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0467 | I Série - Número 14 | 19 de Outubro de 2001

 

mulheres, tantos milhares, se não dezenas de milhar, sejam obrigadas a recorrer ao aborto nestas condições degradantes e sem apoio do Serviço Nacional de Saúde; a ameaça da lei não impede mulheres de serem julgadas hoje e, portanto, de poderem incorrer numa pena de prisão efectiva.
Ora, esta situação obriga-nos a tomar posição. Há aqui, porventura, uma maioria, para não dizer uma larga maioria, de Deputadas e Deputados que assumiram uma responsabilidade perante a Nação, dizendo que não aceitam que mulheres sejam presas por este motivo e, por isso, que esta lei continua a constituir um crime perante as consciência democráticas, perante a tolerância e perante a vontade de fazer evoluir a nossa legislação.
Diz a Deputada Helena Roseta que este julgamento é completamente imoral. Tem razão! Diz a Deputada Odete Santos que é uma vergonha. Tem razão! Diz o antigo Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde do governo do Professor Cavaco Silva, Albino Aroso (um médico que foi um dos fundadores do planeamento familiar em Portugal), que esta lei, que aqui temos de discutir, é do Terceiro Mundo - e tem razão! -, e por isso se bateu a favor da aprovação da nova legislação.
Em Portugal, temos uma situação que continua de pé, para não dizer mesmo agravada, porque, nada tendo sido feito para ampliar decisivamente o planeamento familiar, mantém o aborto na obscuridade, na ilegalidade, no negócio e na penalização e punição das mulheres que são forçadas a recorrer a ele.
Alguns abortos fazem-se à luz da lei, é certo: quando há um grave risco para a saúde da mulher, quando há malformação fetal, quando há problemas de violação e outros deste tipo. Mas isso significou 491 abortos praticados, no âmbito da lei, nos centros do Serviço Nacional de Saúde no ano de 1999, o último de que temos informação. Ou seja, temos aproximadamente, dizem-nos os cálculos, diz-nos o planeamento familiar, 40 000 mulheres que abortam, umas ricas, outras pobres, umas que podem recorrer ao aborto clandestino em condições de segurança e de dignidade médica e outras que não o podem fazer, e essas 40 000 mulheres continuam na obscuridade e na ilegalidade perante a lei.
É por isso, Sr.as e Srs. Deputados, que quero convidar este Parlamento a um debate sereno, tanto tempo passado da aprovação de uma legislação que ficou a meio caminho para prejuízo do País e para prejuízo das mulheres deste país.
Quero convidar o Parlamento a um debate sereno que permita o levantamento da situação actual do planeamento familiar, da informação sexual, da informação nas escolas, da situação do aborto legal e ilegal, no Serviço Nacional de Saúde, em Portugal e nos outros lugares onde fazem aborto clandestino mulheres portuguesas.
Um debate sereno para análise de toda esta informação e que permita chegar a uma maioria que modifique esta lei, no sentido em que todos os países europeus o têm vindo a fazer.
Há, para isso, uma maioria; haja, para isso, a convicção política. Mas talvez se possa constatar que o julgamento de hoje nos prova, e nos prova conclusivamente, que não podemos nem temos o direito de perder tempo.

Aplausos do BE e de alguns Deputados do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Francisco Louçã, as Sr.as Deputadas Helena Roseta, Isabel Castro e Margarida Botelho.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Roseta.

A Sr.ª Helena Roseta (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, como citou declarações que fiz hoje a um jornal, gostava de reiterar aqui que, efectivamente, afirmei e mantenho que é imoral julgar estas mulheres por aquilo que elas fizeram, embora, nas declarações à jornalista, tenha separado o caso das mulheres que recorreram ao aborto e o caso da pessoa que organizou o negócio especulativo sobre as mulheres que têm essa necessidade. Penso que essa separação deve ser feita, porque não devemos consentir em negócios especulativos sobre a saúde e as necessidades das pessoas.
O Sr. Deputado conhece a minha posição sobre esta matéria e sabe que a posição que tenho tomado vai no sentido de a Assembleia da República, uma vez esgotado o prazo de quatro anos sobre o referendo - que, segundo parece, é um período consensual nas várias forças políticas para manter uma situação em stand by, dado o resultado do referendo -, aprovar uma resolução para ser feito um levantamento em todo o País sobre a situação do planeamento familiar e do aborto clandestino.
É evidente que, pelo facto de ele ser clandestino, não é fácil fazer o levantamento, mas há muitas entidades que têm elementos que podem permitir chegar-se a uma avaliação da situação no País.
Este levantamento é essencial, porque penso que, mais do que esgrimirmos aqui argumentos sobre as nossas concepções morais, filosóficas ou ideológicas, é importante olharmos para a realidade. Aquilo que é imoral é termos uma lei que, das duas uma, para ser cumprida, abate-se sobre os mais pobres e os mais fracos, ou não é cumprida e, então, não vale a pena existir. Qualquer dessas hipóteses é imoral.
Portanto, penso que a lei deve ser mudada, mas em função de um conhecimento da realidade.
Sr. Deputado, a pergunta que lhe quero colocar é a seguinte: estaria disponível o seu partido para aprovar uma resolução da Assembleia da República para ser feito um levantamento nacional da situação em matéria de planeamento familiar e aborto clandestino?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Roseta, com certeza que tem de se distinguir o caso das 17 mulheres que estão a ser julgadas por terem praticado aborto daquilo que são redes clandestinas que beneficiam economicamente disso, não deixando, no entanto, de assinalar que é o facto de o aborto ser «clandestinizado» pela lei que permite que este negócio se desenvolva.
Quero também assinalar que nem tudo é igual como parece: encontramos, entre os arguidos, entre outros, assistentes sociais, membros de movimentos cristãos que auxiliaram mulheres em condições extremamente difíceis, e temos de perceber a diferença entre o que é o negócio e o que é a sinceridade. Mas isso o tribunal discutirá.
Quanto à sua pergunta, com certeza que sim, Sr.ª Deputada. Esta Assembleia tem poder, tem capacidade e creio

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