Página 1227
Quinta-feira, 7 de Fevereiro de 2002 I Série - Número 32
VIII LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2001-2002)
COMISSÃO PERMANENTE
REUNIÃO DE 6 DE FEVEREIRO DE 2002
Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos
Secretários: Ex. mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Manuel Maria Moreira
S U M Á R I O
O Sr. Presidente declarou aberta a reunião às 15 horas e 45 minutos.
Antes da ordem do dia.- Deu-se conta da entrada na Mesa de quatro ofícios do Presidente da República, um, comunicando a devolução, sem promulgação do Decreto da Assembleia da República n.º 185/VIII, e três, comunicando a devolução, sem promulgação dos Decretos da Assembleia da República n.os 189, 192 e 197/VIII.
Deu-se, ainda, conta da entrada na Mesa de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Foi aprovado um parecer da Comissão de Ética relativo à retoma de mandato de dois Deputados do PS e à situação de suspensão do mandato de um Deputado do PS.
Foi também aprovado o voto n.º 171/VIII - De pesar pelo falecimento do ex-Deputado Raúl Rêgo (Presidente da AR, PS, PCP, PSD, CDS-PP e Os Verdes). Proferiram intervenções, além do Sr. Presidente e do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães), os Srs. Deputados Mota Amaral (PSD), António Reis (PS), Basílio Horta (CDS-PP), Bernardino Soares (PCP), Francisco Louçã (BE) e Isabel Castro (Os Verdes). No final, a Comissão Permanente aplaudiu de pé em sua memória.
Foi ainda aprovado o voto n.º 172/VIII - De pesar pela morte trágica do agente da PSP Felisberto Silva, após o que a Comissão Permanente guardou um minuto de silêncio. Produziram intervenções, além do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, os Srs. Deputados Telmo Correia (CDS-PP), Osvaldo Castro (PS), Guilherme Silva (PSD), Francisco Louçã (BE), António Filipe (PCP) e Isabel Castro (Os Verdes).
A Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite (PSD), a propósito do alerta da Comissão Europeia relativo às finanças públicas portuguesas, lembrou que desde há muito vinha chamando a atenção para esta situação, tendo criticado as suas causas. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Basílio Horta (CDS-PP) e Francisco Assis (PS).
O Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro (PS) contestou a análise feita pela oradora que o antecedeu bem como as medidas financeiras defendidas pelo líder do PSD.
O Sr. Deputado Lino de Carvalho (PCP) congratulou-se com o início do encerramento das comportas da barragem do Alqueva e manifestou preocupação por várias componentes do projecto estarem por definir, tendo respondido a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado António Martinho (PS).
O Sr. Deputado Basílio Horta (CDS-PP), além do esclarecimento que prestou ao Sr. Deputado Lino de Carvalho (PCP) sobre a barragem do Alqueva, falou também sobre a situação das finanças públicas portuguesas.
O Sr. Deputado Francisco Louçã (BE) alertou para a vulnerabilidade das relações entre o sistema político, os clubes de futebol e as grandes empresas de construção, designadamente, no que diz respeito ao Euro 2004.
A Sr.ª Deputada Isabel Castro (Os Verdes), a propósito da discussão pública do Programa Nacional de Combate às Alterações Climáticas, criticou o Governo por não ter desenvolvido o transporte ferroviário, por continuar com os testes de
Página 1228
co-incineração e por não promover uma política de redução dos resíduos industriais.
Ordem do dia.- Foram aprovados os n.os 23 a 31 do Diário.
Por fim, a Comissão Permanente aprovou três pareceres da Comissão de Ética, dando assentimento a que o Sr. Presidente da AR e vários Deputados do PS prestem depoimento, como testemunhas, em tribunal, e, outro, denegando autorização a um Deputado do PS a prestar depoimento, como testemunha, em tribunal.
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 17 horas e 35 minutos.
Página 1229
1229 | I Série - Número 032 | 07 de Fevereiro de 2002
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que está aberta a reunião.
Eram 15 horas e 45 minutos.
Estavam presentes os seguintes Sr. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
António Alves Martinho
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António Fernando Marques Ribeiro Reis
António Manuel Dias Baptista
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Fernando Pereira Serrasqueiro
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Jamila Barbara Madeira e Madeira
José Aurélio da Silva Barros Moura
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Partido Social Democrata (PSD):
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
João Bosco Soares Mota Amaral
Joaquim Martins Ferreira do Amaral
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José David Gomes Justino
José Manuel de Medeiros Ferreira
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Maria Moreira
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
Bernardino José Torrão Soares
João António Gonçalves do Amaral
Lino António Marques de Carvalho
Partido Popular (CDS-PP):
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da França
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Isabel Maria de Almeida e Castro
Bloco de Esquerda (BE):
Francisco Anacleto Louçã
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.
O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de S. Ex.ª o Presidente da República recebemos quatro ofícios, dirigidos ao Sr. Presidente da Assembleia da República, do seguinte teor:
Nos termos do artigo 279.º, n.º 1, da Constituição, devolvo sem promulgação o Decreto da Assembleia da República n.º 185/VIII, recebido na Presidência da República no passado dia 11 de Janeiro para ser promulgado como lei, pelo facto de o Tribunal Constitucional se ter pronunciado pela sua inconstitucionalidade, com fundamento em violação do artigo 167.º, n.º 6, da Constituição.
Nos termos do artigo 136.º, n.º 1, da Constituição, junto devolvo, sem promulgação, o Decreto da Assembleia da República n.º 189/VIII, recebido na Presidência da República no passado dia 16 de Janeiro para ser promulgado como lei, com os fundamentos constantes da mensagem que anexo.
Nos termos do artigo 136.º, n.º1, da Constituição, junto devolvo, sem promulgação, o Decreto da Assembleia da República n.º 192/VIII, recebido na Presidência da República no passado dia 16 de Janeiro para ser promulgado como lei, com os fundamentos constantes da mensagem que anexo.
Nos termos do artigo 136.º, n.º 1, da Constituição, junto devolvo, sem promulgação, o Decreto da Assembleia da República n.º 197/VIII, recebido na Presidência da República no passado dia 21 de Janeiro para ser promulgado como lei, com os fundamentos constantes da mensagem que anexo.
Foram apresentados na Mesa diversos requerimentos.
No dia 23 de Janeiro - ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado António Saleiro; aos Ministérios da Saúde, do Ambiente e Ordenamento do Território e do Equipamento Social, formulados pelo Sr. Deputado Fernando Costa; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Agostinho Lopes; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Bruno Dias; aos Ministérios do Equipamento Social, da Reforma do Estado e da Administração Pública, da Economia e do Trabalho e da Solidariedade, formulados pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; ao Ministério do Trabalho e da Solidariedade, formulado pela Sr.ª Deputada Natália Filipe; aos Ministérios do Trabalho e da Solidariedade e da Economia, formulados pelo Sr. Deputado Vicente Merendas; aos Ministérios do Trabalho e da Solidariedade, da Defesa Nacional e da Administração Interna, formulados pelo Sr. Deputado Paulo Portas.
Nos dias 29, 30 e 31 de Janeiro - aos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Administração Interna, formulados pela Sr.ª Deputada Maria Manuela Aguiar; ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Bruno Dias e Margarida Botelho; ao Ministério da Justiça e à Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, formulados pela Sr.ª Deputada Isabel Castro; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Agostinho Lopes.
Página 1230
1230 | I Série - Número 032 | 07 de Fevereiro de 2002
Por sua vez, foi recebida resposta a requerimentos apresentados por vários Srs. Deputados.
No dia 24 de Janeiro - Honório Novo, Agostinho Lopes, Vicente Merendas, Carlos Alberto, Manuel Alegre, Maria Manuela Aguiar, José Eduardo Martins, Luís Cirilo, José Cesário, Caio Roque, Rodeia Machado e Rosado Fernandes.
No dia 25 de Janeiro - Vicente Merendas, Agostinho Lopes, Telmo Correia, Barbosa de Oliveira, Honório Novo, Paulo Portas, Maria Manuela Aguiar, Ana Manso, Fernando Rosas, Mota Amaral, Fernando Jesus e Francisco Torres.
No dia 30 de Janeiro - Basílio Horta, Manuel Oliveira, Rosado Fernandes, Fernando Rosas, Duarte Pacheco, Agostinho Lopes, Miguel Miranda Relvas, Maria Manuela Aguiar, Isabel Castro, Mota Amaral, Honório Novo, Manuel Queiró, Caio Roque, Manuel Moreira, Francisco Torres, João Pedro Correia, Margarida Botelho, Natália Filipe, Heloísa Apolónia e Francisco Torres.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, passo a dar conta de um relatório e parecer da Comissão de Ética, do seguinte teor:
1 - Em reunião da Comissão de Ética, realizada no dia 6 de Fevereiro de 2002, pelas 15 horas, foram observadas as seguintes retomas de mandatos de Deputados:
Nos termos do artigo 6.º, n.os 1 e 2, do Estatuto dos Deputados (Lei n.º 7/93, de 1 de Março):
Grupo Parlamentar do Partido Socialista (PS) - Antero Gaspar de Paiva Vieira (Círculo Eleitoral de Aveiro), cessando Teresa Maria Neto Venda, em 3 de Fevereiro corrente, inclusive;
Nelson Madeira Baltazar (Círculo Eleitoral de Santarém), cessando João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira, em 3 de Fevereiro corrente, inclusive.
2 - Transição da situação de suspensão do mandato nos termos do artigo 20.º, n.º 1, alínea g), para a situação de suspensão do mandato nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea d), ambos do Estatuto dos Deputados, por um período não inferior a 45 (quarenta e cinco) dias, do Deputado do PS Alberto Marques Antunes (Círculo Eleitoral de Setúbal), com efeitos a 3 de Fevereiro corrente, inclusive.
3 - Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
4 - Finalmente, a Comissão entender proferir o seguinte parecer:
As retomas de mandatos e a transição de suspensão de mandato em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Como não há inscrições, vamos votar o parecer.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Srs. Deputados, vamos apreciar o voto n.º 171/VIII - De pesar pelo falecimento do ex-Deputado Dr. Raúl Rêgo, subscrito por mim próprio, pelo PS, PCP, PSD, CDS-PP e Os Verdes, do seguinte teor: «Após doença prolongada, deixou-nos o Dr. Raúl Rêgo.
Poucos portugueses terão ficado insensíveis à sua morte. Ele era, não apenas uma personalidade notória, mas um cidadão estimado e até venerado.
Foi, até à reconquista da liberdade, um indómito resistente. Bateu-se com talento, determinação e coragem pela queda do anterior regime, e pela instituição em Portugal de um regime livre, democrático e justo, e de um Estado de direito que nos devolvesse o respeito do mundo civilizado.
A sua pena de jornalista insigne foi o seu aríete. Ninguém como ele se bateu contra a censura. «Pena de ouro», foi chamado. E de ouro eram de facto as suas catilinárias contra a censura, as prisões arbitrárias e os demais atropelos aos Direitos Humanos.
O jornal República foi a sua barricada. E tão corajosamente a defendeu que a ditadura não conseguiu vencê-la.
Várias vezes preso (era «um dos do costume», para desestímulo de outros candidatos à rebeldia) enfrentou sempre os sacrifícios que lhe eram impostos com exemplar coragem física e moral. Pelo contrário: retirava das perseguições que lhe eram movidas suplementos de ânimo para futuros combates. A sua permanente flagelação do poder despótico contribuiu, a par de outros, para o seu ostracismo e o seu enfraquecimento.
Após o 25 de Abril continuou, na legalidade, a sua luta contra o risco de perda das liberdades conquistadas. Foi Ministro da Comunicação Social no I Governo Provisório, após ter chegado a ser indigitado para o cargo de Primeiro-Ministro. Foi Deputado Constituinte, e depois disso Deputado em todas as legislaturas menos a última. O seu precário estado de saúde não lhe permitiu morrer no seu posto, como teria sido seu desejo.
