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Quinta-feira, 17 de Outubro de 2002 I Série - Número 49

IX LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2002-2003)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 16 DE OUTUBRO DE 2002

Presidente: Ex.mo Sr. João Bosco Soares Mota Amaral

Secretários: Ex. mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Ascenso Luís Seixas Simões
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
António João Rodeia Machado

S U M Á R I O


O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 15 minutos.
Deu-se conta da apresentação dos projectos de lei n.os 148 a 150/IX.
Em interpelação à Mesa, o Sr. Deputado António Costa (PS), a propósito de afirmações feitas pela Sr.ª Ministra da Justiça, na reunião da 1.ª Comissão, deu conta do envio de uma carta à Sr.ª Presidente da 1.ª Comissão pedindo para, nessa Comissão, ser ouvido com urgência a fim de poder responder às referidas afirmações e solicitou ao Sr. Presidente a distribuição de cópia do extracto do saldo, que transitou de 2001 para 2002, do Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça.
A Câmara tomou conhecimento, através do Sr. Deputado relator Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), do parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o recurso, interposto pelo PSD, de admissão do projecto de lei n.º 139/IX - Revoga o artigo 5.º da Lei n.º 16-A/2002, de 31 de Maio (Primeira alteração à Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, que aprova o Orçamento do Estado para 2002) (PS). Depois de o Sr. Deputado Vitalino Canas (PS) ter lido a declaração de voto dos Deputados do PS presentes na reunião daquela Comissão, intervieram sobre o parecer, que veio a ser aprovado, os Srs. Deputados António Filipe (PCP), Isabel Castro (Os Verdes), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), José Magalhães (PS), Francisco Loução (BE) e Luís Marques Guedes (PSD).
Foi discutido, na generalidade, o projecto de lei n.º 140/IX - Cria uma base de dados em que constam as informações a prestar pelas instituições de crédito mutuantes em relação a cada um dos contratos de empréstimo bonificado à habitação (PS). Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Jamila Madeira (PS), João Pinho de Almeida e Telmo Correia (CDS-PP), Jorge Nuno Sá (PSD), Bruno Dias (PCP), Isabel Castro (Os Verdes), Ana Drago (BE), Hugo Velosa (PSD), Diogo Feio (CDS-PP) e João Teixeira Lopes (BE).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 17 horas e 15 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
Alexandre Bernardo Macedo Lopes Simões
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Paula Rodrigues Malojo
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Fernando de Pina Marques
António Henriques de Pinho Cardão
António Joaquim Almeida Henriques
António Manuel da Cruz Silva
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
Arménio dos Santos
Bernardino da Costa Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos Alberto da Silva Gonçalves
Carlos Alberto Rodrigues
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Carlos Parente Antunes
Daniel Miguel Rebelo
Diogo Alves de Sousa de Vasconcelos
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Fernando Santos Pereira
Francisco José Fernandes Martins
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Gustavo de Sousa Duarte
Hugo José Teixeira Velosa
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
João António Pistacchini Calhau
João Bosco Soares Mota Amaral
João Carlos Barreiras Duarte
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José Gago Horta
João Manuel Moura Rodrigues
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Alberto Vasconcelos Tavares Moreira
José António Bessa Guerra
José António de Sousa e Silva
José Luís Ribeiro dos Santos
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
José Manuel Carvalho Cordeiro
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
Judite Maria Jorge da Silva
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim Dias Loureiro
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria Assunção Andrade Esteves
Maria Aurora Moura Vieira
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria da Graça Ferreira Proença de Carvalho
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Maria Elisa Rogado Contente Domingues
Maria Eulália Silva Teixeira
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Maria Isilda Viscaia Lourenço de Oliveira Pegado
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa da Silva Morais
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro do Ó Barradas de Oliveira Ramos
Pedro Filipe dos Santos Alves
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso
Sérgio André da Costa Vieira
Vasco Manuel Henriques Cunha
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis

Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Alberto de Sousa Martins
Alberto Marques Antunes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António José Martins Seguro
António Luís Santos da Costa
António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Ascenso Luís Seixas Simões
Augusto Ernesto Santos Silva
Carlos Manuel Luís
Edite Fátima Santos Marreiros Estrela

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Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira
Fausto de Sousa Correia
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Serrasqueiro
Fernando Ribeiro Moniz
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
João Barroso Soares
João Cardona Gomes Cravinho
João Rui Gaspar de Almeida
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Alberto Sequeiros de Castro Pontes
José António Fonseca Vieira da Silva
José Apolinário Nunes Portada
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade
José da Conceição Saraiva
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Santos de Magalhães
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda
Luís Manuel Capoulas Santos
Luís Manuel Carvalho Carito
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson da Cunha Correia
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo José Fernandes Pedroso
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Teresa Maria Neto Venda
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco
António Herculano Gonçalves
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
Henrique Jorge Campos Cunha
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Manuel de Almeida Cambra
Manuel Miguel Pinheiro Paiva
Narana Sinai Coissoró
Pedro Manuel Brandão Rodrigues
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bruno Ramos Dias
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
Jerónimo Carvalho de Sousa
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos

Bloco de Esquerda (BE):
Ana Isabel Drago Lobato
Francisco Anacleto Louçã
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os projectos de lei n.os 148/IX - Lei da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado (Revoga o Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967) (PS), que baixou à 1.ª Comissão, 149/IX - Criação da Universidade de Viseu (PCP), que baixou à 7.ª Comissão, e 150/IX - Criação do município de Esmoriz (PS), que baixou à 4.ª Comissão.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como sabem, a ordem do dia de hoje consta de um agendamento potestativo, apresentado pelo Partido Socialista,…

O Sr. António Costa (PS): - Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, antes de mais, quero agradecer-lhe por me ter dado a palavra para interpelar a Mesa.
Como o Sr. Presidente e a Câmara sabem, ontem, na reunião da 1.ª Comissão, a Sr.ª Ministra da Justiça dirigiu-me duas acusações muito graves, que são absolutamente

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falsas. Por isso, enviei hoje uma carta à Sr.ª Presidente da 1.ª Comissão pedindo para, nessa Comissão, ser ouvido com urgência a fim de poder demonstrar a absoluta falsidade dessas acusações.
No entanto, solicito, desde já, a V. Ex.ª que mande distribuir pela Câmara o extracto dos saldos do Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça, o qual demonstra que, no final do mês de Abril, dos saldos transitados de 2001 para 2002, continuavam disponíveis, à ordem do Ministério, 40 milhões de contos que haviam sido poupados no exercício de 2001. Se, hoje, essa verba não está disponível é porque, com certeza, foi gasta a partir de Maio. Porém, até ao final do mês de Abril, esse montante poupado estava integralmente disponível e à ordem do Ministério da Justiça.
Portanto, Sr. Presidente, peço que receba este documento que tenho comigo e o faça distribuir pela Câmara.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Costa, tenha a bondade de o fazer chegar à Mesa e imediatamente o mandarei distribuir.
Por outro lado, espero que a 1.ª Comissão encontre, quanto antes, espaço para que a questão que tem a apresentar seja devidamente atendida.
Srs. Deputados, vamos, então, passar à ordem do dia.
Trata-se de um agendamento potestativo referente à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 139/IX - Revoga o artigo 5.º da Lei n.º 16-A/2002, de 31 de Maio (Primeira Alteração à Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, que aprova o Orçamento do Estado para 2002) (PS) e 140/IX - Cria uma base de dados em que constam as informações a prestar pelas instituições de crédito mutuantes em relação a cada um dos contratos de empréstimo bonificado à habitação (PS).
Como é do conhecimento de todos, do despacho de admissão do projecto de lei n.º 139/IX, foi interposto recurso pelo Grupo Parlamentar do PSD. Esse recurso foi imediatamente enviado, nos termos regimentais, à 1.ª Comissão, a qual aprovou um parecer que já foi circulado e que, portanto, é do conhecimento de todos.
De acordo com o Regimento, devo dar a palavra, em primeiro lugar, ao relator para apresentar o parecer e, depois, a cada grupo parlamentar para intervirem. O tempo de cada intervenção será de 5 minutos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, é para lembrar que, nos termos regimentais, o relator lê o parecer e cada grupo parlamentar dispõe de 3 minutos.

O Sr. Presidente: - Tem toda a razão, Sr. Deputado. É regimental. Peço desculpa.
Portanto, corrijo: o relator dispõe de 5 minutos e cada grupo parlamentar de 3 minutos.
Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, na qualidade de relator, dispõe de 5 minutos para apresentar o parecer.
Tem a palavra.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, vou passar a ler o parecer da 1.ª Comissão.
"Parecer sobre o recurso da decisão de admissão do projecto de lei n.º 139/IX (PS) - Revoga o artigo 5.º da Lei n.º 16-A/2002, de 31 de Maio (Primeira alteração à Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, que aprova o Orçamento do Estado para 2002)

I - Objecto e fundamentos do recurso

Um grupo de Deputados do PSD recorreu da decisão do Sr. Presidente da Assembleia da República, de 7 de Outubro de 2002, que admitiu o projecto de lei n.º 139/IX (PS) - Revoga o artigo 5.º da Lei n.º 16-A/2002, de 31 de Maio (Primeira alteração à Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, que aprova o Orçamento do Estado para 2002), com base em dois fundamentos de inconstitucionalidade, a saber:
a) Violação do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 161.º da Constituição da República Portuguesa, que consagra a reserva de iniciativa legislativa do Governo em matéria de Orçamento do Estado;
b) Contrariedade ao estabelecido no artigo 167.º, n.º 2, da Lei Fundamental (lei-travão), por envolver um aumento das despesas no Orçamento do Estado no ano económico em curso.

II - Análise do recurso

Aquilatemos, pois, dos fundamentos de inconstitucionalidade invocados para a rejeição da admissão do projecto de lei n.º 139/IX (PS).
A iniciativa legislativa, de cuja decisão de admissão foi interposto o recurso ora apreciado, compõe-se de um único artigo redigido nos seguintes termos:

'Artigo único

É revogado o artigo 5.º da Lei n.º16-A/2002, de 31 de Maio.'

Por sua vez, o artigo 5.º da Lei n.º 16-A/2002, de 31 de Maio (Primeira alteração à Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, que aprova o Orçamento do Estado para 2002), reza o seguinte:

'Artigo 5.º
Crédito bonificado para habitação

1 - É vedada a contratação de novas operações de crédito bonificado à aquisição, construção e realização de obras de conservação ordinária, extraordinária e de beneficiação de habitação própria permanente, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 349/98, de 11 de Novembro, na sua actual redacção.
2 - Ficam salvaguardadas do disposto no número anterior as operações de crédito que já se tenham iniciado à data de entrada em vigor da presente lei e que se encontrem em fase de contratação e cujas escrituras públicas ou contratos de compra e venda titulados por documento particular, nos termos legais, venham a ser celebradas até 30 de Setembro de 2002.

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3 - Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se por início das operações de crédito e em fase de contratação, a solicitação a uma instituição financeira, por escrito, do crédito bonificado para a habitação, com a apresentação do respectivo contrato-promessa de compra e venda celebrado também por escrito.'

A - Da violação do disposto no artigo 161.º, alínea g),
da Constituição da República Portuguesa

Constata-se, pois, que o projecto de lei n.º 139/IX (PS) pretende revogar uma das disposições constantes do Orçamento rectificativo de 2002 e, mais concretamente, uma das medidas de emergência por este implementadas com vista à consolidação orçamental.
Ora, prescreve o artigo 161.º, alínea g), da Constituição da República Portuguesa que 'Compete à Assembleia da República (…) aprovar as leis das grandes opções dos planos nacionais e o Orçamento do Estado, sob proposta do Governo'.
É bom de ver que, não obstante a competência para aprovar a lei do Orçamento do Estado ser exclusiva da Assembleia da República, a iniciativa legislativa nestes casos compete sempre ao Governo.
Efectivamente, trata-se de matéria da reserva de iniciativa governamental.
Neste sentido, os Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira referem até que '(…) tão exclusiva é a competência da Assembleia da República para aprovar, mediante lei, o orçamento, como a competência do Governo para elaborar a respectiva proposta (…)'.
Assim sendo, é óbvio que qualquer alteração à lei do Orçamento, in casu, alteração ao Orçamento rectificativo de 2002, só possa ser desencadeada sob proposta do Governo, e não por iniciativa parlamentar, como sucedeu no caso em apreço.
Na verdade, '(…) a lei do orçamento só pode ser alterada por nova lei aprovada nos mesmos termos da lei originária. Tal como a Assembleia da República não pode aprovar inicialmente o orçamento sem iniciativa governamental, também não pode alterá-lo por iniciativa própria'.
Em idêntico sentido, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 358/92 reconhece que '(…) como a iniciativa legislativa do orçamento pertence ao governo, só a este poderá pertencer, consequentemente, a iniciativa de alteração da lei'.
Quer isto dizer que o projecto de lei n.º 139/IX (PS) é inconstitucional, por violação do disposto no artigo 161.º, alínea g), da Constituição da República Portuguesa, já que os Deputados signatários desta iniciativa legislativa não tinham legitimidade constitucional para apresentá-la. Numa palavra: só o Governo o poderia ter feito."

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha esgotou-se. Peço-lhe para concluir.

O Orador: - Sr. Presidente, concedeu-me V. Ex.ª tempo para ler o parecer…

O Sr. Presidente: - Eu concedi-lhe 5 minutos para o ler.

