o que há-de fazer-se, o que há-de acontecer».
A proposta que o Sr. Ministro nos traz hoje representa três coisas diferentes. Em primeiro lugar, representa um conjunto de boas intenções; algumas boas intenções tem, não é tudo mau.
Em segundo lugar, perante a criação de institutos, o Sr. Ministro faz uma coisa a que eu chamaria «inventário da desgraça» (quase como o balanço do desastre), que é o registo dos institutos. A única diferença é que a partir de agora está acessível pela internet, ou seja, quem quiser vai à internet ver a lista da desgraça, apercebendo-se do balanço da desgraça que tem sido a criação de institutos a eito no nosso país.
Em terceiro lugar, traz-nos um conjunto de regras, sendo que cada uma delas tem uma excepção. Efectivamente, no artigo 7.º prevê-se regras e requisitos para a criação de institutos públicos, mas logo a seguir é elencado um conjunto enorme de excepções e de situações de excepção: há institutos que não são abrangidos pelos requisitos do artigo 7.º; os institutos podem criar ou participar na criação de entidades de direito privado; há institutos sem autonomia financeira; há institutos com um regime equiparado aos das empresas públicas, etc. Portanto, há um bocado de tudo, esta proposta permite tudo e tudo deixa fazer.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Pegando na expressão do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, e lembrando-me da velha frase sobre os poderes do Parlamento inglês, diria mesmo que só há uma coisa que esta lei, se calhar, não permite, que é transformar um instituto público num bordel.

Risos do CDS-PP.

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Se calhar isto não permite, porque, fora isso, tudo é possível nesta lei!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas pode criar o bordel!

O Orador: - Isso já não sei! Não iria tão longe, Sr. Deputado!
Esta lei admite ainda que exista um regime com base no regime da função pública e um regime com base no contrato individual de trabalho. Sobre esta matéria diz-nos a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira que as coisas já são assim, que é o que está em vigor. Pois é o que está! Mas fazer uma reforma implica que se tenha um sentido e uma direcção de mudança. E o que não conseguimos perceber é qual a direcção de mudança.
Os trabalhos da comissão, apesar de tudo, apontavam para uma direcção de mudança, que era o regime base, o regime fundamental, deve ser o da função pública e só em casos excepcionais se poderá recorrer a outros regimes. Esta proposta vem permitir tudo: um regime e o outro; um regime num sítio e o outro no outro sítio; os dois regimes ao mesmo tempo!… Portanto, esta proposta vem permitir tudo, não aponta qualquer sentido de mudança e de reforma.
Embora o Sr. Deputado Francisco Louçã já não esteja presente, devo dizer que não concordo com a sua referência a uma privatização sucessiva, ideia que, de resto, também passou um pouco pela intervenção do Sr. Deputado António Filipe. Efectivamente, o problema não é tanto de privatização mas, sim, de duplicação e triplicação do Estado, porque privatização não vejo! Se tivéssemos privatização eu até, em alguma medida, poderia concordar; se tivéssemos a transferência de serviços que pudessem e fizessem sentido serem concessionados do Estado para entidades privadas eu poderia concordar. Porém, não é isto o que temos tido, o que temos tido é duplicação e triplicação do Estado, um Estado paralelo que depois escapa às regras e aos mecanismos de controlo, sejam eles orçamental ou outros - porque desorçamentação, isso, sim, há -, que normalmente o Estado impõe a si próprio.
Por outro lado, Sr. Ministro, mesmo no que respeita às regras que podem parecer positivas ou que podem parecer boas intenções, como, por exemplo, a da avaliação, não percebo qual é a sua concretização ou a sua utilização prática. Pensando, por exemplo, na regra do artigo 49.º, que se refere à avaliação, a avaliação é feita por quem? Quando? Como? Quem faz esta avaliação, Sr. Ministro? Quem nos dá os resultados desta mesma avaliação? Quem tem capacidade para fazer esta avaliação de forma independente? Não sei, Sr. Ministro, se tenciona criar mais um instituto ou fundir dois dos já existentes para fazer esta mesma avaliação!

