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Sexta-feira, 5 de Dezembro de 2002 I Série - Número 63
IX LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2002-2003)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 4 DE DEZEMBRO DE 2002
Presidente: Ex.mo Sr. Maria Leonor Couceiro P. Beleza M. Tavares
Secretários: Ex. mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
António João Rodeia Machado
S U M Á R I O
A Sr.ª Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação da proposta de lei n.º 34/IX, das propostas de resolução n.os 21 e 22/IX, do projecto de lei n.º 173/IX, da apreciação parlamentar n.º 9/IX, do projecto de deliberação n.º 12/IX, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Foi aprovado um parecer da Comissão de Ética relativo à substituição de um Deputado do PSD.
Em declaração política, o Sr. Deputado Vicente Jorge Silva (PS), a propósito do caso que envolve crianças da Casa Pia, salientou o trabalho de investigação jornalística que permitiu o acesso à verdade dos factos, tendo, por outro lado, condenado a transgressão de regras básicas e deontológicas em certos serviços televisivos e nas manchetes de alguns jornais. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados António Filipe (PCP), Isabel Castro (Os Verdes), Ana Manso (PSD), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP) e Francisco Louçã (BE).
O Sr. Deputado António Filipe (PCP) deu conta à Câmara das conclusões do VII Congresso Regional do PCP/Açores e do VI Congresso Regional do PCP/Madeira.
A Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos (PS) chamou a atenção da Assembleia para os números a que faz referência o relatório do Fundo das Nações Unidas para a População, que centra a sua abordagem na situação da população em 2002, na pobreza e nas oportunidades dos países em desenvolvimento.
Ordem do dia. - Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 24/IX - Estabelece o regime de criação, o quadro de atribuições e competências das áreas metropolitanas e o funcionamento dos seus órgãos e do projecto de lei n.º 110/IX - Altera a forma de constituição dos órgãos e reforça os poderes e meios de actuação das estruturas e funcionamento das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto (PCP), tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente (Isaltino Morais), os Srs. Deputados Honório Novo (PCP), Luís Marques Guedes (PSD), José Augusto Carvalho (PS), Isabel Castro (Os Verdes), João Teixeira Lopes (BE), António da Silva Preto (PSD), Alberto Antunes (PS), Ana Manso (PSD), José Saraiva (PS), Ricardo Fonseca de Almeida (PSD), Manuel Paiva (CDS-PP), João Carlos Duarte (PSD), Álvaro Castello-Branco (CDS-PP), Ascenso Simões e Pedro Silva Pereira (PS).
Foi, ainda, debatido, na generalidade, o projecto de lei n.º 125/IX - Acesso universal à Internet em banda larga (BE). Produziram intervenções os Srs. Deputados Francisco Louçã (BE), Pedro Duarte (PSD), Bruno Dias (PCP), Ramos Preto (PS) e Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP).
A Sr.ª Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 20 minutos.
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A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 15 minutos.
Srs. Deputados presentes à sessão:
Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
Alexandre Bernardo Macedo Lopes Simões
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Paula Rodrigues Malojo
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Fernando de Pina Marques
António Henriques de Pinho Cardão
António Joaquim Almeida Henriques
António Manuel da Cruz Silva
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
António Paulo Martins Pereira Coelho
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
Arménio dos Santos
Bernardino da Costa Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos Alberto da Silva Gonçalves
Carlos Alberto Rodrigues
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Carlos Parente Antunes
Daniel Miguel Rebelo
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Eduardo Artur Neves Moreira
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
Fernando António Esteves Charrua
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Santos Pereira
Francisco José Fernandes Martins
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Gustavo de Sousa Duarte
Hugo José Teixeira Velosa
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
João António Pistacchini Calhau
João Carlos Barreiras Duarte
João José Gago Horta
João Manuel Moura Rodrigues
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Alberto Vasconcelos Tavares Moreira
José António Bessa Guerra
José António de Sousa e Silva
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
José Manuel Carvalho Cordeiro
José Manuel de Lemos Pavão
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Miguel Gonçalves Miranda
Judite Maria Jorge da Silva
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria Assunção Andrade Esteves
Maria Aurora Moura Vieira
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria da Graça Ferreira Proença de Carvalho
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Maria Eulália Silva Teixeira
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Maria Isilda Viscaia Lourenço de Oliveira Pegado
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Paula Barral Carloto de Castro
Maria Teresa da Silva Morais
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro Filipe dos Santos Alves
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso
Sérgio André da Costa Vieira
Vasco Manuel Henriques Cunha
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis
Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto Marques Antunes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António José Martins Seguro
António Luís Santos da Costa
António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Ascenso Luís Seixas Simões
Augusto Ernesto Santos Silva
Carlos Manuel Luís
Edite Fátima Santos Marreiros Estrela
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Fausto de Sousa Correia
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Pereira Serrasqueiro
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
João Cardona Gomes Cravinho
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João Rui Gaspar de Almeida
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José António Fonseca Vieira da Silva
José Apolinário Nunes Portada
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade
José da Conceição Saraiva
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Santos de Magalhães
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Júlio Francisco Miranda Calha
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda
Luís Manuel Capoulas Santos
Luís Manuel Carvalho Carito
Luísa Pinheiro Portugal
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson da Cunha Correia
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo José Fernandes Pedroso
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo
Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco
António Herculano Gonçalves
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
Manuel de Almeida Cambra
Manuel Miguel Pinheiro Paiva
Narana Sinai Coissoró
Pedro Manuel Brandão Rodrigues
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Honório Faria Gonçalves Novo
Maria Odete dos Santos
Bloco de Esquerda (BE):
Ana Isabel Drago Lobato
Francisco Anacleto Louçã
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes
Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Isabel Maria de Almeida e Castro
ANTES DA ORDEM DO DIA
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os diplomas, os requerimentos e as respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: proposta de lei n.º 34/IX - Estabelece um regime específico de reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho dos praticantes desportivos profissionais, que baixou à 7.ª Comissão; propostas de resolução n.os 21/IX - Aprova a Convenção entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha sobre cooperação transfronteiriça entre instâncias e entidades territoriais, assinada em Valência, em 3 de Outubro de 2002, que baixou à 4.ª Comissão, e 22/IX - Aprova o Acordo de Transporte Aéreo entre a República Portuguesa e a República Eslovaca, assinado em Brastilava, em 5 de Junho de 2001, que baixou à 9.ª Comissão; projecto de lei n.º 173/IX - Programa de rearborização para áreas percorridas por incêndios florestais (PCP), que baixou à 4.º Comissão; apreciação parlamentar n.º 9/IX (PCP) - Decreto-Lei n.º 244/2002, de 5 de Novembro (Altera os artigos 1.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 46/89, de 15 de Fevereiro, que estabelece as matrizes de delimitação geográfica de nomenclatura de unidades territoriais para fins estatísticos (NUTS); e projecto de deliberação n.º 12/IX - Autoriza a publicação das actas da Comissão de Inquérito aos Actos do XV Governo Constitucional que levaram à demissão de responsáveis pelo combate ao crime económico, financeiro e fiscal, três meses depois da sua nomeação (PS, PCP, BE e Os Verdes).
Foram também apresentados diversos requerimentos.
Na reunião plenária de 22 de Novembro - ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pelo Sr. Deputado José Vera Jardim.
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No dia 25 de Novembro - ao Ministério da Economia, formulado pela Sr.ª Deputada Paula Alojo; ao Ministério da Defesa Nacional, formulado pelo Sr. Deputado Rui Miguel Ribeiro; ao Instituto de Estradas de Portugal, formulado pelo Sr. Deputado Álvaro Castello-Branco; à Secretaria de Estado do Ambiente e a diversos Ministérios, formulados pelos Srs. Deputados Honório Novo e Rodeia Machado; ao Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, formulado pelo Sr. Deputado João Teixeira Lopes.
Por sua vez, foi recebida resposta a requerimentos apresentados por vários Srs. Deputados.
No dia 27 de Novembro - Miguel Anacoreta Correia, Osvaldo de Castro, João Pinho de Almeida, Vitalino Canas, António Costa, Fernando Moniz, José Junqueiro, Bernardino Soares, José Apolinário, António Galamba, Fernando Pedro Moutinho, Hélder Amaral, Rodeia Machado e Jerónimo de Sousa.
No dia 27 de Novembro - Isabel Castro e António Galamba.
Sr.ª Presidente, por fim, há um relatório e parecer da Comissão de Ética, referente à substituição do Sr. Deputado Fernando Negrão (PSD), por Luís Filipe Soromenho Gomes, com início em 5 de Dezembro corrente, inclusive, que vai no sentido de a substituição em causa ser de admitir.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - O Sr. Deputado José Magalhães pediu a palavra para que efeito?
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr.ª Presidente, tinha-me inscrito para fazer uma interpelação à Mesa antes de V. Ex.ª submeter o parecer à votação, a fim de aclarar qual era exactamente o objecto da votação. Tratava-se da substituição do Sr. Deputado Fernando Negrão?
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sim, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr.ª Presidente, nesse caso, a posição do Grupo Parlamentar do PS é a que foi espelhada na Comissão de Ética, ou seja, fomos e somos contra o parecer.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Portanto, se bem entendo, o Partido Socialista votou contra o parecer da Comissão de Ética, tendo os restantes grupos parlamentares votado a favor. Fica, pois, feita a rectificação.
Srs. Deputados, segundo o parecer que acabou de ser votado, a referida substituição ocorrerá a partir do dia 5 de Dezembro corrente.
Devo, pois, informar a Câmara que o Sr. Deputado Fernando Negrão ainda se encontra hoje em funções e que só a partir de amanhã será feita a sua substituição.
Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Vicente Jorge Silva.
O Sr. Vicente Jorge Silva (PS): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há precisamente uma semana, a Assembleia da República falou a uma só voz para manifestar o seu repúdio pelo caso de violência sexual contra crianças que envolveu uma das instituições de utilidade pública mais estimadas do País, a Casa Pia. Todos os grupos parlamentares convergiram na exigência do esclarecimento completo da situação, do apuramento célere das responsabilidades e da punição dos autores dos crimes e seus cúmplices.
O Parlamento cumpriu, pois, o seu primeiro dever formal, e fê-lo com assinalável dignidade e assumindo o espírito suprapartidário requerido pela gravidade do caso. Só que isso é manifestamente pouco, muito pouco - e seria inaceitável que ficássemos tranquilos com as nossas consciências e nos demitíssemos de outros deveres menos formais e mais substanciais que a situação nos impõe.
O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!
O Orador: - Não devemos apenas esperar que as entidades policiais e judiciais cumpram finalmente o seu papel, depois de vinte anos de silêncio, indiferença, laxismo e insensibilidade de todos - repito: todos - os poderes públicos. A monstruosidade do que aconteceu vincula-nos e responsabiliza-nos a todos, e responsabiliza-nos em particular perante as mais indefesas e vulneráveis das vítimas. Vítimas que são crianças, crianças pobres, crianças entregues aos cuidados de uma instituição que nos habituáramos a apreciar como um porto de abrigo mas que agora surge aos olhos de tantos como um lugar de vergonha e humilhação, um lugar de ameaça à integridade física e moral dos que aí são obrigados a refugiar-se.
O que hoje sabemos deste caso e dos seus antecedentes é mais do que suficiente para justificar um estado de alerta em relação à Casa Pia e a outras instituições congéneres onde possam existir condições potencialmente favoráveis à eclosão de fenómenos semelhantes - aliás, ainda esta semana, acabámos de ver referido na comunicação social o caso da Casa Pia de Évora.
O Governo agiu bem ao demitir prontamente a administração anterior da Casa Pia e ao nomear uma nova administração, em que se destaca a personalidade da Provedora Catalina Pestana que, em poucos dias, soube transmitir uma forte mensagem de empenho e confiança no sentido de recuperar a honra perdida da instituição. Mas Catalina Pestana também nos advertiu justamente de que não possui uma varinha mágica nem o dom de fazer milagres. O peso que cai sobre os seus ombros é demasiado para uma pessoa só, por mais generosa e dedicada que seja - e como julgo ser Catalina Pestana.
É uma missão que apela à nossa solidariedade, à nossa compaixão, ao nosso sentido de exigência e responsabilidade cívica. Por causa da Casa Pia, de todas as Casas Pias que existam por esse Portugal fora, mas também por nossa causa, do respeito que devemos a nós mesmos, e por causa do estado de saúde moral do País que somos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Não podemos querer que o caso da Casa Pia se transforme no símbolo sórdido de uma sociedade que alimenta - pelo silêncio, pela complacência, pela impunidade - os crimes mais vis e degradantes. Uma sociedade que depois consome, mediatiza e amplifica, com a
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sofreguidão do mais repugnante "voyeurismo", o espectáculo da sua miséria moral. Uma sociedade onde, no limite, corremos o risco de nos olharmos uns aos outros como pedófilos potenciais e de nos divertirmos a ver arrastar na lama da suspeição infamante todo e qualquer nome - distante, próximo, familiar, anónimo ou célebre, mas que de algum modo possa exacerbar os instintos e sentimentos mais baixos da alma humana. Uma sociedade onde, como lembrava há dias Catalina Pestana numa entrevista à televisão, o gesto tão genuíno de acariciar uma criança possa algum dia ser confundido com um gesto suspeito e vicioso. Não, não podemos querer que isso aconteça!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - E temos de impedir, com todas as nossas energias, que isso venha a acontecer.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O caso da Casa Pia constitui a ponta de um iceberg de enormes proporções. Um iceberg das violências perpetradas contra crianças e das redes de prostituição infantil, mas um iceberg, também, das repetidas, duradouras e nefastas manifestações da disfuncionalidade dos poderes públicos. Tudo isso, sublinhe-se uma vez mais, ocorreu ao longo de vinte anos, envolvendo polícias, tribunais, agentes políticos e quadros da Administração Pública, e em que o sofrimento de centenas de crianças e o comércio mais sórdido da inocência infantil foram sendo sistematicamente desprezados, apagados e triturados pela máquina kafkiana do Estado.
Estamos perante um exemplo absolutamente intolerável da indiferença, da cobardia, do burocratismo e corporativismo cegos que corroem instituições nucleares do regime democrático e ameaçam condenar o Estado a um papel apático e ausente face à sociedade. E, no entanto, depois de tudo isto, ainda encontramos altos responsáveis para quem o que aconteceu é formalmente e tecnicamente explicável e até justificável! Seria de pasmar, se não fosse simplesmente revoltante. E é seguramente um sintoma da cultura da irresponsabilidade que se instalou no funcionamento do Estado - ou, melhor dizendo, na ausência do Estado. Porque foi essa ausência que permitiu que tudo isto tivesse acontecido em clima de completa impunidade. Até que um jornal e uma estação de televisão rasgaram a cortina de silêncio que perdurava há mais de vinte anos, desde o tempo em que a reportagem, entretanto esquecida, de outro órgão de informação abordara pela primeira vez um escândalo de prostituição infantil na Casa Pia. Foi preciso esperar duas décadas para que a amnésia terminasse.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Fui jornalista durante mais de 30 anos e aproveito a oportunidade para confessar aqui uma culpa partilhável pelo conjunto da profissão. Também os jornais e os jornalistas andaram distraídos e não fizeram o que deviam ter feito, dando atenção às pistas avançadas por essa reportagem perdida no tempo. Mas foi à comunicação social que coube o papel de impedir que este caso paradigmático morresse para sempre nos labirintos secretos do Estado e que o crime não só continuasse impune como recebesse eventualmente prémio e luz verde para continuar a proliferar. Tal como também reconheceu a nova Provedora da Casa Pia, se não fosse o trabalho de investigação jornalística que desenterrou o escândalo dos arquivos do silêncio, continuaríamos ainda hoje sem ter acesso à verdade dos factos. É essa uma das funções mais nobres da imprensa, que a torna absolutamente indispensável à transparência das sociedades e à responsabilização dos poderes públicos.
Como antigo jornalista, tive várias vezes de enfrentar a incompreensão desses poderes e sei muito bem o que custa lutar pelo direito à informação numa sociedade e perante instituições ainda imbuídas, tantas vezes, de reflexos autoritários e censórios. É por isso que me sinto à vontade para afirmar aqui que a rejeição frontal da censura e a defesa intransigente da liberdade da informação não podem constituir pretexto, em circunstância alguma, para legitimar a libertinagem do sensacionalismo a que este caso tem dado lugar.
Aplausos do PS.
Com efeito, tem-se ultrapassado demasiadas vezes aquela linha invisível, mas intransponível, que separa os valores da ética jornalística, o respeito pelo rigor informativo, do mercantilismo do entretenimento sórdido alimentado pela concorrência sem princípios, sem regulação, à mercê da concorrência selvagem e da febre da guerra das audiências.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - É aí que emerge outra parte do iceberg que este caso trouxe à superfície. Não porque constitua propriamente uma novidade para quem acompanha a televisão depois do fenómeno Big Brother ou para quem constata a "tabloidização" crescente da imprensa escrita. Mas porque este caso, devido à sua natureza propícia a um "voyeurismo" doentio, acelerou a transgressão das regras éticas e deontológicas em certos serviços informativos televisivos e nas manchetes de alguns jornais.
Perdeu-se o sentido do contexto, do enquadramento noticioso, da contenção e do escrúpulo no tratamento de uma matéria tão delicada. Descurou-se, notoriamente, o cuidado em preservar a sensibilidade dos espectadores mais jovens e vulneráveis à violência mediática. A vulgaridade rasca do "eventualmente chocante", esse pseudo-jornalismo de bola vermelha, generalizou-se: os candidatos anónimos a uns minutos de glória passaram a ter tempo de antena desde que relatassem pormenores hard core, por mais irrelevantes que fossem para o esclarecimento do caso.
Imagens de um filme realizado por um alegado pediatra-pedófilo passaram vezes sem conta, apesar de, em si mesmas, não serem mais do que pornografia em prime-time. O nojo suscitado pelo escândalo de pedofilia tornou-se nojo mediático, numa perturbante simetria moral. Porquê? Será este o preço de os meios de comunicação social e, em especial, as televisões comerciais viverem tempos críticos, com a corda da sobrevivência atravessada na garganta? Será este o preço da lei da selva que tende a subverter a nossa paisagem audiovisual e mediática? Será que devemos assistir impávidos e serenos a esta deriva que alimenta a histeria fascizante do "voyeurismo", os rumores que envenenam o ambiente social, mancham reputações e quase nos convidam a nos olharmos uns aos outros como canalhas?
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Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Sei que as palavras que aqui deixo são duras e vêm marcadas pelo travo de alguma amargura e pessimismo. Espero, porém, que sejam interpretadas como fruto daquele pessimismo da razão que é indissociável do optimismo da vontade. Uma vontade que reúna Deputados, jornalistas, magistrados, agentes policiais, educadores, governantes na tarefa de tirar todas as consequências éticas, políticas e sociais deste caso tenebroso. Para que um escândalo de pedofilia não se torne o sintoma e o símbolo do naufrágio moral de um país e de uma sociedade.
Aplausos gerais.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados António Filipe, Isabel Castro, Ana Manso, Nuno Teixeira de Melo e Francisco Louçã.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Vicente Jorge Silva, pedi a palavra para, fundamentalmente, saudar a sua intervenção. Concretamente, há dois aspectos que nos parecem essenciais.
Em primeiro lugar, neste triste caso que tem envolvido a Casa Pia, é importante separar, muito claramente, "a árvore da floresta", não confundir, de maneira alguma, "a árvore com a floresta". E, se é evidente que todos nós pensamos firmemente que é preciso esclarecer e assumir todas as responsabilidades pelo que se passou, também entendemos que é necessário salvaguardar essa grande instituição que é a Casa Pia, que tem prestado inestimáveis serviços à sociedade portuguesa e a muitos jovens portugueses que, ao longo de muitos anos, por lá têm passado. Portanto, este é um aspecto que me parece fundamental.
Aproveitando a sua intervenção - e saudando-a -, também queríamos transmitir a nossa solidariedade às pessoas que trabalham e estudam na Casa Pia, por isso pensamos que foi importante que o Sr. Deputado tivesse trazido aqui esta questão.
Em segundo lugar, queria manifestar a minha concordância consigo relativamente ao que se tem vindo a passar na comunicação social, designadamente nas televisões, em torno deste problema. Entendemos que a comunicação social deve ser elogiada porque, se não fosse a sua acção, provavelmente ainda estaríamos todos, hoje, na ignorância acerca do que se passou; provavelmente não se saberia de nada. A comunicação social merece ser homenageada porque trouxe este problema para a opinião pública e fez com que hoje exista um clamor pelo País a exigir responsabilidades. E este aspecto é importante.
É importante também, por isso, salvaguardar sempre a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão da comunicação social. Mas não podemos deixar de concordar consigo relativamente aos limites que têm vindo a ser ultrapassados neste caso, e que não deveriam, em caso algum, ser ultrapassados. É, pois, importante que aqui, no Parlamento, seja feita essa chamada de atenção, bem como um grande apelo para que a dignidade das pessoas não seja sacrificada por batalhas de audiências e por valores que, de facto, não merecem a nossa consideração.
Queria, mais uma vez, saudar a sua intervenção. Fez muito bem em trazer aqui este assunto, é importante que o Parlamento discuta os limites éticos a que a comunicação social também está obrigada no tratamento deste caso, que é, como se sabe, particularmente sensível e melindroso.
Aplausos do PCP, do PS e do BE.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - O Sr. Deputado Vicente Jorge Silva responde no final de todos os pedidos de esclarecimento.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Vicente Jorge Silva, também queria saudar o modo como abordou esta questão.
Estamos a falar de uma questão extremamente importante, que, como recordou, uniu a Câmara há uma semana atrás. Penso, por isso, que um problema tão delicado quanto este deva ser tratado com a correcção que me pareceu retirar da sua intervenção.
Por um lado, estamos a falar de jovens e de crianças que, durante anos e anos, foram remetidos ao silêncio, à vergonha e, portanto, sofreram uma humilhação que, porventura, teremos dificuldade em avaliar da exacta dimensão e consequências. Parece-me importante que a abordagem deste problema não acrescente mais sofrimento àqueles que viveram esta experiência horrível durante anos, mas que este debate na Assembleia sirva, sobretudo, para uma aprendizagem daquilo que não deve voltar a acontecer e de todas as condições que devem ser criadas para que não mais a cultura do silêncio se possa instalar onde quer que seja. Portanto, desse ponto de vista, parece-me que o apuramento da verdade é importante mas, mais do que isso, é importante a aprendizagem com os muros que se ergueram e que permitiram que esta experiência acontecesse.
O segundo aspecto para o qual gostaria de chamar a atenção, e que me parece importante na forma como o referiu na sua intervenção, partindo da sua própria experiência e do seu percurso como jornalista, é a fronteira - que, porventura, é muitas vezes ténue - que me parece ser importante estabelecer entre o papel insubstituível que a imprensa tem para dar voz àqueles que, durante anos, a não tiveram e para permitir que aquilo que ficou silenciado e escondido deixasse de o estar, e, por outro lado, de modo algum, a utilização de todas as formas de apropriação da dor, agravando ainda mais o sofrimento daqueles que, directa ou indirectamente, foram ouvidos.
Para finalizar, gostaria de dizer que me parece importante que esta questão, à qual o Parlamento vai dar atenção, designadamente na 1.ª Comissão, seja tratada, fundamentalmente, numa perspectiva de futuro, ou seja, de aprendizagem com aquilo que aconteceu para que não mais situações como esta facilmente possam voltar a ter espaço para acontecer.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Manso.
A Sr.ª Ana Manso (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Vicente Jorge Silva, antes de mais, quero saudar a sua intervenção e dizer-lhe que nos revemos na maioria das suas palavras relativamente à rejeição total e absoluta
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de um verdadeiro escândalo que nos envergonha a todos, que envergonha todas as portuguesas e todos os portugueses. Mais ainda nos revemos nas suas palavras quando refere o silêncio demasiado silenciado durante 20 longos anos!