Foi em toda a sua vida um homem de princípios e convicções. Até à pertinácia. Até à teimosia.
Despojado de ambições materiais, abria uma excepção para a paixão bibliófila! A única «fortuna» que amealhou foi a sua prodigiosa biblioteca, constituída por milhares de volumes, e recheada de primeiras edições e in-fólios que são raridades.
Deixa-nos, para além disso, uma importante bibliografia. Já avançado em anos atirou-se ao projecto de uma História da República em seis volumes.
A herança maior, porém, é o seu exemplo. A lição do seu carácter.
Na sua reunião de 6 de Fevereiro de 2002, a Assembleia da República, através da sua Comissão Permanente, aprovou, por unanimidade, um comovido voto de pesar pela perda irreparável de Raúl Rêgo, cidadão exemplar, e endereçou à sua família e ao Partido Socialista, de que foi fundador e dirigente ilustre, as mais sinceras condolências.»
Tem a palavra para, sobre o voto, se pronunciar o Sr. Deputado Mota Amaral.
O Sr. Mota Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: O falecimento do antigo Sr. Deputado Raúl Rêgo, lá por serenamente ser aguardado, em função da sua provecta idade e da grave doença de que padecia, nem por isso é menos doloroso.
Raúl Rêgo é um nome de referência na luta pela liberdade e pelos direitos cívicos, que marcou a vida política portuguesa durante quase meio século.
Jornalista ilustre, manteve, com a sua pena acutilante, um permanente fogo de barragem sobre o regime ditatorial.
Cidadão destemido, surgiu sempre na primeira linha de todas as movimentações da Oposição Democrática.
Era, por isso, um dos alvos preferidos da Censura e uma das vítimas habituais dos excessos da polícia política.
Página 1231
1231 | I Série - Número 032 | 07 de Fevereiro de 2002
Um tal combate cívico, assumido como projecto e compromisso de vida, custou-lhe inúmeros sacrifícios, heroicamente partilhados pela sua Família.
Pequeno em tamanho, como transmontano de antiga e rija cepa, a sua coragem moral agigantou-lhe a figura, tornando-o credor de respeito e admiração.
Teve a dita de ver raiar, em Portugal, finalmente, a liberdade. E desde o próprio dia 25 de Abril, ao lançar na rua, como director do República, o primeiro jornal livre de muitas décadas, tornou-se actor de primeiro plano na construção da democracia e do Estado de Direito.
Ministro do I Governo Provisório, Deputado à Assembleia Constituinte, Deputado à Assembleia da República, jornalista sempre e sempre combativo, Raúl Rêgo não conheceu sequer o merecido repouso do guerreiro, mantendo-se vigilante até ao fim na defesa dos seus ideais.
Pude testemunhá-lo nas visitas que lhe fiz - e tanta pena tenho agora de não terem sido mais… - durante os anos da sua enfermidade.
Tínhamos, naturalmente, muitas divergências - mas convergíamos também em muitas coisas. A começar por esse facto acidental de termos nascido na mesma data, com umas boas três décadas de diferença…
Raúl Rêgo foi muito crítico no meu desempenho como Presidente do Governo da Região Autónoma dos Açores. Mas quando voltei ao Parlamento, em 1995, foi o primeiro colega a vir ao meu encontro, de braços abertos, para me desejar felicidades. E foi esta cordial gentileza a origem de uma boa amizade!
Muitas vezes conversámos, aqui, no Hemiciclo de São Bento e depois em sua casa, acerca de diversos episódios controversos, que hoje são já História, incluindo a intervenção política e o significado da Ala Liberal, que Francisco Sá Carneiro liderou. E sempre apreciei a sua independência e rectidão de juízo, e a profundidade dos seus conhecimentos sobre a história política do nosso país, em especial sobre o conturbado período da I República.
Durante os tempos do fim, comoveu-me encontrá-lo, transpondo o pequeno jardim do chalet onde morava, em Alvalade, muito digno e bem cuidado, cumulado da dedicação e do afecto da Família, acompanhado algumas vezes por velhos amigos, rodeado sempre por pilhas de jornais e livros, a sua derradeira companhia.
A morte de Raúl Rêgo deixa de luto a sua Família e Amigos; mas também o Partido Socialista, de que foi um dos fundadores; a Maçonaria Portuguesa, de cujo ramo histórico, o Grande Oriente Lusitano, foi Grão-Mestre; o Jornalismo - e não só em Portugal…; e a Assembleia da República, que marcou e honrou com a sua presença.
Em nome do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata, a todas essas entidades endereço sentidas condolências, curvando-me respeitosamente perante a memória de quem bem merece o galardão de ser contado entre os patriarcas da democracia portuguesa.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.
O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, é com profunda emoção que aqui evoco a figura e a personalidade Raúl Rêgo, um dos fundadores do Partido Socialista, tal como eu, em 1973.
Evoco comovidamente a figura do grande resistente à ditadura, preso quatro vezes pela polícia política, autor de opúsculos que iam sendo sucessivamente apreendidos. Alguém que, através do jornalismo e, sobretudo, enquanto director do jornal República, travou um combate incessante contra a censura pela defesa dos ideais democráticos. Alguém que, mesmo depois do 25 de Abril, à frente do jornal República, resistiu à tentativa, infelizmente consumada, nessa altura, que levou a que a comissão de trabalhadores, esquerdista, desse jornal se tivesse apoderado, contra todos os princípios democráticos, do jornal República. Alguém que, também por isso, mereceu um dos mais altos galardões da imprensa internacional, como aqui já foi evocado, a «Pena de ouro».
Mas evoco também, hoje, o parlamentar. Raúl Rêgo era um Deputado que amava profundamente esta Casa, era alguém que fazia do Parlamento, verdadeiramente, a sua segunda casa, alguém que víamos aqui sempre (só quando a doença o não permitia é que faltava às reuniões do Plenário ou das comissões a que pertencia), alguém que vivia com convicção e com profundo entusiasmo os debates que aqui se travavam. E tudo isto, afinal, porque foi alguém que sentiu na sua própria carne o que é a dureza e a vileza de um regime anti-parlamentar, como foi aquele que nos governou durante 48 anos.
Daí, também, esse seu amor ao Parlamento, esse seu amor à vida parlamentar, ao debate, ao conflito democrático, ainda, que, por vezes, em termos bastante exaltados, como alguns de nós, certamente, se recordarão.
Raúl Rêgo foi alguém que elevou o seu amor ao Parlamento e à democracia até ao ponto de ter vindo aqui, em 1997, numa cadeira de rodas, votar favoravelmente os projectos de lei de despenalização da interrupção voluntária da gravidez.
Recordo, a esse respeito, as palavras oportunas que Mário Mesquita escreveu há poucos dias: «Com a coragem e coerência que marcaram a sua vida, considerou seu dever, na melhor tradição do socialismo democrático e da social-democracia europeia, defender a despenalização do aborto.» Espero que este seu último legado venha a ser respeitado na próxima legislatura pelos Deputados do meu grupo parlamentar.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Raúl Rêgo foi, sem dúvida, exemplar na defesa dos valores cívicos da cidadania, da justiça social e da liberdade.
Grão-Mestre da República, como lhe chamou, com rara felicidade, o jornal Público, não foi, felizmente, o último republicano, como lhe chamou, também, é certo que elogiosamente, o meu querido camarada Manuel Alegre. Eu diria, antes, que ele foi o primeiro dos republicanos, porque, felizmente, muitos outros aí estão, dentro ou fora do Parlamento, para retomarem e agarrarem o seu testemunho.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.
O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há homens que passam pela vida de uma maneira tão ténue e tão rápida que precisam de grandes elogios fúnebres para serem recordados. Não é o caso do Dr. Raúl Rêgo.
Conheci o Dr. Raúl Rêgo nesta Casa que, como bem disse o António Reis, ele amava acima de tudo - era um
Página 1232
1232 | I Série - Número 032 | 07 de Fevereiro de 2002
verdadeiro parlamentar republicano, à boa maneira de parlamentar republicano - e foi aqui que o comecei a estimar e a respeitar.
Ateu, maçon, de esquerda republicana - aí, no republicanismo, entre mim e ele não nos afastávamos, porque eu também sou profundamente republicano, mas, quanto ao resto, havia, efectivamente, um afastamento. No entanto, poucas pessoas respeitei tanto como ele, aqui.
E como eu me revia nele, quando ele, entusiasmado, batia com as mãos nas bancadas, dando prova de uma vitalidade enorme naquilo que pensava, às vezes pouco compreendido por quem estava a falar. Havia, no fundo, o debate das ideias, havia, no fundo, não a bavardage parlamentar, que tanto criticam, mas o confronto sério, o confronto duro entre ideias que ele representava e que, creio, é o cerne da vida parlamentar.
Em meu entender, mais do que a função legislativa ou a fiscalização ao Governo, o debate das ideias e o confronto de opiniões são o cerne da vida parlamentar, que ele apreendeu como ninguém.
Fundamentalmente, como se refere no voto de pesar, o que fica é o seu carácter, é a sua abertura de espírito. E que longa conversa, a última que tive com ele, na Livraria Sá da Costa, onde nos encontrámos, já ele muito doente… E como foi bom falar com ele. Nessa altura, eu estava afastado da política e como foi bom verificar a independência que ele tinha mesmo em relação ao seu próprio partido, fundamentalmente em relação ao seu próprio partido.
É desses homens livres que nós precisamos, é dessa gente livre que nós precisamos para melhorar a nossa própria acção política. Esses homens têm de ser lembrados, não devem ser excluídos. Devem ser ajudados, apoiados, entronizados, porque a democracia passa por eles, não passa, seguramente, por aqueles que estão permanentemente ligados aos directórios partidários nem por aqueles que estão sempre de servis baixa a dizer «sim» a tudo.
Raúl Rêgo não era nada disto. E nisso nós estávamos juntos, encontrávamo-nos aí. Como nos encontrámos na rua, no jornal República. Eu também estava lá, a defender a liberdade que ele representava ali como ninguém! Esse é o grande encontro que vale a pena ser vivido.
Hoje, tudo aquilo que nos afastou só serve para melhor o lembrarmos e mais o respeitarmos, como ele nos respeitava a nós, na diferença. Aí está o grande valor da democracia: não há inimigos, há adversários, e há adversários que, muitas vezes, são mais amigos do que os correligionários!
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome da bancada do PCP e em meu nome pessoal, também nos associamos ao voto que o Sr. Presidente nos apresenta sobre a morte do Dr. Raúl Rêgo, valorizando e salientando o seu combate contra o fascismo durante tantos anos da sua vida; valorizando e salientando a sua participação e intervenção parlamentar tão rica, mesmo quando estivemos em divergência.
O respeito que tinha pela instituição parlamentar e a valorização que sempre entendeu fazer da instituição parlamentar penso que é uma das marcas que fica da vida e do contributo de Raúl Rêgo.
Pela nossa parte, fica-nos bem na memória a última imagem que tivemos de Raúl Rêgo nesta Assembleia, ao vir assumir, com esforço e em condições de saúde já precárias, uma questão de princípio, uma questão de vontade própria importante, já aqui referida, aquando da votação sobre a interrupção voluntária da gravidez.
Julgo que foi um acto de coragem e de valorização dos seus princípios que fica bem como a imagem de Raúl Rêgo nesta Assembleia da República.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Associo-me, naturalmente, às palavras, ao sentido e à emoção do voto que é presente à Assembleia da República e queria transmitir aos amigos, em particular àqueles que o acompanharam desde sempre, os Drs. António Reis e Almeida Santos, e a todo o Partido Socialista, as minhas condolências e as do Bloco de Esquerda por esta perda tão trágica.