O Orador: - Sr. Presidente, ou V. Ex.ª me dá tempo para lê-lo na íntegra ou, então, terá a Mesa de, oficiosamente, proceder a um resumo do mesmo para que eu o leia. Como compreenderá, não posso, por iniciativa própria, escolher aquilo que entendo que cirurgicamente fará sentido para efeito de leitura.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado, sendo o relator, é perfeitamente capaz de fazer o resumo dessa matéria.
Tenha a bondade de concluir.

O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente, e garanto-lhe que em 2 minutos, não mais, o farei.
Continuando, "E contra esta conclusão não se diga que em causa estão matérias que, embora incluídas no Orçamento, não são orçamentais, pois uma afirmação deste tipo não corresponde, em absoluto, à verdade, como passamos a demonstrar.
É que o artigo 5.º da Lei n.º 16-A/2002, de 31 de Maio (que o projecto de lei n.º 139/IX (PS) pretende ver revogado), ao vedar a contratação de novas operações de crédito bonificado a partir de 30 de Setembro de 2002, salvaguardando, contudo, as operações até a essa data concretizadas, não revoga, nem altera, de todo, o regime consagrado no Decreto-Lei n.º 349/98, de 11 de Novembro, que estabelece o regime jurídico de concessão de crédito à habitação própria, cujo conteúdo, aliás, vai muito para além dos regimes de crédito bonificado, já que estabelece também as normas relativas ao regime geral de crédito.
O artigo 5.º do Orçamento rectificativo de 2002 limita-se tão-somente a suspender, para o ano económico em curso, o efeito de parte do estabelecido no Decreto-Lei n.º 349/98, de 11 de Novembro, ou seja, a parte referente à contratação de novas operações de crédito bonificado.
E fá-lo com um propósito assumido: o de reduzir a despesa.
Ora, exactamente por o artigo 5.º da Lei n.º 16-A/2002, de 31 de Maio, dizer directamente respeito à matéria das despesas do Orçamento do Estado é que o mesmo é, por natureza, orçamental.
Trata-se, pois, de uma norma tipicamente orçamental e não um vulgo "cavaleiro orçamental", porquanto, como já referido, o seu objectivo assumido é o da redução da despesa.
Na verdade, participando a norma em questão da natureza específica da lei do Orçamento, já que incide sobre o respectivo capítulo das despesas, a mesma é inquestionavelmente matéria orçamental.
Refere o já citado Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 358/92 que '(…) as disposições que não digam respeito directamente a receitas ou a despesas devem ser entendidas como não participando da natureza específica da lei do orçamento (…)', pelo que, a contrario, as disposições que o dizem, como é rigorosamente o caso, têm natureza orçamental.
Termos em que não restam dúvidas de que foi violada a reserva de iniciativa legislativa do Governo em matéria de Orçamento, prevista no artigo 161.º, alínea g), da Constituição da República Portuguesa."
Por último, da violação do disposto no artigo 167.º, n.º 2, da Constituição, ao propor a revogação do artigo 5.º do Orçamento rectificativo, o Partido Socialista veio posteriormente apresentar uma rectificação, afirmando que o mesmo diploma apenas produziria efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2003, tendo ficado prejudicada a apreciação desta parte do recurso.
Pelo que o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é do seguinte teor:

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"Que o recurso interposto da decisão de admissão do projecto de lei n.º 139/IX (PS) - Revoga o artigo 5.º da Lei n.º 16-A/2002, de 31 de Maio (Primeira alteração à Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, que aprova o Orçamento do Estado para 2002) merece provimento."

O Sr. Presidente: - Sr.as e Srs. Deputados, conforme precedente por mim estabelecido num caso similar, vou dar, agora, a palavra a um dos Deputados que subscreve o voto de vencido, a fim de a Câmara ficar totalmente elucidada sobre as várias razões. Encontro, de resto, nesta parte do voto de vencido, alguma doutrina extremamente interessante.
Tem a palavra o Sr. Deputado Vitalino Canas.

O Sr. Vitalino Canas (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, vou passar a ler a declaração de voto dos Deputados do Partido Socialista sobre os fundamentos e a conclusão do parecer que foi antecedentemente lido pelo Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.
"Quanto aos fundamentos da pretensa violação do artigo 161.º, alínea g), não é de atender a argumentação do parecer.
a) O referido preceito tem um e um só alcance: cabe ao Governo a iniciativa das leis das grandes opções dos planos nacionais e do Orçamento do Estado. O mesmo é dizer que os Deputados da oposição ou da maioria não podem apresentar um projecto de lei de orçamento, alternativo, complementar, substitutivo, ou integrativo da proposta do Governo. Ora, não é isso que decorre do projecto de lei n.º 139/IX: este visa revogar uma norma que não é materialmente orçamental - um típico "cavaleiro orçamental" -, cuja iniciativa de alteração não é monopólio do Governo.
b) O parecer não repara numa invulgar contradição nos termos em que cai o recurso dos Deputados do PSD, uma vez que os dois fundamentos do recurso se anulam reciprocamente. Quando se reconhece a existência de uma lei-travão, deve reconhecer-se tudo o que implica, isto é, aquilo que ela permite e aquilo que ela não permite. Reconhecer aquilo que a lei-travão permite é admitir que possa haver propostas com implicação na receita e na despesa, desde que não nesse ano. Invocar o artigo 161.º, alínea g), da Constituição da República Portuguesa, dando-lhe o significado de que tudo o que for proposto com incidência orçamental (porque tem impacto nas receitas e nas despesas) é inconstitucional, é esvaziar de sentido útil o artigo 167.º, n.º 2, da mesma Constituição.
c) O argumento de que tudo o que tem implicações na receita e na despesa, desde que previsto no Orçamento do Estado, só pode ser alterado por proposta do Governo, teria como consequência, a ser aceite, que o Governo passaria a poder, através do Orçamento do Estado, avocar ou inviabilizar praticamente toda a competência de iniciativa legislativa dos Deputados."

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - "d) Esse mesmo argumento revoga ou "inconstitucionaliza" toda a prática parlamentar, recente e menos recente, da Assembleia da República.
Em suma: de restrição em restrição, a maioria parlamentar atinge agora novo patamar na laminação de iniciativas da oposição. Não lhe basta só rejeitar em Plenário todas as iniciativas: quer doravante impedir a própria admissão de projectos de lei incómodos, limitando o debate democrático.
No caso concreto, os Deputados da coligação não hesitam em impugnar uma decisão do Presidente da Assembleia da República, conduzindo a uma injustificada desautorização.
Ao admitir o projecto de lei n.º 139/IX, o Presidente da Assembleia da República teve em consideração dois factores essenciais:
1) Não cabe à Assembleia da República, em sede de impugnação, substituir-se ao Tribunal Constitucional. O instrumento da impugnação e o poder de fiscalização preliminar do Presidente da Assembleia da República servem para impedir grosseiras inconstitucionalidades, de correcção congenitamente impossível;
2) Nada há no projecto de lei n.º 139/IX que infrinja normas constitucionais, sendo legítimo que sobre ele incidam juízos de aplauso ou crítica, mas completamente abusivo impedir que o Plenário se pronuncie, na generalidade, sobre a suspensão do crédito bonificado à habitação.
Na verdade, uma coisa é o direito que a maioria tem de aceitar ou rejeitar projectos de lei, outra - bem diversa - é o dever que se tem de não obstruir o debate livre e pleno de iniciativas apresentadas no exercício de direitos regimentais."

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - "Acresce que, no plano político, a impugnação se funda numa concepção inaceitável segundo a qual todas as opções constantes da lei orçamental se tornam inquestionáveis, ficando protegidas por uma espécie de imunidade à crítica e à expressão livre de propostas e ideias alternativas.
Surpreendentemente, o debate em Comissão trouxe uma novidade, só insinuada no parecer: a suspensão operada vai expirar - segundo anunciaram os Deputados da coligação - em 31 de Dezembro de 2002. Ora, ou isso representa uma mistificação tendente a sugerir que a norma orçamental aprovada pelo PSD e PP seria incontestável na presente fase, o que seria falso, uma vez que é lícito combater legislativamente uma situação tão gravosa como a suspensão do crédito bonificado, ou, então, trata-se de um facto político novo, prenunciador do recuo do Governo nesta matéria, a carecer de confirmação."

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para intervir sobre esta matéria e respeitando a regra da alternância, dou a palavra ao Sr. Deputado António Filipe, que dispõe de 3 minutos.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Subjacente a este recurso, há uma questão de fundo e uma questão processual.
A questão de fundo é a de que o PSD e o PP não querem discutir o problema do crédito jovem para habitação.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - Querem evitar o debate público sobre uma matéria com grande relevância para os portugueses, particularmente, para os jovens e para as famílias. Esta é a questão de fundo!

Protestos do CDS-PP.

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A questão processual, que é a do recurso de impugnação da inconstitucionalidade, é um meio para atingir a questão de fundo.

Vozes do PCP e do PS: - Muito bem!

O Orador: - E é um meio bastante frágil. Porque o que o parecer vem dizer, dando razão aos recorrentes, é que há uma reserva de iniciativa do Governo nesta matéria.
Ora bem, o que acontece é que o Governo alterou as condições de vigência de um decreto-lei de 1998 - o Decreto-Lei n.º 349/98, que estabelece o regime jurídico de concessão de crédito à habitação própria - e agora vem dizer que, por ter feito essa alteração no Orçamento rectificativo, passou a ter o monopólio da iniciativa legislativa sobre essa matéria. Não pode ser! Porque, a ser assim, o Governo, a partir do momento em que inscrevesse uma matéria num Orçamento do Estado, através de qualquer "cavaleiro orçamental" - que é a designação da técnica de legislar sobre outras matérias utilizando o Orçamento do Estado -, passaria a ser a única entidade com iniciativa legislativa na matéria. Isso não está escrito em lado nenhum. Isso seria uma subversão completa dos direitos de iniciativa legislativa dos Deputados e dos grupos parlamentares. Era o que faltava que o Governo passasse a ter o exclusivo da iniciativa legislativa de todas as matérias sobre as quais os Orçamentos do Estado legislam!
A segunda questão tem a ver com o facto de a inconstitucionalidade que resultaria da violação da lei-travão ter sido suprida por um aditamento que os proponentes acrescentaram, o que retira qualquer objecto ao recurso, visto que, se o projecto de lei é inconstitucional porque não pode vigorar este ano, ninguém propõe que ele vigore este ano, só se propõe que vigore a partir do ano que vem. E, então, disseram os Srs. Deputados da maioria, com muita veemência, na 1.ª Comissão, que esta norma do Orçamento rectificativo caduca no final do ano 2002. No entanto, não me parece ser esse o entendimento do Governo, porque, a partir do momento em que não apresentou na proposta de lei do Orçamento do Estado para 2003 qualquer substituição dessa norma, das duas, uma: ou o Governo quer abandonar esta alteração legal, dando, assim, razão aos proponentes e considerando que a iniciativa tem todo o fundamento, ou, então, considera que o parecer que os senhores aprovaram não tem pés nem cabeça e, portanto, nem sequer passou pela cabeça do Governo que esta norma não continuasse a vigorar em 2003.
Este parecer não faz o mínimo sentido. Votámos contra ele na 1.ª Comissão e manteremos o nosso voto no Plenário.

Aplausos do PCP e de Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro, que dispõe de 3 minutos.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria de dizer que aquilo que este recurso da maioria de direita pretende esconder, aquilo que, no hermetismo da linguagem, está omitido é o desejo de fugir à discussão que uma iniciativa, neste caso, do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, pretendia colocar.
Porque a memória se está a apagar, parece-nos bom relembrar que se trata da discussão de uma mais-valia social extremamente importante que, desde 1976, permitia a muitos cidadãos, particularmente os mais jovens, terem acesso à habitação. É o direito à habitação que essa medida permitia. É essa possibilidade de discussão, particularmente importante para os jovens, para aqueles que não têm outra possibilidade de ter uma casa, que a maioria de direita pretende inviabilizar.
Este recurso é destituído de sentido, mas, sobretudo, traduz uma enorme hipocrisia e um enorme medo - pela primeira vez, tão claramente traduzido! - de afrontar a discussão, de confrontar a diferença entre as promessas eleitorais e a governação, que, desde logo, as contrariou.
Este recurso é a fuga à discussão e é um precedente grave que não só pretende amordaçar mas também fugir à responsabilidade que a discussão pública desta medida tão antipopular e tão anti-social traduz, em última análise.

Vozes do PS e do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, que dispõe de 3 minutos.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Isabel Castro, V. Ex.ª não tem razão e, se de hipocrisia política tivéssemos de falar, melhor exemplo não arranjaríamos do que a intervenção que acabou de fazer. E vou dizer-lhe porquê, Sr.ª Deputada.
O Partido Socialista, com grande demagogia, apresentou aqui um projecto de lei, à pressa, para tentar alterar um artigo 5.º de um Orçamento rectificativo ainda durante o ano económico em curso e durante o período em que ele estava em vigor.
Percebendo da asneira que tinha feito, porque violava a lei-travão, com uma habilidadezinha - que, em todo o caso, não passou despercebida -, apresentou um aditamento, dizendo que, afinal, isto já só produziria efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2003, o que nos traria, nesta trapalhada, a este resultado absurdo: o Partido Socialista, com o seu projecto de lei, queria revogar o artigo 5.º do Orçamento rectificativo, atribuía-lhe efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2003, o que significa que, quando esses efeitos entrassem em vigor, já o Orçamento rectificativo tinha caducado, pelo que seria "pior a emenda que o soneto".

