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Sexta-feira, 31 de Maio de 2002 I Série - Número 15
IX LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2002-2003)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 29 DE MAIO DE 2002
Presidente: Ex.mo Sr. João Bosco Soares Mota Amaral
Secretários: Ex. mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Ascenso Luís Seixas Simões
António João Rodeia Machado
Fernando Santos Pereira
S U M Á R I O
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 15 minutos.
Deu-se conta da apresentação das propostas de lei n.os 5 e 6/IX, dos projectos de lei n.os 29 a 39/IX e dos projectos de resolução n.os 15, 16 e 17/IX.
Foi aprovado o projecto de resolução n.º 13/IX - Viagem do Presidente da República a Paris (Presidente da AR).
Procedeu-se ao debate da interpelação n.º 1/IX - Sobre a política do audiovisual e o futuro da RTP e do serviço público de televisão (BE), tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Deputado Francisco Louçã (BE) e do Sr. Ministro da Presidência (Nuno Morais Sarmento), que também proferiram intervenções na fase de abertura, os Srs. Deputados António Costa (PS), Telmo Correia (CDS-PP), António Montalvão Machado e Maria Elisa Domingues (PSD), Manuel Maria Carrilho (PS), Luís Fazenda (BE), António Filipe (PCP), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), Isabel Castro (Os Verdes), Pinho Cardão (PSD), Jorge Lacão (PS), João Pinho de Almeida (CDS-PP), Diogo Vasconcelos (PSD), José Saraiva (PS), Luís Marques Guedes e Guilherme Silva (PSD), Bruno Dias (PCP) e João Teixeira Lopes (BE).
Entretanto, em interpelação à Mesa, o Sr. Deputado José Magalhães (PS), a propósito da intervenção do Sr. Deputado Pinho Cardão (PSD), referiu a norma regimental que estabelece que um Deputado que tenha um qualquer interesse na matéria em que vai intervir tem de o declarar aos seus pares antes de o fazer. A propósito, intervieram os Srs. Deputados Guilherme Silva (PSD), Jorge Lacão (PS), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), Pinho Cardão (PSD) e António Costa (PS).
A Câmara aprovou três pareceres da Comissão de Ética, autorizando dois Deputados do PSD e um do PS a deporem, por escrito, em tribunal.
A proposta de lei n.º 3/IX - Altera a Lei n.º 13/98, de 24 de Fevereiro (Lei de Finanças das Regiões Autónomas) foi aprovada na generalidade, na especialidade e em votação final global. Foi também aprovado um requerimento, apresentado pelo Presidente da AR, de dispensa de redacção final em comissão.
Por último, em relação à proposta de lei n.º 99/VIII - Altera o Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de Novembro, relativo ao regime jurídico dos terrenos do domínio público hídrico (ALRM), a Câmara aprovou um requerimento, apresentado pelo PSD e pelo CDS-PP, nos termos do artigo 156.º do Regimento, de baixa à Comissão do Poder Local, Ordenamento do Território e Ambiente, sem votação na generalidade, por um período de 60 dias.
No encerramento do debate da interpelação, intervieram, de novo, o Sr. Deputado Francisco Louçã (BE) e o Sr. Ministro da Presidência.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 45 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 15 minutos.
Srs. Deputados presentes à sessão:
Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
Alexandre Bernardo Macedo Lopes Simões
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Paula Rodrigues Malojo
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Fernando de Pina Marques
António Henriques de Pinho Cardão
António Joaquim Almeida Henriques
António Manuel da Cruz Silva
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
António Paulo Martins Pereira Coelho
Arménio dos Santos
Bernardino da Costa Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos Alberto da Silva Gonçalves
Carlos Alberto Rodrigues
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Carlos Parente Antunes
Daniel Miguel Rebelo
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Fernando Santos Pereira
Francisco José Fernandes Martins
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
Gonçalo Trigo de Morais de Albuquerque Reis
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Gustavo de Sousa Duarte
Henrique José Monteiro Chaves
Hugo José Teixeira Velosa
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
João Bosco Soares Mota Amaral
João Carlos Barreiras Duarte
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José Gago Horta
João Manuel Moura Rodrigues
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Alberto Vasconcelos Tavares Moreira
José António Bessa Guerra
José António de Sousa e Silva
José Luís Ribeiro dos Santos
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
José Manuel Carvalho Cordeiro
José Manuel de Lemos Pavão
José Manuel dos Santos Alves
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
Laurentino de Sousa Esteves
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria Aurora Moura Vieira
Maria da Graça Ferreira Proença de Carvalho
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Maria Elisa Rogado Contente Domingues
Maria Eulália Silva Teixeira
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Maria Isilda Viscaia Lourenço de Oliveira Pegado
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa da Silva Morais
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro do Ó Barradas de Oliveira Ramos
Pedro Filipe dos Santos Alves
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso
Sérgio André da Costa Vieira
Victor do Couto Cruz
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis
Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Alberto de Sousa Martins
Alberto Marques Antunes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António José Martins Seguro
António Luís Santos da Costa
António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
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Ascenso Luís Seixas Simões
Augusto Ernesto Santos Silva
Edite Fátima Santos Marreiros Estrela
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira
Fausto de Sousa Correia
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Serrasqueiro
Fernando Ribeiro Moniz
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins
Gustavo Emanuel Alves de Figueiredo Carranca
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
João Barroso Soares
João Cardona Gomes Cravinho
João Rui Gaspar de Almeida
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Alberto Sequeiros de Castro Pontes
José António Fonseca Vieira da Silva
José Apolinário Nunes Portada
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade
José da Conceição Saraiva
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Santos de Magalhães
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Júlio Francisco Miranda Calha
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda
Luís Manuel Capoulas Santos
Luís Manuel Carvalho Carito
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson da Cunha Correia
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo José Fernandes Pedroso
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Teresa Maria Neto Venda
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo
Partido Popular (CDS-PP):
Acílio Domingues Gala
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
Luís José Vieira Duque
Manuel de Almeida Cambra
Narana Sinai Coissoró
Pedro Manuel Brandão Rodrigues
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Bloco de Esquerda (BE):
Francisco Anacleto Louçã
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: propostas de lei n.os 5/IX - Autoriza o Governo a alterar o Decreto-Lei n.º 238/94, de 19 de Setembro, relativo ao sistema de unidades de medida legais, a fim de proceder à transposição para a ordem jurídica nacional da Directiva 1999/103/CE, de 24 de Janeiro de 2000, e 6/IX - Revoga o Rendimento Mínimo Garantido previsto na Lei n.º 19-A/96, de 29 de Junho, e cria o Rendimento Social de Inserção, que baixa à 8.ª Comissão; projectos de lei n.os 29/IX - Elevação da povoação de Baltar, no concelho de Paredes, à categoria de vila (PSD), 30/IX - Elevação da povoação de Sobreira, no concelho de Paredes, à categoria de vila (PSD), 31/IX - Elevação da povoação de Cete, no concelho de Paredes, à categoria de vila (PSD), 32/IX - Elevação da
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povoação de Recarei, no concelho de Paredes, à categoria de vila (PSD), 33/IX - Elevação da povoação de Vilela, no concelho de Paredes, à categoria de vila (PSD), 34/IX - Elevação da vila de Gandra, no concelho de Paredes, à categoria de cidade (PSD), 35/IX - Elevação da vila de Lordelo, no concelho de Paredes, à categoria de cidade (PSD), 36/IX - Elevação da vila de Rebordosa, no concelho de Paredes, à categoria de cidade (PSD) e 37/IX - Designação da freguesia de Cumeeira (PS), que baixam à 4.ª Comissão, 38/IX - Reforma a tributação do património, aprovando o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, alterando o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, o Código do Imposto do Selo, o Estatuto dos Beneficiários Fiscais e diversa legislação avulsa, extinguindo o imposto municipal de sisa e o imposto sobre as sucessões e doações (BE), que baixa às 4.ª e 5.ª Comissões, e 39/IX - Criação do município de Sacavém (Deputado do PSD Rui Gomes da Silva), que baixa à 4.ª Comissão; e projectos de resolução n.os 15/IX - Ampliar a aplicação do Rendimento Mínimo Garantido e as medidas de inserção na vida activa dos cidadãos (BE), 16/IX - Sobre o destacamento português na Bósnia (BE) e 17/IX - Sobre o acompanhamento parlamentar da participação de Portugal na Cimeira da ONU em Joanesburgo (PS).
Sr. Presidente, em matéria de expediente, é tudo.
O Sr. Presidente: - Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, a 1.ª parte da ordem do dia prevê a discussão e votação do projecto de resolução n.º 13/IX, subscrito por mim, que autoriza o Sr. Presidente da República a ausentar-se do País para uma viagem a Paris, entre os dias 7 e 9 do próximo mês de Junho.
A mensagem presidencial solicitando o assentimento para se ausentar do território nacional foi remetida à comissão competente, que emitiu parecer, que é do conhecimento geral, no sentido de, obviamente, ser autorizada esta deslocação.
Está em discussão o projecto de resolução.
Pausa.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votá-lo.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O projecto de resolução será imediatamente transmitido ao Sr. Presidente da República.
Srs. Deputados, a 2.ª parte da ordem do dia é preenchida com a interpelação n.º 1/IX - Sobre a política do audiovisual e o futuro da RTP e do serviço público de televisão (BE).
Para fazer a intervenção inicial, em nome do partido interpelante, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, se me permite, antes de começar a intervenção, queria fazer uma interpelação à Mesa sobre a ordem de trabalhos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, recebi a cordial informação, que agradeço, de que o Sr. Primeiro-Ministro, como é costume nesta Assembleia, assistirá pelo menos à abertura da interpelação, mas está atrasado, por razões de Estado. Queria colocar-lhe o problema, porque, certamente, será incómodo para o Primeiro-Ministro entrar a meio da intervenção e não ouvir o início.
Portanto, queria suscitar-lhe o problema para saber da sua opinião e da sua decisão sobre se devemos começar ou se, pelo contrário, devemos aguardar alguns minutos pelo Primeiro-Ministro.
O Sr. Presidente: - Só um momento, porque vou fazer uma diligência.
Pausa.
Sr. Deputado Francisco Louçã, acabo de ser informado de que o Sr. Primeiro-Ministro está retido numa conversa com o Sr. Presidente da República no termo de um encontro de trabalho que, hoje, se verificou e de que, muito em breve, chegará à Assembleia da República. Mas também não me podem assegurar qual é o tempo que ele pode demorar.
Se o Sr. Deputado fizer muita questão em aguardar a chegada do Sr. Primeiro-Ministro, como é o responsável pela interpelação, não tenho dúvidas em suspender a sessão, esperando que o Sr. Primeiro-Ministro chegue.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, creio que é uma norma de cortesia, visto que é uma interpelação ao Governo e que o Primeiro-Ministro manifestou desejo em participar, como tem sido costume.
Por nossa parte, estamos perfeitamente dispostos a que esperemos; parece-nos, aliás, a solução mais elegante.
O Sr. Presidente: - Muito bem, Sr. Deputado.
Nesse caso, vou suspender a sessão por 15 minutos, para que não aconteça que 10 minutos não sejam suficientes. Em todo o caso, peço a todos os Srs. Deputados o favor de estarem presentes daqui a 15 minutos a fim de retomarmos os trabalhos.
Srs. Deputados, está interrompida a sessão.
Eram 15 horas e 25 minutos.
Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 15 horas e 40 minutos.
Estamos em condições de retomar os trabalhos.
Começo por saudar o Sr. Primeiro-Ministro e os Srs. Ministros presentes.
Para apresentar a interpelação do BE, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo é, hoje, interrogado sobre a situação da RTP, do audiovisual e a política do serviço público.
Esta interpelação, no entanto, nasce de uma interrogação geral sobre a política que estamos a discutir.
Começo, por isso, por cumprimentá-lo, Sr. Primeiro-Ministro, porque se tem notado que tem andado fugido
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dos problemas que tem criado. Num mês de governo, é obra que tenha desaparecido durante duas semanas inteiras. Por isso, ainda bem que hoje nos dá o gosto da sua companhia. Bem-vindo ao país real!
Bem sei que não é por falta de conselhos, mas sim por causa deles, que anda desaparecido. Não é caso para menos. Um conselheiro escrevia, há muitos anos atrás, chamava-se ele Maquiavel, a seguinte recomendação aos vencedores: «Ao tomar conta de um Estado, o conquistador deve avaliar as medidas duras que devem ser tomadas e executá-las de uma só vez. As crueldades devem ser cometidas todas ao mesmo tempo».
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Repito: «As crueldades devem ser cometidas todas ao mesmo tempo».
E é assim que o Governo tem procedido, torturando os mais desprotegidos: o aumento do IVA; a retirada do rendimento mínimo aos jovens; a isenção das mais-valias bolsistas; a nova isenção fiscal à banca; o fim do crédito bonificado; os despedimentos anunciados para a função pública; o fecho de escolas; a entrega de hospitais aos privados.
No entanto, a crueldade não seria suficientemente cruel se não fosse anunciada do alto do pelourinho: a extinção da RTP é o seu pelourinho privativo, Sr. Primeiro-Ministro.
O Governo quer dizer ao País que decide, que tem força, que manda. É normal que precise destas demonstrações, porque lhe falta em autoridade o que quer ganhar em estilo. O Governo é fraco perante os fortes, porque é o Governo que os fortes têm para impor a sua força aos mais fracos. Mas o Governo é fraco perante os difíceis desafios que se colocam no País. É fraco perante o facilitismo. É fraco na defesa do interesse público, porque prefere o interesse privado. É fraco perante as dificuldades do debate democrático, preferindo a batota e a trapalhada.
E foi este Governo - o seu Governo, Sr. Primeiro-Ministro - que escolheu a RTP para mostrar o que vão ser os próximos quatro anos de governação. Por isso, este debate está minado à partida.
Porque, sobre a RTP, o Governo não sabe, diz tudo e o seu contrário: que extingue e que mantém; que paga e que não paga; que vende e que logo vai estudar; que privatiza parte da RDP porque dá lucro e que privatiza parte da RTP porque dá prejuízo; que acaba com um canal, mas que não sabe qual; que fica com um canal, mas não sabe como.
É lamentável!
O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!
O Orador: - A importância do serviço público de televisão para a nossa democracia deveria ultrapassar as contingências políticas e os jogos de força.
Aliás, o Sr. Primeiro-Ministro mandou-nos aqui, na semana passada, o Ministro Morais Sarmento confessar que tinha mentido acerca de uma reunião do Conselho de Ministros. Quis então a sua desforra de Pinóquio, e explicou-nos que a mentira é boa política porque os portugueses seriam como as crianças traquinas que habitam a «Ilha dos Burros», que podem ser tratadas com o bastão e a cenoura. Veremos se não se engana, porque estamos convencidos que se engana redondamente. Por isso, convidámos o Sr. Primeiro-Ministro e, naturalmente, o Sr. Ministro a virem aqui, para vermos se algum «grilo-falante» entretanto lhe disse alguma coisa sobre o que vai ser a política para a RTP. De falta de oportunidades é que não se pode queixar.
Assim, venho confrontá-lo, Sr. Primeiro-Ministro, com o que aqui devia ser a política decente de um governo decente. Hoje, aqui, discutiremos alternativas. E, queira ou não o Governo, queira ou não o Sr. Ministro, discutiremos como resolver a crise actual da RTP e como refundar a RTP. Porque esta crise tem responsáveis, e é preciso «chamar à pedra» esses responsáveis.
O primeiro responsável é a manipulação política, o controlo desvergonhado de uma empresa que sempre foi vista pelo poder como parte do seu poder de propaganda. É preciso lembrar que a RTP, ao contrário das outras televisões da Europa, nasceu na ditadura. E depois, em democracia, a RTP sempre foi vista por todos os governos como um instrumento de manipulação. Ocupava sozinha, até há cerca de 10 anos, todo o cenário televisivo português. Por isso, o poder político foi garantindo a inexistência de pluralismo na informação. Não foi para isso que Proença de Carvalho, a seu tempo, foi nomeado para a RTP?! No seu tempo, a RTP manipulava e manipulou, e manipulava descaradamente.
A RTP sempre foi tratada em função das necessidades do poder político - 23 conselhos de gerência desde 1974. Foi usada para ter ministros nos telejornais, secretários de Estado em inaugurações, primeiros-ministros em grandes entrevistas. Os poderes pressionaram, chantagearam, ordenaram, controlaram. De José Eduardo Moniz a Emídio Rangel, muitos foram os protagonistas deste requiem antecipado do serviço público da televisão.
Mas existe um segundo responsável: a incompetência financeira de uma gestão danosa de uma tutela danosa. Morais Sarmento chegou a fazer «fogo de artifício» com a sugestão de processar os seus antecessores. Se isso tivesse sentido, teria imenso trabalho.
Teria que processar quem exigiu à RTP que entrasse numa guerra de mercado contra a SIC, que ia começar a funcionar, usando, portanto, a empresa para pagar favores e conivência. Teria que processar os Ministros PSD, incluindo Luís Marques Mendes, agora sentado ao seu lado, que acabaram com a taxa, prejudicando, de forma tão danosa, a administração da empresa, por exigência de Francisco Pinto Balsemão. Teria de processar Cavaco Silva que, em 1992, tirou os retransmissores à empresa, fazendo-se pagar por 5,4 milhões de contos (5,4 milhões de contos em troca de um equipamento que valia 70 milhões de contos), que depois teve de alugar por 3 milhões de contos/ano.
Foi nesse tempo, no tempo do PSD, que começou o atraso no pagamento à empresa e também as despesas faraónicas com estrelas, sem que nunca se sentisse qualquer resultado. Foi nesse tempo, no tempo do PSD, que o passivo da RTP começou a engordar. A maior queda de sempre dos resultados líquidos na história da empresa ocorreu entre 1992 e 1995 (e o Ministro Luís Marques Mendes poderá dar conta desse prejuízo) quando o prejuízo líquido da empresa se degradou em 500%. O prejuízo era de
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50 milhões de contos, quando o PSD abandonou o poder após as eleições de 1995.
Entretanto, a SIC e a TVI funcionavam sem que tivesse sido imposto o mais elementar dos cuidados em garantir a existência de um caderno de encargos e uma fiscalização pública para a utilização pública daquilo que é espaço público. Para o PSD, o serviço público e as regras transparentes, tudo isso, são um instrumental que pode abandonar-se com toda a facilidade.
Depois, veio o Engenheiro António Guterres e o seu governo e o descalabro, como bem se sabe, continuou. Nem um único problema foi resolvido, não houve o princípio desse tão necessário serviço público, a gestão desastrosa agravou-se e a instrumentalização política da RTP foi continuando. Agravaram-se os problemas com a limitação da publicidade sem contrapartidas, com a entrega da TV Cabo à Portugal Telecom, com o subfinanciamento da RTP (em 2001, tendo sido prometidos 25 milhões de contos, só foram pagos 14 milhões de contos).
Chegámos, então, à situação de hoje: 190 milhões de contos de passivo, 120 milhões de contos de dívida do Estado à RTP; 10% dos custos da empresa resultam do pagamento dos juros da dívida à banca; activos riquíssimos - como, por exemplo, o arquivo da RTP, que é um bem nacional essencial - que não são satisfatoriamente utilizados. Numa palavra, esta RTP governamentalizada, instrumentalizada e destroçada transformou-se numa espécie de Fábrica das Anedotas, numa sangria de meios e de dinheiro que roça a tragicomédia. De facto, dificilmente poderia ser pior o cenário que encontramos.
Por isso, que fique claro que o Bloco de Esquerda defende os trabalhadores da RTP, vítimas e não carrascos da empresa, e que tudo fará para defender o princípio do serviço público e os interesses públicos contra a ganância dos privados, aqui representados pelas bancadas da direita.
O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!
O Orador: - Mas não gastaremos um segundo na defesa da RTP tal qual ela está, tal qual ela é administrada, tal qual ela é gerida. Ela é má demais para ser defendida, ela é o mais visível dos retratos da mediocridade dos governos, desde o de Cavaco Silva até hoje.
O que nos interessa, isso sim, é discutir (e discutir aqui com os Srs. Deputados e o Governo) como refundar a RTP para ser o suporte do serviço público que precisamos de ter e que queremos ter.
Este é o debate da democracia e dos seus fundamentos, por uma razão essencial: a televisão é o meio mais poderoso de comunicação. A sua força não tem só que ver com o fornecimento de um serviço informativo que é referência para o País. A sua força deriva de uma particularidade única: a televisão é, na comunicação social, a única produção contínua e universal de conteúdos de informação e de entretenimento, ela é a máquina cultural mais influente da modernidade. A televisão é a sociedade que diz à sociedade aquilo que ela é ou tem de ser. Por isso, é também uma prisão: os portugueses passam 3 horas e 23 minutos/dia, em média, frente à televisão, o que representa mais de metade do tempo que passam os dinamarqueses, os holandeses ou os austríacos.
Esta máquina tem de ter regras! É por isso que o serviço público é a regra que é necessário impor contra a padronização da informação, contra a banalização e o populismo mediático.
Vale a pena lembrar que, no dia em que se clarificou o mapa político das eleições presidenciais, os telejornais não trataram da recandidatura de Jorge Sampaio senão meia hora depois, para abrirem, todos eles, com o extraordinário não-acontecimento que foi o lifting de Lili Caneças. Só um serviço público pode contrariar o maniqueísmo mercantil!
É certo que, com o aparecimento dos canais privados, houve uma alteração: melhorou o pluralismo na informação. Mas o seu aparecimento mostrou que a concorrência não chega para garantir a qualidade, pelo contrário, ela tem-se traduzido numa diminuição média da qualidade na generalidade dos canais portugueses. Porque o mercado televisivo se move pela ética das audiências, é bom o que é visto, e se o que é mau é muito visto, então, passa a ser excelente.
Neste contexto, os governos hesitaram entre duas posturas, o show-off e a desistência: o show-off, pensando que bastava fazer alguma inovação tecnológica e transformar algumas regras da empresa para solucionar os problemas, e só os agravaram; a desistência, porque aceitaram que os privados e o mercado deveriam regular o espaço público de comunicação.
Por isso, temos programas como o Masterplan, os Malucos do Riso, Gregos e Troianos, ou seja, temos programas em que se safa quem tem menos escrúpulos, em que ganha o debate quem grita mais e em que a inteligência do humor é substituída pela vulgaridade do preconceito.
Poderemos, então, perguntar como sair desta mediocridade. Desse ponto de vista, a estratégia da RTP não foi alternativa; pelo contrário, foi parte da degradação.
O serviço público de televisão não pode ser isto, não pode ser uma manta de retalhos, nem sequer um conjunto de bons programas. Tem de ser a regulação na guerra das audiências. Não basta ter programas de serviço público, é preciso ter um serviço público com programas, garantir a diversidade do acesso aos bens culturais, salvaguardar a identidade cultural, aceder ao que de melhor se faz no mundo.
É por isso que defendemos, como princípios norteadores deste serviço público, que a nova RTP que assuma esta responsabilidade tem de: garantir informação especializada, informação política e o debate das grandes opções, informação internacional e produção regional; fomentar a participação dos telespectadores e a diversidade cultural; apoiar o cinema português; garantir a programação infantil e uma programação coerente; cumprir horários; rejeitar este ultraje que é a política de contraprogramação; dinamizar a produção independente; garantir o máximo de audiências com esta qualidade; e manter uma posição independente perante o poder económico.
Por isso, defendemos nas eleições, perante este Parlamento e o País, a desgovernamentalização da RTP, a criação de regras para novos sistemas de distribuição de televisão, o reforço das instâncias de regulação, a fiscalização das actividades dos privados e dos meios publicitários e opusemo-nos à concentração dos meios de comunicação
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social. Isso leva-nos a defender, nesta interpelação, um programa de emergência para refundar a RTP.
Em primeiro lugar, mudar o seu estatuto, permitindo a eleição da administração por maioria de dois terços na Assembleia da República.
Em segundo lugar, garantir o financiamento estável e previsível da RTP.
Em terceiro lugar, prestar contas ao País e apresentar uma auditoria urgente às suas contas, incluindo a publicitação dos contratos dos administradores e das estrelas do canal.
Em quarto lugar, ter uma política de conteúdos, de internacionalização, de desenvolvimento de uma estratégia de serviço público, ficando o segundo canal como um canal de formação, de cultura e de divulgação e o primeiro como um canal sem qualquer pretensão comercial.
Por isso, consideramos extraordinário o tipo de argumentos que o Governo aqui nos apresenta, nomeadamente, que deve retirar-se a publicidade da RTP, porque as suas receitas são insuficientes.
Aceitamos e defendemos o princípio de um serviço público de televisão que não dependa do mercado publicitário, o que tem regras que também deverão ser impostas aos privados. A saber: fim da publicidade nos telejornais para combater a «tablóidização» da informação, cumprimento dos limites à publicidade e cedência de programas para retransmissão no canal internacional.
Em tudo isto é preciso fazer alterações de fundo, por isso, elas deverão abranger igualmente os privados, que deverão ser obrigados a possuir cadernos de encargos e estar subordinados a regras gerais contra a concentração, como prevê a nossa lei, antecipando o que deve ser a «legislação antiberlusconi» em Portugal.
Resta saber o que é que o Governo quer. E, quanto a isto, certamente nos dirá o Sr. Ministro que há demasiadas despesas, apresentará números, e que, por isso, é preciso fazer algumas alterações. Só que as alterações que o Governo propõe são contraditórias com a realidade. Por que é que Portugal há-de ser dos raríssimos países da Europa - só há três: a Islândia, Chipre e Malta - que só tem um canal de serviço público de televisão? A esses países poderemos somar Marrocos, que também só tem um canal de serviço público de televisão.
Responderá o Sr. Ministro: «Porque as contas são deficitárias». Mas os números não enganam: o custo da RTP tem sido de 38 euros/ano por cada português (cada inglês paga 71 euros/ano e cada alemão 81/euros ano) e a RTP tem cerca de 2000 funcionários (as televisões de países pequenos, como a Áustria ou a Suíça, têm o dobro destes funcionários e a BBC tem 13 vezes mais funcionários). E é porque os números não enganam que o Governo, de facto, não tem resposta!
Responda o Sr. Ministro por que é que havemos de pagar por um só canal aquilo que pagamos por dois. Pergunto-lhe isto, porque, feitas as contas, sabemos que o Governo perde quase 10 milhões de contos reduzindo os canais públicos de dois para um, para conseguir poupar, em contrapartida, cerca de 6 ou 7 milhões de contos em custos operacionais, presumindo que não vai despedir todos os trabalhadores.
Ora, se precisamos de dois canais e se os pagamos, por que deles devemos abdicar, sendo que os dois são precisos para desenvolver a diversidade dos públicos e sustentar a universalidade do serviço público de televisão?
Disse o Sr. Ministro Morais Sarmento que um canal custará cerca de 30 milhões de contos/ano. É essa conta que quero que seja feita aqui, porque se ela não considerar os custos resultantes da dívida que o Estado impôs à RTP, uma nova RTP pode financiar os dois canais por 30 milhões de contos. Aliás, a SIC passou de um canal para quatro, com um significativo agravamento dos seus custos financeiros.
Portanto, o que o País precisa é de uma decisão em termos de estratégia de serviço público, o País não precisa de demagogia, não precisa de irresponsabilidade, e é isso, Dr. Durão Barroso, que tem sido a voz do seu pesado silêncio nesta matéria.
O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!
O Orador: - É por isso que, querendo salvar e refundar a RTP, queremos garantir o essencial para o serviço público.
Já é tarde, já é mesmo muito tarde, mas mais vale tarde do que nunca!
Aplausos do BE.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, devido a uma avaria no som, vamos interromper a sessão por 10 minutos.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 16 horas e 20 minutos.
Antes de dar a palavra ao Sr. Ministro da Presidência para fazer a sua intervenção na abertura deste debate, chamo a atenção de todos os Srs. Deputados para o facto de hoje haver votações à hora regimental. Assinalo este aspecto, porque não é costume haver votações à quarta-feira, mas amanhã é feriado nacional e não haverá reunião plenária.
Uma das propostas de lei que temos de votar diz respeito a uma lei de valor reforçado, a Lei de Finanças das Regiões Autónomas, e, por isso mesmo, exige um quórum de votação especial.
Peço a atenção de todos, a fim de podermos fazer essa votação com toda a sua regularidade constitucional.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.
O Sr. Ministro da Presidência (Nuno Morais Sarmento): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Alguns, felizmente poucos, na ânsia de afrontar o Governo, têm tentado deturpar, adulterar e manipular o debate sobre a televisão em Portugal. Voltaram a fazê-lo a propósito desta interpelação. São os que, de forma grosseira e maniqueísta, querem tentar dividir o País em dois: os que estão a favor ou contra a RTP, os que defendem ou afrontam
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o interesse público, os que querem ou não querem um serviço público de televisão. Esta é a dicotomia mais falsa que pode existir, porque fundada na mais requintada hipocrisia.
A verdade é outra e bem distinta.
A única e verdadeira diferença está entre aqueles que nunca foram capazes de ultrapassar o umbigo narcísico das suas dissertações e passar à prática, assumir responsabilidades, apresentar soluções, e aqueles que procuram, com seriedade, em primeiro lugar, dizer a verdade aos portugueses e, em segundo lugar, assumir a responsabilidade de apresentar soluções e ter a coragem de tomar decisões.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!
O Orador: - A capacidade dos primeiros está à vista, no descalabro que a RTP viveu nos últimos seis anos.
A nossa responsabilidade, ao contrário, é a de cumprir o projecto que apresentámos aos portugueses, não recuando nunca perante a demagogia, porque o objectivo é mesmo o de salvar a televisão pública em Portugal.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Sejamos claros! Há duas formas de encarar o debate que hoje tem lugar: uma, a de ver a televisão pública olhando para trás, revelando, de forma confrangedoramente arcaica e ultrapassada, total incapacidade para compreender os novos desafios que estão já à nossa frente;…
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - … outra, reformista e ambiciosa, a de ver a televisão percebendo as mudanças profundas que se exigem, olhando para o futuro e tendo a coragem de assumir já as reformas necessárias.
É, no fundo, a diferença entre ficar agarrado ao passado ou pretender, desde já, preparar o futuro.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Uns, preferem a primeira hipótese. São, por natureza, conservadores e avessos a qualquer tipo de reforma.
Nós, ao contrário, não temos receio do futuro nem medo da reforma.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Queremos aproveitar, com inteligência, a oportunidade que se abre com a necessidade de reestruturar profundamente a televisão pública e não nos consumirmos na discussão estéril sobre a existência ou não de um único canal público generalista. Essa é uma discussão que, dentro de poucos anos, com as novas oportunidades tecnológicas, será ridícula porque ultrapassada. Surgirá como pré-histórica!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Agarrar esta oportunidade é ter a ambição de construir, desde já, uma televisão pública preparada para os novos desafios, capaz de se adaptar às novas tecnologias, com uma personalidade suficientemente forte para sobreviver na globalização da televisão.