Quando olhamos para trás e pensamos numa figura como a do Dr. Raúl Rêgo, olhamos para o que foi o século XX português. Talvez dele se possa dizer - dele e de algumas outras pessoas, mas seguramente dele - que cada um de nós vive no seu tempo, constrói o seu tempo e nele encontra algumas encruzilhadas. Há quem tenha essa força de fundar caminhos novos, de contribuir para caminhos novos e quem, em contrapartida, veja passar o tempo que vai sempre passando.
Raúl Rêgo foi um fundador. Foi seminarista e, depois, escolheu ser anticlerical, ser maçónico, ser democrata, ser republicano, bater-se pelas suas ideias. E não é extraordinário que, nesta Assembleia, apesar de tantas diferenças que marcaram as fronteiras do debate político e da contraposição política, ele possa ser respeitado e elogiado pela sua frontalidade e pela sua clareza, como estamos a ver ao longo deste debate e da emoção que lhe emprestamos. Foi justamente assim: uma figura fundadora.
Assim foi Raúl Rêgo e assim nos devemos lembrar dele.
Olhando para ele, olhando para o que nos deixa, percebemos que o século XX foi também um tempo que passou e que o combate ao fascismo, à ditadura, que marcou a evolução dessa trajectória política, deu origem a um Parlamento, a um sistema democrático e a um sistema de liberdades políticas, em que a responsabilidade continua a ser necessária, tão necessária, mais necessária do que nunca e, por isso, talvez não seja surpreendente que nos lembremos dele pelo que foi, pela última memória que ele trouxe a esta Assembleia ao votar, em 1997, a lei despenalizando o aborto e por aquilo que foi deixando, pelo trabalho inacabado que é a República que está por fazer.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não tendo tido o privilégio, como outros colegas nesta Câmara, de conhecer mais de próximo o
Página 1233
1233 | I Série - Número 032 | 07 de Fevereiro de 2002
Dr. Raúl Rêgo, tenho dele a imagem que todos os portugueses guardam, que não é fictícia: uma imagem que é uma história, um percurso, uma vida feita de rebelião, feita de resistência, feita de coragem, feita de coerência.
Há, seguramente, algo que é marcante na sua trajectória. E o que julgo que é marcante é o que deve pautar a forma como cada um de nós se move na vida, ou seja, agindo sempre em função daquilo em que acreditamos e tendo sempre a frontalidade de o fazer.
Não é, seguramente, por acaso que dessa forma tantas amizades se criam. Veja-se, por exemplo, o consenso e a amizade muito forte que marca a intervenção do Deputado António Reis, pelo olhar que tem sobre ele, e também não deixa de ser significativo que o Deputado Mota Amaral fale dele da forma como falou.
Fundamentalmente, julgo que é pelo confronto claro, pelo respeito mútuo que se constroem as opiniões. Mas o respeito também me parece essencial neste espaço.
O Dr. Raúl Rêgo marca uma geração e tem um papel muito importante como referência para muitos de nós pelos valores pelos quais se bateu. Mas eu, como mulher, não posso deixar de recordar, a 20 de Fevereiro de 1997, a sua entrada neste Parlamento para testemunhar que, ao longo da sua vida e em coerência, se bateu até ao limite por aquilo em que acreditou e, neste caso, acreditou que as mulheres têm o direito de escolher sobre si próprias. Essa é, seguramente, uma das marcas, um dos registos que guardo entre muitas outras coisas que fizeram a sua vida.
Ao Partido Socialista, aos seus amigos, aos seus companheiros e à sua família, naturalmente, quero, em nome de Os Verdes, manifestar o meu respeito e o meu pesar.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nenhuma dúvida existe de que Raúl Rêgo é um daqueles vultos que merecem a rara distinção de poderem ser homenageados genuinamente por pessoas de todos os quadrantes, sem abdicação de convicções. É isso a que assistimos aqui.
Ele foi, sem dúvida nenhuma, um resistente aos piores males que fustigaram Portugal ao longo de muitos ciclos, de uma vida riquíssima, que se identifica com o essencial de um século e de um sofrer e de um viver português.
O que combateu no princípio, pode dizer-se que continuou a combater até ao fim. E fê-lo com aquela valentia, com aquele denodo e com aquele toque de pureza que o distinguiu de todos os seus pares. Seja qual for o lugar que ocupe entre os republicanos, será sempre, seguramente, uma referência que nos transcende a todos e que a todos nos honra.
Julgo que é justo dizer que deu ânimo, e pessoalmente lho agradeço. Deu ânimo e foi humilde quando podia apenas ordenar e ser obedecido. E sempre explicou porquê e sempre explicou as causas, e isso também o distinguiu.
Tive o privilégio de o conhecer em circunstâncias muito particulares e que muito me tocam e aqui, nesta Câmara, pude testemunhar em muitos momentos até que ponto é que ele era capaz de decisões que a todos nos surpreendiam e nos deixavam com o espírito de que podíamos receber lições de alguém. E dele as recebi, e espero não as esquecer.
Julgo que é justo também assinalar que amava o Parlamento com um saber profundo. É uma instituição especial esta, o Parlamento, sem dúvida nenhuma. E ele conheceu-a bem na sua conformação histórica; ele procurou-a explicar; ele procurou romper os silêncios, mesmo quando Parlamento deveras não havia mas um simulacro; ele ajudou a romper os «véus» que rodeavam esse simulacro e a sublinhar como era grave a «mutilação» parlamentar, o que é que significava não haver um órgão livre onde as vozes se ergam em confronto plural, no dissídio ou na convergência, para decidir as questões que apoquentam a polis num determinado momento histórico e virar o rumo das coisas, se assim for a vontade popular.
Conheceu, explicou, ajudou a amar. E esse amor, que é capaz de ser pedagógico, é um exemplo também para todos nós.
À família e a todos aqueles que estão enlutados, gostaria de dirigir, em nome do Governo, as mais sentidas condolências e de dizer, Sr. Presidente, que o voto que V. Ex.ª redigiu sintetiza magnificamente aquilo que foi para todos nós um grande e notável exemplo.
Associo-me, portanto, em nome do Governo, a tudo, mas absolutamente a tudo, que nele se diz.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados, para além do que se diz no voto, que é inteiramente merecido, queria juntar-me às vossas considerações para dizer que Raúl Rêgo foi, desde sempre, uma das minhas referências e um dos meus paradigmas políticos e humanos.
Era um ser humano excepcional e era um político de uma coragem verdadeiramente extraordinária. Eu diria que, como resistente, ele foi o mais genuíno e o mais puro de todos nós. Ali não havia considerações de outra ordem que não fossem as considerações de carácter ideológico e a força das suas próprias convicções, não tinha outros interesses.
Morreu sem ambições materiais, como sempre viveu, como eu disse. Só deixou como valor estimável a sua biblioteca, onde, como bibliófilo extraordinário, reuniu in-fólios excepcionais e primeiras edições, hoje raríssimas.
Recordo uma visita que fiz com ele a Macau, em que ele foi a meu convite, e quando visitámos a biblioteca do Leal Senado um funcionário inestimável dizia: «Temos aqui esta preciosa primeira edição de Padre António Vieira». E ele respondia: «Não, a primeira edição não é essa! A primeira edição é outra!» e identificou-a. E o funcionário continuava «Temos aqui outra, do Camilo…» e ele dizia «Também não é, essa também não é uma primeira edição.» E voltava a identificá-la. Depois dizia: «Olhe, aqui é que está uma primeira edição. Esta sim!» E o funcionário dizia «Ah! Não sabia que era uma primeira edição!»
Era um bibliófilo extraordinário e de uma cultura e de uma memória excepcionais, repito, de uma memória verdadeiramente excepcional! Comparada com a dele, só a de Carlos Ferrão, outro historiador da República, que fez uma história da República praticamente de memória.
O Rêgo era, de facto, uma personalidade rara, um homem que, porventura, tende a não existir mais. De vez em quando lá me mandava para Moçambique um «SOS» dizendo «O República está falida, Almeida Santos!» E eu mandava uns «balões de oxigénio». E quando cheguei cá,
Página 1234
1234 | I Série - Número 032 | 07 de Fevereiro de 2002
depois do 25 de Abril, descobri, com pasmo, que eu era não apenas o maior accionista do República, mas, maioritariamente, accionista sozinho e podia dominar as assembleias gerais,…
Risos.
… embora, como compreendam, nunca tenha exercido o meu direito de voto.
Era verdadeiramente um homem excepcional! Era ele que reunia os conspiradores quando eu vinha a Portugal, e vinha com frequência; fazíamos reuniões conspirativas em que derrubávamos o governo no mês seguinte - ele ia cair, sem dúvida, no mês seguinte -, fazíamos textos de protesto que eram assinados por todos nós e eles eram presos na semana seguinte, para exemplo daqueles que pretendessem ter veleidades semelhantes.
Era, verdadeiramente, um homem de uma coragem única. Se quisesse caracterizar, em duas palavras, a personalidade do Raúl Rêgo diria: coragem e carácter. São as duas características mais inestimáveis e mais excepcionais do Raúl Rêgo.
É verdade que ele amava o Parlamento como poucos e viveu-o intensamente. Diria que era o menos faltoso de todos os Deputados, vinha aqui todos os dias, estava permanentemente no Parlamento.
Lembro-me de algumas vezes em que ele, já no fim da vida, um pouco devido à arteriosclerose, bramava em altos berros quando o PSD fazia afirmações com que ele não estava em concordância. Então, o PSD, que tinha por ele um profundo respeito, em vez de se zangar com ele dizia: «Ó Rêgo, olha o coração!»
Risos.
O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Exactamente!
O Sr. Presidente: - Isto são apontamentos de ternura e admiração que quero deixar aqui porque o Rêgo, de facto, era um homem estimável até nos seus pequeninos defeitos.
Estamos hoje aqui para lhe prestar esta merecidíssima homenagem porque quando morre um homem que foi nosso paradigma e nosso exemplo, todos nós morremos um pouco.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto n.º 171/VIII - De pesar pelo falecimento do ex-Deputado Dr. Raúl Rêgo.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Se me permitem, vamos, hoje, quebrar uma prática tradicional. Seguia-se, agora, um minuto de silêncio, mas vou propor um minuto de palmas.
Aplausos gerais, de pé.
O voto será transmitido à família enlutada e também ao Secretário-Geral do Partido Socialista, não ao seu Presidente porque este já está notificado.
Srs. Deputados, deu ainda entrada na Mesa o voto n.º 172/VIII - De pesar pela morte trágica do agente da PSP Felisberto Silva (CDS-PP), que é do seguinte teor: «Perante a trágica morte do jovem agente da PSP Felisberto Silva, no passado dia 4 de Fevereiro, no cumprimento da sua missão, a Assembleia da República, reunida em Comissão Permanente, expressa o seu profundo pesar, dirigindo a sua solidariedade à corporação a que este agente pertence e expressando, em particular à família enlutada, os seus sentimentos e condolências.»
Para uma intervenção, tem a palavra a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS-PP apresentou este voto de pesar por uma razão que nos parece fundamental, ou seja, esta Comissão Permanente, ainda que reunida em final de legislatura, não pode ignorar a consternação do País, a consternação da maioria ou da totalidade dos colegas e dos homens da PSP e a preocupação profunda do País em relação a esta morte.
O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Srs. Deputados, se repararem bem no conteúdo do voto, deliberadamente, não introduzimos nenhuma apreciação política. Fizemos unicamente aquilo que pensamos dever ser feito, aquilo que esta Assembleia tem, no mínimo, de fazer, que é dizer aos agentes da PSP, à família deste jovem agente e aos portugueses que sentimos esta morte, que ficámos preocupados com ela e que nos curvamos perante a memória da vítima.
É evidente que se podem fazer muitas considerações de natureza política a propósito desta mesma morte, como lembrar que estamos num País em que existem cada vez mais situações deste tipo, cada vez mais crimes e cada vez mais mortes desnecessárias, ou lembrar que estamos num País em que problemas sérios de integração social, problemas sérios de zonas metropolitanas e urbanas não são resolvidos e que esta situação não é um caso da vida, não é, como alguns Srs. Deputados disseram, em debates no passado - e sabem ao que me estou a referir -, só mais uma situação que infelizmente aconteceu.