Penso que toda a Câmara está solidária com os ex-alunos, com os funcionários e com todos os que passaram pela Casa Pia e que, durante 222 anos, viram nela um porto de abrigo. Nós, portugueses e portuguesas, queremos que continue a ser o mesmo porto de abrigo em vez de um lugar de ameaça dos mais elementares direitos humanos das crianças e de todas as pessoas.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - Quero também dizer-lhe que acompanho o Sr. Deputado ao ter realçado a posição que assumiu o actual Governo, que, de uma forma muito clara e transparente, encarou o problema de frente e tentou rapidamente encontrar as melhores soluções, sem dramas, sem tibiezas e sem dúvidas, dadas a urgência e a gravidade da situação.
Aproveito ainda para saudar, tal como o Sr. Deputado o fez, a nova Provedora, Dr.ª Catalina Pestana, que conheço há muitos anos. Sei que é uma mulher capaz, uma pessoa que encara os projectos com alma, com espírito de missão e sempre ao serviço do bem público. Pelos dias em que já exerceu funções, que permitiram, como o Sr. Deputado disse, e muito bem, ultrapassar esta situação e atribuir novamente à Casa Pia o valor e a estima em que todos os portugueses a têm, estou convencida de que a Sr.ª Provedora vai repor a verdade dos factos e repor a credibilidade e a confiança naquela instituição multissecular, que é de facto uma referência para todos nós, portugueses.
Quero ainda salientar que este é um momento em que todos os Deputados e a Câmara se envolvem nesse espírito de solidariedade para com a Casa Pia, para com as crianças que foram vítimas deste escândalo, durante tantos anos silenciado em absoluto por todo o sistema, por todo o Estado e relativamente ao qual todos nos envergonhamos.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Vicente Jorge Silva, gostava de o saudar pela intervenção que fez e pelo tema que trouxe, uma vez mais, a esta Casa mas que nunca é demais discutir. Quero saudar também a Casa Pia, na pessoa de todos os seus funcionários, professores, alunos e, naturalmente, todos na pessoa da nova Provedora, Dr.ª Catalina Pestana. Deixo ainda uma palavra para o Sr. Ministro Bagão Félix, pela pronta intervenção que teve na resolução deste assunto.
De todo o modo, Sr. Deputado, há uma questão que eu gostava de lhe colocar. Julgo que todos temos como certo que a Casa Pia, sendo uma instituição antiga, é uma instituição que prestou relevantíssimos serviços a gerações inteiras de portugueses e, naturalmente, também a Portugal. Temos todos consciência de que o que sucedeu é de facto grave, é muito grave, tem de ser investigado, o silêncio foi longo, foi penoso, foi demasiado. Só que também julgamos, Sr. Deputado, que seria tremendamente injusto - e pensamos que estará de acordo connosco - generalizar-se este caso, transformando-o numa regra, numa casa que prestou esses relevantes serviços, sendo, pois, injusto, por este caso, penalizar-se, porventura de forma irreparável, o nome, o serviço e o futuro da Casa Pia.
O mesmo se diga, Sr. Deputado, relativamente à comunicação social. Julgamos que a comunicação social teve, desde logo, um importante e relevante papel de, no início, denunciar, da forma que se sabe, aquilo que sucedeu. E se houve órgãos de comunicação social que prevaricaram, desde logo do ponto de vista do interesse público e daquilo que é a razão de ser da sua tarefa, julgamos também que mal estaríamos se generalizássemos a toda a comunicação social quem prevaricou.
Pergunto-lhe, pois - e é na qualidade de ex-jornalista que também o interpelo, não apenas como colega Deputado -, se não considera que, tal como seria perigoso generalizar um caso que é grave e que sucedeu na Casa Pia, por forma a comprometer todo o seu passado e todo o seu futuro, também seria mal se considerássemos como extensivos a toda a comunicação social actos que terão sido praticados apenas por alguns, devendo-se, desta forma, usar de rigor na análise quer no que toca à Casa Pia quer no que toca à comunicação social.
Sr. Deputado, estamos, nesta bancada, inteiramente de acordo com o essencial da sua intervenção, na certeza também de que, no futuro, continuaremos a acompanhar este caso com um sentido de Estado que, de resto, julgo que temos mantido e continuaremos certamente a manter.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Vicente Jorge Silva, disse-nos aqui, e muito bem, que estamos perante a ponta de um imenso iceberg. Sabemos agora do que se passava na prostituição infantil nos jardins de Belém, quase que sabemos o que se passou durante tantos anos - 40 anos, pelo que nos diz um sacerdote ontem entrevistado - em instituições de internamento, mas quase que não levantamos o véu sobre o que são as violências e as violações, nomeadamente de crianças na família. O que sabemos é que em baixo deste iceberg é um verdadeiro polvo.
Não podemos esquecer-nos do turismo sexual que vai utilizar as crianças de Câmara de Lobos, que se prostituem nas ruas do Funchal, e tantas outras situações de imenso dramatismo. Mas talvez a pior podridão, Sr. Deputado, seja aquela que protegeu a pedofilia, seja o silêncio do Estado, seja a amnésia colectiva do Estado, seja uma justiça que não soube ou não quis agir e uma investigação policial que não conseguiu ou não quis proceder.
O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!
O Orador: - Talvez a pior de todas as podridões seja estarmos confrontados com a necessidade de olharmos para
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o País com a exigência da limpeza, da justiça, da transparência e da igualdade de oportunidades que é devida a todas estas crianças.
E é por isso que não compartilhamos a ideia, que um ou outro têm defendido, de que isto causa incómodo. Pois causa! O País está incomodado. Pois está! Isto causa indignação. Pois com certeza que sim! O País está indignado. Tem todo o direito, tem o dever de se indignar! Temos de nos indignar para que, daqui a dois meses, não caia no arquivo do silêncio toda a investigação e todo este processo.
O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!
O Orador: - Por isso, podemos perguntar-nos também se se teria passado assim se a justiça fosse justa, acontecesse isto não na Casa Pia mas no Colégio S. João de Brito! Teria sido possível, porventura, que um funcionário, alegado angariador de uma rede pedófila, entrasse e saísse, fosse demitido e readmitido, transferido e mantido ao longo de 20 anos?! Com certeza que não! Acontecesse isso num colégio como o S. João de Brito e seria, porventura, em algum momento, passado no horário nobre da televisão um filme com essas crianças, ou sobre essas crianças, que hoje seriam advogados, ou arquitectos, ou engenheiros?! Claro que não! Claro que não! Todos sabemos que não! O que se passa é que essas crianças, que hoje são vítimas como parte do espectáculo, como ontem foram vítimas da pedofilia, são entendidas como crianças sem nome! Aquilo que, no combate à indignidade, no combate à podridão, no combate a este iceberg temos de fazer é dar o nome a cada uma destas crianças, reconhecê-las como vítimas, reconhecê-las como cidadãos, como homens ou como mulheres que têm de ser ouvidos! Por isso, temos de nos expor à verdade da democracia, que é ouvi-los, dar-lhes razão, protegê-los e proteger as crianças que vêm depois.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Vicente Jorge Silva.
O Sr. Vicente Jorge Silva (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, agradeçendo as intervenções que foram feitas, devo dizer que fiquei satisfeito por ter conseguido reunir um consenso tão improvável nesta Câmara, embora também seja verdade que tal já tinha acontecido há uma semana atrás. Espero que este consenso não seja apenas formal, mas que seja um consenso mais substancial, que tenha a ver com a introdução destes temas na agenda política e nas nossas preocupações permanentes e que casos como este não possam repetir-se mais. Embora, como é evidente, as condições que os tornaram possíveis não possam ser eliminadas por artes mágicas, em todo o caso penso que a vigilância do Parlamento, a vigilância dos cidadãos, a vigilância da comunicação social, mas uma vigilância sadia, uma vigilância construtiva, que aponte caminhos, são absolutamente essenciais para caminharmos no sentido da transformação de uma realidade que nos confrange.
Colocam-se duas questões: a questão do caso da Casa Pia e a questão de como ele se tornou num fenómeno mediático. Penso que não devíamos esquecer as duas coisas, porque elas são importantes, e em algumas intervenções, segundo me pareceu, senti que havia, talvez, vontade de separar as duas coisas ou de pôr a tónica mais numa do que noutra. Penso que, neste momento, não podemos separar as duas coisas: não podemos separar o que é o caso da Casa Pia ou tudo aquilo que o envolve, sobretudo o escândalo de um tão longo silêncio, ao longo de tanto tempo, das instituições do Estado, as mais variadas - 20 anos é, de facto, demais para ser verosímil! -, do apetite doentio que rodeou este caso e que já não tem nada a ver com a vigilância dos cidadãos, com o direito à indignação dos cidadãos, com o protesto dos cidadãos em relação a este caso. Quanto a mim, temos de ter a capacidade de "separar as águas", tal como os jornalistas têm o dever de "separar as águas" entre o direito à informação, à investigação jornalística, que despoletou este caso, e o tratamento perverso da matéria dita informativa, que já não o é, mas que se confunde com a própria pornografia, que condenamos. Penso que é muito importante ter isto em conta.
Respondendo em concreto ao Deputado Nuno Teixeira de Melo, obviamente não generalizei o caso da Casa Pia, nem o fiz em relação aos media. É evidente que, numa intervenção proferida no Parlamento, não iria referir que o jornal A ou a televisão B se tinham portado melhor do que outros órgãos de comunicação social, porque não me parecia ser este o lugar adequado para o fazer. Talvez o pudesse fazer nas colunas do jornal onde colaboro, mas aqui não me pareceu adequado, até porque quem tem seguido as notícias das televisões e quem tem lido os jornais sabe perfeitamente quais foram os meios de comunicação social que trataram este caso de uma forma mais correcta ou mais incorrecta (embora o termo "correcto" não me seja agradável por causa do "politicamente correcto", que talvez fosse excedentário nesta matéria).
Finalmente, queria dizer que a mensagem que este caso nos trás, mas fundamentalmente para mim - e isso é que me fez intervir hoje, porque senti que, como antigo jornalista, também tinha o dever de colocar as questões na perspectiva que me parecia ser a mais justa e a mais rigorosa -, é fazer com que nós, Deputados, não deixemos morrer este caso, conformando-nos e dizendo que já fizemos o que era possível e que agora as outras instituições têm de fazer o resto. Não é assim! Temos de estar em cima deste caso e de outros que tenham conotações com este ou, por exemplo, de todas as situações que são muito mais gerais do que o caso da Casa Pia e que têm a ver com aquilo que o Sr. Deputado Francisco Louçã referiu ao falar em regimes de internato e de sistemas de clausura que tantas vezes envenenam o ambiente escolar e o dessas instituições.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza ): - Sr. Deputado, o seu tempo terminou. Peço que conclua por favor.
O Orador: - Vou terminar, Sr.ª Presidente.
A terminar chamo, pois, a atenção para a necessidade de nos mobilizarmos para esta questão e apelo aos jornalistas para que as suas consciências profissionais falem mais alto do que os interesses comerciais e do que a guerra sôfrega das audiências a que assistimos, sobretudo nalguns canais de televisão.
Aplausos do PS.
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A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção de interesse político relevante, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Nos dois últimos fins-de-semana tiveram lugar o VII Congresso Regional do PCP/Açores e o VI Congresso Regional do PCP/Madeira. Foram dois acontecimentos políticos de grande importância para os comunistas de ambas as regiões autónomas, que saúdo em nome do Grupo Parlamentar do PCP na Assembleia da República.
Os congressos do PCP/Açores e do PCP/Madeira realizaram-se num quadro inédito da actividade política do PCP nas regiões autónomas, na medida em que, na presente Legislatura, o PCP dispõe, pela primeira vez, de grupos parlamentares em ambas as assembleias legislativas regionais. O PCP não se limita a ser, nas regiões autónomas, um partido residual sem representação institucional. O PCP/Madeira e o PCP/Açores, como os recentes congressos bem demonstraram, constituem organizações regionais do PCP com voz própria, com expressão parlamentar relevante e com uma actividade política expressiva e respeitada em ambas as regiões autónomas.
Ao saudar os congressos regionais do PCP/Açores e do PCP/Madeira, queremos também saudar, nesta Assembleia, os povos dos Açores e da Madeira e manifestar o empenhamento do PCP - não apenas nas assembleias legislativas regionais, como na Assembleia da República - na defesa e aprofundamento das autonomias regionais como elementos estruturantes da nossa democracia e como motores fundamentais de desenvolvimento, de coesão nacional e de melhoramento das condições de vida das populações insulares.
Nos Açores e na Madeira, o PCP assume um firme compromisso com as lutas e as aspirações dos povos, muito especialmente dos trabalhadores e das populações mais desfavorecidas, e constitui uma presença insubstituível em todas as pequenas e grandes lutas pelo trabalho com direitos, pelo desenvolvimento regional e local, pelos legítimos direitos dos agricultores, dos pescadores, dos pequenos comerciantes e industriais e pela resolução de inúmeros problemas das populações.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - É esta presença e esta voz, coerentes e determinadas, que explicam o crescente reconhecimento e prestígio dos comunistas madeirenses e açorianos junto do povo a que pertencem e que lhes permitem encarar com confiança as lutas políticas que se aproximam.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Os congressos do PCP/Açores e do PCP/Madeira realizaram-se num momento em que o actual Governo desenvolve uma forte ofensiva contra as autonomias regionais, da qual o ataque à autonomia financeira das regiões por via do Orçamento do Estado para 2003 constitui uma das faces mais ostensivas. Apesar da engenharia financeira destinada a comprar o silêncio do Dr. Alberto João Jardim - que trocou os ataques ao Governo de Lisboa pelas ameaças à Federação Portuguesa de Futebol -, a verdade é que o Orçamento do Estado para 2003, e particularmente os limites draconianos de endividamento que estabelece, representa um sério retrocesso na autonomia financeira das regiões autónomas, no qual até o comprometimento com a reconstrução das ilhas do Faial e do Pico, vítimas do terramoto de 1998, saiu sacrificado.
O diagnóstico da situação económica e social nas regiões autónomas, salvaguardando evidentemente as características próprias de cada uma delas, confronta-nos a todos com um quadro muito preocupante. Os baixos níveis de qualificação escolar e profissional existentes nas regiões, as dificuldades no acesso a cuidados de saúde, responsáveis designadamente por elevadas taxas de mortalidade infantil, os problemas do desemprego, da precariedade do trabalho e dos baixos salários, agravados pelo custo de vida mais elevado que caracteriza a insularidade, a carência de políticas de apoio social à população mais desfavorecida e à terceira idade, a falta de incentivo às actividades económicas que mais poderiam contribuir para a criação de riqueza e para o desenvolvimento económico e social das regiões, as dificuldades de acesso à habitação que afecta de forma dramática as camadas mais jovens são problemas para os quais nem os governos da República nem os governos regionais souberam encontrar respostas adequadas.
Os congressos do PCP/Açores e do PCP/Madeira afirmaram o grande empenhamento dos comunistas das regiões autónomas na luta geral do povo português contra a política de retrocesso social que está em curso no nosso país. A defesa de uma educação pública, gratuita e de qualidade, que contribua para a elevação do nível educativo e cultural dos portugueses, a defesa de um serviço nacional de saúde apto a responder às necessidades das populações, a defesa de um sistema público e universal de segurança social e a luta contra esse gravíssimo instrumento de retrocesso social e civilizacional, que é o projecto do código do trabalho, estiveram no centro dos debates realizados em torno de ambos os congressos, que afirmaram o firme empenhamento de todos os comunistas açorianos e madeirenses para que a greve geral, convocada pela CGTP - Intersindical Nacional para o próximo dia 10 de Dezembro, tenha uma forte expressão em ambas as regiões autónomas.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Os congressos regionais do PCP/Açores e do PCP/Madeira, para além de terem procedido a um amplo debate sobre a situação política, económica e social das suas regiões, afirmaram o PCP como um partido que, com as suas propostas e com a sua acção, conta decisivamente para a resolução dos problemas e para as mudanças políticas que são indispensáveis para que os Açores e a Madeira, na afirmação da sua autonomia, superem atrasos ancestrais e avancem decisivamente no caminho do desenvolvimento e do progresso social.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Também para uma intervenção de interesse político relevante, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos.
A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Foi ontem apresentado o relatório do Fundo
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das Nações Unidas para a População, que centra a sua abordagem na situação da população em 2002, na pobreza e nas oportunidades dos países em desenvolvimento. Os números que estão na base do relatório são chocantes: 3000 milhões de pessoas vivem com menos de 2 dólares por dia, sendo que 1,2 mil milhões vivem com menos de 1 dólar por dia; 840 milhões de pessoas sofrem de má nutrição, sendo que anualmente morrem de fome e de má nutrição 6 milhões de crianças com menos de cinco anos. Anualmente morrem 500 000 mulheres durante a gravidez e parto. No mundo, 350 milhões de mulheres não têm acesso a meios de contracepção seguros e eficazes e anualmente cerca de 175 milhões das gravidezes não são desejadas ou programadas.
Por ano, ocorrem cerca de 40 milhões de abortos, muitos deles abortos inseguros; anualmente morrem 78 mil mulheres, cada dia morrem 227 mulheres devido a complicações resultantes do aborto inseguro.
Dos 854 milhões de adultos analfabetos, 544 milhões são mulheres.
Em 2001, 5 milhões de pessoas foram infectadas pelo HIV, destas 800 000 são crianças. Anualmente, morrem 3 milhões de pessoas por causa da SIDA.
Metade dos novos casos de infecção pelo HIV ocorrem nos jovens com idades entre os 15 e os 24 anos, sendo que as raparigas são as mais infectadas. São 40 milhões as pessoas que vivem com o HIV/SIDA e, destas, 28,5 milhões são do continente africano.
Estes números exigem reflexão, sobretudo exigem respostas.
O relatório assume que não é possível discutir e planear o desenvolvimento mundial sem ter em conta as questões ligadas à população. E, nesta abordagem, a pobreza e a desigualdade entre mulheres e homens são centrais e transversais no diagnóstico da situação da população, bem como obviamente nas recomendações práticas que são feitas.
A abordagem na perspectiva do género em matéria de população e de pobreza é um imperativo, desde logo pelos números: mais de metade da população mundial são mulheres.
O número de mulheres que vivem na pobreza é superior ao dos homens e esta tendência tem vindo a agravar-se. A falta de saúde, que é uma causa e uma consequência da pobreza, afecta mais as mulheres. Em matéria de HIV/SIDA, as mulheres são mais vulneráveis à infecção e na educação as mulheres constituem dois terços do total de iletrados a nível mundial.
O Sr. José Magalhães (PS): - Um escândalo!
A Oradora: - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No quadro que resumidamente pretendi traçar fica claro que, para reduzir a pobreza nos países em vias de desenvolvimento, é urgente e é do interesse de todos - mulheres e homens - investir na promoção da igualdade de género, e dentro desta um dos pontos-chave é a promoção da saúde reprodutiva. Quando falamos em saúde reprodutiva falamos, nomeadamente, de informação e de serviços de planeamento familiar, cuidados de saúde materna, prevenção e tratamento das doenças sexualmente transmissíveis e desencorajamento da mutilação genital feminina. Quando falamos de saúde reprodutiva falamos, em particular no contexto dos países em desenvolvimento, de vida ou morte.
A aposta na saúde reprodutiva é um factor estratégico na promoção do desenvolvimento e no combate à pobreza. Esta é uma das áreas onde se registam maiores disparidades entre ricos e pobres e os resultados desta disparidade são menos oportunidades de as mulheres e famílias pobres se libertarem da pobreza. São menos oportunidades de acesso à educação. São menos oportunidades de melhorar as capacidades e as opções individuais. São menos oportunidades de crescimento económico.
Se pensarmos, neste contexto, que 1000 milhões de adolescentes estão a entrar na chamada idade reprodutiva percebemos que a saúde reprodutiva e o acesso aos direitos sexuais e reprodutivos são determinantes no futuro que queremos construir.
Aplausos do PS.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os compromissos do Cairo obrigam-nos a agir internacionalmente, mas também implicam metas a atingir na sociedade portuguesa.
O acesso à educação sexual não está garantido. O processo de generalização da educação sexual nas escolas é muito recente. É necessário ser avaliado e acompanhado para garantir a sua eficácia e sucesso.
Os números da gravidez na adolescência são um desafio à nossa sociedade. Os números das gravidezes não desejadas e o recurso ao aborto inseguro, com as consequências conhecidas por todos, é um assunto mal resolvido em Portugal.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
A Oradora: - Não é possível não nos sentirmos interpelados a agir e a assumir as nossas responsabilidades. Os números que referi no início da minha intervenção são "os números da vergonha", como escreve hoje um jornalista. Tenhamos, por isso, a capacidade e a coragem política de contribuir para a busca de respostas e para a sua concretização. Se assim o não fizermos, Sr.as e Srs. Deputados, se os países desenvolvidos assim o não fizerem, serão parte activa e responsável da vergonha.
Aplausos do PS, do PCP, do BE, de Os Verdes e de Deputados do PSD.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.
Eram 16 horas e 10 minutos.
ORDEM DO DIA
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, vamos dar início à discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 24/IX - Estabelece o regime de criação, o quadro de atribuições e competências das áreas metropolitanas e o funcionamento dos seus órgãos, e do projecto de lei n.º 110/IX - Altera a forma de constituição dos órgãos e reforça os poderes e meios de actuação das estruturas e funcionamento das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto (PCP).
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Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente.
O Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente (Isaltino Morais): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Cabe-me, antes de mais, sublinhar a acção deste Governo e, em especial, do Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente no sentido da promoção dos mecanismos tendentes à apresentação da lei-quadro das áreas metropolitanas e, muito brevemente, das associações de municípios.
Recordo aqui - e importa saudar isso - que uma das linhas políticas centrais expressas no Programa do XV Governo é a descentralização. No âmbito do chamado pacote da descentralização, o desenvolvimento e a expansão das áreas metropolitanas a todo o território nacional, dentro do princípio da subsidiariedade, com acento na Constituição da República Portuguesa, vem colocar em debate vários assuntos, que tem merecido a atenção e o empenho deste Governo, de reorganização e equilíbrio do País, mediante a consolidação de novas áreas metropolitanas capazes de impulsionar o desenvolvimento social, económico e cultural do território que as integra.
Para nós, a chave da construção de um País mais desenvolvido e com uma distribuição de riqueza mais equitativa está também na plena consagração do princípio da subsidiariedade e o consequente reforço das competências das autarquias locais, centralizando em seu favor tudo aquilo que podem fazer melhor em benefício dos cidadãos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A proposta de lei que hoje aqui debatemos representa um importante instrumento para a instituição de pessoas colectivas públicas de âmbito territorial, orientadas para a gestão integrada dos espaços metropolitanos e urbanos de âmbito supramunicipal. Esta é a oportunidade para potenciar a resolução de problemas que ultrapassam claramente as fronteiras municipais, promovendo um aproveitamento de relações de complementaridade e de solidariedade entre municípios territorialmente contíguos.
A presente lei-quadro é o estímulo fundamental para a associação e cooperação intermunicipal, de modo a consolidar os diversos interesses municipais numa perspectiva de estabilidade, atendendo a que os municípios constituintes da área ficam obrigados a permanecer na mesma pelo menos durante cinco anos.
