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Sexta-feira, 24 de Maio de 2002 I Série - Número 13

IX LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2002-2003)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 23 DE MAIO DE 2002

Presidente: Ex.mo Sr. João Bosco Soares Mota Amaral

Secretários: Ex. mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Ascenso Luís Seixas Simões
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
António João Rodeia Machado

S U M Á R I O

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação das propostas de lei n.os 25 a 28/IX, dos projectos de resolução n.os 13 e 14/IX e de requerimentos.
A Câmara tomou conhecimento da renúncia ao mandato do Sr. Deputado do PSD Ferreira do Amaral e aprovou um parecer da Comissão de Ética relativo à substituição de um Deputado do PSD.
Em interpelação à Mesa, os Srs. Deputados Francisco Louçã (BE) e Vitalino Canas (PS) anunciaram a apresentação de recursos da admissibilidade, pelo Presidente da AR, da proposta de lei n.º 4/IX - Altera a Lei n.º 31-A/98, de 14 de Julho.
Em declaração política, o Sr. Deputado Francisco Louçã (BE) criticou a actuação do Governo em matéria de finanças, emprego e condução dos assuntos do Estado.
Também em declaração política, o Sr. Deputado Lino de Carvalho (PCP) caracterizou de forma negativa os primeiros 30 dias de governação do Governo. No fim, respondeu aos pedidos de esclarecimentos dos Srs. Deputados Gonçalo Capitão (PSD) e Diogo Feio (CDS-PP).
O Sr. Deputado Luís Capoulas Santos (PS) deu conta do estado em que o governo do PS deixou a agricultura portuguesa e anteviu aquele em que o actual Governo a irá deixar, tendo, no final, respondido ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Fernando Penha (PSD).
O Sr. Presidente anunciou à Câmara a sua decisão de não admitir, por não considerar procedentes, os recursos sobre a admissibilidade da proposta de lei n.º 4/IX interpostos pelos Srs. Deputados Francisco Louçã (BE) e Vitalino Canas (PS). Usaram da palavra, em interpelação à Mesa, os Srs. Deputados Francisco Louçã (BE) e José Magalhães (PS).
Dessa decisão do Sr. Presidente recorreram para Plenário os Grupos Parlamentares do BE e do PS, tendo a fundamentação destes segundos recursos sido apresentada pelos Srs. Deputados Francisco Louçã (BE) e José Magalhães (PS). Sobre eles, intervieram ainda os Srs. Deputados António Costa (PS), Bernardino Soares (PCP), Jorge Lacão (PS), Guilherme Silva (PSD), Telmo Correia (CDS-PP) e Isabel Castro (Os Verdes).
Após a rejeição pelo Plenário de um requerimento apresentado pelo PS a pedir a interrupção dos trabalhos, foram também rejeitados aqueles dois recursos.
Seguidamente, a Assembleia rejeitou o recurso interposto pelo PCP, e apresentado pelo Sr. Deputado Bernardino Soares (PCP), da decisão do Sr. Presidente de dar prioridade ao agendamento da proposta de lei na ordem do dia. Sobre esta matéria, pronunciaram-se os Srs. Deputados António Costa (PS), Francisco Louçã (BE), Guilherme Silva (PSD), Telmo Correia (CDS-PP) e Jorge Lacão (PS).
A Câmara apreciou, também, e votou negativamente, o recurso interposto pelo Sr. Deputado Francisco Louçã (BE) sobre a decisão da Mesa de não incluir na ordem do dia, para discussão conjunta, o projecto de lei n.º 14/IX - Define regras para a administração

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e programação do serviço público de televisão (BE), tendo-se pronunciado os Srs. Deputados Bernardino Soares (PCP) e José Magalhães (PS).
Após retirada de um requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Guilherme Silva (PSD), no sentido de as votações previstas para a hora regimental serem transferidas para o final da discussão da proposta de lei n.º 4/IX, em que se pronunciaram, além do Sr. Deputado Guilherme Silva (PSD), os Srs. Deputados José Magalhães e António Costa (PS), foi aprovado o parecer da Comissão de Trabalho e Assuntos Sociais, sobre o processo de urgência referente à proposta de lei n.º 112/VIII - Estabelece o limite mínimo de redução no valor das pensões de invalidez nas situações de acumulação destas prestações de segurança social com rendimentos do trabalho (ALRM).
A Câmara aprovou, ainda, quatro pareceres da Comissão de Ética, autorizando igual número de Deputados do PS a deporem, por escrito, em tribunal.

Ordem do dia. - Procedeu-se à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 4/IX - Altera a Lei n.º 31-A/98, de 14 de Julho, tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro da Presidência (Nuno Morais Sarmento), os Srs. Deputados José Sócrates e Jorge Lacão (PS), Guilherme Silva (PSD), Francisco Louçã (BE), António Filipe (PCP), Luís Marques Guedes (PSD), Telmo Correia (CDS-PP), Isabel Castro (Os Verdes), António Costa (PS), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), João Teixeira Lopes (BE) e Bernardino Soares (PCP).
Depois de aprovado um requerimento, apresentado pelo PSD, de avocação a Plenário da votação na generalidade, especialidade
e final global da mesma proposta de lei, tendo a mesma merecido aprovação na generalidade.
No debate, na especialidade, intervieram os Srs. Deputados António Filipe (PCP), Jorge Lacão (PS) e Francisco Louçã (BE). Após a aprovação da proposta de lei na especialidade e em votação final global, foi ainda aprovado o requerimento do PSD que a dispensa da baixa à Comissão para redacção final.
Foi apreciada, na generalidade, a proposta de lei n.º 3/IX - Altera a Lei n.º 13/98, de 24 de Fevereiro (Lei de Finanças das Regiões Autónomas). Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças (Miguel Frasquilho), os Srs. Deputados Luís Fazenda (BE), Guilherme Silva (PSD), António Filipe (PCP), Medeiros Ferreira (PS), Hugo Velosa e Victor Cruz (PSD), Diogo Feio (CDS-PP) e Isabel Castro (Os Verdes).
Foi ainda discutida, na generalidade, a proposta de lei n.º 99/VIII - Altera o Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de Novembro, relativo ao regime jurídico dos terrenos do domínio público hídrico (ALRM), tendo usado da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Pedro Silva Pereira (PS), João Teixeira Lopes (BE), Honório Novo (PCP), Carlos Rodrigues (PSD), Isabel Castro (Os Verdes), Diogo Feio (CDS-PP), Maximiano Martins (PS), Telmo Correia (CDS-PP) e Guilherme Silva (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 23 horas e 15 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
Alexandre Bernardo Macedo Lopes Simões
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Paula Rodrigues Malojo
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Fernando de Pina Marques
António Henriques de Pinho Cardão
António Manuel da Cruz Silva
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
António Paulo Martins Pereira Coelho
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
Arménio dos Santos
Bernardino da Costa Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos Alberto da Silva Gonçalves
Carlos Alberto Rodrigues
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Carlos Parente Antunes
Daniel Miguel Rebelo
Diogo Alves de Sousa de Vasconcelos
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Fernando Santos Pereira
Francisco José Fernandes Martins
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
Gonçalo Trigo de Morais de Albuquerque Reis
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Gustavo de Sousa Duarte
Henrique José Monteiro Chaves
Hugo José Teixeira Velosa
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
João Bosco Soares Mota Amaral
João Carlos Barreiras Duarte
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José Gago Horta
João Manuel Moura Rodrigues
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Alberto Vasconcelos Tavares Moreira
José António Bessa Guerra
José António de Sousa e Silva
José Luís Ribeiro dos Santos
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
José Manuel Carvalho Cordeiro
José Manuel dos Santos Alves
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
Laurentino de Sousa Esteves
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria Assunção Andrade Esteves
Maria Aurora Moura Vieira
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria da Graça Ferreira Proença de Carvalho
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Maria Elisa Rogado Contente Domingues
Maria Eulália Silva Teixeira
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Maria Isilda Viscaia Lourenço de Oliveira Pegado
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa da Silva Morais
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro do Ó Barradas de Oliveira Ramos
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso
Sérgio André da Costa Vieira
Vasco Manuel Henriques Cunha
Victor do Couto Cruz
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis

Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto de Sousa Martins
Alberto Marques Antunes
Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António José Martins Seguro
António Luís Santos da Costa
António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Ascenso Luís Seixas Simões
Augusto Ernesto Santos Silva
Carlos Manuel Luís
Edite Fátima Santos Marreiros Estrela
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues

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Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira
Fausto de Sousa Correia
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Serrasqueiro
Fernando Ribeiro Moniz
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins
Gustavo Emanuel Alves de Figueiredo Carranca
Jaime José Matos da Gama
João Barroso Soares
João Rui Gaspar de Almeida
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Jorge Lacão Costa
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Alberto Sequeiros de Castro Pontes
José António Fonseca Vieira da Silva
José Apolinário Nunes Portada
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade
José da Conceição Saraiva
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Santos de Magalhães
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Júlio Francisco Miranda Calha
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda
Luís Manuel Capoulas Santos
Luís Manuel Carvalho Carito
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson da Cunha Correia
Nelson Madeira Baltazar
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo José Fernandes Pedroso
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rui António Ferreira da Cunha
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Popular (CDS-PP):
Acílio Domingues Gala
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
Luís José Vieira Duque
Manuel de Almeida Cambra
Narana Sinai Coissoró
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita

Bloco de Esquerda (BE):
Francisco Anacleto Louçã
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, foram apresentados na Mesa diversos requerimentos.
Nas reuniões plenárias de 9 e 10 de Maio: aos Ministérios da Saúde e da Cultura, formulados pelo Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho; à Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Luís; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Bruno Dias; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Honório Novo; e ao Ministério da Defesa Nacional, formulado pelo Sr. Deputado José Apolinário.
Nos dias 13 e 14 de Maio: ao Ministério da Economia, formulado pelo Sr. Deputado Diogo Vasconcelos; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Eduardo Moreira; aos Ministérios da Administração Interna e dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas, formulados pela Sr.ª Deputada Maria Manuela Aguiar; aos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas e da Ciência e do Ensino Superior, formulado pelo Sr. Deputado João Teixeira Lopes; e ao Ministério da Saúde, formulado pela Sr.ª Deputada Isabel Castro.

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Deram ainda entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: projectos de lei n.os 25/IX - Designação da freguesia de Lamas de Podence (Deputado do PS Mota Andrade), que baixou à 4.ª Comissão, 26/IX - Designação da freguesia de Grijó de Vale Benfeito (Deputado do PS Mota Andrade), que baixou também à 4.ª Comissão, 27/IX - Regime jurídico das terapêuticas não convencionais (BE), que baixou à 8.ª Comissão, e 28/IX - Informação genética pessoal e informação de saúde (BE), que baixou às 1.ª e 8.ª Comissões; e projectos de resolução n.os 13/IX - Viagem do Presidente da República a Paris (Presidente da AR) e 14/IX - Iguala as pensões mínimas de reforma ao salário mínimo nacional e aumenta o valor mínimo das pensões de velhice e invalidez do Regime Especial das Actividades Agrícolas e do Regime Contributivo (pensão social) e equiparadas (BE).

O Sr. Presidente: - Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, comunico à Câmara que o Sr. Deputado Ferreira do Amaral, eleito pela lista do PSD, me enviou uma carta, nos termos previstos no Regimento da Assembleia da República e no Estatuto dos Deputados, formalizando a sua renúncia ao mandato de Deputado, da qual dei imediatamente conhecimento ao grupo parlamentar a que o Sr. Deputado pertence, para o efeito da sua substituição.
Entretanto, a Comissão de Ética já se pronunciou, em termos de verificação dos poderes do substituto do Sr. Deputado Ferreira do Amaral, pelo que peço ao Sr. Secretário que nos dê conta do relatório e parecer da referida Comissão, o qual votaremos em seguida, de modo a que o nosso novo colega possa tomar assento entre nós.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, em reunião da Comissão de Ética, realizada no dia 23 de Maio, foi observada a substituição do Deputado Ferreira do Amaral (PSD), do Círculo Eleitoral de Leiria, nos termos do artigo 7.º do Estatuto dos Deputados (Lei n.º 7/93, de 1 de Março), com início em 23 de Maio corrente, inclusive, por Daniel Miguel Rebelo.
Analisados os documentos pertinentes, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo aludido partido no concernente círculo eleitoral, a Comissão decidiu emitir parecer no sentido de admitir a substituição em causa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o parecer está em apreciação.

Pausa.

Uma vez que ninguém pretende usar da palavra, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, inscreveram-se, para interpelar a Mesa, os Srs. Deputados Francisco Louçã e Vitalino Canas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã, dispondo, para o efeito, de 2 minutos.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 139.º do Regimento da Assembleia da República, quero interpor recurso, e faço-o fundamentadamente, da decisão de admitir a proposta de lei n.º 4/IX.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado vai, com certeza, entregar o requerimento na Mesa, porque esse requerimento deve ser formulado por escrito.

O Orador: - Com certeza, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade de o fazer, Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Vitalino Canas.

O Sr. Vitalino Canas (PS): - Sr. Presidente, quero comunicar a V. Ex.ª que, em nome do meu grupo parlamentar, irei também apresentar um requerimento de recurso quanto à decisão de admissão da proposta de lei n.º 4/IX, pela sua inconstitucionalidade, uma vez que, de acordo com declarações proferidas pelo Sr. Ministro da Presidência, porta-voz do Conselho de Ministros, esta proposta não terá sido aprovada pelo Conselho de Ministros e, de acordo com a Constituição, artigo 200.º, n.º 1, alínea c), ela deveria ter sido aprovada em Conselho de Ministros.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Vitalino Canas, perdoe-me que o interrompa mas, de acordo com o que refere expressamente o n.º 2 do artigo 139.º do Regimento, este requerimento deve ser apresentado por escrito e fundamentado, pelo que o Sr. Deputado fará o favor de o entregar na Mesa e é óbvio que terei de o ler para, depois, poder decidir.
Nessa medida, preferia que não fizesse qualquer exposição sobre a matéria, porque não é isso que o Regimento prevê.

O Orador: - Sr. Presidente, irei, de facto, apresentar o requerimento por escrito, acompanhado de uma cassete…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Cassete?!

O Orador: - … com declarações do Sr. Ministro da Presidência,…

Risos do PSD e do CDS-PP.

… onde faz as afirmações de que a proposta não foi apresentada e aprovada em Conselho de Ministros.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra, também para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, quero anunciar que o Grupo Parlamentar do PCP interporá recurso em relação à decisão do Sr. Presidente de conferir

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prioridade à proposta de lei apresentada e discutida na última Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Esse, está certo!

O Orador: - E, já agora, pergunto à Mesa e ao Sr. Presidente se entende que, neste caso, também é necessário elaborar o requerimento por escrito.

O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado. Nesse caso, o Regimento não o exige, pelo que a Mesa, como é óbvio, de modo algum o exigiria.
Srs. Deputados, tratando-se de recursos sobre matéria muito delicada, necessito de estudar os requerimentos e pronunciar-me-ei sobre eles, mas isso não vai impedir, de forma alguma, que os nossos trabalhos prossigam, porque temos, hoje, uma agenda extremamente carregada.
Nestes termos, para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado…

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, a direcção da bancada do Grupo Parlamentar do PS está a procurar apurar o entendimento exacto das palavras e da decisão do Sr. Presidente, para ponderar se é ou não necessário recorrer dessa decisão.
Por isso, gostávamos que ficasse muito claro se o Sr. Presidente pretende prosseguir, de imediato, os trabalhos, não considerando prejudicada a ordem do dia, ou se pretende discutir esta questão, das consequências para a ordem do dia da apresentação dos dois requerimentos de impugnação, mais tarde, depois do período de antes da ordem do dia.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, a minha decisão será, com certeza, apresentada antes de darmos início ao período da ordem do dia, já que se, porventura, qualquer dos requerimentos for aceite prejudicará a ordem do dia.
Srs. Deputados, vamos, então, prosseguir o período de antes da ordem do dia.
Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Cumprem-se hoje, aproximadamente, dois meses desde as últimas eleições legislativas e pouco mais de um mês desde a formação do Governo.
Se atendermos a opiniões de rua e talvez também à indicação, sempre parcelar e sempre importante, das sondagens de opinião, uma parte importante do País considera que este Governo tem procedido pior do que se esperava. É sobre isto que trata esta minha intervenção.
Em três matérias fundamentais, este Governo tem sido confrontado com as suas responsabilidades e com problemas importantes: nas finanças, no emprego e na condução dos assuntos de Estado. Em todos eles o Governo tem fracassado, em todos eles tem dado provas de incompetência, incoerência e impreparação.
Nas finanças, quis o Governo, emblematicamente, abrir a Sessão Legislativa com uma proposta para uma isenção acentuada da tributação das mais-valias. Quis, portanto, dizer que os bons negócios deveriam continuar e aquilo que preocupou o debate público, aquilo que preocupa o País e tem de preocupar os parlamentares, que é o combate a uma situação que o Instituto Nacional de Estatística classifica, e bem, como única, no contexto europeu, que é uma evasão fiscal sem fronteiras, sem controle, sem rigor, sem limites, sem fiscalização, não mereceu a atenção do Governo. E por isso veio dizer que, no contexto da apreciação da crise das contas públicas, se impunham soluções que passavam por desmentir os seus compromissos eleitorais e por propor um aumento dos impostos. Extraordinário aumento dos impostos, esse, não só por ser uma mentira em relação a promessas tantas vezes repetidas, há tão pouco tempo, mas até por nos ser dito que era um aumento transitório, ficando nós e o País sem saber até quando vai essa transição.
Mas talvez o mais grave seja a profunda abdicação do sentido de Estado de que este Governo dá provas, quando trata da tributação do sistema financeiro. A banca pagou, no ano de 2000, 14% de IRC incluindo derramas, ou seja, menos 20% do que aquilo a que a lei obriga e, portanto, menos 20% do que aquilo que pagam as empresas que cumprem a lei. Em face disso, veio o Governo propor um regime forfetário, um regime de confiança, de aceitação passiva das declarações dos bancos para efeitos de IRC. Ou seja, a Ministra das Finanças, perante um nível de evasão fiscal sem limites, perante uma crise orçamental importante, perante problemas de confiança nas contas públicas, veio dizer que o Governo não quer saber, não pode saber e não pretende saber como é que a banca obtém os seus lucros e que 20% dessas receitas são, à cabeça, isentas de qualquer tributação, como quer que tenham sido obtidas, onde quer que tenham sido obtidas. Este é o regime que nos é proposto!
A profunda abdicação do sentido de Estado, quando se impõe que, no regime tributário, que é o princípio mesmo da responsabilidade do Estado, todos sejam obrigados às mesmas responsabilidades, ao mesmo direito, ao mesmo sistema de leis, ao mesmo sistema de controle, é uma prova de incompetência, é uma prova de fraqueza, é uma prova de autoritarismo sem autoridade.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Orador: - Na questão do emprego ocorre exactamente o mesmo! Prometeu o Governo que não haveria aumento de impostos, prometeu o Governo - palavras de honra foram dadas aqui, na Assembleia, com tanta solenidade! - que não haveria despedimentos. O País já sabe que, quando este Governo promete, é caso para desconfiar; quando fala de impostos, é caso para aqueles que pagam o que devem cuidarem das carteiras e aqueles que nunca pagaram e entendem que continuarão a não pagar se regozijarem.
Trouxe-nos também o Governo uma lista de organismos a extinguir. São 15 344 os trabalhadores em causa! Uma trapalhada! O Governo não sabia justificá-los, não sabia

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quantos eram, não sabia quem eram, que funções tinham, que responsabilidades, que competência profissional, enfim, não sabia o que lhes iria acontecer. Dois dias depois, o Governo veio dizer-nos que algumas dezenas de milhar de trabalhadores da função pública serão abrangidos por um processo expeditivo que configura o maior despedimento colectivo em Portugal desde o 25 de Abril. É uma irresponsabilidade, mas é, sobretudo, uma injustiça! Se houve cerca de 40 000 trabalhadores que, no princípio da legislatura que se iniciou em 1995, foram admitidos nos quadros do Estado, quando justificadamente cumpriam funções permanentes no seu aparelho, foi porque se visou restabelecer um princípio de seriedade! É que, na função privada, qualquer trabalhador, com contrato a termo certo, que acumule contratos sucessivos para além do prazo de três anos, obtém o contrato com carácter efectivo. Mas temos, em Portugal, este aspecto extraordinário: o Estado não cumpre as leis; o Estado isenta-se, por lei, da própria lei do trabalho!

Vozes do BE: - Muito bem!

O Orador: - É isto que permite que haja tantos trabalhadores precários, tantos contratados, tantos em regime de recibos verdes.
Estas 50 000 pessoas ameaçadas de desemprego pelo Governo não são «boys», são trabalhadores e trabalhadoras, muitos dos quais, como os 396 contratados do Hospital de São João ou os 300 contratados do Hospital de Santo António, são precisos, num País em que são necessários mais médicos, mais professores e mais enfermeiros.
Mas o que o Governo não diz, porque não sabe, não quer e não lhe interessa, é quantos trabalhadores são precisos na função pública para um melhor serviço público naquilo que a Constituição prevê e a democracia exige. De tudo isto o Governo não quer saber! O Governo não estuda! O Governo não conhece as lei! O Governo não cumpre as suas promessas eleitorais! Não sabe, não quer saber e não gosta de quem sabe ou quer saber!

Vozes do BE: - Muito bem!

O Orador: - E, Sr.as e Srs. Deputados, fundamentalmente na condução dos assuntos de Estado prova esta atitude prepotente; prova-o nas parcerias dos sectores público e privado na saúde, na alteração das Lei de Bases da Segurança Social, depois do acordo social, na alteração, hoje anunciada, do rendimento mínimo garantido, que querem transformar numa espécie de prestação de caridade para alguns pobres bem seleccionados, mas, sobretudo, naquilo em que o Governo tinha de exercer capacidade, proposta, projecto e estratégia.
Sobre a RTP, o Governo diz-nos, num dia, que quer criar uma empresa nova e, num outro dia, que a extinção da RTP não está em causa. Num dia, diz-nos que nem pensar em pagar o passivo; num outro dia, diz-nos que acaba a publicidade na RTP; e, num outro dia, diz-nos que «logo se vê, vai estudar-se!». E, depois, diz-nos o Governo que com a configuração institucional assente na proposta de lei que discutiremos nas próximas semanas, de alteração ao Estatuto do Conselho de Opinião da RTP, teríamos, então, uma solução satisfatória.
A trapalhada não tem limite! Estão empossados membros da administração da empresa Portugal Global, SGPS, S. A., nomeadamente na base da pretensa existência de uma carta de renúncia do Presidente da RDP, que nunca a escreveu; uma carta que não existe e que daria origem à substituição de uma pessoa, sendo que hoje há dois membros que legalmente exercem essas funções na administração da Portugal Global. Naturalmente, o Sr. Ministro não apresentará essa carta, porque ela não existe!
O fundamental era - dizia-nos o Governo - desgovernamentalizar os órgãos de comunicação social do Estado; propõe-nos, contra a opinião de Marcelo Rebelo de Sousa, de Laborinho Lúcio e de José Miguel Júdice, uma alteração circunstancial da lei que incorre em três graves inconstitucionalidades: viola o artigo 38.º da Constituição, que salvaguarda a independência dos meios de comunicação social do sector público perante o Governo; viola o artigo 18.º da Constituição, que assegura que, em matéria de direitos, liberdades e garantias, não pode haver retroactividade das leis, que é o que o Governo pretende; e viola o artigo 202.º da Constituição, que regula a separação de poderes, porque pretende, por via legal, legislativa, abolir um poder exclusivo dos tribunais, o de tutelar a legalidade dos actos administrativos.
Em todas estas matérias, o Governo, não tendo estudado, não sabendo, prova que a irresponsabilidade, a impreparação, a incompetência, por vezes mesmo a mentira se tornam um instrumento de governação. Para um mês já é muito! Mas o País já sabe que este Governo é uma força de bloqueio contra o progresso, contra o desenvolvimento, até contra a Constituição e sobretudo contra a democracia!

Aplausos do BE.

Entretanto, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Leonor Beleza.

A Sr.ª Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Autoritarismo, insensibilidade social, amadorismo, incompetência - assim poderíamos caracterizar, em poucas palavras, os primeiros 30 dias de Governo da direita portuguesa.
De supetão, procurando beneficiar do efeito surpresa e da anestesia provocada pela campanha em torno do estado em que o PS terá deixado o País, o Governo, usando e abusando da sua, por enquanto, confortável maioria parlamentar, entrou a matar.
Na organização da Administração Pública, nas questões laborais e sociais, nas finanças do País e na comunicação social pública, o Governo elegeu alvos a abater e adoptou a tese de que todos os meios são bons para atingir os fins a que se propõe. Não explica, não fundamenta e não sustenta os critérios em que é suposto fundar as suas decisões, basta confiar numa maioria parlamentar que não discute, não se inquieta, não tem dúvidas.

Aplausos do PCP.

No Orçamento rectificativo foi o caos. O Governo recusou-se a explicar minimamente os fundamentos e os critérios

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para a lista de organismos do Estado que se propõe extinguir, fundir ou reestruturar: é assim, porque é assim; são estes como poderiam ser outros; atiraram-se os dados ao ar e calhou nestes! É assim porque o Conselho de Ministros decidiu e era necessário, mesmo sem critério, «amarrar» os Ministros a qualquer coisa e, sobretudo, dar ao País a ilusão de que o Governo está a fazer alguma coisa.
Em que sentido vai reorganizar-se a Administração Pública? Quem vai absorver as funções dos organismos em causa? Por que se extingue o Instituto da Inovação Educacional ou o Museu Nacional da Ciência e da Técnica? Por que se funde o Instituto Português de Arqueologia (IPA) com o Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR), o Instituto Português da Droga e da Toxicodependência com o Serviço de Prevenção e Tratamento da Toxicodependência (SPTT), o Instituto Nacional de Investigação Agrária (INIA) com o Instituto de Investigação das Pescas e do Mar (IPIMAR)? Ou em que sentido é feita a reestruturação da Comissão Interprofissional da Região Demarcada do Douro (CIRDD)? Nada disto o Governo explica! São ninharias! O País não tem direito a explicações! O tempo das promessas e da campanha eleitoral já passou, agora, basta que a maioria vote.
Mas uma coisa o Governo já deixou claro: como diz a Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças, há trabalhadores a mais na função pública. Por isso, os que estão a contrato individual de trabalho e têm o azar de estar nos organismos que lhes calhou em sorte, ou em todos as estruturas que venham a ser afectadas pelos processos de reorganização, perdem o emprego. Os que estão no regime geral da função pública vão para casa sem vencimento ou com vencimento reduzido.
Em toda a Administração Pública, os milhares de trabalhadores sujeitos a contrato de trabalho a termo, apesar de, em numerosíssimas situações, estarem a preencher funções permanentes durante anos seguidos, o que lhes dá o legítimo direito de ingressar nos quadros da função pública, não verão agora renovados os respectivos contratos, sendo o seu destino o desemprego, de acordo com a resolução do Conselho de Ministros. Assim, sem audição, concertação ou diálogo com as estruturas representativas dos trabalhadores! Com total indiferença perante os dramas humanos que tais decisões vão criar, como se os trabalhadores fossem um produto descartável!
«Os mais frágeis vão pagar a crise! Não é essencial que haja aumentos!» - disse anteontem na RTP, sem contrair um músculo, a Ministra Manuela Ferreira Leite, numa prestação que constituiu o exemplo mais acabado de uma gritante e intolerável insensibilidade social face às consequências das políticas do Governo. Por isso mesmo, aliás, requeremos a presença da Sr.ª Ministra na Comissão de Economia e Finanças e a realização de um debate de urgência no Plenário para que o País melhor perceba os critérios de um governo que, enquanto permite que o sistema financeiro que opera na Zona Franca da Madeira não pague impostos em relação a 20% dos rendimentos da sua actividade, impõe a milhares de trabalhadores e famílias portuguesas o caminho do desemprego e o agravamento das suas condições de vida.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - É uma vergonha!

O Orador: - Como se vê, Srs. Deputados, e ao contrário dos comentários do Sr. Primeiro-Ministro ao discurso do Sr. Presidente da República no dia 25 de Abril, são sempre os mesmos que pagam a crise.

Aplausos do PCP.

Temos agora a operação contra o serviço público de rádio e televisão. Objectivo político decidido: fechar um dos canais da RTP, alienar uma das antenas da RDP, privatizar ou liquidar, no caso da RTP porque dá prejuízo, no caso da RDP apesar de não dar prejuízo. Depressa se percebeu que o Governo, a pretexto de problemas financeiros da RTP, que são reais mas que foram começados, aliás, pelo próprio PSD, decidiu isto tudo sem nenhuma reflexão ou estudo sério, sem nenhuma ideia clara do que entende por serviço público, a não ser, porventura, a que decorre do interesse dos grupos privados de comunicação social.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Com uma gritante irresponsabilidade e incompetência, criou um quadro de uma enorme instabilidade no serviço público e entre os seus profissionais. Não ouviu ninguém, a ninguém dá explicações. Como afirmou, aliás, um escutado e ex-dirigente do PSD, fê-lo precipitadamente. O Governo mete-se por atalhos e o que consegue são trabalhos!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Conselho de Opinião da RTP, no pleno e legítimo uso das suas competências legais, dá um parecer desfavorável aos planos do Governo?! Não há problema: altera-se a lei (não se sabendo bem, aliás, em que Conselho de Ministros e a que horas se deu a aprovação da proposta, tal foi o enredo muito pouco transparente e cheio de contradições em que caiu o Ministro Morais Sarmento); reclama-se prioridade e altera-se a ordem de trabalhos da Assembleia da República.

O Sr. Honório Novo (PCP): - É um escândalo!

O Orador: - Outros grupos parlamentares pretendem, de acordo com o Regimento, agendar iniciativas próprias sobre a mesma matéria e para o mesmo momento?! Recusado, sem mais! É para isso que serve a maioria!
A Alta Autoridade para a Comunicação Social, também no uso das suas competências, pronuncia-se contra as orientações do Governo em matéria de serviço público de rádio e televisão?! Lá está o Sr. Ministro, ignorando o que diz a lei, a desvalorizar o parecer da Alta Autoridade, cuja extinção alguns vêm estranhamente propor neste preciso momento.
Está encontrada a receita para o futuro. Se amanhã, porventura, a maioria se enganar a votar e inviabilizar alguma iniciativa do Governo, por este andar também não haverá problema: substituem-se os Deputados da maioria!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Do passado recente, e no futuro, muitos outros exemplos se podem dar. No Orçamento rectificativo

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empolaram-se, deliberadamente, as contas para dar a falsa ideia de que o País estaria quase na falência e assim se criarem as condições para a imposição de sacrifícios aos portugueses em violação dos próprios compromissos eleitorais do PSD e do CDS-PP, mas ao mesmo tempo criam-se «almofadas orçamentais», «sacos azuis», para o Governo, lá para o fim do ano, poder dizer que, afinal, conseguiu o milagre da multiplicação das receitas e da diminuição das despesas.
Entretanto, para o futuro próximo, de preferência coincidindo com as férias parlamentares e dos trabalhadores portugueses, o Governo prepara um pacote de propostas contra o sistema público, universal e solidário, da segurança social, de amputação do rendimento mínimo garantido, afectando, num caso e no outro, especialmente as jovens gerações, de ataque aos direitos dos trabalhadores em sede de contrato individual do trabalho, de medidas restritivas e repressivas em matéria de imigração, à boa maneira dos círculos da extrema direita europeia.
Lá mais para Outubro, porventura com a cooperação prestimosa de outras bancadas, lá virá mais uma revisão descaracterizadora da Constituição e mais uma proposta de alteração do sistema político, com tentativa de redução da pluralidade e da proporcionalidade da representação parlamentar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste primeiro mês de Governo a maioria de direita revelou um enorme autismo, insensibilidade e, sobretudo, arrogância, de tal modo que o tique já se transmitiu ao Presidente do Governo Regional da Madeira. Não lemos todos ontem que o distinto Presidente do Governo Regional da Madeira mandou calar o seu colega de partido, e destacado economista, Dr. Miguel Beleza, por este ter ousado questionar a falta de transparência nas relações financeiras do Estado com as regiões autónomas?! E sem papas na língua disse: «Já avisei publicamente o Sr. Miguel Beleza para não 'chatear' as regiões autónomas. É a segunda vez que o aviso para ter juízo»! Sem comentários, Sr. Deputado Guilherme Silva!

Aplausos do PCP.

Risos do PS e do BE.

A ironia, o sorriso ou a indignação com que muitos têm reagido a todos estes casos não pode fazer-nos desvalorizar uma questão essencial e altamente preocupante. Entre as iniciativas já concretizadas, propostas ou anunciadas está em curso um pacote de medidas centradas no ataque às políticas públicas, a direitos sociais e à própria configuração do regime democrático, em relação às quais ninguém tem o direito de andar distraído.
O Governo conta com a sua maioria de Deputados PSD/CDS-PP para levar para a frente as suas opções, contra tudo e contra todos. Será, porém, avisado que o Governo e a maioria não ignorem a extrema conflitualidade social que vão provocar, a instabilidade que vão criar na economia e no País e a forte oposição parlamentar que vão ter, desejavelmente na convergência de toda a esquerda, mas seguramente da parte do PCP.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Gonçalo Capitão e Diogo Feio.
Tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Capitão, dispondo, para o efeito, de 3 minutos.

O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, começando por referir-me ao Dr. Alberto João Jardim, gostaria de não mais ver os senhores pegarem na forma para não discutirem a substância.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, o que vos faz impressão é o facto de o Dr. Alberto João Jardim vir a ganhar sempre as eleições democráticas, não precisando de votações de braço no ar para ser eleito para o que quer que seja!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A tarefa que me traz aqui hoje é ingrata e estranha, mas necessária. Estranha porque o Sr. Deputado costuma ser bem mais certeiro nas suas intervenções, mas hoje, para mim, falhou na argumentação. Pode até parecer - acredito que não tenha sido esse o motivo da sua intervenção - que, estando o seu partido numa situação particularmente difícil, segundo consta, vem aqui fazer uma prova de vida e dizer «estamos vivos à custa da boa governação do PSD».

Aplausos do PSD.

Estranha porque o senhor aparece quase num coro com o PS, sem perceber que, se há medidas impopulares - e não somos sadomasoquistas, no plano político pelo menos, e isto posso assegurar-lhe em relação a todos os Deputados presentes -,…

Risos do PS e do PCP.

… se temos de tomar algumas medida que não são agradáveis, é porque o Governo apoiado pela bancada do PS deixou o País na situação em que está. Não temos qualquer gosto em congelar admissões, em ter de debater a questão da RTP com tanta urgência, só que a situação que herdámos a isso nos obriga. Mais ainda: o alvo a abater, da nossa parte, é o caos nacional.
Quero ainda dizer-lhe que, pelo menos que eu saiba, nunca nenhum partido teve o respeito para com esta Assembleia de explicar as coisas - e o partido que nos antecedeu no governo não teve seguramente o mesmo cuidado que tem o PSD. Posso dizer-lhe que, num mês e meio, tivemos 11 presenças ministeriais, temos mais quatro presenças agendadas e o Sr. Primeiro-Ministro estará na Assembleia no dia 31 de Maio. O senhores têm é de querer ouvir o que nós e o Governo temos para dizer, senão vão acabar por fazer a figura do menino de escola que põe as mãos nos ouvidos e diz «lá, lá, lá, não estou a ouvir nada!».

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

Risos do PS.

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O Orador: - Se quiserem ouvir, não têm faltado presenças governamentais!
É também uma tarefa necessária dizer-lhe que, em matéria de autoritarismo, o seu partido não nos dá lições. Nesta bancada todos podem dizer o que querem e ninguém corre riscos de expulsão por pedir congressos, conselhos nacionais ou o que quer que seja.
Quanto às irregularidades, parece que hoje em dia os senhores adormecem a ler a Constituição da República Portuguesa.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não faz mal! É sempre bom!

O Orador: - O pior é que, a certa altura, já misturam o sonho com a realidade. E se, no que toca ao sonho, a Assembleia da República não é propriamente o divã do Dr. Freud, na parte legislativa ou legal há órgãos próprios para fiscalizar as irregularidades que entretanto conseguirem provar.
Vamos prosseguir numa via de diálogo, mas tem de ser uma via consequente. Vamos ser mais rápidos que um qualquer plano quinquenal e não vamos decidir em comités centrais fechados.
Assim, pergunto-lhe, Sr. Deputado: não considera genuinamente que falhou o alvo da sua intervenção?

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado Lino de Carvalho, há ainda um outro pedido de esclarecimento. Deseja responder já ou no fim?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Respondo no fim, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sendo assim, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio, dispondo de 3 minutos.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, fiquei verdadeiramente espantado com a sua intervenção. Vim a descobrir, já a posteriori, que V. Ex.ª concordava com o estado em que se encontrava a nossa Nação durante os seis anos de «governo rosa», ou, se calhar, precisava de compensar os passeios que agora são dados em conjunto por altura do dia 1 de Maio.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado traçou aqui um cenário negro, de tal forma que, de acordo com ele, os portugueses quase não podem sair de casa. Mas V. Ex.ª sabe que este Governo tem uma legitimidade democrática, que lhe advém do voto na urna e não propriamente do braço no ar.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Essa paga direitos de autor.

O Orador: - Sabe também que este Governo apresentou um Programa do Governo, que os partidos que o apoiam tiveram programas eleitorais e com toda a certeza sabe, como todos os portugueses, que este Governo tem uma vontade muito clara de proceder à reforma da administração pública, à extinção dos institutos públicos, à reforma da RTP - e não quero antecipar uma discussão que aqui terá lugar posteriormente - e que isso foi apoiado pelos portugueses que nele votaram. É isto que os portugueses querem, por isso votaram.
E agora, Sr. Deputado Lino de Carvalho, o que quer fazer?! As pessoas votaram, mostraram a sua vontade! Quer que agora se alterem os compromissos assumidos perante os portugueses?!
O Sr. Deputado Lino de Carvalho também sabe que grande parte das medidas que visam cortar a despesa pública, embora isto vos possa custar muito, são necessárias para que cheguemos ao final deste ano sem ultrapassar, por exemplo, o défice de 3%, para que possamos continuar a tentar cumprir os objectivos do Pacto de Estabilidade e Crescimento.
O Sr. Deputado quer que se esqueça aqueles que são os objectivos nacionais?! Possivelmente o PCP esquece-se deles, mas esta maioria não os esquecerá.

Aplausos do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho, que dispõe de 5 minutos.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, vamos poupar as cassetes!

Vozes do CDS-PP: - Cassetes é com os senhores!

Risos do PSD e do CDS-PP.

O Orador: - Quando não se tem argumentos vai-se para a cassete.
Sr. Deputado Gonçalo Capitão, é ou não verdade que o Presidente do Governo Regional da Madeira disse, relativamente ao Dr. Miguel Beleza: «Ele que tenha juízo, que é a segunda vez que o aviso, porque senão torno público muitas coisas desagradáveis sobre ele»? É ou não verdade?
Está de acordo com estas afirmações, Sr. Deputado Guilherme Silva? Com certeza que não está, mas não pode dizê-lo.
Isto para já não falar, Sr. Deputado, das declarações que ele fez ontem, a propósito do problema de doping do Kenedy, em que se referiu à «mafia do futebol no Continente», que está a perseguir a Madeira. O Sr. Deputado acha que isto são declarações sérias?! Seguramente, não são!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Está a responder ou está a perguntar?!

O Orador: - Portanto, em matéria de autoritarismo… Sr. Deputado, o senhor é um jovem que vem da Região Autónoma da Madeira, mas olhe para a forma como a região autónoma…

Vozes do PSD: - Ele é do círculo eleitoral de Coimbra!

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O Orador: - Se é Coimbra peço desculpa.
Em todo o caso, olhe para a Região Autónoma da Madeira, onde o PSD tem, há muitos anos, a maioria, e, em matéria de autoritarismo, estamos conversados, Sr. Deputado.
No entanto, o Sr. Deputado fez aqui uma revelação que pode constituir título de jornal, quando disse: «não somos sadomasoquistas no plano político».

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Seguramente!

O Orador: - Só no plano político!

Risos do PS e do PCP.

Sr. Deputado, já discutimos várias vezes as condições em que os senhores alegam ter recebido o País das mãos do Partido Socialista e, evidentemente, o eleitorado votou em função daquilo que os senhores afirmaram ser essas condições. Srs. Deputados, não vamos passar toda a Legislatura a ouvi-los desculparem-se pelas suas políticas com a forma como, alegadamente, terão recebido o País!
O Sr. Deputado Diogo Feio fala-nos dos programas eleitorais. Mas, Sr. Deputado, em algum dos programas eleitorais, de qualquer dos partidos, se dizia que iam aumentar os impostos?! Nesses programas eleitorais constava que iam promover o despedimento de milhares de trabalhadores da Administração Pública?! No programa eleitoral do CDS-PP estava escrito que iam fechar um dos canais da televisão?!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

Vozes do CDS-PP: - Estava! Estava nos dois!

O Orador: - Do que me lembro da campanha eleitoral, em particular da do CDS-PP, é de uma célebre declaração do Dr. Paulo Portas a avisar dos perigos dos propósitos do Dr. Balsemão relativamente ao controlo da televisão pública. Já se esqueceram disso, Sr. Deputado?!

O Sr. Honório Novo (PCP): - Bem lembrado!

O Orador: - Ou o CDS-PP já assumiu como seu o programa eleitoral do PSD e as suas dores?!

Aplausos do PCP.

Protestos do CDS-PP.

Srs. Deputados, não contesto a legitimidade democrática do Governo para governar, mas os senhores também não podem contestar a nossa legitimidade democrática para fazer a oposição a políticas que, aliás, violam compromissos eleitorais dos partidos que apoiam o Governo,…

Protestos do CDS-PP.

… que vão contra as promessas feitas em campanha eleitoral e, nomeadamente, não podem refutar a legitimidade de nos opormos a uma política cujos objectivos e decisões que estão a ser tomadas violam direitos sociais que começam a pôr em causa liberdades, direitos e garantias definidos na Constituição…

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Quais?!

O Orador: - … e que, sobretudo, irão criar uma enorme instabilidade no País à custa sempre dos mesmos, ou seja, dos trabalhadores e das camadas sociais mais desfavorecidas. O que os senhores não podem é impedir-nos de sermos legitimamente oposição a um governo que se prepara, em nossa opinião, para alterar a configuração do regime democrático que temos desde Abril.
Por isso, Srs. Deputados, podem estar certos de que têm toda a legitimidade para governar, mas podem contar com toda a nossa legitimidade e força para nos opormos, com todos os mecanismos constitucionais ao nosso alcance, a uma política que não serve nem o País nem os portugueses.

Aplausos do PCP.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Isso é cassete!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção sobre assunto de interesse político relevante, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas Santos.

O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, apesar de me incluir no elevado número de cidadãos que nunca alimentaram quaisquer expectativas quanto ao actual Governo, devo humildemente confessar que não esperava ver-me tão cedo obrigado a, nesta Assembleia, cumprir os meus deveres de porta-voz das crescentes preocupações e angústias dos agricultores portugueses.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - No que diz respeito ao sector agrícola, o PSD deixou o caos quando saiu do governo, em 1995, e encontrou a «casa arrumada» quando voltou, em 2002.

Aplausos do PS.