Esta situação é mais trágica do que outras, mas tem tudo a ver com aquilo que aconteceu, há uns meses, num local bem próximo chamado Azinhaga dos Besouros, onde dois agentes foram baleados, e tem tudo a ver com o que aconteceu, há pouco mais de um mês, numa outra zona complicada da periferia de Lisboa chamada Cova da Moura. Em todas essas vezes, em tantas e tantas vezes, tivemos razão sobre esta mesma matéria.
Quero deixar claro que não é meramente uma posição de algum oportunismo político que diga que agora é preciso fazer isto ou aquilo que resolverá este mesmo problema. A questão dos agentes da PSP não é sequer a de saber se um determinado subsídio, designadamente o de risco, é pago ou não, foi pago ou sê-lo-á no futuro. Dizemos isto com a legitimidade de quem aqui apresentou - e penso que fomos os únicos - um projecto, que não chegou a ser aprovado, para consagração desse mesmo subsídio.
O que está em causa é o estatuto destes homens na sua totalidade, a autoridade e a confiança que lhes é dada, o seu estatuto remuneratório; o que está em causa são as condições em que eles exercem a sua actividade. A falta de homens na rua faz com que um jovem de 25 anos esteja sozinho numa zona problemática, sendo evidente que isto poderia ter acontecido, e pode acontecer, no futuro, com qualquer outro agente.
O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Exactamente!
Página 1235
1235 | I Série - Número 032 | 07 de Fevereiro de 2002
O Orador: - O que está em causa é, se quiserem, o modelo de policiamento.
Mas já dissemos tudo isso, no passado, e, sinceramente, as nossas públicas, conhecidas e reclamadas 50 medidas sobre a política de segurança servem-nos, perante esta tragédia, de muito pouco consolo!
O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - O que está em causa é também, obviamente, política e, em termos de política, perguntar se o País pode continuar com uma situação em que os seus agentes de segurança, se forem feridos (infelizmente, neste caso, e em relação a este jovem, não há nada a fazer), vão ou não ser atendidos pelo sistema de saúde e se alguém lhes vai reembolsar ou não o tratamento, porque as dívidas aos subsistemas de saúde, quer da PSP, quer da GNR, são de milhões de contos.
O que está em causa é perguntar onde é que está o apoio psicológico, não só aos agentes, como também, e sobretudo, às suas famílias.
O que está em causa é perguntar por que não foram implementados sistemas de seguros.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Isso não é um voto de pesar, é uma declaração política!
O Orador: - Tudo isto são considerações políticas, sim, Sr. Deputado Lino de Carvalho, porque de uma morte deste tipo, que hoje queremos sobretudo lamentar, tem de tirar-se também uma conclusão. A conclusão, que toda a Câmara tem de tirar, é a de que uma morte destas não pode ser em vão, tem de servir de lição e de exemplo. É preciso mudar de política e é tempo de dizer «basta»!
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos hoje a assistir aos nossos trabalhos um grupo de 110 jovens do Colégio do Sagrado Coração de Maria, de Fátima, para quem peço o vosso aplauso.
Aplausos gerais, de pé.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Associamo-nos ao voto de pesar apresentado pelo CDS-PP relativo ao agente da PSP Felisberto Silva, um jovem de 25 anos, mas pensamos que ele se deve confinar ao pesar e à necessidade de honrar a memória de um jovem que caiu ao serviço da autoridade democrática do Estado.
Mais do que dizer que não se vai discutir a política e depois discuti-la, o que nos parece importante é enviar sentidas condolências à família do agente e à sua corporação, bem como aos agentes de segurança do nosso país que se batem pela autoridade democrática do Estado. Isto é que nos parece realmente significativo e importante!
Ser agente de segurança é, de facto, indiscutivelmente, cada vez mais uma profissão de risco, mas há hoje muitos jovens com pouco mais de 20 anos que têm um grande orgulho em ser agentes das forças de segurança. Em certas circunstâncias, por razões que muitas vezes têm pouco a ver com a política e muito mais com outro tipo de razões, como a necessidade de combater os criminosos, os que disparam à traição e de repente contra os agentes de segurança, há necessidade de honrar a memória de um jovem que, como muitos outros, quis, na sua vida profissional, ser agente da segurança, coisa de que muitos se orgulham.
Assim, queremos reiterar as condolências expressas no voto, associarmo-nos ao mesmo e solicitamos que, num caso destes, se faça tudo menos desonrar a sua memória, fazendo demagogia!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É bom de ver que estamos perante uma matéria e um momento delicado para aproveitarmos uma infelicidade destas com vista a qualquer exploração de natureza política.
A situação das forças de segurança é conhecida do País. Neste momento, limitamo-nos a lamentar esta morte, a expressar o nosso pesar à família deste agente da PSP e a nossa solidariedade à PSP, associando a isso um segundo voto, muito simples: o de que tenhamos presente o que tem acontecido nesta matéria em Portugal, que tem sido, infelizmente, um crescendo de crimes contra a autoridade, com mais ou menos gravidade - este, infelizmente, com grande gravidade - e que aqueles que merecerem a escolha dos portugueses, no próximo dia 17 de Março, tenham tudo isto presente nas suas opções de política de segurança e nas suas medidas em relação às forças de segurança. Essa será a melhor homenagem que podemos fazer àqueles que têm a infelicidade de morrer ao serviço da comunidade, como aconteceu com este agente da PSP.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, associo-me ao voto que foi apresentado, embora não me associe à oportunidade e ao tom da intervenção.
Há, naturalmente, um debate político fundamental a travar sobre os problemas da segurança, sobre os problemas dos direitos das associações de polícias e do exercício da sua profissão, mas há um tempo próprio para isso, que, aliás, poderia ser hoje mesmo no âmbito das declarações políticas.
Há obviamente muita reflexão a fazer sobre os novos territórios dos gangs da droga em Lisboa e a forma como se têm alterado. Sobre tudo isso temos de pensar e sobre tudo isso temos de agir. No entanto, estamos confrontados com a situação de um assassinato, em condições trágicas, indesculpáveis, de um agente da PSP, Felisberto Silva, cuja família, amigos e colegas merecem a nossa atenção e a nossa manifestação de pesar.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
Página 1236
1236 | I Série - Número 032 | 07 de Fevereiro de 2002
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que estamos perante um crime horrível, cometido contra um agente da PSP e que se trata de um assunto que não deve ser instrumentalizado para fins partidários e muito menos para fins eleitorais, momento em que estamos.
Os agentes da PSD têm feito muito pelo País, pela segurança dos seus concidadãos e, neste momento, momento em que um dos seus agentes tomba no exercício do dever, vítima de um bárbaro assassinato, é importante enaltecer o que estes profissionais têm feito pelo País e o sentido que põem no cumprimento do seu dever. Creio ser este o momento de homenagear os profissionais da PSP.
Perante estas circunstâncias, creio que também não faz muito sentido estarmos a falar em mais ou menos subsídios. Creio que é importante falarmos antes nas condições de protecção social dos agentes da PSP, designadamente perante situações como esta, e é ainda importante salvaguardar que os seus familiares não fiquem completamente desamparados. É importante que se reflicta sobre isto e que se encontrem medidas adequadas para evitar essas situações.
É importante, acima de tudo, que se reflicta sobre o respeito que é necessário ter pela dignidade do exercício da função policial e pelas condições que são dadas para que, conhecidos os riscos inerentes à profissão que escolheram, os agentes das forças policiais possam ter as melhores condições possíveis para exercer as suas funções, o que significa que sejam atribuídos subsídios, que se façam esquemas de protecção social e se reconheçam os seus direitos, inclusivamente, enquanto profissionais e enquanto cidadãos.
Aquilo que nos ocorre dizer relativamente a este caso é o seguinte: fazemos votos para que, rapidamente, o responsável por este hediondo crime seja encontrado e seja exemplarmente punido, para que se faça justiça neste caso, e expressamos aos familiares, aos colegas e à instituição Polícia de Segurança Pública as nossas sinceras condolências.
Vozes do PCP, do PS e do CDS-PP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria tão-só de dizer que nos associamos ao voto apresentado pelo Partido Popular nos exactos termos em que ele foi formulado.
É um acto de violência aquele que está na origem deste voto e que significou que uma pessoa (neste caso era jovem, mas podia não o ser), no exercício das suas funções, tenha sido baleada, de uma forma brutal e violenta, perdendo a vida. Do nosso ponto de vista, seguramente, esta é razão para que o Parlamento exprima a sua solidariedade, exprima o seu pesar e a sua preocupação para que as pessoas que dependiam deste cidadão sejam acompanhadas.
Em todo o caso, é entendimento de Os Verdes que não é este o tempo certo nem, pelos limites e características regimentais deste tipo de discussão, o momento para discutir questões que fazem sentido serem discutidas, como seja o sistema de segurança. Essa é uma discussão mais aprofundada que nos levaria a debater o modo como circulam armas no nosso país, a forma como a violência está presente na sociedade aos mais diversos níveis ou o próprio modelo de sociedade que permite que a resposta em relação a todos os conflitos seja sempre a violência e a agressão com consequências tão trágicas.
Portanto, manifestamos a nossa adesão a este voto nos exactos termos em que ele foi apresentado e é nesses termos que Os Verdes o irão votar.
O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aconteceu ontem um assassinato brutal e irracional, um assassinato que tem causas e responsáveis, pelo que é preciso combater as causas e punir os responsáveis. Assim acontecerá e nisso nos empenharemos, e a Câmara, desse ponto de vista, está coesa quanto aos objectivos.
Estamos de luto e, por isso, gostaria de exprimir pesar. Faço-o, como ontem o fez o Sr. Ministro da Administração Interna, em nome do Governo e julgo que ninguém, absolutamente ninguém deveria reivindicar a vitória da sua suposta razão sobre sangue ainda tão frescamente derramado. Discutiremos tudo, absolutamente tudo o que quiserem sobre política de segurança interna, mas seguramente não o farei, nunca o faria, aqui, neste exacto momento.
Reitero as condolências devidas a quem ficou tragicamente enlutado, exprimo o pesar e, nesta estrita e exacta medida, gostaria de associar o Governo a esta circunstância para todos nós dolorosa.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, associo-me naturalmente ao vosso pesar.
Vamos passar à votação do voto que acabámos de apreciar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
A Câmara aguardou, de pé, 1 minuto de silêncio.
O Sr. Presidente: - O voto será transmitido à família enlutada e à corporação a que o agente Felisberto Silva pertencia.
Como o painel dos tempos ainda não está a funcionar (estes são tempos de mudança e, portanto, o painel também mudou), vamos controlar os tempos através dos Srs. Secretários da Mesa e do relógio. Como sabem, os tempos são os seguintes: 14 minutos para o PS; 11 para o PSD; 7 para o PCP; 7 para o CDS-PP; 3 para os Verdes e 3 para o BE.
Vamos agora tratar de assuntos de interesse político relevante.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.
A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, vou também tentar controlar o tempo através do meu relógio.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O tema que hoje aqui nos traz tem que ver com um facto grave, que ocorreu há poucos dias e refere-se ao alerta que a Comissão Europeia lançou, publicamente, em relação a Portugal. Efectivamente, foi a primeira vez que a Comissão Europeia alertou
Página 1237
1237 | I Série - Número 032 | 07 de Fevereiro de 2002
publicamente para um descontrolo das finanças públicas portuguesas.
Não foi propriamente uma novidade, só foi novidade por ter vindo de quem veio, porque há muito tempo que nós próprios, aqui, nesta Assembleia e noutros fóruns, vínhamos denunciando o perigo e a dificuldade por que estavam a passar as finanças públicas portuguesas. Dizemos «desde há muito tempo» porque há muito tempo vínhamos afirmando que o erro da política económica que estava a ser seguida tinha de desembocar numa situação destas.