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - É isso!

O Orador: - Ou seja, o Partido Socialista queria repor em vigor um artigo de um diploma que já estava caduco. Como é evidente, isto não cabe na cabeça de ninguém, nem dos Srs. Deputados que, com uma trapalhada, quiseram fazer uma trapalhada ainda maior para enganar toda a gente, mas sem que o consigam fazer.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Mais, Srs. Deputados: isto que os Srs. Deputados do Partido Socialista quiseram fazer foi também uma profunda batota política. E porquê? Porque quiseram voltar a discutir o que já tinha sido discutido e votado.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Orçamento rectificativo foi discutido, artigo a artigo - e, logo, também

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o artigo 5.º sobre o qual, agora, o Partido Socialista pretendeu legislar novamente -, e foi votado.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Ora, se os portugueses democraticamente representados neste Plenário discutiram o artigo 5.º do Orçamento rectificativo e entenderam votá-lo favoravelmente, que legitimidade tinham, agora, os Srs. Deputados do Partido Socialista para querer voltar a discuti-lo,…

O Sr. José Magalhães (PS): - Toda!

O Orador: - … para, novamente, tentarem fazer incidir uma votação sobre esse artigo? Não tinham legitimidade, nem jurídica nem política.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Óbvio!

Protestos do PS.

O Orador: - Os Srs. Deputados do Partido Socialista podem querer confundir e baralhar os portugueses com estas trapalhadas, já que ideias não têm, mas não o farão contra a lei, contra a Constituição. Pelo menos, enquanto depender de nós, certamente não conseguirão fazê-lo.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães, que dispõe de 3 minutos.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Historicamente, é a primeira vez que uma maioria parlamentar ousa abortar - é a palavra! - o agendamento potestativo de uma iniciativa da oposição. Isso suscita-nos, desde já, quatro reflexões e um protesto. Um protesto pela prepotência e quatro reflexões do teor que passo a expor.
Primeiro: porquê, Srs. Deputados, desautorizar o Presidente da Assembleia da República, que admitiu esta iniciativa que é plenamente constitucional?

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Segundo: que estranho conceito de Constituição tem esta maioria, que aceita grosseiras enormidades constitucionais quando vêm do Governo e tem um olho oblíquo e cruel em relação a tudo o que a oposição apresenta?
Terceiro: como é possível uma "inventona" tão absurda em torno de um projecto de lei que, pura e simplesmente, visa repor, a partir de Janeiro de 2003, o crédito bonificado à habitação, tema satânico para a maioria?
Quarto: Srs. Deputados, o crime não compensa, e esta tarde deve servir-vos de lição.
Vamos ao primeiro tema.
O que propõem a JS e o PS? Que, a partir de Janeiro, cesse a suspensão dos contratos de crédito bonificado à habitação.
O Governo enxertou no Orçamento do Estado uma norma que altera o Decreto-Lei n.º 349/98. Poderia tê-lo feito à parte, mas fê-lo no Orçamento. Esse "cavaleiro orçamental", esse rider, como se diz na metalinguagem orçamental, diz a maioria que se torna inalterável. À oposição seria vedado doravante propor alterações; só do Governo poderia partir essa iniciativa.
E o Governo diz outra coisa: que a norma que suspendeu o crédito bonificado, declaração risível!, caduca em 31 de Dezembro deste ano.
Srs. Deputados, estão a brincar com a nossa paciência e estão a gozar com a inteligência dos cidadãos portugueses!

Aplausos do PS.

Mais: se esta norma caducasse a 31 de Dezembro, Sr. Deputado Nuno Melo - ó arauto lúcido da oposição obstrucionista! -, então, a suspensão decretada pelo projecto do PS a partir de Janeiro seria completamente legítima, talvez redundante, mas inconstitucional, nunca! O seu argumento é ilógico e despropositado.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Segundo, é completamente descabida, aliás, delirante, a "inventona" segundo a qual, quando ao Governo "encha" o Orçamento de "cavaleiros orçamentais", fica bloqueado durante um ano, não menos, o direito da oposição a apresentar iniciativas sobre o mesmo tema para alterar, revogar, modificar - uma espécie de "rolha" anual.

Protestos do Deputado do CDS-PP Narana Coissoró.

Essa tese não tem acolhimento nenhum. O Tribunal Constitucional, num notável acórdão que o Sr. Deputado Nuno Melo não leu,…

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Leu, leu!

O Orador: - Alguém o transcreveu, mas não leu!
Como dizia, o Tribunal Constitucional, num notável acórdão do Sr. Relator, Conselheiro António Vitorino, explicou que a inserção de "cavaleiros orçamentais" não os protege com o mesmo regime das normas verdadeiramente orçamentais. Essa jurisprudência, Sr. Deputado, não está na vossa mão, para tranquilidade de todos nós.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha esgotou-se, pelo que peço para concluir.

O Orador: - Em terceiro lugar, e vou concluir, se o parecer do Sr. Deputado Nuno Melo fosse levado a sério,…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Vai ser!

O Orador: - … então, seria possível meter no "bojo" do Orçamento o código de trabalho, o Código Civil, o Código Penal, a lei da imigração, não importa o quê, e, durante um ano, os Deputados estariam proibidos de alterar essas normas, o que é uma tese absolutamente ridícula e despropositada.
Por último, Srs. Deputados, o crime não compensa, porque, a seguir, vamos discutir crédito bonificado, inevitavelmente.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - Os Srs. Deputados não nos calam, nem agora, nem no debate orçamental, nem na apreciação do decreto que o Governo há-de fazer, mentindo vergonhosamente.

Aplausos do PS.

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Não nos calam! Impedem isto mas não nos calam!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã, que dispõe de 3 minutos.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje é um dia fausto e clarificador porque se fica a saber que as alternativas, que têm de ser escolhidas entre um debate de fundo sobre as opções para o País, são obstaculizadas por todo este emaranhado de subterfúgios e de expedientes em que a maioria quer refugiar-se. É tanto mais significativo quanto, hoje mesmo, enquanto decorre uma greve cujo simbolismo democrático vos esmaga, seja através deste tipo de expedientes que se procure evitar um debate político sério.
Não há argumentos da parte da maioria. E nem o esforço a que vamos assistir a seguir modificará esta constatação.
Dizem-nos: "Tranquilize-se o País! Esta proposta de suspensão do crédito bonificado era só para durar entre Setembro e Dezembro; caduca em Dezembro". Foi provado, e bem, que não caduca em Dezembro. E se se submeterem ao ridículo de apresentar uma proposta ao Orçamento para prolongar esta situação, a Ministra Manuela Ferreira Leite puxar-vos-á as orelhas porque, evidentemente, a suspensão permanecerá até ser revogada e não depende do prazo de vigência deste Orçamento.
Quero ver o dia, o argumento e a credibilidade que restará quando essa proposta surgir…!
Ora, o que realmente aqui está em discussão não é só um direito potestativo de um grupo parlamentar, que é um direito constitucionalizado, é a própria consideração, é saber se é ou não tema deste Parlamento, se é ou não legitimidade deste Parlamento, se é ou não dever deste Parlamento ser o centro da actividade legislativa. Estamos a confrontar aquilo que é o princípio da responsabilidade que nos levou a candidatar e a ser eleitos, como Deputados ou Deputadas, contra o princípio da governamentalização extrema.
Alguns poderão aceitar, porventura de boa vontade, porventura de bom grado, que o Parlamento pode ser um "botão" da maioria governamental ou que o Parlamento até pode ser um "terminal" do Dr. Marques Mendes. Compreendam que a oposição, e até a democracia, não pode aceitar este princípio.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Nunca pode ser excluído do debate parlamentar nenhum princípio legislativo fundamental que seja da competência do Parlamento.
Podem dizer-nos que, no âmbito da reserva relativa, se pode mandatar o Governo por via da autorização legislativa. É certo. E desde quando é que isso implica a amputação da capacidade parlamentar de decidir sobre estas matérias?
Se vigorasse o ponto de vista, absolutamente inédito, que, hoje, a maioria aqui apresenta com más razões, ficaria o Parlamento diminuído da sua capacidade de actuar em todas as matérias que, a propósito ou a despropósito do debate orçamental, configuram direitos e deveres fundamentais dos cidadãos, em relação ao fisco, em relação à Administração e em relação a matérias que são previstas na lei.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, faça favor de concluir.

O Orador: - Concluo, Sr. Presidente, dizendo que o que vamos votar realmente não é saber se a maioria tem ou não razão, nem sequer é saber se estes argumentos são precedentes porque tantos Deputados votarão o parecer com vergonha. O que vamos votar é determinar se este Parlamento se respeita ou, pelo contrário, se quer amputar-se das suas capacidades em nome desta passageira maioria governamental.

Aplausos do BE, do PS, do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra, igualmente por 3 minutos, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estava a ouvir o Sr. Deputado Francisco Louçã e estava a lembrar-me que ele deveria ser o último Deputado desta Câmara a poder dizer o que acabou de dizer.
Então, o Sr. Deputado Francisco Louçã tem o despudor de vir agora aqui dizer que a maioria está a tentar amputar a discussão de um tema e que isso é o maior crime contra a democracia, quando o Sr. Deputado foi o único que, nesta Legislatura, já apresentou um recurso de admissibilidade relativamente a uma proposta de lei, apresentada pelo Governo, de alteração à Lei de Televisão, exactamente com o objectivo de impedir que fosse debatida e votada neste Parlamento a aprovação da alteração à lei da televisão?!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Que descaramento!

O Orador: - De facto, é preciso ter uma memória muito curta para o Sr. Deputado poder vir argumentar deste modo…
Vejo que o Sr. Deputado Francisco Louçã já está a pedir a palavra para exercer o direito de defesa da honra. Ora essa, em que é que ofendi a sua honra?! Falar verdade e lembrar verdades, para vós, é ofender a honra e consideração das bancadas?!

O Sr. José Magalhães (PS): - Rico exemplo! É que essa verdade é grosseira!

O Orador: - Sr. Presidente, relativamente a esta matéria, ouvi a leitura do relatório, ouvi a leitura de um "contra-relatório" e ouvi, depois, dizerem que a maioria tinha medo. Portanto, "em pânico", a maioria - ou o PSD, porque o CDS-PP já falou - vai apenas reafirmar aqui uma verdade nua e crua, que os senhores talvez não gostem de ouvir mas que tem de ser dita. O Governo, apoiado por esta maioria, decidiu, e bem, acabar com o crédito bonificado à habitação.

O Sr. José Magalhães (PS): - Suspender!

O Sr. António Costa (PS): - Afinal, é só suspender!

O Orador: - No Orçamento do Estado para 2002, para se manter a celebração das escrituras até ao dia 30

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de Setembro, foi apenas criada uma suspensão. Mas é evidente que o Governo não recuará um milímetro.
Os senhores podem, em 2003, 2004 ou 2005, vir apresentar medidas que não se justifiquem, como esta, mas, enquanto esta maioria e este Governo estiverem em funções, pode ter a certeza, Sr. Deputado, que a maioria, embora "em pânico", como diz a Sr.ª Deputada Isabel Castro, manter-se-á firme…

O Sr. José Magalhães (PS): - E hirta!

O Orador: - … nesta decisão de colocar nos seus estritos eixos aquilo que é uma política correcta de crédito à habitação.
Assim sendo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, vamos votar o recurso, não o "contra-recurso", vamos votar o relatório, não o "contra-relatório", como da outra vez votámos também em relação à Lei de Televisão. É que a democracia faz-se pelo voto e não por declarações inflamadas contra ela mesma, como os senhores acabaram de fazer.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não fundamentou em nada o recurso!

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, não é para uma defesa da honra da bancada, mas para fazer um protesto.

O Sr. Presidente: - E sobre que matéria, Sr. Deputado?

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sobre a intervenção que acabei de ouvir, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Peço-lhe que seja breve, Sr. Deputado, para podermos prosseguir o nosso trabalho.
Tem a palavra.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, o Deputado Marques Guedes resolveu convocar para este debate o facto de ter havido um precedente, que é verdadeiro, de que nesta Assembleia foi apresentado um recurso de admissão pela Mesa de um diploma, com fundamento em inconstitucionalidade, a respeito da Lei de Televisão. É certo! Mas o Sr. Deputado deixa de ter razão, quando argumenta que para os proponentes o motivo desse recurso foi o de evitar o debate. Não foi! Foi estritamente o de considerar a inconstitucionalidade da matéria que estava a ser proposta, com precipitação, por parte do Governo. E quero lembrar-lhe, Sr. Deputado, que o Presidente da República e o Tribunal Constitucional deram razão ao fundamento desse recurso.

Vozes do PS: - Bem lembrado!

O Orador: - É muito mal convocado esse ponto de partida, porque justamente é nossa obrigação, como parlamentares que somos, apresentarmos, em defesa da Constituição,…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - … todas as iniciativas que limitem um debate que seja extemporâneo.
O que estamos a discutir, nessa altura como hoje, é se é ou não fundamentado constitucionalmente o recurso; estamos a discutir a substância. No passado, o Presidente da República e o Tribunal Constitucional deram-nos razão;...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Francisco Louçã, já excedeu o seu protesto, repetindo os seus argumentos.