Portugal está hoje desperto para a necessidade da reorganização urbana, reconhecendo-se que tal estruturação passa por políticas direccionadas para o desenvolvimento dos municípios, no sentido de responder às solicitações das populações, bem como no que diz respeito aos espaços e equipamentos que as servem.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta nova realidade, que são as grandes áreas metropolitanas e as comunidades urbanas, tem atribuições específicas, de modo a dar corpo à articulação de interesses supramunicipais tão vastos como os investimentos, a coordenação de actuações entre os municípios e os serviços da administração central, o planeamento e a gestão estratégica, económica e social, bem como a gestão territorial na área dos municípios integrantes. Na coordenação das áreas metropolitanas com a administração central, destacam-se as seguintes áreas: saúde; educação; infra-estruturas de saneamento básico e de abastecimento público; ambiente, conservação da natureza e recursos naturais; segurança e protecção civil; acessibilidades e transportes; equipamentos de utilização colectiva; promoção do turismo e cultura, valorização do património; apoios ao desporto, à juventude e as actividades de lazer.
Os municípios podem transferir competências para as áreas metropolitanas, quando dessa transferência resulte ganhos de eficiência, eficácia e economia.
Se alguma mensagem política ficou clara nas eleições autárquicas de há um ano foi a de que o País quis pôr um travão ao crescimento urbano desregrado, sem suporte em infra-estruturas adequadas; o país quis pôr um travão à expansão dos aglomerados sem regra e às áreas urbanas descaracterizadas, onde é inviável oferecer equipamentos, espaços verdes e qualidade de vida.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O país quis pôr um travão aos espaços urbanos desqualificados, inseguros e sem identidade, desajustados dos padrões de exigência que os cidadãos passaram a exigir.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: As áreas metropolitanas existentes - a Área Metropolitana de Lisboa e a Área Metropolitana do Porto - foram, como é sabido, criadas pela Lei n.º 44/91, de 2 de Agosto. É certo que, decorridos praticamente 10 anos sobre a sua vigência, a criação daquelas áreas metropolitanas acentuou a bipolarização das populações e das entidades económicas mais dinâmicas e competitivas. Durante estes 10 anos foi possível detectar as deficiências no funcionamento das áreas metropolitanas, e se é certo que algumas situações excepcionais traduzem a dinâmica dessas áreas metropolitanas, como é o caso do Porto, designadamente no que concerne ao andamento e à concretização do projecto do metropolitano, também é verdade que são raras as excepções de projectos levados a cabo pelas actuais áreas metropolitanas.
Também é sabido que disfunções no seu funcionamento, designadamente no que diz respeito à estrutura executiva das áreas metropolitanas, determinaram que estas desenvolvessem a sua actuação no âmbito estrito de actividades meramente administrativas ou se situassem numa posição de impasse, naturalmente prejudicial ao desenvolvimento dos municípios que as integram. É bem conhecida a situação da Área Metropolitana de Lisboa, por exemplo, no anterior mandato, em que a Comissão Executiva, como é sabido, nunca chegou a funcionar, nem sequer a ser constituída.
Por outro lado, também é conhecido que, fruto deste tipo de organização, nem sequer poderíamos falar num verdadeiro órgão executivo, dadas as ocupações naturais dos presidentes de câmara que integram as juntas metropolitanas.
Por isso, esta proposta de lei, que é presente a esta Assembleia, é estribada na experiência destes anos, traduzindo-se num salto qualitativo relativamente à realidade actual, e visa a promoção da reorganização e do equilíbrio do sistema urbano nacional, ao viabilizar a criação de novas áreas metropolitanas susceptíveis de impulsionar o desenvolvimento económico, social e cultural e a possibilidade de criação de dois tipos de áreas metropolitanas
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- as grandes áreas metropolitanas e as comunidades urbanas -, correspondentes às realidades urbanas consolidadas e às emergentes, dando, assim, azo a uma mais eficiente auto-organização do associativismo inter e supramunicipal.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Importa reconhecer que os problemas da governabilidade e a funcionalidade dos sistemas urbanos implicam, hoje, a existência de mecanismos de articulação e de consensualização ao nível dos investimentos, dos programas e dos projectos e de uma actuação concertada da administração central e da administração local. São desafios novos, que exigem respostas à escala dos problemas, daí a diferenciação destes dois tipos em função da população e do número de municípios.
Esta solução tem, relativamente à situação actual, aspectos e reformas inovadoras que visam, fruto da experiência de mais de uma década, uma melhor articulação entre os municípios, o Governo e a administração central, nos mais diversos domínios. Refiro, em particular, a novidade das comunidades urbanas.
É sabido que a actual lei, ao consagrar as duas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, não num movimento espontâneo da vontade dos municípios mas fruto da imposição de uma lei da Assembleia da República, impedia o desenvolvimento de estruturas idênticas noutros pontos do País, onde se tem assistido a uma dinâmica urbana que justifica a articulação de acções entre municípios. Esta era uma lacuna que importava colmatar, e esta proposta de lei vem dar a possibilidade de criação das comunidades urbanas. E quero salientar a instituição por vontade dos municípios e já não por imposição da lei; isto é, serão os municípios a determinar se querem ou não uma grande área metropolitana, se querem ou não uma comunidade urbana.
Por outro lado, esta proposta de lei visa a adaptação às realidades urbanas emergentes, com possível reforço da rede das cidades médias, e são reforçadas, de uma forma especial, as atribuições e competências, designadamente em matéria de gestão territorial na área dos municípios.
Também não se poderá dizer que esta reforma é uma mera acção de cosmética, porque, se é verdade que mantém atribuições e competências que já estão plasmadas na lei em vigor, ao introduzir competências na área do ordenamento do território, está a atribuir às áreas metropolitanas soberania e uma maior responsabilidade sobre esse território, e, portanto, um maior contributo para desenvolvimento económico e social dessas regiões.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Gostaria também de salientar as condições de funcionamento mais eficiente dos órgãos executivos: reduz-se a dimensão das comissões permanentes, que passam a ter um presidente e dois vice-presidentes e a possibilidade da criação de um conselho de administração, composto por um número máximo de três membros, ou de um administrador executivo. Esta situação vem resolver o problema das dificuldades de disponibilidade de tempo de presença e de acompanhamento por parte dos presidentes de câmara, passando, portanto, a junta metropolitana a coordenar a acção da respectiva área metropolitana, mas com um órgão profissionalizado, que é o conselho de administração ou o administrador executivo.
Nas comunidades urbanas, tendo, naturalmente, em atenção o facto de se tratar de organizações com outra dimensão e a uma menor escala, pelo menos do ponto de vista demográfico, mas também territorial, na medida em que são exigidos menos municípios para a sua constituição, faz, obviamente, sentido apenas um administrador executivo, se esta for a vontade da junta metropolitana.
Quero ainda expressar aos Srs. Deputados que a apresentação desta proposta de lei para a criação das grandes áreas metropolitanas e comunidades urbanas não é um documento que apareça isoladamente nesta Assembleia, na medida em que, quando falamos em descentralização e em dar corpo ao princípio da subsidiariedade, que tão decantado tem sido nos discursos, é importante que haja estruturas no território que sejam capazes de acolher estes propósitos de descentralização e de concretização do princípio da subsidiariedade. Ora, isto faz-se, naturalmente, com o desenvolvimento no terreno destas áreas metropolitanas, mas também com uma reforma significativa no que respeita às associações de municípios, com a criação de estruturas administrativas adequadas para a estruturação de pólos urbanos indispensáveis ao desenvolvimento de territórios menos dinâmicos e competitivos e ao combate às assimetrias do desenvolvimento regional.
Foi justamente na sequência deste propósito reformador que, hoje mesmo, o Governo aprovou uma outra proposta de lei, que brevemente será submetida a esta Assembleia, que, no essencial, reforma a legislação relativa às associações de municípios ao estabelecer o novo regime de criação e o quadro de atribuições e competências das comunidades intermunicipais de direito público, podendo estas ser também de dois tipos: comunidades intermunicipais de fins gerais e associações de municípios de fins específicos.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - As primeiras serão constituídas por municípios com um nexo territorial e, as segundas, serão criadas para a realização de interesses específicos comuns às necessidades dos respectivos municípios, embora sem nexo territorial.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de expressar também aqui, a esta Assembleia, o que tem sido a política de relacionamento do Governo com a Associação Nacional de Municípios Portugueses. Digamos que está estabelecido praticamente um canal de comunicação diário entre o Governo, directamente com o Secretário de Estado da Administração Local, e a Associação Nacional de Municípios Portugueses, porque esta proposta de lei, que é presente à Assembleia da República, mereceu a unanimidade do Conselho Directivo da Associação Nacional de Municípios Portugueses, como também mereceu essa unanimidade a proposta de lei que o Governo hoje aprovou e que brevemente irá aqui ser apreciada.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - É assim, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, que este Governo concretiza a descentralização, dá corpo ao princípio da subsidiariedade, respeita, dignifica e reforça os poderes das autarquias locais, porque acreditamos que
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o processo descentralizador passa essencialmente pela confiança que o Governo tem manifestado, e continua a manifestar, nas autarquias locais, assim se dando corpo àquilo que o Sr. Primeiro-Ministro tem designado de "reforma tranquila". É nesta reforma tranquila que prosseguiremos com este diploma e com todos aqueles que dizem respeito ao reforço das competências dos municípios.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Informo a Câmara de que, para formularem pedidos de esclarecimento ao Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, já se inscreveram 10 Srs. Deputados, a quem irei dar a palavra após a intervenção do Sr. Deputado Honório Novo.
Para apresentar o projecto de lei em nome do PCP, tem a palavra, Sr. Deputado Honório Novo.
O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A realidade vale mais, muito mais, que 1000 palavras. E a realidade mostra que as Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, criadas há 11 anos pela Lei n.º 44/91, de 2 de Agosto, constituem o exemplo vivo de um modelo, no fundamental, falhado.
Mesmo que a seu crédito se possam enumerar muitos debates, estudos e seminários, mesmo que tenhamos de arrolar, e bem, a construção do metro de superfície na cidade e na Área Metropolitana do Porto, a verdade incontornável é que estes exemplos são meras excepções que confirmam a regra geral de ausência de capacidade de intervir eficazmente no dia-a-dia das populações residentes nos territórios metropolitanos.
A prática quotidiana e a experiência de 11 anos mostram que, apesar desses exemplos, o poder dos órgãos metropolitanos foi sempre meramente político, resultante de capacidades ou de circunstâncias conjunturais, mas nunca, por nunca, foi fruto de atribuições e competências claras e objectivas, muito menos de recursos humanos e financeiros que alguma vez tivessem sido explicitamente configurados na lei constitutiva das áreas metropolitanas.
As Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto nunca tiveram, nem poderiam ter tido, um real funcionamento supramunicipal e autónomo, face às câmaras municipais que as integram. Ao assentarem o seu funcionamento em presidentes de câmara, a lógica predominante, na ausência de poderes e de capacidades para impor soluções à administração central, remeteu-se à defesa dos interesses individuais de cada um dos municípios ou à lógica, por vezes, da guerrilha estéril entre personalidades, que nada resolveu e que quase tudo, ou muito, adiou.
Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O fracasso ou, pelo menos, a consciência nítida de frustração, relativamente ao modelo criado há 11 anos, são reconhecidas por membros de todos os partidos, sem excepção.
Importa, no entanto, "revisitar", ainda que brevemente, todo o processo que levou à aprovação da Lei n.º 44/91, há 11 anos.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Importa recordar esse processo, sobretudo por razões políticas que podem servir hoje, por estarmos, finalmente, a reconsiderar o futuro quadro legislativo das Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto.
Importa recordar que, já há 11 anos, o PCP apresentou um projecto em que as áreas metropolitanas tinham poderes próprios, retirados à administração central, nas áreas dos transportes, do ambiente, do planeamento do território e onde se propunha que os respectivos órgãos metropolitanos fossem constituídos na base da legitimação essencial do voto directo dos eleitores metropolitanos.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Importa recordar também que, pelo contrário, a solução então adoptada assentou num modelo híbrido, que, dando corpo a uma visão redutora e subordinada a meros exercícios de calculismo político, impediu que às novas instituições metropolitanas fosse conferida plena legitimação democrática e fossem facultados meios, poderes e competências correspondentes a um exercício pleno e eficaz das respectivas funções.
"Revisitar" este processo permite-nos assinalar, hoje, com mais clareza, a dimensão e o significado da aparente sintonia, que, ainda não há muitos meses, foi possível consensualizar quanto à ineficácia do modelo aprovado em 1991 e à necessidade imperiosa de o alterar profundamente.
A discussão que hoje encetamos comprovará se as afirmações produzidas há pouco mais de um ano vão, ou não, ser agora confirmadas.
Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Pela sua parte, o PCP tomou a iniciativa de, em Julho, apresentar o projecto de lei n.º 110/IX para alterar a forma de constituição dos órgãos metropolitanos e reforçar os poderes e os meios de actuação das estruturas e o funcionamento das Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto.
A primeira e mais importante questão que o projecto de lei do PCP suscita é verificar se há, como propomos, a determinação política e a vontade descentralizadora de conferir às Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto o carácter de autarquia que a Constituição continua, felizmente, a prever.
É neste aspecto que se constitui o primeiro e, porventura, o principal confronto com o actual enquadramento legislativo, um confronto que coloca, de um lado, aqueles que, como ocorre com o PCP já desde 1991, defendem a instituição de áreas metropolitanas enquanto autarquias e, do outro, aqueles que mantêm uma posição próxima da limitada figura das associações de municípios, ainda por cima imposta por lei, fórmula que acabou por vencer há 11 anos e que é, diga-se de passagem, quase integralmente repetida e recolocada na proposta de lei, naquilo que constitui uma opção legítima, mas completamente imobilista e desatenta à experiência adquirida, por parte do Governo.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é bem assim!
O Orador: - A verdade é que, se, em 1991, era apenas o PCP a defender a atribuição de plena natureza autárquica às áreas metropolitanas, hoje parece ser, pelo
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menos aparentemente, bem diferente a situação, vindo a talho de foice invocar tomadas de posição, tão insuspeitas quanto claras, que, sobretudo nos últimos meses, têm sido produzidas sobre esta questão.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Recordo, por exemplo, as posições e os contributos formais que quer o PSD quer o PS produziram ainda há menos de dois anos no âmbito de discussões profundas e alargadas sobre o futuro das áreas metropolitanas. Nessa altura, ainda que por processos naturalmente diferenciados, ambos os partidos reconheciam a urgente necessidade de conferir legitimação própria, electiva e directa aos órgãos metropolitanos.
Recordo também testemunhos de diversos autarcas, quer da Área Metropolitana de Lisboa, quer da Área Metropolitana do Porto, que têm defendido alterações profundas na forma de composição dos órgãos metropolitanos e a eleição directa da assembleia e/ou da junta metropolitana e simultaneamente a distanciação e natural incompatibilização entre o exercício do cargo de presidente de câmara com o exercício de cargos executivos na junta metropolitana. Recordo, exemplo entre outros, diversas intervenções e textos escritos pelo já falecido Professor Vieira de Carvalho, ex-Presidente da Junta Metropolitana do Porto, sobre esta questão.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A título pessoal!
O Orador: - Por fim, lembro ainda o próprio Sr. Presidente da República que, há cerca de dois anos, durante um seminário organizado pela Área Metropolitana de Lisboa, reconheceu que as questões metropolitanas não poderão ter resposta adequada se não existir "uma legitimação democrática do Governo da rede no que respeita às funções que lhe foram atribuídas".
Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Uma outra questão central suscitada pelo projecto de lei do PCP tem a ver com a reconhecida necessidade de alargar as parcas atribuições que a actual Lei n.º 44/91 confere às Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto.
Trata-se de atribuir a estas áreas metropolitanas competências claras, bem definidas e objectivas, que, aliás, nunca tiveram, de definir novas funções e de conferir capacidades reais de intervenção em áreas tão diversas como o planeamento e ordenamento do território, a coordenação da intervenção dos diferentes níveis da administração central ou de empresas concessionárias de serviços públicos, ou, igualmente, no apoio necessário à acção municipal. E neste aspecto importa relevar que uma preocupação central das alterações legislativas consignadas no projecto de lei do PCP tem precisamente a ver com a absoluta necessidade de articular a acção metropolitana com a acção municipal. Por isso mesmo, propomos a criação de um novo órgão, o conselho de municípios, constituído pelos presidentes de câmaras que integram as áreas metropolitanas, a quem é cometida a responsabilidade de emitir pareceres prévios sobre diversas questões, sendo certo que tais pareceres são mesmo vinculativos em determinadas áreas, como as que se prendem com os instrumentos de ordenamento do território metropolitano.
Por outro lado, a menos que se queira adiar por mais 11 anos, ou, se calhar, mais, a necessidade de introduzir modificações reais e substanciais ao actual modelo legislativo, é igualmente fundamental - tal como defende e propõe o PCP no seu projecto de lei - que sejam também conferidos poderes reais e efectivos às Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto. Estas áreas metropolitanas e os respectivos órgãos têm de ter capacidade real de fazer vincular às suas deliberações a acção concreta dos serviços da administração central sedeados nos territórios metropolitanos. Em matérias fulcrais que se propõem vir a constituir competências específicas das áreas metropolitanas, como é o caso dos sistemas de transporte, da rede viária regional, do ambiente e recursos hídricos e de equipamentos de natureza diversa, há que fazer com que departamentos e outros organismos da administração central com intervenção no território metropolitano passem a estar vinculados à acção e às deliberações do poder metropolitano.
Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O edifício em que o PCP se propõe basear o futuro da acção e do funcionamento das Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto assenta, pois e em síntese, em quatro elementos centrais: articular a acção metropolitana com as administrações municipal e central, sem nunca limitar ou interferir com as competências e os poderes locais; alargar atribuições e definir competências claras na área supramunicipal, através de transferências oriundas da administração central; conferir poderes reais à acção metropolitana, que assentará numa estrutura ligeira de serviços vocacionados para o estudo técnico, o planeamento e o apoio à decisão e que será suportada numa adequada e racional transferência de meios; e, por fim, conferir legitimidade democrática à constituição dos órgãos metropolitanos, que deixarão de ser formados na base da representação municipal para adquirirem um estatuto próprio de representação directa conferida pelo voto das populações.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Discute-se também, hoje, a proposta de lei que pretende estabelecer o regime de criação e o quadro de atribuições e competências das áreas metropolitanas e o funcionamento dos seus órgãos.
O que o Governo parece pretender não é tanto conferir natureza autárquica às actuais e futuras áreas metropolitanas. O que o Governo deseja, no fundo, é manter o actual funcionamento dos órgãos das Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, sem uma única modificação essencial a assinalar, e, simultaneamente, estender esta experiência, rejeitada por tantos e tantos, a novas áreas metropolitanas que se venham a criar noutras zonas e regiões do País.
O que parece que o Governo quer é estabelecer uma espécie de regime especial de associação de municípios, a criar em função do preenchimento de determinadas condições de partida, que dará origem a dois tipos de entidades: as chamadas "grandes áreas metropolitanas", que poderíamos designar por áreas metropolitanas de 1.ª categoria,
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e as chamadas "comunidades urbanas", a que, inevitavelmente, a que, incontornavelmente, vai ser associado o epíteto de áreas metropolitanas de 2.ª categoria.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Mas, na essência, o que o Governo pretende, nos dois casos, é manter e alargar uma solução com resultados globais negativos, comprovados ao longo destes 11 anos.
No que respeita às áreas metropolitanas existentes, o que agora se propõe constitui uma mera reposição do que já estava previsto em 1991; isto é, insiste-se em retomar um enquadramento fluido e híbrido, que já provou ser ineficaz, não se objectivam nem se clarificam competências próprias e faz-se depender a sua eventual assumpção de contratualizações, posteriores e sempre avulsas, com o Governo.
Se, no que respeita à clarificação das competências, a proposta de lei nada - pode dizer-se - acrescenta de essencial à Lei n.º 44/91, ou àquilo que Lei n.º 44/91 já estipulava para as Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, quanto aos poderes efectivos, mesmo que aparentemente endossados a estruturas operacionais de apoio, criadas na proposta de lei, os poderes efectivos vão certamente esbarrar na inexistência, pura e simples, de conteúdos concretos para o respectivo exercício.
A preocupação central da proposta do Governo parece, assim, ser, exclusivamente, a de abrir a possibilidade de criar novas áreas metropolitanas (em Aveiro, Braga, Coimbra, Faro, Leiria, Santarém, Viseu, pelo menos nestas zonas), se bem que esta possibilidade, que, aliás, pode e deve ser encarada, pois nada há em contrário, esteja simultaneamente - e isto é que é infeliz! - a comprometer a evolução das Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, sobre as quais há reflexão feita e experiência adquirida que aconselhariam outro tipo de entidades, verdadeiramente descentralizadas, com competências e capacidades reais de intervenção no quotidiano das populações.
Com o pretexto de alargar a organização metropolitana a todo o País, ainda que sempre sob a forma limitada de associação de municípios imposta por lei, o Governo pode, assim, estar a gerar "áreas metropolitanas" sem correspondência concreta com o que, a nível europeu ou mundial, se entende serem entidades verdadeiramente metropolitanas, isto é, realidades físicas e territoriais caracterizadas por elevadas concentrações populacionais e contínuas densidades urbanas.
Com esta proposta, o Governo parece estar mais preocupado com algumas realidades virtuais que ficam na pendência de decisões políticas; isto é, a futura existência de áreas metropolitanas poderá não ser consequência de uma realidade concreta de natureza metropolitana mas, antes, poderá ficar eventualmente pendente de uma qualquer conjuntura política circunstancial, o que pode configurar a possibilidade, ainda que académica, de o País poder vir a ter, pelo menos em hipótese, um número inusitado de áreas metropolitanas face à sua dimensão territorial e à respectiva densidade demográfica.
Esta é, porém, convenhamos, uma questão relativamente secundária já que, noutro plano, estão criadas certas expectativas - algumas inteiramente legítimas, algumas, bem entendido, adequadamente suportadas por realidades concretas - a que importa dar resposta, justo e adequado seguimento.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Mas, a par destas respostas, o objectivo essencial das discussões e dos debates que hoje se reiniciam e a que é importante dar seguimento tem a ver com a necessidade de criar um novo figurino institucional e um quadro funcional diferente e objectivo para as áreas metropolitanas. E, por maioria de razão, fazer com que as Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto adquiram um estatuto e um regime jurídico assentes numa base diferenciada de composição, de poderes, de competências e de organização interna.
O PCP, que - volto a sublinhar - em Julho avançou com a iniciativa legislativa que está na base desta discussão, reitera a total disponibilidade para aprofundar a discussão sobre o futuro modelo de organização metropolitana. Contudo, não aceitará que a síntese final não reflicta plenamente a experiência adquirida e possa vir a traduzir-se por mais uma oportunidade perdida.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, feitas as apresentações dos diplomas em discussão, passamos ao debate propriamente dito.
Para formularem pedidos de esclarecimento ao Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente inscreveram-se os Srs. Deputados Luís Marques Guedes, José Augusto Carvalho, Honório Novo, Isabel Castro, João Teixeira Lopes, António da Silva Preto, José Saraiva, Ana Manso, Alberto Antunes e Ricardo Fonseca de Almeida.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, em primeiro lugar, é evidente que tenho de começar por uma sincera e inteiramente justa palavra de aplauso, quer ao Sr. Ministro, quer ao Sr. Secretário de Estado da Administração Local, pelo conjunto, já muito significativo, de iniciativas legislativas aprovadas pelo Governo em matéria tão relevante como a descentralização. De facto, os senhores, em meia dúzia de meses, conseguiram fazer não muito mais mas incomensuravelmente mais do que aquilo que de pouco ou nada foi feito durante os últimos seis anos de governação socialista.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sou daqueles, Sr. Ministro, como muitos dos cidadãos deste País e, seguramente, também o Sr. Ministro e o Sr. Secretário de Estado, que, há quatro anos atrás, se envolveu, política e civicamente, por esse País fora, aqui, no Parlamento, na comunicação social, em debates com a sociedade, na defesa da justeza de uma política verdadeira de descentralização para o País e na recusa formal e frontal da vontade de retalhar o País por interesses partidários, paternalistas e que nada tinham a ver com os interesses verdadeiros das populações…
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O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - Muito bem!