Recordarei sempre essas afirmações que eu própria aqui fiz, tal como outros colegas da minha bancada, da mesma forma que também recordo o modo sempre displicente como não só os membros do Governo como a bancada do Partido Socialista sempre reagiram a estas nossas afirmações. Julgo mesmo que vou fazer um catálogo dos nomes que nos chamaram, desde Cassandra…
O Sr. Francisco de Assis (PS): - Já foi há muito tempo!
A Oradora: - Já foi há muito tempo, mas foi feito repetidamente!
Risos do PSD e do PS.
Dizia eu que nos chamaram desde Cassandra a «arautos da desgraça» até vários outros nomes, exclusivamente para tentar dizer que aquilo que estávamos perspectivando nada tinha de real e era, simplesmente, uma fantasia para assustar quem nos ouvia.
Aí está, Srs. Deputados, o resultado do vosso alheamento relativamente a esses nossos avisos!
Foi pena, efectivamente, não nos terem ligado, porque, a despeito de, neste momento, não haver o Fundo Monetário Internacional para, de alguma forma, vir cá avisar-nos sobre a incompetência que foi seguida nas nossas contas públicas, temos uma situação que não é menos desagradável, porque considero um verdadeiro enxovalho aquilo por que o País passou e isso seria absolutamente dispensável.
É triste que isto tenha acontecido, não só pela humilhação como pelo significado que tem este alerta, o qual significa a existência de uma situação grave nas finanças públicas, que será até talvez mais grave do que aquilo que os números, por si, mostram. Talvez se os números fossem simplesmente aqueles, não seria por estarem no dobro ou no triplo que a Comissão Europeia teria feito o alerta, mas fê-lo por saber que, subjacente a isso, está efectivamente uma situação que, a manter-se, é complexa para nós. E o mais complexo é que nós assinámos um tratado internacional, comprometermo-nos a cumprir as suas regras e resolvemos não as cumprir.
E, Sr. Presidente e Srs. Deputados, se não tivéssemos cumprido as regras a que nos submetemos, em nome de benefícios próprios, em nome do benefício do País, talvez até fosse defensável… Não me esqueço, por exemplo, que o Partido Comunista nunca aceitou que nos tivéssemos submetido a semelhantes regras, com defesa, na sua óptica, provavelmente lógica, considerando que uma política contrária ou resultados contrários poderiam ter outros benefícios para o País.
Nós conseguimos exactamente aquilo que seria inimaginável: fizemos tudo mal em termos de Tratado, e o resultado desse malefício é que tudo é mau para Portugal. Isto é, nem o Partido Comunista se pode vangloriar de termos violado os acordos que tínhamos feito, porque os resultados para o País são todos maus. É quase um exercício de masoquismo - fazermos mal para termos malefícios contra nós.
O Sr. Jorge Neto (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - Espero bem, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que não se enverede, como alguns membros do Governo e pessoas do Partido Socialista já enveredaram, pela desdramatização deste problema, considerando que isto não tem importância absolutamente nenhuma porque também à Alemanha aconteceu o mesmo. Como se pudéssemos comparar os problemas de Portugal com os da Alemanha!
O Sr. David Justino (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - Para nós, tal significa um pequeno País que se está a afastar dos restantes, consequências maléficas para a captação de investimento e de financiamento do País, não podendo, portanto, comparar-se com problemas como os da Alemanha!
Espero que, no mínimo, este alerta tenha significado e que as pessoas compreendam que, neste momento, é essencial o controlo das finanças públicas. Quem o não compreender - e parece que o Partido Socialista não o tem compreendido -, é, por um lado, irresponsável e, por outro, inconsciente.
Vozes do PSD: - Exactamente!
A Oradora: - Penso que é esta irresponsabilidade e esta inconsciência que vai justificar que as pessoas entendam que o Partido Socialista não serve para governar Portugal!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.
O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, nós também lemos - com a atenção que nos merecem sempre os escritos e as afirmações do Prof.º Cavaco Silva - o último artigo que ele escreveu e partilhamos, de há muito tempo, essas mesmas preocupações. Mas temos de dizer-lhe, com toda a amizade, mas também com franqueza, que, em relação ao último governo do Prof.º Cavaco Silva, tem também um certo tom de autocrítica; foi no seu último governo que algumas coisas começaram a derrapar…
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Bem lembrado!
O Orador: - Sr. Deputado, faço esta afirmação numa perspectiva diferente da sua!
Sr. Presidente, prosseguindo, creio que, actualmente, há três grandes problemas com que nos defrontamos, e penso que estamos de acordo sobre o diagnóstico: a falta de controlo na despesa pública, a falta de competitividade na nossa economia e uma produtividade claramente inferior à da média europeia.
Página 1238
1238 | I Série - Número 032 | 07 de Fevereiro de 2002
No que toca ao controlo da despesa pública, o CDS apresenta oito medidas muito concretas. Se me permite, recordo-as rapidamente: alteração do regime de acesso e de reforma e mobilidade dos funcionários públicos; regra de controlo da quantidade e da qualidade da despesa pública, com o gestor orçamental em cada Ministério; regime específico do sector da saúde e da segurança social (como sabe, muito bem, trata-se de um dos sorvedouros dos dinheiros dos contribuintes);…
O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - … regras de gestão dos sistemas de transportes públicos (neste momento, as empresa públicas deste sector, no seu conjunto, devem ter cerca de 1000 milhões de contos de passivo, o que é um aspecto extremamente complicado e grave para o futuro); novas regras de orçamentos plurianuais; novas regras de finanças públicas regionais e locais (penso que este é um aspecto que também não se pode esquecer); regras de proibição de criação de novos institutos e de empresas municipalizadas; e, finalmente, revisão da lei orgânica do Governo, no sentido de diminuir as despesas com o Executivo.
Trata-se de medidas concretas que apresentamos, e eu gostava que a Sr.ª Deputada nos dissesse que medidas é que o seu partido, concretamente, propõe com vista à redução da despesa pública.
Passo à segunda questão que gostaria de colocar-lhe. Estamos perfeitamente de acordo com a análise que faz da gestão dos governos socialistas. A grande responsabilidade da situação em que nos encontramos cabe, realmente, a este laxismo, a este «guterrismo», que tudo facilitou, tudo «meteu para debaixo da mesa»…
O Sr. Presidente: - O seu tempo esgotou-se, Sr. Deputado. Agradeço que termine.
O Orador: - Termino imediatamente, Sr. Presidente, dizendo que tudo o que referi ocorreu sem que as decisões e as reformas necessárias se efectuassem.
Sr.ª Deputada, pergunto-lhe concretamente: considera que há espaço para, nesta campanha eleitoral, partidos e dirigentes responsáveis fazerem a campanha eleitoral a prometer tudo? A baixar os impostos, a dizer que «sim» a todas as reivindicações? Ou é uma campanha de exigências, de verdade, como todos dizemos?
Como é que V. Ex.ª entende que esta campanha deve ser formulada? Gostaria de ouvir a sua opinião.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, tem mais um pedido de esclarecimento. Pretende responder já ou acumula?
A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, responderei em conjunto.
O Sr. Presidente: - Muito bem, Sr.ª Deputada, responderá conjuntamente!
Então, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco de Assis.
O Sr. Francisco de Assis (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, em primeiro lugar, parece-me fundamental, em relação à questão que a Sr.ª Deputada acabou de colocar, procurar saber as razões pelas quais há, efectivamente, uma disparidade entre a previsão apresentada pelo Governo português e aquilo que resulta da execução orçamental apurada para o ano de 2001. E, em relação a isso, o Governo já foi muito claro: tal deve-se, em grande parte, a um abrandamento efectivo da actividade económica, em resultado de um abrandamento que se verificou no plano internacional, e que só por si é responsável por uma parte significativa da derrapagem verificada, e, em segundo lugar, também tem a ver com aquilo que o próprio Governo já reconheceu, que foi o facto de haver, naquele ano, uma incidência fiscal negativa de uma alteração do paradigma fiscal, isto é, a alteração que se verificou, nomeadamente em relação ao IRS, teve como consequência uma diminuição da receita fiscal obtida no ano de 2001, para além daquilo que estava previsto. Estas são as razões fundamentais por que se verificou esta alteração, que não põe em causa nenhum pacto, que não põe em causa nenhum tratado e nenhum compromisso assumido, pôs apenas em causa a plena execução de compromissos programáticos assumidos internamente pelo Governo português. Portanto, o Governo apresentou uma explicação clara.
Mas mais importante do que conhecer a explicação para o que, efectivamente, sucedeu no passado, e que deve, naturalmente, suscitar sempre a nossa preocupação, há que analisar se a política que o Governo tem vindo a prosseguir, nesta matéria, é ou não a política mais adequada.
V. Ex.ª vem aqui dizer: «Há um problema de finanças públicas». É evidente que há um problema de finanças públicas! Quem foi a primeira instância, em Portugal, a colocá-lo? O Governo! Há alguns meses atrás, quando apresentou a este Parlamento um plano de redução das despesas públicas, percebendo claramente que importa prosseguir o processo de consolidação orçamental pela via da diminuição do ritmo de crescimento da despesa pública. Identificou-se claramente essa questão e, nessa perspectiva, apresentaram-se medidas que têm vindo a ser executadas. Nós, neste momento, já estamos até em condições de fazer uma avaliação do mérito dessas mesmas medidas e do que foi a capacidade do Governo para levar a cabo essas medidas. E não é por acaso, certamente, que podemos verificar que a despesa corrente primária teve, no último ano, o ritmo de crescimento mais baixo dos últimos 20 anos. Isto significa que o Governo foi capaz de diagnosticar o problema e foi capaz de encontrar as medidas, as terapêuticas mais adequadas para fazer face a essa dificuldade. Basta lembrar que, por exemplo, em 1986 o ritmo de crescimento da despesa corrente primária foi de 23,54%, em 1991 foi de 25,23% e no ano de 2001 foi de apenas 5,76%. Portanto, quando é que houve despesismo, Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite?!
É evidente que não devemos louvar-nos dos erros cometidos por outros, no passado, para justificar seja o que for. A questão essencial, para nós, é a seguinte: o Governo e o PS foram capazes não apenas de diagnosticar um dos problemas com que o País se defronta como de apresentar soluções para resolver esse mesmo problema. E é por isso que, também aqui, faço, como fiz há dias, um repto, em nome do PS, ao Partido Social Democrata: vamos entrar num período de campanha eleitoral, a qual deve ser marcada precisamente pela exigência e por um discurso de rigor e de verdade.
O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.
Página 1239
1239 | I Série - Número 032 | 07 de Fevereiro de 2002
O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente.
O PSD, infelizmente, nesta matéria, faz, permanentemente, um discurso dúplice, porque, por um lado, salienta a necessidade de controlar o crescimento da despesa pública mas, por outro, está todos os dias a propor novas iniciativas e novas medidas que, a serem aplicadas,…
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É verdade!
O Orador: - … teriam como único efeito aumentar descontroladamente a despesa pública.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de terminar.
O Orador: - Portanto, Sr.ª Deputada, façam um discurso de rigor e de verdade, porque, essa, é uma exigência que hoje se coloca a todos nós.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.
A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Basílio Horta, Sr. Deputado Francisco Assis, em primeiro lugar, agradeço-lhes as questões que me colocaram.
Há um ponto relativamente ao qual, se me permitem, vou responder em conjunto, que é o que tem a ver com a questão da despesa e do despesismo. É um pouco a resposta à ideia que o Sr. Deputado Basílio Horta transmitiu, no sentido de que isto já vem de trás.
Não vou dar aqui lições a ninguém e também não sei se se trata de algum conceito que esteja estabelecido em algum tratado, mas tem sido voz comum que uma coisa é a despesa, outra coisa é o despesismo. Uma coisa é a despesa, contra a qual não estamos, desde que essa despesa tenha como contrapartida a prestação de serviços ou o fornecimento de bens aos cidadãos. Nada tenho contra isso!