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Auditorias externas!

O Orador: - Faço estas perguntas, porque não transparece da proposta de lei quem faz esta avaliação.
Prevê-se uma comissão para a eventual extinção; através da extinção retira-se logo uma série de instituições que admitimos poderem estar sujeitas a esses mesmos projectos de extinção, de fusão ou de transformação. Não me refiro, obviamente, nem às universidades, nem aos hospitais, nem ao Banco de Portugal - espero que o Sr. Ministro não volte com essa ideia, porque nunca me refiro a isso -, mas, nas áreas da ciência, da tecnologia e da solidariedade social, há instituições que, como sabe, estão na lista que apresentámos.
Portanto, não temos garantias algumas de que com esta proposta de lei se vá fazer esta mudança e que haja aquilo que, para nós, representa uma mudança fundamental, que é uma administração pública baseada em critérios de competência, sem boys, sem jobs e sem boys nesses mesmos jobs. E esta mudança é fundamental!
Diz-me o Sr. Ministro: «Mas isto pode, eventualmente, ser melhor do que aquilo que temos agora. Pode ser qualquer coisa em relação ao que temos agora». Sinceramente, não acredito, Sr. Ministro! E, aqui, partilho até a opinião do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado, segundo o qual se o Governo quiser fazer não precisa desta lei.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E é verdade!

O Orador: - Se o Governo quisesse efectivamente fazer não precisava desta lei para coisíssima alguma; se o Governo quisesse fazer agarrava na sugestão que demos há sete meses atrás e na lista de instituições a fundir ou a transformar que entregámos há sete meses e dizia: «Vamos agir». E hoje, ou daqui a um mês ou quando quisesse, chegava aqui e dizia: «Estas instituições são para juntar… estas instituições são para extinguir… isto é para mudar… isto é para alterar…» Ou seja, o Governo fazia aquilo que parece não querer fazer, que é governar.
Portanto, não precisava de uma definição de princípio, cheia de excepções, de mudanças e de alterações, governava, tomava as decisões, alterava esta mesma matéria. Ora, não me parece que o Governo queira fazer isto. E, por isso mesmo, não é a nós que cabe dar ao Governo uma autorização tão vasta como esta, que, afinal, só servirá para que, daqui a um ano, cheguemos à conclusão de que a Comissão está atrasada ou de que nada há a extinguir ou há apenas uma única instituição a extinguir, ficando tudo na mesma, e tudo isto depois de muito estudar, depois de ouvir as recomendações das direcções dos institutos que entendem que as suas funções são indispensáveis e imprescindível, depois de ouvir o Ministro da tutela dizer que foi ele quem criou o instituto e que sabe para que ele serve, à semelhança do que acontece com o Instituto para a Inovação da Administração do Estado, em que o respectivo Ministro diz que foi ele quem o criou, que criou bem e que ele sabe para que serve.
Sr. Ministro, assim nunca será feito aquilo que exigimos e que, para nós, seria condição prévia para qualquer discussão, que é, até este processo estar concluído, até a «casa estar arrumada», até se mudar o que há a mudar, não criar novos institutos públicos. Para nós, isto dependia sempre do indispensável congelamento, como foi feito em outros países - creio que foi feito em Espanha como foi feito certamente em Itália -, da criação de novos institutos públicos, que esta lei continua a permitir de qualquer maneira, não até ao trabalho da Comissão estar feito mas até ao processo estar completamente concluído. Ou seja, primeiro arruma-se o que está mal, reorganiza-se e só depois se pensa em fazer de novo e em criar de novo, com óbvias excepções que poderiam ser admitidas e ser justificadas em caso de absoluta indispensabilidade. Mas seria preciso criar a norma para isso! Porém, a regra teria de ser muito clara: congelar a criação de institutos públicos e parar com o seu crescimento sucessivo enquanto este processo não estivesse arrumado.