O Orador: - … agora, não haverá ninguém de bom senso que não nos dê razão.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, pretende fazer um contraprotesto?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, dar-lhe-ei o mesmo tempo de que dispôs o orador anterior.
Tem a palavra.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, não usarei tanto tempo.
Registo o esforço do Sr. Deputado Francisco Louçã para tentar tapar a evidência, percebo a dificuldade com que tentou fazê-lo, mas eu "ofereço o merecimento dos autos". Aquilo que o senhor e todas as bancadas da oposição tentaram fazer relativamente à Lei de Televisão foi exactamente aquilo que eu disse e toda a gente sabe que foi.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encerrado o incidente, estamos em condições de votar. Para este efeito, quero assinalar que a Mesa fez, há pouco, uma verificação do quórum e, na altura em que foi feita a contagem (de qualquer modo, agora, o quórum está garantido, apesar de a contagem estar um pouco desactualizada), encontravam-se presentes na Sala 2 Deputados de Os Verdes, 3 Deputados do BE, 5 Deputados do PCP (agora, estão presentes 9), 11 Deputados do CDS-PP, 80 Deputados do PS e 92 Deputados do PSD.
Srs. Deputados, vamos votar o parecer, apresentado pela 1.ª Comissão, sobre o recurso, interposto pelo PSD, de admissão do projecto de lei n.º 139/IX - Revoga o artigo 5.º da Lei n.º 16-A/2002, de 31 de Maio (Primeira alteração à Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, que aprova o Orçamento do Estado para 2002) (PS).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e votos contra do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

Fica, portanto, precludida a discussão do projecto de lei n.º 139/IX.
Srs. Deputados, passamos ao debate, na generalidade, do projecto de lei n.º 140/IX - Cria uma base de dados em que constam as informações a prestar pelas instituições

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de crédito mutuantes em relação a cada um dos contratos de empréstimo bonificado à habitação (PS).
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Jamila Madeira.

A Sr.ª Jamila Madeira (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Depois de um momento triste, mas único, da democracia portuguesa; depois de todos nos depararmos com a bizarra forma como este Governo de direita lida com a oposição e a divergência de opiniões; depois de a maioria parlamentar tentar pôr uma rolha e calar a oposição; depois de estar provado perante este Plenário quem quer aumentar a justiça social no nosso país e está disponível para discutir isso; depois de tudo isto, cabe-me a mim fazer a apresentação do projecto de lei n.º 140/IX, que visa a construção de uma base de dados que permite combater a fraude no crédito bonificado.
Este Governo é mau em doses cumulativas, tem tendência para exponenciar os efeitos negativos das políticas. Em tudo o que toca, estraga, qual embruxado passo de mágica. Parece firme na convicção de contrariar o que dizia o célebre Lord Beveridge (pai da Welfare, para quem não saiba). De facto, enquanto este dizia que "o Estado deve apoiar a vida dos cidadãos (…) do berço até ao túmulo", o Dr. Durão Barroso diz que o Estado deve prejudicar a vida dos cidadãos do berço até ao túmulo.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Assim, imaginemos que temos perante nós o parecer, dado pela assessoria do gabinete do Sr. Primeiro-Ministro sobre esta matéria, para sua douta decisão. Diziam, nesse parecer, estes assessores: Temos perante nós dois caminhos possíveis. Um primeiro caminho é o da suspensão. Esta opção tem nefastas repercussões económicas, mas, e sobretudo, causa graves problemas sociais, particularmente entre os mais jovens e de menores recursos. Esta medida pode ser justificável numa necessidade de reduzir a despesa pública e, por isso, corrigir uma crise orçamental. No entanto, a supensão do crédito bonificado não poupa nada aos cofres do Estado, em 2002, nem apresenta poupanças significativas até ao fim da presente década.
O Governo pode tentar justificar esta medida com a existência de alguns casos de utilização fraudulenta, suspendendo a bonificação de juros do crédito para a aquisição de habitação, em detrimento do reforço da fiscalização, tratando, assim, injustamente e de igual forma cumpridores e infractores.
No entanto, este caminho necessita ainda de medidas demagógicas que permitam ludibriar a população e fazê-la supor que servem para compensar os danos causados - refere ainda esta assessoria.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Jamila Madeira, desculpe a interrupção.
Sr.as e Srs. Deputados, peço silêncio. Agradeço que as conversas laterais sejam tidas a latere da Sala das sessões, portanto, nos corredores. Se há assuntos administrativos a tratar, também devem ser tratados nos corredores.
Tenha a bondade de continuar, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Obrigada, Sr. Presidente.
Primeiro, o Governo tem de passar a ideia de que vai apoiar o arrendamento e que assim as coisas estão compensadas: anuncia que pretende fazer um novo esforço financeiro, traduzido na vontade de atribuir novos incentivos ao arrendamento jovem.
Tudo isto só pode ser anúncio, pois esta medida é muito cara, muito mais cara do que o crédito bonificado (custa cerca de quatro vezes mais, por mês, por contrato de apoio), o que implicaria um aumento do esforço financeiro do Estado, para além de que a existência de alguns casos de utilização fraudulenta podem torná-la ainda mais pesada.
Teria ainda o Governo de alargar o prazo dos empréstimos para além de 30 anos, porque esta é uma medida inócua para os jovens e, sobretudo, para aqueles que têm menores recursos, pois não é crivel que as instituições bancárias concedam empréstimos a jovens e a famílias mais carenciadas para além do prazo de 30 anos, uma vez que estas pessoas apresentam mais riscos. Esta medida vai apenas beneficiar os interesses estabelecidos e os poderosos lobbys, mas, no entanto, não custa nada ao Estado.
Um segundo caminho seria o da manutenção do bonificado e o combate à fraude.
Este caminho exige a manutenção do crédito bonificado reajustado durante a vigência do governo do PS, com um tecto máximo de 20 000 contos (cerca de 99 800 euros) para a bonificação mínima, um instrumento que permitiu, em 2001, a cerca de 70 000 famílias de baixos recursos adquirirem as suas casas.
Paralelamente, implementa-se um rigoroso quadro de informações cruzadas com os. diversos serviços competentes, o que nos permite detectar quem está a falar verdade ao Estado.
Este combate à fraude visa não só impedir erros e omissões relativamente a futuros contratos de crédito bonificado, supondo a sua manutenção, mas também avaliar permanentemente as anteriores contratualizações, no sentido de avaliar a sua veracidade. Esta medida permite antever um muito considerável aumento da receita directa derivada de uma fiscalização rigorosa, mas criará, obviamente, pressões incómodas sobre os poderosos.
Este caminho não necessita de medidas compensatórias para a população nem para as empresas (refere ainda esta assessoria). Porquê? Porque esta medida, nestes termos, só apoia os mais fracos e os que precisam do apoio do Estado. Para além disso, cria sinergias no meio empresarial propícias ao desenvolvimento económico e à travagem do abrandamento económico, podendo mesmo conduzir a um aumento da receita fiscal do sector da construção civil, muito superior à pouco expressiva economia conseguida se o crédito bonificado fosse suspenso em 2002, 2003.e 2004.
E finaliza: "À consideração do Sr. Primeiro-Ministro, Dr. José Manuel Durão Barroso".
O Primeiro-Ministro leu este relatório e, na sua ânsia absolutamente imparável de deixar o País no caos, para que posteriormente qualquer benfeitoria sua seja vista como um feito heróico, optou pelo primeiro caminho. Mas, definitivamente, esta foi a resposta errada. A resposta errada, porque esta não é a vontade dos portugueses;…

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - … a resposta errada, porque os danos colaterais fizeram-se sentir; a resposta errada, porque se tinha esquecido de verificar se esta medida se enquadrava no Programa do Governo.

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Perante este caos preconizado pelo Governo, a oposição reagiu. A juventude socialista foi ouvir os portugueses e iniciou a implementação da segunda opção, do segundo caminho, o único caminho socialmente justo: era preciso repor o bonificado e combater a fraude.
Mas as falhas do Primeiro-Ministro não podiam vir à tona e, mesmo que todos nos afogássemos em tantas falhas às promessas eleitorais e medidas prejudiciais ao País, havia que silenciá-las. Já havia quem dissesse que os jovens vão passar a chamar ao senhor Primeiro-Ministro, imagine-se, Pinóquio Barroso, e isso não podia ser!
E rapidamente o "esquadrão armado" da maioria parlamentar entrou em acção. Pensou, pensou, pensou,…

O Sr. José Magalhães (PS): - Mal!

O Orador: - … e não encontrou nenhuma solução. Então, temos de a criar! - retorquiram em uníssono. Assim o disseram, assim o fizeram. E, verdade seja dita, criatividade não lhes faltou.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 140/IX, que estamos a discutir, não se sente amputado pela perda do seu par. A sua legitimidade e a sua oportunidade política mantêm-se inabaláveis.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - O projecto de lei que discutimos assume-se como instrumento de política social, mas também como uma prova de responsabilidade e um desafio para avaliar quem está verdadeiramente empenhado na luta contra a fraude.

O Sr. José Magalhães (PS): - Oiçam!

O Orador: - É a diferença entre quem corta de forma cega e só aumenta os impostos aos cumpridores e quem, militante da justiça social, insiste em lutar para que a lei não beneficie o infractor.

Aplausos do PS.

O seu desafio, o nosso desafio, é grande: combater os interesses instalados no nosso País. A coragem será daqueles, que assumirem o desprendimento de nada terem que ver com esses interesses.
Assim, desafio todos os Deputados desta Câmara, mas muito particularmente aqueles que representam as juventudes que sustentam este Governo, a juntarem a sua voz à nossa e a colaborarem na aprovação deste projecto de lei.
Mas desafio também, do alto desta tribuna, o Governo, o Governo de direita, o Dr. Durão Barroso, a que volte atrás com uma medida precipitada que tomou e para a qual não apresentou alternativas, penalizando mais uma vez milhares de jovens, e a que, pelo seu próprio punho, reponha o regime de crédito bonificado à habitação, fazendo prevalecer a justiça social perante o autismo expressamente revelado pela maioria parlamentar.
Sr. Primeiro-Ministro, a indiferença mata, mas, muito particularmente neste caso, ela mata a justiça social neste País!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.
Dispõe de 3 minutos.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Sr.ª Deputada Jamila Madeira fez um desafio aos Deputados eleitos pelas estruturas de juventude que apoiam este Governo e é um desafio que, naturalmente, aceito com satisfação.
Aceito discutir esta matéria se o fizermos com rigor. E o primeiro pedido que quero fazer-lhe é que nos diga qual era o valor das taxas de juro quando foi instituída esta medida do crédito bonificado à habitação jovem, que é para sabermos se estamos a falar da mesma coisa, para sabermos do que é que estamos a falar hoje e do que é que falávamos há 20 anos, para sabermos qual é a relevância do crédito bonificado hoje e qual era a sua relevância quando foi instituído.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Disse a Sr.ª Deputada, tentando ter uma tirada humorística na sua intervenção, que tudo o que este Governo tocava, estragava. Segundo aquilo que penso, para estragar alguma coisa é preciso que ela seja boa, que funcione. E vou dar-lhe alguns exemplos, Sr.ª Deputada.
Será possível estragar uma política que levou o Estado português a ter um défice de 4,1%? Pensa que é possível estragar isso ou que é possível concertar isso?
Considera que é possível estragar um legado de um governo que, em relação ao crédito bonificado à habitação jovem, em 2000, resolveu tomar uma medida de redução da taxa de 6,5% para 5,5%, com efeitos retroactivos? Pensa que é possível estragar uma medida desse género?
Ou pensa que é possível estragar - falando-lhe de uma realidade que conhece particularmente - um crédito bonificado que tinha o Algarve como a terceira zona do País com maior volume e como a zona de maior recurso per capita? Ou seja, das duas uma: ou só os jovens algarvios é que se preocupavam com o crédito bonificado à juventude ou, então, havia fraude! Essa é que é a verdade, e a Sr.ª Deputada conhece-a perfeitamente!

Aplausos do CDS-PP.

Ou, os jovens portugueses só escolhiam um certo tipo de actividade - porque se olharmos para a distribuição geográfica da concessão do crédito bonificado à habitação reparamos que a tendência para o litoral, e principalmente para as zonas balneares, é acentuadíssima -, só os surfistas recorriam ao crédito bonificado à habitação ou, então, esse crédito era usado para segundas habitações, para habitações de fim-de-semana e de férias e, portanto, não desempenhava o valor social que deveria desempenhar.
Outra questão, Sr.ª Deputada: este Governo, de facto, tocou no crédito bonificado à habitação.

O Sr. José Magalhães (PS): - Mal!

O Orador: - Tocou como medida de contenção de algo que custou ao Estado português, em 2002, 500 milhões de euros, tocou por uma necessidade de equilibrar as finanças públicas, não as que nos deixou um governo

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de direita, mas a que nos deixou seis anos de governação socialista.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se.
Tenha a bondade de concluir.

