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1233 | I Série - Número 032 | 07 de Fevereiro de 2002

 

Dr. Raúl Rêgo, tenho dele a imagem que todos os portugueses guardam, que não é fictícia: uma imagem que é uma história, um percurso, uma vida feita de rebelião, feita de resistência, feita de coragem, feita de coerência.
Há, seguramente, algo que é marcante na sua trajectória. E o que julgo que é marcante é o que deve pautar a forma como cada um de nós se move na vida, ou seja, agindo sempre em função daquilo em que acreditamos e tendo sempre a frontalidade de o fazer.
Não é, seguramente, por acaso que dessa forma tantas amizades se criam. Veja-se, por exemplo, o consenso e a amizade muito forte que marca a intervenção do Deputado António Reis, pelo olhar que tem sobre ele, e também não deixa de ser significativo que o Deputado Mota Amaral fale dele da forma como falou.
Fundamentalmente, julgo que é pelo confronto claro, pelo respeito mútuo que se constroem as opiniões. Mas o respeito também me parece essencial neste espaço.
O Dr. Raúl Rêgo marca uma geração e tem um papel muito importante como referência para muitos de nós pelos valores pelos quais se bateu. Mas eu, como mulher, não posso deixar de recordar, a 20 de Fevereiro de 1997, a sua entrada neste Parlamento para testemunhar que, ao longo da sua vida e em coerência, se bateu até ao limite por aquilo em que acreditou e, neste caso, acreditou que as mulheres têm o direito de escolher sobre si próprias. Essa é, seguramente, uma das marcas, um dos registos que guardo entre muitas outras coisas que fizeram a sua vida.
Ao Partido Socialista, aos seus amigos, aos seus companheiros e à sua família, naturalmente, quero, em nome de Os Verdes, manifestar o meu respeito e o meu pesar.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nenhuma dúvida existe de que Raúl Rêgo é um daqueles vultos que merecem a rara distinção de poderem ser homenageados genuinamente por pessoas de todos os quadrantes, sem abdicação de convicções. É isso a que assistimos aqui.
Ele foi, sem dúvida nenhuma, um resistente aos piores males que fustigaram Portugal ao longo de muitos ciclos, de uma vida riquíssima, que se identifica com o essencial de um século e de um sofrer e de um viver português.
O que combateu no princípio, pode dizer-se que continuou a combater até ao fim. E fê-lo com aquela valentia, com aquele denodo e com aquele toque de pureza que o distinguiu de todos os seus pares. Seja qual for o lugar que ocupe entre os republicanos, será sempre, seguramente, uma referência que nos transcende a todos e que a todos nos honra.
Julgo que é justo dizer que deu ânimo, e pessoalmente lho agradeço. Deu ânimo e foi humilde quando podia apenas ordenar e ser obedecido. E sempre explicou porquê e sempre explicou as causas, e isso também o distinguiu.
Tive o privilégio de o conhecer em circunstâncias muito particulares e que muito me tocam e aqui, nesta Câmara, pude testemunhar em muitos momentos até que ponto é que ele era capaz de decisões que a todos nos surpreendiam e nos deixavam com o espírito de que podíamos receber lições de alguém. E dele as recebi, e espero não as esquecer.
Julgo que é justo também assinalar que amava o Parlamento com um saber profundo. É uma instituição especial esta, o Parlamento, sem dúvida nenhuma. E ele conheceu-a bem na sua conformação histórica; ele procurou-a explicar; ele procurou romper os silêncios, mesmo quando Parlamento deveras não havia mas um simulacro; ele ajudou a romper os «véus» que rodeavam esse simulacro e a sublinhar como era grave a «mutilação» parlamentar, o que é que significava não haver um órgão livre onde as vozes se ergam em confronto plural, no dissídio ou na convergência, para decidir as questões que apoquentam a polis num determinado momento histórico e virar o rumo das coisas, se assim for a vontade popular.
Conheceu, explicou, ajudou a amar. E esse amor, que é capaz de ser pedagógico, é um exemplo também para todos nós.
À família e a todos aqueles que estão enlutados, gostaria de dirigir, em nome do Governo, as mais sentidas condolências e de dizer, Sr. Presidente, que o voto que V. Ex.ª redigiu sintetiza magnificamente aquilo que foi para todos nós um grande e notável exemplo.
Associo-me, portanto, em nome do Governo, a tudo, mas absolutamente a tudo, que nele se diz.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados, para além do que se diz no voto, que é inteiramente merecido, queria juntar-me às vossas considerações para dizer que Raúl Rêgo foi, desde sempre, uma das minhas referências e um dos meus paradigmas políticos e humanos.
Era um ser humano excepcional e era um político de uma coragem verdadeiramente extraordinária. Eu diria que, como resistente, ele foi o mais genuíno e o mais puro de todos nós. Ali não havia considerações de outra ordem que não fossem as considerações de carácter ideológico e a força das suas próprias convicções, não tinha outros interesses.
Morreu sem ambições materiais, como sempre viveu, como eu disse. Só deixou como valor estimável a sua biblioteca, onde, como bibliófilo extraordinário, reuniu in-fólios excepcionais e primeiras edições, hoje raríssimas.
Recordo uma visita que fiz com ele a Macau, em que ele foi a meu convite, e quando visitámos a biblioteca do Leal Senado um funcionário inestimável dizia: «Temos aqui esta preciosa primeira edição de Padre António Vieira». E ele respondia: «Não, a primeira edição não é essa! A primeira edição é outra!» e identificou-a. E o funcionário continuava «Temos aqui outra, do Camilo…» e ele dizia «Também não é, essa também não é uma primeira edição.» E voltava a identificá-la. Depois dizia: «Olhe, aqui é que está uma primeira edição. Esta sim!» E o funcionário dizia «Ah! Não sabia que era uma primeira edição!»
Era um bibliófilo extraordinário e de uma cultura e de uma memória excepcionais, repito, de uma memória verdadeiramente excepcional! Comparada com a dele, só a de Carlos Ferrão, outro historiador da República, que fez uma história da República praticamente de memória.
O Rêgo era, de facto, uma personalidade rara, um homem que, porventura, tende a não existir mais. De vez em quando lá me mandava para Moçambique um «SOS» dizendo «O República está falida, Almeida Santos!» E eu mandava uns «balões de oxigénio». E quando cheguei cá,

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