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Assim, talvez pudéssemos discutir; de outra maneira não podemos dar o nosso acordo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Visto que é consensual não existirem interditos políticos sobre a figura do instituto, e ninguém os «diabolizou», desde que confinados ao seu propósito estrito - até mesmo a bancada do Partido Social Democrata assumiu as críticas em relação ao conjunto de institutos que ajudou a proliferar -, penso que nesta fase do debate, e foram ditas muitas coisas que nos parecem importantes politicamente, o Governo tem todas as condições para disciplinar a desordem manifestamente existente, para ordenar os diferentes territórios, para dar transparência ao que é opaco e deixar de caminhar por estradas enviesadas na criação de um Estado paralelo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sem paralelo!

A Oradora: - Em nosso entendimento, existe um conjunto grande de aspectos que manifestam a disponibilidade do Governo para precisar os termos da lei-quadro que pretende estabelecer, e, na opinião de Os Verdes, é muito importante que haja uma lei-quadro que discipline os institutos públicos. Ora, se é importante que não se mantenha a situação actual, também nos parece que não deve ser alienado um património importante.
Há um trabalho, este, porventura, corajoso, já que é implicitamente uma crítica ao Partido Socialista, feito pelo Dr. Vital Moreira, que, sendo um relatório extremamente minucioso, dá pistas demasiado importantes para que, em nossa opinião, não sejam devidamente aproveitadas, quer no que toca, por exemplo, a um dos aspectos mais polémicos, o qual, à excepção do PS, suscita dúvidas aos partidos da oposição, que é o regime laboral - e o regime laboral que até agora tem vigorado é fundamentalmente o da função pública, pelo que, a nosso ver, é importante não criar situações de conflitualidade, a fim de harmonizar este regime -, quer no que toca a aspectos, que foram sublinhados, relativos ao regime financeiro.
Parece-nos haver alguma vontade, por parte das bancadas, à qual Os Verdes não são indiferentes, em, mais do que se ficar um ano à espera que uma comissão faça uma avaliação daquilo que é supérfluo, daquilo que pode ser fundido ou extinto - e há um diagnóstico suficientemente aprofundado para se optar por este caminho - se caminhar, num espaço de tempo mais curto, para uma aproximação daquilo que deverão ser, no futuro, os institutos. Como se assumiu no próprio relatório, a existência de muitos destes institutos públicos é manifestamente dispensável, pois, no fundo, muitos ou parte significativa deles foram criados com a ausência de justificação credível.
É, portanto, perante a constatação deste facto, perante aquilo que não vale a pena iludir, que é a reserva e os obstáculos que, naturalmente, tenderão a surgir com as mudanças significativas, porque muitos dos institutos foram criados para favorecer interesses que não propriamente o interesse público, que nos parece que o Governo tinha condições para apresentar uma proposta mais concreta em relação aos institutos a eliminar, ao congelamento da criação de novos institutos e à harmonização das regras que, no futuro, deveriam pautar a criação de institutos, ou seja, a lei-quadro.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, pedi a palavra para uma segunda intervenção na sequência das palavras do Sr. Deputado Telmo Correia, que eu ouvi, pode crer, com atenção e que me parecem merecedoras de um comentário.