O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente.
O que quero perguntar-lhe é se pensa que o que é demagógico é defender o que aqui defendeu sem considerar minimamente a realidade do Estado português neste momento, ou se é ter isso em conta, como fez este Governo, e tomar medidas sem efeitos retroactivos - ao contrário do que quis fazer o governo socialista -, de uma forma equilibrada, criando ao mesmo tempo medidas compensatórias, como é o fim do limite temporal ao pagamento dos empréstimos à habitação.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Jamila Madeira.
Informo-a de que depois terá mais um pedido de esclarecimento.

A Sr.ª Jamila Madeira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Pinho de Almeida, muito obrigado pela sua pergunta, mas, obviamente, estamos aqui perante um conflito, um conflito de interesses desta Assembleia, muito particularmente deste Plenário, porque, há escassos minutos atrás, através de votação, foi determinada a impossibilidade discutirmos aqui o crédito bonificado…

Protestos do Deputado do CDS-PP Nuno Teixeira de Melo.

… e as únicas questões que o Sr. Deputado me colocou foram exactamente sobre o projecto que impediu que fosse aqui discutido.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exactamente!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Foi a única coisa de que falou!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - A nós também não nos calarão!

A Oradora: - Mas, de qualquer modo, não tenho problema nenhum em responder-lhe. Aliás, é com muito agrado que lhe pergunto se já questionou o seu líder sobre a opinião que ele proferiu a 30 de Maio de 2000, no Diário Económico, em que diz que é preciso defender os jovens que hoje têm uma prestação muito maior para pagar…

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Por causa da Portaria n.º 12/2000!

A Oradora: - … e, sobretudo, que é inaceitável a política de redução da taxa de bonificação.

Vozes do PS: - Convém ler outra vez!

A Oradora: - Posso lê-la outra vez: "O líder do Partido Popular considerou ontem ser inaceitável a política de descida da bonificação dos juros (…)" - e falava só da descida, nem sequer era da suspensão total -…

O Sr. António Costa (PS): - O Dr. Paulo Portas é um troca-tintas!

A Oradora: - … "(…) que está a afectar os jovens, particularmente aqueles que casam e pensam em adquirir a sua primeira habitação" - dixit o Sr. Dr. Paulo Portas.

O Sr. José Magalhães (PS): - É troca-tintas!

A Oradora: - Efectivamente, ele estava preocupado com os jovens, tal como estava preocupado com um conjunto de coisas, a ética, a moral, das quais, efectivamente, se tem esquecido desde que foi para o Governo.
O que é certo é que até a proposta de Orçamento do Estado desmente o Sr. Deputado. O Sr. Deputado diz que esta medida é para poupar, mas o relatório da proposta de Orçamento de Estado entregue pelo Governo apoiado por VV. Ex.as a esta Assembleia, na página 42, assume que não haverá nenhum tipo poupança - é o 3.º parágrafo, se tiver oportunidade de ler.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Não se esqueça do Algarve!

A Oradora: - Portanto, é preciso perceber quem é que está a estragar e se, efectivamente, vale a pena mexer! Se é para estragar, se não há poupança alguma…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Há, há!

A Oradora: - Sr. Deputado, vote favoravelmente este projecto de lei, assuma que quer combater a fraude e que não está, efectivamente, em consonância com os poderes instalados e com os poderosos lobbies que o seu Governo insiste em defender.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado João Pinho de Almeida pediu a palavra para que efeito?

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr. Presidente, queria pedir o auxílio da Mesa no sentido de poder esclarecer que a Sr.ª Deputada Jamila Madeira tentou usar as declarações do Presidente do CDS-PP de uma forma deturpada em relação a uma matéria concreta.

Vozes do PS: - Oh!

O Orador: - A Portaria n.º 12/2000 tinha, verdadeiramente, efeitos retroactivos, ao contrário da medida tomada por este Governo. Solicitava, portanto, à Mesa que distribuísse uma cópia da Portaria n.º 12/2000.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Por favor, faça-a chegar à Mesa, que mandarei distribui-la.
A Sr.ª Deputada Jamila Madeira pediu a palavra para que efeito?

A Sr.ª Jamila Madeira (PS): - Para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente: - Sobre que matéria, Sr.ª Deputada?

A Oradora: - Sobre a mesma matéria, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

A Sr.ª Jamila Madeira (PS): - Sr. Presidente, gostaria de solicitar à Mesa que distribuísse aos Srs. Deputados cópia das declarações feitas pelo Presidente do CDS-PP, no Diário Económico, dado que há aqui uma notória desarticulação entre os Deputados do PP e as posições políticas do seu líder relativamente ao mesmo conteúdo.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Nenhuma desarticulação!

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, a Mesa irá proceder à distribuição desses documentos, que são, com certeza, do maior interesse.
O Sr. Deputado Telmo Correia pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Para defesa da honra da bancada, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Qual é a matéria da ofensa, Sr. Deputado?

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, a referência à "desarticulação" entre as palavras do Presidente do CDS-PP e as interpretações da bancada é, para nós, ofensiva.

O Sr. António Costa (PS): - Era um elogio!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, com toda a franqueza, não me parece que tal seja ofensivo. Mas, se insiste em falar, dar-lhe-ei a palavra, pois não gosto de cortar a palavra a ninguém. Em todo o caso, não me pareceu ouvir grande agravo na intervenção da Sr.ª Deputada Jamila Madeira - precisamos de ter a "pele" um pouco dura, senão nunca mais saímos daqui!
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, aproveitaria esta oportunidade para esclarecer a Sr.ª Deputada Jamila Madeira - e a bancada do Partido Socialista - que as declarações do Dr. Paulo Portas, que citou por várias vezes, existem, são do nosso conhecimento e têm uma razão simples: referem-se a uma portaria do ex-ministro Pina Moura - a Portaria n.º 12/2000, caso não tenha ficado claro para a Sr.ª Deputada nem para os Srs. Deputados José Magalhães e António Costa, que já solicitámos que fosse distribuída -, na qual a baixa da taxa e, portanto, a baixa das garantias existentes relativamente ao crédito bonificado jovem, é feita com efeitos retroactivos, prejudicando contratos que estavam em vigor e direitos adquiridos desses jovens.

Aplausos do CDS-PP.

Nós mantemos rigorosamente essa interpretação! Isso foi feito pelo governo do PS.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - A Sr.ª Deputada é da Juventude Socialista, mas penso que todos são do mesmo grupo, da mesma filiação…

Vozes do CDS-PP: - Mais ou menos!

O Orador: - O facto de serem jovens não os dispensa de serem da mesma filiação!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Estão desarticulados!

O Orador: - Nós dizemos o mesmo, e foi o que disse o Deputado João Pinho de Almeida.
O que o Governo agora fez - também ficou claro - foi suspender uma medida, e fê-lo por uma razão simples: não podíamos continuar no vosso caminho, mantendo o descontrolo das contas públicas como acontecia até agora.
Sr.ª Deputada, espero que este ponto tenha ficado entendido e espero que não vá por esse caminho outra vez.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado teve oportunidade de expor os seus argumentos e, ao abrigo do Regimento, tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Jamila Madeira, para dar explicações.

O Sr. José Magalhães (PS): - E que explicações, Sr. Presidente!

A Sr.ª Jamila Madeira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Telmo Correia, não estava à espera que pedisse a defesa da honra, como é evidente. Quando muito, a questão da desarticulação poderia ser, para si, um claro elogio, dado que o seu líder é, notoriamente, um troca-tintas, se tivermos presente o que ele disse quando estava na oposição e o que defende hoje, enquanto membro do Governo

Aplausos do PS.

Vozes do CDS-PP: - O quê?!

A Oradora: - Portanto, estamos a falar de posturas diferentes, nas quais espero que o Sr. Deputado não se inclua, naturalmente!
A nossa pergunta é se o Sr. Deputado está ou não disponível para sustentar uma proposta que visa combater, precisamente, o que o Sr. Deputado refere, ou seja, mais concretamente, os abusos, a fraude e a evasão fiscais que existem, ou existiram em tempos do Sr. Prof. Cavaco Silva, em virtude da alteração legislativa introduzida em 1991.
Digo-lhe mais: a Sr.ª Ministra das Finanças assumiu que não poupava nada com esta medida e incluiu no relatório da proposta do Orçamento do Estado para 2003 este parágrafo (já tive oportunidade de o dizer na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias) porque era essa, assumidamente, a sua intenção. E disse mais: disse que revogaria o bonificado, desse por onde desse!
Esta é uma decisão política que os senhores - do PP e do PSD - esconderam dos portugueses! Os senhores

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mentiram aos portugueses! Essa verdade é difícil de "engolir" e não há defesa da honra alguma que vos reabilite.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Jamila Madeira tem todo o direito de considerar as declarações dos dirigentes políticos como entender, mas parece-me que qualificar um dirigente político, qualquer que ele seja, como troca-tintas é uma expressão pouco parlamentar. Preferiria que utilizasse outra expressão qualquer e que essa não constasse do nosso léxico parlamentar.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Deputado Telmo Correia pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, tinha pedido a palavra unicamente para perguntar a V. Ex.ª se entendia que este tipo de expressão era próprio da linguagem parlamentar, mas, como V. Ex.ª se antecipou, nada mais tenho a dizer.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos à Sr.ª Deputada Jamila Madeira, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Nuno Sá.

O Sr. Jorge Nuno Sá (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Jamila Madeira, assistimos hoje à inauguração de um novo estilo e descobrimos que tem uma vocação nova, a de contar histórias… Fica-lhe bem!

Aplausos do Deputado do PSD, Guilherme Silva.

É uma nova contadora, cujas características apreciamos, só que veio aqui contar a "história da carochinha" e o que os portugueses viveram, nos últimos anos, foi um filme de terror, que correspondeu a uma governação desgovernada

O Sr. José Magalhães (PS): - Infelizmente, é a sério! É uma história triste!

O Orador: - O Sr. Deputado José Magalhães quer participar? Está hoje particularmente interventivo!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço-lhes que façam silêncio para ouvirmos o orador e podermos continuar os nossos trabalhos na ordem devida.
Faça favor de continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr.ª Deputada, queria reforçar a questão que o Sr. Deputado João Pinho de Almeida colocou e à qual ainda não respondeu, isto é, se consegue justificar por que é que o Algarve aparece, na "boa governação" que os senhores fizeram, como o terceiro distrito do País com mais crédito bonificado - isto sem falarmos em números per capita. Mas adiante…
Hoje, a Sr.ª Deputada veio aqui falar de diferentes questões e colocar vários desafios e pergunto por que razão não pediu contas ao PS pelo estado em que deixou o País, porque se o crédito bonificado tem de ser suspenso é devido ao estado das contas públicas do País! Isto já foi dito e redito nesta Assembleia e os senhores têm de o perceber, de uma vez por todas.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos do PS.

Por que é que a Sr.ª Deputada não vai perguntar, também, aos economistas da vossa área política por que razão eles diziam que o principal beneficiário desta medida era a banca e os bancos? Pode ser que lhe expliquem e que perceba, de uma vez por todas, que não está propriamente…

O Sr. José Magalhães (PS): - A Sr.ª Deputada é economista, não precisa de perguntar!

O Orador: - É economista mas, pelos vistos, não percebe! Pergunte aos economistas reputados da vossa área política qual a razão por que defendem esta medida!

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não está previsto haver diálogo, o Regimento é claro sobre a matéria.
Peço moderação à primeira fila da bancada do Partido Socialista
Faça favor de continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - Percebo que isto vos incomode, porque os senhores estão a tentar "chutar para canto" aquelas que são as vossas responsabilidades na actual conjuntura do País, e a Sr.ª Deputada Elisa Ferreira tem sido especialista nisso!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Os senhores estão a "chutar para canto" aquelas que são as vossas responsabilidades neste Orçamento do Estado!

Aplausos do PSD.

O Orçamento do Estado para 2003 ainda é, em larga medida, fruto da herança e da situação em que os senhores deixaram o País.
E já que hoje veio aqui desafiar a JSD e a JP a aprovarem as propostas que apresentam, aproveito para perguntar o seguinte, muito claramente: por que é que, até Março passado, não desafiou o seu governo a governar bem o País, para não deixar chegar ao descalabro e à situação a que chegaram as finanças públicas?

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Depois da cumplicidade que teve e que manteve activa, dificilmente poderá defender outras posições que não estas.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Jamila Madeira, que dispõe de 3 minutos.
Quem deve responder é a Sr.ª Deputada Jamila Madeira e não os outros Srs. Deputados. Por favor, façam silêncio.

O Sr. António Costa (PS): - É a articulação, Sr. Presidente!

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A Sr.ª Jamila Madeira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Nuno Sá, fiquei surpreendida pela sua "não pergunta". Efectivamente, o Sr. Deputado não está preocupado com as medidas de combate à fraude quando refere que o Algarve vem em terceiro lugar - e eu gostava de ver esses números, porque não os tenho nessa mesma medida!
Independentemente disso, é com todo o gosto que trago aqui, hoje, o projecto de lei n.º 140/IX, que visa exactamente combater qualquer tipo de fraude associado a qualquer tipo de medida!

Aplausos do PS.

O Sr. Jorge Nuno Sá (PSD): - Agora, que foi suspenso!

A Oradora: - O Sr. Deputado não o leu! O Sr. Deputado está com um problema porque não leu o projecto de lei, descurou-o! Só que o projecto de lei afecta os contratos que já estão em vigor e que anualmente têm de prestar contas, cruza informações e que permite saber.
Refiro-me àquelas casas de 100 000 contos que o Sr. Prof. Cavaco Silva validou, àquelas casas que o PS impossibilitou que continuassem a ser compradas! Sobre essas casas é preciso que se prestem contas ao Estado!