O mês e meio que leva de funções deixa já, infelizmente, antever em que estado irá deixá-lo de novo, quando a alternância democrática voltar a funcionar.
Senão, vejamos.
Em 2001, Portugal foi, segundo recentemente reconheceu o EUROSTAT, um dos Estados-membros da União Europeia que maior crescimento do rendimento agrícola conheceu.
O sector encontra-se pacificado, mesmo incluindo a difícil e polémica questão da caça.
O PS deixou em plena execução, depois de bem sucedidas negociações na Agenda 2000 e em diversos dossiers sectoriais - e é bom lembrar que, em nenhuma negociação, os governos do PS conseguiram menos do que qualquer ministro do PSD, em qualquer governo -, uma política agrícola nacional clara, com objectivos, prioridades e metas bem definidas.
Estão em fase de cruzeiro, depois das complexas negociações dos complementos de programação, os principais instrumentos de política, que se encontram adequadamente dotados do ponto de vista financeiro.
Foi concretizada uma profunda reforma dos órgãos consultivos do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento

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Rural e das Pescas, baseada na transparência, no pluralismo e na representatividade democrática das organizações agrícolas.
Foram postas em execução, com êxito, em alguns casos de forma pioneira, à escala europeia e mundial, um vasto e arrojado conjunto de medidas, tendentes a garantir a qualidade e segurança alimentares e a reinstalar a confiança dos consumidores.
No plano europeu, o PS preparou e lançou uma estratégia autónoma, inovadora, defensora dos interesses nacionais e de assumida ruptura com um passado injusto e discriminatório para a agricultura e para os agricultores portugueses.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Na última campanha eleitoral, o PSD tentou fazer esquecer que, até final de 1995 e durante 18 anos, esteve consecutivamente à frente do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e que patrocinou, durante a presidência portuguesa da União Europeia, em 1992, a reforma da PAC que colocou Portugal na pior situação dos Quinze, no que diz respeito ao acesso dos agricultores nacionais aos recursos financeiros da política agrícola comum.

Aplausos do PS

Mas o PSD não se limitou a anestesiar os eleitores e a ostentar garbosamente a sua própria amnésia política. Elaborou um programa do governo vago, demagógico e incoerente, prometeu fazer tudo o que foi absolutamente incapaz de concretizar enquanto esteve no governo, tendo passado até a defender - pasme-se! - um modelo de co-financiamento das ajudas directas da PAC, ou seja o pagamento por Portugal, que é hoje o Estado-membro onde os agricultores menos recebem, em termos per capita, de parte dos apoios financeiros que hoje são integralmente pagos pelo orçamento comunitário.
Sr.ª Presidente e Srs. Deputado, passou apenas cerca de mês e meio desde que o Governo tomou posse, mais precisamente 47 dias, menos de metade do tradicional período de 100 dias concedidos a todos os governos para revelarem o seu estilo. Dificilmente algum outro conseguiria transmitir tantos sinais negativos em tão pouco tempo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Vejamos: subiu o preço do gasóleo agrícola em 6$/litro, enquanto os governos do PS o baixaram consecutivamente por seis vezes, tendo-o colocado, pela primeira vez, ao nível dos preços praticados em Espanha.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Anunciou, com pompa e circunstância, a extinção do que já estava extinto sem conflitos e acautelando os interesses dos trabalhadores, como é o caso do IROMA ou da EPAC, o que durante quase 20 anos o PSD prometeu fazer e nunca teve coragem para tal.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Anunciou, para logo recuar no dia seguinte, a extinção da Comissão Interprofissional da Região Demarcada do Douro (CIRDD) criada por ele próprio. Tal anúncio precipitado ocorreu precisamente quando, após anos de antagonismos, os diversos interesses tinham voluntariamente acordado entre si participar na reforma consensual do modelo institucional para a Região Demarcada do Douro.
Prometeu ir estudar o que já há muito está estudado e decidido (veja-se a Resolução do Conselho de Ministros n.º 161/2001, de 15 de Novembro), para eliminar as milhares de toneladas de subprodutos acumulados no âmbito do plano de combate à BSE, problema criminosamente criado pelo próprio governo do PSD, quando ocultou, durante quatro anos, entre 1990 e 1994, a existência da doença em Portugal.

Aplausos do PS.

Nesse tempo, Srs. Deputados do PSD, não havia farinhas de carne e ossos acumuladas, nem polémica quanto ao custo e à forma de as destruir, porque os produtos que lhes dão origem eram utilizados, sem qualquer limitação, na alimentação humana e animal.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Avolumam-se os indícios de que estão a ser criadas todas as condições para restaurar a conflitualidade e a agitação social de má memória em torno da caça, anulando o gigantesco esforço de diálogo e de consensualização, que foi, pacientemente, construído ao longo dos últimos seis anos, cujos resultados positivos são hoje unanimemente reconhecidos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Acabou de ser anunciada a suspensão de aceitação de candidaturas ao programa de reestruturação da vinha. É bom lembrar que o governo do PS conseguiu, com um orçamento fora do Quadro Comunitário de Apoio e ao contrário do que antes sucedia, triplicar os meios, de 2 para 6 milhões de contos/ano, e aumentar a taxa de subsidiação, de cerca de 50% para 75% dos custos de investimento.

Aplausos do PS.

Para quem anunciou ir obter facilmente novos direitos e quotas em Bruxelas, o Governo do PSD já está a perder uma excelente oportunidade para o demonstrar.
Continua sem se vislumbrar qualquer orientação ou medida quanto às prioritárias questões da segurança e da qualidade alimentares, sobre as quais pairam agora as maiores dúvidas e indecisões, e, para cúmulo, terá sido hoje mesmo formalmente aprovada a primeira medida concreta em Conselho de Ministros, a revogação do Decreto-Lei n.º 34/2001, que «Institui o regime de modulações aplicável aos pagamentos concedidos aos agricultores no âmbito da política agrícola comum (PAC)».
Para os menos familiarizados com esta terminologia, trata-se de um mecanismo legal introduzido na regulamentação comunitária, que permite aos Estados-membros estabelecer,

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na prática, tectos máximos às ajudas atribuídas aos agricultores, através da retirada de uma percentagem aos subsídios atribuídos aos agricultores que recebem maiores montantes, para posterior reforço dos programas de desenvolvimento rural de que beneficiam essencialmente as regiões mais pobres e os pequenos agricultores.
Portugal concebeu a medida com sensatez e moderação, tendo havido a preocupação de não pôr em causa a competitividade das empresas e sujeitando à aplicação da medida apenas 0,4% dos agricultores beneficiários, cerca de 1600, por forma a favorecer um pouco mais o restante universo, superior a 250 000.
Para que se tenha uma pequena ideia da injustiça que o actual modelo da política agrícola comum propicia, que o PS quer mudar e que o PSD teima em manter, basta referir que, em Portugal, cerca de 1% dos agricultores beneficiários recebe 40% da dotação global anual e que os restantes 99% dos agricultores recebem os restantes 60%.
Um agricultor do escalão mais baixo, dos 0 aos 500 contos/ano, onde se situam mais de 90% do total, recebe em média 96 contos/ano, ou seja, 1,30€/dia, enquanto que o do escalão mais elevado, que abrange 0,1% dos beneficiários, recebe mais de 51 000 contos/ano, a que corresponde cerca de 140 000$/dia. Quer isto dizer que, em média, um pequeno agricultor do 1.º escalão precisaria de 534 anos para receber o que o do escalão mais alto recebe em apenas um ano.
Esta é a lógica da PAC que o PSD defende e por cuja continuidade se propõe assumidamente pugnar nas instâncias europeias, como diz o seu próprio Programa do Governo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A revogação deste diploma confirma, assim, um escândalo político - sublinho, um escândalo político - e uma cedência aos lobbies agrícolas mais conservadores.

Aplausos do PS.

O PS não pode deixar de denunciar esta decisão com veemência, não só pela insensibilidade social e o desprezo que revela pela esmagadora maioria dos agricultores portugueses, como também pelas consequências negativas que esta reviravolta da posição portuguesa pode vir a ter nas futuras negociações da política agrícola comum.
Esta mudança de atitude de Portugal faz perder, perante a Comissão Europeia, toda a credibilidade para continuar a reclamar a aplicação de um modelo de modulação obrigatório, de âmbito comunitário, assente numa lógica de redistribuição das verbas captadas a esta escala em benefício dos agricultores das regiões e dos Estados-membros mais penalizados pelo actual modelo, à cabeça dos quais se encontra Portugal.
A ausência de estratégia e a desorientação política não podem ser alibis suficientes para justificar a actuação do Governo nesta matéria. Se ela se fundamenta no preconceito social e no abandono do equilíbrio político indispensável numa realidade multifacetada como é a agricultura portuguesa, então o PSD e os seus acólitos vão, seguramente, pagar mais cedo do que imaginam um elevado preço político.
Podem estar certos, Srs. Deputados do PSD e do PP, que, no exercício das nossas competências constitucionais, iremos ser cobradores implacáveis.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Penha, que dispõe, para o efeito, de 3 minutos.

O Sr. Fernando Penha (PSD): - Sr.ª Presidente, o Sr. Deputado Luís Capoulas Santos, que foi Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas até há pouco mais de um mês, não tem emenda. De facto, tem uma excelente capacidade para falsear a realidade, para fugir ao que é verdade. Olhe, Sr. Deputado, V. Ex.ª diz que deixou a «casa arrumada», mas o que V. Ex.ª fez foi «arrumar com a agricultura», foi «deixar a agricultura arrumada»!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Ó Sr. Deputado, isto é tal qual as «vitórias» que V. Ex.ª teve a nível da Agenda 2000: passado algum tempo, já queria reformular aquilo que tinha sido discutido e aprovado nessa matéria. Então, era a vitória daquilo que não prestou!
Mas vamos passar adiante: V. Ex.ª veio falar hoje novamente da modulação, que foi um sistema que V. Ex.ª tentou aqui impor. É que a modulação, em termos de ideia para a União Europeia, seria, de facto, uma ideia interessante. Só que aplicada apenas neste país, onde V. Ex.ª foi retirar verbas à agricultura portuguesa, que é a que recebe menos na União Europeia, para as transferir para um programa, o PDRU, onde V. Ex.ª desperdiçou verbas, era o mesmo que estar a retirar verbas à agricultura competitiva; transferindo-as para o PDRU, de onde se não estava a fazer a utilização de verbas disponíveis, as verbas iam ficar novamente cativadas na União Europeia por falta de utilização das mesmas por parte de Portugal. Nesse sentido, Portugal não utilizou as verbas disponíveis em 2000 e foi perdoado, mas não as utilizou em 2001 e foi penalizado, ou seja, os plafonds disponíveis para Portugal baixaram.
Ora, Sr. ex-Ministro, a pergunta que lhe deixo é esta: quer V. Ex.ª dizer a este Parlamento qual era a taxa de execução do Programa Ruris quando V. Ex.ª deixou o governo há cerca de um mês e pouco? Se não souber, digo-lhe: era de 10%, quando se já estava quase a um terço de utilização do ano.
Pergunto-lhe ainda: quanto é que se vai perder dos plafonds do Programa Ruris por falta de execução do seu governo?
Pergunto-lhe mais: qual foi a sua política? É que as verbas que deveria pedir à União Europeia para a agricultura competitiva não as pediu; em vez disso, ia buscá-las para as entregar ao PDRU, de onde o senhor não executava os plafonds que tinha.
Sr. ex-Ministro, deixo-lhe ainda uma outra questão: aonde estão os resíduos dos produtos da BSE? Diga lá quantas toneladas ficaram por aí e o perigo que elas representam. Diga lá aonde elas estão!

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - E onde é que as vai tratar?

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O Sr. José Magalhães (PS): - Agora, a conversa mudou! Onde é que as vai tratar?

O Orador: - Diga lá onde é que elas estão e pergunte aí também ao seu colega do lado qual foi a intenção de introduzir produtos com priões, produtos com capacidade de difusão, como aqueles que andaram a tentar introduzir nas lixeiras, em Portugal.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos do PS.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Mota Amaral.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra, por 3 minutos, o Sr. Deputado Luís Capoulas Santos.

O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Penha, constato que o Sr. Deputado à questão das modulações disse nada. Eu disse que um pequeno agricultor precisaria de 534 anos para receber o mesmo montante que um grande agricultor recebe num único ano. E era uma medida que pretendia corrigir esta situação que alegadamente, hoje, o Conselho de Ministros terá revogado. E foi a esta matéria que o PSD, aquando da discussão aqui tida há cerca de um ano, não teve a coragem de se opor frontalmente, ao contrário do que, na altura, sucedeu com o CDS-PP. Portanto, penso que esta decisão é mais uma vitória do CDS-PP no seio da coligação.
Relativamente àquilo que o Sr. Deputado Fernando Penha acaba de referir, gostava de lembrar-lhe que, no que diz respeito ao Quadro Comunitário de Apoio, os governos do PS conseguiram quase 30% mais das verbas. No que diz respeito ao Programa de Desenvolvimento Rural, conseguimos um aumento de 114% da dotação anual; no que diz respeito a outros programas, como o LEADER, conseguimos um aumento anual na ordem dos 20% mais; e em todas as negociações - todas! - relativas à vinha, ao olival ou à pecuária, não houve um único dossier em que não obtivéssemos mais direitos ou quotas de produção para Portugal.
Quanto à tormentosa questão da BSE, a que o Sr. Deputado acabou de voltar a fazer referência, revelando uma total falta de pudor, creio que a estratégia do PSD, de eliminação das farinhas, assenta no princípio de que «o que não mata, engorda!», porque, no tempo em que o PSD esteve no governo, estes resíduos, que, agora, considera tão perigosos e cuja destruição impediu através do processo da co-incineração, como estava previsto, estes resíduos perigosíssimos, dizia, eram servidos à mesa, designadamente dos Srs. Deputados.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de passarmos ao período da ordem do dia, tenho de pronunciar-me acerca dos recursos apresentados. E porque a matéria é melindrosa, fiz-me substituir na presidência e ausentei-me da Sala durante alguns momentos, a fim de estudar os requerimentos e formular a minha decisão por escrito. É isso que passo a ler: «Presentes os recursos interpostos pelos Srs. Deputados Francisco Louçã e Vitalino Canas, em nome dos respectivos grupos parlamentares. O segundo destes documentos vem acompanhado de uma cassete vídeo com gravações de dois pedaços de noticiários de uma estação televisiva, que visionei atentamente.
Ambos os recursos têm por objectivo impugnar a minha decisão de admissão da proposta de lei n.º 4/IX, datada de 17 do corrente. Articulam-se ambos nos termos do disposto no artigo 139.º, n.os 2 e 3, do Regimento. Invocam, porém, fundamentos diferentes: no primeiro caso, Bloco de Esquerda, de inconstitucionalidade material, por vários motivos; no segundo, Partido Socialista, de inconstitucionalidade formal, por alegada falta de aprovação da proposta de lei em causa pelo Conselho de Ministros.
Ocorre-me, porém, uma questão prévia sobre a admissibilidade dos recursos apresentados. Entendo que o artigo 138.º do Regimento, configurando-se como uma norma geral, deve ceder perante a norma especial contida no artigo 60.º do mesmo Regimento. Atribui este preceito ao Governo a prerrogativa de solicitar prioridade para assuntos de interesse nacional de resolução urgente. Esta prioridade, uma vez decidida pelo Presidente da Assembleia da República, prejudica mesmo o princípio estruturante do funcionamento parlamentar, que é o da estabilidade da ordem do dia, consagrado no artigo 57.º, n.º 1. Ora, esta não pode ser preterida nem interrompida, a não ser nos casos expressamente previstos no Regimento (ou por deliberação da Assembleia, sem votos contra). Daqui deduzo que, tanto quanto o próprio Regimento prevê, a alteração da ordem do dia, nos termos do citado artigo 57.º (aliás, também dos artigos 59.º, 60.º e 61.º), também a exclui, por não a prever expressamente no caso do artigo 138.º, n.os 2 e 3, que assim concluo dever referir-se apenas a diplomas que não tenham sido ainda objecto de agendamento.
Com os fundamentos anteriormente descritos, decido não admitir ambos os recursos».

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Peço a palavra, para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, solicito à Mesa que sejam distribuídos não só os recursos apresentados por mim e pelo Sr. Deputado Vitalino Canas mas também a decisão agora proferida pelo Sr. Presidente e que se faça uma interrupção dos trabalhos para podermos considerar a sua decisão.

O Sr. José Magalhães (PS): - Peço a palavra, para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, a minha interpelação vai exactamente no mesmo sentido e julgo que tem plena justificação a ponderação da decisão do Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Com certeza que sim, Sr. Deputado. Os recursos, que mandei fotocopiar, já estão a ser

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distribuídos pelos grupos parlamentares. Quanto à minha decisão, vou imediatamente mandar fazer fotocópias, mas, como esse documento está manuscrito e consequentemente admito grandes dificuldades de leitura, vou mandar passá-lo à máquina para que a sua leitura não levante quaisquer dúvidas.
Assim sendo, Srs. Deputados, vamos interromper os trabalhos por 15 minutos.
Está interrompida a sessão.

Eram 16 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 16 horas e 45 minutos.

O Sr. Deputado António Costa pediu a palavra para se pronunciar sobre a minha decisão, há pouco apresentada.
Tem a palavra.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, antes de darmos eventual sequência ao que o Regimento dispõe, gostaria de suscitar à consideração de V. Ex.ª que o n.º 3 do artigo 139.º do Regimento dispõe que «Interposto o recurso, o Presidente submete-o à apreciação da comissão pelo prazo de quarenta e oito horas».
Ao contrário do que acontece, por exemplo, no n.º 1, quanto aos projectos ou propostas de lei, onde a competência do Presidente é de admissão ou não admissão, quanto ao recurso, parece-me claro que o Presidente da Assembleia não dispõe de competência para admitir ou não admitir. O recurso, interposto, está automaticamente admitido, é um direito potestativo de qualquer Deputado e compete exclusivamente a V. Ex.ª submetê-lo à comissão competente.
É, aliás, o que faz sentido, tendo em conta que se trata de uma decisão de V. Ex.ª e que, naturalmente, o Regimento não o iria colocar na desagradabilíssima posição de julgar em causa própria da admissão ou não admissão de um recurso de uma decisão de V. Ex.ª
Creio, por isso, que, se bem interpreto aquilo que resulta do Regimento e da prática, nunca contrariada nem excepcionada por nenhum dos antecessores de V. Ex.ª ao longo dos últimos 20 e tal anos, o recurso interposto tem de ser simplesmente remetido à comissão, não havendo lugar a uma decisão da sua admissão ou não admissão.
Gostaria de solicitar a V. Ex.ª que aclarasse o seu entendimento sobre esta matéria, porque creio que isso seria muito positivo para o bom andamento dos trabalhos e para a boa formação legal de um acto legislativo, que não pode deixar de zelar em toda a sua tramitação pelo cuidadoso respeito da Constituição, da lei e do Regimento da Assembleia da República.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - A questão colocada pelo Sr. Deputado António Costa é-me dirigida directamente. No fundo, entendo-a como um pedido de aclaração do meu despacho sobre o recurso.
Sr. Deputado António Costa, V. Ex.ª é um ilustre jurista e eu serei um aprendiz de leis, mas cada um tem a sua interpretação sobre a matéria.
Na rapidez com que tive de decidir, não pude ir conferir precedentes, porventura verificados neste domínio.
Em todo o caso, a minha interpretação é a de que o artigo 138.º do Regimento não se aplica aos casos de diplomas que já se encontrem agendados, maxime quando se encontram agendados ao abrigo da prerrogativa que o Governo dispõe de suscitar a sua prioridade por motivo de interesse público relevante e urgente.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Foi dentro desse quadro que decidi afastar o artigo 138.º, uma vez que ele só se aplica nos casos de diplomas que não tenham ainda sido agendados.
A minha decisão é esta, os fundamentos são estes, contestável e discutível, certamente, mas é essa a minha decisão e os Srs. Deputados sabem que lhes cabe o direito de recorrer.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. António Costa.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, para que fique tudo bem registado em acta, ninguém fala do artigo 138.º, que não está aqui em causa.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - É o artigo 139.º!

O Orador: - O que regula o direito de recurso e que exclui a competência de V. Ex.ª de o admitir ou não e de lhe atribuir a competência de o remeter para a comissão não é o artigo 138.º, mas o artigo 139.º do Regimento.
Por isso, bem me parecia que devia haver um equívoco no seu entendimento...

O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado António Costa. Está perfeitamente correcto o meu entendimento. Trata-se apenas de um lapsus linguae. Eu reporto-me ao artigo 139.º, n.os 2 e 3. Aliás, o texto escrito a eles alude expressamente.
Para fazer uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, queria recorrer do seu despacho com o seguinte fundamento que creio que deveria levar à sua reformulação e revisão.
Assinalo que esta é uma discussão muito importante. Como disse o Sr. Deputado António Costa, é a primeira vez que no Parlamento da democracia um Sr. Presidente da Assembleia da República decide de um recurso, contestando uma das suas decisões, ou seja, em causa própria, evitando que siga um entendimento do Regimento.
E há duas razões: a primeira, regimental e, a segunda, de outra natureza que queria invocar.
A primeira razão, Sr. Presidente, é a de que, no seu texto, diz que o Governo alegou assunto de interesse nacional de resolução urgente. É certo que o Governo pediu prioridade; nunca pediu urgência.
Essa matéria, aliás, foi discutida na 1.ª Comissão e resultou em deliberação da 1.ª Comissão, que, por isso, seguiu um processo diferente daquilo que a Sr.ª Presidente da Comissão inicialmente tinha entendido.
De qualquer modo, fosse a prioridade urgente ou sendo prioridade, no âmbito do artigo 60.º do Regimento, a prioridade

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permite a inclusão na ordem do dia de uma forma expeditiva. No nosso entendimento, não permite alterar a ordem do dia, mas seguramente não permite alterar o disposto no artigo 139.º, que é um recurso potestativo de Deputados, no caso vertente, alegando inconstitucionalidades substanciais ou materiais, ou seja, assunto da máxima consideração por esta Assembleia, do qual a Assembleia é fiel e em que a Assembleia tem necessariamente de ter uma palavra fundamentada.
Por isso, com um carácter urgente, é decidido, é previsto no Regimento que hoje se proceda, num prazo muito rápido (48 horas), a apreciação em comissão do fundamento desse recurso e, perante a emissão do relatório, à sua discussão na primeira reunião plenária subsequente.
Não me parece, portanto, Sr. Presidente, que o fundamento da sua argumentação de que a prioridade obriga a fazer ceder os direitos essenciais de escrutínio constitucional ou de outra ordem pelos Deputados possa ser considerado.
Mas há uma segunda razão, Sr. Presidente, para ao qual chamo muito insistentemente a sua atenção: o seu despacho é inconstitucional. A Constituição, no artigo 176.º, n.º 1…

Protestos do PSD.

Ouçam, Sr. Deputados.
Não conhecem a Constituição, mas deviam conhecer este aspecto decisivo.
O artigo 176.º, n.º 1, da Constituição diz que «A ordem do dia é fixada pelo Presidente da Assembleia (…)» - como o Sr. Presidente fez, em desacordo na Conferência de Líderes, mas fê-lo, no âmbito do seu poder - «(…) segundo a prioridade das matérias definidas no Regimento, e sem prejuízo do direito de recurso para o Plenário da Assembleia (…)».
O direito de recurso - lamento - é um direito constitucional e não pode ser recusado em nenhuma circunstância aos Deputados desta Assembleia. Repito: em nenhuma circunstância.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O direito de recurso é instituído e organizado no artigo 139.º do Regimento.
Tem de haver um relatório da comissão, é assim que está estabelecido.
Os senhores podem entender que a Assembleia da República funcionaria melhor só com dois Deputados: um para fazer de Presidente e outro para ser o Presidente do Grupo Parlamentar do PSD,...

Aplausos do BE, do PS, do PCP e de Os Verdes.

... mas o povo e a Constituição não querem assim; querem princípios de controlo, princípios de rigor e princípios de verificação da constitucionalidade!
O que está a acontecer aqui, Sr. Presidente - digo-lhe com todo o respeito -, é uma declaração de «estado de sítio» regimental contra a Constituição, contra as normas e contra todas as tradições desta Assembleia da República. Espero que o Sr. Presidente seja o primeiro, reconhecendo-o, a permitir que sigam as boas normas regimentais.

Aplausos do BE e do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Francisco Louçã, não me vou envolver em todas as questões que levantou, nomeadamente sobre o funcionamento da Conferência de Líderes e sobre o modo como esta decisão - que me compete, aliás, exclusivamente - foi tomada.
Vou dar-lhe apenas a minha interpretação do preceito constitucional que invocou. A minha interpretação não cobre a conclusão de V. Ex.ª. Entendo, sim, que é inquestionável o recurso para o Plenário e tanto é que o Sr. Deputado Francisco Louçã acaba de prevalecer-se dessa sua decisão recorrendo do meu despacho sobre a matéria.

Vozes do CDS-PP: - Exactamente!

O Sr. Presidente: - Todas as decisões da Mesa são, portanto, confrontadas com a possibilidade de serem recorridas para o Plenário, obedecem a um princípio regimental. Em face de um recurso, apuraremos a decisão do Parlamento que, como sabe, é uma decisão soberana.
Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, é certo que o Sr. Presidente admitiu o meu recurso ao Plenário, como o do Sr. Deputado António Costa, da sua decisão de impedir o recurso para Plenário nas matérias constitucionais.

O Sr. António Costa (PS): - Claro! Esta é que é a questão!

O Orador: - O Sr. Presidente acabou de dizer que o recurso sobre a constitucionalidade, mediante parecer da Comissão, e para ir a Plenário, não pode ser considerado sequer em Plenário em nenhuma circunstância!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, faço notar que a minha interpretação dos diversos preceitos do Regimento e também da Constituição apontam para ser excluída a aplicação dos artigos 138.º e 139.º nos casos concretos em que foi invocado pelo Governo o pedido de prioridade com o fundamento no motivo de interesse nacional relevante.
É dentro dessa base, por considerar essa norma uma norma especial. É certamente uma posição discutível, mas assumo-a no exercício da minha responsabilidade.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Havendo dois Srs. Deputados que já formularam um recurso da minha decisão, de acordo com o que está disposto no Regimento…

O Sr. António Costa (PS): - Não! Era a aclaração!

O Sr. Presidente: - Peço desculpa.
Então, o recurso da minha decisão está elaborado pelo Sr. Deputado Francisco Louçã.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, o nosso entendimento sobre esta matéria é o seguinte: o que faz sentido, face à leitura do preceito regimental, o artigo 139.º, designadamente, o seu n.º 3, é que, quando o recurso

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é interposto, se sigam os procedimentos que aqui estão previstos, expressamente e sem outra opção, a não ser a que está aqui expressamente prevista.
Nem outra coisa tem lógica, Sr. Presidente! É porque do que se trata é de recorrer de uma decisão que o Sr. Presidente da Assembleia já tomou ao apreciar no momento de admitir ou não determinada proposta de lei, neste caso, admitindo-a. Não faz, portanto, sentido que se impeça um recurso sobre uma decisão que o Sr. Presidente já tomou e que, agora, teria de tomar novamente, a vingar esta interpretação.
O que faz sentido é que a avaliação desta primeira decisão, de admitir a proposta de lei, seja feita noutra sede. E é por isso que o Regimento prevê que o recurso baixe automaticamente à comissão para ser analisado. Quando não, teremos duas decisões idênticas do Sr. Presidente da Assembleia, ambas admitindo o recurso, a proposta, eventualmente, quando do que se trata é de questionar a decisão já tomada.
Mas há uma outra questão, Sr. Presidente: é que esta proposta de lei deu entrada, foi admitida, na sexta-feira passada, perto da hora do almoço. Ora, se o Regimento estatui que o recurso deve ser feito até ao termo da reunião subsequente, pergunto ao Sr. Presidente, se não é neste momento que ele pode ser apresentado, qual é o momento em que pode haver recurso da admissão desta proposta de lei.
Na interpretação que o Sr. Presidente nos expõe não haverá momento algum em que a admissão desta proposta de lei possa ser posta em causa. Ora, isto significa que, mesmo perante a inconstitucionalidade, mesmo perante qualquer outro vício que impedisse a sua admissão, não tem este Plenário a capacidade, nesta situação concreta, para avaliar essa matéria porque não houve mais nenhuma reunião depois da admissão da proposta de lei e, portanto, é este o primeiro e único momento em que este recurso tem de ser interposto.
Se o Sr. Presidente e a Mesa impedirem que ele seja interposto neste momento e que seja discutido neste momento, o que estamos a dizer é que o Plenário, nesta matéria, não pode avaliar da legitimidade da admissão ou não da proposta de lei que foi apresentada pelo Governo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para fazer uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

Pausa.

Desiste da sua inscrição?

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tenho de dar a palavra por ordem de inscrições.

O Sr. José Magalhães (PS): - Certamente, Sr. Presidente, mas não sei o que é que o Sr. Deputado Jorge Lacão quer pedir. Julgo que é uma interpelação à Mesa precedendo esta…

O Sr. Presidente: - Ah! Então pergunto ao Sr. Deputado Jorge Lacão qual é a razão por que pede a palavra.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, como imaginará, peço a palavra para interpelar a Mesa sobre o andamento e a condução dos trabalhos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, não posso ignorar a circunstância de, enquanto Deputado presente neste Parlamento, ter participado num debate sobre a matéria da prioridade e urgência que ocorreu em sede de 1.ª Comissão.
Aproveito para informar o Sr. Presidente que, daquilo que ocorreu em 1.ª Comissão, que é, como o Sr. Presidente e os Srs. Deputados bem sabem, a instância adequada para complementar as interpretações do próprio Regimento, resultou que o Sr. Presidente da Assembleia da República não despachou para a 1.ª Comissão no sentido de que esta considerasse qualquer urgência neste processo legislativo. A Comissão tomou, por isso, conhecimento de que a Conferência de Líderes tinha - e o Sr. Presidente assim procedeu - considerado prioridade nos termos em que o Governo a tinha pedido exclusivamente para efeitos do artigo 60.º do Regimento.
Quando, agora, ouvi o Sr. Presidente sustentar que admitia uma certa interpretação do Regimento pela circunstância de considerar que havia uma urgência nacional na matéria, verifico que o Sr. Presidente introduz, neste momento, no Plenário algo que não introduziu em despacho em tempo oportuno na baixa da iniciativa legislativa à 1.ª Comissão.
Sr. Presidente, neste sentido, começo por lhe apelar num duplo sentido: em primeiro lugar, para que além de exprimir ao Plenário a opinião que já exprimiu, porque todos os actos devem ser fundamentados, o Sr. Presidente fundamente exactamente em qual artigo do Regimento é que invoca a sua competência para derrogar o exercício de um direito potestativo. Faço-me esclarecer: o Sr. Presidente não pode invocar a sua opinião interpretativa, o Sr. Presidente tem de invocar o artigo do Regimento que lhe dá competência expressa e explícita para denegar um direito potestativo que os Deputados aqui suscitaram.
Em segundo lugar, Sr. Presidente, permita-me que lhe faça o fortíssimo apelo a que reconsidere a sua posição se não puder invocar o referido artigo do Regimento porque, caso contrário, teríamos de concluir que em 25 ou mais anos de democracia este seria talvez o caso mais infeliz de um acto ditatorial praticado no Plenário da Assembleia da República.

Aplausos do PS e do BE.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lacão, permita-me que lhe peça o favor de retirar o qualificativo de «ditatorial» a um acto que o Presidente toma no exercício das suas competências, ao abrigo da sua interpretação do Regimento.
Somos ambos juristas e sabemos perfeitamente que é possível interpretar as leis de maneira diferente, mas faço-o em consciência, conforme entendo que dispõe a lei pela qual devemos reger-nos.

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Para afastar a aplicação do artigo 139.º, invoco o princípio, previsto no nosso Regimento, da inalterabilidade da ordem do dia, que o Sr. Deputado conhece perfeitamente. Este princípio está consagrado no artigo 57.º, n.º 1, do Regimento, que é do seguinte teor: «A ordem do dia não pode ser preterida nem interrompida, a não ser nos casos expressamente previstos no Regimento (…)». Ora, o caso do artigo 139.º não está expressamente previsto no Regimento, pelo que não pode alterar a nossa ordem do dia. Esse requerimento não pode ser recebido e o artigo 139.º aplica-se apenas aos diplomas que não tenham ainda sido agendados.
Quanto à alusão à urgência nacional, apenas cito o que diz o nosso Regimento quando dispõe que o Governo pode solicitar prioridade para assuntos de interesse nacional de resolução urgente. O Governo não pediu processo de urgência - isto é claríssimo -, mas, se invoca prioridade é porque de certo se trata de um assunto de interesse nacional de resolução urgente, e isto foi reconhecido, por larga maioria, na Conferência de Líderes. É esta a minha opinião, Sr. Deputado.
Conforme me salientou o Sr. Secretário da Mesa, e que apenas adianto por abundância de argumentação, está consagrada na própria Constituição a possibilidade de o Governo pedir prioridade para assuntos de interesse nacional de resolução urgente. Aliás, os grupos parlamentares têm a mesma prerrogativa, ao abrigo do artigo 176.º, n.º 2.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão para esclarecer a sua posição, que é precisamente contrária à minha.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, V. Ex.ª invocou o artigo do Regimento referente à estabilidade da ordem do dia, mas seguramente não ignora que a teleologia dessa norma é a própria protecção das minorias num órgão colegial como este, para que as maiorias não possam, discricionariamente, alterar o princípio da estabilidade da ordem do dia.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - É o que os senhores estão a querer fazer!

O Orador: - Ao invocar um princípio que protege justamente as minorias para evitar a garantia de um direito fundamental dessas minorias, que é o direito a apresentarem recurso de constitucionalidade, o Sr. Presidente desculpar-me-á, mas invoca uma norma que não tem cabimento no caso, e mais não tem quando nessa mesma norma se diz que se devem respeitar as excepções do Regimento. Ora, é exactamente excepção manifesta do Regimento o princípio especial de que um recurso com a natureza do que foi apresentado não é susceptível de despacho por V. Ex.ª
Por isso, Sr. Presidente, tendo considerado, em minha consciência, o apelo que me fez para retirar o qualificativo de ditatorial, lamento profundamente, até pela consideração que V. Ex.ª me merece, mas não só não o retiro como o reitero!

Aplausos do PS, do PCP e do BE.

O Sr. Presidente: - Não vamos manter a discussão sobre o «ditatorial», pois não adianta. Em todo o caso, gostaria de comentar a apreciação do Sr. Deputado Jorge Lacão.
Sr. Deputado, poderíamos estar aqui toda a tarde e, possivelmente, até amanhã ainda, a discutir este assunto, pois temos pontos de vista diferentes. O Sr. Deputado considera que é regra geral uma regra que eu considero especial, e vice-versa. São posições irredutíveis, não podemos sair daí.
Como tal, penso que devemos avançar no prosseguimento dos nossos trabalhos, já que, pelos vistos, se trata, como o Governo assim o acentuou ao requerer prioridade, de um assunto de manifesto interesse nacional e urgência.
Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, pretendo fazer uma interpelação à Mesa sobre a condução dos trabalhos para perguntar ao Sr. Presidente, no caso concreto da proposta de lei cuja admissão está em causa neste momento, quando é que um Deputado desta Casa, no pleno exercício das suas funções, pode recorrer da sua admissibilidade. Quero, pois, saber, em relação a esta proposta de lei em concreto, qual é o momento em que um Deputado pode recorrer da sua admissibilidade.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já lhe dei a minha interpretação, que é discutível, certamente. Não pode recorrer quando a proposta de lei tenha sido agendada, e depois disso, com invocação de prioridade por parte do Governo. É esta a minha interpretação, Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, pretendo também fazer uma interpelação à Mesa sobre os nossos trabalhos, no sentido de lamentar que seja nota e marca da esquerda o facto de se enredar em questões processuais e dificultar as discussões das questões de fundo, daquelas que o País espera que sejam resolvidas,…

Aplausos do PSD.

Protestos do PS, do PCP e do BE.

… como é o caso urgente da RTP, que os senhores colocaram na situação grave em que se encontra!
Sr. Presidente, gostaria de dizer que V. Ex.ª tem toda a razão, procedeu com inteira correcção, tem razão constitucional e regimental e peço-lhe que passemos à votação do recurso, por forma a não adiarmos mais a resposta que temos de dar hoje aqui ao País, que espera uma solução para a RTP.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Estão inscritos os Srs. Deputados Telmo Correia e António Costa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, quero unicamente dizer, em nome da nossa bancada, que não conseguimos compreender o processualismo sistemático a que estamos a assistir em detrimento da discussão das questões substanciais.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

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Lembro-lhe, Sr. Presidente, que na Conferência de Líderes ninguém discutiu a questão da prioridade reconhecida ao Governo nem a possibilidade deste agendamento,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Isso é falso!

O Orador: - … e muito menos se discutiram as questões de inconstitucionalidade, que foram aparecendo subsequentemente.
A discussão na 1.ª Comissão foi claríssima, serena e resultou numa votação. Não podemos aceitar que uma votação no Plenário da Assembleia da República, que é soberano, seja qualificada como ditadura…

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - … e, serenamente, pedimos-lhe também, Sr. Presidente, que, expostas as várias posições, devolva a palavra ao Plenário e submeta a matéria à votação, porque está gente à espera, está uma empresa à espera e é preciso tomar decisões!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Protestos do PS.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Está o Balsemão à espera!...

O Sr. Honório Novo (PCP): - E a Impresa!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço o favor de mantermos a serenidade que a questão impõe!
Tem a palavra o Sr. Deputado António Costa.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, temos procurado, e procuraremos até ao limite das nossas forças, evitar interpor recurso da deliberação de V. Ex.ª para o Plenário.
Julgamos que é de evitar este confronto no início da Legislatura e que é de evitar que V. Ex.ª se coloque nesta posição de ter de debater, de igual para igual, com o conjunto da Câmara. Foi precisamente para o poupar a isso que o Regimento não atribuiu ao Presidente a competência para admitir ou não o recurso,…

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

O Orador: - … ou seja, para evitar que o Presidente tenha de impedir um recurso de uma sua decisão, julgando em causa própria e submetendo-se a este contraditório com os Deputados.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, o que nos preocupa não é o facto de haver decisão; queremos que haja decisão, mas que seja uma boa decisão, e não nos parece que haja uma boa decisão «à martelada»! A «martelada» não é o nosso método, não é o método parlamentar, não é o método democrático e não é um método aceitável!

Aplausos do PS e do BE.

Como todos sabemos, não é o cumprimento do Regimento e a baixa do recurso, para apreciação, à 1.ª Comissão, por 48 horas, que atrasa a resolução do que quer que seja.
Sr. Presidente, mesmo dentro da sua interpretação, que não comungamos - e que, se bem a percebo, é a de que a norma do Regimento sobre a estabilidade da ordem do dia impede a admissão de um recurso que implique a alteração da ordem do dia -, a conclusão a retirar não seria a da não admissão do recurso, mas implicaria necessariamente a conjugação de normas que dispunham contraditoriamente, resolvendo-se a contradição dentro das regras do sistema; no limite, admitindo o debate mas não a votação; no limite, admitindo uma convocação extraordinária da Assembleia para daqui a 48 horas, para sábado, e, se o fizer, cá estaremos para debater e votar o que for necessário!

Aplausos do PS.

Agora, sou-lhe sincero, este é o limite da minha imaginação,…

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Ah!

O Orador: - … dentro da sua própria argumentação, para que se possa encontrar uma solução que não ponha em causa aquilo que decidiu!
Mas também lhe diremos, com toda a franqueza, que entendemos que isto não se dirige «à martelada», que não se exerce a competência da Assembleia da República «à martelada» e, «à martelada», não aceitaremos!
Por isso, com toda a franqueza, Sr. Presidente, julgamos que, num processo legislativo que já está cheio de trapalhada e de dúvidas de inconstitucionalidade, introduzir ainda mais este factor pode vir a afectar a validade de um acto legislativo que se queira produzir aqui, na Assembleia da República, à «martelada»!

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Creio que esta pressa pode custar, mais adiante, e depois, nessa altura, que ninguém se queixe!

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Portanto, mais vale resolver o que há a resolver agora, e a bem, do que depois ficarmos «com uma criança nos braços», numa situação muito difícil de resolver!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, gostaríamos tão-só de dizer que pretender precipitar decisões desta forma não é um bom caminho. Entendemos que os meios não justificam os fins e que a limitação de direitos regimentalmente consagrados não é uma questão de interpretação mas, sim de cumprimento ou não dos mecanismos que foram estabelecidos para que o Plenário possa pronunciar-se sobre matérias delicadas.
Por isso, a decisão que limita e que vai cercear o direito regimental não nos parece dignificar o Parlamento

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nem permitir que se trabalhe, no futuro, da forma que consideraríamos desejável, ou seja, com respeito pelos mecanismos que o Regimento e a Constituição consagram.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, gostaria de dizer, muito brevemente, que o Sr. Deputado Telmo Correia evocou aqui o testemunho da Conferência de Líderes de uma forma que não corresponde à verdade.
Na Conferência de Líderes houve uma discussão sobre a prioridade a conceder a este pedido do Governo e pelo menos duas bancadas - as do Bloco de Esquerda e do PCP - exprimiram-se manifestando reservas e oposição a essa deliberação. Em todo o caso, foi uma deliberação maioritária da Conferência de Líderes que o Sr. Presidente levou a cabo.
Quero, no entanto, esclarecer que a Conferência de Líderes ocorreu na sexta-feira, pouco tempo depois de a proposta de lei ter sido distribuída aos líderes parlamentares. Era, naturalmente, inviável que houvesse qualquer discussão sobre a sua constitucionalidade, mas, no sábado, declarei, em nome do Bloco de Esquerda, que a considerávamos inconstitucional; outras vozes - muitas outras vozes - somaram argumentos nessa mesma linha. Ninguém, de boa fé, pode dizer neste Plenário que não houve tomada de conhecimento deste argumento substancial, tanto mais que no próprio relatório do Deputado Jorge Lacão ele foi invocado e discutido na 1.ª Comissão.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E foi chumbado!

O Orador: - Foi chumbado, sim, mas foi discutido, pelo que ninguém pode dizer que o argumento não era conhecido. E esse argumento é decisivo para este Plenário e é um direito que temos, Sr. Deputado, de não aceitar e manter o nosso ponto de vista, apesar de ele desagradar a uma parte da maioria.
Sr. Presidente, queria dizer que a decisão que foi aqui tomada, retirando aos Deputados - no caso do processo de urgência proposto pelo Governo - o direito de discutir a admissibilidade dessa proposta, é muito grave. Mas é sobretudo grave por ser um processo urgente. E é perante a urgência e perante a prioridade que toda a atenção da Assembleia da República é necessária. É porque, quando os governos nos dizem: «Isto tem de ser já! Não olhem duas vezes! Aceitem imediatamente! Tem de ser assim! Queremos que seja assim!», é justamente nesse momento que a democracia, o pluralismo, a diferença de opiniões, o escrutínio constitucional têm de funcionar, Sr. Presidente!
Retirar este direito à Assembleia é um precedente gravíssimo do ponto de vista constitucional e regimental, justamente por causa da regra do bom governo, e a regra do bom governo é que é nos momentos de urgência nacional que a democracia tem de funcionar e não ser diminuída. A democracia é a força da decisão e não a fraqueza da decisão. Por isso é que o que esteve em causa durante toda esta semana no debate público nacional e o que aqui discutimos não são minudências judiciais. Aliás, é significativo que não tenha havido resposta, Sr. Deputado Guilherme Silva e Sr. Deputado Telmo Correia - a questão constitucional é um procedimento, é um expediente… Não! É parte do debate substancial que temos de ter sobre todas as leis, é a nossa obrigação! Podem disso discordar, mas temos essa obrigação e isso só pode ser dirimido por uma votação na sequência de um debate organizado pelo Plenário.
O «estado de sítio» é muito mau conselheiro, os promotores do «estado de sítio» são muito maus governantes e os senhores, que os apoiam, são muito maus Deputados!

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

Aplausos do BE e do PS.

O Sr. Presidente: - Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, está pendente um recurso da minha decisão e esse recurso tem de ser votado. Estão preenchidos os requisitos - todos os grupos parlamentares se pronunciaram sobre ele -, portanto, vamos passar à sua votação.
Sr. Deputado José Magalhães, pede a palavra para que efeito?

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, pretendo exercer o direito de apresentação do recurso interposto pelo PS.

O Sr. Presidente: - Creio que o Sr. Deputado António Costa tinha dado a entender que não iam recorrer, pelo que não haveria necessidade de apresentação..., mas verifico que interpretei mal.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, permita-me que clarifique para que não fiquem quaisquer dúvidas: o que eu disse foi que estávamos a fazer todos os esforços para podermos evitar o recurso, dando diversas sugestões para V. Ex.ª poder reconsiderar, mas V. Ex.ª não reconsiderou, pelo que não nos dá outra hipótese senão recorrer, naturalmente, e é isso que fará o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Eu tinha interpretado mal.
Tem a palavra, Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, no caso da RTP, como noutros, o Governo não revela sofreguidão e pressa apenas: revela atabalhoamento e uma absoluta incapacidade de respeito por regras mínimas de funcionamento das instituições. Não se diga, Sr. Deputado Telmo Correia, que isto é uma preocupação processualista: o respeito por regras de saber fazer bem é pedra-de-toque da regularidade do funcionamento das instituições democráticas.