O Sr. Deputado Telmo Correia começou, de alguma maneira, por me interpelar de forma retórica sobre se não haveria um excesso na minha linguagem ao aludir a coragem do Governo em ter tomado esta iniciativa. E, em sequência, o Sr. Deputado Telmo Correia aludiu à panóplia de instrumentos jurídicos que por aí vão e que, de alguma maneira, representam as dificuldades de compreensão da sua adequada articulação e racionalidade, mas, depois, imputou essas circunstâncias à própria iniciativa de uma lei-quadro.
Sr. Deputado, não é a lei-quadro que vem criar a regulação, a lei-quadro vem chamar a nossa atenção para a importância de constituir uma adequada regulação. E independentemente da vocação que o Sr. Deputado Telmo Correia neste momento manifesta, de imediatamente correr para a extinção de entidades públicas - nem vou dizer se, em cada caso concreto, tem ou não razão -, penso que a sua possível razão é uma razão que não pode escamotear o outro lado da questão. E o outro lado qual é? É o de constatarmos que, se ao abrigo das disposições constitucionais, que determinam que a Assembleia da República se responsabilize pelas bases do regime da função pública, e, neste sentido, interpretarmos esta lei-quadro neste mesmo âmbito, o que estamos aqui a querer fazer é uma lei que juridicamente terá um valor reforçado e que implicará que as decisões futuras em matéria de criação de novas entidades tenham de se adequar a esta mesma lei, sob pena de serem juridicamente actos ilegais e, como tal, inclusivamente, susceptíveis de serem sindicados no Tribunal Constitucional por essa mesma ilegalidade, por violação de lei de valor reforçado, por violação de lei que é pressuposto necessário das leis subsequentes, que devem estar harmonizadas com esta.
Ora, Sr. Deputado Telmo Correia e Srs. Deputados, esta possibilidade que o Parlamento agora tem, de poder estabelecer adequadamente um instrumento jurídico com esta natureza e este valor, é, obviamente, uma possibilidade que nenhum de nós deve descartar. Portanto, o que eu entendo é que as críticas, melhor ou pior fundamentadas, aqui assumidas pelos Srs. Deputados, devem ser ponderadas por todos, em conjunto e em sede própria - já aqui se referiu que a sede própria será a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdade e Garantias -, seguramente com a continuação da participação do Governo neste processo de reflexão, com vista a que no final possamos, então, dizer se há razão para se estar contra uma lei-quadro com um valor de racionalização e de enquadramento ou se há boas razões políticas para os Srs. Deputados não estarem contra.
Ora, quero acreditar, face à disponibilidade por todos manifestada - pelo Governo, pela bancada da maioria e por outros Srs. Deputados -, que temos condições para trabalhar positivamente, e peço (se querem de alguma maneira ver um apelo nas minhas palavras) que ninguém