Portanto, Sr. Deputado Basílio Horta e Sr. Deputado Francisco Assis, não façam comparações com o passado, não peguem em 1986 e digam que a despesa aumentou 23%, porque eu digo que aumentou e muito bem, uma vez que, como todos sabemos, melhorou o sistema de educação, melhorou o sistema de saúde, houve um grande aumento do investimento, o aumento do investimento levou-nos à captação dos fundos estruturais e tudo isso justificou o aumento da despesa.
Protestos do PS.
Vozes do PSD: - É verdade!
A Oradora: - Agora, não estamos de acordo com o despesismo! Neste momento, o aumento da despesa em educação melhorou a educação? Não! O aumento da despesa na saúde melhorou alguma coisa para os utentes do Serviço Nacional de Saúde? Não! Nessas circunstâncias, essa despesa é verdadeiramente inútil e, portanto, é despesismo, não é despesa!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - O ensino pré-primário é despesismo?! Essa é boa!
A Oradora: - Por outro lado, e acabo de responder ao Sr. Deputado Francisco de Assis, tomei nota quando disse que já há uns meses atrás o Governo tomou consciência da situação e adoptou medidas. Ó Sr. Deputado, o problema foi exactamente esse, foi isso ter sucedido há uns meses! É que não deveria ter sido há uns meses, deveria ter sido há seis anos! Os senhores tomaram posse há seis anos e, no mesmo momento, começaram a fazer uma política errada! Caminharam para o mercado único ou para a moeda única exactamente por um caminho errado, utilizaram toda a margem que era dada no Orçamento, através da redução de juros, «engolindo-a» toda em despesismo. Isto é um erro! Mas, nessa altura, como tinham almofadas que nunca mais acabava, andavam satisfeitos. Foi - imagine-se! - só há uns meses, como disse o Sr. Deputado Francisco Assis, que perceberam que havia aqui um problema.
O Sr. Francisco de Assis (PS): - Eu disse que, há uns meses, foi adoptado um plano.
A Oradora: - Muito tarde, Sr. Deputado! Muito tarde!
O que é que sucede, pelo facto de só terem descoberto isso há uns meses? É que, neste momento, o custo que implica corrigir as finanças públicas é elevadíssimo!
Portanto, Sr. Deputado, o problema é exactamente esse! O problema é terem descoberto há uns meses e não há uns anos.
O Sr. Deputado Basílio Horta perguntou-me como é que devem ser formuladas as propostas quanto à política a seguir e quero dizer-lhe que, em relação à sua primeira proposta, no sentido de que há mobilidade dos funcionários, em termos de controlo da despesa pública, como sabe, a mobilidade dos funcionários públicos é algo que foi legislado nos nossos Governos, em 1990 ou em 1991, que teve, de resto, a oposição total do maior partido da oposição, na altura, e que foi implementado com dificuldade. Espero que, no futuro, haja, também para nós, os acordos de regime de que eles tanto gostam para eles.
Em relação à questão de saber como é que a política deve ser formulada, Sr. Deputado Basílio Horta, não tenho qualquer dúvida de que o grande erro deste Governo é uma falta de credibilidade total. E é evidente que não há nenhum Governo que consiga governar este País se não tiver exactamente a posição oposta, ou seja, muita credibilidade. Sem ela, não se vai a lado algum!
O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!
A Oradora: - Nessa circunstância, é necessário, evidentemente, não encobrir as medidas que têm de ser tomadas para que seja possível fazer-se aquilo de que, neste momento, o País necessita.
O País precisa de um choque fiscal!
O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sem controlar, primeiro, a despesa?
A Oradora: - O Presidente do partido considerou que era necessário um choque fiscal.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Um «ziguezague» fiscal!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Tenha atenção ao que a Comissão Europeia disse! Olhe que a Comissão já vetou isso!
Página 1240
1240 | I Série - Número 032 | 07 de Fevereiro de 2002
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não vetou nada!
A Oradora: - É evidente que me pode dizer que o choque fiscal tem efeitos negativos na receita. Com certeza, Sr. Deputado! E vai diminuir a receita! Simplesmente, pode ter efeitos altamente benéficos, no sentido de dar um empurrão à economia, que está totalmente parada.
O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Mas sem controlar a despesa primeiro?!
A Oradora: - Ó Sr. Deputado, estamos perante a seguinte situação: temos um sujeito moribundo, eu quero dar-lhe um remédio para ver se ele reanima…
Vozes do CDS-PP e do PCP: - E mata-o!
A Oradora: - Não! A preocupação de alguns Srs. Deputados é a de que aquele remédio lhe faz borbulhas! É verdadeiramente ridículo que, perante um remédio que queira dar a um indivíduo que está moribundo, eu esteja preocupada com os efeitos da alergia que esse remédio pode provocar.
Risos do PSD.
Portanto, Sr. Deputado, há, com certeza, necessidade de grandes equilíbrios na tomada de medidas mas também é necessário ter-se consciência de que a economia precisa de um choque para, efectivamente, se desenvolver, sem o que não teremos receita que permita cobrir as despesas.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro.
O Sr. Fernando Serrasqueiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, quero regressar ao tema abordado pela Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, porque, de todas as vezes que confrontámos o PSD com questões de natureza económica perguntando-lhes qual era a alternativa que tinham para esta matéria, foi-nos dito que isso ficaria para o plano de emergência, que demorou aqueles meses ou anos a fazer. Depois, mais recentemente, na discussão da reforma fiscal, para a qual o contributo do PSD foi praticamente nulo, perguntámos qual era a alternativa que tinham para esse domínio, tendo-nos sido dito por um Sr. Deputado que teríamos de aguardar, já que no programa de governo a elaborar pelo PSD essa matéria iria ser esclarecida.
Como tal, face a esta situação, fomos criando alguma expectativa em relação ao que viria aí em termos de programa de governo e de programa económico. Essa expectativa, aliás, tornou-se ainda maior quando nos foi anunciado que uma «bateria» de notáveis economistas estava a trabalhar com o PSD, pelo que ficámos a aguardar um conjunto de medidas coerentes. Houve, é um facto, um falso «tiro de partida» quando, para dar uma ideia e um sinal ultraliberalizador, o PSD veio anunciar um conjunto de privatizações entre as quais se encontrava a «coroa do reino», a Caixa Geral de Depósitos!
A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - É mentira!
O Orador: - Depois, vieram dizer que, afinal, não era isso que propunham, em momento posterior a esse aceitaram que era assim e acabaram por esclarecer que apenas propunham a privatização de 25% dessa instituição! Sobre essa matéria a opinião pública está esclarecida, Sr.ª Deputada, e, por isso, os vossos avanços e recuos sobre a Caixa Geral de Depósitos são matéria arquivada!
Mas surgiu depois uma afirmação de grande dureza, dizendo que, com um governo do PSD, haveria condições para a despesa corrente primária ficar muito abaixo dos 4%. «Como?!» - perguntámos nós, sabendo que a despesa corrente é algo de muito rígido no Orçamento do Estado. De qualquer maneira, em face desta afirmação, a questão que se nos colocou foi a de saber qual será a política do PSD para os funcionários públicos. Como já se falou na redução do número de funcionários públicos, gostava de saber por que via é que vão operar essa redução. Será pela via dos despedimentos ou será através da redução dos aumentos salariais? É que é preciso não esquecer que sempre que levantámos esta questão em termos orçamentais, o PSD disse-nos que era preciso ter em atenção que o aumento da massa salarial é, pelo menos, o dobro da taxa de crescimento dos vencimentos dos funcionários públicos. Portanto, Srs. Deputados do PSD, se o aumento dos vencimentos dos funcionários públicos for de 2% - e já estou a falar de um valor muito abaixo da inflação -, a massa salarial, segundo as vossas teses, subirá mais de 4%, o que não está de acordo com esta última afirmação relativa à despesa corrente primária.
Será que preferem entrar na questão da alteração à Lei das Finanças Locais, que, saliento, fará com que as câmaras recebam menos?! Se é assim, digam-no! Será que querem reduzir as transferências para as regiões autónomas?! Digam-no na próxima campanha eleitoral! Será que querem criar dificuldades ao financiamento futuro da segurança social, reduzindo as transferências que para aí são feitas?! Se é assim, têm de o dizer agora! É em relação a todo este conjunto de despesas que é preciso tomar atitudes e por isso, se o PSD tem coragem, se quer ser sério e se quer dizer a verdade, tem de tomar uma posição em plena campanha eleitoral!
A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - E os senhores também!
O Orador: - Ora, para a despesa corrente crescer menos de 4%, sabendo nós que há uma quebra substancial da receita à qual já voltarei, o esforço de contenção tem de ser muito mais forte e é por isso que é necessário clarificar desde já quais são os cortes que o PSD quer efectuar. Tanto mais assim é, Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, que as medidas relativas à receita propostas pelo PSD - pelo menos aquelas de que tomámos conhecimento - passam por uma grande quebra ao nível do IRC e por uma quebra no último escalão do IRS, ou seja, aquele que abrange os contribuintes que têm rendimentos mais altos.
Depois, como se isto não parecesse já a «quadratura do círculo», vieram dizer que se estas medidas não chegassem, ainda tinham o IVA, e isto é que, para mim, é escandaloso! Aliás, só agora ouvi a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira apoiar esta solução, mas quero crer, do que conheço de si, que nem esta solução V. Ex.ª aprova. O aumento do IVA em 2% para contrabalançar a quebra de receita em IRS e em IRC é, desde logo, uma injustiça fiscal, porque, como sabe, é estar a diminuir os impostos
Página 1241
1241 | I Série - Número 032 | 07 de Fevereiro de 2002
directos para aumentar os impostos indirectos. Mas esta injustiça é ainda mais grave quando os senhores dizem que levarão a cabo uma diminuição do escalão mais elevado do IRC para aumentar dois pontos percentuais no IVA, porque, como os Srs. Deputados sabem, o IVA, imposto indirecto «cego», tende a ter maior impacto nas famílias com menores rendimentos, isto é, aquelas em que a percentagem de consumo é mais elevada.
Por isso, Sr.ª Deputada, queremos dizer-lhe que entendemos que esta medida é injusta e inadequada ao interesse nacional e queremos deixar claro que não poderá contar com o Partido Socialista ou com qualquer pacto de regime para suportar o aumento do IVA. Para além disto, quero dizer-lhe ainda que esta medida, a ser levada a cabo, terá um forte impacto sobre a inflação, que os senhores dizem querer combater. De facto, como a Sr.ª Deputada sabe, um aumento de 2% do IVA terá um impacto substancial na inflação, que é outro imposto, pelo que, nesse caso, teríamos dois impostos: um imposto agravado, o IVA, e um segundo imposto, que seria a inflação agravada por essa medida.
No entanto - pasme-se, Sr.ª Deputada! -, nas discussões orçamentais o PSD alinhou sempre com algumas atitudes corporativistas no sentido de aprovar a redução do IVA. Quando houve propostas do PP nesse sentido, o PSD colou-se logo, gritando «Desça-se!». Mais: o PSD apresentou propostas, quer ao nível da restauração da dedutibilidade do IVA, quer a outros níveis, no sentido da redução do IVA e agora, de um momento para o outro, a proposta que nos surge pretende exactamente o aumento desse imposto. Saliento, aliás, que os argumentos apresentados são contraditórios, porque se na discussão do Orçamento propunham a diminuição do IVA para aumentar a nossa competitividade fiscal, pretendem agora aumentá-lo, desrespeitando essa mesma competitividade. Chamo a vossa atenção, Srs. Deputados do PSD, para o facto de esse aumento do IVA em 2% que agora propõem acarretar sérios entraves à nossa competitividade, sobretudo no que respeita ao nosso vizinho espanhol e àqueles produtos nacionais que, como já hoje é sabido, não são competitivos.