Aplausos do PS.

E eu pedia-lhe, Sr. Presidente, que não se associe ao «método do safanão e pé-de-cabra» que é timbre do Ministro da Presidência Morais Sarmento...

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Vozes do PS: - Muito bem!

Risos do BE.

O Orador: - Julgo, Sr. Presidente, que esse método é inaceitável em democracia!

Aplausos do PS.

A verdade é que o Sr. Ministro tem uma cassette video que demonstra que, das duas, uma: ou mentiu, e mentiu despudoradamente, sobre o conteúdo de uma reunião do Conselho de Ministros, e o Conselho de Ministros aprovou, em esquema, uma proposta de lei, até várias, face à decisão hipotética do Conselho de Opinião da RTP; ou o Conselho de Ministros nada aprovou e, quando o Sr. Ministro, interrogado duas vezes por jornalistas, disse que «não, o Conselho de Ministros nada apreciou», então o Sr. Ministro faltava, e faltava grosseiramente, à verdade, o que tem um nome, em política e em crimes de responsabilidade!...
Em segundo lugar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Sr. Presidente admitiu esta proposta que ou é apócrifa e inexistente ou está mal explicada quanto ao comportamento do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares e do Sr. Ministro da Presidência, uma vez que por ambos vem assinada. Esta questão não é de somenos e a explicação do Sr. Presidente, francamente, permita-me que lhe diga, é infundamentada.
Sr. Presidente, desde quando é que a interposição de um recurso está sujeita a um juízo de V. Ex.ª ou de qualquer Presidente? Não está! E não está pela razão que aqui foi explicada: porque V. Ex.ª não pode decidir em causa própria, não deve decidir em causa própria!

Vozes do PS: - Claro!

O Orador: - Mas, Srs. Deputados, Sr. Deputado Guilherme Silva, recomendo a sua atenção particular neste aspecto: neste caso, ainda há pior - é que V. Ex.ª acaba de, não sei porquê, sugerir a receita perfeita para se cilindrar direitos de oposição e aprovar de supetão propostas inconstitucionais!

Aplausos do PS.

É a «receita Marques Mendes»! Que seja a «receita» do Ministro Marques Mendes, eu compreendo - porventura, está-lhe na massa do sangue!...

Risos do PS.

Vozes do CDS-PP: - Que deselegância!

O Orador: - E, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a receita é esta: aprove-se de supetão uma proposta no gabinete de um ministro, traga-se à Assembleia da República às 10 horas da manhã, leve-se à Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares às 11 horas da manhã, conceda-se prioridade ao meio-dia, submeta-se ao Plenário às 15 horas - não há direitos de impugnação pelos partidos, não há apreciação pela 1.ª Comissão e não há processo de urgência! É porque o processo de urgência pedido pelo Governo implica que a comissão competente - a de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, designadamente - intervenha, elabore um parecer e que esse parecer seja devidamente fundamentado, o que não foi, neste caso.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Peço-lhe que conclua.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
E, Sr. Presidente, a invenção de um super-processo de urgência seria, evidentemente, a grande rolha parlamentar na boca da oposição. E isso é indigno, isso é inaceitável! Lutaremos por todos os meios e até ao fim contra esse tipo de procedimentos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Bernardino Soares, pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, para me pronunciar sobre esta matéria.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não pode!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, de acordo com o Regimento, havendo um outro recurso, é possível que os grupos parlamentares se pronunciem mas, terminada a ronda pelas várias bancadas, iremos votar.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, penso que é legítimo que tenhamos fundadas dúvidas quer sobre a questão da constitucionalidade no que diz respeito ao conteúdo da proposta que nos é apresentada, quer no que diz respeito à constitucionalidade do processo da aprovação da proposta.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

O Orador: - E tendo em conta, até, exemplos anteriores de validade ou não do pronunciamento de órgãos de soberania em função de determinadas propostas, penso que, nesta matéria, a Assembleia da República tem de ter todas as cautelas e tem de ter todos os cuidados.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - É isso, Sr. Presidente, que temos de assegurar neste momento - neste momento e para o futuro.
De resto, Sr. Presidente, para além disto, será inaceitável que se desvende ao Governo a forma de fazer precludir direitos regimentais como o de recorrer da admissão de propostas no caso de pedir prioridade para determinadas iniciativas legislativas. Não é aceitável que isto aconteça porque isso não está no fundamento da prioridade concedida nem do direito de pedir prioridade para determinadas iniciativas legislativas e porque isso esvazia os direitos dos Deputados legítimos e de o Plenário se pronunciar quer sobre a questão da admissão quer sobre as decisões do Sr. Presidente.

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A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

Aplausos da Deputada do PCP Odete Santos.

O Orador: - É porque instituir um regime em que algumas decisões do Sr. Presidente da Assembleia da República não podem ser «sindicadas» pelo Plenário da Assembleia não é o equilíbrio que temos no nosso Regimento nem nas nossas normas constitucionais.
Termino, Sr. Presidente, apelando a V. Ex.ª para que este processo possa resolver-se com consciência, com serenidade - porque é incompreensível esta sangria desatada que não tem a ver, neste momento, com a discussão política das propostas que nos são apresentadas, mas com este procedimento atabalhoado e à pressa que nos querem impingir.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Pergunto ao Sr. Presidente: o que perde a Assembleia da República em promover, dentro do que está estabelecido nas normas regimentais, o debate sério e sereno sobre as diferentes opções políticas nesta matéria?

Aplausos do PCP.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas isso é o que vamos fazer!

O Sr. Presidente: - Respondo à sua pergunta, Sr. Deputado Bernardino Soares: é óbvio que a Assembleia nunca perde em debater as questões, e é isso que estamos a fazer desde há um bom pedaço. Por outro lado, as minhas decisões são sempre susceptíveis de recurso para Plenário…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - A da admissão, pelos vistos, não é!

O Sr. Presidente: - Neste momento, temos até dois recursos e não apenas um, e o Plenário há-de pronunciar-se sobre a matéria.
Dado que não há mais pedidos de palavra, vamos, então, votar os recursos que foram apresentados. Como têm o mesmo objecto, julgo que podemos votar em conjunto, mas admito outra solução...
Srs. Deputados, podemos votar em conjunto os dois recursos, o do PS e o do BE?

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Não, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Outra vez?

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, a Direcção do Grupo Parlamentar do PS teve ocasião de trocar impressões com vários Deputados do nosso Grupo Parlamentar…

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Só agora?!

O Orador: - … e nós consideraríamos muito apropriado que, antes desta votação, pudéssemos fazer uma reunião do grupo parlamentar para ponderar este quadro…

Protestos do PSD e do CDS-PP.

… e para procurar encontrar ainda uma solução. E, Sr. Presidente, pedimos que sejam feitas diligências no sentido de podermos usar a Sala do Senado para este efeito.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço calma...
Este assunto está a ser debatido com muita serenidade e assim deve conduzir-se até ao fim. A Mesa vai consultar o Regimento para não tomar uma decisão precipitada.

Pausa.

Sr. Deputado José Magalhães, não lhe dou novidade alguma se lhe lembrar que a interrupção que os Srs. Deputados podem requerer, uma vez em cada semana, deve ser deliberada. Julgo, portanto, que devo interpretar o seu pedido como um requerimento e, dado que me parece que há opiniões diferentes sobre essa matéria, colocá-lo-ei à votação, se assim for entendido, e se tiver deliberação positiva, então veremos.
Vamos votar de imediato o pedido formulado pelo Sr. Deputado José Magalhães.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP, e votos a favor do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder, então, à votação do recurso.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP, e votos a favor do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos assim entrar no primeiro ponto da ordem do dia…
Sr. Deputado Bernardino Soares, pede a palavra para que efeito?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, anunciei há pouco que recorreríamos da prioridade dada à iniciativa do Governo e quero fazê-lo neste momento.

O Sr. Presidente: - Tem toda a razão, Sr. Deputado. Peço mil desculpas.
Sr. Deputado Bernardino Soares, antes de lhe dar a palavra para fundamentar o seu recurso, dado que há outras interpelações à Mesa, tenho de dar prioridade a essas.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Costa.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, é uma interpelação à Mesa mas sobre o tema anterior.

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, penso que precludiu. Peço-lhe a sua compreensão para podermos adiantar os nossos trabalhos.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, com mútua compreensão, eu falarei pouco e V. Ex.ª certamente me dará a palavra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, quero apenas dizer o seguinte: foram suscitadas duas questões de inconstitucionalidade, uma pelo Grupo Parlamentar do PS e outra pelo BE. Esta tinha sido a boa altura, sem prejuízos para o processo legislativo, para que as questões constitucionais tivessem sido desde já dirimidas; não o tendo sido agora, terão de ser dirimidas até ao termo do processo legislativo porque não é possível que um acto legislativo entre em vigor havendo dúvidas sobre a sua constitucionalidade. Foram citadas duas questões que terão de ser resolvidas. Deviam tê-lo sido agora em momento oportuno, mas, como não foram, terão de sê-lo num momento posterior.

Aplausos do PS e do BE.

O Sr. Presidente: - Anoto a declaração do Sr. Deputado António Costa que não qualificarei como uma declaração de voto porque, senão, ela não poderia ter sido feita, já que o Regimento proíbe expressamente as declarações de voto orais.
Tem agora a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, é só para dizer que o Regimento não proíbe as declarações de voto orais. Depois da votação final global, cada grupo parlamentar pode fazer, durante 3 minutos, declarações de voto orais.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Mas não no caso do recurso, Sr. Deputado, de acordo com o que está consagrado no n.º 6 do artigo 90.º do Regimento. No entanto, todos temos direito a não nos lembrarmos de algum preceito do Regimento porque eles são, de facto, bastante abundantes.
Tem agora a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares, para fundamentar o seu recurso sobre a prioridade dada ao agendamento da proposta de lei.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, consideramos que não há razões para ser atribuída, conforme fez o Sr. Presidente, prioridade à proposta do Governo.
De resto, quero deixar também registado que, ao contrário do que disse o Sr. Deputado Telmo Correia, já expressámos oposição a esse entendimento na Conferência de Líderes onde esta matéria foi abordada. Consideramos que não deve haver prioridade nesta proposta de lei, porque não se vislumbra qualquer razão lógica ou plausível para que ela não possa ser integrada nos agenciamentos normais que certamente faremos na próxima Conferência de Líderes.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - O PCP é que nada vislumbra há muito tempo!

O Orador: - Não sei se o Sr. Deputado Narana Coissoró quer intervir, Sr. Presidente...

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado não está inscrito, o que fez foi um aparte e por isso faça o favor de prosseguir, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Eu dizia que o PCP já nada vislumbra há muito tempo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Narana Coissoró, por favor, deixe ouvir o Orador e inscreva-se depois para se exprimir, se porventura tiver essa intenção. Faça favor, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, consideramos que em nada ficaria prejudicada a iniciativa do Governo se esta matéria fosse agendada no decurso normal dos nossos trabalhos, o que significaria que o Governo a podia propor para agendamento logo para a primeira sessão que ainda não está agendada, que será certamente na primeira semana de Junho. Portanto, isto significaria uma dilação de 12, 15 dias, que, julgo, não prejudicaria a intenção política do Governo nesta matéria.
Sr. Presidente, do que se trata, em função da proposta de lei que o Governo nos apresenta, é de alterar a configuração legislativa que existe a propósito do Conselho de Administração da RTP a meio de um processo em que o próprio Governo já participou e para o qual já deu um impulso, designadamente, através da indicação dos membros que propunha para o referido Conselho de Administração. E é este Governo, que deu origem a este processo nestes termos, que, agora, a meio, porque não está satisfeito com a sua condução e com o seu desenlace, quer alterar as regras que foram estabelecidas por lei da Assembleia da República e que não lhe convêm neste preciso momento para as suas interpretações políticas.
Do que se trata aqui é de alterar a meio as regras do jogo, um jogo que o Governo iniciou e em que ele próprio teve responsabilidades, designadamente propondo os nomes para o Conselho de Administração.
Mas a verdade, Sr. Presidente, é que, ao contrário do que se refere na «Exposição de motivos» da proposta de lei, não estamos aqui perante qualquer situação de impasse; trata-se de aplicar a legislação que está em vigor. Não há qualquer impasse pelo facto de o Conselho de Opinião da RTP ter decidido não dar o parecer positivo aos nomes que lhe eram indicados, já que isso é o puro exercício da sua legitimidade e das suas competências.
Não se trata de um impasse! O Governo pode propor outros nomes, pode fazer outra proposta, pode reunir com o Conselho de Opinião, pode ter as mais diversas iniciativas, pelo que não estamos num impasse; estamos, antes, perante o curso normal do que está previsto na legislação.
Trata-se, isso sim, de uma guerra que o Governo quer fazer contra o serviço público de televisão e de rádio e contra o Conselho de Opinião da RTP, cuja decisão não quer respeitar.

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Mas o que a Assembleia da República não pode ser, Sr. Presidente, é a «tropa de choque» deste Governo nesta guerra.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O que a Assembleia da República não pode ser é o instrumento que este Governo utiliza para alterar, a meio do jogo, regras que estão estabelecidas por Lei da República, por lei aprovada nesta Assembleia da República.
Discordamos, portanto, da decisão de prioridade que o Sr. Presidente deu a esta proposta de lei, porque ela não dignifica a Assembleia da República, porque, em vez de a fazer palco do debate e da decisão política, faz dela um instrumento para um processo lamentável da forma como o Governo o está a conduzir.

Aplausos do PCP e do BE.

O Sr. Presidente: - Para se pronunciar, durante 3 minutos, tem a palavra o Sr. Deputado António Costa.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, como V. Ex.ª sabe e como sabem os que estiveram presentes na Conferência de Líderes, quando, logo no princípio da sessão, se colocou a questão da prioridade, nós, Partido Socialista, expressámos a opinião de que, em nome do bom relacionamento entre órgãos de soberania, sempre que o Governo entendesse que uma matéria era prioritária, entendíamos, salvo caso excepcional, que não discutiríamos a prioridade solicitada pelo Governo. Pensamos que é uma regra normal de cortesia entre órgãos de soberania.
Acontece que, desde esse momento até agora, foi dado um sentido totalmente imprevisto ao conteúdo da prioridade: começou por ser-lhe dado o sentido de que a concessão de prioridade a uma iniciativa legislativa do Governo tem, desde logo, por efeito esmagar um direito sagrado da oposição que é o direito à prioridade absoluta para a realização de interpelações previstas no Regimento. Chegámos mesmo a esta coisa extraordinária: tendo o Bloco de Esquerda tido a cortesia para com o Governo de aceitar, por impedimento do Sr. Ministro, o adiamento da sua interpelação sobre política de audiovisual para o dia 29 e constatando-se afinal que o Sr. Ministro não estava impedido, mas, pelo contrário, estaria aqui, como está, na Assembleia da República, o Governo ter respondido com esta espantosa descortesia: «Os Srs. Deputados tiveram a cortesia de aceitar o adiamento, agora, azar, pagarão a vossa própria cortesia!»...

O Sr. José Magalhães (PS): - Notável!

Orador: - Em segundo lugar, passou-se esta outra coisa verdadeiramente espantosa: V. Ex.ª, Sr. Presidente, impediu, violando um outro direito sagrado da oposição - neste caso, não só da oposição como de qualquer Deputado -, que é o agendamento por arrastamento de matéria que seja conexa. V. Ex.ª impediu o agendamento de um projecto de lei que trata exactamente da matéria que vai estar hoje aqui em discussão!
Finalmente, a concessão da prioridade serviu para V. Ex.ª fazer a espantosa interpretação do Regimento de que, havendo prioridade, não pode ser questionada a constitucionalidade de uma proposta de lei que tenha sido apresentada pelo Governo, dando carta de alforria para que o Governo possa apresentar qualquer proposta inconstitucional, ou seja, desde que peça prioridade não está sujeito a qualquer «sindicabilidade» por parte da Assembleia da República, o que seria verdadeiramente abnorme.
Como compreenderá, Sr. Presidente, nestes termos não podemos assentir na prioridade. A prioridade a que assentimos era a prioridade própria de cortesia entre órgãos de soberania, mas a de hoje tem o conteúdo da «martelada» e quanto a essa não assentimos e votaremos favoravelmente o recurso do Partido Comunista Português.

Aplausos do PS, do PCP e do BE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, apoiei na Conferência de Líderes este ponto de vista e o Bloco de Esquerda associa-se a este recurso. Sobretudo, creio que é talvez este o momento, antes de se encerrar esta parte tão importante de uma discussão processual que tem a ver com os poderes fundamentais da Assembleia, de fazer uma apreciação sobre o que se está a passar.
Diziam os Srs. Deputados Bernardino Soares e António Costa, e com razão, que estamos perante uma situação inédita, única e precursora: a partir de hoje fica claro que o Governo entende que a lógica da maioria é excludente de qualquer discussão consistente.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto! É absurdo!

O Orador: - Foi dito que o debate sobre a RTP e sobre a sua tentativa de extermínio é um debate de grande importância política, a tal ponto que está consagrada, no artigo 38.º da Constituição, não só a existência de um serviço público de televisão como, sobretudo, a independência desse serviço em relação ao Governo, à administração e a outros poderes públicos. E isso está a ser posto em causa até na forma como se conduz este debate.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - Propuseram as oposições que o debate fosse feito de forma tranquila e politicamente clarificadora, que dedicássemos uma sessão extraordinária, se preciso fosse, talvez na quarta-feira, mais cedo ainda do que hoje, com todo o tempo necessário para um debate político «contextualizador» e na presença desta proposta de lei do Governo.
O Governo tinha-nos dito que o Sr. Ministro da Presidência não podia vir esta semana e folgo em vê-lo «fresco que nem uma alface», sobretudo depois de saber que este Governo dá garantias de não ter políticas «sadomasoquistas» em relação à RTP ou a outras matérias, como nos foi garantido pela bancada da maioria...
Também constato que as bancadas da maioria fizeram todo o esforço para que o debate tão importante sobre a RTP fosse o mínimo possível. Propuseram, na Conferência de Líderes, que ao Ministro que aqui está sentado fosse

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dado o recorde de 600 segundos para exprimir o seu ponto de vista e para resumir, desenvolver e encerrar todo o debate sobre esta «matéria tão importante». «Tão importante» que ela é e... dez minutos bastavam!…
Por isso mesmo, Sr. Presidente, é neste momento que é preciso assumir uma responsabilidade: a de aceitar voltar a colocar este processo legislativo nas boas regras dos princípios da democracia. É por isso que votaremos a favor deste recurso.

Aplausos do BE e do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, há esta coisa muito curiosa: é que o País já percebeu a urgência desta matéria, mas a oposição, que, naturalmente, mereceu o lugar que o País lhe deu, ainda não!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

Risos do PS.

O Orador: - Sr. Presidente, tenho de registar que o Sr. Deputado Bernardino Soares, na Conferência de Líderes, colocou reservas relativamente à concessão de prioridade a este agendamento e, portanto, há uma coerência na sua posição, muito embora eu lamente que ele não perceba a urgência.
Mas já não posso obviamente compreender o posicionamento do Partido Socialista, que foi o primeiro a dizer, alto e bom som, na Conferência de Líderes, que não era por ele que se deixava de dar prioridade às matérias que o Governo entendesse que eram prioritárias e urgentes. Registei a «ginástica» que o Sr. Deputado António Costa teve de fazer aqui para dar o dito por não dito e fazer - desculpe que o diga - a triste figura de dizer que já não há qualquer urgência, a tal que na Conferência de Líderes reconheceu existir. Mas o Partido Socialista é assim!...
O que eu gostaria era que nos libertássemos urgentemente deste «sadomasoquismo» processual e regimental da oposição e discutíssemos a substância da proposta de lei, que é a resposta que temos de dar urgentemente ao problema gravíssimo em que se encontra a televisão em Portugal.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, a última coisa que eu queria fazer era demorar ainda mais tempo nesta matéria. No entanto, em relação a duas ou três afirmações que aqui foram feitas, quero deixar claro que o que eu disse foi que a Conferência de Líderes entendeu a prioridade tal como foi solicitada pelo Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Deputado Francisco Louçã tem razão ao dizer que o Bloco de Esquerda disse desde logo que não concordava e o Partido Comunista também. Mas é verdade que a maioria que se formou na Conferência de Líderes - e isso é claríssimo - era superior a dois terços, era uma maioria claríssima, que entendeu que havia prioridade e que era necessário discutir esta matéria de forma prioritária.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Mas podemos não estar de acordo com isso!

O Orador: - Tratava-se de uma maioria igual ao arco constitucional. Os senhores têm razão: excluíram-se dessa maioria!
Em segundo lugar, os senhores continuam, e continuam e continuam a referir a questão da constitucionalidade. Tenho muita pena, mas nós discutimos isto, somados os dois dias de discussão, durante algumas horas, na 1.ª Comissão e não tenho culpa que esta entendesse maioritariamente que o Deputado Jorge Lacão tinha feito um relatório em que não tinha razão, que não havia inconstitucionalidades, e tivesse feito um excelente parecer que, esse, sim, foi aprovado por unanimidade, que ia no sentido de esta matéria estar em condições de subir a Plenário.
Não tenho culpa disto. Foi assim que a decisão foi tomada e, quer queiramos quer não, trata-se do exercício da votação, do exercício democrático e das maiorias, e é assim que elas têm que ser feitas.
A vontade da 1.ª Comissão é aquela que resulta da votação, a vontade da Conferência de Líderes é a que resulta da maioria que foi feita e a vontade do Plenário resulta da votação que agora vai ser feita e que já o foi. É esta a vontade e é assim que tem de ser - eu, pelo menos, penso que é assim que tem de ser.
Só para terminar, devo dizer que, apesar de tudo, há uma coisa que nós não aceitamos nesta bancada: lições de democracia vindas do Partido Comunista ou referências a «estado de sítio»! «Estado de sítio», Srs. Deputados, é o que existe na Albânia ou em Cuba, mas não aqui porque estamos numa democracia!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Só para dar dois exemplos!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sobre que matéria, Sr. Deputado?

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Mais uma vez, sobre o andamento dos trabalhos, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, o que se passa é que, embora lamentando, o Sr. Deputado Telmo Correia referiu algo que não é exactamente correcto e eu quero ter oportunidade de o esclarecê-lo.

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Como sabem todos os Srs. Deputados e, obviamente, o Sr. Presidente, com muita normalidade, os pareceres aprovados em comissão terminam, em regra, dizendo que a matéria que vai ser agendada e depois discutida em Plenário «está em condições regimentais e constitucionais» de aí ser apreciada. Foi isto que disse agora o Sr. Deputado Telmo Correia,…

O Sr. António Costa (PS): - Mas não é o que está aqui!

O Orador: - … mas tenho de esclarecer que não foi isto que foi aprovado por unanimidade na 1.ª Comissão. Na realidade, o parecer aprovado por unanimidade diz o seguinte: «Pode a proposta de lei n.º 4/IX subir a Plenário, devendo aí ser dirimidas todas as implicações decorrentes do contexto da sua aprovação, bem como do seu conteúdo.»

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas os senhores não querem que isso aconteça!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Diz muito bem, Sr. Deputado Jorge Lacão! Aí, no Plenário! Não é na Comissão!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço que façam silêncio! Tenho o maior interesse em ouvir o Sr. Deputado Jorge Lacão e estou certo de que VV. Ex.as também estão interessados em ouvi-lo!

O Orador: - Sr. Presidente, só pedi a palavra para que fique registada a exacta verdade do que foi deliberado na 1.ª Comissão e a verdade é que nessa Comissão não foi deliberado considerar que a proposta de lei n.º 4/IX estava em condições regimentais, constitucionais e legais de subir a Plenário. Disse-se apenas que esta proposta de lei «podia subir a Plenário» devendo aí ser dirimidas todas as implicações decorrentes do contexto da sua aprovação.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E agora são os senhores que não o querem fazer!

O Orador: - Como tal, o Sr. Deputado Telmo Correia não tinha razão na informação que há pouco referiu.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - O Deputado Telmo Correia mentiu e o Deputado Marques Guedes não percebeu!

O Sr. Presidente: - Dado o esclarecimento, vamos, então, proceder à votação do recurso interposto pelo Sr. Deputado Bernardino Soares em nome do seu grupo parlamentar contra a minha decisão de conceder prioridade ao agendamento da proposta de lei n.º 4/IX.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Como já tinha indicado anteriormente, para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, na Conferência de Líderes, V. Ex.ª tomou a decisão de rejeitar o agendamento do projecto de lei n.º 14/IX, do Bloco de Esquerda, a reboque da proposta de lei n.º 4/IX. É dessa sua decisão que quero recorrer.

O Sr. Presidente: - Muito bem! É um direito regimental que lhe assiste.
Para fundamentar o seu recurso, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Inspirado pela maioria PSD/PP, o Sr. Presidente decidiu, o que acontece pela primeira vez nesta Legislatura e de forma contrária a tudo o que aconteceu na Legislatura anterior, não aceitar que duas propostas legislativas conexas pudessem subir a Plenário simultaneamente. No entanto, a razão substancial para esta regra que sempre se praticou na Assembleia é a da coerência e clarificação política, sendo certo que as várias propostas existentes devem ser discutidas em conjunto, porque isso permite deliberar sobre as alternativas de uma forma consistente.
Acontece que nesta matéria há uma douta jurisprudência do Sr. Deputado Marques Guedes, que, tendo sugerido uma proposta escrita à Conferência de Líderes, a viu aprovada. Essa proposta diz o seguinte: «Fixado o agendamento de determinada iniciativa legislativa para uma ordem do dia,…» - o que aconteceu - «… o agendamento a reboque de outras iniciativas com ela relacionadas só beneficia de tempo igual se já estiverem admitidas e distribuídas.» Era precisamente este o caso! Não podia, portanto, ser contestado o agendamento a reboque pela razão de não ter sido admitida ou distribuída a nossa iniciativa, visto que já o tinha sido.
Foi então argumentado que o projecto de lei do Bloco de Esquerda sobre televisão não estava relacionado com a proposta de lei do Governo sobre televisão, mas chamo a vossa atenção para a forma da escrita do Deputado Marques Guedes, que refere explicitamente qualquer «iniciativa com ela relacionada». É certo que o Governo propõe uma orientação sobre a televisão e que o Bloco de Esquerda propõe outra, que o Governo propõe a governamentalização da televisão e que o Bloco de Esquerda propõe a sua desgovernamentalização e que uma e outra iniciativas merecerão sortes diferentes pela votação maioritária, mas o debate deveria ser, normalmente, o debate político sobre estas propostas. O que não se pode dizer é que elas não estão relacionadas.
Acresce ainda que o Governo propõe uma alteração a uma alínea do n.º 2 do artigo 48.º da Lei n.º 31-A/98, de 14 de Julho. É esta a proposta de lei do Governo. Ora, o projecto de lei do Bloco de Esquerda altera a mesma alínea do mesmo artigo!

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Exactamente!

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O Orador: - É extraordinário que se possa dizer que duas iniciativas, só porque alteram em sentidos diferentes a mesma alínea do mesmo artigo da mesma lei, não estão relacionadas!

O Sr. Luís Fazenda (BE): - É uma vergonha!

O Orador: - Srs. Deputados, o que está em causa aqui não é a razão do Bloco de Esquerda, mas, sim, a admissão de que há uma boa regra que serve para quem está na oposição e para quem está no governo. Para além disso, serve para quem, estando hoje no governo, amanhã estará na oposição ou para quem, estando hoje na oposição, amanhã estará no governo. Esse é o princípio que sempre seguimos, com benefício para o PSD e para o PP quando estiveram na oposição, com benefício para outras bancadas da oposição e com benefício para o debate no conjunto da Câmara.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha esgotou-se. Faça favor de concluir.

O Orador: - É por isto que lhe peço que reconsidere e altere esta decisão, Sr. Presidente. Caso contrário, recorrerei dela.
Na realidade, ninguém pode ter o atrevimento de dizer que duas iniciativas sobre exactamente a mesma alínea e o mesmo artigo da mesma lei não são matérias relacionadas. É um abuso que vai para além do que a paciência pode tolerar!

Aplausos do BE, do PS e de alguns Deputados do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Francisco Louçã, responderei, antes de mais, à sua interpelação, dizendo que na Conferência de Líderes tive ocasião de fundamentar a minha decisão. Entendo que o projecto de lei do BE que está pendente na comissão competente versa sobre matéria que vai muito para além daquela que hoje tratamos. Hoje vamos tratar de um assunto muito peculiar para o qual o Governo solicitou prioridade pelas razões de interesse nacional que invocou. Como é natural, todos os partidos poderão apresentar as suas propostas de alteração ao texto do Governo e, obviamente, o projecto de lei do Bloco de Esquerda não deixará de ser agendado para momento oportuno.
É esta a minha resposta, mas, se o Sr. Deputado pretende recorrer da minha decisão que já conhecia, passamos imediatamente à fase do recurso.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Para me pronunciar sobre este recurso, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Julgo que o recurso ainda não foi interposto, Sr. Deputado. A não ser que eu deva entender a intervenção do Sr. Deputado Francisco Louçã no sentido de recorrer da minha decisão.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, interponho, de facto, recurso da sua decisão, mas, como já apresentei a fundamentação, não a desenvolverei. Dir-lhe-ei só que, de acordo com esse entendimento, só serão aceites por «arrastamento» as iniciativas legislativas relacionadas com outras já agendadas e que, cumulativamente, tenham a concordância da maioria. Mas, para isso, mais vale que a Assembleia seja composta por um único Deputado da maioria, Sr. Presidente!

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Nesse ponto, não estou de acordo com V. Ex.ª!
Para se pronunciar sobre este recurso, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, sobre esta matéria já dissemos na Conferência de Líderes que não é correcto nem admissível impedir o agendamento por «arrasto» de projectos de lei que têm em si normas sobre a proposta de lei que está presente neste momento, porque isso significa que só a exacta similitude das matérias abordadas em cada iniciativa legislativa permitiria o agendamento por «arrasto».
Mas devo dizer-lhe, Sr. Presidente, que colocámos na Conferência de Líderes uma outra questão a que V. Ex.ª também não deu assentimento. Refiro-me à possibilidade de, sendo apresentadas iniciativas que versem exclusivamente sobre a matéria das competências do Conselho de Opinião da RTP, matéria sobre a qual versa a proposta de lei, se permitir que pelo menos essas iniciativas sejam agendadas por «arrasto». Ora, em relação a essa matéria, o Sr. Presidente também decidiu que não poderiam ser agendadas outras iniciativas, mesmo que versassem exactamente e só sobre as competências do Conselho de Opinião da RTP.
Como tal, não estamos de acordo com esta decisão que empobrece a pluralidade da discussão desta matéria no Plenário da Assembleia da República e consideramos que não é sucedânea da iniciativa legislativa a possibilidade de poder apresentar propostas de alteração ou de substituição à proposta de lei.

Aplausos do PCP e do BE.

O Sr. Presidente: - Para se pronunciar sobre a mesma matéria, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, a razão pela qual se adoptou no passado a regra do «arrastamento» foi a de imprimir racionalidade aos trabalhos parlamentares. Não é uma norma que vise favorecer as oposições e exaltar as suas prerrogativas. É, sim, uma norma que visa evitar que a Câmara seja sucessivamente confrontada com a mesma matéria quando pode considerá-la em conjunto, exercendo a maioria as suas prerrogativas, porque isso, obviamente, é legítimo e não é discutível.
A via que está a ser seguida, a via da insistência numa espécie de mega-processo de urgência, significa, pura e simplesmente, a desconstrução de todas as garantias de debate plural. Já nem falo na eliminação da intervenção da 1.ª Comissão perante o silêncio completamente passivo dos membros da maioria nessa Comissão. Já nem falo da

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não intervenção da Comissão para dirimir as questões de constitucionalidade. Já nem falo na aclaração de questões muito importantes que adiante poderão causar entraves e engulhos à celeridade que o Governo sonhava obter através do «camartelo».
Na verdade, neste caso, o que está em causa é outra coisa. Imagine, Sr. Presidente, que o Sr. Deputado Francisco Louçã, revelando espírito ardiloso, confrontado com a sua decisão, fazia esta coisa simples: agarrava no seu projecto que tem muitos artigos, desanexava os dois artigos atinentes a esta matéria e apresentava-se em Plenário com os seus dois artigos desenraizados e desentranhados, lançando-os para cima da mesa e forçando V. Ex.ª a cumprir a sua própria doutrina e a inserir esse projecto no debate obrigatório que aqui vai ter lugar. Ou seja, Sr. Presidente, temos aqui uma «rolha de Pirro», porque se o partido tiver o projecto e souber usar o «copiar» e «colar» do seu computador, V. Ex.ª terá tantos projectos quantos os necessários para acompanhar as iniciativas do Governo. Esta é, no entanto, uma via de resposta à chicana com o ardil! É este o caminho que queremos seguir na Assembleia da República, Sr. Presidente?!
Dirá V. Ex.ª: «Houve, na Legislatura passada, abusos no 'arrastamento'!». Corrijam-se os abusos, Sr. Presidente!

O Sr. António Costa (PS): - Isto parece a Madeira!

O Orador: - Mas, Sr. Presidente, esta não é, de facto, uma certa Assembleia Legislativa Regional, onde não há direitos para a oposição! Esta é a Assembleia da República e o facto de o Grupo Parlamentar do PSD ser presidido pelo Sr. Deputado Guilherme Silva não vai impor à Assembleia da República certa metodologia.
Nós propúnhamos, Sr. Presidente, que nesta matéria se seguisse a boa tradição, corrigindo-se os excessos. Mas isto que aqui se faz não é uma correcção de excessos. Isto é um excesso na aplicação do Regimento e não poderá contar connosco para isso!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, não me quero pronunciar sobre esta matéria, porque de chicana já chega a que está a ser feita!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Então, se não é sobre esta matéria, não pode intervir agora!

O Orador: - Na verdade, queremos apressar esta questão e, por isso, requeremos à Mesa que as votações que estavam previstas para a hora regimental sejam feitas no fim da nossa discussão, conjuntamente com a votação desta proposta de lei.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Mas estamos a meio da discussão de um recurso!

O Orador: - E, Sr. Deputado Lino de Carvalho, eu quis fazer uma interpelação que não era sobre isso!

O Sr. António Filipe (PCP): - Querem votar já a proposta de lei?! Se quiserem, vota-se primeiro e discute-se depois!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa pede-vos um momento para analisar uma pequena questão.

Pausa.

Srs. Deputados, estamos, de facto, a discutir um recurso e o Sr. Deputado Guilherme Silva apresentou um requerimento. De qualquer modo, não devemos confundir as coisas. Como tal, vamos concluir a questão do recurso e, depois, apreciaremos o requerimento do Sr. Deputado.
Não havendo mais inscrições, vamos proceder à votação do recurso interposto pelo Sr. Deputado Francisco Louçã, relativo à decisão da Mesa de não agendar o projecto de lei n.º 14/IX, apresentado pelo Bloco de Esquerda, relativo à televisão.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos, agora, votar o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Guilherme Silva, no sentido de as votações serem reportadas para o final da sessão, a fim de incluir os assuntos que hoje vão ser discutidos e cuja votação é manifestamente urgente.

O Sr. António Costa (PS): - Não, não, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: - Nos termos do Regimento, os requerimentos não têm discussão, Sr. Deputado António Costa.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, o requerimento em causa pode, todavia, ser objecto da seguinte aclaração: V. Ex.ª admitiu o requerimento, presumo eu, uma vez que se dispunha a submetê-lo a votação.

O Sr. Presidente: - Sim, Sr. Deputado. Admito o requerimento.

O Orador: - Essa admissão contraria o Regimento e, portanto, impugná-la-emos.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado pode fazer o favor de indicar qual é a norma regimental que é violada.

O Sr. José Magalhães (PS): - É o artigo 104.º, n.º 4, do Regimento.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Não querem, portanto, falar da RTP!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, relativamente à sua chamada de atenção, recordam-me que,

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na Conferência de Líderes, ficou falado que a proposta de lei n.º 4/IX deveria ser votada hoje, e, portanto, não sendo feita a sua votação na hora regimental, graças aos diversos incidentes que temos tido que dirimir, ela deveria ser feita no final da sessão.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, vamos ver se nos entendemos.
O requerimento que apresentei tem em vista facilitar os trabalhos,…

Protestos do PS e do PCP.

… no sentido de não termos que fazer dois processos de votação: um, que será feito agora, para votarmos os diplomas agendados para a hora regimental de votações; e outro, para, após concluirmos a respectiva discussão, votarmos a proposta de lei n.º 4/IX. Porque essa está fora de causa, uma vez que ficou assim assente em Conferência de Líderes. Portanto, isso não me preocupa.
Porém, se os Srs. Deputados querem dar o espectáculo ao País…

Protestos do PS.

… de fazer uma votação agora, à hora regimental, dos pareceres já agendados e, depois, uma outra, da proposta de lei n.º 4/IX, nada tenho a opor. Fica com o Partido Socialista e com os restantes grupos parlamentares da oposição esta forma de gerir o Parlamento perante o País. Dignifique-se o Parlamento desta maneira!…

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Interpreto a interpelação do Sr. Deputado Guilherme Silva no sentido de retirar o requerimento.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. António Costa (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, gostaria que V. Ex.ª fizesse distribuir a súmula da última Conferência de Líderes para saber o que aí ficou fixado sobre esta matéria.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Peço aos serviços que me façam chegar esse documento para o fazer distribuir por todas as bancadas.
Srs. Deputados, uma vez chegados à hora regimental das votações e enquanto não chega à Mesa a súmula do que se passou na última Conferência de Líderes, vamos proceder às votações agendadas, porque isso é regimental.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, julgamos que essa é a boa solução, mas, entretanto, pedi a palavra por uma outra razão.
Suponho, Sr. Presidente, que estaria inteiramente ao seu alcance dar as instruções adequadas para que possa processar-se a entrada nas galerias das múltiplas pessoas que há bons minutos estão à espera de poder entrar. Como há espaço nas galerias, julgamos que seria justo que fossem acelerados os trâmites para que as mesmas possam sentar-se.

Aplausos do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado José Magalhães! Não tinha conhecimento dessa situação, pelo que darei instruções nesse sentido.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, é para deixar muito claro que retirei o requerimento no pressuposto e na certeza - porque se trata de uma Conferência de Líderes em que participei, e não admito que seja posta em causa a verdade do que lá de passou -…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É má fé!

O Orador: - … de que o que ficou decidido foi que, no final da discussão da proposta de lei n.º 4/IX, a votaríamos na generalidade, na especialidade e em votação final global. O que se enfatizou foi fazermos imediatamente as três votações.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E os senhores sabem isso!

O Orador: - Isso ficou absolutamente assente na Conferência de Líderes!

O Sr. Presidente: - Isso pode, de resto, ser sempre requerido no final da discussão.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação do parecer da Comissão de Trabalho e Assuntos Sociais, sobre o processo de urgência referente à proposta de lei n.º 112/VIII - Estabelece o limite mínimo de redução no valor das pensões de invalidez nas situações de acumulação destas prestações de segurança social com rendimentos do trabalho (ALRM).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes e abstenções do PSD e do CDS-PP.

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Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura de quatro pareceres da Comissão de Ética.
Faça favor, Sr. Secretário.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo 2.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, Processo n.º 18594/98.7TDLSB, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado João Cravinho (PS) a prestar depoimento por escrito, como testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Está em apreciação.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo 6.º Juízo Cível do Tribunal de Comarca e Família/Menores de Matosinhos, Processo n.º 322/1999, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar a Sr.ª Deputada Helena Roseta (PS) a prestar depoimento por escrito, como testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Está em apreciação.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pela 1.ª Secção da 9.ª Vara Criminal de Lisboa, Processo n.º 5/2002, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar a Sr.ª Deputada Maria do Carmo Romão (PS) a prestar depoimento por escrito, como testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Está em apreciação.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pela 12.ª Secção do DIAP do 1.º Juízo A do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, Processo n.º 637/01.0TDLSB, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Fernando Gomes (PS) a prestar depoimento por escrito, como testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Está em apreciação.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, terminadas as votações nesta fase, uma vez que, conforme foi requerido, no final da discussão da proposta de lei n.º 4/IX, vai haver votações na generalidade, na especialidade e final global, vamos passar à ordem do dia…

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Já chega, Sr. Deputado!

O Sr. António Costa (PS): - «Já chega»! É mesmo isso que eu digo! É que há limites para tudo, Sr. Deputado!

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço-vos para manterem a calma.

O Orador: - Sr. Presidente, eu requeri a distribuição da súmula da Conferência de Líderes para saber o que foi decidido.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O senhor não esteve lá?!

O Orador: - Se o que foi decidido corresponde ao que o Sr. Deputado Guilherme Silva disse, com certeza; se é em relação ao requerimento agora apresentado, como ele não foi aprovado, não há qualquer requerimento.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Isto é inacreditável!

O Orador: - Portanto, vamos prosseguir os trabalhos.
Penso, no entanto, Sr. Presidente, que já passou tempo suficiente para que a cópia da súmula tivesse sido distribuída para sabermos o que ela diz.

O Sr. Presidente: - Com certeza.
No entanto, a questão da votação é suplementar…

O Orador: - Se calhar, algum Sr. Deputado tem a súmula…

Pausa.

Sr. Presidente, o Sr. Deputado Lino de Carvalho tem em seu poder uma cópia da súmula e pode aclarar-nos o que ela diz. Como a sua distribuição está a demorar tanto tempo, talvez fosse melhor o Sr. Deputado Lino de Carvalho dizer-nos o que lá está escrito.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não vale a pena!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, não sei nem quero saber o que diz a súmula! Não quero saber!

Vozes do PS e do PCP: - Ah!…

O Orador: - Deixem-me acabar! Deixem-me acabar!

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Não quero crer que haja um Deputado, que lidera o maior partido da oposição, que assuma neste Plenário algo que não tenha sido aquilo que ficou fixado em Conferência de Líderes!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Inconcebível!

O Orador: - V. Ex.ª, Sr. Deputado António Costa, lembrar-se-á que eu disse, e foi aceite, que fizéssemos as três votações da proposta de lei n.º 4/IX hoje, no fim da sua discussão.
V. Ex.ª leia a súmula que entender,…

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - … diga aquilo que quiser nesta Assembleia, mas há uma coisa que eu lhe digo: se V. Ex.ª desdisser o que acabei de dizer, não conte com a colaboração do Grupo Parlamentar do PSD para mais nada…

Vozes do PS: - Ah!…

O Orador: - … do que o estritamente regimental.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, penso que não vale a pena estarmos a prolongar este incidente. Vamos esperar pela súmula da Conferência de Líderes (que, pelos vistos, alguns Srs. Deputados têm), mas o que o Sr. Deputado Guilherme Silva diz corresponde exactamente à memória que eu tenho do que lá foi falado. Ou seja, o Grupo Parlamentar do PSD fez saber, na Conferência de Líderes, que iria pedir a votação na generalidade, na especialidade e final global da proposta de lei n.º 4/IX. Com certeza que todos retêm isso e, porventura, consta do dito documento da Conferência de Líderes.

O Sr. António Costa (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado. Peço-lhe que seja breve, para ver se passamos à ordem do dia, porque o assunto que vamos discutir é, de facto, urgente.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, com toda a cordialidade,…

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Ah!…

O Orador: - … far-me-á a justiça de reconhecer que eu nunca diria no Plenário que não aconteceu uma coisa na Conferência de Líderes que não correspondesse à memória que eu tenho do que lá se passou. E a minha memória é precisamente a que foi exposta agora pelo Sr. Presidente da Assembleia da República, isto é, que o Grupo Parlamentar do PSD disse, na Conferência de Líderes, que, no final dos trabalhos, pediria a votação. Foi o que o Sr. Presidente agora disse. Creio que é o que corresponde à memória do Sr. Presidente e é o que corresponde à minha memória.
Com certeza ouvi mal quando há pouco me pareceu ouvi-lo dizer que a Conferência de Líderes tinha decidido, aliás, por consenso, que as votações fossem feitas no final do debate. São duas coisas distintas.
A minha memória corresponde à do Sr. Presidente. Não sei se é boa ou má, é igual, para este efeito, à do Sr. Presidente. A sua memória pareceu-me ligeiramente diferente, mas, pelos vistos, pensamos todos o mesmo, e, portanto não houve qualquer deliberação da Conferência de Líderes para que as votações se fizessem no final do debate.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 18 horas e 20 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 4/IX - Altera a Lei n.º 31-A/98, de 14 de Julho.
Para apresentar a proposta de lei, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.