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se ponha à margem desta disponibilidade de trabalho construtivo, porque, estou certo, encontrarão da nossa parte condições para ponderar as vossas preocupações e as vossas críticas. E, no fim, saberemos quem verdadeiramente tinha razão nas críticas que formulou e na ponderação jurídica que acabámos por poder fazer neste diploma.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, desta sua intervenção ficou uma questão que eu gostaria de ver esclarecida.
No fundo, o que entendi das suas palavras, Sr. Deputado, foi que, relativamente a uma matéria como a elaboração de uma lei com a qualificação de lei de bases -…

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Lei-quadro!

O Orador: - … uma lei-quadro ou uma lei de bases, porque para ter valor reforçado tem de ter a categoria de uma lei de bases nos termos constitucionais -, é possível uma autorização legislativa. Com toda a franqueza, isto parece-me uma coisa completamente incongruente. Porque, a meu ver, a partir do momento em que as leis sejam qualificadas substantivamente como leis de base ou leis-quadro, é evidente que está fora de causa a hipótese da atribuição de uma autorização legislativa por parte da Assembleia da República. Penso eu!
Faço-lhe este pedido de esclarecimento, porque, a tomar como boa a bondade do raciocínio que o Sr. Deputado despendeu (com o qual não me distancio em termos de conteúdo), a conclusão a que temos necessariamente de chegar é que o Governo tem de «deitar às malvas» a sua autorização legislativa - que é, de resto, aquilo que o PSD tem dito, mas por razões políticas e não por razões técnicas - e apresentar, outrossim, se o entender, uma proposta de lei material à Assembleia da República para que esta possa conceder a essa lei a natureza de uma lei de bases. Porque, Sr. Deputado, parece-me haver alguma incongruência em atribuir autorizações legislativas sobre leis de bases.
É este o pedido de esclarecimento que faço, para perceber exactamente o contexto formal que o Sr. Deputado aqui quer colocar, o qual, em termos de conteúdo, merece, no plano dos princípios, o apoio da minha bancada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, como diz o ditado popular, que, se calhar, aqui se pode aplicar, «da discussão nasce a luz». Portanto, esta nossa possibilidade de troca de impressões pode ser efectivamente positiva.
Começo por congratular-me com a circunstância de o Sr. Deputado encontrar eco positivo na minha intervenção de há pouco e de, neste sentido, poder haver da nossa parte uma compreensão sobre o significado da lei que aqui temos.
Sr. Deputado, o que me parece que, porventura, terá confundido - e, se não foi o caso, peço-lhe desculpa, mas vou tentar dilucidar os conceitos - é o significado das leis orgânicas com o significado de uma lei de valor reforçado. Evidentemente que as leis orgânicas são leis de valor reforçado, e estas implicam votação com um certo tipo de exigências formais, no quadro das disposições constitucionais que conhecemos.
Agora, se é verdade que as leis orgânicas são leis de valor reforçado, nem todas as leis de valor reforçado são necessariamente leis orgânicas.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Ora bem!

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - É evidente!

O Orador: - E aqui é que bate o ponto. Não foi por acaso que, na revisão constitucional de 1997, em que ambos participamos activamente, alterámos uma norma do actual n.º 3 do artigo 112.º que diz: «Têm valor reforçado, além das leis orgânicas,…» - cá estão elas - «… as leis que carecem de aprovação por maioria de dois terços, bem como aquelas que, por força da Constituição, sejam pressuposto normativo necessário de outras leis ou que por outras devam ser respeitadas». É exactamente isto que está em causa.
Ao aprovarmos aqui uma lei-quadro sobre os institutos públicos, ao abrigo de uma lei de bases que exige disciplina do regime da função pública, criamos aqui uma lei que é um arquétipo jurídico, relativamente ao qual as leis subsequentes devem vir a respeitá-la, designadamente, e muito importante, os decretos-lei e outros decretos regulamentares ligados ao processo de criação e de aprovação dos estatutos dos institutos públicos.
Era caso para perguntarmos: se não fosse este o valor útil da lei-quadro dos institutos públicos, por que é que estaríamos aqui a perder tempo?

Protestos do Deputado do PSD Luís Marques Guedes.

Ou seja, se não fosse esta a boa interpretação, estávamos aqui a fazer um facto que, amanhã, no Conselho de Ministros, o Governo se permitia deitar fora, porque um decreto especial anulava ou revogava na especialidade o que estivesse dito nesta dita lei. Ora, isso o Governo, felizmente, digo eu, não vai poder fazer, porque, se o fizer, poderá ser susceptível de uma desconformidade legal que, inclusivamente, pode ser sindicada na fiscalização concreta ou na fiscalização sucessiva abstracta pelo Tribunal Constitucional.
Por isto, é muito importante o trabalho que aqui pudermos fazer,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas como é que se faz isso?!

O Orador: - … e, portanto, permita-me que conclua como disse há pouco, ou seja, temos as condições totais no plano político para convergirmos com o nosso esforço e o nosso trabalho para aprovarmos uma boa lei-quadro, assim o queiramos fazer.
O Sr. Deputado diz que não é lei material. Mas como os Srs. Deputados têm disso boa experiência sabem duas coisas: primeiro, a boa fé do Governo,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O problema não é esse!

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O Orador: - … no sentido de que é óbvio que o Governo, como tantas vezes o tem revelado nesta Sessão Legislativa, está disposto a adaptar os pontos do decreto-lei autorizando àquilo que forem as disposições da lei que autoriza;…

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado. Peço-lhe que conclua.