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Em vez de poupar trocos - e a Sr.ª Dr.ª Manuela Ferreira Leite já disse que não poupa um tostão e vai ter de o desautorizar oportunamente, se não quiser que lhe apresente uma credencial das suas declarações na Comissão de Economia -, com esta medida, o Sr. Deputado consegue não só poupar dinheiro ao Estado mas ainda aumentar a eficiência fiscal, aumentar a receita fiscal e conseguir mais justiça social.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Só que já percebi que o Sr. Deputado não está preocupado com isso. Aliás, o Sr. Deputado só está preocupado em dizer que há incentivo ao arrendamento jovem, já o disse várias vezes, só que neste Orçamento decresce 11%, ou seja, menos 7 milhões de euros, e foi isso que o Sr. Ministro José Luís Arnaut não foi capaz de explicar. São essas as medidas falaciosas que tentam ludibriar os portugueses e que ninguém foi capaz de explicar, e é perante isto que, dois meses volvidos do anúncio, nada aconteceu. Onde estão essas medidas, Sr. Deputado? É esta a pergunta que faço.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No passado dia 30 de Setembro, se um jovem português contraísse um empréstimo a 20 anos para comprar uma casa no valor de 15 000 contos, este jovem teria acesso ao crédito jovem bonificado e pagaria uma prestação de 70 000$.
No dia seguinte, e a partir desse dia, para um jovem que compre uma casa igual por um preço igual, a prestação passou de 70 000$ para 94 000$, porque o Governo acabou com a bonificação ao crédito.

Vozes do PCP e do PS: - Muito bem!

O Orador: - Para muitos jovens e famílias carenciadas deste País, o artigo 5.º do Orçamento Rectificativo tem esta simples tradução: passou a ser incomportável o acesso à habitação própria. É esta a situação real e concreta que resulta da opção do Governo e da maioria de direita,...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

O Orador: - ... o que desmente claramente a desvalorização que a Ministra das Finanças fez desta questão.
As taxas de juro, as tendências do mercado, a dinâmica da economia, podem trazer à discussão todos os argumentos e floreados que pretendam justificar esta medida. Mas, na prática, para muitas famílias e para uma larga maioria de jovens portugueses que cada vez mais se confrontam com os baixos salários e a incerteza quanto ao futuro, a habitação é um direito cada vez mais distante: consagrado na Constituição, consensualmente reconhecido, mas inatingível na vida real.
A este propósito, diga-se, não podemos deixar de lembrar que, já em 2000, o anterior governo tinha aplicado um sério golpe no poder de compra de milhares de famílias, quando baixou a taxa de referência da bonificação no crédito.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Bem lembrado!

O Orador: - Foi assim que a prestação de muitas casas sofreu aumentos de 10 000$ ou mais.
O que o actual Governo veio fazer foi dar a machadada definitiva nesta que era uma medida social de incontestável alcance e que para muitas famílias significou simplesmente a diferença entre poder e não poder levar por diante os seus projectos de adquirir casa própria.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Mas, a acreditar na actual maioria de direita, estes serão assuntos de somenos importância. É deixar o mercado funcionar que um dia isto se resolve. Seja o que Deus quiser, ou melhor, seja o que o mercado e as suas leis quiserem!
Entretanto, fica por demonstrar a formidável poupança para a despesa pública que até 2004 esta medida significaria, de acordo com os seus defensores. Pelo contrário, e como se verifica no Orçamento do Estado para 2003, esta medida nem sequer se traduz em quaisquer poupanças para o Estado.
Nesta como noutras matérias (mas não em todas!), o Governo avança com o argumento de que é preciso acabar com o benefício por haver situações irregulares no seu acesso. Para tentar justificar o injustificável, rapidamente se passou um atestado de desonestidade às famílias e aos jovens portugueses que beneficiaram deste regime.
Antes de mais, o PCP não aceita nem pactua com este tipo de argumentos generalizados. É inaceitável que de uma

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penada se lance a suspeição de fraude sobre todos aqueles que contraíram empréstimos ao abrigo desta bonificação.
Por outro lado, a discussão que agora temos vem demonstrar o que o PCP vem afirmando e reclamando há muito tempo: que é através de mecanismos de fiscalização que o problema se pode resolver, acompanhando eficazmente os processos de crédito, verificando o cumprimento da legalidade e não acabando pura e simplesmente, e de uma vez por todas, com o crédito bonificado.
Aliás, se o princípio de "solução" fosse o mesmo, então também já teriam acabado os muitos benefícios fiscais que o Governo atribui, nomeadamente a grandes interesses económicos.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Para o PCP, a questão da habitação não é um caso de polícia nem pode ser um subproduto da especulação imobiliária. É um direito constitucional que ao Estado cumpre assegurar. E para isso são indispensáveis políticas estruturais, políticas de sentido positivo.
O que até agora o sistema financeiro anunciou não foi isso. Foi, por exemplo, que uma família pode passar a pagar juros à banca durante mais anos ou que o inquilino pode ser despejado com mais rapidez e facilidade.
Quanto às políticas de base, de gestão dos solos e combate à especulação imobiliária, aí não se avança. E é aí que está o problema. Continua por criar o plano nacional de habitação que, de uma forma integrada e sustentável, avalie e lance as bases de uma efectiva política para o sector, direccionada para o verdadeiro problema da habitação.
Pela nossa parte, o PCP já apresentou nesta Assembleia contributos para avançar nesse sentido. Desde logo, com o projecto de lei n.º 56/IX, pela revitalização dos centros históricos, oferecendo à população mais jovem novas soluções para a habitação, qualificando estes núcleos urbanos e criando condições para os municípios agirem nesse sentido.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Bem lembrado!

O Orador: - O Governo, por seu lado, prefere, nesta matéria, dar mais privilégios aos fundos de pensões e ao capital financeiro e impedir, no Orçamento do Estado para 2003, as autarquias de promoverem a habitação social com as restrições ao nível do endividamento. Chama-se a isto dar o que é dos outros e recusar a quem precisa.
Mas já que falamos em recusar as medidas justas para quem delas mais precisa, vamos abordar a famosa contrapartida que o Governo prometeu para, supostamente, compensar o fim do crédito bonificado. Vejamos o apoio ao arrendamento. Foi essa a "solução milagrosa" que a direita anunciou para resolver o problema do acesso à habitação.

O Sr. José Magalhães (PS): - Mais outra "argolada"!

O Orador: - Pois bem, para o próximo ano, o Governo traz-nos um corte de 6,9 milhões de euros nas verbas para o apoio ao arrendamento jovem. É uma quebra superior a 11%. E isto, quando se sabe - aliás, foi o Governo que afirmou, em resposta a um requerimento do PCP - que, das cerca de 120 000 candidaturas apresentadas pelos jovens a este apoio, perto de metade são processos novos a juntar aos apoios existentes. Ou seja, perante a perspectiva de um forte aumento de procura a este incentivo e perante a ausência de alternativas no apoio à aquisição de casa própria, o que faz o Governo? Corta as verbas a um apoio que havia prometido aumentar!

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - Mais do que as palavras são os actos e as opções políticas do Governo que demonstram com clareza os seus reais objectivos.
O Sr. Ministro Valente de Oliveira, que no Governo assume a tutela da habitação, declarou sobre esta matéria, em reunião de comissão parlamentar, que a habitação própria faz sentido no momento próprio.
Para o actual Governo, pelos vistos, nesta como noutras áreas, os portugueses podem esperar. Para milhares de jovens, no que depende da acção deste Governo, dificilmente se saberá se e quando chega esse tempo próprio para ter casa própria.
Por isso, a resposta tem de vir, e vem, da acção dos jovens, da sua intervenção e luta, da sua firmeza perante o que é injusto e tem de ser combatido, da sua convicção em defesa dos seus direitos para que o tempo próprio em que os direitos se cumpram não continue a ser adiado.
Nesta mesma luta continua e continuará a estar o Partido Comunista Português.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Igualmente para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Foi aquando da discussão do Orçamento rectificativo, em Abril, que a surpresa, como uma bomba de efeito retardado, acabou por surgir: o crédito bonificado para compra de habitação própria iria chegar ao fim.
Não deixa de ser particularmente grave que essa medida tenha sido uma das primeiras decisões políticas tomadas pelo Governo. Um Governo, recorde-se, cujos partidos que o sustentam, em campanha eleitoral, foram tão generosos e fartamente promissores em relação à juventude e supostamente aos seus problemas, nomeadamente em relação à consideração de um direito fundamental que é o direito à habitação, e que, em particular no caso do nosso país, está praticamente circunscrito à aquisição de casa própria, uma vez que o mercado de arrendamento é praticamente inexistente ou de tal forma inatingível para a esmagadora maioria dos cidadãos e das famílias que não deixa outra solução que não seja a tentativa de compra de uma casa para que o direito à habitação seja concretizado.
Não deixa de ser relevante que esta tenha sido uma das primeiras decisões políticas do Governo nem deixa de ser curioso a enorme hipocrisia com que tentou justificar esta medida.
Dizia o Governo que iria pôr fim à bonificação do crédito para compra de casa a pretexto de que havia abusos. É óbvio que os abusos se combatem, pelo menos quando há vontade de os combater com medidas que inviabilizem a sua prática. Mas é evidente que não foi esse o caminho escolhido pelo Governo, porque também não era essa a preocupação.
Aliás, se existem abusos, eles existem em muitos domínios em relação aos quais se multiplicam utilizações indevidas de bonificações. Mas toda essa situação, independentemente

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dos constrangimentos orçamentais, continua a não pesar na consciência do Governo, que não toma quaisquer medidas. Portanto, o alibi e o pretexto eram pouco sustentados, como pouco credível era também aquilo que, durante a campanha eleitoral, tão profusamente foi repetido até à exaustão.
A realidade que subjaz a esta discussão é a realidade de um País de famílias com enormes dificuldades, de jovens com enormes dificuldades, para muitos dos quais, recorde-se, a casa é ainda um sonho inatingível, é a realidade de um país com dificuldades económicas, onde os salários são muitíssimo mais baixos do que na generalidade da União Europeia e onde, simultaneamente, a habitação representa, do ponto de vista do orçamento dos agregados familiares, uma fatia muito maior do que acontece nos demais países da União Europeia. E é precisamente neste País que esta medida, tão injusta do ponto de vista social, é tomada.
Por isso, do nosso ponto de vista, a discussão que aqui se faz não deixa de ser importante. Como não deixa de ser importante continuar a agir nos mais diferentes domínios para que esta medida seja contrariada e para que seja implementada uma política de promoção da habitação, para que sejam criadas soluções imaginativas de incentivo à construção social, de promoção do mercado de arrendamento e de criação de incentivos para que, cada vez mais, ao contrário daquilo que parece ser a vontade do Governo, sejam criadas condições para que o direito à habitação seja um direito vivido e não meramente proclamado.
Parece-nos, pois, que muita da mobilização dos cidadãos portugueses terá que passar por essa intervenção, em especial da parte dos que têm menores recursos económicos e, dentro destes, seguramente os mais jovens.

Vozes de Os Verdes e do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.

A Sr.ª Ana Drago (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de dizer - e penso que os Deputados da maioria não se ofenderão se o fizer - que há alguma ironia neste debate. É que, ainda há pouco, a maioria parlamentar tentava "blindar-se" constitucionalmente quanto ao debate sobre o crédito bonificado, e agora, 5 minutos depois, aqui estamos a discutir as mesmas coisas. Mas sabemos porquê! É que há, nesta matéria, uma sucessão de contradições por parte dos partidos que apoiam o Governo, contradições essas que são explícitas na diferença que existe entre as promessas eleitorais que fizeram e o que fazem agora no Governo.
O fim do crédito bonificado foi introduzido pelo novo Governo no Orçamento rectificativo. O argumento utilizado nessa altura para o suspender foi o de que o custo orçamental desta medida era elevado, mas o grande argumento foi sobretudo o de que o nível de fraude verificado nestes processos era muito elevado.
No entanto, contraditoriamente a estes argumentos, o Governo manteve o crédito bonificado já concedido sem nunca ter tomado qualquer tipo de medida assinalável para combater as eventuais fraudes já verificadas.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

A Oradora: - Na altura, o Bloco de Esquerda opôs-se a esta medida, porque sempre considerou que o crédito bonificado era um instrumento indispensável para promover políticas sociais mais justas e, nesse sentido, para intervir no mercado da habitação a favor dos casais jovens e das famílias com menores recursos. Mantemos, tal como na discussão do Orçamento rectificativo, a nossa posição. Pensamos, aliás, que o crédito bonificado é um dos poucos benefícios fiscais que deve ser mantido, embora o seu regime deva, de facto, ser corrigido para garantir que a ele só tenham acesso os jovens com poucos rendimentos e as famílias com poucos recursos. É preciso - e nada foi feito nesse sentido - verificar os contratos anteriores a esta suspensão e prevenir as fraudes que sejam comprovadas.
Portanto, defendemos agora exactamente o mesmo que defendemos aquando da discussão do Orçamento rectificativo, ou seja, um processo extraordinário de verificação e de regularização do cumprimento das obrigações das instituições e dos beneficiários desta medida.
Sabemos - e espero que os partidos da maioria levem o que vou dizer e bom grado - que uma política de cidades verdadeiramente moderna terá que passar por uma revitalização dos centros urbanos, devendo incluir um modelo de apoio ao arrendamento jovem que seja, de facto, mais expedito e mais alargado nos seus critérios do que o que existe actualmente. Contudo, nenhum destes instrumentos, nem o crédito bonificado, nem o apoio ao arrendamento juvenil, se excluem mutuamente, antes se complementam, porque respondem a necessidades diferentes.
A nenhum destes regimes devem ser alheios os mecanismos de fiscalização e de controlo na sua atribuição. Por isso, é absolutamente incompreensível que a maioria se oponha a este projecto de fiscalização de possíveis fraudes nos regimes de crédito bonificado já concedidos.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao orador seguinte, o Sr. Deputado Hugo Velosa, gostaria de fazer uma participação à Assembleia.
Embora já seja do conhecimento geral, cumpre-me anunciar que deu entrada na Mesa um requerimento do Partido Socialista para que, no final do debate deste projecto de lei, se proceda à sua votação.
Chamo, pois, a atenção de todas as bancadas para que seja garantido o quórum de votação no momento oportuno.
Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Hugo Velosa.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estava convencido de que, na intervenção do Partido Socialista sobre esta matéria - o projecto de lei n.º 140/IX -, iria ser anunciada a retirada deste diploma, tendo em conta a votação que ocorreu anteriormente. Mas, já que tal não aconteceu e que o Partido Socialista proferiu uma intervenção sobre o projecto de lei, pensava que íamos efectivamente debatê-lo.