Protestos do Deputado do PS José Saraiva.
O Orador: - … e das comunidades locais, a qual ficou conhecida pelo nome de regionalização, patrocinada pelos partidos de esquerda nesta Assembleia da República.
A Sr.ª Ana Manso (PSD): - Muito bem!
O Orador: - A proposta que o Sr. Ministro hoje aqui nos traz faz parte integrante de um conjunto vasto, como referi, já aprovado por este Governo, envolvendo muitas medidas de natureza administrativa e de natureza legal, embora da competência exclusiva do Governo. Esta é a primeira iniciativa que, por invadir áreas de reserva legislativa da Assembleia da República, é discutida aqui no Parlamento. A esta iniciativa outras se seguirão e o Sr. Ministro acabou de anunciar, hoje mesmo, que o Conselho de Ministros já aprovou mais medidas importantes na área da descentralização, e está já anunciada uma que reputo essencial, cuja urgência suscito ao Governo, que tem a ver com a democratização das comissões de coordenação regional.
Mas há uma questão concreta que quero deixar ao Sr. Ministro relacionada com esta proposta de lei. Esta proposta de lei estabelece, e bem, um reforço muito significativo de atribuições e competências das áreas metropolitanas em matérias que eu reputaria de natureza física - física no sentido em que tem a ver com as capacidades e competências de coordenação nas áreas dos transportes, do abastecimento, do tratamento de resíduos, de vias rodoviárias e outras. Mas há uma vertente diferente da descentralização que também tem de ser atacada, porque a descentralização, hoje em dia, tem de ser entendida como um factor de dinamização das populações para a concretização e definição de um desenvolvimento sustentado e integrado das várias comunidades. Esta é uma atribuição que não vejo reflectida nesta proposta de lei, pelo que pergunto ao Sr. Ministro, conhecendo, como conheço, aquilo que pensa e fez na área do municipalismo, se não entende que também é tempo de utilizarmos a descentralização para fomentar, junto dos municípios e das autarquias locais, a definição de conceitos de identidade própria e de desenvolvimento sustentado que possam nortear as opções de investimento e de trabalho das populações nos próximos anos, na próxima década.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tenho a informação de que o Sr. Ministro vai responder no fim de cada grupo de três Srs. Deputados.
Assim, tem a palavra o Sr. Deputado José Augusto Carvalho.
O Sr. José Augusto Carvalho (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, ao ouvi-lo falar, a si, que foi ilustre presidente de uma câmara da Área Metropolitana de Lisboa, ao ouvi-lo fazer referência à realidade da Área Metropolitana de Lisboa - certamente, tinha isso subjacente -, dizendo que só tinha actividades meramente administrativas, que não lançava projectos, que até no último mandato nem a estrutura executiva funcionou, a aludir, compreensivelmente, à ocupação dos presidentes de câmara, pensei para comigo: o Sr. Ministro está, seguramente, a apresentar uma outra proposta de lei que não aquela que está em apreciação.
O Sr. Pedro Silva Pereira (PSD): - Muito bem!
O Orador: - É que, demonstradamente, o órgão executivo, nos termos do artigo 17.º da vossa proposta de lei, continua como até aqui, havendo uma mera clonagem. Não há a mínima análise crítica da experiência vivida, ao contrário do que as suas palavras deixam transparecer,…
Vozes do PS: - É verdade!
O Orador: - … pois o órgão executivo continua a ser constituído pelos presidentes das câmaras municipais.
Por outro lado, o Sr. Ministro alude às inovações e invoca, como grande inovação, as comunidades urbanas, mas, Meus Amigos, os senhores não vão além de recuperar e actualizar o modelo associativo. Estão tão-só a inovar no rótulo, na rotulagem, não no conteúdo, não na essência!
Depois, apresenta outra inovação, quando invoca a instituição voluntária. Então, mas no actual regime não está também subjacente o voluntariado?! A Lei n.º 44/91 não obrigou ninguém a integrar-se para a constituição das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto.
Por outro lado, pasme-se! Pasme-se com a inovação de a lei facultar a nomeação de administradores. Desde quando é que a lei hoje em vigor não permite que se nomeiem administradores e se deleguem neles as competências que estão cometidas ao órgão executivo?!
Sr. Ministro, assumidamente, reconheça que há aqui uma mera clonagem do modelo em vigor, repondo o modelo associativo, sabendo-se que é frágil, que é, demonstradamente, ineficaz e um modelo esgotado.
Sr. Ministro, no íntimo da sua consciência, não pode deixar de reconhecer que aquilo que o Governo está a propor é mais do mesmo, com uma agravante: procura dar a ilusão - é um exercício virtual - de que dá tudo a todos.
Esta proliferação de áreas metropolitanas - pasme-se! -, quando o conceito de área metropolitana está estabilizado, é risível. É risível os senhores dizerem que os critérios que bastam para a classificação, para a criação de uma área metropolitana, são x municípios com x milhares de habitantes. Deste modo, podemos ter, no limite, todo o território nacional transformado num conglomerado de áreas metropolitanas. Isto é dar tudo a todos,…
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado, terminou o tempo regimental. Faça favor de concluir.
O Orador: - Vou terminar, Sr.ª Presidente.
Como estava a dizer, isto é dar tudo a todos, não dando nada a ninguém, no modelo, nas atribuições e competências, nos recursos, na natureza e constituição dos órgãos - ponto central - e no âmbito territorial.
Uma última nota: falta efectivamente este suplemento, este arrojo para uma coordenação estratégica dos municípios,
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que a vossa proposta não resolve, pelo que importaria continuarmos a trabalhar. Por isso, lamento que o PSD tenha vetado o agendamento da nossa proposta de resolução,…
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Luís Marques Mendes): - Essa é boa!
O Orador: - … que vinha viabilizar a continuidade desse mesmo trabalho, para uma solução sustentável relativamente aos objectivos que, estou certo, comummente queremos alcançar, a bem do desenvolvimento territorialmente equilibrado na coesão.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para formular o seu pedido de esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.
O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr.ª Presidente, o Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, na sua intervenção, falou de novas realidades metropolitanas e anunciou aos quatro ventos - passo a expressão bíblica - a criação de novas entidades: as grandes áreas metropolitanas e as comunidades urbanas.
Sobre aquilo que reserva o futuro, do ponto de vista da designação, a estas áreas metropolitanas já me pronunciei na minha intervenção: umas serão, claramente, de primeira, outras serão, necessariamente, de segunda.
Mas o fundamental é que o quadro legislativo proposto é, no essencial, o mesmo para ambas. De facto, lendo a proposta de lei e comparando-a com a actual Lei n.º 44/91, o mínimo que posso dizer-lhe, Sr. Ministro, é que fico absolutamente frustrado.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Isso imaginava-se!
O Orador: - De facto, o que se pretende é manter rigorosamente a mesma base e conferir, quanto muito, a possibilidade de estender estas experiências das Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto a outras áreas metropolitanas, a outras regiões do País, experiências estas, que toda a gente, fora e dentro deste Hemiciclo, reputa ineficazes e frustrantes ao longo destes 11 anos.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - No figurino antigo!
O Orador: - Mas a questão que lhe coloco, Sr. Ministro, é a seguinte: como é que vai compatibilizar a criação de novas áreas metropolitanas e de novas comunidades urbanas com aquilo que já existe no terreno e que se chama associações de municípios? Sabe-se que, ao longo do País, estão criadas, cooperam, para finalidades e objectivos concretos, diversas associações de municípios - aliás, há mesmo associações de municípios que coexistem nas actuais áreas metropolitanas. Por isso, a questão que lhe coloco vai, um pouco, no seguinte sentido: como encara o Governo o futuro das associações de municípios, sendo certo que, na proposta governamental, é impedida a participação simultânea em mais do que uma área metropolitana. Pode o Governo garantir aqui, hoje, que os municípios que já façam parte de associações de municípios não serão obrigados, se quiserem fazer parte das tais comunidades urbanas ou das novas associações metropolitanas, a deixar de fazer parte da associação de municípios ou das associações nas quais estão já inseridos?! A criação das novas comunidades urbanas ou das novas associações metropolitanas implica ou não o fim de muitas das associações de municípios já existentes?!
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder a este primeiro conjunto de pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente.
O Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente: - Sr.ª Presidente, em primeiro lugar, vou responder ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes, dizendo-lhe que, quanto à preocupação que salientou relativamente à necessidade de desenvolver actuações e práticas de desenvolvimento sustentado das áreas metropolitanas nos municípios, uma das atribuições ou competências das áreas metropolitanas prevista no próprio texto da lei é, justamente, a do planeamento estratégico. Ora bem, o planeamento estratégico, hoje, só pode ser concebido se tiver integrado o conceito de sustentabilidade.
Portanto, esta é uma preocupação que é aqui tida em conta, embora decorra também daquele que será o plano da política nacional de ordenamento do território, que irá definir orientações quer para as áreas metropolitanas, quer para as associações de municípios, quer para as câmaras municipais, e que irá ser plasmado numa proposta que virá aqui, à Assembleia da República, no próximo ano.
Sr. Deputado José Augusto Carvalho, eu fico muito surpreendido com as intervenções do Sr. Deputado, dadas as responsabilidades que teve justamente nesta área.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Seis anos!
O Orador: - É verdade, devo dizer, que tive uma experiência de muitos anos na Área Metropolitana de Lisboa, como vice-presidente, e que, de facto, ela não funcionou por razões óbvias, que são do conhecimento de todos: em alguns casos por não ter bem definidas as suas competências; noutros casos, por não ter órgãos ou, se quisermos, estruturas executivas que dessem corpo àquelas que devem ser as orientações da Junta Metropolitana; mas também por outras razões.
No caso do último mandato deveu-se muito a questões pessoais, que também contam. O Dr. João Soares, na altura presidente da Junta Metropolitana de Lisboa, teve muita responsabilidade na forma como a Área Metropolitana de Lisboa funcionou.
O Sr. José Augusto Carvalho (PS): - O Dr. Santana Lopes também!
O Orador: - A Área Metropolitana do Porto, por exemplo, conseguiu dar corpo a um grande projecto, o metropolitano, que vai ser inaugurado dentro de dias.
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Por outro lado, também estranho que o Sr. Deputado José Augusto Carvalho diga que se trata de uma clonagem, que a inovação das comunidades urbanas é uma rotulagem e que no actual regime já está garantida a vontade dos munícipes. O Sr. Deputado sabe tão bem quanto eu que não está!
A verdade é que a Lei n.º 44/91, de 2 de Agosto, determinou a dimensão territorial das áreas metropolitanas e aqueles municípios, naturalmente, aderiram pelas formalidades que a própria lei prescrevia, mas é óbvio que essa possibilidade não era alargada a outros municípios. E aquilo que se pretende com esta proposta de lei é justamente criar condições para que quer os municípios das áreas metropolitanas existentes quer outros municípios tenham possibilidade de criar estruturas próprias para a defesa e o desenvolvimento do seu território e das suas gentes.
Não é verdade que a actual lei permita a nomeação de administradores, e o Sr. Deputado sabe-o muito bem. Não permite! Permite um corpo, um serviço técnico,…
O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Bem lembrado!
O Orador: - … mas não um corpo profissionalizado, em termos de administração, que concretize as políticas definidas quer pela assembleia metropolitana quer pela junta metropolitana.
Por outro lado, devo dizer-lhe que fico muito surpreendido - aliás, sou sempre surpreendido, quando venho à Assembleia da República, com as intervenções do Sr. Deputado José Augusto Carvalho - com a proposta do Sr. Deputado em relação à criação de uma comissão eventual de reforma da administração do território para estudar o assunto por um período de 180 dias. Não posso deixar de ficar surpreendido - e penso que os Srs. Deputados também o ficam - com esta proposta. Então, o Sr. Deputado, que foi, durante seis anos, secretário de Estado da Administração Local de três ministros, ainda quer mais 180 dias?!
O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Chumbou no exame!
O Orador: - Não faz sentido! Para estudar?! Estudar o quê?! Isto está tudo estudado! Ao menos o PCP ainda fez o trabalho de casa, o Sr. Deputado nem isso!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado Honório Novo diz que fica frustrado. Não deve ficar frustrado por uma razão muito simples: quando diz que se trata de estender a experiência negativa das Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto a outras áreas do País penso que está a ser demasiado redutor, porque esta proposta recolhe ensinamentos dos aspectos negativos do funcionamento dessas áreas metropolitanas. Devo dizer-lhe que senti, e senti bem, senti na pele, as deficiências de funcionamento das áreas metropolitanas.
Nesta proposta de lei atribui-se às áreas metropolitanas e às comunidades urbanas a possibilidade de elaborar e gerir os planos de ordenamento do território, que é a competência máxima que pode atribuir-se a uma autarquia, ou seja, a gestão do seu território, e às comunidades urbanas a possibilidade de elaborarem planos intermunicipais no contexto da respectiva comunidade urbana. Portanto, estamos aqui perante uma competência nobre que reforça e dignifica o papel das áreas metropolitanas.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Ministro, peço-lhe que conclua, pois já esgotou o tempo de que dispunha.
O Orador: - Termino já, Sr.ª Presidente.
Por outro lado, o Sr. Deputado Honório Novo diz que é preciso compatibilizar estas novas comunidades com as associações de municípios. É óbvio que os municípios deverão optar por umas ou por outras, mas não se trata de realidades virtuais, como aqui foi dito. As realidades de comunidades como as de Leiria, Braga, Viseu ou Aveiro não são virtuais; são realidades que efectivamente precisam de uma nova dinâmica. Estas estruturas podem responder justamente a essa vontade de desenvolvimento dessas regiões.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, em primeiro lugar, gostaria de dizer muito rapidamente, quanto ao exemplo que referiu, que não vale a pena recuar no tempo no que respeita ao insucesso, ou não, da Junta Metropolitana de Lisboa pela atitude do ex-presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Posso dizer-lhe que o actual Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Dr. Santana Lopes, dirigente do seu partido, nunca se dignou a tomar posse. Ele lá terá as suas razões!…
Vozes do PCP e do BE: - Muito bem!
A Oradora: - Relativamente à questão em debate, Sr. Ministro, por um lado, é evidente para todos - e era suposto a sua experiência não o ignorar - que há necessidade de encontrar um outro patamar, uma outra escala de intervenção, baseada num olhar que não seja propriamente a soma dos olhares dos diferentes presidentes de câmara, porque esse olhar acaba por ser centrado num território em relação ao qual respondem politicamente em cada quatro anos. Como é evidente, é isso o que acontece e é precisamente porque não há legitimidade democrática e política que resulte do voto na eleição de um outro órgão que os entraves acontecem.
A necessidade de decidir, de planear e de gerir o território quer se trate do sistema de transportes, do ordenamento do território ou da utilização de estruturas são aspectos que não funcionam porque "tropeçam" nas diferentes lógicas e nas vontades distintas.
É para esse problema, que é a questão-chave, pois é aí que as coisas "tropeçam", que se esperaria do Governo uma resolução, mas aquilo que este faz, Sr. Ministro - permita-me que lho diga - é publicidade enganadora!
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O Sr. José Augusto Carvalho (PS): - Muito bem!
A Oradora: - Aquilo que o Governo apresenta em quase nada difere das associações de municípios. As associações de municípios têm um papel muito interessante e louvável, que não deve ser subestimado nem subalternizado. Porém, Sr. Ministro, não é disso que se trata, não é isso o que é preciso e não é seguramente com esta proposta de lei que iremos modificar o que quer que seja para resolver os problemas com benefício para os cidadãos.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.
O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, para o Bloco de Esquerda há duas questões essenciais. É certo que este diploma do Governo avança em direcção à descentralização, em direcção à criação de um poder local regionalizado, e revemo-nos nesses passos. Revemo-nos também na crítica feita e na constatação do facto de termos uma população e uma estrutura urbanas desequilibradas, com uma forte tendência para a concentração em Lisboa e no Porto (o fenómeno da bipolarização), apesar de esta tendência se ter acentuado na última década com o crescimento das cidades de média dimensão e com a chamada urbanização in situ.
De qualquer forma, há duas questões que merecem uma resposta. Em primeiro lugar, ao reduzir a criação de áreas metropolitanas ao critério da continuidade territorial, com um determinado número limiar de habitantes, estamos a esquecer-nos da realidade factual e objectiva de uma área metropolitana, ou seja, o funcionamento em rede, a existência de fluxos humanos, materiais (de mercadorias) e imateriais (de cultura, de informação). Por isso mesmo, prefigura-se aqui uma espécie de criação, por via administrativa, de áreas metropolitanas. Parece-nos que esse não é, certamente, o caminho mais correcto, pelo que gostava de ouvir o Sr. Ministro a esse respeito.
Em segundo lugar, gostaria de referir-me ao défice de legitimidade. Se, de facto, as assembleias metropolitanas vão ser eleitas por um colégio eleitoral composto pelos membros das assembleias municipais estamos perante um problema grave de défice de legitimidade democrática. Por que não recorrer ao voto popular? Por que não recorrer ao sufrágio de, pelo menos, 51% dos membros da assembleia metropolitana? Admitimos um sistema misto! Penso que isto seria essencial para a confiança dos cidadãos nestas instituições, porque o que acontece actualmente é o total descrédito das juntas metropolitanas e do seu funcionamento e, por via desse descrédito, assistimos hoje também ao falhanço de muitos projectos.
Sr. Ministro, são estas as questões sobre as quais gostaria de ouvir a sua opinião.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António da Silva Preto.
O Sr. António da Silva Preto (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, a iniciativa que V. Ex.ª nos traz hoje, com um novo quadro de competências e atribuições para as áreas metropolitanas e para as comunidades urbanas, é de saudar, sobretudo porque traduz uma vontade inequívoca de pôr ordem no caos urbanístico em que vivemos. De facto, falando sobretudo pela Área Metropolitana de Lisboa, todos conhecemos as dificuldades, todos sabemos o calvário e o pesadelo que é a nossa vida diária.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Penso que é importante, agora que se avizinha a mudança, olharmos para o futuro com esperança, mas, ainda assim, não consigo calar algum sentimento de revolta por todos estes anos em que tivemos alguns instrumentos que podiam alterar, do ponto de vista qualitativo, a vida dos munícipes do conjunto da Área Metropolitana de Lisboa e não o fizemos.
O Sr. Ministro sabe, com certeza, que faltaram, sobretudo, uma visão global e políticas de conjunto - havia até um diploma, a Lei n.º 44/91, de 2 de Agosto, à qual também já se referiu, que era um instrumento importante e que permitia essas políticas e acções de conjunto… O Sr. Ministro também sabe, como todos nós sabemos, que muitas dessas coisas não foram concretizadas porque tivemos a presidir à Junta Metropolitana de Lisboa pessoas mais preocupadas com questiúnculas pessoais, com vaidades,…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - … e que, para além de alguns colóquios e de pouco mais, de facto, nada fizeram.
A verdade é que a realidade política na Área Metropolitana de Lisboa se alterou.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Aqueles que privilegiaram uma política de avestruz foram penitenciados pelos eleitores.
Protestos do Deputado do PS José Saraiva.
Sei que isto não vos agrada!…
Temos uma realidade política nova, temos um instrumento jurídico novo que favorece mais uma visão da casa toda do que da assoalhada, mas gostaria de colocar-lhe uma questão, Sr. Ministro, porque não vale a pena estarmos aqui com projectos ou propostas de lei desadequadas da realidade, da vida das pessoas.
Aquilo que pretendo é que o Sr. Ministro nos diga, em concreto, o que vai este diploma trazer de novo, como vai influenciar a vida das pessoas, daqueles que têm de viver um martírio muito por causa da inépcia política, dos lobbies instalados e das "concertações". O que têm essas pessoas a dizer de bem vindo a esta proposta de lei? Por que têm elas de saudá-la? Em que vai esta proposta de lei mudar a sua qualidade de vida no dia de amanhã ou nos dias que aí vêm?
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
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A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder aos três pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente.
O Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente: - Sr.ª Presidente, gostaria, em primeiro lugar, de referir-me à questão da legitimidade, focada pela Sr.ª Deputada Isabel Castro e pelo Sr. Deputado João Teixeira Lopes.
O problema não é de legitimidade democrática, pois as actuais Juntas Metropolitanas de Lisboa e do Porto têm legitimidade democrática - espero que não ponham isto em causa -, simplesmente não emanam por sufrágio directo e universal.
Sei que alguns gostariam de recolocar na agenda política a questão da regionalização, porém do que se trata aqui não é de criar regiões mas, sim, de reforçar os poderes das áreas metropolitanas existentes, de clarificar as suas atribuições e competências, de dotá-las de mecanismos de maior eficiência e de ter em consideração a emergência de novas realidades urbanas no nosso país. Estou inteiramente de acordo com Sr. Deputado João Teixeira Lopes relativamente aos requisitos que devem presidir à criação de uma área metropolitana no que respeita à relação entre os fluxos, seja de comunicações, de emprego, de habitação ou de informação, no fundo, as relações de interdependência que se estabelecem entre os diversos municípios.
Como é óbvio, uma coisa é reforçar essas condições de actuação das áreas metropolitanas, corresponder aos apelos de novas necessidades de regiões do nosso país, outra coisa é criar novas regiões administrativas. Não é isso o que aqui está em causa, sendo que os portugueses, no momento próprio, através de referendo, rejeitaram a regionalização.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Em boa hora!
O Orador: - Também devo dizer-lhes que não é relevante, aliás, não é mesmo nada relevante, do ponto de vista da descentralização, estar a falar nas regiões administrativas, porque a descentralização pode, deve e está a fazer-se para os municípios. Portanto, estar a criar regiões administrativas, como constava dos projectos que então foram sujeitos a referendo, ou mesmo aquilo que é proposto no projecto de lei do PCP relativamente às Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto é fazer um simulacro de regionalização, porque, curiosamente, as competências que o projecto de lei do PCP atribuí às Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto são menos ainda do que aquelas que a proposta de lei do Governo sugere.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - O importante é descentralizar! Isso pode, deve e está a fazer-se nos municípios e irá fazer-se também nas áreas metropolitanas. Logo, não se trata de "publicidade enganosa", nem estas lógicas de vontades entre aquilo que é a vontade das câmaras municipais, dos presidente, ou o que seria eventualmente a vontade dos membros das assembleias municipais! Pelo contrário, neste figurino, o que está correcto é reforçar os poderes, porque, ao contrário do que projecto de lei do Partido Comunista vinha propor, é justamente um arrepio completo à tradição que tem pautado a organização administrativa do nosso país.
O Sr. Deputado João Teixeira Lopes referiu-se às estruturas urbanas desequilibradas e à questão do critério da continuidade do território. Devo dizer-lhe que faz todo o sentido esta continuidade do território, porque dependerá, naturalmente, desse estudo.
Com certeza que não é um município que está de tal forma afastado do centro que não tem qualquer relação com ele - porque tem de haver um centro de atracção - que vai estar interessado na integração numa área metropolitana.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Por esta ordem de ideias, teríamos Barrancos aqui, em Lisboa. Obviamente que Barrancos não tem nenhum interesse em estar na Área Metropolitana de Lisboa.
O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Mas não basta!
O Orador: - Por outro lado, a criação por via administrativa das áreas metropolitanas é o que propõe a Lei n.º 44/91. Estas áreas foram criadas, realmente, por via administrativa. Depois, houve uma espécie de contrato de adesão, em que os municípios tiveram de aderir naquelas condições.