O Orador: - … e, por outro lado, o articulado da lei que autoriza definirá os parâmetros obrigatórios do decreto-lei autorizando.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia, que dispõe, para o efeito, de 2 minutos, tempo cedido pelo PS e pelo PSD.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, faço-lhe este pedido de esclarecimento, porque, de alguma forma, se dirigiu a mim.
Sr. Deputado, a nosso ver, a criação de uma lei-quadro com base neste processo de autorização legislativa é uma coisa que, do ponto de vista constitucional, nos suscita as maiores dúvidas, como é evidente, e que não nos parece seguir de todo o caminho mais lógico nem mais constitucional. No entanto, não quero meter-me consigo nesta discussão, porque, sinceramente, isto, para nós, é tudo menos um problema jurídico-formal. Isto é, sobretudo, um problema político.
A diferença política fundamental é esta: V. Ex.ª - e admiro-o - é um homem de fé nesta matéria. É um crente!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É um crente, mas não é um praticante!

O Orador: - É um crente quanto à capacidade do Governo querer mudar, de estabelecer o regime da função pública como regime padrão, de extinguir institutos públicos que são inúteis, de estabelecer um critério efectivo, de ser rigoroso, de ter avaliação, de não criar novos institutos, de não criar institutos que sejam desnecessários, etc.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - É o único crente!

O Orador: - V. Ex.ª é um crente em toda esta matéria. Eu não sou de todo! Em relação ao Governo do Partido Socialista, estes seis anos, fizeram de mim um descrente total. É que nem sequer foram estes últimos oito meses, desde que discutimos pela primeira vez esta matéria, foram estes últimos seis anos que fizeram de mim um descrente completo.
Por isso é que digo que, se o Governo quer a nossa colaboração, a nossa participação, então, assumam princípios fundamentais. Assumam que vão, efectivamente, extinguir institutos inúteis; assumam que vão congelar a criação de novos institutos até esta matéria estar resolvida. Dêem um sentido e uma matriz à reforma. Digam em que sentido é que essa reforma deve seguir, no sentido do padrão da função pública ou no de outro padrão. Digam se querem ou não valorizar a função pública ou se querem continuar a manter este sistema,…

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - … em que a função pública é completamente desvalorizada perante os regimes existentes ao seu lado, nos quais já se perdeu completamente o critério de serviço público em consequência dessa desvalorização.
Finalmente, o Sr. Ministro diz-nos que vai extinguir instituições.
Pergunto-lhe: qual é a prioridade? É a de extinguir direcções-gerais para criar institutos públicos ou é a de extinguir institutos públicos quando os mesmos duplicam as direcções-gerais?

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Eu não percebo qual é a prevalência, nem percebo quem é que decide.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Telmo Correia, permita-me que me confesse em público: sou efectivamente um crente, não em nenhum ente sobrenatural mas nas nossas capacidades humanas - nas suas, nas minhas, nas de todos nós -,…

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Não esperava tanto!

O Orador: - … justamente com base numa atitude de boa fé de que daremos o melhor contributo para alcançarmos soluções de interesse público e de bem comum. Neste sentido, sou integralmente um crente. Pode crer.
Sou crente numa outra coisa, ainda: no valor do princípio da legalidade num Estado de direito.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Claro!

O Orador: - De acordo com o que acabei de referir há pouco quanto ao enquadramento jurídico desta proposta de lei e ao seu valor reforçado no contexto da nossa ordem jurídico-constitucional, sou crente na sua importância disciplinadora, justamente no que se refere ao que está errado no presente e ao que venha a poder acontecer no futuro.
É em nome desta crença no princípio da legalidade que tenho de estar em desacordo com outro princípio que esteve patente nas palavras do Sr. Deputado e que eu apelidaria de «princípio do decisionismo».
O Sr. Deputado critica decisões erradas, porventura excessivamente voluntaristas, de anteriores actos de criação de entidades públicas. Agora, pressurosamente mas na mesma atitude psicológica, está a querer abater ad hoc umas outras quantas entidades públicas. Fico sem saber a racionalidade do «antes» e, seguidamente, fico numa grande desconfiança sem saber a racionalidade do «depois».