O Sr. José Magalhães (PS): - E vamos!

O Orador: - Mas ainda ninguém falou sobre o projecto, nem mesmo o Partido Socialista!

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O Sr. José Magalhães (PS): - Mas vai falar o meu amigo!

O Orador: - Vou falar com certeza, não tenha dúvidas de que vou falar sobre a questão da base de dados!
Gostaria de dizer que quem é responsável pela falta de rigor deste debate não é a maioria, é quem o desviou para a questão do crédito bonificado, quando o que está em causa é a regulamentação de uma legislação que está em vigor há quase quatro anos.
Portanto, há aqui uma falta de rigor, que não fica bem ao Parlamento, no sentido de desviar para outros temas o debate da matéria que estamos a tratar.
O que o Partido Socialista quis fazer - tenho de o dizer claramente - foi um "número" político sobre a questão da extinção do crédito bonificado, não só do crédito jovem, mas dos dois tipos de crédito bonificado, não tendo falado sobre o projecto que estamos a discutir.
Mas o Partido Socialista disse, através da Deputada Jamila Madeira, que este projecto visa combater a fraude do crédito bonificado.

O Sr. José Magalhães (PS): - E disse bem!

O Orador: - Ora, além das questões orçamentais, é essa a razão essencial que justifica o fim dos dois tipos de crédito bonificado. Portanto, não era a criação da base de dados que vinha resolver o problema da fraude no crédito bonificado. De forma alguma põe em causa aquilo que se sabe que sempre existiu em relação à concessão do crédito bonificado, que já não faz qualquer sentido.
Como eu disse, temos que discutir a questão da base de dados. Não há dúvida de que o projecto de lei n.º 140/IX viola algumas normas da própria lei a que faz referência, que é a Lei da Protecção de Dados Pessoais, violação que não é aceitável. E passo a explicar porquê.
Em primeiro lugar, o projecto não respeita o disposto na Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, porque não assegura, de forma transparente e no respeito pela reserva da vida privada, os direitos, liberdades e garantias fundamentais a que deve obedecer o tratamento dos dados pessoais previsto no artigo 2.º da citada lei.
A segunda razão é a de que não é claro neste projecto de lei o consentimento inequívoco do titular quanto ao tratamento dos dados pessoais, que está previsto no artigo 6.º da lei.
Acresce que não remete, como deveria fazer, para a Comissão Nacional de Protecção de Dados, comissão que penso todos saberem existir, e que tem competências específicas nesta matéria, as quais estão previstas no artigo 22.º da Lei n.º 67/98.
Portanto, do nosso ponto de vista, o Partido Socialista, ao manter este projecto de lei e ao desviar o conteúdo do debate sobre esta matéria, actua numa autêntica fuga para a frente, procurando adiar a mea culpa da responsabilidade pelo estado em que deixou as contas públicas. Quer adiar essa mea culpa, mas algum dia há-de assumi-la!
Ainda se compreende que o Partido Socialista, em Maio, tendo acabado de deixar o poder, estivesse contra as medidas que constavam do Orçamento rectificativo, mas voltar, em Outubro, a insistir na mesma matéria da forma como o faz é uma demonstração de que não quer assumir essas responsabilidades.
Por outro lado, o Partido Socialista não retira as necessárias consequências do que foi deliberado naquele Orçamento rectificativo e também do que há pouco foi deliberado em relação ao parecer sobre o projecto de lei n.º 139/IX. Não retira as consequências destas deliberações, que foram democráticas, maioritárias e fundamentadas. O Partido Socialista quer, através deste projecto de lei, criar uma base de dados que, com a extinção dos contratos futuros, se aplicaria somente aos contratos existentes, tratando-se de uma intenção mínima em relação ao que poderia fazer.
Mas há que referir o seguinte: é bom que se lembre que este decreto-lei tem quatro anos, foi aprovado pelo governo do Partido Socialista em Novembro de 1998 e inclui uma norma que diz que deveria ser regulamentado nesta matéria quanto à protecção de dados. Passaram quatro anos, o Partido Socialista já saiu do governo há uns meses, e vem agora criar essa regulamentação. Parece perfeitamente claro o que é que o Partido Socialista pretendeu com este projecto de lei: fazer um mero "número" político!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - É que se o Partido Socialista tivesse querido combater a fraude no que respeita ao regime de crédito bonificado, tê-lo-ia feito nos três anos e meio que teve para o fazer, mas não o fez!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Fez foi o contrário!

O Orador: - A criação desta base de dados é uma tarefa que deveria ter sido levada a cabo pelo Partido Socialista na altura, portanto não faz sentido que o venha propor agora. A verdade é que, claramente, o PS apresentou o projecto de lei "tarde e a más horas"!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Pensamos não fazer sentido aprovar-se uma iniciativa legislativa que se destine a vigorar somente para os contratos existentes.
E é bom lembrar que não se trata apenas do crédito bonificado jovem, porque há dois tipos de crédito bonificado, e o que estava a suceder era que o regime de crédito bonificado beneficiava exclusivamente as instituições de crédito e os construtores e, ao contrário do que se diz por aqui, não beneficiava os jovens!
Por isso, o que deverá acontecer com o fim deste regime é que todo o mercado imobiliário se altere no sentido de serem praticados preços razoáveis, para que todos possam aceder ao crédito em condições de igualdade. Isto tem de ser dito!
Gostaria de terminar dizendo, em relação ao facto de o Partido Socialista ter apresentado um projecto de lei que não fundamentou nem explicou porque é que o apresentava - só pode ter sido para fazer o tal "número" político -, que realmente o Partido Socialista não tem emenda!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Sr.as e Srs. Deputados, levo ao conhecimento da Câmara que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista comunicou a retirada do requerimento que apresentou no sentido de que a votação deste projecto

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de lei fosse feita hoje, o que, nos termos regimentais, remete a votação para amanhã.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, o projecto de lei que nos encontramos a discutir tem, obviamente, toda a dignidade de natureza parlamentar, toca a matéria do respeito necessário aos direitos, liberdades e garantias, mas, por muito que nós queiramos, estava totalmente dependente de um outro diploma cuja discussão aqui foi chumbada.
Por isso mesmo, é impossível que, em qualquer intervenção que se faça, não se comentem algumas das ideias que aqui há pouco foram referidas sobre o crédito bonificado.
A atitude que o Partido Socialista toma sobre esta matéria é bem demonstrativa da sua forma de intervenção política: de acordo com aquilo que defende, continuaríamos com o facilitismo, continuaríamos com o laxismo, continuaríamos com uma política que apenas atende ao dia de amanhã, esquecendo-se que a política deve ser feita de acordo com um objectivo de médio e longo prazo.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Ainda por cima, o PS tem todo o azar com o dia da discussão deste diploma. É que precisamente hoje a Comissão Europeia validou a política orçamental portuguesa e, no fundo, validou a política orçamental deste Governo. E, logo hoje, o partido com mais responsabilidades na oposição, o Partido Socialista - que foi o sustentáculo do anterior governo -, pretende apresentar uma iniciativa que, por muito que digam, por muitas cambalhotas que tentem dar, é uma medida que viria aumentar o esforço da despesa pública.
No dia em que se afirma que o Governo, se necessário, deve tomar medidas adicionais para controlar o défice, o PS, de uma forma verdadeiramente irresponsável, apresenta um projecto de lei que apenas o iria agravar.
No mesmo dia em que a primeira alteração orçamental é elogiada pela Comissão Europeia, o Partido Socialista pretende aprovar uma medida que iria precisamente no sentido contrário dessa mesma alteração orçamental.
Mas deixem que vos diga que não são apenas as determinações do Pacto de Estabilidade e Crescimento, não são apenas as restrições orçamentais que nos fazem ter posição contrária a esta iniciativa legislativa. De resto, quero desde já dizer, para que fique muito claro, qual foi e qual é agora a posição do nosso partido, dado que a Sr.ª Deputada Jamila Madeira fez alguma confusão em relação a esta matéria: de facto, nós estivemos contra uma iniciativa do anterior governo, mas essa nossa atitude deveu-se a que estávamos perante uma iniciativa que não respeitava os direitos adquiridos e se esquecia de situações anteriores, contra o que estamos e estaremos sempre! Mas em relação isso o silêncio do Partido Socialista foi, e continuará a ser, absoluto.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Uma vergonha!

O Orador: - Isso é extraordinariamente grave! Ainda por cima, porque estamos perante um debate totalmente aberto. Nós queremos esse debate! Não é preciso grandes proclamações! Não nos calarão! Ninguém cala ninguém! O debate está a ser feito!

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sempre considerámos necessário o respeito absoluto pelo Estado de direito democrático, que passa, desde logo, pelo respeito pelos direitos adquiridos. E em relação a isso sempre mantivemos, e com toda a certeza manteremos, a mesma posição.
De toda a forma, qualquer posição que venha abrir um possível caminho para a reintrodução do regime de crédito bonificado para aquisição, construção, realização de obras e beneficiação de habitação própria e permanente é para nós desadequada. Desde logo, deve fazer-se a comparação com aquilo que eram os juros na altura em que esta medida foi determinada e aquilo que são os juros hoje, aspecto que parece também esquecido pelo Partido Socialista. Não lhe interessa!
E também se deve relembrar aquilo que o Prof. Medina Carreira, que esteve na origem desta medida, diz: que ela é completamente desajustada!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Em relação ao problema da fraude, foram colocadas questões por Deputados do meu partido e do PSD que não tiveram qualquer resposta da parte da bancada do Partido Socialista, porque não podem ter. A tal questão do Algarve...
Mas deixem também que vos diga que a fraude não se combate com violações às bases de dados pessoais! Não se combate, ainda por cima, através da iniciativa de um partido que se esqueceu dela durante vários anos! Sobretudo não se combate numa altura em que qualquer medida como aquela que VV. Ex.as aqui propõem é temporalmente desadequada!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - O Partido Socialista, realmente, não tem objectivos! O Partido Socialista continua, e continuará sempre, numa política de laxismo! Finalmente, e felizmente, os portugueses perceberam que assim não podíamos continuar!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes. Dispõe de 3 minutos.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, caros colegas, em particular caro colega Diogo Feio, lá fora, se os senhores forem espreitar - se tiverem a coragem de espreitar! -, terão certamente ocasião de ver uma enorme manifestação. Tenho a certeza de que muitas das pessoas que lá estão, em particular os mais jovens, engrossarão aquelas fileiras também por causa do que aqui está em discussão.
De facto, em relação a um partido e a uma maioria que têm uma discurso tão pró-família, resulta claríssimo que o argumentário do CDS-PP e da maioria se resume ao repetir da ortodoxia financeira do Pacto de Estabilidade e Crescimento

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e ao repetir, até à exaustão, da cassete do défice e do despesismo. Srs. Deputados, chegou a altura de renovarem o argumentário! Já basta tanta repetição!
Essa falta de imaginação em renovar o argumentário prova apenas uma questão, e é sobre isso que eu gostava de o inquirir: para quê aprovar leis de bases da família? Para quê ter um discurso tão pró-família, como acontece até com o Sr. Ministro da Segurança Social e do Trabalho, quando, na realidade, se prova a insensibilidade social dos senhores em relação às famílias menos favorecidas e em relação aos jovens? É isso que está em causa!
Eu acuso os senhores, acuso a maioria de ter um comportamento profundamente hipócrita no que diz respeito a esta questão: no discurso e na retórica são pró-família, mas na realidade, nos factos e na prática os senhores impedem muitos jovens de constituir família, "desestruturam" muitas famílias carenciadas e acabam por fazer com que, de facto, a fragilização social aumente neste país.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio, que beneficia de cedência de tempo por parte do PSD.

