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0739 | I Série - Número 020 | 08 de Novembro de 2001

 

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Este é um Orçamento que, no que se refere à reforma fiscal e à tributação das grandes sociedades, traduz uma total inconstância do Governo, vagabundeando à medida das pressões e dos interesses do grande capital, transmitindo sinais contraditórios para a economia.
Sr. Primeiro-Ministro, quem pode acreditar num Governo que, menos de um ano após as alterações introduzidas nos impostos sobre o rendimento e nos benefícios fiscais, três meses depois da revisão global dos códigos, semanas depois de o Primeiro-Ministro e de o Ministro das Finanças terem jurado a sua fé sobre a reforma fiscal aprovada, sem sequer dar tempo a que as modificações entrassem em vigor dá o dito por não dito, suspendendo tudo, reconstruindo todas as medidas de favorecimento do capital financeiro?
A reforma fiscal tinha permitido introduzir no nosso ordenamento jurídico mais justiça tributária e melhores condições para o combate à fraude e à evasão fiscal. Desagravou-se a tributação sobre os rendimentos do trabalho e procurou-se acabar com o escândalo do Estado nada arrecadar em resultado de vultuosas transacções de património mobiliário e imobiliário geradoras de muitos milhões de contos de ganhos em mais-valias.
Era e é inaceitável que os rendimentos conseguidos a trabalhar sejam altamente tributados e que os rendimentos resultantes dos negócios bolsistas não o sejam. Naturalmente, os grandes interesses económicos e financeiros tocados por estas alterações reagiram - e reagiram fortemente - com pressões, exigências e chantagens.
Esperava-se de um Governo que se dizia empenhado em introduzir mais justiça no sistema que reagisse com firmeza a estas intoleráveis manifestações de afrontamento por parte do poder económico. Mas a verdade é que o Governo do PS e o Eng.º Guterres fizeram exactamente o contrário: vergaram-se a essas pressões e aproveitaram a primeira oportunidade para dar o dito por não dito, fazendo, nalguns casos, recuar o sistema fiscal para situações anteriores aos próprios códigos.

Aplausos do PCP.

Entretanto, o Governo criou um original facto orçamental: como assumir já um recuo total poderia ser excessivo para a opinião pública e até para o interior do próprio Partido Socialista, o Governo tratou de descansar as boas consciências, prometendo neste Orçamento para 2002 legislar já para 2003, dizendo que, então, sim, a tributação sobre as mais-valias será reposta mas, em todo o caso, reduzida a metade. Mas para já fica tudo sem efeito e, entretanto, volta a adiar os jurados compromissos de até ao final deste ano avançar com o imposto sobre o património e com o imposto automóvel.
Eis alguns exemplos da futura tributação, a acreditar, mesmo ingenuamente, nas novas promessas do Primeiro-Ministro para 2003.
Em IRS, o saldo líquido das mais-valias de acções só é considerado em 50%, independentemente do período da sua detenção. Desta feita o Governo comete ainda a proeza de beneficiar os movimentos especulativos de capitais de curto ou curtíssimo prazo.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Uma vergonha!

O Orador: - Acresce outra solução orçamental insólita: a tributação sobre as mais-valias deixa outra vez de existir - ou, dito de forma mais eufemística, fica suspensa -, mas, se houver menos-valias no mesmo tipo de movimentos, já os prejuízos podem ser reportados durante os cinco anos seguintes.
Terceiro exemplo em IRS: o regime de tributação de dividendos. Sr. Primeiro-Ministro, as alterações propostas traduzem-se na curiosa conclusão de que vão beneficiar somente os mais elevados rendimentos, que se encontram no escalão dos 40%.
Vamos agora ao IRC. Sr. Primeiro-Ministro, de facto, também há alterações em matéria de tributação das empresas. Também aqui o saldo líquido das mais-valias em resultado da alienação de activos passa a ser tributado só a 50% (com a reforma fiscal era tributado a 100%), e ainda com um prémio extra: este benefício passa a ser alargado ao activo incorpóreo, o que quer dizer que uma empresa pode vender património produtivo (máquinas, por exemplo) e apostar, com as mais-valias apuradas, em negócios na bolsa, situação que, aliás, não era aceite, e bem, pelo quadro legal anterior à reforma fiscal.

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - Às holdings era exigida uma participação de 25% no capital das associadas para poderem ter acesso aos benefícios nas operações realizadas dentro de cada grupo, agora passa a bastar uma participação de 10%.
Mas há mais, Sr. Primeiro-Ministro: a partir deste Orçamento, os saldos das mais-valias realizadas antes de 1 de Janeiro de 2001 podem ser incluídos nos resultados de qualquer exercício anterior (de preferência um em que tivesse havido prejuízos), à vontade do freguês e sem exigência de reinvestimento. Só aqui estima-se em cerca de 600 milhões de contos as mais-valias nesta situação. Não será exagero afirmar que só nesta operação os grandes grupos económicos embolsarão - e o Estado perderá - qualquer coisa como 180 milhões de contos em impostos!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Uma vergonha!

O Orador: - Vamos agora às operações nas zonas francas, para o caso, o off-shore da Madeira.
O Governo quis fazer crer que iria aqui apertar o controlo aos movimentos ilícitos de capitais, mas a verdade é que para as holdings alargam-se as isenções às mais-valias, e não só aos lucros. As instituições financeiras deixam de ser solidárias no pagamento do imposto devido quando se comprove que a operação afinal foi realizada de modo fraudulento. E, finalmente, alivia-se a exigência de certificação da qualidade de não residente, condição para beneficiar das isenções inerentes à zona franca. Praticamente, passa a servir qualquer meio de prova, e para as holdings até se afirma que estão dispensadas da comprovação exigida às restantes entidades.
Mesmo as medidas de clarificação introduzidas no regime simplificado e na pequena agricultura deixam de fora, entre outras, a publicação dos coeficientes técnicos e a situação dos rendeiros, sem os quais a sua aplicação continuará a gerar múltiplas injustiças.
É evidente que, perante tantas benesses, os interesses financeiros - embora rindo-se - só teriam, de novo, de aplaudir com todas as mãos o recuo do Governo. Afinal, o Governo do Partido Socialista ainda tem muito para dar-lhes!
Mas esta proposta de Orçamento, Sr. Primeiro-Ministro, é tanto mais chocante quanto, em contrapartida, o Governo se prepara para transferir para quem trabalha os custos das suas opções.

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