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Então, o melhor é deixar estar como está!

O Orador: - Ao contrário do Sr. Deputado, quero que o senhor se mantenha firme no seu propósito de racionalidade, que abandone o seu «princípio do decisionismo» e que aceite o princípio da legalidade que é muito mais conforme ao Estado de direito.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública.

O Sr. Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ao encerrar este debate, gostaria de deixar duas ou três ideias que me parece poderem ser retidas e recolhidas do mesmo.
A primeira, que julgo ser a essencial, é a do consenso da Câmara - e penso não estar a abusar desta palavra - quanto à necessidade de um regime de enquadramento dos institutos públicos e quanto à necessidade de uma lei-quadro. É este o propósito do Governo.
A ideia de uma lei-quadro é a de haver um conjunto de regras, regimes, referências e sinalizações quanto a realidades específicas.
O Estado social moderno, como todos sabemos, tem hoje menos a veste produtora mas, sobretudo, uma veste reguladora e prestacional, e, naturalmente, a administração indirecta, independente e autónoma tem os seus espaços próprios.
Neste sentido, quero manifestar a total disponibilidade do Governo para, em conjunto com a Câmara e de acordo com as formas legais adequadas, encontrar um regime enquadrador dos institutos públicos que responda àquelas que são as grandes questões dos mesmos, deixando a análise casuística.
Esta é uma matéria complexa que, neste momento, abrange 200 000 trabalhadores da Administração Pública, um grande número de organismos, 12 000 trabalhadores com contrato individual de trabalho.
Esta matéria é complexa, é fundamental para agilizarmos o moderno Estado democrático português, é um factor essencial da modernidade do nosso país.

Protestos do Deputado do CDS-PP Telmo Correia.

Por isso, o que propomos aos Srs. Deputados é que façam a vossa apreciação com rigor, com uma grande vontade de transparência, com equilíbrio, sem pressas excessivas nem voluntarismos casuísticos, porque a fúria extintora ou a fúria congeladora têm o mesmo sentido, significam «zero». É preciso estudar, apreciar, fiscalizar, avaliar para saber o que deve ser extinto e o que não deve sê-lo, o que é necessário e o que deve ser fundido. Pela nossa parte, estamos dispostos a encontrar estas soluções.
Assim, direi que há questões que são decisivas nesta matéria.
Comecemos pela criação dos institutos. Contrariamente ao que foi dito por alguns dos Srs. Deputados, a criação dos institutos está hoje regulada e a solução que adoptámos e propomos à Câmara é a mesma que está adoptada pelo grupo de trabalho no sentido de o regime jurídico ser o que é aplicado aos fundos e serviços autónomos. Não pedimos qualquer excepção. O regime é, rigorosamente, o mesmo que está aferido na Lei n.º 8/90 que tem a ver com a contabilidade pública. É o mesmo regime.
De igual modo, pomos como condição que os institutos sejam criados por decreto-lei. Não temos qualquer reserva em alterar a actual criação por decreto regulamentar.
Efectivamente, o decreto regulamentar não é sujeito à sindicância parlamentar. Está sujeito a promulgação do Presidente da República, mas não há qualquer reserva da nossa parte no sentido de encontrarmos uma solução legal que empenhe o Parlamento na utilização do mecanismo constitucional da apreciação parlamentar, se for caso disso.
Naturalmente, queremos a maior transparência quanto à criação dos institutos públicos e quanto à necessidade da sua existência.
Vamos, pois, trabalhar. Peço-vos, Srs. Deputados, o favor de apresentarem soluções razoáveis sobre esta matéria. Mas há uma questão que, para nós, é essencial.
Poderíamos ter feito esta lei através de decreto-lei, na parte essencial. Não procedemos desta forma, porque queremos fazer partilhar a Câmara desta importante reforma da Administração Pública, e queremos fazê-lo num prazo curto. Portanto, o que pedimos à Câmara é que, num prazo razoável, encontre os contributos para melhorar esta proposta de lei e que a mesma seja efectivamente melhorada.
Devo dizer, ainda, que há uma questão que é decisiva e que merece um tratamento específico, não no âmbito desta proposta de lei, que é a que tem a ver com os dirigentes da administração directa, indirecta e da administração do sector público empresarial.
Há que encontrar soluções jurídicas harmónicas para resolver o estatuto jurídico e remuneratório deste tipo de dirigentes da Administração Pública. É essencial que esta matéria seja regulada.
Questão outra tem a ver com o contrato individual de trabalho.
Não há nenhuma disposição constitucional inequívoca, unívoca, que obrigue ou impeça a Administração Pública de adoptar o contrato individual de trabalho. Há leis diversas que expressamente o admitem e mesmo o concurso público é uma exigência «em regra», como diz o texto constitucional, e não uma exigência absoluta.
Da nossa parte - isso, sim -, há uma vontade clara de que as admissões na Administração Pública sejam feitas de forma transparente, aberta, garantindo princípios de rigor e igualdade de todos os cidadãos no acesso à Administração Pública. Esta, sim, é uma exigência constitucional.
Já agora, deixo-vos uma outra questão - e esta, naturalmente, será remetida para uma futura revisão constitucional -, que é a seguinte: segundo o artigo 165.º da Constituição, cuja epígrafe é «Reserva relativa da Assembleia da República», as bases gerais do estatuto das empresas públicas e das fundações públicas são matéria de reserva da Assembleia da República. Assim, em minha opinião, seria extremamente importante que essas bases gerais não dissessem respeito apenas às empresas públicas e às fundações públicas mas também aos institutos públicos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminamos o debate da proposta de lei n.º 97/VIII. No entanto, deu entrada na Mesa um requerimento, subscrito por 11 Deputados do Partido Socialista, o que excede o número regimental exigido pois bastavam 10, no sentido de esta proposta de lei baixar à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sem votação, na generalidade, para melhor apreciação, o qual vamos votar.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente, para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