É um erro histórico continuar a discussão persistindo nos termos em que as oposições a têm colocado.
Os desafios são a televisão digital, incontornável dentro de poucos anos, a Internet, o UMTS e, principalmente, a televisão por cabo, em que, criminosamente, já se perdeu um tempo que poderá ser irrecuperável para a televisão pública.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Os desafios são os de voltar a integrar a televisão, a cultura, a educação e as telecomunicações; partir desta estratégia integrada para a afirmação de uma nova entidade reguladora independente, que reorganize as competências dispersas pelas diferentes entidades com incidência no sector, em particular no domínio da publicidade; perceber que está condenada à partida qualquer política que entregue a televisão a um responsável sem peso político, e que ninguém quer ouvir, ao lado de um ministro da cultura com uma agenda própria e certezas autistas, ignorando ainda completamente o que, também ao lado, se define como estratégia para as telecomunicações, negando, por isso, qualquer hipótese de coordenação, quanto mais de capacidade de regulação.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Os desafios são a afirmação de uma política que promova realmente a indústria do audiovisual, respeitando-a, dando-lhe dignidade e, principalmente, disponibilizando-lhe meios e condições de divulgação, em que, por exemplo, o ICAM deixe de ser a caixa de esmolas de um audiovisual pedinte, tolerado mas não desejado, e passe a ser um parceiro contratual e estruturante, em que o Estado mostre pelos produtores nacionais o respeito mínimo de, ao menos, lhes pagar o esforço do seu trabalho a tempo e horas, em que se abandone a tentação de controlar e perpetuar uma clientela de eternos repetentes e se assuma a responsabilidade de abrir a novos criadores, a novos conteúdos e a novas empresas.
É neste quadro que deve ser discutida a nova televisão pública, preparada para os desafios que enunciei, elemento essencial da estratégia de actuação integrada que apresentei, parceiro activo na defesa do audiovisual que sustentei.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É numa lógica virada para o futuro e não para o passado, fundada numa estratégia consistente para o audiovisual e não alicerçada em paliativos ou remendos que se enquadra a reforma profunda a fazer com a RTP.
Já o disse e agora o reafirmo: a RTP, tal como existe, não serve Portugal. É um peso morto, um sorvedouro de dinheiros públicos, uma empresa à beira da falência e que, ainda por cima, não faz o serviço público que se impõe fazer.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Noutras ocasiões, dei ao País elementos concludentes sobre o descalabro financeiro da RTP. Não vou repeti-los, porque os portugueses já os conhecem, mas devo acrescentar, neste momento, alguns outros dados importantes e significativos.
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O custo da grelha de programas das televisões privadas foi, em 2001, de 19 milhões de contos. No mesmo ano, o custo da grelha de programas da RTP foi de 28 milhões de contos, ou seja, mais 9 milhões de contos, sem que isso tivesse significado liderança e audiências ou melhoria da qualidade da sua programação.
Mais: de 1999 para 2001, o custo da grelha da RTP aumentou em 11 milhões de contos. Um aumento superior à totalidade das receitas publicitárias. Uma vez mais, apesar do brutal aumento de custos, não se registou qualquer subida das audiências ou qualquer melhoria da sua programação.
A diferença, Srs. Deputados, é abissal. A RTP gasta mais, muito mais, do que qualquer uma das outras televisões para, no final, conseguir piores resultados, com uma agravante fundamental: as televisões privadas gastam o que é seu, a RTP gasta e desbarata o que é dinheiro de todos os portugueses.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - É por esta e outras razões, verdadeiras e preocupantes, que todos, da direita à esquerda, convergem numa conclusão: Portugal precisa de um novo serviço público de televisão.
O Governo acompanha este raciocínio e perfilha a mesma orientação, mas o Governo já não acompanha o raciocínio dos que, perante esta realidade, desejam uma de duas soluções: ou a extinção da RTP ou que tudo continue na mesma. A primeira opção envolve um radicalismo perigoso; a segunda seria uma escolha irresponsável.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - O nosso caminho é outro e bem diferente. O serviço público de televisão deve enquadrar-se na nova estratégia integrada para o audiovisual português e a nova televisão pública deve ter em atenção cinco aspectos fundamentais.
Primeiro: o Estado deve explorar apenas um canal de televisão, de natureza generalista, com um programa de qualidade e um financiamento pré-determinado.
Segundo: o conceito de serviço público a desenvolver nesse canal será aprovado pelo Governo, mediante proposta da comissão independente expressamente designada para o efeito.
Como terceiro aspecto fundamental, a RTP Internacional e a RTP África - que hoje correspondem verdadeiramente às mais nobres missões de serviço público realizadas pela RTP - manter-se-ão, conjugadamente, como canais internacionais de ímpar relevância estratégica, com duas alterações: a programação da RTP Internacional tem de ser melhorada, na sua qualidade, na sua diversidade e nos seus conteúdos;…
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - … a programação da RTP Internacional deve inserir conteúdos da responsabilidade dos vários operadores televisivos portugueses.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Isso já está na lei!
O Orador: - Quarto: a RTP Açores e a RTP Madeira manter-se-ão como canais regionais que cumprem outra missão relevante de serviço público.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Quinto: A reestruturação da televisão pública deve ser feita a partir da RTP, com a colaboração dos seus trabalhadores, e não aceitando passivamente que se conclua o processo da sua destruição.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Estes são pontos cardeais do caminho que pretendemos traçar.
A RTP tem de assumir uma ruptura com o passado e projectar-se para o futuro. Queremos uma empresa ágil e moderna. Uma empresa que fixe padrões de qualidade que funcionem como referência para o mercado, quer na óptica do utente, quer dos restantes operadores e mesmo dos produtores.
Daí esta estratégia. Daí a importância das medidas a tomar. Elas não são um fim em si mesmo, são o início de uma mudança profunda no sector audiovisual, são um sinal de esperança, não de rendição, são um corte com a política dos adiamentos, dos impasses ou das indecisões.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Não há tempo a perder nem recuos a observar. O tempo é mesmo de decidir.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo definiu uma estratégia e está a cumpri-la. O Governo aprovou um calendário de acção e está a executá-lo.
Em obediência a estes pressupostos, desejo informar esta Assembleia que o Governo vai designar a comissão independente que será incumbida da tarefa de propor ao Governo o modelo do novo serviço público de televisão. Essa comissão funcionará sob a responsabilidade e a coordenação da Dr.ª Helena Vaz da Silva e integrará os Drs. Maria José Nogueira Pinto, Miguel Sousa Tavares, José Manuel Fernandes,…
Risos do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.
… Carlos Cáceres Monteiro, José Fonseca e Costa, João David Nunes, Luís Osório, Manuel Falcão, Eduardo Cintra Torres, Nuno Rogeiro, Pedro Brandão Rodrigues e o Professor José Manuel Azeredo Lopes.
O Sr. António Costa (PS): - Notável!
O Orador: - Este é mais um passo na concretização do Programa do Governo e das orientações estratégicas que foram traçadas. Mais um passo, a que outros se seguirão,
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que representa uma estratégia de verdade, assumida com transparência e com responsabilidade.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
Protestos do PS, do PCP e do BE.
O Orador: - É por isso também, em homenagem à verdade, que não podemos deixar de denunciar algumas hipocrisias que enchem o discurso dos que, nesta Câmara, tudo fazem para contrariar a nossa firme vontade de mudança.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - A primeira hipocrisia é aquela que é fundada na acusação de governamentalização.
Acusam-nos, hipocritamente, de querer governamentalizar a televisão pública.
Vozes do PS: - Que exagero!…
O Orador: - Nada de mais falso!
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Assumir o ónus de nomear os gestores da televisão pública não é governamentalização.
O Sr. José Magalhães (PS): - Que ideia!…
O Orador: - É, isso sim, assumir o princípio da responsabilidade e da responsabilização, na relação entre o Estado accionista e a empresa pública ou de capitais públicos.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Quem administra deve saber, com clareza, perante quem responde e por quem é julgado. E a verdade, a este respeito, é que não tem autoridade moral nem autoridade política para criticar a nossa postura quem, anteriormente no governo, não teve pejo em nomear para Presidente do Conselho de Administração da RTP, directamente, um ex-governante socialista.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Protestos do PS.
A segunda hipocrisia diz respeito ao serviço público. Alguns, de modo ruidoso, pretendem agora acusar-nos de querer matar o serviço público. Pois bem! O que não há, hoje, em Portugal é serviço público de televisão na RTP…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É verdade!
O Orador: - … e os que agora nos criticam são precisamente os mesmos que ontem liquidaram esse serviço público de televisão.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A terceira hipocrisia é a que respeita aos que hoje choram a RTP, quando, nos últimos anos, foram os seus coveiros irresponsáveis.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - São os mesmos que agora se agarram à falência do projecto que eles próprios promoveram e decretaram.
Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não têm legitimidade para criticar quem, com coragem e coerência, quer salvar e vai salvar a televisão pública em Portugal.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há, em Portugal, os que adoram discussões mas detestam conclusões, os que gostam de discutir tudo,…
O Sr. José Magalhães (PS): - E os que gostam de atrapalhar tudo!
O Orador: - … mas são incapazes de decidir o que quer que seja.
Vozes do CDS-PP: - É verdade!
O Sr. José Magalhães (PS): - Isso é o que se vai ver!
O Orador: - Para nós, há um tempo para discutir e há um tempo para decidir. Daí as decisões claras, objectivas e concretas que o Programa do Governo assume. Tudo ao contrário do partido que nos antecedeu no poder e que nunca conseguiu ter, sequer, uma posição clara quanto à RTP.
Vejamos os factos.
Jaime Gama, ex-número dois do anterior governo, defendia a existência de um único canal público, privatizando o canal 1.
Vozes do PSD: - Bem lembrado!
O Orador: - Arons de Carvalho, ex-responsável pelo sector, ao contrário, mas ao mesmo tempo, defendia a existência de dois canais de televisão.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Bem lembrado!
O Orador: - Sempre ao mesmo tempo, Manuel Maria Carrilho, ex-Ministro da Cultura, acusava José Sócrates de destruir o serviço público de televisão, enquanto fazia parcerias com uma televisão privada.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É verdade!
O Orador: - Jorge Coelho, o ex-super-ministro do governo socialista, afirmava que a SIC Notícias era o grande exemplo de serviço público, dessa forma criticando a RTP.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Bem lembrado!
Protestos do PS.
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O Orador: - Ferro Rodrigues, já líder do Partido Socialista, admitia a extinção da RTP, passados que fossem mais dois anos sobre a sua agravada anemia.
Para compor todas estas opiniões, António Guterres, ex-Primeiro-Ministro, confessava, resignado, por mais do que uma vez, que o seu governo tinha falhado em relação à RTP.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Ou seja, vários responsáveis socialistas, todos no mesmo governo, não foram, sequer, capazes de se entender. Não sabiam o que queriam. Cada cabeça, sua sentença!
É certo que fizeram seminários, organizaram colóquios, realizaram estudos, ouviram dezenas de personalidades e multiplicaram-se em declarações. A única coisa que não conseguiram foi ter uma política ou apresentar uma solução.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Por isso, a RTP se afundou e chegou ao caos a que chegou.
No poder, os socialistas foram este desastre que se viu, mas, em vésperas de eleições, o seu programa eleitoral não era mais esclarecedor.
Depois de seis anos de governo e de intermináveis debates,…
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, esgotou-se o tempo de que dispunha. Peço-lhe para sintetizar e concluir.
O Orador: - Sr. Presidente, vou, com certeza, sintetizar mas poderá V. Ex.ª, se assim o entender, compensar com o tempo de que o Governo dispõe para o debate.
O Sr. José Magalhães (PS): - Não, não! Não é isso que está no Regimento!
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, há um tempo limitado para a intervenção de abertura e é nesse tempo que tem de contê-la.
O Sr. José Magalhães (PS): - Depois, diz o resto!
O Orador: - Vou sintetizar, Sr. Presidente.
Depois de seis anos de governo e de intermináveis debates, o máximo que conseguiram propor, no seu programa eleitoral, foi o seguinte: «O Estado, enquanto accionista, deve proceder ao saneamento do passivo acumulado pela empresa desde 1992 e garantir o financiamento estável, adequado e tempestivo e exigir da respectiva administração a reestruturação e redimensionamento da empresa, de modo a reduzir significativamente os custos de exploração e a obter mais eficiência e eficácia na prestação do serviço de que é concessionária.»
A conclusão é clara e incontornável: o Partido Socialista matou o serviço público de televisão, nunca soube nem sabe o que quer para a televisão pública e só tem mesmo uma preocupação, a de tentar evitar que outros consertem…
O Sr. José Magalhães (PS): - Escaqueirem!
O Orador: - … o que eles, leviana e irresponsavelmente, liquidaram.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - No passado, foram conservadores, tudo fizeram para adiar o surgimento da televisão privada.
No presente, tudo fazem para tentar adiar a televisão do futuro.
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, uma vez mais, chamo a sua atenção para o facto de que o tempo de que dispunha está esgotado.
O Orador: - Vou mesmo terminar, Sr. Presidente.
São, de facto, os grandes conservadores da realidade política portuguesa.
A nossa atitude é outra. Queremos e vamos reformar. Temos coragem e vontade de agir, temos convicções e não fugimos a decidir.
Por isso, assumimos a responsabilidade de dar a Portugal uma televisão que seja exemplo de serviço público, uma televisão que honre a nossa cultura e ajude à promoção do nosso audiovisual, uma televisão que seja factor de referência e motivo de orgulho para todos os portugueses.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, permite-me o uso da palavra para exercer o direito de defesa da honra da minha bancada?
O Sr. Presidente: - Pode indicar a razão do seu agravo, Sr. Deputado?
O Sr. José Magalhães (PS): - É uma lista longa!
O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, é difícil escolher, tantas foram.
O Sr. Presidente: - Bom! Então, tem, pelo menos, de seleccionar uma.
O Sr. António Costa (PS): - Foi toda a intervenção do Sr. Ministro da Presidência, como o Sr. Presidente bem ouviu.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Concretize!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, dar-lhe-ei a palavra com todo o gosto, mas o que está definido nas regras da Casa é que se pormenorize o motivo do agravo, para se determinar se se justifica ou não o uso da palavra.
O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, todo o discurso do Sr. Ministro está recheado de palavras que, como bem sabe, são ofensivas da nossa bancada e, aliás, desadequadas à própria linguagem parlamentar.
Protestos do PSD e do CDS-PP.
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O Sr. Presidente: - Quanto a esse segundo aspecto, Sr. Deputado, não fiquei impressionado; caso contrário, teria, certamente, intervindo.
Mas, como diz que foi ofendida a honra da sua bancada, tem a palavra, Sr. Deputado António Costa.
O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Ministro da Presidência apresentou-se aqui com um discurso cheio de adjectivos mas sem nada de substantivo.
O Sr. Ministro fez, aliás, um discurso que é um bom desmentido da teoria do Sr. Primeiro-Ministro de que quem crispa o debate político é a oposição. A crispação do debate político teve origem no discurso que o Sr. Primeiro-Ministro fez na apresentação do Programa do Governo, tem tido boa sequência na actuação de V. Ex.ª, Sr. Ministro da Presidência, que, desde chamar ladrões a ameaçar que coloca toda a gente em tribunal, já fez tudo e hoje deu, aqui, mais uma demonstração.
É certo que o Governo está em tempo de emendar a mão e a intervenção do Sr. Primeiro-Ministro aqui, na Assembleia da República, na próxima sexta-feira, pode ser um bom sinal, que o País aguarda e a Assembleia já espera, de que vamos passar a discutir o futuro e não vão continuar a refugiar-se nesse vosso estatuto de oposição ao governo que cessou funções.
Sr. Ministro da Presidência, já lhe disse, no outro dia, e gostaria que ficássemos entendidos sobre isto: o PS já assumiu publicamente que entende que falhou na sua política relativa ao audiovisual.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Já o assumimos publicamente, antes das eleições, fizemo-lo de uma forma solidária entre todos e não temos, nesta bancada ou fora dela, bodes expiatórios. Assumimos, colectiva e solidariamente, as nossas responsabilidades.
Aplausos do PS.
Cumpre, por isso, a V. Ex.ª passar ao debate quanto ao futuro. O debate quanto ao futuro exige decisões, mas V. Ex.ª, ao contrário do que procura fazer crer, ainda não decidiu nada, a não ser repor a governamentalização da RTP,…
Protestos do PSD.
… que tinha cessado no dia em que o Dr. Luís Marques Mendes cessou de exercer as funções que o senhor agora exerce. Quanto a isso, temos muito orgulho do que fizemos: com o PS no Governo, a RTP deixou de ser governamentalizada;…
Protestos do PSD e do CDS-PP.
…com o vosso regresso ao Governo, a RTP voltou a ser governamentalizada!
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Onde está a defesa da honra?!
O Orador: - Sr. Ministro da Presidência, não venha falar agora em estudos. Não vai colocar uma comissão, com algumas pessoas ilustres e independentes - poucas, infelizmente! -, a estudar, quando V. Ex.ª já decidiu. Não é aceitável querer convencer-nos desse seu método de «decide primeiro, pensa depois».
Mais vale uma boa decisão bem pensada do que a trapalhada em que se meteu com a RTP.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, esgotou o tempo de que dispunha. Peço-lhe que conclua.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Sr. Ministro, a nossa posição é a que consta do nosso Programa do Governo. V. Ex.ª conhece-a, sabe o espaço que isso lhe dá, ou não, para uma solução consensual.
É tempo de deixar de ser oposição a um governo que cessou funções e de passar a ser governo, porque é para isso que o PSD ganhou as eleições!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência, dispondo de 3 minutos.
O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Costa, não vejo onde ofendi a honra da sua bancada.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não ofendeu!
O Orador: - Eu disse a verdade, e o problema é que a verdade dói! Mas foi só a verdade, não disse nenhuma mentira!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Mais lhe digo: o problema não são as posições do PS, o problema é o estado em que ele deixou a RTP, porque é isso que temos de resolver. O que temos de resolver na RTP são os mais de 200 milhões de contos de défice, é uma empresa que está praticamente falida, que continua a custar dinheiro aos contribuintes sem que os senhores, antes, hoje ou para a frente, apresentem qualquer solução alternativa.
A responsabilidade não é só pelo passado. Os senhores vêm aqui dizer que o passado já lá vai, mas infelizmente não vai, pois a RTP está hoje neste estado e temos de resolver o problema! Portanto, falo do presente e não do passado!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Deixe-me dizer-lhe, Sr. Deputado, que me preocupa mais a situação dos trabalhadores da RTP do que a honra da bancada do PS.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Essa foi elegante!
O Orador: - É por isso que começo por falar verdade - e falarei sempre verdade - sobre a situação da RTP.
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No que respeita às posições do PS, pensei que ainda não tinham encontrado assim tanta unidade, porque ainda hoje li nos jornais as críticas do seu colega de bancada, Sr. Deputado Manuel Maria Carrilho, às posições do líder do PS em matéria de televisão.
Vozes do PS: - Isso é mentira!
O Orador: - Li hoje no jornal, não há dois meses! São os títulos do jornal!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Sr. Deputado, ontem, ainda antes deste debate, ouviu-o dizer que fazia um balanço negativo da actuação do Governo no caso da RTP. Devo dizer-lhe que quando o ouvi mencionar isso fiquei muito descansado, porque se o PS, que fez o que fez na RTP, tivesse uma posição de aplauso à minha actuação relativamente a essa matéria é porque eu estava a deixar tudo na mesma e o melhor era ir-me embora.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. José Magalhães (PS): - Isso é que era uma atitude construtiva!
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro da Presidência, os Srs. Deputados Maria Elisa Domingues, Manuel Maria Carrilho, Luís Fazenda, António Filipe, Nuno Teixeira de Melo, Isabel Castro, Pinho Cardão, Jorge Lacão, João Pinho de Almeida, José Saraiva e Diogo Vasconcelos. Começamos, no entanto, por ouvir os pedidos de esclarecimento que se dirigem ao primeiro orador deste debate, o Sr. Deputado Francisco Louçã.
Por ordem de inscrição, dou a palavra ao Sr. Deputado Telmo Correia, dispondo de 3 minutos.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, devo dizer que não pedi a palavra para defesa da honra após a sua intervenção por estrito respeito das regras regimentais.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Mas podia tê-lo feito, porque o Sr. Deputado Francisco Louçã, no meio da sua intervenção, não deixou de repetir algumas afirmações e insinuações que conhecemos ao Bloco de Esquerda mas que não aceitamos de maneira alguma.
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Exactamente!
O Orador: - O senhor falou em ganância dos privados, suportada pelas bancadas da direita. Falo-lhe claramente em nome de uma bancada da direita, assumidamente da direita,...
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - ... e o que quero dizer-lhe, Sr. Deputado Francisco Louçã, é que, ao contrário do seu partido, não somos nós os preferidos nem os favoritos das redacções e da comunicação social.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado não sabe o que é fazer campanha com uma certidão de óbito assinada!
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Não sabe o que é fazer campanha com um «revólver encostado à cabeça»! A «cabeça» era a nossa e o «revólver» estava, muitas vezes, na mão de alguma dessa comunicação social,…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - …designadamente da própria SIC.
O Sr. Deputado não sabe o que isso é, não sabe o que é fazer campanha nestas circunstâncias, porque o senhor tem 40 ou 50% em quase todas as redacções, o problema é que, depois, tem 2% no povo. Não temos 40 nem 50% nas redacções, mas foi o povo que aqui nos pôs, é em nome dele que aqui estamos e, portanto, não confundimos nunca o lado em que nos encontramos.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
Em segundo lugar, o Sr. Deputado fala em «telenegócio», em ganância dos privados. Pergunto-lhe: não errou o alvo? Não está completamente enganado? Qual é o «telenegócio»? De que «telenegócio» fala?
O Sr. José Magalhães (PS): - Há vários!
O Orador: - Ao que se refere? Não quererá lembrar-se do tempo em que o Dr. Manuel Maria Carrilho deu os contratos dos telefilmes à SIC e não à televisão do Estado? Não quererá lembrar-se de produtoras da RTP que ficaram sem trabalho para beneficiar produtoras externas? O que é o «telenegócio», Sr. Deputado? Contra quem se dirige?
O Sr. José Magalhães (PS): - Pergunte ao PSD!
O Orador: - Não terá errado completamente o alvo?
E vamos falar de publicidade. Qual é o «telenegócio»? Acabar com a publicidade para favorecer os privados? Mas quem defendeu isso em Portugal?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O Bloco de Esquerda!
O Orador: - Quem colocou isso no seu programa eleitoral? Quem defende isso? O que pensa o senhor sobre isso? Já agora, sabe, ou não, que o PS tinha isso no seu programa e que, designadamente, o seu porta-voz para a comunicação social o disse com muita clareza?
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
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O Orador: - Quem disse sempre que queria acabar com a publicidade, se é isso o «telenegócio» de que o senhor fala, foi o PS, e não nenhuma destas bancadas. Que isso fique muito claro, Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que conclua, pois já esgotou o tempo de que dispunha.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Por último, Sr. Deputado, quero dizer-lhe que consideramos - e aí temos uma divergência - que é possível fazer serviço público com um só canal. O senhor pretende que haja um segundo canal para elites, para intelectuais. Podemos compreender isso, Sr. Deputado, mas o que nos preocupa não são os intelectuais nem as elites, alguns dos quais até conhecemos, são fornecedores da RTP e, provavelmente, estarão consigo. A nós preocupa-nos a generalidade dos portugueses, o povo português e a existência de uma televisão séria, sem violência,…
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - …sem pornografia, que respeite e defenda as famílias.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder, dispondo de 3 minutos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Telmo Correia, registei o drama que viveu na campanha eleitoral, com uma «pistola apontada à cabeça», embora esteja convencido que o dedo que estava no gatilho era do PSD.
Risos do BE e do PS.
Devo registar, aliás, Sr. Deputado, a dificuldade que tem em relação aos órgãos de comunicação social, bem como o pensamento que tem em relação ao País, às redacções e aos jornalistas, como se tudo fossem «currais» políticos.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Ninguém disse isso!
O Orador: - Não é assim, Sr. Deputado! Cada um de nós tem exactamente o mesmo mandato, exactamente a mesma legitimidade de um debate político travado no País, e, naturalmente, qualquer cidadão tem a mesma responsabilidade que nós de se pronunciar sobre isto, como sobre outras matérias.
Que o senhor esteja zangado, hoje, com os jornalistas, quando o Dr. Paulo Portas vai abrir os telejornais da noite na figura que se sabe, também posso perceber, mas notícia é notícia, informação é informação e o que estamos aqui a discutir são as condições para uma boa informação, para o pluralismo cultural e informativo.
Diz-nos o Sr. Ministro - e repete-o agora, naturalmente, o Sr. Deputado Telmo Correia - que um só canal é uma boa garantia para esse serviço público.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - É possível!
O Orador: - Magnífica companhia em que estão: Chipre, Malta e a Islândia - vá lá! -, junto com Marrocos. Nenhum outro país da Europa fez essa escolha. A Sr.ª Thatcher reforçou a taxa de televisão, o Sr. Aznar reforçou a dotação orçamental dos vários canais da televisão pública em Espanha.
Até os conservadores, e todos os que têm o mínimo de bom senso para perceber o que é a diversidade do serviço público, em todos os países, reforçaram-no, dotaram-no de um orçamento credível, estável e contínuo. Todos não, há uma excepção, há uma pequena aldeia cercada por todos lados, e aí reside a insensatez: é Portugal, é o PSD e é o CDS-PP! Por isso mesmo, magnífica notícia nos deu o Ministro quando disse que hoje não há mentiras, neste debate.
Muito bem, então, vamos discutir as questões essenciais. E a questão essencial é esta: que canal único é esse? Pelos vistos, está tomada a decisão, mas, tomada a decisão, o Sr. Ministro diz-nos que o debate é estéril, porque não quer discutir um só canal, para logo depois nos dizer que um só canal é a única solução que tem. Estéril é o debate que propõe e, portanto, ficamos sem alternativa.
O Sr. Ministro critica a governamentalização anterior - um ex-governante foi nomeado presidente do Conselho de Administração - e agora nomeia também um ex-governante, só que é um cristão-novo do PSD e, por isso, já está santificado e já tem uma boa razão para ser da comissão de extinção e de encerramento da RTP.
Vozes do BE: - Muito bem!
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Não é para dizermos a verdade?
O Orador: - Dizia ontem o Ministro aos trabalhadores da RDP que não ia tratar aceleradamente a questão da rádio, que não ia resolver estes problemas de ânimo de leve. Pois de ânimo leve aqui se apresenta a dizer que as soluções estão encontradas para a RTP, antes mesmo de ter o parecer daquela comissão, a que por algum excesso de linguagem quer chamar comissão independente. Isto é extraordinário!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que termine, pois já esgotou o tempo de que dispunha.
O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente.
Aí temos opções diferentes! As vossas únicas opções são para enterrar todos os pontos de partida possíveis para lançar um serviço público em Portugal, que os senhores não querem, detestam e pretendem que desapareça o mais depressa possível.
Aplausos do BE e de alguns Deputados do PS.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - O senhor sabe que isso não é verdade!
O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Montalvão Machado.
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O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, antes de mais, penso que esta Câmara tem obrigação de repor uma verdade. O Sr. Deputado acusou o Sr. Primeiro-Ministro de, finalmente, ter vindo hoje ao País real. Isso é impreciso, injusto e, no mínimo, inverdadeiro.
Temos de repor a verdade: o Sr. Primeiro-Ministro está aqui hoje, esteve aqui no Orçamento rectificativo, o que não aconteceu na legislatura anterior, e estará aqui na próxima sexta-feira. Por isso, não posso perdoar-lhe essa sua insinuação nada agradável.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Sr. Presidente, a interpelação de hoje é também, naturalmente, sobre o futuro da RTP e do serviço público de televisão e poucas ou nenhumas ideias sobre o audiovisual nacional foram aqui trazidas pelo Bloco de Esquerda. Ora, o que temos aqui de debater - e para isso temos de alertar tudo e todos - é se achamos adequado que uma empresa pública, no estado económico-financeiro em que se encontra, uma empresa que deve (e é preciso relembrá-lo), só à banca, 150 milhões de contos, que está a pagar 10 milhões de contos de juros por ano, que custa um milhão de contos por semana, deve continuar como está.
Portanto, neste momento, em Portugal, temos este problema para resolver: há um conselho de administração que não administra porque está demissionário, e há um outro conselho de administração que não administra porque não o deixam administrar. É isto que tem de ser encarado!
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Nessa conformidade, pergunto ao Sr. Deputado Francisco Louçã que ideias teve ao longo dos últimos seis anos, que iniciativas tomou ao longo desse período para arrepiar caminho.
O Sr. Deputado, permita-me dizer-lhe, neste ponto e neste âmbito está, clara e unicamente, ao lado do Partido Socialista, que levou, com a sua política desastrosa, o audiovisual nacional à ruína.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - E fica-lhe mal!
O Orador: - E está - perdoe-me que lhe diga -, demagogicamente, ao lado de peregrinações e vigílias, contra uma determinada e firme postura de Estado do Governo, e isso também não é de lhe perdoar.
Face a estes dois problemas da RTP, o escandaloso problema financeiro e a ausência de administração, pergunto-lhe: o que fazia, Sr. Deputado?
Suspeito que teria uma de três respostas: a primeira, seria dizer-nos que não fazia nada, como aconteceu com o governo inepto, inapto e inútil que tivemos nos últimos seis anos;…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - … a segunda talvez fosse a de que esperaria mais dois anos para ver o que dava e, depois, talvez extinguisse a televisão pública, afirmações do Sr. Deputado Eduardo Ferro Rodrigues, que, aliás, ontem foram consideradas como meras declarações avulsas por um seu camarada, também aqui Deputado; a terceira era a de que assumia funções e fazia o que o actual Governo está a fazer, só que lhe faltaria coragem para isso.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã, que dispõe de 3 minutos.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Montalvão Machado, o senhor segue com muito rigor, como parece ser seu dever, a intervenção do Sr. Ministro.
Relativamente ao descalabro da RTP nos últimos seis anos, é extraordinário! Os senhores, que, em 1995, deixaram a RTP com 50 milhões de contos de prejuízo; os senhores, que provocaram a maior queda de sempre dos resultados da RTP entre 1992 e 1995;…
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Isso não é verdade!…
O Orador: - … os senhores que financiaram o José Eduardo Moniz na RTP sem limite de fundos,…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Nós já explicamos!
O Orador: - … para concorrer com a nova SIC, atrevem-se a dizer que não têm responsabilidades?! Tem-nas, muitas, profundas e pesadas, e é por isso que querem escondê-las.
É certo que essas responsabilidades foram depois agravadas e continuadas e chegámos à situação de que fala, ou seja, de existir uma dívida de 150 milhões de contos à banca. Mas também é certo que se ler o Expresso do último fim-de-semana, propriedade do Dr. Balsemão, verá que 120 milhões de contos são dívidas do Estado à própria RTP, acumuladas por sucessivos governos, primeiro do PSD e depois do PS.