O Sr. Ministro da Presidência (Nuno Morais Sarmento): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Permitam-me que, na primeira ocasião em que tenho o privilégio de me dirigir a esta Câmara, o faça começando por apresentar os meus mais cordiais cumprimentos, devidos ao Sr. Presidente e a todos os Srs. Deputados.
Mas permitam-me que aproveite a ocasião para, especialmente nessa saudação, homenagear aqueles que muitas vezes são esquecidos: os que foram desta Casa e já não estão entre nós. De Francisco Sá Carneiro a Luís Sá, de Adelino Amaro da Costa a Vasco da Gama Fernandes, de Natália Correia a Raúl Rêgo e, de forma particular, dois homens que conheci bem, com quem privei e que me marcaram, num caso pela sua inteligência e criatividade, no outro, pela sua humanidade e compromisso com a causa pública: Francisco Lucas Pires e Nuno Krus Abecasis.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei que o Governo hoje aqui apresenta respeita a uma matéria que tem motivado, apaixonado, e arrebatado até, os partidos políticos e a opinião pública em geral. É bom que assim seja!
A vivacidade desta discussão deve transmitir-se para o debate que vai ter lugar. Mas vivacidade na discussão não pode significar confusão de questões, distorção de mensagens, algazarra, em vez de debate de ideias.
Estamos aqui para debater, e só, uma proposta de lei que altera a Lei de Televisão no que respeita aos poderes de um Conselho de Opinião. Teremos oportunidade, a começar pela interpelação agendada para a próxima semana, de discutir todos os outros temas relevantes sobre a televisão pública. Mas hoje a questão é esta.
Por isso, quem tem argumentos sobre esta questão que os apresente aqui e agora.
Pela nossa parte, somos claros: há três razões essenciais que justificam esta proposta de lei. Primeira e essencial, a legitimidade da aplicação do Programa de Governo; segunda, a calamitosa situação financeira da RTP; terceira, a irresponsabilidade de quem, tendo criado este problema, procura agora inviabilizar a sua solução.

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Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao primeiro fundamento: no dia 18 de Abril, foi aprovado por esta Câmara o Programa do XV Governo Constitucional. Trata-se de um Programa invulgarmente claro, objectivo e concretizado, no que respeita à televisão pública. No estrito cumprimento desse Programa, foi designado um novo Conselho de Administração para a RTP. Essa designação carecia, nos termos da lei, de um parecer do Conselho de Opinião. O Governo, por intermédio da Portugal Global, pediu esse parecer. Actuou com rapidez, com absoluta transparência e no estrito respeito pelos normativos legais.
Infelizmente, a decisão do Conselho de Opinião ultrapassou todos os limites do razoável.
Pela primeira vez em Portugal, ninguém colocou em causa a isenção, idoneidade, credibilidade e competência de um Conselho de Administração designado para a RTP.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O próprio Conselho de Opinião foi claro ao reconhecer que os administradores indicados não ofereciam margem para dúvidas. Esperava-se assim um parecer favorável.
Sucedeu o contrário: um Conselho de Opinião, sem competência legal para o efeito e sem qualquer legitimidade política, resolveu, isso sim, colocar em causa a política do Governo e o Programa expressamente aprovado nesta Assembleia.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mais: chegou ao ponto de dizer que não viabilizaria nenhum Conselho de Administração - este ou qualquer outro - sem que primeiro mudasse a política do Governo. Isto é inaceitável.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em democracia, mandam os eleitores e os seus representantes nesta Assembleia. Nenhum órgão corporativo, por mais respeitável que seja, pode obstruir, entravar ou tentar inviabilizar a decisão legítima dos portugueses.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Foi ao Governo e não ao Conselho de Opinião da RTP que os eleitores confiaram a responsabilidade de governar. É o Governo e não o Conselho de Opinião que responde perante esta Assembleia e se submete ao julgamento dos portugueses.
Esta é a verdade, estes são os princípios. Tudo o resto são fantasias, perversões e chantagem.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por nós, não aceitamos chantagem, não admitimos perversões, não vamos em fantasias, principalmente, não abdicamos do dever de executar a política definida e o Programa aprovado.
Mas também não aceitamos impasses. De impasses já teve o País uma dose excessiva, nos últimos seis anos.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A proposta de lei hoje apresentada antecipa, nesta matéria e por estes motivos, a revisão global, já prevista e anunciada, do quadro legislativo relativo à televisão pública.
Actuar deste modo, não é fazer um exercício gratuito de autoridade democrática. Pelo contrário, é repor a autoridade democrática, é defender a competência dos órgãos de soberania e a normalidade do Estado de direito.
Não contem connosco, nunca, para ceder, um instante que seja, perante a afirmação dos princípios mais elementares da legitimidade democrática e dos compromissos assumidos perante os eleitores.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A segunda razão que invocamos tem a ver com a calamitosa situação financeira da RTP.
A situação é muito clara: a RTP está numa gravíssima situação económico-financeira, à beira da falência. O Governo tem o dever de falar com lealdade e verdade ao País. E a verdade, nua e crua, é esta: os portugueses, os Srs. Deputados e os trabalhadores da RTP devem saber que a situação financeira da empresa não está garantida para além do mês de Junho. Ou seja: os salários, os pagamentos a fornecedores, toda a actividade da empresa poderá estar em causa a partir do final do próximo mês. E esta situação só pode ser ultrapassada com uma nova administração em pleno exercício de funções.

Protestos do PS.

Mais uma razão, e suficiente, para que se agisse com rapidez na confirmação do Conselho de Administração designado. Era o que ditava o mais elementar bom senso. Mas aconteceu precisamente o contrário.
Pior, com o perigoso impasse criado pelo Conselho de Opinião, chegou-se a este ponto de uma extrema gravidade: a RTP está à beira da falência; a RTP não tem meios para agir, garantidamente, a partir do mês de Julho; a RTP está sem Conselho de Administração em plenitude de funções, e ainda por cima, tenta-se adiar ou inviabilizar a entrada em funções do novo Conselho de Administração.

O Sr. António Filipe (PCP): - Chantagem!

O Orador: - Dificilmente seria possível encontrar maior ligeireza, leviandade e irresponsabilidade.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. José Magalhães (PS): - A culpa é vossa!

O Orador: - Aqui chegados, devo perguntar: aqueles que se dizem preocupados com os direitos dos trabalhadores não deverão começar por se preocupar com os funcionários da RTP, os quais poderão ser definitivamente prejudicados pelo arrastamento desta situação?

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Os que tanto teorizam sobre o conceito e os modelos de serviço público - alguns dos quais estão nesta Sala e que, na prática, nada fizeram para evitar a actual situação - não deveriam deixar, pelo menos, que tentemos corrigir o que eles não foram capazes de fazer?

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos do PS.

É que se a RTP for colocada em causa, então toda a discussão que tanto gostam de alimentar fica, à partida, prejudicada, os direitos dos trabalhadores comprometidos e o nome da empresa definitivamente prejudicado. Sem RTP, o debate sobre serviço público de televisão torna-se quase virtual. Na prática é isto, Srs. Deputados: ou se discute o sexo dos anjos ou se tenta salvar a televisão pública.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

Protestos do PS.

O Orador: - Por nós, não temos qualquer dúvida nos dois compromissos básicos que assumimos: defender a televisão pública, em Portugal;…

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - … lutar até ao limite das nossas forças para que a sua reconstrução se faça a partir da RTP e não sobre os escombros da sua extinção.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

É esta a nossa vontade inabalável. Deste objectivo não abdicamos, perante esta dificuldade não recuamos!
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: «A RTP deveria ser extinta no prazo mais curto possível porque não existem condições financeiras para a sua sobrevivência, porque se trata de um monstro ingovernável e porque esta RTP constitui o argumento negativo decisivo contra a existência de um serviço público de televisão.» Quem produz esta afirmação não é um ministro deste Governo. Foi o Deputado da bancada socialista, Vicente Jorge Silva.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos do PS.

Esta é, de facto, a herança que o Governo encontrou: uma empresa que gasta, por semana, mais de 1 milhão de contos dos contribuintes; uma empresa que custa, por mês, 5 milhões de contos ao erário público; uma empresa que, em 2001, custou ao Estado 60 milhões de contos; uma empresa que consumiu no ano passado mais do que todo o Orçamento disponível para apoiar, promover e defender a cultura portuguesa.
É uma situação que não pode continuar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Nenhum português aceita este estado de coisas.
Foi há um mês que chegámos ao Governo. Não somos responsáveis por esta calamidade.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sou eu!

O Orador: - Mas assumimos, com coragem e com vontade, o desafio de encontrar uma solução.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É por isso que não posso deixar de dizer: aqueles que, até há pouco no Governo e agora na oposição, foram os principais responsáveis pela situação a que se chegou deveriam comportar-se de outro modo. Já que não têm um pingo de vergonha, deviam, ao menos, ter contenção nas palavras e maior sensatez nas atitudes.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Por mim, acredito na televisão pública.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Só demagogia!

O Orador: - Mais do que possível, ela é necessária. É necessária para garantia da identidade, da língua e da cultura portuguesas.
Conto com todos aqueles que saibam ver nestas dificuldades um desafio que não podemos recusar.
Da minha parte, podem contar com o empenhamento total. Na vida nunca aprendi a desistir.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não quero aprender agora, principalmente quando está em causa o bem público, o interesse público, a obrigação de servir Portugal.
Espero que, na votação desta proposta de lei, os Srs. Deputados - todos os Srs. Deputados - se comprometam com este desafio, e em particular que todos aqueles que contribuíram para criar o problema, pelo menos não inviabilizem a solução.

Aplausos do PSD e do CDS-PP, de pé.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Lino de Carvalho.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados José Sócrates, Francisco Louçã, António Filipe, Luís Marques Guedes, Telmo Correia e Manuel Alegre.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência, esta proposta de lei não honra nem dignifica a nossa democracia.

Vozes do PSD: - Oh!

O Orador: - Em todos os países com democracias avançadas e modernas, o movimento que está em marcha é no sentido de criar órgãos independentes, reforçando, aliás, as suas competências com o objectivo de garantir a

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isenção, a pluralidade, a imparcialidade dos serviços públicos de televisão.
Esta proposta de lei vai exactamente em sentido contrário, vai num sentido completamente ao invés daquilo que são os «novos ventos» das democracias. Esta proposta de lei é, portanto, um retrocesso para a nossa democracia, é um passo atrás em todo o caminho de desgovernamentalização que a nossa democracia foi seguindo nos últimos anos.
Tendo em conta a importância da televisão para a formação da opinião pública, tendo em conta a importância da televisão no funcionamento do sistema democrático, esta é uma lei que não honra a nossa democracia.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É, aliás, um estranho sentido de democracia aquele que o Sr. Ministro aqui exprimiu: é que os organismos independentes, aqueles que não dependam do Governo, podem exprimir a opinião, desde que não seja contrária à do Programa do Governo. Nem Fidel de Castro diria melhor, Sr. Ministro…!

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

O Orador: - Mas o Sr. Ministro fica a saber uma coisa: é que esse estranho princípio democrático não encontra sustentação. E a maioria precisa de saber uma coisa clara: é que há espaços na política e na sociedade que não estão às ordens da maioria parlamentar!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Isto precisa de estar claro!

Aplausos do PS.

Há quem diga, como, aliás, já foi dito aqui, que esta proposta de lei visa alterar as regras no momento em que está a perder o jogo. Isso é verdade! Mas quero chamar a atenção de que não se trata de uma regra qualquer. Trata-se de uma regra muito importante, trata-se da regra que define a independência do serviço público de televisão, trata-se de uma regra que, alterada, tem o seguinte sentido: é como se, num jogo de futebol, se mudasse o árbitro pelo treinador da equipa da casa, garantindo, assim, que o resultado do jogo seja sempre a favor da equipa da casa!

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Isso é o que verdadeiramente está ínsito à vossa proposta de lei.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - É por isso que ela não honra a democracia!
Mas, Sr. Ministro, não é apenas a proposta de lei que é má, é também o processo que conduz à mesma. E nesta proposta de lei sobre política de televisão, o Sr. Ministro já disse tudo e o seu contrário: já disse que era preciso extinguir a RTP e também já disse o contrário, ou seja, que não extinguia; também já disse que a RTP não devia ter publicidade, e agora já pode ter.
No fundo, Sr. Ministro da Presidência, trata-se de uma telenovela com vários episódios, a qual que só pode ter um título: A trapalhada…

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - … e ter o Sr. Ministro da Presidência como seu actor principal!

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Mas. Sr. Ministro, esta telenovela ainda não acabou. Há o último episódio, que não pode sair daqui sem esclarecimento: queremos saber se esta proposta de lei foi ou não aprovada em Conselho de Ministros.

Vozes do PS: - Exacto!

O Orador: - O Sr. Ministro da Presidência precisa de responder a esse ponto.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr. Deputado, tem de terminar.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Isto porque, no dia 16, o Sr. Ministro disse, à tarde, que não tinha sido aprovada e disse, à noite, que sim, que tinha sido aprovada.
Ora, nós queremos saber em que momento é que o Sr. Ministro não disse a verdade: foi à tarde ou foi à noite?

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha esgotou-se. Tem de terminar.

O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente.
É muito importante saber isto, porque, Sr. Ministro, se foi à noite esta proposta de lei pura e simplesmente não existe.
O Sr. Ministro está colocado perante o desafio seguinte: não o de provar que é inocente, mas o de provar que, afinal de contas, faltou à verdade no final da reunião do Conselho de Ministros.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr. Deputado, tem de terminar de imediato, por favor.

O Orador: - Uma última pergunta: quem é que pode confiar no porta-voz do Conselho de Ministros, a partir deste momento?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr. Ministro, informo que o Governo dispõe de 9 minutos e 41 segundos, com 5 minutos cedidos pelo Grupo Parlamentar do PSD. Pergunto se quer responder de imediato ou no final dos pedidos de esclarecimentos.

O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, pretendo responder de imediato.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Então, tem a palavra, Sr. Ministro.

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O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Sócrates, a proposta de lei foi aprovada em Conselho de Ministros. Se não tivesse sido aprovada em Conselho de Ministros, o Governo não a tinha apresentado a esta Assembleia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Governo não fez foi uma outra coisa, que talvez para si fosse normal, que era a de, antes mesmo da decisão do Conselho de Opinião, ter procurado condicionar esse resultado.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Em segundo lugar, Sr. Deputado, desse jogo, que não percebi bem qual era, só quero dizer-lhe que, para mim, o único jogo que aqui poderá estar em causa é o que tiver como resultado tentar salvar a RTP, ou seja, fazer agora o que os senhores não fizeram durante seis anos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E, no seu caso, pouco me espantam as dúvidas que agora coloca.
Passo a citar: «O que me surpreendeu foi que nada disto, todo esse trabalho e propostas, tivesse tido consequências e que nós tivéssemos mesmo, a certa altura, a tutela da televisão e do audiovisual público entregue a alguém, ao José Sócrates, que é contra a existência do serviço público. É difícil que as coisas não corram mal, muito mal, quando se deixa que cheguem a esta situação: o ministro tutela uma área que quer destruir.» Quem disse isto foi o seu colega de partido e ex-ministro Manuel Maria Carrilho.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sobre o Conselho de Opinião, Sr. Deputado, respondo-lhe, a terminar, com a opinião do próprio órgão. Dizia o Presidente do Conselho de Opinião: «Vetar o conselho de administração é um poder desproporcionado, uma bomba atómica. Devemos continuar a ter um papel não vinculativo e fortemente recomendatório, mas devemos ser ouvidos com a dignidade nacional que o órgão requer, porque somos um provedor colectivo da sociedade portuguesa.» Esta é a resposta que lhe posso dar pela voz do Presidente do Conselho de Opinião, Eng.º Consiglieri Pedroso.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - É sobre a condução dos trabalhos?

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Exactamente!

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, porque da resposta que acabámos ouvir ao Sr. Ministro resulta uma situação de contradição formal que pode condicionar, e de que maneira, o desenvolvimento destes trabalhos,…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, isto nada tem a ver com a condução dos trabalhos!

O Orador: - … permito-me colocar à Mesa a seguinte questão: o Sr. Ministro disse que a proposta tinha sido aprovada em Conselho de Ministros mas não anunciada, para não condicionar o que viesse a ser a decisão do Conselho de Opinião.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - O Sr. Deputado tem de dizer à Mesa o que está em causa.

O Orador: - É o que vou fazer, Sr. Presidente.

Protestos do Deputado do PSD Guilherme Silva.

Acontece que a justificação de motivos da proposta de lei justifica a própria proposta em função do teor da decisão do Conselho de Opinião, o que significa que, a partir de agora, ficamos cientes de que, de facto, a proposta só foi aprovada num Conselho de Ministros que teve lugar depois da reunião do Conselho de Opinião. Se não se fizer prova disso, não há existência jurídica desta proposta de lei, nesta Câmara!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - O Sr. Deputado não fez rigorosamente uma interpelação mas uma afirmação. Portanto, usou mal a figura regimental.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, para dizer esta coisa muito simples: há muito que se fixaram regras no sentido de que, em relação às interpelações, se enuncia previamente o motivo pelo qual se pede a interpelação.

Vozes do PS: - E a sua interpelação é sobre o quê?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - É sobre a condução dos trabalhos!

Protestos do PS.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Srs. Deputados, oiçamos o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Orador: - Não podemos continuar a subverter as grelhas de tempo fixadas na Conferência de Líderes ao

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abrigo de interpelações que não o são, pelo que peço à Mesa que seja rigorosa em matéria de interpelações.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr. Deputado, a Mesa é rigorosa.
O Sr. Presidente Mota Amaral, tal como os vice-presidentes, têm, como sabe, procurado cumprir rigorosamente o Regimento e o que pedimos aos Srs. Deputados é que se contenham nas regras que o Regimento dispõe.
Neste caso, como viram, pedimos insistentemente ao Sr. Deputado Jorge Lacão para esclarecer os termos da interpelação, mas não cortamos a palavra ao orador, a não ser em casos extremos. Como o Sr. Deputado sabe, tem sido essa a regra.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. José Sócrates (PS): - Para defesa da honra da bancada.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Em que é que a bancada se sentiu ofendida, Sr. Deputado?

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Ministro da Presidência insinuou que o Partido Socialista não defende o serviço público de televisão, e isso ofende a dignidade da minha bancada.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Quem a ofendeu foi o Deputado Manuel Maria Carrilho!

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - É uma interpretação extensiva. Em todo o caso, tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência, o Partido Socialista sempre defendeu o serviço público de televisão. Ao longo destes anos, principalmente a partir do momento em que as televisões se abriram ao sector privado, com certeza que houve muitos erros de todos os governos que tiveram esta responsabilidade: houve erros do governo do PSD e também houve erros do governo do Partido Socialista.

Vozes do PS: - Ah!

O Orador: - O que está em causa, no que respeita à RTP, é não acrescentar mais erros a esses erros. Isso é que está aqui em causa.

Aplausos do PS.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Esse discurso já é diferente!

O Orador: - Mas, a par dos erros que o Partido Socialista cometeu, e que assumo, o Partido Socialista fez muito pela RTP:…

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Muito défice!…

O Orador: - … criou novos serviços e fez uma coisa essencial, ou seja, desgovernamentalizou.

Aplausos do PS.

Ninguém acusa o Partido Socialista daquilo que acusavam o anterior governo, isto é, de controlar o serviço público de televisão. E é aqui que nos afastamos, Sr. Ministro: enquanto nós queremos desgovernamentalizar - e por isso, no nosso tempo, foi aprovada uma lei que dava ao Conselho de Opinião o direito de veto relativamente a uma proposta para a administração -, o senhor quer governamentalizar e instrumentalizar, de novo, a RTP! É isto que nos separa e nos afasta!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas também considero uma falta à minha honra o facto de o Sr. Ministro não ter respondido à minha pergunta. Afinal de contas, posso inferir que o Sr. Ministro não disse a verdade no final da reunião do Conselho de Ministros, quando afirmou, perante os jornalistas, e por consequência ao País, que este assunto não tinha sido debatido no Conselho de Ministros? Ou posso concluir que só à noite é que disse a verdade?! É que esse ponto é muito importante, porque está em causa a sua credibilidade, Sr. Ministro. A capacidade para continuarmos a acreditar naquilo que diz o porta-voz do Conselho de Ministros depende dessa resposta!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Faça favor de dizer à Câmara, de novo, quando é que o Sr. Ministro disse a verdade: à tarde ou à noite? Essa resposta é muito importante!

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência, dispondo de 3 minutos para o efeito.

O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Sócrates, quanto às referências que fiz à actuação de V. Ex.ª enquanto ministro da tutela com esta responsabilidade, tive o cuidado de as fazer não na boca do Ministro, não na boca de qualquer Deputado da bancada da maioria, mas na boca do seu colega de governo Manuel Maria Carrilho. Talvez por isso ele não esteja, hoje, entre nós.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos do PS.

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Devo dizer-lhe que penso que o País começa a ficar cansado desse exercício de mea culpa sucessiva que o Partido Socialista vem fazendo em relação à total incapacidade com que geriu este dossier. Mas não é isso que importa.
Aquilo que importa e que é verdadeiramente espantoso - e que, penso, o País tem dificuldade em entender - é verificar como é que aqueles que hoje confessam não ter tido a capacidade de fazer melhor do que conduzir a RTP a este desastre se arrogam os arautos das novas soluções para a RTP.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS). - Responda à pergunta!

O Orador: - É isto que o País não entende!
O Sr. Deputado não referiu a Alta Autoridade para a Comunicação Social, mas refiro-a eu (o Sr. Deputado, se calhar, não gostaria que eu o fizesse, mas vou fazê-lo), porque o artigo da Constituição que se preocupa com a independência dos órgãos de comunicação social - o artigo 39.º -, como sabe, comete tal competência, de forma específica, à Alta Autoridade para a Comunicação Social, que em momento algum teve, ou sequer pretendeu ter, uma manifestação de vontade ou um parecer vinculativo sobre o Conselho de Administração da RTP.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Muito bem! É isso!

O Orador: - O órgão com dignidade constitucional para velar pela independência da comunicação social não tem, nunca teve, nunca pretendeu ter, capacidade de emitir parecer vinculativo sobre o Conselho de Administração da RTP.
Mais: como o Sr. Deputado seguramente terá presente, a revisão da Constituição fez-se em 1989, os artigos são os mesmos de então para cá, e não me recordo, até 1998, data da aprovação da Lei da Televisão, que alguém tenha dito que, devido à inexistência deste parecer vinculativo, que o próprio Conselho de Opinião não pretende continuar a manter, tenha estado em causa o princípio constitucional da independência dos órgãos de comunicação social.
Mais ainda: sugiro-lhe que leia as actas do debate que se fez a propósito da Lei da Televisão e poderá confirmar que, em momento algum, nem por nenhum Deputado da sua bancada, foi utilizado o normativo constitucional como justificativo da introdução deste parecer vinculativo nas competências do Conselho de Opinião.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr. Ministro, terminou o tempo de que dispunha.

O Orador: - Portanto, a independência dos órgãos de comunicação social está, sim, e é aí que o Governo pretende reforçá-la, na capacidade de existir parecer da Alta Autoridade e do Conselho de Opinião sobre os directores de programação e de informação.
Quanto à outra questão, Sr. Deputado, já dei os esclarecimentos que entendia dever dar.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Srs. Deputados, entretanto, o Sr. Presidente do Grupo Parlamentar do Partido Socialista pediu-me para informar a Câmara de que o Sr. Deputado Manuel Maria Carrilho não está presente, porque se encontra numa delegação oficial ao estrangeiro. Está dado o esclarecimento.

O Sr. António Costa (PS): - Estará cá na próxima quarta-feira!

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Srs. Deputados, vamos prosseguir os trabalhos com os pedidos de esclarecimento ao Sr. Ministro da Presidência.
O Sr. Ministro e o Governo farão a gestão do tempo como entenderem, mas chamo a atenção para o facto de disporem de sete minutos e alguns segundos e de ainda haver seis Deputados inscritos para pedir esclarecimentos.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência, compreendo que chegue a esta Assembleia envergonhado.
O Sr. Ministro disse, na conferência de imprensa, no fim do Conselho de Ministros, que não quer voltar a comentar, que (e cito-o, para que o País se lembre das suas palavras) «Não foi tomada nenhuma decisão sobre essa matéria,…» - a da RTP - «… portanto, não há nenhum esclarecimento.», repito, «não há nenhum esclarecimento.» E quando o jornalista insistiu, perguntando «Ou seja, o caso RTP não esteve hoje na agenda do Conselho de Ministros?», o Sr. Ministro respondeu: «Não! Acabei de comunicar os pontos da agenda». Percebo que a mentira envergonhe!…

Vozes do PS: - Exactamente!

O Orador: - O Sr. Ministro disse-nos entretanto que havia três razões para tomar esta decisão sobre o Conselho de Opinião: o Programa do Governo, a situação financeira e a irresponsabilidade. São três razões para recusar a sua proposta.
O Programa do Governo diz justamente que, no sector público da comunicação social, o objectivo é o de desgovernamentalizar e os senhores querem, sem nenhum escrutínio público e aí recuando em relação ao normativo constitucional, impor a governamentalização! Para os senhores, o Conselho de Administração da RTP é uma extensão da Presidência do Conselho de Ministros! Por isso, o Programa de Governo é uma boa razão para recusar a proposta de lei.
Quanto ao argumento da situação financeira, é uma humilhação! Permitam-me lembrar a esta Assembleia que a José Eduardo Moniz, ao tempo à frente da RTP, foi permitido, pelos governos do PSD, pelos interesses dos governos do PSD, um «saco aberto» para concorrer contra a SIC. Aí começou muito do descalabro financeiro que a RTP vive actualmente. A situação financeira exige rigor e contas certas, mas é preciso saber responder por essas contas certas!
Terceiro argumento: a irresponsabilidade.
Sr. Ministro, quando o senhor levou ao Conselho de Opinião a proposta sobre a ratificação dos nomes do Conselho

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de Administração da RTP, não tinha lido a lei, não sabia o que queria, não sabia que estava a propor a ratificação a um órgão que tinha a capacidade de a rejeitar? Ou esperava que, obedientemente, eles tivessem de aceitar a posição do Governo?! Na altura, a lei parecia-lhe bem! Estava à espera da obediência, da disciplina militar que levaria essas pessoas a perfilarem-se perante o Governo e a não exercerem o discernimento da sua opinião. Por que é que a lei que, nessa tarde, lhe parecia bem, agora, já lhe parece mal, pela simples razão de que o resultado foi contraditório com a posição do Governo? Será que não tinha lido a lei? Será que não a conhecia, como, porventura, não conhece os Estatutos da RDP? Já agora, lembro-lhe que é o artigo 21.º, n.º 1, alínea b), dos referidos Estatutos que estabelece que é o Conselho de Opinião da RDP que nomeia o vice-presidente da empresa. Mas o Sr. Ministro nomeou-o sem ouvir esse Conselho de Opinião! Entende que pode passar por cima dos Estatutos, por cima da lei, por cima dos procedimentos correctos? Entende que não é preciso ler a lei, que não é preciso conhecer as normas e as regras, que não é preciso conhecer nada? No espaço de um mês, Sr. Ministro?!
Uma mentira,…

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr. Deputado, tem de terminar.

O Orador: - … mais a incompetência nas escolhas fundamentais, mais a falta de clarificação política, eis o Governo. Percebo por que é que o Sr. Primeiro-Ministro não dá a cara neste debate e não aparece, perante o País, para dizer o que pensa sobre esta matéria. Creio que era uma boa altura para corrigir esta situação e até, talvez, para ter o bom senso de retirar uma proposta de lei que é inconstitucional, ilegal, antidemocrática e só está nesta Assembleia à custa da restrição de direitos fundamentais da própria Assembleia da República. É muita vergonha mas, sobretudo, é muita humilhação!

Aplausos do BE e de Deputados do PS.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Srs. Deputados, o Governo informou a Mesa que irá responder conjuntamente a cada dois pedidos de esclarecimento, pelo que, também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência, V. Ex.ª disse, na sua intervenção, que o Conselho de Opinião ultrapassou os limites do razoável, mas, Sr. Ministro, entendo que esta afirmação tem de lhe ser inteiramente devolvida. Se alguém aqui ultrapassou os limites do razoável, decididamente, foi o Governo e não o Conselho de Opinião.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Ministro, a legitimidade que o Governo tem para propor os nomes para integrar o Conselho da Administração é exactamente a mesma que o Conselho de Opinião tem para emitir o parecer que muito bem entender. É uma legitimidade que resulta da lei e, num Estado de direito, não conheço outra. Portanto, a legitimidade é idêntica!
Mas, repito, foi o Governo que ultrapassou os limites do razoável. O Conselho de Opinião actuou nos limites da Lei da Televisão, que lhe confere o direito de, perante uma proposta do Governo, dar parecer favorável ou desfavorável.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É evidente que o parecer desfavorável não agradou ao Governo. Não imaginaria que o Governo apresentasse aqui esta proposta de lei no caso de o Conselho de Opinião ter dado parecer favorável. Portanto, esta proposta de lei surge porque o Governo não se conforma com o conteúdo concreto daquela decisão. É isso que a determina!
Simplesmente, Sr. Ministro, não foi por acaso que a lei atribuiu este poder ao Conselho de Opinião, foi porque o legislador não quis que o Governo decidisse sozinho nesta matéria. E é isso que o Sr. Ministro quer! O Sr. Ministro diz: «O Programa do Governo é este e o Conselho de Opinião tem de se conformar com o Programa do Governo». Não tem, Sr. Ministro! O Conselho de Opinião não está vinculado pelo Programa do Governo, está vinculado pela lei, que lhe atribui o poder de, livremente, se decidir pelo «sim» ou pelo «não», perante uma proposta do Governo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sei que isso vos desagrada, sei que os senhores preferem governamentalizar o serviço público de televisão, mas é esta a lei que qualquer Governo, quando toma posse, tem de respeitar, porque o facto de um novo Governo tomar posse não significa a revogação automática de todas as leis em vigor neste País.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Ministro, já que o Governo não se conforma com a lei vigente no País ou se recusa a aceitar a vigência da lei, apetece-me dizer que só espero que esta «moda», esta ideia de que se a lei não agrada ao Governo altera-se a lei, não pegue. E espero que a «moda» não pegue porque, se não, qualquer dia, um membro do Governo é apanhado na estrada a circular em excesso de velocidade e, então, como não se conforma com a lei, apresenta uma proposta de lei no sentido de alterar os limites de velocidade, rasga o auto e acaba com os poderes da Brigada de Trânsito.

Risos do PCP.

Espero, de facto, que este caminho não faça escola na actividade do Governo.
Sr. Ministro, quero ainda dizer-lhe que a incumbência do Conselho de Administração, que o Sr. Ministro pretende nomear, de acabar com um dos canais generalistas da RTP, essa, sim, representa um propósito ilegal. O Sr. Ministro tem a obrigação de saber que o estatuto do serviço público de televisão, que está regulado por lei da Assembleia da República, é taxativo quanto à existência de dois canais de cobertura nacional.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Inequívoco!

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O Orador: - Portanto, o Sr. Ministro quer incumbir o Conselho de Administração de, assumidamente, executar um procedimento ilegal relativamente ao serviço público e, por outro lado, quer exigir que um órgão independente, como o Conselho de Opinião, se conforme com a prossecução desse propósito. Sr. Ministro, decididamente, não tem esse direito!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.

O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, se a lei parecia ou não bem não foi o problema. Não é a lei que está mal, o que está mal é a maneira como o Conselho de Opinião actuou, em face dessa lei.

Protestos do PS, do PCP e do BE.

O Conselho de Opinião tem competência legal para se pronunciar sobre a composição do Conselho de Administração e não sobre os programas de governo. Ora, ao actuar como actuou, fez mais, pois não apenas exorbitou as suas competências, dizendo, claramente, que era o Programa do Governo que merecia a sua discordância, como disse ainda outra coisa: seja este ou outro conselho de administração, enquanto não for mudado o Programa do Governo, nós continuaremos a dar parecer desfavorável. Foi por isso que se chegou a uma situação de impasse.
É evidente, e isto tem a ver com a questão colocada pelo Sr. Deputado António Filipe, que não é um problema de agradar ou desagradar ao Governo, é um problema de agradar ou desagradar a quem tenha a responsabilidade de se continuar a preocupar com o destino daquela empresa pública. Era fácil, como sugeriram muitos daqueles que estão agora nas bancadas da oposição, ter deixado andar, ter falido a RTP, ter morto o «monstro» - como diziam Deputados da bancada socialista -, extinguindo a RTP por decreto. Mas o Governo não desiste de salvar a televisão pública! Era mais fácil seguir outros caminhos, mas assumimos as nossas responsabilidades…

O Sr. Bruno Dias (PCP): - E as dos outros!

O Orador: - … e foi por isso que não nos escondemos num impasse que nos permitia a solução fácil de dizer que o problema da RTP passava para a tutela do Conselho de Opinião. Não somos desses! Assumimos as nossas responsabilidades, dissemos que iríamos lutar pela televisão pública e vamos fazê-lo até ao fim das nossas capacidades.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Ainda não está esclarecido?!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Já vai ouvir!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência, confesso que tinha uma pergunta diferente para lhe fazer mas, depois de ouvir o desplante com que a bancada do Partido Socialista se referiu à desgovernamentalização de que os governos socialistas teriam sido, ilusoriamente, arautos durante seis anos, gostava de confrontar o Sr. Ministro com afirmações de quem, aparentemente ou, melhor, seguramente, sabe do que fala. Passo a citar, Sr. Ministro.
«O Governo foi várias vezes intermediário das mais diversas solicitações para que a RTP subsidiasse, transmitisse ou patrocinasse dezenas de iniciativas, grande parte das quais sem qualquer lógica comercial, por vezes até de duvidoso interesse».

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - O Governo!…

O Orador: - Pior: «Como poderia ser encarada pela empresa senão como um inequívoco sinal de alguma prosperidade a deliberação de limitar a publicidade na RTP1 de 12 para 7,5 minutos e de proibi-la na RTP2, o que significou uma redução de receitas de cerca de 3 milhões de contos por ano».
«O Governo tomou esta decisão…» - continuo a citar, Sr. Ministro - «… após uma diligência dos presidentes da SIC e da TVI junto do próprio Primeiro-Ministro, no final de 1996».

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Do Engenheiro Guterres!

O Orador: - «Balsemão e Monjardino…» - estou ainda a citar, Sr. Ministro - «… apresentaram-na como a única forma de salvar a TVI de uma irreversível falência e de, finalmente, conduzir a SIC para a obtenção de lucros».
«O apelo do Presidente da TVI, Carlos Monjardino, e a vontade de dar um sinal de simpatia para com a poderosa SIC terão influenciado o Governo nessa deliberação. Perante o País e, nomeadamente, à claramente insatisfeita Associação de Anunciantes (APAN), a deliberação foi anunciada como inadiável, face à necessidade de demonstrar, em Bruxelas, que a RTP não concorria directamente com os operadores privados e era benéfica para o conjunto dos medias».
Sr. Ministro, acabei de citar o Sr. Deputado Alberto Arons de Carvalho, não em declarações antigas mas no que escreve no livro Valerá a pena desmenti-los?, que foi colocado à venda há cerca de três ou quatro dias.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Isto é que é desgovernamentalização!

O Orador: - Depois desta citação, perfeitamente eloquente, quero colocar ao Sr. Ministro a seguinte questão: este é o «telenegócio» de que os socialistas tanto falam e o que gostava de saber era se o Sr. Ministro entende que é este o modelo de desgovernamentalização que o novo Governo quer seguir e a nova atitude perante o serviço público de televisão.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

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O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Vai «passar manteiga»!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência, quero fazer-lhe uma única pergunta, que penso ser a mais importante e que muita gente fará, que é a seguinte: se esta proposta de lei não fosse hoje, aqui, aprovada, se esta decisão não fosse hoje, aqui, tomada, o que é que aconteceria à empresa RTP e, sobretudo, em que situação ficariam os seus trabalhadores?

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Esta é a pergunta que lhe faço, e faço-a com uma consciência concreta: a de que, para nós, é até difícil perceber os termos não só processuais mas mesmo de fundo em que esta matéria é aqui discutida. E é difícil perceber porque algumas coisas são claras! É claro que há um Conselho de Opinião que usurpou uma competência, é claro que há um Conselho de Opinião que tomou uma decisão ilegal, porque ele tem parecer não vinculativo sobre a estrutura da empresa e só tem parecer vinculativo sobre as pessoas,…

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Há tribunais!

O Orador: - … e é claro que há um Conselho de Opinião que disse que, qualquer que fosse a administração, chumbá-la-ia sempre.
Então, agora, o que é que se põe aqui em causa? Perante isto, aquilo a que a Assembleia é hoje chamada, Sr. Ministro, é a dirimir um conflito entre duas realidades, um conflito entre um Programa do Governo, que aqui foi votado por uma maioria, que tem a sua legitimidade, e um Conselho de Opinião, que ninguém elegeu mas que se considera no direito de pôr em causa esse mesmo Programa do Governo.

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É esse o conflito que estamos aqui a dirimir! E, nesse conflito, o que está em causa é a legitimidade democrática desta mesma Assembleia, é a capacidade da Assembleia para fiscalizar o Governo e é, no fundo, a questão de saber, para quem diz que este é um problema de democracia, qual é o conceito de democracia que temos. O conceito de democracia que temos é o da vontade da maioria, da maioria que aqui está e da maioria dos portugueses que votaram nela, ou é o da vontade de um Conselho de Opinião?! A democracia é a vontade da maioria ou é a ditadura do Conselho de Opinião?!

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - É a ditadura de uma maioria parlamentar medíocre!

O Orador: - É isso que está em causa e é isso que é preciso resolver hoje.
Mas isto resulta, obviamente, num confronto político entre quem quer salvar uma empresa e nomear um conselho de administração e quem está do outro lado, que são aqueles que levaram a RTP à situação em que se encontra, que fizeram com que a empresa tenha hoje um passivo de 300 milhões de contos, que fizeram com que o seu custo semanal seja de 1 milhão de contos e que não querem salvá-la, numa lógica absurda de política de terra queimada.
Nós já percebemos! Os senhores estão dispostos a que a empresa morra para, a seguir, virem dizer que a culpa foi, eventualmente, nossa. Mas nós fazemos frente a esta questão, não vamos deixar morrer a RTP e, por isso, hoje, vamos tomar essa decisão. Caso assim não fizéssemos, e foi esta a questão que lhe coloquei, Sr. Ministro, gravíssimas seriam as consequências para a empresa e, acima de tudo, para aqueles com quem os senhores passam a vida a encher a boca, dizendo que os querem defender, que são os trabalhadores, que ficariam, eventualmente, na pior situação possível.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Estiveram a «passar manteiga»!

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.

O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, o governo anterior nunca mostrou entender a distinção entre as responsabilidades do Estado como accionista, que, aliás, conhece obrigação constitucional de assumir essa responsabilidade em relação às empresas sob a sua tutela, e as obrigações do Estado na garantia da independência dos meios de comunicação social. O Governo anterior fez sempre uma confusão entre administração e direcção de informação. Aliás, de outro modo se não entende que um anterior membro do governo tenha passado directamente deste para a Administração da RTP. Nesse momento não se conhece preocupação…

O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Olha quem fala!

O Orador: - … com a diferenciação entre a Administração da RTP, em termos de pessoas que a iam integrar, e o partido que suportava o governo, porque foi a mesma pessoa que saiu de responsabilidades governativas para a Administração da RTP e nada fez por aquilo que era efectivamente importante, ou seja, por garantir, no que respeita à programação e à informação - e é isso que desde 1992 está na lei -, a introdução de mecanismos que permitam a real independência dos meios de comunicação social.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É aí que independência está em jogo, não nas administrações!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

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E o PS continua a não entender isto! De qualquer das formas, tivemos o cuidado que nenhum militante de nenhuma das bancadas da maioria integrasse a administração designada para a RTP; quanto muito há um militante - não sei se com ou sem quotas em dia - do agora maior partido da oposição.

Protestos do PS.

Tivemos completo à-vontade nessa matéria! Onde está em jogo a independência da RTP é na direcção de informação e na direcção de programação!
Para a administração importa arranjar pessoas competentes e capazes, e foi isso o que fizemos; para as direcções de programação e informação importava criar mecanismos suplementares que garantissem a independência desse órgão. Foi por isso que introduzimos agora na proposta de lei a competência do Conselho de Opinião nessa matéria.
Quanto à situação da RTP, Sr. Deputado Telmo Correia, não quero alongar-me muito. Não sou daqueles que foram coveiros da RTP e que, agora, se pretendem carpideiras no funeral, ao lado dos trabalhadores, que estão na situação em que estão. Nunca o faremos!

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Eu não o faço, não vou fazer aqui de arauto da desgraça, mas, repito, que, com a responsabilidade que temos de garantir, em cada momento, que o País e os trabalhadores da RTP conheçam a realidade daquela empresa pública, a partir do final do mês de Junho não está garantida a situação da empresa. Foi essa a herança que recebemos.
Não vou falar-lhe da terrível situação da empresa face aos fornecedores, face às bancas nacional e internacional, que são responsabilidades que trataremos de resolver com a discrição e seriedade com que essas matérias têm de ser tratadas, mas uma coisa lhe digo: tudo faremos para impedir que, como resultaria inevitavelmente das opções que parece continuarem a ser as do PS, a RTP caminhe alegremente para o fim do abismo em que já se encontra.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Vamos entrar no último bloco de pedidos de esclarecimento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência, entendo que aquilo que aqui nos traz, sendo matéria de televisão, é cada vez mais matéria do regime de direitos, liberdades e garantias e o aferimento do modo como o Governo cumprirá, ou não, requisitos fundamentais de separação de poderes, não deslegalizando matérias da competência reservada do Parlamento e que fazem hoje parte do conteúdo do serviço público de televisão ínsito na respectiva Lei da Televisão.
A essa matéria de fundo iremos na oportunidade que pudermos ter, e, Sr. Ministro, a questão que agora quero levantar, na decorrência do que há pouco já tive ocasião de referir, alertando a Câmara, não pode deixar de ser a seguinte: não é possível acreditar que o Ministro da Presidência, porta-voz oficial do Conselho de Ministros, ao referir à opinião pública que a matéria da televisão não foi tratada no Conselho de Ministros, tenha agido com reserva mental. Não é possível acreditar que o próprio comunicado oficial desse Conselho de Ministros, ao nada referir sobre a aprovação de uma proposta de lei nessa matéria, estivesse a sonegar a informação supostamente mais relevante dessa reunião. E não é possível acreditar nisso porque na exposição de motivos apresentada na proposta de lei, no ponto 3, é dito o seguinte: «A recente decisão do Conselho de Opinião da RTP, S.A., veio dar um sentido prático à necessidade de respeitar estes princípios.» Ou seja, o Governo apresenta uma proposta de lei que fundamenta expressamente na recente decisão do Conselho de Opinião da RTP.
Ora, Srs. Deputados, todos sabemos que essa decisão foi tomada ao final da tarde de uma quinta-feira. Portanto, como o Governo alude a uma decisão que já conhecia para fundamentar a sua proposta, isso só pode significar que houve uma reunião do Conselho de Ministros depois da tomada de posição do Conselho de Opinião da RTP. Não foi na reunião da manhã, porque relativamente a essa o Sr. Ministro disse que nada constava sobre a matéria e do próprio comunicado nada consta, mas a justificação de motivos diz que esta iniciativa é tomada depois da decisão do Conselho de Opinião.
Sr. Ministro da Presidência, terá de dizer aqui a hora exacta do Conselho de Ministros que necessariamente ocorreu depois da reunião do Conselho de Opinião ou, então, esta proposta não foi a qualquer Conselho de Ministros e tem total inexistência jurídica.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para formular o último pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência, gostaria de dizer que, em nossa opinião, aquilo que aqui foi feito pelo Governo é chantagem, é um exercício de hipocrisia e é, seguramente, faltar à verdade. São estes os três aspectos que caracterizam a sua intervenção.
O Sr. Ministro acusou quem se tem oposto a este processo de fazer chantagem. Pois bem, é o Sr. Ministro que vem aqui agitar o espantalho do corte e da impossibilidade de pagamento aos trabalhadores, e penso que pior chantagem que essa não podia ser feita.
O Sr. Ministro veio fazer um exercício de hipocrisia porque claramente continua a insistir numa medida e a pretender justificá-la com a necessidade de salvar a RTP, de salvar o serviço público da RTP. Claramente não é esse o objectivo, claramente é outro o favor que a proposta de lei em causa tem presente. Esse é o entendimento que hoje todos já temos.
Como ficou claro e, do nosso ponto de vista, é gravíssimo, o Governo faltou à verdade. Já foi dito - mas penso que é bom repeti-lo - que a exposição de motivos da proposta de lei refere com clareza, no seu ponto 3, que é a decisão do Conselho de Opinião que determina a apresentação desta iniciativa.
Pois bem, foi no Conselho de Ministros em que supostamente esta discussão ocorreu que o Sr. Ministro disse que

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a questão não foi abordada. Portanto, julgo que a sua palavra, que não vale nesta matéria porque faltou à verdade à Câmara, é a mesma que nos garante - ou melhor, que não nos garante - a preservação do serviço público; é a mesma que permite perceber que o serviço público não vai ser preservado, que vai ser condenado à liquidação, porque seguramente há algum beneficiário, porque seguramente há interessados, porque seguramente esse foi um compromisso que o PSD já assumiu com um dos canais de televisão privados.
Portanto, Sr. Ministro, se este processo não tem tido uma outra abordagem, se este processo tem provocado enorme contestação, não pode deixar de ser, para além da decisão política, também pela forma como todo ele tem sido conduzido.
O Sr. Ministro falou dos coveiros e das carpideiras. Assim, gostaria que esclarecesse a Câmara sobre qual é verdadeiramente o papel que lhe cabe neste processo de liquidação da RTP. Ou seja, será ou não o Governo o cangalheiro que vai definitivamente sepultar o canal público da RTP, que vai sepultar e pôr fim à televisão nacional?