Página 348

0348 | I Série - Número 10 | 11 de Outubro de 2001

 

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, a minha interpelação é no sentido de saber a que título é que vamos votar hoje esse requerimento. Faço esta pergunta, porque, normalmente, esse tipo de requerimentos é votado imediatamente antes da votação, o que não irá ocorrer hoje mas, sim, amanhã, quinta-feira.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tratando-se de um agendamento potestativo…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas não é um agendamento potestativo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem toda a razão, votaremos o requerimento amanhã.
Srs. Deputados, a próxima reunião plenária realiza-se amanhã, às 15 horas, e, para além do período de antes da ordem do dia, terá como ordem do dia a discussão conjunta dos projectos de lei n.os 407/VIII (CDS-PP) e 492/VIII (PSD) e a apreciação da proposta de lei n.º 100/VIII.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 15 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
António José Gavino Paixão
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres
José Aurélio da Silva Barros Moura
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro

Partido Social Democrata (PSD):
Arménio dos Santos
Maria do Céu Baptista Ramos
Mário Patinha Antão

Partido Popular (CDS-PP):
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
António Fernando Marques Ribeiro Reis
Cláudio Ramos Monteiro
Fernando Ribeiro Moniz
João Cardona Gomes Cravinho
José Carlos Lourenço Tavares Pereira
José da Conceição Saraiva
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rui do Nascimento Rabaça Vieira

Partido Social Democrata (PSD):
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Paulo Martins Pereira Coelho
Carlos Manuel de Sousa Encarnação
Eugénio Fernando Sá Cerqueira Marinho
Joaquim Martins Ferreira do Amaral
José de Almeida Cesário
José Manuel Macedo Abrantes
Pedro Manuel Cruz Roseta

Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas

Partido Popular (CDS-PP):
Luís José de Mello e Castro Guedes

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