Ora bem, agora são os municípios que, tendo em consideração a realidade emergente, vão determinar o que é que querem: se uma grande área metropolitana (se houver condições para isso) ou se uma comunidade urbana. E, portanto, o problema da legitimidade, mais uma vez reafirmo, não se coloca, porque aqui o que é importante é saber que poderes, que competências vão ser atribuídas a estas instituições. Isso é que é importante saber: que poderes é que elas vão ter!
Finalmente, Sr. Deputado António da Silva Preto, como em tudo na vida, é óbvio que, para além do que está plasmado na lei, o que serão estas grandes áreas metropolitanas, as comunidades urbanas ou o que têm sido as áreas metropolitanas existentes, depende muito da liderança que, efectivamente, essas áreas metropolitanas têm. Portanto, se a liderança é boa, naturalmente que se avança para projectos ousados, para projectos que vão de encontro àquilo que é a realização…
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Ministro, o seu tempo terminou. Peço-lhe que conclua, por favor.
O Orador: - Termino já, Sr.ª Presidente.
Portanto, o que esta proposta pode trazer de novo às populações, às diversas comunidades organizadas deste país é, justamente, a capacidade de poderem definir o seu destino pelas suas próprias mãos. Sejam as grandes áreas metropolitanas seja a possibilidade de criação de novas comunidades urbanas em pólos de atracção, que já são interessantes - citei aqui as cidades de Leiria, de Braga, de Viseu ou de Aveiro, por exemplo, onde podem ser criadas comunidades urbanas -, com os poderes que vão ter,
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a partir deste momento, vão deixar de poder dar algumas das desculpas que, por vezes, os próprios municípios têm dado para não gerirem melhor o seu território, dadas as inter-relações existentes com municípios vizinhos, porque podem assumir a responsabilidade da gestão do seu território no conjunto.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Antunes.
O Sr. Alberto Antunes (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, se me fosse possível caricaturar a proposta que hoje o Governo aqui traz, a esta Assembleia, diria que ela se sintetiza em duas palavras: organizem-se e contratualizem.
Só que o Governo disse, pela voz do Sr. Ministro, que tem tudo estudado e que sabe tudo, relativamente a estas questões. E, portanto, se estão todos os estudos feitos, há alguns princípios a que os estudiosos chegaram, que penso que qualquer descentralização, ligada, naturalmente, à reforma da Administração Pública, deverá obedecer. E, em primeiro lugar, o princípio da participação, da racionalidade e da coerência global do sistema.
E é relativamente a isto que gostaria de formular perguntas concretas ao Sr. Ministro. Gostaria de saber se o Governo está seguro da existência de critérios de racionalidade e coerência do sistema nesta associação voluntária de municípios. Até que número poderão ir estas estruturas? A sua criação, para além dos critérios que a lei prevê - e, recordo, são apenas dois: número de municípios e número de população residente -, não deverá atender a critérios geográficos, sociais, económicos ou culturais? Quanto a nós, Sr. Ministro, são manifestamente insuficientes os indicadores previstos nesta proposta de lei.
Neste último caso, Sr. Ministro, gostaria de perguntar ao Governo e, particularmente, ao PSD, que tanto criticou o projecto de regionalização, quanto custam a instalação e o funcionamento destas estruturas. Pode o Governo adiantar-nos um custo aproximado e previsível do funcionamento destas estruturas? Talvez custe pouco para a Administração Central, porque é um modelo desresponsabilizador… V. Ex.ª diz - e muito bem! - que transferem-se para os municípios e os municípios que paguem a factura.
Em terceiro lugar, Sr. Ministro, não entende que estas associações deverão respeitar a divisão das NUTE (Unidades Territoriais para Fins Estatísticos), das Comissões de Coordenação Regional ou dos distritos? Poderão as áreas metropolitanas ou as comunidades urbanas ser delimitadas geograficamente à revelia das divisões administrativas já existentes?
Quanto aos meios financeiros destinados a custear as respectivas competências, entendem o Governo e os Srs. Deputados que o apoiam que a contratualização é um sistema justo e objectivo de distribuição de meios? Não lhes parece que o sistema é permeável a favores partidários ou pessoais?
Por fim, não temem o Governo e também os partidos que o apoiam que o presente sistema possa pôr em causa as duas realidades já existentes? Ou seja: por exemplo, Setúbal, quando comparada com outras hipotéticas novas áreas metropolitanas, não será tentada a tornar-se pólo de uma nova área metropolitana ou comunidade urbana, saindo assim da área metropolitana de Lisboa?
São estas as questões que gostaríamos de ver respondidas com objectividade.
Vozes do PS: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Manso.
A Sr.ª Ana Manso (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, antes de mais, quero cumprimentá-lo e felicitá-lo pelo excelente trabalho que está a desenvolver na área da descentralização, criando, de facto, as condições para uma autêntica aproximação do poder aos cidadãos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - E quero saudar vivamente esta iniciativa porque, em apenas sete meses, este Governo está a fazer, e a fazer bem - e, obviamente sem "clonagen"… - o que outros tanto propalaram, mas não conseguiram concretizar.
O Sr. José Augusto Carvalho (PS): - Deixaram feito!
A Oradora: - E está a fazê-lo da melhor forma: no sentido ascendente, de baixo para cima, permitindo às comunidades…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - … e às populações manifestarem os seus desejos e ambições, em vez de lhes impor modelos predefinidos de receita geral e acabada.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - E está a fazê-lo da melhor forma: cumprindo, finalmente, a vontade dos portugueses, expressa no referendo em 1998, que, clara e expressivamente, disseram "não" à regionalização, que lhes queriam impor, e "sim" à descentralização e ao municipalismo.
E está a fazê-lo da melhor forma: obedecendo aos princípios consagrados na Constituição e destacados no Programa do actual Governo.
O Conselho de Ministros de 26 de Julho, em Tomar, é, de facto, um marco na história da descentralização do País, que entusiasmou os autarcas e todos os portugueses.
Nas palavras insuspeitas do Prof. Vital Moreira são boas orientações politicas que vão ao encontro de necessidades básicas de participação e de eficiência administrativa. Portanto, Sr. Deputado José Augusto Carvalho, não são, de facto, "clonagens".
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - A presente iniciativa das áreas metropolitanas e das comunidades urbanas é, presume-se,
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Sr. Ministro (e depois da intervenção de V. Ex.ª), apenas uma parte das iniciativas do Governo para a reorganização e equilíbrio das instituições autárquicas que promovem o princípio de uma nova gestão e o aprofundamento de relações de complementaridade e de solidariedade entre municípios. Mas, como V. Ex.ª sabe e referiu - e porque é um homem também do interior -, há zonas do País que não são cobertas, isto é, que não se integram nesta iniciativa de hoje. Falo, obviamente, das zonas do interior do País mais dispersas e despovoadas, mas que sentem e querem ver reforçado o seu papel no desenvolvimento do País.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - É uma questão de coesão nacional, mas é também uma questão de solidariedade. São zonas fronteiriças, onde o efeito de atracção e a sedução por parte dos nossos amigos do lado espanhol se faz, naturalmente, sentir.
Neste contexto, Sr. Ministro, não lhe vou pedir uma área metropolitana para a Guarda ou para a Serra da Estrela, obviamente, mas gostava de colocar-lhe a seguinte questão: no âmbito do pacote ambicioso da descentralização, pode concretizar ainda mais as medidas igualmente inovadoras (também presumo), hoje aprovadas em Conselho de Ministros, para as regiões mais dispersas e despovoadas do País? E quais irão ser os efeitos que essas medidas vão trazer à qualidade e ao bem-estar das populações que vivem no interior e nas zonas mais desfavorecidas?
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Saraiva.
O Sr. José Saraiva (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, antes de mais, permita-me dizer que, pessoalmente, encaro como bastante positiva a iniciativa do PCP. Parece-me que o projecto apresentado pelo PCP traduz, no essencial, as conclusões a que, ao longo destes 10 anos, chegaram aqueles que estiveram ligados, de uma forma ou de outra, às áreas metropolitanas e aqueles que estudaram essas matérias. E, Sr. Ministro, não posso concordar com V. Ex.ª quando diz que é uma forma encapotada de voltar ao tema da regionalização - que, pelos vistos, não é do seu agrado.
No entanto, penso que a sua proposta tem o mérito de reequacionar as atribuições e competências das áreas metropolitanas, e é sobre isso que gostaria de falar.
V. Ex.ª, na sua intervenção, falou da experiência do passado, mas deixe-me dizer-lhe (e V. Ex.ª conhece) que, ao manter o conselho metropolitano, que no Porto reuniu uma vez, talvez duas, e não produziu qualquer documento, não deu qualquer opinião… Podia perguntar à Sr.ª Presidente da Área Metropolitana de Lisboa - a quem saúdo, por estar presente - se alguma vez, em Lisboa, o conselho metropolitano reuniu. V. Ex.ª mantém na proposta de lei uma figura que, objectivamente, para nada serve, que nunca existiu - é apenas um epifenómeno da lei de 1991.
Quanto ao financiamento, V. Ex.ª mantém a mesma tês: as áreas metropolitanas terão o financiamento que advém do Orçamento do Estado. Pergunto-lhe: quanto será? Na primeira versão, em 1992, foi de 50 000 contos; depois, o mesmo ministro deu 100 000 contos; seguidamente, baixou para 20 000 contos; fica ao livre arbítrio do Governo, do Orçamento, e da capacidade que, porventura, os membros das juntas metropolitanas tenham de reivindicar.
E falo de membros das juntas metropolitanas porque são esses os interlocutores directos com V. Ex.ª. Quando V. Ex.ª, no sábado, for ao Porto, certamente, presenciar, testemunhar e aplaudir a iniciativa que partiu da Área Metropolitana do Porto, como há pouco aqui já foi referido - que é o único projecto verdadeiro que existe de áreas metropolitanas -, V. Ex.ª sabe que essa interlocução foi sempre feita entre o meu camarada Fernando Gomes e, na altura, o ministro Ferreira do Amaral; hoje, certamente, entre o Presidente da Junta, o Major Valentim Loureiro, e V. Ex.ª sobre o metro do Porto.
Contudo, faço-lhe já a primeira pergunta: está V. Ex.ª disponível para expurgar da proposta de lei aquilo que é uma excrescência, isto é, o conselho metropolitano? E está V. Ex.ª disponível para aceitar que fique nesta lei consignada a possibilidade de as finanças metropolitanas terem, por exemplo, 5% do fundo municipal correspondente às autarquias que integram? Está V. Ex.ª disponível ou não? Se não está, esta proposta é uma falácia.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado, o seu tempo terminou. Conclua, por favor.
O Orador: - Vou concluir, Sr.ª Presidente.
Gostaria que me explicasse também como é que os órgãos da área metropolitana vão gerir a territorialidade dos municípios que a compõem. Acho absolutamente inacreditável que isso esteja numa proposta, porque V. Ex.ª, como autarca, sabe perfeitamente que são as pequenas "capelas" que, até agora, têm gerido as áreas metropolitanas.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Fonseca de Almeida.
O Sr. Ricardo Fonseca de Almeida (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, quero, em primeiro lugar, saudar calorosamente o Governo por esta iniciativa, sobretudo porque soube interpretar os anseios das populações, o que, na política, é fundamental.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Em primeiro lugar, soube interpretar que as principais diferenças no nosso país estão não tanto entre o norte e o sul mas sobretudo entre o litoral e o interior. E soube também interpretar os resultados do referendo. O referendo sobre a regionalização, feito há 4 anos, disse claramente "não" a um modelo de organização que sistematicamente o Partido Socialista subscreve e vem
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trazendo para a agenda política nos dias de hoje. Ora, isso só demonstra uma total cegueira política - aliás, também subscrita pela Junta Metropolitana de Lisboa, que segue este mesmo exemplo, quando devia ser a própria Junta a dar o exemplo subscrevendo também estas ideias de descentralização.
É fundamental para nós que a proximidade entre as políticas dos políticos e as populações não se apregoe mas que se exerça e se pratique. E esta proposta de lei é também um bom exemplo de uma nova mentalidade política no nosso país. É que palavras-chave desta proposta de lei como "agilizar" e "articular" ou ideias que nos falam de solidariedade entre municípios vizinhos são fundamentais e novas para o panorama político.
Pergunto, Sr. Ministro, como é que, estando previstas novas competências e novas atribuições para as áreas metropolitanas, o Governo pode materializar esse processo de boas intenções. E, sendo este o início de um caminho que não é fácil mas difícil, pergunto ainda qual é esse mesmo caminho e qual a mudança que pressupõe em áreas em que existem já transferências de competências, como a educação, a cultura, o desporto, a formação e a própria economia. Gostaria, portanto, de saber qual o caminho que vamos seguir com este pacote da descentralização anunciado pelo Governo.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente. O PSD cedeu 3 minutos ao Governo, alteração que já consta do quadro electrónico de tempos.
O Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente: - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Alberto Antunes, o Sr. Deputado fez uma afirmação muito acertada, que não considero que seja uma caricatura porque me parece ser uma posição correcta, ao dizer "organizem-se e contratualizem". Exactamente! Essa é uma das virtualidades desta proposta de lei, porque vem permitir que os municípios se organizem melhor e que, naturalmente, contratualizem. Nada há contra a contratualização desde que feita com transparência. Quanto ao problema da suspeição relativamente a dúvidas sobre a contratualização, permeável a influências partidárias, disso o Sr. Deputado lá saberá…
Quanto ao princípio da participação e da racionalidade deste sistema, naturalmente que o Governo está seguro dessa racionalidade, desde logo, porque estamos estribados na experiência do passado das áreas metropolitanas. Mas também estamos estribados numa outra questão importantíssima: o Sr. Deputado vai aperceber-se de que o que está aqui em discussão não são apenas as grandes áreas metropolitanas ou as comunidades urbanas, as associações de municípios, as comunidades intermunicipais, ou os diversos diplomas que têm traduzido a descentralização que está em curso; é, de facto, um conjunto significativo e coerente de atitudes do Governo que vão justamente no sentido da descentralização.
Não estamos a falar de uma proposta isolada! Devo dizer-lhe que tudo isto é articulado com a Associação Nacional de Municípios Portugueses, tudo! De tal forma que, por exemplo, como sabem, no que diz respeito à delegação de competências das câmaras municipais nas juntas de freguesia, um pouco por todo o lado, há câmaras que delegam e outras que não delegam. O próprio âmbito dessa delegação varia muito de câmara para câmara municipal. Ora bem, foi possível, através da mediação levada a cabo pelo Sr. Secretário de Estado da Administração Local junto da Associação Nacional de Municípios Portugueses e da Associação Nacional de Freguesias, por exemplo, concretizar muito brevemente um protocolo entre as duas associações, o qual define as regras e as condições de delegação de competências dos municípios nas freguesias, precisamente para dar extensão àquilo que é a descentralização que o Governo está a fazer nos municípios, para que estes, por sua vez, o façam também ao nível das freguesias.
Obviamente que não têm de ser respeitadas as dimensões geográficas das NUTE ou dos distritos, até porque o Sr. Deputado sabe muito bem que já hoje não é assim. As associações de municípios podem constituir-se abrangendo fronteiras que ultrapassam as NUTE e os distritos. Há, hoje, várias associações que abrangem um ou mais distritos ou que abrangem partes de dois ou três distritos.
Por outro lado, quanto aos meios financeiros, devo dizer o seguinte: a questão dos meios financeiros é uma questão que vem sempre ao de cima quando se fala de descentralização. Temos de ver, em presença, que competências estamos a descentralizar. Há competências que são descentralizadas e que são, elas próprias, geradoras de receitas, não carecendo, portanto, de um pacote financeiro. E há competências que são descentralizadas, que não são geradoras de receitas e que visam, de alguma forma, a substituição das autarquias locais ao Estado, caso em que, naturalmente, a descentralização tem de ser acompanhada de um pacote financeiro. E tanto pode ser através de uma transferência de competências que consigna anualmente no Orçamento do Estado os montantes necessários a satisfazer essas competências, como, tratando-se de transferências de competências que têm um uso pontual - por exemplo, a construção de equipamentos que são da responsabilidade do Estado - o melhor caminho, aí, será, como concordarão, a contratualização.
No que respeita ao exemplo concreto que deu, de Setúbal, obviamente que Setúbal pode ficar integrado, ou não, na Área Metropolitana de Lisboa, só que, para sair, precisa de decidir por maioria de dois terços nas assembleias municipais. Porém, devo dizer-lhe - e essa é a diferença entre nós - que nós acreditamos no bom senso dos municípios e dos autarcas, pelo que acreditamos que não vão embarcar em aventuras e vão defender aquilo que é melhor para os seus municípios e para a sua região.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr.ª Deputada Ana Manso, gostaria de dizer-lhe que é uma realidade o que se está a fazer em matéria de organização e é essa a grande diferença: é que alguns querem organizar de cima para baixo, impondo, e o que caracteriza esta reforma é precisamente a organização
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de baixo para cima, da espontânea vontade dos municípios, e essa é uma das grandes virtudes desta proposta de lei.
Por outro lado, gostaria de esclarecer uma questão que me parece importantíssima, que é também uma concretização do discurso e da prática deste Governo e que tem a ver com a defesa da interioridade, com a defesa das regiões mais desfavorecidas deste País. Obviamente, sabemos que há áreas no nosso país que não têm condições, como é natural, para a criação de áreas metropolitanas, sejam grandes áreas metropolitanas ou comunidades urbanas. Ora, precisamente por isso - e isto tem a ver com a proposta hoje aprovada no Conselho de Ministros -, serão criadas condições para o reforço de comunidades intermunicipais, que responderão justamente às necessidades de comunidades que podem agregar-se no sentido da defesa dos seus interesses.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Ministro, o seu tempo terminou. Conclua, por favor.
O Orador: - Sr.ª Presidente, dê-me só mais 1 minuto para terminar.
Quanto ao problema dos orçamentos das áreas metropolitanas, respondendo à questão colocada pelo Sr. Deputado José Saraiva, de alguma forma, já dei a minha opinião na resposta a uma questão anterior. Só faz sentido um orçamento com competências concretas e essas farão parte de pacotes descentralizadores, seja através de competências genéricas, seja através da contratualização.
Para terminar, uma questão que considero importante, e tem justamente a ver com uma questão colocada pelo Sr. Deputado Ricardo Fonseca de Almeida, respeita ao problema da interpretação das diferenças no nosso país e de como concretizar estas competências.
Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que estas propostas, seja a das grandes áreas metropolitanas e das comunidades urbanas, seja a que diz respeito à reforma das associações de municípios, têm a ver exactamente com a interpretação daquilo que é o sentimento das populações, no caso concreto, interpretadas pelos respectivos eleitos locais, com quem discutimos em profundidade esta questão. Portanto, não é por acaso que não sentimos, da parte dos eleitos locais, dos presidentes de câmara ou da Associação Nacional de Municípios Portugueses, qualquer contestação a estas propostas. Pelo contrário, elas têm o seu apoio unânime. Gostaria de deixar aqui muito claro esse aspecto, porque também traduz a nova postura de relacionamento do Governo com os municípios e com as freguesias portugueses.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, inscreveu-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Honório Novo, o Sr. Deputado Miguel Paiva.
O Sr. Miguel Paiva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Honório Novo, referiu V. Ex.ª que esta proposta de lei irá criar municípios de primeira e de segunda. É evidente que esta é uma visão com a qual de modo algum concordamos e que até se me afigura como expressando alguma pouca confiança na capacidade dos nossos autarcas para além dos de Lisboa e do Porto.
Mas vamos admitir em tese, meramente académica, que assim seria. Ora, julgo que seria preferível, mesmo que assim fosse (e não é), que houvesse áreas metropolitanas de primeira e de segunda do que só em Lisboa e no Porto - mesmo assim, já seria um avanço.
Disse V. Ex.ª na sua intervenção que a proposta de lei nada alterava relativamente às Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto e que apenas iria estender o falhanço da Lei n.º 44/91, de 2 de Agosto, a todo o País.
A questão que lhe coloco é esta: entende, pois, V. Ex.ª que as matérias previstas e tratadas nos artigos 6.º, 7.º e 8.º, concretamente as referentes às atribuições, património e finanças e endividamento, deixam tudo na mesma, isto é, nada de novo trazem para esta matéria, ou concorda V. Ex.ª que estamos aqui perante alterações fundamentais e essenciais, que tocam, de facto, a essência das matérias e que, de resto, vêm num sentido em que há muito eram reclamadas, indo seguramente permitir um eficaz funcionamento das áreas metropolitanas e, portanto, trazer também acrescidos benefícios para as populações por elas servidas?
Aplausos do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.
O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Miguel Paiva, agradeço-lhe a questão que me colocou.
Começo por fazer uma correcção: nunca referi (porventura, será um lapso) que, com esta proposta de lei, se criariam municípios de primeira e de segunda; o que referi, e repito, foi que alguém, que não eu, perante a designação de "grandes áreas metropolitanas", de um lado, e "comunidades urbanas", do outro, vai certamente ser levado (outros, que não eu; se calhar, o senhor também), quase incontornavelmente, a chamar a umas "áreas metropolitanas de primeira" e a outras "áreas metropolitanas de segunda", o que não desejo e contra o que me bato.
Não gostaria que fosse esse o futuro das futuras áreas metropolitanas a criar, nem o futuro das futuras comunidades urbanas a criar, neste país, por força da proposta de lei do Governo.
Não estou de acordo em que assim seja, mas, pelos vistos, é aquilo que provavelmente irá acontecer.
Mas, como referi, agradeço-lhe a sua pergunta, até porque me permite desfazer uma dúvida que o Sr. Ministro quis fazer pairar sobre a minha intervenção e que importa, neste momento, desmentir e contrariar. É que há realidades metropolitanas neste país, desde Aveiro, a Braga, a Faro, a Leiria, a Coimbra, a Viseu, que merecem, de facto, a consignação de uma outra entidade metropolitana - não são estas realidades virtuais. Mas o que é verdade - e o Sr. Ministro, aí, não me desmentiu - é que haverá, porventura, com esta proposta, a possibilidade, ainda que académica, de ser criado um número inusitado e despropositado, face à dimensão do País, de áreas metropolitanas, tal como a proposta de lei prefigura.
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Quanto às competências, insisto: basta comparar as atribuições conferidas pela Lei n.º 44/91 com as atribuições previstas nesta proposta de lei, para, de uma leitura comparativa, tirar facilmente a conclusão de que, na prática, não se acrescenta, em eficácia, em objectividade e em poder, qualquer competência. Nem sequer a do planeamento do ordenamento do território, que é - e, já agora, chamo a sua atenção para isto, Sr. Ministro - prefigurada nas competências dos órgãos, isto é, da junta ou do presidente da junta, mas, ao contrário do que seria de esperar, não é configurada nem designada de uma forma expressa (suponho que será um erro) nas atribuições da área metropolitana.
É bom que se veja até que ponto é que, de facto, estas competências são novas, tal como se previa - porque não são! Em síntese, não há competências novas nem poderes para aplicar essas competências novas no conteúdo da proposta do Governo.
Espero - e esta nota importa deixar…
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Queira terminar, Sr. Deputado, o tempo de intervenção de que dispunha esgotou-se.
O Orador: - Termino já, Sr.ª Presidente.
Espero que no debate, na especialidade, seja possível encontrar consensos para, de facto, alargar e criar situações novas de associativismo municipal e novas entidades para ajudar a desenvolver todo o País e não apenas o Litoral.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.
O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, Sr.as e Srs. Deputados: Volto à questão do conceito. O Governo considera que uma área metropolitana pode ser uma associação de três municípios, em relação aos quais exista continuidade territorial, desde que perfaçam 150 000 habitantes.
Repare-se que, no limite, poderemos ter municípios que nada têm de urbano, ou que muito pouco têm de urbano, a constituir uma área metropolitana - atente-se o caso da urbanização difusa, muito característica do nosso país, mesclada com actividades rurais e com meio rural. Ora, se essa urbanização difusa permitir, em três concelhos contíguos, chegar aos 150 000 habitantes, teremos uma área metropolitana apelidada de comunidade urbana quando, na realidade, não existe tal entidade!