Vozes de Os Verdes e do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para responder aos dois pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.

O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, V. Ex.ª disse que aquilo que está em discussão, sendo matéria de televisão, é matéria de direitos, liberdades e garantias. Bem entendo que assim seja, pois qualquer que fosse a matéria em causa, de televisão ou outra, teria de ser sempre, para si, matéria de direitos, liberdades e garantias; é nessa matéria que é versado e, portanto, reconduz a ela qualquer questão.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Mas olhe que é!

O Orador: - Sei que o Sr. Deputado Jorge Lacão nunca teve a oportunidade de integrar o Governo, mas tem muitos colegas de bancada que a tiveram e que poderão dizer-lhe e explicar-lhe quantas foram as decisões tomadas em Conselho de Ministro divulgadas imediatamente ou mais tarde e quantas foram tomadas sob condição. Foi isso o que se passou, Sr. Deputado, como é evidente.
O Conselho de Ministros aprovou esta proposta de lei,…

O Sr. José Sócrates (PS): - Então, o senhor mentiu!

O Orador: - …mas fê-lo sob condição de se verificar o parecer possível pelos anúncios que incorrectamente já tinham sido feitos por parte dos membros do Conselho de Opinião.
O Governo não divulgou essa decisão, e bem, porque tudo o que fizesse para condicionar o Conselho de Opinião permitiria, depois, que se alegasse a ilegalidade da decisão do Governo.
Sr.ª Deputada Isabel Castro, não se trata aqui de uma questão de chantagem mas, sim, de verdade: a partir do final do mês de Junho falta dinheiro na RTP. Esta situação não é uma opção deste Governo, é uma opção inevitável resultante da actuação do anterior governo. Para além do mais, não me recordo que tivesse tamanha preocupação sobre esta matéria enquanto esta pouca vergonha se foi construindo, sob responsabilidade do governo socialista.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Principalmente, o que quero é perguntar a esta Câmara e aos portugueses em geral aquilo que ainda ninguém me explicou: qual era a alternativa que o Governo tinha se não procurasse por todos os meios ao seu alcance que um conselho de administração entrasse em funções na RTP no mais curto espaço de tempo?
Se tivéssemos a noção de serviço e de coisa pública que outros demonstraram, limitar-nos-íamos a deixar que numa qualquer tarde de um qualquer mês distante de uma qualquer ano distante, porventura, um tribunal viesse a dizer que a situação merecia correcção ou não tinha existido, e que todo o processo pudesse ser repetido. O problema é que até lá os trabalhadores da RTP teriam ficado sem empresa e Portugal teria ficado sem serviço público de televisão.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - A sua interpelação refere-se ao Regimento ou ao modo de condução dos trabalhos, Sr. Deputado? Se assim for dar-lhe-ei a palavra; caso contrário não poderei dar-lha, seguramente.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, tenho vindo a sustentar junto de V. Ex.ª e da Câmara que a questão da existência ou inexistência jurídica do diploma em apreciação é decisiva para o andamento dos trabalhos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - O Sr. Ministro da Presidência, na resposta que deu, colocou mais uma vez em evidência um problema muito sério, que é o da existência jurídica do diploma em apreciação, o que condiciona o andamento dos trabalhos. É nesse sentido que quero interpelar a Mesa, Sr. Presidente, ou seja, por causa do andamento dos trabalhos.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr. Deputado, na fase prévia a este debate houve um conjunto de recursos…

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Isso é outra coisa!

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - …sobre a admissibilidade e a marcação da ordem do dia. Essa questão ficou dirimida nesse momento e, por isso, vamos prosseguir o debate nos termos em que está. Cada grupo parlamentar reservar-se-á o direito de recorrer, no futuro, nos termos que entender convenientes.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

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O Sr. Jorge Lacão (PS): - O Sr. Presidente, se bem percebi, disse que não me dava a palavra para interpelar a Mesa sobre o andamento dos trabalhos?

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Não, Sr. Deputado, respondi à sua interpelação à Mesa, esclarecendo que a questão que invocou ficou dirimida na fase prévia deste debate, nos vários momentos de recurso do processo.

Protestos do PS.

Neste momento, trata-se de prosseguirmos o debate. Cada grupo parlamentar e cada Deputado reservar-se-á o direito de poder recorrer para as instâncias que entender convenientes.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Costa, para uma intervenção.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A apresentação pelo Governo da presente proposta de lei simboliza o regresso, e em força, do cavaquismo puro e duro, com todas as suas características: a mesma concepção de poder absoluto, a mesma teorização das forças de bloqueio, a mesma manipulação da lei ao sabor das conveniências e, claro, a mesma governamentalização da gestão e da direcção da RTP.

Aplausos do PS.

A presente proposta de lei reveste-se de dupla gravidade, pelo que dispõe e pela concepção de poder que a enferma.
Com esta proposta de lei pretende-se o regresso a um modelo governamentalizado de gestão e direcção da RTP. O Governo passa a nomear e a demitir livremente a administração da empresa e, por seu intermédio, nomeia e demite livremente os directores de informação e de programação, sem qualquer controle efectivo.
É, assim, reposta a velha cadeia de comando de má memória: o ministro manda, a administração obedece e faz o director obedecer.
Sejamos claros: a aprovação desta proposta de lei constitui a carta de alforria para o Governo recuperar a tutela da informação e da programação da RTP, que já não tem desde o tempo do Dr. Luís Marques Mendes.

O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Claro!

O Orador: - Também aqui o Governo se apresenta ao arrepio do modelo europeu de serviço público de televisão. Em todos os países europeus, de uma forma ou de outra, existem mecanismos que retiram aos governos o poder de livre nomeação dos órgãos de gestão ou de direcção das estações de televisão públicas.
É isto, aliás, o que a nossa Constituição também exige, ao determinar que «a estrutura e o funcionamento dos meios de comunicação social do sector público devem salvaguardar a sua independência perante o governo».
A Constituição confere ampla margem à conformação legal e permite vários modelos: permite que o Governo não tenha qualquer intervenção na nomeação da administração ou dos directores, atribuindo-se esta competência a uma autoridade administrativa independente ou a um órgão parlamentar; permite o exercício partilhado desta competência entre o Governo e uma destas entidades; permite o exercício concertado desta competência entre o Governo e uma entidade que se pronuncia de modo vinculativo; permite mesmo que este parecer seja sobre a administração ou sobre os directores; permite que o parecer seja do Conselho de Opinião, da Alta Autoridade para a Comunicação Social ou de qualquer outra entidade independente.
A Constituição permite muito, mas o que a Constituição não permite é um modelo que não assegura, de modo efectivo, a independência da RTP relativamente ao Governo, um modelo que liberta o Governo de qualquer controle e submete a RTP ao controle do Governo.
Não há amadorismo de gabinete nem precipitação que permitam justificar o injustificável. O Governo bem sabe, e todos temos a obrigação de perceber, o que está em causa. E o que está em causa é que o Governo quer - e com esta proposta de lei obterá - a reposição do controle governamental sobre a informação e sobre a programação da RTP.
Mas, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o significado desta proposta de lei transcende, e muito, esta alteração legislativa, revelando toda uma concepção do poder que coloca o Governo acima da lei e encara os demais poderes do Estado como forças de bloqueio.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - O Conselho de Opinião da RTP exerceu as competências que uma lei desta Assembleia lhe concedeu e fê-lo, segundo o parecer insuspeito e qualificado do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, de forma legalíssima.
O Governo tem o estrito dever de respeitar esta decisão. Não pode usurpar as funções dos tribunais, julgando em causa própria da legalidade da decisão, nem pode modificar as competências de acordo com as suas conveniências de ocasião.

O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

O Orador: - Num Estado de direito democrático não há poder absoluto. Todos os poderes estão limitados pela Constituição e pela lei e as competências de cada órgão estão limitadas pelas competências legalmente atribuídas aos outros órgãos.
O respeito pela legalidade não é uma mera formalidade. É o próprio fundamento do poder num Estado de direito democrático.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - A lei tem de ser geral e abstracta, para todos e em todas as circunstâncias. Ao pretender manipular a lei de acordo com as suas conveniências, o Governo subverte a regra de ouro do Estado de direito democrático. O Governo só se dispõe a cumprir a lei enquanto esta lhe for favorável, o Governo liberta-se da subordinação à lei para sujeitar a lei à sua própria conveniência.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - Não se invoque o Programa do Governo, que, aliás, não foi, nem poderia ser, votado nesta Assembleia da República, nem se inverta a sua natureza. O Programa do Governo é um instrumento de responsabilização política do Governo perante a Assembleia da República, não tem força de lei, nem se substitui à lei. O Programa obriga o Governo perante o Parlamento e sujeita o Governo - e só o Governo - ao seu cumprimento, nenhuma outra entidade lhe está vinculada. O que a todos vincula é a Constituição e a lei, inclusive o Governo, que tem de executar o seu programa no respeito pela Constituição e pela lei.

Aplausos do PS.

Ora, o que o Governo faz é precisamente o oposto: contraria a Constituição, subtrai-se à lei e nem sequer cumpre o seu programa, que fixava o objectivo de, desde logo, «desgovernamentalizar os órgãos de comunicação social do Estado».
É curioso: com o Programa do Governo traíram as promessas eleitorais; com esta proposta de lei traem as promessas do Programa do Governo. Reconheça-se coerência na traição à palavra dada.

Aplausos do PS.

Este é um Governo a quem sobra em autoritarismo o que lhe falta em autoridade. A autoridade que não tem quem, quando na oposição, propôs que o Conselho de Opinião nomeasse a maioria da administração da RTP e que agora, no Governo, propõe que o Conselho de Opinião nem sequer aprecie os nomes propostos; a autoridade que não tem quem se lança numa cruzada sem um objectivo claro e sem uma estratégia, tão depressa se propondo vender o segundo canal como o primeiro, para logo admitir que não vende nenhum, ou que, afinal, vai é fechar um, mas não sabe qual e se com publicidade ou sem ela; a autoridade que não tem quem, por pura incompetência política, se meteu numa trapalhada, que começou na suspeita de um telenegócio e que culmina neste espantoso dilema de ter agora de provar que o Ministro porta-voz do Governo mentiu para provar que esta proposta de lei foi, afinal, aprovada no Conselho de Ministros onde ele garantiu que nem sequer foi apreciada.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O grosseiro desprezo pela legalidade democrática, a despudorada insensibilidade social e a arrogância são o código genético deste Governo e desta maioria.
Exibem-no com frenesim, mas não há frenesim que iluda o que é evidente: este Governo não tem uma ideia clara sobre o futuro do que quer que seja e, consequentemente, não tem uma estratégia para a prosseguir.
Não a tem, como vimos, para o audiovisual, mas não a tem também para o desenvolvimento do País, cortando, de modo cego, despesa de investimento, suspendendo projectos estruturantes com a mesma ligeireza com que os relança dias depois, como não a tem relativamente à reforma da Administração Pública, onde extingue ou reestrutura organismos sem fundamento nem nexo, como reconheceu a Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças, com o mesmo à-vontade com que despede, sem critério, milhares de funcionários contratados ou se propõe impor licenças sem vencimento a milhares de funcionários públicos.
Isto não é reformar, pois reforma exige objectivo e estratégia; isto é tão-só autoritarismo pelo autoritarismo, procurar o conflito pelo conflito.
O Governo ainda está a tempo. Pode - e deve - arrepiar caminho, começando por definir uma política para o audiovisual, assentando num projecto de serviço público de televisão, consolidando um modelo desgovernamentalizado de gestão e direcção da televisão, definindo os meios necessários para a sua prossecução e garantindo a sua sustentabilidade.
Se quiser - e quando quiser -, encontrará no PS uma oposição construtiva, disposta a contribuir responsavelmente para este objectivo; enquanto não quiser, encontrará no PS uma oposição firme e determinada a dar combate à governamentalização da RTP, à destruição do serviço público de televisão e a esta forma de governar sem rumo, trapalhona e arrogante.

Aplausos do PS, de pé.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Srs. Deputados que se inscreveram para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado António Costa, quero esclarecer, complementando o que disse há pouco em relação à interpelação do Sr. Deputado Jorge Lacão e que, de algum modo, foi retomada agora na intervenção do Sr. Deputado António Costa, que o documento que deu entrada na Mesa, a proposta de lei n.º 4/IX, tem expressamente afirmado «visto e aprovado em Conselho de Ministros, em 16 de maio de 2002». Portanto, a Assembleia da República só tem de ater-se aos documentos oficiais que nela são entregues.
Se algum Sr. Deputado ou algum grupo parlamentar entender que isto não se coaduna com a realidade terá de, por outros mecanismos ao seu alcance, fazer os recursos que entender convenientes. Não é a Assembleia da República o local certo para verificar se o que aqui está corresponde ou não à realidade. Consideramos o Estado uma pessoa de bem, o Governo enviou a proposta de lei à Assembleia da República com esta formulação, ela foi admitida e é nestes termos que o debate está a decorrer.
O Sr. Deputado José Sócrates pede a palavra para que efeito?

O Sr. José Sócrates (PS): - Para comunicar à Mesa que, pela minha parte, me considero suficientemente esclarecido. Relativamente ao Sr. Ministro, fica claro que ele mentiu.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, pediu a palavra para que efeito?

O Sr. José Sócrates (PS): - Terminei, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveu-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado António Costa, o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

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No entanto, o Sr. Deputado António Costa já não dispõe de tempo para responder, a não ser que alguma bancada lhe ceda tempo.

Pausa.

Como não há cedência de tempo, a Mesa dá-lhe um minuto para responder ao pedido de esclarecimento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Ministros e Srs. Deputados: Gostava de colocar uma questão prévia ao Sr. Deputado António Costa, que tem que ver com o seu próprio posicionamento dentro do Partido Socialista.
Sr. Deputado, gostávamos de saber se V. Ex.ª, hoje como antes, está com o Dr. Eduardo Ferro Rodrigues, quando preconizou a extinção de um canal, com o Dr. Jaime Gama, quando propôs a privatização de outro, ou com a manutenção das coisas, como sugeriu o Sr. Deputado Arons de Carvalho, como gostávamos também de saber se esteve com o Dr. José Sócrates nas críticas ao Dr. Manuel Maria Carrilho ou se, pelo contrário, esteve com o Dr. Carrilho nas críticas ao Dr. Sócrates. A sua resposta é importante para que possamos posicionar-nos na própria discussão e saber com que PS estamos a falar.
Mas, para além disto, porque o que está em causa é o futuro da RTP e porque eu tenho V. Ex.ª como uma pessoa sensata, que até tem sentido de Estado e certamente estará preocupada com o futuro da RTP e dos seus trabalhadores, coloco-lhe uma questão que o Deputado Telmo Correia, líder da minha bancada, colocou ao Sr. Ministro e que é esta: Sr. Deputado, sabendo-se que o Conselho de Opinião da RTP vetou o conselho de administração nomeado pelo Governo; sabendo-se que a nomeação de um conselho de administração se impõe, porque o anterior, como sabe, está demissionário; sabendo-se que o Conselho de Opinião da RTP até já declarou que não vai aprovar qualquer outro conselho de administração que o Governo nomeie; sabendo-se, principalmente, que é o futuro dos trabalhadores da RTP que está em causa - e o da empresa, naturalmente -, porque a partir de Junho, soubemos hoje, não haverá como pagar os salários; sabendo-se até que não fomos nós que alguma vez propusemos a extinção do Conselho de Opinião - a esse extremo nunca chegámos! -, como curiosamente fez alguém contratado por uma administração nomeada pelo Partido Socialista; sabendo-se, numa palavra, que o que está hoje em causa é ou salvar a RTP, aprovando esta proposta de lei, ou condenar a RTP, chumbando-a, eu pergunto-lhe: o que é pretende V. Ex.ª e o que é que pretende a bancada do PS, ou as várias bancadas do PS, dependendo do lugar onde V. Ex.ª esteja?
Pergunto mais: VV. Ex.as, que geriram a RTP mal como ninguém, que já nos deram a perceber que foram claramente parte do problema que hoje temos, estão, ao menos agora, dispostos a fazer parte da solução e a salvar o futuro dos trabalhadores da empresa, o futuro da própria RTP?

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para responder no tempo concedido pela Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado António Costa.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, responderei telegraficamente às diferentes questões.
Em primeiro lugar, Sr. Deputado, não insista, porque na preparação da última campanha eleitoral e sob a liderança do novo Secretário-Geral do Partido Socialista, Eduardo Ferro Rodrigues, o Partido Socialista fez uma revisão crítica do que tinha feito no governo e concluiu que há muita coisa de que se orgulha, há coisas de que não se orgulha e há outras coisas que tem muita pena de não ter conseguido fazer melhor. Mas em matéria de televisão há algo que nos orgulha muito: desgovernamentalizámos a RTP.
Quanto aos senhores, algo de que não devem orgulhar-se é o facto de irem hoje, com o vosso voto, voltar a governamentalizar a RTP.

Aplausos do PS.

Em matéria de televisão, na nossa bancada fizemos um debate muito sério, porque sabíamos ter entre nós diferentes posições, o que, aliás, expressámos publicamente no passado.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Têm todas as posições!

O Orador: - E esse debate traduziu-se na elaboração de um programa do governo cuja leitura lhe recomendo vivamente - oferecer-lhe-ei um exemplar para que o possa fazer - e que reúne hoje a plataforma de entendimento entre todos nós. E, garanto-lhe, sobre esta matéria pensamos hoje todos o mesmo, ou seja, fazemos nosso tudo o que consta do programa do governo do PS.
Em segundo lugar, o Sr. Deputado não terá ainda lido com atenção o que hoje está em discussão. Hoje não está em discussão nada para salvar a RTP, nada sobre o futuro da RTP; hoje está em debate, simplesmente, uma proposta de lei que retira ao Conselho de Opinião…

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr. Deputado, tem de terminar.

O Orador: - Sr. Presidente, tenho de usar o tempo que me deu.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Dei-lhe um minuto e o Sr. Deputado já ultrapassou esse tempo em 47 segundos.

O Orador: - Como dizia, o que está em causa é uma proposta de lei que retira ao Conselho de Opinião, sem a atribuir a nenhum outro órgão independente, qualquer intervenção na nomeação do conselho de administração da televisão, o que tem como resultado o Governo passar a nomear livremente não só a administração da RTP como também os directores de informação e de programação, o que agora não pode fazer, como nós também não podíamos fazê-lo, e bem. A RTP deve ser desgovernamentalizada, que é o que consta, aliás, do vosso Programa do Governo que agora rasgam e no qual cospem para fazer uma coisa totalmente oportunista e em cima do joelho,…

Protestos do CDS-PP e do PSD.

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O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr. Deputado tem de terminar.

O Orador: - … e o Dr. Nuno Morais Sarmento será neste Governo o que foi o Dr. Luís Marques Mendes no último governo do Prof. Cavaco Silva. Quanto a isso estamos contra!
E, mais: é uma vergonha que o CDS-PP vote hoje este modelo de governamentalização da RTP contra o qual sempre esteve e contra o qual - eu sei! - ainda estão, em consciência, muitos dos homens que, com passado, se sentam hoje nessa bancada.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para uma intervenção, tem a palavra…
Sr. Deputado António Costa, pede a palavra para que efeito?

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, como percebi um esgar no rosto do Sr. Ministro da Presidência, deduzi que ele poderá considerar que eu fui ofensivo. Assim, quero assegurar-lhe que a comparação que dele fiz com o Dr. Luís Marques Mendes não teve, de modo algum, esse intuito.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr. Deputado, se o Sr. Ministro se considerar ofendido usará a figura regimental adequada, o que por enquanto não fez.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro da Presidência: Já tivemos a ocasião de desmistificar alguns argumentos que, com extrema demagogia, tem utilizado nesta matéria. Desmistificámos o argumento dos salários milionários, que, inclusivamente, foram os senhores que introduziram na RTP; dissemos, e voltamos a dizer, que mais de dois terços dos trabalhadores da RTP auferem um salário inferior a 400 contos; desmistificámos o vosso argumento de que estão a tentar salvar o serviço público, pois os senhores estão é a tentar destrui-lo, porque querem um canal sem audiência e porque estão a dar todas as benesses aos privados; dissemos, e voltamos a dizer, que os senhores querem um serviço público minimalista e meramente supletivo; e dissemos, e voltamos a dizer, que esta política vai contra uma política global europeia do audiovisual e da televisão. Estão a «ir contra a corrente», nesta e noutras matérias, e o que está em causa verdadeiramente é a própria noção de serviço público.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Orador: - Os senhores, ao fazerem desta questão a bandeira principal, estão a actuar exactamente como na saúde, na segurança social, na administração pública e na educação. Os senhores estão a comercializar a esfera pública e isso é imperdoável. Os senhores estão a juntar, de novo, poder político e poder económico.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Ministro, o senhor é porta-voz do Conselho de Ministros mas assume-se cada vez mais como porta-voz dos interesses privados e isso não o dignifica, nem tão-pouco ao Governo a que pertence.
O Sr. Ministro tem utilizado com arrogância argumentos já aqui várias vezes rejeitados, e o senhor fala também amiúde dos combates pessoais que tem vencido. Não nego que os tenha vencido, mas posso garantir-lhe, Sr. Ministro, que já perdeu o combate da lisura e da verdade, o combate da ética,…

Vozes do BE: - Muito bem!

O Orador: - … o combate da transparência e, acima de tudo, o combate da competência. É que o que o Sr. Ministro tem revelado, acima de tudo, nesta matéria, é um amontoado de erros e de imperfeições, um total descuido na apresentação de propostas e uma total falta de controlo dos dossiers. Ora, isso, Sr. Ministro, retira-lhe, desde já, toda a credibilidade. Por isso, devo dizer-lhe que, para o futuro, temos um Ministro sem credibilidade, nesta e noutras matérias.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A discussão, hoje, da proposta de lei com que o Governo pretende contornar uma deliberação legítima do Conselho de Opinião da RTP é um acto de violência contra a Assembleia da República e o seu funcionamento democrático e regular. A Assembleia da República está a ser, hoje, utilizada como uma peça de artilharia ao dispor do Governo para disparar contra o Conselho de Opinião da RTP, acabando com os seus poderes vinculativos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Esta proposta de lei tem como única justificação o facto de o Conselho de Opinião da RTP não ter abdicado de exercer livremente os poderes que lhe foram atribuídos por lei da Assembleia da República. O Governo, quando tomou posse, sabia que existiam leis em vigor e quando propôs uma composição para o Conselho de Administração da RTP sabia que não o podia fazer unilateralmente, na medida em que o Conselho de Opinião dispõe de parecer vinculativo sobre essa matéria.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Governo, primeiro, fez chantagem, que, hoje, aqui reiterou, invocando a falta de dinheiro para pagar salários a partir de Junho, e, como a chantagem não resultou, quer alterar a lei, para que um acto que é ilegal hoje deixe de o ser amanhã.

O Sr. Honório Novo (PCP): - É um escândalo!

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O Orador: - É completamente absurdo o argumento de que o Conselho de Opinião agiu de forma ilegal. Bem pelo contrário! Um órgão independente que dispõe, nos termos da lei, da competência para a emissão de um parecer com carácter vinculativo tem tanto direito de dar um parecer positivo como de dar um parecer negativo e ambas as decisões têm igual legitimidade e merecem igual respeito. Ora, se o Conselho de Opinião tivesse dado parecer favorável à proposta do Governo não estaríamos hoje, seguramente, a discutir a alteração da Lei da Televisão.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Como é evidente!

O Orador: - Esta é uma proposta de lei determinada exclusivamente em função do conteúdo concreto de um parecer que o Governo não quer respeitar. Ou seja, a deliberação do Conselho de Opinião seria legal e legítima se agradasse ao Governo; é ilegal e ilegítima porque não agrada ao Governo. Isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não é aceitável.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E não é aceitável que a Assembleia da República se preste a servir de muleta ao Governo para que este possa prosseguir objectivos que não são legais nem são legítimos.
O que acontece, neste caso, é que o Governo, pura e simplesmente, não quer respeitar a lei. Não é segredo para ninguém que uma das incumbências do conselho de administração a nomear é acabar com um dos canais da RTP. Ora, tal decisão corresponde à violação da lei que define o estatuto da RTP e que a incumbe expressamente de garantir a existência de dois canais de cobertura nacional, pelo que é preciso dizer, desde já, que qualquer atitude de qualquer conselho de administração que venha a ser nomeado que se traduza no desaparecimento de um dos canais nacionais da RTP estará, obviamente, ferida de ilegalidade.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Mas esta proposta contém uma medida que visa evidentemente governamentalizar a RTP. As competências do Conselho de Opinião, e concretamente a competência de emitir parecer vinculativo relativamente à proposta de nomeação de administradores da empresa, foi uma medida destinada precisamente a desgovernamentalizar a administração do serviço público de televisão. É esse princípio que o Governo agora pretende reverter. O Governo pretende mandar no serviço público de televisão sem qualquer limite, regressando em pleno à velha teoria das forças de bloqueio. É um péssimo sinal! Veremos, no futuro, se o Ministro da Presidência não terá a pretensão de imitar um seu colega de Governo e voltar aos tempos em que havia um ministro que controlava pelo telefone o alinhamento do Telejornal.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Bem lembrado!

O Orador: - Em 1996, o PSD apresentou um projecto de lei para que o Conselho de Opinião tivesse o direito não apenas de dar parecer vinculativo, como hoje acontece, mas de ser ele próprio a eleger o presidente e dois vogais do Conselho de Administração da RTP. Agora, que voltou ao Governo, o PSD esqueceu depressa o que defendia quando estava na oposição. É caso para dizer que, mudam os governos, mudam-se as vontades!
Acontece ainda que esta proposta de lei, a ser aprovada, conduzirá ao absurdo de atribuir a mesma competência legal a dois órgãos diferentes: o Conselho de Opinião da RTP e a Alta Autoridade para a Comunicação Social. Qual será, então, o valor relativo de cada um dos pareceres, no caso de deliberações conflituantes? O Governo, presumo, responderá com facilidade: se ambos derem razão ao Governo, têm ambos razão; se ambos contrariarem o Governo, são ambos ilegítimos e o Governo recusar-se-á a acatar qualquer dos pareceres; se os pareceres forem discordantes, o Governo decidirá, de entre os dois órgãos independentes, qual a expressão de independência que melhor lhe convenha.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

O Orador: - O Governo pode fazer aprovar hoje esta proposta de lei, pode dizer que ganhou uma escaramuça, mas não pode dizer que ganhou a guerra que decidiu mover ao serviço público de televisão. Não é o serviço público de televisão que hoje sai daqui derrotado. A derrota, hoje, é da ética política e da democraticidade do funcionamento da Assembleia da República.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao serviço público de televisão, o Governo sabe que só tem ao seu lado os grupos económicos interessados em controlar a televisão, em Portugal, e os seus servidores mais fiéis, e sabe que tem contra si todos os que reconhecem que uma televisão de serviço público, livre do controlo do poder económico, é um instrumento decisivo para a defesa da democracia política.
A defesa do serviço público de televisão é, para o PCP e, felizmente, para largos sectores da opinião pública portuguesa, um verdadeiro dever de cidadania. O que está em causa é a salvaguarda de um espaço de liberdade dos cidadãos perante a ambição do poder económico de controlar todos os espaços da vida em sociedade. Pela nossa parte, tudo faremos para que o povo português não perca esse espaço de liberdade.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Não havendo pedidos de esclarecimento, tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já numa fase adiantada e final deste debate, gostaria de sublinhar, ao contrário do que acabou de ser dito pelo Sr. Deputado António Filipe, que a decisão do Conselho de Opinião é efectivamente ilegítima. E é-o porque, como resulta claro deste debate, há dois pareceres, Sr. Deputado António Filipe, e não só um. Há um parecer vinculativo, claramente vinculativo, sobre a composição, ou seja, as pessoas que integram o Conselho de Opinião, e há um parecer, esse não vinculativo, que diz

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respeito à estrutura e às bases da empresa - o parecer sobre as bases de actividade da empresa não é vinculativo.
Ora, o que o Conselho de Opinião fez nesta matéria foi transformar aquilo em que tinha uma competência não vinculativa numa competência vinculativa, condicionando a aplicabilidade do Programa do Governo.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Essa é a realidade, essa é verdade, dêem os senhores as voltas que derem!
Diz o Sr. Deputado que, se o Conselho de Opinião não tivesse tido esta posição, não estaríamos aqui hoje a discutir esta matéria. É verdade, mas não deixa de ser uma verdade de La Palice. É evidente que, se o Conselho de Opinião não tivesse assumido claramente que bloquearia qualquer decisão do Governo em relação à nomeação de uma administração, não estaríamos aqui hoje a discutir esta matéria.
No entanto, o que está aqui em causa é saber se a RTP pode ou não pode ter uma administração. É só isso que está em causa!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - E aquilo que não ouvi os Srs. Deputados da oposição explicarem é por que é que a RTP não pode ter uma administração, ou por que é que é melhor o caminho da RTP daqui para a frente se não tiver uma administração.
Como é que uma empresa que está em falência técnica, que tem um passivo de 300 milhões de contos e na qual está instalado autenticamente o PREC, que é, hoje em dia, uma espécie de «RTPREC» e não de RTP, onde a confusão é generalizada, onde existe algum tipo de manipulação, onde existe tudo isso, como é que esta empresa, repito, não pode ter um conselho de administração?! Como é que a existência de um conselho de administração não é decisiva para o futuro da empresa e para o futuro dos trabalhadores?! Essa é que é a questão e é isso que está aqui em causa.
Alguém dizia que se uma lei reconhece a um organismo não eleito a capacidade de impedir um Programa do Governo, essa lei não está bem. Uma frase também célebre é a de que a existência de uma lei injusta é o caminho para a tirania. Neste caso, estaríamos sob a tirania de um poder de facto, contra a vontade dos eleitores, contra a vontade da maioria e contra aqueles em nome de quem também aqui falamos, que são os contribuintes, que estão cansados de pagar, pagar e pagar sempre uma coisa que não é serviço público nem serve os interesses dos portugueses. Essa é que é a questão.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Termino, lembrando só uma coisa: esta é a discussão da reestruturação da RTP, mas outras discussões houve no passado. O Sr. Deputado, ainda agora, referia argumentos de coerência. Ora, a propósito de coerência, lembro-me de qual era a coerência de grande parte dos partidos da oposição, no passado, e lembro-me, nomeadamente, do que, em 1987, dizia um Deputado do PCP, ao afirmar que «o espírito da Constituição é o de proibir que a televisão seja exercida por entidades privadas». Na altura, era isto que os senhores pensavam; na altura, eram inflexíveis quanto à existência de televisão privada em Portugal.

O Sr. António Filipe (PCP): - Nessa altura, a Constituição não previa a existência de televisão privada!

O Orador: - E, curiosamente, já nessa altura, vinha o Sr. Deputado Jorge Lacão, com argumentos constitucionais, dizer que «ou há titularidade pública ou há titularidade privada, sendo que esta é proibida pela Constituição».
Agora, estamos a assistir a mais uma batalha, já não quanto à abertura à televisão privada mas quanto à defesa e salvação do serviço público. Convosco, sabíamos como era: monopólio público, dois canais e, se calhar, de preferência, a preto e branco!

Aplausos do CDS-PP.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Mota Amaral.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Telmo Correia, o CDS-PP costuma afirmar-se como um partido conservador, um partido de memória, de defesa da identidade e da soberania. Mas, neste caso, decididamente, o CDS-PP tem a memória muito curta. Nas últimas eleições, o seu partido queixou-se amargamente de ter sido prejudicado pelas televisões privadas e, em particular, pela televisão do Dr. Balsemão.

Protestos do CDS-PP.

Se os Srs. Deputados não se irritassem tanto, gostava de questioná-lo, Sr. Deputado Telmo Correia, sobre a governamentalização da televisão. Os senhores, que sempre se bateram contra essa governamentalização, apoiam-na agora, sem quaisquer problemas. Por isso, pergunto-lhe se estará disposto a apoiar o nosso projecto de lei, que prevê a desgovernamentalização da RTP, a nomeação ou destituição da sua administração por dois terços dos Deputados da Assembleia da República e a aprovação de um programa estratégico, discutido publicamente e aprovado também nesta Assembleia. Nesse caso, sim, os senhores honrariam a vossa palavra; caso contrário, os senhores demonstram ter memória curta.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Teixeira Lopes, o Sr. Deputado fez o favor - e agradeço-lhe - de lembrar que nós somos um partido conservador e democrata-cristão.
Em relação à possibilidade de apoiarmos o vosso projecto de lei, valha-me Deus! Valha-me Deus! - não me lembro de outra palavra ou de outra expressão.

Risos do CDS-PP e do PSD.

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Esta proposta que hoje apresentamos não governamentaliza, ao contrário do que o Sr. Deputado referiu. O que nela se diz é que a televisão tem de ter uma gestão profissional, competente, e um conselho de administração. E, depois, o que diz? Que a matéria onde não pode haver intervenção do Governo - e, se leu a proposta com atenção, sabe-o - é nos conteúdos, na independência, na isenção e no pluralismo.

Vozes do CDS-PP: - Claro!

O Orador: - É aí que estão os direitos constitucionais, é aí que está a questão fundamental! E, quanto a isso, o CDS-PP pensava uma coisa, no passado, e pensa exactamente a mesma coisa, hoje.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Faça favor de terminar.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente, dizendo só uma coisa muito rápida, se me permite, ao Sr. Deputado João Teixeira Lopes. Sr. Deputado, não venha com essa conversa do que nós dissemos na campanha eleitoral. Eu sei o que dissemos na campanha eleitoral e sei por que o dissemos.

Vozes do CDS-PP: - E mantemos!

O Orador: - Se quiser, pergunte ao presidente do meu partido se ele o mantém. Eu, pela minha parte, mantenho exactamente as críticas e a reacção que tive em relação à SIC, que nos quis prejudicar na campanha eleitoral. Não recuo nem retiro uma linha ou uma vírgula.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Este debate evidenciou várias coisas que nos parecem politicamente relevantes.
A primeira é que estamos a discutir uma proposta do Governo aprovada num Conselho de Ministros em que o mesmo Governo diz que a questão não foi abordada.
A segunda é que estamos a falar de uma proposta que é anunciada, embora de forma contraditória, como decorrendo de uma decisão do Conselho de Opinião que é considerada ilegal. Ora, se essa decisão fosse ilegal, aquilo que o Governo teria de fazer era recorrer aos tribunais e não elaborar uma lei que se adaptasse à sua vontade.
Trata-se de uma proposta de lei que o Governo diz justificar-se pela necessidade de salvar uma empresa, de garantir a situação e de salvar os trabalhadores dessa empresa.
Porém, o que o Governo não diz é que manifestamente não é esse o objectivo desta proposta de lei, porque a modificação do estatuto do Conselho de Opinião não altera um milímetro a situação dos trabalhadores da RTP e não é por esta via seguramente que o dinheiro, se não existisse, passaria a existir para que os salários destes trabalhadores pudessem vir a ser pagos.
É ainda uma proposta de lei que, não o dizendo o Governo, mas sendo isso óbvio, faz deste Parlamento uma caixa de ressonância. É que a partir do momento em que o Governo acha que, porque apresentou à Assembleia um programa, tem a legitimidade para fazer tudo o que entende, tem legitimidade para modificar a lei e para impor modificações sempre que a sua vontade não é respeitada pelos outros órgãos, sempre que a sociedade não se subjuga às suas vontades, a partir desse momento, aquilo que o Governo não diz, mas é explícito na sua mensagem, é que este Parlamento se transformaria, a ser verdade, numa caixa de ressonância.
Por último, Sr. Presidente e Srs. Membros do Governo, aquilo que o Governo não disse, e que é óbvio nesta proposta, é que ela é o primeiro passo para a destruição de uma empresa, para a destruição de um serviço público e para a sua alienação aos interesses dos privados, aos interesses que manifestamente justificaram, ao longo de todos estes anos, um conjunto muito grande de decisões políticas.
Manifestamente, todos percebemos…

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, o seu tempo esgotou-se. Peço-lhe que conclua.

A Oradora: - … que, se uma empresa é mal gerida, a forma de resolver a situação é geri-la bem e não, seguramente, condená-la à morte, que é aquilo que, com este primeiro passo, se propõe.

Vozes de Os Verdes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Tenho dito, por várias vezes, que nós Deputados aqui, na Assembleia, somos responsáveis por uma determinada imagem que se ganha acerca do Parlamento e das instituições democráticas.
Digo isto porque, para mim, é extremamente estranho que se sustentem, ao longo desta tarde, teses que tornam ilegítima a actuação do Governo ao apresentar esta proposta de lei para ultrapassar uma situação de impasse em que se cairia por força de um determinado órgão a quem foi atribuído o poder de emitir um parecer vinculativo relativamente à administração da RTP. Esse órgão, que tem apenas de emitir um parecer relativamente às pessoas, ao seu perfil, à sua idoneidade para o desempenho daquela função, assumiu não ser isso mas, antes, uma discordância com a política do Governo em matéria de serviço público de televisão que levava a essa atitude e que, fossem quais fossem as sucessivas propostas de novos elementos para comporem esse conselho de administração, vetaria sempre essa nomeação em nome da discordância com esta política do Governo.
Ora, legitimada uma maioria no voto popular, nas eleições de 17 de Março, que tinha no seu programa eleitoral esta solução, legitimado um Programa do Governo que tinha, e tem, esta solução e que foi aqui objecto de um voto de confiança - é necessário que se diga -, para que não se diga que se trata de um programa votado pela Assembleia da República, trata-se de um Programa do

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Governo votado pela Assembleia da República, não vejo que teses são possíveis para, em nome da democracia e do Estado de direito democrático, sustentar a ilegitimidade da actuação do Governo e a legitimidade desse órgão estranho ao mecanismo do sufrágio eleitoral, que é o Conselho de Opinião da RTP.
Não entendo e não aceito!
O País, tendo votado nesta maioria e tendo o seu Programa do Governo sido legitimado e aprovado por esta Assembleia, não compreenderia que o Governo não usasse de todos os meios e instrumentos constitucionais e legais ao seu alcance para, apresentando uma proposta de lei à Assembleia, a fim de ultrapassar aquilo que um órgão faz, que é impedir o seu Programa, sem legitimidade para tal - e este é um mecanismo que assiste constitucional e legalmente ao Governo -, ultrapassar este obstáculo à realização e cumprimento do seu Programa.
No entanto, há uma coisa que não entendo na oposição. Percebo que a oposição tenha estado contra o Programa do Governo, pois tem outras propostas, mas não percebo como é que a oposição pensa que o País avaliará do cumprimento ou não do Programa do Governo colaborando ela em empecilhos para que o Governo não cumpra o seu Programa. A oposição discorda do Programa e entende que aquelas medidas não estão certas, mas deixe o Governo executá-las para que o País avalie se é ou não verdade a tese do Governo. A oposição não percebe que se entrar num sistema de boicotar essa expressão está a dar alibis ao Governo para se justificar perante a opinião pública, dizendo que não fez porque os senhores não o deixaram. Os senhores não deixaram a democracia funcionar tal qual ela está concebida democraticamente em qualquer Estado de direito!

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Mas, meus senhores, em matéria de governamentalização da televisão, há pouco o Deputado Luís Marques Guedes leu aqui uma passagem do Deputado Arons de Carvalho, segundo a qual o governo interferia pedindo que se fizesse uma série de programas que não tinham qualquer interesse comercial - pois não, tinha interesse político! Esta era a não governamentalização da televisão no tempo dos governos do Partido Socialista! É o Deputado Arons de Carvalho que o diz e escreve, não somos nós. É um Deputado vosso que teve a tutela desta área e que vem aqui escrever para todos lerem e saberem o que foi a governamentalização no vosso tempo. Os senhores usaram de um mecanismo que é preciso não esquecer, que é o seguinte: no vosso programa do governo dizia-se que o Conselho de Opinião tinha de nomear três membros para o conselho de administração; porém, vieram aqui e fizeram com que aqueles senhores do PCP apresentassem uma alteração à vossa proposta inicial, de forma combinada, retirando a maioria de dois terços, que deveria votar essa solução no Conselho de Opinião, substituindo-a por um mero parecer, para poderem nomear o conselho que nomearam, o qual, ao contrário do que dizia o Dr. Arons de Carvalho, tinha realmente o «cartão rosa» que ele tanto criticava e que por isso queria criar um mecanismo que impedisse o uso desse «cartão rosa».
Nós não queremos os «cartões laranja»,…

Risos do PS.

… o que queremos é uma solução institucional, é uma solução isenta para a televisão.
Por isso, propomos aqui que o Conselho de Opinião se pronuncie sobre a programação, sobre os directores de informação para que haja, aí, sim, isenção de um serviço público de televisão, coisa que os senhores não fizeram. E lembrem-se de que, com os vossos conselhos de administração houve, pelo menos, que me lembre, dois directores de programas, dois directores de informação que se demitiram, acusando o conselho de administração de interferência na programação e na informação. Isto está na história e os senhores não a podem apagar!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito regimental da defesa da honra da bancada.

O Sr. Presidente: - Pode indicar-me o motivo do seu agravo, por favor?

Vozes do CDS-PP: - Sem rir!

O Sr. António Costa (PS): - Os senhores entendam-se! Na semana passada, estavam «chateados» por eu estar zangado; agora, que estou bem disposto, estão «chateados» por eu estar bem disposto! Como é que eu devo estar?!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado, por favor, queira dirigir-se à Mesa!