Sr. Deputado, a RTP é um escândalo! Trata-se de uma empresa que tem sido estrangulada, aniquilada, instrumentalizada, governamentalizada e manipulada em nome dos interesses mais baixos, e é por isso que o Governo nos aparece aqui, agora, como a Gisela do Masterplan: berra muito contra todos mas vai recebendo do Grande Mestre algumas indicações sobre aquilo que tem de fazer, mesmo que não saiba o que é nem para o que é que vai fazê-lo.
Essa é que é a política do Governo! Não tem tino, não tem bom senso, não tem regras, não tem estratégias, desconhece os custos e não sabe o que acontecerá a seguir, só sabe que tem o poder e que o exerce. E das três alternativas que situa, a única sobre a qual há opção é aquela que o Governo não quer: não quer uma auditoria das contas, não quer resolver o passivo, que são as dívidas do Estado, não quer financiar um serviço público de qualidade.
Os senhores querem desqualificar-nos, ao nível de um país do Terceiro Mundo, quando nos dizem que a responsabilidade
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dessa situação é das contas. Mas que atrevimento, Sr. Deputado!… O senhor, que vota, com todo o entusiasmo, isenções de centenas de milhões de contos de impostos para a banca, vem dizer-nos agora que um serviço público, que tem de custar, que é preciso que custe e que deve ser escolhido pelo País em nome do pluralismo cultural, em nome da qualificação cultural e informativa, é custo de mais, mesmo que ele seja menos do que nos outros países?! O que é que Portugal tem para ser menos do que outros países que, com governos de várias cores políticas, apostam justamente na qualificação do espaço público, porque têm de o fazer?
Sr. Deputado, o que falta aqui explicar, porque o Ministro nada nos disse e aposto que nada dirá durante este debate, é o que será esse novo canal, que programação terá. Será generalista? Será cultural? Terá missas? Terá desporto? Terá andebol? Terá hóquei em patins? Terá programas infantis?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Peço-lhe que conclua.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
O que é que será esse canal?! É sobre isso que tem de nos esclarecer e sobre isso já nos esclareceram que não têm resposta.
Vozes do BE: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, darei agora a palavra, por ordem de inscrição, a quem a pediu para solicitar esclarecimentos ao Sr. Ministro da Presidência.
Assim, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Elisa Domingues. Dispõe de 3 minutos.
A Sr.ª Maria Elisa Domingues (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Ministros e Srs. Deputados: Começo por felicitar o Governo pelo anúncio feito nesta Câmara, hoje, da constituição da comissão independente que vai reflectir sobre o futuro da televisão pública em Portugal.
A sua presidente e os conhecimentos que têm do sector audiovisual uma boa parte dos seus membros - pelo menos aqueles que eu conheço -, fazem-me encarar com grande expectativa e com optimismo a validade dos seus trabalhos.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - Lembrou o Sr. Ministro da Presidência, e bem, que esta discussão sobre o serviço público está atrasada, em Portugal, vários anos. Hoje devíamos, sim, estar a debruçar-nos sobre as políticas adequadas à era digital e ao crescimento do multimédia, sabido como é que, em 2005, 48% das receitas da comunicação social na Europa provirão dos agregados familiares, contra os 33% actualmente.
Porém, infelizmente, o debate sério, coerente e consequente sobre o serviço público de televisão não foi estimulado pelos anteriores governos.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - A maior vítima da indefinição da política socialista nesta matéria, já invocada por todos, a começar pelo ex-secretário de Estado da tutela, Arons de Carvalho, e hoje aqui veementemente reiterada pelo Deputado António Costa, foi a RTP. Por isso, Sr. Deputado, eu não o aplaudi, como fizeram outras pessoas, quando da sua intervenção de há pouco.
Tem-se ouvido com frequência, nas últimas semanas, falar em reduzir o serviço público na Europa a uma realidade única, como se os modelos dos diferentes países, ou o seu financiamento, fossem uniformes. Não são e não têm de ser.
Como se lê no chamado relatório Oreja, o sistema dual - radiodifusores privados e públicos - constitui uma característica distintiva do panorama audiovisual europeu. Isso não deverá ser questionado enquanto tal, devendo deixar-se essencialmente a cada Estado membro, bem como às forças de mercado, o cuidado de determinar a importância respectiva dos sectores público e privado em cada país.
Nesta orientação se insere, creio, a discussão sobre o serviço público que actualmente decorre em Portugal e que, estou convicta, salvaguardará o futuro da RTP.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - Tem havido, no entanto, Sr. Ministro, uma grande intranquilidade nas comunidades portuguesas espalhadas no estrangeiro quanto ao futuro da RTP Internacional, veiculada pela comunicação social em geral e pela própria RTP, de tal modo que até o Sr. Presidente da República foi confrontado com essa questão na sua viagem à Austrália.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, o seu tempo esgotou-se, vai ter de concluir.
A Oradora: - Estou mesmo a terminar, Sr. Presidente.
Hoje, o Sr. Ministro assegurou aqui que a RTP não está em perigo, que continuará a cumprir a sua missão de grande veículo de divulgação da língua portuguesa e de elemento de coesão nacional, explicitando que os conteúdos da RTPi seriam assegurados simultaneamente pelos vários operadores portugueses.
O que quero perguntar-lhe, Sr. Ministro, é o seguinte: tratando-se de um serviço de extraordinária dimensão social e cultural para Portugal, como será assegurada a programação desse canal e qual será a sua tutela?
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência. Dispõe de 3 minutos.
O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente e Sr.ª Deputada Maria Elisa Domingues, a comissão que hoje foi apresentada vai contribuir para avançarmos nesta reflexão e na decisão que rapidamente temos de tomar sobre a nova televisão pública que pretendemos em Portugal. Por isso, a deliberação do Conselho de Ministros que estabeleceu um conjunto de objectos concretos e os calendarizou previa já a criação desta comissão ou grupo de trabalho e indicava, ao contrário daquela que foi a prática dos últimos anos, o prazo de dois meses a partir do momento da sua constituição - e essa acontecerá formalmente
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tão logo a RTP tenha um conselho de administração em funções que possa disponibilizar dados que, até hoje, também ainda não conhecemos - para apresentar as suas conclusões, precisamente porque temos pressa e queremos, enquanto ainda é tempo, salvar a televisão pública e fazê-lo aproveitando essa discussão que está em aberto em toda a Europa.
Ouvimos muitas vezes perguntar - já o ouvimos até nesta Câmara -, falaciosamente, qual é o número dos canais públicos, mas nunca, por exemplo, fazendo a relação entre as audiências portuguesas e as audiências estrangeiras ou o número de canais públicos e privados que existem nesses países, onde se referem dois ou três canais públicos. Mas, enfim, não vale a pena desmentir aquilo que a realidade desmente, o que importa - e era isso que devia ser trazido aqui - é que a discussão sobre o serviço público de televisão está, de facto, em aberto por toda a Europa, e está-o tendo presente as novas realidades que as alterações tecnológicas põem em cima da mesa, para as quais a RTP já deveria ter-se preparado nos últimos anos e não foi capaz de o fazer.
Relativamente à RTP Internacional - e esta é uma das situações fantásticas a que temos assistido -, tomei conhecimento, pelos jornais, que o líder da bancada do Partido Socialista na Região Autónoma dos Açores vinha perguntar pela RTP Açores. Ora, o Governo disse sempre, de maneira absolutamente clara - com a mesma clareza que nos criticam por sermos concretos no que propomos -, que deveriam, pelo menos, sublinhar aquilo que dizemos que vai ser mantido, que não vai ser tocado: a RTP Internacional, a RTP África, a RTP Açores e a RTP Madeira.
A RTP Internacional, em particular, é, para nós, uma questão importante e, como terão tomado nota, o Governo disse - e hoje eu repeti-o na intervenção que fiz - que uma das coisas que temos de fazer para melhorar a RTP Internacional é abrir a porta a conteúdos que não sejam só da RTP, para que com isso possamos enriquecer o que levamos de Portugal aos nossos emigrantes.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Maria Carrilho. Dispõe também de 3 minutos.
O Sr. Manuel Maria Carrilho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência, tinha várias perguntas para lhe fazer, mas farei apenas uma, de tal modo ficou aqui claro que se continua no mesmo sistema de atabalhoamento de processos, de desorientação de estratégia e de incompetência no que diz respeito à acção.
O Sr. Ministro trouxe aqui duas novidades: por um lado, uma fuga para a frente, falando daquilo que é óbvio para quem quer que conheça o sector, para fugir aos problemas do presente, e falando de um modo um pouco incoerente da televisão digital; por outro, uma confissão de que, na verdade, não sabe o que é o serviço público de televisão, não sabe o que quer fazer e nomeou uma comissão para o definir, mas, ao mesmo tempo, já tomou decisões com base numa determinada concepção de serviço público.
A questão mais grave continua a ser a desorientação na estratégia. Por isso, pergunto-lhe, em relação ao canal que diz que quer extinguir, que quer eliminar, se o vai privatizar, se o vai fechar simplesmente, ou se, como dizia o Dr. Durão Barroso no Público de Fevereiro, o vai alienar em diálogo com os privados, dando assim forma a um «telenegócio» de que todos vamos suspeitando.
Queria deixar-lhe uma pergunta muito precisa. Havendo tantos estudos, tantos pareceres, tantos relatórios, qual é, realmente, a noção de serviço público em que o Sr. Ministro se baseou para tomar as decisões que tomou?
E se tem uma concepção tão original de serviço público, por que é que, em primeiro lugar, nomeou um grupo de personalidades independentes para o definir - que na decisão do Concelho de Ministros chama um grupo de personalidades independentes e não uma comissão independente de personalidades - e, em segundo lugar, por que é que não foi no dia 23 ao Conselho Europeu expor essa tão sui generis concepção aos seus colegas na Europa, tendo eu, na Conferência de Líderes, procurado criar a oportunidade para que o Sr. Ministro pudesse ter ido? Certamente que eles teriam apreciado muito esta originalidade lusitana de, imitando países subdesenvolvidos, fechar um canal de televisão.
Gostava que o Sr. Ministro desse uma resposta muito precisa a esta questão.
Aplausos do PS.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Lino de Carvalho.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Ministro da Presidência.
O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Maria Carrilho, o que acabou de dizer já decorria, aliás, da leitura atenta que fiz das suas múltiplas intervenções ao longo do tempo, em que foi capaz de dizer tudo e o seu contrário, de defender o governo de que fez parte e de atacá-lo logo que dele deixou de fazer parte.
Protestos do PS.
O Orador: - Portanto, já esperava que viesse criticar em contradição. Se falo da situação da RTP é porque estou a falar do presente e não sou capaz de falar do futuro; se falo dos desafios que se colocam à televisão é porque falo do futuro e não sou capaz de falar da situação da RTP. Devo dizer que não sei como é que o Sr. Deputado queria que, de outro modo, eu fizesse!
Quanto ao serviço público, o que sei é que não deixaram ponto de partida para reflexão sobre serviço público, porque deram cabo dele.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Manuel Maria Carrilho (PS): - É mentira!
Porque deram cabo dele! E foi o Sr. Deputado quem, em declarações, repetidamente o disse.
O Sr. Manuel Maria Carrilho (PS): - É mentira!
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O Orador: - Não fui eu, foi o Sr. Deputado que o disse!
Era essa a missão verdadeiramente histórica do Partido Socialista, assumida em 1995 e retomada pelo próprio Secretário-Geral socialista em 1999, no seguimento de uma clara e justificada autocrítica. Aliás, já vinha de 1999 e repetem-na, agora, em 2002.
«E, no entanto, continuamos a caminhar para o abismo, sem o mais pequeno sinal de uma estratégia de fundo que acompanhe e dê sentido ao esforço de gestão que, diz-se, está a ser feito. O demissionismo continua, pois, o seu caminho, numa intolerável cumplicidade com a selva audiovisual que se adensa cada dia que passa. O Estado evaporou-se, deixando os cidadãos entregues à mais cega e medíocre lógica comercial de que há memória e agora os responsáveis ainda se vitimizam, participando no coro de cinismos dos que procuram justificar com o alibi das audiências.»
O Sr. António Costa (PS): - O que é que faz ao 2.º canal?
O Orador: - Isto era o que o Sr. Deputado Manuel Maria Carrilho dizia sobre o serviço público de televisão.
Em relação a «telenegócios», deixe-me que lhe diga, Sr. Deputado Manuel Maria Carrilho, que chega de acusar daquilo de que o senhor é o primeiro «pai». Mais ninguém, nos últimos anos, defendeu como o senhor - e citá-lo-ei também as vezes que quiser, porque são muitos os textos - o fim da publicidade, sem se lhe conhecer uma linha escrita sobre quais as contrapartidas que ia buscar às televisões privadas com o fim da publicidade. O Bloco de Esquerda ainda tem algumas ideias, o senhor não tem uma linha.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Mas vende ou não o 2.º canal?
O Orador: - Desafio-o a dizer-me uma linha nesse sentido, das 1000 que lhe posso citar de textos seus que dizem, preto no branco, «acabámos com a publicidade…» - segundo as suas próprias palavras - «… para ajudar a regular, contribuindo, por outro lado, para equilibrar o mercado e a concorrência do sector». Era assim que o Sr. Deputado via o fim da publicidade.
O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Mas o que é que faz ao 2.º canal?
O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Mas vende ou não vende o 2.º canal? Diga lá!
O Orador: - Não lhe conheço uma linha sobre as contrapartidas que ia buscar aos privados.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Isto é que é «telenegócio»!
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr. Ministro, terminou o seu tempo. Agradeço que termine.
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Sr. Deputado, de todas as suas contraditórias declarações, só há uma em que o encontro coerente, que é quando diz: «(...) vão concretizar-se passos. Não é fácil. Costumo dizer que, nesta legislatura, teremos de pensar o problema da RTP como na anterior se pensou Foz Côa.» Penso que tem toda a razão: puseram tudo debaixo de água!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr. Deputado Manuel Maria Carrilho, pede a palavra para que efeito?
O Sr. Manuel Maria Carrilho (PS): - Para defesa da honra da bancada, Sr. Presidente.
Protestos do PSD.
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr. Deputado, quais as expressões que entendeu como injuriosas para usar dessa figura regimental?
O Sr. Manuel Maria Carrilho (PS): - SR. Presidente, o Sr. Ministro disse que eu dizia tudo e o seu contrário e eu gostaria de comentar essa afirmação do Sr. Ministro.
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr. Deputado Manuel Maria Carrilho, usando os critérios que o Sr. Presidente também usou, para defesa da honra da bancada, e não pessoal, tem a palavra. Dispõe de 3 minutos.
O Sr. Manuel Maria Carrilho (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Ministro não respondeu a um único ponto das questões que lhe coloquei.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Isso é que é defesa da honra?!
O Orador: - É, efectivamente, obsessivo o modo como procura evitar as questões sobre o destino que quer dar a um bem público, que nunca esclarece aqui.
O Sr. Ministro respondeu citando-me em quase 80% do tempo. Quero dizer só duas coisas: em primeiro lugar, não é uso da bancada do Partido Socialista passar o tempo a falar das diferenças que existem entre os comentários do Dr. Pacheco Pereira, do Dr. Santana Lopes, do Dr. Proença de Carvalho, etc. Não é costume!
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Ai não? Passam a vida a fazê-lo!
O Orador: - Não pensamos que a diferença seja um crime e é por isso que somos, efectivamente, um partido democrático e não um partido que finge ser democrático.
O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!
O Orador: - A questão central a que o Sr. Ministro continua a não responder é a do destino a dar ao canal que se pretende fechar e a de que a decisão é tomada em nome
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de uma ideia de serviço público que o próprio Sr. Ministro reconhece que não tem, pelo que, para o efeito, vai nomear, agora, um grupo, uma comissão independente…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso é defesa da honra, Sr. Presidente?
O Orador: - … que dirá qual é esse serviço público.
Pergunto-lhe, mais uma vez, Sr. Ministro: se o parecer dessa comissão independente for de que devem existir dois canais de serviço público generalistas, está o Governo disposto a assumir a reposição do canal que agora anuncia extinguir?
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.
O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Maria Carrilho, deixe-me começar por lhe responder a uma questão que tinha colocado e que não tive oportunidade de abordar, que tem a ver com a acusação que fez ontem e hoje reiterou de que o Governo faltou a um debate muito importante que se iniciou na semana passada no Concelho Europeu, sobre televisão sem fronteiras. O Sr. Deputado ou está mal informado e devia informar-se ou, então, actua de má-fé quando diz isto. É que o Governo, nesse debate,…
O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Vai falar do 2.º canal ou não?
O Orador: - … esteve representado - aliás, seguindo aí uma boa prática do governo anterior - pelo Sr. Ministro da Cultura, porque várias eram as questões em matéria de cultura, e pela Presidente do Instituto de Comunicação Social, que, como anteriormente, assegurou a representação do Governo nesta matéria. Não estive lá, porque, entre outras coisas, estive nesta Assembleia a defender a proposta de lei.
O Sr. António Costa (PS): - Não podíamos ter antecipado o debate?
O Orador: - Finalmente, quero dizer-lhe que o que ficou dessa reunião foi que ficou afastada, como já se previa, a hipótese da apresentação de uma nova directiva e toda a conclusão foi no sentido de que, até ao fim do ano, a Comissão apresentará um relatório sobre a aplicação da directiva actualmente em vigor. Portanto, não se preocupe, nada se perdeu.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!
O Orador: - Quanto à segunda questão, Sr. Deputado, o Governo vai esperar pelas conclusões da comissão, distinguindo entre o que é responsabilidade política, que o Governo assume, ao contrário do que os senhores fizeram, e concretizou no Programa do Governo. Está lá dito (e esta comissão sabe-o) que o Governo assumirá a responsabilidade, e só, por um canal generalista de serviço público. Os membros desta comissão sabem-no!
O Sr. Manuel Maria Carrilho (PS): - Sabem o quê?
O Orador: - A diferença é só entre ser capaz de tomar opções e decisões e não o ser.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Os senhores têm demonizado esta opção, quando o Sr. Deputado, em 2001, remetia para ela, ao falar do relatório de 1996 que o governo do Partido Socialista apresentou, em que se dizia: «A revitalização do núcleo estruturante do serviço público mediante a concentração das suas componentes num só canal, preferencialmente a RTP1, por razões de precedência histórica, área de cobertura e notoriedade social.»
O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Mas é para vender ou não o 2.º canal?
O Orador: - Deixe-me terminar!
«A RTP1 assumiria, então, o núcleo fulcral do serviço público, absorvendo do antigo Canal 2 a programação até agora mais conotada como tal e criando janelas regionais.»
Vozes do PS: - E o senhor o que é que faz? Diga o que vai fazer!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Tenham calma!
O Orador: - Em relação ao 2.º canal, transformavam-no num canal de pay tv, que variava entre o totalmente privado e a parceria com entidades institucionais. Estas eram as conclusões do Partido Socialista, em 1996, que agora demoniza a apresentação que o Governo veio fazer nesta matéria.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Vicente Jorge Silva (PS): - Não respondeu!
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para formular um pedido de esclarecimento ao Sr. Ministro da Presidência, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.
O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência, proclamar até à exaustão os pecados do Partido Socialista não absolve automaticamente o Governo do PSD/CDS-PP, mais a mais quando estamos numa interpelação feita por uma outra bancada, que procurou, de algum modo, apresentar pistas para outras soluções, para o audiovisual e para a televisão pública em Portugal.
Comentemos, nem que seja ao de leve, algumas das afirmações do Sr. Ministro da Presidência. Falou-nos - novidade das novidades! - de uma comissão independente. É um facto que o Governo tem toda a legitimidade para nomear um grupo de missão, que vai assessorá-lo num conjunto de propostas. Mesmo que isso não faça o seu estilo coriáceo de quem decide tudo rapidamente, lá foi nomeando uma comissão para estudar…
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Fica bem estudar e aprofundar os problemas, mas não nos diga que é uma comissão independente, até por respeito à dita cuja comissão que foi criada. É um grupo de missão, presidido por alguém que ocupou cargos políticos pelo PSD e composto por elementos que, na sua maior parte, e legitimamente, têm posições publicadas e conhecidas sobre o que entendem sobre o serviço público de televisão.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - São bons ou maus?
O Orador: - Não há, nessa área, nenhuma variabilidade hipotética, nenhuma hipótese de poder haver aqui margens de alteração àquilo que vão sendo as parangonas do projecto de televisão pública que o PSD e o CDS-PP subscrevem.
Portanto, entendamo-nos: temos um grupo de missão, com toda a legitimidade, mas a comissão independente será uma cortina de fumo.
O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!
O Orador: - Diz o Sr. Ministro que não há uma governamentalização, mas há o caminho para ela. O Conselho de Opinião da RTP ficou desprovido do seu poder de veto em relação à administração e entrevêem-se indícios de que os centros regionais poderão passar para a tutela dos governos regionais. O Sr. Ministro não discutiu aqui connosco, nem ao de leve - preferiu falar da responsabilidade do accionista Estado, através do Governo -, o modelo que propomos de ser a Assembleia da República a nomear a administração da RTP, o que é um outro caminho, e está constantemente a proclamar que ninguém apresenta alternativas sobre a RTP e o serviço público. Pois bem, o Bloco de Esquerda apresenta esta, fê-lo ao longo destes últimos tempos, apresentou um projecto de lei, aqui, neste sentido, que foi hoje mesmo retomado na intervenção interpelante no início deste debate.
Queira o Sr. Ministro confrontar-se com isto: porquê manter a responsabilidade do accionista Estado directamente a partir do Governo? E muito mais quando nos diz que as orientações genéricas de programa passarão a ser decididas em Concelho de Ministros sob proposta de uma entidade independente.
Também nada nos explicou acerca de como é que essa entidade reguladora independente, que supostamente será o novo árbitro que veio substituir uma arbitragem que está falseada, tem recorte constitucional ou legal. Aliás, nem sequer caberá no âmbito deste grupo de missão que agora nomeou.
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Tem de terminar, Sr. Deputado.
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Sr. Ministro, faço-lhe a pergunta óbvia: como é que vai acabar com um dos canais de televisão? Vende? Extingue? Faz concurso público? Fá-lo desaparecer no espaço sideral? Não nos fale da televisão digital, fale-nos disto!
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Tem de terminar, Sr. Deputado.
O Orador: - E se não nos falar disto, Sr. Ministro, quanto à suspeita do «telenegócio», esta é, sem margem para dúvidas, a prova cabal da confissão que hoje aqui faz. Na semana passada, prometeu-nos que neste debate saberíamos isso, mas ficamos exactamente na mesma. Não deixaremos ao Governo os bastidores dessa dúvida, porque os bastidores dessa dúvida são o que mina todo este debate, o que contamina uma decisão democrática.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência
O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, deixe-me dizer-lhe, com todo o respeito, que espero não ouvir mais vezes essa acusação, gratuita e provocatória, de «telenegócio», antes de o Governo ter feito o que quer que seja, se não lhe ouvi uma palavra nessa matéria quando o governo do Partido Socialista, nos últimos anos, reduziu as receitas de publicidade da RTP sem qualquer contrapartida.
O Sr. Luís Fazenda (BE): - Isso é falso!
O Orador: - Portanto, vamos ser sérios e acabar com esta acusação gratuita, de que o Governo se prepara… Não há, não haverá, qualquer «telenegócio»! O Governo já disse, mais do que uma vez, que assume a responsabilidade pelo que resta de um activo que já foi valioso e que, infelizmente, se tem vindo a desvalorizar, que é o activo da publicidade na televisão pública.
O Bloco de Esquerda também tem vários textos a dizer «fim à publicidade e financiamento completo pelo Orçamento do Estado». Mas também não diz o Bloco de Esquerda - dá umas pistas, para quem quiser adivinhar! - onde é que vai buscar contrapartidas que justifiquem o desaparecimento deste dinheiro que, hoje, é receita da televisão pública. São os senhores, não é o Governo, quem levanta esta suspeita, ao não dizerem, em concreto, preto no branco, como é que acham que deve ser garantida a contrapartida da alienação deste activo, que é um activo de televisão pública.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Porquê manter sob responsabilidade do Estado a decisão relativa à administração de uma empresa pública? Porque o Estado é o accionista! Os senhores, de facto, gostavam da revolução permanente e do poder popular, mas o Governo tem responsabilidades, desde logo, perante os eleitores. Foi este Governo que foi eleito para assumir a responsabilidade pela administração das empresas públicas - está na Constituição, Sr. Deputado, leia! -, não é o Parlamento que assume constitucionalmente a responsabilidade pela administração das empresas públicas, nem é o Conselho de Opinião, é o Governo! O Conselho de Opinião opina e a administração decide! Vamos ver se nos entendemos quanto a esta matéria!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
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O Orador: - O Governo tem responsabilidades constitucionais de que não se vai demitir.
Quanto ao nome das pessoas que integram a comissão independente, Sr. Deputado, muitas delas já escreveram mais do que aquilo que o senhor vai escrever até ao fim da sua vida sobre televisão pública. Respeite o nome e a competência daqueles que têm procurado, de uma maneira séria, isenta e responsável,…
O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Isenta?!
O Orador: - … como muitos dos membros desta comissão, exprimir a sua opinião. Só não é isenta para VV. Ex.as a opinião daqueles que não subscrevem as teses que os senhores advogam.
Peço desculpa, mas não consigo responder às comparações da Gisela e do Masterplan, porque não vejo o Masterplan.
O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - É um intelectual!
O Orador: - Por isso, aí, não consigo responder-lhe.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Luís Fazenda (BE): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Luís Fazenda (BE): - Para exercer o direito de defesa da honra da bancada, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Faça favor de justificar a razão, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, o Sr. Ministro atribuiu-me considerações sobre as personalidades que fazem parte da comissão independente que não têm qualquer fundamento.
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Bom, como hoje estamos em dia de interpretações extensivas do artigo 92.º do Regimento, tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Ele não é da comissão independente! É líder de bancada!
O Sr. Luís Fazenda (BE): - Agradeço-lhe a sua benevolência, Sr. Presidente.
Sr. Ministro, eu não critiquei, nem sequer faltei ao respeito e muito menos tenho qualquer noção de demérito de muitas das personalidades que fazem parte dessa comissão independente.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Era melhor!
O Orador: - Critiquei-lhe, outrossim, o seguinte: não venha dizer que é uma comissão independente, pois uma boa parte dessas pessoas, apesar de ter obra publicada, que é conhecida e cuja leitura é importante, tem, desde já, uma posição formada. Portanto, é um grupo de missão, que tem a legitimidade do Governo, mas não nos refiram, como artifício de propaganda, uma comissão independente onde ela não existe.
O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!
O Orador: - E, justiça seja feita, essas pessoas não são independentes de nada em relação a esta matéria, têm posições claríssimas e assumidas. Portanto, não se trata aqui de desmerecer da obra ou do trabalho publicado pelos vários participantes dessa comissão mas, sim, da filosofia originária que esteve na sua base e daquilo que o Sr. Ministro aqui tenta trazer como uma espécie de manobra política.
Para terminar, Sr. Ministro, não vamos discutir aqui aspectos constitucionais, porque o senhor também não nos disse como é que vai tratar desta entidade reguladora independente, não respondeu.
Quanto a outros aspectos, teria muito gosto em discutir a publicidade e as contrapartidas, assim como as estratégias nessa área, mas vejo que o Sr. Ministro de tal também não falou. Aliás, sobre o modelo de financiamento, não disse absolutamente nada. Assim sendo, deixaremos seguramente isso para outra ocasião.
Reagiu, no entanto, a uma intervenção do meu colega Deputado, Francisco Louçã, sobre esse «brinco» da nossa televisão comercial que é o Masterplan. Pois o Sr. Deputado Telmo Correia devia rever-se em si, que não vê esse programa, porque é seguramente um intelectual.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.
O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, afinal, as comissões só serão independentes se tiverem a sua opinião. É que o espantoso é dizer que estão aqui personalidades com reconhecido mérito, que têm uma opinião sobre a matéria do serviço público de televisão,…
O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Já formada!
O Orador: - … logo deixaram de ser independentes! Há aqui um salto lógico que me escapa! Não podem ter direito a ter opinião! Se têm uma opinião, deixaram de ser independentes.
O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - A priori!
O Orador: - Tínhamos, então, de encontrar uma lista ou de mentecaptos sem opinião, ou de pessoas que subscrevessem as opiniões, porventura, de V. Ex.ª, para que a comissão passasse a ser independente.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Finalmente, no que respeita a publicidade, deixe-me dizer-lhe o seguinte: Sr. Deputado, noto, com
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pesar, que continua a não ser capaz de imaginar nenhuma contrapartida para a publicidade que, de maneira taxativa, já afirmaram que deveria sair da televisão pública. Mas eu posso citar-lhe várias. Falei, na minha intervenção, de uma contrapartida que, há muito, deveria ter sido garantida: a disponibilização de conteúdos para a RTPi e para a RTP África.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Uma outra contrapartida, que também já deveria ter sido implementada, mas que não o foi, é o pagamento da taxa de publicidade, que, como sabe, ninguém paga, nem a própria RTP!
Mas digo-lhe mais: abrir tempo de emissão nas televisões privadas seria uma reflexão que valeria a pena fazer,…
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - … inclusive, para prestação de serviço público de televisão. Finalmente, o ver em que condições poderíamos alterar o quadro de regulação, sem que isso representasse qualquer invocação de alteração das circunstâncias subjacentes à celebração do contrato de concessão.
Estou a ajudá-lo a pensar naquilo que deveria ser imediatamente escrito a seguir a qualquer afirmação taxativa, como é a vossa, de que não deve haver publicidade na televisão pública. Estou a ajudá-lo e a dar-lhe já quatro pistas concretas acerca de como poderiam ser encontradas contrapartidas.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência, V. Ex.ª, desde que assumiu funções, já conseguiu lançar uma total instabilidade na RTP e uma enorme inquietação em toda a sociedade portuguesa sobre o futuro do serviço público de televisão;…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É a crispação do PS!
O Orador: - … tem ocultado sistematicamente as pesadas responsabilidades que também o seu partido tem na crise da RTP; arranjou uma trapalhada monumental com o processo de desautorização do Conselho de Opinião e tem revelado uma total falta de ideias acerca do que é e deve ser o serviço público de televisão.
Daí que o Sr. Ministro se contradiga permanentemente. O Sr. Ministro diz que o problema da RTP é um problema financeiro e, depois, admite acabar com a publicidade na RTP; só que, a determinada altura, diz que, afinal, o que o Governo queria dizer não era bem aquilo que tinha dito e que já admitia que a publicidade até se pudesse manter na RTP.
O Programa do Governo fala de uma conjunção entre a RTPi e a RTP África, mas ainda ninguém nos explicou em que consiste essa tal «conjunção».