O Sr. Ascenso Simões (PS): - Exactamente!
O Orador: - É, volto a repetir, uma criação por via administrativa.
Ou, então, nos casos em que a sede de concelho é claramente urbana mas, à volta do concelho, predominam realidades rurais, teríamos também a possibilidade, desde que estes critérios fossem cumpridos, de ter comunidades urbanas.
O Sr. Ascenso Simões (PS): - É isso mesmo!
O Orador: - Por outro lado, a própria constituição de grandes áreas metropolitanas, ao estabelecer-se o limiar de 350 000 habitantes, rompe com aquela que é a tradição dos urbanistas, um pouco por toda a Europa: grandes áreas metropolitanas são aquelas que, de facto, têm mais de 1 milhão de habitantes.
Volto a insistir que o importante é que se verifique centralidade, funcionamento em rede, fluxos de interdependência, porque é isso que define uma área metropolitana, e não critérios meramente administrativos, por decreto.
Parece-me ainda de realçar que existe um défice de democraticidade, de legitimidade, défice esse que, como já referi há pouco - e vou ser breve nesta questão -, traduzir-se-á em défice de envolvimento das populações e, também, de credibilidade. É, pois, fundamental que mais de 50% dos membros das assembleias metropolitanas sejam eleitos directamente pela população.
Por outro lado, a junta metropolitana, ao ser composta pelos presidentes de câmara, certamente vai repetir aquilo que de pior existe já no momento presente. O caso do metropolitano do Porto é um bom exemplo: os atrasos de anos sucederam, em boa medida, porque os presidentes puxaram, como se fossem autênticas linhas de elástico, as linhas do metro para as suas "capelas", para os seus concelhos, numa lógica paroquial. Ora, ao continuar este modelo é isso mesmo que se permite.
Nós pensamos que seria, de facto, muito mais eficaz se o presidente da cidade capital da área metropolitana fosse, simultaneamente, o presidente da junta metropolitana e apresentasse uma equipa que seria sufragada pela assembleia metropolitana. Dessa forma, haveria liderança, bem como uma equipa coesa que não seria regida por lógicas meramente paroquiais.
A participação da população também aqui é esquecida. Fala-se na criação de um conselho, quer nas grandes áreas metropolitanas quer nas comunidades urbanas. No entanto, esse conselho apenas emite pareceres - já de si, é um conselho extremamente débil. Além do mais, "os representantes dos interesses sociais, económicos e culturais apenas participarão se forem convidados para tal". E, ao participarem, não têm, tão-pouco, direito a voto. Que motivação existirá para que estes representantes participem no dito conselho? Temos aqui um nado-morto, uma vez mais!
Sr. Ministro, com propostas desta natureza, não vamos credibilizar o funcionamento das áreas metropolitanas, não vamos conseguir um envolvimento das populações nem, certamente, que o desenvolvimento sustentado seja o motor da estratégia de ordenamento deste país que, como se sabe, a esse respeito, tem problemas gravíssimos.
Em relação ao projecto de lei apresentado pelo Partido Comunista Português, que tem o grande mérito de defender a eleição directa, faria apenas um reparo no que diz respeito à alínea d) do n.º 1 do artigo 4.º, concretamente às autoridades metropolitanas de transportes, pois pensamos que este projecto recua um pouco em relação ao que já aqui foi aprovado, já que, por exemplo, as autoridades metropolitanas também deveriam poder pronunciar-se sobre o sistema tarifário, o planeamento estratégico do sistema de transportes, a gestão de interfaces, os investimentos em outras redes que não apenas as viárias e a
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própria contratualização com os privados, para além da monitorização de todo o processo.
De qualquer forma, daremos o nosso voto favorável a este projecto.
Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: Envolvimento da população, credibilidade dos novos órgãos, essa é a grande questão e é por ela que nos batemos.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Carlos Duarte.
O Sr. João Carlos Duarte (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Subo hoje a esta tribuna para, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, dar todo o apoio ao Governo na sua firme vontade de fazer em sete meses o que os anteriores governos socialistas não fizeram em cerca de sete anos.
Aplausos do PSD.
O Sr. Ascenso Simões (PS): - Grande novidade!
O Orador: - Dotar o País do figurino jurídico e político que permita a existência de áreas metropolitanas funcionais, assumindo-se como verdadeiros instrumentos da promoção e do desenvolvimento económico e social.
Neste debate, não devemos, pois, deixar de ter presente que o poder local operou uma profunda transformação na sociedade portuguesa, através do seu relevante e insubstituível papel no desenvolvimento e na promoção social, económica e cultural, concretizando progressivamente, deste modo, os legítimos anseios das comunidades e populações locais.
Os autarcas são os agentes da mudança eleitos que estão cada vez mais próximos dos cidadãos, sendo quem mais sente, no dia-a-dia, os problemas, as carências e as dificuldades no exercício das suas funções, procurando sempre, por isso, encontrar respostas positivas para os resolver.
O edifício jurídico e administrativo do País foi construído e aperfeiçoado ao longo dos últimos 26 anos, com a aprovação de vários diplomas por parte desta Câmara, como resposta à necessidade de encontrar as melhores soluções para os bloqueamentos.
Nos 308 municípios, nas mais de 4000 freguesias, nas várias dezenas de associações de municípios e nas duas áreas metropolitanas existentes no País, é hoje consensual a necessidade de se operarem várias mudanças na sua forma de organização, de funcionamento e de relacionamento. É que o poder local tem muitas potencialidades que ainda não foram exploradas e aproveitadas, no propósito firme de aproximar os centros de decisão dos cidadãos, promovendo uma melhor participação e uma melhor administração dos interesses dos cidadãos e na satisfação das necessidades colectivas de carácter mais local.
A parceria é, na sociedade de hoje, a resposta mais adequada às crescentes exigências das comunidades locais. Para isso há que dignificar e reforçar o poder local. O PSD, em coerência com este objectivo, defende uma descentralização mais ampla e efectiva, que passe pela clara valorização e pelo reforço das atribuições e competências dos municípios, das freguesias, das associações de municípios e pela criação de novas áreas metropolitanas e de comunidades urbanas.
Contudo, Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, a proposta de lei que estabelece o regime de criação e o quadro de atribuições e competências das áreas metropolitanas e o funcionamento dos seus órgãos, que o Governo agora apresenta, para além de corresponder na íntegra a um compromisso assumido para com os eleitores, também contribui para a racionalização e o planeamento do desenvolvimento regional e local, representando, pela génese voluntária plurimunicipal que incorpora, um contributo fundamental para a consolidação democrática do Estado.
Esta proposta faz parte da chamada "revolução tranquila", proposta aos portugueses pelo PSD e anunciada ao País pelo Governo,…
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - … que não é mais do que uma descentralização efectiva e real que, nos curto e médio prazos, vai permitir a existência de um novo quadro jurídico de todo o aparelho administrativo do país, com especial incidência nos níveis intermunicipais e municipais.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Neste debate, não devemos deixar de ter presente a experiência, ainda que relativamente incipiente, colhida do funcionamento das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto.
Com a actual proposta de lei, ficam inequivocamente demonstradas algumas das vantagens decorrentes da comunhão de esforços e de objectivos entre as autarquias locais, nomeadamente ao nível de melhores prestações em vários domínios (do abastecimento público, dos transportes e das comunicações, do ordenamento do território e do desenvolvimento urbano), bem como de um melhor aproveitamento dos fundos disponíveis.
Por tudo isto, e com o reforço de competências agora pretendido pelo Governo, estamos convictos de que colocamos o País no bom caminho para a resolução de problemas como o deficiente funcionamento das redes de transportes urbanos existentes, a inexistência de instrumentos de ordenamento do território eficazes, a erradicação da pobreza e da exclusão social, as quais, a par da toxicodependência, geram um acréscimo da violência e da criminalidade, com os consequentes sintomas gerais de insegurança e de intranquilidade.
O incentivo e o apoio à instituição de novas áreas metropolitanas, consolidado definitivamente pelo Governo no Conselho de Ministros de Tomar, contribuíram decisivamente para contrariar a tendência, ainda vigente, para a concentração dos investimentos no litoral urbano e para aprofundar, em simultâneo, o desenvolvimento social, económico e cultural do interior do País.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Nos propósitos da proposta de diploma ora apresentada pelo Executivo sublinham-se, enquanto
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eixos estruturantes desta determinação política, uma aposta na solidariedade entre os municípios contíguos e nas garantias de governabilidade e funcionalidade dos sistemas urbanos, através da instituição e do reforço de mecanismos de articulação de serviços, investimentos, programas, projectos e intervenções, bem como uma inevitável aproximação das administrações central e local.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Mas, Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, o centralismo é, entre nós, um problema secular. Se é verdade que, no último quarto de século, se registaram importantes progressos no sentido da descentralização, é igualmente verdade que, ao nível do discurso político, a descentralização é uma bandeira consensual que, na prática, não tem tido os resultados desejados.
Estando o País vinculado ao princípio constitucional da descentralização e ao princípio da subsidiariedade, constitui para o PSD um imperativo nacional adoptar uma nova atitude política nesta e noutras áreas.
A linha fundamental da política do Governo para a descentralização passa pela restauração da confiança nas autarquias locais. Necessitando o País de ser capaz de gerir melhor os recursos disponíveis, a descentralização constituirá um factor decisivo para atingir melhores e mais eficientes e eficazes níveis de satisfação das necessidades colectivas, até porque, ao longo dos últimos anos, os municípios preocuparam-se, fundamentalmente, com a dimensão quantitativa de desenvolvimento, realizando e investindo, sobretudo, nas infra-estruturas básicas.
Parece-nos que o modelo da autarquia de infra-estrutura tem que dar lugar ao modelo de autarquia do desenvolvimento.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - É, pois, urgente confiar na capacidade já demonstrada pelos autarcas, numa vertente essencial à modernização e progresso de Portugal e à aproximação do país à Europa.
Neste quadro, o Governo - e muito bem! - apresentou medidas no domínio da descentralização administrativa.
O Governo, ao apresentar a proposta de lei que estabelece o regime de criação e o quadro de atribuições e competências das áreas metropolitanas e o funcionamento dos seus órgãos, como já referi anteriormente, visa criar novas áreas metropolitanas de forma a contrariar a tendência para a concentração do investimento no litoral urbano e, simultaneamente, visa aprofundar, através de mecanismos de articulação de serviços, investimentos e programas, a aproximação e a cooperação entre as administrações central e local.
As referidas novas áreas metropolitanas distinguem-se pelo carácter voluntário da sua criação, por deliberação das assembleias municipais dos municípios interessados, e podem ser de dois tipos: grande área metropolitana, para regiões com nove ou mais municípios contíguos e 350 000 ou mais habitantes; e comunidades urbanas, com três ou mais municípios contíguos e 150 000 ou mais habitantes.
Esta proposta enquadra o planeamento e a gestão de espaços urbanos alargados, constituídos por municípios territorialmente contíguos, e visa assegurar, por um lado, a conveniente articulação entre os municípios de âmbito metropolitano e supramunicipal e, por outro lado, a conveniente articulação entre os municípios, o Governo e os serviços da administração central em diversos domínios do desenvolvimento.
A principal inovação introduzida respeita à possibilidade legal de instituição de comunidades urbanas integradas por órgãos de natureza deliberativa, executiva e consultiva, ou seja, a assembleia da comunidade urbana, a junta da comunidade urbana e o conselho da comunidade urbana.
A terminar, é justo que se diga que a apresentação desta proposta de lei é mais um passo histórico no caminho da modernização da arquitectura jurídico-administrativa do País, pois vai permitir a criação, em Portugal, de um novo patamar de autarquia supramunicipal.
Os municípios, ao associarem-se, terão mais atribuições e competências. Este novo enquadramento legal servirá como alavanca de desenvolvimento para todas as regiões do País, criando um novo patamar supramunicipal.
Ao nível das novas comunidades urbanas e áreas metropolitanas serão contratualizadas novas competências, delegadas quer pela administração central quer pelas autarquias envolvidas em domínios como o ordenamento do território, educação, saúde e apoio ao desenvolvimento social.
Direi que o que está em causa é, essencialmente, todas as virtualidades do poder local, através do processo descentralizador, criando novos e adequados mecanismos legislativos para que os autarcas portugueses possam, cada vez mais, de forma digna e eficaz, servir as suas populações e contribuírem, assim, para o desenvolvimento e modernização de Portugal.
O PSD, como partido do poder local, dá todo o seu apoio ao Governo nesta iniciativa.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.
O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado João Carlos Duarte, na sua intervenção, fala-nos de um tema que, entre outros, merece quase o consenso unânime, suponho, desta Câmara. Tem a ver com aquilo que designou como a aproximação entre as decisões de órgãos e as populações a quem essas decisões dizem respeito. Muito bem! Estamos de acordo!
Gostaria, entretanto e a propósito, de recordar o seguinte: a melhor maneira de aprofundar essa ideia tem a ver com a responsabilização dos membros desses órgãos perante os respectivos eleitores - esta é uma situação que, em democracia, é absolutamente irrecusável, absolutamente incontornável.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - É aqui que a proposta de lei apresentada pelo Governo, independentemente das suas bondades, é curta, é muitíssimo curta, porque não encara de frente o
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problema da constituição dos novos órgãos metropolitanos - não tem em conta a experiência adquirida ao longo destes 11 anos, não tem em conta as opiniões de autarcas proeminentes, entre os quais muitos do seu partido.
Por isso, coloco-lhe a seguinte questão: no âmbito das discussões que hoje se iniciam, o Sr. Deputado e o grupo parlamentar de que faz parte estão ou não sensíveis a encarar de frente os contributos, as experiências, enfim, tudo aquilo que é o património de 11 anos de experiência das actuais Áreas Metropolitanas? Está ou não disposto a encarar de frente formas novas, inovadoras de constituição dos novos órgãos das futuras áreas metropolitanas e das futuras comunidades urbanas? Este é um elemento-chave que gostaríamos de ver respondido.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Carlos Duarte.
O Sr. João Carlos Duarte (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Honório Novo, começando por agradecer a questão que me colocou, devo dizer que o que o Grupo Parlamentar do PCP faz é tentar recuperar a questão da regionalização. Mas essa é uma questão que já está esquecida, está enterrada, porque os portugueses, em democracia, através de referendo, não quiseram a regionalização.
O Sr. Ascenso Simões (PS): - Mas está na Constituição!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Lamentavelmente! E só está porque os senhores não aceitam retirar!
O Orador: - Portanto, não vale a pena estar a levantar mais essa questão porque o PSD é um partido democrático, aceita as decisões democráticas e o eleitorado tomou uma decisão.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Desde o 25 de Abril de 1974, somos um partido com grande força no poder local e é a esse poder local e ao eleitorado que respondemos.
Aplausos do PSD.
O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sobre que matéria, Sr. Deputado?
O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr.ª Presidente, para pedir à Mesa que faculte ao Sr. Deputado Barreiras Duarte uma cópia das actas do Seminário Internacional "Território e Administração - Gestão de Grandes Áreas Urbanas",…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Nós temos!
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - E já agora, um exemplar da Constituição!
O Orador: - … onde, a páginas 369 e 370, consta um texto da intervenção do falecido Prof. Vieira de Carvalho sobre este tema tão recorrente da pseudo-regionalização ou não regionalização, relativamente às Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto.
O Sr. Bruno Dias (PCP): - Para ler e não esquecer!
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Está feita a interpelação, que não era interpelação!
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Augusto Carvalho.
O Sr. José Augusto Carvalho (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Ministros das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente e dos Assuntos Parlamentares, Sr. Secretário de Estado da Administração Local, Sr.as e Srs. Deputados: A situação presente, reconheçamo-lo - e cito o Sr. Presidente da República -, continua a ser de um enorme fosso entre o poder central e o poder local, caracterizando-se este como sofrendo de um "défice de cultura de planeamento estratégico".
Acrescenta o Sr. Presidente da República que, comportando a globalização riscos e oportunidades, a forma de minimizar os riscos e aproveitar as oportunidades é apostar em "estratégias de valorização do local no quadro do global" e que, para tanto, é indispensável repensar e modificar o modelo institucional do municipalismo português, bem como da respectiva coordenação. E fazê-lo "em conjugação com a matriz das dinâmicas territoriais que a modernização e a globalização geram e exigem."
Coordenação estratégica dos municípios e articulação da actividade destes e do Estado foi o que visou a Lei n.º 44/91, ao criar as Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto.
Como há pouco procurei demonstrar, trata-se este de um quadro legal que demonstradamente, Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, se encontra esgotado, não satisfazendo minimamente as exigências do nosso tempo.
Por isso se impõe encontrar novas formas de gestão supramunicipal, o que passa pela reflexão sobre a organização territorial, com destaque para o sistema urbano, e pela identificação das áreas que aconselham modelos alternativos de gestão.
A discussão desta problemática nem sempre tem seguido o caminho mais adequado - e, lamentavelmente, é isso que, hoje e nesta sessão, perante a presente proposta de lei, está a suceder.
Há, todavia, um grande consenso - não duvido - sobre a necessidade de descentralização e de desconcentração. E é, precisamente, a concretização deste consenso que se exige mais do que nunca aos decisores, a todos nós, Deputados.
Daí a nossa proposta de criação de uma comissão eventual, que os senhores, lamentavelmente, não permitiram que fosse sequer agendada e discutida.
E, a este respeito, importa clarificar o que são áreas metropolitanas - não nos iludamos a nós próprios nem procuremos iludir ninguém: áreas metropolitanas são espaços de singular concentração e dimensão populacional, caracterizados pela variedade de actividades, bens e serviços,
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e, o que não é de somenos, concorrendo na competição urbana à escala internacional, Sr. Ministro. As áreas metropolitanas são uma representação do nosso país, cuja promoção, e não banalização, é necessária a Portugal.
Mas há outras grandes áreas urbanas, embora não possam, com seriedade, ser qualificadas de metropolitanas. Espaços caracterizados igualmente por urbanização intensiva ou expansiva, com elevada pressão sobre os recursos naturais e o ambiente, com insuficiência de articulação de infra-estruturas e serviços, com dificuldades na compatibilização de estratégias.
Se assim falo, é porque importa encontrar, Sr. Ministro, responsavelmente, respostas adaptadas à realidade, estimulando a diversificação de modelos, a diversificação de estratégias.
E tudo isto, ainda, sem esquecer que há outras áreas territoriais, eu diria uma terceira categoria: áreas que apresentam insuficiente dinâmica demográfica, insuficiente dinâmica económica; áreas predominantemente rurais, que apelam a um reforço da estrutura institucional, de competências e recursos indispensáveis à mobilização e à sustentação dos processos de desenvolvimento.
Porque o nosso objectivo comum, Sr. Ministro e Srs. Deputados, deveria ser o da promoção do desenvolvimento à escala supramunicipal, no aprofundamento da descentralização e na afirmação da subsidiariedade, o mínimo que se esperaria era o acolhimento da nossa proposta de resolução. Que ninguém se furtasse a um debate sério que este tema impõe. Que ninguém recusasse percorrer o caminho para uma solução adequada aos objectivos em vista. Que pudéssemos adoptar e desenvolver uma solução independente das maiorias aritméticas circunstanciais, independentes, Srs. Deputados da maioria, dos ciclos políticos. Uma solução que partisse, ao contrário do que os senhores fazem, da análise crítica da experiência até agora vivida. Uma solução que atendesse à diferenciação da realidade territorial. Um modelo institucional que superasse as fragilidades, a ineficácia do actual modelo que os senhores agora clonam, que os senhores agora recuperam. Um modelo consequente na natureza e composição dos órgãos, com reforço da representatividade e dos poderes decisórios - o que a proposta do Governo não consagra. Uma solução que acertasse nos sectores de intervenção, nos níveis de actuação, sem iludir não só a questão do financiamento mas também a questão, que não é de somenos, do interface administração autárquica/administração central ou, ao contrário do que o Sr. Ministro referiu, a correspondência no âmbito geográfico com o sistema de unidades territoriais (NUTS), que é, aliás, um ponto relevante na lógica do planeamento, financiamento e execução das políticas de desenvolvimento regional que o Sr. Primeiro-Ministro, em declarações públicas recentes, entendeu que deveriam ser mais descentralizadas.
Concluo que muito do que daqui releva para o bem-estar e qualidade de vida dos nossos concidadãos e, em geral, para o desenvolvimento do País justifica que transcreva das actas do Seminário Internacional, a que o Sr. Deputado Honório Novo fez referência, a seguinte conclusão: "Devem ser evitadas, a todo o custo, soluções de improviso, como consequência da luta partidária, em que todos querem ser os primeiros a iniciar e a apresentar soluções institucionais, optando-se antes pela prudência e pela ponderação". Recomendação que, obviamente, como aqui ficou demonstrado, os Srs. Deputados da maioria não querem ouvir! Mas, Srs. Deputados do PSD e do CDS-PP, os senhores são maioria, a opção vai ser vossa, mas não esqueçam que as consequências serão para os portugueses.
Por nós, entretanto, cabe-nos dizer-vos, muito solenemente: se persistirem no propósito de clonagem do modelo actual, têm a nossa firme oposição. Mais do mesmo, Sr. Ministro e Srs. Deputados, "não"!
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Castello-Branco.
O Sr. Álvaro Castello-Branco (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, Sr. Secretário de Estado da Administração Local, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos hoje a debater conjuntamente duas iniciativas apresentadas a esta Câmara, uma do Governo e outra do Grupo Parlamentar do PCP, ambas sobre a importante questão das áreas metropolitanas.
A primeira iniciativa, a iniciativa do Governo, contém uma ambiciosa e inovadora proposta, que vai muito além da mera reforma do actual regime das áreas metropolitanas vigente.
O segundo articulado, o projecto de lei apresentado pelo PCP, se bem que seja de saudar politicamente, pois contém uma intenção descentralizadora, limita-se a introduzir alterações orgânicas ao regime actual e corresponde globalmente a um projecto de lei já apresentado na legislatura anterior por este mesmo partido. Este projecto de lei apresentado pelo Grupo Parlamentar do PCP peca por ser pouco audacioso - não ousa inovar.
O PCP, neste seu projecto, ateve-se às existentes Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, sugerindo somente alterações pontuais no regime em vigor.
Pelo contrário, a iniciativa do Governo traduz um relevante e importantíssimo contributo, sistematizado e pensado, para a concretização legislativa dos princípios constitucionais da descentralização e da subsidiariedade. Acresce o facto de este relevante e importantíssimo contributo não se destinar, apenas e somente, às Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto mas, sim, a todo o País.
O princípio da descentralização da Administração Pública, contido no artigo 267.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, consiste na criação de pessoas colectivas públicas diferentes do Estado, as quais podem prosseguir fins múltiplos ou fins singulares, fins próprios ou fins do Estado, transferidos pelo fenómeno da devolução de poderes. Efectivamente, de acordo com o nosso ordenamento jurídico, essas pessoas colectivas públicas descentralizadas podem assumir diversas formas: a forma de institutos públicos, a forma de empresas públicas, a forma de associações públicas, a forma de autarquias locais ou, ainda, a forma de regiões autónomas.
Fala-se, portanto, em descentralização institucional, associativa e territorial, sendo certo que apenas esta última,
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a descentralização territorial, é reconhecida na doutrina como a verdadeira descentralização. E é exactamente nisso que se traduz a proposta de lei apresentada pelo Governo: traduz medidas que implementam uma verdadeira e eficaz descentralização.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Constituição da República Portuguesa, sem exigir expressamente que devem possuir legitimidade democrática directa, deixa - aqui e noutra disposição, que refere explicitamente existirem outras formas de organização territorial autárquica - ao legislador ordinário a possibilidade de classificar outras entidades jurídicas como autarquias.