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Guilherme Silva, na sua intervenção, fez uma acusação grave sobre a governamentalização da RTP que consideramos ofensiva.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, em primeiro lugar, o Programa do Governo não foi votado, o que foi votado foi uma moção de confiança ao Programa do Governo. Mas, mesmo que tivesse sido votado, o Programa do Governo nem é lei nem substitui a lei. E, nesta matéria, os senhores terão de perceber que, num Estado de direito democrático, a maioria governa e exerce as suas competências nos termos da Constituição e da lei. Logo, não é pelo facto de no Programa do Governo se dizer que a RTP tem só um canal que deixa de se verificar o pequeno facto de uma lei aprovada nesta Assembleia da República, que está em vigor e que se mantém em vigor, atribuir à RTP dois canais. Ora, enquanto essa lei estiver em vigor, VV. Ex.as, o Sr. Ministro e o Conselho de Opinião têm de defender a existência de dois canais, porque é isso que resulta da lei que está em vigor e que concessionou aquelas licenças à RTP.
Mas, Sr. Deputado Guilherme Silva, não falo sobretudo do Programa do Governo, sabe por quê? Porque o que vem no Programa do Governo sobre esta matéria é que, desde logo, o que vão fazer é desgovernamentalizar a RTP. E qual é a primeira coisa que vêm aqui fazer? É governamentalizar

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a RTP! Vêm cá fazer, precisamente, o contrário do que se propunham fazer no Programa do Governo!
Bem sei que, se já no Orçamento rectificativo a primeira coisa que fizeram foi rever aquilo que tinham posto no programa eleitoral, consideram agora normal reverem o que tinham dito no Programa do Governo.
Agora, os senhores percebam que, em matéria de coerência e de argumentos de autoridade, estamos entendidos.
Na democracia ninguém está acima da lei e os senhores terão de cumprir a lei. Terão de cumprir a Constituição, as leis da República e o Regimento! Depois, podem vir cá votar como entenderem, violando o Regimento… O Sr. Presidente ajuda na violação do Regimento…, fazem isso tudo. Agora, uma coisa é certa, violam a Constituição, violam a lei e violam o Regimento!

Protestos do PSD e do CDS-PP, batendo com as mãos nos tampos das bancadas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, por favor!

O Orador: - Aumentem a despesa pública estragando as bancadas e depois a Dr.ª Manuela Ferreira Leite «puxa-vos as orelhas»! Vão todos para o quadro de excedentes!

Risos do PS.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Que trauliteiro!

O Orador: - O Sr. Deputado Guilherme Silva, veio falar da legitimidade do Conselho de Opinião para vetar?! Ó Sr. Deputado, então o Sr. Deputado, que propôs na Legislatura passada que o Conselho de Opinião pudesse, mais do que vetar, eleger três dos membros do conselho de administração, agora vem aqui votar uma proposta de lei em que o Conselho de Opinião nem sequer pode pronunciar-se sobre os nomes?!

Risos do PS.

Ó Sr. Deputado, o que o senhor quer é uma RTP desgovernamentalizada quando está na oposição e uma RTP governamentalizada quando está no Governo!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Está enganado!

Orador: - Este é o seu critério, mas não é nosso.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Nós desgovernamentalizámos a RTP e votaremos contra a vossa governamentalização da RTP, porque nos lembramos do tempo em que a RTP era comandada, por telefone, pelo Dr. Luís Marques Mendes.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Costa, o seu tempo esgotou-se. Peço-lhe que conclua.

O Orador: - O Dr. Luís Marques Mendes aprovava o alinhamento dos telejornais, e não queremos ver o Sr. Ministro Morais Sarmento nesse triste papel, a repetir esses exemplos infelizes, que julgávamos já definitivamente banidos do nosso país.

Aplausos do PS e de Deputados do PCP e do BE.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Costa, eu apresentei esse projecto de lei e espero…

Vozes do PS: - Ah!…

O Orador: - … que o senhor tenha lido a sua exposição de motivos.

O Sr. António Costa (PS): - Qual exposição de motivos?!

O Orador: - Espere, espere!
Sabe o que é que dizia a exposição de motivos desse projecto de lei? O programa de governo do Partido Socialista tinha o seguinte compromisso «garantia de independência do serviço público de televisão e rádio com modelos de gestão de representatividade social com as respectivas empresas, nos termos dos quais o Governo apenas designa uma parte minoritária dos respectivos gestores.».

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Está aqui no papel!

O Orador: - E os senhores enrolaram, enrolaram e fugiram sempre a isso!

O Sr. António Costa (PS): - Nós propusemos!

O Orador: - Espere, Sr. Deputado!

Protestos do Deputado do PS António Costa.

Sr. Deputado, peço-lhe que agora ouça!

Protestos do Deputado do PS António Costa.

Sr. Presidente, faça o favor de descontar este tempo.
Os senhores enrolaram, enrolaram, e nós dissemos: «temos de ajudar o Partido Socialista a cumprir o seu Programa».

Risos do PS do PCP e do BE.

Ficou na exposição de motivos! Sr. Deputado, leia! Está exactamente assumido isto: «temos de ajudar o Partido Socialista a cumprir o seu Programa».
Mais tarde, os senhores, sorrateiramente, apresentaram aqui a lei em que assumiam que o Conselho de Opinião indicaria a maioria dos membros do conselho de administração.

Vozes do PS: - Ah!…

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O Orador: - Esperem!
E tinham uma disposição que dizia que era por maioria de dois terços.
Ora bem, de forma combinada com o Partido Comunista Português, há a apresentação de uma proposta…

Protestos do PS.

Deixem-me acabar!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, por favor, deixem ouvir o orador!

O Orador: - Apareceu na Comissão uma proposta no sentido de substituir tudo isto por um mero parecer do Conselho de Opinião.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Apresentada pelo Partido Comunista Português!

O Orador: - Foi aprovada pelos PS e pelo PCP, com o nosso voto contra. E nós estávamos a querer cumprir o vosso Programa, está a ver? Veja lá!

Risos do PS.

Estávamos a querer ajudar-vos! E sabe por que é que isso aconteceu? Porque VV. Ex.as já tinham «contado as espingardas» no Conselho de Opinião e sabiam que poderiam pôr um «Deputado rosa» na presidência da televisão, como aconteceu até hoje!

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

Vozes do PS: - Oh!…

O Orador: - Esta foi exactamente a razão desta alteração!
Sr. Deputado António Costa, em relação ao problema da governamentalização que resultou daí,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Foi um «telenegócio»!

O Orador: - … vou ler, mais uma vez, esta seguinte passagem: «(…) e o governo, várias vezes, foi intermediário das mais diversas solicitações para que a RTP subsidiasse, transmitisse ou patrocinasse dezenas de iniciativas, grande parte das quais sem qualquer lógica comercial e por vezes até de interesse muito duvidoso» - foi o Sr. ex-Secretário de Estado Arons de Carvalho, actual Deputado, que teve a tutela, que se queixou de o governo lhe impor isto. O governo ia lá e dizia: «Eu quero que os senhores façam estes programas!». E, realmente, víamos muitos programas que só tinham uma lógica: a lógica «rosa»!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Costa, relativamente à sua intervenção, permita-me que lhe diga que considerei imprópria a acusação de que o Presidente da Assembleia ajuda a violar o Regimento. O Presidente da Assembleia tem uma interpretação do Regimento, da qual o senhor é livre de discordar, mas daí até considerar que se trata de uma violação do Regimento vai uma grande distância!
Sr. Deputado Bernardino Soares, pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Peço a palavra para exercer o direito regimental da defesa da honra da bancada, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Com que fundamento, Sr. Deputado?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Guilherme Silva acusou o meu grupo parlamentar de ter combinado com o Partido Socialista a apresentação de uma proposta de alteração à proposta de lei ora em discussão no debate na especialidade, se eventualmente esta proposta de lei for aprovada na generalidade.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, quero, muito brevemente, dizer ao Sr. Deputado Guilherme Silva que as iniciativas que aqui apresentamos são, obviamente, da nossa exclusiva responsabilidade. Bem sei que é de um grande embaraço para o Sr. Deputado Guilherme Silva e para a sua bancada serem hoje confrontados com uma proposta que apresentaram há uns anos atrás!

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - E o embaraço é tanto maior quando isso deixa bem à vista as responsabilidades do PSD, que, aliás, todos conhecemos, em matéria de degradação do serviço público de televisão.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Porque foi no tempo do PSD que começou a degradação e o subfinanciamento do serviço público de televisão, e dessa responsabilidade, que agora continuam, voltando ao Governo, não se livram os Srs. Deputados, nem o PSD!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, tenho aqui a proposta do PCP, apresentada em sede de comissão, de alteração da situação de escolha de três membros pelo Conselho de Opinião para o mero parecer e tenho aqui o resultado da votação, na acta que está publicada no Diário da Assembleia da República, em que o PCP e o PS votaram favoravelmente e o PSD contra. Este é um facto, e contra factos não há argumentos!

Vozes do PCP: - E o PP?

O Orador: - O PP não estava presente. Segundo aqui se diz estavam ausentes os restantes partidos.

Risos do PS.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não estavam nem o PP nem o Bloco de Esquerda!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço-vos que deixem ouvir o Sr. Deputado Guilherme Silva, para concluirmos esta questão!

O Orador: - Sr. Deputado, esta é uma realidade incontornável, e peço à Mesa que faça a distribuição desta proposta do PCP.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Ele sabe!

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, relativamente ao aparte presidencial de V. Ex.ª, quero apenas dizer o seguinte: não discutirei qualificações, os factos falam por si!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estamos confrontados com uma distinção subtil entre os factos e as qualificações, que, como sabem, é uma das matérias mais controversas do Direito.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.

O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito brevemente, quero dizer que o Governo veio a esta Câmara determinado a resolver o impasse que coloca a RTP numa situação impossível, para isso antecipando a revisão de um normativo - e é bom que isto fique claro e que conste das súmulas, para que não existam dúvidas - que já anunciara que seria, de qualquer modo, integrado na revisão do conjunto dos normativos legais relativos à televisão pública. Se o Governo veio determinado, sai ainda mais determinado.
Aprendi sobre regras, regimentos e recursos, ouvi muito sobre a forma, mas muito pouco sobre o conteúdo deste debate.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Tinha, e tenho, para mim que o conteúdo deste debate não era um concurso sobre habilidade regimental mas uma conjugação de esforços para alterar a situação gravíssima em que se encontra a RTP.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Não ouvi um único caminho alternativo àquele que o Governo propõe para resolver este impasse.

Protestos do PS e do PCP.

Foi muito a sério o que disse a esta Câmara, e vos repito: a partir de Junho, a RTP não tem garantidos os meios financeiros. A partir de Junho, não estão garantidos os fornecedores e, mais grave, não está garantida a situação dos trabalhadores. É isto que me preocupa…

Vozes do PS: - Ah!…

O Orador: - … e é por isso que não aceito ficar parado numa situação de impasse à espera de, amanhã, num futuro distante, ver quem tem razão num qualquer tribunal. A RTP não tem tempo!
Não se acuse o Governo de querer destruir a RTP, Srs. Deputados.

Vozes do PCP: - Oh!…

O Orador: - Não se pode destruir o que nos é deixado destruído!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Não se acuse o Governo de querer destruir o serviço público, porque, até há pouco tempo, não havia ninguém nesta Câmara que dissesse que a RTP estava efectivamente a prestar serviço público de televisão, como lhe compete, nos termos legais. Não se pode destruir o que não existe, o Governo não é responsável por esta situação!
A situação da RTP é grave. Eu não viria aqui, não virei nunca aqui, para ganhar escaramuças parlamentares.

Vozes do PS e do PCP: - Ah!…

O Orador: - Venho aqui para procurar dar mais um passo para ganhar uma guerra, uma guerra que é muito simples. É uma guerra que se ganha se e quando, com a colaboração daqueles que querem de facto defender a televisão pública, a conseguirmos reabilitar, a partir da RTP e garantindo realmente serviço público de televisão. É para esta guerra que estarei sempre disponível, é nesta guerra que espero poder contar convosco!

Aplausos do PSD e do CDS-PP, de pé.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito regimental da defesa da honra da bancada.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito regimental da defesa da honra da bancada.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Francisco Louçã, queira pormenorizar a razão do seu desconforto.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, como acabou de ouvir, o Sr. Ministro da Presidência entendeu dar um raspanete à Assembleia da República sobre o concurso de habilidades regimentais e as escaramuças parlamentares. Eu entendo que isto é francamente ofensivo.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, o Sr. Ministro da Presidência não tem paciência para a oposição!

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Não tem paciência para ouvir aquilo que não lhe agrada! Não tem paciência para o fundo da democracia, e isso é todo o debate que aqui temos!
O senhor acha que perdemos tempo ao discutir o Regimento, quando alguns Deputados, com quem alguns concordarão e outros não, entendem que têm não só o direito mas, sobretudo, o dever, Sr. Ministro, de suscitar o problema político mais importante que determina o nosso mandato, que é o respeito pela Constituição. V. Ex.ª acha que isto é uma escaramuça e uma brincadeira.
O senhor não está preparado para a democracia como exercício da diferença de opinião!

Aplausos do BE e do PS.

Por isso mesmo é que discutimos esta proposta de lei que temos aqui. Temos aqui esta proposta de lei, Sr. Ministro, porque V. Ex.ª não tem paciência para o Conselho de Opinião! Acha que a lei só lhe serve se for decidida e aplicada estritamente de acordo com as suas instruções, mas a lei já não serve se, no exercício da sua competência, for aplicada em conclusão discordante do Governo.
O senhor não tem paciência para a democracia! E é por não ter paciência para a democracia que chega a este Parlamento e julga que nos pode dizer, com toda a tranquilidade: «eu, Ministro, menti aos jornalistas, menti ao País, estou à vontade e agora passo-vos um raspanete sobre aquilo que são os vossos direitos e as vossas responsabilidades!». O Sr. Ministro devia ter vergonha!

Aplausos do BE e do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.

O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, faço política há tempo suficiente para ter estado mais tempo na oposição do que a exercer qualquer poder, dentro do partido ou agora, no exercício de funções públicas. Não tenho qualquer problema, nunca tive, de trabalhar na oposição.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - É para lá que deve voltar!

O Orador: - O problema de paciência que tenho é só um: é para com a situação da RTP!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A única coisa que os eleitores me exigem é que não tenha paciência para continuar a assistir, passivamente, ao gasto de 1 milhão de contos por semana sem que nada se faça! É para isto que não tenho paciência!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Terei disponibilidade para trabalhar com o Parlamento todos os dias, sem qualquer problema, mas deixe-me perguntar-lhe se lhe parece que é com muitos dos momentos que hoje aqui se viveram que se dignifica o Parlamento perante o País!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Costa, nem lhe pergunto o motivo da ofensa, pois presumo que seja o mesmo.
Tem a palavra.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Ministro da Presidência tem revelado, eu diria mesmo, um incompreensível desprezo por aquilo a que trata como formalidades e ninharias.
Confrontado, como o vi, no outro dia, na televisão, com um parecer negativo da Alta Autoridade para a Comunicação Social sobre esta sua proposta de lei, disse, num tom algo pesporrente: «eles não dão pareceres, dão opiniões. Quem vai dar o parecer, e é esse que me interessa, é a Assembleia da República!».
Ora, acontece que quem dá pareceres é, efectivamente, a Alta Autoridade para a Comunicação Social. A Assembleia da República não dá pareceres. A Assembleia da República decide; pode decidir mal, mas decide! Não dá pareceres ao Governo.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

E o Governo, por enquanto, não dá pareceres sobre o trabalho da Assembleia da República. Por enquanto, VV. Ex.as respondem perante a Assembleia da República!

Aplausos do PS e do BE.

Sr. Ministro, esta proposta de lei não tem qualquer relação com a situação da RTP. Esta proposta de lei só tem relação com a situação na RTP, porque, em primeiro lugar, VV. Ex.as não são capazes de conviver com a lei que está em vigor por a respectiva aplicação vos ter dado um resultado desfavorável.
VV. Ex.as não propuseram no Programa do Governo, não propuseram no programa eleitoral, não propuseram em circunstância alguma alterar as competências do Conselho de Opinião. Só vêm tirar competências ao Conselho de Opinião porque foram a votos e perderam!

Vozes do CDS-PP: - Quem é que foi a votos?!

O Orador: - Portanto, a vossa regra é simples: se a lei vos favorece, fica em vigor; se a lei deixa de vos favorecer, mudam-na! Isto é subverter a regra fundamental da submissão à legalidade!
A lei não pode estar ao sabor da boa disposição ou das conveniências de V. Ex.ª. A lei tem de ser igual para si, para mim, hoje, amanhã, sempre e em qualquer circunstância!

Aplausos do PS.

Em segundo lugar, V. Ex.ª resolveu fazer chantagem com a Assembleia da República e com o Conselho de Opinião, dizendo: «ou viabilizam este conselho de administração

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ou não resolvemos o problema de tesouraria da RTP»! Isto, Sr. Ministro da Presidência, é pura chantagem!

O Sr. Artur Penedos (PS): - Exactamente!

O Orador: - Sr. Ministro, se hoje não fizemos aqui a discussão de fundo foi porque V. Ex.ª teve medo dela e não a quis fazer hoje, e, para isso, contou com o apoio das bancadas do PSD e do CDS-PP, que impediram a realização da interpelação que se deveria ter realizado até ontem e antes da votação desta proposta de lei - mas o senhor não quis.
Sr. Ministro da Presidência, há uma coisa a que o senhor tem de responder, para que fique claro de uma vez por todas. Não posso aceitar, nem acredito, pelo que conheço de si, que V. Ex.ª tenha mentido…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Costa, o seu tempo esgotou-se, peço-lhe que conclua.

O Orador: - Esgotou-se o tempo e esgotar-se-á a minha intervenção, Sr. Presidente.
Como eu estava a dizer, Sr. Ministro, não acredito que V. Ex.ª tenha mentido. Não acredito! E, portanto, a proposta de lei ora em discussão não foi aprovada na reunião do Conselho de Ministros em que V. Ex.ª disse não ter sido aprovada! E não foi, com certeza, aprovada sob condição, porque não há propostas de lei aprovadas sob condição! E, ainda que houvesse, como V. Ex.ª sabe porque é um ilustríssimo jurista, uma condição definida por um órgão colegial tem de ser verificada, o preenchimento ou não da condição, pelo mesmo órgão colegial! E as competências do Conselho de Ministros são indelegáveis - são indelegáveis, desde logo, no Primeiro-Ministro e serão também, por maioria de razão, num ministro, por muito ilustre que o seja, e V. Ex.ª certamente que o é.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que termine, pois já ultrapassou em muito o tempo regimental.

O Orador: - Portanto, Sr. Ministro da Presidência, quando quiser tratar, com cabeça, tronco e membros, a política do audiovisual, a RTP, conte connosco. Enquanto quiser alimentar esta trapalhada, não conte connosco, porque esta não é forma de governar, é uma, pura e simples, trapalhada e nisso nós não embarcamos!

Aplausos do PS, do PCP e do BE.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.

O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Costa, devo dizer que não reconheci agora, nas suas palavras, o insigne jurista que o senhor é e o ex-Ministro da Justiça que o senhor foi.
Sr. Deputado, é evidente que a Assembleia da República decide, e a Assembleia da República decidiu aprovar o Programa do Governo.

Protestos do PCP e do BE.

Agora, deveria preocupar-se mais em obrigar o Governo a executar o seu Programa em vez de perder tempo a procurar obstaculizá-lo.
Quanto à questão da legitimidade, é evidente que a Assembleia da República tem legitimidade, o que me custa a aceitar é que com legitimidade, perante a situação grave que a RTP vive neste momento, tenham actuado, abusivamente, os 30 senhores do Conselho de Opinião da RTP…

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - … e não os 9 milhões de portugueses que decidiram nas eleições…

O Sr. António Costa (PS): - 9 milhões?!

O Orador: - … pelo Programa do Governo aprovado nesta Câmara.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Deputado corrigirá o número de eleitores se não são os 9 milhões, eu não me perco com esses detalhes…

Vozes do PS e do PCP: - Tanto faz ser 9 milhões ou qualquer outra coisa!

Risos do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

O Orador: - É o número que quiser!
Para terminar, deixe-me dizer que chantagem seria dizer uma coisa distinta. Seria dizer: ou viabilizam o Programa do Governo, ou nós fazemos como os socialistas, deixamos a RTP continuar no plano inclinado até bater no fundo, sozinha e sem conserto! Foi isto que não fizemos. Dissemos: deixem-nos…

O Sr. José Magalhães (PS): - Deixem-nos afundar!

O Orador: - … e ajudem-nos a salvar a RTP do buraco em que os senhores a colocaram. É muito simples, não há chantagem alguma!
Finalmente, quero dizer que não há qualquer problema, quer da minha parte quer da parte do Governo, em discutir todas as questões relativas à televisão pública. E é precisamente para se ter todo o tempo para as discutir, e com serenidade, que cá estarei na próxima semana e tantas vezes quantas forem necessárias. Mas para já na próxima semana, na interpelação que está agendada. No entanto, estarei sempre ao vosso dispor para, de forma serena e organizada, discutirmos todos os problemas relativos à televisão pública. É para isso, e só para isso, que aqui estou.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa sobre a condução dos trabalhos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Bernardino Soares, peço-lhe por favor que seja brevíssimo, porque ainda temos uma longa ordem de trabalhos para cumprir.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, antes de mais, gostaria de sugerir a V. Ex.ª que elucidasse o Sr. Ministro da Presidência de que a Assembleia da República não aprovou o Programa do Governo,…

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Aprovou! Aprovou!

Vozes do PCP e do PS: - Aprovou uma moção de confiança ao Programa do Governo!

O Orador: - … pois parece que este erro, repetidamente, se coloca.
De qualquer modo, a minha interpelação é sobre a condução dos trabalhos, porque me parece que a Mesa tem de estar atenta à condução dos trabalhos. E pergunto-me se se pode permitir que estejamos aqui, sucessivamente, durante a tarde, a ser confrontados com diferentes versões dos acontecimentos e com a dúvida de sabermos qual delas é, afinal, a verdadeira.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!

O Orador: - E esta é uma matéria que releva para a condução dos trabalhos, Sr. Presidente, a de sabermos qual foi, afinal, a verdadeira história…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É a História da Carochinha!

O Orador: - … da aprovação, ou não, desta proposta de lei em Conselho de Ministros!

Protestos do PSD e do CDS-PP.

E, Sr. Presidente, uma medida sensata para a condução dos trabalhos será a de retirar ao Governo aqueles 21 segundos de que ainda dispõe, senão estamos sujeitos a que apareça ainda uma quinta ou sexta versão sobre o que aconteceu na reunião do Conselho de Ministros, do passado dia 16!

Risos do PCP.

Uma outra matéria que também releva para a condução dos trabalhos, Sr. Presidente, é saber se se pode permitir que se qualifiquem como escaramuças,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isto não é uma interpelação!

O Orador: - … como debate inválido e sem qualquer relevância a discussão que aqui tivemos sobre os procedimentos regimentais, muito importantes e que são decisivos para reger a vida desta Casa.

Aplausos do PCP.

Esta não é uma questão que deva estar alheia à condução dos trabalhos.

Aplausos do PCP e do BE.

Termino de imediato, Sr. Presidente, dizendo que a verdade é que tudo a que hoje aqui assistimos tem por detrás a incomodidade e a responsabilidade do PSD na situação em que a RTP se encontra hoje, já que foi o PSD, desde os tempos em que foi governo, que entregou a uma outra empresa a rede de transmissores da RTP, que acabou com a taxa de televisão sem ressarcir a RTP dessas receitas,…

Protestos do PSD e do CDS-PP.

… dando, portanto, início à situação que hoje se vive na televisão pública.

Aplausos do PCP e do BE.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Bernardino Soares, a sua pergunta foi-me dirigida e, obviamente, eu teria imenso gosto em responder-lhe… Mas os termos em que a formulou reabre um debate. Tenham dó, por favor! Ainda temos tanto para discutir hoje até concluirmos a nossa ordem do dia.
Tanto reabre um debate que já se inscreveram para usarem da palavra os Srs. Deputados Guilherme Silva e Telmo Correia, a quem peço o favor de serem brevíssimos, a fim de colaborarem com a Mesa, no sentido de concluirmos todos os aspectos procedimentais e votarmos a substância que constitui a ordem do dia.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, na sequência desta interpelação, gostaria de clarificar dois aspectos.
O Sr. Ministro da Presidência já explicou que a proposta de lei foi votada sob condição de um facto que era previsível…

Risos do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

Era previsível! Srs. Deputados, não se riam, porque esse riso é de ignorância, peço desculpa! É um riso de ignorância!…

Vozes do PCP: - Oh!…

O Orador: - Era ou não público que o Conselho de Opinião da RTP se preparava para «chumbar» aquele…

Protestos do PCP.

Srs. Deputados, era ou não público e previsível que o Conselho de Opinião se preparava para vetar o parecer que tinha de emitir? Era público! Era público! O Conselho de Ministros estava reunido e tinha toda a obrigação de preparar esta solução, e preparou-a da forma clara e transparente como aqui foi esclarecido. Houve, naturalmente, o bom senso de não publicitar essa solução antecipadamente…

O Sr. José Magalhães (PS): - O bom senso?!

O Orador: - … para não haver uma pressão sobre o Conselho de Opinião. É tão simples quanto isto!
Sabemos que VV. Ex.as, se fossem poder, tratariam de outra forma: publicitavam que já tinham aprovado e pressionavam o Conselho de Opinião. Sabemos que seria assim,

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mas esta não é a nossa maneira de estar na política, de conduzir as questões institucionais!

O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr. Deputado, olhe o nariz a crescer!

O Orador: - Em relação ao problema do Programa do Governo, vou só ler-lhe a Acta da discussão e aprovação do Programa do XV Governo Constitucional aqui. Diz-se assim: «O Sr. Presidente: - (…) solicitando à Assembleia da República, (…) a aprovação de um voto de confiança ao seu Programa.
Admito este pedido de um voto de confiança ao Programa do Governo, que será votado no final do debate (…).» - um voto de confiança ao Programa do Governo!
Portanto, V. Ex.ª está esclarecido sobre o alcance constitucional e regimental desta matéria.

Protestos do Deputado do PCP Bernardino Soares.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, devo dizer que não sei se o Sr. Ministro…

Protestos do PS e do PCP.

Diga, Sr. Deputado?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Telmo Correia, peço-lhe que use da palavra, porque foi para isso que ela lhe foi dada!

O Orador: - Sr. Presidente, quero dizer que eu próprio, como Deputado, também estou cansado - é neste sentido quero interpelar a Mesa - das sucessivas discussões processuais e que aguardo veementemente a votação desta mesma matéria e a sua resolução, bem como tudo o que temos para trabalhar hoje.
Quero referir duas coisas, muito simples e muito sintéticas, Sr. Presidente. Em primeiro lugar, parece-me não ser hábito desta Câmara pôr em causa a autenticidade de documentos assinados pelo Sr. Primeiro-Ministro, assinados pelo Sr. Ministro da Presidência e assinados pelo Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares. Não é hábito!

Protestos do PS e do PCP e contraprotestos do CDS-PP e do PSD.

Em segundo lugar, também não deveria ser hábito desta Assembleia pôr em causa a vontade expressa num programa do Governo dos 5 473 655 eleitores que votaram nas últimas eleições…

O Sr. José Magalhães (PS): - E esses votaram todos neste Governo?!

O Orador: - … e que representam, como o Sr. Ministro da Presidência disse, a vontade da Nação portuguesa, ou seja, a vontade de 9 milhões de portugueses que se revêem neste Programa e na necessidade de salvar a RTP.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Jorge Lacão, quero prevenir a Câmara de que, a menos que o Sr. Deputado profira ofensas à honra de alguma bancada, não darei a palavra a mais ninguém.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Agora é para a defesa da honra dos eleitores!

O Sr. Presidente: - Mas espero que isto não seja tido como um incentivo ao Sr. Deputado Jorge Lacão para insultar as bancadas!

Risos.

Tem a palavra, Sr Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, desejo apenas interpelar a Mesa sobre a condução dos trabalhos.
Sr. Presidente, a partir desde momento estou com uma dúvida fundamental e gostaria que V. Ex.ª ma pudesse esclarecer.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Ah!…

O Orador: - Sr. Presidente, sendo a Assembleia da República e este Plenário um órgão colegial e tendo em conta que estamos na iminência de, daqui a pouco, termos de fazer uma votação, gostaria de saber se V. Ex.ª admite a possibilidade de este órgão colegial aprovar a proposta de lei sob condição de à meia-noite o Conselho de Opinião da RTP dar parecer favorável ao conselho de administração que o Governo queria. Por outras palavras, gostaria de saber se essa aprovação condicional é legítima, Sr. Presidente.

Risos do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lacão, a minha resposta é: no comment!
Srs. Deputados, penso que estamos em condições para passarmos à fase seguinte, que é a das votações.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, como sempre, até estar instituído o voto electrónico que permite resolver este problema rapidamente e tratando-se de iniciativas legislativas de grande importância, vou pedir agora, como pedirei sempre, a contagem dos votos.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Sobre isso, posso dizer que, esperando a sua intervenção, pedi aos Srs. Secretários que verificassem as presenças dos Srs. Deputados, cujo resultado é o seguinte: estão presentes na Sala 100 Deputados do PSD, 13 do CDS-PP, 3 do BE, 2 de Os Verdes, 10 do PCP e 72 do PS.

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Srs. Deputados, temos dois requerimentos, o primeiro apresentado pelo PSD e CDS-PP, no sentido de avocar a plenário da votação na especialidade da proposta de lei n.º 4/IX, imediatamente após a respectiva votação na generalidade. Porém, o segundo, apresentado pelo PSD, prejudica o primeiro requerimento, que se deve considerar ultrapassado, porque requer expressamente a realização desta votação no final do presente debate, que já terminou, não só por não haver mais oradores inscritos como por falta de tempo, na generalidade, na especialidade e final global.
É, portanto, o segundo requerimento, que já foi distribuído pelos grupos parlamentares, que vamos votar de imediato.

Submetido à votação, foi aprovado, com os votos a favor do PSD e do CDS-PP e os votos contra do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

Assim, Srs. Deputados, vamos proceder de imediato à votação na generalidade da proposta de lei n.º 4/IX - Altera a Lei n.º 31-A/98, de 14 de Julho.

Submetida à votação, foi aprovada, com os votos a favor do PSD e do CDS-PP e os votos contra do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, se vamos passar ao debate na especialidade, peço que se fixe a grelha de tempos para esse debate.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, julgo que este assunto está bastante discutido, no entanto, para que todos possam manifestar as suas opiniões sobre a matéria em questão, atribuo 3 minutos a cada um dos grupos parlamentares para este debate na especialidade.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Pedimos para entregar uma proposta de alteração na especialidade no sentido de a Mesa a distribuir pelos outros grupos parlamentares.

O Sr. Presidente: - Vamos distribui-la imediatamente, Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, sugiro que o debate na especialidade apenas comece depois de serem distribuídas as propostas de alteração.

O Sr. Presidente: - Tem toda a razão. Podemos esperar que as propostas sejam distribuídas, já que são substancialmente essas alterações que vamos discutir.
Entretanto, já se inscreveu o Sr. Deputado António Filipe, a quem darei a palavra logo que todas as bancadas disponham das propostas de alteração que foram presentes à Mesa.

Pausa.

Srs. Deputados, já foram distribuídas todas as propostas de alteração, portanto, estamos em condições de iniciar a discussão na especialidade, para o que seria desejável que existisse quorum de funcionamento.
Agradeço que os Srs. Deputados tomem os seus lugares para verificarmos se temos o quorum de funcionamento necessário a fim de podermos iniciar o debate na especialidade da proposta de lei.
O primeiro orador inscrito é o Sr. Deputado António Filipe, a quem dou de imediato a palavra para uma intervenção.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, agradeço por me ter concedido a palavra, mas creio ainda não ter condições para ser ouvido.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, estou a fazer apelos nesse sentido, mas alguns Srs. Deputados que estão um pouco surdos...

O Orador: - Sr. Presidente, pedi a palavra para apresentar uma proposta de alteração na especialidade e aproveito, em primeiro lugar, para agradecer ao Sr. Deputado Guilherme Silva por ter referido a posição que o PCP tomou aquando da aprovação da Lei da Televisão. Agradeço por ter lembrado, e bem, que o texto que está a actualmente em vigor relativamente às competências do Conselho de Opinião teve uma contribuição decisiva do Grupo Parlamentar do PCP, que, enquanto grupo parlamentar da oposição, não se coibiu de apresentar propostas para chegar a um entendimento razoável, por forma a ser encontrada uma solução, que é precisamente aquela que os senhores querem agora alterar. São virtudes das maiorias relativas, já que obrigam as maiorias a dialogar com as oposições e a encontrar soluções construtivas.
É esta solução que os senhores não querem, com a qual nos identificamos perfeitamente e foi por isso que nos opusemos a que esta lei, cujo texto foi aprovado sob proposta nossa, seja alterada pelos senhores.
Quero dizer também que, desta vez - imaginem, Srs. Deputados, como são as coisas!... -, apresentamos uma proposta na especialidade que é do PSD. É precisamente a proposta que os senhores apresentaram de que o Conselho de Opinião tivesse não apenas um poder vinculativo de emissão de parecer mas fosse ele próprio a eleger o Presidente e mais dois vogais do Conselho de Administração da RTP.
Os Srs. Deputados dirão agora que apresentaram a proposta noutras circunstâncias... Isso sabemos nós, Srs. Deputados! Os senhores na altura estavam na oposição e queriam que a RTP fosse desgovernamentalizada; agora, estão no poder e querem governamentalizar a RTP!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É essa, Srs. Deputados, a alteração de circunstâncias!

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O Sr. Deputado Guilherme Silva apelou à «Exposição de motivos» da proposta de lei e disse que o que o PSD queria na altura, como se diz aqui, era ajudar o PS a cumprir o seu programa, porque dizia que queria a desgovernamentalização da RTP. Pois é, Sr. Deputado, o Programa do actual Governo também se refere algures à desgovernamentalização da RTP e nós identificamo-nos não apenas com o conteúdo do articulado mas também com a «Exposição de motivos» e se a intenção do PSD fosse de facto desgovernamentalizar a RTP nós também daríamos uma ajudinha para que o PSD pudesse cumprir esse objectivo.

Aplausos do PCP e do BE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, estamos na fase de apreciação na especialidade e, evidentemente, nesta fase subsiste a única proposta de alteração da Lei da Televisão apresentada pelo Governo. Por isso, Srs. Deputados, ainda é a ela que me devo referir, para sublinhar que é uma proposta explícita quanto a um ponto e implícita quanto a outro e é da proposta implícita que quero tratar.
O que a proposta efectivamente visa, como se compreendeu, é retirar ao Conselho de Opinião da RTP a possibilidade de se pronunciar vinculativamente sobre a nomeação dos membros do Conselho de Administração. O Sr. Ministro da Presidência disse há pouco que era um abuso de poder da parte do Conselho de Opinião não ter respeitado a intenção programática constante do Programa do Governo, que, aliás, nesta matéria nada diz, declarando, bem pelo contrário, querer desgovernamentalizar os órgãos públicos de comunicação social.
A verdade é que o que esta proposta traduz é a circunstância de o Conselho de Opinião da RTP ter agido inteiramente conforme a lei que lhe competira defender. Porque ao Conselho de Opinião da RTP não compete defender o Programa do Governo mas, sim, a Lei da Televisão. Ora, a Lei da Televisão e o estatuto da própria RTP, S. A., conferem a esta empresa a obrigatoriedade de emitir em dois canais e esta obrigatoriedade não é uma cominação administrativa, é uma cominação legal aprovada pela Assembleia da República. Por isso, o Conselho de Opinião cumpriu escrupulosamente o seu dever de garantir o cumprimento da Lei da Televisão. E porquê? Porque o Conselho de Opinião, tal como todos nós, sabia a evidência, a qual consta de um comunicado do Conselho de Ministros, que determina a nomeação desse Conselho de Administração com o mandato de - e cito - «garantir a criação de uma nova empresa pública de televisão que assegure a emissão de um canal generalista». Ou seja: o que está em causa na intenção implícita da proposta do Governo é criar o «decisionismo» administrativo, deslegalizando o processo de decisão que tem como consequência esvaziar os poderes da Assembleia da República em matéria de definição do conteúdo do serviço público de televisão e, consequentemente, impedir também, por parte do Sr. Presidente da República, o normal exercício dos poderes de promulgação e de veto sobre o acto legislativo.
É este o fundo da questão e é relativamente a ele que releva a intenção da proposta do Governo.
Vou concluir sublinhando que, em todo o caso, o facto de o Sr. Ministro da Presidência ter confessado que a proposta foi aprovada em Conselho de Ministros sob condição suspensiva leva a esclarecer que o Conselho de Ministros é um órgão colegial e que, nos termos da Constituição, o impulso legislativo é da exclusiva competência do Conselho de Ministros reunido colegialmente, competência que não é delegável em ninguém. A verificação da condição é acto jurídico. Portanto, o impulso para esta proposta de lei teria de resultar do Conselho de Ministros, o qual não existiu e o que aqui estamos a fazer é a apreciar um acto inexistente.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, apresentou o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda três propostas: uma primeira proposta de substituição da proposta do Governo que mais não visa do que consagrar na letra da lei aquilo que tem acontecido até hoje e que seria uma prática continuada se não viesse a ser interrompida, como esperemos que aconteça, pela votação que vai seguir-se.
Ou seja: propomos que o parecer prévio vinculativo seja organizado em condições tais que lhe permitam ser posterior à audição dos administradores propostos pela assembleia geral.
As outras duas alterações são aditamentos à proposta de lei e chamo a vossa atenção para o facto de um deles ter fundamentação na própria argumentação que o Ministro Morais Sarmento aqui convocou. De facto, ele disse-nos que não seriam diminuídas a capacidade e a competência do Conselho de Opinião - excepção feita ao facto de lhe ser retirado o poder de decisão vinculativa! -, porque esse Conselho emitiria parecer sobre os directores de antena e outros directores da televisão. A segunda proposta que fazemos consagra esse princípio decisivo para o Conselho de Opinião de uma empresa como a RTP, dando-lhe competência para emitir parecer sobre a nomeação de directores de antena, de programação, de informação ou de canal. A não ser aceite, não só a palavra do Sr. Ministro «vai com o vento», mas, sobretudo, esgotada a sua competência fundamental - nenhuma outra restará a este órgão no domínio próprio da verificação do funcionamento da empresa!
A terceira alteração que propomos pretende atribuir uma nova competência ao Conselho de Opinião e a esta proposta, e, suponho, não haverá oposição. O que propomos é que, entre os membros do Conselho de Opinião, seja nomeado alguém que tenha a capacidade de exercer a função de provedor do telespectador, a exemplo do que acontece nos órgãos de comunicação social de referência, públicos ou privados, onde existe alguém a quem o utente, neste caso, o telespectador, se pode dirigir para pedir pareceres, apresentar protestos ou viabilizar queixas. Em consequência, este provedor será alguém que irá saber junto dos serviços qual a fundamentação para decisões editoriais ou informativas, emitindo parecer sobre elas. Existe tal figura em todos os órgãos de comunicação social que são padrão no meio português e internacional. Como tal, sem acréscimo de dificuldades

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e simplificando estes processos, poderia o Conselho de Opinião tomar a decisão de escolher um dos seus membros mais prestigiados para exercer essa função.
Estas são, portanto, as três propostas que submetemos ao voto.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais oradores inscritos e parecendo-me que está presente na Sala o mesmo número de Deputados que anunciei para as votações anteriores, penso que podemos proceder à votação das propostas em causa. De acordo com a ordem determinada pelo Regimento, começaremos por votar as propostas de substituição.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação de uma proposta apresentada pelo PCP, de substituição do artigo 1.º da proposta de lei n.º 4/IX, que altera a alínea a) do n.º 2 do artigo 48.º da Lei n.º 31-A/98, de 14 de Julho.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PSD e do CDS-PP, votos a favor do PCP e de Os Verdes e abstenções do PS e do BE.

Era a seguinte:

a) Eleger o presidente e dois vogais do Conselho de Administração, mediante maioria qualificada de dois terços.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, agora, proceder à votação de uma proposta apresentada pelo Bloco de Esquerda, de substituição do artigo 1.º da proposta de lei n.º 4/IX, que altera a alínea a) do n.º 2 do artigo 48.º da Lei n.º 31-A/98, de 14 de Julho.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

Era a seguinte:

a) Emitir parecer prévio vinculativo sobre a composição do órgão de administração da empresa concessionária, a eleger ou destituir na respectiva assembleia geral, no prazo máximo de 20 dias e na sequência de audição aos administradores propostos pela assembleia geral.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, agora, proceder à votação, na especialidade, do artigo 1.º da proposta de lei n.º 4/IX.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e votos contra do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação de uma proposta apresentada pelo Bloco de Esquerda, de aditamento de uma nova alínea b) ao n.º 2 do artigo 48.º da Lei n.º 31-A/98, de 14 de Julho, alterada pelo artigo 1.º da proposta de lei n.º 4/IX.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PSD e do CDS-PP, votos a favor do BE e abstenções do PS, do PCP e de Os Verdes.

Era a seguinte:

b) Emitir parecer vinculativo sobre a nomeação, por parte da Administração, dos directores de antena, de programação, de informação ou de canal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação de uma proposta apresentada pelo Bloco de Esquerda, de aditamento de uma nova alínea d) ao n.º 2 do artigo 48.º da Lei n.º 31-A/98, de 14 de Julho, alterada pelo artigo 1.º da proposta de lei n.º 4/IX.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PSD e do CDS-PP, votos a favor do PCP, do BE e de Os Verdes e a abstenção do PS.

Era a seguinte:

d) Nomear entre os seus membros um Provedor do Telespectador, com competência para receber queixas de cidadãos ou associações de cidadãos sobre os conteúdos das emissões do serviço público de televisão, proceder junto dos serviços da empresa ao apuramento da informação e esclarecimento necessário para avaliar da fundamentação das comunicações de queixa e emitir parecer sobre elas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, agora, proceder à votação, na especialidade, do artigo 2.º da proposta de lei n.º 4/IX.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e votos contra do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos, então, proceder à votação final global da proposta de lei n.º 4/IX - Altera a Lei n.º 31-A/98, de 14 de Julho.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e votos contra do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Presidente?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, atendendo à prioridade de que se revestiu a discussão desta proposta de lei e à simplicidade desta, peço a dispensa de redacção final.

O Sr. Presidente: - Há alguma objecção a este requerimento agora apresentado pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Há, sim, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: - Assim sendo, temos de votá-lo.

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Srs. Deputados, vamos proceder à votação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes, no sentido de dispensar a baixa da proposta de lei n.º 4/IX à Comissão para efeitos de redacção final.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS-PP, votos contra do PCP, do BE e de Os Verdes e a abstenção do PS.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário da Mesa vai dar conta de dois relatórios e pareceres da Comissão de Ética.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal Judicial da Comarca de Sintra, Processo n.º 1252/02, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Costa e Oliveira (PSD) a prestar depoimento por escrito, como testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, então, proceder à votação do parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Departamento de Investigação e Acção Penal, Processo n.º 487/02, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Almeida Santos (PS) a prestar depoimento por escrito, como testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos, então, passar ao ponto seguinte da nossa ordem de trabalhos, ou seja, à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 3/IX - Altera a Lei n.º 13/98, de 24 de Fevereiro (Lei das Finanças das Regiões Autónomas).
Para apresentar a proposta em apreço, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças.