O Programa do Governo fala de uma nova empresa para substituir a RTP, mas, depois, o Sr. Ministro tanto diz que quer salvar a RTP como diz que a RTP já não tem salvação. Portanto, acabamos por não nos entender sobre o que pensa, afinal, o Governo: se a empresa é para salvar ou para enterrar definitivamente.
O Sr. Ministro diz que quer desgovernamentalizar, mas a única medida que vemos da parte deste Governo é pretender contornar a participação do Conselho de Opinião, que, essa sim, era uma medida desgovernamentalizadora.
Bom, a única certeza certa (permita-se a redundância) é que o Governo quer acabar com um dois canais generalistas da RTP. Isso todos sabemos. Mas não diz quanto é que se pouparia com isso e também não diz como é que se cumpririam os objectivos de serviço público, nessas condições. Também não diz!
O Sr. Ministro vem aqui dizer que o serviço público tem este e aquele propósito, coisas muito justas, como promover a ficção e a cultura portuguesas, difundir a língua portuguesa, enfim, tudo isso, que, aliás, consta da lei da televisão - e muito se tem dito e escrito sobre o serviço público de televisão -, mas ainda ninguém nos disse como era possível concretizar isso apenas com um canal generalista e abdicando de um segundo canal generalista, no serviço público de televisão.
Em suma, o Sr. Ministro diz que quer mais serviço público, que a RTP não o cumpre e que é preciso cumpri-lo, mas a única medida que nos transmite é que vai eliminar um dos canais do serviço público! O Sr. Ministro não nos explicou como é que se consegue ter mais serviço público reduzindo precisamente a sua dimensão. Não nos explicou e duvido muito que consiga explicar.
Vozes do PCP: - Não sabe!
O Orador: - Já sabíamos - e o Governo admitiu-o - que não sabe o que é serviço público, e tanto não sabe que anunciou, desde logo, que ia constituir uma comissão com a incumbência de lhe explicar o que era, afinal, o serviço público e como é que ele se cumpria. Então, anunciou…
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr. Deputado, terminou o seu tempo.
O Orador: - Vou concluir de imediato, Sr. Presidente.
Então, anunciou a constituição de uma comissão composta maioritariamente por pessoas que já tomaram posições públicas contra o serviço público, o que significa que o Sr. Ministro quer nomear uma comissão para lhe dizer aquilo que o Sr. Ministro quer ouvir. E ninguém tem ilusões a esse respeito! Se a comissão ousasse contrariar a opinião do Sr. Ministro, acontecer-lhe-ia o mesmo que ao Conselho de Opinião.
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr. Deputado, tem de terminar.
O Orador: - Termino, Sr. Presidente.
Isto é, o Governo, quando é contrariado, desautoriza aqueles que ousam contrariá-lo e seria esse o futuro desta comissão, dita independente.
Aplausos do PCP.
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O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.
O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, disse o Sr. Deputado que o Governo, com a sua intervenção, trouxe instabilidade à RTP. O senhor é, portanto, daqueles que acha que a RTP vivia uma situação de estabilidade e de tranquilidade e que não valia a pena fazer nada. Quanto a isso, fico esclarecido com a sua avaliação.
Quanto a saber se o Governo quer ou não salvar a RTP, Sr. Deputado António Filipe, digo-lhe o seguinte: se o Governo não tivesse um compromisso sério com a televisão pública e com a RTP, deixava continuar o estado de coisas, contra o qual o senhor nunca se indignou, deixava que a RTP acabasse!
Protestos do PCP.
Ela estava prestes a acabar, e, assim, era simples: era deixá-la acabar! Mas, então, viriam aqui acusar o Governo do contrário do que agora estão a acusar.
O Governo quer salvar a televisão pública - registe, quer salvar a televisão pública! - e quer fazê-lo a partir da RTP, com os trabalhadores da RTP, e não sobre os escombros da RTP.
Quanto à sua dúvida sobre como é que se tem mais serviço público com menos espaço de televisão, Sr. Deputado, entendamo-nos, neste momento, não há serviço público de televisão!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Portanto, não se reduz o que não há! O Governo quer que haja serviço público na televisão pública, e qualquer serviço que se preste na televisão pública será a acrescentar, porque, neste momento, ele não existe.
Recordo, agora, outra coisa que acabou de me dizer: por um lado, diz que vou constituir uma comissão para ela dizer o que eu quero ouvir e o que eu já sei, mas, ao mesmo tempo, acusa-me de que não sei o que vou fazer. Ora, o senhor decida-se: ou me acusa de que eu «quero, posso e mando» e já tenho tudo decidido na cabeça ou, então, não faz sentido dizer-me que eu quero nomear uma comissão, qualquer que ela seja, para ela me dizer aquilo que, pura e simplesmente, desconheço!
A vossa dificuldade é sempre a mesma: é conseguir distinguir os planos de decisão. O Governo tem a responsabilidade política de decidir e fê-lo de uma maneira muito mais concreta do que alguma vez constou de qualquer programa do governo sobre esta matéria. Essa é a responsabilidade do Governo. Se quiserem, critiquem-nos pelas decisões que lá estão assumidas. Agora, não compete ao Governo - isso seria, então, o «fim» quanto às críticas que me fariam - determinar ou pretender construir grelhas de televisão. Não é essa a responsabilidade do Governo, não é isso que deve fazer e, por isso, esta comissão, constituída pelas personalidades que a integram, com reconhecida competência e obra feita nesta matéria, vai decidir, por muito que vos custe, como é que vamos, finalmente e de uma vez por todas, ter serviço público de televisão em Portugal.
O que me espanta é que, havendo um Governo que se propõe lutar pelo futuro dos trabalhadores da RTP, irremediavelmente condenados, neste momento,…
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr. Ministro já ultrapassou o seu tempo. Faça favor de terminar.
O Orador: - … e lutar para que passe a existir o que não existe, que é serviço público de televisão, os senhores, em vez de estarem ao lado do Governo, estejam, por maniqueísmo político, na oposição sistemática em que se encontram.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. António Filipe (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, é para defesa da honra da bancada, uma vez que o Sr. Ministro acabou de dizer que o PCP nunca se indignou com a situação a que chegou a RTP, o que é notoriamente falso.
O Sr. Honório Novo (PCP): - Profundamente falso!
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Ministro da Presidência, o senhor não era Deputado na última legislatura, porque se tivesse sido teria ouvido intervenções, inclusivamente declarações políticas da bancada do PCP, criticando com frontalidade as opções que na altura estavam a ser tomadas pelo governo do Partido Socialista em relação à RTP.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Tinha obrigação de saber!
O Orador: - E uma delas foi o fim da publicidade na RTP2 e a redução da publicidade na RTP1. Há declarações políticas feitas por nós aqui, na Assembleia, acerca disso,…
O Sr. Honório Novo (PCP): - Estão nos Diários da Assembleia da República.
O Orador: - … o que nos valeu fortes críticas da bancada do Partido Socialista, que diziam, nessa altura, que éramos nós que estávamos contra a RTP.
Sr. Ministro, não é verdade que o PCP alguma vez se tenha conformado ou tenha aceite a situação para que a qual a RTP vinha a ser arrastada, quer no tempo dos governos do PSD, quer no tempo dos governos do Partido Socialista, e, portanto, mantivemos uma posição de absoluta coerência relativamente a essa matéria.
Sempre criticámos a RTP e sempre dissemos - e continuamos a dizer - que a RTP não tem estado à altura das responsabilidades de uma empresa concessionária de um
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serviço público de televisão como nós o entendemos, mas é uma injustiça dizer-se que, em Portugal, não há de todo serviço público de televisão e foi isso que o Sr. Ministro aqui disse.
Creio que isso é ofensivo para muitas pessoas que trabalham na RTP de forma competente e que dão seu melhor para assegurar, em Portugal, um serviço público de televisão condigno, e infelizmente não têm tido as melhores condições para o poderem fazer.
Na verdade, há elementos de programação televisiva em Portugal que só a RTP assegura. Há programas de divulgação cultural que só existem na RTP2, há programas que só existem na RTP porque é esta uma empresa de serviço público, não existindo, efectivamente, nos operadores privados, e isso não pode deixar de ser valorizado sob pena de cometermos uma profunda injustiça relativamente às pessoas que dão o seu esforço na RTP.
O Sr. Ministro, injustamente, acusou-nos de estarmos aqui a fazer processos de intenção acerca das pessoas que vão integrar essa Comissão e de entrarmos em contradição relativamente às intenções do Governo, mas, Sr. Ministro, para nós, a questão é muito clara: a Comissão que o Sr. Ministro anunciou é composta por pessoas que têm tomado posições públicas maioritariamente - não digo que são todas - contrárias à própria existência de um serviço público de televisão, o que é profundamente inquietante quando se nomeiam essas pessoas para explicarem ao Governo o que é o serviço público, porque, evidentemente, algumas delas, coerentemente com aquilo que vêm defendendo publicamente, o que dirão é que o melhor é acabar com ele.
Ora, isto converge com o seguinte: o Governo anuncia um conjunto de medidas que são, obviamente, lesivas do interesse público, do serviço público de televisão, que visam o seu desmantelamento e, depois, nomeia uma comissão a que chama independente mas que seguramente - porque nós já conhecemos o que é que pensam a maioria daquelas pessoas - vai dizer que o serviço público deve ser reduzido ao mínimo, não se podendo acabar com ele porque é uma imposição constitucional.
Portanto, obviamente, é isso que o Governo quer ouvir e serve-se desta comissão como um mero instrumento para legitimar a sua política.
Aplausos do PCP.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Olhe que não!
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.
O Sr. Ministro da Presidência: - Não pretendo dizer nada, Sr. Presidente, muito obrigado.
Vozes do PCP: - Ah! Vai ler os Diários da Assembleia da República!
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados: Sr. Ministro da Presidência, devo dizer-lhe que estou preocupado porque o ex-Ministro e actual Deputado do PS, José Sócrates, o mesmo que o Dr. Carrilho acusava de querer acabar com a RTP, afirmou, no Porto, que V. Ex.ª pretende fazer com a RTP um «telenegócio». Disse o Deputado do PS José Sócrates que o Governo pretende «um telenegócio que interessa apenas à TVI e à SIC, mas não serve Portugal».
E, Sr. Ministro, digo-lhe que estou preocupado porque, se não serve Portugal, seguramente, não servirá ao meu partido, e a nós, Sr. Ministro, não podem sequer acusar-nos de querermos favorecer a SIC ou a TVI por razões óbvias que o líder da minha bancada já referiu.
O Sr. António Costa (PS): - Já? Sobre a TVI?
O Orador: - Mas, Sr. Ministro, em todo o caso, devo dizer-lhe porque não estou excessivamente preocupado com estas insinuações do Partido Socialista. É que nas críticas releva muito quem as faz...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - ... e nesta matéria, com grande espanto meu, soube agora que quem promoveu este «telenegócio» foi nem mais nem menos que o governo socialista do Eng.º António Guterres, que teve como Ministros o Dr. Sócrates e o Dr. Carrilho, que com culpa própria, em vez de assumirem a posição devida de réus, pretendem agora, convenientemente, vestir a toga do acusador. Devo dizer-lhe, Sr. Ministro, que Pilatos não faria melhor!
O Sr. António Costa (PS): - A beca!
O Orador: - Seja, a beca do acusador. Mas, repito, Pilatos não faria melhor e digo porquê. Arons de Carvalho, hoje também Deputado socialista, ontem Secretário de Estado da Comunicação Social, em mais um mea culpa, que desta vez dá pelo título Valerá a pena desmenti-los?, recentemente publicado em livro - e vê-se agora, pelo conteúdo, que este valerá a pena desmenti-los era à bancada socialista e não ao Governo - diz-nos coisas espantosas.
Sr. Ministro, vou apenas referir uma passagem do livro do Sr. Deputado Arons de Carvalho, onde se lê, na página 35: «O mesmo Governo (…)», referia-se ao Partido Socialista, «(…) foi várias vezes intermediário das mais diversas solicitações para que a RTP subsidiasse, transmitisse ou patrocinasse dezenas de iniciativas, grande parte das quais sem qualquer lógica comercial e por vezes até de duvidoso interesse.».
Relativamente à questão da publicidade, que V. Ex.ª referiu e muito bem, continua: «Pior: como poderia ser encarada pela empresa se não como um inequívoco sinal de prosperidade a deliberação de limitar a publicidade da RTP1 de 12 para 7,5 minutos, e proibi-la na RTP2, o que significou uma redução de receitas de cerca de 3 milhões de contos por anos?»
E, agora, pasme-se - tenho a certeza que o Sr. Deputado António Costa vai gostar de ouvir -, continua o Sr. Deputado Arons de Carvalho: «O Governo (...)» do Eng.º António Guterres «(...) tomou esta decisão após uma diligência dos presidentes da SIC e da TVI junto do próprio Primeiro-Ministro, nos finais de 1996.».
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Sr. Ministro, em primeiro lugar, pergunto se, a bem de Portugal, V. Ex.ª não está a pensar fazer esse tal negócio, e calculo que não; em segundo lugar, pergunto se não considera - eu devo dizer que considero - que quem inequivocamente tentou fazer esse «telenegócio» e hoje o confessa em livro (que é bom que os portugueses comprem para perceberem que uma coisa é o que os socialistas dizem aqui, outra coisa é o que escrevem para registo) foi o PS e se não é isto que é verdadeiramente um «telenegócio» e não aquilo que hoje, convenientemente, pretendem imputar a V. Ex.ª.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho). - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.
O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, a posição do governo do Partido Socialista em matéria de publicidade na televisão pública fica espelhada por essa e outras passagens que desse livro constam. Poder-se-ia ainda acrescentar uma carta fantástica que o Dr. Arons de Carvalho menciona nesse livro, ao Dr. Balsemão, perguntando-lhe porque é que ele poderá estar zangado com o que quer que seja, quando tudo se fez para que ele tivesse todas e as melhores condições para que a SIC funcionasse.
Repito, essa carta é mencionada nesse mesmo livro e o que é espantoso é a facilidade com que agora se pega numa palavra para tentar, de facto, «virar o bico ao prego».
Na verdade, no momento inicial não me espantei, porque a primeira vez que vi a referência a um «telenegócio» foi por parte do Sr. Deputado José Sócrates, a quem o Sr. Deputado Manuel Maria Carrilho reconhecia total incompetência na matéria. Portanto, achei que ele estava a falar do que não sabia, a fazer fé nos seus próprios ex-colegas de governo.
Agora, generalizou-se a acusação, mas parece-me que ela se vai generalizando na directa proporção das provas que vão surgindo a lume, por esse livro e outras citações que se vão reproduzindo, suculentamente, e nas quais em momento algum se consegue encontrar, por parte do Partido Socialista, a responsabilidade mínima de uma contrapartida, no momento em que - porventura, justificadamente, nunca o saberemos - decidiu reduzir, da forma como reduziu, a publicidade na RTP, com essa redução de receita para a RTP e sem que se lhe conheça, repito, uma única contrapartida pedida às televisões privadas.
Porém, o mais grave é que essa «receita», que pretendiam, de forma definitiva, aplicar à televisão, porquanto são taxativos, aí, de forma coincidente, todos os seus responsáveis, afirmando que a televisão pública deve existir sem publicidade, não tem, repito, uma linha sobre as contrapartidas - e já nesta Câmara anunciei algumas -, as quais, de forma fácil, devo dizer, seria possível conseguir por parte das televisões privadas, ajudando assim forma a realizar serviço público de televisão.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, uma semana depois de termos tido uma discussão em torno da RTP, V. Ex.ª volta - e julgo que é importante dizê-lo - com um atitude de afrontamento,…
Vozes do CDS-PP: - Que falta de imaginação!
A Oradora: - … com uma atitude de confusão e, seguramente, volta com aquilo que parece ser uma enorme insegurança em relação à abordagem de uma questão que nos parece da maior importância.
Estamos a falar do serviço público, estamos a falar de um bem escasso, estamos a falar de um bem que é fundamental do ponto de vista da coesão nacional, que, naturalmente, para ser assegurado, exige independência editorial, exige um conjunto de coisas sobre as quais, aparentemente, o Governo tem opinião, mas, de forma contraditória, acaba por dizer que sobre essas matérias entende dever ser uma outra entidade a pronunciar-se, neste caso uma comissão independente, ou seja, sobre aquilo que deve ser o conteúdo de opinião do serviço e as soluções a encontrar.
Sr. Ministro, gostaria de dizer-lhe que o senhor pode chamar a esta comissão independente ou aquilo que quiser, mas terá tanta independência esta comissão como qualquer outra que o senhor encontrasse, por exemplo, se quisesse saber se deve ou não fazer caça à baleia convidando para integrar essa comissão aqueles que são manifestos defensores do seu extermínio. Portanto, para nós, é neste exacto plano que esta comissão independente se coloca.
Mas se esta é, desde logo, uma premissa clara nesta discussão, há respostas em relação às quais eu gostaria que, numa interpelação ao Governo - e uma interpelação ao Governo não é propriamente um tête-á-tête entre o Governo actual e o anterior, é entre o Governo e os restantes partidos políticos -, desse algumas respostas concretas.
Gostaríamos que o Sr. Ministro e o Governo explicassem se, em termos de financiamento, dizem «sim» ou «não» à publicidade; gostaríamos que o Sr. Ministro explicasse como é que resolve nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores a questão da produção, uma vez que essas regiões, hoje, só têm possibilidade de produzir 30% do total das suas emissões. Portanto, gostaríamos de saber quem é que vai pagar o resto, ou seja, se são as regiões autónomas, e seguramente que a Madeira e os Açores estão interessadíssimos em conhecer a resposta a esta pergunta.
Pergunto-lhe também o que é que vai fazer ao 2.º canal e esta é uma questão importante para nós. Sendo certo que o Governo insiste dizendo que não tem opinião mas que um dos canais tem de ser extinto, ou tem de desaparecer, a minha pergunta é como é que esse desaparecimento ocorre, ou seja, se há uma extinção, se há um aluguer, se há uma alienação, se há uma cedência aos privados. Esta é, seguramente, uma resposta que todos os cidadãos portugueses estarão interessados em conhecer, por parte do Governo.
Gostaríamos também que precisasse o seu pensamento - porque ele, com certeza, já existe - acerca de como é que vai funcionar a RTP África, que tem um papel que, julgo, ninguém contesta de importância enorme de aproximação de um espaço que partilha uma língua, e também aqui eu gostaria de perceber o que é que o Governo pensa
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sobre isto, ou seja, se vai alienar, se vai ceder, se vai alugar, a quem é que vai oferecer este canal ou se simplesmente prescinde de o utilizar.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Mota Amaral.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chamo a atenção dos grupos parlamentares de que está na hora regimental das votações, pelo que peço que se providencie a presença dos Srs. Deputados, porque, conforme assinalei, temos para votar uma lei orgânica.
Para responder à Sr.ª Deputada Isabel Castro, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.
O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, começou por dizer-lhe que uma semana depois estamos novamente a falar sobre a RTP. Devo referir que, pela minha parte, é com o maior prazer que estamos juntos novamente, não digo num tête-á-tête com a Sr.ª Deputada Isabel Castro nem num tête-á-tête com o Governo, mas num tête-á-tête com esta Câmara, sendo que estou disponível para responder a todas as questões, mas sempre com o gosto de consigo estar novamente.
Agora, o que não percebo é porque me perguntam aquilo a que já respondi, como, por exemplo, o que vai acontecer à RTP África. Posso repetir-lhe, as vezes que quiser, mas penso que, a partir de certa altura, não faz sentido, porque é maçador para todos os outros Srs. Deputados, que a RTPi e a RTP África não estão em causa. O Governo nunca disse nada de diferente sobre esta matéria, portanto acabe-se com este alarmismo que leva a que os nossos emigrantes, na Austrália, estejam preocupados com o futuro da RTPi.
Vamos ser sérios no debate. Não há uma linha, uma vírgula que permita ter dúvidas nesta matéria sobre a política do Governo relativamente à RTPi e à RTP África.
Quanto às outras questões que colocou, designadamente sobre a publicidade/não publicidade, Sr.ª Deputada Isabel Castro, este Governo tem a responsabilidade de saber que qualquer decisão que, antes da disponibilidade de todos os dados e do conhecimento completo da situação, aqui anunciasse só teria um resultado: não seria o da satisfação da curiosidade da Sr.ª Deputada mas, sim, o da satisfação da curiosidade daqueles que, porventura, legitimamente, na defesa dos seus interesses, que não são os que devem, em primeiro lugar, preocupar o Governo, querem saber se, «sim» ou «não», podem dispor, como lhes era anunciado por outros partidos, do activo de publicidade que está na televisão pública, sem que para isso tenham de pagar 1$ de contrapartidas.
O que lhe digo, e repito, é muito simples: o Governo em caso algum permitirá que aquilo que é hoje o activo da RTP, o valor de publicidade (infelizmente em diminuição acelerada), seja alienado ou disponibilizado sem que sejam asseguradas iguais ou superiores contrapartidas. Se esta decisão vier a estar em causa, não por raciocínios económicos, como aconteceu anteriormente, mas pela conclusão possível de incompatibilidade ou dificuldade de convivência da prestação de serviço público com publicidade num canal como aquele que agora a comissão independente ajudará a modelar, nos termos em que ela até agora existiu…
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, esgotou o tempo regimental. Peço-lhe que conclua.
O Orador: - Com certeza, Sr. Presidente.
Como eu estava a dizer, se se chegar a este ponto, serão sempre garantidas contrapartidas, pelo menos, correspondentes àquele que é hoje o activo da RTP. Esta é a diferença relativamente às posições que anteriormente foram defendidas no Governo.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Pinho Cardão, para pedir esclarecimentos, lembro a Câmara que procederemos às votações regimentais dentro de momentos.
Tem a palavra, Sr. Deputado Pinho Cardão.
O Sr. Pinho Cardão (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência, está provado, porque os números não mentem, que os governos do PS e as administrações da RTP por eles nomeadas sempre delapidaram o património da RTP.
Sempre que entraram, encontraram a empresa com boa situação económica e financeira e um serviço público condigno; sempre que saíram, deixaram a RTP falida e destroçada e os seus trabalhadores desmotivados e desmoralizados.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Não quero agora falar na deterioração material da empresa mas, sim, nos verdadeiros atentados que as últimas administrações da RTP e governo socialista, em coligação eficaz, fizeram e vêm fazendo à empresa e aos trabalhadores honestos daquela casa.
Foram os saneamentos - é esta a palavra, é forte mas é a indicada para significar o afastamento, o «emprateleiramento» ou o abandono - de profissionais competentes e devotados por uma vida à RTP, alguns referência daquela casa;…
O Sr. António Costa (PS): - Que grande lata!
O Orador: - … foram as adjudicações de serviços a empresas exteriores à RTP, duplicando os custos, por permanecerem inactivos os trabalhadores das estruturas desmanteladas,…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É verdade!
O Orador: - … como é o caso da adjudicação a terceiros da contabilidade da RTP (pasme-se, da contabilidade da RTP!), como é o caso da entrega a terceiros da publicidade da TV Guia, negócio superior a 0,5 milhão de contos, sem qualquer consulta ao mercado,…
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Uma vergonha!
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O Orador: - … num processo de total falta de transparência e de prejuízo para a empresa, a qual mantém inactivos os trabalhadores anteriormente afectos àquela actividade,…
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - … como é a ameaça de adjudicação ao exterior de serviços de informática, negócio de alguns milhões de contos, como foram as admissões para a área de publicidade da RTP, com altíssimos salários mas com incumprimento total dos objectivos negociados e propostos, como é o favorecimento de produtores externos em detrimento da produção da Foco e da Edipim, que somam inactividades e prejuízos,…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - … como é o desmantelamento do serviço de dobragem, com mérito internacionalmente reconhecido,…
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - … com recurso a serviços externos, como são os carros de luxo que se compram para administradores, dizendo-se que nada custaram por serem adquiridos em ALD, como são os carros desportivos, estes verdadeiramente de representação, que são adquiridos para administradores das empresas associadas.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - É uma vergonha!
O Orador: - Pergunto-lhe, Sr. Ministro, se tem conhecimento disto e se é verdadeiro este favorecimento de amigos, este compadrio instalado e este regabofe total, com prejuízo para a empresa e aviltando os trabalhadores.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Têm culpa os trabalhadores honestos da RTP desta situação? São os trabalhadores que têm a culpa, Sr. Ministro? Não têm!
O Sr. Presidente: - Queira concluir, Sr. Deputado.
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Para coroar todo este amesquinhamento brutal da RTP, dos contribuintes e dos trabalhadores da empresa, que são pagos mas espoliados do seu trabalho, foi recentemente nomeado para o lugar mais importante da RTP alguém que passou meses e anos a denegrir o governo, a RTP e os seus trabalhadores, a achincalhá-los e a demoli-los.
Vozes do PSD: - É verdade!
O Orador: - Não se põem em causa as qualidades profissionais, intelectuais, pessoais e humanas daquele profissional, que, aliás, conheço e estimo, ele limitou-se a aceitar o lugar, e não consta que o tenha exigido do governo, porventura com ameaça, de berbequim em punho!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Foi uma atitude que atingiu e feriu de morte a dignidade e a própria alma dos trabalhadores da RTP.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Pinho Cardão, por favor, tem de concluir, pois já ultrapassou o tempo regimental.
O Orador: - O efeito devastador desta nomeação só teria paralelo, e apenas me lembro deste exemplo, no estado de choque que atingiria os Deputados do Partido Socialista se o Dr. Ferro Rodrigues nomeasse o Dr. Alberto João Jardim, digo o Dr. Alberto João Jardim, e já não digo para director-geral mas para líder do Grupo Parlamentar do Partido Socialista. Como se sentiriam os Deputados do Partido Socialista?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Pinho Cardão, terei de tirar-lhe a palavra se não terminar imediatamente.
O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente.
Pergunto: como é que o Sr. Ministro pensa devolver a dignidade e a esperança aos trabalhadores honestos da RTP, sem que toda e qualquer reestruturação possa soçobrar?
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início às votações regimentais.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, gostaria de interpelar a Mesa em relação não às votações que o Sr. Presidente vai organizar e conduzir mas tão-só a esta intervenção do Sr. Deputado Pinho Cardão e, em geral, a intervenções produzidas nestes dias.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, ouvindo muito atentamente esta intervenção, a direcção da bancada do PS teve consciência aguda da necessidade de o Sr. Presidente fazer aplicar as disposições que estão em vigor sobre declaração de interesses.
Essas disposições, como o Sr. Presidente muitíssimo bem sabe, obrigam a que, quando um Deputado tenha interesse numa questão, por qualquer razão de carácter histórico, mais remoto ou mais presente,…
Protestos do PSD.
… muito remoto ou muito presente, o declare não à puridade mas diante dos seus pares, a fim de que ninguém tome a «nuvem por Juno» e nem ninguém tome «gato por lebre», sobretudo quando o «gato» está muito próximo das pessoas.
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E não direi mais, Sr. Presidente.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, as declarações de interesses são efectuadas no início da legislatura, perante a Comissão de Ética.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - E tem prazos, que estão a decorrer!
O Sr. José Magalhães (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. José Magalhães (PS): - Enfim, admiti que o Sr. Presidente não estabelecesse esse equívoco.
Não me refiro a essa forma de declaração de interesses mas, sim, àquela que, no início dos debates em que estejam em causa matérias em que o Deputado tenha, por qualquer razão histórica, presente ou imediata,…
O Sr. António Costa (PS): - Ou familiar!
O Orador: - … ou até familiar, um qualquer interesse, implica não a inibição de falar no debate mas de o fazer após ter dito aos seus pares, olhos nos olhos, que teve ou tem um interesse e que esse interesse não pode deixar de ser relevante…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso é uma vergonha!
O Orador: - … para tudo o que vai dizer, como bem ficou claro há poucos segundos.
Aplausos do PS.
Protestos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para se pronunciarem sobre a mesma matéria, inscreveram-se os Srs. Deputados Guilherme Silva e Jorge Lacão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado José Magalhães devia de ter a noção de que os Deputados da bancada do PSD conhecem tão bem o Regimento como o Sr. Deputado. E quero dizer-lhe que não houve da parte do Sr. Deputado Pinho Cardão qualquer falha em relação ao Regimento.
Vozes do PS: - Ai não?!
O Orador: - O Sr. Deputado não pode tomar este tipo de atitude, que é uma vergonha para si e para a sua bancada,…
Vozes do PSD: - É uma vergonha o que estão a fazer!
O Orador: - … pondo em causa a isenção e a independência, infundadamente, de qualquer Deputado. E o Sr. Deputado José Magalhães não pode ficar pelas insinuações, diga concretamente se há alguma razão que ponha em causa a isenção e a independência do Sr. Deputado Pinho Cardão.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
As pessoas podem ter exercido no passado as funções que muito bem entenderam. O que o Regimento exige, em termos de ética, é que se diga quais os impedimentos vigentes no momento em que produzem as suas intervenções.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Como o Sr. Presidente e os Srs. Deputados compreenderão, desejo intervir na condição de Presidente da Comissão de Ética para sublinhar que não é por efeito do nosso Regimento mas, sim, por efeito da lei que estabelece o Estatuto dos Deputados, onde, na norma relativa a conflito de interesses, se encontra uma disposição que comina aos Deputados o serem eles próprios, quando ao intervirem em matéria que, directa ou indirectamente, se possa prender com outras actividades não incompatíveis com a de ser Deputado, tomarem a iniciativa de o declararem para efeitos de ficar publicamente registada a existência de qualquer virtual conflito de interesses, para que nenhuma dúvida possa subsistir.
Vozes do PSD: - Então, Sr. Deputado José Magalhães, qual é o cargo actual? Qual é?
O Orador: - Sr. Presidente, solicito, se for possível, a leitura, pela Mesa, da exacta disposição legal a que me estou a referir.
O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a disposição legal a que o Sr. Deputado Jorge Lacão se refere é a do artigo 27.º do Estatuto dos Deputados. Não sei se valerá a pena lê-lo, porque todos a temos presente, com certeza… Mas, já que me foi feito esse pedido, o Sr. Secretário da Mesa irá proceder à sua leitura.
O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o artigo 27.º do Estatuto dos Deputados é do seguinte teor:
«1 - Os Deputados, quando apresentem projecto de lei ou intervenham em quaisquer trabalhos parlamentares, em comissão ou em Plenário, devem previamente declarar a existência de interesse particular, se for caso disso, na matéria em causa.
2 - São designadamente considerados como causas de um eventual conflito de interesses:
a) Serem os Deputados, cônjuges ou seus parentes ou afins em linha directa ou até ao 2.º grau da linha colateral, ou pessoas com quem vivam em economia comum, titulares de direitos ou partes
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em negócios jurídicos cuja existência, validade ou efeitos se alterem em consequência directa da lei ou resolução da Assembleia da República;
b) Serem os Deputados, cônjuges ou parentes ou afins em linha recta ou até ao 2.º grau da linha colateral, ou pessoas com quem vivam em economia comum, membros de órgãos sociais, mandatários, empregados ou colaboradores permanentes de sociedades ou pessoas colectivas de fim desinteressado cuja situação jurídica possa ser modificada por forma directa pela lei ou resolução a tomar pela Assembleia da República.