O Sr. Diogo Feio (PSD): - Sr. Presidente, quero começar por agradecer o tempo que me foi gentilmente cedido pelo Partido Social Democrata.
Sr. Deputado João Teixeira Lopes, como deve imaginar, estive a participar no debate e não tive oportunidade de ir espreitar manifestações.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Eram poucos, de qualquer maneira!

O Orador: - Desde logo, a minha preocupação é estar aqui, no sítio devido, a discutir aquilo que é a política e aquelas que são as propostas de um outro partido. Não ando propriamente muito preocupado com as manifestações ou a apelar a manifestações. Deve compreender que estive naquele que é o meu lugar.

Protestos do BE.

Mas, Sr. Deputado, deixe-me dizer-lhe uma coisa muito simples: é que, de facto, a nossa preocupação pelas famílias é real! A nossa preocupação pelas famílias não passa pela irresponsabilidade de mantermos o rumo a nível da nossa despesa pública e do nosso Orçamento do Estado, porque ele põe em causa o futuro da minha família, o futuro da sua família e o futuro das famílias de todos os portugueses. Essa é que é a grande questão, Sr. Deputado! Esse é que é o grande problema!
E não me venha comparar o incomparável! Não me venha comparar uma situação como aquela em que foi criado este instituto com aquela que se vive neste momento!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - Não me venha comparar as taxas de juro!

A Sr.ª Ana Drago (BE): - Mas os juros desceram, não desceram?!

O Orador: - Lembre-se, por exemplo, da possibilidade que se dá aos jovens de alargamento do prazo dos empréstimos para aquisição da sua habitação. É essencialmente em relação a eles que este alargamento se vai aplicar.
Portanto, Sr. Deputado, a nossa preocupação é, de facto, a família. Vi, pelo seu discurso, que também a tem. Seja muito bem-vindo!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Jamila Madeira.

A Sr.ª Jamila Madeira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Devo assumir que, no decorrer deste debate, várias questões me foram sendo suscitadas. Mas fui presenteada com duas intervenções dos famosos e anunciados doutos economistas que o Sr. Deputado Jorge Nuno Sá foi buscar às bancadas da maioria,…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - E que economistas!

O Sr. Jorge Nuno Sá (PSD): - Não são da sua área, e ainda bem!

A Oradora: - … mas nem isso sustentou os argumentos.
Permitam-me que comece pelo fim. O Sr. Deputado Diogo Feio falou na brilhante medida de alargamento dos prazos dos empréstimos, como um instrumento essencial de apoio aos jovens e às famílias mais carenciadas, como se fosse crível que alguma instituição economicamente racional aceitasse um crédito nessa forma. De qualquer maneira, sustentando…

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - O Estado socialista não era economicamente racional!

A Oradora: - Sei que os senhores não são defensores do Estado de bem-estar, do apoio social! Sei que isso é só demagogia política, mas ao menos tenham a capacidade de assumir que o prazo mais longo faz aumentar as taxas de juro. Não sou eu que o digo, são os especialistas, os doutos economistas que o Sr. Deputado Jorge Nuno Sá quis chamar aqui. São eles que dizem que o prazo mais longo faz aumentar as taxas de juro. Isso está escrito, em bold e em tamanho bem expressivo, para que todos possam ver, num jornal que tenho aqui comigo. Se quiserem, disponibilizo-vos o artigo de jornal para que possam ficar um pouco mais informados.

O Sr. José Magalhães (PS): - Leiam!

A Oradora: - Estas são as tais medidas demagógicas para enganar as pessoas! São as tais medidas demagógicas, entre outras, com as quais os Srs. Deputados da maioria procuram passar uma "cortina de fumo" sobre todas estas questões. Senão, vejamos - e os Srs. Deputados, na tal racionalidade de sobrevivência política, estiveram bem, porque não levantaram esta questão, mas deviam tê-la levantado: a redução do incentivo ao arrendamento jovem não é uma redução qualquer, porque a redução 7 milhões de euros no incentivo ao arrendamento jovem coloca-nos numa fasquia absolutamente assustadora.

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A este respeito, gostaria de lhes dizer que não nos coloca na fasquia de 2002! Não nos coloca na fasquia de 2001! Também não nos coloca na fasquia de 2000! Nem sequer na fasquia de 1999! Coloca-nos na fasquia de 1998, Srs. Deputados! É este o afamado anúncio de 12 de Agosto do Sr. Secretário de Estado da Juventude e Desportos para colmatar a falta do crédito bonificado para a habitação!

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Haja vergonha!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Essa é que é uma grande verdade!

A Oradora: - Peço desculpa, mas os portugueses não aceitam isso. Por isso - e muito bem - o Sr. Deputado João Teixeira Lopes disse que eles estão lá fora, porque lá fora, independentemente da vontade de quem está cá dentro, a liberdade é real e a maioria parlamentar não consegue impor a lei da rolha.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Às vezes vontade não me faltava!

A Oradora: - A Juventude Socialista, o Partido Socialista e toda a oposição está disponível para estar ao lado dos portugueses, para não mentir aos portugueses e para combater as mentiras que os partidos da maioria pretendem colocar aos portugueses.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - É importante que se diga que, apesar de doutos economistas, não foram capazes de fazer as contas, e nem sequer leram o relatório do Orçamento do Estado. Já aqui o disse, mas volto a dizer que não há 1$ de poupança este ano.

Vozes do CDS-PP: - De 1$ não há!

A Oradora: - Peço desculpa, nem de 1 euro! E nem sequer de 1 cêntimo, se quiser! O que é certo é que há um agravamento, que é reconhecido, e não há 1 tostão de poupança.
Aquilo que poderia dar transparência, aquilo que poderia ajudar a que os portugueses, essencialmente os mais carenciados, os mais necessitados do apoio do Estado… O Estado não existe pelo bel-prazer dos partidos políticos, o Estado existe para apoiar os portugueses, e aos partidos políticos cabe defender as posições políticas que assumiram e que têm nos seus programas eleitorais. Mas o que é certo é que esse documento para vós não existe, esse documento não é sustentável.
Assumam, como a Sr.ª Ministra Manuela Ferreira Leite teve a coragem de fazer na Comissão de Economia e Finanças, que não foi responsável pela medida mas que é uma medida que ela implementaria, poupasse ou não 1 tostão, combatesse ou não a fraude. Esta é uma verdade que os Srs. Deputados não são capazes de assumir.

O Sr. Jorge Nuno Sá (PSD): - E de quem é a responsabilidade?! Responda a essa parte!

A Oradora: - Portanto, se querem combater a fraude, como argumentaram durante toda a tarde; se querem, efectivamente, e de uma vez por todas, deixar de sustentar as afamadas casas de 100 000 000$ defendidas desde o tempo de Cavaco Silva, façam como nós, governo socialista - o afamado governo despesista com que os senhores tentam ludibriar mais uma vez os portugueses -, que, em 1998, criámos um tecto máximo,…

O Sr. Jorge Nuno Sá (PSD): - É mentira!

O Sr. José Magalhães (PS): - É mentira?!

A Oradora: - … o que fez com que dificilmente as pessoas que quisessem comprar grandes mansões em Lisboa ou em sítios semelhantes, como na Quinta da Marinha, o pudessem fazer.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - E não sabe como é que se contornava isso!? Isso aumentou a fraude! Começou a dar-se valores mais baixos!

A Oradora: - Portanto, é normal que as zonas do interior tivessem ficado beneficiadas. Tem a ver com o mercado! Mas só os doutos economistas é que nos poderão explicar isso.
Isso foi, necessariamente, para clarificar e esta é mais uma medida para dar transparência, que os Srs. Deputados tinham tudo a ganhar em implementar, porque demonstrariam publicamente e com toda a seriedade que nada têm a ver com os interesses instalados, que querem aumentar a receita fiscal e que estão interessados em aumentar a justiça social no nosso país.

Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Jamila Madeira, não sendo eu também um economista, consigo perceber, com alguma facilidade, que, se alargar o prazo para o crédito da habitação, o esforço mensal será naturalmente menor.

Protestos do Deputado do PS José Magalhães.

Não sendo eu economista, consigo perceber, com alguma facilidade, que, naquilo que é a gestão do Estado, de que V. Ex.ª falou, é preciso ter alguma racionalidade económica.
Sr.ª Deputada Jamila Madeira, não sendo eu economista,…

O Sr. José Magalhães (PS): - Nota-se!

O Orador: - … também compreendo que, se voltar o regime do crédito bonificado, aumenta a despesa pública, e também compreendo, com toda a facilidade, que a despesa pública é algo que, nesta matéria, tem de ser tratada numa perspectiva de médio e longo prazo. VV. Ex.as não conseguem chegar lá, é um problema vosso!

Protestos do PS.

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1997 | I Série - Número 049 | 17 de Outubro de 2002

 

É a médio e longo prazo. É preciso ultrapassar o dia de amanhã! Isto é, não nos ficamos pelo dia de amanhã mas por muito mais, para além do dia de amanhã.
Vou fazer-lhe um conjunto de perguntas com a maior das serenidades, às quais a Sr.ª Deputada pode responder-me até de uma forma muito rápida, no tempo que tem para esse efeito.
A Sr.ª Deputada sabe que com o restaurar o crédito bonificado à habitação estava a pôr em causa a primeira alteração orçamental numa das suas medidas? Sabe por que é que foi determinada a primeira alteração orçamental, não sabe? E por fim, sabe por que foi fundamental intervir e ter medidas como esta?
Estas são as perguntas fundamentais a que o Partido Socialista tem de responder e sobre as quais não tem de estar muito impressionado com a sua responsabilidade.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. António Costa (PS): - E vai ter resposta!

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Jamila Madeira, tem a palavra para responder.

O Sr. António Costa (PS): - Responda muito devagar, para perceberem bem!

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito devagar, começando pelas contas dos empréstimos!

A Sr.ª Jamila Madeira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Diogo Feio, terei todo o gosto em fornecer o artigo que fala do aumento das taxas de juro, mas também terei todo o gosto em ajudá-lo, Sr. Deputado, a fazer as contas.
O Sr. Deputado falou com alguma preocupação sobre o dia de amanhã, do Estado, das pessoas…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - E isso é mau?!

A Oradora: - Realmente - e, porventura, podemos fazer as contas, se estiver disponível para isso -, isso reduz a carga mensal das pessoas. Mas o dia de amanhã é um dia real.

Vozes do PS: - É!

A Oradora: - Mas o dia de amanhã termina daqui a 50 anos!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - O dia de amanhã termina depois de amanhã!

A Oradora: - Sr. Deputado, se quiser fazer as contas, verificará que esse amortecimento, essa "mossa" menor na carga mensal, significa que a mesma pessoa pagará duas vezes e meia a mesma casa, o mesmo imóvel!

O Sr. Ricardo Gonçalves (PS): - É verdade!

Vozes do CDS-PP: - Não é verdade!

A Oradora: - Efectivamente, o Sr. Deputado não está a ajudar o Estado, não está a ajudar a economia, não está a ajudar as pessoas. O Sr. Deputado está, simplesmente, a ajudar os bancos.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

Protestos do CDS-PP.

A Oradora: - Portanto, necessariamente, essa não é a solução que queremos em cima da mesa.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Mas, efectivamente, o Sr. Deputado está muito preocupado com a despesa. Está tão preocupado com a despesa que só corta nas despesas sociais. Verdade?
Assim sendo, vai ter um problema, porque corta na juventude, na habitação, na educação, na ciência, na cultura! Afinal, o Estado, que é o patriarca de todas estas medidas…

O Sr. Jorge Nuno Sá (PSD): - Patriarca?!

A Oradora: - É, sim senhor, Sr. Deputado! É o protector, porque são áreas tendencialmente não lucrativas, são áreas sociais.
Só que o social que o PP, muito particularmente, tinha na boca, quando era partido da oposição, agora, esqueceu e remeteu para segundo plano.

Vozes do PS: - É o partido troca-tintas!

Protestos do CDS-PP.

A Oradora: - É, efectivamente, a expressão que o Sr. Presidente não me deixa usar, mas claramente os Srs. Deputados assumiram, aqui, hoje. É essa a posição política que os Srs. Deputados têm!

Aplausos do PS.

Protestos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr.as e Srs. Deputados, uma vez que não há mais oradores inscritos, declaro encerrado o debate do projecto de lei n.º 140/IX, cuja votação será feita amanhã, à hora regimental.
A próxima sessão plenária terá lugar amanhã, às 15 horas, e, além do período de antes da ordem do dia, terá como ordem do dia a discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 9/IX (BE), 51/IX (PS), 68/IX (PCP) e 145/IX (PSD e CDS-PP), e a discussão, também conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 69/IX (PCP), 144/IX (PS) e 146/IX (PSD e CDS-PP), e ainda a votação de um conjunto de diplomas à hora regimental, o que faz prever uma tarde de trabalho bastante intensa.
Por hoje é tudo, Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 15 minutos.

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Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
António Paulo Martins Pereira Coelho
José Manuel de Lemos Pavão

Partido Comunista Português (PCP):
Bernardino José Torrão Soares

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Social Democrata (PSD):
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
Maria Eduarda de Almeida Azevedo

Partido Socialista (PS):
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Jaime José Matos da Gama
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
Júlio Francisco Miranda Calha

Partido Comunista Português (PCP):
José Honório Faria Gonçalves Novo

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Eduardo Artur Neves Moreira
Henrique José Monteiro Chaves

Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Manuel Alegre de Melo Duarte
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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