O Sr. Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças (Miguel Frasquilho): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como se sabe, o artigo 46.º da Lei n.° 13/98, de 24 de Fevereiro, a Lei das Finanças das Regiões Autónomas, previa a revisão deste diploma até final de 2001, pelo que o anterior governo aprovou, em 9 de Novembro do ano passado, um projecto de proposta de lei de alteração da Lei das Finanças das Regiões Autónomas.
Esta proposta veio a ser aprovada em 20 de Dezembro de 2001, com alterações introduzidas por iniciativa de Deputados, através do Decreto da Assembleia da República n.º 185/VIII. O diploma foi submetido à promulgação do Presidente da República, tendo sido pelo mesmo requerida ao Tribunal Constitucional a apreciação da constitucionalidade do mencionado Decreto da Assembleia da República, uma vez que, à data da sua aprovação, o Governo já se encontrava demissionário. O Tribunal Constitucional pronunciou-se, no seu Acórdão n.º 36/2002, pela inconstitucionalidade do diploma, por violação do n.° 6 do artigo 167.° da Constituição, que determina que as propostas de lei caducam com a demissão do Governo, o que levou à devolução do Decreto sem promulgação.
Tornou-se, assim, necessário apresentar à Assembleia da República uma nova proposta de lei que aprove a alteração dos montantes máximos previstos no artigo 47.° da lei n.º 13/98, de 24 de Fevereiro, para assunção de dívida das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira por parte do Governo. É precisamente este passo que o Executivo agora cumpre.
Assim, com os montantes agora propostos, de 32 421 863 euros para cada uma das regiões autónomas, fica garantida a comparticipação do Governo da República num programa especial de redução das dívidas públicas regionais. Trata-se, portanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, de um projecto que já tinha sido discutido e aprovado pelo Parlamento e que só não foi promulgado pelo Presidente da República pelas circunstâncias que já atrás referi. É um compromisso da Assembleia da República perante as regiões autónomas, não fazendo o actual Governo mais do que honrar esse mesmo compromisso.
No entanto, resulta também claro que esta assunção de dívida por parte do Executivo não significa que o défice das Regiões Autónomas dos Açores e Madeira, implícito no artigo 75.° da Lei do Orçamento do Estado para 2002, no montante de aproximadamente 30 milhões de euros, possa ser ultrapassado.
É este, pois, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o enquadramento em que o Governo propõe à Assembleia da República a aprovação do presente diploma.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Quer o Governo fazer-nos crer que é apenas um remake de um debate que já aqui tivemos e que, por vicissitudes de ordem constitucional, não foi adiante, não foi promulgado como lei, tratando-se agora meramente de homologar algo que já se tinha feito anteriormente. Não é verdade!
E não é verdade, porque, no debate anterior que aqui tivemos, foi dito pelo Partido Social-Democrata , designadamente pelo Sr. Deputado Guilherme Silva, que, enfim, se adaptava a uma solução conjuntural, mas que discordava dela, porque se tratava apenas do assumir pela administração central de dívidas das regiões autónomas, não indo ao fundo da questão - que nós também defendemos -, que é a revisão da Lei de Finanças das Regiões Autónomas. Por isso, tratava-se apenas da revisão de uma parte e não da revisão extensa e profunda do todo, como seria desejável.
Dizia até o Sr. Deputado Guilherme Silva que iriam, em causa diminuída, votar favoravelmente esta alteração, que permitia assumir dívidas das regiões autónomas, mas, enfim, nem sequer se tinha aproveitado o Orçamento para colocar essa dívida.
Ora, curiosamente, algo se passou: há uma nova maioria, há um novo Governo. E, de facto, nem nos trazem aqui

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um trabalho para o desenvolvimento e revisão da Lei de Finanças das Regiões Autónomas e muito menos aproveitaram a oportunidade do Orçamento rectificativo para incluir esta previsão de assunção de dívida por parte da administração central.
Então, Sr. Deputado Guilherme Silva e Partido Social-Democrata , que eu directamente interpelo, não há dúvida de que isto não é um remake... Passou-se aqui alguma coisa pelo meio: foi a mudança de Governo!
O que o Partido Social-Democrata hoje aqui se prepara para fazer e o que o Governo aqui traz nesta proposta de lei é exactamente o mesmo que criticaram ao governo do Partido Socialista. Nessa medida e em coerência, dizemos mais do mesmo «não» e estaremos dispostos à revisão da Lei de Finanças das Regiões Autónomas para um quadro de autonomia, de solidariedade nacional, de responsabilidade e de transparência.
Adoptamos como nossa posição aquela que vocês próprios exigiram quando, em Dezembro, aqui debatemos toda esta questão. Por isso, em coerência, tal como nesse momento, votaremos desfavoravelmente esta proposta de lei.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, percebi o seu esforço para justificar porque vai votar contra esta proposta, mas não precisava de fazer um esforço tão grande, porque, como já tinha votado contra aquando da sua votação aqui, no Plenário, bastava dizer que, coerentemente, iria manter essa posição.
Em relação às questões que levantei, aquando da sua discussão aqui em Dezembro, é evidente que V. Ex.ª pergunta - e bem! - se mudou alguma coisa. Infelizmente mudou! Mudou a gravidade da situação em que o PS deixou o País!

Vozes do PS: - Ah!…

O Orador: - Ora, sabendo-se que esta questão deveria ter sido resolvida no Orçamento do Estado para 2002 e que, por oposição do PS, tal não aconteceu - e, naturalmente, também teria a sua oposição nessa altura -, houve agora necessidade de a resolver urgentemente por razões ligadas aos orçamentos regionais, como V. Ex.ª sabe.
A questão de fundo da Lei de Finanças das Regiões Autónomas está no Programa do Governo e o Governo vai cumpri-lo, o que implica, naturalmente, em várias vertentes, novos esforços em função da situação do País, que compreendemos e agendaremos no momento próprio.
Mantemos esta expressão de solidariedade porque sabemos que a solidariedade deve ser nos dois sentidos, Sr. Deputado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, agradeço-lhe a observação e compreendo a sua incomodidade…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não é incomodidade nenhuma!

O Orador: - É porque o Partido Social-Democrata está a fazer exactamente aquilo que tinha criticado ao governo do Partido Socialista, sem tirar nem pôr: descuidou uma oportunidade de revisão orçamental, não avançou primeiro com a revisão da Lei de Finanças das Regiões Autónomas e agora apenas mudou a pessoa que manipula a torneira em relação às dívidas das regiões autónomas. Nada mais mudou! Mudou o actor do processo, mas o processo é exactamente o mesmo! É isto que queremos assinalar devidamente.
Não é preciso fazer um esforço especial para perceber que não é casuisticamente que devemos tratar as finanças regionais…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Mas esta situação tem de ser tratada!

O Orador: - … e que levamos uma longa saga de tratamentos casuísticos, que não têm nobilitado as regiões autónomas, não têm dignificado as finanças públicas portuguesas e, além do mais, nos têm criado problemas, de que os senhores frequentemente fazem eco, em relação a compromissos internacionais, particularmente aqueles que foram contraídos na União Europeia.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero apenas dizer que vamos manter, nesta ocasião, exactamente a mesma posição que tivemos relativamente a proposta idêntica apresentada pelo governo anterior.
Na altura, dissemos aqui que, evidentemente, esta não é a revisão da Lei de Finanças das Regiões Autónomas que é necessária. O governo, na altura, comprometeu-se a avançar com esta solução provisória para resolver um problema concreto e pontual, dizendo que apresentaria futuramente uma proposta de lei de revisão da Lei de Finanças das Regiões Autónomas. Acordámos nessa posição e confiámos que o governo o fizesse, mas não teve oportunidade de o fazer por razões que todos conhecemos.
Estamos, agora, confrontados com uma situação idêntica, porque o Governo vem repor a proposta de lei do governo anterior, para que este problema pontual seja resolvido provisoriamente e compromete-se a apresentar posteriormente uma revisão global da Lei de Finanças das Regiões Autónomas.
Tal como dissemos em relação ao governo do PS, ficamos a aguardar que o Governo do PSD apresente a proposta de lei a que agora se compromete e vamos tomar exactamente a mesma posição que tomámos relativamente a idêntico diploma da legislatura anterior, isto é, vamos votar favoravelmente esta proposta de lei que estamos a discutir.

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O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos perante uma reprise de uma peça que foi estreada a 20 de Dezembro passado e que, «a pedido de várias famílias», volta ao palco desta Assembleia.
Com efeito, esta proposta do Governo, retoma - como, aliás, se lê na própria «Exposição de motivos» e o Sr. Secretário de Estado acaba de referir - o Decreto desta Assembleia da República n.º 185/VIII, aprovado só com os votos contra do Bloco de Esquerda, mas considerado inconstitucional pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 36/2002, que evoca uma discutível data da demissão do Governo para o efeito.
Perderam-se, assim, cinco meses para ultrapassar o impasse formal criado desde que o então Ministro Guilherme d'Oliveira Martins, que saúdo, tomou a decisão de reduzir a dívida pública das regiões autónomas através de várias medidas, entre as quais a da assunção de uma pequena parte dela pelo Governo da República nos exactos termos em que esta agora é retomada pelo actual Governo.
Trata-se de permitir aos governos da República que, directamente ou através dos seus serviços ou empresas em que seja accionista, comparticipe num programa especial de redução das dívidas públicas regionais num montante máximo de 6,5 milhões de contos para cada uma das regiões.
Como escrevi no relatório da Comissão de Economia, aprovado ontem, «A presente proposta inscreve-se no contexto das obrigações contraídas por Portugal, enquanto Estado-membro da União Europeia, de manter a estabilidade das finanças públicas e de reduzir a percentagem de dívida pública, além de, eventualmente, representar um elemento de flexibilidade para os encargos regionais em termos de serviço da dívida decorrentes de recursos a empréstimos.»
Sem querer entrar em polémicas facultativas ou artificiais, diga-se que a capacidade de endividamento das regiões autónomas tem sido disciplinada anualmente, por via do Orçamento do Estado, em termos bastante restritivos. Basta referir que, se se aplicasse aos Açores uma fórmula que permitisse a esta região endividar-se em montantes proporcionais à sua população, tendo em conta o actual stock da dívida nacional, verificar-se-ia agora uma acumulação de 340 milhões de contos em vez dos 56 milhões apresentados pelo Governo de Carlos César.
Se aplicássemos este exercício em relação à capacidade de endividamento anual da Região Autónoma dos Açores e da Região Autónoma da Madeira, os empréstimos autorizados para o ano de 2002 seriam de cerca de 20 milhões de contos para cada uma das regiões, ao passo que o Orçamento do Estado para 2002 só autoriza um máximo de 6 milhões.
Assim, as amortizações e assunções da dívida das regiões autónomas recebem um enquadramento mais verdadeiro e menos impressionante e impressionista.
É facto que a República, através dos governos do Partido Socialista, fez um esforço merecedor de realce ao assumir, em 1998, a quase totalidade da dívida das regiões autónomas, quando da entrada em vigor da Lei de Finanças das Regiões Autónomas, sem dúvida um marco na história das relações financeiras entre a República, os Açores e a Madeira, que muito contribuiu para desafogar as finanças daqueles arquipélagos.
Reside, porém, na capacidade do recurso a empréstimos por parte das regiões autónomas uma das principais melhorias que a futura revisão da Lei de Finanças das Regiões Autónomas deve permitir. A República deve definir critérios gerais e evitar a fixação de montantes anuais restritivos ao endividamento, que impede uma mais ágil gestão do mercado de capitais por parte dos órgãos de governo próprio. Estes empréstimos destinam-se ao investimento público, como é obvio.
Acresce que qualquer aumento de custos decidido em Lisboa para a Administração Pública, para a Saúde, para a Educação ou para outras políticas sociais se repercute directamente nas despesas dos orçamentos regionais sem transferência automática de verbas do Orçamento do Estado.
Por isso, seria conveniente a audição das regiões autónomas em todas as medidas legislativas e regulamentares da República das quais resultem aumento de encargos financeiros para os orçamentos regionais. Assim, todos dariam melhor conta dos serviços que as autonomias emprestam ao Estado.
É claro que o recurso ao endividamento só é defensável para responder a necessidades acrescidas de investimento público.
Aliás, já na proposta de lei n.º 109/VIII, apresentada pelo Governo de António Guterres, se encontrava um dispositivo que permitiria caminhar no bom sentido, por permitir a contracção de empréstimos a longo prazo por parte das regiões autónomas, desde que estes não correspondessem a um endividamento líquido adicional proporcionalmente superior ao do Estado naquele ano, calculado de harmonia com o princípio da capitação.
Fica-se, assim, à espera da apresentação da proposta de lei sobre a revisão geral da Lei de Finanças das Regiões Autónomas, até por esta ser uma obrigação constitucional conforme decorre do artigo 229.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, que tive a honra de propor pessoalmente na revisão de 1997.
Sr. Presidente da Assembleia da República - porque estes assuntos também lhe dizem respeito muito de perto -, a matéria da proposta de lei n.º 3/IX que hoje apreciamos é limitada no seu alcance futuro.
Como tive ocasião de escrever na conclusão do relatório da Comissão de Economia sobre esta matéria, de que fui autor, «Esta proposta de lei é, assim, uma resposta circunstancial a uma questão estrutural das relações financeiras entre a República e as regiões autónomas.
Mas louva-se a rápida retoma da proposta de Dezembro próximo passado por parte do actual Governo neste emergência.»
Esta proposta, retomada nos exactos termos daquela que apresentámos neste Plenário a 20 Dezembro, é a prova, a posteriori, de que o Governo do Partido Socialista tratou os Açores e a Madeira com a mesma atenção e isenção.
Esperemos que, agora, o Governo de Durão Barroso siga o exemplo do governo de António Guterres nesta matéria.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Velosa.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Medeiros Ferreira, o Sr. Deputado sabe, porque já falámos muitas vezes sobre estas matérias, quanto também tenho apreciado aquilo que existe em comum entre o PSD, eu próprio e o Sr. Deputado Medeiros Ferreira em relação a estas matérias das transferências para as regiões autónomas e da Lei de Finanças das Regiões Autónomas.
Registei aquilo que consta do relatório assinado por V. Ex.ª de que o Governo actuou rapidamente nesta matéria. No entanto, não é apenas sobre isto que quero manifestar-lhe o nosso acordo.
Eu estava a ouvir a sua intervenção e lembrei-me do que se passou, nos últimos meses de 2001, em relação às alterações da Lei de Finanças das Regiões Autónomas. Sobre esta matéria, quero dizer-lhe isto: não tenha dúvidas não só de que este Governo vai cumprir aquilo que consta no seu Programa mas também de que as alterações vão ser feitas com a maior brevidade possível, porque esta revisão deveria ter ocorrido até ao final de 2001.
Penso que o Sr. Deputado se recorda de que estivemos muito tempo à espera que o governo de então trouxesse a este Parlamento as alterações à Lei de Finanças das Regiões Autónomas, todos nós estávamos realmente preocupados porque essas alterações nunca mais chegavam. E quando chegaram, por razões que nunca foram explicadas, não continham aquilo que deviam conter, sendo certo, isso eu sei, que o Sr. Deputado, em algumas matérias, era crítico em relação à própria proposta de lei do governo, conforme consta de discussões que houve na Comissão.
Pergunto-lhe, pois, Sr. Deputado, se pode esclarecer, hoje - felicitando-o por estar de acordo com o que está aqui a passar-se e dizendo-lhe que vamos, efectivamente, rever a Lei de Finanças das Regiões Autónomas -, o que aconteceu naquela altura, porque é bom que se saiba, para que não tivesse vindo aqui a discussão daquilo que devia ter vindo em relação à revisão da Lei de Finanças das Regiões Autónomas e tivesse vindo apenas a discussão o artigo 47.º, aquele que hoje estamos a discutir.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, gostaria de, muito rapidamente, saudar o Sr. Deputado Hugo Velosa, que tem acompanhado estas questões muito de perto, e recordar-lhe que esta proposta de lei n.º 3/IX não trata de transferências financeiras (as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira não irão receber qualquer transferência do Orçamento do Estado) mas, isso sim, da assunção da dívida pública. Não existe, portanto, qualquer transferência financeira do Orçamento do Estado para as regiões, mas, sim, de uma questão técnica de assunção da dívida por parte da República, em termos percentuais, perante a União Europeia. Isto devido ao facto de os critérios de que falei há pouco serem muito restritivos no que diz respeito à atribuição da capacidade de endividamento para as regiões autónomas, que foi uma das críticas que fiz à proposta de lei anterior, porque havia dois artigos que, de certa maneira, conflituavam nessa matéria.
Gostava apenas de recordar ao Sr. Deputado Hugo Velosa que o Governo da República apresentou a sua proposta de lei n.º 109/VIII em Novembro do ano passado, quando se discutia o Orçamento do Estado para 2002 e que, no dia 17 de Dezembro, o Partido Socialista ficou privado do seu Primeiro-Ministro.

O Sr. Correia de Jesus (PSD): - É um verdadeiro eufemismo!

O Orador: - Portanto, a partir daí, não houve oportunidade de completar uma obra cujos alicerces são sólidos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Victor Cruz.

O Sr. Victor Cruz (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria de dizer ao Sr. Deputado Medeiros Ferreira que estou absolutamente convencido de que o actual Governo da República, da responsabilidade do PSD e do CDS-PP, vai tratar de forma igual, como é sua obrigação, em matérias em que é exigível que o faça, a Região Autónoma da Madeira e a Região Autónoma dos Açores.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sobre isto, não tenho qualquer tipo de dúvida!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Como pode também ter a certeza de que eu, apesar de ser Deputado eleito pelas listas do Partido Social Democrata, vou defender os interesses dos Açores, apesar de o Governo Regional dos Açores, até 2004, ser da responsabilidade do Partido Socialista.
Sem querer introduzir, neste debate, um tom agressivo (que ele, de resto, não merece na substância), quero também dizer ao Sr. Deputado Medeiros Ferreira que, dentro das minhas possibilidades, vou sempre assegurar que este tratamento seja igual, para que o Governo da República não faça aquilo que, infelizmente, o Governo Regional dos Açores faz com as autarquias do Partido Social Democrata. Porque esse, sim, é um tratamento desigual.
Por exemplo, em relação aos contratos ARAL, cerca de 70% dos recursos financeiros do Governo vão para cerca de 20% das câmaras, que são justamente as câmaras socialistas!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ora, Sr. Deputado Medeiros Ferreira, tenho a certeza de que o Governo da República não fará, em relação aos Açores, aquilo que o Governo Regional dos Açores, do Partido Socialista e que o senhor apoia, infelizmente, faz em relação às câmaras do Partido Social Democrata!

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - Em qualquer caso, é bom ouvir, depois de um dia de aceso e interessante debate, um Deputado do Partido Socialista louvar a actuação do Governo da República. De facto, estou certo de que o Sr. Deputado Medeiros Ferreira o faz com sinceridade.
Também quero congratular-me pela forma «rápida», como se diz, e bem, no relatório, como o Governo da República retomou este problema, o qual só não teve uma solução na anterior legislatura por causa da morosidade habitual em encontrar soluções com que o governo da República anterior, do PS, nos habituou e também porque essa solução foi declarada inconstitucional.
Em qualquer caso, é bom lembrar que este Governo assume esta responsabilidade numa situação financeira difícil, pelo que este acto tem este valor acrescido de solidariedade para com as regiões autónomas e também de emergência para com uma solução que já estava desenhada na legislatura anterior.

Aplausos do PSD.

Subscrevo boa parte dos comentários do Sr. Deputado Medeiros Ferreira sobre questões que não têm a ver exactamente com o artigo 47.º. Cá estaremos para, em boa oportunidade, fazer a revisão da Lei de Finanças das Regiões Autónomas, sendo certo (e, desde já, adianto a minha opinião) que este debate deve ser feito, não tendo como referência uma situação conjuntural, em termos financeiros, negativa.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Porque se há virtude que tem já, hoje, a Lei de Finanças das Regiões Autónomas é a de criar previsibilidade e estabilidade no relacionamento financeiro entre o Estado e as regiões autónomas. Portanto, ela não é uma lei que possa ser condicionada por uma conjuntura, ainda por cima negativa, como é aquela que atravessamos.
A seu tempo, cá estaremos todos, certamente com diálogo, colaboração, prosseguindo objectivos, Sr. Deputado do Bloco de Esquerda, certamente de transparência que todos desejamos, mas também de suficiência dos recursos financeiros para que as regiões autónomas possam prosseguir, entre outros objectivos, o da convergência e o da coesão.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, ao ouvir o Sr. Deputado Victor Cruz, por um momento, pensei que estávamos na Assembleia Regional dos Açores!…

Risos do PS.

Isto porque me pareceu que as suas preocupações são verdadeiramente dignas das suas intervenções na Assembleia Regional dos Açores quando para lá regressar.
Como compreende, há uma lei de finanças das autarquias, há uma lei de finanças das regiões autónomas, e o Partido Socialista orgulha-se de ter sido o fundador das bases financeiras entre a República e as regiões autónomas, porque, antes do governo socialista, as regiões autónomas não tinham esse diploma que lhes permite encarar, com tranquilidade, mas com exigência, o futuro dentro da República Portuguesa, mesmo em períodos de alguma austeridade, como é aquela que se vive actualmente e já há alguns meses, porque as medidas que o governo de António Guterres tomou em relação aos Açores são, certamente, apreciadas por V. Ex.ª.
Gostaria de perguntar como é que o Sr. Deputado encara o facto de o governo de António Guterres ter assumido a dívida de 110 milhões de contos que o governo do PSD tinha deixado no Arquipélago dos Açores e de 110 milhões de contos que o Governo Regional da Madeira também tinha deixado como encargo para a República.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Victor Cruz.

O Sr. Victor Cruz (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, é bem verdade, Sr. Deputado Medeiros Ferreira, que eu, quando entender, regressarei aos Açores. Foi com esta e outras promessas que tive o gosto de encabeçar uma lista vencedora, nas últimas eleições do dia 17 de Março.

Aplausos do PSD.

É por isso que vou continuar a cumprir esta e todas as outras promessas.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Mas olhe que eu também já ganhei eleições nos Açores!

O Orador: - Devo lembrar-lhe que é um tema favorito do Partido Socialista, hoje, discutir a política nacional na Assembleia Legislativa Regional dos Açores.
Não vou aqui lembrar aos Srs. Deputados, porque não me parece que seja razoável fazê-lo neste momento, o ritmo de endividamento que o governo do Partido Socialista está a concretizar nos Açores, sem que tenha a obra correlativa feita no terreno.

Vozes do PSD: - Bem lembrado!

O Orador: - Não é altura de o fazer. É, sim, altura de lhe dar algumas rápidas respostas.
Durante a campanha eleitoral, eu disse - todos nós dissemos - que foi uma boa medida do Eng.º António Guterres a do perdão da dívida. E estou cá para reconhecer todas as boas medidas de qualquer governo em relação à Região Autónoma dos Açores.
Mas também estou cá para lembrar vários aspectos da própria lei que não foram concretizados, vária propaganda enganosa que o governo anterior, do Partido Socialista, fez e foi preciso perderem as eleições para ficarmos a saber até que ponto é que algumas promessas estavam por cumprir. Uma delas foi, de resto, objecto de uma proposta sua, em relação ao Orçamento rectificativo. Foi preciso o Partido Socialista ter perdido as eleições para todos ficarmos a saber que nunca tinha cumprido com a sua promessa dos

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4,5 milhões de contos para os sinistrados, assim como outras promessas que não foram cumpridas.
Em qualquer caso, Sr. Deputado Medeiros Ferreira, cá estarei sempre para pôr os interesses dos Açores acima dos interesses do meu partido ou de quaisquer outros interesses.
Nós reconhecemos que houve virtudes, algumas certamente, nos governos do Eng.º António Guterres. Contudo - e com isto termino -, uma coisa eu lhe garanto que nunca vou dizer: nunca direi, no dia das eleições, aquilo que disse o Presidente do Governo Regional dos Açores, ou seja, que os açorianos tinham sido injustos na votação que fizeram. É que o povo nunca é injusto nos juízos que faz. E no dia 17 de Março o povo deu a vitória ao PSD, certamente na certeza de que o próximo governo - este Governo! - vai fazer melhor do que os governos do Partido Socialista em relação às regiões autónomas. Vai endireitar o País…

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Vai endireitá-lo à direita!

O Orador: - … e, a seguir, vai cumprir todas as promessas, durante os quatro anos e seis meses da presente Legislatura.
Da minha boca, nunca ouvirá, como disse o Presidente do Governo Regional, que os eleitores são injustos quando não lhe convém e são justos quando ele ganha as eleições.
Pela nossa parte, aceitamos sempre os resultados eleitorais de bom grado, especialmente, e de forma que acentuo, os últimos resultados, porque, pela primeira vez, um partido que não está no governo venceu eleições legislativas nacionais numa região autónoma. Isso tem um sentido claro. Sinto-me responsabilizado, portanto, pelo cumprimento de todas as promessas do Governo da República em relação aos Açores.
Assim será, e tudo farei para que assim continue a ser!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra ao Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta discussão que aqui nos traz tem que ter como primeira referência o quadro factual em que nos encontramos. Encontramo-nos perante uma proposta de lei que é igual a uma outra que já foi discutida nesta Assembleia, mas que, em virtude da demissão do governo e em virtude da sua aprovação já depois dessa mesma demissão, levou a que o Tribunal Constitucional se pronunciasse pela sua inconstitucionalidade.
Relativamente aos motivos políticos, queria, desde logo, considerar que se deve salientar a necessidade de assumir como objectivo a diminuição das dívidas públicas regionais.
Por isso mesmo, é necessário que exista um esforço nacional, aliás, já exteriorizado por esta Assembleia da República, relativamente à própria Lei de Finanças das Regiões Autónomas para os anos de 1998 e 1999.
Por outro lado, com esta proposta de lei, aquilo que o Governo vem, de uma forma muito rápida, determinar é que aquilo que são os compromissos tomados, mesmo que seja de um modo enviesado, são cumpridos.
Esta intervenção legislativa tem, ainda, como objectivo a manutenção de um caminho no sentido, já aqui referido, de uma maior solidariedade nacional ao nível das finanças públicas. Quando se refere este facto, não se pode esquecer, como é óbvio, a situação verdadeiramente excepcional que têm as regiões autónomas, marcada, obviamente, pela descontinuidade territorial, pelas dificuldades que são originárias da insularidade e pelas próprias especificidades da actividade de natureza económica.
Mas também não se pode esquecer que, com esta proposta, se tenta uma maior estabilidade nas finanças públicas, estabilidade que é necessária devido aos grandes objectivos nacionais, que já nos foram marcados: um, emergente já no fim deste ano; e outro, para 2004. Estes grandes objectivos pressupõem a participação empenhada de todas as forças políticas - e, sobre isso, estamos, infelizmente, conversados! -, mas também deve envolver, de um modo solidário, o Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Este princípio da solidariedade será, com toda a certeza, um primeiro passo para um Portugal mais desenvolvido.
Por fim, esta proposta de lei, que, naturalmente, merece o assentimento desta bancada, é uma consequência de determinações já votadas favoravelmente aquando do Programa do Governo. Relembro que é precisamente esse Programa do Governo que refere o apoio necessário às regiões autónomas, apoio esse que será dado, com toda a certeza, com o apoio desta bancada e de forma igual, como aqui já foi referido.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Como já foi lembrado, a proposta de lei em discussão retoma um compromisso anteriormente assumido, proposta essa que tinha sido objecto de aprovação por esta Câmara, mas que caducou na sequência da demissão do anterior governo. Portanto, esta proposta de lei tem, no essencial, os mesmos contornos da anterior, é uma proposta em que o Governo da República assume a dívida das regiões autónomas e prossegue num esforço de redução da dívida pública das mesmas.
Parece-nos que é importante a existência da solidariedade em todo o espaço nacional e a assunção, por parte do Governo da República, das dívidas das regiões e, nesse sentido, julgamos que esta proposta de lei não deve ser inviabilizada. Contudo, é nosso entendimento que, particularmente numa das regiões, faz cada vez mais sentido a disciplina, o rigor e a transparência orçamental. Nesta perspectiva, pensamos que o actual Governo, nesta matéria, deveria dar prioridade total à revisão da Lei de Finanças das Regiões Autónomas.
Por conseguinte, nós, Os Verdes, não inviabilizaremos esta proposta, entendemos, no entanto, que o esforço de

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rigor, de transparência e também de autonomia regional deve adquirir novos contornos e que o actual Governo deveria, nesta matéria, considerar esse esforço como uma prioridade sua.

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: À laia de conclusão, creio que este debate evidencia alguns pontos importantes.
Quando este «filme» era original, não no remake ou na reprise, como aqui já se falou, esteve aqui connosco um ministro das Finanças; hoje, não está aqui connosco a Sr.ª Ministra das Finanças. Ora, isto tem, obviamente, conteúdo político. Ou seja, a Sr.ª Ministra das Finanças desvaloriza este debate e, sobretudo, distancia-se em relação a compromissos concretos.
O anterior representante do Ministério das Finanças disse aqui que, no decurso de 2002, seria revista a Lei de Finanças das Regiões Autónomas; hoje, o que ouvimos, muito diafanamente, foi que a revisão dessa Lei há-de vir, há-de vir… Ficamos à espera, não se sabe até quando, uma vez que não há compromisso, não há calendarização.
Era interessante que a Sr.ª Ministra das Finanças pudesse ter estado neste debate connosco, até para que ficassem claras algumas das preocupações acerca do rigor nas contas públicas, da disciplina orçamental, daquilo que precisamos claramente de enquadrar nos parâmetros da revisão da Lei de Finanças das Regiões Autónomas para que, nas regiões autónomas, não haja uma «girândola» de despesas que não são justificadas por despesas de investimento e para que não existissem zonas de lapso em relação à cruzada antidespesista, como muitas vezes acontece, porque os partidos que vão sustentando os governos regionais vão trabalhando por hiato.
Nada mais faltaria do que o Sr. Deputado Medeiros Ferreira explicar-nos, com o tom abonatório com que o fez, que não se trata de transferir verbas - já todos tínhamos tomado nota disso. Mas trata-se de saber que a «torneira» funciona de muitas maneiras e que, verdadeiramente, a questão política é a de saber quem continua a manipular a «torneira»!
Se é preciso escrutínio democrático e político, ele não poderá ser feito sem um compromisso nacional e sem uma lei de finanças regionais que seja clara para todos. Prolongar este exercício é prolongar um jogo onde «todos os gatos são pardos».

Vozes do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira. Informo que houve um rearranjo dos tempos, mediante cedências de tempos de vários partidos.
Faça favor, Sr. Deputado Medeiros Ferreira.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero começar por agradecer a todos os partidos do arco parlamentar o facto de nos terem concedido tempo para uma segunda intervenção.
Como fecho de intervenção por parte do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, gostaria de recordar o que se trouxe a este debate, aproveitando esta revisão do artigo 47.º da Lei de Finanças das Regiões Autónomas, que define os montantes da assunção da dívida por parte do Governo da República (na economia geral do diploma, é essa a função do artigo 47.º).
Portanto, foi pelo facto de o Governo da República ter assumido o compromisso tomado pelo governo do Partido Socialista de assumir, em termos de dívida e não de transferência financeira, 6,5 milhões de contos para cada uma das regiões, que me permiti ir um pouco mais além, como o Sr. Presidente se deu conta, e tentei colocar no centro do debate a questão dos tectos do endividamento para as regiões autónomas. E fi-lo, porque penso que faz parte da essência da autonomia financeira uma maior flexibilização dos montantes que as regiões autónomas podem manejar como actos de gestão pelo recurso aos empréstimos.
De certa maneira, isso já estava ínsito na proposta apresentada pelo então ministro Guilherme d'Oliveira Martins, porque, no artigo 26.º, são definidos critérios gerais para o endividamento das regiões autónomas, embora se mantenha aquela pecha burocrática, tão própria do nosso Ministério das Finanças, que é a tentativa de fixação de um montante anual muito preciso e, além disso, restritivo…

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Mas essa é a questão!

O Orador: - … e que eu considero que, mais cedo ou mais tarde, terá de ser alterado, e espero que o seja na próxima revisão geral da Lei de Finanças das Regiões Autónomas. Digo isto, porque o endividamento é uma responsabilidade das regiões e, em princípio, na sua generalidade, é pago pelas regiões, portanto, trata-se de um acto de gestão das próprias regiões.
Ainda bem que o Sr. Deputado Victor Cruz se assume, na Assembleia, como o garante da acção futura do Governo de Durão Barroso e do PSD nesta matéria, porque eu vejo a ênfase que coloca nessa garantia como a necessidade de prender o Governo de Durão Barroso a compromissos que talvez não estejam tão assegurados quanto isso. Mas eu confio na sua palavra, sei que irá defender, certamente, as regiões autónomas, quando a proposta de lei chegar à Assembleia.
Também tenho a certeza de que compreenderá por que razão foi injusto na apreciação que fez sobre a proposta que apresentei este ano, aquando da discussão do Orçamento rectificativo, de atribuição de uma verba de 4 milhões de contos, dado que, recordo, o governo do Partido Socialista já tinha contribuído para o estado de emergência, em 1998, com cerca de 8 milhões de contos.
Como sabe, esses 8 milhões de contos, somados a muitos outros milhões de contos que já foram empregues pelo Governo Regional, deveriam ter por base medidas legislativas tomadas na Assembleia Legislativa Regional quando o PSD era determinante para a formação de maiorias na Assembleia Legislativa Regional dos Açores, e o Governo Regional viu-se obrigado a despender, nomeadamente no que diz respeito à reconstrução do parque habitacional das ilhas do Pico e do Faial, uma verba superior à que estava prevista.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha esgotou-se. Peço-lhe para concluir.

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O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.
Como também sabe, uma das componentes que poderia permitir-nos ultrapassar as dificuldades dessa reconstrução seria o recurso a fundos comunitários, mas, infelizmente, no que diz respeito ao parque habitacional, não é possível a comparticipação de tais fundos.
Por conseguinte, não fiz uma proposta ao actual Governo que já não tivesse tido, de certa maneira, uma similitude às que apresentei aos governos do Partido Socialista.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Victor Cruz.

O Sr. Victor Cruz (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito rapidamente, quero dizer ao Sr. Deputado Medeiros Ferreira que compreendo o seu esforço argumentativo.
Mas onde estava o Sr. Deputado nos últimos Orçamentos do Estado? Por que é que não fez essa proposta de atribuição de uma verba de 4,5 milhões de contos em três Orçamentos do Estado que se aprovaram, nesta Casa, a seguir ao sismo? Onde estava o Sr. Deputado Medeiros Ferreira quando se discutiram os dois Orçamentos rectificativos que o seu partido aprovou? Por que não teve a mesma vontade, a mesma coragem, a mesma urgência - a urgência que o Governo Regional dos Açores e o Sr. Deputado têm agora mas que não tiveram antes -, uma vez que houve Orçamentos rectificativos quase até à demissão do Eng.º António Guterres?! Essa é que é a questão!
Os senhores foram sempre dizendo que havia solidariedade, que ela estava garantida, que o Governo da República era solidário para com os Açores em matéria de reconstrução. Passaram-se os Orçamentos e o Sr. Deputado nunca se lembrou de apresentar uma proposta e agora, aquando da discussão de um Orçamento rectificativo, apresenta uma proposta, depois de o Presidente do Governo Regional dos Açores ter dito, à saída de uma reunião com o Primeiro-Ministro, que estava satisfeito com a reunião.
Ora bem, o Sr. Presidente do Governo Regional estava satisfeito com o quê? Justamente com o compromisso pessoal do Primeiro-Ministro de que envidaria os melhores esforços para dar o contributo do Governo da República para o Orçamento do Estado para 2003.
Portanto, é uma história mal contada, é uma solidariedade não cumprida aquela que o senhor quis fazer prevalecer aqui.
Na verdade, pela nossa parte, para além de outras promessas, essa promessa para 2003 terá de ser cumprida.
Mas não quero acabar este debate sem citar o Secretário Regional das Finanças do Governo do Partido Socialista dos Açores, que, falando nas dificuldades financeiras do orçamento da Região para 2002, disse, pura e simplesmente, o seguinte: «Porém, no processo negocial com o Governo da República, que prosseguiu para além da data de apresentação do orçamento e plano na Assembleia Legislativa Regional dos Açores,…» - dizia o Secretário Regional das Finanças sobre o Governo da República, do PS - «… o Governo Regional conseguiu que fosse assegurada, por transferências extraordinárias do Orçamento do Estado, a cobertura da totalidade dos programas de investimento relativos a calamidades, no valor de 28,8 milhões de euros.»
Afinal, Sr. Deputado Medeiros Ferreira, o Sr. Secretário Regional das Finanças disse que o problema estava resolvido, mas o problema nunca se resolveu. Penso, mesmo, que esta assunção da dívida é, em certo sentido, um sucedâneo desta tentativa de solução do problema do orçamento de 2002, pelo que, também por isso, pode o Sr. Deputado crer que esta solução, a que hoje aqui se encontra, a par da outra de que este Governo também já lançou mão, de fazer com que os governos regionais possam contratar com o Instituto Nacional de Habitação para efeitos de habitação social, já são uma resposta, reconheço, ainda que parcial, ao problema da reconstrução.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Repito aquilo que o Primeiro-Ministro terá dito ao Sr. Presidente do Governo Regional: nós, Partido Social Democrata, vamos resolver o problema da solidariedade nacional para com os sinistrados muito mais depressa do que os senhores, que começaram por dar um contributo e, entretanto, esqueceram-se, durante cerca de três anos, que era urgente reconstruir as ilhas do Faial e do Pico. Não faremos, também nessa matéria, o mesmo que os senhores fizeram, e nessa diferença reside a mais-valia da governação do Partido Social Democrata.
Para terminar, quero dizer-lhe apenas que eu não garanto nada em nome do Governo, porque sou humilde para não o fazer. O que garanto são os meus esforços no sentido de defender sempre - e os Srs. Deputados sabem bem isso - os interesse dos Açores, mas também estou convencido de que esses interesses serão absolutamente coincidentes com os da Região Autónoma da Madeira e também com os do Governo da República.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Espero que assim venha a ser. Estou seguro de que assim vai ser!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Victor Cruz, no Orçamento do Estado para 2002, que V. Ex.ª, se calhar, não conhece em detalhe, porque, nessa altura, não era ainda Deputado, existe um dispositivo que permite ao Orçamento do Estado as transferências que venham a ser necessárias para o cumprimento da revisão da Lei de Finanças das Regiões Autónomas.
Portanto, o Governo do Partido Social Democrata poderá, a qualquer momento, aprovar essa proposta, porque já tem a autorização do Parlamento para proceder às transferências adicionais que a revisão possa implicar.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - Por outro lado, quero dizer-lhe que tenho a certeza, e é aqui que suscito a minha questão, que V. Ex.ª não ficaria desagradado se o Governo de Durão

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Barroso tivesse esclarecido se, dentro das rubricas relacionadas com o Ministério das Obras Públicas e, mais particularmente, com os programas de recuperação de habitações, estaria disposto a transferir 4 milhões de contos para os Açores. Tenho a certeza de que V. Ex.ª, apesar de tudo, compreende o meu esforço de clarificação dessa matéria e teria aplaudido a aprovação dessa medida.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Victor Cruz, para responder, informo que o Sr. Deputado Medeiros Ferreira usou da palavra em virtude de uma cedência de tempo por parte do PCP.
Para responder, usando, para o efeito, 1 minuto concedido pela Mesa, tem, então, a palavra o Sr. Deputado Victor Cruz.

O Sr. Victor Cruz (PSD): - Muito obrigado, Sr. Presidente, o tempo que me concede é o suficiente, porque vou dizer aquilo que já tinha dito.
O Sr. Primeiro-Ministro disse ao Presidente do Governo Regional dos Açores que tudo faria para, no Orçamento do Estado para 2003, dar o contributo deste Governo para esta matéria específica. Entretanto, a verdade é que esta solução se conjuga com uma outra iniciativa, a que também já fiz referência, que é a de os governos regionais poderem agora contratar também com o INH, o que pode ser aproveitado para dar uma resposta, que reconheço ser parcial, ao problema da reconstrução.
Portanto, Meu Caro Amigo, Sr. Deputado Medeiros Ferreira, ao fazer-me perguntas sobre aquilo que eu já havia dito, não preciso, sequer, de 1 minuto para lhe responder, além de que isto já estava, de resto, respondido pelo Sr. Primeiro-Ministro. O que espero e em que acredito é que tal seja cumprido no Orçamento do Estado para 2003.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Tem de estar atento, Sr. Deputado Victor Cruz!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que está encerrado o debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 3/IX, a qual será votada na próxima semana, nos termos regimentais.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Da próxima vez, o Dr. Miguel Frasquilho vem cá falar do choque fiscal!

O Sr. Presidente: - Vamos passar à apreciação, na generalidade, da proposta de lei n.º 99/VIII - Altera o Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de Novembro, relativo ao regime jurídico dos terrenos do domínio público hídrico (ALRM).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Silva Pereira.

O Sr. Pedro Silva Pereira (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 99/VIII, da iniciativa da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, visa alterar, para aquela região autónoma, algumas regras fundamentais do regime jurídico dos terrenos do domínio público hídrico.
O que aqui se propõe, quero começar por dizê-lo, com todas as letras, é muito grave e tem a frontal oposição do Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
O que é que a proposta pretende? Pretende reduzir, na Madeira, a área do domínio público marítimo. E o mecanismo escolhido é simples: à regra actual, que classifica como domínio público a margem, isto é, uma faixa de 50 m contígua ao limite do leito das águas do mar, passaria a sobrepor-se, na Madeira, e apenas na Madeira, uma outra regra, a de que o domínio público terminaria na primeira via rodoviária regional ou municipal existente ou a construir no futuro, ainda que daí pudesse resultar que a margem tivesse menos do que os ditos 50 m.
Mais: como não há um limite mínimo, poderia até acontecer que deixasse de existir qualquer protecção da margem. Bastaria, para tanto, que a tal via rodoviária estivesse colada ao limite do leito das águas do mar. E isto é mesmo confessado no novo regime das zonas adjacentes, que existem quando se torna insuficiente o tal limite dos 50 m. Para as zonas adjacentes, na proposta, o limite das mesmas pode contar-se do limite do leito e já não da margem, porque essa margem pode, pura e simplesmente, deixar de ser protegida, de acordo com aquilo que se pretende consagrar.
O que se pretende é, portanto, claro: reduzir o domínio público hídrico na Madeira, e reduzi-lo sem limite até ao próprio leito das águas do mar.
Importa, então, fazer uma pergunta simples: porquê? E, já agora, outra pergunta: porquê tanta pressa? Porquê tanta pressa em alterar um regime com mais de 30 anos? Porquê um processo de urgência da Assembleia Legislativa Regional da Madeira? Porquê este debate na generalidade, antes mesmo de os órgãos de governo próprio da Região Autónoma se pronunciarem? Porquê tanta pressa? Uma pressa que contrasta, aliás, com a demora na elaboração dos planos de ordenamento da orla costeira na Madeira, que tardam e que o Governo Regional da Madeira não submeteu ainda, sequer, à discussão pública e muito menos aprovou.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Isto é grave!

O Orador: - Ora, basta ver as graves consequências da aprovação desta proposta para se perceberem as suas motivações e a razão de tanta pressa.
A consequência desta proposta não é, como tenho ouvido dizer, eliminar a presunção de dominialidade nem sequer simplificar os procedimentos para o reconhecimento da propriedade privada. A consequência desta proposta é outra: terrenos que, hoje, são do domínio público deixarão de o ser, no futuro, o que significa que passam, facilmente, a poder constituir-se ou consolidar-se direitos de propriedade privada nesses terrenos. Fica, assim, aberta a porta, e isto é que é grave, à proliferação de novas construções na orla costeira madeirense, com novos empreendimentos imobiliários onde a edificação é hoje proibida.
Ora, a concentração demográfica no litoral, as pressões imobiliárias para ocupação da orla costeira, tudo isto, são tendências que devem ser contrariadas e não promovidas. É por isso que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista se opõe a esta proposta.
É certo que há especificidades na orografia madeirense que devem ser atendidas e que podem até justificar regras

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especiais que se compatibilizem com a salvaguarda dos fins de utilidade pública visados com a classificação de domínio público. Mas tais regras têm de ser equacionadas no âmbito de um adequado ordenamento da orla costeira, a consagrar nos planos de ordenamento da orla costeira que o Governo Regional da Madeira tarda em aprovar.
Ora, não é nada disso que esta proposta visa! O que se pretende fazer é admitir decisões discricionárias das autoridades regionais e das autarquias locais quanto à construção de uma qualquer via rodoviária valer como instrumento de definição dos limites do domínio público e de gestão da orla costeira. Mas esta discricionaridade na efectiva definição dos bens do domínio público contraria também, além do mais, o que está disposto na Constituição, que reserva à Assembleia da República a competência para a definição dos bens do domínio público. Por conseguinte, a proposta hoje em discussão é, além do mais, materialmente inconstitucional.
Por outro lado, não se diga que a existência de vias rodoviárias assegura o livre acesso às aguas do mar, que é o que se pretende corrigir com o domínio público, porque isso, de todo, não é verdade. O livre acesso às águas do mar está longe de ser o único fim visado com a classificação destas áreas como áreas do domínio público. A salvaguarda das águas públicas, a segurança das pessoas e dos bens - aqui, gravemente ameaçada -, a própria preservação destas áreas para fins económicos, como o turismo, ou até para fins ambientais ou de ordenamento do território, tudo isso, são objectivos da classificação de domínio público. A própria salvaguarda destas áreas como áreas de fruição pela colectividade são fins visados pelo domínio público. Tudo isto e mais!
A Comissão do Domínio Público Marítimo emitiu um parecer sobre esta proposta de lei que não pode ser ignorado nem por esta Assembleia nem pelo Governo. Este parecer é fortemente desfavorável à proposta de lei hoje em discussão e a Comissão do Domínio Público Marítimo sustenta que as alterações aqui propostas subvertem o princípio incontornável da aplicação ao todo nacional das mesmas disposições legais respeitantes ao sistema de defesa nacional. É, portanto, esse, outro fim da margem como instrumento do domínio público que está em causa e não é possível que o Governo da República ignore esta questão.
Como o Governo de Portugal, que diz querer manter e até levar mais longe a política firme dos últimos anos para a defesa do litoral e orla costeira, pode agora ignorar esta iniciativa legislativa que ameaça o sucesso de uma qualquer política verdadeiramente nacional de ordenamento do território?!
O Grupo Parlamentar do Partido Socialista está, por tudo isto, frontalmente contra esta proposta de lei, em nome da salvaguarda de um património como o litoral, que é de todos e deve estar ao serviço de todos e que, numa palavra, é e deve continuar a ser do domínio público.