3 - As declarações referidas nos números anteriores podem ser feitas quer na primeira intervenção do Deputado no procedimento ou actividade parlamentar em causa, se as mesmas forem objecto de gravação ou acta, quer dirigidas e entregues na Mesa da Assembleia da República ou ainda na Comissão Parlamentar de Ética antes do processo ou actividade que dá azo às mesmas.».
O Sr. Presidente: - Ouvimos todos ler o preceito…
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, para deixar aqui esta matéria muito clara, porque a intervenção do Sr. Presidente da Comissão de Ética pode lançar ainda mais confusão.
Protestos do PS.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, nós conhecemos muito bem toda esta regulamentação e quero dizer aqui muito claramente que o Sr. Deputado Pinho Cardão não tem qualquer incompatibilidade ou impedimento relativamente à sua intervenção nesta matéria. Foi membro do Conselho de Administração da RTP há 10 anos, como presidente.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - É uma vergonha o que o PS está a fazer!
O Orador: - Não é esta circunstância que o impede de intervir hoje sobre esta matéria. Se essa fosse a interpretação, então, o Sr. Deputado Manuel Maria Carrilho não poderia intervir, porque foi presidente de um conselho superior de audiovisual que os senhores criaram e que nunca funcionou! Mas foi presidente desse conselho, e, com essa interpretação, hoje não poderia aqui intervir.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É uma vergonha!
O Orador: - Eu sei que, pelo conhecimento de causa, aquilo que o Sr. Deputado Pinho Cardão aqui disse sobre esta matéria vos incomoda, mas não procurem questões regimentais ou do Estatuto dos Deputados para responder àquilo para que não têm resposta.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, gostaria de dizer não só que, depois da intervenção do Sr. Deputado Guilherme Silva, ficou bem registado neste Parlamento a vergonha e a ignomínia deste procedimento…
Protestos dos Deputados do PS José Magalhães e António Costa.
… mas também que tenho pena inclusivamente de alguém que preside a uma comissão de que também faço parte.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, vamos tratar do assunto que interessa.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Pinho Cardão.
O Sr. Pinho Cardão (PSD): - Sr. Presidente, em matéria de televisão, fui membro do Conselho de Administração da RTP no primeiro governo da Aliança Democrática, de 1980 a 1982. Neste período de três anos, a RTP teve dois anos de resultados positivos, os primeiros dois anos da sua vida.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
De 1985 a 1988, no primeiro governo do Professor Cavaco Silva, voltei novamente a ser administrador da RTP, com três anos de resultados positivos, mais uma vez.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Não tenho culpa, mas é verdade. A RTP, em 45 anos, teve oito anos de resultados positivos, e eu estive em cinco deles. Provavelmente será esse o meu pecado! Não sei que outro será!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. José Magalhães (PS): - E foi saneado porquê?!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, numa emergência inteiramente desagradável, o Sr. Deputado Nuno
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Teixeira de Melo permitiu-se qualificar, por forma que não desejo voltar a repetir, a minha intervenção, que não teve outro propósito se não, em nome da própria dignidade da Assembleia, o de sugerir à Mesa, para que, numa matéria que aqui tinha sido suscitado como incidente, não ficasse dúvidas para ninguém, a leitura do enquadramento legal. A Mesa, e ainda bem, produziu esse enquadramento legal.
Agradeço à Mesa, mas peço-lhe, Sr. Presidente, que registe que uma diligência no sentido de a lei ser do conhecimento de todos os Deputados jamais pode ser apodada como fez o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, que, depois de reflectir, acredito que me pedirá desculpa.
Aplausos do PS.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, dá-me a impressão de que não foi directamente visado…
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Fui directamente visado, Sr. Presidente, mas apenas preciso de 30 segundos, ou nem isso.
O Sr. Presidente: - Sendo assim, tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, devo dizer-lhe que medi, com muito cuidado,…
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Imagine-se se assim não fosse!
O Orador: - … ambas as palavras que proferi.
Devo dizer-lhe ainda, Sr. Deputado, que, nesta bancada, não temos medo nem nos causa mossa particular que se façam debates duros, que se façam debates até radicais e, em alguns casos, até extremos, como VV. Ex.as nos têm habituado nos últimos tempos. Agora, o que não podemos aceitar é que neste Parlamento se façam debates com base em insinuações,…
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
… insinuações que, nestas circunstâncias, equivalem a calúnia! Isto porque as insinuações não se provam, e os debates sérios permitem, pelo menos, o contraditório.
Vozes do CDS-PP: - Exactamente!
O Orador: - Portanto, Sr. Deputado, quando a essa insinuação foi dada cobertura por V. Ex.ª, com a inteligência que lhe reconheço,…
Vozes do CDS-PP e do PSD: - Exactamente!
O Orador: - … não poderíamos deixar passar a ocasião em claro, como bem compreenderá!
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, talvez com alguma ingenuidade, a Mesa não interpretou a intervenção do Sr. Deputado Jorge Lacão como sendo uma insinuação de qualquer espécie,…
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - … razão porque procedeu à leitura do Regimento.
Aplausos do PS.
Mas é a interpretação da Mesa, obviamente, susceptível de ser um erro.
O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, para já, para entusiasmar os Srs. Deputados do PSD!
O Sr. Presidente: - Essa figura regimental não está prevista, como o Sr. Deputado bem sabe.
Risos.
O Sr. António Costa (PS): - Mas é a grande generosidade da oposição!
Pedi a palavra para, numa interpelação à Mesa, pôr fim a este incidente, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. António Costa (PS): - O Sr. Presidente e o Sr. Secretário da Mesa tiveram oportunidade de ler a norma do Regimento, norma essa que não sindicável, porque se refere e se destina à consciência de cada um.
O Sr. Deputado José Magalhães limitou-se a solicitar que essa norma fosse lida, ela está lida e, por nós, o incidente está encerrado,…
Vozes do PSD: - Não! Não é assim!
O Orador: - … porque é uma norma de que todos os Deputados devem ter conhecimento e que todos os Deputados devem saber aplicar, ou não, a si próprios, consoante a sua própria consciência, e esta não a entendemos sindicável.
Não está, obviamente, em causa o profundo conhecimento que o Sr. Deputado Pinho Cardão tem do funcionamento da RTP e das suas empresas participadas. Ele próprio, na sua intervenção, demonstrou profundo e aturado conhecimento de questões de pormenor, como seja a própria publicidade da TV Guia e outras matérias. O seu conhecimento vai, portanto, a este nível de profundidade e não questionamos o conhecimento que o Sr. Deputado tem sobre estas matérias.
Pareceu-nos útil que todos os Deputados conhecessem essa norma. Esta norma é hoje conhecida por todos os
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Deputados e cada um a aplicará de acordo com a sua consciência e fará o juízo que bem entender sobre a forma como cada um a aplica.
Aplausos do PS.
Protestos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vou dar a palavra ao Sr. Deputado Guilherme Silva, mas não aceitarei mais pedidos de palavra sobre o mesmo assunto, pois, depois, também terei de me pronunciar sobre a matéria, já que a Mesa foi invocada.
Tem a palavra, Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, não vale a pena o Sr. Deputado António Costa vir fazer da sua bancada um grupo de «donzelas puras»!
Risos do PSD e do CDS-PP.
Sr. Deputado António Costa, a questão é muito clara: não há aqui qualquer questão de consciência que impeça o Sr. Deputado Pinho Cardão de fazer a intervenção que fez, e o Sr. Deputado José Magalhães insinuou que havia impedimento em fazê-lo!
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Exactamente!
O Orador: - Uma coisa é ter-se conhecimentos da matéria, e o Sr. Deputado Pinho Cardão, que é uma pessoa séria e honesta, tem muitos conhecimentos sobre esta matéria, e, outra coisa, é ter-se um conflito de interesses que impeça de ter esta intervenção ou exija uma declaração prévia quando a faz.
Foi isto que o Sr. Deputado José Magalhães aqui insinuou e é sobre isto que o Sr. Deputado José Magalhães, se quiser salvar a honra da sua bancada, tem de pedir desculpa ao Sr. Deputado Pinho Cardão.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. António Costa (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente, para uma interpelação.
O Sr. Presidente: - É certamente para responder, Sr. Deputado António Costa…
O Sr. António Costa (PS): - Exactamente, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, em forma de protesto, quero apenas dizer ao PSD que, se quiséssemos ter-nos por «donzelas puras» não nos sentaríamos ao lado de VV. Ex.as!
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Oh!…
O Sr. Presidente: - Sr.as e Srs. Deputados, peço-vos o favor de não continuarem por este caminho, que em nada favorece os trabalhos da Assembleia. Lembremo-nos do apelo, vindo de várias origens, que tem sido feito no sentido de procurarmos promover a descrispação da vida política portuguesa, e, de uma forma especial, cabe-me apelar para que sejam feitos esforços neste sentido.
Sobre a questão suscitada relativamente ao artigo 27.º do Estatuto dos Deputados, devo dizer, por um lado, que o debate que estamos a ter hoje não se configura no conteúdo desta norma e, por outro, que esta norma é, como foi, e muito bem, sublinhada por vários oradores, um imperativo de consciência. Devo confessar que até foi útil relê-la para a lembrar; é sempre útil que os nossos deveres e as nossas obrigações nos sejam recordados, desde que não haja outras intenções por detrás - mas juízos e intenções, infelizmente, não cabe à Mesa julgar.
Por outro lado, a questão que está hoje em causa não se subsume na previsão da norma legal.
Srs. Deputados, antes de passar às votações regimentais, o Sr. Secretário da Mesa vai proceder à leitura de alguns relatórios e pareceres da Comissão de Ética.
O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelos Serviços do Ministério Público da Comarca de Ourém - processo n.º 94/02.4TAVNO, Secção MP -, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado João Moura (PSD) a prestar depoimento por escrito, como testemunha, no âmbito dos autos em referência.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão o parecer.
Pausa.
Não havendo inscrições, vamos votá-lo.
Submetido à votação, foi aprovado, por unanimidade.
O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelos serviços do Ministério Público - Departamento de Investigação e Acção Penal (processo n.º NUIPC 487/02.7TACBR), a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho (PSD) a prestar depoimento por escrito, como testemunha, no âmbito dos autos em referência.
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Pausa.
Srs. Deputados, visto não haver pedidos de palavra, vamos proceder à votação do parecer.
Submetido à votação, foi aprovado, por unanimidade.
O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelos serviços do Ministério Público - Departamento de Investigação e
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Acção Penal (Processo n.º NUIPC 487/02.7TACBR), a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Fausto Correia (PS) a prestar depoimento por escrito, como testemunha, no âmbito dos autos em referência.
O Sr. Presidente: - O parecer está em discussão.
Pausa.
Srs. Deputados, visto não haver inscrições, vamos votá-lo.
Submetido à votação, foi aprovado, por unanimidade.
Srs. Deputados, vamos passar agora às votações regimentais.
Quero, antes de mais, chamar a atenção da Câmara para um pormenor, que não é um pormenor, é até um aspecto muito importante, relativo à proposta de lei n.º 3/IX. Como todos temos presente, esta proposta de lei é simplicíssima - de resto, já foi votada na anterior Legislatura, foi na anterior Legislatura que isso se passou -, pois tem apenas um artigo.
A discussão na generalidade foi, na realidade, uma discussão na especialidade deste artigo, pelo que proponho à Câmara que, hoje, se faça não só a votação na generalidade mas também a votação na especialidade e a votação final global. Proponho ainda que se dispense a redacção final em Comissão, porque tenho conhecimento de que este assunto é extremamente importante para a gestão dos governos regionais.
Se ninguém puser obstáculos a esta minha proposta, votaremos a proposta de lei n.º 3/IX, na generalidade, na especialidade e em votação final global, e um requerimento de dispensa de redacção final em Comissão.
Pausa.
Estamos, portanto, todos de acordo quanto a esta matéria.
Chamo a atenção de que se trata de uma lei orgânica e, conforme é disposição constitucional, ela tem um quórum especial de votação. A Mesa verificou a presença dos Srs. Deputados nas várias bancadas e, à vista desarmada, pode comprovar-se que temos quórum mais do que suficiente para proceder a esta votação. Todavia, vamos verificar o número de Deputados.
Pausa.
Srs. Deputados, a contagem da Mesa dos Deputados presentes dá o seguinte resultado: 101 do PSD, 13 do CDS-PP, 77 do PS, 2 do Partido Ecologista «Os Verdes», 3 do Bloco de Esquerda e 9 do PCP. Temos, portanto, número suficiente para fazer esta votação.
Relativamente à proposta de lei em apreço, comunico à Câmara que exercerei o meu direito de voto e conformá-lo-ei com o voto do PSD.
Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 3/IX - Altera a Lei n.º 13/98, de 24 de Fevereiro (Lei de Finanças das Regiões Autónomas).
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS-PP e do PCP, votos contra do BE e a abstenção de Os Verdes.
Seguidamente, vamos votar o mesmo diploma na especialidade.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS-PP e do PCP, votos contra do BE e a abstenção de Os Verdes.
Vamos agora passar à votação final global da referida proposta de lei, relativamente à qual se verifica a existência de quórum suficiente.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS-PP e do PCP, votos contra do BE e a abstenção de Os Verdes.
Verifica-se, portanto, o requisito constitucional da votação, havendo até número superior ao da maioria do número legal dos Deputados.
Finalmente, passamos à votação do requerimento de dispensa de redacção final em Comissão, relativamente ao qual creio estarmos todos de acordo.
Submetido à votação, foi aprovado, por unanimidade.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação do requerimento, apresentado pelo PSD e pelo CDS-PP nos termos do artigo 156.º do Regimento, solicitando a baixa à Comissão do Poder Local, Ordenamento do Território e Ambiente, sem votação na generalidade, da proposta de lei n.º 99/VIII - Altera o Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de Novembro, relativo ao regime jurídico dos terrenos do domínio público hídrico (ALRM), por um período de 60 dias.
Submetido à votação, foi aprovado, por unanimidade.
Assim, a proposta de lei n.º 99/VIII baixa à Comissão sem votação na generalidade, e, com isto, fica prejudicada a sua votação na generalidade, que era o ponto seguinte do nosso guião de votações.
Srs. Deputados, terminadas as votações agendadas para hoje, vamos prosseguir o debate da interpelação ao Governo n.º 1/IX.
Informo ainda a Câmara que o Sr. Ministro da Presidência comunicou à Mesa que responderá aos pedidos de esclarecimentos a grupos de três Deputados, possivelmente por falta de tempo disponível do Governo.
Assim sendo, tem a palavra, para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro da Presidência, o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência, pergunto-lhe: afinal, aqui e agora, o Governo confirma ou não a decisão, tal como foi expressamente tomada em Conselho de Ministros, de criar, no prazo de seis meses, uma nova empresa para emissão de um único canal generalista de televisão, empresa distinta, portanto, da actual RTP? E em qual das empresas, na
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primeira ou na segunda, acabarão por ficar as restantes emissões regionais e as internacionais? Depois de tanta agitação, o Governo já não sabe, não sabe nada, e é agora uma comissão ad hoc que lhe vai dizer, e esta já terá mais legitimidade do que a que tinha o Conselho de Opinião da RTP?
Segundo, o Governo confirma ou nega agora o declarado propósito de fechar o segundo canal em funções, deixando, ao mesmo tempo, sem uso público uma das frequências nacionais do serviço público? O que pesa mais na opção do Governo, o valor financeiro da poupança marginal e, neste caso, exactamente em quanto, ou o desprezo do custo como défice cultural da restrição de uma escolha de serviço público aberta a todos os cidadãos?
Terceiro, contesta o Governo que os dois canais de televisão, inerentes frequências e respectivas obrigações de serviço público, tendo sido objecto de concessão à RTP por leis do domínio reservado da Assembleia da República, só por decisão legal da Assembleia podem ter reafectação diferente?
Quarto, insiste o Governo na ideia de que tudo pode fazer na lógica fechada das efectivas e putativas decisões do Conselho de Ministros ou dos actos de gestão dos conselhos de administração com mandatos de actuação contrários às leis em vigor?
Quinto, se o Governo encerrar um canal e impedir a utilização da respectiva frequência, determinando - como queria e propôs o PSD na última Legislatura, com o voto contra do PS - o fim imediato da publicidade no canal sobrevivente, que qualificativo daremos a tais decisões públicas, a de actos de boa gestão e defesa do interesse público, ou, bem ao contrário, a de actos da mais flagrante parcialidade e evidente favorecimento dos interesses dos particulares?
Se o Governo continuar a não responder com clareza ao essencial destas questões, sinal, aliás, evidente da sua desorientação, como pode querer ser respeitado nas suas orientações, que são, afinal, desorientações?
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência, já foi respondida neste debate a maioria das questões que havia para colocar, principalmente sobre o serviço público de televisão, mas também sobre a política do audiovisual. Em todo o caso, é exactamente sobre esta última área que quero formular-lhe uma pergunta, Sr. Ministro. Trata-se de uma questão que ainda não foi respondida e que as famílias portuguesas colocam muito quando se discute a matéria da televisão, e é, sem dúvida, também uma questão fundamental para o CDS-PP.
Sr. Ministro da Presidência, a questão que quero colocar-lhe é a seguinte: V. Ex.ª não considera que é extremamente necessário pôr cobro, de uma vez por todas, à anarquia que reina em toda a televisão portuguesa em matéria de exibição de violência e de pornografia a qualquer hora do dia, sem qualquer critério e sem qualquer respeito? É que, no entender do CDS-PP, esta situação é intolerável. É intolerável que continue esta afronta às famílias portuguesas, da exibição de violência e de pornografia, e que, depois, tenham de ser os portugueses, subsidiariamente, na educação dos seus filhos, a tentar fazer o caminho inverso ao que a própria televisão faz. E há legislação nesta matéria, não é sequer preciso inventar nada! É preciso que os canais de televisão, todos eles, cumpram a legislação em vigor.
Assim, pergunto-lhe, concretamente: não entende V. Ex.ª que é necessário obrigar esses operadores de televisão a cumprirem a lei e a acabar com a afronta que é feita às famílias portuguesas e à educação dos seus filhos?
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência, dispondo, para o efeito, de 5 minutos, já que responderá a vários pedidos de esclarecimento.
O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pinho Cardão, sublinhando o conhecimento profundo e o respeito que tem de merecer o trabalho que o Sr. Deputado, entre muitos outros, fez na RTP, quero apenas, além dos dados referidos, alguns concretos e outros mais gerais, e também porque esta situação foi comentada nas vésperas desta interpelação, acrescentar que, infelizmente, essa desregulação que se vive na RTP se tem acentuado e se voltou a acentuar no ano 2001.
São agora conhecidos os primeiros dados sobre o ano 2001, que apontam para o seguinte quadro: os custos totais da RTP passaram de 73 milhões de contos para 90 milhões de contos; os custos para o Estado, incluindo a indemnização compensatória mais os prejuízos, passaram de 50 milhões de contos para 60 milhões de contos; o custo do serviço público, tal como foi quantificado pela própria RTP, passou de 34 milhões de contos para 40 milhões de contos; os custos com pessoal passaram de 17 milhões de contos para 23 milhões de contos, isto apesar de se ter despendido, em 2001, 3,2 milhões de contos com rescisões e pré-reformas; os juros da dívida passaram de 7,5 milhões de contos, em 2000, para 12 milhões de contos, em 2001. Só há dois indicadores que desceram, de 2000 para 2001: a audiência, que passou de 32,2% para 28%, e a publicidade, cujas receitas passaram de 14,5 milhões de contos para 10 milhões de contos.
Como dizia, e bem, não são os trabalhadores da RTP os principais responsáveis, principalmente aqueles que lá estão, e que lá estão há muitos anos, a procurar fazer televisão pública dentro da RTP. Uma RTP que, ao longo dos últimos anos, infelizmente, apesar de gastar milhões de contos por ano em rescisões e pré-reformas, não vê, como alguns dizem, reduzido o seu pessoal, porque, agora, neste intervalo de 1999 para 2001, muitos dos que saem pela «porta» entram pela «janela». E, dos cerca de 600 trabalhadores que efectivamente deixaram de o ser na RTP, se olharmos para as empresas participadas da RTP, verificamos que, infelizmente, entraram mais de 400. Ainda estamos para ver se são os mesmos que, acabados de receber uma indemnização da RTP, voltaram a trabalhar nas suas participadas. Mas, a isto, iremos em devido tempo!
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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É uma vergonha!
O Orador: - Sr. Deputado Jorge Lacão, limito-me a dizer-lhe que aquilo que consta da deliberação do Conselho de Ministros é para cumprir! E nela se diz o seguinte: «garantir a criação, no espaço de seis meses, de uma nova empresa pública de televisão que assegure a emissão de um canal generalista e a conjunção da RTPi e da RTP África, com financiamento limitado e pré-dimensionado, que cumpra efectivamente serviço público de televisão;», mas também «Apresentar e adoptar,…» - isto significa apresentar quando for necessário na Assembleia e adoptar quando a iniciativa legislativa do Governo for suficiente - «… no prazo de quatro meses, as iniciativas legislativas necessárias à implementação da reestruturação do sector público de comunicação social, (…)».
Como tal, não se preocupe, pois o Governo vai cumprir, em todos os casos, a iniciativa legislativa do Governo e da Assembleia, conforme a lei dispõe.
Finalmente, Sr. Deputado João Pinho de Almeida, quero dizer que é, de facto, uma preocupação do Governo, entre outras, a da violência na televisão pública e nas televisões privadas, e é por isso que falamos na necessidade de regulação neste sector.
É verdade que existem leis, é verdade que existem leis aparentemente suficientes não só para evitar a situação que hoje vivemos na RTP, desde logo em matéria de publicidade e de tempos da mesma (sendo que os últimos dados conhecidos mostram que nenhuma das televisões cumpre os limites de publicidade a que está obrigada), mas também, no que respeita à emissão de programas em português e àquele que deveria ser o sentido ético que deveria estar presente na direcção de informação e de programação de qualquer televisão, não permitindo, entre outros aspectos, a violência gratuita a que assistimos na televisão e, particularmente, em horários em que um público mais novo não pode ser protegido ou afastado dessa «invasão» de violência que entra pela casa dentro. Esta é também uma das preocupações que leva o Governo a afirmar a intenção firme, concreta e objectiva de, nos termos indicados no Programa do Governo e concretizados na deliberação do Conselho de Ministros, pôr de pé uma entidade reguladora que faça cumprir, de uma vez por todas, os normativos legais nesta matéria.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Saraiva.
Pausa.
Dado o Sr. Deputado José Saraiva não se encontrar presente na Sala, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Vasconcelos para pedir esclarecimentos.
O Sr. Diogo Vasconcelos (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência, o PS e o BE falaram aqui de uma televisão que já não existe, de uma televisão de formato pré-histórico - ainda estão na fase jurássica do audiovisual em Portugal! Falam como se só houvesse quatro canais, como se hoje o panorama não fosse completamente diferente. Hoje, não temos quatro canais, temos, no mínimo, 54 canais e uma realidade chamada televisão por cabo, com três operadores, que representa já 1,5 milhões de cliente, 1,5 milhões de pessoas que pagam uma assinatura mensal para terem 50 canais disponíveis para ver! Isto significa que há 4 milhões de portugueses com acesso a canais segmentados e que, pela primeira vez na história, o negócio da televisão por cabo ultrapassou largamente o negócio da televisão generalista. O negócio da televisão generalista representa 60 milhões de contos e cinge-se apenas a receitas de publicidade; o negócio da televisão por cabo, com receitas das assinaturas e publicidade, representará este ano 80 milhões de contos. Há aqui uma mudança enorme naquilo que é o panorama do audiovisual, e o PS e o BE parecem ignorar por completo esta realidade, isto sem termos em conta novas formas, que vão surgir, de rentabilização dos canais de televisão por cabo, como sejam o Paper View, o Video on Demand, etc.
É interessante verificar que, num ano em que o investimento em publicidade desceu 8%, os canais de televisão por cabo aumentaram em 172% o investimento publicitário face ao ano 2000. Já este ano, e estamos em Maio, face aos dados relativos ao 1.º quadrimestre, de Janeiro a Abril, o investimento na televisão por cabo subiu 82% quando o investimento nos canais generalistas desceu mais de 10%. E não deixa de ser curioso que tenha sido no governo do PS que tenham sido atribuídos três canais - nada mais nada menos do que os canais quinto, sexto e nono - à SIC na televisão por cabo, numa empresa que é gerida por um grupo em que o Estado tem uma golden share e uma significativa influência na gestão. Trata-se dos mais importantes canais de televisão por cabo, tirando os canais generalistas, que representam hoje uma facturação para a SIC de mais de 3 milhões de contos/ano em publicidade e em partilha de receitas de assinaturas, e 3 milhões de contos/ano significam, nada mais nada menos, do que um terço da receita anual da publicidade de RTP.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É um «telenegócio»!
O Orador: - Portanto, quando se fala em negócios entre privados e este Governo, é preciso não esquecer a forma como o PS encarou o serviço público, de forma totalmente incompetente e leviana.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Se o PS defendesse, de facto, o serviço público, por que é que não implementou canais temáticos da própria RTP na televisão por cabo?
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Como é que é possível que uma televisão com menos de 10 anos tenha três canais na televisão por cabo e uma televisão com cerca de 45 anos não tenha uma RTP Notícias, uma RTP Gold, uma RTP Cultura, uma RTP História,…
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
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O Sr. José Magalhães (PS): - Vai ter agora! É agora que vão ter!
O Orador: - … e tínhamos conteúdos, na sua maior parte, provenientes do estrangeiro…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Peço-lhe o favor de concluir.
O Orador: - Para terminar, pergunto, Sr. Ministro: daquilo que percebi da sua intervenção, Sr. Ministro, que estratégia tem o Governo para isto? Quando se encara o serviço público da forma como o Sr. Ministro encara, estamos a falar de um serviço público no formato jurássico do PS e do BE, ou estamos a falar de um serviço público de conteúdos distribuídos em formato multiplataforma, na televisão digital terrestre, na televisão por cabo, através da internet de banda larga?
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Saraiva, que já se encontra presente na Sala, dispondo, para o efeito, de 3 minutos.
O Sr. José Saraiva (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência, sou daqueles que não estão dispostos a chorar qualquer lágrima pela RTP. Por isso, sinto-me particularmente à vontade para lhe dizer o seguinte: li tudo o que V. Ex.ª foi dizendo; ouvi-o várias vezes a pronunciar-se sobre esta matéria; escutei-o hoje com a devida atenção nas respostas que V. Ex.ª foi dando à inquietante pergunta de saber se, no futuro, haverá apenas a RTP1, ficando a RTP2 silenciada, ou se V. Ex.ª e o Governo decidem alienar, pelo diálogo, vendendo um dos canais, ficando apenas com um. Ninguém sabe, e isto parece-me ser a mais inquietante das questões. V. Ex.ª decidiu, e decidiu contra a vontade da maioria das pessoas esclarecidas do País sobre esta matéria, mas tem a legitimidade para o fazer.
Devo dizer-lhe que pensei mesmo que V. Ex.ª, depois de assumir as funções de governante, iria chegar ao ponto de fechar a televisão, pura e simplesmente. Isto aconteceu em Israel, como sabe, que, depois, abriu com um outro nome. Portanto, poderia ter havido esta decisão, a de abrir com um outro nome, com outra empresa, e, desta forma, ir resolvendo da melhor maneira a situação.
Mas o problema que aqui nos traz hoje não é apenas o da RTP -percebo que esteja muito centrado na RTP - mas também o da plataforma digital terrestre, de que falava agora o Sr. Deputado Diogo Vasconcelos, e o de taxar ou não o cabo. E sobre isto, pergunto-lhe: o Governo está ou não disposto a aplicar uma taxa ao cabo? Agora que tem este desenvolvimento, os números que o Sr. Deputado Diogo Vasconcelos aludiu, está ou não disposto a isso? Que regulação vai fazer? Tendo em conta que, em tempos, V. Ex.ª se queixou de que mesmo os privados têm emissões que não comportam aquilo que considera ser razoável do ponto de vista da emissão, que regulação vai fazer? Quando é que V. Ex.ª prevê alterar o contrato de prestação de serviços, aquele que existe, com a RTP? Que tipo de regulação pretende?
Ao ouvi-lo, confesso que, muitas, vezes, fico com a sensação de que V. Ex.ª traz sempre um arquivo de papel - e, já agora, se me permite, é apenas isso que tem, um arquivo de fotocópias, um arquivo de recortes de jornais, mas não tem qualquer ideia sobre isso!
Quanto à comissão governamental que agora nos anunciou, é uma comissão que tem o trabalho praticamente feito; basta ler o que a maior parte dos seus membros, pelo menos nove dos nomes que indicou, têm dito e escrito sobre a matéria. Portanto, o resultado está à vista: essa comissão é praticamente uma falácia!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou. Peço-lhe que conclua.
O Orador: - Para concluir, Sr. Presidente, quero apenas dizer-lhe, Sr. Ministro, que o seu estilo, a sua forma de tentar colocar em contraponto declarações de uns e de outros (de mim também poderia encontrar!) é um teste à arrogância do Governo, é um teste a uma determinada concepção de política cultural do Governo. Eu não sei como é que V. Ex.ª, no futuro (e há pouco, na sua intervenção, aludiu ao ICAM), irá financiar o cinema português! Sei qual era a sua situação quando o PS chegou ao governo, em 1995; sei qual era a possibilidade de termos uma indústria de conteúdos em Portugal, mas V. Ex.ª vai acabar com ela! E isto é grave, muito grave! E, repito, a ideia que tenho de V. Ex.ª, que é um homem determinado, é a de que (perdoe-me a alusão a uma linguagem própria do Primeiro-Ministro nos seus tempos de juventude) essa determinação e essa arrogância não passam de um «tigre de papel», Sr. Ministro.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência, dispondo de 5 minutos.
O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, devo dizer que o Governo, como procurei referir na minha intervenção, e este é um ponto coincidente com as preocupações manifestadas pelos Srs. Deputados Diogo Vasconcelos e José Saraiva, não vê a televisão para trás, procura vê-la para a frente. E aquilo que encontrou foi uma total impreparação da televisão pública para estes novos desafios.
Já se falou da televisão digital, já se falou da internet de banda larga, mas não há um dado, um estudo, um trabalho feito para que a RTP, a televisão pública, ganhe uma personalidade que lhe permita sobreviver diferenciadamente nesse novo contexto em que vai viver a curto prazo. No entanto, há uma constatação que podemos fazer desde já, designadamente no que respeita à televisão por cabo: não se encontra qualquer justificação para que a RTP não tenha já abraçado essa possibilidade.