Por isso, Sr.ª Deputada, entendo que essas medidas são irresponsáveis, injustas e, no quadro actual da conjuntura portuguesa, injustificáveis. Apontar para um choque fiscal perante uma conjuntura de abrandamento parece-me muito arriscado, Sr.ª Deputada, e sobretudo nada eficaz para os objectivos que dizem pretender prosseguir. É por isso que espero que, tal como aconteceu com a privatização da Caixa Geral de Depósitos, também agora, em resultado das várias oposições surgidas dentro do próprio PSD e demonstrada pela voz dos vários economistas desse partido que vieram hoje dizer que esta situação é desadequada e injustificada, o PSD venha admitir que esta matéria está em estudo, pensando mesmo que nem sequer irá constar das próximas medidas a apresentar.
Aplausos do PS.
O Sr. Jorge Neto (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Jorge Neto (PSD): - Para defesa da honra da bancada, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Como sabe, terá de indicar a matéria que considera ofensiva.
O Sr. Jorge Neto (PSD): - Sr. Presidente, há afirmações feitas pelo Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro relativamente às propostas apresentadas pelo PSD que, naturalmente, ferem a honra deste partido porque não correspondem minimamente à verdade.
O Sr. Presidente: - Mas terá de me dizer quais são, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Neto (PSD): - Desde logo, as afirmações proferidas em relação às propostas que apresentámos atinentes às privatizações, atinentes ao funcionalismo público e atinentes à redução do IRS e do IRC! A forma como estas propostas foram apresentadas pelo Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro não corresponde minimamente à verdade daquilo que foi expendido pelo PSD sobre a matéria e, portanto, importa repor a verdade!
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado já acabou de fazer a sua alegação, mas a verdade é que não houve ofensa à honra da sua bancada. Estive muito atento à intervenção produzida pelo Deputado Fernando Serrasqueiro e, de facto, não houve ofensa à honra. Veja se arranja outro pretexto, porque esse da defesa da honra não colhe!
O Sr. Jorge Neto (PSD): - Sr. Presidente, não é um pretexto, mas, sim, um fundamento válido e consistente!
O Sr. Presidente: - V. Ex.ª já fez uma «alegaçãozinha»!
Peço desculpa, mas não posso dar-lhe a palavra.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Está anunciado para depois de amanhã um momento significativo no Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva: o início do encerramento das comportas.
Apesar de este facto se registar com mais de vinte anos de atraso, não queremos deixar de nos associar ao simbolismo e importância deste acto, que poderá abrir as portas para um Alentejo novo.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Uma promessa cumprida!
O Orador: - Não se precipite, Sr. Deputado! Não se precipite que já lá vamos!
É obrigatório, neste momento, recordar: o Plano de Rega do Alentejo de 1957 e o nome do seu mentor, o Eng.º Faria Ferreira; a resolução do Conselho de Ministros de 12 de Dezembro de 1975, com base em propostas do Ministério do Equipamento - então, sob a tutela do PCP -, em que o Governo aprovou a construção da barragem, e a que se seguiram as primeiras obras; o congelamento dos trabalhos, dois anos depois, por proposta do PS; o bloqueio que se seguiu, durante 15 anos, e, finalmente, a retoma do projecto e o seu arranque efectivo, em 1993 e 1995, depois de anos de protestos e lutas dos alentejanos e dos muitos que sempre acreditaram na importância do investimento.
O PCP orgulha-se de se ter batido, desde sempre, sem hesitações, por Alqueva, que pode e deve constituir uma alavanca para o desenvolvimento de cerca de 1/3 do País.
Página 1242
1242 | I Série - Número 032 | 07 de Fevereiro de 2002
Mas ao associarmo-nos, com toda a legitimidade, a este momento, não podemos também deixar de olhar para ele com um misto de apreensão e preocupação, pelo desaparecimento de uma visão integrada do projecto: cada Ministério e cada Ministro têm trabalhado para o seu lado, e o Primeiro-Ministro nunca promoveu uma articulação entre as diferentes perspectivas do Empreendimento.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Cada um puxa para seu lado!
O Orador: - É por isto que, chegados a esta altura, a valia agrícola e a valia turística não têm um programa integrado que os encadeie. Começa o enchimento da barragem, mas há acessibilidades que ainda estão longe de estar terminadas -como a ponte sobre o Guadiana e os planos de ordenamento, que só agora estão a chegar à fase final.
Mas é sobretudo na componente agrícola e nas compensações às populações, que a montante da albufeira vão ser prejudicadas com a inundação dos seus territórios, que a situação é mais preocupante.
Quanto à componente agrícola, tudo, ou quase tudo, está por definir: os sistemas culturais, a reestruturação fundiária, o estímulo à criação de explorações agrícolas em condições de aproveitar as novas condições de produção em regadio, a reconversão e formação dos agricultores, a mobilização de jovens, pequenos agricultores e cooperativas, a organização dos mercados, a atracção para a zona de agro-industriais, bem como as negociações com a Comissão Europeia para a alteração das quotas de produção ou das áreas garantidas para determinadas culturas.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Como todos estamos recordados, o PCP apresentou, em Setembro passado, um projecto de lei que visava medidas de reestruturação fundiária para a área a regar por Alqueva, com a criação de um banco de terras. Atrapalhado com a proposta, e com o generalizado apoio que recebeu, o Governo prometeu, a correr, um outro banco de terras e, em consequência, o Partido Socialista (com o PSD e o CDS) rejeitou a nossa iniciativa. Mas até hoje nada foi concretizado. Nem sequer este «banquinho» de terras do Governo!
Mas há mais!
Pedimos ao Governo que nos informasse quais eram as áreas que iriam constituir esse banco de terras. A resposta foi assombrosa: a relação das áreas que o Governo nos forneceu, que já são hoje propriedade do Estado…
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Portanto, respondeu!
O Orador: - Respondeu, sim! Mas se calhar não deve ter olhado bem para a resposta!
Dizia eu que a relação das áreas que o Governo nos forneceu, que já são hoje propriedade do Estado e com as quais o Governo dizia formar o banco de terras, totalizam somente 17 305 ha, para uma área a irrigar de 110 000 ha. Mas metade daquele valor (8605 ha) está fora do perímetro de rega, nela estando incluídas explorações que vão desde o Alto Minho até ao Algarve. E, ainda por cima, a quase totalidade da área está já arrendada há vários anos pelo Estado.
Isto é, o Governo enganou a Assembleia da República e o País. Nunca teve, nem tem, a intenção de criar qualquer banco de terras viável, e muito menos de tocar na «sacrossanta» grande propriedade.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Lançou a ideia, unicamente, como forma ilegítima de combater e tentar esvaziar o projecto do PCP e de acalmar as consciências intranquilas que se faziam sentir dentro do próprio Partido Socialista.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Nem sequer avançou na Lei do Património como um dos instrumentos, que, pela via fiscal, também tinha anunciado.
Estamos, pois, na véspera de - tal como afirmámos então - as mais-valias de um investimento público de mais de 350 milhões de contos irem parar às contas bancárias privadas daqueles que, por sorte, vêem as suas terras valorizadas com o dinheiro de todos nós, sem que se crie um processo de acesso à terra que impulsione o aparecimento de explorações agrícolas modernas e tecnicamente adequadas a uma tão vasta produção de regadio. Pelo contrário, parte significativa dessas terras já está a ser vendida a enormes empresas transnacionais agro-alimentares e turísticas.
Noutro quadrante, o Governo e o Primeiro-Ministro em pessoa comprometeram-se a construir (até Março de 2001) uma nova fábrica destinada à indústria de papel reciclado, a situar no concelho de Mourão, para substituir a velha unidade da Portucel já desmantelada, porque a cota a que se situa será inundada brevemente.
Esta questão constituiu mesmo condição do caderno de encargos da privatização (artigo 26.º), para quem ganhasse o concurso de privatização. A IMOCAPITAL, de Belmiro de Azevedo, ficou com a Gescartão, holding da Portucel, mas agora recusa-se a construir a nova unidade - que implicaria um investimento da ordem dos 25 milhões de contos - e, pasme-se!, oferece em contrapartida uma fábrica de móveis, com um investimento da ordem dos 5 milhões de contos.
Perante este escândalo, o Governo e o Primeiro-Ministro… Lembram-se? O Sr. Primeiro-Ministro chegou inclusivamente a montar uma encenação de um falso lançamento de uma primeira pedra, que nunca foi lançada, e que nunca mais esteve para ser lançada, apesar de o Sr. Primeiro-Ministro lá ter ido com o Sr. Arcebispo de Évora para fazerem o lançamento da primeira pedra! Pois! Dizia eu que essa encenação foi montada, e agora o Governo e o Primeiro-Ministro lavam as mãos do assunto, como Pilatos, fogem aos seus compromissos e deixam 105 trabalhadores em risco de não terem nem emprego nem salário.
Da nossa parte, exigimos uma intervenção do Governo para que a autoridade democrática do Estado se faça ouvir, anulando, se for caso disso, o processo de privatização (uma vez que uma das cláusulas não foi cumprida) e garantindo o emprego e os direitos dos trabalhadores e da região.
O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado. Tem de concluir.
O Orador: - Estou a terminar, Sr. Presidente!
Página 1243
1243 | I Série - Número 032 | 07 de Fevereiro de 2002
Cresce a inquietação entre os habitantes da Aldeia da Luz, pelos atrasos, indefinições e falta de garantias. Como tem crescido o recurso, em condições ilegais, a mão-de-obra imigrante, para acelerar, em vésperas de eleições, um processo que se foi deixando atrasar.
O Sr. Presidente: - Tem de terminar, Sr. Deputado.
O Orador: - Finalmente, Sr. Presidente, o País corre, pois, o sério risco de Alqueva se poder vir a transformar numa oportunidade perdida.
A Assembleia da República não se pode manter alheada desta questão, por muito incómoda que seja. O Sr. Presidente da República deve afirmar a sua palavra. A opinião pública tem, de novo, de ser alertada.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já ultrapassou largamente o seu tempo.
O Orador: - Apenas um último parágrafo, Sr. Presidente.
Da nossa parte, PCP, continuaremos a batermo-nos por um empreendimento que contribua para o desenvolvimento do Alentejo e para o bem-estar da população alentejana, que traga mais-valias para o País e que não seja um mero factor de enriquecimento sem causa para alguns.
Por isso, na próxima legislatura, voltaremos ao assunto.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Martinho, dispondo, para o efeito, de 2 minutos.
O Sr. António Martinho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, ainda bem que o Partido Comunista Português se associa a uma obra importante para o Alentejo e para o País, designadamente para os alentejanos. Esta obra, que foi um projecto com mais de 40 anos, é agora uma realidade, com as opções - e ninguém o pode negar - do Governo socialista presidido pelo Eng.º António Guterres.
Sendo o regadio um dos eixos estratégicos da política agrícola nacional, Sr. Deputado Lino de Carvalho, não é demais frisar que o Alqueva constitui um importante pilar desse eixo, que vai certamente proporcionar uma alteração profunda na agricultura alentejana. E o Sr. Deputado, apesar das suas preocupações e das questões que aqui levanta, não pode negar que, com a legislação aprovada em Setembro de 2001 pelo Governo, a qual se mostra, do ponto de vista agrícola, a necessária para potenciar o Alqueva, o Empreendimento do Alqueva constitui uma obra importante para a economia nacional e para o Alentejo.
As preocupações que o Sr. Deputado aqui exprimiu foram, em devido tempo, esclarecidas em sede de Plenário, aquando do debate do projecto de lei apresentado por VV. Ex.as, e também em sede de Comissão.
O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado. Peço-lhe que conclua.