Aplausos do PS e do BE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: De facto, o que se pretende é alterar legislação que, desde 1972, contempla, e bem, que é do domínio público a faixa de 50 m a contar da linha de maré cheia e da linha máxima do caudal dos cursos de água. E repare-se que esta legislação tinha precisamente como objectivos impedir a privatização das praias e situações que pusessem em causa a segurança das populações. Basta que se construa no leito ou próximo do leito de um ribeiro ou de um rio para que essas populações estejam ameaçadas, seriamente ameaçadas, em caso de cheia. Sabe-se que isso tem acontecido, sabem-se as consequências trágicas dessas situações e, por isso mesmo, temos de apostar, acima de tudo, na prevenção, não cedendo ao imediatismo dos interesses, que é o que está aqui em causa.
De facto, esta proposta de lei vem, claramente, favorecer os interesses da construção civil e da hotelaria, bastando, na prática, haver um caminho municipal junto à linha de maré cheia para que se possam aí construir hotéis, mesmo sobre o mar, e para que, no fundo, possam existir praias privadas, o que não é possível no Portugal do século XXI.
Por isso mesmo, porque não queremos colocar em causa o acesso público a um bem público, a um domínio público, porque não queremos, além do mais, colocar as populações em perigo, em situação de cheias, porque somos a favor da preservação do litoral, porque somos a favor do interesse público, opor-nos-emos, obviamente, a esta proposta, quando for o caso, e saudamos o bom senso que houve em fazê-la baixar à comissão.
Parece que, hoje, estou fadado para salientar as contradições do CDS-PP - perdoar-me-á, Sr. Deputado Telmo Correia - mas espero que o CDS-PP seja coerente e que, mais tarde, em comissão, se esta proposta persistir, vote contra, tal como vota na Região Autónoma da Madeira,…

O Sr. Hugo Velosa (PSD): - Por razões diferentes!

O Orador: - … porque também aí, juntamente com os outros partidos da oposição, é vítima, como se sabe, de um regime e de uma política que cerceia as liberdades e o interesse público.

Vozes do BE e do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Desde há mais de 30 anos que estava estabilizado o conceito de «margem de terreno contígua ou sobranceira à linha que limita o leito das águas», segundo o texto legal.
Desde há mais de 30 anos, portanto, que a extensão da margem das águas do mar está legalmente fixada em 50 metros.
Desde há mais de 30 anos que essas margens são consideradas do domínio público marítimo ou hídrico, excepção feita às parcelas objecto de desafectação ou, no caso das regiões autónomas, dos terrenos tradicionalmente ocupados junto à crista de arribas costeiras.
Vem, agora, a Assembleia Legislativa Regional da Madeira apresentar uma proposta de lei para alterar este enquadramento legal. São duas as razões que, no dizer da proponente, determinam esta iniciativa. Por um lado, as

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dificuldades do processo de reconhecimento legal da titularidade privada sobre parcelas dessas margens, sem prejuízo da presunção de dominialidade relativamente a tais terrenos, e, por outro lado, a questionável extensão fixada para essas margens das águas do mar (50 metros), face à pequenez, à orografia do território e às pressões demográficas e urbanísticas em presença na Região Autónoma da Madeira.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Urbanísticas, especialmente!

O Orador: - Estas duas razões, em tese, parecem merecedoras de análise e reflexão e aconselhariam - caso essa análise assim o determinasse - novos dispositivos legislativos destinados à sua superação e resolução.
Seria sempre possível - e, eventualmente, recomendável - intervir nos procedimentos de reconhecimento da titularidade de parcelas de terreno situadas nessas margens, particularmente quando se trata de pequenos proprietários locais. Seria sempre possível - e porventura desejável - aligeirar tais procedimentos e tornar viável o reconhecimento legal da posse privada dessas terras. Seria sempre possível eliminar burocracia desnecessária e anquilosada, sem prejuízo de manter, insisto, sem prejuízo de manter a globalidade das margens sob a tutela administrativa do domínio público marítimo.
Noutro plano, seria sempre possível e, porventura, recomendável atender às condições objectivas de área e orografia das ilhas da Região Autónoma da Madeira e alterar, eventualmente, os limites legais fixados para a extensão das margens das águas do mar para valores técnica e ambientalmente recomendáveis e compatíveis com a preservação da orla marítima. Só que, Sr.as e Srs. Deputados, nada disto foi ensaiado na proposta legislativa da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, nada disto é proposto.
Ora, se o enquadramento até pode ser entendível mas as propostas legislativas nada têm que ver com a necessidade de resolver as questões enunciadas, é legítimo supor que, afinal, as soluções propostas não visam resolver esses problemas. Pelo contrário, visam resolver situações diversas, quiçá dar assentimento a grupos de pressão e/ou a interesses de natureza privada bem diversa.
De facto, o que se pretende é que, pura e simplesmente, deixem de pertencer ao domínio público marítimo, isto é, deixem de ser tutelados administrativamente pelas regras de gestão desse domínio público, todos os terrenos situados para o interior de vias municipais ou regionais. Assim, em ilhas onde, por necessidades evidentes de dimensão, houvesse estradas regionais e municipais muitas vezes fronteiras ao mar, tudo aquilo que estivesse para o interior dessas rodovias deixaria de pertencer ao domínio público. Mas não se trata apenas, porventura, da situação dos terrenos situados para o interior das estradas há muito tempo construídas. Pretende-se agora que qualquer nova via regional ou qualquer caminho municipal a construir defronte ao litoral marítimo madeirense passe a constituir os novos limites para a definição das extensões das margens do mar.
Está mesmo a ver-se no que isto vai dar! Está mesmo a ver-se o cortejo de «messias salvadores» que, à porta do Governo Regional ou à porta das autarquias da Região Autónoma da Madeira, se vão oferecer para construir graciosamente vias, rodovias, estradas e caminhos de cabras situados bem junto ao mar, o mais próximo do mar, sem encargos para o erário público, graciosamente e, com toda a certeza, a pretexto do benefício das populações.
Estamos também a ver a especulação imobiliária que logo a seguir se vai instalar em todos esses terrenos que, com a construção dessas «obras de caridade e altruísmo», vão deixar de pertencer ao domínio público.
Até podia admitir-se alguma bondade, Sr.as e Srs. Deputados, neste novo dispositivo legal se ele se limitasse, parcimoniosamente, a propor colocar fora do domínio público hídrico, eventualmente, tudo o que ficasse para o interior de estradas regionais já existentes e construídas. Enfim, até poderíamos dar-lhe o benefício da dúvida e das boas intenções... Mas não é isso que se quer! O que se quer é fazer com que, em alguns anos, deixe de haver domínio público hídrico marítimo na Região Autónoma da Madeira, o que se pretende é criar uma espécie de nova mina de ouro na região autónoma, entregue, desta vez de mão beijada - se calhar, mais uma vez -, à voragem da especulação imobiliária.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Não se atendem às novas questões de segurança que o aquecimento global, a subida das águas do mar e esta política de permitir urbanizar tudo sobre dunas e praias vão, certamente, colocar no futuro próximo.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Dunas na Madeira?! Praias na Madeira?!

O Orador: - Em Porto Santo, Srs. Deputados! A Região Autónoma da Madeira tem duas ilhas: uma com praias, outra sem praias!
Muito menos se cuida de criar políticas racionais de ordenamento que avaliem e aliem a preservação do litoral e da orla costeira com as reais necessidades de desenvolvimento da região autónoma. O que se cria, para parafrasear um Deputado do CDS-PP na Assembleia Legislativa Regional da Madeira, é uma «lei sem critério algum», onde o critério passa a ser «uma estrada junto à costa para que o domínio público, que o era, deixe de o ser».

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O que se pretende, afinal, não é resolver os problemas dos proprietários dos terrenos nem os problemas específicos da Madeira. O que se visa com esta proposta é apenas destruir alguns obstáculos jurídicos que ainda existem para impedir, limitar ou condicionar a construção e a especulação imobiliária junto ao mar na Região Autónoma da Madeira.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Rodrigues.

O Sr. Carlos Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, gostaria de cumprimentar V. Ex.ª e os restantes

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Deputados, visto que é a primeira vez que estou a intervir nesta Assembleia.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, eu tinha preparado uma intervenção formal mas, pelos vistos, parece que vou ter de explicar o que é a Madeira…

Vozes do PCP e de Os Verdes: - Ah!

O Orador: - …e o que está em causa na proposta de lei de alteração do Decreto-Lei n.º 468/71.
Primeiro, tenho de registar as diferenças do PS nacional em relação ao PS regional. O PS regional, em termos de substância, estava de acordo com a proposta em discussão, apenas exigindo - e foi por isso que votou contra - que nela fosse incluída referência a que esta alteração só dizia respeito às estradas existentes. Portanto, queria garantir esta situação, mas, de resto, em termos de substância, estava perfeitamente de acordo com a iniciativa.
Uma das razões para este pedido de alteração prende-se com o desenvolvimento regional. Gostava de dizer aos Srs. Deputados que cerca de dois terços do território da ilha da Madeira - não falo da Região da Madeira, mas, sim, da ilha da Madeira - são ocupados por parque natural e área protegida. Assim, só temos um terço para proceder ao desenvolvimento regional e a todo o desenvolvimento que tem sido efectuado pelo Governo do PSD ao longo de 28 anos, o qual pegou numa ilha em que o PIB per capita representava cerca de 28% da média europeia e que, neste momento, está prestes a atingir os 75%.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Bem lembrado!

Aplausos do PSD.

O Orador: - Isso significa que, em apenas um terço do território, conseguimos proceder a este desenvolvimento.
O que queremos com a alteração agora proposta é não coarctar a continuação desse desenvolvimento, que permitiu que a população se fixasse, lhe deu mais estabilidade, melhor qualidade de vida e impediu a «sangria» dos anos 40, 50 e 60, que obrigaram os madeirenses a ir para a Venezuela e para a África do Sul, onde, infelizmente, hoje em dia são vítimas de atentados.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Isso é verdade!

O Orador: - Em relação aos problemas e às preocupações manifestadas pelo Sr. Deputado Honório Novo, gostaria de lembrar que, em termos do interesse público e da segurança, a situação está salvaguardada ao introduzir-se um n.º 4 no artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 468/71 a dizer que na Região Autónoma da Madeira pode ser classificada como zona ameaçada pelo mar, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º, sempre que se preveja o avanço das águas do mar sobre terrenos particulares situados para além da margem.
As questões de segurança de pessoas e bens estão perfeitamente salvaguardas. Se se previr o avanço do mar, o Governo regional actuará e considerará essas áreas não passíveis de desenvolvimento.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Há coisas imprevisíveis e, depois, a culpa é da chuva!

O Orador: - Esse foi exactamente o argumento utilizado por um Sr. Deputado no Parlamento Regional. Vejo que lê o Diário da Assembleia Legislativa Regional.
No que diz respeito à construção das novas vias, lembrou bem o Sr. Deputado que, se não tivermos cuidado, pode acontecer que qualquer «caminho de cabras» seja considerado via rodoviária. No entanto, passo a ler o seguinte: «Não se coloca qualquer tipo de problema em relação às novas vias, uma vez que, de acordo com o n.º 2 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 309/93, de 2 de Setembro, se verifica que, até aprovação dos planos de ordenamento da orla costeira a ocupação, o uso e transformação das zonas terrestres de protecção devem obedecer aos princípios estabelecidos no anexo referido no número anterior».
Esse anexo diz, no n.º 7 do seu primeiro ponto, que «devem evitar-se a abertura de estradas paralelas à costa». Continuando, refere ainda que «o acesso ao litoral deve ser promovido através de ramais perpendiculares, e não paralelos à linha da costa, localizados em pontos criteriosamente escolhidos para o efeito». Logo, o problema de aparecer o «caminho de cabras», a vereda ou a leveda paralela à costa deixa de existir, porque há esta norma que obriga que qualquer situação de acesso público à costa seja feito através de ramais perpendiculares e não através de estradas paralelas.
Todas as situações levantadas pelos diferentes partidos estão perfeitamente salvaguardadas com a alteração desta situação. Aquilo que pretendemos é corrigir um anacronismo que já em 1971 não podíamos aceitar, mas na altura as leis eram feitas sem conhecer, sem saber, porque as ilhas, que ainda não eram regiões autónomas, eram pura e simplesmente consideradas ilhas adjacentes, apêndices do Estado.
É por isso que digo que a alteração proposta, ou seja, o encurtamento em profundidade da margem sempre que a mesma atingir uma via rodoviária pública, reveste-se de uma importância primordial no que diz respeito aos anseios e desejos da população madeirense, que poderá ter assim a oportunidade de continuar a difícil missão, realizada ao longo destes 28 anos, de desenvolver a região, missão essa preconizada pelo Governo regional do PSD, que tem merecido a confiança ininterrupta de grande maioria da população madeirense ao longo destes anos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados João Teixeira Lopes e Pedro Silva Pereira.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes, dispondo de 3 minutos.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Rodrigues, gostava de referir que V. Ex.ª, provavelmente, confunde desenvolvimento regional e desenvolvimento de qualidade com construção que fere, com impacte ambiental, mas são conceitos bem diferentes, bem distintos.
O Sr. Deputado parece querer colocar em questão aquilo que a Madeira tem de melhor, ou seja, precisamente a sua riqueza paisagística, a sua

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riqueza natural, sendo que com esta medida será vítima certamente de uma urbanização desenfreada e que fere aquilo que a ilha tem de melhor.
Sr. Deputado, permita-me que cite um seu colega da Assembleia Regional. O Sr. Filipe Silva, Deputado do PSD, afirmou o seguinte quando esta mesma questão foi discutida nessa Câmara: «Sr. Presidente e Srs. Deputados, o que está aqui em causa não é a construção de estradas. O que está aqui em causa é a defesa dos interesse legítimos dos particulares, e é por isso que estamos com esta medida, é para obviar a todas as dificuldades que os particulares têm no reconhecimento das suas parcelas de terreno». Este é o busílis da questão: é o interesse dos privados o que os senhores querem defender,…

O Sr. Hugo Velosa (PSD): - Legítimo!

O Orador: - …sacrificando com isso o que a nossa região autónoma tem de melhor, que é precisamente a sua riqueza natural. Reconheça isto, Sr. Deputado, porque é este o cerne da questão!
Já agora, Sr. Deputado, permita-me que lhe coloque uma questão muito precisa: se estão tão convictos das boas intenções desta proposta, por que baixa ela à comissão?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Rodrigues, para responder.

O Sr. Carlos Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Teixeira Lopes, no que respeita ao desenvolvimento que tem sido feito e à arquitectura que tem sido escolhida, trata-se de uma questão de gosto.
O desenvolvimento não tem sido desenfreado, aliás, somos a região do País com o maior número de hotéis de cinco estrelas, os quais, para verem averbadas as cinco estrelas, têm de manifestar qualidade. Somos talvez das regiões do País que, em percentagem, protege mais o seu ambiente e a sua paisagem. Não se esqueça que foi reconhecida pela UNESCO a laurissilva, a floresta autóctone da Madeira. Não se esqueça também que, de todo o território da Região da Madeira, temos ainda dois conjuntos de ilhas que são parque natural e temos a protecção a espécies indígenas. Portanto, em termos de protecção ambiental, em termos de protecção da paisagem, estamos perfeitamente à vontade.
Relativamente a assegurar os acessos, grande parte das obras feitas junto ao mar têm permitido o acesso à zona costeira em melhores condições, quer para deficientes, quer para jovens, quer para crianças, quer para idosos; estamos a falar da salvaguarda do interesse público.
Em relação aos direitos dos privados, em 1971 presumiu-se o domínio público, não se retirou o direito dos privados. Aquilo que queremos repor e garantir é que os privados não sejam obrigados a atravessar sagas autênticas para provar o direito da sua propriedade, pois são obrigados a provar documentalmente que aquele terreno era domínio privado antes de 1836.

A Sr.ª Elisa Ferreira (PS): - Então, e cá?

O Orador: - Minha senhora, a situação da região não corresponde à da Madeira. Como expliquei, dois terços da ilha da Madeira - e não da região - são zona protegida e, assim, todo o desenvolvimento tem de ser feito num terço do território. Dentro desse um terço está o domínio público. Sr.ª Deputada, como pode entender, a população da Madeira merece muito mais e um melhor desenvolvimento.

Aplausos do PSD.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Isso, sim, mas é preciso mudar primeiro de governo regional!

O Sr. Presidente: - Também para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Silva Pereira.

O Sr. Pedro Silva Pereira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Rodrigues, lamento que logo na sua primeira intervenção nesta Assembleia retome aqui uma concepção de desenvolvimento que julgávamos afastada. A ideia de que temos uma percentagem de área protegida extensa, temos uma área de domínio público muito extensa e, portanto, não podemos desenvolver-nos, essa concepção de desenvolvimento, não é certamente aquela que esta bancada partilha.
Quero dizer-lhe também, Sr. Deputado, que não é verdade que nos processos de reconhecimento da propriedade privada seja necessário fazer prova documental.

O Sr. Carlos Rodrigues (PSD): - É sim!

O Orador: - Como sabe, é possível fazer prova da posse na ausência de documento comprovativo. Isso hoje é reconhecido. É certo que o processo é moroso, mas garanto-lhe que não é mais moroso para a Madeira do que para o conjunto do território nacional.
Depois, Sr. Deputado, no debate feito na Assembleia Legislativa Regional da Madeira foi lançado ao PSD Madeira o desafio de escrever no texto da proposta aquilo que diz ser a sua intenção, isto é, a referência às estradas existentes, mas a verdade é que o PSD Madeira não aceitou esse desafio e, pelos vistos, também aqui o PSD não se mostra disponível para o aceitar. Por alguma razão é!…

O Sr. Honório Novo (PCP): - «Gato escondido com rabo de fora».

O Orador: - Mas sempre lhe digo, Sr. Deputado, que as estradas que aí estão em causa não são necessariamente aquelas de que fala a proposta, porque esta refere-se não a estradas mas, sim, a qualquer via rodoviária de âmbito regional ou municipal. Isto é, qualquer via que permitisse o trânsito rodoviário contava para o efeito de limitar o domínio público.

O Sr. Honório Novo (PCP): - O caminho dos jeeps!

O Orador: - Não era esse, certamente, o espírito da sugestão que foi feita na Assembleia Legislativa Regional da Madeira.
Sr. Deputado, o Decreto-Lei n.º 309/93, que citou como tendo princípios que podem limitar a construção destas vias, é, com certeza, um diploma útil, já que diz que se

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deve evitar a construção destas estradas em certas condições. Mas a própria fórmula do preceito explica bem por que é que, apesar do que aí está escrito, continuam a ser construídas estradas em sentido diferente, ou seja, percorrendo a margem ao contrário daquilo que era o espírito desse diploma.
Finalmente, o Sr. Deputado disse aqui que o problema da segurança das construções e das pessoas está resolvido por via da figura das zonas adjacentes, mas este mesmo argumento revela o absurdo da proposta. O que o Sr. Deputado está aqui a dizer é que nós podemos agora tirar estas áreas do domínio público porque depois, um dia mais tarde, podemos classificá-las como zonas ameaçadas pelo mar. Ó Sr. Deputado, se estas são zonas ameaçadas pelo mar, não faz sentido tirá-las do domínio público!
Além do mais, entretanto, enquanto se classifica e não se classifica estas zonas como ameaçadas pelo mar - o que exige, com certeza, peritagem técnica complexa -, vão-se criando os direitos adquiridos dos particulares…

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - É isso o que eles querem!

O Orador: - … e são estas situações de facto consumado que temos de evitar. Ora, para evitá-las é preciso ter uma oposição firme à proposta que o Sr. Deputado apresenta e defende nesta Assembleia.
E digo-lhe mais, Sr. Deputado: não é apenas a segurança das pessoas e das construções, que é certamente um valor muito importante, o que está aqui em causa. Há outros fins em causa e a Comissão do Domínio Público Marítimo, que responde perante o Ministério da Defesa Nacional, teve a ocasião de dizer que não admite que o Ministério da Defesa Nacional ignore que estas zonas de margem são também relevantes para o sistema de defesa nacional.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Rodrigues.

O Sr. Carlos Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente e Sr. Deputado Pedro da Silva Pereira, quero dizer, muito rapidamente, que aqui há uma diferença, a de que é preciso conhecer a Madeira e a região em causa,…

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Lá tinha isso de vir à baila!…

O Orador: - … para perceber as alterações que propomos. E em relação à situação de segurança que aludiu, lembro-lhe que estamos a falar de situações futuras. Aliás, se conhecesse a Madeira sabia perfeitamente que muitas das estradas já estão delineadas e foram alvo de estudos importantíssimos - não é por acaso que temos o maior túnel e alguns dos maiores viadutos de Portugal - e, portanto, as coisa não foram feitas «em cima do joelho». E se as pessoas considerassem que o Governo Regional, nestes 28 anos, teve uma actuação falhada, já tinham feito o seu julgamento.
Portanto, o que se pretende é que, de uma vez por todas e a exemplo de outras leis que existem no quadro legislativo nacional, se passe a olhar a especificidade e as características muito próprias das regiões de uma outra forma, que para elas não se olhe com esta visão centralista, concentrada, quase que colonialista,…

Risos do PCP, do BE e de Os Verdes.

… porque para estes senhores que estão aqui Portugal é todo igual.
Srs. Deputados, tenho de afirmar-lhes que Portugal não é todo igual, pois a Madeira e os Açores têm especificidades muito diferentes. Daí esta alteração, que procura corrigir uma situação que já vem desde 1971.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos hoje a apreciar uma proposta da Assembleia Legislativa Regional da Madeira que, pura e simplesmente, de uma penada, liquida o domínio público hídrico, aquilo que, há 30 anos, o Estado português foi capaz de compreender que era um valor patrimonial a salvaguardar. E essa compreensão de salvaguarda tinha, como, aliás, já foi dito neste debate, duas razões de ser: por um lado, o propósito muito claro de evitar a privatização tanto do acesso ao mar como das praias, garantindo o espaço público e o acesso a esse espaço por parte de todos, e tinha, por outro lado, o propósito claro de preservação de pessoas e bens.
Assim, não deixa de ser curioso que o PSD venha, mais de 30 anos depois do reconhecimento do domínio público hídrico, quando há, como não havia naquela altura, conhecimento de fenómenos novos, tal como o da mudança climática, que, lamentavelmente, com ignorância e totalmente à margem do mundo, a Região Autónoma da Madeira continua a ignorar, propor um regime que anula a preservação desta faixa, que tem um valor ambiental óbvio mas que, mais do que isso, tem um significado e uma vantagem evidentes do ponto de vista da preservação da orla costeira.
Não deixa de ser também lamentável a forma como o PSD defende esta proposta no Parlamento, porque os Srs. Deputados insistem na necessidade de conhecimento da Região Autónoma da Madeira.
Sr. Deputado, porventura todos nós, os que participamos neste debate, conhecemos a Região Autónoma da Madeira, todos nós conhecemos hoje, no Lido e na zona envolvente, por exemplo, a impossibilidade de acesso ao litoral e é verdadeiramente escandaloso, nesta situação, que os senhores considerem, pretensamente, ser necessário ter em conta a especificidade da região autónoma para esta alteração. Aquilo que verdadeiramente se pretende é a possibilidade de tudo - a de se construir nas Fajãs e em outras zonas de risco, a de betonização do litoral, etc. -, e eu penso que é bom dizer-se, de uma vez por todas, que é inaceitável que, no todo nacional, a lei não incorpore dados do conhecimento que são hoje reconhecidos em todo o lado.
Ninguém tem o direito de pretender para uma região algo que é totalmente absurdo e que só se justifica em nome, estritamente, do interesse privado. E, aqui, interesse privado deve ser lido como o interesse dos grande hoteleiros, porque é a sua defesa que se procura preservar em detrimento não só do direito dos pequenos proprietários

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como do da maioria dos madeirenses. Penso que é importante dizer isto, como penso que é importante dizer, de uma vez por todas, que já é tempo de se exigir à comunidade o pagamento das indemnizações e o ressarcimento dos prejuízos que a defesa pontual destes direitos tem vindo a significar.
Aliás, penso que não podemos estar a discutir tudo isto sem discutir a realidade do que acontece na região autónoma. Disse-se aqui, com candura, que ninguém quer construir em cima do mar, mas, Srs. Deputados, é bom que não nos esqueçamos de projectos que neste momento estão em curso, para construir precisamente em zonas de risco, em zonas onde tem havido avanço do mar, em zonas, aliás, onde a pilhagem de areias…

O Sr. Carlos Rodrigues (PSD): - Pilhagem de areias?!…

O Orador: - … continua a ser impunemente feita pelos areeiros, o que tem possibilitado o continuado avanço do mar. Para constatá-lo basta o olhar e, portanto, não vale a pena iludir aquilo que entra pelos olhos dentro de quem visita Madalena do Mar ou Paúl do Mar.
Por isso, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, opomo-nos totalmente a esta proposta, por ser absurda e visar apenas a criação de condições para que, de uma forma completamente irracional, que, por sê-lo, compromete o futuro da região numa perspectiva de longo prazo, se crie uma forma de turismo que não é sustentável e que, aliás, sê-lo-á cada vez menos.
É, pois, precisamente pelo absurdo desta proposta, pelos interesses que quer acolher, contra o interesse da comunidade, que a ela nos opomos firmemente e esperamos que aqueles que têm um só rosto e uma só cara não digam na Região Autónoma da Madeira aquilo que, eventualmente, no Plenário da Assembleia da República queiram negar.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Permitam-me que comece esta intervenção saudando especialmente, com grande amizade, dois Deputados aqui presentes, os Srs. Deputados João Teixeira Lopes e Honório Novo.
Ao Sr. Deputado João Teixeira Lopes, que tanta vezes salienta a coerência do CDS-PP, coisa que o povo português já sabe, quero dizer, ultrapassando até um pouco o meu líder parlamentar, que esteja perfeitamente à vontade, pois será bem vindo sempre que quiser salientar essa mesma coerência.

Risos do Deputado do BE João Teixeira Lopes.

Ao Sr. Deputado Honório Novo…

O Sr. Honório Novo (PCP): - Eu sabia que era para mim!…

O Orador: - Até já adivinha, está a ver?
Ao Sr. Deputado Honório Novo quero dizer que gostei especialmente da parte do seu discurso democrata-cristão. Sr. Deputado, possivelmente assistimos aqui a um facto histórico: neste momento, no seu partido já não há só ortodoxos e renovadores, há também democratas-cristãos e, com toda a sinceridade, fico contente com a liderança que por si foi considerada.

Protestos do PCP.

Em relação à matéria que aqui nos trás,…

O Sr. Honório Novo (PCP): - Vai explicar agora o critério?

O Orador: - … considero que a existência de condições especiais de natureza geográfica no arquipélago da Madeira não podem deixar de ser tidas em conta quando se pretende determinar a extensão da margem que deve ser considerada como domínio público.
Também não pode merecer qualquer tipo de dúvida a determinação de um regime especial quando se está a referir uma ilha de pequena dimensão, que, naturalmente, terá condições bem distintas das sentidas em Portugal continental. Por esta razão, é perfeitamente defensável a determinação de regimes jurídicos iguais para situações iguais e de regimes jurídicos diferente para situações diferentes.
Por outro lado, deve ter-se também em atenção a grande concentração populacional que se verifica na faixa litoral da Região Autónoma da Madeira. É preciso aceitar que, objectivamente, existem dificuldades de natureza processual para muitos daqueles que querem ver reconhecidos os seus direitos. Há muitas situações em que a presunção relativa ao domínio público funciona e apenas pode ser afastada por via de um procedimento complicado e moroso, que pode afastar os cidadãos da tentativa de efectivar uma pretensão que pode ser absolutamente legítima.
Como já disse, é preciso também ter em atenção a exiguidade do território em causa, bem como o seu relevo marcadamente acidentado, o que faz com que, de facto, sejam diferentes as situações do território continental e as desta região autónoma.
Todas estas razões levam-nos a defender a necessidade de se determinar uma legislação especial para esta situação muito específica.
Mas há também outros motivos, aliás, já expressos pelos representantes do CDS-PP na Assembleia Legislativa Regional da Madeira, que nos levam a colocar um conjunto de questões quanto ao problema que aqui nos trás.
Em primeiro lugar, não se pode esquecer a necessidade de encontrar uma solução de equilíbrio relativamente a alguns putativos interesses ou apetites de natureza urbanística, que poderiam acabar por criar uma solução de sentido contrário.
É também necessário defender a identidade das costas e margens madeirenses e determinar, sem qualquer ambiguidade, o âmbito temporal de aplicação desta nova lei. Isto é, as soluções alcançadas terão de ter efeitos para as situações de direitos adquiridos, de vias já construídas, sendo duvidosa a mesma posição quanto a vias a construir.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Essa será até uma forma de limitar uma certa pressão para a construção que pode fazer-se sentir e

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assim proteger as margens litorais e defender um necessário ordenamento territorial e também a paisagem da Madeira, que tantas vezes aparece em postais e que, com toda a certeza, também nos trará muitos turistas.
Parece ser esta uma forma de defender uma orla costeira que deve ser salvaguardada. Agora, o que deve é existir um critério perfeitamente definido que conceda segurança às pessoas, defendendo as suas expectativas. Não desconfiamos de ninguém, mas esta é uma daquelas matérias em que se deve limitar a discricionariedade.
A legislação deverá ser muito clara na definição dos critérios fundamentais, não podendo aparecer conceitos como o de «via rodoviária pública», que, aliás, não existe como conceito no léxico do plano rodoviário nacional.

O Sr. Honório Novo (PCP): - É o chamado «caminho de cabras»!

O Orador: - A lei não deve deixar à liberdade do intérprete a determinação de conceitos confusos, como o de estrada e caminho municipal ou estrada regional.
Em suma, o CDS-PP pretende uma solução que não seja um travão ao necessário desenvolvimento da Região Autónoma da Madeira; que tenha em atenção a existência de vias rodoviárias públicas já construídas; que possa prevenir os efeitos que o avanço das águas pode provocar; que aceite a necessidade de conceder outro uso urbano às margens; que atenda aos condicionalismos próprios da situação; que seja consentânea com as experiências aplicadas noutros estados perante situações equivalentes.
Devido a todo este conjunto de dúvidas e sem qualquer subterfúgio, assumimos a posição de requerer a baixa à comissão desta proposta de lei, sem votação.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Ora aí está a prudência a funcionar! Muito bem!

O Orador: - Mas essa baixa não deverá, com toda a certeza, ser apenas para atender a posições expressas por esta bancada. Também se deve, por um lado, cumprir o quadro legal e ouvir a Associação Nacional de Municípios Portugueses e o Governo Regional dos Açores e, por outro, fazer audições a determinadas instituições especialmente competentes nesta matéria, como, por exemplo, e seguindo o proposto na informação concedida pelo Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas, o Instituto Marítimo Portuário.
Os problemas por nós descritos serão com toda a certeza resolvidos, utilizando o bom senso, e as audiências de certas entidades, numa matéria que reveste uma feição técnica tão marcada, em consciência, podem levar-nos para aquele que é o melhor dos caminhos.
Espero também que, nessa comissão, os Srs. Deputados do Bloco de Esquerda e do PCP continuem a citar as intervenções do CDS-PP.

Vozes do BE: - Não tenha dúvidas!

O Orador: - Será com toda a certeza um bom sinal. A maioria ainda ficará maior. Perde, com certeza, a oposição, porque perde em liderança, mas, como alguém dizia, «é a vida!».

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Maximiano Martins e João Teixeira Lopes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Maximiano Martins.

O Sr. Maximiano Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Diogo Feio, quero colocar-lhe algumas questões, mas, antes de mais, dizer que conheço bem a Madeira (e há mais tempo que o Sr. Deputado Carlos Rodrigues, por razão de idade), e reconheço as especificidades da geologia e da orografia e até de ocupação da orla costeira, pelo que, em sede de comissão, teremos sem dúvida muito interesse em discutir esses aspectos. Mas há algo que não podemos esquecer: tenho comigo as actas de uma reunião plenária da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, de há menos de um ano, que não podem ser ignoradas pelo CDS-PP em todo o percurso deste debate.

Vozes do CDS-PP: - Outra vez?!

O Orador: - Outra vez, sim! É que há um Deputado na assembleia regional que deseja que as actas deste debate possam ir para a Assembleia da República e que, porventura, os Deputados da Assembleia da República venham a perceber onde está efectivamente a intenção do PSD e do governo regional (governo regional que é do PSD, até Outubro de 2004, parafraseando o Deputado Victor Cruz). E esse Deputado disse, mais: «oxalá os Deputados da Assembleia da República tenham outra concepção de defesa da orla marítima que os senhores do PSD infelizmente não têm». Notou ainda a ligeireza e a rapidez com que o PSD trata estas matérias e mantém sempre a ideia muito clara de que o domínio público e a defesa da orla costeira passaram a estar dependentes não de um critério legal mas das cabecinhas de um presidente de governo, de um secretário regional ou de um presidente de câmara.

Risos do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

Este Deputado tem um nome, é o Deputado Cabral Fernandes, do CDS-PP, de resto, um distinto Deputado. É bom que o CDS-PP honre a posição dos seus colegas.
Quero referir um outro aspecto, que o CDS-PP deve ter presente, que é a posição do Ministério da Defesa Nacional relativamente a esta matéria. Escuso de citar quem é o Ministro, mas ele diz (e isso está publicado no respectivo boletim) que não parece plausível que o Governo, pelo Ministério da Defesa Nacional, aceite prescindir dessas áreas, cujo regime jurídico não é susceptível de regionalização.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Mais uma fissura na coligação!

O Orador: - Tudo isto para colocar o CDS-PP perante a realidade, que não pode ignorar.
Deixem-me que refira…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado o seu tempo esgotou-se. Faça favor de terminar.

O Orador: - Então, terminei, Sr. Presidente.

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O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Para exercer o direito de defesa da honra da bancada, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Qual é o motivo da ofensa, Sr. Deputado?

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, há, em várias intervenções, designadamente nesta última, uma insinuação sistemática, baseada em posições do CDS-PP, de incoerência do meu partido.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado do PS que acabou de usar da palavra, de resto, recorrentemente em relação ao que já tinha sido feito por outros Srs. Deputados, ainda que com melhor sentido de humor, vem insinuar que há algum tipo de incoerência nas posições do CDS-PP, pelo que quero dizer-lhe o seguinte: se eu, ou qualquer Deputado desta bancada, algum dia, não concordar com qualquer posição do CDS-PP na Madeira, assumi-lo-ei sem qualquer problema. E é a minha voz que fala aqui e a voz deles que fala lá. É que há uma coisa que se chama autonomia, que se aplica não só às regiões autónomas mas também aos próprios partidos. O CDS-PP/Madeira é autónomo, tem posições autónomas e eu não mando no CDS-PP/Madeira nem obedeço ao CDS-PP/Madeira. Que isto fique muito claro na sua cabeça!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - No seu partido, não sei como é; no meu, é assim!

Vozes do PSD: - No PS, é diferente!

O Orador: - Em segundo lugar, Sr. Deputado, quero dizer-lhe outra coisa: o senhor vai ouvir a resposta do Sr. Deputado Diogo Feio e vai perceber que na posição do CDS-PP há uma total coerência. O que dissemos é que este diploma baixará à comissão e as preocupações que nós temos serão aí levadas e discutidas entre todos os grupos parlamentares. Há, pois, uma total coerência. Portanto, o que o senhor fez parece-me um exercício sistemático de explorar uma coisa que é um facto político indesmentível e do qual nós não fugimos: o CDS-PP, no Governo da Nação, está aliado ao PSD, que tem a sua colaboração; o CDS-PP, na Região Autónoma da Madeira, é um partido da oposição e disputa com o PSD as eleições na região autónoma. Isso é um facto indesmentível, pelo que não tente explorá-lo como factor de divisão, lançando fumaça ou seja como for. Nós assumimos esse facto, não temos dúvidas sobre ele, somos solidários, mantemos as nossas solidariedades e mantemos sempre uma palavra, o rosto que temos e a coerência que temos.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, querendo, tem a palavra, por 1 minuto concedido pela Mesa, o Sr. Deputado Maximiano Martins.

O Sr. Maximiano Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Telmo Correia, há uma diferença substantiva entre o CDS-PP e o PS: o PS elegeu um Deputado pela Madeira ao passo que o CDS-PP não.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Não faça muita festa!

O Orador: - Ora, há aqui uma diferença substantiva. E devo dizer-lhe que a minha posição nesta Câmara é clara: defendo os interesses da Madeira, intransigentemente, e afirmá-lo-ei sempre que for necessário, pelo que, desse ponto de vista, não há qualquer dúvida.
Sr. Deputado Telmo Correia, esperaria que fosse mais claro na posição que tomou, porque ficou no ar a questão de uma desautorização relativamente à posição que o seu partido tomou na Madeira. Se a posição do CDS-PP, a nível nacional, é a de, reconhecendo a autonomia do CDS-PP, tomar uma posição própria contrária àquela que tomou o CDS-PP, então, que o afirme de forma clara.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Nem sequer é uma posição contrária! Não percebeu nada!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Diogo Feio, dado que o Sr. Deputado João Teixeira Lopes prescindiu de fazer o seu pedido de esclarecimento, pelo que lhe agradeço, tem a palavra, para responder ao Sr. Deputado Maximiano Martins.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, cumprindo o pedido que implicitamente fez, vou ser muito breve nesta minha resposta a um pedido de esclarecimento que, afinal, acabei por não perceber.
Sr. Deputado Maximiano Martins, também tenho a referida acta (e podemos confirmar se é a mesma), relativa à discussão ocorrida na Assembleia Legislativa Regional da Madeira. Ora, a partir daí, o Sr. Deputado poderá com certeza perceber que aquilo que foram as dúvidas e questões por nós colocadas são precisamente as mesmas que foram colocadas pelo Sr. Deputado Cabral Fernandes. Portanto, não percebi qual foi a sua tentativa. Foi tentar dizer que, num sítio, governa só o PSD e, noutro, governa em coligação? Já toda a gente sabe! E também já toda a gente sabe que o PS não governa na Madeira!

Vozes do CDS-PP: - Nem cá!

O Orador: - E cá também não! Portanto, esse é um problema que tem de resolver com os eleitores e não connosco.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, espero, com toda a sinceridade, que domine algo que é fundamental nestas questões: o bom senso. Foi com base nesse mesmo bom senso que pedimos a baixa à comissão, para que se possa encontrar

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a melhor solução possível. Não sei se o PS está já a pôr-se de fora, mas, se está, lamento muito.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva, para o que dispõe de 1,33 minutos.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a noite já vai longa, mas é para mim bastante gratificante ver que as regiões autónomas obrigam a Assembleia da República a trabalhar à noite.
Srs. Deputados, naturalmente, temos todos a consciência de que este diploma trata de questões delicadas, trata de questões com vertentes várias, designadamente no âmbito da Defesa Nacional. Mas há algo muito claro: parece que toda a gente perceberá - não será difícil de perceber - que o tratamento de uma orla costeira continental é completamente diferente do de uma orla costeira insular, com uma orografia própria, uma problemática local própria e os problemas aqui referidos pelo Sr. Deputado Carlos Rodrigues, nomeadamente o do espaço de região disponível para o desenvolvimento.
Ora, aquilo que aqui se quer consagrar é a diferença possível, proporcionalmente possível,…

O Sr. Honório Novo (PCP): - Não parece!

O Orador: - … no que diz respeito àquilo que é a extensão pensada para a orla continental, pensada numa visão continental, da orla costeira e do domínio público marítimo. É esta diferença, fundamentalmente.
Quero dizer-vos que, naturalmente, também temos cometido alguns erros em matéria de desenvolvimento, de ordenamento do território e de urbanização. Mas há uma preocupação muito grande em termos de qualidade na região.
Todos sabem que o turismo é fundamental no nosso desenvolvimento, seria ocultar a verdade se não se dissesse que há também aqui uma preocupação relativamente a essa vertente, mas quero também dizer-vos que o que se tem feito, nos últimos anos, em estâncias de exploração balnear para o público em geral…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado o seu tempo esgotou-se. Faça favor de terminar.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Como dizia, muito se tem feito, nos últimos anos, cada vez mais, junto do Funchal e fora dele, em termos de estâncias balneares públicas, as únicas formas de acesso à população regional, que não havia e que têm sido preservadas e implementadas.
É este equilíbrio que queremos consagrar e é esta compreensão que vamos pedir, cientes das implicações que este diploma tem, adiantando a nossa disponibilidade para, em sede de comissão, podermos fazer as melhorias que se tornem necessárias para encontrarmos uma solução. Mas não gostaria que se formasse aqui a posição cega de que «tem de ser igual ao continente», porque «se é assim no continente, também tem de ser assim nas regiões autónomas».

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - É esta questão que temos de…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de concluir.

O Orador: - Vou já concluir, Sr. Presidente, com uma última nota.
Percebi aqui, da parte do Partido Socialista, a dificuldade em pôr à mostra a diferença entre o discurso feito aqui e o discurso feito pelos Deputados do Partido Socialista na Assembleia Legislativa Regional da Madeira, tendo-se refugiado na diferença de discursos de outros grupos parlamentares, o que, parlamentarmente, não se pode dizer que seja uma forma de elevar o debate na Assembleia da República.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Agora, sim, finalmente chegámos ao fim da lista de oradores.
Quero ainda informar a Assembleia que foi entregue na Mesa um requerimento para que esta proposta de lei baixe, nos termos do artigo 156.º do Regimento, à 4.ª Comissão por um período de 60 dias. Esse requerimento será votado oportunamente, nos termos regimentais.
Pela hora em que terminam tão tardiamente os nossos trabalhos, hoje vamos aplicar à risca aquela cantiga da Sapateia, de São Miguel: «Ai quantas vezes, ai quantas/O jantar serve de ceia». De qualquer modo, fizemo-lo por uma boa causa.
Srs. Deputados, chegámos ao fim dos nossos trabalhos.
A próxima sessão plenária será amanhã, sexta-feira - quase que me atrevo a dizer, mais daqui a bocado -, às 10 horas, e da ordem do dia consta de uma sessão de perguntas ao Governo.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 23 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
António Alfredo Delgado da Silva Preto
Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Pedro Filipe dos Santos Alves
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro

Partido Socialista (PS):
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira

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Partido Popular (CDS-PP):
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
Pedro Manuel Brandão Rodrigues

Partido Comunista Português (PCP):
Jerónimo Carvalho de Sousa
Maria Odete dos Santos

Srs. Deputados não presentes à sessão, por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Social Democrata (PSD):
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes

Partido Socialista (PS):
Alberto Bernardes Costa
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro

Partido Popular (CDS-PP):
José Miguel Nunes Anacoreta Correia

Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas

Bloco de Esquerda (BE):
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Isabel Maria de Almeida e Castro

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
António Joaquim Almeida Henriques
José Manuel de Lemos Pavão

Partido Socialista (PS):
João Cardona Gomes Cravinho
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Manuel Maria Ferreira Carrilho

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