Temos, por exemplo, uma das televisões privadas, com um arquivo de meia dúzia de anos, na televisão por cabo com um canal, o SIC Gold. Temos a televisão pública, com um arquivo que é um património nacional completamente insubstituível e com uma riqueza extraordinária, para a qual não foi possível encontrar soluções que permitissem que, com essa diferente riqueza, a RTP pudesse já estar hoje na televisão por cabo. É um desafio que não está irremediavelmente
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perdido mas está prejudicado no tempo, pois todos sabemos o tempo que demora a afirmação de canais.
Portanto, aquilo que nos preocupa agora é, de facto, aproveitar esta janela de oportunidade.
Srs. Deputados, a ideia de fechar e abrir a RTP (e este Ministro é muito acusado de pé-de-cabra e martelada!) seria descontinuar a televisão pública. A televisão pública é, para milhões de portugueses, ainda a referência televisiva em Portugal, pelo que fechá-la e abri-la, havendo alguma descontinuidade, poderia provocar danos irremediáveis. Aquilo que procuramos, e procuraremos até ao limite, fazer é esta refundação da televisão pública sem ter de ir ao ponto de a fechar e de a abrir outra vez ao lado, provocando uma descontinuidade. Esta seria uma solução possível, porventura mais fácil, mas quisemos a mais difícil, respeitando os contribuintes e os telespectadores e tendo presente a perturbação maior que representaria para todos os trabalhadores da RTP dizer-lhes: «fechou a RTP! Amanhã, um dia, haverá uma qualquer outra coisa!». Estamos a tentar, e tentaremos até ao limite, que a passagem se faça com a menor perturbação possível no quadro de miséria que nos foi deixado.
Quanto à indústria de conteúdos, deixe-me dizer-lhe, Sr. Deputado José Saraiva, que ela foi morta, porque, como qualquer outra indústria, ela só vive quando é paga. E o Sr. Deputado tem conhecimento, como todos temos, das dívidas e quem é o principal devedor da indústria de conteúdos em Portugal. Foi a RTP que deixou a indústria de conteúdos, desculpe a expressão tão utilizada, de «tanga»! Foi a RTP que, ao não pagar, ao não ter condições de financiar, pagando a tempo e horas, o trabalho feito na indústria de conteúdos, a deixou no estado lamentável em que ela se encontra. Foi a RTP, na última tendência gigantizante de produzir tudo dentro e de não saber ir buscar fora, quando, em muitos casos, poderia e deveria ir buscar fora, que matou espaço de afirmação à indústria de conteúdos.
O Sr. Deputado José Saraiva diz que já decidi por um canal. Eu não decidi nada, Sr. Deputado! O Programa do Governo decidiu.
Não nos vamos esquecer de que houve, primeiro, eleições, e, nessas eleições, os portugueses votaram em programas eleitorais que eram claros, e, segundo, um Programa do Governo, que veio a esta Câmara e que também era muito claro, e foi o Programa do Governo que decidiu, foram os portugueses que sufragaram eleitoralmente este Governo e o Programa do Governo que veio a esta Câmara. Portanto, não há qualquer decisão precipitada tomada por este Ministro; há, isso sim, uma estratégia clara assumida por este Governo, que, desde o primeiro momento, tem dito que um canal generalista de televisão pode e deve admitir intervenções complementares precisamente para, no cabo, preparar, por exemplo, a televisão pública que queremos virada para a frente e preparada para os novos desafios.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados: A oposição anda num virote. Perdeu o Norte e, no que respeita, pelo menos, ao PS, parece que hoje, aqui, também perdeu a decência.
Pouco mais de um mês passou desde o início de funções do Governo e é já incontrolável o nervosismo exibido pelos partidos de esquerda, em particular pelo PS, que o povo português, nas últimas eleições, justamente penalizou com um cura de oposição! Seguramente que em resultado do enorme peso de consciência pelo estado desastroso em que abandonaram a governação do País, os socialistas vêm evidenciando uma terrível ânsia em criar uma sensação de crispação na vida política nacional, esperando com isso desviar a atenção das pessoas da profunda responsabilidade que, por inteiro, lhes cabe na difícil situação que vivemos.
Num frenesim algo caricato, os partidos da oposição desdobram-se em sucessivas acusações, sempre em crescendo, cada dia competindo com a já inútil proclamação da véspera.
Embalados neste jogo do absurdo, cada vez que alguém usa da palavra tem apenas uma preocupação: ser mais contundente que o seu anterior. As acusações, essas, são como as cerejas: primeiro, de falta de democracia; depois, de cultura autoritária; daí saltam para a denúncia de actos ditatoriais; a seguir, surge um apelo veemente à intervenção presidencial, para logo se rematar com a afirmação solene de que existirá um irregular funcionamento das instituições. Nem mais!
Tudo isto profusamente regado por um cocktail nunca visto de inconstitucionalidades, à la carte.
À segunda-feira, são as tenebrosas licenças sem vencimento para quem se recuse injustificadamente a ser colocado num serviço público.
À terça-feira, como o argumento da véspera era pobre, agita-se o espantalho dos despedimentos na função pública.
À quarta-feira, muda-se a agulha e são os grupos parlamentares da maioria acusados de inconstitucionalidades várias, desta vez por quererem resolver ao Governo embrulhadas fiscais que o governo socialista deixara,…
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - … embrulhadas que o próprio Governo afirma querer ver resolvidas.
À quinta-feira, é a violação do princípio da independência da comunicação social - aqui, são os gestores da RTP, no entendimento peregrino das oposições erigidas em guardiões da independência da comunicação social, que são inconstitucionais, inconstitucionais na exacta medida em que pretenderem, com competência e seriedade que lhe reconhecem, cumprir o Programa do Governo aprovado nesta Assembleia.
À sexta-feira, há mais um passo na escalada do absurdo: discutir a proposta do Governo é, em si, inconstitucional. Sim, porque alegar apenas artifícios regimentais sabe a pouco e, não vá o pobre desconfiar, zás, aplica-se-lhe uma inconstitucionalidade, com berraria e muitas «marteladas» à mistura, para disfarçar a falta de convicção.
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No sábado, é o próprio Governo, ou pelo menos o Conselho de Ministros, que é inconstitucional, se não na sua composição ao menos nos seus procedimentos.
Pensaram assim os Srs. Deputados socialistas: então, se o Conselho de Opinião «chumbou» os novos gestores para a RTP, não havemos nós também, representantes eleitos pelo povo, de poder «chumbar» os Ministros e o Primeiro-Ministro?! É certo que acaba por dar em nada!
Mas, enquanto alguns ingénuos se entreterem a tentar encontrar na Constituição um qualquer artigo que ponha em causa a capacidade do Governo para tomar decisões, as pessoas vão-se, ao menos, distraindo do essencial: talvez esqueçam o buraco financeiro das contas públicas e da RTP em particular e, sobretudo, talvez não se lembrem de apontar o dedo a quem tem a responsabilidade pelo descalabro a que se chegou!
O problema, Srs. Deputados, é que, por mais que «martelem» a vossa cassete, ela não passa disso mesmo, de uma cassete.
O estratagema das inconstitucionalidades também tem a sua perversidade. Usado a torto e a direito, como os senhores têm feito, para isto e para o seu contrário, gera nas pessoas uma total desconfiança que só prejudica a credibilidade do vosso papel na oposição. É como a história de O Pedro e o Lobo, já faltou mais para os portugueses deixarem de vos ouvir.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A esta incontinência estratégica das bancadas da oposição vale a pena contrapor uma visão diferente, procurando olhar com outra seriedade para o problema que este Governo herdou no serviço público de televisão.
Desde o 25 de Abril de 1974, a RTP teve apenas oito anos de resultados positivos.
Até 1980, as administrações da empresa, nomeadas por governos provisórios, presidenciais ou do Partido Socialista, deixaram a RTP, à época, com capitais próprios negativos de 254 000 contos e resultados transitados de exercícios anteriores também negativos, no valor de 772 000 contos.
Entre 1980 e 1982, uma nova administração soube recuperar a empresa e inverter a situação. Em 1982, a RTP apresentou uma situação líquida positiva de cerca de 0,5 milhão de contos, após registar resultados positivos de 24 000 contos, em 1980, e de 158 000 contos, em 1981.
Entre 1983 e 1985, sob administrações mais uma vez nomeadas pelos governantes socialistas, a empresa voltou a afundar-se, registando globalmente, nesse período, 2,5 milhões de contos de resultados negativos e regressou à situação de capitais próprios negativos de cerca de 2 milhões de contos.
Por isso mesmo, e com justa causa, que viria, de resto, anos mais tarde a ser confirmada pelos tribunais, a administração foi exonerada pelo primeiro governo do Professor Cavaco Silva.
A situação foi, mais uma vez, corrigida e, nos exercícios de 1986 a 1991, a RTP registou seis anos consecutivos de resultados positivos, num total de mais de 8 milhões de contos.
A meio desse período, mais concretamente em 1988, a empresa liquidou mesmo todos os seus compromissos bancários e conseguiu ainda a libertação dos seus bens anteriormente dados como garantia hipotecária ou penhor mercantil.
Entre 1992 e 1995, fruto do impacto legal e concorrencial da abertura do sector à iniciativa privada e consequente aparecimento no mercado de novos operadores, a empresa cai…
O Sr. António Filipe (PCP): - Cai com uma pequena ajuda! Não diga que ela caiu para o «laranja»!
O Orador: - … para o vermelho nos resultados. Ainda assim, no final de 1995, a RTP apresentava capitais próprios positivos superiores a 4 milhões de contos. Repito: no final de 1995, a empresa apresentava capitais próprios positivos superiores a 4 milhões de contos.
Entre 1996 e 2001, a empresa entrou em colapso.
Os resultados negativos globais são superiores a 190 milhões de contos, pese embora a injecção de 90 milhões de contos de indemnizações compensatórias durante esse período e de mais umas dezenas de milhões de contos em suprimentos de capital. O que quer dizer que os contribuintes apenas pagaram, de momento, uma pequena parte dos custos reais da RTP. Há ainda que suportar e repor o valor negativo de capitais próprios, que ascenderá, em 2001, a 160 milhões de contos, mais coisa menos coisa.
As dívidas à Banca, a curto, médio e longo prazo, e aos fornecedores, pelas quais respondia então um activo de 56 milhões de contos, eram, em 1995, de 46 milhões de contos.
Em 1998, essas dívidas saltaram para 113 milhões: 139 em 1999 e 167 milhões de contos em 2000, enquanto os activos, em igual período, passaram para apenas 86 milhões de contos.
Com os custos de pessoal o percurso é idêntico: 11 milhões de contos em 1995, para 23 milhões de contos em 2001.
Só de 2000 para 2001, os custos globais cresceram de 73 milhões de contos para 90 milhões de contos e os prejuízos passaram de 35 para 55 milhões de contos.
São estes, Srs. Deputados, os números sombrios que fazem o retrato da RTP. Perante eles, temos uma de duas hipóteses: a primeira é a hipótese socialista de deixar correr mais dois anos sobre os seis anteriores de irresponsável falta de rumo para, no fim, fazer um «funeral» definitivo da empresa...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - ... e a segunda hipótese é a proposta que é avançada pelo Governo de não se conformar e tentar salvar a empresa, reconstruindo o serviço público de televisão há muito abandonado, recusando delírios incomportáveis para o erário público e procurando avançar com os pés bem assentes na terra.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
São estas as verdadeiras opções que se colocam, sendo pura perda de tempo fingirmos que há outras.
Que me desculpem o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda, mas é evidente que não vou sequer entrar na vossa solução, que é no fundo a lógica da «terra queimada». «Terra queimada» que os senhores não defendem enquanto um fim em si mesmo, está bom de ver, mas que
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é por vós racional e friamente aceite em nome da destruição política de um modelo que os senhores ideologicamente combatem.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Estão no vosso direito! Felizmente, os senhores têm a liberdade de defender as vossas ideias e a maioria tem a legitimidade democrática para executar o seu programa. É assim a democracia...
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados: Depois de «terem largado o fogo», os socialistas tentam descaradamente impedir a chegada dos bombeiros... Vale a pena interrogarmo-nos porquê.
Como dizia, certeira, aqui, nesta mesma Assembleia, há duas semanas, a Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças, não tem tanto a ver com ignorância nem incompetência, mas antes com uma enorme dose de irresponsabilidade, irresponsabilidade a que eu, neste caso, acrescentaria uma indisfarçável necessidade de afirmação.
Já se percebeu que a actuação da Direcção socialista se vem pautando pela permanente necessidade de exibir uma espécie de prova de vida. Sem renovação de ideias nem de discurso, sistematicamente empurrando para a linha da frente um desfile de ex-membros do governo - em muitos casos com o mau gosto de serem agora na oposição porta-vozes do sector por que foram responsáveis no poder... -, o Partido Socialista refugia-se agora na agressividade e deliberadamente procura uma crispação...
O Sr. José Magalhães (PS): - Aí está a palavra mágica!
O Orador: - ... que possa camuflar a falência das suas convicções.
Ainda por cima com o incómodo de encontrar pela frente um Governo que tem um programa e que não tem medo de tomar decisões para o executar; um Governo que não considera, ao contrário do anterior, que os problemas se resolvem por se esconderem os seus efeitos, antes preferindo atacá-los nas suas próprias causas.
Resolver os problemas do serviço público de televisão vai ser isso mesmo: atacar os erros e os interesses instalados que minaram a RTP, destruindo-a financeiramente e divorciando-a por completo da realização do serviço público a que ela está obrigada.
O modelo que o Governo apresenta no seu Programa - e que o Ministro da tutela teve já ocasião de desenvolver neste Parlamento mais do que uma vez - é sensato, é credível e merece naturalmente o apoio de quem se recusa a mergulhar no abismo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - As resistências têm sido as previsíveis: umas mais legítimas, outras mais primárias e até indecorosas.
Cabe ao Governo saber ouvir sem se deixar impressionar, mantendo sempre os dois objectivos que têm de norteá-lo: salvar a empresa para defender os direitos legítimos de todos os que nela trabalham e criar as condições para a prestação de um verdadeiro serviço público que justifique a aplicação de importantes recursos dos impostos dos portugueses.
Mais do que uma opção, estes objectivos são uma exigência de que não abdicaremos.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, ouvi a sua intervenção, registei a sua preocupação com a «terra queimada» e devo dizer-lhe que essa é exactamente a minha preocupação; creio que o Governo se tem comportado como um grupo de incendiários em matéria fiscal, social e de serviço público.
Vozes do BE: - Muito bem!
O Orador: - E do que nos estamos a queixar nesta interpelação é de «terra queimada», é de dizer que se extingue a RTP e que não se extingue, que continua e que interrompe, que fecha e que não fecha, que sabe tudo, mas que uma comissão vai dizer, desde que diga aquilo que o Governo já sabe mas não diz. Isto é «terra queimada»!!
Mas, Sr. Deputado, há uma questão de coerência, de credibilidade e de decência sobre a qual gostava de ter a sua resposta e tenho a certeza de que a terei: o Governo anunciou-nos a existência de uma comissão de 13 elementos para o assessorar nesta matéria. Concorda comigo, Sr. Deputado, que há incompatibilidades que tornam impossível - repito, impossível - a presença de pessoas nessa comissão se, mesmo sendo grandes profissionais, como são todos, trabalharem para interesses contraditórios e se estiverem interessados no desenvolvimento deste processo?
Faço-lhe a pergunta mais directamente: João David Nunes trabalha para a Média Capital, ou seja, trabalha para a TVI e é um dos nomes propostos para esta comissão. Pergunto-lhe, Sr. Deputado, se não entende que há uma incompatibilidade entre estar nesta comissão, qualquer que seja o ponto de partida, qualquer que seja a posição, qualquer que seja a conclusão, e ter interesses próprios, declarados, específicos, contraditórios com o futuro da RTP. Sim ou não, Sr. Deputado?
Pode haver alguém nesta comissão que represente o interesse na dissolução da RTP? Pode haver alguém que tome parte nesta comissão que esteja interessado num determinado resultado deste processo? Gostava de ouvir, em nome da decência, a sua opinião.
Vozes do BE: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, dispondo para tal de 3 minutos.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, o Sr. Deputado colocou-me
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duas questões, sendo que a primeira foi relativamente à «terra queimada». Vamos então à questão da «terra queimada».
Referi esta expressão, como o Sr. Deputado bem sabe, porque, como já hoje foi referido neste debate, é completamente incompreensível que, embora este partido ao longo dos últimos seis anos tenha assistido àquilo que todo o País assistiu, sabendo, como eu fui sabendo ao longo dos tempos através de algumas (embora poucas, convenhamos!) intervenções do Bloco de Esquerda nesta Assembleia, da gestão ruinosa feita pelos governos socialistas e pelas administrações nomeadas por aqueles relativamente à RTP, não posso chegar a outra conclusão que não seja a de que a vossa posição é de «terra queimada». Face ao que disseram anteriormente, não podendo os senhores concordar minimamente com a actual administração da empresa ainda assim opõem-se ferozmente, sem alternativa, a que uma nova administração seja nomeada para a empresa. A única conclusão a tirar é a de que o que os senhores querem é que a empresa «caia», «caia» na rua e se desfaça e isso para mim é «terra queimada», porque seguramente o Sr. Deputado não está a pensar - como alguns colunistas já glosaram, necessariamente neste caso com humor negro - que seja o Conselho de Opinião, essa entidade que representa interesses corporativos, a assumir a administração directa da empresa.
O Sr. António Filipe (PCP): - É o PSD!
O Orador: - Portanto, se o Conselho de Administração que lá está é falido, já se demitiu e teve uma política completamente contrária aos interesses do serviço público, é evidente que a atitude que os senhores têm tomado de «obstaculizar», por todos os meios ao vosso alcance, a nomeação de um novo conselho de administração para a empresa pela única entidade que legalmente é responsável por isso, que é o Governo do País, é para mim uma atitude de «terra queimada».
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!
O Orador: - E quanto mais tempo durar esta situação mais «queimada» vai ficar a empresa.
Quanto à questão da comissão independente, Sr. Deputado, desde já, para responder com toda a clareza à sua pergunta, devo dizer que não concordo com a asserção que Sr. Deputado fez. E não concordo por uma razão muito simples: não é pelo simples facto de um qualquer cidadão trabalhar para uma determinada empresa, percorrer uma determinada actividade que esse cidadão está diminuído, nem na sua decência, nem na sua independência face ao poder político, nem na sua capacidade e competência para opinar, para dar um parecer relativamente àquela que deve ser uma questão constitucional, que é uma questão em relação à qual todos os portugueses deveriam procurar entender-se: a concretização de conteúdos para o serviço público.
Ou será - coloco-lhe a questão ao contrário - que o Sr. Deputado entende que, então, exactamente pela sua mesma lógica, qualquer pessoa que trabalhe, que tenha trabalhado ou que vá trabalhar para a RTP, qualquer realizador ou produtor de audiovisual que trabalhe ou tenha trabalhado para a RTP está, por esse simples facto, inibido de, na sua decência pessoal (foi o termo que o Sr. Deputado utilizou), contribuir para uma comissão que o Governo indigitou com um único fim, que é o de reflectir e de propor ao Governo aquele que deve ser o conteúdo do serviço público de televisão em Portugal?
Não concordo com esse maniqueísmo de que existe uma «guerra» na sociedade portuguesa entre quem está a favor dos actuais desmandos da RTP e quem está contra. O Sr. Deputado pode pensar que existe essa «guerra», mas eu não; penso que existe um horizonte que carece urgentemente de sinais de sensatez, de sinais de tomadas de decisão que salvem a empresa e que recuperem o serviço público que não existe em Portugal há muitos anos.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, peço-lhe este esclarecimento porque V. Ex.ª falou em «terra queimada» referindo-se também ao meu grupo parlamentar. Como tal, tenho de lhe perguntar o que é que quis dizer com isso, visto que se dirigiu a uma bancada, a do PCP, que nunca teve responsabilidades na gestão do serviço público de televisão, que sempre se preocupou com o serviço público quando eram previsíveis medidas que o lesariam, que, mesmo quando os senhores se calaram, criticou aqui medidas previsivelmente lesivas do interesse do serviço público de televisão e que agora defende o cumprimento da lei e o cumprimento do serviço público nos termos constitucionais.
Depois de tudo isto, V. Ex.ª vira-se para nós e diz que seguimos uma política de «terra queimada»! O Sr. Deputado tem de nos dizer em que é que isto consiste, porque se há «pirómanos» neste processo - e temos a certeza de que há -, seguramente não somos nós!
O Sr. Bruno Almeida (PCP): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado António Filipe, respondo-lhe com muito gosto, salientando que o farei todas as vezes que V. Ex.ª quiser. Na verdade, eu acabei de dar esta explicação em resposta à pergunta que o Sr. Deputado Francisco Louçã me dirigiu,…
O Sr. António Filipe (PCP): - Mas essa explicação nada explicou! Tem de ser outra a explicação!
O Orador: - … mas sempre lhe digo que «terra queimada» é aquilo que o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista vêm defendendo sistematicamente e que o senhor acabou por denunciar na formulação da sua pergunta. Digo-o porque os senhores são os primeiros a reconhecer que a administração que esteve na RTP até este momento é completamente falida e desastrosa, tendo conduzido a empresa para uma situação de descalabro. Contudo,
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mesmo assim, os senhores «obstaculizam» por todas as formas ao vosso dispor a nomeação, por parte do Governo da República,…
O Sr. António Filipe (PCP): - Nós?! Essa agora?! Nós não somos o Conselho de Opinião!
O Orador: - … de um novo conselho de gestão da RTP.
Se calhar, o senhor entende que podia haver uma autogestão da empresa, porventura através da comissão de trabalhadores. Na realidade, ideologicamente, o senhor pode defender muitas soluções, mas, para mim, deixar sem administração uma empresa que está em falência técnica é política de «terra queimada», sendo os trabalhadores da empresa e os contribuintes portugueses, aqueles que vão pagar as responsabilidades, os primeiros a reconhecê-lo quando lhes começarem a cair em cima as consequências dessa lógica sem esperança e sem futuro que os senhores vêm defendendo nos últimos tempos para a RTP.
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!
O Sr. Bruno Almeida (PCP): - Os senhores é que vêm de «archote» na mão!
O Sr. António Filipe (PCP): - Comparado com o que os senhores propuseram em 1996, isto não é nada!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Maria Carrilho.
O Sr. Manuel Maria Carrilho (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, permita-se-me um ponto prévio à intervenção que tinha previsto fazer, tantas foram as referências aos meus artigos e trabalhos. Este esclarecimento não deveria ser necessário, uma vez que penso ser claro para todos que um é o registo da opinião, do pensamento próprio de cada um de nós e outro é o da nossa identificação com plataformas partidárias a que, em cada momento, aderimos.
Este é um esclarecimento que me sinto obrigado a fazer, sobretudo tendo em conta as múltiplas referências que o Sr. Ministro da Presidência fez aos meus trabalhos. Reparei, contudo, que na maior parte dos casos o Sr. Ministro recorreu a fotocópias - espero que não sejam «piratas» e contrárias à lei -, razão pela qual, em breve e com todo o gosto, oferecerei edições autografadas dos meus livros ao Sr. Ministro, como, aliás, fiz a muitos dos seus colegas de partido que mo pediram.
O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Se há traço que os primeiros tempos de um governo deixam sempre claro é o que mostra se se trata de um governo capaz de construir o futuro ou de um governo que se limita a parasitar o passado. O mês e meio que passou sobre a entrada em funções do actual Governo tem mostrado, e eloquentemente, qual a sua opção central: o Governo limita-se a ser contra, obsessivamente contra, não se lhe conhecendo até hoje contrapontos estratégicos virados para a construção do futuro.
O serviço público de televisão é bem ilustrativo desta lamentável opção. Trata-se de um serviço extraordinariamente importante para o País. Quando hoje os portugueses vêem televisão mais de três horas e meia por dia, quando, ao nível lusófono e internacional, estamos a falar de dezenas de milhões de espectadores, não podemos ignorar o poder de formação ou de deformação, de informação ou de condicionamento, de enriquecimento ou de empobrecimento pessoal e colectivo que, de um modo estreito, se ligam à oferta televisiva. E este é o ponto decisivo: o de saber qual é, qual deve ser o papel do serviço público de televisão no desenvolvimento, na modernização e na qualificação do País.
E aqui as duas questões essenciais são muito simples: a primeira é a de saber se a oferta que os operadores privados propiciam corresponde ou não àquilo a que os cidadãos têm direito. A nossa resposta, como a de toda a União Europeia, é clara: a cidadania tem exigências que o mercado não satisfaz…
O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Muito bem!
O Orador: - … e por isso é preciso dotar o País de um serviço público de televisão forte, complementando a oferta privada em termos de entretenimento, de formação e de informação, com mais qualidade e mais diversidade.
O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!
O Orador: - A segunda questão é a de saber como é que se pode fazer isto. E aqui a resposta, política sem dúvida, mas fortemente escorada em dados técnicos inquestionáveis, é a de que isto se pode fazer desde que se disponha, pelo menos, de dois canais generalistas, um dos quais de vocação mais minoritária, dirigido para públicos específicos cujos direitos devem ser respeitados e cuja especificidade deve ser estimulada, porque é dela que depende a diversidade nacional, sendo aqui a grelha composta de espectáculos culturais ou de desportos alternativos, de programas de matriz religiosa ou de intenção educativa, de debates mais sectoriais ou de documentários, entre muitos outros.
O outro canal tem de ser um canal que vise o grande público, que seja naturalmente concorrente sem ser mimético; bem pelo contrário, que seja uma âncora e um estímulo para as exigências da formação para a qualidade do entretenimento e para o pluralismo da informação.
O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!
O Orador: - Fiquemos pelo pluralismo informativo. Se excluirmos os telejornais - e mesmo estes, com a complacência das autoridades, quantas vezes não são transformados em autênticos reality-shows? - e a atenção de alguns momentos como os eleitorais, onde está hoje o pluralismo televisivo nos operadores privados? Há quantos meses, diria quase há quantos anos, se exceptuarmos as circunstâncias referidas, não há um debate sobre qualquer tema de relevo para a nossa vida colectiva nos canais privados? Há hoje uma lição a tirar, como, de resto,
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tem acontecido por toda a Europa. Esta conclusão é a de que, como de resto sabemos por experiência própria, quando há concorrência com um serviço público de televisão forte as privadas revelam-se mais criativas e com mais qualidade. E o que o Governo se prepara para fazer é acabar com a concorrência, criando uma intolerável situação de «duopólio» no sector.
Já que muitas vezes se falou aqui da publicidade e das minhas posições pessoais e das posições do Partido Socialista quanto à mesma, queria dizer e sublinhar que é totalmente diferente perspectivar um serviço público sem publicidade ou com diminuição gradual de publicidade, numa óptica que tenha como modelo os grandes paradigmas de serviço público europeu como a BBC, ou pensá-lo numa lógica de demissionismo do Estado, como a que tem vindo a ser assumida, não tendo por exemplo a BBC mas, sim, a Lituânia, não a Europa, mas, sim, a América do Sul!
O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!
O Orador: - Eliminar um canal é acabar com o serviço público de televisão por uma razão simples, que não é ideológica nem política. É por uma razão técnica, já que se sabe que não é possível fazer uma grelha de serviço público sem a complementaridade que só dois canais propiciam. Pretender fazer um serviço público de televisão com um só canal é - permitam-me a metáfora - o mesmo que pretender que a nossa selecção dispute o Campeonato Mundial de Futebol com uma equipa de seis ou sete jogadores!
O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!
O Orador: - Um pretenso serviço público de televisão de um só canal fica preso na seguinte tenaz: ou é um canal de vocação minoritária, de audiências naturalmente reduzidas, e então é o grande público que fica refém da lógica de «telelixo» que, como todos sabemos, a guerra das audiências impõe hoje às privadas; ou é um canal idêntico aos outros, que participará nesta guerra com os mesmos resultados, não se percebendo o que o País ganha se, em vez de dois, tiver três canais iguais, cuja concorrência apenas conduzirá à degradação e ao empobrecimento da oferta televisiva; ou será um canal «esquizofrénico», tão «esquizofrénico» que nunca ninguém tentou sequer fazê-lo, porque teria de propor uma grelha tão errática e incoerente como o seriam os seus mais do que improváveis e mais do que residuais públicos.
O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta é a situação e é perante ela que hoje nos devemos pronunciar com clareza. E clareza só pode significar uma serena e exigente avaliação do serviço público de televisão que temos, para decidirmos bem o que é preciso fazer para o futuro.
Era exactamente isto que se esperava do novo Governo: que, naturalmente, criticasse o anterior executivo pelo que ele devia ser criticado - sem dúvida, pelo subfinanciamento crónico a que submeteu a empresa, situação que se mantém desde que, em 1992, o governo de então insensatamente eliminou a taxa de televisão. Mas também seria de esperar que o Governo reconhecesse o meritório trabalho de serviço público que a RTP, certamente com erros, tem, contudo, prestado ao longo dos anos. Esperava-se que o Governo fizesse uma pedagogia de verdade, lembrando, por exemplo, que o serviço público de televisão (que o Sr. Ministro acabou de dizer insensatamente que não existe) não é o Canal 1 - que o faz, de resto, e a vários títulos com excelência, nomeadamente no domínio informativo -, mas que o serviço público de televisão é o Canal 1, o Canal 2, a RTP África, a RTP Internacional e os canais regionais. É isto que é o serviço público de televisão.
Esperava-se também uma pedagogia exigente, a pedir mais produtividade e melhores resultados, mais criatividade e melhor oferta televisiva para os cidadãos. Esperava-se, sobretudo, do Governo uma avaliação rigorosa, serena, ponderada e eficaz da reestruturação que, coordenada por uma task force da Direcção-Geral do Tesouro, desde o segundo semestre de 2000 estava em curso, sendo que então se poderia reorientar ou inflectir, se fosse o caso, mas reconhecendo os dados essenciais do trabalho feito. Reconhecendo, por exemplo, que, neste período, a nível de contratos de trabalho, se reduziu em 372 o número de trabalhadores da RTP, sendo de 628 - como, de resto, há pouco o Sr. Ministro referiu - o total de vínculos de diversos tipos de colaboração que cessaram. Num universo de cerca de 2000 trabalhadores, parece-nos que este é um dado extraordinariamente relevante.
Esperava-se que o Governo referisse que o valor total que a empresa despendeu em remunerações e pessoal no ano 2001 foi, apesar dos aumentos da tabela, de menos 230 000 contos em valores absolutos, o que significa uma redução de mais de 500 000 contos. Esperava-se que fosse referido que as horas extraordinárias diminuíram neste último ano cerca de 27%, significando uma redução da despesa de 370 000 contos; que os lugares de chefia e equiparados diminuíram de 182 para 109; e que foi feito um levantamento rigoroso da dívida do Estado à empresa RTP desde 1993, correspondendo os valores de serviço público prestado nesse período e não pago a 120 milhões de contos, números certificados pela Inspecção-Geral de Finanças.