O legislador constituinte acredita - e, em nosso entender, bem! - que, através de um modelo de Administração Pública descentralizada, se pode evitar a burocratização, se aproximam os serviços das populações e se assegura a participação dos interessados na sua gestão efectiva.
A Constituição determina, porém, que a lei estabelecerá adequadas formas de descentralização administrativa, que não prejudiquem a necessária eficácia e unidade de acção, da administração e dos poderes de direcção, superintendência e tutela dos órgãos competentes.
É neste equilíbrio - entre conceber novos centros de poder administrativo e a unidade de acção governativa - que deve ser equacionada a criação de outras pessoas colectivas públicas descentralizadas como as novas áreas metropolitanas, previstas na presente proposta de lei do Governo. É exactamente este equilíbrio que está patente na proposta de lei n º 24/IX, que estabelece o regime de criação, o quadro de atribuições e competências das áreas metropolitanas e o funcionamento dos seus órgãos.
Constitucionalmente, é admitida a existência de diferentes formas de descentralização autárquica, que é como quem diz é admitida a existência de diferentes graus de autonomia das pessoas colectivas públicas face ao Estado.
Até ao presente momento, ao nível da descentralização territorial, apenas as figuras do município e da freguesia foram concretizadas. Isto porque as regiões administrativas - igualmente tratadas na Constituição e na lei - não chegaram a ser implementadas de facto por força da vontade dos portugueses, vontade expressa no resultado do referendo sobre a regionalização.
Todavia, existem outras figuras no nosso ordenamento jurídico detentoras de algumas afinidades com as autarquias, como sejam as Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, as associações de municípios e as associações de freguesias. Efectivamente, têm algumas parecenças com as autarquias locais, mas não são classificadas como tal e regem-se pelas regras das associações públicas, apesar de a Constituição permitir que sejam adicionadas ao rol de autarquias descritas no Texto Fundamental outras formas de organização territorial autárquica.
É neste contexto que as futuras áreas metropolitanas assumem importância, pois, tal como estão desenhadas na proposta de lei do Governo, podem desempenhar um papel relevante na articulação dos interesses comuns de diversas autarquias confinantes com os do próprio Estado.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Primeiro, porque não ficam estas figuras reservadas a um grupo restrito de municípios dos dois maiores aglomerados urbanos portugueses - refiro-me, obviamente, a Lisboa e ao Porto.
Segundo, porque a dimensão, ou seja, quer a composição, quer a adesão a áreas metropolitanas, não está previamente determinada na lei. Depende, isso sim, da vontade dos municípios que as pretendam integrar e estes apenas o farão se, quando e na medida da sua vontade.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Terceiro, porque a proposta de lei prevê a existência de um órgão consultivo das áreas metropolitanas, que permite a concertação entre as posições da administração central com a local.
Julga o CDS ser importante salientar que esta proposta de lei promove a complementaridade e a solidariedade entre municípios territorialmente contíguos, permitindo uma gestão mais eficiente, posicionando-os e preparando-os para desafios incontornáveis como a globalização e a forte competitividade internacional.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - O Governo, através desta iniciativa, pretende dar às autarquias a liberdade de se organizarem consoante o que entendam ser o seu interesse e a sua adequada estratégia de desenvolvimento, não impondo uma forma territorial rígida e imutável mas, sim, permitindo a melhor conjugação de vantagens e benefícios, sempre em prol do desenvolvimento integrado do País.
Tem, assim, obviamente, a proposta de lei n.º 24/IX o aplauso do CDS.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ascenso Simões.
O Sr. Ascenso Simões (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Ministros, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Assistimos hoje a um dos momentos mais hilariantes do debate sobre a tão apregoada "descentralização" que o Governo tem vindo a desenvolver. É que, Sr.ª Presidente, essa "descentralização" não passa de remendos na estrutura legal que enquadra a relação entre os municípios e o poder central.
Nada do que este Governo fez até hoje vai no sentido de cumprir um único objectivo de descentralização política e de melhoria da relação da Administração com os cidadãos. São só insignificâncias: dos 10 decretos-leis publicados, há três que dizem respeito à descentralização e, olhando para os mesmos, poderemos facilmente perceber que não passam de insignificâncias.
Os dois últimos momentos deste embuste descentralizador do Governo são bem elucidativos da atrapalhação, da incapacidade técnica e da falta de visão, sendo que o primeiro se refere à publicação do diploma que altera as NUTS. Fez-se todo esse processo olhando o País pelo lado dos fundos comunitários e não pelo da estruturação social, económica e administrativa. Olhou-se o País para um raio de 20 km à volta da capital e
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não se tratou de verificar se era ou não importante olhar as outras regiões do País com os mesmos problemas e que serão afectadas pelos mesmos critérios europeus que originaram esta iniciativa. Foi mau ver a atitude paternalista com que se quis iludir os autarcas e as populações.
Mas, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, para terem bem a percepção da pouca razoabilidade da nova divisão territorial estatística basta dizer que passaremos a ter a Plataforma Logística de Lisboa na região do Alentejo e o aeroporto, que servirá a capital, na região Centro. Duas anormalidades, portanto, Sr.ª Presidente!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Em minha opinião, esta iniciativa que hoje aqui discutimos tem três erros de base.
É tecnicamente infundada: não apresenta inovação suficiente que permita, ao nível das áreas metropolitanas, uma nova consideração; não inova ao nível de novas competências, não inova ao nível da legitimação dos órgãos, não inova ao nível dos recursos necessários à sua valorização institucional.
É também economicamente inconsequente, porque não segue uma teoria determinada nem se queda por uma visão, por exemplo, neoclássica, territorialista ou, mesmo, funcionalista, mesmo que essa seja muito contestada.
É também politicamente inaceitável, por não se aquietar na experiência já vivida, nos progressos que urge promover, nos aperfeiçoamentos que se podem verificar.
Há quem diga que, em Portugal, se verifica uma só área metropolitana - a isso já se referiu, neste debate, o Sr. Deputado João Teixeira Lopes. Encontramos suporte teórico para esta consideração. Porém, o legislador, fruto da realidade concreta e também da história, atentou à concretização de duas áreas metropolitanas. Mas não mais! O Governo, ao propor que possam ser constituídas novas grandes áreas metropolitanas com 350 000 habitantes e, pelo menos, nove municípios, está a determinar que a lei abra a porta à criação de áreas metropolitanas em espaço rural, o que motivaria a chacota universal nos fóruns técnicos e académicos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Imagine-se, por exemplo, o que seria se os municípios dos distritos do Alentejo, que cumprem os critérios previstos na proposta de lei do Governo, se constituíssem como grande área metropolitana!… É possível suportar esta criação na lei que agora analisamos.
O Sr. José Augusto Carvalho (PS): - Muito bem!
O Orador: - Mas é também inacreditável que se use o n.° 3 do artigo 236.º da Constituição para a criação das chamadas "comunidades urbanas". Desde logo, porque o Governo acha que podem ser comunidades urbanas as associações com, pelo menos, três municípios rurais que tenham, no mínimo, 150 000 habitantes. Também aqui, Sr.ª Presidente, os municípios do distrito de Beja, por exemplo, que cumprem os critérios da proposta do Governo - mais de três municípios e mais de 150 000 habitantes, 151 000 mais especificamente -, poderiam desenvolver uma comunidade urbana. Não se aquietou de tratar destas questões.
Se atentarmos na rede de cidades médias existente no País, verificaremos imediatamente que dificilmente se poderá cumprir o preceito constitucional que se referiu. Ninguém que queira munir-se de suporte técnico fiável encontrará razões suficientes para inventar uma ligação das comunidades urbanas com as áreas metropolitanas que não seja mera leviandade política.
Mas é também interessante verificar como se considera que as áreas metropolitanas e as comunidades urbanas devem ter as mesmas atribuições - não se fala em competências, porque estas são para ser vistas mais tarde, mas em atribuições.
Os pensadores deste diploma desconhecem as realidades concretas de cada espaço territorial e a necessidade de se dar respostas diferentes a problemas diferentes. Basta utilizar o exemplo da política de mobilidade, de emprego ou de fixação empresarial para perceber que as comunidades urbanas e as áreas metropolitanas são realidades distintas e que merecem tratamentos distintos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: O Sr. Ministro é uma das personalidades mais simpáticas deste Governo, mas esta descentralização é só magia. V. Ex.ª pode ser considerado o Harry Potter português.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente. Dispõe de 2 minutos e 22 segundos, cedidos pelo PSD e pelo CDS-PP.
O Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente: - Sr.ª Presidente, serei breve.
Srs. Deputados, congratulo-me por este debate que, embora tenha sido muito rico, esteve recheado de contradições. Mas penso que o debate também é feito disso e estou certo de que, na discussão na especialidade, não deixarão de ser dados novos contributos. Mantendo-se a matriz essencial deste diploma, as melhorias serão com certeza bem aceites.
Gostaria de descansar os Srs. Deputados, designadamente os do Partido Socialista, dizendo que compreendo as vossas dificuldades. Até compreendo que o Sr. Deputado José Augusto de Carvalho, em Julho passado, tenha produzido um artigo num jornal diário defendendo as comunidades urbanas…!
O Sr. José Augusto Carvalho (PS): - Mas outras. Não estas!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Já se esqueceu!
O Orador: - É verdade! Já se esqueceu!…
Para além da riqueza do debate, gostaria de salientar neste diploma que o essencial para o Governo é justamente salvaguardar as diferenças. Temos bem consciência do que são grandes áreas metropolitanas e também sabemos
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o que devem ser as comunidades urbanas. É óbvio que estou descansado, pois não haverá uma área metropolitana no distrito de Beja, já que praticamente todos os concelhos não têm população que justifique sequer uma comunidade urbana quanto mais uma grande área metropolitana. O que ressalta deste debate, aquilo que para nós é importante, é que temos confiança no bom senso,…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - … na capacidade e no empenhamento dos autarcas deste país, que não irão fazer proliferar áreas metropolitanas por este país fora.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Srs. Deputados, aquilo que é importante para mim e para o Governo é que o processo de descentralização vá continuar com denodo, com empenho, fazendo-se aquilo que já devia ter sido feito há muitos anos e que nós vamos concretizar todos os dias.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Silva Pereira.
O Sr. Pedro Silva Pereira (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo apresentou um diploma com um conjunto de propostas que é, em verdade, vazio, pois as áreas metropolitanas de que se fala nesta proposta têm natureza associativa, como a própria proposta o assume claramente.
Diz-se que existirão grandes áreas metropolitanas e comunidades urbanas.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E daí?!
O Orador: - Um colega da bancada do Partido Socialista, Deputado Alberto Antunes, teve o cuidado de dizer que a visão do Governo sobre a organização administrativa do País é esta: diz aos municípios que se organizem mais exactamente em grupos grandes e mais pequenos. Não diz mais do que isto!
O que é extraordinário - e por isso pedi a palavra - é que o Sr. Ministro, na intervenção final, tenha reconhecido que os municípios do distrito de Beja não deveriam poder constituir uma comunidade urbana, porque isso de todo não faz sentido. Mas, lamentavelmente, Sr. Ministro, o distrito de Beja preenche os requisitos da lei que aqui apresentou para constituir uma comunidade urbana!…
Então, o Sr. Ministro comenta, dizendo que espera que os municípios do distrito de Beja tenham o bom senso que o Governo não teve quando fez a sua proposta!
De facto, o Governo admite, na sua proposta, uma comunidade urbana para uma realidade que manifestamente não o é e espera que os municípios do distrito de Beja, como outros de diferentes regiões do País, tenham o bom senso que o Governo não teve! Isto é extraordinário! E mostra como o Governo avança para esta iniciativa legislativa sem uma visão sobre a organização administrativa do País.
O Sr. José Augusto Carvalho (PS): - Muito bem!
O Orador: - O Governo não sabe quantas áreas metropolitanas existirão ao abrigo desta lei, o Governo não sabe quantas comunidades urbanas existirão ao abrigo desta lei. O Governo sabe, sim, que, por vontade dos municípios, alguns deles podem agora constituir novas áreas metropolitanas.
O Sr. Ministro reconheceu que o município de Setúbal, por exemplo, podia promover a constituição de uma nova área metropolitana e com isso sair até da Área Metropolitana de Lisboa. Consequência disto: a gestão territorial do município de Setúbal deixa de ter a articulação que hoje tem com o centro de Lisboa, ao abrigo do Plano Regional de Ordenamento do Território da Área Metropolitana de Lisboa.
Mas, claro, isto ao Governo não interessa, porque não tem nem uma visão da gestão territorial nem uma visão da organização administrativa do País. E é isso que resulta deste debate.
Aplausos do PS.
O Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente: - Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza). - Tem a palavra, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente: - Sr.ª Presidente, quero apenas dizer que o Governo sabe muito bem quais são as comunidades urbanas e as grandes áreas metropolitanas que, potencialmente, poderão constituir-se.
O Sr. Deputado Pedro Silva Pereira sabe muito bem que para Beja constituir uma comunidade urbana são precisos 150 000 habitantes e nexos de causalidade de ligação entre os municípios.
Protestos do PS, do PCP e do BE.
Srs. Deputados, sei que lhes custa ouvir isto!
Por outro lado, lembro que as comunidades intermunicipais virão corresponder às realidades que não podem ser subsumidas às comunidades urbanas.
Mas, Sr. Deputado, a questão é, sobretudo, esta: como é que esta proposta de lei pode ser vazia se, durante sete anos, nada foi feito em matéria de descentralização?! O Sr. Deputado tem o descaramento de vir fazer uma afirmação dessas! Ainda queria mais 180 dias?! Vamos continuar com a mesma perseverança!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Ministro, não se tratou de uma interpelação à Mesa.
O Sr. Ascenso Simões (PS): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa, nos mesmos termos da do Sr. Ministro.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra, Sr. Deputado.
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O Sr. Ascenso Simões (PS): - Sr.ª Presidente, o Sr. Ministro anunciou que tinha, como suporte destas iniciativas, um conjunto de estudos que poderiam avalizar a sua posição neste momento.
Gostaríamos, se fosse possível, que o Governo fizesse chegar à Assembleia esses mesmos estudos para que possamos confrontar-nos com eles e, se necessário, voltar a essa questão em sede de comissão parlamentar.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - O Sr. Deputado, se assim o entender, poderá fazer um requerimento ao Governo sobre esse assunto.
Srs. Deputados, chegados ao fim da discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 24/IX e do projecto de lei n.º 110/IX, sobre as áreas metropolitanas, vamos dar início à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 125/IX - Acesso universal à Internet em banda larga (BE).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei do Bloco de Esquerda propõe as condições infra-estruturais essenciais para o acesso de todos os cidadãos portugueses à banda larga no uso da Internet.
Registamos, a esse respeito, que Portugal, nos últimos cinco anos, deu um salto muito significativo, passando de cerca de 90 000 utilizadores da Internet para cerca de 4 milhões de contas, sendo esse salto registado a partir de 1999. No entanto, apesar destes números encorajadores e fundamentais, Portugal tem ainda uma diferença muito importante em relação aos outros países da União Europeia. Três quartos da população portuguesa não usa computador, quando essa média é de metade na União Europeia, e o uso diário da Internet tem uma intensidade três vezes menor em Portugal do que na generalidade dos países da União Europeia.
É por isso que insistimos em que o serviço público que providencia o acesso a todos os fornecedores do serviço da Internet é um bem tão essencial como a televisão ou como o telefone. Aliás, a este respeito, em Março de 2000, na Cimeira Europeia que se realizou em Lisboa, dizia-se, nas conclusões, o seguinte: "As redes de baixo custo interligadas a alta velocidade para acesso à Internet são uma das recomendações fundamentais que os Estados-membros devem levar em consideração."
Quero mesmo lembrar que o Primeiro-Ministro de então, António Guterres, chegou a ter um conflito com a autoridade das comunicações, a ANACOM, tendo proposto que, se necessário por via de decreto, se viesse a instituir a tarifa plana para a banda estreita. O Primeiro-Ministro esclareceu que se tratava não tanto de um ultimato mas de um claro "aviso à navegação". A tarifa plana era indispensável em Portugal!
Passou algum tempo, no entanto, e esse problema foi superado pela acessibilidade no nosso país das duas formas fundamentais de utilização da banda larga, através do cable modem ou através do ADSL.
Há pouco tempo, antes de começar a grande campanha de promoção do ADSL, só cerca de 121 000 pessoas utilizavam a banda larga, quase todos através do cable modem, e só cerca de 3800 utilizavam o ADSL.
Aliás, todos sabemos que o ponto de partida desta discussão é o de que a banda larga é a infra-estrutura necessária para uma utilização intensiva, proveitosa, comunicante, da Internet.
É por isso que este projecto de lei propõe que se constituam as condições técnicas, a base de suporte, do acesso à Internet por via da banda larga, seja por cabo, seja por via do ADSL. Isso tem uma função extraordinária na popularização do acesso a um meio de comunicação que nos será tão indispensável para nós, como foi, no século passado, o telefone.
É certo que Lisboa e Porto e alguns outros centros urbanos já têm a infra-estrutura técnica suficiente para um acesso generalizado ao ADSL. No entanto, os operadores - o concessionário, em particular - têm uma vantagem diferencial na extensão deste serviço naqueles locais onde há muitos utilizadores potenciais e em relação a outros, no resto do País, onde o número de potenciais utilizadores é pequeno, e, portanto, vai haver entraves de ordem financeira e estratégica para a cobertura nacional fundamental.
E, se virmos o que foi a história da criação das redes públicas de acesso a serviços da água, da electricidade, da rede fixa de telefones, o que verificamos é que o Estado directamente ou o concessionário do serviço público, que é o que se aplica hoje em dia, sempre teve, na definição das suas prioridades, esta ideia essencial de que o País não deve ter duas velocidades. Não é aceitável, do ponto de vista democrático, do ponto de vista do desenvolvimento integrado, do ponto de vista da projecção estratégica do País, que possa haver um tipo de acessibilidade em Lisboa e no Porto e um outro no restante território. O País não pode ter essas duas velocidades!
Foi por isso, aliás, que, na lei de 1997, que estabeleceu o serviço universal de telecomunicações, ou no decreto de 1999, que precisou a concessão à Telecom, se explicitava que "este serviço de telecomunicações deve evoluir por forma a acompanhar o progresso da tecnologia, podendo o concedente, quando o interesse público devidamente reconhecido o justificar, cometer à concessionária o encargo de exploração de outros serviços de telecomunicações de uso público." E é isso, rigorosamente, que se pretende.
É certo que os preços de acesso em Portugal, seja por cabo, seja por ADSL, não são muito diferentes dos restantes preços na União Europeia - e não se trata propriamente de intervir directamente no preço do fornecimento ao cliente, porque aí tem de funcionar o mercado, com regras competitivas suficientemente transparentes para pressionar o preço para a baixa. Mas uma parte muito importante da constituição deste preço é o custo fixo da infra-estrutura e é nesta determinação parcial do preço que é determinante a relação do Estado, do serviço público, com a concessionária que opera esse serviço público.
É aqui que, tal como no passado foi feito em relação à extensão da rede fixa de telefone, o Estado deve operar para garantir condições tais que todos os fornecedores no mercado aberto possam agir a partir de um custo contido, que não inflacione estes preços.
É aqui que o Estado tem um papel central e é a ele que nos referimos. Só desta forma é viável favorecer a operação das várias empresas, sem qualquer discriminação e sem qualquer excepção.
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Que isto é necessário, parece óbvio - Portugal está atrás de outros países europeus. Que é útil, parece também evidente - Portugal precisa de um projecto estratégico que se baseie numa infra-estruturação tecnológica e comunicacional, tão essencial para a cultura, para a investigação, para todas as formas de comunicação. Que é urgente, também parece razoável.
Há pouco tempo, um Primeiro-Ministro, Durão Barroso, dizia o seguinte: "A Internet é o meio mais poderoso global e democrático de comunicação. Torná-la acessível a todos é um imperativo de cidadania. A complacência e a tolerância para com os ritmos de crescimento lentos foram hoje substituídos por um sentido de urgência de resposta a um mundo globalizado."
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Estas palavras abriam, normalmente, um site do PSD e, como não será muitas vezes que me ouvirão citar o actual Primeiro-Ministro de uma forma aprovadora, creio que podemos concentrar-nos nesta convergência para, pelo menos, podermos fazer daqui, mais do que palavras, algum acto!…
Creio que o Parlamento está em condições de dar um contributo, através de um debate concreto sobre a formulação legislativa mais adequada, para que o acesso universal à banda larga seja garantido a todos os cidadãos portugueses, onde quer que eles se encontrem no território nacional, e que, a partir daí, todos os fornecedores - a Oni, a Clix, a Telepac, enfim, todos os fornecedores que existam ou que venham a existir - possam operar, com toda a transparência, na utilização deste serviço tão essencial a uma estratégia de desenvolvimento do País.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Duarte.
O Sr. Pedro Duarte (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: No momento em que o Parlamento discute uma iniciativa legislativa que se debruça sobre o acesso dos cidadãos à Internet, importa, em primeira instância, deixar bem claro que, para o PSD, os portugueses, todos os portugueses, deverão beneficiar plena e quotidianamente de todas as vantagens e oportunidades que a sociedade da informação e do conhecimento oferece.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Nesse sentido, afirmamos que é imperioso retirar Portugal da cauda da Europa também no que concerne aos indicadores da Sociedade da Informação e do Conhecimento.
Com este propósito, a criação de uma Sociedade da Informação e do Conhecimento acessível a todos é, hoje, uma aposta política fundamental de Portugal e da própria União Europeia. Esta aposta está, de resto, bem expressa em dois instrumentos políticos essenciais: o Programa do XV Governo Constitucional e o plano de acção eEurope 2005.
Este plano europeu tenta proporcionar um ambiente favorável ao investimento privado e à criação de emprego, impulsionar a produtividade, modernizar os serviços públicos e oferecer a todos a oportunidade de participarem na sociedade mundial da informação.
Assim, o eEurope 2005 visa "estimular serviços, aplicações e conteúdos seguros assentes numa infra-estrutura de banda larga amplamente disponível."
Assume-se, assim, sem hesitações, que a generalização do acesso à banda larga deve ser um objectivo estratégico para Portugal.
Cremos mesmo que a chave fundamental para o crescimento exponencial desejável da Sociedade da Informação e do Conhecimento é a banda larga para todos a preços acessíveis.
A banda larga é o verdadeiro motor do eLearning, dos conteúdos multimédia, do comércio electrónico, da telemedicina e das indústrias de tecnologia avançada. Sem banda larga, não podem os cidadãos e as empresas tirar integral partido das potencialidades do acesso ao conhecimento, sabendo-se que este é, hoje, a principal fonte de vantagem competitiva.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - A capacidade de acesso à Internet de banda larga traz consigo a transformação da forma como vivemos, aprendemos e trabalhamos. A sua generalização aumentará a eficiência e a produtividade no trabalho e em casa e abrirá um rol incomensurável de novas oportunidades de negócio. Os benefícios para a qualidade de vida são difíceis de calcular, dado o seu profundo impacto.
Aliás, a este respeito, valerá a pena recordar que o Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro anunciou, no passado mês de Outubro, o lançamento de uma "iniciativa nacional para a banda larga", a desenvolver no âmbito da Unidade de Missão para a Inovação e Conhecimento e em articulação com os vários intervenientes.