O Orador: - Concluo, Sr. Presidente, dizendo que se acautelaram, inclusivamente, os interesses nacionais na Lei do Orçamento do Estado de 2002.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho, que dispõe de 1 minuto, tempo concedido pela Mesa.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Martinho, começo por agradecer a pergunta que me fez, à qual vou responder com todo o prazer, tanto mais que esta será, porventura, uma das últimas vezes que, nos próximos tempos, teremos a oportunidade de dialogar em sede de debate parlamentar, uma vez que, infelizmente, V. Ex.ª, não fazendo parte das listas, não será Deputado na próxima Legislatura, e será, seguramente, uma voz que fará falta a esta Assembleia na defesa dos problemas da agricultura portuguesa.
Quanto à questão que suscitou, o Sr. Deputado não negou, em nada, o que eu disse. Percebo que o Sr. Deputado venha aqui valorizar a obra, nós também a valorizamos, pois, a nosso ver, é um passo importante que há muito esperávamos. Mas, Sr. Deputado, há questões fundamentais que neste momento deveriam estar resolvidas e que estão por resolver.
Sr. Deputado, onde está o Banco de Terras que o Governo prometeu? Onde está a formação dos agricultores? Onde está a organização dos mercados? Onde está a fábrica da Portucel para compensar os trabalhadores? Estas são as nossas preocupações, Sr. Deputado, e é por isso que estamos com muito receio que Alqueva, sendo uma resposta histórica a uma necessidade de desenvolvimento de uma região, possa ser uma oportunidade perdida.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta, que dispõe de 3 minutos.
O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, antes de me debruçar sobre a intervenção estimulante da Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite sobre a situação económica do País, quero prestar um pequeno esclarecimento ao Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Deputado disse que o projecto do Alqueva esteve 15 anos sem ser discutido. Gostaria de o corrigir, dizendo que, no governo do Dr. Sá Carneiro, em 1980, o projecto foi discutido e foi decidido continuar com o projecto do Alqueva, embora repensando as suas finalidades.
É bom que isto fique escrito, para que não se diga que durante 15 anos o projecto esteve parado.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Mas eu também o posso esclarecer sobre isso!
O Orador: - Com certeza!
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - O Sr. Deputado sabe bem em que condições o projecto foi discutido!
O Orador: - Sei perfeitamente, como sei a posição que cada um assumiu nessa altura.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Era só a valia eléctrica! Não era o Alqueva mas um «alquevinha»!
O Orador: - Voltando à intervenção da Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, quero apenas dizer o seguinte: o
Página 1244
1244 | I Série - Número 032 | 07 de Fevereiro de 2002
CDS foi talvez o primeiro partido que falou nesta Assembleia em choque fiscal, só que o entendemos de uma maneira um pouco diferente daquela que está hoje a ser defendida pelo Sr. Dr. Durão Barroso.
Para nós, o choque fiscal traduzia-se, primeiro, numa diminuição faseada do IRC, segundo, em relação ao IRS, na mudança não das taxas mas dos escalões, e, antes de tudo - e este aspecto é importante -, em não fazer o que quer que fosse (aliás, penso que o seu partido também comunga desta preocupação) sem conhecer verdadeiramente a situação do País em termos de finanças públicas.
Penso que é extremamente prematuro estar a avançar com medidas dessa natureza, que comprometem seriamente as receitas e toda a filosofia orçamental, sem se saber com clareza como está o País, nomeadamente o montante do défice, sem se saber o estado real do País. Só depois de se conhecer a situação do País é que se começar com as medidas concretas. E realmente, como aqui foi dito, há três sectores que têm de ser objecto de medidas: o funcionalismo público, a transferência para as autarquias e a saúde e a educação. É por aqui que tem de se ver a questão.
E, sob pena de estarmos a fazer «guterrismo» sem Guterres, não há nada pior para o País do que, amanhã, o «guterrismo laranja» substituir-se ao «guterrismo rosa», Sr.ª Deputada. Com toda a franqueza lho digo!
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Deus nos livre!
O Orador: - Deus nos livre! Com certeza! Então, para isso, é necessário fazer o trabalho que não foi feito e começar a dizer com clareza aos portugueses onde e como vamos cortar.
É necessário dizer, com clareza, que as empresas públicas não podem continuar a ser feudo dos cartões partidários, são necessários compromissos com objectivos. Este é um aspecto essencial!
Por outro lado, a função pública tem de ser dignificada novamente, não pode ser, apenas e só, a filiação partidária ou outra qualquer a dar acesso ao lugar de director-geral mas, sim, o concurso público, a competência e a técnica. É por aqui que temos de ir.
Também é necessário, nas transferências para as autarquias e para as regiões, ver o que é despesa útil e frutificante, como V. Ex.ª diz - e bem -, e aquilo que é desperdício. Temos de ir às empresas municipais e acabar com o que está a acontecer, com um défice que foge completamente ao controlo.
Portanto, há um mundo de atitudes que têm de ser tomadas antes de estarmos a prometer descidas de impostos, Sr.ª Deputada! E V. Ex.ª, que é da linha justa, ou melhor, que segue a boa doutrina - peço desculpa, «linha justa» pode ter cambiantes que não queremos aqui acordar -, que é, realmente, a doutrina da dignidade do Estado, da despesa, bem me recordo disso, tem de compreender que é assim.
O Sr. Presidente: - Peço-lhe que termine, Sr. Deputado.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Portugal não pode, obviamente, continuar adiar, e isso é uma questão que transcende os nossos partidos para se projectar naquilo que é o interesse de Portugal e dos portugueses.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, estamos a chegar ao fim das actividades desta Comissão Permanente - suponho que teremos apenas mais uma reunião -, e, não sei se por nostalgia ou se por actualidade política, creio que é oportuno trazer a este debate uma reflexão sobre o que foi a continuação de uma das primeiras decisões que esta Assembleia tomou numa das suas primeiras reuniões desta Legislatura: a isenção do visto prévio do Tribunal de Contas para os projectos de arquitectura para os estádios do Euro 2004.
O Bloco de Esquerda, nessa altura, votou isoladamente contra essa isenção, aliás para nossa surpresa, porque era mais generalizada a atitude de precaução em relação a estas medidas, cujo conteúdo, aliás, se verificou imediatamente, pois o gabinete do arquitecto Tomás Taveira absorveu grande parte dos projectos de arquitectura. Mas assim começou algo que, nascendo torto, como se sabe, raramente se endireita.
Estamos agora perante uma situação extraordinária, em que a vulnerabilidade das câmaras municipais aos grandes clubes e a dos grandes clubes às grandes empresas de construção se torna óbvia no debate, ainda não esclarecido, sobre o estádio do Benfica e sobre todos os outros processos, em que se tornou rotina neste país poder executar obras orçamentadas muito acima do preço e poder tomar as entidades públicas mandantes das obras, donas das obras, como reféns, em termos orçamentais, das decisões tomadas por estas empresas. E esta situação é mais grave ainda quando estas empresas têm à sua frente, como são os casos públicos e notórios, pessoas cuja escassez de meios as leva, nas imensas dificuldades em que vivem, a nem sequer fazerem declarações de IRS e a vangloriarem-se disso, apesar das contas de resultados líquidos de milhões de contos que algumas delas ostentam na sua contabilidade.
É nesta contradição que temos de nos perguntar se a vulnerabilização do sistema político, numa corrupção escandalosa e porventura demasiado generalizada, não pesa nesta fragilidade que é dada por estes laços de dependência clubística, política e de sensibilidades na opinião e que é estimulada pela forma como as obras não são controladas, pela falta de rigor nos orçamentos, pela falta do seu cumprimento e pela falta da execução e do respeito pelos contratos que são assinados.
O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Tivemos suficientes indícios destes riscos no caso da Câmara Municipal de Felgueiras e em outros casos que estão a ser tratados em tribunal, e espero que sejam aí dirimidos, mas o alerta não foi ainda suficiente para que no caso do Euro 2004 - nos estádios, nas contas públicas, nas obras - possam ser tomadas medidas preventivas e correctivas. Aqui fica, portanto, o alerta.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também neste tempo que nos resta, gostaria
Página 1245
1245 | I Série - Número 032 | 07 de Fevereiro de 2002
de chamar a atenção para uma questão que nos parece fundamental.
Sendo óbvio para nós que o imediatismo tem sido o limite temporal imposto na discussão política e que esta se faz cada vez mais com a venda de imagens e não de valores, fundamentalmente quando se alerta para problemas que só as gerações vindouras irão pagar, parece-nos de uma enorme gravidade, porque isso, seguramente, penaliza em termos políticos, que se continue a brincar ao faz-de-conta. Refiro-me concretamente à questão da mudança climática.
Está em discussão pública, e vai terminar para a semana, o chamado Programa Nacional de Combate às Alterações Climáticas, e julgo que é óbvio para todos nós que, para um país como o nosso, cuja maior fronteira é mar, tem significado e consequências económicas encarar seriamente este problema.
Ora, estando a emissão de gases a disparar no nosso país e sabendo nós que o transporte rodoviário é o responsável em 80% por tal situação e que o transporte ferroviário tem sido ignorado, parece-nos grave que o Governo, em Janeiro deste ano, tenha decidido diminuir em 39 o número de comboios que circulavam na linha de Cascais, o que, para além do desrespeito pelos utentes - nada de particularmente original -, uma vez que estes só tiveram conhecimento quando foram confrontados com a realidade, é, seguramente, um traço de que continuamos a não levar a sério coisas que são da maior gravidade e politicamente relevantes.
Politicamente relevante é também - e, porventura, isso pode ser interessante de interpretar à luz dos dados que a imprensa trouxe sobre o Tribunal Constitucional e o financiamento dos partidos - o facto de se continuar a querer levar por diante os testes da co-incineração, independentemente de haver todo um conjunto de medidas para uma política de resíduos industriais, medidas essas que foram aprovadas por este Parlamento e que continuam sem serem executadas.
Trata-se de dois traços negativos, dois dossiers, que, no futuro, não podem ser esquecidos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegamos ao fim do período de antes da ordem do dia.
Eram 17 horas e 30 minutos.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, no período da ordem do dia, começamos pela aprovação dos n.os 23 a 31 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias dos dias 28, 29 e 30 de Novembro e 5, 18, 19 e 20 de Dezembro de 2001 e 23 de Janeiro de 2002.
Não havendo objecções, consideram-se aprovados.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário da Mesa vai proceder à leitura de diversos relatórios da Comissão de Ética.
O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda, Processo n.º 179/2001, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de dar assentimento a que Sua Excelência o Presidente da Assembleia da República, Dr. Almeida Santos, preste depoimento, por escrito, como testemunha, no âmbito dos autos referidos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Pausa.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar o parecer.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal Judicial da Comarca de Almodôvar, Processo n.º 42/2001, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar os Srs. Deputados Alberto Costa, Strecht Ribeiro, José Egipto, Artur Penedos e Laurentino Dias (PS) a prestarem depoimento, por escrito, como testemunhas, no âmbito dos autos referidos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação o parecer.
Pausa.
Visto não haver objecções, vamos votá-lo.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pela 3.ª Vara Criminal do Círculo do Porto, Processo n.º 206/2000, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de não autorizar o Sr. Deputado Fernando Gomes (PS) a prestar depoimento, na qualidade de testemunha de defesa, no âmbito dos autos referidos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Pausa.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar o parecer.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Srs. Deputados, antes de encerrar a reunião, informo a Comissão, para quem quiser assistir, que iremos proceder, nos Passos Perdidos, à inauguração de um site na Internet sobre a obra notável do ex-Deputado Luís Sá, intitulada O Lugar da Assembleia da República no Sistema Político.
Srs. Deputados, a nossa próxima reunião realizar-se-á no dia 20 do corrente mês.
Está encerrada a reunião.
Eram 17 horas e 35 minutos.
Faltaram à reunião os seguintes Srs. Deputados:
Partido Popular (CDS-PP):
Narana Sinai Coissoró
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL
Página 1246
1246 | I Série - Número 032 | 07 de Fevereiro de 2002