Era destes elementos e certamente de outros que se esperava que a tutela falasse, enquadrando-os num esforço de reestruturação e de redimensionamento da empresa que, provavelmente, deveria ser ainda maior. Por isso se esperava também clareza e verdade quanto ao facto de o custo do serviço público de televisão em 2001, apurado no relatório e contas de 2001 que o Sr. Ministro já conhece há muito tempo, ter sido de 39,5 milhões de contos, nos quais se integram cerca de 6 milhões de contos relativos à reestruturação, nomeadamente aos custos com rescisões de contratos de trabalho, pré-reformas e complementos de reforma. Ou seja, no que diz respeito ao futuro, se se tivesse continuado o trabalho de reestruturação em curso, e uma vez que o Estado repusesse o equilíbrio da empresa pagando o que, de acordo com a Inspecção-Geral de Finanças, efectivamente lhe deve desde 1993, o serviço público de televisão teria um custo público inferior a 40 milhões de contos/ano, isto é, menos de 0,4 de esforço público do Orçamento do Estado.
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O Governo, contudo, em vez de partir destes patamares para, pensando no País, o dotar do serviço público de que precisa, optou por outra via. Via que é fácil de caracterizar por três palavras: embuste, vazio e autoritarismo. Embuste quanto à situação financeira porque permanentemente distorce, manipula e inventa números que se adequam aos seus objectivos, ignorando todos os outros. Um exemplo: há pouco, o Sr. Ministro falou do custo da grelha da RTP, comparando-o com o custo das grelhas dos privados e dizendo que o primeiro é de 29 milhões de contos, sendo o das segundas de 18 milhões de contos. O Sr. Ministro está a esquecer-se de que o custo relativo à RTP corresponde à grelha de seis canais que emitem 46 875 horas por ano e não apenas as 8000 horas por ano que emite cada uma das privadas. Esquece ainda o Sr. Ministro que o custo/hora é muito menor na RTP do que nas privadas, mas este embuste dá-nos o retrato constante de um Ministro irresponsável!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Vazio quanto à estratégia para o sector, uma vez que assume não saber nem o que é o serviço público de televisão, nem o que vai fazer ao canal que quer eliminar, a não ser que se queira, como disse o Primeiro-Ministro em Fevereiro, alienar em diálogo com os privados. Nada se diz, mais uma vez, sobre o que se vai fazer ao canal que se pretende extinguir. Não nos é dito se se vai simplesmente fechá-lo, se se vai aliená-lo e, nesse caso, como ou se se vai privatizá-lo. Este vazio dá-nos um segundo retrato, o de um Ministro impreparado e incompetente.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Neste caso, só espero que o Sr. Ministro, além de muitos outros, continue a ler também os meus livros!
Não admira, pois, que o retrato se complete com os traços autoritários que são hoje a única evidência pública do seu perfil político. O perfil de quem, em vez de construir, só quer destruir, de quem só tem para oferecer ao País a reiterada confissão da sua própria incompetência. Neste caso, resta-lhe, naturalmente, refugiar-se em tiques autoritários.
É altura, Sr. Ministro, permita-me que lho diga muito francamente, de corrigir a rota. Oiça o que diz o Conselho de Opinião, oiça o parecer da Alta Autoridade para a Comunicação Social, oiça a opinião do Bastonário da Ordem dos Advogados, oiça as preocupações da Igreja, oiça tantas e tantas personalidades nacionais e estrangeiras que o podem aconselhar e leia os muitos relatórios e pareceres de que dispõe. Pode ler, por exemplo, o relatório que, em 2000, a McKinsey fez para a BBC, onde se comparam 24 serviços públicos e onde aquela empresa é absolutamente clara quanto às conclusões que tenho vindo aqui a anunciar. É um relatório feito pela McKinsey, em 2000, para a BBC.
Mas oiça sobretudo os portugueses, Sr. Ministro! Como as recentes sondagens claramente indicam, é o público que está a defender o serviço público de televisão, são os portugueses que dizem que não querem ser privados do pluralismo e da diversidade que lhes dão garantias de um serviço público de televisão isento. O Governo não pode pôr cada vez mais evidentes razões ligadas a negócios privados à frente do interesse público. A sua obrigação, o seu vínculo constitucional é com uma televisão que tem de ser, cada vez mais, a televisão dos cidadãos.
Se for essa a opção do Governo, encontrará certamente uma compreensão alargada dentro e fora deste Parlamento. Se não o fizer, será certamente responsável, e o único responsável, por uma situação de grande gravidade, em que a nossa vida colectiva será empobrecida, as minorias serão ignoradas, as maiorias serão controladas, o pluralismo será estrangulado, a democracia poderá ser condicionada, a coesão social atingida, a soberania marginalizada, a identidade nacional enfraquecida e a Europa esquecida.
É esta a alternativa: entre um «telenegócio» de contornos suspeitos e uma televisão dos cidadãos. A nossa escolha é clara, esperamos que a do Governo também seja!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Manuel Maria Carrilho, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia, que dispõe de 3 minutos.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr. Deputado Manuel Maria Carrilho, começo por cumprimentá-lo pela forma serena e, agora, pouco crispada, com que fez a sua intervenção. É uma novidade na sua bancada e não posso deixar de o saudar por isso,…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Estão a aprender!…
O Orador: - … ainda que o conteúdo da intervenção, em si, tenha demonstrado alguma crispação e algum toque até de autoritarismo ou de arrogância intelectual. Mas, Sr. Deputado: «presunção e água benta, cada um toma a que quer», portanto também não vamos entrar por esse caminho, nem preocuparmo-nos com isso.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
Protestos do Deputado do PS Joel Hasse Ferreira.
O Orador: - Devo dizer-lhe, de resto, que há uma coisa que lhe reconhecemos: o Sr. Deputado é especialista em dizer tudo, em dizer o contrário de tudo o que disse antes, em dizer tudo e o contrário de tudo o que disseram os seus colegas de partido,…
O Sr. Acácio Barreiros (PS): - E você repete tudo o que o Ministro diz! É especialista nisso!
O Orador: - … e é especialista ainda numa outra coisa, e esta é uma justiça que lhe faço: o Sr. Deputado é especialista, até mesmo,…
Protestos do Deputado do PS Joel Hasse Ferreira.
Não é consigo, Sr. Deputado Hasse Ferreira! É com o Deputado Manuel Maria Carrilho! Desculpe lá!
Protestos do Deputado do PS Joel Hasse Ferreira.
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Dizia eu que o Sr. Deputado é especialista até em fazer uma coisa…
Protestos do Deputado do PS Joel Hasse Ferreira.
Não é consigo, homem! É com o Deputado Manuel Maria Carrilho!
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Não é comigo, mas está a perturbar a bancada toda!
Risos do CDS-PP e do PSD.
O Orador: - Dizia eu que o Sr. Deputado é especialista até em fazer uma coisa extraordinária, que é desautorizar todos os secretários-gerais do seu partido.
Aliás, já conhecíamos esse seu talento do passado e ontem ficámos a saber que está disposto e capaz de o exercer novamente, e com grande veemência, em relação ao novo Secretário-Geral do Partido Socialista.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - E, Sr. Deputado, compreendendo esse seu estilo e essa sua capacidade de filosofar sobre esta matéria, mas aquilo que quero perguntar-lhe é se o Sr. Deputado conhece o programa eleitoral do Partido Socialista e, se o conhece, o que é que lhe fez. Designadamente, gostava de saber se o deitou fora, porque eu, sinceramente, com a maior consideração que tenho pelo vosso partido e pela sua bancada, não o deitei fora. E não só não o deitei fora como o li com a maior das atenções!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Leu, mas não deve ter percebido!
O Orador: - Ora, aquilo que vejo no programa eleitoral do Partido Socialista são frases como: «o respeito pela actividade dos operadores comerciais» ou «não privatizar, porque isso afectaria negativamente a estabilidade desses mesmos operadores comerciais». No fundo, frases que demonstram uma enorme preocupação com os operadores comerciais bem distante daquilo que o Sr. Deputado nos diz, agora, que o seu partido, às vezes, insinua e que já passou por algumas intervenções vossas que têm a ver, inclusivamente, com a célebre questão do «telenegócio».
Mas não basta filosofar, é preciso dizer o que se quer! E o que lhe pergunto é se o «telenegócio» tem a ver com a publicidade ou não tem. Nós precisamos de saber isso, porque, se tem a ver com a publicidade, queremos saber que responsabilidades é que o Sr. Deputado assume nessa matéria. Isto porque o que nós sabemos do vosso programa é que os senhores querem acabar com a publicidade e querem um financiamento exclusivamente público. Está aqui, neste jornal - «PS quer o fim da publicidade» -, com declarações suas!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Telmo Correia, o seu tempo esgotou-se. Peço-lhe para concluir.
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Portanto, Sr. Deputado, responda-nos, concretamente: os senhores querem ou não querem reintroduzir a taxa? Os senhores querem ou não, como estava no vosso programa, um único canal, com emissão internacional, em vez da RTP Internacional e a RTP África, como o Sr. Deputado disse, há pouco, daquela tribuna?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Pois é, esqueceu-se!
O Orador: - É preciso dizer o que se quer e é preciso ter uma proposta! Tudo o resto é filosofia...!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - É conhecida a expressão de que se calhar «não vale a pena filosofar demasiado com o estômago vazio». Mas a RTP não é um «estômago vazio», é uma empresa falida, o que é ainda mais grave!
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Maria Carrilho, que dispõe de 3 minutos.
O Sr. Manuel Maria Carrilho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Telmo Correia, não vou responder à primeira parte da sua intervenção, porque dela deduzo que o Sr. Deputado não sabe o que é uma coisa e o seu contrário, e isso é algo que, francamente, acho que já é um pouco tarde para conseguir aprender.
De qualquer maneira, se quiser fazer a prova documental do que disse, naturalmente que fico à espera que o possa fazer.
Vozes do CDS-PP: - Esta é a parte da «presunção»! Só lhe falta a «água benta»!...
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, por favor, não pode haver diálogo!
O Orador: - Quanto à segunda parte da questão, relativa ao programa eleitoral do Partido Socialista, vejo que o Sr. Deputado não o leu com atenção, porque lá estão escritas, muito claramente, quais são as nossas opções. Ou então, se leu, não percebeu!
E deixe-me dizer-lhe algo de muito claro, sobre esta questão da suspeita do «telenegócio»...
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Aqui já não é «suspeita», é verdade!
O Orador: - Hoje, já foram referidos dois aspectos pela sua bancada e pela do PSD: um, que quando a publicidade foi reduzida dos doze minutos para os sete minutos e meio, isso tinha a ver com o negócio com privados. Não tinha! Foi explicitamente…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso foi o Arons de Carvalho!
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O Orador: - Não, não é um negócio!
Há uma diferença muito grande entre querer manter secreto aquilo que se quer fazer, e que se negociou provavelmente com privados (como está a fazer o actual Governo), e declarar claramente que o mercado nacional e a situação das televisões exigem que se pondere o equilíbrio, como aconteceu na altura em que foi alterada a lei da publicidade. Uma maneira é clara, explícita e pública, a outra maneira é secreta, duvidosa e, provavelmente, perversa. Esta é a grande diferença entre o que os senhores estão a fazer e o que nós fizemos!
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Ah! Já está crispado outra vez!
O Orador: - Tal como aconteceu com a produção audiovisual de cinema, que foi claramente assumida pelo governo do Partido Socialista no que diz respeito quer às articulações com a televisão pública, com quem houve protocolos, quer às articulações com a televisão privada.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Ah! Já está de dedo espetado!
O Orador: - E se hoje há - o Sr. Ministro devia sabê-lo e os Srs. Deputados também - uma produção de cinema com a dimensão, a intensidade e a regularidade que existe, com uma produção de dezasseis filmes este ano (e não seis como quando o Partido Socialista chegou ao poder), isso deve-se justamente a esse esforço e a essa política integrada, que está bem longe daquilo que o Sr. Ministro afirma. O Sr. Ministro não faz ideia nenhuma do que disse quando se referiu à indústria de conteúdos...!
Protestos do CDS-PP.
Por isso lhe digo: a nossa posição é clara! Está aqui, no programa eleitoral!...
Protestos do CDS-PP.
Vou ler, apenas, as duas frases centrais: «O Estado, enquanto accionista,»…
Protestos do CDS-PP.
Vozes do PS: - Oiçam! Oiçam!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, por favor, façam silêncio, para se poder ouvir o orador!
O Orador: - «O Estado, enquanto accionista, deve proceder…» - que é algo de que o Ministro e as bancadas de apoio não gostam de falar, porque nós assumimos, justamente, isto - «… ao saneamento do passivo acumulado pela empresa desde 1992 e garantir o financiamento estável, adequado e atempado da RTP». Isto foi o que o Partido Socialista assumiu,…
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Não foi só isso!
O Orador: - … bem como a redução gradual da publicidade, como eu referi há pouco, tomando por paradigma aquilo que são, reconhecidamente, casos exemplares da televisão pública europeia.
Aplausos do PS.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Peço a palavra para defesa da honra da bancada, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Em que é que considera agravada a honra da bancada, Sr. Deputado?
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Manuel Maria Carrilho acusou a bancada do Partido Social Democrata de estar a esconder um «telenegócio» aos portugueses. Ofensa maior não pode haver! Nós temos transparência na nossa actuação!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Manuel Maria Carrilho, é realmente incrível a leviandade com que V. Ex.ª faz uma acusação ao PSD e ao Governo nesta matéria!
O Sr. Deputado leu, com certeza (penso que não lê só os seus livros), o livro do Sr. Deputado Arons de Carvalho. Nele, o Sr. Deputado Arons de Carvalho descreve como é que foi feito este «telenegócio» de os senhores «subsidiarem» as privadas, acabando com a publicidade no Canal 2 e reduzindo a publicidade no Canal 1.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Seis anos depois!
O Orador: - Explica que foi por pressão do Sr. Dr. Carlos Monjardino e do Sr. Dr. Francisco Balsemão, recebidos pelo Primeiro-Ministro Eng.º António Guterres, e queixa-se (o Sr. Deputado Arons de Carvalho) que teve de aceitar esta sujeição a que o Sr. Primeiro-Ministro o subordinou. Foi esta a razão por que a televisão perdeu 3 milhões de contos, a favor da pressão que foi feita por estes dois senhores. E o Sr. Primeiro-Ministro, que era suposto defender os portugueses, cedeu à pressão desses dois agentes privados de televisão.
Vozes do PSD: - Exactamente!
O Orador: - Quanto à transparência, declara ainda o Sr. Deputado Arons de Carvalho que o que se disse aos portugueses para ter deixado de haver publicidade no Canal 2 e para reduzir o plafond da publicidade no Canal 1 foi o seguinte: foi Bruxelas que impôs que a televisão pública não tivesse publicidade ou a reduzisse, e que deixasse isso, em nome da concorrência, aos privados. Foi esta mentira!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exacto! E seis anos depois é que vem dizer!
O Orador: - É esta transparência que o senhor quer?!
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Este Governo não tem essa falta de transparência, não tem essa ocultação, não mente aos portugueses. O Governo diz a verdade, sabendo que a verdade vos dói, mas é a verdade que temos de dizer aos portugueses!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Maria Carrilho, que dispõe de 3 minutos.
O Sr. Manuel Maria Carrilho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, nesta resposta terei de repetir provavelmente algum aspecto que não tenha sido compreendido daquilo que eu disse há pouco.
Acho que vai sendo tempo, talvez, de o Partido Social Democrata deixar de gastar grande parte do seu tempo a fazer a hermenêutica dos textos do Partido Socialista e dos seus autores. Parece que descobriram, agora, um filão! Passam o tempo nisto!...
Devo dizer, aliás, que o meu editor já me informou que as vendas têm aumentado nos últimos tempos... Eu agradeço...
Risos do PS.
... e provavelmente o Dr. Arons de Carvalho dirá o mesmo!
Já agora, permitam-me uma promoção: se os Srs. Deputados lessem com atenção não só o caso que citou o Dr. Arons de Carvalho como eu próprio, veriam que a explicação que foi dada não é efectivamente essa!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Ó diabo!?...
O Orador: - Sabe? Eu não tenho quaisquer complexos em falar de boas relações com a televisão pública e com as televisões privadas, porque foi sempre tudo muito claro!
Protestos do PSD.
E o que nós dizemos, hoje,…
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - E quanto é que pagava pelos telefilmes à SIC?
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, por favor, deixem ouvir o orador.
O Orador: - Ó Sr. Deputado...!, o senhor tem mesmo dificuldade em compreender o serviço público! O serviço público de televisão deve ser subsidiado por um ministério?!... O Sr. Deputado tem a noção do que está a dizer?!...
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Tenho, tenho!!
O Orador: - Pergunta-me por que é que não dei subsídio à televisão pública?!... Um serviço público que é financiado pelo Estado deve ser objecto de apoio de certos ministérios?!... O senhor não sabe o que está a dizer! É patético!!
Risos do PS.
É mesmo patético!!
Aplausos do PS.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Só V. Ex.ª é que sabe!
O Orador: - Portanto, é óbvio que os acordos deviam ser como foram feitos ainda no meu tempo com a SIC e depois com a TVI, uma vez, dentro de um critério absolutamente…
Vozes do PSD: - Ah! Já…
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, por favor, já é a terceira vez que lhes peço para deixarem ouvir o Orador!
O Orador: - Têm dificuldade em perceber uma parte e não gostam da outra, Sr. Presidente, portanto terá de permitir alguma paciência na explicação...
O Sr. Presidente: - Esse é um aspecto sobre o qual não me pronuncio, Sr. Deputado.
O Orador: - Lembro apenas que esses acordos foram sempre muito claros, tendo sido objecto de protocolos públicos.
Quero aqui dizer, muito claramente, que a suspeita que nós hoje lançamos e a suspeita que manteremos até conhecermos a decisão do Governo sobre o que vai fazer ao canal que extingue - e veremos, depois de sabermos, o que diremos - é que há um negócio por trás. Porque em caso nenhum dos que os Srs. Deputados da bancada de apoio ao Governo referiram houve secretismo!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não?!...
O Orador: - Foi tudo absolutamente claro, e foi tudo feito em função do desenvolvimento do mercado do audiovisual, que se fez como em nenhuma outra época anterior.
Daqui a um ano, Sr. Ministro, estaremos aqui a avaliar o que é a produção de cinema, o que é a produção de longas e curtas metragens e o que é a produção de ficção. Daqui a um ano, estaremos aqui a avaliar os resultados do que agora se anuncia, porque nós estamos muito orgulhosos por aquilo que neste domínio se fez nos últimos anos!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Bem podem estar!
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - E do passivo não?…
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Manuel Maria Carrilho, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Vasconcelos.
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O Sr. Diogo Vasconcelos (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Maria Carrilho, o governo socialista criou, em 1998, em sede de Conselho de Ministros, um Conselho Superior para o Audiovisual e Multimédia. Creio que o objectivo deste Conselho era promover uma política integrada para o audiovisual e multimédia - o que faz, aliás, todo o sentido.
Neste âmbito, gostaria de perguntar ao então Sr. Ministro - a quem foi delegada, pelo Conselho, a presidência deste órgão de coordenação interministerial, e portanto a liderança do mesmo - quantas reuniões foram realizadas, se é que alguma vez foi realizada alguma, e qual o resultado prático do trabalho deste órgão.
A segunda questão que gostaria de lhe colocar é a seguinte: o Sr. Ministro criou, em 1999, a empresa Conteúdos, S. A., uma empresa privada, de capitais exclusivamente públicos, com o objectivo de fazer participações de capital em empresas na área do multimédia e da televisão.
Entretanto, deu o dito por não dito, disse que a criação desta empresa tinha sido meramente virtual, e o Presidente desta empresa, Dr. José Carlos Costa Ramos, que por acaso era também o Presidente do ICAM, em face deste episódio lamentável, acabou por pedir a demissão.
Esta empresa foi criada num contexto em que o Sr. Deputado (então Ministro) tornou público um protocolo de produção de diversas séries com uma das televisões privadas que tanto «diabolizou» na sua intervenção mais recente.
Assim, Sr. Deputado, gostaria de perguntar-lhe por que é que, apostando tanto e prezando tanto o serviço público, teve a preocupação pública e declarada de privilegiar escandalosamente um canal privado na relação entre o Ministério da Cultura e o sector do audiovisual. Por que razão preferia esse canal? Era porque a RTP não lhe dava o protagonismo que achava merecido?
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Maria Carrilho.
O Sr. Manuel Maria Carrilho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Diogo Vasconcelos, eu já há pouco, na sua intervenção - que apreciei, devo dizer -, senti que tem uma grande dificuldade em compreender o que é o serviço público, nomeadamente tendo em conta os exemplos que multiplica em relação às potencialidades da televisão por cabo, que todos reconhecemos, no entanto, se conhecesse a lei da televisão, que ainda não foi mudada, veria que ela estabelece que o serviços público é universal. E basta isso para o exemplo da televisão por cabo, neste particular, não poder ser, naturalmente, um exemplo correcto a ser enfatizado.
Em relação à questão colocada pelo Sr. Deputado sobre o Conselho Superior do Cinema, do Audiovisual e do Multimédia, quero, muito brevemente, dizer que ele foi, efectivamente, criado no ano 2000, tendo ainda reunido diversas vezes na altura em que eu era titular do Ministério da Cultura. Existem actas dessas reuniões que, naturalmente, poderão ser solicitadas pelo Sr. Deputado, ao abrigo das suas actuais funções de Deputado. No entanto, não lhe posso dizer o que se passou depois da minha saída do governo. Tratava-se de um conselho que tinha funções de coordenação nessa área, cujo resultado, penso, seria bom o Governo poder avaliar neste momento.
Quanto à questão que colocou sobre a empresa de conteúdos, que muitas vezes foi falada - e percebo por que é que os senhores gostariam de falar mais... -, devo dizer que se tratou de um projecto que não foi levado avante porque, depois de uma cuidada avaliação, se concluiu não se justificar. Esse foi o motivo pelo qual esse projecto não foi para a frente, porque, no meu entendimento, como exarei em despacho, duplicava funções existentes e que ICAM podia perfeitamente satisfazer. Percebo que certas pessoas, que não gostam de duplicações de funções, lamentem que num caso elas não tenham sido realizadas. O Sr. Deputado, de resto, conhece a história...!
Em relação à SIC Filmes e ao protocolo que se fez com ela para a produção de telefilmes, quero dizer que se trata de uma empresa de capital de risco, através da qual o Ministério da Cultura decidiu impulsionar este sector, tendo o protocolo sido feito ao mesmo tempo que se desenvolviam, como, de resto, também sabe, contactos com outro operador privado.
Como já tive ocasião de explicar, nunca me pareceu próprio nem adequado às funções do Ministério da Cultura nem de qualquer outro ministério que houvesse protocolos de financiamento de uma empresa pública que já deveria ser objecto de financiamento público. De resto, tem na sua bancada a Sr.ª Deputada Maria Elisa, que conhece bem as minhas posições sobre esta matéria e que, na altura, pode acompanhar alguns dos seus desenvolvimentos.
Portanto, foi tudo muito claro. As relações com o operador público têm uma natureza e as relações com os operadores privados foram conduzidas em plano de igualdade e, naturalmente, os protocolos celebraram-se com os dois, realizando-se apenas em momentos diferentes, como sabe.
Aplausos do PS.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, pretendo apenas saber se este debate é uma interpelação ao Governo actual ou ao governo anterior.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a sua pergunta é, manifestamente, dialéctica. A resposta é óbvia!
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.
O Sr. Bruno Dias (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A história recente do serviço público de televisão em Portugal, infelizmente, tem sido pródiga em situações de impasse, erros estratégicos e golpes profundos na RTP e no serviço que lhe compete prestar ao País. No entanto, raros terão sido os momentos em que tenha estado em causa uma viragem tão negativa e uma ameaça tão séria ao futuro do serviço público.
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O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Bem lembrado!
O Orador: - Perante a grave situação económico-financeira que a RTP atravessa, as orientações do Governo são proclamadas sem qualquer estudo ou análise que as sustente e sem uma explicação que demonstre o seu fundamento - se é que ele existe...
Para o Governo, tudo se resume a um princípio basilar: acabe-se com um dos dois canais da RTP na emissão em aberto. Aliás, a deliberação do Conselho de Ministros é clarificadora nas decisões tomadas: seja criada «outra coisa» no lugar da RTP, «uma nova empresa pública de televisão, que assegure a emissão de um canal generalista». Para o PCP, tais orientações configuram claramente o intuito de aplicar um rude golpe contra a viabilidade de um serviço público de televisão coerente e efectivo.
A argumentação do Governo para as medidas anunciadas é, também nesta matéria, a repetição do costume: o estado em que encontraram, neste caso, a RTP.
O que se pretende ocultar é que os problemas estruturais que a RTP vem atravessando resultam directamente das opções políticas de sucessivos governos, a começar principalmente pelos governos PSD, entre cujos membros, na altura, estavam nomes e figuras que agora voltamos a ver na bancada do Governo.
Foram os mesmos - e não outros! - os responsáveis políticos pelo fim da taxa de televisão, sem qualquer contrapartida financeira para a RTP; foram os mesmos - e não outros! - que decidiram a expropriação da RTP da sua rede de transporte e difusão de sinal. O papel de «outros» - neste caso os governos PS - foi o de não resolver o problema estrutural, agravando-o até em alguns aspectos, tal como o PCP na altura denunciou, quanto à diminuição da publicidade na RTP 1 e o seu fim na RTP 2.
Não teremos, seguramente, um debate sério sobre o serviço público de televisão e sobre a RTP e os seus problemas enquanto os destacados responsáveis forem apresentados como potenciais e providenciais salvadores.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!
O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Por diversas ocasiões, o Governo tem apresentado as suas opções políticas com a justificação de pretender salvar a RTP. No entanto, se confrontarmos essas mesmas orientações do Governo, bem como as suas mais que previsíveis consequências, com a afirmação deste tipo de justificações, ficamos com a desconcertante imagem de uma faca que se encosta ao pescoço, enquanto se ouve dizer: é com esta faca que, agora, te vou salvar.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O que está verdadeiramente em causa é muito mais do que a possibilidade ou não do saneamento financeiro da RTP e da garantia de condições para a prestação efectiva do serviço público de televisão.
Aliás, só por inconsciência ou má-fé se pode subscrever a tese de que é o 2.º canal de emissão em aberto da RTP a causa, a raiz do problema. Não se pretenda transmitir a ideia de que há duas RTP, cada uma com seu canal, e que a supressão de um deles é a solução milagrosa!
O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Ainda para mais se tivermos em conta as afirmações do Sr. Ministro da tutela quanto à vontade manifestada de criar outro ou outros canais da RTP para transmissão por cabo.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - É que assim não há problema!
O Orador: - Fica no ar esta dúvida: sendo assim, porque não a emissão em aberto? Porquê a decisão obstinada de o remeter para o universo fechado, e pago, da televisão por cabo? Afinal, não resta apenas um canal da RTP!
A única conclusão a que se pode chegar é a de que, nesta fase crítica do mercado publicitário, o que está em causa é a neutralização da ameaça - ou do obstáculo - que a RTP possa representar para os canais privados de televisão em Portugal. E isto é que é grave!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Não é aceitável que se decida delapidar o serviço público de televisão no momento e na medida dos sinais de alarme dos operadores privados!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O que é indispensável é que a RTP tenha o seu projecto próprio, reestruturado, assente nos dois principais canais de serviço público, com uma rigorosa imputação de custos, com uma justa definição das indemnizações compensatórias, que o Estado tem de pagar atempadamente, e que não se impeça a RTP de obter receitas de publicidade, garantindo-se, sim, um financiamento público que assuma a parte decisiva da capacidade financeira da empresa.
Pela nossa parte, estamos à vontade para abordar esta matéria, porque sempre denunciámos frontalmente os erros do passado e sempre recusámos o debate viciado que se limitasse à opção entre «ferir de morte» a RTP ou deixar tudo na mesma.
De resto, registe-se que têm sido os próprios profissionais da RTP os primeiros a chamar a atenção para a necessidade de tomar medidas que apontem para a viabilidade da estação e não para o seu desmantelamento. Também por isso saudamos os trabalhadores da Radiotelevisão Portuguesa…
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Saudamo-los pela clara resposta que têm dado na defesa do serviço público de televisão, pela unidade que já demonstraram por todo o País em torno desta causa nacional, mas também pela inequívoca demonstração de solidariedade que têm merecido por parte de artistas,
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intelectuais, representantes de trabalhadores, estruturas de diversos sectores da vida nacional e de tantos cidadãos anónimos.
As manifestações de repúdio a esta política e a estes planos do Governo são, elas próprias, afirmações de cidadania. E, por outro lado, a sua qualificação de «passerelles e festivais de folclore», feita pelo Sr. Ministro, é bem ilustrativa não do que se passou nas ruas e avenidas mas, sim, do que se passa no pensamento dos actuais governantes.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Não é preciso ler pensamentos, basta ler afirmações, atitudes políticas e intenções manifestadas ou tacticamente omitidas para extrair as conclusões necessárias sobre as opções políticas que este Governo pratica e, não menos significativo, sobre a ideia de democracia que revela.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.
O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, sejamos claros: este Governo, como hoje ficou bem patente, não reforma, destroi; este Governo, como hoje ficou bem patente, é todo ele dominado por um furor «imediatista», por um furor de precipitação e por um furor de incompetência!
Temos uma questão em cima da mesa: o fim anunciado de um dos canais é um erro de governação crasso, é um erro financeiro, é um erro no modelo de programação e é um erro na gestão da empresa.
O Sr. Ministro anuncia essa decisão sem ter feito qualquer estudo e sem nos dizer em concreto quanto dinheiro vai poupar. Esta foi uma questão que já lhe coloquei em sede de Comissão e à qual, até agora, não foi capaz de responder. Como é que é possível que, sem um estudo prévio, se tomem decisões? Por isso mesmo, apelidei há pouco este estilo de imediatista, precipitado e incompetente.
Se o Governo decidir abrir um canal público por cabo, como agora parece ser a sua estratégia futurista - ou a sua deriva futurista -, não consegue poupar grande coisa, porque os custos fixos, os custos fundamentais da RTP mantêm-se e, além do mais - e é isto que é preciso ter em conta -, no País de aqui e de agora, a maior parte da população, Sr. Ministro, ainda não tem acesso à TV Cabo.
Essas contas são ainda mais complicadas se olharmos para a RTP Internacional, para a RTP África, para a RTP Madeira e para RTP Açores. No caso da RTP Açores e da RTP Madeira, cada uma delas garante apenas um terço da sua programação; no caso da RTP Internacional a programação da sua própria e exclusiva competência é de apenas um quarto; e no caso da RTP África esse número desce para um sexto. Tudo o resto é feito pelos canais generalistas. Ora, se vamos eliminar um canal, temos de garantir mais programação própria para os restantes canais, ou seja, gastamos mais dinheiro. Os argumentos do «fundamentalismo antidespesista» caem, por isso, por terra.