A "iniciativa nacional para a banda larga" irá clarificar os traços de uma política nevrálgica para o desenvolvimento da Sociedade da Informação e do Conhecimento. Inspira-se em iniciativas semelhantes lançadas em países como o Reino Unido, Canadá, Estados Unidos da América, Noruega, Singapura, Finlândia, Austrália, Malásia, entre muitos outros, e tem como objectivos essenciais: a definição do que se entende por oferta de banda larga; a identificação das tendências tecnológicas; a caracterização do actual mercado; o reconhecimento do mapa das redes existentes; a determinação de uma visão de médio prazo, com definição de objectivos e metas concretas; a identificação das áreas de colaboração com a iniciativa privada; a contabilização dos investimentos necessários; o estudo de medidas de combate à exclusão digital; e a concretização de políticas públicas de aquisição de serviços.
O Sr. José Magalhães (PS): - Só falta o Orçamento!
O Orador: - O Governo já assumiu que dará o exemplo com o lançamento de algumas iniciativas pioneiras de ligação em banda larga nas escolas, universidades e pontos públicos de acesso à Internet.
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Importa sublinhar, ainda, que a disponibilização pelo Governo de serviços públicos, através das plataformas digitais, aumentará a percepção nos cidadãos das vantagens de estar ligado à Internet e que a anunciada proposta de revisão curricular no ensino secundário, com o investimento na formação em novas tecnologias da informação e comunicação, representará um impulso brutal na sua divulgação.
Tirando partido da banda larga na saúde, na educação, na indústria e nos negócios em geral, Portugal poderá alcançar múltiplos benefícios sociais e económicos, contribuindo, assim, para a inclusão digital, para a diversidade cultural e para a criação de uma forte indústria de conteúdos multimédia.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei n.° 125/IX, agora apresentado pelo Bloco de Esquerda, alarga o âmbito do serviço universal de telecomunicações ao serviço de acesso à Internet em banda larga e integra, nesse âmbito, a ligação a esse serviço sem limite de tempo de utilização e a preços económicos.
Apesar de estar tecnicamente incompleto e vago e de não consagrar qualquer estudo ou previsão de custos para o erário público associados a estas medidas, não podemos naturalmente contrariar a generosidade dos objectivos consagrados.
Contudo, os problemas técnicos e económicos que envolvem uma matéria desta natureza têm levado os países mais avançados a privilegiar modelos de desenvolvimento assentes em dinâmicas competitivas de mercado e na criação de condições atractivas para a realização de fortes investimentos em infra-estruturas absolutamente necessárias ao desenvolvimento sustentado no século XXI.
É neste quadro que Portugal se revê nas prioridades definidas no âmbito da União Europeia, fortemente concretizadas no documento eEurope 2005. E, como tal, para o PSD, o futuro passa pela prossecução de uma política que permita o crescimento do acesso com largura de banda, num regime de concorrência entre a rede fixa e o cabo, por um lado, e no estímulo ao surgimento de redes alternativas ou complementares, por outro.
Temos de tirar partido das várias redes existentes, estimular a inovação e a criatividade neste domínio, dar força a quem queira investir nestas infra-estruturas fundamentais para a produção, acesso e difusão de conhecimento. Só uma concorrência aguerrida no sector das telecomunicações permitirá a redução dos preços, a explosão do número de utilizadores e de acessos e o lançamento de novos serviços inovadores. No mercado dos telemóveis, por exemplo, foi o ambiente de fortíssima concorrência plena que permitiu que atingíssemos, em Portugal, taxas de penetração típicas dos países nórdicos.
É nosso entendimento que, só após o estabelecimento, em Portugal, de um mercado verdadeiramente competitivo e liberalizado, com infra-estruturas nacionais concorrentes no acesso local, com uma oferta de aplicações significativa e com níveis de utilização mínimos, haverá condições adequadas para abordar a problemática do serviço universal de banda larga.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - A negociação com o operador Portugal Telecom, actual possuidor das únicas infra-estruturas nacionais de acesso local, nos termos de um serviço universal de acessos em banda larga, poderá resultar em condições desfavoráveis para o País, reforçando a posição desse mesmo operador dominante e desincentivando a criação de concorrência num sector fortemente caracterizado pela sua quase inexistência.
Uma política de banda larga proactiva, no quadro das linhas expostas, poderá levar a uma discussão realista sobre a concretização de um serviço universal de banda larga dentro de 2/3 anos. Mais importante do que anunciar medidas irrealistas e comprometedoras do futuro, há que garantir que caminhamos para uma adesão crescente do acesso à Internet,…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!
O Orador: - … e para um desenvolvimento acelerado das utilizações e acessos embanda larga. É também assim que todos vamos construir, certamente, um País melhor.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.
O Sr. Bruno Dias (PCP): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No tempo em que vivemos, é cada vez mais recorrente que certos termos e conceitos sejam valorizados e repetidos, não tanto pelo seu real significado mas pela principal razão de que soam bem aos nossos ouvidos. Um desses conceitos é, sem dúvida, o de "sociedade da informação".
"Sociedade de informação" é um termo que não significa, linear e necessariamente, uma "nova sociedade", embora haja quem "a pés juntos" garanta que o será. Ora, acaba por ser uma armadilha, esta mistificação, pretender fazer passar a ideia de que está na tecnologia o instrumento necessário e suficiente para decidir o futuro e transformar a sociedade.
Na verdade, com essa perspectiva, omite-se o facto incontornável de que, a não serem tomadas as medidas políticas de fundo, a tão badalada "sociedade de informação" corre o risco de ser no essencial uma "digitalização" das desigualdades, uma espécie de "código binário" da exclusão social, ou uma aplicação cibernética da exploração humana.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!
O Orador: - E esta questão assume particular importância, tanto mais que a grande massa de população excluída do acesso à informação e ao conhecimento, com o mais baixo grau de literacia da Europa, é particularmente vulnerável ao perigo quer de um violento domínio cultural e ideológico quer de uma extrema exclusão social e cultural. E esse perigo é real e está presente, sem que o nosso País tenha tomado as medidas necessárias para o combater. Daí que sejamos, também nesta matéria, o País mais atrasado da União Europeia, e com a preocupante tendência para perder terreno.
É por isso que é indispensável a adopção de políticas que viabilizem e concretizem uma transformação efectivamente
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positiva, que signifique um avanço para a verdadeira democratização do conhecimento e que combata assimetrias e desigualdades, já hoje profundas, que importa corrigir e não acentuar.
Nesta vertente das tecnologias da informação e comunicação, uma parte importante do investimento passa necessariamente por uma infra-estrutura básica para a transmissão e armazenamento de informação, por todo o território, para toda a população. Generalizar o acesso a essa informação é algo que o PCP tem vindo a defender e reivindicar!
E é a propósito dessa infra-estrutura que se fala numa "plataforma de banda larga", isto é, capaz de suportar um tráfego de elevado débito de vários tipos de informação. Aquilo a que agora assistimos é uma corrida frenética de interesses empresariais por esse investimento, sendo possíveis, aliás, diferentes soluções técnicas, utilizem elas a infra-estrutura da rede básica de telecomunicações, a linha telefónica, como é o caso do ADSL, ou utilizem outras formas de transmissão de sinal.
O que é efectivamente importante é que esse investimento, de interesse nacional, seja feito por forma a que seja duradouro e tecnicamente "evolutível", evitando soluções que se tornem obsoletas em poucos anos.
A grande questão que se nos depara, também nesta matéria, é a frequência com que o interesse nacional acaba por ser substancialmente diferente do interesse estratégico dos grupos económicos que na prática lideram e conduzem estes processos estruturais.
Por isso é que o Estado não se pode limitar a assistir e a arbitrar de vez em quando. O Estado tem de intervir, e neste contexto é fundamental que intervenha, para a adaptação do conceito de serviço universal de telecomunicações ao ambiente da sociedade de informação, criando condições para a sua extensão, por forma a englobar os novos serviços corporizados pela Internet.
Neste sentido, o PCP está de acordo, no essencial, e votará favoravelmente o projecto de lei em apreço.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Se for superficial e apressada uma abordagem a esta matéria, corremos o risco de passar ao lado de aspectos e vertentes fundamentais da política para este sector.
Não podemos, por exemplo, passar ao lado da questão essencial que é a da acessibilidade dos equipamentos. A menos que alguém esteja convencido que a grande maioria dos portugueses já tem o seu computador, aguardando ansiosamente apenas a ligação em banda larga! Os equipamentos informáticos têm exactamente no seu preço um dos grandes factores de inacessibilidade.
É indispensável uma política consequente, para a garantia da privacidade e liberdade dos indivíduos na sociedade de informação, para a protecção dos direitos e liberdades de expressão no ciberespaço pelos seus utilizadores e para a adequação dos direitos de propriedade intelectual aos novos contextos.
Em suma, as soluções não se constroem com medidas avulsas e de alcance limitado. O que o PCP defende é a definição de um serviço público de Internet, enquadrado na sua expansão enquanto rede global de comunicações, e no alargamento dos serviços que proporciona: no ensino e formação; na investigação; nas áreas sociais; na saúde; no comércio electrónico, salvaguardando estas acessibilidades às camadas sociais de baixos recursos e às pessoas com necessidades especiais.
Entretanto e neste sentido, Portugal tem de avançar definitivamente para o acesso generalizado e gratuito à Internet em todas as escolas, de todos os graus de ensino, sob pena de se aprofundar ainda mais o fosso da tão propalada "info-exclusão".
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!
O Orador: - É com certeza muito importante que o País venha a ter as suas "cidades digitais". Mas, se não tomarmos as medidas necessárias, Portugal será essas cidades e o resto é paisagem. Ainda por cima, uma paisagem analógica, lenta, em velocidade, limitada, em capacidade, e de baixo rendimento.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ramos Preto.
O Sr. Ramos Preto (PS): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei n.° 125/IX, que, hoje, apreciamos, permite à Assembleia da República um debate sobre o problema da massificação da banda larga em Portugal.
A primeira questão que se coloca é esta: que via devemos seguir?
O projecto de lei, aqui apresentado pelo BE, aventa um alargamento do conceito do serviço universal, partindo do consagrado no direito comunitário e na lei vigente, em Portugal.
No que respeita ao Governo, aguardamos a revelação da estratégia a que aludiu no XII Congresso das Comunicações, falando sobre esta matéria, ou seja, muito gostaríamos de saber qual seria o conteúdo e qual é também o "envelope" financeiro do plano d acção que, hoje, aqui, o Sr. Deputado Pedro Duarte nos referiu…
O Sr. José Magalhães (PS): - Mistério!
O Orador: - … e que passa pelo conceito de uma banda larga para todos, a preços acessíveis.
O Sr. José Magalhães (PS): - Mistério, mistério!…
O Orador: - Em geral, a ideia de serviço universal pretende essencialmente harmonizar a liberalização total das telecomunicações com a exigência de certos serviços prestados de forma acessível a todos os cidadãos. Aquela ideia está, assim, ao serviço de um princípio de liberalização regulada, que evite os efeitos eventualmente negativos do funcionamento livre das regras de mercado, impedindo designadamente uma "concorrência selvagem", prejudicial para os utilizadores e para a qualidade dos serviços.
Aliás, o próprio preâmbulo do Decreto-Lei n.° 458/99, de 5 de Novembro, que define o âmbito do serviço universal de telecomunicações e estabelece os regimes de fixação de preços e de financiamento, vem esclarecer de forma clara e inequívoca que "o serviço universal, regido pelos princípios da universalidade, igualdade, continuidade e acessibilidade de preços, constitui, num ambiente de plena concorrência e no contexto da sociedade de informação
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a garantia de que todos os cidadãos podem aceder a um nível básico de serviço de telecomunicações de interesse geral, melhorando também as condições técnicas para as zonas mais desfavorecidas".
E é por isso também que o serviço universal pode ser prestado por uma ou mais entidades, quer distinguindo as prestações que o integram, quer repartindo a sua prestação por zonas geográficas, tendo ficado inicialmente designada, como prestador do serviço universal de telecomunicações, a Portugal Telecom, S.A.
Ora, no que respeita ao âmbito do serviço universal, e não obstante o carácter evolutivo que caracteriza esse conceito, define a lei as prestações que o integram, a saber, ligação à rede telefónica fixa e acesso ao serviço fixo de telefone, oferta de postos públicos e disponibilização de listas telefónicas e de um serviço informativo, que incluam os números de assinantes do serviço fixo de telefone e do serviço telefónico móvel, sendo criado um fundo de compensação - foi o modelo por que optou em Potugal - do serviço universal de telecomunicações como mecanismo de repartição dos custos líquidos da prestação daquele serviço, quando existentes.
E mais se estabelece que os restantes serviços prestados pela concessionária (e não se pode ignorar que o regime deste diploma se encontra conjugado com o decorrente das bases da concessão do serviço público de telecomunicações) mantêm-se como prestações obrigatórias, não podendo, no entanto, ser financiadas nos termos previstos no Decreto-Lei n.° 458/99.
Acresce ainda que igual princípio se aplica, nos termos da actual lei, a outras prestações (como a que resulta do presente projecto de lei) que o Estado entenda deverem integrar o serviço universal de telecomunicações. Logo, caberá ao Orçamento do Estado suportar os custos líquidos da prestação deste novo serviço.
Atento tudo quanto se referiu, há que acompanhar iniciativas deste género - e com as quais concordamos! - com um coniunto de acções que permitam a sua implementação num ambiente de plena concorrência e de acessibilidade de preços, pelo que compete ao Estado, em primeira linha, assegurar uma concorrência eficaz na rede de telecomunicações, devendo essa própria concorrência ser o motor do investimento, suscitando a inovação e o acesso ao serviço a um preço baixo.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Como decorre das orientações das diversas instâncias da União Europeia, a acção pública dever-se-ia remeter aos domínios nos quais a concorrência não é efectiva e onde seja necessário assegurar a realização de objectivos políticos - por exemplo, a cobertura territorial para garantir a coesão.
Por outro lado, o novo quadro regulamentar, que se aplicará a todos os Estados-membros a partir de Julho de 2003, tem necessariamente de ter em consideração a natureza convergente da banda larga.
O Estado deverá encorajar os investimentos eficazes nas infra-estruturas, quer através de novos operadores, quer através dos operadores históricos, e promover também medidas pró-concorrência que incentivem a diversidade dos operadores, a qualidade do serviço a prestar, que apontem para a inovação constante e que, no fim, determinem ou acabem por provocar a descida do preço.
A razão de ser formal das medidas a implementar há-de ser a defesa dos direitos dos consumidores, o que impõe a defesa de uma sã concorrência, e o incentivo dos operadores, de modo a que se aposte numa verdadeira política anti-concentração.
Por último, como é referido no plano de acção apresentado no Conselho Europeu de Sevilha, de 21 e 22 de Junho de 2002, a concretização de uma estratégia a favor da banda larga é complexa, porque é tributária de numerosas políticas diferentes, como o urbanismo e o planeamento do território, políticas de investigação, fiscais e de regulação, além de que há que reflectir sobre os novos desafios da competitividade, rentabilizando o uso da banda larga, quer ao nível do e-Government, quer ao nível da e-Organização controlada, quer ao nível das opções e acções localizadas territorialmente.
Os tempos que se aproximam exigem uma reflexão sobre novas políticas em matéria de espectro radioeléctrico, em matéria de acesso da banda larga às regiões menos favorecidas, em matéria de eliminação de obstáculos à utilização da banda larga, facilitando o acesso aos direitos de passagem, em matéria de conteúdos sobre diferentes plataformas tecnológicas, em matéria de aceleração da transição para a televisão digital.
Portugal, apesar de tudo, embora isso não seja suficiente, encontra-se hoje entre os 20 países com maior taxa de penetração de banda larga - é o 15.º, segundo as estatísticas a que tive acesso -, sendo necessário continuar, todavia, a impulsionar o uso da banda larga, quer através de uma sã concorrência, quer através do Estado, de modo a que se melhore a produtividade, a competitividade e a qualidade de vida dos portugueses.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Parece evidente que o recurso à Internet não é hoje mais uma mera curiosidade, permitida apenas pelo acesso às novas tecnologias. Trata-se, evidentemente, de um instrumento de trabalho essencial, é fonte de informação, é fonte de comunicação e é, por isso, uma verdadeira prioridade a que também o Estado deve estar atento.
Assim, parece-nos ser obrigação do Estado garantir a implementação do acesso possível de todos - particulares, empresas, serviços públicos, escolas, universidades - às novas tecnologias da informação. E esse recurso - temo-lo também como certo - deverá ser tão amplo e tão barato quanto possível.
Portanto, consideramos boa e sensata a ideia subjacente ao projecto de lei apresentado pelo Bloco de Esquerda, mas o mesmo não é possível, no entanto, afirmar, por ora, no que toca à contabilização dos custos. É que se a ideia é boa, no plano das intenções, importa também saber quanto é que vai custar e, desde logo, quanto é que vai custar aos contribuintes.
Desconhecemos, por ora, por exemplo, muito embora admitamos que já exista, qualquer parecer da ANACOM (Autoridade Nacional de Comunicações), o que seria útil, mas sabemos que, nos termos da lei, o prestador de serviço
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universal deverá ser compensado pela margem negativa inerente à sua prestação, quando existente, devidamente aprovada pela dita ANACOM. Ou seja, por um lado, envolvem-se aqui questões de interesse público de acesso à Internet através de redes rápidas e de baixo custo para todos, mas, por outro lado, envolve-se também uma questão de financiamento, que não é de somenos.
Assim, importa que, sobre este projecto de lei do Bloco de Esquerda, salvo melhor opinião, incida ainda algum estudo, algum trabalho e se concretize muito daquilo que, por enquanto, ainda não se sabe e que o projecto em si mesmo também não permite esclarecer, o que só poderá ser feito desde que, na generalidade, o mesmo não seja inviabilizado.
Por isso, atento, por um lado, o interesse público subjacente à ideia do projecto, atenta, por outro lado, a salvaguarda do mesmo interesse público inerente a uma necessidade de financiamento que poderá incumbir ao Estado e que, por isso, também não é de somenos, não passará por nós a inviabilização do projecto de lei n.º 125/IX, muito embora estejamos, naturalmente, atentos para, numa fase posterior, em sede de especialidade, se discutir e precisar aquilo que o mesmo importa e só então, em conclusão, se ver de que forma ele poderá ser implementado.
Aplausos do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Registo os comentários, as críticas e as conclusões possíveis deste debate.
É óbvio que o projecto não tem uma contabilização dos custos e ela é importante. É certo também que a determinação desses custos pode e deve ser feita no acompanhamento, na preparação, em sede de especialidade, e na escolha de opções definitivas para a forma final do projecto de lei, tendo em conta a relação que isso terá com a própria negociação com a concessionária ou com outras formas que venham a ser adoptadas. É certo que será assim.
Quero, no entanto, fazer alguns comentários sobre o aspecto da concorrência e das dificuldades que existem hoje no panorama legal que temos.
O Sr. Deputado Pedro Duarte falou das dificuldades da concorrência nesta matéria e comparou, aliás, esta situação com a dos telemóveis. E tem razão! O problema é que, neste caso, temos um concessionário único que gere duas redes paralelas, como se fossem concorrentes entre si, ou seja, a rede cabo e a rede fixa de telecomunicações, da qual, aliás, já passou a ser proprietário. Ora, esta situação anormal pode ter influenciado um atraso, por exemplo, na generalização do cabo em Portugal, porque, naturalmente, quem tem a rede fixa não tem a mesma apetência ou o mesmo incentivo para promover a generalização da rede cabo como alternativa para o próprio telefone, para o acesso à banda larga, para o acesso à televisão por cabo e outras formas. Portanto, em Portugal, temos uma distorção, pelo facto de o concessionário ser único. E isto, aliás, mereceu que, noutro projecto de lei, sobre concentração em relação à comunicação social, o Bloco de Esquerda já tivesse sugerido que não pudesse sobrepor-se o concessionário da rede fixa e o concessionário do cabo.
Qualquer que seja a solução que, no entanto, venha a ser admitida, no futuro, a este respeito, existe uma margem de adequação que não é totalmente resolvida pela concorrência empresarial, no aspecto do fornecimento dos meios. Isto por uma razão simples: é que o custo da infra-estruturação no acesso à banda larga da Internet para Chaves é muito maior do que o custo da infra-estruturação na Damaia, e há muito mais clientes potenciais na Damaia do que em Chaves. O custo da utilização do serviço, depois, em si, será exactamente o mesmo, não haverá nenhuma diferença, mas a criação das infra-estruturas pode atrasar-se em função da desigualdade no País. E é aí que entra a negociação e a intervenção do Estado como regulador do serviço público e como parceiro no debate e na determinação do comportamento do concessionário.
Uma vez criada esta infra-estrutura universal e havendo regras claras sobre como é que a concessão se comporta e como é que fornece serviços a quem, depois, os oferece aos portugueses em geral, o problema fica essencialmente resolvido. Que seja necessário fazer esta contabilização, que seja necessário dotarmo-nos do tempo útil para tomar as decisões, sabendo que esse tempo deve ser curto, porque estamos a combater o atraso e a recuperar terreno perdido, é óbvio, mas, uma vez que nos últimos anos há um progresso importante e assinalável, é também óbvio que Portugal estará tanto melhor qualificado na investigação, na comunicação científica, na comunicação académica, na comunicação cidadã, nos serviços públicos, na disponibilização e informação do bem público em geral e na capacidade de utilização privada, de cada pessoa, de todos estes recursos, quanto mais depressa o possa fazer. Tanto mais depressa o pudermos fazer, mais preparados estamos para combater o atraso de que ainda somos vítimas.
Vozes do BE: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, terminámos a apreciação do projecto de lei n.º 125/IX, pelo que chegámos ao fim da nossa ordem de trabalhos de hoje.
Quero informar que, em relação à ordem do dia da sessão de amanhã, com o acordo de todas as bancadas, há uma alteração a registar: a apreciação parlamentar n.º 7/IX, apresentada pelo PCP e por Os Verdes, relativa ao Decreto-Lei n.º 221/2002, sobre áreas protegidas, sai dessa ordem de trabalhos e é incluída na ordem de trabalhos do dia 11 do corrente, quarta-feira, antes das apreciações parlamentares, aliás, ambas sobre o mesmo diploma, que nela figuram.
A próxima reunião plenária realiza-se amanhã, às 15 horas, havendo lugar a período de antes da ordem do dia e, no período da ordem do dia, procederemos à discussão conjunta dos projectos de resolução n.os 8/IX, 10/IX, 11/IX, 14/IX e 17/IX, todos sobre acordos internacionais, e à apreciação parlamentar n.º 6/IX, apresentada pelo PCP, sobre o Decreto-Lei n.º 228/2002, que revê o regime de tributação das mais-valias estabelecido no Código do IRS e o regime aplicável aos rendimentos dos fundos de investimento estabelecido no Estatuto dos Benefícios Fiscais. À hora regimental, haverá lugar a votações.
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Está encerrada a sessão, Srs. Deputados.
Eram 19 horas e 20 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Partido Social Democrata (PSD):
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Henrique José Monteiro Chaves
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
Manuel Joaquim Dias Loureiro
Pedro do Ó Barradas de Oliveira Ramos
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Partido Socialista (PS):
Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Ribeiro Moniz
Jaime José Matos da Gama
José Alberto Sequeiros de Castro Pontes
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:
Partido Social Democrata (PSD):
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Elisa Rogado Contente Domingues
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Partido Socialista (PS):
Alberto Bernardes Costa
Alberto de Sousa Martins
António Fernandes da Silva Braga
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins
José Manuel de Medeiros Ferreira
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Partido Popular (CDS-PP):
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Partido Comunista Português (PCP):
Lino António Marques de Carvalho
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Partido Social Democrata (PSD):
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Carlos Jorge Martins Pereira
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
João Bosco Soares Mota Amaral
José Manuel Pereira da Costa
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Partido Socialista (PS):
João Barroso Soares
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Partido Popular (CDS-PP):
Henrique Jorge Campos Cunha
Partido Comunista Português (PCP):
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL
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