Por outro lado, olhemos para os números e falemos, então, do modelo de programação: se verificarmos o tempo, a percentagem ou o peso relativo que cada um dos canais concede à informação, verificamos que na RTP 1 é de cerca de 20%; na RTP 2 é de cerca de 31%; na SIC é de cerca de 15%; e na TVI é de cerca de 8%.
Se fizermos o mesmo em relação à cultura, verificamos que as percentagens são agora de 9% na RTP 1, de 22% na RTP 2, de 3% na SIC e de 2% na TVI. Portanto, só a informação e a cultura acabam por ocupar uma fatia fundamental no serviço público, embora sendo certo que o fazem muitas vezes mal feito, já o dissemos e não temos qualquer complexo em repeti-lo.
Gostava, por isso, de saber, Sr. Ministro, como é que consegue, com um só canal, incluir todos os outros conteúdos que são necessários à diversidade do que deve ser a identidade nacional.
Não consigo imaginar a televisão pública em que o Governo anda a pensar. Ela será, de facto, uma «manta de retalhos»... Nessa televisão passaríamos do teatro a uma entrevista, de uma entrevista para um jogo da selecção, de um jogo da selecção para um concurso, de um concurso para uma missa, de uma missa para um filme e por aí adiante. Nem as 24 horas do dia chegavam! E, que eu saiba, essas 24 horas ainda não foram revogadas pelo Conselho de Ministros!...
A conclusão, Sr. Ministro, é que V. Ex.ª quer fazer um canal de serviço público residual e de baixas audiências! Essa é a questão fundamental!
E, Sr. Ministro, por favor, não me venha falar de manipulação e deturpação da verdade. O Sr. Ministro trouxe aqui - isso ficou bastante claro e foi talvez um dos pontos mais importantes desta interpelação - uma encenação de teatro de duvidosa qualidade, uma pseudocomissão independente, que mais não é do que um conselho de assessores cujas posições são aprioristicamente conhecidas.
E não se trata aqui de defender uma verdade apenas; trata-se só, isso sim, de reforçar a ideia de que não pode haver uma maioria esmagadora, como acontece neste caso, de pessoas que já têm a sua opinião bem definida, de pessoas que não têm dúvidas, o que interessava era ter pessoas com dúvidas, capazes de fazer uma reflexão apurada e, inclusivamente, de ter pontos de vista independentes sobre a questão. Não é uma verdade contra a outra; é simplesmente a recusa firme de um golpe de dissimulação baseado na competência e na imparcialidade, quando essa comissão é tudo menos neutra. É preciso dizê-lo aqui claramente - e penso que essa imagem passou à saciedade.
O Sr. Ministro falou de «maniqueísmo»..., mas quem mais do que os senhores tem dividido o País, criando rupturas e rupturas sucessivas? O senhor fala de um «PREC», ressuscita anátemas já ultrapassados e diz que a televisão está à beira da falência. Quer um melhor exemplo de um discurso incendiário?! O que pretende com esta afirmação? Preparar o terreno para uma falência?
O senhor fala das suas preocupações piedosas com os trabalhadores, mas será que toda a gente não sabe ou não reparou que essas preocupações do Governo com os trabalhadores
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são as mesmas que vão colocar na rua milhares e milhares de trabalhadores da administração pública? Como é possível ter este discurso, Sr. Ministro?! Como é possível ter a desfaçatez de o trazer aqui?!
O Sr. Ministro fala também - e esse foi, a meu ver, outro dos ganhos desta interpelação - de uma governamentalização explícita da RTP. Nesse aspecto, permita-me que lhe diga que a proposta do Bloco de Esquerda tem o mérito de defender a aprovação, por esta Casa, do Conselho de Administração da RTP, a partir de um programa estratégico - o que os senhores fazem, de facto, é um retrocesso para os piores tempos da manipulação.
Permita-me, também, que lhe diga, recuperando uma expressão sua, no sentido de que o BE quereria o «poder popular» ou teria, digamos, essa ambição de «o poder cair nas ruas»: Sr. Ministro, releia os iluministas - o poder está, de facto, no povo! Releia a Constituição - a soberania popular é a base da governação!
A questão que se coloca é muito simples: o povo elegeu esta Assembleia; esta Assembleia deu legitimidade ao Governo, onde o senhor está; mas esta Assembleia, decididamente, não deu legitimidade a quem não elegeu e os senhores não podem continuar a representar interesses não eleitos, porque esse - sim! - é o maior desrespeito à soberania popular que está a praticar-se, neste momento.
O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!
O Orador: - Permita-me que lhe diga, também, a propósito das suas preocupações de deixar bem claro que não vê o Masterplan e que tem um gosto estético, com certeza, apurado, quando ao mesmo tempo critica, de forma populista - e fica-lhe mal! -, o discurso intelectual ou o discurso de quem pensa: pensar, Sr. Ministro, é o ofício do político e é um desrespeito, permita-me que lho diga, vir sempre com essa tese ultra-populista de que estamos aqui a «entrar em discussões estéreis». As discussões são o cerne desta Assembleia, são o cerne desta Casa!!
Aplausos do PS.
Já agora, talvez o senhor não se tenha apercebido, mas transformou-se, aos poucos e de forma até bastante rápida, num personagem do Masterplan: o senhor é um personagem do Masterplan!
Risos do BE.
Há, de facto, um demiurgo que lhe vai passando planos, que lhe vai estabelecendo guiões, que lhe vai dando «deixas» e que lhe vai dizendo o que fazer. Esse é o grande problema e o senhor ainda não se apercebeu! É bom que fique claro, é bom que tudo fique muito frontal, porque é isso que o BE pretende com esta interpelação.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado João Teixeira Lopes, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe, que beneficia de uma cedência de tempo por parte do BE.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Teixeira Lopes: estou numa situação incómoda para lhe fazer uma pergunta, dada a posição relativa em que nos situamos «geograficamente» no Plenário - a bancada onde se encontra fica por detrás da minha. Portanto, compreenderá o Sr. Deputado que eu faça a pergunta não propriamente voltado para si...
Risos.
A questão é a seguinte: na sua intervenção, o Sr. Deputado referiu-se a esta comissão, chamada independente, que o Governo hoje nos anunciou, não a sua posição mas a sua composição. E perante a composição que aqui nos foi anunciada, apetecia-me chamar a esta comissão a «MDC» - a «mais dependente das comissões»,...
Risos do PCP.
... porque verificamos que é presidida por uma ilustre ex-Eurodeputada do PSD e que é integrada, maioritariamente, por um conjunto de personalidades, que, independentemente do respeito que nos devem merecer, têm assumido posições frontalmente contrárias à própria existência do serviço público televisão.
Vozes do PCP: - Exactamente!
O Orador: - Isso é conhecido do País. Portanto, como é que se pode aceitar que o Governo queira nomear uma comissão para a definição do que deve ser o serviço público televisão quando, à partida, essa comissão é integrada por pessoas que - todos sabemos, porque elas não o escondem, não fazem segredo disso, assumem posições públicas - são contra a própria existência do serviço público televisão ou, quando muito, são pela sua entrega a privados, defendendo como que uma espécie de privatização do serviço público televisão,...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É uma cabala!
O Orador: - ... sendo que essa comissão é integrada, também, por pessoas que têm ligações conhecidas, do ponto de vista profissional, a operadores privados de televisão ou grupos económicos que os suportam?!
Por outro lado, uma outra questão sobre a qual também gostaria de saber a sua opinião, Sr. Deputado, é esta: que garantias é que entende que nos dá um Governo, no sentido de nomear um comissão independente e de respeitar uma posição independente de uma qualquer comissão, que, na primeira oportunidade em que um órgão independente, criado por lei, como é o Conselho de Opinião da RTP, quando o Governo toma uma iniciativa legislativa no primeiro momento em que esse Conselho de Opinião toma uma posição de que o Governo discorda? Portanto, que garantias é que nos pode dar um Governo com este curriculum da aceitação de uma qualquer decisão que viesse de uma comissão que se disse assumir como «independente»?
Vozes do PCP: - Muito bem!
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O Orador: - Portanto, Sr. Deputado, gostaria de obter a sua opinião acerca deste ponto, mas creio que, manifestamente, não estamos perante um órgão independente. Estaremos perante uma comissão com a qual o Governo pretende dar uma aparência de legitimidade à execução da política, que já definiu para a RTP, e que passa, inelutavelmente, por um drástico empobrecimento e desvalorização do serviço público televisão.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.
O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, tem toda a razão. De facto, não se trata de uma comissão independente - isso ficou aqui bastante bem claro, hoje. Trata-se, isso sim, de uma espécie de brilho com que o Governo gostava de polir a sua falta de argumentos.
Em primeiro lugar, o Governo deveria ter estudado o que não estudou; deveria ter apresentado estudos, que não apresentou; deveria ter dito, e volto a repetir, a questão fundamental: quanto poupa com a extinção de um canal? Poupa muito pouco! Não poupa nada! Eventualmente, até gasta mais dinheiro!
De facto, esta comissão vem a ser mais um expediente, típico de quem faz política de fraca qualidade, se me é permitido o termo. Vem a ser um expediente para tentar «tapar o sol com a peneira».
Não é, volto a repetir, uma questão de tentar monopolizar opiniões no seio dessa comissão. Simplesmente, não podemos aceitar que uma verdade se sobreponha a outra.
O Sr. Ministro diz-nos: «Vocês o que queriam era que essa comissão fosse composta por apaniguados vossos». Não queríamos nada disso, Sr. Ministro! O que não queremos é que ela seja feita por apaniguados do Governo. Haja seriedade!
E não queremos, acima de tudo, que seja um argumento para legitimar uma decisão que já está tomada. Isto porque o que ficou aqui revelado, Sr. Deputado, foi uma enorme falta de transparência - aliás, isto já há pouco foi referido e gostava de realçá-lo.
Também gostava de saber (e esse será, certamente, um dos episódios futuros) o que é que este Governo pretende fazer com a RDP, sabendo, por exemplo, que o Sr. Balsemão já pretendeu (e ainda pretende, com certeza!) um dos canais da RDP e sabendo que a RDP é uma empresa que dá lucro, porque tem um financiamento estável.
Já agora, porque há pouco não o fiz, gostava de dizer ao Sr. Ministro que a questão da publicidade é, para nós, muito clara, permita-me, agora, relembrar-lhe isto. O fim da publicidade só seria possível mediante um quadro estável de financiamento da RTP, e isso significaria…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, dei-lhe a palavra para responder ao interpelante, não para continuar a sua intervenção.
O Orador: - Tem toda a razão, Sr. Presidente.
De qualquer forma, Sr. Deputado António Filipe, gostaria de lhe lembrar que, no que diz respeito à publicidade, a nossa proposta tem em conta, primeiro, que essa publicidade só deverá cessar quando houver um quadro estável de financiamento, segundo, que esse quadro estável de financiamento significa, previamente, um saneamento e uma espécie de puro reinício, isto é, a partir do momento em que esse saneamento ocorrer, o Estado (e a Assembleia da República, por dotação própria) deve assumir o financiamento da RTP. Dessa forma, teremos, com certeza, garantias de um serviço público que não estará subordinado a interesses comerciais, mas que terá de ser também um serviço público de audiências.
Não é um serviço público para elites, não é um serviço público para sectores restritos; é um serviço público de diversidade, mas é, também e acima de tudo, um serviço público digno e decente. É isto que defendemos e, por isso mesmo, voltando ao início da questão, esta comissão pseudo-independente é poeira, mera poeira, nada mais do que poeira!
Vozes do BE: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a lista de oradores está esgotada, pelo que vamos passar ao período de encerramento.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã, dispondo, para o efeito, de 10 minutos.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Uma interpelação é um dos momentos mais importantes da vida desta Assembleia e tem uma função política e democrática, que é a de esclarecer, perante o País, as alternativas, questionar o Governo, e, certamente, as oposições, confrontar ideias, projectos, neste caso, urgências e alternativas. Isso foi feito aqui nos limites do debate que temos, e é sobre ele que quero fazer algumas observações finais.
O Governo chegou mal preparado a esta interpelação. O Governo vinha da exibição da força: o Conselho de Opinião não tinha decidido de acordo com a opinião do Governo, pelo que se retirava esse direito e essa responsabilidade ao Conselho de Opinião.
Na altura, não quis o Governo - e percebemos agora por que é que não quis - conjugar um debate de política geral sobre a RTP, dizer ao País o que quer no serviço público de rádio e de televisão, com essa outra medida, que era a sua intervenção sobre as competências do Conselho de Opinião.
E percebe-se claramente por que é que não quis esse debate. Não o quis, porque o Governo vem atrapalhado, porque o Governo não tem resposta e porque o Governo, sucessivamente, faltou à obrigação de esclarecer qual é o seu projecto.
Primeira trapalhada: a comissão independente.
Já é mania, mas não nos habituamos à mania, de que um órgão dependente de um governo seja por ele chamado «comissão independente». Já não gostámos disso no passado e, lamento, não gostamos agora.
Mas esta comissão é extraordinária: tem 13 membros, dos quais 9 já se comprometeram publicamente com a defesa da extinção total da RTP ou da extinção de um dos canais. Ficam 4 membros com posição oposta ou com posição que não é conhecida publicamente - «9 a 4» é como se faz este jogo.
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Ou seja, neste jogo de ideias e de esclarecimento, há uma equipa que tem o árbitro e que tem, ainda por cima, para não haver dúvidas, o resultado da partida definido logo de início, ou, como diria o Ministro Morais Sarmento na sua terminologia jurídica, o jogo está, «sob condição», decidido à partida!
O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Não me digam que isto é uma comissão independente!
Pior ainda: na comissão, está um representante da empresa proprietária da TVI. Disse-nos o PSD que não fazia mal. A TVI tem 30 milhões de contos de dívidas, a TVI é um dos maiores interessados - não é o único, mas um dos maiores interessados - na solução de acabar com a RTP. O telenegócio não está a ser feito atrás de nós mas, sim, à nossa frente e à frente de todo o País!
Colocar um representante da TVI na comissão que vai discutir os programas e o futuro da RTP é como dar ao executor testamentário o poder de fazer ele o testamento, de redistribuir o dinheiro e de decidir que o dinheiro vem para si próprio. É absolutamente extraordinário! Isto passa tranquilamente como se nada estivesse em causa!
Segunda trapalhada: o Governo diz-nos: «Nós queremos uma decisão. Ai de quem não queira decisões. Nós, sim, queremos uma decisão!». Mas qual é a decisão? - pergunta-se. «Isso não dizemos, é segredo.» - diz o Governo. Mas qual é a decisão? - insiste-se. «Acabar com um canal.» - diz o Governo. Mas qual canal? - pergunta-se. «Não dizemos.» - diz o Governo. Como? - pergunta-se. «Não dizemos.» - diz o Governo. Como é financiado o canal que fica? - pergunta-se. «Não queremos que se saiba.» - diz o Governo. O que é que vai acontecer? - pergunta-se. «Não sabemos, porque é uma comissão que vai decidir depois.» - diz o Governo.
Contudo, o Ministro já diz: «Mas vai custar 30 milhões de contos». Não sabe quais são os programas que vão custar 30 milhões de contos, porque eles dependem da comissão que ainda não trabalhou, mas já sabe que custam esse valor e, portanto, que a solução é esta.
Extraordinária terceira trapalhada: as contas.
Disse o Sr. Ministro que a grelha de programas custava 29 milhões de contos. Chamou a atenção o Deputado Manuel Maria Carrilho, e bem, que nisso se soma 15,5 milhões de contos da RTP1, 4 milhões de contos da RTP2, 2,8 milhões de contos dos canais dos Açores e da Madeira, mais a RTP África e a RTP Internacional. A comparação com os privados é vantajosa para a RTP, que, sabemos, apesar disso, tem de fazer economias e gerir melhor os seus dinheiros.
O argumento em si é que é extraordinário. Porque, no meio de uma confusão em que da bancada do PSD se ouviu a defesa da taxa em nome de alguém que proclama que obteve muito bons resultados no seu conselho de administração no tempo em que havia taxa, uma coisa fica clara: é que o que está em causa não é o fecho da RTP2 ou da RTP1, é, porventura, aquela solução de cocktail, que Vasco Graça Moura já explicou num jornal. Mas essa é, certamente, a definição de um critério que é penalizador e assassino para qualquer canal que subsista. Não só porque esse canal, feito numa trapalhada, é, ele próprio, uma trapalhada, porque não tem lógica e, por isso, não terá audiência, porque não tem critério de programa, ou porque o Governo nada sabe sobre ele, e, naturalmente, nada pode concluir-se a partir de quem nada tem a propor, mas, sobretudo, porque se a regra for a da restrição das despesas e se se subordinar a isso qualquer critério, esse também secreto, sobre o que é o serviço público de televisão, então, com esse critério, não pode haver nem um canal que resulte da fusão dos dois, porque um canal não sobreviverá. Hoje, acaba-se com um; amanhã, vai acabar-se com outro.
O telenegócio é isso, e é a quarta trapalhada, não é só retirar a publicidade à RTP para a enfraquecer. O telenegócio é favorecer directamente todos os interesses que correspondem à lógica da mercantilização do espaço público de radiodifusão em Portugal. O telenegócio são liberais contra a liberdade. É quem pensa que o serviço público se esvai no interesse de programação e de definição de conteúdos pela lógica dos privados, e é contra eles que afirmamos aqui o princípio do serviço público.
Quinta trapalhada: a publicidade.
O Sr. Ministro disse contra o PS que o Bloco de Esquerda é que tinha ideias a propósito das alternativas à publicidade e contra o Bloco de Esquerda que o Bloco de Esquerda não tinha ideias sobre essa matéria.
Apresentámos três critérios.
Primeiro critério: contra a «tablóidização» da informação, a regra de que os telejornais nos canais privados deixam de ser suporte para a publicidade. Esta é uma regra importantíssima que os jornalistas apreciarão mais do que todos, e, seguramente, todos os que prezam a liberdade de informação antes de qualquer outro, porque, hoje, a lógica dos telejornais é tornarem-se num suporte de anúncio para os anúncios que os financiam.
Segundo critério: limites à publicidade nos privados. É um critério decisivo para reorganizar o mercado publicitário.
Terceiro critério: cedência de programas para o serviço internacional da televisão.
Mas noutra questão, além destas, temos uma diferença profunda: o Sr. Ministro pensa que tem de fazer-se agora, nós não aceitamos que se liquide uma das poucas receitas que a RTP tem, porque esse é o processo de destruição da RTP, antes de existir uma dotação orçamental estável. Somos o único país da Europa que não dá uma dotação estável ao serviço público de televisão. Claro que para isso é preciso saber o que é serviço público, é preciso fazer essas escolhas, e isso o Governo não faz.
Sexta trapalhada: o Governo anunciou-nos que não existe hoje qualquer serviço público. Procura degradar a imagem da empresa, cuja destruição quer anunciar.
Há magnífico serviço público feito em vários suportes na televisão e na rádio, e a RTP é, seguramente, um deles: ela faz o que não fazem os privados. O que falta é a coerência da estrutura do serviço público. O serviço público não é só bons programas públicos, mas é de certeza aqueles programas que são pagos por todos, porque só será público aquilo que é controlado pelo público, portanto, aquilo que é do público. Esse é o espaço que os privados não podem preencher e é aquilo que o Governo quer que aconteça.
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O Governo, ao dizer que não há serviço público, pretende tirar a conclusão extraordinária de enfraquecer os seus suportes institucionais: acabar com um dos canais da RTP e, a seguir, acabar, provavelmente, com o outro canal, com a ideia de que, desvanecido o serviço público, é preciso que os privados garantam a reestruturação de todo o espaço de comunicação social em Portugal, e nós opomo-nos a isso. Opomo-nos por uma razão a que me referi na primeira intervenção: a televisão é um instrumento de poder comunicacional extraordinário, o qual tem de ser escrutinado publicamente e democratizado.
A televisão tem o poder da produção contínua, do entretenimento, da informação e da cultura. Nenhum outro órgão tem este poder, nenhum órgão político se lhe compara, nenhum órgão comunicacional chega próximo do poder extraordinário da televisão.
Não o instrumentalizar, portanto, desgovernamentalizá-lo, e, sobretudo, dotá-lo de uma estratégia qualificante, num País cuja infra-estrutura cultural é tão deficiente como em Portugal, é um combate pela modernização, é um combate contra o atraso.
Por isso, Sr. Ministro, compreenda que, por causa destas trapalhadas, por causa do combate contra o atraso, por causa do combate pela modernização, temos de nos opor à força do Governo e à sua fraqueza ao definir esta comissão, ao querer acabar com a RTP e ao querer dizer que tudo isto é um bom negócio para o Governo e para quem o apoia.
Aplausos do BE e de Deputados do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.
O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, deixe-me dizer-lhe isto: e à sétima trapalhada até o Bloco de Esquerda descansou. Graças a Deus!
Risos do PSD e do CDS-PP.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo assume com clareza um projecto para a televisão pública e uma estratégia para o audiovisual. O Governo sabe que, deste modo, rompe com a prática recente.
Rompe, desde logo, falando verdade ao País sobre a situação que se vive na televisão pública, pois a prática vinha sendo a de esconder, a de ignorar, a de «meter a cabeça na areia» como a avestruz, esperando que a providência divina resolvesse o que a incompetência terrena não conseguia resolver.
Rompe, em segundo lugar, ao propor, com coragem e com clareza, um caminho concreto e objectivo. Também aqui a prática vinha sendo a de encontrar na discussão o fundamento fácil para o adiamento.
Rompe, finalmente, quando assume, sem assombro, que lhe cabe traçar o caminho, fazer as opções, assumir as decisões, mas não pretender a certeza absoluta da verdade única.
O Sr. José Sócrates (PS): - É altura de responder à pergunta!
O Orador: - Em matéria com a dificuldade e a complexidade desta, é evidente que podem existir várias opiniões, mas o espantoso é que, agarrados à crítica apriorística, sistemática e cega, as oposições não apresentem nenhuma, repito, nenhuma solução alternativa.
O Governo assumiu funções há menos de dois meses e em menos de dois meses assumiu responsabilidade de definir uma estratégia e uma política. Era esse o nosso dever, ou seja, agir depressa, porque a urgência é grande.
O dever das oposições, em particular do Partido Socialista, era o de agir com mais humildade e menos arrogância,…
O Sr. José Sócrates (PS): - Responda à pergunta!
O Orador: - … dando ao menos o benefício da dúvida a quem está apenas a tentar fazer o que elas não fizeram, a tentar consertar o que elas estragaram.
O Sr. José Sócrates (PS): - Responda à pergunta!
O Orador: - O que se assiste é, todavia, o contrário: a oposição especializou-se em insinuações e acusações, feitas com uma leviandade inaceitável.
Devo dizer, a esse propósito, Srs. Deputados, que não é por repetirem mil vezes uma mentira que ela se transforma em verdade.
Vozes do PSD: - Muito bem!
Protestos do PS.
O Orador: - O Governo não fez, não faz e não fará nenhuma negociata. O Governo não repete erros anteriores. Se o pretendesse, tinha um caminho mais simples: deixava extinguir a RTP, a sugestão de outros. Assim, ficava tudo para os privados.
A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Está a repetir-se!
O Sr. José Sócrates (PS): - Responda à pergunta! O que vai acontecer à RTP2?!
O Orador: - Será aqui, nesta Casa, no momento próprio, que os senhores verificarão que o Governo só tem um compromisso, que é compromisso com o interesse público.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Espero que nessa ocasião tenham a humildade que hoje não tiveram, ou seja, a humildade de reconhecer que erraram.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, tenho todo o respeito por esta Câmara, mas, ao longo dos anos, fora dela, muitas vezes, vi utilizada uma linguagem que me parecia cifrada, codificada e, por vezes mesmo, em circuito fechado. Relevem-me, por isso, a franqueza de, em linguagem simples, dizer duas coisas.
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Em primeiro lugar, que a minha experiência profissional é a de advogado, de alguém que, por isso, se habituou nos tribunais, na negociação, na contratação, a ter apenas uma opinião, com contradita, com confrontos e opiniões, sem certezas únicas. É a vivência que tenho e a atitude que, ontem na minha actividade profissional, como hoje nesta Câmara, pretendo manter, aceitando em cada momento, com absoluta naturalidade, sem a dificuldade do preconceito político ou parlamentar, as opiniões diferentes e as alternativas, quando existirem, com vontade séria de as aproveitar.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Excepto as do Conselho de Opinião!
O Orador: - Em segundo lugar, não quero afirmar certezas absolutas, mas convivo mal com quem julga encontrar no conhecimento ou na cultura uma suposta autoridade intelectual - essa ainda vá! - e, em cima dela, uma suposta autoridade pessoal ou moral.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A autoridade moral só poderá resultar, dia após dia, do cumprimento do compromisso que cada um de nós assumiu quando iniciou funções. Recordo a mim mesmo, em cada dia, o juramento que fiz, e esse obriga-me a defender, e só, com lealdade, o interesse público.
A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - E a RTP2?!
O Orador: - É o que continuarei a fazer, procurando, em cada momento, a convergência com todos os que aceitarem o risco, esquecer os interesses pessoais ou corporativos e de, neste caso, trabalhar em conjunto para refundar, de facto, a televisão pública e prestar serviço público de televisão.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, com a intervenção do Sr. Ministro da Presidência, concluímos o debate da interpelação apresentada pelo Bloco de Esquerda.
A próxima reunião plenária realiza-se no dia 31, sexta-feira, às 10 horas, e terá como ordem do dia o debate mensal do Sr. Primeiro-Ministro com a Assembleia da República, versando a produtividade e competitividade da economia portuguesa.
O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, surgiu-me uma dúvida sobre o debate da próxima sexta-feira que era bom esclarecer aqui, pois o Sr. Deputado Luís Marques Guedes é um verdadeiro depositário vivo de todas as deliberações da Conferência de Líderes.
A ideia que tenho é a de que há um tempo distribuído por cada bancada, mas que o número de perguntas a fazer pode ser, ou não, o que consta da agenda para sexta-feira. Há um compromisso no sentido de a primeira pergunta ter a duração de 5 minutos, mas penso que as outras podem ter uma duração inferior e serem em número superior. Pretendo confirmar se assim é, ou seja, se temos de fazer só quatro perguntas ou se podemos fazer cinco, naturalmente no tempo que nos está distribuído.
O Sr. Presidente: - Remeto a dúvida para a pessoa que o Sr. Deputado mencionou como depositária de todas as questões tratadas na Conferência de Líderes.
Sr. Deputado Luís Marques Guedes, tem a palavra.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, esse é, seguramente, um elogio que eu não mereço.
Sr. Presidente, recordo ao Sr. Deputado António Costa que, relativamente a esta matéria, a Conferência de Líderes conveio que, enquanto não fosse aprovada uma nova figura em termos de alteração do Regimento no que diz respeito aos debates com o Sr. Primeiro-Ministro, se regia pela figura regimental aprovada na legislatura que terminou.
Ora, a figura regimental espelhada na agenda para a reunião da próxima sexta-feira é rigorosamente aquela que vigorou durante a anterior legislatura.
Como sabem, teve num caso, por decisão da Conferência de Líderes, a hipótese de uma gestão diferente dos tempos por parte das bancadas, mas isso foi depois recusado, por proposta do Partido Socialista,…
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Exactamente!
O Orador: - … e, no final da legislatura, estava em vigor este figurino.
O que a Conferência de Líderes adoptou foi o figurino que vinha de trás, enquanto não houvesse alterações.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Costa, tem alguma sugestão a fazer, face ao que acabou de ser dito?
O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, recordo-me da questão agora suscitada pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O que estava em causa, na altura, era saber se podia haver uma pergunta que durasse mais de 5 minutos, pois tinha havido um debate em que alguém do PSD fez a utilização do tempo integral. Assim, procurou-se que houvesse um limite e que não pudesse exceder-se os 5 minutos.
A minha questão é ao contrário: pretendo saber se pode, ou não, haver mais perguntas, por uma razão simples, aliás, creio que se lembrará também: é que tinha ficado assente que a primeira pergunta poderia ter uma duração superior às demais.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas depois recuaram!
O Orador: - Ora, dispondo o PS de 20 minutos, sendo que só podemos colocar quatro perguntas, isto significa que cada uma terá uma duração máxima de 5 minutos e que não haverá diferenciação.
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Aquilo que gostaríamos - e creio que nada violará - era de, nos 20 minutos de que dispomos, poder fazer cinco perguntas, em vez de quatro. Não alongaremos o debate, mas faremos mais uma pergunta, ou seja, cinco perguntas, em vez de quatro.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Costa, qualquer alteração teria de passar por um acordo da Conferência de Líderes, onde, para sermos rigorosos, esse assunto devia ser tratado. Se, porventura, houver acordo nesse sentido, nada tenho a opor; se não houver, ficamos como estamos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, quero apenas fazer um breve comentário, independentemente de concordar com V. Ex.ª de que só em Conferência de Líderes estas matérias podem ser discutidas e alteradas.
Embora para o PSD isso não seja preocupante, há, de facto, uma alteração, porque, como o Sr. Deputado António Costa bem sabe, este esquema de quatro perguntas para o PS, quatro perguntas para o PSD, duas perguntas para o PCP, duas perguntas para o CDS-PP, uma pergunta para o Bloco de Esquerda e uma pergunta para Os Verdes representa uma distribuição de equidade na participação no debate…
O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - A equidade é nos tempos!
O Orador: - … que será alterada se um qualquer grupo parlamentar passar a ter mais perguntas do que os outros. Aliás, este é apenas um comentário objectivo que faço por o Sr. Deputado António Costa ter dito que, em sua opinião, porventura, não havia alterações. Como vê, altera.
Estas coisas têm uma lógica própria, a de que exista alguma equidade distributiva, de acordo com a proporcionalidade das bancadas parlamentares.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, penso que não há consenso para se proceder à alteração da praxe que já vinha, de resto, da anterior legislatura. Assim, mantê-la-emos e, eventualmente, se houver vantagem em discutir este assunto na Conferência de Líderes, assim faremos. Para já, repito, mantemos o que estava estabelecido.
Srs. Deputados, voltaremos a reunir na próxima sexta-feira, às 10 horas, para o debate mensal do Primeiro-Ministro com a Assembleia da República.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 45 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Partido Social Democrata (PSD):
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
Diogo Alves de Sousa de Vasconcelos
Maria Assunção Andrade Esteves
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Vasco Manuel Henriques Cunha
Partido Socialista (PS):
Carlos Manuel Luís
Jaime José Matos da Gama
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
Luísa Pinheiro Portugal
Manuel Alegre de Melo Duarte
Rui António Ferreira da Cunha
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Partido Popular (CDS-PP):
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Partido Comunista Português (PCP):
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Partido Social Democrata (PSD):
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Partido Popular (CDS-PP):
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
Partido Comunista Português (PCP):
Maria Odete dos Santos
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